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NA MORTE DE BENJAMIM MALOISE
e Outras Elegias

Abdul Cadre

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Na Morte de Benjamim Moloise
E Outras Elegias
Abdul Cadre

1ª Edição Convencional 1987
International Poetry
U.S.A.

Versão para eBook
eBooksBrasil.org
2001 Agosto

Fonte Digital
Documento do Autor

Copyright:
© 2001,2006 Abdul Cadre
abdul.cadre@netc.pt
Apartado 59
7084-909 Vendas Novas
PORTUGAL


Índice

O Autor e a Obra
A Morte de Benjamim Moloise
Emigrante
Doutrina das Mãos Vazias
Elegia Fria
Esoj Osnofa
Mensagem Psicoplágica
A Saudade e a Memória
A Poesia
Lápide


 


PAINEL LITERÁRIO
POESIA PORTUGUESA NOS ESTADOS UNIDOS
Teresinka Pereira[1]

     Abdul Cadre é o pseudónimo* que um escritor português, poeta e prosador, adotou em suas «deambulações nos cacimbos africanos». Adotado também nestas andanças pela África foi esse sentimento humanitário, compreensivo e de solidariedade para com o homem africano. Por isto a poesia de Abdul Cadre pode comunicar-nos com toda a autenticidade o ponto de vista do misterioso sentir do poeta, o grito pelos que são assassinados na luta pela justiça, o ódio, a mágoa e depois o silêncio premeditando o futuro dos que aqui ficamos, como nós, de sobreaviso:

«quando do poeta suspensos
ficaram os pés
a dois palmos do chão
como se o destino dos poetas
fosse voar
e urgente se fizesse
estrangular-lhes as vozes
»

     Seu poema Na Morte de Benjamim Moloise é um dos mais corajosos protestos contra a repressão geral contra o negro africano. Abdul Cadre dispõe da palavra certa para sacudir o mundo de seu marasmo político em que vivem os artistas. A força de seu sagrado ódio consegue despertar consciências dormidas, por tolerâncias tradicionais que já não podemos mais tolerar!

«Pois que se estrangulem os poetas!
Nunca o poema deixará
de compor sobressaltos
do alto das ameias da resistência
».

     De sua vivência rica e variada, Abdul Cadre afirma que estas viagens e deambulações lhe trouxeram «um sorriso triste de alma rota» no poema intitulado «Emigrante». Seus versos nos contam sobre esta peregrinação, esta sempre partida com uma queixa de que a vida é pouca como uma boca de vento.
     Abdul Cadre trata o tema da morte de maneira concreta, fria, estética e ele tem alusões de alvura em seu poema «Elegia Fria». Este poema tem a estrutura visual como a de uma escultura em branco. Nele, a morte é o próprio morto, rígido e frio «a boiar num rio (como) um ponto de exclamação!». As palavras chaves (luto, dor, rosto, flor) deste poema expõem o tema da morte às técnicas tipo artes plásticas, que por sua vez compartem com a lírica e sua atuação por meio da repetição do advérbio «quase» em cada verso da primeira estrofe:

«Um luto quase verdade
uma dor quase certa
um rosto quase cera
uma flor quase murcha
»

     Entretanto os melhores versos deste poema são os que expressam a atitude dos sobreviventes, ao preparar o morto:

«E entre brancos folhos
num cuidado frio
fecharam-lhe os olhos
»

     O poeta é um ser humano que desdenha do materialismo mas que ressente a impotência aquisitiva a que é condenado a viver numa sociedade capitalista. Abdul Cadre, segundo informação colhida na biografia publicada na revista Hipocrene, viajou muito e passou por muitas profissões ambulantes «sem bússola, sem rede e sem âncora», porque isto de escrever «não dá aquilo com que se compram os melões». Diz que «Profissão certa, certa só o ofício de viver, crente de que o sol é de oiro e a lua de prata».
     Tudo isto explica muito bem o conteúdo do poema Doutrina das mãos vazias, doutrina esta levada a sério não só pelo poeta Abdul Cadre, mas também por todos os que fazem da poesia um apostolado.
     Distinções, prémios, medalhas e diplomas, mais de duzentas honrarias já recebeu o nosso poeta, inclusive o certificado de Excellence in Poetry da International Writers Association.
     A publicação desta mínima antologia é parte de nosso esforço de através da International Writers Association divulgar as melhores poesias internacionais para apreciação dos melhores poetas.

____________________
[1] Presidente (em 1987) de International Writers Association;
[*] Abdul Cadre não é um pseudónimo, mas um nome de adopção


Na Morte de
Benjamim Moloise

Abdul Cadre


A MORTE DE
BENJAMIM MOLOISE

para Robert e Mamike

 

Não te permitiram que cantasses
Mamike!
Tu não cantaste
Robert!
quando do poeta suspensos
ficaram os pés
a dois palmos do chão
como se o destino dos poetas
fosse voar
e urgente se fizesse
estrangular-vos as vozes
enquanto do vosso filho
se silenciava o último poema
no esconjuro do medo

No pátio esconso
no patíbulo frio
o loiro sisal
riu permissivo
no pescoço segregado
na coleira final do uivo

Um vidro de olhos
desorbitou a raiva
e a morte fez-se sinal
de mais raiva ainda

Inútil foi o sémen
da última ejaculação
que não a morte
a ensombrar as micaias
das terras do Rand
na hora ainda impotentes
mas já acerada

Depois do silêncio
n’gomas e mundus
levaram a notícia
nas zagaias do vento
e o suor da raiva opressa
ecoou kissanges na savana
espantando o choro dos pássaros
erguendo catanas de resistência

Há odes de sangue anunciado
em recortados pendões
nos horizontes vermelhos
do sol magoado
de África coração desperto

Do Saara ao Cabo
estão secos os olhos
dos últimos filhos de Spartacus
e o sal nas chagas abertas
é como um fogo sagrado
no alquímico prenúncio do amanhã

A ignomínia não pode mais grilhões
nas carnes maceradas
e a areia corre corre na ampulheta
inexorável do futuro premeditado

Que importa o escarninho riso
ainda possível das hienas
na noite furtiva
se há um prenúncio de alvorada
nos olhos acesos?

Pois que se estrangulem os poetas!
Nunca o poema deixará
de compor sobressaltos
do alto das ameias da resistência


EMIGRANTE

 

Sabe-me a vida a pouco
e a boca a vento

Há no cais mil gaivotas loucas
no ar um cheiro de partida

Se me puxam vou
se me empurram grito
se me pedem canto

Eu sou o emigrante
do pão e do sonho
e tenho este sorriso triste
de alma rota

Quem não conhece o meu canto?
Quem não sabe o meu grito?


DOUTRINA DAS
MÃOS VAZIAS

 

Nas minhas frias mãos
eu guardei um pedaço de nada
mas o nada era muito
nas minhas mãos vazias

Despi-me então e vim para a rua
com a minha nova doutrina
das mãos vazias
que nem Cristo nem Buda
quiseram pensar

Foi assim que cansado
e cansados os meus apóstolos
me encontrei frente a mim
sem nada para dizer


ELEGIA FRIA

 

Um luto quase verdade
uma dor quase certa
um rosto quase cera
uma flor quase murcha

E entre brancos folhos
num cuidado frio
fecharam-lhe os olhos

Ficou na rígida posição
de a boiar num rio
um ponto de exclamação!


ESOJ OSNOFA

I

 

Da palavra a semente que plantaste
ecoou por montanhas e campinas,
reconstruindo as trovas mais prístinas
da secular herança que encarnaste.

Segrel do tempo novo que cantaste,
oposto ao do bolor e da má sina,
guitarra-nau, venceste de bolina
mil vendavais na rota que traçaste.

Nesta legada pausa que nos cabe
na rigidez real com que te vais,
não há dor, por mais funda, que nos trave
esta fúria de amor e de punhais;
não há silêncio teu, silêncio nosso
que impeça o germinar dum Canto Moço.


II

 

Das sombras conjuradas do poder,
quantos silêncios vãos, mordaças vis?
Ó casto trovador que o povo quis
sofrida voz do eterno amanhecer!

Utópica bandeira a conceber
a florida guitarra na raiz
da trova popular onde se diz
que Abril é o mês de Maio por haver.

É provisória a hora deste canto,
somente provação de Portugal
na busca do sentido do seu canto,
que a norte quando vem apenas vale
a dor que traz no ventre como um espanto
e grilhetas não tem que o canto cale.


III

 

Um manto de tristeza perturbada
suspende neste instante o som futuro
do canto popular de cristal puro
na voz sentida agora amordaçada.

Seja-nos pausa a morte, não o nada!
e o canto renovado ao tempo impuro
oponha intransponível o alto muro
de mil clarins a arder na madrugada.

Que cesse o pranto fútil das rameiras,
sem lágrimas ondulem as bandeiras,
que a trova não morreu nas frias garras.
Ai! sejam de oiro as foices das ceifeiras
e ecoem nas bigornas, nas guitarras
como um trovão as vozes sem amarras!


MENSAGEM PSICOPLÁGICA

 

Que há para além de sermos outonais,
se já perdidas são as naus de outrora
e de procelas, praias resta agora
um sonho marinheiro preso ao cais?

De partidas a memória se nos esvai
no prostrado pendão que o sol descora,
que de regresso pardo é feita a hora
e o sonho-caravela se retrai.

Ó Quinto Império! vão sonho parado
no umbigo do vento, no sossego
do mar adormecido como um prado,
onde o sargaço molda este degredo
de esperarmos no cais o Desejado
num romance de Outono sem enredo!...


A SAUDADE E A MEMÓRIA
(ou como os olhos ficam e as velas partem)

Nossos olhos sempre mar
e as nossas naus desejo infindo de zarpar!
Em cabelos de sargaço,
índias longe têm de sal o olhar baço.
Aqui, as naus no bolor,
murcham descoloridas velas nesta dor
de espera sem sentido,
feita de cais e bruma e tempo adormecido,
neste cais de ficar
petrificada a grande saudade do mar

Os nossos gestos mudos
são memória de antigos coçados veludos
dum tempo de pimenta,
oiro, canela, velas, vagas e tormenta;
de haver dor e riso vivo,
viva ser a memória e o mareante altivo
e nunca o sonho falso,
e nunca o sonho pedra e o mar não ser percalço
e ser só do futuro
toda a saudade havida e a vida um caudal puro.

 

(Sebastião jamais
de névoas vestido!
Seja a pedra do cais
memória sem olvido!)

 

Seja a pedra a saudade
se o cais for de ficar ou fogo de verdade
se houver naus de partir
sem algas de prender saudades de porvir
que quando um fogo quente
de chama não se apaga o nosso peito sente
que pode haver um cais
na pedra da saudade, altar dos nossos ais,
futuro em velas cheias
e sangue quent’arder a encher as nossas veias!


A POESIA

 

Psicanálise barata
de atrapalhar suicídios
aos bordadores de palavras
a poesia é um credo de impotentes
para deleite de ociosos

Que venha a morte e a leve
e o mais lhe fique pesado

Que venha o luto e a tenha
e o esquecimento lhe baste


LÁPIDE

 

Fosse a morte
um esvaimento suave de suruma
e a vida um rícino permanente
que nem choro haveria

Nem choro haveria
nem choro haveria

Avé Maria!


©2001,2006 – Abdul Cadre
abdul.cadre@netc.pt

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