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G. de Almeida Moura

O FASCISMO ITALIANO E O ESTADO NOVO BRASILEIRO

—Ridendo Castigat Mores—


 

O Fascismo Italiano e o Estado Novo Brasileiro
G. de Almeida Moura

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© 2002 - G. de Almeida Moura
“Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou.”
Nélson Jahr Garcia (1947-2002)


ÍNDICE

Introdução
As origens
O estatismo italiano e a democracia brasileira
Noção de democracia
Aspectos democráticos da Constituição Brasileira
O regime totalitário fascista
A democracia autoritária
O corporativismo fascista
O Conselho da Economia Nacional
Retrospecto
Obras consultadas
Notas


O Fascismo Italiano
e o
Estado Novo Brasileiro

[imagem]

G. de Almeida Moura


INTRODUÇÃO

 

1. Na época de transição em que vivemos, somos obrigados a rever a cada passo conceitos do direito público. Muitas noções tradicionais se chocam com a realidade histórica, e parecem ter perdido a vitalidade primitiva. Em seu lugar, outras noções vão surgindo, Primeiro sob o manto sedutor do proselitismo, depois, mais serenamente, na roupagem das exposições objetivas, com pretensão a estabilidade científica. Há momentos em que a escolha é difícil, tanto mais, quanto é certo que mal poderemos ser a um tempo críticos e atores, pensando “historicamente”, sub specie aeternitatis, e sofrendo, como indivíduos, as angústias do momento. Compreende-se, assim, que tendamos a ficar com os hábitos adquiridos. A desconfiança contra inovações é normal ao pensamento humano. Não se trata de “oposição”, que é atitude política. Politicamente, poderemos aceitar qualquer estado de coisas, e lisamente colaborar com o poder público, na promoção do bem geral. Cientificamente. porém, é sempre lícito investigar, aceitar aqui, recusar acolá, desde que toda verdade humana é provisória e deve ceder a uma evidência maior.

2. A guerra de 1914, a grande destruidora de regimes e instituições, provocou, de um lado, um como que ressurgimento do ideal democrático, e, de outro, a eclosão de extremismos da direita e da esquerda, do comunismo, do fascismo e do nacional-socialismo. Sem a guerra, não teríamos quiçá nem a ditadura vermelha na Rússia, nem a ditadura branca, na Alemanha e na Itália. Embora diversificados entre si, em pontos secundários, filiam-se esses regimes à fonte doutrinária de SOREL, e apresentaram-se “para ficar”, “para durar mil anos”. Entretanto, a conflagração aí está de novo, para pô-los à prova, e fazê-los demonstrar até que grau irá a sua capacidade de resistência. O que a guerra trouxe, a guerra poderá levar. É mesmo possível que até este trabalho envelheça tão depressa, que, daqui a meses, nos vejamos diante de situações que por ora nem sequer podemos suspeitar.

3. Como país culto, não ficou o Brasil à margem do drama político do século. Também aqui não mais estamos na situação de vinte e cinco anos atrás. Da Constituição de 1891 passamos para a de 1934, e desta para o regime de 10 de novembro de 1937. A transformação foi profunda. Em menos de um decênio, viemos da mais pura Constituição democrática e liberal para a de uma democracia socializante, e desta para a de uma “democracia autoritária”.

4. Não pendemos nem para o extremismo da esquerda, nem para o da direita. Aquele seria repelido unanimemente pela consciência nacional. Nos dias subsequentes ao da instituição do atual regime, houve razões para supor que o Estado Novo se confundira com o integralismo, tal o calor da adesão que este levou ao Presidente da República(1a). A Constituição ainda não fora bem estudada, faltavam os esclarecimentos dos chefes do movimento, não se haviam ainda dissolvido os partidos políticos. Depois a dúvida se desfez. Informações inequívocas puseram termo à discussão. O regime era democrático e representativo. Não era nem integralista, nem fascista.

5. O que pretendemos agora é examinar doutrinariamente o problema, pondo em confronto o regime italiano e o brasileiro, a fim de verificarmos, sumariamente, em que diferem um do outro. Excusamo-nos de descrever, em seus pormenores, os vários órgãos dos dois Estados, não só por dispormos de tempo mais do que escasso para a redação deste trabalho, como também por ser de bem maior interesse o exame crítico dos regimes estudados. As nossas falhas inevitáveis serão certamente desculpadas pelo inteligente leitor.

6. Preferimos examinar apenas o Estado fascista, por ser o que mais comumente nos vem à lembrança, quando falamos de regime forte. Aliás, estamos ligados à Itália pelos laços mais nobres, morais e materiais. Trazer também ao debate outros Estados totalitários seria aumentar desnecessariamente as proporções desta monografia. Examinado o fascismo, nos pontos que nos interessam, os demais regimes perdem muito de sua importância, como pontos de comparação.


AS ORIGENS

 

7. Quando o fascismo assumiu o poder, em outubro de 1922, não tinha um sistema de doutrina. “La dottrina — bell’ e formata, com divisione di capitoli e paragrafi e contorno di elocubrazioni — poteva mancare; ma c’era a sostituirla qualche cosa di piú decisivo: la fede”(1). Em todo caso, diz MUSSOLINI, já existiam os fundamentos teóricos, lançados, aliás, em plena batalha, nos comícios, nos congressos, na imprensa, nas confabulações partidárias. Os problemas do indivíduo e do Estado, da autoridade e da liberdade, e todos os que diziam respeito aos ideais revolucionários, foram sendo discutidos, isolada e fragmentariamente, até serem traduzidos pela legislação que deu contornos mais definidos ao regime(2).

8. Em carta de 27 de agosto de 1921, afirmava o chefe do movimento que, sob pena de suicídio, devia o fascismo plasmar um corpo de doutrina. “Eu próprio que as ditei, sou o primeiro a reconhecer que as nossas modestas tábuas programáticas — a orientação teórica e prática do fascismo — devem ser revistas, corrigidas, ampliadas, corroboradas, porque sofreram, aqui e ali, a injúria do tempo”.

9. O desejo foi ouvido. A bibliografia fascista cresceu assustadoramente. Entretanto, em 1931, achava DEL VECCHIO que as elucubrações filosóficas a respeito da nova política eram, na maior parte, infelizes. Nem existia ainda, para ele, uma filosofia do fascismo, talvez porque os que tentaram escrevê-la não tinham vivido verdadeiramente “a paixão revolucionária fascista”, e os que a viveram não puderam escrevê-la. Não deve admirar, continua, pois é sabido, por exemplo, que o maior monumento jurídico do gênio humano, o Corpus juris, é pobre de teorias gerais, o que não impede que nele, como na moderna legislação fascista, “viva, latente, uma veraz filosofia”(3).

10. Essa incerteza de princípios desorientou, de certo modo, a opinião pública, a qual, embora nutrisse simpatias para com os Fasci di combatimento, na guerra que moviam aos partidos subversivos, não se persuadia de estar a assistir à criação de um novo sistema político, tanto mais que eram conhecidas as anteriores convicções socialistas do ardoroso condottiere(4).

11. Ainda terá razão de ser a crítica de DEL VECCHIO? Eis o que não poderemos responder com duas palavras. Escrevendo em 1933, o professor RÁO mostrou, com muita felicidade, como é difícil estudar a organização fascista, pela inexistência de um estatuto político fundamental, que proclame as linhas mestras do regime. Para dar corpo e sistema aos múltiplos órgãos através dos quais o novo Estado desenvolve a sua atividade — diz o professor RÁO — preciso é estafante trabalho de investigação e de estudo das leis numerosíssimas que criaram esses órgãos e ora regulamentam as suas atribuições. Assim. verifica-se que as novas instituições não se articularam com as velhas, da Constituição de 18 de fevereiro de 1848, subsistindo muitas destas, nominalmente, em respeito à tradição, e exercendo aquelas, efetivamente, o poder público. Outra dificuldade apontada pelo professor paulista é a da existência do Partido Nacional Fascista, entrelaçado com os órgãos fundamentais do Estado, e a dar a impressão da existência, em tese, de uma multiplicidade descomunal de órgãos políticos. Não se descobre, no fascismo, nada que se pareça com divisão de poderes. Os juristas preferem falar em “órgãos de manifestação e de realização da vontade política”, expressão mais maleável, “que permite esboçar uma ligação mais ou menos sistemática entre os citados órgãos e instituições”(5).

As organizações fascistas continuam, no fundo, a ser as mesmas. O material legislativo não variou, em essência. As exposições dos doutores prosseguiram, com a mesma uniformidade, isto é, a bordar comentários, breves ou estirados, em torno de umas tantas proposições de caráter oficial, apresentadas como artigos de fé. Finalmente, o fundador do regime expôs condensadamente o seu pensamento em La dottrina del Fascismo, parecendo que nada mais é de se acrescentar aos fundamentos nela contidos. Longos anos de governo e de atividade harmonicamente evolutiva devem ter sido suficientes para o Duce definir as suas convicções filosóficas. E se a Itália vier a redigir uma Constituição política fascista, terá de calcá-la sobre o conteúdo ideológico do livro de MUSSOLINI.

12. No Brasil, o caminho foi diverso. O programa com que a Aliança Liberal se apresentou ao eleitorado, em 1930, era nitidamente democrático. O que todos queriam era a restauração da Carta de 1891. A plataforma lida na Esplanada do Castelo, a 2 de janeiro daquele ano, traduziu a “generalizada e vigorosa tentativa de renovação dos costumes políticos e de restauração das práticas da democracia, dentro da ordem e do regime”(6). Vencedora a revolução de 3 de outubro, entramos na fase do Governo Provisório, indefinida quanto às futuras diretrizes constitucionais. Falava-se em “realidade nacional”, em “espírito revolucionário”, mas tais designações não tinham nenhum conteúdo positivo. Reunida, por fim, a Assembléia Nacional, tivemos a Constituição de 16 de julho de 1934, inferior, quanto à linguagem e firmeza doutrinária, mas ainda democrática e representativa, sob o influxo visível do modelo alemão. A democracia social de 1934 durou pouco, apenas o tempo suficiente para se processar uma agitada campanha de sucessão presidencial, cerce cortada pelo golpe de 10 de novembro de 1937.

13. Não houve pregação anterior, nem indício de que o panorama político se havia de transmudar, embora a opinião pública se alarmasse, legitimamente, com a falta de ideal e as tropelias da campanha de sucessão. Achamo-nos, num ápice, diante de um fato consumado. O Estado Novo existia, sob a forma imperativa de um supremo texto legal.

Ao invés de promulgar uma, ou mais leis de menor magnitude, que lhe dessem uma tal ou qual liberdade de ação, até cristalizar-se em formas permanentes, como que se comprometeu o regime a manter-se dentro da estrutura que havia livremente escolhido.

14. Na Itália, a doutrina nasceu da experiência e das leis. No Brasil, a Constituição a tudo antecedeu. As leis secundárias vieram depois, e ainda hão de vir. Assim, o nosso Estado é menos maleável que o fascista. Este há de se ajustar aos postulados fundamentais da doutrina que adotou, mas pode mais facilmente modificar o seu sistema de organizações; nós temos um texto fundamental, que deve ser respeitado e executado na íntegra, exatamente como nele se contém.

15. Aplicando-se à Constituição os critérios usuais de hermenêutica, deduziremos a doutrina da nova ordem. A própria exegese governamental tem de com ela concordar. Apesar de lhe ser intérprete autorizado, por causa da falta de discussões prévias que se conheçam, nem sequer o eminente autor da Constituição, ou os seus subscritores, têm a permissão de se opor a ilações que se tirem, corretamente, do texto capital.

16. No momento, encontramos, na Itália e no Brasil, um poder unipessoal. Mas lá a situação é regular, em que pese às negações de escritores fascistas, quanto à qualidade ditatorial atribuída a MUSSOLINI. Aqui, esse poder é transitório. O Estado Novo não é o que estamos a ver, sem o Parlamento, sem o Conselho da Economia Nacional, sem os governos eletivos dos Estados, sem as Câmaras Municipais oriundas do sufrágio popular. O regime só existirá em sua plenitude quando estiverem montadas, e a funcionar, as engrenagens previstas pela Carta de novembro. A quadra presente é pre-constitucional, de emergência, de adaptação ao futuro estado de coisas. Entre o presente e o futuro se há de intercalar o plebiscito do artigo 187 da Constituição.

17. Será de extrema importância essa jornada ratificadora. Conferida validade jurídica ao diploma constitucional, por essa forma pública e democrática, produzirá ele, então, todos os efeitos.

A Constituição imperial de 1824 foi previamente submetida ao placet das Câmaras Municipais. A de 1937 entrou desde logo em vigor, como necessária expressão de governo, confiando na posterior aprovação do eleitorado. Parece-nos inteiramente improvável o retorno às posições anteriores. Mais lógico é que o Estado renovado evolva para o que tiver de ser, através dos meios ordinários previstos pela Carta em vigor. Tratando do assunto, o professor FRANCISCO CAMPOS diz que “o povo não irá julgar uma abstração, mas um regime que já deverá, pelo menos, ter começado a dar corpo às suas promessas”. Não parece possível ao ilustre jurista prever as conseqüências que se seguiriam a um plebiscito negativo. Isso seria do domínio dos acontecimentos e da História(7).


O ESTATISMO ITALIANO E A DEMOCRACIA BRASILEIRA

 

18. “O fundamento da doutrina fascista — doutrina MUSSOLINI — é a concepção do Estado, da sua essência, dos seus deveres, da sua finalidade. Para o fascismo o Estado é um absoluto, diante do qual indivíduos e grupos são o relativo. Indivíduos e grupos são imagináveis enquanto estiverem dentro do Estado”(8).

Não é uma novidade. HEGEL já havia afirmado que o Estado “é a realidade da idéia ética, o espírito ético, como vontade manifesta, evidente a si mesma, substancial, que se pensa e sabe, e, enquanto o sabe, executa o que sabe”(9). Tanto para o fascismo, como para o pensador alemão, é o Estado a “síntese final da liberdade”(10).

19. DEL VECCHIO não consente que se confundam as duas doutrinas. Se o Estado tem cometido, através dos tempos, as maiores injustiças, como afirmar que é “a realidade da idéia ética”? E se é verdade, como lembra Vico, que “este mundo civil foi certamente feito por homens”, deve também o Estado submeter-se ao tribunal da razão. Assim, “qualquer” Estado não é um absoluto, como o é o Estado fascista(11).

Quer dizer: apesar de tentar distinguir, está DEL VECCHIO fundamentalmente de acordo com a doutrina da força.

20. Mais claro, nesse particular, é PANUNZIO, grande admirador de HEGEL, a cuja doutrina filia o Estado fascista. Referindo-se, em longa nota, às discussões hoje travadas na Itália, sobre o assunto, adverte, contudo, que “não quer, nem deve falar de filosofia. O conceito hegeliano do Estado é tomado no seu aspecto social e político. Sob esse ponto de vista, é indubitável o seu nexo histórico e ideológico com o Estado fascista”(12).

21. Efetivamente, não é fácil imaginar uma sociedade a viver a vida natural, que, embora não seja de injustiça, é de ausência de direito, status iustitia vacuus, pela ausência de competência judicante, no caso de conflito de interesses(13). O estado natural absoluto seria a completa anarquia, a vitória do individualismo integral. Esse estado não existe. Historicamente, é indiscutível a diferenciação entre governantes e governados. O poder de legislar e de executar o que se legislou é sinal certo de disciplina estatal. Quer dizer que carecem de significação as especulações contratualistas, cujo maior valor foi terem constituído bandeira de combate contra os abusos políticos de um certo momento na vida dos povos. A necessidade do Estado é um postulado da ciência política. As divergências começam desde o momento em que se discute qual o grau de autoridade a ser-lhe conferida.

22. Para o fascismo, o Estado não é o guardião noturno, a ocupar-se somente da segurança e do bem-estar público, para o que bastaria um conselho de administração. “O Estado”, acentua MUSSOLINI. “é um fato espiritual e moral, pois concretiza a organização política, jurídica, econômica da Nação. Na sua origem e desenvolvimento, é o Estado uma manifestação espiritual. O Estado é a garantia da segurança interna e externa, mas também o guarda e transmissor do espírito do povo, conforme se elaborou, através dos séculos, na língua, nos costumes, na fé. O Estado não é só o presente. mas igualmente o passado, e, sobretudo, o futuro. É o Estado quem, transcendendo o breve limite das vidas individuais, representa a consciência imanente da Nação. Mudam as formas por que se exprimem os Estados, mas a necessidade permanece. É o Estado quem educa os cidadãos para a vida civil, tornando-os conscientes de sua missão, e convidando-os à unidade; harmoniza-lhes os interesses na justiça; transmite as conquistas do pensamento, nas ciências, nas artes, no direito, na humana solidariedade; conduz os homens, da vida elementar da tribo, à mais alta expressão humana de poder, que é o Império; conserva para os séculos o nome dos que morreram pela sua integridade ou para obedecer às suas leis; indica como exemplo, e recomenda às gerações que vierem, os capitães que o acresceram de território e os gênios que o iluminaram de glória. Quando declina o senso do Estado e prevalecem as tendências dissociadoras e centrífugas dos indivíduos e dos grupos, as sociedades nacionais se dirigem para o ocaso”(14).

23. No Estado fascista, não existem os indivíduos, que só são “pensáveis” dentro do grande Eu, único e verdadeiro, para o qual tudo converge e ao qual tudo se subordina. Esse Estado tem império ilimitado, considerando-se mandatário da Nação, independentemente de qualquer espécie tradicional de mandato. A Nação italiana — reza a Carta do Trabalho, de 21 de abril de 1927, “é um organismo, que tem fins, vida e meios de ação superiores em poder e duração aos dos indivíduos divididos ou agrupados que o compõem. É uma unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado fascista”.

24. Logicamente, sobrepõe-se o Estado fascista até à autoridade familiar, intervindo, inclusive, nos mais íntimos interesses da educação da prole. Não há, do mesmo modo, direito privado algum, desde que contrarie os desígnios políticos do poder.

GIUSEPE FERRI procura responder à objeção, formulada principalmente no estrangeiro, de que o regime fascista destruiu a atividade privada e se intrometeu em todas as lides humanas(15). No terreno do direito positivo, alega ele, basta considerar o reconhecimento do casamento religioso. “Questo solo vistoso esempio” destrói, por si só, a arguição. Cita ainda as palavras de MUSSOLINI, de que “o Estado organiza a Nação, mas deixa, após, aos indivíduos, margem suficiente; limitou as liberdades inúteis ou nocivas e conservou as essenciais”(16).

25. Ora, sendo o Estado o único juiz das liberdades, ninguém estará seguro contra os abusos que cometer. Praticamente, importa tal princípio em negação da liberdade, desde que não nos parece possível encontrar um critério distintivo entre a nocividade a utilidade dos direitos individuais. O abade LECLERCQ lembra, com agudeza, que a ausência de garantia do fascismo reside na falta de enumeração dessas liberdades ainda permitidas pelo regime(17).

As gerações que elaboraram o catálogo dos direitos individuais julgaram de bom aviso acrescentar-lhes a cláusula genérica dos direitos implícitos, com a qual quiseram significar principalmente o direito de resistência à opressão. Até onde irá este, é matéria ainda sujeita a controvérsias. Nós, por exemplo, não reconhecemos o que soem chamar de “direito à revolução”, pela impossibilidade de se admitir juridicamente a negação da ordem jurídica. A revolução pode ser justíssima, mas há de ser julgada pela História. Daí, porém, até o fascismo vai uma distância muito grande. Sendo impossível encontrar-se uma fórmula geral, utilmente aproveitável pelo direito, as Constituições de cunho democrático inscreveram em seu texto os vários aspectos que pode oferecer a liberdade do indivíduo. O fascismo rompeu com o “anacronismo”. Erigiu em princípio uma declaração de liberdade, que não consegue esconder, sob o seu manto de incontestável patriotismo, o vazio que há dentro dela. Afirmar que todos são livres, sem dizer em que consiste a liberdade. é o mesmo que negá-la.

26. Quanto à pretensa liberdade religiosa, são conhecidos os conflitos entre o fascismo e a Igreja. Ainda agora, na encíclica Summi Pontificatus, Pio XII deixou bem clara esta condenação dos regimes totalitários:

A concepção da autoridade ilimitada do Estado é um erro, prejudicial à vida interna das nações; “mas outrossim prejudica as relações entre os povos, porquanto rompe a unidade da sociedade internacional, tolhe o fundamento e o valor do direito das gentes, abre caminho à violação dos direitos de terceiros e torna sobremaneira difícil o mútuo entendimento e a convivência pacífica”.

“Realmente, se o Estado a si mesmo atribui e ordena todas as iniciativas particulares, estas, governadas, como têm de ser, por internas normas, delicadas e complexas, que garantem e asseguram a obtenção de seus fins próprios, podem ser prejudicadas, com notável dano do bem público, uma vez arrancadas ao seu ambiente natural, que é da responsabilidade das iniciativas particulares.

Do mesmo modo a família, primeira e essencial célula da sociedade, assim como o seu bem estar social e crescimento, correriam o risco de ser exclusivamente considerados sob o prisma do império e soberania nacional; não se há de esquecer, sem embargo, que o homem e a família são por sua natureza anteriores ao Estado, e que o Criador, além de especial missão, correspondente a indiscutíveis exigências naturais, deu a ambos forças e direitos inalienáveis.

Ainda, nessa concepção política, a educação das novas gerações não miraria o equilibrado e harmonioso desenvolvimento das forças físicas, das qualidades intelectuais e morais todas, mas visaria a formação unilateral e sobremodo cuidada, somente das virtudes cívicas, reputadas necessárias para a prosperidade dos intentos políticos.

Dessarte, as virtudes que trescalam nobreza, humanidade, respeito, seriam menos inculcadas, como se diminuíssem e deprimissem a altiva fortaleza dos jovens espíritos”(18).

Cremos que a onipotência do Estado não pode ser repelida por palavras mais impressionantes. Na sua serenidade, encarnam elas, realmente, a consciência de quantos ainda não abjuraram os velhos princípios de liberdade individual.

27. Diverso do fascista, o Estado brasileiro é republicano, democrático e representativo.

Pela Constituição, o poder emana do povo, é exercido em nome dele (art. 1.°), e tem origem especificamente individual: são eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, que se alistarem na forma da lei (art. 117).

Não abandonou, igualmente, a Constituição o velho hábito da enumeração dos direitos individuais, como se vê do art. 122 e incisos. A restrição do art. 123, limitando o uso desses direitos e garantias pelo bem público, as necessidades da defesa, do bem estar, da e da ordem coletiva, bem como pelas exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituídos — não tiram ao indivíduo a certeza de viver em um Estado de direito. À salvação individual prefere a salvação pública. Estranho seria que, garantido pela Constituição, pudesse alguém atentar contra ela e o bem geral.

28. O regime brasileiro é democrático e representativo. O poder é eletivo, temporário e responsável.

A Câmara dos Deputados e o Conselho Federal não são designados pelo Presidente da República, mas eleitos, indicando o Presidente apenas dez membros do Conselho. O Presidente é igualmente eleito, pelo mecanismo de um Colégio Eleitoral especial. “Este caráter democrático do regime não se revela apenas na origem eletiva dos poderes políticos, isto é, da Câmara dos Deputados. do Conselho Federal e do Presidente da República. Revela-se também no expediente do apelo direto a opinião pública em certas ocasiões mais sérias ou graves. Exemplo: quando o Presidente dissolve a Câmara e manda proceder a novas eleições; nos casos de fusão, desmembramento ou formação de Estados; de outorga de competência legislativa ao Conselho da Economia Nacional. Em todos estes casos, o povo se manifesta em plebiscito”(19).

A sede primária do poder é o eleitorado dos municípios, manifestando-se através do sufrágio universal, o que dá ao regime, na expressão de MONTE ARRAIS, “um cunho positivamente democrático”(20).

A temporariedade e a responsabilidade dos mandatários decorrem, nítidas, da letra constitucional.

29. 0 Estado brasileiro não é “um absoluto”, diante do qual os indivíduos são os “relativos”. Mas também não é um simples “conselho de administração”. O Brasil mantém a paz e o bem estar no interior, promove a defesa no exterior, bem como a conservação e desenvolvimento dos valores morais da Pátria, sem reprimir o que há de intangível na esfera individual. É certo que entre o regime de 1891 e o atual há notável diferença. Nem por isso chegamos ao fascismo. De um intervencionismo moderado, o Estado brasileiro afastou-se do liberalismo. Não deixou, contudo, o terreno da democracia. Que é, no entanto, a democracia? Quais os seus característicos? Encontrâmo-los, realmente, no texto da Constituição?


NOÇÃO DE DEMOCRACIA

 

30. Exatamente por ter adquirido um amplo sentido ecumênico, tem a expressão “democracia” dado origem às mais variadas controvérsias. Como “conceito ideal geral”, als allgemeiner Idealbegriff, tem sido confundida com liberalismo, socialismo, justiça, humanidade, paz universal e semelhantes. Dizia o ministro social-democrata DAVID, na Assembléia Nacional de Weimar: “A estrada está aberta para todo desenvolvimento pacífico e legal, e nisso consiste a mais legítima democracia”. A desmesurada ampliação do termo é comum às diversas correntes. CARL SCHMITT relembra que os liberais, como L. T. HOBHOUSE, conceituam a democracia como sendo “a aplicação dos princípios éticos na política”, enquanto que, para JAURES, a democracia é “justiça, humanidade, Liga das Nações, paz”. Essa é, ao demais, — no comentário do professor alemão, “a concepção característica do social-liberalismo da segunda Internacional, em suas ligações com a assembléia de Genebra, através de KAUTSKY, BERNSTEIN, MAC DONALD, HERRIOT, PAUL BONCOUR, THOMAS, BRANTING, VANDERVELDE e outros(21).

31. Não é fácil operar em meio a tanta confusão. Por outro lado, considerando-se a extrema variedade que as instituições democráticas têm assumido no espaço e no tempo, é de se compreender que ainda não haja sido encontrada a fórmula que compreenda todos os casos. Vale dizer que o estudo da democracia é pragmático, sendo sempre sob reserva que se lhe estabelecem princípios fundamentais.

32. As democracias antigas bem podem ficar de lado, neste rápido escorço. Abarcando, como novidade, grandes coletividades e dilatados territórios, foram as democracias modernas as que geraram o conflito.

Até a tricotomia clássica — monarquia, aristocracia, democracia — teria de ser revista. A monarquia, como governo de um só, cederia o passo a uma forma de governo no qual a autoridade suprema pertencesse a uma determinada família, ou grupo, por direito próprio. A observação, que é de GERBER, levou GIUSEPPE FERRI a falar em poliarquia, para indicar o regime em que a autoridade deriva de muitos. Contrapõe esse escritor a poliarquia à monarquia, por lhe não parecer possível estabelecer um critério seguro de democracia. No seu entender, se na monarquia há um só rei, na democracia cada cidadão o é, bastando que participe da formação da vontade do Estado. Logicamente, para FERRI, a aristocracia é também uma poliarquia, exatamente como a democracia(22).

33. Verdade se diga que, embora não haja, na democracia, a participação total dos indivíduos na atividade política, de modo que, numericamente, se possa confundi-la com a aristocracia, há um elemento que as separa, a saber, a existência, ou não, de privilégios de nascimento. “Não há numa democracia”, doutrina NITTI, “direitos adquiridos em matéria de direito público”(23). Nela, as incapacidades, de idade, de saúde, de fortuna, são relativas e supríveis, si et in quantum. Teoricamente, todos participam, ou podem participar do governo republicano. “Sempre diferente em um determinado tempo ou país, a democracia é a forma de governo sob a qual todo cidadão, sem distinção de nascimento ou riqueza, recebe da lei os mesmos direitos civis e políticos. Consiste ela, pois, essencialmente, na ausência de posições hereditárias. O povo, isto é, o governo, exprime diretamente, ou por meio do sufrágio, como nas democracias da antigüidade, e outrora em alguns pequenos cantões suíços, a sua vontade soberana, ou se faz governar por meio de representantes livremente escolhidos, como nas numerosas coletividades dos países modernos. Diz ARISTÓTELES que o princípio fundamental do governo democrático é a liberdade: eis porque se diz que a democracia é a única forma de governo sob a qual os cidadãos gozam de liberdade”(24).

34. Em KELSEN lemos que a idéia da democracia é a idéia da liberdade, no sentido de autonomia ou auto-determinação política. A democracia mais pura existe onde a ordem jurídica estatal é criada diretamente, em assembléias, pelos que lhe estão submetidos. Normal, porém, é a democracia representativa, que fica desde logo jungida à criação dos órgãos que hão de estabelecer a ordem jurídica. Certamente, discorre ainda o mestre de Viena, não se pode compreender a democracia a partir tão só da idéia da liberdade, desde que esta, sozinha, não pode fundar uma ordem social, cujo sentido essencial é o da vinculação. Só uma vinculação normativa pode estabelecer liames sociais e uma comunhão. O indivíduo não reclama a liberdade só para si, mas também para os demais; o “eu” quer que também o “tu” seja livre, pois vê nele um igual”(25).

Na teoria de SCHMITT, a democracia é a forma de governo correspondente ao princípio de identidade do povo concreto consigo mesmo, como unidade política(26). A solução é boa, desde que não confundamos essa identidade de governantes e governados com a indiscriminação de agentes, o que seria a negação da ordem e da autoridade.

35. Em livro autorizado, o professor LAUN chega, per negationem, e partindo do que denomina “direitos suprapositivos de dominação”, a circunscrever a natureza da democracia. “Estes direitos suprapositivos se mantêm, em virtude da crença dogmática, “acima” do direito “positivo”, e, por essa razão, não podem ser arrebatados aos seus detentores”.

Na democracia não há tais “direitos suprapositivos fixados dogmaticamente”. Ninguém está excluído do poder, e obrigado a viver em mera obediência. “Não há dogmas suprapositivos, nem organismos jurídicos positivos, fixados dogmaticamente, que tolham o uso dessa liberdade”. O indivíduo tem inteira liberdade de aderir à maioria, e dominar, ou ficar entre a minoria, esforçando-se por que “os seus juízos de valores autônomos, a sua consciência coletiva, e os chefes que gozam da sua confiança, sejam por sua vez os vencedores”. Assim, “a democracia é o Estado cuja constituição positiva não repousa sobre direitos suprapositivos impostos dogmaticamente, possuídos por pessoas ou grupos, aos quais se atribua a competência de soberania ou parte dessa competência. Mais brevemente pode-se exprimir esse mesmo pensamento, dizendo-se: a democracia é o Estado isento de direitos dogmáticos à dominação”(27).

36. Contrapondo-se à teoria de LAUN, LE FUR acha-a criticável sob um tríplice ponto de vista: por dar atenção apenas à maioria, por conceder à mesma poder ilimitado, e por não estar ela ligada às próprias decisões, que pode modificar a qualquer momento(28).

Sem nos deter no conjunto das observações de LE FUR, que escapam ao nosso assunto, vemos nelas uma brilhante refutação do princípio majoritário, tão de agrado de RUDOLF LAUN.

É impossível, comenta LE FUR, conciliar o ponto de partida de LAUN, isto é. a vontade autônoma do homem, independente de outra vontade humana ou divina, com a regra fundamental da sua democracia, isto é, com a vontade majoritária. Força é optar entre as duas afirmações.

A solução de outros democratas, como KELSEN, é “de um relativismo completo, sem preocupações de ordem moral ou metafísica”(29). A aplicação do princípio majoritário é fruto da contingência das coisas, como o é a própria necessidade da representação. Em outra monografia, estudamos já longamente o assunto, opondo, às falhas inumeráveis da representação majoritária, a providência da representação proporcional, que melhor atende à situação do homem como um “fim em si”, isto é, como um ser auto-determinante, livre de imposições suprapositivas de dominação. Com esse acrescentamento, aceitamos a teoria de LAUN. Não vemos mesmo por que motivo há de ser a eleição majoritária a solução mais feliz, ou a única para a efetivação do regime democrático.

37. A democracia repousa sobre a igualdade política dos cidadãos. O direito de voto, igual e geral, é a melhor expressão da “identidade” entre governantes e governados. Quem governa em uma democracia, não o faz por pertencer a uma camada qualitativa e hereditariamente superior. Os mais capazes não governam por si, mas pela confiança popular. Os chefes não se distinguem do povo, mas são por ele distinguidos. Feitas as escolhas, e distribuídos os postos, o dever de obediência é o mesmo que num regime de despotismo, com a diferença, porém, que a ordem jurídica democrática não tem, para o povo, nada de heteronômica, ao passo que no outro caso não há essa “identidade” entre os que ordenam e os que obedecem.

38. A identidade democrática, ensina o professor SCHMITT, repousa sobre a idéia de que tudo quanto há, no Estado, de governo e poder, permanece dentro da mesma igualdade substancial. “Todo pensamento democrático se move, com clara necessidade, dentro de representações de imanência. Todo afastamento da imanência negaria a identidade. Qualquer espécie de transcendência introduzida na vida política de um povo conduz a diferenciações de alto e baixo, de superior e inferior, de eleitos e não eleitos, etc.”. O poder não vem igualmente de Deus, “enquanto houver a possibilidade de um outro que não o povo decidir, in concreto, qual seja a vontade divina, que é, ao demais, “de transcendência anti-democrática”. O prolóquio “a voz do povo é a voz de Deus”, usada por JEFFERSON, na América, e por MANZINI. na Itália, tem sentido polêmico. de contraposição às monarquias pela graça celeste(30). Omnis potestas a Deo per populum, eis a fórmula de conciliação para os que derivam todo o bem da sabedoria do Criador.

39. Nesta altura, pedimos vênia para transcrever mais estas palavras de NITTI: “As formas políticas, conforme são definidas pelos teóricos, ou não existem na realidade, ou existem apenas de modo muito aproximado. Os homens não são unidades abstratas. Suas sociedades se formam de pessoas que vivem e atuam com todas as paixões. Nunca existiu uma teocracia pura, tão pouco um completo absolutismo. De outro lado, até as mais sólidas democracias conservam traços de antigas instituições, sob a influência de chefes ou grupos dirigentes, com suas tradições e organizações, a manter dentro de quadros grosseiramente delimitados as atividades políticas individuais. As sociedades que contêm em suas instituições e funcionamento a maior parte dos princípios fundamentais da democracia, são consideradas como tais. Nenhuma delas os encerra em sua totalidade”(31).

Quer dizer: o modelo democrático ainda não foi atingido por povo algum. Nenhum deles realizou jamais o ideal perfeito da identidade entre governantes e governados, da “imanência democrática”, da ausência total de “direitos suprapositivos de dominação”. Se houvesse um povo de deuses, esse se governaria democraticamente, na muito citada frase de ROUSSEAU. Vejamos, assim, dentro da realidade democrática, quais os princípios que, existindo em maioria, hão de distinguir um regime de liberdade.

40. Podemos, com os gregos, reduzir a três os característicos básicos da democracia: isonomia, isegoria, isotimia. A primeira importa na igualdade de todos perante a lei, na ausência de posições hereditárias, e, portanto, na liberdade de se depender exclusivamente da lei. A segunda significa a accessibilidade geral aos cargos públicos. A terceira, finalmente, quer dizer liberdade de opinião, com todos os seus pressupostos: liberdade de palavra, de reunião e associação, de representação contra os abusos do poder. etc.

41. Consequentemente, deve haver, nas democracias, a observância, mais ou menos pura, destes princípios: a) da igualdade civil e política dos cidadãos, e da eletividade dos governantes, por períodos delimitados; b) da obediência dos governantes à vontade popular, expressa na Constituição e nas leis, o que importa um regime de publicidade. de livre discussão, de fiscalização e de efetiva responsabilidade; c) da liberdade de associação, sob todos os aspectos.

As formas hão de variar, mas a essência permanece. Se a democracia é o regime dos povos adultos, de adiantado grau de educação, e se é certo que tanto mais nos diferenciamos uns dos outros, quanto mais vamos subindo na escala da cultura, é natural que países sujeitos à mesma classificação política tenham, cada qual, a sua feição peculiar, que os excele dos demais.

42. A democracia integral está hoje ligada à forma republicana(32). Nas chamadas monarquias constitucionais, podem ter feição democrática o Executivo e o Legislativo, como na Inglaterra, na Holanda, na Suécia e na Noruega. Mas, objeta BRUNET, essa justaposição da democracia e da monarquia é, teoricamente, injustificável, e, na prática, não pode subsistir sem reduzir a quase nada o poder efetivo do monarca(33). KANT parte do critério distintivo da divisão de poderes, para classificar as formas de governo em autocráticas, aristocráticas e democráticas. O que não for democracia é autocracia e absolutismo. Para ele, “monarca” não é o mesmo que “autocrata”; “monarca” é apenas o que representa o maior poder, ao passo que o autocrata é o único a possui-lo(34).

43. É conhecida a definição de MADISON, para quem o governo republicano é aquele em que todos os poderes procedem direta ou indiretamente do povo, e cujos administradores não gozam senão de poder temporário, a arbítrio do povo ou enquanto bem se portarem(35).

A Constituição americana, diz WOODBURN, não define o que seja uma forma republicana de governo, e isso tem dado lugar a controvérsias; mas geralmente se entende que a forma republicana de governo é aquela em que as leis são feitas pelos representantes do povo, escolhendo este, direta ou indiretamente, seus delegados executivos(36).

44. A matéria foi superiormente discutida pelo excelso RUI BARBOSA. Invocando a lição dos escritores americanos e a dos lexicógrafos MORAIS, AULETE e FIGUEIREDO, o grande jurista escreveu: “o que discrimina a forma republicana, com ou sem o epíteto de federativa, não é a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, com a república, ou a monarquia. É, sim, a condição de que. sobre existirem os três poderes constitucionais, o legislativo, o executivo e o judiciário, os dois primeiros derivem, realmente, de eleição popular”(37). Acrescendo o tempo limitado, em que o poder é exercido, por um ou mais indivíduos, diremos que a forma republicana se caracteriza: a) pela eletividade dos poderes Legislativo e Executivo; b) pela sua temporariedade. Poderíamos acrescentar o seu dever de responsabilidade; mas subentende-se que os indivíduos governarão de acordo com a Constituição e as leis, e que, assim sendo, respondem pelos seus atos, sem o que não diria KANT que o Legislativo é irrepreensível, o Executivo irresistível e o Judiciário inapelável(38).


ASPECTOS DEMOCRÁTICOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

 

45. O poder, no Estado de 10 de novembro, “emana do povo e é exercido em nome dele, e no interesse do seu bem estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”. Ninguém possui, no Brasil, um “direito dogmático, suprapositivo, de dominação”. Realmente, do artigo 1o. da Constituição se deduz que o regime é democrático e representativo. Pouco importam as grandes inovações que introduziu. A sua técnica não será de agrado de um, ou de outro; ninguém lhe negará, entretanto, e em princípio, o caráter popular.

46. Pela Constituição, têm origem eletiva:

a) os vereadores municipais (art. 26, letra a);

b) os Executivos e Legislativos estaduais (art. 21. n. I, combinado com o art. 9.°, letra e e ns. 1 e 2);

c) a Câmara dos Deputados (arts. 46 e 47);

d) o Conselho Federal, ressalvado o direito do Presidente da República, de lhe nomear dez dos seus membros (arts. 50 a 52);

e) o Presidente da República (arts. 82 a 84).

Além dessas, não haverá, no país, outras entidades políticas e representativas, por maior importância que possam ter, na concretização dos novos princípios.

47. Não é problema fundamental saber se as eleições por graus vão de encontro à idéia democrática. O ideal, em teoria, é um máximo de participação eleitoral e um mínimo de representação, ou seja, o sufrágio universal, direto e igual, e numerosos corpos representativos. Isso depende, todavia, das circunstâncias de tempo e lugar. No Brasil, devemos aguardar os frutos do sistema que adotou.

O principal é que, fazendo emanar do povo todo o poder, tenha a Constituição estabelecido, no art. 117, que eleitores serão os indivíduos tomados como tal, e não os sindicalizados, não os membros desta ou daquela corporação. Poderão votar, nos municípios, homens e mulheres maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.

48. No que se refere à extensão do direito de sufrágio, é muito liberal a Constituição. Quanto ao voto feminino, exemplo, somos contra a grande maioria dos autores, e preferiríamos vê-lo reservado às mulheres que vivem de economia própria. A idade de 18 anos é, igualmente, desaconselhável, justificando-se, talvez, apenas com relação a estudantes de curso superior.

Além de vedar a aproximação às urnas aos analfabetos, aos militares em serviço ativo, aos mendigos e aos privados de direitos políticos (art. 117 § único), a Constituição poderia ter elevado a idade eleitoral e exigido outros requisitos de capacidade, conservando, porém, o sufrágio direto, em qualquer caso. A alegação que se fazia contra o voto das massas era a de inconsciência, de desinteresse, de falta de honestidade. E se tentássemos compor um eleitorado melhor? A hipótese não deve ser desprezada. Conhecemos as objurgatórias que se lançam contra os parlamentos. Mesmo por aqui, há quem lhes atribua todos os males de que sofremos desde a proclamação da República. Recrutando-se, porém, os eleitores com o mesmo escrúpulo com que se recrutam os jurados, é bem possível que melhore a qualidade dos nossos quadros representativos.

No século XIX, quando o sufrágio universal era tido como a panacéia para todas as enfermidades políticas, tal proposta causaria horror. Hoje a democracia há de salvar-se pela escolha dos melhores, sem exclusão de ninguém que, desejando ter voz nos conselhos políticos, se dê primeiro ao incômodo de preparar-se convenientemente. Porque não pode haver democracia sem a mais completa educação.

49. OLIVEIRA VIANA não apreciou a concessão feita pela Constituição “ao p1ebiscito e ao sufrágio universal”. Achou que o reformador ficou em meio, não quis parecer radical, “rompendo, de maneira definitiva, com o velho estado de coisas, isto é, com todos os princípios do regime passado”(39).

Queria ele que se desintegrassem os partidos “nas suas fontes germinais, estabelecendo expressamente que as câmaras municipais passassem a ser constituídas pelo critério da representação profissional — e não partidária”.

Nesse caso, onde estaria o artigo 1o., e onde o artigo 117 da Constituição? E como organizar os municípios, de forma que lhes seja assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente “à escolha dos vereadores pelo sufrágio direto dos munícipes alistados eleitores na forma da lei” (art. 26 letra a)?

50. O ilustre publicista vem ferindo, há anos, a tecla da representação orgânico-profissional. Nós a tivemos aqui, sob forma híbrida, e vimos que a experiência não deu os resultados que se esperavam. A Constituição de 10 de novembro poderia tê-la preferido, deixando-a como único meio de representação. Os propugnadores da reforma poderiam continuar a dizer-se democráticos, apoiados em DUGUIT e nos muitos outros defensores do sistema. A Carta é, no entanto, de clareza meridiana. Nesse particular, não inovou. “O regime instituído a 10 de novembro”, sustenta o Presidente da República, “é democrático, mantendo os elementos essenciais ao sistema: permanecem a forma republicana presidencialista e o caráter representativo”(40). Quer dizer: os Poderes provêm de eleição popular, e são temporários e responsáveis.

51. O caráter da representação decorre expressamente dos arts. 26 letra a; 46 e 47; 50 e 51; 82, letras a e c.

A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes “do povo”, eleitos mediante sufrágio indireto.

São eleitores os vereadores às Câmaras Municipais, e, em cada município, dez cidadãos eleitos por sufrágio direto, no mesmo ato da eleição da Câmara Municipal.

Os membros do Conselho Federal provêm de eleição indireta, feita pela Assembléia Legislativa dos Estados, juntando-se-lhes, mediante nomeação do Presidente da República, dez cidadãos brasileiros natos, maiores de trinta e cinco anos, e que se hajam distinguido por sua atividade em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional (art. 52).

52. Pergunta-se: sendo de nomeação do Governo esses dez conselheiros, são igualmente demissíveis? A negativa se impõe. A faculdade presidencial vai até a nomeação, esgotando-se com o seu exercício. O Presidente é, cientificamente, um “criador”; designados os conselheiros, desligam-se do Presidente, recebendo o seu poder ab extra, ou seja, no caso, da Constituição(41). 0 teor do art. 50 é convincente: “O Conselho Federal compõe-se de representantes dos Estados e de dez membros nomeados pelo Presidente da República. A duração do mandato é de seis anos”. Quer dizer: o conselheiro nomeado se equipara aos eleitos, tendo o “mandato” assegurado pelo mesmo prazo. Além do que, como “membro do Parlamento Nacional”, só perante a sua respectiva Câmara responderá pelas opiniões e votos que emitir (art. 43). E só o Conselho lhe poderá declarar vago o lugar, em caso de manifestação contrária à existência ou independência da Nação ou incitamento à subversão violenta da ordem política ou social (art. 43 § único). Em suma: esses dez membros do Conselho gozam das mesmas imunidades e garantias que os deputados das profissões, na vigência da Constituição de 1934 (art. 22 § único; arts. 31, 32 e §§). A sua posição é sui generis. São menos representativos que os antigos deputados classistas. Não “representam” o Presidente da República. “Representam-se”, se assim pudermos dizer, a si próprios, ou, de modo indefinido, “o ramo da produção ou da cultura nacional” em que se distinguiram.

Equipara-os a Constituição aos mandatários nacionais. Dar ao Presidente o arbítrio de substitui-los, seria manifestamente perigoso. Além de constituírem um terço do Conselho (art. 50), e serem, por isso, um respeitável contrapeso para a opinião dos colegas, facilmente se arvoraria a sua bancada em vulnerabilíssimo instrumento do Executivo, se este a pudesse recompor de um momento para o outro, como, por exemplo, no decorrer de uma discussão capital para o poder. Conclui-se, em suma, que os referidos conselheiros são garantidos, enquanto não decaírem da confiança parlamentar. O Presidente os. nomeia; o Conselho é quem lavrará a sua destituição.

53. O diploma constitucional de 1937 é, infelizmente, omisso em um ponto assaz importante.

Estabelecendo o artigo 47 que “são eleitores os vereadores às Câmaras Municipais, e, em cada município, dez cidadãos eleitos por sufrágio direto, no mesmo ato da eleição da Câmara Municipal”, segue-se que não haverá meio de encaixar entre os eleitores os cidadãos do Distrito Federal, isto é, precisamente uma das populações mais cultas e mais capazes de concorrer para a formação dos quadros políticos. O Distrito Federal não tem vida autônoma. É administrado por um Prefeito de livre nomeação do Presidente da República, e se sujeita, legislativamente, ao Conselho Federal (art. 30). Em caso algum haverá, portanto, lá, um meio de escolher os eleitores de segundo grau, isto é, um determinado número de vereadores e dez cidadãos eleitos ao mesmo tempo que eles. Dir-se-á que a lei ordinária poderá atribuir essa função aos conselheiros federais, ordenando, igualmente, a escolha dos dez eleitores. A primeira solução é ilógica, por contrariar a idéia básica da Constituição, que é a de conferir a seleção eleitoral ao povo dos municípios. A segunda ainda passaria, Se não houvesse a redação taxativa do artigo 47.

Parece-nos que se impõe. no caso, uma emenda constitucional. A fim de não deixar os cidadãos do Distrito sujeitos a uma capitis deminutio, que a Constituição não podia ter desejado, pois atingiria até a pessoa do cidadão Presidente da República e a dos mais altos membros do Governo, como domiciliados, que são, na Capital do país, convirá que, pelos meios competentes, se declare que o corpo eleitoral será composto, no Distrito Federal, de vinte cidadãos eleitos por sufrágio direto, na mesma ocasião em que o forem as Câmaras Municipais do país. Elevamos a vinte o número de eleitores, não só pela importância do Distrito, como também para compensar a sua falta de vereadores-eleitores. Se a emenda constitucional quiser elevar esse número, digamos até trinta, não errará. O que é preciso é que o Distrito tenha pelo menos o mesmo número de eleitores de segundo grau que a maior Câmara Municipal que se venha a formar no país, mais dez. Mesmo assim, tais eleitores não terão muitas ocasiões de votar.

54. 0 Presidente da República será eleito por um Colégio Eleitoral composto (art. 82)

a) de eleitores designados pelas Câmaras Municipais, elegendo cada Estado um número de eleitores proporcional à sua população, não podendo, entretanto, o máximo desse número exceder de vinte e cinco;

b) de cinqüenta eleitores, designados pelo Conselho da Economia Nacional, dentre empregadores e empregados em número igual;

c) de vinte e cinco eleitores designados pela Câmara dos Deputados e de vinte e cinco designados pelo Conselho Federal, dentre cidadãos de notória reputação.

Não poderá recair em membro do Parlamento Nacional ou das Assembléias Legislativas dos Estados a designação para eleitor do Presidente da República.

Incidentemente: por que não incluir também na proibição os membros dos Executivos federais e estaduais, desde que o escopo do legislador é o de impedir, na escolha do Presidente, a política de grupo, o oficialismo?

55. A eleição direta do Presidente do Brasil nunca foi pacífica, nem na prática, nem na doutrina. Na Constituinte de 1890-91, a matéria se prestou a debates acalorados, influenciados pela Constituição norte-americana, os redatores do ante-projeto oficial propuseram a eleição indireta, compondo-se o colégio eleitoral do décuplo da representação de cada Estado no Congresso Nacional. O Governo reduziu esse décuplo ao dobro.

A Comissão dos 21 propôs a eleição por Estados, tendo cada qual um só voto, o da maioria dos eleitores alistados para as eleições de deputados federais.

Em plenário, prevaleceu a orientação de JÚLIO DE CASTILH0S, favorável à eleição direta. E, apenas cinco votos deram ganho de causa, na primeira discussão, ao representante rio-grandense.

“O sistema de eleição do Presidente pelo Parlamento, simples e natural, rápido e fácil”, acrescenta AGENOR DE ROURE, “caiu em princípio, para ficar vitorioso na prática, mas com todo um complicado mecanismo de eleição direta de milhares de atas eleitorais que podem ser rasgadas e anuladas sem apelação. O caminho reto, leal e franco, foi abandonado, para seguir-se o tortuoso, manhoso, falso, perigoso e hipócrita da eleição direta”(42).

A escolha direta transformou-se, como sabemos, num motivo constante de sobressaltos, de desordens, de crimes, de pronunciamentos e revoluções.

56. O ante-projeto de 1933 voltou à eleição indireta, que se processaria pela Assembléia Nacional, por maioria de votos. A Constituinte de 1934 teve, contudo, receio, e consagrou a escolha pelo sufrágio comum.

Na Comissão do Itamarati, OLIVEIRA VIANA foi adversário da eleição direta, dada a falta de educação política das massas, notadamente as campesinas, que fatalmente suplantariam as mais aptas, das cidades. Foi, do mesmo modo, contra a eleição pelo Parlamento, porque o Presidente seria faccioso, dominado pelo agrupamento que o escolheu.

OLIVEIRA VIANA propôs a formação de um corpo eleitoral misto, formado de dois grupos:

I — Grupo dos eleitores políticos, com cerca de 1.000 eleitores, abarcando os Executivos e Legislativos federais e estaduais, bem como o Prefeito e o Legislativo do Distrito Federal.

II — Grupo dos eleitores não políticos, com cerca de 2.000 eleitores, e compreendendo: a) o Supremo Tribunal; b) os Tribunais estaduais; c) o Conselho Nacional; d) os Conselhos Técnicos Nacionais; e) as Faculdades e Escolas Superiores; f) as instituições culturais (Academias de Letras, de Medicina, os Institutos Históricos, de Advogados, etc.).

No sentir do consagrado publicista, o Presidente “teria, assim, a sua autoridade política reduplicada em face da Assembléia Nacional e seria realmente a expressão da vontade e do pensamento das elites dirigentes do País, que são únicas que têm a consciência dos grandes interesses da nacionalidade e guardam o sentimento profundo dos seus destinos históricos”(43).

57. A questão é, em princípio, opinativa. Só um confronto entre o exercício dos dois sistemas mostrará as vantagens de um sobre outro. Em assunto de política aplicada, não vemos margem a prognósticos. O analista verifica, no entanto, que a solução depende da valorização que se dê ao sufrágio universal, igual e direto. A Carta de 1937 é adversária do voto de longo alcance. Não elimina, porém, a voz individual. OLIVEIRA VIANA é “orgânico”. Não vê os cidadãos. Só vê os grupos, as coletividades, as profissões. Enquanto a Constituição, manda sufragar precipuamente “eleitores”, isto é, cidadãos inscritos na forma da lei, o nosso autor dá predominância aos produtores, lato sensu. Até aí, como se vê, é a Constituição coerente com o seu artigo inicial.

Entre as Cartas de 1891 e a atual há, todavia, uma curiosa inversão de posições. Por aquela (art. 47 § 2.) era o Congresso quem escolheria entre os votados, se nenhum alcançasse maioria absoluta. Por esta (art. 84), se houver choque de nomes, entre o do Colégio Eleitoral e o indicado pelo Presidente, será a matéria devolvida ao sufrágio universal.

Nos primórdios da República, havia receio da eleição indireta, mas ela ficou, precisamente quando duvidosa seria a manifestação exata da vontade popular Ao Estado Novo, a eleição indireta pareceu, em regra, a solução melhor, sendo que o povo só resolverá, se os maiorais do poder não chegarem a um acordo.

Na República Velha, nunca foi aplicado esse artigo constitucional. A eleição do Presidente sempre foi direta, e sempre tormentosa. Na atual, será necessário ver como se portará o povo, como juiz de suprema instância. em grave crise constitucional.

Por onde se vê que, lidando com a complexidade de organismos políticos, não é lícito a ninguém garantir, de antemão, a excelência dos métodos e soluções.

58. O art. 82 letra b da Constituição encerra uma exceção, referente aos cinqüenta eleitores, designados pelo Conselho da Economia Nacional, dentre empregadores e empregados em número igual”. Afigura-se-nos que a lei ordinária deverá exigir, também desses eleitores, a qualidade de brasileiros natos e alistáveis, analogamente ao que se exigia dos antigos deputados das profissões (art. 23 § 9.° e 24 da Const. de 1934). 0 Colégio Eleitoral se comporá, no máximo, de 600 indivíduos. Desses, 500 serão escolhidos pelas Câmaras Municipais, e 50 pelo Parlamento. Quer dizer que, predominando, na hipótese, o aspecto popular, poderemos, com NITTI, qualificar de democrática a escolha do Chefe da Nação.

59. Além da representação democrática, consagrou a Carta de 10 de novembro, com instituir o plebiscito, o princípio da participação direta do eleitorado na formação da vontade estatal. “As exceções abertas em favor das massas populares, chamadas a decidirem, por si mesmas, assuntos de magna importância, em cooperação com os representantes dos poderes eletivos ou até com exclusão destes, abrem enorme claro na autoridade dos mandatários políticos, colocados, por tal modo, sob o controle e censura do povo”(44).

MONTE ARRAIS, que escreveu essas palavras, não forçou o seu pensamento. Já em 1925, ao comentar a organização constitucional do Rio Grande do Sul, tivera expressões de alto louvor para os artigos 31 e 34 da Carta daquele Estado, de 14 de julho de 191. Por ela, a iniciativa das leis cabia ao Presidente do Estado, que remetia o projeto e a exposição de motivos aos intendentes municipais, para que lhes dessem “a possível publicidade”. Após o decurso de três meses, eram remetidas ao Presidente “todas as emendas e observações que fossem formuladas por qualquer cidadão habitante do Estado”. Em 1935, continuava MONTE ARRAIS a sustentar o mesmo ponto de vista, pugnando, no caso brasileiro, “por uma orientação que permitisse vincular os postulados do regime representativo aos da democracia direta”(45).

A informação é proveitosa. Dela se depreende que a democracia direta não é estranha à nossa legislação e à nossa doutrina. Estamos quase que a afirmar que a idéia do poder de iniciativa, conferida tão amplamente ao Executivo (art. 64 da Constituição de 1937), bem como a do referendum popular, encontram a sua fonte histórica nos hábitos rio-grandenses. É a concepção de JÚLIO DE CASTILHOS. A leitura da obra de MONTE ARRAIS é muito instrutiva, como instrutivos são os comentários de JOAQUIM LUIS OSÓRIO, que dissecou, um por um, os artigos da Constituição do Rio Grande do Sul, sem se esquecer de transcrever numerosos excertos de discursos, pronunciados por ocasião de se elaborar lá o seu primeiro pacto estadual(46).

60. Em tese, é inatacável o estabelecimento da consulta direta. Resta abrir-lhe um largo crédito, para verificarmos se, na realidade, há de corresponder às boas intenções do legislador. Na Constituinte de Weimar, HEINZE foi contrário ao referendum(47). Para o professor GMELIN, não passava ele de um “ornamento democrático da Constituição”(48), isto é, de um recurso insuficiente, sem força para obstar a marcha comum da orientação governamental.

61. A Constituição se refere por quatro vezes ao plebiscito.

O § único do art. 5.° autoriza o Presidente a submeter ao voto das populações interessadas os projetos sobre incorporação, desmembramento e anexação dos territórios dos Estados. É uma lembrança salutar, que deveria ser obrigatória, e não apenas facultativa como é.

Pelo artigo 63, será o povo, em plebiscito, quem há de conferir ao Conselho da Economia Nacional “poderes de legislação sobre algumas ou todas as matérias de sua competência”. Não ocultamos as nossas reservas, relativamente a essa concessão. O problema é, ao demais, de indagação constitucional tão alta, que duvidamos ser de alcance do eleitorado comum. De qualquer modo, aplaudimos que um passo tão grave tenha de obter, previamente, o placet do corpo eleitoral, depois de instruído, o quanto possível, sobre a transcendência da operação que será chamado a praticar.

O art. 174 § 4.° erige o povo em instância decisória dos conflitos entre a Câmara dos Deputados e o Executivo, relativos a emendas, modificações ou reformas constitucionais. Apesar de ser remota a possibilidade, tememos que, pela falta de competência profissional, não tenha o eleitorado a visão para discernir entre questões que serão muito menos políticas que técnicas, e resolva, afinal, contra os superiores interesses da Nação. Quer dizer que, entre uma faculdade dessas e a restrição do sufrágio direto, há uma tal ou qual contradição.

O art. 187 manda submeter ao plebiscito nacional a Constituição de 10 de novembro, na forma regulada em decreto do Presidente da República. O povo será chamado a legitimar o golpe de Estado e as instituições dele defluentes. Pondera ESTELITA Lins que o povo praticará um ato próprio, completo em si: aceitar ou não a situação de fato, houvesse ou não um Estatuto Político dependente do plebiscito. Assim considerando, dando preeminência ao elemento psicológico do ato, o plebiscito nacional do art. 187 da Constituição é exercício direto do poder, enquanto os demais plebiscitos de que trata a Constituição são atos de governo semi-direto, do qual compartilham, já constitucionalmente, o órgão governamental e o povo”(49).

Entende igualmente o mesmo intérprete que as novas eleições, em conseqüência da dissolução de uma Câmara em desacordo com o Presidente da República (art. 167 § único), constituem um plebiscito. Confere isso com o sentir de DUGUIT, ao sustentar que o direito de dissolução, por parte do governo, é a garantia mais eficaz do corpo eleitoral contra os excessos parlamentares. O governo provoca ai, julga o professor de Bordeaux, um verdadeiro referendum(50).

62. 0 reputado constitucionalista CARL SCHMITT ensina que, apesar de ser hábito, em nossos dias, convocar uma Assembléia Nacional para a redação de uma Constituição, não é anti-democrático submetê-la, a posteriori, aos comícios eleitorais. O jurista alemão fala, literalmente, em “plebiscito sobre um projeto, ou uma nova ordem e regulamentação, seja qual for o modo por que é feito, ou introduzida”: “Allgemeine Volksabstimmung (Plebiszit) über einen irgendwie zustande gekommenen Vorschlag oder cine irgendwie herbeigeführte neue Ordnung und Regelung”(51).

Continuando, borda algumas vivas considerações, dignas de se transcreverem:

“Nisso consistiu a praxe dos plebiscitos napoleônicos: Constituição consular do ano VIII, 1799 (três cônsules, entre os quais Napoleão Bonaparte); o art. 95 previa o plebiscito, mas a Constituição foi tratada, mesmo antes dele, como lei em vigor. Senatus-consulto do ano X (1802): Napoleão primeiro cônsul vitalício; idem do ano XII (1804): Napoleão Imperador dos franceses, o trono hereditário na família Bonaparte; em 1815 (durante os Cem Dias), plebiscito sobre o Ato Adicional. Plebiscito de 14 de dezembro de 1851: o Presidente da República, Luiz Napoleão. é encarregado do governo, com amplos poderes de legislação constitucional; a 21 e 22 de novembro de 1852: Napoleão III, Imperador dos franceses”.

“Em todos esses plebiscitos houve maiorias esmagadoras, que disseram “sim”. A pressão do governo napoleônico sobre as urnas foi bem forte e inescrupulosa, e prejudicou o nome dos plebiscitos, tornando-os suspeitos ao sentimento democrático. Em teoria, correspondem eles inteiramente ao princípio democrático e à idéia do poder constituinte popular. O fato do povo dizer “sim” a cada novo estado de coisas não se explica apenas pela pressão sobre ele exercida, mas também porque o povo francês não tinha, na época, outro desejo que não fosse o de ordem e paz. A maioria dos cidadãos propende, geralmente, a entregar a terceiros as soluções políticas, respondendo às perguntas de um modo que contenha um mínimo de decisão. Eis por que facilmente concordará com um fato consumado. Nesses plebiscitos napoleônicos, um “não” significaria insegurança e desordem, enquanto o “sim” era apenas a aprovação posterior de um fato consumado, ou seja, um mínimo de decisão própria”(52).

63. Constituiu este capítulo o desdobramento do princípio democrático e representativo, inscrito no artigo primeiro da Constituição. Esta é sui generis. mas não deixa de ser democrática. O regime se diz, todavia, “autoritário”. Se é “democrático”. em que se distingue do regime fascista, que também é “de autoridade”? Haverá diferença entre o nosso autoritarismo e o totalitarismo italiano? É o que nos cumpre examinar, voltando ao árduo trabalho comparativo que nos impusemos.


O REGIME TOTALITÁRIO FASCISTA

 

64. A expressão “regime totalitário” é moderna, e tem sido empregada difusamente, ou para indicar regimes revolucionários dos nossos dias, ou aqueles em que se reforçou o poder estatal. MUSSOLINI dá, como Estado totalitário, aquele “que absorve em si, para transformá-la e aumentá-la, toda energia, todos os interesses, toda esperança de um povo”(53). Por sua vez, o professor BONAUDI diz que, por ser soberano, deve o Estado ser autoritário, “compreendendo-se, por esse vocábulo, que a sua vontade não pode ser influenciada ou diminuída por outra”. O poder de comando ou de império, que é atributo da soberania; a força obrigatória das leis e o complexo de institutos que concorrem para concretizar a vontade do Estado, tornam, em sua opinião, compreensível aquele conceito(54). GIUSEPPE FERRI, de seu lado, doutrina que totalitário é o “regime que realiza a mais forte interdependência de atividade, tanto na vida pública das instituições como na vida política dos indivíduos. A interdependência gera assim, do complexo multiforme de ações a se desenvolver na vida da Nação e do Estado, uma única ação superior combinada”(55).

O regime totalitário pretende ser uma solução da antítese entre a autoridade e a liberdade. O Estado representa a autoridade, o indivíduo a liberdade. Quem põe em evidência o Estado, põe o indivíduo ao seu serviço; em caso contrário, é o Estado quem servirá aos fins individuais, explica BORTOLOTTO(56).

65. Tratando do mesmo assunto, FORSTHOFF lembra que toda “ordem de dominação”, Herrschaftsordnung, repousa sobre a diferença entre dominadores e dominados. É, assim, necessariamente antidemocrática, pois a democracia pressupõe identidade entre governantes e governados, e, em conseqüência, ausência de autoridade. “A autoridade não se pode deduzir da imanência do funcionamento democrático. Um governo que age apenas como representante do povo não é autoritário. A autoridade só é possível por transcendência. A autoridade pressupõe hierarquia superior, que se impõe ao povo, e que o povo não concede, mas apenas reconhece”(57). Essa Rangordnung, “ordem hierárquica”, esse “poder de dominação”, o escritor germânico deduz metafisicamente do conceito de povo, de raça, de “concepção do mundo”, do “principio do chefe”.

66. Depois de criticar as doutrinas individualistas, e de tentar demonstrar que no fascismo é que o indivíduo se afirma verdadeiramente, em tudo quanto tem de útil, como ser social, sustenta DEL VECCHIO que, na nova legislação, a personalidade humana é consagrada em sua máxima dignidade. “O homem se exalta no cidadão, o cidadão no sacerdote dessa fé patriótica, ou religião civil, que é o fascismo. Quem atenta contra a personalidade ética do novo italiano, e lhe ofende, não a integridade física, mas a fé e o espírito, vai de encontro a um sistema de solidariedade e de defesa morais e jurídicas jamais apresentado pela História, na tutela de algum direito”(58).

67. 0 fascismo é pelo indivíduo, enquanto coincide com o Estado, que é “consciência e vontade universal do homem em sua existência histórica”. Se a liberdade deve ser atributo do homem real, “e não do títere abstrato no qual pensava o liberalismo individualista, o fascismo é pela liberdade”. A única liberdade séria é a do indivíduo dentro do Estado, fora do qual nada existe, de humano e espiritual. “Nesse sentido, o fascismo é totalitário; e o Estado fascista, síntese e unidade de todos os valores, interpreta, desenvolve e potência toda a vida do povo”.

Isso afirma MUSSOLINI, o chefe e doutrinador, que, discursando em 1921, anunciava a criação do potente Estado unitário italiano, dos Alpes à Sicília, Estado que se exprime em uma democracia centralizada, organizada, unitária, na qual o povo circula à vontade, porque, “ou se põe o povo na cidadela do Estado, e a defenderá, ou há de permanecer fora, e a assaltará”(59).

68. BONAUDI é de parecer que, em tese, a autoridade do Estado se reforça, quanto menos o poder soberano é fracionado entre diversos órgãos. Quando estes se multiplicam, surge o desencontro de opiniões, dificulta-se a harmonia das soluções, e torna-se impossível a continuidade de ação, sem a qual não pode o Estado corresponder aos seus fins(60). Daí a fraqueza dos governos parlamentares, que sacrificam a autoridade do Estado em benefício da soberania popular, inexpressiva e contraditória(61). E daí a necessidade da supressão dos indivíduos, “solo pensabili nello Stato”.

69. A formação totalitária italiana não parte, em rigor, do “indivíduo”, do “cidadão”, mas do “produtor”, que se supõe existir dentro de um círculo social, como força viva da Nação. O termo “produtor é tomado na sua acepção mais vasta, não se restringindo ao significado econômico(62). Todos são, ou devem ser “produtores”. E todos são abrangidos pelas várias esferas de interesses em que se divide a atividade coletiva. Acima de todas as organizações pairará, no entanto, a soberania do Estado. O quadro é o seguinte: 1.°. — os indivíduos, os produtores, como entidades iniciais; 2.° — os grupos, como realidades sociais necessárias; 3.° — o Estado, como disciplinador da vida comum, mediante o concurso de todos os valores existentes(63).

70. Indivíduos e grupos não formam ainda o Estado, e podem até querer libertar-se dele. Como atinge, pois, o Estado fascista o alvo de tudo enfeixar em suas mãos?

Nem indivíduos fora do Estado, nem grupos (partidos políticos, associações, sindicatos, classes), estatui MUSSOLINI, que é contrário ao socialismo, com a sua luta de classes, e contrário ao sindicalismo classista(64).

“A criação da Milícia é o fato fundamental, inexorável, que pôs o governo em um plano absolutamente diverso de todos os precedentes, criando um regime. O Partido armado conduz ao regime totalitário. A noite de janeiro de 1923, durante a qual foi criada a Milícia, assinou a condenação à morte do velho Estad0 demo-liberal, a saber, do seu jogo constitucional, que consistia no revezamento dos partidos no governo da Nação”(65).

Assim, o conceito de Partido Único se confunde com o de Estado totalitário, para os escritores italianos que se apressaram a fazer, “no campo jurídico, uma determinação do pensamento mussoliniano”(66). Sob outra redação: o Estado totalitário fascista é o Partido Nacional, a impor o seu predomínio pela força incontrastada da Milícia.

71. A organização sindical efetiva o princípio da colaboração entre as forças produtoras, mas não basta para explicar o fenômeno totalitário. “A mais ativa instituição do regime é o Partido, que liga in fascio as forças da produção, a fim de que realizem a “unidade moral, política e econômica” proclamada na Carta do Trabalho. O Partido é o supremo vigilante da colaboração econômica, e o mantenedor da interdependência entre os vários fatores da produção. O Partido é, em suma, o instrumento fundamental do regime totalitário(67).

72. Do Partido dependem as organizações extra-sindicais: as Associações fascistas da escola, de público emprego, ferroviárias, postais e telegráficas, de empresas industriais do Estado, a União Nacional de oficiais reformados, a “Opera Nazionale Dopolavoro”, etc. Os dirigentes das associações sindicais têm de dar, pela lei de 1926, a garantia de capacidade, de moralidade, e de “segura fé nacional”. E o guarda dessa fidelidade ao regime é o Partido Fascista. Sem ser partidário, ninguém poderá ser funcionário público. Os próprios prestadores de obra têm preferência, se pertencentes ao agrupamento oficial(68).

73. 0 Partido é tudo. Fiéis ao Partido, os sindicatos participam, reflexamente, da sua onipotência. “Por parecer um dos caracteres fundamentais do regime totalitário”, acrescenta FERRI, “assinalo um elemento comum, tanto à ordem sindical como à do Partido; é o que poderemos chamar de “princípio do prevalecimento da força organizada”. O sindicato, embora com um décimo de trabalhadores inscritos, representa e vincula todos os pertencentes à categoria; o Partido. apenas com a inscrição de parte dos cidadãos, a todos obriga e representa. A necessidade é política. O princípio não está declarado positivamente, mas decorre do espírito informador da nova organização do Estado italiano”(69).

74. Para nos servirmos do esquema de PANUNZIO, diremos, em resumo, que o Estado fascista é 1.° — politicamente centralizado, totalitário, hierárquico; 2.° — sindical-corporativo, em contraposição ao Estado liberal, atômico e individualista; 3.° — baseado sobre o Partido Nacional, como Estado-partido que é(70).

Ainda e sempre, é o Partido a sintetizar o regime. E, se soubermos que o Partido se resume na pessoa do chefe, concluiremos que o totalitarismo fascista é sinônimo de imenso poder unipessoal.

75. MUSSOLINI é chefe do governo, chefe do Partido Fascista e do seu Grande Conselho e responde, apenas nominalmente, perante o rei, O professor RÁO lembra que “os juristas italianos, os que seguem e aprovam a nova forma de Estado, sentem-se, eles próprios, transtornados, ante tão grande soma de poderes nas mãos de um homem. O professor JEMOLO, por exemplo, que ensina Direito Constitucional na Universidade de Bolonha, reconhece e confessa a dificuldade de classificar juridicamente a figura política do “Duce”, pois, diz ele, não se sabe ainda ao certo se a ascendência hoje, exercida pelo chefe do governo é uma resultante jurídica do cargo, ou, em boa parte, consequência... do prestígio pessoal de Mussolini. E lança, então, à consideração dos leitores a hipótese, que lhe não repugna, de se considerar o primeiro ministro... como um segundo chefe de Estado”(71).

76. BONAUDI tenta conciliar. Para ele, o caráter totalitário da política do regime não é o produto arbitrário de uma vontade operando a seu talante, mas o modo de ser de uma revolução vitoriosa, que tem o dever de realizar, no poder, o programa que traçou. Dessarte, o chefe de governo não o é por causa de sua qualidade pessoal de homem político eminente, como num regime constitucional puro; ou como, no parlamentar, o representante da maioria da Câmara; mas, como chefe do fascismo, é representante de todas as forças morais e materiais organizadas no país(72).

77. O professor SANTI ROMANO passa de largo, não tocando na questão. Pelo seu tratado, tem-se a impressão de um regime perfeitamente entrosado, posto que novo, no qual o Conselho de Ministros, com o seu Presidente, não alterou em substância a velha ordem de 1848(73). 0 mesmo se dá com CHIMIENTI(74). RANELLETTI vê no fascismo uma variedade do regime constitucional(75).

Eis por que pergunta PANUNZIO, que se não satisfaz com tais indecisões: “O nosso regime é constitucional puro (de chancelaria)? parlamentar? presidencial? Se não for de nenhuma dessas formas, de que forma é? Ou melhor: é bem verdade que, além dessas três, não haja outras, no ontogênese das formas constitucionais, e que aos juristas nada mais resta que fazer entrar a nossa forma em uma dessas três, como em leito de Procusto? Ou é preciso enveredar resolutamente por outra estrada e dizer que a forma de governo italiana é absolutamente nova e original, e não se avizinha de nenhuma das indicadas, e que esta é a forma que se há de chamar de regime do Chefe de Governo?”

A denominação de PANUNZIO, que é de 1930, foi aceita por outros, entre os quais DE FRANCESCO, D’ALESSIO e DONATI(76). Elogiando a perspicácia deste último, PANUNZIO aprecia o epíteto que criou para o regime fascista, de “monarquia presidencial”(77).

78. GIUSEPPE FERRI faz uma distinção, para justificar a ascendência do chefe do governo. No seu entender, forma de governo e regime são duas coisas distintas. Dentro das mesmas formas, pode o regime variar. Regime, na sua doutrina, e na de MARAVIGLIA, é o “conjunto das diretrizes políticas, às quais se devem adaptar a ordem constitucional e os institutos de direito público, e, em parte, os de direito privado, enquanto durar o espírito de uma determinada revolução, ou o império de uma determinada ideologia e de determinada tradição”(78). Ora, se esse “regime” é o mesmo que “poder político governante”, que escapa, em rigor, às regras legais, como será possível classificar, juridicamente, o chefe do governo italiano? Dizer, com BONAUDI, que o regime é do Chefe de Governo, é dar um nome à coisa, mas não é explicá-la. Afirmar, outrossim, que a forma de Estado não afeta a orientação política em determinado momento, positivamente não é dirimir a controvérsia, no terreno constitucional.

79. Do exposto, concluiremos que a posição do chefe do fascismo é a de um ditador, com os mais requintados característicos de cesarismo.

Nesse particular, não há concordância entre os autores italianos. Para uns, o seu cunho ditatorial é evidente. Para outros, não há, relativamente à sua pessoa, tal qualidade.

Curiosa é, nesse ponto, a argumentação de GIUSEPPE FERRI.

O conceito de ditadura, diz ele, vem dos romanos, que a conheceram como instituto jurídico. Depois o sentido jurídico se obliterou, até passar inteiramente para o campo politico. No entanto, continua FERRI, não nos devemos esquecer da conceituação romana, sob pena de estarmos a usar nomes sem conteúdo.

A ditadura romana era uma magistratura extraordinária, inaugurada desde a queda da monarquia, e introduzida “como instituição monárquica, na constituição republicana”(79).

Eram os seus característicos: a) a exceção: a ditadura se constituía para negócios determinados, geralmente a guerra, e cessava com a normalização das coisas; b) os poderes extraordinários: os ditadores tinham liberdade de ação bem maior que os magistrados comuns.

Consequentemente:

O ditador só dispunha dos poderes estritamente necessários para a conclusão dos negócios para os quais fora nomeado; era o chefe supremo do Estado, e não um senhor absoluto.

Ora, desde que, no fascismo, os poderes do chefe do governo não têm caráter de exceção, nem se limitam a um determinado negócio, tendo antes feição jurídica, de permanência constitucional, não existe ditadura. Tal é a conclusão de FERRI(80).

80. 0 publicista comete o erro de aplicar o critério romano à época moderna. Se em Roma a ditadura era o que se conhece, não se infere que hoje há de ser a mesma coisa. Procurar definir o que entendemos, hoje, por ditadura, não é dar significação a um “nome sem conteúdo”.

No capítulo em que versamos a idéia de democracia, a questão ficou clara. Para nós, haverá ditadura, quando o poder provier de um “direito suprapositivo de dominação”, quando não houver o “princípio de identidade” entre governantes e governados, quando as relações jurídicas de direito público não se moverem dentro de relações de imanência, quando o governo se formar contrariamente aos preceitos tradicionais de representação democrática.

81. Mais pormenorizado, SERGI0 PANUNZIO faz uma erudita análise do conceito de ditador, estuda-lhe os diversos tipos, de ditadura legal ou constitucional, de ditadura revolucionária e de ditadura política, e conclui que a fascista não é nenhuma delas.

A fascista é uma “ditadura heróica”.

A máxima plenitudo potestatis de MUSSOLINI é “um estado de graça” do espírito. A ditadura heróica não é jurídica; é histórica, é filosófica, excepcional e sobrenatural. “A ditadura heróica é espiritual, não material; subjetiva, não objetiva; produzida e imposta “pelo povo”; não imposta “ao povo”; este, que a gerou e é seu proprietário, guarda-a zelosamente, como coisa sua, íntima e pessoal”. O mais que se pode dizer é que se aproxima da ditadura revolucionária, como ditadura da idéia, que encontrou o seu Homem, o seu Herói. “A ditadura heróica é a subjetividade, a consciência da idéia de um povo, em sua caminhada histórica”(81).

Está longe de nós depreciar a figura do chefe do fascismo. Entretanto, com explicações como as de PANUNZIO, análogas, ao demais, às de inúmeros escritores totalitários, italianos e alemães, não nos sentimos aparelhados para construir qualquer coisa de aproveitável em direito. Apesar de ser “o menos jurídico de todos os direitos”, na frase feliz do professor PEDRO CALMON(82), o direito público não sabe como regularizar a situação das ditaduras.

82. Insistimos na idéia de que o governo constitucional não prescinde das formas tradicionais de representação. Sem representação nascida de eleições livres e populares, não há democracia nem liberdade política.

Os fascistas, no entanto, que combatem a democracia parlamentar, fazem questão de se dizer também democráticos. No seu dizer, a sua democracia “real” é superior às democracias “formais”, dos regimes de sufrágio universalizado.

Essa democracia é, igualmente, representativa. Por certo que de modo especial, “nunca visto na História”. Mussolini é o “representante direto” do povo. Quando fala, é o povo italiano quem se manifesta através do seu órgão supremo. Por isso, e não porque seja pessoalmente infalível, é que Mussolini tem sempre razão”.

Em livro muito difundido, GIUSEPPE FERRI critica as velhas teorias da representação, repele violentamente o preconceito eleitoral, e explica que o caráter representativo do Duce decorre de “uma relação de aderência” entre ele e a Nação, com o que significa uma união mística entre o povo, o seu chefe e os vários órgãos incumbidos de revelar a vontade do Estado(83).

Escusamo-nos de repisar problemas que estudamos mais alongadamente, em outra monografia(84). O que não padece dúvida, digamos para resumir, é que, para o encontro da média das vontades populares, para o estabelecimento de um equilíbrio do sistema político, ainda não conhecemos nada melhor que a eleição. Ou o regime é autocrático e dispensa os comícios eleitorais, ou é democrático e deve dimanar do consentimento popular. Pode ser que as democracias adquiram, de futuro, aspectos imprevistos, pois é certo que até hoje ainda não foram realizadas integralmente. Mas a representação democrática não conhece dois modos de se efetivar.


A DEMOCRACIA AUTORITÁRIA

 

83. A democracia brasileira é, como o fascismo, “autoritária”. A sua novidade consiste no quase desaparecimento da divisão de Poderes, pela supremacia concedida a um deles, o Executivo. Assumindo este a chefia suprema, ficariam os demais reduzidos a “funções”, se, pelas atribuições expressas no texto da Constituição, não estivessem escudados contra o arbítrio presidencial. E o que leva ESTELITA LINS a dizer que a Constituição tem uma guarda tríplice, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, com o primeiro à frente(85).

84. “O Estado autoritário”, comenta AZEVEDO AMARAL, “baseia-se na demarcação nítida entre aquilo que a coletividade social tem o direito de impor ao indivíduo, pela pressão da maquinária estatal, e o que forma a esfera intangível de prerrogativas inalienáveis de cada ser humano. Assim, enquanto o Estado fascista, igualando-se nesse ponto essencial ao Estado comunista, encara os indivíduos como meras unidades a serem utilizadas na organização estatal, como elementos destituídos de iniciativa e liberdade, o Estado autoritário do tipo instituído entre nós pela Constituição de 10 de novembro obriga apenas o cidadão a entregar-se à coletividade no que deve e não pode deixar de pertencer a ela, mas deixa-lhe intacta a órbita em que impera soberana a sua consciência pessoal e na qual se concentram os interesses especiais que só a ele dizem respeito”(86).

85. No mesmo teor, em capítulo lucidamente desenvolvido, o professor FRANCISCO CAMPOS doutrina, com a sua dobrada autoridade de mestre de direito e de Ministro da Justiça:

“A Constituição é de inspiração puramente democrática, presente em todos os seus capítulos, particularmente no que se refere à ordem econômica, à educação e cultura, às garantias e aos direitos individuais. O povo é a entidade constitucional suprema: tudo, na Constituição, se organiza e dispõe no sentido de assegurar-lhe a paz, o bem estar e a participação em todos os bens da civilização e da cultura. Para isto, era necessário, certamente, no tocante ao conceito da liberdade individual, reintegrá-lo na sistemática do Estado. Para o liberalismo, com efeito, a doutrina do Estado era uma doutrina do Estado sem Estado. Este tinha por fim exclusivo a proteção das pretensões, ou, como se denominavam estas, das liberdades individuais. Os valores da vida nacional, valores materiais e morais, não tinham carta de direitos. No Estado-Nação, a par dos direitos individuais, são reconhecidos os direitos da nação ou do povo, que limitam os direitos ou as liberdades individuais, tomando o bem público como pressuposto obrigatório do governo. Esta, a democracia substantiva, oposta à democracia formal; este, o ideal democrático, contraposto à máquina democrática.

Certamente, a Constituição não podia deixar de abrir espaço à máquina democrática. Toda ação pressupõe instrumentos e meios, que, na Constituição de 10 de novembro, são os mais adequados aos nossos costumes, às particularidades do nosso meio, às nossas tradições e à nossa experiência política. Se. apesar disto, o ideal democrático não se realizar entre nós em medida maior que no passado, o mal não estará no regime, mas nos homens incumbidos de operá-los. Estou certo, porém, de que, ainda admitindo defeitos no seu funcionamento, as novas instituições democráticas do Brasil, mais do que as anteriores, assegurarão garantias efetivas à realização do bem público. E a democracia, como qualquer forma de governo, só pode ser julgada pela soma de bem público que seja capaz de produzir. Não há outro “test” ou meio de verificação da bondade ou da conveniência de uma forma de governo. Os frutos dirão da árvore”(87).

86. Quer dizer: entre a antiga democracia liberal e a atual democracia autoritária tudo se resume numa questão de pontos de partida. Uma parte, principalmente, da idéia de liberdade; outra da de igualdade. Mas a liberdade conduz ao individualismo, à anarquia, à impossibilidade da existência do Estado. A igualdade, ao contrário, só é imaginável em sociedade já adoçada pelos costumes, pela compreensão dos interesses comuns, pela limitação de uns direitos pelos outros. A democracia liberal tinha o máximo respeito pela esfera individual, mas ocasionava com isso as maiores desigualdades, sociais e econômicas. A única liberdade que concedia era a política. O “cidadão” era o seu ideal. Conferir e garantir o direito ativo e passivo de voto, tal era o seu papel. Considerando-se, porém, que o fim do Estado é criar condições para o pleno desenvolvimento do bem estar público e particular, deduz-se que o Estado liberal era incompleto, desde que a mera propriedade de direitos políticos não satisfaz, sendo antes um meio para um fim mais longínquo, que é a felicidade individual.

87. A democracia autoritária parte da idéia precípua de igualdade. Como bem acentuou o professor SCHMITT, essa “igualdade democrática” é de natureza política, tendo valor “interno”, “nacional”. São “iguais entre si todos os pertencentes ao mesmo povo, todos os que preenchem certos e determinados requisitos”(88). A igualdade democrática não é a igualdade internacional, da teoria comunista. É a que nasce das limitações necessariamente impostas aos membros de uma comunhão, para que o conjunto possa prosperar. Entre a igualdade e a liberdade, a primeira deve prevalecer, sem, contudo, suprimir a segunda.

88. Posto que “autoritária”, a forma é ainda democrática. Não se restringe à concessão de direitos políticos. Intervém, com maior ou menor amplitude, nos domínios a que o Estado até agora se manteve alheio, mas não anula o indivíduo. O Estado democrático autoritário não é “um absoluto”, em face dos indivíduos, que seriam “os relativos”. O Estado autoritário haure toda a sua energia no consentimento individual. Estes é que hão de ser, logicamente, os “absolutos”. Melhor: a sua coletividade, ou seja, o Povo, a Nação, será a absoluta. Ela, e não o Estado, detém a soberania nacional. O cidadão, ou o indivíduo, só tem de ceder, quando, aos seus interesses, preferirem os interesses comuns, nitidamente verificáveis, de caso para caso. Afora isso é livre para fazer o que entender, dentro da lei.

89. Uma falsa compreensão da democracia, alimentada pelo liberalismo, é a da insubmissão à autoridade. Sem autoridade, porém, sem um sistema de órgãos e de funções que estabeleçam a ordem e garantam a estabilidade jurídica e social, não há Estado. Estado quer dizer disciplina, e disciplina significa obediência, diferenciação de superior e inferior, de hierarquia, organização. Pois se o individualismo tende a afrouxar os laços sociais, o autoritarismo propende a constringí-los. Eis porque, no fascismo, o Estado ordena, e deve ser obedecido cegamente, e, na democracia autoritária, também o faz, existindo o mesmo poder de comando, mas emergido do consenso popular. Em um regime, o poder é forte e transcendente; no outro, embora forte também, é de imanência democrática. Na Itália, o governo é o representante místico do povo, na teoria da “aderência”, de GIUSEPPE FERRI. No Brasil, a representação se comporá, constitucionalmente, nos prélios eleitorais. Na Itália, os detentores do poder são designados pelos mais altos círculos políticos, quando não pelo Duce, pessoalmente. Aqui, os representantes nacionais dependem da vontade do povo reunido nos municípios.

90. Os extraordinários poderes outorgados ao Presidente da República devem ser entendidos dentro da lógica democrática. Não pode o Presidente converter em lei a sua vontade específica. Tem esta de obedecer ao contrapeso parlamentar. Além disso, encontra obstáculos na voz popular, quando diretamente tiver de consultá-la. “Até nos casos em que seu arbítrio tem cunho mais acentuado, como nos da defesa do Estado, em que o Presidente age pela sua própria inspiração, ao declarar, por exemplo, o estado de emergência (arts. 166 e seguintes), disposições acautelatórias obrigam-no a prestar contas à Câmara da adoção desta medida excepcional, podendo ela promover-lhe a responsabilidade(89).

91. Se o Chefe de Estado fosse onipotente, não teria razão de ser o artigo 85, que lhe define os crimes de responsabilidade, contra a existência da União, a Constituição, o livre exercício dos poderes políticos, a probidade administrativa, a guarda e emprego de dinheiros públicos, e a execução das decisões judiciárias. Cada um dos Poderes tem a sua esfera privativa, dentro da qual atua livremente, com as limitações traçadas pela Constituição.

“O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirige a política interna e externa e promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do país” (art. 73 da Constituição).

A autoridade do Presidente é imensa, mas circunscrita: 1.°- pelo referendo e plebiscito populares; 2.° — pela divisão da autoridade entre ele e os dois outros Poderes; 3.° — pela coexistência de Poderes autônomos nos Estados; 4.° — pela enumeração e confinação de suas atribuições; 5.° — pela limitação do seu poder sobre indivíduos isolados ou associados; 6.° — pela existência de sua responsabilidade, política e criminal, diante dos outros órgãos por ela mesma constituídos(90).

92. Observa MIRKHINE-GUETZÉVITCH que o desenvolvimento do direito constitucional de todos os países passa, em geral, por duas fases: a histórica, em que o poder é um fato material, resumindo-se o estudo desse direito no exame dos acontecimentos, e a jurídica, quando a fase primeira transitou e o direito tem papel autônomo na criação da vida social(91).

Na sua opinião, as nações da América latina estão ainda na primeira fase. As suas doutrinas jurídicas não são ainda uma “realidade”. Melhor do que nos compêndios. é em sua história política que se há de estudar o direito constitucional. “A ruptura entre esses textos e a vida real é um dos caracteres básicos da vida constitucional da América latina”. O jurista slavo continua nesse teor, para escalpelar impiedosamente as mazelas sul-americanas:

“A anarquia ou a ditadura, tais são as duas alternativas essenciais do regime presidencial na América latina. Uma das causas principais da sua instabilidade política é precisamente a existência desse regime presidencial. É justamente esse “poder forte” a causa da instabilidade. Nas circunstâncias especificas da América latina, todo “poder forte” significa ditadura, e todo enfraquecimento desse poder termina em anarquia”(92).

93. Convenhamos em que há alguma razão nessas amargas palavras. Por mais boa vontade que tenhamos, não cancelaremos da História fatos que são do conhecimento de todos. Parece-nos, contudo, que é necessário distinguir, a fim de concedermos ao Brasil um lugar à parte, nessa ordem de considerações.

Educados na escola liberal do império, e vindos para a República depois de mais de meio século de tranqüilidade política, estávamos, melhor que as Repúblicas irmãs, em condições de plasmar um regime “jurídico” e não apenas “histórico”. Assim, o nosso Presidente não foi apenas copiado das instituições norte-americanas, mas também criado pelo senso, que tínhamos, da realidade. O erro não foi, assim, o presidencialismo. Ao contrário. Antecipamo-nos, de muito, das nações modernas, que vão lentamente reconhecendo a necessidade de reforçar o Executivo. Se erramos, não foi nisso. Foi no cunho excessivamente liberal da Constituição de 1891, fruto glorioso do gênio de RUI BARBOSA, mas que não correspondeu às expectativas nela depositadas, durante os quarenta anos da sua vigência.

94. Nesse ponto, a História deve guiar o pesquisador do direito. O Estado Novo no Brasil, nascido do movimento revolucionário de 1930, não é um capricho de homens, mas o cumprimento de um destino. Por mais eminentes que sejam, os homens são sempre pequeninos, quando, por sua mão, se operam as grandes comoções sociais. Nenhum movimento de grande envergadura pode vingar sem atmosfera própria, sem que, no subconsciente popular, exista o desejo de ver alterada a situação em vigor.

95. A preeminência do Presidente da República, como autoridade suprema do Estado, define a democracia autoritária. É ele o Chefe, o Orientador, mas um orientador e chefe feito pelo povo, e não imposto ao povo por um grupo, por um Partido Único. Aí reside a diferença entre esse regime e o do autoritarismo totalitário. A democracia autoritária é, dessarte, a de um presidencialismo reforçado, sob forma nunca vista, mas que não refoge aos métodos clássicos de organização representativa.

96. 0 berço da República presidencialista, os Estados Unidos da América do Norte, está passando por transformação análoga. Batidos pelas tormentas da História moderna, com graves problemas internos, sociais e econômicos, e gravíssimos problemas externos, de conquista e conservação de mercados, de defesa nacional e internacional, os Estados Unidos conservaram a estrutura da sua velha Constituição de 1787, mas ajustaram-se aos imperativos da hora presente, com o reforço excepcional do Poder Executivo.

A política do New Deal tem, realmente, um cunho autoritário. Ao lançar-lhe as bases, dizia ROOSEVELT à Câmara de Comércio: “Eu os convido a transformar o seu bem estar no bem estar da generalidade; a encarar o restabelecimento mais em termos nacionais que nos de indústria particular; e auguro que tenham a perspicácia de pôr de lado os interesses particulares e egoístas, e de pensar e agir a favor de um saneamento totalitário da Nação”(93).

GIUSEPPE FERRI faz, com relação à América do Norte, este prognóstico:

“No momento, não é fácil e nem mesmo possível, sob o ponto de vista jurídico, fazer um juízo seguro sobre o novo regime americano, como regime totalitário. Politicamente, como dissemos, o regime tende a tornar-se totalitário especialmente no campo econômico, e fatalmente será levado a tornar-se totalitário também no campo político”(94).

97. “O Partido armado conduz ao regime totalitário”, sustenta o fascismo. A nossa democracia autoritária decorre do artigo 73, combinado com os artigos 1o. e 117 da Constituição. O Presidente é a autoridade suprema do Estado, mas “o poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”. Por outro lado, “são eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei”. As eleições, por sua vez, são primacialmente municipais (art. 47).

Conseqüência: não temos, como democracia, a possibilidade de fundar o Partido Único, que não encontraria aqui clima propício e “funcionaria no vácuo”, conforme escreveu OLIVEIRA VIANA(95).

Como organizar, assim, a representação? Como resolver o problema da condensação das opiniões eleitorais?

98. Em nosso já citado trabalho(96), examinamos o tema, com o carinho que nos merece a sorte da Pátria e a sinceridade que pomos no estudo da matéria constitucional.

Afigurou-se-nos que, sendo democrático e representativo, e baseado no consentimento expresso dos governados, não podia o regime prescindir das eleições proporcionais, desde que não deveremos ter a representação política das profissões.

Foi-nos, contudo, objetado com vivacidade que a questão não poderia ser discutida, diante do enunciado categórico do artigo 73 da Constituição.

Ai, afirmaríamos que, ou é antinômico o texto magno, de modo que o artigo 73 anula, realmente, os demais; ou todos permanecem, submetendo-se o menor ao maior, ou seja, limitando-se os poderes do artigo 73 pelo espírito informador do artigo 1o. e correlatos. De qualquer modo, não hesitamos em dar por aberta a delicadíssima questão, tanto mais que os chefes responsáveis pelo novo estado de coisas continuam a declarar-se intransigentemente adversários das arregimentações partidárias. Confiamos na sabedoria do legislador, que há de redigir do melhor modo, e atendendo às necessidades nacionais, a futura lei eleitoral.

O nosso honrado esforço poderia ter todos os defeitos; não constituiria, entretanto, pecado de morte. Fizémo-lo, não por saudosismo, mas pelo desejo sincero de colaborar na reconstrução constitucional do país. Acertando, ou errando, alguma coisa útil há de ficar, mesmo nas elucubrações dos mais humildes e despretensiosos.


O CORPORATIVISMO FASCISTA

 

99. É dos nossos dias a revivescência da idéia corporativa, que se apresenta à consideração dos povos cultos com a incoercibilidade dos fenômenos naturais. Chegamos a um ponto, em que não é mais possível ignorá-la, e muito menos, quanto maior for a oposição que se lhe pretenda fazer.

O regime corporativo, que vigorou durante séculos, e que foi abolido, na França, pela lei LE CHAPELIER, de 14-17 de junho de 1791, oferecia diversas vantagens:

1o. — a da produção regrada, isto é, proporcionada às necessidades do mercado local ou provincial; 2a. — a da produção de qualidade: a concorrência existia, mas era uma concorrência toda particular, entre os mestres, sem prejuízo da mão de obra e da matéria prima; 3a. — a do justo preço: os regulamentos atendiam às necessidades do patrão, do trabalhador, bem como à dos consumidores. O que, entretanto, exornava as instituições mesteirais, na época do seu fastígio, era o halo de alta espiritualidade que punham no trabalho, que dignificava o homem e obra saída das suas mãos. Mestres, oficiais e aprendizes viviam ligados pelas mesmas aspirações, e não tinham tempo para competições subalternas.

A esse regime é que se referiu LEÃO XIII: “O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles (os homens das classes inferiores) uma proteção; todo o princípio e sentimento religioso desapareceu das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores isolados e sem defesa têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada”(97).

100. Efetivamente: dando todo o valor ao indivíduo isolado, e crendo que qualquer formação que se interpusesse entre ele e o Estado contribuiria para a corrupção cívica, a Revolução Francesa alargou desmesuradamente o conceito do liberalismo, crendo que a simples declaração dos direitos individuais bastaria para fazer a felicidade de cada um. Criou-se o tipo do “cidadão”, que não permitiria, concomitantemente, a existência de nenhum outro. E dai a superior indiferença com que as Constituições ignoravam quaisquer preceitos de proteção marcadamente econômica.

Não havia mais necessidade das corporações. Aí estavam os novos mercados coloniais, na Ásia, na África, na América, e não havia perigo de superprodução. Pouco importaria também a qualidade dos produtos; com a grande procura, todos se haveriam de colocar. Por que, pois, a disciplina corporativa(98)?

101. Os fatos, no entanto, foram mais poderosos que a teoria. Com a descoberta da máquina a vapor, abriu-se a era industrial, iniciou-se a quadra tormentosa do sindicalismo, surgiu o “quarto estado”, e, com ele, as reivindicações proletárias das escolas avançadas. O marxismo levantou a sua voz, pregando a luta de classes e o combate ao capitalismo. O materialismo histórico empolgou milhares de consciências. A cisão entre operários e patrões parecia irremediável.

102. De um lado, se viam os individualistas, recusando-se a entrar em quaisquer confabulações com o proletariado oprimido e revoltado; de outro. os doutrinadores socialistas, de vários matizes, entre os quais nos seja permitido destacar os do socialismo de Estado, com a sua “estatização, ou municipalização, de certas formas de produção, com o objetivo de fornecer, por preços baixos, de maneira uniforme e contínua, certas mercadorias indispensáveis à vida das classes pobres, nos vários pontos do território onde aparecesse necessidade desse fornecimento, do qual ficaria afastado qualquer intuito de lucro”(99).

Entre o individualismo, egoísta e retrógrado, e o socialismo de Estado, utópico e anti-econômico, colocou-se o moderno movimento corporativista, que, do antigo, só conserva o nome, uma vez que as condições históricas são hoje inteiramente outras, e outros devem ser os processos tendentes a resolver a palpitante controvérsia.

103. Difícil é definir o que seja “o espírito doutrinário do corporativismo”, por causa das divergências de opiniões entre os autores. Apesar disso, e depois de examinar criteriosamente o assunto, o professor CESARINO JÚNIOR julga muito acertada a definição de regime corporativo dada pela “União Internacional de Católicos Sociais” (União de Friburgo) e repetida por JEAN BRÈTHE DE LA GRESSAYE: “O regime corporativo é o modo de organização social que tem por base o agrupamento dos homens de acordo com a comunhão dos seus interesses e de suas funções sociais. e, por coroamento necessário, a representação pública e distinta desses diferentes organismos”. E continua LA GRESSAYE: “Pelo princípio corporativo, o homem, ser social, não se enquadra na vasta sociedade humana senão pelos intermediários, que são os agrupamentos particulares. O fim é a sociedade, o homem; mas a célula social é o grupo. A sociedade se compõe não de uma multidão de indivíduos a viver um ao lado do outro, mas de corpos aos quais se agregam as pessoas físicas, seja necessariamente (família, cidade, profissão), seja voluntariamente (diversas associações facultativas). O Estado, órgão da sociedade nacional, é apenas o coroamento e a síntese desses múltiplos corpos sociais, fazendo parte, de seu lado, da comunhão internacional”(100).

104. Conforme se expressa o professor DEL VECCHIO, uma longa e dolorosa experiência demonstrou que os esquemas individualistas dos direitos do homem e do cidadão. “apesar do seu indubitável fundamento de verdade”, eram inaplicáveis, em sua abstração, à tessitura extremamente complexa da vida social; incapazes, igualmente, de proteger o indivíduo concreto, jungido, ao demais, pelo próprio nascimento, aos grupos e combinações. As críticas dos socialistas contra o individualismo foram muitas vezes injustas. Mas tinham razão, ao mostrar a insuficiência das declarações de direitos, em face de problemas concretos da vida econômica. O proletariado era, dessarte, forçado a aceitar “livremente”, acossado pela miséria, uma situação pouco diferente da servidão antiga. É lógico, pois, que, sindicalizando-se, tenha procurado o único meio de defesa de que dispunha, isto é, que opusesse a força do número à força do capital, embora com sérios prejuízos para as duas partes em contenda(101).

105. Nesse campo agitado coloca-se o corporativismo, com o escopo de encontrar a síntese dialética das idéias cm conflito.

Por ser de sumo interesse, vejamos como MANOILESCO, corifeu da nova doutrina, a ensina, em livro já famoso(102):

O corporativismo não tem valor eterno. É uma solução relativa, para a nossa época. Nada tem de comum, nem com o fascismo, nem com as corporações medievais. Não se restringe à organização material da sociedade, pois abrange as suas forças materiais, morais e espirituais, num conjunto nacional, harmonioso, de todos os interesses. O corporativismo deverá, assim, realizar-se no Estado corporativo, isto é, no Estado que, por bem dizer, funciona por si, organicamente, pelo simples entrosamento dos agrupamentos que o compõem.

Economicamente, o corporativismo substitui o lucro individual pela organização. Tanto mais perfeita será a organização, quanto menor for o lucro individual. O fim da economia não será o lucro, mas o suprimento das necessidades. Daí a necessidade da super-corporação, que é o Estado, intervir constantemente, de forma a disciplinar o funcionamento das demais corporações.

No corporativismo, é o Estado a expressão última da coletividade nacional, e para ela devem convergir os indivíduos. Estes não se anulam, mas, como diria MUSSOLINI, não existem fora do Estado.

Não se confunde corporação com profissão. A corporação se define pela sua função nacional. E cada função abrange indivíduos das mais variadas profissões.

A corporação não é, igualmente, classe. A corporação é uma função vertical, a classe uma função horizontal. Uma representa os direitos; outra, os deveres. Uma é o ideal nacional; outra, a sua negação.

A corporação é, pois, “uma organização coletiva e pública, composta pela totalidade das pessoas (físicas ou jurídicas) que desempenham em conjunto a mesma função nacional e que têm por objetivo assegurar o exercício desta no interesse supremo da nação, através de regras de direito impostas a seus membros”.

Por conseguinte, as corporações são nacionais, unitárias, totalitárias, abertas e não exclusivas. São nacionais, porque combatem o cosmopolitismo democrático; os direitos das minorias alienígenas não são contestados, mas adaptados. São unitárias, porque a sua função nacional é una e indivisível, ao contrário da corporação medieval, que era regional e estanque. São totalitárias, por abrangerem todas as atividades do país. São abertas. pois nelas podem ingressar todos, respeitadas as condições de admissão. Finalmente, não são exclusivistas, pois a mesma pessoa pode pertencer a duas, ou mais corporações.

As corporações compreendem, assim, não apenas os círculos econômicos, mas também os demais, como a Igreja, o exército, a magistratura, as instituições científicas, etc., todos com o direito de enviar representantes a um grande Parlamento Corporativo.

106. É evidente que esse “corporativismo puro” não existe, tanto que MANOILESCO admite estas três variantes:

lo. — A do corporativismo subordinado. O parlamento corporativo não é o órgão supremo. Este pertence a um parlamento eleito pelo sufrágio universal, ou a um partido único, de caráter constitucional. “A primeira variante contradiz toda a lógica da construção orgânica da nação. Se o único sistema adequado a exprimir a nação em seu conjunto — tanto quanto é possível fazê-lo — é o corporativismo, e se o sufrágio universal igual não representa senão uma forma inferior e mesmo absurda de realizar esta representação, segue-se que é totalmente ilógico preferir o sistema absurdo ao conveniente e deixar o poder de decisão exclusivamente nas suas mãos”(103).

2o.- O corporativismo misto. O parlamento corporativo constitui, ao lado do político, ou de um partido único, uma das fontes do poder. A crítica seria a mesma que se fez ao tipo anterior. A fórmula — Câmara política e Senado corporativo — não resolve a dificuldade, desde que uma dessas assembléias tende a dominar, anulando a outra.

3o.- O corporativismo puro. As corporações e o parlamento corporativo são a única fonte do poder. Mas isso é a formal negação da democracia. É o Estado a se originar dos grupos e classes, onde o indivíduo não terá direitos, mas apenas deveres. MANOILESCO ainda esclarece: “A fusão entre o direito público e o privado, levada a termo pela descentralização corporativa, permitirá este deslocamento feliz de tantas energias, do domínio estritamente privado e egoísta para o do bem público. O tipo de funcionário, tão freqüente e tão plácido, que invadiu os cargos públicos, será substituído em grande parte pelo novo tipo de presidente, de administrador ou secretário de corporações (local, regional ou nacional), que representará a competência, a autoridade pessoal, a iniciativa e a ambição construtora”(104).

107. 0 Estado corporativo italiano — que é como ele próprio se denomina — não seria, assim, verdadeiramente corporativo, se não estivéssemos a lidar com valores históricos, absolutamente relativos, indiferentes às classificações dos escritores. Para MANOILESCO, a Itália não é um Estado corporativo, e nem o fascismo tem que ver com o corporativismo. Não façamos, entretanto, questão de nomes, pois o que nos importa é conhecer os fatos. O que não há dúvida é que o direito corporativo italiano compreende o direito sindical fascista, “inspirado, determinado e condicionado pela abolição da luta de classes e pela colaboração de todos os fatores da produção no superior interesse nacional”(105). Poderíamos dizer que o corporativismo italiano é meramente econômico, de auto-governo das categorias, se não procedessem os reparos que adiante aduziremos.

108. A doutrina corporativa italiana foi-se formando aos poucos, e há de sofrer, forçosamente, modificações no futuro. Nasceu da experiência, e a experiência terá de afeiçoá-la às circunstâncias do momento. Aliás, nenhuma doutrina nasce inteiramente nova, luzida, nunca vista. Nenhuma pode gabar-se de originalidade absoluta — sustenta o próprio MUSSOLINI(106).

Cinco datas fundamentais marcam a evolução do corporativismo fascista:

3 de abril de 1926: lei sobre a disciplina jurídica das relações do trabalho;

1o. de julho de 1926: decreto real, contendo as normas para a execução da lei de 3 de abril;

21 de abril de 1927: Carta do Trabalho;

20 de março de 1930: lei sobre a reforma do Conselho Nacional das Corporações;

5 de fevereiro de 1934: lei relativa à instituição e ao funcionamento das corporações.

Os órgãos sobre os quais assenta a organização corporativa são:

O Ministério das Corporações; as corporações; o Conselho Nacional; os conselhos e as delegações provinciais da Economia Corporativa.

109. “0 agrupamento das diversas forças da produção obedece a duas direções: uma vertical e outra horizontal.

A primeira abrange os sindicatos de categoria, agrupados em organismos de grau superior, federações e confederações.

A segunda se efetiva na corporação, órgão oficial do Estado, que compreende, em cada ramo da produção, todos os elementos que para ela contribuem (patrões, trabalhadores e técnicos) e na qual tem representação os ministérios interessados, e o Partido Nacional.

Daí a natural distinção entre organização sindical e organização corporativa”.

110. A organização vertical — lembra CASTRO FERNANDES — realiza a solidariedade de todos os elementos da produção nos interesses integrais desta última. Quer dizer: as associações profissionais legalmente reconhecidas asseguram a igualdade jurídica entre patrões e trabalhadores, mantêm a disciplina da produção e do trabalho e tendem ao seu aperfeiçoamento. Por cima delas, as corporações constituem a organização completa das forças da produção, cujos interesses representam. Por esse motivo, por assegurarem a representação integral dos interesses da produção, as corporações são reconhecidas por lei como órgãos do Estado, diferindo apenas dos outros organismos da administração pública em serem formadas pelos representantes das diversas organizações sindicais, dos ministérios interessados e do Partido Nacional Fascista(107).

111. “A organização corporativa”, expõe uma publicação oficial do Ministério das Corporações, “aparece como que regulada por um ritmo concêntrico: os indivíduos agrupam-se automaticamente nas suas respectivas associações de classe; as classes enquadram-se nas suas respectivas funções de categoria; as diversas funções de categoria condensam-se nas suas corporações; as corporações têm a sua representação integral no Conselho Nacional das Corporações, e fundem-se na Corporação integral, que é, em substância, o Estado”(108).

112. O Estado, diz ainda o escritor português, não criou os sindicatos; reconheceu o fato sindical, legalizando-lhe a existência. Era necessário, entretanto, não deixar desassociados e entregues a si mesmos os sindicatos de fornecedores e de tomadores de trabalho. Criou, pois, o Estado as corporações, Como órgãos centrais de ligação, que possibilitem a união das classes, o amparo à produção, sob a égide todo poderosa do Estado.

“Enquanto que, graças à organização vertical, os interesses das diversas classes sociais que concorrem para a produção estão separados e colocados em face uns dos outros, na organização corporativa horizontal estas forças são chamadas a colaborar umas com as outras e com o Estado, sob o patrocínio e a direção deste último, para a proteção da produção nacional”(109).

Esta diferença — prossegue o relatório oficial onde se lêem tais palavras — corresponde, aliás, ao que separa o sindicalismo do corporativismo. O primeiro procura proteger os interesses operários pela luta contra a classe patronal, quer dizer, por uma conquista, às vezes pacífica, mas tantas vezes violenta, dos melhoramentos desejados; a sua ação apresenta, portanto, todas as conseqüências de uma situação de luta, na qual se não vê para além do interesse exclusivo, imediato, e, por vezes, mesquinho de uma categoria. O corporativismo, pelo contrário, chama todas as classes e todas as categorias da produção a conhecer, por contatos recíprocos, a situação geral, tanto da economia do país no seu conjunto, como dos diversos ramos particulares da produção, e ensina a cada uma delas quando e até onde pode pedir benefícios e até onde deve, pelo contrário, consentir em sacrifícios, para que seja mantido este equilíbrio dos interesses e das forças da produção, equilíbrio que, por seu lado, assegura o progresso da produção e a defende de dificuldades.

113. Ensinando na Faculdade de Direito de São Paulo, o professor MASAGÃO resumiu destarte os princípios fundamentais das corporações fascistas, de acordo com a Carta do Trabalho:

1 — em cada circunscrição territorial somente pode existir um sindicato para cada categoria profissional de patrões ou operários;

2 — os sindicatos representam legalmente, na sua circunscrição, todos os patrões e operários, mesmo os que não tenham aderido a eles;

3 — podem os sindicatos lançar sobre os patrões e operários, ainda que não inscritos, um tributo, cobrável da mesma forma que os impostos;

4 — os sindicatos não podem ter objetivos puramente econômicos, mas devem exercer a educação patriótica dos seus membros e dirigi-los na vida cívica; por outro lado, os membros dos sindicatos devem dar garantias de sua capacidade, moralidade e patriotismo(110).

114. Esse último item facilita sobremodo a compreensão do sistema. Embora a Carta do Trabalho sustente, na declaração III, que “a organização sindical é livre”; na declaração VII, “que o Estado corporativo considera a iniciativa privada, no campo da produção, como o instrumento mais eficaz e mais útil no interesse da Nação”; e, na declaração IX, que “a intervenção do Estado na produção econômica só tem lugar quando faltar ou for insuficiente a iniciativa privada, ou quando estejam em jogo interesses políticos do Estado” — não deve haver ilusões. Posto que, em teoria, se possa chamar o Estado italiano de intervencionista moderado, na prática a intervenção é direta e absorvente.

Afirmou muito bem o professor CESARINO JÚNIOR que os Estados que se dizem totalitários, controlam ou fazem depender deles todas as formas da atividade humana, políticas, econômicas, morais, científicas, artísticas, etc. “Nestas condições, é evidente que a sua política econômica será a da economia dirigida, que o seu intervencionismo será “total”, estabelecendo eles, em conseqüência, do modo mais completo, a regulamentação do trabalho”(111).

Se ainda pudesse haver dúvida, este trecho de ouro do ministro BOTTAI nos faria ver, de um lado, o que são as leis, em sua apresentação, e, de outro, os homens que as aplicam:

“O complexo das leis indicadas e das disposições que as completam, constitui a base jurídica da ordem corporativa. Tem esta, todavia, também uma base extra-jurídica, constituída pelas três condições que, ao instituir as corporações, o Duce declarou necessárias para realizar o corporativismo pleno, completo, integral, revolucionário:

Um partido único, através do qual, ao lado da disciplina econômica, entre em ação a disciplina política, e que seja, acima dos interesses em contraste, um vínculo que a todos una; a fé comum.

O Estado totalitário, isto é, o Estado que absorve em si, para transformá-la e multiplicá-la, toda energia, todos os interesses, toda a esperança de um povo.

Terceira, última e a mais importante das condições: viver um período de altíssima tensão idealista"(112).

115. A observação da realidade é mais instrutiva que a meditação pura e simples nos dispositivos legais. A “base extra-jurídica” indicada pelo ministro BOTTAI alúe, pelo seu peso, os alicerces propriamente jurídicos do sistema. Nesse sentido, erraremos, se quisermos ver nas corporações apenas o caráter econômico. São muito mais que isso. As corporações constituem o meio seguro do predomínio do Estado sobre os indivíduos e suas atividades.

O homem do fascismo não é o homo politicus, não é o homo oeconomicus, é o homo novus. o homem vivo, pondera CASTRO FERNANDES(113). Como disse MUSSOLINI, o homem do fascismo é “o homem real, que é político, econômico, religioso, santo, guerreiro”, ao mesmo tempo.

Ora, tendo em suas mãos os fios condutores das corporações e dos sindicatos, o Estado dirige a economia, anula a luta de classes, suprime todas as liberdades, e cria um nacionalismo exagerado, cujo aspecto mais impressionante é o das autarquias econômicas. As corporações medievais eram fechadas, mas pelas contingências do tempo, isto é, pela precariedade das vias de comunicação e insegurança das que havia. Os países de hoje criaram artificialmente condições idênticas. Embora o mundo se haja tornado pequeno, procuram os países bastar-se a si próprios, isolando-se uns dos outros, pela desconfiança, pelas maquinações diplomáticas, pelo desequilíbrio das balanças comerciais, o que tem dado como resultado o mal estar generalizado, as guerras e revoluções. Em lugar de procurarem pacificamente novos mercados, numa sã emulação, os povos se lançam à conquista política de territórios soberanos, no mais contumelioso dos imperialismos. Quer dizer que, num período assim, de desusada fermentação histórica, é muito difícil, ou perigoso, querer estabelecer novas doutrinas, que pecam pela ausência de razão e se baseiam sobre a fé, que é a coisa mais aleatória e facultativa que pode haver.


O CONSELHO DA ECONOMIA NACIONAL

 

116. Reza o artigo 140 da Constituição de 10 de novembro que a economia da produção será organizada em corporações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob assistência e proteção do Estado, são órgãos deste, e exercem funções delegadas de poder público.

A organização corporativa será a função precípua do Conselho da Economia Nacional, cuja criação é prevista pelos artigos 57 a 63 da Constituição.

O Conselho se compõe de representantes dos vários ramos da produção nacional, designados dentre pessoas qualificadas pela sua competência especial, pelas associações profissionais ou sindicatos reconhecidos em lei, garantida a representação paritária de empregados e empregadores (art. 57).

A designação dos representantes das associações ou sindicatos é feita pelos respectivos órgãos colegiais deliberativos de grau superior (art. 58).

De acordo com o artigo 61, são atribuições do Conselho:

a) promover a organização corporativa da Economia Nacional;

b) estabelecer normas relativas à assistência, prestada pelas associações, sindicatos ou institutos;

c) editar normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da produção ou entre associações representativas de duas ou mais categorias;

d) emitir parecer sobre todos os projetos de iniciativa do governo ou de qualquer das câmaras, que interessem diretamente à produção nacional;

e) organizar, por iniciativa própria ou proposta do governo, inquéritos sobre as condições do trabalho, da agricultura, da indústria, do comércio, dos transportes e do crédito, com o fim de incrementar, coordenar e aperfeiçoar a produção nacional;

f) preparar as bases para a fundação do Instituto de Pesquisas, que, atendendo à diversidade das condições econômicas, geográficas e sociais do país, tenham por objeto:

I — racionalizar a organização e administração da agricultura e da indústria;

II — estudar os problemas de crédito, da distribuição e da venda e os relativos à organização do trabalho;

g) emitir parecer sobre todas as questões relativas à organização e reconhecimento de sindicatos ou associações profissionais;

h) propor ao governo a criação de corporações de categoria.

Pelo artigo 63, a todo tempo podem ser conferidos ao Conselho da Economia Nacional, mediante plebiscito a regular-se em lei, poderes de legislação sobre algumas, ou todas as matérias de sua competência.

117. A Constituição de 1937 não criou um regime corporativo, mas aproximou-se muito dele. Se o art. 63 vier a ser aplicado, a transformação será substancial.

“O dispositivo do art. 63”, esclarece o ministro FRANCISCO CAMPOS, “prevê o desenvolvimento lógico do Estado Novo, no sentido de uma ampliação e mais clara definição da sua fisionomia corporativa. Entretanto, o legislador constituinte acertadamente deixou que as coisas evoluíssem naturalmente nesse terreno, a fim de que, quando a prática das instituições tiver reunido suficientes elementos da experiência, se possam outorgar ao Conselho, mediante plebiscito, atribuições legislativas”(114).

Até lá, cumpre-nos esperar. Por enquanto, temos de nos ater ao espírito informador da Constituição, examinando sumariamente a presença potencial do Conselho e de suas funções de Câmara Alta das Corporações. Os dispositivos ainda não foram postos em vigor, e “não é possível definir imediatamente as configurações especiais que serão dadas à organização corporativa da economia nacional. A determinação das formas peculiares dessa organização depende da investigação dos problemas em apreço, do estudo minucioso dos múltiplos aspectos da vida econômica da Nação e de tudo mais que for verificado na aplicação de medidas tendentes à realização do objetivo constitucional”(115).

118. No capítulo sobre a ordem econômica, a nossa Constituição foi fortemente influenciada pela Carta do Trabalho italiana(116). A intervenção do Estado no domínio econômico — consagra o art. 135 — supre as deficiências da iniciativa individual, coordena os fatos da produção, de modo que se evitem, ou resolvam os seus conflitos, e se introduza, no jogo das competições individuais, o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. O artigo 136 considera o trabalho um dever social, que é colocado sob a proteção e solicitudes especiais do Estado. O artigo 137, por sua vez, inscreve um rol de preceitos, a serem observados pela legislação do trabalho. Tudo visivelmente copiado do modelo italiano. Refugindo ao nosso plano o exame detido desses assuntos particularizados, pedimos vênia para remeter o leitor à obra do professor CESARINO JÚNIOR, que vem realizando a tarefa hercúlea de sistematizar, como não fora feito até agora. o nosso Direito Social. Aqui, temos de nos cingir às linhas gerais de comparação, que vimos observando desde o início desta monografia.

119. Pergunta-se se o Conselho da Economia Nacional, e as corporações que terá de organizar, se coadunam com o caráter democrático do regime. Em que difere o nosso sistema corporativo do corporativismo fascista? Posto que influenciada pela Carta do Trabalho italiana, no tocante à legislação social, a nossa Constituição é democrática?

A resposta será fácil, desde que partamos da concepção que os dois regimes fazem do Estado. Se na Itália o Estado é um absoluto, e nada se conhece que possa existir fora dele, no Brasil o Estado ainda é a organização da soberania, e a soberania continua em poder da Nação, representada pelos cidadãos. Na Itália, é o Estado quem cria a Nação; aqui, é a Nação quem afeiçoa o Estado e lhe imprime as diretrizes políticas e sociais. Desse modo, enquanto o corporativismo fascista anula, na prática, a iniciativa individual, nega o livre curso das leis naturais em economia, no Brasil haverá o respeito à iniciativa privada, posto que o Estado reserve a si próprio um poder de intervenção moderada, supletiva. organizadora, em benefício dos economicamente mais fracos.

120. A Itália levou anos para entrosar o seu sistema corporativo. No Brasil, ainda não saímos da fase dos sindicatos. Até o “fato” sindical teve, entre nós, de ser criado por lei.

Os poucos sindicatos existentes no Brasil antes de 1930 não manifestavam tendência política. Fundados para a defesa dos interesses das classes, contentavam-se em pedir ao governo que os amparasse. dentro da legislação comum.

O Congresso de Sindicatos, reunido em 1913 na Capital Federal, não manifestou tendências de ordem partidária, nem pleiteou a representação de classes. Longe disso, aconselhou excluir dos sindicatos a “luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da adoção de uma doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral”(117).

O pensamento de uma representação profissional entre nós ficou estacionário, por muito tempo, até que, vitoriosa a revolução de 1930, dele se fez intensa propaganda, pela necessidade que sentiam os revolucionários de oferecer ao país alguma coisa nova.

No Brasil não existia organização sindical, nem espírito associativo. O próprio decreto federal que, em 1931, regulou a sindicalização das classes patronais e operárias, estabelecia a “abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso, bem como a candidatura a cargos eletivos, estranhos à natureza e finalidades das associações”.

O regime sindical, no Brasil, pode-se dizer que foi criado para atender à representação classista, enxertada na Câmara dos Deputados, pela Constituição de 1934. Daí em diante começaram a proliferar os sindicatos, mas não sabemos se com a verdadeira compreensão econômica e social das finalidades que deveriam ter. Esses os sindicatos encontrados pelo Estado Novo. Com eles é que tentaremos construir edifício corporativo. Quer dizer que o trabalho educativo, preliminar, será enorme. Lembramo-nos da conhecida exclamação: “L’Italia e fatta, bisogna fare gl’italiani”. Com relação a isso, não é demais louvar a prudência com que o eminente Ministro FRANCISCO CAMPOS nada julga dever adiantar, quanto à nossa futura vida corporativa.

121. Com o mesmo entusiasmo com que defendeu a representação dos interesses, na Assembléia de 1934, TEMISTOCLES CAVALCANTI defende agora a orientação corporativista da Constituição de 1937. Prefaciando a tradução da obra de ROGER B0NNARD, Sindicalismo, corporativismo e Estado corporativo, o nosso patrício reedita os conhecidos argumentos sobre o caráter democrático dos grupos sociais, colocados entre o indivíduo e o Estado, para combater a representação pura e simples, provinda do sufrágio universal, através das formações partidárias.

A democracia deve adaptar-se, no seu sentir, a um novo estado de coisas, tornando-se mais homogênea a constituição dos seus órgãos, de governo ou legislativos, por meio de um processo indireto em que se façam representar aqueles órgãos que, por si, exprimem forças organizadas dentro do Estado. “Ninguém, realmente, já hoje contesta a insuficiência das assembléias, quer como órgãos representativos, quer como órgãos técnicos. É preciso, portanto, reduzindo as suas proporções, dar-lhes uma forma que permita exercerem o papel que devem ter como fator, por excelência, da evolução política e social do país, expressão efetiva da vontade nacional e não mero agrupamento de representantes das oligarquias políticas e familiares, como têm sido. A incapacidade técnica dos parlamentos decorre da sua origem e composição. No período de transição e de dúvidas que atravessamos, não há quem o não sinta e não tenha profunda descrença pela democracia, como se vem praticando”(118).

122. Ora, ainda não está provada a necessidade da abolição do regime representativo pelo sufrágio universal. Nem está falido o sistema, remediado, aliás, em nossa Carta, pelas eleições de segundo grau, nem as eleições indiretas dentro das associações profissionais salvariam a situação. Dentro de uma associação profissional, onde o associado tem interesse em agradar os dirigentes, pela expectativa de uma possível defesa futura, e onde encontra assistência para suprir certas necessidades da vida, são certamente muito mais fáceis as combinações, e as manobras de aproveitadores, do que num colégio eleitoral, de pessoas cujo traço comum é o da proximidade de residência. O sindicato substituirá, para pior, o cabo eleitoral e o chefe político.

Ainda: o cidadão, o ente cívico, o átomo democrático, o indivíduo político, longe de caracterizar-se pelas qualidades específicas de cada pessoa, deve ter uma característica própria a todos. A demonstração de LASKI parece convincente. O cidadão é um “consumidor” de serviço público. Para compor o órgão que deve traçar as normas de suas atividades, comparece não como representante de interesses peculiares e privados, mas como o interessado nas necessidades comuns, porque o direito a ser declarado e as necessidades a serem satisfeitas não pertencem a esta ou àquela classe; acima dos interesses privados há o bem comum, que precisa ser conhecido, declarado e definido. E não serão os interesses privados em antagonismo que hão de realizar essa tarefa. Além disso, o sufrágio universal não impede que as classes ponderáveis que quiserem ter uma voz no parlamento elejam, pelo voto ordinário e secreto, os seus representantes.

Finalmente: dando de barato que seja um fato a incompetência técnica dos parlamentos, e se imponha a necessidade de substituí-los por assembléias de profissionais, quem resolverá os problemas nitidamente políticos, ou todos quantos escapam da esfera dos interesses econômicos? Seria um círculo vicioso interminável: suprimem-se as corporações políticas, por não entenderem de assuntos técnico-profissionais; dissolvem-se as corporações, porque não podem subir até os altos páramos legislativos.

123. A Constituição de 1937 guardou um apreciável meio termo, ao instituir o Conselho da Economia. O Conselho não é órgão político e representativo, mas órgão técnico, de consulta. Colabora com o Parlamento Nacional, no exercício do Poder Legislativo, mediante parecer nas matérias de sua competência exclusiva (art. 38). Até os decretos-leis expedidos pelo Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento, dependem de parecer do Conselho, nas matérias de sua atribuição.

O Conselho não se equipara, assim, ao Conselho Nacional das Corporações italianas. O nosso corporativismo não será, igualmente, como na Itália, o eixo do regime, na figura de BORTOLOTTO(119). Até agora, nenhuma das nossas autoridades manifestou que as nossas corporações terão aquele exclusivismo totalitário, descrito por BOTTAI. O brasileiro, visceralmente amante da liberdade, e propenso, por índole e tradição histórica, ao individualismo, concorda de boa mente com a disciplina, com a organização, com a autoridade, e prefere ser persuadido a ser dirigido. Dessarte, embora as corporações estejam fadadas a desenvolver um papel relevantíssimo no desenvolvimento da economia nacional, que nunca mais do que hoje, dispensa a proteção do poder público, através de uma sábia política econômica — não pretendem elas impor um férreo sistema diretor. Por mais importantes que sejam os interesses econômicos, os políticos hão de prevalecer, no regime da Constituição de novembro. Tanto é assim, que será ainda o povo quem consentirá, ou não, na conferência de atribuições legislativas ao Conselho da Economia, de conformidade com o artigo 63 da Constituição.

124. Nos períodos de transição como o atual é óbvio que nem todas as medidas correspondam inteiramente ao espírito do regime. Milagre seria que o Estado Novo nascesse perfeito, e os seus chefes pudessem aplicar-lhe os princípios com a exatidão das fórmulas matemáticas. A arte de governar ficaria, nessa hipótese, à mercê de qualquer um. Exatamente por ser um grande cadinho de experiências patrióticas, o regime conta com a colaboração dos bem intencionados, até encontrar a sua consagração no tempo, que é o melhor de todos os legisladores.

Demos um exemplo prático.

Na regulamentação do decreto n.° 1.402, de 5 de julho de 1939, dispondo sobre sindicalização, o Ministério do Trabalho cogitou de cindir as classes dos empregadores da indústria, do comércio e da engenharia, impedindo que cada uma se organizasse, profissionalmente, numa única federação regional. Pretendia, ao contrário, que cada classe se representasse por diversas federações, como sejam: 14 na indústria, 6 no comércio, 8 na engenharia. Essas federações se reuniriam no Rio de Janeiro, dificultando, portanto, a unidade de pensamento das respectivas classes.

Uma prestigiosa federação paulista de classes patronais dirigiu-se, então, a vários mestres de direito, indagando se encontravam justificativa, nos princípios da doutrina corporativista, dispositivos de tal ordem, restritivos da autonomia das classes produtoras das várias regiões econômicas do país. Das respostas dadas, destacamos, data venia, a do professor CESARINO JÚNIOR, que apanhou magnificamente a questão:

125. Se “a associação profissional ou sindical é livre” (art. 138 da Constituição), podem constituir-se, e funcionar livremente, as associações profissionais, sem que haja incompatibilidade entre essas associações e as que legalmente representam as categorias. Além disso, desde que a Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a liberdade de associação, parece inconstitucional o dispositivo do § 4.°, do art. 48, do decreto-lei n.° 1.402, de 1939.

Querer subordinar os agrupamentos regionais até agora existentes a um órgão central de controle, no Rio, isto é, impedindo as federações locais, é contrariar, ao demais, toda a nossa evolução. De fato, é sabido que essas federações estaduais têm desempenhado a mais útil função, no desenvolvimento da nossa vida econômica. de modo que seria impolítico e contraproducente ignorar-lhes, ou impedir-lhes a lei uma existência feita de lutas e inegáveis benefícios.

O professor FRANCISCO CAMPOS havia definido que “a organização corporativa é a descentralização econômica, isto é, o abandono pelo Estado da intervenção arbitrária no domínio econômico, da burocratização da economia (primeiro passo avançado para o comunismo), deixando à própria produção o poder de organizar-se, regular-se, limitar-se e governar-se”(120).

Ora, raciocina o professor CESARINO JÚNIOR, “essa descentralização econômica não deve ser entendida somente no sentido funcional dos diversos setores da economia, mas também no sentido regional, por isso que, se, como diz ainda o citado ministro: “O Estado é a justiça, as corporações, os interesses; nos quadros do Estado só os interesses justos encontram proteção”, nessa proteção de interesses deve o Estado levar em conta também os interesses regionais, além do mais, por uma imposição das nossas condições geográficas, vale dizer, também demográficas, e, sobretudo, econômicas”.

Quer dizer, em suma, que a regulamentação prevista para o decreto-lei n.° 1.402, de 1939, quanto ao enquadramento sindical coletivo, só se legitimará, se ficar assegurada a criação das confederações regionais de indústria e comércio, a que se refere a consulta.

126. 0 mesmo professor descobre uma antinomia entre o artigo 138 da Constituição, segundo o qual o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal “dos que participarem da categoria de produção” para que foi constituído, só podendo, porém. estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios “para todos os seus associados”, — e a determinação do art. 137. letra a. segundo a qual os contratos coletivos de trabalho, concluídos pelas associações legalmente reconhecidas, serão aplicados a “todos” os empregados, etc., que representam.

Pensa o ilustre jurista que a autonomia se resolve, entendendo-se que a obrigatoriedade prevista no art. 138 para os associados é a única imediatamente decorrente da representação legal dos membros da categoria pelo sindicato, ao passo que a prevista no art. 137, letra a, para todos os membros da categoria, depende da extensão dos contratos coletivos, por ato do Ministro do Trabalho, no regime do decreto n.° 21.761, de 1931, art. 11.° ou da Justiça do Trabalho, na futura vigência dos decretos-leis ns. 1.237, de 1939, art. 28, letra d, e 1.346 de 1939, art. 8.°, letra c(121).

Em nossa opinião, o dispositivo do artigo 138 é inoperante, diante do que se lê no art. 137, letra a, que é diretamente decorrente do regime. Se, pelo artigo 62 da Constituição, as normas do artigo 61, relativas aos contratos coletivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da produção. ou entre associações representativas de duas ou mais categorias, só se efetivam com a aprovação do Presidente da República, é claro que ele, como autoridade suprema do Estado (art. 73), terá a faculdade de estender tais normas também aos não associados, tendo sempre em mira os superiores interesses da economia. Assim, é possível dar-se o caso de ficarem as próprias agremiações sujeitas a normas diferentes das que propuseram. Se o Presidente deve aprovar as normas a que se referem as letras b e c do artigo 61, é evidente que tem a faculdade de aceitá-las, ou rejeitá-las em bloco, ou de alterá-las ao seu prudente arbítrio.

127. “As convenções coletivas, a solução jurídica dos conflitos do trabalho, as organizações sindicais e as corporações constituem processos novos de integração, no sistema democrático, daquilo de que este necessita para transformar a democracia individualista, democracia de classes, em democracia social, o que corresponde a um grau superior de sua evolução”(122).

É o que promete realizar o Estado Novo brasileiro. Mas que lugar restará, então, para a atividade política do Estado?

Esta, como já vimos, ficará incólume, desde que as corporações e o Conselho da Economia não terão caráter representativo, mas apenas técnico, pelo menos enquanto não se der cumprimento ao artigo 63 da Constituição. Se, na prática das duas casas do Parlamento e na do Conselho se verificar que aquelas não acompanham o passo deste, no estudo e solução dos problemas econômicos, será tempo de se pensar mais cuidadosamente na formação dos quadros representativos. Embora pelo sufrágio universal, será imprescindível escolher principalmente homens que estejam à altura de enfrentar as questões legislativas, quer sejam de natureza econômica, social ou puramente política. Eis uma questão de grande monta, que servirá de pedra de toque para a nossa rijeza democrática.

Não sentimos ojeriza para com o corporativismo, que afanosamente procura restituir a tranqüilidade a um mundo em desequilíbrio. Seria insânia desconhecer que, diante de uma situação de desespero, são legítimas as tentativas de encontrar-se a cura, mesmo pelos processos mais heróicos e inusitados.

Todavia, não fazemos coro com os detratores dos parlamentos. Nós, no Brasil, conservamos a representação popular, o sufrágio universal, a democracia, em seus princípios essenciais, e julgamos que nada estará mais de conformidade com a nossa breve, mas gloriosa História de povo livre. Significassem totalitarismo, suprimissem o que temos de instituições democráticas, e as corporações não teriam, no Brasil, a mais longínqua possibilidade de se estabelecer.


RETROSPECTO

 

128. Nas rápidas páginas que escrevemos, não nos foi dado penetrar em diversos aspectos secundários dos grandes problemas que tomamos por tema desta monografia. Para isso seria necessário um alentado volume, para cuja redação não dispúnhamos de tempo suficiente. 0u nós, ou outro qualquer, mais autorizado, poderá entregar-se a um profícuo estudo sinóptico e exegético da legislação fascista e brasileira, notadamente no que se refere ao campo econômico e social. Mais de uma lição proveitosa há de brotar de um empreendimento dessa natureza. A menor delas não será, por certo, a de que cada povo procura resolver do seu modo as dificuldades ocorrentes, sem se impressionar demasiado com as teorias condensadas nos livros, ou os modelos alienígenas. Bem como o fascismo, o nosso regime também não é artigo de exportação... Cá e lá, diversos são os climas, diferentes as condições históricas, geográficas e sociais, e outras, portanto, as soluções.

129. 0 Brasil é uma República federativa, democrática e representativa. A Itália é uma monarquia unitária, e o seu regime é apenas nominalmente representativo.

O Brasil é democrático-autoritário, e a Itália é totalitária. A democracia brasileira decorre do consentimento expresso dos governados, e a autoridade estatal italiana é de transcendência anti-democrática.

O totalitarismo italiano é corolário do Estado absoluto, que cria a Nação e se sobrepõe a ela e aos indivíduos. A democracia autoritária brasileira não anula a Nação, nem os fins tradicionais do Estado em nome dela constituído, e resume-se, em última análise, em um presidencialismo reforçado.

No Estado italiano, no regime do Chefe do Governo, este representa, pela sua desmesurada competência, o único Poder. No Brasil, continuam a existir os Poderes políticos, posto que com maior entrosamento de funções, de uns com relação aos outros.

O Chefe do Governo italiano é praticamente irresponsável, pois responde apenas perante o Rei, figura histórica, sem maior realce constitucional. O Presidente brasileiro é responsável, nos termos da Constituição, e não pode converter em lei a sua vontade específica.

A Itália aboliu a representação parlamentar, que era, ao demais, plebiscitária até há pouco, para admitir apenas a representação corporativa. No Brasil ainda haverá um Parlamento, com as duas Casas, a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal, calcados sobre o sufrágio universal graduado.

O único ponto em que nos parecemos é no espírito corporativista. No terreno das realizações, nada poderemos acrescentar a essa observação. Enquanto na Itália as corporações já são uma realidade, aqui ainda nos achamos no período da sindicalização. Em conjunto, porém, diremos que o Brasil está fadado, melhor que a grande Nação irmã, a acatar a regra do não-intervencionismo por parte do Estado, isto é, a crer na excelência da iniciativa privada, na liberdade associativa. As nossas tendências individualistas serão corrigidas pela educação. O nosso povo se há de compenetrar da ética do Estado Novo, e tudo haveremos de conseguir, sem romper as linhas mestras da organização democrática. Não somos, em resumo, nem fascistas, nem totalitários.

130. Geograficamente imenso, com escassas vias de comunicação; com populações diversificadas pelos graus de cultura e de capacidade econômica, luta ainda o Brasil com as heranças de um passado colonial não mui longínquo. Desse país, do qual se pode dizer, como da Amazônia, que ainda está in fieri, os constituintes de 1891 fizeram uma federação, nos moldes da norte-americana. Os legisladores da Carta de 1934 não puderam rever a nossa divisão territorial, conservando a autonomia de regiões inteiras, que melhor deveriam passar para o rol de territórios. Como é sabido, foi moda, durante decênios, acusar o regime federativo em si, com saudade da centralização imperial.

A Constituição de 1937 não alterou as divisas estaduais. Restringiu, no entanto, a autonomia regional, fazendo prevalecer os interesses nacionais sobre os locais, consoante a orientação autoritária da nova democracia. É de se desejar que, com essa política, as regiões social e economicamente mais capazes transfundam qualquer coisa do seu progresso nas menos evolvidas, para que todas se nivelem, afinal, num plano mais sobranceiro. O Estado Novo quer, em suma, elevar o Brasil. Na efetivação de tão grande desideratum, todos podemos cooperar. Acima de quaisquer convicções pessoais, ocorre-nos, nesta hora tormentosa para o mundo, o dever de prestigiar a autoridade constituída, e de respeitar o regime jurídico que nos outorgou, e o qual seremos chamados, um dia, a sancionar.

131. Certos de que os agrupamentos sociais e o Estado não passam de meios, e que o indivíduo é o fim de toda ordem jurídica, pois só ele é dotado de uma alma imortal, definimos as nossas convicções democráticas; e, como remate deste estudo, pomos estas iluminadas palavras do grande pensador que foi LEÃO XIII, escritas há cinqüenta anos, com um vigor que parece não envelhecer jamais:

“Façam os governantes uso da autoridade protetora das leis e das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos seus deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo, dos seus interesses pelas vias legítimas; e visto que só a religião, como dissemos a princípio, é capaz de arrancar o mal pela raiz, lembrem-se todos que a primeira coisa a fazer é a restauração dos costumes cristãos; sem ela, os meios sugeridos pela prudência humana como mais eficazes serão pouco aptos para produzir salutares resultados”(123).


OBRAS CONSULTADAS

 

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NOTAS

(1a) AZEVEDO AMARAL, O Estado autoritário e a realidade nacional; Livr. José Olímpio, ed.; Rio 1936, pág. 146 e segs.

(1) MUSSOLINI, Benito — La dottrina del Fascismo; Ulrico Hoepli Editore; Milano 1936 — XIV, p. 30.

(2) Exemplificando, eis algumas leis e decretos: decreto-lei n. 582, de 1-5-1925, criando a “Opera Nazionale Dopolavoro”; lei n. 2.263, de 24-12-1925, dispondo sobre atribuições e prerrogativas do Chefe do Governo, Primeiro Ministro Secretário de Estado; lei n. 100, de 31-1-1926, dando faculdade, ao Executivo, de expedir normas jurídicas; lei n. 563, de 3-4-1926, sobre a disciplina jurídica das relações coletivas do trabalho; 21-4-1927, publicação da Carta do Trabalho; lei n. 2.693, de 9-12-1928, modificada pela lei n. 2.099, de 14-12-1929, dispondo sobre a formação e atribuições do Grande Conselho Fascista; lei eleitoral política, aprovada por decreto real n. 1.993, de 2-9-1928; lei n. 206, de 20-3-1930, que modifica os decretos reais n. 1.131, de 2-7-1926 e n. 1 .347, de 14-7-1927, relativa ao Conselho Nacional das Corporações; estatuto aprovado pelo decreto real n. 1.456, de 17-11-1932, sobre o Partido Nacional Fascista; lei n. 163, de 5-2-1934, sobre a constituição e funções das corporações; decreto real n. 1.073, de 21-5-1934, expedindo normas para a decisão das controvérsias individuais do trabalho; decreto real n. 2.011, de 20-9-1934, sobre a composição e atribuições dos Conselhos Provinciais da Economia Corporativa; decreto real n. 1.978, de 18-10-1934, sobre a disciplina nacional da procura e oferta de trabalho; lei n. 2.150, de 31-12-1934, sobre a Nação armada; decreto real n. 1.010, de 20-6-1935, sobre o sábado fascista.

(3) VECCHIO, Giorgio Del — Saggi intorno alio Stato; Dott. A. Giuffre, Ed.; Milano 1935-Kill, pág. 212-213.

(4) BONAUDI, Prof. Emilio — Principii di Diritto Pubblico; Un. Tipografico-Ed. Torinese; Torino 1936-XIV, p. 489.

(5) RÁO, Prof. Vicente — Novas formas de organização política, in “Revista da Faculdade de Direito de São Paulo”, vol. XXIX, 1933, pgs. 111-113.

(6) VARGAS, Getúlio — A nova política do Brasil, vol. I; Livr. José Olímpio, ed.; Rio de Janeiro s/d., p. 20.

(7) CAMPOS, Francisco — O Estado Nacional; Livr. José Olímpio, ed; Rio de Janeiro 1940, p. 103.

(8) Op. cit., p. 40.

(9) HEGEL, D. Georg Wilhelm Friedrich — Grundlinien der Philosophie des Rechts; Nicolaische Buchhandlung Berlin 1821, § 257, S. 241.

(10) Id., ib,.

(11) Op. cit., págs. 110, 221.

(12) PANUNZIO, Sérgio — Teoria generale dello Stato Fascista; Casa ed. Dott. A. Milani; Padova 1937-XV, p. 18.

(13) KANT, Immanuel — Die Metaphysik der Sitten (1. Teil: Metaphysische Anfangsgründe der Rechtslehre), in I. Kants Werke Pd. 7, herausg. von Ernst Cassierer, ver. bei Bruno Cassierer, Berlin, 1922, S. 118.

(14) Op. cit., p. 40.

(15) FERRI, Giuseppe D. — Sui caratteri giuridici del regime totalitario; Cremonese, libraio ed.; Roma 1937-XV, p. 36.

(16) Op. cit., p. 43.

(17) LECLERCQ, Abbé Jacques — L’État ou la Politique; Maison d’éd. Ad. Wesmael-Charlier (S. A.); Namur 1934, págs. 103 e 104.

(18) Papa Pio XII — Enc. Summi Pontificatus, de 20-10-1939; cf. a trad. port. do Boletim Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo, ano XVII, dez. de 1939, págs. 101 e 103.

(19) OLIVEIRA VIANA — O idealismo da Constituição; 2a. ed., Cia. Ed. Nacional; São Paulo 1939, p. 159.

(20) MONTE ARRAIS — O Estado Novo e suas diretrizes; Livr. José Olímpio, ed.; Rio de Janeiro 1938, p. 67.

(21) SCHMITT, Prof. Carl — Verfassungslehre, Verl. von Duncker & Humboldt, München und Leipzig 1928, S. 225-226.

(22) Op. cit., págs. 6 e 7.

(23) NITTI, Francesco — La démocratie; Libr. Felix Alcan; Paris 1933, t. I,p. 43.

(24) NITTI, op. cit., P. 31.

(25) KELSEN, Hans — Esencia y valor de la democracia, tr .cast. de Tapia y Lacambra; Ed. Labor. S. A.; Barcelona-Buenos Aires s/d., p. 137.

(26) Op. cit., p. 223.

(27) LAUN, Rodolfo — A democracia; tr. port. de Albino Camargo; Cia. Ed. Nacional, São Paulo 1936, pags. 208 e 209.

(28) FUR, Louis le — Les grands problèmes du Droit; Libr. du Récueil Sirey; Paris 1937, p. 541.

(29) Cf. Le FUR, op. cit., p. 561.

(30) SCHMITT, op. cit., pags. 237-238.

(31) Op. cit., p. 44.

(32) SCHMITT, op. cit., p. 223.

(33) BRUNET, René — La Constitution allemande du 11 août 1919; Payot & Cie.; Paris 1921, p. 122.

(34) Op. cit., pags. 146-147.

(35) HAMILTON, Madison e Jay — O Federalista, tr. por...; Impr. Oficial do Estado de Minas; Ouro Preto 1896, vol. II, p. 90.

(36) WOODBURN, — The American Republic and its Government. 2a ed. 1916, p 54; apud Rui BARBOSA, O art. 6.° da Constituição, p. 59.

(37) BARBOSA, Rui — O art. 6.° da Constituição e a intervenção de 1920 na Baia; A. J. Castilho, ed., Rio de Janeiro MCMXX, pags. 54 a 73.

(38) Op. cit., págs. 122-123.

(39) Op. cit., p. 175.

(40) Op. cit, vol. V, p. 187.

(41) Cf. JELLINEK, Dr. Georg — Allgemeine Staatslhre, 3. Aufl., Verl. Julius Springer, Berlin 1925, S. 585.

(42) ROURE, Agenor de — A Constituinte republicana; Imprensa Nacional; Rio de Janeiro 1920, vol. I, p. 747.

(43) Op. cit, pags. 254-255.

(44) MONTE ARRAIS, op. cit., p. 35.

(45) MONTE ARRAIS, R. de — O Rio Grande do Sul e as suas instituições governamentais; tip. do “Anuário do Brasil”; Rio de Janeiro 1925, pags. 190-192; Do poder do Estado e dos órgãos governativos; Ind. Tip. Italiana, ed.; Rio de Janeiro 1935, p. 160.

(46) OSÓRIO, Joaquim Luís — Constituição política do Estado do Rio Grande do Sul, 2. ed.; Livr. do Globo; Porto Alegre 1923, pags. 265-280.

(47) Verhandlungen der verfassumggebenden Deutschen Nationalversammlung. Gedr. bei Julius Sittenfeld, Berlin 1920, Bd. 327, S. 1.353 C.

(48) GMELIN, Hans — Referendum. Im Handbuch der Politik III. 3.Aufl., Walther Rothschild; Berlin und Leipzig 1921, S. 21.

(49) ESTELITA LINS, Augusto E. — A Nova Constituição; José Konfino, ed.; Rio de Janeiro 1938, pags. 68-69.

(50) DUGUIT, Léon — Traité de Droit Constitutionnel, t. II, 3. ême éd.; E. de Boccard, Paris 1928, p. 811.

(51) Op. cit., p. 86.

(52) Op. cit., pags. 86-87.

(53) Op. cit., pags. 13-14.

(54) Op. cit., p. 67.

(55) Op. cit., p. 35.

(56) BORTOLOTTO, Guido — Lo Stato Fascista e la Nazione; Athenaeum, Roma MCMXXXI, p. 19.

(57) FORSTHOFF, Ernst — Der totale Staat; Hanseatische Verlagsanstalt, Hamburg 1933, S. 30.

(58) Op cit., pags. 218-219.

(59) Op. cit., p. 21.

(60) Op. cit., pags. 68-69.

(61) BONAUDI, op. cit., pags. 69-70.

(62) FERRI, op. cit., p. 21.

(63) BORTOLOTTO, op. cit., p. 51.

(64) Op. cit., p. 22.

(65) Cf. FERRI, op. cit., p. 4.

(66) FERRI, op. cit., p. 14.

(67) FERRI, op. cit., pags. 30-31.

(68) FERRI, op. cit., p. 33.

(69) FERRI, op. cit., p. 34.

(70) Op. cit., p. 16.

(71) Op. cit., p. 114.

(72) Op. cit., pags. 460-461

(73) ROMANO, Santi — Corso di Diritto Costituziona1e, 4.° ed. riv.; Casa Ed. A. Milani; Padova 1933-XI.

(74) CHIMIENTI, Prof. Pietro — Diritto Costituzionale Fascista, sec. ed. nv.; Unione Tip. — Ed. Torinese; Torino 1934-XII.

(75) RANELLETTI, Oreste Istituzioni di Diritto Pubblico, sesta ed. riv.; Casa Ed. Dott. Antonio Milani; Padova 1937-XV.

(76) DE FRANCESCO — Leggi costituzionali fasciste e forma di Governo, in “Rivista di Diritto Pubblico”, nov. 1931; D’ALESSIO — Riforma costituzionale, in “Popolo d’Italia”, 1930, n. 51; e Forma e spirito della nuova costituzione italiana, in “Lo Stato”, maio de 1930; DONATI — Il Governo del Re nella classificazione deli forme di Governo, in “Riv. di Diritto Pubblico”, out. 1933. Cf. PANUNZIO. op. cit., pags. 100-101.

(77) Op. cit., p. 101.

(78) Op. cit., p. 9.

(79) MOMMSEN, Teodoro — Disegno del Diritto Pubblico Romano, tr. ital. di Bonfanti; Casa Ed. Dott. Fr. Vallardi; Milano 1904, pags. 288 e segs..

(80) Op. cit., pags. 59-60.

(81) Op. cit., pags. 255-258.

(82) CALMON, Pedro — Curso de Direito Público; Livr. Ed. Teixeira Bastos; Rio de Janeiro 1938, pref., p. VI.

(83) FERRI, Giuseppe — Rappresentanza politica (contributo ad una ricostruzione del concetto); “Athenaeum”, Soc. Ed.; Roma 1936 — XIV. No outro livro, já citado, resume a argumentação dessa obra principal.

(84) ALMEIDA Moura, G. de — A representação proporcional e a Carta de 10 de Novembro de 1937; Emp. Gráf. da “Rev. dos Trib.” São Paulo 1939.

(85) Op. cit., p. 13.

(86) Op. cit.. p. 156.

(87) Op. cit., pags. 79-80.

(88) Op. cit. p. 227.

(89) MONTE ARRAIS, O Estado Novo, cit., p. 83.

(90) MONTE ARRAIS, O Estado Novo, cit., p. 112.

(91) MIRKHINE-GUETZÉVITCH, B. — Les Constitutions des Nations Américaines; Libr. Delagrave; Paris 1932, préf., p. LXXXVIII.

(92) Op. cit., p. XC.

(93) ROOSEVELT. La nostra strada, tr. ital., p. 73; apud FERRI. Sui caratteri, cit., p. 62.

(94) Sui caratteri, op. cit., p. 63.

(95) Op. cit., p. 116.

(96) A repr. proporcionai, cit.

(97) Papa LEÃO XIII, Encíclica Rerum Novarum; trad. port., em Cartas Encíclicas do Santo Padre Leão XIII, 2.o vol.; ed. José Frutuoso da Fonseca & Cia., Porto 1893, p. 233.

(98) BACONNIER, Firmin — Le salut par la corporation; éd. “Les oeuvres françaises”, Paris 1935, p. 22.

(99) MASAGÃO, Mário — Preleções de Direito Administrativo, na Faculdade de Direito de São Paulo; São Paulo 1937, p. 36.

(100)GRESSAYE, Jean Brèthe de la — La Corporation et l’État, In Archivés de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique; Récueil Sirey, Paris, ns. 1-2, 1938, pags. 78-79.

(101) Op. cit., p. 136.

(102) MANOILESCO, Mihail — O século do corporativismo, tr. port.de AZEVEDO AMARAL; livr. José Olímpio, ed.; Rio de Janeiro 1938.

(103) Op. cit., pag. 108 e segs.

(104) Op. cit., p. 58.

(105)PIERRO, Mariano — Principi di Diritto Corporativo, sec. ed., riv.; Nicola Zanichelli ed.; Bologna 1938-XVI, p. 4

(106) MUSSOLINI, op. cit., p. 39.

(107) CASTRO FERNANDES, Antônio de — O corporativismo fascista; editorial Império; Lisboa 1938, p. 205.

(108) Cf. CASTRO FERNANDES, op. cit., p. 206.

(109) CASTRO FERNANDES, op. cit., p. 207.

(110) Op. cit., p. 34.

(111) CESARINO JÚNIOR, Prof. A. F. — Direito Social Brasileiro; Livr. Martins, ed.; São Paulo 1940, p. 67.

(112) BOTTAI, Giuseppe — L’ordinamento corporativo; A. Mondadon; Milano MCMXXXVI Anno xiv, p. 32.

(113) Op. cit., p. 31.

(114) Op. cit., p. 86.

(115) CAMPOS, Francisco op. cit., pags. 86-87.

(116) Cf. CESARINO JÚNIOR, op. cit., p. 100.

(117) FRANCISCO Alexandre — Teoria e prática do sindicalismo; A. Coelho Branco F.°, Rio de Janeiro 1935, pags. 71 e segs.

(118) BONNARD, Roger — Sindicalismo, corporativismo e Estado corporativo, trad. port. de TEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI; Livr. ed.. Freitas Bastos; Rio 1938, pref. do tr., pags. XVIII-XIX.

(119) Op. cit., p. 43.

(120) Op. cit., p. 62.

(121) No citado parecer, ao qual nos referimos, data venia.

(122) CAVALCANTI, Temistocles — op. cit., p. XXVIII.

(123) Op. cit., p. 278.


 

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