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AS OCUPAÇÕES DE TERRA E A PRODUÇÃO DO DIREITO

Carlos Alberto dos Santos Dutra

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As Ocupações de Terra e a Produção do Direito
Carlos Alberto dos Santos Dutra

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Documento do Autor

©2002,2006 — Carlos Alberto dos Santos Dutra
carlito@uniline.com.br


 

ÍNDICE

Introdução

Capítulo I – A luta pela terra
1. Luta de ontem e de hoje
2. Sinal de riqueza e de pobreza

Capítulo II – A violência no campo
1. Os números da violência
2. A reação do latifúndio

Capítulo III – A proteção jurídica da propriedade
1. As ocupações como caso de Polícia
2. A Justiça e a idolatria da Lei

Capítulo IV – A produção do Direito
1. O Direito em construção
2. Por um Direito democrático

Considerações Finais
Referências Bibliográficas


 

Carlos Alberto dos Santos Dutra

As
Ocupações
de Terra
e a Produção do Direito

Três Lagoas-MS
2001

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Curso de Direito, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas, sob a orientação da Profa. Rosemary Luciene Rial Pardo de Barros.


 

Dedicatória:
Dedico esse trabalho a minha mãe LAURA

Lá se vai o tempo senhora e tão pouco a conheço.
Sei não sei se eu mereço tanto amor e esta canção.
Alma de menina, canto passarinho, mãos de purpurina a me afagar no seu ninho.
Pois ainda sou menino.
Dá-me tua mão segura, guarda-me em tua doçura.
Uirapuru da alegria, reto e sábio é o teu juízo.
Humanitária existência, dar a vida se preciso.
Mas como não sou sozinho, dividiste o teu carinho: pôs o mundo em minhas mãos.
Amorosa mãe-guerreira, devo a ti família e lar, meus irmão e o que sou.
Tenho razões para cantar, tens razões para este sonho embalar.


AGRADECIMENTOS

À Yaveh,
Deus dos pobres e Deus libertador;
À minhas filhas Maria Angélica, Laura e Daline
pela alegria;
À minha esposa Vilma, historiadora,
pelos horizontes;
À minha orientadora,
Profa. Dra. Rosemary Luciene Rial Pardo de Barros
pela dedicação;
Ao Prof. Dr. Júlio Cesar Cestari Mancini,
pelo companheirismo;
Ao Dr. José Berlange Andrade, juiz de Direito,
pela militância e amizade;
Ao advogado Dr. Onofre da Costa Lima,
pelas observações,
Aos professores e colegas do Curso de Direito,
pelo lustro que trilhamos juntos


 

SIGLAS

CC - Código Civil Brasileiro
CDDH - Centro de Defesa dos Direitos Humanos
CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CF - Constituição Federal de 1988
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
CLT - Consolidações das Leis do Trabalho
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CP - Código Penal Brasileiro
CPC - Código de Processo Civil Brasileiro
CPM - Código Policial Militar
CPP - Código de Processo Penal Brasileiro
CPT - Comissão Pastoral da Terra
DNER - Departamento Nacional de Estradas e Rodagem
DOJ - Diário Oficial de Justiça
ETR - Estatuto do Trabalhador Rural
FAMASUL - Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul
FARSUL - Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul
FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
HC - Habeas Corpus
IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
INCRA - Instituto Nacional de Desenvolvimento e Reforma Agrária
HC - Habeas Corpus
LICC - Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro
MASTES - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Oeste do Paraná
MNP - Movimento Nacional de Produtores
MP - Ministério Público
MPF - Ministério Público Federal
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra
ONU - Organização das Nações Unidas
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária
PUC - Pontifícia Universidade Católica
PUR - Pacto de Unidade e Resposta Rural
RT - Revista dos Tribunais
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Supremo Tribunal de Justiça
STR - Sindicato de Trabalhadores Rurais
TA - Tribunal de Alçada
TFP - Sociedade Tradição, Família e Propriedade
TJ - Tribunal de Justiça
UDR - União Democrática Ruralista


 

INTRODUÇÃO

Consuetudo est optima legum interpres
(O Costume é o melhor intérprete das Leis).
(Direito Canônico, 1917).

 

A situação dos que sofrem por questões de terra em nosso país é extremamente grave. Ouve-se por toda parte o clamor de um povo sofrido, ameaçado de perder sua terra ou impossibilitado de alcançá-la (CNBB, 1980:3). O presente trabalho se insere neste contexto de luta travada por milhares de trabalhadores rurais sem-terra expulsos do campo e das cidades de norte a sul do país. Busca valorizar, preferencialmente, o ponto de vista, o modo de pensar e a experiência concreta dos que sofrem por causa dos problemas da terra.

Foi a partir da década de 70 (MEDEIROS, 1989: 136), com a expansão agropastoril capitalista, que a chamada questão da luta pela terra ganhou força e vigor pelo Brasil afora. As primeiras ações de resistência dos chamados sem-terra que ganharam fôlego em meados dos anos 80 (Idem: 139), entretanto, não foram suficientes para impor uma política de distribuição de terra em grande escala no país. O surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, responsável, nos dias atuais, por centenas de conflitos na busca pela posse da terra, por outro lado, tem semeado na esfera do Direito, situações novas, verdadeiro espaço instituinte do não legalizado a conviver com o espaço instituído da ordem jurídica vigente (CARTA, 1999).

Toda investigação, defende Maria do Pilar de Araújo VIEIRA, pode surgir de duas maneiras: primeiro, como resposta a inquietações acadêmicas, e segundo, como resposta a questões colocadas pela própria experiência (1991: 31-33). A presente monografia identifica-se com esta última motivação. Ela deita raiz na própria experiência vivida pelo pesquisador na sua juventude e subseqüente militância no CDDH Marçal de Souza Tupã-i, de Campo Grande-MS, do qual foi um de seus fundadores em 1987. O estudo da realidade, escreve Hilton JAPIASSU, supõe um contato com ela, não podendo permanecer no domínio da pura especulação (1976: 23).

Motivado pela discussão acadêmica ainda dos tempos da Filosofia e Teologia, cursadas na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e seu engajamento na então incipiente teologia da libertação dos anos 70, este trabalho brota da necessidade de se demonstrar que os conflitos agrários, mormente as ocupações de terra, não podem ser tratados simplesmente como caso de polícia. Em outras palavras, ele externa a indignação de milhares de trabalhadores rurais sem-terra que são levados diariamente às barras dos Tribunais sob a acusação da prática de crime contra a propriedade da terra.

Existe pouca reflexão sobre o tema das ocupações de terra promovidas pelo MST, na esfera do Direito. E isso por um duplo motivo. Por um lado, o assunto é ainda recente na esfera acadêmica e a produção teórica em torno da praxis desse movimento em particular, somente agora toma corpo e ainda assim, em nível de pós-graduação, dissertações de mestrado e doutorado. De outro lado, o tema ainda encontra dura resistência entre os setores dominantes da sociedade, o que tem impedido a inserção de avanços na doutrina jurídica, dado o forte conteúdo ideológico que permeiam essas ações.

Diante dessas dificuldades, o presente trabalho limitar-se-á a refletir, pelo olhar da sociologia, sobre uma das alternativas encontrada por milhares de homens e mulheres, cidadãos excluídos do direito fundamental à terra que, através das ocupações, têm conseguido abrir espaços institucionais na busca da tutela jurisdicional para suas legítimas pretensões.

Elegendo como objeto de estudo o fenômeno das ocupações, buscará refletir abrangentemente sobre essa prática do MST e sua relação com o Direito, indagando, na acepção lata do termo, sobre o valor e a função das normas que governam a vida social no sentido justo, sem, contudo, distanciar-se do sentido estrito, no estudo dos pressupostos ou condições da experiência jurídica aplicada a esses casos (REALE, 1987:285).

Na esteira da filosofia e da sociologia do Direito e, portanto, afastando-se da preocupação de natureza meramente dogmática e normativa, sistematizada pela ordem jurídica vigente, esse trabalho procurará perscrutar sobre os fundamentos ontológicos do fenômeno das ocupações vinculado-a à juízos de valor e encarando-as como objeto passíveis de investigação zetética - investigação concebida por Theodor VIEHWEG, que privilegia o aspecto da pergunta mantendo-se aberta à dúvida sobre as premissas e os princípios que ensejam respostas (LAFER, 1988:17).

Sem sombra de dúvida, a esmagadora maioria dos operadores do Direito sai das escolas, pode-se dizer, com conhecimentos apenas decorados, totalmente desvinculados da realidade. Com raras e honrosas exceções encontramos advogados, via de regra, com grande dificuldade em ligar aquilo que aprenderam na faculdade com a vida social. A dificuldade passa a ser maior, ainda, quando este profissional se depara com situações práticas de cunho mais critico sobre essa realidade.

Todos sabemos, não existe outra forma de se tornar advogado a não ser cursando a faculdade de Direito. Igualmente não existe outra forma de concluir o curso que não seja submetendo-se a rezar a cartilha dos currículos oficiais, digerir as regras, os artigos, as normas e as doutrinas, a grande maioria das vezes, sem qualquer reflexão. O resultado, já dizia o falecido advogado do Instituto Jurídico Popular, Nilson MARQUES, não poderia ser outro: uma instrução fora da vida real, fora dos conflitos; uma formação acadêmica voltada para o mundo do discurso (1988: 6).

Para superar o problema e escapar desse Direito nefelibático que é chamado de puro, ainda que irreal e fora do tempo, é preciso entoar em alto e bom tom que o fenômeno jurídico se modula não somente com as grandes evoluções sociais (TEUBNER, 1982:64), mas também se transforma quando acontecem transformações na base da sociedade (MARQUES, Idem).

O Estado, por estar investido das funções de administrar a Justiça através do Poder Judiciário, e de regulamentá-la através do Legislativo, escreve a Profª Luciene Rinaldi COLLI, deve chamar para si:

a tutela dos conflitos sociais e a responsabilidade de dirimi-los sob os esteios da lei e da ordem, constituídas para a mantença da paz social. Este fim, todavia, não só é alcançado através da interveniência Estatal, mas também através de revoluções da própria sociedade quando o Estado, no exercício de suas funções, se demonstra incapaz de promovê-la (2001: Introd.).

É nesse sentido que o presente trabalho caminha. Ensejando o diálogo com outras formas de pensar o Direito, quer demonstrar que as ocupações de terra, promovidas em particular pelo MST, na medida em que expressam, por parte dos trabalhadores excluídos do direito constitucional de propriedade, aspirações legítimas, configuram-se como autêntica fonte material do direito, com a mesma importância das fontes formais (CARTA, 1999).

David HARVEY, em uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural afirma que nunca é fácil elaborar uma avaliação crítica de uma situação avassaladoramente presente (1989: 301). O mesmo podemos afirmar em relação à temática abordada por esta monografia. O professor Aquiles Côrtes GUIMARÃES, dirigindo suas lições de filosofia aos amadurecidos mestres-advogados, promotores, procuradores e detentores da mobilíssima função de julgar, lembra que:

toda norma emana da consciência (...) que surgiu no conjunto das demais consciências (...) doadoras de sentido: única fonte de toda a articulação da vida social e histórica (...) a buscar o melhor na convivência humana. Toda existência humana se caracteriza, originalmente, por ser coexistência. O homem é um ser-com: diz da sua inserção no processo social (1997: 13-16).

Ainda que os Tribunais possam ser entendidos como verdadeiros teatros dos desencontros humanos, das mútuas recusas, das imensas frustrações, das misérias como subproduto da humana condição (GUIMARÃES, 1997:23), a ação consciente do ser humano na vida coletiva (e seu reflexo na função jurisdicional do Estado), depende exclusivamente de como essa realidade é encarada e apreendida. Em outra palavras, depende do conhecimento que dela tem, dessa vida que é o seu meio social, o seu mundo (SILVEIRA, 1977:13).

Pois é a partir dessa sensibilidade e preocupação em melhorar a lei positiva quando ela não é justa, é que vários juízes de primeira instância, Tribunais de Justiça de Estados, e jurisprudência confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, têm se posicionado favoravelmente às ocupações de terra. Enquanto mecanismo de pressão pela realização da Reforma Agrária, elas têm sido entendidas, em vários casos, como legítimas.

São essas razões que nos alentam a perscrutar em nosso intento. Nas palavras de Ademar BOGO:

de nada valeria analisarmos a questão agrária através de profundos estudos, se não nos propusermos intervir sobre ela para fazer acontecer a Reforma Agrária. Natural é interpretar a realidade; extraordinário é formular métodos e empenhar-se ativamente para transformá-la, conferindo conteúdo às mudanças (1999: 106).

A partir da ótica da função social da propriedade e sua proteção jurídica, este trabalho almeja igualmente semear luzes sobre uma questão por demais controversa: a questão da propriedade e da posse vista sob o aspecto político-ideológico.

Buscando deslocar o entendimento do regime jurídico da propriedade privada, via de regra subordinado ao Direito Civil, para o ponto de vista e esfera do Direito Constitucional, pretende caminhar essa pesquisa no sentido da superação da ótica individualista e reguladora de relações civis. Pretende, com isso, fornecer aos operadores do Direito (magistrados, promotores, procuradores e advogados), subsídios teóricos e jurídicos mais amplos e que lhes permitam tomar posições que superem a mera classificação conceitual e a simples rotulação de uma questão por demais eivada de preconceitos.

A pesquisa valeu-se da bibliografia que versa sobre Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direitos Humanos, Direito Agrário, Sociologia e Filosofia do Direito, além da bibliografia alternativa disponível sobre o assunto em sítios na internet, como o www.mst.org.br/setores/dhumanos, monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado, e periódicos relacionados ao tema, procurando sempre relativisar seus conteúdos filtrando-os dos elementos da ideologia a que pertencem e considerando o contexto de onde foram produzidos.

Nosso objeto de pesquisa, portanto, situa-se no campo das ocupações (como defendem os sem-terra) ou das invasões (como preferem os proprietários) da terra, procurando explicitar a forma como a maioria dos autores e a doutrina em geral retratam essa situação anômala e como ela figura no nosso Direito.

Através da influência da ideologia dominante e da jurisprudência conservadora, via de regra favorável ao grande proprietário, o Direito acabou por distanciar-se do real vivido, olvidando de que toda a estrutura normativa deve refletir o impulso e esforço intencional de consciências no sentido de buscar o melhor para a convivência humana.

A partir desse entendimento, —o de que a leitura jurídica da vivência social deverá ser iluminadora dos sentidos das relações intersubjetivas, caso contrário, empobrecer-se-á no massacre das disposições normativas ditadas pelo Estado—, o presente trabalho pretende suscitar o debate em torno de uma indagação que pode ser apresentada nos seguintes termos:

Até que ponto as ocupações de terra promovidas pelo MST configuram espaço instituinte de produção do Direito? Até que ponto os ganhos oriundos do embate sociopolítico concreto da luta pela terra podem ser incorporados ao poder jurisdicional do Estado?

Este trabalho, portanto, tem o escopo de colaborar para a produção de um pensamento jurídico novo que responda aos anseios sociais de parcela significativa de brasileiros. Através do exercício do direito de resistência dos movimentos sociais, em particular do MST e suas orientações na promoção das ocupações de terra que não cumprem sua função social, podemos já de antemão vislumbrar que eles estão a denunciar a discordância e o descontentamento de milhões de marginalizados da terra.

Movimentos que no seu conjunto dizem mais, escreve COLLI. As ocupações, como manifestações de

desobediência civil aos preceitos juridicamente estabelecidos constituem-se em pretensões juridicamente firmadas e garantidas, o que nos dá suporte a afirmação de que as ações desta natureza são lícitas, na medida em que visam a garantia de direitos sociais, historicamente negados (2001: Ibidem).

No primeiro capítulo desse trabalho abordamos a luta pela terra em seus aspectos históricos. Procuramos demonstrar que a luta pela terra não é um fato novo na história do Brasil e que a terra pode significar riqueza e pobreza, vida ou morte, poder político ou marginalização do homem ou de grupos sociais. No segundo capítulo abordamos a questão da violência no campo, os números dessa violência bem como a reação organizada e a violência seletiva praticada pelo latifundiário contra os marginalizados da terra.

No terceiro capítulo falamos sobre a proteção jurídica da propriedade, do fenômeno das ocupações e a organização do Estado para combatê-las, tendo à frente os senhores da lei. Mais do que uma crítica a essa situação, pretende-se imprimir um olhar novo sobre o conhecimento jurídico em vista de uma lei justa. No último capítulo abordamos a questão da produção do Direito propriamente dita, buscando através dos aspectos teóricos valorar a experiência das ocupações como espaço social de produção do Direito. Conclama, por fim, luzes sobre a perspectiva da democratização da Justiça no sentido de uma leitura mais constitucional e menos civilista da realidade e dos conflitos.

Mais do que cumprir uma exigência acadêmica para a obtenção do grau de bacharel em Direito, esse trabalho postula referenciais mais amplos: quer ajudar a pensar questões que se colocam tanto para os operadores do Direito, como para proprietários e lideranças do MST. É um convite aos advogados para deixarem de lado a teoria dos empoeirados livros da Universidade, e se debruçarem sobre as teorias e lições de vida experimentadas por aqueles que verdadeiramente constróem a história deste país.

Os advogados, escreve o professor Miguel PRESSBURGER,

não são os principais agentes das transformações sociais, mas podem dar uma inestimável contribuição no avanço das lutas e na consolidação de conquistas (1988: 4) que dizem respeito à grande maioria do povo brasileiro.


 

Capítulo I
A LUTA PELA TERRA

Das necessidades fundamentais da sociedade,
deriva o conteúdo comum da composição do Direito

(Djacir Menezes, 1964)

 

1. LUTA DE ONTEM E DE HOJE

A luta pela terra não é um fato novo na história do Brasil. No decorrer dos séculos, ela tem sido a expressão das contradições de regimes que historicamente se sucederam, mormente o regime de propriedade que deu sustentação política à maioria dos governos desde o tempo do Império. Daniel RECH, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra-CPT, órgão ligado à Igreja Católica, chega a dizer que os conflitos relacionados à terra começaram desde que ocorreu a notícia do chamado descobrimento do Brasil (1985: 7).

Um rápido retorno ao passado nos permite confirmar as palavras da Professora Terezinha D’AQUINO que afirma nunca ter havido no país rupturas ou saltos no anseio por terra (1991: 111). As lutas, portanto, foram permanentes e remontam o período colonial, onde negros e índios lutaram pela terra desde os confins dos quilombos até os movimentos das chamadas revoltas espontâneas (AZEVEDO, 1982: 12).

Para a citada Professora, essas lutas, embora antigas,

só se configuraram enquanto luta por Reforma Agrária a partir de 1950 até 1964, época em que teve início a organização dos trabalhadores rurais em seus órgãos de classe a partir das ligas camponesas e do subsequente movimento sindical propriamente dito (Idem: 110).

Desde o Brasil colônia diversas propostas de Reforma Agrária foram apresentadas por pensadores reformistas, como padre João Daniel (1770), José Arouche de Toledo Rendon (1788), Luís dos Santos Vilhena (1798-1802) e José Antônio Gonçalves Chaves (1817). A esses homens que pretendiam transformar a estrutura fundiária brasileira, entretanto, a Coroa nunca deu ouvidos (JOBIM, 1983: 8).

Desde Canudos, que acabou em 1897, a agitação pela terra apareceu tanto no Contestado, em Santa Catarina, de 1912 a 1916, como no Juazeiro do Padre Cícero, em 1913. Movimentos desse tipo, em zonas miseráveis do país, escreve Antônio CALLADO:

a princípio criam esperança, criam empregos, criam até esmolas, por isso atraem toda a espécie de gente de áreas extensas do interior, e acabaram por originar uma coletividade (...). Depois de uma abolição que foi a última do mundo, não partiu o Brasil para um programa intensivo, nem de distribuição de cultura, nem de distribuição de terra (1976: 67).

Foi somente a partir do decreto de emancipação dos escravos, em 1888, que se inicia, no plano jurídico-político, o ordenamento das relações de trabalho no campo. Os decretos-lei n° 979, de 1903 e n° 1637, de 1907, são os principais instrumentos legais do sistema sindical criados para ordenar as relações de produção no campo. Anos mais tarde, a Lei n° 1299-A, de 1911, escreve Octavio IANNI, cria, no estado de São Paulo, o Patronato Agrícola, instituição que se inseriu na base do regime de colonato então vigente na cafeicultura (1984: 225).

Em 1922, no estado de São Paulo chegaram a ser criados os Tribunais Rurais para solucionar dúvidas e interpretar questões relativas aos contratos entre trabalhadores e proprietários. Três anos antes havia sido sancionada uma lei de acidentes de trabalho agrícola, dando alguns benefícios aos trabalhadores, mas apenas aos acidentados que empregassem instrumentos motorizados (MORAES & SILVA, apud. DUTRA, 1996: 171). Em 1933, através do decreto n° 22789, foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), porém nada acrescentando quanto às condições de trabalho de moradores e assalariados (IANNI, 1984:225).

Em 1940, no meio urbano, foi instituído o salário mínimo e três anos depois, criada a CLT, através do Decreto-Lei n° 5452 que deixava claro em seu artigo sétimo, que seus preceitos não se aplicavam aos trabalhadores rurais. Segundo Valentin CARRION essa discriminação do art. 7° foi revogada tacitamente pelo extinto Estatuto do Trabalhador Rural (1998: 49). O Estatuto da Lavoura Canavieira, criado pelo Decreto-Lei n° 3855, de 1941, surge para garantir as relações entre proprietários e usineiros de cana. Somente três anos depois, o Decreto-Lei n° 6969, de 1944, iria se preocupar com os direitos desses trabalhadores (IANNI, Idem).

Finalmente em 1963, através da Lei n° 4214, é que foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), que dizia respeito às condições de oferta e demanda da força de trabalho no campo: instituiu a carteira de trabalho; o contrato de trabalho; os direitos e os deveres das partes contratantes; o descanso remunerado; as férias; o trabalho do menor e da mulher, e outros aspectos das relações de produção no campo. O ETR e a Lei dos Safristas seriam revogados seis anos mais tarde, através do Decreto-Lei n° 761/69 (CARRION, 1998: 49), já no rigor do regime de exceção de 1964.

O chamado Estatuto da Terra (Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964), decretado no regime militar, viria transformar a Reforma Agrária, de questão política (já que envolvia interesses e conflitos da sociedade), em problema técnico. Alvaro de VITA registra que um dos primeiros passos para a efetivação desse Estatuto:

consistiu em eliminar todas as lideranças políticas e sindicais comprometidas de alguma forma com as lutas dos trabalhadores rurais, através de cassações, prisões, expulsões do país (...), torturas e assassinatos (1989: 104).

Toda essa história, escreve Octavio IANNI fica pela metade, ou pelo menos incompleta,

se não descobrimos as idéias que expressam, simbolizam ou amarram a trama dos interesses, contraponto das forças sociais em jogo. Há uma argamassa ideológica que cimenta os blocos de poder, ajuda a construí-los, reconstruí-los, explicar as suas mudanças. Há sempre construções ideológicas organizando (por exemplo) a índole pacífica do povo brasileiro (...) para evitar-se uma revolução social (1984: 255).

O processo de apropriação da terra, polarizado entre o uso e a propriedade, entre a posse e o domínio, sempre foi palco de litígios e ocasião de conflitos. Para o citado professor Otávio IANNI, as leis de terras surgidas ao longo da história do Brasil, principalmente as que tratavam de terras indígenas, devolutas, públicas, de colonização oficial e particular, todas elas

indicavam a maneira pela qual o poder estatal era levado a acomodar ou favorecer e contrariar, interesses das mais diversas categorias sociais envolvidas na luta pela posse e acesso à terra: índios, ex-escravos, camaradas, imigrantes, moradores, colonos, agregados, assalariados, sitiantes, posseiros, parceiros, meeiros, arrendatários, grileiros, latifundiários, fazendeiros, empresas (1984: 175).

A falência do sistema sesmarial (LARANJEIRA,1981:30) consubstanciada pela sua suspensão através da Resolução n° 76, de 1822, determinou que a única maneira de aquisição do domínio territorial no Brasil passou a ser a posse por ocupação. Com o advento da Lei de Terras (Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850), que extinguiu o princípio da doação e inaugurou o da compra para a aquisição de terras devolutas, o acesso à terra foi paulatinamente dificultado ao homem comum. Essa Lei estabelecia, por outro lado, obrigações para o dono de sesmaria. Se essas obrigações não fossem cumpridas, a doação ficava anulada e a terra devia ser devolvida, daí o nome devolutas, passando as mesmas a fazer parte da propriedade dos Estados e da União (AJUP/FASE, 1986: 4).

Desde o Brasil-Colônia, escreve o Dr. Robert Weaver SHIRLEY, o nosso ordenamento jurídico esteve distante de ter no povo o seu principal interesse.

Portugal não tencionava trazer justiça ao povo ou mesmo prestar os serviços mais elementares à sua colônia. Essa desvinculação entre o Estado e a população é um tema constante na história brasileira. O Direito que existia era o dos coronéis, as leis da elite agrária (1987: 80).

Ao mesmo tempo em que favoreceu a monopolização da propriedade da terra por fazendeiros e latifundiários, a Lei de Terras, em seus 23 artigos, bloqueou a propriedade imobiliária aos imigrantes trabalhadores e aos escravos alforriados (PRESSBURGER, 1989: 4), e induziu os trabalhadores rurais a venderem sua força de trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar, nas plantações de café, na criação de gado e em outras atividades ao longo dos ciclos econômicos que se sucederam.

Para a professora Maria Stela Lemos BORGES, a Lei de Terras acabou mesmo por resolver a contradição existente entre posse e propriedade, decidindo-se em favor da propriedade fundiária capitalista da terra. Defende ela, entretanto, que a lei supracitada:

determinava que o dinheiro arrecadado na venda das terras deveria ser empregado na importação de colonos, para atender à demanda de mão-de-obra para as lavouras de café, substituindo o escravo (1997: 45)

O certo mesmo é que a luta pela terra, seja pela sua posse, seja pela sua propriedade, é congênita no Brasil, e tem se apresentado de diversas formas e modalidades conforme o movimento social a que esteve vinculada.

Prenhe de pendências, brigas, emboscadas, tocaias, enfrentamento, conflitos armados de maior proporção, baseiam-se, na maioria dos casos, em alguma reação grupal ou coletiva mais ampla. Mobilizam forças, experiências, valores, ideais, reivindicações de alguns ou de muitos (IANNI, 1984: 183).

 

2. SINAL DE RIQUEZA E DE POBREZA

A terra pode significar riqueza e pobreza, vida ou morte, poder político e posição social ou marginalização. Para cada pessoa ou grupo social, ela tem um valor (GANCHO, 1995:5). A história da luta pela terra, sua organização social e conflitos dela advindos, contudo, nem sempre têm sido analisado do ponto de vista da posse da terra.

Valendo-se da estratégia dos posseiros que introduzem a chamada legitimidade alternativa da posse, instrumento que contorna a legalidade da propriedade (MARTINS, 1985:103), as ocupações de terra, organizam-se, via de regra, em torno de princípios que privilegiam sobremaneira a posse e o uso da terra.

A origem do MST, pode-se dizer, revela essa preocupação de agregar valor em torno da função social da propriedade. As ocupações de terra permitem ao movimento dar visibilidade ao agravamento das condições de vida e trabalho dos que vivem no campo. Também é reflexo do desemprego crescente no meio rural e na cidade, e do processo de pauperização vivido por expressiva parcela da população brasileira. A não realização da Reforma Agrária, prometida pela Lei n° 4.504/64, o Estatuto da Terra, e a colonização oficial não realizada no país, fizeram crescer uma onda de ocupações, já a partir de 1983, com a posse da fazenda Annoni, no estado do Rio Grande do Sul (VIANNA, 1988 e DUTRA, 1998a).

Para Jacques Távora ALFONSIN, tanto o período que antecede o surgimento do MST como também o que se sucedeu, a partir de suas ações organizadas, revelam uma visão nova no enfrentamento dos problemas relacionados à terra. Momento em que

a iniciativa de conquista de liberdade e de espaço-terra, pelos necessitados, está sendo feita à margem dos rigores jurídicos assentados pelo Estado. Espaço alcançado sob a gritante e aberta contrariedade e hostilidade do Direito legislado, não faltando aqueles preocupados em extinguir a utopia do Direito inventado pelos oprimidos (1989: 23).

A questão agrária intensamente discutida no contexto histórico do projeto desenvolvimentista brasileiro sofreu profundas modificações, com o passar dos anos, porém, o velho latifúndio permaneceu. Mais do que uma grande propriedade rural, pertencente a um proprietário normalmente ausente (JUSTIÇA E PAZ, 1998: 8), e transformado numa entidade política, é ainda o latifúndio que norteia as relações de propriedade predominantemente. Se ontem, não intervinha diretamente no processo produtivo, hoje ele é o pomo da discórdia.

César BENJAMIN identifica na base do processo histórico que deu origem ao nosso Direito Agrário, a exclusão:

Diversas e novas regiões foram ocupadas pela grande propriedade muito antes de sua ocupação produtiva, o que gerou padrão social e econômico excludente a milhares de trabalhadores rurais. Registre-se ainda que a grande propriedade rural tornou-se também reserva de valor para empresas industriais e bancárias sem vocação agrícola (1998: 82).

A pressão exercida pelos movimentos sociais na atualidade, tem exigido dos cidadãos e sobretudo da elite brasileira, a revisão de muitos conceitos e pré-conceitos em relação à questão agrária. Uma verdadeira onda de reatualização em torno desse tema está em curso no país, pois, além de interessar à sociedade como um todo, a questão mexe diretamente com interesses fundamentais de dois conjuntos sociais.

De um lado, estão os que utilizam a propriedade como instrumento para diversas formas de exploração, rentismo, especulação e poder discricionário, inclusive no que diz respeito ao acesso privilegiado a recursos públicos. De outro, estão os trabalhadores sem terra, os pequenos produtores deslocados para áreas marginais ou espremidos pelo capital comercial e financeiro, os migrantes e os que sobrevivem no garimpo ou nas periferias urbanas (Idem: 84).

Visto como processo civilizatório, o capitalismo e sua praxis neoliberal têm revolucionado as condições de vida dos sem-terra e até dos latifundiários. As relações e as estruturas que dinamizam a globalização que a todos envolve, simplesmente dissolvem o mundo agrário dos moldes antigo, fazendo com que haja

o surgimento de um novo imaginário do espaço e do tempo sob influência de novos paradigmas: o mundo agrário transforma-se em conformidade com as exigências da industrialização e da urbanização. A cidade não só venceu como absorveu o campo, o agrário, a sociedade rural (IANNI, 1997: 53).

Até mesmo porque no Brasil, a democracia nunca conseguiu chegar ao campo, nem como ensaio (IANNI, 1984:155), apenas como promessa. O pouco que se fez em 112 anos de República em favor da democracia no campo, foi e continua a ser, nos dias atuais, tão-somente o resultado da luta dos trabalhadores rurais sem-terra, do operariado rural e das chamadas minoria étnicas. Os dois primeiros, se somam no movimento das ocupações de terras; os segundos, no movimento das chamadas retomadas, versão indígena da ocupação de seus territórios tradicionais (PAULETTI, 2000: 46).

Essa nova realidade trouxe reflexos sobre os movimentos em prol da Reforma Agrária, bandeira maior no processo da luta pela terra, nos dias atuais defendida até mesmo pelo Governo no enfrentamento da força de um latifúndio,

ainda capaz de impedir qualquer passo concreto no sentido da efetivação de ações que, de fato, pudessem mudar o historicamente injusto panorama fundiário nacional (JUNGMAN, 1998).

Se as medidas legais adotadas para apressar a Reforma Agrária, estabelecendo metas recordes de desapropriações e assentamentos, por um lado, tinham o propósito de atender às reivindicações dos movimentos sociais interessados numa modificação profunda do quadro fundiário nacional, por outro lado, transformaram e distorceram os horizontes da Reforma Agrária, reduzindo-a às pretensões do Estado.

É o professor José de Souza MARTINS que nos alerta para o fato de que nos moldes em que a Reforma Agrária tem sido apresentada, ela tão-somente

traduz a luta pela terra na língua das alianças de classe, dos pactos políticos e da defesa política da forma de propriedade que temos (1986: 67-8).

Em outras palavras, a luta pela terra, de perfil e configuração popular, acabou transformada em elemento mediador da luta pela Reforma Agrária, ação que se processa nos limites do quadro das instituições políticas como sindicatos, partidos políticos, e o Estado (Idem: 68).

Assim entendida, tal concepção de Reforma Agrária perde seu caráter de luta popular e ganha caráter de luta política. Transfigura-se a luta pela terra e descaracteriza-se a ação dos movimentos populares, impondo-lhes limites. Para Ademar BOGO, a luta pela terra, ao passar do estágio da conquista econômica para luta política (contra o Estado e não simplesmente contra o latifundiário), superou o estágio da negociação individualizada (1999: 37), pois somente com pressão de massa é possível negociar com o Estado, defende ele.

É, entretanto, graças a esse pacto político que envolve diversos setores das classes sociais urbanas (que se apresentam como intermediários no processo), que os grandes proprietários de terras (que constituem a base de sustentação do Estado) e o país convivem pacificamente com a violência de uma distribuição desigual da propriedade, que chega a extremos.

César BENJAMIN, já citado, pergunta de onde vem o sentimento de que os grupos dominantes são tão fortes? Ele mesmo responde:

É simples, eles têm muito: propriedades, dinheiro, estações de rádio e televisão, partidos cartoriais, meios de todo o tipo, gente a seu serviço. Compram o que precisam, inclusive consciências. Mas justo por terem demais, podem vir a ser irremediavelmente fracos: são poucos. (1998: 16).

Um deputado federal oligárquico, completa José de Souza MARTINS essa idéia de hegemonia, ele

tem tentáculos que se capitalizam pelos ministérios e agências governamentais, atravessam governos estaduais e prefeituras e chegam poderosamente ao balão de serviços governamentais ao lado da casa do eleitor (1997: 26).

É nesse contexto que o Direito se insere. Contexto distante do aspecto ontológico da relação do homem com a terra, que a apresenta como chão de alimento, trabalho, descanso e moradia. Nesta concepção, não se vive apenas na terra e da terra, mas vive-se a terra. É esta relação, nos dias atuais desfigurada e distante dos arrazoados dominantes dos Tribunais, que urge ser resgatada.

A compreensão da questão terra, hoje, no olhar civilista de 1916, está dividida entre terra para trabalhar e terra para cercar. O destino da terra foi mudado. Os donos expulsam os pobres da terra no próprio momento em que eles fazem a roça, no próprio ato do trabalho. Tomam a terra brocada ou a roça e, neste sentido, se apropriam do trabalho do pobre. O posseiro invasor se transforma, por assim dizer, em obstáculo ao uso capitalista da terra.

Nas palavras do professor José de Souza MARTINS, a terra foi convertida em equivalente de mercadoria,

seu uso já está antecipadamente regulado pela necessidades do capital e não pelas necessidade do trabalhador. É a reprodução do capital que está em jogo e não a reprodução do trabalhador e sua família (1997: Idem).

A questão fundiária brasileira e a exclusão social, entretanto, longe estão de serem solucionadas pela via da composição amigável ou através de processos de desapropriações de terra, isso porque, nos alerta JONES:

eles culminam em extorquir o patrimônio público, uma vez que, a terra, em sua origem é pública e sua propriedade, em sua constituição, na maioria das vezes, é ilegal (1997:5).

O surgimento do movimento dos Sem Terra, escreve MARTINS, representou um passo maduro em direção à reformulação das estratégias da luta pela terra, e a um Direito de propriedade diverso (1993: 89). De certa forma a luta proposta pelo MST desorganiza as bases políticas das oligarquias. Por isso, recebeu resposta organizada e seletiva do latifúndio já a partir do processo Constituinte em 1987 (SILVA, 1989).

É público e notório que os sem terra não estão reivindicando simplesmente terra. Estão atuando em cima de um direito que consideram certo. O professor MARTINS chega a dizer que eles não estão pedindo a ninguém para que produzam um Direito para eles (1993: 90). Por outro lado, querem mais do que o simples reconhecimento da legitimidade da sua presença sobre a terra: querem reformulação das relações sociais e ampliação dos direitos sociais (Idem).

Face ao discurso dominante da produção e da concepção de terra produtiva, os militantes sem terra refutam dizendo que esse é o argumento do proprietário e não o argumento dos trabalhadores que lutam pela terra. Para os sem terra, esse não é o argumento da transformação política. Na avaliação de seus líderes, as teses da Reforma Agrária foram derrotadas dentro de seus próprios grupos de apoio e mediadores (INCRA, MIRAD).

Em outras palavras, o MST sinaliza que o problema do Brasil não é o de fazer uma Reforma Agrária distributiva para resolver seus problemas econômicos; a questão fundamental é a de que é necessário mexer no direito de propriedade, para mexer na existência das oligarquias monopolistas do campo.

Ainda que nos lugares onde subsistem condições iníquas e de extrema pobreza, a Reforma Agrária represente não só um instrumento de justiça distributiva e de crescimento econômico, mas também um ato de grande sabedoria política, porque minimizadora de conflitos, ela (a Reforma Agrária) é largamente apontada como a única resposta concretamente eficaz e possível da Lei ao problema das ocupações de terra (MST, 2000).

Ainda assim e lamentavelmente, continuam as ocupações de terras, a ser entendidas, no campo do Direito, como um ato não conforme aos valores e às regras de uma convivência verdadeiramente civil.

São essas situações intoleráveis e deploráveis no plano moral um sinal que está a exigir posicionamento e atuação do Direito. Tal realidade de permanente conflito, que invade o tecido social do direito de propriedade, da posse e do uso da terra, está a exigir urgentes transformações no quadro jurídico vigente, de modo a garantir a estabilidade do cidadão e sua família, enquanto sujeito de direitos.

É o quadro da violência, entretanto, que desnuda a face mais perversa da atual política fundiária brasileira. Os trabalhadores rurais têm sido reprimidos violentamente em suas lutas, não só porque ocupam terras ociosas e improdutivas, mas porque:

ao ocupar terra ou se manter na terra invadem também o espaço político do poder local, e dessa forma escapam da dominação pessoal e do medo do potentado do lugar, violam as bases do poder (MARTINS,1993: 91).


 

Capítulo II
A VIOLÊNCIA NO CAMPO

Só há uma força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros e esta força é a violência
(Leon Tolstoi, 1900)

 

1. OS NÚMEROS DA VIOLÊNCIA

A violência no campo tem sido contínua e crescente nos últimos anos. O processo das chamadas ocupações de propriedades rurais têm desencadeado, por conseguinte, forte repressão do aparelho estatal, constituindo-se em permanente foco de tensão. Por todos os Estados da Federação, de distintas formas, surgem conflitos entre, de um lado, grandes empresas nacionais e multinacionais, grileiros e fazendeiros e, de outro, posseiros, sem terra, pequenos lavradores e indígenas (CNBB, 1980: 11-2). Violência de toda a ordem se comete contra esses últimos para expulsá-los da terra. Violência que envolve

desde jagunços e pistoleiros profissionais até forças policiais, oficiais de justiça e até juizes. Não raro observa-se a anomalia gravíssima da composição de forças de jagunços e policiais para executar sentenças de despejo (MARTINS, 1982: 48).

Até hoje é bastante arraigada a idéia de que o processo histórico brasileiro ocorreu de forma pacífica, sem rupturas violentas ou graves confrontos sociais. Esse mito, apontado pelo professor Álvaro de VITA, que identifica a sociedade brasileira com a imagem daquela em que tudo ocorre de forma não-violenta,

não resiste, porém, a um confronto com o processo histórico real. Quando analisamos fenômenos sociais como a dominação pessoal, os movimentos messiânicos, as reações de classes dominantes e do Estado que suscitaram, e o cangaço, o que se revela é algo oposto: a violência como um dos marcos distintos do mundo social brasileiro (1989: 85).

Nos anos 80, sob os resquícios do regime militar de exceção, a cada três dias, os grandes jornais do Sudeste brasileiro publicavam uma notícia de conflito pela posse da terra. Nessa época isso correspondia a menos de 10% dos conflitos reais. Um levantamento realizado pela CPT, o número de vítimas que sofreram violências físicas nesse período, mais de 50% dessas mortes ocorreram em confrontos. Em 1984 o número de trabalhadores rurais assassinados foi de 130, o que permite dizer que a cada 3 dias foi assassinado um trabalhador rural no Brasil (CNBB, 1986: 21).

A extrema violência com que a chamada luta pela terra assume em determinados momentos no nosso país tem revelado contornos e características de uma guerra de extermínio, onde as baixas mais pesadas, via de regra, estão do lado dos sem terra. Situação que chega a níveis insustentáveis no momento em que ela

rompe com o limite que separa a ação repressiva do Estado contra os trabalhadores, da pistolagem sustentada por latifundiários. Em outras palavras: não se consegue determinar onde termina a ação legal, e onde começa o banditismo (CPT, 1989:12).

Diariamente tomamos conhecimento de mortes, violência e prisões na luta pela Reforma Agrária. Dados da CPT e do MST revelam que de 1988 até 2000, cerca de 1.517 trabalhadores rurais foram assassinados no Brasil. De janeiro a novembro de 2000, ocorreram 12 assassinatos. Entre 1989 e 2000, o total de trabalhadores rurais presos chegou a 1.898 (CPT & MST, 2000).

A repressão ao MST, promovida pelo força pública do Estado, que na maioria das vezes tem se apresentado como defensor da ordem dos poderosos é o exemplo mais assustador (DUTRA, 1998b: 47). Toda essa violência praticada,

por suas polícias, ou mesmo através das posturas adotadas pelos membros do judiciário, na utilização de práticas jurisdicionais como prisões sem fundamentação, violações de institutos jurídicos, práticas frontalmente contrárias à ordem democrática e constitucional, como homicídios, lesões corporais, dentre muitas outras, constituem-se em flagrante violação das garantias mínimas aos direitos humanos (COLLI, 2001: 7).

No últimos anos, o Paraná foi o Estado que mais se destacou em arbitrariedades e violência contra trabalhadores rurais sem terra. Segundo dados do MST, desde 1995 registrou-se 16 assassinatos de trabalhadores rurais, 31 tentativas de assassinato, 7 casos de tortura, 322 trabalhadores feridos e 470 prisões, que ocorreram em 130 ações de despejo (MENDONÇA, 2001:14).

Em maio de 2000, mais de 1.500 trabalhadores rurais, incluindo mulheres e crianças, foram brutalmente reprimidos pela PM na BR-277, quando se aproximavam de Curitiba. Os policiais utilizaram gás lacrimogêneo, cães treinados e balas de borracha para reprimir a manifestação pacífica dos trabalhadores. Utilizaram também balas de chumbo, o que resultou na morte do lavrador Antônio Tavares Pereira, assassinado com um tiro no abdômen (como veremos adiante). Estima-se que o número de feridos chegou a 180 (MST, 2000a).

O Estado do Pará também tem concentrado um grande número de violações contra trabalhadores rurais. O advogado Luiz Eduardo GREENHALGH afirma que de 1980 aos primeiros meses de 2001, foram mortos no Pará 714 trabalhadores rurais, 534 deles nas regiões Sul e Sudeste daquele Estado.

Em meio a esse genocídio, praticado por centenas de pistoleiros, intermediários, mandantes e policiais, apenas 4 condenações -só um está preso. A história de nosso país está permeada de julgamentos espúrios e pela raridade de justiça na defesa dos menos favorecidos (2001: 3).

Em junho de 2000, o fazendeiro Jerônimo Alves Amorim foi condenado a 19 anos de prisão em razão do assassinato de Expedito Ribeiro Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, ocorrido em fevereiro de 1991. Este julgamento representou um marco importante contra a impunidade no País: — É um momento histórico. É a primeira vez no Brasil que um mandante de crime contra trabalhador rural é condenado, disse o assistente de acusação no processo, Luiz Eduardo GREENHALGH (2000:12).

Por ocasião do julgamento do massacre de Corumbiara ocorrido em 1995, observou-se que durante os 23 dias de julgamento, em Porto Velho, Rondônia, nove policiais militares foram absolvidos. Ao mesmo tempo, dois trabalhadores sem terra e três policiais militares foram condenados em razão deste massacre. Na ação de despejo das 600 famílias da Fazenda Santa Elina, morreram nove sem terra e dois policiais (MENDONÇA, 2001:15).

Durante o julgamento acima citado, registra o documento elaborado pelo Centro de Justiça Global, CPT e MST, o promotor de justiça Tarciso Leite de Mattos chamou os agricultores de nazistas e afirmou que ou o Brasil acaba com os sem-terra ou eles acabam com o Brasil. Esse promotor foi, posteriormente, afastado do caso pela Procuradoria Geral de Rondônia, por pressão de entidades religiosas e de Direitos Humanos (MST, 2000a).

Em relação ao massacre de Eldorado dos Carajás, o TJ do Estado do Pará decidiu anular a primeira sessão do julgamento, quando os três principais comandantes das tropas da Polícia Militar que participaram da operação foram absolvidos, entre eles o coronel Mário Colares Pantoja. O massacre ocorreu em abril de 1996, durante uma operação da Polícia Militar do Pará para desobstrução da rodovia que liga Marabá a Paraupebas, resultando na morte de 19 trabalhadores rurais sem terra e deixando mais de 70 feridos (FRENETTE, 1999).

A avaliação que o MST faz dessa situação é que esses assassinatos significam o fim do Estado Democrático de Direito.

O Estado perdeu o controle e não garante mais o direito elementar do ser humano: a vida. O número crescente da violência tão-somente denuncia a ineficiência do Governo Federal na execução das políticas agrícolas e a principal causa é a impunidade (MST, 2000a).

Os números da violência são apenas o reflexo da histórica vocação militar do latifúndio: aqui o latifúndio sempre viveu de armas na mão. Depois de caçar e subjugar o índio, destruindo-lhes seus hábitos e sua cultura, e vigiar a escravaria negra dando proteção às fazendas do contágio dos quilombos (...) era natural que as oligarquias continuassem a impor suas vontades através das armas (AKCELRUD, 1987:24)

Dados do MST (2000a) apontam outros casos de violência ocorridos no ano de 2000. Em Alagoas, no dia 2 de fevereiro o trabalhador José Lenilson da Silva, 27 anos, foi morto com disparos de arma de fogo nas proximidades da sede da fazenda que ocupava. O acusado da morte é o filho do fazendeiro, que se encontra foragido. No Paraná, no dia 2 de maio o lavrador Antonio Tavares Pereira, 38 anos, participava com outros 1.500 trabalhadores rurais sem terra de uma manifestação nas proximidades de Curitiba. A Polícia Militar impediu a caminhada que se realizava de forma pacífica e ordeira, e passou a disparar as armas contra os trabalhadores.

Durante essa manifestação, registra o MST, um policial apontou sua arma contra o abdômen de Antônio Tavares Pereira e disparou. Socorrido pelas pessoas que passavam na Rodovia, o agricultor foi levado para o hospital porém não resistiu aos ferimentos e veio a falecer. Inicialmente a Polícia Militar negou a autoria, mas com os exames de balística ficou provado que o disparo foi efetuado pela PM que obedecia ordens expressas para que todos os meios fossem empregados para reprimir a manifestação. Até a data da publicação do documento do MST, o policial identificado como autor do disparo continuava exercendo suas atividades na segurança pública do Paraná (MST, 2000a).

Em Pernambuco, no dia 25 de julho (dia do trabalhador rural), o militante do MST José Marlucio da Silva, estava participando de um protesto contra o Governo Federal porque havia um navio carregado com milho transgênico ancorado no porto de Recife. Naquele dia os trabalhadores também realizaram protestos em frente ao Banco do Brasil, porque o crédito para o plantio estava atrasado. Em frente da agência do Banco do Brasil a PM recebeu ordens para impedir a manifestação e passou a disparar bombas, utilizar cachorros, cavalos e um policial militar disparou sua arma contra o lavrador. José Marlucio morreu no hospital. O policial que o matou continuava a desempenhar suas funções na segurança pública de Pernambuco (Idem).

No dia 6 de outubro, o militante Ribamar Godim foi assassinado em Caruarú, Pernambuco. Sua morte está ligada a sua militância no Partido dos Trabalhadores e nos movimentos de trabalhadores rurais. O crime foi praticado por dois homens que dispararam várias vezes, acertando quatro tiros em sua cabeça. Nenhum dos pistoleiros tinha sido preso.

No Mato Grosso do Sul, no dia 30 de agosto, os trabalhadores rurais Silvio Rodrigues e Ronilso da Silva foram mortos no município de Rio Brilhante. Segundo as investigações da polícia, o crime foi encomendado pela proprietária da fazenda Beco do Sossego e executado pelo proprietário da empresa de segurança Coes, Cláudio Penhavel. O proprietário da empresa de segurança e os pistoleiros encontravam-se presos (Idem).

No interior paulista, no dia 7 de outubro, no município de Suzano, o líder sindical, militante histórico do MST Manuel Neto foi barbaramente assassinado com um tiro enquanto dormia em sua casa. Manuel Neto era militante das causas populares no interior de São Paulo, ajudou a organizar ocupações de terras no município de São José dos Campos e sua última atividade foi coordenar a campanha do candidato do PT à Prefeitura do município de Suzano. Até o final de 2000, ainda não havia pistas dos assassinos e mandantes do crime.

Em Rondônia, o adolescente Everson Rodrigues dos Santos, 12 anos, foi morto no dia 19 de agosto no acampamento Novo Amanhecer, município de Ariquemes. O pai do adolescente é um dos coordenadores do acampamento e, segundo informações, este homicídio foi praticado para dar uma lição nos sem terras que estão acampados, na tentativa de amedrontar e desarticular o acampamento.

No Rio de Janeiro, no dia 10 de junho, o trabalhador Wanderley Bernardo Ferreira, 31 anos, foi morto com três tiros calibre 38 e um tiro calibre 12. O homicídio ocorreu no acampamento Zumbi dos Palmares e o acusado é o fazendeiro José Azeredo, que já havia ameaçado de morte vários integrantes do acampamento, inclusive Wanderley.

No Ceará, no dia 25 de julho, o trabalhador e militante do MST Francisco Aldenir, foi morto no município de Ocara. Segundo as investigações, a fazendeira Jacinta Abreu de Souza, 78 anos, é a principal acusada de contratar pistoleiros para matar o lavrador. A fazendeira e o capataz da fazenda foram presos. Após alguns dias na cadeia, foram colocados em liberdade.

No ano de 2000, também foi registrado o crescimento do número de prisões contra trabalhadores rurais sem terra. O MST registra que até o mês de setembro foram presos 258 trabalhadores. A todo momento chegam notícias da existência de trabalhadores presos. Na sua maioria são considerados presos políticos porque foram acusados de participarem do movimento dos sem terra. Os motivos alegados para toda essa repressão, são sempre os mesmos: a acusação de que suas ações são políticas em torno das ocupações de terra (MST, 2000a.).

 

2.A REAÇÃO DO LATIFÚNDIO

Muito já se escreveu sobre a violência no campo porém muito ainda precisa ser dito e denunciado. Não podemos nos acostumar com um estado de coisas violento, conclamava a CPT, já em 1988: Os assassinatos e despejos não nos podem ser indiferentes. A violência seria vitoriosa caso as denúncias não encontrassem eco e solidariedade entre as pessoas.

Observa-se já há algum tempo que a sociedade brasileira está amadurecendo a convicção de que a questão do Poder Judiciário não é (só) problema de juízes, promotores públicos ou advogados, mas um tema de interesse amplo da sociedade, um desafio para a cidadania (MACHADO, 1996:13).

Ampliar espaços junto à sociedade envolvente, entretanto, configura-se um desafio. Isso porque, denuncia Ademar BOGO,

o sentimento que existe (...) em torno da propriedade privada está tão arraigado na consciência das pessoas que muitas vezes, até os que não possuem terra, se colocam contra as ocupações, achando que isto está ferindo o direito de propriedade (1999: 157).

E não é para menos. Do lado dos que têm terra, o Movimento Nacional dos Produtores Rurais-MNP, reclama da ação dos sem terra ao mesmo tempo em que mobiliza a entidade para defender os proprietários: — orientamos os produtores, técnica e juridicamente, na prevenção de invasões. A cantilena é antiga. Em 1986, o médico Ronaldo Caiado, então presidente da União Democrática Ruralista-UDR, afirmou em Dourados, Mato Grosso do Sul, que

se o poder público não dispuser de elementos necessários para garantir as propriedades de seus associados, por exemplo, no caso de uma invasão, dispomos de um estatuto ágil, que permite, num rápido período de tempo, mobilizarmos uma força de pressão com o intuito de garantir as propriedades (DUTRA, 1998c:106).

Chega-se ao ponto, nessa mesma época, de o então presidente do Congresso Nacional, senador José Nicolau Fragelli, do PMDB do Mato Grosso do Sul, verbalizar pedido estarrecedor. Secundado por outro colega, também senador sul-matogrossense, recomenda aos grandes proprietários o uso de armas para combater as invasões. A sinalização alastra-se como pólvora. No Rio Grande do Sul, surge o PUR, uma sociedade civil formada por fazendeiros latifundiários do Alto Uruguai contando com o apoio da FARSUL e da não menos poderosa TFP, organização ultra-nacionalista de extrema direita muito conhecida por sua atuação reacionária e violenta contra os movimentos populares (DUTRA, 1998d: 64).

Os anos 80 foram anos de chumbo para os sem-terra face à reação do latifúndio a semear vítimas por todos os cantos do Brasil. No Pará, fazendeiros instalados na região da rodovia Belém-Brasília, procuram oficiais da ativa da Polícia Militar e da reserva das Forças Armadas para organizar e comandar grupos de segurança para atuar em suas propriedades contra posseiros invasores.

A exemplo das milícias utilizadas nesta época no garimpo de Serra Pelada, onde oficiais da reserva do Exército ex-agentes da Polícia Federal e policiais civis controlam as atividades do garimpo, também os fazendeiros daquele estado recorrem às armas. O próprio dirigente da Associação Rural do Pará e dos Criadores de Cavalos Marajoara declarou que esta era a única maneira de evitar esbulhos (Idem: 65).

Sob o signo da violência, expande-se, a partir do estado de Goiás, a UDR, sob o respaldo ideológico e financeiro dos postulados do Sr. Plínio Correia de Oliveira, dirigente nacional da TFP, que adquire status de entidade dos latifundiários. O serviço de Imprensa dessa entidade chega a publicar em nível nacional, duas consultas feitas a dois renomados juristas, professores Dr. Orlando Gomes e Dr. Silvio Rodrigues, sobre a legalidade dessas medidas de segurança extremas adotadas pelos fazendeiros.

Em ambos os pareceres, eles foram afirmativos: a lei autoriza os fazendeiros a resistência à mão-armada. Ou seja, eles têm o direito de organizar preventivamente sua defesa armada com o concurso de homens residentes na fazenda ou especialmente engajados para tal (Idem).

Por ocasião da ocupação da Fazenda Annoni, ocorrida em 1986, no Rio Grande do Sul, o fazendeiros Vali Albrecht declarou: —mesmo que eles cheguem desarmados e rezando, nossas milícias estão prontas para recebê-los (Idem: 66).

A respeito da UDR, René DREIFUSS escreve que ela surge com o objetivo de lutar com todas as armas, da intimidação ao poder econômico (...) contra as tentativas de desapropriação de terras (1989: 69). O primado da lei foi tão fortalecido no decorrer dos tempos que tornou-se comum a letra da lei se sobrepor a direitos fundamentais dos indivíduos, especialmente, dos de condição mais pobre. FARIAS & LOPES atribuem à cultura jurídica brasileira essa tendência que se estende Direito à dentro, qual seja:

a de fundir legitimidade com legalidade, substituindo a questão da justiça pela da validade formal das leis, e concebendo o jurista (...) como o guardião de um sistema jurídico tido como completo e sem contradições (1987: 11).

As leis, nem sempre são Direito, nos alerta Tarso Fernando GENRO, o que nos faz deduzir que o fundamento ontológico do Direito deve ser buscado, não através de valores e da capacidade legal de coerção,

mas através da história das relações sociais. Dominação não é uma categoria da metafísica, mas uma categoria histórica que existe independentemente da vontade dos homens singulares. Ela está entranhada na própria organização da sociedade (...), consenso conseguido através de uma dominação e direção político-ideológicas (1979: 17).

A Justiça, bem escreveu Michel FOCAULT, não foi produzida nem pela plebe, nem pelo campesinato, nem pelo proletariado, e sim, totalmente pela burguesia (1984: 8). Isso para entender que o aparato judicial, ainda que tenda a constituir um corpo separado,

uma zona de poder separada da sociedade e consequentemente das tensões que se geram na mesma, ele não é independente: enquanto aparato de poder, constitui sempre uma articulação do que é dominante na sociedade (SENESSE, 1984:12).

Os homens da lei, cujo raciocínio é formado pela escola positivista, escreve MARCONDES FILHO, não estão nenhum pouco preocupados em resolver o problema. Tão-pouco com

as causas dos fenômenos. Simplesmente atacam suas manifestações, partindo do pressuposto que o povo brasileiro é “ordeiro” e qualquer desordem é caso de anomalia, estranha à sociedade, razão para valerem-se de soluções práticas e precisas, para liquidar de forma simbólica com as ações dos movimentos sociais (1986: 85).

No quadro dos conflitos pela terra, a violência, igualmente, acomete não só trabalhadores rurais e líderes sindicais. Segundo o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, Herman Baeta, entre os anos de 1984 e 1986 foram assassinados mais de 30 advogados, sendo que 19 foram vítimas de atentados em função do exercício de suas profissões (DUTRA, 1998d: 64). Desde há muito é denunciado que a violência cada vez mais é organizada e seletiva, colecionando suas vítimas pela ordem de importância e influência junto àqueles que buscam um pedaço de terra para viver e produzir.

Em 1987 o pastor luterano Werner Fuchs foi condenado com base no artigo 219 do CPM a seis meses de prisão por ter participado de uma ocupação em terras do Exército. O pastor vinha acompanhando desde 1970 da luta dos atingidos pela barragem de Itaipu binacional tendo ajudado os trabalhadores rurais na formação do MST do Oeste Paranaense. Na época, a sentença teve muita repercussão no meio jurídico que considerou inadmissível o julgamento político de civis por tribunais militares. O presidente da IECLB, pastor Gottfried Brakemeier, que interpôs recurso na esperança de revisão da sentença, referindo-se às palavras do pastor Werner, proferidas na qualidade de representante da CPT e que foram entendidas como injuriosas à honra das Forças Armadas, disse ser a denúncia da injustiça dever de todo o cidadão e particularmente do cristão (DUTRA, 1998e: 61).

De 1964 a 1985, identificou Isaac AKCELRUD, haviam sido assassinados 1.100 trabalhadores rurais no Brasil. Mal sabia ele que nos dez anos seguintes este número se repetiria (de 1988 a 2000 foram assassinados 1.517 trabalhadores rurais):

A guerra é uma realidade cotidiana nos campos, matas, fazendas, povoados. Mas nas capitais, é apenas um rumor, um retrato desbotado da violência no campo. Além de escassas as denúncias são quase em voz baixa (...). É o clima mais conveniente às classes dominantes interessadas em manter no limbo essa guerra secreta: ocultam-se cadáveres, nega-se e sonega-se informação, esconde-se a própria existência do conflito, enquanto o latifúndio acoita milícias paramilitares ilegais, recruta mercenários e monta arsenais clandestinos (1987: 21).

A carência de juízes e promotores públicos, também pode ser apontada como uma das causas da incapacidade de se assegurar justiça ao povo. E isso tem se mostrado mais grave nas comarcas do interior, onde a ausência do magistrado e do membro do MP, tem estimulado o arbítrio policial, político e a justiça privada. Pesquisas revelam, por exemplo, que apenas um terço dos conflitos judiciáveis são levados à Justiça. Dos 4 milhões de processos iniciados em 1990, apenas pouco mais da metade chegou ao seu final. Entre os quase dois milhões de processos sem solução estão,

por igual, preferencialmente, aqueles de menor valor, em defesa de interesses menos influentes, assistidos por patronos de menor remuneração, portanto, aqueles com menor potencial motivador de uma decisão (MACHADO, 1996:13).

Não é à toa que popularmente criou-se a idéia, alimentada por juízes e promotores, de que Direito é coisa de advogado. Despesas de uma ação judicial muito elevadas para os pobres e a demora em obter uma decisão, têm levado o povo a concluir mesmo, que mais vale um mau acordo do que uma boa demanda. Isso quer dizer que é melhor ganhar alguma coisa do que sustentar um direito (DALLARI, 1994: 83).

Com razão reclamam os sem terra da violência com que o aparelho policial do Estado procede as desocupações e a rapidez com que a Justiça, normalmente morosa, atende às postulações dos proprietários rurais. Como se não bastasse, o discurso dominante tem jogado duro através da mídia contra o MST. Entre os ataques mais comuns está aquele que acusa os sem terra de estarem ligados à elite intelectual vermelha da esquerda, semelhante à laboratórios pensantes, capazes de elaborarem planos astutos e mirabolantes para a indústria da invasão (MELO FILHO, 1998: 49-51).

Outra acusação contra o MST é a de formar em seus quadros lideranças forjadas e nutri-las de ideologias que pretendem derrubar o estado democrático de direito (LETTERIELLO, 2000), ou ainda de ministrarem cursos de táticas de guerrilha para que seus militantes (extensivo também a grupos indígenas em suas retomadas) obtenham êxito nas invasões (FAMASUL, 1999).

Não obstante, a história não se apaga pelas botas dos coronéis ou generais ignorantes (RECH, 1989: 43). Qualquer pesquisador que se debruce seriamente pelos meandros da história da luta pela terra no Brasil, encontrará muito sangue, muita opressão, mas também, muita vontade de mudança (Idem), igualmente no campo do Direito.


 

Capítulo III
A PROTEÇÃO JURÍDICA DA PROPRIEDADE

Luta pelo Direito.
Mas quando encontrares o Direito em confronto com a Justiça, luta pela Justiça

(Eduardo Couture, 1974)

 

1. AS OCUPAÇÕES COMO CASO DE POLÍCIA

Desde o advento da Lei de Terra, aos proprietários de terras, foi-lhes atribuído um papel destacado na organização social e política do Estado imperial e republicano (SILVA, 1996). A concentração de propriedade, por conseguinte, é mero reflexo dessa influência que engendra vigorosas relações de poder (GARCIA, 2000:150). Com as cores do interesse geral e porque submetido à dominação de grupos sociais hegemônicos, como não poderia ser diferente, o Direito, não raras vezes, se transforma, na realidade, em instrumento de dominação (NETO, 1989: 33).

Nos últimos dois anos, mais de uma dezena de juízes não quis assumir o processo criminal que apurava a morte dos 19 trabalhadores rurais sem-terra resultante do conflito com a PM em 1996 no Pará. Motivo: por se tratar de conflito possessório ou por profundo respeito à Política Militar (GREENHALGH, 2001:3). Havidas como ilegais e anti-jurídicas, as atividades envolvendo o fenômeno das ocupações de terra promovidas por militantes do MST, via de regra, têm sido recebidas e reprimidas pelo Estado e sua tutela legal, com extremo rigor.

A questão da imputação criminal às ações praticadas por integrantes de movimentos sociais, escreve Luciene Rinaldi COLLI,

envolve a aceitação de razões muito além da necessidade da aplicação do direito de punir do Estado. (...) se faz representar pela ação de resistência à ordem instituída avessa aos princípios constitucionais. Em recusa a esta ordem, crescem os movimentos sociais delatores desta situação de exclusão (2001, Introd.).

Representantes da chamada elite brasileira, denuncia o MST, alardeiam através dos jornais falados e escritos, que os trabalhadores rurais sem terra deveriam ser condenados e colocados na cadeia por crimes contra a propriedade de terra (MST, 2000b). Na maioria das vezes, o tratamento que o Poder Público tem dispensado para minimizar o conflito das ocupações de propriedades rurais, é impor-lhes suas polícias civis e militares, o Judiciário, e o Ministério Público,

através de inquéritos, ações penais, prisões e denúncias, fórmulas utilizadas para chamá-los à ordem, em razão de prática que, se não juridicamente correta, socialmente necessária (COLLI, 2001: 5).

O posicionamento de alguns juízes e promotores de percepção turva e caolha sobre o que seja movimento popular, (e que) pisam no direito de liberdade de fracos e oprimidos, acusa o MST (2000b), ao decretarem prisões de lideranças desses movimentos, sob a acusação de formação de bando ou quadrilha (Artigo 188 do CP), revelam tão-somente seu apego ao velho corolário atribuído ao Direito Penal: ele é o direito dos pobre, não porque os tutele e os proteja, mas sim porque sobre eles, exclusivamente, faz pesar a sua força e seu rigor (CNBB, 1976).

Contrariamente ao que afirmam os proprietários —que os trabalhadores se organizaram para o fim de cometer crimes, entre eles, o esbulho possessório —, observemos que estes senhores da lei e da ordem, representantes do latifúndio atrasado (MST, 2000b), esquecem-se de que a finalidade do ordenamento jurídico penal é reeducar o criminoso e dar uma satisfação para a sociedade aplicando o Direito com eqüidade.

O Direito Penal, estático e rígido, escreve Roberto DELMANTO JÚNIOR,

há que estar sempre em sintonia com a realidade, humana, e por isso, mutável, bem como com os direitos e garantias fundamentais que vão, continuamente e aos poucos, se revelando no tempo -daí não serem taxativos os direitos e garantias fundamentais elencados em nossa Magna carta, a teor do seu art. 5°, §2° (2000: 318).

Em certas situações, o Poder Judiciário analisa os conflitos dando-lhes um caráter individual e singular, separando-o das condições sociais, políticas e econômicas que os produziram. Reverter esse quadro, portanto, configura-se árdua tarefa para os Tribunais. Ou seja, devem procurar adaptar a lei ordinária à nova realidade institucional e, também, aos direitos sociais e individuais revelados na prática, respeitando ao mesmo tempo, os primados da segurança jurídica. (Idem).

É evidente que as ocupações de terra não podem ser tratadas como caso de polícia. Na avaliação do MST, ao contrário daqueles indivíduos considerados criminosos comuns, que por sua vez reconhecem o comando jurídico violado, os trabalhadores rurais sem terra que participam da luta pela Reforma Agrária, agem por convicção política ou social. Em outras palavras, rejeitam o comando jurídico.

Portanto, a pena não poderia alcança-los com uma superioridade ética capaz de atingir os fins de educar, retribuir ou corrigir. Destarte, quando o ordenamento penal é utilizado na repressão às manifestações populares, na maioria das vezes tem prestado como arma na defesa de uma ordem estatal, que se converte em tirania (MST apud. COLLI, 2001:81).

A experiência do MST tem demonstrado que alguns magistrados, ao aplicarem a lei, em se tratando de conflitos coletivos, analisarão-no, via de regra, sob a ótica de classe. Isso na prática, tem resultado em concessão de liminar de reintegração de posse, onde o causídico do fazendeiro não está obrigado a cumprir com as exigências do Código Civil e Código de Processo Civil, e para a expedição de decreto de prisão preventiva não precisará observar os preceitos do Código Penal e do Código de Processo Penal (MST, 2000b).

Em outras palavras: quando o conflito é entre iguais —fazendeiro contra fazendeiro—, aplica-se a lei; quando é sem terra contra fazendeiro, o que está escrito não vale.

Ao analisar as ocupações de terra, tanto do ponto de vista da motivação para o exercício da cidadania, quanto à luz das causas que os justificam, faz-se necessário ter presente que diferentemente da invasão,

a ocupação tem se constituído num ato político, cujo objetivo é chamar a atenção das autoridades omissas, responsáveis pela implementação das políticas de Reforma Agrária definidas pelo Estado (FIGUEIREDO, 2000b: 459).

Característica marcante dessas ações é o motivo e a destinação para qual são realizadas. Deve-se considerar que os atos de ocupação têm, inicialmente, como móvel uma situação de fato. É impossível não perceber que o que tem determinado a ocupação para a maioria das famílias é o estado de penúria e necessidade que essas pessoas se encontram (Idem).

O que fica demonstrado é que as ocupações de terra têm por objetivo chamar a atenção dos governantes para a necessidade de se implementar, com mais urgência, políticas públicas na área rural. Sendo assim, a persecução penal se torna ineficaz porque, sob qualquer dos seus aspectos —prevenção geral, ressocialização ou retribuição—, ela não se mostra como uma solução adequada. O trabalhador rural que age movido por convicção possui conjuntos éticos diferentes do criminoso comum.

No ato da ocupação, ele se vale de uma visão do mundo que não é superior, nem inferior, somente distinta daquela interpretação do comando jurídico fiel às estruturas de poder, segurança e dominação em dado contexto social (MST, 2000b).

A principal acusação contra os trabalhadores rurais, na maioria dos casos, é de terem praticados atos tipificados no artigo 161, § 1°, Inciso II do CP, ou seja, esbulho possessório. Ora, a maioria dos depoimentos prestados pelos trabalhadores rurais nas Delegacias de Polícia e em juízo, revelam que a ocupação de terra foi realizada para pressionar o Governo Federal na agilização dos assentamentos, ou seja, é um instrumento utilizado para exigir a aplicação imediata do quanto posto na Constituição Federal (MST, 2000b).

Alberto Silva FRANCO, desembargador do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, afirma que

O crime de esbulho possessório só é punível a título de dolo, isto é, se o agente tem consciência e vontade de realizar a conduta tipificada, ou seja, a invasão do imóvel alheio. Mas não é só. É necessário sempre que a invasão esteja acompanhada de um específico elemento anímico, com o fim de esbulho possessório. Desta forma, se o agente efetua a ação física requerida pelo tipo, não com o propósito deliberado de despojar o sujeito passivo do exercício da posse do imóvel, mas, sim, com o fito de turbá-lo, não há de cogitar o delito em exame (1990: 961).

Para Elisabete MANIGLIA, quando o agente pratica a entrada em imóvel alheio, tipificando o esbulho, ele não está movido por uma culpabilidade, e sim por uma inexigibilidade de outra conduta, uma vez que, se assim não o fizer, se assim não pressionar, o Estado não pratica o princípio constitucional da efetivação da Reforma Agrária. Colocada desta forma a questão, podemos dizer que o Estado torna-se o primeiro e grande culpado pelo fato social da ocupação rural por dar causa a essas situações (2000: 384).

Num país onde não é possível disfarçar a natureza política de sua estrutura fundiária (GARCIA, 2000: 150), o Direito não pode fugir da realidade dos denominados sem terra. Nas palavras do ex-desembargador do TJ de São Paulo, Régis Fernandes de OLIVEIRA, a sombra das mortes persegue-nos incessantemente:

Pessoas absolutamente desvalidas de qualquer perspectiva de vida, sem trabalho, e com crianças passando fome. A eles, a emanação estatal do ordenamento jurídico, normalmente vira o rosto. Procura esquecer sua existência. Procura não pensar que crianças passam fome, que os pais não conseguem emprego. Dificilmente tomamos consciência de que quanto mais viramos as costas a eles, mais se agigantam em nossa proximidade (1991: 4).

Todos sabemos, o direito de propriedade não é incondicionado. Ele só é válido e necessário quando circunscrito dentro dos limites de uma substancial função social da propriedade. Este mesmo instituto, na linguagem da doutrina social da Igreja Católica, quer dizer: sob toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social (PUEBLA, 1979: 28). Não deixou de causar espécie quando em 1965 pregou o Concílio Vaticano II, através da encíclica Gaudium et Spes que aquele que se encontra em necessidade extrema tem o direito de procurar o necessário para si junto às riquezas dos outros (1980: 87).

O latifúndio igualmente contrasta com o princípio da Igreja proposto por Paulo VI (1967) em sua encíclica Populorum Progressio quando defendeu que a terra foi dada a todos e não apenas aos ricos, de tal modo que ninguém tem o direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. De fato, o latifúndio nega a uma multidão de pessoas o direito de participar, com seu trabalho, no processo produtivo e de satisfazer suas necessidades e de sua família.

 

2. A JUSTIÇA E A IDOLATRIA DA LEI

Buscar um olhar novo sobre o conhecimento jurídico tradicional requer superar obstáculos. Entre eles, o da falta de preparo dos juízes para entender e aplicar leis novas que tutelem direitos coletivos. Esse novo olhar requer, igualmente, um esforço dos legisladores que esbarram na insuficiente sensibilidade social e mesmo sociológica dos juízes (RUIZ, 1997:153). O aparato judicial, que há séculos abebera seu conhecimento nas fontes romanas e tem como pontos culminantes a produção científica de Friedrich Carl von SAVIGNY (1886), no século passado, e de Hans KELSEN (1987), neste século, escreve BARROSO, exibe como traços marcantes o formalismo e o dogmatismo (1996: 245).

As doutrinas jurídicas dominantes decorrentes desse pensamento, normalmente deixam de lado o papel desempenhado pela ideologia, tanto a do legislador quanto a do intérprete da lei. Esse silêncio, entretanto, nada mais é do que um compromisso com o status quo. Em outras palavras:

o Direito é ideológico na medida em que oculta o sentido das relações estruturais estabelecidas entre os sujeitos, com a finalidade de reproduzir os mecanismos de hegemonia social (WARAT, 1984:20).

A cultura legalista, na formação dos juristas, escreve José Geraldo de SOUZA JÚNIOR,

gerou uma valorização muito forte no plano legal sobre a construção do Direito, da legalidade sobre a juridicidade, da lei sobre o Direito. Isto constituiu uma espécie de ideologia jurisdicista, que é o apanágio da formação do jurista do nosso século (1997: 91).

A concepção positivista predominante nos cursos de Direito reduz o fenômeno jurídico a um conteúdo meramente legalista e formal, o que tem sacrificado em muito os ideais de justiça, eqüidade, igualdade, transformando-se numa idolatria da lei. Ao lado do mito da neutralidade do Judiciário, isso provocou o alheamento deste Poder ao sofrimento do povo, conferindo-lhe indiferença em relação aos conflitos e seu descomprometimento com as injustiças sociais. Isso tudo levou o Poder Judiciário,

a cair na armadilha das instâncias dominantes, funcionando, com freqüência, como mecanismo de controle social, de produção e defesa de uma ordem jurídica mais consagradora de desigualdades do que de liberdades (MACHADO, 1996:13).

A busca de possíveis caminhos para a construção de um novo Direito, enquanto manifestação do anti-Direito burguês e afirmação dos direitos dos trabalhadores rurais sem terra, sem negar o Direito estatal, deve caminhar no sentido de

articular operadores jurídicos e comunidade de luta, dentro da lei instituída ou no seio do direito dos oprimidos que se quer ver reconhecido. A luta pelo Direito novo tem várias frentes de batalha (...), uma delas a capacidade de articulação jurídico-política, seja na sociedade civil, seja na sociedade política (ARRUDA JÚNIOR, 1991: 8).

Nos conflitos agrários, onde o Estado, revestido dos aparelhos preventivos e repressivos da criminalidade, exerce seu poder-dever de tutela ao bem jurídico e à ordem social,

ele não pode deixar de atentar para a necessária e imprescindível distinção entre a ação criminosa, que se formaliza pela externação dos elementos intrínsecos do crime e a ação social, voltada para o cumprimento das demais garantias constitucionais, que ultrapassam a esfera individual, na busca da eqüitativa justiça social (COLLI, 2001: 53).

Ainda que Hans KELSEN tenha identificado na ciência do Direito um recuo da teoria social perante um objeto que ele perdeu toda a esperança de dominar, o que determinou a declaração expressa da incapacidade do Direito de incluir o problema da justiça no objetivo das suas investigações (1998: 557), outras formas de Direito estão aí a exigir novos paradigmas que superem o legalismo estreito e norteie-se pelos princípios gerais do Direito (PEDROSO, 1996: 251).

Na questão do direito de propriedade, Manuel Gonçalves FERREIRA FILHO nos recorda da tentação de se dar ao termo o mesmo sentido que toma o Direito Civil — o direito de usar, gozar e dispor de alguma coisa (1990: 264), ou seja, a propriedade concebida como instrumento da liberdade individual (COMPARATO, 2000:147).

Nesta discussão é necessário ter claro que, nem o CC (elaborado em 1916 e publicado em 1917), nem o CPC (elaborado e publicado em 1973) foram atualizados de acordo com a nova Constituição. Portanto, nossos Códigos que tratam da questão da posse e propriedade, sempre citados para demover famílias na base de pontapé e cano de baioneta, não foram impregnados com o princípio da função social da propriedade inaugurados na Constituição Federal de 1988 (MST, 2000c).

A falta de ajustamento dos Códigos à atual Constituição, quanto à função social da propriedade,

torna impossível à Justiça a administração pacífica ou a composição dos litígios que tantos desassossegos trazem ao País, particularmente aos trabalhadores sem terra (Idem).

O jurista José OSÓRIO (1996), professor da PUC de São Paulo e desembargador do TJ do Estado de São Paulo, numa apelação que discutia o direito de propriedade, escreveu:

O atual Direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao proprietário pelo Art. 524 do CC. A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a CF, ou que se desenvolva paralelamente a ela. As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal (MST, 2000c).

Ao mesmo tempo em que manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social (art. 5°, XXII e XXIII; 170, II e III; 182; 184; 186, etc.). Esse princípio, defende o professor José OSÓRIO, não significa apenas uma limitação a mais ao Direito de propriedade (...), mas atua no conteúdo do Direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor, reivindicar), o princípio da função social introduz um novo interesse (social) que não pode coincidir com os interesses do proprietário. A expressão -função social da propriedade—, portanto, não é solta em nosso Direito, nem é vazia de conteúdo.

Por isso, o direito de propriedade só faz sentido na medida em que constitui proteção do direito à vida, de modo que desde a Constituição Federal de 1934 está consagrado o dever de uso da propriedade em conformidade com sua função social. Causa perplexidade, entretanto,

que ainda hoje, transcorridos 65 anos daquela Carta, juízes têm relegado o princípio constitucional a segundo plano, fundamentando suas decisões, primordialmente, nos dispositivos contidos no CC sobre a posse a propriedade (PASSOS & FOWLER, 2000: 242).

O que se tem observado na prática, escreve Régis Fernandes de OLIVEIRA (1991), é o seguinte: O proprietário que vê sua terra invadida ingressa com ação de reintegração de posse, nos termos do art. 499 do CC, combinado com o art. 926 do CPC, objetivando a restituição.

Solicitada a medida liminar, ou seja, a imediata reintegração na posse do imóvel, ao magistrado resta o pesado encargo de decidir. Ao que perguntamos: — Concede a medida liminar e determina a retirada dos posseiros da área ou não a concede, deixando de atender a reivindicação postulada na inicial? Qual o comportamento do magistrado, hoje?

Dentre os valores em discussão, alerta-nos o ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil,

o juiz não pode raciocinar com arquétipos normativos de 1916 (época do CC). Naquele espaço temporal inexistiam conflitos agrários; os confrontos eram intersubjetivos, interindividuais. Os problemas ainda não se haviam massificado. Será que é possível buscar a solução de hoje do nosso tempo, com soluções legais antigas, de cerca de 70 anos atrás? Ao tempo da edição da norma, não havia invasão multitudinária. Logo, a solução não pode ser a mesma (MST, 2000c).

Quanto à concessão da liminar, recomenda OLIVEIRA, o juiz não deverá dá-la, porque não está presente o requisito do perigo da mora, isto é, se inúmeras famílias encontram-se assentadas na área e se ela era improdutiva, não há qualquer prejuízo. Irrelevante, aí o período de ano e dia, uma vez que tal requisito perde em grandeza para a função social da propriedade, isto é, a propriedade, em relação à disponibilidade do bem imóvel, somente pode merecer a garantia da liminar, em caso de esbulho, se estiver exercendo sua função social. Como não está, não pode o magistrado conceder a medida liminar (1991: Idem).

O julgador, escreve a professora Suzana Angélica Paim FIGUEIREDO, ao se ver obrigado a decidir um conflito entre o direito individual de propriedade e a vida, deve subjugar aquele à existência e à satisfação das necessidades básicas do homem. O direito à existência é o fundamento de toda a legislação. Importa, pois,

aferir que a hierarquia dos valores socialmente protegidos quem faz é a própria lei, e não resta dúvida de que a vida se encontra no topo da escala (2000b: 470). Entre o espaço desocupado e o trabalho, entre a improdutividade e a vida, esta deve prevalecer, até porque é a possibilidade da vida que dá sentido à existência aos outros direitos (CUNHA, 1995: 470).

Ao concluir as idéias desse capítulo, podemos dizer que o modus operandi da prática jurídica atual, face às ocupações de terra, decorre sobremodo da formação a que são submetidos os operadores do Direito ligada aos paradigmas que configuram o modo particular de organização do contexto social em que é produzida a lei: ele é preparado tão-somente para visualizar individualidades abstraídas do contexto social, despersonalização que já não representa a historicidade de sujeitos reais (SOUZA JÚNIOR, 1997:97), o que resulta numa caricatura de Direito.

Um Direito, uma norma, uma jurisprudência que quisesse alicerçar-se nos sentimentos populares e fizesse questão de não isolar-se da coletividades, escreve Thomaz MANN, não se poderia permitir o luxo de adotar o ponto de vista da chamada verdade teórica, contrária à alma do povo (1984: 497). Uma vez certo de que a lei justa (ela) é responsabilidade ética dos legisladores, a sentença justa ou injusta, é inalienável responsabilidade ética do juiz (PUGGINA, 1997:164).

Retomando o sentido da 11ª tese sobre Anselm Ritter von FEURBACH (1775-1883), havemos de concluir que no Direito não é o passado que condiciona o presente, mas o presente que constrói o futuro (COELHO, 1983:63).


 

Capítulo IV
A PRODUÇÃO DO DIREITO

Os valores e as necessidades materiais
serão sempre um terreno da contradição,
de luta entre valores e visões-de-vida alternativos

(Edward Thompson, 1986)

 

1. O DIREITO EM CONSTRUÇÃO

Nos capítulos anteriores discorremos sobre a luta pela terra, o processo das ocupações de terra e a proteção jurídica da propriedade, com algum aceno para os direitos reconhecidos e não reconhecidos ao segmento social sem-terra pelo Direito estatal. No presente capítulo buscamos aproximar, sob o aspecto teórico, a experiência das ocupações como espaço não legalizado em face da ordem jurídica vigente, como momento da produção do Direito.

Inicialmente é necessário dizer que a temporalidade e a historicidade são categorias imprescindíveis na compreensão da questão dos fundamentos do Direito. Todo o Direito se inscreve na temporalidade e na historicidade. Aquiles Côrtes GUIMARÃES afirma nesse sentido:

Toda produção do Direito se dá em circunstância do fluxo do tempo e se subordina às tramas das circunstâncias históricas nas suas oscilações inesperadas. O Direito é, constantemente, objeto de confronto com a praticidade que o leva a reinvenções infinitas no curso obscuro da história (1997: 22).

Norberto BOBBIO (1992), nessa mesma linha de pensamento, entende que a construção dos direitos do homem

é uma obra coletiva fortemente ancorada nas vitórias já obtidas no caminho percorrido em busca do seu reconhecimento e nas condições concretas de sua exeqüibilidade (SANTOS, 1998: 67).

Chaïm PERELMAN, atribui esses direitos estarem ancorados na idéia de sua construção argumentativa, governada pela lógica do razoável, cujo combustível é o dever de diálogo num auditório universal (1996: Idem). O diálogo que os sem terra estabelecem com a sociedade e o Estado no momento presente, como temos observado, utiliza a linguagem política das ocupações. Portanto, somente um Direito sensível a essas manifestações de vontade, permitirá a uma inteligibilidade mais ampla deste fenômeno.

Toda a construção do Direito, no campo específico das ocupações e conflitos de terra, tem de considerar inevitavelmente as aparências. Esse é, sem dúvida, o jeito do operador do Direito entrar em contato com a realidade. Algo como uma anamnese sócio-ambiental, onde vemos, sentimos, ouvimos e nos apercebemos das coisas. É do conhecimento público que as aparências enganam, mas, por outro lado, são elas as portas, as janelas, o ponto de partida para entender o que está acontecendo e qual é a realidade do fato social observado (CPT, 1986: 13).

Ivo POLETO, no documento supracitado, nos alerta para o fato de que a explicação, a fonte geradora dos acontecimentos pode estar escondida sob as aparências, porém, é seguindo sinais delas que chegamos ao que não se vê (1986: 13). Nas palavras do antropólogo Bronislaw MALINOWSKI, é necessário ir para além da aparência sensível das coisas (1978: 19).

Tal abordagem, sem dúvida, configura dificuldade diante do Direito estatal vigente. De configuração dogmática (do grego dokéin = ensinar, doutrinar), nosso Direito acentua mais o aspecto legal da resposta em uma investigação. A decibilidade dos conflitos se baseia no princípio da aceitação sem discussão do dogma - o Direito positivo posto e positivado pelo poder (LAFER, 1988:18).

O mesmo não ocorre com a abordagem zetética concebida por Theodor VIEHWEG e desenvolvida por Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR:

A zetética - do grego zetéin= procurar inquirir, cumpre uma função informativa-especulativa ao acentuar o aspecto da pergunta de uma investigação, mantendo, dessa maneira, abertos à dúvida às premissas e os princípios que ensejam respostas (1988: 17).

A ciência dogmática do Direito, embora dependa do princípio da inegabilidade da norma, ela não se reduz a este princípio, uma vez que ela não trabalha com certezas, mas sim com as incertezas dos conflitos na vida social (LAFER, 1988:18). No âmbito do Direito posto, a impossibilidade de se chegar à uma objetividade plena não minimiza, portanto, a necessidade de se buscar a objetividade possível, menos discricionária, menos mecânica e mais interativa com a realidade posta (BARROSO, 1996: 256).

É mais do que evidente que o Direito lida com o fato social. A norma jurídica é resultado da realidade social. Felippe Augusto de Miranda ROSA escreve que ela emana da sociedade

por seus instrumentos e instituições destinados a formular o Direito, refletindo o que a sociedade tem, como objetivos, bem como suas crenças e valores, o complexo de seus conceitos éticos e finalísticos (1996: 57).

A noção de fato social a ser apreendida pelo Direito, informa-nos Émile DURKHEIM, só é reconhecível pelo poder de coerção externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos.

A presença deste poder é reconhecível, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenda a violentá-lo (1972: 1-4).

Essa coerção, diga-se, é fácil de se constatar quando ela se traduz no exterior por alguma reação direta da sociedade. A exemplo da Sociologia, o Direito não pode desinteressar-se daquilo que concerne ao substrato da vida coletiva. Dissipam-se as diferenças entre julgamento de valor e julgamento de realidade: todo julgamento põe em ação ideais. Portanto, não existe mais do que uma única faculdade de julgar.

A leitura jurídica que fazemos da vivência social ou será iluminadora dos sentidos das relações intersubjetivas, ou se empobrecerá no massacre das disposições normativas ditadas pelo Estado (GUIMARÃES, 1997: 17).

Julgar é um ato político por natureza, porque exige uma forma de pensar representativa: por-se em lugar do outro (AYDOS, 1992:128). O mito do juiz acima das partes, querendo significar neutralidade, significou na realidade, a justiça que vem do alto, a qual, historicamente, se identificou com à opressão real (Idem: 125).

Diante da coerção advinda da doutrina liberal-normativista (identificada como neutra às atitudes que não afetam o status quo, ou seja, que não subvertam as distribuições de poder e riquezas ou desafiem, por exemplo, o propalado direito de propriedade), mesmo que fosse possível liberar o juiz de suas injunções ideológicas, não seria possível libertá-lo do seu próprio inconsciente, de sua memória e de seus desejos (BARROSO, 1996: 269).

Configura-se, portanto, dificuldade introduzir novos Direitos na ordem jurídica vigente, sobretudo quando ele é fruto daquelas decisões onde os conflitos confrontam asperamente com o ideário dominante e atraem antipatia ostensiva da ideologia jurídica tradicional. Face ao espaço não legalizado de direitos não reconhecidos na ordem jurídica, deve-se observar que em cada um desses conjuntos de direitos, a pergunta sempre irá cumprir finalidades próprias, o que conduzirá sempre a respostas diversas (SANTOS, 1998: 67).

Com certeza, um teórico do Direito irá sempre buscar em suas decisões

o grau mais alto de coerência interna com um mínimo de mudanças no seu sistema conceptual de modo a contribuir para a manutenção da máxima segurança jurídica (ROSA, 1996: 45-6).

Nessa concepção, não será difícil entender que qualquer cogitação nova que adentrar esse mundo de valores e formas de conduta e regras com a pretensão de alterar o Direito posto, insistindo na adoção de métodos experimentais no estudo da norma em relação com a realidade do meio social, deverá ser recebida com hostilidade (Idem: 46).

De forma equivocada muitos são levados a pensar que é a lei que faz o Direito. Podemos dizer justamente o contrário. O Direito é anterior à lei. Sabiamente descobriram os sem terra que é a luta para o reconhecimento do Direito que faz a existência das leis. Portanto, os trabalhadores rurais sem terra lutam para conquistar leis. - Os direitos, eles já tem, só que não são reconhecidos. Do outro lado da moeda, lá estão os proprietários e a classe dominante lutando para garantir a permanência de seus direitos, e até para ampliá-los (AJP/FASE, 1987:10).

Em relação ao espaço legalizado, de direitos reconhecidos na ordem jurídica, a pergunta indaga diretamente o ordenamento. Tratando-se de questões de direito positivo elas serão satisfatoriamente solucionadas com a indicação de normas legais. O mesmo não ocorre com direitos não positivados, frutos do espaço não legalizado, criado pela ação reivindicadora dos sem terra, e que ainda está a merecer legitimidade e reconhecimento através do olhar do Direito crítico (Idem).

Na visão dominante, o que dá o convencimento aos operadores do Direito é o entendimento de que o único meio adequado para conferir legitimidade ou reconhecimento aos atos praticados por um bando de desordeiros, por vezes, subversivo e vinculado à posições ideologicamente superadas (GARCIA, 2000:149), é encontrando-lhes um fundamento.

Configura-se, entretanto, dificuldade encontrar um fundamento no âmbito do Direito vigente que ampare a práxis em curso provocada por milhares de pessoas que, há tempos, vivem em permanente estado de guerra na luta pela terra. Norberto BOBBIO (1992) referindo-se particularmente aos Direitos Humanos, defende que não se pode atribuir fundamento absoluto a direitos historicamente relativos (SANTOS, 1998: 68).

O Direito de propriedade, por exemplo, tem sido defendido como inerente à pessoa e imanente à sua personalidade, a ponto de sua defesa ser comparada à defesa da própria vida (FIGUEIREDO, 2000a: 2). Tal Direito, entretanto, de contorno absoluto, exclusivo e perpétuo (Idem), historicamente tem sido utilizado como instrumento de pressão contra o direito não-absoluto dos sem terra. Não há como negar que o Direito varia segundo carecimentos e interesses, variando, também, conforme as classes que ocupam o poder e os meios disponíveis para alcançá-los.

Como então esse espaço não legalizado das ocupações de terra poderia contribuir para a produção do Direito? Qual seria o fundamento para que direitos tão questionáveis como o dos sem terra e seus métodos de luta pudessem ser apresentados e aceitos na esfera do Direito?

Pelo modo que surgiram na história, seria a resposta de Norberto BOBBIO (Ibidem: 71).

A luta dos sem terra e a dinâmica organizada de seu movimento, têm a marca comum de haverem nascido gradualmente, fruto da uma longa caminhada sempre a abrir espaço institucional e legal. Por tratar-se de um movimento histórico, concreto, ele pode ser investigado dentro de vários prismas possíveis (filosófico, político, econômico, religioso), e entre eles, a perspectiva sociológica. É, portanto, como fenômeno social (significativa e numericamente representativo, pois envolve milhares de brasileiros cuja proteção constitucional lhes é devida) que o Direito há de desvendar a estreita conexão entre mudança social e o direito dos sem terra.

Para melhor entender esse fenômeno, necessário se faz deslocar o ponto de vista meramente agrário, que tem seu fundamento no Direito Civil e Penal, para o ponto de vista dos Direitos Humanos e do Direito Constitucional. Para o mestre da teoria da argumentação PERELMAN, face a necessidade de que aquilo que nos propomos a fundamentar seja contestável (de direito) ou contestado (de fato), isso não implica busca de fundamentação absoluta ou infalível.

Para ele, é perfeitamente possível refutar dúvidas e eliminar desacordos e contestação sobre determinadas realidades e normas sem recurso a uma fundamento absoluto, bastando lançar-se mão da idéia de um fundamento suficiente, capaz de atender a uma discordância atual e satisfazer a uma necessidade de prova presente (1996: 72).

Em outras palavras, o Direito é o resultado de uma construção argumentativa, humana, provisória e falível. Não se trata de abolir o CP para o MST, mas, ao contrário, de compreender socialmente o significado de suas ações. O Estado democrático de Direito não se apresenta como uma configuração pronta e acabada, escreve Jürgen HABERMAS, e sim

como um empreendimento arriscado, delicado e, especialmente, falível e carente de revisão, o qual tende a reatualizar, em circunstâncias precárias, o sistema dos direitos, o que equivale a interpretá-los melhor e a institucionalizá-los de modo mais apropriado e a esgotar de modo mais radical seu conteúdo (1997: 118).

Não se trata de revogar o CP para os desobedientes (que praticam as ocupações ao arrepio da lei), mas de observá-lo com ponderação que envolve a consideração de que os motivos determinantes para a violação da norma, por exemplo, podem referir-se a um questionamento de sua legalidade social, um questionamento de sua constitucionalidade.(GARCIA, 2000:167).

Tal concepção, sem dúvida, põe em crise todo o fundamento positivista do sistema jurídico brasileiro que, ao recusar qualquer outro fundamento para o Direito, acaba reduzindo-o à expressão da vontade do poder econômico e autoridade do Estado. Todo o instrumental teórico dominante do nosso ensino jurídico será sempre de reverência ao Estado e ao Poder

e terá como princípio uma visão instrumental do ser humano (o Direito utiliza, enquadra e submete o homem), e um desprezo pela dimensão ativa do conhecimento, observando a “práxis” humana como puramente “receptiva” das exigências do mundo material (GENRO, 1992:19)

O erro disseminado por Hans KELSEN (1997), todos sabemos, teria sido o de efetuar uma transposição inadequada para as ciências humanas do tratamento somente válido para as ciências matemáticas (SANTOS, 1998:74). Este jurista checoslovaco naturalizado norte-americano e nascido em 1881, escreve Luiz FERACINE,

falou durante meio século, derramou toneladas de palavras em defesa de suas idéias vazadas nos cânones da filosofia da linguagem segundo o Círculo de Viena (1998: 4),

Enquanto nas ciências matemáticas a busca de um fundamento expressa-se em teoremas de um sistema de geometria, a partir de axiomas a um só tempo evidentes e não ambíguos, na área jurídica a busca de fundamento seria de natureza totalmente diversa (SANTOS, Ibidem).

A verdade jurídica, há muito sabemos, não se produz de forma monolítica, ela está imbricada inarredavelmente em princípios morais. A prática jurídica, como ética, não tem a exatidão do juízo matemático - já advertia Aristóteles (AYDOS, 1992: 126).

Daí, para BOBBIO (1992), não se tratar de encontrar o fundamento absoluto —empreendimento sublime, porém desesperado—, mas de buscar, em caso concreto, os vários fundamentos possíveis (SANTOS,1998:75). Busca que depende do concurso interdisciplinar das ciências históricas e sociais, cuja tarefa indispensável e insubstituível configura-se no estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado. Deduz-se assim, que a apreensão e o entendimento jurídico do processo da luta pela terra

não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos, inerente à essa realidade: o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios (BOBBIO, 1992:76).

Concorre, portanto, para a produção do Direito, a necessidade de existência de uma lógica do razoável como guia. No horizonte de todos os movimentos sociais por terra, trabalho e moradia, de negros, mulheres, indígenas e crianças, entre outros, se estabelece um Direito que deve ser, mas que para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, escreve BOBBIO (1992), precisa transformar-se, de objeto de discussão de uma assembléia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção (NETO, 2000:191).

Na verdade, os aplicadores do Direito não podem olvidar-se da miséria das crianças de rua, herança do êxodo rural, despojando-se, sob o manto da fria legalidade, de qualquer comprometimento com as mudanças sociais (DELMANTO JÚNIOR, 2000: 364). Tratam-se, pois, de seres humanos e suas ações reivindicatórias por direitos suscetíveis de integrarem o auditório universal, amplo espaço do Direito, pois

o razoável não remete a uma razão definida como reflexo ou iluminação de uma razão divina, invariável e perfeita, mas a uma situação puramente humana, à adesão presumida de todos aqueles que consideremos interlocutores válidos no que tange às questões debatidas (PERELMAN, 1996: 75).

Tal concepção, já dissemos, entra em rota de colisão com a concepção auto-suficiente do Direito que não inclui na esfera própria de sua atuação qualquer questionamento acerca da legitimidade e da justiça das leis. De posse dessa pureza científica, o ordenamento jurídico vigente acaba por transformar-se em pura emanação estatal que tem a pretensão de completude, colhendo todas as situações verificáveis na vida social (BARROSO, 1996:246).

A construção de um olhar novo do Direito sobre realidades complexas como a questão das ocupações de terra necessariamente tem de transpor e superar tais conceitos, qual seja o de que o Estado é o árbitro imparcial dos conflitos que ocorrem no campo e que o juiz, como aplicador do Direito, deve se pautar pela objetividade e neutralidade. Apesar das críticas contundente que vem sofrendo ao longo das décadas essa pureza metódica praticada há dois séculos pelo poder público, ainda assim essa concepção clássica do Direito subsiste e permanece em todo o mundo ocidental (Idem).

Configura imperativo afirmar que essa doutrina jurídica dominante, ao deixar de lado o papel desempenhado pela ideologia, tanto a do legislador quando a do intérprete da lei, decreta o silêncio dos sem voz manifestando tão-somente seu compromisso com o status quo (BARROSO, Idem). É a chamada lacuna kelseniana: a lacuna do não dito, o silêncio, o vazio (ARRUDA JÚNIOR, 1993:15).

Sob o olhar de uma teoria crítica todo Direito é ideológico na medida em que oculta o sentido das relações estruturais estabelecidas entre os sujeitos, com a finalidade de reproduzir os mecanismos de hegemonia social (WARAT, 1984: 247).

É, portanto, em nome deste fundamento - a falsa crença de que o Direito seja um domínio politicamente neutro e cientificamente puro —, que o normatismo jurídico dominante tem produzido tantas injustiças contra os despossuídos da terra. A produção de um saber jurídico que situa a lei como expressão política de mero jogo ilusório com o objetivo de isolar os homens do sistema de decisões e interesses (BARROSO, Ibidem:247), sem sombra dúvida, é um poder que nada diz ao povo e em particular àqueles que, através de sua organização e movimento, estão aí a produzir elementos novos e significativos para formação de um novo Direito.

 

2. POR UM DIREITO DEMOCRÁTICO

Diante de códigos herméticos e doutrinas já decodificadas e prontas, uma postura jurisdicional favorável e sensível aos apelos de uma realidade vivida por milhares de homens e mulheres dioturnamente arrastados aos Tribunais, um Direito assim compreendido não pode se furtar de rever seus conceitos.

É na esteira das possibilidades alternativas, escreve Roberto Ramos AGUIAR (1991), que o Direito demonstra ter a chance de abrir-se para espaços que se vão constituindo pelos conflitos e avanços dos excluídos da nossa sociedade (BARROSO, 1996:251). O caso dos sem terra, face a deterioração e ausência do poder público trazendo o Direito oficial, é ilustrativo e configura-se em laboratório jurídico a fomentar essa produção de Direito alternativo ao tradicional.

Os próprios adeptos da globalização defendem a emergência de um novo tipo de Direito, o chamado Direito Reflexivo (ROTH, 1996:22), desenvolvido por Helmut WILLKE e que tem por base a negociação e mesas redondas, onde o papel do Estado passa a ser o de mero guia e não mais diretor nas relações sociais (CADEMARTORI, 1998:42).

Amilton Bueno de CARVALHO, um dos principais formuladores do pensamento jurídico alternativo no Brasil, há tempo tem se manifestado para que surjam leis efetivamente justas, comprometidas com os interesses da maioria da população, ou seja, realmente democráticas.

O que a alternatividade busca é o novo paradigma com a superação do legalismo estreito, mas tendo como limites os princípios gerais do Direito que são conquistas da humanidade. O compromisso do juiz deve ser a busca incessante da justiça (BARROSO, 1997:251).

No campo da objetividade e neutralidade do Judiciário, há de se observar o quanto elas podem ser perversas quando estão em jogo os interesses de partes política, social e economicamente desiguais (Idem: 253). Em qualquer decisão, somos sabedores, a racionalidade do conhecimento nunca poderá despojá-lo de crenças e emoções subjetivas, no máximo irá torná-lo impessoal, na medida do possível.

Tanto no momento da elaboração quando no de interpretação da norma, hão de se projetar a visão subjetiva, as crenças e os valores do intérprete (Idem: 255).

Configura uma espécie de máscara disciplinadora, diria Luís Alberto WARAT, e que impede os operadores do Direito de procriar uma cultura jurídica visceralmente democrática (1985: 36). Um saber jurídico, assim, impotente de parir um Direito que reconcilie o homem com seus fins primeiros, e que tenha respostas de acordo com o mundo, condena a estagnação suas verdades.

Poderão os juristas construir uma máscara que incite sua criatividade, que lhes provoque uma ardente aspiração à extrema liberdade de idéias? Poderão, por fim, proteger a criatividade mais que a propriedade?

Sim e não, responderia Tercio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, uma vez que a ciência jurídica não apenas informa, mas conforma o fenômeno que estuda. Tanto a posse quanto a propriedade não são apenas o que são socialmente entendidas, mas também como são interpretadas pela doutrina jurídica (1988: 41).

Mais do que nunca se faz necessário recordar León DUGUIT e sua norma fundamental: nada fazer que atente contra a solidariedade social e fazer tudo para torná-la eficaz (GUSMÃO,1972:77). A interpretação da lei, como lembra Alípio SILVEIRA, deve ser, antes de tudo, real, humana e socialmente útil (1968: 126).

Oportuno reproduzir a aqui um diálogo que ganhou as páginas da história, travado entre Sócrates e um soldado, para ilustrar os diferentes enfoques que uma mesma realidade pode ser apreendida pela investigação do Direito:

Sócrates estava sentado à porta de sua casa. Neste momento, passa um homem correndo e atrás dele um grupo de soldados. Um soldado então grita: —Agarre esse sujeito, ele é um ladrão!. Ao que Sócrates responde: —Que você entende por ladrão?. Notam-se aqui dois enfoques: o do soldado, que parte de uma premissa de que o significado de “ladrão” é uma questão já definida, uma “solução” já dada, sendo seu problema agarrá-lo; e o de Sócrates, para quem a premissa é duvidosa e merece um questionamento prévio (FERRAZ JÚNIOR, 1988:41).

A partir da terminologia de Theodor WIEHWEG utilizada pelo autor citado acima, podemos observar o quanto o enfoque dogmático se distancia do enfoque zetético proposto pelo autor. Este último, ao valorizar o aspecto da pergunta, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida. Aquele primeiro, ao valorizar o aspecto da resposta, modelo tão afeito ao positivismo jurídico vigente, orienta-se na função diretiva explícita e finita. O enfoque zetético, ao contrário, tem função especulativa explícita e infinita. Se a zetética se pergunta pelo ser (que é ser ladrão?), o dogmático situa a pergunta no dever-ser (Idem:42).

Mais zetético do que dogmático, importa ao Direito valer-se desse instrumento auxiliar da ciência jurídica, em especial quando este é chamado a intervir no âmbito das ciência humanas, território onde se inserem, por exemplo, os conflitos da luta pela terra.

Falando sobre a questão da justiça e da solidariedade, Hélio BICUDO (1996), destaca que

não se pode, simplesmente, fazer uma abordagem técnico-jurídica pretendendo, com semelhante procedimento, fazer justiça. Ora, “summum jus, summa injuria". Hoje, o conceito de justiça não se pode apartar do conceito de solidariedade ou fraternidade, fomento que deve levedar todas as atividades humanas, para o aperfeiçoamento do conjunto da sociedade (MST, 2000d).

Portanto, há que se rejeitar a postura tradicional do Judiciário que, em nome da imparcialidade, vem aplicando mecanicamente a letra fria da lei, sem vislumbrar as nuances sociais relativas às desigualdades nos conflitos agrários (COLLI, 2001:85).

Ao lado da lei, feita segundo a CF para todos (art. 5°, caput), a base da decisão judicial está situada também no direito das partes. Há de se convir, entretanto, que esse direito nem sempre é considerado:

é levado normalmente em conta apenas de acordo com as vinculações do juiz, ou de acordo com o poder de pressão ou influência de determinados litigantes (RECH, 1989:50).

Fica patente, com isso, a idéia que o sistema punitivo do Estado está organizado ideologicamente com o objetivo de proteger os conceitos que são próprios da classe que o produziu, ou seja, os interesses da classe dominante (ARAÚJO JÚNIOR, 1986:58).

Não obstante a carga ideológica que, conforme o explanado, tem levado considerável parte da magistratura brasileira, a julgamentos injustos na solução dos conflitos civis e penais envolvendo a questão da posse da terra, esse espaço instituinte criado no âmbito da ordem jurídica vigente tem manifestado relativo avanço. O próprio MP em alguns casos tem atuado na perspectiva de um autêntico custus júris,

para além, portanto, das simples funções de fiscal da lei, na tradição liberal do “custus legis”, esta última mais adequada aos conflitos interindividuais, que não exibem grande carga sóciopolítica como é o caso dos conflitos em torno da terra (CARTA, 1999).

A própria Associação dos Juízes para a Democracia, tem defendido um judiciário transparente, cada vez mais identificado com a proteção efetiva dos direitos do homem, individual e coletivamente, verdadeiro serviço público, garantindo, inclusive, seu controle pelos cidadãos (RUIZ, 1997:145). Tal visão, sem dúvida, permitiria uma melhor compreensão das ações organizadas do MST como meio de luta para a realização da Reforma Agrária, subtraindo-lhes o potencial típico das condutas incriminadas pela legislação penal brasileira (COLLI, 2001: 86).

A situação de marginalidade vivida por uma grande parcela da população brasileira, há de se considerar, é entendida pela maioria dos juristas brasileiros como ingrediente decisivo para uma opinião favorável acerca da legitimidade das ocupações de terras.

Diversos juristas têm proposto a desmistificação, a desconstrução do discurso jurídico para o fim de demonstrar o seu caráter ideológico, retórico ou classista, porém essas iniciativas esbarram numa tendência ceticista em relação à juridicidade:

Imaginam, muitos deles, que a transformação do Direito só pode operar-se a partir da luta exterior a ele, daí porque a par de esposarem teoria críticas, muitas vezes, caem no cotidiano, ou numa atitude de recusa a qualquer atividade jurídica prática ou ao contrário, numa atitude dogmática (CLÈVE, 1992:105).

Discorrendo sobre a formação dos magistrados e membros do MP, Fábio Konder COMPARATO (1996), aponta que

a deficiência educacional não ocorre apenas no campo técnico —pela ignorância, muitas vezes, dos rudimentos da ciência do Direito—, mas aparece também e sobretudo no terreno ético, pela completa incultura cívica de grande parte dos homens e mulheres a quem foi confiada a missão de zelar pelo respeito aos valores básicos da cidadania (MST, 2000d).

Some-se a esse despreparo técnico, a imaturidade cívica de grande parte de juízes e promotores quando se deparam com casos de conflitos fundiários (Idem). Da criminalização do MST de Pirapózinho ao despejo à bala das famílias de posseiros de Corumbiara, passando pela expedição em série de centenas de interditos proibitórios contra os seringueiros do Acre, a pedido de patrões e latifundiários, escreve COMPARATO,

o que vem a furo, agora, é a disfuncionalidade de um poder que, em vastas áreas do território nacional, trabalha contra valores fundamentais de nosso regime político, dos quais é supostamente defensor (Idem).

Muitas vezes tem sido aceito pelos magistrados na prolação de suas decisões e sido defendido pelo operadores jurídicos (FOWLER, 1998) o argumento da ausência de dolo, ou seja, ausência da consciência e da intenção de praticar crime. Ainda que possa ser entendida como uma forma de descaracterizar as ações de resistência promovidas pelos integrantes do MST, essa tese tem sido adotada até mesmo ao nível do STJ.

Um exemplo é o caso do HC 4399/SP, 6ª Turma, de 12 de março de 1996, onde o Ministro Luiz Vicente CERNICCHIARO, discorrendo acerca de um esbulho possessório considerou as ocupações de terras como legítimas formas de exigibilidade dos direitos assegurados na Constituição Federal (MST, 2000e).

O que tem ficado demonstrado é que a prática dos integrantes do MST não se coaduna com os interesses identificados nos indivíduos que intencionam cometer crimes. Não agem com o dolo, isto é, com a vontade consciente e direcionada na prática de ações consideradas criminosas pela legislação penal brasileira. Suas ações, portanto, configuram-se como ações de resistência constitucional, à medida em que se pautam em critérios e princípios identificados na Carta Magna de 1988, relativos à função social da propriedade, à garantia da cidadania e dos direitos dela decorrentes a todo indivíduo, principalmente aqueles relativos à vida, ao bem-estar, à dignidade da pessoa humana e à igualdade (COLLI, 2001:90).

A tarefa essencial do Poder Judiciário, escreve José Alfredo de Oliveira BARACHO,

é interpretar e aplicar a lei de forma mais favoráveis à realização dos direitos comuns a todos (...). Os conteúdos de uma sentença. portanto, são efetuados dentro das realidades sociais e jurídicas (2000: 6).

Na maioria dos casos considerados, os integrantes do MST têm sido processados e condenados por crimes de esbulho possessório, formação de bando ou quadrilha, dano ao patrimônio, dentre outros, desconsiderando-se totalmente a situação social de miséria e exclusão por eles vivida. Ainda mais: num total desconhecimento dos reais objetivos do movimento. Tal imputação criminal, escreve a professora Luciene Rinaldi COLLI,

configura-se injusta (por desconsiderar as situações social e econômica que envolve seus integrantes), e ilegal (por desconsiderar as características inerentes a tais ações) (2001: 91).

Todo o estudo das relações recíprocas existentes entre a realidade social e o Direito, abrange igualmente as relações jurídicas fundamentais, entre elas, a ação da sociedade sobre o Direito e a atuação do Direito sobre a sociedade (DINIZ, 1995:206).

O movimento dos sem terra, como todo o grupo social institucionalizado, possui um direito interno, elaborado e aplicado por ele, já que possui um poder normativo e um poder disciplinador de suas ações e relações com a sociedade, impondo inclusive sanções aos seus transgressores. Tem esse direito igualmente o reconhecimento do Estado que às vezes é chamado a intervir regulamentando as atividades do grupo podendo também anexá-lo ao Direito estatal.

Ora, se o Direito emana da sociedade, entende-se que a lei surja da investigação das próprias realidades sociais. É de Friedrich Karl von SAVIGNY (1779-1861) a frase:

O Direito cresce com o povo, dele se forma, e com ele desaparece, quando perde suas características. O domínio próprio do Direito é a consciência coletiva do povo (MENEZES,1964:230).

Roberto LYRA FILHO, em sua teoria dialética do Direito, aponta a superação do positivismo que ordena o Direito com uma nova ontologia jurídica, onde a história do Direito é a história da libertação das classes oprimidas:

O Direito não se fixa no estrito formalismo legal, não podendo ser isolado em campos de concentração legislativa, pois indica os princípios de normas libertadoras, considerando a lei um simples acidente no processo jurídico, e que pode, ou não, transportar as melhores conquistas (1982: 39).

De onde podemos concluir pela necessidade de se reconhecer que a Justiça pertence à soberania popular e que o Direito e seus juízes são tão-somente seu administradores. Razão pela qual Alicia Herrera RIVAS recomenda:

A estrutura judicial deve ser encaminhada no sentido de desvincular os juízes do Poder e estabelecer laços permanentes entre eles e a sociedade, a fim de que possam perceber a sua concepção de Justiça e representá-la em suas decisões (1983: 15).

Toda a produção do Direito, portanto, vale-se dos instrumentos fundamentais da democracia: Poder Judiciário, Ministério Público, Advocacia, Defensoria Pública. Portadores de um alto poder transformador, esses instrumentos do Direito, sob o primado Constituição Federal, têm o poder de impor nova mentalidade e novas práticas no dia-a-dia das instituições que integram o Sistema de Administração da Justiça, oportunizando o resgate de sua função política e social.

Como procuramos demonstrar no decorrer deste trabalho, o Direito não deve ser entendido como mera norma jurídica -o Direito posto e positivado, como já nos referimos—, mas como resultado de um processo de concretização da Justiça.

Na aplicação do Direito, mais do que dirimir conflitos, o operador tem de resolvê-los, atingindo suas causas. Razão pela qual a imperiosa necessidade de reformulação do ensino jurídico para que se torne mais critico e mais próximo de nossa realidade (CNBB, 1994:34).

Cumpre repetir que a luta pela terra, por parte dos trabalhadores excluídos do Direito constitucional de propriedade, configura espaço instituinte de produção do Direito. Pode e deve ser entendida pelos senhores legisladores, juristas e operadores do Direito, como autêntica fonte material do Direito, com a mesma importância das fontes formais.

Qualquer projeto que se proponha a pensar um Direito novo, que contemple os esforços envidados por aqueles que lutam pelo direito à terra e ao trabalho na terra - enquanto direito básico do homem —, deve passar obrigatoriamente por pressupostos, igualmente novos. A começar pela aceitação dos movimentos e práticas sociais como fontes geradoras do pluralismo jurídico capaz de imprimir às instituições um novo sujeito histórico formulador de uma nova ética política.

Uma vez que toda a produção do Direito, no plano concreto e efetivo, deve se dar no âmbito do processo histórico animado pelas forças e lutas sociais (CARTA, 2000), torna-se necessário e urgente a materialização de mecanismos que visem a desmistificação e a tomada de consciência dos atores jurídicos, de modo especial

propiciando a articulação de estratégias de elaboração “extra legem” com o estímulo modificador de atitudes que resultam na maior eficácia e efetividade de aplicação da justiça - uma justiça identificada com os interesses das maiorias (WOLKMER, 1992:42).

A busca de novos pressupostos como o da alteridade, da solidariedade, do pluralismo, da mobilização e da participação em relação à práxis jurídica, entretanto, requer, sobretudo, que não se priorize mais regras técnico-formais e ordenações teórico-abstratas perfeitas distantes da dignidade do outro (Idem: 44).

A distância entre a CF brasileira e o Direito ordinário (e sua base civilista), tem sido apontada como elemento de comprometimento das decisões judiciais. Por essa razão, tal dimensão, cumpre dizer, obriga a uma visão diferenciada dos casos comuns, para os quais, seguramente, foi a legislação concebida (MST, 2000e).

Nesse sentido, Boaventura de Souza SANTOS (1996), lamenta que os Tribunais na maioria das vezes têm sido tíbios em encurtar essa distância. E aponta como principais fatores dessa tibieza:

O conservadorismo dos magistrados, incubados em Faculdades de Direito anquilosadas, dominadas por concepções retrógradas da relação entre Direito e sociedade; o desempenho rotiniza do assente na justiça retributiva, politicamente hostil à justiça distributiva e tecnicamente despreparada para ela; uma cultura jurídica “cínica” que não leva a sério a garantia dos direitos, caldeada em largos períodos de convivência ou cumplicidade com maciças violação dos direitos constitucionalmente consagrados, inclinada a ver neles simples declarações programáticas, mais ou menos utópicas; um poder judicial tutelado por um poder executivo, hostil à garantia dos direitos ou sem meios orçamentais para a levar a cabo. (ALFONSIN, 2000:221).

Ao concluirmos esse capítulo, podemos dizer que a práxis do Direito interno produzido pelo fenômeno das ocupações de terra como instrumento de pressão para a efetivação da Reforma Agrária, está a propiciar momento originalmente novo na produção do Direito. Momento que oportuniza ao Judiciário firmar-se em duas direções distintas: como Justiça para o povo ou deixar espaço aberto para a ilegalidade do Estado, a anomia generalizada e o crime organizado (AYDOS, 1992:130).

Para trilhar o caminho desse novo conceito de Direito construído a partir do lastro social e seus embates, sob o qual o Poder Judiciário não é mudo nem surdo aos reclamos da sociedade, será necessário, parafraseando Hannah ARENDT (1988), sobretudo: coragem.


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, procuramos discorrer sobre o tema das ocupações de terra no contexto da sociologia e da filosofia do Direito. Buscando ir além da mera reflexão teórica e do ensaio de gabinete denunciado pelo professor José de Souza MARTINS (1981: 2), trouxemos à lume um discurso marginal acerca de uma realidade que dificilmente adentra a cátedra pela porta da frente, e muito menos pela ótica do pretório.

A despeito do Direito considerar-se uma ciência social, todos sabemos, sua noção sociológica há muito foi completamente desfigurada. Petrificada e retificada pelo raciocínio positivista, que substituiu hoje em dia a noção funcionalista do sistema social (Idem).

Por entendermos que é a efetiva natureza das contradições que determina o movimento das sociedades, e que serão essas contradições que irão igualmente definir a natureza de suas transformações, é que propomos nesta monografia relativisar o saber cristalino do Direito positivo.

Quando Hans KELSEN (1997) afirmou que o Direito não tem espaço para a Justiça (FERACINE, 1998:4), quis dizer que o valor do Direito é objetivo, e que o valor da Justiça é subjetivo, razão pela qual durante mais de um século ele tenha feito o magistrado dizer o Direito sem falar de Justiça. Confirma, assim, que o positivismo, é ideologia, porque está alicerçado na ressalva de que a parte supre pelo todo (Idem).

Porém, escreve o Padre Luiz FERACINI, Código sem auréola do valor ético da Justiça não passa de múmia estorricada.

Serve só como peça de museu. Tal como a vida é a alma ou forma substancial do corpo e sua causa no agir, assim também a virtude moral da Justiça comunica vitalidade ao ser do Direito e o investe de dinâmica diretiva para conduzir as relações sociais (1998: 4).

Referindo-se à obra de KELSEN, ironiza o doutor em Direito pela Universidade do Vaticano: ninguém se atreve, impunemente, a investir contra o bom senso sancionado por vinte e cinco séculos de filosofia abeberada em fontes cristalinas (Idem.). Vem assim a calhar a advertência bíblica: A letra mata, mas o espírito dá vida (2 Cor. 3,6b).

Por isso, os críticos do Direito vigente preconizam paralelamente ao processo puramente descritivo do objeto, a atuação concreta e a militância do operador do Direito, à vista do princípio de que o papel do conhecimento não é somente a interpretação do mundo, mas também sua transformação (CÁRCOVA, 1996:246).

No século passado, a pele negra de uma pessoa era razão e motivo para a escravidão. Isso era absolutamente legal. O Direito daquele tempo protegia o sistema escravista. A partir do momento em que os interesses da produção aconselharam a eliminação do sistema de compra e venda de escravos, o Direito mudou. Todavia, os quilombos e os abolicionistas tiveram papel importante para consumação desse Direito novo, para que os negros e brancos passassem a ser iguais perante a lei.

De íntima relação com o tema dessa monografia, não há como negar que os fatos políticos e jurídicos de nossa história sempre deram destaque maior para a propriedade, objeto de permanente questionamento pelos que são privados da acesso à terra. Tal situação, sem dúvida, desmascara a propalada independência do Poder Judiciário, que historicamente, configurou-se submisso ao status quo.

É notório que os juízes não estão sujeitos somente à lei. Se adentrarmos a intimidade mais obscura do modus operandi dos juízes no seio do Poder Judiciário e Tribunais, poderemos verificar que:

seus ascensos, qualificações, transferências ou remoções são sujeitas, por exemplo, à valorização das sentenças que ditam e a homogeneidade que estas têm com a jurisprudência dominante dos tribunais (RIVAS, 1984:13-4).

Isso não deixa de ser surpresa se verificarmos que em sua essência, o Direito se realiza, socialmente, pela hegemonia moral, cultural e política das classes dominantes, o que determina a aceitação de seus “valores” pela ampla maioria da população (GENRO, 1979:18). Fora da lei, já advertia o célebre juriscunsulto e político brasileiro Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), não há salvação (MARQUES,1984:43).

O Direito, enquanto produção humana, escreve Luciene Rinaldi COLLI,

deve se voltar a dirimir os conflitos que se lhe apresentem e exijam uma resposta social, velando pela prevalência dos direitos inalienáveis e indisponíveis, dentre os quais a vida, a dignidade e a liberdade humana figuram como os mais importantes (2001, Introd.).

Diante de um Direito que pode ser considerado velho e mofado, um desafio é lançado a juristas e operadores do Direito: que revejam suas teses e construam novas teorias, sobretudo na questão da posse e da propriedade. Isso porque as que estão em vigor datam de cerca de duzentos anos e foram formuladas por pensadores alemães, com base em antiquíssimos conceitos do Direito romano.

Fontes para a formulação de um Direito alternativo já existem e podem ser encontradas até mesmo nas entrelinhas do Direito velho. No controvertido tema da posse e da propriedade, que citamos ao longo dessa monografia, é bom frisar, não é mais possível furtar-se o operador do Direito, na condição de agente de transformação social, de dar a sua parcela de contribuição no avanço das lutas e consolidação de conquistas que dizem respeito a grande maioria do povo. Aliás, parcela da população havida em relação ao acesso aos bens básicos e à Justiça, como indigente.

Na questão da posse, já escreveu o professor Nilson MARQUES, não é mais possível desconsiderar seu valor jurídico superior à propriedade. Enquanto que a propriedade é uma figura abstrata, que nem os códigos conseguem definir corretamente, a posse é uma coisa concreta, que decorre da necessidade de se ter uma moradia ou uma terra para nela trabalhar e dela retirar o produto do trabalho (1988: 3).

Urge, portanto, dar-se um basta a esta visão carcomida de Direito positivo, que de maneira irracional protege o proprietário, pelo simples fato dele ser portador de um título de papel e persegue aquele que ocupa a terra para produzir o sustento e sua riqueza (PRESSBURGER, 1988:3).

Há de se convir, portanto, que

somente um adequado entendimento sob a ótica jurídico-social poderá garantir aos movimentos sociais a justiça no tratamento das desigualdades sociais, postas à mesa do debate jurídico em que postulam com partes ex-adversa (COLLI, Idem).

A retórica da igualdade no âmbito do Direito, é outro mito que precisa ser derrubado. É preciso tirar o juiz do pedestal, conclama à seus pares, Dyrceu CINTRA, fundador da Associação dos Juízes para a Democracia: A nossa missão é tirá-lo dali e falar: — ele é “igual ao povo” (1997:27-9). Todos sabemos, tal igualdade, é puramente política. Aliás, a esse respeito, escreve Aquiles Côrtes GUIMARÃES,

a idéia de igualdade vem sustentando historicamente toda a desigualdade praticada em seu nome (...) onde, em nome da lei e da parafernália regulativa, consegue excluir milhões de seres humanos da justiça social (1997: 34).

A prática das ocupações, aqui apresentadas como pano de fundo e contraponto de questionamento ao Direito positivo vigente, por outro lado, tem revelado que na maioria das vezes seus objetivos não se relacionam com a violação da ordem constitucional mas tão-somente com ações de resistência a reclamar por justiça. Tal enfoque carece ainda de maior respaldo nos princípios jurídicos, razão pela qual depreende-se a necessidade de melhor compreender a juridicidade atípica dessas ações, onde o Judiciário é chamado a não se voltar somente para o texto frio da lei (Ibidem).

À guisa de conclusão, valemo-nos das reflexões pioneiras realizadas nos últimos anos por membros do MP estadual e federal de diversos estados e que têm buscado influenciar no enfrentamento da questão dos litígios coletivos pela posse da terra, contribuindo assim para criar condições para uma nova prática jurídica que responda às necessidades atuais.

Inicialmente cabe registrar que a posse que merece proteção jurídica é sempre aquela que, nos termos do CC, seja justa e de boa-fé, e aquela que, em razão da CF e das leis que regulamentam a matéria, recaia sobre terras que cumpram a função social, em todos os seus elementos (econômico, ambiental e social), escapando da possibilidade de servir à reforma agrária.

Adentra-se no campo da ilegalidade quando da utilização dos institutos da legítima defesa da posse e do desforço imediato nos casos de ações de preservação de terras que não cumpram com sua destinação constitucional. A questão do ônus de provar que a posse carente de proteção judicial recai sobre terra que cumpra com sua função social deverá ser do autor. A indefinição dominial ou pendência relacionada à indenização por benfeitorias não desobriga o postulante da proteção possessória de comprovar os requisitos constitucionais para a obtenção da tutela pretendida (CARTA, 1999).

Registre-se que a petição inicial da ação possessória que não identifica corretamente a parte que deve figurar no pólo passivo do processo deverá ser considerada inepta, nos termos do art. 282, inciso II, do CPC. Há, igualmente, possibilidade de embargos de terceiros possuidores quando não regularmente chamados a compor a relação jurídica processual. Observe-se ainda que a execução forçada das medidas deferidas no âmbito dos processos que envolvem litígios coletivos pela posse da terra deve ser realizada da forma menos gravosa ou humilhante para o devedor-ocupador, nos termos do art. 620 do CPC.

Os membros do MP recomendam (CARTA, 1999) que os Tribunais não se furtem de obedecer ao princípio do juiz natural, respeitando o sistema de competência por distribuição, quando da apreciação das medidas liminares em geral. Entende-se que deva ser repudiada e questionada, pois inconstitucional, a concentração de poderes para a concessão ou não dessas medidas na pessoa de um único juiz ou desembargador.

O MP, nas ações que envolvem litígios coletivos pela posse da terra rural, tem a qualidade de interveniente em razão da natureza da lide, que, em síntese são reveladoras do interesse público primário do Estado de incrementar a reforma agrária, sempre em conformidade com a CF e com a demais legislação que a ela se submete.

Portanto, a luta pelo Direito à terra e ao trabalho na terra, enquanto Direito básico do homem, já dissemos, deve ser travada tanto no espaço instituinte, ainda em construção, quanto na esfera do instituído, do Direito posto. Isso porque a produção do Direito, no plano concreto e efetivo, é realizada no âmbito do processo histórico animado pelas lutas sociais em torno da legalização, efetivação, aprofundamento e a manutenção dos direitos fundamentais da pessoa humana (CARTA,1999).

O fantasma da legalidade é outro dado a ser relativizado quando em oposição à Justiça, na construção de um Direito novo. Sobre isso escreve Luciene Rinaldi COLLI:

o crivo da legalidade não pode sufocar o crivo da justiça, mesmo quando esta é promovida através de mecanismos não oficiais, mas fundamentados em critérios voltados a promoção do cumprimento de ordens constitucionalmente asseguradas e historicamente negadas (2001:3).

Ao aterrissar nos direitos dos excluídos da terra, ao aterrissar no chão das possibilidades reais, o Direito e sua jurisprudência ainda em construção, chama a atenção para a política: o problema fundamental em relação aos direitos dessa gente não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los.

O Direito, portanto, por ser uma realidade cultural, deve colocar-se a serviço do valor da Justiça. Ao mesmo tempo em que ordena e hierarquiza a sociedade ele se apresenta como uma idéia do que é justo (BARBOSA, 1984:77). Por isso, a luta pela Justiça pode exigir em determinados momentos, para esses excluídos da terra, que se ultrapasse a ordem estabelecida. É o que se tem verificado no caso das ocupações de terra:

há aqui o apelo ao significado de justiça, quando os trabalhadores rurais sem terra se vêem obrigados a desafiar a decisão judicial sob a alegação de que a lei a qual desobedece não é justa.

Há, portanto, que se rejeitar a postura tradicional do Judiciário que, em nome da imparcialidade, vem aplicando mecanicamente a letra da lei, sem vislumbrar as nuances sociais relativas às desigualdades nos conflitos agrários. Quando estamos diante de situações extremas como essas — de ocupações de terra —, escreveu Antônio Francisco PEREIRA (1995), o destino de centenas de miseráveis está em nossas mãos. E isso não é ficção.

Foi-se o tempo em que os magistrados de forma exagerada, se fechavam em suas salas de trabalho e mergulhavam no tecnicismo processual, esquecendo, por completo, a realidade à sua volta (MAIOR, 1998:20).

Não estamos lendo Graciliano Ramos, José Lins do Rego ou José do Patrocínio. Esses personagens existem de fato. E incomodam muita gente, embora deles nem se saiba direito o nome (PEREIRA, Idem).

Razão pela qual o Judiciário tem sido, cada vez mais, chamado a desempenhar um papel mais abrangente no que se relaciona aos conflitos sociais permeados por desigualdades entre as partes em litígio. Há ainda que se considerar que no caso dos conflitos pela terra, o Estado se tornou um dos maiores responsáveis pela situação de excludência social, resultado sobretudo do perverso modelo econômico adotado pelo país.

Concorrem, igualmente, para o distanciamento do Judiciário desse exército de excluídos, as legislações lacunosas ou mesmo a falta de regulamentação legal que discipline o acesso à terra e a sua apropriação, instrumentos que podem conferir aos sem terra as condições de mantença do status de proprietário. O quadro de resistência constitucional manifestada pelos movimentos populares, e entre eles o MST que assume a dianteira das iniciativas, vem tão-somente denunciar e rejeitar a miséria a que são relegados os trabalhadores no campo.

Enquanto o Estado não se desincumbir, pelo menos razoavelmente da tarefa que lhe reservou a Lei Maior, escreve o juiz da 8ª Vara da Justiça Federal de Minas Gerais,

enquanto o Estado não construir uma sociedade livre justa e solidária (CF, art. 3°, I), erradicando a pobreza e a marginalização (III), promovendo a dignidade da pessoa humana (art. 1, III), assegurando a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social (art. 170), emprestando à propriedade sua função social (art.5°, XXIII e art. 170, III), dando à família, base da sociedade, especial atenção (art. 220) e colocando a criança e o adolescente a salvo de toda a negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão (art. 227), enquanto o Estado não fizer isso, levando os marginalizados à condição de cidadãos comuns (...) esse mesmo Estado não tem autoridade para dele exigir —diretamente ou pelo braço da Justiça—, o reto cumprimento da lei (PEREIRA, Idem).

Mais do que nunca, portanto, se faz necessário um claro e comprometido posicionamento do Judiciário com a justiça social, com os fins sociais da lei e com a Justiça. No chamamento do Judiciário para intervir em causas que versem sobre os conflitos de posse e propriedade da terra, igualmente nas manifestações de resistência política praticada por integrantes dos movimentos sociais, principalmente o MST, mister se torna considerar as origens do conflito, suas causas e o que objetivam (COLLI, 2001:85).

O argumento da ausência de dolo, ou seja, ausência da consciência e da intenção de praticar crime, no caso das ocupações de terra, tem sido utilizado por alguns Tribunais na fundamentação de suas decisões na ordem concessiva de habeas corpus. Em outros casos o argumento utilizado é o de não confundir a ocupação praticada pelos integrantes do MST, com o delito de esbulho possessório.

Essa defesa, ainda que possa ser entendida como descaracterizadora das ações de resistência do MST (FOWLER, 1998), já dissemos, ela tem sido acolhida e defendida pelos operadores da Justiça, nesses casos, pelo fato de seus autores (os sem terra) estarem postulando a Reforma Agrária, não sendo sua intenção usurpar a propriedade alheia, e sim, pressionar o governo a agilizar as desapropriações e assentamentos (COLLI, Idem).

Outro argumento utilizado e que merece atenção é o do estado de necessidade: a ocupação de terras improdutivas constituiria legítimo instrumento de reivindicação política contra a omissão do governo em não promover a justiça social, tratando-se, pois, de conduta amparada pela excludente da ilicitudex. (ROCHA, 1996).

A questão da objeção de consciência, considerada como causa supra-legal de exclusão da culpa, em razão da ação do agente ser motivada por razões superiores que afastam o juízo de censurabilidade do Estado, também tem sido utilizada como argumento favorável aos sem terra em decisões superiores. Ela se dá, escreve BUSATO (1998), quando determinadas leis deixam de ser exigíveis em face da Constituição Federal, pelos princípios que a norteiam e que se sobrepõem ao ordenamento.

A busca de um Direito novo, portanto, deverá se pautar pela análise zetética das diversas práticas sociais e suas relações com a lei e a legalidade, questionando-as. Quanto à legitimidade das ações dos movimentos populares, em princípio legais, públicas e não-violentas, em razão de suas características de movimento social de resistência, essas ações deverão ser apreendidas pelo Direito como substrato capaz de provocar alteração na lei vigente e na política governamental do Estado.

A luta pelo Direito novo, concluímos com o professor Edmundo Lima de ARRUDA JÚNIOR,

tem várias frentes de batalha nas quais os operadores jurídicos são convidados a dar sua parcela de contribuição, de acordo com os limites institucionais do exercício de suas profissões e da capacidade de articulação jurídico-política, seja na sociedade civil, seja na sociedade política (1992: 8).


 

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