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O REI E O PARTIDO LIBERAL

Joaquim Saldanha Marinho

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O Rei e o Partido Liberal
Joaquim Saldanha Marinho

Versão para eBook
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Fonte digital
Digitalização de edição em papel
Typographia e Lithographia Franco-Americana, 1869

©1999,2006 — Joaquim Saldanha Marinho


ÍNDICE

Apresentação do Editor
Ao Povo
Primeiro Panfleto
Segundo Panfleto
Notas


O Rei e o Partido Liberal

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Joaquim Saldanha da Gama

Apresentação

O leitor tem em mãos uma obra rara. Escrita no calor dos acontecimentos que levaram ao grande “racha” do Partido Liberal, com o surgimento dos Clubes Radicais, que posteriormente se transformariam em republicanos, O Rei e o Partido Liberal revela as posições que a parcela mais avançada do Partido Liberal tinha em relação ao Rei e ao sistema político imperial. Mais ainda, é a documentação de toda uma visão que já então existia em relação à nossa história.

Fato mais importante ainda, é que o seu autor, Joaquim Saldanha Marinho, foi grão-mestre da maçonaria, signatário do Manifesto Republicano de 1870, primeiro líder do Partido Republicano, candidato contra Prudente de Morais à Presidência da Constituinte Republicana... e desiludido republicano, autor da célebre frase: “Não era essa a República dos meus sonhos”.

Quanto à atualidade da obra, além de seu valor documental, o leitor poderá ser o próprio juiz, com a mera leitura deste livro.

Publicado em 1869 pela Typographia e Lithographia Franco-Americana, sob a forma de dois panfletos, datados, respectivamente de 30 de junho de 1869 e de 15 de agosto de 1869, nada foi modificado para a presente edição, com a exceção única da atualização ortográfica.

Teotonio Simões
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O Rei e o Partido Liberal
1869

Joaquim Saldanha Marinho

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Ao Povo

Toda revolução na constituição e governo dos povos tem por fim harmonizar a autoridade com a liberdade, o direito com o fato, condição eterna de ordem e prosperidade.

A lei que regula as populações, ou é determinada pela prescrição dos mais ousados e espertos, ou pelos interesses gerais daqueles que a ela devam ser subordinados. No primeiro caso dominará o arbítrio, no segundo a justiça.

Se a história nos oferece muitos exemplos do império da prescrição e do fato, a filosofia e a moral reclamam constantemente pela justiça e pelo direito.

Desde que os interesses do povo deixam de ser atendidos, mais cedo ou mais tarde a luta se manifesta, porquanto, se a sociedade se conserva sob o jugo de velhas e estranhas instituições pouco garantidoras do direito, e portanto imprestáveis à prosperidade dos associados e à felicidade comum, ela permanece também imperfeita e será corrompida e desgraçada, enquanto assim existir.

Na constituição e regime do Brasil dominou só e simplesmente a prescrição: os interesses verdadeiros do povo, a sua intervenção, única legítima para formar a sua lei constituinte, tem sido até o presente descomunalmente olvidados.

Daí a situação anormal, e desastrada a que temos atingido.

É, pois, indispensável que volvamos ao princípio. Harmonizemos a liberdade com a ordem, o direito com o fato.

Nos meios ordinários que temos não há salvação possível, com eles não chegaremos a nenhum resultado benéfico perfeito e duradouro.

O que temos de ordinário é imperfeito, ilegítimo, antítese do direito, incapaz de justiça em sua devida elevação.

Um vício de origem nos comprometeu desde a independência até hoje.

A vontade daqueles que quiseram ter de pronto um Rei, prevaleceu sobre a dos que procuravam começar regularmente, convocando antes de tudo uma assembléia constituinte, para que esta, exprimindo a vontade soberana do povo determinasse a forma de governo a adotar, e estabelecesse os princípios políticos que devia a nação subordinar-se.

O partido liberal, o da independência, receoso das perturbações que lhe podia opor a influência portuguesa, anuiu a isso para poupar sacrifícios, e chegar a seu fim com maior segurança e rapidez.

Esqueceu ele que em objeto tão transcendente a excessiva rapidez do movimento é sempre a predisposição a um acidente infeliz, de um perigo inevitável muita vez. E a dolorosa experiência de 48 anos, o terá sobejamente convencido de que errou; e o deverá determinar a por termo à fase perdida, para começar a que lhe deve trazer, com a independência real, a liberdade a que ele aspira.

A constituição que temos, por sua origem irregular, por suas imperfeições, pelas violações que permanentemente sofre, e que a tem completamente desmoralizado, não é certamente a que pode convir ao Brasil.

Só com irrisão é ela já invocada.

O partido liberal tem até hoje trilhado uma senda errada e pouco segura: decepção sobre decepção tem sido a sua vida.

O futuro lhe será lisonjeiro, o país prosperará enfim, se máxima energia, guiada pelo verdadeiro patriotismo, e com refletido plano político, lhe não faltar ainda na solene e melindrosa situação em que se acha, especialmente desde 16 de julho de 1869, quando a ditadura, a realidade prática do poder irresponsável, o menoscabo da soberania do povo, princípio vivificador do sistema representativo, não procuram já encobrir-se sob qualquer forma, mesmo aparentemente legal, e se ostentam sem rebuço!

E para recordar ao povo a sua história até hoje, para fazê-lo compreender os erros cometidos, e por em relevo as tristes conseqüências desses erros, escrevemos, sem a mínima pretensão, as linhas que seguem, cuja verdade é o seu único mérito.


O Rei e o Partido Liberal

“E a história dirá um dia a verdade da corrupção e o nome do corruptor.”
Lindulpho

 

O sangue de Joaquim José da Silva Xavier e de tantos outros patriotas, derramado pelo déspota português para consolidar a sua dominação nesta parte da América não foi perdido.

As idéias de separação da metrópole, de emancipação e de independência germinaram, e se desenvolveram.

E o astuto e ávido Rei de Portugal, prevendo o acontecimento, como ele reputava que era, inevitável, não trepidou em dar a seu filho um pérfido conselho.

“Se a independência se fizer, (lhe disse ele) como brevemente se fará, põe a COROA sobre tua cabeça antes que algum aventureiro lance mão dela”.

O astuto rei persuadia-se de que o Brasil independente seria fácil presa de qualquer aventureiro, ou aquisição segura de primeiro ocupante, e neste caso quisera que, entre os aventureiros, fosse preferido aquele que melhor satisfizesse a seus desígnios e ambições.

Esse conselho pérfido, ao mesmo tempo que humilhante ao povo que se queria constituir nação livre e independente, deveria servir de aviso ao critério de patriotismo que se erguia nobre e sobranceiro, e predispô-lo contra os aventureiros, mesmo quando eles fossem estirpe de testa coroada.

Não foi, porém, compreendido, e daí as conseqüência funestas que se seguiram, e que ainda hoje afligem o Brasil.

A revolução da independência, fez efetiva a previsão do Rei de Portugal. Fomos liberados da metrópole.

Mal acautelada, porém e incompleta foi essa revolução.

Os patriotas sinceros, que a promoveram, podendo por si só determiná-la, e conseguir a emancipação como ela deveria ser, confiaram de mais em quem, por sua posição e interesse, por sua índole, por sua educação, e pelo respeito às regras únicas que aprendera, mais poderia ser o chefe patriota, desinteressado e livre, do estado que nascia.

O partido liberal, o partido da independência, o partido americano, o das idéias generosas, foi vítima de um grave erro desde que, procurando constituir a antiga possessão portuguesa, na América do Sul, em nação independente, esquecera que a liberdade da nação que começava dependia unicamente da forma de governo a adotar.

O partido liberal, que devia, como seu primeiro trabalho, eleger o seu chefe temporário e responsável, escolhendo-o dentre si, garantido com a nacionalidade e filiação, entendeu conveniente, para poupar sacrifícios , a apressar o complemento de seus nobres desejos, fazer do adversário amigo, aceitando as promessas falazes de quem, por interesse seu, se ostentava infiel à sua pátria, aparentando bons desejos pela terra que fingia adotar.

Em vez de um chefe brasileiro, tivemos pois, um rei estrangeiro, em vez de um cidadão criado e desenvolvido ao puro ar da liberdade, um homem já formado nas práticas absolutistas, e nas falsas idéias de nobreza artificial, desigualdade entre os homens, divisão da sociedade em servos e senhores.

O partido da independência, o partido liberal, foi, como tem sempre sido, vítima da sua boa fé e ingenuidade.

Esqueceu o nascimento, a procedência, a ligação, a tradição horrível da família, os escândalos prodigalizados na Europa por toda a geração que então reinava no velho mundo, e persuadiu-se que as memoráveis palavras: — a árvore da liberdade quer ser regada com sangue; — se o Brasil quer ser republicano não tenho dúvida em ser seu primeiro cidadão; — e outras quejandas, eram sinceras.

Faltou aos deveres políticos de sua crença, cometeu o erro fatal que até o presente há comprometido o partido liberal, guiou-se pelos sentimentos generosos da ocasião, supôs marchar mais rápido ao fim desejado, apartou-se da linha reta que a sã política determina sem exceção, porque toda a exceção em política é desastrosa, guiou-se mais pelo coração entusiasmado do que pela cabeça refletida, fria e pensadora, e entregou-se de corpo e alma a um senhor que criou, sem se lembrar de que era ele filho do senhor de quem queria libertar-se, e que assim consideraria sempre como herança a posição que a generosidade lhe permitia!

Foi assim que tivemos o 1º Rei, sendo que os absolutistas da metrópole, aparentemente convertidos em patriotas no Brasil, continuaram aqui a sua posse feudal, o seu domínio; só a sua vontade foi lei.

Não tardaram as conseqüências do erro: o desengano apareceu. Mas os constituídos dominadores dispunham já da força que o próprio partido liberal lhes criara.

As pretensões democráticas, as aspirações verdadeiramente patrióticas, se chamaram desde logo — confusão irrefletida, preconceitos repugnantes, ausência absoluta de conhecimentos práticos de governo e de administração.

Na verdade, a uma testa coroada na América deviam parecer descompassados e anárquicos todos os pensamentos generosos.

Era mister enraizar a planta exótica no solo que a repelia, e desde que só com sangue podia ela medrar e fortalecer-se, não faltaram vítimas, e estas foram escolhidas entre aqueles mesmos que fizeram a revolução para libertar a pátria.

Verificou-se a fábula das rãs que quiseram um rei!

Era indeclinável, porém, aparentar desejos, que se traduziam bem em condescendências, de que o novo país que se emancipava, ditasse a lei com a qual devia organizar-se.

Conspirava-se para isso, e era indeclinável aceder, ainda que só para iludir.

Nesta conjuntura foi convocada uma assembléia constituinte e soberana, única que podia legitimamente estabelecer a forma do governo, e dar as regras fundamentais ao regime do estado.

Já Pernambuco e as demais províncias do norte desconfiavam das intenções dos dominadores; e, perdidas as esperanças da realização das idéias democráticas, tentaram libertar-se da nova metrópole, que em si tinha o germe da outra de que ela procedia.

Bastou isso. A república do Equador, foi o pretexto de que se serviu aquele mesmo que antes não duvidava em ser o primeiro cidadão da república brasileira, para desenvolver o aparato militar, estabelecer comissões militares, e assim comprimir, até com centenas de assassinatos, as aspirações patrióticas que tendiam a desenvolver-se.

O sangue brasileiro correu em jorros: a força, e o fuzil destruíram grande número de patriotas dedicados; muita ilustração se perdeu, muita virtude cívica foi assim abatida.

Então já funcionando a constituinte, eram aí desenvolvidas as teorias democráticas, que deveriam formar a base do sistema de governo a adotar.

Mesmo antes das manifestações patrióticas nas províncias a constituinte incomodava os dominadores, que tinham a consciência de sua fraqueza.

O acontecimento de 1824 em Pernambuco, serviu de pretexto (por amor da ordem!) para se burlar as tendências naturais dos brasileiro para se obstar à obras que a democracia construía.

A constituinte foi dissolvida!

E os patriotas que dela faziam parte foram expulsos do recinto em que ela trabalhava, expostos à irrisão, aos motejos, aos insultos da soldadesca desenfreada que cercava o mesmo recinto, contra o qual até fora assestada artilharia!

A nação que se constituía, foi assim privada de formular a sua lei orgânica, a sua constituição. O Rei que se dizia, como ainda hoje se diz, 1º delegado da nação, não passou como não pode passar ainda, de conquistador feliz, mas sem poderes para governar o povo, que certamente nada lhe delegou.

A dissolução, porém, foi fatal ao rei, como fatal à nação, o sangue derramado dos democratas que o rei assassinou, não abateram o patriotismo no Brasil. É inerente ao partido liberal viver tanto mais vigoroso quanto mais perseguido.

A conspiração contra o governo absoluto continuava cada vez mais desenvolvida. A ditadura, que se firmara na ausência da constituinte, levava o povo ao desespero; e o déspota como os seus satélites sentiram que lhes escapava a presa, e mesmo que lhes fugia dos pés o terreno em que se apoiavam.

O fatal fermento de tristes ódios, como bem disse um dos retrógrados da época, ficara enraizado nos corações.

A revolução, pois, caminhava, e o partido liberal se dispunha reivindicar os seus direitos, e a tomar conta daqueles em quem tão imprudentemente havia confiado.

Tudo dizia, que as coisas sofreriam profunda modificação, e que o Brasil teria enfim organização, que lhe é adequada.

Era, porém, indeclinável ao Rei ir de encontro às idéias que se manifestavam com a maior força e vigor.

Era mister fazer abortar a revolução que se ostentava já.

E como conseguí-lo?

Nos antros da realeza, mais um artifício enganador foi engendrado.

O Rei se arvorou em poder constituinte da nação!

E conhecendo que, prometidas muitas das desejadas garantias de liberdade, bem como aparentando a intervenção do povo nas leis econômicas do país, na criação de impostos, na distribuição das rendas, na fixação da força pública, etc., angariaria de novo a confiança, e campo mais vasto criava assim ao seu poder, promulgou ELE SÓ a constituição que publicou em 1824, e que jurou cumprir e fazer cumprir, dando-a como aceita pela nação, quando aliás para ela só a vontade do déspota foi ouvida.

E o partido liberal ainda uma vez foi mistificado!

Iludiu-se ainda uma vez com as promessas que lhe faziam, e contando com a imprensa livre, liberdade de cultos, segurança individual e de propriedade, representação nacional, julgamento por seus pares, etc., consentiu em sustentar assim esse mesmo rei, confiando em sua boa fé!

Que amargas decepções lhe há custado a sua incrédula ingenuidade!

Não apreciou então o que hoje compreende à custa de sofrimentos e de martírios.

A flor de tão bela aparência, de tão deslumbrante aspecto, e cuja virtude e vigor tanto o animava, era cercada de agudíssimos e pungentes espinhos. Ninguém que dela quisesse gozar se podia contar seguro; sofria mais do que aproveitava. Tudo o que havia de bom na aparência se nulificava na realidade.

Neste monstruoso parto da perfídia, se aninhara o absolutismo astucioso, e tanto, que ficava ele sempre armado, e bem armado, contra tudo, e contra todos que de certo modo procurassem arrastá-lo em seus desmandos.

Aqui “a nomeação livre dos ministros”, ali a nomeação também livre dos agentes do poder judiciário; além o veto contra a vontade dos representantes do povo, mais adiante a centralização de todas as faculdades administrativas, etc.!

E como tudo isso não bastasse para nulificar as prometidas garantias, foi, nessa intitulada constituição, criado o mais estupendo dos poderes, o denominado — Moderador, — e pelo qual o Rei só se constituiu o árbitro de todos os outros poderes; e acobertado com a prerrogativas de inviolável, sagrado e irresponsável, tem as faculdades de nomear senadores (nulificando o poder legislativo) prorrogar e adiar a assembléia geral, nomear e demitir livremente os ministros, suspender os magistrados, perdoar e comutar as penas impostas pelo poder judiciário, conceder anistia, etc.

A um tal poder quem poderá resistir? O que são os outros poderes em presença dele? O que é a responsabilidade, única salvação do cidadão perseguido, e injustamente ofendido, desde que se o mal é feito por ordem do Rei, o perdão virá em socorro do delinqüente?

Se todos os outros poderes ficam assim na dependência do moderador, e se o Rei pode livremente exercer este, e sem responsabilidade, toda a constituição de 1824 se reduz, praticamente, quanto à natureza do governo, ao absolutismo; cercado, é verdade de um cortejo grandioso de idéias liberais, mais irrisoriamente desprezadas, olvidadas, escarnecidas, conforme os caprichos o determinarem na ocasião.

E assim deixou-se iludir o partido liberal!

E quanto tem ele sofrido por essa sua longanimidade!

Comparada esta constituição, obra do 1º Rei do Brasil, com a promulgada pelas cortes portuguesas de 1822, conhece-se a enorme diferença que entre ambas existe, sendo esta muito mais garantidora e liberal na prática do que aquela.

O poder moderador, criado para nulificar a do Brasil, que aliás em uma nação se constituía, não foi tolerado na portuguesa.

O veto nesta é limitadíssimo:

A vontade dos representantes do povo mais efetiva e eficaz:

O direito de perdão conferido ao Rei, não foi ali concedido arbitrariamente, como na de 1824, bem ao contrário foi ele limitado ao cumprimento das leis que o regulassem:

Se também um conselho de Estado foi criado na constituição de 1822, não foi a nomeação dos conselheiros de escolha só do Rei, mas dependente da iniciativa e proposta do corpo legislativo.

E como essas muitas outras disposições se acham, que obstam a ação de uma qualquer vontade absoluta.(1)

O 1º Rei do Brasil, tratou logo de cercar-se de quem mais o entendesse, e melhor satisfizesse suas intenções. Procurou serventuários, procurou ministros entre os seus patrícios.

Estes por sua educação e índole, como antigos senhores da terra, procuraram amesquinhar os nacionais.

Enquanto havia cargo de importância, ou comissões lucrativas, para elas só os patrícios do Rei serviam. Os brasileiros, cujas tendências eram todas democráticas, foram cuidadosamente esquecidos. O despotismo queria instrumentos fiéis, e, certo, os não encontrava tão adaptados senão nos homens que vinham ao Brasil para desfrutá-lo, e que o continuavam a apreciar como sua antiga colônia, embora já apelidada nação livre e independente.

Daí veio que os liberais, geralmente brasileiros, se constituíssem adversários naturais do governo, ao passo que os retrógrados, em maioria nascidos em Portugal, que tinham necessidade de garantir suas posições e influência, apoiavam zelosos o governo, e procuravam por todos os meios fortificá-lo.

Essa disposição dos liberais, o desenvolvimento democrático que então foi extraordinário, ainda mais se exacerbou pela fatal guerra da Cisplatina, nascida do capricho do Rei, como hoje é a que sustenta entre o Brasil contra o Paraguai.

A decadência das finanças que então se manifestou e que ameaçava o novo reino com a bancarrota, o apoio que o Rei procurou em soldados mercenários estrangeiros, a confiança que os retrógrados nutriam no regresso do exército, contando com ele como com o seu mais eficaz instrumento para a compressão do povo, isto é, do partido liberal, as intenções dos absolutistas, que já nem tinham reservas em seu procedimento, e que manifestavam já ostentosamente, tudo enfim concorreu para que paixões irresistíveis se alimentassem, e o partido liberal ganhasse força.

Essa força de que os liberais dispunham latentemente, se patenteou de modo a fazer estremecer o Rei e os seus satélites, na luta que então se deu do povo contra os soldados estrangeiros, que se achavam no Rio de Janeiro a soldo e à disposição do partido retrógrado.

Desde logo a revolução deixou de ser uma conjetura, um projeto; tornou-se um acontecimento verdadeiro e real; efetuou-se.

E a força de que no país dispunham os liberais já era inabalável.

O Rei esmoreceu, desistiu de reinar efetivamente, mas calculou, mesmo em tais condições, deixar implantado no Brasil o seu sistema de governo. Era absoluto, e quis perpetuar nesta terra o absolutismo.

Convinha iludir ainda o partido liberal.

Após intensos sacrifícios, e quando o povo se achava na pujança de seu legítimo poder, e tinha em suas mãos o meio de consolidar de modo infalivelmente prático a sua liberdade, foi mistificado pela bem calculada abdicação.

O 7 de abril de 1831, não deu em resultado, como era de esperar e devia acontecer, o triunfo completo da democracia sobre a realeza de apregoada origem divina!

O partido liberal foi ainda enganado; errou não completando a sua obra: o coração, como sempre o guiou, quando só a cabeça o deveria ter conduzido. Constante e fatal erro desse generoso partido!

O Rei, que para empolgar o novo trono desdenhara da pátria com a maior ingratidão, com perfídia mesmo: aquele que para poder ser acreditado quando dizia que “se o Brasil quisesse ser republicano não duvidaria em ser o primeiro cidadão da república”, acrescentava com petulância, e falaz desdém — De Portugal, nada, nada quero: não repudiou a coroa portuguesa que lhe cabia por sucessão, morto D. João VI.

Bem ao contrário: querendo já tudo de Portugal, a aceitava, mas calculando mistificar a própria inteligência do Brasil, abdicou a coroa, repugnante na América, em seu filho, e a de Portugal em sua filha.

Tornava-se ele assim o centro dos dois reinos, os quais só aparentemente se achariam divididos!

Tal foi o resultado da muito gloriosa, mas muito infeliz revolução que triunfou na noite de 6 de abril de 1831.(2)

Os retrógrados devem sem dúvida exclamar contentes, gratidão à generosidade dos liberais de 1822, glória e não menos gratidão à imbecilidade dos de 1831!

Os que deviam por direito dominar foram dominados em ambas essas épocas memoráveis.

O Rei abdicara o que não tinha, e o povo o que não podia abdicar: aquele uma coroa que o povo lhe não dera regularmente, este um direito inalienável, qual o de cada um governar-se por sua própria lei.

Deus tirou ao Rei abdicante a possibilidade de efetuar seu plano nefando, e puniu o povo com os sofrimentos que até hoje lhe tem pesado, pela sua criminosa generosidade.

 

II

Dentre os mais favorecidos e entusiastas do 1º Rei, dentre os seus mais frenéticos instrumentos mesmo, grande numero, vendo ao longe as conseqüências da situação, compreendendo que era impossível restaurar o seu reinado, não hesitaram, apedrejando o sol no ocaso, converter-se em patriotas extremados. E os liberais, sempre de boa fé, não duvidaram acreditar na conversão!

E bom cálculo foi esse para, no correr do tempo, poderem os renegados voltar com vantagem a seus antigos arraiais.

Os liberais deixaram-se dominar pelo coração, e persuadidos da sinceridade das promessas, não duvidaram aceitá-los proclamando o célebre mas fatal -perdão aos iludidos!

Era o perdão aos seus algozes de ontem, e a animação a seus algozes de amanhã.

Essa nova fase, pois, propícia à verdadeira, legítima, e digna emancipação política, e em que a democracia se erguera triunfante e respeitável, foi perdida também.

Os liberais deixaram-se mistificar ainda!

Os absolutistas convertidos, procuraram salvar as suas paradoxais doutrinas, persuadindo que se devia adiar para o futuro o efeito das tendências que eram imperiosas.

A circunstância de ser, o primogênito filho do Rei, de menor idade, muito lhes serviu para iludir os incautos. A idéia de que esse filho do Rei devia bem servir o país em que havia nascido, e que deixado órfão no Brasil deveria ser protegido e amparado pelos brasileiros, falou alto e eloqüentemente ao coração sempre benigno dos liberais.

“Desde que o trono é um berço, diziam os retrógrados, nada se pode temer do Rei; há tempo de preparar o país para o governo republicano, praticável mais proveitosamente com a ilustração que o país pode adquirir nos longos dias da minoridade”.

E os liberais foram assim iludidos, e assistiram silenciosos à ascenção de um 2º Rei, que reputaram benigno e aceitável, amante da liberdade da terra em que nascera, e por isso diferente do primeiro que era estrangeiro. Como se os reis absolutos, iguais aos constitucionais que têm o poder moderador, qual o criado pela constituição de 1824, se devessem considerar de pátrias diversas, ou fossem de diversas índoles, e de diferentes instintos!

E assim foi ainda sustentada essa constituição imposta ao povo e não por ele feita.

E assim o partido liberal, os democratas do Brasil, se entregaram ainda a um Senhor!

Apesar disso, porém, e porque o trono era ainda um berço, a democracia não encontrou durante a minoridade grandes obstáculos ao desenvolvimento de suas ortodoxas doutrinas.

Obteve ela, com o Código do processo, esta lei que honrará sempre o Brasil, polícia eletiva, julgamento garantidor e amplo pelo juri, magistratura civil de proposta das câmaras municipais, nascidas imediatamente do voto popular, habeas corpus, garantia de segurança individual, etc.

Obteve ainda modificação profunda da constituição de 1825. Assembléias provinciais foram criadas, e com vantajosas atribuições. O conselho de Estado foi abolido, a magistratura ficou mais dependente dos representantes do povo do que da ação do Rei, e em uma palavra, foi estabelecida uma quase federação, proveitosa sem dúvida às províncias, as quais libertaram o que era de seu peculiar interesse da tutela fatal de um centro, sempre desdenhoso por elas, e que nenhum benefício material lhes proporcionava, porquanto a Corte, o lugar de residência da realeza, o foco dos protegidos da coroa, a sede de uma aristocracia efêmera, e sem razão de ser, absorvia todos os cuidados do governo geral.

Mesmo na confecção dessa reforma, porém, os liberais foram mistificados.(3)

Os presidentes das províncias continuaram a ser delegados do Rei, quando deveriam ser delegados do povo de cada província.

Os empregos de eleição popular não foram tão generalizados quanto o exigem os verdadeiros princípios democráticos, etc.

Apesar de tudo, porém, alguma coisa se obtivera.

E essa época, quando o trono era um berço, e os retrógrados não dispunham a capricho do poder, é o protesto mais solene, mais evidente, contra a insidiosa e pérfida imputação que ao partido liberal tem sido constantemente feita, de que não passa o seu programa de palavras sem mérito, empregadas apenas para iludir os incautos e ignorantes, e tanto que nada tem procurado realizar quando no poder.

É que só nessa fase gozou o partido liberal de algum poder. Os caprichos do Rei não se podiam ainda manifestar, os absolutistas, amedrontados pelo poder dos liberais, deixaram-se aparentemente levar na onda democrática, então irresistível. E nem eles podiam fazer outra coisa! Faltava-lhes nessa fase gloriosa, a força bruta, única que os sustenta. Dissolvida a tropa de linha, só havia a milícia do povo, e o povo podia por isso concorrer livremente para governar-se.

"A regência, disse Landulpho, apesar de suas perturbações, pôde fecundar o solo da liberdade; as franquezas provinciais, consagradas no ato adicional, salvaram a unidade do império, e, sobre tudo, formou-se a crença de que o governo do país pelo país não era uma utopia”.

A morte do 1º Rei, porém, desassombou os seus amigos traidores, bem como desenganou os restauradores, e deu lugar a que, retomando eles a sua antiga posição, tramassem arteiramente a queda dos liberais, e a destruição das idéias democráticas até então realizadas.

Morto o 1º Rei, eles gritaram logo — viva o rei — e dirigiram suas vistas para o 2º.

Corria o ano de 1834; os retrógrados, conseguindo humanizar-se com os liberais, haviam-se com a mais pérfida das traições, apoderado dos lugares de representação nacional, podendo assim constituir-se maioria no parlamento.

Conseguido isto, faltando-lhes um chefe inteligente, o foram procurar nas fileiras liberais, e o encontraram!

O partido foi traído.

Vasconcellos rasgou a sua velha bandeira, adotou a contrária, certo de que só com ela poderia subir e dominar enquanto houvesse um Rei emanação divina, e poder moderador!

E porque o berço já se agitava, o órfão ia dando sinais de vida, e a futura dominação se pressentisse; o novo chefe dirigiu inteligentemente as suas vistas para oportunamente apossar-se do Rei, e servi-lo às cegas para que ele também por sua vez o satisfizesse.

Nomeado o ínclito Feijó, de sempre saudosa memória, regente do Império em 1835, entrou para a administração já cercado de mil dificuldades. Os retrógrados, dirigidos por Vasconcellos, dispondo do senado, de sua criação, e que constituíram para seu ninho predileto e sua mais inexpugnável fortificação, dispondo de maioria na câmara temporária onde traiçoeiramente puderam introduzir-se, opunham às idéias liberais do regime a mais tenaz e pérfida resistência.

Seguiam as coisas assim, e a vontade liberal tornou ao seu primeiro estado de impossível execução pelos meios ordinários.

O regente estava privado do poder de dissolução da câmara dos deputados, não podia realizar nenhum de seus patrióticos desejos, só encontrava óbices, perfídias, e repugnantes contrariedades; e conservando-se como pôde até 1837, compreendeu que nada conseguia, e em tal situação resignou o cargo, já para ele insuportável.

Desde logo a reação conservadora se ostentou contra os liberais.

E os liberais, que, pode-se dizer, eram a nação inteira, e tinham possibilidade de lançar mão dos meios mesmo extraordinários, deixaram de cumprir o seu dever, por amor do órfão que lhes havia sido confiado, por amor da pátria que não queriam conflagrar, e por quejandas considerações. Não refletiram que tais condescendências os deveres de política severa não permitem. Não avaliaram bem a responsabilidade que lhes pesava pelo futuro do país, deixaram-se levar pelo coração, e foram vítimas da cilada que a perfídia absolutista lhes armara!

Os planos realistas, portanto, se desenvolveram. Era mister preparar terreno para o domínio do novo Rei.

As conseqüências, porém dessa condescendência, ou se o quiserem, desse mal entendido do partido liberal, não se fizeram esperar.

O 2º regente professava as idéias dos homens da ordem! os liberais, em seu conceito, eram anarquistas, e ele portanto pôs-se à disposição dos retrógrados, e as tropelias apareceram.

A oligarquia renasceu robusta e petulante.

O ato adicional foi descomunalmente rasgado pela celebérrima lei de 12 de maio de 1840.

A interpretação por ela decretada era verdadeira reforma retrógrada, da reforma liberal; era a revogação insolente por câmara incompetente, do ato adicional promulgado por câmara devidamente autorizada, era, pode-se dizer, já o primeiro decreto do Rei absoluto contra o decreto constituinte do povo!

As liberdades públicas perdiam dia por dia as garantias, as franquezas provinciais, ainda antes de completadas, eram já anuladas.

E o partido liberal compreendeu, dolorosamente, que o país se achava sacrificado, por sua falta de energia, por um imbecil temor, porque enfim, acusado sempre de perturbador procurava também de contínuo justificar-se contra essa calúnia.

“O partido liberal, digamos com Theophilo Ottoni, havia reconhecido o gravíssimo perigo da situação; a verdade do sistema constitucional estava ameaçada pelo trama oligárquico.”

Em tal conjuntura ainda o partido liberal se deixou iludir, procurou achar no Rei, o remédio aos males causados pelo Rei.

A 2º regência e seu governo se haviam tornado insuportáveis, procurou pois acabar com eles.

Dois meios haviam: um era a revolução para entronizar a democracia, como os direitos dos homens o prescrevem, e como a índole americana o determina. Seria esse o acerto. O outro era entronizar o Rei antes do tempo, fazer do menor maior, suprir com aparência o que a natureza não havia ainda consentido. Era isso um erro, era um meio para resultado negativo, como o futuro o demonstrou.

Pensavam os liberais que proclamando a maioridade do Rei, que órfão fora abrigado pela filantropia liberal, o identificavam com o as idéias generosas desse partido.

“Pensavam o liberais (é Theophilo Ottoni quem fala) que Sua Majestade podia ser o instrumento providencial que fizesse resvalar o golpe liberticida, e quebrar as tábuas da proscrição decretadas pela oligarquia.”(4)

E esse pensamento, desde que se contasse com a boa fé do instrumento providencial, era justificada: assentava em bases certas para segurança de interesses liberais, que então se achavam desamparados.

E mais ainda deviam os patriotas contar com o bom resultado, quanto conseguiram que entrassem no plano, e na sua execução o próprio Rei, a quem consultaram (supondo achar nele um amigo reconhecido) e que lhes respondeu:

Quero e estimo muito que este negócio seja conduzido pelos ANDRADAS E SEUS AMIGOS.

O Rei queria ser cidadão, e a democracia, confiando imprudentemente nele, o contava como seu primeiro representante, tanto mais que lhe não faltava a nacionalidade, que pressupõe amor pelo país que lhe deu o berço, e mais ainda gratidão ao partido que no cúmulo de seu poder o acolhera órfão, abandonado de seu pai, e não o repelira em sua qualidade, como o determinava regularmente a natureza e índole do sistema democrático, como deve e há de ser adotado.

E o partido liberal errou assim ainda, não fez então, com mais facilidade, o que há de por força das circunstâncias fazer mais cedo ou mais tarde.

Era mister não olvidar que Rei e democracia são coisas que se repelem: um é o permanente destruidor do outro; e quando, por exceção, se consegue casá-los, dá-se ao mundo um espetáculo repugnante, e sempre irrisório, por quanto um dos assim consorciados deve sempre nulificar o outro.

Estas considerações, que o cálculo de verdadeira prática política não deveria jamais esquecer, foram desprezadas; os liberais guiaram-se somente por sua generosidade, quiseram libertar-se do jugo que de novo se levantava, e, iludidos, depositaram sua confiança, onde só desconfiança lhes devia infundir.

Consumaram o ato da maioridade, contaram fazer não um Rei, como ele tem sido, mas um chefe cidadão do Estado, que esse nobre mas infeliz partido desejava livre, e só assim enobrecido.

O órfão deixou o berço, e se apossou do cetro, o menino foi declarado homem feito; não se respeitou, pois, nem as verdadeiras conveniências do país, nem as próprias prescrições da natureza. A revolução foi por este modo consumada e o Brasil...pobre Brasil...teve ainda um Rei!

Pai e filho seguiram o mesmo caminho.

O 1º Rei constituiu-se ilegalmente, usurpando direitos do povo, cometendo uma traição a seu pai, e à sua nação, o 2º se fez efetivo desordenadamente, transgredindo a constituição de seu pai, usurpando também direitos do povo, porquanto a herança conserva os mesmos vícios que a degradavam quando ainda não transmitida.

Ninguém pode dar o que não tem. E aquilo que não se possui por direito, é como se não fosse possuído. O usurpado conserva sempre os defeitos de sua natureza.

Com a maioridade se findou uma das fases mais belas da democracia no Brasil. O rei não existia praticamente durante ela; o poder moderador não tinha ação e o povo pôde por algum tempo governar-se; e então não era ele o desordeiro, o anarquista, quando aliás dispunha de meios fáceis para o ser, se tal fosse a sua índole. Ele ao contrário, soube conter os verdadeiros anarquistas, que eram, como são, todos os retrógrados, os quais não podem dominar senão pela força bruta.

Nessa fase o povo mostrou praticamente que a legítima ordem se harmoniza completa e perfeitamente com a liberdade.

Os absolutistas conservadores, conflagraram diversos pontos do país, mas foram chamados à ordem, sem que os liberais esquecessem que eles eram também brasileiros.

III

Há 29 anos que o 2º Rei do Brasil exerce a sua autoridade. Há igual período que não cessa ele de provar ao partido liberal quando errou em contar com esse elemento para manutenção das liberdades públicas.

Desde então o país só conhece um poder independente e sobranceiro: é o poder do imperador; todos os outros, bem longe da independência que lhes é atribuída, tem estado avassalados vergonhosamente à sua única vontade, ao capricho daquele.

E o poder moderador é o absolutismo prático, e tão transparentes e impróprios lhe são os andrajos democráticos que o adornam, que nem sequer uma ilusão se nutre já de que tenhamos outro poder que não aquele.

O partido liberal tem passado pelas mais dolorosas provações.

Foi traído imediatamente.

E para maior martírio é caluniado de contínuo.

O erro fatal de 1840 não tardou em ser compreendido.

“Mal triunfava (é ainda T. Ottoni quem fala) a maioridade, e já sobravam razões ao partido liberal para se arrepender de havê-la iniciado.

Podia cobrir a cabeça mesmo no dia do triunfo.

Ainda ressoavam os vivas da festa e já o governo pessoal se inaugurava...

A doutrina do governo pessoal decorria naturalmente do precedente estabelecido.”

O Rei quisera embalar o partido liberal com a nomeação de 5 ministros, do seu primeiro ministério, tirados entre os que proclamaram a maioridade, e onde figuravam os respeitáveis vultos liberais Antonio Carlos e Martim Francisco.

Mas não pôde iludir assim esse partido, de então até hoje atraiçoado, desde que completou esse ministério com um personagem que havia tomado a si a organização, e que era o chefe dos batedores palacianos.

E como este têm sido todos os ministérios neste reinado, sempre que aos liberais não pode ser tirada a direção dos negócios.

É por isso que a vontade do partido liberal não tem podido ser realizada, porquanto, sempre que o Rei não pode deixar de aproximar-se dos liberais, lhes ajunta logo um antídoto que nulifica-lhes a ação.

Os amálgamas ministeriais têm sido o corretivo disfarçado com o qual o Rei tem sempre procurado neutralizar o efeito das tendências democráticas; e quando, em razão dessas monstruosas organizações de ministérios, nada tem sido possível realizar, durante, o que se tem chamado domínio dos liberais (oh! que escárnio!) é o próprio Rei que pergunta — por que o não fizeram quando tiveram o poder?

O poder!

Esse primeiro ministério da maioridade teve a sorte que o organizador lhe preparara: foi de efêmera existência; dissolveu-se dentro do seu primeiro ano de existência, e foi então substituído por outro, de elementos homogêneos, de retrógrados conhecidos, e que desde logo, fazendo prática a teoria do absolutismo com constituição o Rei reina e governa, trataram de reedificar sob bases mais sólidas a guilhotina em que deveriam perecer praticamente todas as prometidas garantias.

Não se fez esperar a retrógrada lei de 3 de dezembro, a qual suplantando indecente, mas calculadamente, todas as doutrinas do Código do processo, habilitava o reinado absoluto com as armas necessárias para subjugar o povo, isto é, o partido liberal.

O espantalho necessário a encobrir os desmandos da coroa, e que estava já abolido pela única constituição legítima do Brasil, que é o ato adicional, foi restabelecido por lei ordinária.

De tais arrojos de despotismo, conseqüências inevitáveis e terríveis eram indeclináveis.

O massacre dos liberais em Minas e São Paulo não se fez esperar.

E o povo que ali se levantou em massa para protestar, como o povo sabe, pode e deve protestar, contra os desatinos do poder, e contra a traição e má fé dos dominadores, foi levado de vencida, e assassinado pelas baionetas do Rei, ao mando de seu invicto Caxias, vencido em Santa Luzia, e que salvo por socorro imprevisto, aqui se apresentou triunfante e orgulhoso, dando conta das vítimas que havia feito em bem da ordem.

O gozo dessas glórias alcançadas contra o partido liberal, acontecimentos estranhos vieram perturbar.

A Europa se agitava, e as idéias democráticas triunfavam no velho mundo.

A França repelia de si o rei que a traía. Igualdade, fraternidade e liberdade eram as inscrições da bandeira que dominava.

E as testas coroadas estremeceram.

A revolução veio dar algum alento, e esperanças ao partido liberal no Brasil, e o Rei, sempre o mesmo, procurou refúgio e segurança no seio desse partido!

Tivemos, pois, o ministério de que foi chefe o distinto e honrado brasileiro Paula Souza.

Pareceu, pois, então, que a realeza buscava humanizar-se, consorciando-se com a democracia.

E os liberais erraram ainda, acreditando nisso, e aceitando o governo.

Cedo, porém se desenganaram.

Nenhuma medida reclamada pelas necessidades do povo, e para segurança de sua liberdade, pôde ser realizada.

O que escapava dos conselhos do Rei, baqueava no senado, sede perene da oligarquia, e sustentáculo acérrimo das prerrogativas do poder moderador, e dos interesses, ainda os menos confessáveis, do partido retrógrado, o qual tinha e tem ainda ali, o seu quartel general, que é agora reorganizado a todo o transe, e a despeito de quanto há de honroso, decente e digno.

Paula Souza não suportou a mistificação, e menos ainda a tolerou, quando se convenceu de que, ao passo que se lhe mostrava a melhor vontade, se tramava sem rebuço o seu descrédito, como governo, para o que bastava a não realização das suas idéias.

A revolução francesa, porém, tomara em 1848 diverso caráter, os liberais, lá, como aqui, se deixaram mistificar, e o poder de Napoleão III, o mais audaz dos déspotas conhecidos, se manifestara.

Novo ânimo, coragem maior veio disso aos retrógrados do Brasil, e o Rei desde logo se supôs habilitado a despedir os liberais do poder, e entregá-lo aos seus homens da ordem.

A despeito de ter o ministério liberal grande maioria na câmara, a despeito de ser vigorosamente apoiado e de não lhe faltar nenhuma prova de confiança, foi substituído, quando menos esperava e contra todos os estilos do sistema representativo.

O ministério de 29 de setembro de 1848 apareceu livremente e a ele o Rei nada negou que pudesse servir a mais infrene reação contra os liberais.

O povo de Pernambuco reagiu contra a inaudita perseguição que lhe foi feita para extorquir-se-lhe 2 senadores. Era Tosta o presidente audaz e rancoroso a quem se cometera o extermínio do partido liberal; e a seus atos, do mais desastrado despotismo, se deveu o horroroso massacre que ali teve lugar, e do qual resultou, entre muitas perdas lamentáveis, a do leal, corajoso e honrado patriota, Nunes Machado.

Para mais segurança dos dominadores, consentiu a coroa na militarização do país, ou antes, na escravização do povo pela nefanda lei da guarda nacional que ainda hoje rege.

A estas seguiram muitas outras, que ainda mais amesquinharam o país.

Só assim puderam os dominadores, e sempre protegidos pelo Rei contra o partido liberal, manter-se no poder durante os fatais 14 anos, cujos acontecimentos não cabe neste resumido esboço mencionar.

O partido liberal não pôde ser de todo suplantado: seria necessário para isso suplantar o país inteiro.

Foi tomando novo alento. E não pouco concorreram para isso os seus entusiastas então, Salles Torres Homem e Paranhos.

Era indispensável, portanto, achar um meio qualquer de o iludir ainda, e em falta de outro vimos proclamada a CONCILIAÇÃO, acompanhada das falazes moderação e justiça.

Encarregou-se dessa especulação o Marquês de Paraná, o qual falando ao interesse pessoal, excitando a cobiça, prometendo elevadas posições, etc., conseguiu famosas transformações; o ilustrado escritor do Timandro, converteu-se em dedicado sem limites ao Rei, e o defensor acérrimo da revolução de Pernambuco em subserviente aos dominadores; ambos humildes beijaram a mão do Rei, e se puseram a seu soldo do qual até hoje têm gozado, distinguidos sempre, como os mais amados favoritos.

É assim que o Rei autorizava e acoroçoava a deserção das fileiras liberais.

Parece que tem queda pelas deserções, como ainda há pouco aconteceu em relação a um notável general, distinto por orgulhosa ignorância, e que havendo deixado imbecilmente escapar o inimigo, que lhe estava entre as mãos, e munindo-se ainda do armamento necessário, que deixou abandonado no campo,(4) teve em prêmio dessas gentilezas não só o esquecimento da falta cometida, como mais o de ser condecorado excepcionalmente, e elevado à categoria de — querido e prezado primo.

A conciliação era também um castigo imposto aos partidários retrógrados, que não se prestavam a transigência absoluta com as vontades do Rei, e que por isso deviam sofrer uma moderada e paternal correção, aplicada, porém, com tal arte, que desmoralizando igualmente o partido liberal, obstasse assim a que este ganhasse com o desgosto, e sofrimento do adversário.

Convinha isso ao Rei.

Euzébio, conservador audaz, fiel a seus princípios, mas que respeitando-se, não se amoldara ao triste papel de subserviente, foi lançado à margem. O próprio conservador, para sustentar-se não pode nem deve ter vontade. Era mister, portanto, que o partido, que servia de guarda imediata, e humilde do Rei, conhecesse a esfera limitada em que podia girar, esfera que se restringe à só e única vontade irresponsável.

O Rei queria, e quer uma sociedade a seu jeito, e a que ele conseguiu foi bem definida por um publicista insuspeito, um dos mais notáveis jornalistas dessa época, e dos mais acérrimos sustentadores da reação contra o partido liberal.

Dizia ele: “Na sociedade organizada pela reação (conservadora) a influência da localidade desapareceu, tudo partiu do governo, tudo ao governo se ligou, o governo foi tudo, e tanto que hoje não há brasileiro que mil vezes por dia não manifeste a convicção de que a sociedade está inerte e morta, e que só o governo vive; o governo é por todos invocado até quando se quer, para divertimento da capital, contratar cantoras e bailarinas.”

O governo é sinônimo de Rei, como os fatos o demonstram!

E para chegar a um tal resultado, servira-se o Rei das suas falazes promessas aos Andradas, e aos liberais, ligando-se com eles na revolução da maioridade.

O plano, porém, confiado ao Marquês de Paraná, foi além das previsões conservadoras.

Tal era o domínio dos oligarcas no país, que, para favorecer a entrada no parlamento de alguns liberais, foi indispensável adotar, com ofensa da constituição do primeiro Rei, o sistema de eleição por círculos.

Só assim puderam ser ouvidas na câmara dos deputados vozes liberais.

O partido liberal foi tomando alento; e, ajudado pelo governo com as leis compressoras de crédito, atropeladoras da liberdade de comércio bancário, manifestou desejos de governar.

Ainda foi um erro que esse nobre partido cometeu. Os seus chefes na Corte, guiados sempre pelo coração, procuraram libertar os seus correligionários das províncias do jugo insuportável que os oprimia.

A conciliação, bem como a lei dos círculos, havia plantado a discórdia entre os conservadores. Não podiam estes continuar a governar, e parecia portanto chegada a vez, na frase de um estadista notável, de governarem os liberais.

O Rei observava o movimento e estudava os meios de iludir a nova situação que se levantava.

Derrotado o gabinete conservador na câmara em 1863, retirou-se ele, e não podendo fugir de satisfazer a opinião que lhe impunha o governo liberal, consentiu o Rei na formação do gabinete presidido por Zacarias de Góes e Vasconcellos, e de que fizeram parte José Bonifácio, e outros notáveis liberais.

A câmara, porém, não estava constituída de modo a oferecer segurança a nenhum governo. A imoralidade que o 1º reinado plantara e que com esmero continuou a ser cultivada no 2º dava seus frutos.

Uma tal câmara devia ser dissolvida.

O Rei, porém, não o consentiu: pretendeu, expondo o novo gabinete, a uma derrota imediata, convencer de que os liberais não podiam ser governo.

E esse gabinete teve de retirar-se no 1º oitavário de sua existência, ante a 1ª votação de confiança, e que lhe foi contrária.

É o que desejava o Rei para mistificar a nova situação.

Para conservar a câmara, mantendo os conservadores em seus postos, organizou, sempre livremente um gabinete sem expressão política!

E desnorteadas marcharam as coisas públicas até que a força das circunstâncias determinou a passagem do governo para o partido liberal.

Foi assim organizado um novo gabinete, mas nele encartou o Rei alguns ministros, que só para o serem, se mostraram liberais; e tanto assim, que hoje os vemos com pasmo, no campo dos reatores indecentes que se levantaram sedentos de vingança, e aturdidos pela cobiça de empregos e de riqueza, no dia lúgubre 16 de julho de 1868.

O ministério, porém, propôs-se à realização de algumas idéias liberais.

Nada conseguiu.

O senado lhe opusera séria barreira, e o Rei por sua parte obstava ao mais insignificante desejo desse ministério para o qual tudo foi difícil, especialmente o que concernia a montar o partido liberal.

O Rei, porém, conseguiu o que queria: a perda de força moral desse gabinete, cuja ação o mesmo Rei entorpecia, animando entretanto os ministros a que prosseguissem em seu empenho!

As nossas relações com as repúblicas do Prata tinham atingido a uma desgraçada situação.

Os negócios estrangeiros, de que só se tem conhecido um ministro, e permanente, na pessoa e na vontade do Rei, achavam-se agravados pelos erros palmares cometidos, com o propósito firme de desacreditar os governos republicanos, e assim fazer realçar a instituição monárquica na América.

A guerra com os Estados do Prata era inevitável conseqüência desses erros acumulados.

E porque se achava na administração um gabinete liberal, o Rei apressou essa guerra para salvar da enorme responsabilidade o seu partido, e fazer pesar a odiosidade do mundo contra os liberais do Brasil.

E a obra dos conservadores ficou por tão fementida estratégia a cargo do partido liberal, que ainda esta vez foi vítima de sua lealdade e patriótica dignidade!

O ministério Furtado arcou com enormes dificuldades. Achando o país completamente desprevenido, sem exército, sem armamento, e em uma palavra, sem recursos, com tal energia e boa vontade procedeu que nada faltou à campanha gigantesca que começou.

Com a mesma dedicação, com o mesmo denodo, e arrastando as maiores dificuldades, os ministérios que se seguiram até o 16 de julho de 1868, procederam.

E sob a influência do partido liberal, o Brasil pôde criar um exército e uma esquadra respeitáveis, que souberam, sabem, e saberão manter ilesa a dignidade nacional.

O exército, porém, assustava o Rei: Osório, tipo de valentia e de patriotismo, ganhava terreno na estima, consideração e gratidão do país; o exército o adorava, como ainda o adora.

Era mister ir preparando as coisas de modo a tirar dos liberais a glória que já lhes não podia ser negada, predomínio que já se antolhava inevitável.

Era indispensável dar aos conservadores quanto os liberais tinham produzido, até com prejuízo de sua popularidade natural.

E o Rei impôs ao último gabinete liberal o Marquês de Caxias para comandar o exército! Não era nem a ciência e perícia militar que se queria, não era um diretor consumado na prática da guerra o que se pretendia; era somente um chefe conservador que se buscava para audazmente esbulhar os liberais das glórias que deveriam só a eles pertencer!

E esse chefe conservador, apenas habilitado com a farda que tinha de tenente coronel, se achou no Marquês de Caxias, hoje duque, por haver abandonado seu posto, como abandonara as armas de que hoje dispõe Lopes para fuzilar os soldados brasileiros.

Tal imposição foi portanto um plano político para a subida dos conservadores.

E a aceitação de tal imposição um erro fatal do gabinete liberal, que assim se deixou mistificar; erro, cujas conseqüências lhe amarguraram horrivelmente a existência.

Mas o que esse ministério não pôde conseguir, decretou-o a Providência: o exército brasileiro hoje odeia Caxias. A inépcia que manifestara, a indecente afilhadagem que criou, a sua saída ingrata dos campos de guerra, a fuga de sua barraca sem nem sequer dirigir uma palavra lisonjeira aos beneméritos soldados, que ele tantas vezes sacrificou por sua ignorância, tudo enfim conspirou para que o grande general, o importante e prestigioso chefe, o homem enfim que até conseguira fazer-se temido do Rei, despisse na praça pública toda a luzidia roupagem de que o tinham adornado, para que aos olhos do país, aos olhos do mundo, fique, como ficou, exposto para sempre o esqueleto do homem, abaixo de medíocre, e cuja ascenção só se pode explicar pelos capricho com que praz à sorte divertir-se com a mísera humanidade.

Ainda outros erros cometeu o gabinete liberal, porque ainda a outras impertinentes imposições do Rei acedeu, em vez de entregar-lhe as pastas para que os seus subservientes e devotos o satisfizessem.

Justiça porém seja feita a esse gabinete. Suas intenções eram boas, e as extraordinárias circunstâncias do país, bem como as latentes disposições do Rei, tiveram força demais em seu espírito para resignar-se às condições que ocorriam.

Por um lado os inconvenientes que uma mudança na direção da guerra podiam produzir, por outro a reação conservadora que se preparava, tudo enfim os convenceu de que convinha a sua sustentação no poder.

Apesar destas considerações, foi um erro e um erro de conseqüências funestas.

E dessa condescendência mal calculada o Rei abusou ainda impondo mais as nomeações de 4 conservadores para o conselho de estado, com exclusão de distintos liberais que ali lhe podiam dizer a verdade, e não encobrir as faltas que de ordinário comete, e que tem sempre amparado sob a proteção dessa monstruosa criação inconstitucionalmente estabelecida.

Tais nomeações foram outros tantos erros graves que cometeu esse ministério, como hoje ele próprio estará convencido. Criou com isso tantos caluniadores e ingratos, tantos inimigos ousados e inconscienciosos do partido liberal, quantos são os conservadores que se resignaram a receber graça de um ministério liberal.

Em tudo isto a insídia, em tudo isto a má fé! Os fatos que se sucederam o confirmam.

Na convicção do país, e na do próprio Rei estava, que a guerra tocava em julho de 1868 ao seu termo.

Convinha neste caso, e quando se daria a possibilidade de realizar as indispensáveis reformas liberais, e assim fazer triunfar boa soma de princípios democráticos, que se tornasse impossível esse triunfo, armando os homens da ordem do poder necessário para aniquilar a quantos professam esses princípios.

O Rei, porém aparentando generosidade por Salles Torres Homem, a quem logo depois tratou com desdém por intermédio de seus criados vitalícios, ofereceu combate ao ministério, e livremente demitiu, como livremente o substituiu por gente sua, pondo à testa dos negócios o Visconde de Itaboraí, acompanhado para maior garantia de ação, de dois transfugas que necessitavam justificar-se de seus passados crimes, e lavar-se das indeléveis marcas liberais que conservavam impressas no rosto.

É o gabinete de 16 de julho!

A grande maioria da câmara em favor do ministério liberal, a grande coadjuvação dessa câmara para os empenhos da guerra, nada bastou para demover o Rei de seu plano.

Ele queria que as glórias da paz coubessem ao seu partido, enquanto que as odiosidades, e os trabalhos insanos da guerra foram suportados pelos liberais.

Ele queria que acabada a guerra o exército em disponibilidade ficasse à discrição dos reactores anti-liberais.

Com a paz se começaria a tratar seriamente dos negócios internos do país, e ele compreendia que a nação lhe tomaria severas contas por tanto sangue derramado, por tantos sacrifícios pecuniários feitos, por tanto esbanjamento; e que essas contas com os liberais no poder seriam mais rigorosamente tomadas.

Tais foram as razões que atuaram no ânimo do Rei para demitir o ministério Zacarias e substituí-lo pelo famoso do Itaboraí.

Apenas tomou este as rédeas do governo, a reação mais infrene, a perseguição a mais cínica, a negação da verdade a mais estupenda, as ofensas da lei as mais escandalosas, tudo foi posto em ação.

Nove dignos senadores do Império já manifestaram ao país os escândalos, os crimes que essa facção que governa sob os instintos do Rei tem praticado; e o fizeram com provas oficiais irrecusáveis.

Enquanto que ao ministério liberal, todas as dúvidas, todas as delongas, todos os adiamentos, toda a repugnância se opunha ao que ele entendia dever fazer; ao de 16 de julho, que lhe sucedeu, tudo sem exceção, sem adiamentos, sem repugnância tem sido facilitado e permitido.

Desde Itauna e S. Lourenço, até os bárbaros assassinos, os prevaricadores confessos, os homens da mais baixa esfera, tudo foi cuidadosamente aproveitado para ser empregado na grande obra do extermínio liberal: 5 meses bastaram de poder para não se ter mais um liberal empregado, para se praticarem as tropelias e horrores que se presenciaram em Pernambuco, Ceará, S. Paulo, Paraíba e outras províncias.

Uma câmara unânime, e composta em grande parte de parentes e afins dos ministros, de agenciadores de negócios, aspirantes de empregos públicos, e jornalistas mercenários que durante o governo liberal serviram em diversos lugares do país, de cães de fila, que os energúmenos da Corte lançaram sobre os mais notáveis liberais, foi com escárnio aos brios da nação designada, e é a que funciona.

E o Rei protege tais desmandos, e não se opõe a todas essas inconveniências!

Atenda o país para os fatos que se seguem e avalie a insídia.

Uma medida de suma ponderação, reclamada por nosso próprio interesse, exigida pela civilização a que nos devemos elevar, prescrita pela humanidade, e já quase que imposta pelas nações amigas, é, de há muito, reclamada dos poderes do Estado.

Eforços se tem feito no estrangeiro para a realização do grande desideratum — a emancipação dos escravos no Brasil!

Associações se acham criadas com esse fim, e o Rei está ao fato disso.

Infelizmente o interesse material tem superado até hoje o interesse moral. O lucro sórdido pelo escravo, tem abafado até certo ponto o grito da consciência e do dever.

Os conservadores, porém, que são os mesmos que subiram e enriqueceram à custa da introdução criminosa de africanos no Brasil, ainda depois de solenes tratados celebrados, e depois até de promulgadas leis expressas de abolição da escravatura, têm por isso sua popularidade entre os escravistas, e até o presente a mantém porque é do escravista que lhes vem importância e meios de ação.

Os conservadores não admitem que se trate com o devido desinteresse e energia dessa matéria; e para manter-se procuram entorpecer qualquer disposição que favorável à emancipação se manifesta.

Outrora, forçados e humilhados pelo governo inglês, fingiram-se emancipadores, ou antes aparentaram reprovação à continuação do tráfico de carne humana.

Pararam é verdade nesse negócio torpe, pararam porque os cruzeiros ingleses eram-lhes um impedimento invencível; mas descansaram quanto ao mais, e procuram desfrutar tão longamente quanto lhes for permitido o lucro criminoso que desse tráfico colheram.

Colocar, pois, os conservadores à frente da cruzada emancipadora, provando ao país que essa idéia deve ser adotada e sem adiamento indefinido, seria matá-los, seria aniquilar para sempre o partido retrógrado, o do direito divino.

E o Rei não desejava aniquilar o seu partido.

Entretanto correspondia-se ele, (diretamente!!!) com associados no estrangeiro, encarregados dessa humanitária missão, prometia-lhes a sua grande coadjuvação, e o seu poder, em prol dessa causa digna. Era pois necessário manifestar sinceridade de suas promessas.

Enquanto os conservadores foram ostensivamente poder, nem uma palavra proferiu o governo por bem dessa causa nobre. A popularidade desse partido não devia esmorecer.

Apenas, porém, os liberais foram admitidos ao ministério, atirá-los no terreno que cautelosamente evitavam os conservadores, expor o partido liberal às odiosidades dos possuidores de escravos, era mais um serviço que se fazia para firmar o partido adverso.

Apareceu o Rei então anti-escravista, e os liberais que formavam o gabinete, sem que fizessem sacrifício de aceitação dessa idéia, que era sua, apresentaram-na na primeira fala do trono ao parlamento.

O país, como o estrangeiro, ficou sabendo que no Brasil essa vontade, esse ponto essencial do programa do partido liberal era considerado, e ia ter desenvolvimento e efeito.

Daí veio a disposição que manifestou a Inglaterra para revogação do insolente bil que nos aviltava.

A guerra do Paraguai, porém, obstava a realização de quanto internamente nos podia interessar no sentido liberal.

Continuou, entretanto, a mesma idéia, o mesmo propósito a ser lembrado nas falas do trono; e a Europa descansava na sinceridade de tal manifestação.

Mudado porém, o ministério liberal, e substituído pelo atual, conservador de direito divino, o qual é presidido pela mais importante personagem, entre os retrógrados, protetor dos escravistas, por isso que os interesses de sua família assim o determinam, o Rei mudou de rumo, em questão que até sua palavra de honra se achava empenhada; e com a mais notável surpresa do país, e desgostante irrisão do estrangeiro, risca do novo programa da administração a grandiosa idéia liberal, e a suprime no discurso com que abriu este ano o parlamento!

Dirá alguém que o Rei passou pelas forças caudinas do partido conservador.

Não é exato. Ele com isso mostrou que é cego na proteção do seu partido, e que para sustentá-lo e sustentar-se, não recua nem diante de um ato semelhante.

Supôs que aniquilava os liberais expondo-se à animadversão dos numerosos possuidores de escravos, e insistiu assim pela idéia. Convenceu-se de que firmava o seu poder mantendo a popularidade de sua criadagem, e do partido absolutista, e desistiu dela.

Se sinceramente ou não, o tempo dirá.

Quis abalar o crédito dos liberais ante o país, que ainda conta milhares de escravos; enganou-se porém.

Quis firmar, calcando esse sentimento de dignidade humana, o poder de seus afeiçoados, da sua velha guarda, enganou-se ainda. O tempo o convencerá disto.

Assim, pois, se conhece que o Rei para com o partido liberal tem sempre guardado a mesma sinceridade.

É mister ainda uma prova? Ei-la, e convincente.

Ele que preparou, ele só, a guerra do Rio da Prata e do Paraguai, ele que a fez arrebentar quando os liberais se achavam no ministério, ele que travou luta de morte contra Lopes, e que envolvendo o seu capricho com a dignidade nacional, acoroçoava de modo claro e decisivo o levantamento de tropa, e para isto o recrutamento, a designação da guarda nacional e mais autoridades a pronta e expedita remessa de gente para reforçar o exército custasse o que custasse (são suas expressões) foi ele quem, logo que subiu o partido conservador, entregou-lhe em reféns, e para serem as primeiras vítimas da reação os cidadãos mais notáveis das diversas localidades, e que acabavam de prestar relevantíssimos serviços à guerra, e que mais se haviam sacrificado para satisfazer a constante e quase que impertinente exigência do Rei!

E esses cidadãos, cujos serviços o mesmo Rei havia reconhecido, atestando autenticamente o seu reconhecimento com os títulos, e condecorações com que os distinguiu, foram em seguida, e por decreto firmado pelo mesmo Rei, destituídos, reformados, suspensos dos cargos que tinham, e (o que é mais atroz!) grande parte deles perseguidos, levados às prisões, desfeitados pelos conservadores, que tudo quiseram avassalar, para conseguir uma câmara unânime e que aprovasse os disparates, os crimes cometidos quer contra a honra, a segurança, a vida do cidadão, quer contra o tesouro público nacional.

Seria ele constitucional procedendo assim?

Desses atos só os ministros ficaram responsáveis?

Irrisão, escárnio!

Quem não sabe no Brasil que o Rei é tudo, que em tudo se envolve, que dirige diretamente até os operários dos arsenais, que enfim até se ocupa, obsta, ou despacha contínuos de repartições, como os altos funcionários públicos!

O Rei tem sido sempre o mesmo nas relações com o partido liberal.

Continuará ele no seu propósito?

Por ele respondeu há dias um de seus mais fiéis vassalos, eleito senador sob a atual reação conservadora, prontamente escolhido, e já com assento na casa do parlamento onde a oligarquia tem o seu reinado.

Sayão Lobato, o senador absolutista, amigo do Rei, e seu audaz sustentador, afirmara há dias no senado que o Rei governa por direito próprio e não por delegação; que exercia por si, sem responsabilidade, e independente de referenda todas as atribuições do poder moderador; repelira enfim o dogma da soberania nacional!

Em presença de tais audaciosas declarações, e de ameaça tão explícita o que pode o partido liberal esperar do 2º reinado?

Sobre este 2º reinado exprimiu-se Landulpho, o exímio e leal patriota, do seguinte modo:

“O 2º reinado nada fundou ainda; sua obra tem sido a reação incessante, pertinaz contra as conquistas liberais. Abre-lhe a carreira a lei de 3 de dezembro de 1841, cujo influxo domina todo o longo período...Parece que a sua missão é destruir...

A história dirá que este período se assinala pela descrença, pelo desânimo que soube lançar nos espíritos ainda os mais enérgicos, pela corrupção que soube inculcar nos costumes públicos, e que foi seu instrumento e sua única habilidade”.

Entre outras considerações que esse ilustre liberal de sempre saudosa memória escreveu, algumas se lêem, que parece terem sido lançadas a ouvir as palavras descompassadas de Sayão Lobato, e a que antes nos referimos.

Escrevera Landulpho ainda:

“Podem os cortesãos, podem os aduladores dar frenéticos vivas ao poder absoluto, ao Rei podem pedir que governe só o Rei, podem até da tribuna assinalar a um dos poderes do Estado origem superior e independente da soberania nacional; dizem já sem rebuço que a monarquia é anterior à soberania do povo; dizem-no com a maior solenidade, e o dizem impunemente.

E se alguém dissesse simplesmente “viva a república” seria um sedicioso, um inimigo da ordem pública, e a mão da polícia não se faria esperar para lançá-lo em segura prisão.”

Isto escrevia ele há alguns anos, e entretanto parece que escreveu ontem! E por que?

Porque o Rei, como o seu partido predileto, absolutamente conservadores são sempre os mesmos.

Presentemente enquanto os liberais sofrem inaudito atropelo em seus direitos, os dominadores folgam e riem, supõem-se seguros para sempre.

Como se enganam!

O senador Nabuco de Araujo, um dos poucos defensores das idéias liberais, que conta já o senado, concluiu o seu brilhante, enérgico e monumental discurso e resposta vitoriosa, e esplêndida ao energúmeno conservador a que acima nos referimos, com as seguintes graves palavras, e que envolvem uma profecia que se realizará sem dúvida:

“A história nos diz que há tempos em que os povos vêem risonhos e indiferentes caminhar seus parlamentares para o exílio; mas acordando ao letargo destroem as Bastilhas que personificam o despotismo.”

O povo brasileiro acordará do letargo em que tem jazido.

De três hipóteses seguintes uma se realizará, disse-o um dos mais notáveis jornalistas contemporâneos:

“Ou os mercadores hão de fugir do templo que estão profanando;

Ou se hão de converter à verdadeira religião nacional;

Ou a incontestável e santa onipotência da nação há de arrasar o profanado templo com o fim de reedificá-lo em terreno purificado e santo.”

Cumpra o partido liberal o seu dever.

Sirva-lhe a experiência dolorosa que tem tido de lição bastante para não continuar a ser mistificado.

Rio de Janeiro, 30 de junho de 1869


O Rei e o Partido Liberal
II

Deturpa-se a história pátria para lisonjear o Rei!

A inversão dos fatos, o descrédito dos autores de nossa independência, a negação de patriotismo àqueles mesmos que, muito antes de 1821, alentando já a esperança de ver libertada a nossa terra, por esta nobre idéia se sacrificaram, tudo vai sendo empregado para iludir ainda o povo, persuadindo-o de que a presente situação não é só legítima, é a única conveniente à prosperidade pública!

Como se o povo não tivesse já lição bastante para acautelar-se contra a cilada que lhe preparam os homens do poder!

Revolução, revolução, exclamam hoje, a um tempo, os Erasmos, e os Divinos, os velhos retrógrados, e os absolutistas noviços!

E os revolucionários somos nós, que aliás nos limitamos a dizer a verdade!

Não nos amedronta, porém, o brado descompassado dos servos da realeza divina.

Prosseguiremos com firmeza no desempenho do dever que nos impusemos.


O Rei e o Partido Liberal

“O Brasil não há de esquecer o que deve à sua origem americana.”
(José de Alencar)

I

Como se lhes afigura horrível a revolução!

Anarquia, desordem, aniquilamento, são, atualmente, as palavras de ordem dos dominadores!

Querem persuadir aos incautos e desprevenidos que pretendemos a anarquia, a dissolução da sociedade em que vivemos!

E isto incutem no espírito público, quando aliás compreendem que nada mais queremos, nada mais desejamos do que ver melhor firmada essa sociedade, e restabelecidos nela os direitos, até hoje postergados.

Sempre a insídia, sempre a perfídia!

Avaliam bem as conseqüências inevitáveis da revolução como a entendemos, como deve ser, relativamente aos seus interesses individuais, a seu egoísmo, e daí o receio.

Não é pela pátria que estremecem, é a perda do lucro que os assusta.

Dizer sem pretensões, como sem temor, a verdade tal qual ela é, rememorar ao povo a sua história, convencendo-o dos erros cometidos — é ser sedicioso, é ser mau cidadão!

Bons são unicamente os vassalos humildes e interesseiros do Rei só.

E porque se expõe à inteligência do povo os planos tenebrosos de seus algozes, recuam espavoridos, renegam proposições tantas vezes por eles sustentadas, e tremendo, pelas conseqüências de seus crimes, insidiosos exclamam:

“É falso que o país esteja dominado por um só homem!”

Nem os Erasmos se envergonham de afirmá-lo, quando eles mesmos já têm denunciado ao país esta verdade.

Que coragem!

Mas enquanto assim, hipocritamente, o afirmam hoje na imprensa, e para manter-se no poder que usurparam, o seu chefe, o chefe do atual gabinete, o eco o partido do Rei, fatal ao Brasil, afoitamente afirma no senado, como tese e muito legítima:

O rei reina, governa e administra!

E entretanto, tal é a verdadeira prática, como já a enunciamos em nosso primeiro folheto.

E é por isso, que não temos sistema de governo livre, e garantidor dos direitos do povo.

O Rei que nos governa e administra é irresponsável e sagrado!

E sendo homem, como outro qualquer de sua espécie, é pecável, tem defeitos, erra, é suscetível de paixões, e, como os outros, tem suas afeições, seus ódios, que o arredam da vereda do justo e do honesto!

E este governo de um só homem é o melhor dos governos possíveis na opinião dos dominadores! Eles, para resguardarem seus interesses pessoais, humilham-se ante o poder de emanação divina, não delegado, não dependente, não subordinado na ação ao único Rei nos países livres — O POVO.

E aos que ousam combatê-los com dignidade, difamam, injuriam, caluniam!

É a arma conhecida dos traidores.

Como se enganam, porém!

O cidadão pacífico, o brasileiro pensador e refletido, reconhece a verdade do que escrevemos, e a independência, e desinteresse que a ditou. Ele não pode deixar de indignar-se ante o desvio estudado, o cálculo sórdido daqueles, que reputando-se seguros no poder, negam a luz do meio dia, procurando incutir no espírito do povo — que a sua felicidade, o seu bom porvir, consiste somente, na abstenção de seus desejos nobres, no abafamento de suas patrióticas aspirações, e na sujeição humilde a um senhor que reina, governa e administra, irresponsável e sagrado, superior ao povo, e não seu delegado!

Os que compreendem os direitos do homem, aqueles que amam a pátria, e sabem desprezar os benefícios ocasionais e degradantes do servilismo, esses não podem ficar silenciosos, como cúmplices da nefanda tentativa de destruição de um grande princípio político — o governo do povo pelo povo — diariamente agredido nas reuniões, nos jantares, na imprensa e até na tribuna parlamentar!

Esses observam sem temor a cívica regra:

Discendi periculum non recuso.

Entretanto que os que os atormentam com os aleives, com a injúria, e com a calúnia, seguem regra bem diversa, mais cômoda sim, porém singular e perniciosa:

Locupletandi periculum non recuso.

Compulsando a história do país, traçamos algumas linhas, sem outra pretensão, que não a de expor ao povo as suas relações com a realeza, com o governo — não seu delegado, — em convencê-lo de seus erros com a lição da experiência, e provar-lhe que outro deve ser o seu caminho para sua salvação e engrandecimento da pátria.

Fazendo-o, esquecemos as próprias conveniências.

Sejam embora nossas intenções acoimadas covardemente de iníquas; seja a verdade que escrevemos averbada de desejo sedicioso, e anárquico; não embaraça isto a marcha dos acontecimentos, o natural desenvolvimento das idéias, a condenação final do CORRUPTOR, e o desprezo aos corrompidos.

Renegar a religião política que professamos, para submissos pedir o prêmio ao Rei, endeusando-o, proclamando-o (mesmo qual ele é, e se tem manifestado), a salvação única dessa terra, não o faremos nós. Servimos melhor ao país dizendo-lhe a verdade.

“Épocas há, lê-se no jornal de Timon, em que o estado é tão mal dirigido, e caminha tão evidentemente à perdição, que a idéia de derrubar, mudar ou modificar o governo e as leis, acode expontânea a todos os espíritos; e em outras, o mal, muito mais grave e profundo, torna até necessário e indispensável revolver os íntimos fundamentos da sociedade......

O fato material rebuça a idéia que triunfa. Palas saindo armada do cérebro de Júpiter, que outra coisa é senão a força material brotando da inteligência para dar vida e ação às idéias convertendo-as em fatos?”

Deixemos, porém, estas considerações.

Vamos à história, vamos aos princípios.

A doutrina do nosso primeiro folheto não é perigosa, é a real e única que pode fazer a felicidade pública; a exposição dos fatos aí recordados é verdadeira; e a apreciação dos caracteres imparcial.

A definição exata da nossa realidade política não pode ser sinistra. É lição a aproveitar.

II

“A idéia da independência, acaba de escrever um retrógrado noviço, não germinava no Brasil; a conspiração de Minas, em 1787, não teve o caráter de revolução para a independência; Tiradentes não foi herói nem mártir, e se houve injustiça nos tribunais que o condenaram, não houve perversidade da realeza.

D. João VI foi um rei magnânimo, que nos encheu de benefícios; suas palavras, seus conselhos a seu filho são dignos de aplauso e reconhecimento; ele nos trouxe numeroso séquito, e grosso cabedal; deu-nos a categoria de reino, e foi ele quem soltou o primeiro brado de independência do Brasil!”

E assim se conta a história!

E para conservar a atual ordem de coisas, e para que o Rei irresponsável, inviolável e sagrado, REINE, GOVERNE e ADMINISTRE, como tem reinado, governado e administrado, foi necessário até mentir à própria dignidade da nação!

Maldito consoante a quanto obrigas!

Não consentiremos que proposições tão arriscadas quanto inexatas passem em julgado.

Examinemos a história.

Antes de 1786, já em Coimbra, alguns estudantes brasileiros conferenciavam em bem de regenerar politicamente o Brasil, e se comprometiam a trabalhar em prol de tão justo, e patriótico empenho.

Em 1786, na França, o mineiro Vidal Barbosa,com outros companheiros brasileiros, que ali se dedicavam ao estudo da medicina, entabolavam relações com os agentes do governo dos Estados Unidos, para o mesmo fim.

No ânimo dos brasileiros o desejo de se libertarem da metrópole germinava, à medida que os capitães generais portugueses se tornavam de mais em mais odiosos, pelos vexames, pelas contribuições, pelos latrocínios que praticavam contra os naturais do país.

Enquanto o povo do Rio de Janeiro se deixava iludir, e calava os sentimentos que lhe infringia Luiz de Vasconcellos, e como que atenuando-lhe as faltas pelos melhoramentos materiais que ele promovia; (estratégia ainda hoje empregada para que o absolutismo mais facilmente se sustente) o povo Mineiro, acabrunhado pela prepotência de Luiz da Cunha, conspirava pela independência. O jugo da metrópole tornara-se insuportável.

As disposições que eram latentes antes da vinda de Vidal Barbosa, e de alguns seus companheiros, manifestaram-se apenas eles chegaram ao Brasil. A conspiração transpareceu, as idéias que a determinavam eram principalmente as da independência do Brasil, e da sua separação de Portugal.(5)

“Duas revoluções tinham dardejado no mundo civilizado.

A treva do regime colonial não era já tão expressa no Brasil, que não deixasse filtrar o clarão desses meteoros da liberdade. E de feito, que foram 1789, 1798 e 1817, senão reflexos da grande luz que anunciava o despontar da civilização moderna?”(6)

Quando se declarou a independência dos Estados Unidos da América do Norte, uma aspiração se patenteou no Brasil para conseguir-se outro tanto.(7)

A conspiração mineira, pois, em a qual figurou principalmente Joaquim José da Silva Xavier, por ter sido dentre todos os inconfidentes o que com máxima crueldade e frieza foi tratado pelo nefando despotismo da Rainha de Portugal, foi de verdadeiro caráter político e com o fim determinado de obter a independência do Brasil, e plantar entre nós o sistema democrático a exemplo dos Estados Unidos.

E quando dúvida se desse sobre isso, bastaria, para desvanecê-la, a sentença que condenou os conspiradores; sentença bem explícita a respeito, e que, por isso mesmo, será para sempre o padrão de barbaridade, de torpeza, e de abjeção do despotismo do nefando governo de Portugal daquela época.

Como pois se ousa dizer que não teve o caráter de revolução de independência a conspiração de Minas?

Como negar de boa fé a palma de mártir da liberdade pátria a Tiradentes?

Nem por ser ele o menos importante talvez dos inconfidentes, se lhe pode negar a intenção com que se envolveu na conspiração, e dela foi a principal vítima.

A carta régia de 15 de outubro de 1790, que permitiu e insinuou o bárbaro assassinato dessa ilustre vítima, manifesta, não benevolência pelos outros comprometidos, mas, simplesmente, o receio, que não abandona o déspota nos seus próprios atos de canibalismo.

Para defender o governo de Portugal desse crime, acusa-se, apenas, o tribunal julgador!

Mas o que era esse tribunal se não o instrumento degradado do déspota, a quem o incutir erros nos brasileiros era já uma necessidade para manter o seu domínio na América?

Por conta de quem, com que autoridade foi feito esquartejamento do cadáver de Tiradentes?

Por conta de quem, por que autoridade foram declarados infames os seus descendentes?

Quem mandou arrasar a casa de habitação desse mártir distinto, quem mandou salgar o terreno em que ela existira?

Esse miserável Tribunal?

Não. Foi a realeza de Portugal.

Os que assim se prestaram, como baixos instrumentos do Rei, não foram por isso castigados. Bem ao contrário, todos foram premiados.

Quem foi, pois, o assassino de todos esses heróis?

O Rei, o Rei só!

Se o assassinato foi revestido de fórmulas legais, não salva isto o assassino; não.

Se as fórmulas simplesmente legitimassem, a atual câmara temporária seria legítima. Designou-se eleitoralmente. Apelou-se para o povo, e constrangeu-se o povo a fazer o que não queria, chamou-se espontâneo àquilo que foi extorquido.

E diga embora o Rei que tudo se fez na forma legal, nem por isso será acreditado pelo povo, a quem ele invocava livre, tendo-o aliás constrangido e sem ação.

O jogo tem sempre sido ridículo: há de continuar a ser. Mas o povo jogará a última cartada, e ai dos que até hoje o têm flagelado.

E o jogo indecente que o Rei tem feito com o povo, vai até mandar irrisoriamente proclamar a magnanimidade de João VI, os benefícios que nos liberalizou, o aplauso e reconhecimento que lhe devemos pelo salutar conselho que deu a seu filho!

E dizem mais os arautos e passavantes do Rei:

— A João VI devemos a nossa independência

É por demais escarnecer do povo que conhece sua história!

Para que deturpar assim os fatos?

Quem foi — João VI — disse-o severamente, mas com verdade, Salles Torres Homem. Não o diríamos nós, nem tanto, nem tão bem.

A dignidade, a fé, a lealdade, a severidade de costumes, a energia de caráter, a ilustração, tudo enfim quanto é indispensável a um Rei, faltava a esta caricatura de realeza.(8)

E. Manglave definia-o do seguinte modo:

“C’était, en effet, un vrai monarque bon-homme que ce don Jean VI, qui aimait beaucoup à se voir accuser de finesse; c’était un vrai type de monarque paternel, prodiguant les recompenses civiles et militaires, à des services d’antichambre, revêtant du titre e des insignes de major un savetier nègre qui, par ses lazzi, amusait sa digestion, etc.”

E este Rei veio fazer a felicidade do Brasil!

Se a necessidade o obrigou a conceder-nos algumas franquezas, aquelas que já não podiam ser adiadas, isto mesmo foi para ser bem recebido no Brasil, quando, abandonando seu posto covardemente, deixava, entregue aos furores da conquista francesa, o povo que a divina providência lhe havia confiado, e vinha refugiar-se entre nós.

“Veio acompanhado de um enxame(9) de aventureiros, necessitados, e sem princípios, os quais admitiu nos diferentes ramos da administração. Tal prodigalidade e extravagância havia na sua corte, que enquanto se gastava cerca de seis milhões de cruzados na Uxaria, os empregados públicos estavam em atraso de pagamento 9 e 12 meses, e viam-se obrigados a recorrer à prevaricação para poderem subsistir.
Achando-se as finanças em estado de apuro, recorreu a uma profunda distribuição de títulos honoríficos. Indivíduos que nunca usaram esporas, foram crismados cavaleiros, enquanto outros que ignoram as doutrinas mais triviais do Evangelho, foram transformados em comendadores da ordem de Cristo!”(10)

E aí está a riqueza que nos trouxe o Rei de Portugal.

Veio com grosso cabedal! E seu filho dispunha do que não tinha, do que os cofres do Brasil não podiam dispor, dando-lhe o caridoso presente de 250.000 libras esterlinas, por uma ordem contra o tesouro! E porque não pôde ela ser cumprida, visto como só as despesas de tratamento da corte , esgotaram os poucos recursos do Brasil, destas mesmas 250.000 libras esterlinas D. Pedro I se pretendeu apossar, sob o fundamento de que deviam elas pertencer-lhe como herança de seu pai!(11)

João VI compreendeu que o Brasil não suportava mais o domínio português, e nesta convicção, procurando, ainda que indiretamente, nulificar os efeitos da separação, deu a seu filho o conselho, que já relatamos, mas que agora copiamos literalmente da carta a ele dirigida por Pedro I, em 19 de julho de 1822.

“Pedro, se o Brasil se separar, ANTES SEJA PARA TI que me hás de respeitar, do que para alguns destes aventureiros.”(12)

E quem eram os aventureiros?

Algum dos do seu séquito?

Não. Dirigia-se, pois, o Rei a Ledo, a José Bonifácio, e aos outros patriotas que promoviam a independência; Ledo, José Bonifácio e outros eram considerados aventureiros, ao passo que Pedro I devia ser tido como muito legítimo, embora nem pátria, nem família, nem fortuna tivesse no Brasil!

E a um insulto tal qualificam os inconscienciosos, que procuram a todo transe sustentar a atual miseranda ordem de coisas, o primeiro brado de independência!

Como se humilha a dignidade de um povo, como se injuria o bom senso!

E o mais audaz aventureiro foi o 1º Rei do Brasil, porque a tanto se sujeitaram os fautores da independência, os quais, querendo fazer dele um instrumento, tiveram de conhecer, mais tarde, que eles é que foram indiretamente os instrumentos do despotismo, e das maquinações da casa reinante de Portugal.

O maquiavelismo de João VI em relação ao Brasil era tal, que, longe de acoroçoar a independência, quando aliás dera aquele pérfido conselho, a dificultava por todos os meios diretos, extinguindo a regência do reino do Brasil, reprovando o procedimento de Pedro I que procurava astuciosamente popularizar-se, repreendendo-o severa e asperamente, e dando lugar à autêntica declaração célebre — nada, nada de Portugal, nada quero.(13)

João VI foi bem claro quanto às suas intenções; ele queria a todo custo segurar o Brasil à dinastia de Bragança; nada mais. Assim é que nos queria independentes. Devia o Brasil continuar escravizado à metrópole, pouco importando que tivesse um governo distinto.

E é a isso que se pretende, e atualmente (!) dar o caráter de uma virtude de João VI; e considerar um benefício por ele outorgado ao Brasil!

É muito mentir à história.

III

Ocupêmo-nos ainda dos acontecimentos que determinaram a independência, ocupêmo-nos da boa fé, e espontaneidade com que foi ela abraçada pelo 1º Rei, consideremos o título que se arrogou, os atos enfim do 1º reinado.

Queria Pedro I a independência, como ela se fez?

Não; responde categoricamente a história.

Proclamou-a por amor ao Brasil, e por espontânea vontade sua?

Não; igualmente nos diz a história. Só o despeito o determinou no Ipiranga.

Foi ele fiel às suas promessas; cumpriu a sua palavra de honra dada a seu Pai?

Não; também nos afirma a história.

Foi leal aos brasileiros que o consentiram Rei do Brasil?

Não; e negá-lo é por demais arrojo contra a verdade dos fatos.

Abdicou livremente, por abnegação, por patriotismo, por desinteresse?

Não; porque está provado, e a história de 1831 o confirma, que foi a isso forçado.

Verifiquemos estes fatos.

Não estava certamente no ânimo de Pedro I concorrer para a independência do Brasil, como ela se fez.

Filho do Rei de Portugal, ele considerava esta terra sua herança.

Entre o extenso e fértil território do Brasil, e o acanhado e pobre Portugal, a escolha era fácil.

A ambição o determinara a ficar no Brasil, mas nunca entrou em seus cálculos fazê-lo independente de todo da antiga metrópole. A dinastia de Bragança abrangeria os dois países, e gozariam os felizes herdeiros da sua herança, mesmo sem divisão passada em julgado. Tal era indubitavelmente a sua idéia.

As circunstâncias, porém, mudaram a marcha dos acontecimentos, o desenvolvimento das idéias de liberdade no Brasil, o procedimento de João VI, e de sua Corte especialmente, de quem era ele escravo, as desfeitas, os insultos dirigidos a Pedro I em nome de seu pai, a agitação que já se notava especialmente em Minas e São Paulo, a certeza de que o Brasil se libertaria, fosse como fosse, custasse o que custasse, o temor de que escapasse a presa das garras de seu possuidor, tudo achou aquiescência no ânimo ardente e violento de Pedro I, e o arrastou a praticar o que nunca lhe havia passado pela mente.

É fácil prová-lo.

Os benefícios que João VI nos deixou, consistiam especialmente, em uma dívida de 12 milhões ao Banco, a Ioung e Finie dois mil e tantos contos, ao Visconde do Rio Seco quase mil contos, aos voluntários Reais 26 meses de soldo, à divisão do sul pouco mais ou menos, etc.(14)

Nesses apuros, e conhecendo que as tendências para a emancipação da metrópole se manifestavam, pediu Pedro I, em carta de 12 de setembro de 1821, a sua retirada para Portugal, rogando-o por tudo quanto há de mais sagrado, visto que o que lhe afigurava de presente, e o que lhe prometia o futuro era horroroso.(15)

Em carta de 4 de outubro do mesmo ano(16) dizia ele:

“Queriam e dizem que me querem aclamar Imperador. Protesto a V.M. que nunca serei perjuro, que nunca serei falso, e que farão esta loucura, mas será depois que eu e todos os portugueses estarem feitos em postas; é o que juro

Demitiu, nesta ocasião, o Intendente, por mostrar-se infenso a Portugal, e o substituiu por Francisco José Vieira, desembargador vindo de Goa , e adeso ao Rei de Portugal.(17)

Em 10 de dezembro do mesmo ano, dizia ele ainda:(18)

“Enquanto eu tiver forças conte V.M. e a Nação Portuguesa com a minha pessoa, que será incansável nos dois serviços. Isto é o que a minha alma sente, e diz sem lisonja nem interesse”.

Em 14 do mesmo mês e ano, afirmava ele:

“Ser-me-á sensível sobre maneira se for obrigado pelo povo a não dar exato cumprimento às soberanas ordens.”

Em 15, acrescentava ele:

“Torno a protestar às cortes e a V.M., que só a força será capaz de me fazer faltar ao meu dever, sou fiel e honrado”.

Em 9 de janeiro de 1822, quando dava ele parte do seu célebre — FICO — dizia que o acompanhara de — VIVAS À UNIÃO DE BRASIL E PORTUGAL!

Em 16 de fevereiro de 1822, comunicando as diversas providências que tomara e submetendo-as às Cortes Portuguesas, afirmava que assim procedera pelo interesse que tinha pela monarquia Luso-Brasileira.

Em 26 de abril de 1822, dizia ele a seu pai: — “Convoquei a Assembléia Geral Constituinte só por mero formulário, porque eu unicamente hei de fazer executar com todo o gosto os Decretos de V.M.”

Pedro I escrevera em uma carta a seu pai, um juramento com o seu sangue, no qual lhe prometia, nunca deixar de cumprir as suas ordens.(19)

Em vista de tudo isto como se ousa dizer que Pedro I queria a Independência do Brasil com sua emancipação da metrópole?

E o grito no Ipiranga? Perguntam-nos os aduladores do Rei!

Foi o grito do despeito; e se dele começou para o Brasil a sua independência, não foi a espontaneidade do herdeiro da coroa portuguesa, e sim as circunstâncias que o determinaram.

Compreendendo o malogro de todos os seus planos, fugia-lhe a coroa da cabeça, e ele quis conservar, mesmo que fosse só em parte o que reputava sua herança.

Bem longe estava disso o seu pensamento quando, descansando das fadigas da viagem, nesse lugar, recebeu despachos de Portugal que nulificando-lhe a autoridade de que se achava investido, contrariavam seu amor próprio, e desvaneciam-lhe assim os sonhos, e as ilusões que nutria, e que consistiam em conservar unidos os dois reinos da casa de Bragança, fundando no Brasil uma independência apenas administrativa, e assim conservando-os ambos para governar, quando a Providência, libertando-o do pai, o fizesse efetivo herdeiro da coroa e da monarquia em toda a sua plenitude.

Desalentado assim, agarrou-se à última tábua de salvação. Arrancou, despeitado, o laço português que lhe ornava o chapéu, atirou-o ao chão e bradou — independência ou morte.(20)

De um jato pisou as armas portuguesas, e despedaçou o juramento que havia escrito com o seu sangue!

Enquanto contou com o bom resultado de seus planos ele segurou o Brasil à dinastia de Bragança, salvando assim, (era esse o seu espírito)(21), “esta parte da América para não ser arrebatada no vórtice das revolucionárias democracias circunvizinhas”.

A independência do Brasil, pois, foi como bem diz Armitage: “uma daquelas grandes ocorrências que os homens contemplam mais segundo o resultado, do que em relação aos meios que as conduziram.”

As intenções, a boa fé de Pedro I para a declaração da independência, não podem melhor ser descritas do que pelas seguintes palavras de Pereira da Silva:(22)

Tanto mais prestava (Pedro I) apoio a José Bonifácio, quanto deparava em suas opiniões e na sua administração vigorosa a força e dedicação necessárias para, “afeiçoando vontades, logrando popularidade e importância, preparar os meios de roborar-se no presente e no futuro, e conservar os dois reinos sob a mesma coroa e domínio da casa de Bragança... o aumento dos recursos e do prestígio do partido independente coagiram D. Pedro a procurar-lhe a adesão, a aderir-lhe os pareceres.”

Pedro I, pois, queria ser Rei, e foi só e unicamente esta idéia que o moveu. Ante a sua vontade, interesses e egoísmo, a independência era simplesmente um meio, a denominação, era o seu único fim, e seu sonho fagueiro.

Se a declaração da independência fosse nele uma idéia generosa, um ato de probidade política, outro seria o desenvolvimento que se daria á revolução.

Um patriota desinteressado e livre, qualquer cidadão, que não o homem que considerava o Brasil propriedade de seu pai, e sua herança, trataria, em seguida dessa solene declaração, de convocar os escolhidos do povo para que deliberassem sobre a forma de governo a adotar, e nomeassem o seu chefe supremo.

O filho do Rei, porém, queria ser Rei; não esperou o conselho da nação que se erguia; bem ao contrário procurou ele impor-se na sua qualidade, e por graça de Deus.

Dado o passo arriscado da declaração de independência plena do Brasil, comunicou ele logo suas ordens aos seus adeptos, entre os quais José Clemente Pereira era o principal, e que se distinguiu como o mais inteligente instrumento.

Preparou José Clemente a farsa que tinha que ser representada na chegada de Pedro I ao Rio de Janeiro, e forjando com seus consócios da câmara municipal (senado) uma manifestação, aproveitando-se do entusiasmo do povo pela proclamação da independência, e nesta manifestação iludindo as inspirações liberais, aclamou em nome do povo (pobre povo!) D. Pedro 1º Imperador do Brasil.(23)

E assim, por meios tão tortuosos, e aproveitando-se enganosamente do momento em que o entusiasmo abafava todos os cálculos políticos dos brasileiros se criou, logo após a libertação da metrópole, a escravidão com a aclamação de um Rei, imposta, e extorquida de irrefletido entusiasmo.

Tal é a legitimidade do Império de Pedro I. Tal a da sua sucessão.

Mas, dir-nos-ão os frenéticos e devotados defensores do Rei, o que fizeram José Bonifácio e os outros patriotas, que promoveram a independência? Por que o consentiram?

Respondemos aplicando as seguintes palavras de Casal Ribeiro(24)

“Se Lafayette não tivesse a boa fé de acreditar as promessas do filho de Filippe-Egalité, nunca o duque d’Orleans seria o rei dos franceses. Porém o general republicano julgou sincero o Rei cidadão; pensou que um Rei aclamado entre as barricadas de Paris, sobre as cinzas ainda quentes de um combate de liberdade, não poderia ser ingrato ao povo que lhe desse o cetro! A gratidão não é a virtude das testas coroadas!”

Pedro I, por mais que o quisesse ocultar o seu pretendido direito de herdeiro do trono do Brasil, não deixou de o tornar bem transparente, adotando para isso o título que se deu — por graça de Deus.

E para deixar passar este atributo repugnante ao chefe legítimo de uma nação que se constituía, acrescentava insidiosamente:

E POR UNÂNIME ACLAMAÇÃO DOS POVOS!

Tese, como bem disse João Francisco Lisboa, (Timon) revolucionária e que figura a par da graça de Deus, igualados e cofundidos assim os direitos divino e revolucionário.

E como podia, quem assim iludia o povo e se arrogava um poder simplesmente hereditário, ser fiel ao mesmo povo? Como podia um Rei por graça de Deus alentar, dar força, e desenvolver as idéias liberais, as justas aspirações democráticas, quando estas, mais cedo ou mais tarde, constituindo as legítimas bases sociais do país, deveriam repelir todo e qualquer poder que não fosse de delegação real e espontânea do povo?

Vejamos:

Começou por pear a liberdade da imprensa. Temia-se desta arma poderosa das liberdades públicas, e proclamava-se liberal!

“O sistema de espionagem foi levado ao maior rigor, quanto nunca o fora antes da independência.

Os acusados por crimes políticos foram julgados fora da lei.

A maçonaria, que muito havia concorrido para a revolução da independência, e cujos esforços por bem da democracia, Pedro I procurou mistificar aclamando-se Grão-Mestre, mas que, apesar desse embaraço, continuou a propagar as doutrinas liberais, sofreu inaudita perseguição, sendo um dos perseguidos Ledo, de cuja popularidade se temia ele!

As lojas maçônica foram fechadas, os seus papéis e livros apreendidos, e os mais importantes dos seus membros submetidos a processos por frívolas argüições;

E para contabalançar a preponderância dessa formidável associação, estabeleceu ele o célebre Apostolado, de execranda memória, e cujo fim foi o de neutralizar as idéias democráticas, e consolidar a monarquia por graça de Deus no Brasil.

Ao passo que fazia calar o Correio do Rio de Janeiro e deportava o seu relator, pelo enorme crime de haver censurado alguns atos de verdadeiro despotismo, fazia publicar o famoso Regulador para sustentar suas doutrinas retrógradas, ou melhor, o seu interesse, e o seu domínio”(25)

Como mais uma arma de corrupção, no dia em que pôs ele mesmo a coroa sobre sua cabeça, pois que todo o seu plano era esse, criou a ordem que denominou — Imperial do Cruzeiro — para premiar serviços prestados à sua pessoa, ou que a ela fossem prestados.(26)

Obrigou o Brasil a pagar a Portugal 1:400:000 libras como indenização do que despendera para hostilizar a nossa independência.(27)

Escandalosamente acoroçoava os que guerreavam a constituição que ele próprio impusera, condecorando com a sua ordem do Cruzeiro a Jacob Conrado que contra a mesma constituição se manifestara; mandando agradecer os bons serviços prestados por Souza Chichorro, Juiz de Fora de Taubaté, que ali havia proclamado o governo absoluto, promovendo-o a ouvidor de S. Paulo e condecorando-o; despachando Barão de Itaparica a Teixeira que se declarara absolutista; premiando mais os membros do Cabildo de Montevidéu com o Hábito de Cristo, e a Lecor com o viscondado da Laguna, todos por iguais serviços.(28)

Eis o homem a quem os dominadores, os senhores do Brasil, os endeusadores do Rei, ousam apelidar de amante da liberdade, autor da independência liberal, modelo de virtudes políticas, devotado sincero a esta terra!

E esse podre incenso queima-se ainda em 1869 para se conquistar as graças do 2º.

Irrisão!

Escárnio!

Para melhor firmar quanto temos dito copiamos o seguinte trecho de um escrito insuspeito:

“A má fé de um lado, e a imprudência de outro aplainaram a estrada que conduziu à independência. Apenas, porém, o príncipe se viu sentado sobre o trono, cuidou em alongar de si aqueles com cujo auxílio a revolução se verificou, mas que não curavam de levantar uma monarquia, e sim queriam firmar a liberdade de sua terra.”(29)

Vejamos agora como foi espontânea e livre, e só por amor do Brasil a abdicação de Pedro I, como há poucos dias vimos afirmando na imprensa.

A constituição de 1825, aliás feitura, e imposição de Pedro I, e não lei constituinte promulgada pela nação, deixou de ser respeitada por ele próprio.

Transgrediu-a, mal a outorgara ao povo, para manter o trono.

Seus desregramentos, sua arrogância, o menoscabo de todas as garantias que ele havia prometido, o esbanjamento que fazia dos dinheiros públicos, os saques contra o tesouro por adiantamento de seu subsídio, os passos que se conheciam autorizados por ele, e que convenciam de que caminhava a aclamar-se absoluto, tudo enfim produzira no espírito da nação profundo desgosto, e deu alento aos liberais, a prosseguir no seu empenho de se libertarem do déspota que os oprimia.

E 25 de março, na igreja de S. Francisco de Paula, onde se celebrava um Te-Deum, para o qual não havia sido convidado, aparecendo ele inopinadamente, foi recebido com gritos de — vivas ao imperador enquanto constitucional — vivas a D. Pedro II; ao que ele, despeitado, respondera — AINDA É MUITO CRIANÇA!(30)

A conspiração não se ocultava já, e os acontecimentos se precipitavam, sem que mais pudesse a vontade do povo ser superada.

A 6 de abril, pela manhã, quis Pedro I mostrar vigor, para amedrontar o povo, e nomeou novo ministério composto de seis fidalgos.(31)

Procurou certificar-se da fidelidade da tropa de linha que criara para esmagar os liberais, e conheceu que se iludira.

Entre os oficiais, um a quem ele como a todos de sua família havia coberto de benefícios, viu que declinava a autoridade de seu imperial protetor, abandonou-o traiçoeiramente, e na última hora decisiva, na hora da agonia, ligou-se aos liberais, afetando a favor da causa popular um calor exagerado que fazia espantoso contraste com o seu antigo servilismo.(32)

Assim, às portas do abismo, abandonado até da sua guarda pessoal, quis ver se podia ainda mistificar os liberais, e por intermédio de Lopes Gama, então intendente de polícia, procurou o auxílio e cooperação de Vergueiro, obrigando-se a formar um gabinete que tivesse o apoio popular.

Não o conseguiu; e não aparecendo o ato de reintegração do gabinete demitido, que os amotinados exigiam, a agitação cresceu sobremaneira; o caráter da revolução se tornara medonho, e nesta conjuntura, sem um só soldado, pois que nem um deixou de incorporar-se ao povo, atormentado, irritado, fatigado em extremo, e perdida toda a idéia de salvação, pelas 2 horas da manhã de 7 de abril, sem consultar os seus fidalgos ministros, escreveu o ato da abdicação.

Também uma guerra desastrada e caprichosa, que empreendera no Rio da Prata, sem prudência e sem consideração, concorreu para o seu desprestígio e para sua queda que se tornou inevitável.

Tais são os fatos ante os quais não é lícito afirmar, não é decente escrever, que o ato da abdicação do 1º Rei foi espontâneo e para poupar o sangue brasileiro.

Com que bateria, e sujeitaria o povo, se na ocasião suprema se vira abandonado até do seu dileto Luiz Alves?

Fique, portanto, bem firmada a idéia de que Pedro I abdicou forçado pelas circunstâncias, pela revolução a que não pôde de modo algum resistir.

Se parte da tropa de linha continuasse à sua disposição, neste caso correria infalivelmente muito sangue; mas, sem dúvida, o do Rei nessa ocasião se confundiria com o dos homens do povo, e a humanidade de ambos ostentaria sua natural igualdade.

Nesse crítico momento uma idéia mortificadora o deveria ter atormentado: a consciência de seus erros, e dos males que causara à liberdade dos brasileiros, o arrependimento de haver criado tantos traidores. Deveria nessa hora de angústias recordar-se da máxima divina: Quem com ferro fere, com ferro será ferido.(33)

IV

Tratemos agora da dissolução da constituinte:

“O rei que a dissolveu deve ser endeusado; foi ela facciosa e anárquica.

Era propensa a mudar a forma de governo; e o defensor perpétuo do Brasil devia manter a Monarquia.

Reunira-se ela para promulgar a constituição do Estado; e isto se tornou desnecessário desde que o Rei organizou, deu e fez executar uma Constituição!”

Proposições arriscadas, em aplicação e absurdas são estas, com as quais se procurou responder ao que a respeito escrevemos em o nosso primeiro folheto.

Aquilatemos o valor da resposta, pela verdade dos fatos, e pelos princípios políticos ortodoxos que os deviam determinar.

Proclamada a independência do Brasil, era indispensável estabelecer as regras com as quais a nação se devia constituir.

A aclamação antecipada, digamos antes, calculadamente pecipitada, de um Imperador, embora logo se apelidasse — por graça de Deus, deve ser, no conceito dos políticos sinceros, uma simples medida provisória, e que durasse apenas o tempo que fosse bastante para que, ouvida a vontade do povo que se constituía, declarasse este sob que forma, ou regime queria ser governado.

E a verdade desse conceito, era por tal modo imponente, que o próprio Rei aparentou curvar-se a ela convocando a constituinte.

Desde que essa assembléia dos eleitos do povo se reunisse, constituía-se ela a única autoridade suprema do país; e quer o Rei aclamado, quer os que o obedeciam, deviam abster-se de qualquer deliberação que não fosse a execução dos decretos dessa assembléia.

As regras a seguir só por ela deviam ser estabelecidas. Não estava subordinada a nenhuma lei orgânica; não tinha que respeitar direitos dinásticos, porque não os havia respeitáveis; não tinha mandato positivo para criar a monarquia, e com ela um Rei; era-lhe livre a escolha do sistema político a adotar.

Não havia portanto qualquer base legítima, pela qual pudesse essa assembléia ser averbada de sediciosa.

Desenvolveram-se, pois, como era natural, e se devia esperar, tendências democráticas para a organização do país. O exemplo dos Estados Unidos da América era eloqüente e persuasivo.

E nem o espírito da Constituinte podia ser outro, atentas as tendências que a nova realeza no Brasil exibira no curto período de sua existência.

Não podia ser outro o espírito da Constituinte, visto que ao ânimo dos liberais, ao ânimo do povo chegara a convicção de que o instrumento escolhido para a revolução da independência, tendia a assenhorar-se do depósito que lhe fora confiado, e a governar por sua única deliberação.

O 1º Rei já havia dado cópia de si.

A essas legítimas tendências da Constituinte os absolutistas chamaram sedição. As idéias de liberdade foram logo encaradas como prenúncio de destruidora anarquia.

E entretanto a Constituinte que encetara os seus trabalhos em 3 de maio de 1823, no 1º de setembro tinha preparado e apresentado o seu projeto de constituição, cuja discussão teve começo a 15 do mesmo mês.

Diversas ocorrências se deram, que produziram desarmonia entre governo e essa assembléia.

Era o choque inevitável entre as idéias liberais dos representantes da nação, e as práticas absolutistas do governo do Rei POR GRAÇA DE DEUS.

Este não estava afeito a contrariedades, e fiscalização severa de seus atos.

Até então em perfeita ditadura e livre de embaraços, ficara contrariado com a ação do poder soberano, que lhe tomava contas; uma censura a seus atos era reputada um ataque. D. Pedro não se amoldava à condição de Rei verdadeiramente constitucional.

Despeitado pelo proceder digno e independente da Constituinte, tratou ele de acoroçoar todos os descontentes, em grande parte tropa portuguesa, que ele havia convertido em instrumento de seus planos, contra as liberdades públicas, e o estabelecimento de instituições democráticas, com os quais antipatizava.

Procurou ainda nos portugueses apoio, para novamente os sacrificar.

Ataques diretos partiram de militares contra a assembléia.

Requisitando estas providências contra os desmandos praticados, foi escarnecida em face pelo retrógrado mais ousado da época, o brasileiro desnaturado que nas cortes portuguesas se opusera à independência de sua pátria, Villela Barbosa, escolhido de propósito para o ministério do império nessa ocasião.

A assembléia, diante da crise que se formava, certa de que em vez do apoio que devia achar no governo, só hostilidades conseguia; sabendo que Pedro I concentrava em S. Cristovão todas as tropas armadas e municiadas de pólvora e bala, declarou-se, a 11 de novembro, em sessão permanente.

Villela Barbosa, chamado à barra da assembléia, apareceu arrogante, e declinou positivamente o nome de Pedro I, abstraindo assim de todas as condições constitucionais.(34)

“Nem um momento(35), em face desse proceder irregular do ministro, a assembléia apartou-se de seu dever, e da mais escrupulosa gravidade e circunspecção em suas relações com o governo.

Mártires da pátria, esses cidadãos ilustres esperaram plácidos e serenos a hora suprema do sacrifício.

Na longa noite da agonia, em sessão permanente, e diante da força bruta que invadiu o santuário das leis, diziam tranqüilamente: — Se morrermos acabamos desempenhando os nossos deveres.

No dia 12 à uma hora da tarde foi a Constituinte dissolvida à força armada!

À porta da assembléia, cercada de todos os lados pela tropa ao mando de José Manoel de Moraes, foram presos os deputados Antonio Carlos, Martim Francisco e outros, os quais todos foram deportados.

Pedro I em pessoa, no paço da cidade, dirigira a execução de suas ordens”.

Para justificar-se, Pedro I ousou, sem consciência, e indignamente, coluniar a Constituinte!

Mas o déspota não se justificou jamais; era-lhe impossível isto.(36)

Até hoje os absolutistas condenam a Constituinte.

Mas a causa é bem manifesta.

O Rei temeu-se, pela manifestação de seu poder. Ao herdeiro de João VI pareceu que lhe escaparia a sua herança; e o meio mais pronto que teve, e desde que dispunha da força bruta, foi o de enxotar do recinto da representação nacional os eleitos do povo, dissolvendo, sem o poder fazer regularmente, a Constituinte, e arrogando-se na falta dela a uma infrene ditadura, firmar assim a coroa com que se adornara.

Tal é a verdade.

Para sustentar a atual ordem de coisas, eleva-se o crime de Pedro I à altura de uma virtude!

Atropela-se assim a verdade, maculam-se caracteres nobres, falta-se ao respeito, devido à honra da nação!

E para que?

Para manter um Rei que reina, governa e administra, irresponsável e sagrado, absoluto pelo poder moderador!

A mentira de hoje não pode manter-se senão com a mentira de ontem!

E quem são os instrumentos do 2º Rei, que assim acometem a verdade da história?

São, em parte, parentes próximos, protegidos de vítimas ilustres do 1º Rei!

Sacra fames...

Em falta de autoridades insuspeitas que endeusem os seus ídolos cita o defensor de Pedro I...a quem“?

Ao historiador Pinto de Campos!

V

Um fenômeno notável se dá na imprensa de todos os partidos do Brasil, como no seu parlamento.

Não há divergência de opinião acerca do ponto mais importante de nossa vida política, aliás aquele cuja apreciação devia muito variar conforme as conveniências partidárias.

Todos têm dito a mesma coisa acerca de um fato essencial.

Não temos governo representativo, só há uma vontade, o governo é um só homem, o poder pessoal se ostenta; e o poder pessoal é o absolutismo. O Estado é ele!

Tal é a verdade reconhecida por todos, sem exceção nem dos monarquistas por excelência.

Liberais, conservadores, homens do povo, e os criados do Rei, nenhum, nas horas amargas da realidade prática, tem deixado de confessar que o Rei, o Rei só — REINA, GOVERNA E ADMINISTRA, e reina, governa e administra, sem lei, sem critério, sem prudência: caprichosamente.

Tal é a tese que nos propomos demonstrar neste capítulo:

O acordo geral sobre a existência do absolutismo entre nós.

Não fossem as malditas conveniências, que, a continuarem a ser observadas, nos levarão ao abismo de um escabroso plano de mentiras, e nenhum dos presidentes de conselho de ministros ousaria negar a verdade do poder e dos caprichos do Rei.

Guardem, porém, eles embora as reservas, em que fazem consistir indevidamente a lealdade, nem por isso o povo se iludirá mais.

A verdade se ostenta cada vez com maior rigor; e não há de resistir à verdade.

Examinemos o que se tem dito e escrito, e convenceremos de que a nossa tese é verdadeira.

Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso da Camara, monarquista extremado, mas homem de brio, e de caráter severo, chegou uma vez ser ministro.(37)

Lutou, porém, debalde para ter liberdade de governo: não o pode conseguir.

Retirou-se cansado!

Não foi mais chamado ao ministério, não mais o aceitaria.

O Rei detestou a vontade que não era a sua; o homem brioso rejeitou a responsabilidade por atos que não fossem seus.

Dizia a seus amigos, sempre que dele se lembravam para o governo: Não, nesta terra não se pode ser ministro.

Neste reinado não se pode ser ministro. É o que ele queria dizer.

E foi tanto o desagrado do Rei para com ele, que jamais o considerou, nem mesmo na distribuição de títulos com que, desde Jequitinhonha até Itaúna, obsequiou aos seus afeiçoados.

Morreu quase como simples particular!

E, entretanto, dos conservadores era o mais importante do seu tempo.

A respeito dele escreveu Firmino Silva, no Correio Mercantil de 1º de maio de 1868, as seguintes linhas que dispensam comentários:

“Inopinadamente deixou o ministério e se retirou isoladamente; e sempre que se oferecia ocasião de assumir a governação, se esquivava, com inquietação dos que o conheciam.

“Há convicções tão inabaláveis que preferem o silêncio que sufoca ao desabafo que PODE POR EM PERIGO UM PRINCÍPIO.”(38)

Certamente não podíamos achar testemunho mais insuspeito para atestar a sinceridade de nossas asserções.

D. Manoel de Assis Mascarenhas, caráter nobre, magistrado austero, monarquista devotado, mas político desinteressado, exprimiu no senado, e no último discurso que ali fez, o seu pensamento sobre a nossa situação política; e referindo-se ao Rei, disse:

“Quando a inteligência, a virtude, os serviços são preteridos e postos de parte; quando os perversos são galardoados com empregos eminentes, pode-se afoitamente exclamar com Sêneca: Morreram os costumes, o direito, a honra, a piedade, a fé, e aquilo que nunca volta quando se perde — o pudor.”

Estas palavras severas, proferidas por D. Manoel a propósito de ter o Rei nomeado para conselheiro de Estado a Salles Torres Homem, não foram jamais perdoadas pelo Rei!

Vingou-se ele, querendo a todo o transe fazer assentar na mesma cadeira daquele ilustre cidadão, no senado, ao mesmo Salles Torres Homem, chegando até, para caprichosa satisfação de sua vingança, praticar a ousada inversão da política no país,(39) demitindo o ministério Zacarias, e entregando o governo a Itaboraí, dissolvendo a câmara dos deputados, e dando largas à perseguição de todo o partido liberal.

O Correio Mercantil antes de 1868 quando redigido por F. Octaviano, membro distinto do partido liberal, denunciou ao país, e em termos enérgicos estigmatizou a existência do poder pessoal, e do absolutismo do Rei.

O Correio Mercantil em 1868 redigido por Firmino Silva, Sayão Lobato, e outros conservadores extremados, se expressava por sua vez do seguinte modo:

“Quem de longe examinar as instituições brasileiras pelos efeitos de perspectiva; quem contentar-se em observar o majestoso frontispício do templo constitucional, suas inscrições pomposas, sua arquitetura esplêndida, há de, sem dúvida, exclamar — “eis aqui um povo que possui a primeira das condições do progresso e da grandeza”.

Aquele, porém, que um dia estender o campo da observação até o interior do edifício na esperança de aí admirar a realização dos elementos de felicidade que as formas ostensivas do governo afiançavam, e o regime da liberdade tem desenvolvido em outros lugares, exclamará — que decepção!

E na verdade, achar sob a denominação de governo livre o absolutismo, e só o absolutismo, é para entristecer.

O Conservador, jornal escrito em Pernambuco sob as inspirações do Visconde de Camaragibe, Pinto de Campos, e outros que tais monarquistas por devoção, dizia em 1868:

“O governo, a nefasta política do governo do imperador foi quem criou este estado desesperado em que nos achamos...política de proscrição, corrupção, de venalidade e de cinismo...um tal governo não é o da nação pela nação, é o governo do Imperador pelo Imperador...À proporção que o poder se une nas mãos de um só, a nação se desune e divide.”

Certamente não se pode ser nem mais franco nem mais positivo.

O Diário do Rio de Janeiro em 1868, dirigido por Ferreira Vianna, Barão de Cotegipe, e outros muitos, novos e velhos monarquistas, dizia em 2 de julho:

“Tudo está estremecido: a ordem e a liberdade. Se o presente aflige, o futuro assusta.”

O mesmo Diário, e sob a inspiração dos mesmos homens, dizia em referência às insidiosas palavras do Rei — harmonia dos brasileiros:

“A harmonia imposta é a paz de Varsóvia, ou a obediência dos Turcos;

Não pode haver harmonia entre oprimidos e opressores, entre usurpadores e usurpados, entre algozes e vítimas;

Se os oprimidos suportam, chamai-os resignados;

Se não promovem a revindicação chamai-os covardes. Mas em respeito a Deus, que tudo vê, não chameis harmonia dos brasileiros o desprezo das leis, a ditadura disfarçada, a desgraça privada, o rebaixamento da dignidade nacional.”

José de Alencar, dizia antes de conciliar-se:

“A corrupção geral dos partidos, a dissolução dos princípios que nutriam a vida pública no Brasil é o que se convencionou chamar conciliação, termo honesto e decente para qualificar a prostituição política“.(40)

“O que resta do país? Dizia ele ainda, o povo inerte, os partidos extintos, o parlamento decaído!”

No seu presente ministério, encarregou-se ele de levar à evidência essas proporções, que pareceriam arriscadas!

O Barão de S. Lourenço, cuja devoção pela monarquia o leva muita vez até ao ridículo, dizia em junho de 1868 no senado, aplaudido pelo Barão de Cotegipe, e por todos os conservadores:

“A força e prestígio que com tanto trabalho os partidos tinham ganho para o governo do país, estão mortos.

As províncias perderam a fé no GOVERNO DO IMPÉRIO.”

Não há muitos dias que no senado o mesmo Barão de S. Lourenço confirmara esse seu pensamento, declarando: “que a mais forte razão da demissão do gabinete Zacarias, e nomeação do Itaboraí, foi o temor de perderem os conservadores a maioria nessa casa do parlamento”.

E desde que a nomeação e demissão dos ministros é livre do Rei, o plano foi do Rei, que não quis que o seu partido ali perdesse a força de que ele necessita para neutralizar todas as tendências liberais.

A isto chamou o Barão de S. Lourenço previdência da coroa!

Quase no mesmo dia em que tão ingênua e franca declaração se fazia na câmara vitalícia, José de Alencar, atual ministro da Justiça dizia na temporária e aplaudido pelos seus designados, que o ministério Zacarias vivera galvanizado por Caxias!

Caxias podia ser o elemento para a galvanização, mas o galvanizador era o Rei, porque só o Rei podia conservar assim um ministério.

Siqueira da Motta, dizia em junho de 1868 no senado e o confirma ainda agora:

As práticas constitucionais enfraquecem-se todos os dias: o regime representativo tem levado botes tremendos, a depravação do sistema é profunda.

No país o que há somente é a forma de governo representativo: a substância desapareceu. Tenteie-se esta chaga da nossa sociedade, e ver-se-á que no Brasil o regime constitucional é uma mera formalidade!

Na presente sessão do senado essa convicção transpareceu claramente nos discursos de Nabuco, Ottoni, Silveira da Motta, Zacarias, Saraiva, Furtado, Octaviano, Souza Franco, Paranaguá, Cansansão, Pompeu, Silveira Lobo, e até do próprio Marquês de Olinda, velho monarquita, cuja espírito se inquieta em presença do desacautelado proceder do Rei.

José de Alencar, há bem pouco tempo ainda, escreveu a seguinte sentença:

“Se os atos do poder moderador irritam o espírito público, é inútil atravessarem por diante qualquer barreira; a opinião há de rompê-la para ir à vontade superior fonte exclusiva dos decretos soberanos. A autoria lhe pertence. O povo francês entendeu que Luiz Felipe não tinha bem governado, cassou-lhe a sabedoria, e desaforou-o da pátria.”(41)

Não sustentará ainda hoje estes princípios, esta crença?(42)

T. de Alencar Araripe, à frente da assembléia provincial do Ceará, dirigira ao Rei severas considerações, requerendo a convocação de uma Constituinte. Disse ele:

“A nação cheia de pasmo viu por um seu delegado anulado o poder constituinte nos dias, nefastos para liberdade, no ano de 1823, e desde então ela tem marchado de precipício em precipício.(43)

..........................................

A idéia da convocação de uma Constituinte, que nos livre do estado de verdadeira excepcionalidade em que se acha o grande povo de uma das mais interessantes partes da América, deve também ecoar no magnânimo coração de Vossa Majestade Imperial, a cuja perspicácia e talentos não podem ocultar suas mais salientes vantagens.

A sociedade ressente-se tanto pela violação de seu pacto, como pelo desprezo de suas mais palpitantes necessidades; e o monarca que inacessível aos reclamos de um povo amargurado, se não presta caridoso a aliviar seus sofrimentos, sujeita-se a uma experiência dolorosa”.(44)

O Diário do Povo, quando dirigido por hábeis liberais (F. Octaviano, Macedo, Tavares Bastos, Lafayette e outros) dizia em 12 de julho de 1858:(45)

“São gravíssimas as circunstâncias do país.

No exterior arrasta-se uma guerra desastrada...

No interior um espetáculo miserando. Fórmulas aparentes de um governo livre, última homenagem que a hipocrisia rende ainda à opinião do século: as grandes instituições políticas anuladas, e a sua ação constitucional substituída por um arbítrio disfarçado.

Para nós há uma só causa capital, dominante...esta causa não é outra senão a cega obstinação com que desde anos, ora às ocultas, ora às claras, se trabalha para extinguir os partidos legítimos sem cuja ação o sistema representativo se transforma na pior dos despotismos, no despotismo simulado.

..........................................

Chegadas as coisas a este ponto está virada a pirâmide: o movimento parte de cima; quem governa é a coroa....

Em 21 de julho do mesmo ano dizia o mesmo jornal:(46)

“César passou o Rubicon. Começa o período da franqueza...preferimos a franqueza à dissimulação.

Tínhamos medo do absolutismo atraiçoado que escondia as garras no manto da constituição, absolutismo chato, burguês, deselegante. Mas o absolutismo que não teme a luz não nos mete medo.”

Nenhum jornal do país em uma ou outra ocasião tem deixado de manifestar a convicção, que se acha fundada no espírito de todos os brasileiros, da existência perigosa, insuportável do governo pessoal, do poder absoluto do Rei.

O próprio Jornal do Commercio, em artigos editoriais, concordou com a opinião geral.(47)

Em presença de quanto temos produzido, o que mais é preciso para convencer da verdade de nossa tese?

Se de todos os partidos o brado contra o aviltamento político a que o poder do Rei só nos tem conduzido é uníssono, força é confessar que a realidade do governo representativo foi substituída pela do governo do Rei, e só do Rei.

Chegamos, pois, praticamente ao absolutismo.

Temos ouvido, como que para atenuar (visto que a justificação é impossível) a triste verdade do que afirmamos, que os partidos só em oposição se abalançam a atacar o Rei como único poder público, ao passo que quando no governo negam esse acerto.

Podíamos responder a isso satisfatoriamente com uma só palavra — CORRUPÇÃO!

Cumpre, porém, dizer que essa atenuante é apenas um meio de iludir o povo, para conservá-lo paciente nos sofrimentos que lhe infligem.

Entretanto, todos os partidos têm suas convicções.

Se em qualquer condição se manifesta um pensamento único, o mesmo em todos, a verdade deve ser esta.

Enquanto todos têm dito que o poder pessoal, o poder do Rei, é o único na prática, e que todas as prescrições constitucionais são meras fórmulas, empregadas como meio de manter o absolutismo, outro tanto não acontece na negação dessa verdade.

Nem aqueles que mais se mostram dedicados ao Rei, se arrojam a negar que ele governa.

O Homem quer, o Homem não quer — são palavras usadas pelos criados do Rei.

O atual presidente do Conselho afirma que o Rei reina, governa e administra. Sendo assim, e tendo este a nomeação livre dos ministros, e formando o parlamento a seu paladar, quer com a designação imoral dos deputados, quer com a escolha caprichosa de senadores, devemos concluir, autorizados por um ministro, confidente e conselheiro do Rei, que acertados andamos nós no que dizemos.

E essa vontade do Rei, dirige-se pela razão, pela justiça, pela moralidade? Não: mil vezes não.

Para prová-lo basta saber, por exemplo, que entre Thomaz Gomes, Sayão Lobato e Candido Borges, escolheu Candido Borges para senador do Império!

Enquanto, sem escrúpulos, fazia essa escolha, que provocou o célebre e sempre repetido conceito — nasce de cima a corrupção dos povos(48) — T. Ottoni já vantajosamente experimentado no parlamento como deputado durante muitas legislaturas, e que conta serviços à causa liberal desde a adolescência, cidadão em quem concorrem todas as condições para bem ocupar uma cadeira no senado, deixara de ser escolhido, e com verdadeiro acinte.

Cinco vezes foi o nome de T. Ottoni incluído em lista à escolha do Rei; cinco vezes foi rejeitado pelo Rei.

Em 1859 preteriu-o para escolher a Luiz Antonio Barbosa, conservador;

Em 1860 ainda o preteriu para escolher a Manoel Teixeira, que apenas é conservador;

Em 1861 mais uma vez o preteriu para escolher a Firmino Silva, conservador;

Em 1862, ainda o preteriu para escolher a Paranhos, que havia desertado das fileiras liberais, e se tornara conservador e devoto do Rei;

So em 1863 dignou-se escolher T. Ottoni. Era a 6ª lista em que ele entrava!

O escândalo se tornara por demais ostentado; a província de Minas se mostrava ressentida do insulto que diretamente lhe era feito na pessoa de um dos seus mais dignos filhos; e o Rei em presença da pertinácia com que procedia o povo, oferecendo-lhe sempre o nome de T. Ottoni, cedeu dessa vez, por lhe faltar a coragem para continuar na sua desregrada animosidade.

A posição enérgica da imprensa liberal da Corte e de todas as províncias, relativamente a esse objeto, constrangera o Rei a ceder na luta inconveniente que travara com um distinto cidadão.

Enquanto autoriza a brutal exclusão do herói Osório da entrada natural em uma lista tríplice para senador por sua província, roubando-lhe assim o que espontaneamente lhe ofereciam os seus patrícios, eleva Luiz Alves de Lima a duque, logo após a deserção do posto que ele próprio lhe havia confiado!

Ninguém se engana já. O absolutismo está implantado entre nós: o Rei governa só, governa mal, e conduzirá assim o país à perdição.

Será o Rei o joguete dos partidos?

Serão os partidos o joguete do Rei?

Escolha quem quiser.

Nós abominamos ambas as hipóteses. Desprezamos o rei de comédia, detestamos o Rei que mistifica e ilude.

Respeitamos um Rei como Leopoldo da Bélgica.

Os defensores do Rei, não podendo resistir à evidência dos fatos, firmam-se na doutrina de que — só os ministros são responsáveis!

A defesa é irrisória na situação a que atingimos.

Confessar que o sistema representativo se acha derrocado pela base, porquanto o exercício livre do fatal poder moderador, a livre nomeação de ministros, basta para o aniquilar, e pretender achar nesse mesmo sistema, considerando-o para isso em sua ação real, o meio de defesa do abuso que combatemos, é, além de palpitante contradição, injuriar o bom senso, é faltar à boa fé, à probidade com que objetos tão graves devem ser apreciados.

Aquilatar os fatos políticos subordinando-os a uma constituição que está morta, moralizar com o que está desmoralizado, será uma irrisão, se não é uma insídia.

Firmar nessa responsabilidade efêmera a ficção — o Rei não pode fazer o mal — é dar uma base falsa, ou não existente a essa ficção.

Deixemos, portanto, as leis de convenção, deixemos as teorias abstratas e sem possível aplicação à realidade dos fatos; avaliemos os atos do Rei ante as leis eternas e imutáveis da moral, submetâmo-lo ao juízo do povo, que o tem de julgar.

Cada um responda por seus erros, por seus vícios, e por seus crimes, pois que o Rei, como os seus ministros, são todos igualmente pecáveis e condenáveis ante a opinião, ante a consciência pública.

Apreciemos, pois, a insidiosa defesa.

É ela capciosa, fútil, não assenta em boa fé; não pode, portanto, proceder.

Qualquer sociedade, por mais bem constituída que seja, nem por isso deixa de conter em seu seio elementos mais ou menos desmoralizados e corrompidos.

As sociedades são compostas de homens.

Desde que dermos aos chefes dessas sociedades uma ação singular e livre para a resolução de seus mais graves problemas, tudo dependerá do caráter, da perfectibilidade desses chefes. A prosperidade dessas sociedades será uma dúvida permanente.

Embora faça-se depender a execução da vontade suprema de fórmulas que as teorias criam como garantidoras, nem por isso fica infalível a felicidade geral dos associados, porquanto, para a satisfação das fórmulas, os meios são fáceis, o elemento desmoralizado se prestará a elas, sem que o mal possa ser acautelado pelos que não estejam contaminados da corrupção.

Exemplifiquemos:

A dignidade de um ministro repele a escolha de um senador.

O Rei em uma situação das mais críticas do Brasil tinha que optar entre o seu capricho, e a moralidade pública, entre a sua vontade absoluta, e um princípio cardeal das monarquias sinceramente constitucionais representativas.

Optou pelo capricho, preferiu a sua vontade absoluta, demitiu livremente o ministério ousado que se opunha à sua pertinácia, achou facilmente quem referendasse o seu ato, entregou o país aos adversários mais odientos desse ministério, e do partido liberal, deu largas à reação a mais infrene.

Vingou-se assim estultamente, como o faria uma criança com as tetéias com que brinca e que destrói por simples impertinência de ocasião.

Se o Rei nomeia e demite ministérios livremente, e sem a mínima responsabilidade legal, não são a firmeza e dignidade do ministério suficientes para a salvação do país.

O Rei achará sempre chanceleres apropriados para cobrirem com a sua assinatura o decretos que ele impuser por mais desregrados que sejam.

Com o poder moderador, portanto, como o Rei exige que seja, e como está praticado por ele, a máxima — o Rei não faz o mal — é por demais perniciosa, além de repugnante ao simples bom senso.

“Um Rei perverso, disse-o José de Alencar, nunca deixa de fazer o mal por falta de ignóbeis instrumentos para suas cruezas.”

Para que apareçam ministros sem dignidade, é fora de dúvida que o mandante o deve ser também. O contrário seria uma grave ofensa aos mais sãos princípios da moral.

É por isso que nos dias solenes dos julgamentos populares os sofismas constitucionais desaparecem, e nada aproveitam aos réus de lesa soberania do povo.

Então nada valem as conveniências ordinárias, os paradoxos, as filigranas com as quais se ilude o povo para lhes dar em vez de liberdade, sujeição ao arbítrio.

Sobre este ponto nos apoiamos com vantagem nas palavras de José de Alencar, quando aliás preparava em seu favor o espírito do Rei. Algumas verdades lhe escaparam na nuvem de lisonjas que escreveu, antes de ser por sua vez, referendário da vontade do Rei.

“A constituição, escreveu ele, dirigindo-se ao Rei, vos fez sagrado e inviolável; a corrupção desta época eliminou o salutar princípio e vos responsabiliza ante a nação...Aflija-vos embora a verdade...a história vos julgará com severidade.”

Em conclusão:

De todas as peças de que se compunha o edifício político com que até agora nos embalaram, o que há de real? O que resta?

O Rei; o Rei só!

E o Rei só é o absolutismo!

Até aí chegou o Brasil.

Compreenda o povo esta amarga verdade

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1869

Texto original: Saldanha Marinho, Joaquim — O Rei e o Partido Liberal — Typographia e Lithographia — Franco-Americana — 1869


NOTAS

 

1 – A ESTRELA D’ALVA sustentou essa doutrina como emanada razoavelmente da constituição de 1824.

2 – Avalia-se bem as qualidades do 1º Rei, lendo a seguinte carta escrita de seu punho, quando abandonando o país, queria ainda ganhar sordidamente:

“Sr. Marquês de Caravelas, — Muito estimaria que da minha parte, depois de fazer os meus cumprimentos ao governo lhe expusesse o seguinte:

Eu desejo que o tesouro me pague o que me deve, e que espere o pagamento do que eu lhe devo para quando se venderem as minhas propriedades particulares, e a mobília de que estão cheios os palácios, quer nacionais, quer meus, deixando eu para meus filhos o que for preciso para seu serviço particular, sendo esta declaração feita por aquelas pessoas que eram, ou ainda são, chefes das diferentes repartições, e pela pessoa a quem eu e minha mulher autorizamos para dispor de tudo o mais: não tendo dúvida de o vender ao governo, para o que deixo os preços declarados. Igualmente desejo que, em conseqüência do direito que me assiste, como vera na cópia número 1, de que mostrei o original ao ministro da marinha, se mandasse uma ordem para que Londres, onde estão, ou pelo menos devem estar depositadas £250.000, que fossem mandadas por à disposição do Sr. D. João VI, meu augusto pai, por aviso do tesouro de 3 de setembro de 1825, de que remeto cópia n. 2, e das quais ele nunca dispôs, se me entreguem (como mais cômodo for ao tesouro) as 50.000 a que tenho direito, ou então que se me mande estabelecer um prêmio, como já se deverá ter estabelecido; negócio em que nunca falei, porque não podia ser juiz e parte, de 5%, como 12 1/2 de amortização, por ser deste modo o pagamento mais suave, ou de 2%, com 5 de amortização, isso à sua escolha.

Ainda que o formal diz — do que se liquidar no tesouro público desta cidade (Lisboa) — não se pode objetar o pagamento, porque o Sr. D. João VI, de gloriosa memória, nunca dispôs do depósito, e tudo ficou em Londres, e portanto, sendo isto propriedade particular, não podia ser liquidada ao tesouro daquela cidade, senão, para se saber se o Sr. D. João VI havia recebido as 250.000 libras do governo brasileiro, o que se poderá provar, examinando-se se no tesouro existe ordem contrária ao aviso de 3 de setembro de 1825, que mandasse levantar o depósito, ficando de necessidade o tesouro que mandou depositar o que não era seu, sem que houvesse litígio para se saber quem era o dono, que estava declarado na convenção de 29 de agosto de 1825, mandada cumprir nesta parte por decreto de dias de abril d 1826, responsável aos herdeiros do Sr. D. João VI. Ora, sendo um deles, e não tendo meu pai, recebido as 250.000 libras, segue-se que tenho o direito, à quinta parte, pois cinco são os herdeiros como passou em julgado em Londres, por sentença do tribunal competente.

Eu julgo ou, para melhor dizer, sei que nenhum Farthing existe no depósito, porque o Sr. Marquês de Barbacena tudo gastou, fundado no seu direito, todo particular, e no qual achou que o que era do avô passava por herança à neta, como se poderá provar por ofícios existentes na secretaria dos negócios estrangeiros, e que se vê no tesouro público, de que junta envio a cópia n. 3. Quando esta, nem pela abdicação de uma coroa que pertencia a um dos herdeiros, podia herdar semelhante soma, o que iria de encontro aos interesses dos demais herdeiros que não abdicaram, nem se pode admitir que bens particulares, como eram os de um herdeiro do Sr. D. João VI passassem à pessoa em que se abdicasse, como se fossem bens da coroa, que não eram, como foi julgado.

Portanto, não tendo eu nada com as transações que neste negócio tiveram lugar, só reclamo o meu direito, do qual não posso ser despojado senão por um ato despótico e atentatório contra a constituição jurada, e que Deus permita continue a reger o império. Espero que estes meus negócios serão tomados em consideração, e se me responda de algum modo que me habilite par poder fazer os meus arranjos para partir quarta-feira para a Europa.

Eu nunca falaria em coisa alguma de dinheiro, principalmente agora, se eu tivesse com que com decência pudesse aparecer na Europa, porque o que tenho é o seguinte: possuo eu e minha esposa a soma de 1.308 apólices de 1:000$000 que, vendidas a 72 1/2 produzem em papel 941:760$000. Os quais passados nesta ocasião, que o câmbio está a 20 (libras 12$000), vimo-nos a receber 78,480-0-0 libras, as quais a 3 1/2 por cento produzirão 2,354-8-0 anualmente, o que corresponde a 8:478$400. Temos também algum papel e cobre, que pouco produzirão. Tenho eu 15:000$000 em ouro de herança de meu pai, com alguns diamantes no valor de 80:000$000, 200$000 em prata, e mais a baixela, louça e tudo que decora todos os palácio, porque tudo foi comprado por mim, e muita coisa dada por meu pai.

Pelo tit. 8º, art. 179, § 6º do mesmo título e artigo, todo o cidadão (como eu sou, simples particular) pode residir ou retirar-se do Império quando lhe aprouver, levando quanto é seu, não sendo em prejuízo de terceiro. Este não se dá no caso presente, porque eu não dispunha, nem disporia do que é dos meus filhos; amo-os muito, e mais do que tudo a honra; e do que é meu, do que sou senhor, porque o que era deles, por herança de sua mão, já não está em suas mãos, quer em jóias, quer em apólices que lhes comprei.

Eu desejava uma pronta, e definitiva resposta para me saber governar, declarando ao governo que passo a dispor e mandar embarcar o que é meu, deixando o que me aprouver a meus filhos, contando que o governo é constitucional e não se quererá meter no que não tem direito de intervir.

Bordo da nau “Warspite”, 10 de abril de 1831 — Pedro”

“— Seja-me remetida toda a prata que pertence ao lava-pés, pois que é minha por dádiva que meu pai me fez quando se embora para Portugal.

Deixo para meus filhos todo o serviço de casquinha que comprei ao Arcos, a prata que está nos quartos ordinariamente; todos os móveis que estão nos palácio, e que são necessários para decorar sem luxo, retirando relógios, vasos, etc. menos cadeiras, mesas e consolos.

Também serão por minha conta vendidos todos os espelhos que não estiverem em paços da cidade e S. Cristóvão; não cedo, contudo, a mobília que estiver nas casas que são propriedade minha particular, nem os quadros que tenho, quer no museu, quer nos palácios, quer nacionais, quer meus.

Também deixo para o museu tudo o mais que no mesmo museu existe com o meu nome, excetuando, como disse, os quadros e um navio chinês.

Dou à minha Januária o piano que comprei no Arcos, e a cada uma das meninas um dos alemães que estão no palácio da cidade, para o meu imperador o piano a que se dá corda.

N.B. Tudo quanto for prata que me seja remetida, excetuando-se somente o que notei. Venha também toda a prata de mantearia, havendo exceções acima.

Confio que assim se cumpra — D. Pedro de Alcântara”.

“Além disso, deixo para S.M.I. o Sr. D. Pedro II, meu muito amado filho e soberano, toda a louça que tiver, seja de onde for e de que qualidade for. — Com rubrica.”

Conferidos aos 21 de julho de 1831, por João Valentim de Faria Souza Lobato, a quem foi dirigida e incorporada a fls. 143 a 144 da sentença extraída por João Ventura Rodrigues, contra o mordomo da imperial casa, e que pende no supremo tribunal da justiça, pelo recurso tirado da decisão sobree a liquidação da conta da encomenda dos jumentos andaluzes, feita em 19 de maio de 1830, pela superintendência das imperiais quintas e fazendas, e produzida em razões por parte da mordomia assinadas por João Antonio de Miranda. — (Coleção de Leis de Nabuco).

3 – Deixaram de fazer promulgar o projeto de constituição que em 1830 apareceu, e que foi impresso no Serro (Minas Gerais).

4 – Theophilo Ottoni contava, como todos os seus distintos companheiros, com boa fé e gratidão. Todo o partido enganou-se.

4 – O Conde d’Eu o afirma em um despacho oficial.

5 – Macedo — História do Brasil

6 – José de Alencar

7 – Armitage — História do Brasil

8 – Disse-o o mesmo Salles Torres Homem no seu sempre celebrado e excelente escrito panfleto — LIBELO DO POVO — por Timandro

9 – Armitage

10 – Armitage — Esse gênero de corrupção, importado no Brasil por D. João VI, tem sido prodigamente explorado no atual reinado.

11 – Assim o diz ele na carta que publicamos no 1º folheto.

12 – Visconde de Cayru (Silva Lisboa) — História dos principais sucessos do Império do Brasil

13 Visconde de Cayru — História citada

14 Visconde de Cayru — História citada

15- Visconde de Cayru — História citada

16 – Visconde de Cayru — História citada

17 – Armitage

18 – Visconde de Cayru — História citada

19 – Todos os documentos autêntico que comprovam estes fatos acham-se no citada obra do Visconde de Cayru

20 – Pereira da Silva — Fundação do Império

21 – Visconde de Cayru — História citada

22 – Fundação do Império

23 – Leia-se atentamente o que escreveram Macedo, Pereira da Silva, Cayru, Armitage, e quantos se ocuparam da história dessa época, e se chegará à convicção da verdade do que escrevemos.

24 – Panfleto — "Hoje não é ontem"

25 – Armitage

26 – Decreto de 1º de dezembro de 1822

27 – Tratado de 25 de agosto de 1825

28 – Todos estes fatos se verificam lendo-se o que há escrito sobre a história do Brasil, mesmo por aqueles que mais favoreceram o 1º reinado

29 – Sousa Monteiro — História de Portugal

30 – Armitage

31 – 4 Marqueses, 1 Visconde, e 1 Conde

32 – Armitage — Este oficial chamava-se Luiz Alves de Lima, e é o atual Duque de Caxias a tanto elevado pelo filho de Pedro I, que nele tem conhecido um excelente instrumento para seus planos.

33 – Disse-se na imprensa, que em nosso primeiro folheto nos ocupamos da vida particular de Pedro I. Não é exato. Tratamos só de uma carta oficia; é vida pública.

34 – No 2º reinado tem-se por mais de uma vez dado este escândalo

35 – Homem de Mello — A Constituinte perante a história

36- Na citada e interessantíssima obra de Homem de Mello se referem e explicam todas as ocorrências. [Nota da RocketEdition: a obra de Homem de Mello — A Constituinte Perante a História — será publicada em RocketEdition brevemente - Até a presente data não foi.]

37 – Em 1848

38 – O relator do Correio Mercantil queria dizer que se Eusébio desabafasse, e dissesse a verdade, faria voar a monarquia como ela está entre nós.

39 – 16 de julho de 1868

40 – A conciliação foi idéia do Rei, para aniquilar os partidos.

41 – E somos nós somente os SEDICIOSOS E ANARQUISTAS! Somos nós os que provocamos a revolução!

42 – Bem lhe poderíamos aplicar a seguinte máxima: TALENTOS APARECEM NESTE PAÍS QUE PRECISAM DE REDENÇÃO. A EXPIAÇÃO DO ESTUDO E LABOR, seria proveitosa a seus créditos e à glória da pátria, enquanto que SUA PERMANÊNCIA NA POLÍTICA DANA O PAÍS E CONTAGIA A MOCIDADE QUE DESPONTA. (Vide Erasmo)

43 – E hoje procura elogiar 1º Rei, por esse mesmo ato!

44 – Uma opinião tão valiosa salva-nos da pecha de anarquistas, sediciosos, desordeiros, maus cidadãos, etc.

45 – Antes da queda do ministério Zacarias.

46 – Antes da queda do ministério Zacarias.

47 – Nos bem elaborados e chistosos artigos "SERÁ SÉRIO" a verdade do governo absoluto do Rei não se oculta.

48 – Foi e é atribuído a Sayão Lobato.


 

©1999,2006 — Joaquim Saldanha Marinho

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