capa

eBookLibris

Nélson Jahr Garcia

SADISMO, SEDUÇÃO E SILÊNCIO

—Ridendo Castigat Mores—

eBooksBrasil


 

 

Sadismo, sedução e silêncio
Propaganda e Controle Ideológico no Brasil: 1964-1980
Nélson Jahr Garcia
[12-10-1947-06-11-2002]

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital
www.ngarcia.org

© 1999, 2005 — Nélson Jahr Garcia


Sadismo, Sedução e Silêncio
Propaganda e Controle Ideológico no Brasil:
1964-1980

Nélson Jahr Garcia


 

ÍNDICE

 

O Autor 

INTRODUÇÃO 
REFERÊNCIAS TEÓRICAS 
CAPÍTULO I
A Industrialização Brasileira e as Novas Forças Sociais

CAPÍTULO II
A Ideologia

CAPÍTULO III
A Evolução da Propaganda e do Controle Ideológico

CAPÍTULO IV
O Controle Ideológico

CAPÍTULO V
A Propaganda

CAPÍTULO VI
A Contrapropaganda

CONCLUSÃO
Propaganda, Violência e Sociedade: Uma Dinâmica de Contradições

NOTAS 
BIBLIOGRAFIA 


 

O Autor

imagem

Nélson Jahr Garcia

“Yo soy yo y mi circunstancia
y si no la salvo a ella no me salvo yo”
Ortega y Gasset (Meditaciones del ‘Quijote’, I, 322)

 

“Nélson Jahr Garcia, esse o nome sob o qual fui registrado e batizado em outubro de 1947.

Fiz Primário, Secundário e Colegial em escola pública. O ensino oficial era sério, os professores, respeitados, viviam com dignidade.

Veio o vestibular, fui aprovado para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Glória para mim, orgulho para a família, inveja entre certos vizinhos.

Advoguei por quase uma década e, ao mesmo tempo, ingressei no magistério superior. Lecionei em várias unidades da USP, principalmente na ECA, e em algumas Faculdades particulares.

Na ECA matriculei-me em Pós-Graduação, fui aprovado e conclui mestrado e doutoramento. Especializei-me em comunicação persuasiva e propaganda ideológica. Valeu, aprendi, além de teorias gerais, propaganda, relações públicas, jornalismo, cinema, televisão, um pouco de artes plásticas. Além disso, consegui superar um pouco do espírito barroco e burocrático que a Faculdade de Direito me havia incutido.

Escrevi cinco livros, três em papel e dois eletrônicos, sem contar centenas de artigos e crônicas. Há três anos sou cronista de “O Atibaiense”, o maior e melhor jornal desta cidade.

Apaixonado pela Internet, criei este site dedicado à comunicação persuasiva, inclusive reproduzindo obras clássicas relacionadas direta ou indiretamente ao tema. Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou.”

 

Nota do Editor: O texto acima era o de apresentação do “Ridendo Castigat Mores”, site que Nélson Jahr Garcia mantinha na web e onde seus livros e artigos estavam à disposição do mundo, bem como muitas e muitas obras clássicas. Nélson nos deixou em uma manhã nublada de 6 de novembro de 2002. Sua obra continua iluminando o mundo.

A presente edição de “Sadismo, Sedução e Silêncio”, é uma reprodução, em outros formatos, do título lançado em RocketEdition em 1999, um dos primeiros editados pelo eBooksBrasil.org, com a colaboração do Nélson. Estava disponível, em html, no Ridendo Castigat Mores [www.jahr.org, e, depois, “em novo endereço e sob a mesma direção”, em www.ngarcia.org], site descontinuado com o falecimento de seu webmaster: Nélson Jahr Garcia.


SADISMO, SEDUÇÃO E SILÊNCIO

Propaganda e controle ideológico no Brasil:
1964-1980

Nélson Jahr Garcia

 

INTRODUÇÃO

 

A propaganda tem tido um papel decisivo no desenvolvimento das sociedades. Caracterizou-se, através da história, como um componente fundamental na difusão das idéias que precederam e acompanharam transformações significativas dos sistemas econômicos e políticos ou, em outros casos, determinaram reações, inclusive violentas, contra as mudanças que começavam a se esboçar. O interesse pela sua compreensão, contudo, não tem sido muito grande e os estudos a respeito são raros. No que se refere à realidade brasileira em especial, as Ciências Sociais têm revelado uma indiferença quase absoluta pela análise das relações entre a propaganda e os movimentos sociais. Este trabalho pretende oferecer uma contribuição nesse campo.

A questão central, e mais ampla, diz respeito à forma como a transformação das relações sociais se expressa no plano ideológico, particularmente no plano da comunicação, e aos efeitos que o desenvolvimento desta determina sobre aquelas mesmas relações. O movimento das sociedades se manifesta, basicamente, pelos conflitos entre as diversas classes e suas frações. Dessa forma, a questão se especifica na necessidade de, em primeiro lugar, definir a capacidade potencial que cada segmento detém para realizar os interesses que, conscientemente, assumiu como próprios e os instrumentos de que dispõe para impô-los, ideologicamente, aos demais. A imposição de interesses, no plano das idéias, só pode ser feita através de duas vias: a submissão por algum tipo de ameaça, inclusive a de uso da força, e a conquista pelo convencimento. Torna-se preciso, então, definir que condições determinam o emprego de cada uma dessas alternativas, se há relações entre elas e quais as conseqüências de sua utilização. Dentro desse prisma, o período escolhido para análise (1964-1980) revela-se extremamente sugestivo. A sociedade brasileira vivia momentos de grande intensificação dos choques sociais. Inúmeras organizações, empunhando a bandeira dos interesses das classes menos favorecidas, coordenavam movimentos contestatórios e de reivindicação por todo o país. Havia um forte clima de anseio e luta por mudanças, tanto nas cidades como no campo. O golpe armado, apesar da forte repressão que desencadeou sobre as lideranças e da incipiente propaganda que realizou, só logrou arrefecer o ambiente convulsionado por breve período, voltando a reforçar a violência e a censura a partir de 1968, momento em que também começou a organizar um forte esquema de propaganda. À exceção da guerrilha armada, seguiu-se uma aparente tranqüilidade que acabou interrompida por novas agitações a partir de meados dos anos 70, evidenciando que havia um turbilhão se formando sob aquelas águas calmas. Esse quadro, embora sucinto, permite reformular aquelas questões, agora no plano concreto. Em primeiro lugar, trata-se de saber que fatores levaram as classes subalternas a adquirir uma tal capacidade de mobilização que obrigou a classe dominante a reagir com a força armada, além da persuasão, para impor seus interesses. Além disso, é preciso esclarecer as razões pelas quais, mesmo desorganizadas pela repressão e manipuladas pela propaganda, aquelas classes voltaram à luta e, quando novamente reprimidas e seduzidas, se levantaram outra vez, como se as medidas que o governo pretendia neutralizadoras servissem de estímulo à ação.

Outra ordem de considerações diz respeito à linha metodológica adotada. O conhecimento se caracteriza como o resultado de uma construção intelectual que procura representar, mentalmente, determinados fenômenos concretos. A apropriação mental dos fatos, porém, não se faz de modo direto e linear, mas através de um processo de "concreção progressiva" que permita, gradativamente, ir-se aprofundando no exame do objeto.(1) É necessário proceder-se a uma discussão inicial, em nível abstrato, de modo a formular determinadas generalizações teóricas. Todavia, só a análise no nível concreto pode permitir aprofundar a compreensão do fenômeno em toda sua gama de implicações. A propaganda é sempre realizada em momento histórico definido, entre homens reais, vivendo em determinadas condições de existência. E essa realidade, na sua contingência histórica, que a ciência deve desvendar e procurar compreender, superando a superficialidade daquelas generalizações primeiras e avançando para novas concepções, agora mais ricas. Como orienta Marx: "Do concreto inicialmente representado passaríamos a abstrações progressivamente mais sutis até alcançarmos as determinações mais simples. Aqui chegados, teríamos de empreender a viagem de regresso (...) desta vez não teríamos uma idéia caótica do todo, mas uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações".(2) A fórmula prática de procedimento, para se chegar à totalidade mencionada, é aquela pela qual se procura determinar as ligações entre as diversas facetas de uma situação através de um processo de análise e síntese. Qualquer realidade se configura, sempre, como um conjunto de elementos em que cada um deles só tem sentido pela posição que ocupa no todo. Nessas condições, a produção de conhecimentos exige um trabalho de análise, de decomposição do objeto em suas partes fundamentais. Esse fracionamento deve ser conduzido levando-se em conta a disposição dos diversos elementos, não apenas no espaço, como no tempo, sob pena de perder-se a visão do movimento, da transformação que se desenvolve, inevitavelmente, em todos os fenômenos do universo. O passo seguinte é o da síntese, em que se procura definir o modo de articulação entre os diversos aspectos analisados e a forma como se integram numa unidade.(3)

A propaganda, como fenômeno social, também se caracteriza por ser constituída de componentes diversos. Ela mesma não é mais que uma parcela de uma realidade mais ampla: a do conjunto das relações sociais em determinado momento histórico. Dessa forma, o seu estudo envolve, em primeiro lugar, a consideração de que ela ocorre em uma sociedade. Nesta, o sistema produtivo encontra-se em determinado estádio de desenvolvimento, que explica a forma como certos agentes sociais participam da produção, interagindo com e contra os outros. Determinados, assim, pelas condições em que se encontram, os homens se formulam representações da realidade em que vivem, que os localiza e dá sentido às suas ações: é a ideologia. A difusão dela permite que as ações possam realizar-se, integrada e organizadamente, em determinada direção: a realização de certos interesses dos agentes. Os elementos básicos a serem considerados na análise da propaganda, portanto, são: a sociedade, com seu sistema econômico e regime político, as classes e seus interesses, as ideologias correspondentes e o processo de sua difusão. Para o período em estudo, a análise deverá examinar esses aspectos na forma como se expressaram em sua especificidade concreta. Verificaremos o modo como a economia brasileira se inseriu no contexto do capitalismo internacional e os reflexos dessa posição na maneira como se orientava a acumulação no plano interno. Para tanto, será necessário recuar aos anos 50, já que foi a partir de então que se definiram variáveis importantes para a explicação da conjuntura econômica, em 1964, e das mudanças que se sucederam. Com esse pano de fundo, tornar-se-á possível localizar as classes sociais, verificar seus interesses e estimar sua força. A seguir, será necessário avaliar o núcleo ideológico, ou seja, as idéias centrais, contidas na ideologia dominante, que orientaram as decisões e medidas político-econômicas concretizadas no período. Para essa análise, serão consideradas as ações efetivas, à medida que revelarem direções previamente estabelecidas; o discurso, quando levado em conta, o será apenas como subsídio secundário em relação ao critério principal. A ideologia será vista, assim, através de um prisma preponderantemente operacional, entendida como um conjunto de representações, definido em determinado momento histórico, que se configurou como um ponto de referência para a tomada de decisões e sua execução e, o mais importante aqui, como repertório para a elaboração das mensagens. No que se refere à propaganda, a análise irá concentrar-se na comunicação realizada a partir dos órgãos do Estado, já que este a manteve sob seu controle absoluto. Para tanto, será necessário, em primeiro lugar, examinar o sistema de controle ideológico empregado para assegurar a prevalência exclusiva das versões apresentadas oficialmente. Esse sistema será estudado, basicamente, através das formas como foram manipulados os meios de comunicação e do modo como foram empregadas a censura e a repressão. A seguir, será necessário examinar as técnicas pelas quais os componentes da ideologia foram codificados em mensagens que se adequassem aos interesses dos receptores, bem como à sua capacidade de percepção, entendimento e memorização. Procurar-se-á, também, delinear como a contrapropaganda, realizada pelos segmentos que se opunham ao regime, procurava neutralizar suas campanhas e destruir a imagem positiva que estas tentavam criar. A conclusão deverá buscar a síntese entre os diversos aspectos analisados, no sentido de verificar a natureza de sua unidade.


 

A NATUREZA DA PERSUASÃO E DA PROPAGANDA: REFERÊNCIAS TEÓRICAS

 

A formulação de um modelo teórico abstrato a respeito da propaganda ideológica, sua natureza, estrutura e funcionamento é indispensável para que se disponha de conceitos, mesmo hipotéticos, que orientem o estudo de uma situação concreta. Para tanto, devem ser considerados alguns aspectos essenciais.(1) A primeira questão diz respeito à diferença específica que permite identificar a propaganda. Considerando-a uma forma de comunicação, o que a caracteriza? A sua marca distintiva é o caráter intencionalmente persuasivo. Os que a realizam visam induzir outros a se comportar de determinada maneira, procurando impedi-los de agir por outra, de modo a lograr a consecução de seus objetivos. Há diversas situações onde existe a transmissão de ideologia, mas a ausência de intencionalidade impede que se possa falar em propaganda. Não seria correto afirmar, por exemplo, que ao ensinar cálculos para avaliação de retorno sobre investimentos, um professor de matemática financeira estivesse fazendo propaganda das teses capitalistas. A partir do momento em que determinadas idéias são disseminadas e impregnam a consciência dos membros de uma sociedade, estes passam a reproduzi-las automaticamente, sem o intento exclusivo de persuadir. Isso ocorre freqüentemente com pais, professores, jornalistas, artistas, mas não se configura como propaganda, é apenas uma conseqüência dela. A distinção nem sempre pode ser feita com clareza, mas abstraí-la seria atribuir uma tal amplitude ao conceito que o descaracterizaria e o tornaria inócuo.

Resta-nos, agora, questionar a natureza da persuasão, verificando-se em que momento do processo de comunicação ela ocorre para, em seguida, tratarmos do locus da propaganda. A questão adquire maior relevância quando se verifica a tendência a privilegiar apenas um aspecto. Entre os estudiosos da Semiologia há uma insistência em atribuir um peso bastante significativo à mensagem, ao discurso, que conteria a maior parte dos ingredientes necessários à explicação da persuasão.(2) J A. C. Brown concentra-se noutro ângulo, colocando o processo persuasivo como altamente dependente das atitudes preexistentes no receptor e dos padrões de conduta vigentes no ambiente social em que vive.(3) Outros, ainda, caracterizam o processo pela maior ou menor habilidade do emissor em utilizar determinadas técnicas e recursos, chegando a atribuir-lhe um grande poder de manipulação.(4) Se não se pode deixar de reconhecer o valor dessas contribuições é necessário constatar sua atual parcialidade do ponto de vista metodológico. A ação persuasiva só pode ser explicada se o seu exame recair sobre todas as fases do processo de comunicação: emissor, canal, mensagem, receptor e, principalmente, na estrutura e conjuntura sociais dadas, em determinado momento histórico.

A persuasão envolve, antes de mais nada, dois pólos muito claros: persuasor e persuadido. Ambos podem se constituir de um único indivíduo ou de uma soma deles. Todavia, como estamos interessados na comunicação ideológica e a ideologia pressupõe concepções socializadas, faremos abstração da primeira hipótese. Em verdade, dada nossa preocupação final com uma sociedade concreta, cuja característica mais significativa é a sua divisão em classes, estaremos pressupondo sempre, em cada um dos pólos, uma classe social ou um setor dela. Importa considerar que, mesmo nas relações entre pessoas isoladas, cada indivíduo age, pensa e se comunica como membro de determinada classe, situação que condiciona seu comportamento. O persuasor pretende, do outro, uma ação ou inação; em outras palavras, que faça ou deixe de fazer alguma coisa. E claro que a ação e a inação não são vagas e destituídas de sentido, mas se dirigem à criação de condições para a realização dos interesses do primeiro. Pode-se tratar, também, de interesses partilhados por ambos, como no caso de setores de uma mesma classe social em que um pretende mostrar ao outro a existência de um objetivo comum, que só pode ser atingido mediante esforço conjunto. E importante observar que, numa sociedade estruturada em moldes capitalistas, onde os detentores do capital controlam os meios de comunicação de forma quase absoluta, a forma persuasiva mais intensa e freqüente é a realizada pelos setores dominantes para os subalternos, visando seu apoio para a consecução dos alvos dos primeiros. A referência aos interesses das partes envolvidas não deve ser entendida de um prisma idealista, que os encare como mera ambição a conduzir as ações em direção vaga. O interesse se configura, antes de mais nada, como uma relação concreta que se estabelece no contexto das interações entre as classes sociais.(5)

O que caracteriza uma classe é o fato de seus membros participarem da produção social de uma mesma maneira, ocupando um espaço determinado, cujos limites prescrevem a forma como devem colaborar para a produção e as condições em que poderão usufruir dos resultados.(6) Exemplificando com a distinção clássica entre burguesia e proletariado, o que as caracteriza é o fato de que a primeira concorre com os meios de produção, dos quais é proprietária, apropriando-se da maior parte do excedente, enquanto o segundo, contribuindo exclusivamente com sua força de trabalho, recebe apenas o necessário à própria sobrevivência e reprodução. O aspecto mais significativo na relação entre as classes sociais é o conflito. O fato de que a melhoria das condições de uma geralmente implique uma perda para a outra determina que os confrontos sejam praticamente permanentes.(7) E eles não ocorrem apenas entre as classes fundamentais, mas também entre frações e setores delas: burguesia industrial, agrária e financeira, empresariado independente e associado ao capital estrangeiro, trabalhadores de grandes empresas, que empregam tecnologia avançada, e de pequenas e médias, apoiadas em formas arcaicas de produção e assim por diante. Pois bem, o interesse caracteriza-se como uma situação objetiva, consistente na possibilidade que surge para uma classe, em determinado momento histórico, de ampliar sua participação na produção social. Se esta ampliação implica prejuízo para outra classe, o interesse desta, refletindo a mesma situação concreta, aparece como uma necessidade de defender-se da ameaça ao espaço que ocupa, com os privilégios que representa.

A percepção da situação objetiva em que vivem orienta os agentes sociais na sua ação e, como veremos, fornece o conteúdo de sua atividade persuasiva. O produto mental, elaborado a partir dessa percepção, é a ideologia, que não é mero fruto de arroubos do espírito, mas se apoia na realidade vivida, nas possibilidades que surgem com as transformações sociais que ela desvenda e ajuda a orientar.(8) Seu papel é fundamental como guia de comportamento dos indivíduos. Apenas a partir da existência de um núcleo básico de idéias é que uma classe pode organizar-se, de modo a integrar suas ações e conduzir-se num mesmo sentido. A atuação coletiva exige uma consciência comum, sem a qual não se realiza.

Os agentes sociais sempre vêem a realidade de uma certa forma, percebem possibilidades de algumas mudanças e pensam maneiras de realizá-las ou impedi-las. Tal fato nos leva à constatação de que a ideologia comporta três níveis de idéias interligadas. As "representações", explicativas do "ser" da realidade, a descrevem na sua estrutura, organização e funcionamento. Os "valores" propõem o "dever ser" da realidade, formulados a partir da percepção de uma possibilidade de transformação, que estimule o interesse de realizá-la ou obstá-la. As "normas", finalmente, contêm o "como fazer", prescrevem as condutas a serem adotadas para mover a realidade, do estado em que se encontra, indicado pelas representações, para outra situação, orientada pelos valores, ou para mantê-la como está. Não se trata de simples classificação didática, nem de uma visão de tipo estruturalista que procura entender uma totalidade pela soma de suas partes. E a constatação de que a ideologia, construída pela mente humana, é determinada pelas condições históricas em que é produzida. Derivando da realidade, a ideologia reflete seu dinamismo. Dialeticamente considerados, os fenômenos sociais se configuram como unidades de contrários em que uma situação dada (tese) convive, em luta, com sua negação (antítese) até que esta, superando a primeira, provoque uma transformação que determine uma nova situação (síntese). Na ideologia, as representações dão conta do estado aparente em que se encontra o real (tese), os valores informam sobre as negações nele existentes (antítese) e as normas indicam a ação que poderá induzir à transformação (síntese) ou bloqueá-la.

Essas considerações permitem concluir que a ideologia tanto pode ter um sentido conservador como reformista e mesmo revolucionário. Há uma corrente de pensadores, cujo expoente foi Louis Althusser, que vê a ideologia como um fator de reprodução das relações sociais.(9) E necessário considerar, contudo, e Althusser não deu maior atenção a esse fato, que mesmo assegurando a reprodução, uma ideologia pode induzir à transformação social. À medida que reflete situações concretas existentes na sociedade, embora o faça invertendo e ocultando certas relações, ela acaba por gerar a formação de uma consciência dessa sociedade. No momento em que surgem condições para determinadas reformas, pode se tornar possível, aos interessados, operar reinversões, desvendar o oculto e definir novas idéias. Foi justamente no pensamento dos economistas burgueses que o socialismo foi buscar as bases das idéias que, até hoje, ameaçam a sobrevivência do capitalismo, onde ainda se mantém.

A atividade persuasiva se torna mais intensa nos momentos em que surgem condições significativas para uma mudança social, com setores da sociedade possuindo força suficiente para conduzi-la. Uns buscam conquistar adeptos para forçar a manutenção do status quo, outros procuram arregimentar aliados para, enfrentando os primeiros, conquistar uma maior participação na produção social.

Nesse sentido, ; discutível a concepção daqueles que, como Umberto Eco, entendem que a persuasão é mais intensa nas democracias e menos nas ditaduras, pois para "um ditador, um tirano. basta-lhes um bastão ou chicote".(10) A veemência da propaganda durante o nazi-fascismo alemão e italiano contradizem essa tese. Os regimes autoritários e ditatoriais tendem a surgir quando a classe dominante sente necessidade de controlar forças organizadas, capazes de alterar a feição da sociedade, em prejuízo de seus interesses. A maior ou menor intensidade da repressão depende da obstinação e capacidade de resistência daquelas forças. Todavia, a violência envolve riscos e, mais do que isso, custos elevados. E preciso manter espiões e gendarmes por toda parte, pagando sua fidelidade. O comportamento daqueles que não pertencem ao grupo no poder só pode ser guiado com pressão e vigilância constantes, sob a direção de condutores regiamente pagos e, em pouco tempo, insatisfeitos. O suborno e a corrupção tendem a se alastrar cada vez mais, até que a desorganização impede manter a ordem implantada. A atividade persuasiva mostra-se, desde logo, indispensável. Torna-se necessário obter consenso suficiente para afrouxar a repressão e, inclusive, legitimá-la nos casos em que não pode ser evitada. O submisso persuadido retransmite as idéias que fundamentam sua submissão, passa-as aos membros de seu grupo e até aos seus filhos, preparando-os para substituí-lo em seu papel. Trabalha e se comporta dentro de determinadas regras sem questionar sua condição e, muitas vezes, o faz motivado e com dedicação. O submisso reprimido, que não vê razões para sua dor, carrega uma revolta amarga e a difunde por toda parte, espera a oportunidade para se libertar e, não raro, acaba empenhando a própria vida para conseguir. O elemento que gera o aumento das atividades persuasivas, portanto, é a possibilidade de reformas sociais com os conseqüentes confrontos de interesses, não os regimes políticos. Aliás, é nas ditaduras que a propaganda tem sido mais constante e sistemática, pois é nelas que as ameaças de mudanças existem com maior intensidade.

O fato de as idéias se formarem em contextos de conflito lhes dá características peculiares. A ideologia da classe dominante, cujos interesses residem na manutenção das condições existentes, reflete a sociedade na sua forma presente, por ela organizada à sua imagem e semelhança. Mas as idéias dos que pretendem introduzir modificações constituem uma contra-ideologia, à medida que se opõem à primeira, se definem em função dela e raramente logram exceder seus limites. Só quando realizadas as mudanças é que seus autores, agora diante de uma nova realidade social, se encontram em condições de pensá-la, produzindo novas idéias. no confronto entre ideologia e contra-ideologia que determina a natureza e direção do processo persuasivo. A classe dominante pode, dependendo da força que se lhe opõe e dos limites de suas pretensões, incorporar outros interesses à sua ideologia, adotando medidas concretas correspondentes, considerando que a concessão é necessária para manter seus privilégios, embora diminuídos. As instituições jurídicas das sociedades capitalistas contêm inúmeros direitos assegurados aos trabalhadores que foram conquistados, uns com muita luta, outros com a simples falta de motivação para o trabalho. Em grande parte dos casos, porém, a neutralização de opositores se faz pela incorporação de seus interesses, não na ideologia enquanto conjunto de idéias efetivamente orientador das ações, mas na sua apresentação verbal, através de artifícios retóricos. Há duas formas mais freqüentes pelas quais ocorre esse processo. Pela universalização "os interesses de uma classe são apresentados como de toda a sociedade e pela "transferência" são atribuídos à outra que se lhe opõe".(11) Os discursos oficiais costumam estar repletos de expressões do tipo "interesse geral da nação", "bem comum", "bem estar da família brasileira", "proteção dos trabalhadores", indicativas da utilização daqueles recursos. A universalização e a transferência exigem, ainda, outros cuidados na elaboração ideológica, de modo a ocultar a divisão em classes e a conseqüente dominação exploradora, disfarçar os privilégios existentes, negar a capacidade de luta de certos setores ou postergar o atendimento às suas reivindicações para o futuro. Assim fazendo, dificulta-lhes a conscientização a respeito de suas condições de vida, impedindo que se organizem e lutem pela concretização de seus interesses.

Uma das funções da elaboração retórica, portanto, é mascarar a realidade, escondendo os reais interesses em jogo. Outra visa adequar a ideologia às condições específicas em que vivem os membros das classes a que será apresentada. Por mais homogênea que seja uma sociedade as diferenças entre indivíduos e grupos são imensas. Em primeiro lugar porque nem todos se inserem na produção de uma mesma maneira. São bem distintas as atividades e as relações de trabalho em que estão envolvidos o servente de pedreiro, o contínuo de uma instituição financeira, um colono ou um metalúrgico de grande empresa, embora pertençam a uma mesma classe social. Por outro lado, pelas mais diversas razões, há enormes diferenças no que se refere à capacidade de atenção, memorização, quantidade e qualidade de informações possuídas. Por essa razão, a ideologia é transformada em frases e imagens de efeito para atrair a atenção, simplificada desde a forma de sínteses bem articuladas até pequenos símbolos.(12) Torna-se, assim, passível de ser ouvida, vista e entendida pelos receptores, independentemente das condições individuais específicas. Por essa razão, as idéias assim tratadas tornam-se, sempre e necessariamente, ambíguas, sob pena de não atingir o efeito previsto. Cada receptor pode interpretá-la à sua maneira, de acordo com sua condição e seu interesse. Vocábulos como "democracia", "igualdade", "representação", cujo significado nunca é explicitado, garantem a adesão da maioria dos receptores, que os traduzem a seu favor. Mas o significado específico existe, embora permaneça recôndito no grupo dos "proprietários" da ideologia. Eles acabam por recuperá-lo no momento da ação concreta e, no mais das vezes, não correspondem ao entendimento que tantos percebiam como evidente. E de considerar, também, que para os receptores, uma série de fatos e relações sociais carregam explicações já aceitas e não mais discutidas. Vestígios de antigas ideologias, crenças mais ou menos arraigadas, compõem um quadro de referência que dá conta do significado de uma série de fenômenos e situações. A elaboração cuida de adequar a ideologia a esse universo cognitivo já existente, de modo a evitar os bloqueios de uma dúvida critica que possa induzir à sua rejeição imediata.

A assimilação retórica dos interesses e das condições dos receptores não impede, por si só, que eles visualizem possibilidades de ampliar sua participação e venham a lutar por ela, orientando-se por linhas diversas da proposta pela ideologia transmitida. O processo persuasivo, frequentemente, envolve um sistema de controle ideológico em que se impede a difusão e obtenção de certas informações, ou se dificulta a análise e compreensão crítica do que é divulgado.(13) Assim, impedidos de conhecer adequadamente a realidade em que vivem, ou impossibilitados de raciocinar sobre os dados recebidos, os destinatários ficam incapacitados de se formular alternativas diversas daquelas propostas pelos emissores e até mesmo de compreender seu conteúdo real, deformado pela retórica.

O controle pode ser feito de forma pouco violenta, como a ridicularização promovida por grupos contra membros que tenham se desviado de determinadas idéias. Mas a violência, também, é empregada através da repressão, física ou censória. A censura impede a divulgação de fatos ou interpretações que, diversas das apresentadas pelo emissor, possam solapar a versão contida em suas mensagens. A repressão física afasta, com maior ou menor violência, aqueles que, apesar da ação censória, insistam em divulgar informações ou opiniões consideradas "inconvenientes". Outra forma de controle ideológico consiste na atuação sobre a capacidade crítica dos destinatários, procurando induzi-los a receber determinadas mensagens de forma passiva e submissa. Submetidas a pressões psicológicas que estimulam estados emocionais intensos, especialmente sob tensão e ansiedade, as pessoas tendem a ter aumentada sua sugestionabilidade e enfraquecido o senso de análise critica.(14) E o que geralmente ocorre em grandes comícios e festividades onde se somam, ao cansaço dos participantes, os estímulos das músicas, as ovações induzidas por claques previamente organizadas, os protestos e acusações incisivas, as ameaças, as promessas entusiásticas. Deve-se mencionar, também, uma técnica de pressão psicológica dirigida a indivíduos e pequenos grupos, hiperbolicamente denominada "lavagem cerebral".(15) Através dela, as pessoas visadas são envolvidas por determinadas organizações que as afastam de seu ambiente rotineiro para um local isolado, onde passam a ser sistematicamente estimuladas, pressionadas, censuradas ou recompensadas por suas idéias e ações e, assim, gradativamente doutrinadas para se tornarem adeptos e porta-vozes de determinadas concepções.(16)

Dentro do quadro esboçado até aqui somos forçados a concluir que a persuasão não pode ser estudada apenas em um de seus aspectos. Envolve toda uma trama em que, se algum elemento não for analisado com profundidade, no mínimo deve ser indicado, jamais abstraído por completo. A estrutura da mensagem, as atitudes preexistentes no receptor ou as técnicas empregadas pelo emissor nos dão indícios importantes, mas não suficientes. A persuasão não se explica por um ou alguns componentes do processo de comunicação, nem simplesmente por vários deles, mas pela forma como se relacionam no contexto social.

Se a persuasão implica uma série de elos, a propaganda também os pressupõe. Nesse caso, todavia, o processo se define no plano do emissor. Em outras palavras, não é necessário que haja um resultado efetivo, a intenção e ação de tentar obtê-lo é suficiente. A propaganda pode não ser eficaz e, assim mesmo, ficar caracterizada como tal. Por outro lado, pode haver persuasão e não existir propaganda quando não houve a intenção inicial. Todavia, não basta a emissão simples de mensagens sem nenhum cuidado. Aqui adentramos um terreno nebuloso em que os limites no plano abstrato, serão sempre indefinidos. Só se pode verificar a intenção persuasiva se o emissor estiver apoiado num mínimo de precauções, tais como:avaliação das condições do receptor, adequação das mensagens a essas condições, freqüência mínima de veiculação das mensagens, suscetível de atingir determinada parcela do público visado e assim por diante. Não é possível, porém, definir variáveis sem a presença de uma situação real, só o exame desta pode oferecer elementos indicativos da existência da propaganda. A verificação positiva pode oferecer uma série de esclarecimentos a respeito do emissor, dos interesses que representa, da ideologia que o orienta, da concepção que possui a respeito de outras classes. A eficácia ou não de sua campanha, difícil de ser verificada porque outras variáveis podem ter concorrido para um determinado resultado, pode fornecer indicações sobre o receptor, seus interesses, o grau de consciência que adquiriu a respeito de suas condições, sua força política etc.(17)


 

Capítulo I

A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA E AS NOVAS FORÇAS SOCIAIS

 

1. O Desenvolvimento Econômico

A expansão do capitalismo internacional, após a II Guerra, caracterizou-se pela ampliação dos investimentos diretos, não só entre as economias avançadas, como destas para os países periféricos. As grandes empresas e corporações norte-americanas, cada vez mais, instalavam filiais na Europa e no Japão e abriam seus mercados para as subsidiárias desses países. Ao mesmo tempo, todas se dirigiam para as demais nações, inclusive América Latina. No Brasil, a entrada de empresas multinacionais foi mais significativa a partir da metade dos anos 50, momento em que os investimentos estrangeiros encontraram grande receptividade no país. É que a maior agressividade das multinacionais coincidia com a dificuldade que a economia brasileira encontrava para expandir-se de forma autônoma.

Tanto a atividade agro-exportadora, prevalecente até os anos 40, como o processo de industrialização substitutiva de importações não permitiram atingir um nível de acumulação que possibilitasse promover a modernização da economia, dentro dos padrões existentes nos países desenvolvidos. No início dos anos 50 já era perceptível que a expansão econômica dependia de um desenvolvimento mais rápido do setor secundário, contra o qual se erguiam algumas barreiras. A perspectiva de acelerar a industrialização exigia grandes projetos que, por sua interdependência, deveriam ser realizados simultaneamente, exigindo planejamento criterioso e grandes aportes de capital. Em alguns setores, os investimentos teriam maturação prolongada, com retorno a longo prazo, que não interessavam ao capital privado (energia, transportes, siderurgia, telecomunicações). Por outro lado, havia necessidade de se obter tecnologia, em alguns casos bastante sofisticada, que não estava disponível devido ao seu controle por empresas dos países industrializados. Nessas condições, a economia só poderia desenvolver-se apoiada num tripé, constituída pelo capital estrangeiro, estatal e privado nacional. A definição de rumos foi dada pelo Estado, encarregado da planificação global das inversões, onde se estabeleceram as formas de participação das empresas estrangeiras, através de incentivos os mais diversos. Quanto aos investimentos públicos, o Estado os concentrou em setores de infra-estrutura e produção de insumos destinados a estimular as inversões privadas, não apenas por lhes oferecer a base necessária à expansão industrial, como por gerar demanda significativa. Às empresas estrangeiras coube assumir os setores mais dinâmicos da economia, especialmente a produção de bens duráveis de consumo e bens de produção, destinados ao mercado externo e parte do interno. O capital privado nacional, no contexto dos investimentos, encontrou condições bastante favoráveis de acumulação. Em primeiro lugar, a ação das multinacionais estimulou a criação de novas empresas nacionais, bem como o crescimento e modernização de algumas já existentes, que passaram a atuar como suas fornecedoras e distribuidoras. Por outro lado, a absorção de mão-de-obra, nos setores de bens de produção e duráveis, gerou um crescimento da massa de salários, forçando a demanda de bens de consumo simples produzidos por empresas nacionais. O capital privado interno se beneficiaria, ainda, através da participação em grandes obras públicas e na construção civil, destinada a atender a demanda de setores das camadas médias que se enriqueciam com a industrialização. Ao capital agrário restavam as vantagens da expansão de setores agro-industriais, da sua participação mais intensa nas exportações, que deveriam gerar as divisas destinadas ao incremento da indústria, e da ampliação da demanda interna pelo aumento da massa salarial. Toda essa mobilização econômica exigiu o aperfeiçoamento do sistema de suprimento de recursos para atender desde o consumo de bens até a capitalização de empresas. que também permitiu ao capital financeiro interno expandir-se consideravelmente.

O modelo adotado provocou um significativo dinamismo na economia. No período 1947-1980 o Produto Interno Bruto cresceu à média de 7,1% ao ano, fato que, segundo José Serra, revela um desempenho "superior ao do conjunto dos países capitalistas desenvolvidos e subdesenvolvidos e semelhante à média dos países socialistas".(1) Esse crescimento, contudo, não se deu de forma homogênea, mas por ciclos. Períodos de crescimento interno foram sucedidos por fases de desaceleração, que trouxeram repercussões significativas no âmbito social e político. Os economistas costumam identificar quatro fases principais de oscilação econômica: um ciclo de expansão acelerada, do final da II Guerra até 1962, um período de declínio que se estende até 1967, nova recuperação, de 1967 a 1973 (o chamado "milagre econômico") e um novo ciclo descendente, de 1973 a 1980.(2)

A primeira fase, de crescimento acelerado, compreende o período 1947-1962. O aumento do mercado interno, a partir dos anos 30, a entrada em operação dos empreendimentos iniciados pelo Estado durante a Guerra, os novos investimentos estatais em apoio à política substitutiva de importações e a entrada de capitais estrangeiros foram os fatores principais a detonar o desenvolvimento. A expansão foi mais significativa a partir da 2a. metade dos anos 50, com o "Plano de Metas" do governo Kubitschek, pelo qual se propunha atingir "50 anos de progresso em 5 de governo". A implementação do plano permitiu um extraordinário crescimento da produtividade, especialmente na área de bens de produção e de consumo durável.

Entre 1962 e 1967 o ritmo de crescimento declinou. A expansão da economia atraíra grandes investimentos em diversos setores, sem que houvesse uma correspondência por parte da demanda, resultando numa capacidade ociosa bastante significativa.(3) Essa situação determinou uma crise de superacumulação, acompanhada de forte aumento inflacionário. A crise viria aprofundar uma série de contradições existentes na sociedade, que se expressaram por greves de massas nas cidades, invasões de terras e confrontos violentos no campo e a articulação de setores da classe dominante contra o governo. Em abril de 1964 caía o presidente constitucionalmente eleito. O novo regime, com o apoio das Forças Armadas, logrou fortalecer-se o suficiente para implantar medidas drásticas, passíveis de permitir a estabilização necessária à recuperação econômica. O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) propunha, essencialmente, o estímulo ao capital estrangeiro, investimentos públicos em áreas de interesse do capital privado, contenção da pressão inflacionária, especialmente através do controle (arrocho) salarial, incentivo às exportações, aumento da carga tributária, reorganização do sistema financeiro.(4) Como resultado dessas medidas, em meados de 1967, iniciou-se nova fase de recuperação, com grande expansão da produção de bens de consumo duráveis, não-duráveis e da construção civil.

O Produto Interno Bruto, no período 1967-1973, cresceu a uma média de 11,2%.(5) Dentre os fatores que estimularam o revigoramento da economia, os principais foram: a maior disponibilidade de divisas e o crescimento da demanda interna. O crescimento do comércio mundial e as maiores facilidades criadas para o capital estrangeiro pelo governo pós-64 permitiram não apenas aumentar a capacidade de importação da economia, como obter grande quantidade de empréstimos em moeda. Além disso, o governo estimulou a diversificação de exportações através de subsídios e incentivos fiscais. Tal política permitiu ampliar significativamente as vendas externas de manufaturados e produtos primários. Quanto à agricultura, a fixação de preços mínimos e a concessão de créditos subsidiados estimulou consideravelmente a adoção de formas mais rentáveis de produção, em moldes capitalistas, com novas relações de trabalho, mecanização, emprego de adubos e herbicidas químicos. No que se refere ao mercado interno, verificou-se um significativo aumento do consumo. Tal fato se deveu, basicamente, à ampliação dos sistemas de financiamento e ao enriquecimento de faixas da classe média, absorvidas nas áreas gerenciais das empresas e do governo. Por outro lado, apesar do forte arrocho salarial, houve um aumento das ofertas de novos empregos no setor secundário e no terciário, permitindo um aumento da demanda também entre os assalariados no seu conjunto.

A partir de 1973 a economia ingressou numa fase de desaceleração, causada, principalmente, pelo recrudescimento da inflação e pela queda na demanda interna, em virtude da política de contenção salarial adotada. O aumento dos preços internacionais do petróleo, em 1973, veio aprofundar os problemas já existentes. No final da década, o país contraíra uma dívida externa bastante elevada, comprometendo a autonomia da política econômica interna. Além disso, a taxa de inflação, que desde 1966 vinha sendo contida num nível inferior a 40% ao ano, começou a crescer rapidamente a partir de 1976, atingindo 77,2% em 1979 e 110,2% em 1980.(6) A contenção dessa espiral inflacionária exigia formas de controle que ameaçavam gerar um período recessivo de graves conseqüências econômicas, sociais e políticas.

2 As Forças Sociais

As transformações econômicas pelas quais passou o país tiveram intensas repercussões junto à posição e às condições das diversas classes sociais. A industrialização acelerada fizera emergir um novo segmento, dentro do bloco da classe dominante, que se fortaleceu rapidamente desde meados dos anos 50: a burguesia ligada às empresas de grande porte.(7) Seus empreendimentos se apoiavam em tecnologia mais avançada e dependiam fortemente dos investimentos do Estado e do capital multinacional, de cujos interesses eram ardorosos defensores no plano interno. Promoviam a defesa de seus projetos através de canais criados no governo Kubitschek. A implementação do Plano de Metas atingiu a criação de uma estrutura de administração paralela, composta por inúmeros organismos e comissões encarregados de planejar e executar cada uma das fases da nova política econômica. Foi através desses órgãos que a burguesia do grande capital obteve condições de atingir seus objetivos econômicos. Todavia, a partir do governo Jânio Quadros, começou a se sentir ameaçada pelas propostas de maior controle sobre o capital estrangeiro, pela ampliação dos movimentos reivindicatórios em meio às classes subordinadas e pelos indícios de que o governo pudesse adotar uma política econômica de caráter distributivista. Sua capacidade de reação era pequena porque, embora tivesse se tornado economicamente poderosa, não detinha expressão equivalente em termos políticos. O controle do poder, no âmbito do Estado, encontrava-se nas mãos dos setores tradicionais, os grandes proprietários de terra e a burguesia que se consolidou a partir do Estado Novo.

Tratava-se de grupos econômicos de peso, especialmente os latifundiários agro-exportadores, cuja atividade era fundamental para a obtenção de divisas do exterior. Sua força política se expressava através do pacto populista, articulado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Social Democrático (PSD), através dos quais conquistavam e mantinham os principais cargos eletivos através da dominação coronelística, alianças, favores pessoais, promessas demagógicas e algumas concessões. Entre o setor tradicional e a burguesia do grande capital começaram a emergir algumas contradições e conseqüentes rupturas. O primeiro se apoiava numa estrutura pouco desenvolvida, quando não arcaica, de produção e não estava interessado na adoção de uma política econômica totalmente voltada para um capitalismo mais avançado, racional e moderno como pretendia o outro setor. Além disso, não se sentiam muito preocupados com as mobilizações e conquistas dos trabalhadores, uma vez que o sistema populista lhes permitira mantê-las dentro de limites que consideravam toleráveis. A antiga burguesia, por sua vez, não via com bons olhos qualquer ampliação dos espaços ocupados pelo capital estrangeiro, que pudesse afetar seus interesses econômicos. Nesse contexto, a nova burguesia começou a mobilizar-se no sentido de ampliar sua reduzida força política. Fizeram-no, principalmente através de duas entidades, existentes desde os fins da década de 50, que passaram a atuar com extraordinária intensidade a partir de 1962: o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Com os movimentos pelas reformas de base, estimulados e assumidos pelo Presidente João Goulart, todas as divergências tornaram-se secundárias. Sob a pressão da crise econômica e da "ameaça comunista", a classe dominante partiu de braços dados para a derrubada do governo.

A burguesia associada ao capital estrangeiro, representada pelos militares e técnicos que assumiram os principais postos do governo, tomou o poder, assumindo o monopólio absoluto do processo decisório. Somava, assim, à sua influência econômica, a hegemonia política. Quanto aos setores tradicionais, havia espaço suficiente para que pudessem participar do novo bloco. Tanto a burguesia tradicional quanto os latifundiários continuaram a ter peso econômico importante e prestígio político equivalente. A heterogeneidade entre os setores do poder tornava inevitável o aparecimento de algumas fissuras, mas foram isoladas e, na maior parte das vezes, determinadas por razões meramente conjunturais. Houve latifundiários insatisfeitos porque não se sentiam em condições de organizar sua produção em bases mais modernas, como pretendiam os planos governamentais. Vez ou outra era a burguesia nacional que se sentia ameaçada pela invasão do capital estrangeiro. Em momentos de crise, as desavenças emergiam contra o Estado, acusado ora de ineficiência, ora de estar avançando excessivamente na economia. O crescimento econômico e a tranqüilidade obtida com a neutralização das classes subordinadas garantiam que as rupturas pudessem ser soldadas com incrível rapidez.

Outro segmento da sociedade que sofreu sensíveis transformações com as mudanças econômicas ocorridas no Brasil foram as camadas médias.(8) O aparecimento das grandes empresas multinacionais e a assimilação de suas estruturas pelas nacionais trouxe novas formas de organização empresarial, mais complexas e sofisticadas. Com elas, surgiu um novo tipo de profissional assalariado, cujo número cresceria significativamente após 1964: os "executivos".(9) Com formação superior ou grande experiência profissional, constituíam os diretores, gerentes e supervisores dos diversos departamentos de cada empresa (produção, administração, finanças, marketing, propaganda, recursos humanos, pesquisa, relações públicas, vendas. Correspondentes a eles, havia os "tecnoburocratas" dos órgãos públicos e empresas estatais que também assimilaram os novos modelos organizacionais, especialmente em função da maior presença do Estado na economia. Na mesma condição se situavam os diversos oficiais militares que foram guindados a postos importantes nos aparelhos governamentais e empresas públicas, configurando a "tecnoburocracia militar". Os profissionais liberais também sofreram mudanças em suas condições, já que seu conjunto teve baixas bastante significativas. O crescimento das indústrias e o surgimento de grandes empresas de prestação de serviços transformaram em assalariados inúmeros profissionais que, até então, se caracterizavam pela prestação de serviços individualizada, em seus próprios escritórios ou consultórios (médicos, advogados, engenheiros). Outros setores também adquiriram novas características. O grande desenvolvimento das telecomunicações, o aparecimento das redes nacionais de rádio e televisão, o aumento das escolas de 3o. grau e dos cursos de pós-graduação deram a atores, cineastas, escritores, jornalistas, professores e outros especialistas, de maneira geral, um público enorme para vê-los, ouvi-los e ler seus trabalhos. Sua característica comum, e sua força, se apoiava no fato de que a atividade que exerciam se assentava menos na capacidade de trabalho que por possuírem um conjunto de conhecimentos teóricos específicos que lhes permitia explicar ou representar aspectos da realidade, propor objetivos e forma de alcançá-los. Em outras palavras, tratava-se de portadores, guardiães e difusores de ideologia. Sua importância, no contexto social, era muito grande, já que constituíam um verdadeiro exército de formadores de opinião e, também, o elo de ligação ou de ruptura entre a classe dominante e as subalternas, que raramente se relacionavam de forma direta.

A posição das camadas médias, no contexto do modelo econômico e político implantado após 1964, levou-as a se dividir em dois blocos: os que defenderam o sistema vigente, ou pelo menos colaboraram ativamente para o seu funcionamento, e os que se opuseram, mais ou menos radicalmente, a ele. Os primeiros, executivos e tecnoburocratas, cuja importância derivava basicamente de sua competência no campo técnico e científico, mantiveram-se defensores do status quo. Por um lado eram regiamente remunerados e contavam com uma série de privilégios, além dos salários. Basta mencionar que o salário médio de um gerente geral em empresas de São Paulo e Rio de Janeiro, comparado ao de um servente da construção civil em São Paulo, era 65 vezes maior em 1969, 81 vezes em 1972 e 90 vezes em 1975. O salário médio, nos altos escalões das empresas, igualava e até superava os níveis pagos nos Estados Unidos a cargos semelhantes.(10) Por outro lado, à medida que sua capacidade de trabalho era apoiada no domínio de princípios organizacionais de origem norte-americana, baseados na importância da racionalidade técnica, na necessidade de planejamentos rigorosos e minuciosos, na pesquisa cuidadosa de todas as variáveis envolvidas, não tinham porque se opor a um regime que erigiu esses princípios em nível de entidade suprema, fetichizados ao extremo.

O outro bloco se compunha, basicamente, dos setores de formação preponderantemente humanística que, em sua grande maioria, mantiveram-se, quando não cooptados, em oposição constante à situação vigente, manifestando-se com mais ou menos veemência.em função da maior ou menor audácia e coragem pessoal ou da intensidade da repressão existente. Entre profissionais liberais reinava insatisfação pelo fato de estarem perdendo o antigo prestígio, transformando-se em assalariados com submissão à hierarquia empresarial e ao controle de horário e produtividade. Além disso, havia situações específicas como a dos advogados, promotores e juizes que viram lançados por terra alguns princípios jurídicos considerados fundamentais, violentados por um governo que legislava casuisticamente, contrariando os mais comezinhos preceitos da "Ciência do Direito". Para citar apenas o exemplo mais flagrante, o Ato Institucional n. 5 suspendeu o habeas-corpus, as garantias da magistratura e impedia a apreciação, pelo Judiciário, dos atos apoiados em suas disposições. Dessa forma, não apenas se viram cerceados em sua atividade, como assistiram à demolição da estrutura básica de parte significativa da ideologia de que deveriam ser guardiães. Dentre outras, essa foi a razão pela qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acabou por se engajar na luta daqueles que contestavam o regime e reivindicavam sua mudança.(11)

Quanto aos outros setores mais intelectualizados, mesmo com a ampliação dos limites em que poderiam atuar, acabaram por se opor ao regime. Com a modernização econômica, o modelo capitalista avançava sobre todas as áreas, inclusive introduzindo novos padrões e valores estéticos, indispensáveis para maximizar a oferta e o consumo de produtos culturais. Nas artes plásticas, começava a prevalecer o valor de troca; na música, teatro, cinema e literatura preferia-se a mensagem fácil, direta, bem-humorada, envolvente e escapista; nas escolas, interessava a aplicabilidade prático-profissional imediata do aprendizado; da imprensa escrita e televisada se exigia rapidez, quantidade e superficialidade das informações, na televisão deveriam prevalecer os entretenimentos sem compromisso. Nesse contexto, artistas, jornalistas, escritores e professores, mesmo quando bem remunerados, sentiam-se angustiados em passar de profissionais respeitados por sua criatividade a meros produtores de mercadorias. Some-se a isso a persistência de uma vigilância repressiva e censória permanente que, na visão de muitos, era casuística e destituída de critérios, a mutilar completamente vários trabalhos e a impor estreitos limites de ação, sob pena de aposentadoria ou mesmo demissão sumária. A insatisfação desses setores chegou a tal ponto que houve quem concluísse: "Mais do que o Capital e o Trabalho, os principais antagonistas destes últimos anos foram as Forças Armadas e a intelectualidade".(12)

É importante acrescentar que, para grande parte das camadas médias, além das situações específicas mencionadas, incomodava assistir aos problemas sociais existentes no país sem que houvesse alguma medida concreta no sentido de amenizá-los. As reações mais enérgicas, a respeito dessa situação, partiria de setores ligados à Igreja. Muitas vezes, porém, a reação dos setores médios não se fez sentir de forma incisiva porque o modelo econômico concentrador os iludia com diversos benefícios. Nos períodos de crescimento, especialmente durante o "milagre brasileiro" do governo Médici, houve grande facilidade para aquisição de casa própria, carros novos e uma profusão de eletrodomésticos que, para muitos, se traduzia numa sensação de grande ascensão social.(13) O modelo econômico concentrador, tal como foi adotado no Brasil, teve conseqüências extremamente perversas em relação às condições de vida das classes dominadas. Os trabalhadores, no campo e na cidade, criavam-se e se desenvolviam dentro de um processo de pauperização contínua. No final dos anos 70 o salário mínimo, em termos reais, eqüivalia a cerca de metade do valor correspondente a julho de 1940, data da publicação do primeiro. No mesmo período, o Produto Interno Bruto per capita havia crescido cinco vezes.(14) Todavia, apesar dessa situação, e também como conseqüência dela, as classes dominadas, gradativamente, foram passando por experiências que as induziram a se organizar e se fortalecer. No que se refere à classe operária, com o crescimento industrial, seu aumento foi não apenas quantitativo, mas também qualitativo, já que a adoção de técnicas mais modernas de produção, na indústria e nos serviços, exigia grande número de trabalhadores mais qualificados, instruídos pelo sistema formal de ensino profissionalizante ou através de programas de treinamento organizados dentro das próprias empresas. À medida que os operários se tornavam mais qualificados para os seus trabalhos específicos, adquiriam, também, maiores condições intelectuais para compreender sua realidade e o papel que nela ocupavam. Esse aspecto, somado ao modelo da política vigente até 1964, criaria uma massa trabalhadora mais consciente e ativa. O pacto populista implicava que setores da classe dominante garantissem sua hegemonia através de concessões em troca do voto das subalternas. Dependendo dessa prática para manter o poder, a classe dominante foi obrigada, gradativamente, a tolerar movimentos reivindicatórios e a atender inúmeras exigências. Nesse contexto, as classes dominadas foram ampliando seu espaço e ocupando novas posições na sociedade. A maior parte das leis trabalhistas, promulgadas de forma gradativa, muitas delas anunciadas em comemorações do 1o. de Maio, revelavam a preocupação constante em neutralizar as mobilizações organizadas pelos sindicatos. De qualquer forma, as associações de trabalhadores se fortaleceram, seus líderes adquiriram cada vez mais prestígio e as reivindicações começaram a superar os interesses econômicos mais imediatos, para se voltar para objetivos políticos a médio e longo prazo. O fortalecimento dos trabalhadores, todavia, ainda não chegara a criar raízes sólidas e se apoiava muito mais na ação incansável de lideranças mais esclarecidas e no apoio de membros das camadas médias, do que numa atuação bem organizada e consciente da maioria. Nessas condições, não foi difícil, para os que assumiram o poder em 1964, desestruturar o movimento pela neutralização, mais ou menos violenta, das suas lideranças. Lograram, assim, controlar as greves, arrochar salários e extinguir a estabilidade no emprego. Todavia, embora não fosse generalizado, o nível de consciência e a capacidade de organização adquiridos eram irreversíveis e haveriam de voltar a se manifestar mais cedo ou mais tarde. O modelo econômico adotado gerou uma concentração ainda maior da renda nas camadas de maior poder aquisitivo. Como conseqüência imediata, houve uma ampliação das desigualdades sociais e a preservação de grandes margens de pobreza absoluta. Basta mencionar que os 10% mais ricos da população, em 1960, recebiam 39,6% da renda nacional, índice que subiria para 50,9% em 1980. Ao mesmo tempo, os 50% mais pobres cairiam, em sua participação, de 17,4% em 1960 para 12,6% em 1980.(15) Essa foi uma das principais razões que determinaram a reorganização crescente das classes subalternas. De forma gradativa e discreta, os sindicatos foram se reestruturando para ressurgir, com grande força, no final dos anos 70, especialmente na região do ABCD, em São Paulo. Nessa área, formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema, se concentrou o núcleo principal da indústria automobilística, incluindo montadoras e fabricantes de autopeças. Os metalúrgicos que aí trabalhavam encontravam-se em um dos ramos industriais que exigia maior qualificação, fato que os transformava numa categoria profissional bastante diferenciada. Como observou Paul Singer: "...dentro do proletariado há uma camada que usufrui de salários mais elevados e de relativa estabilidade no emprego, tendo, em conseqüência, melhor padrão de vida, padrões culturais mais elevados, mais tempo livre (porque são menos pressionados a fazer grande número de horas extras) e, por causa de tudo isso, esta camada tem melhores condições de iniciar e travar lutas, de caráter econômico, social e político, em defesa de seus interesses de classe".(16) Além disso, eram operários que trabalhavam na mesma região e, muitas vezes, residiam nela, passando a ter contatos mais freqüentes entre si e, daí, a adquirir consciência mais profunda da sua condição semelhante e interesses comuns, fato que acabou se externando pelo cumprimento identificador expresso na palavra "companheiro". Em 1978 e 1979 eclodiram greves organizadas previamente e com grande eficiência.(17) Até então, a repressão às greves era realizada pela Polícia, convocada pelos empresários sob alegação de atentado à ordem pública, ameaças, danos materiais. Em 1978, generalizava-se uma nova prática, empregada isoladamente desde os anos 60. Os empregados marcavam o ponto, sentavam-se à frente das máquinas e cruzavam os braços em silêncio quase absoluto. Neutralizavam, assim, quaisquer argumentos em favor da repressão policial. Era uma nova forma de pressão que exigia novas maneiras de reagir por parte dos patrões. Os empresários acederam em sentar-se a mesma mesa para negociar.(18) A repressão começava a perder fôlego.

Conquanto a classe trabalhadora tivesse se reorganizado, após o golpe de 1964, não chegou a adquirir consciência e força suficientes que significassem uma ameaça para a posição da classe dominante. Salvo algumas manifestações isoladas, o sistema capitalista jamais foi seriamente questionado em sua estrutura. As contestações referiam-se, muito mais, a efeitos conjunturais do modelo econômico, como o maior achatamento salarial nos momentos de desaceleração econômica, ou à perda do poder aquisitivo em virtude da inflação. que, excetuando-se alguns setores mais avançados do sistema produtivo, os demais não chegaram a adquirir consciência da possibilidade de ampliar sua participação na sociedade. Além da política autoritária e repressiva e da intensidade da propaganda, alguns outros fatores explicam essa situação. Em primeiro lugar, a absorção relativa de mão-de-obra cresceu bastante. Enquanto em 1960 apenas 15,9% do proletariado estava no exército industrial ativo, essa proporção cresceria para 37,1% em 1976.(19) Além disso, os trabalhadores urbanos eram, em grande parte, originários das regiões mais pobres do país, especialmente do Nordeste, atraídos pelo desenvolvimento industrial no Centro-Sul. Nessas condições, o arrocho salarial afligia menos que a ameaça do desemprego ou os ganhos ainda menores do meio rural e das cidades menos desenvolvidas. Como salientou um antigo líder sindical: "O lavrador nordestino sai de sua terra, chega a São Paulo, e logo se torna operário. Isto, para ele já é uma revolução, pois lá ele trabalhava de sol a sol e não recebia salário e aqui trabalha 8 horas e recebe salário mínimo".(20) Apesar da inexistência de uma política habitacional e de saneamento básico que permitisse atender efetivamente as necessidades dos trabalhadores, estes ainda conseguiam viver em condições melhores que em suas regiões de origem. A assistência médica, por exemplo, apesar da sua precariedade e das enormes filas nos postos de atendimento, existia nos grandes centros urbanos. Mas na metade dos municípios existentes no país, não havia sequer um médico.(21) Havia, também, um aspecto importante do ponto de vista psicológico. Grande parte dos operários, mesmo na construção civil, recebia uniformes, macacões, capacetes e luvas para exercer seu trabalho. Passavam, também, por cursos de treinamento e aperfeiçoamento. Dessa forma, mesmo vivendo em condições precárias, sentiam-se como tendo passado por uma significativa ascensão social. Não viam por que opor-se, radicalmente, a um sistema que lhes parecia haver proporcionado sensível melhoria de vida.

Quanto aos trabalhadores do campo, em relação aos urbanos, sempre tiveram maior dificuldade em adquirir consciência da sua condição e organizar-se para defender seus interesses. Essa situação era determinada menos pela ignorância, maior no meio rural, pela carência de escolas, ou pela violência dos proprietários de terra, que pela própria estrutura da produção. Embora economicamente vinculados ao contexto maior do capitalismo nacional e internacional, os latifundiários não se desenvolveram à base de relações de produção tipicamente capitalistas. Os trabalhadores, conquanto vivessem sempre em condições bastante difíceis, de uma forma ou de outra tinham onde residir com suas famílias e, geralmente, dispunham de uma pequena área onde produzir o necessário à própria subsistência. Essa possibilidade estava presente nas diversas formas de subordinação "empregatícia" existente no país: colonato, parceria, arrendamento, bem como no caso dos sitiantes e posseiros, empregados ou não. Nessas condições, os trabalhadores do campo tinham enorme dificuldade em se perceber como classe. Seu relacionamento pessoal era de caráter comunitário e se realizava apenas com os mais próximos, geograficamente, os que residiam e trabalhavam no mesmo local. Como salientou Octávio Ianni: "Nesse universo, as tensões sociais desdobram-se no misticismo ou na violência individualizada e anárquica. Nessa situação, o trabalhador não dispõe de recursos culturais e intelectuais para definir o proprietário ou o capataz como 'outro'. Todos participam do mesmo ‘nós’"(22). À medida que começaram a se desenvolver relações capitalistas mais profundas no meio rural, emergindo a proletarização intensiva, esse quadro se alterou. A expansão do capital, com as exigências de maximização da produtividade, induziu à incorporação, às culturas principais, das áreas antes destinadas à produção de alimentos e à expropriação de sitiantes e posseiros. Colonos, parceiros e arrendatários tornaram-se assalariados ou foram expulsos das fazendas, para serem substituídos por diaristas, os "volantes" ou "bóia-frias". A lógica do capital não admitia manter vínculo empregatício permanente com homens necessários apenas em curtos períodos de semeadura e colheita. Apesar de mantidos na mesma pobreza, ou em situação ainda pior, os agora vendedores de força de trabalho ampliavam seu restrito universo. Atuavam em várias fazendas, faziam "bicos" nas cidades. Cada um já podia perceber a semelhança entre sua condição e a dos outros assalariados e bóia-frias. Para usar a linguagem de Inani, estavam em condições de perceber quem era o outro e quem compunha o "nós". Consequentemente, já tinham com e contra quem se organizar e lutar. Essa situação, em curso desde os anos 50, aprofundou-se a partir de 1967, quando a política de incentivo às exportações induziu a uma maior penetração do capitalismo no campo, especialmente nas áreas cuja cultura se destinava ao mercado externo.(23) Em meados dos anos 50 expandiram-se as ligas camponesas e sindicatos rurais. De 1953 a 1964 realizaram-se diversas "Conferências" e "Congressos" de camponeses, agricultores e assalariados agrícolas.(24) No final desse período as greves já eram freqüentes. As reivindicações, basicamente, exigiam melhores condições de vida e de trabalho e a realização de uma ampla reforma agrária no país. O golpe militar desmantelou o movimento camponês. Mas os sindicatos rurais, já em 1968, com o apoio de organizações da Igreja Católica, começavam a se recompor. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) começava a criar sindicatos e federações rurais em todo o país. Sua luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores do campo e pelo acesso à propriedade da terra passou a ser contínua e crescente, muitas vezes resultando em embates violentos com os latifundiários e empresários rurais. Como observou Paul Singer: "se o proletariado p.d. praticamente inexistia no campo até 1970, sua presença já é significativa em 1976, quando seu número ultrapassa um milhão e meio. Esse surgimento de um proletariado p.d. na agricultura brasileira deve ter conferido novas dimensões à luta de classes no campo, onde o sindicalismo está reaparecendo, nos últimos anos, com renovado vigor".(25) A capacidade de luta do trabalhador rural se desenvolveu em nível bem diverso dos operários urbanos. Em primeiro lugar, além da repressão policial disseminada por todo o país, havia a violência dos "jagunços", que faziam valer, pela força, a vontade dos fazendeiros e constituíam uma instituição que a modernização agrícola não excluiu. Por outro lado, a capitalização da produção agrícola, por não envolver tecnologia tão sofisticada, não exigia trabalhadores com o nível de qualificação que a indústria requeria. Dessa forma, o movimento camponês, além de revelar uma capacidade de luta bem menor, dependia muito da interferência conscientizadora de elementos externos, especialmente o clero católico.


 

Capítulo II

A IDEOLOGIA

 

Antes de ingressar na discussão do controle ideológico e da propaganda, é necessário considerar os elementos essenciais da ideologia dominante, que forneceram a base e o sentido de sua realização. Tendo em vista que nosso estudo se concentra na comunicação oficial e, além disso, considerando o fato de que a classe economicamente dominante, após 1964, abriu mão da condução direta da política, confiando-a aos ocupantes dos órgãos do governo, ficaremos restritos ao ideário assumido no âmbito do Estado.

À medida que se entenda a ideologia como um complexo de idéias orientadoras das ações e do pensamento, é preciso definir o local onde buscar suas diretrizes. Poderíamos partir da análise dos textos e declarações oficiais produzidos no período, dos enunciados das leis aí promulgadas ou dos atos e medidas efetivamente implementados. Ocorre que as declarações, os textos e mesmo as leis, geralmente, recebem um tratamento retórico de modo a aparentar que incorporam interesses de determinados setores da sociedade, ao mesmo tempo que ocultam os que, realmente, ali estão contidos. Em outras palavras, são transformados em mensagens persuasivas. É de considerar, inclusive, que algumas leis possuem caráter eminentemente demagógico, promulgadas para neutralizar tensões existentes num determinado momento, sem que se pretenda cumpri-las. Nessas condições seria muito difícil, senão impossível, distinguir naquelas peças o que se configura como objetivos de fato pretendidos ou meras promessas destinadas a obter apoio e simpatia. Por essa razão, o núcleo ideológico deve ser buscado naquelas ações do governo que, por evidenciarem certa continuidade e permanência, revelam uma atitude prévia em determinada direção. Somente a partir daí estaremos em condições de interpretar o discurso e já estaremos na análise da propaganda.

A ideologia dominante, após 1964, configurou-se como representativa dos interesses do capital nacional associado ao estrangeiro. Em função disso, o eixo ideológico se formou a partir da percepção dos limites que bloqueavam a expansão das forças produtivas, da existência de possibilidades de romper esses limites e da formulação de estratégias para concretizá-las. A direção que se visualizava envolvia, inicialmente, a reorganização do sistema produtivo e a obtenção de novos recursos. O passo seguinte seria dado pela mobilização econômica de todas as forças, acompanhada de sua desmobilização política, sempre que se opusessem ao objetivo fundamental: o aumento das taxas de acumulação. Trata-se, nitidamente, de concepções presentes em qualquer sociedade estruturada em moldes capitalistas, que tampouco eram novas no Brasil. Suas especificidades somente vão se manifestar em aspectos relacionados a certas peculiaridades da realidade brasileira, a cada momento histórico. Mas é importante que sejam reafirmadas, pois há interpretações que tendem a sobrestimar o papel de outros setores da sociedade, deixando os interesses do capital em patamares secundários, por mais estranho que isso possa parecer. Uma primeira versão é aquela que pretende atribuir aos militares o papel de principais protagonistas. Hélio Silva, por exemplo, em trabalho intitulado "O Poder Militar", afirma que "o movimento de 1964 marca o fim do papel tradicional dos militares na política e o aparecimento de novos padrões. Derrubavam um presidente, mas não ocupavam o poder... Essa tradição teria terminado em 64".(1)Essa visão tende a ser reforçada por uma série de expressões, que se tornaram lugares-comuns na imprensa e até nas Ciências Sociais: "militarismo", "ciclo militar", "regime militar". Outra versão é a que atribui a maior parcela de poder à "burocracia", "tecnocracia" ou "tecnoburocracia". E a opinião, dentre outros, de Bresser Pereira: "...em pouco tempo o grupo tecnoburocrático verificou que possuía força e suficiente capacidade para se manter no poder em seu próprio nome"(2) Outras interpretações falam ainda de uma burocracia civil e militar, ora apresentando-as como aliadas do capital, ora omitindo essa ligação. Não se trata de negar o evidente prestígio adquirido pelos mencionados setores, nem a importância do seu papel na gestão política e econômica do país. Essa condição, aliás, foi fruto do ingresso definitivo do Brasil no estágio monopolista do capitalismo. Uma das características básicas, nessa fase, é que a produção se realiza através de corporações tão grandes e tão complexas que o seu controle só pode ser realizado através de gestores especializados. Estes têm, sem dúvida, uma força extraordinária, mas apenas porque são a "voz do dono". Sua posição depende da própria competência, que se mede pela eficácia das decisões. À menor sombra de resultados negativos, sejam ou não responsáveis diretos, são impiedosamente demitidos. Não se deve confundir, portanto, o capital com o seu manuseio, a propriedade com a gerência. Essa situação envolve também a estrutura do Estado, cuja função, no modo capitalista de produção, é servir aos interesses do capital. E se não houve demissões tão freqüentes, no quadro da gerência tecnoburocrática estatal, embora as demonstrações de incompetência tivessem sido freqüentemente denunciadas, isso se deve à permanência das práticas de "conchavos", "apadrinhamentos", "companheirismo" que permitiam, a muitos, resguardar seu lugar ao sol.

O maior problema das interpretações que privilegiam o papel dos militares e tecnoburocratas consiste na não percepção de uma estratégia de propaganda, à qual voltaremos oportunamente, que procura ocultar quais são os interesses prevalecentes na sociedade, atribuindo o poder a um segmento que possa, apresentando uma imagem de neutralidade acima das classes, mostrar-se comprometido apenas com o "bem-estar geral". Nesse contexto, o baixo nível salarial da maioria ou os graves problemas sociais podiam ser tratados como fatos naturais inevitáveis porque, afinal de contas, nem militares nem tecnocratas teriam interesse em mantê-los. Feitas essas ponderações, é necessário esclarecer qual foi o papel e a condição de cada setor. Um grupo de oficiais, realmente, passou a ter grande importância política, ocupando cargos decisivos em órgãos públicos e empresas estatais e, principalmente, ocupando a Presidência da República durante todo o período. Esses são fatos transparentes, mas não autorizam a interpretação de que as Forças Armadas tivessem imposto seus próprios interesses e, consequentemente, a sua versão da realidade com os objetivos dela decorrentes. A ascensão dos militares, na verdade apenas alguns poucos oficiais, se devia à forma como os confrontos sociais estavam se desenvolvendo. As classes subalternas haviam se tornado extremamente agressivas em suas reivindicações. O movimento grevista, que contara com 1,5 milhão de participantes em 1960, crescia para 1,6 milhão em 1961, 2 milhões em 1962 e 3 milhões em 1963.(3)Aumentavam as invasões de terras e as ameaças sobre a indústria, surgiam focos de insubordinação nas Forças Armadas. O governo parecia estimular essa situação. Nesse contexto, a classe dominante não viu outra alternativa, para impor seus interesses, que a tomada do poder pelas armas. Ela própria procurou armar-se, nos campos e nas cidades. Mas o Presidente era o "Comandante-em-Chefe das Forças Armadas", pela Constituição, e havia oficiais que o apoiariam. Foi nesse contexto que a classe dominante foi buscar apoio entre os militares, comprometendo-se com a realização de medidas em benefício deles, em seu conjunto, ou de seus membros, individualmente. Acenaram com o restabelecimento da hierarquia, o combate ao comunismo, o reaparelhamento e modernização dos armamentos e até mesmo a oferta de cargos no governo e em empresas privadas. Os militares, portanto, exerceram apenas o papel que lhes era próprio: constituir o aparato repressivo do Estado, garantindo o equilíbrio que permitisse a realização dos objetivos da classe economicamente dominante. Outro aspecto a ser ressaltado é o de que a maior parte dos oficiais que ocuparam postos no governo foram aproveitados menos por serem militares do que por possuírem conhecimentos específicos extremamente úteis naquele momento. A mentalidade empresarial no Brasil, em grande parte formada a partir de pequenos e médios empreendimentos, ainda continha muitos traços arcaicos: experiência pessoal adquirida através de tentativas e erros, improvisação, fiscalização direta do trabalho. Era o que se denominava, vulgarmente, "intuição para os negócios". A presença mais ativa do Estado numa economia que se modernizava, especialmente através das empresas estatais, só poderia se realizar através de formas de planejamento e execução racionais e eficientes. Mentalidade mais avançada, nesse sentido, existia entre economistas e técnicos ligados às multinacionais e empresas nacionais de grande porte, das quais eram empregados ou consultores. Os que estavam disponíveis realmente foram para o governo, mas não eram suficientes. O vazio profissional pôde ser preenchido por oficiais que, em sua preparação para o exercício do comando, tinham aprendido a dominar técnicas de elaboração de planos estratégicos e táticas de ação minuciosas e eficazes. Muitos deles, inclusive, foram recrutados pelas próprias empresas privadas. Além disso, para funcionar adequadamente, tanto as empresas como órgãos do governo dependiam de hierarquização rigorosa e disciplina impecável, sem dúvida uma das maiores especialidades das elites da caserna. Dentre os poucos locais onde a farda e a arma eram fundamentais, havia os Ministérios militares, especialmente do Exército. Neles se concentrava o núcleo do aparelho repressivo e, aí sim, importava a competência estritamente militar, a experiência no comando de tropas e o prestígio perante os comandados. Quanto à tecnoburocracia civil, sua função não era muito diversa dos militares. Sua força advinha do fato de dominarem técnicas de maximizar resultados, num prazo rápido e baixo custo. Os objetivos principais que os guiavam, contudo, não eram seus e para assumi-los como próprios exigiram altos salários e enormes privilégios.(4) Além disso, é importante lembrar que, como demonstrou Dreifuss, grande parte dos altos cargos do governo foram ocupados não por tecnoburocratas, mas por empresários.(5)

Nem militares nem tecnoburocratas detinham o poder. Não no sentido da "capacidade de uma classe de realizar os seus interesses objetivos específicos".(6) Tampouco tinham, por isso mesmo, um projeto próprio ou agiam em seu próprio nome. A eles coube apenas o exercício do poder que, de fato, pertencia aos proprietários privados dos meios de produção. Estes, os proprietários, eram a classe dominante que, para viabilizar seu projeto, erigiram aqueles em classe reinante.(7) Se a sua dominação não era visível, totalmente, as inúmeras medidas justificadas pela pressão de fantasmagóricas "leis da economia" ou "forças de mercado" deixavam clara sua presença.(8) Não faltaram os que, obnubilados pela posição, pensaram poder ultrapassar os limites que os cercavam. Como observou Ianni, "a tecnocracia imaginava constituir-se como se tivesse um fim próprio, definido por si mesma. ... .) Alimentou a ilusão de constituir-se numa 'elite' de poder, ou 'classe muito especial'. Houve sociólogos, estrangeiros e nativos, que lhe atribuíram a condição de classe social, na mesma categoria da burguesia".(9) Nesses casos, a imprensa cuidou de divulgar sua transferência para embaixadas distantes, a volta para a iniciativa privada ou para uma espécie de exílio interno, que lhes permitiu escrever lamuriantes memórias.

1 O Núcleo Ideológico

Os principais responsáveis pelo movimento de 1964 tentaram criar a imagem de um Estado "desideologizado", sem orientações predeterminada nem princípios norteadores, à exceção de vagas alegações a respeito de valores cristãos, princípios da civilização ocidental ou de luta contra a ameaça de bolchevização do país. As entrevistas, realizadas entre oficiais e civis, revelavam um interessante consenso em torno de que o movimento tivera um caráter quase de improviso e que, deposto o governo, praticamente não se sabia o que fazer.(10) Referências à existência de grupos diversos, entre os militares, como "linha dura", "Sorbonne", "castelistas", tendiam a sugerir um fracionamento, dentro do sistema, que impediria a formação de uma diretriz definida de pensamento a orientar as ações. Em verdade, as contradições e conflitos eram apenas aparentes ou de menor importância no contexto político global, assim como a alegada improvisação. Por trás dela havia interesses bem definidos, representados nas idéias dos governantes e orientando-os em sua ação, que se mantiveram presentes durante todo o período, apenas ajustando-os às mudanças conjunturais já que, estruturalmente, nenhuma alteração de vulto ocorreria até os anos 80. O núcleo da ideologia dominante se articulava em torno de quatro componentes básicos: inclinação pelos padrões econômicos, políticos e culturais de origem norte-americana; concepção racional tecnicista em relação à organização e funcionamento da sociedade; postura avessa a quaisquer formas de conflito; tendência à centralização decisória.

O componente ideológico fundamental se originava da extrema admiração que os detentores do poder sentiam pelos Estados Unidos e seu modelo de organização social. É evidente que não se tratava de simples sentimentalismo unilateral. Desde o final da II Guerra, quando se tornaram a maior potência ocidental, os norte-americanos investiram maciçamente em promoções destinadas a demonstrar sua superioridade e perfeição em todas as áreas. Fizeram intensas campanhas de propaganda; programas de cooperação econômica, militar e cultural; intercâmbio de estudantes, professores, cientistas e artistas; criaram facilidades para o acesso de estrangeiros às suas escolas. Com isso somavam, à sua dominação econômica, a hegemonia cultural no plano internacional. É que, sem a imposição de sua cultura, o poderio econômico não poderia subsistir. Como esclarece Ianni, "o capitalismo generaliza e repõe, continuamente, em todas as esferas da existência social, nos países dominantes e dependentes, as suas relações, processos e estruturas. Isso implica generalizar e repor formas de pensar e agir determinadas pelas exigências da reprodução do capital".(11) No Brasil, como resultado desse processo, a sociedade brasileira, em poucos anos, via alterar sua fisionomia. Surgiam novos padrões de beleza, criados pelo cinema de Hollywood; valorizavam-se os heróis individuais, encarnados pelos soldados, cowboys, detetives e self-made men ou idealizados no Super-Homem e Capitão América; mascavam-se chicletes e bebia-se Coca-Cola, whisky e drinks; ouviam-se jazz, swing, blues e rock and roll!, inauguravam-se self-services; as colunas sociais glorificavam o vip (very important person), o top set e o café society.(12) A admiração transformara-se em mimetismo, cuja expressão encontrou o ápice na frase de Juracy Magalháes, quando era Ministro do Exterior em 1964: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".(13) O golpe permitira criar laços mais estreitos com os "irmãos do norte". Em 1966 o Ministério da Educação e a "United States Agency for International Development" firmavam um acordo de cooperação (acordo MEC-USAID). A partir dele, formaram-se comissões mistas de planejamento, encarregadas de reformular o ensino superior brasileiro, de molde a aproximá-lo do modelo adotado nas universidades norte-americanas. No campo econômico foram inúmeras as medidas que fortaleceram a aliança. Levantaram-se as restrições ao movimento de capitais, pela modificação da lei de remessas de lucros, concederam-se garantias especiais aos investimentos norte-americanos e criou-se uma faixa privilegiada de crédito para as empresas estrangeiras. Em fevereiro de 1965 o governo criou maiores facilidades, através do Decreto-lei 55.762, segundo o qual os investimentos realizados no Brasil gozariam da mesma situação legal que o capital nacional. A Constituição de 1967 abriu novo espaço, permitindo, em seu artigo 161, que os recursos minerais pudessem ser explorados por brasileiros ou "sociedades organizadas no país".(14)

O mimetismo em relação à cultura norte-americana trazia, em seu bojo, uma concepção tecnicista e pragmática segundo a qual todas as ações sociais deveriam ter, como medida de sua legitimidade, os resultados econômicos que pudessem gerar. O ideal de expansão econômica tornava-se de tal forma obsessivo, que quaisquer meios se justificavam pelos fins. O aumento da produtividade no âmbito das empresas ou o crescimento do Produto Interno Bruto eram considerados indicadores seguros do acerto dos programas e medidas, conquanto pudessem significar o agravamento das desigualdades, com exacerbação da miséria de grandes contingentes populacionais. A crueldade dessa postura ficaria patente em uma afirmação do presidente Médici, de 1970: "Chegamos à pungente conclusão de que a economia pode ir bem, mas a maioria do povo brasileiro vai mal".(15) Orientada por palavras de ordem como "racionalidade técnica , eficácia", "competitividade", a máquina governamental esmagava os anseios pela solução dos problemas sociais e culturais, que a proposta distributivista do governo anterior se comprometera a atender. A diretriz ideológica assumida fica clara quando se verifica que a percentagem do orçamento, alocada para os Ministérios da Educação e Saúde, que era de 13,99% em 1966, foi decaindo progressivamente, até atingir 5,94% em 1974.(16) E os gastos com educação concentravam-se no treinamento de técnicos que se dedicavam a viabilizar o crescimento da indústria. Pouco importava o nível cultural da população. As escolas de Administração começaram a proliferar no Brasil, após 1964. Intensificava-se o ensino de Marketing, a técnica norte-americana de otimizar as relações entre empresa e mercado, de modo a reduzir custos e ampliar os lucros. A literatura traduzida sobre o assunto passou de 5 títulos, até o final da década de 50, para 22 na década de 60. É o período que Aylza Munhoz denominou de "década de implantação do Marketing no Brasil".(17) Houve a preocupação, também, de incentivar e valorizar os cursos técnicos, de modo a permitir a qualificação de mão-de-obra, sem custos diretos para as empresas. A Lei de Diretrizes e Bases (5.692/71) reformou o sistema de ensino tradicional, de orientação essencialmente cultural e humanística, para introduzir o ensino profissionalizante. Esse tecnicismo pragmático gerava, também, o descaso pelos padrões alimentares. Enquanto se investia maciçamente na capitalização da agricultura voltada para as exportações, as culturas destinadas à produção de alimentos, por falta de incentivos, não tinham condições de se tornar mais produtivas, restando-lhes apenas a possibilidade de expansão pela ampliação da fronteira agrícola.(18) Essa era, evidentemente, uma das conseqüências da forma como se percebia a população em geral e, mais especificamente, os trabalhadores. Todas as medidas indicam que jamais foram vistos como destinatários finais da política econômica, aqueles que teriam melhoradas as suas condições de vida a partir do desenvolvimento, como afirmava a propaganda. Os trabalhadores não passavam de meros fatores de produção, sem nome e sem personalidade, quantificáveis em termos de custo-benefício, aliás, um custo a ser reduzido de modo a maximizar os lucros. Essa visão, provavelmente, era reforçada pelo ideário militar, segundo o qual a oficialidade encara os soldados como simples instrumentos destinados à consecução de determinados objetivos. Dois meses após o golpe de 64, em 1.0 de junho, foi promulgada a Lei 4.330, pela qual se restringia o direito de greve, a tal ponto que se tornaram praticamente inviáveis. Em diversos setores, considerados essenciais, elas foram totalmente proibidas e, em outros, dependiam da declaração de sua legalidade pelos tribunais trabalhistas.(19) Com a impossibilidade de eclosão de greves o governo passava a tomar uma série de medidas de controle salarial de modo a obter o rebaixamento do custo da mão-de-obra. Já em 19-6-64 a Circular n. 10 do Ministério da Fazenda criava uma política salarial para os funcionários públicos, depois estendida para as empresas que tivessem controle acionário do Estado. Os reajustes seriam anuais e calculados pela estimativa da inflação e do aumento da produtividade futuros. Na prática, esses reajustes ficaram aquém do aumento do custo de vida, além do fato de que os funcionários tinham seus salários deteriorados durante doze meses, pela inflação, até nova recuperação parcial.(20) Em 13-7-65, pela Lei 4.725, a política da compressão salarial era estendida às empresas privadas. Fixou-se uma fórmula para o reajuste salarial que ficava abaixo do custo de vida e do aumento da produtividade, sob o argumento de que era necessário evitar que os salários constituíssem um fator de realimentação inflacionária.(21) Em 1967, a nova Constituição, no artigo 158 item X, reduzia a idade legal mínima de trabalho de 14 para 12 anos, aumentando a possibilidade de se substituir o trabalho adulto pelo infantil, com salário menor.(22) A política de arrocho salarial atingiu tal ponto que se chegou, nos anos de 1973 e 1974, a se manipular os índices oficiais de forma a permitir que os reajustes salariais ficassem bem abaixo das taxas reais de inflação.(23) No capitalismo avançado, em princípio, a realização do lucro se faz essencialmente pela incorporação de tecnologia que amplie a produtividade do trabalho (mais-valia relativa).(24) No Brasil, contudo, as formas de contenção salarial, obrigando os trabalhadores a fazer horas extras para prover à sua própria subsistência, bem como a decretação da redução dos feriados oficiais, pelo governo Castelo Branco demonstraram que a mais-valia absoluta, na forma de ampliação da jornada de trabalho sem remuneração equivalente, era fundamental para a acumulação.(25) Apenas em 1979, quando os trabalhadores tinham atingido maior capacidade de luta, é que o governo adotou uma sistemática de reajustes salariais mais benéfica, especialmente para os trabalhadores de menor renda.(26)

Outro componente importante do núcleo ideológico caracterizou-se pela intolerância em relação aos diversos interesses presentes na sociedade. Ao invés de encarar as divergências como naturais, rotineiras, devendo resultar em negociações que dessem a base para as decisões políticas, o regime pós-64 empenhou-se em impedir quaisquer formas de conflito. Para a maioria dos problemas econômicos ou políticos só se permitia uma versão dos fatos e uma alternativa de solução: a oficial. Qualquer divergência era vista como negativa e imediatamente tomadas medidas para neutralizá-la. Essa postura, na prática, revelou-se pela constante restrição a todas tentativas de livre reunião, associação e mesmo à simples expressão de idéias. Os sindicatos passaram a sofrer freqüentes intervenções. No período 1964-1979, dentre intervenções, destituições de diretorias, cerceamento de eleições e dissoluções somaram-se 1.565 interferências diretas do governo.(27) Os partidos políticos foram extintos pelo Ato Institucional n. 2, de outubro de 1965. Embora tenham sido criados dois outros, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), o primeiro de apoio ao governo e o segundo de oposição, o último foi alvo tão constante da cassação de mandatos eleitorais, que não podia manter representação significativa.(28) Além disso, sempre que houve condições para o MDB obter grande número de votos, viu-se atingido por determinações legais que lhe restringiam o espaço. Além das cassações, praticou-se a impugnação de candidaturas, a limitação da propaganda eleitoral por rádio e televisão, com os candidatos restritos à divulgação do nome, número e currículo reduzido e a mudança no sistema de renovação do Senado em que, para cada três cadeiras, uma deveria ser preenchida por candidato eleito indiretamente.(29) As organizações estudantis, também, sofreram severa intervenção. A UNE (União Nacional dos Estudantes) foi extinta logo após o golpe. Os Centros Acadêmicos tornaram-se ilegais e a legislação previa apenas a possibilidade de se organizarem diretórios totalmente subordinados à direção das escolas. Além disso, atribuiu-se às autoridades educacionais o poder de suspender ou desligar estudantes envolvidos em atividades consideradas subversivas e de demitir professores e funcionários pela mesma razão.(30) Mas além das freqüentes medidas tomadas no sentido de impedir a livre atuação de qualquer associação de defesa de interesses, os fatos mais indicativos de uma firme disposição de desmobilizar a sociedade foram a repressão e a censura. Com variações entre a simples ameaça e o assassinato, proibição de informações e fechamento de jornais, a ação repressiva e censória tornou-se onipotente e onipresente. Dessa forma, o processo de acumulação podia se realizar perante uma sociedade submissa e passiva. Caberia apenas ao Estado verificar a existência de necessidade e interesses e definir a forma de atendê-los ou bloqueá-los. À política de mobilização econômica acrescentava-se a desmobilização política. Todavia, não se deve concluir daí que o Estado tinha se autonomizado em relação à sociedade civil, que poderia induzir à hipótese, já mencionada, de que a tecnoburocracia, militar ou civil, agia em nome próprio. A desmobilização se deu no âmbito daqueles setores que ameaçavam a acumulação. Quanto aos demais, membros da classe dominante e seus aliados, continuaram a impor seus interesses, apenas não o fizeram da forma tradicional. Estado e sociedade se organizaram a partir de um novo arranjo.

Como descreveu Fernando Henrique Cardoso, a grande empresa privada e a burocracia pública passaram a constituir duas estruturas verticais, ligadas horizontalmente por "anéis burocráticos"(31) Os interesses da sociedade (dos setores dominantes) passaram a existir, assim, dentro do Estado, caracterizando um sistema político onde as formas tradicionais de organização e representação, partidos, organizações federativas perderam seu sentido.

A articulação dos interesses dominantes, no âmbito do Estado, evidenciava outro componente ideológico a orientar as condutas: o princípio da centralização das decisões, tanto econômica quanto politicamente. O sistema tradicional previa a tripartição do poder. Para mantê-lo intocado, as diversas decisões deveriam ser submetidas ao Legislativo que, por ser o local por excelência dos confrontos de interesses, exigiria longos prazos para uma conclusão final que, inclusive, poderia afastar-se do projeto pretendido. Todo o período foi marcado pelo fortalecimento do Executivo, que foi assumindo, gradativamente, as funções e poderes do Congresso. Já em 9-4-64 foi editado o Ato Institucional n. 1, que transferia para o Presidente da República uma série de prerrogativas do Legislativo, criava o sistema de decurso de prazo, pelo qual os projetos considerados urgentes pelo Executivo seriam automaticamente aprovados no prazo de trinta dias, além de suspender as imunidades parlamentares. (32)

Quanto ao Judiciário, o temor de que pudesse anular decisões do Executivo, por ilegalidade ou mesmo por inconstitucionalidade, e, no mínimo, a preocupação que determinados projetos ficassem suspensos por longos períodos, necessários para que os tribunais se pronunciassem sobre as ações movidas, induziu ao seu esvaziamento, com a diminuição de suas prerrogativas. Através dos Atos Institucionais n. 1, 2 e 5 proibiu-se que determinadas medidas fossem apreciadas pelo Judiciário, estabeleceu-se o sistema de nomeação, pelo Executivo, dos membros da magistratura federal, transferiu-se grande parte da competência da Justiça Civil para a Justiça Militar, além de suspender as garantias constitucionais de vitaliciedade e inamovibilidade da magistratura.

A concentração do poder decisório se completou com a redução da autonomia dos estados. A primeira medida, no final de 1965, dava ao governo federal a atribuição de indicar os Secretários da Segurança dos estados e colocava as polícias militares sob o comando de generais, passando assim para o controle direto do governo central. A segunda medida, tomada com a promulgação do AI-3, de 5-2-66, foi a mudança de sistema de escolha dos governadores, que passavam a ser eleitos por via indireta, através de colégios eleitorais sob controle do executivo federal. Com a Constituição de 1967, aprofundava-se a subordinação dos estados, já que o governo central assumia, com exclusividade, a competência para cobrar e recolher tributos e decidir sobre a sua redistribuição para os estados e municípios.

Ao mesmo tempo em que criava a estrutura legal necessária ao seu próprio fortalecimento, o Estado construía, gradativa e deliberadamente, os organismos e instrumentos que lhe permitiriam controlar todos os setores da sociedade. Dentre os inúmeros órgãos. destinados a viabilizar a concentração decisória, dois eram os mais importantes: o Ministério do Planejamento e da Coordenação Econômica e o SNI (Serviço Nacional de Informações). O Ministério do Planejamento, embora teoricamente estivesse na mesma linha hierárquica dos demais, acabou se sobrepondo a todos. Ao seu titular competia planejar em nível global e exercer a coordenação geral. Cabia-lhe, basicamente, orientar a estrutura administrativa do setor público e implantar a política econômico-financeira, competência que acabava por encampar todas as atividades do Estado. O SNI foi criado com o objetivo de exercer a função de uma agência central de informações e assessorar na formulação das diretrizes políticas. Seu fundador e primeiro diretor foi o General Golbery do Couto e Silva, que, antes do golpe, já organizara um departamento semelhante no IPES.(33) O novo órgão logo adquiriu uma força extraordinária, desdobrou-se por toda uma rede de agências regionais nos estados e territórios, além das assessorias e divisões nos ministérios, autarquias, órgãos administrativos.

A atuação centralizadora do Executivo se concretizava, basicamente, na execução de programas globais que estabeleciam metas e planos para a economia como um todo, sem deixar de prever diretrizes aplicáveis nas áreas de educação, saúde, previdência, assistência social, desenvolvimento científico e tecnológico. Além disso, havia programas setoriais, para estimular o desenvolvimento de determinadas regiões do país, incentivar a produção industrial e agrícola, controlar preços e salários, solucionar problemas dos indígenas ou dos menores, estimular a produção cultural, conceder empréstimos, criar subsídios.(34)

2. A Versão da Escola Superior de Guerra

A ideologia dominante, cujo núcleo fundamental acabamos de descrever, foi codificada através da chamada "Doutrina da Segurança Nacional", formulada na Escola Superior de Guerra.(35)A ESG foi fundada em 1948, à semelhança da "National War College" dos EUA, inclusive com auxílio de uma missão militar norte-americana, que lhe deu orientação por doze anos. De início tinha objetivos exclusivamente militares; ministrar o curso de Alto Comando. A partir de 1949, passou a congregar civis e ampliou seus objetivos, propondo-se a preparar elites voltadas para a solução dos problemas do país. Através de estudos, conferências, palestras e debates, sob forte influência do clima da Guerra Fria do pós-guerra, foi estruturando sua "doutrina". As concepções nela contidas adaptaram-se perfeitamente aos objetivos do capital. Essa adequação, evidentemente, não era gratuita nem simples coincidência. Além da influência norte-americana, não só na origem da ESG como através das viagens que todas as suas turmas faziam aos EUA, havia o peso do próprio pensamento civil. Participando como membros das turmas, ou proferindo palestras, inúmeros economistas, empresários, representantes de associações de classes acabaram influindo nas reelaborações do pensamento da Escola. Acresce considerar que, a partir da metade da década de 50, inúmeros oficiais tornaram-se diretores ou acionistas de empresas privadas.(36)

Enfatizando a importância do binômio "Segurança e Desenvolvimento", a "doutrina" dava respaldo teórico à mobilização econômica para a acumulação capitalista (desenvolvimento), sem os custos dos movimentos conflitivos da sociedade, que seriam neutralizados (segurança). O ideário da ESG começou a ser definido na década de 50, desenvolvendo-se com o correr dos anos, em que passou por diversas reformulações. Alguns conceitos fundamentais se mantiveram e se solidificaram nos anos 60 e 70 e podem ser sintetizados em três elementos básicos: os 'OBJETIVOS NACIONAIS' devem ser buscados por uma 'POLITICA NACIONAL', através dos recursos disponíveis, o 'PODER NACIONAL'.

Os OBJETIVOS NACIONAIS seriam os interesses e aspirações mais importantes da comunidade nacional, entendidos os interesses como necessidades cuja realização era indispensável para a sobrevivência da nação dentro de condições existenciais mínimas. As aspirações seriam esses mesmos interesses já projetados e integrados na consciência nacional. Os objetivos eram ainda classificados em permanentes e atuais (ONP e ONA). Os primeiros tendo um caráter de relativa estabilidade no tempo e no espaço e os segundos constituindo etapas intermediárias para sua consecução ou manutenção. Quanto à identificação dos interesses e aspirações nacionais, deveria ser realizada pela análise do "processo histórico cultural da nacionalidade" e seus elementos básicos e pela interpretação do "caráter nacional". Na primeira fase se estudaria a evolução histórica do país, a evolução dos valores culturais, as tendências e, na segunda, o conjunto dos atributos psicológicos, a personalidade dos brasileiros.

Aspecto interessante, à medida que revela a natureza autoritária dessas concepções, era a indicação de quem deveria definir os objetivos nacionais, indicação até mesmo contraditória. A ESG, se por um lado pregava que a "Democracia" era um dos objetivos nacionais permanentes e que a "participação" era um direito de todo cidadão, por outro atribuía às elites um poder extraordinário. Considerava que elas eram as únicas em condições de captar os anseios da coletividade e, conseqüentemente, fixar os objetivos nacionais. Apesar de, nos debates da ESG, se concluir que essa fixação competiria ao Congresso Nacional, a Emenda Constitucional de 1969 a atribuiu ao Conselho de Segurança Nacional (art. 89, 1).

O 'PODER NACIONAL', definido num sentido instrumental, seria o conjunto de meios de que dispunha a nação para realizar os "Objetivos Nacionais". Foi analisado em quatro formas ou expressões: "econômica" (recursos naturais e humanos, empresas, tecnologia etc.), "política" (povo, governo, instituições, partidos, diplomacia etc.), "psicossocial" (educação, saúde, estrutura familiar, moral, religião, cultura, opinião pública) e "militar" (Forças Armadas, instrução, moral militar, inovação técnica etc.).

A 'POLÍTICA NACIONAL' estabelecia uma relação entre os dois elementos citados. Consistia na fixação dos "Objetivos Nacionais" a serem alcançados através de uma "Estratégia Nacional" pela utilização do "Poder Nacional". Desmembrava-se em duas outras inter-relacionadas: a "Política Nacional de Desenvolvimento" e a "Política Nacional de Segurança". A de "Desenvolvimento" consistiria, essencialmente, no emprego do "Poder Nacional" para a conquista e manutenção dos "Objetivos Nacionais", e a de "Segurança" se especificava na eliminação ou redução dos obstáculos que pudessem impedir a conquista ou manutenção daqueles objetivos. Os obstáculos, que a "Política de Segurança" deveria neutralizar, foram classificados em "fatores adversos", "antagonismos", "pressões" e "pressões dominantes". "Fatores adversos" eram fenômenos que impediam a consecução dos objetivos; "antagonismos" eram atos intencionais e contestatórios; "pressões" eram as ações emanadas de antagonismos que dispunham de poder e "pressões dominantes" eram aquelas que, por sua importância e natureza, caracterizavam uma ameaça ponderável aos objetivos nacionais. Com esses elementos chegava-se à concepção de "Segurança Nacional", entendida como o grau de garantia que o Estado proporcionava à Nação, por meio de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, para manter ou conquistar os "Objetivos Nacionais Permanentes", a despeito dos antagonismos e pressões. Ligada à idéia de Segurança Nacional, a ESG insistia em descrever o que denominou de "Guerra Revolucionária", cujas características básicas seriam: realização dentro das fronteiras de um país, visando a conquista do poder, estimulada ou auxiliada do exterior e inspirada na ideologia marxista-leninista. Outras características foram ainda apontadas, conferindo ao conceito uma certa dramaticidade ameaçadora: ser subversiva, visar à destruição dos valores morais em que repousa a sociedade, ser universal, por visar a conquista de todos os países não comunistas, ser permanente e total, visando a todos os indivíduos e fazendo de cada um objetivo para a conquista de sua mente; utilizar a violência sistemática através de sabotagem, terrorismo e guerrilha. Essa visão adquire especial importância quando se verifica que permitiu justificar o autoritarismo repressivo, que se instaurou no Brasil em 1964 e se exacerbou a partir de 1968.

Descrevemos a espinha dorsal do pensamento elaborado na Escola Superior de Guerra, mas é importante acrescentar algumas idéias, ali produzidas, que se reportam ao núcleo ideológico anteriormente mencionado. A simpatia e conseqüente mimetismo em relação aos Estados Unidos ganharam uma cor de aparência científica, fundamentada por uma visão "geopolítica" da realidade brasileira. Segundo a visão gepolítica, as diretrizes político-econômicas, adotadas por cada país, não podiam deixar de levar em conta determinadas condições geográficas. Considerando que se vivia num momento histórico em que as grandes potências se encontravam empenhadas num confronto radical, num clima de guerra total e permanente, concluía não ser possível, a nenhum país, manter uma posição de neutralidade. Duas apenas seriam as alternativas: a submissão ao bloco comunista ou a aliança com o ocidental. O continente latino-americano, geograficamente, encontrar-se-ia na órbita de influência dos Estados Unidos e era de extrema importância estratégica para a salvaguarda da "Democracia". Dessa forma, a única opção para o Brasil seria juntar-se àquele país, na defesa geral do Ocidente, contra a ameaça de expansão do imperialismo da União Soviética. Quanto ao modelo econômico, para o desenvolvimento, a ESG propunha, como metas básicas: a efetiva utilização dos recursos naturais, a criação de extensa rede de transportes e comunicações, que permitisse integrar o território, a modernização tecnológica. Para tanto, o sistema ideal seria o capitalista sob intervenção do Estado, encarregado de controlar os desequilíbrios. A perspectiva de centralização das decisões na orla do Executivo foi justificada por uma concepção que buscava respaldo na evolução histórica do país. O regime político brasileiro era apresentado como possuindo certas tendências, reveladoras de uma sistemática continuidade, dentre as quais: fortalecimento do Executivo, restrições ao federalismo, controle da pluralidade partidária, intervenção no processo legislativo. A concentração de poderes no âmbito do Executivo seria uma tendência já existente no império, que continuava a prevalecer durante a República. A autonomia dos estados, de maneira indiscriminada, seria incompatível com aqueles que, devido a deficiências intrínsecas, não estavam em condições de exercê-la. Conseqüentemente, teriam surgido distorções que conduziram a um aumento das atribuições da União, com sacrifício de parte daquela autonomia. Quanto aos partidos, desde o Império, teriam se caracterizado pela falta de conteúdo doutrinário, girando em torno de pessoas e grupos. Tal situação teria levado à multiplicação desordenada de partidos, exigindo a criação de obstáculos à sua proliferação. O Legislativo, lento e inadequado às exigências dos tempos modernos, deveria submeter-se a normas reguladoras, que permitissem dinamizar a tarefa legislativa e evitar a procrastinação do trânsito dos projetos de lei.

Quanto à população em geral e os trabalhadores em particular, as concepções da ESG envolviam diversos conceitos, sugestivos da existência de uma preocupação com a melhoria de suas condições de vida. Assim, em diversos momentos, se afirmava que o desenvolvimento deveria visar o aperfeiçoamento do homem, ou proporcionar-lhe um padrão de vida condigno, ou ainda, objetivar o bem comum. Todavia, em outros instantes distinguia os indivíduos e grupos "não qualificados": as massas, daqueles especialmente "qualificados": as elites, a quem corresponderia um papel de liderança, sem mencionar qualquer participação correspondente dos liderados. Além disso, enfocou os trabalhadores sob a designação "recursos humanos", como um componente econômico do "Poder Nacional". Na prática, como já mencionamos, prevaleceu a percepção dos trabalhadores como meros recursos, fatores de produção destinados a assegurar o desenvolvimento, na forma de acumulação capitalista.

A postura contrária a quaisquer formas de divergências ou conflitos, na versão da ESG, foi justificada através da idéia de inconveniência dos "antagonismos". Por antagonismo a ESG compreendia a "atividade deliberada, intencional, que se opunha à consecução dos objetivos nacionais". Em 1971 a definição teve substituída a expressão "que se opõe à consecução" por "contestatória à consecução". Com essa mudança, criou-se uma distinção entre "oposição" e "contestação". A primeira, tida como legítima, se referia às divergências quanto aos programas do governo, na consecução dos objetivos nacionais atuais. A contestação, que deveria ser neutralizada, por atentar contra a segurança nacional, seria fruto da divergência quanto ao regime político, contrapondo-se aos objetivos nacionais permanentes. A diferença, sutil, não teve qualquer sentido prático, à medida que qualquer oposição era vista como uma tática dentro da orquestração maior da estratégia de dominação comunista e, daí, considerada contestatória. As idéias produzidas na ESG, em pouco tempo, adquiriram uma amplitude bastante significativa.(37) Sua terminologia, bastante específica e distinta dos conceitos clássicos empregados nas Ciências Jurídicas e Sociais, impregnou a maioria dos documentos oficiais. Ela estava presente nas leis e decretos, nos planos e projetos de governo, nos discursos de políticos e autoridades e nos programas de educação cívica. Além de se tratar de idéias norteadoras de ação, constituíam um elemento identificador. Os jargões do tipo "Poder nacional", "Poder psicossocial", "Objetivos nacionais" e dezenas de outros permitiam reconhecer, com os distintivos da ESG, os membros de uma quase confraria, a dos que tinham direito de estar ou se aproximar do poder, dos que podiam ser eleitos ou nomeados para os cargos públicos, dos que podiam deixar de se preocupar com as desconfianças da polícia política.


 

Capítulo III

A EVOLUÇÃO DA PROPAGANDA E DO CONTROLE IDEOLÓGICO

 

A ideologia, como forma de consciência que uma classe social adquire de seus próprios interesses objetivos, não surge da mesma maneira para todos os seus membros. As concepções, embora semelhantes, já que seus portadores se encontram na mesma condição, tendem a privilegiar aspectos diversos da mesma realidade, além de se apresentar com maior ou menor riqueza de pormenores, mais ou menos coerência e, até mesmo, com distintas formas de devaneios e ilusões. Tudo depende do modo como cada fração ou setor da classe participa do conjunto da produção e da especificidade com que se insere no contexto das relações sociais. A propaganda é o instrumento através do qual se procura disseminar uma das versões da ideologia, que permita integrar e orientar os diversos agentes, de modo a que suas ações se coordenem e caminhem num mesmo sentido e direção. A presença de posições divergentes, no seio de uma mesma classe, bem como de interesses irreconciliáveis, oriundos das demais, determina a emersão de formas mais ou menos violentas de neutralização e exclusão. Dessa forma, ideologia, propaganda, repressão e censura se integram num só processo, que se desenvolve refletindo e orientando o movimento mais geral da sociedade.

No Brasil, essa dinâmica se definiu, a partir dos anos 50, com a luta da burguesia nacional, associada ao capital estrangeiro, pela conquista e posterior manutenção de sua hegemonia no bloco formado pelas diversas frações da classe dominante. Ao mesmo tempo, todas atuavam no sentido de submeter as camadas médias e a classe operária, neutralizando-as politicamente e mobilizando-as para assegurar a expansão econômica. Nesse contexto, as relações sociais iam adquirindo feições específicas, de acordo com o avanço da economia. Além dos grandes ciclos ascendentes e descendentes que o caracterizaram, freqüentemente surgiam outros menores. Resultavam de uma política de ritmo stop and go, onde se alternavam medidas estabilizadoras, com o objetivo de controlar a inflação, seguida de afrouxamento nos controles, para impedir que se chegasse à recessão. A instabilidade se refletia no plano político e ideológico já que, a par dos conflitos relativamente permanentes, constantemente surgiam novos focos de tensão em virtude da reação, mais ou menos intensa, dos setores prejudicados pelas mudanças de rumos. Como observou Maria Helena Moreira Alves, a organização do regime brasileiro pós-64, em busca de estabilidade institucional, se processou num jogo dialético de confronto Estado-oposição, estruturando-se à medida que um pólo tentava controlar o outro.(1) A propaganda, com a repressão e a censura, foi uma das cartas fundamentais desse jogo.

O desenvolvimento das campanhas caracterizou-se por algumas tendências, que se manifestaram através de três grandes fases, dentro das quais inúmeras alterações de rumos e mudanças de ritmo foram delineando o papel e o objetivo do controle e da propaganda. A primeira se iniciou pouco antes do golpe, continuando até a consolidação do novo regime, com a promulgação do Ato Institucional n. 5. Prevaleceram, então, as acusações contra o governo João Goulart e as promessas de respeito pela legalidade democrática, ao mesmo tempo em que se afastavam os opositores pela violência. A segunda transcorreu durante todo o período de aceleração econômica. Paralelamente a uma forte repressão e censura, procurava-se justificar o regime pelo sucesso da economia. A terceira, cujo tema central era a promessa de redemocratização do país, iniciou-se em 1973 e ainda estava em curso em 1980, termo final de nossa pesquisa.

Na primeira fase, que começou a se definir por volta de 1962, a iniciativa do processo persuasivo partiu, preponderantemente, de instituições privadas. As mensagens se desenvolviam em torno da idéia de que era necessária uma intervenção no governo, para evitar o caos econômico e a ameaça comunista. As manifestações contra a política reformista de João Goulart partiam, indiscriminadamente, de quase todos os setores da classe dominante e camadas médias, especialmente através da imprensa. Houve um grupo, contudo, composto principalmente por empresários brasileiros, representantes de empresas estrangeiras, e oficiais militares, que promoveu uma intensa e bem orquestrada campanha de desestabilização do governo. Tratava-se daqueles que se organizaram no IPES e IBAD.(2) A campanha visava, num primeiro passo, conscientizar e organizar os setores economicamente dominantes em torno de um programa de reorganização econômica do país e, ao mesmo tempo, convencer da necessidade de derrubar o governo populista, de forma a ocupar o espaço político necessário à implantação do plano. Em seguida, a propaganda se desenvolvia no sentido de conquistar adeptos entre operários, estudantes, trabalhadores do campo e camadas médias, ao mesmo tempo que procurava desmoralizar os setores organizados em torno das teses reformistas. Para a elite dominante se organizaram conferências, debates e seminários realizados nas escolas, clubes e associações. O recrutamento de adeptos era conduzido de diversas formas. No campo, agia-se através de membros do clero católico, simpáticos à causa do IPES-IBAD, que procuravam desorganizar o movimento camponês. Além disso, promoveram-se serviços de assistência médica, ensino, distribuição de sementes e ferramentas. Essa prática permitia estabelecer uma maior aproximação e, assim, obter informações importantes, bem como criar condições favoráveis à divulgação das idéias anti-reformistas e ao estímulo de temor pelo comunismo. Em relação ao operariado urbano, a ação do IPES-IBAD visava minar a consciência de classe já adquirida e conter a mobilização crescente. A estratégia de doutrinação se desenvolvia através de cursos de alfabetização, programas de assistência social, treinamento de militantes sindicais, distribuição de livros e folhetos. A idéia básica, que se procurava inculcar, era que os operários, conquanto tivessem o direito de reivindicar a satisfação de suas necessidades econômicas, deveriam restringir-se a certos limites, inclusive sem questionar o sistema social como um todo. Onde a atuação do IPES-IBAD encontrou maior receptividade foi entre setores das camadas médias. Aproveitava-se o momento de deterioração da renda e de queda nos padrões de vida para mobilizá-las no sentido de apelar para uma intervenção militar que impusesse a ordem no país. As camadas médias mostraram-se extremamente suscetíveis às mensagens sobre a alegada infiltração comunista entre trabalhadores e estudantes, que lhes foram exaustivamente inculcadas. Entre os escolares, a propaganda procurava neutralizar o efeito das campanhas reformistas promovidas pelas organizações estudantis, especialmente a UNE. Procurava-se infiltrar adeptos no movimento estudantil, estimular a criação de organismos que atuassem em sentido contrário à UNE. Manipularam-se eleições, promoveram-se atividades culturais, cursos e seminários, distribuíram-se livros e folhetos. Toda a atuação do IPES-IBAD foi apoiada por uma ampla utilização de recursos de toda ordem. Conseguiram obter a colaboração quase total da grande imprensa, emissoras de rádio e televisão e diversas editoras. Dessa forma, puderam contar com a maciça divulgação de suas mensagens através de filmes, gravações, livros, folhetos e panfletos. O ponto alto das campanhas ocorreu em março de 1964, com as bem organizadas "Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade" realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Santos. As marchas, que contaram com a participação bastante ativa de associações de mulheres das camadas mais privilegiadas, exibiam inúmeras faixas e cartazes e ao mesmo tempo que faziam discursos e repetiam "slogans" contra o governo João Goulart. A partir daí, o IPES-IBAD lograva criar a justificativa da existência de uma "opinião pública" a exigir a intervenção militar para restaurar a "ordem democrática". Realizado o golpe armado, o IPES tornou-se a "voz da revolução", tanto no campo interno como internacional.(3) Produzia filmes de curta-metragem para serem apresentados na televisão, circuitos de cinemas, fábricas e escolas e dedicava-se à distribuição de diversas publicações. Com isso, assumia a tarefa de moldar a opinião pública a favor das medidas governamentais. Além disso, inúmeros políticos, empresários, latifundiários e profissionais liberais, inclusive alguns que não tinham nenhuma relação com aquela entidade, apresentavam-se em entrevistas, defendendo e justificando o golpe, solicitando à população que colaborasse com o novo regime e criticando com severidade os oposicionistas.

O governo, a partir de 1964, assumiu o controle do processo persuasivo, no sentido de criar uma imagem positiva de si próprio, embora o fizesse de maneira eventual e pouco organizada, inicialmente. O tema central explorado era que a "Revolução" salvara o Brasil, que estava "à beira do abismo". Através de depoimentos das autoridades e exibição de documentos pelos meios de comunicação, procurava-se comprovar a existência de "infiltração comunista" no governo anterior, bem como nas escolas, fábricas, sindicatos, associações religiosas, por toda parte enfim. Insistia-se que a corrupção se estendera por todo o setor público e que a inflação ameaçava destruir a economia. Nesse contexto, a "Revolução" era apresentada como uma intervenção das Forças Armadas, agindo em função dos reclamos do povo, para restaurar a ordem, evitando a ameaça comunista, e dedicar-se à tarefa de combater a inflação e reorganizar a economia. Sua presença, insistia-se, era provisória e, tão logo tivessem sido tomadas as principais medidas, devolveriam o país à normalidade democrática. Para dar credibilidade à alegada provisoriedade do regime, e legitimá-lo, ficavam aparentemente mantidas as instituições políticas tradicionais, acrescentando-se a justificativa de que a atuação do governo se pautava pelo respeito à ordem legal e pelo mesmo modelo representativo até então vigente. Todavia, através de pressões mais ou menos ostensivas sobre o Congresso e os partidos, o Executivo Federal ia impondo suas decisões ao conjunto da classe política e à sociedade de maneira geral. Ao mesmo tempo, o governo encampava, e assumia como suas, todas as propostas reformistas do regime anterior. Prometia realizar a reforma econômica, educacional e agrária.

Apesar de assumir a condução do processo persuasivo, o governo não revelou grande preocupação com a organização de campanhas sistemáticas. Há referências a uma pequena tentativa de Roberto Campos, Ministro do Planejamento, que, estimulado pela leitura do livro Mass Comunication and National Development, de Wilbur Schramm, organizou uma equipe de jornalistas para desenvolver um programa de comunicação. Mas a equipe não chegou a organizar um projeto integrado, limitando-se à elaboração de algumas poucas mensagens.(4) Houve outros assessores que insistiam em sugerir a criação de um órgão para cuidar da imagem do governo. Mas Castelo Branco sempre se opôs, preocupado que uma iniciativa desse tipo pudesse lembrar o combatido DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) dos tempos de Getúlio Vargas e dar margem a que o governo passasse a ser acusado de ditatorial.(5) Mais importante que essa alegada preocupação, contudo, havia o fato de que a sociedade brasileira se encontrava num estado de apatia e perplexidade, tornando desnecessária quaisquer formas de organização mais cuidadosa da propaganda. A repressão que se seguiu ao golpe, denominada pelos próprios militares golpistas de "operação limpeza", foi ampla e generalizada.(6) Cassaram-se mandatos eletivos, suspenderam-se direitos políticos, prenderam-se líderes sindicais e estudantis, reformaram-se militares e aposentaram-se funcionários públicos. Dessa forma, nas instituições da sociedade de onde poderia surgir algum tipo de manifestação oposicionista, não havia mais lideranças, que, se não tinham sido afastadas ou presas, fugiram do país ou se esconderam.

As autoridades do governo logo percebiam que a repressão não era suficiente para assegurar sua própria tranqüilidade. Embora de forma gradativa, as reações da sociedade não demoraram a ressurgir. Inicialmente foram os artistas a denunciar as contradições existentes na sociedade e as arbitrariedades do regime. Logo depois, congressistas e membros do Judiciário, insatisfeitos com as restrições que se criavam às suas prerrogativas, começaram a se manifestar. Políticos alijados do sistema de poder, igualmente se levantaram em oposição ao golpe. A reação mais forte viria a partir de 1966, liderada pelos estudantes, que organizaram manifestações de rua, contando com a simpatia e adesão de operários, políticos, artistas, intelectuais, membros do clero católico. O governo reagiu com violência, os espancamentos e prisões tornaram-se mais freqüentes. Em dezembro de 1968, pelo Ato Institucional n. 5, ampliaram-se os poderes do Executivo e restringiram-se os direitos individuais. Mas, desde janeiro, entrara em ação a AERP (Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República) sob orientação do Cel. Hernani de Aguiar, especialmente criada para orientar a propaganda governamental. Pela segunda vez, na história brasileira, surgia um órgão destinado a coordenar toda a comunicação do governo nos moldes da propaganda realizada pelo antigo DIP. Seu objetivo era centralizar a atuação até então dispersa pelos serviços de divulgação e de relações públicas dos diversos ministérios e órgãos do governo. A denominação "Relações Públicas" era empregada como um eufemismo porque se propaganda fora uma expressão relativamente neutra ao tempo do DIP, agora, em parte por causa dele mesmo, tornara-se extremamente pejorativa. De qualquer maneira, ficava bem claro que as autoridades haviam decidido somar, à violência da força, o poder da persuasão.

A AERP tinha raízes mais remotas, coincidentes com o período em que a mobilização da sociedade começara a mostrar-se mais significativa. Em meados de 1966, quando a candidatura Costa e Silva foi tornada pública, criou-se o "Grupo de Trabalho de Relações Públicas" com o objetivo de cuidar da imagem do futuro Presidente. Sua função principal consistia na tentativa de neutralizar os efeitos do anedotário extremamente negativo a respeito do candidato, já generalizado entre a população. O "Grupo" logo se deu conta da existência de uma insatisfação popular muito grande. A alegada provisoriedade do regime já cedera lugar à certeza da sua permanência e se tornara claro que a manutenção das instituições políticas tradicionais era meramente simbólica. O "Grupo" acabaria concluindo, de forma incisiva, que o governo "tornou-se impopular e mais do que isso, malquisto por todas as classes sociais e em todos os setores da vida nacional".(7)

O fracasso das atividades da AERP foi total. Em outubro de 1968, a Comissão n. 5 do 1o.Seminário de Relações Públicas do Executivo apresentava uma análise bastante pessimista da imagem do governo, baseando-se em pesquisas realizadas pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), desde fevereiro de 1967. Diagnosticava uma grande insatisfação do povo em relação aos problemas econômicos, desconhecimento e desinteresse pela vida política do país, indiferença dos trabalhadores em relação aos seus sindicatos e dos empresários ante seus órgãos de classe. A exceção ficava por conta do setor estudantil, que mostrara grande interesse em participar, mas na forma de "agitação contestadora". Desses dados, a Comissão extraía uma conclusão básica: "Não existe, a rigor, uma imagem formada do governo"(8) A partir daí, recomendava à AERP a adoção de uma política de comunicação social que permitisse a "integração do povo com o Governo".(9) Pouco tempo depois, em novembro, "setores ligados à Presidência da República" constatavam que "no Brasil todo mundo se promove menos o governo", passando a "elaborar planos capazes de recompor a imagem de um governo freqüentemente acusado de imobilismo, falta de coordenação e insensibilidade".(10) A partir daí, a propaganda governamental entrava em sua segunda fase, que se definiria melhor no governo seguinte, para manter-se até 1974. A exacerbação do autoritarismo induzia o governo a empenhar-se em novas formas de legitimação. Abandonou-se a preocupação em mostrar a obediência à ordem legal e o respeito às instituições tidas por democráticas. Agora o regime passaria a se enaltecer por sua competência administrativa, pela eficácia das medidas e pelo sucesso de suas realizações. A primeira campanha, veiculada pela televisão, mostrava turbinas e represas, assegurando: "Em quatro anos o Governo está duplicando a capacidade energética".(11) Garantindo que a propaganda oficial fosse a única voz, o governo passava a controlar, cuidadosamente, todos os meios de comunicação, e a censura, até então eventual e discreta, tornava-se total e absoluta. Ao mesmo tempo, a repressão atingia níveis de brutalidade poucas vezes vistos na história do país.

Nesse clima, após breve intervalo, inaugurava-se o governo Médici.(12) A AERP, agora sob o comando do Cel. Otávio Costa, começou a atuar com mais intensidade, objetivando obter apoio popular e enfraquecer as manifestações oposicionistas. Todos os órgãos do governo passaram a ter departamentos encarregados de realizar a propaganda de sua atuação. A esse respeito, a imprensa denunciaria que se criara uma "febre de assessorias de comunicação social que hoje no país empregam mais jornalistas do que os jornais, revistas, rádios e TVs".(13) Embora se defendesse, como um dos princípios básicos, a impessoalidade, todo o período foi caracterizado pelo cuidado com a imagem de Médici. O Presidente era exibido ao público, com ar ligeiramente sorridente, em campos de futebol, assistindo às partidas com rádio portátil colado ao ouvido e vibrando com os gols. Aos poucos, ia adquirindo uma imagem popular e simpática, embora se tratasse de um dos governos mais repressivos e autoritários do período. Nos primeiros tempos do governo se deu ênfase especial a uma campanha de otimismo em relação ao país: o "Brasil Grande". As realizações do governo, juntamente com o clima de vitória da seleção brasileira na Copa Mundial, contribuíam para essa imagem. Os índices demonstraram um crescimento econômico acelerado que a propaganda, imediatamente, tratou de divulgar sob a denominação de "milagre brasileiro". Os planos, denominados "Projetos de Impacto", eram alardeados insistentemente, com ênfase em sua grandiosidade. Num segundo momento, as campanhas convergiam no sentido de convencer a população de que todos eram responsáveis pela construção do país e deveriam contribuir para o desenvolvimento. A palavra-chave das mensagens era "participação", com a população insistentemente convidada a apoiar, trabalhar, produzir.

Escolhido Ernesto Geisel para a Presidência, a AERP foi desativada.(14) O movimento guerrilheiro, que agitava o país desde 1969, fora derrotado, sugerindo que viriam dias mais tranqüilos. Divulgou-se que o Presidente considerava a propaganda um gasto supérfluo e uma característica dos governos totalitários.(15) Mesmo sem um sistema estruturado de comunicação, o governo procurava legitimar-se, mas sob novas formas. Iniciava-se a terceira fase da propaganda. A economia entrava numa crise de desaceleração, impedindo que se continuasse a falar em grandes realizações e projetos de impacto, como única justificativa para o autoritarismo. Nesse contexto, adotou-se a tática de acenar com a liberalização do regime, na forma de uma "distensão lenta e gradual". Por trás dessa postura, contudo, havia outro fator determinante bastante significativo. A sociedade continuava se reorganizando, agora mais rapidamente. Imprensa, Igreja, sindicatos, estudantes começavam a se mobilizar contra o arbítrio, as violações dos direitos humanos e a censura. O partido oposicionista, Movimento Democrático Brasileiro, baseava sua campanha para as eleições legislativas de novembro de 1974 nas denúncias sobre a repressão, o arrocho salarial, a desnacionalização da economia. Com isso, conseguiu aumentar sua representação no Congresso Nacional obtendo, para o Senado, quatro milhões de votos a mais que a Aliança Renovadora Nacional, o partido do governo.(16)

O sucesso eleitoral da oposição determinou que, em janeiro de 1975, fosse recriado o órgão de propaganda do governo, agora como ARP (Associação de Relações Públicas), sob orientação do Cel. José Maria de Toledo Camargo, ex-auxiliar do Cel. Otávio Costa na AERP.(17) Não mais se realizaram as campanhas emocionais e de ufanismo patriótico que marcaram o período anterior. O governo assumia um caráter mais discreto, um ar sisudo, que se refletia em mensagens mais frias e objetivas. Nesse clima, fez-se a divulgação das realizações do governo no campo social e econômico, com o objetivo de preparar terreno para as eleições municipais de 1976. Mas, além da propaganda, outras medidas foram tomadas para evitar a vitória da oposição. Restringiu-se a propaganda eleitoral gratuita, de forma a impedir que os candidatos do MDB pudessem apresentar suas idéias. A máquina administrativa federal e dos estados foi posta à disposição dos candidatos da ARENA, que puderam utilizar carros oficiais, funcionários, papel, impressoras. A ARENA realmente venceu, mas por uma margem relativamente pequena, obtendo 35% dos votos, contra os 30% dados à oposição.(18) Terminado o pleito, a propaganda concentrou-se em campanhas de civismo, especialmente as da Semana da Pátria, economia de combustível, limitação de velocidade nas estradas, combate à inflação, higiene.

Em 1977, a mobilização dos diversos setores oposicionistas ampliava-se significativamente. O movimento estudantil voltava a promover greves e passeatas. Os sindicatos começavam a lançar campanhas, exigindo reposição salarial. Advogados e juristas pediam a volta ao Estado de Direito. Crescia o movimento pela anistia aos condenados por crimes políticos. A repressão e a censura continuavam ativas, mas já começavam a apresentar sinais de impotência. A propaganda tentava neutralizar a agitação social e legitimar o regime de forma curiosamente contraditória. Justificava-se o regime porque estava empenhado em acabar com o autoritarismo de forma autoritária, "prendendo e arrebentando quem fosse contra".(19) Esse tema, que já se esboçara no governo Geisel, tornou-se o núcleo central da campanha do candidato oficial à Presidência da República, General João Batista Figueiredo. Realizada pela MPM Propaganda, uma grande agência de publicidade, procurava criar uma imagem do candidato que emprestasse credibilidade à afirmação de que se estava promovendo a liberalização do regime.(20) Figueiredo havia sido chefe da Casa Militar do governo Médici e depois Chefe do Serviço Nacional de Informações. Além disso, apresentava-se fardado, com ar carrancudo e óculos escuros. O primeiro trabalho da propaganda foi substituir a farda por um terno, tirar os óculos e induzir o candidato a esforçar-se em sorrir com mais freqüência. Através dos meios de comunicação, difundia-se a idéia de que ele era um liberal, aberto, comprometido com a democratização do país. Em contraposição, o outro provável candidato, General Silvio Frota, era apresentado como representante da "linha dura", favorável às medidas autoritárias e repressivas. A equipe encarregada de trabalhar a imagem do candidato logo percebeu que ele não se controlava o suficiente para assumir posturas preestabelecidas. Procurando adequar a campanha a esse fato, adotou o slogan "coragem, franqueza, lealdade" como marca identificadora.

Assumindo a Presidência, Figueiredo sancionou a lei que criava a SECOM (Secretaria da Comunicação Social) na condição de Ministério. Com o novo governo, a propaganda passou a ser utilizada de forma mais técnica.(21) Se até então ficara sob a orientação de militares, com pouca ou nenhuma experiência, agora passava a ser coordenada por um civil, jornalista e publicitário: Said Farhat. Em todo o período anterior, embora não fosse sempre seguido, defendia-se o princípio da impessoalidade, em que as mensagens deveriam referir-se às obras, e não aos seus responsáveis. Com Figueiredo, a tentativa de criar uma espécie de culto à personalidade constituiu a espinha dorsal das campanhas. Os temas gerais não diferiam muito dos anteriores em conteúdo: incentivo ao civismo, respeito aos símbolos nacionais, economia de combustível, realizações do governo. A marca distintiva foi, exatamente, o personalismo, a tentativa de fabricar a imagem de um "João" bondoso, paternalista, sincero e, algumas vezes, sorridente. Figueiredo era orientado a viajar para diversos pontos do país, comparecer a churrascos, tomar cafezinhos em bares e passear pelas ruas. Foi fotografado e mostrado em trajes de banho, fazendo ginástica ou montado em seu cavalo. Em novembro de 1979, numa das aparições em público, organizada em Florianópolis, parte da multidão se manifestou com vaias e palavrões que culminaram com agressões físicas, inclusive envolvendo o Presidente e alguns Ministros. Após esses fatos, os militares do governo passaram a boicotar a SECOM e a criticar abertamente o caráter populista das campanhas. O órgão começava a perder seu prestígio e influência, para ser extinto em dezembro de 1980, com suas atribuições transferidas para o Gabinete Civil da Presidência. Em parte pela ineficiência da SECOM nos seus últimos dias, mas principalmente pela força mobilizatória que crescia entre as classes subalternas, a máquina de propaganda ia se desmontando rapidamente, limitando-se a repetir temas do passado.


 

Capítulo IV

O CONTROLE IDEOLÓGICO

 

O controle ideológico se caracteriza pelo emprego de um conjunto de recursos e medidas, por determinado setor da sociedade, para impedir que os demais tenham condições de formular outra versão da realidade, além daquela que lhes é apresentada. A mudança das condições de vida de uma classe social, ou de uma fração dela, depende de sua capacidade organizatória e de mobilização. Esta, por sua vez, pressupõe uma consciência compartilhada daquelas condições implicando a percepção da posição que se tem na sociedade, do espaço que se ocupa e das possibilidades de avanço. À medida que se criem obstáculos à formação dessa consciência, automaticamente se estará dificultando quaisquer lutas por mudança.

O conhecimento da realidade em que se vive só pode ser obtido através de algumas vias de acesso. A primeira é a direta, que se concretiza na percepção dos diversos objetos e fatos do cotidiano. Cada indivíduo vive em determinado ambiente, onde observa a natureza, ruas, praças, construções, indústrias, residências sofisticadas e favelas, pessoas que apresentam boa saúde, outras claramente subnutridas, belos sorrisos em uns, desdentados em outros. Há, ainda, o ambiente de trabalho, com os meios de produção, uma ou outra forma de divisão de tarefas, certa hierarquização de funções, com relações específicas entre chefes e subordinados e destes consigo próprios. Além disso, há todo um conjunto de ligações com grupos primários e secundários: família, igreja, clube. De todo esse universo, o indivíduo obtém uma série de dados, que compartilha com os mais próximos, aos quais dá significação, atribuindo-lhes maior ou menor importância e relacionando-os de determinada forma. A sociedade, obviamente, não se restringe aos fatos de cada cotidiano individual. Dai a necessidade, inclusive para que esse próprio cotidiano tenha algum sentido, de se obter informações sobre uma realidade mais ampla. Estas provêm, em primeiro lugar, de outros indivíduos, portadores de outras experiências e conhecimentos. Papel fundamental é exercido pelos líderes e formadores de opinião, pessoas que, por determinadas razões, dominam uma quantidade de informações maior que a grande maioria de seus semelhantes, além de interpretá-las de forma qualitativamente superior, conseguindo perceber maior número de relações, que lhes permite formular significações mais ricas. Outras informações, finalmente, são recebidas através dos livros e meios de comunicação: imprensa escrita, rádio, televisão, cartazes, folhetos. Estas são as vias de acesso mais importantes numa sociedade industrializada, onde o sistema econômico e político tenha atingido tal grau de complexidade que sua compreensão dependa do conhecimento de grande número de dados e relações. Não basta, todavia, possuir um grande número de informações sobre uma parcela da realidade. Para conhecê-la, de forma a ter condições de atuar para obter sua transformação ou, pelo menos, adaptar-se, é preciso meditar sobre os dados de que se dispõe, compará-los, procurar contradições, encará-los num processo de análise e síntese, para então formular conclusões. Esse trabalho exige o que se poderia chamar de capacidade crítica ou senso crítico, que pode ser maior ou menor, em cada indivíduo, em função de uma série de variáveis. Interferem nela a maior ou menor experiência de vida, capacitação profissional, formação escolar, estado emocional e psíquico no momento da recepção da informação e, até mesmo, o hábito mais ou menos acentuado de se manter uma postura crítica perante os fenômenos.

O regime implantado em 1964 já encontrou uma sociedade cujos membros se deparavam com enormes dificuldades para compreender seu lugar no contexto social. Diversos obstáculos, muitos pertencentes ao quadro maior do sistema de controle social da cultura como um todo, impediam o desenvolvimento de uma consciência mais profunda da realidade em que se vivia. Alguns, inclusive, se caracterizavam por uma insistente permanência na história brasileira. O mais importante deles, sem dúvida, é o baixo nível de escolaridade da maior parte da população, inclusive com grande número de analfabetos e semi-analfabetos, que tem sido uma constante, desde os primórdios da formação cultural do país, até os dias atuais. Essa condição dificulta, e mesmo impede, o acesso a informações de natureza vital. A mais singela reivindicação salarial é difícil de ser organizada eficientemente quando não se compreendem dados sobre a política econômica vigente, os níveis de produtividade de determinado setor, o papel de cada trabalhador nessa produtividade, as possibilidades existentes para se substituir a mão-de-obra empregada e assim por diante. Em outros casos, não se trata sequer de uma dificuldade de compreensão, mas da própria inexistência de informações a respeito de determinadas questões.

No que se refere à aquisição de conhecimento através dos meios de comunicação, ela é dificultada, dentre outras razões, pelo modelo informativo vigente. Tanto a imprensa escrita, como os noticiários de rádio e televisão, de maneira geral, vêm se caracterizando, desde a sua origem, pela natureza extremamente rápida, fragmentária e desorganizada das informações que divulgam. Colocadas lado a lado, ou apresentadas umas após as outras, as notícias não guardam nenhuma relação entre si e se referem a uma gama enorme de fatos econômicos, financeiros, políticos, esportivos, artísticos, policiais, tanto no plano internacional, como nacional, regional e local. Ler um jornal, ouvir ou assistir a um noticiário acaba por gerar uma saturação e a impressão de se estar muito bem informado. Todavia, a falta de relação entre as inúmeras noticias determina que permaneçam memorizadas por curtíssimo espaço de tempo ou, no mínimo, que fiquem gravadas como elementos isolados e, portanto, sem nenhum significado.(1)

Outro componente importante que dificulta a formação de uma consciência das condições sociais é a prática, também antiga, de se manipular a instituição do espetáculo. Considerando-se, como instituição, qualquer prática ou conjunto de práticas arraigadas em determinada cultura, o espetáculo configura-se como tal à medida que faz parte do modo de vida da sociedade. Consiste no ritual de, em certos momentos, assistir-se a determinada apresentação com o objetivo de obter um relaxamento das tensões do trabalho, distrair-se das preocupações e problemas, deixando-se envolver passivamente por determinadas emoções. Por constituir um momento destinado a buscar alívio das pressões é, igualmente, o instante de evitar qualquer postura crítica que possa acarretar novas tensões. A maior parte dos membros de uma sociedade, a partir do momento em que assume a condição de espectador, evita fazer qualquer análise ou discussões mais profundas daquilo que está assistindo. Pois bem, faz parte do modelo informativo vigente a incorporação, ao espetáculo, daqueles fatos sociais cujo conhecimento possa abalar a credibilidade de determinada versão ideológica da realidade. Problemas sociais graves, fatos econômicos importantes, questões políticas decisivas ficam isoladas de seu contexto, inseridas em programas e noticiários elaborados com a linguagem típica dos espetáculos. Perdem, dessa forma, seu significado e passam a ser vistos como fenômenos naturais, inócuos. Embora as pessoas ainda se sintam chocadas com esfarrapados e famintos perambulando pelas ruas ou com um morto caído na calçada, pouco reagem em face de informações sobre a pobreza ou perante as dezenas de mortes apresentadas diariamente.

Há que se mencionar, ainda, importante fator de interferência no conteúdo divulgado pelos meios de comunicação: as pressões do poder econômico. Nas sociedades estruturadas em moldes capitalista de maneira geral, e no Brasil em particular, os meios de comunicação se mantêm, fundamentalmente, à custa da verba publicitária. Nessas condições, os anunciantes adquirem grande força no sentido de poder exigir que não sejam veiculadas aquelas notícias que, de alguma maneira, possam prejudicá-los. Podem, inclusive, impor a divulgação de informações de forma elaborada, dentro de versões que venham ao encontro de seus interesses. Há uma declaração do falecido jornalista e profissional de televisão, Flávio Cavalcanti, que é bastante ilustrativa a esse respeito. Respondendo a uma pergunta sobre a possibilidade de se controlar os excessos da propaganda, disse: "Creio que é muito difícil fazer esse controle, porque o dinheiro é o diabo. Eu, por exemplo, não posso, no meu programa, apagar um cigarro e dizer que tenho nojo dele. Se a Souza Cruz, por exemplo, que é uma potência, for contrariada em qualquer reportagem de televisão... ela simplesmente tira os anúncios. Ela representa mais ou menos, 30 a 40% do faturamento de uma emissora".(2)

Em meados dos anos 60, alguns grupos da sociedade começavam, com certa intensidade, a lutar contra essas formas de controle social. Setores intelectualizados das camadas médias, unidos em torno da palavra de ordem "conscientização", empenhavam-se no emprego de fórmulas alternativas para alfabetizar a população e esclarecê-la a respeito da precariedade das suas condições de vida, da exploração a que era submetida e da manipulação ideológica que sofria. Com o movimento de 1964, após breve refluxo, essa atividade continuou, adquirindo grande vulto em 1968. A reação do governo foi intensa, instalando uma máquina de controle ideológico que permitiu neutralizar a mobilização, trazendo a população de volta à condição apática e passiva de espectadores ingênuos e desinformados. Todas as vias de acesso à realidade, através das quais se pudesse adquirir alguma forma de consciência, passaram a sofrer interferência direta das autoridades. O ambiente físico foi remodelado, para ser percebido de forma a reforçar a ideologia que era divulgada pelos órgãos oficiais. Os líderes e formadores de opinião, que se manifestavam além dos limites tolerados, foram reprimidos. Os meios de comunicação foram diretamente empregados na divulgação das mensagens governamentais e controlados através de uma censura rigorosa. Além disso, criou-se um clima de pressão psicológica que, se não eliminava, pelo menos afetava bastante o senso crítico da maior parte das pessoas, induzindo-as à passividade.

1. A Remodelação do Ambiente Físico

A remodelação do ambiente físico, no contexto da propaganda ideológica, refere-se às construções, reformas e, de maneira geral, à decoração ambiental que se promove numa sociedade, de tal forma que a visualização do que foi produzido sirva de reforço para as afirmações contidas nas mensagens. O governo pós-64 não chegou a dedicar-se a essa prática com intensidade significativa. O que fez foi aproveitar as obras realizadas, para apresentá-las corno testemunho daquilo que a propaganda divulgava. No mais se reiteraram práticas já realizadas em governos anteriores. De qualquer maneira, grande parte da população, no seu dia-a-dia, acabava por se deparar com uma série de sinais que pareciam tornar as promessas governamentais inquestionáveis.

Na linha de argumentação segundo a qual as realizações visavam atender aos interesses da população, assegurava-se que havia uma grande preocupação com os problemas sociais, especialmente o da habitação popular. Apoiando essa garantia, podiam-se ver enormes conjuntos habitacionais, uns com grande quantidade de pequenas casas, outros com inúmeros edifícios de apartamentos, todos padronizados e facilmente identificáveis. Outras construções, a partir do Governo Costa e Silva, serviram para apoiar a imagem do "Brasil Grande", nação do futuro que haveria de se tornar grande potência mundial e que já se encontrava em fase de franco desenvolvimento, imagem que seria ainda mais reforçada a partir do governo Médici. Para quem visse as obras em realização, ou as inúmeras fotografias e filmes a respeito, não havia porque não aceitar aquela pregação como verdadeira. Tratava-se, realmente, de construções monumentais: Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, Itaipu, Sobradinho, Metrô. A elas se somava a nova fisionomia das grandes cidades, com um número cada vez maior de grandes edifícios comerciais e residenciais, além dos inúmeros viadutos e largas avenidas por onde circulavam, cada dia mais, automóveis modernos e sofisticados.

As denominações de certas vias públicas foram outro recurso empregado pela propaganda. No Brasil, de certo modo, já faz parte do senso comum a idéia de que as pessoas cujos nomes identificam ruas, praças, viadutos, pontes ou estradas foram heróis nacionais ou, pelo menos, tiveram comportamento exemplar em suas vidas, merecendo ser imitadas e seguidas. Nesse contexto, certamente deveria ter algum efeito positivo, para o governo, o fato de que uma das estradas mais modernas fosse denominada "Rodovia Marechal Castelo Branco" ou que uma via elevada, obra de engenharia de grande sofisticação tecnológica, fosse batizada com o nome de "Presidente Artur da Costa e Silva" (embora popularizada como "minhocão"). Também Euclides Figueiredo, pai do último presidente militar, passou a identificar um viaduto. A atribuição de qualidades positivas, implícita nessas denominações, seria indiretamente aplicada a todos os outros Presidentes, já que eles eram homogeneizados pela propaganda como representantes da "Revolução". Havia, também, as placas colocadas nas obras, durante sua realização e outras afixadas por ocasião das respectivas inaugurações, onde se deixava bem claro e nítido que se tratava de mais uma realização do governo.

2. Os Meios de Comunicação

A partir de meados dos anos 60, houve um significativo desenvolvimento da comunicação de massa no Brasil. Os meios passaram a ter grande crescimento qualitativo e quantitativo. Qualitativo porque aperfeiçoados tecnologicamente, de forma a atingir locais mais distantes de forma rápida. Quantitativo porque houve ampliação do número de emissoras de rádio e televisão, bem como um aumento do número de aparelhos receptores existentes no país. Tratou-se não de mera casualidade, mas do resultado da decisão de investir no setor por razões econômicas e políticas. Com o golpe e a conseqüente abertura ao capital estrangeiro, o Brasil passou a se integrar mais efetivamente no sistema econômico internacional. Nessas condições, tornava-se indispensável uma maior ligação entre as diversas regiões do país, expandindo-se as fronteiras econômicas. O modelo implantado, prevendo o incremento da produção de bens de consumo duráveis, exigia meios para levar as respectivas mensagens publicitárias a novos mercados. Sob o aspecto político, a agitação social dos anos 60 revelam que grande parte da sociedade brasileira, vivendo à margem dos setores mais desenvolvidos, era suscetível de ser sensibilizada pelas campanhas dos grupos que pleiteavam uma transformação mais radical da sociedade. Embora restrito, o apoio dado aos movimentos de guerrilha, especialmente no Araguaia, viria confirmar que as populações mais humildes, afastadas dos grandes centros, recebiam com simpatia a pregação daqueles que se propunham a lutar contra os proprietários de terra e as autoridades. A expansão dos meios de comunicação permitiria atingir um contingente maior da população, numa tentativa de envolvê-lo pela ideologia dominante e "vaciná-lo" contra qualquer outras formas de encarar sua realidade e condições de vida.

A intenção de modernizar o sistema de comunicação já se manifestara em 1962, quando se criou o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e seu órgão executivo, o Departamento Nacional de Telecomunicações (DENTEL), projetando-se a criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL). A efetivação do projeto só se realizou a partir de 1964. A EMBRATEL foi criada em setembro de 1965. Em 1967, as decisões para o setor passaram a ser tomadas no âmbito ministerial com a criação do Ministério das Comunicações. Desse momento em diante, gradativamente, aperfeiçoam-se os serviços de correio, telégrafo, telefonia, rádio e televisão. Em julho de 1969 os telespectadores brasileiros puderam assistir, via satélite, à descida da nave norte-americana Apolo XI na Lua.(3)

O estímulo dado à iniciativa privada para investir na expansão do sistema de comunicações também foi bastante grande. Até mesmo a associação de uma empresa local, a Globo, com o grupo Time-Life, estrangeiro, foi tolerada. Essa ligação infringia o artigo 160 da Constituição vigente, que proibia a estrangeiros ser proprietários ou responsáveis por empresas de radiodifusão, bem como exercer sua orientação intelectual e administrativa. Apesar de as investigações, realizadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, terem concluído que houve violação da norma constitucional, o governo federal acabou por decidir que a negociação era lícita. A postura mais aberta para o capital estrangeiro e o interesse na existência de uma grande rede de emissoras, que viesse a ser de confiança do governo, prevaleceram sobre a eventual necessidade de manter-se a inviolabilidade da lei.(4) Os resultados da política adotada para o setor foi surpreendente. Se, de 1950 a 1964, haviam sido concedidos 33 canais de televisão para exploração da iniciativa privada, no período 1964-1979 o número dessas concessões chegava a 112.(5) O número de domicílios com TV passou de 4.259.000 em1970 para 14.518.000 em 1980.(6) Isso significava que a percentagem de domicílios com TV sobre o total de domicílios, no mesmo período, passava de 24 para 56%.(7)

O regime implantado em 1964, gradativamente, ia adquirindo condições de atingir quase todo o país. Mas, para tanto, era necessário que a expansão do sistema se realizasse sob o controle permanente do Estado. No que se refere ao rádio e à televisão, o controle governamental se apoiou, basicamente, no sistema legal já existente. A exploração das emissoras, pela iniciativa privada, se dava em regime de concessão pelo governo, a título precário e sujeito a renovações sucessivas.(8) Nessas condições, podendo ter cassada sua concessão a qualquer momento, ou podendo não tê-la renovada, cada emissora se sentia forçada a manter-se dócil perante as "solicitações" do governo. Não se tratava de simples ameaça inócua; entre fins de 1973 e primeiro semestre de 1975 cerca de 20 emissoras de ondas médias não puderam renovar suas concessões. Dentre elas, as rádios Marconi, São Paulo, Apolo, Piratininga e Nove de Julho, todas da capital paulista.(9)

A situação era mais séria no que se referia às emissoras de televisão, cuja implantação envolvia investimentos elevadíssimos que não se podia arriscar perder, contrariando as diretrizes fixadas pelas autoridades. A esse respeito o jornalista Hélio Fernandes, considerando que os altos custos das grandes empresas de comunicação comprometiam sua liberdade de atuação, concluiu de forma bastante pitoresca: "Roberto Marinho está condenado a chamar todo Presidente da República de estadista, seja lá quem for".(10) E necessário considerar, em relação a essa interpretação, que há uma relação dupla. Da mesma forma, o prestígio da Rede Globo se tornou tão grande, não só pela força econômica, como pela possibilidade de moldar opiniões, que todo Presidente da República está condenado a reverenciar o Sr. Roberto Marinho.

Quanto à imprensa escrita, cinema, teatro, editoras, diversões públicas em geral, a inexistência do sistema de concessões tornava o controle menos ameaçador. Realmente, foram destes meios que surgiram as reações mais sérias às ações governamentais. Contudo, havia outros instrumentos à disposição das autoridades. Havia o poder de censura e a possibilidade de exercer pressões econômicas e fiscais. Essa situação determinou que a maior parte dos veículos fossem obrigados a abrir mão de sua pretendida liberdade de expressão ou fechar, por não resistir às pressões.

Sob controle quase absoluto, todos os meios e recursos de comunicação foram utilizados na propaganda realizada oficialmente. A televisão e o rádio foram os veículos que receberam maior atenção. O governo já dispunha de uma hora diária (19 às 20 horas) para transmissão do programa "A voz do Brasil", em cadeia nacional de rádio. Além disso, por dispositivo legal expresso, as emissoras podiam ser convocadas para, gratuitamente, formar ou integrar redes, visando a divulgação de assuntos de relevante importância.(11) Em 29-07-70, foi criado o "Projeto Minerva", programa radiofônico de caráter educativo, obrigatoriamente retransmitido durante setenta minutos diários, de segunda a sexta-feira, e durante setenta e cinco minutos aos sábados e domingos. Além disso, a AERP realizou o que a imprensa denominou "um acordo de cavalheiros" com a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), pelo qual o governo poderia dispor de dez minutos diários, em todos os canais de televisão e emissoras de rádio do país.(12) Os veículos eram utilizados, basicamente, para a divulgação de filmetes, textos e jingles das campanhas elaboradas por agências de propaganda ou produtoras contratadas. O significado da grande intensidade com que foram veiculadas as diversas peças pode ser sentido através das considerações feitas pelo professor e publicitário Armando Sant'Ana: "A obrigatoriedade das estações de televisão em passar 10 minutos por dia de anúncios do governo é exaustiva. O maior anunciante nacional não usa um terço desse tempo em nenhuma emissora e o governo tem esse tempo todo em todas as setenta estações do Brasil. Depois, o governo produz anúncios de 120 segundos, enquanto os comerciais normais dificilmente ultrapassam 30 segundos. Por esses motivos, existe uma saturação. A mensagem em pouco perde o interesse e chega, inclusive, a desgostar."(13)

Os mesmos filmes veiculados pela TV eram projetados nos cinemas, obrigados a fazê-los gratuitamente. A divulgação por rádio era, ainda, ampliada através de cerca de 4.000 serviços de alto-falantes espalhados pelo país.(14)

As revistas e jornais foram utilizados para a inserção de anúncios, com os mesmos temas dos filmes televisados, servindo de apoio e reforço às campanhas. Eventualmente, outdoors eram utilizados com o mesmo objetivo. Algumas vezes, patrocinaram-se cadernos especiais, a serem encartados em jornais e revistas, descrevendo as realizações do governo. Essa prática foi, em junho de 1977, criticada pelo próprio Chefe da AERP, Cel. Toledo Camargo, que a considerava ineficaz, além de ser uma forma de "comprar" a opinião de órgãos que, em troca dos cadernos especiais, manteriam "opinião favorável" ao governo.(15) Contudo, em editorial de 4 de maio de 1979, o Jornal da Tarde condenava o abuso na realização daqueles cadernos, "nunca com menos de 60 páginas de publicidade oficial".

Além desses meios, o governo utilizou cartazes, livretos, folhetos e adesivos para disseminar suas mensagens. A contracapa de um dos livros trazia uma solicitação interessante, visando ampliar sua cobertura: "Por se tratar de documento de significação especial, mas editado em número reduzido, leia-o e faça-o chegar às mãos de outras pessoas".(16)

Livros foram impressos e fartamente distribuídos, contendo a descrição dos planos e realizações, discursos dos Presidentes e outras autoridades. Discos foram lançados e distribuídos com gravação de hinos ou músicas populares de exaltação à pátria. Fotografias do Presidente eram distribuídas para os governos estaduais, prefeituras, assembléias legislativas, órgãos e empresas governamentais e até empresas privadas. Em janeiro de 1976, com um ano e dez meses do governo Geisel, já se havia distribuído 70.000 de suas fotos oficiais.(17)

O sistema de ensino também foi utilizado pela propaganda. Em princípio não há sentido em equiparar as escolas, ou os professores, aos veículos de comunicação. Por mais que certas aulas se limitem à simples transmissão de conceitos produzidos fora do contexto escolar, o professor encontra-se relativamente livre para escolher, dentre as obras e textos disponíveis, aqueles que irão fundamentar suas preleções e exercícios. Todavia, o regime logrou transformar alguns docentes em meros veículos de comunicação, encarregados de reproduzir certas idéias sem nenhuma liberdade para interpretá-las ou redefini-las. Pelo decreto 869/69, expedido logo após a edição do AI-5, tornou-se obrigatório o ensino de "Educação Moral e Cívica" em todos os níveis de ensino, inclusive pós-graduação. Posteriormente, pelo Parecer 94/71 do Conselho Federal de Educação, foram definidos os currículos e programas para a disciplina. A orientação do Conselho sempre fora limitada à expedição de emendas bastante resumidas e abertas a respeito do conteúdo das matérias dos diversos cursos. Nesse caso, porém, os programas aprovados continham, pormenorizadamente especificados, inúmeros itens a ser desenvolvidos pelos professores. Seu conteúdo era idêntico, inclusive a terminologia empregada, às teses da "doutrina da Segurança Nacional". Por essa via, o governo transformava todas as escolas do país, em todos os níveis de ensino, em instrumentos para retransmissão das suas mensagens. O objetivo, expresso e confessado, era a doutrinação dos jovens dentro da ideologia assumida pelo Estado. Dois meses antes da promulgação do Decreto que instituiu a disciplina, o Ministro da Justiça, Gama e Silva, afirmava que "a inquietação da juventude atual e sua incompreensão quanto aos problemas do país talvez pudessem ser eliminadas se houvesse formação em moral e civismo". Um mês depois o Ministro da Educação, Tarso Dutra, afirmava que a educação cívica seria "uma contestação dentro da escola brasileira, contra a infiltração ideológica que tem de ser repelida de todas as formas".(18)

3. Censura

Outro instrumento do controle foi a censura policial. A partir do momento em que se verifica o conteúdo, a forma e a intensidade das proibições, percebe-se que a censura teve um caráter mais amplo do que possa parecer a uma visão mais superficial. A impressão mais imediata é a de que se tratava de uma atividade meramente negativa, que proibia a difusão de algumas informações, porque seu conhecimento seria inconveniente para determinados setores da sociedade. Esse seria, sem dúvida, o aspecto mais relevante numa sociedade equilibrada e politicamente estável, onde a atividade censória fosse excepcional. Todavia, quando é generalizada, tal como foi no Brasil, assume outra feição que a caracteriza como meio indireto de difusão de idéias. Nesse caso, podemos compará-la ao trabalho de um escritor que seleciona, no universo vocabular da sua língua, aquelas palavras que irão veicular suas idéias. O que a censura fez, na realidade, foi escolher dentre a infinidade de notícias e informações disponíveis as que deviam ser bloqueadas e as que podiam ser liberadas, criando assim uma imagem unidimensional da realidade. Dessa forma, a resultante que importava era menos aquilo que não se divulgava, do que o saldo transmitido que, dessa forma, ficava reforçado. Para citar apenas o exemplo mais significativo, em janeiro de 1973, o Instituto Internacional de Imprensa divulgou um relatório onde se afirmava que, dentre as nações da América Latina, não existia liberdade de imprensa no Brasil e em outros quatro países. Por ordem do então Ministro da Justiça, proibiu-se a divulgação do relatório "apenas na parte referente ao Brasil".(19) Menos que ocultar a presença da censura se estava, indiretamente, alegando que ela não existia.

A censura teve um papel fundamental no sistema de controle ideológico e, consequentemente, da propaganda. Todos os assuntos, temas e fatos que pudessem contradizer ou mesmo gerar dúvidas em relação às afirmações da propaganda oficial tinham sua divulgação proibida. Três anos após o golpe, começaram a ser elaboradas e promulgadas as normas que deveriam dar apoio legal às ações censórias. A legislação atribuiu funções extraordinárias às autoridades, de tal forma que adquiriram poder de vida e morte sobre os meios de comunicação. Esse poder se ampliava à medida que os critérios, pelos quais se definiam as condições em que era possível aplicar determinadas sanções, eram tão amplos e vagos que dependiam, basicamente, da capacidade de interpretação do censor. Em fevereiro de 1967 foi promulgada a Lei n. 5.250, conhecida como Lei de Imprensa. Dentre os crimes nela previstos que, além da apreensão do impresso, determinavam a punição pela prisão, constavam: "Fazer propaganda de guerra, de processos para subversão da ordem política e social ou de preconceito de raça ou classe"; "publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados que provoquem perturbação da ordem pública ou alarma social"; "ofender a moral pública e os bons costumes."(20) No caso de infringência, o Ministério da Justiça poderia determinar a apreensão, independentemente de mandado judicial.(21) Com o Ato Institucional n. 5, de dezembro de 1968, atribuiu-se ao Presidente da República poderes para, "em defesa da Revolução", determinar a censura da correspondência, da imprensa e das telecomunicações.(22) Em 28-09-69, promulgou-se o Decreto-lei 898, que instituía a Lei de Segurança Nacional, dando aos meios de comunicação um tratamento bastante rigoroso. Previa pena de prisão para o jornalista que "divulgasse, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas".A respeito desse dispositivo, o jornalista Carlos Chagas, mostrando sua amplitude, afirmou: "Nesse artigo já entrei duas vezes. Pela sua letra todos nós, jornalistas, estamos e estaremos enquadrados ao simples desejo do governo. Quem afirma que determinada notícia não visa dispor o povo contra as autoridades constituídas são as próprias autoridades".(24) A Lei punia, também, aquele que ofendesse moralmente "quem exerça autoridade, por motivo de facciosismo ou inconformismo político-social".(25) Essa disposição, da mesma forma, abria um enorme leque de possibilidades de punição, dependendo da interpretação da autoridade. Os poderes do Ministro da Justiça foram bastante ampliados. Podia determinar a apreensão de impressos, suspender sua impressão, circulação, distribuição ou venda, cassar permissões e concessões de rádio e televisão.(26) Em 26-02-70, instituía-se a censura prévia. O Decreto-lei 1.077 previa o exame prévio de livros e periódicos; com o objetivo de verificar a existência de temas contrários à moral e aos bons costumes. A exposição de motivos justificava a medida, alegando que as publicações obscenas faziam parte de um "plano subversivo", que "ameaçava destruir os valores morais da sociedade brasileira". Em dezembro de 1978, com a extinção do AI-5, promulgou-se nova Lei de Segurança Nacional, sob o n. 6.620 que, de maneira geral., era mais branda que a anterior. Todavia, em relação à censura dos meios de comunicação, mantinha o mesmo rigor.

Quanto à aplicação efetiva da censura, ela foi realizada de modo irregular e eventual até 1968, recaindo apenas sobre alguns casos isolados. Segundo Carlos Chagas e Hélio Fernandes, jornalistas que trabalhavam na época, embora houvesse pressão de radicais dentro do governo, foi mantida uma relativa liberdade para a imprensa de maneira geral.(27) Nesse período, a fiscalização era mais severa em relação ao teatro, músicas e shows em geral. Imediatamente após a promulgação do AI-5, o controle passou a ser total. Oficiais militares foram enviados para as redações, estações de rádio e televisão. Quaisquer notícias ou informações que, de alguma maneira, contivessem referências negativas em relação ao governo eram proibidas. Mesmo assim, os jornalistas Hélio Fernandes e Mino Carta afirmaram que, sob a orientação direta dos militares, a censura não foi tão prejudicial quanto o seria mais tarde, já que a preocupação maior era com a proibição de informações sobre prisões e torturas, com muitos outros temas sendo liberados. Além disso, segundo esses mesmos jornalistas, os oficiais militares eram educados, compreensivos e admitiam dialogar.(28) A situação tornar--se-ia mais grave em 1969, no início do governo Médici, quando a censura passou a ser exercida pela Polícia Federal, ocasião em que a quantidade de assuntos censurados passou a ser muito maior. Tal fato, em parte, devia-se a que os funcionários da Polícia poderiam ser punidos por deixarem passar afirmações que seus superiores julgassem inconvenientes. Para evitar assumir quaisquer riscos, cortavam e proibiam sempre que sentiam a mínima suspeita de que alguma autoridade pudesse irritar-se. Essa situação agravou-se ainda mais quando jornalistas e artistas passaram a se manifestar de forma sutil e indireta, justamente visando burlar o controle. Chico Buarque de Holianda e Gonzaguinha, dentre outros, passaram a ter grande parte de suas peças e letras de música proibidas automaticamente. Os censores temiam que suas palavras pudessem significar algo mais do que o conteúdo explícito permitia perceber.

A censura policial, mantida sistematicamente de 1969 a 1978, era realizada através de bilhetes, ofícios e telefonemas, determinando os assuntos que não deveriam ser abordados. Em outras ocasiões era feita previamente, através dos policiais que, em sua repartição ou na própria sede dos órgãos de comunicação, revisavam o material a ser divulgado. As determinações de corte partiam de todos os setores da Administração Pública, Ministros, oficiais militares, governadores, secretários de estado davam as ordens sempre que considerassem inconveniente alguma divulgação, para si ou para o governo de maneira geral. Na maior parte das vezes, a ordem era anônima, sob a forma de "ordem superior" ou "determinação superior".

Aspecto importante diz respeito aos temas e assuntos censurados. Há uma certa insistência, por parte de algumas vítimas das atividades censórias, em afirmar que ela ocorria sem direção e sem sentido, carente de critérios norteadores e aplicada ao sabor das idiossincrasias de cada autoridade. Foi o que disse, dentre outros, Ruy Mesquita, diretor de "O Estado de 5. Paulo": "Daí se vê a bagunça que é, não há critérios, não há nada. E depende da situação do dia, sei lá, às vezes o governo está apreensivo com alguma coisa que a gente não percebe, não percebe nem que ele está apreensivo e então acham que alguma matéria pode criar problemas para eles e aí censuram".(29) A concepção de uma censura se efetivando por atos isolados, resultantes da condição biliar e individual de policiais e autoridades, é inadequada e inconveniente. A censura fez parte de um todo mais amplo, o processo de inculcação da ideologia, e só nele tem sentido. Evidentemente, houve alguns atos deslocados, já que a aplicação dos critérios teria de depender da interpretação do responsável em cada caso. Em outras situações, quando se tratava de censurar alguém que se mantinha em atitude de constante provocação, como fez o jornalista Hélio Fernandes, o rigor policial, naturalmente, acabava sendo maior. Além disso, não há dúvida de que as autoridades dos escalões mais elevados deviam se importar muito pouco quando houvesse exageros na aplicação dos critérios, diferentemente do que fariam se fossem empregados com parcimônia. A censura era um componente do controle ideológico, destinado a assegurar a existência de uma única versão da realidade, e da ideologia dominante tal como assumida pelo Estado. Nesse papel, a existência de critérios norteadores era importante e, mais do que isso, inevitável. Os temas proibidos estavam em perfeita consonância com as idéias defendidas pela propaganda, bloqueando qualquer informação que pudesse contradizê-la. De maneira geral, os assuntos visados eram: prisões, seqüestras, torturas e assassinatos políticos, direitos humanos, existência da censura, críticas aos governos, autoridades e medidas governamentais, imperialismo e ação das multinacionais no país, protestos, reivindicações e outras formas de mobilização popular, problemas sociais, políticos e econômicos do país, idéias socialistas ou anticapitalistas.

Quanto à intensidade das intervenções, Paolo Marconi, em relação que ele mesmo confessou incompleta, indica vários vetos, pesquisados nos arquivos de redações e emissoras. Mesmo incompleta, a relação mostra uma quantidade bastante significativa de proibições: 27 em 1970; 52 em 1971, 80 em 1972, 159 em 1973, 162 em 1974, 18 em 1975, 12 em 1976, 25 em 1977, 15 em 1978 e 15 sem data, num total de 565.(30) Além desses vetos, referentes a fatos e notícias de caráter jornalístico, havia também proibições relativas a músicas, filmes, peças de teatro, shows de televisão, novelas. Nos dez anos de vigência do AI-5 soube-se de, aproximadamente, 599 filmes e 450 peças interditadas, 200 livros proibidos, dezenas de programas de rádio e televisão vetados e mais de mil letras de música censuradas.(31) Dercy Gonçalves e Chacrinha tiveram seus programas suspensos por quinze dias, por atentarem contra os bons costumes. Flávio Cavalcanti foi retirado do ar e suspenso várias vezes, acusado de fazer apresentações de baixo nível. As novelas "O selvagem", de Janete Clair (1973), "Roque Santeiro", de Dias Gomes (1975), "Despedida de casado", de Walter Durst (1976), para citar apenas autores mais conhecidos, foram vetadas na íntegra ou sofreram vários cortes. Inúmeras obras clássicas não puderam ser representadas na televisão, porque o conteúdo de seu enredo foi tido como subversivo. Dentre elas Édipo Rei, de Sófocles, Lisístrata, de Aristófanes, Fausto, de Goethe; Romeu e Julieta, de Shakespeare, também foi vetada, curiosamente por tratar de "amores proibidos", "relação ilícita entre jovens", "suicídio e pacto de morte".(32) Dentre as peças de teatro pode-se mencionar Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda, Rasga Coração, de Oduvaldo Vianna Filho, Aprendiz de Feiticeiro, de Maria Clara Machado.(33)

Os livros eram proibidos por atentarem contra a moral ou serem considerados subversivos. Pacotes de obras importadas eram abertos na Alfândega; selecionavam-se as que podiam entrar e as outras eram devolvidas ou, simplesmente, desapareciam. Autores como Marx, Engels, Lenin, Mao-Tse-Tung, Che Guevara, Regis Debray. desapareceram das livrarias. O mesmo acontecia com certos autores nacionais como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Caio Prado Jr. Não tendo condições de ler todos os livros, os censores empregavam critérios alternativos para avaliá-los. Ora importava o título, como em "Autobiografia armada", em que a expressão armada foi entendida como "portando arma" embora significasse "montada". Outra vez a proibição deveu-se à cor vermelha da capa, com a fotografia de Mao-Tse-Tung, embora fosse um livro de Teoria da Comunicação. O nome do tradutor, Miguel Arraes, ex-governador do regime deposto, gerou a proibição do livro "A mistificação das massas pela propaganda política". Livros de origem russa, mesmo de matemática, eram geralmente proibidos. O simples nome da editora determinava, algumas vezes, a proibição da obra, tais como Século XXI e Maspero. Outras eram sempre vistas com suspeição, como Civilização Brasileira e Brasiliense.(34)

Havia também o veto a determinadas pessoas que, por se manifestarem com muita freqüência contra o governo ou por terem significativo prestígio político, sem aceitar sua cooptação pelo regime, tiveram seus nomes e declarações simplesmente abolidos dos meios de comunicação. Dentre eles, Hélder Câmara, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, João Goulart, Luiz Carlos Prestes. O jornalista Sebastiáo Nery, a esse respeito, relatou uma interessante conversa que manteve com um censor, quando pretendia transcrever um diálogo havido entre duas das personalidades acima citadas. A observação que ouviu foi: "Nery, você parece que não conhece as coisas. O Brizola e D. Hélder, nem a notícia da morte da mãe".(35)

Até mesmo algumas palavras e expressões tornaram-se alvo dos cortes. O mesmo Sebastião Nery relata que, depois de detido pela Polícia Federal, informada de que pretendia lançar um jornal com o nome Polítika, foi conversar com um general de nome Freitas para discutir a denominação que poderia dar ao jornal. Informado que o nome Polítika não poderia ser aceito. sugeriu "Povo" e foi ameaçado de prisão; após uma nova sugestão, com o nome "Liberdade" ouviu do General: "Você enlouqueceu, vá embora".(36) Vetou-se, inclusive, uma frase que o teatrólogo Plínio Marcos criou para o abre-alas da "Escola de Samba Mocidade Alegre Camisa Verde", onde se lia: "Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas não é um povo livre".(37)

As sanções, para aqueles que violavam as regras impostas, eram as mais variadas, indo desde as previstas em lei até as resultantes da inventividade das autoridades. Proprietários e diretores de jornais e emissoras sofriam pressões para que demitissem os "inconvenientes". Mário Lago foi demitido da Rádio Nacional, o teatrólogo Pínio Marcos da "Folha de São Paulo" e da revista "Veja", o jornalista Mino Carta da revista "Veja", Carlos Augusto de Oliveira e Sérgio de Souza da Rede Tupi de Televisão, Newton Rodrigues, Alberto Dines e Cláudio Abramo da "Folha de São Paulo", Cacilda Becker da TV Bandeirantes. Outra sanção utilizada com bastante freqüência era a pressão, sobre anunciantes, para que não incluíssem certos jornais em seus planos de mídia. O "Jornal Opinião", apesar de possuir contrato firmado, sofreu o corte da publicidade por parte da Editora José Olympio, da Fundação Getúlio Vargas e da Petrobrás, pressionados pelo governo a fazê-lo.(38) A mesma espécie de punição ocorreu com "O Estado de São Paulo" "Jornal do Brasil" e outros. Também foram utilizados: apreensão de jornais e revistas, ameaças e agressões físicas, programas de rádio e televisão tirados do ar, fiscalização rigorosa de débitos tributários.

A conseqüência mais grave das sanções, e que certamente constava dos objetivos do governo, foi o surgimento da autocensura. Cansados e atemorizados pelas perseguições e procurando evitar os prejuízos financeiros causados pelas punições, empresários, jornalistas, artistas, atores, escritores, todos que estavam ligados às comunicações e às artes passaram, tentando interpretar os critérios da censura oficial, a aplicá-los sobre si mesmos. Transformavam-se, de certa maneira, em vítimas e agentes indiretos da repressão censória.(39) A autocensura tornou-se ainda mais freqüente no caso do teatro e cinema nacionais. E que, lutando sempre contra sérias dificuldades financeiras, os produtores acabavam dependendo de subvenções do Estado. Dificilmente um produtor, que tivesse obtido financiamento governamental para um filme ou peça, se arriscaria a trabalhar com um texto contestatório ao regime ou que tecesse críticas mais profundas em relação aos problemas sociais.

4. A Repressão

Organizou-se um amplo sistema repressivo, destinado a neutralizar líderes e formadores de opinião contrários à política do governo. A estratégia das medidas repressivas tinha caráter predominantemente ideológico. Visava afastar do convívio social, ou pelo menos silenciar, aqueles que pudessem exercer qualquer atividade conscientizadora a respeito da realidade brasileira e suas contradições, dos reais objetivos da política oficial e dos interesses que eram atendidos. Nessa linha, os mais visados foram líderes sindicais e estudantis, professores, políticos, jornalistas, artistas, militantes partidários. Além deles, sofreram punições os funcionários civis e militares, membros do governo anterior e todos aqueles que tivessem alguma forma de compromisso ideológico com o regime deposto. Juizes que concederam habeas-corpus ou absolveram os perseguidos também foram castigados. Dentre as punições, legalizadas pelos diversos atos institucionais, havia transferência para a reserva, reforma, aposentadoria, dispensa, demissão, cassação de mandatos eletivos, suspensão dos direitos políticos. Um levantamento realizado em meados dos anos 70 dava conta de que, no período 1964 a 1974, haviam sido aplicadas 4.841 punições dos tipos descritos, das quais 2.985 apenas em 1964.(40)

As sanções eram aplicadas a partir das investigações realizadas por comissões especiais, através dos Inquéritos Policial-Militares (IPMs), instituídos por decreto-lei de Castelo Branco em abril de 1964. Para a instauração de um IPM bastava uma simples suspeita ou delação, mesmo sem nenhum fundamento ou prova significativa. Tal possibilidade permitiu levar à prisão milhares de pessoas, estimando-se que tenha chegado a cerca de 50.000, apenas nos primeiros meses após o golpe.(41)

À medida que a repressão visava neutralizar lideranças, consequentemente acabou por atingir indivíduos que se destacavam por sua capacidade incomum. Realmente, entre os punidos, encontravam-se os trabalhadores mais conscientes, estudantes melhor preparados, artistas mais sensíveis, professores sérios e competentes e os intelectuais mais brilhantes. Para citar apenas alguns exemplos, na Universidade de São Paulo, dentre os inúmeros professores aposentados, figuravam nomes como: Caio Prado Jr., Fernando Henrique Cardoso, Mário Schemberg, Paul Israel Singer, Octávio Ianni, Paula Beiguelman. Esses e outros docentes haviam sido denunciados como "subversivos" por uma comissão de professores da própria USP.(42) A nomeação de novos professores, funcionários públicos e a posse de dirigentes sindicais eleitos passavam a depender de um atestado ideológico negativo, obtido pelo indicado, onde os serviços de segurança afirmava expressamente que o candidato não tinha, nem teve compromissos com atividades consideradas subversivas.(43) As pessoas visadas pela repressão não tinham mais condições de trabalhar e produzir nas suas respectivas áreas. Por essa razão silenciaram, foram silenciados ou, simplesmente, saíram do país. O Brasil perdia seus melhores cérebros, por vários anos. Além dos professores já citados, tiveram sua atividade prejudicada: um dos maiores educadores do país, Paulo Freire, líderes estudantis como José Dirceu e Wladimir Palmeira, representantes sindicais como Dante Pellacani, sacerdotes respeitados internacionalmente como Hélder Câmara, compositores como Geraldo Vandré e Taiguara, escritores do porte de Antonio Callado, teatrólogos como Oduvaldo Vianna Pilho e tantos outros.

Mais grave era a prática rotineira de torturas. Destinava-se a arrancar confissões, obter denúncias a respeito da localização de "subversivos" ou simplesmente intimidar aqueles que fossem considerados inimigos do regime. No dia seguinte ao golpe, o antigo líder comunista Gregório Bezerra, preso por cordas a um jipe, era arrastado pelas ruas de Recife, seguido por soldados comandados por um tenente-coronel.(44) Refluindo em alguns momentos, exacerbando-se em outros, a tortura foi praticada pelo menos até janeiro de 1976. Nessa ocasião, houve a morte do operário Manoel Fiel Filho, poucos meses após a morte do jornalista Wladimir Herzog, ambos submetidos a violências físicas. O clima de indignação, surgido na opinião pública, determinou que as torturas fossem praticamente abolidas nos casos relativos a crimes políticos.

Os assassinatos geralmente praticados durante ou após as torturas foram igualmente significativos. Segundo o advogado Luís Eduardo Greenhalg, defensor de presos políticos, no período de 1964 a 1981 houve 112 "desaparecidos políticos" e cerca de 400 mortos. Se, em alguns casos, a eliminação física se deu em virtude de reação armada dos eliminados, em outros a morte era realizada friamente e depois apresentada como resultado de "tentativa de fuga", "atropelamento", "resistência a tiros" ou "suicídio". As violências físicas foram praticadas por policiais civis, militares e membros das Forças Armadas que atuavam nas Delegacias de Ordem Política e Social dos estados (DOPS depois DEOPS), nos Centros de Informação da Marinha (CENIMAR), do Exército (CIEX) e Aeronáutica (CISA) e, principalmente, na OPERAÇÃO BANDEIRANTE (OBAN), depois substituída pelo Centro de Operações da Defesa Interna e Destacamento de Operações e informações do Exército (CODI-DOI depois DOI-CODI).(45)

5. Pressão Psicológica

Dissemos que para um setor da sociedade adquirir consciência das suas condições de existência, e das formas de agir para mudá-las, é necessário que disponha de uma série de informações a respeito da realidade em que vive. Além disso, deve estar em condições de avaliá-las de modo a compreender, adequadamente, seu significado. Por pressão psicológica nos referimos ao conjunto de ações que visa neutralizar essa capacidade crítica, permitindo impor, sem o obstáculo que ela criaria, uma determinada versão dos fatos a que se referem aquelas informações.

William Sargant, baseado nas pesquisas de Pavlov e em suas próprias, verificou que os seres humanos, isoladamente ou em conjunto, quando submetidos a determinadas formas de pressão, podem ser acometidos de estados de sugestionabilidade que os leva a acreditar em certas afirmações, mesmo que totalmente falsas ou infundadas. Para manter nossa terminologia diríamos que, nessas condições, o ser humano sofre uma redução de sua capacidade crítica. Dentre as formas de pressão mais comumente empregadas pelos movimentos políticos e religiosos, Sargant menciona as drogas, o ritmo de palmas, luzes, músicas e tambores, rituais que determinam cansaço e dor física ou mental, ameaças, o anseio da espera. Dentre as reações concomitantes à redução do senso crítico, o autor destaca a ansiedade, tensão nervosa, esgotamento físico e mental, medo e pânico.(46)

Essas formas de pressão, com seus efeitos, costumam estar presentes durante as grandes manifestações de massa. Nessas ocasiões, multidões inteiras se vêem envolvidas por um clima de tensão emocional intensa que, algumas vezes, produzem verdadeira histeria coletiva. O regime pós-64 foi avesso à organização de grandes concentrações. Somente as comemorações da Semana da Pátria envolviam grande número de pessoas, embora fossem realizadas de tal forma que a passividade se tornava tônica comum entre os presentes. O instrumento de pressão psicológica empregado dirigia-se noutro sentido, procurando atingir cada indivíduo isoladamente. Construiu-se um quadro em que um sem-número de ameaças gerava um clima de medo permanente e generalizado. Há temores que, normalmente, têm estado presentes em todas as sociedades, especialmente nos períodos política e economicamente mais críticos. As possibilidades de desemprego, queda nos padrões de vida, acidentes no trabalho, enfermidades são expectativas que geram ansiedade para a maioria das pessoas. Significa que as pressões mencionadas por Sargant já foram detonadas, embora sem um agente que as tenha provocado intencionalmente. Se, nesse contexto, for introduzido um novo componente atemorizador, o clima de tensão só pode exacerbar-se ainda mais. A propaganda traria esse componente, reiterando o tema das campanhas iniciadas antes do golpe, em que ameaças terríveis eram construídas em torno do "fantasma" do comunismo. Cada indivíduo era pressionado por uma carga dupla, induzido não apenas a temer o que os comunistas poderiam fazer, como também ser confundido com um deles e punido.

A propaganda da ameaça comunista foi mantida durante todo o período. Havia, inclusive, um cerimonial antigo que em todo 27 de novembro se repetia, principalmente nos quartéis. Era o ritual de homenagens aos heróis mortos durante a "Intentona" comunista de 1935. Nessas ocasiões, através de discursos de autoridades militares e civis, depois reproduzidos na imprensa, utilizava-se o fato histórico para reafirmar que os comunistas eram "traiçoeiros", "covardes", "assassinos a sangue frio". Embora amplamente divulgado, o efeito do ritual era mais incisivo sobre os militares, incutindo-lhes o temor que reforçaria sua submissão e disciplina. A vida difícil dos quartéis torna fundamental a amizade entre os companheiros de farda. Deve ser ameaçador, para um soldado, imaginar que seu amigo, desde que doutrinado por comunistas, possa tornar-se seu assassino. Pior que isso, pois como enfatizavam os oficiais, os comunistas haviam assassinado seus companheiros enquanto dormiam. Se as campanhas anticomunistas eram permanentes, em alguns momentos foram particularmente intensas. Investiu-se muito nelas no governo Castelo Branco, já que a ameaça servia não apenas para legitimar o golpe recente, como também a "operação limpeza", destinada a reprimir todos aqueles que tivessem ligações com o movimento reformista anterior. No início do governo Costa e Silva as campanhas arrefeceram momentaneamente. Com a crescente mobilização da sociedade contra o governo, voltava-se com toda carga. Em dezembro de 1968, no preâmbulo do AI-5, se alegava que "atos nitidamente subversivos.. . comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação, para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar do seu povo estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la". Em meados de 1969, a guerrilha tornara-se mais audaciosa, assaltando bancos e seqüestrando o embaixador dos Estados Unidos. O anticomunismo exacerbou-se. Os Atos Institucional n. 13 e 14, de setembro de 1969, instituíam as penas de morte, prisão perpétua e confisco para os crimes contra a Segurança Nacional. A decisão era apresentada como necessária para evitar que o país continuasse a ser perturbado por "Atos de Guerra Psicológica Adversa e de Guerra Revolucionária ou Subversiva". Eram expressões dramáticas que a Escola Superior de Guerra já adotara há algum tempo. Com a chegada ao poder do General Ernesto Geisel, a guerrilha estava praticamente dominada. A partir daí, com as propostas de "distensão", seguidas das promessas de "abertura" política do governo Figueiredo, a dramatização do perigo comunista começava a ser menos intensa, apenas reproduzindo temas dos anos anteriores. Alguns setores do governo, contrários à liberalização do regime, eram mais insistentes em manter o clima. Em outubro de 1977 o General Silvio Frota, exonerado do cargo de Ministro do Exército, acusava o governo de ter abandonado os objetivos da "Revolução" e permitir a infiltração de militantes comunistas em todos os órgãos e escalões da Administração Pública.(47) Era um remanescente daqueles que se dedicavam a descobrir comunistas infiltrados por toda parte.

As campanhas, de maneira geral, eram elaboradas em torno de alguns temas constantes, que delineavam a natureza da ameaça. Em primeiro lugar, o comunismo seria onipresente, devido à tática de infiltração, pela qual os militantes logravam ingressar em todas as instituições da sociedade e órgãos do governo.(48) A presença comunista nas escolas se manifestaria através das publicações estudantis, "um dos pontos vulneráveis à infiltração ideológica comunista que, de forma sutil e direta, aborda temas que provocam a polêmica, o descontentamento, a conduta negativa". Professores de tendência comunista procurariam ocupar postos onde havia melhores condições de aliciar adeptos, tais como os cursos de Pós-Graduação e Chefias de Departamento. A infiltração atingira, inclusive, o Movimento de Educação de Base da Igreja Católica, o Mobral, Projeto Minerva e a disciplina Educação Moral e Cívica. Quanto ao cinema, dizia-se que os simpatizantes procuravam explorar a violência, pornografia e corrupção, através de uma linha de "cinema político" "encabeçada por alguns cineastas como Glauber Rocha, Rui Guerra etc.". O teatro também seria "utilizado como poderosa arma ideológica e de dissolução dos bons costumes". Na música, a "conspiração internacional, para implantação do chamado 'socialismo' foi buscar a canção como seu principal instrumento". Na imprensa "alguns jornalistas de tendências esquerdistas costumam usar como tática a distorção das verdades.. .". Na religião, os subversivos procuravam "infiltrar-se nos vários movimentos onde a Igreja está presente".

O objetivo final, atribuído pela propaganda ao comunismo, seria a tomada do poder. Para atingir esse objetivo, adotavam uma série de táticas intermediárias. A maior parte das suas ações visava enfraquecer a sociedade, para neutralizar suas defesas contra o ataque final. Para tanto, era necessário solapar os valores morais, abalar a família, desmoralizar as instituições. Transcreviam-se repetidamente frases e afirmações atribuídas a Marx, Lenin, Kruschev, Stalin e outros líderes socialistas, procurando demonstrar a frieza maquiavélica com que os comunistas pretendiam atingir seus intentos. Dentre as mais sugestivas, atribuía-se a Mao-Tse-Tung a afirmação seguinte: "Desorganizai tudo o que é bom no país de vosso inimigo, tentai envolver os representantes das mais altas camadas dirigentes em empresas criminosas, comprometei suas posições e, depois disso, dai publicidade à sua prevaricação. Entrai, igualmente, em contato com os mais baixos e duvidosos indivíduos. Atrapalhai, por todos os meios, a ação do governo e propagai a dissensão e a discórdia entre os cidadãos. Lançai os moços contra os velhos. Introduzi cantigas de música sensual, descartai as velhas tradições. Enviai mulheres fáceis para completar o trabalho de decadência. E preciso que dissimineis espiões por toda parte".(49) Dessa estratégia de enfraquecimento da sociedade fariam parte: a disseminação do uso de drogas, propaganda do sexo, amor livre e obscenidade, criação do movimento hippie.(50)

Paralelamente, iria se realizando o aliciamento de adeptos entre religiosos, políticos, operários, camponeses, professores e, principalmente, entre jovens, cujo idealismo tornava presa fácil de doutrinação. Para tanto não hesitavam em utilizar a "lavagem cerebral", através do emprego de "persuasão, privações, castigos, punições, violências físicas (choque e eletrochoque), hipnose, drogas, sexo, neurocirurgia".(51) O resultado das ações subversivas seria igualmente terrível: "Moços que se transformam em espiões, sabotadores, agitadores, terroristas e guerrilheiros; famílias que se desfazem; associações que se submetem e desvirtuam; comunidades que se dividem; instituições que se esfacelam e nações que se entregam à desordem e à guerra civil".(52) A vitória, com a tomada do poder pelos comunistas, significaria a criação de um regime totalitário com execuções em massa, internações em campos de concentração e trabalhos forçados. Todas as formas de liberdade democrática seriam abolidas. Nenhuma religião seria admitida.(53)

Paralelamente ao temor pela ação dos comunistas, foi se criando o medo da perseguição policial. Era o resultado não apenas da repressão efetiva que, de uma maneira ou outra, grande parte da população ficou conhecendo, mas também da presença de informantes por toda parte. Os órgãos de segurança implantavam agentes oficiais nas escolas, fábricas, repartições públicas. Além disso, esses mesmos órgãos estimulavam as denúncias, anônimas ou não, a respeito de pessoas suspeitas de subversão. Essa situação criou, nas Universidades, o que Paulo Duarte denominou "pânico nos arraiais da cultura", em que professores passaram a mudar seus programas para que os "dedos-duros" não interpretassem como subversão o que era apenas esclarecimento científico.(54) Sérgio Porto, já em 1966, ironizava essa prática de denúncias dizendo que "a 'redentora', entre outras coisas, incentivou a prática do dedurismo (corruptela de dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo — alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas)".(55) Nos edifícios, os síndicos e zeladores eram obrigados a preencher fichas, para serem enviadas à polícia, com informações detalhadas sobre os moradores de cada apartamento, responsabilizando-se pela sua atualização, sempre que houvesse mudanças.

Em 1969 foi intensamente veiculado, em São Paulo, um documento preparado pela Central de Difusão da OBAN denominado "Decálogo". Continha dez itens na forma de conselhos, dirigidos à população, segundo os quais deveria informar imediatamente a polícia ou o quartel mais próximo sempre que: visse alguém em atitude suspeita, fosse convidado, sondado ou conversado sobre assuntos estranhos ou suspeitos, escutasse assuntos estranhos em linhas telefônicas cruzadas ou quando um morador desconhecido mudasse para seu edifício ou quarteirão. Tudo para impedir que São Paulo caísse no "abismo em que os terroristas querem lançá-lo".(56) Ao mesmo tempo, cartazes com fotografias de pessoas procuradas eram afixados em todos os locais públicos com o texto: "Terroristas procurados. Assaltaram, roubaram, mataram pais de família".

Qualquer pessoa se tornaria um suspeito desde que alguém resolvesse, por qualquer razão, denunciá-lo. Alguma afirmação mal compreendida, um livro que se possuísse, conhecer ou ser amigo de outro suspeito, mesmo sem sabê-lo, tudo poderia levar à prisão para averiguações. O jornalista Antonio Carlos Fon esteve preso na OBAN, ocasião em que conheceu três outros prisioneiros que nada haviam feito e mal sabiam porque estavam lá. "Pardal", professor, fora acusado de comunista por um aluno a quem atribuíra notas baixas. O "japonês" vendia livros na Faculdade de Economia da USP, quando a OBAN tentou prender um grupo de alunos que fugira, restando apenas ele no local. "Osvaldo" embriagara-se numa boate e acordou no xadrez sem saber por quê. Fora preso por um agente que também não lembrava por que o havia prendido. Mesmo assim, foi torturado para confessar o motivo da prisão.(57) O temor generalizado também era reforçado pelas "batidas" policiais e pela forma como se efetuavam as prisões. As "batidas" eram operações de busca e detenção em que policiais ou militares procuravam suspeitos. Cercava-se uma determinada área para realizar buscas em todas as casas e carros; as pessoas que não se identificassem ou o fizessem de forma vista como inadequada eram detidas. Certas vezes prendia-se uma ou algumas pessoas, em outras eram dezenas, centenas ou milhares de prisões.(58) Quando a suspeita sobre o detido fosse muito forte, a prisão durava dias, meses até, sem que os familiares recebessem qualquer informação sobre seu paradeiro ou razão do desaparecimento. Dessa forma, a sensação de insegurança atingia não apenas a família do preso, mas também seus vizinhos, amigos e todos aqueles que viessem a saber do ocorrido. O cartunista Henfil, retratando essa situação, criou um personagem de bistória em quadrinhos que denominou "Ubaldo o Paranóico". A fisionomia do boneco expressava pânico e desespero sempre que exposto a situações, inclusive as mais ridículas, em que pudesse transmitir a impressão de que tinha alguma opinião política ou pudesse estar envolvido em algum tipo de participação.

Todo esse quadro estimulava uma postura individualista, que a propaganda viria reforçar. Criava aversão a qualquer forma de associação ou atuação participativa. Nas conversas, as pessoas tendiam a se manter em torno de temas superficiais e secundários; era um risco avançar além daí, perante estranhos ou pessoas pouco conhecidas. Sem participar, sem informar-se e discutir sobre as questões políticas e econômicas, grande parte da população perdeu a noção de conjunto a respeito de sua realidade. Vivendo e girando em torno de seu cotidiano pessoal, impregnados de temor e ansiedade, cada cidadão não tinha como questionar, discutir e precaver-se contra as afirmações da propaganda a respeito das maravilhas do "desenvolvimento" com "segurança".

O regime implantado em 64 contribuiu, também, para a generalização de uma prática de pressão psicológica que, diferentemente da mencionada até aqui, não se dirige a um número indeterminado de pessoas, mas a indivíduos ou pequenos grupos perfeitamente identificados, além de produzir efeitos muito mais profundos nas suas vítimas. Referimo-nos à técnica vulgarizada sob a denominação "lavagem cerebral".(59)

Abstraindo os aspectos e fundamentos psicológicos que explicam o processo e abordando-o de forma meramente descritiva, podemos afirmar que consiste num conjunto de pressões, exercidas sobre determinadas pessoas, com tal intensidade, que lhes acarreta uma espécie de "desestruturação" da personalidade e acaba por induzi-las a aceitar, passivamente, determinadas orientações de comportamento.(60) Dentre as formas de pressão, mencionadas nos estudos a respeito, é possível identificar algumas das praticadas no Brasil. Em primeiro lugar, há o total afastamento do indivíduo do seu ambiente habitual que, completamente isolado, ou compondo um pequeno grupo com pessoas que lhe são estranhas, perde os pontos de referência com que se acostumou a avaliar as diversas situações, bem como o apoio psicológico do relacionamento com familiares, amigos ou conhecidos. A seguir, há uma doutrinação intensa, em que determinadas idéias são repetidas exaustivamente. Nesta fase, geralmente, são empregadas outras formas de pressão que abalam as defesas psicológicas e minam a capacidade de reflexão do envolvido. Dentre elas, o cansaço produzido por horas a fio de pregações e debates ou por exercícios físicos obrigatórios; o medo, ou mesmo pânico, resultantes de intimidações as mais diversas; as dores, resultantes de certas práticas físicas obrigatórias ou de torturas; a alternância entre aprovação e reprovação do grupo, ou do líder, por certas idéias ou comportamentos apresentados. Essas formas de pressão têm sido empregadas, há muitos anos, em alguns movimentos da Igreja Católica e outras seitas religiosas, na vida militar e, mais recentemente, no treinamento de jovens executivos pelas multinacionais.

Alguns casos merecem referências específicas, pela importância que tiveram como instrumentos do processo de controle ideológico implantado após 1964.(61) O curso da Escola Superior de Guerra era ministrado na sede da Escola, no Rio de Janeiro, onde todos os participantes passavam a viver durante um ano, em tempo integral, afastados portanto do seu meio conhecido. Numa primeira fase eram obrigados a estudar (decorar) e ouvir palestras sobre a "Doutrina de Segurança e Desenvolvimento". As palestras, inclusive, embora proferidas por conferencistas portadores de curriculum vitae bastante extensos e respeitáveis, limitavam-se à leitura de textos previamente redigidos por outros. É que se queria impedir que se alterasse uma só vírgula dos textos originais, que não podiam sequer ser discutidos criticamente. A seguir, havia debates sobre os mais importantes problemas do país, analisados sempre à luz dos conceitos da "doutrina", dentro de uma metodologia em que a disciplina era fundamental e rigorosamente observada. Finalmente, havia viagens pelo Brasil, para verificação in loco dos problemas e das providências já tomadas pelo governo. O orgulho com que os formados pela ESG ostentavam a insígnia de ouro, nas lapelas, é sugestiva dos efeitos daquela doutrinação.

Nas Forças Armadas, havia a vida afastada dos quartéis, a hierarquia rígida, a disciplina rigorosa, os castigos exemplares, o cansaço dos longos exercícios e marchas, a obrigatoriedade de enfrentar situações difíceis e perigosas, em florestas inóspitas e ambientes repletos de fumaça ou gases intoxicantes. Tudo isso acompanhado, sempre, de pregações sobre a importância do patriotismo, do respeito e obediência aos superiores, do temor e ódio que se deveria ter pelos comunistas. A insistência nesses dogmas, cuja repetição, naquelas condições, se exacerbou a partir de 1964, produziu números "fanáticos" pela "farda", além dos militares que, obnubilados pela manutenção da "ordem" e da "segurança", não hesitaram em praticar perversidades indescritíveis e crimes os mais hediondos.

Dentre todas as formas de pressão psicológica, a mais grave e danosa foi a instituída com as torturas, onde a infligência de dor acabou por se mostrar um mal menor, em relação a toda a encenação que a acompanhava, inclusive com a utilização de sofisticadas técnicas importadas. O suspeito de ser "subversivo" ou de possuir informações importantes a respeito de algum deles era preso, geralmente encapuzado, levado para local desconhecido e mantido incomunicável por dez dias, no mínimo. Dessa forma, sem saber onde estava, nem porque, não recebendo respostas às suas perguntas, já que os carcereiros permaneciam em silêncio absoluto, durante a incomunicabilidade, ao prisioneiro só restava o tormento da insegurança e da dúvida. Gradativamente, ia sendo possuído pela angústia de não saber quanto tempo ficaria naquela situação e, pior, se sairia vivo ou morto. Depois vinham as agressões físicas: tapas, pontapés, pancadas com objetos especialmente criados para a tortura, choques, afogamentos, estupros. A seguir vinha o "diálogo" com o policial "simpático e humano", que aconselhava a contar logo o que soubesse. Agora havia o temor de não saber quando recomeçaria a sessão e até quando seria possível resistir. Dos que não morreram durante as torturas, a maior parte, embora tivessem sido jovens saudáveis, cultos, conscientes, ativos e idealistas, acabaram em frangalhos, suicidando-se ou passando a viver traumatizados, medrosos, inseguros, doentes física e mentalmente.(62)


 

Capítulo V

A PROPAGANDA

 

1. Neutralização e Incorporação dos Interesses das Classes Subalternas à Ideologia

A ideologia se configura como um guia orientador da ação, fornecendo, a determinados segmentos da sociedade, uma versão das condições em que vivem, uma proposta de manutenção ou mudança dessas condições e as formas de concretizar a proposta. Ocorre que, para lograr esse intento, o grupo portador de determinadas idéias, geralmente, precisa do apoio de outros setores da sociedade que devem atuar no mesmo sentido ou, em outras palavras, devem agir sob orientação das mesmas idéias. À medida que estes setores tenham interesses diversos, especialmente quando pertencem a uma classe social distinta, aquelas idéias precisam receber um tratamento de modo a permitir, na sua difusão, que os interesses tenham sido neutralizados ou incorporados à ideologia.

O sucesso do modelo de "desenvolvimento" com "segurança" dependia do apoio e colaboração de toda a sociedade. No plano econômico, era indispensável o comparecimento dos trabalhadores, contribuindo ativa e eficientemente para o incremento da produção. Do ponto de vista político, a implementação efetiva dos programas exigia um mínimo de coesão e estabilidade social, pressupondo uma ampla submissão às decisões do governo. O que se pretendia da população, em outras palavras, era a sua mobilização econômica e des mobilização política. Esse projeto envolvia uma profunda contradição, que ameaçava torná-lo inviável. As classes subalternas só aceitariam assumir seu papel se estivessem convencidas de que agiriam no sen tido de realizar suas próprias aspirações. Todavia, os planos não previam sua participação nos resultados; pelo contrário, a excluíam À propaganda, com o apoio da repressão e da censura, caberia solucionar o impasse, disfarçando os antagonismos de forma a tornar99 possível que a atuação da maioria convergisse para uma mesma direção e sentido. Para tanto, empenhou-se na tarefa de construir um universo imaginário em que ficavam encobertos os interesses em jogo, permitindo ocultar que a materialização de uns se fazia em detrimento dos demais. Esse quadro permitia generalizar o escopo das iniciativas e realizações, apresentando-as como destinadas a atender a todos indistintamente. Com isso abriam-se novas perspectivas; agora já se tinha como convocar a população para apoiar o governo e orientar-se para o trabalho.

a. Obscurecimento da estrutura de classes e da exploração econômica

Um dos problemas cruciais para os interesses do capital é a difusão da tese marxista a respeito da luta de classes. Segundo ela a sociedade capitalista se encontra dividida em classes antagônicas, onde os trabalhadores são intensamente explorados pelos proprietários dos meios produtivos. Mas no momento em que adquirir consciência da sua situação, a classe operária já estará em condições de organizar-se e lutar contra seus exploradores.(1) Essa concepção, divulgada por intelectuais, organizações estudantis e pelos diversos grupos e partidos de tendência socialista, acabou por impregnar grande parte das lideranças nos sindicatos e organizações trabalhistas no Brasil. A partir daí os líderes começaram a se empenhar num esforço de união da classe trabalhadora, para a luta por uma transformação mais radical da sociedade brasileira.(2) Nesse contexto, realizado o golpe de 1964, os que assumiram o governo passaram a ter, como um dos seus objetivos fundamentais, a ocultação da divisão em classes e da exploração capitalista, para impedir que se desenvolvesse a consciência que poderia levar os setores desfavorecidos da sociedade a se mobilizar.

As formas de organização existentes, especialmente no âmbito da produção econômica, constituíam, por si só, sérios obstáculos para a percepção dos interesses comuns às classes subalternas. A estrutura de divisão do trabalho induzia cada operário a adotar uma postura individualista em que via, no seu semelhante, um adversário a ser neutralizado, senão um inimigo a ser derrotado. Em primeiro lugar, havia o processo de seleção a estabelecer o estímulo inicial da concorrência entre os trabalhadores.(3) Além disso, todo um sistema hierarquizado, com promoções freqüentes, criava um clima de intensa competitividade e, consequentemente, de tensão. Na estamparia da For, por exemplo, havia promoções a cada três meses, dentro de um amplo quadro de funções: "ajudante de prensista, prensista, prensista geral, prensista oficial, líder de prensista, colocador de ferramenta, preparador de ferramenta, colocador geral, líder de colocador, feitor, feitor geral, supervisor, chefe de supervisor e gerente".(4) Cabe acrescentar a separação física entre as diversas unidades de produção, maior no setor primário da economia, que, dificultando o contato mais direto dos trabalhadores entre si, impedia que dessem o primeiro passo no sentido de se identificar como classe: a descoberta de "quem e quantos somos". E evidente que toda essa estrutura, que restringia a percepção dos interesses comuns à classe operária não foi criada em 1964. Ela foi se constituindo com o desenvolvimento das relações econômicas, para se intensificar com a entrada das multinacionais. O que o regime posterior ao golpe se incumbiu de fazer foi reforçá-la pela repressão e pela propaganda. O governo extinguiu inúmeras organizações trabalhistas e estudantis, além de intervir em diversos sindicatos e proibir o direito de greve. Dessa forma, desmontando e controlando, o Estado lograva neutralizar a capacidade organizatória de diversos setores da sociedade. Tirava-lhes, assim, seu principal instrumento de conscientização, um dos únicos que permitia, aos membros das classes subalternas, perceber a identidade das condições de vida e de trabalho que tornavam seus interesses comuns. A propaganda se integrava nesse contexto, procurando desestimular quaisquer iniciativas de cooperação, através do reforço ao individualismo. O pronome "você", absolutamente predominante, evidenciava que o interlocutor das mensagens era quase sempre singular: "ajude o governo, diga não à inflação", "faça sua parte", "mantenha este símbolo perto de você".(5) Os raros apelos coletivos referiam-se a ações sem maior conseqüência, geralmente comemorativas, quando então era permitido dizer, por exemplo, que "a independência somos todos nós".(6) Ao mesmo tempo, as campanhas iam construindo uma imagem da sociedade que a representava como soma de indivíduos isolados, esquecendo sua interação. O conjunto era formado de elementos justapostos, mas nunca interligados: "realização de todos no esforço de cada um".(7) As classes desapareciam, diluídas na "soma dos iguais". Só existiam o "um" e o "todos". Os interesses, aspirações e objetivos eram sempre "nacionais", sem quaisquer divergências ou confrontos. A contestar esse quadro, havia a realidade social brasileira que, com suas profundas desigualdades, revelava a precariedade de condições em que viviam as classes mais humildes. Mas a censura as escondia e disfarçava, proibindo quaisquer denúncias ou mesmo simples referências a respeito. A miséria existente no norte e nordeste do país, as favelas da periferia das cidades não podiam ser conhecidas, não na sua amplitude e extensão.(8) Se não se podia impedir que muitos presenciassem os problemas de seu bairro ou de alguns pontos de sua cidade, pelo menos não lhes deixassem acessos para conhecer os que existiam nas outras regiões do país. As distorções, assim, só eram percebidas de forma isolada e confusa, nunca como resultado do modo específico como se articulavam as relações sociais, numa estrutura de dominação e exploração. Quando o próprio governo fazia referência às desigualdades, era para apresentá-las como situação excepcional e afirmar que a ação do governo permitiria solucionar a questão. Ao se mencionar favelas, foi para enaltecer o programa de construções das habitações populares, as referências à região setentrional do país serviam para elogiar a atuação das Superintendências da Amazônia (SUDAM) e do Nordeste (SUDENE), ou para ressaltar a importância dos vários projetos lá realizados.(9) Mesmo quando se sentiu forçado a confessar a existência de sérias distorções na distribuição da renda, sintoma mais expressivo da contradição entre as classes, o governo o fez com explicações que subestimavam a sua importância. O argumento então apresentado, a esse respeito, no II PND (II Plano Nacional de Desenvolvimento), dizia que se tratava de um fato natural para um país subdesenvolvido e acrescentava que "a estrutura de distribuição de renda, no Brasil, é semelhante (não pior) à de países latino-amencanos e países subdesenvolvidos de outras áreas, em estágio de desenvolvimento e nível de renda comparáveis aos do Brasil". Mais adiante, a argumentação procurava amenizar a significação dos índices, alegando que não incluíam "inúmeras formas de salários indiretos, como o efeito redistributivo da educação gratuita, saúde, previdência, além de indicadores gerais como o substancial aumento na expectativa de vida".(10)

Nessa estratégia de minimizar as conseqüências das contradições sociais, a propaganda não hesitou em empregar um tipo de apelo que procurava consolar a população a respeito das suas aflições, mostrando como elas poderiam ser ainda piores. Através do rádio, veiculava-se um texto que dizia: "Se você está triste porque perdeu seu amor, lembre-se daquele que não teve um amor para perder; se você se decepcionou com alguma coisa, lembre-se daquele que já ao nascer sofria uma decepção; se você está cansado de trabalhar, lembre-se daquele angustiado que perdeu o seu emprego; se você reclama de uma comida mal feita, lembre-se daquele que morre faminto, sem um pedaço de pão; se um sonho seu foi desfeito, lembre-se daquele que vive num pesadelo constante; se você anda aborrecido, lembre-se daquele que espera um sorriso seu; se você tem um amor e perdeu, um trabalho para cansar, um sonho desfeito, uma tristeza para sentir, uma comida para reclamar, lembre-se de agradecer a Deus porque há muitos que dariam tudo para ficar no seu lugar".(11)

Em outras ocasiões, procurava-se provocar uma atitude de conformismo que permitisse reduzir a tensão daqueles que não conseguiam visualizar melhores perspectivas futuras. Um dos filmes mostrava um pai que olhava seu filho no berço e dizia: "O que você vai ser quando crescer, hem? Vai ser prefeito? Não importa. O que importa é que você encontre uma profissão e saiba honrá-la. Assim você será útil e mais feliz".(12)

Além de subestimar os problemas sociais, a propaganda procurava relacioná-los a elementos estranhos à relação social em causa, de modo a ocultar que resultavam de um modelo econômico altamente concentrador. Uma das fórmulas procurava responsabilizar o passado pelas questões presentes. Sobre a má distribuição de renda, por exemplo, chegou-se a afirmar, expressamente, que ela era insatisfatória "e com ela a Revolução não se solidariza, mesmo porque tal distribuição resultou de uma evolução de longo prazo da economia, e não de fatores recentes".(13) No mesmo texto, após mencionar as "conquistas econômicas e sociais" pretendidas para o Brasil e o grau de desenvolvimento que já fora atingido, passava a avaliar as ameaças criadas pela conjuntura mundial para, finalmente, enfatizar: "Sobretudo a crise do petróleo".(14) A crise internacional do petróleo, causada pelo aumento de preços determinado pelos países produtores, tornava-se, a partir de 1973, a grande inimiga do país, causa de todas as dificuldades e todos os problemas. E, da mesma forma, sempre que a população começou a adquirir consciência mais nítida dos males que a afligiam e questionar sua causa, surgiam estranhos "bodes expiatórios": "infiltração comunista", "corrupção", "extensão territorial do país". "clima desfavorável" vinham desviar a atenção das causas reais dos diversos problemas.

Quando não era possível culpar um elemento externo, a propaganda responsabilizava a própria população pelos seus apertos. Na cultura brasileira, como em outras, vigorava o "mito do esforço pessoal", bastante reforçado pelo conceito do self-made man, trazido com a invasão cultural norte-americana. Significava que o sucesso obtido por determinado indivíduo era determinado, exclusivamente, pelo seu esforço tenaz em estudar, trabalhar, produzir. Um filme de 1980, da SECOM, explorava essa idéia mostrando quatro filhos, profissionalmente bem-sucedidos, e o pai que dizia: "Eu comecei a trabalhar quase criança. Trabalhei muito. Com essas mãos calejadas eu construí outras mãos. Que planejam, que ensinam, que dirigem, que salvam. Mãos de meus filhos".(15) Essa relação entre esforço e sucesso tem algum sentido quando se refere a pessoas que tenham tido condições mínimas, a partir das quais puderam desenvolver-se. Para muitos, desnutridos já ao nascer ou que não tiveram nenhum acesso ao sistema formal de ensino, qualquer tentativa de esforço é inócua. Mas, culturalmente, o mito é universal e não discrimina. Havia, inclusive, uma versão ampliada segundo a qual as condições de cada país resultavam da atuação de seu povo, único responsável pela própria evolução. A propaganda reforçava essa tese afirmando que "O Brasil é o trabalho e a participação de todos" ou que "O Brasil é feito por nós".(16) À medida que cada indivíduo em particular e a população de modo geral fossem responsáveis pelo sucesso de si próprios e do país, acabavam por adquirir culpabilidade equivalente pelos fracassos. Essa interpretação, que se refletia em jargões populares do tipo "cada povo tem o governo que merece", estimulava a predisposição de aceitar-se o ônus, individual ou coletivamente, por uma série de situações. Em análise que se limitou às campanhas de saúde do governo, na década de 70, Ana Lúcia Garcia observou a insistente freqüência do tema "responsabilidade e deveres da população pelos níveis de saúde", com apelos do tipo: "Seu filho vai chegar, sua responsabilidade aumenta".(17) A autora, embora sem se dar conta do apoio paralelo da censura, mencionou o caso da campanha de vacinação contra a meningite, em São Paulo, onde a transferência de responsabilidade foi bastante explícita. A partir de 1972, aproximadamente, começaram a aumentar os casos de meningite. Os órgãos de saúde pública não apenas deixaram de tomar qualquer providência, como ocultaram inicialmente o fato, para depois passarem a manipular os índices relativos à doença, reduzindo-os. Em 1974, o surto tornou-se alarmante, atingindo mais de duzentas mortes somente em julho. Em 26 de julho a censura proibia a divulgação de quaisquer dados sobre a doença para, em 1975, lançar uma campanha onde afirmava cinicamente: "Não deixe acontecer o que aconteceu em 1974".(18) Até os encargos de higiene e limpeza do meio ambiente foram transferidos. As campanhas eram ilustradas com o desenho de um bonequinho sujo, rodeado por insetos e com ar de enfermo: "o Sugismundo". As ações do Sugismundo exemplificavam condutas que deveriam ser evitadas e a locução incitava a lavar as mãos, manter a cidade limpa, colocar cigarros no cinzeiros e papéis nos cestos de lixo, concluindo: "Não deixe o Sugismundo entrar".(19) Em 1978 chegou-se ao extremo de promover, no Nordeste, uma campanha contra a esquistossomose, em que se atribuía sua causa à ignorância das pessoas, que não sabiam utilizar convenientemente os sanitários.(20) Um país com problemas sérios de saneamento básico, carente de infra-estrutura de higiene e saúde, certamente não encontraria solução na propaganda, que apenas pretendia transferir encargos. A questão da saúde não foi o único ônus que se atribuiu à população. A campanha de combate à inflação convocava a pesquisar preços, procurar ofertas mais baratas. Um dos filmes, veiculados pela TV, apresentava um diálogo entre duas donas de casa, sobre os preços que haviam pago pelos seus vestidos. A que pagou mais barato dizia à outra: "E bem feito... quem manda você não andar, olhar, procurar, pesquisar. Que há hem? Pensa que dinheiro cai do céu é?"(21) Essa campanha, que voltaria em 1977 sob o rótulo "Corrente do povo contra a inflação", escondia suas causas reais atribuindo-as, com evidente exagero, ao comércio varejista e à apatia e falta de iniciativa dos consumidores.

b. Obscurecimento da estrutura de poder

Uma das estratégias, historicamente mais eficiente, que o capitalismo encontrou para engendrar seu próprio rejuvenescimento, foi a ocultação dos reais detentores do poder. Nos momentos mais agudos de expansão dos movimentos reformistas, quando amplos setores das sociedades começaram a questionar as formas de dominação empregadas pelos proprietários dos meios de produção, estes souberam se ocultar por trás de novos regimes. Um "Chefe", "Duce" ou "Fuehrer", sozinho ou com seus assessores e respectivo partido, passava a ficar à testa das grandes decisões, responsabilizando-se por elas e apresentando-se como o único detentor do poder. Nesse contexto, as classes subalternas acabaram por perder a noção de quem estava tornando inviável a realização de seus interesses e, ou se acomodaram passivamente, ou passaram a lutar contra o adversário errado. A classe capitalista adquiria uma grande arma para conservar sua posição. Quando os problemas se avolumavam e a insatisfação começava atingir níveis insuportáveis, bastava substituir o chefe, algum de seus assessores ou mesmo o partido e apoiar outros, que prometessem novas alternativas. Obtinham, assim, um período de relativa tranqüilidade até nova substituição.

Nos anos 60, quando a sociedade brasileira se mobilizava contra a estrutura de dominação vigente, as diversas frações da classe dominante reagiram prontamente. Organizaram-se, fizeram planos de ação, cooptaram membros dos mais diversos segmentos sociais, realizaram campanhas intensas. Conseguiram rearticular o poder político de forma a conservar, e mesmo ampliar, sua força econômica. E, com grande habilidade, erigiram um sistema de governo que permitia convencer a população de que as Forças Armadas e um grupo de tecnocratas haviam assumido o controle total do país, para governá-lo segundo critérios e objetivos próprios. Gradativamente construiu-se a imagem de um governo onde se confundia os que apenas exerciam o poder com aqueles que realmente o detinham. De 1964 a 1980 houve cinco presidentes, todos generais de exército, apresentando curriculum de carreiras militares impecáveis, que não apresentavam ter nenhum compromisso, senão com os "interesses nacionais". Seus ministros e assessores foram escolhidos dentre técnicos, especialistas e professores, muitos deles famosos por sua capacidade profissional, que igualmente pareciam não ter nenhum comprometimento. E todas as formas de decisão política, fossem leis, projetos ou planos de governo, bem como as respectivas explicações e justificativas, eram apresentadas, defendidas e assinadas justamente pelo Presidente ou seus ministros.(22)

A aparente autonomia dos governantes lhes permitia tomar decisões e apresentá-las como exclusivamente técnicas e neutras, politicamente. Quando se propunha, por exemplo, o projeto de construção de uma nova estrada, não havia por que desconfiar de que o "interesse nacional" não fosse o único a orientar sua formulação. Seus autores, ou os que apareciam como tal, não eram proprietários de terras na região, nem de empresas que seriam beneficiadas por ela. As alianças, as pressões dos interessados, os "lobbies" nos corredores da Administração, as "compensações" oferecidas para que os projetos fossem aprovados só eram perceptíveis para alguns poucos. Toda essa estratégia de desvio da atenção, que não permitia visualizar a presença dos reais interessados, dava-lhes condições de evitar ser o alvo das insatisfações que, assim, se canalizavam contra o Estado. Essa fórmula permitia, ainda, que a substituição de altos funcionários do governo ou a eleição de um novo presidente, acompanhada de inúmeras promessas, gerasse um clima de expectativa na sociedade, desmobilizando-a por algum tempo. Não foi por outra razão que todos os presidentes do período tomaram posse comprometendo-se a redemocratizar o país. Uma das táticas mais eficientes residiu na absorção, pelo governo, da responsabilidade exclusiva pela política salarial. A partir da Lei 4.725, de 13-07-65, reformada por alguns decretos no ano seguinte, os índices de reajuste salarial, fixados pelas autoridades, deveriam obrigatoriamente ser obedecidos pelas empresas e não podiam sequer ser alterados pelos Tribunais do Trabalho. Os conflitos trabalhistas, que naturalmente se realizariam contra os empresários, agora só teriam sentido se fossem contra o governo. Se já era complicado pressionar e negociar com os patrões isoladamente, tornou-se mais difícil, senão impossível, enfrentar todo o aparato estatal nas reivindicações. Alguns poucos tiveram condições de perceber a manobra e tentaram divulgar o que haviam descoberto, mas a repressão e a censura se encarregaram de neutralizá-los. Quaisquer comentários a respeito da estrutura de poder, no Brasil, eram totalmente vetados. O então deputado Francisco Pinto, por exemplo, teve expressamente proibida sua afirmação de que se implantara, no Brasil, "um projeto oriundo da união da oligarquia interna com o imperialismo".(23) E não se tolerava nenhuma referência à força e influência do capital estrangeiro. Um dos jornalistas mais insistentes em denunciar a ação das multinacionais, Hélio Fernandes, teve invariavelmente cortadas suas matérias a respeito.(24) Proibiu-se até mesmo a divulgação de um trecho do discurso do chefe da delegação norte-americana, na Comissão Militar Mista Brasil-EUA onde dizia: "Há alguns dias atrás eu ouvi seu ilustre Ministro do Exército dizer a um visitante que o Brasil é um dos países mais amigos que os EUA têm. Esta é também a minha convicção".(25)

c. Obscurecimento da capacidade transformadora e das possibilidades de avanço das classes subalternas

No Brasil dos anos 60 estavam criadas as condições básicas para o progresso das classes subalternas, que poderiam ampliar sua área de atuação e participação, em prejuízo de parte do espaço ocupado pela classe dominante. Embora incipientes, as formas de organização já empreendidas e as experiências de luta adquiridas eram suficientes, senão para produzir uma mudança radical da estrutura social vigente, ao menos para permitir conquistas quantitativamente significativas. Os interesses do capital exigiam que essa possibilidade não se realizasse e, para tanto, era necessário ocultá-la e impedir quaisquer tentativas já deflagradas no sentido de sua concretização. A repressão, como vimos, desmontou as formas de organização existentes e continuou a desarticular as que surgiam. Paralelamente, a propaganda procurava criar uma versão da sociedade onde não houvesse condições de se visualizar formas de agir, além das toleráveis pelo sistema vigente, visando gerar a desmobilização política das classes sociais. Construiu-se uma imagem da população brasileira que induzia à conclusão de que ela seria incapaz de se orientar por si própria. Para tanto, uma das táticas era a manipulação da história. O conhecimento do passado histórico, a noção de uma tradição de lutas em torno de objetivos comuns, constitui um dos ingredientes fundamentais para que uma classe possa se organizar e agir no sentido de alcançar a realização de seus interesses. A manipulação das informações sobre o passado já era anterior a 1964. Nas escolas, a evolução do Brasil era apresentada como o suceder das ações de grandes líderes. As grandes transformações econômicas e políticas, ocorridas no país, eram dadas como resultantes da atuação dos diversos presidentes da República, com a colaboração de alguns "luminares". A partir de 1964, a ESG tornava essa versão mais incisiva: "Os grandes movimentos da história brasileira foram sempre manifestações da elite... A adesão do povo nas atividades precursoras e de apoio a esses movimentos tem sido tão discreta que não chega a configurar uma participação marcante". Uma das razões para explicar esse fenômeno era bastante sugestiva: "Não houve, em nosso país, felizmente, os aspectos de opressão, de violência e de exploração indiscriminada que engendraram grandes movimentos populares, como algumas revoluções em outros países."(26)

Além dessa manipulação histórica, difundia-se uma concepção que, sob o rótulo de "caráter nacional brasileiro", tentava discriminar "qualidades" do "homem brasileiro", que definiriam seu perfil psicológico. Muitos dos traços por ela apontados já vinham sendo estudados e citados há algumas décadas, fato que, provavelmente, estimulava uma certa receptividade à sua divulgação pela propaganda.(27) Dentre as "qualidades", algumas eram consideradas "básicas". O "individualismo", fruto das formas como se deu a colonização do país, marcava um povo pouco afeito à cooperação construtiva. O "sentimentalismo" ou "emotividade" indicava uma tendência de comportamento dirigido mais pelas emoções que pela racionalidade.

A "improvisação" revelava uma certa rejeição pela prática do planejamento. A "adaptabilidade" seria uma capacidade especial de integrar-se ao meio e às novas situações. "Cordialidade" e "comunicabilidade" revelaram uma grande capacidade de empatia, de sentir pelos outros e de se relacionar de cada um dos brasileiros. Finalmente, a "vocação pacifista" indicava uma tendência a resolver os conflitos de forma amigável ou mesmo evitá-los.(28) Não é necessário demonstrar que tal concepção carece de qualquer fundamento mais sério, à medida que parte de um metafísico e transcendental "homem brasileiro". Além disso, apoia-se na observação superficial de aparências que, longe de refletir atitudes psicológicas arraigadas, no máximo indicavam reações específicas a determinadas situações conjunturais, muitas vezes criadas pela própria classe dominante. Todavia, tais idéias serviam para legitimar o sistema político autoritário. Davam a imagem de uma sociedade com características que inviabilizavam a existência de um sistema político representativo, por muitos reivindicado. O sistema de organização partidária e mesmo o modelo sindical, pressupondo a organização de setores com interesses econômicos e políticos comuns, seria incompatível com o "individualismo". Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Ministro da Justiça do governo Médici, conquanto carregasse a reputação de jurista respeitável, não hesitou em afirmar que o individualismo nacional não se coadunava com o modelo partidário de democracia.(29) A instituição do sufrágio, a pressupor uma capacidade de escolha consciente, racional e madura, era incompatível com o caráter sentimentalista do povo. A capacidade de luta pela obtenção de melhores condições de vida não se adequava à vocação pacifista". Um aspecto importante, relativo à divulgação dessas idéias, é a possibilidade de que elas pudessem criar ou reforçar uma certa passividade, determinada pela descrença na atuação de cada um dos membros da sociedade. É improvável que se pudesse convencer cada indivíduo de que ele próprio possuísse aquelas características, mas nada impediria que ele não fosse persuadido de que todos os demais eram assim. Nesse caso, não teria sentido tomar qualquer iniciativa e agir sozinho, já que os demais seriam pacíficos, sentimentais e apenas preocupados com seus próprios interesses particulares.

Acentuando a passividade, adotava-se uma estratégia destinada a impedir que as insatisfações pudessem generalizar-se. A propaganda construía um clima de consenso, em tomo das decisões e medidas governamentais, com o intuito de demonstrar que as eventuais divergências eram isoladas e, assim, desestimular o aparecimento de outras. O movimento de 1964 era apresentado como resultante da exigência unânime da sociedade, que não apenas queria a intervenção militar, como festejou sua vitória. Insistia-se que as Forças Armadas estavam sempre unidas e coesas em apoio às decisões do governo. Ou então era a população que evidenciava seu apoio, dando a vitória ao partido governista, nas eleições. Enquanto isso, as campanhas afirmavam que "o amor ao Brasil é a união de todos nós, na comunhão da paz e do trabalho" ou que "a pátria é a união de todos".(30) Ao mesmo tempo, para não ser perceptível que o consenso era apenas aparente, a censura impedia a divulgação de quaisquer iniciativas de mobilização ou da ocorrência de movimentos reivindicatórios. Inúmeros comunicados, verbais e escritos, vedavam expressamente a divulgação de "movimentos operários, greves ou atos que alterem a ordem pública", "manifestação estudantil", "pronunciamentos de estudantes e professores", "panfletagem", "paralisação de empresas de ônibus", "greve de fome de presos", "tumulto e depredação de trens", "Frente Nacional de Redemocratização", "IV Encontro Nacional de Estudantes", "Congresso Nacional pela Anistia".(31) Até mesmo as ações guerrilheiras, em sua grande maioria, ficaram desconhecidas pela população, já que a censura proibia qualquer referência sobre elas. Quando a proibição da notícia pudesse ser inócua, como em algumas ações da guerrilha urbana, subestimou-se seu significado afirmando-se que se tratavam de atos isolados, praticados por "terroristas" criminosos. Para quem tivesse acesso apenas às informações dos meios de comunicação de massa, vivia-se num país tranqüilo, com a população satisfeita e feliz. As divergências entre integrantes dos órgãos governamentais, que poderiam perturbar a imagem de unanimidade, também permaneciam sigilosas, devido a determinações do tipo: "De ordem do Senhor Ministro da Justiça fica proibida a divulgação dos seguintes assuntos: a) notícias sobre atrito entre Ministro da Fazenda e Agricultura. "(32) Vetavam-se não apenas as informações a respeito de atritos entre membros dos diversos escalões da Administração, mas também as demissões ocorridas e quaisquer especulações sobre quem seriam os nomeados para a substituição. Eram ocasiões em que emergiam desinteligências, confrontos de interesses, considerando-se conveniente que não fossem conhecidos.

Até mesmo durante os períodos que antecediam o término dos "mandatos" presidenciais, o assunto sucessão era expressamente proibido.(33) Nada poderia contradizer a união e a paz que se dizia reinar no país.

O objetivo de desmobilizar os setores subalternos levou a propaganda a se empenhar, também, na desmoralização dos sucessos que eles obtinham ou pudessem obter em suas lutas. As classes sociais têm, na experiência contínua das conquistas econômicas e políticas, o componente mais importante de sua força reivindicatória, em função dos empreendimentos bem-sucedidos que se adquire consciência mais nítida da própria capacidade. A partir daí é possível prevenir certos erros, aperfeiçoar as formas de organização e, gradativamente, ampliar a própria força. É por essa razão que os empresários e as autoridades governamentais, mesmo quando podem atender a certas exigências, evitam fazê-lo ou concedem menos que o exigido, evitando criar precedentes que possam significar o risco de serem forçados a novas e maiores concessões no futuro. Procuram. assim, diminuir a capacidade dos diversos setores da sociedade perante seus próprios olhos. O governo implantado em 1964, ao sentir que havia anseios bastante arraigados entre a população, procurou antecipar-se tomando a iniciativa de fazer concessões de forma paternalista, para assim esvaziar as reivindicações e neutralizar as lideranças que perdiam suas bandeiras, agora encampadas pelas autoridades. Algumas exigências eram antigas e ganharam corpo nos anos 60. Nas campanhas eleitorais haviam tomado a forma de promessas dos vários candidatos, muitas vezes arrancando aplausos entusiásticos das multidões, demonstrando que uma carga emocional intensa havia se incorporado às reivindicações. Dentre elas se destacavam a reforma agrária, a construção de habitações populares e a redistribuição de renda. A forma apaixonada com que tais assuntos eram abordados e as agitações que despertavam evidenciavam que o governo não podia tratá-los apenas com promessas retóricas, tomando necessária a adoção de medidas concretas. As medidas foram realmente tomadas, mas o foram de modo a deixar claro que seu objetivo, menos do que promover a solução dos problemas, era lograr a desmobilização dos setores interessados. Dessa forma, devem ser incluídas no rol das atividades de propaganda, já que seu único escopo era persuadir a população a respeito da legitimidade do governo, enquanto promotor da melhoria das condições de vida da população.

O governo Castelo Branco, dentre as primeiras providências, definiu o programa de reforma agrária através do Estatuto da Terra, que definia as formas de desapropriação e distribuição de terras, colonização e assistência técnica.(34) Alguns dias antes, fora promulgada uma Emenda Constitucional, pela qual a desapropriação de terras seria paga com títulos da dívida pública, resgatáveis em vinte anos.(35) A partir do AI-5, com o aumento da repressão e a conseqüente desmobilização popular, a reforma foi sendo esquecida. Ainda se fizeram projetos, criaram-se órgãos e se anunciaram novas medidas, mas muito pouco se realizava de concreto. Gradativamente a idéia de reforma ia sendo substituída pela proposta de desenvolvimento agrícola e assistência ao produtor rural. Numa campanha de 1978 percebia-se que o conteúdo do tema havia sido esvaziado e que a idéia de distribuir terras aos camponeses, que não a possuíam, tinha sido posta de lado. A mensagem mencionava um projeto de irrigação, que começava a ser implantado no nordeste do país, apresentando-o com a afirmação: "Realiza-se o verdadeiro projeto de reforma agrária".(36) A oligarquia tradicional dos latifundiários detinha ainda grande parcela de poder, tanto econômico como político. Tal fato, aliado a que a legislação jamais chegou a ser aplicada, deixa claro que as desapropriações não poderiam ser realizadas, principalmente com títulos resgatáveis a longo prazo, sem uma violenta reação contrária dos proprietários de terra. Essa situação indica, claramente, que nunca houve séria intenção de aplicar os projetos, seu objetivo era mesmo de servir à propaganda.

A questão da habitação popular foi tratada de forma bastante semelhante. Cinco meses após o golpe, em agosto de 1964, o governo instituía o Plano Nacional de Habitação, que previa o financiamento e construção de casas e apartamentos com o objetivo de atender a população mais carente, especialmente favelados. No período 1964-1969, realmente, 40,7% das unidades financiadas destinava-se ao mercado popular.(37) Todavia, a partir de 1970, o sistema voltava-se, prioritariamente, para o financiamento de habitações destinadas às camadas economicamente privilegiadas, especialmente as camadas médias com elevado poder aquisitivo. Tal situação deve ter sido prevista, senão planejada, pelas autoridades governamentais.

O sistema habitacional fora criado para atuar em conjunto com o setor privado, financeiro e da construção civil, a quem, obviamente, era indispensável um retorno satisfatório sobre os investimentos. Uma política habitacional de objetivos populares contrariava, frontalmente, as diretrizes de um sistema econômico, implantado após um golpe, que visava aniquilar a política distributivista pretendida pelo governo anterior. Essas contradições indicam que, mais uma vez, se estava perante uma das táticas de grande estratégia da propaganda: neutralizar a população, acenando-lhe com o atendimento de suas necessidades e atender uns poucos casos exemplares para lograr credibilidade. Mesmo as poucas habitações realmente populares foram construídas, menos com o objetivo de atender aos necessitados, que de neutralizá-los politicamente. O próprio Ministro da Fazenda de Castelo Branco, Roberto Campos, ao falar sobre os objetivos do plano, confessou indiretamente essa intenção afirmando que "o proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em arruaças ou depredar propriedades alheias e torna-se um aliado da ordem".(38) À medida que o regime se consolidava e a possibilidade de novas agitações populares tornava-se remota, o governo podia voltar à sua lógica de ação, abandonando as medidas concretas e mantendo apenas a retórica da propaganda.

Outro anseio das classes subalternas era obter a melhoria das suas condições de vida, através de uma participação mais justa na renda da economia. Nesse caso. qualquer medida concreta mais significativa seria totalmente incompatível com o modelo econômico implantado. A tática de desmobilização adotada consistiu na criação do PIS (Programa de Integração Social), apresentado como fórmula de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas".(39) A lei que criou o programa apresentava-o como "destinado a promover a integração do empregado na vida e desenvolvimento das empresas. O sistema previa a criação de um fundo, com recursos fornecidos pelas empresas, parte dos quais dedutíveis do imposto de renda, que seriam depositados em contas individuais dos empregados. Cada trabalhador poderia retirar, anualmente, parte dos rendimentos proporcionados pelo valor depositado em sua conta e, após cinco anos, o equivalente a um salário mínimo, desde que não recebesse mais de cinco. Em caso de casamento ou aposentadoria, poderia sacar integralmente o valor depositado. Tratava-se, sem dúvida, de uma concessão concreta, mas pequena, sem o significado que lhe atribuía a propaganda: "É muito mais gostoso trabalhar quando você é sócio dos lucros do Brasil. Com o PIS, dez milhões de trabalhadores brasileiros participam dos lucros do Brasil".(40)

O adiamento, também, era uma fórmula de encobrir as possibilidades de avanço das classes subalternas. Ao invés de se afirmar que determinadas exigências não seriam atendidas, dizia-se que não era possível fazê-lo, naquele momento, e sim mais tarde. Essa foi a tática empregada, por exemplo, para justificar a política salarial. No período 1964-1968, a reivindicada elevação dos salários era lançada para a frente, porque era necessário combater a inflação e quaisquer aumentos só iriam exacerbá-la, comprometendo não apenas a economia de maneira geral, mas também a própria situação dos trabalhadores. Já de 1960 a 1973, justificava-se o arrocho dizendo que o país não havia atingido um grau razoável de desenvolvimento, inviabilizando qualquer possibilidade imediata de melhorar os vencimentos dos trabalhadores. Agora era necessário esperar o crescimento econômico. A partir de 1974, com a volta da inflação, retomava-se o argumento anterior e novamente se deveria aguardar os resultados da política econômica destinada a combatê-la.(41) E, de maneira geral, as campanhas iam procurando criar um clima de conformismo e espera: "Temos de fazer um sacrifício hoje para que o amanhã seja melhor".(42) Para fundamentar a afirmação de que se estaria melhor no futuro, tornava-se necessário demonstrar que o crescimento ocorreria e que todos participariam dele. Retomava-se, então, uma tese antiga segundo a qual o Brasil era o "país do futuro". À tradicional classificação dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, adotava-se uma categoria intermediária para qualificar o país: "em desenvolvimento". As campanhas, insistentemente, mencionavam as grandes reservas de recursos naturais, que faziam do país uma "potência emergente": terras férteis, rios que forneciam energia, reservas de minério de ferro, urânio, petróleo, bauxita e tantos outros. Procurava-se criar a imagem de um processo contínuo e permanente de progresso: "Cada safra que se colhe, cada escola que se abre, cada indústria que se instala. A independência se conquista a cada dia".(43) Todos os projetos eram descritos de forma comparativa, que se tornava apoteótica. Tudo no Brasil era "o maior do mundo" ou, no mínimo, "um dos maiores do mundo".(44)

d. Universalização e transferência de interesses

Obscurecidos os conflitos, a estrutura de poder e a força transformadora das classes subalternas, restava ao regime instaurado em 1964 legitimar-se perante essas classes como responsável pela concretização de seus interesses. A maior parte das decisões, projetos e medidas tinham o objetivo de acelerar e otimizar o processo de acumulação atendendo, portanto, aos interesses do capital. A propaganda transferia esse objetivo, atribuindo-o às necessidades dos trabalhadores, operários, agricultores, idosos, jovens, crianças ou o universalizava naquele abstrato "interesse nacional". O movimento de 1964 foi o primeiro tema a receber esse tratamento. O preâmbulo do Ato Institucional n. 1, elaborado em forma de manifesto à nação, sacramentava a imagem universalizante que se pretendia dar aos acontecimentos, afirmando: "Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular". A tônica das mensagens, que procuravam atribuir à população o interesse na mudança do regime, era a ameaça comunista. "Anticomunismo" era uma expressão genérica que vinha sendo empregada para qualificar toda corrente ou movimento que propusesse transformações mais profundas na estrutura econômica e política, vigente a cada momento histórico. Tinha raízes antigas. Em 1848 o Manifesto Comunista já questionava: "Haverá algum partido de oposição que não tenha sido acusado de comunista pelos detentores do poder?"(45) Essa postura se fazia presente no Brasil desde fins do século XIX, gerando reações bastante negativas em relação aos movimentos de trabalhadores que acabaram simbolizadas pela famosa frase atribuída a Washington Luís: "Questão social é caso de polícia". Nas primeiras décadas deste século deu-se a perseguição aos movimentos socialistas, anarquistas, anarco-sindicalistas e comunistas. Em 1935, o movimento armado ocorrido em Natal, Recife e Rio de Janeiro, pejorativamente denominado "Intentona comunista", permitiria a Vargas fortalecer seu poder. Após a 2a. Guerra Mundial, a "Guerra Fria" entre os EUA e a URSS levaria o primeiro país a promover uma intensa campanha anticomunista, divulgada para todo o mundo ocidental. A revolução cubana, demonstrando a possibilidade de vitória do movimento socialista num país latino-americano, induziu à exacerbação das campanhas. É de concluir que, após essa evolução, o anticomunismo já encontrava grande receptividade entre diversos setores da sociedade brasileira. A propaganda passava a explorar o tema com mais intensidade a partir de 1964. A censura passou a vetar qualquer notícia que pudesse suscitar algum tipo de simpatia por países de regime socialista ou que fosse contraditória com a tese da ameaça terrível que estes representavam. Proibiu-se qualquer notícia "relacionada com o aniversário de Lenine".(46) noticiário sobre a visita de Fidel Castro ao Chile foi forçado a ser "sóbrio e sem sensacionalismo" enquanto o "Le Monde", de Paris, anunciava que "Santiago deu uma acolhida entusiástica a Fidel Castro".(47) Uma das decisões mais sugestivas da censura, nesse sentido, ocorreu em 1976 quando foi proibida a apresentação, pela televisão, do espetáculo soviético mais admirado internacionalmente, o Balé Bolshoi.(48) Nesse contexto, só podia prevalecer a imagem criada em décadas de pregação, em que o comunismo aparecia como sinônimo de totalitarismo, traição, ateísmo e repressão. Era contra isso que os militares vinham defender o povo, garantindo-lhe que "na guerra ou na paz as Forças Armadas são a nossa segurança", ou prometendo proteger "sua própria vida e a de seus familiares" contra os terroristas.(49) Ao mesmo tempo, para criar uma aura de simpatia em tomo da presença militar e disfarçar seu papel na defesa dos interesses do capital, as campanhas procuravam dar-lhe nova imagem. O exército era "pequeno... compatível com os recursos do país" e formado por "homens vindo do povo". E poucos países gastavam "menos que o Brasil com suas Forças Armadas", que faziam estradas "ajudando a construir o Brasil" e auxiliavam "as populações ribeirinhas" da Amazônia.(50)

Enquanto se afirmava que os militares garantiam a segurança do povo, o governo dizia trabalhar em seu benefício. Os projetos e realizações eram insistentemente divulgados como argumento de que as decisões e medidas destinavam-se a atender aos interesses da população. Essa prática, incipiente no governo Castelo Branco, ampliou-se com Costa e Silva, para intensificar-se a partir do período Médici. Inúmeras campanhas glorificavam o governo por suas realizações no campo social: alfabetização, aposentadoria e assistência médica, qualificação profissional, programas educacionais, estímulo aos agricultores.(51)

A própria propaganda servia de estímulo da intenção do governo de resolver os problemas sociais do país. As campanhas convocando a população a manter-se limpa, vacinar-se, alfabetizar-se, testemunhavam a favor dela. Todavia, menos orientadas por qualquer preocupação com as questões sociais, essas campanhas se apoiavam em objetivos de caráter estritamente econômicos. A meta era aumentar a produtividade da mão-de-obra, e as vantagens para os beneficiados não passavam de meras conseqüências. Essa intenção foi claramente confirmada por uma declaração do Cel. Toledo Camargo, dirigente da Assessoria de Relações Públicas da Presidência, segundo a qual um dos níveis das campanhas envolvia "temas como saúde, educação, higiene, técnicas de trabalho, com o objetivo de melhorar as condições de vida e, com isso, a força de trabalho".(52)

As grandes obras e construções também eram justificadas pelos benefícios que trariam à população. Numa sociedade estruturada em moldes capitalistas, as grandes diretrizes são fixadas a partir do ponto de vista da produção. A construção de rodovias, ferrovias ou portos significa a redução dos custos de distribuição; a construção e expansão de refinarias, usinas siderúrgicas e hidrelétricas representa a ampliação da oferta de insumos básicos. São investimentos destinados a maximizar os lucros do capital, favorecendo a maior acumulação. A propaganda, contudo, silenciava totalmente a esse respeito. Algumas obras eram apresentadas com argumentos universalizantes, como "indispensáveis ao progresso", necessárias para integrar regiões "no ritmo de desenvolvimento mantido pelo país", ou para assegurar o "crescimento da renda nacional".(53) Em outros casos a argumentação atribuía às obras a função de atender às necessidades específicas da população, por exemplo: gerar recursos para construção e ampliação de "escolas, hospitais, redes de esgoto, usinas hidrelétricas e outros empreendimentos destinados a melhorar a qualidade de vida do homem da região".(54) A justificativa mais freqüentemente empregada, para a realização das grandes construções, era a oferta de empregos e qualificação de mão-de-obra. Em apenas um folheto, de 1978, podem-se contar mais de cem mil empregos, que se afirmava terem sido criados nas onze obras ali mencionadas.(55) A fragilidade dessa argumentação fica clara quando se tem em vista que quaisquer atividades, construtivas ou não, até mesmo aquelas consideradas criminosas por lei, têm em comum o fato de absorver e qualificar mão-de-obra. A importância das realizações governamentais, para a população só teria sentido se houvesse o cumprimento de uma escala hierarquizada de prioridades, elaborada em função das exigências mais prementes em termos de bem-estar físico, mental e social. Não era essa a postura adotada. Primeiro se fazia o projeto, em função das pressões dos interesses de acumulação, e apenas num segundo momento se iria formular argumentos para que a propaganda o apresentasse, ilustrado com os benefícios que traria.

e. Mobilização de apoio

Com a imagem de que a organização e funcionamento do regime se destinavam a atender às necessidades e interesses das classes subalternas, tinha-se a base necessária para convocar a população a mobilizar-se, já que o estariam fazendo em seu próprio benefício. Evidentemente.. tratava-se de uma mobilização sem autonomia, dentro de limites preestabelecidos e que, em suma, consistia em concordar com as decisões, nunca opor-se, atender às solicitações e, principalmente, trabalhar e produzir.

A forma empregada para solicitar apoio foi o apelo ao patriotismo, estimulando uma admiração festiva, embora passiva, pelo país. De forma sutil e implícita, o conceito de "pátria" era assimilado ao de "governo", de tal maneira que o amor à pátria acabava por significar submissão ao Estado. Essa assimilação não era nova e se devia, em parte, à ausência de uma tradição de se festejar datas e fatos nacionais a partir da sociedade civil. As festas nacionalistas sempre foram impostas, nas escolas e nos quartéis, geralmente previstas em leis ou decretos. As comemorações da semana da pátria, proclamação da república e outras eram organizadas pelo governo, com a presença sempre repetida das "autoridades civis, militares e eclesiásticas", e seus discursos, seguidos de desfiles militares, bandas de estudantes, vôos de esquadrilhas aéreas, tudo sempre monótono e igual. Os símbolos e hinos nacionais eram igualmente definidos em lei, que não permitia fossem utilizados ou executados senão nas formas prescritas. Além disso, eram complexos demais para o cidadão médio; o hino nacional, por exemplo, tem uma estrutura gramatical e uma linguagem que beira o incompreensível. O regime pós-64 manteve a tradição, continuando a apresentar-se como proprietário da nação. O patriotismo, contudo, tornava-se mais sisudo, fardado e sem graça, como se percebe nestes dois slogans: "Uma bandeira do Brasil para cada sala de aula" e "o respeito aos símbolos da Pátria é demonstração de civismo e constitui fator de unidade nacional".(56) O ponto alto das campanhas patrióticas ocorria com as comemorações da "Semana da Pátria", em setembro. Procurava-se, num clima relativamente festivo, obter a presença da população nos desfiles e atos solenes, acenando bandeirinhas, cantando hinos e aplaudindo. Para a maior parte das pessoas, além de não se tratar de "sua" festa, não havia por que entusiasmar-se com algo cujo significado não era compreendido e sua participação se dava apenas por curiosidade ou obrigação. A partir de 1970, um fato novo viria transformar completamente esse panorama. A seleção brasileira de futebol tornara-se tricampeã mundial e trazia a taça Jules Rimet definitivamente para o Brasil. Durante os jogos, em todo o país, as multidões torciam e vibravam freneticamente. Com a vitória, festejou-se por toda parte. Os símbolos sisudos e complexos foram substituídos por fitas, faixas, bandeiras e camisas apenas com as cores verde e amarela. A canção era popular, simples e acessível: "Noventa milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração... de repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão".(57) O governo soube capitalizar o fenômeno com rara habilidade. O presidente Médici torcera com a população, homenageou os jogadores e manifestou-se inúmeras vezes elogiando a vitória. A partir daí, a explosão patriótica seria canalizada para o mês de setembro, nas festas da independência. Tocavam-se sirenes e buzinas, soltavam-se rojões, repicavam sinos, agitavam-se bandeiras e enfeitavam-se automóveis com fitas verde-amarelas. Paralelamente, o Estado passava a estimular quaisquer formas de produção cultural que se voltassem para temas nacionalistas e patrióticos. embora sem conseguir resultados significativos.(58) Em 1977 e 1978 as comemorações da independência adquiriram nova coloração. Escolheram-se símbolos simples e práticos, permitindo ampla utilização e conseqüente difusão do clima festivo. Dirigidos especialmente às crianças, eram um catavento (1977) e um aviãozinho de papel (1978), ambos verde-amarelos. O último foi escolhido através de concurso, realizado entre jovens menores de 18 anos.(59) Em 1979 utilizou-se uma tática para atrair as pessoas a uma nova forma de comemoração. Através da televisão, convidava-se: "Pegue sua bicicleta e o que você tiver de verde-amarelo e venha comemorar com a gente".(60) Em 1980, as campanhas, veiculadas através do rádio e televisão, voltavam-se ao formalismo e ausência de inovação anteriores a 1970. Convidava-se a comemorar a "Semana da Pátria", a cantar "A independência somos todos nós" e a comparecer aos desfiles. De qualquer maneira, formais ou criativas, as campanhas jamais sugeriam quaisquer atividades em que os participantes viessem a se conscientizar de aspectos importantes da realidade brasileira. Qualquer que fosse a forma de presença possível, as pessoas não passavam de meros espectadores ou atores secundários de uma encenação preestabelecida.

Além de acatar o governo na forma de "amor à pátria", a população era induzida a agir com disciplina: "No esporte e na vida, cada coisa no seu lugar. Ordem para o progresso".(61) Opor-se, ser contrário, não era possível e a propaganda o deixava bem claro: "Antes de criticar, pense no que você pode fazer para melhorar a cidade em que você vive".(62) Em 1970, divulgou-se um slogan, de origem norte-americana, traduzido e impresso em adesivos, que era bem mais direto e incisivo: "Brasil. Ame-o ou deixe-o".(63) Mais do que revelar a intolerância por quaisquer divergências, esse slogan deixava ainda mais claro que "nação" e "governo" eram entendidos como uma só e mesma instituição e que qualquer contestação ao poder implicava a própria negação do país. A censura corria paralela, proibindo quaisquer críticas à situação do país, ao govemo e seus integrantes, às Forças Armadas, ou às medidas e realizações oficiais. As críticas eram interpretadas, pela própria censura, como "descabidas e inoportunas", "prejudiciais à segurança nacional", "com intuito de abalar e perturbar", "coincidem com os objetivos da subversão", "agitação antinacional".(64) E a propaganda continuava a convocar ora para pagar impostos, ora para cuidar da limpeza, mas, acima de tudo, trabalhar, porque "o trabalho traz progresso", "dá vida e valoriza o homem" e "o Brasil precisa, você ganha".(65)

2. A Linguagem das Mensagens

A eficácia da propaganda, mais do que em outras formas de comunicação, depende do cuidado com que são elaboradas as mensagens. E absolutamente necessário que elas reunam condições de despertar a atenção, possam ser facilmente compreendidas e memorizadas e tenham credibilidade perante os destinatários. A possibilidade de ativação desses componentes psicológicos, por sua vez, está subordinada às condições do público a que se dirige. Nesse caso, são particularmente importantes o seu grau de instrução, a experiência de vida em sociedade e o universo de atitudes preexistentes. O conhecimento, ou a intuição, desses fatores é que orientam o trabalho do comunicador na escolha da linguagem a ser empregada.

O nível de instrução, no Brasil, era extremamente precário e bastante heterogêneo. Considerando-se, em 1970, apenas a parcela da população com idade acima de quinze anos, 33,6% eram analfabetos, 23% tinham formação primária incompleta e outros 23% completa, 10,8% eram estudantes (9,69% nos níveis elementar e médio). Dos demais, 8,5% tinham formação de nível médio e 1% superior.(66) Essa situação evidenciava que apenas um pequeno grupo reunia condições de absorver idéias mais elaboradas. Para a grande maioria, a ideologia só poderia ser transmitida através de mensagens cujo conteúdo tivesse sido bastante sintetizado. Dessa forma, a propaganda foi realizada em diferentes níveis de complexidade. As camadas econômica e culturalmente privilegiadas eram doutrinadas pela própria ESG, em cursos com um ano de duração. Para as camadas médias, com formação superior, reservavam-se cursos mais rápidos, de um a três meses, que eram ministrados nas grandes cidades sob a denominação de "Ciclos de Estudo sobre Segurança Nacional". Para os estudantes, restava o ensino de educação moral e cívica nas escolas. A grande massa da população, por sua vez, era bombardeada pelos discursos das autoridades governamentais e, especialmente, pelas intensas campanhas veiculadas pela televisão, rádio e mídia impressa de maneira geral. Uma das características mais marcantes, na linguagem empregada pela propaganda, tanto no plano das teses formuladas na ESG como das mensagens veiculadas pelos meios de comunicação, era o emprego da combinação de imagens. O conhecimento rigoroso dos fatos sociais pressupõe um processo de construção mental que os encare como sínteses de múltiplas determinações, totalidades de elementos que se relacionam entre si, no tempo e no espaço. O discurso político, ao contrário, freqüentemente os apresenta pela simples descrição da forma como "aparecem" imediatamente perante os sentidos. Dessa forma, trabalha apenas com imagens, que vão sendo combinadas por simples justaposição ou sucessão, para compor um conjunto que só existe no plano imaginário.(67) Esse tratamento, apesar dos resultados simplistas e vulgares que produz, nem sempre desperta rejeição por parte dos receptores, já que guarda grande afinidade com o "senso comum", pelo qual cada indivíduo costuma encarar os fatos corriqueiros do seu cotidiano. O próprio núcleo da denominada "Doutrina da Segurança Nacional" não passava de simples articulação arbitrária de aparências. Afirmava existirem países ricos, desenvolvidos, onde havia bem-estar geral e países pobres, subdesenvolvidos, cuja população passava por enormes privações. Nos primeiros, imperava a organização, o consenso e a estabilidade econômica e política; nos demais, reinavam a desordem, os conflitos e os desequilíbrios. Daí ser necessário impor ordem ("Segurança") para que pudessem progredir, em benefício de todos ("Desenvolvimento"). O primarismo dessas concepções repetia-se, igualmente, na fundamentação das outras noções daquele ideário, tais como: "caráter nacional", "interesses nacionais" ou "objetivos nacionais. Todavia, sua força persuasiva, no contexto global da propaganda, não pode ser desprezada.

O baixo nível de instrução, generalizado no país, determinou que as mensagens da propaganda massiva fossem bastante simplificadas. Continham apenas uma ou poucas idéias, geralmente com a mensagem prevalecendo sobre o texto. Como se afirmou na imprensa: ". os filmetes da AERP tornaram-se primorosos: curtos, movimentados, com muita imagem e música e poucas palavras".(68) Um dos filmes para televisão, por exemplo, continha cena de remadores, ritmadamente conduzindo um barco, com uma única locução concluindo ao final: "A pátria é a união de todos".(69) Mesmo quando o texto tinha peso mais significativo, era redigido de forma bastante popular e acessível, como se pode ver neste outro exemplo: "Vocês sabiam que o Mobral já alfabetizou quatro milhões de brasileiros? É tão bacana isso, não é mesmo? Saber ler um livro ou jornal. Olha gente, vamos dividir essa felicidade com todos os brasileiros. Leve ao Mobral quem não sabe ler e escrever"(70) Até mesmo as campanhas dirigidas ao meio rural eram elaboradas com uma linguagem que pretendia ser a do homem do campo, como esta, veiculada pelo rádio: "Hê pai, o senhor tá contente, hem véio. Tá rindo de felicidade, heim, vendo o que deu nessa colheta. ô beleza de colheta, sô... mais vamo plantá de novo, eu ajudo, eu ajudo claro..."(71)

A utilização de comparações e analogias, associando as idéias contidas nas mensagens e fatos e experiências que eram mais familiares aos destinatários, tornava-as ainda mais acessíveis. A versão de que o Brasil ainda não produzira recursos suficientes, para assegurar um padrão de vida mais elevado para a maioria, através da redistribuição da renda, era representada através de uma explicação oriunda da mais simples experiência culinária. Dizia que ninguém poderia pretender receber uma fatia de um bolo que ainda não estivesse pronto e, portanto, era necessário "esperar o bolo crescer".(72) Outras comparações, especialmente sobre as realizações do governo, procuravam traduzir a grande dimensão das obras. O homem comum, geralmente, sente dificuldade em entender o significado de certas quantidades. Embora familiarizado com os preços, pesos e distâncias do seu cotidiano, não é capaz de imaginar, salvo se for um especialista, quanto possa ser, concretamente, milhões de toneladas, milhares de quilômetros ou bilhões de cruzeiros. Por essa razão, as medidas passavam a ser convertidas em "sete vezes a área do Maracanã", "quarenta vezes o percurso Rio-Sáo Paulo", "equivalente a um prédio de 60 andares".(73) Em outros casos, a fórmula foi completamente invertida. O objetivo permanecia o mesmo: dramatizar a grandiosidade das realizações, mas agora empregavam-se os números originais. A dificuldade de compreensão dos índices passava a ser explorada para obter o mesmo efeito: impressionar de forma positiva. E as campanhas afirmavam: "Cresceu de 28 bilhões para 66 bilhões de kw/hora", "1 milhão e 800 mil toneladas de porte bruto" ou "600 milhões de toneladas de bauxita".(74) Esses dados, apresentados sem qualquer parâmetro, tendiam a ser entendidos como fantásticos, enormes, infinitos.

O vocabulário empregado evidenciava a adoção de uma tática peculiar. Escolhiam-se palavras que, além de simplificar as idéias, permitiam ampliar seu campo de referência. Eram expressões de sentido vago e podiam ser traduzidas de formas diferentes, dependendo da posição que se ocupasse na sociedade. Todavia, vinham carregadas de conotação fortemente positiva que permitia, a cada destinatário, entendê-las a seu próprio favor. Desse modo a linguagem reforçava a estratégia da propaganda de apresentar as medidas oficiais como voltadas para o interesse do povo. "Participação", por exemplo, palavra chave das campanhas de 1970, tanto poderia significar o direito de organizar comissões de fábrica, pelos operários, como o de interferir nas decisões ministeriais, para o empresariado. Em tal contexto, ninguém se oporia às propostas nesse sentido. Mas a ambigüidade era apenas aparente; a ideologia orientadora, oculta atrás da palavra, apontava numa única direção, que seria desvendada pela ação concreta. A repressão acabaria deixando claro que "participar" queria dizer obediência e submissão às determinações do governo. A mesma lógica explicava o emprego de expressões como "desenvolvimento", "segurança", distensão", "abertura".

O emprego de slogans permitia sintetizar as idéias ainda mais. Elaborados com poucas palavras, nunca mais de seis, continham afirmações objetivas e diretas. Esse fato, aliado à escolha de vocábulos de fácil pronúncia e sonoridade agradável, possibilitava que fossem repetidos com a freqüência necessária à sua memorização. Além disso, permitia dar unidade de sentido aos diversos componentes de uma mesma campanha que, de outro modo, ficaria fragmentada a ponto de perder completamente o significado. Ao longo de 1976, por exemplo, foram veiculados inúmeros filmes e anúncios sobre temas os mais díspares: previdência social, alistamento militar, programa de qualificação da mão-de-obra, atuação da Marinha, semana da pátria, nacionalismo, papel do Exército. Ao final do período, ao invés da impressão de ter havido apenas uma série caótica de comunicados, tinha se fixado uma idéia central, contida na frase que identificara a todos: "Este é um país que vai pra frente".

No processo de simplificação, o limite máximo era constituído pelos símbolos. Tendo a mesma função dos slogans, de indicar a unidade de campanhas, apresentavam uma vantagem adicional que consistia na possibilidade de criarem uma espécie de reflexo condicionado, em relação aos temas divulgados.(75) À medida que um símbolo aparecesse, com alguma freqüência, associado a determinada idéia, sua simples percepção passava a ser evocativa dessa idéia. Essa fórmula permitia acentuar a intensidade da repetição, indispensável à memorização das afirmações e à criação de uma impressão de naturalidade em relação ao seu conteúdo. Foram utilizados os próprios símbolos oficiais ou parte deles (as cores verde e amarelo, o Cruzeiro do Sul) e outros criados especialmente para a propaganda, como o Sugismundo e o Sugismundinho (campanhas de higiene e saúde de 1973), pombas estilizadas (semana da pátria de 1976), mapa do Brasil estilizado (campanhas de 1976 a 1979).

O aspecto formal, de grande parte das mensagens, revela, claramente, que se procurava torná-las persuasivas a partir do emprego de técnicas de criação oriundas da experiência acumulada pela propaganda comercial. Nem poderia ser diferente, aliás, já que a execução da maior parte das campanhas ficou a cargo de publicitários profissionais.(76) Sua influência é perceptível pelo tom leve e informal que caracterizava diversos textos e ilustrações dos anúncios e filmes. A redação empregava expressões consolidadas e frases feitas com alguma freqüência: "Brasileiros, pintem o sete"; "Abra bem os olhos, hoje as bandas vão passar comemorando a semana da pátria"; "Quer ver as três coisas que identificam os brasileiros? Futebol, cafezinho e samba".(77) Como ensina Menna Barreto, "a criatividade publicitária se alimenta... do chavão e do lugar-comum, e com grande sucesso. O truque está em lançar mão da expressão conhecida, o termo consagrado, o lugar-comum num contexto incomum".(78) Essa fórmula, no âmbito comercial, encontrava sua razão de ser no fato de que a divulgação de produtos e serviços, dentro do processo global da comunicação, constituía sempre um elemento secundário a interromper a mensagem principal. A publicidade, dessa forma, não podia evitar ser recebida como uma intromissão indevida, um incômodo e, por isso mesmo, deveria ser rápida o suficiente para não irritar o público em demasia. Essa rapidez só poderia ser obtida com uma linguagem que pudesse ser entendida com igual velocidade. Jamais um texto poderia exigir esforço para ser compreendido, nunca uma frase deveria precisar ser lida duas vezes. Nesse contexto, o uso de vocábulos e expressões vulgarizadas era o remédio mais adequado para atender àquele objetivo. Quanto às imagens, geralmente mostravam situações idealizadas que, em nenhum momento retratavam a sociedade tal como aparecia concretamente. As cenas não correspondiam àquelas que as pessoas presenciavam no seu cotidiano. Nesse sentido, é sugestiva a descrição, pela imprensa, de um dos filmes de 1970, onde o jornalista afirmava: "E o Hino à Bandeira, que um garoto... gaitinha de boca soprada com arritmia infantil, faz ecoar pelos remansos idílicos de um bosque tropical".(79) Crianças, homens e mulheres, soldados ou trabalhadores, todos apareciam sorridentes, saudáveis e com porte invariavelmente ereto. Os trajes, mesmo quando simples, eram limpos e bem passados. E nem faltou o,,"cisne deslizando suavemente num lago" ou o "trinar de pássaros e a "cachoeira cristalina".(80) Aqui, também, adotara-se uma técnica da publicidade, segundo a qual toda cena deve "estar purificada de todo mal, em qualquer quantidade: nada de complexo de Edipo, luta de classes, opressão, poluição, uma unha partida, uma mosca no ombro dela -nada disso ocorre no país do anunciante".(81)

O tom simples e informal, bem como o clima onírico, conquanto tornassem as mensagens mais atrativas, não eram suficientes para a eficiência da propaganda. O tratamento da linguagem trazia, como pressuposto fundamental, a necessidade de monopolizar a atenção do público. Os anúncios e filmes eram pequenos e curtos, de tal forma que qualquer pequena dispersão, mesmo por poucos segundos, poderia tornar a informação incompreensível ou, no mínimo, destituída de seu poder de impacto. A utilização de determinados recursos, igualmente rotineiros entre os profissionais do setor, revela com nitidez que essa preocupação estava presente. Nos anúncios impressos, uma das fórmulas freqüentemente utilizadas foi a criação de "suspense" a partir do título. Redigidos de forma enigmática, procuravam estimular um estado de tensão e curiosidade que induzisse à leitura do texto que se seguia. Não há dúvida de que qualquer pessoa sentiria certa perplexidade ao ler que "os milhares de universitários do Projeto Rondon gostariam de trabalhar para você. E tudo que eles querem ganhar é experiência".(82) Quem não ficaria ansioso em saber como amanhã é a chance de comemorar a Semana da Pátria junto com o Presidente da República"?(83) E haveria alguém que não quisesse saber qual era "o grão de 10 milhões de dólares"?(84) Em outros momentos o destinatário era colocado perante uma situação negativa, às vezes dramática, para logo sentir-se aliviado porque o problema já estava solucionado. Era a velha e conhecida tática de criar impacto com o "antes", para relaxar com o "depois". A insistência maior ficava com as referências ao golpe armado. Tudo o que fora ruim até 1964 tornara-se ótimo a partir de então. O tema, conquanto não perdesse a conotação de lugar-comum, tornava-se relativamente sugestivo num cartaz de 1969. No alto, havia um botão de rosa sob o qual se lia "até 1964 o Brasil era o país do futuro". Logo abaixo, a flor desabrochava sobre a afirmação: "E então o futuro chegou".(85) Mais elaborado, um filme mostrava barracos humildes, sujos, construídos com tábuas e pedaços de madeira, esclarecendo que "essa situação não podia continuar". Em seguida, surgiam casas de alvenaria, simples mas bem construídas e limpas, com a conclusão: "Promorar, programa de erradicação da moradia subumana".(86) Em outros casos, o choque do feio, do ruim servia de gancho para enaltecer as medidas e comportamentos que a propaganda queria valorizar. Essa fórmula era bastante conhecida e foi identificada como "explique" seu antiproduto",(87) Nas campanhas de combate à inflação o gasto excessivo e o prejuízo justificavam a necessidade de "andar mais um pouquinho" para "comprar melhor".(88) Ou então era a imagem do solo árido, com cactos e árvores secas, que ilustravam a importância do programa de irrigação.(89)

Conquistada a atenção, era preciso mantê-la. O envolvimento emocional, através do apelo aos sentimentos, era a forma de tornar os receptores mais permeáveis e assegurar a permanência do domínio sobre os seus sentidos. Um dos filmes mostrava cenas com jovens, adultos e idosos. Conversavam sorridentes, enquanto a locução dizia: "... é só felicidade quando existe o amor de uma amizade, vamos nos encontrar mais".(90) Em certos casos, procurava-se estimular a sensibilidade pela humanização dos temas. Um dos filmes da campanha de alfabetização mostrava a imagem de uma pessoa humilde, seguida pela figura do então mais famoso jogador de futebol e a locução completava: "... Querido Pelé, agora que eu aprendi a ler e escrever, mando esta carta pra você. E a primeira carta que eu escrevo. Eu acho você formidável. Podia me mandar um retrato seu? Muito obrigado".(91) Esse filme, aliás, continha um dos recursos mais utilizados para dar credibilidade às afirmações: o testemunho. No caso, como em tantos outros, era uma pessoa comum, anônima que, indiretamente, prestava um depoimento a favor da ação do governo. Outras vezes foram personalidades bastante conhecidas que emprestavam sua fama para tornar as mensagens mais convincentes. Airton Rodrigues enalteceu o Mobral, Sandra Brea pregou a necessidade de economizar energia. Nídia Lícia convocou para a vacinação, Milton Moraes pediu para economizar petróleo.(92) O apelo testemunhal, indiscutivelmente, enriquecia a força atrativa das campanhas. Como diz Menna Barreto: "O poder visual de persuasão de um ídolo é enorme. Porém, já é imenso o poder de qualquer pessoa, com seu retrato real, vivo, prestando-se a uma idéia, trabalhando em prol de um objetivo".(93)

A adequação da linguagem à capacidade cognitiva dos receptores não era, por si só, suficiente para garantir a eficiência das campanhas. Em toda sociedade existem determinadas concepções, a respeito da realidade global e da vivida por cada um em particular, que se encontram firmemente arraigadas entre seus membros.Inúmeros mitos, crenças religiosas, vestígios de antigas ideologias fornecem explicações para grande parte das relações sociais e orientam os indivíduos e grupos sobre as formas como devem se integrar ao contexto em que vivem. Compõem, desse modo, um quadro de referências que garante a cada agente social a segurança de saber qual é o lugar que ocupa e o papel que deve exercer. Quaisquer mensagens que, abstraindo essas concepções, apresentem idéias que contrariem ou, no mínimo, não as incluam, podem abalar aquela segurança e, consequentemente, determinar que sejam rejeitadas de imediato. No Brasil havia, pelo menos, dois traços culturais que, por sua relativa permanência histórica, deveriam ser levados em consideração: a forte presença de componentes do antigo ideário liberal-republicano e a existência de valores inculcados através de uma doutrinação cristã generalizada.

O principal argumento, utilizado para legitimar os sucessivos governos, desde a proclamação da República, era a representatividade. Diversas instituições foram criadas, mantidas e justificadas sob a alegação de que constituíam a única forma de garantir que o processos decisório, no plano político, se orientasse pelos interesses do povo. Constituição elaborada por representantes eleitos, tripartição em três poderes harmônicos e independentes, estrutura pluripartidária, sufrágio universal, legalidade dos atos administrativos correspondiam a conceitos ideológicos tradicionais na evolução política do país e eram tidos como pilares do que se dizia constituir um regime democrático.(94) As críticas mais agudas, sofridas pela ditadura do Estado Novo, que acabaram determinando sua queda, apesar da popularidade desfrutada na época, referiam-se, justamente, à falta de observância daqueles princípios. O golpe de 1964 e a conseqüente centralização do poder político no Executivo Federal, diretamente articulado com os diversos setores da classe dominante, tomara supérfluas todas as formas tradicionais de representação e inócuas as respectivas instituições. Mas elas não podiam ser extintas, sob pena de provocar reações veementes dos grupos de oposição e, até mesmo, rupturas no bloco da classe dominante. Com inegável habilidade, foi-se construindo a imagem de um sistema de governo que, embora existisse concretamente, se limitava à prática de um ritual sem conseqüências. O Congresso ficou absolutamente cerceado e a Constituição foi reformada, mas ambos eram apresentados, expressamente, como "mantidos".(95) E quando se outorgou uma nova Carta, falava-se em simples emenda constitucional.(96) Quanto aos partidos, apenas dois foram criados, um para ser "a favor" e outro que era constantemente impedido de ser "contra". Se as eleições continuaram a se realizar, era para eleger os já escolhidos. Tudo passava a ser realizado dentro dos estritos limites legais, mas com leis editadas pelos mesmos que deveriam cumpri-las e executá-las. A preservação das instituições tradicionais se fazia, portanto, sob restrições que as tornavam meramente simbólicas, ilustrações concretas da linguagem verbal e visual das campanhas.

A adequação das mensagens às concepções preexistentes precisava levar em consideração, também, a religião praticada no país. O cristianismo, na sua vertente católica, sempre foi predominante, assumido por mais de 90% da população.(97) Era inevitável, portanto, que as representações e valores do ideário católico tivessem sido absorvidos por grande parte da população e lhes servisse de guia para a explicação de vários aspectos da realidade brasileira. Para a propaganda, o que importava não era o conteúdo manifesto das crenças, e sim a sua lógica interna. À medida que as mensagens fossem elaboradas com a mesma articulação de idéias, já assimiladas pelos destinatários, menor seria sua resistência em aceitá-las, mesmo quando não se apresentassem argumentos suficientes para comprovar sua veracidade. Diversos temas da propaganda revelavam profunda homogeneidade com certos dogmas do catolicismo. A responsabilização do povo pelos seus próprios problemas carregava grande semelhança com a tese de que o sofrimento humano era determinado por erros cometidos no passado: o "pecado original". A proposta segundo a qual as necessidades da população seriam atendidas no futuro, quando o país tivesse atingido o "desenvolvimento", não se chocava em nada com as promessas de salvação futura, num abstrato "reino dos céus". A alegada necessidade de se aceitar passivamente os problemas e dificuldades não deveria encontrar grande rejeição, entre aqueles que haviam sido doutrinados a conformar-se perante as adversidades e orientados a oferecer a "outra face".(98) Onde a exploração das crenças se mostrou mais incisiva foi na criação da imagem maniqueísta da política. Para o cristianismo, todas as versões relativas à origem do homem, aos destinos futuros ou aos valores que devem orientar o pensamento e a ação se apoiam em dualidades mutuamente excludentes. Paraíso e inferno, pecado e virtude, certo e errado são categorias que explicam todos os fenômenos sociais; ao homem cabe aliar-se ao "bem" na luta pela absoluta destruição do "mal". Essa mesma versão simplista constituía a espinha dorsal das campanhas que argumentavam com o confronto radical entre a "democracia" e o "comunismo" e a necessidade de aderir à primeira, para combater o segundo. Chega a ser sugestiva a denominação "vermelhos", tão enfática e pejorativamente atribuída aos comunistas, justamente a cor tradicionalmente relacionada ao "demônio".(99)


 

Capítulo VI

A CONTRAPROPAGANDA

 

Ao mesmo tempo que o governo realizava suas campanhas, diversos grupos tentavam neutralizar seu efeito persuasivo, através de mensagens destinadas a desacreditá-las. Diferentemente da promoção oficial, centralizada e cuidadosamente organizada em termos de planejamento e execução, a contrapropaganda era difusa e assistemática. Tal fato se devia não apenas à ação repressiva constante, mas também à falta de unidade entre os setores que discordavam das decisões do governo. Mas, apesar da diversidade, as campanhas revelavam um traço comum consistente na prática da "denúncia política", através de uma estratégia de ataque que objetivava desvendar aqueles aspectos da realidade obscurecidos pela ideologia dominante.(1) Taticamente, procurava-se revelar as contradições implícitas nas mensagens da propaganda, com o fito de desmoralizar o regime e a atuação das autoridades governamentais.

Em função do grau de intensidade, dos personagens envolvidos e das táticas empregadas, entendemos ser possível discriminar três períodos distintos no processo de desenvolvimento da contrapropaganda. Num primeiro momento, que vai do golpe à promulgação do AI-5 (1964-1968), foram os artistas, logo seguidos pelos estudantes, que deram o tom às contestações. Procuravam desencadear, sob sua liderança, a mobilização da sociedade contra o governo, denunciando seu caráter autoritário e a indiferença com que encarava os problemas sociais. No segundo período, que termina no final do governo Médici (1969-1974), há um relativo arrefecimento por parte dos artistas e estudantes. Nesse momento, começam a surgir as manifestações do movimento guerrilheiro. São, porém, os jornalistas, na grande imprensa e fora dela, que, inicialmente, emergem como personagens de destaque. Atingidos profissionalmente pela exacerbação da censura, dedicaram-se, incansavelmente, a procura de fórmulas que lhes permitissem denunciar as arbitrariedades de maneira geral. Paralelamente, o clero católico ia avançando no campo político, através de um trabalho de denúncia e conscientização que, embora discreto, era cada vez mais intenso e sólido, fazendo com que se tornassem os atores mais importantes da luta contra o autoritarismo. A partir do governo Geisel, em praticamente todos os setores da sociedade, aqueles que dispunham de um mínimo de condições para se expressar publicamente passaram a atacar o governo. Logo a contrapropaganda passaria a ter coro único, com o partido da oposição, o MDB, aglutinando quase todos os oposicionistas em torno do seu programa.

Independentemente de que certos setores tenham sido mais ativos, há que se salientar outros grupos que, com maior ou menor discrição, empenharam-se na luta ideológica contra o governo. Profissionais liberais, políticos, militantes de partidos clandestinos, líderes sindicais, professores, intelectuais, todos, num ou noutro momento, em maior ou menor número, denunciando, contestando ou exigindo, estiveram igualmente presentes.

1. A Resistência Intelectual

No início dos anos 60, alguns setores mais intelectualizados envolviam-se num movimento de arte engajada, de caráter essencialmente político. Suas propostas cristalizaram-se com a criação dos Centros Populares de Cultura (CPCs), ligados à União Brasileira dos Estudantes. Organizados nos CPCs, estudantes, jovens artistas e intelectuais propunham-se a conscientizar a população a respeito da natureza dos problemas sociais e da necessidade de lutar pela melhoria das condições de vida. Produziam peças teatrais, filmes e músicas para serem apresentadas nas ruas, portas de fábricas, favelas e sindicatos. Havia uma postura de vanguardismo, predominando a visão de que o operariado, deixado por si só, não era capaz de avançar na luta política, tornando necessária a intervenção, como liderança conscientizadora, de membros de outras classes sociais.(2)

Os CPCs foram desmantelados com o golpe militar. Alguns remanescentes, retomando aquelas propostas e, ao mesmo tempo, opondo-se ao novo regime, foram os primeiros a empreender a tarefa de desmontar a imagem que os golpistas criaram em torno de seu governo. No teatro, vários diretores, produtores e atores engajaram-se nessa linha, com destaque para três grupos mais ativos: Opinião, Arena e Oficina.(3)

O grupo "Opinião" surgiu em dezembro de 1964 no Rio de Janeiro, estreando um musical do mesmo nome. A peça envolvia um negro nordestino, outro carioca e uma estudante. O texto, entremeado com hinos e músicas de protesto, denunciava a miséria nordestina, o problema das favelas, pregava a reforma agrária. Em abril de 1965, com "Liberdade, Liberdade", espetáculo seguinte do grupo, as denúncias percorriam a história para enfatizar o tema da liberdade e dos crimes que se cometeram contra ela. Em 1966, com "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", discutia-se o impasse da situação política. Entre 1966 e 1967 o grupo promoveu shows de música popular ("Telecoteco Opus I e II", "Pois E"), espetáculos com sambistas de morro e uma encenação antumperialista ("A Saída, Onde Fica a Saída"). O último trabalho, em 1969, foi uma interpretação de "Antígona" de Sófocles, enfatizando a luta, até a morte, contra os arbítrios do Estado.

Em São Paulo, seguindo linha semelhante, o grupo Arena apresentava "Arena Conta Zumbi" (1965), onde a exaltação à liberdade se desenvolvia a partir da visualização da saga dos negros nos Quilombos do Brasil colonial. Em 1967, estreava "Arena Conta Tiradentes", enaltecendo a personalidade do revolucionário histórico. A partir daí entrava, também, na linha dos shows musicais, até desintegrar-se em 1971.

Em 1964, o grupo Oficina, também de São Paulo, montava "Andorra", sobre um dos fatos corriqueiros da época: a delação. O espetáculo seguinte, "Os inimigos", discutiria o pacto entre a burguesia e o Estado contra o avanço operário. Em 1967, o grupo assumia nova postura com "O Rei da Vela", adotando um estilo de provocação agressiva, destinado a instigar o público a mobilizar-se. A fórmula se repetiria em "Roda Viva", "Galileu Galilei" e no último trabalho, "Gracias Señor", de 1971, após o qual o grupo se dissolveu.

A "Música popular brasileira" (MPB), seguindo os mesmos passos do teatro, teve um envolvimento político bastante intenso e significativo. Como lembra Gilberto Vasconcelos, "o maniqueísmo politizante era a tônica das discussões sobre a 'autêntica' MPB: "Jamais se julgava determinada música do ponto de vista estético, mas se ela se situava ou não dentro dos limites da noção populista de engajamento".(4) Festivais, organizados pelas emissoras de televisão, atraíam imensa massa de jovens estudantes, que gritavam e aplaudiam delirantemente as críticas políticas mais contundentes. Os nomes que mais se destacavam eram João do Vale, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Elis Regina, Chico Buarque de Hollanda, Baden Powel, Vera Brasil, Caetano Veloso. Aqui, o objetivo também era conscientizar o público a respeito dos problemas sociais. Uma das canções mais contundentes foi "Caminhando" ou "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré. A letra, denunciando a presença da ditadura militar, ironizava os que acreditavam nas flores vencendo canhões", para pregar um avanço além dos limites da simples consciência e esperança, afirmando: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

A mesma postura, de denúncia e contestação, esteve presente no cinema, literatura, artes plásticas e nas ciências sociais. O grupo do Cinema Novo, apesar da linguagem hermética que marcou seus filmes após 1964, continuou a trabalhar com temas políticos. Dentre as obras nesse sentido, destacaram-se: "O Desafio" de Paulo Cesar Saraceni (1966), "Terra em Transe", de Glauber Rocha (1967), "O Bravo Guerreiro", de Gustavo Dahl (1968). Todos traziam a preocupação de entender o sucesso do golpe diante da apatia e submissão popular. O assunto política esteve igualmente presente no cinema documentário, na forma de questionamento dos problemas sociais mais graves. "Viramundo", de Geraldo Sarno (1965), tentava explicar o golpe de 64 pela alienação do proletariado que, ao invés de lutar, refugiava-se no misticismo. Seguindo linha semelhante, "Opinião Pública", de Arnaldo Jabor (1966), "Liberdade de imprensa", de João Batista de Andrade (1967).(5)

Na literatura, destacaram-se "A Travessia", de Carlos Heitor Cony, "Quarup", de Antonio Callado, "A luta corporal", de Ferreira Gullar. Nas Artes Plásticas merecem menção as exposições "Opinião 65" e "Opinião 66", realizadas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nas livrarias, a grande maioria de obras de sociologia, economia política, estética, história, filosofia eram elaboradas a partir da metodologia e das teses do marxismo. Toda a produção cultural brasileira parecia enveredar por um caminho revolucionário.

A atuação mais incisiva surgiu com o movimento estudantil. Grupos teatrais emergiam na maioria das universidades. Algumas apresentações, altamente críticas, obtiveram grande receptividade por parte do público, dentre elas: "Morte e Vida Severina", encenada no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (1966); "O Coronel de Macambira", no Teatro da Universidade Católica do Rio de Janeiro (1968); "Os Fuzis", no Teatro da Universidade de São Paulo (1968). Onde o movimento estudantil teve ação mais marcante, contudo, foi nas manifestações de rua, a partir de 1966. A UNE fora colocada na ilegalidade, mas continuava a agir, organizando os movimentos. Dos pequenos e rápidos "comícios-relâmpago", logo passaram para as grandes passeatas, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Nessas ocasiões gritavam palavras de ordem que deixavam clara a atitude assumida: "Abaixo a ditadura", "mais pão, menos canhão", "um, dois, três, Castelo no xadrez", "abaixo o imperialismo". Pretendiam sensibilizar a população, não apenas para as dificuldades das escolas, submetidas a severa intervenção e fiscalização, mas também para os problemas da sociedade como um todo. As críticas se chocavam de frente com a imagem que o governo criava para legitimar-se. Os militares se propunham a defender o país contra o comunismo, argumentando que se tratava de um regime autoritário, que restringia todas as liberdades democráticas. Denunciando o governo como ditatorial e repressivo, os estudantes mostravam a extrema contradição de um regime que adotava uma forma de autoritarismo para proteger o país de outra idêntica.

Em março de 1968, durante uma manifestação contra os preços e a qualidade da comida no restaurante do Calabouço, no Rio de Janeiro, a polícia reagiu com tiros. Edson Luís, estudante secundarista, foi atingido por uma bala e morreu. Um dos mais destacados líderes estudantis, Wladimir Palmeira, foi um dos que denunciaram publicamente: "... a gente precisa ficar sabendo, de uma vez por todas, que eles sempre vão apelar para a violência e ai de nós se nós não nos prepararmos para essa violência..."(6) As manifestações se intensificaram. O cortejo fúnebre foi aplaudido pela população, que, das janelas, jogava papel picado, acendia velas e acenava com lenços brancos. O movimento passava a receber apoio do clero, jornalistas, artistas, intelectuais, escritores, cineastas, artistas plásticos. Novas palavras de ordem evidenciavam a insatisfação dos participantes, dramatizando a arbitrariedade do governo: "Mataram um estudante, e se fosse um filho seu?", "o povo unido jamais será vencido", "não fique aí parado, você é explorado", "o povo organizado derruba a ditadura". Havia, também, o grito daqueles que já se decidiam pela luta armada: "O povo armado derruba a ditadura".(7) No ato do enterro, o juramento dos estudantes evidenciava sua disposição de ir adiante: "Nesse luto começa a nossa luta".(8) E as passeatas continuavam. Em 26 de junho, no centro do Rio de Janeiro, realizava-se um enorme movimento de protesto, que ficou conhecido como "Passeata dos Cem Mil". Em outubro, porém, a polícia prendeu os principais líderes. O movimento estudantil silenciou, muitos dos seus participantes começariam a agir na clandestinidade da guerrilha armada.

Da área política também surgiram grupos que assumiram a tarefa de atacar o regime. Na primeira linha se encontravam parlamentares e um grupo de políticos conservadores. Alguns deputados eram bastante contundentes, embora raras vezes conseguissem que sua voz fosse ouvida além das paredes do Congresso, pela falta de acesso aos meios de comunicação. Márcio Moreira Alves foi um dos que proferiram os discursos mais virulentos. Num deles, em que criticava a invasão policial da Universidade de Brasília, lançou a pergunta: "Quando não será o Exército um valhacouto de torturadores?"(9) Acabara de oferecer o pretexto para a exacerbação do autoritarismo, com o fechamento do Congresso e a edição do AI-5. No âmbito dos políticos tradicionais, as contestações viriam daqueles que, embora tivessem participado ativamente da conspiração contra Goulart, acabaram excluídos do sistema de poder. Entre eles estavam Carlos Lacerda, Magalháes Pinto, Adhemar de Barros, Juscelino Kubitschek, além dos ex-generais Amauri Kruel e Mourão Filho. Articularam-se num grupo, a Frente Ampla, que atuou de outubro de 1966 a meados de 1968.(10) Seu programa propunha o restabelecimento do regime democrático, com anistia geral, eleições diretas, pluralidade partidária. Lacerda era o mais agressivo. Participava ativamente de conferências, debates, comícios e manifestações de rua. Acusava os militares de terem usurpado o poder, dobrando-se perante o capital estrangeiro e fazendo alianças com a "oligarquia decadente". Além disso, denunciava veementemente a existência de corrupção no governo.(11) Em 1968 o governo reagiu e liquidou as pretensões da Frente. Proibiu sua existência através de decreto-lei e determinou à Polícia Federal, que prendesse quem violasse a proibição e fizesse a apreensão de quaisquer materiais impressos, de sua responsabilidade.(12)

2. O Avanço da Imprensa e do Clero

No período entre a promulgação do AI-5 e final do governo Médici, a contrapropaganda adquire novas feições. Alguns personagens saem de cena, outros ocupam seus lugares. De qualquer forma, há um refluxo nas contestações, que diminuem de intensidade. Sua causa principal foi a atuação mais sistemática da repressão e da censura e o crescimento econômico. Além disso, a tese leninista de uma vanguarda revolucionária, a guiar o proletariado pelo caminho da transformação social, já não empolgava como antes. Apesar do intenso trabalho na tentativa de conscientizar as massas, na primeira metade dos anos 60, não houve nenhuma reação popular ao golpe. A mudança de direção, em busca da classe média, tampouco produziu resultados, como demonstrou a apatia generalizada em relação ao AI-5. O Tropicalismo, movimento artístico que crescia rapidamente a partir de 1967, mais preocupado com a estética que com o conteúdo político das mensagens, já revelara a descrença que se desenvolvia em relação à arte engajada, nos moldes existentes até então.

Poucos artistas continuaram a seguir pelos caminhos do protesto, mesmo assim obrigados a fazê-lo através de metáforas e alusões disfarçadas para esquivar-se da censura. Um dos compositores que mais se destacou nessa prática foi Chico Buarque de Hollanda. Uma das suas músicas, "Apesar de você", de 1970, à primeira vista parecia referir-se a um desentendimento amoroso. Um mínimo de atenção permitia perceber que prenunciava o fim do governo autoritário, pela pressão popular. Segundo Tárik de Souza, as autoridades só entenderam a letra seis meses depois, quando então a proibiram.(13) Essa forma de tratamento das mensagens tornou-se lugar-comum. Como testemunhou Gilberto Vasconcelos: "Estes ensaios estão cifrados numa linguagem oblíqua, que se tornou obrigatória hoje em dia na imprensa crítica: a linguagem da fresta, a única talvez que consegue driblar a censura. Esses artigos mantêm afinidade afetiva e eletiva com o seu objeto: a canção popular, a qual se viu obrigada a se valer (como toda produção cultural brasileira) da mesma linguagem".(14)

Apesar da mudança de perspectiva, no seio dos artistas, em outros setores a prática da denúncia política foi mais freqüente. Parte dela vinha do grupo mais radical: o movimento guerrilheiro. Empregavam dois recursos básicos: os manifestos e a comunicação direta, interpessoal. A primeira manifestação pública foi realizada em agosto de 1969, por Carlos Marighela que, após invadir a rádio Nacional de São Paulo, transmitiu uma mensagem onde esclarecia que os assaltos a bancos, até então ocorridos, tinham objetivos políticos e revolucionários.(15) A partir daí, os seqüestras de embaixadores e cônsules ofereceram novas oportunidades. Para sua libertação exigiam, além da soltura de presos políticos, a divulgação de manifestos pelos meios de comunicação de massa, onde denunciavam a exploração do capital estrangeiro, o arrocho salarial, as arbitrariedades policiais.(16) Além disso, produziram panfletos, folhetos e pequenos jornais, distribuídos clandestinamente. O grupo que se concentrou no Araguaia distribuiu, no período de abril de 1972 a abril de 1974, nove comunicados noticiando suas próprias ações armadas, denunciando a violência da "ditadura militar" as condições precárias do povo, as contradições sociais, a exploração pelos latifundiários e convocando a população a participar de sua luta. Com o mesmo objetivo, imprimiram um jornal tablóide, "O Araguaia", de circulação mensal.(17) Entre os guerrilheiros liderados por Carlos Lamarca, havia o cuidado de organizar planos de educação política, para Os camponeses, destinados não apenas a oferecer-lhes condições de se organizarem conscientemente, mas também a conquistar simpatizantes e adeptos para a luta.(18) Empregavam a comunicação individual direta, palestras, debates, encenação de pequenas peças teatrais. A combinação de suas mensagens com as crenças e práticas locais era uma das táticas de persuasão adotadas. Aproveitavam os ditos populares, aos quais procuravam dar conteúdo político. Nos "mutirões", procuravam demonstrar que "com o povo unido se consegue muita coisa".(19) Até crenças religiosas eram incorporadas à tarefa de conscientização, embora os guerrilheiros não se sentissem à vontade para fazê-lo com freqüência. Como afirmou Lamarca: "Mas se a massa quiser, a gente diz a mãe, confundindo com amém"(20)

A contrapropaganda, nesta segunda fase, tornou-se a principal preocupação dos jornalistas, seus articuladores mais persistentes. As críticas ao governo já vinham sendo feitas desde 1964. A imprensa fora mantida com relativa liberdade, já que seus responsáveis preferiram colaborar com o governo, abstendo-se de fazer observações negativas que pudessem comprometer a imagem do governo como um todo. Como afirmou Ruy Mesquita: "...nos vínhamos divergindo em caso e número, mas não em gênero, porque nós sabemos que o processo tinha de ser aquele, achávamos que devia ser aquele".(21) Um jornal que se colocou numa postura de oposição mais contundente, foi o Correio da Manhã e, por isso, sofreu diversas pressões, que culminaram com a prisão de sua proprietária.(22) O recrudescimento da censura, em 1968, foi mal recebido, inclusive pelos proprietários, criando condições favoráveis para que inúmeros jornalistas passassem a se dedicar integralmente a atacar o governo. Mas a imprensa também era forçada a agir de forma indireta e sutil. Na edição de 14 de dezembro de 1968, onde se noticiava a edição do AI-5, o Jornal do Brasil, em sua primeira página, estampava a previsão do tempo: "Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Max.: 380, em Brasília. Mm.: 50, nas Laranjeiras". A presença da censura era freqüentemente denunciada. No lugar das matérias censuradas colocavam-se textos sobre cultivo de flores, poesias e receitas (O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde), arvorezinhas (Revista Veja), asteriscos (O Pasquim) ou simplesmente deixava-se o espaço em branco (Tribuna da Imprensa). Alguns profissionais da imprensa eram mais veementes e claros em suas críticas e, consequentemente, foram bastante perseguidos. Um dos mais combativos foi Hélio Fernandes. Com linguagem bastante direta e agressiva, denunciou as torturas, atacou os militares, mostrou a ação das multinacionais no Brasil.(23) Várias vezes adotou a tática de sair com 500 ou 600 exemplares, sem as matérias censuradas, pela porta da frente da redação e cinco ou seis mil exemplares, sem os cortes, pela porta dos fundos.(24) Essa conduta lhe custou 3 confinamentos. 27 prisões e 114 interrogatórios.(25) Na chamada "imprensa alternativa", o ataque às ações do governo era o objetivo principal, feito quase sistematicamente Eram pequenos jornais, a maior parte criada a partir de 1968. A freqüência com que se dedicaram à crítica política foi tamanha que o Centro de Informações do Exército elaborou um plano para destruí-los, apresentando-o nos seguintes termos: "Visando coibir a atividade nefasta da imprensa nanica contestatória, são apresentadas sugestões de caráter prático e passíveis de provocarem resultados satisfatórios, se adotadas".(26)

A forma mais sugestiva da contrapropaganda, realizada através da imprensa, foi o humor satírico. A propaganda governamental. tal como era realizada, envolvia valores muito significativos para a sociedade. Realmente, grande parte dos temas se referiam à pátria, família, educação, trabalho. Para o êxito das campanhas era necessário que fossem elaboradas de modo a transmitir um clima de seriedade, muitas vezes solene, compatível com a importância que se pretendia atribuir ao conteúdo das mensagens. Nessas condições, o ataque às campanhas através do humor desmontava o clima de sobriedade, minando a credibilidade das informações e neutralizando seu efeito persuasivo. Em certas condições a sátira pode popularizar personalidades ou humanizar alguns temas, contribuindo para tornar a propaganda mais eficaz.(27) Não era, porém, o caso dos textos, charges, caricaturas e cartuns criados por Sérgio Porto, Millôr Fernandes, Ziraldo, Henfil, Jaguar, Fortuna, Claudius. Ao contrário, eles se notabilizaram por uma extraordinária habilidade em atingir o ponto nevrálgico das contradições do governo, destruindo pela raiz a eventual eficácia de suas campanhas. O pioneiro na ridicularização do regime foi Sérgio Porto, conhecido pelo pseudônimo de "Stanislaw Ponte Preta". Seus trabalhos mais importantes, realizados a partir dos dias que se seguiram ao golpe, encontram-se em dois livros: "Garoto Linha Dura" e "Festival de Besteira que assola o país — FEBEAPÁ 1". O governo se referia ao golpe militar com o rótulo "Revolução de 1964". Sérgio Porto, ironicamente, o chamava de "a Redentora", considerando-o marco inicial do surgimento de uma série de "besteiras", oriundas da ação das "autodenominadas otoridades". Os leitores podiam se divertir com a proibição da venda da vodca "para combater o comunismo" ou com a tentativa dos agentes do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) de prender Sófocles, autor da peça Electra, acusado de subversão, embora falecido em 406 a.C. Com essa verve, ia denunciando a repressão, a censura, a obsessiva busca de "subversivos" o falso moralismo das autoridades, a incompetência dos funcionários públicos.(28) Quanto aos demais jornalistas, foram tão precisos em seus ataques, que obrigaram o governo a retirar campanhas do ar, tal a forma com que foram ridicularizadas. Em alguns casos, as mensagens nem chegaram a ser veiculadas porque os cartunistas, informados por amigos que trabalhavam nas agências de propaganda, as atacavam com antecedência. A esse respeito, Henfil esclareceu: "Desarmamos várias campanhas . . E ganhávamos nós. Porque nós éramos muito mais criativos que as agências de publicidade que criavam o negócio".(29) A força do humor foi reconhecida pelos próprios homens de governo, tendo um General de Brasília, criticando o personalismo das campanhas do Presidente Figueiredo, concluído que "num país que tem um Ziraldo, um Henfil e um Jaguar não se pode facilitar tanto na divulgação da imagem de uma pessoa".(30) Os jornalistas, geralmente, procuravam ridicularizar as campanhas do governo atacando seu ponto vital: os slogans e símbolos. Como estes eram empregados de forma a sintetizar as idéias defendidas pela propaganda, bastava desmoralizar a síntese para comprometer as concepções que ela representava. Para zombar de um dos slogans mais discutidos, Ziraldo, em uma página completamente preta, escreveu em letras brancas: "Brasil, ame-o ou deixe-o".(31) Enquanto isso, entre a população, corria uma resposta irônica: "O último apague a luz do aeroporto". Bastante criativos foram os quadrinhos apresentados pelo Pasquim por ocasião da Semana da Pátria, em 1976, que acabaram por gerar a apreensão do jornal (quando os assinantes já o tinham recebido e os demais tido tempo suficiente para adquiri-lo). O ambiente nacional era de seriedade. As sisudas campanhas do governo enalteciam a pátria e os símbolos nacionais. A imprensa mencionava a presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas nas solenidades. O símbolo, oficialmente adotado, era formado por três pombas estilizadas, de asas abertas, sobrepostas. O Pasquim trazia um cartum, de Edgar Vasques, onde um menino magro, olhando o símbolo em um outdoor, imaginava três frangos assados. Nessa edição, outro cartum, do mesmo jornalista, mostrava duas crianças ouvindo a explicação em tom didático: "O amarelado é da nossa icterícia, o azulado é da nossa anemia, o esverdeado é da nossa angústia".(32) A contrapropaganda pelo humor teve seu efeito multiplicado através de rumores. As sátiras e anedotas, rapidamente, passavam a circular entre a população. Os presidentes, por exemplo, cada um a seu tempo, ficaram caracterizados, quase que exclusivamente, pelas marcas que lhes foram atribuídas pelo anedotário. Castelo Branco "não tinha pescoço"; Costa e Silva "era burro"; Médici "preguiçoso"; Geisel, "filho de um pastor alemão", tinha uma filha "horrorosa"; Figueiredo era o "ignorante e grosseiro", que "gostava de cheiro de cavalo".

O setor mais importante, no que se refere à contrapropaganda a partir de 1968, foi sem dúvida, o clero católico. Embora menos dramáticos e espetaculares do que haviam sido os estudantes e artistas e se portassem com discrição ainda maior que os jornalistas, os clérigos que se engajaram na luta contra o regime souberam ser muito mais objetivos. Sua eficiência se devia, em primeiro lugar, ao prestígio internacional e à força política da Igreja Católica no Brasil, que tornava quase impraticável a interferência do Estado nas suas organizações, permitindo que sua ação doutrinária fosse mais continua. Como, expressivamente, salientou Frei Betto: "Os militares não tinham como decretar a destituição de D. Paulo Evaristo Arns, como arcebispo de São Paulo, nem podiam nomear um general da reserva para presidir a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil".(33) Outra razão esclarecedora sobre a eficácia de sua atuação era a estratégia utilizada. A Igreja Católica já se tinha revelado, com o passar dos séculos, como uma das instituições que empregara a propaganda de forma mais adequada, em função de cada momento histórico e dos objetivos que tivera em vista. No Brasil, além de sua longa experiência de doutrinação, assimilou algumas técnicas oriundas da propaganda marxista e do método de alfabetização criado por Paulo Freire. A Igreja não assumiu a postura de liderança vanguardista, típica da maioria das correntes "conscientizadoras" que surgiram a partir dos anos 60. Ao contrário, na maior parte dos casos, os clérigos adotavam a orientação de que o próprio povo deveria se organizar, eleger seus líderes, definir os problemas que os afligiam e escolher os caminhos para obter soluções. A Igreja se limitaria a ser a "voz dos que não têm voz". Até mesmo a elaboração das mensagens deveria ficar a cargo da própria população, porque: "Ainda que não satisfaçam o gosto estético do agente pastoral e sejam um atentado à gramática, os cartazes elaborados pelos militantes espelham aquilo que eles vivem, pensam e querem".(34) Importa ressaltar, também, o horizonte de ação que se tinha em vista. Grande parte da pregação realizada por artistas, intelectuais e estudantes era feita com os olhos voltados para a derrubada da ditadura, a tomada do poder pelo povo, a revolução socialista ou, até mesmo, a derrota do imperialismo. O clero, partindo de concepções a curto prazo, pensava em limites bem mais modestos e, por isso mesmo, realistas e objetivos. Como esclarece Frei Betto: "O povo não inicia sua mobilização por bandeiras genéricas, de caráter jurídico-político, próprias à consciência progressista da classe média. O povo, num primeiro momento, mobiliza-se em função de seus interesses imediatos: água encanada, luz para o bairro, transporte, custo de vida etc."(35) Essa ótica implicava a rejeição da tese, arraigada entre os setores intelectualizados, de que a "consciência", a "opinião" eram o primeiro passo necessário à luta pela transformação social. A relação era invertida, da prática de luta pela realização dos interesses mais imediatos é que se iria formando a consciência transformadora que, por sua vez, iluminaria a própria prática, permitindo ampliar seus horizontes.

A forma de atuação da Igreja era o fruto de sua "opção preferencial pelos pobres", assumida desde a década de 50. Nessa época o clero católico definia seus concorrentes no Brasil, com bastante nitidez; a maçonaria, o espiritismo, o protestantismo e o comunismo. A partir da constatação de que a força de atração do comunismo sobre as massas populares derivava das formas de exploração do capitalismo, passaram a considerá-lo, igualmente, como adversário.(36) Daí em diante, gradativamente, foram assumindo a postura de lutar contra a pobreza e a exploração das camadas populares. De 1964 a 1968 a oposição da Igreja ao regime de governo se expressou apenas por atos e declarações eventuais, já que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), seu órgão mais importante no país, preferiu manter-se numa atitude conciliatória em relação ao Estado, embora denunciando alguns abusos por parte das autoridades. Todavia, mesmo se tratando de ações isoladas, foram bastante veemente. Um dos mais ativos foi D. Hélder Câmara, arcebispo de Recife que, já em 13 de abril de 1964, juntamente com outros dezessete bispos, assinava uma declaração contrária ao golpe. Daí em diante, a perseguição que o governo exerceu sobre os membros da "Ação Católica", organização da Igreja considerada subversiva, provocou as primeiras denúncias mais veementes sobre a repressão policial. Em 1968, no II Encontro do Episcopado Latino-Americano (CELAM), em Medelím, realizado com a presença do papa Paulo VI, a Igreja reafirmava expressamente sua posição em defesa dos direitos dos pobres e oprimidos. Com isso, o ataque ao regime brasileiro passava a ser organizado e sistemático. A CNBB, através de suas principais "Pastorais", dedicava-se a defender os perseguidos (Pastoral dos Direitos Humanos), lutar pelo direito à posse da terra pelos trabalhadores rurais (Pastoral da Terra), defender a melhoria das condições de vida dos trabalhadores urbanos (Pastorais Operária, da Periferia, da Favela. dos Marginalizados). Além de denunciar abusos e pressionar autoridades, as Pastorais estimulavam a formação de grupos de trabalho coletivo e a mobilização em torno de determinadas questões econômicas.(37) Em 1973, 18 prelados e superiores de ordens do Nordeste divulgaram um documento intitulado "Eu ouvi os clamores do meu povo", onde assumiam posição nitidamente socialista: "A classe dominada não tem outra saída para se libertar, senão através da longa e difícil caminhada, já em curso, em favor da propriedade social dos meios de produção".(38)

Além das Pastorais, foi intensa a atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A propaganda oficial estava empenhada em criar uma versão da realidade que ocultava a força e a capacidade reivindicatória das classes subalternas e induzia à sua desmobilização. Atuando em sentido completamente oposto, as CEBs exerciam um trabalho de conscientização, organização e mobilização, principalmente entre as camadas mais humildes das regiões rurais e periferias das cidades. Criadas a partir de meados dos anos 60, começaram a atuar mais intensamente a partir de 1969. Em 1975 já havia cerca de 50 mil Comunidades para chegar a, aproximadamente, 80 mil no final dos anos 70.(39) Eram orientadas por padres, religiosas ou leigos, denominados "agentes pastorais". Os agentes procuravam não se apresentar como coordenadores, mas simples assessores com a atribuição de auxiliar os diversos membros a decidir, por si mesmos, quanto aos objetivos pretendidos e a melhor forma de alcançá-los. Tratava-se, sem dúvida, de uma tática que permitia dar mais solidez à organização, já que não ficava dependendo, exclusivamente, de um dirigente que poderia mudar-se, ser transferido, preso ou mesmo morrer. Além disso, permitia que os membros não se sentissem manipulados, pois as idéias e propostas que defendiam eram formuladas por eles próprios. Não há dúvida, porém, de que os agentes, por sua experiência e instrução, acabavam exercendo uma forte, embora discreta, liderança. Essa condição lhes permitia, intencionalmente ou não, ir fazendo valer suas concepções. Acresce considerar o fato de os agentes viverem e conviverem, diariamente em meio à população de sua comunidade, o que lhes permitia conhecê-la, bem como às suas necessidades e anseios, melhor do que se precisassem entendê-las através de dados obtidos pelas pesquisas que a propaganda costumava empregar. Em reuniões realizadas no salão paroquial, em barracões, ou nas casas de moradores da região, discutiam os temas e problemas que interessavam à comunidade: necessidade de uma escola, custo de vida, posse de terras ou, até mesmo, relação capital e trabalho, exploração dos trabalhadores, participação política. O método empregado se explicitava pelos verbos "ver — julgar — agir". Após as orações e cânticos, levantavam-se diversos problemas, selecionando os mais importantes (ver). Em seguida, passava-se à análise dos diversos aspectos relacionados aos problemas selecionados (julgar) para, finalmente, concluir pelas formas concretas de solução (agir). A palavra de ordem, repetida em todos os momentos, era "libertação". O mais importante era a ação. As reuniões não se destinavam apenas à análise e compreensão dos problemas, mas sim a permitir a realização de medidas concretas: construir uma escola em mutirão, pressionar o governo para que tomasse alguma providência, realizar uma passeata contra o custo de vida.(40) Havia reuniões de treinamento, para a preparação dos membros, com utilização de técnicas de dinâmica de grupo e o emprego de cartazes e recursos audiovisuais. Os militantes assim treinados contavam, para o seu trabalho de doutrinação, com uma ampla rede de difusão formada por boletins, folhetos, cordel, cadernos de formação, todos elaborados com fartas ilustrações e redigidos em linguagem popular.

O trabalho das Comunidades permitia que a população mais carente começasse a visualizar formas de se organizar e lutar por seus próprios interesses, agora relativamente imunes à propaganda do governo. Como afirmou Frei Betto: ". . elas não acreditam senão na força de união do povo. As promessas do governo e as palavras dos políticos profissionais já" não merecem crédito".(41)

3. O Confronto total

Depois de governar alguns meses sem o apoio de qualquer órgão de propaganda, o Presidente Ernesto Geisel recriou, em 1975, a Assessoria de Relações Públicas. As possibilidades da propaganda governamental já não eram as mesmas, a luta contra o regime vinha de todos os lados. Os oposicionistas gritavam mais alto e começavam a abafar a voz oficial. A palavra de ordem, generalizada, pedia a "volta dos militares aos quartéis". A grande imprensa se empenhava no combate à censura. A imprensa alternativa proliferava com o surgimento, após 1975, dos jornais "De Fato", "Versus", "Movimento", "Coojornal", "Posição", "Paralelo", "Informação", "Repórter", "Em Tempo". A Igreja intensificava as campanhas em defesa dos direitos humanos. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) combatia as leis de exceção. Estudantes, operários, artistas, intelectuais, todos se reorganizavam para combater o governo. Institucionalizava-se uma forma de autocontrole bastante peculiar. Vulgarizada na imprensa pela denominação "patrulhamento ideológico", consistia em formas de pressão que certos grupos exerciam sobre aqueles que não adotassem uma postura de absoluta oposição ao regime ou, pior, manifestassem qualquer opinião favorável ao governo ou a algum de seus membros. Críticos desmereciam e desmoralizavam obras, jornalistas tratavam com desprezo os simpatizantes do governo, estudantes pressionavam colegas e professores. Em todos os setores da cultura, ou se adotava um comportamento claro de contestação ao sistema ou se era bombardeado pelas críticas, boicotes, agressões verbais.(42)

Em 1977, com a reorganização da UNE, o movimento estudantil voltava a crescer. As passeatas saíam às ruas clamando pelo fim da ditadura. Apesar da repressão policial o movimento não esmoreceu. Milhares de folhetos, panfletos, volantes, cartazes eram distribuídos. Afirmavam que o governo militar estava se enfraquecendo e as classes dominantes dividindo-se, abrindo um vazio que deveria ser ocupado pelas massas. As palavras de ordem mais difundidas eram: "Abaixo a ditadura", "pela constituinte democrática e soberana", "pelas liberdades democráticas".(43) Em 11 de agosto de 1977, alunos e professores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em comemoração do sesquicentenário dos cursos jurídicos no Brasil, tornavam pública a "Carta aos brasileiros". O texto, redigido em linguagem jurídica, quase uma aula de direito público, não dava condições para ser qualificado de incitamento à subversão, ameaça à segurança ou outras alegações geralmente empregadas pelas autoridades, para justificar sua intervenção.

Abordando conceitos tradicionais como "Assembléia Constituinte", "Constituição", "hierarquia das leis", "direitos e garantias individuais", concentrava-se na distinção entre "Estado de Direito" e "Estado de Fato". Uma das afirmações explorava o slogan fundamental da propaganda do governo: "Nós queremos segurança e desenvolvimento. Mas queremos segurança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito". Concluía, incisivamente, com a reivindicação: "A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o Estado de Direito, já".(44)

As campanhas do clero católico contra o regime. vinham sendo feitas com certa moderação. Havia um acordo tácito pelo qual a Igreja aceitava o argumento de que as arbitrariedades eram praticadas por subalternos, agindo sem conhecimento dos seus chefes, e o governo adotava a mesma postura em relação aos atos de religiosos que considerasse subversivos. Esse acordo permitia uma série de retratações, explicações e entendimentos.(45) A partir de 1974 a ruptura entre a Igreja e o Estado se tornou mais profunda. Nos cultos, palestras, entrevistas no exterior, nos jornais e nos livros católicos denunciavam-se as torturas, a censura, a miséria do povo explorado e pregava-se o fim da ditadura militar. Dentre os mais ativos, além de D. Helder Câmara, destacavam-se D. Pedro Casaldáliga, bispo da prelazia de São Félix do Araguaia, D. Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Aluísio Lorscheider, presidente da CNBB, D. Tomas Balduíno, bispo de Goiás, D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu. Tanto a Igreja como os vários setores oposicionistas vinham atuando separadamente, embora com o fito comum de desmontar a imagem que o governo criava de si próprio. Algumas vezes houve apoio e colaboração de uns com os outros, mas os interesses e objetivos diferentes, a cada momento, os colocava em trilhas distintas. Em 1974 surgia a bandeira que os levaria à ação comum: a anistia. A idéia já fora defendida algumas vezes, mas sempre de forma isolada. A partir do governo Geisel transformou-se num anseio que, gradativamente, passava a ser absorvido por toda a sociedade. Em 1978 já era reivindicação unânime. O tema era extremamente forte, à primeira vista poderia parecer apenas uma questão humanitária: reduzir o sofrimento daqueles que se encontravam encarcerados, exilados, banidos, demitidos, ou sendo perseguidos. Por trás disso, contudo, havia uma intenção mais ampla. Com as campanhas surgia, pela primeira vez, a possibilidade de demonstrar, para toda a sociedade brasileira, de forma clara e inequívoca, que o regime só pudera se manter pela força. Em fevereiro de 1974 fundou-se o "Movimento Feminino pela Anistia", que conseguiu 20 mil assinaturas do "Manifesto da Mulher Brasileira".(46) Em agosto, a V Conferência Nacional da OAB aprovara moção de anistia aos presos políticos. Logo depois, o jurista Sobral Pinto, o cardeal D. Paulo Evaristo Arns, o general Juarez Távora e o jornalista Prudente de Moraes, além de manifestarem seu apoio à anistia, pediam esclarecimentos sobre os desaparecidos. No final de 74, em diversos países, surgiam comitês "Pró-Anistia Geral no Brasil". A partir de 1977 começam a se expandir comitês, por todo o país, organizando manifestações públicas nas grandes cidades e criando "dias nacionais de protesto". Em julho desse mesmo ano, durante a 29a reunião anual da "Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência", era aprovado um manifesto pela reintegração dos cientistas cassados. Logo a seguir realizava-se, em São Paulo, o 1 Encontro Nacional pela Anistia. Nessa época, o cartunista Henfil reforçava a dimensão humana da luta. Nas cartas à sua mãe, publicadas semanalmente na revista "Isto E", mencionava sua preocupação com Herbert de Souza, o irmão que se encontrava no exílio. A esse respeito, diria mais tarde: ". . na medida em que particularizei o problema do meu irmão, do Betinho, a anistia virou uma coisa humanizada".(47) Logo depois João Bosco e Aldir Blanc compuseram "O bêbado e a equilibrista", música cantada por Elis Regina, em cuja letra se dizia: "Meu Brasil. Que sonha com a volta do irmão do Henfil. Com tanta gente que partiu, num rabo de foguete". Betinho se transforma no símbolo do movimento. Em fevereiro de 1978, na "Associação Brasileira de Imprensa", era fundado o "Comitê Brasileiro pela Anistia". Em abril a assembléia da CNBB aprovava o "Apelo dos Bispos do Brasil". Em novembro de 1978, em São Paulo, mais de mil pessoas se reuniam no "1 Congresso Nacional pela Anistia". No início de 1979 o governo, em encontro com representantes da CNBB, OAB e ABI, acenava com a possibilidade de revisão das punições, proposta que não foi aceita. Em meados do ano, o senador Teotônio Vilela, do MDB, presidia uma comissão que percorreu as prisões para elaborar um levantamento sobre as condições em que se encontravam os presos políticos. Pressionado por todos os lados, o Presidente Figueiredo, em junho de 1979, enviou um projeto de anistia parcial ao Congresso Nacional. Milhares de pessoas se encontraram em atos públicos, comícios, passeatas na maioria das capitais do país. A palavra de ordem exigia "anistia ampla, geral e irrestrita". Em 22 de agosto o Congresso aprovava a anistia, embora restrita, conforme constava do projeto do Executivo, que não absolvia os condenados por terrorismo. A união na luta pela anistia coincidiu com a disposição do "MDB" de tornar mais efetiva sua atuação como partido contrário ao governo. Engajado agora numa luta aberta, que encampava todas as teses oposicionistas, o partido passava a aglutinar os setores insatisfeitos. A contrapropaganda, através do Congresso, passava a ser realizada dentro dos limites da política formal.

Se a crescente mobilização da sociedade começara a ameaçar o regime na década de 70, foi nos últimos anos que emergiu seu pior inimigo, o mesmo contra o qual se concentrara o golpe de 1964: a classe operária. O movimento sindical, apesar do autoritarismo, vinha se rearticulando desde o final dos anos 60. No campo, começavam a eclodir confrontos freqüentes entre posseiros e proprietários de terras. Na indústria, surgiam as principais greves. Em 1978 e 1979, durante as greves dos metalúrgicos do ABCD, gritavam-se palavras de ordem que continham inúmeras críticas de cunho político, além das referências à questão salarial e às condições de trabalho. Os trabalhadores, agora, contavam com o apoio da Igreja, dos estudantes, da OAB e dos parlamentares oposicionistas. Alguns cineastas, como Renato Tapajós e João Batista de Andrade, realizaram curta-metragens para serem exibidos aos operários, com o objetivo de mantê-los mobilizados. Na assembléia que decidiu pela suspensão da greve de 1979, o líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, que começava a tornar-se famoso em todo o país, concluía em seu discurso: "Que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade de luta do trabalhador".(48) A greve se iniciara no dia 12 de março: apenas três dias depois, tomava posse o Presidente Figueiredo, pronunciando sua promessa formal: "Hei de fazer deste país uma democracia".(49)


 

PROPAGANDA, VIOLÊNCIA E SOCIEDADE: UMA DINÂMICA DE CONTRADIÇÕES
(CONCLUSÃO)

 

O golpe de 1964, ao contrário da versão criada pela propaganda, não constituiu uma ruptura e nem mesmo qualquer ponto de inflexão mais significativo no rumo seguido pela economia brasileira. O processo de desenvolvimento capitalista se encontrava em curso desde a II Guerra Mundial e caminhava no sentido da internacionalização da economia interna, com a participação, cada vez maior, do capital estrangeiro, especialmente através da atuação das grandes corporações multinacionais. A possibilidade de uma ruptura nesse modelo começou a esboçar-se durante o governo Jânio Quadros, para tornar-se mais definida no período João Goulart, quando emergiram os primeiros projetos oficiais de uma política econômica distributivista, com forte controle sobre o capital estrangeiro. O golpe foi apenas a reação que permitiu reafirmar o modelo e impedir que o tirassem dos trilhos nos quais fora mantido até então. Seu objetivo fundamental era garantir e acelerar o processo de internacionalização. Mas se a expansão do capitalismo vinha sendo contínua, não ocorria sem perturbações, já que a lógica da acumulação fazia emergir alguns antagonismos que ameaçavam constituir-se em sérios obstáculos. O incremento da produtividade implicava o aumento numérico e aperfeiçoamento profissional de mão-de-obra, favorecendo o fortalecimento da classe operária para lutar pela melhoria de suas condições. O aumento dos salários, diretos ou indiretos, única forma de elevar seu padrão de vida, comprometeria a expansão produtiva nos moldes desejados. Dessa forma, tornava-se absolutamente indispensável, para os interesses do capital, que qualquer força reivindicatória fosse neutralizada. Fortalecimento inevitável e enfraquecimento necessário constituíam, assim, a coluna vertebral do impasse. Até 1964, a mobilização da sociedade por uma política distributivista, que assegurasse 153 maior participação das classes subalternas nos resultados da produção, já se tornara uma séria ameaça à continuidade do ritmo acelerado de acumulação. Ao fantasma do comunismo, como dramatizaria a propaganda, correspondia a realidade de novas forças que já se mostravam capazes de conquistar mudanças sociais bastante significativas. Para bloqueá-las, alguns setores da classe dominante promoveram uma rearticulação do sistema político, atribuindo aos militares a tarefa de defender seus interesses e conter a ação daqueles que pudessem invadir sua área. Carregando uma formação que privilegiava a extrema rigidez de hierarquia e disciplina, os oficiais estavam totalmente despreparados para conviver com as divergências, que são naturais em qualquer sociedade. Desse modo, foram incapazes de conceber um sistema que incluísse certa rotinizacão dos conflitos, com a criação de canais que permitissem diluí-los. Ao contrário, adotaram uma fórmula em que a violência, nas formas de repressão e censura, passava a ser o instrumento básico para assegurar a coesão social. Essa estratégia, contudo, ao represar as insatisfações, só permitia lograr alguma liberdade de ação por curtos períodos, após os quais a recorrência dos conflitos se fazia de maneira ainda mais exacerbada. Revelando uma intolerância sem limites, a polícia e os militares perseguiram inocentes, torturaram e mataram pessoas que se encontravam desarmadas ou presas e, portanto, sem condições de esboçar qualquer reação. Nesse contexto, os segmentos mais sensíveis da sociedade, principalmente as camadas médias e o clero católico, começaram a demonstrar irritação. A censura, por outro lado à medida que aumentava seu raio de ação, em resposta às contestações crescentes, colocava o governo em choque com todos os segmentos ligados aos meios de comunicação, ao ensino e às artes. O regime cometia o erro de provocar aqueles setores onde se encontravam os guardiães de ideologia e os formadores de opinião, gerando insatisfação e revolta justamente no ponto de onde poderia surgir uma reação em cadeia. Com isso, os conflitos não mais se restringiram aos limites dos interesses econômicos, passando a envolver agentes sociais que se levantavam movidos por razões políticas, ideológicas e, até mesmo, psicológicas.

Para minimizar as conseqüências negativas da violência, e mesmo justificá-las, o regime procurou combiná-la com uma estratégia persuasiva, através da propaganda. Gradativamente, foi reelaborando os componentes do núcleo ideológico, que orientavam a ação do governo, para apresentá-los numa versão em que desapareciam as diferenças e os conflitos de classes, ocultavam-se os interesses prevalecentes e se desmoralizava a capacidade das classes dominadas. Com isso, criava-se o contexto que poderia permitir apresentar o governo como se estivesse acima das classes, comprometido com os interesses de todos e, por isso, merecedor de apoio. Mas a propaganda acabou por apresentar algumas distorções, que comprometiam a eficácia de grande parte das campanhas. A falha mais decisiva consistiu na adoção dos padrões da publicidade. No plano comercial a propaganda não procura incutir nenhuma versão a respeito da sociedade e das relações sociais como um todo. Ao contrário, é-lhe mais eficiente e barato apropriar-se das concepções já aceitas e assimiladas entre os membros do público e reintroduzi-las, integradas com o produto ou serviço que pretende promover. Essa fórmula permite que a mensagem possa ser eficaz dizendo muito pouco, superando o inconveniente de interromper uma programação principal e ser extremamente rápida. Quando se trata de propaganda ideológica, onde é necessário inculcar todo um conjunto de idéias que devem orientar, não uma compra fugaz, mas grande parte do comportamento dos indivíduos na sociedade, a situação é completamente diversa. A propaganda não pode se limitar apenas à breve interrupção de outro programa, principalmente quando se realiza num contexto social em que as taxas de coesão e consenso são baixas. Nesse caso, ou se deve criar tempo e espaço próprios ou envolver toda a comunicação num determinado momento. Não foi por simples coincidência que, na história, sempre que se pretendeu incutir novas idéias, criaram-se clubes, partidos e associações, fizeram-se comícios e outras formas de organização que permitiam envolver, completamente, as pessoas a serem conquistadas. E quando havia necessidade de empregar certos recursos de comunicação, como o cinema, a estratégia não consistia em interromper o filme, mas em embutir a imagem dentro dele, inclusive na idéia central do roteiro. Essa estratégia, a única que permitiria monopolizar a atenção e o pensamento dos receptores, só foi empregada através dos cursos da ESG, que atingiam apenas uma parcela mínima da população, ou no estímulo à produção de filmes e músicas patrióticas, que foi insignificante.

Outro problema consistia no clima leve e descontraído contido em grande parte das mensagens e, principalmente, nas imagens "purificadas" que estas apresentavam. A publicidade emprega essa linguagem com- o objetivo de criar um clima que desperte a simpatia do consumidor, geralmente apelando para suas fantasias, para então apresentar o argumento principal. Os assuntos da propaganda governamental, em sua grande maioria, não eram adequados a esse tipo de tratamento. Crescimento industrial, construção de casas populares 011 implantação de saneamento básico eram temas que deviam ser apoiados em imagens reais e informações objetivas. Sendo produzidas com informalidade, apresentando pessoas limpas, saudáveis e sorridentes, as mensagens poderiam atrair atenção e até ser agradáveis, mas não ganhavam credibilidade.

Os maiores erros, contudo, se referiam ao conteúdo das campanhas. O mais grave consistiu em não assumir expressamente o autoritarismo e procurar justificá-lo. A propaganda, desde o momento do golpe, tentou legitimar o regime pela observância e respeito às leis e instituições aceitas como democráticas, revalorizando-as perante os olhos da sociedade. Criava, assim, um foco de contradições, já que a evidente manipulação daquelas instituições e leis logo acabou por transformar o argumento legitimador em prova incontestável de ilegitimidade. E a sociedade logo voltou a mobilizar-se, justamente para exigir o respeito aos princípios democráticos que a propaganda enfatizara. Pressionado por todos os lados, o governo, em 1968, reforçou a polícia repressiva e censória e alterou os rumos da propaganda. O regime passou a ser justificado pela eficiência administrativa e pela grandiosidade das suas realizações. Enveredando por esse caminho, iria defrontar-se com contradições ainda mais profundas. As campanhas, gradativamente, foram criando seu próprio universo, que logo deixaria de ter qualquer relação com a realidade vivida pelo povo. Construiu-se um Brasil imaginário onde tudo, cada vez mais, era "o maior do mundo" a caminho do nascimento da grande potência, onde haveria bem-estar para todos. Enquanto o crescimento do "milagre econômico" coincidia com o tricampeonato de futebol, essa imagem ainda pôde ser relativamente sustentada. Todavia, o quadro começaria a desmoronar, já em 1973, ao iniciar-se a desaceleração econômica e recomeçar a espiral inflacionária. As camadas médias haviam sido induzidas a um consumismo desacelerado, dentro de padrões muito parecidos com os existentes nas sociedades de consumo desenvolvidas. O ato de compra transformara-se num ritual, que simbolizava a participação num mundo onírico, onde as aspirações tendiam a ser cada vez mais amplas. Adquirir um produto já não significava apenas viabilizar a satisfação de uma necessidade objetiva, mas era uma forma de realização pessoal, que permitia compensar fracassos e demonstrar sucesso. Nesse contexto, com o início da crise, os anseios das camadas médias não mais podiam ser satisfeitos no nível desejado. A frustração vinha trazê-las de volta ao mundo concreto e dar-lhes a consciência da sua condição real. Os operários, que haviam sido ensinados a encarar os grandes edifícios e automóveis de luxo como símbolos do progresso, que traria prosperidade geral, agora viam neles a diferença nítida entre os que ainda deveriam continuar esperando sua "fatia de bolo" e aqueles que já o haviam ingerido todo. Onde, porém, a propaganda mostrou-se bastante eficiente, durante todo o período, foi na tática de obscurecer a presença dos responsáveis pela exploração dos trabalhadores, desviando sua atenção para o governo ou seus integrantes e transformando-os, assim, em alvos das insatisfações sociais. Com isso, a classe dominante pôde agir com total tranqüilidade na direção e controle dos seus negócios. Não foi por acaso que as criticas dirigidas aos latifundiários, ao imperialismo e, em parte, à burguesia, acusados de responsáveis pelos problemas sofridos pela população, no início dos anos 60, se voltaram contra o Estado, já a partir de meados daquele período, com as reivindicações de fim da ditadura, demissão de ministros ou volta dos militares aos quartéis. Sem maiores confrontos, no plano específico das relações entre capital e trabalho, a acumulação pôde realizar-se em níveis bastante elevados, garantindo índices de crescimento econômico inéditos na história do país.

Aproveitando as deficiências da propaganda, os opositores do regime dedicaram-se a atacá-la e o fizeram com tal habilidade e eficiência que se tornaram os alvos preferidos dos policiais e censores. Raras vezes, porém, a contrapropaganda logrou estimular alguma forma imediata de mobilização, destinada a ampliar o espaço de algum setor das classes subalternas. Tal fato se devia a que grande parte das campanhas, especialmente até inicio dos anos 70, era realizada por segmentos que pretendiam exercer um papel de vanguarda conscientizadora. As camadas médias intelectualizadas falavam e agiam em nome de operários, favelados ou nordestinos. Ao fazê-lo, porém, cometiam o mesmo equívoco das autoridades do governo: encarar a sociedade como incapaz e alienada, necessitando de uma elite que lhe iluminasse o caminho. Agiam como se os trabalhadores tivessem um imenso potencial revolucionário em suas mãos e alguém precisasse mostrar-lhes a realidade, convencê-los de sua força e ensiná-los como empregá-la. Muitas vezes se restringiram a formular denúncias a respeito das contradições sociais, sem apresentar qualquer proposta de ação concreta, como se a consciência da realidade pudesse levar, automaticamente, à transformação social. Outras vezes, havia indicações de ação prática, mas ou eram vagas ou estavam completamente distanciadas dos interesses assumidos por aqueles que se pretendia liderar. Falava-se em derrubar a ditadura, ou implantar socialismo, para operários que apenas queriam melhorar suas condições de trabalho, receber salários um pouco mais elevados ou que, até mesmo, sentiam-se satisfeitos com a situação em que se encontravam. Mas essas distorções não tiram o mérito da contrapropaganda como um todo. Os que a realizaram demonstraram um fôlego insuperável, gritaram quando foi possível, tornaram-se sutis quando perseguidos. Lentamente, explorando todas as brechas, foram desmontando peça por peça a imagem que o governo construía de si próprio. Nesse contexto, em meados dos anos 70, surgia um velho personagem, interpretando novo papel: a Igreja Católica. Os membros do clero que se engajaram na luta souberam criar métodos mais eficientes de contrapropaganda que, ao mesmo tempo, serviam para organizar as comunidades que viviam no meio rural e periferias urbanas. Exerciam liderança, mas de forma discreta, para não tolher iniciativas. E não se comportavam como agentes externos aos liderados, já que conviviam com eles e aprenderam a respeitar suas condições e seus limites. A Igreja, dessa forma, trazia para a arena política sua experiência de séculos, acumulada desde as catacumbas: a luta contra o poder se faz com paciência, e em silêncio. Sob essa orientação, grande parte das classes subalternas puderam adquirir uma consciência mais nítida da realidade em que viviam, sem se deixar seduzir pelas versões da propaganda oficial. Agora não se tratava mais de concepções que vinham prontas, produzidas fora de seu habitat, mas eram construídas a partir da prática cotidiana de vida e de luta, que ia sendo pensada e refeita vagarosamente, mas com solidez. Na mesma linha, seguiam as lideranças operárias, especialmente das grandes empresas. Trabalharam cuidadosamente na organização de quadros militantes, sempre evitando provocações que pudessem despertar reações mais intensas. Gradativamente, foram descobrindo os limites de sua força e os pontos fracos do adversário. No final dos anos 70, uma parte do operariado dava à luz sua capacidade extraordinária de organização e luta, apesar de todo o aparato repressivo a postos para combatê-la. Mais do que isso, mostraram que, para aquela conjuntura, eram os que haviam adquirido a consciência mais lúcida das suas possibilidades. Sabiam que não poderiam empreender qualquer iniciativa de transformação social, se não conquistassem o atendimento às suas necessidades mais imediatas. E conheciam perfeitamente quem deveria ser o alvo da sua ação. Sem pronunciar uma só palavra contra o regime, os militares ou o capital estrangeiro, atiraram-se contra o seu real adversário, que tantos pareciam não ver: o patrão. E venceram. A burguesia passava a negociar diretamente com os trabalhadores, dispensando o controle do Estado. O sistema começava a desmoronar. A propaganda governamental via-se obrigada a justificar o regime pelo único argumento que lhe restara: a autodestruição. Figueiredo só conseguia manter-se comprometendo-se a com as regras do regime, destruir o próprio regime.

Tanto a alternativa da violência como a via persuasiva haviam engendrado sua própria negação. A repressão, que pretendia criar submissos, transformou-se num estimulante para a ação, enquanto aquilo que deveria permanecer oculto passou a ser desvendado pela própria propaganda. Se ambas haviam surgido como conseqüência dos conflitos, visando neutralizá-los, acabaram por se transformar em sua causa. À força, haviam respondido com greves, passeata e até luta armada; à manipulação ideológica, retrucara-se com as denúncias, o deboche e a desmoralização. Propaganda com repressão e censura de um lado, contrapropaganda com coragem e audácia de outro traduziram, no plano ideológico e político, os embates que se desenrolavam no contexto das relações econômicas.

Todo esse quadro se desenrolou com conseqüências dramáticas que desfiguraram a sociedade brasileira, marcando-a com cicatrizes que o tempo não deverá apagar tão cedo. Às vezes, a história brasileira parece desenvolver-se com irritante falta de imaginação e nenhuma criatividade. Ao contrário do que costuma acontecer na ficção, não houve vencedores e vencidos, no saldo dos confrontos sociais. Todos, de certa maneira, saíram derrotados. Se não é possível negar os extraordinários benefícios econômicos obtidos por alguns setores da sociedade, tampouco se podem esquecer os reveses que sofreram. A classe dominante, e os seus aliados, quando não amargaram profundo arrependimento, tiveram de carregar o fardo de ser reconhecidos e apontados como patrocinadores do golpe e financiadores da máquina de repressão. Os militares comprometeram toda uma imagem de tradição gloriosa, construída ao longo dos anos, que valorizava as Forças Armadas através de constantes evocações do passado, como o heroísmo de Caxias e a bravura da Força Expedicionária Brasileira. A ela se sobrepunha, agora, a sombra dos porões de tortura, da crueldade sádica de inúmeros oficiais e dos crimes hediondos que cometeram. O respeito e a admiração, tão arduamente conquistados, transformaram-se em medo, desprezo e repúdio. Sem contar que o anedotário criado pela contrapropaganda a respeito dos presidentes acabou por contaminar com o ridículo a própria imagem dos generais de maneira geral, sempre tão ciosos em manter a necessária postura de seriedade e honradez. Mas a carga maior, sem dúvida, recaiu sobre grande parte das camadas médias e das classes trabalhadoras, dominadas pelo temor, pela insegurança e pela ignorância forçada. Sujeitas a um obscurantismo que as proibiu de ler e informar-se sobre tudo que estivesse em desacordo com as versões oficiais, perderam muito mais que as liberdades jurídico-formais. Perderam a liberdade de viver como participantes ativos da história, de se conhecer e viver como parte de uma comunidade maior, obrigadas a alienar-se no egoísmo de seus projetos individuais. Nesse contexto, não se podiam formar novos líderes, amordaçados logo que revelassem qualquer capacidade de interpretar anseios e fornecer orientações. E foi justamente a parcela mais inquieta, consciente e idealista que foi forçada a canalizar todo o seu potencial construtivo para a ação destruidora e suicida da luta armada. Mas a pior conseqüência do autoritarismo obscurantista foi a profunda interferência na formação de quase todos os que nasceram a partir dos anos 50 e que, em 1964, ainda não tinham tido condições de amadurecer intelectualmente. Pouco lhes foi possível conhecer, sobre a realidade em que viveram, que fosse além do superficial e aparente. Submetidos a um controle ideológico que criou uma infindável relação de obras e temas "perigosos", acabaram impedidos de pensar de forma crítica. Só um esforço enorme poderá permitir-lhes recuperar o tempo perdido, mas, de qualquer maneira, seu futuro estará irremediavelmente comprometido, como também o do próprio país.


 

NOTAS

 

NOTAS (Introdução)

1- A expressão é emprestada de SANTOS, Teotonio dos. O conceito de classes sociais, pp. 17 e 18.

2- MARX, Karl. O método da economia política, in Para uma critica da economia política, p. 56. Althusser, com outra linguagem, diz: "Tudo se passa na estrutura concreta de processos singulares ... .) para se ter acesso a ela, é preciso socorrer-se de um mínimo de generalidade inexistente, sem o que o discernimento e o conhecimento do existente seriam impossíveis". Cf. ALTHUSSER, Louis. Posições, pp. 85 e 152.

3- Sobre a alternância da análise e síntese, ver: MARX, Karl. Op. cit., pp. 56 e 57. Para uma explicação detalhada e didática do método, ver: PRADO, Caio Jr. Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista.

NOTAS (Referências teóricas)

1- O modelo teórico, descrito neste capitulo, foi elaborado a partir do conhecimento já produzido sobre o fenômeno propaganda. Levamos em consideração as experiências de lideres que foram responsáveis por campanhas historicamente bem-sucedidas, como Lenin (Que Jaire), Hitler (Minha luta), Getúlio Vargas (GARCIA, Nelson J. Estado Novo, ideologia e propaganda política). Consideramos, também, as análises teóricas contidas na bibliografia existente, em especial: DOMENACH, Jean-Marie. A propaganda política; ELLUL, Jacques, Histoire de la propagande; MUCCHIELLI, Roger. Psychologie de la publicité et de la propagande; TCHKHOTHINE, Serge. Le viol des foules par la propagande politique. A expressão "propaganda" é empregada, daqui em diante, com o significado de propaganda ideológica, técnica de difusão de concepções gerais da realidade, com o objetivo de dirigir o comportamento dos indivíduos na sociedade. Distingue-se da publicidade ou propaganda comercial, destinada a induzir à compra de produtos ou utilização de serviços.

2- Umberto Eco. A estrutura ausente, cap. 4. A mensagem persuasiva, pp. 72 a 81. IDEM, Á obra aberta. Entrevista com Umberto Eco, pp. 269 a 283. Adilson Citeli. Linguagem e Persuasão.

3- A. C. Brown,Técnicas de persuasão.

4- Jean-Marie Domenacb. A propaganda política.

5- Sobre o conceito de interesse "objetivo", ver: ISRAEL, Joachim. Observação sobre alguns problemas da teoria marxista das classes sociais, ín POULANTZAS, Nicos, e outros. Teoria das classes sociais, pp. 109 e 110; PLEKHANOV, G. A concepção materialista da história, p. 64; POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais, pp. 105 a 109; SODRE, Nelson W. Fundamentos do materialismo histórico, p. 129.

6- A produção social é entendida aqui como o conjunto das atividades humanas e seus resultados, quer sejam constituídos por bens materiais, conhecimentos ou decisões políticas e normas jurídicas.

7 Marx via o antagonismo entre as classes, no capitalismo, de maneira bastante dramática: "Lo que en un polo es acumulación de riqueza es, en ei polo contrário, es decir, en la clase que crea su propio producto como capital, acumulación de miseria, de tormentos de trabajo, de esclavitud, de despotismo y de ignorancia y degradación moral". Cf. MARX, Karl, El capital, v. 1, p. 547.

8- Sobre o conceito de ideologia, ver: ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado; ANSART, Pierre. Ideologia, conflitos e poder; CHAUI, Marilena. O que é ideologia; MANHEIM, Karl. Ideologia e utopia; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã.

9- Louis Althusser. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado.

10 Umberto Eco. A obra aberta, p. 279

11- A respeito da "universa1ização" e "transferência", em propaganda, ver: CÚNEO, Roberto Fabregat. Propaganda y sociedad, pp. 143 a 168.

12- A respeito da simplificação, em propaganda, ver: DOMENACH, Jean-Marie. A propaganda política, pp. 54 a 59; HITLER, Adolf. Minha luta, p. 121; LENINE, Que faire, pp. 120 a 130.

13- A respeito das formas de controle ideológico, ver: BARTLETT, F. C. La propaganda política, pp. 39 e 40 e MUCCH1ELLI, Roger, La psychologie de la publicité et de la propagande, pp. 85 e 91.

14- A esse respeito, ver: SARGANT, William. Á conquista da mente.

15- A expressão, originária do inglês "brainwashing", foi divulgada nos EUA durante a "Guerra Fria". O exagero, contido num vocábulo que sugere a possibilidade de "lavar" o cérebro, extirpando idéias e introduzindo outras, destinava-se a oferecer uma explicação dramática que justificasse a adesão de civis e militares norte-americanos ao socialismo. A esse respeito, ver: BROWN, J. A. C. Técnicas de persuasão, pp. 252 a 276.

16- No Brasil, essa prática foi imputada às organizações "Tradição, Família e Propriedade", "Opus Dei", alguns projetos da Igreja Católica, à Escola Superior de Guerra, a setores das Forças Armadas e a uma série de entidades de caráter político e religioso.

17 Ainda não há um método ou sistema seguro de aferição da eficácia da propaganda. A publicidade comercial se processa com complexidade relativamente pequena, já que se trata de oferecer um produto ou serviço a determinado público. Mesmo assim, o resultado, que pode ser a credibilidade obtida, a fixação da imagem de marca ou a venda efetiva, depende de tantas variáveis (preço, qualidade, distribuição, promoção no ponto de venda etc.), que ainda não foi possível mensurar o papel de cada uma. A propaganda ideológica, de complexidade muito maior, porque envolve a transmissão de um amplo conjunto de idéias a um número indeterminado e heterogêneo de pessoas, implica um número de variáveis ainda maior sendo, portanto, mais difícil medir seus efeitos.

NOTAS (A Industrialização)

1- SERRA, José. Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-guerra, in LESSA, Carlos et alii. Desenvolvimento capitalista no Brasil, p. 57.

2- A descrição dos ciclos econômicos, desenvolvida a seguir, baseia-se em SERRA, José. Op. cit., pp. 56 a 121; MELLO, João Manuel Cardoso de, e BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Reflexões sobre a crise atual, in LESSA, Carlos et alii. Desenvolvimento capitalista no Brasil, pp. 141 a 158.

3- Segundo José Serra, no início dos anos 60, a capacidade ociosa da indústria automobilística foi estimada em cerca de 50%. Cf. Idem, ibidem, p.82.

4- A respeito do PAEG, ver VIEIRA, Amaral, Intervencionismo e autoritarismo no Brasil, pp. 85 a 88.

5- cf. Contas Nacionais, Fundação Getúlio Vargas, citado em SERRA, José. Op. cit., p. 58.

6- A respeito das taxas de inflação, no Brasil, no período 1960-1983, ver tabela em ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, p. 331.

7- A expressão "classe dominante" se refere, de maneira geral, aos detentores dos meios de produção, na agricultura e na indústria. As designações "classes subalternas", "dominadas" ou "subordinadas" indicam os operários e trabalhadores do campo, bem como as camadas médias, excetuados aqueles setores que, ocupando altos cargos no sistema produtivo ou no Estado, tendiam naturalmente a assumir a defesa dos interesses da classe dominante.

8- Utilizamos a expressão "camadas médias" com uma conotação muito próxima à noção de "pequena burguesia", que Nicos Poulantzas classifica de "pequena burguesia tradicional", formada pela pequena produção e pequeno comércio e "nova pequena burguesia", composta pelos trabalhadores assalariados não-produtivos e os funcionários dos diversos aparelhos do Estado, A esses, acrescentamos os profissionais liberais. Cf. POULANTZAS, Nicos et alii. Teoria das classes sociais, pp. 24 a 29.

9- Paul Singer chama a esse segmento "burguesia gerencial", observando que, em 1960, era composto por 381.680 pessoas, crescendo para 960.226 pessoas em 1976. Cf. SINGER, Paul. Dominação e desigualdade, p 122.

10- SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Política econômica brasileira e internacional, pp. 77, 80 e 81.

11- Em meados de 1967, um professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco ironizava a fúria legisferante do regime, dizendo a seus alunos, dentre os quais se encontrava o A., que adquirissem um exemplar da Constituição, mas não em livrarias, e sim nas bancas de jornais, especializadas em edições semanais.

12- RODRIGUES, Leôncio Martins. O autoritarismo do Estado e a mobilização da sociedade civil, in OLIVEIRA, Maria Lúcia de. A conquista do espaço político, p. 159.

13- A respeito das facilidades de consumo criadas para a classe média, ver VIEIRA, R. A. Amaral. Op. cit., p. 92; CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização, pp. 73 a 80; FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico, pp. 108 e 109.

14- Cf. Dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos sócio-econômicos), O Estado de São Paulo, 25-3-1985, p. 15.

15- DIEESE, Boletim. Edição especial, abril de 1983, p. 3.

16 SINGER, Paul. Dominação e desigualdade, pp. 106 e 107.

17- Em 1978 entraram em greve 539.037 trabalhadores e, em 1979, esse número cresceu para 3.207.994. Cf. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, pp. 251 e 254.

18- A informação sobre a nova forma de greve e sua origem nos anos 60 foi obtida em entrevista com "Negrão", ex-operário da Ford Brasil S.A. e militante sindical nos anos 60 e 70.

19- Cf. SINGER, Paul. Dominação e desigualdade, p. 128.

20- PELACANI, Dante. Os trabalhadores devem influir no Estado. Entrevista, in MOTA, Lourenço Dantas. A história vivida, v. II, p. 293.

21- Brasil em dados 75, p. 170.

22- IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil, p. 78.

23- A respeito do avanço do capitalismo no campo, ver: IANNI, Octavio. A ditadura do grande caoital, pp. 89 a 108.

24- Sobre a origem das organizações de trabalhadores do campo, ver: KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro, pp. 481 e 482.

25- SINGER, Paul. Dominação e desigualdade, p. 130. A abreviatura "p.d." significa "propriamente dito".

NOTAS (A Ideologia)

1- SILVA, Hélio. O poder militar, p. 69.

2- PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil, pp. 223 e 224 (grifo nosso).

3- KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro, p. 473.

4- Esses privilégios, sob a denominação de "mordomias", passaram a ser fartamente denunciados pela imprensa em geral, a partir de julho de 1976.

5- DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, p. 417.

6- Esse conceito de "poder", bastante restrito e preciso, encontra-se em POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais, p. 100.

7- Poulantzas define classe ou fração reinante como "aquela em que se recruta o alto pessoal dos aparelhos de Estado, o pessoal político em sentido lato", ver POULANTZAS, Nicos et alii. Teoria das classes sociais, pp. 38 e 39. A respeito dos militares e tecnoburocratas como "grupo reinante", ver: FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil, pp. 218 e 219.

8- O Plano de Ação Econômica do Governo, de 1964, já mencionava que a ação do governo deveria promover a "criação da ordem dentro da qual operará aquilo que se convencionou chamar de 'forças de mercado'". Citado em IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital, p. 5.

9- IANNI, Octávio. Op. cit., p. 29.

10 Referimo-nos às entrevistas realizadas pelo jornalista José Stacchini, em 1965, republicadas por O Estado de São Paulo de 18-2-84 a 30-3-84.

11- IANNI, Octávio. Imperialismo e cultura, p. 19.

12- BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil, pp. 309 e 394.

13- Citado em DREIFUSS, René A. 1964: a Conquista do Estado, p. 441.

14- As referências aos privilégios econômicos criados para beneficiar o capital estrangeiro, encontram-se em ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, pp. 75, 76 e 107 e MARTINS, Carlos Estevam, Brasil-Estados Unidos, pp. 21 e 22.

15- 50 anos de memória. BASF.

16- ALVES, Maria Helena Moreira. Op. cit., p. 155.

17 MUNHOZ, Aylza. Pensamento em marketing no Brasil, p. 21

18- SERRA, José. Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-guerra, in LESSA, Carlos et alii. Desenvolvimento capitalista no Brasil, pp. 64 e 65.

19- ALVES, Maria Helena Moreira. Op. cit., p. 77.

20- Idem, ibidem, pp. 77 e 78.

21- Idem, ibidem, pp. 81 a 83.

22- Idem, ibidem, p. 108.

23- Idem, ibidem, p. 246 e Fraudes salariais, Retrato do Brasil, pp. 251 e 252.

24- CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização, pp. 31 e segs.

25- A redução dos feriados oficiais foi determinada pelo Decreto-lei n. 86 de 27-12-66.

26- ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil r. 297.

27- Idem, ibidem, p. 244.

28- No período de 1964 a 1979 foram cassados 595 mandatos de parlamentares, prefeitos e governadores. Cf. Idem, ibidem, p. 134.

29- As restrições à propaganda eleitoral foram criadas pelo Decreto-lei 6.639 de 1976. A eleição indireta de senadores foi introduzida pela Emenda Constitucional n.0 8 de 13-4-77.

30- Respectiva mente, Decreto-lei 228, de 28-2-67 e Decreto-lei 477, de 26-2-1969.

31- CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização, pp. 181 a 185.

32- As restrições mais significativas, aos poderes do Legislativo, foram introduzidas com o AI n.0 2, de outubro de 1965, com os diversos Atos Complementares promulgados em 1966 (um deles, n.0 23, de 20-10-66, determinou o fechamento do Congresso por um mês), com a nova Constituição de 1967, com o AI n.0 5, de 13-12-68, que determinou o recesso do Legislativo por tempo indeterminado, e com a Emenda Constitucional n.0 7, de 13-4-77, promulgada após novo fechamento do Congresso.

33- DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, p. 186.

34- A respeito dos diversos planos e programas, ver: IANNI, Octávio A ditadura do grande capital, pp. 5 a 16; VIEIRA, R. A. Amaral. Intervencionismo e autoritarismo no Brasil, pp. 85 a 144.

35- As informações mencionadas a seguir, a respeito da ESG e da "Doutrina da Segurança Nacional", foram obtidas em: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, pp. 33 a 51; ARRUDA, Antonio de. A Escola Superior de Guerra: história da sua doutrina; ASSOCIAÇAO DOS DIPLOMADOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, XIII Ciclo de estudos sobre segurança nacional; COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional; DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado; Revista brasileira de estudos políticos. Número especial sobre a segurança nacional.

36- A respeito da influência civil na ESG e da atuação de militares em empresas privadas, ver: DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, pp. 77 a 82.

37 Dreifuss indica que, até 1975, passaram pela ESG, 1.294 civis, 1.621 militares, além de 25.000 pessoas atingidas pelos cursos rápidos que a Escola promovia por todo o país através de suas filiais, as Associações dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, p. 80.

NOTAS (Evolução)

1- ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, pp. 315 a 328.

2- A respeito da campanha organizada pelo IPES-IBAD, ver: DREIFFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, pp. 229 a 338.

3- DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, p. 452.

4- DINES, Alberto. A verdade em pauta. Folha de São Paulo, 19-6-1977.

5- O Cel. José Maria de Toledo Camargo, responsável pela propaganda oficial no governo Geisel, em entrevista a O Estado de São Paulo de 16-10-77, declarou que Castelo era simpatizante da UDN (União Democrática Nacional), tradicional partido antigetulista e, por essa razão, fora contrário à criação de um órgão similar ao DIP de Vargas.

6- ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, p. 56.

7- RAMPAZO, Gilnei. A imagem oficial retocada para consumo. O Estado de São Paulo, 16-10-1977.

8- BRASIL, AERP. 1.0 Seminário de Relações Públicas do Executivo, p. 44.

9- BRASIL, AERP. Op. cit., p. 45.

10- A imagem de um governo. Veja, 27-11-1968, pp. 14 e 16.

11- O show dos três minutos. Veja, 27-11-1968, p. 69.

12- 25-10-69 a 15-3-74.

13- DINES, Alberto. A verdade em pauta. Folha de São Paulo,19-06-1977.

14- O mandato de Ernesto Geisel durou de 15-3-74 a 15-3-79.

15- O Estado de São Paulo, 01-06-74.

16- ALVES, Maria Helena Moreira. Op. cit., p. 188.

17- O órgão foi criado sob a denominação de Assessoria de Imprensa e Relações Públicas (AIRP), que foi desmembrada em janeiro de 1976, surgindo a ARP.

18 ALVES, Maria Helena Moreira. Op. cit., p. 191.

19- Logo após o discurso de posse, o Presidente Figueiredo, respondendo às perguntas dos jornalistas sobre a abertura política que prometera realizar, lançou esta "pérola": "E pra abrir mesmo e se alguém quiser que eu não abra eu prendo e arrebento". Cf. 50 anos de memória brasileira.

20- No Brasil, as agências de propaganda, geralmente, adotam, como razão social, uma sigla formada pelas iniciais dos nomes ou sobrenomes de seus proprietários. No caso, MPM corresponde a Mafuz, Petroneo e Macedo.

21- O mandato do Presidente Figueiredo duraria de 15-03-79 a 15-03-85.

NOTAS (O controle)

1- Esse padrão de noticiário desenvolveu-se rapidamente, a partir de 1941, no rádio, com a adoção de um modelo de origem norte-americana: o "Repórter Esso" que, em 1952, foi adaptado para a televisão. A esse respeito ver: 60 anos de rádio. Propaganda, p 30 e Imagens do Brasil (vídeo).

2- BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, p. 142.

3- A respeito das diversas medidas, na área de telecomunicações, ver: BRASIL. Instituto de Planejamento Econômico e Social. Brasil: 14 anos de revolução, pp. 63 a 66.

4- HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo, pp. 121 e segs.

5- CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa, p. 21.

6- BRASIL. Presidência da República. Mercado Brasileiro de Comunicação, p. 87.

7- POMPEU, Sérgio. Uma instituição nacional. Retrato do Brasil, p. 200.

8- O regime de concessão foi criado em 1932, para o rádio, e estendido para a televisão em 1952.

9- REIS, Sirlene e MARTINS, Valvênio. Os donos da voz. Retrato do Brasil, p. 46.

10- MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira, p. 168.

11- Cf. Decreto 52.795, de 31-10-63.

12- As referências ao acordo encontram-se em: Folha de São Paulo, 13-09-70; Jornal da Tarde, 31-05-72; O Estado de São Paulo, 03-OS-73, 10-08-73 e 16-12-79.

13- Isto É, 21-12-77.

14- O Estado de São Paulo, 1S-06-77.

15- O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, 17-06-77.

16- BRASIL, IBGE e BIBLIEX. A nação que se salvou a si mesma.

17- Jornal da Tarde, 144>1-76.

18- MAGALHÃES, Irene Maria et alii. Seg. e Terc. ano do gov. Costa e Silva. Dados, pp. 183 e 186.

19- MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 148.

20- Respectivamente, artigos 14, 16, 1 e 17.

21- Artigo 63.

22- Artigo 9.

23- Artigo 16. 24- BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, p. 5.

25- Artigo 34

26- Artigo 54.

27- BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, pp. 6, 7 e 253.

28- MARCONI, Paolo. Op. Cit., pp. 80, 81 e 87.

29- MARCONI. Paolo. Op. cit., p. 173.

30- MARCONI, Paolo. Op. cit., pp. 225 a 303. Esses números são incompletos; referem-se, principalmente, à censura sobre a imprensa e em alguns casos se referem a assuntos repetidos. Dessa forma, apenas autorizam a conclusão de que a ação da censura era bastante intensa.

31- MAKLOUF, Luis. A guerra da censura. Retrato do Brasil, p. 142.

32- POMPEU, Sérgio. Uma instituição nacional. Retrato do Brasil, p. 400.

33- MAKLOUF, Luiz. Op. cit., p. 144.

34- A respeito da censura sobre livros, ver: BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, pp. 375 a 386.

35- Id., ibid., p. 277.

36- BRASIL. Congresso Nacional. Op. cit., p. 276.

37- Id., ibid., p. 113.

38- MACHADO, J.A.Pinheiro. Opinião x Censura, pp. 122 a 123.

39- A respeito da amplitude e das conseqüências da censura, ver os diversos depoimentos existentes em BRASIL. Congresso NacionaL Op. cit. e Os impasses da cultura. Visão, agosto de 1973, pp. 101 a 130.

40- KLEIN, Lúcia e FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e coação no Brasil pós-64, p. 152.

41- ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, p. 59.

42- ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. O Livro Negro da USP, pp. 16, 17, 40 e 41

43- A respeiro da exigência dos atestados na USP, ver: ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES. Op. Cit. Pp. 55 e 56; para dirigentes sindicais, ver: MAGALHÃES, Irene Maria. Op. cit. P. 155

44- Os anos de luta e morte. Afinal, p. 22

45- Os anos de luta e morte. Afinal, p. 14.

46- SARGANT, William. A conquista da mente.

47- O Estado de São Paulo, 13-10-77.

48- As citações aqui indicadas, sobre a propaganda a respeito das ações comunistas, encontram-se num folheto, elaborado pela Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura, intitulado Como eles agem, reproduzido em parte em O Estado de São Paulo de 31-01-74. Ver outras mensagens, no mesmo sentido, em MARCONI, Paolo. Op. cit., pp.16 a 25.

49- CAMARGO, Enjolras J. C. Estudo de Problemas Brasileiros, p. 90.

50- MARCONI, Paolo. Op. cit., pp. 14 a 20.

51- Palestra do representante do Centro de Documentação do Ministério do Exército, Folha de São Paulo de 19-11-75.

52- Idem.

53- CAMARGO, J. C. Op. cit., p. 97; MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 15; ANDRADE, Benedicto de. Educação Moral e Cívica, p. 170.

54- ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES. O livro negro da USP, p. 21.

55- PRETA, Stanislaw Ponte. FEBEAPÁ 1, p. 9.

56- VASCONCELOS, Teófilo. Propaganda e contrapropaganda, pp. 61 a 63.

57- FON, Antonio Carlos. Tortura, pp. 12 e 13.

58- ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, pp. 160 e 161.

59- Trata-se de uma expressão inadequada porque sugere a possibilidade de "lavar" o "cérebro", extirpando as idéias nele existentes, substituindo-as por outras. As inúmeras descrições contidas na literatura sobre o assunto permitem entrever que, na verdade, trata-se de uma prática que procura orientar suas vítimas a se comportarem de determinadas formas que correspondem a tendências já existentes, embora canalizando-as para determinado sentido por elas não desejado, inicialmente. Dentre as obras a respeito, destacamos: BROWN, J. A. C. Técnicas de persuasão; GOFF, K. et alii, Psicopolítica, HUNTER, E., Brainwashing; MERLOO, J. A. O rapto do espírito; PANE, Ruben Ramirez. Capítulos de psicopolítica; SARGANT, William. Op. cit.; SARGANT, William. A possessão da mente.

60- A respeito dessa "desestruturação", como efeito de torturas, sob o enfoque psicológico, ver: NAFFAH Neto, A. Poder, vida e morte na situação de tortura.

61- Todas as informações que se seguem foram obtidas em entrevistas com pessoas que participaram dos fatos descritos e exigiram que não fossem gravados ou anotados seus depoimentos, além da promessa de mantê-las anônimas.

62- A respeito das formas de tortura, ver: ARNS, D. Paulo Evaristo. Brasil nunca mais. Sobre as consequências psicológicas, ver: NAFFAH Neto, Alfredo. Op. cit.

NOTAS (A Propaganda)

1- MARX, Karl e ENGELS, Frederico. Manifesto do Partido Comunista, pp. 19 a 29.

2- Uma das organizações, o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), tornou-se tão importante, por sua atuação em prol das reformas sociais, que o General Amaury Kruel chegou a propor sua neutralização, por João Goulart, como último recurso para evitar o golpe armado. Cf. SKIDMORE, Thomas. Brasil de Getúlio a Castelo, p. 363.

3- A respeito da concorrência entre operários, determinando um "efeito de isolamento" que oculta suas relações como relações de classe, ver: POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais, pp. 126 a 133.

4- Informação obtida em entrevista de 17-07-87, com "Negrão", metalúrgico da Ford entre 1965 e 1975 e militante sindical nos três últimos anos de trabalho.

5- Respectivamente, TV-AGO. 73, Revista-ABR 75 e Revista AGO. 76. A análise das campanhas foi realizada sobre dados obtidos na bibliografia indicada, folhetos do governo, jornais e revistas da época. Além disso, foram estudadas cerca de 2.000 fotofichas existentes no "Arquivo da Propaganda", cada uma relativa a uma peça de propaganda (anúncio, filme, cartaz ou outdoor. Sempre que nos referimos a uma dessas fotofichas, o faremos pela indicação abreviada do veículo, mês e ano da divulgação.

6- TV-SET. 80.

7- Rádio-MAl. 78.

8- A censura vetou alguns filmes que tratavam de problemas do Nordeste e da Amazônia, porque o tema era "ideologicamente negativo e contrário à idéia de desenvolvimento do governo". Cf. MAKLOUF, Luis. A guerra da censura. Retrato do Brasil, p. 143. Foi proibida, também, a divulgação de um manifesto dos bispos nordestinos: "Eu ouvi os clamores do meu povo", que se referia ao mesmo assunto. Cf. MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira, p. 254.

9- Respectivamente: TV-JUN. 80; BRASIL, IPES. Brasil: 14 anos de revolução, pp. 101 a 119; TV-OUT. 79; TV-FEV. 78.

10- BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento, pp. 58 e 59.

11- Rádio-DEZ. 76.

12- TV-MAR. 80.

13- BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento, p. 58.

14- Id., ibid., pp. 10 a 18.

15- TV-ABR. 80.

16- TV-MAR. 75 e TV-AGO. 77.

17- GARCIA, Ana Lúcia. Propaganda oficial e bem-estar social ou propaganda social e bem-estar oficial, pp. 46 a 49.

18- TV-ABR. 75; GARCIA, Ana Lúcia. Op. cit., p. 47; MARCONI, Pao1o. Op. cit., p. 286.

19- Rádio-OUT. 73.

20- GALLETTI, Maria Luisa Mendonça. Propaganda e legitimação do poder, p. 79.

21- TV-AGO. 73

22- Os ministros que tiveram maior influência nos sucessivos governos, devido à sua enorme força decisória na área econômica, como Octávio Bulhões, Roberto Campos, Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen e mesmo Golbery do Couto e Silva, tantas vezes apontado como a "eminência parda" do regime, eram todos intimamente ligados a empresários nacionais e estrangeiros. Foram, inclusive, membros ativos do grupo de empresários que se articulara no IPES contra o governo João Goulart. Nesse sentido, ver: DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado, pp. 162 a 208.

23- MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 233.

24- Id., ibid., p. Si.

25- Id., ibid., p. 260.

26- ADESG, XIII Ciclo. Objetivos Nacionais Permanentes, pp. 24 e 25.

27- Dante Moreira Leite demonstrou que, desde 1880, vinha sendo formulada uma ideologia do caráter brasileiro, divulgada através das obras de filósofos, sociólogos e literatos; ver: O caráter nacional brasileiro.

28- ADESG. XIII Ciclo. Objetivos Nacionais Permanentes, pp. 21 a 24.

29- FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O partido político na democracia brasileira, pp. 27 e 28.

30- TV-SET. 73 e TV-AGO. 75.

31- MARCONI, Paolo. Op. cit., pp. 226 a 301.

32- Id., ibid., p. 249.

33- Idem, ibid., p. 243.

34- Lei 4.504, de 30-11-64.

35- Emenda Constitucional n. 10, de 09-11-64.

36- Jornal-NOV. 78.

37- AZEVEDO, Sérgio de e ANDRADE, L. A. Gama. Habitação e poder, p. 91.

38- AZEVEDO, Sérgio de e ANDRADE L. A. Gama. Op. cit., p. 59.

39- Lei Complementar n. 7, de 07-09-1970.

40- TV-OUT. 73.

41- A respeito do jogo de argumentos sobre a política salarial, ver:IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital, pp. 79 a 88.

42- Rádio-MAR. 77.

43- Tv-ABR. 77.

44- Dentre outras, foram apresentadas como as maiores do mundo: a usina de Itaipu (TV e Rádio-MAT. 79), as jazidas de ferro de Minas Gerais, Pará e Cajamar (TV-JAN.-FEV. 78). A usina de Tucurui era uma das maiores do mundo (TV-JAN. 78). A Cia. Vale do Rio Doce alcançaria o 1o. lugar entre as empresas do mundo ocidental (Folheto-JAN. 78).

45- MARX, KarI e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista, p. 19. 46- MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 233.

47- Id., ibid., p. 236.

48- POMPEU, Sérgio. Uma instituição nacional. Retrato do Brasil, p. 400.

49- TV-FEV. 80 e Veja, 14-01-70.

50- Respectivamente: TV-AGO. 76, TV-SET. 76, Rádio-AGO. 78 e rv-JUL. 76.

51- Respectivamente: TV-NOV. 73, TV-ABR. 76, TV4UN. 76, TVABR. 78 e TV-OUT. 79. Há referências a respeito de exaltações às medidas do governo, em benefício da população, na música sertaneja, mas sem indícios seguros de que tenha havido orientação de autoridades ligadas ao sistema de propaganda oficial. Nesse sentido, ver: CALDAS, Waldenyr. Acorde na aurora, pp. 129 a 134.

52- RAMPAZZO, Gunei. A imagem oficial retocada para consumo. O Estado de São Paulo, 16-10-1977.

53- BRASIL. AERP. O Brasil que os brasileiros estão fazendo, pp. 2, 7 e 18.

54- BRASIL, AERP. Op. cit., p. 16.

55- Id.,ibid.

56- Veja, 15-10-69 e TV-NOV. 75.

57- 50 anos de memória nacional. BASF.

58- No cinema, foram produzidos alguns poucos filmes envolvendo temas "brasileiros", como "Independência ou Morte", de Carlos Coimbra, "São Bernardo", de Leon Hirzman, e "Os Inconfidentes", de Joaquim Pedro de Andrade, os dois últimos com uma postura crítica que não coincidia com as intenções do governo. Na música, raríssimas composições revelaram alguma preocupação patriótica, destacando-se uma de Dom e Ravel, marcada por um ufanismo exagerado, onde se dizia: "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Meu coração é verde-amarelo-branco-azul-anil . . Ninguém segura a juventude do Brasil". A esse respeito, ver: RAMOS J. M. Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais, pp. 89 a 108; CALDAS, Waldenyr. Iniciação à música popular brasileira, pp. 69 e 70.

59- Rádio-FEV. 78.

60- TV-SET. 79.

61- TV-JAN. 74.

62- TV-AGO. 76.

63- A produção desses adesivos era atribuída ao governo; todavia, quando perguntado a respeito, o dirigente da AERP esquivou-se. Alegou que" tem o maior respeito por quem lançou o tema e que reconhece sua força de comunicação, mas não o apoiou... nós preferíamos parar no Ame-o". Cf. Assim é feita a boa imagem do Brasil. O Estado de São Paulo, 3-O9-1970.

64- MARCONI, Paolo. Op. cit., pp. 57 e 58.

65- Respectivamente: TV-AGO. 73, TV-MAR. 80, Jornal-AGO. 80.

66- Os índices foram calculados com base em dados de: BRASIL, IBGE. Anuário, 1973, pp. 39, 40, 42, 59 e 62.

67- A respeito da combinação de imagens, no discurso integralista, ver: CHAUI, Marilena e FRANCO, M. 5. Carvalho. Ideologia e mobilização popular, pp. 31 a 48.

68- RAMPAZZO, Gilnei. A imagem oficial retocada para consumo. O Estado de São Paulo, l&10;-1977.

69- TV-AGO. 75.

70- TV-NOV. 73.

71- Rádio-AGO. 80.

72- BRASIL, II Plano Nacional de Desenvolvimento, p. 58.

73- Respectivamente: mineração de urânio em Poços de Caídas (TVABR. 78), quilometragem de rodovias construídas pelo Exército (RádioAGO. 78), altura da barragem de Itaipu (TV-MAI. 79).

74- Respectivamente: produção de energia elétrica (TV-ABR. 74), produção dos estaleiros (TV-ABR. 74), reservas do projeto Trombetas (TVJAN. 79).

75- A respeito da relação entre símbolos e reflexos condicionados, ver: TCHAKHOTINE, Serge. Le viol des foules, pp. 260 e segs.

76- Sobre a participação de publicitários profissionais nas campanhas do governo, ver: Propaganda, a revista e seu prêmio para o governo. Jornal da Torde, 21-12-70.

77- Respectivamente: Revista-AGO. 77, Jornal-SET. 79 e Rádio-SET. 79.

78- BARRETO, Roberto Menna. Criatividade em propaganda, p. 219.

79- Brasil, novo produto. Folha de São Paulo, 10-11-70.

80- A propaganda sutil que cobre o país. O Estado de São Paulo, 03-08-73. e TV-NOV. 78.

81- BARRETO, R. Menna. Op. cit., p. 195.

82- Revista-SET. 78. Refere-se à participação de estudantes em projetos da iniciativa privada.

83- Jornal-SET. 79. Sobre a presença de Figueiredo na solenidade comemorativa da Semana da Pátria, no Ipiranga, em São Paulo.

84- Jornal-NOV. 80. Sobre o valor das exportações de café. 85- Veja, 02-04-69.

86- TV-JUN. 80. 87- BARRETO, Roberto Menna. Op. cit., p. 211.

88- Rádio-AGO. 73.

89- TV-OUT. 79.

90- TV-DEZ. 80.

91- TV-DEZ. 73.

92- Respectivamente: TV-NOV. 73, TV-SET. 74, TV-ABR. 75 e TvFEV. 77.

93- BARRETO, R. Menna. Op. cit., p. 194.

94- A respeito da permanência desses princípios, na história brasileira, ver: JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional.

95- Preâmbulo do Ato Institucional a. 1, de 09-04-64.

96- Emenda Constitucional n. 1, de 17-10-69.

97- O percentual da população, de religião católica romana era de 95% em 1940, 93,5% em 1950 e 91,8% em 1970. Cf. BRASIL. IBGE. Anuário, 1973, p. 40.

98- A Igreja Católica, à medida que assumiu a postura de "opção preferencial pelos pobres", foi abandonando essa linha doutrinária de induzir seus adeptos à submissão e espera da salvação eterna. A nova orientação, contudo, só foi oficialmente adotada, para a América Latina, no II Encontro do Episcopado Latino-americano de Medelím em 1968, para se generalizar em meados dos anos 70.

99- Um folheto, a respeito do movimento de 1964, referia-se aos comunistas brasileiros como "chefes vermelhos do Brasil" e, sobre os estrangeiros, dizia: "Os vermelhos olhavam com água na boca o grande país", Cf. BRASIL, IBGE e BIBLIEX. A nação que se salvou a si mesma.

NOTAS (A Contrapropaganda)

1- A denúncia política, uma das táticas mais importantes para a expansão do movimento socialista internacional, teve em Lenine um de seus mais hábeis formuladores. Segundo ele, .... uma das condições essenciais para a necessária ampliação da agitação política consiste em organizar denúncias políticas em todos os domínios. Somente essas denúncias podem formar a consciência política e suscitar a atividade revolucionária das massas". Cf. LENINE. Que faire, p. 124. (Trad. nossa).

2- Essa visão correspondia ao pensamento leninista, segundo o qual "os trabalhadores, como dissemos, não podiam possuir, ainda, a consciência social-democrata. Ela só podia originar-se do exterior. A história de todos os países atesta que, por suas próprias forças, a classe operária não alcança mais que uma consciência trade-unionista... Quanto à doutrina socialista, ela nasceu das teorias filosóficas, históricas e econômicas elaboradas pelos representantes mais cultos das classes possuidoras, pelos intelectuais". LENINE. Op. cit., p. 85. (Tradução nossa).

3- A respeito da atuação desses grupos teatrais, ver: HOLLANDA, Heloisa B. e GONÇALVES, Marcos A. Cultura e participação nos anos 60; MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política; STOTZ, Eduardo N. et alii. 20 anos de resistência.

4- VASCONCELOS, Gilberto. Música popular: de olho na fresta, p. 42.

5- A produção cinematográfica, de cunho social e político, foi relativamente extensa no período. Todavia, a censura impediu que grande parte dos filmes pudessem ser exibidos, fato que diminuiu sua importância como meio de contrapropaganda. A respeito dessa produção, ver: BERNARDET, Jean-Claude et alii. Anos 70 — Cinema; BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo; HOLLANDA, H. B. e GONÇALVES, M. A. Op. cit.; RAMOS, José M. Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais; STOTZ, E. N. et alii. Op. cit.

6- 50 anos de memória brasileira. BASF.

7- HOLLANDA, H. B. e GONÇALVES, M. Op. cit., p. 76.

8- Id., ibid., p. 76.

9- SILVA, Hélio. O poder militar, p. 437.

10- Sobre a organização da Frente Ampla, ver: SILVA, Hélio. Op. cit., pp. 429 a 436.

11- Id., ibid., p. 435.

12- ALVES, M. H. Moreira. Estado e oposição no Brasil, p. 128.

13- HENFIL. Como se faz humor político, p. 73.

14- VASCONCELOS, Gilberto. Op. cit., p. V.

15- ALVES, M. H. Moreira. Op. cit., p. 157.

16- A respeito dos manifestos da guerrilha, ver: GABEIRA, Fernando. Carta sobre a anistia, p. 49; JOSE, E. e MIRANDA, O. Lamarca. O capitão da guerrilha, pp. 99 e 100; TAPAJÔS, Renato. Em câmara lenta, pp. 66 a 69.

17- A respeito dos comunicados e do jornal, ver: PORTELA, Fernando. Guerra de guerrilhas no Brasil, pp. 219 e 220.

18- A respeito das atividades do grupo de Lamarca, ver: Diário de Carlos Lamarca. Folhetim, Folha de São Paulo.

19- Idem, p. 83.

20- Idem, p. 84.

21- MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira, p. 172.

22- Id., ibid., pp. 181 a 187.

23- BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio, p. 259.

24- MARCONI, Paolo. Op. cit., p.4.

25- BRASIL. Congresso Nacional. Op. cit., p. 254.

26- MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 310.

27- Jo Soares e Chico Anisio, por exemplo, satirizaram vários presidentes e ministros, mas o fizeram de tal forma que contribuíram para torná-los mais populares, tanto que não tiveram problemas com a censura.

28- PRETA, Stanislaw Ponte. FEBEAPÁ 1, pp. 9 a 47.

29- HENFIL. Op. cit., p. 49.

30- O Estado de São Paulo, 12-12-79.

31- ZIRALDO, 1964-1984: 20 anos de prontidão, p. 52.

32- O Pasquim n. 372, 17 a 23-09-76, pp. 29 e 31.

33- BETTO, Frei. O que é comunidade eclesial de base, p. 22.

34- Id., ibid., p. 57.

35- BETTO, Frei. Op. cit., p. 46.

36- PIERUCCI, Antonio Flávio de Oliveira et alii. Igreja católica: 1945-1970, in FAUSTO, Boris, III — O Brasil Republicano, pp. 353 a 369.

37- ALVES, M. H. Moreira. Op. cit., pp. 201 a 203.

38- PIERUCCI, Antonio Flávio de Oliveira et alii. Op. cit., p. 379.

39- ALVES, M. H. Moreira. Op. cit., pp. 230 a 236.

40- A respeito dos métodos empregados pelas CEBs, ver: ALVES, M. H. Moreira. Op. cit., pp. 230 a 236 e BETTO, Frei. Op. cit.

41- BETTO, Frei. Op. cit., p. 25.

42- A grande imprensa e as autoridades governamentais aproveitaram a primeira referência às "patrulhas", feita pelo cineasta Cacá Diegues a O Estado de S. Paulo, em 31-08-78, para fazer enorme estardalhaço em torno do assunto. Dizia-se que o "patrulhamento" era uma tática comunista orientada pela URSS, que as "patrulhas" atuavam através do medo, da coação, apelando para a mentira, a dissimulação e a provocação. Mais uma vez o fantasma do comunismo era empregado para tentar neutralizar os opositores do regime. A esse respeito, ver: O Estado de 5. Paulo, 22-04-79 e PEREIRA, C. A. M. e HOLLANDA, H. B. Patrulhas ideológicas.

43- As palavras de ordem encontram-se em panfletos elaborados pela União Nacional dos Estudantes, União Estadual dos Estudantes de São Paulo e grupo "Liberdade e luta", de São Paulo.

44- Carta aos brasileiros, agosto de 1977.

45- ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil, pp. 201, 218 e 219.

46- Para uma descrição mais pormenorizada do movimento pela anistia, ver: Em busca de justiça. Retrato do Brasil, pp. 31 a 34.

47- HENFIL. Op. cit., p. 50.

48- Dia nublado, filme de Renato Tapajós.

49- DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÂO SOCIAL DA CIA. DE CIGARROS SOUZA CRUZ. 80 anos de Brasil, p. 116.


 

BIBLIOGRAFIA

 

1. ALBIG, William. Modern Public Opinion. New York, McGraw-Hill, 1956.

2. ALTHUSSER, Louis. La filosofia como arma de la revolución. 6a. ed.., Buenos Aires, Pasado y presente, 1974.

3. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. São Paulo, Martins Fontes, s.d.

4. ALTHUSSER, Louis. Posições. Rio de Janeiro, Graal, 1978.

5. ALVES, Márcio Moreira. A Igrela e a política no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1979.

6. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 2.a ed.., Petrópolis, Vozes, 1984.

7. ANDRADE, Benedicto de. Educação Moral e Cívica. 4a ed.., São Paulo, 1974.

8. ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.

9. ARNS, D. Paulo Evaristo (prefaciador). Brasil, nunca mais. Petrópohs.. Vozes, 1985.

10. ARRUDA, Antonio de. A Escola Superior de Guerra: história da sua doutrina 2a. ed.., São Paulo, GDR/INL, 1983.

11. ASCH, Solomon Elliot. Psicologia social. 3a ed., São Paulo, Nacional, 1971. ASSOCIAÇÃO DOS DIPLOMADOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. XIII Ciclo de estudos sobre Segurança Nacional. São Paulo, s.c.p., 1971. (11 fascículos).

12. ADUSP (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo). O livro negro da USP. O controle ideológico na universidade. 2a. ed., São Paulo, Brasiliense, 1979.

13. AZEVEDO, Sérgio de & ANDRADE, Luis Aureliano. Habitação e poder.Da fundação da casa popular ao Banco Nacional da Habitação. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.

14. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.

15. BARRETO, Roberto Menna. Criatividade em propaganda. Rio de Janeiro, Documentário, 1978.

16. BARTLETT, F. C. La propaganda política. Buenos Aires, Huella, 1956.

17. BERNARDET, Jean-Claude et alii. Anos 70 — cinema. Rio de Janeiro, Europa, 1979.

18. BERNARDET, Jean-Claude Cineastas e imagens do povo. São Paulo, Brasiliense, 1985.

19. BETTO, Frei. O que é comunidade eclesial de base. São Paulo, Brasiliense, 1986.

20. BRASIL. Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República. 1.0 Seminário de Relações Públicas do Executivo. Recomendações das Comissões. Guanabara, s.c.p., 1968.

21. BRASIL. Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República. O Brasil que os brasileiros estão fazendo. Brasilia, s.c.p., 1978.

22. BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Simpósio. Censura: histórico, situação e solução. Brasília, "Diário do Congresso Nacional". Suplemento ao n. 154. Congresso Nacional, dezembro de 1980.

23. BRASIL EM DADOS 75. Rio de Janeiro, Rio Gráfica/índice/Globo, 1975. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil: 1973. Rio de Janeiro, IBGE, 1973.

24. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Biblioteca do Exército Editora. A nação que se salvou a si mesma. Rio de Janeiro, Centro de Serviços Gráficos do IBGE, 1978.

25. BRASIL, Instituto de Planejamento Econômico e Social. Brasil: 14 anos de Revolução. Brasília, IBGE, 1978.

26. BRASIL. Ministério do Exército. Inquérito Policial-Militar n. 709. Rio de Janeiro, BIBLIEX, 1967. (4 vol.).

27. BRASIL. Presidência da República. Gabinete Civil. A comunicação social na Presidência da República. Brasília, Secretaria de Imprensa e Divulgação, 1984.

28. BRASIL. Presidência da República. Gabinete Civil. Sistema de comunicação social do poder executivo. Brasília, Secretaria de Imprensa e Divulgação, 1982.

29. BRASIL. Presidência da República. Legislação brasileira de comunicação social. Brasília, Secretaria de Imprensa e Divulgação, 1982.

30. BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento. São Paulo, "Sugestões Literárias", 1975.

31. BROWN, J. A. C. Técnicas de persuasão. 2a. ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1971.

32. CALDAS, Waldenyr. Acorde na aurora. 2a. ed., São Paulo, Nacional, 1979. 33. Iniciação á música popular brasileira. São Paulo, Ática, 1985. 34. CAMARGO, Enjolras José de Castro. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo, Atlas, 1977.

35. CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre, L±, 1982.

36. Comunicação de massa sem massa. São Paulo, Cortez, 1980.

37. CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. 3a. ed., Paz e Terra, 1975.

38. CARNEIRO, Glauco. História das revoluções brasileiras. Rio de Janeiro, "O Cruzeiro", 1965.

39. CASTRO, Marcos de. 64: Conflito Igrela x Estado. Petrópolis, Vozes, 1984.

40. CHAUI, Marilena & FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro. CEDEC, Paz e Terra. 1978.

41. CHAUI, Marilena. O que é ideologia. São Paulo, Brasiliense, 1980.

42. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo, Ática, 1985.

43. COMBLIN, Joseph. A ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina. 3a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980.

44. COMISSÃO NACIONAL DE MORAL E CIVISMO. Educação moral e cívica. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1982.

45. CUNEO, Roberto Fabregat. Propaganda y socíedad. México, Panamericana, 1961.

46. DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA CIA. SOUZA CRUZ. 80 anos de Brasil. São Paulo, abril, 1983.

47. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATíSTICA E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS. Boletim do Dieese. Edição especial, São Paulo, abril de 1983.

48. DOMENACH, Jean-Marie. A propaganda política. 2.a ed., São Paulo, DIFEL, 1963.

49. DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do estado. Ação política, poder e golpe de classe. 3a. ed., Petrópolis, Vozes, 1981.

50. ELLUL, Jacques. Histoire de la propagande. Paris, PUF, 1967.

51. FAUSTO, Boris (org.). III — O Brasil republicano. 4. Economia e cultura.

52. 2.a ed., São Paulo, 1986.

53. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 3a. ed., Rio de Janeiro, Zaliar, 1987.

54. FON, Antonio Carlos. Tortura. A história da repressão política no Brasil. 6.a ed., São Paulo, Global, 1981.

55. FRASER, Lindley. Propaganda. New York — Toronto, Oxford University Press, 1957.

56. FREITAG, Barbara. Escola, estado e sociedade. 4a. ed., São Paulo, Moraes, 1980.

57. FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 4.a ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.

58. GABEIRA, Fernando. Carta sobre a anistia. Rio de Janeiro, Codecri, 1979. GALLETTI, Maria Luisa Mendonça. Propaganda e legitimação do poder. Brasil:1970-1978. Brasília, Dissertação de mestrado (mimeo.), 1981.

59. GARCIA, Ana Lúcia. Propaganda oficial e bem -estar social ou propaganda social e bem-estar oficial. São Paulo, Dissertação de mestrado, Faculdade de Saúde Pública — USP, 1979.

60. GARCIA, Nélson J. Estado Novo, ideologia e propaganda política. São Paulo, Ed. Loyola, 1982.

61. GARCIA, Nélson J. O que é propaganda ideológica. São Paulo, Brasiliense, 1982.

62. GIORDANI, Marco Poilo. Brasil sempre. Porto Alegre. Tchê, 1986.

63. GOFF, Kenneth et alii. Psicopolítica. A técnica de lavagem cerebral, s.l.,s.e., s.d.

64. HENFIL. Como se faz humor político. 2.a ed., Petrópolis, Vozes, 1985.

65. HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. 8.a ed., Porto Alegre,Tcbê, 1987.

66. HITLER, Adolf. Minha luta. 8.a ed., São Paulo, Mestre Jou, 1962.

67. HOLLANDA, Heloisa Buarque de & GONÇALVES, Marcos A. Cultura e participação nos anos 60. 2.a ed., São Paulo, Brasiliense, 1982.

68. HUNTER, Edward. Brainwashing. New York, Pyramid, 1957.

69. IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. 3a. ed., Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1975.

70. IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981.

71. IANNI, Octávio. Imperialismo e cultura. Petrópolis, Vozes, 1976.

72. JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional, 5.a ed., Rio de Janeiro,Forense, 1967.

73. JOSE, Emiliano & MIRANDA, Oldack. Lamarca, o capitão da guerrilha. 9a. ed., São Paulo, Global, 1984.

74. KAGEYAMA, Angela A. et alii. Desenvolvimento capitalista no Brasil n. 2. 2.a ed., São Paulo, Brasiliense, 1983.

75. KLEIN, Lúcia & FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e coação no Brasil pós-64. Rio de Janeiro, Forense, 1978.

76. KORTUNOV, V. Ideologia y política. Moscou, Progresso, 1977.

77. KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro: 1857 a 1967. São Paulo, Alfa-Omega, 1982.

78. KRAUSCHE, Valter Antonio T. A rosa e o povo: a arte engajada nos anos 60 no Brasil. São Paulo, Dissertação de mestrado, PUC-SP (mímeo.), 1984.

79. LABIN, Suzanne. Em cima da hora. 3a. ed., Rio de Janeiro, Record, 1964.

80. LAMOUNIER, Bolivar. Ideologia em regimes autoritários: uma crítica a Juan 1. Lins in Estudos CEBRAP 7, São Paulo, CEBRAP, 1974.

81. LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. 2.a ed., São Paulo, Pioneira, 1969.

82. LENINE. Que faire. Paris, Seuil, 1966.

83. LESSA, Carlos et alii. Desenvolvimento capitalista no Brasil. Ensaios sobre a crise, n. 2. 3a. ed.., São Paulo, Brasiliense, 1984.

84. MACHADO, J. A. Pinheiro. Opinião x Censura. Momentos da luta de um jornal pela liberdade. Porto Alegre, L±, 1978.

85. MANHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.a ed.., Rio de Janeiro, Zabar, 1972.

86. MARCONDES F.o Ciro. Quem manípula quem. Poder e massas na indústria da cultura e da comunicação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1986.

87. MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira. 2.a ed.., São Paulo, Global, 1980.

88. MARTINS, Carlos Estevam. Brasil-Estados Unidos: dos 60 aos 70. São Paulo, CEBRAPlBrasiliense, 1975.

89. MARTINS, Heloisa Helena Teixeira de Souza. O Estado e a burocratização do slndicato no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1979.

90. MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.

91. MARX, Karl. El capital. Critica de la Economia Política. Tomo 1, 13.a ed., México, Fondo de Cultura Econômica, 1978.

92. MARX, Karl. Para uma crítica da economia política. São Paulo, Global, 1979.

93. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Lisboa / São Paulo, Presença Martins Fontes, s.d.

94. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo, Global, 1981.

95. MEERLOO, Joost A. M. O rapto do espírito. São Paulo, Ibrasa, 1959.

96. MICELI, Sérgio. Estado e cultura no Brasil. São Paulo, DIFEL, 1984.

97. MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: A rena, Oficina e Opinião. São Paulo, Proposta Editorial, 1982.

98. MOTA, Lourenço Dantas (coord.). A história vivida (entrevistas). São Paulo, "O Estado de 5. Paulo", 1982, 3 vol.

99. MUCCHIELLI, Roger. Psychologie de la publicité et de la propagande. Paris, Entreprise moderne d'éditions, 1970.

100. MUNHOZ, Aylza M. Pensamento em Marketing no Brasil: um estudo exploratório. São Paulo, Dissertação de mestrado, FGV (mimeo.), 1982.

101. NAFFAH NETO, Alfredo. Poder, vida e morte na situação de tortura. Esboço de uma fenomenologia do Terror. São Paulo, Hucitec, 1985.

102. OLIVEIRA, Eliezer de et alii. As Forças Armadas no Brasil. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1987.

103. OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista in Seleções CEBRAP 1, 3a. ed., CEBRAP/Brasiliense, 1977.

104. OLIVEIRA, Maria Lúcia de (coord.). A conquista do espaço político. São Paulo, "Jornal da Tarde", 1983.

105. PANE, Ruben Ramirez. Capítulos de psicopolítica. Asunción, s.e., 1975. 106. PEREIRA, Carlos Alberto M. & HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Patrulhas ideológicas. São Paulo, Brasiliense, 1980.

107. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1976.

108. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A sociedade estatal e a tecnoburocracía. 2a. ed., São Paulo,Brasiliense, 1982.

109. PLEKANOV, Guiorgui. A concepção materialista da história. 5a. ed.., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

110. PORTELA, Fernando. Guerra de guerrilhas no Brasil. 6.a ed., São Paulo, Global, 1984.

111. POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo, Martins Fontes, 1977.

112. POULANTZAS, Nicos ct alii. Teoria das classes sociais. Porto, Escorpião, 1976.

113. PRADO JR., Caio. Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista. São Paulo, Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1979.

114. PRETA, Stanislaw Ponte (Sérgio Porto). Primeiro festival de besteiras que assola o país. FEBEAPÁ 1. São Paulo, Círculo do Livro, s.d.

115. RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70.

116. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.

117. REALE, Miguel. Filosofia do Oireito, 5a. ed., Saraiva, 1969.

118. REIS F.o, Daniel Aaráo & SA, Jair Ferreira de. Imagens da revolução. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1985.

119. SANTOS, Theotônio dos. Conceito de classes sociais. Petrópolis, Vozes, 1982.

120. SARGANT, William. A conquista da mente. São Paulo, Ibrasa, 1968.

121. SARGANT, William. A possessão da mente. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

122. SCAVONE, Lucila et alii. A dimensão política da comunicação de massa.

123. Rio de Janeiro, FGV, s.d.

124. SCHILLER, Herbert 1. Los manipuladores de cerebros. Buenos Aires, Granica, 1974. SILVA, Hélio. O poder militar. 2a. ed.., Porto Alegre, L±, 1984.

125. SINGER, Paul. Dominação e desigualdade: estrutura de classes e repartição da renda no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

126. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 4a. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.

127. STOTZ, Eduardo Navarro et alii. 20 anos de resistência: alternativas da cultura no regime militar. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986.

128. SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Política economica brasileira e internacional.

129. 2.a ed., Petrópolis, Vozes, 1979.

130. TAPAJÓS, Renato. Em câmara lenta. 2.a ed., São Paulo, Alfa-Omega, 1979.

131. TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. 9.a ed.., Rio de Janeiro, Zaliar, 1981.

132. TCHAKHOTINE, Serge. Le viol des foules par la propagande politique. 10.a ed., Paris, Gallimard, 1963.

133. TREVISAN, Leonardo. O pensamento militar brasileiro. São Paulo, Global, 1985.

134. VASCONCELLOS, Gilberto. Música popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro, Graal, 1977.

135. VASCONCELLOS, Teófilo. Propaganda e contrapropaganda. Rio de Janeiro, Escola de Guerra Naval (mimeo.), 1972.

136. VIEIRA, R A. Amaral. Intervencionismo e autoritarismo no Brasil. São Paulo, DIFEL, 1975.

137. YOUNG, Kimball. Psicologia social de la propaganda. Buenos Aires, Paidos, 1969.

138. ZIRALDO, 1964-1984: 20 anos de prontidão. Rio de Janeiro, Record, 1984.


 

© copyright 1999, 2005 — Nélson Jahr Garcia

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

__________________
Janeiro 2005
1a. edição em eBook — RocketEdition — eBooksBrasil — 1999

 

Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se você pagou por esse livro
VOCÊ FOI ROUBADO!
Você tem este e muitos outros títulos
GRÁTIS
direto na fonte:
eBooksBrasil.org