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TEORIA DA IMPREVISÃO E CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS

Geraldo Serrano Neves

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Teoria da Imprevisão e Cláusula Rebus Sic Stantibus
Geraldo Serrano Neves

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© 2001-2006 Paulo Mauricio Serrano Neves


 

 

NOTA

 

O autor – Geraldo Serrano Neves – faleceu em 27 de julho de 1961, e foi enterrado em Paracatú, terra onde exerceu seu cargo de Promotor de Justiça, e tanto amou. A obra só foi reeditada em 1997, na internete, por seu filho Paulo Mauricio Serrano Neves, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás.

A digitação obedeceu à grafia do original – 1956 – que, se não segue a rigor a gramática da época, ou contém outros erros, deve-se à composição tipográfica manual, quando, para textos longos a serem impressos numa só chapa – como é o caso dos antigos jornais – as letras que faltam na caixa são substituídas pelas mais próximas, por economia industrial.


 

TEORIA DA IMPREVISÃO E CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS

 

1.ª Edição
1956

 


 

INDICE

 

PREFÁCIO 
1º CAPÍTULO  – SUMÁRIO A opinião de CARVALHO SANTOS e a de RIPPERT – Tendência do direito moderno. – Princípio medieval de moral e de direito – A guerra de 14 e a revitalização da teoria – O silêncio do Código Civil e a orientação de nossa jurisprudência. – As treis correntes no direito brasileiro em face do problema.
2º CAPITULO  – SUMÁRIO Casos em que o contrato é passivel de revisão ou resolução. – O injusto na prestação do devedor. – A necessidade de revisão em face de perturbações politico-economicas. – Sugestões de DUSI e Francisco CAMPOS. – O Supremo Tribunal Federal e os Juizes.
3º CAPITULO  – SUMÁRIO Noticia histórica – O declinio da autonomia da vontade e a ingerencia do Estado nos contratos particulares – Frustation of adventure e teoria da impossibilidade de execução – Direito comparado – Teoria da imprevisão: leis, doutrina e jurisprudencia noBrasil e no estrangeiro.
ESTUDOS & PARECERES 
JURISPRUDENCA DE NOSSOS TRIBUNAIS 
SINOPSE 
BIBLIOGRAFIA 


 

PREFÁCIO

 

Uma única intenção presidiu à feitura deste livro: organizar um roteiro seguro para os que dispuserem a estudar o momentoso problema da imprevisão. Nesta monografia encontrarão os leitores todas as fontes a que poderão recorrer para mais amplo conhecimento do assunto. Dar-me-ei por satisfeito se a obra lograr alcançar esse desideratum, pois é êsse exclusivamente o destino deste livro:

“Habent sua fata libelli”.


 

1º CAPÍTULO

SUMÁRIO

A opinião de CARVALHO SANTOS e a de RIPPERT – Tendência do direito moderno. – Princípio medieval de moral e de direito – A guerra de 14 e a revitalização da teoria – O silêncio do Código Civil e a orientação de nossa jurisprudência. – As treis correntes no direito brasileiro em face do problema.


CAPÍTULO I

 

O insigne mestre CARVALHO SANTOS, depois de expôr, com o brilhantismo que lhe é peculiar, as teorias da declaração e da autonomia da vontade e afirmar que o contrato vale como lei entre as partes, conclúi que “... uma vez ultimado o contrato, a sua observância se impões ás partes de modo inflexivel, como se fóra uma lei, só podendo ser modificado ou revogado pelo consentimento mútuo das partes ou por causas autorizadas em lei.”

Manifestando a seguir, o aplauso á manutenção, em nosso direito, dos principios que preconizam a intangibilidade ou a invulnerabilidade da vontade manifestada, acrescenta: “... modernamente procuram alguns juristas sob as novas roupagens da teoria da imprevisão, fazer reviver a cláusula rebus sic stantibus, vale dizer, a resolubilidade dos contratos de execução futura, em virtude de subsequente mudança radical no estado de fato, o que equivaleria a destruir o princípio inconteste da fôrca vinculativa do contrato, que vale como lei as partes. Essa tentativa, porém, falhou, sendo geral a repulsa contra essa doutrina que funda a rescisão ou revisão dos contratos por motivos imprevistos, na existência de uma cláusula resolutória tácita.”

Sustentando que na França, na Itália e na Alemanha, bem como entre nós, a tendencia é para repelir o ponto da vista que se contêm na cláusula rebus sic stantibus, “embora disfarçada na complicada teoria da imprevisão”, apoia RIPPERT quando êste afirma que a repulsa em aplicar a teoria baseia-se em que “os contratos são celebrados justamente para regularem as dificuldades futuras que possam surgir”.

Em brilhante parecer, NOÉ AZEVEDO e FILOMENO COSTA, citando EDUARDO ESPINOLA e DUSI, sustentam que: “...Na Itália, antes da primeira guerra mundial, se fazia sentir um movimento que considerava as áleas imprevisíveis nos contratos; a jurisprudência , compreendendo que ela só servirá às necessidades e exigências da vida se se adaptar os princípios do direito às circunstâncias econômicas (sic), a jurisprudência peninsular, compreendendo semelhantes necessidades, admitia uma cláusula implicita nos contratos, pela qual as partes se empenhavam no pressuposto da não intervenção de fatores estranhos que alterassem enormemente o cumprimento das respectivas responsabilidades.”

CUNHA BARRETO, mais preciso e mais concreto, afirma que: “...Em matéria contradual é manifesta a restrição imposta à manifestação da vontade, em certos casos, principalmente quando a convenção pode afetar a ordem econômica do Estado. Assim como há economia dirigida, há contratos dirigidos.

A intervenção estatal nos contratos de adesão ou na estipulação em favor de terceiros, é coisa de nossos dias, que se pratica sem rodeios. Como sinal da primeira intervenção, exumou-se do Diretor Romano, depois da primeira conflagração européia, a cláusula rebus sic stantibus, como remédio heróico aos males produzidos pela interferencia de fatores economicos de modo a restaurar a regra de que, nos contratos a trato sucessivo e a têrmo da estipulação. Não vale mais a regra de que o contrato vale como lei, pela faculdade de as partes, em negócios lícitos, poderem crear diretos subjetivos. A autonomia da vontade cedeu à pressão dos casos excepcionais. Os direitos individuais são dados, não para gôso do homem, mas para êle exercer a sua função social.”

A despeito de não Ter ainda a nossa lei civil disposição expressa sobre o assunto – salvo o estabelecido no art. 322 do ante-projéto do Código das Obrigações e em algumas leis extravagantes, para regular casos especiais – a tendencia marcante, não só da legislação como da jurisprudencia dos Tribunais do País, não segue o ponto de vista esposado pelo erudito comentador do nosso Código Civíl, Mestre CARVALHO SANTOS, que, em socorro do seu respeitavel “tradicionalismo” chama o radicalismo tradicionalista de GEÒRGE RIPPERT.

Data venia, o ângulo em que o autor de “O Regimen Democrático e o Direito Civil Moderno” se coloca, é bastante angustioso e lhe não dá ensejo de lançar um olhar mais amplo, mais envolvente sobre a momentosa questão.

Com efeito; quando afirma categoricamente que: “...Un contract n'est jamais executè justement contre mêmes où il à ete conclu, et c'est justment contre ces difficultés futures, que le crèancier assure as situation par le contract ...”, prende-se a um círculo de ferro, cortando, de um só golpe todas as possibilidades de espraiar a vista sobre as diversas facêtas que a questão apresenta.

Casos surgem amiudadamente – (é verdade que constituem exceções à regra) – em que, manter teimosamente a incolumidade do pactuado, apenas porque “feito e acabado”, constitúi clamorosa e às vezes irreparavel injustiça contra o obrigado que, pela impossibilidade subjetiva ou excessiva onerosidade da prestação (causada por acontecimentos absolutamente imprevisiveis) se acha impossibilitado de cumprir a obrigação, ou, cumprindo-a, provoca a sua própria ruína, visto que as condições atuais são diversas das que constituiam o ambiente objetivo do pacto ao tempo de conlúio.

Inegavel é o carater excepcional do acontecimento, mas, em direito, toda vez que surge uma exceção á regra geral prevista, impõe-se a criação de uma medida legal que a interprete e ampare ou a ampliação de preconceitos já existentes, regulando especies paralelas.

Encontro pleno apôio em NOÉ AZEVEDO, quando este ensina: “.... Evitar a ruína do devedor, que viu agravada enormemente a sua obrigação por motivos imprevisiveis normalmente, constitúi ema aplicação de lei que atende aos fins sociais e consulta as exigencias do bem comum”.

Os que se insurgem contra a sadía aplicação da cláusula rebus sic stantibus procuram se acastelar na angústia do principio velharusco de que hoc servabitur, quod initio convenit; legem enim contractus debit (L, 6; Dig. 16) e contractus legem ex conventione accipunt. (L.23; Dig. 50-17).

Apesar da intransigência dos “radicais-tracionalistas”, o têxto de um código não pode permanecer inerte, apático, letárgico, quando no campo das relações juridicas surgem espécies novas; novas e imprevistas situações. O direito é obrigado a ir se adaptando aos fatos novos, que novos fatores fazem relumbrar; não pode ficar inativo, estavel, emperrado; não pode se ostrear a principios rígidos apenas porque são sábios ou porque atravessam incólumes umas centenas de anos. Em contrário á incolumidade do pacta sunt servanda, pode-se-ia opôr, com justeza, que já em 1756 o Codex Maximilinianus Bavarius Civilis, incluia a clausula rebus sic stantibus e tolerava a revisão contratual em casos especiais. Certo que a sua aplicação entrou em disvigoramento e quase desaparece lá pelas alturas do século XVIII. Não importa, porém, o declinio que sofreu. Tão logo surgiram condições sociais e economicas capazes de impedir uma previsão, voltou revigorada a velha e eficiente cláusula resolutória.

Quando, em 1914, os Tribunais europeus começaram a aplicar a teoria da imprevisão aos contratos que se tornaram inexequiveis dada a superveniencia de circunstâncias imperditivas imprevisiveis, ainda não haviam os Códigos da França, da Alemanha e da Italia restabelecido expressamente o princípio.

Não há motivo, pois, para que o eminente CARVALHO SANTOS se insurja contra a aplicação de teoria apenas porque “... não há uma lei especial que a consagre para determinados efeitos”.

CAIO TÀCITO, em parecer solicitado pelo Ministerio da Viação e Obras Públicas, assim se expressa, quando historía a ressureição da cláusula rebus sic stantibus: “As violentas flutuações economicas geradas pelo desequilibrio social e politico oriundo da guerra exigiram dos interpretes e dos Tribunais a mitigação do princípio rígido da imutabilidade dos contratos. Sem atingir o limíte de impossibilidade absoluta, a execução dos contratos pactuados, sob condições anteriores substancialmente modificadas, tornava a obrigação excessivamente onerosa para o devedor e gerava consequencias ruinosas para o comércio e a indústria, tanto em suas relações internas como internacionais. (Revista Forense, 155-99).

É verdade que não se encontra no Código Civil Brasileiro qualquer texto, qualquer dispositivo particularizado que consagre como regra dominante o princípio expresso na fórmula da cláusula rebus sic stantibus (Vide Recurso Extraordinário 9.346 de 16-4-1946), embora êle se vá insinuando direta ou indiretamente na lei e na jurisprudencia por imposição da própria necessidade de humanização e moralização do Direito, sob pressão de fatores inelutaveis.

“O princípio básico da teoria da imprevisão. como conquista definitiva do direito moderno, pode ser aplicado em certos casos, com fundamento em uma das mais generosas fontes do direito que são os princípios gerais. A ocorrencia de certa álea nos negocios comerciais a têrmo, não elimina a possibilidade da aplicação da teoria da imprevisão”. (NONATO)

Entrevista nas disposições dos arts. 85, 879, 1.058 e 1.059 § Único, do Código Civil, e 131, n.º 1 do Código Comercial, está clara a fórmula dos Decretos 19,573 de 7 de janeiro de 1931, 11,267 de 28 de setembro de 1944, 23,501 de 27 de novembro de 1933 (extinguindo a cláusula ouro), 20.632 de 9 de novembro de 1931 (admitindo a rescisão de contratos de locação feitos pelos Correios e Telegrafos), 25.150 de 20 de abril de 1934 e 6.739 de 26 de julho de 1944.

Criação canonista, embora romanos a ela se referissem claramente, a “latinamente bruta, mas conceituadamente energica” cláusula rebus sic stantibus, teve origem no princípio de moral cristã que considerava injusto o lucro de alguém derivado da mudança ulterior das circunstâncias sob o império das quais as obrigações foram estipuladas. Princípio medieval de moral e de direito, não é exatamente – como afirmam alguns – conquista do direito moderno, pois sua origem lança profundas raizes nos mais remotos socavões da história.

O que fez o direito moderno foi reconquistar, readaptar e condicionar ás exigências atuais o antigo e sábio mandamento. Não foi tambem abandonado, cedendo logar á autonomia da vontade, como dá a entender a silêncio do Codigo NAPOLEÃO, que pontificou no século XIX. É verdade que durante muitos anos a teoria esteve afastada das cogitações dos legisladores e dos arestos dos Tribunais; mas, como a Phoenix, iria ressurgir das próprias cinzas. Esteve, por assim dizer, licenciada emquanto a vida corria “mansa e pacífica”, sem altos e baixos, sem eventos de vulto tendentes a modificar na sua estrutura a situação economica do mundo, ingluindo profundamente na exequibilidade dos contratos, que podiam, assim, prever muito tranquilamente a prestação de uma obrigação futura, sem receio de mudanças, subversões ou revira voltas bruscas e imprevisiveis.

Tanto isso é verdade que bastou a convulsão mundial de 1914-1918 pára que a teoria ressurgisse, revivesse em toda a plenitude da sua vitalidade, pois até então apenas espontava timidamente em dispositivos reguladores da proibição do enriquecimento ilícito, do abuso de direito e do estado de necessidade. Amplamente e generosamente foi aplicada pelos juizes e Tribunais toda vez que surgiram imposições onerosas criadas por modificações imprevistas e imprevisiveis no âmbito objetivo do contrato e sempre que se tornou imperioso remediar situações nascidas de alteração viceral nas condições ou circunstâncias economicas existentes ao tempo da celebração do pacto obrigacional.

“Basta tomar o pulo do Direito, afirma CUNHA BARRETO, para se perceber o aumento de sua tensão pela marcha forçada em busca de soluções eficientes.

A justiça, por seus orgãos, como os jurista, observadores atentos, os psicólogos e sociólogos, comparsas que são da dramaticidade da vida, neste ângulo de atritos e fricções, aprestam-se a conhecer a profundeza e origem da crise, que, incontestavelmente, se reflete mais intensamente na trama judiciária, por infletir diretamente nos interêsses economicos, nas convenções e prestações em suspensão, onerados pela crise.”

Nessas condições a “máxima esquecida” voltou a atrair a atenção dos julgadores e estudiosos do direito, que deram nova vida á antiga doutrina, modernamente chamada da imprevisão ou superveniencia. do risco imprevisivel ou da lesão superveniente; da prestação gravosa ou da força maior imprevisivel. CARVALHO SANTOS, agora apoiado em BONNECASSE, adére ao conceito de que: “...graves riscos surgiriam para a estabilidade dos negócios, se se permitisse a qualquer pretexto pudesse o Juiz substituir a vontade da parte, pela sua decisão arbitrária, desnaturando assim o contrato, a pretexto de interpretá-lo ou revê-lo.”

Compartilha dêsse “feroz romanismo” (assim classifica o Juiz AGUIAR DIAS a oposição sistematica ao revisionismo) o Tribunal de Justiça da Bahia quando afirma de modo categórico que o Juiz só deve conhecer uma regra: “O respeito á palavra empenhada, nas declarações de vontade.” (Revista Forense, 123-509).

Comentando, com a sizuda sensatez de sempre, o referido aresto, diz AGUIAR DIAS: “A moral, a equilidade, a ordem social não se empenham no respeito á palavra dada senão enquanto esta corresponda a um elemento de garantia da ordem juridica. Quando deixe de representá-lo, o não cumprimento da palavra empenhada é fator de desolação e de desmembramento da ordem social, e, assim, contraproducente impor-se ao devedor, salvo se se entender que o princípio vale por si proprio e não pela utilidade que encerra.”

O feroz romanismo que se percebe em CARVALHO SANTOS, RIPPERT e BONNECASSE não provocou aplausos; ao contrário, determinou reação oposta, manifestada em vários julgados, de que é ponto culminante o brilhantissimo voto vencido de OROZIMBO NONATO, conhecendo do Recurso Extraordinário nº 9.346 de 1946. O antirigorismo criado pela necessidade de revisão contratual, segeriu a EUGENIO CARDINI, (Teoria de la Imprevisión, Buenos Ayres, 1937), estas justas e oportunas palavras: “...la vida suscita de um modo brusco, repentino, imprevisible, circunstancias radicalmente diversas las existentes al momento de contratar. Entonces aparece la teoria de la imprevisión para rever racionalmente essos atos juridicos en geral y especialmente esos contratos, pues si bien es cierto que contratar es prever, ya que todo contrato importa um juicio valerativo del álea que se está disposto a correr, no es menos cierto que no tienen por que respetarse contratos cuya observância constituye una lotería para una de las partes y la ruina para la outra a causa de los combios imprevisibles sobrevenientes.”

São unânimes os estudiosos do assunto em apontar o cáos economico nascido da primeira conflagração mundial como o marco inicial do ressurgimento da teoria da imprevissão, forçados que foram os Tribunais, como dissemos, a aplicar sem rebuços o salutar remédio aos atos e contratos, este tornados absolutamente inexequiveis, mercê da visceral alteração verificada nas condições preestabelecidas para cumprimento das obrigações.

A alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade e de produtos manufaturados; a falta de ambiente propicio a uma atividade produtiva em qualquer setor; a insuperavel dificuldade de transporte; a carencia absoluta de materiais de construção desviados para o “esforço da guerra”; o aumento repentino dos salarios acompanhando a alta das utilidades; as leis de emergências, regulando de modo diverso e imprevisto, com ação drástica, as relações comerciais; as leis de tabelamento, racionamento, conquista de divisas e previsão de “stock”; a requisição de linhas de montagem para produção exclusiva de material bélico; tudo isso concorreu para que os juizes proclamassem a vulnerabilidade de declaração de vontade, libertando o obrigado do empenho de sua palavra, pois as obrigações futuras estabelecidas, se baseavam no pressuposto da não superveniencia de fatores que alterassem as primitivas obrigações contratuais e subvertessem o ambiente objetivo do pacto. Certo não havia tempo para sugerir aos poderes competentes a criação de leis novas ou a adaptação das existentes; não era possivel aguardar a demorada manifestação dos orgãos legislativos; imperioso era remediar a gravissima situação criada pela profunda revolução da ordem economica no mundo. Decidiram então os Juizes e Tribunais ressuscitar a teoria e aplicá-la imediatamente. As leis que viessem depois.

Os fundamentos das decisões dos juizes e acordãos dos Tribunais devem Ter sido os mesmos a que aludem DUEZ e DEBEYRE, in Tratado de Direito Administrativo, 1952:

“...la theorie de l'imprevision, pour entrer en jeu, suppose des evenements èconomiques independents de la volontè des parties et qui présentent une triple caracteristique: 1º) faits exceptionnels, ils sourtent pour leur nature ou pour leur amplitude, de la normale; 2º) faits imprevisibles: il n'etait pas vraisemblablement possible de les prevoir lors de la passation du contract; 3º) faits determinant um bouleversement de la situation financière du concessionaire, telle qu'elle resulte du contract.”

É marco dessa orientação jurisprudencial na Europa o acordão da Côrte de Apelação da Florença, de 3 de Abril de 1914, comentado por DUSI. (In Revista do Direito, 1-23 – ESPINOLA, Clausula rebus sic stantibus no Direito Contemporâneo.)

Daí para cá, apesar de ferrenha oposição dos que preconizam a intangibilidade da vontade manifestada, dos que se insurgem contra a humanização do direito, dos que se escravisam ao pacta sunt servanda e ao ab initio sunt voluntatis, ex post facto sunt necessitatis, .. a impossibilidade subjetiva ou a onerosidade excessiva, consideradas sem relevancia juridica para a libertação do obrigado em matéria de caso fortuito, vieram aqui a ser tambem atendidas, desde que fossem o resultado de imprevista mudança das circunstâncias que constituiam o ambiente objetivo do contrato. (ARNOLDO MEDEIROS. Caso Fortúito e Teoria da Imprevisão, 76.)

Pioneiros da aplicação da cláusula entre nós foram NELSON HUNGRIA, declarando que “... a resolubilidade dos contratos de execução futura, em virtude de subsequente mudança radical do estado de fato, não é contemplada expressamente em nossa lei civíl, mas decorre dos principios gerais do direito e exprime um mandamento de equidade”; CASTRO MAGALHÃES, opondo-se á aplicação da conditio causa data non secuta, apoiado em WINDSCHEID e CROME; EMANUEL SODRÉ, aplicando-a na ação entre René Charnier e Maison F. Eloi, em juno de 1933.

(Arquivo Judiciário, 27-215 e Revista do Direito, 118-220).

Foi assim aberta a luta contra o tradicionalismo radical, luta a que aderiram NONATO, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (apelações cíveis ns. 5326, 2404 e 3147), SABOIA LIMA, ROCHA LAGÔA, NOÉ AZEVEDO, FILOMENO COSTA, ARNOLDO DE MEDEIROS, CUNHA BARRETO, CÁIO TÁCITO, CASTRO MAGALHÃES, ESPINDOLA e muitos outros.

O Supremo Tribunal Federal, julgando o Recurso Extraordinário Nº 2.675, de 1938 (Revista Forense, 77-99) reconhece que a regra rebus sic stantibus não é contrária aos textos expressos da lei nacional. O Decreto 19.573, de 7 de janeiro de 1931, dispondo sobre a rescisão de contratos de locação de imóveis celebrados por funcionarios civís e militares, antecipa dispositivos taxativos sobre a teoria da imprevisão. Tambem aplicada. Manifestando-se de modo incisivo sobre o reflexo das situações economicas sobre os contratos a têrmo, o Dr. Consultor Juridico do Ministerio do Trabalho (Diario Oficial de 11-5-44 e 16-6-44; Revista do Direito Administrativo, 1945, 1-32) fixou normas a adotar, consubstanciadas nos seguintes principios gerais:

a) as flutuações economicas e as alterações de mercados não devem constituir normalmente motivo para que sejam pleiteadas alterações contratuais ou majorações de preços;
b) sòmente a mutação inesperada e violenta das condições economicas e sociais, trazendo consigo a caracteristica da verdadeira fôrça maior, é que poderá justificar alterações nas condições de tempo ou de custo dos contratos de empreitada”.

A moderação e a sobriedade que ressaltam das regras acima demonstram que foram calcadas no sábio conselho de GASTON GÈSE (Principios generales del Derecho Admininstrativo): “La teoria de la imprevisión és una teoria excepcional; por lo que es preciso aplicarla en forma restrictiva y no extensiva”.

Como se vê, é indisfarçavel a tendencia, que da legislação, quer da jurisprudência, no sentido de estabelecer normas ou moldes para a correta aplicação da teoria da imprevisão. Ó timo roteiro nos dá TEMISTOCLES CAVALCANTE:

“A simples imprevisão não basta para justificar a aplicação da doutrina da revisão dos contratos, especialmente de empreitada. É preciso considerar em primeiro plano, a bôa fé no contrato e, em segundo logar a superveniencia de acontecimentos tão graves que hajam influido na propria estrutura economica do contrato, ocasionando prejuizos ao empreitiro”. (Revista de Direito Administrativo, 3-393).

De um estudo perfunctório da atividade dos juristas é de se concluir que treis correntes distintas se formaram:

a) uma francamente favoravel á aplicação liberal em que se destacam NONATO (Co autor do Código das obrigações) e ARNOLDO MEDEIROS; essa corrente estende amplamente o manto protetor da clausula de revisão contratual aos casos em que “...há um lucro injusto e inesperado para o credor”. (É necessario ponderar que nos casos de lucro injusto e inesperado para o credor, pode acontecer que este aufira tais lucros sem que a prestação se torne excessivamente onerosa para o devedor...)
b) outra, que pode ser representada pelo pensamento de HAHNEMANN GUIMARÃES; caracteriza-se pela parcimonia, pela moderação na aplicação dos princípios, considerando “...os graves riscos na estabilidade dos negócios”. Assem se expressa HAHNEMANN: “O nosso direito não permite que os contraentes se possam furtar ao cumprimento das obrigações, apesar do desequilibrio sofrido em consequencia de fatos imprevistos nas relações contratuais. Só a impossibilidade absoluta no cumprimento da prestação pode tornar ineficaz o contrato. A execução exageradamente onerosa do contrato não se equipara á impossibilidade... No direito brasileiro domina irrestritamente o princípio da convenção-lei pacta sunt servanda” (Revista Forense, 97-290).
c) Finalmente, uma terceira corrente – a dos ferrenhos romanistas, radicais e tradicionalistas, que se opões tenazmente á aplicação da cláusula, estribada na afirmação pouco convincente de RADOUANT, quando êste diz que o devedor “... n'est qu'un individu peu screpuleux qui pred pretèxte des circonstances pour rompre un marchê devenu peu avantageux et se utiliser a des nouveaux contracts, passès à des prix largemente remunerateurs les produits qu'il pretend ne pouvoir livrer a son ancien crèancier”.

Daí afirmarem os da terceira corrente que “...a estabilidade das convenções é uma necessidade social e um princípio de bom senso, como tambem uma regra de justiça.” Apesar, porém, dos preconceitos da segunda corrente e dos injustificados temores da terceira, vence galhardamente a corrente liberal.

É NOÉ DE AZEVEDO quem define a orientação com as seguintes palavras:

“Deante da alteração do ambiente objetivo no qual se formou o contrato, acarretando para o devedor uma onerosidade excessiva e para o credor um lucro inesperado, a solução só pode ser a resolução do vínculo, operando ex nunc, substituindo para o credor o exercício em fórma específica, dos seus direitos pelo respectivo equivalente economico, com observância do disposto no art. 1050, § Único do Código Civil.” (convêm ainda – acrescento – não perder de vista a salutar disposição do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto nº 4.657 de 4 de setembro de 1942: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e ás exigências do bem comum.”)

Apesar de acadêmica, é bom que seja estabelecia a diferença entre teoria de imprevisão e cláusula rebus sic stantibus. Para tanto passamos a palavra a NOÉ DE AZEVEDO: “Quando o Jurista considera a materia sob o ponto de vista pelo qual os contratantes não prevêm naturalmente o que possa acontecer no futuro fóra do comum, êle dá á solução do problema juridico o nome de teoria da imprevisão. Quando êle examina o mesmo problema pressupondo que, na época do cumprimento do contrato, as partes consideram que as coisas permaneceriam como estavam quando se obrigaram, êle a denomina de clausula rebus sic stantibus. Certa que o nome que possa Ter o instituto juridico tem importancia secundária”.

Há uma natural confusão entre caso furtuito ou fôrça maior; clausula rebus sic stantibus e teoria da imprevisão. A distinção é simples: caso furtuito ou fôrça maior, que o nosso Código Civil consagrou como sinônimos, é o “fato necessario cujos efeitos não era possivel evitar ou impedir,” conforme a definição do artigo 1.508 do mesmo Código. Para CLÓVIS, o essencial reside na impossibilidade de cumprir a obrigação. Por sua vez a cláusula rebus sic stantibus é tão somente a resolução do contratante, a simples alteração do estado de fato existente na ocasião em que o contrato teve início. (Parecer de CASTRO MAGALHÃES, in Revista do Direito, 55-457.)

Pela teoria da imprevisão, concede-se ao juiz a faculdade ou tarefa de rever o contrato, desde que acontecimentos imprevistos ou imprevisiveis alteraram as circunstâncias em que o vínculo havia se formado e acarretaram para o obrigado “uma onerosidadee excessiva da prestação”. É necessario que se dê “sensivel desequilibrio” que venha anular a condição essencial, implícita em todo contrato bi-lateral que se projéta sôbre o futuro, ou seja a perseverança no estado primitivo, que corresponde à rebus in eadem statu manentibus. (GIORGI, Obligazioni, IV, 207-235-5ª.)

Na cláusula rebus sic stantibus, o principal é que as circunstancias se altere; na fôrça maior é necessário que a execução da obrigação se tenha tornado absolutamente impossivel; na imprevisão pura e simples, basta que a prestação se tenha tornado excessivamente onerosa por influencia de fatores imprevisiveis. Como acentuamos, a distinção é puramente academica; o que interessa aos partidários da humanização do direito é a ampliação do revisionismo, sob qualquer nome ou sob qualquer bandeira.

Encerraremos este primeiro capitulo com as palavras oportunissimas do grande juiz AGUIAR DIAS:

“Ao passo que o brocardo pacta sunt servanda se sujeita, cada vez mais, ao interêsse coletivo, a cláusula rebus sic stantibus entra progressivamente na consciencia juridica universal, como corretivo necessario das iniquidades geradas pelas circunstâncias. Posta na fábula, para que mais facilmente penetrasse os espiritos a parabola do homem que matou a galinha dos ovos, de ouro, nem assim se convencem os romanistas ferrenhos, de que não é util, mas pernicioso á coletividade, impôr o cumprimento de contrato que arruine o devedor. O proprio credor, conforme a repercussão do empobrecimento do devedor, sofre as consequencias de sua intransigência.”


 

2º CAPITULO

SUMÁRIO

Casos em que o contrato é passivel de revisão ou resolução. – O injusto na prestação do devedor. – A necessidade de revisão em face de perturbações politico-economicas. – Sugestões de DUSI e Francisco CAMPOS. – O Supremo Tribunal Federal e os Juizes.


 

CAPÍTULO II

 

Emquanto não ficarem estabelecidos, de modo claro e definitivo, os casos em que o contrato é passivel de revisão ou resolução pela superveniência de circunstância impeditivas imprevisiveis ao tempo em que as partes o ultimaram, fracassará qualquer tentativa, quer para estabelecer o principio legal a ser ensartado em nossa legislação civil, quer para dar aplicação justa á teoria da imprevisão, aproveitando-lhe apenas o princípio basico salutar (in conventionibus contrahentium voluntatem potius verba spectari plasuit), que não conflita com dispositivos já consagrados em nossas leis (caso fortuito, fôrça maior) regulando especies identicas, mas não iguais.

Doutrinadores estabelecem confusão em impossibilidade (absoluta ou relativa; superveniente ou preexistente; provida de causa inerente á natureza da prestação ou oriunda de culpa do devedor) e o simples aparecimento, ao tempo da execução, de circunstância que, se fosse previsivel, teria impedido que a parte se obrigasse ou então Ter-lhe-ia aberto os olhos, levando-a a estabelecer bases condizentes com a circunstância previsivel e tendentes a evitar a onerosidade excessiva ou impeditiva da prestação futura.

Uma vez que o contrato não é tipicamente especulativo, contrato-jôgo, em que a parte se baseia em sua experiencia no ramo dos lucros fáceis ou em conhecimento oculto de circunstância que deverá sobrevir, ocasionando situação que lhe será favorável; uma vez que o contrato é negócio são, entre homens presumidamente honestos e de bôa fé, sua revisão ou resolução se impões, como medida de justiça, sempre que sobrevenha – com o cunho de coisa imprevisivel – o INJUSTO para o devedor; ou sempre que, a agravação das prestações para o futuro é de tal ordem que o devedor se arruinará se cumprir o contrato, como nos casos de aumento imprevisivel de salarios, taxas e impostos, custo de materia prima provinda da paiz em que surgiu inopinadamente uma convulsão intestina, etc.

Nesses casos, o devedor que assumiu um risco natural, jogando com a álea comum, inerente aos contratos dessa natureza, acha-se, ex abrupto, obrigado UM OUTRO CONTRATO NOVO, inteiramente extranho, inteiramente fóra das normas que o outro traçou; contrato em que as condições são outras, o valor-base é outro, outro é o risco, que não o risco normal e proprio do vínculo, mas um risco novo, oriundo de circunstâncias supervenientes que esborôam o “animus” que presidiu á vinculação, que deturpam a finalidade economica do contrato, que possibilitam um enriquecimento ilícito do credor á custa de um empobrecimento do devedor.

A resolubilidade do contrato em casos tais é um imperativo da justiça, pis tôrpe papel seria o do Direito, transformando um instrumento de equilibrio economico, – como é o contrato, – em arma de aproveitadores inescrupulosos que visam enriquecimento ilícito e injusto.

Como esclarece ALMEIDA PAIVA (A clausula rebus sic stantibus nas empreitadas de Construção – Revista Forense, 141-29), “...Na realidade, em todos os contratos sinalagmáticos e comutativos há sempre uma possibilidade de risco; mas tal risco é, todavia, o normal e o previsivel. O acontecimento extraordinário e que foge inteiramente á capacidade de previsão das partes é que autoriza a invocação da cláusula rebus sic stantibus e tal acontecimento, evidentemente, não se encontra coberto pelo artigo 1.246 do Código Civil. Uma brusca oscilação no mercado dos materiais ou da mão de obra, determinando a alta súbita e excessiva daquelas utilidades, poderá determinar a completa impossibilidade de execução da obra contratada, sob pena de um empreiteiro ou construtor ser arrastado á mais completa ruina”.

Taxam de sibilina (os que defendem a desnecessidade de um princípio legal regulador) a diferença entre a impossibilidade do artigo 1.091 do Código Civil e a possibilidade impossivel criada pelo aparecimento, posterior á vinculação, de circunstancia onerante imprevisivel.

Para aplicação correta da medida protetora dos interêsses de vítimas de bruscas mudanças nos setores politico e economico, não é apenas bastante que surja o “fato necessario cujos efeitos não era possivel evitar ou impedir”; é indispensavel que o caso se verifique; que se tipifique á primeira vista injusto, decorrente de modificação visceral posterior ao vínculo; que o cumprimento da obrigação, embora materialmente possivel, torne-se de tal fórma oneroso, que impossibilite a prestação, que não mais representa o alicerce economico do contrato, tal como era ao tempo em que partes se obrigaram.

Pondera ainda ALMEIDA PAIVA que “... a aplicação da cláusula requer, entretanto, cuidados especiais e só deve ser admitida quando se configurarem as condições imprescindiveis á sua configuração. Não basta que o aumento do material ou mão de obra resulte de acontecimento imprevisto ou imprevisivel. Impõem-se, além disso, que tal acontecimento seja de natureza anormal e extraordinária e, além do mais, que dêle decorra uma agravação tal das condições do contrato que importe prejuizo injustificado e ruinoso de um contratante em proveito do outro.

Se as circunstância que criaram tal situação eram imprevisiveis, seria clamosissima injustiça, que deita por terra, de vez, todos os princípios da humanização do direito, permitir que o devedor fique obrigado por uma prestação a que, verdadeiramente, não se obrigou jamais; seja responsavel pelo cumprimento de uma obrigação que não quereria, se previsse e que lhe é, assim, completamente extranha; cumpra um contrato fundado em bases economicas que não são aquelas mesmas que estabeleceu e que não variaram dentro no âmbito restrito do risco normal dos contratos, mas que se desfiguram pela influencia inelutavel de um risco extraordinário imprevisivel.

Como lembra FRANCISCO CAMPOS, (insurgindo-se contra a rapidez dos contratos e mostrando que na Alemanha, na Hungria, na Noruega, no Polonia e na Suiça a revisão é liberalmente admitida, banido que está o conceito tradicionalista da intangibilidade da vontade manifestada), “... o direito civil moderno, legislado todo êle para uma fáse de relativa estabilidade politica e economica, para um mundo anterior ás grandes revoluções tecnicas que tornaram ainda os pontos mais afastados do globo vizinhos e solidarios do ponto de vista politico e economico, e, além disto, inspirado no dogma da mais absoluta liberdade contratual a serviço do egoismo individual nas competições economicas, pôde, durante largo periodo de tempo graças, exatamente, á pequena amplitude e á reduzida duração e profundidade das perturbações politicas e economicas, manter a rigidez da concepção romana do contrato. Acontece porém que o mundo entrou numa fáse essencialmente dinâmica, caracterizada de um modo primordial por graves e profundas perturbações, que, originadas num continente, se propagam rapidamente a todos os pontos da terra, determinando em toda parte as crises de emergência e cujas consequencias seria injusto pesassem exclusivamente, no domínio do comércio juridico e das relações contratuais, sobre uma só das partes, enriquecendo, sem justa causa, a outra parte que passaria, deste modo a beneficar-se do patrimônio alheio além da margem razoavel de rico inerente a todos os negocios humanos.

O risco que os contraentes assumem no contrato, não pode ser concebido como excedendo o risco normal, isto é, o que se compreende nos limites da previsão humana. Levar mais longe o dogma da intangibilidade do contrato, seria, sob pretexto de garantir a liberdade contratual, destruir o fundamento mesmo do contrato, a sua base economica e moral, como instrumento de comercio e de cooperação entre homens, o elemento de bôa fé e de justiça, sem o qual a liberdade dos contratos seria apenas uma aparencia destinada a legitimar o locupletamento injusto de uma parte é custa do patrimonio da outra, sobre uma recaindo de modo exclusivo os riscos extranhos á natureza do contrato e que, se previsiveis na ocasião de atár-se o vínculo, teria impedido a sua formação.”

Demonstrada assim a tendencia indisfarçavelmente revisionista dos nossos juristas, passaremos ao proposito inicial, isto é, afirmar os pontos que definem a situação especial em que a revisão ou resolução se impões.

DUSI, que citamos linhas atraz, a proposito do celebre acordão de Florença, estabelece os seguintes principios, que devem ocorrer para que se justifique a revisão contratual:

a) que, independentemente de qualquer culpa da parte interessada, haja mudança radical nas condições de fato que essencialmente influiram na formação da vontade das partes;
b) que a mudança tenha sido imprevisivel, nem fôsse obrigação da parte prevê-la e suportá-la como elemento da álea ínsita a todo contrato;
c) que a mudança seja tal que, se a parte interessada pudesse prever, indubitavelmente se obrigaria de modo diverso.

DUSI fala em mudança apenas, quando deveria se referir, – para caracterizar a situação especial –, a mudança radical, profunda, extraordinária, visceral, essencial. A simples mudança faz parte do risco normal, da álea ordinaria das vacinações e oscilações comuns no mercado. Pode dar-se que uma lei de emergencia regule de modo diverso o sistema classico de construção, inverta completamente as normas tecnicas, imponha padrões por necessidade urbanistica, acarretando, assim, mudança radical de orientação administrativa, mas conserve o preço base dos contratos ultimados antes de sua vigência. Nesse caso, a subversão das normas (a mudança) não é de molde a impedir ou impossibilitar o cumprimento da obrigação, nem acarreta ruina para o devedor ou injusto lucro para o credor. Ora, sendo possivel e não onerosa a prestação, o contrato não é passivel de revisão nem é de justiça que se lha conceda, apesar de estarem presentes os “requisitos DUSI.”

FRANCISCO CAMPOS, afastando-se mais das idéias de fôrça maior e caso fortuito, é mais incisivo, mais pratico e define melhor a “situação especial” quando sugere:

a) o acontecimento que determina a mudança das circunstâncias deve ser imprevisto e imprevisivel pelas partes;
b) deve ser anormal, extraordinário, da ordem daqueles que entram na definição da fôrça maior;
c) não basta qualquer mudança ainda que imprevista; é necessario que a mudança determine uma tal agravação da prestação que, se prevista, teria levado os contraentes a não concluir o contrato;
d) é necessário, enfim, que o acontecimento que torne a execução dificil ou onerosa seja extranho á vontade do devedor. (Seria conveniente, data venia, que se acrescentasse como medida acauteladora: e) é necessario que, na ocasião da prestação, esteja de tal fórma desvirtuada a intenção de um dos contraentes, que o contrato não represente mais, objetivamente, o que representava á época do enlaçamento das vontades.)

Assim, daremos tambem aplicação a um salutarissimo principio: “Nas declarações de vontade se atanderá mais á sua intenção que ao sentido literal dá linguagem.” (Artigo 85 do Código Civil).

Na opinião de SERBESCO (ª PAIVA, R.F. 141-29), “Não bastam porem estas circunstancias; é imprescindivel ainda que o aludido acontecimento seja extranho á vontade das partes de modo a determinar uma agravação tal das condições convencionadas que impossibilite e torne ruinosa e execução do contrato e não opere simplesmente como motivo de redução de lucro ou imposição de prejuizos dentro nos limites normais de qualquer atividade de natureza lucrativa. (“Effects de la guerre sur i'execution des contracts.”)

Voltando á exemplificação, veremos que num contrato de empreitada, duas intenções claras e definidas se manifestam: – o credor pretende obter, em predeterminadas condições uma obra qualquer executada pelo devedor e entregue, dentro em determinado prazo em estado de ser utilisada para predeterminado fim; o devedor, por sua vez, pretende, cumprindo a obrigação nas bases ajustadas, obter um lucro razoavel, precalculado com a álea normal, como remuneração justa e legal pelos serviços prestados.

Ambos se submetem a um risco norma, comum, de rotina, traduzido nas pequenas oscilações do mercado, facilmente previsiveis, sem gravidade bastante para afetar profundamente a estrutura economica do pactuado.

Cabe aqui, antes da conclusão do raciocinio, uma observação ponderada de A. PAIVA (Loc. Cit.): “A construção civil em nossos dias, pelo vulto e diversidade dos materiais nela empregados e pelo esfôrço humano necessario ao seu impulsionamento, compreedendo desde o técnico que elabora seus planos ao mais humilde dos operários, constitui grande e importante indústria. Uma brusca oscilação no mercado dos materiais ou da mão de obra, determinando a alta súbita e excessiva daquelas utilidades, poderá determinar a completa impossibilidade de execução da obra contratada, sob pena de o empreiteiro ou construtor ser arrastado á mais completa ruina.”

Supondo, em contrato de empreitada, que tenham os contratantes ajustado o preço base de X por metro quadrado de construção acabada, êsse prêço, por fôrça de uma alta imprevista e imprevisivel do cimento, da mão de obra, dos transportes e das ferragens, não possa ser mais mantido (palavra empenhada) pois, sendo o preço base reajustado ás novas imprevistas condições de 3X, cumprir tal contrato que ultrapassou o limite da previsão humana, será, como acentuou JAIR LINS, “delirio de louco ou suicidio economico.”

Que classificação mereceriam então os principios de direito em nome dos quais o juiz obrigasse alguém a cumprir um contrato nessas condições? Não se acoimará o devedor de imprevidente e, como tal, responsavel pela obrigação contraída; era-lhe, no caso, absolutamente impossivel prever inopinadas e inesperadas reviravoltas nos setores politicos e economicos. Voluntas non extenditur ad aincognitum... diziam sabiamente os latinos.

Reexaminando este caso ao fóco da lógica, verifica-se que a prestação é possivel; possivel porque é materialmente realizavel. Acontece sómente que o devedor não contava com outro risco que não o normal, o costumeiro, o habitual em contratos dessa natureza; apesar pois da possibilidade material, a prestação se tornou onerosa e ruinosa, afetando radicalmente o alicerce economico do pacto.

Não se submetendo delibereda a expressamente a qualquer risco extraordinário é lógico que, se contasse com a alta, se tivesse certeza da iminente elevação dos preços, teria estabelecido inicialmente, – no ato de contratar – outras condições ou teria preestabelecido condições para execução futura condizentes com os preços da matéria prima, dos transportes, etc., para e tão salutares não visa, evidentemente, proteger os apreveitadores, transformando o contrato de “instrumento equilibrio economico” em “instrumento de extorsão e de enriquecimento ilícito”; ampara, porém, os boni viri, os honestos, vítimas de circunstâncias imprevisiveis, embora normalmente previdentes, dentro, é logico, da capacidade humana de prever.

É ainda FRANCISCO CAMPOS que diz: “...o argumento dominante é o da bôa fé ou a regra moral segundo a qual não é lícito a um dos contraentes aproveitar-se das circunstâncias imprevistas e imprevisiveis subsequentes á conclusão do contrato para onerar o outro contraente além do limite em que êle teria consentido em se obrigar.”

O art. 131 do Codigo Comercial, sábio, justo e humano na sua simplicidade, determina:

“A inteligencia simples e adequada, que fôr mais conforme á bôa fé e ao verdadeiro espirito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer á rigorosa e restrita significação das palavras.”

Isso equivale a dizer que o consentimento das partes contratantes, estabelecido dentro em certas e determinadas bases, só obriga dentro no âmbito do círculo traçada. Só obriga a cumprir a palavra empenhada até o ponto em que ela se empenhou.

Por isso, e não por um ferrenho apêgo á letra, é que o contrato é “lei entre as partes”: como lei, só obriga dentro nos limites pré-traçados; como lei, admite a aplicação – na ausência de dispositivo expresso – do direito natural e dos principios gerais; como lei, só abrange os casos que específica. É esta a justa e verdadeira hermeneutica do rígido princípio, levando tambem em conta que “in conventionibus contrahentium voluntatem verba potius spectari plasuit”.

JAIR LINS é incisivo quando nos oferece este trecho de deslumbrante clareza: “Se a parte, expressamente, no contrato, não assume toda e qualquer álea, isto é, se ela, claramente, não mostra que previu toda e qualquer alteração nas condições existentes, o que é curial, o que se presume é que a sua previsão e, pois, o seu consentimento, não tenha ido além do limite em que o contrato, deixando de ser uma manifestação de vontade sã e honesta, seja um delirio de louco ou um suicidio economico, absurdo que o direito, em todos os tempos e em todos os logares, não tem sancionado, não sanciona e não sancionará, sob pena de fugir de sua conceituação básica, para se tornar em puro jôgo de azar.”

Querem os intransigentes sectarios da intangibilidade da vontade manifestada que o silêncio das contraentes seja traduzido sempre como uma anuencia tácita. Ora, a conclusão a tirar da leitura dos artigos 1.079 e 1.080 do Codigo Civil, é que todo o contraente que se obriga dentro em certas e determinadas bases, tácitamente está repelindo outras bases resultantes, – para usar a letra da lei – das circunstâncias do caso. Porque então não admitir a favor das vítimas da imprevisibilidade absoluta uma conclusão tão lógica e tão humana?

O proprio Ministro NONATO, certa feita, manifestou-se contra a admissão e aplicação da cláusula rebus sic stantibus, afirmando que “os textos não resistem á distenção suficiente para se chegar á noção do risco imprevistro.” Entretanto, manifestando mais uma vez que não é um “ferrenho romanista”; que não enxerga o Codigo como construção abstrata que nada recebe da vida exterior; que é imune ás influências do conservadorismo cimentado dos que consideram o direito coisa inerte, voltou atraz dignamente para afirmar, pouco depois que “...o princípio basico da teoria da imprevisão pode ser aplicado em certos casos com fundamento em uma das mais generosas fontes de direito, que são os principios gerais.”

Como “lei entre partes” que é o contrato, só abrange os casos que especifíca, que pre-traça, que define. Assim, – porque é lei –, nos casos imprevistos, admite a interferência dos princípios gerais a que COVIELLO chama “pressupostos logicos necessarios das várias normas legislativas”.

Voltando á fixação das normas legais relativas á revisão dos contratos a têrmo, examinaremos a única sugestão que conheço. É da lavra de FRANCISCO CAMPOS e está assim redigida:

Artigo. . . . – “O juiz pode ordenar a resolução ou revisão do contrato, quando, em razão de circunstâncias que não podiam ser previstas, o devedor, na execução de prestações futuras, seja onerado por prejuizo consideravel e o credor aufira um proveito injusto.
§ Único. – “Não se incluem entre os contratos a que se refere o Art. . . . os contratos inspirados por fins de especulação, os aleatorios, quando a álea se verifica, os negocios que devem liquidar-se por diferenças, os negocios que devem liquidar-se por diferenças, os negocios a têrmo nas bolsas de valores ou de mercadorias”.

(Sugeriria, data venia, uma redação mais “permissiva”: Art. . . . – “Quando o juiz verificar que na época em que as partes se vincularam, era impossivel aos contraentes prever circunstância que só na execução se manifestou como causadora de excessiva onerosidade para o devedor e lucro indevido e injusto para o credor, poderá... etc. Tambem o parágrafo deve ser ampliado, tipificando casos).

Emquanto porém a sugestão não se transforma em lei, (não está esquecido o art. 322 do Código das Obrigações), a elasticidade que a humanização do direito dá ás normas legais e aos princípios gerais, orientará os juizes na solução dos casos que se lhe apresentarem. Apesar da falta de texto especifico, tambem não se esquecerão os juizes de que, como frisou PORTALIS, “prover a tudo é uma finalidade inatingivel. Tão variadas são as necessidades sociais, tão ativa a comunicação entre os homens, tão multiplos os interêsses e de extensão tão grande, que se torna verdadeiramente impossivel ao legislador prover a tudo”.

É o supremo Tribunal Federal quem abre amplo caminho aos Juizes com as seguintes ponderações: “Se a lei não é suficiente para revelar as regras juridicas todas e se a analogia, em qualquer de seus gráus, falha, há que procurar a solução em região ainda mais alta e cuja designação varía: – o direito natural, a unidade orgânica do direito, a natureza das coisas, os princípios gerais – tudo sem esquecer o fim social das leis e das instituições. O primeiro dever do Juiz continúa a ser a fidelidade á lei. Mas, na interpretação desta, seria êrro maior olvidar que o Direito é uma empressão de Justiça, eliminar de entre os dados de interpretação a idéia de causa final, o elemento teleológico. Não se pode ver num Código um todo que se basta a sim mento; uma construção abstrata que nada recebe da vida exterior”.


 

3º CAPITULO

SUMÁRIO

Noticia histórica – O declinio da autonomia da vontade e a ingerencia do Estado nos contratos particulares – Frustation of adventure e teoria da impossibilidade de execução – Direito comparado – Teoria da imprevisão: leis, doutrina e jurisprudencia no Brasil e no estrangeiro.


 

CAPITULO III

 

A revisão dos contratos de execução futura, pela superveniencia de fatos impeditivos imprevisiveis que tornem o pacto inexequivel ou a prestação impossivel ou excessivamente onerosa, bem como a ingerência do Estado nas convenções particulares para evitar iniquidades ou orientar plano de economia dirigida, longe de ser uma inovação fecundada no ambiente atual de humanização do direito, lança raizes bem mais profundas na história. No século VI A.C., após a expulsão dos reis etruscos, Roma se transformou em República Aristocratica, abrangendo em seu seio uma classe privilegiada de familias pátricias explorando e dominando uma comunidade plebéia. Com a expansão romana teve início a inevitavel luta de classes. Conquistada a Sicilia, após a primeira guerra púnica, houve anexação do novo territorio, que foi declarado propriedade do povo romano. A época era de conquistas territoriais e a população da Cidade Eterna era formada de lavradores obrigados ao serviço militar. Durante a ausência dos exércitos, as familias dos guerreiros contraiam dívidas, os campos ficavam incultos e, em consequencia, os preços das utilidades se elevavam vertiginosamente. Os escravos da Sicilia, isentos do serviço militar, supriam Roma em suas prementes necessidades, contribuindo, assim, para o enriquecimento rápido de uma escassa minoria de grão-senhores, que se valiam da situação anormal para impôr um jugo economico altamente prejudicial ás classes dominadas, que constituiam a grande maioria. Lançavam-se, assim, os fundamentos da perniciosa instituição do tubaronismo. Como o Senado era inaccessivel aos do povo, não eram tomadas medidas tendentes a cercear o avanço da crise. A avassaladora e despudorada cobiça dos magnatas assumia proporções de calamidade pública. Para defender os interêsses do povo espoliado, nasceu uma Assembléia Popular ou Comício, fazendo frente ao Senado. Pouco durou tal orgão de “reivindicações populares”, destinado a equilibrar a situação alarmante criada pelas consequencias das guerras. Com o fracasso da representação da vontade popular (o govêrno representativo conflitava com os principios da República), a insatisfação dos plebeus deu origem a gréves, motins e revoltas que ameaçavam a segurança do regime, preocupando fundamente os responsaveis pelo futuro da República. Ocorreu nessa época a inauguração da famosa Via Ápia, com a crucificação de seis mil gladiadores e escravos que se revoltaram contra o mando de Espartaco. Formava-se o bêrço das “reivindicações”. De terras longínquas vinham notícias de líderes que pregavam a igualdade dos homens (Guatama Buda, Asoka, Confúncio, Láo Tsé,) de leis que amenizavam as agruras da escravidão, de regimes politicos que reconheciam alguns direitos ás classes dominadas. Os plebeus ensaiavam movimentos de independencia. Surgiram então, em Roma, as leis de supressão de novas propriedades, de devolução de terras aos lavradores livres e de abolição total ou parcial das dívidas. Estavam lançadas, ao mesmo tempo, as sementes da ingerência do Estado nas convenções particulares para prevenir ou remediar situações criadas por circunstâncias imprevistas e do principio quase “instintivo” de moral e de direito, de equidade e de justiça, que mais tarde se consubstanciaría no dito canônico: “contractus que habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur”. Os resultados dessa politica de compreensão foram proveitosos e estáveis, pois, ao fim da terceira guerra púnica (240 A.C.), como frisa um grande historiador, “não havia ninguem muito rico, nem ninguem muito pobre e a maioria dos homens possuia espírito cívico”. Tal situação foi a base do poderío de Roma que, em 89 A.C., considerou cidadãos romanos todos os habitantes da Itália, dando-lhes liberdade e direito de voto, posteriormente, em 212 da nossa éra. Apagam-se aí os vestigíos da “rebus sic stantibus”, mas continúa fazendo parte integrante do acérvo de mandamentos morais dos póvos. CICERO, ministrando ao seu filho princípios de moral, dizia: “É necessario, porém, advertir que as obrigações civís que são próprias do homem justo e honrado, trocam-se ás vezes, segundo os tempos e as circunstâncias, podendo haver culpa na prática delas, de sorte que em certas ocasiões será conforme á justiça não restituir o depòsito, não cumprir com a palavra, não fazer uma ação que esteja fundada sobre a bôa fé e á verdade. Mudando-se os tempos e as circunstâncias, mudam-se as obrigações. Com efeito, pode acontecer que alguma promessa ou contrato seja de tal qualidade que se não possa cumprir sem grave prejuizo para um das partes. Tão pouco há falta de cumprimento de obrigação civíl, ou de promessa, preferindo-se o menos ao mais, quando a observância do contrato é mais nociva a quem prometeu que proveitosa a quem se prometeu”, (A-pud ARTUR ROCHA, Da Intervenção do Estado nos Contratos Concluidos, 19). Como ensina o autor citado, o princípio de equidade, apesar de admitido, não chegou a constituir regra juridica no direito romano, mas a regra de sadía moral transmitiu-se de CÍCERO A. SÊNECA e daí ao cristianismo com SÃO TOMAZ e os precursores do direito canônico, que lhe deram fórma e aplicação. Segundo OSTI (Apud. O. CARVALHO MONTEIRO, Rer. For. XCIV-242) a cláusula “rebus sic stantibus” entrou para a doutrina juridica no decreto de GRACIANO “estribada da presunção consensual, de acordo com os textos canonistas.”

Entre o esmaecer do século XV e o alvorecer do século XVI é que ela se fixou definitivamente na doutrina, sendo repetida pelos comentadores do DIGESTO e aplicada nos repertórios dos Tribunais. Aperfeiçoada a teoria pelo criador da escola culta, ANDRÉ ALICIATO, a cláusula sofreu depois ligeira decadência para, em seguida, tomar novo impulso, “pois recebe o conceito da imprevisão com que é tratada no direito moderno, e segue associada á idéia de lesão superveniente nas decisões civís das rotas ou Tribunais da Igreja”. Aí está, em breves traços, a história da cláusula “rebus sic stantibus”, que, segundo penso, nada mais é que a tradução do horrôr é iniquidade e á injustiça, que é ínsito no homem, seja qual fór o seu gráu de cultura ou de inteligência. Embora ausente, por vezes, das codificações, sempre fez parte das regras fundamentais do direito natural ou dos principios naturais de direito e de moral. Não houve pois nenhum estálo na cabeça do legislador do século VI nem no dos nossos tempos. Se quizermos ir mais longe, num estudo retrospectivo, veremos que o principio não era desconhecido, há seis ou sete mil anos, dos sacerdotes do Vale do Nilo ou do Império Sumeriano do Erech, que legislavam no sentido de orientar os negócios do povo, visando consolidar a economia interna. Os surtos de independencia nascem nos longos períodos de calma, de tranquilidade, de equilibrio eonomico-financeiro e, com eles, a volta á autonomeia da vontade e ao individualismo juridico. Mal se esboçam as crises, decorrentes de profundos abalos economicos, não podem os governos esperar que seus reflixos nas convenções particulares obriguem as vítimas das circunstancias imprevistas a bater ás portas dos tribunais, pedindo que as livrem de iniquidades criadas por “impossibilidades de execução” que assumem carater de calamidade pública; devem, imediatamente, fornecer os meios com os quais serão evitadas as prestações ruinosas. A questão de corrigir convenções entre particulares para harmonizá-las com as necessidades do bem comum, não é, como afirmam alguns estudiosos do assunto, de extraordinária transcendencia. Basta voltar os olhos para traz e agir como sempre agiram os poderes públicos em circunstancias identicas; basta, portanto, atentar para o principio “contractus Qui habent tractum seccessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur”. Por esse salutar principio canônico, ficavam os contratos de execução sucessiva ou futura (a têrmo), condicionados á permanencia das circunstancias existentes quando houve a conjugação de vontades, salvo, é claro, quando evidente que as partes contratantes se entregavam deliberada e conscientemente ao azar de imprevisiveis variações economicas, no jôgo das possibilidades. Como se vê, não está na essencia do principio amparar o inescrupuloso que se arrepende, depois de Ter entrado consciente e maldosamente no perigoso jôgo de alta e baixa; o que o principio visa, com exclusividade, é amparar os colhidos de surpresa por situação que lhes era absolutamente impossivel prevêr, evitando, assim, a iniquidade criada pela prestação ruinosa, em contratos a têrmo; é evitar a obrigação desumana de “cumprir a palavra empenhada” áqueles que, para respeitar a “lei entre partes”, se arruínam por culpa de acontecimentos imprevisiveis supervenientes. A um regime de economia dirigida, – diz Alessandro Rodriguez, seguindo JOSSERAND – como é o da época atual, deve corresponder, obrigatoriamente, um regime de contrato dirigido.“Até que os acontecimentos de Sarajevo ateassem fôgo ao estopim da conflagração mundial, a França, (para me referir apenas a um dos mais ferrenhos defensores da autonomia da vontade) vivia uma época de relativa tranquilidade. Defendia, por isso, intransigentemente a intangibilidade dos contratos e se insurgia contra a regra “rebus sic stantibus” e as teorias da lesão e da fôrça maior, cerceando, ao mesmo tempo, a ação dos Juizes no que diz respeito á revisão dos contratos. RIPERT afirmava (La règle morale, 137-272): “quer se trate de uma convenção ou de um tratado, êles não podem tolerar que um contratante sem escrupulos desprese como a um farrapo de papel o título que consigna as suas obrigações. A moral manda que se não trate o contrato como um ação social a que o Juiz tem o direito de tirar tal ou qual consequencia”. E ainda: (Le règime democratique, 17): “filosoficamente, o contrato, ao qual o código confere o favor da lei (Art. 1134), é, como fonte de obrigações SUPERIOR Á LEI, uma vez que é aceito o não imposto. Economicamente, com êle se realiza a melhor repartição dos bens e dos serviços. Cada homem decide por si mesmo o que lhe seja mais útil. FOUILLET afirmava que “quem diz contratual, diz justo”. Dominava então o rígido enunciado: “les conventions lègalement formèes tienent lieu de loi á ceux qui les ont faites” e tal era o apêgo á regra heterodoxa que o mesmo RIPERT, deante da evidencia indiscutivel das leis revisionistas, dizia, desconsoladamente: “...a locação de imóveis era considerada como uma convenção em que as cláusulas podiam ser livremente discutidas entre locadores e locatários. Pouco depois da guerra (1914-1918), a carência de alojamentos devida á falta de edificações, o deslocamento da população, e, sobretudo, o desejo comum de bem-estar, converteram o problema das habitações em questão vital. Começou então a intervenção legislativa e essa não tem cessado desde 1918. Para consolo de tal abandono das normas juridicas tradicionais, os juristas declararam que essas medidas pertencem á legislação especial sobre alugueres, não tendo senão alcance temporário: entretanto penduram e hoje ninguem pode contestar o seu carater permanente.” (Le regime democratique..., 196-197). Apesar da intransigência de alguns tradicionalistas, o movimento revisionista se acentuou na França depois dos estudos de DUGUIT, CHARMONT, GOUNOT, DEMOGUE, etc. Não importa em triunfo da autonomia da vontade, o fato de haver a Rússia repudiando o princípio de equidade, depois de havê-lo adotado na sua primeira legislação revolucionária, pois o intervencionismo aberto é um dos caracteristicos do regime ditatorial sovietico. A atitude da Rússia revivendo o princípio rígido do Código Civíl Francês (Art. 1.134) que vem diretamente do Código Napoleão, foi apenas “Fôgo de vista”, em nada afetado, – na consciencia juridica atual – a tendencia manifestamente revisionista e intervencionista, que de há muito empolgava os estudiosos dos paises civilizados, batendo-se estes pela tangibilidade dos convênios particulares, quer pela necessidade da ingerência do Estado (economia dirigida), que pela premência de evitar iniquidades “... nas épocas de grandes cataclismos políticos, que surpreendem pela sua amplitude e a sua gravidade ainda os homens colocados nas Tôrres de comando e forçam os governos, em todos os países, ás mais drásticas medidas de emergência.” (FRANCISCO CAMPOS, Parecer, Ver. For. CVI, 272).

A Inglaterra, pela palavra autorizada de JENKS, traduzia assim o seu ponto de vista: “A imensa deslocação dos negocios produzida pela grande guerra, induziu, ou trouxe á luz, um outro desenvolvimento da doutrina que uma radical mudança de circunstâncias pode libertar um contratante de suas obrigações. Êsse novo desenvolvimento é conhecido como a doutrina da “frustration adventure”. Quando por exemplo, um contrato celebrado antes da guerra teve, por efeito da guerra, o cumprimento tornado ilícito, físicamente impossivel ou exequivel sòmente com um prejuizo sensivel do devedor, as Côrtes, em circunstâncias não muito bem definidas, exoneraram o devedor do cumprimento dessas obrigações. É uma extensão da doutrina do “rebus sic stantibus”, que se entendeu governar a aplicação dos tratados internacionais. É uma doutrina perigosa, mas quase inevitavel em certos tempos.” Segue-se GUTTERIDGE, com a seguinte observação: “Tanto quanto seja possivel elaborar uma sintese da jurisprudência inglêsa sobre a imprevisão, a conclusão parece ser a seguinte: é permitida a inexecução dos contratos relativos a coisas certas, se o objeto desaparecer depois da celebração do contrato . A inexecução será igualmente admitida, se se demonstrar que as partes contrataram tendo em vista a manutenção de um estado de coisas considerado por elas, no momento da celebração do contrato, e se esse estado de coisas desaparecer. E mais: as partes ficam igualmente liberadas se a execução fôr retardada por uma causa imprevista no momento da celebração do contrato, e se o retardamento se prolongar de modo que altere inteiramente a natureza da execução, mas não basta o simples fato de a execução se haver tornado mais dificil ou que arruíne o devedor. Enfim, se o contrato prevê a eventualidade que torne impossivel a execução, não há logar para aplicar a teoria da impossibilidade de execução”...(Ver. For. 86-93).

O que deixam entrever todos os simpatizantes da revisão contratual, embora de modo mais ou menos velado, é um receio de que a aplicação dos principios da teoria da impossibilidade de execução e da doutrina da rebus sic stantibus possa redundar tambem em iniquidade. Ora, o simples e talvez infundado receio de que juizes mal advertidos lancem mão do arbítrio que lhes é dado para procrear injustiças, não é fundamento sério para se regeitar o salutarissimo princípio de equidade, permitindo, assim, as injustiças derivadas da obrigatoriedade da prestação excessivamente onerosa ou ruinosa, quando ao devedor era impossivel prever a situação-surpreza. O remédio está em controlar a ação judicial, estabelecendo, em normas processuais (Jurisp. Mineira, IV-215-224, G. SERRANO NEVES, “Teoria da imprevisão de cláusula “rebus sic stantibus”) as incidencias da ação equilibradora do Juiz, os casos típicos de revisao e possibilidade de inexecução, os meios de prova dos fatos geradores da impossibilidade de execução e uma ampla oportunidade ao credor da possibilidade de refetuar, pelos meios em direito permitidos, os elementos básicos do pedido. O eminente Ministro Eduardo Espínola (Conferência, Ver. For. 77-83) transcreve o seguinte trecho em que o Professor da Universidade de Berlim, ERNST RABEL, expôe, de modo claro e sucinto, uma excelente apreciação sobre o assunto: “O Tribunal reconheceu, pouco a pouco, um direito de recisão do devedor de coisas quando, em consequencia das alterações causada pela guerra ou pela revolução, na situação econômica, a prestação devida se tornou outra e não a esperada e querida como norma do contrato. A princípio, durante a guerra, dizia-se que o cumprimento era impossivel por causa da guerra, sendo referido para tempo em que se tornasse possivel... Teve-se, a seguir, o pensamento de salvar o devedor de uma ruína injusta. Surgiu, a despeito de observações ocasionais contrárias em algumas sentenças, a teoria da cláusula “rebus sic stantibus”, que se apoiava nos artigos 157 e 242, referentes á bôa fé. Compreendeu-se, na regra, que a mudança total e imprevisivel nas condições econômicas, devido á qual não se póde, razoavelmente, pretender a prestação do devedor, autoriza a rescisão. Foi aplicada, posteriormente, a cláusula á desvalorisação da moeda. É significativo que se tenha feito, sempre, reviver a cláusula “rebus sic stantibus”, senão na sua fórma mais geral, todavía numa concepção assás vasta, cláusula que tinha sido tão cara nos seculos XVII e XVIII e que fôra repudiada depois, porque, não obstante todas as sucessivas limitações daquele tempo, parecia muito perigosa. Devemos reconhecer que não é de bom conselho atribuir ás disposições de direito privado uma eficácia constante e imutável, estabelecendo-se que, nos tempos normais, se adaptem as exigencias severas á bôa fé, nos contratos e, ao mesmo tempo, pretendendo-se que elas resistem á prova do mais profundo abalo na vida de um povo. No direito privado, como no direito público, deve haver normas para um tempo de guerra. Os inglêses, já, instintivamente, perceberam alguma coisa dessa verdade”. VOLKMAR (A REVISÃO DOS CONTRATOS PELO JUIZ, NA ALEMANHA), mostra menos receio da “perigosa cláusula” quando afirma: “...Mas o dever de fidelidade é reciproco. O credor tambem deve considerações ao seu devedor. Se a modificação é profunda e imprevisivel, como foi o caso da inflação depois da guerra, e a desvalorização das moedas empreendida recentemente (1937) em certos países, então poderá ocorrer que os sacrificios impostos ao devedor sejam tais que o respeito absoluto á letra do contrato viole o dever de fidelidade do credor ao devedor. Para casos assim, o futuro direito das obrigações deverá conter, como regra fundamental, o direito do Juiz de intervir nos contratos e, ao mesmo tempo, limitar com nitidez essa prerrogativa.” Pode-se dizer que a futura legislação, desde agora, seguirá o caminho traçado pelas últimas leis e pela jurisprudência, aumentando, embora limitando os poderes judiciais em materia de revisão de contratos. Tal movimento de atualisação e humanização do direito encontrou adeptos entre todos os juristas do mundo civilizado, levando o próprio RIPERT a afirmar que “...na verdade, é no declinio da liberdade contratual que o espirito se interroga sobre o fundamento da fôrça obrigatória do contrato.” Como pontifica BEVILACQUA, a reação contra o individualismo e “principalmente as perturbações politicas e sociais investiram contra a noção clássica, contra a própria figura do ato voluntário gerado das obrigações, arremetendo em sua subversão contra os próprios Códigos Civís”. Assim, adotando a nova ordem, o Código Cívil Húngaro, (Art. 1.150 estabelece:

“Se, depois da conclusão de um contrato sinalagmático, uma alteração fundamental sobreveio, de ordem geral, de modo a ultrapassar a álea usual que as partes poderiam razoavelmente prever, e, se em consequencia de tal fato, rompe-se o equilibrio econômico das prestações, reciproca, ou se um outro pressuposto que sirva de base ao negócio, de sorte que uma das partes adquiriria, contrariamente á bôa fé e á equidade, um lucro desmedido e inesperado, sofrendo a outra uma perda correspondente, o Juiz póde modificar as prestações reciprocas das partes de modo conforme á equidade, ou autorizar uma delas a desistir, mediante partilha razoavel do prejuizo.”

O Código das Obrigações da Polônia, concedendo maior amplitude de poderes ao Judiciário (o que os doutrinadores consideram “perigoso”), determina:

“Quando, em consequencia de acontecimentos excepcionais, tais como guerra, epidemia, perda total das colheitas e outros cataclismas naturais, á execução da prestação acarretaria dificuldades excessivas ou ameaçaria uma das partes de uma perda exobitante, que os contratantes não poderiam prever ao tempo da conclusão do contrato, o Tribunal pode, se entende necessario, segundo os princípios da bôa fé e tomando em consideração o interesse das partes, fixar o modo de execução, o montante da prestação, ou, mesmo, pronunciar a resolução do contrato.”

O Código Civíl Soviético, precavido e hesitante, estabelece uma tése, tipifica um caso, sem cuidar da sua aplicação pratica e sem tocar na questão dos poderes Judiciário:

“Art – Se, em um contrato sinalagmático, a execução se tornar impossivel para uma das partes, por circunstâncias independentes da vontade de ambas, a parte não tem o direito, salvo disposição em contrário da LEI ou do CONTRATO, de exigir da outra o cumprimento de sua obrigação, nos têrmos do contrato. Cada uma das partes tem o direito de exigir que sua co-contratante restituição daquilo que executou, quando não recebeu a contraprestação correspondente”.

Ótima redação a da lavra dos eminentes Ministros OROZIMBO NONATO e HANNEMAN GUIMARÃES, no Ante-Projéto do Código de Obrigações do Brasil:

“Art. 322 – Quando, por fôrça de acontecimentos excepcionais e imprevistos ao tempo da conclusão do ato, opõem-se ao cumprimento deste dificuldades extremas, com prejuizo evidente para uma das partes, pode o juiz, a requerimento do interessado e considerando com equanimidade a situação dos contratantes, modificar o cumprimento da obrigação, prorrogando-lhe o têrmo ou reduzindo-lhe a importancia”.

Como vemos, o principio canônico da equidade penetrou fundo no nosso direito, que, diga-se de passagem, se não continha ainda disposição expressa que o reconhecesse, nunca tambem o repudio, proibindo-o. Em nora anterior (Ver. For., 142-513) mostramos que as nossas leis continham principios (Arts. 879, 954, 1.508, 1.509, 1.060, 1.181, 1.190, 1.250, 1.456, etc.) não só regulando a resolução da obrigação, se a prestação do fato se tornar impossivel sem culpa do devedor, como exonerando o devedor pelos prejuizos resultantes da fôrça maior e até estabelecendo normas para a intervenção do Juiz no caso do art. 1.454 do Código Civil, combinado com o art. 1.456 do mesmo diploma legislativo de 1916. A cláusula resolutiva e o arbitrio com base na equidade eram, como vemos, da essencia da nossa codificação civíl, embora não expressa de modo claro, categórico, definitivo.

Tais princípios surgiram naturalmente em qualquer codificação pois pertencem ao acervo das noções preliminares de justo e procedem de região mais alta que é o direito natural. O brilhantissimo voto do insigne dezembargador ALFREDO RUSSEL (Ver. Trib., 121-703) mostra claramente a indisfaçavel tendencia da nossa jurisprudencia para um revisionismo ponderado: “Se a segurança dos contratos reside na bôa fé das partes, a aplicação da regra não a destrói, porquanto as circunstâncias que cercaram o ajuste, modificaram de tal sorte a bôa fé que o presidiu, que reclamam, ante a apreciação cuidadosa das provas dos autos, que seja êle rescindido. Não temos, é certo, no nosso direito positivo, uma disposição expressa mandando aplicar, nos contratos de execução sucessiva ou a têrmo, a cláusula “rebus sic stantibus”. Mas se essa disposição expressa falha, não faltam, no corpo da nossa legislação civíl, preceitos que consubstanciam os seus princípios tais como os contidos nos arts.85 do Código Civíl e 131 do Código Comercial. Temos mais os arts. 879, 1058 e 1059 do Código Civíl e o Decreto 11267, de 28-9-1914. Finalmente, de maneira positiva e expressa o Decreto 19573, de 7-1-1931, adotou a cláusula quando diz: “a concessão não atenta contra o direito de propriedade, envolvendo apenas o reconhecimento de um verdadeiro caso de fôrça maior e obedece a um alto pensamento de equidade que o direito moderno acolhe subordinando cada vez mais a exigibilidade de certas obrigações á regra rebus sic stantibus”. É ainda digno de destacada menção do acima (Ver. Trib. 121-703) o voto de PONTES DE MIRANDA, que se bate pela aplicação do discutido cânone de equidade, embora tirando-lhe o carater de medida geral: “Parece-me, porém, que ao termos de consagrar no direito positivo brasileiro, seu estar no escrito, a cláusula rebus sic stantibus, devemos atender aos verdadeiros efeitos dela, que nem sempre são totais. No meu “Tratado de testamentos” apontei vários casos de aplicação de tal regra. A côrte não entrou na apreciação dos efeitos mas está claro que se trata de aplicar a doutrina ao acordão com cuja conclusão estou de acordo inteiramente, conforme a nota que, no momento, dei do meu voto”.

MAX MATIAS, na preciosa monografia “Rechtswiskungen der cláusula rebus sic stantibus und ader Veraussetzung rebus sic stantibs”, Merceburg, 1902, pg.59, diz que os efeitos da cláusula são para cada caso particular, não existe efeito geral da cláusula”. O Supremo Tribunal Federal não tomou conhecimento do recurso extraordinário interposto dessa decisão e, embargando o venerando acordão, foram os embargos despresados, sob o fundamento de que a cláusula “rebus sic stantibus” não é contrária ao texto da lei nacional. (Ver. For. 77-79). É com orgulho que assinalamos o fato de o nosso Código Civil, antecipando-se ás legislações ditas avançadas, ter cerceado a liberdade ampla e absoluta de contratar, não permitindo, em várias hipóteses, que o pactuado fosse invulneravel e se sobrepuzesse á lei. Tal tendencia foi definivamente corporificada no Art. 322 do Ante-Projéto do Código das Obrigações e na sábia simplicidade do art. 5º da Lei de introdução ao Código Civil. Em bôa hora lembraram-se os nossos legisladores de armar os juizes com a liberdade de ação que se contêm na assertiva: “se a nossa lei não é suficiente para revelar todas as regras juridicas e se a analogia, em qualquer de seus gráus, falha, há que procurar a solução em região muito mais alta”. BATISTA MARTINS, com a elegancia e a precisão que, caracterizavam a sua invulgar personalidade de jurista, dizia: “A fonte imediata do direito é a lei. Na impossibilidade porém de evitar lacunas no sistema legal, por isso que a vida é mais rica que as previsões do legislador, o orçamento juridico se integra, segundo o Código Civil (Introdução), pelas disposições concernentes aos casos analogos e, não as havendo, pelos principios gerais de direito.” (Com. ao C.P.C., Edição Ver. For., I-345). Estribado nos principios gerais de direito, o brilhante Ministro FRANCISCO CAMPOS assem respondeu a consulta que lhe foi feita pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil: “Se a agravação das prestações futuras prometidas pelo devedor é de tal ordem que a economia do contrato venha a ser profundamente perturbada por acontecimento subsequente, que as partes não poderiam prever, nem evitar, de modo que a execução da obrigação acarreta para o devedor um ônus extraordinariamente superior ao que era lícito prever por ocasião de se formar o vínculo contratual, configura-se para êle o direito de pedir a revisão do contrato.” (Ver. For,, 106-273)> ALMEIDA PAIVA (ALFREDO), em substancioso estudo sobre a aplicação da cláusula “rebus sic stantibus” nas empreitadas de construção, diz que “com frequencia tem sido invocada entre nós a teoria da imprevisão para dirimir controvérsias entre particulares e a administração responsável pela execução de obras públicas”, citando a seguir, o seguinte trecho de um parecer do então Consultor Geral da Republica, Ministro HAHNEMANN GUIMARÃES: “a doutrina inclina-se porém, a dar, nos contratos administrativos, ao empreiteiro o direito de exigir que a administração participe do prejuizo havido na execução das obras por causa de fatos economicos excepcionais”. (Ver. For. 141-29). Deste resumo é de se concluir que a cláusula “rebus sic stantibus”, por pertencer ao quadro das noções básicas de justo e equânime, está na consciencia juridica de todos os póvos e, embora ainda nos falte o dispositivo claro, expresso, indubitavel, vem sendo largamente aplicada pelos nossos orgãos da justiça. Mostremos, então, para finalizar, como os nossos Tribunais, Juizes e Juristas têm entendido e aplicado a cláusula, citaremos trechos de pareceres e estudos sobre o assunto:

1) “Especialmente no direito administrativo, ainda mais do que no direito civíl, há margem para a admissão da revisão contratual sob a pressão de novas condições econômicas, pois, se em via de regra os contratos de direito civíl se executam num ambiente limitado e em tempo restrito, os contratos de direito administrativo se dilatam em seu exercicio, no tempo e no espaço, sofrendo mais, e, por isso mesmo, as variações inerentes ás mutações sociais. A cláusula “rebus sic stantivus” atenúa a responsabilidade por efeito de circunstâncias imprevistas que tornam impossivel o cumprimento da obrigação.” (Supremo Tribunal Federal, Rec. Ext. nº11.415; recorrente o Estado do Ceará; recorrido Cristiani & Nielsen, 13-9-48, Rev. For.; CXXI, 399 / 401).

2) “Justifica-se pois, em casos excepcionais, a aplicação da teoria da imprevisão, sendo que, com esse alcance, na hipótese concreta, não há vislumbrar nos lances do aresto, violação á letra do art. 1.080 do Código Civíl, de vez que admite se desobrigue o proponente se o contrário da proposta de contrato, resultar das circunstâncias do caso.” (Idem, idem, idem; voto do Ministro RIBEIRO DA COSTA).

3) Amparando com prudência as expansões da cláusula, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Rec. Ext. 8.599, em 21-12-48: “Não tem aplicação a cláusula “rebus sic stantibus” quando o contrato prevê a alteração das condições em que foi celebrado e estabelece a faculdade da alteração dos preços.” (Ver. For., CXXIV,432).

4) Demonstrando aplaudir a afirmação de EMANUEL LEVI de que “aos direitos individuais e perpétuos, substituem-se os direitos coletivos e temporários de Pernambuco”, CUNHA BARRETO, assim se expressa sobre a momentosa questão: “A intervenção estatal nos contratos de adesão ou na estipulação em favor de terceiros é coisa de nossos dias que se pratica sem rodeios. Como sinal da primeira intervenção, exumou-se do direito romano, depois da primeira conflagração europeia, a cláusula “rebus sic stantibus”, como remédio heróico dos males produzidos pela interferencia de fatores economicos, de modo a restaurar a regra de que, nos contratos de trato sucessivo e a têrmo, o vínculo obrigacional deveria ser entendido como subordinado áquele estado de fato vigente ao tempo da estipulação. Os direitos individuais são dados, não para gôso do homem, mas para êle exercer sua função social”.(Rer. For., CXVI, 283 / 289).

5) “O estado atual da nossa legislação não proíbe os efeitos beneficos da teoria da imprevisão e a jurisprudência já se encaminha nesse sentido. Essa teoria não se confunde com o caso fortúito, sinônimo da fôrça maior. Apesar dos grandes contactos entre os institutos, êles não são iguais. Deante da alteração do ambiente objetivo no qual se formou o contrato, acarretando para o devedor uma onerosidade excessiva e para o credor um lucro inespereado, a solução só pode ser a resolução do vínculo, optando ex nunc, substituindo seus direitos, pelo respectivo equivalente econômico, com observência do disposto no art. 1050, § Único do Código Civíl.” (Parecer: NOÉ AZEVEDO e FILOMENO COSTA, São Paulo, 1945).

6) “Não está ainda incorporada ao direito brasileiro (a cláusula “rebus sic stantibus”) podendo ser aplicada, em certos casos, com base nos principios gerais de direito”. (Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ver. For., 113-93 e 108-108).

7) “Existindo nos contratos de execução sucessiva ou a têrmo, uma presunção juridica absoluta, limitando a responsabilidade dos riscos á previsão comum na época do acordo, a superveniencia decorrente de imprevisão cria um regime novo, que deve ser demarcado com as idéias de equidade. E, como o direito positivo brasileiro não veda a aplicação da cláusula “rebus sic stantibus” havendo mesmo dispositivos que lhe facultam a invocação, principalmente na legislação posterior ao Código Civíl, segue-se que, nos casos omissos, o Juiz, com fundamento no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civíl, a pedido do devedor, pode modificar o cumprimento da obrigação, uma vez verificado o acontecimento excepcional e imprevisivel ao tempo do contrato, e que, alterando profundamente o equilibrio das prestações, possa ocasionar a ruína ou prejuizo exorbitante para uma das partes. A mencionada cláusula, como condição ingênita do contrato, é uma presução de direito absoluta e não condição tácita do contrato ou acessória da vontade.” (Parecer, OSVALDO CARVALHO MONTEIRO, Rev.For., 94-242).

8) “Só a impossibilidade superveniente exonera o devedor da obrigação.” (Rec. Ext. 18.120, relator O. ROZIMBO NONATO, Ver. For. CXXXV,71).

9) “É necessario o advento de condições economicas imprevisiveis que, tornando iniqua e ruinosa a prestação, importem lucro exorbitante e injusto do credor, traduzindo insuportavel gravame para o devedor. Caracterizada essa situação excepcional e inesperada, o contrato deverá ser reajustado ao novo e imprevisto estado de fato, restabelecendo-se o equilibrio das obrigações extremamente desproporcionadas.” (Parecer, 1945, CÁIO TÁCITO. Aprovado pelo Ministro do Trabalho, conforme despacho no Diario Oficial, pg. 11.874).

10) “O dirigismo contratual, o poder de revisão conferindo ao juiz, a possibilidade da sua intervenção na trama contratual, estão na ordem do dia. Cada vez mais se contrái o principio da autonomia da vontade sob a pressão dos limítes impostos pela ordem pública e pelos bons costumes. JOSSERAND, que pões em relêvo o fenômeno, crisma-o com a denominação de “publicisação do contrato”. (Tribunal de Justiça da Bahia, Bem. nº 2.531, relator Dez. ADALICIO NOGUEIRA, Ver. For. 144-383).

11) “O princípio da autonomia da vontade, expresso na liberdade contratual e na liberdade de contratar, não foi, porém, jamais entendido e afirmado como princípio absoluto, a salvo de contrastes e limitações. Assim como nunca se concebeu o direito de propriedade como senhoría absoluta e ilimitada, afirmando-se, pelo contrário, limitações legais de ordem pública e privada aos direitos do proprietário, assim, nunca se afirmou o principio da autonomia da vontade com faculdade de contratar tudo que aprouvesse ás partes, sem limítes e censuras de ordem juridica e moral.” (SANTIAGO DANTAS, Ver. For. 139-6).

12) “Há, sem dúvida, nos contratos, uma álea normal, que é um dos caracteristicos constitutivos do contrato. Há, entretanto, uma álea extraordinária, que resulta de circunstâncias excepcionais, como a guerra, que se não pode imputar exclusivamente á parte sacrificada, porque essa alteração radical não estava na previsão das partes.” (EDUARDO ESPÍNOLA, Ver. For., 137-281).

13) “Se a parte, expressamente, no contrato, não assume toda e qualquer álea, isto é, se ela, claramente não mostra que previu toda e qualquer alteração nas condições existentes, o que é curial e o que se presume é que a sua previsão e, pois, seu consentimento, não tenha ido além do limite em que o contrato, deixando de ser uma manifestação de vontade sã e honesta, seja um delirio de louco ou um suicídio econômico, absurdo que o direito, em todos os tempos e em todos os logares, não tem sancionado, não sanciona e não sancionará, sob pena de fugir de sua conceituação básica, para se tornar em puro jôgo de azar.” (JAIR LINS).

14) “A responsabilidade dos contratos de execução futura, em virtude de subsequente mudança radical do estado de fato, não é contemplada expressamente em nossa lei civíl, mas decorre dos principios gerais do direito e exprime um mandamento de equidade”. (NELSON HUNGRIA, Sentença).


 

 

ESTUDOS & PARECERES

 

1 – NOÉ DE AZEVEDO e FILOMENO COSTA – O estado atual da nossa legislação não proibe os efeitos beneficos da teoria da imprevisão e a jurisprudencia já se encaminha decisivamente nesse sentido. Essa teoria não se confunde com o caso fortuito, sinônimo da fôrça maior. Apesar de haver grandes contatos entre os institutos, êles não são iguais. Deante da alteração do ambiente objetivo no qual se formou o contrato, acarretando para o devedor uma onerosidade excessiva e para o credor um lucro inesperado, a solução só pode ser a resolução do vínculo operando ex nunc, substituindo para o credor o exercicio em fórma especifica, dos seus direitos, pelo respectivo equivalente economico, com observancia do disposto no artigo 1.050, § Único do Codigo Civil. (Revista Forense, Vol. 115, pg. 393).

2 – CUNHA BARRETO – Não vale mais a regra de que o contrato vale como lei, pela faculdade as partes, em negócios lícitos, poderem criar direito subjetivos. A autonomia da vontade cedeu á pressão dos casos excepcionais. Os direitos individuais são dados, não para gôso do homem, mas para que êle exerça a sua função social. O jurista moderno, libertado, pela inteligência e saber, tem necessidade de quebrar esses grilhões, para Ter desimpedido o caminho encetado em direção á perfeição da Justiça. Não era possivel compreender a evolução juridica com os olhos vendados polo tradicionalismo e com os movimentos presos pelos grilhões de um conservantismo enervante. (Conferência pronunciada no Instituto dos Advogados, Estado da Paraíba, em 18 de Agosto de 1947 – In Ver. Forense, Vol. 116–, pg. 283).

3 – Tal como no contrato, há um conjunto de circunstancias que contribuem para constituir o ambiente objetivo em que se verifica a formação da sentença.

Se êsse ambiente se modifica, se as circunstâncias determinantes da disposição judicial experimentam modificações de tal modo consideraveis que dificultem ou impossibilitem efetivamente a realização dos fins colimados pela sentença, a sua revisão se impõe, por fôrça da cláusula implícita: rebus sic stantibus. (PEDRO BATISTA MARTINS. Comentários, Vol. III, pg. 357).

4 – ENRICO TULIO LIEBMANN – Em certo sentido, todas as sentenças contêm implicitamente a cláusula rebus sic stantibus porque a coisa julgada não impede, de fato, que se tenham em conta fatores supervenientes á sentença. (“Efficacia e Autoritá della Sentenza”, pgs. 17 / 18).

5 – CHIOVENDA – A competencia para a revisão da sentença é a do Juiz de 1ª Instancia, o mesmo a quem compete processar a liquidação. (“Principii”, pgs. 1.328).

6 – GUIMARÃES MENEGALE – A teoria da imprevisão, se torna mais aleatoria a obrigação, torna menos aleatoria a execução. A primeira circunstancia favoravel ao acolhimento da teoria da imprevisão no direito administrativo, reside, exatamente, na flexibilidade de seus contratos, em oposição aos do direito civil, teoricamente imutaveis. Essa disposição filia-se a outra, e vem a ser que, pela emancipação do direito administrativo, o doutrinador e o juiz encontraram na exegése das normas legais uma liberdade maior, indispensavel, de resto, á coadunação dos textos aos fatos. (Parecer, in Revista Forense, Vol. CXXXIII, pg. 46).

7 – GORDIHLO DE FARIA – A lei deve ser obra da inteligencia humana, tendendo para o bem geral. O grande dever do Estado consiste em manter a ordem juridica, necessaria ao equilibrio social. A lei para atingir a sua finalidade há de ser aplicada humanamente. É necessario sentir como necessitado o ansêio de sua necessidade. A função de aplicar o direito vive e revive em razão e em correspondencia das necessidades humanas. As leis devem ser entendidas dentro no círculo das objetividades sociais. As leis, os textos, as normas, são fontes do direito; não constituem finalidade, porque são meios de atingir á finalidade, que reside na justiça. (Humanização do Direito, Estudo. In Revista Forense, Vol. CXXXIV, pg. 585).

8 – ALIPIO SILVEIRA – noção de direito positivo – O direito social – Noção de interpretação juridica – Tendencias subjetivista e objetivista – Os fins sociais e as exigencias do bem comum na aplicação da lei – Limites aos metodos modernos de interpretação. (Hermeneutica do Direito Social, Estudo. In Revista Forense, vol. CXXXV, pg. 12).

9 – EDUARDO ESPINOLA – Apresentação do problema – O intervencionismo do Estado nos contratos – A cláusula rebus sic stantibus, a jurisprudencia francêsa – A cláusula na Belgica, na Italia e na Rumania – Na Alemanha, na Suissa e na Inglaterra – O direito brasileiro em materia de imprevisão – A cláusa rebus sic stantibus em nosso direito positivo e na jurisprudencia dos Tribunais – Orientação da doutrina – Conclusões. (“Cláusula rebus sic stantibus no direito contemporâneo. Estudo. In Revista Forense CXXXVII, pg. 281).

10 – ALMEIDA PAIVA – O artigo 1246 do Codigo Civil e a inalterabilidade do preço nas empreitadas de construção – A cláusula rebus sic stantibus, modernamente denominada teoria da imprevisão ou da superveniencia – O direito alienigena e o Direito brasileiro – Orientação da jurisprudencia – Requisitos que justificam a invocação da cláusula rebus sic stantibus – Aplicação ás empreitadas de construção – Hipotese na esfera de direito administrativo – Conclusões.
(“A cláusula rebus sic stantibus nas empreitadas de construção”. Estudo. In Revista Forense, Vol. CXLI, pg. 29).

11 – GERALDO SERRANO NEVES – “Criação canonista, embora romanos a ela se referissem claramente, a latinamente bruta mas conceituadamente energica cláusula rebus sic stantibus teve origem no principio de moral cristã que considerava injusto o lucro de alguem derivado da mudança ulterior das circunstâncias sob o imperio das quais as obrigações foram estipuladas.” (“Teoria da Imprevisão”. In Revista Forense, Vol. CXLII, pg. 513).

12 – SEABRA FAGUNDES – “Intervenção do Estado na ordem economica”, Ver. Forense, CXLVII, pg. 66)

13 – ALCINO DE PAULA SALAZAR – “Eis aí, contidos em sintese primorosa, os lineamentos fundamentais da princípio da revisão, ligados a motivo de ordem economica e moral, ao contrário do que pretendem, data venia, os opositores de tal principio.” (Cit.)

“A teoria da revisão aos poucos vai sendo acolhida pela jurisprudencia, porque, em face da injustiça do convencionado, do desequilibrio evidente, da ruina talvez e alguma das partes, não é possivel que o Juiz cruze os braços.” Não se justifica pois, data venia, o movimento reacionario com que o acordão em exame pretendeu resolver o problema para regredir á fórmula inatural e superada, sustentando, nesta época de franca evolução socialista, que, ainda agora, pacta sunt servanda. (Comentário a acordão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação 19.037 de 6 de outubro de 1952. In Revista Forense, Vol. Cl, pg. 248).

14 – CASTRO NUNES – Intervenção do Estado em ordem economica. Parecer. 1952 – Revista Forense, Vol. CL, pg. 92).

15 – AGUIAR DIAS – A justiça e as liberdades essenciais – Recordando a Constituição – Igualdade perante a lei – Intervenção na ordem economica – Liberdade de pensamento – Liberdade individual – Direito de trânsito – Artigo 142 da Constituição – Habeas corpus e mandado de segurança. (Revista Forense, CL, pg. 36).

16 – CÁIO TÁCITO – A teoria da imprevisão apenas cogita da álea economica extraordinária, que, pela impossibilidade de previsão e pelo excessivo pêso de sua incidencia, deve ser dividida entre ambos os contratantes. Reconhecendo a realidade social, essa doutrina juridica moderna admite a revisão dos contratos quando a superveniencia de condições imprevisiveis á época de sua formação, tornando excessivamente onerosa a obrigação, gera a impossibilidade subjetiva de execução do contrato. A teoria da imprevisão é uma ressalva ao princípio da imutabilidade dos contratos, de aplicação excepcional e restrita, sobretudo quando contraría norma legal expressa, como no caso do artigo 1.246 do Código Civil. A sua invocação pressupões um estado de crise, uma resolução na mateira de fato que tenha, inesperadamente, submetido o empreiteiro a um prejuizo intoleravel. (Parecer, Revista Forense, vol. XLV, pg. 97).

17 – HERMES LIMA – O estado e o usa legal da fôrça – Relações do Estado com a estrutura social – Defesa da ordem – A intervenção na ordem economica em face das Constituições brasileiras – Politica protecionista – Intervenção para fortalecer a iniciativa privada – Sistema capitalista – Crise no mundo atual – O intervencionismo moderno – Os arts. 145, 146 e 147 da Constituição – A preocupação da justiça social – Necessidade de pensamento politico organizado.
(“Intervenção Economica no Estado Moderno, Palestra realizada no auditorio do I.P.A.S.E. In Revista forense, Vol. CLV, pg. 471).


 

 

JURISPRUDENCA DE NOSSOS TRIBUNAIS

 

1 – Especialmente no direito administrativo, ainda mais que no direito civíl, há margem para a admissão da revisão contratual sob a pressão de novas condições economicas, pois, se em via de regra os contratos de direito civíl se executam num ambiente limitado e em tempo restrito, os contratos de direito administrativo se dilatam em seu exercicio no tempo e no espaço, sofrendo mais, e, por isso mesmo, as variações inerentes ás mutações sociais. A cláusula rebus sic stantibus atenúa a responsabilidade por efeito de circunstâncias imprevistas que tornam impossivel o cumprimento da obrigação. (Recurso Extraordinário Nº 11.415. Estado do Ceará versus Cristiani & Nielsen. Supremo Tribunal Federal, 13 de setembro de 1948).

2 – Não cabe ao Juiz tomar em consideração o tempo e as circunstâncias para modificar a convenção das partes e substituir as cláusulas aceitas livremente. O juiz só deve conhecer uma regra: O respeito á palavra empenhada. – A cláusula rebus sic stantibus entra progressivamente na consciencia juridica universal como corretivo necessario das iniquidades geradas pelas circustâncias. Óbvio que não é util, mas pernicioso á coletividade, impôr o cumprimento de um contrato que arruine o devedor. (AGUIAR DIAS) (Apelação Nº. 9.475. José Costa & Irmão versus The Baker Castor Oil Cy. Tribunal de Justiça da Bahia – 22 de Julho de 1948.)

3 – Não tem aplicação a cláusula rebus sic stantibus quando o contrato prevê a alteração das condições em que foi celebrado e estabelece a faculdade de alteração de preços. (Recurso Extraordinário Nº 8.599. Empresa de Construções Gerais Ltd. Versus Quintela & Cia. Ltd. Supremo Tribunal Federal, 21 de Dezembro de 1948).

4 – A sentença está sujeita á cláusula rebus sic stantibus. A mudança do estado das coisas pode torná-la inexequivel e fazê-la operar no vasío, em certos casos.

Mas, pela sistemática do Codigo de Processo Civíl, não ocorrendo êsses casos, a sentença não se pode alterar por amôr de fundamentos repelidas pelo juiz da ação e produzidos teimosamente na execução. Só fatos supervenientes, podem trazer alteração do julgado. (Recurso Extraordinário Nº 4.909 – Francisco Marengo versus A. Joaquim Teixeira – Supremo Tribunal Federal, 18 de Julho de 1947).

5 – Não há em nosso direito, subentendida a cláusula rebus sic stantibus. A impossibilidade relativa da prestação não invalida os contratos, se não houver estipulação a respeito. No contrato de compra e venda mercantil há, inevitavelmente, certa álea, pela alternativa de ganho e perda. A oscilação de preços, pelos mais variados motivos, é fator constante, inafastavel, nos cálculos das operações mercantís. (Apelação Nº 3.328 – Tribunal de Justiça do rio Grande do Sul, 25 de Junho de 1946).

6 – A possibilidade de lucro reside na oscilação do valor da mercadoria, mas há causas imprevisiveis, como a falta repentina de um produto em determinada praça, motivando alta extraordinária, capaz de ocasionar lucro excepcional que não pode ser objeto de indenização por inadimplemento de obrigação contratual. VOTO VENCIDO do Ministro NONATO: – Não se encontra no Codigo Civil qualquer texto que consagre, como regra dominante, o principio expresso na fórmula da cláusula rebus sic stantibus embora êle se vá insinuando direta ou indiretamente na lei e na jurisprudência por imposição da própria necessidade de humanização e moralisação do direito, sob a pressão de fatores inelutaveis. A ocorrencia de certa álea nos negocios comerciais a têrmo não elimina a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão. Enquanto os doutos deitam sondas na pesquisa dos fundamentos da teoria da imprevisão e tecem o aranhol das doutrinas em torno do elegante problema juridico (teoria moralista de RIPPERT et VOISIN; a da bôa fé de KLENK, ROBERT VOUIN E OUTROS; a da equidade, do solidarismo e da situação extracontratual de BRUZIN; do êrro, de GIOVENE; da causa, de YANASCO; da presuposição, de WINDSCHEID; a da vontade marginal, de OSTI; a da equivalencia das questões e ainda outras) o princípio desenvolve-se em afirmações legislativas e jurisprudenciais. E nem al pederia ser, dada a expansão das idéias de bôa fé, de equidade, de enriquecimento injusto, de vedação da usura e outras que lhes são afins e cercãs, e que cada vez mais tendem á humanização e á moralização do direito sob a pressão de fatores inelutaveis. Como disse DE MONZIE, “le mouvement des choses commande une stratégie des idèes”. (Recurso Extraordinário nº 9.346. Tude, irmão & Cia versus Andrônico Silva. Supremo Tribunal Federal, 27 de dezembro de 1946.

7 – O nosso Codigo Civíl não repele a teoria da imprevisão, mas, vem ao contrário, a sufraga. Nos contratos deve ser procurada a intenção comum das partes, para fazer cessar a obrigação, sempre que, pela alteração da primitiva situação economica, sofra profunda e imprevista agravação. Pela teoria da imprevisão concede-se ao juiz a faculdade ou tarefa de rever o contrato desde que acontecimentos imprevistos ou imprevisiveis alteraram as circunstancias em que o vínculo se tinha formado e acarretaram para o obrigado uma onerosidade excessiva da prestação. (Apelação Nº 5.362 – Vicente Durante versus Augusto Teixeira – /a. Camara do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 24 de abril de 1945).

8 – A revisão dos contratos pelo juiz substituiu-se á doutrina do absolutismo contratual. O dirigismo contratual, o poder de revisão conferido ao Juiz , a possibilidade da sua intervenção na trama contratual, estão na ordem do dia. Cada vez mais se contrái o principio da autonomia da vontade, sob a pressão dos limites impostos pela ordem pública e pelos bons costumes. A revisão dos contratos pelo juiz, no direito inglês e no alemão é matéria passada em julgado. (Embargos nº 2.531. Tribunal de Justiça da Bahia, 1952).

9 – A revisão dos contratos tem sido admitida em casos excepcionalissimos entre nós, pressupondo sempre circunstâncias imprevistas e alheias á vontade das partes, que tornam impossivel o cumprimento da obrigação. Não pode invocá-la quem praticou ato ilícito contra o credor, quer desviando vens apenhados, que desvirtuando a finalidade do emprestimo. (Apelação Nº 1.918, Tribunal de justiça do Rio Grande do Norte, 1952).


 

SINOPSE

+ A cláusula rebus sic stantibus é uma regra moral; um principio de direito natural, ináto no homem.

+ Nasceu naturalmente, quando alguem se sentiu impossibilitado de cumprir uma obrigação contratual, por Ter sido desvirtuado o fundamento economico do pacto por circunstâncias imprevisiveis ao tempo em que o contrato foi ultimado.

+ Em retrospécto histórico, foi encontrada como artigo de lei em 1756. (Codex Maximilianus Bavarius Civilis).

+ Em declinio até o século XVIII, ressurgiu com a conflagração européia.

+ Foi ensartada em vários Codigos europeus e acatada pelos Tribunais dos paizes civilizados.

+ Vem sendo aplicada, mormente nos momentos de crises politico-economicas.

+ Entre nós, está consubstanciada no art. 322 do Ante Projeto do Codigo das Obrigações e é entrevista em varias leis de emergencia.

+ O Ministro Nelson Hungria invocou-a e aplicou-a pela primeira vez nos últimos tempos.

+ Daí para cá rompeu-se o tabu que impedia a sua ressurreição.

+ Há tendencias para incluí-la na legislação comum.


 

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