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Marketing Eleitoral

Marcelo O. Coutinho de Lima

—Ridendo Castigat Mores—


 

Marketing Eleitoral
Marcelo O. Coutinho de Lima

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital
www.ngarcia.org

© 2002 - Marcelo O. Coutinho de Lima


 

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
SOBRE O AUTOR
PREFÁCIO
AGRADECIMENTOS
CAPÍTULO I.
O MARKETING E AS ELEIÇÕES

CAPÍTULO II.
O PROCESSO DE PLANEJAMENTO EM MARKETING ELEITORAL

CAPÍTULO III.
A DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS

CAPÍTULO IV.
A MONTAGEM DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES EM MARKETING ELEITORAL

CAPÍTULO V.
A QUANTIFICAÇÃO DOS OBJETIVOS

CAPÍTULO VI.
A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DO CANDIDATO

CAPÍTULO VII.
O COMPOSTO DE COMUNICAÇÃO

CAPÍTULO VIII.
OS PLANOS OPERACIONAIS

CAPÍTULO IX.
O SISTEMA DE AVALIAÇÃO

ANEXO.
PESQUISAS ELEITORAIS: ALGUMAS INFORMAÇÕES

NOTAS
BIBLIOGRAFIA
APÊNDICE:
“São Paulo, 1996: O Triunfo da Imagem”


 

MARKETING ELEITORAL

[imagem]

Marcelo O. Coutinho de Lima


 

APRESENTAÇÃO

Nélson Jahr Garcia

 

Marcelo Coutinho foi meu aluno na ECA-USP, bom aluno. Atencioso em aula, era muito não. Autodidata, ansioso, preferia captar algumas informações, anotar a Bibliografia indicada e estudar por si. Deu certo.

Lembro-me quando disse que queria conhecer outras plagas. Qualquer jovem de classe média partiria para a mediocridade: participar de excursões a Paris, Londres, Nova Iorque, Frankfurt e que tais. O Marcelo não, foi para o Tibet e adjacências. Chegou a visitar a Cachemira; queria ver guerrilha revolucionária de perto. Essa postura revela um espírito curioso e investigativo que o levou a ser um grande pesquisador.

Apaixonou-se por marketing e propaganda políticas. Não ficou na teoria obtida em Bibliotecas, foi fazer pesquisas no CEBRAP, realizou vários trabalhos como “free-lancer”.

Quando precisei de alguém para me substituir lecionando a disciplina “Propaganda ideológica” adivinhem quem escolhi? Pois é, só fiquei acabrunhado porque o Marcelo superou-me de longe.

O trabalho que ora apresentamos: “Marketing eleitoral” é fruto de seus estudos e experiências. Há referências simples e didáticas, mas muito claras, sobre pesquisa, planejamento, técnicas para preparação e acompanhamento de campanhas eleitorais. É um trabalho fundamental para candidatos e suas assessorias e, inclusive, para eleitores que poderão analisar melhor as mensagens que recebem.


 

SOBRE O AUTOR

 

Marcelo Coutinho é Diretor de Serviços de Análise do Ibope eRatings para a América Latina e professor de pós-graduação da Fundação Casper Libero. Foi pesquisador visitante da Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, consultor de comunicação em diversas campanhas para o Legislativo e Executivo em São Paulo (prefeitura em 1985, 1988 e 1992, Deputados Federais e Estaduais em 1986 e 1994, Senado em 1994), Santa Catarina (Governo Estadual e Deputados Estaduais e Federais em 1994), Acre e Rondônia (Deputados Estaduais e Federais em 1990), além da campanha presidencial de 1989. Também foi assessor de imprensa da prefeitura de São Paulo, do PSDB de Santa Catarina e editor assistente da Agência Estado. Marcelo possui mestrado em Sociologia Eleitoral pela USP e é bacharel em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas e Publicidade e Propaganda pela USP. É autor do livro “Marketing Eleitoral” e de inúmeros artigos sobre o tema, publicados no Brasil e no Exterior.


 

PREFÁCIO

 

Uma das condições necessárias para a consolidação de qualquer democracia é a capacidade da classe política de perceber, compreender e atender às diferentes demandas originadas dos diversos setores que compõem a sociedade.

Tal capacidade está intimamente vinculada à forma como são eleitos os candidatos aos diversos cargos legislativos e executivos. Este processo de escolha pode ser distorcido de várias maneiras, sendo uma das mais comuns a que se dá através do abuso do poder econômico.

O aumento da importância do processo eleitoral no controle e distribuição dos benefícios do Estado para a sociedade civil está fazendo com que a disputa por um cargo torne-se mais brutal a cada pleito, na medida em que os diversos segmentos da população desenvolvem um esforço intenso para eleger o candidato mais afinado com suas idéias e visão de progresso.

Neste cenário de concorrência crescente, o conjunto de técnicas e procedimentos destinados a otimizar o desempenho das candidaturas vem ocupando lugar cada vez mais importante, recebendo a designação — bastante genérica — de marketing político.

Embora destinada a um aprimoramento do nível das campanhas, esta expressão aparece freqüentemente ligada a um caráter negativo, associado a práticas totalitárias ou manipulativas, à esquerda e à direita. Segundo esta visão, qualquer pessoa, desde que devidamente capitalizada e assessorada por “experts” no assunto seria capaz de eleger-se, mesmo que desprovida de idéias ou motivações diretamente relacionadas com representação política.

Isto é falso, assim como no marketing comercial é falsa a idéia de que só uma boa embalagem vende o produto. Não se trata de fazer do candidato um fantoche ou robô programado por um grupo de assessores misteriosos, mas sim da aplicação de um conjunto de procedimentos e técnicas que visa otimizar a utilização dos recursos empregados no decorrer de uma campanha eleitoral. Por serem aplicáveis a qualquer campanha, as técnicas de marketing podem inclusive diminuir um pouco as distorções criadas pelo poder econômico, desde que sejam postas ao alcance de todos os candidatos e por eles entendidas e aplicadas.

No Brasil, já encontramos um grande número de livros e artigos voltados para esta área, e é relativamente fácil a obtenção de obras estrangeiras sobre o assunto.

Mas se a disponibilidade das fontes é razoável, o mesmo não se pode dizer sobre a maneira como elas ensinam a aplicação das diversas técnicas referentes ao tema. A maioria dessas obras é marcada por uma preocupação, bastante válida em um primeiro momento, de divulgar o que o marketing eleitoral pode fazer por uma candidatura, mas sem mostrar como ele pode beneficiá-la; as diversas técnicas que dele fazem parte são apenas mencionadas, raramente explicadas.

Talvez aqui esteja uma das raízes da visão negativa que muitas pessoas têm sobre o tema: na medida em que as assessorias de marketing e os institutos de pesquisa detém o monopólio absoluto deste saber, podem “vendê-lo” por um preço elevado, que somente os candidatos mais endinheirados têm condições de pagar, acentuando um desequilíbrio latente entre as diversas candidaturas e os segmentos que elas representam.

Se o marketing eleitoral pode de fato contribuir para um aprimoramento das instituições democráticas e da classe política (que está com sua imagem bastante desgastada junto à população) é preciso torná-lo mais aberto e acessível, menos parecido com um ritual a ser praticado apenas por iniciados. O objetivo deste livro é tentar auxiliar na difusão dessa técnica, principiando a mostrar por dentro o trabalho das assessorias e institutos de pesquisa, provando aos candidatos que independentemente dos recursos disponíveis, do cargo disputado e da posição ideológica de cada um, a adoção dessas técnicas virá beneficiar a todos.

Obviamente o tema é vasto e não é nossa pretensão esgotá-lo aqui, pois procuramos muito mais traçar um bom painel sobre o assunto, principalmente quanto à parte de planejamento. Se a leitura e utilização dos procedimentos aqui descritos for útil para diminuir um pouco as distorções e injustiças causadas pelo abuso do poder econômico o autor já se dará por plenamente satisfeito.

São Paulo, Junho de 1988


 

AGRADECIMENTOS

 

Devido ao grande número de informações de diferentes áreas do conhecimento necessário para a elaboração do assunto, um livro de marketing eleitoral é fruto de um grande esforço coletivo e não da iniciativa individual de um autor. Esta obra não é exceção.

Muitos professores da ECA/USP me ajudaram ao longo dos vários trabalhos e estudos desenvolvidos sobre o tema. Sou particularmente grato a Mitsuru H. Yanaze, Nelson Jahr Garcia e Ulisses de Moraes pelas valiosas críticas e sugestões ao projeto deste livro.

Antônio Flávio Pierucci e Rolando Lazarte, ambos do CEBRAP, contribuíram com indicação de alguns trabalhos básicos na área de Sociologia Eleitoral e Ciência Política, respectivamente; a troca de idéias com eles foi extremamente estimulante durante a feitura deste livro.

Carlos Augusto de Lima leu os originais e fez um grande número de críticas que contribuíram para tornar o texto mais claro e compreensível. Gustavo Jobim, da Microcomp Computadores, forneceu apoio operacional para que esta obra pudesse ficar pronta no prazo. Sônia Goldfeder, da Icone Editora, me aconselhou ao longo de todo o trabalho, principalmente quanto ao formato e aspectos correlatos do livro.

Um grande número de outras pessoas também está ligada direta ou indiretamente a este trabalho, mas a relação é demasiado extensa para ser citada aqui. A todos eles o meu muito obrigado.


 

CAPÍTULO I
O MARKETING E AS ELEIÇÕES

 

1.1 — CONCEITO DE MARKETING

Marketing é uma palavra bastante recente, usada para designar uma série de processos que visam garantir o maior grau possível de satisfação para as necessidades dos consumidores e dos vendedores através de um processo de troca. Historicamente, o marketing ganhou impulso após a Segunda Guerra Mundial, na medida em que a tecnologia permitiu ao homem produzir em escala industrial um grande número de bens de consumo. Resolvido o problema da produção, que fora uma das causas do estrangulamento econômico até então, fazer com que as pessoas consumissem cada vez mais rapidamente esses bens é que passa a ser o problema, principalmente nos países desenvolvidos.

A função do marketing é compreender e estimular os desejos e as necessidades dos indivíduos, desenvolvendo produtos ou serviços que atendam a essas necessidades e comunicando sua existência à sociedade. Este processo é bastante amplo, dividido em uma série de etapas e tarefas complexas, algumas das quais, por serem mais visíveis, tendem a atrair maior atenção por parte do grande público ou daqueles que se iniciam no assunto.

Este é seguramente o caso da propaganda. Muitos tendem a confundir propaganda com marketing, quando, na verdade, ela não passa de um subsistema de marketing. E a parte visível do icebergue, representando apenas 10% de toda a massa submersa e não significa necessariamente o final do processo, como é a crença comum.

Voltadas inicialmente para o mercado (na acepção econômica da palavra), eram as empresas que originalmente se beneficiavam das técnicas e dos procedimentos de marketing, tendo como fim último maximizar ou garantir seu lucro através da troca de produtos por valores. Com o passar do tempo, as empresas foram percebendo que os consumidores, além de fornecerem valores, também poderiam ser induzidos a fornecer — através de pesquisas, cupons etc. — valiosas informações para que a empresa buscasse sempre oferecer bens e serviços mais adequados às necessidades (e aos bolsos) de cada parcela da população, o que também as tomou beneficiárias do processo de marketing.

Mas não basta apenas colocar bens e serviços no mercado, pois, dado o tamanho da nossa sociedade de massas e a grande quantidade de vendedores de produtos iguais ou similares, é necessário comunicar a existência de cada um desses bens e serviços e diferenciá-los entre si. A todo esse processo damos o nome de sistema de marketing. Uma forma bastante simples de representá-lo é a seguinte:

Figura 1.1 — Um sistema simples de marketing.
Fonte: Kotler, Marketing para organizações que não visam lucro, p. 371

À medida que aumenta o número de compradores e vendedores, o sistema vai ficando mais e mais complexo; a concorrêricia torna-se outra variável importante no marketing. Já não basta apenas atuar em função do mercado, mas também entender e comunicar-se com os consumidores de uma maneira melhor que a concorrência, e para isso não é suficiente apenas aumentar a propaganda. É preciso desenvolver as atividades anteriores a ela, o que vem sendo feito com complexidade e sofisticação crescentes.

Conforme é possível se perceber, o conceito e as atividades de marketing podem ser aplicados nos mais diversos campos: empresarial, industrial, comercial, social, educacional e político, entre outros.

1.2 — O MARKETING POLÍTICO

A crescente sofisticação das técnicas de marketing (previsão de demanda, análise do perfil psicossocial dos consumidores, segmentação de mercado etc.) e dos instrumentos aplicados nas mesmas (procedimentos estatístico-matemáticos feitos em computadores) acabou por atingir a esfera da política, principalmente durante as eleições.

Aliás, é necessário que se faça uma breve distinção. Marketing político é o conjunto de atividades que visa garantir a maior adesão possível a uma idéia ou a uma causa, que pode ou não ser encarnada na figura de uma pessoa, normalmente um político. A identificação da figura de Tancredo Neves com o desejo de mudanças da população brasileira foi uma bem-sucedida operação de marketing político. Existe um momento específico no marketing político, o momento eleitoral, no qual um indivíduo, defensor de um grupo de idéias (ou apenas de um grupo) vai procurar obter legitimidade e o direito a um cargo público através da obtenção de votos nas urnas. Pelo menos é assim que a coisa funciona em uma democracia de verdade; no Brasil de José Samey e do “Centrão”, a prática pode se tornar um pouco diferente.

Para que esses indivíduos obtenham o melhor resultado possível nas urnas, existe um grande número de processos e técnicas, englobados sobre o nome de marketing eleitoral. Por coincidência, este é um livro sobre marketing eleitoral: um momento específico e importante do marketing político

Se fizermos uma analogia com a figura anterior, teremos o seguinte esquema:

Figura 1.2 — O sistema de marketing eleitoral.
Adaptado de Kotler, Marketing para organizações que não visam lucro, p. 371

A partir do momento em que uma pessoa se associa ou diz representar uma idéia, uma imagem de capacidade gerencial ou visão política da sociedade em uma eleição, ela visa receber em troca um cargo público eletivo. A “moeda” dessa troca são os votos que o candidato recebe pelas suas promessas de atuação política futura, na qual vai objetivar uma melhoria ou manutenção do status quo de um determinado segmento da sociedade. Quando o candidato já possui um mandato eletivo, poderá também receber votos em função de seu desempenho anterior.

Logicamente, de há muito que princípios e técnicas de marketing são aplicados em campanhas eleitorais, mesmo em nosso país. Ocorre que muitos candidatos não se dão conta disso; o caráter de novidade do marketing político se deve muito mais à sistematização e difusão desses princípios e técnicas e à recente redemocratização do país após 21 anos de eleições viciadas, do que propriamente a sua introdução no Brasil.

Para que sejam realmente eficientes, as modernas técnicas de marketing devem se integrar entre si, formando um conjunto no qual o todo seja maior que a soma das partes. A atividade responsável por fornecer essa integração e nos dar uma visão de todo o processo é o planejamento de marketing, tema do próximo capítulo.


 

CAPÍTULO II.
O PROCESSO DE PLANEJAMENTO EM MARKETING ELEITORAL

 

Com a crescente sofisticação da aplicação das modernas técnicas de marketing nas disputas eleitorais, torna-se cada vez mais importante para o candidato dirigir sua campanha de uma maneira científica, procurando maximizar suas chances de vitória em um cenário altamente competitivo. Há uma impressão mais ou menos generalizada de que o que conta é ter recursos e não necessariamente aspirações políticas no sentido clássico da palavra (representação dos interesses de segmentos da sociedade); a questão da representatividade do candidato vai a cada dia cedendo espaço à suspeita e ao descrédito que cercam os políticos brasileiros de uma maneira geral.

Com a atual tentativa de implantação da democracia em nosso país (transição: de onde para onde?), é natural que as eleições acabem despertando uma atenção cada vez maior dos grupos organizados (para o bem e para o mal, é bom lembrar) da sociedade, atraindo quantias crescentes de capital e conhecimento. Daí a crescente sofisticação das campanhas através do marketing.

Mas de nada adianta adotar desordenadamente os processos, técnicas e instrumentos de marketing (a informática é um bom exemplo disso: muitos candidatos gastam uma nota com equipamentos sofisticados, considerando que com isso vão resolver seus problemas, quando na verdade acabam por aprofundá-los), se não houver uma visão integrada do que eles fazem; essa visão é obtida através do processo de planejamento.

Dentro desse “processo científico e racional” de dirigir uma campanha, que é o marketing eleitoral, o planejamento ocupa uma posição central, na medida em que permite a melhor alocação possível dos recursos escassos, contribuindo para diminuir um pouco a distância entre as campanhas mais populares — muita garra e pouca grana — e as candidaturas milionárias que vemos pipocar por aí, muitas vezes nas mãos de candidatos mais preocupados em “levar vantagem em tudo” do que em fortalecer a democracia brasileira.

O planejamento permite determinar para onde sopra o vento, e qual a maneira de avançar com segurança. Um candidato está sujeito a muitas pressões ao longo da campanha; se não for capaz de avaliar e priorizar corretamente essas pressões, e quiser atender a todas (ou empurrá-las com a barriga), e ai sua situação se complicará: se tudo virou prioridade, não há mais prioridades. Nessa altura, quando é comum começarem a faltar recursos materiais e humanos, o candidato sente que o “balão” da sua candidatura começa a murchar; sua atitude então é procurar colocar-lhe mais “ar” sem se preocupar em localizar os “furos” e fazer os remendos necessários. Provavelmente, ao final da eleição, ele estará vazio de esperanças e cheio de dívidas, com a nítida sensação de ter corrido cada vez mais e avançado cada vez menos.

O segredo não é correr cada vez mais, mas sim correr de uma maneira constante, dentro de um rumo que já foi analisado, identificado e considerado o melhor possível. O segredo é planejar o rumo e o ritmo da corrida.

Muitos candidatos preferem evitar ou minimizar a importância do planejamento, confiando no seu feeling ou na sua experiência política. Melhor seria assumir que preferem deixar tudo ao acaso; pelo menos poupariam tempo a seus assessores, que já poderiam partir direto para as justificativas da derrota, enquanto o candidato ficaria tal qual uma barata tonta para lá e para cá. A história eleitoral e, não por coincidência, a história das grandes batalhas, estão repletas de pessoas que confiaram na sorte. E perderam. O impacto de decisões apressadas e mal planejadas pode ser fatal em uma campanha e o planejamento na verdade poupa tempo pois minimiza os riscos de recuo diante de determinadas decisões.

Uma eleição se dá em um meio ambiente complexo, altamente competitivo, repleto de ameaças e com algumas oportunidades; por isso mesmo, uma nunca é igual a outra, fazendo da experiência um bom referencial, mas jamais uma regra a ser seguida.

Nesse ambiente hostil, em constante mutação, a lei básica para a sobrevivência é a mesma da natureza: sobrevivem aqueles que se adaptam, mas só vencem os que são capazes de interagir positivamente com o meio, tendo condições para decidir rapidamente frente a ameaças e oportunidades, obtendo vantagens competitivas em relação ao ambiente concorrencial em que atuam. E o planejamento que vai garantir essa interação, através da “definição de um futuro desejado e dos meios eficazes para alcançá-lo”.(1)

Resultante da formalização do processo de planejamento, o plano é como um mapa para se atingir o alvo através desse meio ambiente, determinando as escalas, as distâncias a serem percorridas e as alternativas de curso ou de regresso no caso de ameaças incontornáveis.

O plano contém as linhas gerais de ação da campanha (estratégia), o objetivo e o que tem de ser feito para alcançá-lo (os planos táticos ou operacionais). O plano não é um calhamaço de papéis bem encadernado destinado a ficar mofando em uma prateleira ou debaixo do travesseiro do candidato; tampouco cartão de apresentação para quando o candidato sair em busca de financiadores. Um plano é como um organismo vivo, que deve ser flexível para se adaptar a novas situações; não é o “livro de regras” mas um referencial para procedimentos.

Embora o plano seja o produto do planejamento, muitas vezes ele não é o mais importante do processo. O processo de planejamento permite que os envolvidos na direção de uma candidatura cheguem a palavras e definições comuns, o que torna sua comunicação mais abrangente, rápida e confortável, aumentando a eficiência do trabalho e evitando um longo desperdício de tempo nas reuniões, o que dará ao candidato mais tempo disponível para o contato direto com os eleitores.

A título de introdução, apresentaremos a seguir as etapas do processo de planejamento, cada qual analisada em um capítulo à parte:

Figura 2.1 — O processo de planejamento em marketing eleitoral.

Embora seja esse o fluxo correto para se montar um sistema de planejamento, na maioria dos casos é comum o candidato só começar a pensar nele quando a campanha já está nas ruas ou, na melhor das hipóteses, quando ele já possui um “staff” montado. Ou seja, quando ele passa a sentir problemas em relação ao seu conceito ou à sua linha de comunicação.

O ideal é começar o trabalho de planejamento o mais cedo possível, mas a decisão de deflagar o processo é o que importa, montando o sistema aos poucos de forma que ao final de algum tempo o fluxo descrito na figura acima possa ocorrer continuamente.

Outro aspecto importante no planejamento é que quanto mais pessoas estiverem envolvidas, mais eficiente ele será. As pessoas tendem a ter uma visão particular de cada variável envolvida no processo, gerando distorções que podem levar a erros de enfoque e comprometer todo o trabalho. Por isso é bom evitar a sua concentração nas mãos de uma só pessoa. Além disso, quem participa da elaboração de um plano passa a se sentir responsável pelo êxito dele, o que aumenta a motivação e o entusiasmo pela candidatura.

Logicamente, existe um certo número de informações com caráter sigiloso, o que não é justificativa para restringir as bases sobre as quais se assenta o processo. É como na construção de uma pirâmide: construído bloco a bloco, de baixo para cima, o plano será consistente, eficiente e duradouro. A figura 2.2 nos permite visualizar melhor o que foi dito acima:

A pirâmide estável, que repousa sobre uma ampla e sólida base de apoio.

A pirâmide instável, que oscila sobre um exíguo ponto de apoio da cúpula administrativa.

Figuras 2.2 — A pirâmide e o planejamento.
Fonte: Parson e Culligan, Planejamento: De volta às origens, p. 14

Agora que o leitor-assessor-candidato já está convencido da necessidade de se planejar, passemos sem demora ao planejamento da campanha, que começa exatamente pela determinação de seus objetivos.


 

CAPÍTULO III
A DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS

 

Para que o planejamento seja bem-sucedido é necessário que se tenha um objetivo, “uma razão de ser” da candidatura, pois quando se tem um ponto de chegada definido, um norte, tudo fica mais fácil.

Obviamente, o objetivo ao qual estamos nos referindo é um só: ser eleito. Certo?

Errado.

Muitas vezes, pode-se concorrer em uma eleição para lançar um nome, visando outro pleito futuro (em muitos casos, a eleição dos constituintes de 1986 começou na disputa para as prefeituras em 1985). Em outras situações, o que se deseja é iniciar ou firmar um projeto político que só deverá vingar anos mais tarde, através de divulgação das idéias ou posições de um novo (ou pelo menos assim embalado) partido e por ai afora.

Portanto, o candidato precisa fazer uma análise realista dos objetivos a que se propõe, tratando de separá-los entre os de curto, médio e longo prazo. O estabelecimento dessa seqüência permite ao candidato direcionar com maior eficiência sua linha de comunicação, visando obter um efeito de sinergia (o todo maior que a soma das partes) de uma eleição para outra, com possibilidades de realizar um trabalho mais frutífero junto às suas bases — ou às que pretende vir a ter — no período entre-eleições.

Embora não exista uma definição rígida a respeito da duração cronológica do curto, médio e longo prazo, a pergunta clássica que se deve fazer aqui é: onde quero estar daqui a cinco anos? (a definição do que fazer para que isso aconteça deverá acontecer durante as outras etapas do planejamento). É lógico que quanto mais curto for o prazo de tempo delimitado, maiores os esforços proporcionais para se atingirem os objetivos.

Uma formalização desse processo pode ser a seguinte:

Figura 3.1 — A formalização dos objetivos

O candidato deve ser bastante franco consigo mesmo e com seus colaboradores mais diretos, sabendo definir corretamente suas intenções, principalmente as de longo prazo, sem ser influenciado, pelo menos nessa fase, por um julgamento do mérito das mesmas (a objetividade científica costuma exigir esses sacrifícios...).

Muitas vezes a definição dos objetivos pode ser vista com certo descaso, decorrente de uma visão de curto prazo e da fixação na idéia de ser eleito; isso é prejudicial, na medida em que pode conduzir a erros de estratégia ou de enfoque, que são os que mais estragos costumam causar às carreiras polfticas.

Na política brasileira, o “curto-prazismo” tem sido em boa parte responsável pelo alto grau de incoerência que a opinião pública costuma atribuir aos politicos em geral, já que a maioria deles não possui o que se pode chamar de projeto de longo prazo. Aliás, hoje em dia, o país como um todo parece carecer desse projeto. Para grande número dos políticos brasileiros, o longo prazo vai no máximo até a abertura das urnas.

A vantagem de um projeto de longo prazo razoavelmente elaborado é que, se o político também tiver princípios firmes, passa a ter coerência junto ao eleitorado, o que já contribui para uma melhor fixação da sua imagem. Obviamente, coerência é o primeiro passo para se obter credibilidade (mercadoria rara hoje em dia).

Embora ainda esteja muito arraigada a idéia de que o povo tem memória curta, e em certos casos tem mesmo (exemplo: vitória de Jânio Quadros nas eleições de 1985 em São Paulo), a tendência, com a consolidação do processo democrático, é que essa memória vá aumentando pouco a pouco. Face a isso, é de se esperar que a coerência de um politico passe a ser cada vez mais um item de peso na escolha do eleitor, a fixação clara dos objetivos de longo prazo, se não é garantia dessa coerência, pelo menos pode ajudar na sua obtenção.

Quanto mais claramente estiverem definidos os objetivos, mais eficiente será o processo de planejamento, no qual a informação também desempenha papel de destaque. Como obter, processar, classificar e utilizar informações para fins eleitorais, é o que veremos no capítulo a seguir.


 

CAPÍTULO IV
O SISTEMA DE INFORMAÇÕES EM MARKETING ELEITORAL

 

4.1 — UM POUCO DE ECOLOGIA

Conforme mencionamos anteriormente, não existe uma eleição igual a outra, porque o meio ambiente onde elas acontecem está em constante mutação. Para nosso efeito, podemos definir o meio ambiente eleitoral como resultante de todo o conjunto de inter-relações entre os diversos agentes da eleição e destes com as tendências de caráter mais geral na sociedade. Visualmente teríamos o seguinte:

Figura 4.1 — O meio ambiente eleitoral

Nessa figura, podemos observar os agentes com os quais a campanha deve relacionar-se, lembrando sempre que eles também se inter-relacionam entre si, influenciando-se mutuamente e sujeitos à ação das chamadas variáveis incontroláveis, representadas nas bordas da figura. Nesse sistema complexo há uma mudança constante na correlação das forças, o que gera turbulências.

É a capacidade que a organização da campanha tem de prever, posicionar e adaptar-se frente a essas turbulências que vai ser decisiva para a vitória.

A princípio, uma “turbulência” não é boa nem má; tudo depende de se procurar a melhor maneira de aproveitar suas conseqüências. Ganha aquele que descobrir para onde sopra o vento e qual a melhor maneira de se avançar junto — ou apesar — dele. Em marketing, esse processo recebeu o nome de “análise de ameaças e oportunidades”.

O que esse tipo de análise permite é detectar as melhores formas de minorar ou evitar as ameaças, assim como se adiantar frente aos demais candidatos no caso de uma oportunidade. Mas a alimentação deste processo depende basicamente de informações; no marketing eleitoral cabe ao Sistema de Informação em Marketing Eleitoral (SIME) fornecê-las.

4.2 — CARACTERÍSTICAS DO SIME

Um SIME pode ser definido como um complexo estruturado e interatuante de pessoas, máquinas (objetos) e procedimentos que se destinam a gerar um fluxo ordenado de informações relevantes, coletadas interna e externamente à campanha, para uso na tomada de decisões em áreas de responsabilidade do candidato e de seus assessores mais próximos ou conforme delegação de poderes distribuída entre o staff da campanha e seus auxiliares voluntários.

O que o SIME faz é transformar dados brutos sobre uma determinada situação ou problema em informações úteis para uma melhor compreensãO/solução dos mesmos, com evidentes reflexos sobre o grau de adequação mercadológica, estratégica e operacional da campanha em relação ao meio ambiente.

Dados são informações em potencial, mas precisam ser “trabalhados” para terem algum valor. Um SIME “trabalha” os dados em cinco etapas: reunião, sistematização, análise, avaliação e disseminação.

A coleta de dados junto às fontes pode ser feita de duas maneiras: através de uma busca, visando atender a uma solicitação de informação específica ou através da monitoração do ambiente, obtendo dados esparsos, mas potencialmente interessantes para a campanha, contidos em jornais, revistas, programas de tevê, rádio, catálogos de produção de teses universitárias, boletins de sindicatos, observação direta, etc. A centralização deste tipo de coleta no SIME economiza tempo do candidato e de assessores importantes em outras áreas.

Mas de nada adianta termos os dados se eles não estão em ordem. É necessário sistematizá-los através de regras de indexação que permitam sua rápida localização, bem como armazená-los da maneira mais adequada possível. Quem já perdeu horas revirando pilhas de papéis empoeirados sabe da importância disso.

Na fase de análise dos dados e das fontes iremos determinar o seu grau de confiabilidade e precisão e quais informações o cruzamento dos dados nos permitirá obter.

Com a avaliação das informações disponíveis é possível identificar as ameaças e oportunidades, bem como sugerir procedimentos a serem adotados frente às mesmas.

Por fim, um SIME deve ser capaz de disseminar adequadamente as informações obtidas/construídas, procurando emitir relatórios precisos, contendo a quantidade necessária de informação, de acordo com as solicitações feitas por candidatos e assessores (informação “de menos” irrita e “demais” cansa; ambas se constituem em desperdícios de esforços).

O candidato, principalmente aquele que não tem muitos recursos, pode se assustar com a aparente complexidade de um SIME, ainda mais quando a maioria da literatura disponível fala em computadores, impressoras, terminais de vídeo etc. Na verdade, embora esses equipamentos sejam tremendamente úteis no tratamento da informação e gerenciamento de todos os setores da campanha, devem ser considerados apenas como uma alternativa de investimento e como tal serem tratados: não adianta comprar se não há volume suficiente de dados para serem processados e, caso exista esse volume, é necessário compatibilizar o grau de sofisticação do equipamento com o uso que a ele se pretende dar.

Importante é procurar estabelecer uma série de procedimentos minuciosos e sistemáticos, através dos quais uma equipe bem montada e dedicada seja capaz de dar um bom tratamento à informação e fazer análises competentes.

4.3 — AS FUNÇÕES DO SIME

As principais áreas nas quais o SIME deve atuar, a fim de facilitar a identificação e análise das ameaças e oportunidades da eleição são: análise do macroambiente, análise dos partidos e dos adversários, levantamento e análise de dados sobre o eleitorado, e mensuração do impacto dos procedimentos operacionais adotados durante a campanha sobre o meio ambiente.

4.3.1- Análise do macroambiente

O macroambiente é composto pelas chamadas variáveis incontroláveis (as bordas da figura 4.1), ou seja, aquelas sobre as quais a campanha do candidato não consegue atuar diretamente, por representarem tendências de caráter geral na história das sociedades. Basicamente, os seguintes tópicos devem ser analisados:

A) Economia/Tecnologia — qual a situação da economia hoje e como ela deve evoluir até o pleito ? Qual o impacto disso sobre os segmentos almejados e as bases eleitorais do candidato? Existe alguma inovação tecnológica que ameace a estabilidade das mesmas ? Quais os principais entraves econômicos estruturais e conjunturais que retardam o enriquecimento da sociedade? Mesmo que o candidato não sinta utilidade imediata para este tipo de análise, convém obter um certo conhecimento sobre o assunto, o que lhe permitirá fazer boa figura em debates ou entrevistas.

B) Legislação/Política — o candidato e seus assessores devem procurar manter-se informados sobre a legislação, explorando todas as brechas que ela permite e valendo-se da lei para tentar enquadrar os adversários que estejam agindo desonestamente ou pelo menos poder ameaçá-los com algum sucesso (reconheço o idealismo dessa posição no Brasil de hoje, mas o fato de muitos políticos agirem à margem da lei é um dos fatores que lança toda a classe no descrédito). Em relação à política, é preciso estar em dia com tudo o que acontece em nível dos grandes blocos ideológicos e das articulações da sociedade civil (e fardada) que sejam capazes de pressionar o poder, inclusive através de manifestações comunitárias de massa, a fim de se situar frente às expectativas da sociedade com relação à eleição.

C) Demografia — a análise das características demográficas de uma população visa determinar como ela se estrutura, bem como as suas principais divisões e tendências. O rápido crescimento populacional, o êxodo rural, a mortalidade infantil, divisão etária, mudanças na estrutura familiar, grupos de imigrantes, migração interna, nível de educação e outros dados estatísticos desse tipo, permitem ao candidato prever, detectar e mensurar a existência de segmentos eleitorais desconhecidos ou pouco explorados por outros candidatos (é a segmentação do eleitorado, que discutiremos com maior profundidade mais adiante). Vale lembrar que este tipo de análise pode ser feita para regiões geográficas altamente localizadas, valendo-se principalmente de dados disponíveis no IBGE, secretarias estaduais de planejamento, universidades e centros de pesquisas e estudos sobre a população.

D) Socioculturais — quais as principais tendências sociais e culturais que afetam a campanha ou podem vir a afetá-la ? Quais as novas formas de comportamento e postura cultural predominantes nos principais agrupamentos sociais? Estas perguntas visam a detectar a expansão de novas posturas frente à estrutura social e cultural do país, como forma de auxiliar no processo de identificação entre o candidato e seus eleitores, valendo lembrar que aquele candidato que se antecipa frente aos outros na descoberta de novas formas de comportamento que tendem a se tornar majoritárias sai com boa vantagem; por outro lado, corre o risco de, se a tendência for inovadora demais, ficar numa situação incómoda, à margem do processo (normalmente é o que acontece com campanhas fortemente contraculturais).

Essas são as vanáveis que constituem o macroambiente. Cada uma delas deve ser analisada em nível nacional, estadual e local, já que muitas ameaças e oportunidades variam de região para região. Inovações tecnológicas boas para um município podem ser danosas para outro, o mesmo valendo para categorias profissionais. Convém situar o candidato frente às tendências de caráter mais local, já que normalmente é a partir de uma base geográfica determinada que as candidaturas se firmam, notadamente na disputa para as Assembléias estaduais.

Um bom exemplo dos danos que uma análise incorreta do meio ambiente podem provocar foi o da última eleição indireta para a Presidência da República. Paulo Maluf foi incapaz de perceber que as fortes mudanças ocorridas na sociedade brasileira acabariam por repercutir sobre os delegados do Colégio Eleitoral. Sua estratégia fora montada em cima de um meio ambiente típico dos tempos de ditadura, o que a fez totalmente ineficiente no novo contexto político do país. O resultado foi que, além de perder a eleição, Paulo Maluf foi unânime e nacionalmente rejeitado, soterrando uma carreira política habilmente construída (embora divorciada dos interesses populares).

Para obtenção de informações sobre o macroambiente existe uma grande quantidade de dados dispersos em jornais, revistas, publicações especializadas, além de uma série de publicaçóes acadêmicas e governamentais, como: estudos especiais, teses de mestrado e doutorado, censos e projeções, muitas delas com um caráter altamente localizado (estudos sobre a economia de um município, padrões de comportamento em camadas sociais/profissionais etc.), sendo informações de baixo custo e bastante confiáveis em nível de análise de tendências.

4.3.2 — Análise dos partidos e dos adversários

Um SIME também deve ser capaz de obter informações a respeito dos adversários mais próximos do candidato. O que se torna mais difícil à medida que aumenta o número de candidatos em cada eleição, notadamente as legislativas. Já as disputas para cargos executivos tendem a apresentar forte polarização, facilitando esse tipo de análise. Um grande problema é identificar quais os nossos adversários mais diretos, o que pode ser feito através de pesquisas — o método mais caro, mas mais confiável — ou através da análise do posicionamento dos mesmos, o que será explicado no próximo capítulo.

Quais as bases geodemográficas dos adversários, suas estratégias passadas, o provável posicionamento dos mesmos na presente eleição e seus recursos, são as informações a serem buscadas, resultantes da observação direta da história eleitoral dos adversários e de sua campanha, bem como de observações/depoimentos de terceiros.

Um terreno delicado a ser pesquisado é a vida pessoal dos adversários, o problema com esse tipo de informação é que freqüentemente acaba por ser utilizada de forma a baixar o nível da campanha, ainda mais em um país como o nosso, onde raramente as denúncias têm sua veracidade investigada com o devido rigor. O problema de se lançar mão desse tipo de expediente para desmoralizar o adversário é que ele pouco contribui para elevar o prestígio da classe política junto à população; pelo contrário, tem sido fator de desgaste dos políticos junto ao eleitorado, que cada vez mais os rotula como (má) farinha do mesmo saco.

Além deste aspecto mais estratégico da questão, há uma consideração prática: o volume das denúncias é tal que elas estão gradativamente, perdendo seu efeito. O que também é péssimo pois desgasta a crença na isenção da justiça eleitoral. Portanto, ou o candidato possui provas efetivas de que seu adversário é um corrupto, e nesse caso deve denunciá-lo não por tática política, mas por questões morais ou traz o debate para o plano das idéias e fatos concretos, o que será muito mais proveitoso a longo prazo, tanto para ele quanto para a classe política em geral.

Outro tipo de análise importante é a que se refere aos diversos partidos que concorrem numa eleição. Explorando-se os pontos fortes do seu partido e a deficiência dos adversários é possível obter boas vantagens competitivas. Apesar da fraqueza dos partidos brasileiros e da baixa taxa de identificação partidária no país, existe por parte do eleitor um conhecimento sobre os aspectos mais gerais de cada plataforma partidária, o que pode influir sobre sua decisão de voto.

Um aspecto importante a ser levado em conta neste caso é a análise da força do aparelho partidário em si (diretórios, número de filiados) na região/segmento social. O número de pessoas ligadas ao partido em uma dada região pode ser decisivo para a divulgação pessoal do candidato, aumentando suas chances de vitória. A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) do Estado de São Paulo fornece este tipo de dado no Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, para o ano de 1986. A tabela 4.1 reproduz parcialmente alguns dados, que no original também podem ser encontrados para os anos de 1984 e 1985, dividindo os eleitores filiados por sexo e fornecendo as participações relativas e absolutas. Embora os militantes estejam agrupados pelas regiões administrativas do estado, é possível ter seu número desdobrado por municípios, bastando pedir uma tabulação especial, que não custa caro e sai rapidamente. Outra opção é dirigir-se diretamente ao TRE, que possui esses dados já desagregados.

Além destas análises de caráter mais quantitativo sobre os aparatos partidários é importante se levar em conta aspectos qualitativos, como as tendências de longo prazo no desenvolvimento dos partidos e as forças que lhe podem ser favoráveis/desfavoráveis. Particularmente nessa área, a ciência política e mesmo a sociologia podem fornecer bons subsídios para análise e prováveis rumos de longo prazo, na medida em que apontam as tendências do comportamento eleitoral de uma população ou dos quadros partidários quando estas ainda se encontram em estágio embrionário. Muitos políticos tendem a ignorar o valor desse tipo de análise por acreditarem se tratar de teorias sem aplicação prática. Ocorre que muitos desses estudos — que estão mofando nas prateleiras das universidades e instituições de pesquisa acadêmicas — são frutos de anos de observação e pesquisa no Brasil e no exterior, contendo informações valiosas principalmente para os candidatos que não possuem uma “caixinha” poderosa para financiar sua candidatura.

Para exemplificar o que foi dito acima, vamos fazer uma curta análise sobre as perspectivas do PT, o partido que mais cresceu nos últimos anos em todo o Brasil.

Entre os partidos brasileiros o PT é o que possui o maior grau de identificação com uma base, a saber: o operariado urbano e os jovens, com uma alta penetração junto aos intelectuais e professores (públicos formadores de opinião). O partido tem um programa de mudanças sociais e econômicas de cunho fortemente progressista e socializante; seus políticos são fiéis e coerentes com as plataformas do partido — pelo menos para os padrões brasileiros — o que lhes confere uma boa credibilidade junto à opinião pública. Mas quais as eventuais dificuldades (ameaças) que o partido terá que enfrentar a longo prazo?

Existe um conceito na ciência política que trata do dilema dos partidos baseados na classe operária, elaborado pelo cientista político Adam Przeworski. Segundo ele, o problema estrutural que os partidos baseados nas classes trabalhadoras enfrentam é o de que, se eles permanecem fechados em suas bases, participando do jogo político tradicional, dificilmente ganharão eleições majoritárias; por outro lado, se partem para um apelo mais abrangente, multiclassista, correm o risco de perder a especificidade de seu relacionamento com a classe trabalhadora, tornando-se um partido como outro qualquer (2)

Desnecessário dizer que de posse dessa informação, um candidato que tenha seus adversários no PT pode partir para explorar essas contradições, assim como um político desse partido deve estar preparado para definir-se frente às mesmas, garantindo a manutenção do seu eleitorado através de uma discussão prévia do problema junto a seus representantes e líderes de opinião.

4.3.3 — Dados sobre o eleitorado

Um SIME também deve dispor de dados sobre o eleitorado, tanto em nível qualitativo quanto quantitativo, notadamente os referentes aos segmentos mais promissores (alvos) do candidato e aqueles que lhes são adjacentes. A importância desse tipo de dado é fundamental para o desenvolvimento da campanha, já que um candidato só será eleito se conseguir despertar uma identificação com parcelas significativas do eleitorado. E para saber como provocar essa identificação e de que maneira ela está ocorrendo é necessária a realização de um trabalho sistemático de coleta de dados junto e sobre as atitudes do eleitorado. Normalmente esses dados são o objeto das pesquisas eleitorais feitas por encomenda, mas muitas vezes também existem outras fontes (obviamente não tão boas) para obtê-los.

Existe toda uma gama de pesquisas destinadas a auxiliar o candidato na montagem e escolha da sua plataforma, conceito e composto de comunicação/divulgação. No Brasil há um bom número de institutos de reconhecida competência e capacidade para efetuar essas pesquisas e interpretar corretamente seus resultados. Só há um porém em relação a esse tipo de serviço: pesquisas custam caríssimo.

Segundo Tomazelli: “o problema para executar um bom plano de pesquisa é o seu relativo alto custo, que deverá ser incluído no orçamento da campanha, e, por isso, muitas vezes acaba sendo relegada a segundo plano. Os candidatos preferem gastar este dinheiro em carros, panfletos e cabos eleitorais. O que não percebem é que podem estar jogando dinheiro fora, se as suas estratégias não estiverem corretas, se não tiverem embasamento nas reais necessidades e aspirações da população.” (3)

Existem casos em que a restrição de verba é bastante elevada, pelo menos no início da campanha. A opção para o candidato nessa situação é usar um quebra-galho, uma metodologia de pesquisa chamada de “desk-research”: trata-se do levantamento de dados estatísticos/qualitativos realizado junto a outras instituições com fins totalmente diferentes dos de institutos de pesquisa, mas capazes de fornecer informações pertinentes, dentro de certos limites. São também chamadas de fontes secundárias.

Os dados estatísticos geralmente podem ser conseguidos a custo zero ou próximo disso junto a órgãos oficiais tipo IBGE, SEADE, TRE, SEPLAN, secretarias e ministérios. Os dados qualitativos podem ser levantados, também a custo muito baixo, junto a associações de classe, sindicatos, jornais, universidades e centros de pesquisa.

Particularmente esses três últimos tipos de organizações contêm uma série de trabalhos valiosos para o candidato, pelo menos no nível do Estado! Região Metropolitana de São Paulo. Nessa área merecem uma referência especial os trabalhos efetuados pelo DataFolha, o departamento de pesquisa da Folha de São Paulo, cobrindo uma vasta gama de aspectos comportamentais da população, inclusive na área de política; os trabalhos do Instituto de Estudos Sociais de São Paulo: a análise sociológica e histórica das eleições em São Paulo e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com estudos referentes a percepção do processo eleitoral, demografia e organização comunitária na periferia da capital. Além desses, uma série de outros institutos e fundações, não só em São Paulo mas em todo o país está realizando ou já realizou trabalhos úteis para direcionamento de campanhas sem grandes recursos.

Além dessas fontes, um grande número de universidades, notadamente nas áreas de ciências sociais, economia e administração estão com uma produção bastante razoável de teses de mestrado e doutorado capazes de fornecer dados importantes sobre as características do eleitorado em algumas regiões do país. O catálogo de teses das universidades brasileiras, disponível na maioria das bibliotecas, informa a respeito de todas as teses defendidas no país. Muitas vezes, com algumas horas gastas em bibliotecas e arquivos de jornais, as pessoas responsáveis pela área de pesquisa do SIME podem obter informações razoavelmente adequadas, as quais muitos concorrentes não dispõem ou gastaram somas consideráveis junto a institutos de pesquisa para obtê-las.

Embora a “desk-research” seja melhor do que nada, ela não substitui de maneira alguma uma pesquisa em profundidade feita por uma organização especializada, e o candidato sempre deve ter isso em mente ao fazer a alocação de seus recursos. A adequação e a confiabilidade da pesquisa profissional sempre estarão muito próximas de 100%. De qualquer forma, para provar que é possível se trabalhar razoavelmente com dados de “desk-research”, este livro está repleto de exemplos no gênero.

4.3.4 — Análise do impacto da campanha

Em função das informações levantadas pelo SIME, a direção da campanha vai tomar uma série de procedimentos que irão atuar sobre o meio ambiente, modificando-o; a intensidade, a velocidade e a direção dessas modificações também devem ser observadas pelo SIME, para uma retroalimentação do sistema, procurando sempre uma sintonia cada vez mais fina (e rápida) entre o candidato e seu eleitorado, bem como otimizar a organização da campanha.

O maior problema para se detectar as alterações que a campanha vem introduzindo junto ao eleitorado é a dispersão da informação e o tempo que leva para chegar ao SIME. Os eleitores vão reagindo lentamente a cada estímulo, e pode se passar muito tempo até que se detecte que essa reação está se dando em uma direção oposta à esperada. A solução ideal é novamente apelar para um instituto de pesquisa idôneo; caso isso não seja possível, existem alguns indicadores, como número de espectadores nos comícios do candidato, atenção e forma como a mídia trata a candidatura, informações de cabos eleitorais e auxiliares voluntários/externos à campanha que podem funcionar como indicadores em nível macro.

Conforme o leitor pode notar, o assunto é complexo, e certamente essas páginas não bastam para esgotá-lo. Apenas para resumir e facilitar a compreensão de tudo que foi dito acima podemos fazer a seguinte representação do funcionamento de um SIME:

Figura 4.3 — O funcionamento do SIME


 

CAPÍTULO V
A QUANTIFICAÇÃO DOS OBJETIVOS

 

5.1 — A PREVISÃO DOS VOTOS NECESSÁRIOS

A determinação precisa do número de votos necessários para se ganhar uma eleição é sempre um ponto problemático na elaboração de qualquer estratégia de marketing, devido ao grande número de variáveis envolvidas na questão.

O fato de essas variáveis mudarem completamente de um pleito a outro ou mesmo no espaço de poucos meses até o dia da votação tomam a tarefa ainda mais difícil. Modelos matemáticos tais como a regressão linear múltipla podem oferecer algumas indicações, mas só a lógica não basta; é necessário conciliá-la com a intuição do candidato e dos seus assessores, bem como ouvir a opinião de políticos mais experientes. Dessa junção é possível obter uma estimativa razoável para fins de planejamento, mas a mesma deve ir sendo revista e adaptada ao longo da eleição, à medida que novos fatos e informações forem surgindo.

Para cargos executivos, o primeiro passo é fazer uma estimativa sobre o número de votos válidos e abstenções, que não sofrem grandes variações de um pleito a outro. Posteriormente deve-se estimar o nível de polarização da eleição, já que no caso da existência de dois candidatos com elevado grau de preferência ou duas estruturas partidárias, bem mais sólidas que as dos outros partidos, o melhor a se fazer é calcular qual a votação esperada dos demais candidatos, já que o vencedor vai necessitar da metade mais um dos votos restantes. Conforme se pode observar é preciso controlar muito de perto este dimensionamento, principalmente no caso de eleições em que se espera um forte terceiro lugar, fato cada vez mais comum nos estados do Sul, onde candidatos conservadores e centristas vêm sofrendo forte concorrência por parte dos partidos mais progressistas, como nas eleições de 1985 e 1986.

Para as disputas legislativas o quadro se torna ainda mais confuso, em função do grande número de candidatos e da necessidade de se estimar o quociente eleitoral (resultante da imagem partidária junto ao eleitorado e da força de sua estrutura na região em questão ) e o índice de dispersão dos votos dentro do partido, uma vez que um grande número de candidatos bem abaixo do quociente eleitoral somado a bons puxadores de legenda podem diminuir a necessidade de votos.

Vale observar que independentemente dos critérios adotados o número final deverá ser acrescido de uma margem de erro tão mais significativa quanto menor for a consistência dessa previsão.

Vamos supor que um candidato à Assembléia Legislativa tenha feito esses cálculos, chegando a conclusão de que 30 mil votos é um número razoavelmente seguro para ele trabalhar, em função do quadro atual da eleição. O passo seguinte é determinar quantos votos ele já possui, em função dos eleitores com os quais ele mantém uma relação de identificação primária; suponhamos 5 mil. O número de votos que faltam para ele se eleger (25 mil) terá que ser obtido junto às parcelas do eleitorado nas quais possa conseguir maior penetração. A segmentação do eleitorado, é que vai possibilitar a mensuração e identificação dessas parcelas.

5.2 — A SEGMENTAÇÃO DO ELEITORADO

O eleitorado de um país, estado ou município não se constitui em um todo homogêneo, mas sim em um conjunto de grupos com interesses, expectativas e demandas distintas ou antagônicas em relação a eleição.

Cada um desses grupos pode ser destacado do total em função de algumas características comuns aos seus membros, através das quais eles podem ser detectados, agrupados e selecionados como alvo para apelos específicos ou estratégias diferenciadas de marketing.

As características mais significativas para a conceituação e definição de cada segmento do eleitorado recebem o nome de variáveis de segmentação. A medida que duas ou mais pessoas possuam uma ou mais variáveis em comum dizemos que elas fazem parte do mesmo segmento do eleitorado. Quanto mais variáveis em comum, seus elementos possuírem, maior será o grau de homogeneidade do segmento.

Os grupos de variáveis mais usadas para a segmentação do eleitorado são as demográficas (características da população), as geográficas (localização da população dentro de um espaço comum), e psicográficas (mais individualizadas, referentes às atitudes e padrões de comportamento dos indivíduos). Embora a importância de cada uma de suas divisões varie em relação ao tipo de cargo disputado, o quadro 5.1 nos fornece alguns exemplos das variáveis mais utilizadas para o tipo de análise a ser feita aqui.

Existe uma série de outras variáveis, mas o conjunto aqui descrito nos parece suficiente para um trabalho de segmentação adequado a campanhas eleitorais. Para determinar a estrutura de um eleitorado continua valendo a regra segundo a qual quanto mais sofisticada a informação, maior o número de recursos humanos e materiais para sua obtenção, o que conseqüentemente a faz mais cara.

A segmentação com base no cruzamento dessas diversas variáveis é suficiente para orientar as campanhas, normalmente baseadas no apoio de algumas regiões, municípios e bairros (notadamente para a Assembléia Legislativa e Câmara dos vereadores) ou então, relacionadas com segmentos étnicos, profissionais ou classe social (para Câmara dos Deputados e prefeituras); tudo depende das formas de identificação entre o candidato e seus eleitores, que serão explicadas no próximo capítulo.

Uma vez definidas quais as principais variáveis para a campanha em questão, faz-se o cruzamento das mesmas, como forma de “mapear” o eleitorado.

Para dar um exemplo, vamos imaginar um candidato à Prefeitura, que em função das características da sua campanha, optou por segmentar o eleitorado por três tipos de variáveis: renda, idade e educação. Uma representação da estrutura desse eleitorado é a seguinte:

Quadro 5.2 — Representação da estrutura de um eleitorado.

Uma vez que já esteja suficientemente clara a estrutura do eleitorado, é necessário quantificar quantos votos possui cada segmento, o que em nível de variáveis geográficas e demográficas é possível ser feito a um custo relativamente barato através dos serviços estaduais de análise de dados e estatísticas, ou através do IBGE. A fundação SEADE faz o cruzamento desses dados em poucos dias, mediante um serviço de tabulação especial no valor aproximado de 5 OTNs.

No caso dos municípios mais importantes e regiões metropolitanas, é comum existirem secretarias de planejamento municipal com uma vasta gama de dados que podem ser cruzados possibilitando excelentes segmentações do eleitorado. Um bom exemplo é a divisão do município de São Paulo em oito áreas homogêneas, feita pela Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo em 1977 e atualizada em 1985 pela SEADE:

Quadro 5.3 — Divisão do município de São Paulo em cinco áreas homogêneas.
Fonte: Fundação SEADE, Pesquisa de Emprego e Desemprego no. 23, pp. 23 a 38

Cada um dos diversos distritos que compõem essa divisão foi classificado em termos da renda média familiar como critério básico e outras seis variáveis: rede de esgotos, água encanada, densidade demográfica, crescimento populacional, mortalidade e uso residencial do solo. A seguir foram reunidos em oito áreas, sendo a de número 1 considerada a mais rica e a de número 8 a mais pobre. Existe um grande número de trabalhos sobre sociologia eleitoral em São Paulo que utilizam-se dessa divisão para apoiar suas pesquisas, chegando muitas vezes a conclusões bem interessantes e aplicáveis para determinação de estratégias de marketing eleitoral. Algumas dessas obras são citadas na bibliografia ao final do livro.

Como esta classificação era de 1977 baseando-se em dados de 1972, ela foi atualizada levando-se em conta também a estrutura ocupacional dos habitantes e transformada em um agrupamento de cinco áreas homogêneas, sendo a número 1 a mais rica e a de número 5 a mais pobre. Através de dados do Anuário Estatístico de 1986 ou pesquisa junto ao TRE é possível se obter o número de eleitores, o número de filiados em cada partido e a proporção entre homens e mulheres para cada um dos distritos que compõem as áreas homogêneas.

Em relação às variáveis psicográficas e políticas, o problema da obtenção da informação torna-se um pouco mais delicado. Esses dados normalmente são coletados e utilizados pelos institutos de pesquisa, para fins particulares e com circulação restrita. Novamente é importante que o candidato perceba a necessidade de aplicar recursos em pesquisa profissional, feita sob medida para sua candidatura. Caso isto não seja possível, a saída é procurar pesquisas divulgadas em jornais e revistas, inclusive as de propaganda e marketing, que sempre dão alguns dados de “bandeja”.

Uma vez que o candidato tenha segmentado adequadamente o eleitorado obtendo dados sobre suas demandas e expectativas pelo menos num nível superficial, ele já está pronto para começar a definir seu conceito e se posicionar frente a esse eleitorado, a partir de suas formas de identificação com o mesmo. Este tipo de atividade, altamente complexa e fundamental para o bom andamento da campanha, é o tema do próximo capítulo.


 

CAPÍTULO VI
A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DO CANDIDATO

 

6.1 — A IDENTIFICAÇÃO COM O ELEITORADO

O candidato costuma desenvolver um tipo de relação muito particular com o eleitor; não é um produto comercial que pode ser comprado, testado e jogado fora. Apesar de raramente trazer algum benefício direto, imediato e mensurável ao eleitor (as exceções ficam por conta daqueles que têm poder de mobilização da máquina para arranjar cargos ou favores e dos que possuem recursos para comprar votos) os candidatos mais bem sucedidos conseguem despertar no eleitorado uma grande identificação e envolvimento, a ponto de as pessoas se oferecerem para trabalhos voluntários e defenderem o candidato com vigor sempre que instadas a isto.

Este processo será tão mais intenso e difundido à medida que o candidato souber se identificar melhor com cada um dos diversos públicos que compõem o eleitorado. Segundo Prado Jr., podemos dividir os públicos em três grandes grupos para efeito de identificação.

O público primário é aquele que possui uma base de identificação natural com o candidato: seu bairro, região, amigos mais próximos, companheiros de atuação em associações de classe etc. O público secundário é aquele no qual a base de identificação com o candidato foi absorvida através de testemunhos ou estímulos por parte do grupo anterior. Finalmente, o público indireto é composto por todos aqueles eleitores que não têm uma relação direta com o candidato ou com seu público primário; a base de identificação neste caso é construída principalmente através dos meios de comunicação de massa e da credibilidade atribuída ao candidato.

Feita uma segmentação razoável do eleitorado, é necessário analisar quais os públicos mais facilmente atingíveis em função do grau de identificação e qual o potencial de votos nesses segmentos.

O passo seguinte é saber qual a posição desse público em relação aos principais problemas que os eleitos poderão resolver e de que maneira estes problemas são encarados por esses eleitores. Tal levantamento permite também ao candidato descobrir se as suas crenças e características pessoais são compatíveis ou pelo menos conciliáveis com essas necessidades. Em caso afirmativo, a próxima etapa é a determinação de seu conceito.

6.2 — MONTANDO O CONCEITO

Uma vez que se disponha do levantamento das principais necessidades e expectativas do eleitorado alvo, bem como a imagem do que esse eleitorado entende por candidato ideal, deve-se fazer a compatibilização com a personalidade, as crenças e o passado do candidato, eliminando-se aqueles conceitos que por mais importantes que sejam aos olhos do eleitorado não se adaptam ao perfil do candidato. O candidato não é um produto, mas sim um agente social com passado, crenças, características e idéias que não podem ser facilmente modificadas. Quando se procura forçar a modificação do seu comportamento, o candidato acaba por assumir uma postura “dura”, cujo artificialismo dificilmente engana os eleitores e adversários, gerando problemas na comunicação, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1985 em São Paulo, diminuindo a credibilidade da candidatura. Além disso, as demandas da população como um todo são tão variadas que ao procurar responder a todas, o candidato acaba, normalmente, por não conseguir recordação em nenhum segmento do eleitorado.

Para a determinação do conceito do candidato também é importante levar em conta os conceitos que se esperam que os adversários adotem, uma vez que eles também devem estar buscando os melhores. E se todos adotarem os mesmos não haverá nenhuma diferenciação.

O conceito do candidato deve ser fruto da compatibilização entre o que o seu eleitorado deseja, sua personalidade, sua imagem e os conceitos a serem adotados por seus oponentes. Esquematicamente temos o seguinte:

Figura 6.1 — O conceito do candidato.

Quando o candidato constrói seu conceito dessa maneira ele está se posicionando na mente do seu eleitorado através do que no marketing comercial se chama de posicionamento de produto: o candidato não adota o conceito ideal mas sim o que lhe dá um diferencial positivo em relação aos conceitos adotados pelos outros candidatos.

Escolhido um conceito, o candidato deverá avaliar o seu grau de flexibilidade, em função dos quatro principais tipos de “mercado” enfrentados durante a campanha (os eleitores, o partido, os financiadores e os grupos de pressão). Esse grau de flexibilidade pode levar a um conceito difuso ou específico.

Quando o candidato opta pelo conceito difuso, não fica preso somente a uma idéia ou um único aspecto da plataforma, procurando imprimir um caráter mais dinâmico à campanha, através da referência aos fatos que estão em evidência e que podem ser suprimidos da plataforma sem alterar seu conteúdo básico. E o tipo de prática que facilita a aparição do candidato nos jornais e meios de comunicação de massa mas que deve ser bem trabalhada para evitar mal-entendidos ou distorções. Permite ainda que o candidato desloque a ênfase do seu discurso para os assuntos que mais sensibilizam a audiência dos eventos dos quais participa. O grande problema desse tipo de conceito é que, se o candidato não tiver uma boa percepção dessa audiência, corre o risco de não conseguir se posicionar junto aos eleitores, praticamente jogando fora o trabalho anterior.

Ao adotar uma estratégia de conceito específico, o candidato dá sempre grande ênfase ao ponto central de sua plataforma, em todos seus discursos e nos eventos aos quais comparece. Isto marca de forma bastante clara sua imagem, o que certamente ajuda a fixá-la na cabeça do eleitor, mas impede modificações de última hora devido a mudanças no meio ambiente; daí a necessidade de uma análise e projeção bem feitas quando da identificação de ameaças e oportunidades.

6.3 — A PLATAFORMA E A IMAGEM DO CANDIDATO

A plataforma e o seu grau de adequação ao eleitorado são dois pontos-chaves no marketing eleitoral para se determinar as chances na disputa. Formada pelas idéias, críticas e posições assumidas pelo candidato durante a campanha, contendo ainda as propostas que ele irá tentar implementar caso venha a ser eleito (seu programa de governo ou de ação parlamentar), sua importância faz com que ela deva ser clara, objetiva e coerente.

Uma plataforma terá que conter temas polêmicos, pois são eles que mobilizam de maneira mais direta o eleitor e dão personalidade à candidatura, permitindo que ela se destaque entre outras plataformas no mais das vezes excessivamente genéricas para ganhar espaço específico na memória do eleitor.

Um grande problema na hora de se definir a plataforma é que os candidatos procuram a todo custo evitar temas polêmicos, com medo de perder votos. Novamente voltamos a lembrar as questões de prioridade: em uma sociedade altamente desigual como a brasileira, é natural que as demandas de cada setor sejam diferentes da média geral, quando não antagônicas. Fatalmente o candidato será confrontado com essas questões, devendo assumir os temas com os quais se sinta afinado e acreditar que possam lhe trazer mais votos do que tirar.

Temas polêmicos permitem um efeito de individualização da mensagem, essencial para aumentar a credibilidade e o seu grau de memorização junto às parcelas envolvidas na questão. A vantagem da segmentação pode ser entendida aqui de modo mais claro, já que o conhecimento dos segmentos que compõem o eleitorado permite o direcionamento das linhas de comunicação que irão atingi-los, bem como a escolha dos temas que vão dar personalidade à campanha pois, normalmente, todos os candidatos concorrentes já exploraram as possibilidades oferecidas pela linguagem universal, aquela que atinge os eleitores como um todo, sem distinção de classe ou segmento social, versando sobre assuntos de interesse geral, como segurança, emprego, melhores condições de vida, saúde e similares. Este uso, indiscriminado e comum é o responsável pelo baixo grau de memorização que os eleitores têm em relação aos nomes dos candidatos. (4)

Além da coerência interna entre seus próprios temas, uma plataforma deve conter planos e propostas condizentes com o cargo disputado, evitando a tentação de se partir para soluções fora da alçada da representação. O principal problema desse tipo de plataforma é que embora os eleitores não consigam muitas vezes distinguir entre o que um deputado e um prefeito possam fazer, tal prática revela-se danosa caso o candidato venha a ser eleito, uma vez que provavelmente não conseguirá corresponder às expectativas do eleitorado, diminuindo consideravelmente suas chances de reeleição.

A plataforma também deve ser coerente com o programa do partido, já que a organização partidária, por menor que seja, costuma fornecer ao candidato recursos humanos e financeiros de grande valia para a operacionalização dos planos de campanha. Além disso, apesar da fragilidade da identificação partidária em nosso país, o eleitorado tende a ter uma certa noção do que cada partido representa, o que gera uma dissonância se a plataforma é incoerente, principalmente entre os eleitores com maior grau de escolaridade ou formadores de opinião.

O programa de governo, no caso de candidatos a cargos executivos, além de levar em conta todas as características apontadas deve apresentar e mencionar projetos de caráter mais geral, que possam ser vinculados a uma “cadeia de benefícios” para todos os segmentos sociais, evitando que os adversários o chamem de parcial ou o acusem de possuir uma visão estreita, de curto prazo.

Entretanto, não basta apenas uma boa plataforma para se garantir a eleição. O candidato precisa cuidar também da sua imagem junto ao eleitorado. Uma imagem é a soma das crenças, idéias e impressões que o eleitor tem do candidato e quanto mais ela contribuir para reforçar e justificar o comportamento do eleitor, maiores serão as possibilidades de vir a obter seu voto. Além da plataforma, contribuem para a formação dessa imagem o partido e o “jeitão” do candidato.

Conforme mencionamos anteriormente, as pessoas têm noção do que cada partido representa ou pelo menos qual é sua posição dentro do cenário político. Na medida em que o conteúdo ideológico do partido for confuso ou não estiver em sintonia com uma parcela expressiva do eleitorado, fica difícil para seus filiados conduzirem a campanha com alguma unidade. Por outro lado, uma sigla partidária extremamente desgastada contamina todos os aspectos positivos da candidatura, o que, se não impede a vitória, certamente toma maiores as dificuldades para alcançá-la.

O visual ou “jeitão” do candidato é importante para buscar uma identificação subjetiva com o eleitor. Sua forma de vestir deve ser a mais próxima possível do perfil que ele procura transmitir (um candidato que queira passar uma imagem de administrador competente deve usar temo e gravata), ou seja, considerado importante por parte do eleitor. Também sua forma de falar (um candidato que defenda a valorização da cultura da região poderá se valer do uso de certas expressões e regionalismos) e sua postura física devem ser adequadas com a imagem que ele deseja transmitir, desde que seja possível compatibilizá-las com seus hábitos e características físicas.

6.4 - TESTANDO O CONCEITO

Adotado um conceito preliminar, o passo seguinte é observar como esse conceito situa o candidato frente a seus adversários, em relação aos principais problemas/preocupações levantados pelo eleitorado bem como frente as principais qualidades que este espera encontrar em um candidato. Este teste também permite fazer uma harmonização do eleitorado, sempre necessária no caso de uma eleição majoritária, onde dificilmente alguém consegue se eleger com o apoio de um segmento restrito da população, o que não ocorre em eleições para o Legislativo.

Vamos supor que após uma pesquisa do eleitorado brasileiro, com vistas a eleição direta para presidente da República (nem 8 nem 80, 88), se tenha descoberto que as três grandes dimensões que influem na preferência de voto sejam: capacidade administrativa , capacidade de negociação e honestidade.

É possível representar visualmente essas três dimensões, colocando-as nos eixos de um gráfico. A seguir pode-se determinar, mediante pesquisas (mais seguro) ou baseando-se nas opiniões coletadas pelo SIME e assessoria, qual a posição que cada candidato ocupa. A figura 6.2 ilustra esse exemplo, levando em conta a existência dos candidatos A, B e C.

Figura 6.2 — Posição dos candidatos em cada uma das três dimensões.

Este processo permite não só determinar qual o concorrente mais próximo, como também indica quais as parcelas do eleitorado que poderão ser mais facilmente sensibilizadas pela candidatura; na medida em que se conheça a importância dada a cada dimensão na determinação do voto, que varia de segmento para segmento. No anexo desta obra procuramos mostrar superficialmente uma maneira de se operacionalizarem as pesquisas e as técnicas que permitem a realização deste tipo de análise.

No caso de uma eleição legislativa, este trabalho de harmonização também é possível, embora o grande número de mensagens contribua para confundir o eleitor dificultando a determinação da posição de todos os candidatos. Mas é possível a identificação dos adversários mais próximos em situações bastante específicas, como por exemplo no mesmo município ou sindicato. Nestes casos é preciso levar em conta que o custo para obtenção da informação pode ser bastante elevado, sendo mais vantajoso o candidato trabalhar apenas com o público com o qual ele possua identificação primária ou secundária.

Normalmente, o resultado desse tipo de avaliação mostra alguns pontos que precisam ser alterados na composição do conceito.

Tendo o candidato optado por um conceito, é bom que o mesmo seja pré-testado junto a uma amostra do eleitorado. Pré-testes devem ser feitos por agentes externos à campanha para se evitar distorções, e isso normalmente custa caro; além disso, a partir do momento em que foi dada a largada para a eleição não é recomendável se realizar muitas modificações no conceito, uma vez que as parcelas do eleitorado estão em constante comunicação entre si.

A falta de recursos e tempo para pré-testes são mais dois fatores a justificar a análise rigorosa na determinação do conceito do candidato.


 

CAPÍTULO VII
O COMPOSTO DE COMUNICAÇÃO

 

Uma vez que o candidato já tenha definido quais os seus eleitores potenciais e qual o conceito a ser divulgado junto a eles, resta determinar as formas de divulgá-lo: a que tempo, de qual maneira e através de que meios.

Por ser a parte mais visível do composto de marketing, as atividades de comunicação costumam ser sobrevalorizadas pelos candidatos, em detrimento das atividades anteriores de marketing. Acredita-se que: uma boa “propaganda” possa fazer milagres; que essa boa “propaganda” seja fruto da inspiração genial de alguns publicitários esquisitos, que a conceberam em uma noite escura e cheia de boitatás uivantes e, finalmente, que se forem gastos rios de dinheiro nessa atividade a eleição estará ganha.

Na verdade, as coisas não funcionam exatamente dessa maneira.

Em primeiro lugar, se as atividades anteriores de marketing não estiverem solidamente embasadas, não há propaganda que dará certo. Em segundo lugar, quantos mais dados se obtiverem a respeito do eleitorado e quanto mais adequado for o posicionamento do candidato, mais fácil será a criação de idéias e a determinação de meios que atinjam o eleitor. Por fim, a observação de algumas regras e definições, tanto em relação à área técnica como nos campos da comunicação e da psicologia, permitirá a elaboração de um plano de comunicação adequado ao candidato, evitando o desperdício de recursos.

Na área de comunicação é sempre bom contar com os serviços das agências de propaganda, não só pela criação como pela orientação especializada sobre cada item do material de divulgação e o acompanhamento dos diversos serviços; o processo de orçar, produzir os originais (layouts, arte-final, fotolitos etc.), revisar provas da gráfica, acompanhar os serviços de execução/impressão etc., é altamente trabalhoso principalmente para um leigo. Além disto, profissionais das agências costumam estar melhor situados frente aos preços de mercado e à qualidade de cada fornecedor, evitando surpresas desagradáveis do tipo foto mal focada, cartazes com cores esmaecidas, camisetas mal pintadas etc.

Feitas essas observações, passemos a analisar mais de perto algumas características importantes da comunicação durante as eleições.

7.1 — A COMUNICAÇÃO ELEITORAL

O objetivo da comunicação eleitoral é informar e persuadir o eleitor a votar e trabalhar para eleger o candidato. Este processo ocorre da seguinte maneira: um emissor manda uma mensagem para um receptor (eleitor) através de um meio, obtendo com isso uma reação por parte do receptor, a qual pode ou não ser observada/utilizada pelo emissor como “feedback”.

Figura 7.1 — Uma representação simples do processo de comunicação.

A eficiência dessa mensagem, definida como sua capacidade de provocar no receptor a reação desejada por parte do emissor, depende da credibilidade do emissor, da sua adequação ao nível de conhecimento dos receptores, do meio pela qual ela é enviada e da sua concordância com o sistema de valores e predisposições do indivíduo.

A credibilidade do emissor pode ser definida como o grau de confiança depositado pela audiência em relação à fonte da mensagem; quanto maior for essa confiança, maior será a eficiência da mensagem. Se o emissor é um indivíduo que goza da confiança de um grande número de pessoas, dizemos que ele é um líder de opinião em seu grupo. A identificação destas lideranças dentro do perímetro geográfico/social do eleitorado alvo é importante para dar bases sólidas à campanha.

O grau de adequação da mensagem à audiência também é importante; termos excessivamente técnicos ou sofisticados dificultam e distorcem a compreensão da mesma principalmente entre as camadas menos favorecidas da população.

Em relação aos meios, uma mensagem deve ser enviada através de um veículo (rádio, televisão, jornal, pessoalmente etc.) com o qual a audiência já esteja acostumada, ou seja, capaz de utilizar.

Por fim, deve-se ter em mente que uma mensagem será mais eficiente na proporção em que concorde com o sistema de valores do indivíduo, reforçando suas predisposições. Esses valores são resultantes da história pessoal do eleitor (família, grupo social, formação educacional e região geográfica), das opiniões do grupo primário (aquele ao qual ele pertence) e do comportamento do seu grupo de referência (aquele ao qual ele deseja pertencer).

Este é um ponto importante: a comunicação eleitoral deve fazer com que essas predisposições (ou tendências políticas), muitas vezes inconscientes por parte do eleitor, sejam estimuladas de forma a se transformarem em uma atitude favorável à candidatura, no menor prazo de tempo e no maior número de indivíduos possível. A certeza de que muitas pessoas pensam como nós ou aprovam nosso comportamento influi na decisão de voto; daí a necessidade de que o candidato crie um clima de vitória/unanimidade em torno do seu nome.

Qualquer composto de comunicação, definido como o conjunto de mensagens e meios destinados a convencer o eleitor, deve conduzir o indivíduo a um processo de tomada e decisão em quatro estágios:

A) Despertar o interesse — criar no cidadão a consciência de que existe um processo eleitoral em curso, levando ao seu conhecimento a existência do candidato.

B) Criar compreensão — após a atenção do cidadão ter sido despertada, ela deve ser estimulada pelo aumento da informação que levará a conscientização de que algumas de suas necessidades poderão ser atendidas por aqueles que vierem a ser eleitos. Reforçam-se assim os desejos e as expectativas em relação à eleição. Isto vai levar a um maior interesse pelo tema, tornando o indivíduo mais receptivo ao esforço de comunicação.

C) Convencer o eleitor — é nessa fase que o eleitor vai começar a perceber as diferenças entre os candidatos, através de suas idéias, plataforma, imagem pública etc., que o levarão a concluir, seja por identificação, seja por corresponder às suas expectativas, que A é melhor candidato que B. É aqui que as predisposições e tendências políticas do indivíduo começam a entrar em jogo; sua atenção torna-se seletiva, isto é, dentre todas as informações eleitorais que recebe, passa a prestar mais atenção a certos meios e a certas mensagens.

D) Cristalizar o voto — ao chegar a essa fase já foram fornecidas ao eleitor todas as informações que ele precisa para justificar racionalmente, perante si mesmo e o grupo primário de referência ao qual ele pertence, os sentimentos e as predisposições latentes que determinarão seu voto. É importante notar que essa decisão pode ser abalada por golpes bem colocados por seus concorrentes mais próximos ou falta de reforço (lembrança) em alguns pontos-chaves; daí a necessidade de o candidato determinar um composto de comunicação até a hora do eleitor colocar seu voto na urna.

Passemos agora a examinar alguns pré-requisitos para a elaboração de um bom composto de comunicação e posteriormente os seus principais componentes (propaganda, relações públicas e divulgação pessoal), com suas respectivas ferramentas (ou meios, conforme o caso).

7.2 — A NECESSIDADE DE UNIDADE: OS GRANDES TEMAS, O VISUAL, O JINGLE, OS SLOGANS E AS PALAVRAS DE ORDEM

Em uma eleição, as pessoas são continuamente abordadas por uma enorme quantidade de informações da qual só têm capacidade de absorver uma pequena parcela. Por isso a necessidade de o candidato simplificar ao máximo sua linha de comunicação em nível de massa, como forma de garantir uma farta reprodução dos seus pontos básicos, e adquirir uma unidade que a fará ser lembrada de forma mais fácil pelo eleitor.

A definição dos principais temas da linha de comunicação do candidato deve ser feita de acordo com sua estratégia de conceito e posicionamento. Uma boa maneira de fazer isso é dividir a plataforma de acordo com seus temas, desmontando-os até as menores unidades lógicas e definir de maneira clara alguns pontos de argumentação, a serem repetidos até a exaustão.

O visual do candidato deve ser ajustado ao conceito que ele procura transmitir, levando-se em conta seu físico e a sua personalidade. As roupas, a aparência, a forma de falar, a postura, a procura do melhor ângulo, tudo isso deve ser trabalhado tendo em conta a recepção por parte do eleitor-alvo. Obviamente, se houver recursos para se buscar a opinião de profissionais da área tanto melhor, mas muitas vezes o trabalho anterior de planejamento aliado ao “bom senso” basta. Afim de se manter uma certa unidade devem ser definidas duas ou três fotos oficiais, as quais serão reproduzidas em todo o material gráfico da campanha.

O símbolo de uma campanha política deve ser de fácil reprodução nas mais diversas situações, e será mais eficiente à medida que possua um caráter histórico ou mitológico. Segundo o famoso psicanalista C.G. Jung, existem na consciência de todos os homens certos complexos psíquicos que ele chamou de arquétipos ou imagens primordiais. Quanto mais arquetípico for um símbolo, maior será a sua energia psíquica e conseqüentemente o grau de recordação/perturbação que ele pode produzir. Além de combinar com o conceito do candidato, o símbolo também deve ser de fácil interpretação e reprodução.

Jingles também devem ser simples, de fácil compreensão e memorização, se possível abordando um ou mais temas da campanha de uma forma leve e bem-humorada. Notadamente no caso dos candidatos dos estados nordestinos ou daqueles que contam entre seu eleitorado-alvo parcelas expressivas de imigrantes oriundos do Nordeste é bom destacar a importância que as canções de repentistas podem ter para a candidatura. Volto a destacar a necessidade de unidade: se possível apenas um jingle.

Sempre na busca da maior simplificação, a palavra de ordem tem um caráter tático, resumindo e definindo um objetivo a ser alcançado. Quanto mais essa palavra de ordem expressar os desejos e as necessidades de uma classe, sociedade ou época mais forte será seu efeito, gerando milhares de canais de divulgação. Um exemplo de palavra de ordem poderosa, bem fresco na memória de todos é “diretas-já”, posteriormente e habilmente modificada para “mudanças-já” e depois para “Tancredo-já”. Deu no que deu.

O slogan apela diretamente para o lado emocional, as paixões políticas, o ódio, o sentimento de força e unidade. Neste sentido Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer — “Um Povo, Uma Nação, Um Líder” — vale como exemplo, principalmente por encarnar esses sentimentos em um indivíduo particular. “Seu voto é coisa séria”, também é outro exemplo, mostrando um apelo mais racional.

Tanto para a palavra de ordem como para o slogan vale a recomendação anterior, no sentido da unicidade dos temas. Bons slogans e palavras de ordem são aqueles que podem ser aplicados em todos os contextos, sem perder seu significado; é um caso clássico de pau pra toda obra.

7.3 — CARACTERÍSTICAS DA PROPAGANDA

Podemos definir propaganda eleitoral como toda forma de atividade paga para se divulgar um candidato em larga escala e fixar sua imagem, informando e persuadindo os eleitores a votarem nele. Deve ser usada principalmente nos estágios inicial e final do processo de comunicação eleitoral para divulgar e reforçar a imagem de um candidato. Apesar de ter grande flexibilidade em relação ao conteúdo da mensagem, já que o candidato pode divulgar o que for do seu interesse, sua credibilidade é baixa, notadamente quanto melhor informada for a parcela do eleitorado visada.

A tabela que segue pode ser usada para uma melhor distribuição e controle das ações de propaganda ao longo do período que antecede a eleição.

Essa tabela permite um detalhamento do esforço em propaganda, tornando mais fácil a elaboração do plano de comunicação e facilitando as eventuais correções que tiverem que ser feitas em função de algum imprevisto. Os espaços em branco devem ser preenchidos com o valor estimado em OTN. Os períodos de tempo não precisam necessariamente serem mensais valendo a forma de controle que o candidato e sua assessoria considerarem mais adequadas.

Passemos agora a examinar as características de cada um dos meios mais empregados para fazer a propaganda do candidato durante as eleições.

7.3.1 — Rádio e tevê

A existência do horário eleitoral gratuito no Brasil como forma de limitar o abuso do poder econômico (é a velha história: a teia da justiça, assim como a da aranha, deixa escapar os pássaros para capturar os insetos) restringe o acesso a esses meios, permitindo sua utilização por parte dos candidatos durante 60 dias antes do pleito, dentro do horário reservado a cada partido.

Horário eleitoral é aquilo que todo mundo está cansado de saber: uma chatice. Candidatos com 1 minuto, 30 segundos, despreparados, sem condições de passar mensagens articuladas. É natural que o eleitor desligue o rádio e a televisão e vá tratar de sua vida. No caso de candidatos a cargos majoritários, apesar de o tempo disponível permitir a execução de um trabalho mais elaborado, o que se costuma ver é um candidato tentando jogar farofa (para não dizer outra coisa) no ventilador do outro, expediente que costuma manter a atenção do eleitor nos dois primeiros minutos. Depois vira aquela coisa deprimente, contribuindo para abaixar ainda mais o prestígio da classe política (segundo dados do Ibope, publicados na revista isto é no. 574, 81,6°% da população acha que não se pode acreditar no que os políticos dizem).

O que vale é procurar obter impacto, principalmente durante os 10 primeiros dias do horário eleitoral, enquanto ele ainda é novidade. Quando dizemos impacto, não é no sentido de detonar os concorrentes, mas de despertar a atenção do eleitor através de uma apresentação criativa, leve, inteligente e razoavelmente bem produzida. Se o candidato tiver recursos para ir modificando suas aparições afim de fazer comentários e tomar posição frente a temas atuais ou trabalhar novas bases, melhor. Senão, vale a pena gastar um pouco mais com uma boa produtora de vídeo, orientado pelo pessoal da agência ou assessores com um bom conhecimento na área (bom conhecimento é algo mais que familiarizado). Outra regra básica é compatibilizar a mensagem ao meio; não basta desenvolver uma aparição para a televisão e utilizar o mesmo áudio no rádio; é preciso desenvolver uma fala específica para ele.

7.3.2 — Jornais e revistas

A eficiência da propaganda política em jornais e revistas ainda é um tanto quanto controvertida. Seu uso fica restrito ao reforço ou então no caso de se necessitar de mensagens altamente seletivas. Mensagens longas dificilmente são lidas, a não ser em polêmicas acirradas entre os candidatos em evidência.

Em compensação, estes meios permitem um melhor direcionamento da comunicação. Seu público pode ser razoavelmente segmentado, sempre lembrando que o leitor de jornal tende a ser mais informado e analítico que a média do eleitorado, além de ser, naturalmente, alfabetizado. Este é um dado importante em um país onde grande parte da população mal sabe assinar o nome.

Além da segmentação, o número de leitores e a área de cobertura geográfica de um jornal ou revista podem ser razoavelmente definidos, embora não com 1OO% de confiabilidade, principalmente no caso dos jornais de distribuição gratuita.

E importante notar que a linha editorial de um periódico influi no tipo de leitores que tem; isso significa que um candidato progressista dificilmente obterá um bom retorno publicitário se anunciar em um jornal conservador e vice-versa.

A propaganda feita em jornais de segmentos específicos, como boletins de sindicato e comunidades de bairro pode trazer bons resultados, sempre levando em conta o efeito de reforço e a adequação com os segmentos-alvo do candidato. No caso dessas publicações menores, que normalmente enfrentam dificuldades financeiras, o anúncio pode ser visto como uma simpática forma de colaboração.

7.3.3 — Outdoor

Para campanhas locais, o uso do outdoor é uma boa opção, notadamente nas fases de seu lançamento e reforço, devido ao impacto visual e continuidade da mensagem, programada por quinzenas. Um bom outdoor deve ser visualmente limpo, já que o eleitor o vê de passagem e a uma distância razoável. Deve conter uma foto do candidato (ou o símbolo da campanha) com o número, nome e o cargo ao qual ele concorre (quando muito o slogan, se não for comprido).

As principais desvantagens do outdoor são seu alto custo de produção e a baixa seletividade do público. Seu uso intensivo deve ser evitado, pois pode transmitir ao eleitor a idéia de esbanjamento de recursos.

7.3.4 — Cartazes, santinhos e outras peças gráficas

A principal vantagem desse tipo de propaganda é que ela permite uma concentração de esforços em áreas geográficas altamente delimitadas a um custo relativamente baixo, já que não se paga nenhuma taxa de veiculação. Em compensação sua cobertura é mais restrita e a verdadeira guerra pelo espaço faz com que os cartazes sumam no meio uns dos outros, o que suja a cidade, irritando o eleitor.

Já os santinhos e cartazetes, contendo os principais pontos da plataforma, podem ser de grande valia durante a fase de definição do voto do eleitor, além de servir para quebrar o gelo em ações de panfletagem. Jornais de campanha, histórias em quadrinhos (com conteúdo sutil, é bom lembrar) e folhetos com informações técnico-científicas para agricultores também são boas formas de propaganda.

7.3.5 — Brindes

Em toda eleição os eleitores são soterrados por verdadeiras avalanches de brindes, o que devido ao efeito de saturação faz com que a maioria deles (os brindes, não os eleitores) acabe na lata do lixo ou no fundo das gavetas. Como se trata de um instrumento de divulgação relativamente caro, cujo custo tende a subir ainda mais em anos de eleição, é bom observar alguns critérios básicos na sua escolha para evitar que isto aconteça.

Um brinde deve ser útil para o eleitor, o que vai aumentar suas chances de uso. Deve ser bem visível sem chegar a ser acintoso, causando um efeito de propaganda contínua que pode gerar referências ao candidato em conversas entre o eleitor, sua família, amigos e companheiros de trabalho. Por fim, deve ser o mais original possível, já que a novidade é por si só mais um motivo de propaganda. Uma grande (e boa) lista de brindes pode ser encontrada no livro de Ronald A. Kuntz, Manual de Campanha Eleitoral, p. 101-117.

7.3.6 — Mala direta

Dá-se o nome de mala direta a todo o material impresso enviado pelo correio. Sua grande vantagem é a alta seletividade e a possibilidade de uma comunicação personalizada com o eleitor. O principal problema em relação a esse tipo de material é a sua execução, relativamente trabalhosa quando não se dispõe de computadores capazes de imprimir, personalizar e etiquetar a mensagem. A necessidade da listagem dos eleitores e seus domicílios (mailing list) também é outro empecilho. Uma mala direta exige texto criativo, para provocar uma boa resposta e não agredir o eleitor (poucas pessoas gostam de receber aquele calhamaço de ofertas na caixa de correio).

7.4 — RELAÇÕES PÚBLICAS

Por relações públicas (RP) vamos entender o conjunto de procedimentos que visam abrir espaço gratuito para a campanha nos meios de comunicação, através de entrevistas, notícias e comentários favoráveis, visando construir e definir uma imagem adequada do candidato junto aos eleitores.

Os aspectos positivos da atividade de relações públicas são de relativo baixo custo em relação à propaganda tradicional e à credibilidade. A credibilidade é obtida à medida que o veículo transfere ao candidato a confiança que ele recebe de sua audiência, no tocante à divulgação da verdade, ou pelo menos a verdade que o leitor-ouvinte-telespectador está predisposto a ouvir. Caso o candidato consiga transferir essa credibilidade para sua imagem/programa de governo, através de entrevistas bem feitas e bem conduzidas, ele certamente estará ganhando votos junto a audiência.

Como principal desvantagem podemos citar o fato de que o candidato não tem controle em relação ao que é publicado ou vai ao ar, daí a grande importância de uma boa preparação anterior à entrevista, como forma de evitar declarações infelizes ou que possam ser distorcidas.

A atividade de RP exige um bom trabalho anterior de marketing. O candidato deve ser capaz de criar fatos noticiáveis, posicionar-se perante editores e jornalistas como uma boa fonte de informações ou analista abalizado de temas importantes; certas profissões, como economistas, advogados e sociólogos têm vantagem sob esse aspecto, principalmente se o candidato conseguir ser guindado à categoria de comentarista ou consultor, mantendo uma coluna em jornal de boa penetração junto ao eleitorado ou programa diário em emissora de rádio.

O aparecimento dos meios de comunicação de massa (m.c.m.) veio alterar profundamente a dinâmica do processo político. Em muitas regiões, primeiramente o rádio e depois a tevê começaram a diminuir a importância dos partidos na medida em que substituíram o aparato partidário como principal canal de comunicação com o eleitor. Os m.c.m. introduziram a política nos lares, em muitos casos desviando a nossa atenção em relação a consistência da plataforma para as qualidades, atributos e o comportamento pessoal dos candidatos, espetacularizando o processo político. Mas à proporção que transformaram a política em uma de suas “próximas atrações”, os meios também se politizaram e contribuíram para difundi-la, já que para manter sua audiência e conseqüentemente sua competitividade comercial precisam fornecer, além das baboseiras habituais, alguma informação.

Entretanto, nenhum órgão de imprensa sério vai abrir espaço para o óbvio (embora seja impressionante a quantidade que abre espaço para o grotesco) ou informações que não dêem Ibope. O ideal é o candidato saber criar fatos noticiáveis ou antecipar-se aos mesmos, de maneira a gerar entrevistas quando a cobertura da imprensa chegar. Isso pode ser conseguido com maior facilidade se ele possuir boa participação em entidades comunitárias; uma reunião de vizinhos para discutir a falta de segurança no bairro não é algo noticiável, mas desde que o candidato esteja presente e consiga transformar isso em um ato de protesto com algum encaminhamento para as autoridades ele gera uma notícia.

Logicamente, se o candidato conhece ou tem formas de chegar junto a editores ou jornalistas, as coisas ficam mais fáceis. A exemplo do setor de propaganda, essa é uma área em que a contratação de pessoal especializado evita muitos dissabores e decepções.

Um procedimento importante na área de relações públicas é a organização de um arquivo que contenha fichas sobre cada veículo. Elas podem ter o seguinte formato:

DDD

Tal listagem permite uma alocação melhor do esforço no trabalho de RP, não esquecendo que a mesma deve também cobrir a infinidade de publicações de sindicatos, associações de bairro, empresas e similares junto aos principais segmentos eleitorais do candidato. Passemos agora a analisar algumas das características de cada meio no trabalho de RP.

7.4.1 — Jornais e revistas

Nesses meios o candidato tem muitas chances de expor detalhadamente sua plataforma, desde que saiba preparar-se adequadamente para uma entrevista. O ideal é informar-se previamente sobre o tema da entrevista, as características do jornal e do repórter que vai entrevistá-lo. Não esquecer que quanto maior for o número de informações e fatos relevantes para o leitor do jornal e segmentos importantes da opinião pública dados na entrevista, maior será sua transcrição e divulgação por parte do jornal. O valor de uma manchete ou chamada na primeira página é incalculável e muitas vezes, desastroso para candidatos mal preparados.

7.4.2 — Rádio

O rádio é outro excelente meio para se cativarem eleitores, tanto nas regiões rurais, dada a grande dispersão do eleitorado e o hábito de os agricultores levarem seus radinhos para o trabalho e o das donas-de-casa das camadas médias urbanas, que costumam arrumar a casa escutando sua estação preferida. Saber adequar o linguajar, timbre de voz, pronúncia e velocidade da fala é algo fundamental para esse veículo. Devem-se evitar temas complexos, que podem fazer o ouvinte se perder em meio as explicações, tornando a entrevista monótona. O uso de analogias e “causos” para reforçar uma explicação sempre ajuda, na medida em que estimula a imaginação do ouvinte, aumentando a sua interação com o entrevistado. Conseguir junto à direção da emissora um programa diário em horário fixo, ainda que de curta duração, pode ser um empurrão decisivo para a candidatura.

7.4.3 — Televisão

Sem dúvida nenhuma, são as entrevistas, debates e noticiários na televisão que irão garantir maior audiência e repercussão para as palavras ou atitudes do candidato. Quando tiver a chance de falar na televisão o candidato deve transmitir sua mensagem de uma forma concisa com respostas objetivas, esperando que o repórter dirija a entrevista para evitar excesso de material perdido durante a edição da mesma. Eventualmente, ao final do seu depoimento, o candidato pode pedir ao repórter para regravar alguma resposta confusa ou gaguejada. Na frente das câmaras é bom evitar declarações polêmicas que possam causar mal-entendidos, já que o impacto pode ser muito grande e dificilmente haverá chance para consertos (que também raramente reparam em 100% o dano causado).

7.4.4 — Os debates: momento importante das atividades de RP

O debate é uma forma tradicional de se expor os candidatos à opinião pública nos países centrais, onde já foram responsáveis por verdadeiras viradas eleitorais. Em nosso país sua importância é atribuída muito mais à capacidade de influir sobre o voto dos indecisos do que para avaliar a competência do candidato ao cargo em questão.

O fato de essa avaliação de competência ser feita com base em critérios pessoais tem gerado certas distorções nos debates, tanto por parte dos políticos que procuram desqualificar o adversário através do questionamento de sua competência em determinado ramo do conhecimento, geralmente economia ou administração, como por parte dos entrevistadores, mais interessados em ferrar os candidatos através de perguntas sobre sua religião ou o preço do pãozinho, do que em obter respostas sobre pontos falhos ou omissos de seu programa de governo.

Dada a importância de o candidato se sair bem no debate ou pelo menos evitar uma grande derrapada neste tipo de evento — as pesquisas indicam que o entrevistado tende a considerar vencedor o candidato que já tinha sua preferência, pelo menos até a pesquisa ser divulgada indicando o vencedor: é a força da opinião pública. Passaremos a algumas considerações de caráter mais geral, lembrando que existem diversas obras e cursos específicos ensinando os “macetes” para essa área.

Os debates são importantes principalmente no caso de disputas polarizadas em alto grau de equilíbrio, quando um escorregão pode ser fatal. Para os partidos menores ou desconhecidos, debates costumam ser benéficos pois seus candidatos, mesmo sem chance de vencer têm possibilidade de somar pontos pela simples exposição de suas posições a uma grande audiência.

É importante manter uma postura coerente com o posicionamento adotado ao longo de toda a campanha, inclusive quanto ao vestir e o trato dos oponentes. Nos debates em que se espera maior índice de audiência ou espectadores, o candidato deve se preparar para discussão de temas mais gerais evitando dirigir sua mensagem para um segmento mais específico da população. O uso de material de apoio, tal como tabelas e gráficos e o falar claro e objetivo contribuem para uma maior credibilidade e recordação da argumentação.

É preciso fazer uma análise acurada da conjuntura eleitoral antes de se aceitar participar de um debate. Não debater pode evitar grandes problemas ao candidato, por saber que o desempenho do adversário frente as câmaras é melhor, por ter que enfrentar o fogo de todos os outros debatedores juntos ou de algum candidato-kamikaze, mancomunado com seu principal adversário. Um bom exemplo foi a postura de Tancredo Neves, que durante grande parte de sua campanha recusou-se a debater com Paulo Maluf só aceitando fazê-lo quando este já não tinha nenhum sentido. Outro bom exemplo, só que em sentido contrário, foi o de Fernando Henrique Cardoso durante a disputa pela prefeitura de São Paulo em 1985, participando de debates nos quais seu principal adversário não compareceu, o que o fez vítima do fogo de todos os outros participantes, e ainda tendo que enfrentar dois ou três “kamikazes”.

Justamente por causa de todos estes problemas uma assessoria competente deve ser capaz de preparar bem o candidato em todas as áreas, já que esse tipo de evento tende a ser cada vez mais importante para a conquista e/ou manutenção de eleitores.

7.5 — A DIVULGAÇÃO ORAL/PESSOAL

Podemos considerar para efeitos de comunicação eleitoral as atividades de divulgação pessoal onde o eleitor recebe informações a respeito da candidatura transmitidas diretamente por outras pessoas engajadas na campanha, e não do próprio candidato, em contatos face a face ou em comícios e pequenas reuniões.

Devido à sua baixa credibilidade a propaganda de massa, tende a criar uma “armadura” na mente das pessoas sempre que elas se sintam na iminência de serem expostas a esse tipo de atividade, independentemente do meio utilizado. Uma das grandes vantagens da divulgação pessoal é que quando o assunto “eleição” aparece no meio de uma conversa informal ele é apenas um tema a mais, o que evita ou retarda o acionamento dessa armadura, levando a uma maior assimilação da informação emitida.

Outra vantagem desse componente é que ele atinge inclusive indivíduos com menor grau de interesse na eleição, os quais constituem a maior parte do contingente de indecisos. Este tipo de divulgação apresenta uma flexibilidade muito grande contra a resistência natural das pessoas desiludidas com os políticos a falar sobre o assunto, já que o interlocutor pode escolher o melhor momento para se manifestar, relacionando pontos da plataforma com idéias e convicções arraigadas do indivíduo etc. A divulgação pessoal é indicada para o exercício de certas pressões localizadas, responsáveis, no fim das contas, pelo grau de homogeneidade política de cada segmento social.

No nível de divulgação pessoal é importante notar que em cada localidade e junto a cada segmento social/profissional é possível encontrarmos pessoas que se destacam das demais pelo seu interesse, conhecimento e credibilidade em um determinado assunto ou tema especifico (no caso política/eleições). A essas pessoas, conforme mencionamos anteriormente, damos o nome de líderes de opinião. Normalmente vamos encontrá-los na linha de frente dos setores mais articulados da comunidade ou segmento, tais como associações comunitárias, CEBs (comunidades eclesiais de base), entidades estudantis, sindicatos etc. A identificação e conversão desses elementos podem poupar gastos significativos, além de aumentar a receptividade dos“ liderados” à propaganda e atividades de RP do candidato.

A divulgação pessoal também permite uma comunicação de “mão dupla” candidato-eleitor, na medida em que a direção da campanha é informada dos pontos fracos que as pessoas estão encontrando ao divulgar a candidatura, auxiliando o processo de “feedback”.

Como no caso dos componentes anteriores, a divulgação pessoal do candidato se dá através de vários canais, cada um com vantagens e desvantagens peculiares; a regra é mais uma vez, saber combiná-los de maneira a obter o melhor “mix” possível para cada caso.

7.5.1 — Os cabos eleitorais

O cabo eleitoral é o indivíduo que, mediante alguma forma de remuneração direta (salário) ou indireta (favor ou promessa), se engaja de corpo e alma na campanha tendo por função difundir a plataforma do candidato através de todos os meios ao seu alcance, tais como: reuniões, panfletagens, divulgação de porta em porta etc. Outra função importante do cabo eleitoral é servir como receptor de informações úteis para a condução da campanha, já que por estar em contato integral com o eleitorado ele obtém um grande número de indicações sobre suas necessidades, recepção à candidatura, posicionamento dos adversários etc. O uso dessas informações para um “feedback” a respeito do posicionamento do candidato e o conhecimento de seus adversários mais próximos é de grande valia na determinação/correção de estratégias.

O cabo eleitoral aproxima-se muito da figura do vendedor tradicional, o homem que vai a campo. Isto é particularmente importante nas campanhas muito disputadas ou nas quais o candidato e sua assessoria tem que dedicar muito tempo ao “trabalho de bastidores”, correndo o risco de perder um pouco a noção da realidade da campanha o que pode levá-lo à derrota, e pior que isso, a derrota inesperada (jamais se sente naquela cadeira tão desejada até que todas as urnas tenham sido abertas...).

Muitos cabos eleitorais apresentam-se ao candidato da seguinte forma: “Olha, eu tenho 5 mil votos lá na Zona Norte...”. Nem sempre esse tipo de informação é verdadeira; um método fácil de checar sua veracidade é verificar para qual candidato ele trabalhou nas últimas eleições , o que também ajuda a evitar espiões e sabotadores tipo 5a. coluna na campanha e qual foi a votação do candidato junto à zona em questão. Os TREs possuem a relação dos dez candidatos mais votados em cada distrito eleitoral, facilitando esse processo de investigação. Outro ponto importante nesse momento é verificar se o emissor está no nível da audiência, conforme mencionamos anteriormente.

O treinamento para os cabos eleitorais deve indicar-lhes quais serão suas principais áreas de atuação, os aspectos da plataforma a serem abordados, algumas características do eleitorado em questão, aspectos negativos dos adversários, um pouco de psicologia e dinâmica de grupo. A importância desse tipo de treinamento é que ele permite uma avaliação mais precisa das capacidades do indivíduo, possibilita uma melhor aplicação de suas potencialidades, motiva e integra o indivíduo na campanha e finalmente permite avaliar o grau de fidelidade do cabo eleitoral ao candidato, fator fundamental para seu sucesso já que quanto mais ele estiver convicto da validade do que ele está “vendendo”, melhor divulgação dará à candidatura.

7.5.2 — Comícios

O comício é o grande momento da campanha, aquele em que o candidato terá a chance de dirigir-se pessoalmente para um grande número de seus eleitores, buscando reforçar junto a cada um a idéia de acerto da sua escolha, quer pela observação direta da multidão reunida, quer pela emoção que emana desse tipo de encontro, quase uma comunhão de indivíduos.

Existe uma série de detalhes que devem ser observados para a organização de um bom comício, tais como: divulgação, sonorização, localização, facilidade de acesso, segurança e outros dados técnicos que não nos interessa enumerar aqui, visto serem perfeitamente dominados por empresas especializadas, pela organização partidária (ao qual este tipo de atividade está vinculada na maioria do casos) ou por políticos mais experientes, que podem aconselhar o candidato.

Em relação aos aspectos mais estratégicos, é necessário analisar o grau de penetração do candidato e do partido junto ao eleitorado local, bem como o estágio em que a campanha se encontra, pois nada mais frustrante e prejudicial à campanha do que um comício para duas dúzias de gatos pingados ou uma audiência muito abaixo da esperada, já que isto influi no grau de certeza que o indivíduo tem da sua decisão. Como os comícios também obtêm boa cobertura de mídia, influindo também sobre o simpatizante que deixou de ir por motivos variados, os candidatos e os partidos têm mania de superestimar o comparecimento a esse tipo de atividade. Sempre existe a possibilidade de se evitar um passo maior que as pernas, através da realização de minicomícios ou comícios relâmpagos junto a locais mais movimentados, ensaiando e preparando o clima para as grandes manifestações de massa a serem realizadas no final da campanha.

O comício deve ser um espetáculo e evento contagiante, destinado a transformar a multidão em um único ser, obedecendo nesse sentido a algumas regras (o texto a seguir foi baseado na obra de Jean Marie Domenach, A propaganda política): as bandeiras e estandartes se destinam a tornar o cenário grandioso; os emblemas e as insígnias, reproduzidos abundantemente, criam um grande fascínio, impregnando-se de um significado quase religioso na medida em que tendem a se associar a força da massa ali reunida; a música, de preferência executada ao vivo e por artistas com grande penetração junto ao eleitorado-alvo do candidato/partido deve conter temas que se relacionem à campanha (se forem adaptados ao contexto ou aos jingles, tanto melhor) permitindo o canto coletivo, excelente maneira de integrar os indivíduos na sensação de serem um único ser; a claque organizada é um elemento importante, excitando a multidão e marcando os momentos para o que Serge Tchakhotine chamou de ginástica revolucionária (o senta-levanta, as saudações, os vivas, etc.); por fim, o comício deve ser conduzido por um bom apresentador e ter seu tempo planejado de maneira que cada orador seja breve ao passar sua mensagem, batendo sempre nos pontos-chaves da plataforma (evitando serem repetitivos) e preparando, sem cansar a audiência, o clima para o orador principal.

Comício é empolgação e emoção e o candidato deve utilizar frases de efeito, dialogar com a massa, usar de toda a sua eloqüência. Os que não se sentirem seguros para tanto devem ser breves ou mesmo evitar o discurso. Caso o candidato acredite ter um bom potencial a ser desenvolvido, existe um grande número de cursos sobre o assunto com professores e profissionais da área de comunicação, que também ensinam métodos para se organizar a argumentação; obviamente não irão transformar um indivíduo tímido e introvertido por natureza em um Demóstenes, mas poderão fornecer alguns “macetes” valiosos.

7.5.3 — A divulgação voluntária

O trabalho de divulgação voluntária é feito por todas as pessoas que resolveram contribuir espontânea e gratuitamente para a candidatura, optando por levar, em tempo parcial, o nome e a plataforma do candidato aos seus familiares, amigos e conhecidos. Vale aqui o que já foi observado para os cabos eleitorais, com ênfase na questão do treinamento. As principais vantagens deste tipo de divulgação são sua informalidade e credibilidade aliadas à possibilidade de penetração “molecular” do candidato junto a todos os eleitores.

Com o correr da campanha, a presença dos cabos eleitorais também começará a disparar a “armadura antipropaganda” dos eleitores, aumentando a necessidade de uma divulgação mais informal. Este fato aumenta a importância do divulgador voluntário, que precisa estar sendo continuamente motivado e convencido da utilidade da sua função, de forma a estar apto para divulgar a candidatura sempre que houver uma brecha para isto.

7.5.4 — Eventos, reuniões e panfletagens

Os diversos eventos comunitários e de classe, tais como festivais, festas e competições esportivas, constituem-se em bons momentos para a promoção do candidato. Principalmente quando ele está presente, e, se possível, associando seu nome de uma maneira simpática ao evento, sem tentar ocupá-lo, o que acabaria gerando conflitos com a comissão organizadora. Através do SIME é possível obter a data dos eventos com certa antecipação e fazer uma estimativa do número provável de eleitores presentes, de forma a se dimensionar corretamente o esforço de comunicação a ser feito.

Reuniões em clubes, entidades de classe e associações comunitárias também não devem ser desprezadas como núcleos geradores de voto e formadores de opinião, principalmente se o candidato puder destacar algum ponto de sua plataforma favorável ou benéfico para a entidade em questão. É preciso levar em conta que, quando a diretoria de uma entidade dá o seu aval para a realização deste tipo de atividade, ela está se sujeitando a críticas de toda a espécie, por isso há a necessidade de gerar um fato benéfico para a mesma ou de saber agradecer à altura Mais uma vez aqui vale o conselho: ir bem preparado para discutir e analisar os assuntos mais pertinentes aos associados e adequar a forma do discurso às características desses receptores.

A panfletagem é uma atividade destinada a promover o candidato através da distribuição do programa da campanha junto a lugares de grande concentração como feiras, cruzamentos movimentados e os eventos já mencionados anteriormente. Sua eficiência, apesar do caráter notadamente propagandístico, pode ser atribuída ao fato de apanhar o eleitor de surpresa, procurando fazer com que ele guarde os folhetos e os brindes distribuídos para serem lidos em um momento mais calmo.

É bom realizar uma espécie de mapeamento para as três atividades mencionadas acima, de forma que se possa visualizar e controlar o nível de esforço para cada região/segmento.

7.6 — O COMPOSTO PROMOCIONAL

Conforme definido anteriormente, damos o nome de composto de comunicação ao conjunto de atividades destinadas a divulgar uma candidatura e convencer o eleitor a eleger um candidato; já vimos como cada um dos componentes do composto funciona e quais as características de seus diversos meios.

É importante que se tenha uma visão total do conjunto, de forma a compatibilizar os esforços visando um efeito de sinergia (um todo maior que a soma das partes). O candidato deve mapear cada região e segmento que pretenda atingir, relacionando o tipo de atividade aplicada a cada período de tempo que julgar adequado, lembrando sempre de reservar uma parcela de seus esforços para o final da campanha, quando a guerra pelo voto se intensifica, fazendo com que ele possa vir a perder eleitores já convertidos caso não reforce suas memórias.

Por falar em reforçar a memória, também é importante que o composto tenha definidos as formas e apelos utilizados para combater os concorrentes, sempre levando-se em conta as considerações anteriores a respeito dos problemas que atitudes mais agressivas trazem à imagem dos políticos como um todo, além da sua eficiência duvidosa. A linguagem e os temas a serem utilizados deverão ser unificados para funcionar de maneira cumulativa na cabeça dos eleitores, procurando demonstrar que o posicionamento do adversário possui este ou aquele furo, contradizendo seu discurso e sua plataforma. Quando se possui grande poder de fogo, a tática é escolher o ponto fraco do adversário e detoná-lo de todas as maneiras.

Foi exatamente o que ocorreu em 1986 durante a disputa pelo governo de São Paulo: a assessoria de Orestes Quércia percebeu que o ponto central na linha comunicação/posicionamento de Antonio Ermirio era sempre no sentido de mostrar que ele era um bom patrão, o que tinha um efeito positivo junto à grande parte da população. A partir dessa constatação, procurou-se demolir essa imagem de todas as maneiras possíveis, com os argumentos peemedebistas batendo sempre nessa tecla. O sucesso dessa prática certamente contribuiu para a derrota do candidato do PTB.

Para sistematizar um pouco o que foi explanado nos itens anteriores, confeccionamos duas tabelas úteis na definição do composto. Elas não eliminam a necessidade de assessoria profissional na área, mas certamente contribuem para a elaboração do planejamento de comunicação e fornecem subsídios para discussão com elementos desta assessoria.

A primeira tabela examina a eficiência relativa de cada componente frente a alguns critérios básicos para determinação do composto.

A segunda tabela nos mostra a adequação de cada um desses componentes em relação à fase do processo de tomada de decisão do eleitor.

Nestas tabelas o fato de cada componente ter sido situado em relação ao outro exclui a possibilidade de exceções, fruto de um comercial brilhante ou apadrinhamento explícito de algum órgão de comunicação poderoso, por exemplo. Porém tais situações tornam-se cada vez mais raras, principalmente num meio ambiente altamente competitivo como é o eleitoral. E o planejamento que se baseia no brilhantismo desta ou daquela tática, ou conta com exceções, certamente é planejamento destinado ao fracasso.

7.7. — A COMUNICAÇÃO COM O ELEITORADO DE BAIXA RENDA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Em um país pobre como o Brasil, no qual 42% da população economicamente ativa acima de 20 anos ganha até três salários mínimos (informação obtida através do Anuário Estatístico do Brasil, IBGE, 1985), é importante para o candidato estar a par de como seu composto de comunicação atinge essa faixa do eleitorado e quais as melhores maneiras de contornar os problemas existentes.

Neste segmento, a dificuldade de a população obter informações é muito grande, em primeiro lugar porque as necessidades básicas ainda não foram satisfeitas (alimentação adequada, moradia, etc.) e depois porque seu referencial de comunicação é muito diferente do das camadas médias da sociedade, de onde sai a maioria dos candidatos. Portanto, saber estimular a comunicação com esses elementos é o primeiro passo a ser observado.

Muitas vezes os panfletos e santinhos usam expressões do tipo: “contra a dominação do capital estrangeiro, pela defesa da democracia, vamos acabar com a desigualdade” etc. Acontece que muitos desses termos inexistem no repertório destas camadas, não por dificuldade de compreensão, mas por absoluto distanciamento com seu cotidiano. Isto acaba por levar os indivíduos a criarem conceitos e definições altamente pessoais sobre cada uma dessas expressões, o que toma qualquer diálogo impossível já que a mesma palavra não possui o mesmo significado para ambas as partes. A sofisticação na linguagem é a melhor forma de se manter uma candidatura distante dos segmentos mais populares.

Para minorar o problema é preciso selecionar as idéias da forma mais clara e articulada possível, partindo dos pequenos temas de caráter mais imediato para os grandes problemas estruturais, como maneira de prender a atenção e desenvolver o repertório desses indivíduos. Uma seqüência possível é: falta de calçamento, dificuldades de transporte, mudar para um lugar melhor, impossibilidade de obter casa própria/pagar aluguel, desigualdade de renda, necessidade de mecanismos que distribuam melhor a renda, maior atenção por parte do Estado, maior representação popular.

Este é um trabalho que leva tempo, mas permite ao candidato desenvolver laços duradouros com esse eleitor, na medida em que seu caráter pretensamente educativo possibilita a criação de um referencial em comum com o resto dos segmentos sociais. O voto originário deste tipo de relação costuma ser fiel e dificilmente modificado pelo esforço de comunicação tradicional dos adversários.

Não se devem ignorar também, além desta questão de conteúdo, alguns aspectos mais propriamente estéticos. Boa parte desses eleitores é analfabeta ou semiletrada e materiais gráficos impressos em tipos miúdos tendem a ser rejeitados. O ideal é usar letras grandes e bem espaçadas ainda que isto implique em transmitir poucas idéias de cada vez.

Em muitos casos, o uso de símbolos que possuam uma identificação com esse eleitor ajudam a memorização: o candidato que tenha a construção de mais moradias populares como um de seus temas base pode usar um joão-de-barro como símbolo junto a eleitores do interior ou daí procedentes.

Particularmente na periferia das grandes cidades é importante tentar obter penetração junto às comunidades eclesiais de base, sociedades de amigos de bairro e associações análogas, uma vez que suas lideranças têm poder de influência sobre o voto dos moradores da região. Essas entidades, embora empenhadas em questões de alcance mais imediato são sensíveis a apelos abrangentes e de longo prazo, podendo seus líderes atuar no sentido de fazer a cadeia de relações anteriormente mencionadas. Outra forma de conseguir votos nesse segmento é através de dobradinhas com candidatos da região, pois este eleitorado costuma ser mais efetivo na transferência de votos para candidaturas aliadas do que o das classes mais favorecidas.


 

CAPÍTULO VIII
OS PLANOS OPERACIONAIS

 

Uma vez que as etapas anteriores do processo de planejamento estejam implantadas é preciso determinar quais os instrumentos a serem manejados para se atingirem os objetivos propostos. Cada um desses instrumentos é um plano operacional que pode ser de caráter tático (determinação de ações específicas) ou organizacional (determinar quem faz o quê, como e com quais recursos). De certa maneira podemos compará-los a ferramentas: não adianta ter uma caixa cheia com as mais bonitas e melhores se elas não servem para apertar os parafusos ou não se sabe quais parafusos devam ser apertados.

Embora não seja nosso propósito esmiuçar cada tipo de plano, até porque para isso seriam necessários muitos e muitos livros, pretendemos analisar de forma bastante superficial os mais importantes, destacando os principais pontos a serem observados em relação a cada um deles.

8.1 — A ORGANIZAÇÃO

A complexidade e sofisticação das operações necessárias para o bom desenvolvimento da candidatura necessitam da supervisão de uma equipe de trabalho destinada a auxiliar o candidato, mesmo no caso de campanhas com menor abrangência.

Normalmente as pessoas do primeiro escalão do comitê são os amigos ou correligionários mais identificados com as propostas da candidatura, devendo gozar de confiança total por parte do candidato, o que colaborará para diminuir as intrigas e o jogo de poder que se desenrolam internamente na organização. É importante que essas pessoas acompanhem toda a campanha, o que vai exigir, conforme o cargo ocupado e o tipo de eleição, disponibilidade de tempo total. Esse é um fator de peso na hora de se definirem o cargo e as responsabilidades de cada colaborador.

Obviamente, a complexidade da organização vai variar em função do cargo pretendido e da cobertura da campanha. Um candidato a vereador de uma cidade pequena ou média pode perfeitamente se virar com três ou quatro auxiliares diretos; uma disputa para prefeito da capital certamente empregará mais gente que muitas pequenas ou médias empresas. Cada caso é um caso, o que não nos impede de citar algumas funções básicas a serem cumpridas em qualquer candidatura, que, em função do volume de responsabilidades envolvidas e de pessoas disponíveis, poderão ser desdobradas em dois ou mais cargos, sempre levando-se em conta a disponibilidade de tempo do pretendente ao cargo, sua qualificação para o mesmo e a confiança que ele goza por parte do candidato.

A) Coordenação Geral — é o lugar do dirigente executivo da campanha. Cabe a ele assumir todas as funções de chefia (execução do plano de marketing, administração do orçamento, do pessoal etc.) bem como supervisionar os demais setores de maneira a ter uma visão global de todo o processo, embora não precise ser necessariamente o principal articulador e estrategista. É ele quem vai liberar o candidato para o contato direto com os eleitores e o trabalho de bastidores (obtenção de recursos, formalização de alianças, costura de apoios dentro do partido etc.). É o pára-raios do candidato, a função mais espinhosa de uma campanha.

B) Coordenação Financeira — esta área engloba a captação de recursos (em dinheiro, material, serviços gratuitos etc.), a alocação e controle desses recursos e o planejamento financeiro propriamente dito. Depois da coordenadoria geral é uma das funções mais ingratas a serem desempenhadas, pois terá de sentar em cima do caixa ao mesmo tempo que sair de chapéu na mão, cobrando e bolando formas de captar doações e contribuições para a campanha. Seu ocupante deve formalizar os procedimentos para controle (tesouraria), bem como efetuar previsões quanto ao fluxo de caixa. Em campanhas mais restritas (vereador, deputado estadual, prefeito de pequenas cidades) é uma tarefa que pode ser dividida entre o candidato e o coordenador geral. No caso de pleitos mais abrangentes o melhor é passar a bola para alguém de extrema confiança, familiarizado com o assunto e capaz de arrumar subordinados a altura, de forma a obter uma condução o mais profissional possível.

C) Coordenação de Operações — é a área responsável pelos serviços que dão suporte às atividades da campanha, tais como organização de viagens, comícios, boca de urna, controle e manutenção de veículos, distribuição das cotas de combustível, ações de panfletagem, festas etc. Pode ser desdobrada em várias divisões principalmente no caso de campanhas com alta abrangência geográfica (o que levaria ao estabelecimento de coordenadorias regionais ou tipo Capital e Interior, por exemplo).

D) Coordenação de Infra-estrutura — atua muito próxima da área anterior, o que permite sua junção no caso de eleições menos abrangentes. A compra, estocagem e distribuição dos diversos materiais utilizados em uma campanha são suas atividades, o que coloca seu responsável frente a tarefa de escolher e lidar com os fornecedores, devendo portanto possuir alguma familiaridade com essa área ou ser assessorado por profissionais do mercado.

E) Coordenação Administrativa — é a responsável pelo SIME, funcionando como um banco de informações para as demais coordenadorias além de centralizar os procedimentos de controle dos recursos materiais e humanos da campanha. Ministra ou supervisiona os cursos e treinamentos para cabos eleitorais e auxiliares voluntários. É mais um setor em que o uso de microcomputadores ajuda bastante, face ao grande volume de informações que necessita processar.

F) Assessorias Diversas — foram todas postas no mesmo saco para efeitos de descrição mas cada uma deve ser ligada à sua área específica ou diretamente ao candidato, conforme for surgindo a necessidade. Aqui se enquadram: as assessorias de imprensa, de comunicação, de marketing, jurídica e tantas quantas forem necessárias para acomodar funções especificas ou delicadas (aquelas cujo controle esteja gerando discórdia ou confusão entre o primeiro escalão da campanha) bem como o incontável número de “Aspones” que aparecem em torno das candidaturas mais badaladas.

G) Conselho Político — é o órgão decisório da campanha, responsável pela formulação de estratégias e decisões em nível macro sobre os temas mais importantes tais como: composto de comunicação, alianças, elaboração da plataforma e outras decisões de posicionamento, desistência etc. Dele devem fazer parte em caráter permanente o candidato, o coordenador geral e os demais coordenadores, incluindo ainda o secretário do candidato, responsável pela sua agenda. Ocasionalmente, conforme o assunto em pauta, poderão ser convocados assessores, políticos aliados ou padrinhos da candidatura.

Como pode-se observar, existe um grande número de atividades a serem divididas, o que não impede uma pessoa de se ocupar de duas ou mais tarefas. O importante é delimitar corretamente cada uma dessas tarefas, integrando-as a um cargo determinado e explicitando seu alcance e responsabilidade. Nada impede que um Coordenador de Operações seja também o de Infra-estrutra, desde que tenha as duas funções bem separadas em sua cabeça, tempo e capacidade para ambas. É preciso também ser capaz de saber usar ao máximo as assessorias, sempre que houver recursos para isto.

O ideal é formalizar todas essas tarefas e cargos, elaborando um organograma detalhado, que servirá de guia não só para o pessoal de primeiro escalão como também para a orientação dos membros do segundo escalão (chefes de divisão, cabos eleitorais, colaboradores voluntários), empregados do comitê e outros trabalhadores de caráter temporário/profissional junto à campanha.

Deve-se buscar sempre uma estrutura harmônica e autoregulável, na qual a decisão seja centralizada e a execução descentralizada, de maneira que não se perca tempo com discussões altamente específicas ou estéreis. O meio termo ideal provavelmente nunca vai ser encontrado, mas é preciso estar empenhado em se chegar perto dele.

O mais perigoso no tocante à estrutura da campanha é quando as ambições e rivalidades pessoais (que sempre vão existir) começam a predominar sobre o espírito de equipe. Existe uma verdadeira guerra pela disputa de prestígio junto ao candidato e talvez essa seja a parte mais delicada no processo de administrar uma campanha, mesmo porque freqüentemente os desafetos são parentes ou amigos íntimos do candidato. Um certo nível de competição é até salutar na medida em que funciona como estimulante, porém precisa ser vigiado de perto para que as pessoas não deixem de vestir a camisa do candidato e passem a jogar pelo seu próprio time. O bom candidato deve saber conciliar todas as expectativas ou ser capaz de realizar “intervenções cirúrgicas” sempre que necessárias, as quais, embora traumáticas, eliminam o risco de uma “infecção generalizada”.

8.2 — FINANÇAS

A partir da montagem do orçamento, a campanha começa a sair do papel para se tornar palpável. Um orçamento deve conter além das estimativas de receita e despesa discriminadas com o maior grau de detalhamento possível, a previsão do momento em que elas deverão se efetuar, a fim de ser possível determinar um fluxo de caixa que permita uma grande eficiência na administração financeira (aplicações), evitando o aparecimentos de “buracos” na hora errada.

Ao se elaborar um orçamento, é preciso tomar cuidado com seu grau de adequação à realidade. Despesas subavaliadas podem esgotar os recursos a poucos dias da votação, jogando fora todo dinheiro gasto até o momento. Existem dois fatores que contribuem sobremaneira para isso: as taxas elevadas de inflação que estamos atravessando nos últimos quatro ou cinco anos e a escassez de materiais e serviços que normalmente ocorre à medida que a eleição esquenta, elevando os preços (os órfãos do cruzado conhecem esse fenômeno pelo nome de ágio).

Uma forma de amenizar as distorções que a inflação provoca é a elaboração do orçamento em OTNs, para que haja controle sobre a aceleração inflacionária, ou em dólares ao câmbio oficial, o que diminui o risco de o candidato ser pego de calças curtas por uma súbita manipulação de índices. Obviamente a segunda opção deve ser empregada somente no caso de grandes somas de dinheiro; para os demais casos o uso da OTN já garante uma boa precisão.

Em relação ao ágio, uma forma de se contornar o problema é fazer a compra antecipada do produto ou serviço. Em relação aos materiais esta prática pode servir até mesmo como aplicação financeira, resultante da estocagem e posterior revenda para outros candidatos. Uma verificação minuciosa do porte da empresa e de sua capacidade para garantir a produção ao preço contratado também ajuda a evitar problemas futuros.

Na feitura do orçamento propriamente dito, podemos classificar oito grandes contas pelo lado da despesa:

A) Despesas de Comunicação — incluem os gastos com materiais de divulgação e propaganda, remuneração da agência de propaganda, da assessoria de imprensa, das firmas que prestam serviços em comícios, remuneração de artistas, gastos em eventos etc.

B) Despesas Operacionais — são aquelas que se destinam a cobrir os gastos com o ativo fixo da campanha, como aluguel, móveis, água, luz e telefone, material de escritório etc.

C) Despesas com Pessoal — salários dos assessores, dos empregados do comitê, motoristas, cabos eleitorais etc.

D) Despesas de Viagem — são os gastos efetuados pelo candidato e sua comitiva com as viagens e caravanas previstas no roteiro da campanha. Incluem transporte, hospedagem, alimentação etc.

E) Despesas com Veículos — seu peso no orçamento tende a ser cada vez maior, necessitando de um acompanhamento e controle rigoroso para não estourar a previsão. Incluem gastos com compra ou aluguel, pintura, sonorização, oficina, combustível etc.

F) Despesas com Aliados — podem chegar a ser bastante elevadas, conforme o número de alianças e o grau de negociação feito com as mesmas (maiores esclarecimentos no tópico correspondente).

G) Despesas Diversas — incluem os gastos com donativos a clubes, associações e entidades do gênero, bem como os gastos com presentes de casamento, aniversário, despesas de lanchonete e restaurante, todas de difícil previsão mas de ocorrência constante.

H) Reservas — conforme o leitor pode notar, a maioria das classes de despesa apresenta um “etc.”. Quanto menor o grau de adequação do orçamento ou dos controles utilizados, maior vai ser o gasto na conta “etc.”, a qual os técnicos chamam de reserva de contingência. Seu volume é fixado em termos percentuais sobre a soma de todas as outras despesas, devendo variar entre 10 a 20% das mesmas. Quem efetua uma provisão maior está reconhecendo implicitamente que existem falhas graves na elaboração do orçamento ou dos mecanismos de controle.

As receitas podem ser divididas em três grandes contas: recursos do candidato, recursos do partido e contribuições de terceiros, que podem ser subdivididas em pessoas físicas e jurídicas, inclusive em termos de doação de material.

Um orçamento de caráter abrangente (previsão e planejamento) para as grandes classes de despesa poderá ter o seguinte aspecto:

Do confronto desta tabela com a similar aberta para as receitas poderá ser obtido o fluxo de caixa da campanha, período a período, indicando quais as épocas em que poderá existir sobra ou falta de dinheiro, o que permitirá um remanejamento das despesas e receitas, inclusive em função do composto de comunicação do candidato, evitando dúvidas e atropelos de última hora.

A forma de representar um fluxo de caixa é bastante simples, conforme se pode observar no exemplo abaixo.

Figura 8.1 — Fluxo de caixa.

O fluxo é uma representação simplificada do tempo e da direção das operações financeiras. A linha horizontal do diagrama vai representar a duração da campanha, dividida em períodos iguais. O dinheiro recebido vai ser representado por uma seta apontando “para cima” a partir do ponto da linha em que vai se dar o recebimento. Os gastos vão ser representados por uma seta apontando “para baixo”. Tal esquema também pode ser usado em função do resultado final do caixa para cada período (despesas-receitas), permitindo verificar antecipadamente problemas de caixa.

No exemplo em questão, podemos observar que o nosso candidato começará a disputa com uma certa folga de recursos, mas ficará com um déficit para o último mês de campanha, justamente quando todos os seus adversários costumam intensificar os esforços na busca dos (muitas vezes decisivos) votos indecisos. As soluções indicadas são a formação de reserva equivalente ao déficit ou um corte dos gastos considerados supérfluos em outros meses.

Quanto maior for o grau de detalhe em um orçamento, mais fácil será o ajuste dos planos às restrições de verba que porventura existam, evitando um corte indiscriminado ou linear, bastante prejudicial para a execução dos planos de marketing e mesmo para o “clima” da candidatura. O controle também fica facilitado, já que, caso necessário, a tesouraria deve ser capaz de fornecer o paradeiro de cada centavo gasto. Obviamente, o grau de detalhamento nas contas e previsões vai variar conforme o tipo de uso a que se destina cada tabela de orçamento; deve-se adequar o volume de informações às necessidades e ao tempo disponível do solicitante.

8.3 — O ESQUEMA DE ALIANÇAS

A “dobradinha” com outros candidatos pode ser um meio eficiente para o candidato ampliar seu raio de ação junto aos públicos secundário e indireto, notadamente quando se trata de penetrar em certos redutos muito fechados como é o caso de comunidades de imigrantes ou mesmo regiões geográficas.

O primeiro passo para montar uma aliança é verificar quais eleitores são passíveis de sensibilização pelo conceito e posicionamento do candidato. Normalmente, trata-se de segmentos adjacentes a base da campanha: se o candidato tem uma penetração na área B, pode conseguir um bom número de adesões nas áreas A e C; se o seu maior potencial de votos se encontra na classe dos professores universitários, pode ter boa aceitação por parte dos auxiliares de ensino, funcionários das faculdades e alunos, e assim sucessivamente.

A seguir listam-se os candidatos adversários que possuem bases fortes junto a esses segmentos adjacentes bem como o “poder de fogo” de cada um deles, para verificar se vale a pena comprar uma briga e quais as possibilidades de vitória ou obtenção de um número significativo de votos. Dessa compatibilização será possível obter os redutos e segmentos mais fáceis de serem atingidos.

Finalizada esta fase, o candidato deve procurar encontrar junto ao seu partido ou coligação os candidatos a cargos não conflitantes, com boa penetração nos segmentos mais promissores e propor as alianças. E bom não se esquecer de cuidar também das próprias bases e fechar dobradinhas capazes de fortalecer sua posição contra possíveis ataques por parte dos adversários.

Após um primeiro contato para sondar a receptividade do possível aliado, é hora de verificar se existe uma compatibilidade entre as posições ideológicas, propostas e idéias de ambos candidatos. Quanto maior for esse grau de concordância maiores as possibilidades de as alianças virem a dar certo, já que a transferência de votos não se faz por meio de dois nomes e uma frase em um santinho, mas via uma real integração das campanhas e empenho dos dois lados.

Uma aliança funcionará bem se houver interesse e empenho de ambas as partes não só em relação a transferência de votos mas também quanto aos apoio financeiros, material e moral. Aliás, é sempre bom que o candidato “financiador” procure contribuir com material e não com recursos monetários para o candidato financiado, como forma de garantir a aplicação correta desses recursos e manter a unidade visual de sua campanha.

O importante é a existência de confiança entre as partes, construída sobre uma similaridade de idéias ou acordos para o futuro, já que as eleições de deputados e senadores não coincidem com as de prefeito e vereadores, responsáveis por uma maior efetividade na transferência de votos junto a regiões ou segmentos altamente localizados. A confiança entre os aliados deve ser total, já que casos de AIDS eleitoral (Aliança Interrompida Depois de uma Sacanagem) podem ser fatais para as pretensões de ambos os candidatos.

Alianças são um elemento importante na elaboração das táticas para obtenção de votos principalmente no caso de candidatos novos, os quais têm suas chances consideravelmente aumentadas se conseguirem carrear o apoio de algum político veterano representativo. Se forem bem escolhidas e trabalhadas, seu poder é tão forte que permite ao candidato eleger-se sem maiores sacrifícios. Elas permitem estender a influência da campanha para grupos e regiões onde não existiria possibilidade de se obter votos.

8.4 — A FISCALIZAÇÃO E A BOCA DE URNA
8.4.1 — Fiscalização

Um bom esquema de fiscalização pode ser a diferença entre ganhar ou perder. A ação fiscalizadora é muitas vezes subestimada pelos candidatos, mas altamente necessária face a precariedade do sistema de apuração e do funcionamento da justiça eleitoral, notadamente nas regiões mais distantes do país, embora áreas mais desenvolvidas estejam afetas ao problema. Um bom exemplo foram os acontecimentos durante a disputa pelo governo do Rio Grande do Sul em 1982, onde o candidato do PMDB tirou seu time de campo muito cedo, quando as primeiras urnas indicavam uma vitória esmagadora do candidato do PDS e posteriormente, à medida que sua votação foi encostando na do adversário, ele reconvocou os fiscais, mas aí já era muito tarde, embora a diferença final tenha ficado em menos de 1%. Mais recentemente, houve o caso das eleições para prefeito de Goiânia em 1985, onde o candidato petista perdeu por uma diferença ínfima de votos para o candidato da situação, após uma série de denúncias de irregularidades.

Candidatos ao legislativo, embora impossibilitados de cobrir todo o Estado ou município podem procurar armar esquemas fortes ou pelo menos visíveis junto aos distritos nos quais esperam seus melhores resultados ou uma disputa palmo a palmo com adversários. Os candidatos às prefeituras das cidades menores devem mobilizar todos seus correligionários para esta tarefa, não contando apenas com os fiscais do partido. Deve-se procurar garantir fiscalização (ou presença ostensiva de fiscais) em todas as juntas apuradoras. Para os candidatos que dispuserem de recursos, vale a pena articular juntamente com os diretórios da região cursos rápidos sobre legislação eleitoral, já que é freqüente o caso de fiscais incapazes de impugnar uma urna na hora certa ou encaminhar denúncias de fraudes.

8.4.2 — A boca de urna

No Brasil é incrivelmente elevado o número de eleitores que chegam ao dia da votação sem ter definido o seu voto. Essa proporção, que gira em torno dos 10-15% nas eleições majoritárias (o suficiente para se inverterem muitos resultados), pode subir a mais de 50% no caso de eleições para o legislativo.

As causas deste problema são variadas, mas no que nos interessa mais de perto dizem respeito ao maior número de candidatos ao legislativo, ao papel secundário atribuído a esse poder após o golpe de 64 com a centralização das decisões no executivo e a grande cobertura que a imprensa dedica às eleições majoritárias, fornecendo maiores subsídios para o eleitor escolher antecipadamente seu candidato.

Mas mesmo em eleições para prefeito e governador não se deve descuidar do trabalho de boca de urna, pois embora sua eficiência em termos de “ganhar votos” possa ser discutível, não resta dúvida quanto ao seu papel de manter o voto frente às pressões que os boqueiros dos outros candidatos certamente farão. De certa forma, a boca de urna também contribui para criar ou manter o clima de unanimidade, tão importante na conquista do eleitor indeciso.

O curto período de tempo para a realização dessa atividade (9 ou 10 horas), só vem aumentar a necessidade de um bom planejamento para sua realização.

Deve ser preparado um esquema capaz de fornecer àqueles que vão trabalhar como boqueiros toda a retaguarda possível, inclusive como forma de afastar o desânimo, o maior empecilho para a eficiência desse tipo de atividade. Basicamente, os seguintes pontos devem ser observados:

A) Determinar uma cota suficiente de material, bem como um recipiente adequado para armazená-lo (sacola ou avental), o que evita o desperdício e uso inadequado. Essas cotas podem ser renovadas através de postos volantes ou centrais de abastecimento próximas às maiores zonas eleitorais.

B) Criação de um esquema capaz de fornecer alimento e líquido para os boqueiros, já que este trabalho exige muito da garganta, evitando uma quebra da moral ou abandono do posto. Podem ser distribuídos por postos volantes ou através de vales descontáveis nos bares das redondezas.

C) Orientação quanto as formas de contato com o “QG” da campanha, a fim de pedir apoio material ou denunciar fraudes e outros atos ilícitos praticados por adversários. Esse “QG” deve contar com assessores de plantão para as orientações iniciais e deslocamentos que se fizerem necessários.

D) Existência de cursinhos compactos sobre alguns aspectos envolvidos no trabalho de boca de urna, desde um pouco de psicologia (abordar pessoas com características semelhantes, saber puxar papo) até pontos básicos de legislação eleitoral (muitas vezes a boca de urna só é permitida após uma distância de “xis” metros do local de votação etc.).

E) Estabelecimento de um sistema de rodízio nas áreas mais críticas, já que o trabalho de boca de urna é extremamente desgastante e as pessoas tendem a ir abandonando seus postos à medida que o dia avança.

Embora esses sejam os principais aspectos a serem levados em conta, para aqueles que desejam aprofundar-se no assunto recomendamos a leitura dos manuais de boca de urna que os partidos costumam confeccionar indicando os principais problemas que podem ocorrer, perfeitamente utilizáveis por parte dos candidatos a deputado e prefeitos de cidades menores. Dois bons exemplos desse tipo de material são os manuais do PT e PMDB utilizados na campanha para a Prefeitura de São Paulo em 1985.

A necessidade de manter o moral sempre elevado é fundamental. Uma das funções desses manuais e cursinhos é justamente essa: valorizar o trabalho de boca de urna, se possível com palavras do próprio candidato. O boqueiro voluntário é um indivíduo disposto a suar a camisa pela candidatura, e por isso deve receber (ou achar que recebe) toda atenção e consideração possível por parte do candidato. Além, naturalmente, da camiseta.

8.5. — GUERRA É GUERRA

Sob muitos aspectos podemos considerar a eleição como uma guerra na qual se travam verdadeiras batalhas pela conquista do voto. As armas leves vêm representadas como santinhos e brindes; as grandes ofensivas se dão através do uso intensivo dos cabos eleitorais e comícios; a cooptação ou o financiamento de lideranças dissidentes junto as bases do adversário nos fazem lembrar alguns princípios da guerra de guerrilhas etc.

Nos últimos anos tem sido freqüente o aparecimento de trabalhos que procuram realizar uma adaptação dos principais conceitos e táticas militares para o campo do marketing. Alguns desses princípios, de caráter bastante genérico, podem servir de apoio para elaboração da estratégia de conquista dos eleitores. Embora forneçamos aqui somente noções básicas, aplicáveis principalmente no caso de eleições majoritárias, recomendamos aos leitores que se interessarem mais profundamente pelo assunto o exame do livro Marketing de Guerra, de Al Ries e Jack Trout, de onde extraímos os conceitos para feitura deste tópico.

Vale ressaltar novamente a importância da informação, tanto sobre os diversos segmentos que compõem o eleitorado quanto sobre o eleitor em si. Podemos considerar, a segmentação do eleitorado como um mapa do “macroterreno”. É a partir desse mapa que seremos capazes de visualizar nossa posição e determinar os segmentos periféricos das nossas bases, nos quais pode ser mais efetivo o esforço de sensibilização. Uma vez de posse desse mapa, já podemos partir para o estudo do “microterreno”, isto é, a mente do eleitor.

Podemos visualizar a mente do eleitor como uma montanha. Quem conseguir ocupar o topo dessa montanha receberá o voto. A melhor forma de chegar a ele é conhecer bem o terreno e escolher o melhor caminho antes que outros o façam. Traduzindo para os termos aos quais estamos mais acostumados: pesquisar os eleitores e antecipar-se aos adversários, mantendo sempre nossas “forças” concentradas e prontas para a ação. Este é um princípio válido também no campo de batalha verdadeiro.

Porém, já sabemos que nem sempre isto é possível, o que nos leva à necessidade de examinar alguns aspectos do problema quando o adversário também conhece o terreno e já se faz presente, quer ocupando o topo da montanha, quer tentando remover o outro candidato lá de cima.

A primeira consideração importante diz respeito à força que cada um dos lados possui na disputa. É natural que o lado mais forte vença já que possui recursos ou capacidade para contratar os melhores assessores, maior número de cabos eleitorais, realizar mais propaganda e fazer mais pesquisas. Enfim, tem a capacidade de colocar o maior número possível de “soldados” em ação no ponto decisivo, o que garante a vitória na maior parte dos casos.

A contra-argumentação mais comum ao que foi exposto acima é a de que o adversário pode ter o maior e melhor “esquema” mas nosso pessoal é melhor. De fato, é nisto que você deve fazer seus colaboradores acreditarem, como forma de manter o moral da “tropa”. Mas, provavelmente vai se dar mal se planejar a vitória apenas em cima dessa hipótese. O princípio da força continua valendo, ainda mais se é você quem está atacando.

Outro princípio importante é justamente o da superioridade da defesa. Fica difícil concorrer com alguém que esteja solidamente entrincheirado junto a uma boa base. Aliás, esta é mais uma razão para você não descuidar das suas bases, já que também deve haver alguém de olho nelas, principalmente no caso das eleições legislativas. A regra militar é que para ter chance de ser bem sucedido em um ataque frontal as forças atacantes devem superar os defensores na proporção de três para um.

Então como desalojar o oponente do topo da montanha? Bem, isto é possível desde que você aplique mais um dogma militar: estude seu adversário atentamente, encontre um ponto fraco, concentre suas melhores forças o mais rapidamente possível de forma a obter uma superioridade relativa naquele ponto e então, ataque a jugular. Lembre-se de que o grau de surpresa varia inversamente ao tamanho da ofensiva.

Esse dogma vale tanto para o ataque como para a defesa; no caso de ser atacado por uma “força” numericamente superior, procure concentrar suas forças no ponto decisivo de defesa, conforme a altura e o desenrolar da campanha, pois nem sempre há tempo ou capacidade para se articular um contra-ataque.

É importante frisar que quanto mais próximo o segmento atacado estiver das suas bases, maior será a possibilidade de criar identificação, facilitando o ataque. Caso o adversário seja bem mais forte, o ideal é atacar em uma frente estreita, de forma a evitar um revide imediato e arrasador, o que nos dá tempo para consolidar a liderança nesse novo segmento (resumindo: sopa quente se toma pelas bordas e aos pouquinhos).

Se você estiver com grande desvantagem de recursos, evite cair na tentação de espalhar demais suas forças. Ataques em frente ampla, raramente dão certo, até porque é difícil sustentar muitas posições de atrito. Concentre-se em um segmento o qual você possa defender com relativa facilidade, e vá se expandindo cuidadosamente, até atingir o número de votos suficientes para garantir sua eleição. Este procedimento é válido principalmente no caso de disputas legislativas, nas quais o “poder de fogo” de cada candidato é bastante reduzido, mas seu número elevado acaba por criar grande número de posições de atrito altamente desgastantes.

Para ilustrar tudo o que foi dito anteriormente vamos analisar um aspecto da campanha para o governo do estado de São Paulo em 1986 segundo os princípios militares. Mais um exemplo da batalha entre Orestes Quércia e Antonio Ermírio. Foi uma disputa entre dois pesos pesados na qual Quércia começou em grande desvantagem, com um pequeno número de intenções de voto nas pesquisas. Mas foi possível aos seus assessores encontrarem o calcanhar de Aquiles no esquema do adversário: a fraca organização do seu partido (PTB) no interior do estado, justamente onde Quércia tinha feito sua carreira. O PMDB passou então a concentrar suas forças nessa região (equivalente a 50% do eleitorado) em detrimento do esforço na capital, onde Ermírio era absoluto, dado a sua penetração junto as classes alta, média e o pequeno empresariado urbano. O resultado dessa tática foi que mesmo chegando em 2o. na capital (só venceu nas regiões homogêneas 4 e 5 , as mais pobres, tendo chegado em 4o. lugar nos distritos mais ricos), Quércia obteve uma vitória esmagadora no interior, o que lhe garantiu a eleição. Aplicou todas as suas forças no ponto fraco do “inimigo”, obtendo uma vantagem relativa e ganhando a batalha.

8.6. — O ESQUEMA DE DESISTÊNCIA

Um aspecto freqüentemente negligenciado na feitura dos planos táticos é a elaboração de alternativas para correção de problemas (voltaremos a falar disso no próximo capítulo) bem como para o fracasso. E preciso dispor de mecanismos capazes de indicar a impossibilidade da vitória, permitindo a desistência da candidatura da forma mais vantajosa e menos traumática possível tanto nos níveis financeiros e pessoais como em termos de perspectivas futuras para a carreira do candidato.

O primeiro passo é o estabelecimento de indicadores capazes de mostrar que se caminha para o desastre, o que evita a colocação de mais recursos em cima de uma candidatura destinada ao fracasso. O controle do desempenho (ou avaliação, tema do próximo capítulo) e a exeqüibilidade de um plano de “abortamento”, podem muitas vezes permitir uma retirada ordenada do campo de batalha, gerando alguns efeitos benéficos para uma próxima campanha.

Vamos supor o caso de um candidato a prefeitura, 3o. colocado nas pesquisas, que constata sua incapacidade de convencer um número de eleitores suficiente para “virar a mesa”. Se ele possuir uma percepção clara dessa situação, fornecida por indicadores próximos ao nível crítico, tais como as pesquisas de opinião, poderá acionar uma série de entendimentos já previamente delineados junto ao 1o. ou 2o. colocado, visando “transferir” seus votos enquanto eles ainda são importantes para a definição do vencedor, em troca de reciprocidade futura, por exemplo, no caso de uma próxima eleição. Se ele já tiver tudo esquematizado certamente essa reciprocidade lhe será mais favorável do que um acordo costurado em cima da hora, quando sua capacidade de barganha poderá estar enfraquecida.

Outro tipo de desistência possível de ser prevista e planejada é a que resulta de problemas relativos ao fluxo de caixa. Para evitar a colocação dinheiro “bom” (vai entre aspas porque muitas vezes esses recursos são emprestados a altas taxas de juro ou grandes concessões) sobre um gasto que já não tem mais retorno, é importante trabalhar em sintonia fina com o fluxo de caixa planejado. Problemas financeiros podem ser detectados antecipadamente com relativa facilidade; a questão é a determinação do nível crítico a partir do qual os problemas de caixa comprometerão toda a estrutura da campanha, comprometimento esse que também passa a afetar o fluxo de recursos, configurando um círculo vicioso do qual muitos candidatos não conseguem ou teimam em não sair, acordando na manhã seguinte da apuração cobertos de decepção e dívidas a serem pagas.

Evidentemente as pessoas tendem a não considerar a hipótese de desistência, por estarem certos da vitória (problema comum nos candidatos cujos assessores teimam em afastar-se da realidade) ou por achar que sua simples menção traz mau agouro. Entretanto, uma desistência bem pensada e articulada pode ser investimento para o futuro, contra um 3o. lugar ou uma suplência a serem amargados nos próximos quatro longos anos.


 

CAPÍTULO IX
O SISTEMA DE AVALIAÇÃO

 

Formalmente, a última etapa do processo de planejamento de marketing eleitoral, o sistema de avaliação, é que vai ser capaz de medir e estimular a adaptação da campanha ao meio ambiente que a cerca, aprimorando e corrigindo o plano de marketing, em um processo contínuo que vai muito além da constatação de que “alguma coisa não está dando certo”. As rápidas mutações no ambiente externo e interno da campanha podem fazer com que o plano fique obsoleto em pouco tampo. O uso de um sistema de avaliação é a única maneira de evitar que ele se torne apenas mais um calhamaço de papéis.

Um sistema de avaliação eficiente deve ser capaz de identificar e efetivar procedimentos que proporcionem resultados reais os mais próximos possíveis daqueles fixados e projetados no processo de planejamento. Pela seriedade e descrição do processo de avaliação das estratégias e táticas adotadas na campanha já é possível prever se o plano de marketing eleitoral será efetivamente adotado e potencializado ou se vai ser só para inglês ver.

Existem quatro processos distintos na composição do sistema de avaliação da campanha. São eles:

A) Definição do que vai ser avaliado, através da fixação de parâmetros e padrões coerentes com o objetivo primordial da campanha bem como os critérios de quantificação dos mesmos. Basicamente trata-se de tentar mensurar o nível de intenção de voto no candidato, a firmeza dessa intenção (até que ponto o eleitor está “fechado” com o candidato) e quais as restrições que o eleitor tem em relação a plataforma/imagem pessoal bem como o que ele aprova em relação a esses itens.

B) A medida dos resultados, através do confronto entre os resultados desejáveis e os alcançados. Um exemplo a nível operacional pode ser a presença do público em um comício do candidato.

C) A análise da situação é feita quando se buscam as razões pelas quais os resultados obtidos não estão de acordo com os esperados, tanto para melhor como para pior, já que no fundo o que se busca é medir o grau de eficiência e adequação do plano. Um dos maiores problemas para a realização de uma análise bem feita reside na quantidade e qualidade de informação disponível. Basicamente podemos utilizar: as pesquisas de opinião (apesar do fator custo, continuam sendo o principal e mais confiável instrumento de análise), as informações dos adversários (em função de suas reações ao plano), a imprensa especializada (cujos críticos costumam ter uma visão mais geral do processo) e os correligionários (que podem ter a tendenciosidade das suas opiniões diminuídas na medida em que sejam conscientizados de que isso contribui para uma melhor performance da campanha).

D) A ação corretiva é dada pelo conjunto de procedimentos, adotados em função da análise anterior, que vai procurar sanar as falhas levantadas pelo sistema da avaliação. Normalmente, para se tomar a medida corretiva íntegra, devem ser considerados três aspectos: se a implementação do plano está correta, se o plano em si contém algum defeito (pode-se estar utilizando uma estratégia errada de marketing) e finalmente, caso não sejam detectados problemas junto às fases anteriores da investigação, o que pode ocorrer é que os objetivos não sejam válidos ou tenham se tornado rapidamente desatualizados devido a um ambiente drástica e rapidamente modificado.

A determinação de quem será o encarregado formal por essa área também é importante; apesar de todos serem responsáveis pelo acompanhamento do plano deve haver alguém responsável por implantar o sistema e exercer o controle para juntamente com o candidato e o coordenador da campanha decidir sobre a necessidade e o momento de se introduzirem alterações de rota, bem como exercer a tarefa de controle do desempenho e cobrança dos resultados junto a cada um dos integrantes do staff da campanha.

Muitas vezes, será possível obter os dados necessários através do banco de dados ou informações obtidas pelo SIME, facilitando o trabalho. É preciso fazer uma triagem desses dados em função de duas restrições: se o critério usado é válido para medir o que realmente se deseja medir e qual o grau de esforço para obtenção dessas informações. Uma boa centimetragem nas páginas dos jornais não significa necessariamente que a campanha esteja sendo bem divulgada junto aos eleitores e muito menos que em função disto eles estejam dispostos a votar no candidato. Novamente pesquisas são o instrumento mais adequado, mas existe o fator de restrição de custo. Portanto, é necessário compatibilizar a necessidade e sofisticação dos instrumentos de controle com os recursos existentes para tal fim.

Para a monitoração das atividades do dia-a-dia o uso de quadros e sinopses relativamente simples possibilita um acompanhamento razoável, principalmente no caso das campanhas legislativas menos sofisticadas. Esse tipo de controle pode ser inclusive divulgado junto aos elementos mais envolvidos com a campanha, como forma de incentivo e ao mesmo tempo valorização do seu trabalho (até certo grau, o uso de um controle ostensivo estimula as pessoas a mostrarem serviço). O quadro que segue indica uma forma simples de controle.

Esta é uma tabela que permite um controle razoável do andamento dos eventos. Além dela é preciso estabelecer um controle mais acirrado no que diz respeito ao orçamento, verificando-se se a diferença entre o que foi previsto e o que foi gasto a cada momento e em cada evento está muito grande. Além da finalidade de controle, esse procedimento ajuda a detectar a existência de possíveis furos na elaboração do orçamento, o que pode evitar mais gastos desnecessários no futuro.

No caso de problemas entre a previsão orçamentária e os gastos efetivos, tanto faz se o erro for para baixo ou para cima, é preciso verificar o porquê do problema. Muitas vezes orçamos uma determinada atividade ou material e constatamos que o custo acabou ficando, por exemplo, 30% abaixo do esperado; jogamos a diferença para cobrir algum buraco e esquecemos de verificar o porquê da mesma: um orçamento superestimado, uma redução no custo dos materiais etc.

O problema não está tanto na direção da variação, mas na magnitude da mesma. Erros de grande magnitude indicam alguma falha que da próxima vez poderá ser negativa, comprometendo a projeção do fluxo de caixa Sempre irão existir variações, mas é preciso estabelecer um limite a partir do qual elas devam merecer algum esforço de identificação. Tal observação é válida também para outros aspectos, como número de adesões e doações para a campanha.

Embora esquematicamente a atividade de avaliação figure no fim do processo, na prática ela deve estar sempre presente, servindo para a retroalimentação de cada uma das etapas, enquanto não chega a avaliação final — a das urnas — que é a única que pode indicar a existência de erros de estratégia. Um plano obsoleto não serve para nada; é a avaliação constante que vai permitir a melhor adaptação com a realidade e conseqüentemente uma maior eficiência do processo como um todo.


 

ANEXO
PESQUISAS ELEITORAIS: ALGUMAS INFORMAÇÕES

 

Com a introdução das modernas técnicas de marketing nas campanhas eleitorais e o seu custo cada vez mais alto, é fundamental procurar se obter o maior número de dados referentes ao eleitorado como uma forma de se evitar o desperdício de recursos.

Pesquisas eleitorais geralmente causam grandes polêmicas às vésperas do pleito, pois têm grande poder de influência sobre o eleitor que ainda não definiu seu voto (segundo pesquisa realizada pela Brasmarket na cidade de São Paulo entre 17 e 21/10/86, 11,5% do eleitorado iria votar no favorito na disputa pelo governo paulista) (5) . As pesquisas com maior repercussão nessa fase são as chamadas pesquisas quantitativas, que pretendem basicamente estimar a porcentagem da população que compartilha de determinada opinião ou vai votar em determinado candidato. Embora sejam importantes ao funcionar como orientadoras das campanhas, elas não devem ser o principal ponto de preocupação do candidato, na medida em que não são um prognóstico eleitoral, (o prognóstico é a avaliação e interpretação do resultado da pesquisa e não o resultado em si) mas simplesmente retratam um momento específico da campanha e somente poderão indicar alguma tendência definida ao se dispor de uma série delas.

Muito mais importantes para o planejamento e a condução da campanha são as pesquisas qualitativas, aquelas que visam determinar a maneira como o eleitorado se distribui e se posiciona frente aos principais fatores determinantes do voto. Segundo Neyza Furgler, (6) diretora de Comunicação Social do IBOPE, existem alguns fatores capazes de explicar em até 70% a intenção de voto dos indecisos e determinar com cerca de 95% de acerto o voto dos eleitores já decididos. Entre estes fatores podemos citar.

A) Variáveis demográficas em geral.

B) Preferência partidária (disposição pessoal em declarar-se ligado de alguma maneira a um partido).

C) Imagem do candidato ideal versus candidatos reais.

D) Linhas programáticas da campanha (plataformas, programas de governo etc.).

E) Pressão da opinião pública (imagem do político, percepção de voto de amigos e parentes, clima de vitória em torno da candidatura etc.).

F) Intenção de voto.

G) Grau de certeza do voto.

Existem quatro tipos importantes de pesquisas qualitativas, capazes de apontar alguns desses fatores.

As pesquisas motivacionais buscam determinar quais os fatores mais importantes que levam um eleitor a preferir este ou aquele candidato ou este ou aquele partido e qual os seus anseios, necessidades e expectativas em relação aos benefícios que sua escolha (seu voto) poderá lhe trazer.

As pesquisas de manifestação coletiva procuram determinar as prioridades que os diversos segmentos do eleitorado tem e que podem ser atendidas pelos políticos e qual o ordenamento dessas prioridades, que normalmente é diferente para cada segmento.

As pesquisas de grupos procuram identificar quais os grupos que exercem maior influência sobre a decisão de voto do eleitor (os formadores de opinião) e quais os grupos que estão melhor articulados dentro da sociedade civil para fazer valer seu ponto de vista (os grupos de pressão).

As pesquisas de recall procuram detectar o nível de memorização do eleitorado em relação ao candidato e as mensagens por ele emitidas nos diversos meios de comunicação e conseqüentemente a eficiência do composto de comunicação/divulgação da campanha.

Certamente o leitor já está mais do que convencido da importância da pesquisa para o bom andamento da campanha. Mas a questão “custo” continua a pesar na decisão e mesmo na capacidade de execução financeira. O preço de uma pesquisa prévia — destinada apenas a levantar quais aspectos devem ser analisados em maior profundidade — está em torno de 450 OTNs (para cidades de médio porte). É bem mais do que muitos candidatos podem gastar com todas as outras atividades de pesquisa e comunicação da campanha.

Se existem recursos, é lógico que o candidato deve contratar empresas especializadas e idôneas (as primeiras existem em grande número, as segundas é que são poucas) para a realização das pesquisas, o que vai assegurar uma condução profissional e uma análise acurada do resultado das mesmas.

Mas existem casos em que a dimensão do cargo pretendido não justifica o gasto, ou então o orçamento da campanha é incapaz de suportá-lo. Um quebra-galho para este problema é a utilização de dados já disponíveis em fontes abertas ao público em geral; em outra parte deste livro já indicamos as vantagens que as pesquisas tipo “desk-research” podem trazer, bem como alguns procedimentos a serem adotados para sua utilização.

Outra forma de contornar parcialmente o problema é a realização de “minipesquisas” por parte de um departamento da própria organização da campanha. A ajuda de profissionais da área, simpatizantes ou remunerados, pode permitir a realização deste tipo de atividade, que, apesar de não possuir o rigor técnico e avaliação confiável em relação aos dados obtidos por empresas de pesquisa, é de grande valia no estabelecimento de estratégias e na condução da campanha.

O tema é bastante difícil e nossa intenção aqui se limita a mostrar e explicar o porquê dessa dificuldade, através de um roteiro superficial sobre os procedimentos e a elaboração de pesquisas. A complexidade do assunto é enorme, haja vista a quantidade de variáveis e suas diversas combinações, mas alguns elementos básicos estão sempre presentes.

Este roteiro, conforme se poderá observar ao longo de sua leitura, não dispensa de maneira nenhuma a ajuda de profissionais ou professores das diversas áreas envolvidas — estatística, psicologia, sociologia e comunicação — para a realização dessas “minipesquisas” mas poderá ajudar em sua preparação ou mesmo na solicitação dos serviços dos institutos da área.

1 Definição do problema

É preciso haver uma definição totalmente clara acerca do problema a ser estudado pela pesquisa, senão é muito provável que seus resultados não tenham grande aplicação a nível prático. Não basta apenas uma vaga noção sobre qual o tipo de informação que a pesquisa deve trazer, já que a operacionalização do processo depende de uma conceituação clara de suas necessidades.

Uma vez que o problema esteja definido (por exemplo: determinar qual é a posição atual do candidato frente aos principais fatores de determinação do voto na mente dos eleitores da região X) é preciso determinar os objetivos da pesquisa. Eles também precisam ser enunciados de maneira clara e devem ser estabelecidos realisticamente, em função do grau de esforço a ser dedicado na pesquisa. Um exemplo destes objetivos poderia ser.

a) Determinar quais as características do candidato ideal na mente dos eleitores.

b) Determinar qual a importância relativa de cada uma dessas características na decisão de voto.

c) Determinar como o candidato é julgado pelo eleitor em relação a essas características.

2 As fontes de informação

Feita a primeira definição do problema e a determinação dos objetivos da pesquisa, o passo seguinte é a obtenção do maior número possível de informações já disponíveis sobre o assunto e a localização das fontes de dados secundários utilizáveis.

Muitos dos dados de “desk-research” podem não ser válidos para a pesquisa em si, devido a problemas de validade ou confiabilidade, mas são úteis para uma melhor compreensão dos objetivos e a identificação de outras fontes de informação mais adequadas, como especialistas na área, por exemplo.

Nessa fase, o essencial é levantar o maior número possível de dados e informações, buscando uma melhor compreensão do problema e das principais variáveis ligadas a cada objetivo, o que freqüentemente leva a uma redefinição dos mesmos e permite uma delimitação mais precisa do campo da pesquisa, podendo mesmo representar uma economia de esforços nas fases posteriores.

Se após obter o maior número de informações possíveis os responsáveis pela pesquisa chegarem a conclusão que os dados já existentes não são suficientes para resolver o problema, será necessário obter dados primários junto aos eleitores, o que vai exigir a determinação da melhor forma de obter esses dados.

3 Metodologia da pesquisa
3.1 — A Observação Direta

Consiste na observação do comportamento do eleitor frente a situações específicas, como por exemplo durante um comício (do candidato ou de seus adversários), reuniões e aparição do candidato durante o horário eleitoral gratuito.

Este método de pesquisa exige o uso de observadores treinados para captar reações sutis e sua interpretação pode dar margem a distorções quando feitas por analistas sem muita experiência, já que a percepção da presença do observador pode afetar o comportamento do eleitor. Outra desvantagem desse método é a dificuldade de se deduzir o que realmente as pessoas estão pensando, qual sua motivação e sua classificação em um eleitorado segmentado.

3.2 — Abordagem Experimental

É utilizada quando se procura estudar uma relação de causa e efeito no comportamento do eleitor, controlando alguma variável que atue sobre o mesmo e verificando quais as modificações observáveis em outras variáveis. Esta forma de pesquisa permite a detecção de importantes relações que ainda não foram exploradas por outros candidatos. Podem-se utilizar sessões em grupos com características diferenciadas, buscando determinar influências de grupos de referência (ver Capítulo 7, tópico 7.1) e modificação de percepções.

3.3 — Entrevistas

Normalmente são utilizadas quando precisamos obter informações de natureza pessoal associadas a observações de caráter mais subjetivo ou psicológico. Podem indicar qual a consistência das atitudes do indivíduo em relação à política, fator decisivo para se avaliar a firmeza da intenção de voto (quanto mais dissonantes estas atitudes forem entre si, maior a possibilidade do indivíduo decidir seu voto tardiamente e mais fácil a sua modificação).

As entrevistas não estruturadas são feitas através de roteiros que dão uma maior liberdade para o entrevistador e o pesquisado, fornecendo grande volume de informações. Sua informalidade e a possibilidade de divagação por parte do entrevistado, quase como que num bate-papo, permitem ume maior riqueza e profundidade nas observações, desde que o entrevistador seja bem treinado. Suas principais desvantagens são a dificuldade de tabulação dos resultados e a necessidade de ter entrevistadores capazes de captar detalhes no comportamento e na fala do entrevistado durante perguntas sobre temas mais polêmicos ou pessoais, bem como introduzir esses temas na conversa. Este tipo de entrevista não estabelece limites rígidos na extensão das respostas, o que pode levar a muito tempo gasto inutilmente com informações que não são pertinentes ao trabalho em questão.

As entrevistas estruturadas são aquelas onde se procuram respostas breves e específicas, normalmente limitando o entrevistado a um conjunto restrito de respostas. Embora não forneçam a mesma riqueza de dados das entrevistas não estruturadas, são mais fáceis de serem tabuladas e analisadas, além de não requererem entrevistadores altamente especializados.

Conforme a importância, o tipo e o grau de dificuldade para obtenção da informação, podemos utilizar três meios para a entrevista: pessoal, por correio e pelo telefone.

A entrevista pessoal é o método que possibilita a obtenção de um bom número de informações, já que conforme o seu grau de estruturação podem-se explorar certas questões com maior profundidade bem como observar modificações no comportamento do entrevistado face a uma questão específica, o que serve para ajudar a determinar parcialmente o grau de veracidade da resposta dada ou indicar dissonâncias em torno da mesma. Sua flexibilidade pode ser determinada em função de fatores como tempo, custo e treinamento do entrevistador, bem como o número de entrevistas a serem feitas.

Um grande problema deste tipo de entrevista é a obtenção de entrevistadores treinados e idôneos, que não fraudem o questionário. Além disso, eles podem encontrar problemas para a realização das entrevistas pelo receio das pessoas em recebê-los (segurança) ou a dificuldade de localizar as pessoas em horário de trabalho.

A entrevista pelo correio, apesar de seu baixo custo, tem que levar em conta uma série de preconceitos dos destinatários para com este tipo de abordagem, mas pode ser de grande valia no caso de uma amostra relativamente pequena e homogênea, desde que se possua um “mailing list” ou mesmo possa ser obtido com facilidade.

O questionário enviado deve ser acompanhado de uma carta explicando por alto a finalidade da pesquisa e estimulando a resposta. Deve conter perguntas de caráter claro e objetivo solicitando respostas curtas. Precisa ser auto-explicativo, de maneira que as questões possam ser compreendidas por todos sem provocar distorções.

Um problema em relação a este tipo de entrevista é a baixa taxa de retorno das respostas, devido ao “esforço” que o pesquisado deve fazer e ao fato de muitas pessoas associarem um caráter propagandístico ao levantamento, o que deve ser evitado por parte do candidato, até porque isto tende a influenciar as respostas. Outro problema é a impossibilidade de se determinar precisamente quem deu a resposta; questionários enviados ao chefe da família podem ser respondidos por seus filhos ou sua mulher, sem que isso seja detectável por parte dos pesquisadores. Finalmente, os questionários só alcançarão eleitores com domicílio fixo e conhecido pelo correio, dificultando a inclusão de moradores de zonas periféricas ou de baixa densidade populacional na amostra. Analfabetos e semi-alfabetizados também estão excluídos deste tipo de entrevista.

A facilidade de tabulação e a dispensa do uso de entrevistadores são as maiores vantagens no uso de entrevistas pelo correio.

A principal vantagem da entrevista telefônica é a sua rapidez frente aos outros métodos, garantindo em poucos dias a cobertura de áreas muito extensas. Além disto, não é cara em comparação com os outros meios e o treinamento do seus entrevistadores é bem mais fácil.

Sua principal desvantagem reside na duração da entrevista, já que normalmente as pessoas têm certa resistência a falar no telefone o que implica em questionários pequenos, com respostas simples e curtas. Também sofrem da mesma restrição que as entrevistas pelo correio no que diz respeito a extensão e validade da amostra, já que nem todo mundo tem telefone.

4 A elaboração do questionário

Uma vez que se decida o tipo de levantamento a ser utilizado é necessário, na maioria dos casos, a elaboração de um questionário. Ele consiste em um conjunto de perguntas com espaços destinados ao registro das informações obtidas do pesquisado.

Sua elaboração não é simples, face a infinidade de aspectos que têm de ser levados em conta (o que se deseja saber, de quem se deseja saber, qual o meio de aplicação etc.). Isto faz com que a feitura do questionário seja um desafio onde ciência e criatividade se unem na busca de um modelo próximo do ideal. Entretanto, podemos observar a existência de alguns princípios que contribuem sua para feitura.

Devemos ter sempre em mente a regra de indagar somente aquilo que é necessário para a obtenção da informação, esquematizando as perguntas. Dessa análise poderemos optar pelo uso de questões diretas — pedido explícito de dados — ou questões indiretas, destinadas a contornar temas embaraçosos ao mesmo tempo que se valem da análise de cunho psicológico para descobrir quais as opiniões dos entrevistados. As questões ainda podem ser abertas, permitindo ao pesquisado responder livremente, o que contribui para uma maior riqueza de detalhes, mas dificulta a tabulação e análise das respostas, ou podem ser fechadas, onde o pesquisado deve responder estritamente no âmbito do que lhe é perguntado; as questões de múltipla escolha são questões fechadas com um número determinado de alternativas. A principal vantagem das questões fechadas ou de múltipla escolha reside na facilidade de tabulação e na sua precisão, embora não apresentem a riqueza de detalhes das questões abertas.

Uma vez que a forma de fazer as perguntas já esteja definida — nada impede que se use uma combinação de todos os tipos — devemos procurar construir o questionário de maneira que ele seja facilmente respondível, evitando perguntas que exijam respostas muito longas ou dados exatos em relação a idade, salário e outros assuntos passíveis de causar embaraço. Essa fase também inclui a escolha de palavras facilmente compreensíveis para a elaboração das perguntas, tornando-as o menos ambíguas possível.

A ordem das perguntas no questionário também é importante. O ideal é iniciar com as mais interessantes, capazes de despertar a atenção do entrevistado. Também no início devem ser colocadas as mais importantes para a obtenção dos dados. As perguntas muito complexas devem ser dispersas entre o meio e o fim do questionário, já que sua colocação no início pode desestimular o seu preenchimento.

O aspecto físico do questionário deve ser bem cuidado, principalmente se ele tiver que ser preenchido pelo pesquisado. O tipo de impressão, o papel, o formato e a disposição das perguntas são fatores que influem sobre a facilidade de leitura do questionário.

Após a revisão e aperfeiçoamento dos vários rascunhos de questionário e a definição do modelo considerado adequado, é preciso fazer um pré-teste, antes da sua distribuição na amostra. O pré-teste junto a indivíduos com características similares ao do grupo a ser analisado permite a identificação de muitos problemas que podem ter passado desapercebidos, como palavras de duplo sentido ou que induzem a um certo tipo de resposta.

5 Técnicas para análise e mensuração do comportamento do eleitor

Conforme o tipo de necessidade a ser atendida pela pesquisa, podemos usar diversas técnicas para mensurar as atitudes e o comportamento do eleitor. Obviamente, antes da aplicação de qualquer um dos teste descritos a seguir é necessário verificar o grau de conhecimento que o eleitor tem sobre o candidato ou assunto em questão, já que só podemos desenvolver opiniões e atitudes em relação a um objeto já conhecido.

A descrição adequada dessas técnicas exigiria muitas e muitas páginas, o que não é nossa intenção aqui. Na curta exposição a seguir, sacrificamos o rigor técnico exigido para sua compreensão em nome de uma maior facilidade de entendimento. Manuais de psicologia individual e social certamente poderão ser consultados por aqueles que desejarem se aprofundar mais no assunto.

Todos os testes descritos neste tópico exigem a presença de psicólogos na sua aplicação ou interpretação, quando não em ambas.

5.1 — O Diferencial Semântico

Esta técnica foi criada em 1957 por um grupo de psicólogos norte-americanos, sendo usada para a mensuração e identificação das imagens (o conjunto de crenças, impressões e idéias) que o eleitor tem de um candidato ou instituição.

Ela se baseia principalmente na hipótese que o sentido de um determinado objeto para as pessoas inclui não só o aspecto racional, prontamente reconhecido, mas também aspectos mais sutis, quase emocionais, difíceis de serem expressos e medidos em termos absolutos, mas capazes de serem analisados em termos relativos.

O procedimento para sua aplicação consiste em fazer com que o pesquisado marque em um conjunto de escalas bipolares (adjetivos com sentidos opostos) o ponto que representa sua avaliação sobre determinado candidato. A figura 1 nos ajudará a compreender melhor o processo.

Figura 1.— Exemplo de escala do diferencial semântico.

O diferencial semântico pode ser utilizado para os mais variados objetos, desde o próprio candidato, passando por questões ou instituições polêmicas contidas na plataforma, até análise dos adversários mais próximos, podendo também ser aplicado a segmentos diferentes do eleitorado.

Da composição entre os diversos resultados obtidos será possível a construção de gráficos que facilitem o posicionamento do candidato tanto frente a questões polêmicas como em relação aos seus adversários.

Pesquisas baseadas no diferencial semântico podem ser aplicadas em bases adversárias ou segmentos adjacentes, indicando quais os pontos fracos dos adversários que podem ser mais facilmente atacados. Aplicadas junto a suas próprias bases pode indicar quais os pontos que eventualmente devam ser reforçados em seu conceito.

A elaboração dos questionários baseados na técnica do diferencial semântico exige alguns cuidados. As dimensões bipolares devem ser determinadas através de entrevistas não estruturadas; o número de escalas não deve ser muito grande ou redundante e, finalmente, os adjetivos devem ser escolhidos cuidadosamente, já que cada um deles possui certas conotações capazes de modificar as escolhas por parte dos pesquisados.

5.2 — O Modelo da Expectativa de Valor

Os modelos da expectativa de valor ajudam a medir a preferência das pessoas entre dois ou mais candidatos além de se prestarem para definição do conceito de cada candidato. Embora existam uma série de modelos vamos analisar mais de perto o Modelo de Fishbein, já que ele é razoavelmente simples e bastante aplicável aos exemplos citados no livro.

Segundo este modelo, as pessoas escolhem um candidato em função de alguns atributos e da maneira como ele percebe o candidato como portador ou não do atributo.

Vamos supor que após a realização de algumas pesquisas, se tenha descoberto que os atributos mais importantes para um eleitor escolher seu candidato sejam honestidade, capacidade administrativa, capacidade de negociação e identificação do candidato com o partido de sua preferência. É possível determinar o peso que o eleitor dá a cada um desses atributos na definição de seu voto.

A seguir, é possível determinar de que maneira o eleitor vê o candidato como portador ou não do atributo, determinando valores à classificação do candidato dentro de uma escala do tipo “possui” até “não possui”. Vamos supor que “possui” dá ao candidato uma pontuação de (+5) e “não possui” (-5).

O que devemos fazer a seguir é multiplicar o número de pontos que o candidato obteve em cada atributo pelo seu peso para a determinação de seu voto. Um resultado possível pode ser observado no quadro 1:

Quadro 1. — Um modelo de expectativa de Fishbein.
Adaptado por Kotler, Marketing para organizações que não visam lucro, p. 159.

Face ao resultado alcançado, podemos afirmar que a tendência de o eleitor votar pelo candidato A é maior que para votar em B.

Conforme mencionamos no início deste anexo, não há modelos capazes de determinar o voto com 1OO% de certeza, já que a existência de uma série de atributos secundários pode chegar perto ou se igualar ao peso dos principais. O que este modelo indica é uma preferência e uma tendência do voto. A nosso ver, sua vantagem não se restringe somente a este aspecto, mas reside principalmente nas informações que ele pode oferecer em termos estratégicos, indicando quais os principais atributos a serem destacados no conceito do candidato bem como os pontos nos quais seu composto de comunicação precisam ser melhor trabalhados (aqueles nos quais sua pontuação é muito baixa ou mesmo negativa).

5.3 — As Técnicas Projetivas

As técnicas projetivas visam determinar e mensurar as necessidades do indivíduo que não são rapidamente identificáveis através de métodos mais diretos. Para Krech, as necessidades são as forças que iniciam e mantêm um determinado comportamento. Elas podem ser positivas ou negativas. Uma necessidade positiva (por exemplo, um desejo) é uma força que leva a pessoa à realização de um objetivo. Uma necessidade negativa (por exemplo, angústia) é uma força que afasta a pessoa de determinados objetos ou condições. (7)

As técnicas projetivas agrupadas sob o nome de pesquisa motivacional consistem basicamente em apresentar um estímulo ambíguo ao indivíduo e através de sua interpretação podem ser percebidas tendências que ele “projeta”, que podem estar intencionalmente ocultas ou mesmo inconscientes. Entre as principais técnicas projetivas úteis para a pesquisa política vamos encontrar: a associação de palavras, a complementação de frases e a complementação de quadros, figuras ou estórias.

A associação de palavras é um método bastante conhecido. Os entrevistados vão ouvindo uma lista de palavras, dizendo a primeira palavra que lhes vem à mente a cada uma da lista. Depois de uma fase de “aquecimento” começam a aparecer associações bastante interessantes, que devem ser exploradas pelo entrevistador. É necessário um psicólogo não só para análise dos resultados como para aplicação do teste.

A complementação de frases consiste em apresentar ao entrevistado afirmações incompletas que deverão ser por ele terminadas. Em geral este teste serve para revelar atitudes e motivações das pessoas.

A complementação de quadros, figuras ou estórias permite obter sentimentos e preferências inconscientes ou reprimidos. O entrevistado vê uma seqüência de figuras ou um quadro vago e lhe é pedido que conte uma estória ou interprete o que está observando.

6 Amostragem

A impossibilidade de se entrevistarem todos os membros de uma população (censo) deve-se ao tato de que tal processo seria muito demorado e caro. A solução para este problema está na seleção e análise de uma parte da mesma segundo critérios que permitam expandir para toda a população o resultado verificado nesse seu subconjunto (amostra).

Podemos definir população como um conjunto de indivíduos que tenha pelo menos uma variável em comum. Os eleitores inscritos em um distrito eleitoral formam uma população.

A amostra pode ser definida como qualquer subconjunto da população, passando a representar essa população para fins de pesquisa.

As pesquisas eleitorais devem se basear em amostras o mais representativas (semelhantes) possível da população pesquisada, para que as estatísticas e informações nela contidas possam ser aplicáveis a toda população. Isto permite que através do estudo de “X” eleitores selecionados em um município (por exemplo) seja possível conhecer a distribuição das características e opiniões de todos os eleitores do mesmo.

A escolha da amostra deve levar em conta que os fatores “custo e exatidão” estão bastante relacionados. Quando se projetar uma amostra, tal relacionamento deve ser levado em conta, buscando o meio termo tanto para a exatidão dos resultados da pesquisa quanto para o que o orçamento suporta.

Podemos dividir os diversos tipos de amostra como pertencentes a dois grandes grupos: o das amostragens probabilísticas e o das não-probabilísticas.

6.1 — Amostragem Probabilística

Nas amostragens probabilísticas qualquer membro da população tem uma chance antecipadamente conhecida de ser escolhido para a amostra, fazendo-se isso de acordo com regras que não dão ao pesquisador a possibilidade de escolher pessoas a seu critério. A chance de ser escolhido ou não para a amostra não é necessariamente igual para cada membro da população, embora seja conhecida de antemão.

A grande vantagem deste tipo de amostragem é que por usar um mecanismo de escolha aleatória para selecionar os elementos que vão compor a amostra podemos nos valer de fórmulas matemáticas para determinar a probabilidade de erro, a distribuição das variáveis observadas pela população e a exatidão dos resultados. Este tipo de amostragem é bastante complexo mas permite estimar para toda população o que se verifica na amostra. As três principais técnicas de amostragem probabilística são: amostragem aleatória simples, amostragem aleatória estratificada e amostragem por área.

Na amostra aleatória simples cada elemento da população possui igual probabilidade de ser selecionado. Por exemplo, poderíamos pôr os nomes de todos os eleitores do município Y em fichas separadas, misturá-las dentro de uma caixa e sortear tantas fichas quanto forem necessárias. Este procedimento é inviável na maioria dos casos, devido à existência de populações muito grandes ou então quando não se possui uma listagem confiável.

Na amostra aleatória estratificada a população é dividida em subgrupos — os estratos — que possuem características comuns, sendo cada um desses subgrupos selecionado como uma população para amostras aleatórias simples. Esta técnica é usada no caso de populações muito heterogêneas em nível de variáveis demográficas ou psicográficas. Neste método, a composição da amostra deve ser proporcional à distribuição desses subgrupos na população, o que contribui para torná-las menores e mais representativas que as amostras aleatórias.

A amostragem por área, muito utilizada nas pesquisas quantitativas de opinião e intenção de voto, trabalha de forma similar à anterior, mas usando ao invés de estratos, áreas geográficas, cuja especificação e dimensionamento é mais fácil. Embora eliminem a necessidade de listas precisas sobre a população total, seus erros de amostragem tendem a ser maiores, por não levar em conta outras variáveis importantes (renda, idade etc.).

6.2 — Amostragem Não Probabilística

As amostras não probabilísticas são aquelas cuja seleção não obedece a critérios matemático-estatísticos, baseando-se a escolha de seus componentes no julgamento ou na conveniência dos pesquisadores, não existindo uma chance previamente conhecida e mensurada de alguém vir a ser selecionado.

O grande problema no uso deste tipo de amostra é que a resposta do pesquisado não é representativa de um conjunto determinado da população; isto implica que não podemos estender as informações obtidas na análise da amostra para toda população. Se o candidato decidir usar este tipo de amostragem apenas por ser mais barata, precisa levar em conta a relação custo-precisão. Para a área de pesquisa política, podemos usar principalmente a amostragem por conveniência e a amostragem por julgamento.

Na amostragem por conveniência as pessoas são selecionadas de acordo com as facilidades que os pesquisadores têm para entrevistá-las ou encontrá-las. Entrevistas realizadas em comícios, pontos de maior concentração ou com parentes dos colaboradores são exemplos de amostragem por conveniência. Embora não seja possível determinar o erro deste tipo de amostra e a exatidão dos seus resultados, sua utilização pode ser útil quando estamos na fase de obter o maior número de informações acerca de um problema para melhor poder defini-lo.

Na amostragem por julgamento, usamos a opinião de experts para selecionar os grupos representativos da população. Através de consultas a esses especialistas podemos chegar a conclusão de que os moradores de um determinado distrito, bairro ou município podem ser usados como amostra por apresentarem características e opiniões próximas do conjunto total da população. Também não é possível determinar o grau de erro e a representatividade da amostra mas, se o julgamento dos especialistas consultados for bom, os resultados certamente serão melhores que os das amostras por conveniência.

7 Algumas medidas estatísticas simples

Existem tipos de medidas das características de uma amostra que servem para resumir os dados obtidos, mostrando alguns valores representativos de todo o conjunto. Estas medidas pertencem às estatísticas que representam às características de uma amostra (às características da população damos o nome de parâmetros).

Vamos supor que em uma amostra de dez eleitores, aos quais foi pedido que atribuíssem uma nota variando de O a 10 para o candidato face a um determinado atributo, obtivéssemos os seguintes resultados:

Para analisar a tendência desta amostra vamos nos valer de três estatísticas muito usadas para resumir conjunto de dados: a moda, a mediana e a média aritmética.

A moda (Mo) pode ser definida como a realização mais freqüente no conjunto de valores observados. No caso, a moda da amostra é igual a 7.

A mediana (Md) é a realização que divide uma série de observações quando elas estão dispostas em ordem crescente ou decrescente. No caso, a ordenação crescente dos valores da nossa amostra seria 2, 3, 4, 4, 5, 6, 7, 7, 7, 8. Como temos um número par de observações devemos usar como mediana a média aritmética do par central. No caso, nossa mediana será então

A média aritmética da amostra (representada pelo símbolo x) certamente é um conceito já conhecido por todos. Ela é a soma das observações dividida pelo número delas. No caso, a média aritmética da amostra será:

Mas esse tipo de estatística nos informa apenas sobre algumas posições centrais dos valores, não nos dizendo nada acerca de sua variabilidade dentro da amostra. O problema em se analisar dados apenas pela média pode ser ilustrado por aquela velha piada: “se você comeu dois frangos e eu não comi nenhum, então, na média, estamos bem alimentados”.

Portanto, é necessário o uso de algumas medidas que nos informem sobre a dispersão e variação dos dados em torno da média. Os critérios usados para tal fim são a variância (representada pelo símbolo s2) e o desvio padrão da amostra (representado pelo símbolo s).

Para o cálculo da variância devemos subtrair cada uma das observações pela média e elevar o resultado ao quadrado, somando-as e dividindo o resultado pelo número de observações. A variância do nosso conjunto de dados seria então:

Entretanto, o uso da variância para medir dispersões em torno da média pode trazer alguns problemas, por se tratar de uma operação que usa uma média dos desvios quadrados. Para evitar distorções, costuma-se usar o desvio-padrão, que nada mais é que a raiz quadrada da variância. Portanto, o desvio-padrão da nossa amostra será:

O uso do desvio-padrão nos permite descobrir alguns problemas que poderiam passar desapercebidos, já que o estrato que apresentar um desvio-padrão maior que o dos demais indica problemas na homogeneidade de suas atitudes em relação ao candidato.


 

NOTAS

 

1. Russel L. Ackoff, Planejamento empresarial, p. 78.

2. Para maiores detalhes consultar a tese de Margaret E. Keck, From Movements to Politics, particularmente capítulo V.

3. Luis Carlos Tomazelli, Marketing político, p. 30.

4. Kuntz e Luyten, Marketing político, p. 74.

5. Publicada no Jornal da tarde de 4/11/1986 com o titulo: “Você acredita em políticos?”.

6. Depoimento publicado no caderno de propaganda e marketing da Gazeta Esportiva de 2/11/1986.

7. Krech, Crutchfield e Ballachey, O indivíduo na sociedade, vol. I, p. 117.

 

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APÊNDICE
São Paulo, 1996: O Triunfo da Imagem
Marcelo Coutinho
(artigo publicado na Revista da ESPM, Agosto/1997)

 

Para além de seus desdobramentos políticos e a conjuntura específica da campanha, a vitória de Celso Pitta marcou o momento de consagração, no Brasil, do que alguns pesquisadores chamam de “República Eletrônica”.

Trata-se de uma forma de governo na qual o controle do Estado não é exercido pelos cidadãos, no sentido de sujeitos de direitos e deveres evocados pelo conceito clássico de cidadania, mas pelos espectadores, já que as relações entre representantes e representados se parecem muito com as que ocorrem entre um personagem televisivo e sua audiência (Manin, 1995).

A “República Eletrônica” é característica de uma época em que os meios de comunicação de massa, e as técnicas a eles associadas, substituem com intensidade crescente as funções tradicionais dos partidos políticos: organização de interesses comunitários, canal de contato entre o líder e a população, fiscalização do governo e da burocracia.

O caso de Pitta é exemplar. Um ano antes de sua posse, o novo prefeito de São Paulo não passava de um ilustre desconhecido até mesmo para as chamadas “bases” do seu partido. Nomes de maior tradição concorriam abertamente pela indicação à sucessão, como Reynaldo de Barros e Roberto Paulo Richter. Os malufistas que pediam uma renovação apostavam sua fichas em Lair Krahenbul, um dos idealizadores do Projeto Cingapura.

Se o critério de decisão fosse apenas a trajetória política, as chances de Celso Pitta seriam rigorosamente iguais a zero. Situação que não melhoraria muito mesmo incorporando sua experiência como secretário das Finanças, período no qual a dívida municipal triplicou.

Mas havia outro importante mecanismo em operação — os conselhos de Duda Mendonça, o publicitário que remodelou a imagem de Maluf. E Duda se basearia no impacto dos “laboratórios” de vídeo dos possíveis candidatos sobre grupos de eleitores reunidos para avaliar a imagem de cada pretendente. É um focus group — uma técnica de pesquisa qualitativa que apareceu há mais de 50 anos nos EUA — destinado a avaliar o conteúdo emocional da imagem de um produto, programa, empresa ou candidato.

Um grupo típico compreende entre 8 e 10 pessoas, freqüentemente da mesma idade, sexo e classe social (para evitar inibições). São recrutados via telefone ou pessoalmente, de acordo com o perfil da população que devem representar. Reunidos em uma sala, por até duas horas, os integrantes são estimulados a emitir suas opiniões sobre os candidatos, seus comerciais e declarações. Um moderador — geralmente uma psicóloga ou socióloga — , seguindo um roteiro preestabelecido, dirige os rumos da discussão. O encontro freqüentemente é gravado em vídeo, além de ser acompanhado, através de um espelho falso, por assessores do candidato.

Ao final de diversos grupos, Duda pontificou: o melhor desempenho televisivo era o de Pitta. O resto é história.

A transformação no estilo e na substância das campanhas não passou desapercebida na mídia impressa. Rápida análise da cobertura dos principais jornais e revistas de São Paulo e Rio mostra que em 1996 as reportagens sobre o marketing dos candidatos tiveram lugar destacado. Os “marketeiros” — jornalistas e publicitários responsáveis pelas principais campanhas — foram objeto de inúmeras reportagens, deram entrevistas e até participaram de debates.

Esta situação se repete no mundo inteiro. Pesquisa feita nos EUA com diversos políticos indicou que as mais importantes decisões em uma campanha são “decidir concorrer” e “contratar o homem de marketing”. Lá, onde os comerciais na TV são pagos pelos candidatos e a propaganda é feita rigorosamente segundo os cânones do marketing de produtos — não há horário eleitoral, apenas um ou dois debates — , o poder dos assessores de imagem é tão grande que chega a trombar com as instituições de governo. Recentemente o secretário de imprensa da Casa Branca declarou que é difícil para o presidente Clinton calar a boca de James Carville, seu ex-assessor de campanha, fato que valeu até um editorial do New York Times. O mesmo se verifica em alguns países europeus. Os brasileiros também já fazem escola, participando de campanhas em outros países da América Latina e África.

O início

A República Eletrônica começou, sintomaticamente, pelas mãos de um dos regimes mais totalitários da História. Em setembro de 1934 realizou-se o VIº Congresso do Partido Nazista, na cidade de Nuremberg. Adolf Hitler achou que era uma boa ocasião para se mostrar como líder inconteste da nação — o presidente Hindenburg morrera no início de agosto. Além disto, seria uma oportunidade para divulgar a ideologia nazista não só entre os alemães como no resto da Europa, apresentando uma Alemanha forte e refeita do caos após a derrota na Primeira Guerra.

O VIº Congresso se destacou não apenas pelo cenário monumental — além do estádio, dominado pela escultura de uma águia com 30 metros de envergadura, foi construído um pódio de 400 metros de comprimento e 20 de altura, aonde Hitler era aclamado pela multidão — mas também pelo fato de ter sido cuidadosamente planejado para o cinema. O ditador pediu à mais talentosa cineasta da Alemanha, Leni Riefenstahl, que produzisse um documentário sobre o evento. Ela recebeu todos os recursos possíveis, incluindo uma equipe de 135 pessoas e mais de 30 câmaras, além de 150 refletores antiaéreos, com alcance de 7.500m, para as cenas noturnas. O resultado foi “O Triunfo da Vontade”, a principal peça da propaganda nazista no pré-guerra.

O filme é repleto de tomadas grandiosas, demonstrações de poderio bélico, multidões em marcha e closes de Hitler, as vezes no meio do povo, as vezes distante e inacessível como um Deus. A preparação para o evento, as festas populares, a chegada do ditador, os discursos dos principais líderes — Riefenstahl conseguiu transpor para tela a catarse psicológica produzida nas grandes manifestações de massa, ao mesmo tempo que associa a imagem de Hitler com a recuperação do país. Em um dos trechos mais marcantes, 50 mil trabalhadores das grandes rodovias (autobahns) estão uniformizados, em pose militar, segurando suas pás e picaretas. A câmara passeia entre eles, com closes de mãos, uniformes e ferramentas. De repente há um corte e do lado oposto (contraplano), vemos a face de Hitler, séria e compenetrada, observando a massa de trabalhadores como um pai severo.

O Triunfo da Vontade impressiona principalmente pelo fato de que não há uma só alusão direta a questão da “pureza da raça” — mas ela está presente o tempo todo: no perfil do soldado ariano que volta e meia aparece, fazendo a passagem de uma cena para outra, na câmara que passeia pelos corpos perfeitos fazendo ginástica, nas jovens louras alemãs nadando ou vestidas tipicamente, no culto aos mortos e a vida do campo. Em 1937 o documentário obteria a medalha de ouro na Exposição Mundial de Paris, por suas qualidades técnicas e artísticas.

Mas foi nos EUA que propaganda e política atingiram simbiose quase perfeita. Já em 1928 os candidatos a presidência produziam comerciais para o rádio, então o meio com maior penetração. Em 1939 Franklin Roosevelt tornou-se o primeiro candidato a discursar em uma transmissão de TV, mas o número de aparelhos era absolutamente desprezível em termos eleitorais.

Somente em 1952, quando a TV já cobria os EUA de costa a costa, apareceu a figura do “consultor de mídia”, o profissional especializado em comprar espaço na programação das emissoras, verificar o visual do candidato, os detalhes técnicos e escrever os comerciais. Naquele ano a agência BBD&O; criou a série “Eisenhower responde a América”, para a campanha do candidato republicano, o general Eisenhower. Eram comerciais ingênuos, sem nenhum efeito especial, nos quais cidadãos “comuns”, representando o “americano médio” (os termos são da equipe de planejamento da campanha), faziam perguntas ao general. Sem dúvida nenhuma, tanto naquela eleição como na seguinte, a enorme popularidade do candidato — o “Comandante Supremo” das forças aliadas na Segunda Guerra — foi muito mais importante que os comerciais.

Kennedy e Daisy

Em 1960, quando já atingia 90% dos lares americanos, a TV mostrou como poderia influenciar decisivamente uma eleição. John F. Kennedy, o candidato democrata, tinha contra si três problemas: era jovem — 43 anos — em um país acostumado a presidentes mais idosos, escandalosamente rico e católico, quando o eleitorado era composto por 80% de protestantes. E seu adversário era ninguém menos que Richard Nixon, vice-presidente e figura central no cenário político internacional. Quando a campanha começou, Nixon liderava as pesquisas com mais de 15% de vantagem.

Porém, Kennedy nascera para a televisão. Tanto ele como sua esposa eram muito fotogênicos e tinham familiaridade com o meio. A campanha foi inteiramente planejada em função da telinha. A juventude foi traduzida em arrojo e a riqueza exteriorizada como sinal de competência. Quanto ao catolicismo, foi simplesmente jogado debaixo do tapete: após uma série de encontros cuidadosamente preparados, Kennedy reposicionou a questão de sua religião com a da tolerância. Ele aparecia em comerciais dialogando com eleitores, pastores protestantes e cardeais da igreja católica sobre como sua crença religiosa não iria afetar seu desempenho na presidência. Ao final, recusá-lo por seu catolicismo seria uma manifestação de intolerância e como tal o tema foi simplesmente banido da agenda da campanha.

O evento mais importante daquele ano foi o debate entre os dois candidatos. De um lado Kennedy vestido em terno escuro e camisa clara, bronzeado e sorridente. Do outro, Richard Nixon sisudo, de terno listrado, a barba por fazer, o pescoço dançando no colarinho excessivamente grande, suando em bicas e olhando fixamente para a câmara. Quem ouviu o debate pelo rádio escolheu o Republicano como vitorioso. Entre os que acompanharam pela TV, a maioria esmagadora atribuiu a vitória para Kennedy — que se tornaria, segundo Marshall McLuhan, o “primeiro presidente televisivo”, sendo eleito com menos de 1% de vantagem sobre Nixon.

Na eleição seguinte, em 1964, apareceu a mais polêmica imagem da história da República Eletrônica. A disputa foi entre o democrata Johnson, que assumiu a presidência com o assassinato de Kennedy, e o republicano Barry Goldwater. Este último era conhecido por defender uma política “firme” em relação a guerra fria e por uma declaração polêmica em entrevista para a televisão: “nossos mísseis são tão precisos que é possível acertar o teto do banheiro dos homens no Kremlin”.

Desde o início as pesquisas mostravam uma confortável vantagem para Johnson. Isto não impediu que Tony Schwartz, um dos maiores publicitários americanos, contratado para dirigir a campanha de TV, produzisse um comercial intitulado “Daisy” (Margarida), que foi ao ar uma única vez.

Daisy começa com uma pequena menina no campo, tirando as pétalas de uma margarida e contando lentamente “um, dois, três, quatro, cinco, sete, seis, seis, oito, nove, nove”, enquanto ao fundo se pode ouvir o canto dos pássaros. De repente ela olha para cima, apavorada; a imagem é congelada e a câmara se aproxima do seu olho, que preenche toda a tela. Ao mesmo tempo podemos ouvir a voz de um homem, através de um alto falante, em contagem regressiva: “dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um”. Um cogumelo nuclear toma conta da tela e a imagem é congelada. Ouve-se então, retirada de um discurso, a voz do presidente Johnson: “Estas são nossas opções: fazer um mundo em que todas as crianças de Deus possam viver, ou cair na escuridão. Ou nos amamos uns aos outros, ou iremos morrer”. Sobre a tela escura, aparece a frase: Vote em Jonhson no dia 3 de novembro. As opções são muito importantes para você ficar em casa. Note que não aparece uma única menção ao nome nem as posições de Goldwater.

A repercussão foi imensa. O presidente em pessoa ordenou que a propaganda fosse retirada do ar — segundo algumas versões, ele não fora avisado do teor do comercial. Era tarde. Nos dias seguintes, “Daisy” foi exaustivamente reprisado em todos os jornais e programas de televisão. Esteve na capa das principais publicações. Serviu de tema para inúmeros debates e pesquisas que se arrastaram até o final da campanha. Indiretamente, ajudou a popularizar a idéia que, se eleito presidente, Goldwater não hesitaria em puxar o botão que iniciaria a guerra nuclear.

Para Schwartz, “Daisy é comparável a uma pessoa indo ao psiquiatra e vendo imagens pornográficas em um teste de Rorschach. O comercial evoca as declarações de Goldwater a favor de mais bombas atômicas. Elas eram como as imagens pornográficas no inconsciente da audiência” (Jamieson, 1992: 200)

Talvez também inconscientemente, Schwartz estava repetindo Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda e Entretenimento do Terceiro Reich, que acreditava que a boa propaganda não deve explicitar uma mensagem, mas apenas traduzir de maneira visual o que já está latente na mente das pessoas.

Não por acaso, estas são duas características fundamentais da República Eletrônica: a transparência, que sempre foi um princípio ideal do bom governo, é substituída pela opacidade. Ao mesmo tempo, a campanha deixa de ser o espaço da troca de idéias para tornar-se um espelho dos anseios dos eleitores. Os candidatos não são aceitos pelo que propõem mas, literalmente, pelo que representam.

No discurso de reconhecimento da sua derrota, por uma das maiores margens da história americana, Goldwater foi enfático: “Eleições não são mais o que costumavam ser. Precisamos aprender mais sobre novas técnicas, principalmente a propaganda”.

A partir daí os publicitários começaram a ganhar autonomia para impor suas opiniões sobre o que eles chamam, geralmente com algum desdém, de “o povo da política”. Em 1972, na reeleição de Nixon, surge a primeira agência exclusivamente voltada para uma campanha.

Os Factóides de Ronald Reagan

Um novo salto seria dado por um dos mais extraordinários comunicadores políticos da era moderna: Michael Deaver, assessor de imagem de Ronald Reagan de 1970 a 1985. Deaver levou as táticas de campanha para dentro da Casa Branca, de tal forma que governar se transformou em uma campanha permanente, dirigida para a televisão. Falando sobre suas atividades, ele declarou que “nosso negócio é entretenimento, e não informação”. O horário de inauguração das obras, as viagens, a agenda presidencial, a escolha de grandes projetos governamentais e até operações plásticas eram decididas em função do seu impacto visual. Anos depois, o ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, cunharia um neologismo para designar as ações do governante planejadas exclusivamente para repercussão na mídia: os “factóides”, do quais ele usou e abusou durante sua administração, e que o ajudaram a eleger seu sucessor.

Deaver também foi pioneiro na criação do “press release visual”, a divulgação de uma série de eventos destinados a mudar percepções negativas sobre o desempenho de Reagan. Por exemplo, quando a Casa Branca detectou que a qualidade da educação pública estava preocupando cada vez mais os cidadãos americanos, Deaver tratou de colocar Reagan visitando salas de aula, almoçando com professores e, sempre que possível, expressando sua preocupação com a questão. Que o presidente não estivesse propondo nenhuma nova iniciativa na área ou mesmo revertendo os cortes que fizera nos programas de bolsas para estudantes carentes, era apenas um detalhe. “Você pode dizer o que quiser, mas ao ver Ronald Reagan em uma classe falando com professores e alunos, o que o público conclui é que ele está preocupado com o assunto” (Deaver, 1987: 414). Estas matérias eram produzidas pela Casa Branca e distribuídas gratuitamente para mais de 10 mil jornais, rádios e estações locais de televisão dos EUA, muitas vezes através de canais de satélites alugados pelo partido Republicano.

A influência de Deaver era tão grande que, na cerimônia de comemoração dos 40 anos do Dia D --o desembarque aliado na Normandia — , sua equipe coreografou, com meses de antecedência, todos os detalhes do evento, determinando inclusive as praias e penhascos que seriam visitados. Fita crepe e marcas de tinta assinalavam os locais exatos em que Reagan e outros mandatários deveriam parar, deixar-se filmar, etc. As cerimônias principais foram marcadas de acordo com as paisagens “mais cenicamente adequadas”. Ex-ator de cinema, Reagan se sentiu a vontade no “papel” de presidente, não só se reelegendo como também fazendo seu sucessor.

Como tudo o mais, a República Eletrônica também se “globalizou”, principalmente a partir dos anos 80. Há algum tempo o jornal Financial Times mostrou como a necessidade de sensibilizar o eleitorado feminino determinou o corte de cabelo de Tony Blair, o novo primeiro-ministro inglês. Além disto, segundo uma de suas assessoras, “Tony tende a falar sobre os grandes temas da economia, mas nós queremos que ele fale mais sobre fluxo de caixa e o orçamento doméstico” (Parker, 1996). Até mesmo Israel, provavelmente um dos países mais politizados do planeta, discute as conseqüências da espetacularização da política. O atual primeiro ministro, Binyamin Netanyahu, é conhecido como o “prêmie american style”, uma referência a sua campanha fortemente calcada nos moldes americanos: mensagens curtas, soluções simples para problemas complexos e muitas imagens, tudo em ritmo de vídeoclip.

No Brasil, Fernando Collor foi o primeiro candidato verdadeiramente eletrônico. Sua campanha usava de forma sistemática, quase diária, as pesquisas qualitativas para orientar o programa de televisão. O resultado já se sabe: com menos de 3% do Congresso, Collor recebeu quase 30% do total de votos no primeiro turno, derrotando Covas, Brizola e Ulysses Guimarães, que juntos tinham mais de um século de vida pública. O passo seguinte foi trazer a campanha para dentro do governo: as corridas dominicais, com camisetas feitas especialmente para “comentar” os fatos políticos da semana, os acampamentos na selva, os passeios em aviões supersônicos. No início, seduzida pela opacidade do marketing, a sociedade se rendeu ao “caçador de marajás”. Exposto à luz, o governo se liqüefez.

A campanha de prefeito em 1992 trouxe para o âmbito municipal técnicas antes restritas as grandes disputas. Na campanha de Maluf, por exemplo, uma vez marcados os comícios, uma central de telemarketing ligava para cada bairro e as atendentes, sem se identificar e afirmando estar fazendo uma pesquisa, perguntavam quais os principais problemas da região, em que a prefeitura (na época sob controle do PT) havia errado e acertado, etc. As respostas eram tabuladas por um computador e entregues nas mãos dos assessores do candidato 48 horas antes do evento, o que permitia um discurso “sob medida” para cada região da cidade. Durante sua administração, Maluf também se valeria muitas vezes deste instrumento, inclusive para determinar que tipo de obras seriam tocadas com maior rapidez.

Na campanha de 94 este processo ficou um pouco prejudicado por restrições legais, já que a legislação proibia imagens externas ou trucagens eletrônicas sofisticadas. Mas isto não impediu o uso intensivo de pesquisas e, pela primeira vez no Brasil, do Teletrack, um aparelho que mede as reações dos espectadores enquanto eles acompanham um programa ou debate. Naquele ano, Carville também andou por aqui, dando conselhos aos tucanos. Para ficar apenas em um exemplo, um dos slogans da campanha de FHC era “O povo em primeiro lugar”. Tradução quase literal do lema usado por Clinton em 92, “Putting people first”.

Pitta e a República Eletrônica

Conforme destacamos no início, a campanha municipal de 1996 marca uma nova fase na comunicação política brasileira, devido principalmente a inovação dos comerciais de 30 segundos inseridos no meio da programação normal, fora do “horário político”. Entre o anúncio das ofertas do supermercado e a modelo maravilhosa vendendo alguma inutilidade da moda, aparece a pessoa que poderá dirigir os destinos da cidade, estado ou país nos próximos quatro anos. Sua mensagem — qualquer que seja ela — precisa ser transmitida de acordo com as regras do meio ou se perderá entre o turbilhão de imagens. Portanto, nada de temas complexos, controvérsias ou polêmicas. Pode-se argumentar que se perde em profundidade, mas se ganha em cobertura — as pessoas são praticamente obrigadas a ver os comerciais, ao contrário do horário eleitoral gratuito, com seu horário e duração previamente conhecidos.

Com tudo isto, as campanhas do ano passado chamaram a atenção não somente pelo domínio da parte técnica — as vinhetas com o fura-fila “funcionando” são um bom exemplo — como também pelo fato de que até mesmo partidos tradicionalmente resistentes a este tipo de estratagema, como o PT, passaram a aderir, um tanto atabalhoadamente, às práticas do marketing comercial. No caso de Erundina, o resultado foi o que se viu: um enorme abismo entre a imagem pública da candidata e o que o horário eleitoral mostrava, principalmente no início da campanha, com passeios no Ibirapuera ao som de valsas. Pressionado, o publicitário Celso Loducca — um profissional conceituado no meio empresarial mas com pouca experiência na área — abandonou o barco no meio do caminho e o partido retomou uma linha de comunicação mais “política”.

Por estes erros e acertos, a eleição paulistana é paradigmática. Assim como Riefenstahl fazia filmes arianos sem falar no arianismo, Duda Mendonça optou por uma campanha racista sem falar sobre a cor da pele de Pitta. Racista não no sentido de um juízo de valor, mas no da constatação que a questão da cor da pele do atual prefeito pairou o tempo todo sobre a campanha, ainda que não verbalizada, exceto pela “escorregada” de Luiza Erundina às vésperas do segundo turno. Neste caso, o teste de Rorschach seria mais ou menos o seguinte: por ser negro em uma sociedade racista, e ainda assim chegar aonde chegou, Pitta seria obrigatoriamente uma pessoa competente. Daí para a constatação do eleitorado que ele seria um governante competente, foi um pulo. Não se trata de maneira nenhuma de negar os méritos pessoais do novo prefeito, mas de mostrar como a propaganda reifica sentimentos que já estão latentes, sem explicitá-los.

Ao mesmo tempo, tendo escolhido um candidato negro, Maluf, famoso no passado por sua arrogância e visão tecnocrática, passava ao eleitorado uma imagem de humildade pessoal e “consciência social” — um problema que já fora detectado em pesquisas anteriores e determinou boa parte dos investimentos na área, durante a administração passada. A tática foi tão eficaz que até mesmo opositores históricos do ex-prefeito, como o professor José Arthur Giannotti, afirmaram que a candidatura de Pitta reforçou uma nova fase do malufismo, a da incorporação de temas sociais (Giannotti, 1996). Sinal dos tempos.

Historicamente, um dos principais problemas da democracia, passada a fase de organização das suas instituições, foi o da incorporação de vastas parcelas de eleitores, através da educação política. O desafio seguinte foi manter o interesse cívico em torno de um sistema que se tornava cada vez mais complexo e distanciado da vida das pessoas — basta ver como nos países onde o voto não é obrigatório a taxa de participação tende a declinar. A saída foi copiar o que já estava dando certo, do sabonete ao iogurte, do refrigerante à roupa da moda. E incorporar os processos, procedimentos e instituições que acompanham estes produtos: das agências de publicidade aos institutos de pesquisa, das assessorias de imprensa aos estúdios de televisão.

Funcionar, funciona. Mas quais as conseqüências desta nova forma de política?

Em primeiro lugar, é necessário destacar que as modificações de estilo acabaram por afetar também o conteúdo das campanhas. De propositivas, elas se tornaram reativas às demandas do eleitorado — e estas, pela própria natureza humana, estão sempre exigindo resultados de curto prazo. Desta maneira, a prática política, incluindo não apenas as campanhas, mas principalmente as ações de governo, já não é mais determinada em função do interesse público — que geralmente só pode ser avaliado no longo prazo — , mas dos interesses imediatos que cimentam coalizões eleitorais suficientes para garantir a vitória ou governar até a próxima eleição. Isto ajuda a explicar também as propostas cada vez mais parecidas, com planos de governo baseados em temas gerenciais não controversos.

Do lado do receptor — os eleitores — , a campanha passou a funcionar como o indicativo da capacidade de governo, um “atalho informacional” para avaliar os candidatos. Diante dos problemas cada vez mais complexos da sociedade moderna — o aumento da burocracia, a perda de autonomia resultante da globalização, a rápida transformação das estruturas produtivas, etc. — uma campanha “moderna” — do ponto de vista dos cânones televisivos — passa a ser considerada como um provável indício de alto grau de eficiência. É lógico que o eleitor sempre tem uma reserva crítica que não o faz aceitar 100% do que vê na tela, principalmente depois de episódios como o governo Collor, mas ainda assim a avaliação das chances do candidato em fazer uma boa administração — sejam lá quais os critérios adotados — é feita, em grande parte, em função da informação obtida via televisão.

O mesmo vale para a agenda da campanha e do governo. É muito mais agradável acompanhar a inauguração da obra, a viagem do presidente, a refeição do político ilustre com uma família comum do que discutir, por exemplo, a questão do déficit público. Este só vai começar a chamar a atenção do “espectador” depois de atingir o ponto em que está além de qualquer solução racional — exatamente o momento em que se abre espaço para mais propostas “messiânicas” ou espetaculares.

Outra conseqüência é que a idéia de política passa a ser renegada pelos políticos. Tomemos o exemplo de Pitta e Luiz Paulo Conde, prefeito do Rio de Janeiro. Tanto um como o outro afirmaram, em diversas entrevistas e debates, que sua visão de governo era essencialmente “administrativa” ou “técnica”. Pretendem com isto passar a idéia que os princípios da administração empresarial são plenamente aplicáveis à esfera pública, ignorando que os fins de cada uma são diferentes, e assim deveriam ser seus meios. Antes que o autor seja acusado de “dinossáurico”, é bom lembrar que “um país não é uma empresa”, como escreveu o professor Paul Krugman na Harvard Business Review (Krugman, 1996), a qual não é uma publicação propriamente “ultrapassada”. Mas o que importa é que, para o eleitorado, a “velocidade” empresarial — com todos seus símbolos — é o contraponto adequado a “lentidão” do Estado (Virilio, 1996).

Por fim, a República Eletrônica deslocou o foco da história e da prática política para as características pessoais do candidato — personalidade e aparência. É justamente por isto que muitos dos líderes do passado, aqueles que realmente fizeram diferença, teriam dificuldades em se eleger hoje. As características do estadista cedem espaço às do personagem televisivo. A aparência física e aptidão diante das câmaras, ainda que passíveis de manipulação, passam a ser parte fundamental do jogo. Dois exemplos bastam: Abraham Lincoln era feio, vesgo e manco. Ao que ele teria de se submeter para ter alguma chance de ser eleito hoje? E o que seria de Churchill se fosse à televisão para declarar, aos 67 anos, com suas vastas bochechas rosadas, os olhos inchados e a fala rouca, que nada mais tinha a oferecer a não ser “sangue, suor, trabalho e lágrimas”?

A democracia ateniense era exercida pelos cidadãos (homens, proprietários e naturais de Atenas) na Ágora, a praça do mercado, aonde também se reuniam as assembléias encarregadas de escolher os governantes e decidir os rumos da Polis. A Ágora moderna não pode ser medida em metros, mas em polegadas, dentro de um tubo de raios catódicos. O impacto que este processo terá sobre as instituições políticas clássicas é imprevisível.

De um lado estão os que pregam que os meios de comunicação de massa estão levando a “morte da política” e pavimentando o caminho para um totalitarismo declarado — vide 1984, de Orwell — ou disfarçado — como em Admirável Mundo Novo. Do outro, os que defendem o uso destes meios como forma de viabilizar, em uma sociedade de massa, as práticas que consagraram a democracia ateniense, incluindo a transparência do governo. Na mesma linha, mas com enfoque ligeiramente diferente estão os entusiastas da Internet, afirmando que a grande rede possibilitará o surgimento de um governo de massa verdadeiramente democrático, graças a facilidade de participação e comunicação interativa que este novo meio permite (London, 1995).

Entretanto, é impossível prever qual será o futuro da República Eletrônica. Em si, a tecnologia é neutra. Tudo depende do uso que queremos lhe dar. Mas esta é outra discussão.

Littera scripta manet, a palavra escrita permanece, previu Horácio na Roma Antiga, há quase 2 mil anos. Estão aí a Constituição Ateniense, a Lei das 12 Tábuas, a Magna Carta, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o Manifesto Comunista e a Carta das Nações Unidas, entre outros documentos que moldaram nossa civilização. Podemos duvidar que as cenas de campanha sobrevivam tanto tempo quanto estes textos. Mas, ao final do século XX, o triunfo é da imagem.

Referências

Deaver, Michael K. (1987). Behind the Scenes. New York: William Morton Ed.

Giannotti, José Arthur (1996). Por que voto em Erundina. Jornal O Estado de S. Paulo, 10/10/1996, pg A5.

Jamieson, Kathleen Hall (1992). Packaging the Presidency. Oxford University Press.

Krugman, Paul (1996). A Country is not a Company. Harvard Business Review, Janeiro 1996.

London, Scott (1995). “Teledemocracy vs. Deliberative Democracy”. Journal of Interpersonal Computing and Technology, Vol 3, Nº 2.

Manin, Bernard (1995). As metamorfoses do governo representativo. Mimeo.

Parker, George (1996). Blair woos women voters with new hair style. Financial Times, 6/11/1996.

Virilio, Paul (1996). Velocidade e Política. São Paulo: Estação Liberdade

Rorschach: Método de diagnóstico psicológico, composto por um conjunto de manchas de tinta, cujo formato é interpretado pelo paciente, provendo um contexto que permite a expressão de seus sentimentos.


 

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Junho 2002