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JURI, UM PODER SOBERANO E DEMOCRÁTICO

Paulo Mauricio Serrano Neves

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Juri, um poder soberano e democrático
Paulo Mauricio Serrano Neves

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© 2001 Paulo Mauricio Serrano Neves


Juri, um poder soberano e democrático

Paulo Mauricio
Serrano Neves


ÍNDICE

Nota de Abertura
1. Introdução Crítica
2. Histórico
3. O Juri como Poder do Estado
4. Do Fato-Penal
5. Da Declaração da Competência do Juri
6. Dos Casos-Limite Mais Freqüentes
7. Um Aspecto do Devido Processo Legal
8. Conclusão
Bibliografia
Notas


 

Nota de Abertura

 

"El Jurado examinado desde el aspecto jurídico y social es una de las instituciones cuya razón de ser y legitimidad no puedem ponerse en duda. Es el paladin de las libertades populares; es una institución enlazada al desenvolvimiento de las libertades políticas. Si la libertad no ha de ser una ironía, admitir la conciencia pública en los juicios penales es corolario de todo Gobierno libre. La participación de los ciudadanos en la administración de justicia es uno de los grandes principios de la moderna democracia representativa."

(F. MANDUCA – El Procedimiento Penal y su Desarrollo Científico, trad. de Angel Pintos y Pintos – La Espana Moderna, Madrid, 1888)


 

1. INTRODUÇÃO CRÍTICA

 

Os críticos do júri apontam soluções que vão desde transformá-lo em um colegiado de juristas até extinguí-lo, imputando-lhe produzir soluções aberrantes, absurdas, injustas, destoantes da lei ou da vontade social(1), mas não chegou ao meu conhecimento nenhuma proposta de fazer com que o júri expresse com clareza o que lhe está destinado na Constituição e na legislação inferior.

Qualquer centro de decisões será alvo de críticas negativas, pois a unanimidade de acatamento jamais existirá.

Se o corpo de jurados for encarado como uma representação da sociedade, mesmo admitindo que seus componentes tenham, todos, uma base uniforme de educação e cultura, não será possível afirmar que o grupo julgador, somente por isto, vá produzir decisões amoldadas a essa base. É que o indivíduo quando transita livremente no meio social tende, exatamente por conta de uma certa uniformidade, a expressar-se de modo uniforme se as coisas a seu redor também se passam de modo uniforme. Se as coisas ao redor do indivíduo se desequilibram, a conduta igualmente se desequilibrará e a expressão socialmente aceita tenderá para uma expressão individual, cada vez mais nítida, na medida em que o desequilíbrio faz aumentar a pressão sobre o indivíduo.

Destarte, ainda que oriundos do mesmo corpo social o grupo sob pressão adotará um comportamento que poderá ser conflitante com o do corpo de origem(2).

Ora, se levada em conta a desuniformidade de educação e cultura numa comunidade brasileira típica, será visto que os sete assentos poderão vir a ser preenchidos com características que vão de um extremo a outro: de um lado poderá haver uma pluralidade tal que represente o corpo social mas que, por isso, indica pouca possibilidade de decisão uniforme; do outro lado poderá haver uma uniformidade que indique maior possibilidade de decisão uniforme mas que não representa o corpo social(3).

O inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 88, que cuida do júri, veio, para os mais jovens, como um avanço democrático em relação ao dispositivo que cuidava do assunto no diploma de 69.

Vale a pena verificar como a instituição do júri foi tratada na história constitucional, para ver que o texto de 88 constitui uma afirmação da vocação democrática.


 

2 – HISTÓRICO (*)

 

2.1 – Constituição de 1824

Art. 151 – O Poder Judicial é independente, e será composto de Juizes e Jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos determinarem.

Art. 152 – Os Jurados se pronunciam sobre o fato, e os Juizes aplicam a lei.

"A Constituição outorgada de 1824, embora sem deixar de trazer consigo características que hoje não seriam aceitáveis como democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época, como também na adoção da separação de poderes que, além dos três clássicos,acrescentava um quarto: o Poder Moderador." (pg. 285)

2.2 – Constituição de 1891

Art. 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 31 – É mantida a instituição do júri.

"Conquista importante foi feita no terreno das garantias constitucionais que não constavam do texto anterior. A Constituição Federal de 1891 se vê aclamada pelo utilíssimo Habeas Corpus, instrumento jurídico de grande valia na repressão às prisões indevidas e aos atentados ao direito de locomoção em geral. Ele não era desconhecido em nosso direito. Na verdade, fora introduzido pelo Código Criminal de 1830, traduzindo-se em ato de grande importância, sendo agora guindado ao texto Maior.." (pg. 296)

2.3 – Constituição de 1934

Art. 72 – É mantida a instituição do júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei.

"Do ponto de vista histórico, a Constituição de 1934 não apresenta relevância. É, no fundo, um instrumento circunstancial que reflete os antagonismos, as aspirações e os conflitos da sociedade daquele momento, mas que estava fadada a ter uma curta duração, abolida que foi pelo golpe de 1937.

O matiz dominante dessa Constituição foi o caráter democrático com um certo colorido social. Procurou-se conciliar a democracia liberal com o socialismo, no domínio econômico social; o federalismo com o unitarismo; o presidencialismo com o parlamentarismo, na esfera governamental." (pg. 302)

2.4 – Constituição de 1937

Outorgada por Getúlio Vargas, não tratou do assunto, mas, editada em 10 de novembro de 1937, em 5 de janeiro de 1938 foi baixado o Decreto Lei n.º 167, que foi denominado por Lei do Júri:

Art. 2 – O Tribunal do Juri compõe-se de um juiz de direito, que é seu presidente, e de vinte e um jurados, sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento.

" A Constituição, portanto, era na verdade uma tomada de posição do Brasil no conflito ideológico da época pela qual ficava nítido que o País se inseria na luta contra os comunistas e contra a democracia liberal.

É bem de ver, contudo, que a importância de ser do texto acabou por não ser grande, visto que não houve necessidade de pô-lo realmente em vigor. Essa vigência só decorria dos termos do art. 187 que rezava: Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República." (pg. 307 e 308)

2.5 – Constituição de 1946

Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade.

§ 28 – É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contando que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

"A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a melhor, de todas as que tivemos. Tecnicamente é muito correta e do ponto de vista ideológico traçava nitidamente uma linha de pensamento libertária no campo político sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da Constituição de 1934.

Com isto o Brasil procurava definir o seu futuro em termos condizentes com os regimes democráticos vigentes no Ocidente, da mesma forma que dava continuidade à linha de evolução democrática iniciada durante a Primeira República. Era, portanto, um reencontro com suas origens pretéritas, saltando-se o obscuro período do Estado Novo." (pg. 312 e 313)

2.6 – Constituição de 1967

Art. 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 18 – São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

"Ponto muito importante foi a redução da autonomia individual, permitindo suspensão de direitos e garantias constitucionais, no que se revela mais autoritária do que as anteriores."

"Sem embargo a Constituição de 1967 foi uma tentativa de agasalhar princípios de uma Constituição democrática, conferindo um rol de direitos individuais, liberdade de iniciativa, mas onde a todo instante se sente a mão do Estado autoritário que a editou." (pg. 321)

2.7 – Emenda Constitucional de 1969

Art. 153 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 18 – É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

"Ao mesmo tempo em que desprezava o direito constitucional – porque tudo no fundo brotava de atos cujo fundamento último era o exercício sem limite do poder pelos militares – não se descurava, contudo, de procurar uma aparência de legitimidade pela invocação de dispositivos legais que estariam a embasar estas emanações de força." (pg. 326)

2.8 – Constituição de 1988

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos conta a vida.

O tratamento dado à instituição do júri mostra dois afogamentos nas águas turbulentas de regimes fortes. A carta de 37 não a contemplou, mas o regime houve de dar vida ao júri através de Decreto Lei até que a carta de 46 lhe desse as feições que tem atualmente. Em 69 foi suprimida do texto constitucional a última prerrogativa, mas a instituição permaneceu incólume, respirando o oxigênio democrático que lhe era ministrado pela vocação do povo, voltando ao texto constitucional na forma da carta de 46, em 1988.


 

3. O JÚRI COMO PODER DO ESTADO

 

O texto da atual constituição é uma novidade democrática para os que aprenderam a ler a partir de 1969, de tal sorte que, já na segunda infância, não foi notado com a evidência merecida o substancial avanço em relação ao texto de 1946.

Historicamente a instituição do júri foi mantida, e a sua melhor configuração constitucional (1946) estava inserida numa carta em que o poder emanava do povo:

Art. 1º – Os Estados Unidos do Brasil mantêm, sob o regime representativo, a Federação e a República.

Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.

Acontece que a Carta de 88 estruturou-se com um avanço significativo no exercício do poder pelo povo:

Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

"O que se procura, no processo de criação do poder ou poderes, é a legitimidade. Lógico está, pelo visto, que há necessariamente no problema da legitimidade, presença de forças representativas. Em verdade, o exercício do poder ou poderes encontra base na sociedade política organizada. A priori nos elementos institucionais, territoriais, grupais, religiosos, permanentes nas relações humanas."(1)

Em decorrência da nova disposição, no texto relativo ao júri substituiu-se o termo mantida por reconhecida.

Com tais alterações, ficou o júri com um nível mais alto no bojo constitucional. Primeiro, a soberania(2) do veredicto alçou-se de simples e aceita dicção democrática tradicional, para forma de exercício direto do poder. Segundo, ao ser reconhecida a instituição(3) elevou-se do patamar da vocação democrática para o de poder do Estado, eis que a faculdade de formação de vontade que caracteriza a ação política (poder = instituição) passou a integrar o ordenamento jurídico e o júri passou a ter a dúplice expressão necessária para o exercício pleno: a pertinente à ordem jurídica – que sempre teve e permitia a aceitação de suas decisões e a pertinente ao ordenamento jurídico(4) – que a coloca como expressão do Estado junto a um dos poderes de governo (judiciário).

Quem leu Montesquieu com a devida atenção sabe (mas alguns não gostam de dizer) que a tripartição se refere às três funções capitais. O célebre mestre não seria insano de, mesmo à sua época, engessar o Estado no governo tripartido, sob pena de estar passando para o Executivo um poder superlativo(5). Então, a leitura da constituição (em todas as épocas) deve ser feita a partir de que o Estado (ente jurídico superlativo) se manifesta através de seus poderes, um dos quais é o Governo, que se triparte nas ações capitais típicas. No sistema presidencialista, a Chefia do Governo se confunde com a Chefia do Estado, na mesma pessoa, causando um baixo nível de distinção entre os atos praticados pelo mandatário supremo.

Não existe hierarquia ou subordinação entre os poderes do Estado, mas é evidente que a própria organicidade dos poderes deflui do Governo.

O exame superficial da estrutura induz a erro por causa da evidência do texto no estabelecimento das atribuições dos agentes políticos que representam os poderes do Estado. Mas, será pelo exame destas atribuições, antes mesmo de afirmar que toda referência constitucional a uma instituição é a assinalação de um poder, que se pode enxergar momentos distintos em que o Chefe do Governo exerce o seu primeiro predicado de Chefe do Estado (a dúplice predicação é decorrente do sistema presidencialista).

Seja visto o texto sobre as forças armadas:

Art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, da lei e da ordem.

Claríssimo está pela missão da defesa da Pátria que seu comandante supremo lhe dá ordens como Chefe do Estado mas, por outro lado para restabelecer a ordem constitucional interna sua missão independe da ordem de seu comandante supremo e alcança o Chefe do Estado ainda que a desordem causada seja por conta de ser Chefe do Governo.

Isto situa as forças armadas ao lado do Governo embora restrito o campo da sua faculdade de formação de vontade à garantia dos poderes constitucionais.

O Ministério Público tem ação contra os poderes do Governo e do Estado:

Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

A Defensoria Pública defende aqueles que o governo quer mandar para as prisões:

Art. 133 – A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

Não pudesse uma dessas instituições se voltar contra os governantes e o Estado seria a pessoa deles como já o quis LUIZ XIV: – O Estado sou eu.

Todas as referências dadas, assim como o júri, estão classificadas como instituição. Logo, todas são poderes do Estado, não havendo razão para ordená-las a partir da tripartição pois o Governo é um dos poderes do Estado que tem tríplice expressão.

O Júri tem caráter singular porquanto a investidura do cidadão no poder direto é temporária. Seu funcionamento sob a presidência de um juiz togado (Poder Judiciário de Governo) não lhe tira o status nem o subordina. É que o júri exerce a soberania do veredicto sobre proposições jurídicas que só podem emanar do órgão que detenha o poder de dizer o direito. Simples: o Governo (Poder Judiciário) para decidir sobre questão relevante (bem jurídico vida) chama o Estado para dizer-lhe se naquele caso o direito e qual direito deve ser aplicado.

Ao fazer perante o júri uma proposição jurídica o Governo exerce o poder-dever que lhe foi delegado, mas reconhece que está num limite no qual, se decidisse sozinho, correria o risco de contrariar o delegante.

O júri, como poder do Estado, julga com o mesmo grau de poder e autoridade com que o Presidente da República, como Chefe do Estado, concede o indulto e comuta penas (art. 84, XII, da CF).

A clássica composição do Estado em povo, território e governo, como o mínimo de elementos para sua existência, mostra pela natureza dos componentes que um povo pode ocupar um território e estabelecer um governo, mas um governo não se estabelece para atrair um povo e ocupar um território. No fundo, é da natureza humana o sentido social de organização estável sob comando, e o Estado passa a ter existência quando representa a integração política e jurídica da sociedade(6). Esta afirmação tem sentido metajurídico, por propor um objeto ideal mas, como o próprio direito tem como seu objeto ideal a Justiça, poderemos, no plano deste estudo tratar o Estado como objeto cultural – ente jurídico de direito internacional.

A excursão visa mostrar que o texto constitucional vigente, único na história a ter expresso o regime democrático (art. 127 da CF), reconhece que o povo delega com reserva de poderes. No caso do júri, a reserva é peculiar: a soberania do veredicto.

CF – Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos intesse sosiais e individuais indisponíveis.

Quando da edição da carta vigente, alguns desinformados tentaram invalidar a hipótese de recurso quando o júri decidisse manifestamente contrário à prova dos autos.

Não houve dificuldade em informá-los, pois o recurso existia ao tempo da carta de 46. Nem mesmo foi necessário invocar o duplo grau de jurisdição. Bastou assinalar que é exigível do soberano que examine a proposição de direito que lhe é feita, e se não o faz na primeira vez, deverá examiná-la uma segunda vez, ocasião em que pode, definitivamente, recusá-la.

Na primeira vez, a proposição é um objeto cultural e pede ao soberano um objeto correspondente (proposições equivalentes no plano do ordenamento jurídico)(7) que, não obtido, leva à re-proposição, ocasião em que o soberano contrapõe um objeto ideal (proposição superior no plano da ordem jurídica) e encerra a questão.

Assim é que o poder soberano do júri, por ter livre trânsito no cultural e no ideal, assusta ou atemoriza os juristas de menor vocação democrática ou com menor compreensão do Estado, os quais estão constantemente a dizer que o júri deve se subordinar aos objetos culturais imediatos, contrariando assim a própria natureza humana que não vive sem os objetos metafísicos.

O poder soberano é tão evidente que a segunda decisão de mérito transita em julgado assim que proferida, eis que sobre ela não cabe recurso. A esse formidável poder será submetido o cidadão. Um poder Estatal contra o qual não pode o Governo (Judiciário), daí a imperiosa necessidade de construir uma proposição corretíssima do ponto de vista fático e jurídico(8), de modo a não expor a julgamento pontos frágeis ou duvidosos, sob o argumento simplório e inválido – como será visto adiante – de que o júri é o "juiz natural" dos crimes dolosos contra a vida ou que qualquer dúvida pode ser resolvida em favor da sociedade(9).


 

4. DO FATO-PENAL

 

A compreensão do que é um fato-penal depende do artifício de imaginar que nenhuma alteração produzida por ação humana no mundo exterior ao agente constituiria crime se inexistisse o direito penal. O artifício serve para estabelecer a premissa de que os fatos produzidos por ação humana no mundo exterior ao agente ocorrem numa realidade que independe do direito. Quer tais fatos produzam uma alteração mais sensível a um observador – como no caso da quebra de um objeto, quer produzam uma alteração menos sensível – como no caso de uma pergunta que movimenta o intelecto do interlocutor, a cadeia causal que liga a ação humana ao resultado constitui o que um observador isento denominaria de realidade fática. É certo que o observador humano totalmente isento não existe, mas é possível entender que, por exemplo, uma câmara de vídeo que grave a cena de uma ação humana produzindo uma alteração no mundo exterior ao agente é um observador isento, capaz de apreender uma informação e não valorá-la sob nenhum aspecto. No entanto, o observador humano assistindo o conteúdo da fita tenderá a atribuir-lhe um valor, construindo, assim, um objeto cultural(1).

A insistência na obviedade visa deixar bem claro que os valores não criam fatos nem existem independente de fatos com os quais possam implicar-se. A teoria tridimensional exposta pelo Prof. Reale aplica-se a outros objetos culturais que não o direito, tanto que, um mesmo fato pode ser submetido a vários prismas valorativos produzindo, na implicação com cada um, um espectro específico de objetos culturais, sem que a estrutura da teoria ou o fato sofram alteração.

Até que informações mais precisas assentassem que a Terra gira em torno do Sol, afirmava-se e acreditava-se o contrário, mas o fato permaneceu o mesmo. Logo, os fatos possuem propriedades que são próprias para conferir-lhes a identificação num campo do mundo da cultura se o observador possuir o prisma capaz de refratar a propriedade buscada. Quer dizer, fato e valor possuem uma implicação necessária e uma bipolaridade como explicou o Mestre Reale, em qualquer ramo da ciência.

Assim é que a materialidade de um fato – e estamos propositadamente confundindo, neste passo, materialidade com resultado – deve primeiro ser submetida ao crivo do campo da cultura ao qual tem pertinência imediata (v.g.: a morte de um homem examinada primeiro pelo médico legista) para verificação da existência (ou não) das propriedades que lhe confere identidade no campo jurídico(2). Por isto é que toda a aparência de um bárbaro homicídio cai por terra ao afirmar o médico legista que a ação humana aconteceu, desde o início, sobre um cadáver. Por isto, também, é que toda aparência de uma apropriação indébita se desfaz diante do mandato não revogado(3).

Penetrar na essência do fato para descobrir-lhe as propriedades é operação de caráter inarredável, a exigir extremo cuidado na identificação entre o fato e o tipo penal. Ou seja, as ciências da pertinência imediata dos fatos deverão esgotar seus acervos neste mister, no sentido de evitar o pronunciamento jurídico sobre uma aparência de fato.

Errar é humano, não me esqueci.

As propriedades juridicamente definidas que alocam um fato no campo do direito penal tem a sua existência no acontecer do fato(4), permitindo dizer que a ação humana que causa um determinado resultado no mundo da realidade, causa o resultado jurídico, e as cadeias causais fática e jurídica são congruentes(5) temporais, embora a primeira seja determinante do segundo.

Everardo da Cunha Luna, citando Welzel às páginas 61 de O Resultado no Direito Penal (J.B., São Paulo, 1976), anotou:

"A causalidade, normativa tratada, constitui a causalidade jurídica, não no sentido de uma causalidade especial (17), com caracteres próprios, independente do conceito causal ontológico, mas no sentido de que é a própria causalidade ajustada aos fins do direito, limitada, valorizada. A cultura não se contrapõe à vida e desta não se afasta; antes, faz extendê-la, enriquecê-la. Se houvesse uma causalidade jurídica especial, deveria haver, igualmente, uma realidade do direito independente da realidade pura. O que não é ação na realidade, não é ação no direito; o que não é resultado naquele, neste não é resultado; o que não é causalidade na primeira, não é causalidade no segundo. Mas nem tudo o que é ação, causa e resultado no mundo da natureza, é ação, causa e resultado na esfera do direito. Na limitação, no modo de encarar a realidade, está o sentido jurídico."

Existe uma consciência comum entre os filósofos e os juristas, embora cada um se expresse na sua própria linguagem, o que torna dispensável intentar conceituar o fato-penal como especial, eis que um fato é penal por ter um caráter penal e ser atribuível ao seu autor igual responsabilidade . Do mesmo modo um fato é estético por ter um caráter estético e ser atribuível ao seu autor igual responsabilidade. CAMMARATA (citado por La Rocca) não cometeu excesso ao afirmar que "il concetto di fatto é dato dalla somma di tutti elementi necessari per l’existenza del reato", mas creio que DELITALA (citado por La Rocca) desfez a implicação necessária ao afirmar que "la determinazione del concetto di fatto... prescinde tanto dal momento dell’antigiuridicitá quanto da quello della colpevoleza, e si reporta unicamente allla materialitá del reato, come descritta nella fattispecie legale".

Na mesma linha podemos tomar Manzini:

"Il fatto costituente reato deve essere considerato non solo nel suo elemento psicologico (...), ma altresì nella sua essenza fisica, cioè in relazione alla sua materiale rispondenza al tipo criminoso preveduto dalla legge penale, ovvero in raporto alla quantità o alla qualità dell’attività fisica, esecutiva, explicata dall’agente."(6)

Na verdade, seja o conceito de crime o formal, o material, o sintomático, o analítico, ou qualquer combinação destes, observa-se que o trabalho do doutrinador consiste em fazer variar a compreensão e a extensão do termo, porém, existe um limite para a compreensão que impõe ao conceito um mínimo de essência(7), sem a qual o conhecimento não se formaria. Então, posso afirmar que crime (A) e conceito de crime (B) não podem se confundir, pois A é B (8) e, portanto, crime é o termo que expressa o juízo(9) sobre o fato-penal.

Não se cuida de transformar o direito num exercício de lógica formal, mas de fixar a relatividade dos componentes do fato-penal, reduzindo a margem de erro, de tal modo que o fato narrado na denúncia (proposição provável) apresente identidade com o fato-penal, e a instrução possa se dar no campo dialético caracterizado pela contrariedade e contraditório. Destarte, observa-se que a denúncia, embora sendo uma proposição lógico-formal, abre o ciclo do pensamento dialético, o qual irá ser fechado pela sentença, que é também uma proposição lógico-formal. E não é apenas uma questão de garantia processual, pois não seria mera coincidência que o pensamento lógico guardasse tal semelhança com o pensamento jurídico(10).


 

5. DA DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JÚRI

 

Diz o texto constitucional que o júri é competente para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

No processo, o fato penal passa por uma série de proposições que evoluem no curso da perseguição: no inquérito (ou informação) é proposição de possibilidade (é possível que o fato seja um crime); na denúncia o possível se transforma em provável, e na decisão alcança o estágio de provado (certeza processual).(1)

No rito ordinário a certeza processual coincide com a verdade real, e esgota a dicção sobre o fato.

No rito do júri – primeira fase – a pronúncia que manda a julgamento não alcança a verdade real, pois a dicção sobre o fato só será esgotada pelo pronunciamento do colegiado. Ao estacar na declaração de que o fato penal(2) é um crime doloso contra a vida, a pronúncia estabelece a certeza processual. Nada mais.

As decisões de pronúncia costumam referir-se, singelamente, à materialidade e autoria como bastantes. Embora seja possível, através de algumas operações mentais, entender que o juiz quis referir-se à materialidade de um crime doloso contra a vida, ou seja, a um fato penal classificado, sujeito a julgamento pelo júri, falta ao conteúdo da declaração a correspondência com o objeto da declaração, o que lhe dá um caráter ambíguo no que tange à verdade processual, isto é, a materialidade e a autoria, que são apenas parte do fato penal, tanto servem para uma pronúncia quanto devem ser reconhecidas para a absolvição sumária.

A exigência processual é de que o pronunciante se convença da existência do crime doloso contra a vida, e a pronúncia se justifica somente se o fato penal for um crime doloso contra a vida, em atendimento à remessa constitucional da competência para o júri.

A referência à materialidade apenas assinala a existência de um resultado amoldado a um tipo prenunciante da ilicitude, isto é, parte do fato penal, embora sejam qualidades determinantes. Pela materialidade apenas se inicia a perquirição sobre a essência do fato penal, cuja conclusão tanto pode ser a da existência do fato doloso penal quanto a do fato indiferente penal.

Ainda que se queira dar extensão à materialidade, é de todo impertinente que se queira incluir as variáveis subjetivas, porquanto a materialidade ocupa um intervalo temporal-espacial cujo extremo inferior é o início da execução, não incluindo, por conseguinte, a vontade do agente, a qual existirá antes que a execução seja iniciada. A materialidade estendida se reduz à aparência do fato penal, podendo levar o observador a erro, pois o elemento vontade nem sempre é sensível na aparência.

Destarte, a materialidade, ainda que estendida, não satisfaz o conteúdo da declaração da existência do crime doloso contra a vida.

A carga jurídica exigida para que o fato penal se sujeite a julgamento pelo júri é que constitua um crime doloso contra a vida e não apenas uma materialidade contra a vida. Basta ver que numa defesa legítima (defender-se matando) o resultado pode extremar-se no dolo (vontade do resultado) a partir de que a potência lesiva do agressor antecipe o verbo secundário, e a repulsa, desde o início, seja uma necessária uma defesa mortal (matar para defender-se).

A declaração de pronúncia haverá, então, necessariamente, de conter expresso o objeto sobre o qual recai, não podendo deixar que seja apreendido por exclusão ou por conclusão.

Do ângulo lógico-jurídico, a competência constitucional do júri é expressa no objeto crime doloso contra a vida, de tal modo que inexiste a menor dúvida quanto ao conteúdo da vontade ou quanto ao conteúdo da declaração no texto magno. Ora, a competência em concreto só se afirmará na hipótese em que a declaração de pronúncia tenha objeto congruente com o objeto da declaração constitucional.

Se o juiz não declara – com as razões de seu convencimento – que o fato é um crime doloso contra a vida, deixa de exercer a jurisdição prelibatória porque não encerra a fase processual. Duas são as hipóteses mais comuns: na primeira a pronúncia se contenta com a materialidade e a autoria e na segunda a pronúncia diz o que o fato penal não é. Nas duas hipóteses a conclusão fica por conta do leitor, isto é, a declaração só se tornará inteligível se completada com outras operações mentais (raciocínios)(3) revelando, com isto, que, exatamente, o prolator deixou de fundamentar o argumento final, deixando-o ambíguo(4). Em termos processuais, deixar de expressar o juízo eqüivale a não ter feito o juízo(5) e permite afirmar que a declaração não contém o objeto exigido.

A sede processual é a mais inadequada para exercícios de rebuscamento lingüístico ou experiência com novas formas de comunicação. Não que se queira colocar rédeas nas canetas, mas a precisão e clareza são exigidas nas declarações judiciais porque aqueles que estão sujeitos a elas devem compreendê-las a partir do próprio enunciado, sem a necessidade de explicações ou operações mentais integradoras.

Não pode o direito contentar-se em que o prolator escreva o "pronuncio" para concluir que o fato penal é um crime doloso contra a vida, pois estaria sendo aplicado o critério da autoridade(6) do juiz como revelador da certeza processual. Por certo, apenas pelo "pronuncio", se não confio no critério da autoridade, posso refazer o raciocínio em busca do juízo, o que também não satisfaz ao direito, por se tratar de uma forma de integração extra-sentença.

"Pronuncio" é apenas o termo sacramental que, após a declaração de que o fato é um crime-doloso-contra-a-vida, assinala que o prolator obrou por conta do art. 408 do Código de Processo Penal.

CPP – Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronuncia-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.

Ora, se a competência do júri só se estabelece para o caso concreto e a partir do trânsito em julgado da declaração de pronúncia, nada mais claro que o juiz de ser o fato penal um crime doloso contra a vida é o juiz togado. Daí que o júri – salvo a retórica – não é juiz natural de coisa nenhuma, é apenas juiz competente para dizer sobre a jurisdicidade (tipo), ilicitude (crime) e culpabilidade de uma proposição feita pelo juiz togado, vez que o libelo segue a pronúncia.

Não é a escolha inicial do rito que estabelece a competência do júri, pois três são os casos em que o processo se desvia do impulso inicial: a desclassificação, a impronúncia e a absolvição sumária. A escolha do rito se funda na possibilidade da proposição inquisitorial enquanto distribuição, e na probabilidade da proposição acusatória enquanto ação, mas não significa que, necessariamente, a fase será encerrada com a pronúncia. Uma observação mais aprofundada mostrará que a primeira fase nada tem de preparatória, vez que tem começo, meio e fim. O que acontece, na prática, é que a acusação crê ser bastante exibir, ou quando muito repetir, o conteúdo dos autos encerrados com a pronúncia. Na verdade, a segunda fase, já na competência do júri, é iniciada com o libelo crime, que nada mais é do que uma denúncia que será recebida pelo presidente do tribunal do júri.

A primeira fase do rito do júri é técnica, devendo a prova ter caráter legal estrito. No plenário do júri, o devido processo legal não inclui o caráter estrito da prova, podendo o júri exercer sua soberania com base em simples argumentos desacompanhados de comprovação.

Desta forma, como já venho sustentando, a função do juiz togado é a de formular uma proposição juridicamente correta sobre a existência do crime doloso contra a vida, não lhe favorecendo a dúvida. No entanto, existe um limite em que o juiz pode estar diante da dúvida fundada(7), ou seja, pelo conjunto probatório, a afirmação de ser o fato penal um crime doloso contra a vida é tão verdadeira quanto falsa. Neste caso, e somente neste, a solução "pro societate" nada tem a ver com juiz natural, e sim com delegação, quer dizer, o delegado para dizer o direito não pode dizê-lo sob pena de errar, e remete o caso ao delegante (povo = júri) soberano. Por isto, não deixa de exercer a jurisdição togada, pois a devolve ao delegante mediante uma declaração que possibilite o exame da hipótese.


 

6. DOS CASOS-LIMITE MAIS FREQÜENTES

 

Os casos-limite se apresentam nas hipóteses em que o fato-penal sob exame se distingue de outro fato-penal apenas pelo ânimo do agente, sendo comum a imposição, pelo juiz togado, de uma dúvida não refletida.

6.1. Tentativa de homicídio versus lesão corporal

O homem é punível pelo que faz, segundo a sua vontade e determinação em fazer, portanto, a adequação típica de um fato não pode deixar escapar que a vontade do agente deve coincidir com a vontade do tipo. Qualquer que seja a corrente teórica não se pode excluir que aquele que admite o resultado morte como desdobramento de sua ação causal quer matar. Seja através de longa premeditação ou de ímpeto vê-se que a vontade e a determinação atingiram o ponto ideal para a ação, sendo desnecessário perquirir a intensidade da vontade se a ação se realiza.

O tipo do homicídio não sugere gradação do resultado – ou o indivíduo morre ou fica vivo. Destarte, qualquer questão sobre a intensidade da vontade cai no desvão das coisas inúteis pois a "menor" vontade de matar é capaz de causar o mesmo resultado que a "maior" vontade, mostrando que a vontade do tipo é apenas detectável, ficando a dimensão da vontade do agente rebatida para a medida da culpabilidade.

Na primeira fase do rito do júri o juiz só lida com a culpabilidade nas hipóteses que a excluem (art. 23 do CP). Fora das hipóteses legais pouco importa que o juiz togado perceba com toda clareza que o cidadão não é culpado pelo crime-doloso-contra-a-vida, pois não poderá emitir declaração exculpante sem invadir a competência do júri. O impedimento do juízo da culpa faz com que a fase técnica se torne árida, e por árida tormentosa, eis que para a autoria basta que o juiz se convença da existência de indícios (provável autor), mas quanto ao crime é preciso que se convença da existência (ausência de dúvida) dele. Portanto, o dolo deverá estar no tipo, sob risco de se remeter a julgamento a questão de ser ou não ser o fato-penal um crime-doloso-contra-a-vida.

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.

O crime, enquanto realidade fática sob apreciação jurídica, contém uma dimensão temporal pouco explicada pelos juristas. Sabemos bem que o crime se inicia com a execução e se aperfeiçoa com a consumação. Se, iniciada a execução a consumação não vem a ocorrer por circunstância alheia à vontade do agente, fica reconhecida a existência de um intervalo temporal entre os extremos, passível de interrupção, fazendo com que a exteriorização da vontade possa tornar-se de difícil identificação. Se atiro na cabeça e acerto no pé, mas circunstância alheia à minha vontade me impede de prosseguir, a tradicional fórmula de Câmara (instrumento, número e sede dos golpes) me dá uma lesão corporal. Para chegar ao homicídio tentado não basta que a vítima diga que apontei a arma para seu crânio, pois o que ela viu pode não corresponder à minha vontade. O cerne da prova é o desvio não desejado.

No plano jurídico, causa, condição ou circunstância são equivalentes, mas no plano da realidade fática são distintas. A relação de causalidade fática não se resume na causa e efeito, respectivamente, o antecedente e o conseqüente no aspecto temporal newtoniano.

Um cientista dos fatos não diria que a água entra em ebulição aos 100° Celsius sem dizer que isto ocorre nas CNTP (Condições Normais de Temperatura e Pressão). Isto nos leva a concluir que uma causa, em condições tais, produzirá determinado efeito se inocorrerem circunstâncias que alterem os elementos antecedentes.

Ora, quem detém a vontade e a determinação de produzir o fato, espera que o resultado ocorra e, portanto, crendo que as condições são as ideais, ficará frustrado se as condições se alterarem no curso da ação. Para o agente a alteração não desejada é circunstancial, acidental, não desejada, alheia à sua vontade.

A causalidade jurídica e a causalidade fática devem guardar correspondência biunívoca entre os elementos que as compõe. Isto significa, embora a afirmação encerre a obviedade, que só existe na tentativa de homicídio se for iniciada a execução de um homicídio e, portanto, a exteriorização da vontade é a própria ação. A fórmula de Carrara quando aplicada ao resultado induz a erro grave por incluir o acidental. No entanto, se aplicada ao início da execução, poderemos ver que a direção da vontade se determina pela escolha que o agente faz dos meios e modos que considera ideais. O tormento trazido por alguns casos pode ser afastado se a conjuntura que antecede o início da execução puder ser restaurada. Como em tese o motivo para o crime pode ser experimentar o próprio crime (amoralidade extrema), pode-se afirmar que todo crime tem motivo – e ninguém tem o direito de dizer se o motivo é bastante ou não. Assim, a "moral" da história em que a tartaruga vence o coelho na corrida está presente desde a primeira palavra do texto, embora só seja impressa no final como uma conclusão. A simples materialidade de a tartaruga vencer a corrida é um indiferente moral pois, na verdade, o coelho queria ganhar e tinha condições para tal, não fora dormir demais(1).

A materialidade aponta para um resultado típico, mas não determina que a vontade de produzi-la seja a vontade pedida pelo tipo para o qual aponta. Logo, a declaração de pronúncia deve referir-se – e fundamentar – que iniciada a execução de um homicídio (crime-doloso-contra-a-vida) este se consumou ou não (materialidade).

6.2. Legítima defesa

Não se cuidará, evidentemente, de examinar a excludente sem antes verificar se o fato penal está aperfeiçoado.

Ao trabalhar no final da primeira fase o juiz togado deve verificar se o crime não foi atingido por alguma causa que exclua a pronúncia. Sendo comum, na fase técnica, que a defesa alegue a licitude da ação, repara-se que o caso vai a julgamento pelo júri, às vezes, com a declaração de que a excludente não restou clara. Das quatro figuras do art. 23 do Código Penal, uma é rígida – estrito cumprimento do dever legal – e as outras três são flexíveis.

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercícico regular de direito.

No estado de necessidade "considera-se" algo "razoável"; na legítima defesa "entende-se", e no exercício do direito o "regular" alcança a conjuntura temporal e espacial.

Numa comparação física, o estrito cumprimento do dever legal é uma bola de bilhar, rígida, enquanto as outras figuras seriam balões de soprar, expansível até o limite em que a elasticidade da borracha ou impede a expansão ou o balão explode.

Se observarmos que o balão tende a manter a forma geométrica (esférico, oval, oblongo, etc.) na medida em que aumenta ou diminui de volume, ver-se-á que o fato-penal não perde a identidade com o tipo justificante, embora fique menor ou maior. Destarte, o "considerar-se", o "entende-se" e o "regular" correspondem à forma geométrica e não ao volume do balão, de tal sorte que o reconhecimento da excludente é, por exemplo, a operação em que se possa, por exemplo, reconhecer e declarar a forma oval, quer seja ovo de passarinho, quer seja ovo de avestruz.

A comparação pode parecer rasteira, mas assegura que não poderei imprimir deformações na geometria do tipo justificante e, portanto, se alguma coisa deve resultar clara é a semelhança de forma geométrica entre o fato-penal e o tipo justificante, jamais, também por causa do conteúdo humano, deverá resultar clara qualquer identidade ou congruência.


 

7. UM ASPECTO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

 

Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja autor, pronuncia-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.

Já assentado que o juiz do fato-penal é o Juiz togado, evidentemente, e até pela contundência do termo convencimento, a fase singular reveste-se de características de um processo de conhecimento. Ao afirmar esta obviedade, quero chamar a atenção para um aspecto sobre o qual ainda não vi que a doutrina se dedique, que é o objeto sobre o qual pode recair o conhecimento do juiz.

Percebo, inicialmente, que atropelos de leitura ou de tradução podem ter induzido a um erro fundamental, que precisa ser corrigido. É comum que se diga que o que não está nos autos não está no mundo, e isto vem do latim "Quid non est in actus non est in mundo".

"Actus", plural de "actus" que significa ato, e ato é ação, é um fazer, um praticar.

Assim, um auto de prisão em flagrante é a narrativa autenticada do ato de prender em flagrante.

O plural "autos" significa coleção de peças pertencentes a um processo.(3)

Veja-se que, se não existe no processo o auto (assentada, termo, ata, etc.) de um ato, não existe o auto nos autos mas, não existir nos autos é conseqüência de que o auto do ato não existe. Então, não só a tradução correta é "o que não existe nos atos", como ato, na espécie só pode ser aquele que, num processo de conhecimento, seja presidido pelo juiz, conduzindo a interpretação do aforismo no sentido de que o juiz deve formar seu convencimento conhecendo de atos que tenha presidido ou mandado realizar.(4)

A conclusão pode parecer precipitada diante da impressão comum de que o inquérito policial enquanto autos de autos de atos presididos pela autoridade policial pertencem aos autos do processo.(5)

No entanto, algumas observações conduzem a que, não sendo um objeto judicializado, eis que qualquer outra coleção de documentos serviria para impulsionar uma ação penal, o inquérito policial pertence a categoria de informação oficial, ou proposição possível (ver ... em Das Formas Lógicas no Processo Penal). Como informação serve de orientador para a denúncia e para o contraditório da instrução criminal mas, se o contraditório se frustra resta impossível a declaração condenatória, e dizem que por violação ao devido processo legal. Porém, vou mais além, dizendo que a sentença condenatória fundada apenas no inquérito policial estaria homologando um procedimento inquisitorial. E, não existe sentença de natureza homologatória no processo penal. E, até mesmo homologação de sentença estrangeira (Art. 787 a 790 do PC) é um processo de conhecimento da espécie constitutiva.(6)

Ora, então o juiz não pode conhecer do inquérito policial para formar seu convencimento. E não pode porque o inquérito policial não é um objeto judicial, e, se não o é como um todo, nenhuma de suas partes também o é.

O sumário do júri transcorre diante do juiz togado, juiz esse ao qual, para plena garantia do acusado, é vedado conhecer de um objeto não judicial. Ora, se na sua competência condenatória o juiz é o zelador das garantias de um contraditório efetivo, não se vê sentido de que como preparador (não gosto deste termo) possa dispensar tais garantias.(7)

Assim é que entendo aplicar-se – e para mim estou sendo óbvio – à primeira fase do rito do tribunal do júri todas as garantias inerentes ao processo ordinário condenatório.(8)

Por outro ângulo, sabido que é que, no plenário do júri os trabalhos podem se resumir aos debates, mas sabido também que o contraditório probante pode ser produzido, ou seja, é facultativo, não se poderia entender que o inquérito policial pudesse ser levado diretamente ao colegiado julgador , sob pena de ser reinstalada a inquisição. Logo, o imperativo de levar ao júri uma proposição judicial, envolve que o contraditório sobre o fato-penal deva existir na primeira fase do rito, necessariamente.

Então, e mais uma vez, não pode o juiz togado formar seu convencimento, para efeito de declaração de pronúncia, em atos do inquérito policial que não tenham sido convertidos em objeto judicial por um ato do juiz.(9)

Examinando o inquérito policial, vê-se que contém os indícios da autoria e da existência do crime, em regra, e seria simples adequar seu conteúdo à letra da lei (Art. 408 do CPP), o que tornaria possível a declaração de pronúncia com base do inquérito policial, exclusivamente, caso a instrução não pudesse acontecer de forma processualmente segura. Tal raciocínio exigiria pelo menos dois argumentos falsos: primeiro dar-se à peça informativa o benefício da verdade, tornando-a irretorriquível; segundo, erigir a ausência do contraditório à categoria de dúvida em prol da sociedade.

CPP – Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronuncia-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.

Não estou a destruir os inquéritos policiais nem a criar espaço para a impunidade, para o que evitar, passo a demonstrar.

Os inquéritos policiais são verdadeiros extratos mágicos, quando vistos de olhos abertos: tudo neles aparece tendo como única explicação o trabalho policial e, normalmente, a acusação se dedica a judicializar suas conclusões e indicadores, sem a preocupação de judicializar seus modos de operar.

Não é desconhecido dos militantes da área de tóxicos que muitas condenações se dão apenas com o testemunho judicializado dos próprios investigantes (os quais se tenta lançar no desvão do descrédito por razões conhecidas). A admissão de tal prova não está calçada unicamente no juramento da verdade, calça-se, principalmente, na verdade real que o modo de operar conduziu à conclusão inquisitorial e, portanto como objeto judicializado, é bastante para condenação. Por isso, não haverá de faltar prova a ser produzida pois, se desvalorizado o modo dos investigadores, desvalorizado haveria ser também o modo dos peritos, cujo esclarecimento em audiência seria, de antemão, suspeito.

Ainda, para manter fechadas as portas do desvalor e da impunidade, anoto que a defesa não tem o ônus de provar nada que não alegue, de tal sorte que, se a acusação não prova o inquérito policial, nada a defesa tem a fazer. Em resumo, o conteúdo do inquérito policial, enquanto proposição possível, não tem nenhuma força contra o indiciado, a bem de que ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Assim, não há porque estabelecer confusão entre a pertinência física do inquérito policial aos autos do processo, com o estar nos atos que poderão ser objeto de conhecimento, para formar o convencimento.

Ao concluir que é vedado ao juiz togado emitir declaração de pronúncia com base apenas no inquérito policial, alguns corolários surgem como impeditivos de artifícios processuais:

1) a conversão de objeto inquisitorial em objeto judicial não comporta o modelo formal de simples confirmação ou repetição (a clássica hipótese do "a testemunha confirma integralmente o depoimento de folhas prestado na fase policial).

2) as declarações do indiciado no inquérito policial não podem ser erigidas contra ele na hipótese de declarar de modo diverso em juízo porquanto o benefício do silêncio nas duas oportunidades, e o que o desfavorece é a confissão judicial em desacordo com as demais provas judiciais. Observe-se que a confissão tem atribuição legal de valor (Art. 197 do CPP), podendo ser dito que ao reconhecer o Supremo Tribunal Federal o valor da confissão extrajudicial acorde com as provas dos autos (dos atos seria melhor), está dizendo, no fundo, que se não existisse confissão extrajudicial e o inquérito tivesse sido jogado fora, as provas dos autos seriam bastantes para a condenação, pois não poderia jamais dizer que sem confissão nenhuma, nenhuma condenação poderia ser imposta.

CPP – Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se ente ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

3) se dos objetos judiciais resultar fato diverso do constante do inquérito policial e, portanto, da denúncia, que, de qualquer modo exclua o crime, a existência do inquérito policial não pode ser erigida como dúvida em prol da sociedade, dado ao imperativo de que o juiz togado emita uma declaração sobre o fato-penal com base nos objetos judiciais que construiu.


 

8 – CONCLUSÃO.

 

É possível atribuir pertinência às críticas dirigidas ao Júri, menos às de que deva ser extinto ou que sua composição seja privativa de bacharéis em direito. Extinguí-lo significaria não querer aperfeiçoar a mais tradicional das instituições democráticas, exatamente no momento em que o país tem sua Constituição expressamente democrática; tornar sua composição privativa de bacharéis em direito significaria elitizar a democracia.

Entendo que o melhor caminho para o aperfeiçoamento da instituição do júri é reconhecer, em primeiro lugar e com urgência, que não se trata de um apêndice do poder judiciário, e que os jurados são chamados para exercer um poder-cidadão e não para servir ao poder. De resto, respeitar o cidadão-jurado, não com a oferta de privilégios, mas através da informação e da formação, de modo a formar o entendimento de que, se a Constituição prevê o exercício direto do poder pelo povo, o júri, com sua soberania de veredicto, é a mais pura forma deste exercício.

A prática já me apresentou listas dos jurados formada, no grosso, por não-locais-transitórios, na tentativa de assegurar imparcialidade a custa do pouco ou nenhum conhecimento da estrutura social local e pouco ou nenhum compromisso com ela. Também, já tive contato com corpos de jurados mais ou menos estáveis que, por conta de ação ou omissão de outros personagens, nunca souberam que podiam manusear os autos, fazer perguntas às testemunhas ou pedir esclarecimentos. Na quase totalidade, os jurados com os quais conversei, não tinham consciência da dignidade e relevo da investidura, sendo perceptível que, ao ignorarem isto, o comportamento como julgadores se desviava do eixo central.

Quer a consciência dos jurados se ponha toda ao lado da defesa social, quer seja tão egoísta que sua decisão seja para formar jurisprudência em causa própria, o equilíbrio demorará muito a se estabelecer, se os jurados forem deixados à própria sorte e continuarem a ter contato com proposições também absurdas ou aberrantes; com a guerra particular entre acusação e defesa; e com a relativa indiferença de seu presidente togado(1).

Vejo não haver necessidade de uma reengenharia no júri – como alguns pregam, mas de mudança de postura institucional. Enquanto juizes e promotores acharem que o júri julga mal, e o advogado achar que é mais fácil obter em plenário a absolvição de seu cliente, o júri continuará isolado de sua verdadeira função, sendo manipulado como um mero instrumento para obtenção de resultados.

O progresso jurídico dos últimos anos não ajudou muito, a partir de que os membros das instituições de caráter jurídico se intitularam "operadores" do direito.

A inserção do termo "operador" no contexto jurídico o torna vago. Vindo do latim operator, oris, que significa também obreiro tem a mesma raiz que operarius, ii, cujo significado é operário, trabalhador, tudo conforme opera, ae, cuja gradação de significado é trabalho, ocupação, cuidado, não sendo encontrado nada que elevasse o nível de compreensão ou extensão do termo acima daquilo que se conhece como "fazedor".

Poderia ser tentado um conteúdo genérico para salvar o termo, tomando para opera o significado de ação, de modo a permitir que fosse indagado o quê o operador está fazendo, mas isto só comprovaria a indefinição do termo. O impacto intelectual que o termo operador causa é o de alguém fazendo funcionar uma máquina, e isto não é bom para a imagem de quem opera nem para o paciente sujeito à operação, ou processo.

Os que se intitulam operadores do direito precisam dizer com clareza quem é o seu patrão: se a ordem jurídica; se o direito positivo; se a justiça; se a consciência; ou se a propositada indefinição que lhes permite camaleônica presença em qualquer faixa do espectro. Preferiria – e aceito a crítica de ser um pensador cartesiano – o termo "integrador"(2), que é um operador definido, cujo conteúdo e função foi mostrado pelo mestre Reale no processo de nascimento da norma e, portanto, como se diz vulgarmente, tem tudo a ver com o direito, quer enquanto ordem superlativa, quer enquanto ordenamento jurídico positivo, quer como direito concreto.

Este proposital desvio visou mostrar que o corpo togado oriundo de faculdades de direito que apenas ensinam código não está atento para o exercício de funções superiores de concepção e desenvolvimento, bastando-se com um momento final da produção jurídica.

Esta conjuntura é uma etapa de um processo de desenvolvimento, e como produto cultural é até útil sob certos aspectos, vez que nesse campo a sociedade vai estar sempre produzindo uma demanda maior do aquilo que a estrutura judiciária pode atender. É a dinâmica sócio-cultural do final do milênio: menos filosofia e mais ação, dada a velocidade com que as coisas acontecem. No entanto, não se pode perder de vista que as instituições devem ser conservadas, embora momentaneamente os fundamentos filosóficos das ações sejam colocados de lado em nome da praxis. Em nome dessa praxis estão aí os juizados itinerantes, coisa que no velho oeste americano acontecia no lombo de cavalo.

A tendência, é que a duração dessa conjuntura leve os participantes ao estresse, por causa da repetição sistemática de simples resultados isolados de sua origem por um imenso fosso cultural.

O mundo jurídico não é um mundo especial, tanto que uma grande produtora sueca de veículos, detectou este fenômeno de estresse, eliminou linhas de montagem e constituiu grupos para produzirem por inteiro um veículo, num processo de integração (bipolaridade e implicação necessária) entre a concepção e o resultado, dentro do qual, evidentemente as linhas de realimentação têm importância fundamental.

Assim é, que não basta a reformulação do ensino jurídico nem a da praxis jurídica, isoladamente e, seja o fenômeno de natureza singular ou universal, é um problema brasileiro a merecer uma solução brasileira afeita a nossa cultura e dinâmica social, sem deixar de levar à conta que o júri é local, referido a uma comunidade ou pequeno grupo de comunidades. De passagem, observe-se que o cidadão de um pequeno município com cultura autônoma, que é termo judiciário de uma sede maior, com cultura diversa, não tem assegurado que será julgado por seus pares sociais, pois o corpo de jurados(3) da cidade grande nem sempre representa com suficiência a população da área sobre a qual se estende sua competência.

Democracia é exercício, dizia eu aos meus alunos de Direito Penal a partir da Carta de 88, e é igual ginástica: no começo é maçante e dolorida, os resultados não se apresentam a curto prazo, e o abandono da prática, ainda que por curto período, se não leva à descrença quanto ao resultado, põe o indivíduo, no mínimo, fora de forma. Um corpo democrático não se constrói à custa de anabolizantes ou de coquetéis vitamínicos, mas de exercício sistemático.

Não há o que repensar para o júri, pois muito já se pensou e repensou aqui e em outros países.

A história mostra que praxes importadas podem produzir algum resultado a curto prazo, mas logo entrarão em conflito com a cultura, e cultura não se importa nem se exporta. A cultura se forma e toma forma pela sucessão das gerações, não comportando saltos ou hiatos temporais. A etnia brasileira teve seu ponto de partida há poucos quase quinhentos anos, por povos que já acumulavam cultura e por influências outras que fizeram um caldo ainda hoje meio ralo, digo, com todo respeito(4).

Os mais bem preparados, que ocupam posições de destaque na sociedade, precisam entender que pertencem a uma elite, não a uma casta superior. Uma elite que deve parar de erguer muralhas para defesa de seus privilégios e passar a partilhar, com o que ela gosta de chamar de povo, os conhecimentos e as práticas que poderão construir uma sociedade livre, justa, solidária e brasileira. 


 

BIBLIOGRAFIA:

 

  1 – ACCIOLI, Wilson – Teoria Geral do Estado – Forense – Rio de Janeiro, 1984.
  2 – BATISTA, Nilo – Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro – Ed. Revan – Rio de Janeiro, 1990.
  3 – BASTOS, Celso Ribeiro – Comentários à Constituição do Brasil – Saraiva – São Paulo, 1989.
  4 – BOBBIO, Norberto – Teoria do Ordenamento Jurídico – Ed. Polis – Brasília, 1991.
  5 – FRAGOSO, Heleno – Jurisprudência Criminal – Forense – Rio de Janeiro, 1982.
  6 – FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira – Regimes Políticos – Forense – Rio de Janeiro, 1984.
  7 – LEFEBVRE, Henri – Lógica Formal/Lógica Dialética – Civilização Brasileira, 2ª ed. – Rio de Janeiro, 1976.
  8 – NERICI, Imideo Giuseppe – Introdução à Lógica – Nobel, 3ª ed. – São Paulo, 1976.
  9 – NORONHA, Fernando – Direito e Sistemas Sociais – Ed. da UFSC – Florianópolis, 1988.
10 – TAFFARI, Alceu, e outros – Curso Prático de Língua Portuguesa em Nível Superior – TJ – São Paulo, 1977.
11 – TUCCI, Rogério Lauria – Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro – Saraiva – São Paulo, 1993.
12 – ROCCA, Manlio La – Studi sur Problema del Fatto nel Processo Penale – Casa Editrice Dott – Napoli, 1966.
13 – VILANOVA, Lourival – Lógica Jurídica – JB Editor – São Paulo, 1976.


 

NOTAS

 

1. Introdução Crítica

[1] – "Os desvios sinceros, inconscientes, involuntários, fazem-se no mesmo sentido que os que se produziriam conscientemente, voluntariamente, para defender a posição adotada pelo indivíduo, seja ela material, intelectual ou afetiva." (A. Sauvy, A Opinião Pública, trad. de Geraldo Gerson de Souza, DEL, 2ª ed., São Paulo, pág. 31)   [Voltar]

[2] – "... talvez fosse preferível afirmar que as normas jurídicas são formuladas em resposta a determinadas pressões sociais." – "As contradições que estão no Direito, são as contradições presentes na sociedade." (Fernando Noronha, Direito e Sistemas Sociais, UFSC, 1988, pág. 68/69)  [Voltar]

[3] – "Impõe-se condições – e não de importância secundária – desde o instante em que se considera a sociedade como formação heterogênea. A heterogeneidade deve ser encarada como manifestação da presença do tempo no seio dos sistemas sociais. (Georges Balandier, As Dinâmicas Sociais, Sentido e Poder, trad. de Gisela Stock de Souza e Hélio de Souza, DIFEL, São Paulo, 1976, pág. 58)  [Voltar]

2. Histórico

[*] – Os artigos das constituições tem como fonte a publicação do Senado Federal: Constituições Brasileiras. As citações doutrinárias que acompanham os artigos tem como fonte: Comentários à Constituição do Brasil – Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins. – São Paulo : Saraiva, 1988   [Voltar]

[1] – Teoria Geral do Estado/Wilson Accioli – Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1985 – pág. 25  [Voltar]

[2] – "O vocábulo "soberania" não tem, para o júri, a mesma extensão que para o Estado. Enquanto o Estado é soberano porque o seu poder se opõe a outros poderes (Jellinek), para o júri, a soberania é expressão do poder político, segundo anota Verdù: "capacidade de uma pessoa ou conjunto de pessoas de impor suas decisões a uma comunidade, determinando sua obediência", que detém autoridade, como escreve MacIver: "por autoridade, referimo-nos ao direito firmado, dentro de qualquer ordem social, a fixar diretrizes, pronunciar julgamentos sobre questões relevantes e a decidir controvérsias". (Citações de Wilson Accioli, in Teoria Geral do Estado, Forense, Rio de Janeiro, 1985.)  [Voltar]

[3] – "O Estado é institucionalização do poder, mas esta não significa apenas existência de órgãos, ou seja, de instituições com faculdade de formação da vontade; significa também organização da comunidade, predisposição para os seus membros serem destinatários dos comandos vindos dos órgãos do poder. (...) " (Jorge Miranda, citado por Celso Ribeiro Bastos in Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, São Paulo, 1988).  [Voltar]

[4] – "Aceitamos aqui a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Esta teoria serve para dar uma explicação da unidade de um ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas num mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. É essa norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento." (Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, trad. de Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos, Polis, Brasília, DF, 1991 – pág. 49)  [Voltar]

[5] – De sorte que o importante é não abandonar a aplicação do princípio da divisão dos poderes, conforme recomendam alguns publicistas, sob a alegação de que é incompatível com as exigências da época moderna; o importante é descobrir-lhe novas condições de aplicabilidade, adaptando-o aos critérios modernos, sem, no entanto, descaracterizá-lo, ou despojá-lo de sua essência e propósito originais. (Wilson Accioli, in Teoria Geral do Estado, Forense, Rio de Janeiro, 1985.)  [Voltar]

[6] – O Estado é a integração política e jurídica da sociedade, como conclui nas minhas Reflexões sobre Processo Penal. O termo integração tem significado e precisão importados da linguagem matemática, ou seja, é um processo que permite obter a expressão de uma função quando suas variáveis excursionam num determinado intervalo. (Cálculo Diferencial e Integral, André Delachet, tradução de Gita K. Ghinzberg, DEL, São Paulo, 1964)  [Voltar]

[7] – Critério formal, segundo Norberto Bobbio in Teoria do Ordenamento Jurídico, Polis, Brasília-DF, 1991.  [Voltar]

[8] – " A lei processual protege os que são acusados da prática de infrações penais, impondo normas que devem ser seguidas nos processos contra eles instaurados, impedindo que eles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes." (Hélio Tornaghi, citado por Rogério Lauria Tucci, in Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal, Saraiva, 1993, pág. 22)  [Voltar]

[9] – No entendimento de Rogério Lauria Tucci (ob. cit.), o processo penal, na consecução do bem comum, apresenta dupla finalidade: a tutela da liberdade jurídica do indivíduo, e a garantia da sociedade. Não se detectou na doutrina que a segunda finalidade deva prevalecer sobre a primeira, ao contrário do que pretende firmar a jurisprudência. A garantia da sociedade é dada pelo Código Penal, enquanto a tutela da liberdade individual é dada pelo Código de Processo Penal. Como o primeiro só se realiza através do segundo, não é comportável num Estado Democrático de Direito que o processo penal deva ceder em relação a seus princípios para oportunizar a realização do direito penal.  [Voltar]

4. Do Fato-Penal

[1] – A nostro avviso, la mente dell’uomo, osservando una serie di fenomeni naturali da un particolari punto de vista, unifica concettualmente alcuni di essi in una unità minima di osservazzione. (Manlio la Rocca, Studi sul Problema del Fatto nel Processo Penale, Dott, Napoli, 1966 – pág. 9)  [Voltar]

[2] – Essendo il concetto di fatto un’astrazione, creata da un processo di concentrazione di fenomeni in una unità minima di osservazione, è evidente che mutando uno qualunque degli elementi osservati, muta il fatto. (Manlio la Rocca, Studi sul Problema del Fatto nel Processo Penale, Dott, Napoli, 1966 – pág. 9  [Voltar]

[3] – "Abbiamo detto che il fatto materiale, il quale sotto un profilo di logica formale, entra per primo in esame ai fini della construzione della nozione di reato, presenta un mero carattere naturalistico. Vale a dire il fatto può essere dal giudice constatato com l’ausilio di un metodo sperimentale, al di fuori di ogni valutazione che concerna il sua carattere antigiuridico: una cosa è stabilire l’existencia di un fatto tipico (causazione della morte di un uomo) e altro stabilire se il fatto con il quale è stata realizzata in concreto l’ipotesi delictuosa prevista dalla norma, è un fato lesivo di un bene tutelato (causazione illecita della morte dil un uomo)." (Giuseppe Bettiol, Diritto Penale, G. Priulla Editore, Palermo, 1945, pág. 147/148)  [Voltar]

[4] – Serão imensas tanto a clarificação como a simplificação das nossas idéias, e incalculável o progresso dos nossos esforços na secular tarefa de racionalização do real, quando passarmos a aceitar como postulado fundamental de quaisquer investigações intelectuais esta idéia tão ingenuamente simples e intuitiva: tudo o que é ou existe só é ou existe porque dura, ainda que seja a infinitesimal fração de um pequenino instante. (Almir de Andrade, As duas Faces do Tempo, USP, São Paulo, 1971 – pág. 345)  [Voltar]

[5] – Também a noção de congruência, que é fundamental para a determinação da homogeneidade do espaço geométrico e para a orientação das nossas relações com o mundo exterior, só pode originar-se de uma experiência de movimentos, com a translação de figuras para outro lugar e a verificação métrica da preservação da sua forma e tamanho. (Almir de Andrade, ob cit. – pág. 344)  [Voltar]

[6] – (Vincenzo Manzini, Istituzioni di Diritto Penale Italiano, Fratelli Bocca Editori, Torino, 1913 -pág. 87)  [Voltar]

[7] – "A lógica do conceito supõe a existência de qualidades determinadas, de tipos constantes. É a lógica da essência. " (Henri Lefebvre, Lógica Formal/Lógica Dialética, trad. de Carlos Nelson Coutinho, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2ª ed., pág. 142)  [Voltar]

[8] – "A é B": essa fórmula, do ponto de vista lógico formal, apresenta-se paradoxalmente. Não obstante, é a forma de todo juízo, o qual liga por intermédio do verbo "ser" (chamado de cópula em lógica formal) um sujeito e um atributo que não seja repetição do sujeito: "Esta tinta é azul". A forma de todo juízo, desde que tenha um conteúdo, aparece portanto como sendo irredutível à forma pura. (Henri Lefebvre, ob. cit. – pág. 143/144)   [Voltar]

[9] – É um juízo analítico, já que explicita e analisa o conceito. Sua forma, por conseguinte, não difere da forma "puramente" analítica, ou seja, daquela que é expressa em A é A. (Henri Lefebvre, ob. cit. – pág. 144)  [Voltar]

[10] – Se aprofundada, a lógica formal não proíbe o pensamento dialético. Ao contrário: mostra a possibilidade dele, abre-se para a sua exigência, sua espera, seu trajeto; "funda" a necessidade desse pensamento. A lógica formal remete à dialética, pela mediação da lógica dialética. Depois, esse movimento se inverte, e a lógica formal aparece apenas como redução do conteúdo, abstração elaborada, elemento neutro (vazio, transparente) de toda investigação. (Henri Lefebvre, ob. cit. – pág. 24)   [Voltar]

5. Da Declaração da Competência do Júri

[1] – É conveniente, para compreensão da hierarquia das proposições, consultar no apêndice o artigo Das Formas Lógicas no Processo Penal.  [Voltar]

[2] – As expressões fato penal e crime doloso contra a vida estão grifadas para distinguí-las como objeto cultural, e embora por razões estéticas não apareçam grifadas em todo o texto, mantém a identidade inicial.  [Voltar]

[3] – Raciocínio é a conclusão que se tira de uma ou várias proposições conhecidas para outra desconhecida. É marcha do conhecimento para o desconhecido.  [Voltar]

[4] – Argumento é a expressão material do raciocínio, constituído pelas proposições e termos, e pelo artifício de sua disposição.  [Voltar]

[5] – Juízo é o pronunciamento da conveniência ou inconveniência entre duas idéias, que se adequa à solução do contraditório entre acusação e defesa.  [Voltar]

[6] – "A autoridade, em ciência, perde muito de sua imprtância, se as afirmações não forem acompanhadas de comprovações." (Imideo giuseppe Nérici, Introcução à Lógica, Nobel, São Paulo, 1976, pág. 20)  [Voltar]

[7] – Segundo Nérici (ob. cit.) a dúvida consiste no estado de espírito que não se atreve a afirmar ou negar algo do objeto, pelo que suspende o juízo. A dúvida é refletida (ou fundada) quando resulta do exame dos dados, mas que se revelam insuficientes à inteligência que os examina, para assumir uma posição definida.  [Voltar]

6. Dos Casos-Limite Mais Freqüentes

[1] – "Il punto fermo dal quale bisogna partire è che il ‘fatto’, come la situazione, è il frutto di un’astrazione: il fatto in sè, isolato dal resto della storia nos existe." (Carnelutti, citado por La Rocca)  [Voltar]

7. Um Aspecto do Devido Processo Legal

[1] – ATO – derivado do latim actus, de agere (levar, conduzir), tem o sentido de indicar, de modo geral, toda ação resultante da manifestação de vontade ou promovida pela vontade da pessoa. É tudo que acontece pela vontade de alguém. (DE PLACIDO E SILVA – VOCABULÁRIO JURÍDICO – Vol. 1 A-C.)  [Voltar]

[2] – AUTO – Por sua origem (do grego autos, significando próprio, por si mesmo, autônomo), em sentido genérico, possui o conceito de tudo o que pode se mostrar por si mesmo, independente de outro elemento, por ter vida própria ou por se encontrar comprovado por si mesmo. (DE PLACIDO E SILVA – Vocabulário Jurídico – Vol. 1 A-C.)  [Voltar]

[3] – Mas, em acepção mais estrita, notadamente na linguagem forense, indica todo termo ou toda narração circunstanciada de qualquer diligência judicial ou administrativa, escrita por tabelião ou escrivão, e por estes autenticada ... No plural, designa todas as peças pertencentes ao processo judicial ou administrativo, tendo mesmo sentido que processo, constituindo-se da petição ... sentença, etc.(DE PLACIDO E SILVA -Vocabulário Jurídico -Vol. 1 A-C.)   [Voltar]

[4] – A sucessão do atos processuais – A polícia Judiciária procura evitar a dispersão do meios ou que os culpados iludam a ação da justiça realizando uma função preparatória e auxiliar; o Ministério Publico, exercendo a ação penal, requer a intervenção do órgão jurisdicional e a justa atuação da lei; e ao julgador incumbe a função de atuar efetivamente, até o ponto de executar as sanções que impuser. Exceto os atos pré-processuais da Polícia ou do Ministério Público, todos os demais, especialmente os do julgador, constituem, em seu conjunto, o processo penal, ainda quando intervenham neles, alguns particulares (testemunhas, peritos) obrigados ou autorizados pelo processo penal (assistente). Todos estes atos unidos pela indicada finalidade comum, não ficam sobre o arbítrio do juiz ou das partes, mas estão disciplinados singular e coletivamente pelo direito processual penal. Este prescreve as formas que se deve observar na execução de cada um deles, ao mesmo tempo que estabelece a ordem de proceder ou o procedimento que é preciso seguir, consistente numa espécie de programam ou método de atuação. Neste sentido sem dúvida que os atos processuais são jurídicos, posto que se encontram definidos e coordenados pelo direito. Tal sistema assegura inalteráveis formas substanciais do processo, constituindo uma garantia para a sociedade e para o indivíduo. Formam, assim, os atos processuais uma série gradual, progressiva e fundamentalmente concatenada. A sucessão desses atos se decompõe em momentos, fases ou graus de fins específicos. (ROMEU PIRES DE CAMPOS BARROS – DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO 1ª Edição/1971 Vol. II pag. 543 Ed. Sugestões Literárias S/A, citando Velez Mariconde – studios de Derecho Procesal Penal – Vol. II – pags. 39-41).  [Voltar]

[5] – No Brasil, adota-se, no processo penal, o sistema acusatório. Quanto à fase prévia do inquérito policial, já vimos que se trata de procedimento administrativo, e não de fase do processo. Por isso, o fato de não ser ele contraditório não contraria o processo acusatório. No processo civil, corresponde-lhe o princípio da ação. (ANTÔNIO C. DE ARAÚJO CINTRA, ADA P. GRINOVER E CÂNDIDO R. DINAMARCO – TEORIA GERAL DO PROCESSO 6ª Edição/1986 Pag. 28 – Editora Revista dos Tribunais)  [Voltar]

[6] – São ações penais constitutivas o pedido de homologação de sentença penal estrangeira (Código de Processo Penal, art. 789), o de extradição passiva, estatuído em lei especial, e o de revisão criminal, previsto nos arts. 621 e seguintes do mencionado Código – verdadeira ação rescisória do julgado penal. (ROGÉRIO LAURIA TUCCI – JURISDIÇÃO, AÇÃO E PROCESSO PENAL – Edições CEJUP, 1984 – pag. 57).   [Voltar]

[7] – Bem ao reverso, reclama o processo penal de conhecimento, especialmente o de caráter condenatório, na segunda fase da persecutio criminis – da instrução criminal, – o contraditório efetivo, real, a fim de que perquirida, com absoluto rigor, a verdade material, reste devidamente assegurada a liberdade jurídica do acusado. Além do que, o direito deste à contraditoriedade real assume a natureza de indisponível, dada precipuamente, a impessoalidade dos interesses em conflito; sendo, portanto, indispositivo. E só assim, induvidosamente, apresenta-se a contraditoriedade (real e indispositiva, – repita-se) como autêntica expressão de sua liberdade jurídica, tal como, em outra oportunidade, deixamos assentado, aduzindo a indispensabilidade, também, da plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, a fim de resguardar-se devidamente, e como de mister, o ius libertates.(ROGÉRIO LAURIA TUCCI – DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO – Ed. SARAIVA/1993, pag. 42)  [Voltar]

[8] – Num procedimento de autêntica "garimpagem" (já que não podemos ficar exclusivamente no contraditório e no direito de ampla defesa), iremos explicitando , sob nossa ótica, o que o devido processo legal compreende: a garantia da produção de prova, da manifestação de razões e pretensões, da igualdade das partes, do duplo grau de jurisdição, do juiz natural: referidas figuras são explicitações de uma garantia fundamental, qual seja a de participar. Garantir ao litigante a possibilidade de influir no processamento do feito e na sua decisão constitui o conteúdo do direito de participar. Pela tradição de nosso Direito, tudo leva a crer que o mais importante do devido processo pode ser resumido no contraditório e na ampla defesa. Os institutos que aí não couberem destinam-se a desenvolver e a reforçar sempre os dois elementos principais. (JOSÉ CIRILO VARGAS – PROCESSO PENAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS Ed. DEL REY/1992, pag. 139).  [Voltar]

[9] – Las situaciones procesales se forman por los actos procesales, de suerte que éstos pueden definir-se como aquellos actos de las partes o del Juez, que costituyen, modifican o extinguen expectativas, posibilidades o cargas procesales o la dispensación de cargas.(JAMES GOLDSCHMIDT – PROBLEMAS JURÍDICOS Y POLÍTICOS DEL PROCESO PENAL – BOSCH Casa Editorial, pag. 48).  [Voltar]

8. Conclusão

[1] – "Cinco mil anos depois da descoberta do ferro o homem inventou a dinamite, muitos séculos mais tarde construiu o primeiro submarino e o primeiro aeroplano. Sua arte de matar outras criaturas tornou-se, então, quase perfeita. Daqui a outros cincoenta mil anos, talvez seu cérebro obtuso comece a compreender a verdade tão evidente, de que matar é uma tarefa louca e que ele poderia empregar melhor o seu tempo, em empresas mais proveitosas" (Henry Thomas, citado por Moisés Santana Neto, O Júri e o Caso Concreto, UNIGRAF, Goiânia, 1984)  [Voltar]

[2] – A Jurisprudência é uma ciência normativa (mais precisamente, compreensivo-normativa) devendo-se, porém, entender, por norma jurídica bem mais do que uma simples proposição lógica de natureza ideal: é antes uma realidade cultural e não mero instrumento técnico de medida no plano ético da conduta, pois nela e através dela se compõem os conflitos de interesses, e se integram renovadas tensões fático-axiológicas, segundo razões de oportunidade e prudência (normativismo jurídico concreto ou integrante)." (grifos nossos) (Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 2ª ed. revista e atualizada, Saraiva, São Paulo, 1979, pág. 61)  [Voltar]

[3] – "É nesse momento, então, que cai a máscara ideológica do idealismo jurídico comum tanto ao jusnaturalismo racionalista quanto ao positivismo normativista – idealismo esse que levava ambas as correntes doutrinárias a apresentar como científicas determinadas concepções políticas sobre a ordenação das relações sociais. O idealismo pode ser definido como um processo de inversão da realidade mediante invocação de um pensamento racional. Ao permitir uma aceitação acrítica do direito positivo, ele oculta as origens históricas tanto de suas categorias quanto dos interesses políticos nelas subjacentes. Ao projetar um conhecimento pretensamente objetivo, recusando questões metodológicas que articulam os planos da explicação e da realidade, ele também transforma a imparcialidade em instrumento para a socialização dos valores dominantes tutelados pela ordem jurídica." (José Eduardo Faria, organizador, A Crise do Direito numa Sociedade em Mudança, UnB, 1988, pág. 16)  [Voltar]

[4] – "A propósito das situações coloniais, Wirth valoriza o distanciamento cultural entre o grupo dominante, portador de uma civilização avançada, e o grupo subordinado, que não dispõe de técnicas para expansão e é, muitas vezes, portador de uma folk culture.(Georges Balandier, As Dinâmicas Sociais, Sentido e Poder, trad. de Gisela Stock de Souza e Hélio de Souza, DIFEL, São Paulo, 1976, pág. 171)  [Voltar]


 

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