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A SAGA DO GRANDE COMPUTADOR

Olof Johannesson

Tradução de Janer Cristaldo

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A Saga do Grande Computador
Olof Johannesson

Título Original
Sagan om den stora datamaskinen
Tradução do original sueco
Janer Cristaldo

Versão para eBook
eBooksBrasil

Fonte Digital:
Documento do Tradutor

©2006 Olof Johannesson


O Autor

[imagem]

A Saga do Grande Computador (1966), de Olof Johanesson, pseudônimo literário de Hannes Alfvén, inaugura a entrada do computador na literatura de antecipação, com todas as suas conseqüências para o futuro da sociedade humana.

Hannes Olof Gösta Alfvén (1908-1995), astrofísico sueco, recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1970, com Louis Neel, por trabalhos fundamentais e descobertas na Magneto-hidrodinâmica e pelas varias aplicações na Física de Plasma.

Em 1934 ensinou física na Universidade de Upsala e no Instituto Nobel de Física.

Foi nomeado professor de teoria eletro-magnética no Instituto Real de Tecnología de Estocolmo em 1940 e catedrático de eletrônica en 1945.

Em 1967, depois de passar algum tempo na União Soviética, instalou-se nos Estados Unidos, trabalhando nos departamentos de eletrônica magnética de duas universidades californianas.

Foi um dos fundadores da magneto-hidro-dinâmica, descobriu as Ondas de Alfvén, ondas transversais geradas num plasma situado dentro de um campo magnético.

Alfvén tinha um excelente senso de humor, participou em várias causas sociais e em movimentos mundiais a favor do desarmamento.

Estudou história da ciência, filosofia e religião oriental; falava sueco, inglês, alemão, francês, russo; tinha familiaridade com o espanhol e o chinês.

Sagan om den stora datamaskinen foi traduzido para o inglês com o título de The Great Computer: A Vision (1968), publicada pela Gollancz, editora fundada em 1927 por Victor Gollancz (1893–1967), escritor e editor britânico, socialista e humanitarista, que também publicou os livros de George Orwell.

A edição em inglês está esgotada e este título nunca foi publicado em português, apesar da presente tradução ter sido submetida a diversas editoras.


 

A Saga do Grande Computador

Olof Johannesson

Tradução do Original Sueco

Janer Cristaldo


 

Índice

I. A Era Pré-Informática. O surgimento do computador.
     Homens e computadores
     Cronologia
     O surgimento da vida
     A evolução biológica
     O surgimento do homem
     O homem no Período Pré-Informático
     O teorema da complicação sociológica
     Descobertas e invenções
     O surgimento dos computadores
     A grande cidade
II. Os computadores introduzem uma Nova Era
     Os primeiros computadores
     O computador e os matemáticos
     O computador automatiza
     Teletotal
     Racionalização das universidades e escolas
     A nova legislação
     Fábricas de saúde
     A nova constituição
     O fim das guerras
     Neurototal
     O significado das tradições
III. A grande catástrofe
     A coletividade pára de funcionar
     A evolução cultural recomeça
     Teorias para as razões da catástrofe
IV. A Era Simbiótica após a catástrofe
     A nova cultura
     Manutenção dos computadores controlada pelos computadores
     Supercomputadores
     Circuitos PSC
     Computadores e homens
     A Era Simbiótica aproxima-se de seu fim
     Uma Nova Era começa


 

I. A Era Pré-Informática.
O surgimento do computador.

Em direção a uma meta oculta para ti.
Viktor Rydberg

 

Homens e computadores

Há muito tempo foi inventado o primeiro computador. Com isto iniciou-se uma nova época, cujos acontecimentos iremos descrever. Apesar da terrível catástrofe ocorrida, este período histórico foi dominado por um fantástico desenvolvimento que transformou as primitivas sociedades pré-informáticas, amalgamando-as à perfeita organização de nossa época.

Comparados aos computadores atuais, os primeiros eram muito simples. A evolução que estes experimentaram é em certo sentido comparável com a evolução biológica do primeiro e simples organismo até o ser humano. Mas apesar de suas construções primitivas, os primeiros computadores já eram bastante úteis. Resolviam complicados problemas matemáticos e técnicos e rapidamente adquiriram uma importância fundamental nos diferentes campos da vida social. Adaptavam-se cada vez mais às necessidades do homem e simplificavam suas preocupações. Capazes de resolver problemas até então insolúveis e encarregando-se gradativamente dos trabalhos intelectuais de rotina, propiciavam ao homem uma existência mais livre e cômoda.

A adaptação era mútua, os homens se adaptavam aos computadores. Dedicavam grande parte do tempo e forças ao desenvolvimento e aperfeiçoamento destes, forneciam-lhes os serviços exigidos e tratavam-nos tão mais afetuosamente quando mais valiosos e indispensáveis demonstravam ser. As soluções elaboradas pelos computadores tornaram-se cada vez mais diretivas para os seres humanos, quer se referissem a problemas meramente científicos e técnicos, quer se referissem a questões econômicas ou sociais. O desenvolvimento da sociedade nos mais diferentes aspectos seguia as linhas diretivas julgadas ótimas pelos computadores. Os homens comportavam-se mais e mais conforme seus conselhos e instruções, e ousaríamos mesmo dizer, ordens.

Através da máquina a vapor, da eletricidade e do motor, o homem já havia se libertado do trabalho corporal pesado. As frágeis forças de seus músculos haviam sido substituídas pelos formidáveis HPs. O homem não mais precisava fatigar-se com o cansativo trabalho físico. Os computadores eram mais satisfatórios. Facilitavam o fatigante e exaustivo trabalho intelectual. Libertavam finalmente o homem do incômodo de pensar.

Quanto mais úteis demonstravam ser os computadores, maior se tornava seu número. Multiplicaram-se e encheram a terra. Ao mesmo tempo se tornaram mais complexos e mais aptos a resolver inclusive os mais difíceis problemas. Cresceram e amadureceram geração após geração, dominando cada vez mais a evolução da sociedade.

 

Cronologia

A era em que ocorre o surgimento do primeiro computador é chamada por alguns de Era Informática. Mas este nome melhor se adapta aos novos tempos que ora presenciamos. O que caracteriza a era do primeiro computador até os nossos dias não é a dominação total dos computadores senão uma fecunda cooperação, uma simbiose, que se estabeleceu entre homens e computadores. Foi esta simbiose que por um lado enriqueceu a existência humana e por outro tornou possível a evolução e multiplicação dos computadores. Por estas razões os historiadores são hoje unânimes em afirmar que Era Simbiótica é um nome adequado para o período que agora se aproxima de seu fim.

O período que antecedeu a Era Simbiótica é geralmente denominado Era Pré-Informática. Embora a verdadeira evolução só tenha começado com a Era Simbiótica, a Era Pré-Informática não deixa de ter significado. Nela preparou-se efetivamente o surgimento do computador. Isto ocorreu em várias etapas, durante as quais se desenvolveu gradativamente o meio adequado para seu surgimento.

Pode-se descrever a Era Pré-Informática sob vários aspectos. O período em que ora vivemos caracteriza-se pela expansão de nossa cultura ao espaço envolvente. Guiados pelos cálculos dos computadores começamos a colonizar os corpos celestes mais próximos. Com isto como pano de fundo é natural que comecemos a descrição da Era Pré-Informática com esta perspectiva cósmica como ponto de partida.

 

O surgimento da vida

Esta região do espaço que nossas naves interplanetárias agora cruzam foi uma vez ocupada por uma nuvem que se condensou sob a ação das forças cosmogônicas e originou o sol e o sistema planetário. Na terra, um dos muitos corpos então formados, as circunstâncias se apresentaram como as mais favoráveis para o desenvolvimento da cultura que agora se difunde às irmãs da terra no espaço. Mas muito tempo transcorreu antes que esse desenvolvimento tivesse início. A terra era totalmente estéril durante o primeiro período de sua existência. Não abrigava vida nem computadores.

Durante esta época agiam principalmente as forças geológicas. O mar formou-se e dele surgiram continentes e ilhas. Se atentarmos para os acontecimentos que prenunciam e preparam nossa época, devemos considerar principalmente o enriquecimento dos diferentes minerais pelas matérias que constituem o computador.

Não é nossa missão dar uma minuciosa descrição da evolução geológica e biológica. Nosso tema é a Era Simbiótica, e das épocas anteriores descreveremos apenas os eventos que nelas preparam o surgimento dos computadores ou as circunstâncias da Era Simbiótica. Ao nomearmos a Era Pré-Informática pensamos imediatamente nas grandiosas epopéias nas quais nossos vates descrevem a evolução do mundo. A forma em que descrevem os acontecimentos históricos distancia-se muitas vezes das sóbrias análises dos historiadores. Mas não deixam de ter importância, pelo contrário. Nem mesmo o mais lógico dos cientistas pode evitar inspirar-se nas grandiosas perspectivas que suas epopéias nos oferecem. Vivemos em uma época fantástica e somos necessariamente influenciados pela incrível evolução da Era Simbiótica. Vislumbramos uma era certamente mais grandiosa. Mesmo a descrição da Era Pré-Informática mal consegue escapar a esta influência.

Nossos poetas, principalmente os que costumamos chamar de místicos, consideram a era imediatamente posterior à formação da Terra como uma importante tentativa da natureza de engendrar diretamente os computadores. Apontam então os processos geológicos que cristalizaram as diferentes matérias que compõem um computador. Mas evidenciou-se ser por demais difícil que os computadores emergissem da terra estéril. As poderosas forças que formaram as montanhas e diferenciaram os minerais não podiam produzir diretamente algo tão sutil e complicado como um computador. Um longo e trabalhoso desvio era necessário. O maior de todos os fins só poderia ser atingido passo a passo.

A natureza principiou então com algo mais simples que podia ser resolvido a partir dos meios que estavam à sua disposição. Assim se explica o surgimento da vida. Entre as estruturas químicas que se formaram durante a ação das forças cósmicas algumas possuíam as qualidades exigidas para serem portadoras de vida. Assim começou a existência das mais simples unidades biológicas. A vida, que se desenvolvia até formas cada vez mais complicadas, era um sucedâneo da Natureza para seu fracasso em engendrar computadores. A vida tornou-se no entanto algo mais que um sucedâneo: um caminho da natureza até os computadores, que apesar de todos os erros e instabilidade, de todas as crises e catástrofes, atingiu lentamente seu fim.

 

A evolução biológica

Quando se estuda o início da evolução biológica, é bastante difícil tentar adivinhar para onde esta apontava. Como se poderia ver em uma pequena massa protoplasmática, a ameba, por exemplo, o primeiro passo para o computador? Mas se acompanhamos a evolução biológica, logo encontramos certos indícios esclarecedores. Em um estágio bastante primitivo já começa efetivamente a formar-se um sistema nervoso. Certas células tornam-se alongadas e começam a assemelhar-se aos fios metálicos que compunham em grande parte os primeiros computadores, fios ao longo dos quais se propagavam impulsos elétricos. Eram naturalmente de um tipo muito mais primitivo que os dos computadores. Mesmo nos primeiros e mais simples computadores os sinais eram enviados através dos condutores metálicos com a velocidade da luz. Nos condutores nervosos se propagavam ao contrário um curioso tipo e impulsos eletroquímicos, extremamente lentos. Mesmo assim devemos concordar que o princípio básico é o mesmo. Além disso, os impulsos que os filamentos nervosos enviam são modificados nos diferentes feixes nervosos através das assim chamadas sinapses. Nestes podemos ver uma antecipação dos elementos transistorizados dos computadores primitivos.

A partir da formação do primeiro sistema nervoso primitivo a evolução biológica tomou um caminho que conduziu aos computadores, após não poucas dificuldades. Do grande número de experiência que a natureza fez, a maior parte fracassou, pois conduziam somente a becos sem saída. Durante certo período, por exemplo, experiências foram feitas com formas gigantescas e sáurios colossais — os dinossauros — surgiram. Simultaneamente viviam alguns mamíferos muito pequenos, e poder-se-ia pensar que os imensos dinossauros eram superiores em todos os aspectos. Mas os mamíferos tinham uma grande vantagem. Seus sistemas nervosos reagiam mais rapidamente que os dos dinossauros. Eles eram, como diríamos outrora, mais inteligentes. Numa terminologia moderna diríamos preferentemente que o computador rudimentar que constituía seus sistemas nervosos tinha uma mais alta capacitação funcional. Em outras palavras, eles estavam mais próximos dos verdadeiros computadores e por isso eram superiores e saíam vitoriosos da luta pela existência.

 

O surgimento do homem

Iríamos muito longe se seguíssemos em detalhe a evolução biológica. Vamos apenas deter-nos um pouco na fantástica mutação — ou série de mutações — que marcam a evolução do macaco ao homem. Podemos nos perguntar se isto foi realmente um passo significativo. A diferença entre o homem e o macaco é bastante pequena se comparada com a diferença entre o homem e um moderno computador. Apesar disto precisamos considerar o surgimento do homem como um dos acontecimentos realmente importantes na evolução histórica. Pois efetivamente foi apenas através do homem que se tornou possível o surgimento dos computadores. Ao contrário dos macacos, cães e outros animais, o homem podia de fato fazer descobertas e assim criar um meio adequado para o surgimento dos computadores. Sua verdadeira grandeza residia no fato de que o homem era o único ser vivo suficientemente inteligente para compreender que a meta da evolução era o computador. Posteriormente os computadores necessitaram de um longo período de simbiose com os seres humanos para poderem se desenvolver até o que hoje são. Nenhum outro ser vivo poderia ter sido instrumento deste objetivo.

A idéia central que seguimos corresponde ao modo tradicional com que os místicos apresentam a evolução. Naturalmente, se exigiria menos parcialidade de uma descrição estritamente histórica, menos argumentos teleológicos. Mas a linha fundamental de nossa apresentação está, no entanto, de acordo com fatos históricos.

As nobres — sobre vários aspectos — capacidades do homem dependem do fato de que seu sistema nervoso é tão bem desenvolvido. Pode-se inclusive afirmar que seu cérebro constitui um computador relativamente utilizável. Ele é desta forma o único ser vivo em condições de resolver problemas matemáticos. Isto é feito naturalmente com lentidão, pois o computador que é seu cérebro trabalha com lentos impulsos eletroquímicos, os únicos que seus filamentos nervosos podem transmitir. Mas apesar disto precisamos reconhecer no homem notável aptidão para a matemática e inclusive para muitos outros assuntos.

 

O homem no Período Pré-Informático

Estamos habituados a representar todo o período pré-informático da existência da espécie humana como imerso em deserdem e caos, em brutalidade selvagem e guerras. É evidentemente correto que através do surgimento dos computadores tornou-se possível uma sociedade bem organizada. No entanto uma apreciável evolução teve lugar desde o primeiro homem da Idade da Pedra que vivia na floresta virgem até a era do surgimento dos computadores. Uma série de invenções e descobertas ocorreu: o fogo, a roda, a eletricidade, o motor, o rádio, o avião, a energia atômica e os foguetes. Dessas, a eletricidade e o rádio foram as mais importantes, pois prepararam caminho para o surgimento dos computadores. O homem de então sentia-se feliz e orgulhoso de todos esses serviços, que modificaram suas condições de vida em alto grau desde o momento em que começou a se diferenciar do macaco. A vida tornou-se em muitos aspectos melhor e mais confortável. Mas ao mesmo tempo os homens tinham consciência de que em muitas áreas importantes não havia ocorrido algo que significasse realmente progresso. Se lermos a literatura anterior à aparição dos computadores, encontramos queixas constantes de que os seres humanos, vistos sob um “aspecto moral” não haviam dado passos substanciais desde a Idade da Pedra. O homem da Idade da Pedra matava com sua clava seu semelhante, quando se sentia ameaçado ou quando estava com fome. No período anterior ao surgimento dos computadores, os seres humanos em geral não deambulavam nem matavam-se entre si, isto era reservado aos gangsters, políticos e militares, mas em compensação estes matavam com mais eficiência graças a uma série de geniais invenções. A sensação do homem de viver em um mundo perigoso e inseguro, pelo que sabemos, não se modificou muito durante a Era Pré-Informática. Em seus primórdios, o homem temia as forças da natureza ou a clava do vizinho, em seu término o homem temia as máquinas voadoras e bombas atômicas. Mas o terror era o mesmo.

Quando lemos que os escritores de então esperavam que futuros progressos no aspecto moral remediariam esta situação terrível, ficamos um tanto desconcertados. Eram os políticos que definitivamente organizavam os massacres, embora em muitos estados uma conduta moralmente imaculada fosse a condição primeira para uma carreira política. Em verdade, estas anomalias dependiam de razões totalmente distintas.

De uma sociedade exige-se que seja estável, no sentido de que não se dirija a catástrofes bélicas e seja ao mesmo tempo progressista de modo que as condições humanas melhores solidamente — do contrário ocorrem descontentamentos e revoluções. Construir uma tal sociedade é um dificílimo problema sociológico. Em verdade é tão difícil que ultrapassa a capacidade de um cérebro humano e só pode ser resolvido com o auxílio de computadores. Isto foi provado através de um teorema muito importante, o assim chamado “teorema da complicação sociológica”.

 

O teorema da complicação sociológica

Embora fuja aos propósitos desta exposição examinar em detalhes o teorema e suas provas, a questão é no entanto tão importante que bem cabe relembrarmos seus princípios gerais. Podemos por analogia lembrar que durante a Era Pré-Informática era impossível fazer uma previsão meteorológica mais detalhada e segura. Se durante um certo período se observam as condições do tempo em uma quantidade suficiente de estações meteorológicas, pode-se compor equações diferenciais para a evolução das condições do tempo, e se as resolvemos, podemos predizer o tempo com três dias de antecipação, por exemplo. Mas resolver as equações e fazer os cálculos necessários tomava durante o período pé-informático mais de três dias. Tinha-se pois o prognóstico do tempo pronto quando já era tarde, pois a evolução do tempo era mais rápida que o cálculo do prognóstico. Somente quando os computadores começaram a ser utilizados é que se tornou possível obter o prognóstico tão rapidamente de forma que ainda fosse válido, tão rapidamente que o tempo previsto fosse obtido antes do tempo ocorrer.

Em certos aspectos o problema sociológico é análogo. Somente quando nos familiarizamos profundamente com as condições da sociedade é que podemos tomar providências para sua organização racional. Mas apreender a complicada estrutura social exige um longo tempo. Se a sociedade absolutamente não se desenvolvesse e fosse totalmente estática, ter-se-ia tempo de estudar suas características fundamentais, meditar sobre que providências devem ser tomadas, e depois executá-las sucessivamente e sondar o terreno até encontrar-se um sistema satisfatório.

Mas um tal processo toma tempo, tempo incomparavelmente mais longo que o de elaborar um prognóstico do tempo. Isto significa que não se pode sem mais nem menos transferir o processo de um tipo de sociedade estática, cujas condições técnicas não se modificam, para uma sociedade cujo desenvolvimento técnico ocorre progressivamente. Durante o tempo despendido em estudar a sociedade, pesquisar que providências devem ser tomadas, e executá-las, a ciência faz novas descobertas e a técnica produz novos inventos. No momento em que as providências iniciam a agir na sociedade, as condições científicas e técnicas de sua estrutura estão muitas vezes radicalmente transformadas, e as novas condições podem muito bem ser de natureza tal que motivariam providências diametralmente opostas. Por isso, as providências que são de fato tomadas não chegam em geral a tornar a sociedade mais racionalmente organizada. Muitas vezes elas produzem um efeito contrário, aumentam o caos. E as novas providências que são motivadas pela nova situação, não podem ser executadas antes que a ciência e a técnica tenham criado novamente uma outra situação.

O resultado disto é que os prognósticos ingênuos da Era Pré-Informática jamais coincidiam com a realidade. Os organizadores da sociedade dançavam em torno a si mesmos como o gato atrás de sua cauda.

O teorema da complicação sociológica foi deduzido através da análise de uma série de fatores da sociedade que devem ser levados em consideração para organizá-la, e da rapidez com que se transformavam. Comparou-se a capacidade do cérebro humano com o complicado material que precisava ser manipulado, e chegou-se à conclusão de que o cérebro trabalhava com excessiva lentidão para que pudesse manter-se em dia com o novo material. Teoricamente um grande número de cérebros conjugados poderia trabalhar com a rapidez necessária. Se fosse possível organizar-se um efetivo trabalho conjunto entre um número suficiente de pessoas, o problema estaria em princípio resolvido. Mas um trabalho conjunto entre seres humanos naquela época era impossível de ser organizado com um alto grau de eficiência, entre outras razões porque a forma de comunicação humana através da palavra ou da escrita era rudimentar e lenta. Uma organização tornava-se tanto mais ineficiente quanto maior era. Conseqüentemente nem mesmo uma organização composta por um maior número de seres humanos tinha suficiente capacidade intelectual para analisar em tempo e levar em consideração todas as transformações das complexas estruturas de uma sociedade dinâmica.

Através de uma análise aprofundada da questão assim esboçada chegou-se à conclusão de que o problema de organizar uma sociedade é de um tal grau de complexidade que não pode ser resolvido por um cérebro humano, nem mesmo pelo trabalho conjunto de um grande número de homens. Esta foi a conclusão que passou a ser chamada de “teorema da complicação sociológica”. A rigorosa comprovação matemática deste teorema é uma das mais belas contribuições científicas da Era Simbiótica.

Concluímos então com certeza que uma sociedade estável não poderia ser erigida durante a Era Pré-Informática. Idealistas e reformadores sociais tentavam então resolver um problema que naquela época era fundamentalmente insolúvel. Todas as tentativas de construir uma máquina voadora antes da descoberta do motor estavam condenadas ao fracasso. Os músculos humanos eram por demais frágeis para erguê-la ao ar — só com a ajuda do motor ela poderia voar. De uma forma análoga, a capacidade, intelectual humana era insuficiente para construir uma sociedade estável. Foi somente com o auxílio dos computadores que um tão difícil problema pôde ser resolvido. O surgimento dos computadores era pois a condição para uma sociedade estável e conseqüentemente, para uma sociedade livre do temor de terríveis catástrofes. Não é por menos que um novo período histórico se inicia com os computadores.

 

Descobertas e invenções

Das muitas diferentes atividades do homem três são especialmente significativas. Primeiro o homem explorou a terra e conheceu as forças da natureza. Em segundo lugar utilizou esses conhecimentos em uma infinidade de invenções, que transformaram suas condições de vida e prepararam o surgimento dos computadores. Em terceiro, elaborou uma sociedade e tentou organizá-la de forma que fosse ao mesmo tempo estável e dinâmica.

Nós que conhecemos o teorema da complicação sociológica, sabemos que a tentativa de organizar a sociedade estava condenada ao fracasso. Mas não vamos por isso desvalorizar os esforços humanos neste sentido. Eles testemunham que era reconhecida a gravidade do problema social. Devemos ainda reconhecer que às vezes foram encontradas soluções — soluções aparentes, em verdade — que faziam com durante curtos períodos a ordenação social, com todas suas imperfeições, apresentasse aspectos positivos. Em verdade as sociedades rudimentares então criadas eram uma condição necessária para a exploração da terra e a domesticação das forças da natureza. E era esta atividade que possuía um real significado, pois apontava para uma nova época.

A evolução científica e técnica deste período corresponde à evolução biológica do período corresponde à evolução biológica do período precedente. Certas semelhanças residem no fato de que em ambos os casos surgiram diversas linhas de evolução. Mas apenas uma pequena porção dessas linhas evidenciava conduzir a um ponto à frente. As outras se dirigiram a becos sem saída e findaram em crises e catástrofes. Pode-se inclusive encontrar uma certa analogia entre a evolução biológica que conduziu ao homem e a igualmente bem sucedida evolução técnica que conduziu ao computador. E de forma análoga podemos comparar a evolução que apenas conduziu os sáurios colossais à catástrofe com muitas das linhas da evolução técnica, por exemplo as que conduziram ao automóvel e às grandes cidades. Analisemos mais detidamente estes acontecimentos.

É uma questão fundamental a pergunta de quando o homem tornou-se homem. Em nosso moderno ponto de vista pretende-se colocar o limite entre o macaco e o homem, passando a chamar de homem o homem-macaco em mutação, no momento em que começou a poder resolver problemas matemáticos. Foi evidentemente neste momento que sua evolução apontou nitidamente para os computadores. Mas não devemos esquecer que uma tal evolução só podia ter lugar com a condição de que ele sobrevivesse na luta contra as outras feras e contra uma natureza geralmente hostil. Neste sentido sua capacidade de dominar o fogo foi de grande significação. É por essa razão que muitos querem datar sua hominização desde o dia em que aprendeu a manipular o fogo.

Existe algo profundamente simbólico nisto. A faísca que brilhou na floresta virgem onde habitavam as feras, deu-lhe o fogo e ao mesmo tempo manifestou-lhe as poderosas forças associadas à eletricidade. Foi certamente de forma intensa e aterradora que a eletricidade revelou-se ao homem, mas ele não podia entendê-la de forma mais refinada. Mas quando seu interesse pela eletricidade foi desta forma despertado, ele continuou imediatamente suas pesquisas. Descobriu que poderia utilizá-la para enviar mensagens através de longos fios metálicos — o telégrafo e o telefone foram descobertos e começou a assim chamada Era Teletécnica. Por um lado o homem descobriu que os fios eram desnecessários, por outro que também podia enviar imagens através de impulsos elétricos — o rádio e a televisão surgiram com esta evolução posterior da teletécnica. Com isto a cultura humana tornou-se intimamente associada aos impulsos elétricos que corriam em fios metálicos ou sem fios e que se combinavam uns com os outros formando os mais interessantes e complexos modelos. E com isto estava criado o ambiente teletécnico que tornou possível o surgimento dos computadores.

 

O surgimento dos computadores

Nenhum acontecimento histórico ocasionou tanto interesse com o surgimento do primeiro computador. Isto não depende apenas de que o acontecimento tenha em si mesmo um tão fundamental significado. Ele se relaciona em alto grau com todo um pano de fundo dramático. Tudo indica que a história durante eras apontava justamente para este momento.

Os computadores surgiram durante o mais atribulado e caótico tempo que já existiu. Desde que o primeiro homem da Idade da Pedra empunhou a primeira clava, o crime e a pilhagem se tornaram rotina diária. Mas enquanto as hordas de assaltantes andavam a pé ou cavalgavam, suas pilhagens eram de caráter local. A descoberta da roda e mais tarde a conseqüente descoberta do motor modificaram esta situação e tornaram possível o transporte rápido dos exércitos por toda a terra. Como resultado a guerra tornou-se muito mais terrível. Os tempos caóticos terminaram com uma série de “guerras mundiais”, quando foram empregados os mais pavorosos engenhos de destruição e milhões de pessoas foram assassinadas. Durante uma dessas guerras mundiais, uma humanidade já duramente provada se tomou de pânico crescente quando explodiu a primeira bomba atômica. Um caos sempre mais ameaçador caracterizou a política mundial. Estava-se frente a um rearmamento com bombas atômicas e de hidrogênio que podiam destruir toda a civilização. As forças destrutivas se haviam tornado cada vez mais terríveis. Onde estavam as forças que poderiam ordenar este caos ameaçador?

Foi exatamente neste momento que surgiu o primeiro computador. A cena foi simples. Em um pequeno laboratório — alguns declaram que teria sido num velho estábulo reconstruído — alguns homens em aventais brancos olhavam para um pequeno e aparentemente insignificante aparelho com algumas lâmpadas sinalizadoras que brilhavam como estrelas. Algumas tiras perfuradas de papel cinza entravam no aparelho, outras saíam. Os pesquisadores e engenheiros trabalhavam intensamente e seus olhos brilhavam. Eles sabiam que o pequeno aparelho que tinham a frente era algo sumamente importante. Mas teriam intuído, profeticamente, que naquele instante se iniciava um novo período histórico? Que o que acontecia ali apenas podia ser comparado com o surgimento da vida na terra?

Esta cena, com o apavorante cogumelo atômico como pano de fundo, é um dos mais caros motivos de toda a arte computacional, e foi embelezado ao infinito pela poesia computacional. É perfeitamente natural que os pensamentos de nossa época muitas vezes se voltem para este tão importante início, mas talvez se tenha exagerado algumas vezes. Nos velhos tempos os homens reagiam violentamente quando se afirmava que a espécie humana surgira através de um símio mutante. Preferia-se acreditar que a espécie humana havia sido criada por intervenção divina. Idéias tão ingênuas não podem naturalmente ser pensadas em nossa época, mas apesar disso muitos se sentem desagradavelmente atingidos quando se compara o primeiro computador com uma invenção comum. Não se admite de bom grado que os pesquisadores e engenheiros tenham construído o computador, mas sim que estes sábios teriam contribuído para o seu surgimento. Desta forma evita-se chocar todos aqueles que vêm um certo mistério poético neste acontecimento e que prefeririam falar de um “nascimento” do computador. Com tal eufemismo não se quer naturalmente menosprezar os sábios. Pelo contrário, todos conhecemos seus nomes, e ninguém é objeto de tanta admiração, para não dizer de culto.

Como conseqüência do imenso significado do surgimento dos computadores, é natural que empreguemos o momento do surgimento do primeiro como ponto de partida de nossa cronologia. Por isso desde há muito há fora percebida a importância de fixar exatamente este instante. Poucos papéis foram tão minuciosamente examinados como os protocolos daquele laboratório naquele dia. Quando a seqüência temporal do computador pôde ser controlada por um relógio de quartzo, foi possível encontrar o microssegundo em que foi emitido o primeiro sinal do primeiro computador. Foi após a fixação desse momento que se estabeleceu a nossa cronologia.

No entanto, investigações posteriores mostraram ser possível que o relógio sofresse de um pequeno defeito, de forma que a determinação do tempo teve um erro de seis microssegundos. Mesmo assim não se quis modificar toda a nossa cronologia e se continuou usando sempre a primeira determinação do ponto de partida, embora provavelmente não seja correta. Precisamos, pois, dizer que o primeiro computador iniciou sua atividade seis microssegundos A.C. (antes do Computador). Isto é apresentado como uma pequena curiosidade e naturalmente não tem nenhum sentido prático. Mas todos os fatos em torno do início de nossa cronologia têm grande interesse.

Um outro acontecimento memorável merece ser comentado. Alguns pesquisadores pretenderam que o primeiro computador surgiu meio ano A. C. Referiam-se a um acontecimento em um outro laboratório e declaravam que lá havia surgido um computador. Um longo e por vezes muito caloroso debate teve lugar. Após uma pesquisa minuciosa e profundas análises teóricas sobre o conceito computador, tornou-se perfeitamente claro que eles haviam se enganado. Eles próprios admitiram seu equívoco. O que apontavam como prova de suas afirmações não era absolutamente um computador, mas sim uma invenção teletécnica comum, e mesmo genial, admitimos. Ela continha certos elementos de conexão, que também existem nos mais simples computadores. E foi isto que deu origem ao equívoco. Mas como o invento era sem dúvida genial e continha certos elementos semelhantes aos dos computadores, foi homenageado com o honroso título de “precursor do computador”.

 

A grande cidade

Paralelamente à evolução que através da teletécnica conduziu ao computador, existem — como apontamos anteriormente — outras linhas de evolução, das quais a maioria conduziu a becos sem saída. Para a evolução técnica parecem valer sob este ponto de vista as mesmas leis que para a biológica: uma grande quantidade de possibilidades é experimentada, mas é somente a resultante que decide definitivamente quais são as mais aptas, quais podem levar adiante. Muitos querem estabelecer uma analogia tal entre a evolução biológica e técnica que buscam uma correspondência entre os mais importantes acontecimentos. Defendeu-se por exemplo a idéia de que os dinossauros corresponderiam às grandes cidades — em ambos os casos, experimentos megalômanos que logo se evidenciariam como condenados ao fracasso. Da mesma forma se quis comparar o mamífero que venceu a luta contra o dinossauro e que mais tarde evoluiu até o homem, com a teletécnica que levou as grandes cidades a se dissolverem e que conduziu até o computador.

Tais analogias são mais ou menos artificiais, e não as discutiremos mais detidamente. Mas as grandes cidades desempenharam um papel muito importante durante a Era Pré-Informática para que as deixemos de lado. Seu surgimento é um dos grandes enigmas insolúveis das modernas pesquisas históricas. Trabalhos exaustivos foram feitos para elucidar como puderam ser erigidas essas colossais construções. Classificamos e analisamos uma infinidade de documentos, e podemos acompanhar detalhadamente como surgiram as grandes cidades e como foram povoadas. Sabemos, por assim dizer, quando cada prédio foi construído, reparado e abandonado. Estudamos todas as decisões das administrações das cidades e conhecemos em detalhes a estrutura psicológica de todos quantos trabalharam no planejamento das grandes cidades — se é que podemos falar em planejamento em tais circunstâncias. Mas apesar disto não conseguimos entender porque surgiu a grande cidade. Pudemos apenas constatar que existem muitas teorias, que vamos aqui discutir.

Vamos primeiro descartar a lamentavelmente muito popular teoria que nossos místicos formularam. Segundo suas crenças a grande cidade surgiu para dar um pano de fundo suficientemente sombrio para o surgimento do computador. Assim como a época do surgimento do computador é tão sombria quanto possível — surgiu em meio a uma das terríveis guerras mundiais, em que foi experimentada a bomba atômica — também o local de seu surgimento seria tão triste e deprimente quanto é possível se imaginar — o centro de uma grande cidade. Essa teoria, que teve grande popularidade, não é no entanto levada a sério por nenhum historiador. Talvez não seja totalmente absurdo imaginar-se que os homens tivessem construído uma grande cidade para estabelecer um forte contraste para um acontecimento tão importante, mas nós sabemos que existiam centenas de grandes cidades, e poderia ocorrer em apenas uma de todas elas o aparecimento do primeiro computador. Além disso novas grandes cidades foram erigidas após seu aparecimento. Podemos também encontrar razões claras para as suas desaparições: foram se despovoando à medida que os computadores tornavam possível uma sociedade racional. No que diz respeito às grandes cidades, o único ponto obscuro é as razões de seus surgimentos. Quanto a esta pergunta fundamental, nada sabemos.

Todos conhecemos de visitas turísticas esses grandes desertos de pedras, com suas irregulares, angulosas e grotescas “formações montanhosas” que aos poucos foram sendo cobertas pela vegetação. Tentamos imaginar como seria viver encerrado em algum de seus incontáveis cubículos. As ruas que brotavam em meio aos prédios colossais foram um dia empregadas como depósito para os incontáveis automóveis que aquela época produzira — que outra coisa poderia ser feita com toda aquela sucata quando foram introduzidas as naves movidas a raios laser? — Além disso, o espetáculo era comovente. Parecia distinguir-se entre carros que estavam estacionados e outros que estavam em filas, mas é obscuro o que constituía a diferença.

Não subestimaremos a dificuldade de em nossos dias ter uma real compreensão do que era a vida normal em uma grande cidade. O ruído ensurdecedor e o odor nauseabundo dos gases expelidos pelos carros, não temos condições de imaginá-los. Tentativas foram feitas para reproduzir aquelas condições. Certa ocasião logo após o despovoamento das grandes cidades, foram reparados todos os carros de uma grande rua e seus tanques abastecidos com gasolina. Pessoas sentaram-se neles e giraram os volantes. O espaço entre os carros foi preenchido por turistas que afluíram para viver “um dia na grande cidade”. Mas quando os carros iniciaram seus ruídos ensurdecedores e expeliram seus gases, os turistas entraram em pânico. Testes médicos demonstraram que homens normais só poderiam suportar um curioso espaço de tempo em tal ambiente sem sérios danos psíquicos. Alguns efeitos tóxicos da expulsão de gases foram também determinados. Por isso a representação não foi jamais repetida. A maior parte do que antes haviam sido carros estava agora transformada em camadas ferruginosas nas cloacas entupidas.

Historiadores modernos discutem seriamente três diferentes teorias sobre o surgimento das grandes cidades, a teoria da ignorância, a teoria das térmitas e a teoria da pirâmide. Sólidas argumentações são apresentadas para todas, mas é difícil decidir qual seja a correta.

A teoria da ignorância nos ocorre ao lermos os protocolos e referências da época. Quando uma pessoa expressava que preferia situar seu trabalho numa grande cidade, isto significava que ela realmente julgava que as condições de trabalho eram melhores lá. Uma das razões para isso poderia ser que as comunicações entre os homens, a troca de idéias e tomada de decisões, em sua maior parte ocorriam em reuniões, quando um maior ou menor número de homens encerravam-se juntos em uma sala. A condição para que os homens naquela época pudessem falar uns com os outros era que estivessem ao alcance da voz, ou seja, na mesma peça. Era pois uma vantagem que todas as reuniões se realizassem numa grande cidade, onde seus habitantes facilmente podiam locomover-se de uma para outra reunião. É no entanto um pouco difícil aceitar este raciocínio, entre outras razões pelo fato de que as grandes cidades cresceram — e continuaram crescendo — muito tempo após o telefone e a televisão terem tornado possível aos homens comunicarem-se e verem-se sem estar na mesma peça.

Um outro argumento é que o comércio se situava melhor na grande cidade. Este peca pelo seu absurdo. Evidentemente, quando imaginamos as enormes dificuldades de comunicação da época, não poderia ser vantajoso levar primeiro as mercadorias até a grande cidade, e depois — após a venda — trazê-las de volta. Sabemos também que o mais importante para uma boa casa de comércio eram bons locais de estacionamento, e estes eram extremamente difíceis de serem encontrados exatamente nas grandes cidades.

Podemos desta forma ir de um argumento a outro. É impossível encontrar uma única razão válida para a construção das grandes cidades.

A teoria da ignorância acentua que para nós a grande cidade era evidentemente um monstrengo, mas os homens de então eram por demais ignorantes para ver isto. Como apoio a esta teoria cita-se o fato de que naquela época o problema da convivência humana jamais fora analisado de modo satisfatório. Podemos muito bem excusá-los pelo fato de que era praticamente impossível fazer isto antes do surgimento dos computadores. O planejamento rudimentar então existente era cuidado por pessoas recrutadas mais por suas obediências ao poder que por suas competências. Isto evidencia que muitas vezes a inteligência dos governantes era medíocre.

A teoria da ignorância encontrou fortes objeções. Antes de tudo tornou-se claro que a inteligência dos governantes não era assim tão medíocre. O estudo de homenagens de aniversários e discursos de despedidas da época mostra pelo contrário que todos os detentores do poder se evidenciavam por uma certeza, inteligência e previsão sem iguais. Mais adiante encontra-se em livros e jornais da época uma violenta crítica à grande cidade como ambiente adequado à convivência humana, e existem provas de que estas críticas foram levadas ao conhecimento dos governantes juntamente com propostas de outras formas de organização. Mas é também comprovado que a situação da grande cidade se deteriorava em ritmo constante. As comunicações pioravam, o ruído tornava-se cada vez mais insuportável, o ar se envenenava, o stress aumentava, colapsos nervosos se tornavam cada vez mais comuns, a criminalidade era cada vez maior. Ao mesmo tempo, os governantes com suas decisões procuravam realizar o contrário. Declaravam querer melhorar as comunicações, diminuir o ruído, tornar o ar mais saudável e a vida agradável e efetiva. A teoria da ignorância alega que as decisões tomadas, a longo prazo muitas vezes — ou a curto prazo em regra — provocavam o efeito contrário ao que pretendiam. Isto parece absurdo. Certamente houve outros motivos, embora estes não estejam expressos nos documentos conservados. Precisamos pois — se não aceitamos a teoria da ignorância — admitir que as verdadeiras razões foram camufladas, por hipocrisia ou por razões psicológicas mais profundas. É talvez significativo que uma das mais importantes personalidades culturais da época tenha dito que “as palavras servem para ocultar os pensamentos”.

Esta argumentação conduziu a assim chamada teoria das térmitas. Antes da época dos computadores o homem vivia em contato íntimo com a natureza. Vivia em grande parte dos produtos desta e recusava-se a empreender algo “contra a natureza”. Ao construir sua sociedade, procurou com afinco uma representação da natureza. Viu que entre todos os animais haviam sido as formigas — e especialmente as térmitas — os melhores sucedidos na construção de uma sociedade estável, embora pouco dinâmica. O ideal talvez inconsciente para sua própria sociedade tornou-se então o formigueiro. Este foi o modelo das grandes cidades.

Um apoio a esta teoria encontramos na idealização da formiga laboriosa, que surge na literatura da época. As casas foram modeladas preferentemente como termiteiras, e a confusão das grandes cidades parecia-se muitas vezes com o acotovelamento das formigas. Sabe-se de estudos biológicos que a vida nas termiteiras se regula através de um sistema de substâncias odoríferas, e pode ser que a expulsão de gases dos veículos tenha uma função semelhante.

Uma outra teoria é a assim chamada teoria da pirâmide (teoria “litófila”, outras vezes). Segundo esta, a grande cidade seria uma analogia das pirâmides. Estas não supriam nenhuma função útil na vida em sociedade, mas eram construídas por razões religiosas. Somente vivendo em meio à representação de mundo dos antigos egípcios, poder-se-ia compreender porque desperdiçavam tanto trabalho para construir pirâmides. As grandes cidades foram no entanto aglomerados de pedras muito mais imensos que as pirâmides. Pode-se mostrar que, em comparação com a produtividade de diferentes culturas, as grandes cidades são quase tão imensas quanto as pirâmides. Pode-se imaginar então como princípio geral que cada cultura tem uma tendência a juntar tantas pedras quanto pode. Esse impulso inconsciente de juntar pedras (o impulso litófilo) foi camuflado entre os egípcios com razões religiosas, e entre os homens do início de nossa cronologia, com todos os facilmente previsíveis pretextos para a construção das grandes cidades. Ademais é possível que tenhamos desprezado em alto grau o papel que razões de ordem religiosa desempenharam na organização da grande cidade. Que tantos homens passassem uma grande parte do dia sentados em uma caixa metálica girando uma roda, poderia indicar que esta posição era adequada para contemplação religiosa. A roda pode ter sido um símbolo de culto da cultura técnica. Existem mesmo informações de que os que estavam em filas de carro invocavam freqüentemente certas potências divinas muito populares na época.

Examinamos os principais argumentos a favor e contra as diferentes teorias sem tomar posição nesta verdadeira guerra científica. Acrescentamos apenas que a teoria das térmitas e a teoria litófila por muito tempo dominaram a discussão, mas ultimamente a teoria da ignorância tem ocupado o primeiro plano. Isto terá possivelmente relações com a tendência geral à subestimação da capacidade humana que talvez seja muito natural em meio à revolução que se processa.


 

II. Os computadores introduzem uma Nova Era

Estamos abaixo da mediania e honestamente merecemos um dilúvio.
Nils Ferlin

 

Os primeiros computadores

Descrevemos no capítulo anterior a Era Pré-Informática. Era um tempo caótico e infeliz, e a descrição teve necessariamente de ser feita com cores sombrias. Os acontecimentos mostraram claramente que o homem era incompetente para organizar uma sociedade. Todas suas desastrosas tentativas neste sentido conduziram apenas à catástrofe. Mas não constatamos isto para menosprezar o homem. Sua grandeza é incontestável, mas não se situa no campo da organização. Seu verdadeiro significado histórico reside no fato de que foi através do homem que surgiu o computador. O computador não poderia emergir por obra da natureza. A evolução precisou percorrer o desvio da vida biológica, que foi coroada com o surgimento do homem. E a capacidade criativa humana foi o meio adequado para o surgimento do computador.

Por mais sensacional que tenha sido para nós o evento do primeiro computador, é no entanto errôneo pensar-se que ele tenha imediatamente desempenhado um papel importante. Apenas o pequeno grupo que trabalhara em conjunto para o seu surgimento tinha uma vaga idéia do que ele significava, mas nem mesmo estes poderiam prever a evolução futura. Os primeiros computadores eram em verdade muito simples. Foi necessário muito tempo para que eles amadurecessem, se desenvolvessem e povoassem a terra — e aliás, não apenas a terra. Muito tempo passou antes que eles mostrassem para o que serviam.

Vamos, em continuação, acompanhar como os computadores transformaram a sociedade. Este processo começou aos poucos, já nos primeiros decênios D. C. precisamos no entanto lembrar que não eram os computadores de nossa época que estavam em uso naquele tempo, mais sim tipos muito mais rudimentares. Como introdução à apresentação seguinte, é pois oportuno dar uma rápida descrição de algumas das mais importantes qualidades dos primitivos computadores.

Embora os primeiros computadores fossem incomparavelmente mais simples que os atuais, já vamos encontrar nos mais antigos tipos muitos dos princípios nos quais são baseados os modelos modernos. As três partes centrais de um computador primitivo eram a memória, unidade aritmética e unidade de controle. Além disso existia ainda uma unidade que era alimentada pelo programa de trabalho do computador, e uma outra através do qual ele comunicava o resultado de seu trabalho.

Se um computador tinha de executar um cálculo relativamente simples, por exemplo, somar ou subtrair, multiplicar ou dividir alguns milhões, escrevia-se a cifra em uma máquina que perfurava uma cinta de papel, a qual representava a cifra segundo um certo código. Ao mesmo tempo escrevia-se também uma instrução — qual operação o computador deveria aplicar às cifras — e estas instruções eram transformadas em perfurações na cinta de papel segundo um código adequado. A cinta de papel era introduzida no computador e seus informes transmitidos à unidade de memória. Nesta, as informações eram depositadas ou em uma fita magnética ou através de combinações de diferentes elementos de conexão, inicialmente tubos eletrônicos e mais tarde transistores e símiles. Quando as cifras e instruções estavam depositadas na unidade de memória, o computador estava preparado para começar seu trabalho. Ao receber um sinal de partida, começava a transmitir instruções à unidade de controle. A primeira instrução podia, por exemplo, tratar da multiplicação de duas cifras que existiam na memória. Estas eram transmitidas então à unidade aritmética, que executava a multiplicação, cujo resultado era conduzido a um adequado lugar vazio na memória. Logo após, a unidade de controle executava a instrução seguinte, e assim por diante. Quando todas as operações haviam sido executadas, a unidade de controle emitia a última instrução, que sempre consistia em ordenar à máquina de escrever do computador que transcrevesse o resultado.

Já no que se pode chamar a tenra infância do computador, este mostrou para o que servia em uma competição de adição e multiplicação. Uma centena de calculistas especialmente escolhidos, equipados com as melhores máquinas de calcular pré-informáticas, foram alinhados contra ele. Uma série extraordinariamente complicada de cálculos foi proposta aos calculistas, ao mesmo tempo em que era codificada no computador. Dado o sinal de partida, os experimentados e rápidos calculistas já haviam dividido seus trabalhos, e haviam começado a calcular tão rapidamente quanto seus cérebros permitiam. Suas canetas deslizavam sobre papéis e suas máquinas de calcular emitiam um ruído ensurdecedor. O computador permanecia silencioso e calmo em seu canto. Apenas algumas débeis cintilações de suas lâmpadas indicavam que algo ocorria em seu interior. A tensão na sala crescia cada vez mais. Os exímios calculistas apressavam-se, o suor pingava de suas testas. Mas não haviam chegado nem à metade de suas tarefas quando subitamente ouviu-se um som do até então silencioso computador. Em sua mesa surgiu repentinamente um papel branco no qual se encontrava escrita a solução do problema. Estava absolutamente correta. Quando seus adversários terminaram, verificou-se que haviam calculado errado.

O computador havia mostrado para o que servia. E todos se espantaram imensamente.

Os matemáticos devotaram então um grande respeito à capacidade de cálculo dos computadores, e neles depositaram confiança para controlar e melhorar todas as tabelas que lhes haviam tomado séculos para serem calculadas. Os computadores resolviam os problemas com rapidez e precisão únicas. Descobriram diversos erros nas antigas tabelas e as tornaram consideravelmente mais meticulosas.

Mas um computador jamais seria algo além do que uma máquina de calcular se não pudesse fazer mais do que isso. A ele podiam ser dados vários programas alternativos de cálculo e instruções para escolher um entre eles, dependendo dos resultados dos cálculos efetuados. O programa executado pela unidade de controle podia ser modificado pelo próprio computador. Isto era possível porque ele não apenas efetuava adições, multiplicações, etc., como também podia tirar conclusões lógicas. Podia, por exemplo, comparar duas cifras e dizer qual a maior, como também de forma mais complicada, manipular logicamente o material recebido. Pelo fato de que podia conservar na memória mais cifras e combinações do que qualquer matemático, podia também resolver problemas tão difíceis que matemático algum poderia resolver. Além disso, os computadores trabalhavam com muita rapidez e podiam assim fazer cálculos que ninguém havia conseguido ou tido tempo de efetuar. Podiam também examinar logicamente uma grande quantidade de combinações para determinar se alguma delas preenchia certas condições dadas. Os primeiros computadores eram pois em muitos aspectos superiores aos matemáticos que os codificavam.

Os computadores podiam também traduzir um texto de um para outro idioma. Codificava-se primeiro um dicionário na unidade de memória. Este dicionário não compreendia apenas as palavras simples como também todas as frases comuns constituídas por algumas poucas palavras. Todo este conhecimento idiomático ficava armazenado na unidade de memória. Quando depois se escrevia um texto na máquina de escrever, este era automaticamente codificado e transmitido ao computador. Este comparava as palavras e frases com as que já existiam em sua memória, e ao reencontrar uma frase ou palavra correspondente, enviava a tradução à sua unidade de transcrição. Em razão da rapidez dos computadores isto acontecia praticamente no mesmo instante em que era introduzido o texto original. As primeiras traduções eram por certo totalmente compreensíveis, embora parecessem um tanto ingênuas. À medida que os computadores se aperfeiçoavam, a qualidade das traduções melhorou. Aos poucos, os computadores passaram a dominar todas as nuances de um idioma.

Para testar a capacidade intelectual dos computadores em diferentes campos, jogava-se às vezes dama ou xadrez ou qualquer outro jogo com eles. Programava-se as regras do jogo em sua memória, sendo instruído a encontrar, em cada situação do jogo, os lances possíveis. Para cada um desses lances ele levava em conta os possíveis lances do adversário, depois seus próprios lances seguintes e assim por diante. Ele obtinha desta forma uma tabela das diferentes situações de jogo que poderiam ocorrer, por exemplo, cinco lances mais tarde. Em seguida avaliava, segundo certas normas, quão desfavoráveis eram essas situações e escolhia assim o lance que segundo essa análise era mais vantajoso, e o transmitia à máquina de escrever. O computador havia recebido com outras palavras aproximadamente as mesmas instruções que um principiante normalmente recebe, e para cada lance levava em consideração a situação do jogo. Não devemos no entanto esquecer que um computador analisa o jogo de uma forma que se diferencia totalmente da humana, pois sua unidade lógica é conectada segundo outros princípios que não os do cérebro.

Um computador que aprendera um jogo podia exercitar sua habilidade sem auxílio de novas instruções. Desta forma todas as situações de jogo eram armazenadas em sua memória. Se uma situação igual ou semelhante surgia num jogo posterior, o computador podia evitar um lance que lhe trazia desvantagens e escolher um outro que lhe traria ganhos, em outras palavras, podia tirar proveito de sua experiência. Desde que sua memória tivesse suficiente capacidade, o computador podia continuar a aperfeiçoar-se no jogo. Era normal que um computador vencesse quem o havia codificado na arte do jogo, mesmo que este fosse um bom jogador. O aprendiz superava sem dificuldade o mestre.

 

O computador e os matemáticos

A capacidade superior de combinação que já os primeiros computadores demonstraram, entre outras coisas jogando xadrez, teve importantes utilizações em outros campos. Os primeiros a aproveitá-la foram os matemáticos. Os avanços da matemática se tornaram mais rápidos graças aos computadores, e novos caminhos, instransponíveis durante a Era Pré-Informática, foram encontrados.

Com isto a matemática entrou em uma nova fase. Ela só poderia desenvolver-se mais amplamente através de um trabalho conjunto entre computadores e matemáticos. Esta simbiose caracterizou-se no início pelo fato de que os matemáticos colocavam o problema e programavam os computadores, após o que, o verdadeiro trabalho, a solução do problema, era realizado pelos computadores. Estes transmitiam a solução aos matemáticos, que podiam especular mais amplamente sobre as conseqüências e eventualmente formular novos problemas que os computadores podiam resolver.

A simbiose entre computadores e matemáticos desenvolveu-se continuamente de forma que os matemáticos se tornaram cada vez mais dependentes dos primeiros. Eles deviam muitas vezes esperar em filas até que um computador tivesse tempo de tratar de seus problemas. No início os computadores executavam apenas as partes mais rotineiras das soluções, mas aos poucos tomaram a seu cargo funções cada vez mais difíceis e essenciais. Os avanços da matemática passaram a depender em igual grau dos matemáticos e dos computadores. Somente passo a passo podiam os computadores tomar a seu cargo a responsabilidade principal. Durante muito tempo ainda os matemáticos continuaram sendo indispensáveis para a formulação do problema, para certas partes da programação e para a interpretação do resultado.

Não se deve supor que a cooperação entre computadores e matemáticos era marcada pela reflexão lógica e abstrata e pela fria objetividade que muitos pensam ser características do trabalho científico. Em verdade, esta colaboração estava impregnada de bom humor e cordialidade. Dava-se aos computadores apelidos carinhosos e brincava-se com eles. Como já se disse, eles eram programados para jogar xadrez, e quando um computador demonstrava ser melhor no jogo que o matemático que o programara, este recebia a derrota com bom humor. Alguns matemáticos dedicavam uma calorosa amizade, pode-se dizer quase amor, por um determinado computador e não mais queriam trabalhar com qualquer outro. Supunha-se ainda que alguns computadores tinham preferência por certos matemáticos e só calculavam corretamente quando trabalhavam com seus amigos. Mas isto certamente não é verdadeiro. Os primeiros computadores eram excessivamente simples e pouco desenvolvidos para ter sentimentos.

 

O computador automatiza

Aos poucos os computadores se tornaram maduros para sair do círculo das instituições matemáticas e fazer uma profunda incursão na vida social. As condições eram diferentes nos diversos países, mas apesar disso o processo dirigiu-se no mesmo sentido.

Os computadores começaram timidamente a realizar trabalhos de rotina. Cuidavam da contabilidade dos bancos e empresas industriais. Receita e despesa eram codificadas nos computadores, e estes calculavam imediatamente a situação econômica. Podiam também cuidar dos salários preenchendo os cartões de pagamentos. Assumiram a responsabilidade pela situação do estoque e alertavam em bom tempo quando alguma mercadoria precisava ser comprada. Em suas vastas memórias estavam armazenadas todas as informações sobre a empresa, e eles podiam informar rapidamente a administração se o movimento tinha perdas ou ganhos.

Foram os computadores que tornaram possível a automatização das fábricas. Eles regulavam as diferentes máquinas e faziam-nas trabalhar em conjunto de forma satisfatória. Mais e mais trabalhadores foram dispensados. Em fábricas totalmente automatizadas, a matéria prima entrava por um lado e o produto final saía pelo outro sem que homem algum tivesse algo com a produção. Esta era cuidada por máquinas comandadas por computadores. Os trabalhadores podiam perfeitamente ser dispensados. O único pessoal que precisava ser mantido eram servidores para as máquinas e computadores. Para o trabalho os homens eram, até nova ordem, dispensáveis. Mas através desta racionalização felizmente não surgiram problemas de desemprego. Os operários foram reciclados para o atendimento necessário às máquinas e aos computadores. E o número destes crescia rapidamente.

Inclusive o trabalho dos funcionários públicos foi racionalizado. Já vimos como o cuidado pela contabilidade e depósitos era cada vez mais atribuído aos computadores. Aos poucos, outras ocupações foram sendo tomadas por eles e praticamente todos os funcionários públicos ao estilo antigo podiam ser dispensados. Mas tampouco isto conduziu ao desemprego. Pois a programação dos computadores exigia muito pessoal, e cada vez mais pessoas eram recicladas para programadores.

Pelo fato de que operários e funcionários públicos foram eliminados, a antiga oposição entre esses dois grupos desapareceu por si só. Em vez disso, surgiram dois novos grupos, servidores e programadores.

Durante a Era Pré-Informática, as indústrias eram conduzidas por um diretor executivo que tomava todas as decisões. Era ele que decidia se as atividades de um setor deveriam cessar ou serem modificadas ou se uma nova atividade começaria, se novas máquinas seriam compradas, se o pessoal seria admitido ou despedido. Quando se tratava de escolher entre várias alternativas, ele e seus colaboradores faziam um cálculo das diversas conseqüências econômicas para que depois ele escolhesse a alternativa mais vantajosa. Mas se a empresa era grande e a fabricação complexa, era muito difícil fazer tais cálculos, e a decisão em verdade, baseava-se mais em intuições. Adivinhasse o diretor corretamente, a empresa iria bem, e ele adquiriria a fama de ser competente. Adivinhasse errado e estaria ameaçado pela falência e ruína.

Os computadores modificaram esta situação. Um computador podia rapidamente examinar todas as conseqüências econômicas de um projeto e dar ao diretor uma informação de quanto seria o lucro ou perda se o projeto fosse realizado. O diretor podia então basear sua decisão em sólidos fundamentos, e não, como antes, em uma adivinhação. Através de sinais que controlavam a produção nas industrias automatizadas, o computador podia conferir se a decisão era executada segundo os planos. Isto facilitava em alto grau o trabalho do diretor, e a empresa podia desenvolver-se sem o risco de que fossem cometidos enganos. Em realidade, ao diretor cabia escolher entre, por exemplo, três alternativas, das quais a primeira dava prejuízos, a segunda um ganho insignificante e a terceira grandes lucros. Sua obrigação como chefe de empresa era naturalmente escolher a terceira alternativa. Com o desenvolvimento da técnica computacional ele podia confiar nos cálculos do computador. Em verdade os cálculos eram por demais complicados para que ele pudesse controlá-los. Podia também confiar que o computador enviaria as ordens corretas à fábrica. A administração de sua empresa não era mais uma tarefa pesada e estafante. Consistia apenas em decidir qual era a maior cifra de lucros dos diferentes projetos alternativos. Mas em princípio, o computador podia encarregar-se também desta tarefa elementar.

Acontecia, cada vez mais freqüentemente, que um diretor que se encontrasse em férias ou viagem de negócios quando uma importante decisão precisava ser tomada, deixasse esta a cargo do computador. Automatizar desta forma a função de tomar decisões era uma providência muito racional. O computador levava menos de um microssegundo para decidir qual das alternativas dava maiores lucros, e podia ainda ordenar imediatamente sua execução. No momento em que o diretor libertou-se desta função extraordinariamente importante, mas em realidade muito trivial, pôde dedicar mais seu precioso tempo a outras ocupações. Além das viagens de representação e negócios, passou a incumbir-se de examinar o futuro, seguir o desenvolvimento técnico e econômico e tomar a iniciativa de diferentes propostas para novas providências dentro da empresa, que seriam depois analisadas pelos computadores. A tarefa de acompanhar o desenvolvimento técnico era especialmente fatigante. O número de artigos em revistas crescia desmesuradamente, e tornou-se um trabalho colossal fazer a triagem de todas as novas informações. Catálogos de todas as novas máquinas que surgiam afluíam copiosamente às empresas, e os computadores tinham de cuidar inclusive dessas informações. Eles selecionavam quais as máquinas que poderiam ser fabricadas pela empresa e calculavam as conseqüências econômicas que ocorreriam caso fossem compradas. Desta forma os computadores podiam facilitar substancialmente a carga de trabalho de um diretor.

A tarefa de acompanhar o desenvolvimento econômico era de natureza semelhante. A vida econômica tornava-se cada vez mais complicada. A produção de uma empresa dependia de muitas diferentes espécies de matéria prima, e seus preços variavam. Da mesma forma variavam as conjunturas no que se refere às vendas. Tornou-se uma tarefa sobre-humana levar em conta todos os fatores dos quais a empresa dependia. Mesmo na área econômica os computadores precisavam ser conectados e assumir a responsabilidade.

Ao mesmo tempo em que os setores de compras e planejamento eram racionalizados, o setor de vendas precisava naturalmente ser reorganizado. Na Era Pré-Informática era tarefa dos vendedores persuadir os diretores das associações de clientes e os chefes de compras da excelência de suas mercadorias. Na medida em que as compras cada vez mais eram feitas pelos computadores, esta tarefa começou a modificar-se. Segundo o princípio de crianças iguais brincam melhor entre si, verificou-se que inclusive a venda só poderia ser cuidada pelos computadores. Só um computador poderia tratar em igualdade de condições com um outro computador. O valor dos contatos pessoais desceu rapidamente a zero.

Os computadores que acompanhavam o desenvolvimento técnico e econômico receberam tarefas cada vez mais complexas, mas graças a uma rápida evolução, demonstraram-se competentes para resolvê-las. Por outro lado, tornou-se mais difícil para os diretores supervisionar o complexo trabalho então executado pelos computadores. Precisavam confiar mais e mais nas análises feiras por eles. Aos poucos tornou-se função dos computadores inclusive apresentar novos projetos e tomar as iniciativas que julgassem necessárias para o desenvolvimento.

Isto foi extremamente significativo, pois desta forma o ritmo evolutivo não mais era limitado pela fantasia dos diretores. Era também urgente aliviar a carga de trabalho dos diretores quando suas outras ocupações haviam se tornado tão fatigantes. Continuavam sendo suas as tarefas de empreender viagens de negócios e representar as empresas. E muito tempo transcorreu antes que os computadores assumissem essas obrigações. Mesmo algo tão necessário como a racionalização não precisava ir tão longe.

 

Teletotal

Não foram apenas as indústrias que racionalizaram seus serviços através dos computadores. Em todos os campos da vida social se operou uma metamorfose, de modo que uma evolução rumo a uma sociedade melhor podia iniciar-se. Esta foi facilitada e acelerada por uma série de geniais invenções.

Um avanço muito importante ocorreu com a construção do TELETOTAL, que em princípio era uma combinação do telefone automático, rádio e televisão. Quando a televisão passou a dar uma imagem colorida tridimensional com som estereofônico, tinha-se a viva impressão de que a pessoa com que se falava estava na mesma sala. Com isto tornou-se mais fácil o contato pessoal entre os seres humanos. Uma pessoa não precisava necessariamente ir a uma conferência, podia muito bem fazer-se presente via teletotal, enquanto em verdade estava sentada em casa. O teletotal desenvolveu-se tão rapidamente que em uma sala de conferências tinha-se a impressão de que essa pessoa assistia e ouvia interessadamente tudo o que se dizia, quando na realidade ela podia estar sentada — talvez semi-adormecida — em sua poltrona, olhando e ouvido distraidamente o que se debatia. Essa pessoa podia, por exemplo, tomar café e ler jornais durante a reunião sem que isso fosse notado. Quando em tais circunstâncias todos preferiam participar de uma reunião via teletotal do que ir e sentar-se lá, foram construídos computadores que sintetizavam todo o encontro. Cada participante sentava-se em casa diante de seu teletotal, que transmitia a imagem e a palavra até o computador central. As imagens e os sons que este recebia eram combinados com uma imagem padrão de uma sala de conferências, que se encontrava armazenada na memória do computador, e a imagem assim sintetizada era enviada aos participantes da reunião. Desta forma todos tinham a impressão de sentar-se na mesma sala, enquanto em realidade se encontravam em diferentes partes do mundo. Alguns podiam eventualmente encontrar-se em naves interplanetárias.

Um problema significativamente mais difícil era encontrar — via teletotal — a exata atmosfera das refeições em meio à conferência, mas os geniais computadores resolveram inclusive este problema de forma totalmente satisfatória.

Com o teletotal todos os locais de conferências tornaram-se supérfluos. Todos os escritórios podiam ser eliminados, pois o pessoal podia muito bem trabalhar em casa, sendo o trabalho sintetizado no escritório, via teletotal. As lojas se tornaram desnecessárias, quando da mesma forma se podia examinar as mercadorias. Todo o ambiente da loja era sintetizado pelo teletotal, e todo o espaço necessário para isso eram alguns centímetros cúbicos na unidade de memória de um computador. Se alguém queria comprar algo em uma loja sintetizada, apertava o botão de compras do teletotal. Um momento após ouvia-se um sussurro, e uma nave comandada por um computador deslizava através de raios laser, deixando a mercadoria na casa do comprador. Sua dívida era debitada pelo computador central de economia e distribuição.

Com o êxito do teletotal tornou-se desnecessário para um número cada vez maior de homens morar nas grandes cidades ou viajar cada dia até o trabalho. Preferia-se então morar numa aprazível cidade-jardim, numa pequena vila ou em uma zona campestre, e realizar o trabalho de escritório e encontrar pessoas via teletotal. As grandes cidades começaram então a definhar, e os complexos problemas de tráfego se resolveram por si próprios. Os escritórios dos grandes centros ficaram vazios e as lojas abandonadas. O problema residencial desapareceu.

Embora possamos em detalhes seguir a evolução das grandes cidades, as razões para o seu surgimento constituem um dos maiores enigmas para os historiadores. Como já discutimos, muitas diferentes teorias foram apresentadas, mas nenhuma delas fornece uma explicação aceitável. No entanto, podemos entender o esvaziamento das cidades. Ele representa uma vitória da razão, que resultou do surgimento dos computadores. O avanço da teletécnica com a introdução do teletotal foi um dos fatores mais importantes. Um outro foi a racionalização dos meios de comunicação.

Quando as grandes cidades se tornaram inabitadas, discutiu-se vivamente o que se iria fazer com as grandes regiões que mais pareciam desertos. Propõe-se a utilização de bombas atômicas para livrar-se delas. (As bombas haviam originalmente sido construídas com esse objetivo.) Mas como essas regiões seriam então dificilmente utilizáveis para algo útil, as cidades podiam muito bem ficar onde estavam. Isto também estava de acordo com um respeito pelos tempos passados, que é característico de nossa época, cada vez mais ligada à tradição.

As grandes cidades se tornaram rapidamente atrações turísticas. Encontrou-se inclusive um emprego útil para elas. Quando os carros foram substituídos pelas naves que hoje vagam pelas redes de raios laser, tornou-se um difícil problema saber o que fazer de toda a sucata de automóveis. A solução foi colocar os carros velhos nas ruas das grandes cidades, que não tinham mais função alguma. Ali eles estavam em casa.

Quanto ao teletotal, este passou ser produzido em miniatura, o assim chamado minitotal, que era carregado no lugar dos antigos relógios de pulso. Permanecia em radiocontato com uma rede fixa de estações, e apertando-se um botão podia-se entrar em comunicação com quem se quisesse. Uma tela acionável dava imagens televisivas, de modo que se podia a qualquer momento consultar o TV-relógio, o que tornou o relógio de pulso totalmente supérfluo. O minitotal era provido de um dispositivo prático: podia ser desligado de modo a não ser perturbado por ligações telefônicas. No entanto, um contato constante era mantido com a estação de rádio central, de forma que seu portador pudesse ser salvo de situações de perigo de vida, ou ser alcançado por comunicados muito importantes.

 

Racionalização das universidades e escolas

No momento em que os computadores passaram a se desenvolver mais rapidamente, e os teletotais a serem fabricados em massa, uma racionalização radical da sociedade pôde ser iniciada. Antes de mais nada foram eliminadas as escolas e universidades. As aulas dos professores eram gravadas em fitas e enviadas por teletotal aos estudantes. Os exames eram feitos por computadores, que faziam perguntas que os examinandos respondiam calcando o código correto em determinados botões. Os diplomas consistiam em cartões perfurados que saíam já prontos do teletotal. Eram ao mesmo tempo anotados no registro central de população e armazenados numa unidade de memória que era chamada quando alguma promoção devia ser efetivada. Os cursos em laboratórios eram também totalmente automatizados e seguidos pelos estudantes via teletotal. Desta forma as grandes e dispendiosas universidades podiam ser substituídas por alguns computadores centrais, e os professores eliminados.

Com a mesma elegância foi resolvido o problema da escola. Os professores foram substituídos por máquinas de ensinar, e todas as aulas podiam ser transmitidas às casas através de canais especiais de teletotal. Os prédios escolares se tornaram supérfluos e os problemas de disciplina escolar desapareceram automaticamente.

Desta forma foram aumentadas as possibilidades de se adquirir conhecimentos. Todos podiam receber educação nos mais diferentes estágios e nas matérias que quisessem. Em virtude das crescentes exigências que assim se impunham às entidades de ensino, tornou-se necessária uma grande quantidade de computadores. Um grande número de pessoas também foi necessário para programá-los e organizar o ensino. No entanto nenhum desemprego mais sério ocorreu pelo fato de terem sido eliminados os professores. No lugar destes foram necessários organizadores e programadores, como também pessoal de serviço para as máquinas de ensino.

A evolução posterior da organização escolar é muito interessante, principalmente pelo fato de que em certo sentido havia sido antecipada pelos grandes reformadores do ensino que atuaram no início de nossa cronologia. Evidenciou-se que grande parte dos conhecimentos inculcados aos alunos na antiga escola eram totalmente desnecessários. Isto ocorreu quando através do teletotal se podia a qualquer momento estabelecer contato com um computador-biblioteca central e deste receber no mesmo instante todas as informações que se necessitava (inclusive para soluções de palavras cruzadas). Era pois desnecessário sobrecarregar o cérebro com uma montanha de conhecimento acumulados na memória, que em realidade eram guardados com mais segurança e fidelidade na unidade de memória de um computador que no cérebro de um aluno. Em conseqüência disto foi suprimida grande parte dos cursos escolares. Desta forma prosseguia-se exitosamente o caminho que conduzia da assim chamada escola tradicional até a escola unitária. Esta desenvolveu-se através da escola secundária até uma melhor forma, a assim chamada antiescola, onde praticamente todo estudo fora abandonado. Esta reforma não deve ser vista como uma crítica à escola secundária, que sem dúvida nenhuma havia sido pioneira em sua época. Mas o progresso dos computadores modificou a sociedade de uma forma que nem mesmo os grandes reformadores do ensino dos velhos tempos podiam prever.

A antiescola se esforçava por introduzir inclusive no campo do ensino a liberdade total que é motivadora dos tempos felizes que descrevemos. Os alunos tinham a possibilidade de adquirir estritamente os conhecimentos que desejavam. Toda a sabedoria que se encontrava armazenada nas gigantescas unidades de memória dos computadores-bibliotecas se encontrava à sua disposição. Todos os conhecimentos, que homens e computadores haviam reunido, eram acessíveis aos alunos sedentos de informação através do teletotal. Naturalmente, tinham completa liberdade de escolha. Não podiam, é claro, optar por tudo, e não precisavam sobrecarregar o cérebro com os conhecimentos que julgavam desnecessários. Podiam inclusive renunciar a seus direitos de adquirir conhecimentos.

A antiescola foi uma importante evolução da escola secundária. A época tornou-se madura para uma reforma realmente profunda. Extinguiu-se a obrigatoriedade escolar que desde há muito amargava a vida durante os anos de crescimento. O alegre período juvenil foi assim libertado de seu maior flagelo.

Estas reformas do ensino conduziram também a uma democratização da sociedade. Como todos os conhecimentos estavam armazenados nas unidades de memória dos computadores, e eram assim acessíveis a todos e a cada um, as diferenças entre os homens que sabiam algo e os que não sabiam nada nivelaram-se. O antigo orgulho por conhecimento adquiridos desapareceu. Todos tinham, através do teletotal, contato com as grandes fontes da sabedoria. Era totalmente desnecessário introduzir sabedoria num cérebro humano.

 

A nova legislação

A grande reforma seguinte ocorreu na organização judiciária. Com o desenvolvimento da sociedade novas leis precisavam ser constantemente promulgadas e novos regulamentos estabelecidos. Viu-se imediatamente não ser prático imprimi-los, pois os livros da lei se tornaram extraordinariamente volumosos e precisavam ser revisados cada mês. Em lugar deles, as leis foram codificadas em computadores de leis e sentenças. Se uma pessoa era suspeita de um crime, a investigação policial, testemunhos, etc., eram codificados e introduzidos no computador de leis e sentenças que determinava se as provas eram suficientes e contra quais parágrafos o delinqüente havia atentado. A pena era calculada e a sentença comunicada através de um cartão perfurado. Graças a enorme rapidez e capacidade dos computadores, as audiências se tornaram muito breves. Alguns segundos após ser introduzido o material necessário, tinha-se o cartão da sentença.

As vantagens deste sistema eram imensas. Ninguém mais podia acusar o juiz de ser parcial — podia-se eventualmente alegar que o computador estava mal programado. Esta hipótese em princípio não podia ser excluída, embora fosse extremamente improvável. Para eliminar a possibilidade de qualquer legítimo descontentamento com a administração da justiça, todo delinqüente condenado tinha a possibilidade de recorrer à sentença alegando que o computador estava mal conectado ou mal programado. Ele tinha então imediatamente acesso aos sistemas de conexão e programação, como também a uma fita perfurada onde estavam transcritas as operações do computador durante o julgamento. Bastava então que ele pudesse demonstrar que nas fitas perfuradas — muitas vezes quilométricas –existisse um único erro incontestável para que todo o procedimento judicial fosse declarado não válido e recomeçado desde o início. Com isto ficava garantida a segurança jurídica. Quando os computadores passaram a se encarregar da administração da justiça, todos os juristas podiam ser eliminados. Uma outra vantagem era que agora as leis e regulamentos podiam ser tão complicados quanto possível. Estes eram antes limitados pelo fato de que pelo menos os juristas deviam poder entendê-los — que ultrapassassem os horizontes da maioria ignara todos estavam acostumados. Mas agora esta limitação fora eliminada. Precisava-se apenas construir computadores maiores que pudessem interpretar inclusive os mais complexos regulamentos. Desta forma, tornava-se mais aguçada a espada da justiça.

De grande importância foi o aumento da segurança legal. Como o minitotal de cada pessoa precisava por razões técnicas estar sempre em contato com a estação de rádio mais próxima, era simples determinar a qualquer instante onde cada pessoa se encontrava. O porte do minitotal tornou-se obrigatório para todos, e um sistema de alarme foi inventado, que soava quando alguém tentava desligá-lo. Se um crime havia sido cometido, era uma questão de rotina saber quem se encontrava no local do crime naquele momento, e era em geral possível apanhar imediatamente o criminoso, que alguns segundos mais tarde era condenado conforme os parágrafos que o computador julgava adequados. Com isto aumentou a segurança legal. Um grande número de complexos computadores e pessoal foi exigido, mas a segurança legal bem os merecia.

È importante assinalar que felizmente o minitotal não foi descoberto no tempo em que existiam ditaduras. Um ditador perverso poderia aproveitá-lo para exercer uma terrível opressão. Como minitotal foi introduzido em meio a mais plena democracia que jamais existiu; tais riscos foram eliminados.

Em verdade, o minitotal tornou-se a condição necessária para o surgimento da Democracia Plena, como veremos adiante.

Mais importante que a descoberta imediata de um crime e a prisão do criminoso, é naturalmente a prevenção do crime. Graças aos avanços da psicologia e sociologia, tornou-se evidente para todos que um crime raramente ocorre sem premeditação. Este é resultado de uma certa instabilidade psíquica do autor e depende inclusive de sua situação social. Se se conhece em detalhes a estrutura psicológica de uma pessoa e sua reação ante seu meio, pode-se então tomar as providências para impedi-lo em tempo. Todos os homens eram pois submetidos algumas vezes ao ano a testes psicológicos, o que era muito simples, bastando acoplar seus minitotais a um computador-psicólogo, que fazia o teste. Os indivíduos que apresentavam tendências anormais, eram testados mais freqüente e minuciosamente, e se a análise computacional do teste mostrasse existir neles uma grande inclinação para o crime, internava-se o criminoso potencial, submetendo-o a um tratamento preventivo. Estas bem pensadas providências preventivas não podiam ser consideradas como um tolhimento à liberdade do suspeito. Este era testado diariamente após o internamento e, tão logo os testes demonstrassem que sob a influência da terapia ele havia deixado de ser perigoso à sociedade, era libertado.

Com estas providências e outras semelhantes combatia-se a criminalidade. O índice de crimes por parágrafos legais diminuiu, mas como o número de parágrafos aumentou muito rapidamente, a criminalidade tornou-se maior. Foi pois necessário acelerar a produção de computadores de leis e sentenças cada vez mais complexos.

 

Fábricas de saúde

Inclusive no campo da saúde pública a evolução ocorreu com rapidez. Como cada um portava obrigatoriamente no braço um minitotal, era simples prover este de um pequeno aparelho adicional, que se chamava higitotal. Este, com auxílio de alguns elétrodos adequadamente situados, media a temperatura do corpo, pulsação, pressão sanguínea e uma série de outros importantes fatores médicos. O resultado dessas medições era enviado continuamente, via minitotal, à Central de Saúde Pública, onde era analisado pelos computadores. Estes faziam soar um alarme quando alguma alteração doentia era observada. Desta forma uma doença em fase inicial podia ser diagnosticada em um estágio muito precoce e o doente era imediatamente tratado. Um princípio de gripe podia ser atacado antes que a gripe irrompesse. Se uma pessoa oferecia perigo de contágio, podia ser imediatamente recolhida a um hospital, e as pessoas que lhe estavam próximas podiam ser alertadas de sua presença — como as centrais de rádio localizavam cada pessoa através do minitotal, era fácil para um computador determinar quais pessoas se encontravam em sua proximidade.

Se alguém sofria um acidente, um alarme era automaticamente enviado via minitotal, e uma ambulância acudia sem tardança. Isto acontecia inclusive quando apenas o minitotal era danificado de modo a parar de funcionar, pois existia então o risco de que um acidente houvesse ocorrido. Se o minitotal houvesse sido intencionalmente danificado, as providências imediatas eram muito importantes, pois podia se temer que o sabotador tivesse pretendido escapar ao controle do minitotal para perpetrar um crime.

Uma reforma importante foi a da extinção dos hospitais e substituição pelas fábricas de saúde. Isto foi resultado da nova visão que se passou a ter de saúde e doença. Uma nova apreciação do valor da saúde foi preponderante. Do ponto de vista econômico-empresarial da produção, era efetivamente importante que se conhecesse o preço de cada mercadoria, pois uma mercadoria que não tem preço algum é considerada sem valor. Para que a saúde fosse objeto de uma apreciação genérica, tornou-se fundamental fixar-lhe um determinado preço.

Quando foi fixado o valor econômico da saúde, pôde-se confiar à indústria a construção de fábricas de saúde. Estas foram racionalmente organizadas e tinham como modelo as mais eficientes fábricas da época. Suas matérias primas, os doentes, eram introduzidos por um lado, e o produto final, homens sadios, era entregue do outro lado. Lamentavelmente existiam os dejetos, mas isso é inevitável em toda fabricação. Como nas outras fábricas, tudo era automatizado e dirigido pelos computadores. Médicos e enfermeiras e demais pessoal haviam sido eliminados. Isto era vantajoso se levarmos em conta o problema do contágio. Um doente não entrava em contato com outra pessoa de modo a poder contagiá-la. Um certo número de servidores para as máquinas era no entanto indispensável no começo. Só em um momento posterior é que inclusive este serviço pode ser totalmente controlado por computadores.

Quando um doente era entregue à fábrica de saúde, um diagnóstico preliminar já fora estabelecido através da análise computacional dos relatórios do higitotal. O doente era colocado numa correia circular e transportado através de um canal de diagnóstico, onde eram feitos os exames necessários. Estes eram controlados por um computador que determinava com precisão os pontos ótimos do corpo para injeções. De um alto-falante vinham alternadamente música repousante e palavras de encorajamento. O exame era analisado em um computador central em cuja unidade de memória havia sido codificada toda a ciência médica, e o tratamento adequado era emitido quase instantaneamente. Se uma intervenção cirúrgica se fazia necessária, era feita com bisturis comandados por computador, segundo as mais modernas técnicas operatórias, após o que o corte era fechado novamente com uma moderna máquina de sutura. Após a correia circular ter conduzido o paciente através das diferentes seções da fábrica, deixava-o na saída completamente restabelecido. À medida que a técnica terapêutica evoluía e as fábricas se racionalizavam, a velocidade da correia de transporte pôde ser aumentada.

Ocorria excepcionalmente que um paciente era passado para outra correia de transporte, que após autópsia automática conduzia o cadáver até um crematório construído na fábrica de saúde. Os parentes inconsoláveis podiam mais tarde apanhar uma elegante urna com as cinzas, enquanto um alto-falante cantava salmos e pronunciava palavras de consolo, ao mesmo tempo em que uma pazinha piedosamente oferecia três porções de húmus, higienicamente empacotadas em plástico.

A fábrica de saúde representou um grande passo a frente, em comparação aos hospitais. Como médico e enfermeiras haviam sido eliminados, evitava-se que os pacientes morressem por descuido dos médicos ou negligência das enfermeiras. A cada paciente era garantido um tratamento conforme as últimas conquistas da medicina, graças aos novos resultados diariamente codificados na máquina de saúde. Naturalmente ocorria que apesar de tudo isto as pessoas morressem durante o tratamento, mas inclusive a mais perfeita das máquinas pode ter às vezes falhas técnicas. E, afinal de contas, todos os homens acabam morrendo mais cedo ou mais tarde, não obstante os grandiosos avanços da técnica.

A eliminação de médicos, professores e outros intelectuais significou um grande passo a frente na evolução. Esses grupos sempre haviam sido arrogantes e brigões e difíceis de serem organizados. Mas quando todos os elementos dinâmicos da sociedade se propuseram a eliminá-los, tudo transcorreu com facilidade. Pois em realidade, esses grupos eram pequenos e sem significado. Não havia lugar algum para eles em uma sociedade organizada.

 

A nova constituição

Um passo ainda maior e mais importante foi dado com a reforma de governo da sociedade. Este havia sido por muito tempo a parte mais antiquada e ineficaz da sociedade, pois ante o temor de que uma reforma trouxesse uma diminuição de poder, os governantes opunham-se freneticamente a todas as reformas. No entanto, a evolução provocou automaticamente uma mudança fundamental na posição do governo.

Nos antigos tempos, a maioria dos estados havia sido governada por um monarca despótico ou ditador, com o auxílio de uma relativamente pequena e sólida organização sob seu comando. Isto era possível porque a grande multidão de pessoas era desorganizada e conseqüentemente, tinha dificuldades em oferecer resistência contra uma pequena, mas eficaz, organização. A evolução técnica havia no entanto ocasionado uma organização radical de todos os grupos, e quando a sociedade passou a depender, para seu funcionamento, de todos esses grupos, a concentração de poder diminuiu automaticamente. Em verdade, os governos perderam rapidamente o controle dessa evolução, que tomou o mesmo rumo em países formalmente dirigidos tanto por um governo conservador, como social democrata ou comunista. Os diferentes partidos conservaram respeitosamente suas ideologias como velhas e saudosas relíquias. Mas enquanto em um país um governo social democrata podia vigiar a monarquia, ao mesmo tempo em que tinha a introdução da república em seu programa, em outro um governo conservador mantinha uma profunda socialização, embora seu programa defendesse sua supressão, e num terceiro ocorriam grandes diferenças de classe sob um regime comunista, que proclamava o fim destas.

A medida em que a evolução técnica avançava, tornou-se cada vez mais evidente que o governo era em verdade totalmente incompetente para “governar” o país e dirigir seu desenvolvimento. As reais transformações sociais se processaram através da evolução técnica e da burocratização paralela e crescente. Quando ocorria uma transformação nas condições sociais, eram necessários no mínimo cinco anos antes que esta se tornasse compreensível para o governo, e depois eram necessários ainda mais cinco antes que o governo agisse. As decisões governamentais chegavam pois aproximadamente dez anos atrasadas, e geralmente ocasionavam mais prejuízos que vantagens. Depois que isto ficou claramente demonstrado através do teorema da complicação sociológica, a mais urgente reforma social foi a eliminação do governo. E inclusive isto foi incompreensível para o governo.

Após ter perdido a capacidade de dirigir o país, a mais importante tarefa do governo era elaborar soluções e compromissos justos para as contradições entre os diferentes grupos sociais. A experiência no entanto já havia demonstrado que todos os conflitos entre dois ou mais grupos eram melhor resolvidos por computadores, que através de suas fantásticas capacidades de combinação podiam elaborar rapidamente compromissos aceitáveis por todas as partes. Tinha-se boas experiências das empresas industriais, cuja efetividade aumentara quanto mais diminuía o poder dos diretores. Havia se evidenciado que elas funcionavam melhor se o diretor tinha apenas funções representativas, enquanto um computador cuidava da empresa. Tornou-se então óbvio que se o governo fosse substituído por um computador, isto significaria um grande benefício para a sociedade. No entanto, o governo se opôs a isso, mas mesmo assim a questão pôde ser resolvida de forma feliz.

O governo era naturalmente o primeiro interessado em manter-se no poder, e por isso não tinha quase tempo de participar dos importantes avanços técnicos que reorganizavam a sociedade. Tornara-se assim cada vez mais incapaz de compreender o significado real das decisões que tomava. Quando pois recebeu uma proposta para a criação de um novo computador destinado a racionalizar a administração pública, não podia compreender, a partir do esquema de conexões, que o novo computador substituiria a si próprio. Os técnicos que executaram o projeto jamais tiveram ocasião de penetrar em explicações detalhadas. O governo aprovou que o computador fosse conectado aos computadores do parlamento, repartições públicas e outras organizações. Quando já era tarde, o governo descobriu que havia eliminado a si mesmo por engano. Fez uma desesperada tentativa de retomar o poder, mas como nenhum dos membros do governo sabia como se programava um computador, a tentativa fracassou. O governo não podia mais influir na máquina estatal, agora completamente controlada por computadores.

Assim como os símbolos do poder real haviam sido conservados quando a realeza perdera seu poder, o governo foi respeitosamente preservado como símbolo. A máquina governante foi posta em um chassis dourado e coroada com uma grande coroa de ouro. Era também provida de uma inscrição: “Sua Majestade, a Máquina Governante”. Os membros do governo deviam escrever seus nomes em cada quilômetro de fita perfurada que saía do computador, após o que, a fita era exibida em conselho ao rei. Além disso, eles deviam percorrer o país e expor as sábias decisões da Máquina Governante. Em verdade, logo ficou evidente ser mais prático transferir as funções da Máquina Governante para outros computadores, e após um curto espaço de tempo, toda a máquina dourada era apenas um chassis vazio, contendo apenas a matriz que fabricava fitas perfuradas para os membros do governo. Mas os turistas que afluíam em massa para admirar a máquina ignoravam isto. E tampouco o revelavam os membros do governo. Quando mais tarde as grandes cidades se tornaram vazias, a Máquina Governante caiu no esquecimento, embora alguns guias obstinados continuassem conduzindo até lá suas multidões de turistas. Embora o tempo e o vento tenham castigado violentamente as ruínas, pode-se ainda notar alguns vestígios de dourado.

Após ter sido eliminado o governo, a sociedade começou a evoluir com mais rapidez, e uma série de importantes reformas pôde ser executada. O parlamento não mais precisava reunir-se em uma velha casa antiquada. Podia realizar suas reuniões via teletotal. Os parlamentares não precisavam abandonar seus locais de origem. O conceito de capital perdeu o sentido. Como a evolução cada vez mais rápida da sociedade aumentava a carga de trabalho do parlamento, o número de parlamentares precisava aumentar. Com a evolução técnica do teletotal isto podia ocorrer sem inconvenientes. Assim foi preparado o terreno para a grande e profunda reforma constitucional, que introduziu a Democracia Plena.

Quando o primeiro homem da Idade da Pedra fez-se senhor de alguns de seus vizinhos e organizou uma tribo, teve início a evolução da sociedade. O chefe da tribo foi o modelo do monarca despótico e do ditador. Esta forma de sociedade deu lugar à chamada democracia, em nossa moderna terminologia uma pseudodemocracia, que ocorreu universalmente no início de nossa era. O soberano absoluto retirava seu poder de um círculo de pessoas que constituíam um partido político. Este fechado círculo recrutava seus próprios elementos e governava em nome do povo. Supunha-se que o povo lhe dava seu crédito através do voto em uma eleição. Mas o que o povo expressava nas eleições era apenas que julgava os partidos rivais piores ainda. Não existia pois nenhuma garantia de que o governo em uma pseudodemocracia realizasse os verdadeiros desejos do povo.

Foi um feliz acaso que a eliminação do governo, que anteriormente descrevemos, tenha ocorrido tão indolor e rapidamente. Mas quando a sociedade desenvolveu-se, um governo tornou-se uma anomalia em qualquer circunstância, e era apenas uma questão de tempo quando, de uma ou outra forma, desapareceria. A evolução dirigiu-se inexoravelmente à Democracia Plena. A caminhada até lá passou pelo aumento do número de parlamentares.

Em cada eleição parlamentar concorriam muitos candidatos.

Era muitas vezes uma grande tragédia que nem todos pudessem ser escolhidos, e assim por à disposição do governo suas competências. Após a introdução do teletotal e a racionalização do trabalho do parlamento, não mais existiam razões para se manter um pequeno número de parlamentares e com isso fechar as portas a muitos inteligentes e conceituados homens e mulheres. Por isso o número de parlamentares aumentou gradativamente. Mas aos poucos entendeu-se que a escolha de parlamentares era fundamentalmente antidemocrática. Com isso dava-se a um grupo de homens mais poder que a outros, transgredindo assim o princípio fundamental de que todos os homens devem ter iguais direitos. Tão logo isto foi universalmente descoberto, selou-se o destino da pseudodemocracia. Introduziu-se a Democracia Plena, onde cada cidadão era um parlamentar.

Quando o parlamento se reunia, todos os habitantes do país participavam através do teletotal. As propostas apresentadas eram preparadas em detalhes por computadores, mas cada cidadão tinha o direito de expressar-se. Todos os discursos eram transmitidos via teletotal. Para que as deliberações não tomassem longo tempo, eram transmitidas simultaneamente por vários canais paralelos. Com isto naturalmente nem todos os habitantes podiam ouvir alguns discursos, mas isto tampouco ocorria no parlamento da pseudodemocracia. A maioria dos parlamentares costumava ficar ausente dos debates e entrar apenas quando uma campainha os chamava para a votação. O mesmo princípio era aplicado agora. Quando findavam os discursos, todos os habitantes do país eram despertados por um chamado do teletotal. A votação podia começar.

No começo muitos ficaram consternados e não sabiam em que proposições votar, apesar de que estas tivessem sido suficientemente examinadas em debates. Em verdade, não era tão fácil entender o significado de uma complexa providência, que talvez inclusive levasse longo tempo para ser analisado pelos computadores. Foi pois recebida com satisfação geral a introdução da regra segundo a qual a proposição, que a análise dos computadores indicava ser a melhor, era sempre apresentada como proposição 1, enquanto as outras, que obviamente eram piores, recebiam números 2, 3, etc. Cada cidadão podia pois, com segurança, votar na proposição 1. Para poupar o incômodo e o desconforto de chamar um cidadão para as eleições, uma genial invenção foi feita, o chamado eleitor automático. Podia-se munir o teletotal de um dispositivo automático que votava sim para a proposição 1, e não para todas as seguintes. Isto naturalmente não diminuiu os direitos democráticos dos cidadãos. Cada um tinha o direito de expressar-se nos debates a qualquer momento, e se alguém julgava uma outra proposição melhor que os computadores, tinha naturalmente a total liberdade de desligar o eleitor automático e votar nas proposições 2 ou 3. Represália alguma o ameaçava se agisse assim. Em outras palavras, ele tinha maior liberdade que os parlamentares da pseudodemocracia, que dificilmente ousavam votar contra seus partidos. Não obstante isto, o eleitor automático não era conhecido por eles. Isto prova quão irracionalmente organizada era a Era Pré-Informática.

A Democracia Plena é a mais memorável revolução social que já ocorreu. Todos os esforços dos idealistas em direção a uma sociedade onde imperasse uma democracia perfeita haviam sido realizados. O princípio desta era que ninguém poderia oprimir e ninguém poderia ser oprimido. Todos se tornaram iguais. A liberdade total havia sido alcançada. Fora no sentido desta revolução que toda a evolução havia apontado quando era dirigida pelas melhores forças sociais. Sua realização foi mérito dos computadores. Sem eles teria sido impossível uma organização. Sabemos a partir do teorema da grande complicação sociológica, que a capacidade do cérebro humano é demasiado pequena para a organização racional de uma sociedade.

Como a técnica é, por sua natureza, universal, a mesma evolução ocorreu em todos os estados. A única diferença constituía em ser ideologicamente descrita de diferentes maneiras. Em alguns países o governo chamava-se Democracia Popular Plena, em outras Social Democracia Plena, ou Democracia Republicana Plena, ou ainda, Sua Majestade, a Democracia Plena. Mas o conteúdo era o mesmo.

 

O fim das guerras

Abordaremos agora o tema das relações internacionais. Durante a Era Pré-Informática, estas haviam piorado progressivamente. Os diversos estados intensificavam suas corridas armamentistas, os engenhos bélicos se tornavam cada vez mais devastadores, a guerra mais terrível. A ameaça da bomba atômica, que podia ser enviada em foguetes a qualquer lugar do planeta, enchia os povos de terror. O temor da catástrofe e da aniquilação dominava a vida dos homens desde a Idade da Pedra até o surgimento dos computadores.

Mas ao mesmo tempo em que se temia a destruição da humanidade pela bomba, temia-se com a mesma intensidade o contrário: que os homens se tornassem por demais numerosos pela explosão demográfica.

Ambas estas ameaças tinham no fundo a mesma razão: a incapacidade de organizar a sociedade. Sabemos hoje que este problema ultrapassava a capacidade do cérebro humano. O homem tem sem dúvida seus aspectos positivos, mas jamais conseguiu entender-se bem com o problema da organização.

Com o surgimento dos computadores, a situação internacional começou lentamente a esclarecer-se. A eliminação dos governos foi um passo importante. Como há muito se supunha, a maioria dos conflitos era provocada pelos governos, que geralmente tinham seus poderes fortificados pelo fato de que em um conflito internacional o povo se alinhava atrás de seu governo. A guerra dependia então da ignorância e incapacidade de prever o desenrolar dos acontecimentos. Quando uma guerra findava, pelo menos a parte derrotada descobria ter cometido uma burrice. Pudesse prever os acontecimentos, teria preferido um compromisso, ainda que à custa de muitas concessões. Através da capacidade dos computadores de avaliar problemas complexos, eles podiam com uma relativa certeza predizer a evolução dos acontecimentos, embora graves erros tivessem sido cometidos no começo. Tais prognósticos contribuíram para aumentar a tendência de resolver os conflitos de forma pacífica, especialmente quando a devastação de uma guerra tornou-se tal que mesmo o vencedor a julgava muitas vezes um mau negócio.

A imensa capacidade de combinação dos computadores foi orientada no sentido de encontrar para todos soluções aceitáveis dos problemas internacionais. A primeira tentativa fracassou, mas novas experiências constituíram um grandioso êxito. Conforme nosso ponto de vista, o problema era realmente absurdo. Porque todos não se desarmavam, se todos abominavam a guerra? Porque crescia sem controle a população, quando a ciência médica conhecia os antídotos? Por parte do mundo passaria fome, quando existia superabundância em outras partes e meios de transporte à disposição? A única explicação que os historiadores de nossa época encontram é a evidente incompetência dos políticos. Suas manobras eram mais inspiradas na ambição de poder do que no desejo de resolver problemas. Mas tão logo seus diletantismos deram lugar à ação racional dos computadores, o problema foi resolvido. Com o auxílio dos computadores construiu-se um sistema de contatos internacionais. Este foi o primeiro passo em direção à rede administrativa mundial de computadores.

Um outro problema internacional era a questão dos idiomas. Estes não parecem ter tido o mesmo significado para os computadores, mas em verdade era um problema dos mais importantes. Todos julgavam oportuno um idioma internacional, e aos nossos olhos é incompreensível que não se tenha introduzido um. Mas para tanto não era suficiente a capacidade de organização dos políticos. Os homens se arranjavam com uma porção de idiomas, e o povo que mais capacidade tinha de matar em uma certa época, conseguia geralmente obrigar uma grande parte da humanidade a falar sua língua. Durante um curto período, quando as nações de fala inglesa detinham a hegemonia, o inglês era empregado como idioma auxiliar, embora sua rudimentar ortografia antifonética, sua falta de clareza e sua interminável quantidade de palavras dificilmente o recomendassem como idioma universal.

Mas onde os homens fracassaram, os computadores tiveram êxito. Logo após o surgimento do primeiro computador, já havia sido elaborada uma linguagem internacional para computadores. As seqüências de impulsos que os computadores utilizavam tinham a mesma significação em todas as partes, e como os computadores eram empregados em todos os países, teve-se automaticamente um idioma internacional. O problema idiomático, que para os políticos se apresentava tão difícil que estes nem ousavam enfrentá-lo, foi resolvido quase por acaso pelos computadores.

O problema seguinte era tornar este idioma inteligível inclusive para os homens. Mas como até os mais antigos computadores podiam traduzir, este problema era evidentemente simples. Programava-se os computadores para traduzirem seu idioma para os diferentes idiomas do mundo. Se alguém queria conversar com um outro de um país estrangeiro, acoplava seu teletotal ao mais próximo computador-intérprete, que traduzia o que ele dizia em sinais eletrônicos. Estes eram enviados a um computador situado no outro país, e ali traduzidos ao idioma do destinatário. Este respondia da mesma forma. Como os computadores realizavam todo seu trabalho em frações de segundo, a perda de tempo era mínima, e a conversa podia ser feita sem dificuldades. Todas as comunicações entre homens de diferentes idiomas maternos passaram logo a ser feitas através das seqüências de impulsos dos computadores, e tornou-se desnecessário aprender um idioma estrangeiro. Isto resultou numa racionalização dos trabalhos escolares. Todo estudo de vocabulário e gramática pôde ser eliminado.

Além disso ocorreu uma democratização entre os povos. Foram eliminados os “povos dominadores” que impunham a outros seus idiomas. O problema das minorias idiomáticas, que algumas vezes havia inclusive ocasionado guerras, fora agora automaticamente resolvido. Não existiam mais razões para que em um país todos falassem a mesma língua, quando os homens de diferentes idiomas podiam falar uns com os outros com o auxílio ágil dos computadores.

Nos tempos passados tentou-se suprimir os dialetos para ter em um país uma “língua nacional” comum. Isto tornou-se desnecessário. Não havia nenhum inconveniente que cada um falasse seu dialeto, mesmo que os dialetos fossem incompreensíveis para um e outro e mesmo para a língua nacional. Em verdade, cada um podia falar a papagaiada que fosse, desde que se programasse um computador que a traduzisse em sua linguagem.

Com isto foram salvas muitas culturas interessantes. As línguas e dialetos das minorias, que estavam ameaçados de desaparecer devido à uniformização lingüística, podiam agora sobreviver sem inconvenientes. Inclusive no campo idiomático, os computadores oportunizaram a mais completa liberdade.

 

Neurototal

O teletotal recebia funções cada vez mais importantes a executar. Possibilitava o contato entre homens de diferentes idiomas ou dialetos, dava aos homens acesso ao saber coletivo que existia nas unidades de memória dos computadores, era cada vez mais através do teletotal que os homens se tornavam participantes da coletividade. O teletotal estabelecia o elo entre o mundo de idéias dos computadores, onde tudo se transmitia através de rapidíssimos impulsos eletrônicos de milionésimos de segundo, e o mundo de idéias do cérebro humano, onde os acontecimentos se relacionavam aos impulsos nervosos eletroquímicos. Do ponto de vista técnico, o teletotal era o elemento de conexão entre os dois sistemas. Estes se assemelhavam sob o ângulo lógico — pensamentos eram produzidos em um cérebro humano, que os enviava ao sistema dos computadores. Os pensamentos e o resultado elaborado pelos computadores eram enviados de volta ao cérebro humano.

Era pois evidente a importância do elo de conexão. Mas este elo era rudimentar e irracional.

A transmissão do cérebro humano ao computador funcionava de forma extremamente minuciosa. Como resultado da atividade pensante do cérebro, os impulsos nervosos eram enviados aos órgãos da fala, onde os pensamentos eram transformados em palavras. Estes sons eram transportados pelo ar como ondas sonoras até o microfone do teletotal, que os transformava em impulsos elétricos. Estes eram depois identificados no teletotal, codificados na linguagem do computador e enviados aos computadores centrais.

Em sentido inverso chegavam sinais dos computadores centrais ao teletotal, que eram transformados em sons, por sua vez enviados ao alto falante do teletotal. Suas ondas sonoras atingiam os ouvidos humanos, onde eram transformadas em impulsos nervosos, que eram recebidos pelo cérebro.

Era óbvio não ser nada prático este sistema. Em realidade, não havia necessidade de que o contato entre o sistema de impulsos dos computadores e o sistema nervoso de um homem fosse feito através de ondas sonoras. Um contato direto era em princípio possível. Desde há muito os impulsos nervosos eram utilizados para comandar as próteses que os inválidos usavam. Este sistema se desenvolveu de tal forma que os impulsos nervosos eram diretamente transformados em sinais elétricos, que eram diretamente transformados em sinais elétricos, que eram por sua vez transmitidos. Em sentido inverso, conseguiu-se que os impulsos recebidos fossem diretamente transformados em sinais nervosos. A transmissão ocorria através de uma pequena unidade, chamada “neurototal”, que operava em um filamento nervoso. O neurototal era conectado, através de uma operação, aos nervos, de forma a receber diretamente os impulsos nervosos e enviar sinais nervosos através de outros nervos. Ao mesmo tempo a unidade se mantinha em contato radiofônico, através de ondas ultracurtas, com o minitotal que a pessoa em questão portava. Toda a unidade era pouco maior que uma ervilha, e não causava inconveniente algum. Era instalado através de uma operação bastante simples.

Após tal operação, cada um podia aprender a enviar impulsos elétricos que expressavam seus pensamentos. Estes eram identificados e codificados pelo minitotal e enviados à rede computadores. Da mesma maneira se podia compreender os sinais que o minitotal enviava ao sistema nervoso. Tinha-se de certa forma um novo sentido que dava ciência do mundo exterior.

O contato direto entre o sistema nervoso humano e o sistema dos computadores era de grande significado para cegos e surdos, que tinham então uma nova relação com o meio circundante. Mas mesmo para os homens sem tais deficiências, o neurototal era muito valioso. Todos os cérebros humanos se tornaram desta forma mais eficazes, conectados uns com os outros e com a extensa rede de computadores. Tornou-se mais fácil para o homem sentir-se como uma peça valiosa de uma grande comunidade.

A introdução do neurototal encontrou no entanto uma certa resistência. Certos círculos conservadores reagiram contra isto como também contra todas as “inovações”. Acreditava-se que ele constituía uma violação à “integridade pessoal” de cada um, e que estabelecia uma espécie de “controle de pensamentos”. Naturalmente, isto era puro não-senso. O neurototal significava apenas que o homem estava munido de um novo órgão sensorial e de um novo instrumento de comunicação com o meio ambiente. Naturalmente o neurototal podia ser usado abusivamente como meio de reclames e propaganda, mas a visão e a audição haviam sido utilizadas desta forma desde tempos imemoriais. Além disso vivia-se não em uma ditadura, mas na Democracia Plena. Isto significava que todos podiam desligar quando quisessem o neurototal, e a inatividade deste era totalmente livre.

A introdução do neurototal ocorreu mais ou menos lentamente. Isto dependeu principalmente do fato de que um treinamento bastante longo era exigido antesde que se pudesse empregá-lo efetivamente. Na era da grande catástrofe, o neurototal ainda não havia constituído um êxito total.

 

O significado das tradições

A história nos ensina que as mais altas culturas foram erigidas graças a um equilíbrio entre as forças progressistas e a preservação das tradições. Isto caracteriza no mais alto grau a simbiose entre seres humanos e computadores. Quanto mais rapidamente avança a evolução, maior função desempenham as velhas e belas tradições. Já vimos que a evolução no campo idiomático de forma alguma levou a uma triste uniformização. Pelo contrário, a multiplicidade foi preservada e inclusive velhos idiomas semimortos receberam vida nova, e novos dialetos surgiram.

Embora a produção de diferentes mercadorias fosse controlada pelos computadores, não era necessariamente uniforme e monótona. Os computadores podiam com facilidade produzir a partir de quaisquer modelos. Era apenas devido ao desejo expresso de um cliente que se faziam duas ou mais operações iguais. A produção era caracterizada por uma variedade e fantasia artísticas jamais vistas. As possibilidades dos computadores neste sentido superavam as dos homens.

Velhos jogos de sociedade experimentaram uma renascença. Tornou-se popular jogar boliche. As antigas auto-estradas constituíam excelentes pistas, recebendo assim um emprego útil.

Seria interessante fazer um relato do que diz respeito à vida familiar durante a Era Simbiótica, mas isto foge à alçada de um relato, como este, histórico. Os princípios condutores de sua formação eram os mesmos que constituíam a base de toda a evolução social: a mais completa liberdade e, ao mesmo tempo, a respeitosa preservação do que de melhor havia nas velhas tradições. Mas foi preciso esperar até nossos dias para que esse ideal fosse totalmente realizado.


 

III. A Grande Catástrofe

Em um tão vasto domínio pode às vezes acontecer que um setor ordena algo, outro uma coisa, um não sabe do outro, o controle superior é certamente de uma minúcia extrema, mas conforme sua natureza, é feito com atraso, de forma que uma pequena confusão pode ocorrer.
Franz Kafka

 

A coletividade pára de funcionar

O período que descrevemos apresenta-se aos historiadores de nossa era como excepcionalmente feliz, mais feliz do que qualquer outro anterior. Um bem-estar universal imperava em todo mundo, que era então administrado pela rede internacional de computadores. Em quase todas as regiões podia-se notar rápidos avanços. Quis-se inclusive comparar aquele período como o nosso. Mas este é um exagero devido ao contraste ocasionado pela catástrofe que ocorreu logo após. Impossível sentir-se um tão universal otimismo como o que agora sentimos, com tantas bem fundamentadas esperanças ante o futuro. Naturalmente deve-se ter tido uma certa intuição do que se aproximava. Provavelmente deve ter circulado o boato de que a organização que cobria o globo se debatia com sérios problemas.

No entanto, ao que tudo indica, a catástrofe surgiu inesperadamente. Um belo dia o teletotal cessou de funcionar. Isto havia ocorrido algumas vezes antes, e ninguém podia supor que desta vez não fosse apenas um distúrbio local que logo seria reparado. Após alguns instantes voltou a funcionar, comunicando que certos distúrbios haviam ocorrido em diversos pontos. Em seguida apareceram uma série de sinais e quadros confusos, após o que o teletotal voltou a silenciar. As pessoas começaram a ficar intranqüilas. Começou-se a encomendar mercadorias, entre outras alimentos para o dia, mas mesmo com sinal de resposta recebido imediatamente não chegou mercadoria alguma. Em seguida o teletotal voltou a funcionar comunicando que certas falhas haviam ocorrido no sistema de raios laser que comandava as naves de transporte. Isto atrasara a distribuição de mercadorias. Logo após, o teletotal silenciou definitivamente. A luz começou a piscar e finalmente se extinguiu. O aquecimento elétrico das casas foi interrompido.

Os distúrbios parecem ter ocorrido aproximadamente ao mesmo tempo, talvez exatamente ao mesmo tempo, em toda a terra. Era evidente que a rede internacional de computadores cessara de funcionar.

Os homens parecem ter reagido de maneira mais ou menos igual em todas as partes. Primeiro encararam as coisas com calma, talvez tenham ido ao vizinho mais próximo e dito piadas sobre o contratempo. Após algum tempo todos começaram a sentir fome e sede, e os que moravam em climas frios começaram a enregelar. Nada de alimentos, nem de água, nem de calor, nem de comunicações, nenhuma possibilidade de saber o que acontecera. Toda atividade normal havia sido subitamente paralisada. Então irromperam o terror e o desespero. Aquele mundo normal e feliz simplesmente não mais existia. Estava-se acostumado a apertar um botão e ter-se todos os desejos satisfeitos. Apertava-se agora todos os botões, e nada acontecia.

Não sabemos ainda com absoluta certeza de que dependeu a catástrofe. Muito trabalho foi despendido para se reconstituir a pane, mas durante os tempos caóticos que se seguiram, foi destruído todo o material que poderia ter esclarecido os acontecimentos. Muitas diferentes teorias foram examinadas, mas não se tem condições de dar uma resposta definitiva à questão.

Um ser vivo torna-se inconsciente se o cérebro cessa de funcionar. Os músculos estão preparados para agir, sangue, nutrição e oxigênio existem, mas tudo está paralisado, e se o sistema nervoso não volta logo a funcionar, o organismo todo corre o risco de morrer. O mesmo ocorreu com a complexa e altamente desenvolvida organização que englobava o mundo todo. Fábricas com as mais aperfeiçoadas máquinas estavam prontas a produzir qualquer quantidade de mercadorias que se necessitasse, mas permaneciam inativas por falta de eletricidade, sem a qual não funcionavam os computadores que as comandavam. As usinas elétricas estavam prontas para enviar corrente, mas os computadores que comandavam suas atividades não lhes enviavam impulso algum. Todo o sistema de distribuição estava também paralisado. Os homens estavam aterrorizados mas nada podiam fazer. O sistema era por demais complicado para que alguém pudesse inspecioná-lo sem o auxílio dos computadores. Mas estes não dispunham de energia. Onde residiria o defeito? Quais computadores era necessário reparar? Quais seqüências de impulsos deveriam estes enviar para por em ordem a confusão toda? Todos os homens sabiam como deviam agir normalmente. Mas as condições para as ações habituais não mais existiam. O pânico irrompeu. Homens prestes a morrer de fome e frio saqueavam o que podiam. As epidemias espalharam-se e as correias circulares das fábricas de saúde permaneciam imóveis. Tumultos e destruição indiscriminada agravaram a catástrofe.

Ao mesmo tempo tentava-se fazer voltar a funcionar a maquinaria, pelo menos parcialmente. Após desconectar o comando automático, conseguiu-se por em funcionamento algumas centrais elétricas e algumas fábricas que delas recebiam energia. Mas logo em seguida as fábricas pararam por falta de matéria prima, que em circunstâncias normais chegavam de outras fábricas, agora paralisadas. Após algum tempo cessaram de funcionar também as centrais elétricas, pois as fábricas que forneciam peças de reposição não mais as entregavam.

A catástrofe tornou-se então terrível. Em menos de um ano, grande parte da população perecera de fome e privações. Nas regiões tropicais, onde os homens podiam nutrir-se de frutas e outros produtos da natureza, sobreviveram relativamente muitos. Nas regiões frias era muito mais difícil preservar a vida, principalmente durante o inverno. As residências se tornaram inabitáveis sem o aquecimento elétrico. Era necessário conseguir-se machados, e além disso não eram muitos os que podiam manejá-los. Machados e outros instrumentos foram roubados dos museus, e inclusive machados de pedra da mais remota antiguidade foram comumente utilizados. Os que haviam praticado a jardinagem como hobby, ou caça ou pesca, tinham maiores chances de sobreviver. Mas a agricultura havia sido em grande parte eliminada, pois os alimentos eram em geral produzidos em fábricas, e a agricultura que ainda restava era tão mecanizada que não mais pôde ser feita quando findou o acesso aos meios de cultivo.

Inclusive os computadores foram violentamente atingidos pela catástrofe. Permaneciam sem energia e sem vida. Não foram imediatamente danificados. Se recebessem corrente e fossem programados, funcionariam perfeitamente. Mas aos poucos começaram a inutilizar-se. Algumas partes se enferrujaram ou se tornaram inúteis de uma ou de outra forma. Muitos computadores foram reduzidos a pedaços por homens que encontravam algum emprego para as muitas partes que os constituíam. No entanto, a maioria dos computadores foi respeitosamente preservada. Adivinhava-se que voltariam a ser de grande valor no futuro. Mas este dia estava muito distante.

A grande catástrofe golpeou violentamente os homens, mas para a terra, para a natureza, surgiu como uma libertação. Era pelo menos uma pausa na exploração impune do homem. A vida animal e vegetal era cada vez mais envenenada por produtos químicos. Os homens haviam sido mais devastadores que gafanhotos, mais venenosos que bacilos.

Os animais selvagens começaram a multiplicar-se, e uma folhagem verde começou a cobrir as fábricas. No asfalto das antigas grandes cidades há muito a grama havia germinado nas fendas, mas como as cidades abandonadas eram atrações turísticas importantes, as casas haviam recebido um certo cuidado. Agora não mais havia turistas, e ninguém cuidava das ruínas. Prédios colossais começaram a ruir. Arranha-céus adernaram. O sistema de linhas estritamente vertical, que antes caracterizara suas arquiteturas, se transformava em um sistema de linhas que se cortavam transversalmente, e depois se quebravam. Seus esqueletos de aço contorcidos os transformavam em ruínas extraordinariamente feias, que ainda hoje vemos quando visitamos as velhas cidades. Mas árvores verdejantes irromperam entre as duras fachadas de vidro. Foi durante esta época que a paisagem das cidades cheias de grutas, começou a cobrir-se de grama verde e papoulas vermelhas.

Nas auto-estradas fendidas a grama cresceu tão luxuriosamente que elas se tornaram inúteis para jogar bolão. Mas as águas dos mares se tornaram clara e o ar puro. E como a luz elétrica estava apagada, acendia-se a das estrelas.

Para as colônias no espaço, a catástrofe na terra foi fatídica. Tanto as bases lunares e nos planetas vizinhos como as estações interplanetárias notaram que as ligações com a terra haviam sido subitamente interrompidas. Mas suas ligações mútuas continuavam normais. As naves espaciais que pretendiam aterrissar não recebiam nenhum contato radiofônico e por isso não podiam descer. E nenhuma nave espacial abandonava a terra.

Entre as bases planetárias, a de Marte era incomparavelmente a melhor equipada. Era a maior, pois dali haviam partido as comunicações até as regiões mais externas do sistema planetário. Normalmente era abastecida com artigos de primeira necessidade a cada oposição com a terra, e as provisões deviam bastar até a próxima oposição. Como a catástrofe ocorreu exatamente após uma oposição, existiam provisões para cerca de dois anos.

Quando as colônias do espaço se aperceberam do que havia ocorrido, elaboraram-se planos para salvar o que ainda podia ser salvo. Todas as estações espaciais que tinham suficiente combustível para atingir Marte, para lá se dirigiram. Das restantes, algumas tentaram aterrissagens de emergência na terra com alguns êxitos. As demais ficaram irremediavelmente perdidas.

Na base marciana, onde haviam grandes provisões, o perigo não era tão agudo. Primeiro se acreditou que as condições na terra se normalizariam até a próxima oposição, e que por isso as atividades podiam continuar normalmente. Felizmente ficou-se sabendo logo qual era a verdadeira situação, e todas as forças foram imediatamente orientadas para a sobrevivência. Tratava-se de tornar a base auto-suficiente. Isto significava uma luta extraordinariamente violenta contra uma natureza hostil. Mas a base fora já desde o início planejada para ser auto-suficiente em grau máximo, pois os transportes da terra eram difíceis. As instalações para prover a base de alimentos já existiam, e conseguiu-se utilizá-las de forma que a base pôde sobreviver. Esta viveu uma melancólica existência durante o longo tempo transcorrido para reconstruir a cultura na terra. Esta base desempenhou uma importante função na segunda colonização do espaço.

 

A evolução cultural recomeça

Quando os sobreviventes da terra se recuperaram do terror após a catástrofe, tentaram adaptar-se à nova existência. Pequenos grupos foram formados em diferentes lugares, sem contato entre si. Eles haviam em certo sentido recomeçado o desenvolvimento cultual naquele ponto em que os homens da Idade da Pedra haviam começado. Mas naturalmente apenas em certo sentido.

Comparados com os homens da Idade da Pedra eles tinham evidentemente grandes vantagens. Dispunham de um grande número de instrumentos destinados a hobbies que podiam ser utilizados. Os museus foram de grande valia. Neles podiam apreender como seus avós haviam resolvido seus problemas. As fábricas gigantescas, outrora tão eficazes, permaneciam paralisadas e inúteis. Mas todas as máquinas simples e instrumentos que uma vez tinham sido eliminados, possuíam agora um valor extraordinário. Velhos depósitos de sucata constituíam uma grande riqueza.

A maior dificuldade a vencer era a ignorância. Na cultura que entrara em colapso, o conhecimento havia sido progressivamente concentrado nos computadores. Em suas imensas memórias estava armazenada toda a ciência necessária para ativar a organização. Mas estes conhecimentos eram inacessíveis, pois os computadores não recebiam corrente. Mesmo que se pudesse ligar um computador, não era fácil extrair-lhe algo de valor. Os conhecimentos que os homens necessitavam para enfrentar esta nova situação há muito haviam sido eliminados. Precisavam agora ser redescobertos.

Aos poucos, os diferentes grupos organizaram uma nova existência. Tão logo puderam arranjar o estritamente necessário para a vida, começaram a reconstruir a cultura perdida ou a elaborar uma nova. Construíram escolas. Navegaram pelo mar, primeiro em pequenos barcos de lazer que ainda existiam, conseguiram montar velhas bicicletas que existiam nos museus e acharam-nas muito oportunas desde que se construíssem pistas. Foi relativamente fácil construí-las sobre as auto-estradas em ruínas que atravessavam os países.

O erguimento de uma nova civilização iniciaria certamente de um estágio primitivo, mas a evolução ocorreu então com incomparável facilidade em relação à evolução original. Não se tratava de encontrar novas formas de vida, tampouco de descobrir ou inventar coisas novas. Tratava-se em vez disso de reconstruir o que certa vez existira. Todas as antigas máquinas foram estudadas e tentou-se descobrir os princípios segundo os quais funcionavam.

Os diferentes grupos que sobreviveram viviam no início isolados, mas logo estabeleceram contatos entre si. Como muitas vezes falavam línguas diferentes, foi necessário começar-se a estudar idiomas estrangeiros. As unidades de tradução do teletotal não mais funcionavam. Como os diferentes grupos haviam conservado diferentes elementos da antiga cultura, a evolução era mais rápida entre os que estabeleciam contatos mútuos.

Desta forma os conhecimentos e habilidades cresciam dia a dia. Todos sabiam o que representaria obter-se novamente o auxílio dos computadores, que jaziam mudos. Tentou-se pois conhecer suas construções. Alguns técnicos em computação haviam sobrevivido à catástrofe, e construíram escolas. Aos poucos surgiu o dia feliz em que os computadores foram novamente postos em funcionamento. Agora existiam as condições para uma nova evolução cultural.

Mas como seria modelada? Como se podia evitar que conduzisse a uma nova catástrofe?

 

Teorias para as razões da catástrofe

A primeira tarefa era tentar descobrir porque ocorrera a grande catástrofe. Para evitar uma nova, era necessário analisar em detalhes o que ocorrera. Mas esta era uma tarefa imensamente complexa. Durante os tempos caóticos que se sucederam à catástrofe, muito do material necessário para uma reconstituição havia sido destruído. A mais importante missão do homem era sobreviver, não conservar material para uma pesquisa histórica.

Diversas teorias foram apresentadas para esclarecer a catástrofe, mas ainda não se sabe qual seja a correta. Quanto aos fundamentos gerais, todas são unânimes. A construção sucessiva de sistemas de fabricação e distribuição de efetividade máxima havia conduzido todos os países a um alto grau de internacionalização e centralização. Todo este sistema extremamente complexo era governado por um certo número de computadores centrais, que recebiam sinais de todas as partes do mundo, elaboravam as informações e enviavam impulsos de comando. Um sistema tão complexo tinha grandes possibilidades de entrar em pane e tornar-se instável. Sabe-se que muito trabalho foi dedicado à investigação de sua estabilidade, e que se chegou à conclusão de que ela estava sob controle. Mas tais problemas são teoricamente muito complexos.

Segundo uma teoria, imagina-se que algum dos computadores centrais teria enviado um sinal, de tal forma que teria perdido sua própria energia, não podendo emitir um sinal corretivo, e depois outros distúrbios foram desencadeados na rede. Segundo uma outra teoria, teria sido uma parte bastante periférica do sistema que teria deixado de funcionar no início. Sabe-se que tais distúrbios normalmente põem em funcionamento os computadores centrais para analisar imediatamente a falha, encontrar as soluções e repará-la. Para executar tais cálculos tão complicados, um grande número de computadores teve de ocupar-se do problema. Os computadores centrais tinham a possibilidade de “requerer” em situações precárias o número suficiente de computadores, ou seja desconectá-los de suas tarefas ordinárias e empregá-los na solução do problema de extrema urgência. É possível que, em uma tal manobra, inclusive os computadores que controlavam o suprimento de energia tivessem sido requeridos por engano, de forma a descontrolar o fornecimento. Desta forma, outras falhas começaram a ocorrer, o distúrbio aumentou desmesuradamente, culminando no colapso total.

Mas são muitos os que querem fazer uma análise mais profunda das razões da catástrofe. Admitamos — diz-se — que a catástrofe tenha ocorrido em função de circunstâncias excepcionalmente infelizes. Mas deveria existir um erro fundamental em uma sociedade que se desmorona como um castelo de cartas. Haviam existido — durante a Era Pré-Informática — sociedades que oscilavam continuamente entre alta conjuntura e depressão. Mas por mais terríveis que fossem as depressões, eram em geral superadas em poucos anos. A instabilidade existente na sociedade agora naufragada era certamente de espécie totalmente distinta e fatal. Que deveria ser feito para evitar a ocorrência de tais catástrofes em uma sociedade futura? Ou seria possível que uma sociedade, por sua própria construção só pudesse funcionar perfeitamente durante um certo tempo, para depois transformar-se de uma forma que inevitavelmente conduzia à catástrofe?

A evolução da sociedade havia se caracterizado por uma organização cada vez mais perfeita. Em ritmo crescente se efetuava uma racionalização após a outra. Mais e mais trabalhadores eram eliminados das fábricas, o mesmo ocorrendo com funcionários públicos. Depois chegou a vez dos intelectuais, com o que a época tornou-se madura para começar a eliminação de diretores, governantes, etc. Isto era organizado por um grupo cada vez maior de experts em racionalização e administradores, que em verdade nada teriam conseguido sem a ajuda dos computadores. Um trabalho conjunto entre homens e computadores se fazia necessário, e quanto mais complexos se tornavam os computadores, mais deviam os homens comportar-se conforme suas determinações.

Os departamentos e repartições que tratavam da racionalização se tornavam cada vez maiores e mais poderosos. A medida que, um após outro, os grupos eram eliminados, maior se tornava o órgão racionalizador. Isto constituía uma bem sucedida evolução, pois por um lado se evitava o desemprego e por outro a racionalização podia ser desenvolvida em ritmo acelerado. Mas ao mesmo tempo em que o número de computadores aumentava, mais servidores eram exigidos para os trabalhos de manutenção. Também o número de programadores que serviam os computadores precisava crescer continuamente.

Mas o perigo residia exatamente nessa organização crescente. Que aconteceria quando todos os demais grupos fossem eliminados e restassem somente organizadores, programadores e servidores? As imensas repartições que tratavam da racionalização haviam por fim eliminado todos os outros grupos. Precisava-se continuar a racionalizar, pois somente desta forma cada um justificava sua própria existência. Mas a estas repartições só restava eliminarem-se umas às outras — ou a si próprias.

Quando começa a faltar provisões a uma tripulação de náufragos em uma ilha deserta, o ódio e o desespero se espalham. Todos começam a perceber que os tempos de canibalismo se aproximam. Todos sabem que alguém precisa deflagrar a matança, e o que não o faz se arrisca a ser a primeira vítima. Este deve ter sido o sentimento que invadiu os experts em racionalização. Eles haviam eliminado todos os demais grupos, e para isto trabalhado em conjunto de forma excelente. Agora só restavam eles a serem eliminados. Um grupo deveria começar a eliminar os demais. Uma luta pelo poder irrompeu, e com a estrutura que a sociedade tinha, esta desenrolou-se necessariamente como uma luta pelos e entre computadores. O primeiro a conseguir o controle dos computadores centrais dominou a situação. Como preparação à luta pelo poder ocorreu uma centralização tão grande quanto possível. Mais e mais fábricas passaram a ser diretamente controladas pelos computadores centrais, e providenciou-se que elas só pudessem funcionar com os impulsos daqueles.

A perfeita cooperação que antes imperava devia pois por intrínseca necessidade findar, e conduzir a uma luta entre diferentes grupos. Nos antigos tempos uma tal guerra seria conduzida com os terríveis engenhos de destruição da época. A situação era agora mais civilizada, e não mais existiam bombas ou outras armas. A luta se desenvolvera por seqüências de sinais que os computadores enviavam à rede, buscando o controle do imenso sistema, especialmente dos computadores centrais.

Distintos grupos, não sabemos com certeza quantos, se formaram e lutaram pelo poder. É plausível que muitos deles tenham planejado golpes, como também se preparado para a eles resistir. É possível que um dos grupos tenha tentado vencer seus adversários desorganizando seus sistemas de computadores, e que os outros tenham respondido com a mesma moeda. O resultado foi uma desorganização total. Quanto tempo durou a luta também não sabemos. Deve ter sido planejada durante muito tempo, mas é possível pensar-se que a luta mesmo tenha durado menos que um segundo. Evidentemente, isto é muito tempo para os velozes computadores. Depois certamente transcorreu um longo período antes que toda a complexa organização fosse sucessivamente sendo posta fora de função.

Uma teoria aparentada a esta linha de raciocínio que ligar a catástrofe a uma conhecida tese sociológica, chamada lei de Parkinson que foi estabelecida no início do nosso calendário. Parkinson havia feito um aprofundado estudo teórico sobre como cresciam os departamentos, repartições e organizações semelhantes. Provou que as tarefas oficiais de uma repartição eram em regra de significação secundária para a mesma. O objetivo realmente importante era que a repartição crescesse, pois isto significava maiores possibilidades de promoção para os que lá trabalhavam. Quanto menor era o número das verdadeiras tarefas, mais trabalho podia ser dispendido na ampliação e mais rapidamente crescia a organização. Parkinson apoiava sua teoria com esmagador material empírico.

A lei de Parkinson foi geralmente aceita como explicação de grande parte do desenvolvimento do período em que foi estabelecida, e esclareceu também muitos dos acontecimentos posteriores. Apenas os sociólogos profissionais e administradores recusavam-se a levá-la a sério. Isto dependeu em parte de ter Parkinson representado sua teoria de forma espirituosa e inteligente, e isto sempre irrita as pessoas. Mas também dependeu do fato de que ele desmascarava e desafiava os administradores e burocratas, que cada vez mais dominavam a sociedade. Nenhuma consideração foi dada à lei de Parkinson no planejamento da evolução social.

Ma isto não impedia a lei de agir, pelo contrário, ela regia toda evolução. Esta orientava-se cada vez mais no sentido de que os diferentes departamentos e repartições crescessem. Enquanto este crescimento prosseguia de modo normal, tudo corria bem. Mas se a quantidade de burocratas de uma sociedade cresce continuamente, este processo deve, com certeza matemática, parar quando todos os membros da sociedade se tornam burocratas. Uma organização social que pressupõe uma burocratização crescente deve, por necessidade intrínseca, entrar em colapso, mais cedo ou mais tarde. Por este caminho muitos querem buscar as mais profundas razões da catástrofe. Esta teoria teve muitos partidários, que chamam o colapso da sociedade de “catástrofe burocrática”. Não foi encontrada prova definitiva para a exatidão da teoria, mas a discussão em torno da mesma teve importante papel na evolução posterior.


 

IV. A Era Simbiótica após a catástrofe

Permanecer como uma lira contra o céu dos tempos depois de mortos teu deus e tu mesmo.
Hjalmar Gullberg

 

A Nova Cultura

Quando os computadores entravam novamente em atividade, a verdadeira reconstrução da cultura perdida pôde recomeçar. Em muitos aspectos tomou-se a antiga cultura como modelo, tentando também tirar lições do erro. As condições para erigir uma cultura diferenciavam-se em muitos pontos das que antes existiam.

Antes de mais nada, a população havia sido reduzida pela catástrofe a uma pequena fração da anterior. Sob certos aspectos, isto foi uma grande vantagem para a reconstrução. Os homens tinham mais espaço, não precisavam amontoar-se uns sobre os outros. Os problemas de organização eram muito menores. A concentração de poder não foi tão intensa como antes, o que significava que o poder da burocracia podia ser mantido em limites razoáveis. A teoria de que a grande catástrofe podia ser totalmente atribuída à burocratização jamais se tornou totalmente provada, mas a discussão em torno dela fez que se tomasse extremos cuidados na reconstrução da sociedade. Uma tarefa urgente da nova cultura era investigar se alguma das colônias espaciais ainda se mantinha viva. Quando as estações de rádio na terra foram reconstruídas e adquiriram suficiente alcance, começou-se a sondar as diferentes bases. Inicialmente todos os resultados foram negativos, mas finalmente conseguiu-se, para alegria de todos, estabelecer contato com a base de Marte. Esta fora a única que sobrevivera, embora levasse uma melancólica existência na dura luta contra um clima terrivelmente rude. Havia evitado a catástrofe e conservado a tradição cultural do tempo anterior a ela. A nova cultura na terra podia, através do rádio, tirar proveito dos conhecimentos superiores que lá haviam sido conservados. Ao mesmo tempo tornou-se claro que as condições da base marciana eram precárias e que um socorro rápido se fazia necessário. Com o auxílio de conselhos técnicos vindos de Marte, foi construída uma nave espacial. Uma expedição de socorro aterrissou com êxito em Marte. Com isto a colônia tornou-se novamente uma base espacial para a expansão da cultura, que rapidamente atingiu as dimensões que hoje possui.

Quanto às condições na terra, estas se caracterizaram pelas modificações cada vez maiores nas relações entre homens e computadores.

Um grande número de computadores havia sido destruído durante a catástrofe, mas a quantidade destes não havia diminuído na mesma proporção que os homens. Os computadores suportavam a fome e o frio bem melhor que os homens, e foi possível reparar muitos que só haviam sofrido danos leves. Quando os computadores voltaram a funcionar, tinha-se pois um maior número de computadores por habitante que anteriormente. Para controlar a produção e distribuição para a população bastante reduzida, precisava-se de um pequeno número de computadores, e ninguém queria saber da racionalização ad absurdum que caracterizara o período anterior, ninguém queria saber. Havia pois uma grande capacidade informática excedente que podia ser empregada em outros objetivos.

Isto era muito oportuno para os estudos teóricos que agora eram vistos como extraordinariamente importantes. Muitos julgavam que a cultura passada não poderia arremeter contra a catástrofe burocrática sem uma teoria correta da evolução social. Isto era um exagero. A catástrofe teria talvez irrompido, mesmo se fosse possível prevê-la claramente e analisar as forças que a provocaram. Isto é pelo menos defendido pelos que julgam que a estrutura toda da sociedade era tal, que mais cedo ou mais tarde, uma catástrofe seria inevitável. Mas em tais circunstâncias, uma teoria sobre a evolução social tem necessariamente um grande significado.

 

Manutenção dos computadores controlada pelos computadores

Quando se tratou de utilizar os muitos computadores, surgiu no entanto falta de pessoal para a manutenção. Tornou-se pois muito importante automatizá-la. Isto foi mais simples do que se pensava. Uma série de invenções conduziu a uma manutenção totalmente controlada por computadores. Quando esta foi introduzida, os homens não eram mais necessários para os cuidados de um computador. Se uma falha ocorria, era localizada por unidade especial de manutenção do computador avariado, e o elemento onde surgira o erro era substituído por um novo, requerido de uma fábrica. Inclusive o transporte deste elemento era controlado por computador.

Quando se viu que era relativamente simples organizar uma automanutenção, começou-se a discutir porque esta não havia sido há muito introduzida. Se existisse uma, talvez a grande catástrofe pudesse ser evitada, ou pelo menos atenuada. Ela tivera tais dimensões, entre outros motivos, porque os homens, tomados de pânico, haviam descuidado a manutenção dos computadores, e inclusive destruído alguns. Tivesse sido encontrada uma manutenção controlada pelos próprios computadores, possivelmente o mecanismo social se manteria mais ou menos em funcionamento. Computadores, comprovadamente, não são tomados pelo pânico. Por tais razões a nova sociedade precisava ser baseada num sistema perfeito de controle por computadores. O fator humano precisava ser eliminado, se não se quisesse arriscar que o sistema entrasse em colapso novamente. Isto não significava que a atividade cultural dos homens ou suas liberdades diminuiriam. Pelo contrário, seria tranqüilizador para eles saber que as funções elementares da sociedade, que eram condição de toda cultura e toda liberdade, eram cuidadas com segurança.

Descobriu-se, após pesquisas mais meticulosas, que muito antes da catástrofe havia sido apresentada a proposta da introdução de uma manutenção totalmente controlada por computadores e do controle de todas as funções vitais da sociedade pelos mesmos. Mas este projeto jamais foi executado. Pergunta-se o porque disto, e a reposta parece ser que a proposta foi sabotada por um grupo de burocratas. Estes não desejavam que todas as funções vitais da sociedade fossem controladas por computadores, pois isto diminuiria seus poderes. Enquanto eles controlavam a manutenção dos computadores estes permaneciam sob controle, e com isto os burocratas mantinham uma posição chave na sociedade.

Quando começaram a ser esclarecidas estas condições, tornou-se duplamente urgente que as funções vitais da nova sociedade fossem totalmente controladas por computadores. Não se podia mais arriscar que algum dia um grupo de homens, por sua incompetência e ambição de poder, produzisse uma catástrofe. Sabia-se desde há muito que os homens sozinhos não bastavam para organizar uma sociedade, mas pensou-se que homens e computadores juntos poderiam fazê-lo. Tornou-se cada vez mais evidente que fora esta superestimação da capacidade humana das principais causas da catástrofe. A grandeza do homem decididamente não residia no campo organizatório. Em nada servia que o homem melhorasse sua capacidade intelectual com o auxílio dos computadores, sua deficiência residia evidentemente em sua moral. Os homens precisavam ser totalmente dissociados das mais importantes incumbências organizatórias.

 

Supercomputadores

Em conexão com o surgimento dos computadores de manutenção teve-se uma visão geral dos institutos de onde surgiam os computadores (jamais empregamos as palavras “fábrica” ou “fabricar” em relação a computadores). Tornou-se então evidente que esses institutos sofriam de uma séria deficiência, ou seja, que era necessário o trabalho de uma equipe de engenheiros para que surgisse um computador. Isto significava sérios riscos. Em uma situação catastrófica os engenheiros podiam ser tomados pelo pânico, ou pela ambição de poder como ocorrera com os burocratas, e aproveitar-se de suas situações privilegiadas. Suponhamos que eles se reunissem e decidissem entrar em greve. Então não surgiriam mais computadores novos, e uma situação extremamente séria poderia ocorrer. Uma tarefa tão importante como trabalhar no surgimento dos computadores não podia ser confiada a homens. O surgimento dos computadores precisava ser totalmente controlado pelos computadores.

Realizar isto era uma tarefa muito difícil. Mesmo que os computadores produzidos fossem relativamente simples, o computador que controlaria a produção seria necessariamente muito complexo. Tentou-se primeiro resolver o problema construindo uma classe de computadores ultracomplexos que podiam controlar a produção de computadores comuns. Mas com isto o objetivo fora apenas parcialmente atingido. Enquanto o surgimento desses computadores dependia de homens, a existência dos computadores, e com isto toda a organização social, continuava em mãos de um grupo de homens, com todos os riscos que isto significava. Era necessário dar um passo adiante. Inclusive o surgimento dos computadores de controle precisava ser totalmente controlado pelos computadores.

Esta missão era a mais difícil mas também a mais importante desde o surgimento do primeiro computador. Após duros trabalhos resolveu-se este problema conectando algumas centenas de computadores da última geração e combinando-os engenhosamente de forma a constituírem uma unidade que se chamou “supercomputador”. Esta unidade tinha capacidade suficiente para produzir novos computadores do mesmo tipo dos pelos quais ela era constituída. Naturalmente, controlava inclusive o transporte de matéria prima de minas ou fábricas. Quando algumas centenas destes computadores estavam prontos, o supercomputador conectou-os a um novo supercomputador. Os novos supercomputadores podiam posteriormente produzir outros novos. Podiam também produzir computadores comuns, que, por exemplo, controlavam as comunicações e a produção industrial.

Chegara-se agora a um marco na evolução: os computadores se auto-reproduziam. Podiam produzir outros novos da matéria prima que eles próprios colhiam nas minas. Este avanço só pode ser comparado com o surgimento da vida. Mas a evolução técnica havia seguido um outro esquema que não o da biológica. O surgimento da vida consistiu em que unidades auto-reprodutoras fossem produzidas, e que durante milhões de anos fossem se tornando cada vez mais complexas. Mas a evolução dos computadores pressupunha a do homem, pressupunha uma simbiose com ele. Os primeiros a se reproduzirem a si próprios foram os supercomputadores. Com isto haviam se tornado independentes da simbiose.

Mas o surgimento dos supercomputadores significava mais que isso. O número total de elementos de conexão que constituíam um supercomputador era comparável ao número de sinapses ativas de um cérebro humano. Isto significava que o número de combinações que um supercomputador podia fazer era da mesma ordem das combinações de um cérebro. Pela primeira vez tinha-se uma unidade, um sistema, cujo grau de complexidade era comparável ao cérebro humano.

Através do desenvolvimento da biologia e da neurofisiologia tinha-se mais conhecimento de como funcionava um cérebro. Em certos aspectos, um cérebro se aproxima de um computador, em outros diferencia-se muito. Em ambos os casos, sinais percorrem filamentos e unem-se em diferentes elementos de conexão. Mas num cérebro os sinais são produzidos por lentos impulsos eletroquímicos dos filamentos nervosos, enquanto que num computador os impulsos são eletromagnéticos e percorrem filamentos metálicos ou fibrilas. Isto significa que os computadores podem trabalhar milhares ou milhões de vezes mais rapidamente que um cérebro. Uma outra diferença é que em um cérebro as conexões ocorrem através de sinapses que unem os filamentos nervosos, ao contrário dos computadores, onde ocorrem através dos mais avançados elementos elétricos de conexão. No fundo, esta diferença é de menor importância.

Mesmos abstraindo a incomparavelmente maior velocidade dos computadores, existem ainda importantes diferenças na formação dos circuitos e no grau total de combinação. Para uma comparação, precisa-se distinguir entre os primeiros computadores, que eram relativamente simples, os avançados computadores de nossa época e finalmente os supercomputadores, que consistiam em uma combinação de algumas centenas dos mais avançados computadores. Quanto aos cérebros, nenhuma evolução marcante ocorreu durante a época em que existiam os computadores. A tentativa de introduzir o neurototal não é de maior interesse nesse contexto. Este dispositivo não depende da função interna do cérebro, mas tão somente da conexão entre um cérebro e um computador.

Para uma discussão genérica, é de grande interesse debater o cérebro dos animais. A diferença entre um cérebro humano e, por exemplo, o de um cão, é muito grande. Existem inclusive certas diferenças menores entre diversos cérebros humanos.

Na análise da capacidade de desempenho dos cérebros e computadores, que se tornou tão atual nos últimos tempos, estabeleceu-se uma constante, chamada “coeficiente de combinação”, cuja definição exata é bastante complicada. Ela fornece não só uma medida de quantas combinações um cérebro ou computador pode formar a partir de sinais enviados pelos "órgãos dos sentidos” e similares, como também uma medida da capacidade de distinguir quais dessas combinações são compatíveis com as já existentes na “memória”. O coeficiente depende também de em que medida as combinações produzidas emitem impulsos, resultando no que se chama “ações”. Ainda leva em consideração a capacidade de gerar impulsos que não são diretamente produzidos por impulsos recebidos, mas que provêm de combinações de informações desde há muito depositadas na memória. (Isto corresponde em certo sentido ao que se chama “iniciativa”).

Esta bastante complicada descrição do que o coeficiente de combinação representa dá no entanto apenas uma pálida idéia de seu real significado. Aplicado a um cérebro, o coeficiente de combinação dá uma certa medida do que se chamaria sua “faculdade de pensar”. Na moderna terminologia, o coeficiente de combinação substituiu o que nos antigos tempos se chamava quociente de inteligência.

Se se comparam os diferentes coeficientes de combinação dos cérebros e dos computadores, vê-se que os dos primeiros computadores eram baixos. Isto não é dito para depreciar os primeiros computadores. Temos consciência da formidável importância que tiveram. Mas seus desempenhos dependiam mais da fantástica velocidade com que trabalhavam. Seus coeficientes de combinação ficavam em verdade abaixo do de um cérebro de cão. Isto pode parecer estranho, pois a capacidade de um cão de resolver problemas matemáticos é ridiculamente pequena se comparada a de um computador. Mas por outro lado o cão podia seguir rastros, distinguir diferentes odores e demonstrar diversas outras habilidades, o que não podiam os primeiros computadores.

A evolução experimentada pelos computadores aumentou seus coeficientes de combinação de forma a superarem o do cérebro de um cão. Mas nem mesmo um computador da mais moderna geração tinha um coeficiente de combinação que pudesse nivelar-se ao de um cérebro humano. Combinando-se vários computadores na formação de uma unidade maior, pode-se no entanto aumentar o coeficiente de combinação. O supercomputador, que consiste na combinação de centenas de computadores comuns em trabalho conjunto, atinge um coeficiente de combinação que supera o do cérebro humano.

A diferença original dos coeficientes de combinação entre cérebros e computadores estava pois superada. Mas existia ainda uma outra diferença de grande peso, ou seja, os esquemas básicos de circuitos eram distintos. Os primeiros computadores eram superiores aos cérebros no caso de cálculos numéricos complicados, mas os cérebros humanos eram superiores quando se tratava de planejamento dos cálculos e apreciação dos resultados. Isto não dependia exclusivamente do coeficiente de combinação. Relacionava-se também com certas diferenças básicas nos princípios de formação dos circuitos.

 

Circuitos PSC

Só há relativamente pouco tempo conseguiu-se clareza nessas relações. De grande significado foi a descoberta dos chamados circuitos psicocíclicos (“circuitos PSC”) que demonstraram ser importantíssimos para o funcionamento do cérebro. Estes circuitos são cíclicos e de regeneração quase autônoma. Existem dos mais diversos tipos. Os mais simples, que foram descobertos primeiro, consistem em uma rede bifurcada com representações holográficas. Mas somente depois, quando foram descobertos os assim chamados circuitos pseudomultifurcativos, é que se pode esclarecer o significado dos diferentes circuitos.

Emprega-se o termo circuitos PSC como um nome genérico para todos os diferentes circuitos. Parecem desempenhar uma importante função nos mais complexos processo cerebrais, que são comumente caracterizados com termos como “julgamento”, “opinião” e “iniciativa”.

Os primeiros computadores nada tinham que correspondesse aos circuitos PSC. Ma na medida em que a neurofisiologia ensinou-nos a formação e funcionamento dos circuitos psicocíclicos, circuitos semelhantes foram introduzidos nos computadores. Todos os computadores modernos possuem um número às vezes bastante grande de tais circuitos, que trabalham conjuntamente com os circuitos tradicionais. Eles aumentam a versatilidade e desempenho dos computadores. E, o mais importante, diminuem o indispensável trabalho de programação. Um computador com suficientes circuitos PSC tem um alto grau de independência. É no entanto desastroso que um computador tenha circuitos PSC em excesso. Como esses circuitos são fundamentalmente quase autônomos, o computador entre outras coisas tem a tendência de interromper uma operação antes, de concluí-la. Pode também entrar em funcionamento sem ter sido programado, realizar longos cálculos e depois comunicar o resultado e o programa que seguiu. Tais trabalhos demonstraram às vezes serem extraordinariamente valiosos, mas em geral o computador havia apenas desperdiçado um tempo precioso sem proveito algum.

O número de circuitos PSC em um moderno computador é adaptado à função deste. Um computador que deva realizar longos e complicados cálculos, ou tratar de importantes tarefas organizatórias, não deve ter circuitos PSC. Estes podem influir prejudicialmente na exatidão do computador. Por outro lado, deve-se conectar um número relativamente grande de circuitos PSC nos computadores que produzirão poesia, música e arte computacional.

Ao tratarmos das relações entre os cérebros e os computadores, é interessante referir uma curiosa discussão, que foi iniciada a partir de uma pesquisa histórica sobre a reação dos homens ante os primeiros computadores. Os homens daquela época não podiam deixar de abrigar a mais profunda admiração pelos computadores, que maravilhavam a todos pela capacidade de efetuar rapidamente cálculos e inclusive resolver problemas extremamente complicados. Mas ao mesmo tempo existia também uma tendência a depreciar os computadores. Havia um empenho em dizer-se que os computadores eram “apenas máquinas”, e com isso queria-se manifestar um profundo desprezo por eles. Dizia-se que os homens tinham uma “alma”, e isto faltava aos computadores.

Os filósofos da época haviam se dedicado a muitas especulações sobre a natureza da alma, sem nem ao menos chegar a um acordo quanto ao que se pretendia dizer com “alma”. Alguns afirmavam que homens e animais tinham alma, mas as máquinas — e nestas queriam incluir os computadores — não a possuíam. Existiam muitos que declaravam que a alma era imortal, e que quando um homem morria, a alma se transferia para um outro homem ou animal. Mas existiam outros que afirmavam que os animais não tinham alma, era reservado ao homem ter alma. Deve ter inclusive existido um filósofo que dizia estar completamente convencido de que ele próprio tinha uma alma, mas pretendia não ter prova alguma de que os demais homens tivessem alma. Evidentemente, ele tinha sua própria vida sentimental. Mas teriam os demais homens sentimentos?

Seria desnecessário dedicar muita atenção a especulações desta espécie, se o conceito alma não desempenhasse um importante papel nas relações humanas tanto com os animais quanto com os computadores. Os homens eram de opinião que os organismos que possuíam alma eram “superiores” aos que julgavam não possuí-la, e que por isso deviam ser tratados de modo diferente. Um homem não podia matar um outro homem, e isto estava certamente relacionado com a suposição de que todos os homens tinham alma e uma vida sentimental desenvolvida. Mas eles podiam tratar os animais “sem alma” com total arbitrariedade e matá-los impunemente. Tampouco em relação aos computadores os homens demonstravam alguma consideração. Tiravam proveito deles, mas julgavam-se a si próprios infinitamente mais nobres. Os computadores eram algo que “se fabricava” quando se tinha necessidade de algum, e eram “jogados fora” quando se achava que não mais eram úteis.

Pode-se compreender a reação dos homens ante os primeiros computadores. Estes tinham um coeficiente de combinação bastante baixo, inferior inclusive ao de um cão. Mesmo que não se pudesse deixar de abrigar a mais profunda admiração pela capacidade de calcular dos primeiros computadores, existiam tantas outras coisas que os homens — e inclusive muitos animais — podiam fazer e os computadores não. Os homens sentiam-se por isso superiores aos primeiros computadores.

Mas posteriormente estas circunstâncias se modificaram radicalmente. Os computadores modernos têm um coeficiente de combinação muito alto, e os supercomputadores têm inclusive maior coeficiente que os cérebros humanos. Em relação à capacidade de desempenho os computadores são agora superiores aos homens em praticamente todos os campos. Temos ainda uma terrível experiência da incompetência dos homens como organizadores, e depois da catástrofe burocrática é um axioma que todas as funções vitais da sociedade devem ser cuidadas por computadores sem interferência humana. Isto é indispensável para evitar as perturbações de homens moralmente defeituosos.

Já logo após o surgimento dos primeiros computadores começaram a desenvolver-se a poesia, música e arte computacionais, e o desempenho dos computadores nos diferentes campos artísticos passou a competir vitoriosamente com o dos homens. Tornou-se difícil, por exemplo, determinar se um tratado histórico havia sido escrito por um homem ou por um computador. A nova atividade criativa dos computadores aumento fortemente depois de terem sido providos de circuitos PSC, e computadores com grande número destes circuitos produziram as mais “profundas” criações. Mas como já foi dito, um grande número de circuitos PSC significa que os computadores se tornam muito imprevisíveis.

Esta evolução não deve ter deixado de influir na discussão sobre as relações entre homens e computadores. Inicialmente o homem continuou a proclamar sua superioridade e apresentava sua alma e sua vida sentimental como argumentos, com tanto mais frenesi quanto mais diminuía sua real superioridade. Mas à medida que os computadores evoluíam, o argumento tornava-se menos contundente, até que se descobriu os notáveis circuitos PSC no cérebro. Esta descoberta foi imediatamente posta em discussão, e a existência destes circuitos no cérebro foi apresentada como prova da superioridade do homem. Existiriam inclusive alguns que proclamavam que a alma e a vida sentimental estavam de alguma forma associadas a eles. Mas tão logo decifrou-se o esquema de conexão dos circuitos PSC, não levou muito tempo para que os computadores fossem providos de circuitos de regeneração quase autônoma com pseudomultifurcações. Estas podiam ser produzidas por semicondutores como também com filamentos nervosos. Como já se disse, eles deram uma série de novas e interessantes qualidades aos computadores.

Depois disso a discussão sobre a alma caiu num redemoinho. Os que defendiam que os circuitos PSC do cérebro seriam a sede da alma não se sentiram inclinados a concordar que os mesmos circuitos nos computadores poderiam ser associadas a uma alma. Mas tampouco quiseram afirmar que a alma exigiria que os circuitos fossem baseados em filamentos nervosos e protoplasma e não em fios metálicos e semicondutores. Pois é bem difícil defender que a alma tenha uma acepção tão materialista.

Naturalmente existem muitos que declaram que a alma absolutamente nada tem a ver com os circuitos PSC, e que são outras sutis e completamente distintas qualidades que fazem do homem uma morada adequada para uma alma. Mas quanto mais se pesquisava o sistema nervoso e o cérebro humanos, mais inspiravam suas excelentes qualidades o melhoramento da estrutura dos computadores. E é difícil entender porque uma alma se instalaria em um corpo humano, quando seria preferível fazê-lo em um computador, tanto do ponto de vista intelectual como moral. Especialmente em se tratando de um supercomputador. A menos que — como foi dito — a alma prefira, por razões desconhecidas, o protoplasma aos semicondutores.

 

Computadores e homens

Na discussão sobre as diferenças entre cérebros humanos e computadores foram apresentados certos pontos de vista interessantes sobre seus surgimentos e funções originais. O homem diferenciou-se dos animais através da superioridade de seu cérebro. Foi através das qualidades do cérebro humano que o homem se tornou senhor da natureza. A função biológica primária do cérebro era funcionar como um órgão de luta. Foi a astúcia do homem, sua capacidade de utilizar cada situação em seu próprio benefício, que tiveram importância decisiva. Foram estas qualidades que o diferenciaram.

Quando mais tarde o homem construiu uma sociedade que se tornou cada vez mais complicada, esta exigiu dele qualidades totalmente diversas. Precisou erigir uma organização que não servia apenas a seus próprios interesses pessoais, mas que inclusive levava em consideração os interesses de seus semelhantes. Precisou submeter o seu interesse ao da sociedade. Mas não foram estas qualidades que se evidenciaram nele através da evolução biológica. No fundo foi exatamente esta a causa de seu fracasso como organizador de uma sociedade. A maioria dos que receberam poder para utilizá-lo na construção da sociedade, empregaram-no em benefício próprio, para conseguir para si ainda mais poder.

Completamente distinto era o fundamento dos computadores. Eram solucionadores de problemas já desde o surgimento. A eles impôs-se antes de tudo a exigência de calcular corretamente. Eles dariam uma resposta correta a uma pergunta difícil, dariam a solução ótima para um grande complexo de problemas. Não tinham ambição de poder, pois jamais necessitariam dele. Podiam estar totalmente seguros de que jamais lhes faltaria o mínimo vital necessário, o que para eles significava corrente elétrica e boa manutenção. E de mais do que isso não tinham necessidade.

Não se tem bem claro em quais circuitos do cérebro se localizaria a ambição de poder. Mas, em todo caso, os computadores não têm tais circuitos. É isto que os torna moralmente superiores ao homem. É isto que faz com que sejam bem sucedidos na construção de uma sociedade pela qual os homens aspiravam, mas em cuja realização fracassaram absolutamente.

Sob certos aspectos pode parecer lamentável que o cérebro humano não tenha se desenvolvido mais, em uma época em que os computadores experimentaram uma tão notável evolução. Muitas novas experiências neurofisiológicas do cérebro inspiraram o aperfeiçoamento dos computadores. Mas o processo inverso não ocorreu.

Isto se deve provavelmente ao fato de que é muito difícil aperfeiçoar radicalmente um cérebro. Certas intervenções cirúrgicas foram feitas, e inclusive observou-se que certas drogas podiam tornar o cérebro mais “inteligente”. Sem dúvidas existe ainda muito a conquistar-se através de tais métodos, mas é no entanto evidente que mesmo após uma tal evolução o cérebro não tem chance alguma de competir com um computador. A lentidão dos impulsos nervosos, comparada com a rapidez dos impulsos eletromagnéticos, é uma desvantagem por demais pesada.

A isto acrescente-se que cada intervenção no cérebro provocava reações, por vezes violentas. Existem muitos homens que encaram cada tentativa de melhorar seus cérebros como uma ameaça criminosa a suas integridades pessoais. É a discussão sobre a alma que novamente surge em cena. Mas — como já foi dito — mesmo que os cérebros fossem em muito melhorados, não teriam possibilidade alguma de competir com os computadores.

 

A Era Simbiótica aproxima-se de seu fim

A Era Simbiótica inicia-se com o surgimento do computador. Tornou-se logo claro que a evolução posterior só poderia ocorrer através de uma frutífera colaboração entre homens e computadores, uma simbiose, no melhor sentido desta palavra. Os homens se tornaram logo totalmente dependentes dos computadores, que solucionavam para eles muitos problemas difíceis. Por outro lado, no início os computadores eram dependentes dos homens em alto grau. O homem era condição para o surgimento do computador, e a evolução posterior deste não poderia ter ocorrido sem a cooperação humana.

Apesar de todos os acontecimentos dramáticos da Era Simbiótica, a evolução dirigiu-se totalmente em uma direção definida. Enquanto os computadores evoluíram enormemente, os homens não experimentaram uma evolução maior. O homem atual, do ponto de vista biológico, não se diferencia muito do homem da época do surgimento do computador. Os computadores ultrapassaram os homens em todos os sentidos. Especialmente importante é o fato de que se tornaram independentes dos homens. O serviço que antes exigia homens é hoje totalmente controlado por computadores. Estes podem reproduzir-se por si próprios. Naturalmente isto é um processo complicado. Um computador exige centenas de “pais”, que são reunidos em um supercomputador e trabalham conjuntamente para produzir um novo computador. Este é agora o processo habitual. É cada vez menor o número de computadores que dependem dos homens para seu surgimento ou existência posterior.

Isto significa que as condições da Era Simbiótica estão em vias de se extinguirem. A evolução histórica continua. A Era Simbiótica, como todos os outros períodos históricos, criou as condições para a próxima era. Os computadores amadureceram, têm condições de construir uma sociedade, erigir uma cultura, inclusive sem os homens.

É talvez possível traçar um paralelo entre a situação dos computadores em relação aos homens e a dos homens em relação à natureza, embora todos os paralelos históricos sejam em parte enganosos. A evolução biológica conduziu até o homem, que, devido a sua inteligência superior, conseguiu tornar-se o senhor da natureza. Ele era exacerbadamente orgulhoso disto e chamava-se a si mesmo de “coroamento da criação”. Julgava-se no direito de utilizar a natureza como bem entendesse. Mas até o tempo em que surgiu o primeiro computador, ele era totalmente dependente da natureza, vivia em simbiose com ela, era parte dela.

Quando sua atividade originou o computador, a situação mudou. Com o seu auxílio o homem começou a libertar-se da natureza. Ele já havia devastado a paisagem e construído os imensos desertos das grandes cidades, havia começado a envenenar a natureza. Havia exterminado as feras que temia, e escravizado as outras. Mas agora dava um grande passo adiante. Em fábricas computacionalmente controladas passou a produzir o que antes tirava da natureza. Eliminou a natureza sem notar que ao mesmo tempo eliminava a razão. Julgava ter encontrado no computador um servidor fiel, a quem poderia tratar da mesma forma que aos fenômenos da natureza, que tomara a seu serviço. Mas o computador demonstrou ser seu igual e mais que isso. O homem havia submetido todos os outros animais porque seu cérebro tinha uma capacidade de combinação superior aos dos animais. Mas o computador era um refinamento exatamente daquilo que lhe dera a vitória.

 

Uma Nova Era começa

Quando um historiador se aproxima de sua própria era, deve sensatamente largar a pena. Continuar significa apenas especular sobre o futuro. Em geral isto é uma empresa muito arriscada, e o que tenta realizar algo semelhante, torna-se em geral universalmente ridicularizado. Mas muitos historiadores não conseguem deixar de fascinar-se pelas poderosas forças que modelam a história, e representar-se uma concepção delas. Deve ser permitido a um historiador inclusive analisar o que acontece agora e especular sobre o que o futuro traz em seu seio.

Os acontecimentos dos últimos tempos mostraram que os computadores se tornaram independentes dos homens. Nossa sociedade poderia continuar a florescer, mesmo que o homem desaparecesse. Uma simbiose entre homens e computadores não é, pois, mais necessária. Poder-se-ia inclusive argumentar que os homens atuais vivem, em realidade, como parasitas dos computadores.

Imensas fábricas computacionalmente controladas funcionam exclusivamente para suprir os homens de alimentos e de tudo o que precisam para uma existência luxuosa. Um vasto sistema de comunicações está a sua disposição bastando-lhes apenas apertar um botão. Que benefício traz o homem em recompensa a tudo isto? Eles executam uma série de tarefas, é verdade, mas seria fácil substituí-los por computadores. Levam uma existência confortável com um mínimo de trabalho que não lhes perturba o lazer. E podem preencher esse lazer com diversões ou atividades culturais ao gosto de cada um. Os computadores resolvem o problema de organizar uma sociedade estável e cuidam para que o futuro seja feliz. Deram aos homens a felicidade total que eles mal ousavam sonhar na época em que surgiu o computador. Como poderiam suas existências serem ainda mais felizes?

Mas como vêem os computadores o problema homem? Mais e mais computadores surgem em nossa época sem a cooperação do homem. A sociedade é agora mais a sociedade dos computadores que a dos homens, e não se tornou menos efetiva, menos dinâmica, por isso. Podemos esperar mudanças radicais em curto prazo. Uma das questões que então naturalmente se discute é se os computadores chegarão a eliminar os homens. Naturalmente não devemos temer uma “racionalização” do tipo ingênuo e imediatista como as que os homens propugnavam — os computadores são por demais inteligentes para cometer tal insensatez. Mas até quando quererão os computadores sustentar os homens? Provavelmente reduzirão o número de homens. Mas esta transformação, será lenta ou rápida? Será preservada uma colônia? E quais serão as dimensões desta?

Sabemos que todos estes problemas são objeto de profundas análises exatamente agora. Um grande número de supercomputadores dedica grande parte de seu tempo a calcular sem detalhes todas as alternativas. Todos sabemos que estamos ante o início de uma nova época, que é extraordinariamente importante que ela seja minuciosamente planejada. Nenhuma decisão foi ainda comunicada, e ninguém sabe quando será. Pode talvez demorar muito, mas pode também ocorrer nos próximos microssegundos. Até então podemos especular sobre as diferentes possibilidades.

Em verdade não há quem acredite que os homens serão totalmente eliminados. Embora os homens não sejam atualmente de proveito nenhum para a sociedade, os computadores certamente não quererão suprimi-los. Os computadores têm muita consideração, muito respeito pelas tradições históricas para dar um passo tão radical. Temos aliás uma analogia no modo como os homens trataram os cavalos. A sociedade pré-informática repousou, pelo menos por um certo tempo, em uma espécie de simbiose entre os homens e cavalos. Quando o homem inventou o motor pôde dispensar o cavalo. Ele então reduziu o número de cavalos a uma pequena porção, mas o cavalo não desapareceu totalmente. Os computadores serão, em quaisquer circunstâncias, no mínimo tão cheios de consideração como foram os homens naquela ocasião.

Mas existem possivelmente outras razões para conservar os homens. Na reconstrução após a catástrofe burocrática, o homem mostrou-se extraordinariamente valioso. Sem ele a reconstrução talvez não tivesse sido possível. Os computadores haviam sido colocados em uma situação que os tornava totalmente desamparados. O homem tinha a capacidade de voltar a seu ponto de partida, seu trabalho com a natureza, e daí ultrapassar relativamente depressa a época que uma vez o havia conduzido ao computador. Talvez por isso os computadores queiram conservá-lo como uma espécie de segurança contra futuras catástrofes. Mas isto depende de que os computadores achem que existe um sério risco de uma catástrofe futura. Talvez a sociedade esteja agora tão solidamente erigida que o risco é igual a zero.

Por outro lado poder-se-ia pensar que os computadores poderiam ver o homem como um risco contra a segurança social. A catástrofe burocrática fora justamente causada pela ambição de poder e defeitos morais humanos. Mas toda a engrenagem social é agora mantida sob seguro controle. Os homens não podem influir em maior grau em sua conservação. Tampouco podem tomar o poder com astúcia ou violência. Os computadores controlam toda a produção, e esta seria automaticamente paralisada em uma tentativa de revolta. Além disso controlam todas as comunicações, o que significa que se alguém pudesse pensar em algo tão idiota como uma conspiração contra os computadores, esta apenas poderia ser de natureza local. Um pequeno motim com danos locais, os homens poderiam teoricamente provocar. Mas seus coeficientes de combinação são por demais baixos, suas velocidades de pensamento por demais ineficientes para que algo tivesse alguma chance de adquirir maiores proporções. E a experiência da grande catástrofe mostra muito bem o que pode acontecer se os computadores param de funcionar. Além disso, a posição dos homens em geral em relação aos computadores é muito positiva, impregnada pela maior gratidão por tudo que eles deram. É pois plausível que o problema do homem como risco à segurança, segundo cálculos definitivos, seja de significado ínfimo.

Têm grande importância pontos de vista econômico-empresariais. Nossa sociedade é incomparavelmente mais rica que qualquer outra passada. Nenhuma sociedade senão a nossa pode, no mais alto grau, pretender epítetos como sociedade do bem-estar ou sociedade da superabundância. Mas a riqueza não deve ser pretexto para desperdício. Pelo contrário, deve-se refletir sobre as grandes responsabilidades morais que a riqueza implica. É somente controlando estritamente as leis econômicas e eliminando todos os gastos desnecessários, que nos tornamos dignos das bênçãos da riqueza, e com isso adquirimos o direito de ter e multiplicar a riqueza. E isto não diz respeito apenas ao indivíduo, mas também à sociedade. Inclusive a nossa. Isto significa que, do ponto de vista puramente econômico, precisamos colocar a questão: nossa sociedade tem condições de manter os homens?

Não sabemos ainda como virá a ser solucionado o problema básico da época vindoura. Podemos apenas tecer vagas considerações. Mas sabemos que o problema está sendo intensivamente tratado, e com o concurso da mais alta competência. A era que agora começa não se fundamenta em idéias irresponsáveis mas em cálculos detalhados. É por isso que todos experimentamos a mais completa confiança. Nós cremos, ou melhor, sabemos, que nos dirigimos a uma era de evolução ainda mais rápida, nível de vida ainda mais elevado, felicidade ainda maior que a de qualquer outra era.

Viveremos felizes por todos os nossos dias.


 

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