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F. C. Bartlett

A PROPAGANDA POLÍTICA

—Ridendo Castigat Mores—

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A Propaganda Política
F. C. Bartlett
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Ridendo Castigat Mores

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Autor: F. C. Bartlett
Edição eletrônica:
Ed. Ridendo Castigat Mores
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“Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou.” — Nélson Jahr Garcia (1947-2002)


 

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO 
INTRODUÇÃO 
CAPÍTULO I
O ambiente 

    Aglutinação nacional e concentração urbana
    Invenção de novas técnicas
CAPÍTULO II
As duas fontes da propaganda 

    Publicidade
    Ideologia política
CAPÍTULO III
Propaganda de tipo leninista 

CAPÍTULO IV
Propaganda de tipo hitlerista 

CAPÍTULO V
Leis e técnicas 

    Lei de simplificação e do inimigo único
    Lei de ampliação e desfiguração
    Lei de orquestração
    Lei de transfusão
    Lei de unanimidade e de contágio
    Contrapropaganda
CAPÍTULO VI
Mito, mentira e fato 

CAPÍTULO VII
Opinião e propaganda 

CAPÍTULO VIII
Democracia e propaganda 

NOTAS 


 

A PROPAGANDA
POLITICA

[imagem]

F. C. BARTLETT


 

 

APRESENTAÇÃO

Nélson Jahr Garcia

 

O que é Propaganda Política? Há um problema em português. Em várias línguas há uma distinção linguística bem clara entre os tipos de comunicação persuasiva. Geralmente a palavra Propaganda se refere à transmissão de idéias, sejam políticas ou religiosas. Publicidade se refere à difusão de produtos, serviços ou candidatos políticos. Em francês há “Propagande” e “Publicité”; em inglês “Propaganda” e “Advertising”, espanhóis distinguem entre “Propaganda” e “Publicidad”. Em português não, Propaganda e Publicidade são utilizadas indistintamente, daí utilizarmos as expressões Propaganda Ideológica e Propaganda ou Publicidadade comercial. Neste livro, cujo original foi escrito em francês, a palavra Propaganda se refere à transmissão de idéias políticas, nada tem a ver com promoção de sabonetes, shampoos, fraldas ou políticos descartáveis.

É um clássico, ninguém teria coragem de escrever sobre o tema sem citá-lo. Mais do que isso, é fundamentado em outros clássicos, como os textos de: Serge Tchakhotine, A. Sauvy, De Felice, Bartlett, Lenin, Goebbels, Gustave Le Bon, Walter Lippman, H.D. Lasswell.

O texto parte de uma análise da propaganda feita por Lenin e Hitler para extrair alguns princípios e leis básicas; “simplificação e inimigo único”, “ampliação e desfiguração”, “orquestração”, “transfusão”, “unanimidade e contágio”. Não deixa de lado a reação da “contrapropanda”. É simplesmente brilhante.


 

 

INTRODUÇÃO

 

Um dos fenômenos dominantes da primeira metade do século XX é a propaganda política. Sem ela, os grandes acontecimentos da nossa época: a revolução comunista e o fascismo, não seriam sequer concebíveis. Foi em grande parte devido a ela que Lenin logrou instaurar o bolchevismo; Hitler deve-lhe essencialmente suas vitórias, desde a tomada do poder até a invasão de 1940. Mais que estadistas e líderes guerreiros, esses dois homens, que de maneira, sem dúvida, bem diferente vincaram profundamente a história contemporânea, são dois gênios da propaganda e ambos proclamaram a supremacia dessa moderna arma: “O principal — asseverou Lenin — é a agitação e a propaganda em todas as camadas do povo”; Hitler disse: “A propaganda permitiu-nos conservar o poder, a propaganda nos possibilitará a conquista do mundo”.

Alfred Sauvy, no livro Le Pouvoir et l’Opinion, assinala com justeza que em nenhum Estado moderno o regime fascista caiu sem intervenção externa, o que, na sua opinião, constitui prova da força da propaganda política. Dir-se-á tratar-se sobretudo de um efeito do controle policial. Contudo, a propaganda precedia a polícia ou exército e lhes facilitava a ação; a polícia alemã não podia grande coisa fora das fronteiras da Alemanha; representam, de início, vitórias da propaganda, a anexação sem combate da Áustria e da Tcheco-Eslováquia, bem como a derrocada da estrutura militar e política da França. A propaganda política, incontestavelmente, ocupa o primeiro lugar, antes da polícia, na hierarquia dos poderes do totalitarismo moderno.

No decurso da Segunda Guerra Mundial, a propaganda acompanhou sempre e, algumas vezes, precedeu os exércitos. Na Espanha, as brigadas internacionais dispunham de comissários políticos. A Wermacht tinha, na Rússia, “companhias de propaganda”. Se a Resistência francesa não houvesse compreendido obscuramente a importância vital do esforço para imprimir e difundir folhetos e volantes de conteúdo freqüentemente diminuto, jamais teria sacrificado milhares de homens e dos melhores. Sem embargo do armistício, a propaganda não cessou. Ela fez mais para a conversão da China ao comunismo do que as divisões de Mao-Tsé-Tung. Rádio, jornal, filme, folhetos, discursos e cartazes opõem as idéias umas às outras, refletem os fatos e disputam entre si os homens. Quão significativa de nossa época é a história dos prisioneiros japoneses devolvidos pela URSS em 1949. Convertidos ao comunismo após uma temporada nos campos de “educação política”, foram aguardados, na volta; por zeladores de outra doutrina, Bíblia em mãos, a fim de submetê-los à “reeducação democrática”.

Desde que existem competições políticas, isto é, desde o início do mundo, a propaganda existe e desempenha seu papel. Foram, por certo, uma espécie de campanha de propaganda, aquelas movidas por Demóstenes contra Filipe ou por Cícero contra Catilina. Assaz consciente dos processos que tornam amados os chefes e divinizam os grandes homens, Napoleão compreendeu perfeitamente que um Governo deve preocupar-se sobretudo em obter o assentimento da opinião pública: “Para ser justo, não é suficiente fazer o bem, é igualmente necessário que os administrados estejam convencidos. A força fundamenta-se na opinião. Que é o Governo? Nada, se não dispuser da opinião pública”.

Políticos, estadistas e ditadores, de todos os tempos, procuraram estimular o apego às suas pessoas e aos seus sistemas de governo. Todavia, não há nada de comum entre as arengas da Ágora e as de Nuremberg, entre os grafitos eleitorais de Pompéia e uma campanha de propaganda moderna. A separação situa-se mais perto de nós. A lenda napoleônica, tão poderosa a ponto de, quarenta anos depois, elevar ao poder um novo Napoleão, não se compara ao mito que envolve os chefes modernos. A propaganda do General Boulanger apresenta, ainda, as feições de outrora: cavalo preto, cançonetas, imagens de Epinal... Trinta anos passados, as formidáveis vagas da propaganda teriam à sua disposição o rádio, a fotografia, o cinema, a imprensa de grande tiragem, os cartazes gigantescos e todos os novos processos de reprodução gráfica. Nova técnica, que usa meios subministrados pela ciência, a fim de convencer e dirigir as massas constituídas no mesmo momento, técnica de conjunto, coerente e que pode ser, até certo ponto, sistematizada — sucede ao conjunto dos meios empregados em todos os tempos pelos políticos para o triunfo de suas causas e ligado à eloqüência, à poesia, à música, à escultura, às formas tradicionais das belas-artes, em suma. A palavra que a designa é, ela também, contemporânea do fenômeno: propaganda é um dos termos que destacamos arbitrariamente das fórmulas do latim pontifical; empregada pela Igreja ao tempo da Contra-Reforma (de propaganda fide), é mais ou menos reservada ao vocabulário eclesiástico (“Colégio da Propaganda”) até irromper na língua comum, no curso do século XVIII. Mas a palavra guarda sua ressonância religiosa, que não perderá definitivamente senão no século XX. Agora, as possíveis definições estão muito longe desse primeiro sentido apostólico: “A propaganda é uma tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade, de tal modo que as pessoas adotem uma opinião e uma conduta determinada”(1) ou ainda: “A propaganda é a linguagem destinada à massa; ela emprega palavras ou outros símbolos veiculados pelo rádio, pela imprensa e pelo cinema. O escopo do propagandista é o de influir na atitude das massas no tocante a pontos submetidos ao impacto da propaganda, objetos da opinião(2)”.

A propaganda confunde-se com a publicidade nisto: procura criar, transformar certas opiniões, empregando, em parte, meios que lhe pede emprestados; distingue-se dela, contudo, por não visar objetos comerciais e, sim, políticos: a publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que, amiúde, modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou filosóficas. Por conseguinte, a propaganda influencia a atitude fundamental do ser humano. Sob esse aspecto, aproxima-se da educação; todavia, as técnicas por ela empregadas habitualmente, e sobretudo o desígnio de convencer e de subjugar sem amoldar, fazem dela a antítese.

Entretanto, a propaganda política não é uma ciência condensável em fórmulas. Movimenta, inicialmente mecanismos fisiológicos, psíquicos e inconscientes bastante complexos, alguns dos quais mal conhecidos; ademais, seus princípios provêm tanto da estética como da ciência: conselhos da experiência, indicações gerais à maneira das quais sobeja inventar; caso faltem as idéias, escasseie o talento ou o público, não há mais propaganda que literatura. A psicagogia, isto é, a direção da alma coletiva, deve muita coisa às ciências modernas; pode tornar-se uma ciência? Aí fica a pergunta. Nossa tentativa, portanto, não é de codificá-la, mesmo no estado atual. Acreditamos — esperamos — que ela não permanecerá encadeada às regras funcionais que lhe reconhecemos.


 

 

CAPÍTULO I
O ambiente

 

A propaganda política, conforme a examinamos, isto é, como uma empresa organizada para influenciar a opinião pública e dirigi-la, surgiu somente no século XX, ao termo de uma evolução que lhe proporciona ao mesmo tempo seu campo de ação — a massa moderna — e seus meios de ação: as novas técnicas de informação e de comunicação A amplitude de sua influência avultou de tal maneira, que se impõe falar de um salto qualitativo, mesmo que a intenção do propagandista e certos procedimentos seus tenham, em regra, permanecido inalterados desde a origem das sociedades políticas.

 

Aglutinação nacional e concentração urbana

Dois fatos essenciais caracterizam a evolução da humanidade no século XIX: a formação de nações de estrutura e espírito cada vez mais unificados, e, de outra parte, uma revolução na demografia e no habitat.

Em extensas regiões da Europa e da América, o indivíduo torna-se cidadão. Progressivamente, é convocado a votar; é, também, chamado a participar de guerras que não dizem respeito apenas a especialistas e mercenários. Suas responsabilidades, teoricamente ao menos, aumentam com a participação na vida pública. A política exterior não interessa apenas às chancelarias; agita, igualmente, a opinião nacional. Por seu turno, a opinião transforma-se em um instrumento de política exterior; previsões apoiam-se na calma ou na inquietação da opinião e utiliza-se dela para sustentar uma política ou pressionar a do adversário; o irrompimento da guerra de 1870, com o despacho truncado de Ems, as edições especiais dos jornais, a exaltação repentina do chauvinismo, constituem brilhante sintoma dessa aglutinação nacional e significam que a opinião pública ascende a um novo estádio.

Produz-se, concomitantemente, completa revolução na demografia e no habitat. A população do mundo dobrou entre 1800 e 1900; a da Europa aumentou de 165% entre 1800 e 1932. Concentra-se sobretudo, nas cidades industriais esse novo povoamento, em cujo proveito se despovoam, em certos países, os campos. Nessa enorme agitação, dissolvem-se as células tradicionais: a casa, que era a moradia, o patrimônio da família, torna-se um lugar de passagem, onde a gente se amontoa; o “bairro” impessoal substitui a aldeia e a paróquia. Essas comunidades intermediárias que enquadravam o indivíduo, constituindo-lhe uma sociedade particular, com história própria, filtrando-lhe os acontecimentos do mundo, desapareceram, deixando-o isolado, desorientado, diante de um mundo nacional em rápida evolução, imediatamente expostas às solicitações exteriores. A miséria, a insegurança da condição obreira, o temor do desemprego e da guerra, criam permanente estado de inquietação, que aguça a sensibilidade do indivíduo e o impele a refugiar-se nas certezas de massa: “Indivíduos reduzidos a uma vida animalescamente privada também, psicológica e moralmente aderem àquilo que desprende calor humano, isto é, àquilo que já agrupou numerosos indivíduos. Eles ressentem a atração social de um modo direto e brutal(3)”.

Conseqüentemente a desarticulação dos antigos quadros, o progresso dos meios de comunicação, a formação dos aglomerados urbanos, a insegurança da condição industrial, as ameaças de crise e de guerra, a que se juntam múltiplos fatores de uniformização progressiva da vida moderna (língua, costumes e outros), tudo isso contribui para criar massas ávidas de informações, influenciáveis e suscetíveis de brutais reações coletivas. Ao mesmo tempo, os inventos técnicos fornecem os meios de agir imediata e simultaneamente sobre essas novas massas.

 

Invenção de novas técnicas

Escrita, palavra e imagem, tais os sustentáculos permanentes da propaganda. O emprego deles, contudo, era limitado: a escrita, o mais possante veículo de propaganda, depois da invenção da imprensa, era prejudicada por seu alto preço e pela morosidade de sua distribuição;

— a palavra era limitada pelo alcance da voz humana;

— a imagem não ia além dos desenhos ou pinturas, reproduzidos mediante custosos processos.

Ora, as descobertas dão, a esses três suportes, amplitude praticamente indefinida:

1 — Difusão da escrita impressa — Os ideólogos do século XVIII empregaram panfletos, livros (e até uma enciclopédia) para uma propaganda revolucionária de efeito certo; o aproximar-se de 1848 verá florescimento análogo. Salvo exceções a serem examinadas mais adiante, o preço do livro, que o torna um bem reservado às elites, e os prazos de impressão, forçosamente tiram o caráter de atualidade das brochuras ou panfletos menos caros. Ê o jornal o veículo de propaganda melhor adaptado.

Hegel dizia que a “leitura do jornal é a oração matutina do homem moderno”. Com a Revolução Francesa surgiram os jornais de opinião e nela desempenharam papel ativo. Até meados do século XIX, os jornais ainda são muito caros e reservados às elites; difundem-se, sobretudo, mediante assinaturas, e a assinatura é sinal de riqueza. O jornal custa 5 sous quando 30 sous pagam a jornada de trabalho. Le Constitutionnel, em 1825, conta 12.000 assinantes, e o Times 17.000, o que parecia enorme. O jornal dessa época é de austera apresentação e de um estilo ponderado, que hoje nos parece aborrecido.

O jornal moderno deve sua existência aos seguintes fatores:

— invenção da rotativa, que aumenta a tiragem e reduz o preço;

— utilização da publicidade, que traz novos recursos;

— aceleração da distribuição (estrada de ferro, automóvel, avião, que per­mi­tem trans­por­tar os exemplares em um mínimo de tempo para quaisquer lugares);

— aceleração da informação (sucede o te­lé­gra­fo aos pom­bos-cor­reio; cons­tituem-se grandes agências de informação).

Cria-se dessa forma o jornal moderno, cujo baixo preço e cuja apresentação o transformam em um instrumento popular e em uma formidável potência de opinião. Ao mesmo tempo em que aumentam as tiragens, bem como sua influência, os jornais tornam-se “negócios” a serviço do capitalismo ou do Estado e dependem de agências de Informações, igualmente controladas.

2 — Difusão da palavra — Demóstenes procurava cobrir com a voz o ruído do mar, enquanto Jaurès carecia de uma garganta poderosa para sobrepujar as interrupções nos comícios. A invenção do microfone permitiu ampliar a voz humana de acordo com as dimensões de imensas salas, de vastos halls, de estádios e outros.

O rádio libertou definitivamente a palavra de toda limitação. Uma voz pode repercutir, simultaneamente, em todos os pontos do mundo. O constante aumento do número de estações de rádio tende a devolver à palavra o predomínio por ela perdido, momentaneamente, em favor da imprensa. Nem Hitler nem o General de Gaulle teriam tido, sem o rádio, o papel histórico que lhes coube.

3 — Difusão da imagem — A gravura, tão importante, por exemplo, na tra­di­ção na­po­leô­nica, beneficia-se doa novos processos de reprodução.

A invenção da fotografia possibilita reprodução direta e, por isso, mais convincente, suscetível também de ilimitada tiragem. O cinema oferece uma imagem mais verídica e surpreendente, que se afasta da realidade apenas pela ausência do relevo.

Finalmente, a televisão operou, no tocante à imagem, a mesma revolução que o rádio no concernente ao som: transmite-a instantaneamente ao domicílio.

As técnicas modernas de difusão derramam as notícias do mundo inteiro diretamente através da escrita, da palavra e da imagem, sobre massas de que grande parte se viu recentemente transplantada, subtraída ao ambiente em que vivia, à sua moral, à sua religião tradicional, conseqüentemente mais sensível e maleável. Tais técnicas entregam-lhes a história quotidiana do mundo, sem que as massas disponham de tempo e de meios para exercer um controle retrospectivo; agarram-nas por temor ou por esperança e atiram-nas à liça. Massas modernas e meios de difusão originam uma coesão da opinião sem precedentes. Ph. de Félice, em livro recente, procurou mostrar que todos os povos e todas as épocas ofereceram sintomas de delírio coletivo. Outrora, contudo, tratava-se de súbitas e selvagens manifestações, de repentinas agitações que se extinguiam após algumas devastações; em nossos dias, a massa permanece em estado de cristalização latente e a neurose coletiva, embora suas formas mais desvairadas se conservam limitadas, atinge mais ou menos profunda mas permanentemente, grande número de indivíduos: “Mesmo em pessoas aparentemente normais, não raro, observamos acessos inquietantes de excitação e de depressão, de esquisitas alterações da lógica e, sobretudo, deficiência da vontade traduzida por singular plasticidade às sugestões de origem interior ou exterior(4)


 

 

CAPÍTULO II
As duas fontes da propaganda

 

 

Publicidade

Não vamos deblaterar a fim de saber qual das duas — publicidade ou propaganda — é filha da outra. Mal se distinguiam até a época moderna: a propaganda de César, de Carlos Magno ou de Luís XIV não passava, em suma, de publicidade pessoal, assegurada pelos poetas, historiadores e fabricantes de imagens, bem como pelos próprios grandes homens, nas suas atitudes, nos seus discursos e através de frases “históricas”: Durante longo tempo, propaganda e publicidade andam entrelaçadas, evoluindo paralelamente: gabam-se as doutrinas, de início, tal como os farmacêuticos se vangloriam de seus unguentos; pintam-se as características, pormenorizam-se os benefícios: correspondem à publicidade informativa — que assinala o começo da arte publicitária — os programas e as explicações no pertinente aos sistemas, pululantes no século XIX. Numerosos são os processos comuns à propaganda e à publicidade: ao reclamo corresponde a “profissão de fé”; à marca de fábrica, o símbolo; ao slogan comercial, o estribilho político. Parece, na verdade, que a propaganda se inspira nas invenções e no êxito da publicidade, copiando um estilo que, segundo se julga, agrada ao público. Por exemplo, os partidários de Boulanger, à maneira dos grandes armazéns de modas, distribuem joguinhos mas, com a diferença de que as figuras e legendas contribuem para a glória do General.

O progresso técnico logo arrasta a publicidade a um novo estágio: ela procura de preferência impressionar mais que convencer, sugestionar antes que explicar. O estribilho, a repetição, as imagens atraentes derrotam, progressivamente, os anúncios sérios e demonstrativos: de informativa, torna-se a publicidade sugestiva. Novas maneiras de apresentação, novas técnicas entram em ação, mormente devido ao estímulo americano, em breve apoiadas em pesquisas de fisiologia, de psicologia e até de psicanálise. Aposta-se na obsessão, no instinto sexual etc. Como veremos, a propaganda política não tardará a tomar de empréstimo tais processos para uso próprio.

A publicidade, concomitantemente, tende a tornar-se ciência; seus resultados são controlados, comprovando sua eficácia. Dessarte é desnudada a plasticidade do homem moderno: esse dificilmente escapa a certo grau de obsessão, a determinados processos de atração. Torna-se possível guiá-lo no sentido de tal produto ou tal marca, não apenas impondo-o em lugar de outro, mas nele suscitando a sua necessidade. Descoberta formidável, decisiva para os modernos engenheiros da propaganda: o homem médio é um ser essencialmente influenciável; tornou-se possível sugerir-lhe opiniões por ele consideradas pessoais, “mudar-lhe as idéias” no sentido próprio, e por que não tentar em matéria política o que é viável do ponto de vista comercial?

Todo um setor da propaganda política continua a viver em simbiose com a publicidade: nos Estados Unidos, por exemplo, as campanhas eleitorais pouco diferem das campanhas publicitárias; as famosas “paradas”, com orquestras, girls e cartazes, não passam de ruidoso reclamo. Outro ramo da propaganda política, entretanto, embora ainda se inspire nos processos e nos estilos publicitários, desligou-se da publicidade para criar uma técnica própria; é aquela propaganda de natureza mais ampla e mais característica, que estudaremos de modo particular, visto ser ela que mais profundamente influenciou a história contemporânea.

 

Ideologia política

Limita-se a propaganda de tipo publicitário a campanhas mais ou menos espaçadas cujo padrão é a campanha eleitoral; é a valorização de certas idéias e de certos homens mediante processos bem delimitados, expressão normal da atividade política. Outro tipo de propaganda, de tendência totalitária, decorre da fusão da ideologia com a política; intimamente ligada à progressão tática, joga com todas as “molas” humanas. Não se trata mais de uma atividade parcial e passageira, mas da expressão concreta da política em movimento, como vontade de conversão, de conquista e de exploração. Está, essa propaganda ligada à introdução, na história moderna, das grandes e sedutoras ideologias políticas, tais como o jacobinismo, o marxismo e o fascismo, e ao embate de nações e blocos de nações nas novas guerras.

Tal propaganda política(5) data, na verdade, da Revolução Francesa; os primeiros discursos de propaganda, os primeiros encarregados de propaganda (entre outros, os comissários junto aos exércitos) partiram dos clubes, das assembléias, das comissões revolucionárias; foram eles que empreenderam a primeira guerra de propaganda e a primeira propaganda de guerra. Uma nação, pela primeira vez, libertava-se e organizava-se em nome de uma doutrina subitamente considerada universal. Uma política interior e exterior, pela primeira vez, fazia-se acompanhar pela expansão de uma ideologia e, por isso mesmo, segregava a propaganda. Surgiram, então, todos os recursos da propaganda moderna: a Marselhesa, o barrete frígio, a festa da Federação, a do Ser Supremo, a rede dos clubes jacobinos, a marcha sobre Versalhes, as manifestações de massa contra as Assembléias, o cadafalso nas praças públicas, as críticas violentas de L’Ami du Peuple, as injúrias de Père Duchêne.

Novo tipo de guerra origina-se também da Revolução. Progressivamente, são mobilizadas todas as energias nacionais até a fase da guerra total que Ernst Jünger acreditava atingida em 1914 e que, na realidade, não o fora senão durante a última guerra. Depois de 1791 a ideologia alia-se aos exércitos para a condução das guerras, tornando-se a propaganda a auxiliar da estratégia. Visa-se criar, internamente, a coesão e o entusiasmo e instaurar, no campo inimigo, a desordem e o medo. Ao abolir, cada vez mais, a distinção entre a frente e a retaguarda, a guerra total oferece à propaganda, como campo de ação, não só os exércitos, mas as populações civis, pois, visando as segundas, atinge-se talvez mais seguramente as primeiras; consegue-se mesmo sublevar essas populações, suscitando o aparecimento de novos tipos de soldados, homens, mulheres, crianças, na retaguarda do inimigo: espiões, sabotadores ou guerrilheiros. Não será nunca demasiado salientar até que ponto as guerras modernas prepararam o terreno para a propaganda, ao favorecer a exaltação, a credulidade, o maniqueísmo sentimental. O “bourrage de crâne”(6) de 1914-1918 abriu o caminho às grosseiras mentiras do hitlerismo. Surgem das guerras recentes completo vocabulário de intimidação e uma mitologia inteira de conquista. As guerras serviram de laboratório para os técnicos de psicagogia, como o serviram para os engenhos mecânicos. A propaganda ligou-se à guerra a ponto de se lhes substituir naturalmente: desde 1947, nutriu a “guerra fria”, tal como alimentou, em 1939, a “guerra de nervos”... A atual propaganda é a guerra levada a cabo por outros meios.

O marxismo-leninismo retomou, elevou a outro plano e aperfeiçoou esse liame entre a ideologia e a guerra. Progressivamente, o marxismo substituiu o blanquismo e a insurreição espontânea do tipo. das Jornadas de Junho, por uma estratégia revolucionária das massas. O movimento operário, outro fator decisivo do século XIX, cria uma comunidade supranacional, que anima uma mitologia própria. Não o esqueçamos, foi a social-democracia que inventou o partido de massas; é ela que ensaia certo número de técnicas de propaganda (desfiles, símbolos e outros), depois aplicadas correntemente. Lenin, contudo, vai mais longe: quer dinamizar pela agitação e propaganda as massas sociais-democratas que caíram sob a influência de políticos aburguesados. Em plena guerra, Lenin e Trotsky, ao combinar a insurreição com a propaganda, logram a decomposicão do exército e da administração, instaurando a revolução bolchevista. Assim escreveu J. Monnerot: “Os poderes destrutivos contidos nos sentimentos e ressentimentos humanos podem ser utilizados, manipulados por especialistas, tal como o são, de maneira convergente, os explosivos puramente materiais”. A lição não será perdida. A União Soviética reteve-a em sua política. Nela, Hitler inspirou-se eficazmente.

De uma ou de outra maneira, a propaganda foi secularizada pelo jacobinismo e pelas grandes ideologias modernas. Mas, desviando-se, não regressa ela às suas origens? Trata-se, ainda, de difundir uma fé — de fide propaganda — por certo, de uma fé terrena, cuja expressão e disseminação muito pedem emprestado à psicologia e à técnica das religiões. A propaganda inicial do cristianismo muito deveu ao mito escatológico... Igualmente as novas propagandas políticas têm haurido inspiração em uma mitologia de libertação e de salvação, ligada, contudo, ao instinto de potência e de luta — mitologia ao mesmo tempo guerreira e revolucionária. Empregamos a palavra “mito” no sentido que lhe atribuiu Sorel: “Os homens que participam dos grandes movimentos sociais vêem sua própria ação sob a forma de imagens de batalhas asseguradoras do triunfo de suas causas. Proponho o nome de mito a essas idealizações”. Tais mitos, que tocam no mais profundo do inconsciente humano, constituem representações ideais e irracionais ligadas à luta; exercem sobre as massas poderosa influência dinamogênica e coesiva.

As grandes propagandas alimentam-se largamente nessas mesmas fontes: uma só história, militar e revolucionária, da Europa; um só desejo veemente: o da comunidade perdida. Muito diferente, entretanto, é o modo pelo qual orquestram e orientam os velhos sonhos aguçados e recalcados pela sociedade moderna.


 

 

CAPÍTULO III
Propaganda de tipo leninista

 

O marxismo poderia ser caracterizado pelo seu poder de difusão; trata-se de uma filosofia capaz de propagar-se entre as massas, de inicio porque corresponde a um certo estágio da civilização industrial, depois porque repousa em uma dialética que pode ser reduzida à sua extrema simplicidade, sem deformar-se substancialmente Certo é, contudo, que o marxismo não teria tão larga e rápida expansão, se Lenin não o houvesse transformado em um método de ação política prática.

Para Marx, a consciência de classe é a base da consciência política. Todavia — e esta é a contribuição de Lenin — abandonada a si mesma, a consciência de classe se encerra na “luta econômica”, isto é, limita-se à consciência “trade-unionista”, à atividade puramente sindical e não atinge a consciência político. Cumpre, despertá-la previamente, educá-la e arrastá-la à luta em âmbito mais largo que o constituído pelas relações entre operários e patrões. Cabe essa tarefa à elite dos revolucionários profissionais, vanguarda consciente do proletariado. O Partido Comunista deve ser precisamente o instrumento dessa relação entre a elite e a massa, entre a vanguarda e a classe. Lenin substituiu a concepção social democrata do Partido Operário, tal como sobretudo a conheceram a Alemanha e a Inglaterra, pela concepção dialética de uma coorte de agitadores que sensibilizam e arrastam as massas. Nessa perspectiva, entendida a propaganda em um sentido assaz largo (passando da agitação à educação política), torna-se a correia de transmissão, o liame essencial de expressão, ao mesmo tempo rígido e flexível, que continuamente liga as massas ao partido, levando-as pouco a pouco a unir-se à vanguarda na compreensão e na ação.

A propaganda de tipo bolchevista pode ligar-se a duas expressões essenciais: a revelação política (ou denúncia) e a palavra de ordem. Segundo Marx, “é preciso tornar a opressão real ainda mais dura, ajuntando-lhe a consciência da opressão e tornar a vergonha ainda mais humilhante, dando-a à publicidade”; seguindo-lhe o conselho, Lenin convida os sociais-democratas a “organizarem revelações políticas em todos os domínios”(7). Consistem essas “revelações” em destrinçar, por entre os sofismas com que as classes dominantes envolvem seus interesses egoístas, a natureza real de seus apetites e o real fundamento de seu poder, e dar às massas uma “representação clara”. “Ora — assevera Lenin — não é nos livros que o operário poderá haurir essa clara representação; não a encontrará senão nas exposições vivas, nas revelações ainda quentes acerca do que ocorre em torno de nós, em dado momento, de que a gente fala ou cochicha e que se manifesta por este ou aquele fato, por tais e tais algarismos, vereditos e outros. Essas revelações políticas, que abrangem todos os domínios, constituem a condição necessária e fundamental para a formação das massas tendo em mira sua atividade revolucionária.” Eis aqui a aplicação concreta desse ataque marxista à mistificação: o propagandista leninista, no tocante a não importa qual acontecimento de interesse para a vida das massas, deve elevar-se da aparência à realidade, que se encontra no nível da luta de classes, e não deve deixar os espíritos se desviarem ou se afogarem em explicações superficiais e falsas. Guerras, greves, escândalos políticos proporcionaram ocasiões; mas, em geral, é a partir de fatos mínimos, assaz concretos, que a demonstração remontará à causa para reatar o que parecia acidental à explicação política geral, que é a do Partido Comunista. Assim, o Partido Comunista Francês empenhou-se na demonstração dos “males do Plano Marshall”, partindo de uma penúria parcial, do fechamento de uma fábrica ou do atraso da canalização de água para uma comuna rural.

Tomemos como exemplo o desemprego parcial, que atinge a atividade dos salões de beleza: poderá o cliente pensar que os salões de beleza são em número demasiado, que a moda é de cabelos compridos ou que os cabelos crescem, menos este ano... explicações simplistas ou mitológicas, rejeitadas pelo propagandista comunista. Esse, com facilidade, levará o cliente a admitir que, se os salões de beleza estão vazios, é porque o povo dispõe apenas do dinheiro indispensável às suas necessidade vitais; ele o conduzirá, em seguida, à verificação de que o conjunto dos assalariados é insuficientemente remunerado e, em conseqüência, porque o dinheiro que lhes devia caber é desviado por tributos e taxas, em benefício de um orçamento devorado pelos preparativos militares impostos à França pela política atlântica, a qual não passa de defesa dos interesses do capitalismo internacional... Isso não passa de simples exemplo, por nós forjado, dessa argumentação sistemática, mediante a qual um propagandista educado no método leninista deve esforçar-se por unir a parte ao todo, denunciando infatigavelmente todas as injustiças suscitadas pelo regime capitalista.

A palavra de ordem leva-nos ao aspecto combativo e construtivo dessa propaganda. Palavra de ordem é a tradução verbal de uma fase da tática revolucionária. Conceito motriz, expressa o objetivo mais importante do momento, o quanto possível clara, breve e eufonicamente: quer, em período revolucionário, o aniquilamento do adversário e um escopo unitário para as massas — “Todo o Poder aos Sovietes”, “Terra e Paz”, “Pão, Paz e Liberdade”, “Por um Governo de Ampla União Democrática” etc. — quer, em período de “edificação socialista”, um objetivo de planificação: “Cumprir e Superar o Plano em Quatro Anos” etc.

Importa, porém, que o comunista não condense demasiado a tática imobilizando-se em uma palavra de ordem que as circunstâncias tornaram caduca. Em um artigo de 1917, “A propósito de palavras de ordem” Lenin mostra a justeza da palavra de ordem “Todo o Poder aos Sovietes”, até que outros partidos representados nos Sovietes se aliassem à burguesia contra-revolucionária. Uma palavra de ordem condensa a linha política do momento, não é um excitante vazio, oco: “Toda palavra de ordem deve deduzir-se da soma das particularidades de determinada situação política”. As palavras de ordem balizam etapas escalonadas que compelem as demais forças políticas a tomarem posição pró ou contra a colaboração, visando a objetivos concretos e sedutores para as massas.

Toda palavra de ordem deve corresponder não só à situação política, mas, inclusive, ao nível de consciência das massas Não tem valor se não repercute largamente nessa consciência, e, para tanto, deve distinguir as aspirações latentes no tocante ao tema mais favorável. Dizia Trotsky: “Acusam-nos de criar a opinião das massas. A censura é inexata, tentamos apenas formulá-la”. Aqui está o segredo do êxito da revolução bolchevista: em duas palavras soube Lenin ligar e exprimir as duas reivindicações fundamentais dos milhões de camponeses-soldados do exército russo: “Terra e Paz”. Êxito tanto mais fulminante, considerando-se que os bolchevistas não passavam de um punhado e quase sem poder, assim o comenta Trotsky: “Era impressionante a pobreza de meios de que dispunha a agitação bolchevista. Como, com tão débil aparelho e diante do número insignificante da tiragem dos jornais, puderam impor-se ao povo as idéias e as palavras de. ordem do bolchevismo? É bem simples o segredo desse enigma: as palavras de ordem que correspondem às agudas necessidades de uma classe e de uma época, criam milhares de canais. O meio revolucionário, tornado incandescente, distingue-se por alta condutibilidade de idéias”.

A fim de trabalhar o meio, visando nele difundir revelações e palavras de ordem, o bolchevismo passou a distinguir duas espécies de agentes: os propagandistas e os agitadores. É Plekhanov o autor desta famosa distinção: “O propagandista procura inculcar muitas idéias em uma só pessoa ou em pequeno número de indivíduos; o agitador não inculca mais que uma única idéia ou pequeno número de idéias; em compensação, ele as inculca em numerosos grupo de pessoas”. Ao comentar essa definição, diz Lenin(8), que o agitador, partindo de uma injustiça concreta, engendrada pela contradição do regime capitalista, “se esforçará por suscitar o descontentamento, a indignação das massas contra essa gritante injustiça, deixando ao propagandista o cuidado de dar completa explicação dessa contradição. Daí por que o propagandista age sobretudo pela escrita e, o agitador, de viva voz”. Visivelmente, entretanto, Lenin teme deixar transformar-se em uma distinção teórica o que é apenas distinção prática, essencialmente baseada em aptidões de temperamento. Seguiríamos essas duas famílias, aliás, com facilidade, ao longo da história das revoluções sejam sociais, políticas ou religiosas. Hébert e Marat foram agitadores; Robespierre e Saint-Just foram propagandistas. Mussolini nunca conseguiu ultrapassar o estágio de agitador. Ao contrário, Hitler foi um agitador que soube elevar-se ao nível de sistematização teórica do propagandista.

É esse um ponto no qual Lenin insistiu em numerosas oportunidades(9): não se trata apenas de agitar e catequizar a classe operária, como em geral se contentam em fazê-lo os sociais-democratas, é preciso “ir a todas as classes da população como propagandistas, como agitadores e como organizadores”. Cumpre praticar denúncias, fazer revelações políticas vivas que interessem ao povo inteiro: operários, camponeses, pequenos burgueses. E, para lográ-lo, “é necessário que tenhamos ”nossos homens”, sociais-democratas, sempre e por toda a parte, em todas as camadas sociais, em todas as posições que permitam conhecer as molas interiores do mecanismo do nosso Estado”.

O papel desses homens, de início, é o de fazer a propaganda e a agitação por todos os meios, diligenciando no sentido de adaptar seus argumentos ao meio em que se encontram. A grande diversidade de sua imprensa constitui uma das características da propaganda comunista. Há, na União Soviética, jornais para cada região e cada profissão; todos repetem a mesma coisa, mas o dizem de maneira apropriada às diversas mentalidades. Por outro lado, não há propaganda sem constante contribuição de matéria informativa, tanto assim que outro encargo dos especialistas comunistas é o de alimentar as revelações de ordem política por contínuo afluxo de notícias colhidas em todos os setores profissionais e sociais. Funciona cada célula como uma antena de informação e, sob o regime soviético, os jornais dispõem de uma multidão de “correspondentes populares” colocados em todos os níveis de atividades do país. Para a propaganda comunista, esse trabalho de informação revela-se incontestável elemento de superioridade; permite-lhe, sobretudo, reagir mais celeremente que a propaganda adversa, desconcertando-a e, muitas vezes, ultrapassando-a.

De Lenin os partidos comunistas retiveram a “paixão pelas revelações políticas” organizadas “diante de todo o povo”. Para eles, não se trata de praticar em regime burguês uma política de alianças e de compromissos, a qual monopoliza as forças dos outros partidos, mas, apresentado-se como inimigos irreconciliáveis do regime, de fazer explodir continuamente entre os adversários as minas que eles mesmos prepararam inconscientemente. Todo passo dado em falso por um governo, toda debilidade de uma maioria, toda injustiça, todo e qualquer escândalo são, dessarte, “desmascarados”, “denunciados” e sistematicamente ligados ao tema político central. Esse vasto e permanente empreendimento desenrola-se desde a menor oficina, passa pelos conselhos municipais e gerais, pelas entidades profissionais, pelos tribunais até o recinto do Parlamento. Os comunistas eleitos dispõem, assim, de tribunas de onde as “denúncias” caem mais ruidosamente; a Internacional Comunista, no seu II Congresso, recordou a cada deputado militante que ele não era apenas “um legislador à procura, com os demais legisladores, de uma linguagem comum, mas um agitador enviado ao inimigo, a fim de aplicar as decisões do Partido”. Existem, também, as palavras de ordem do P. C. que os deputados comunistas devem apoiar e consubstanciar no texto de proposições aparentemente concretas, segundo a senha já dada pelo Bureau Político em 1924: “Os eleitos devem apresentar projetos puramente demonstrativos, concebidos não visando à sua adoção, mas à propaganda e à agitação”.

Lenin sabe, entretanto, que exércitos de propagandistas e de agitadores, mesmo que se contassem aos milhões, são insuficientes para lograr a vitória se a ação deixar de apoiar-se em uma linha política justa e em realizações práticas. Sem atos concretos em que se arrime qualquer propaganda não passa de um verbalismo criador de perigosas ilusões, imobilizando a tática em um estágio caduco.

Traduz-se essa atividade, em regime capitalista, pelo sustentáculo das reivindicações, pela ação nos sindicatos e nos agrupamentos de toda espécie, bem como por realizações concretas, testemunhando inequívoca vontade na prefiguração da futura sociedade capitalista. Esse é o papel da amostra-testemunho que se observa, por exemplo, nas municipalidades, ao desenvolverem as obras sociais, as colônias de férias, ao construírem moradias e instalações para a prática de esportes. A propaganda, em decorrência, é autenticada por atos, e isso é fundamental.para a massa daqueles aos quais longa experiência impõe dúvidas no tocante ao valor dos programas políticos.

Mais importante, ainda, é a função desses protótipos em período de conquista revolucionária e edificação socialista. Assim, pelo contágio inicial do exemplo, a reforma agrária avança por entre as massas do campesinato chinês: a terra é posta em comum em uma aldeia cultivada por um grupo de trabalhadores convictos e educados; os camponeses dos arredores vêm observar de perto, persuadindo-se pouco a pouco das vantagens daquela solução.

É incontestável que, sob a sua forma moderna, a propaganda política foi inaugurada pelo bolchevismo e especialmente por Lenin e Trotsky. Em 1917, Lenin, genial propagandista e agitador, lança as palavras de ordem que vão dar o ritmo às etapas da conquista do poder. Inovação sem precedentes é a de Trotsky, ao dirigir-se pelo rádio às “massas sofredoras”, passando por cima dos governantes. Desenvolvem-se no proletariado, no campesinato e no Exército propaganda e agitação de inaudita intensidade. Proliferam os círculos políticos, os “jornais de fábrica”, os oradores de bairros; os agitadores atiram-se ao trabalho e disseminam subterraneamente a inquietação e a divisão entre os elementos fiéis ao regime tzarista. Logo que a revolução se apossa de Leningrado e de Moscou, essa atividade, longe de interromper-se, amplia-se com o fito de alargar e consolidar o poder dos Sovietes. “Comissários políticos” são enviados para junto das unidades militares, a fim de elucidarem as ordens e recolocá-las no contexto político geral(10). “Equipes móveis” de jovens comunistas deslocam-se dentro do Exército, estacionam por poucos dias nas prefeituras rurais, no decurso dos quais representam, cantam e fazem palestras políticas. Cria-se, assim, vasta rede psicopolítica que, por meio de múltiplos canais — imprensa, rádio, teatro, cinema, jornais locais e de fábrica, conferências, comícios e outros meios — atingem os pontos mais afastados do país. A direção dessa atividade polimorfa é confiada a uma direção “agit-prop” (abreviatura de agitação e propaganda), que tem responsáveis em todos os escalões até a célula de base e que será sempre o ramo essencial da atividade comunista. Mais tarde, as revoluções comunistas far-se-ão acompanhar de análogo trabalho de penetração e de educação ideológica e política. Partisans iugoslavos e chineses o impulsionam paralelamente à organização de seus exércitos. “É raro encontrar uma unidade que não disponha de sua imprensa”, assevera Djilas, um dos líderes dos partisans iugoslavos(11).

Mas é na China que a propaganda deveria atingir sua maior dimensão. Mao-Tsé-Tung foi com efeito o estrategista e o teórico de um novo tipo de guerra inspirada na experiência dos partisans, e que na França foi chamada “guerra revolucionária”. Mao parte do princípio que o exército deve ser a vanguarda de uma massa inteira empenhada no combate. Mao adapta às relações entre exército e povo os laços instituídos por Lenin entre o partido e a classe operária. Cria-se assim. um aparelho político militar que repousa sobre “hierarquias paralelas” (associações profissionais, esportivas etc., organização territorial organização do partido), as quais transmitem sem cessar as ordens oficiais e a educação política. Nada lhe escapa.

Em tempo de guerra, esse sistema é aplicado aos prisioneiros que são previamente “aniquilados” (isto é, fisiologicamente enfraquecidos e psicologicamente isolados), antes de serem submetidos à “reeducação”, como aconteceu nos campos da Coréia do Norte e do Viet-minh(12).

Em tempo de paz, esta mobilização das energias é utilizada para fins políticos e econômicos. Foi na China, ainda, que este método atingiu seu paroxismo. Centenas de milhares de homens foram impelidos ao trabalho por campanhas que os tornaram “voluntários” entusiastas. Na China, como nas democracias populares, o partido desenvolve uma “mística do plano”, tanto por proclamações gerais quanto por estímulos individuais (citação de êxitos modelos e de superação de limites fixados, condecorações dos operários de elite etc.).

Mas esta manipulação psicológica serve também para sustentar, se for o caso, a política exterior dos dirigentes. Assim, em 1958, no momento da campanha por Formosa, as diretrizes semanais emitidas por rádio, imprensa e cartazes, reforçadas por manifestações monstros, se difundiam através da China em ondas gigantescas, cuja progressão os serviços oficiais controlavam de hora em hora.

Releva notar, entretanto, ser impossível delimitar, com precisão, o campo da propaganda nos regimes soviéticos ou de inspiração soviética. Ela é apenas um aspecto de uma atividade total, da instrução primária à produção industrial e agrícola, englobando a literatura, a arte e os lazeres. Torna-se objeto de propaganda a atividade inteira do cidadão. Já dizia Zinoviev: “A agitação e a propaganda, entre nós, repousam na instrução (...). Elas formam um todo que é preciso concretizar segundo a concepção leninista do ensino”. Ulteriormente, o “espírito de partido”, segundo a terminologia de Jdanov, apoderou-se da ciência, da música, da crítica literária etc., que têm a função de formar o “novo homem soviético”.

A escola torna-se um dos pilares dessa propaganda total. Em seguida, dos “seminários políticos”, das “escolas de aperfeiçoamento” e dos “círculos de estudos” saem, formados, centenas de milhares de “propagandistas” ou agitadores que dão cursos políticos, realizam palestras nas fábricas, nos kolkozes, nos estabelecimentos comerciais e em instituições de toda espécie. As obras de Marx, de Engels, de Lenin, de Stalin e de Mao-Tsé-Tung formam a base desse ensino. Tão gigantesco trabalho é escorado em inúmeras associações culturais, que enxameiam nos “recantos vermelhos” das fábricas, nas “isbás de leitura” nos campos, nas sociedades beneficentes do Exército, nos clubes esportivos e em outras agremiações.

A propaganda triunfa ao ponto de dissolver-se no conjunto das atividades políticas, econômicas e intelectuais de um Estado. Cada uma dessas atividades apresenta um aspecto propagandístico. A obsessão dela resultante, certos processos de encenação coletiva, a direção centralizada dos instrumentos de difusão, a censura, a exploração dos novos acontecimentos, tudo isso não se origina absolutamente do marxismo-leninismo, mas da utilização totalitária da propaganda.


 

 

CAPÍTULO IV
A propaganda de tipo hitlerista

 

É enorme a contribuição de Hitler e Goebbels à propaganda moderna. Como vimos, não a inventaram, mas a transformaram; pois, não ousamos dizer que a tenham aperfeiçoado. Hoje, o mundo sabe a que ponto chegaram os resultados dessa mecânica gigantesca. O grande número de técnicas e processos introduzidos pelo nazismo em matéria de propaganda, todavia, subsiste mesmo fora do clima de ódio e delírio em que desabrocharam e nada pode impedir que, doravante, façam parte do arsenal da propaganda política.

Entre a concepção leninista de propaganda e a hitlerista, há de permeio um mundo. Do âmbito da perspectiva leninista, a propaganda é a transposição da tática, mas os fins a que se propõe, embora objetivos táticos, não são menos, efetivamente visados. Ao lançar Lenin o slogan Terra e Paz, trata-se realmente de dividir as terras e assinar a paz; quando Maurice Thorez recomenda: Mão estendida aos católicos, trata-se igualmente de fazer uma aliança com os católicos, mesmo não passando de etapa provisória no caminho da conquista do poder. Mas, no momento em que Goebbels, depois de pregar um racismo anticristão, proclama que o povo alemão faz a guerra “em defesa da civilização cristã”, tal afirmativa não tem para ele nenhuma realidade concreta; não passa de oportuna fórmula destinada à mobilização de novas massas. O hitlerismo corrompeu a concepção leninista — de propaganda. Transformou-a em uma arma em si, utilizada indiferentemente para todos os fins. As palavras de ordem leninistas, mesmo ligando-se em definitivo aos instintos e a mitos fundamentais, apresentam base racional. Quando, porém, ao dirigir-se às multidões fanáticas, que lhe respondiam gritando o Sieg Heil Hitler invocava o sangue e a raça, importava-lhe apenas sobreexcitá-las, nelas incutindo profundamente o ódio e o desejo de poder. Essa propaganda não mais designa objetivos concretos; ela se derrama por meio de gritos de guerra, de imprecações, de ameaças, de vagas profecias e, se faz promessas, essas são a tal ponto malucas que só atingem o ser humano em um nível de exaltação em que a resposta é irrefletida. Seria preciso fazer a história das sucessivas variações que sofreram os temas da propaganda hitlerista durante a última guerra, desde a conquista do espaço vital até a defesa do povo, passando pela Nova Europa e pela salvaguarda dos valores cristãos. Desde essa época, a propaganda não está mais vinculada a uma progressão tática, converte-se ela mesma em tática em uma arte particular com leis próprias, tão utilizável como a diplomacia e os exércitos. Em virtude de sua força intrínseca, constitui uma verdadeira “artilharia psicológica”, onde se emprega tudo quanto tenha valor de choque, onde finalmente a idéia não conta, contanto que a palavra penetre. Compreenderam perfeitamente os ditadores fascistas que a aglutinação da massa moderna abria aos seus empreendimentos imensas possibilidades por eles empregadas desavergonhadamente, com total desprezo da pessoa humana. “O homem moderno está surpreendentemente disposto a crer”, dizia Mussolini. Por seu turno, Hitler descobriu que a massa, ao aglutinar-se, assume um caráter mais sentimental, mais feminino: “O povo, em grande maioria, está em uma disposição e em um estado de espírito a tal ponto feminino, que as suas opiniões e seus atos são determinados muito mais pela impressão produzida nos sentidos que pela reflexão pura”. Essa a razão efetiva do êxito da propaganda nazista em relação às massas alemãs: predomínio da imagem sobre a explicação, do sensível brutal sobre o racional. Teremos oportunidade de versar os métodos que contribuem para dar às massas maior receptividade. Toda gente ouviu falar do rufar dos tambores que acompanhava Hitler ao galgar as escadas da tribuna do Congresso de Nuremberg e dos comutadores de corrente elétrica que lhe permitiam, da tribuna, dosar à vontade a iluminação. Desse ponto de vista é também compreensível que a nazismo tenha freqüentemente dirigido apelos à mulher, no que ela possui de sentimentalmente mais irracional e o tenha feito com êxito. Hitler, ainda, é quem declarava: “Quando alcançarmos o poder, cada mulher alemã terá um marido”.

Por um lado, a propaganda hitlerista mergulha suas raízes nas mais obscuras zonas do inconsciente coletivo, ao gabar a pureza do sangue, ao glorificar os instintos elementares de violência e destruição, ao renovar por meio da cruz gamada remotíssima mitologia solar. Ademais, emprega sucessivamente termos diversos e até contraditórios com a única preocupação de orientar as multidões ante as perspectivas do momento. Jules Monnerot observou perfeitamente esse caráter ao mesmo tempo irracional e descontinuo da propaganda nacional-socialista: “Os hitleristas haviam abocanhado todos os temas disponíveis na Alemanha, todos os que, com um mínimo de convergência no tocante às intenções do momento, pudessem favorecê-las”(13).

Não obstante, deve-se indagar por que semelhante descontinuidade não prejudicou a propaganda hitlerista, visto ter ela conseguido não só mobilizar um povo, como também atingir gravemente certas nações européias. Por certo, o esforço foi colossal. Nesse domínio, Hitler e Goebbels nada deixavam ao acaso. Preparavam cuidadosamente toda manifestação. Hitler assinalara mesmo que as horas do entardecer eram as mais favoráveis ao domínio de uma vontade alheia. Também o público estava “preparado”. Comunidades não estatais foram deslocadas, anulando-se toda espécie de intermediários para que o indivíduo se oferecesse sem resistência às solicitações da propaganda; havia bem poucos domingos em que uma família podia reunir-se na intimidade. O Partido e o Chefe estavam presentes em toda a parte: nas ruas, nas fábricas e até dentro das casas, nas paredes dos quartos. Jornais, cinema e rádio repetiam incessantemente a mesma coisa. Em suma, é inegável que certo número de mitos hitleristas correspondiam, seja a uma constante da alma germânica, seja a uma situação criada pela derrota, pelo desemprego e por uma crise financeira sem precedentes.

Isso explica muitas coisas, mas não tudo, mormente a influência paralisadora exercida pela propaganda hitlerista sobre nações não alemãs. Para que a propaganda nazista o conseguisse, malgrado as contradições e exageros, para que igualmente pudesse aterrorizar e entusiasmar as massas, das quais algumas normalmente deviam permanecer a salvo de qualquer perigo, cumpre admitir que sua ação se exercia menos no nível do sentimento e da razão que em outra esfera, em zonas fisiológicos e inconscientes, onde encontram equilíbrio e se ajustam paixões e hábitos, absurdos ou contraditórios à luz da lógica. O escritor russo Tchakhotine, em um livro(14) que, apesar de seu caráter sistemático, é a única obra fundamental consagrada ao nosso tema, esclarece o êxito da propaganda nazista através da interpretação da teoria dos reflexos condicionados de Pavlov.

Apresentamos, adiante, ligeira descrição da experiência de base: coloquemos um torrão de açúcar diante de um cão previamente imobilizado: produzir-se-á saliva na boca do animal. Em seguida, associemos a apresentação do torrão de açúcar à audição de uma buzina e isso muitas vezes: normalmente, o cão continuará a produzir saliva. Em uma terceira fase, porém, contentemo-nos com fazê-lo ouvir a buzina sem apresentar-lhe o açúcar: a saliva aparecerá de novo. Criamos, então, um reflexo condicionado, isto é, o som da buzina associou-se suficientemente ao aparecimento do açúcar a ponto de suscitar a salivação. A buzina tornou-se, assim, um agente condicionador. — Note-se, todavia, que esse excitante de segundo grau não conservará sempre sua eficácia. Com efeito, o agente condicionador complexo — a buzina — tende a perder o valor como substituto do agente condicionador simples — o açúcar — caso esse não lhe seja associado novamente de tempos em tempos, ou melhor, caso não se repetir periodicamente a primeira experiência.

Ao dar-se prosseguimento a essa mesma experiência, isto é, se continuarmos a empregar aqueles excitantes em ritmo regular, nem per isso a salivação do cão se fará em ordem crescente. Ao contrário, obteremos a inibição das funções reflexas, a qual pode estender-se ao organismo inteiro e provocar um estado de sonolência. Observemos, finalmente, que semelhante estado pode ser conseguido de maneira diversa: não seria mais a repetição e sim a intensidade do excitante que estaria em jogo para inibir os reflexos normais de um indivíduo. O aparecimento repentino da serpente pode inibir os reflexos de fuga do pássaro que, fascinado, se lançará na goela da cobra.

Agora, resta-nos apenas aplicar as regras dessa experiência. Inicialmente, tomemo-la no plano da publicidade: quando, para gabar determinada água gasosa pelos muros do metrô, a publicidade escolhe como insígnia uma linda mulher surgindo por entre as bolhas, não existe, evidentemente, nenhuma ligação de ordem racional entre a água mineral “X” e a bela mulher. Trata-se apenas de condicionar o futuro consumidor, a tal ponto que — retomando nossa comparação — ele daí por diante, salivará com o simples nome de água “X”, o qual lhe evocará imediatamente a imagem de uma bela mulher ao sair das ondas. Tais associações formam-se mais naturalmente com marcas de sabonetes ou de meias. Aí a publicidade utiliza infalivelmente o instinto sexual.

A propaganda política pode igualmente utilizar o instinto sexual. Mulheres graciosas, simbolizando países, como Marianne, decorrem desse reflexo, bastante atenuado no caso. O condicionamento realizado em — larga escala pelo nazismo, entretanto, foi calcado, sobretudo, no instinto de poder. Para maior clareza, distinguiremos duas fases correspondentes às experiências por nós rapidamente analisadas: de inicio, formar os reflexos e pô-los em funcionamento; em seguida, utilizá-los no ritmo necessário para criar o estado de inibição.

1 — Trata-se de elaborar os reflexos condicionados que se constituirão no mecanismo dessa propaganda, no ato de associar o escopo desejado pelas massas ao partido que o tomou como alvo: aqui, a grandeza do Reich e a felicidade de todos os alemães são associadas ao Partido Nacional-Socialista. Acumular explicações e razões para em cada ocasião demonstrar que aí estão os fins visados pelo partido, seria fastidioso e de resultados medíocres. Torna-se muito mais conveniente substituir esse agente condicionador simples, que é a grandeza do Reich, por um indivíduo que se proponha realizar essa grandeza, por uma frase ou imagem que a resumam ou a evoquem. Conseqüentemente, a idéia a ser difundida é ligada a essa fisionomia, a esse símbolo, a esse slogan a esse grito. Nada de programas minuciosos e demonstrações confusas: bastam a cruz gamada, a saudação hitlerista e a efígie do Chefe distribuída aos milhões de exemplares... Outro tanto de buzinadas, que fazem salivar todo um povo. Vimos, todavia, que o símbolo, o excitante secundário, perderiam sua força se não fossem revitalizados, restaurados por novas associações como o excitante primário. O torrão de açúcar é, assim, distribuído pedaço por pedaço: é a Áustria, é a Tcheco-Eslováquia, é Memel e, afinal, é o torrão inteiro que tem de se atirar ao cão.

2 — Mais ainda que chamamentos de promessa ou evocações de grandeza, esses símbolos são apelos de forças, são evocações de angústia. Conhecemos o mecanismo fundamental do terror hitlerista; o Pe. Fessard demonstrou-o perfeitamente à luz da dialética hegeliana do amo e do escravo: “Se, muito tempo após o desfecho do combate, a vontade do escravo permanece subjugada e sem que o amo faça grande esforço, a razão disso é que o terror diante da morte lhe arranca o mínimo de consentimento que o liga à vontade do vencedor. Se for preciso, castigos parciais virão reavivar a lembrança desse momento de angústia, durante o qual trocou a liberdade pela vida e de novo forçá-lo a uma adesão infinitesimal”(15). O Pe. Fessard descreve exatamente a inibição condicionada, embora por outras palavras. O que não diz, porém, é que esses apelos inibitórios podem ser feitos bem mais economicamente: de fato, a propaganda fornece substitutos que, para evocar a angústia, fazem comodamente as vezes das chicotadas ou, pelo menos, dão excelentes resultados quando se sabe associá-los devidamente aos golpes do azorrague. São os símbolos, as canções ou os slogans esses substitutos. O poder de Hitler associou-se, pois, à cruz gamada e essa é reproduzida por toda a parte, e dessarte, ao vê-la, o militante recorda-se do momento de exaltação em que a ela se votou de corpo e alma; o adversário lembra-se do momento de terror em que viu se lhe arremeterem os uniformes pardos agrupados por trás da bandeira ensangüentada, cacetes em punho, instante em que, de bom ou de mau grado, teve que concluir o pacto de servidão. A cruz gamada, essa simples imagem, tornou-se segundo a expressão de Tchakhotine, um memento da ameaça, o qual suscita inconscientemente o seguinte raciocínio: “Hitler é a força, a única força real, e como toda a gente está com ele, é preciso que faça o mesmo, eu, homem. da rua, se não quiser ser esmagado”.

Vê-se em decorrência, a importância do ritmo com que os hitleristas conduziam a propaganda. Jamais cessava, nem no tempo nem no espaço, constituindo-se em permanente tela, visual e sonora, que, embora variando de intensidade, mantinha alerta o povo. Se o objetivo parecia distante, “deixava-se cozinhar a alma do povo”, segundo a expressão empregada, a fim de que estivesse pronta no momento oportuno. Certas campanhas iam até o fim inelutavelmente, em um crescendo por vezes assaz longo e que os acontecimentos podiam amortecer. O Anschluss, por exemplo, foi precedido por uma campanha de cinco anos. Em outras oportunidades, a gradação fora mais rápida e mais dramática, como durante as semanas precedentes à invasão de Tcheco-Eslováquia. Em todos os casos, o golpe era desferido subitamente e sem prévio aviso. Assim, o militante era mantido em contínuo estado de exaltação, até a Hora H. No tocante ao adversário, submetido a perpétuo alerta, desarticulado psiquicamente, quase entorpecido como o cão de Pavlov, na expectativa do golpe, não mais reagia quando esse o apanhava.

Se não se tratasse de semelhante empresa, admirar-se-ia a maneira pela qual se movimentava essa orquestra de propaganda: a música jamais se interrompia. Na sinfonia, havia sempre, em qualquer trecho, uma frase em suspenso e que se poderia retomar. Se a política internacional não andasse, retornava-se à questão judaica(16). Durante a guerra, ao contrário, o tema ariano anticristão é substituído pelo majestoso mito da Nova Europa, herdeira dos valores cristãos, em armas contra a barbárie bolchevista. Jamais se contradizem ou se corrigem, muda-se simplesmente de instrumento. Assim, a propaganda anti-soviética, subitamente interrompida em agosto de 1939, é retomada em junho de 1941. A orquestra, contudo, faz tamanho barulho, que só alguns indivíduos obstinados em refletir notam a descontinuidade. A regra, precisamente, é não deixar tempo para pensar. Sucedem-se os apelos às urnas, juntamente com as incitações à luta e a lista dos novos objetivos a serem alcançados.

Então, é patente a confirmação das experiências de Pavlov. Estabelece-se, contudo, no seio mesmo dessa permanente estimulação, uma espécie de regular alternância: ao açúcar junta-se o chicote. Quando o inimigo parece insubmisso, é afagado; porém, desde que respira, é de novo ameaçado. Assim, imediatamente depois de Munique, quando a opinião internacional acreditou poder respirar, Hitler pronuncia dois dos seus mais violentos discursos. Os ouvintes e os interlocutores de Hitler costumavam assinalar a habilidade com que alternava a sedução com a brutalidade, a assim chamada “Gespraechstechnik” ou arte de conversação, aliás já conhecida por Napoleão.

Conseqüentemente, em vez de repetir o estímulo, cria-se uma alternância na excitação, em lugar da simples inibição obtém-se esse estado psíquico ambíguo e instável que P. Janet descreveu no livro De l’Angoisse à l’Extase. É o que Tchakhotine traduz na perspectiva que lhe é própria: “Estimulado, o instinto de luta pode manifestar-se de duas maneiras antagônicas: uma, negativa ou passiva, exteriorizada pelo medo e pelas atitudes de depressão, de inibição; outra, positiva, que conduz à exaltação, a um estado de excitação e agressividade... A excitação pode levar ao êxtase, a um estado que, conforme o indica o nome, decorre de uma saída para fora de si mesmo”. Esse é bem o estado ambíguo do alemão submetido à propaganda hitlerista, petrificado pela exaltação e ao mesmo tempo por uma angústia que aliás pode ter passado ao subconsciente. Numerosos observadores surpreenderam-se, em ocasiões em que Hitler discursava, com o aspecto de indivíduos imobilizados na atitude ausente e rígida do sonâmbulo. Com efeito, ao jogar sucessivamente com os dois pólos da vida nervosa, o terror e a exaltação, os nazistas acabaram par dominar à vontade o sistema nervoso das massas populares, internamente e no Exterior. Isso, finalmente, deriva de um idêntico estado psicológico ambivalente que, do medo ao entusiasmo, passa por todos os graus.

Entre os homens que seguiam Hitler até o fim e por ele morriam, muitos, por certo, o tinham odiado; os processos e o ritmo da propaganda, contudo, os tinham hipnotizado e arrancado a si mesmos. Condicionados até a medula, haviam perdido a possibilidade de compreender, de odiar. Não amavam nem detestavam Hitler, na verdade: fascinados por ele, tinham-se tornado autômatos em suas mãos.


 

 

CAPÍTULO V
Leis e técnicas

 

A propaganda política já tem história. O uso que dela fizeram os comunistas e nazistas, aliás de maneiras bem diversas, torna-se particularmente valioso para a inferência de certas leis. Vamos expo-las o mais objetivamente possível, pondo de lado todo falso pudor. Se alguém indignar-se, permitam-nos recordar ter havido uma época não muito remota — precisamente aquela em que este estudo se iniciou de um modo ativo, antes de ser redigido — época em que a propaganda não era nem curiosidade nem atividade de segunda ordem, mas luta quotidiana. Fomos apanhados na sua rede, então e rápida foi a passagem das palavras aos atos: todo converso da “nova ordem”, todo ouvinte de Philippe Henriot era um denunciante potencial. Todo aquele que aderia à Resistência era um soldado arrebatado ao inimigo e ganho para a nação. Não se tratava tanto de raciocinar, e sim de convencer para vencer. Desprezada pelos débeis, essa propaganda transformara-se em uma arma terrivelmente eficaz nas mãos dos nazistas; e, à sua custa, os franceses aprendiam a voltá-la contra o inimigo. Esse episódio de nossa história bastaria para justificar o interesse, pelas formas — da propaganda, mesmo as mais exageradas e as mais pervertidas. O fato de atravessarmos agora, na Europa Ocidental, um período de propaganda parcial e atenuada, não impede que tenhamos conhecido e estejamos arriscados de novo a conhecer uma época de propaganda total.

Ninguém poderia alimentar a pretensão de encerrar- a propaganda dentro de certo número de leis funcionais. Ela é polimorfa e dispõe de recursos quase ilimitados. Conforme a assertiva de Goebbels: “Fazer propaganda é falar de uma idéia por toda a parte, até nos bondes. A propaganda é ilimitada em suas variações, em sua flexibilidade de adaptação e em seus efeitos”. O verdadeiro propagandista, aquele que quer convencer, aplica toda espécie de receitas, segundo a natureza da idéia e dos ouvintes, agindo, de início, pelo contágio de sua fé pessoal, por suas próprias virtudes de simpatia e eloqüência. Não são elementos facilmente mensuráveis; contudo, a propaganda de massa teria resultados insignificantes, se não fosse sustentada por tenaz e múltiplo esforço de propaganda individual.

Expressa-se a propaganda individual pela simples conversação, pela distribuição de brochuras e jornais ou, mais sistematicamente pelo método de porta em porta, o qual consiste em bater sucessivamente em todas as portas de um quarteirão para oferecer jornais ou solicitar assinaturas em petições e, se possível, entabular conversação a partir daí.

A alocução coloca-nos no caminho da propaganda de massas. Esse é o processo favorito do “agitador” comunista, que se aproveita de qualquer incidente para discursar o mais breve e claro possível.

Os suportes técnicos da propaganda de massa são poderosos e inúmeros. Não é possível tratá-los minuciosamente. Contentemo-nos com ligeira explanação:

O impresso — O livro, caro e de leitura demorada, permanece, entretanto, instrumento de base. Reflita-se na importáncia do Manifesto Comunista, das obras de Lenin e Stalin, na propaganda comunista; na tiragem do Mein Kampf na Alemanha.

O panfleto, arma predileta da propaganda no decurso do século XIX, é usada hoje pelos comunistas, destinando-se mormente aos intelectuais.

O jornal é o principal instrumento da propaganda impressa, desde os grandes matutinos e vespertinos até os jornais de bairro e de fábrica, distribuídos e afixados (jornais murais).

Enfim, o cartaz e o opúsculo, redigidos com brevidade e de cunho impressionista. O folheto apresenta a vantagem de ser cômodo e de permitir fácil e anônima distribuição. Quando o folheto se reduz a um simples slogan ou a algum símbolo, toma o nome de volante.

A palavra — É o rádio, evidentemente, o principal instrumento de difusão da palavra. As emissoras, principalmente de ondas curtas, foram utilizadas durante a guerra e o são ainda em função da propaganda no Interior e no Exterior. Verificou-se que a voz humana reforçava consideravelmente a argumentação, infundindo-lhe vida e presença inexistentes em um texto impresso. Nos Estados Unidos, as vozes dos locutores foram examinadas em função do seu poder de sedução. O rádio pode ser temporariamente posto à disposição dos partidos políticos, em tempo de eleições. Dele, porém, se servem com maior freqüência os governos desejosos de sustentar suas concepções e sua política em emissões destinadas aos nacionais ou aos povos estrangeiros. A influência do rádio pode ser ainda aumentada, mediante a “audição coletiva”.

O alto-falante é utilizado nas reuniões públicas. Pode ser deslocado à. vontade: serviram-se dele na linha de frente, em 1939/40, e durante a guerra civil na China. Algumas vezes é montado em um caminhão: durante a campanha eleitoral de junho de 1950, o Partido Socialista belga empregou caminhões assim equipados; esses veículos paravam de improviso em uma localidade; após terem tocado alguns discos, que alertavam a população, um orador falava ao microfone. Apresenta esse método a vantagem de alcançar as pessoas que não costumam ir aos comícios. No Vietnã, as autoridades francesas usaram igualmente caminhões com alto-falantes, mas, nesse caso, tratava-se de um bazar ambulante que servia para atrair a população.

O canto também é um veículo de propaganda, quer as canções revolucionárias, políticas, épicas ou satíricas, essas uma arma favorita das oposições. Relembremos a Marselhesa e a Internacional, de um lado, e o êxito das canções satíricas difundidas pelas emissões francesas da B.B.C., de outro lado.

A imagem — São múltiplas as espécies: fotografias, caricaturas e desenhos satíricos — emblemas e símbolos — retratos de lideres. A imagem é, sem dúvida nenhuma, o instrumento mais notável e o mais eficaz. Sua percepção é imediata e não demanda nenhum esforço. Acompanhado de uma legenda, substitui vantajosamente não importa que texto ou discurso. Nela resume-se a propaganda, de preferência, conforme teremos oportunidade de ver a propósito dos símbolos.

O espetáculo — Enfim, é o espetáculo um elemento essencial da propaganda. A Revolução Francesa, que fez de David o “grande mestre das festas da República”, teve o sentido das manifestações de massa, organizadas com grandiosa encenação (Festa da Federação, Festa do Ser Supremo). Napoleão reteve a lição. Quanto a Hitler, soube preparar admiravelmente manifestações gigantescas em estilo de solenidade ao mesmo tempo religiosa e esportiva: Congresso de Nuremberg, paradas noturnas com tochas (observemos o papel atribuído aos refletores, à iluminação, às tochas: tudo que é chama e luz na noite toca no mais profundo da mitologia humana).

A propaganda introduziu-se na liturgia fúnebre. Nenhum espetáculo impressiona tão profundamente a alma moderna e lhe dá tanto esse sentimento de comunhão religiosa a que aspira; é o único de certa pompa — assinalou Peguy, aceito pela nossa República civil e laica. Goebbels organizava os funerais dos chefes do partido carinhosamente e em impressionante estilo; conta-nos Plievler(17) que o líder nazista chegou até a encenar as exéquias coletivas de todo o 6o. exército alemão, do qual uma parte ainda combatia no bolsão de Estalingrado.

Sem incidir na romântica suntuosidade da encenação hitlerista, são poucas as manifestações políticas que agora não incluem uma parte espetacular, indubitavelmente para atrair as multidões e distraí-las, mas também — mais profundamente — para satisfazer o pesar pelo desaparecimento de uma liturgia coletiva.

O teatro, cujo papel foi de grande relevo na Revolução Francesa, reencontrou durante a Revolução Bolchevista a sua eficácia como propaganda(18). Sketches ligeiros, adaptados aos diversos auditórios (exército, campesinato e outros), evidenciam os méritos e o futuro dos operários e camponeses revolucionários, contrastando com a torpeza dos inimigos. Farsas inspiradas no folclore são igualmente representadas com esse desígnio.

Amiúde o teatro inspirou a técnica da propaganda: por exemplo, os “coros falados” exigidos nas manifestações ou que serviam até para animar Hitler e Mussolini; as “conferências dialogadas”, em que um comparsa se encarrega, mais ou menos grosseiramente, do papel de contraditor. O espetáculo preenche uma função cada vez maior nos comícios e nos desfiles: mascarados encarnam os inimigos; veículos enfeitados representam cenas idealizadas do futuro: assiste-se até a sketches simplificados, por vezes reduzidos apenas a gestos, espécie de mímica política.

O cinema é um instrumento de propaganda particularmente eficiente, seja ao utilizá-lo pelo seu valor como documentário — devolve a realidade com o seu movimento, conferindo-lhe indiscutível autenticidade — seja ao usá-lo, como ao teatro, para difundir certas teses através de antiga lenda, de matéria histórica ou de moderno cenário. Jornais cinematográficos mais ou menos orientados, determinadas reportagens, pertencem à primeira categoria. Na segunda, tinham os nazistas realizado, com O Judeu Süss, um modelo de propaganda anti-semita.

Finalmente, a televisão leva ao domicilio uma imagem animada e sonora. Proporciona à propaganda maravilhoso instrumento de persuasão: a visão do orador confere a esse uma presença completa, e o espetáculo torna-se visível a todos. No entanto, a televisão, na medida em que é antes uma contemplação solitária ou familial, exige da propaganda um estilo menos brutal, mais pessoal e provavelmente mais racional.

Depois dessa rápida apreciação dos mais importantes veículos de propaganda, examinaremos as principais leis de seu funcionamento, regras de uso, que podemos deduzir, a título de indicações, da história recente da propaganda política.

 

1 — Lei de simplificação e do inimigo único

Em todos os domínios, a propaganda logo se empenha na busca da simplificação Trata se de dividir a doutrina e a argumentação em alguns pontos, definindo-os o mais claramente possível. O propagandista tem à disposição uma escala inteira de fórmulas: manifestos, profissões de fé, programas, declarações, catecismos, os quais, em geral sob forma afirmativa, enunciam certo número de proposições em texto conciso e claro.

Notável é que, na origem das três grandes propagandas que transtornaram duradouramente a terra, encontramos três textos dessa espécie: no Credo ou Símbolo de Nicéia, condensou-se a fé católica; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, emanada da Revolução Francesa, constitui, por assim dizer, o alfabeto da sua propaganda e, ao sobreviver-lhe, testemunha a vitalidade de seus princípios. São dois textos de uma densidade e de uma clareza admiráveis, não se lhes assinalando uma palavra a mais; redigidos em frases curtas e ritmadas, podem ser facilmente retidos pela memória. O marxismo, por seu turno, apoia-se em um documento mais longo, o Manifesto Comunista, e nele Marx e Engels condensaram a doutrina em penetrantes fórmulas.

Esse esforço de precisão e sintetização constitui a necessidade prévia de qualquer propaganda. Encontramo-lo em um texto famoso como a Declaração em 12 pontos do Presidente Wilson e, também, com resultados diversos, nos múltiplos programas, manifestos e profissões de fé eleitoral que formam a matéria bruta da vida política.

Progredindo sempre no sentido de maior simplificação, a palavra de ordem e o slogan tornaram-se o mais possível breves e bem cunhados, segundo técnica desenvolvida pela publicidade. Vimos que a palavra de ordem tem conteúdo tático: resume o objetivo a atingir; o slogan apela diretamente às paixões políticas, ao entusiasmo, ao ódio: “Terra e Paz” é uma palavra de ordem; “Ein volk, ein Reich, ein Führer”, é um slogan. “Nem um tostão, nem um homem para a guerra do Marrocos” é uma palavra de ordem; “Doriot no poder”, “Rex vencerá” são slogans. A distinção, aliás, nem sempre é clara.

A rigor; uma doutrina ou um regime resumem-se em um símbolo: símbolo gráfico — S.P.Q.R., R.F., iniciais dos soberanos reinantes: símbolo-imagem, tais como bandeiras, bandeirolas, emblemas ou insígnias diversas em forma de animais ou objetos — cruz gamada, foice e martelo e outros; símbolo plástico, a exemplo da saudação fascista, dos punhos levantados e outros; símbolo musical, hino ou frases musicais.

O símbolo, que originariamente era sobretudo figurativo, como o machado do lictor e o barrete vermelho da Revolução Francesa, afastou-se progressivamente da realidade por ele representada, em proveito da facilidade de reprodução. A cruz gamada é um símbolo solar pré-histórico, que só tem um liame poético com o nazismo. Analogamente, os diferentes tipos de cruz adotados nos últimos anos: a cruz de Lorena, por exemplo, símbolo da França Livre, evocava um país martirizado, cujo valor residia sobretudo na sua simplicidade (a cruz é o símbolo mais simples, suscetível de ser facilmente reproduzido). O “V” britânico, adotado como símbolo aliado, foi um perfeito êxito. Letra inicial de “Vitória”, apresentava valor figurativo direto; além disso, constituía-se, ao mesmo tempo, em símbolo gráfico extremamente simples e cômodo para ser reproduzido nos muros, e em símbolo plástico (os dois dedos ou os dois braços levantados) e em símbolo sonoro (os... —, a transcrição do “V” para o alfabeto Morse, anunciadora das emissões da B. B. C. para os territórios ocupados) e, por esse estratagema, o “V” por último, adquiria valor poético, ao confundir-se com o motivo inicial da Quinta Sinfonia de Beethoven, o qual evoca os golpes dados na porta pelo Destino.

Analisamos, no capítulo precedente, o mecanismo por cujo intermédio esses diversos símbolos evocam por si mesmos um conjunto de idéias e sentimentos. Em todo caso, observemos que a redução a fórmulas claras, a fatos e a números produz sempre melhores resultados que uma longa demonstração. Seguramente, é uma debilidade de certos partidos políticos, como o M.R.P. na França, não terem conseguido jamais encerrar suas doutrinas e seus programas em algumas fórmulas e símbolos assaz evidentes para serem conservados de memória.

Ademais, uma boa propagando não visa a mais de um objetivo de cada vez. Trata-se de concentrar o tiro em um só alvo durante dado período. Os hitleristas praticaram à perfeição esse método de concentração, o. qual foi o A. B. C. de sua tática política: aliados aos partidos burgueses e reacionários contra os marxistas, aliados, depois, à direita nacionalista contra os partidos burgueses e, finalmente, ao eliminar os nacionalistas, sempre se arranjaram a fim de terem apenas um inimigo.

A forma simplificadora mais elementar e rendosa é evidentemente a de concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do campo a que pertencemos ou o ódio polo campo adverso. Os gritos de “Viva Fulano!” ou “Abaixo Sicrano!” pertencem aos primeiros ensaios da propaganda política e forneceram-lhes sempre um bom cabedal para a sua linguagem de massas. Reduzir a luta política à rivalidade entre pessoas é substituir a difícil confrontação de teses, o lento e complexo mecanismo parlamentar por espécie de jogo de que os povos anglo-saxões amam o jeito esportivo e, os povos latinos, o lado dramático e passional “Bidault sem Thorez” — esse slogan do M.B.P. durante a campanha eleitoral de 1946, ou melhor ainda, o símbolo gráfico P.M.F. (Pierre Mendès-France) são mais expressivos que longos programas.

A individualização do adversário oferece inúmeras vantagens. Cada escrutínio era transformado, pelos nazistas, em um “combate contra o último oposicionista”. Apreciam os homens enfrentar pessoas visíveis, de preferência a forças ocultas. Mormente ao persuadi-los de que o verdadeiro inimigo não é tal partido ou tal nação, mas o chefe desse partido ou dessa nação, ganha-se duplamente: por um lodo, tranqüilizam-se os adeptos, convencidos de terem pelo frente não massas resolutas como eles, mas uma multidão mistificada conduzida por um mau pastor e que o abandona ao se lhes abrirem os olhos; por outro lado, espera-se dividir o campo do adversário retirando-lhe alguns elementos. Atacar-se-á sempre, conseqüentemente, a indivíduos ou a pequenas frações, e nunca a massas sociais ou nacionais em conjunto. Assim, Hitler jamais pretendeu combater a classe operária marxista, mas alguns “marxistas-judeus que seguravam os cordões”, jamais a Igreja,. mas “uma súcia de padres hostis ao Estado” Comportam-se os partidos comunistas, na propaganda destinada aos católicos e aos socialistas, segundo essas regras(19). Percebem-se aí as razões da posição descomunal, dentro da propaganda, das nações de grupo, de conluio, de conspiração. Os grandes julgamentos políticos, como os do incêndio de Reichstag ou o processo de Rajk, vêm a propósito para autenticar a realidade da trama denunciada e convencer as massas de que, na realidade, lutam apenas com uma corja de espiões, de sabotadores e de traidores.

Na medida do possível, tentar-se-á ligar esse ínfimo grupo de adversários declarados a uma só categoria ou a um só indivíduo. A propaganda hitlerista apresentou a “conspiração dos democratas, plutocratas e bolchevistas contra a Europa”, como dirigida pela “judiaria internacional”(20). Quando se percebe ser essa categoria insuficientemente homogênea, criam-se à força, conjugando os adversários em uma enumeração repetida com a máxima freqüência, a fim.de espalhar-a convicção de que devem ser todos metidos “no mesmo saco”. A propaganda comunista usa amiudadamente inesperadas enumerações em que se procura confundir em uma mesma aversão um político radical, um arcebispo e um filósofo existencialista. É o que se chama o método de contaminação, mediante o qual um partido sugere que as divisões dos adversários não passam de artifícios destinados a enganar o povo, pois, na realidade, se entendem contra ele.

Na maneira como a propaganda hitlerista explorava o senso do inimigo, havia uma tática de extraordinária eficiência psicológica e política. Arte da tapeação levada ao extremo limite, consiste em sobrecarregar o adversário de seus próprios erros ou de sua própria violência, manobra geralmente desconcertante. P. Reiwald assinala com justeza que “o fato de emprestar-se ao inimigo os próprios defeitos e atribuir-lhe os atos que se está a ponto de praticar, tornou-se, graças a Hitler, a peculiaridade da propaganda nacional-socialista”(21). Cita, inclusive, surpreendente afirmação de Hitler a Rauschning, a qual prova que o Führer, personalizando a todo transe o inimigo, atribuía à sua propaganda verdadeira função de catarse de autopurificação pelo ódio: “Carregamos todos o Judeu em nós mesmos; é mais fácil, contudo, combater o inimigo visível que o demônio invisível”.

 

2 — Lei de ampliação e desfiguração

A ampliação exagerada das notícias é um processo jornalístico empregado correntemente pela imprensa de todos os partidos, que coloca em evidência todas as informações favoráveis aos seus objetivos: a frase casual de um político, a passagem de um avião ou de um navio desconhecidos, transformam-se em provas ameaçadoras. A hábil utilização de citações destacadas do contexto constitui também processo freqüente.

A propaganda hitlerista serviu-se sistematicamente das notícias como de um meio de dirigir os espíritos. As “informações” importantes jamais eram comunidades em “bruto”; ao aparecerem, vinham já valorizadas, carregadas de um potencial de propaganda. Walter Hagemann dá um exemplo de como a imprensa alemã apresentava uma greve nos Estados Unidos; ela não dizia: “Roosevelt realiza uma arbitragem, recusado pelos grevistas”, e, sim: “Os grevistas respondem à estúpida política social de Roosevelt com a recusa da arbitragem”. A explicação começa, pois, no estágio da informação e geralmente é acentuada pelo título e pelo comentário.

A preocupação constante dos propagandistas hitleristas era a de uma publicidade “por atacado”. — Lê-se no Mein Kampf: “Toda propaganda deve estabelecer seu nível intelectual segundo a capacidade de compreensão dos mais obtusos dentre aqueles aos quais se dirige. Seu nível intelectual será, portanto, tanto mais baixo quanto maior a massa de homens que se procura convencer”. Daí a ironia pesada, a zombaria cínica, as injúrias(22) que caracterizam a eloqüência hitlerista. Jules Monnerot ressaltou que os tiranos modernos tiveram o dom de “tornar primário” e reescreveram suas doutrinas em uma “linguagem de massas”. No quadro em que Bruce L. Smith(23) relaciona todos os grandes propagandistas, apenas um dentre eles, o dr. Goebbels, fez estudos superiores de humanidades.

É certo que a propaganda, sem cair em tais excessos, reclama uma expressão que seja compreendida pelo maior número. Cumpre graduar e pormenorizar o menos possível, e logo apresentar a tese em bloco e da maneira mais surpreendente. Não acreditamos naquele que principia opondo restrições às suas próprias assertivas. Para quem procura o favor das multidões, é melhor que não diga: “Quando estiver no poder, os funcionários receberão tanto, os abonos familiares serão aumentados de tanto etc.”, mas, de preferência: “Todo o mundo será feliz”.

 

3 — Lei de orquestração

A primeira condição para uma boa propaganda é a infatigável repetição dos temas principais. Goebbels dizia astutamente: “A Igreja Católica mantém-se porque repete a mesma coisa há dois mil anos. O Estado nacional-socialista deve agir analogamente”.

A repetição pura e simples, entretanto, logo suscitaria o tédio. Trata-se, por conseguinte, ao insistir obstinadamente sobre o tema central, de apresentá-la sob diversos aspectos: “A propaganda deve limitar-se a pequeno número de idéias e repeti-las incansavelmente. As massas não se lembrarão das idéias mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes. As alterações nela introduzidas não devem jamais prejudicar o fundo dos ensinamentos a cuja difusão nos propomos, mas apenas a forma. A palavra de ordem deve ser apresentada sob diferentes aspectos, embora sempre figurando, condensada, em uma fórmula invariável, à maneira de conclusão”(24). O que, aliás, não é uma invenção, mas, a sistematização de um processo já conhecido do velho Catão, que terminava todas as suas arengas pela exclamação: “Delenda Carthago”, e praticado também por Clémenceau que colocava em todos os seus discursos a famosa fórmula: “Je fais la guerre”.

A qualidade fundamental de toda campanha de propaganda é a permanência do tema, aliado à variedade de apresentação. Os partidos comunistas proporcionam um modelo nessa matéria, pela obstinação com que repetem um mesmo tema, tratando-o sob todos os ângulos. Se compulsarmos a coleção de L’Humanité de 1948, desde lo. de janeiro, data em que deseja aos leitores um Ano Bom, “ano de vitória sobre o plano de ruína do partido americano”, verifica-se que não há editorial ou artigo de fundo que, a propósito de não importa qual assunto, não traga à baila o plano Marshall, e esse leitmotiv é reproduzido humoristicamente ou indicado nos comentários e nas crônicas de cinema, de esportes e outras.

A orquestração de dado tema consiste na sua repetição por todos os órgãos de propaganda, nas formas adaptadas aos diversos públicos e tão variada quanto possível. “Para um público diferente, sempre um matiz diferente”, prescrevia uma das diretivas de Goebbels, e ele mesmo levava o cuidado de adaptação ao público a ponto de observar em seu Diário que “a propaganda no domínio da cultura é sempre a mais eficiente no tocante aos franceses”.

Tal como em uma campanha militar, cada um combate com suas próprias armas no setor que lhe é designado. A campanha anti-semita dos nazistas foi conduzida simultaneamente pelos jornais, que “informavam” e polemizavam, pelas revistas, que publicavam sábios artigos sobre a noção de raça, e pelo cinema, que produzia filmes como O Judeu Süss. Quando os nazistas tiveram em mãos os meios de agir sobre toda a opinião européia, a sua técnica de orquestração atingiu sua máxima amplitude: então semanalmente, aparecia no Das Reich um editorial do Dr. Goebbels, logo retomado, em línguas e em registros diferentes, com as correções demandadas pelas diversas mentalidades nacionais, pelos jornais e pelo rádio alemão, pelo jornais da frente e pela imprensa de todos os países ocupados.

O partido comunista, à sua maneira, também pratica excelente orquestração. Os temas fundamentais, fixados todas as semanas por uma ata de sessão do Politburo em texto sempre claro e conciso, são desenvolvidos pelo conjunto da imprensa comunista e de seus oradores, e descem até os escalões da base sob a modalidade de avisos, de petições, de propaganda oral, de “porta em porta” e outros. Assim, as grandes campanhas lançadas pelo Partido Comunista Francês (contra o plano Marshall, contra a bomba atômica) encontram repercussão em todos os cantos do país e, de um ou de outro modo, alcançam quase todos os cidadãos. Uma grande campanha de propaganda tem êxito quando se amplifica em ecos indefinidos, quando consegue suscitar um pouco por toda a parte a retomada do mesmo tema e que se estabelece entre os seus promotores e os seus transmissores verdadeiro fenômeno de ressonância, cujo ritmo pode ser seguido e ampliado. É evidente, aliás, que, para se obter tal ressonância, o objetivo da campanha deve corresponder a um desejo mais ou menos consciente no espírito dos grandes massas. O prosseguimento e o desenvolvimento de uma campanha de propaganda exige que sua progressão seja acompanhada de perto, que se saiba alimentá-la continuamente de informações e de novos slogans e retomá-la na ocasião oportuna sob forma diferente e o quanto possível original (reuniões, votações, coletas de assinaturas, manifestações de massa e outras). Uma campanha tem duração e ritmos próprios: deve “agarrar-se”, no início, a um acontecimento particularmente importante, desenrolar-se tanto quanto possível progressivamente e terminar em uma apoteose, em geral por uma manifestação de massa. É verdadeiro fogo de artifício, em uma sucessão extraordinária de girândolas, aquecendo o entusiasmo até o máximo, que será atingido pelo espoucar da peça final. O fator primordial de uma campanha de propaganda é, em todo caso, a rapidez. Torna-se preciso fazer revelações continuamente, apresentar argumentos novos a um ritmo tal que, quando o adversário responda, a atenção do público se tenha voltado para alhures. Suas respostas sucessivas não conseguirão recobrar o fluxo ascendente das acusações, e o único recurso será recuperar a iniciativa, se puder, e atacar com maior rapidez ainda.

Por vezes, os fatos impõem duração mais longa: a campanha de revisão do processo Dreyfus, magnificamente iniciada pelo panfleto de Zola, desenvolveu-se harmoniosamente, pôs em jogo todos os meios de influir sobre a opinião pública, e sacudiu o país em suas profundezas, como jamais o fizera nenhuma outra campanha. Na verdade, foi uma espécie de abrasamento e as paixões rapidamente ocuparam uma tal posição a ponto de suscitar um movimento de opinião mais espontâneo que, de ordinário, o são as modernas campanhas de propaganda.

Particularmente as companhias nazistas foram conduzidas do começo ao fim por um método minucioso. Ao retomar a tradição bismarkiana, Goebbels logrou pela opressão o que o Chanceler de Ferro deveu à corrupção alimentada pelo seu famoso “Fundos dos Répteis”: o completo servilismo da imprensa. Os instrumentos da orquestra encadeiam-se uns nos outros, segundo uma partitura de antemão escrita. Mencionemos, para exemplificar, a maneira pela qual foram preparadas as agressões contra a Tcheco-Eslováquia e a Polônia: os jornais das regiões fronteiriças principiaram por fornecer “informações” acerca das atrocidades sofridas pelas minorias alemãs; a seguir, esses relatos foram “reproduzidos” por todos os jornais como se viessem de fontes diferentes, e, conseqüentemente, aparentando autenticidade complementar. É a astúcia do camelô, ao arranjar um suposto cliente, que não passa de um parceiro, para elogiar o produto por ele vendido.

Essa gigantesca estratégia da opinião comporta até “missões especiais”. Certos jornais, certos comentaristas de rádio, em todos os países, são encarregados de lançar “balões de ensaio”. A maneira como reage a opinião nacional e internacional representa preciosa indicação para orientar a política. O “balão de ensaio” é, sobretudo, empregado para a propaganda de guerra ou a fim de preparar uma mudança de política exterior. Há, por vezes, “missões sacrificadas”: se a reação da opinião é desfavorável ou se as circunstâncias mudaram repentinamente, o jornal ou o informante encarregado de lançar o balão de ensaio são desaprovados e acusados de falta de seriedade ou mesmo de serem “provocadores” ao serviço do adversário.

Há países em que certos jornais têm a missão de dirigir-se ao estrangeiro em termos mais serenos e comedidos que os empregados para uso interno. Foi o caso do Frankfurter Zeitung, na Alemanha. Goebbels tinha levado a divisão das tarefas a ponto de movimentar à parte os recursos da propaganda oral. Seu Ministério realizara experiências das quais resultara que um boato lançado hoje em Berlim chegaria depois de amanhã às cidades do Reino e, no quinto dia, retomaria a Berlim, sob forma aliás modificada. Servia-se, por vezes, desse meio indireto para explicar aquilo que não podia ser oficialmente explicado. Conta-nos, no seu Diário, o embaraço surgido a propósito do “perigo amarelo”: esse velho tema da propaganda germânica — retomado pelos nazistas, não podia ser debatido publicamente, sob pena de cindir o Eixo; era preciso, então, “renunciar a esclarecê-lo de público e tentar difundir entre o povo nossas verdadeiras razões através da propaganda oral”. Essa, também, pode ser empregada a fim de amortecer os choques: Goebbels, por exemplo, tem o cuidado de, incontinenti, mandar anunciar clandestinamente a redução das rações de alimentos, visando a evitar um choque cujo contragolpe seria nocivo ao moral do povo e impediria os efeitos da propaganda em curso sobre o aumento da renda.

Acontece que certos temas devem ser abandonados por serem contraditos pelos fatos ou pela propaganda adversária. Nesse caso, o propagandista não reconhece o erro — é regra evidente que a propaganda não se contradiz. Ele cala-se no pertinente aos pontos fracos. Tornou-se processo quase universal a dissimulação ou contrafação das notícias favoráveis ao adversário. W. Hagemann, que examinou as cinqüenta mil diretivas enviadas por Goebbels à imprensa, verificou que um quarto dentre elas eram instruções de silêncio. Mas, em regra, o silêncio é acompanhado de ofensivas de despistamento. Aquele autor relata que, em 1935, ao tempo em que as perseguições anti-semitas escandalizavam a opinião estrangeira, Goebbels desfecha na imprensa alemã uma campanha contra a perseguição dos católicos irlandeses pelos britânicos. O despistamento é uma tática favorita da propaganda de guerra; mas é utilizada, outrossim, por todos os propagandistas apanhados em erro, e Goebbels, a bem dizer, nisso foi mestre. Seu biógrafo, Curt Riess(25) insiste, com razão, em um fato marcante do início da carreira do líder nazista. Deputado e jornalista, Goebbels atacava violentamente os adversários, protegido pelas imunidades parlamentares. Suspensas essas, foi processado por difamação. Como não podia negar os fatos, decidiu contra-atacar, lançando mão de furiosa crítica e injuriando juizes e procuradores. Petrificado, o Tribunal condena-o à multa de 200 marcos e esquece-se dos fundamentos do processo.

A condição essencial de uma boa orquestração, em todos os casos, é a cuidadosa adaptação do tom e da argumentação aos diversos públicos. Isso parece fácil; sem embargo, aos propagandistas de formação intelectual é, muitas vezes, difícil falar linguagem apropriada a multidões de camponeses ou de operários. Nisso também Hitler se fizera mestre na arte de variar os efeitos: diante de antigos companheiros, evocava o heroísmo das lutas passadas; diante de camponeses, falava da felicidade familiar; diante de mulheres, discorria sobre os deveres das mães alemãs. Napoleão, que se pode considerar como um dos precursores da propaganda moderna, particularmente por sua arte na concisão e no slogan, sabia dirigir-se igualmente, em termos adequados, às tropas, aos acadêmicos, aos muçulmanos do Egito... É interessante verificar que os nazistas tentaram empregar o mesmo processo às religiões que desejavam atrair, com êxito, aliás, relativo. A “defesa da civilização cristã” jamais chegou a inquietar seriamente a Igreja católica e a protestante. Ao mesmo tempo, Goebbels visava aos muçulmanos: recorde-se o uso pela sua propaganda do Grande Mufti de Jerusalém; os grupos de propaganda da Wehrmacht tinham a especial incumbência de exibir aos tártaros da URSS uma fotografia do Mufti em conversa com o Führer.

 

4 — Lei de transfusão

Jamais acreditaram os verdadeiros propagandistas na possibilidade de se fazer propaganda a partir do nada e impor às massas não importa que idéia, em não importa que momento. A propaganda, — em regra geral, age sempre sobre um substrato preexistente, seja uma mitologia nacional (a Revolução Francesa, os mitos germânicos), seja simples complexo de ódios e de preconceitos tradicionais: chauvinismos, fobias ou filias diversas. Princípio conhecido por todo orador público é o de que não se deve contradizer frontalmente uma multidão, mas de início, declarar-se de acordo com ela, acompanhando-as antes de amoldá-la ao escopo visado. Escreve o grande publicista americano Walter Lippmann em Public Opinion: “O chefe político apela imediatamente para o sentimento preponderante da multidão (...). O que conta é prender, pela palavra e por associações sentimentais, o programa proposto, à atitude primitiva que se manifestou na multidão”. Reencontramos facilmente esse método em Demóstenes e Cícero, os dois maiores oradores da Antigüidade. Os modernos especialistas da propaganda nada mais fizeram que aplicá-lo sistematicamente a grandes massas, uso, aliás, aperfeiçoado pela publicidade. A maior preocupação das técnicos publicitários reside na identificação e na exploração do gosto popular, mesmo naquilo que tem de mais perturbador e absurdo, a fim de adaptar-lhe a publicidade e a apresentação de um produto. Essencial é dar imediatamente razão à clientela, afirmando, por exemplo, que tal dentifrício alveja os dentes ou que tal azeite é mais “gorduroso” que outro, o que, de nenhum modo, constitui verdadeira qualidade para um azeite ou um dentifrício.

Existe, portanto, na alma dos povos, sentimentos conscientes ou inconscientes que a propaganda apreende e explora. Já tivemos ocasião de ver como Hitler jogou simultaneamente com todos os velhos mitos germânicos e os rancores suscitados pela derrota. Durante trinta anos, os partidos direitistas, a Resistência e o Partido Comunista, sucessivamente, exploraram a germanofobia francesa. No transcorrer da guerra, os nazistas excitaram sistematicamente na Europa os velhos antagonismos nacionais, às vezes com êxito (croatas contra sérvios), às vezes sem resultados, visto tratar-se apenas de um regionalismo atenuado (autonomismo bretão); experimentaram até acordar na França a tradição antibritânica de Joana d’Arc e Napoleão(26).

Errar-se-ia ao considerar a propaganda um instrumento todo-poderoso para orientar as massas não importa em que direção. Mesmo o bourrage de crâne faz-se em um sentido bem determinado. Sabem-no muito bem os jornalistas que oferecem aos leitores apenas informações escolhidas e digeridas, a fim de firmar-lhes e reforçar-lhes a convicção. Toda arte dos “jornais de opinião” consiste em sugerir ao leitor, mediante seleção e apresentação das notícias, argumentos em apoio de seus próprios modos de ver preconcebidos e esse reconfortante sentimento que se expressa pelas seguintes frases ou por outras: “Estava convicto de que...” — “Bem que o tinha dito...” — “Teria apostado”.

A propaganda exerce sempre a papel de parteira, mesmo se divulga monstruosidades. Pol Quentin, em seu livro sobre a propaganda política(27), expressou muito bem essa necessidade de acompanhar o sentido das opiniões preconcebidas e dos preconceitos, às vezes infantis dos arquétipos ancestrais: “Nenhuma energia, mesmo potencial, deve perder-se em um domínio em que é primordial ganhar tempo. A escola americana de psicologia observou, por exemplo, que os preconceitos raciais se fixam solidamente no indivíduo desde a idade de cinco anos. Uma campanha política que coloque acima de tudo a rapidez, esforçar-se-á por reatar por alguns pontos seus novos programas à fonte de energia mental constituída por esse estereótipo preexistente. Beneficiar-se-á assim de uma verdadeira “transfusão” da convicção, análoga à venda da clientela feita por um médico de renome a um mais jovem”.

Não há quase necessidade de precisar que o despeito ou a ameaça devem ser descartados da linguagem da propaganda, quando quer convencer e seduzir. “Franceses, tendes a memória curta”, deixou má recordação; e o slogan do empréstimo da Libertação, em outubro de 1914: “Existem providências mais radicais que o empréstimo”, não passou de péssima propaganda.

 

5 — Lei de unanimidade e de contágio

Desde que a sociologia existe, tem-se focalizado a pressão do grupo sobre a opinião individual e os múltiplos conformismos que surgem nas sociedades. Tais observações foram confirmadas pelos psicólogos modernos e sobretudo pelos especialistas norte-americanos em opinião pública. Todos quantos praticam “sondagens da opinião” sabem que um indivíduo pode professar sinceramente duas opiniões bastante diferentes e até contraditórias acerca de um mesmo assunto, segundo opine como membro de um grupo social (Igreja, partido etc.) ou como cidadão privado. Torna-se evidente que as opiniões antagônicas só subsistem no espírito do indivíduo devido à pressão dos diversos grupos sociais aos quais pertence. A maioria dos homens tende antes de tudo a “harmonizar-se” com os seus semelhantes; raramente ousarão perturbar a concordância reinante em torno deles, ao emitir idéia contrária à idéia geral. Decorre desse fato que inúmeras opiniões não passam, na realidade, de uma soma de conformismo, e se mantêm apenas por ter o indivíduo a impressão de que a sua opinião é a esposada unanimemente por todos no seu meio. Em conseqüência, será tarefa da propaganda reforçar essa unanimidade e mesmo criá-la artificialmente.

Narra Gallup uma estória, assaz ilustrativa dessa elementar habilidade: a estória de três alfaiates de Londres, que outrora se dirigiram ao rei, assinando-se: “Nós, o povo inglês”. Todas as proclamações, todos os manifestos principiam pela manifestação de unanimidade: “As mulheres da França exigem...” “o povo de Paris, reunido no Velódromo de Inverno...”. Torna-se divertido ver em certas ocasiões dois partidos opostos reunirem com poucos dias de intervalo, na mesma sala, “o povo parisiense” ou dirigir-se igualmente ao Governo em nome “do unânime sentimento popular”. Cautela idêntica conduz os partidos a aumentar, em proporções incríveis e por vezes absurdas, o número de seus manifestantes. Trata-se sempre de suscitar esse enrijecido sentimento de exaltação e de medo difuso, o qual impele o indivíduo a adotar as concepções políticas de que parece partilhar a quase totalidade dos seus concidadãos, mormente se a professam com ostentação não desprovida de ameaças. Criar a impressão de unanimidade e dela servir-se como de um veículo de entusiasmo e de terror, tal é o mecanismo básico das propagandas totalitárias, conforme tivemos oportunidade de vislumbrar a propósito do manejamento dos símbolos e da lei do inimigo único.

O estudo da sociedade das abelhas levou Espinas a desvendar uma “lei do contágio psíquico”. Segundo ele, a visão da cólera da sentinela desencadeia o furor na colmeia. Trotter confirma que o animal de um rebanho é mais sensível à reação dos demais indivíduos que aos estímulos exteriores. Essa lei de simpatia imediata, essa arregimentação gregária são encontradiças nas sociedades humanas e claramente observáveis nas sociedades infantis. Certos processos de propaganda parecem conformar-se a essa lei de contágio. Para atrair o assentimento, para criar a impressão de unanimidade, recorrem os freqüentemente os partidos a manifestações e desfiles de massas. Assinala-se, amiúde, sobretudo a propósito das manifestações hitleristas que era muito difícil a um espectador indiferente ou mesmo hostil, de não ser por elas arrastado, a despeito de si mesmo. O simples desfile de um regimento, puxado por uma banda de música, já atrai os basbaques... Um grupo de homens disciplinados, devidamente uniformizados, marchando em ordem e resolutos, sempre exerce poderoso efeito sobre a multidão. Conta Tchakhotine que, durante as lutas de Leningrado, no inicio da revolução bolchevista, ao apoderar-se o pânico da multidão, bastou o desfile de um agrupamento militar munido de máscaras contra gases, para restabelecer a ordem, como efeito quase imediato de “desinibição”.

Na verdade, para arrastar o sentimento, nada substitui a irradiação do apóstolo, a convicção do prosélito, o prestígio do herói. Gabriel d’Annunzio, em heróico estilo, viveu momentaneamente uma combinação romântica de putsch e propaganda. Com humildade e mais freqüentemente, é a militantes, a homens convictos e devotados, que a maior parte dos convertidos deve sua convicção. As grandes crenças políticas, tal como progrediu o cristianismo, caminham muito através do “contágio pelo exemplo”, do contato e da atração pessoal; com efeito, somente assim se implantam profundamente. As massas modernas, deprimidas e incrédulas no tocante a si mesmas, são espontaneamente atraídas por aqueles que lhes parecem possuir o segredo de uma felicidade que delas se afasta e poder estancar sua sede de heroísmo, por “tipos”, por iniciados, donos do futuro. Quando o exemplo humano é coletivo a irradiação é maior. A Igreja Católica sempre fez avançarem juntos seus sacerdotes e seus mosteiros. As religiões políticas do mundo moderno também suscitaram suas ordens e seus conventos: agrupamentos de elites, escolas de quadros, campos de juventude... não há melhor agente de propaganda que uma comunidade de homens que viva os mesmos princípios em um ambiente de fraternidade. Denominador comum de todas os propagandas são as imagens da amizade, da saúde e da alegria. Crianças brincando de roda, jovens praticando esporte, ceifeiros que cantam, essas vulgaridades do cinema de propaganda de todos os países, aproveitam-se do desejo de felicidade e liberdade, da necessidade de evasão do citadino preso à escrivaninha ou à máquina de escrever e privado de verdadeiros contatos humanos. Infelizmente, conhecemos por experiência que realidade de miséria e de angústia pode camuflar-se por detrás desses quadros risonhos.

A propaganda dispõe de toda espécie de recursos para criar a ilusão de unanimidade. Curt Riess, por exemplo, narra de que maneira Goebbels, antes da tomada do poder, conseguiu reajustar uma situação comprometida: em novembro de 1932, os nazistas estavam perdendo o impulso; haviam perdido dois milhões de votos e 34 cadeiras no Reichstag. Goebbels decidiu, então, dar um grande golpe. Concentrou toda a propaganda do partido nas eleições parciais de Lippe-Detmold, distrito de 150.000 habitantes. Os “tenores” do partido sucederam-se nesse lugar e o distrito foi trabalhado metodicamente. A manobra obteve êxito e os nazistas triunfaram em Lippe-Detmold. Teve a opinião pública a impressão de que a tendência sofrera uma reviravolta e fora desfechada verdadeira “preamar” nazista. Banqueiros e industriais recomeçaram a financiar os hitleristas; no dia 30 de janeiro Hindenburgo entregava a Hitler a Chancelaria. Vê-se, pois, a importância daquilo que, com justiça, foi chamado de “eleições-piloto”. O fascista belga Léon Degrelle desejara repetir análoga operação no tempo da famosa eleição de Bruxelas em 1937. Mas, os seus adversários, ao perceberem o perigo, opuseram-lhe o candidato de maior destaque que puderam encontrar, Van Zeeland, que se demitiu de sua cadeira expressamente para arrostar a batalha, e concentraram sobre Bruxelas todo o esforço de propaganda. O rexismo sofreu uma derrota de que nunca mais se recuperou.

Escritores, sábios, artistas e esportistas de renome representam, também, na devida oportunidade, o papel de “personalidades-piloto”. O público que os admira, às vezes cegamente, deixa-se impressionar de bom grado por suas preferências políticas e nem sempre percebe que não se trata da mesma coisa. Eis aí verdadeira transferência de confiança e de admiração, cujo exemplo a publicidade já proporcionara ao fazer recomendar, por esta ou aquela “estrela” ou cantor em voga, certa marca de sabonete ou de chapéus de feltro. Um dos meios favoritos de propaganda é a adesão dos intelectuais, de que se serve como caução. Essa adesão arrasta a simpatia das multidões mais do que se crê comumente, sobretudo em países como a França, onde permanece ainda muito vivo o prestígio das elites culturais. Sabe-se que os partidos, algumas vezes, foram buscar suas referências nesse domínio até na história: “Garibaldi teria votado Não!” — “Pasteur teria votado Sim!”.

O meio de contágio mais difundido é, evidentemente, a manifestação de massas, comício ou desfile. Distingue-se facilmente os elementos destinados a transformar a multidão em um único ser:

— bandeiras, estandartes, “velum”(28) formam impressionante cenário e tanto mais excitante quando a cor dominante é o vermelho, de que muitas vezes se ressaltou o efeito fisiológico;

— emblemas e insígnias são reproduzidos nos muros, nas bandeirolas, nas braçadeiras e nos botões de lapela dos militantes. Produzem ao mesmo tempo imediato efeito fisiológico de fascínio e um efeito quase religioso, pois tais símbolos impregnam-se de profundo significado, como se tivessem o poder de reunir tão grandes massas em uma espécie de ritual;

— inscrições e legendas condensam os temas do partido em slogans retomados nos discursos e nos gritos da assistência;

— os uniformes dos militantes completam a decoração e criam, sobretudo, um clima de heroísmo;

— a música contribui poderosamente para mergulhar o indivíduo na massa e criar uma. consciência comum. Ph. de Felice(29) analisou muito bem o misterioso efeito por ela produzido sobre as multidões: “Seu poder sugestivo se exerce sobre a vida psíquica latente, isto é, sobre um conjunto de instintos e de pendores comuns a todos os homens. Explicável, conseqüentemente, a sua aptidão para suscitar entre eles, acima das divergências individuais, estados coletivos em que se misturam e confundem as tendências idênticas que dormem em cada um”. Segundo esse autor, a música instrumental (em que, geralmente, predominam os instrumentos de percussão), a acentuação rítmica, aumentam ainda mais o efeito de exaltação e coesão da música. Muita gente já ouviu falar do desencadeamento quase automático do delírio místico pelo prolongamento de uma obsedante melopéia de cantos e tambores em certas seitas religiosas primitivas. Mesmo as pessoas mais evoluídas dificilmente se subtraem à influência de determinadas frases musicais. Essa emoção, essa comunhão culminam no hino, canto simbólico do partido ou da nação, de que cada nota, por assim dizer, é entendida diretamente pelo coração e, com religiosa gravidade, retomada em coro pelos assistentes. O canto coletivo é o meio mais seguro de fundir uma multidão em um só bloco e de dar-lhe o sentimento de que forma um único ser. Fanfarras, hinos, cantos, gritos ritmados, todos esses “tóxicos sonoros” são ingredientes essenciais do delírio das multidões;

— projetores e tochas, se é noite, aumentam a fascinação e contribuem para criar um clima de religiosidade, onde os mitos flutuam. No seu arguto estudo, “Psicanálise do Fogo”, Gaston Bachelard mostra que o fogo impele o homem a profundos devaneios. Produz o fogo efeito de exaltação e de terror ao mesmo tempo, ajustado à linha de propaganda hitlerista, que o utilizava em suas marchas com archotes e suas manifestações noturnas; — em suma, as saudações, o levantar e o sentar dos ouvintes, o diálogo com a assistência, os vivas, os minutos de silêncio constituem essa ginástica revolucionária aconselhada por Tchakhotine aos condutores de multidões. Ph. de Felice confronta esses processos com os empregados pelos profetas orientais: “Os efeitos fisiológicos e psíquicos de uma gesticulação levada até o delírio são comparáveis aos de uma intoxicação. As desordens funcionais assim introduzidas no organismo provocam vertigens e, finalmente, uma inconsciência total, que permite as piores loucuras. As vezes, agitações desse gênero apoderam-se de reuniões políticas e provocam cenas tumultuosas, as quais recordam os espetáculos oferecidos pelas irmandades dos daroeses ululantes”.

Estabelece-se uma relação entre o “condutor” e a multidão, por Le Bon chamada de “hipnose” e na qual Ph. de Felice distingue uma verdadeira possessão. É certo que, ao menos em política, o grande homem se desvalorizou consideravelmente: naquele que a multidão admira, procura menos as qualidades naturais que o distinguem dela, que aquilo pelo qual ele resume os desejos e sonhos populares, traduzindo e recambiando-lhe como em um eco e que ela lhe sugere e dele espera. O condutor de massas corresponde à definição de profeta dada por Victor Hugo que, infelizmente, nem sempre designa as estrelas. O contato, o fluido que circula entre ele e os que encarna, é uma realidade, embora escape a todos os nossos instrumentos de medição. Como exemplo, basta aquele que ainda mortifica o mundo: a monstruosa união entre Hitler e as multidões germânicas.

A ação do condutor de multidões multiplica-se quase sempre por intermédio das coortes de adeptos organizados. Nero já havia instituído tropas de especialistas encarregados de desencadear os aplausos. “Brigadas de aclamação”, organizadas ou espontâneas, encontram-se em todas as manifestações de massas, judiciosamente distribuídas, animam a multidão, inflamando-a progressivamente. Em cada comício, em cada desfile assinala-se a distinção entre “condutores” e “conduzidos”, entre “ativos” e “passivos”, conforme assevera Tchakhotine, que julga poder estabelecer entre eles uma proporção quase regular (Os “ativos” constituindo cerca de 8% da população total). Conseqüentemente, toda a tarefa da propaganda quer, aliás, nas fases extremas que são as manifestações públicas, quer no trabalho quotidiano, consiste em conquistar os “passivos”, em mobilizá-los, em levá-los progressivamente a acompanhar os “ativos”.

Quem já assistiu a uma grande manifestação de massas, desfile ou comício, pôde observar os métodos que acabamos de analisar, empregados com maior ou menor felicidade e intensidade. Quando um agrupamento de bandeiras desfila em toda a largura de uma avenida precedendo compacta massa popular sob o rumor dos cantos, muito poucos são os espectadores que não sentem vibrar algo no íntimo do coração. Então, os adversários preferem afastar-se a fim de escapar ao encanto do momento. Demanda cuidados particulares a organização de semelhantes manifestações, visto serem a duração e o ritmo essenciais para criar o “delírio de multidão”. Os hitleristas utilizavam mormente processos de ordem fisiológica, que levavam ao limite extremo. Quando realizavam uma grande manifestação, por exemplo, no estádio de Nuremberg, iniciavam-na desde a manhã, com a chegada dos primeiros assistentes. A partir do meio-dia e meia, sucediam-se as delegações e ocupavam lugar por detrás das bandas de corneteiros e de música, o que servia de cada vez como pretexto para aclamações e saudações; lá pelas 19 horas, surgiam os dignitários do partido: nova gesticulação; principiava, então, um período de recolhimento, durante o qual a expectativa se fazia sempre mais insistente e solene. Depois chegavam Goebbels e Goering e, finalmente, o próprio Hitler, saudado por gigantesca ovação. Ao microfone, o Führer, durante os primeiros minutos, parecia experimentar a voz, à procura do contato passional com essa multidão que não se agüentava mais por aguardá-lo durante tantas horas.

Errar-se-ia, aliás, ao acreditar que o delírio da multidão seja um estado simples, que se mantém em crescente exaltação. É, essencialmente, um estado rítmico, com períodos de tensão aos quais sucedem simultâneos afrouxamentos. A encenação de um desfile ou de um comício deve levar em conta esse ritmo. Os oradores têm o cuidado de entremear os discursos de sentenças, de frases irônicas que afrouxam inesperadamente a tensão dos ouvintes e provocam o riso, o melhor meio de soldar uma multidão, dando-lhe o sentimento de uma espécie de alegre cumplicidade.

Existem meios de organizar e ritmar manifestações, menos grosseiros que os empregados pelos hitleristas. Em seu livro, Tchakhotine recolhe a narração de um chefe da Frente de Bronze, que empreendera dar um xeque em Hitler, por ocasião das eleições de 1932, mediante contrapropaganda poderosamente organizada. Assim, em Hesse, foi preparado um desfile-modelo, segundo técnica muito ativa, ao mesmo tempo psicológica e estética, o qual é descrito da seguinte maneira:

“Uma procissão devia representar de alguma maneira um livro de muitas páginas ilustradas, reunidas com certa lógica, as quais deviam produzir crescente efeito, a fim de arrastar, mesmo involuntariamente, os espectadores em uma caudal de idéias determinadas, e impressioná-los pelo acordo final: Votai conosco. O “livro” estava dividido em “capítulos”, por sua vez subdivididos em grupos simbólicos, que se seguiam a determinados intervalos, constituídos por formações da “Bandeira do Reich”, por formações dos sindicatos, dos nossos esportistas etc.; era racional; assim, depois de cada grupo, o espectador podia tomar fôlego, para melhor deixar-se impressionar pelo grupo seguinte. Eram os seguintes os quatro “capítulos” característicos: a) Mágoa da atualidade; b) Luta de nossas forças contra ela; c) Ironia aplicada ao inimigo; d) Nossos objetivos e nossos ideais. Nessa ordem enumerados, eram os seguintes os quatro sentimentos fundamentais para os quais se apelava: a) a compaixão; b) o medo (entre os adversários) e a coragem (entre nós); c) o riso; d) a alegria. Em conseqüência, estavam os espectadores expostos a percorrer toda uma gama de sentimentos”.

Um desfile dessa espécie tem, pois, valor ao mesmo tempo demonstrativo e passional. Esclarece, mas com encenação e segundo progressão que interessa ao espectador e o seduz habilmente, fazendo-o experimentar um ciclo de sentimentos semelhantes aos que gosta de encontrar no teatro e no cinema. Tivemos ocasião de organizar, entre os maquis, vigílias cuja inspiração se aproximava muito da que insuflou o desfile de Hesse: seu esquema partia de uma atmosfera de “catástrofe” (derrota da França, ocupação) para terminar em uma evocação de esperanças (vitória e libertação). Embora de um modo menos sistemático, os grandes cortejas populares de 1o. de maio e 14 de julho utilizam os mesmos elementos básicos, veículos, dísticos, cantos, que exprimem, alternadamente, a dor da opressão, a grandeza da luta e a esperança da libertação.

A unanimidade é ao mesmo tempo uma demonstração de força. Um dos alvos essenciais da propaganda é manifestar a onipresença dos adeptos e a superioridade deles sobre o adversário. Os simbolos, as insígnias, as bandeiras, os uniformes, os cantos, constituem um clima de força indispensável à propaganda. Trata-se de mostrar que “estamos” lá e que “somos os mais fortes”. Não se poderia explicar de outro modo os esforços dos partidos visando a impor seus oradores, seus gritos de guerra ou seus cantos e “tornar-se donos do terreno”, ao preços às vezes, de sangrentos tumultos. Uniformes, inscrições, hinos criam uma impressão de presença difusa que retempera os simpatizantes e desmoraliza os adversários. A demonstração de força, entretanto, freqüentemente útil, volta-se algumas vezes contra os seus organizadores, caso uma contrapropaganda eficiente saiba explorar a nascente indignação contra as brutalidades ou os embaraços à liberdade de expressão. As demonstrações de força, aliás, nem sempre são violentas. Recordemos a manifestação organizada pela Frente Popular por ocasião do suicídio de Roger Salengro. Silêncio absoluto era a determinação, e esses milhares de homens, marchando sem ruído, davam uma impressão de recolhimento e, também, de poder bem mais convincente do que o teria sido qualquer outra manifestação com cantos e clamores.

Outro exemplo, discutido ao tempo da Resistência: quando elementos dos maquis do Ain chegaram repentinamente a Oyonnax e ai desfilaram no dia 11 de novembro de 1943, esse gesto, do ponto de vista estritamente militar, era indefensável, pois denunciava combatentes clandestinos e oferecia, inclusive, o risco de provocar represálias, mas era plenamente justificado à luz da propaganda: é que manifestava disciplinadamente o aparecimento da Resistência armada. Essa demonstração de força logrou inapreciável repercussão na França e no estrangeiro.

 

Contrapropaganda

A contrapropaganda, isto é, a propaganda de combate às teses do adversário, pode ser caracterizada por algumas regras secundárias que lhe são inerentes:

1 — Assinalar os temas do adversário. — A propaganda adversa é “desmontada” nos seus elementos constitutivos(30). Isolados, classificados em ordem de importância, os temas do adversário podem ser mais facilmente combatidos: com efeito, despojados do instrumento verbal e simbólico que os tornava impressionantes, são reduzidos a seu conteúdo lógico, geralmente pobre e, às vezes, até contraditório; pode-se, portanto, atacá-los um a um e, talvez, opô-los uns aos outros.

2 — Atacar os pontos fracos. — Constitui fundamental preceito de toda estratégia. Contra uma coalizão de adversários, o esforço incide naturalmente no mais débil, no mais hesitante e é nele que se concentra a propaganda. Esse método foi sistematicamente usado pela propaganda de guerra: durante a Primeira Guerra Mundial, os alemães procuraram, sobretudo, desmoralizar os russos, ao passo que os aliados dirigiam o principal esforço contra a Áustria-Hungria. Entre as teses contrárias, igualmente, é a mais fraca que será combatida com maior violência. Encontrar o ponto fraco do adversário e explorá-lo é a regra fundamental de toda contrapropaganda.

3 — Jamais atacar frontalmente a propaganda adversária quando for poderosa. — Com justeza Pol Quentin observa: “Freqüentemente, as propagandas contemporâneas, ao julgar necessário combater a opinião prevalente, visando retificá-la e ordená-la o mais rápido possível, atacam-na perpendicularmente. Resultam dessa falta 90% dos reveses sofridos por tais propagandas, excelentes para fortalecer a opinião de pessoas já convencidas, e em decorrência, para magistralmente arrombar portas abertas. Essas propagandas desconhecem este princípio inicial: a fim de combater uma opinião, é necessário partir dessa mesma opinião, procurando um terreno comum”. Eis um evidente corolário da “lei de transfusão”.

Em geral, interpreta-se como sinal de fraqueza a discussão racional dos temas do adversário. Essa só é possível quando nos colocamos imediatamente dentro da perspectiva e da linguagem do inimigo, o que é sempre perigoso. Tal método, entretanto, que começa por fazer concessões ao adversário para, pouco a pouco, conduzi-lo a conclusões contrárias às suas, é praticado geralmente pelos contraditores de reuniões públicas e pelos especialistas do “de porta em porta”.

4 — Atacar e desconsiderar o adversário. Vimos que o argumento pessoal leva mais longe, nessa matéria que o argumento racional. Amiúde, poupa-se o trabalho de debater uma tese ao desconsiderar-se aquele que a sustenta. A divisão pessoal constitui arma clássica na tribuna do Parlamento e nos comícios, bem como nas colunas dos jornais: a vida privada, as mudanças de atitude política, as relações duvidosas, são as suas munições triviais. A história recente da França está juncada de homens de Estado e de políticos, os quais, mais ou menos efetivamente comprometidos em escândalos foram atacados e “executados” em ferozes campanhas de imprensa. Alguns todavia — Clémenceau é o modelo — conseguiram refazer-se, jamais se confessando culpado, revidando golpe a golpe.

Se no passado de um partido ou de um político forem encontradas declarações ou atitudes que contradizem declarações ou atitudes o efeito, sem dúvida, é ainda maior: não somente o homem ou o partido serão desacreditados (ninguém é mais desprezado que os ventoinhas ou os vira-casacas) mas também colocados na necessidade de se explicarem e de se justificarem: posição de inferioridade. É o pão quotidiano da contrapropaganda. Isso nos lembra uma frase particularmente bem escolhida pela qual o porta-voz da França Livre, Maurice Schumann, deu início a uma das emissões radiofônicas dirigidas contra a propaganda de Philippe Henriot, comentarista da rádio de Vichy; esse, segundo parece, obtivera a reforma por ocasião da Primeira Guerra Mundial: “Philippe Henriot, auxiliar do exército francês em 1915, auxiliar do exército alemão em 1944...” Em poucas palavras o homem fora ridicularizado.

5 — Colocar a propaganda do adversário em contradição com os fatos. — Não existe réplica mais desconcertante que a suscitada pelos fatos. Se for possível conseguir uma fotografia ou um testemunho, que, embora sobre um único ponto venha contradizer a argumentação adversa, essa em conjunto, acaba por desacreditar-se. De ordinário é difícil conseguir provas incontestáveis: as narrativas de viagens são contraditórias, pode haver truques fotográficos; apelar-se-á, então, tanto quanto possível, para inquiridores ou para testemunhas cujo passado e cujas ligações garantam sua imparcialidade. Em todo caso, nada vale tanto quanto um desmentido pelos fatos como arma de propaganda, desde que formulado em termos claros e precisos. Esse desmentido não encontra réplica quando os fatos alegados foram colhidos em fontes de informação controladas pelo próprio adversário. A esse propósito, citarei um exemplo: uma pequena notícia das Lettres Françaises clandestinas, a qual refutava uma afirmação da propaganda hitlerista, antepondo-lhe simplesmente, sem comentário, uma informação publicada na mesma ocasião pela imprensa da França ocupada:

“Um cartaz divulgado em Paris demonstra que todos os libertadores e terroristas são judeus estrangeiros. A Corte de Apelação de Bourges condenou os autores e cúmplices do atentado contra Déat: Jacques Blin (de Ménétrol-sous-Sancerre), Marcel Delicié (de Vierzon), Emile Gouard (de Pouilly-sur-Loire), Jean Simon (de Nevers) e Louis Rannos (de Thouvensi)”.

6 — Ridicularizar o adversário, quer ao imitar seu estilo e sua argumentação, quer atribuindo-lhe zombarias pequenas histórias cômicas, esses “Witz”, que desempenharam tão grande papel na contrapropaganda oral difundida pelos alemães antinazistas. O escárnio constitui espontânea reação a uma propaganda que se faz totalitária mediante a supressão da dos adversários. Sem duvida nenhuma, é a arma dos fracos, mas a rapidez com que se disseminam as pilhérias que jogam no ridículo os poderosos, a espécie de condescendência que elas encontram por vezes entre os próprios adeptos fazem, do escárnio, um agente corrosivo cujos efeitos não são de desprezar. Em todos os tempos os cançonetistas têm tomado o partido da oposição.

Não podemos enumerar os múltiplos meios de fazer o adversário cair no ridículo; muitas vezes grosseiros, não deixam, porém, de ser eficazes. Tomemos apenas um exemplo: na campanha anti-rexista, de que já falamos, respondiam os adversários de Degrelle aos seus gigantescos desfiles, fazendo circular nas ruas de Bruxelas asnos com um cartaz em que se lia: “Voto em Degrelle porque sou burro”.

Aqui, tocamos em uma forma de gracejo muito diferente daquela já tratada rapidamente: não mais o riso desdenhoso que consegue soldar a multidão no sentimento de sua superioridade, e que Hitler sabia provocar na arena de Nuremberg e, sim, o riso solitário, explosão irreverente, vital protesto da liberdade contra o pensamento pré-fabricado, riso a cujo respeito Nietzsche dizia que seria um dos últimos refúgios do homem livre contra o mecanismo da tirania, e que, até nas épocas mais trágicas, é uma das mais temíveis armas que se possa empregar contra uma propaganda totalitária. Basta evocar esse admirável filme antifascista de Charles Chaplin, O Ditador, no qual Hitler e Mussolini aparecem burlescos. E nas horas difíceis da ocupação, a quantos franceses a paródia dos poderosos do dia não trazia esperanças? Em uma sociedade que ameaçadora e enfurecida propaganda começa a fascinar, o riso relaxa infalivelmente os homens contraídos, devolve-lhes o livre funcionamento de seus reflexos, cria imediato efeito antiinibidor.

7 — Fazer predominar seu “clima de força”. — Por razões certamente materiais, e também psicológicas, é importante obstar que o adversário se mantenha na primeira linha, criando em proveito próprio a impressão de unanimidade. Mas, esse também procura impor a sua linguagem e os seus símbolos, que por si mesmos significam poderio. Freqüentemente, experimenta-se atingi-lo naquilo que mais preza: o nome, o primeiro entre os seus símbolos. Os degaulistas, por exemplo, chamavam os comunistas de “separatistas” e esses os apelidavam de gogo (pateta). O nome parece ter guardado o primitivo valor mágico e o fato de “denominar” é da mais alta importância. O nome é, ao mesmo tempo, uma bandeira e um programa. Vezes há, quando o adversário, não conseguindo suprimir o nome que lhe foi dado depreciativamente, o endossa, servindo-se dele como título de glória: assim procederam os wigs e os tories; em nosso tempo, os maquisards, acabaram por aceitar de bom grado o apelido de “terroristas” por eles recebido; igualmente o epíteto de “stalinista”, injurioso a principio, foi retomado pelos comunistas como um título de glória.

Em outro caso, lograram os propagandistas nazistas impor sua linguagem ao forjar, a propósito do aterrorizador bombardeio de Coventry, o verbo “coventrizar” para designar o aniquilamento de uma cidade. Os britânicos debalde procuraram responder por meio de verbos formados com os nomes de cidades alemãs.

Sempre no âmbito da mesma orientação, vamos encontrar o que Tchakhotine chamou de “guerra de símbolos”. O chefe da Frente de Bronze, cuja narrativa reproduz, esclarece como opôs às cruzes gamadas, cujas imagens ameaçadoras proliferavam nos muros, as três flechas simbólicas das juventudes socialistas e, ao grito de “Heil Hitler!”, o de “Freiheit!”, bem como, à saudação fascista, os punhos levantados. Assistimos, durante a ocupação, à criação de um símbolo, aliás despido de qualquer significado e de qualquer atração: o “gama” da milícia. Opostamente, a cruz da Lorena do degaullismo era um símbolo claro e pejado de sentido; demais, tinha sobre os outros uma grande superioridade gráfica. Talvez se recorde de que foram empregados dois métodos contra o “gama”: ou se lhe sobrepunha uma cruz da Lorena que automaticamente o cancelava, ou era ridicularizado por um processo muito simples: inscrito em uma circunferência, marcados dois pontos à guisa de olhos, o “gama” passava a representar a figura de um perfeito idiota.

Nada têm de normativo as leis das quais tentamos inferir os diferentes processos empregados pela propaganda política. Existem, por certo, constantes da psicologia coletiva que não se devem desconhecer: nesse sentido, determinado número de indicações — válidas para toda espécie de propaganda — derivam dos leis precedentemente analisadas. Outras, ao contrário, são, de preferência, “receitas” que tiveram êxito uma vez e, empregadas em outras condições ou simplesmente porque já foram, usadas, expõem-se a perder a eficiência. Sem embargo, é provável a descoberta de receitas aparentadas; por outro lado, baseando-se na imensa faculdade de olvido que caracteriza as massas e em que as propagandas infalivelmente se apoiam, é possível para outros partidos e regimes reaproveitar, por conta própria, alguns elementos do formidável empreendimento hitlerista, o qual se notabiliza pelo desprezo da opinião, pelo blefe, pelo descaramento, pelo método do “soco psicológico” e pela elaboração de completo aparelho de sortilégios científicos.

É assaz evidente que pôr em ação uma propaganda ou uma contrapropaganda demanda meios poderosos. Não é nossa intenção discutir esquemas de organização. Devemos assinalar apenas que a propaganda não se movimenta sem constante esforço de informação que versa não apenas sobre os fatos suscetíveis de alimentá-la, mas, também, sobre a situação dos setores de opiniões visados. A Osvag, organizada no inicio da revolução bolchevista, chegava até a distribuir em cartas geográficas as informações coletadas, a fim de obter verdadeiros “mapas de meteorologia política”: “Todos os acontecimentos de importância referentes à situação econômica e política (tais como o transporte, as perturbações agrárias, a agitação antigovernamental ou anti-semita etc.) eram marcadas em cores, o que proporcionava rápida orientação topográfica e, sobretudo, revelava claramente a interdependência de certos fatores políticos, econômicos e sociais”(31). Goebbels até seguia de perto a estatística dos suicídios.

Semelhante esforço de informação deve exercer-se sobre os resultados das campanhas de propaganda. Quando as eleições não permitem apreciar o rendimento de uma propaganda, esse controle, apesar de muito útil, apresenta-se difícil. As “sondagens de opinião” tornaram-se de uso corrente e proporcionam preciosas informações, embora o seu manejamento e a sua interpretação permaneçam delicados. Na Inglaterra, as “cartas ao editor” permitem, em uma certa medida, desvendar a sensibilidade da opinião no tocante a este ou aquele tema. Enfim, os relatórios dos agentes da administração e da polícia proporcionam alguns indícios, mas comumente falseados.

É evidente que a propaganda não age em setor fechado. Seu campo, a opinião pública, é suscetível de ser influenciado por outros fatores, especialmente pelas decisões governamentais. Se tais deliberações entrassem em contradição com a propaganda, essa ver-se-ia em dificuldades. O que é válido para um governo é também para um partido, que corre o risco de ver seus votos no Parlamento censurados. O ministro da Propaganda do Reich, Goebbels, era consultado pelos outros Ministérios acerca das decisões suscetíveis de encontrar ressonância na opinião pública. Por vezes, a elas se opunha, sobretudo quando se tratava de aumentar o preço de gêneros essenciais; em outros oportunidades, quando a medida era inevitável (a requisição dos sinos, por exemplo) mandava adiá-las até que o partido houvesse explicado suficientemente as razões à população.

Não se conduz a propaganda isoladamente. Ela exige uma política coerente, bem como seu ajustamento a essa política. No fim da Primeira Guerra Mundial, Lorde Northcliffe lograra convencer o seu governo que a propaganda de guerra a seu cargo não podia ser levada a cabo sem que se definisse uma política precisa, fixando atos para o presente e designando objetivos para o futuro. A propaganda, quando não se entrega a blefes mentirosos, quando é utilizada salutarmente, consiste, em suma, na explicação e justificação de uma política. Reciprocamente, obriga a política a definir-se e a não se contradizer, prestando-lhe, assim, um grande serviço.

O aperfeiçoamento da técnica (imprensa, rádio e cinema), o controle estatal dos grandes canais de difusão, evidentemente conferem, de início, enorme superioridade às propagandas governamentais nos regimes de partido único. A contrapropaganda, levada à clandestinidade, reduz-se a meios limitados: inscrições, máquina de escrever e mormente mimeógrafo, seu instrumento favorito. Em tais circunstâncias, não convém subestimar a importância da propaganda oral. Ocorre, também, como durante a ocupação alemã, que uma propaganda clandestina dispõe de oficina tipográfica para imprimir seus jornais. Por fim, as emissões radiofônicas do estrangeiro, os folhetos e brochuras lançados de para-quedas podem coadjuvar consideravelmente. Mas, parece que, na verdade, em semelhantes circunstâncias, o pior inimigo de uma propaganda totalitária seja ela mesma: a repetição acaba por fatigar e o abuso das falsas notícias destrói a confiança nelas. A propaganda política sincronizada, obsedante e mentirosa não atinge um ponto em que se debilita, convindo, pois, para vencê-la, usar armas de outra ordem?


 

 

CAPÍTULO VI
Mito, mentira e fato

 

A propaganda política moderna não é simplesmente o uso pervertido das técnicas de difusão destinadas às massas. Ela precedeu a invenção da maior parte dessas técnicas: seu aparecimento coincide com o dos grandes mitos que arrastam um povo e o galvanizam em torno de uma visão comum do futuro. No século VIII, na França, desabrolhou o mito revolucionário; depois, na metade do XIX, verificou-se cristalização, lenta e perturbadora, do mito socialista e pro1etário. O primeiro, depois de ter explodido, tal qual uma série de bombas de retardamento nos países europeus, progressivamente perdeu sua virulência até o fim do século XIX, quando ainda animava a vivência da 3a. República; antes de passar ao estágio de culto histórico, chegou a conhecer o rejuvenescimento com a questão Dreyfus; quanto ao segundo, depois de haver suscitado grandes lutas civis, a Comuna em junho de 1848 e inúmeras greves, foi empolgado pelo marxismo e, mais tarde, pelo leninismo; hoje movimenta massas gigantescas, no Extremo Oriente.

A força com que esses dois grandes mitos revolucionários se espraiaram pelo mundo serviu de ligação aos pensadores políticos. Compreenderam o ajutório que poderia advir dessas representações motrizes, cujo conteúdo, a um só tempo ideológico e sentimental, atua diretamente na alma das multidões. Georges Sorel, antes de qualquer outro, discerniu perfeitamente a insipidez que ameaçava uma social-democracia que se tornara verbalista e parlamentar, propondo, como remédio, que se recorresse a mitos violentos, capazes de aliciar os trabalhadores na Revolução: “Enquanto o socialismo permanece uma doutrina inteiramente exposta em palavras, é muito fácil desviá-lo no sentido de um meio-termo; essa transformação, porém, é manifestamente impossível quando se introduz o mito da greve geral, que comporta uma revolução absoluta”. Foram as reflexões de Sorel que, exploradas em um sentido inteiramente diverso por Mussolini, o impeliram a construir o fascismo na base de mitos nacionais de outrora (grandeza da antiga Roma) é de mitos conquistadores do futuro (exaltação da força, da guerra e da vocação imperial da Itália). Doravante, a revivescência dos mitos do passado e a criação dos mitos do futuro caracterizam as propagandas fascistas, seja a de Hitler, de Mussolini ou de Franco. Ao passo que, na Itália ou na Espanha, os mitos assim fabricados permanecem argumentos retóricos e conseguem inflamar apenas uma minoria de fanáticos, logram profundo eco nas grandes massas alemãs.

Nessa primeira metade do século XX, discerne-se por toda parte na Europa uma reação contra o abuso do pensamento racionalista e liberal do século XVIII francês. Em verdade, tal pensamento tornou-se o apanágio de uma elite. Entram em cena massas que não se reconhecem na sociedade libera1, sem os quadros naturais nem os valores comuns, que a burguesia capitalista oferece, e ainda menos no funcionamento descolorido e complexo do regime parlamentar. O tédio não é apenas a chave stendhaliana de uma psicologia individual; é decisivo fator da psicologia coletiva moderna. As massas aborrecem-se. É evidente na França do século XIX, depois da queda de Napoleão. O segundo Napoleão aposta e ganha nesta carta. Ao sonho de glória, contudo, soma-se o sonho de felicidade das massas sofredoras, e o sonho de comunidade das massas alienadas. O socialismo apresenta-se como “ideal”, como “mística”, antes de ser filosofia e, com Marx, doutrina de ação; assim permanecerá, em uma proporção considerável. G. Le Bon sublinhou “a que ponto a imprecisão das doutrinas socialistas é um dos elementos de seu êxito”. Dessa esperança de libertação, dessa ânsia de fraternidade sempre vítimas de decepções e, por vezes, afogadas em sangue, os fascismos vão-se apoderar, desviando-as em proveito próprio. Um mundo privado de alegria é entregue ao império dos mitos A função desses é de aproximar o desejo obscuro, informulado, de sua satisfação: entre aquele e essa não subsiste mais que diminuto intervalo que a luta e o sacrifício preencherão; essa distância já fora abolida pelas imagens, pelos cantos, pelos discursos, pelas bandeiras desfraldadas e desfiles ameaçadores: o alvo está quase ao alcance de nossas mãos e nos regozijamos de antemão pela felicidade que nos proporciona; milhões de homens “vivem” a terra prometida graças a essa exaltação poética da multidão, que decuplica a fé, antecipando sem dores o futuro. O mito é uma participação antecipada, que preenche um momento e reaviva o desejo de felicidade e o instinto de potência; o mito é indissoluvelmente promessa e comunhão.

Nisso, a propaganda confunde-se com a poesia e dela se nutre. À criação e ao aformoseamento dos mitos nacionais consagraram-se as maiores obras poéticas da Antigüidade, as de Homero e de Virgílio. Em nossos dias, a propaganda substituiu a poesia épica na função primitiva de “contar histórias” ao povo, as do seu passado e as do seu porvir, dando-lhes, pois, uma alma comum, tal como fez Pisístrato a partir de poemas homéricos. Segundo vimos, a propaganda tomou à poesia grande número de seus processos a sedução do ritmo,, o prestígio do verbo e até a violência das imagens. No seu manejo encontraremos facilmente certos artifícios da ação dramática, com saltos, com tempos fortes e fracos, com “golpes teatrais” orientados no sentido de excitar o temor ou a esperança.

Acreditamos de bom grado que certos aspectos da propaganda moderna apresentam função mais poética que política, induzindo o povo a sonhar com as grandezas do passado e com amanhãs mais felizes Não é sem motivo que se aplicam naturalmente às suas formas extremadas as palavras “delírio”, “sonho acordado” e que possamos caracterizar de “sonambúlico” o comportamento das multidões hipnotizadas por Hitler. Notara Gustave Le Bon, na multidão, um mecanismo natural de exageração. Freud, em Remarques sur Le Bon, relaciona tal fato com a exageração observada nos sonhos, nos quais se chega a atacar ou matar um homem por mera futilidade. A propaganda libertaria, assim, em numerosos casos, verdadeiros sonhos coletivos que alimentaria mediante aplicação dos processos anteriormente examinados. A propaganda política conseguiu captar esse devaneio que cada um de nós alimenta acerca de nossas origens e do nosso futuro, sonhos da infância e o acariciado desejo de felicidade. Com a ajuda dos mitos de que se nutre e que, de volta, amplifica, a propaganda, como em um sonho, aproximou até o absurdo o desejo ou o ódio de seu objeto que, em estado de vigília, os homens não ousam ou não podem atingir esse gênero de fantasia não é forçosamente doentio; todos os povos vivos o nutrem. Estimulado, contudo, por sábio maquiavelismo, termina em pesadelo.

Tal como no sonho, a propaganda contribui para fazer-nos viver uma outra vida, uma vida por procuração. A política pode exercer aí o mesmo papel de exutório. que o esporte, e a multidão “projeta” seu desejo de aventuras e de heroísmo em um estadista ou líder político como o faz em relação a um ás de ciclismo. Toda a habilidade da propaganda consiste em fazer-nos acreditar que esse estadista, esse chefe de partido, esse governo nos “representam” e não somente defende nossos interesses, mas também endossam nossas paixões, nossos cuidados, nossas esperanças. O. Mannoni, estudando as reações dos povos colonizados, dentro de uma perspectiva freudiana, distingue uma lei não somente válida para os povos “primitivos”, mas que também inspira a propaganda política nas nações mais evoluídas: “O chefe não é verdadeiramente reconhecido como tal se o súdito não tiver o sentimento (ilusório, pouco importa) que ele o compreende, que adivinha o que vai fazer, que agiria tal como ele (...). Um governo pode ter certas qualidades — ser honesto, clarividente, capaz — ele satisfaz apenas à fração da população que possui idênticas qualidades. Torna-se popular apenas a partir do dia em que o homem da rua, incapaz de julgar dessa maneira, mas impelido por sentimentos muito mais poderosos e muito mais obscuros, logra colocar-se inconscientemene no lugar dele, até iludir-se e acreditar que o governo age levado por sentimentos análogos aos seus. Se essa identificação é impossível, apesar de fácil em tempos normais, o governo torna-se, então, o objeto da projeção de todos os maus sentimentos e, pensa a massa, não pode mais agir senão por maldade, por baixos interesses, traição, imbecilidade”(32). Todos os chefes de Estado esforçam-se por obter essa “projeção” da massa em relação à sua própria pessoa; alguns forçam a adesão popular usando processos líricos e quase mediúnicos, como Hitler; outros, como Roosevelt e Churchill, ao familiarmente convidarem seus concidadãos a compartirem os seus cuidados e as suas esperanças; recordamo-nos das famosas “conversas ao pó do fogo”, com que Roosevelt regularmente se dirigia pelo rádio a cada americano como a um amigo que cumpria associar às suas aflições e aos seus projetos. A argumentação do tipo “Sou um dos vossos” ou “Colocai-vos em meu lugar” é o recurso favorito dos estadistas nos países democráticos(33). Em circunstâncias trágicas, essa projeção no tocante ao chefe é favorecida pela necessidade de procurar refúgio junto a um “pai” que vos proteja; a exploração desse sentimento constituiu a base da propaganda paternalista de Pétain.

Essa função poética e psicanalítica da propaganda pode conduzir às mais nocivas perversões. Se não é controlada, se pode dispor a seu modo de todos os meios de difusão, tal propaganda, em breve, pretende impor a todos o seu sonho, favorecendo-o a qualquer preço, isto é, substituir em suas minúcias a realidade por outra a que os homens e os fatos devem submeter-se. Disso decorre o uso corrente e de certa forma normal, da censura e da notícia falsa: a censura, visando a interditar a difusão de notícias contrárias à causa que se defende e aos fatos que se pretende estabelecidos; a falsa notícia, cujo alvo é a. criação dos fatos que virão em apoio da tese sustentada, a partir de um acontecimento real deformado ou até de uma ocorrência forjada em todos os seus aspectos. A propaganda de guerra, que inventou o bourrage de crâne, implantou nos costumes esse método duplo de épocas difíceis, quando os governos julgam dever patriótico servirem-se da informação como arma de guerra entre outras. Depois, a censura oculta ou declarada continuou reinando permanentemente sobre grande parte do mundo; quanto à notícia falsa, foi vergonhosamente empregada pelos hitleristas como instrumento de persuasão ou de provocação. Ela, contudo, faz estragos regularmente na imprensa dos países democráticos, onde amiúde prefere o modo condicional ao afirmativo(34). A esse respeito, os vespertinos fornecem um contingente diário de especial importância.

Contra a notícia falsa, o desmentido, em geral, é destituído de força, visto ser muito difícil desmentir sem parecer defender-se “como acusado”, e acontece que, quanto mais grosseira a falsidade da notícia, maior o seu efeito e mais difícil se torna retificá-la, porquanto o público procede naturalmente ao seguinte raciocínio: “não teriam ousado afirmar semelhante coisa se dela não estivessem seguros”. Hitler sabia que a credibilidade de uma mentira amiúde aumenta em função de sua enormidade: “a mais descarada mentira sempre deixa traços, embora reduzida a nada. Eis ai uma verdade sabida de todos os diplomados na arte de mentir e que prosseguem no trabalho de aperfeiçoá-la”.

Até que ponto a propaganda, ao truncar os fatos, ao inventá-los e ao aplicar truques, pode substituir a realidade? Essa é uma questão a que os nazistas deram uma primeira resposta: é possível fazer um povo viver em um universo mitológico inteiramente artificial, em um mundo sem relações com o mundo real, e que rompeu para sempre com os critérios de veracidade. A propaganda hitlerista, ora inventando os fatos, ora interpretando-os, conseguiu acompanhar toda a evolução da guerra até no tocante aos acontecimentos que lhes foram mais desfavoráveis. Tomemos, por exemplo, a virada dessa guerra que precisamente foi a mais trágica para a Alemanha, Stalingrado: em uma primeira fase, a propaganda nazista realiza a entonação da vitoriosa marcha e Hitler afirma que ocupará Stalingrado quando quiser; ao serem cercados os exércitos germânicos, Hitler proclama que a cidade cuja sorte está ligada à da Alemanha será defendida até o fim; enfim, após o aniquilamento dos exércitos alemães, não se trata mais da conquista nem da defesa de Stalingrado, transformando-se em lendária epopéia o inútil sacrifício de trezentos mil homens.

O uso da censura e a contrafação das informações acabam, entretanto, por voltar-se contra a própria propaganda. Quando parece que uma propaganda monopoliza a informação para dirigi-la a seu bel-prazer, produz-se uma reação quase espontânea. Buscam-se novas fontes de informações que não estejam poluídas ou permitam, pelo menos, ouvir o som de outro sino. Sob a casca oficial da informação dirigida constitui-se, então, uma rede clandestina de informações em que as notícias se transmitem de boca em boca. “Existe a necessidade de informar aos outros, aquilo que se ouviu dizer, necessidade cuja função social é evidente em uma sociedade em que a transmissão de notícias de boca em boca era o principal meio de informação”(35). Parece que, ainda recentemente, entre as populações desprovidas de técnicas modernas de difusão, como na Lapônia e na Guiana, as notícias eram propagadas “sem discriminação e com grande fidelidade”. O uso dos grandes meios de difusão, contudo, embotou essa faculdade primitiva e deteriorou essa rede oral de informações, que outrora funcionava com relativa exatidão, em virtude de uma espécie de autocontrole espontâneo. As notícias transmitidas fora do circuito do Estado freqüentemente se difundem em oposição às notícias oficiais: apresentam-se, pois, marcadas de um certo coeficiente passional; por outro lado, são exageradas conscientemente a fim de poderem lutar com a autoridade de que dispõem, apesar de tudo, a imprensa e o rádio e assim adquirirem credibilidade. Conseqüentemente, as informações orais nas sociedades civilizadas são em geral inexatas: “rumores” ou “boatos absurdos” que se alastram tanto mais quanto o sistema de informação oficial persiste em ignorá-los.

Quando, por abuso de propaganda, se debilita a autoridade da informação de massas, intensifica-se a circulação dos boatos, criando-se, por isso, quase naturalmente, uma informação clandestina que proporciona atualidades de sentido contrário, mas (embora muitas vezes inconscientemente) tão deformadas e mentirosas quanto as da propaganda oficial. O excesso no uso dirigido da informação suscita, por conseguinte, uma força de sentido inverso, a qual, apesar de menos poderosa, molesta consideravelmente a propaganda oficial e a compele por vezes a procurar conciliação. Os próprios nazistas perceberam o perigo: os alemães puseram-se a ouvir cada vez mais as emissoras estrangeiras; mais ainda, essa audição, em determinado momento, tornou-se quase oficial por meio de um boletim especial, reservado, de início, aos altos funcionários, mas que, dentro em pouco, circulou em todos os departamentos ministeriais. No seu Diário, Goebbels mostra-se muitas vezes encolerizado contra a proliferação de informações transmitidas através de rumores e de “boletins confidenciais”. Melancolicamente, chegou à verificação de que, “nos períodos agitados, é sempre necessário estancar a fome de notícias, de uma forma ou de outra”.

Goebbels mandava metodicamente recolher os “boatos” em circulação, e organizava a contrapropaganda para neutralizá-los, seja por via oral, seja por meio da imprensa, do rádio, do cinema ou então apelava para “testemunhos” estrangeiros, geralmente repórteres complacentes. Como, em casos tais, multiplicavam-se as profecias, as predições e os horóscopos, não hesitava em fazer Nostradamus dar uma interpretação oficial favorável aos desígnios do Reich. Vejamos um exemplo particularmente notável de seu virtuosismo: no fim do verão de 1943, rumores públicos difundiam a notícia da execução de numerosas altas personalidades do regime; Goebbels cobriu maior lanço ao dar às suas seções especializadas a ordem de disseminar os rumores de que o próprio Himmler acabava de ser detido e julgado, o que causou grande sensação; no momento oportuno, Himmler reapareceu em toda a parte, o que, como contragolpe, arruinou todos os boatos difundidos nesse sentido. Era a destruição de um falso rumor por outro rumor ainda mais falso, cuja fraude se podia comprovar.

Todos os países ocupados e submetidos à propaganda totalitária do Reich conheceram esse recurso maciço ao rádio estrangeiro, às “informações confidenciais” e essa abundância de boatos fantásticos, de narrativas embelezadas, de profecias(36) e de horóscopos.

Essa reação espontânea aos excessos da informação orientada não é senão um dos aspectos do descrédito que parece ter golpeado a propaganda, na medida em que alargava seu poderio. Durante a guerra de 1914-1918, na frente, os soldados cobriam de sarcasmos o Boletim dos Exércitos. Os “absurdos” e os bourrage de crâne eram severamente julgados. A linguagem popular é instrutiva: inventou dois termos que figuraram entre os mais usados nos últimos anos: “baratin” e “bla-bla-bla” que traduzem precisamente o profundo desgosto pelos discursos de propaganda. Esse desgosto não é próprio somente dos indiferentes; segundo parece, pelo menos na França, quanto mais um meio estiver sinceramente convencido, tanto mais lhe repugna a propaganda exagerada ou enfática de sua própria causa. Nós mesmos pudemos observar entre os maquis que os jornais da Resistência e as emissões em língua francesa da B.B.C. suscitavam menos interesse que entre os simpatizantes nas cidades. Essa verificação levou um oficial a difundir regularmente um boletim mimeografado(37) entre os maquis de Vercors, o qual se limitava a dar uma idéia sintética da situação, partindo de informações captadas de todos os postos emissores do estrangeiro. Toda intenção de propaganda estava ausente nessas sínteses redigidas no tom severo de uma explicação; se a esperança de vitória era sempre aí afirmada, nem por isso se dissimulavam os pontos negros da situação. Por vezes, esse boletim de informação terminava com um anexo, em quadro sinótico, que apresentava os temas da propaganda nazista e vichysta, bem como os argumentos que lhes podiam ser opostos. O efeito desse boletim sobre a moral dos combatentes clandestinos foi muito superior ao dos jornaizinhos impressos pela Resistência ou atirados de pára-quedas pelos aliados.

Correspondia essa atitude a um sentimento profundo: grande parte da população européia, saturada de propaganda pelo nazismo, acabou por confundir todas as “propagandas” e alimentar por todas a mesma aversão. Tamanhas foram a falsidade e a presunção da propaganda hitlerista que a melhor contrapropaganda devia limitar-se a expor os fatos com simplicidade e franqueza. Churchill compreendeu-o imediatamente, ajudado pelo traço esportivo do povo inglês, revelando-se um político de gênio. Em vez de opor às perfídias hitleristas boletins com o relato de vitórias imaginárias, sempre apresentou à Câmara dos Comuns relatos perfeitamente objetivos da situação, não ocultando sequer os duríssimos golpes recebidos pelas cidades inglesas nem as primeiras derrotas dos exércitos britânicos repelidos para o Egito. Em lugar da “guerrinha alegre”, prometeu aos ingleses “suor, sangue e lágrimas”. Essa franqueza, porém, fez mais que as fanfarrices. Um homem que não dissimula as debilidades de sua causa, um homem que, chegado o instante, reconhece os erros e promete remediá-los — Lenin sabia-o e sempre praticou essa regra — inspira mais confiança que o mata-mouros repetidor incansável de seus grandes feitos. Por maior que tenha sido o êxito da propaganda mitológica do III Reich, não esqueçamos que algumas palavras simples e graves, um tom objetivo e absoluta franqueza, fizeram mais que toda a bazófia para salvar a liberdade nos sombrios dias do outono de 1940.

Nossa época, que conheceu o fulminante êxito de uma propaganda baseada na mentira e no blefe, manifesta, ao mesmo tempo, os sinais da profunda ineficiência dessa propaganda. Os discursos inflamados, os “comunicados” mentirosos, as tiradas líricas, finalmente aguçaram a sede dos fatos. O próprio Goebbels se rendeu a essa realidade, ao escrever no seu Diário: “O interrogatório dos prisioneiros ingleses feitos em Saint-Nazaire(38) mostra que eles dão maior atenção às informações que aos comentários. Isso me leva à conclusão de que devemos modificar inteiramente nossas emissões em línguas estrangeiras. Passou o tempo das longas declarações”. Mentiu-se tanto que a verdade, em sua simplicidade e nudez, surge como a mais poderosa arma de propaganda. Que se faça realmente o que se prometeu fazer, eis o que, por contraste, se torna desconcertante. Goebbels admira-se desse método singular praticado em certos pontos da frente pelos soviéticos: “No setor da frente dos grupos de exército do centro, entregaram-se os bolchevistas, por meio de alto-falantes, a uma das mais estranhas propagandas: anunciam que atacarão dentro de quatro dias. O inimigo já uma vez revelou suas intenções por essa maneira e, efetivamente, atacou no dia designado. Ficamos perplexos diante dessa excêntrica concepção de propaganda, pois, ao agir assim, o inimigo apenas logrou aumentar fortemente suas perdas”. Na realidade, esse gênero de propaganda nada tem de esquisito, foi até praticado habitualmente em seus começos, pelos bolchevistas que, consoante Ludovic Naudeau assinala no seu jornal L’Entente, “agem em pleno dia, abertamente, audazmente, sem mastigar as palavras, sem dissimular as intenções (...) indo sua propaganda até fixar, de antemão, o dia em que pegarão em armas, o dia em que se apossarão do poder”. Predizer o que se fará e fazê-lo realmente é, sem dúvida nenhuma, a suprema habilidade da tática política; suscita isso uma impressão de segurança, de força irresistível, que chega a paralisar o adversário. Goebbels poderia notar que esse método de que tanto se admirava fora empregado por Hitler, que não hesitara em desvendar em Mein Kampf os planos e astúcias mais maquiavélicos.

Os povos amam sonhar, mas também chega um momento em que não querem. mais ouvir histórias. Por toda a parte, a gente reclama fatos, números, testemunhos. O próprio estilo dos discursos e dos artigos despojou-se da pompa, em busca de frases breves e decisivas, de fórmulas diretas, de valor mnemônico. Apressamo-nos em rejeitar, sem ler, uma brochura cuja apresentação nos diz que “cheira a propaganda”. E quando somos enganados, o ressentimento permanece vivo. Certas propagandas se enfraqueceram muito por terem sido desmentidas por um fato: a propaganda anti-soviética na França, por exemplo, a qual, não contente de denunciar o regime da URSS, pretendia, antes da guerra, que não tinha forças e que seus exércitos desmoronariam ao primeiro ataque; ora, o comportamento do Exército Vermelho desmentiu completamente semelhante alegação.

Muitos sintomas indicam que grande parte das populações européias manifestam repulsão por tudo quanto evoca a propaganda. O desgosto pela propaganda é, por certo, um dos fatores essenciais do absenteísmo eleitoral. Fariam muito bem os partidos políticos de não mais levar em conta indefinidamente a faculdade de esquecimento das massas; é tempo de lembrar-lhes que a propaganda não é apenas o enunciado de atraente programa sem conteúdo ou a prática de habilidades táticas, que os recursos da mentira acabam por se esgotar, que os mecanismos psíquicos mais bem montados se transtornam abruptamente e que, para ser eficiente, uma verdadeira propaganda progride apenas passo a passo ou, por outras palavras, que não avança na direção de novos objetivos a menos que os pés estejam bem firmes no terreno já conquistado. A mentira, finalmente, é nociva à propaganda; e se o mito lhe é essencial, os fatos não o são menos.

Certamente os sucessos da propaganda são grandes na nossa época. Mas examinando-os de perto percebe-se que eles não podem ser separados de certas condições de receptividade: miséria, decepção, humilhação, esperança de bem-estar ou de liberdade... Por mais eficazes que pareçam as técnicas de ação psicológica, nós nos enganaríamos imaginando que elas estão à disposição de qualquer aparelho, visando qualquer fim. É preciso um conteúdo político e uma ressonância na população.

“Propaganda” é uma das palavras mais desacreditadas da língua. O uso que dela os nazistas fizeram, habituou-nos a considerar a propaganda como um método de perversão e de mentiras. No fundo, essa reação é sã. Mas a conseqüência é de temer: a propaganda, função política natural, torna-se acanhada; ela refugia-se na informação, esconde-se por detrás das “notícias” e das estatísticas. Nenhuma pessoa quer ouvir falar de propaganda: faz-se “documentação”, “informação” e “reportagem”. A propaganda é cada vez menos poética e cada vez mais estatística. Uma tabela numérica ou um despacho telegráfico podem mentir tanto quanto um discurso, e a fa1sicação é freqüentemente mais difícil de desvendar. Assinala-se a este propósito que, em nossos dias, quando bastam algumas horas para um telegrama ou até uma fotografia fazer a volta do mundo, torna-se praticamente impossível conhecer a verdade acerca das mais importantes questões. Tal como ao tempo da Idade Média, escutamos avidamente o viajante de retorno do Oriente ou da América para saber “o que realmente se passa”. Os meios de informação, estejam em poder de forças estatais ou de potências do dinheiro, veiculam, como secreto veneno, uma propaganda que não ousa declinar o nome — a ponto de um autor inglês, C.F.E. Lamley, definir a propaganda como uma “excitação essencialmente dissimulada”; e essa propaganda, embora menos violenta que a atrevida propaganda do Dr. Goebbels, com o tempo perverte os espíritos, divide-os, desampara-os, tira-lhes a possibilidade de se unirem em torno de uma realidade comumente admitida, e de obterem a necessária referência constante acerca do mundo exterior a fim de formar seu juízo e situar sua ação.

Para remediar essa sorrateira perversão dos canais de informação, cumpriria separar logo a função de propaganda da função de informação. No estado atual do mundo é, por certo, difícil um estatuto universal de informação e uma autoridade internacional com o poder de verificar os fatos contestados e de desmentir publicamente as notícias falsas. É nessa direção, pelo menos, que se deveria avançar, primeiro em escala nacional, mediante elaboração de um estatuto dos meios de difusão, capaz de garantir a integridade da informação.

De qualquer modo, é deplorável a ambigüidade nessas matérias. A propaganda é necessária e acreditamos que um partido ou um governo podem desenvolvê-la sem precisar recorrer à mentira. Contudo, não devemos mais permitir que a propaganda se dissimule por detrás da informação e a corrompa.

Em verdade, essa distinção entre a propaganda e a informação torna-se cada vez mais árdua, em virtude de estar o mundo talhado em dois blocos. Do lado soviético, rigorosa censura retira todo meio de contato com o Exterior: jornais e filmes estrangeiros não penetram senão em pequeno número e rigorosamente selecionados; as informações e os. comentários são orientados em idêntico sentido pelas palavras de ordem do Estado e do Partido; a literatura, a educação, o cinema, as artes plásticas, a própria ciência apoiam-se em uma só doutrina e são igualmente empregadas na propaganda. Do lado americano, a circulação das informações é, por certo, muito mais livre, e a censura aparentemente não existe. A opinião, entretanto, é aí talvez mais dependente que alhures dos instrumentos de difusão destinados às massas; e esses, governados pela lei do lucro, têm a tendência de lisonjear o gosto das massas, orientando-as no sentido de seus preconceitos. Seguramente, as informações são fornecidas em grande número e nenhum controle de Estado interfere para detê-las ou deformá-las. Mas, justamente, “são elas tão precisas e tão minuciosas que ninguém tem tempo de lê-las, convindo, para a comodidade do leitor, resumi-las. Uma vez admitido esse principio, é tentador seguir a tendência natural do público para a simplificação, sendo suficiente dar-lhe títulos, tanto quanto possível barulhentos e significativos, isto é, demagógicos; daí a cair em uma propaganda pura e simples, não há mais que um passo, sempre a ponto de ser vencido”(39). Se acrescentarmos que certas “cadeias” de jornais e revistas estão ligadas a interesses financeiros, compreende-se que aí também a seleção de notícias manifeste seu efeito de propaganda, embora de maneira menos radical e mais sutil.

Em uma tal situação, torna-se sempre mais penoso isolar a propaganda política. Podemos, até, perguntar-nos se ela não tende a desaparecer em proveito de uma espécie de propaganda de civilização. É uma concepção total da vida que cada um dos dois campos procura estender, seja por intermédio da arte, do cinema, da literatura, seja por meios de expressão propriamente políticos. Ao “realismo socialista”, à “literatura de partido”, a todos os veículos da doutrina marxista, se opõem os filmes de Hollywood, os “digests”(40), a imprensa sentimental, certos tipos de romances populares, os quais transmitem não uma doutrina caracterizada, mas um só estilo de vida, uma mentalidade comum.

Não poderíamos dissimular os gravíssimos perigos resultantes dessa contaminação de todos os meios de expressão por uma propaganda oculta ou às claras. Grupos de povos tendem, assim, a isolar-se em mentalidades heterogêneas, a suprimir todo ponto comum, toda compreensão e até todo conhecimento da mentalidade adversa. Ao agir dessa forma, as propagandas criam o clima psíquico propicio ao irrompimento de guerras.


 

 

CAPÍTULO VII
Opinião e propaganda

 

É preciso, em face das razões que acabamos de dar, condenar a propaganda no seu conjunto? Preocupados em compreender-lhe as diversas manifestações, mas também as mais agudas, ainda não versamos a questão fundamental de suas relações com o ser humano que ela pretende influenciar. Cumpre indagar agora em que medida a propaganda é a “violação psicológica”, de que o nazismo nos deu trágico exemplo, e à qual seria impossível o indivíduo resistir. Em suma, resta-nos situar o indivíduo em relação à propaganda, sua receptividade e suas possibilidades de defesa.

Desde já, é admissível o próprio desígnio de influenciar a opinião em um sentido determinado? Muitos julgam suficiente confiar no “bom senso” da opinião individual judiciosamente esclarecida. Cada qual que opine por si mesmo, sendo provável que esse parecer alcance a realidade objetiva, caso pressões exteriores não venham interferir para frustrá-la... Essa confiança na sanidade natural da opinião é uma tese freqüente, particularmente entre os teóricos políticos anglo-saxões. Podemos responder desde já com o grande publicista Walter Lippmann, ele mesmo norte-americano, que “sem embargo de acentuar-se a liberdade dos cidadãos, essa de nenhum modo constitui uma garantia de objetividade na opinião pública moderna (...) porquanto essa opinião, na realidade, toca um mundo desconhecido”. É certo que a complexidade de numerosos problemas econômicos e sociais ultrapassa a compreensão da opinião pública. Todavia, questões tão pouco acessíveis como o balanço nacional, a relação entre os salários e os preços, o equilíbrio demográfico, sempre determinam no mais alto grau a vida política real de um Estado moderno.

As realidades estrangeiras freqüentemente apresentam ainda maiores dificuldades de apreciação. Não só por tratar-se de países cuja mentalidade à primeira vista parece esquisita, cuja história e língua geralmente são mal conhecidas, mas porque a batalha das informações, a adulteração das notícias e a censura contribuem para difundir a obscuridade e a aumentar a incompreensão.

O indivíduo, portanto, tem bastante trabalho para formar uma opinião. É, aliás, raro que procure realmente ser levado a um julgamento autônomo. Até em domínios acessíveis, ele principia por procurar referências no grupo social em que vive, no seu jornal, entre os parentes e amigos. Os trabalhos dos sociólogos vieram evidenciar o aspecto coletivo da opinião, a ponto de Jan Stoetzel ter chegado a uma definição que elimina todo elemento pessoal de julgamento e realça o fenômeno puramente social:

“Opinar é, para o indivíduo, situar-se socialmente em relação ao seu grupo e aos grupos externos. Portanto, é não somente legítimo, mas recomendável, interpretar o significado de sua opinião em relação à opinião comum”.

É o que os investigadores fazem quando de suas sondagens tiram uma média estatística, que julgam representar a opinião pública acerca deste ou daquele assunto. Essas sondagens, entretanto, dificilmente atingem a opinião de um indivíduo comprometido em um grupo, mas, de preferência, uma opinião já abstrata, visto ser artificialmente constituída e situada de improviso no plano nacional ou internacional. A sondagem da opinião tira a média do que já é uma média. Daí sua limitação e suas possibilidades de erro. Com efeito, a opinião em bruto surge no nível do grupo dentro do qual o indivíduo opina; mas, como esses grupos ordinariamente são múltiplos (família, sindicato, partido, clube e outros), o indivíduo pode emitir opiniões diferentes nesses diversos níveis e por vezes até opiniões contraditórias. Salvo em momentos de crise em que se aglutina uma opinião partidária (crise política ou revolução) ou uma opinião nacional (guerra estrangeira), a opinião individual situa-se em torno da média das diversas opiniões ou de esboços de opiniões mais ou menos solidamente formadas no nível dos diversos grupos sociais; por vezes, essa média não é atingida e a opinião individual oscila entre as várias atitudes que lhe são sugeridas.

Sabemos que, para Freud, não há instinto social primário: o “mundo” do indivíduo circunscreve-se a um pequeno grupo de homens que aos olhos dele adquiriram “considerável importância”. Isso é confirmado por Gallup: “A tendência da maioria de acompanhar aquilo que os psicólogos chamam “impressão da totalidade” (impression of universality), deve ser interpretada como a tendência de seguir, não a opinião da nação em conjunto, mas do pequeno grupo íntimo que representa o mundo bem delimitado do eleitor”(41). Essa tendência de opinar com o grupo foi batizada pelos psicólogos com o nome de “tipicalidade”. Um indivíduo é típico quando se reúne naturalmente à opinião média do seu grupo; é “atípico”, ao contrário, quando rejeita essa opinião. Ora, posta de lado certa proporção de “típicos” e de “atípicos” absolutos, isto é, de homens que regularmente admitem ou rejeitam a opinião do grupo em que se encontram, tipicalidade e atipicalidade não estão repartidas regularmente. Alguns podem ser típicos em certos grupos e atípicos em outros. Um moço burguês, por exemplo, convertido ao comunismo, será atípico em sua família, com a qual entrará em conflito, mas será perfeitamente conformista, típico, em seu partido. Ou então aquele que se mostra patrioteiro e belicoso na Associação de Ex-Combatentes tornar-se-á antimilitarista na fábrica.

A opinião formada no nível de um grupo é consideravelmente modificada pela perspectiva própria desse grupo. O grupo reage com excesso, no sentido da superestimação ou da subestimação, segundo seu próprio interesse, sua mentalidade, sua tradição; é o que Alfred Sauvy chama de “desvios óticos” da opinião. Disso nos dá brilhante ilustração ao referir-se à margem que separa o índice psicológico do índice real do custo de vida, e sobretudo ao confrontar as variações que atingem esse índice psicológico em função de diversos grupos. sociais: uma questão apresentada em março de 1947 pelo Instituto Francês de Opinião Pública: “Acha você que, no conjunto, são os preços industriais ou os preços agrícolas que sofreram a mais importante alta, depois da Libertação?” foi respondida da seguinte maneira:

 Resposta dos LavradoresRespostas dos meios ruraisRespostas dos meios urbanos
   (cidades de mais de 2.000 habitantes)
Foram os preços agrícolas25%38%60%
Foram os preços industriais58%43%25%
Sem opinião17%19%15%

 

O exame desse quadro mostra que as respostas dadas pelos cultivadores e pelos citadinos foram quase inversamente simétricas, ao passo que as respostas dos meios rurais representaram pouco mais ou menos a média.

Vê-se, pois, que a opinião, de um lado, não tem esse caráter original, autenticamente pessoal, que alguns lhe conferem mas que é relativa a um grupo ou a muitos grupos — e, de outro lado, que não reflete naturalmente a realidade e sim, ao contrário, dela nos dá uma imagem deformada pelos interesses comuns ao grupo, quer interesses de classe, quer interesses profissionais, quer interesses nacionais. Agir sobre a opinião não é, pois, usurpar injustamente a autonomia pessoal; é influir sobre forças coletivas, resultantes de pressões sociais e nas quais o indivíduo não está senão secundariamente empenhado. Agir sobre a opinião não é forçosamente deformar a verdade: é modificar uma visão que, de ordinário, já se afastou bastante da realidade, talvez a fim de reaproximar-se dela. Isso é suficiente para justificar, senão todos os seus modos de aplicação, pelo menos- o projeto de propaganda.

Podemos, agora, procurar em que medida o indivíduo suporta a propaganda e que possibilidades guarda de rejeitá-la. Sob esse aspecto, as experiências aparentemente são contraditórias. A formidável propaganda nazista assegurou a vitória de Hitler, não só entre o seu povo, mas, durante algum tempo, muito além de suas fronteiras. O regime hitlerista manteve-se até que o Führer desaparecesse na fogueira da Chancelaria e a propaganda foi, indubitavelmente, o cimento dessa extraordinária coesão. Entretanto, a propaganda hitlerista, sem embargo de sua perfeição técnica e seu arranjo diabólico, sofreu derrotas. A mais característica foi-lhe infligida pelo jovem líder da Frente de Bronze de que Tchakhotine nos transmitiu a comunicação. Vimos como, por ocasião das eleições de 1932, ele organizou na última hora, mas com o máximo cuidado, campanhas de propaganda em algumas circunscrições do Hesse. Essa mobilização de propaganda conseguiu o recuo do nazismo nos lugares onde foi desfechada.

Essa célebre experiência é reconfortante: prova que uma propaganda, por poderosa que seja, e usufruindo um juízo antecipado de vitória, pode ser paralisada por uma propaganda bem organizada de sentido contrário. Em decorrência, nenhuma propaganda, até a hitlerista, é invencível, se encontra pela frente outra propaganda. Essa verificação destrói a crença na onipotência de certas propagandas, sob a alegação de ser impossível esquivar-se-lhe. É provável que, se fosse possível estender a toda a Alemanha a experiência tentada no Hesse, a vaga hitlerista teria refluído e outra seria a história do mundo.

Essa experiência, entretanto, se prova que nenhuma propaganda por si só é invencível, parece demonstrar a impotência da propaganda como técnica(42). Parece, pois, que a propaganda política, manejada judiciosamente, alcança rendimento certo e até calculável como é o rendimento de uma publicidade. Essa conclusão abre amedrontador horizonte: se realmente é possível “preparar” a opinião e conquistá-la por meio de uma campanha bem conduzida, é porque a opinião política sobre a qual as democracias se baseiam, é tão superficial e volúvel quanto o sentimento que compele um cliente a deixar uma marca de dentifrício por outra, mais perfumada ou de melhor apresentação Parece que se essa conclusão se verificasse, não subsistiria nenhuma justificação para os regimes parlamentares.

Não julgamos admissível esse relativismo total da opinião política Certamente para retomar o exemplo de Hesse é provável que, se a campanha da Frente de Bronze não tivesse ocorrido, a maioria desses sufrágios seria dado ao nazismo, conforme demonstram os resultados obtidos no resto da Alemanha. Entretanto, se nos referirmos ao número de habitantes das circunscrições em questão, perceberemos que os ganhos foram muito limitados (entre 0,91% e 4,10%). Ademais, nada prova que esses sufrágios provenham de nazistas convertidos por esta súbita propaganda. Sem nenhuma dúvida, tratava-se mormente de indecisos que foram arrastados a votar nos socialistas porque a propaganda lhes fez sentir que não seriam os únicos a fazê-lo, mas também porque ela os convenceu de que esse voto correspondia ao seu profundo sentimento ou pelo menos seria a melhor aproximação. Os titubeantes raramente são indiferentes; são homens que têm opinião “divisível”, isto é, oscilam segundo a pressão dos diversos grupos aos quais pertencem. Na ocasião, a campanha de propaganda da Frente de Bronze tinha por primeiro alvo evitar — em razão de sua própria existência e de seu clima de força — que a pressão se exercesse de um só lado, em beneficio do partido nazista. Longe de violentar o eleitor, ao contrário, restabelecia as condições para uma eleição livre. Além disso, tinha por segundo alvo levar os indecisos a penderem para o lado dela, mediante demonstração visando a convencê-los de que suas aspiraç6es caminhariam bem nesse sentido.

Enfim, ainda uma vez, considerar-se-á que a propaganda é ineficaz — pelo menos enquanto não é única, totalitária — se ela não encontra um terreno favorável. Na Alemanha de 1932, e geralmente em todos os países, as classes médias, novas camadas sem tradição e sem inserção definida, são mais permeáveis à propaganda que as outras classes sociais; ameaçadas pela miséria e a proletarização como eram então na Alemanha, elas formavam uma massa particularmente instável, que se deixou envolver com facilidade pelos slogans hitleristas.

A opinião tem suas amarras que a ligam ao mesmo tempo ao grupo e ao indivíduo. Ela resiste tanto melhor quanto é ligada a um grupo mais estruturado. Mas existe também, por baixo da opinião recebida, superficial e mutável, uma “opinião profunda”, que, inconscientemente, não é insensível aos contragolpes da pressão de grupo, embora automaticamente unida à pessoa, ao seu temperamento, à sua experiência, às suas crenças religiosas e filosóficas, à sua vontade própria. Procurou-se explicar e justificar de muitas maneiras o revés do inquérito Gallup que, por ocasião das eleições presidenciais nos Estados Unidos em novembro de 1948, previra 44,5 % dos votos para Truman, ao passo que teve mais de 50%. Seu competidor, Dewey, beneficiara-se de forte campanha de imprensa e geralmente era considerado vencedor, embora “a impressão de totalidade” normalmente devesse favorecê-lo. Ora, ele foi batido. Falou-se de uma reviravolta de última hora da opinião pública. Falta explicar o porquê dessa reviravolta. Não o justificando nenhum acontecimento de envergadura, é preciso supor que aquém das razões que levavam os eleitores interrogados por Gallup a responder que votariam em Truman ou em Dewey, existia uma razão mais profunda, embora não formulada, surgida no último momento sob influências, reflexões, fatos à primeira vista insignificantes. A sondagem Gallup não podia tornar patente esse núcleo pessoal da opinião. Dificilmente as sondagens podem ultrapassar a esfera sociológica da opinião clara, manifesta, que forçosamente não é aquela que surgirá no dia do escrutínio ou no momento de uma crise. É exato que, nessa esfera, segundo a definição de Jean Stoetzel, “opinar é para o indivíduo situar-se socialmente em relação ao seu grupo e aos grupos externos” — mas apenas nessa esfera, parecendo-nos excessivo atribuir à opinião uma definição cujos limites são os de um método de investigação.

A opinião individual não é somente esse campo fechado dos sociólogos, no qual se joga uma espécie de partida de pelota entre os diversos grupos, que passam a bola entre si; a opinião não experimenta só uma circulação lateral, mas também uma circulação vertical e, por mais que ela se integre na pessoa, há uma dinâmica da opinião que sempre se oporá a que a sua importância seja inteiramente mensurável e sua expressão matematicamente previsível.

Uma das funções essenciais da propaganda é operar esse surgimento da opinião profunda, essa passagem do oculto ao explícito, da veleidade à tomada de posição, essa crença de que um homem e um programa “representam” melhor ou menos mal aquilo que se deseja interiormente e que, em conseqüência, é preciso votar neles. Essa função exerce-se sobre enorme massa de indecisos, dos que procuram adquirir uma convicção. É raro que esses indivíduos sejam absolutamente indiferentes. Quase sempre existe entre eles um modo de ver mais ou menos inibido por razões de ordem pessoal ou social, uma opinião latente que cabe à propaganda despertar e magnetizar. Ela não procede ex nihilo. Como vimos ao estudar a “lei de transfusão”, ela constrói sobre uma plataforma previamente existente; parte de uma idéia, de um sentimento, de uma simples palavra, amorosamente formados no coração daqueles por ela solicitados.

O estímulo que proporciona é, às vezes, mínimo, mas basta para transformar inteiramente uma atitude política, porquanto atinge principalmente um setor de opinião ambivalente, que também pode ser conduzido a atitudes opostas. No livro Le Pouvoir et l’Opinion, Alfred Sauvy, ao analisar as atitudes de derrotismo e de coragem, discrimina cinco variantes:

l — Trabalhar para a derrota;

2 — Aguardar a derrota e regozijar-se eventualmente, sem todavia trabalhar por ela;

3 — Temer a derrota, sem resistir a esse sentimento;

4 — Combater o medo da derrota e alimentar a esperança;

5 — Não considerar nenhuma possibilidade de derrota.

No tocante aos grupos 1 e 2, tendo as propagandas adversárias que lidar com indivíduos convictos, exercerão — cada um por sua conta — apenas uma ação mantenedora. No pertinente ao grupo 2, a propaganda inimiga poderá atingi-lo mais, experimentando levá-lo do sentimento ao ato, de uma esperança inconfessável a uma traição declarada; do mesmo modo, a propaganda amiga experimentará unir o grupo 4 ao grupo 5 e transformar seus partidários em fanáticos. Será, contudo, o grupo 3 que oferecerá um terreno preferencial às propagandas; aqueles que receiam a derrota, mas não rechaçam essa idéia, são igualmente vulneráveis: seja à propaganda inimiga que visa ao segundo aspecto, o sentimento da possibilidade da derrota, e procura convertê-lo no sentimento da fatalidade da derrota; seja à propaganda amiga, que objetiva o primeiro aspecto, o medo da derrota, e procura transformar esse medo na decisão de defender-se sem espirito de recuo.

Vê-se, pois, o papel essencial da propaganda sobre certas zonas móveis da opinião, amiúde as mais amplas. Compreende-se, por isso, que em épocas de crise, a propaganda possa fazer balançar de um a outro extremo essas massas instáveis. Essa ambigüidade da opinião estava particularmente disseminada na Alemanha na época em que se desenrolava a experiência por nós mencionada e onde milh6es de homens tinham de escolher entre a solução socialista e a solução nazista e, no fundo, o fizeram pelas mesmas razões: o sentimento de que se impunha sair da crise, do bloqueio interior e exterior da situação, reabsorver os desocupados, achar uma saída para a Alemanha.

Essa massa indecisa, embora caracterizada por uma só tonalidade de opinião, evidentemente não forma um grupo definido, O papel da propaganda é submetê-la à influência de um grupo ativo. Essa influência pode ser mais ou menos forte. Para desencadear e sustentar uma campanha de opinião, é comum a constituição de associações, de comitês, de ligas, que visam alvos de política interna ou externa e, por meios diversos, fazem pressão sobre o Parlamento e o Governo: campanhas de imprensa, conferências, reuniões públicas, petições etc. Umas representam interesses profissionais mais ou menos camuflados; outras visam fins patrióticos, culturais, religiosos, internacionalistas. O número delas é considerável e sua influência não deve ser descurada. Ao passo que esse tipo de ação, nos países latinos, comumente permanece confinado em círculos estreitos e, por vezes, se exerce subterraneamente, ele é muito mais vistoso e popular nas nações anglo-saxões, onde a função da propaganda não é, tanto quanto entre nós, assumida pelos partidos políticos. Assim, os comitês de sufragistas, por exemplo, conseguiram, após tenazes e às vezes turbulentas campanhas, obter o voto feminino. Nos Estados Unidos, tais grupos, ao lutarem pelo triunfo de uma idéia ou de um homem, começam por criar as condições sociológicas para o êxito; os processos empregados relembram algumas vezes o lançamento de uma moda, a criação de um esnobismo mais que uma campanha de propaganda de estilo europeu. Esses núcleos de influência certamente têm uma eficiência propagandística superior à das grandes “máquinas” políticas. A fim de lançar o New Deal, Roosevelt criara uma organização especial e apelara para todos os recursos de propaganda. Um. milhão e quinhentos mil propagandistas voluntários foram rapidamente instruídos, munidos de documentação e condecorados com a insígnia simbólica da águia azul; um cortejo de duzentos e cinqüenta e cinco mil “águias azuis” desfilara em Nova Iorque, em 14 de setembro de 1933, escoltado por duzentas orquestras.

Essa influência, de um tipo assaz próximo da publicidade, pode ser substituída pela ação mais brutal da multidão. A multidão constitui um grupo artificial em que, provisoriamente, se reúnem os membros de grupos diversos: um comício, um desfile, segundo vimos, podem atrair os passivos, mas essa influência, embora exaltante, raramente é durável, salvo se a excitação da turba se repete com regularidade e se torna obrigatório, segundo a prática em que o nazismo se distinguiu. Com efeito, retornando o indivíduo à vida normal, ficará de novo sujeito à influência da família, dos amigos, dos companheiros de trabalho e outras. Constituem essas diversas influências o obstáculo primordial ao desenvolvimento ilimitado de uma propaganda. Vimos que um indivíduo pode ser típico em um grupo, atípico em outro ou até típico em dois grupos de opiniões opostas.

Esbarra, pois, a propaganda em tipicalidades contrárias, podendo malograr se não consegue criar e fortalecer aquela de seu grupo, isto é, criar seu próprio conformismo de pensamento e atitude. Assinalou-se muitas vezes que a intensa campanha movida contra a reeleição de Roosevelt pela grande maioria da imprensa americana não chegara a influenciar os eleitores. Em escala menor, existe na França uma região em que, por razões locais, o jornal comunista é o mais difundido e, não obstante, a população, na maioria católica, vota no M.R.P., o que prova que a influência do jornal não logrou romper a coesão do grupo religioso.

Esse pluralismo das influências sociais, que Durkheim denominou “entrecruzamento de grupos”, é o principal entrave ao triunfo da propaganda totalitária. Essa apoia-se em um único grupo, o partido governamental; quanto aos demais grupos, são suprimidos ou de preferência, são ligados ao partido único, de sorte que a influência deles, em lugar de contrariar a do partido único, passa a exercer-se em sentido análogo reforçando-a. Certas comunidades, cuja estrutura e tradição as tornam impermeáveis à propaganda única, são dissolvidas (associações religiosas, conventos, lojas maçônicas, certas corporações profissionais, de estudantes etc.); outras, arriscando-se a exercer o papel de biombo, mas cuja feição natural as torna necessárias, são reduzidas a uma existência mínima (é o caso sobretudo da célula familiar); outras, enfim, simplesmente são anexadas (sindicatos, associações culturais, movimento da juventude). Quando passa a reinar o grupo único, cuja pressão é ainda reforçada pela pressão convergente dos grupos secundários subordinados, torna-se difícil ao indivíduo resistir à propaganda.

A opinião individual não pode manifestar-se e expressar-se senão em uma certa esfera social, cuja força lhe serve de cobertura. Percebemos, aqui, a razão profunda da “lei de unanimidade” e do “clima de força”: não é tanto o prazer de dar demonstrações de força e de entregar-se a grosseiras manifestações de violência, mas a necessidade de manter uma esfera de expressão visível, um campo social de que a opinião carece para afirmar-se. A democracia, cujas definições idealistas são inúmeras, repousa em um equilíbrio de forças.

Também não, seria correto fazer abstração dessas forças. No jogo de influências a que a opinião pública está submetida e na maneira pela qual reage, entram fatores individuais e sociais. É certo que a propaganda clandestina da Resistência Francesa não tomou grande impulso senão quando a potência militar dos aliados, por sua vez, Se afirmou. Tinha ela, entretanto, começado imediatamente após a derrota, sem esperar que existissem as condições da Libertação. Certo número de homens, apoiados nas tradições religiosas, nacionais, políticas, familiares, evitaram mergulhar no desespero e tomaram a si a tarefa de propagar sua fé ao mesmo tempo que forjavam um instrumento de luta.

A propaganda hitlerista na França esbarrou em duas espécies de resistência: uma, espontânea, antes de tudo individual, reação de patriotismo, de honra, de fé política e humana, favorecida pelo não-conformismo tradicional do temperamento francês, ao qual exasperam a disciplina e a coação; outra, organizada, constituída pela propaganda e pela ação dos movimentos clandestinos: uma “tipicalidade” freqüente na França moveu ao nazismo uma oposição de sentido idêntico ao da “tipicalidade” que os movimentos de Resistência estimulavam ao corporificar sempre mais o dever patriótico e a esperança da vitória, e criando em seu proveito a impressão de totalidade. Mas, sem uma força organizada, sem poderosa contrapropaganda, a soma das reações individuais, dos descontentamentos dos não-conformismos, não teria oposto ao inimigo senão uma multiplicidade de pontos de apoio rapidamente ultrapassados, e não uma linha de frente contínua.

A propaganda, por conseguinte, exerce sobre a opinião função dupla: maiêutica e protetora. Ela suscita a opinião individual e a impele a expressar-se publicamente; protege essa expressão criando as condições lógicas, psíquicas e sociais de uma opinião coletiva, sedutora, segura de si mesma. Essa dupla função pode ser assumida de maneiras muito diferentes. A propaganda hitlerista conquistava e aglutinava os indivíduos pelo mito, pelo apelo às forças do inconsciente, pelo terror, e modificava a estrutura social a fim de suprimir os obstáculos que tolhiam sua expansão. Outras agem pela explicação racional e pela exposição dos fatos, sem renunciar, entretanto, ao mito que forçosamente se manifesta em todos os níveis da propaganda — nem que seja apenas o próprio mito da opinião pública.

Lamartine profetizara “a era das massas”. Le Bon acreditava na era das multidões e Tarde, na era da opinião pública. Nossa época é tudo isso: era das massas, arrastadas pelas seitas dos agitadores, segundo os preceitos leninistas — aglutinados pela magia hitlerista em multidões delirantes — diluídas em uma opinião pública passiva e amorfa, impregnadas dos produtos digestíveis da técnica americana. Em todos esses casos, a propaganda rebenta sobre coletividades desfibradas. Se for preciso resistir-lhe, só o poderá ser no clima de uma trágica solidão, ou bem arrimados a comunidades de vocação e de vontade. A era das massas é também a era do homem solitário. Não é impossível que, um dia, lhe suceda uma era de conventos, de comunidades e de ordens monásticas.


 

 

CAPÍTULO VIII
Democracia e propaganda

 

As inauditas possibilidades da propaganda política fizeram e fazem pesar sobre o mundo espantosa ameaça. Já apareceram verdadeiras “epidemias psicológicas” conscientemente provocadas; “engenheiros de almas” já fabricaram em série indivíduos de mentalidade teleguiada. A moderna psicagogia substituiu os artifícios e as sutilezas dos demagogos de todos os tempos por uma estratégia de massas que, segundo a expressão de J. Monnerot, “amplia as operações combinadas para dimensões invisíveis”.

Era das massas? perguntamo-nos. Sim, porquanto a propaganda é feita para as massas. Mas, também, cada vez mais permite dispensá-las e reduz a espontaneidade do concurso por elas prestado. Por detrás de um símbolo, multidões e exércitos põem-se em movimento; o tema de um editorial dá a milhões de homens, e no mesmo dia, um único e conveniente modo de pensar. Uma seita que se tenha apossado das estações de rádio e das oficinas de imprensa, tem à sua disposição poderosíssimos meios de influenciar as massas e pode, daí em diante, falar e agir em nome dela. A influência potencial das massas, por certo, aumentou. Mas a influência real delas? Não é precisamente a propaganda política o instrumento de eleicão que, nas mãos da potência estatal ou das potências do dinheiro, permite neutralizar essa influência, entorpecê-la e explorá-la em proveito próprio?

Em famosa antecipação, A. Huxley traçou uma sátira dos espíritos pré-fabricados: desde o nascimento, a criança é condicionada por alto-falantes, dirigidos para seu inconsciente, depois pela escola e pela sociedade que a orientam infalivelmente para o compartimento que lhe é destinado. Ele pregou a educação contra a propaganda: a formação de espíritos dotados do poder de escolha, de homens conscientes e responsáveis. Contra a invasão da mentira e do mito cumpre erguer e fortificar a faculdade de rejeitar sem a qual não existe moral e muito menos inteligência, Descartes o mostrou: a faculdade de suspender o juízo, para examinar, para subtrair-se ao preconceito — embora seguido por cem milhões de homens — a faculdade de resistir ao devorador apelo dos mitos, “encantadores refúgios, substituindo para cada um de nós a grandeza conquistada pela grandeza anunciada, o esforço interior pelo servilismo confortável”(43).

A liberdade não é ensinada, mas a educação a predispõe. A liberdade, como todas as coisas humanas, não funciona validamente senão sobre um fundo de hábitos adquiridos. Para completar nossa análise do condicionamento, é preciso aduzir esta outra experiência: os animais de Pavlov são tanto mais receptivos quanto mais tempo tiverem sido habituados ao servilismo assim os cachorrinhos educados na prisão; em compensação, tanto mais refratários serão, quanto mais livremente tiverem vivido, e o “reflexo da liberdade” neles será mais desenvolvido. A doença totalitária não está fora do homem e nenhuma técnica é mais bacilar que outra; ela está no homem e é aí que cumpre tratá-la, não preparando autômatos e sim cidadãos responsáveis.

Precisamente aqui, a propaganda pode ajudar o esforço dos cidadãos a retomar o controle da vida política e a rejeitar as mistificações que agora proliferam no nível de todos os sistemas e de todos os regimes. Em um Mémoire confidentiel(44), publicado durante a ocupação, Francisque Gay expressava a convicção de que “uma certa propaganda a serviço de um ideal de liberdade pode contribuir poderosamente, sem dúvida, a devolver-nos o sentido das disciplinas necessárias mas, ao mesmo tempo, a prover-nos dos meios de resistir ao assalto das forças, niveladoras”. Deploravelmente, as democracias não souberam inventar a tempo essa propaganda; não ofereceram à ideologia conquistadora do fascismo qualquer resistência organizada, até que a guerra as compelisse à mobilização da energia psíquica como das demais. Contentemo-nos em evocar o sombrio começo de 1939 e a putrefação da drôle de guerre(45). Foi apenas sob a pressão das grandes derrotas que a maior parte dos homens compreendeu a causa pela qual tinham sido chamados às armas.

Iremos mais longe: os que pretendem servir à democracia e sistematicamente se recusam a recorrer à propaganda contradizem-se plenamente. Não há verdadeira democracia senão onde o povo é mantido informado, onde é chamado para conhecer a vida pública e dela participar. “A democracia total, a democracia simplesmente, demanda ampla, amplíssima difusão dos conhecimentos; o soberano deve ser esclarecido. Não se trata unicamente de instrução, de formação intelectual, mas, também, de conhecimento dos negócios públicos.” Em lugar disso, segundo assinala Alfred Sauvy, autor dessas linhas, os governos geralmente mantêm a nação afastada dos negócios de Estado, conforme o seguinte princípio ironicamente expresso por Valéry: “a política é a arte de impedir que nos envolvamos naquilo que nos diz respeito”. O segredo que governa as empresas capitalistas também parece ser a regra no concernente aos negócios de Estado. Apenas, periodicamente, os governantes informam o Parlamento — observou-se, ainda, que o próprio Parlamento jamais iniciou debates minuciosos acerca das questões fundamentais, tais com a da moradia ou da relação entre os preços e os salários. Curiosa democracia que não se digna de esclarecer o povo sobre os problemas de que depende a vida e a saúde dele! Os debates públicos limitam-se a disputas que tradicionalmente vêm alimentando as eleições há um século, enquanto os verdadeiros problemas de um Estado moderno não são ventilados nem sequer apresentados, mas continuam privilégio de alguns especialistas. Só nas crises mais graves, e, com freqüência, tarde demais os governantes se decidem a “dizer a verdade ao país” e o abalo daí resultante nem sempre é salvador.

A higiene política reclama que se “abram” largamente as instituições, que sejam desdobrados diante do povo os dados da vida política. No seu tão notável livro, Le Pouvoir et l’Opinion, Alfred Sauvy esboçou as grandes linhas dessa tarefa de informação e de propaganda nacional: a criação de um departamento de documentação, o uso do rádio para pôr o público a par das grandes questões econômicas, sociais e demográficas, o alargamento do direito de resposta “que poderia ir até a inserção obrigatória de certo número de fatos indiscutíveis” etc. Muitas razões justificam a existência de uma franca propaganda nacional pelo menos a existência de propagandas mais ou menos dissimuladas servindo a interesses profissionais que elas muitas vezes conseguem fazer triunfar à custa do interesse coletivo(46). Alfred Sauvy tem plena razão de pensar que, caso existisse semelhante propaganda, ela permitiria evitar que os governantes cedessem apressadamente às pressões demagógicas, e levar a nação, no âmbito de uma política coerente, em direção de objetivos a longo prazo.

O público, dir-se-á, está cansado da propaganda, pelo menos nos países não “subdesenvolvidos”. Precisamente, contudo, pelo desgosto nascido dos excessos de propaganda, há um apego mais espontâneo aos fatos, e são eles que cumpre antes de tudo expor e interpretar. Novo estilo de propaganda está em vias de nascer da aversão pelas mistificações e pelos exageros. “Os métodos de cochichos e de excitação não durarão mais longo tempo. Chegou o momento de esclarecer. H.D. Lasswell recentemente assinalou a importância do que chama de “apresentação balanceada” — uma apresentação que situa as alternativas e assim torna possível uma apreciação dos fatos que seja independente(47).”

Contudo, por mais inteligente, por mais concreta que seja essa propaganda informativa de estilo novo, ela, a nosso ver, é insuficiente. Uma verdadeira democracia vive da participação do povo e não somente de mantê-lo informado. Ora, nossos regimes, laicizados no domínio religioso, o são, também, se assim pode dizer-se, no plano político. Uma República, nascida do fervor popular, amada, defendida, disputada, reduz-se a um sistema formal e não mais associa os cidadãos à sua vida e ao seu futuro. Jean Lacroix mostrou-o claramente A democracia de intermediários ou democracia indireta não é mais suficiente: votar cada quatro anos e, para os demais, entregar-se aos eleitos, parece uma burla. Após um século, a idéia democrática evoluiu no sentido de uma participação mais ativa em uma democracia mais direta, mais entrosada na vida quotidiana e em todos os atos do homem. (...) São insuficientes as formas democráticas; querem ser ritos democráticos. Reuniões de massas, festas e jogos tendem a constituir uma espécie de liturgia, de que sobretudo os jovens sentem a exigência. As magníficas apresentações do sokols na Tcheco-Eslováquia, as grandes manifestações na União Soviética, os Congressos de Nuremberg — seja qual for a nossa opinião sobre o seu conteúdo — foram ocasião de descobrir a imensa importância do espetáculo no movimento das idéias democráticas. É com os gestos e as atitudes, de corpo inteiro, que o homem moderno quer participar da democracia, isto é, ter parte nela. Não compreendemos, ainda, na França, o que a propaganda democrática será, o que não pode deixar de ser. Entendemos sempre por propaganda uma espécie de bourrage de crâne intelectual, contra o qual justamente nos revoltamos. A verdadeira propaganda democrática, porém, não irá, necessariamente, de alto a baixo, do governo aos governados, do Estado à Nação: pelos gestos e atitudes ela será, de preferência, a participação vivida das massas na vida democrática da nação”(48).

Se a transformação da consciência política em consciência religiosa é a doença totalitária por excelência (não é em grande parte uma reação à “laicização” liberal da democracia?), não é menos verdade que todas as sociedades humanas não se mantêm senão por meio de uma “piedade” comum, por certo respeito, certo fervor que toca nelas algo de “sagrado”. Não há política sem “mística”. Charles Péguy disse muitas vezes o que foi essa mística republicana, ainda próxima de sua fonte revolucionária. Outra está para, nascer, porquanto não acreditamos que um regime possa viver apenas da rotina dos negócios correntes. “Somente subsistirão os países politicamente unânimes” escrevia, ainda, Jean Lacroix: não se trata dessa unanimidade superficial ou dessa função mística realizada pelos regimes de terror e de loucura, mas de uma profunda unanimidade colocada abaixo das divergências políticas e dos fivelamentos partidários, em um plano em que todos os cidadãos de uma nação possam comungar. É evidente que, para haver essa unanimidade cívica, são necessárias condições materiais e psicológicas que não vamos aventar aqui. Mas, é preciso — e isso nos concerne — que o povo se associe à construção do seu futuro, e não apenas às lutas eleitorais. Haverá algo mais excitante que a valorização dos recursos nacionais, que acompanhar passo a passo o progresso do equipamento de regiões ainda atrasadas, que trabalhar para melhoria progressiva do nível de cidadania de uma nação? O plano tornou-se a lei das nações modernas. Significa, ao mesmo tempo, o encadeamento lógico das realizações técnicas e a união das energias na perspectiva de um grande mito. Teria podido ritmar os esforços dos franceses, dando-lhes sentido coletivo — ora tornou-se uma administração. E se tivéssemos proposto aos jovens franceses, como grandes tarefas nacionais, o alargamento do Canal dos Dois Mares ou o reflorestamento das Landes incendiadas, não é de acreditar que eles acorressem com tanto entusiasmo quanto o demonstrado nos acampamentos de escoteiros ou nos jogos de futebol locais?

O mito, por certo, comprovou sua nocividade ao apoderar-se do homem e ao transformá-lo em um fanático delirante; mas, quando se enquadra em uma política razoável e a serviço de uma cidade que permanece complexa na sua estrutura e aberta aos valores não políticos, o mito é elemento de juventude e coesão, é a segurança do futuro nacional. Nossa propaganda, estreita, tímida, não o compreendeu; e dizia-o muito bem Saint-Exupéry na sua Lettre au Genéral X...: “Sua doença não é a ausência de talentos particulares, mas a interdição que lhe é criada, sem parecer vulgar, de apoiar-se em grandes mitos consoladores”.

Ao menos, certa propaganda internacionalista não se arreceia de beber nesta fonte: a “mundialização” das comunas, a criação de “estradas mundiais”, as obras de reconstrução do serviço civil, são a ativação de novos mitos supranacionais capazes de fazerem nascer e avultar uma nova consciência mundial.

“A propaganda não é francesa — escreve Gertrude Stein em Paris-France — não é civilizado querer fazer os outros acreditarem naquilo em que acreditamos.” É verdade que entre nós existe senso crítico, respeito pelas opiniões alheias, desprezo irônico pelos fanatismos, que constituem um embaraço, e muitas vezes saudável, à propaganda. Sem embargo, a história mostra, e mais que outra qualquer, a história da França que, quando cremos verdadeiramente em alguma coisa, procuramos fazer com que os demais nela creiam. Se a França não soube organizar sua propaganda e ofereceu tais possibilidades de manobras ao “Marechal Psychologos” que não chegou a ser o último dos auxiliares de Hitler, é talvez porque então os franceses não criam no futuro de seu país, na superioridade de sua casa — quero dizer, nem o criam com essa fé sem a qual a vida não continua e nem se dá. E há, no principio da propaganda, essa fé quase biológica que sustém o esforço de um povo. A propaganda é manifestação natural das sociedades que crêem em si mesmas, na sua vocação, no seu porvir.

Seguramente, ao vermos o uso que certas propagandas fazem das modernas técnicas de difusão; é natural que uma espécie de tremor se aposse dos melhores. Vamos, então, destruir as máquinas? Julga-se que, em nosso mundo, basta a verdade aparecer para ser reconhecida? Aprendemos à nossa custa que, para ela sobreviver, não é suficiente conservá-la no coração de alguns iniciados. A verdade precisa de um clima para existir e conquistar. Seria vão crer que se pudesse criar-lhe um tal clima, um tal campo de força, em um século em que todos os problemas se colocam em termos de massa, sem recorrer ao poderio da propaganda. Como, também, seria vão acreditar-se que se pudesse, ao afastar a propaganda por não sei que mística da virgindade da opinião pública, paralisar as empreitadas dos impostores.


 

 

NOTAS

 

(1) — Bartlett Political Propaganda.

(2) — Propaganda, comunication and public opinion (Princeton).

(3) — Jules Monnerot Sociologie du Communisme, pág. 359 (Gallimard).

(4) — Ph. DE Félice, Foules en délire, extases collectives (Albin Michel).

(5) — Mesmo o termo propaganda já é empregado nessa época, pois em 1793, formou-se na Alsácia uma associação que tomou o nome de “Propaganda” e se encarregou de difundir as idéias revolucionárias.

(6) — Método de persuasão empregando argumentos falsos.

(7) — Que Faire? (Oeuvres Choisies, em 2 volumes, tomo I, pág. 229 e seguintes).

(8) — Que faire? (Oeuvres choisies) tomo I, pg. 226 e seguintes.

(9) — Particularmente em Que faire? e em La Maladie Infantile du Communisme

(10) — Cf. o notável livro de Robert Goudima, L’Armée rouge dans la paix et la guerre (Edição Défense de la France).

(11) — 0 Trabalho de agitação e de propaganda. (Comunicação ao V Congresso do Partido Comunista Iugoslavo.)

(12) — A experiência da guerra da Indochina impeliu alguns oficiais franceses a refletirem sobre as técnicas da “guerra revolucionária” de que haviam sido as vítimas. Concluíram pela necessidade de uma “ação psicológica” que eles opuseram na Argélia à propaganda da F.L.N. e dos dirigentes egípcios (Cf. Cel. Ch. Lacheroy: La guerra revolucionnaire. in La Défense Nationale. Bibliothéque des Centres d’Études supérieures spécialisés, t. IV, P.U.F.)

(13) — Jules Monnerot cita, confusamente: “materialismo zoológico, pan-germanismo, geopolítica, transposição da luta de classes para a guerra entre Estados, arianismo contra semitismo, socialismo prussiano contra o capitalismo ocidental e o bolchevismo asiático, povos proletários contra povos capitalistas, a “terra e o sangue” contra o “espírito e o dinheiro”, “idealismo, liberdade e democracia nórdicas” contra a moleza e a corrupção francesa, pureza contra impureza racial, povo enraizado contra as finanças sem partido e no último momento, defesa da Europa contra os judeus, os anglo-saxões e o bolchevismo” (Sociologie de Communisme, pag. 367).

(14) — Serge Tchakhotine, Le viol des foules, par la propagande politique (Gallimard).

(15) — G. Fessard, Autorité et Bien Commun (Recherches de Science religieuse).

(16) — Colhemos numerosos exemplos dos processos empregados por Hitler e Goebbels no recente livro de Walter Hagemann, Publizistik im dritten Reich (Hansicher Gildenverlag, Hamburgo).

(17) — Th. Plievier, Stalingrad (Robert Marin).

(18) — Cf. Stefan Priacel (vol. Arts et Littérature, Encyclopédie Française).

(19) — A propaganda comunista costuma isolar certos adversários, transformando-os em “bode expiatório” e marretando-os sem piedade; atribui-lhes pessoalmente a responsabilidade por decisões e fatos que freqüentemente ultrapassam os limites de sua ação ou de seu conhecimento. Por exemplo, o título de uma notícia de L’Humanité, de 13-1-1948 dirigida contra o ministro socialista Lacoste; “Revelada somente depois de muitos dias — quanto Petite-Rosselle gritava sua dor a explosão de grisu que matou dezesseis mineiros. Lacoste não podia ignorá-lo”.

(20) — Lembramo-nos do cartaz da Propagandastaffel, em que aparecia um gordo judeu fumando charuto, e tendo preso às mãos por cordões um grupo de bonecos constituído de banqueiros da “City”, de bolchevistas, de homens de negócio americanos e outros.

(21) — De l’Esprit des masses (Delachaux & Niestlé, pag. 257). Muita coisa tomamos a essa inteligente compilação de diversas teorias de psicologia coletiva.

(22) — Churchill foi apodado de “paralítico, bêbado, borracho, idiota, louco, pateta, indolente, mentiroso, Erostrato etc.”

(23) — The political communication specialist of our times (Princeton).

(24) — Hitler, Mein Kampf.

(25) — Curt Riess, Joseph Goebbels, eine Biographie (Ed. Europa, Zurique).

(26) — Cf. a transladação das cinzas do Aiglon.

(27) — La Propagande Politique (Plon).

(28) — Tenda de cerimônia.

(29) — Obra citada, pag. 344.

(30) — Achar-se-á um exemplo de marcação e de classificação, no tocante à propaganda nazista destinada aos Estados Unidos, no trabalho de H. D. LASSWELL, Describing the Contents of Communication (Propaganda, Communication and Public Opinion).

(31) — S. Tchakhotine, ob. cit., pág. 143.

(32) — G.MANNONI, Psychologie de la Colonisation (coleção “Esprit”, Editions du Seuil).

(33) — Conhece-se a divertida pachorra dos candidatos americanos durante as eleições presidenciais. Truman apresentava aos eleitores sua filha e sua mulher nos seguintes termos: “Eis a filha do patrão e eis a patroa do patrão...”

(34) — Não daremos mais que um exemplo de notícia falsa dessa ordem, inserta em 1949 em um grande quotidiano de reputação firmada devido à seriedade das suas informações. O título era afirmativo: “Rapto de crianças em Berlim”, mas o texto. estava no condicional: “certo número de crianças teria sido raptado pelas russos, em Berlim, se se deve crer...” A notícia referia-se a uma informação publicada em um jornal alemão e não confirmada posteriormente. O título, entretanto, que não estava no condicional, gravara no espirito do leitor a lembrança de um fato particularmente odioso.

(35) — E. e F. Zerner, Rumeurs et Opinion Publique (“Cahiers Internationaux de Sociologie”, vol. V), Editions du Seuil.

(36) — Lembremos a famosa “profecia de santa Odila”. que circulou muito durante a ocupação.

(37) — Foi publicada a coleção desse boletim: Xavier de Virieu. Radio-Journai Libre (Ed. Jean Cabut).

(38) — Trata-se do “reide” dos comandos em 1943.

(39) — J. Ayencourt, L’Américain, son information, la guerre et la paix (Esprit, junho de 1949).

(40) — John Bainbridge analisou eximiamente no New Yorker os temas fundamentais desenvolvidos pelos digests de maneira assaz sistemática. Sem serem diretamente políticos, na maioria, envolvem finalmente uma única atitude política (artigo reproduzido em Esprit, julho de 1948: “Le petit magazine”). Idêntica análise podia ser feita sobre a produção corrente de Hollywood.

(41) — Citado por P. Reiwald, ob. cit., pág. 104.

(42) — Uma outra experiência dirigida pelo psicólogo americano Collier, tende a provar que esta influência da propaganda se exerce mesmo sobre pessoas anteriormente prevenidas. Collier tinha testado primeiramente as atitudes de um grupo de estudantes em relação à propaganda nazista: depois demonstrou-lhes os fundamentos dessa propaganda; finalmente deixou-os em contato direto com o material de propaganda. O segundo teste provou que a atitude do grupo havia evoluído em um sentido mais favorável ao nazismo. (Ver a relação dessa experiência em: Théorie et problèmes de Psychologie sociale, de David Krech e R.S. Crutchfield t. II, pág. 434, P.U.F.)

(43) — E. Mounier, La Révolution contre les Mythes (Esprit, março de 1934).

(44) — Propaganda (definição, defesa, explicação), por XXX.

(45) — Nome dado ao período inicial da II Guerra Mundial. (Set.39 a abril 40).

(46) — Como exemplos dessas demagogias profissionais que se voltaram contra o interesse nacional, A. Sauvy menciona particularmente o apoio dado ao automóvel contra a ferrovia e o fomento da produção de álcool.

(47) — Ernst Kris, Some problems of war propaganda.

(48) — De la démocratie libérale à la démocratie massive (Esprit, março de 1946).

 


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