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O SILO DAS AFLIÇÕES

Mauro Gonçalves Rueda

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O Silo das Aflições
Mauro Gonçalves Rueda

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Mujer ante el clavicordio
Gerard Dou (1613-1675)
Londres, The Trustees of Dulwich Picture Gallery
Fonte Digital:
Museo Nacional del Prado
museoprado.mcu.es

Fonte Digital
Documento do Autor
maurorueda5@hotmail.com
maurorueda@uchoanet.com.br.

©2003 — Mauro Gonçalves Rueda


Índice

PREFÁCIO
AS AFLIÇÕES
DA IRONIA AO ENGAJAMENTO
POESIA IN-COMUM


O SILO DAS AFLIÇÕES

(Poesia e Estirões Mentais)

 

Mauro Gonçalves Rueda
São José do Rio Preto.
Março de 1.990.


 

 

Para Maricy, Joyce e Elen Donda

 

 


 

PREFÁCIO

 

Este livro, seguramente não necessita de prefácio. Trata-se de um trabalho atípico, fragmentado e sem uma linha definitiva. Acredito que o próprio título retrate o que afirmo.

Não sei ao certo, mas acho que nem todos conseguem “se ajustar” ao seu próprio Universo. Por isso, o que dizer quanto ao universo exterior, à nossa volta? Somos (talvez não seja sensato generalizar), propensos a alterações concernentes ao estado de espírito. Ou sou?. Na realidade, pouca importância há em tal fato se, procuramos não estender nossos pequenos aborrecimentos às pessoas que nos cercam. No mais, fases e ciclos são quais a própria existência ou os prazeres — passageiros.

O amadurecimento — ainda que lento, tardio —, nos prova a fragilidade com que “julgamos” a própria vida. E por isso, feliz daquele que, humilde, sopesa seus conceitos e reconhece erros e acertos e tem a ousadia (ou obrigação?) da renovação.

Sinto, penso e escrevo. Por isso, incorro em erros. No mais, acredito que somos ou, nos sentimos um pouco mais humanizados quando, ao menos tentamos. Ainda que para tanto, errar e tornar para corrigir, seja uma forma de praticar a paciência, a humildade e, inegavelmente, crescer. À todo momento. E à isto nos incita e convida a vida com seus pequenos percalços.

 


 

AS AFLIÇÕES

 


 

Igreja, cidade velha.
O mundo acabou?
Sonhos? nada!
O que restaria, afinal?
E porquê restaria?
Tez fria, sala vazia,
em que nada havia —,
tudo se perdeu.

Não, o sonho não foi meu!
E nada disso aconteceu.
Quem viver, verá,
o que sequer existiu
(e esta sombra, afinal?),
morreu.


 

Abre um sorriso,
encanta aos párias.
É necessário o sonho,
mesmo que não haja.
Ainda que o coração partido,
continue sangrando..
abre um só riso.


 

Como o tempo passa!
No relógio inútil,
nas paredes do meu ócio,
no avesso do destino,
passa!

Eu peregrino, na solidão,
abro as portas, o coração.
A tarde reclina-se e cai
Feito um astro vagabundo.
Mas tudo é inútil.
Mas tudo é em vão.


 

Se os anos são longos
feito o dia da nossa desesperança,
longas — muito mais —,
são as noites e as horas
de nossa solidão.
Porque o homem
é o seu próprio caminho.
Encontra-se contido em si
e para si.

Como tal, tropeça
em seu próprio ser.
E nunca supera
aquilo que tem sido.
O homem ainda não conseguiu
libertar-se do que não é.


 

Afinal, como a certeza
reside na incerteza
do que somos
ou, simplesmente
poderíamos ter sido?
Delineio esboços
enfarado da alma.
Ao infinito,
— grito —,
com a corda
no pescoço!


 

Todo homem busca
o que não consegue encontrar
em seu próprio ser e estar,
aquilo que a vida lá fora
parece ofertar.
Como se o lá fora
existisse, realmente,
fora do homem!..


 

Não, não podemos continuar
sendo o que não somos
por muito tempo.
Por isso, a desmitificação
é inevitável.
Mais forte que as ilusões
e o que sonham as pessoas.


 

Lutaremos sempre
por aquilo que acreditamos
ser a verdade.
Contudo,
o que é a verdade,
afinal?


 

O que são palavras
ou gestos e pessoas
que nunca são o que são?..
E o que é que nunca
é o que seja e seja o que for,
não me parece?..
Contudo, neste ser o que
se deve,
nada mais me parece
que mero conceito
do que poderia...


 

Um homem não pode discorrer
àqueles que não são capazes
de ouvi-lo, sobre coisas que não
encontram-se aptos a compreender.


 

Convêm ao homem, não exceder-se
em conhecimentos e sabedoria.
Afinal, não é de bom senso,
transformar-se nalguma ilha deserta
e inútil.


 

O que importa toda a busca em que me empenhei? Na realidade, chegarei ao final desta existência, sem ter certeza de nada. E isto, significa ter passado todo esse tempo, às voltas com o que não é, jamais foi ou será. Talvez eu pudesse afirmar de forma convicta que, estive aqui. Ainda que tudo me parecesse um mistério, uma incógnita. Mesmo a minha própria existência inexistente.


 

Nunca fui um sábio.
Apenas um garimpeiro descontente.
Ainda que trouxesse um alforje abarrotado...


 

Um dia, um velho maluco,
emprestou-me todas as chaves
de sua sabedoria guardada.
Descobri que havia
incontáveis caminhos.
E, embora fossem várias as direções,
todos os caminhos,
levavam à uma única porta.
Era muito fácil.
Atirei todas as chaves fora
e retornei mil vezes
ao ponto de partida.
Percorri todas as direções
duas mil vezes cada uma delas.
E em cada uma destas vezes,
aprendi tudo novamente.
Como se fosse a vez primeira.
Porquê eu quereria abrir a porta
no fim do caminho
e transpô-la?
O que há atrás da porta
é o que há do outro lado.
E como tudo tem o seu exato momento
de ser,
um dia, transporei a porta
e, finalmente,
conhecerei cada segredo
guardado em meu próprio ser.


 

Não somos exatamente iguais. Somos únicos. Cada qual um universo particular e indivisível. E à medida em que vivemos e criamos para conhecer e conhecemos — quem sabe para criarmos? Mais e mais nos tornamos exclusivos em nós mesmos como identidade única e indivisível.


 

Por mais que eu tente o novo — creio não exista —, nada consigo. Tudo o que se faz me parece ter sido feito antes. E ainda que se faça algo que nos pareça novo, deixa de sê-lo à medida em que é concebido.


 

O homem faz (modela) o homem e basta.


 

Vivo em meio a crises. Jamais desvencilhei-me delas. À cada momento, mudo minhas opiniões e me transformo naquele em que necessito transformar-me. Se eu houvesse sido, todo o tempo, a mesma e inflexível pessoa, certamente eu já teria sucumbido. Às vezes, mister deixar-nos vergar o vento que nos assola e fustiga, de forma humilde. Contudo, triunfante ao final de tal empreitada. Fênix renascida.


 

Contudo, eu sempre fui um radical e inflexível espírito em combate com os mistérios que nos habitam os recônditos e vezos da mente.


 

Certamente não são os segredos dos homens o que me torna um insaciável caçador de respostas para tudo o que se me retrata inexplicável.


 

Necessito do conhecimento, da mesma forma que necessito do ar para continuar vivendo.


 

Nada do que me explicam é capaz de aquietar-me por mais que alguns segundos necessários para a formulação da primeira pergunta.


 

Deve, necessariamente, o intransponível ser indevassável?.


 

O segredo da vida está contido na morte. assim como os segredos das trevas são desfeitos à luz da sabedoria, do conhecimento.


 

Não há homem sobre o planeta que não traga em essência, quantidades mais ou menos latentes do bem e do mal.


 

Enganamo-nos ao afirmar que nos conhecemos. mesmo as estruturas consideradas inabaláveis, à qualquer momento, podem ruir.


 

Ao “Mestre” Teotonio Simões, que ensinou-me os primeiro passos no “Universo” dos ebooks, com paciência, generosidade e sabedoria.

 

Sempre fui um lobo às voltas com minhas neuroses. E a solidão foi a minha mais fiel companheira. Passei a existência de braços dados com as madrugadas. Falei às estrelas e ao vento. Às paredes e às sombras, falei. Todos os momentos vividos foram uma eterna busca. Contudo, nada que apascentasse o fogo de minha alma. Nunca fui louco. Nem tolo o bastante para deixar-me seduzir pela vida. Todas as ilusões foram-me inquiridas. Amei-as e burlei-as. Joguei todos os jogos. Perdi a maioria deles e jamais concluí uma vitória. Sempre será necessário vencer a mim mesmo, para vencer o resto do mundo. Às vezes, tudo parece-me um absurdo inconsistente. A fé, o medo, a dor. O bem e o mal; a luz e as trevas. Ilusões. Ilusões de todos os sentidos. Não há sentido o querer dar sentido às coisas todas. Tudo passa e transforma-se: eu, você, o planeta. O imensurável. O que deixamos, também é transformado. Passei todo o tempo perdido nos labirintos que criei, para poder encontrar-me um dia. Perdi a noção do cotidiano, do ser humano e, no entanto, roubei da consciência coletiva para descobrir caminhos. Mesmo os astros em seus constantes movimentos, não puderam dar-me a direção e o sentido exatos. E a morte falou-me incontáveis vezes ao coração. No escuro e no silêncio, inventei universos para recriar o próprio universo. Estive em cada horizonte à procura de horizontes. O ontem eu já conhecia, como o futuro que inexiste porque é uma projeção metafísica do agora. Provei todas as idades. Mas a sabedoria dos homens nada concluía. Nada conclui de forma definitiva. Doenças tornaram-me ainda mais sombrio. Apreensivo, das doenças também fui amante. Sei a lua, como a criança que indaga os primeiros sons, as primeiras luzes. Por isso também, vasculhei livros e escrituras e cresci em ignorância e inquietude. Por isso, me desesperei invocando os que partiram e os que viriam. E tudo foi um jogo, cujo final, jamais me foi revelado. Nunca cri cegamente nas palavras e no testemunho dos homens. Somente o que se entende, o que é compreensível, não há necessidade de garimpo. A vida é uma vinha e tudo o que nos tornamos reflete na colheita. O que criamos é parte do que foi criado antes. Resultado do que aprendemos e codificamos. Um homem que não pode olhar para cima e bem alto, por temor, nunca descobrirá a importância de sua existência. Por isso, pedi explicações. Como um herege que, profana com blasfêmias, a inviolabilidade da Natureza. E cego, não consegui conformar-me com a aparente indiferença. Com o silêncio intocável do imensurável, do incognoscível. Outras vozes disseram-me coisas. Mostraram-me com o terror e a loucura, a minha pequenez, a minha fragilidade e incapacidade para desvendar o que não é para ser desvendado. A tristeza e a angústia foram-me o ópio e o tempo. Deixei-me valsar por eras, num sono profundo de inconformismo. A vida é um caos. Sobretudo para quem não a descobre sob seu negro manto — de forma inteiriça e convincente. Minha alma ainda cobiça o que desconhece. E quando atêm o que lhe é dado desvendar, abandona enfastiada. Somente o que não sei, é capaz de seduzir-me. Somente o que nunca provei, ainda me convida para o salto e a pirueta entre a vida e a morte. É no abismo que quedam escondidos, todos os segredos. É das pedras que emanam os hálitos quentes deste fogo. Em cada lago, o reflexo do mais absurdo universo. O que resta em minhas mãos, deito por terra. O que me importa é o impossível. Remover montanhas é jogar búzios com as crianças. Colocar cercas nos quintais ou, adivinhar o futuro é o mesmo que abrir tumbas herméticas. Se eu souber o que vai ser do amanhã, deixo-o para deitar-me no ontem ou no depois de amanhã. O agora já não pode ater minhas idéias. A sensação é um raio anunciando o troar. Passei noites observando plantas rasteiras no fundo do quintal. E , às vezes, pensei em que não havia nada mais profundo do que a tristeza e a melancolia do meu cão ou, de um boi solitário pelas pradarias. Trabalhei às ocultas, quando todos dormiam. E todos pensavam que eu despertaria como eles faziam todo o tempo. Mas eu nunca pude despertar uma única vez. As noites são longas. As sombras derramam-se e vagam pela terra. Toda a ciência não atesta a superioridade. E o mais sábio dos sábios, é um pássaro sem asas. Preso e ferido, a fitar nuvens e estrelas pelo céu. Nenhum homem é bom e seguro demais para que jamais, em sua missão, tenha fraquejado e, por um momento, duvidado de sua fé e negado o criador. Nem o mais justo deles, jamais repousou sem que, ao menos uma vez, as sombras de seus erros, o fossem fustigar. O um sempre foi o todo. Conquanto, o todo implica no um. E nem mesmo um sopro, entre fogo e água, deu-me a paz. E nunca pude saber de paz se viver, para mim, foram infinitas e incontáveis batalhas. É nas pedras que encontro resquícios de uma poeira ancestral. Das pedras, vi brotarem ervas e musgos que se enfronham nas rachaduras das paredes. Toda alma é um segredo intransponível aos olhos do acaso. A manhã que virá, jamais existiu. E todas as noites eu acariciei esta manhã. Eu caminho a soprar como os ventos e, na calada da noite, ouço os passos dos seres, farfalhando nas relvas e folhas ressequidas. Meu quarto dá para o nunca, pela janela que se abre. Meu olhar vai até onde alcança e somente minha alma conhece certas estradas e distâncias. A poeira dos séculos todos revelados, jaz na palma de minha mão direita. Com a esquerda, atiro a ampulheta pela janela. A minha existência é o que não deixo e nunca fiz. O que me mostro, nunca será o que na realidade sou. Não há nada que eu não diga, sem que antes, houvesse cavalgado por montes e vales. Em muitas crateras, crostas e fendas resta o que sou. Porque tenho sido o que não é. O que não se revela, o que não se desvenda, o que não está, o que são fragmentos do que não quer ser. Em cada esquina, encontrei-me a buscar. E vim me perder em cada esquina sem saber. Os meus irmãos zombam da minha insistência absurda. Para os lá de fora, não há nexo em continuar dentro. Mas quantos conhecem as paredes do lado de dentro? Quantos podem tocar a incerteza e desafiar a si próprios? Quantos podem fechar os olhos e confiar em suas cegueiras? Quantos serão capazes de mergulhar no fosso escuro de seus pesadelos? Quantos ainda percebem a diferença entre um dia e outro? Ou não há diferença entre a noite e o dia? E tudo não passa de mera projeção.. Há mais surdos que são capazes de ouvir, do que supomos. E mudos que têm sempre o que dizer. Cegos que vêem e superam e devastam fronteiras. Eu busco a liberdade e a verdade. E caminho só. Embora tantos seres me resvalem, estou só. O caminho é mais longo para os solitários. Por isso, às vezes, pego-me a palrar com os cegos e mudos. E o peso parece-me demasiado para meus frágeis ombros. Sei não haver limitações para tempo e espaço. Não tenho paradeiro. Sigo o canto da natureza e me deixo guiar pela carícia do vento. Todo o meu destino é saber que não há destino algum. À cada estrela que se apaga, novas estrelas são descobertas a luzir. À cada porta transposta, novas portas são cerradas. Mas minha fome não tem saciedade. Meus pés desconhecem distâncias. Minhas mãos se recusam a quedarem fatigadas e vazias pelas eternidades. Meu olhar avista todos os pélagos. Descortina todos os sarçais. Somente meus lábios são inúteis. Porque nunca tenho o que dizer, senão o extremamente necessário. Porque tudo o que disserem meus lábios, não será digno de crédito. Porque antes dos meus lábios, meus pensamentos atingiram as reentrâncias do abissal. Minha alma divaga por todas as células e entranhas: ancestrais teorias, velhos moinhos, paisagens desertas e, a tudo retenho. Em tudo me atenho para perscrutar-me em quem serei. Em tudo deito desta melancolia e deste espirito viajor. Rapto dos porões e calabouços, todas as correntes e grilhões. E ninguém sabe onde estive todo esse tempo. Não sabem porque estou sempre ausente. E nem quando me aproximo, estou próximo o bastante. Longo é o dia e todas as noites ainda mais. Da existência em cacos partida. Longa é a noite de cada fragmento desta vida. E esta vida é somente uma partícula do infinito. Mas ainda mais longos, são meus braços que se estendem. Largos são meus passos, apesar da fadiga e da distância. As flores brotam, murcham e morrem. Contudo, deitam-se e cavam o solo e outras virão após elas. E outros pássaros, em outros tempos, virão. As nuvens sucedem-se deslizando no alto. A montanha de deixa esculpir pelos ventos e as águas da intempérie. Todo o planeta rola morosamente e possui o seu centro. Desço ao fundo, conheço meus passos. Sei a dor de cor e o universo das ilusões. A lama queda-se junto ao caminho. São os mesmos pés, os que pisaram a relva. E eles querem a lama. Qual a alma que deseja o fel, para lembrar-se do mel. Querem o horror das horas para gozar o êxtase dos segundos. Ousam descer mais fundo ainda, para chegarem à tona. Abraçar esta dor e apertá-la em desvario para o efêmero momento de sossego. Lamber as feridas no entreato. Sugar do deserto, todas as miragens de oásis inexistentes. A alma anseia envenenar-se da loucura toda para que a lucidez adquira forma e consistência. Ter que, definitivamente, conhecer todas as possibilidades. Abraçar toda a obscuridade do homem, para perceber sua luz. Amar para ter a coragem do ódio. Matar a si próprio, para sobreviver e renascer e tornar a morrer o eterno. Eis as palavras e os gestos todos. Estamos diante da vida e ela, simplesmente, não pode nos bastar. Pobre daquele que se contenta consigo e com a vida! Pobres daqueles que se dizem satisfeitos com o que lhes foi explicado, não vivido. Pobre do que já se considera senhor de si. Pobre daquele que não aprendeu a duvidar de si próprio. Daquele que nunca cai; nunca chora e nunca sofre. Pobres dos que caminham sempre em linha reta. Dos que jamais ousaram indagar-se. Pobre daquele que se diz pronto. E do que se diz justo e sábio. Pobre daquele que julga atingida a perfeição. Pobre do que não quer beber desta fonte para não ter que se arrastar. E não ter que ser humilhado e renegado. Pobre do que se conduz de forma tão exemplar que, jamais será admoestado. Não viemos para gozar e sorrir. Eu conheço a noite porque ela me adotou. Deu-me cada vírgula necessária, para a morte de cada dia. Abriu as crateras do meu desespero. Mostrou-me a angústia guardada em suas entranhas. Eu sou um que não se decide. Não consegue decifrar à si próprio. E carrega mais dúvidas do que é capaz. E por isso, alimenta a ânsia de nunca parar. Um que não tem fim, porque não tem para onde ir e, já não pode fugir de si mesmo. Um que, de tantos ser, confunde-se e a tudo quer e para todos é, de forma a nada mais poder explicar-se. É esta a minha infâmia e heresia. É esta a minha loucura. Não há paradeiro, não há por onde sair. Não há como desvencilhar-me de mim mesmo. Nem porque. Isto é o que me faz ser. E tudo o que há entre a noite e o dia, já não me basta. E todos os segredos contidos entre a vida e a morte não podem conter meu ímpeto. Esta é minha insanidade. A loucura a qual trago atada a alma. A loucura que sou e é minha alma. Eis meu quinhão sob o sol e todos os astros. Nada pode explicar-me ou conter-me sem que explique e contenha antes, todos os fantasmas e sombras do que sou. Nada sou a luz que não, na mesma medida e proporção, as trevas do que sou. Esta fúria que busca e rasga os véus do saber e do sentir. Eu estou em meu ser e naquilo que dele emana. Eu sou cada passo que dou. Cada pensamento que emano. Como todas as energias que criam ou matam. Eu sou a obra que obro criar. Eu conduzo cada partícula ainda indomável de minha loucura. Faço e refaço as margens de meus sentimentos todos. E não desejo nada. Anseio de à tudo chegar e desejar. De forma a transbordar e escorrer pelas bordas e deixar. Qual um vaso partido em cacos. Estilhaços de todas as células no Universo, existentes. Partículas do próprio universo em células reconstituídas para saciar-me e saber-me insaciável. A alma perscruta o que se lhe parece infindo. E quer ser o que perscruta. Somos o que fazemos de nós. E o Universo, é resultado do que projetamos. Cada “coisa” à nossa volta, é aquilo que criamos. E cada um possui coisas e as vê e as sente. Exclusivamente, de forma particular. O que deseja, projeta o resultado de seu desejo. E cria, e oferta à luz, sua obra. E cada um é capaz de recriar o universo conforme sua condição. Somos a força que emana de nós mesmos. Somos tudo e nada à um só tempo. Observei por tempo demasiado longo, os homens. As canções brincam no espaço. Tateamos no escuro, em busca de um interruptor, que insistimos afirmar inexistente. As pedras movem-se. O vento vai. Enfarado, observo-me. Se fosse um sonho o que sou, poderia deixar-me a um canto quieto e continuar meu caminho. Mas longa é a noite da existência humana. E eu não posso sequer, estar livre de meu próprio eu. Nem o mais sábio dos homens pode livrar-se destas noites. E as noites serão eternas enquanto se lhes rendermos nossas sedes. Enquanto não saciarmos nossa sede em sua fonte, a noite permanecerá eterna em nós. E nós seremos a eterna noite da existência. É necessário um passo após outro. E um tempo há, para cada passo. E um tempo e um momento exato há, para que nos deixemos mergulhar em nós mesmos. Para estarmos mais próximos da noite e do dia. Da vida e da morte. Dos caminhos que nos levam para o fundo de nós mesmos. Frente à porta e além da porta. Juntos aos segredos e parte deles. Como o tudo e o nada que se entrelaçam e... complementam.....


 

Amanheceu.
Tal qual, todas as manhãs
das quais me recordo
e que não pude reter.
A nada tenho retido
e, a minha vida toda,
fez-se um passar:
sem tréguas, sem volta.
Contudo, tenho tido
o privilégio de olhar
para tudo
e observar as nuvens
que deslizam pelo céu.
A manhã nada trouxe-me
de novo.
A não ser esse vento
frio e cortante que se renova
e nunca é o mesmo
de agora há pouco.
Mas isso já é alguma coisa.
Ao lado, pela janela,
observo o muro que me guarda..
As nuvens não são negras
mas carregadas.
E o dia sombrio.
Certamente choverá.


 

Nem um único homem, é demasiado pobre, para não possuir, sequer uma história para legar aos seus.


 

Houvesse eu, vencido meu próprio ser, certamente teria conquistado o mundo.


 

Todas as criaturas viventes encantaram-me a existência. Principalmente as que foram saciar “a fome” na “Árvore da Ciência do Bem e do Mal”.


 

Construir o próprio universo e torná-lo independente, não é o mesmo que defendê-lo da ignorância e imbecilidade dos homens e seus costumes.


 

O que desejam de mim
aqueles que me assediam?
O patrão que me policia,
Os amigos que me exploram,
As sombras que me seduzem,
O que desejarão todos?

O Estado que me suga,
A máquina que me revolta,
Os anjos que me protegem,
Os que à mim vêm pregar,
Os que me chamam no escuro
Os que dizem me amar?

Até quando poderei viver
Com a sociedade que me observa,
O comércio que me rouba,
A medicina que me esfola,
Os fantasmas que me fustigam,
O processo absurdo que me devora?

Até quando viverei, afinal,
Sem a paz que me abandona,
E a memória que já falha,
O deus que ainda não veio,
À sombra de torto receio,
À margem de tudo o que vejo?

Até quando viverei, afinal,
As ilusões que já não fomento,
Essa alma em puro tormento,
Esses seres em debalde chinfrim,
Todos os sonhos que vou enterrando,
Para que não me pesem aos ombros, ao fim?


 

Não adianta tentarem prender-me às responsabilidades desta vida, deste mundo. Eu mesmo tentei desesperadamente apegar-me à vida. Tudo o que me fascina é o amor, a música, a literatura e as madrugadas. Não posso reter meus pensamentos “ao chão”. Simplesmente não consigo.


 

Enquanto vocês discutem
o futebol e a política...
Enquanto cultuam deuses
e promessas..
Enquanto fartam-se
em banquetes e jogos..
Enquanto cultivam
costumes e retidão..
E caminham sempre
com o mesmo passo;
sem tropeços.
E amam como se o amor
fosse uma fórmula.
E guerreiam pelo poder
e pela glória..
Enquanto vocês correm
e nunca param de correr..
Enquanto vocês somam
e calculam friamente..
Enquanto vocês atam nós
e criam cadeias;
e acorrentados, mais e mais
acorrentam-se à vida
e seus mundos..
Eu,
eu nunca poderei
voltar a ser parte de tudo isso
a que vocês estão agrilhoados...


 

Hoje tenho a certeza que
o conflito que tenho sido todo o tempo,
desde a infância,
não será resolvido.
Não nesta vida.
Ainda não.


 

Jamais eu trocaria
minha existência
de buscas e angustias,
pela vida repleta
de quietude e certezas
dos que se comprazem
com o que os outros
lhes incutiram..


 

Eu sou somente um homem.
Que tem um pé em cada caminho;
o corpo na terra
e a alma nas nuvens.
O olhar na distância
e o pensamento
fragmentado e espalhado
pelo universo.


 

Por todos os caminhos
pelos quais passei.
E todas as madrugadas
nas quais chorei..
Em cada momento de solidão;
e cada grito que calei..
Nas fugas, no medo,
no desespero e no ócio.
Em todas as horas
nas quais vivi e morri
tantas vezes necessárias,
recolhi meus fragmentos:
como se fosse a hora da partida..
E por tanto partir,
nunca pude, realmente,
estar.


 

Há anos não ouço rádio,
há anos não leio jornais.
E o sol continua se pondo,
a terra continua girando,
o vento ainda sopra,
as estrelas brilham,
as nuvens passeiam;
os homens inventam coisas,
e nascem e morrem.
As palavras são ditas,
ou escritas elas são.
Tudo continua o mesmo
e debaixo do sol
nada há — realmente —, de novo.
Eu continuo escrevendo jornais
— que sei —
jamais terei a paciência suficiente,
para os ler,
após impressos...


 

Não se iludam com a vida.
Não, não se deixem iludir.
Todos vocês que puderem
ler-me um dia, lembrem-se:
não se iludam com esta vida.
É isso e isso, é tudo.


 

Há algo bem mais importante!
Há algo que nos foi destinado
e que esta vida não pode
descortinar, encerrar.
Portanto,
é somente uma ilusão.


 

Os livros em minha vida,
foram-me destinados
para a loucura do conhecer.
A música, para dosar
loucura e consciência
e, ainda, restituir-me a razão.
E a vida que “perco”
nas buscas infindas.


 

Então, prosperarei
e realizarei todas
as obras possíveis.
E os que de meu ser brotarem,
terão sua vez.
E procriarão e prosperarão
sobre minhas obras
e meus exemplos.
Contudo afirmo,
nada disso tornar-me-á
tranqüilo e em paz.
Nada disso,
embora seja a base desta existência,
poderá me fazer feliz
e em paz comigo mesmo.


 

Pior do que possuir algo
é jamais ter com quem dividir..


 

Se eu pudesse — hoje —,
trocaria minha profissão — jornalista,
para ser guarda noturno.
Talvez eu pudesse
estar em paz comigo mesmo.


 

A consciência da vida
e do mundo
é um jogo.
Sem volta.


 

Quando cheguei em uchoa,
ainda acreditava no jornalismo.
Seis anos depois,
se eu não me sentisse
um estúpido sem perspectivas,
atiraria tudo para o alto e
recomeçaria do nada.


 

O ponto de partida,
é o ponto de chegada.


 

Ridículo!
Amanheci rindo
da minha própria dor.
Feito o moribundo que
agoniza e perde o tino.
Tenho sido
estúpido o bastante,
para muitas voltas.
Incontáveis voltas
em torno de mim mesmo.
Em volta do nada.
Eu sou um grande
e confuso palhaço
que vai ao chão
à cada pirueta..
Contudo, torna a tentar...


 

Vivo para nada.
Não sou nada.
Nada tenho.
Nada desejo.
Tomo todas
e refaço o mundo.
Quando amanhece
e desperto,
trago nas mãos,
as cinzas de todos
os sonhos perdidos..


 

Eu necessito discorrer sobre tudo.
Sobre todas as coisas.
Principalmente para aqueles
que não são capazes de ouvir.


 

O que importa se não tenho
ritmo e minha voz entortou?
Importa que, apesar da falta de privilégios,
continuo criando e,
em nível até que razoável.
E, sobretudo, num excelente ritmo.


 

Terei sido realmente o
que tenho pensado todo o tempo?
Ou jamais consegui ultrapassar
o ridículo em todos nós?


 

        Cheguei à conclusão definitiva que, todas as estruturas enfastiam-me. Somente criando e, sobretudo, somente podendo viver o que sou e da minha maneira, é que posso estar em paz. Portanto, é necessário que eu ignore ou desafie todas as estruturas, que aí se encontram de lado, e crie tudo outra vez. Sob um novo ângulo, uma nova visão..
        Mas outros — antes de mim —, tentaram e sucumbiram. O ego que nos faz buscar aquilo que nos dá prazer, é o caminho para a estruturação. Contudo, essa idéia implica em novas gêneses. A loucura de sair do caminho reto; e do comportamento padrão, para buscar o anticomportamento, o anticostume...
        A loucura de viver por minha própria cabeça. Como quem pensa e sente de forma independente, e contrária aos costumes e às regras impostas.. Essa é a loucura: contracenando com o bom comportamento de um mundo caduco. Que enfastia e cria neuroses; e seres dependentes de rédeas e cabrestos.
        Essa é a loucura de quem, por si mesmo, descobre o seu próprio universo e pensa: Eu sou o meu próprio caminho. Eu sou a minha própria lei e todas as estruturas. Eu sou o maluco que gira em torno de seu próprio ser. E, independo das leis que regem os outros universos à minha volta. Essa é a loucura de um ser que pensa...


 

O jovem, geralmente, entrega-se às drogas em busca de algo que a mediocridade social, (com toda a sua mesquinhez e a imbecilidade dos costumes; da família, e dos próprios pais), não consegue lhe proporcionar..


 

Somente encontraremos o nosso caminho, quando pudermos encontrar o caminho do nosso próprio coração.
É através dele, coração, que aprendemos a amar aquilo que somamos através de nossas experiências e conhecimentos.
É através dele que aprendemos a amar a importância da vida e tudo o que nela há.
É através dele (coração), que estendemos nosso amor ao infinito numa manifestação natural: que nos faz antever o fim dessa jornada.


 

Qual a semente
que rompe a terra:
em busca
das alturas,
da liberdade,
do vento,
do sol
e da luz..
que eu renasça
todos os dias:
em busca
do significado
e o sentido mais puro
da existência humana.
Que ao renascer,
eu me torne forte
o bastante, para
a luta e a jornada.
E o bom combate,
traga-me o conhecimento
da verdade;
despertando o amor
Universal,
adormecido em
meu coração.
Que eu seja digno
— sobretudo —,
deste amor que
queima e consome.
E, ainda que a solidão
dos eternos desertos
me convide,
que eu me derrame,
sobre a vida e,
os que por ela laboram,
dessa luz que
nos cega e guia.
E que é capaz
de nos tornar vencedores.
E como energia cósmica,
lega e desperta a consciência
da maior e mais bela
— a perfeita —, criação
daquele que rege
todo o universo.


 

Você deve tentar
porque é capaz.
Seja sincero quando
empenhar-se em qualquer jornada.

O desejo profundo
já é por si uma vitória.
Deixe que seus sonhos
sejam multiplicados.
Porque eles são caminhos.
E são eles quem o conduz.

Sonhe e vá em frente!
Acredite em você mesmo!
Você é parte essencial
daquilo que sonha.

Se você não acreditar
que é capaz de tudo,
e não tiver esperança
e fé em si mesmo
e em seus próprios sonhos,
você jamais descobrirá
tudo o que poderia
ter descoberto e realizado.

Ainda que você tenha
somente perdido até agora,
acredite: você é capaz.
“Tente outra vez!”.


 

Às vezes, é necessário que encetemos muitas caminhadas para chegarmos exatamente ao local de onde partimos. E era ali, que se encontrava a fonte da vida, que tanto buscávamos!


 

Quando começamos a caminhar, seja qual for o objetivo, já não podemos voltar atrás. Se pararmos, certamente estaremos matando algo em nós. E, consequentemente, morrendo.


 

Embora teimemos em negar, grande parte do que poderíamos ter realizado na vida, finda em derrotas por nossas atitudes covardes. Temos medo de nosso sonhos, temos medo do que não conhecemos. Estamos presos ao passado e um presente ao qual, nunca nos entregamos.


 

Somente aquele que luta por um ideal, possui a real oportunidade de conquistar a verdadeira paz...


 

Se teu coração participa daquilo que buscas, certamente, bons serão os frutos a serem colhidos.


 

Jamais retenhas nas mãos o que é de voar...


 

O ego fala mais alto. O ego, sempre falará muito mais...


 

Cada um que faça o seu caminho.
Cada um que carregue a sua cruz.
(simbologia)
Cada um que se dane,
que se rale na vida
para aprender a computar.
Se somos o resultado
entre o isto ou o aquilo,
já não importa.
Você correu demais pela estrada,
não percebeu
mas se perdeu.
Talvez, quem saiba,
eu te ame..
Ainda eu te ame.
E às vezes, eu me torno real.
Você é tão encanada.
E nunca mais a gente se vê.
Eu amo a sua loucura.
Porque não vou te esquecer.
Como?


 

Ai de ti, homem
que tem andado
somente em frente
e por um único caminho.
Sem jamais conhecer
os desvios e as lições
que esta vida nos lega!


 

Aquilo que não é
não poderá parecer
ser
para sempre
o que não.. É!


 

Eu observo
à minha volta.
Como à um olho que vê
e a tudo busca
e em tudo percebe-se (ser)
e jamais deixa de estar.
Eu olho à minha volta
e encontro-me em tudo
o que olho
e vejo..


 

Fumaça,
fumo..
A noite em claro,
escorreu pelo tempo
trazendo a manhã.
Sonhos:
fumo
disperso pelo ar.
Galos cantam
anunciando a aurora.
O que fica.
O que passa?
Sabemos tão pouco!
De nada sabemos.
De nada temos certeza.
De forma que,
a vida, pode
dar em nada.
Contudo,
afirmamos o contrário.
E,
se estamos
inaugurando a manhã:
em bocejos
e bater de panelas..
Se ainda sonhamos,
— fumaça —,
o pão, o jornal
e as primeiras palavras,
abrem-nos as portas
para um novo mundo.
E nos vamos.
Fumo em espiral,
a se desfazer lentamente.


 

Loucas palavras
guardadas, neste
silêncio absurdo!
Que sentido há
em mastigar as frases
e,
as engolir?


 

Abram-me as portas!
Deixem janelas e frinchas escancaradas
para o sempre infinito...
Eis que parto
e encontro eu mesmo.
Como quem jamais
estivesse presente
nesta eterna ausência.
Em ser o que não poderia
ter sido!


 

Corro contra o tempo
em busca de um ponto perdido.
O ponto da partida.
O eterno ponto.
A unicidade.
Em que todos os caminhos
vão findar.
O ponto de partida.


 

Restos de uma existência perdida
na melancolia guardada.
Na manhã chuvosa
em que tudo vai dar em nada.
Faca afiada
do esquecimento antigo.
Sonho fincado,
cravado muito além,
onde o sol boceja.

Restos,
restos de tudo!
De cada hora passada,
de cada verso escrito..
Restos de mim mesmo,
no chão caído.
Estilhaçado, escorrido,
qual um vaso,
um gemido..

Restos de ilusão,
na solidão relembrados..
Restos deste ser, guardados
para o nunca.
Que ainda teimo
e busco;
e penso que virá.

Restos, restos...
Tudo e tanto
que resume-se
em nada!


 

Tristeza escalavrada
num canto da boca.
Que palavra louca
roubou-me as faces?
Fada encantada,
em girassóis esquecida.
Quem veio na calada da noite
e roubou-me, da vida,
o sentido e o jeito?
Quem? E em que sonho
de alguém que sonhava,
pude sem tino,
por desventura perder
o sonho de fada?
Ah tristeza e abandono!
Ah desistência da vida!
Tudo o que resta,
são presságios
e tremores nas mãos!
Feito uma fada
— em sonhos —,
envelhecida.


 

Quantas madrugadas
e mentiras,
escorrem-me por entre
os dedos!
O resto de um sonho
que fez-se em segredo.
Casos que as estrelas
inventavam na solidão
e meu coração pedia.

Teu olhar distante.
Como a ausência
do futuro.

Caminho torto,
traçado no escuro
do que era magia.
Para quê cantar?
Ou inventar a alegria
que nunca tive?
Eu, o lobo solitário,
em busca não sei do que
em meu próprio ser!
Eu que, pateticamente,
chorei!
Porque a solidão,
é feito um coração
que, não cabe no peito,
mas teima em bater!
Eu que, sem querer,
tantas vezes,

inventei caminhos impossíveis,
pelos quais me perdi..
E agora? hoje, talvez...
fecho a mão
e a vida escorre-me
por entre os dedos:
em madrugadas e mentiras.
Como se ainda fosse possível,
um novo sonho qualquer...


 

Reter este resto esdrúxulo de esperança.. Este resto de esperança que, nem mesmo sei, do que.. E é como se fosse, trazer-me de volta a vida, e as ilusões já perdidas.. Reter este resto ardendo dentro. Nalgum lugar mais profundo que desconheço, existir em meu ser. Reter esta ânsia de chegar a algum lugar. Que não sei onde, nem porque. Somente para não ter — aqui onde estou —, outra vez que morrer. Reter este resto de vida, que pulsa e se fragmenta. Este resto de vida, que insiste em querer ser algo. Algo que, jamais pude entender.


 

Na realidade, distorci o destino e entortei os sonhos para que, um dia, a loucura deixasse-me antever, o que havia de melhor.. ..em meu ser.


 

Mergulhar! Mais fundo, mais! Sempre! Até o fim! Eu digo à mim mesmo, diante do espelho. Fundo. Onde o infinito, sem medidas, é o início e o fim: desta vida!


 

Tenho tido a impressão, de não compreender esta vida e suas tragédias. Mas não tenho compreendido, sequer, os pequenos aborrecimentos diários. Causados por contratempos e pessoas as quais, não tenho compreendido. E tenho me revoltado contra tudo. E não tenho tido paciência, para aceitar. E tenho buscado, vasculhado, rebuscado.. E nunca tenho a certeza de nada senão, que quando enfim, eu deixar esta vida, deixem meu corpo baixar à terra. Com barba e bigode. Para que não se sinta, (ele o corpo) nu e desprovido, talvez, de toda a sua filosofia.


 

Maldito vício “enfumaçado”, do qual escravo, não consegui me desvencilhar! Pobres pulmões gritando não, em constantes lutas. Em crises e espasmos abandonados em bronco dilatadores. Enquanto o coração, em reação a tantas drogas, inventava um compasso desigual. Feito meu estado de espírito: ora assim, ora assado..


 

Palavras: melancolia escorrendo da boca fria. Cobertores para os pés. O coração falha. Folha de papel em branco. Salto em poço fundo. Do ser que me habita. A fumaça do cigarro: fumo escondido. Parte de mim grita. Parte de mim cala-se. Para que o dia venha, nos roubar, os sonhos.


 

Foi ontem! Isso eu poderia jurar. Foi ontem. Amanhã? O que importa? Foi ontem. Hoje será. Amanhã..


 

Calculei, medi, experimentei, analisei e, ao final de tudo, a grande teoria, era um belo monte boiando na água fria.


 

Aqui estou: vampiro e vaqueiro, sem tempo para sonhar. Vazo as noites em silêncio e magia. Qual um alquimista em busca da pedra fria que, nalgum canto de sua alma está. Aqui estou: sonâmbulo patético das madrugadas. Bruxo de meus pensamentos, fantasma de tanta aflição. Escrevendo tratados, em papiros carcomidos pelas traças da ilusão. Aqui estou: o mago do tempo, que o tempo ocultou. Na solidão dos profanos, que descobrem as tumbas e mergulham na dor. Aqui estou: estrela sombria, de um tempo indefinido. Um tempo em que, a pedra fez-se em pó. E nada mais resta senão, este silêncio que vem das entranhas. E me enlaça com seu nó. Aqui estou...


 

Findou, morreu o que era doce. Findou bem antes. Acho mesmo que, jamais fora iniciado.


 

Hoje meu coração é uma fotografia: em branco e preto. Inútil e sem jeito, insistindo na ilusão. Hoje meu coração.. Um barco vai, mesa posta, porta aberta para o vazio, restos da aflição nas unhas encravados. Nada vezes nada. Meu coração pequenino, sorve quieto, a madrugada.


 

Que me reste da festa que nunca farei, a eterna sensação de que o sonho valeu. Tudo. Inclusive, a dor por jamais ter podido ser.


 

Antiga dor! Guardada entredentes. Como quem sorri.


 

Ah o teu sorriso! Estampado em alcalóides. Sonhos. Metamorfose abrupta. A corda tesa, retesa o sentido em seresta. Ainda te amo, na madrugada que vem se debruçar na janela.. Ainda, tudo tudo, me parece um acorde ferido: na melancolia do existir.


 

A felicidade escorre por entre os dedos. Vã tentativa, aprisionando um momento. Asas tingidas no azul infindo.. A felicidade é tão distante, quanto o próximo suspiro. Que foge do peito e se perde num tempo que, jamais existirá..


 

Se tua boca louca, pintada, vermelha, à mim viesse.. E, trouxesse outros rios, que nunca bebi.. Ou um sorriso qualquer, inútil.. No baton aprisionado, — sem que te desses por isso —, afogaria todos os pássaros e palavras, que ainda me habitam.


 

Quão absurda a existência! Na pauta transcrita em notas musicais. Em seu tempo e intensidade perdida. Perdida! Em qualquer fração de silêncio.


 

A vida — toda ela —, Nalgum louco gesto. Algo que estanca e no ar permanece. Feito um aviso, um velho sinal. Talvez, na embriaguez de uma paixão absurda. Dessas sem importância. Que a gente inventa, enquanto caminha na solidão.. Ah vida, vida! Que gesto mais louco, que o desvario do viver?


 

Um gesto interrompido, — em meio permanece. O que me traz o teu sorriso? O teu sorriso, o que tece? E me olha sem palavras, alguém que guardas, desconheces.. É esse alguém que nunca virá, quando em gesto estou a chamar. É esse alguém que inexiste: a outra, que sonho amar.


 

Feito um resto de esperança, talvez. Ou nada que eu possa definir. Sempre.. Sempre que me vêm, e me põe quase aflito — entre o silêncio e o grito —, quase entrelaçam aqui dentro, nalgum lugar mais fundo que o nunca se ter fundo. Nalgum lugar mais fundo, feito sonho, feito vento.. tortura.. tormento..


 

Uchoa

É interessante que em uchoa, aos domingos, eu possa sentar-me numa lanchonete — frente à praça —, e tomar uma cerveja sem ser admoestado em minha solidão. Outro fator interessante, é que as pessoas são muito parecidas. Dos mais idosos aos mais jovens. Demasiados parecidos. E as conversas se repetem. Tudo parece tornar a se repetir. Por tempo indefinido. De forma que, ou parece-me um tempo que jamais há que passar, ou, um sonho. Um estranho e infindável sonho.
          Às vezes, parece-me engraçado que eu tenha passado tanto tempo tentando fazer algum tipo de contato com as pessoas deste lugar. Mais estranho ainda, é que eu jamais o tenha conseguido.
          Por outro lado, se essa gente tivesse tentando o mesmo, ainda assim, acredito, teria sido em vão. Creio que o problema maior, seja eu querer que essas pessoas entendam-me. Contudo não tenho certeza se as entendo realmente. Há algo que tenho certeza: não nos entendemos reciprocamente. Nem há motivo aparente para que tal fato ocorra. Há uma distância infinita entre o que sinto e o que vivo. Por maior que seja minha determinação em engendrar-me neste processo e fazer parte da vida social de uchoa, é pura utopia.
          Não creio que uchoa tenha matado minha sensibilidade, mas sim, a estrangulado. Pensei em escrever uma crônica no jornal “O Uchoense”, sobre o assunto. O dia em que percebi, eu havia mudado. Eu havia morrido. Nenhum lugar, nem pessoas neste mundo, poderiam ter-me feito tanto mal quanto uchoa. Em uchoa e por causa de sua gente e sociedade mesquinhas e conservadoras, descobri o quanto o ser humano é estúpido e imbecilizado.
          Gostaria de tomar um porre e, sobretudo, dar o maior vexame. Coisa de bêbado mesmo. Mas sinto-me envergonhado. Autorepressão.
          Um atleta passa correndo. É o seu treinamento. A busca obstinada da realização pessoal. O culto pelo objetivo. Sou um corredor que nunca passa e, quando passa, o faz sem objetivo. Acho que nunca sei para onde corro. Ou para que corro. Será que, realmente tenho corrido?
          Sinto coisas. Não sei com que objetivo as tenho sentido. Quanto exercício será necessário ao homem para que o homem, faça-se homem? Nestes momentos de melancolia, eu gostaria de ser um “negrinho” pequenino, mirradinho, maltrapilho e com o coração do tamanho que todos esses meninos guardam dentro em seus peitos. Não gosto quando embriago-me. Mas gostaria de gostar e, não dar importância alguma ao fato. E o fato é que as pessoas são e estão naturalmente. Eu sequer sei quem sou. As flores são flores. O que é o ser humano, afinal?
          Tomar cerveja acompanhada de limão e sal, parece-me a melhor filosofia neste domingo de sol e ócio. Não, jamais haverá regras ou leis de homens que determinem a hora e a forma de minha morte. Isto é ótimo e, sinto-me feliz por não saber quando ou como hei de morrer.
          Hoje é dia 05 de novembro de 1.99.. e, isso é da menor importância para que a vida siga o seu curso natural. Estou tomando cerveja. Portanto, nada disso existe realmente. Uchoa não existe, realmente. As pessoas estão palrando o futebol. Enquanto isso, escrevo. As pessoas estão sempre falando sobre o momento em que vivem. Somente a lassidão da embriaguez, parece-me real neste momento.
          Tomara a vida seja breve. Feito este suspiro que nem tem explicação. No mais, nada disso é real. Ou poderia...


 

A consciência da vida e do universo é um caminho sem volta.


 

Se o ponto de partida é o ponto de chegada, estamos, via de fatos ou, suposições, apenas caminhando de volta para casa.


 

Nenhum de nós poderia tomar consciência da vida e suas razões, sem sofrer e pagar o preço por “alçar vôo” e, ultrapassar os limites da razão.


 

Os limites do homem e sua razão, estão no próprio homem e, somente ele, é quem pode superar a si próprio em busca do infinito.


 

O infinito é o próprio homem que ultrapassa todos os seus próprios limites e entrega-se àquilo que as pessoas “sensatas” denominam “loucura”.


 

Eu quero dizer que, ser aquilo que querem que sejamos, é fácil. O terrível (não impossível), é sermos o que somos.


 

Se meus sonhos são “os olhos de minha alma”, como posso viver sem ter sonhos? Sem a nada divisar?


 

Todos os caminhos conduzem à um único ponto.


 

Ter tudo
— é um absurdo —,
guardado no coração.
Ter praças, luas,
estrelas, rosas, jasmins,
maricy, rita, moisés,
maurício, mãe, pai,
cristina, poesia...
E mais:
e tanto que há
e tanto que havia..
É, talvez,
feito sonhar
um sonho que jamais
existiu.
Jamais existirá.
É, talvez,
como ter tudo:
— é um absurdo —,
guardado no coração.


 

Minha alma é feito um rio
correndo para o nada.
Tendo em seu colo
o carinho das manhãs,
desejo das madrugadas.

Minha alma é feito um rio,
ou um bichinho talvez.
Tão só, mas tão só..
que, quer queira,
quer não,
é uma solidão..
que, às vezes,
faz-me dó!


 

Tenho pena
de mim mesmo,
por nunca saber
quem sou.
Tenho pena
do que fui
(um dia)
e do que serei..
E com tanta pena,
tenho pena daquilo
que fui, como o é
(ou tem sido),
aquele que se veste
de rei.


 

Como ser
o que se é?
Só.
Um laço que ata,
desata
e finda.
Como finda
um nó.


 

Ah!, não fosse o teu sorriso
e as estrelas na madrugada!
Ah, não fosse o que tenho sido,
o que seria minha vida?
..Nada!..


 

Rompe a manhã
em fatos já vividos.
Tanto o espelho,
o relógio,
as sensações,
são coisas
que já senti..
Hoje sei:
estou mudado.
Já não sou
o que sonhara.
Sequer sei,
o que restara
do que eu seria..
Mas, me perdi..
Todavia, amanhece
o que já vivido.
Até o não
fazer sentido algum,
eu ainda estar aqui.


 

Que louca
sensação adormecida,
parece-me ser
desta vida,
toda a vida
por ser vivida?
O que poderia desejar,
aquele que já não sou?
O que mais,
se não sei sequer
se, a vida que vivi,
foi um sonho que inventei
ou, um tempo que perdi?..


 

Madrugadas, madrugadas!..
Arre!, estou farto disso tudo!
Desses sentimentos loucos;
desta solidão maior — muito —,
bem maior que meu próprio peito!
Estou farto de tudo e de todos.
Inclusive, de mim mesmo.
Quero embriagar-me!
adormecer, esquecer.
Estou farto dessa vida
em que tudo se repete.
E deixa este gosto absurdo
de abandono
e perda.

Deus!
Como sinto-me enfarado
em pegar-me cativo num corpo —,
tendo a alma e o sonho —, alados!


 

De repente,
você desperta.
Súbito, o sentimento,
rompe o espanto.
Assim, descobres
o quanto te amo.

E que já não importa.

Saio, fecho a porta.
Até talvez,
ou nunca mais.
Não quero mais sofrer.
Cansei de esperar.
Cansei de te perder.
Cansei de perdoar.
Cacos partidos ao chão;
mentiras, ilusão..
Não vou te procurar.
Não vou te prender.
Não posso mais sofrer.
Por alguém que jamais amou.
Por alguém que, sequer
sabe amar!


 

Você já viu na madrugada,
uma fulgurante estrela —
a derramar sobre os campos
e as pedras desertas —,
um rosário de luz?

Você já ouviu, na solitude silente
de uma rua deserta,
a canção que emana,
de um sonoro violão?

Você já sonhou junto a uma janela,
com o amor de alguém?
Já sentiu as carícias
do orvalho, do vento,
num momento de amor?

Você nunca soube
o que é uma seresta,
tendo no peito, em festa,
um coração que não se cansa
de tanto e tanto amar...


 

O fim do cigarro..
Na madrugada,
trançando os cabelos,
sonhava a menina.
A cor do olhar
e o rádio a pilhas;
e a fotografia
e o segredo demais
para um só coração...
Era como um beijo/pecado
nos lábios ardentes.
Que toda palavra,
na lida arava,
o ventre da solidão.
E o amor não sossega:
fica ardendo dorido.
Fere mais que o desejo
de um beijo negado.
Ou um sonho desfeito,
que se faz solidão..


 

Era a porta do futuro,
o segredo bem guardado.
Dos anos já passados,
idos na solidão.
Quando ela dizia que eu enlouquecera:
porque eu não queria
de novo, me encontrar.

Mas eu somente desejava um tempo,
para coisas que eu sonhava.
Para tudo o que eu não via,
mas que estavam lá.

No fundo do futuro, onde fui mergulhar.
Navegando tudo isso que a vida me dá.
E eu vi como era fácil ter sonhos de cristal.
Mas era mais seguro não ter que voltar.

Por isso, abri a porta.
Para ver que, toda ilusão,
é somente uma sombra morta.
De um tempo que não há..


 

Eu sei que o destino é um frágil menino.
E a gente nem percebe,
a sonhar pérolas da ilusão.
E aflito o coração, nos guia por caminhos.
São tantos espinhos, frases de cristais,
flores ao relento e, um menino sozinho.

E a gente nem percebe
que o destino é qual um manto:
salpicado de espanto.
Onde a vida faz bordar
nossa dor, tantos momentos;
cada fio de sentimento,
com agulhas da paixão.

E enfim, todo destino,
é um rio que transborda.
Para depois, seguir mansinho,
o seu curso solidão..


 

Ah de que estrela me acenas?
E dentre frágeis verbenas,
fulguras na imensidão?
E sussurras, em queixas,
de um amor só quimera.
Que se esvai sem luar..

Fulgem os astros e a dor,
da solitude que emana
de vosso peito em chamas
e cai do alto dos céus..
São sonhos fulgentes
embalde, a rasgarem densos véus.

Ah mulher, ninfa amante!,
cobre-te os seios fartos, arfantes,
diáfana luz de meu olhar..
Ah lânguidas madrugadas!,
no alvor de um vulto que esfuma:
vejo-te entre brumas,
de anjos a adejar..

Vens ofertar-me,
oh Vésper amada,
os teus lábios de açucenas.
Faz-me alvissareira tua morada
em que vês meus desejos.
Oferta-me em tua fonte,
perenais gotas de amor.
Aplacas, enfim, a sede
que, por ti vivo a fremir..
..a sonhar com um dia, o porvir!


 

Eu sei que tu estás acostumada
a viver os teus caprichos de mulher.
E usas a beleza com que te vestes,
para humilhar e desprezar quem bem te quer.

Tu tens, da flor, a áurea formosura.
E fazes tantos quantos por ti soluçar.
Mas não percebes que tua beleza nua
um dia, aos vermes, vais alimentar...

És tão segura de teus dons, tuas endechas..
Mas de que servem senão, para magoar?
Quando a morte arrancar-te, enfim, as vestes,
então o frio orgulho vai-te fazer soluçar,

Hás de lembrar-te tantos sonhos que matastes;
e em contraste à tua dor, tu os verás:
brotando puros, eternos, triunfantes...
Que, os desprezados, nunca deixam de amar..

Neste momento, entenderás que a beleza,
somente existe, quando se aprende a sonhar.
E são eternos os bens que da alma floram.
E que, embora desprezados, vão ficar..

Em forma de carinho, versos, palavras..
Ou mesmo em forma de uma lágrima a rolar.
São bens que a vida empresta aos sonhadores
e teu orgulho, faz questão de desprezar..


 

É meio dia
e uma canção qualquer,
parece parada no ar.
Um guarda apita.
Sei que te amo,
embora seja ilusão.
O trânsito, fumaça, solidão e,
você não vêm.
O sol derrete:
a moça, o bonde,
a rua, a praça..
Você não vem.
E um homem voa.
E o sorriso
de alguém que passa,
parte em cacos
o meu coração.
Vou por aí,
te procurar.
É meio-dia
e uma canção qualquer,
parece parada no ar..


 

É somente a fúria do vento,
soprando segredos
e coisas lá fora.
Enquanto um homem,
caminha solitário,
por lugares distantes.
Sussurrando palavras;
rompendo o silêncio,
das horas caladas,
dos homens vazios,
dos seres sem nada.
Nada, nada, nada
disso que o vento
nos diz, é real!
E eu não sei dizer,
mas eu quero sonhar
que, algo vai acontecer.
Que algo vai mudar.
E as pessoas
vão ter o que dizer.
Quando a solidão
for tudo o que restar.
Além da fúria
do vento, lá fora..


 

Nada importa
que sorrias.
Nada importa
que sonhes.
Nada importa
que sofras.
A vida,
é um eterno,
jamais, importar-se.
O que importa,
é nunca
importar-se:
a vida.


 

Força contida:
estou a enganar-me
todo o tempo.
E isso, é um
absurdo, tolice..
Para que fingir
que sou feliz?
Se aqui na solidão,
sei a dor exata
em que se afoga,
meu coração?...

Não sei porque
nego/renego tudo
o que sinto.
E fico a criar
outra ilusão.
Em que a vida,
já não seja
somente o sofrer!..


 

Anoiteceu
de repente.
E é como se,
todos os anjos
e embriagados
de minha loucura,
despertassem.
E em balbúrdia
e chinfrim,
valsassem pela casa
outrora em silêncio.
Arrastam móveis,
quebram objetos,
arrebentam cadeias.
E ferros
trincam
na liberdade das horas.
Tudo em vão!
Qual a beleza
inválida, morta,
posta sobre a mesa.
Eu apenas observo
pelas frinchas do absurdo.
E embora vivo,
já não conto
as primaveras.
Elas passam
como os dias.
Resta este inverno.
Uma esperança
fútil, mirrada,
à porta do acaso.
Já não durmo,
já não sonho.
Apenas espero,
o fim deste gesto.
A tua voz,
a tua beleza,
a tua graça,
em mim resvalam..
E a noite vai.
E a noite sempre passa,
com as horas.
Teus passos na calçada.
Enquanto espero,
anjo ajoelhado
— em meu peito —,
chora.
A vida que não pude
viver...


 

A febre
em delírio.
Meu ser
e o silêncio
da madrugada.
No pensamento,
bailam
tuas palavras;
o sorriso,
o gesto..
E sinto medo
de tudo.
Como se o medo,
salvasse
meus segredos:
tão guardados
por séculos.
No entanto, a ilusão
me faz chorar,
o que nunca tive.
Mas é como
tivera, um dia,
para perder..


 

É como se fosse
frágil pássaro,
de tortas asas.
Que mal aprendeu
a voar.
E despenca
do alto do céu.
E sabe que nunca mais,
poderá alcançá-lo novamente.
A tristeza chega,
mansamente,
e me leva:
de volta para casa.


 

Os lírios bailavam
e todo o campo,
curvava-se ante
aquele espetáculo.
Era como se
quisessem ignorar,
dos homens,
suas angústias
e dores.
Ou buscassem
reinventar a vida
e a ternura
perdidas, há muito.
Para mim,
mesmo que os sonhos
já não tivessem
o mesmo viço d’outrora;
e a própria vida,
não fosse mais
que os resquícios
da felicidade almejada,
havia algo mais,
do que um simples vicejar..
Era como se a paz,
realmente,
pudesse ser conquistada.
Tanto no vigor
da primavera
(retratado pelos lírios ao vento),
quanto na mansuetude
e nas marcas
que, a vida e o tempo, legaram
ao velho carvalho.
Que permanecia
observando, do alto da colina,
os campos à sua volta.
E mais do que nunca,
agora,
eu sentia-me encarnado
ao velho carvalho:
e toda a história dos homens,
seus sofrimentos, angústias,
sonhos, esperanças, alegrias,
rasgavam o seio
da mãe terra,
incrustando-se
às minhas raízes.
Que mergulharam
— profundamente —,
nos segredos das vidas,
ali vividas...


 

O tempo amadurecerá
os frutos.
Meus sonhos,
vão morrendo,
com os anos vividos.
As ilusões sucumbem
às experiências
somadas.
Ainda que o tudo,
pareça aos outros
um nada,
certamente,
terei percorrido
minha estrada.
É no fim da jornada,
contudo,
que colhemos
os frutos.
E seguramente,
eles terão
amadurecido.


 

Para onde foram,
meus anos vividos?
E tantos sonhos
sonhados em vão?
Tudo findo,
tudo consumado.
Pura ilusão!
O que fazer agora?
Quando no silêncio
das horas,
sinto que o melhor
de mim, já perdi?
Os anos que nunca vivi,
por medo de os perder?!..


 

É quando tu me olhas,
de dentro do infinito
que há, além do que
encontra-se presente,
é que meu coração sente
e faz acender meus desejos.
É feito uma chama que arde
e parece nunca ter fim..
O carinho toma conta de mim.
E sozinho,
Me descubro
a sonhar.


 

Caminho pela casa
e converso as horas.
A lua derrama-se lá fora.
É quando cai a madrugada,
e a cidade mergulha
no silêncio,
que,
eu mais penso em você.
Rebuscando nas lembranças,
seu sorriso,
seu olhar..
Porque,
é tudo o que possuo.
É tudo o que me faz te amar.


 

Estrela, estrela amada!
Meus olhos, por ti procuram!
Não percebes? É madrugada!
Meus sonhos velam por ti, amada!

Ninfas acenam ao longe,
reluzem os astros silentes.
Somente eu velo, contente,
a adorar-te qual um monge.

Meus pensamentos vagam.
Sem tino, a sonhar,
sou eu, amada, o infante:
que corre o mundo a te buscar..

Foram tantas as madrugadas!
Vem, dá-me o alento do teu carinho!
Não vês que sofro sozinho:
bardo seresteiro de vozes aladas.

Oh!, vem amada, estrela minha!
A madrugada é fria, a vida vazia.
Vem fartar as minhas vinhas;
vem que és tudo o que extasia..

Não tarda, amanhece o dia,
fulvos raios prateiam a estrada..
Vem por ela, oh doce amada!
Vem, o dia não tarda,
e o sol desfaz,
o sonho que havia!..


 

DA IRONIA AO ENGAJAMENTO

 


PODRIDÃO

Encarcerados
entre o poder que nos oprime
e a fome que nos humilha..
A pedra é bruta,
a fome é tanta,
a vergonha é política,
no fio da enxada
carpindo em servidão.

O ódio é dessa afronta:
maquiada em palavras
e falsos sorrisos.

Procuro a dignidade
dignidade não há.
As migalhas do pão
cobrem nossa dor.
Mas não saciam
esta fome de justiça.

Fantoches do medo,
zumbis na orgíaca
festa dos que mandam..

Ah vergonha!

Que homens há,
por detrás do destino
dessa gente?

Que palavra ou gesto
restituirá àqueles
que usam?
E sobretudo,
àqueles que
são usados,
o respeito pela vida
transformada
em podridão?!


 

FLAGELO

E cá estamos nós
observando as engrenagens
no absurdo da vida.
Cônscios do tempo,
perdido em esperas.

Refutamos a dor,
o ódio, a revolta,
à cada esperança,
à cada prece,
mal resolvida..

E na covardia
da paciência e
da conivência,
denominamos coragem
o nosso flagelo:
o silêncio.

Pelo medo da luta,
por repúdio à violência,
pela falsa mansuetude,
pela aparente paz!

E fugimos, nos escondemos
e perdemos a dignidade.
E nos tornamos prisioneiros
da nossa tola tolerância!

E, ao invés de “matarmos”
o medo e, apontarmos
os verdugos da nossa miséria,
encolhemo-nos mais,
e mais, e tanto...

Até que já não nos reste
senão, os farrapos
dos seres humanos,
que poderíamos
ter sido!..


 

O COVIL

Tantos anos vividos
sem nexo, encarcerado;
neste desejo malfadado,
tantos sonhos já perdidos!

Ah, consumada ilusão,
vergas todas as energias!
Eis o que me resta: nada!,
em meio a essa gente vazia..

O que fui está morto.
Restou este ser absorto.
Na dor que me abalroa,
nesta medíocre Uchoa.

O que hei querido
ante esses bastardos políticos?
Ser alguém digno de respeito!
Mas como, ante parvos sifilíticos?

Sifilíticos costumes e castas
de políticos néscios, imbecis,
que a tudo em Uchoa impregnam
com suas mentalidades vis!

Ah!, quanto tempo perdido,
tentando compreender, explicar!,
à gente dessa colônia
que a política
é o que vai acabar,
de vergonha os matar.


 

O LÍDER-I

A cidade infestada
de políticos torpes e imbecis,
sacoleja em seu dorso
as castas dos ignorantes,
dos servis..

Não diferem, se complementam,
na sanha de seus algozes.
São eles, demagogos, ferozes,
que humilham aos que os sustentam.

Proliferam neste regime louco
de servidão, de empreguismo,
os corruptos, ditadores,
através do populismo.
E galgam ao poder, mas isto é pouco.

Pobres funcionários públicos,
em regime de servidão humana.
Curvam-se ante a besta e sua fama
que, a todos engana, com atos despóticos..

Dentre todos, nenhum tão obscuro,
maquiavélico, profissional e carreirista,
que aquele que foi um incomparável artista:
um oportunista eleito no “escuro”.

À priori, um prefeito sem igual:
conquistando o progresso e a fama.
Contudo, manipulando, urdindo, um anormal
que, ao poder entregou-se com gana.

E à seu modo, enganador, subiu;
fez-se forte, humilhou e destruiu
a dignidade de muitos à sua volta.
Contudo, sua história enoja, revolta..


 

O LÍDER II

Para que serve um líder
que aos seus abandona?
De onde tiraste a fama?
Como chegaste ao poder?

Ele bem o sabe responder.
Contudo, espúrio, não quer ver.
E relega ao esquecimento,
o povo que foi a base,
o seu sustento!

Hipócrita! o poder o corrompe.
Nega aos humildes servidores,
e adula aos demagogos e aduladores.
Enquanto, purulento, em seu ego rompe..

Está cercado de serpentes
e humilhas aos humildes!
Transformastes de repente:
hoje não passas de um ditador.
Não sentes?

Adornam-te a pompa, o sarcasmo
e atitudes mesquinhas. O marasmo
dos teus dias e noites ensujecidos,
hão de conduzir-te a muitas descidas.

Aproximar-te-á, dessa forma,
dos pequeninos e frágeis novamente.
O teu orgulho doentio, demente,
à tua cegueira nada informa.

Mas é assim que a justiça se dá.
Regozija-te hoje, com tua casta;
desprezas e humilhas e ignoras que há
um tempo para tudo: sobretudo um basta!

Hipócrita, verdugo, prevaricador!
A quem pensas enganar em desvario?
O poder e a fama são como as águas do rio:
que passam rápidas e, vai te restar a dor.

A dor e a vergonha de perceber
que perdeste a oportunidade de vencer
o ser mesquinho que sempre te habitou.
E que, na lama, para sempre,
— com poder e fama —,
o enterrou!


 

O VEREADOR

O vereador fulano de tal,
por todos respeitado em Uchoa,
elegeu-se por sua alma boa:
sem deixar de ser mera falcatrua.

Tão logo tomou posse como edil,
tornou-se arrogante, imbecil..
O poder obscureceu-lhe o raciocínio curto,
tornando-o patético e vil.

Pobre criador de suínos,
que mal assinar, consegue o próprio nome!
Fala como quem discursa e tem fome,
qual pobre e ignorante campesino.

E deu-se ao disparate, o pretensioso,
de mando e desmando, ultrajando a Constituinte.
Foi um desastre, comédia, acinte,
na ridícula Uchoa o ato danoso.

Patético, iletrado, beberrão.
Continuasse a criar bois,
que foi para o que nasceu o fanfarrão.
Pobre país, se dele houvesse dois!


 

OUTRO VEREADOR

Quem esse, que eleito,
tendo ao lado esquerdo do peito
uma pedra fria, uma confraria,
às quais denominava paixão?
Fantasia!

Fantasia ou sonho de legislar,
um homem, de verdade, deve ter.
Não um saco de batatas vazio,
que por tão pouco, vende-se ao poder.

E trai ao seu povo, praxe, tradição.
Age qual uma puta, o político..
Com bajulações, discursos artríticos..
Certamente venderia aos inimigos,
a mãe e a razão, o fanfarrão.

Medíocre, patético, corrompido.
Mais frouxo que pulha, convencido!
Deverias usar saias, o panaca:
ao invés de ser tão servil e babaca!


 

FARRAPOS

Migalhas, trapos,
farrapos de consciências.
Travestidas em discursos,
adornadas em fenômenos,
serviçais da grande máquina!
Pestilentas promessas
escoando dos seios dos homens.
Traidores da prole
e das esperanças aflitas.
Canoros, retóricos,
das palavras, da história...
Anêmicos ideologistas,
purulentos justiceiros;
imbecis sonhadores
que, ao dobrarem o
primeiro quarteirão,
perdem toda a pompa,
toda a empáfia,
todo o porte de heróis
e comungam numa suja cantilena:
a humilhação serviçal!
Porque acima, sempre,
há um que detêm poder
maior que o do boçal!


 

PATÉTICA

O servil político.
O ser vil político.
O servil patético.
O ser vil patético.
O ser vil servil.
O servil ser vil.
O patético político.
O político patético.
O político servil e patético,
é um ser vil.
O patético político,
é um ser vil servil.
O servil político,
é um patético ser vil.

Um ser vil,
é um político patético
e servil.


 

TORTURA OU VERGONHA?

Não fale você
sobre justiça diante deles!
Ainda que seja:
frágil e mirrado —,
eles não suportarão tal fardo.

Não seja você
o verdugo dos verdugos.
Nem a consciência
daqueles que não a possuem.

Nem comente a fome,
miséria, prostituição.
Ou mais, tudo aquilo quanto,
de certa forma,
alimenta a nobreza deles.

Olha você, de forma profunda.
E é o quanto basta.
Eles não suportarão.
Eles jamais suportaram
a verdade.


 

SERÁ?

Mas a vida é assim.
Mas as coisas são assim.
Mas a política é assim.
Mas os políticos são assim.
Mas o ser humano é assim.
Mas os deputados são assim.
Mas os governantes são assim.
Mas os vereadores são assim.
Mas os homens são assim.
Mas as mulheres são assim.
Mas o mundo é assim.
Mas as leis são assim.
Mas a justiça é assim.
Mas todos são assim.
Mas tudo é assim.
Contudo, poderia ser diferente.
Contudo, é possível que não seja.


 

ADVOGADO DE GABINETE

Cabeça de bagre, interesseiro!
Vives somente pelo vil dinheiro.
Pensas que é esperto e galante,
mas não passa de um babaca arrogante!

Mil vezes cabeça de bagre, toupeira.
Abres a boca e, só pronuncias besteira.
Pensas saberes tudo, sabes nada.
Pareces mais uma boneca mal disfarçada.

Q.I. de ostra, alface, rolinha!
Burro, antiquado, bitolado!
Carregas o teu fardo pesado:
sonhas ser mais que titica de galinha!

Te enxerga, orgulhoso doentio!
Vais tragar toda a água do rio.
Debruça-te à margem e absorve tudo!
Inclusive, o que bóia e navega mudo.


 

VERSOS DE MALDIZER

Ah!, tipinho asqueroso!
bode panaca e pernicioso!
Que cara de vômito tens!
Chupastes limão ou trombastes com um trem?

E no mais queres ser “metido”
Isto é coisa que não faz sentido,
para um jovem que se diz maçom.
O grande arquiteto implora que sejas bom.

Comporta-te vermezinho!
Para quê revoltar-te, afinal?
Oh, tão arrogante, o pobrezinho!
Essa cólera, far-te-á muito mal!

Deixa de ser chato e convencido!
Tens umas feições de bode adoecido,
tens umas bondades tão forjadas:
pareces querer ver toda essa gente, estrangulada!


 

OS DIAS SÃO BONS

Todos os dias são bons
para apontarmos os crápulas.
Eles são muitos
mas os dias são mais.
E, todos são bons!
Eles não se importam
com você, com seus filhos..
Não.. eles realmente
não se importam, com ninguém.
Eles mentem!
Eles estão sempre,
querendo nos enganar.
Eles estão sempre
prometendo tudo,
para não cumprir.
Sempre sorrindo
e fazendo média.
Sempre com pena
dos injustiçados da vida.
Mas o que fazem,
senão espalhar
mais injustiças,
com suas santidades?
Roubam, enganam,
corrompem, policiam..
Eles são falsos,
feito suas promessas.
E todos os dias são bons.
Todos os dias e horas
são bons para se viver.
Para se lutar,
matar ou morrer.
Não para que nos deixemos
definhar, lentamente..
..por dentro,
sem dignidade
Como eles estão fazendo,
todos os dias,
com a gente!


 

CASTAS

Há a nossa volta,
toda espécie de homens.
Toda casta de tipos:
boas e más.
Predominam, contudo,
aquelas sem caráter algum.
Nas quais, alinham-se os mesquinhos,
embusteiros, sarcásticos, déspotas.
Porque estão bem munidos,
para esta vida e as tramas.
Lideram e sobressaem-se
de todos os demais.
Porque são ávidos,
egoístas e implacáveis.
São determinados
e sujos e arrogantes.
São corruptos, falsos,
inteligentes, demagogos.
São maquiavélicos, safados,
imbecis e vingativos.
Combinam o que não são,
com o que escondem
em suas negras
e ensujecidas almas.
Sedentos de poderes.
Ambiciosos, vis,
mentirosos e aduladores.
Há à nossa volta,
muitas espécies de homens.
E uma, ou outra,
usa todo “o resto” da espécie,
como uma escadaria
na qual pisa.
Pisa para poder
chegar ao alto.
Contudo, quanto mais alto,
maior o tombo..
Que caiam os bacantes!


 

SUJEITO CHATO

Todo lugar no planeta,
possui um chato por excelência.
Uchoa, abarrotada deles,
prima por alguns em sua demência.

A parvoíce ilícita,
requer ou não, licitação?
E o chato prepotente, sem água, sem sal,
se deita em alguém o seu olhar,
desencadeia terrível mal.

É mais uma besta quadrada
que, do alto de sua arrogância,
não percebe que é uma ânsia
de vômito entediada.

Bicho escroto, nojento!
Ao invés de papéis, intriguento,
deverias lidar com estrume.
Ou seja, consigo próprio.
No entanto, não assume.


 

OUTRO NAUSEABUNDO

Com seu cartório e seu orgulho,
parece mais um embrulho
no qual, vê-se por fora, laço de fita.
Mas dentro, é só merda que se agita.

Ah homenzinho mesquinho!
Ah sujeitinho entojado!
Falso, hipócrita, suripiador,
ganancioso, virulento, enganador!

Como caminha ereto o tal!
Parece rei, presépio, o anormal.
De onde terá saído tal raridade?
De algum cano de esgoto da cidade?

Grosso, fofoqueiro, perdulário!
Ostenta pose de cavalheiro,
parece um lobo em pele de cordeiro,
embora não passe de um otário!


 

SUJEITO

Baixinho, pegajoso, nojento.
Intriguento, patético. Deletério..
..velho esclerosado e decadente,
serviria para abrir covas no cemitério.

Velho senil, debilóide, encrenqueiro!
Pensa que manda na rua, na cidade.
Mas é coisa da idade avançada
e de quem não admite ser mais nada.

Velho chato, revoltado, arrogante!
Sei, não é fácil suportar sua bruxa.
Velha gagá, ignorante.
Agora agüenta!, esse trapo já sem buça!

Que se dane com a sua histeria!
Adúltero, cão de guarda do quarteirão.
Afoga essa bruxa louca na bacia!
Depois assume e, vira menina de negão!


 

O ASSESSOR

Não sou poeta que me atenha
a me bater com calhordas.
Todavia, a dignidade e a vergonha
são bens que a qualquer um conforta.

Conheço um assessor de gabinete,
por princípio, não citarei o nome.
Servil, parece um penduricalho,
no qual a prefeita usa o ginete.

Como pode ser tão estúpido,
convencido, patético, adulador?
Uma besta, ignorante,
que puxa o saco e é delator.

Passa todo o seu tempo
feito um quadrúpede a ruminar.
É mesquinho e venenoso.
E falando parece que vai vomitar.

Animalzinho rancoroso, imbecil,
analfabeto diplomado, destrambelhado.
Se a demente prefeita entrar num rio,
o calhorda do assessor, morre afogado.


 

UM SUÍNO

Vendo o sujeito na rua,
vejo uma mula na contramão.
Como pode ser tão estúpido,
aquele monte de merda em profusão?

Será que ninguém se ressente,
ao ver por aí, ser tão demente?
Mas que raciocínio mais tacanho:
ao invés de miolos, deveria ter estanho.

Estanho, ferrugem, merda,
devem constituir sua massa cefálica.
O brutamontes não consegue se enxergar.
Parece um carro pipa a sacolejar.

E mesmo assim é tão mesquinho!
Coitadinho, quer ser o que não é!
Orgulhoso, asqueroso, balofo,
parece um suíno. Ou, o é!


 

OS POLÍTICOS

São parecidos em tudo.
Fingem admitir tudo.
Menos que você seja
mais humano e justo,
do que eles têm sido,
para com o “seu povo”!

Eles amam o povo!
Eles defendem o povo!
Governam pelo povo!
Legislam pelo povo!
Sofrem pelo povo!
E tudo, tudo pelo povo!
Tudo com o povo!

Não seja estúpido em questionar!
Não duvide do que pregam.
Porque vivem e morrem
por você, a quem desejam, ver morrer.

Sabemos o que é
a ciência política.
Contudo, não imaginamos
o que sejam, aqueles
que nela estão metidos!

Portanto, senhores,
não duvidem quando ouvirem:
— É tudo pelo povo!
— Que tudo é com o povo!
— Que tudo é para o povo!


 

O OPERÁRIO

Não tem um nome.
Não tem rosto.
E caminha anônimo,
pelas ruas apinhadas
deste imenso país.

O operário, humilde,
é um ser triste.
E,incrivelmente abatido.
Notadamente cansado,
carrega um fardo maior,
muito mais, que a própria dor.

Carrega a fome
de justiça.
Por isso,
jamais parou.
Por isso,
jamais entregou-se.

O homem, ou melhor,
o operário,
não é ilusão.
Quadro fantasioso.
No entanto, real.

E, um dia,
sem que percebam,
ele também
despertará.

Então perceberá
que sua sede,
pode ser saciada.
E sua fome,
ser extinta...

O operário,
vai sorrir
e erguer a cabeça.
Com orgulho
concluirá:
— Eu tenho um rosto!
— Eu tenho um nome!
— Não sou um número,
ou sombra no anonimato!
— Eu sou gente,
forte e,
acima de tudo,
tenho direito:
à felicidade
e a justiça!

E o operário
renascerá.
Como uma flor.
Em toda a sua
formosura!

Contudo,
seus galhos,
trarão os espinhos:
necessários
para a defesa
de seus direitos.
De vida, dignidade,
liberdade e pão!


 

FOME

Fome!
eis a minha alma!
Eis o meu ser!

E não há senhores,
nada que venha
saciar-me,
neste tosco viver!

Fome e sede:
de justiça,
de pão,
de vinho,
de razão!

Porque não sou um.
Sou todos e mais,
muito mais que a dor,
o medo, a ilusão..

Já não posso calar
esta boca coletiva.
Já não há como esconder,
a vergonha geral
por essa miséria,
por essa servidão!

Fome, senhores!
Mais que de pão,
de teto, e cobertor!
Fome, fome!
Fome de justiça!

Atentai vós outros,
para a vossa servidão.
Para esse encolhimento,
essa fuga necessária...
Vossa dor é vária,
mas vosso grito um:
fome!..


 

O EXÉRCITO

Há fuzis e baionetas
que guardo num porão.
São como sombras
que deslizam silenciosas.
Fantasmas da minha
inarredável ilusão.
Estão quietos, emudecidos;
em seus grupos de combate (GCs)..
Manobram e alimentam-se,
da revolta e da dor.
Contudo, há uma ração
diária, de amor
ensarilhada
em cada alma!
Essa esperança
de liberdade,
justiça
e igualdade!
Para todos!
Sim, para todos!


 

O SONHO

Não estou só!
Há tantas mãos estendidas!
Há tantas bocas caladas!
Há tantos sonhos vencidos!
Há tantos que não têm nada!
E tudo o que sonham,
é poder desfrutar,
da fartura
e das riquezas,
deste imenso país!
Não estou só!
Ainda trago comigo,
este velho camarada:
— o sonho!
De que um dia,
este país irá mudar!


 

A BOMBA

A mesa posta
é vazia.
Na miséria
do trabalhador.
A dor do trabalhador
brasileiro,
é vergonha antiga.
Em filas de desespero
e humilhações.
Ah homens!
Ah país sem nome!
Ah ódio e revolta
contidos!
Vós outros,
dirigentes de destinos,
despertai!
Não sabeis vós,
que o animal
acuado,
é um perigo?
Despertai
detentores das riquezas!
As mesas vazias
clamam pelo pão.
A fome não tem
tempo de espera.
O homem humilhado
e roubado, não tem nome,
não tem rosto,
não tem dignidade.
É um monstro,
transfigurado,ficção.
E mesmo quando
alardeamos:
o trabalhador
brasileiro!..
A fome,
a miséria,
a dor,
a revolta,
são iguais
por todo o planeta.
e tudo isso,
— certamente —,
um dia explode!


 

O LAVRADOR

Rasga a terra.
Derrama no eito
a semente.
Em tempo,
o trigo amadurecerá
e será transformado
em pão.
Milagre
do trabalho.
Não da injustiça
e da fome,
que matam
o lavrador.
de vergonha e dor!


 

DEJECTOS

Dejetos humanos.
Humanos dejetos:
fazem a política
da fome;
da exploração,
do escravismo,
da servidão.
São os donos
de tudo.
A decidirem
tudo,
por nós!


 

SANGUE DE PRIMAVERA

São os homens lutando
na arena da vida.
Na ilusão já vencida,
de que possam vencer.

São meninos e feras
que alimentam quimeras;
sangue de primaveras:
é matar ou morrer

É o louco da bomba,
formando um cogumelo..
Deuses-monstros e belos,
rindo a não mais poder..

Um pouco, um pouco de nada,
neste frio de espada
que as mães são tão tristes:
cansadas de sofrer..

Por seus anjos de aço,
seus heróis sem regaço..
..estantes de medalhas,
que se enterram no chão..


 

O PREÇO

Quanto você quer,
quanto custa a sua cara?
Quanto custa a sua vida,
essa tal felicidade?

O que você quer,
quando enterra seus sonhos
e, em troca recebe,
seu soldo à prestação?

Você fala em direitos;
conceitos de liberdade,
mas se esconde da verdade
com essa eterna ilusão.

Quanto custa o viver
de mentiras e regras exatas?
Costumes e leis onde se mata
cada sonho ou desejo de lutar?

Quanto vão te pagar, afinal,
quando tudo, tudo findar?
E você perceber que perdeu
o resto ao qual chamava vida?


 

ENTÃO

Como fazer
o que dizem
que não posso?
Se tudo o que quero
é fazer o que quero
quando quero,
como quero,
onde quero — fazer —.
Fazer o que gosto de fazer,
mas eles dizem que não posso.
É a lei; são os princípios,
são os costumes..
Não, não posso..
Mas eu preciso
fazer, o que gosto!
E porque eles são contra,
preciso, quero,
vou fazer..
Então?..


 

SOCIEDADE

Vivemos juntos
muito, muito, muito.
E nos respeitamos
mutuamente, muito!
Conforme as leis.

Somos iguais.
Somos terrivelmente iguais:
igual as moscas,
os vermes, a ilusão.

Vivemos juntos.
Absurdo mas
é real, real, real..
Estupidamente real,
como se fosse normal...


 

NADA

Eu me cansei
de tomar porradas.
Eu me cansei:
corri tanto para nada.
Amanheci enforcado
na gravata,
e como quem
caminhasse, sobre patas,
eu percebi:
que tudo é ilusão!
Boiando na latrina:
política, filosofia,
religião..
Coisas dos homens.
Coisas dos homens.
Coisas, coisas, coisas!
E coisas,
somente me levam
à nada!
À lugar nenhum!


 

INSETO

Ficava ali sentado
olhando para nada.
Como se pudesse ver algo,
quando nada havia
para ser visto.

Eu queria entender,
o que nem era
para ser percebido.
Ou entendido.

E me perguntava:
porquê não conseguimos
explicar, o que
às vezes acontece?

E acontece que, às vezes,
eu preciso entender

Será que sou
somente um bandido?
Um renegado,
um excluído,
na viajem da ilusão?

Será que não basta
ser um inseto,
tendo de homem
o coração?

Sofrer por ousar
pensar?
E sentir tudo
o que nos cerca?
O que nos fala,
sorri ou olha?
A mesma,
sempre a mesma
porcaria:
que tenho que engolir,
para depois,
— como deus quer —,
perdoar? Perdoar
e esquecer..


 

BANANAS

Bananas.
No bolso a fome;
no bolso a fama,
grana..
Homens e cães
vadios na madrugada,
estendem-se
lado à lado,
na calçada.
O país
é uma sombra.
Animais, rascunham
folhas de cheques.
E pagam
pela dignidade
de outros homens.
O mesmo que pagariam,
por uma dúzia de bananas..


 

SONHO

Já faz tempo!
Muito, muito tempo,
que espero a justiça chegar.
Enquanto isso,
meus olhos procuram
discos voadores.
Pelos céus do Planalto
Central — do Brazil!


 

POESIA IN-COMUM

 


 

1

Aos 33, minha cara
é a maior cara de pau
— disfarçada —.
Talvez seja normal:
como ser filho-da-outra.
Enquanto os cretinos,
fazem politicazinha
e enriquecem.
Que merda viver,
em meio a esta
sociedade escrota!
É enojante, ter que,
sufocar tudo isso.
Eu disse, você não vai
entender nunca, cara!
E quando eu tiver
2 mil anos, isso aqui,
vai ser tudo,
tudo a mesma porcaria!


2

O egoísmo não tem medida.
Não tem tamanho ou profundida.
Não tem idade, raça, credo ou cor.
O egoísmo é mais um dos muitos,
estranhos caminho —,
para a dor!


3

É um poeminha torto,
sem jeito,
inacabado.
Embora alado,
nunca soube voar.
Poeminha pirado,
de olhar espantado,
mirando as estrelas,
do céu e do mar.
Maroto, embora
já roto,
aos trancos
e torto,
aprende a sonhar.
Bom, dócil,
poeminha, poeminha
quanta ilusão
alimentas, amiguinho:
no papel, tão sozinho,
em meu coração!

Maluco, engraçado.
Que poema calado,
num cantinho parado,
esperando sentado
nem sabe o que.

Não sabe quem é.
De onde veio,
não sabe.
Ninguém lhe disse nada.
Mas não importa!
Dá cambalhotas,
no meio da noite,
atravessa a porta
e, ante o açoite
de sua solidão,
sente crescer-lhe
no peito, franzino,
o poema menino,
um coração.

Um coração demais
que não deixa por menos.
Que não fica para trás
e também se atrapalha:
no compasso,
no passo,
na medida exata.
E explode contente,
qual fora gente
a pulsar,
a bater..

Ah poeminha amigo,
no silêncio te quedas
quando o dia amanhece..
Cansado, abatido,
com jeito sofrido
por tanto viver..

Viverás ainda tanto,
tanto, tanto,
que nem sei contar.

Viverás nas estrelas,
no riacho, ao vento,
na rosa, ungüento,
coração a amar.

Viverás poeminha,
nas mais simples palavras;
no ourives que lavra
e lapida o luar.

Viverás no sorriso
do palhaço e do menino.
Viverás nalgum sino,
que ouço badalar.

Viverás no eterno,
na canção de ninar,
no rumor de uma fonte,
na beleza do olhar.

Viverás poeminha
no gracejo infantil;
no que já se cantou,
no que nunca se viu.

Viverás, viverás!
Meu poeminha engraçado.
Porque és meu legado,
à este mundo espantado
com teu jeito de ser.

Viverás a bailar,
em passos desajeitados;
feito o poeta gozado,
que nas madrugadas,
pela sala vazia
de uma casa abandonada,
vive sempre, sempre
eternamente a girar!

Viverás, poeminha,
como um sonho eterno
que um dia sonhei.
E entre avencas e lírios;
entre estrelas e querubins,
e o amor que é sem fim
ali, sempre estarás!

Sim, poeminha,
ali sempre estarás:
como num sonho sem fim,
a sorrir, tão matreiro,
aqui dentro, faceiro
(para sempre, bem fundo)
bem guardado,em mim!..


4

Lenta,
lentamente,
tecemos fios
de paciência
sobre o tempo presente.
É verdade,
nem sempre sorrindo,
nem sempre felizes,
mas aprendemos
o melhor,
de nós mesmos,
na dor.
E é da dor,
muitas vezes,
que colhemos humildes,
a mais bela flor.

Sonhar somente,
não é viver.
Viver, implica,
necessariamente,
em sonhar.

Mas em tudo,
resulta o aprendizado
da flor e do amor.

Ainda que lenta,
lentamente
teçamos os fios,
é do amor,
que colhemos
a vida.
Ainda que pareça
somente ilusão.


5

Todos os caminhos são longos!
Longos, longos, longos!
E teus passos curtos.
O tempo breve.
Onde você quer chegar?


6

Deus!, há dias em que
a gente desperta
e percebe que a alma,
resta enroscada
no portal da eternidade.


7

Feito uma fotografia
estampada
nas paredes
das memórias,
trago o teu sorriso.
E mesmo quando a solidão
vem instalar-se
em meu coração,
já não sinto a mesma
tristeza absoluta..

E assim,
por teu sorriso,
tudo o que mais preciso,
é esquecer
de mim,
para lembrar-te.
E basta-me
a tua lembrança.
A tua esmaecida lembrança
para poder viver!


8

Tudo refeito
pelo espanto
das palavras.
Cruas, nuas,
lúcidas, palavras,
Palavras, palavras..
Nada mais. Nada.


9

Entre pedras,
vagando.
Entre pedras
vagando,
vagas.
Pedras.
Pisadas.
Humildes
homens,
passando.


10

A noite escancara
a boca.
Engole
a vida.
Loucas as gentes,
o trânsito,
as mentes.
Tudo,
de repente,
repetido
pelos becos,
bares
e ruas.
Há luas
lúcidas;
nuas luas,
que vagam
a noite..
Olhos e bocas,
buscam loucas
carícias.
Na noite
que ri..
A boca
escura,
engole
tudo..
Restam
no ar,
odores
e o eterno
sentimento
da solidão.
A fria solidão
que a boca da noite
nos traz — e magoa..


11

A casa imóvel.
Meu corpo, casa
o quadro.
Fotograficamente
em foco.
Enfoque
distorcido — desfocando
o significado.
E perdemos
o sentido.
Resta a moldura
inútil
da vida:
esvaída
na lida.
Vã geometria arquitetada
para este tudo
e este simples nada.


12

Consumido
e consumado,
fito fatos
neste espelho.
Enquanto preparo
o sonho morto — e ele
é tudo o que resta —,
sinto os estilhaços.
Existência: breve espaço.


13

Algo que houvesse
por romper,
daquilo que fora
o ser.
Sai,
qual expurgo,
vai.
Sai
e perde-se.
Entre rostos
e nomes anônimos.
Vai, em busca
de algo,
que não sei.


14

Que rei
teria sido?
Que rei seria,
fosse
o que não sou?
Assim,
assim..
Ou
sei lá!...


15

Sobre a mesa:
máquina, clipes,
cigarros,
cinzeiro,
palavras..
Ante o quadro,
na parede
à frente,
sinto-me
aderido.
E adiro
ao proferido.
Feito a frase
que, jamais
criarei..


16

Fumaça e tosse
na sala.
Espirais:
frases enrodilhadas
em nervos
e ramificações.
Divagações,
desejos, sonhos,
vozes, passos,
suspiros, coisas,
tempo...
Eis que desperto.
A desfazer-me
no ar.
Fumo
a dissipar-me.
Nada vezes nada.


17

O vazio
da gaveta.
O vazio
das coisas
em que toco,
e o copo
sobre a mesa.
Vazio,
meu olhar busca,
o que não há..
O peito arfa,
expira o ar.
O ar.
Tudo ar.


18

Vejo o jardim,
a casa, cadeira,
nuvens, talheres
e penso que,
por um momento,
existo. Resisto,
entre coisas, objetos,
pensamentos..
Por um momento,
re/lapso do tempo,
ouso sentir.
Como quem fosse
viver a vida,
que não há.
Na vida vivida!


19

Há sangue espalhado
sobre rosas.
Rotas rosas.
Minha alma, triste,
fita o poente.
Crepúsculo lento,
sangrando o coração
trespassado.
Do dia ido.


20

Melancolia
brotando lenta,
entre as flores
de um jardim.
Dentro, no fundo,
em meu cérebro,
em meio a porcas,
parafusos, dígitos,
crases,pontos,
ruas,viadutos...
O sentimento
contraído,
distrai-se.
Na abstração
de algarismos
e operações
numéricas..
O tempo ido,
grita
pelo coração
ferido.


21

Não a loucura.
Mas a consciência
esfarrapada,
puída,
contraindo-se
em espasmos.
Cólicas
líricas.
Vulgarmente
românticas.
Do que
ainda resta.
Do que um dia
fui festa.


22

Ah, o teu olhar!,
perseguindo plantas,
invisíveis constelações..
Algo que te mostre
o caminho além.
Contudo, ainda é cedo.
E as pessoas caminham
sempre. Para algum lugar.

Você me disse um dia
que, todos os caminhos,
são sonhos que guardamos.
E me fez sonhar.
Hoje sei que as estrelas
são como desejos.
Algo que descobrimos,
quando queremos
ir para algum lugar.

Algum lugar...

Ainda que não saibamos,
ainda que demore tanto,
estamos caminhando:
na direção exata
de nossos próprios sonhos.

E sabemos que eles nos levam
para algum lugar.

Sempre!


23

Rotos rostos,
desfilam o cotidiano.
Parabólicas antenas
captam o outro lado,
além do oceano.
Vozes grunhem
dígitos e fórmulas.
Corpos desfilam
sensuais, provocativos.
E a humanidade
caminha.
Sentado no silêncio
do quarto,
corto os pulsos
da consciência.
Num suicídio
tristemente emudecido.
A minha tristeza,
é uma chaminé
de fábrica, abandonada.
A vida é nada,
em tom de melancolia.
A minha ousada
alegria,
é esta morte
constante,
por quase nada.
E eu rio,
às sombras
da madrugada.
Drogado
pela poesia
e os antidistônicos
que, a farmácia
me vende sem receita.
A receita
para o silêncio
e a solidão
dos animais.
Maltratados animais!


24

Qual a pedra no sapato,
a solidão
mastiga o meu coração.
Pobre coração
de um homem antigo.
Um homem a mirar
os muros e as ervas
no vazio quintal.
A madrugada desliza
por sobre
meus ombros nus.
O que fazer?
Provar mais o quê?
O que importa
aquilo que sinto
ou não?
Tudo
excessivamente
ilusão.
Bonde torto,
lento,
na contramão.
Destino roto,
costurado
em negro manto.
Há uma estrela
a brilhar no céu.
Mas o que sinto,
já não tem importância!
Vivo a mirar o céu.


25

A nau dos meus sonhos
jaz naufragada.
No colo do oceano
que desperta a madrugada.
Abro a porta
e observo a rua.
A lua desliza
entre nuvens...
Por um momento,
penso que sou feliz,
sorrio..
Mas em seguida,
as nuvens do caminho
embaçam os faróis.
E os sonhos
naufragam
com a nau.
E tudo isso,
não é bom
ou ruim.
Talvez seja
somente, o início
do fim..


26

É como se fosse
um trem, arrastando-se
lento.
Por dentro,
em meu ser.
Aos poucos,
aumentando a velocidade.
Louco,louco,
em busca de algo:
talvez invisível.
Talvez impossível.
E, em sua fúria,
arrasta consigo,
o meu próprio ser.
Adentra a madrugada
febril,desvairado,
rasgando-me as entranhas
rumo à eternidade,
sem sequer saber
se há.
O que busca?
O que busca
todo o meu eu,
a conduzir
essa locomotiva,
pelos trilhos
da loucura?
E sem ponto
de partida,
ou referência,
ignora o ponto
de chegada.
Talvez, previsse
esse tudo,
que espera.
Quando o tudo
talvez,
possa ser nada.
Como viver, talvez.
Nesta certeza absurda
de que a morte
nos abraça.
É como não ter
motivo, para esperar
a hora certa
e exata.
E, por faltar
paciência,
atirar-se do alto.
Para o abismo
negro,infindo.
Sem arrependimentos
ou sentimentos.
Apenas o vazio
do saber.
O vazio do viver
sem ter razão.
Talvez a ilusão
de querer ser algo.
De possuir
uma certeza.
Ao menos,uma.
De que valeria
continuar.
Contudo,
prevalece a incerteza.
E o trem arrasta-se...
E o trem dispara.
Bólide, míssil indomável.
Num processo
irretroativo,
de rasgar campinas,
cavalgar descampados,
a bufar fumegante,
sem barreiras..
Vai tresloucado.
Vai resoluto,
convicto, enganado.
Explode cada caldeira
que te alimenta!
Incendeia-te
a cada novo rosnar:
qual fera insaciável.
Arrasta tudo
o que tentar impedir
tua marcha.
Leva do trabalho,
nesgas do passado,
fragmentos do presente,
lampejos do futuro.
Duro, ainda que insano!,
rompe a troar,
do silêncio, o pano.
Estilhaça as cancelas,
arrebata os muros,
bufa, geme, berra,
porque todo o universo escurece.
E é necessário
que incendeies os céus!
Nada o detêm.
Nada o retêm.
Na busca,
na fuga,
no rumo
ao nada!
Brande pelos ares,
sangrenta a espada.
O que virá não importa.
És somente um expresso
que procura
-no escuro da vida—,
pelos trilhos.
E se te faltarem
os trilhos,
o que importa?
Cria asas!
Vai pelas nuvens,
pelo rio,
pela lama,
que todos os caminhos
conduzem à nada!
Nada!
Bufa máquina
endiabrada!
Berra do pico,
da dor
que te aflige.
Em teu ódio,
jamais esmoreças.
Débil!
Insano!
O que pode te deter,
afinal?
O bem?
O mal?
O certo?
O errado?
Tudo isso,
são o nada
de que alimentaste,
teu estômago
ulcerado.
Agora, nada importa.
Nada!
Senão, a velocidade
e a queda!
O projetar-te
para além
do tempo
e da prisão,
que te oprimem.
Cresce!
Agiganta-te
e explode!
Nenhum homem
pode conduzir-te
nesta jornada.
Atira para o alto,
bufos de fumaça.
E vai-te
chiando, bufando,
qual fera.
Investe contra
o mundo todo.
O mundo todo
é o carvão,
alimentando-te
as caldeiras,
nesta louca jornada.
Vai, imprimes
velocidade
jamais ousada.
Não tarda,
chegas, por fim, ao final.
E todos os trilhos
são/serão iguais:
conduzem-nos à nada!


27

A pedra no caminho.
A solidão no quarto.
O silêncio na madrugada.
A melancolia guardada.
Tudo são pergaminhos,
sentimentos, espinhos,
coisas feridas; feras
poemas e nada.

Um homem por detrás
do absurdo,
abraça o nada.
E o nada,
é o tudo.
Por isso,
tanto faz
que eu creia, ou não.
Por isso,
não importa
se é real ou ilusão,
esta chama a arder.

Por isso,
tanto faz..
Ficar
ou morrer!


28

A melancolia
é uma pedra fria.
Entre a língua
e a rua.
No escritório
de trabalho,
ouço música
a fumar.
Morrer seja, talvez,
o viajar.
Entre a língua
e a rua.
E a melancolia
da tristeza arrancada...
De qualquer forma,
o cigarro,
e o silêncio,
me acalmam.
Para um novo dia,
para uma nova morte.
Com um pouco de sorte,
definitiva.


29

O que me falta,
é o que não sinto
por não possuir.
O que me falta,
é o possuir tanto,
por sentir,
que nada me falta.
Se por acaso chove?
Sim, torrencial
e ininterruptamente.
Não há estrelas.
Sequer desejos,
de algo que me faça
menos triste,
do que sou. Do que
às vezes, nem sei.


30

Meus pensamentos
são confusos.
Feito os sentimentos.
Tê-los, é possuir
a luz da lua.
E o que faço,
com tais coisas?
Não sei.
Sinceramente,
não sei de que me servem
tais coisas..
Senão,
que tudo é confuso.
Excessivamente.
Feito estar e não.
Não ser, sendo.
Ou viver, sabendo-se
o tempo todo, a morrer.


31

Por frestas,
atento, observo
o movimento das sombras.
E tudo me assombra
nas entranhas da madrugada.
O gato que mia,
o cão que ladra,
o guarda que apita,
as sombras que passam,
todos meus conhecidos:
coisas vazias movendo-se.
Qual ratos no porão,
baratas, insetos;
coisas no vão da escada.
Coisas vazias,
coisas frias,
que não posso tocar.
Que não quero,
sequer posso
descrevê-las.
Coisas que vivem,
caminham, respiram,
mas estão frias.
E no vazio,
excessivamente calmas,
parecem-me coisas:
coisas sem almas!...


32

O teu olhar embriagado
de quem tragou luas,
estrelas, gin..
Passeia pelo espaço;
baila vesgo,
confuso,
a mirar algum ponto
sem fim.
Ébria, abatida,
tão pura,
tragaste a madrugada.
Mulher, dama da vida,
esquecida em teus
devaneios.
Os teus sentimentos
são migalhas, farelos,
do bolo digerido em recreio.
Ah! puta, putinha!
Teu olhar é macio leito.
Feito o alvor de teus peitos,
em que meu olhar,
se deixa aninhar.
Mas teu olhar viciado
e o meu olhar vagabundo,
cruzam-se
e lampejam em segredos..
Parece-me um convite.
Não, não para o leito.
Definitivamente, não.
Mas sim, princesa,
para mais um copo
de sonho e cerveja..


33

A madrugada
abriu suas asas:
engoliu/tragou,
a minha solidão.
Eu sei que o seu sorriso
é somente uma criança.
Em meu jeito,
faz-se ilusão.
Quando me sinto só,
então eu penso
em seu olhar,
seus cabelos,
e um sonho antigo
vem me embalar.
Tomo umas brahmas,
no bar da esquina
e me deixo a sonhar.
Por isso estou vivo
e penso em você.
Por isso,
eu não me importo
com tudo isso,
que acontece à minha volta.
É tudo uma questão
de saber sonhar.
E ter o seu anjo bom
quando, na solidão,
a alma sente frio.
Então,
então a vida,
já não é tão ruim.
Não, quanto nos parece.


34

Tarde/tudo
tardiamente.
Qual um reflexo
da mente inconsciente.
Que tenta,
de repente,
despertar.
A vida findou.
Agora,
bem, agora é tarde.


35

Ah! no meio da cara
— bem no centro —,
desperto!
E um girassol
fantasia a minha alma fria.
É um desafio
e o desconhecido,
sorri vitorioso.
Um girassol
no meio da cara,
brilha ao meio dia.
Com o sol.
É isso: girassol.
Com o sol!


36

não voar no sentido lato,
Mais — flutuar e pairar.
Ultrapassar muros,
portas, paredes..
Sair pelo ar
(de costas)
indo, indo,
pelo espaço infindo.
Eu procurava alguém
noutro tempo.
Reconhecia casa,
telhados,
um celeiro...
Eu estive ali um dia.
Não sei.
Ela já não estava tão bela
quanto quando a conheci.
Jazia numa cadeira envelhecida.
Ela não me via.
Eu a via, através de névoa.
E toquei suas mãos.
E ela ergueu-se
e passou a caminhar.
Então, cai e despertei:
para o sábado
e a vida enclausurada
neste vazio,
neste nada!.


37

Dava — ou não —,
naquele sorriso, o alento?
Na manhã desperta,
com a porta
(para o mundo),
excessivamente aberta.
E eu sorria,
para o eu sorrindo.
Sabia que o que partia,
também chegava:
estava vindo.
Então, dentro:
espada em chamas,
pergunto à minha companheira:
— arde-te a alma,
o flamejar meu ser?
Com que alento responder?
Com que alento perguntar?
Ora, ora!
Deixemos a vida
e o desconhecido,
por este sonho
passar..


38

Teias
rendadas teias.
Em cada canto,
em cada acorde,
bemóis, sustenidos
naturais, dissonantes..
Teias
fiadas à esmo.
De tom
à tom;
minuciosamente,
na melodia
de minh’alma.
Com paciência,
calma..
Todas
as madrugadas,
vividas
em meu ser,
despertam:
essa aranha.
Que arranha
a sensibilidade
e inspira
o meu viver.
Eis o meu ser,
de violão em punho:
a tecer fios,
para a harmonia
do destino.
Teias
de meus pensamentos,
sentidos...


39

Dá-me a pauta
que, ora desperto.
E sou do silêncio,
o nauta.
Necessito de cada frase
para compor a canção
e lavar-me por dentro.
Um momento,
apenas um momento,
para que eu possa sentir-me
nas notas do instrumento...
... a vibrar
e a soar
pelo firmamento.


40

Eis aqui,
desafinado,
o meu violão.
Tudo parte
de meu ser.
Reflete o que vai
no coração.
É como que viver.
Encordoado
e desafinado.
Sem serestas,
sem magia,
sem valsas,
ou cantigas
tangendo.
Em desigual
— mas tão natural —,
E é todo ele, ilusão!
Feito o arritmico
coração.


41

Havia um olhar.
Ou algo perdido
e pairando
por sobre meus sonhos.
Descalços sonhos.
Um olhar que
trespassava minha alma;
e depositava suas chamas
num silêncio.
O silêncio
do não existir.
Do simples
não ser. Desistir.


42

Dá-me a voz
e cantarei os salmos.
Caso contrário,
meu silêncio,
contará o vazio
que, prolifera,
em cada coração. Dá-me a voz
que, simplesmente,
cantarei.
De resto,
o que tiver que vir,
virá!


43

Avencas e jasmins.
Oh! solidão criança,
girai, crescei,
aprisionai meu coração
nesta doce dança!
Entre avencas e jasmins!

O que importam as ilusões?
Se jamais haverá fim
em tudo o que nesta existência,
criei aqui dentro,
em mim?

Avencas e jasmins!
Como poderia ser triste
este homem que não existe?
Plantas, flores, verde!
Eis minh’alma florindo,
enquanto o mundo, estertora lá fora.

Aqui me hei parte do universo,
partícula da fauna,
coração da flora...

Avencas e jasmins!
Eis tudo
o que sou.
Eis que sou
um ser sem fim!


44

Pela janela aberta,
meu olhar passeia.
Não sei o que penso
neste exato momento.
Sequer sei se penso,
ou, despretensioso,
apenas passeio.


45

De repente,
sem que eu me dê
pelo fato,
pego-me correndo:
descalço.
Perdi meus sapatos.
E lá vou eu:
aquele Zé
que, desejava
ser algo.
E, na realidade,
nunca foi, nem será.
Lá vai: em saltos,
a resfolegar.
Disparado,
mesmo sem ter,
jamais, onde chegar.
O que desejo,
naquele que vai a cavalgar
um pégaso sem asas,
para nenhum lugar?
Sonho agora?
Ou ainda, hei
de sonhar?
Uma vassoura
(à jato),
urgente, rápido,
necessito, é evidente,
voar!
Fugir pelo azul,
atingir o norte,
romper o sul,
vencer a distância
a me separar
não sei bem de que.
Sei lá porque,
desejo voar,
correr, fugir...
Perder-me, enfim,
por aí!
Mas isso pouco importa!
Digo à mim mesmo,
naquele que trota:
basta de regras!
basta de horários,
explicações, portas,
comportamentos,
etiquetas!
Trancafiem conceitos,
filosofias, teosofia,
teóricas orgias,
política em gavetas!
À mim, me basta
ser, este bosta!
Ora, danem-se todos!
E tudo!
O que tenho eu
a ver, com as dores
da raça, do homem,
do mundo?
Sequer me chamo
raimundo!
Não rimo,
nem sou solução.
Sou feio, fraco,
sentimentalista,
confuso,
e, seguramente,
faltam-me alguns
enferrujados parafusos.
Mas lá vou eu!
Louco de dar nó!
Estou babando, vejam!
Rindo e cagando,
para tudo isso!
Ora, ora,
estou apenas
indo-me, embora.
Não tenho documentos,
nome, identidade,
idade, destino..
Abro meu peito
franzino
e me vou.
E deixo-me ir.
Estou à cem!
Convidam-me para o sarro,
o passeio de carro,
uma boa trepada,
uma dose de rum..
Foda-se Freud!
Nada desejo.
Desimpeçam as vias,
ruas, sarjetas,
becos, estradas!
Eu já não desejo saber,
se o certo
ou o errado,
é o que se faz!
Agora tanto faz
ficar ou morrer.
De rir?
Então rio.
à galope pelas nuvens.
Perdi cada sonho
que juntei.
Juntei cada verso
que pari.
E parei, estaquei,
frente ao espelho.
E nunca mais
descobri,
quem eu era.
Ou sou,
ou serei!..
Desencana,
oh alma cigana!
Quem disse
que sou afeito
à fama?
À grana,
à xana,
ao palavrão?
Tudo merda!
Tudo ilusão!
Eu sou um bonde,
uma enxada,
um prego,
uma explosão..
E nada disso,
realmente, importa.
Agora nada
mais importa.
Senão,
nada querer
ser.
Não desejar.
Regozijo-me
com a rua.
A rua é larga,
a rua é lua,
a rua é nua;
e por aqui
há fadas.
Fitas, fatos,
fotos, luzes,
verbos incandescentes.
Há de tudo!
Tudo mesmo!
Há bolas de gude,
bolas de goma,
sapos, nuvens,
deputados, presidentes
e animais em coma.
Jatos que passam,
gente que fala,
jornais que mentem,
empresários que morrem..
E eu, ora, eu,
eu sou aquele
que corre.
E corre e corre
e nunca chega
a lugar algum!
Porque nunca houve
e nem haverá
chegar.
Mas eu continuo
correndo.
Aqui vou eu!
Mago, magro,
trágico,pó.
Sou eu mesmo.
Tenho certeza!
(Mas nunca tive certeza
de nada),
mas sou eu.
Perdi o pé
direito,
mas ainda
tenho duas mãos
e barbas.
Meu coração
dilatado, de lata
de sardinha, bate
squidum!
Samba, bolero
e vai, feito
um foguete,
para o espaço.
Mesmo sem compasso.
Eu sou assim mesmo:
sem ter como mudar.
Não posso parar:
desviem os postes,
os muros;
rasguem bandeiras,
destruam fronteiras,
não tenho país,
nacionalidade,
religião,
namorada,
filhos,
capital.
Canto mal.
Mesmo no banheiro,
desafino.
Embriagado,
esqueço-me das letras,
dos acordes..
Então, para quê,
para quê serestas?
Violão, roque,
pop, punk,
paixão?
Meu cachorro
me mordia
todos os dias.
O bêbado da cidade,
me cuspia.
Os pombos cagavam
sobre meu corpo.
A polícia me batia.
As meninas
não queriam
me dar, o que
eu queria.
(e eu queria tanto!)
É um espanto!
É um horror.
Sei que fundi
o motor
do liqüidificador,
e morri de tédio.
Mas que remédio
ingerir,
quando já não
há porque fugir
do que nem
é para se fugir?
Sei lá!
Eu só preciso
disparar:
feito um corcel
sem rédeas,
sem desejos.
Com o olhar
para lá do tejo;
ou do amazonas,
ou outro mar.
Que se lixem
os capitalistas,
socialistas,
conformistas,
escravistas,
arrivistas,
punguistas,
e filhos da puta!
Eu não tenho
nada, à ver
com isso!
Eu dizia.
Agora não tem jeito
não. Não tem mais jeito não!
Não tem mais solução.
Entrei pela avenida
a trezentos,
trotando
pela contramão.
Esborrachei-me
por inteiro,
sob um bruta
caminhão.
Não importa
se estou, com a
coluna torta,
um olho vesgo,
e um sorriso manco.
Na próxima esquina,
passo o sinal
vermelho.
E dou de cara
com um barranco.
A vida, afinal,
sempre foi
aos trancos.
Agora, manco.
Agora estouro.
Fragmentado,
me disperso.
Espalho-me
pelos canteiros:
um pouco,
o vento arrasta.
Outro tanto, escorre
para algum bueiro..
O que importa?
Nada importa?
Eu continuo
atento.
Broto pelos jardins,
alimento os peixes,
parasitas e vermes.
Feliz!
Feliz comigo
e com tudo.
Mas posso renascer.
Ainda que,
eu continue
em dúvida.
Eis a questão,
oh!, romão:
ser ou não?
Ter ou não ter?
No mais,
deixem-me em paz!
Quero silêncio,
solidão, café,
cigarros, para compor,
ao violão, o derradeiro
tango, a mais louca
canção.
E ainda que,
faça frio
no estrangeiro
de meu peito,
quero deitar-me
num leito,
de ervas, no quintal
e adormecer.
Feito um sapo
encantado, que coaxa
para a lua em sonhos.
Alados sonhos..
Eu pedaço de tudo
e de nada.
Fada fadada
a cometer cagadas.
E meter-me
em enrascadas.
Com minha vara
de condão,
pelo cordão
recolho-me.
Ao ventre
do vento,
ao qual
pertenço:
dou à todos
um tiau,
torço o nariz
e me vou.
Quem sou?
Para que ser?
O importante,
é nunca saber.
O importante,
aliás,
é o que não
importa.
Agora,
por favor,
fechem
a porta,
apaguem a luz.
Tudo o que
eu disse,
não são mais
que tolices.
É necessário
que não,
não se esqueça!


46

Da insônia
que entorta
— a porta —,
da percepção.
E o cigarro
no canto,
entrelábios,
sem razão.
As horas!
Loucos ponteiros,
que bufam
tresloucados!
E o sono
— à troco de bananas —,
perdido,
escondido.
As paredes
do quarto,
são todo
o meu consolo.
E mesmo,
quando o dia
amanhece,
elas me parecem,
infatigáveis
contadoras
de estrelas...


47

Ainda que a vida,
se me resultasse
em quase nada,
haveria, certamente,
entre os vãos da escada,
as sementes
de meus versos.
E um dia, talvez,
eles se façam alados.
E voem por aí:
anunciando
— quem sabe —,
um dia,
que há de vir?!..


48

Tarde reclinada
neste vazio sem tino.
Encolho-me, menino
acanhado e ferido.

Há amigos que me roubam
a alegria e os minutos.
E me devolvem em ódio,
aborrecimentos e inveja.

Para quê?
se sempre fui só?

Mas é necessário
um amigo, sempre.
Mais que confidente,
mais que irmão?

Somente porque,
não se vive só.
E há algo mais,
em nós,
do que aquilo que veio
e voltará ao pó!


49

Velha praça d’outrora!
Quão curta a vida,
quão longas as horas.
Que passei
— nas madrugadas —,
a mirar-te!

Longas horas de solidão!
Tuas ervas, guardam o meu coração.
Nas passarelas, deixei o meu olhar.
Tempo que, bem sei,
não mais há que voltar.

Se foram tristes,
o que importa?

Tudo era solidão,
tudo era espera...
Mas não importa!
Nada mais importa!

Hoje,
hoje é primavera.
E há flores,
bem sei.

Há flores
em teus canteiros.
Floram o ano inteiro.
Floram o ano inteiro.

O quanto sofri?
Não importa!

Importa
o quanto vivi.

E tudo,
tudo o quanto
a mirar-te,
nas madrugadas,
aprendi!..


50

Não houvesse essa solidão,
não fosse perto o teu olhar,
não mais seria triste não:
este meu canto a buscar — no horizonte —,
asas para voar.

Não houvesse essa ilusão,
de algum dia poder te encontrar
nalguma estrela, há muito perdida
no azul do céu, que guardo para te dar:
— num lindo sonho —,
que eu fui buscar
no horizonte
em teu olhar....


51

(Para Anaísa Costa)

Leve:
feito uma asa solta.
Feito uma nuvem clara,
perdida
no céu, a brincar.
Acena
para um sol a passar..

Leve:
feito um sorriso ou nada;
correndo pela estrada,
traz um sorriso para dar,
leva a gente a sonhar.

Breve:
passa e vai s’embora,
cortando o dia agora,
deixa
o amanhã que virá;
sempre,
para quem sabe buscar

O amanhã que virá
breve.
O amanhã que virá...


52

Atenção para o sorriso
que hoje é preciso
muito mais dizer
que nem tudo foi em vão
em nossa canção
que sem perceber
descobriu as avenidas
solidão antiga
coisas que eu sonhava
pelas madrugadas loucas
em que cavalguei
no dorso da ilusão

Agora deixa que eu diga
da canção, amiga
se já não importa
aquele sonho antigo
que eu te fiz viver
e hoje é sombra morta

Deixa que o tempo te faça
ver que tudo passa
mas nem sempre em vão
Deixa eu abrir a porta
que vai dar no escuro
em teu coração

Deixa eu gritar
que ainda é tempo
e que sempre resta
um resto de ilusão

Vem, me traz o teu sorriso
amiga
o teu corpo
o que não murchou

Deixa que o tempo
te faça
ver que tudo passa
mas nem sempre em vão

Deixa eu abrir a porta
que vai dar no escuro
em teu coração

Deixa eu gritar
que ainda é tempo
e que sempre resta
alguma ilusão

Vem e vamos pela estrada
nessa madrugada
nada acabou

Não, não!
Nada acabou, não!


53

Versos anêmicos,
sob o sol pálido da manhã.
Vindo no vento:
doce cheiro de maçãs.

A rua deserta,
abro a porta:
flores no jardim,
do outro lado, no vizinho.

Ah pobre coração!
Tão pobre, tão só!
Sinto um nó em sentir
e penso, que tudo na vida,
seja um brincar de fingir.

Fingir a felicidade,
nessa idade do absurdo.
A sorrir para os homens,
cães, pulhas, mendigos.

Ah! fingir ser pássaro,
enquanto cai o alçapão.
Fingir um amor
bem fingido, feito
deus nos observando,
entre nuvens.

Fingir a paz
jamais encontrada.

Fingir que essa vida,
enfim,
seja tudo!
Tudo!

Mesmo sabendo,
que esse tudo,
seja tão (quase) nada!


54

Corre a tarde
em veloz desespero,
entre sinaleiros
e buzinas;
gritando a urgência
da vida, da morte,
no caos imbuído.

Tudo sempre
o mesmo:
veloz desespero
nos passos.
Nos rostos, rictos
da urgência.

O tempo desumano,
não pára no sinal:
avança, inclemente.
E os seres vão,
em sua solidão de gado,
ficando, ficando

Lá atrás,
— numa curva qualquer —,
nesse longo
caminho.


55

Ei!... ei!..
Berro às sombras,
que passeiam a madrugada.

O que procuram?
Há tanto silêncio!

Sepulcros esquecidos?
Companhia entre noctívagos?
Um caminho de luzes?
Ou simplesmente, o nada?

Mas isso tudo
já não importa.

Não,
se tais sombras,
são somente sentimentos,
ou coisas que pensamos sonhar.

Mas que hoje,
-seguramente—,
estão mortas e,
passam a vagar.


56

Ah estas horas!
Melancolia!

A vida parece-me
perdida,
vazia.

É como que, se
nada mais restasse.
E sequer houvesse
o que sonhar.

São horas tristes
nas quais, aquieto-me.
E, nada mais sinto,
senão, a vida a passar...


57

Nada, nada,
que não seja trotar,
importa-me, agora.

Abram cancelas,
porteiras, janelas..
Sou corcel, pégaso,
animal indomável,
neste louco sonhar!

Por favor,
deixem-me trotar,
voar, correr.

Não, não queiram,
em vossos mundos
— de cercas e cancelas —,
o que é de voar,
não queiram,
jamais prender!


58

Eis o sorriso débil
do louco que caminha:
a conversar estrelas
na madrugada fria.

Eis que me hei despido
de vossos prazeres;
de toda a etiqueta
e sórdida confraria...

Palhaço solitário
a saltitar pelos canteiros,
observando nas flores,
toda a filosofia
que ainda nos resta.

E vou!
Trem de carga.
Burro das estepes,
carregando nos ombros,
tantos sonhos vencidos.

Eis que desperto
anjos e sonâmbulos.
Cães e vadios.
E, de nossas dores
e tristezas, brotam
os lírios dos campos
e as estrelas do céu!

Somos os doidos
das pequenas cidades;
dos vilarejos e becos.
Os embriagados e esquecidos.
Somos os simples,
os sem pátria,
os sem lares,
os banidos.

E vamos!
Cada vez mais unidos.
E em cada esquina do mundo,
em maior número..
E, sem que percebam,
somos tantos, quanto
as estrelas que cintilam,
no manto do céu.

Dobramos a esquina
que, anuncia o porvir.
Não há lábios
— dentre os nossos —,
que refutem, aquele
débil e puro sorriso.

Um sorriso sem mácula,
de criança esquecida,
pelos cantos do mundo,
pelos becos da vida.

Contudo não há esperanças
maiores que estes sorrisos.
São feito riachos,
que correm em busca do mar:
na certeza que chegarão
e “benvindos”,
serão abraçados!

Aqui vamos nós!
Doidos até o pescoço.
O último fio de cabelo.
O derradeiro pensamento.
Doidos! doidos! doidos!

Feito o dedo
com que deus
aponta o infinito.

E, enfim,
feito o próprio infinito,
na ponta do dedo,
com que ele aponta
o caminho que seguimos.

Eis o sorriso débil,
do louco que caminha...


59

Não é um país,
é uma aldeia.
Não é uma casa,
é um canto qualquer.
Não é um emprego,
é um um favor.
Não é um salário,
é uma ilusão.
Não é uma sociedade,
é uma confusão.
Como ser feliz
se tudo é mentira?
Se até mesmo a vida,
não nos parece vida?
Mas sim, aberta,
sangrante ferida?


60

Amanheceu,
na alegria do dia
anunciado.
Em princípio,
penso em campos
e vales e flores.

Flores.. não há!
O que anuncia
a manhã turbulenta,
são pás-carregadeiras,
britadeiras;
o troar ininterrupto
das engrenagens:
moendo laranjas
e homens e dignidade.

A serra na madeira
e na mão
do operário.
Os caminhões que abalroam
velozes. ferozes,
em busca do pão.
E arrebentam-se
na esquina do fim.
A neurose é bônus.
Ouçam mães berrando,
filhos chorando,
à plenos pulmões.
Batem picaretas,
retinem panelas;
sobe um pilar
de concreto.
Corre, corre, corre..
E em meio à tantos,
tontos animais
enfurecidos,
ao longe, distante,
um galo entoa
seu canto solitário.
Certamente às margens
do rio já abatido.
Um negro rio, ensujecido,
pelo progresso e a consciência
dos homens: canta um galo.
Chora a manhã que aflora.

Amanheceu.
mas é tarde.
Demasiado tarde!
para tudo o que virá.


61

Antes que eu me deitasse
ainda ontem,
o quintal estava ali.
Com a sua casa,
o seu mato,
entulhos e melancolia.

Hoje, ergue-se desafiador
contra as nuvens,
o esqueleto emergente
de um prédio.

Eu, bicho criado
no mato,
da infância,
sinto saudade.
Das tiriricas, carurus
colonião e renego
a estupidez da cidade.


62

Tropecei ao correr.
Não era sonho,
ou fantasia.
Tropecei e cai.
Permaneci ali.
À princípio, estirado.
Em seguida, constatei:
havia-me estilhaçado.
Fragmentado, sorria.
Um caco de meus lábios
que tentou sussurrar
uma frase. Em vão.
Resultou desconexa,
amargando, sem vida.
Umm olho rolou
e quedou-se
a mirar o infinito.
Ou o horizonte,
não sei bem.
A mão esquerda,
arrastou-se por alguns
parcos centímetros,
tentando confirmar
se o coração batia.
Lenta agonia.
Estertorou a bomba,
chiou e calou-se.

Então,
um anjo maluco,
começou a brotar
do que restou
de meu ventre ulcerado.
Sorriu,
como que a medir
a distância,
acenou um adeus
e, partiu.

Para onde foi?
Ninguém sabe.
Ninguém viu.

Ali, onde jaziam
cacos do que fui
um dia,
as ervas medram
agora...

E em meio à elas,
numa distância,
num tempo de eras,
um único olho,
mirando o infinito,
contrito, chora!


63

Abri uma porta
para, mirar o que havia,
entre um dia e outro.

Tudo o que divisei,
com um olho reto
para o vazio;
um olho torto
no vão da escada,
foi um nada
que era tudo.
Foi um tudo,
que era nada.

Em seguida,
fechei a porta
e saí.

O que importa,
o que virá depois?
O que importa,
o que o virá, vivi?.


64

As noites, já não são
tão longas, nesta primavera.
Meu olhar perscruta
o infinito.
Há tantas coisas
inexplicáveis.
Feito a própria vida
ou a morte.
Feito os sentimentos
ou o silêncio.
O desejo
e o sonho.
O que mudou
ao longo dos anos?
Não sei.
Seguramente, não sei.
Talvez os cabelos
embranquecessem;
ou aquele ímpeto,
tenha adormecido.
Não sei mais
o que fui
ou, serei.
Apenas que algo mudou.
E as noites já não são tão longas.
Embora lá fora,
tudo pareça sempre,
eternamente, o mesmo.


65

Há o vento,
soprando manso
a madrugada.
Para lá de meus
pensamentos
e versos,
segue em frente,
aquela estrada.
Por lá, hei
de algum dia,
passar.
A carregar
o que tenho sido,
sentido
ou, sonhado.
Eis todo o meu
fardo.
Os versos?
Já não terão importância.
Entre meus passos
e os versos,
há naquela estrada,
uma eternidade
de distância.


66

Eis a madrugada
outra vez.
Lobo solitário,
como hei de ser
normal?
Dorme quieta,
minha amada.
Mas não consigo
calar-me,
estático, ao seu lado.
Por isso,
deixo-me levar,
pelos prados
de meus sonhos,
a uivar
na madrugada.


67

De repente,
é como se fora
meu último canto.
Pobre, sem encanto,
querendo se desculpar.

Deus!,
que alma me destes!
E que arrancaram
alguns pedaços,
deixando-me à sós
frente ao mar?

Um mar de sentimentos
que, eu quisera cantar.
Mas que finda
em tormentos.
Insignificante riacho,
que se atira, febril,
de encontro ao mar!
A fremir, minto,
dentro do peito,
sem poder sequer
o que sinto,
neste canto
derradeiro,
ao mundo exprimir.
Vivo a sofrer e mentir, cantando a chorar.!


68

Vem, manhã urgente,
trazendo outro dia.
Nesta noite calma,
vazia e fria,
senti tudo o que havia.
Chorei rios tantos,
quantos um homem
pode chorar.

Vem, manhã,
urgente!
Que hoje não sou senão,
o bocejo dessa gente.
Que desperta
na simplicidade
do viver
(apenas viver)
sem nem ter o que esperar!


69

Tantas voltas
em volta
de um só ponto
que,
às vezes,
fico tonto...


70

Jesus!,
afrouxa os laços,
que me sufocam
o peito,
o coração.
O peito
é um velho ancião.
No coração,tanta,
mas tantas primaveras
que, se fizeram,
eternas quimeras!


71

Como se o poeta,
fosse viver, eternamente,
com a janela aberta..
Que dá para o nascente.

Fuma e medita.
Mas tudo é uma coisa só.
Fumo e fumaça.
Carcaça e pó.

Como se o poeta
fosse viver, tantos anos!
Tece longas tranças,
em sonhos e planos.

Como se o poeta
vivesse fiando-se
na sorte,
conta-se na vida,
esquecido da morte.

Como se o poeta
fosse realmente um só!
Ata e desata,
do destino,
tantos nós.

Como se viver
fosse fácil.
Sonho a poesia.
Sonho acordado.
Com a princesa
da vida, adormecida.

Que me acena
ressonando do sem fim.
Do outro lado
da existência.
Perdida existência.

E que é
a própria vida,
enfim!..


72

Este é o último livreto
de uma vida que não vivi.
De uma poesia que não escrevi.
De um sonho que não sonhei.

Em amar, fui rei.
Vassalo, me deixei
a rondar a ilusão.
A escória ensandecida,
a podridão.

Não sei o que fui.
A arrastar correntes,
por um mundo doente.

Não sei quem sou.
Talvez meu avô.
O que partiu,
o que ficou.

O derradeiro sopro
de um senhor cansado,
num reino antigo,
sem trono,
sem tino,
enfarado.

O que desejava?
Não, não sei!

Nada mais importa:
ser a plebe,
ou enfarado rei.

Computador, parafuso.
Máquina, ferrugem,
um ente confuso,
da intrigante criação.

O último
dos moicanos.
Franco
Francisco.
Demente,
cigano.

Não importa.
O futuro não importa.
Duro, osso, espectro,
no escuro
sombrio — doentio,
de algum porão.

Eis o velho
e o moço.
Eis até o pescoço,
sem apreço,
sem solução.

Aqui vai, a derradeira canção.
Como quem quisera,
algo mais que sonhar.

Pobre ilusão:
que passou,
sem passar.

Doente
feito as nações
e seus povos!

A fazerem guerras,
contra os inimigos
inexistentes.

Perdi!
Sinto-me abatido,
doente.

Já fui
o que não era.
Jamais serei.

Talvez,
nessa quimera,
de um último verso,
minha alma
descanse?


73

Desperta sentimento!
Desperta, é madrugada.
E, de qualquer forma,
a solidão é companheira.

Vamos criar a obra,
o verbo definitivo.
Como quem ama, quem sabe?
Afinal, podemos amar.

Desperta coração!
Tão bandoleiro,
aventureiro
da solidão!

O que resultou
dos amores tantos?
Mágoas?
Ora, o que são elas, afinal?

Desperta!
Melhor amar
(ainda que em sonhos),
que enterrar
no esquecimento,
sequer um desses momentos!

Desperta, abre-te
e busca o amor.
Afinal, ainda
restam-nos estrelas.
Vê, observa
aquela flor?

E então?
Isso! Agita-te!
Explode, coração!
Explode de vez!
e de vez, me deixa em paz!


74

Foram tantos poemas!
Anos vividos a sonhar.
Tudo em nome do amor.
(que merda!).
Tudo fora do lugar.
Tudo:
desde o coração,
ao terno olhar.
De ver
o que não existia.
De amar o que não havia.
De sentir o que não era.

Até que um dia,
como tudo o que
é falso e finda,
findou-se-me
aquela primavera.
Adversa primavera que,
mais parecia inverno
E, enfim,hoje,
hoje vivo de esperar.
Esperar o que jamais
existiu. Ou existirá.


75

Era um sonho.
Feito a vida que vivi.
Feito aquilo, que inventei
um dia, por te amar.

Era um sonho,
como outro qualquer.
Algo que se esfuma
e se perde no ar.

Sonho, nada mais.
Que durou tanto tempo
quanto, do sono despertar.

E de repente,
olhei à minha volta,
a procurar.
Vazio!
você era somente
um vazio.
Algo que, jamais
poderei, explicar.


76

Vagam na escuridão,
fantasmas de meus sonhos.
Tristes sonhos de uma vida,
resumida em ilusão.

Passou, foi-se o tempo de sonhar.
Porquê dizes que sonho?
Porquê vives a me cobrar?
Porquê pensas, que ainda posso amar?

Não percebes que estou morto,
esperando a vida passar?
Não percebes em meus cabelos
a neve do tempo chegar?

Porquê me feres o coração,
com tamanha ingratidão?
Quando tudo o que me resta,
é observar por uma fresta,
o fim da pobre ilusão?.


77

Pudera dizer-te
que já não posso sonhar,
para que me deixasse em paz,
quieto, num canto a passar.

Por acaso, não tenho estado,
todo o tempo ao teu lado?
Qual uma sombra, calado,
sem mais nada pedir,
sem mais nada esperar?!

Por favor, não me acuses,
daquilo que não posso fazer.
Como posso sair lá fora,
e procurar alguém?
Se sou uma sombra?
Minha alma foi-se embora!

Ah mulher! que obsessão!
põe, por favor,
a mão na testa febril,
procura guiar-te pela razão.
Já não passo de sombra,..
Sou como que um nada,
fantasma de mim mesmo
escondido no vão da escada.

Por favor, deixa-me
ao menos, morrer em paz.
Dessa vida, nada desejo.
Nem sonhar eu consigo mais!


78

Ser normal.
Terrivelmente perfeito.
Sem problemas,
sem defeitos.
E nunca errar.
Saber a medida exata,
sempre na hora certa.
O bom comportamento.
Zeus!,
livrai-me dessas
besteiras todas!
Arranca de meu cérebro,
a consciência que mede
e, comedidamente, me coíbe.
Deixa-me explodir
nesta insanidade
patética.
Para que eu possa,
enfim,
descansar em paz!


79

Restos!
Restos de tudo,
à minha volta.
Sonhos!
Cacos de sonhos,
partículas de notas musicais,
dançam em meu cérebro.
Valsam versos
capengas, rotos,
tortos, mortos,
doentios.
Rios!
Rios de neurose
correndo em minhas veias..
Veias/velhas.
Arre!,
fartei-me de tudo isso.
É isso!

Deste meio termo,
Deste nunca ser!
Ou, ser pela metade!
Quero explodir.
Arrebentar!

Ser algo concreto.
Não esta ficção.
Não esta eterna
e patética ilusão!..


80

Tudo passa
feito a madrugada lá fora.
Ou a vida escorrendo,
pelo espelho de minha alma.
Meus fantasmas
estão felizes, saltitantes.
Orgíacas festas,
explodem em meu peito.
Sentimentos débeis.
Pura ilusão
de querer viver,
um dia a mais.
Mas isso também
é indiferente.
Como o são os gemidos
que brotam na madrugada.
Como o são, as pedras,
as lápides, palavras..
Tudo, tudo,
é tão nada.
E tudo passa!
Tão veloz, quanto
o vento lá fora.
Este desejo de cerveja,
coxas, lábios, canções.
Este anseio por pizzas
e dentifrícios..
Baratas passeiam,
cães ladram lá distante.
Besouros zunem
e a gota d’água insiste.
A dor, o que é?
Passa, como o jato,
o santo, o tempo.
Os sonhos passam,
Passam os velhos,
os loucos, os patrões.
O amor roto,
a história, a memória,
a sujeira, o perdão.
Velozes coisas.
Demasiados velozes,
meus pensamentos,
correm atrás da vida;
do sentido que há
em se viver.
Pensar, sentir,
morrer, passar.
Mas não há.
Não há sentido
algum, em tudo.
Porque tudo passa.
Nada resta.
Vejo isto,
por uma fresta da razão.
Vejo isto, por uma fresta
da loucura.
Tudo é o mesmo.
E tudo passa.
Velozmente.
Tudo passa.
Por quê?
Porque esperar algo mais?
Algo que não seja
senão,
o momento a passar?
Porque, afinal,
tudo, simplesmente, passa.


81

Tardes e noites normais..
Cerveja, cigarros,
televisão, tédio,
cachorro, gato,
arroto, lembranças,
preguiça, notícias,
horários, alimentos,
sono, ilusões..
Tardes e noites normais.
As manhãs,
espero que elas,
me deixem
(definitivamente),
em paz.


82

Um dia
após o outro.
Meu coração
cansado.
Tudo feijão,
na água fervente.
Panela de pressão.
Um dia,
após outro.
Regras e horários.
Panela de pressão.
Do meu escritório
de esperas,
observo aranhas
tecendo teias,
num tempo
absurdo,
inexistente.
Tempo em que pensei
ter vivido
um dia! Hoje, não sei.


83

(musicada por Júlio Pontes e Mauro Rueda)

 

Não entorte o sorriso.
deixa.
Entenda quem quiser.
Não reme contra a maré.
Deixa.

Não vá querer ensaiar
e ser o que não é.
Somente para agradar,
ao coro dos descontentes.

O passo entortou?
Entortou o pensar?
Deixa!
Bananas e melancias,
sol, verão, carnaval.
Viva o futebol
do país tropical.

Sorria torto.
Sorria roto.
Sorria morto.
Os urubus observam.

Os urubus,
sempre nos observam.
Mas a vida continua.
Na terra que se encerra
em nosso peito.
Em nosso grito aflito.

Não deixe que entortem
o que já era.
Teu jeito de eras,
teus sonhos, quimeras.

Os urubus passeiam.
Os urubus passeiam.
Por isso, sorria!


84

Estava ali feliz,
comigo mesmo.
Torto em meu canto,
roto.
Escuro no esgoto,
claro..
Vivendo o instinto
do instinto,
do instinto
sem paixão.
Apenas feliz
e nada mais.

Então veio alguém
que alguém mandou
para me dizer:
“olha isso, entende?”
“você tem que ser”
“você tem que ter”
“você tem que...”..

E eu ouvia
e entendia.
E assimilava
e aprendia

Tudo, tudo, tudo,
o que disseram;
o que ensinaram,
eu aprendi...

Mas aprendi bem mais!
Algo que, nunca vão dizer,
porque eles têm medo.
Sabendo que você, pode
ser somente você!


85

Eu já sei
onde você quer chegar.
Oh Zeus!,
tudo tão estranho:
meninos que aprendem
a matar.
Nações inteiras,
vivendo mentiras.
Pessoas correndo,
morrendo, sofrendo,
enganadas, piradas,
doentes, dementes,
banguelas, suicidas,
perdidas, neuróticas,
indecentes..

Mas tudo,
tudo, ilusão.
Besteira
de compositor.
Mundo problemático,
vida sem razão.

Eu já sei
onde você quer chegar...


86

Eu disse:
agora chega de sofrer.
Quem é que vai nos impedir?

Nós somos tantos
e estamos por aí:
— filas, botecos, construções.
Nascemos tortos,
podem crer.
E só viemos
para pagar.
E só viemos
para sofrer.

Mas eu disse:
— agora chega!
Agora basta!

Não vamos mais
nos importar,
com o que eles
querem nos obrigar
todos os dias
a fazer..

Já não podemos
nos calar.
Já não podemos
nos vender.

Não, não,
não, não!
Não somos escravos,
não somos palhaços,
não somos capachos..
Por isso,
basta!

E que se dane o poder!
E que se lasque o poder!
E que se ferre..o poder!


87

Se eu não me perder por aí,
para quê me serve esta vida?
Se há sempre um medo absurdo
em minha voz tão cansada?

Medo de nada,
medo de tudo
à cada manhã
perdida.
Sombras
nos vãos da escada;
que se escondem
com medo da vida.

Enquanto a saída,
é a porta de entrada.

E eu, somente
quero ficar,
em meu lugar.

E eu somente
quero ficar,
em meu lugar.


88

Ah, ter que arrastar-me
por longas vias da vida!
Todavia, aqui vou eu.
Mesmo sabendo
que estou indo
pra lugar nenhum.
Mendigo, menino, bandido..
Aqui vou eu,
cosendo no manto
da vida,
a tristeza,
o espanto
de nunca acertar.

Erro em tudo.
Na pueril medida,
na mais vil palavra;
arando a seara
do peito desmilingüido,
foragido
de tudo.

Aqui vou:
exilado
deste mundo,
desta vida
sem nexo,
sem sentido.

O que quisera,
o que desejara,
é tudo, o que não haverá.

Um pé torto,
entorta o destino.
O meu destino
aberto em pétalas,
sem cores.

Vou arrastando-me:
via-crucis
do perfeito;
da vírgula,
da frase,
do sentimento..
Arrasto-me
e escrevo.

Escrevo
com o sangue
das canções.
Para os meninos
mortos, rotos,
que vierem
depois.
Quando eu já
tiver ido!


89

Crepúsculo e preguiça.
Tédio e ilusão.
Tudo transbordando
em melancolia,
o meu coração!

De papel,
papel de pão.
Onde escrevi a poesia.
Meu coração,
então sorria:
no ponteio da viola,
no crepúsculo
que cai lá fora,
no torpor da fantasia.
Meu coração sorria.

Sorria e quase feliz,
reinventa a vida.
Refaz cada sonho,
em meio ao tédio,
— que remédio? —.
Viva a nossa ilusão!

E viva eu,
viva tu, coração de papel,
papelão!
Amigo louco,
antigo.
Viva o viver.
Viva o sonhar.
O sofrer, o gozar,
o morrer-se cada dia.

E viva, afinal,
a poesia!
Toda ela,
— sem a qual —,
eu jamais poderia,
em meio à dor,
cantar minha ironia.

Viva!. Viva!
Viva a poesia!


90

Álacre alarido.
Lívida tez:
talvez, espanto?
Quem sabe, medo?
O que me mata,
é eterno segredo.
Contudo,
sem aflição,
rasgo o peito,
deixo.
E mergulho fundo:
para a vida
sou todo coração!


91

Não houvesse o teu olhar
a perscrutar, disfarçado,
o meu..
Eu te diria:
já não importa.
Não, sinceramente.
Há muito,
muito tempo,
que meu sonho
feneceu.


92

Sopra vento,
a melancolia.
Por um momento,
em que me encontro —,
me contento.
No mais:
tanto faz.
Sopra vento,
de minha alma —,
este arsenal de sentimentos!
Varre-me por inteiro.
Pois que sou,
— mais que a solidão antiga —,
somente tormento.


93

Se a moça é bela,
debruçada na janela,
sorria.
E sorrindo,
refaz a paisagem
em magia.
Se a moça é bela,
quem — desalmado —,
roubou-me do quadro,
da memória,
(antiga lembrança),
a tela?


94

Verso torto.
Viestes roto,
rindo sem tino.
Desatino, desaforo.
Na tela, apunhalado,
sangrando, agoniza
o verso.
Inspiração de um tempo
adverso.


95

Não me avisaram.
Não, nada disseram.
Quando deparei
com meu corpo estirado,
morto, sem vida..
Juro que não
me peguei desesperado:
leve, livre, solto,
feito um sonho alado.


96

O verso resvala,
revela, denuncia,
a porta do vezo
entre/aberta.
Não convida.
Contudo, o verso
revela.


97

Neste resto de tarde
que se inclina
— nem alegre, nem triste —,
vivo o que resiste: a sina.
Em meu ser,
quase abstrato,
rocio de folhas
amarfanhadas em quimera.
Fumo que se desfaz,
do que sou, do que era.
Sem rima,
somente o limo das palavras;
o musgo em meio às heras,
neste resto de tarde,
do que sou, já nem sei,
o que um dia fora
e, se tendo sido,
realmente era..


98

Na madrugada vazia,
a vida fria.
Cravo na alma,
este punhal.
Da vida flor e dor
desejo somente
o ponto final.


99

Ávida a mente,
álacre o verso.
Tanto reverso,
em que me disperso
e nunca me junto,
e nunca me encontro:
sou nada.
Sou tantos!
Sou, enfim,
o início de tudo.
O reverso e avesso
do início (precipício) do fim.


100

Da vida
este espanto:
nada restou.
E parecia tanto!

 

FIM

Mauro Gonçalves Rueda

São José do Rio Preto, 1.990.


 

PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DA OBRA.
DIREITOS RESERVADOS PARA MARICY REGINA DE CASTRO RUEDA E JOYCE DE CASTRO RUEDA.
REGISTRADO NO EDA DE ACORDO COM A LEI N.° 9.610/98.
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. BY: MAURO GONÇALVES RUEDA.

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©2003 — Mauro Gonçalves Rueda
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Maio 2003

 

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