eBookLibris

Documento da Seção de Segurança Nacional

Documento Público

ebooksbrasil.org


 

Documento da Seção de Segurança Nacional
Palácio da Cultura
Diretor: José de Almeida Rios
Presidência: Marechal Humberto Castelo Branco

Documento Público

Fonte Digital
Digitalização do Documento
(mantida a ortografia da fonte digitalizada)

© Domínio Público


Presidente da República

MARECHAL HUMBERTO CASTELO BRANCO

 

 

Ministro da Educação e Cultura

PROFESSOR FLAVIO SUPLICY DE LACERDA

 

 

Seção de Segurança Nacional

Palácio da Cultura

 

 

Diretor: José de Almeida Rios

R. Imprensa 16 — 2º S/214/15

Estado da Guanabara - Brasil


ÍNDICE

O HOMEM E OS SISTEMAS SOCIAIS
A Família e outras Instituições
A Cidade e sua Formação Política
A Evolução Social e as Reivindicações Populares
A Democracia e suas Características Evolutivas
Os Regimes Políticos e os Sistemas de Govêrno

CONCEITO DE VALORIZAÇÃO HUMANA
O Homem no Mundo
Que se entende por Valorização Humana
Conceito Geral e Social frente à Liberdade do Indivíduo
A Evolução Cultural como Finalidade de Valorização
Fundamentos e Fatôres
Qualificação Humana Frente à Segurança Nacional
Política de Valorização Humana para o Brasil
Equacionamento para o conceito de valorização

AS PRESSÕES E ANTAGONISMOS NO PROCESSO DE EVOLUÇÃO SOCIAL
A Dinâmica do Processo Brasileiro de Evolução Social, Poli­tica e Econômica
A Orgânica Social e suas Contradições
Ensaio de Classificação das Pressões e Antagonismos
A Identificação e a Caracterização
Identificação das Pressões e Antagonismos que possam afetar a Consecução dos Objetivos Nacionais
As Pressões Sociais e suas Origens
A Política das pressões e os sistemas sociais
Algumas considerações sôbre a evolução sócio-econômica do País
As Definições
As Macropressões e Reivindicações Populares
Considerações acêrca de algumas místicas
O Nacionalismo como mística
Ideologias e suas significações para o Poder Nacional
A Conceituação
A Macropressão da ideologia democrática
Considerações sôbre Micropressões e Conjuntura
Aspectos do Processo Econômico
As Micropressões da Conjuntura
O Nacionalismo
O Setor Transportes
A Micropressão do funcionalismo público
Qual a causa principal da quantidade excessiva de funcionários
Paradoxos e Antagonismos do Processo Sócio-Econômico Bra­sileiro de Evolução e de Desenvolvimento
A Compatibilidade e a Eficácia na conjuntura brasileira de de­senvolvimento
Doutrinas Econômicas e Processo Brasileiro de Evolução
Autenticidade das doutrinas econômicas
A Consciência Cultural na Economia Política
Fatôres de debilidade e desequilíbrio na Dinâmica do Desen­volvimento
Inflação e Desenvolvimento


 

 

O HOMEM E OS SISTEMAS SOCIAIS

 

O Universo, na aparente harmonia de seu equilíbrio, mantém a sua existência através de um jôgo violento de fôrças tremendas, ainda desconhecidas do próprio homem e, muitas vêzes, manifes­tadas por convulsões estruturais que constituem realmente um sistema de conservação. Do estudo do universo, tira o homem a motivação de sua instabilidade e inconstância para debater-se na racionalização do Finito frente aos imponderáveis do Infinito. De fato, o conflito insistente e contínuo entre as origens do Ser, o seu destino no campo racional e seu caminho para a etapa final, cons­troem terríveis dramas de consciência a que só podem satisfazer a convicção da existência de Deus. Nesta, em que pese os esforços e decisões para convencer o Ser de sua limitada trajetória nos limites do Finito, exclama sem perceber pelos imponderáveis ligados ao conceito Infinito da vida eterna. No «simples» encontra satis­fação e convicção, no complexo se debate, discute, luta e desanima, retomando novos caminhos que o vão levar ao ponto de partida. Desta prerrogativa humana ìntimamente ligada à inteligência e ao raciocínio, encontrou êle a solução precisa de conservação da espécie. Desta instabilidade e inconstância, destas lutas e antago­nismos, das divergências e concordâncias, os grupos se organizaram e se solidarizaram através de aspirações, objetivos e finalidades comuns para continuarem as mesmas lutas e controvérsias. Para disciplinarem a ação criaram os sistemas, sempre tendentes a satisfazer os pontos conciliáveis das aspirações grupais. Daí decorre a fôrça da liberdade de idéias e de pensamento, a razão fundamental da possibilidade de evoluir e de progredir, apanágio da espécie humana e causa primordial de sua perpetuidade sôbre o Planêta. Os animais, que mais se revelaram no passado como potentes para a defesa física, não encontraram o caminho necessário para se conservarem e perpetuarem a espécie, pela incapacidade de evoluir e de progredir. Sòmente o Homem Pela Razão e Pela Inteligência o conseguiu. Contudo, mesmo com estas não teve ocasião de fazer retrospecção histórica positiva antes do ciclo humano que pôde atingir. Tanto se debate na incompreensão do Infinito no retôrno de sua existência como no progresso constante e futuro de seu destino. Justamente daí decorre a fôrça indomável que firma a evolução e o desenvolvimento racionais, sem que êle se sinta capaz de abandonar o exercício do pensamento e novas idéias objetivando o seu Espírito.

O «Dever Ser» já explica a constituição instintiva e animal de defesa e conservação da vida, porém com o uso da «Razão» e da «Inteligência». Eis porque todos os sistemas criados e organizados pelo Homem eram destinados a disciplinar o «Instinto». A Asso­ciação e os grupos sem os sistemas não conseguiriam a permanência do animal humano no planêta. Já deveria ter-se extinguido. Assim, o sistema comum, via de regra, o animal em congregação de família, teria que acompanhar-se de outros sistemas que disciplinassem a vida coletiva, sendo o seguinte, na família, o direito natural. Êste, teve em conseqüência a imposição de uma autoridade que surgia — o chefe da tribo. Já se encaminhava a estrutura da Nação com a Soberania que ditava os «direitos» da tribo sôbre um território. quando também se esboçava a formação do «país». Todos os animais procuram «escravizar» outros animais e, quando uma fôrça os impede, lançam mão de estratagemas hoje conhecidos como «táticas» para reduzi-los à «Servidão». Em tôrno de tal sistema social determinante explodem os demais sistemas para o evitarem. Criou-se a «nacionalidade» para identificar os grupos sociais com maior fôrça, seguindo-se as «atitudes» para estimular o elo de solidariedade. Desde quando o homem «se sujeitou» ao primeiro sistema começou a praticar a Arte Política.

Foi o estado de consciência filosófica a primeira reação da Inteligência e da Razão Humana. A Instituição da Família, como manifestação instintiva, pode existir, mas falta o sistema organizado pelo Homem, movido pelo Sentimento que resguarda a prole até muito além da fase de determinação e suficiência. Foi, assim, por Política de conservação da espécie, que êle começou a disciplinar o instinto, fazendo evoluir e desenvolver o «sistema» que emoldurou a Família como célula social em tôrno da qual gravitam todos os demais sistemas. Da política, pois, decorreu a origem de todos os «sistemas». Vieram êles racionalizar o instinto, visando a evolucão e o desenvolvimento como garantia do animal humano.

A Sociologia estuda o «Ser» de forma somática e suas relações com outros sêres ou a forma do «Dever Ser». A Filosofia procura explicar e sugerir o modo do «Dever Ser», para evitar erros, tentando também desvendar a relação entre o «Ser» e o «Dever Ser». A primeira dividiu as tarefas, caracterizando condições, situações e posições. A Filosofia também disciplinou sua respon­sabilidade, estreitando o campo do «Dever Ser» em setores especializados e técnicos. Ambas — Filosofia e Sociologia — sugerem os sistemas e seu aperfeiçoamento. Empìricamente, pois, a Filosofia sugeriu a Política como primeira manifestação da Inteligência e da Razão Humana e, a Sociologia, a Nação.

Os sistemas sociais procuram organizar a vida do homem visando os seguintes objetivos:

a) defesa
b) segurança
c) evolução e desenvolvimento
d) aspirações, objetivos, finalidades e necessidades.

Para conseguí-los, se esforça em disciplinar as manifestações instintivas, conciliando-as com as regras indispensáveis para per­seguir um consenso de bem-estar esposado pelo grupo social. A fim de atender à diversificação de caminhos e de métodos que deve seguir, procura evitar maior fator dispersivo da constituição da Família, corrigindo os males da nova condição social de encarar o grupo familiar como fator produtivo no campo econômico. Em nossa época, tal tarefa tem-se tornado difícil, e por isso mesmo, verificamos uma gama enorme de distorções no processo social. Contudo, o homem evolui e se aperfeiçoa quando insiste em viver dentro da filosofia democrática, no justo conceito em que ela se encontra. O regime político, qualquer que seja êle, está cumprindo satisfatòriamente a sua missão, seja monárquico, seja republicano. O que se acha difícil é a formação de um sistema de govêrno, dado que tôdas as fases evolutivas da sociedade encontramos ainda no planêta. O defeito é do homem e do instituto, e não da instituição. Caminhando paralelamente na solução do problema, encontramos o sistema educacional cuja evolução é lenta e custosa, dado que a própria filosofia democrática exige a ascensão e a interpenetração das classes, a liberdade individual e a aceitação coletiva dos métodos e práticas de execução. O sistema presidencialista, que seria uma corruptela de uma monarquia a prazo limitado, identificando-se, assim, como um estado de confiança popular, tem sido deformado pela substituição por uma «fórmula presidencial», muito vizinha das ditaduras antigas. Neste caso, o poder tem outra característica, moderna e atuante: — a sujeição econômica. É preciso que se note e sinta a presença de grupos antagonistas e de pressão, mas controlados e disciplinados pelo Estado Moderno, fundamentado na filosofia democrática. Nesta, a propriedade e a riqueza serão respeitadas pela lei até quando sejam utilizadas no bem coletivo. Se as colocarmos nas mãos do Estado, que deve ser um meio para atender aos objetivos, necessidades e interêsses populares, e não um fim, constataremos a «perversão» do sentido da própria Lei que deve regular as relações entre povo, Estado e cidadão. Pode o Estado ser obrigado a assumir maiores responsabilidades da ativi­dade privada, se a tanto fôr obrigado para equilibrar a harmonia de direitos e deveres, devendo fazê-lo pelo consenso da maioria dos cidadãos. Qualquer outra atitude corresponde a um retrocesso que levará a lutas e conflitos imprevisíveis, retomando o caminho seguido há muitos séculos. Em uma visão comparativa, seria a volta à barbaria.

As «utopias» e as «ideologias» constituem as duas fôrças sociais bem aproximadas nos seus intentos, e distanciadas no seu antagonismo que incentivam o aperfeiçoamento dos sistemas. A «ideologia» para a conservação das posições e situações e a «utopia» para tomá-las. Procuram os sistemas sociais e, especìficamente, os sistemas políticos atender a condições, situações e evoluções de cada grupo social, de cada Nação e de cada sociedade civilizada, disciplinando a ação para resguardar a ordem e a harmonia que nortearão um processo favorável de desenvolvimento. Da «unidade e concentração primitivos» caminhamos para as diver­sificações, criando-se, assim um sistema jurídico, um religioso, um educacional e um assistencial, sendo, como não poderiam deixar de ser, modelados de acôrdo com o sistema político. Uma sociedade, entre cujos elementos não existe competição e métodos de seleção, não pode evoluir. Quando, porém, ultrapassa o limite da «compe­tição» e chega à «hostilidade» deliberada, passa a haver «rivali­dade». Chegando a êste ponto, situa-se a um passo do «conflito». A competição é valiosa e, por meio dela, os grupos e as pessoas progridem e desenvolvem. Para que a competição fique disciplinada dentro de condições favoráveis, é preciso que certas fôrças entrem em jôgo, comandadas por sistemas sociais normativos, coercitivos e punitivos. O sistema educacional, nas suas normas, adapta o indivíduo ao meio social em que vai viver e traça a primeira norma técnica para conseguir as informações necessárias. Prepara o cidadão e dá-lhe capacitação para o trabalho, visando obter condi­ções para satisfazer necessidades, desejos e interêsses. Procura formar, outrossim, a elite que dirigirá os processos de evolução e de desenvolvimento. No conjunto, ela procura engrandecer o homem levando-o a considerar-se um conjunto de matéria e de espírito. A religião procura elevar a Moral social atingindo a Ética, levando os homens a convencionalmente respeitar os seus preceitos. O Direito «iguala dentro da desigualdade», tanto na esfera privada como nos atos sociais, impondo disciplina nos deveres e garantindo os direitos dos cidadãos, O Estado, que é a Nação juridicamente organizada, deve fundamentar sua ação no respeito à Lei, que re­gula as suas relações com os cidadãos e o povo, O sistema de govêrno, que é a forma de autoridade e de poder que escolhe a Nação para ser responsável pelo seu Estado, varia conforme as condições, situações, caráter e aspirações do povo. Naturalmente existe e respeita-se a Soberania de outros Estados quando cumprem fatalidades históricas e não se contrapõem aos objetivos relativos a nossa nacionalidade, mesmo diferindo na doutrina do sistema que praticamos e da filosofia de vida social e política que esco­lhemos.

 

A FAMÍLIA E OUTRAS INSTITUIÇÕES

O papel desempenhado pela família através dos tempos é uma conseqüência de suas funções. Tem sido realmente a mola mestra de tôdas as modificações sociais, desde quando incorporava uma unidade social contendo tôdas as formas de sistemas sociais, política, religiosa, sentimental e mesmo jurídica, até o dia de hoje, quando a complexidade dos problemas e sua amplitude exigiram o desmembramento em uma notável diversificação e especialização de sistemas. Tudo tem partido do simples para o complexo, conforme o pensamento de Spencer.

Entre as funções de maior relevância da família encontramos:

1º) função biológica — reprodução da espécie;

2º) função socializadora — transmissão da herança social pela educação dos filhos;

3º) função social normativa e muitas vêzes determinante na formação do «status» social;

4°) função assistencial — proteção a seus membros contra injúrias — cuidados infantis — moléstias — desgraças e velhice;

5º) funções econômicas — sobretudo no setor consumo e hoje com maior realce na produção;

6°) funções recreativas — religiosas e políticas — que foram bastante importantes quando funcionava a «unidade familiar dos sistemas».

Como veremos, a composição e a atitude familiares têm-se transformado profundamente, desde que se foi despindo «direta­mente» da responsabilidade de atender a uma série de problemas e reações humanas, biológicas, sociais e especialmente políticas, até chegar hoje a tornar-se justamente o objeto de atenção dos sistemas que retinham como atribuição e monopólio. Em verdade, a evo­lução social caminhou adiante dos recursos e meios necessários a atender o homem nos seus interêsses, desejos e necessidades, indis­cutìvelmente, não é estranho tal acontecimento ao pensamento filosófico que ditou a supremacia da filosofia sensorial sôbre aquela do espírito. Realmente a repercussão maior dos fatôres ligados ao processo de evolução social sôbre a constituição da família, fi­zeram decrescer a fôrça que ela mantinha sôbre a violência das modificações estruturais da sociedade. Segundo Bogardus, as dife­renças do grau de estabilidade entre a família antiga e a de hoje podem ser explicadas do seguinte modo;

a) diminuição do espírito religioso e decréscimo da autoridade da igreja (o casamento figurado como contrato social passou a admitir o divórcio);

b) incremento do individualismo que torna instável quase tôdas as instituições sociais visto que os desejos e as opiniões individuais não se curvam ante as normas sociais;

c) alterações da vida econômica, que deslocaram para as fábricas os homens cujo trabalho até então era no lar ou próximo dêle;

d) emancipação da mulher e trabalho feminino fora do lar, o que tem tido como efeito o abandono dos filhos e da residência familiar, transformada em simples «dormitório», em muitos casos.

e) constituição de grandes fortunas, favorecendo o rebaixa­mento dos padrões sociais, uma vez que os indivíduos com forte poderio econômico propendem a não temer as ações sociais;

f) progresso da ciência, permitindo o contrôle da natalidade e permitindo a análise crítica das instituições sociais. Isto leva a considerar a família como qualquer outra instituição, retirando-lhe o caráter de «instituição divina»;

g) inquietude social de nossos dias, que ocasiona desajus­tamentos de personalidade, com reflexo de âmbito familiar;

h) instalação da família em casas de habitação coletiva, contra-indicadas para a formação de um verdadeiro lar;

i) aglomerações humanas em certas cidades, obrigando várias pessoas das famílias mais humildes a ocupar um único quarto, onde é impossível organizar uma legítima vida familiar;

j) casamentos tardios, motivados pelo desejo de sòmente se constituir família quando se pode mantê-la dentro de certos padrões de confôrto;

k) difusão entre muitas famílias da classe média de padrões de vida típicos da alta classe. Para comparecer a reuniões sociais, muitos pais e mães de família tudo sacrificam para ostentar recursos que não possuem;

l) decréscimo do número de filhos, sacrificando-se o prazer de tê-los ao desejo de desfrutar a vida sem pesados encargos.

A família antiga era mais uma associação religiosa do que um sistema institucional ligado à natureza. Pela comunhão do culto se estabeleciam os verdadeiros laços de parentesco. A religião ditava o direito de herança, não sendo contado o casamento e sim a participação no culto. Entre os romanos o afeto valia menos do que a religião e culto dos antepassados. Os dois últimos formavam o elo que fortalecia os laços familiares. Secundàriamente, figuravam o nascimento, o sentimento e a afeição. O culto do casamento estribou-se na geração masculina que perpetuava a tradição do culto família-religião, onde o «pater famílias» era sacerdote, patrão, juiz e representante dos deuses. Dai resultou o direito de repudiar a mulher estéril, uma das excepcionais possibilidades de ser extinto o laço matrimonial. A filha correspondia, quando casava, ao repúdio da religião doméstica própria e a adoção daquela do marido. Uma família sem filho varão perdia tôda a sua fôrça social. Mais tarde, o problema foi resolvido pela adoção (Grécia e Roma). Duas famílias não poderiam confundir-se e misturar-se no culto doméstico, mas várias famílias poderiam fazê-lo constituindo um culto comum. A idéia religiosa e o culto comum iriam engrandecer-se ao mesmo tempo. Via de regra, a divindade referente à família mais poderosa tomava a posição comum de várias famílias, não sem prejuízo do culto próprio da divindade familiar e do culto dos antepassados. Ainda não sabiam que a terra, o sol e os astros faziam parte de um só sistema. A religião, tendo por base a natureza, ou muito primitiva, baseada no terror pelos cataclismas e inclemência do tempo, seguiu com o raciocínio mais tarde, encaminhada pelos filósofos em uma incompreensão natural ultrapassando a razão humana. Não tendo a idéia do Universo fugia aos povos antigos a concepção de um só Deus. A amplitude e o prestígio de cada divindade de família e sua adoção por várias famílias foi realmente o início das sociedades romana e grega. Muitas famílias formavam as «fratrias», muitas fratrias a tribo e muitas tribos formariam as cidades. As sociedades semelhantes encaminhavam uma série de federações, semente da sociedade nova. Na formação dos sistemas diversos em que mais tarde se dividiu a sociedade, teve importância a grande série de reivindicações familiares dos filhos à margem da herança, dos «clientes» (empregados e mesmo escravos) Êstes, bem mais tarde, após a instalação das centúrias. A associação entre famílias, o culto a divindades comuns, a fidelidade com que os clientes e escravos davam a vida pelo seu senhor, foi realmente fazendo esmaecer o poder da crença. Daí foi sendo constituída uma sociedade em que algumas regalias eram concedidas e mesmo impostas, dando origem a um sistema de solidariedade entre «pater famílias», e as diferentes tribos com os clientes e escravos. Sobretudo os primeiros já esboçavam a autoridade do Estado encarnada no «Chefe», cujas divindades, mais poderosas, davam maior poder e riqueza, ao mesmo tempo que proporcionavam maiores vitórias na guerra. A rivalidade entre tribos e divindades resultava vínculo mais forte de solidariedade e união, esboçando-se assim a formação da «nacionalidade». Era a sociedade de alguns séculos antes de Cristo, na Grécia e em Roma. O «cliente», que não possuía propriedade, começou a ter direito a uma porção de terra própria para cultivar. Contudo, ainda a propriedade e a herança estavam à disposição do «pater famílias» e da tribo. Sòmente herdava de seus «clientes» (empregados). Cultivando a terra modificou-se a atitude dos «clientes», que passaram pelo sofrimento e pela recompensa a ser atendda, e o senhor já permitia o casa­mento por tal impulso. Todo o campo cedido e de propriedade do «cliente» pertencia de fato ao senhor que dêle dispunha para saldar dívidas próprias, exigindo, outrossim, o pagamento de parte da colheita. Tal maneira de proceder caminhou até nossos dias. Pelo pensamento, verificaremos que o senhor representava a segurança familiar e do grupo ou tribo, e assim agiam dentro do raciocínio e da lógica. Até hoje, ao analisarmos o processo de adiantada política fiscal em benefício da coletividade, onde a herança sem trabalho é lesiva aos interêsses coletivos, encontramos na Inglaterra o desinte­rêsse do agricultor na posse da terra. Prefere trabalhar nas terras do «Landlord», e deixar a êste os problemas fiscais mais evidentes, O impôsto de transmissão é tão forte, que não interessa ao agricultor ser o proprietário. Não sendo um país agrícola, dispõe de Tribunal Agrário para dirimir dúvidas entre meeiros e «Landlord». Êste, seus agregados e «clientes» formam um clã solidária e indissolúvel, passando direitos de pais para filhos durante muitas gerações. Separam os dois procedimentos quatro mil anos de evolução social. O mesmo fato verifica-se na França, na Alemanha e outros países de satisfatória evolução e desenvolvimento. Em Israel, o nôvo Estado que foi Nação por tantos séculos, cêrca de 85% das terras pertenciam ao Fundo Nacional Judeu.

Entre os povos antigos, como agora, a sujeição dos clientes e hoje meeiros, é feita através das dívidas. Apesar de tôdas as regalias conseguidas ficou o «cliente» à mercê do senhor pelas dívidas contraídas. A grande separação entre aquêles que traba­lhavam e os que viviam do fruto do trabalho alheio, fazia-se sentir tanto no campo social como também na dimensão física. Com tal disposição as concentrações de chefes de «fratrias» e de tribos dispunham da autoridade e do depósito dos produtos produzidos, tendo, assim, forte ascendência e poder sôbre a grande maioria que trabalhava. Continuava ainda o forte isolamento da família que só transigia na formação de tribo quando cultuavam uma divindade comum.

O direito privado existia antes da formação das cidades e muitas das suas determinações ligadas ao poder do «pater familias» não puderam ser logo revogadas. O direito de vida ou de morte sôbre os filhos, foi uma delas. O pai poderia vender o filho três vêzes, quando então êle conseguia a liberdade. Vigorou séculos tal dispositivo, já período disciplinar do direito. O direito antigo foi impôsto tanto pelo ritual família-religião como pelas reivindicações de membros da família, «clientes» e plebe.

Algumas famílias começavam a ter maior poder do que outras. Atribuía-se a que seriam divindades próprias também mais pode­rosas, que favoreciam mais algumas famílias. Iniciou-se a rivalidade e a atitude de segurança: como disse Aristóteles, o «homem é essencialmente político». Assim sendo, a única possibilidade seria participar do poder e da fôrça daquela divindade. Neste espírito haviam nascido as «fratrias». O mesmo raciocínio seguia seu curso e a mente humana se ampliava conjuntamente com o aumento das necessidades. A instituição familiar fortemente estruturada e as «fratrias» não conseguiriam ainda abranger os problemas ligados a todos os acasos da vida sendo acanhada para atender ao campo do pensamento frente às necessidades morais e espirituais do gênero humano. A estreiteza da sociedade de então caminhava paralela à pequenez da idéia que se fazia da divindade, assim como a formação das «fratrias» na Grécia e as Cúrias em Roma eram insuficientes para abranger o campo da inteligência humana, sendo motivado para uma forte evolução e aperfeiçoamento. Perdurava, contudo, a independência e a autoridade de cada família, trans­plantadas para seus primeiros agrupamentos políticos. A rivalidade iria gerar a luta e o extermínio, revelando-se a inteligência humana quando demonstrou a necessidade de ser criado um sistema de contensão e união de todos os grupos em tôrno de um Chefe, tal como era quando desenvolveram o instinto de capacidade familiar para perpetuidade da espécie. Estava criado o espírito da Cidade.

 

A CIDADE E SUA FORMAÇÃO POLÍTICA

A estabilidade social alicerçava-se na idéia religiosa. Tomando vulto o campo social também seguia seus passos, cumprindo a sua missão o culto das divindades. Divergiam em sua evolução. Enquanto o primeiro diversificava nas atribuições, a religião procurava unificar-se dentro de um motivo comum. Quando as famílias se uniam, conceberam uma divindade superior à de seus familiares. Erigiram-lhe um altar, acenderam um fogo sagrado e instituiram um culto. Não havia cúria ou fratria que não tivesse o seu altar e o seu deus protetor. Aí se faziam os repastos religiosos nos quais a divindade recebia a sua parte. A associação começou a crescer e muitas cúrias e fratrias se agruparam formando tribos que sempre dispunham de um chefe ou herói. Quase sempre dêle derivava o nome da tribo. Esta tinha assembléia e promulgava decretos. A idéia religiosa, que predominava sempre e teve autori­dade política inconteste na Idade Média e na Idade Moderna, se apresentava sob dois conceitos diversos. De um lado ligava o atributo divino ao princípio invisível, à inteligência, aquilo que sentia na alma, e de sagrado dentro de si próprio. De outro modo aplicou ao sentido divino as impressões exteriores que contemplava, admirava, amava e temia. Os agentes físicos eram muitas vêzes considerados os donos de seus destinos. As duas concepções atuavam hamônicamente e dividiram entre si o comando sôbre os destinos do homem. A primeira que se propagou e resistiu mais tempo foi o culto dos mortos, transformando-se, gradativamente, até nossos dias. Aquela da natureza física, com mais amplo horizonte dentro do pensamento humano, desenvolveu-se livremente, modifi­cando as suas lendas e as suas doutrinas. Assim foi possível um campo mais vasto de compreensão, dentro do processo religioso que favoreceu a que um maior número, congregado em tribos, obede­cesse e disciplinasse seu procedimento. Pôde, assim, ser formada a cidade. Esta evolução social e política, ìntimamente ligada ao processo religioso, demorou muitos séculos a conseguir o reajusta­mento pela concentração em volta de um culto e de um fogo sagrado. Cada vez as comemorações e ritos eram mais refinados e rigorosos, donde os sacrifícios, as reuniões e as assembléias serem obrigatórias a certo grupo social selecionado. O que se praticava na família em relação a estranhos passou a ser procedimento relativo a estrangeiros. O culto e a participação nêles lhes era vedado. A confederação das tribos e sua participação dentro dêste caráter nas manifestações do culto da política davam-lhes a união necessária para a unidade de pensamento na defesa e no desenvolvimento. Nas guerras, não era desobedecido o tipo de confederação, dado que as tribos caminhavam juntas. O indivíduo e seus bens, agora, já pertencem à cidade que dêles dispõe quando necessita para a guerra. O espírito citadino, com seus privilégios que se estendem até nossos dias, só após muitas lutas sangrentas deu lugar ao sentido municipal que foi realmente a semente indispensável à formação do Estado. No mundo antigo, a cidade era a associação religiosa e política das famílias, constituídas em tribos, criando-se a urbe que seria o santuário desta sociedade, com seus sacrifícios, seus banquetes sagrados e o domicílio da religião. Neste ponto esboçava-se o desmembramento de dois sistemas: — o político e o religioso. Outra modalidade que se seguiu na formação de cidades é exemplificada pela lenda da fundação de Roma. Uma multidão estava situada fora dos privilégios ligados aos preceitos de respeito e de obediência a um tronco familiar, com sua moral, sua divindade e suas sanções. Quando Rômulo se dispôs a acolher os deserdados da sorte solicitou aos deuses a inspiração do local pelo vôo da aves. Cavou um fôsso e nêle jogou um torrão de terra sagrada, trazido da urbe de Alba com sua sociedade já formada. Cada qual que quisesse fazer parte da nova urbe deveria trazer a sua contribuição da terra natal e jogá-la no fôsso referido. Uma chama acesa purificaria os espíritos e os sagrava cidadãos da nova cidade. Esta nova urbe assim formada seria o «Mundus» ou «Manes», lugar dos antepassados. Uma série de ritos, obrigações e proibições, com severas sanções, tornam sagrado o recinto. Festeja-se há muitos séculos a 21 de abril o dia de Roma. Tal prática de formação de cidades era escrita nos livros litúrgicos dos etruscos. O fundador era relembrado pelos séculos afora, festejado corno divindade nas épocas mais antigas, e como heróis nas idades mais modernas, mesmo recentes. Tendo Enéias fundado Lavinio, de onde provieram os albanos e os romanos, é festejado hoje como o verdadeiro fundador de Roma. Em tais festejos era obrigatória a presença dos representantes de tôdas as tribos e chefes das famílias emi­nentes. Em Atenas eram punidos aquêles que se recusavam a cumprir êste dever. Os cidadãos que se sentavam à mesa sagrada ficavam investidos momentâneamente da qualidade de sacerdotes e chamavam-se «Parasitas». Esta palavra mais tarde tornou-se um vocábulo depreciativo. Nenhum estrangeiro poderia introduzir-se no recinto das cerimônias. Tais práticas e sanções eram praticadas pelos silvícolas das Américas cêrca de dois mil anos após. O cidadão pertencia à cidade, nada havia no homem que fôsse independente. Regulavam até os penteados e a maneira de vestir. Hoje a dependência se mantém por fôrças sociais convencionais a que não é estranha a seleção de classe. A cidade antiga conside­rava a alma e o corpo do indivíduo como sua propriedade.

 

A EVOLUÇÃO SOCIAL E AS REIVINDICAÇÕES POPULARES

Perdurava a crença de que os mortos continuavam a viver e participavam das atividades dos vivos. Entre os Árias, na India, vigoraram os mesmos rituais e o livro de leis de Manu diz ter sido o mais antigo culto professado pelo homem. As religiões moderna­mente o praticam de modos diferentes. Os romanos denominavam deuses Manes os indivíduos falecidos. Os hábitos, os costumes, a tradição e sobretudo as reivindicações é que iriam modificar mais intensamente os sistemas sociais. A Política constitui o caminho sempre seguido para modificar as normas de direito. A primeira conquista foi o acesso mais indiscriminado aos segredos dos tribu­nais e das leis. Perdia o direito a supremacia e o caráter seletivo e unilateral de coação. A seleção social pela riqueza foi a primeira forma sensível de organização social ainda bem perceptível em nossas dias. Eram primitivamente os ricos e nobres que iam à guerra combater, ficando na retaguarda os plebeus. Aquêles voltavam muitas vêzes destroçados e arruinados, e na dependência mais rigorosa dos «clientes» e servos para se reerguerem. Em tais condições surgiram com mais fôrça as reivindicações. A guerra preencheu o espaço social que havia entre a aristocracia e as classes populares. Assim, começaram realmente a vencer as reivindicações que forçaram a modificação das normas de direito (as XII tábuas e Sólon em Atenas). A plebe passou a receber armas para amparar o campo da retaguarda (478 A.C.). As guerras começaram a esboçar um princípio natural da reivindicação humana e um dos fundamentos da democracia: a igualdade dentro da desigualdade. A grandeza de Roma proveio por livrar-se mais cedo dos grilhões tradicionais da família-religião que proibiam os casamentos fora de seu grupo ou suas «gentes». Foi uma Política de assimilação biológica e de aculturação daí decorrente que ampliou o campo da cidade ao chamar os cultos das cidades vizinhas e iniciando o processo dos semifeudos e feudos, verdadeiros Estados Soberanos. A família que teve tôda a fôrça através da religião foi gradativa­mente dando lugar a processos de reivindicações nos terrenos sentimentais, de consciência, político e especialmente quanto ao direito de propriedade dos «clientes», em uma primeira fase revo­lucionária dos plebeus. Na luta seguinte entre aristocracia, organi­zada, disciplinada e unida pela religião contra o povo, venceu a primeira. Em todo o período semifeudal e feudal, da Idade Média e Moderna foi a autoridade da política dominante, com raros hiatos de ascensão do povo, com reis e ditadores (tiranos). Foi o meio que encontrou o povo, selecionando entre os nobres alguém para reinar e entre os poderosos alguém para ser tirano.

A classe inferior aumentando enormemente o seu número teve que se entregar cada vez mais à produção. A complexidade começou a existir para atender a interêsses e aspirações. Pelo sexto século antes de nossa era, a Grécia e a Itália viram surgir outras fontes de riquezas baseadas nas inclinações para o luxo e para o belo. A indústria e o comércio já se tornavam necessários, havendo um símbolo para trocas; equivalências difíceis de avaliar e sensíveis ao mercado de procura e de interêsse, nem sempre a distâncias pequenas. Cunhou-se a moeda e o dinheiro apareceu, com caracte­rísticas mais reais e práticas. Simbolizando uma propriedade móvel, teve grande repercussão em época de pouca segurança da proprie­dade imóvel, sobretudo nas mãos desprotegidas dos plebeus. A religião aliada ao poder político não tinha sôbre êle qualquer formalidade religiosa. Nesta altura iniciou-se uma marcha acelerada na mobilidade social. Algumas famílias começaram a se engrandecer e grandes nomes começaram a aparecer. Os aristocratas recorriam aos antigos servos e clientes e muitas famílias se viam na miséria. A riqueza adquirida pelo trabalho começou a produzir seus frutos. Personalidade e valor pessoal, amor à liberdade, pregação de ideais conservadores, prudência e desejos de evolução foram os resultados da revolução monetária e pela riqueza própria surgida do trabalho pessoal. Não necessitavam mais os plebeus de procurarem «tiranos» para governarem, já que não podiam selecionar dentre aquêles que dispunham do «monopólio religioso» e que se antepunham a tôdas as reinvindicações populares. Começou então a surgir uma aristo­cracia plebléia. Exatamente como na época atual onde imigrantes conseguiam títulos nobiliárquicos. A plebe invadiu a cidade e não precisava de cerimônias para tomar nas mãos o direito político e religioso. Existe ainda hoje um «direito» social diferente entre os habitantes do campo e aquêles da cidade. Se bem que perdurasse a seleção social, foram relativamente considerados os direitos políticos iguais. Foi o Rei Túlio Sérvio, sexto rei de Roma, filho de escravos e educado por Tarquínio (primeiro) quem dividiu o povo em centúrias, em número de 182, onde a classificação pela riqueza imperava. Aquelas mais pobres não pagavam impostos. Aliás, como defensor de interêsses do povo, foi assassinado pelo neto que se casara com sua filha Túlia. Esta, ao ordenar a passagem de sua carruagem em cima do cadáver de seu pai ao voltar da coroação do marido, levou o povo a denominar a rua de «celerata». Outro que atendeu às reivindicações populares foi Sólon, em Atenas. Foi nobre e enriqueceu no comércio, cuja arte aprendeu nas várias viagens que encetou. Reduziu impostos dos pobres e obrigou os ricos a cumprirem seu dever cívico. Em volta de uma viagem encontrou — um «tirano» colocado pelo povo — Pisistrato. Êste manteve as leis de Sólon que retirava os privilégios dos nobres. Aqui realmente começou a ser disciplinado o direito (558 A.C.). Conseguiu abolir, como Sérvio em Roma, a sujeição dos camponeses pelas dívidas, e distribuía terras conquis­tadas nas guerras e para quem não as possuía. Foram Sérvio, em Roma, e Sólon, em Atenas, os precursores das reformas agrárias de nossos dias.

Sólon instituiu um sistema jurídico autêntico, com tribunais de recursos, tribunais populares e juizado togado. Regulou e atribuiu responsabilidades especiais a cada instância jurídica, deixando o crime, via de regra, para o povo julgar. O «Helseu», ou tribunal popular, julgava a maior parte dos processos criminais. Estava formado o Estado-Religião, continuando, contudo, a dispor dos cidadãos em tôda a sua plenitude quando falassem o interêsse cole­tivo e a segurança nacional. Foi sendo criada uma mentalidade mais ampla e arejada tal qual exige o pensamento humano. O princí­pio de desigualdade que vigorava na própria família, pela primoge­nitura na herança e na substituição, vigorou até nossos dias em países de grande evolução de direito. Na herança da terra e na sua conseqüente subdivisão encontra-se uma situação desfavorável para a sociedade qual seja o «minifúndio». A falta de pensamento uniforme em questões de bens, também pode ocasionar males ao patrimônio da própria família. Nem sempre os filhos mais velhos são os mais capazes. A polêmica de direito ainda persiste.

Os reis da antigüidade greco-romana viviam sempre em rivalidades com os «patrícios ou nobres», que eram justamente os «pater familias». Daí a proliferação de «tiranos» e «reis», mais acentuada quando a religião deixou de ficar mais ìntimamente ligada àquela qualidade de Chefe de Estado.

Na antiguidade, a sociedade passou por três fases na sua evolução: — a revolução dos «clientes», a renovação da plebe e a revolução social. Na primeira, durante muito tempo social e polìticamente, os «clientes» e familiares seguiam o «pater familias», tal a fôrça de sua qualidade de chefe religioso. As guerras e suas destruição levaram a que os «pater famílias» ficassem mais depen­dentes dos «clientes» e dos servos-escravos para readquirirem as riquezas perdidas. Tiveram que ceder a reivindicações. Aumen­tando a massa de população e as necessidades, veio a satisfação e o incremento da produção com a conseqüente criação e vulgarização da riqueza. O ponto culminante foi a criação da moeda, riqueza volante e de difícil contrôle. Esta foi a revolução social pròpria­mente dita. Com as guerras e a determinação da defesa e a conservação do poder, aglomeraram-se as cidades e formou-se o Estado com sua disciplina jurídica decorrente das reivindicações acima referidas. O problema que evoluciona a dinâmica social é o mesmo em nossos dias. Parecia que estava iniciado o processo de diversificação de alguns sistemas sociais importantes para o gênero humano. O direito privado permitindo a propriedade indiscrimi­nada, o casamento em classes sociais diferentes, certa atenção pela opinião popular decidindo procedimentos de govêrno, dando assim mais organicidade à formação do Estado em sua faina de ser «um meio e não um fim para o qual nasce, vive e luta o cidadão». O esbôço da mercantilidade, facilitada pela moeda, já permitida a dinâmica social equivalente à filosofia democrática de nosso tempo com mobilidade social ligada ao nascimento e privilégio de classe, e também pelo esfôrço do trabalho. Herdando ainda da Grécia o desprêzo por êste, não tinham a mesma atitude quanto ao cidadão que se enriquecia e «adquiria» a sua posição social mais qualificada. A Roma antiga correspondia realmente a uma ponta de lança das reivindicações sociais da civilização ocidental, podendo ser conside­rada então a etapa de aperfeiçoamento de outros povos, aproxima­damente no ano 250 de nossa era. Vimos que muito antes, no ano 445 A.C. sairam as doze tábuas e pela mesma época Sólon disci­plinava o Direito Grego. Na luta entre a nobreza e o povo, surgiu a concessão feita pelo primeiro grupo, com o aparecimento do «tribuno». Contudo o povo ainda não estava contente. Repetiu-se a seleção de reis e imperadores, com a política do povo contra a classe privilegiada, exatamente como Atenas, à série de «tiranos» representava a ânsia das reivindicações populares. A História, que muitas vêzes estava submetida violentamente a um processo de sanção religiosa, defendendo assim o privilégio da classe nobre, sempre tratou com o maior menosprêzo os reis e imperadores romanos e os tiranos gregos. Anos mais tarde, a reação foi violenta e iriam ter início os períodos pré-feudal e feudal, onde teve uma reviravolta a formação social ligada a um processo dependendo do esfôrço popular. O Império Romano e os períodos de República, com sistemas os mais diversificados na formação do govêrno, procurou ampliar a esfera de seu poder territorial, passando o povo, a admirar os «heróis» da guerra e das conquistas. Em verdade êles, aparentemente, deixavam a cada povo a impressão de evolução em suas reinvindicações, dado que começava a ter maior valor a soma do trabalho escravo e o fruto das pilhagens. Hipertrofiando o sistema de defesa tomou o povo as rédeas políticas, revezando-se os reis e imperadores que conseguiam maior concentração do poderio militar. Como em regiões longínquas conquistadas a evolução naturalmente estava retardada, seria preciso anexar a religião ao Estado dominador. Foi um retrocesso político da diversificação dos sistemas. Nesta fase da evolução social surge o Cristianismo. Êste veio reformar todos os preceitos sociais que se achavam ligados ao Estado-Religião, separando-os e caracterizando uma só divindade em tôdas as formas de como era considerada. Colocou-se fora do Direito, como acima de tudo que é puramente terreno. O direito tornou-se independente, podendo preparar melhor suas normas ligadas ao processo social e as relações do homem com a natureza. Ressaltou o princípio da igualdade pelos atributos e virtudes espirituais e morais, pela justiça através do direito, pela oportuni­dade aproveitada de concorrer à conquista de bens materiais e a utilização humana da propriedade e do Poder Econômico. Nascida a verdadeira Moral Democrática da vida terrena ditada pelo senso religioso, e pela crença, a maior fôrça com que conta o Gênero Humano, na sua tremenda luta em busca da Verdade, debatendo-se no círculo do Finito embasbacado na «vastidão» do Infinito. Com tal atitude filosófica, trouxe o Cristianismo ao espírito humano os subsídios indispensáveis à formação dos diversos e diferenciados sistemas destinados ao bem do Gênero Humano. Como não poderia deixar de ser, levantava-se uma fôrça indomável contra os processos de deformação social que dispunha do cidadão e de sua vida para exclusivamente servir o govêrno. Tremeram os alicerces dos Impe­radores e Reis que não mais poderiam lançar mão da crença para aumentar seu poder procurando submeter todos os povos. Foi perseguida durante três séculos a nova crença que despontava, dado que não mais considerava o Rei o próprio Deus ou o seu enviado na terra. Encarnando-se em um elemento do povo, da classe humilde, demonstrou que falsos eram todos os conceitos até então seguidos. Retomou o homem do povo a personalidade que lhe faltava para sentir-se igual a qualquer outro homem. Contudo, se foram vencidos os reis e imperadores, perdurou o prestígio da nobreza que imediatamente se aliou à nova religião. É bem verdade que na época dos Antoninos, em Roma, houve uma recrudescência brilhante dos estudos de jurisprudência. Logo após começou a decair o Império Romano, que havia iniciado seu apogeu de 34 A.C. — até na altura do 5º século. As conquistas de direito das doze tábuas em 445 e o Direito disciplinado por Sólon sofreram um colapso com a queda do Império. Voltou a religião a integrar-se dentro do sistema político, já então com maior violência na coação e na sujeição. A própria democracia em Atenas não era um «govêrno convencional de maioria», quando Péricles sujeitava as outras cidades gregas a tributos que inicialmente haviam sido convencio­nados, selecionava os que tinham direito de voto, a ponto de menos de 15% de cidadãos poderem votar. O escravo era uma determi­nação social aceita por todos, inclusive pelos próprios escravos. As conquistas populares até nossos dias foram muito lentas e sujeitas a recuos e reviravoltas. No ano mil começaram os novos pensa­mentos e as novas idéias reformadoras do espírito humano, esboçava-se o Renascimento. Não passava despercebido que a Religião estava ìntimamente ligada à Política e justamente aquela que sempre foi contra o povo. Era a Política da classe nobre. Começava a fase de feudalismo pela subdivisão dos grandes impérios. A autoridade de alguns papas não poderia controlar tôda a orgânica de seus delegados dadas as deficiências de comunicações e transportes. As dádivas e indulgências, os favores materiais e o interesse material dominavam a mentalidade do clero. O Renasci­mento foi a reação que iria resultar mais tarde, pelo século XIV, o início da Reforma, na própria Igreja e iniciada na França. A vitória dos nobres aliados dos sacerdotes deixaria o povo à margem, a espera das recompensas na outra vida. Contudo, a ambição humana, assim como os seus fatôres negativos e orgânicos iria preencher seu papel favorável para renovação e evolução. É justamente a função antagônica propícia ao espírito de evolução e de desenvolvimento. Os nobres se desavieram e se serviram dos próprios sacerdotes para conseguirem maior poder. Lutero protes­tava na Alemanha, no século XVI, pelas atribuições exclusivas do Papa na distribuição de favores e acêrca de certas disposições oriundas de interpretações diferentes da Bíblia. Vimos, então, as Reformas na França e Espanha (católicas) na Alemanha e norte da Europa (luteranas) e em Genebra (calvinistas). Desmembrava-se o Cristianismo em vários ramos, inclusive, mais tarde, a chamada «Igreja Inglêsa». Revigorou, então, a coação religiosa, obrigada a um pensamento religioso ditado pelo Estado. Nesta altura, os povos menos evoluídos ainda gozavam de regalias incipientes, a ponto de em nossos dias, verificarmos países com uma organização feudal e mesmo semifeudal. Contudo, o mercantilismo, ativado pelas nave­gações marítimas, conseguia como que uma «sincretização» cultural, adaptando-se hábitos e costumes estranhos e diversos, desde que não houvesse o bloqueio severo dos governos respectivos. Houve países que conseguiram manter tal bloqueio e tal serviu de resguardo de tradições até o presente século. Vemos, pois, que o processo de evolução social e a organização dos sistemas nunca poderão ser uniformes nas regiões do planêta. Alguns estão em fase regressiva sob certos aspectos (Rússia), outros de forma diversa (Suécia, América do Sul e Central), outros ainda mantêm tradições intrans­poníveis (Arábia e o Kuweit), outros têm evoluções recentes (Japão e Índia). O feudalismo ainda vigora intensamente no planêta. A violação tremenda do direito de liberdade humana pela coação religiosa da Idade Média e sobretudo na Idade Moderna, provocou excepcionais reações dos filósofos que baseavam seus pen­samentos nos governos seletivos e eram contrários ao sistema de go­vêrno baseado na filosofia democrática. Em verdade êles não esta­vam impregnados de que a inteligência humana não é privilégio e algum sistema precisaria existir para «selecionar no povo os seus go­vernantes», A própria educação é privilégio de uma classe e se es­tende até nossos dias. Nunca se permitia às mulheres o acesso à educação e só gozavam o privilégio de formar na elite os membros de certas famílias. Sendo o govêrno o meio de que lança mão o Es­tado para melhorar as condições de evolução e de desenvolvimento da coletividade disciplinando procedimentos pela Lei — a educação democrática sugere ao indivíduo a posição que deve ocupar no bem coletivo, disciplinando suas tendências instintivas e dando a todos a mesma oportunidade de galgar posições e ter acesso aos bens materiais. Todos os governos são constituídos para alcançar tais fins, mas é bem melhor atingí-los com maior dificuldade e tropeços resguardando a mais sublime das conquistas humanas — a liber­dade — dentro da convenção de maioria para o bem comum. Alguns governos atuais têm-se aproximado de tal linha de conduta. Contudo, há muito ainda por fazer. Perigoso para o gênero humano é a satisfação plena e total, e a filosofia democrática, sendo baseada na própria Filosofia, que é a critica da crítica, segundo BERTRAND RUSSELL, favorece a projeção de novas idéias e novos pensamentos à perseguição do Infinito, e da verdade. É a razão de ser do viver humano — lutas, discussões, antagonismos e conciliações por uma resultante obtida pela opinião da maioria. Fora disto é existir.

 

A DEMOCRACIA E SUAS CARACTERISTICAS EVOLUTIVAS

Vimos que o pensamento democrático da Grécia e de Roma antigas, que visava expressamente a parte política baseada na opinião de uma «parte privilegiada de cidadãos», com algumas normas favoráveis de direito procurando igualar os cidadãos, deci­dindo a ação monopolizadora do Estado sôbre a Educação e a sujeição do indivíduo ao interêsse do govêrno, fugia inteiramente do conceito atual de Democracia como Moral social, em que o Estado e o govêrno são meios e não fins para servir os homens. Todo pensamento moderno diferente constitui evidente retrocesso nas conquistas humanas que encaram uma conciliação entre o interêsse individual e aquêle social, através de sistemas organizados e aprovados pela maioria. Nunca chegaremos a uma perfeição demo­crática. Daí decorre a grande vantagem de sua filosofia permitindo sempre a evolução e o desenvolvimento, fatôres determinantes da perenidade da vida humana sôbre a terra. Como não se pode igualar evoluções sociais de povos diferenciados pela tradição, pela crença, pelas condições de vida, pelos interêsses e objetivos perma­nentes e atuais, há que perseguir certos fundamentos democráticos na filosofia da vida, de govêrno e de cidadãos, quais sejam:

a) igualar dentro da desigualdade;

b) mesma oportunidade a todos;

c) seleção dos valôres humanos em quaisquer camadas sociais em que estejam localizados.

Os meios, os recursos, os caminhos são sempre adotados conforme se apresentam conjunturas e conjeturas que assinalam a determinação dos povos em sua fatalidade histórica. O que é preciso é conseguir extravazar as próprias fronteiras físicas, não para combater a fatalidade histórica e sim conseguir condições para que o processos democrático se instale convenienternente. Nunca se deve julgar sem analisar e criticar, devendo o pensamento demo­crático concorrer sempre para a retomada do processo histórico de evolução e de desenvolvimento dentro de sua filosofia. Acreditamos que a fase liberal da economia tenha permitido grandes obras huma­nas na construção de um arcabouço notável para implantação da­quela filosofia. Foi uma determinante histórica que atingiu a socie­dade do século XVIII, em pleno apogeu ainda do período feudal e da coação religiosa. O liberalismo surgiu como uma grande fôrça na época e teve desumanidades em sua ação. Em verdade, suas raízes eram mais antigas e nasceram quando o intercâmbio transma­rino pôde acelerar-se pela navegação. Tal atividade também criou cidades nos pousos marítimos. As riquezas do Nôvo Mundo acele­raram o amor ao luxo e a dissipação. A Arte européia foi tôda ela conseguida pelas riquezas de outro continente que despontava. As grandes nações de navegação aumentavam suas riquezas pela pirataria semi-oficializada e mais tarde foram ferrenhas defensoras da propriedade privada.

O liberalismo na Inglaterra permitia certa soma de liberdade de pensamento. Para lá emigraram Marx e Engels quando espo­saram novas idéias reformadoras, baseadas em antigas utopias e teorias, exacerbadas pelo trabalho desumano de mulheres e crianças nas fábricas inglêsas, já estigmatizadas nos célebres romances de Dickens. Na Inglaterra sucediam-se as lutas entre o Parlamento e a Coroa, representando aquêles a fôrça política popular. A riqueza do país fortalecia o recondicionamento político pelas con­venções e transigências. A corrupção e o subôrno eram freqüentes na conquista das opiniões e Walpole, o primeiro ministro que teve o país, se vangloriava de «comprar as consciências». Com isso se deu um período de estabilidade política de aproximadamente 40 anos. Tal fato não impediu que o substituísse o grande estadista Pitt. A evolução social sempre se faz à custa de fôrças e procedi­mentos antagônicos. Os puritanos da Inglaterra, impotentes para desafiar a corrupção e a imoralidade do século XVI naquele País, emigraram para o Nôvo Mundo e lá construíram uma grande Nação. Agiram como pioneiros e não como bandeirantes. Êste, aliás, o espírito dos primeiros colonizadores de nosso país.

Foi a partir da Revolução Francesa que se iniciou teòricamente o processo de «liberdade, igualdade e fraternidade», um dos fun­damentos humanos de democracia. Já oito anos antes Voltaire reagia contra o espírito de classe que não propiciava o acesso à educação, e ao grupo das elites, das classes menos favorecidas. Esta fôrça violenta de reivindicações populares advertiu os Reis e Imperadores a cumprirem melhor os desejos do povo. Começou realmente a era da moderna democracia praticada pelos monarcas com mais esmêro e realismo. Contudo, o espírito seletivo continuou na esfera educacional. Havia, como até hoje, em quase todos os países, um espírito de ensino secundário ou acadêmico e outro primário. Sòmente certas classes têm sido admitidas, já pela falta do fundamento democrático da «mesma oportunidade a todos», como pela natural possibilidade das classes mais favorecidas. Porém, as últimas reformas de ensino, na França, na Inglaterra e nos E.U.A. procuram intensamente corrigir tal perversão contra o postulado fundamental da democracia de nosso tempo. A partir da industrialização e a urbanização conseqüente, adquiria o povo maior fôrça e direitos, ao serem outorgados direitos de sindicaliza­ção. Em seguida, o processo de assistência e a consideração de «obrigação dos cidadãos e personalidades» de atender ao gênero humano em suas necessidades antes de exigir dêles o cumprimento total das convenções sociais a que seriam obrigados. É o respeito pelos direitos da pessoa humana vislumbrados na Revolução Fran­cesa e confirmados pelas Nações Unidas. Assim se seguiram os sistemas de defesa dos grupos que trabalham nos sindicatos e o sistema assistencial à saúde, especialmente à nutrição. Êste o últi­mo sistema social em franco desenvolvimento.

A Democracia de hoje não atende sòmente ao postulado de govêrno de povo, de maioria, de fidelidade de opinião, mas primor­dialmente às considerações que encaram o gênero humano como um semelhante que deve ser dignificado. Para isso deve o Estado ter sempre vigilante a formação para que não se esmere apenas no processo de informação cultural. Sendo o caráter nacional um produto de fôrmas sociais e a sua estrutura definida como a organização mais ou menos permanente, social e històricamente condicionada, das tendências e satisfações individuais, precisa o Estado estar sempre alerta na sua verificação. A mudança, pesqui­sada nas suas origens, a modificação nas suas causas e a deformação nos seus fatôres. Eis, pois, que a Sistemática admite a pesquisa social, o inventário, a análise, a crítica e o planejamento. Eis, assim, a Tecnocracia ou o Estado Científico, fase terceira, sucessivamente de Estado Tecnológico ou fictício, Metafísico ou abstrato e Positivo ou Científico, segundo Augusto Comte. Caminhando o Estado Moderno na senda de atender aos interêsses humanos, procura entrar em outra etapa resultante do processo evolutivo devido à era da Industrialização e sobretudo da Tecnologia. Aumentando cada vez mais os interêsses ligados ao bem-estar proporcionado pela Tecnologia a serviço da Democracia, «dando maior quantidade e melhor qualidade de bens a um maior número», precisou criar um sistema que corrigisse o maior mal de nosso tempo que é a preo­cupação com a previdência. Isto está causando as maiores inquieta­ções ao indivíduo como parcela social e, seu núcleo, a família. O sistema assistencial e o de previdência ora caminham juntos, ora se separam. De certo modo, sempre se encontra o Estado Moderno incentivando o processo de socialização e de cooperativismo para procurar amortecer o terrível impacto que tal sentimento trouxe à nossa Civilização. Quanto mais esta caminha mais se tornam amplos e complexos os problemas humanos. O homem deixou de ser escravo de poderosos para sê-lo das convenções sociais.  

OS REGIMES POLÍTICOS E OS SISTEMAS DE GOVÊRNO

De nossas considerações poderemos deduzir o equívoco corren­temente praticado de chamar regime a sistemas variados de orgânica funcional de govêrno. Um regime exige uma gama de fatôres disciplinados, ordenados e conjugados, quase sempre constante e mutável. Não existe qualquer forma rìgidamente doutrinária e mais ou menos estável de govêrno. O mesmo não se pode raciocinar acêrca de Estado. Em governos, onde é constante a evolução e a mudança quanto à orgânica dos sistemas sociais por êle abrangidos, devemos denominar sistemas. O que parece mais rígida é a constituição política dos Estados, sendo cabível a denominação do regime. Vemos, pois, no mundo dois regimes: — monárquico e republicano. A própria ditadura pende para o regime republicano, mas em um sistema não representativo e sim seletivo. O Estado, que transmite por herança o direito constitucional, o poder perene é regime monárquico. Sendo por tempo transitório de forma legal ou formal é republicano. Não se pode falar de regime democrático dado que tal filosofia tem tanta fôrça evolutiva e de conceituação, ao executar os fundamentos básicos decorrentes da liberdade de idéias e de pensamento, que cabe perfeitamente a identificação de sistema. O regime funciona dentro de um sistema democrático. Uma ditadura pode funcionar desta maneira. O exemplo brasileiro foi típico. Evidentemente a perfeição procurada ao serem conside­rados — a igualdade dentro da desigualdade — a mesma oportuni­dade para todos — a seleção dos valores em quaisquer camadas sociais em que se encontrem — exige o processo evolutivo. A filosofia democrática determina compreensão e tolerância e o imperativo de ser atendido o indivíduo na fase primeira da valori­zação humana, quando ainda subjugado pelos impulsos instintivos não possa compreender o significado da liberdade de idéias e de pensamento. As três categorias seguintes do homem cívico e da elite aumentam progressivamente a sua responsabilidade e seu dever para com todos. Sòmente atendido em seu interêsse ligado à necessidade da pessoa humana poderá estar o indivíduo preparado a começar sua capacitação social. Sendo o govêrno um Instituto de coação, disciplinado e contido pelo espírito da Lei, deverá procurar aumentar progressivamente o número de cidadãos capacitados para Opinar. À medida que a Educação eleva o nível da Ética de sua elite e de Moral dos cidadãos, vai o govêrno diminuindo gradativa­mente o seu poder de coação. Passa, então, a desfrutar confiança cada vez maior dos indivíduos que se interessam menos em opinar em questões que transcendem ao pensamento coletivo. Assim, tôda forma de Estado e qualquer sistema de govêrno caminham na direção do Presidencialismo. Eis porque pensamos ser o Parlamen­tarismo um sistema evolutivo de govêrno. O raciocínio persiste quando o inautêntico presidencialismo norte-americano foi uma idéia empírica do regime monárquico inglês, apenas com duas precauções: — temporalidade do poder e maior fôrça política do Congresso para sufocar quaisquer rivalidades violentas que criva­ram a história da Inglaterra. Com tal sistema conseguiram seus objetivos, mas se encontram em um terrível dilema de vencer a tradição para mudar e evoluir, acompanhando o processo de revolução social da época. A imitação brasileira de um experiência-­pilôto não poderia deixar de ser deformada. Aqui e nas repúblicas latino-americanas nunca funcionou um presidencialismo e sim uma «fórmula presidencial» vizinha das ditaduras.

Ao sairmos da Idade Média e mesmo já na Idade Moderna, verificamos nas regiões mais avançadas da atual Civilização o deslocamento do poder do Estado para o campo econômico. Foi realmente o despontar da Era Tecnológica. Com a produção racionalizadora de bens se ampliou o mercado consumidor e esti­mulou a ânsia de acesso mais fácil e favorecido às matérias-primas. Foi o que deu lugar mais tarde à Guerra de 1914. Ao mesmo tempo, as Nações que haviam conseguido o monopólio dos bens de produção, enalteciam a doutrina econômica liberal. Nada mais fácil que continuar a aumentar seu poder e dominar cada vez mais aquêles que não dispunham dos mesmos recursos fundamentais. Os diversos sistemas em moda para governar os povos, e que não constituíam evolução nem novidade, só pensavam em maior concen­tração de domínio sôbre o cidadão para obrigá-lo a «servir» sòmen­te ao govêrno. Os desastres verificados demonstravam que nem ao Estado serviriam. Esqueceram-se de que estava ultrapassada a fase de reivindicações populares mais intensas e começaria aquela das nacionalidades, com o grito de alforria pronunciado por Rui Barbosa na Côrte de Haia, em 1907. O resultado seria a implantação de um processo político de atendimento a povos que estavam à margem da riqueza acumulada em poucas mãos. Modificou-se com mais violên­cia a teoria econômica liberal e a Inglaterra, que interessadamente mais se apegava à doutrina, foi a primeira a violá-la pelo contrôle, fiscalização e sanção da liberdade comercial durante doze anos após o último conflito mundial.

As «utopias» que mais tarde procuraram implantar as «ideolo­gias» para conservar e desenvolver o poder econômico, nada apresentavam de originalidade no campo do pensamento humano. Eram retrocessos sociais que aproveitaram a formação social e política que haviam plasmado caracteres especiais a certos povos, para «simular» novas formas e sistemas de govêrno aceitáveis na conjuntura específica de cada um. A velha tese de superioridade de raça explorada pelo fato das imigrações históricas dos Arias para a Alemanha e a ação violenta contra a antiga raça semítica seriam a bandeira que uniria o espírito disciplinado, do povo alemão para reivindicar a espoliação sofrida pelo Tratado de Versalhes e aumentar o poderio econômico do país. O esplendor histórico do Império Romano seria a arma de implantação do «fascismo» italiano. A «utopia» comunista, tentada como sistema de govêrno desde Creta no ano 1.300 A.C., passando pelos pensamentos teóricos de Tomás More em «Utopia», as obras de Campanela «A Cidade do Sol» (1568-1639), os padres católicos Meslier e Morely, o saint-simonismo de Henrique Saint-Simon (1760-1825), o anarquismo de Proudhon e finalmente Louis Feuerbach, em 1804-1872, o principal inspirador de Marx e Engeis, conjuntamente com Hegel. As condições sociais da Rússia se prestavam perfeitamente para que vencesse a «utopia» da igualdade de classes após a violenta tomada do poder. O govêrno instalado começou logo por modificar a primitiva doutrina e se encaminhou até hoje em direção oposta àquela que pretendia seguir. Aproveitando o avanço da técnica de comunicações e a maioria de povos na fase de necessidades, lançou a propaganda de uma «mística», a que por conveniência chama «Ideologia». A idéia verdadeira é o caminho de tornar o país uma grande potência econômica e poderosa. No momento o caminho a percorrer é longo. Sendo atualmente o poder econômico aquêle que domina o procedimento das Nações, anotaremos que a Renda Nacional conjunta do Ocidente é de aproximadamente 850 bilhões de dólares e da U. Soviética não alcança 90 bilhões. A conse­qüência disto é o alinhamento ou coexistência entre os dois grandes poderios econômicos. Ao conseguir estabelecer uma política educa­cional excepcional, está a Rússia qualificando notàvelmente seus cidadãos. Com isto, e à medida que se eleva o nível educacional, o cidadão não precisa sofrer maior coação e o Estado diminuirá gradativamente seu poder de coator. Desde que as duas linhas caminhem para coincidência, vencerá a Ética e a Moral de nosso tempo, que é a filosofia democrática. O episódio foi apenas um retrocesso no processo de evolução dos povos, que para aquêle país tem sido favorável. Com a política educacional estabelecida ressur­girá. com plena convicção, a liberdade de idéia e de pensamento, cuja marcha já foi iniciada. Por outro lado, o Ocidente, que se mantinha dentro dos privilégios, servindo-se da ideologia democrá­tica e ao mesmo tempo deturpando-a. retoma o caminho certo da linha autêntica do procedimento que identifica realmente a Demo­cracia. Aqui vemos mais uma vez o antagonismo, felizmente àmargem do processo sangrento, atendendo às justas reivindicações de povos e de Nações.

Já Spencer havia esposado a idéia de que as sociedades evoluem do homogêneo para o heterogêneo, do indiferenciado para o diferenciado, da concentração para a dispersão. A homogeneidade da família na antiguidade, onde a única idéia e o único pensamento, como o julgamento, pertenciam ao «pater familias»; êle era o sacerdote, o juiz das decisões sentimentais, o árbitro das relações sociais, o dono e senhor da vida e da propriedade dos «clientes», servos e escravos. A Sociologia, que é puramente especulativa, ao contrário do direito que é a ciência das normas com raízes na Metafísica, procura estudar o «SER» enquanto o outro sistema se ocupa do «dever ser». O Estado, que é um agente do último encar­go, é uma expressão hipotética na Sistemática jurídica quando con­siderado como «pessoa», representando, no entanto, o sistema de ordem jurídica total. Enquanto a organização política das socieda­des humanas repousar na divergência de interêsses das classes so­ciais, o Estado terá que cumprir a sua função para encontrar as re­sultantes favoráveis à coletividade. Êle usará o poder e a autorida­de do govêrno para ter preparada a máquina de coação. Pela evolu­ção social, sobretudo pela Educação, armada a sociedade de cida­dãos bem formados, povo satisfeito na maioria, elites imbuídas dos requisitos mais sublimes da Ética e da Moral até atingir o ápice em que sua ação coercitiva irá decrescendo, voltando o govêrno a ser constituído de forma seletiva convencional, dentro do consenso geral levando o povo a outorgar-lhe a expressão de mais «confiança» e menos «opinião». O crescimento da cultura não se processa com intensidade igual em todos os setores e em tôdas as latitudes. Ora acentua-se na técnica, ora na crença, e ora nas idéias. Tal retar­mento se reflete em certos sistemas, ocasionando uma discordância prejudicial ao processo harmônico de evolução social. A crise da civilização atual é explicada, em grande parte, pelo progresso extraordinário da ciência e da técnica no campo da luta para o aproveitamento do potencial natural, contrastando com o desenvol­vimento precário e incipiente das ciências sociais. Grande domínio alcançou o homem sôbre o mundo físico, mas retardou-se no reconhecimento de si próprio e de seus semelhantes. São recentes a Sociologia, a Psicologia Social, a Ciência Política, a Biologia e mesmo a Economia Política, estando ainda em ensaios para limitação do campo de conceituação. Não existe uma disciplinação pacífica para o sistema de assistência social, notando-se em cada pais uma organização diferente. É o empirismo e a experimentação para atender ao homem, cujas necessidades, aspirações e interêsse têm sido sempre os mesmos. Nem os sistemas de govêrno apresentam orgânicas semelhantes, apesar de seguirem doutrinas consideradas fundamentais.

A Ética e a Moral estão situadas na posição do global e do total, regendo o procedimento dos homens em suas relações e perante a História, podendo ser considerada a Ética como o refinamento da Moral, está ela ìntimamente identificada com a qualificação e o aperfeiçoamento espiritual e intelectual das elites. Um mínimo de moral é regulado pelas normas do direito e pelas sanções ditadas pela lei. Esta regula o moral da autoridade, que éo govêrno, e identifica a qualidade social da formação do Estado, quando ao mesmo tempo situa o indivíduo e o cidadão entre os diversos sistemas criados justamente para disciplinar a complicada orgânica social. Contudo, como não podia deixar de ser, a Moral e a Ética caminham na frente do Direito, e, sòmente muito mais tarde com a sedimentação social calculada nos seus princípios, adquire o Direito as suas novas formas. Daí se conclui que os sistemas sociais — Religião, Direito, Assistência e Govêrno têm que vencer as resistências familiares em suas tradições, individual em sua ânsia de liberdade, de ambição, do egoísmo, além da fôrça do instinto, favorecendo ao mesmo tempo a dinâmica do pensamento humano criador e evolutivo. Eis porque caminham os sistemas mais lentamente do que manifestam as atitudes e procedimentos sociais. Daí decorre o fato de a análise e de a crítica manifestarem o maior avanço das massas sôbre as elites na organização dos sistemas. Existe um que se impõe aos demais e que completa o pensamento exposto. É o sistema educacional. A Revolução educacional é aquela que irá estabelecer o equilíbrio social indispensável para reajustar harmônicamente as fôrças sociais tradicionais com o violento processo de reivindicação social de nosso tempo.

Contudo, terá ela que fugir do tremendo libelo de Helmut ao fazer o terrível diagnóstico do dilema social de nosso tempo: — «homem é homem sòmente enquanto fôr valorizável econômica e tècnicamente». Disto deveremos fugir quando tomamos consciência da violência dos extremos nas ideologias que estrangulam a liber­dade de pensamento. Esquecem elas a fundamentação básica do «UNO analítico» na existência universal como resultante do diálogo sempre constante na polêmica emanente e propulsora da vida humana. É na dinâmica e oposição da matéria e do espírito que êste se projeta cada vez mais na dignificação do gênero humano, através das idéias e pensamentos livres e renovadores. O monólogo, a uniformidade cultural e o silêncio são típicos das sociedades atrasadas ou em fase de evolução. Se um partido ou uma Massa se arroga o privilégio de compor a autoridade do Estado, suprimindo as bases da polêmica, dá o golpe nos fundamentos da Democracia de nosso tempo. As superadas e primárias idéias extremistas, ou os conceitos direitistas e esquerdistas definem argumentos contrários ao processo evolutivo do homem cívico. É no jôgo dos meios que poderemos encontrar a resultante mais benéfica ao gênero humano. É neste jôgo que se encontra o substrato da Democracia.


 

 

CONCEITO DE VALORIZAÇÃO HUMANA

 

 

O HOMEM NO MUNDO

Encontra-se a Humanidade, na fase atual da Civilização que desfrutamos, em uma terrível encruzilhada cuja decisão salvadora exige uma reformulação dos Valôres Humanos não mais visando apenas indivíduos, cidadãos ou personalidades; não mais atendendo classes, povos, Nações ou grupo de Nações, e mesmo raças. Tudo o que fôr preciso tentar, experimentar, executar ou atingir deverá ser feito. O problema deixou de ser apenas humano para ampliar-se no sentido da Humanidade. Eis a quanto nos conduziu uma simples disputa filosófica entre Mestre e Discípulo — Platão e Aristóteles há cêrca de 2.300 anos. Desde então, congregando todos os esforços desenfrearam-se os homens pela filosofia sensorial rele­gando à margem a integração dos valores espirituais, sentimentais e intelectuais voltados ao interêsse do Homem. Hoje temos que considerar êste simplesmente como animal, como consumidor ou criador de riquezas ou como comparsa social ou cidadão responsável como uma atenção subsidiária daquela de o julgamento como de nossa própria natureza, com seus defeitos irredutíveis e redutíveis.

Não se diga e não se pense que a negatividade deva existir ou estar ausente para que a afirmação se implante na sua fase evolutiva criadora. As duas fazem parte do antagonismo da vida e elas se sucederam obedecendo a Leis e métodos até então incontroláveis e misteriosos. Tanto poderemos vislumbrá-las na apreciação pela Síntese como identificá-las pela Análise. Os surtos de evolução econômica apresentam fases cíclicas negativas de origens não fundamentadas suficientemente pela Ciência. Malraux nega a seqüência das diversas Civilizações sem que possamos compreender as suas extinções sem o desaparecimento dos homens que as criaram. Contudo, chegamos hoje a uma evolução científica e técnica a que uma valorização negativa espiritual ou do pensamento poderá levar à destruição, não de uma Civilização, não de um Progresso, mas do sentido mais refinado do pensamento humano, que é a Ética ou o respeito à própria vida, como afirmou Albert Schweitzer.

Cremos ter chegado o homem a fechar um Ciclo de sua capacidade material, restando-lhe agora o amplo campo do pensa­mento para expandir-se, procurando a trilha espiritual a busca da Verdade. A reação materialista, que se seguiu a um longo período de coação sentimental e de consciência, produziu violentos resultados negativos, ultrapassando um grau favorável e criador de desequilí­brio. As tradicionais fôrças sociais — Religião, Universidade e Classe Armada ainda se acham imbuídas dos vestígios coercitivos tradicionais e seletivos de que eram instrumento e acompanham muito timidamente a excepcional revolução social do presente momento. O problema ainda se torna mais angustiante quando se observa a violenta intromissão cultural, tendendo a uma incontro­lável «sincretização», impondo reivindicações e direitos sem os atributos culturais evolutivos aconselháveis. O processo ainda se torna mais perigoso nos povos e Nações pouco amadurecidos, via de regra, verdadeiros caldeirões sociais em franca ebulição. Justa­mente nestes há a necessidade imperiosa de integração social dos tradicionais fôrças sociais acima mencionadas. A «integração» significa servir e ser servido. Evidencia-se que as aspirações e inquietações de povos ainda em fase incipiente de evolução exigem alguns procedimentos e atitudes diferentes das fôrças tradicionais. Assim, pois, a característica de «servir e ser servido» deverá diferir profundamente. Na filosofia dos conflitos e da ação de defesa nacional ocupa plano superior a Ciência e a Técnica. Nas atividades sociais do Brasil de hoje ressalta-se a grande deficiência da qualifi­cação profissional e técnica. Dispondo da ordem, da disciplina e de são nacionalismo, a classe armada ampliaria a sua tarefa de formação especializada. Sem desvirtuar o importante papel que lhe cabe, muito pelo contrário, aumentando os valores humanos de Poder Nacional, estaria integrada nas aspirações e interêsses pátrios mais prementes. Nenhuma atividade social é mais indispensável ao Brasil de hoje do que a prática agrícola racionalizada. Os recursos naturais condicionam a sua longevidade ao trato que os homens lhe propiciam. E teria assim acôrdo com o gabarito de compreensão do povo a ação de «integração» de sua classe militar. A Universidade tem que mudar seus padrões de seletividade social atendendo ao preceito de justiça social de dar a mesma oportunidade a todos em quaisquer camadas sociais em que se encontrem. Tem que servir ao meio social melhorando em intercâmbio e convênios diretos as capacidades técnicas, assim como, à guisa de seus trabalhos práticos, investigar e estudar acêrca de condições e situações educacionais e mentais influenciando na sua esfera de jurisdição geocultural, corrigindo e atendendo a formação de seu material humano. A Religião mostrará menos intolerância e intransigência, indo ao encontro dos vícios e das deformações sociais, campo específico de sua luta. Viver intramuros encastoada na virtude, só criticando e deplorando, quando não julgando sem pesquisar as causas, aumenta a coorte de desesperados e desenganados. A par de atendimento aos necessitados materiais e espirituais, o grupo religioso poderá prestar serviços inestimáveis no setor pioneiro da educação escolar. É preciso compreender que nos países de incipiência cultural e ma­téria sobrepuja o espírito no comando das atitudes sociais e pro­cedimentos sinceros. A Moral inculcada de forma coercitiva e não convencional tem pouca base fundamental.

Aprisionado o homem no «Finito» visando o «Infinito»; estran­gulado na fragmentação do «Relativo» a perseguir o «Absoluto»; confundido pela Felicidade que chora na Dor; surprêso pela «Sabedoria» encontrando-se com a «Ignorância» e extático pela ameaça à vida pelo fruto de sua luta contra a Morte, sente Êle agora que precisa pensar no outro Homem. Cabe assim e sem tardança conceituar e atender a valorização do gênero humano.

 

QUE SE ENTENDE POR VALORIZAÇÃO HUMANA

Em princípio, resguardando a idéia da liberdade, sòmente o próprio indivíduo pode conceituar o que se compreende por valori­zação de sua personalidade. Decorre, pois, de imediato, que a prerrogativa de liberdade deveria ser a primeira idéia correta de valorização. Contudo, a vida social restringe ao indivíduo, em seu próprio benefício uma reformulação de conceito de valorização que êle outorgou a si próprio. Assim, contraditòriamente, a evolução cultural, finalidade social perseguida pelos esforços de valorização, cerceia e restringe cada vez mais a própria liberdade, condicio­nando-a ao bem coletivo, exatamente o que se observa com esforços da Educação Escolar, procurando destinar o indivíduo à sua correta aptidão e habilidade em benefício comum, o que poderá entrar em conflito com a sua aspiração e interêsse. Dêste modo, não poderemos impor simplesmente ao indivíduo a aquisição de atributos e qualifi­cação que o levem a um conceito de valorização, tal como o preten­de a sociedade. Contudo, se antes da idade da determinação formos atendendo ao gênero humano na sua formação e evolução biológica, teremos muito maiores probabilidades de entrosá-lo no sistema criado pela sociedade para valorizá-lo. Temos na mente os conflitos anotados na História de nosso país quando foi instituída a vacinação obrigatória. Foi uma técnica destinada justamente a valorizar a pessoa humana em fator importante, qual seja a preservação da saúde. Realmente precisamos enfatizar na valorização a conser­vação da vida, considerada no senso comum o bem de maior valor. Em seguida, o viver bem requer uma gama de requisitos indispensá­veis, selecionados e hierarquizados pela sociedade, englobando fatôres espirituais, morais e materiais. Assim, o homem jurídico ou o ente social deve encarar seu semelhante como digno de satisfazer a um mínimo de necessidades para compor a vida dentro da integração dos fatôres que definem o conceito social de valorização. Pretendendo levar ao indivíduo aquelas exigências procura propi­ciar-lhe condições de viver bem, dentro do conceito social corrente do grupo em tese. Como já dissemos, o homem é fruto de uma harmonia de fôrças biológicas dentro de desproporções fisiológicas adequadas que condicionam todos os demais fatôres e desencadeiam as atitudes sociais; como podem, também, comprometer a própria ação de valorização. Evidencia-se, pois, a necessidade de fiscalizar e atender ao gênero humano na sua formação, antes da idade de determinação. Estigmas e taras seriam acrescidas àquelas pré-existentes e oriundas na geração e da hereditariedade, se atenções especiais não convergirem para as corrigir.

A adaptação social ao «mores» do Grupo acompanhada conco­mitantemente de meios suficientes para conseguir informações, iniciará o processo de transmissão da experiência acumulada, exer­citando o pensamento para a determinação de serem conseguidos novos valôres culturais. A transmissão cultural obtida pela aqui­sição de meios de informações levará a outro homem a consciência dos valôres já incorporados e o resultado de novas aquisições con­seguidas pelos grupos seletivos, ampliando as suas possibilidades de atender mais e melhor a seus desejos e aspirações, conforme sejam livremente ditados pelo pensamento e pelas idéias próprias.

A informação e a posse de elementos conscientes de integração social levam ao indivíduo o sentido de abstenção e de restrição a certas prerrogativas de liberdade com que contribui para o senso comum de viver bem. Obedecendo a um mínimo de obrigações e restrições determinadas pelo interêsse coletivo, sòmente, o indivíduo pode realmente escolher o conceito próprio de valor humano. Em verdade todo o valor e qualquer valorização apresentam caracteres profundamente relativos, sujeitos a condições e proporções variá­veis, elásticas e flexíveis no tempo e no espaço. Quanto mais evoluída uma sociedade maiores são as restrições e mais limitadas as prerrogativas individuais. Isto tem levado os filósofos a pen­sarem que a luta contra a natureza, fundamento intrínseco da valorização humana, terá como fim último a vida harmônica do homem com o meio. Esta harmonia apenas existe ainda na desar­monia dos homens nas suas sangrentas e episódicas lutas pela sobrevivência. Decorre disso que o fundamento de uma ação para valorizar o gênero humano está na preservação da vida orgânica. As demais categorias de valorização, mesmo a liberdade estão condicionadas, tendo no tope da hierarquia, as condições biológicas favoráveis e a utilização de outras prerrogativas. Não poderemos enfatizar os valôres humanos subjetivos — liberdade de idéias e de pensamento, um padrão de moral satisfatório, a boa utilização da liberdade e a assimilação das conquistas culturais — sem que esteja atendida a preservação da própria vida que objetivamos ser bem vivida conforme os moldes sociais do grupo. O instinto animal de preservação da espécie, que no homem se sublima na auréola sentimental pretere todos os demais fatôres. Considerando-se esta hierarquia, o fundamento na valorização do homem é conseguir para êle uma satisfação e incorporação de outros valores particulares e distintos tendendo a aparelhá-lo para perseguir suas aspirações, satisfazer livremente seus desejos e sujeitar-se convencionalmente ao princípio de justiça social de: «ter e fazer o que lhe compete». Mesmo aqui, a sociedade se obrigará a dispensar a mesma oportu­nidade a todos. A natureza humana se desenvolve e evolui de modo absolutamente desigual outorgando a cada um categorias prevalentes de valorizações em sentido global e sectorial. Nem sempre depende da Razão Humana e, em conseqüência, do próprio arbítrio a satisfação do desejo de aumentar certa categoria de valôres. Contudo, a qualificação de animal com uso da Razão, e, portanto, capaz de julgar, tem que merecer de outros homens uma disciplina de procedimentos tendendo a igualar na desigual­dade frente a requisitos mínimos de viver bem, dentro dos padrões do grupo social. A simples sobrevivência é o resultado do es­fôrço e de interêsse instintivo do irracional, e mínimo deveria ser o alvo a atingir na valorização humana, O próprio homem, conside­rando o seu interêsse, dispensa ao animal os recursos necessários de sobrevivência e de reprodução, bem cuidada, inclusive a genética, somando fatôres de valor ao fruto de seu esfôrço, visando de sobejo a satisfação dos próprios desejos e da defesa de seus interêsses. Não é possível, pois, na solidariedade social, como valorização humana a conquista simples de tais requisitos mínimos.

Nos séculos passados a mística religiosa e o destino sobrena­tural dos governantes e dirigentes dos povos, conseguiam de certo modo estabelecer uma atitude de concordância e conformação com a situação de desigualdades humanas. Dentro de certos limites, igualar condições e situações individuais é impossível, tendo em vista a valorização prevalente ligada a fundamentos biológicos que ultrapassam a Razão Humana. Atuando a Humanidade, em seu esfôrço de atender ao homem em suas aspirações e necessidades, encontra logo um fator negativo que se contrapõe a seus objetivos. Se considerarmos, porém, um mínimo de existência digna e a dispo­nibilidade de recursos com livre acesso a todos, cumprindo o postulado da mesma oportunidade, será possível levar a todos condições precisas de um mínimo de vivência e bem-estar. Disto resulta que a moral impõe a concordância de serem igualados os homens pelos atributos e qualificações subjetivas, dado que na categoria objetiva ou material tem que ser considerado o fator prevalente de valorização, independente da Razão Humana. Devemos, pois, impor e igualar os homens pelo que valem como contri­buição de sua atitude social em benefício de todos, encarecido pelo trabalho dignificado em qualquer de suas categorias. Ora, justa­mente a Razão Humana tem sido deformada e distorcida tanto quanto os homens se esforçam, nos seus variados e diversificados grupos, em aperfeiçoar e pulverizar recursos com o objetivo de des­truir as vidas humanas. Mistificadamente, assemelham-se ao irra­cional e comprovam a teoria filosófica de que o fim último do homem é a sua harmonia com a natureza. A luta pelo progresso e pela evolução da Humanidade, a pretensa construção da Civiliza­ção, nada mais representam do que um Ciclo na direção fatal. A soma total do aproveitamento dos recursos naturais não está sendo aplicada no bem-estar da Humanidade e sim visando a destruição de uma parte. O que verificamos, pois, é que, enquanto as necessi­dades aumentam numa progressão geométrica, os recursos estão sendo utilizados em uma progressão aritmética.

Contudo, os tempos se transformaram. Predominam hoje as místicas ideológicas e sòmente elas levarão o homem a conformar-se, dentro de certos limites, na desigualdade que os aflige. Como não podia deixar de ser, o indivíduo dá pouco valor a liberdade desde que não seja acompanhada daqueles requisitos mínimos de vivência e satisfações sentimentais ligadas ao instinto gerador e à conser­vação da vida. A filosofia, que gerou a doutrina democrática, ela é pura, perfeita e autêntica, identificada perfeitamente com a mística cristã. Tem sido deformada na sua substância e apregoada como bandeira para o benefício de poucos e o sacrifício de muitos. Tendo como fundamento a «liberdade de idéias e de pensamento», a democracia de nosso tempo condiciona a posse da propriedade a sua boa utilização social. O que vemos, contudo, é a utilização da propriedade e, em canseqüência, do poder econômico em benefício de poucos, relegando a plano secundário o interêsse mínimo de muitos.

Na democracia autêntica e nos ensinamentos da economia política do século encontraremos meios, técnica e métodos para encaminhar a Economia ao bem comum. Ocupariam o primeiro plano a atenção pelos fatôres de geração e reprodução, saúde e, especìficamente, nutrição, Educação e nesta, a Educação Escolar. Corrigiríamos assim os valôres prevalentes ao máximo das possi­bilidades da Razão Humana, encaminharíamos o corpo humano para outros esforços de valorização dentro do conceito social, proporcionaríamos recursos específicos e adequados para maior e melhor utilização dos bens naturais, chegando, enfim, a uma soma razoável de qualificação humana. Tendo a seu dispor oportunidades iguais, estaria o gênero humano apto a aceitar a convenção de desigualdade, dentro de conquistas mínimas, que possam ser consi­deradas como dignas entre semelhantes racionais.

Como excepcional conquista humana é preciso conseguir-se a mudança do conceito acêrca de trabalho. Cumpridos os princípios de justiça social enumerados acima, a transformação da idéia de obrigação para um cumprimento de dever, como comparsa de uma responsabilidade coletiva, levaria o homem a empenhar um maior e melhor esfôrço na sua tarefa social. Vemos aqui a dificuldade de encontrar e destinar «o trabalho exato, para o homem adequado e no momento oportuno», obtendo a sua solidariedade para inclinar-se ao interêsse social ao invés de seu próprio, caso haja profunda distonia de ambos. É lógico que tal alternativa se faça e se compreenda, tanto no conceito de dever que devemos outorgar ao trabalho como aquêle da justiça de dar a mesma oportunidade a todos.

Passando em revista, assim, ao conceito e à fundamentação do que seja valorização humana, fácil será vincular esta, estreitamente, ao sentido cultural como fator global e total a ser incorporado ao indivíduo. Definindo a cultura: «um conjunto de realizações e esta­do de consciência próprios que mais aproximam um povo da meta de suas aspirações e objetivos», poderemos entender como valorização do homem: «a participação do maior número, senão de todos, no fruto da evolução cultural dos grupos sociais e da Humanidade, conforme a capacidade de cada qual dentro dos princípios da justiça social e, especialmente, da mesma oportunidade para todos».

 

CONCEITO GERAL E SOCIAL FRENTE À LIBERDADE DO INDIVÍDUO

Em princípio o homem se valoriza ao poder compreender a dignidade de viver. Contudo, o viver bem tem as mesmas concep­ções ligadas ao que se compreende e se sente por felicidade. Cada qual se integra na sua própria atitude do que seja viver bem. Decorre de tal raciocínio que existe uma discrepância indispensável no conceito de valorização humana individual e aquela que a sociedade deseja. A Segurança Nacional levaria a um número de restrições na atuação e na atitude individuais, visando o bem comum e o resguardo e defesa da cultura de grupo. Contudo, um certo número de fatôres têm que entrar decididamente na concepção individual para que a soma dêles concorra para média útil e indispensável. Certas condições prevalentes de valorização, sobre­tudo no que tange ao fator orgânico, capacitam ao indivíduo a aceitação dos princípios convencionais de viver que encaminhem a doutrina da liberdade, tornando-o capaz de utilizá-la sem licencio­sidade. Ainda na convenção de viver dentro dos fundamentos da liberdade de idéias e de pensamento, atendido o imperativo da correção dos fatôres prevalentes de valorização e algumas na vigência da idade da Razão e daquela da determinação, é preciso capacitar o indivíduo para escolher bem aquêles que irão executar a sua Política de Segurança. Nas condições acima, a liberdade deve ser fator inerente ao sentido de valorização individual, devendo ser a todo preço incorporado ao patrimônio individual. Sòmente a convenção, também livre, poderá tolher a sua manifestação parcial visando o bem coletivo ou o fim a que se queira atingir na valori­zação humana. No raciocínio simples, poderemos dizer que um Estado, encarnando uma delegação jurídica de um grupo social, é formado da soma do valor dos sêres que o constituem. Em verdade deverá ser o Estado o escravo do indivíduo e construído para serví-lo. Quando êle tolhe os homens, tornando-os instrumentos dóceis em suas mãos, mesmo com a melhor das finalidades, constataremos que com homens pequenos nada de grande se poderá realizar. O valor do homem cresce com a liberdade, que se lhe pode conceder, de empreender, livre e inteligentemente a multiplicidade de relações diferentes que lhes despertem o interêsse e a vontade de participar nos grupos que o cercam ou em sua comunidade. Vemos, assim, que alguma coisa antes precisa ser estabelecida como fundamento prevalente de valorização para em concomitância outor­gar ao indivíduo a liberdade. Esta implica de um lado em um senso de responsabilidade ao exercê-lo, e de outro a convenção de atender a um requisito mínimo de moral ditado pelo respeito às leis. Ressaltamos, pois, na luta pela qualificação humana, a criação de condições necessárias e indispensáveis, algumas anotadas como va­lorização prevalente, para encaminhar o indivíduo social a aceitar convenções que o levem a utilizar bem a liberdade e gozá-la sem distorcer ou deformar o sistema de garantia coletiva na conservação e na evolução cultural. Dentro das restrições convencionais mencio­nadas, a natureza humana não pode encarar qualquer sentido de valorização que se acompanhe de coação mental que não se coadu­na com a própria constituição e a boa contormação espiritual do gênero humano, As sociedades humanas, que não dispuserem do senso crítico livremente exposto de seus cidadãos, não terão possibilidades de evolução. Eis outro fim específico de valorizar o gênero humano: proporcionar-lhe condições de estar capacitado a gozar de certa independência econômica, tornando-se útil e necessário a ponto de situar-se em uma posição social apreciável ao grupo.

A transformação trazida ao mundo pela industrialização pro­vocou o fenômeno da massificação, bem estigmatizado por Ortega Y Gasset em seu livro «Rebelião das massas». Por outro lado, a técnica de informações e de comunicações trouxe um maior sentido de penetração e verdadeiro impacto cultural com o cortejo imenso de atitudes reivindicatórias de povos e nações. A reivindicação mais violenta tem-se feito sentir no plano cultural havendo como que uma imposição para o acesso mais fácil e maior aos benefícios da educação. Contudo, esta em sua evolução passa por uma fase intermediária que pode levar os povos, grupos e Nações a ações mais violentas e decisivas, chegando mesmo a abdicar temporária ou inconscientemente dos benefícios da liberdade de idéias e de pensamento. Acompanhando as reivindicações, e a elas estreitamente ligadas, encontra-se a abjurada propriedade privada e de riqueza em poucas mãos, incriminadas de retardar a satisfação de uma maioria que também tem direito aos benefícios do progresso.

Não poderemos realmente falar em personalidade, complemento fundamental da liberdade de idéias e de pensamentos, e, como estas, atributos indispensáveis ao cidadão no conceito de valorização, sem que a mesma oportunidade seja dispensada a todos, especialmente na idade da determinação. É nesta idade que a educação na fase média de sua evolução apresenta os grandes perigos para o homem. Uma massa e uma coletividade é inorgânica e pouco consciente em suas manifestações e atitudes, havendo imperiosa necessidade de ser dada autenticidade à liderança dos povos. Um líder apresenta qualidades intrínsecas e êle não poderá ser formado. Contudo, a sua influência sôbre uma parcela de opinião pública exigiria legitimidade em sua atuação. Porém, seguiu a Humanidade as idéias de Aristóteles contrárias àquelas de seu Mestre Platão. Aquêle considerava mais importantes os indivíduos, pois que nasciam, sofriam, trabalhavam e morriam. Êste, porém, outorgava muito acertadamente a maior importância ao homem, dizendo que êste se perpetuava pelos milênios fora. Vemos, pois, o mundo seguindo a filosofia sensorial ou dos sentidos e sendo, na aparência, coletiva, era profundamente individual, porque expunha mais os homens aos apetites da ambição desmedida e aos impulsos do egoísmo, quociente negativo passível de redução ou eliminação. Contudo, a filosofia de indivíduo viria ainda mais acirrá-la ao invés de combatê-la. Trouxe imensos malefícios à humanidade, neste ponto, as idéias de Aristóteles. Sentiriam os homens a necessidade de «promoções do individualismo», perdendo e dei­xando marginais os sentidos humanos de personalidade. Ora, o romancista e o escritor procurando modificar e alterar o próprio pensamento e as idéias para «conseguir sucesso» na opinião pública. Ora os políticos, líderes inautênticos, procurando popularidade ao definir-se por idéias e pensamentos preconcebidos para afinar-se com aquêles da massa e da coletividade, sempre levada a atitudes e procedimentos oriundos de emoções, fatos e acontecimentos, não apresentando perfeito organicidade em suas decisões. Já isso nos mostra a definição de opinião pública: «inclinação para a verdade de um fato sem possuir, contudo, os elementos subjetivos e objetivos de certeza, Imprevistos, fatos emocionais, ocorrências sentimentais mudam ràpidamente a iterativa então seguida»; tudo isso nos prova a pouca consistência das opiniões coletivas. A liderança é uma Arte e não técnica como é o caso de Chefia. Nós poderemos criar Chefes, mas nunca criaremos Líderes. Nunca a Humanidade estêve tão pobre de Grandes Homens como agora. Ao invés de os Líderes associarem-se aos requisitos de Chefia adquirindo técnica, e encarnarem-se no papel exato que lhes cabe de «guiadores de homens», orientando e ampliando por ação de «personalidade» a sua esfera de influência, êles é que são guiados. O escritor e o jornalista de hoje procuram mais na influência social, das tardes de autógrafos, festas, comemorações públicas, a sua «promoção pessoal» de que seguindo real e legitimamente a Arte. Esta exige recolhimento, isolamento, ginástica do pensamento, leitura para amadurecer a cultura própria que se consubstanciará na exposição de seu pensamento e de suas idéias. São citados em pequeno número os grandes escritores e romancistas de hoje que não se entregam a uma intensa vida social de «promoção individual». Esta faz parte integrante do cientista, do escritor, do romancista, do político e dos líderes. Clóvis Bevilaqua, um expoente universal das letras jurídicas do país, levou uma vida avêssa a atrativos sociais. Hemingway, o grande romancista, viveu isolado nas praias cubanas. O que escrevem é autêntico como a própria personalidade, dado que não existem «promoções individuais». São líderes verdadeiros porque transmitem o próprio pensamento sem sujeitarem êstes aos movimentos de opinião pública. Vemos, pois, que o mundo de hoje está sem líderes genuínos. Foi seguido o individualismo de Aristó­teles. Todos reclamam que a mente humana não se encontra preparada para utilizar a máquina que inventou e aperfeiçoou. Seguindo a filosofia sensorial, ela está sendo preparada e aperfei­çoada para o bem-estar do homem. Simbòlicamente, quando a luta contra a Natureza tráz o progresso, a máquina dos homens é utilizada para voltar ao Ciclo da harmonia com o Meio, fim último a que os filósofos antigos destinavam os homens. A luta do animal irracional pela sobrevivência é um dos requisitos do ciclo de equilí­brio do mundo. Tôdas as lutas terríveis dos homens não são pròpriamente pela existência e, sim, pela conservação do bem-estar de alguns. Invertem-se, assim, em jôgo de pensamento as posições dos animais.

As despesas das duas últimas guerras se aplicadas na agricul­tura racionalizada já bastariam para eliminar a fome da face da Terra. Todo o fruto do trabalho a seguir-se seria para ampliar os benefícios do bem-estar. Longe disso nos encontramos ao persis­tirmos na filosofia sensorial, acenando aos homens com vantagens e ideologias variadas, tôdas mascaradas de místicas, sem, contudo, atender aos homens nas suas necessidades fundamentais da valori­zação humana. Antes de cuidar da fome, nenhuma convenção nos poderá facilitar a tarefa de conseguir dos homens, por persuasão ou sugestão, a convenção de conformar-se com a justiça de ter e fazer o que lhe competir. Com fome e sem conveniente resguardo da prole e da sobrevivência, nenhum indivíduo se atém nas vantagens da liberdade de idéias e de pensamento, nem procurará ter atitudes de personalidade, dado que o mundo todo faz «promoções indivi­duais». Não grande coisa se poderá conseguir para a Humanidade com homens pequenos. Nunca qualquer fase da evolução histórica nos colocou na determinação de dispor na Liderança de autênticos valôres humanos. Urge a seleção dos verdadeiros valôres de qualificação orgânica em quaisquer camadas sociais em que se encontrem para que guiem os povos para melhores destinos indu­zindo-os a formar um MUNDO SÓ.

Em verdade o indivíduo de hoje é um escravo de sua ambição desmedida a cujo serviço coloca o egoísmo exacerbado. Formando na massa inorgânica de mentalidade escorregadia com atitudes e posições falsamente estabelecidas e movidas por emoções e fatos mal interpretados, age também sem discernimento, sem rumo, sem Razão e muitas vêzes contra os próprios objetivos que defende. Queima bondes e trens pela falta dos mesmos. Julga precipitada­mente seus líderes de um momento por um ato e palavras que nunca praticaram ou pronunciaram. Assim, a falta de cultura geral colocou o homem de classe média, e mesmo aquêle das elites, na posição de modesto operário. O cientista só conhece profundamente a sua especialidade, aperfeiçoada para a conservação e melhoria do bem-estar, desconhecendo todos os demais problemas comuns do homem. Êle é «homem massa» e a sua posição de Líder autêntico está vaga. A coletividade, o povo, a «massa humana» está entregue a si própria, ao seu raciocínio instável, a suas atividades vacilantes, a seus impulsos desordenados.

Com o «encolhimento» do mundo pela rapidez dos transportes e comunicações, houve uma tendência violenta de «sincretização» cultural. Ativou-se e agigantou-se o fato após as duas últimas guerras mundiais. Todo o mundo pode hoje presenciar a vida e o bem-estar de povos e Nações. A finalidade de valorização humana é distribuir ao maior número uma maior parte das conquistas do bem-estar. Infelizmente, porém, alguns requisitos prevalentes de valorização precisam ser atendidos, sobretudo as condições de sobrevivência, melhores recursos para geração, bens de nutrição e, enfim, ensinar a trabalhar bem e a se informar bem. Sòmente após isto, será possível condicionar ao ser social um padrão mínimo de moral que facilite a vida comum, atributos de liberdade que dignifiquem e elementos de certa autonomia econômica que passam transformá-lo sucessivamente em indivíduo, cidadão e personalidade.

Eis, pois, os três degraus que são determinantes para a valori­zação global do homem:

a) o indivíduo necessita ter condições de vida para boa constituição biológica da geração, de sobrevivência e de aceitação com aproveitamento dos métodos e técnicas de valorização;

b) recebendo elementos para conseguir informações, assimi­lando a cultura prevalente do grupo social, diversificando e ampli­ando as suas relações com outros homens já pode utilizar a liberdade e mesmo utilizá-la bem tornando-se um cidadão.

c) enfim, com a independência econômica nos têrmos sociais em que é conceituada, pelos meios e técnicas adquiridos anterior­mente, já pode por si transmitir ao grupo social as próprias idéias e com o resultado do exercício do pensamento fazer evoluir a cultura do grupo — adquiriu personalidade.

Não poderemos arrefecer as atitudes e procedimentos de natureza individual em choque ou discordantes da ação social para valorização humana, conseguindo, outrossim, anuência e concor­dância nas restrições e mesmo coação individual desde que não possamos integrar a pessoa na sua própria característica de animal racional. A fôrça do instinto predomina sempre dado que a sobrevivêncvia está em jôgo. Ora, justamente uma série de fatôres de valorização para serem incorporados exigem a abstração de problemas fundamentais de conservação e evolução orgânica. A sociedade sente a necessidade de que o homem domine e discipline o instinto, contudo êste está integrado ìntimamente na conformação biológica. No homem social respeita-se e tolera-se um limiar de atitudes e procedimentos instintivos, levando a Lei que regula um mínimo de Moral, a respeitá-los. O direito de matar em defesa própria é sagrado e consignado em tôdas as leis humanas. Assim, a sociedade consigna um direito individual e nega o direito coletivo de procedimentos e atitudes referentes à conservação da vida pelo direito de acesso aos bens de nutrição, argumentando com o direito de propriedade, ela mesmo condicionada no regime democrático ao bem comum.

Com a predominância do sentido sensorial da vida sôbre os atributos espirituais e subjetivos de excelso valor, qual seja a liberdade de idéias e de pensamento, muito trabalho será necessário para persuadir e sugerir aos homens de que a valorização global e total exige uma perfeita integração. Tal sublimará e disciplinará as ações instintivas e aperfeiçoará a elite, e mesmo o cidadão, na senda do refinamento da Moral, isto é, da Ética, decorrendo logo que o exemplo, o melhor impulso educacional, é obrigação dos chefes, e, como é óbvio, dos líderes autênticos.

Eis pois que, ao pensarmos em valorizar o gênero humano, se impõe a Educação, que procura incutir princípios fundamentais de valorizaçãa social, sublimando a sociedade, a Política e a Ética, disciplinando a inteligência, assegurando o bem-estar, enaltecendo a virtude, humanizando o instinto, garantindo a evolução criadora, divinizando a continuidade da espécie e firmando o conceito de justiça de — cada um ter e fazer o que lhe compete. Contudo, no uso da Razão e na responsabilidade da determinação, tem o homem que resguardar os atributos espirituais, situando nestes a predomi­nância de viver. A personalidade integrada na sua função, que caracteriza o grande homem, resultará na formação da grande Nação e na substituição do simples progresso pela Civilização.

 

A EVOLUÇÃO CULTURAL COMO FINALIDADE DE VALORIZAÇÃO

A cultura real que identifica uma Civilização e que apresenta características livres de crítica para evoluir está sèriamente com­prometida no momento presente. Estamos criando um surto de progresso excepcional penetrando sítios há pouco inacessíveis à Razão Humana. Confundimos lamentàvelmente a cultura global, envolvendo as aquisições de valôres espirituais e mentais com aquela estritamente dirigida à satisfação dos sentidos. Se o caminho perseguido pela Humanidade é conseguir para o gênero humano uma convenção satisfatória de um conceito de Felicidade, vemos que a Cultura encarada em parte nunca poderia atingir a sua finalidade. Os homens de inteligência do passado resguardavam o pensamento de influências subalternas e imediatistas. Hoje vemos o carreirismo, a aventura, a popularidade e o materialismo deformando inteira­mente o pensamento e a ação dos líderes do pensamento humano. A idéia de escrever e propugnar pela elevação global do homem ampliando o campo de seu patrimônio espiritual e moral deu lugar a uma ação de concessões, contrafações e mistificações consentidas e toleradas. Procura-se expor idéias e pensamentos que possam conquistar prestígio político e social, especialmente mundano. Tais condutas facilitam a aquisição de títulos e honras acadêmicas, propiciam negócios e farturas. A literatura e o romance da época falham profundamente como verdade essencial e como substrato de espírito criador que pudesse acompanhar a originalidade e a técnica dos mecanismos destinados a satisfações instintivas, inteiramente outras que não aquelas de prevalência de valor visando o organismo e a máquina humana. Lutam os homens pelo acesso ao supérfluo e aos processos de ostentação.

Na ordem de valôres a nossa cultura tem colocado em lugar precário as aquisições do espírito. A sociedade dispensa uma falsa atenção a atividades inautênticas que se revestem de colaboração positiva de «promoção» de situações e condições materiais mais avançadas. Vemos obras históricas serem avaliadas nos museus em moeda corrente, mesmo aquelas de simples usos pessoais de grandes vultos. Aquêle grande valor não conversível, não palpável, não passível de transformação em bens sensoriais, é classificado em plano inferior. O que defendemos para o homem superior é a convicção consciente despida de injunções e influências subalternas. A isto chamamos «personalidade», estágio superior de valorização indispensável a uma evolução cultural determinada e determinante para a integração do valor humano. Justamente neste ponto está nosso ciclo de progresso humano falhando desastradamente.

Vamos encontrar na disputa de Platão e Aristóteles, há 2.300 anos, a causa predominante dos rumos deformados da atividade do gênero humano na construção de uma verdadeira Civilização. Dando maior importância ao estudo do «homem» demonstrava Platão a necessidade de englobar a mente e o pensamento nas pesquisas e análises. Aristóteles propugnava e dizia que os «homens» por nascerem, sentirem, sofrerem e morrerem deveriam merecer a maior atenção. Descambou o mundo, e justamente as Nações líderes do progresso universal de hoje, para a trilha da filosofia sensorial, aguçando os fatôres negativos do organismo humano como o egoísmo, ambição exagerada, amor aos prazeres instintivos e o estímulo à inveja. Seguissem o outro caminho e seria utilizada a Cultura no benefício do «homem» e não para satisfação de alguns «homens». Todos lastimam que a máquina caminhou adiante de uma mente humana e Razão incapazes de controlá-la. Razão e mente humanas capazes de controlá-la, discipliná-la, enca­minhá-la e destiná-la ao bem comum, como fundamental à Civili­zação. Vemos, pois, que os Grupos humanos divergem e utilizam a máquina para resguardar, não as conquistas espirituais e morais, mas as satisfações instintivas, secundárias e degeneradas. Outra fôsse a conduta e as satisfações mínimas da natureza humana seriam prontamente preservadas como fundamento mesmo da evolução cultural. Nenhum progresso, nenhuma cultura, nenhuma pretensa Civilização poderá jatar-se de ter completado uma obra satisfatória quando algum representante do gênero humano se debate na luta pela conservação da vida e da geração, como fator prevalente de valor individual.

A confusão, que se estabeleceu na luta dos dois grandes filósofos, resultou na deformação da semântica filosófica do «Obje­tivo» e do «Subjetivo». Eis a premissa básica dos procedimentos humanos que falsamente denomina Cultura a uma integração parcial de valôres, a uma satisfação instintiva primária e a uma abstenção dos atributos contidos na personalidade. Os grandes homens de hoje deixam perceber a mediocridade quando disputam em atos e manifestações os favores exteriores em benefício de seu individua­lismo. Tudo hoje é promoção individual e despista-se um Líder pela facilidade e certeza com que sabe definir, não as próprias idéias e o próprio pensamento, mas a idéia e o pensamento coletivo, inorgânico, infiel, flexível, maleável e transitório. Não é o Líder que transmite e, sim, o que define o que a platéia quer pensar. Êle que teria responsabilidade de guiar e orientar, pensa e age na satisfação individual de ampliar o seu prestígio social, político e econômico. Cuida apenas de «promoção». Os meios de informações estão todos comprometidos, não com correntes autênticas e personalísticas de pensamentos, e, sim, com opiniões e interêsses de grupos e facções, dogmas científicos e religiosos, sempre endereçados à conquista de posições e situações.

A atual Civilização, seguindo Aristóteles no particular da disputa mencionada, relegou a plano secundário o problema humano, atendo-se apenas a atividades de «sujeito» quando considerava «objetivas», não o sentido da verdade real e autêntica, que é a idéia de esfôrço no sentido da valorização de gênero humano. Renouvier, na reformulação de princípios filosóficos, conceitua como «objetivo» apenas a idéia que é o que se oferece como objetivo representado na consciência. Na mesma corrente se colocam Bergson, Parodi, Paul Dupont (§). O trabalho, a pesquisa científica, a atividade e o esfôrço muscular constituem ações «subjetivas», porque o «objetivo» é a idéia e esta deveria ser a elevação cada vez mais da dignidade humana. A única coisa «real e objetiva» é exatamente a idéia e o pensamento voltados decididamente para a difusão e acesso aos bens e vantagens da cultura do maior número. Assim descreve Bucken o seu interêsse em reformular princípios da Filosofia (§§) Em linguagem acessível na atividade do sujeito, diríamos que o comerciante deveria ter no preâmbulo de suas atividades «subje­tivas», a idéia de distribuir o melhor e em maior volume e condições favoráveis as suas mercadorias, tendo uma finalidade subjetiva de ganhar dinheiro. A isto chamariam a Ética profissional. Contudo, pouca gente utiliza a ética nas suas relações sociais, se bem que clamem constantemente em seu nome.

A falta de conhecimento do homem, se bem que se alardeie as vantagens e a necessidade de humanismo, coloca a humanidade à mercê das técnicas e especializações científicas, visando a filosofia sensorial, a ponto de os povos se verem na fase de suas reivindicações sociais e humanizantes, sem líderes autênticos que os guie. Deu o alarma Ortega Y Gasset, tanto na sua correspondência aos jornais de Paris, em 1938, como da publicação de seu livro «Rebelião das Massas». O técnico de alto nível e o cientista são situados hoje em igualdade de condições no que respeita ao conhecimento dos problemas humanos. Assim, os atri­butos de personalidade que deveriam caber às elites, Chefes e Políticos, vêm encontrá-los como atôres na luta de competição no que se refere a «promoção de prestígio e conquista de bens». Êles, que deveriam incutir a determinação de difundir e dar acesso da cultura a um maior número, procuram justamente juntar nas próprias mãos, para seu gôzo e satisfação, as benesses cujas origens e fundamentos foram entregues ao homem. Reportando-nos aos inte­rêsses de um grupo social, no seu esfôrço e decisão de evoluir e progredir, é necessário e imperativo que caiba ao maior número possível os benefícios de desenvolvimento e da evolução, dentro da justiça de outorgar a mesma oportunidade a todos. Conseguido êste resultado, caminharíamos progressivamente, no sistema conven­cional de viver e na implantação de uma mística indispensável a uma coletividade que se sujeite a sacrifícios e penas na esperança de situações e condições melhores.

 

FUNDAMENTOS E FATORES

A deficiente garantia da Segurança de Grupos sociais para resguardar e defender a própria Cultura, decorre justamente de não terem sido aplicados os recursos e valôres incorporados para o «objetivo» de dar acesso e propiciar condições indispensáveis e recursos espirituais e materiais de valorização do homem a um maior número, contínua e progressivamente. Assim, alguma parte do esfôrço e dos valôres mencionados são destinados ociosamente a construir máquinas de destruição do próprio homem. Contudo, tal procedimento, tem em vista o caminho percorrido dentro de uma falsa filosofia de vida, enaltecendo e dispensando atenções maiores aos assuntos de matéria do que da parte realmente nobre da natureza humana: Razão e Espírito. Seguisse a Humanidade outros rumos na perseguição decidida de divulgar o mais possível as vantagens da Cultura, não haveria porque desviar uma parte do esfôrço e dos valôres visando defender grupos sociais em uso e gôzo de parte dos bens ao alcance e do direito de todos.

O Ciclo presente da Humanidade nos induz como alternativa a identificar grupos antagônicos, havendo a necessidade, ao ponto histórico que focalizamos, de jogar com o esfôrço conjugado e coletivo para defender as conquistas adquiridas. Preparamos os homens do grupo social para a hipótese de estar em perigo o acervo cultural já incorporado. Quando acenamos com o amor à Pátria estamos induzindo e sugerindo o esfôrço coletivo tendo em vista tal finalidade. Aliás, a constituição humana é calcada nas contradi­ções e lutas. A própria vida resulta de antagonismos e desequilíbrios sustentadores da evolução biológica. Não poderia, portanto, esta semente enraizada de antagonismos e lutas ser combatida ou alterada por transformações e modificações sociais decorrentes da luta do homem contra a natureza para construir seu progresso e sua civilização. As maiores deformações, hoje assim consideradas acêrca do procedimento dos homens, têm trazido inestimáveis valôres positivos para o homem. A era econômica liberal produziu extraor­dinários frutos para o gênero humano. Baseava em uma aparente injustiça social a sua atividade, dado que disputava com proporções vantajosas a posse da riqueza. Não é por outro modo que a filosofia pode identificar o bem através da existência do mal. Só pode haver melhoria e evolução tendo em foco sempre a insatisfação. Esta gera ambição, difícil de ser controlada ou disciplinada. O egoísmo é parte integrante da natureza humana. Até que ponto poderemos sofreá-lo em um sentido educacional não o sabemos. Uma coisa precisa ficar bem esclarecida. A correção dos fatôres negativos de qualificação individual e da coletiva se impõe pela necessidade precípua de um estado hígido o mais satisfatório possível. O instinto, característica fundamental do gênero humano, tem na sua disposição e socialização a tarefa mais importante da Edu­cação. A Razão, fruto da constituição biológica, é atributo deter­minante da ação educacional. Se bem que todos os homens sejam racionais, nem todos apresentam a mesma capacitação mental, onde um conjunto de condições localiza o indivíduo em sua posição social e sobretudo na sua atuação no grupo. O assunto é tão controvertido e discutível que os gênios que tantas e importantes contribuições trouxeram à Humanidade, pela exacerbação de setores de qualificação mental, apresentavam no exame total e global con­dições vizinhas daquelas insociáveis. Grandes vultos do passado eram caracterizados por extravagâncias, palavra modesta para significar autênticas marginalidades sociais.

Assim, pois, no desejo de valorizar o homem, precisamos de qualificação mínima de possibilidades orgânicas da formação da Razão. Esta é que facilita a adaptação do ente humano ao meio social em causa nos primeiros contatos e nas primeiras tentativas. Seguem-se as ações orientadas no sentido da experiência, a partir dos meios suficientes de informar-se com que adquire a situação de cidadão, onde passa a compreender os deveres, já uma forma de coação convencionalmente consentida. A má formação da Razão torna esta fase excepcionalmente difícil. Concluimos assim que o cuidado na geração, a formação e a constituição orgânica, são fatôres primários, primordiais e fundamentais da valorização humana.

Não se pode, pois, conseguir os melhores e maiores resultados das ações, táticas e planos destinados a qualificação necessária e indispensável do homem para a evolução cultural do grupo, sem que se possa dispor de condições biológicas favoráveis. Contudo, na formação da família, os elementos geradores, que ultrapassaram bem ou mal o limiar da Razão, precisam colaborar e consentir na assistência a que não estejam suficientemente habilitados. Resulta disso que difìcilmente poderemos estabelecer hierarquia entre a Saúde e a Educação, devendo os dois processos assistenciais estarem profundamente solidarizados e entrosados.

Não poderemos falar em desenvolvimento e evolução sem que dos mesmos participe o homem na posse dos requisitos suficientes de cultura, consubstanciados na qualificação global. Se a mão manipula a máquina, a sua função é guiada pelo cérebro e por êste estabelecidos os requisitos necessários aos deveres e à iniciativa indispensável para compreender os direitos. Em se outorgando a mesma oportunidade, satisfazendo certas mínimas sensações instin­tivas, atendidos certos requisitos sentimentais naturais, resguardadas a segurança familiar e pessoal nos imprevistos e acontecimentos, só poderemos conceber um cérebro disposto a atender, dentro da Razão e da determinação, ao cumprimento do Dever de produzir.

A taxa demográfica inquietante, que atinge o mundo e especial­meite o Brasil, exige que cada homem produzindo terá que fazê-lo para muitos outros homens e para aperfeiçoar e adquirir outros instrumentos e máquinas de produção. Para tal objetividade a educação média facilita no sentido horizontal como conseguir melhores e maiores resultados das máquinas e dos instrumentos. Cada indivíduo necessita produzir cada vez mais e sòmente a produtividade permitirá sobras favoráveis para atender a fatôres e valorização de outros sêres e a compra e aperfeiçoamento de outras máquinas.

Fazendo mira no «objetivo» de distribuir ao maior número uma quantidade sempre crescente de bens de uso e de consumo, propi­ciando as vantagens e prerrogativas da Cultura ao maior número, sòmente a Escola poderá fazê-lo pela Ciência, Técnica e Organi­zação, conjugação que pode prover e prever, e, portanto, planejar, quando serão aproveitados no máximo os recursos disponíveis. É o único caminho a seguir na luta para o desenvolvimento. Três novas ciências trouxeram inestimáveis subsídios para avaliação e exame de situação das condições humanas, como que um diagnóstico aproximado das deformações, distorções e atitudes a serem corrigidas, sempre visando a qualificação humana. Muito diferente se torna o indivíduo do cidadão. Contudo, quanto mais qualificada fôr o primeiro tanto melhores condições êle apresentará para integrar-se no papel do segundo e cumprir obrigações tendentes a evoluir e aperfeiçoar a convivência no grupo e fora dêle. Assim, a Biologia, a Sociologia e a Psicologia foram as aquisições mais importantes, embora ainda recentes e com deficientes delimitações e disciplina. Com estas adquiriram novos rumos a faina de reestruturar melhores fórmulas de vida social e de procedimentos frente ao interêsse do homem. A Matemática, pela Estatística completou o quadro que enriqueceu sobremodo a economia política, ciência e arte de propiciar bens e melhores condições de vida a um maior número, utilizando os mesmos recursos. Assim, duas categorias importantes do conhe­cimento e de experiência vieram facilitar a tarefa de atender ao objetivo de qualificar o indivíduo. A primeira, pelas ciências ci­tadas para avaliação prevalente das qualidades do homem e do ci­dadão e a etiologia dos procedimentos, com o tratamento conve­niente. A outra é a Economia Política, ciência e Arte de Estadista, disciplinando e organizando a criação de riqueza para o bem cole­tivo. A Estatística veio colaborar intensamente com ela resguar­dando o sentido da média, realmente o melhor critério encontrado para a ação da Cibernética. Com Payol, Taylor, Wallace Clarck conseguiu o aproveitamento pela racionalização de recursos. Analisando-se, contudo, os meios e os fins da produção caminharemos muito além, pois que teremos que sublimar o homem, levando-o a uma integração consciente de si mesmo. Lembraremos, porém, que as diversas técnicas procuram melhorar a vida dos homens, valorizá-la, aperfeiçoá-la com a medicina, a engenharia, a política e o direito. Ora, seria considerado parceladamente como animal, ora como consumidor ou criador de riquezas, ora como fração social e cidadão responsável. Advertimos, contudo, que a Educa­ção deverá fazer muito mais. Reúne tudo aquilo para engrandecer o homem. Integrando na fase da Razão e investido dos deveres e direitos de cidadão, o homem exaltará êle próprio os atributos do espírito, das idéias e do pensamento como o ápice sublime da valo­rização humana. Eis porque na política de desenvolvimento e evo­lução a tarefa continuará sempre tendendo a absorver profunda­mente e sempre os claros vastos e desconhecidos do pensamento para atingir à perfeição espiritual e ao refinamento moral como satisfação última e acabada.

Sem tal condição de insatisfação, nenhuma categoria de valori­zação conterá englobados todos os recursos potenciais, e justamente os mais sublimes de gênero humano. Sendo, pois, a vida, a síntese perfeita da matéria, todos os grandes homens do passado dela se desfizeram pela vitória de espírito, das idéias e do pensamento. A êste resultado chegaremos nas etapas sucessivas, desde a condição primária, individual e instintiva, passando pela compreensão e pelo raciocínio, a um campo infindável e amplo, qual seja o aperfeiçoa­mento do espírito, refinamento do pensamento, originalidade das idéias e novos caminhos a serem percorridos, perseguindo sempre a Verdade.

Não será possível entender valorização humana sem conseguir integrar eficientemente a família como célula social na dinâmica do processo. Assim, serão consideradas as seguintes categorias do estágio do homem para congregar ações e atenções ligadas ao imperativo de valorização global:

a) o indivíduo — valorização prevalente, instinto

b) a família — instinto e sentimento, conformação social

c) o cidadão — moral e civismo. Direitos e deveres

d) a personalidade — Chefia e Liderança — Educação e Exemplo. Ética.

O indivíduo nunca será complementado na sua formação sem que possua um elo sentimental passível de incentivá-lo em sublimar a inclinação instintiva. Compete à Sociedade atender ao gênero humano na idade da formação, nas necessidades físicas, morais e sentimentais que não estejam à sua disposição. Consideramos uma fase e um período mais ou menos longe de responsabilidade. A capacitação mental limita e disciplina a responsabilidade social, tornando-a, contudo, desobrigada, no que se refere ao sentimento, quando a Razão demonstre aquisições de atributos suficientes de quando para exigir direitos a vista de cumprimento dos deveres. Aumenta muito a tarefa da sociedade, dificultando por outro modo a sua atuação, o atendimento deficiente do indivíduo nas suas sensações instintivas de famílias e de grupo. Mais tarde na formação do cidadão e da personalidade, maiores ou menores dificuldades correrão da ação eficiente nas fases anteriores. Compete à Socie­dade resguardar-se dos males sociais com maior ou menor intensi­dade, conforme o estágio de sua evolução cultural.

O conhecimento histórico só tem permitido a consciência das Civilizações pregressas a um limite máximo de oito mil anos. A sua autenticidade, porém, tem sido sacrificada pelos interêsses políticos no ponto histórico considerado, distorcendo, e renovando elementos que poderiam dar uma transmissão mais real das culturas passadas. Os dogmatismos religiosos, sobretudo, muito alteraram a filosofia da história, quando transplantada para as gerações que se seguiram. A Arqueologia tem retificado profundamente alguns fatos, atitudes e procedimentos falsamente estabelecidos como verdadeiros. Con­tudo, os fundamentos básicos do progresso e da atual Civilização, em suas origens mais primárias, estão firmados na descoberta da roda e na disciplinação genética do cavalo. Contrariando Malraux, achamos que as Civilizações não se extinguem completamente, alguma coisa resta de continuidade e perpetuidade do processo cultural essencial. O que podemos afirmar é que, apesar de tudo, o homem se aperfeiçoa.

Advertimos, porém, que o progresso atual, que denominamos Civilização, ainda permite que sòmente e aproximadamente 20% dos homens tenham acesso aos bens comuns provindos do Potencial Natural que lhes foi confiado. Cêrca de 75% ainda não conse­guiram o acesso a uma conquista mínima de bens que os classifiquem na qualidade de gênero humano vivendo na atual Civilização. É bem verdade que as Ciências destinadas ao estudo do Homem sejam de evolução recente, algumas mesmo ainda não disciplinadas nas suas limitações e responsabilidades. A Matemática, que era culti­vada para glória de alguns homens, tornou-se hoje matéria desti­nada ao bem comum. A Biologia, revelando os segredos, as reações e evolução orgânicos, trouxe subsídios essenciais para reajustar fa­tôres prevalentes da valorização humana. A sua coordenada espe­cífica, a Psicologia, mostra os segrêdos da mente, na sua análise isolada e na acomodação cívica. Enfim, a Sociologia amplia o campo, dando a visão global e total, somando reações particulares e concluindo das resultantes gerais. A conjugação de tudo concorre para capacitar o líder autêntico e equacionar sua linha de ação objetivando a coletividade, organizando o conjunto, capacitando o particular e aparelhando o cérebro para ação muscular. É a Cibernética. Por outro lado, a ciência e a técnica de comunicação forçam a entrega mais autêntica do Real Poder Político nas mãos do povo, levando êste a impor a satisfação de suas mínimas ne­cessidades e a bater-se pela qualificação cívica.

Acreditamos que na revolução social atual Spencer não seria levado a comparar a história das Nações com aquela dos homens. Uma irmandade universal, tendendo ao interêsse humano, não desfaleceria. Spengler não diria que os povos «não se extinguem fìsicamente, mas sobrevivem despojados de substâncias» São troncos retos na floresta, continuou êle, secos e sem seiva que por séculos e séculos aí permanecem, elevando para os céus os galhos mortos. Hoje vemos a recuperação da Índia, da China e mesmo do Egito, referências contidas nas frases chocantes.

Assim, se cada grupo profissional ou social cumprir as deter­minações éticas da semântica filosófica do «objetivo», disciplinando e explorando bem as qualidades negativas individuais, como o egoísmo e a ambição — não teremos dúvida em afirmar que estará assegurado ao progresso atual o destino de construir uma autêntica Civilização.

 

QUALIFICAÇÃO HUMANA FRENTE À SEGURANÇA NACIONAL

Enquanto a Civilização evoluída e aperfeiçoada não congregar os povos e as Nações dentro dos princípios de justiça social em uma irmandade universal, cada grupo social terá que ter sempre viva a alternativa de defender os valôres adquiridos e o direito de acrescentar outros valôres para uso e gôzo de seus cidadãos. Decorre disso, no ponto histórico por que passamos na Humanidade, a obrigação mesma que atingir ao cidadão do grupo de utilizar os valôres adquiridos ou imanentes no benefício comum. O Grupo Humano poderá reclamar e lutar pelo potencial disponível e não aproveitado com os meios conhecidos, em seu benefício. Com tal raciocínio não existe Defesa Nacional possível de contrapor-se com sucesso a reivindicações instintivas classificadas no campo individual das necessidades. Sòmente a Segurança Nacional, que é o esfôrço do grupo social em aproveitar o Potencial Natural que lhe coube, inicialmente, em conseguir evolução e desenvolvimento em tempo útil, amplia o campo de formação cívica e atendendo nas proporções devidos a suas obrigações, a valorização do Homem. Para atender ao sentido de maior aproveitamento do Potencial há que conjugar Homem e Meio.

A maior aspiração de uma Nação é possuir terras, em amplitude e qualidade que permita conter riquezas e Potencial para que sua população encontre meios primários e instintivos inerentes a fatôres prevalentes de valorização. Quando existe a Terra, torna-se a Nação um País. Contudo, na convivência da irmandade universal, convencionando regras e conciliando interêsses, atendendo a deveres e gozando privilégios, haverá o imperativo de disciplinar o Direito, tanto o dos indivíduos como aquêle das coletividades, tornando-se a sociedade capaz de sintetizar no Estado o cumprimento de tais atribuições que culminam com a Soberania. Não basta, contudo, que possua terra e população; tem obrigação humana de fazer evoluir a Cultura e ajudar a construir a Civilização histórica. A Cultura está sujeita a trocas, intercâmbio, intromissão ou transmissão, com que procurará erguer o prestígio universal acenando com a fôrça moral de ter atendido tanto aos interêsses instintivos mínimos de seus indivíduos como ter elevado mesmo o seu esfôrço de valorização a integrar a uma população de cidadãos. Hoje, pelo aperfeiçoamento da técnica de comunicações, o mundo inteiro nos observa, nos analisa e muitas vêzes critica. A intromissão de cultura, que era antigamente caso isolado e efetivo pela ação, atua hoje pela propa­ganda de idéias e de pensamento resultando em perigosas reações e a atitude sociais e políticas. O imenso Potencial Brasileiro exige a determinação de seus habitantes para estabelecer uma mística decisiva pela difusão cultural. Torna-se imperativo da Segurança Nacional a qualificação humana, dado que a Ciência, a Técnica e a Organização sintetizam o Planejamento. Êste procura prover e prever a utilização dos meios e recursos disponíveis, conseguindo o seu máximo aproveitamento. É tal o recurso hoje existente que a idéia de que as necessidades progridem em ordem geométrica e os meios em ordem aritmética se tornou inteiramente falsa. Pois bem, a conceituação exata de Segurança Nacional é justamente obter as melhores informações das condições e situações existentes, congre­gar os recursos e meios visando, dentro da melhor previsão e provisão, a conquista de novos meios e novos recursos, sempre acima das necessidades coletivas, obtendo novos valôres que cons­tantemente avaliados encarnam o Poder Nacional. A demografia, que é fundamento dêste, está contudo subordinada a uma série de fatôres qualificativos. Alguns ligados ao indivíduo, outros ao sistema de viver, alguns à forma de estrutura social, e muitos a questão básica de aspirações e objetivos comuns que ditam a política, conseqüência muitas vêzes da tradição de caráter. Têm assim importância quanto à população: o volume, a densidade, a distribuição, a estrutura social, a fôrça de trabalho e a qualificação global onde se firmam questões básicas na unidade de pensamento, na preservação da cultura, nas aspirações a serem perseguidas e nos objetivos a serem alcançados.

 

POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO HUMANA PARA O BRASIL

 

Equacionamento para o Conceito de Valorização

Dentro das idéias expostas poderemos verificar que o Potencial humano brasileiro ao invés de constituir uma fonte de Poder Nacional está gradativamente se tornando um fator negativo do mesmo. Logo, no sentido de prioridade, colocaremos a satisfação dos mais primários requisitos de valorização prevalente como aquela que deverá despertar a atenção no que respeita aos interêsses da Segurança Nacional. Os meios e recursos existem, dispersos, pulverizados e ociosos, atendendo a uma parcela pequena de suas possibilidades. Em um regime ideal de viver qual seja a convenção de liberdade, deveria ser estabelecida a contrapartida de investir em ordem progressiva e percentual uma parte dos valôres conquis­tados anualmente, visando a valorização individual. Por outro lado a falha de racionalização no aproveitamento dos recursos naturais nos levará a resultados imprevisíveis. Já Gifford Pichot em sua obra «Better living through wise use for resources» disse:

«Uma Nação privada da liberdade pode adquiri-la; uma Nação dividida pode unificar-se, mas uma Nação cujos recursos foram destruídos pagará inevitàvelmente com a pobreza, a degradação e a decadência».

O trato racional da terra, o combate ao esgotamento da terra por métodos técnicos, a educação do agricultor e suas dificuldades econômicas-financeiras, a ingerência político-partidária nociva na Política agropecuária e a desordem administrativa — são pontos a serem atendidos com a maior urgência. Havendo possibilidades potenciais para atendimento das necessidades primárias, ainda na formação individual, sobretudo no campo de atividades onde aliaríamos uma parte essencial de Saúde, qual seja a nutrição, as lides agropecuárias são, outrossim, um setor econômico de especial interêsse. Nelas encontramos 51% da população ativa do país, quase totalmente necessitada dos fatôres primários de valorização humana. A fôrça de trabalho, resultando em parca produtividade por má qualificação profissional, alia-se a atividade nociva destruin­do os recursos naturais ou tornando mais restrita a sua vitalidade. O esfôrço conjugado atendendo a Saúde e a Educação, redundaria em melhores valôres econômicos libertando, outrossim, os braços mais qualificados para as atividades secundárias. Tendo uma enor­me superfície de terras agricultáveis, acumulamos com a pior distri­buição cêrca de 36% da população em uma área de 656.241 Km2, numa faixa marítima de aproximadamente 100 quilômetros. Com tal excesso de terras, arcamos com o grave problema de minifúndio social e funcional em cêrca de 50% das terras trabalhadas. Decorre logo o raciocínio de iniciarmos colonizações bem dirigidas dissemi­nando núcleos populacionais bem assistidos que seriam sementes hígidas de futuros centros administrativos. Não basta, sendo até nociva, a simples localização física do agricultor.

As Colonizações teriam os requisitos mínimos exigidos para a vida do grupo social em causa, tendendo a ascender o nível de qualificação do indivíduo a cidadão. A energia elétrica doméstica e a canalização de água, possibilitando ao núcleo servir-se dos meios modernos de comunicações e de melhorar a produtividade e aprovei­tamento dos produtos primários, são exigências indispensáveis na formação de núcleo populacional. Atendendo a requisitos atinentes ao instinto e a informações, atenderíamos convencionar a concor­dância com os demais fatôres de valorização condizentes com o aperfeiçoamento do espírito, elevação dos padrões morais e a utilização favorável da liberdade. Êste certo grau de independência econômica refletiria na graça, segundo Santo Agostinho, de escolher bem os homens de liderança. Ressaltamos mais uma vez o impe­rativo de associar Saúde e Educação. Em uma fase ainda incipiente de recursos energéticos bem difundidos, necessitamos de maior fôrça calórica e de melhores condições de esfôrço muscular. Já George Wythe em seu livro «Brasil, Expanding Economy» disse:

«A Saúde é indubitàvelmente um dos maiores proble­mas do Brasil de hoje, sendo que em nenhum outro terreno podem tão grandes lucros ser obtidos com investimentos relativamente tão pequenos».

Eis porque advogamos que o regime democrático trate cuida­dosamente de disciplinar quotas percentuais orçamentárias que completem a distribuição de Renda até atingir realmente a 5,5% para a Educação Escolar (incluindo Ciência e Técnica) e um mínimo de 3,5% para o setor Saúde. Os investimentos assistenciais no setor agropecuário, se bem que com características assistenciais, torna-se um investimento de prazo muito mais curto, também com vantagens econômicas imediatas.

Anualmente as estatísticas nos mostrarão os rumos a seguir no que respeita a adaptar os fins aos meios. Nas três faixas de atividades sociais: primária, secundária e terciária, estará a análise indispensável ao estudo dos resultados. Diminuindo em proporções favoráveis a atividade primária, aumentando sensìvelmente a secun­dária e havendo substancial aumento da terceira, estaremos cami­nhando corretos na linha que nos conduzirá a grandes destinos como povo e como Nação.

Ao dizermos que a população mundial em cêrca de 75% encontra-se à margem dos requisitos mínimos de valorização do gênero humano, poderemos situar nosso país na faixa de 60%. Menos de 25% de brasileiros estão aptos a cumprir as obrigações de cidadania tal como a República de Atenas sob a direção de Péricles, há mais de dois mil anos:

Nas atuais condições de desenvolvimento os orçamentos públi­cos deverão investir 17,7% com a Educação Escolar e 8% com a Saúde. Esta, no que respeita à Higiene Pública, seria de total responsabilidade do Estado Federal deixando a Assistência médica em geral para a sociedade através de colaborações cooperativistas, propiciando-se padrão igual de medicina para todos e conseguindo de cada qual colaborações diferentes de acôrdo com as próprias possibilidades. Tal conduta é seguida nas democracias mais evoluídas de nosso tempo.

Na Segurança Social é preciso dar aos Institutos a sua verdadeira e real finalidade de atender a necessidades perenes do homem. A doença é uma incidência e deverá estar sob a respon­sabilidade mista privada e oficial, sob forma de seguro ou de cooperativismo. O Instituto tem que atender precìpuamente as aposentadorias, pensões, seguros, acidentes de trabalho e a residên­cia higiênica. Como suplementação, sobretudo a melhoria social de instalações já existentes, atenderia à assistência médica, em geral.

Êrro grave de estrutura existe na Assistência Social no Brasil. Não será possível continuar sem um processo de unificação da Assistência Médica, organizando-se a Coordenada Hospitalar, onde seriam estabelecidas e disciplinadas as competências de cada unidade. Cada Hospital-Base consciente de sua responsabilidade e atribuições, estendendo-se o mesmo para os Hospitais Distritais, Rural e Postos de Saúde. A discriminação de dependência adminis­trativa, classes municipais, estaduais e federais, fere profundamente os preceitos universais do aproveitamento racional dos recursos assistenciais, cuja fonte é social e única. Os Organismos de Coordenação não tiram à unidade a sua independência, apenas re­gulam competência e atribuições. Temos como certo que, aproximadamente, 70% das verbas assistenciais no Brasil consti­tuem investimentos ociosos. O Estado da Guanabara tem cêrca de 11 leitos hospitalares por mil habitantes, um dos índices mais elevados do mundo. Um índice de 4,5 é bastante razoável, tal como se observa nos E.U.A. Pois bem, o Estado citado tem uma péssima assistência médico-hospitalar, planejando sempre a construção de novos leitos. Existe no país cêrca de 25 mil leitos hospitalares sem funcionar e inaugurados, em um total aproximado de 164 mil. Reclama-se sempre pela construção de mais hospitais. Funciona a promoção individual e demagógica servindo de ban­deira à Saúde. Tal atitude atingiu os institutos, entregue a ativi­dades político-partidárias até há pouco. Nenhuma contribuição fixa será capaz de dar um padrão razoável de assistência médica. Eis porque os Institutos não podem cumprir as finalidades precípuas para que foram criados.

Sem atender a requisitos prevalentes de valorização primária e instintiva, não poderemos tornar aceitáveis nem compreensíveis atributos essenciais e globais, de valor humano, tal como um padrão mínimo de moral cabível nas leis, e muito menos ensaiar os líderes em tal campo de desordem social e aventura quanto aos requisitos estabelecidos, pela Ética e pela Técnica que os capacitariam para a Liderança autêntica.

A autoridade, responsável pela formação do Estado Demo­crático, tem que reformular programas e planos de recuperação administrativa que a torne hábil para incutir a mística da liberdade. Não poderemos encaminhar o indivíduo na senda do civismo e da personalidade sem prepará-lo no seu primarismo, habilitando-o a compreender que é muito melhor viver gozando os atributos espiri­tuais, convencionando regras morais, adquirindo princípios que sublimam a Política e a Ética, assegurando o bem-estar, enaltecendo a virtude, divinizando a continuidade da espécie, garantindo a evolução criadora e convencionando a justiça de cada qual ter e fazer o que lhe compete — Síntese da Educação.

Atendidos os interêsses individuais relativos a fatôres primários de valorização, estará o homem preparado para aceitar as conven­ções sociais decorrentes da fase cívica e encarnadas no cidadão.

Na sua integração de valôres da pessoa humana, é o cidadão levado a conceituar o Estado como Instituição formada para servi-lo. O regime totalitário arvora-se no protetor de indivíduo.

Um Estado representa sempre um Poder coercitivo. Pro­curando, contudo, educar intensamente e com amplitude, mantendo-­se fiel aos preceitos de justiça social, verá automàticarnente dimi­nuído seu papel coator dado que os cidadãos não se utilizam total­mente de suas prerrogativas de liberdade. O resultado final será sempre o sistema convencional de vida política — o sistema de­mocrático.

Com o progresso da técnica de comunicações existente no mundo de hoje houve um surto de intromissão cultural violenta levando aos povos a consciência preponderante de seus direitos. Os valôres imanentes da natureza constituem mais que nunca o objeto de reivindicações visando a posse de fatôres primários e instintivos de valorização do gênero humano.

As condições e a conjuntura brasileiras de evolução e de desenvolvimento, em seu estágio de potencial natural de riquezas acessíveis e inexplorados, obrigam a atenções especiais e decididas para resguardá-las, preservá-las e aproveitá-las demonstrando capacidade e determinação.

As ações de valorização humana — qualificando nas necessi­dades individuais, atendendo a prerrogativas cívicas e dignificando na personalidade, — plasmarão os ideais de liberdade sem licen­ciosidade, unificarão o pensamento na Segurança Nacional, aumen­tarão os valôres de Poder e imporão os direitos de Soberania.

Em qualquer tempo será ultrapassada a fase de Segurança Nacional quando na luta pela valorização humana chegarmos ao acesso da Cultura ao maior volume da população do planêta. Em tal etapa, já a Ética, que é o Respeito à Vida, estará incorporada ao acervo global de valorização Humana dos Chefes e Líderes. Poderá haver a transmutação em Segurança da Terra se a tanto nos conduzir a Ciência no seu esfôrço à procura da Verdade Universal.


 

 

AS PRESSÕES E ANTAGONISMOS NO PROCESSO DE EVOLUÇÃO SOCIAL

 

 

A DINÂMICA DO PROCESSO BRASILEIRO DE EVOLUÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA

 

A orgânica social e suas contradições

São naturais e necessárias as pressões e antagonismos no processo de evolução social, dado que elas se fazem sentir por meio de grupos mais ou menos organizados que provocam por suas satisfações a reação de outros grupos, estabelecendo-se uma dinâ­mica sincrética de reajustamento sempre constante e progressiva. Eis por que, na análise dos grupos, se tornam indispensáveis as identificações, as caracterizações e as definições para disciplinar, controlar, fiscalizar e dosar as ações, para que no reajustamento não seja desencadeado um processo anormal, destorcido e «per­verso» frente ao sentido doutrinário da política de evolução e de desenvolvimento.

A determinante do reajustamento é positiva e pacífica, depen­dendo o seu desfecho favorável dos métodos de como ela se faz. Em verdade, os sistemas sociais criados para atender ao processo social de evolução e de desenvolvimento seguem linhas mais rígidas, guardando uma distância conveniente entre as reivindicações e a satisfação. É muito natural que isto aconteça, pois que a serenidade, o senso, o equilíbrio, a segurança e a técnica são atitudes e procedi­mentos ìntimamente solidários com a precaução, a previsão e a provisão, sempre escassos nas cogitações de grupos interessados, coletividades e nas atitudes reivindicatórias populares.

As reivindicações populares identificam-se como pressão e antagonismos necessários ao processo de evolução social frente às fôrças sociais tradicionais. Contudo, justamente a convenção de disciplinar, coordenar, selecionar, dosar e encaminhar é que pode satisfazer nas condições precisas e exatas, em benefício da própria coletividade, a média de atendimentos que solidifique a harmonia e a satisfação, sem o conflito. O predomínio exagerado de privi­légios de grupos, ao invés de provocar uma pressão contrária conveniente, pode descambar para a violência e o conflito, sempre desfavoráveis a todos. Tal predominância, pode, inclusive, eliminar o diálogo, a polêmica, a discussão e as contradições gerando um silêncio perigoso. Êste fará suspeitar de um entrave que pode comprometer a união e a solidariedade que firmam a atitude de compromisso de todos frente ao perigo comum de destruição da própria cultura. A crítica, a discussão, a polêmica e o debate, típicos da filosofia democrática da liberdade convencional, não destroem o elo de solidariedade e compromisso de todos frente a um perigo comum. Eis por que, nos conflitos, as democracias podem sofrer as primeiras derrotas, mas estão sempre seguras da vitória final.

As reivindicações sociais poderiam ficar identificadas como uma pressão social especial. Contudo, para melhor argumentação didática as colocaremos nas Macropressões. Outra Macropressão, que na aparência seria passiva, tendo características conjunturais em cada grupo social, forma contudo um processo de fermentação internacional que poderia causar rupturas no equilíbrio político universal. É o impacto demográfico. A China, por exemplo, apresenta a característica conjuntural de tal Macropressão que poderá implicar em uma tremenda pressão internacional. A técnica de estabelecer um processo sadio de evolução e de desenvolvimento supera as possibilidades daquela Nação. Decorre disto a sua Política Internacional dando uma solução violenta às contendas internacionais. Transforma, assim, a sua Pressão em uma Utopia, quando julga necessário o enfraquecimento de todos para valorizar seu Poder Nacional. No momento tornou-se tão grave o seu problema que teve de arrefecer a sua ação de «guerra fria» para desencadear um conflito mundial. Configura-se o quadro referente àquela Nação a uma reivindicação grupal e não reivindicação popular. Sòmente os esforços conjugados de tôdas as nações poderão corrigir a situação demográfica da China Continental, aumentando progressivamente em gravidade. Tal Pressão colocada no plano universal pode afetar particularmente nosso país, com suas imensas áreas despovoadas. Quando se apresentar a solução em têrmos universais, poderemos não ter ocupado ainda nossos imensos «espaços vazios». O panorama político internacional ainda se apresenta indeciso, colocando-nos de sobreaviso acêrca dos rumos a serem tomados frente a uma solução média harmoniosa que reajuste a tensão universal. Dois grandes campos econômicos disputam a preeminência Política visando manter e expandir as próprias economias. Um, do Ocidente, reformulando sua filosofia democrática de vida e fazendo-a ultrapassar as fronteiras geográ­ficas, com insistente solicitação à ideologia, antepõe-se outro que joga com um sentido místico de uma pretensa ideologia que diz seguir, procurando, pela propaganda, impingi-la como Utopia salvadora para nações em fase retardada de desenvolvimento. Uma terceira fôrça encara como desfavorável às suas aspirações e inte­rêsses a disputa entre dois campos, procurando situar-se como potência atômica e dispor da nova fonte energética de paz e de guerra. É a França. Realmente encontra-se o mundo na alternativa de duas fôrças econômicas dificultando fora delas maior flexibili­dade de ação para satisfazer reivindicações de mercados e matérias-primas. Sob o ponto de vista ideológico, dentro da dinâmica política internacional, a posição de nosso país não pode sofrer hesitação. Mesmo em se considerando uma alternativa, todos os fatôres materiais e morais nos colocam na esfera da filosofia democrática de vida, que tem como fundamento a liberdade de idéias e de pensamentos, a convenção restritiva de maioria como caminho estabelecido na lei emanada do povo.

Como estamos no século da quebra das doutrinas e das tradições, topamos com uma Utopia que prega exatamente uma sujeição totalitária do gênero humano, como fórmula de reivindi­cação profissional. Acena, pois, com a destruição da maior con­quista popular, que foi conseguida pelos maiores sacrifícios e que demorou milênios. Foram os grupos profissionais organizados, a partir do início da industrialização, em fins do século XVIII, que serviram de pontas-de-lança das reivindicações populares. Agora, porém, tal Utopia contraditória e falsa colocou-se a serviço de uma nação que aspira multiplicar por dez vêzes seu Poder Nacional para equiparar-se a um grupo ideológico que dispõe da Tecnologia. À guisa de propaganda, pretendem com tal dispositivo político solucionar os complexos problemas do subdesenvolvimento, em pleno apogeu da Tecnologia e do Planejamento. No que nos diz respeito, o plano luta para obstruir o potencial natural insuficien­ternente aproveitado e a presença de uma possante massa consu­midora em fase de crescente expansão. A utilização da Tecnologia e do Planejamento em tal conjuntura enfraqueceria sobremodo aquela política, comprometendo as suas aspirações. Dentro de nosso país existe uma minoria que equivocamente trabalha por elas, mesmo se contrapondo aos nossos próprios objetivos nacionais. Não é demais lembrar que as revoluções nunca atenderam as reivindícações populares e sempre propiciaram a mudança de mão dos privilégios sociais.

 

ENSAIO DE CLASSIFICAÇÃO DAS PRESSÕES E ANTAGONISMOS

 

A Identificação e a Caracterização

Com o avanço técnico das comunicações caminha o mundo para sua unidade cultural partindo da ginástica do pensamento e pelas idéias inovadoras e reformadoras. Assim, cada vez mais vão-se ampliando os interêsses e aspirações, agrupando sociedades variadas e heterogêneas. Quanto mais se integra no processo de civilização, mais se tornam complexos, diversificados e agigantados os problemas pessoais, tornando-se o indivíduo cada vez mais sujeito a restrições e coações ligadas ao interêsse comum. O mesmo fato é constatado no que se refere a assuntos e problemas nacionais, sempre mais entrosados dentro da dinâmica das idéias e pensamen­tos universais. Eis por que é difícil definir com segurança quando uma pressão ou antagonismo tem ou não raízes no campo político universal. Por outro lado, as características conjunturais nem sempre afinam sincrônicamente pela telecrítica que se possa arriscar dos processos, métodos e técnica das pressões na esfera estrutural. Na apreciação qualitativa e quantitativa das pressões e antagonis­mos deveremos ter sempre em mente a determinação de um reajustamento estrutural tendendo a corrigir distorções do aspecto conjuntural. Pela análise e pela crítica é preciso ressaltar as duas caracterizações, evidentemente sujeitas a se plasmarem por con­dições específicas históricas, de evolução política e de tradições. Por outro lado, em condições especiais de evolução e de desenvol­vimento, certas pressões podem passar por várias graduações conforme as modificações que se façam sentir na conjuntura, julgando-as em sua atuação, favorável, natural, desfavorável e mesmo nefasta desde que apreciada em fases diferentes de con­fronto com a dinâmica social em julgamento. No momento presente quando se observa uma violenta modificação social, torna-se difícil atender dogmàticamente a determinações doutrinárias em tôda a sua plenitude.

As fisionomias das pressões variam conforme encontram opo­sições ou dificuldades, assumindo características políticas em concomitância e em transfiguração de ação econômica, adquirindo, outrossim, simbiose com as formas ideológicas, utópicas e muitas vêzes revolucionárias.

Vimos, assim, as dificuldades da identificação, das caracteri­zações, dos intuitos ocultos pelas místicas, ideologias e utopias. Em um esfôrço de disciplinação daremos a seguir o quadro que estabelece um ensaio de identificação dos grupos de pressão.

 

IDENTIFICAÇÃO DAS PRESSÕES E ANTAGONISMOS QUE POSSAM AFETAR A CONSECUÇÃO DOS OBJETIVOS NACIONAIS

Classificação:

a) Internacionais

b) Nacionais

c) Mistos

Caracterização:

a) Estruturais

b) Conjunturais

Forma:

a) Ideológicos

b)Utópicos

c) Revolucionários

Análise e crítica:

a) Favoráveis

b) Naturais

c) Desfavoráveis

d) Nefastos

UM EXEMPLO

NACIONALISMONACIONALISMO EXTROVERTIDO

O Na­cio­na­lis­mo é uma pres­são na­cio­nal, es­tru­tu­ral, ideo­ló­gi­ca e fa­vo­rá­vel

O Na­cio­na­lis­mo ex­tro­ver­ti­do, po­lí­ti­co-par­ti­dá­rio, ina­de­qua­do, i­no­por­tu­no e vul­ga­ri­za­do é: mis­to, con­jun­tu­ral, re­vo­lu­cio­ná­rio e des­­fa­vo­rá­vel

* * *

 

AS PRESSÕES SOCIAIS E SUAS ORIGENS

 

A Política das pressões e os sistemas sociais

As pressões sociais assumiram sempre o caráter político desde que foi conseguida a diversificação dos sistemas monopolizados pelo «pater familias» na idade antiga. Estas pressões visavam à individualização dos sistemas sempre orientados para atender aspirações, interêsses e necessidades dos povos. Como as «pres­sões», que identificavam as atitudes, as ações e as manifestações decorrentes dos objetivos perseguidos, tomavam através dos tempos formas e características adequadas, iam assumindo novas fisio­nomias à medida que progredia o processo de evolução e de desenvolvimento. Contudo, os sistemas tendem sempre para o equilíbrio e para a «prudência» com que regulam as satisfações. Com tal aspecto dão um sentido de retardo frente às evoluções sociais, provocando contínua e perene solicitação para manter a linha natural de progresso. Funciona assim um mecanismo anta­gônico natural onde os sistemas fazem sempre o papel coercitivo convencional procurando equilibrar interêsses, aspirações e neces­sidades frente à ambição dos grupos. Têm, pois as pressões sociais efeitos favoráveis e desfavoráveis conforme sejam aquelas necessi­dades, interêsses e aspirações identificados com cada grupo social. Quando êste adquire um sentido amplo e uniforme, passa a consti­tuir o objetivo da nacionalidade. Eis por que poderemos descobrir pressões e antagonismos particulares, parciais e nacionais. Por outro lado, certas pressões atuando em ocasiões e oportunidades específicas podem ser ou não favoráveis aos interêsses da naciona­lidade, lançando mão, algumas vêzes, de processos disfarçados ou obscuros para atender a um segmento social em detrimento do grupo social. Os antagonismos dentro da imensa capacidade moderna da técnica de comunicações e de difusão podem tomar proporções desmedidas visando atingir a «opinião pública», e, mesmo, alterar o padrão de caráter nacional. Assim, um dos sistemas — o Estado, pelo seu mecanismo de ação, o govêrno, — precisa dispor êle mesmo das fontes reais e científicas de pesquisas. O campo do antagonismo atingiu e agigantou-se na esfera interna­cional levando as nacionalidades, em defesa de suas prerrogativas de cultura, a estabelecerem «técnicas e táticas» de propaganda política, defendendo sempre «ideologias e utopias» que satisfaçam aparentemente aquelas aspirações, interêsses e necessidades das diversas nacionalidades. Uns procuram servir-se da filosofia demo­crática que foi razoàvelmente cumprida quando a seu próprios inte­rêsses e aspirações nacionais, mas falseadas quanto ao procedimen­to com outras nacionalidades. Outros servem-se de uma «utopia» ou doutrina que nunca procuraram seguir, impressionando a uma grande parte da humanidade ainda na fase de ser satisfeita nas suas necessidades, sujeita pois a surtos violentos de reivindicações. Não teriam valor tais manobras de política internacional se ela estivesse de posse da consciência cultural apropriada e mais bem aquinhoada dos preceitos educacionais. O campo social se apresenta, assim, com requisitos favoráveis para receptividade, comprometendo o sucesso dos esforços para satisfação do grupo social atingido. Enquanto, porém, não conseguirem «uniformizar» pela fôrça e transformar em «monólogo», o diálogo, a polêmica, a discussão e a conclusão média visando ao bem coletivo, estarão arriscados a serem desmascarados e tornados marginais ao processo de evolução cultural. Torna-se, pois, de grande importância a identificação e o oportunismo de tais pressões para conseguir-se a definição favorável ao bem coletivo. Para isto, necessitamos fazer uma análise perfunctória da evolução social e das fôrças disciplinadoras que procuram racio­nalizar as pressões e os antagonismos com que se defrontará a nacionalidade para perseguir suas aspirações, atingir seus objetivos e atender a suas necessidades.

 

Algumas considerações sôbre a evolução sócio-econômica do País

Dentro do quadro universal da evolução política, representa o Brasil um aspecto nitidamente pioneiro no que respeita a con­ceituar uma Organização Institucional de progresso, de evolução e de desenvolvimento. Contraria na sua dinâmica social aspectos doutrinários seguidos por países já satisfatòriamente desenvolvidos. Desde o descobrimento, começou a ser prêsa de espoliação e de uma forma tipìcamente colonial de trabalho, quando figurava aspectos da pré-história da exploração do trabalho escravo. Já então se esboçava a «dualidade cultural» tão bem focalizada por Jacques Lambert, quatro e meio séculos após. Na ocasião, as relações culturais e econômicas na esfera internacional se faziam com uma sociedade em pleno período feudal. As riquezas daqui retiradas serviam apenas para manter a vida dos nobres privile­giados da Europa, especialmente a civilização aventureira do Mediterrâneo. Começou nosso país a participar intensamente da «revolução comercial» muito reativada e comprovada mais tarde. Muito contribuiu isso para formação em Portugal de uma classe burguesa bem mais cedo do que nos demais países europeus. Não havia qualquer sentido de formação social, nem aquisições culturais, nem tinha sentido a educação popular. Na época de estreitos interêsses do clero na vida material, sòmente se encontrava algumas erudição livresca e sujeita a dogmas religiosos, nos meios dominados pelo clero católico romano, ìntimamente entrosado com a classe dominante, nas côrtes de Espanha e Portugal. No século XVI, em foco, começou uma revolta, na França, mesmo entre elementos do clero católico, contra os desmandos e «privilégios materiais do clero». Foi justamente quando se iniciou a ampla reação que se seguiria na Alemanha com Lutero, na Suíça, com Calvino e a separação da igreja inglêsa. Foi o período da Reforma. Nas colônias o processo não demonstrava ainda sinais de qualquer modificação. Com tais prerrogativas servia o púlpito no Brasil para fazer política visando aos interêsses do grupo religioso. Não havia delineada qualquer idéia de interêsse público. Predominava o grupo econômico para aumentar seu poder e ampliar o campo de seus privilégios. A pressão político-religiosa visava apenas à exploração e, com o envio de riquezas, agradar a ambição de luxo das côrtes. Com a exploração do ouro e preciosidades naturais exacerbou-se a luta dos grupos para disputar os privilégios e as graças reais. A cupidez exagerada neste sentido despertou a reação contrária que propugnava por melhor tratamento para aquêles que extraíam as riquezas com ajuda do trabalho escravo. Formava-se uma classe burguesa no País, e, com ela, os primeiros rumôres de rebeldia. Como existiam poucos letrados que assumiam posições salientes na sociedade, passou a despertar maior interêsse, na burguesia nas­cente, a educação dos filhos varões. Por outro lado, parte do clero desprotegido também assumia atitudes rebeldes, tal como na Europa. Havia padres maçons, políticos, poetas etc. O mesmo púlpito, que servia aos intermediários e potentados das côrtes, passou a ser instrumento da «nascente burguesia», como um grupo de pressão mais organizado visando a retirar os privilégios então reinantes. A Inconfidência Mineira foi uma conjuração de padres e poetas. Ficou caracterizado o primeiro grupo de pressão política, organizado, atuando como semente da futura independência política formal. O movimento começou a criar substância quando se deslo­cou a formação dos bacharêis de Coimbra para Olinda e Recife.

A criação das Capitanias foi uma tentativa de fortalecimento da Política da Côrte para controlar e disciplinar melhor produção e riqueza. Ao mesmo tempo serviria para amparar melhor os interêsses da Metrópole contra as nações estrangeiras que viam e previam o futuro promissor do Nôvo Mundo. Portugal e Espanha não tinham, contudo, pendores para produção e industrialização e, sim, pelo comércio, que haviam herdado dos fenícios. Como, porém, tôda a política portuguêsa era inteiramente dependente da inglêsa, descurava-se, também, pela fôrça dos convênios e tratados, da técnica de produção. A burguesia brasileira era, por sua vez, dependente da Metrópole. Eis por que tôdas as transformações políticas brasileiras se seguiram sem qualquer mudança sensível na estrutura social. A falta de preparação educacional e a intensa transmissão cultural impregnavam nas elites e nos homens de govêrno um profundo senso de alienação, que persistiria até as três primeiras décadas do século XX. A falta de consciência dos problemas nacionais e deficiente capacidade de adaptação da cultura européia de nossas elites ao campo específico do processo de evolução que nos atingia, causou males que chegaram até nossos dias. A pior alienação de que fomos vítimas foi no que se refere à educação escolar. Nunca ocorreu ao homem de elite no Brasil a pergunta — com que finalidade educar o homem brasileiro? Havia um Brasil de Senhores que agiam e pensavam conforme a cultura européia e o Brasil que produzia, escondido, retraído, humilhado e envergonhado. O complexo de colônia perdurou até os fins do século XIX.

Assim, pois, desde que foi encontrada a terra de Santa Cruz, a intenção era dilatar o Reino, anexando novos domínios ao Império de Portugal. Não se tratava de plantar uma semente de país autônomo, preparando uma estrutura política e administrativa adequada. O propósito era predatório, explorador e sugador. Desde os governadores das capitanias até os vice-reinados, o objetivo era explorar sempre e perenemente como colônia a nova terra descoberta. A pressão política decorrente de tal idéia produziu efeito até nossos dias. Isto, aliás, se pode compreender dado que foi sòmente a partir da era industrial, iniciada no século XVIII, que começou a haver certa configuração social brasileira provocada pelas necessidades de matérias-primas determinadas pelo nôvo ciclo econômico que se instalava. O passo importante, que não pode deixar de ser assinalado, foi a abertura dos portos, em 1808, com a vinda de D. João VI para o Brasil. Naturalmente, continuaram as pressões contrárias ao desenvolvimento do País, dado que a Inglaterra conseguia privilégios na exportação de seus produtos manufaturados, firmados formalmente pelo tratado de Methuen em 1703. Pressionado pela Inglaterra, D. João VI voltou para Portu­gal em 1821. Se aqui permanecesse, talvez hoje formássemos um Império Brasileiro-Português, correndo o risco de fragmentação territorial, pela desintegração do prestígio político da Metrópole.

A nossa independência levada a efeito por um príncipe por­tuguês pouco veio modificar a estrutura social do País. O mesmo aconteceria com a proclamação da República. Continuava a domi­nar o País um forte domínio feudal. Contudo, quatro acontecimen­tos internacionais incluíram, sobremodo, para modificar a estrutura social brasileira, alterando o padrão do caráter nacional: a queda da França em 1870, as duas últimas guerras mundiais de 1914 e 1940, e a crise econômica norte-americana de 1929. Os quatro [gráficos: pg. 68 e pg. 69] acontecimentos concorreram para a industrialização brasileira, que configurou um grupo profissional que proporcionou melhores pers­pectivas de satisfação das reivindicações populares. Outras micropressões se estabeleceram no aspecto conjuntural levando a que atuasse a Macropressão das reivindicações populares caracterizando a mudança de estrutura social. O Estado teve de tomar parte na novas estruturas social e ampliou a burocracia, sob forma paterna­lista ou assistencial. Tornou-se disfarçadamente um Estado Capita­lista e Capitalizador; além de fomentador da formação de uma crescente massa consumidora. Não havendo o contrôle violento dos sistemas totalitários ou ditaduras verdadeiras, segue uma linha original de Estado socialista, sem obediência aos requisitos do Planejamento enquadrado dentro das doutrinas econômicas conhe­cidas. Grande parte da capitalização privada proporcionada pelos bancos oficiais é gasta em consumo de luxo e investimentos pouco produtivos. Outra parte é investida em emprêsas estatais, que se­guem uma linha assistencial na sua produção. O problema do custo, tão determinante na sadia doutrina econômica sustentada pelo Tec­nologia, deixa de merecer cuidados, dado que funciona o monopólio ou cartel impôsto direta ou indiretamente pelo próprio Estado. Ao seguirmos a trilha inflexível da economia industrial que exige cada vez maior produção, chegaremos ao clímax da demanda do mercado nacional e iniciaremos em maiores proporções a luta pelos mercados internacionais. Ai chegará a hora de apreciar o êrro do passado. A «valorização», e não «proteção», a indústrias pioneiras persiste por pressões políticas «desfavoráveis», eternizando a condição mono­polista oficial ou oficiosa. A mencionada pressão atua fortemente bloqueando qualquer capital alienígena que pretenda estabelecer concorrência. Recentemente uma indústria de embalagens preten­deu instalar-se no País. Foram mobilizadas as pressões naciona­listas suspeitas. O seu ingresso não se fêz ostensivamente, mas sob acôrdo com a emprêsa já instalada e os dois atuam de sociedade mantendo o monopólio que estrangula a indústria alimentar do País. É o nacionalismo extrovertido apoiado em grupos industriais que geralmente formaram e sustentam suas atividades às expensas dos créditos oficiais. É uma Micropressão conjuntural, que classi­ficaremos de desfavorável ou mesmo nefasta, dadas as graves repercussões estruturais que poderão desencadear em uma projeção futura. Estão vivendo o momento presente com sacrifício das gerações atuais, sem as vantagens convenientes para as populações futuras. A potencialidade do País é tão grande que atua como fator de crédito indefinido. É possível que consigamos persistir na evolução e no progresso, contrariando velhos conceitos inflexíveis até então ligados ao processo de desenvolvimento econômico.

UM QUADRO DE ASPECTOS CULTURAIS DE EVOLUÇÃO
A dualidade cultura interna e externa. Os processos contraditórios

A sociedade

Brasil

Europa

Na descoberta e período colonial

escravidão

Estrutura social e economia semelhante àquela da pré-história.

Pleno Feudalismo


servidão

Capitanias e Vice-Reinado


Servidão

Sociedade e economia feudal

Inicio do liberalismo e do capitalismo autênticos

Formação burguesa

Império e República

servidão, colonialismo típico, início do ca­pitalismo do Estado.
Esbôço de burocra­cia intensa, formação a expensas do Estado de uma classe-média e de um capitalismo privado (concessões de serviços públicos, compras de produção e garantia contra riscos) contra­dição com o liberalismo.

Formação de uma classe consumidora direta ou indiretamente sob os auspícios do Es­tado (tipo paternalista).
Capitalismo e Libera­lismo. Entrada em cam­po da Tecnologia. Mo­dificações politicas pa­ra neoliberalismo, De­mocracia Social e Es­tado Bem-Estar.

Ampliação de uma forte e autêntica classe média.
República após 1930

Acentua-se o Capita­lismo do Estado e as suas funções capitaliza­doras privadas e de for­mação de grande buro­cracia e formação de massa consumidora.
Criação de uma clas­se privilegiada de capi­talismo privado a ex­pensas do Estado. For­mação de uma classe-média sem as aquisi­­ções culturais e intelec­tuais necessárias. Mo­nopólios e cartéis pro­porcionados pelo Esta­do, que em principio foi o próprio capitali­zador em benefício de um grupo social.


Liberdade de idéias e de pensamentos dentro do domínio econômico-financeiro do Estado (a grande contradição)
Estado Bem-Estar neo-li­be­ra­lis­mo ou Demo­­cracia Social fa­cili­tados pela posse da Tecnolo­gia.

Es­ta­do Tota­li­tário (capi­ta­lis­mo do Estado) caminho para Demo­cracia Social passando por um Socialismo.

Formação de uma clas­se bu­ro­crá­tica e po­lí­ti­­ca pri­vi­le­gia­da nos Es­tados Totalitários. Per­da gradativa do totali­tarismo pela elevação do nível educacional.

Define-se hoje o Brasil em uma posição original e experi­mental para grande parte dos diversos grupos sociais em períodos retardados de evolução e de desenvolvimento. Quebrando as dou­trinas políticas e econômicas em proporções especiais caminha em franco desenvolvimento econômico atolado na maior inflação e tendo no Estado o maior formador de sua classe consumidora. Só a forma paternalista atende assistencialmente a um volumoso segmento social, ao mesmo tempo que proporciona requisitos edu­cacionais indiretos através dos recursos que despende com uma massa crescente de funcionários. As condições conjunturais con­seguidas sugerem sensìvelmente a afluência do capital interna­cional. O que compromete uma intensa aplicação de capitais alienígenas são justamente certas explosões políticas conseqüentes à insipiência educacional e a uma falta de consciência cultural sôbre os processos sociais de evolução e de desenvolvimento. Dentro do quadro nacional, ao que nos parece, formula-se um terrível dilema, situando-nos em uma hesitante encruzilhada dos caminhos a seguir. Em nossa área continental ainda encontramos quase todos os períodos de evolução social, desde os fundamentos de uma evolução e desenvolvimento bastante satisfatória até características escravocratas de trabalho. Com o avanço da técnica de comunicações passaram as pressões reivindicatórias a se tornarem mais fortes e sempre presentes, ao mesmo tempo que facilita a difusão cultural indispensável a corrigir os desnivela­mentos. Ao contrário, contudo, da marcha regular dos processos de reivindicações segmentares sociais, trouxe o progresso das comunicações uma «imposição» de reivindicações, aceitando, inclu­sive, atitudes «utópicas estranhas» que propagam soluções fáceis e simplistas. Estas pressões caminham até no estilo revolucionário. O primarismo das conclusões apressadas e das soluções geniais, decisivas, são fàcilmente acessíveis no irrealismo dos povos subde­senvolvidos. A própria experiência brasileira, se confirmada sua autenticidade como processo de evolução e de desenvolvimento, precisa ser ajustada a condições e situações específicas de cada povo.

A filosofia do Estado Bem-Estar formado e fundamentado na Tecnologia impunha um progresso violento da produção in­dustrial. Com isto ampliaram-se os objetivos de aumentar merca­dos consumidores e acesso fácil às fontes de matérias-primas. O Brasil em uma fase intermédia, com uma massa consumidora sempre crescendo e uma população sofrendo de deficiente nível de vida, é o campo apropriado para a disputa internacional. Tentam as ideologias existentes, algumas transformadas em utopias, a conquista da predominância política e sua resultante, os favores econômicos.

 

AS DEFINIÇÕES

Dois grandes grupos estarão definidos, havendo muitas vêzes associações, com predominância de ações, conforme as finalidades a serem atingidas para conseguir os objetivos. São as pressões de maior vulto, inclusive associadas com processos variados de atividade, fazendo crer identificação com a conquista de objetivos nacionais.

Macropressões

— Reivindicações Populares

— Política internacional

— Ideologias

— Utopias

— Místicas

— Doutrinas filosóficas

— Mistos

— Econômicos (ação permanente)

— «Dumping» (ação temporária)

Micropressões

— Grupos profissionais

— Grupos econômicos

— Grupos «burocracia» (funcionalismo)

— Grupos científicos

— Grupos associados ou mistos

— Cartéis

— Monopólio

— «Trustes»

— «Dumping».

 

As Macropressões e reivindicações populares

As reivindicações populares têm sido através da História a grande fôrça propulsora da evolução e do progresso da Humani­dade. Mesmo pesando os períodos e fases negativos em que ela é manobrada e dirigida contra os próprios objetivos que persegue, o saldo lhe é sensìvelmente favorável. Muitas vêzes a atitude do grupo se define com aquela dos demais grupos movida por uma contagiante manobra de envolvimento, sendo o processo iniciado por um segmento social, agitado e atuante, transformado em «opinião pública». Na sua natural irreflexão, inconsciência, imprevisão e improvisação é muitas vêzes levada a se associar com interêsses coletivos menos nobres e conscientemente defen­didos por outros grupos de pressão mais bem organizados. As pressões referidas sempre se fazem sentir sôbre um grupo social privilegiado que goza do poder ou da posição de autoridade, manobrando-os de acôrdo com seus interêsses. Os tribunos romanos e os ditadores gregos foram criações suas. Os reis eram sele­cionados pelo grupo entre nobres e os elementos importantes da classe privilegiada. A pressão das reivindicações populares apro­veitava da rivalidade existentes entre êles para distinguir um com seu apoio. Na nova posição viam-se na contingência de atender a reivindicações populares para equiparar ou superar o prestígio que haviam perdido. O regime republicano também foi uma típica criação do grupo em tela, visando estimular a dinâmica social, estabelecendo assim correntes de penetração nas diversas camadas e categorias da sociedade. Como vimos, na Revolução Francesa, a burguesia proporcionou o acontecimento para destruir o privi­légio da nobreza — o que não evitou que se instalasse uma nova classe privilegiada. Lutando para estender os benefícios da edu­cação, não conseguiu destruir o espírito seletivo que constituía o privilégio da nobreza, fazendo apenas mudar de mãos os direitos aos diversos ramos de ensino. As monarquias que atenderam a tais reivindicações permaneceram de pé. As demais que come­teram outras «perversões» frente aos interêsses do povo, e não caminharam na senda da democracia social, também se extinguiram.

Sòmente a filosofia democrática em sua nova conceituação, com base nos direitos da pessoa humana a par da prerrogativa da representação política, poderá corrigir os efeitos violentos da pressão das reivindicaqões populares de nosso tempo. Infelizmente os povos ainda civicamente incapacitados estão ainda impregnados do espírito carismático de seus ancestrais. Decorre disto a acei­tação fácil de figuras «salvadoras», «insubstituíveis e necessárias» na direção de seus destinos. Acreditam menos na Instituição e mais nos homens, quando os defeitos mais terríveis são justamente dos últimos. O círculo continua vicioso, quando os representantes do povo ainda pouco evoluído tendem a formar oligarquias polí­ticas com privilégios semelhantes ou similares àqueles da antiga nobreza que sempre combateram. A insipiência educacional aceita fàcilmente as manifestações conclusivas e as soluções simples sôbre seus problemas, sem análise e críticas que as possam fundamentar. Torna-se, assim, prêsa freqüente dos demais grupos da Micro­pressão, ou aceitam passivamente a integração na Mística, muitas vêzes fatalista e conservadora.

 

Considerações acêrca de algumas místicas

Existem místicas religiosas, filosóficas, doutrinárias e mesmo ideológicas. Certas místicas religiosas procuram estabilizar a es­trutura social, pelas tradições. O conformismo com a situação e a posição gera um fatalismo prejudicial ao próprio povo. O centro geográfico que sedimentou a filosofia oriental distante, isto é, o Oriente Médio, berço do cristianismo, constitui flagrante exemplo da Macropressão Mística. Conseguindo canalizar uma imensa riqueza para seu território, pela mudança da fonte energética das culturas mais adiantadas, para o petróleo, aplicou os investimentos no luxo ostensivo de reduzido grupo, em pedras preciosas, riquezas imóveis e móveis improdutivas. Reagem fortemente a qualquer mudança ou inovação, princípios fundamentais da evo­lução e do desenvolvimento. A religião maometana é um dique forte contra o «comunismo» assim como a outras doutrinas e ideologias evoluídas ou novas. Foi teatro de grandes preocupações políticas causando substanciais desgastes materiais aos E.U.A. Perderam êstes recursos e tempo ao não se socorrerem de seus centros universitários onde se pesquisam e estudam profundamente as questões sociais e políticas e, especialmente, a Ciência Política. Não souberam somar com precisão a sua ideologia democrática com a Macropressão Mística religiosa dos povos maometanos.

O misticismo filosófico da China e da Índia foram imenso entrave ao encaminhamento de seu grave problema de superpo­pulação. São Macropressões antagônicas ao processo de resolução dos problemas materiais do homem. As resultantes do conformismo e do fatalismo, ìntimamente integradas na mística religiosa, cons­tituem obstáculos tremendos para a evolução e o aperfeiçoamento. Não existe e não pode haver progresso e evolução sem intercâmbio cultural. Como sempre, o meio-têrmo é a posição favorável ao gênero humano. A conservação racional de certos valôres tra­dicionais mantém vivo o espírito e o elo de solidariedade de um grupo social. A resistência incondicional ao processo de transmissão cultural é fatal ao interêsse de qualquer nacionalidade. A Macro­pressão Mística pode ser decisiva para o progresso de evolução e de desenvolvimento, supondo-se que sejam objetivos da nacio­nalidade. A tradicional mística dos povos antigos pelos reis e imperadores considerados representantes da divindade ou «pessoas divinas» forneceu ao Japão o cabedal preciso para se tornar uma nação industrial, quando consentiu no intercâmbio cultural, sem ferir dogmas religiosos fundamentais.

A Rússia mantém uma pequena percentagem de místicos que «acreditam» no comunismo como filosofia ou doutrina, formando uma Macropressão tendente a conseguir a restrição do consumo para manter investimentos maciços na área da indústria de base e básica, e na pesquisa científica. Funciona, a seu favor, no campo internacional visando a aliviar aquela pressão interna ligada ao setor bem-estar. Pretende, assim, canalizar o esfôrço de outros povos para atingir os padrões de bem-estar do Ocidente. Como a mística é sustentada pela crença, sendo ela vulnerável, nem todos dispõem de constituição individual adequada para mantê-la. Eis por que não convém aumentar muito o seu número, dada a complexidade do contrôle. A Mística Filosófica ou Doutrinária do comunismo na Rússia dispõe de aproximadamente 7 milhões de «praticantes» em uma população de 220 milhões. Têm êles prestado serviços excepcionais no setor educacional escolar. Define-se o grupo do­minante por uma ideologia de aumentar progressivamente o Poder Nacional russo e fazê-la seguir o curso de sua história. Antiga­mente era a expansão territorial, agora é a amplitude de mercados e o Império econômico. Para além fronteiras funciona a seu favor a Utopia que encobre a característica revolucionária para vencer tradições e fôrças tradicionais. Existe também um reduzido grupo de Mística que se entende quanto a idéias, mas diverge quanto a interêsses.

O antagonismo tem servido a uma ideologia em seu aper­feiçoamento, fundamentada na filosofia democrática de vida. A prática mais autêntica desta ideologia é decorrente das três Ma­cropressões mencionadas que contra ela se identifica como uma Utopia.

Vemos, assim, no teatro da vida, os antagonismos, as dis­cussões, a polêmica e o debate favorecendo ao gênero humano nas suas reivindicações.

 

O Nacionalismo como mística

O Nacionalismo pode constituir uma Mística. Dois grandes países baseiam parte de sua segurança naquela mística. São a França e a Inglaterra. Contudo, seu misticismo é consciente e bem medido não dando motivo a explosões primárias e ostensivas. Quem quer que seja ao planejar a perseguição de um obfetivo não «vai dizer a todo o mundo» como agirá, antes de estar seguro de atingi-lo. Nenhuma nação do mundo conseguiu evoluir e se desenvolver sem a colaboração de outras nações. Quanto mais um país se industrializa mais necessita diversificar suas matérias-primas e expandir seu campo de consumidores. A economia indus­trial tem que ser progressiva. Com a Tecnologia a produtividade tem sempre uma ordem expansiva, sendo em pouco tempo alcan­çada a demanda territorial. Quanto mais se industrializa aumenta cada vez mais o grau de dependência. Assim raciocinando, torna-se muitas vêzes mais interessante deslocar a mão-de-obra para trabalhos mais qualitativos, retirando-a dos setores primários da economia. Convém às vêzes resguardar as matérias-primas e procurar importá-las. A medida que evoluiu e se desenvolve, mais um país necessita dos outros. Decorrendo de tudo isto se deduz o quanto se torna primária a manifestação de um nacionalismo extrovertido prejudicando interêsses fundamentais de uma Nação que está determinada a se desenvolver. Sendo uma pressão natural pode tornar-se favorável quando adquir a ca­racterização mística. Por outro lado é uma pressão antagônica quando assume formas agressivas ou intolerantes, prejudicando a política do intercâmbio cultural.

 

IDEOLOGIAS E SUA SIGNIFICAÇÃO PARA O PODER NACIONAL

 

A Conceituação

Quem conseguiu dar uma disciplinação e desenvolvimento ao conceito de ideologia foi o Professor K. Manheim, que retirou o têrmo do marxismo. Demonstrou que as idéias e as atividades intelectuais de uma época não se desenvolvem obedecendo a uma formulação rígida e com seqüência, mas são determinadas pela evolução social. Daí, ser possível a análise e a crítica dentro da sociologia, das idéias e atividades políticas mais objetivas. Sua conceituação é a seguinte: «são construções conceituadas por meio das quais grupos conservadores preservam a ordem existente». Vemos, assim, que os grupos que ansiavam pelo poder e pela dominação lançam mão da «utopia», sempre bem aceita na cons­tituição biológica do gênero humano. Com tal manobra criam as «ideologias» que representam a tática de conservação do poder que conquistaram.

Assim, as classes dominadas procuram defender-se e passar à ofensiva por outro mecanismo psicossocial, que sendo contradi­tório à ideologia, está ìntimamente a ela ligado: a utopia. Em sua obra Power and Society, D. LASSWELL define funcionalmente os dois têrmos: «a ideologia é o mito político que funciona para preservar a estrutura social; a utopia para suplantá-la». A na­tureza coletiva, inconsciente, toma tal representação utópica sob forma mística, não dando atenção aos aspectos da realidade e da verdade. Na dialética utópica encontramos a nutrição própria dos elementos revolucionários, exatamente como atuavam os revolu­cionários comunistas na era pré-revolucionária, antes da conquista do poder. Logo que isto aconteceu começou a atuar a ideologia tendendo a conservar os padrões atuais que mantêm a «nova classe de dominantes do poder». Os símbolos utópicos se transformam em ideologia. A ideologia democrática constitui a chave funda­mental da conservação de um estado social, cujas transformações, a partir da era liberal pura, vêm sofrendo profundas modificações, definindo-se por transigências necessárias e imperativas para ven­cer a «utopia» das classes desfavoráveis, ansiosas por transfor­mações. Identifica-se hoje um sistema neoliberal ou neocapitalista outorgando ao Estado atividades e ingerências na esfera privada até há pouco unânimemente condenadas. A função conservadora das fôrças sociais tradicionais tem sido atingida sensìvelmente frente ao quadro de evolução social de nossa época. Arnold Toynbee confere às mesmas fôrças a função de conseguir esta­belecer normas harmônicas pacificas com a evolução utópica das classes populares, amparando o quadro revolucionário previsível. A filosofia democrática ambicionada e corretamente praticada por governos, cidadãos e personalidades será capaz de sustentar a estabilidade social de nosso tempo. Tôda vez que as fôrças tra­dicionais perverterem as manifestações utópicas, não conseguirem a «integração social» de suas atividades e atitudes, será difícil a conservação da estabilidade social. A religião, a universidade e a classe armada precisam rever suas atitudes e suas atividades. Nos sistemas de govêrno, a ética das elites dirigentes comportará a profundidade e a ampliação do campo de «confiança» do povo, deixando êste, voluntàriamente, a decisão da «Opinião» para questões mais simples e ao alcance de sua compreensão. Eis por que se torna sumamente importante a formação das elites de nosso tempo, dado que a fonte de Poder Político está cada vez mais passando às mãos do povo. Se nas eras passadas a «virtude» consistia na conquista e na conservação do Poder, a todo o custo, sendo mesmo tal habilidade a bandeira realmente ideológica, em nossos dias, tomou o povo consciência de sua fôrça e de seu papel na formação e na constituição do Poder. Se os governos eram seletivos e autoritários, hoje só serão autoritários pela confiança e aprovação do povo. No importante jôgo entre imposições da política e determinações da Técnica, em que se evidencia a Arte Política, adquire esta sempre maior ascendência sôbre aquela, conforme o procedimento de sua elite dirigente dentro dos man­damentos da Ética e da Moral públicas. Assim, a «confiança» adquire maior substância sôbre a «opinião», sempre tendendo a favorecer os interêsses coletivos. Nunca a Tecnologia foi tão necessária para a função de governar os povos, ficando êstes à margem, na sua incapacitação para compreendê-la. Sentindo pelos resultados a incapacidade de suas elites, toma muitas vêzes desas­tradamente as decisões que julga acertadas. Por outro lado, as elites ignorantes dos processos sociais de evolução entregam ao povo decisões que fogem à sua capacitação, cometendo uma «per­versão». É como que tirar da própria responsabilidade, e colocá-la em mãos inábeis e inocentes, os seus próprios destinos.

À medida que as classes trabalhadoras adquirem prerrogativas e situações, ampliam o quadro da ideologia, tendendo sempre a conservação da estrutura social vigente. Manheim afirmou que a utopia social-comunista se inclina a identificar-se com a utopia liberal, pois ambas passariam a admitir o reino da liberdade e da igualdade num futuro remoto. Esta é, aliás, a ideologia das camadas dirigentes russas, para quem o comunismo, reino da igualdade e da liberdade, «foi transferido às calendas gregas».

Em países de evolução e de desenvolvimento retardados as ideologias desempenham um papel de máxima importância. Jus­tamente nêles as classes trabalhadoras ainda não conseguiram integrar-se definitivamente no processo cultural, lavrando dentro dêles atitudes utópicas. À medida que tal processo se estabelece irão elas engrossar o campo ideológico. Nos países evoluidos suficientemente já se encontram elas integradas na massa ideo­lógica. A última classe a conseguir tal integração é a agrária, que não acompanha o ritmo de desenvolvimento industrial e tecnológico. Na encruzilhada em que nos encontramos, a classe burguesa se debate muitas vêzes em atitudes e ações contraditórias. No campo da competição e das lutas, tomou o Estado Moderno a posição de arbítrio. É obrigado a lançar mão da autoridade para combater uma série de atuações que se definiriam como uma «perversão» frente ao processo de ascensão das classes menos favorecidas. Resguardando os fundamentos da democracia, poderá o Estado concorrer eficientemente para a harmonia social, evitando qualquer deformação que atente contra os princípios indispensáveis que evitarão a solução revolucionária para condições sociais especiais.

 

A Macropressão da ideologia democrática

Das guerras que sempre deixam à margem os verdadeiros interêsses do povo têm resultado, na opinião de alguns autores, a satisfação de reivindicações populares, desde os períodos em que já se encontrava polìticamente formada a «cidade», isto é, nos séculos que antecederam o cristianismo até os tempos modernos. As revoluções, que nunca se devem a iniciativas populares, são movidas quase sempre por uma fôrça e tendência de transmutar posições de poder e de privilégios. O resultado tem sido o desa­lento do povo pela formação de uma «nova classe» privilegiada. As revoluções podem modificar conjunturas, mas conservam o processo de evolução sem grandes mudanças, inovações ou evolução.

A revolução se passa sempre dentro das questões políticas, e o povo é sempre caudatário das conquistas aproveitadas apenas por aquêles que mudaram de posição. As guerras atingem as estruturas sociais. No último conflito o fato foi comprovado pela repercussão facilitada pelo avanço da técnica de comunicações.

Contudo, desde a fase de reivindicações iniciada na diversi­ficação dos sistemas sociais monopolizados pelo «pater famílias», na Roma antiga, as guerras inicialmente não contavam com servos e escravos. Com a evolução, passam êles a compartilhar direta­mente dos conflitos. Os cidadãos e patrões, ao voltarem espo­liados em seus interêsses e propriedades, precisavam de maior colaboração. Surgiam novos monarcas e novos tiranos que iriam encontrar na classe privilegiada os maiores opositores. Neste jôgo de interêsses iam sendo satisfeitas progressivamente uma série de reivindicações populares. O processo favorável ao povo dependia muito dos homens a quem estavam entregues os seus destinos. Da qualidade dêles dependiam maiores ou menores concessões. Túlio Sérvio, filho de escravos, criado por Tarquínio, no século 4 antes de Cristo, disciplinou o direito e tornava acessível ao povo os segredos do tribunal. Sólon, em Atenas, organizava a hierar­quia e competência do juizado. Foram os dois que retiraram o poder de escravidão dos proprietários sôbre os servos através das dívidas agrícolas. Foi, aliás, a primeira Reforma Agrária caracterizada. O primeiro foi assassinado a mando da filha para pôr no trono o próprio marido; e Sólon, ao voltar de uma longa viagem, encontrou o Poder nas mãos do tirano Pisistrato. O povo, quando assume a direção ativa dos processos violentos para atender suas reivindicações, tem errado quase sempre. Não é outro o motivo de terem sido os filósofos da antigüidade contrá­rios ao processos democrático de escolha de dirigentes. A partir de Aristóteles, sempre vigorou o sistema seletivo ou a mistificação democrática na escolha de governantes. O longo período feudal, com estrangulamento total da vontade do indivíduo, perpetuou-se até o século XIX. Dentro de tal pensamento, girou tôda a atividade educacional que fundamentou a atual civilização. A última guerra provocou modificações sensíveis da estrutura social e política, firmando o caminho da instalação da Democracia Social e da nova estrutura do Estado Bem-Estar. Houve inclusive uma passagem rápida pelo neoliberalismo ou neocapitalismo. Foi ino­vado o conceito de democracia. Já oito anos antes da Revolução Francesa, Voltaire clamava pelos direitos da pessoa humana de dispor livremente da escolha que lhe ditasse a consciência. Isto foi nas proximidades de 1781. Sòmente em 1945, quando dos fundamentos da formação das Nações Unidas, foram enfatizados os direitos da pessoa humana. Daí em diante começou a se des­cobrir que a filosofia de vida democrática deve ser norma de vida de cidadãos, de relações entre êles, e com o Estado, e, também, entre Nações. A «mesma oportunidade a todos» não foi proporcionada a tôdas as Nações, senão pela fatalidade histó­rica, a algumas mais privilegiadas. A filosofia democrática fundamenta a Ética e a Moral de nosso tempo, muito bem assina­lada no verdadeiro cristianismo. Está justo que se assinale a «qualificação adquirida» pela vontade de cada qual, mas é preciso, também, que se lhe proporcione a oportunidade de satisfazê-la. É também obrigação daqueles que ascenderam às fases mais avançadas da sociedade, já com direitos, que procurem atender aos que mourejam no período primário e instituto das necessidades, antes de levá-los a compreender as vantagens e a dignidade da liberdade de idéias e de pensamento, desde que se sujeitem a certas restrições indispensáveis ao bem coletivo. Estas são as reivindicações de nosso tempo, e pressões imensas se organizaram, máxime na «Ideologia Democrática», que não deverá ser clamada sòmente para conservar os privilégios de alguns, senão para atender a um maior número nas necessidades.

Dentro de uma macroanálise do processo histórico de atendi­mento às reivindicações sociais pela crítica da diversificação e do aperfeiçoamento dos sistemas sociais, pode-se concluir com segu­rança que a ideologia democrática deixa pelas condições específicas de facilitar inovações e mudanças à margem mais certa e determinante de evolução social. As revoluções têm sido negativas quanto a satisfações das reivindicações populares.

No atual ponto histórico da Humanidade a guerra poderá destruir completamente a civilização atual, que vem sendo cons­truída há cêrca de trinta séculos. Nunca retrocedendo da liber­dade de idéias e de pensamentos, a ideologia democrática na sua conceituação nova deverá ser o ponto cultural inalienável de todos os povos. Se o homem cívico tem a obrigação de praticá-la, o cidadão tem o dever de discipliná-la, assim como as elites a responsabilidade e a culpabilidade da perversão de seus fundamen­tos. As Nações já mais evoluídas e desenvolvidas arcarão com a responsabilidade de proporcionar às demais as condições propícias para conservarem os preceitos ideológicos como sinal de partida para o aperfeiçoamento. Sòmente pelo diálogo, com seus debates, suas discussões, suas polêmicas e a liberdade de fazê-lo será possível unificar o pensamento na síntese do «análogo» em bene­ficio do gênero humano.

 

CONSIDERAÇÕES SÔBRE MICROPRESSÕES E CONJUNTURA

 

Aspectos do processo econômico

O processo brasileiro de desenvolvimento econômico, antes duma tentativa de firmar-se na doutrina liberal, começou a fugir dos preceitos da verdadeira economia capitalista. O processo de evolução histórica, como vimos, atendia nas trocas comerciais a dois aspectos ou duas culturas diversas. O contato mais direto com a Europa nos introduzia a uma cultura e aqui caminhávamos com outra bem diferente, procurando o reajustamento natural das condições e particularidades nacionais. Não tendo passado pela fase capitalista-liberal autêntica, tivemos dificuldade de conseguir a Tecnologia com que poderia ser estruturado, na moderna con­ceituação do Estado, a democracia Social. Contudo, a crescente massa populacional, com nível escasso de poder aquisitivo, era impressionada pela vida de bem-estar de outros povos mais evo­luídos. A técnica de comunicações com seu extraordinário pro­gresso tornou o mundo pequeno e está forçando uma sincretiza­ção cultural, levando-o a constituir uma «unidade». Nosso país sofreu logo a pressão violenta das reivindicações populares e teve que instituir o Estado Bem-Estar, tendo apenas como fatôres po­sitivos para isto o potencial natural escassamente aproveitado, uma população vultosa e sempre crescente figurando uma possibi­lidade consumidora excepcional e uma fase intermédia de evolução e de desenvolvimento. Os quatro acontecimentos, já criticados, que mudaram o caráter nacional — a queda da França em 1870, as duas últimas guerras e a crise econômica norte-americana de 1929 concorreram para estimular nossa capacitação de produção. Com tais eventos a mentalidade produtiva havia entrado no caráter nacional.

Para cumprir as obrigações inerentes ao Nôvo Estado, em condições diversas daquelas que ditavam as doutrinas econômicas, houve necessidade de ampliar sistemas sociais assistenciais. Como empirismo e como experiência, quase sempre por razões políticas. Criou-se um paternalismo do Estado e um forte sentido de agente capitalista e Capitalizador. Criou-se um excelente campo de apli­cação para poupanças externas.

Por outro lado, o Estado intervinha sensìvelmente nos campos econômicos, especialmente nos que sofriam as pressões inter­nacionais na política de preços. Sob vários aspectos tal proce­dimento necessita análise e crítica mais aprofundada para julga­mento sereno. A estrutura social caminhava para uma situação que determinava esta maior ingerência do Estado, se bem que a conjuntura mais apegada aos processos doutrinários estabelecidos, estava contraditando-a.

Evidentemente a ação pioneira do Estado em assunto para o qual ainda não havia amadurecido a cultura própria, pois que as condições fundamentais faltavam para a formação do Estado Bem-Estar, haveria de resultar em percalços, distorções, desajustes e combates acirrados por aquêles que se atinham a doutrinações clássicas. Praticamos uma filosofia democrática, com razoável liberdade de idéias e de pensamentos, e ao mesmo tempo instituímos uma economia quase tôda fiscalizada, controlada, manipulada, in­fluenciada e mesmo como que formada pelo Estado. No pensa­mento e na ordem jurídica somos uma Democracia Social, e na ordem financeira e econômica assumimos algumas formas de Es­tado totalitário, como sói acontecer com as Democracias Sociais do nosso tempo. Eis a contradição que mais adiante iremos cri­ticar.

 

As Micropressões da Conjuntura

Evidentemente não seria possível analisar aqui tôdas as Micropressões conjunturais. Algumas, contudo, serão objeto de exame. Com mudança do caráter nacional ganhou o nosso mer­cado maior ânimo de produzir o que os acontecimentos inter­naconais encontravam dificuldade em nos fornecer. A política estava dominada pelo grupo agrário que drenava do exterior grandes capitais. Começaram as pressões para que o govêrno tomasse a si a responsabilidade de «proteção» dos produtos agrí­colas. No convênio de Taubaté de 1907, iniciou-se a fase de valorização do café. Sendo produtores em quantidade e não em qualidade, a nossa atuação serviu para que outros países come­çassem seu plantio. A Colômbia iniciou-a no ano seguinte. Daí por diante, conforme os prognósticos de Rodrigues Alves, nunca mais houve na produção e comercialização do café a exclusiva ação da economia privada. A pressão tem continuado até nossos dias, levando o govêrno a retirar da economia agrícola, neste setor, boa parte de seu resultado em moeda forte. O açúcar vem obtendo maciços financiamentos desde 1922. A pressão dos pro­dutores tem-se feito sentir a ponto de disporem de um cartel ou monopólio oficial. A técnica atrasada tem que acompanhar o preço que possa compensar o seu custo elevado. Por outro lado, a parte industrial mais adiantada é favorecida pelo preço de venda impôsto pelo monopólio oficial, livre de qualquer con­corrência e de qualquer risco. É uma pressão prejudicial nos in­terêsses da futura estrutura econômica do País, quando fôr for­çado a colocar no mercado internacional os seus excedentes de produção. No momento existe cêrca de 30% de superprodução que necessita subsídio governamental para ser exportado. O Instituto do Açúcar e Álcool é o órgão oficial destinado a valorizar e controlar o monopólio estatal em benefício de um grupo de produtores. O lógico seria a sua extinção e formação de uma Cooperativa de Produtores de Açúcar.

A partir de 1930 começou a dominar na política nacional o grupo industrial. Êste setor da economia impulsionado pela ex­pansão do mercado consumidor e pela taxa desfavorável de câmbio forçava a necessidade de indústria de base e básica para facilitar a sua expansão. O sinal de partida foi dado pelo setor siderúrgico, pela iniciativa oficial apoiada pelos interêsses de aliados na crise internacional de 1945. No mesmo passo foi conseguida a Petrobrás para a pesquisa e refino do óleo, encaminhando-a a Política para o monopólio estatal. A indústria elétrica, que já demonstrava sinais de grave descompasso com a expansão industrial, retomou seu ritmo, parecendo atender à demanda nos próximos cinco anos. Neste setor muito tem contribuído o investimento estrangeiro.

A indústria automobilística teve tratamentos excepcionais para ser instalada no País. Ao contrário de sua atuação na economia mais livre de seus países de origem, ela não assumiu responsabi­lidade do imenso capital de giro que exige a sua comercialização. Pelo seu crédito concorre com as necessidades de capital nacional desviando para seu campo, grande absorvente de capital, os re­cursos bancários do País. O ponto de seu maior favorecimento foi a vantagem cambial para importação a câmbio favorecido de peças e equipamentos, para atender um compasso de espera na nacionalização total do veículo. Estas vantagens proporcionaram, e ainda fazem, grandes fortunas particulares, algumas em mãos dos políticos que, com a bandeira patriótica, conseguiram um excesso de vantagens fundamentais nas leis. Um carro nacional de marca e tipo igual é vendido por preço três e quatro vêzes maior do que em seus países de origem. Esta pressão continua para promover as reformas. Constitui no momento, talvez o grupo econômico de maior importância do País. Analisando e criticando sob o ponto de vista conjuntural, apresenta sérias deformações canalizando recursos para um grupo econômico amparado pelas leis de proteção. Num exame com mais profundidade e no ângulo estrutural, é uma das atividades mais favoráveis ao processo de evolução e de desenvolvimento do País. A fôrça econômica vege­tativa é extraordinária. É um exemplo típico de julgamento di­vergente, ao ser encarada pelos aspectos conjuntural e estrutural.

 

O Nacionalismo

O Nacionalismo pode ser analisado e criticado tanto como uma caracterização estrutural como conjuntural. No primeiro caso é favorável ao processo de evolução e de desenvolvimento, podendo atingir uma posição excelente se explorado sob a forma ideológica ou mística. Na estrutura, o sentimento nacionalista é caráter e atitude consciente e cultural avançada. Funciona como uma Moral social, concentrado no sentimento de cada cidadão para explodir no patriotismo nas ocasiões oportunas. Em que pesem tôdas as discordâncias, polêmicas, disputas, discussões e dissenções sociais, é êle encarado como pressão estrutural, a fôrça decisiva para união e solidariedade quando em perigo a cultura comum. Sendo um sentimento consciente, está êle inserido dentro da própria inte­gração pessoal de cada qual. As ações nacionalistas devem ser permanentes e contínuas quando identificada na sua caracterização estrutural, visando a uma determinação de evoluir e de progredir. Sendo uma concentração individual, age pela e para a comunhão coletiva formando um só espírito e um só pensamento. É uma caraterística perfeita de moral social, e, como ela, perfeitamente interiorizado.

O Nacionalismo extrovertido, ostensivo, agressivo e intolerante tem características conjunturais, só compreensível em sua mani­festação como impulsionador da sua ação, o patriotismo. Precisa ser proporcional, dosado, consciente, determinado, oportuno e amplo. Sendo ostensivo, sem motivos, tornar-se vulgar, confor­ma-se como uma válvula de escapamento que faz diminuir sua concentração interior. Pelos «escapes» desnecessários perde a sua «pressão importante». Em verdade, quando procuramos discipli­nar uma gama de procedimentos para perseguir um objetivo, não deveremos dizer a todo o mundo como vamos atuar para con­segui-lo, salvo se a consecução do objetivo estiver assegurada. O Objetivo Nacional atual é evoluir e desenvolver. Nunca qualquer Nação o conseguiu sem a ajuda de outra. Ora, se dermos demons­trações ostensivas de um sentimento comum a tôdas as Nações, psicològicamente, pode supor-se a hostilidade. Por outro lado, os investimentos qualitativos exigem mais segurança do que muito lucro, e os demais atuam subornando, deturpando, mistificando e visando a lucros exagerados a curto prazo.

Por outro lado, na conjuntura, sua manifestação pode servir de jôgo político para conseguir campo favorável de expansão de mercados ou acesso fácil a fontes de matérias-primas a grupos alienígenas cumprindo a determinação histórica de aumentar o seu Poder Nacional.

Assim, pois, o Nacionalismo é uma Pressão Nacional, Es­trutural, Ideológica e Favorável. O Nacionalismo extrovertido, político-partidário, inadequado, inoportuno e vulgarizado é Misto, Conjuntural, Revolucionário (às vêzes) e Nefasto ou desfavorável. Nas páginas que se anotarão mais adiante, veremos quanto seria necessário o Nacionalismo sadio e como será bastante prejudicial ao processo específico das condições brasileiras de evolução e de desenvolvimento o Nacionalismo ostensivo e extrovertido.

 

O Setor Transportes

As pressões profissionais ligadas ao setor transportes em certas áreas, examinadas na caracterização conjuntural, podem ser consideradas como um estrangulamento do processo econômico nacional. Todo setor transportes tem apresentado grande expan­são, ao ser analisado sob o ponto-de-vista global. Contudo, sua forma tem sido inadequada. Enquanto o ferroviário aumentou 50%, o rodoviário quintuplicou. A qualidade e a quantidade do serviço de cabotagem é alarmante, podendo ser calculada em um aproveitamento de 25% apenas. Os portuários pela sua organi­zação e atuação política têm conseguido os favores sociais de remuneração acima de tôdas as demais profissões. Cada estivador é geralmente proprietário do cargo e o arrenda em duas a quatro mãos diversas. Tal revelação é fato comumente verificado. O «proprietário» geralmente se entrega a outras atividades, não sendo estranhas aquelas ligadas ao contrabando. É uma Micropressão conjuntural nefasta ao processo democrático de atender dentro da justiça social. Sob o aspecto estrutural, tanto sob o aspecto de ponta-de-lança das reivindicações populares pode ser considerada uma Micropressão natural, como, pela sua desorga­nização, força a expansão do setor rodoviário. Êste por sua vez, estabelece uma Micropressão natural forçando a construção de estradas pavimentadas e expandindo a iniciativa privada pela demanda sempre crescente. A concorrência que já se estabeleceu ainda favorece o preço de custo frente a proporções naturais. Aliás, no que respeita à luta entre o sistema ferroviário e o rodo­viário, o assunto não constitui especificidade da conjuntura bra­sileira. É conveniente ressaltar que a técnica universal que orienta a exploração do petróleo, organizando inclusive um cartel, tem conseguido manter preços acessíveis. Não fôssem as gravações fiscais, talvez fôsse possível equiparar os preços nos dois sistemas citados. Na conjuntura brasileira seria excepcional se fôsse con­seguido estabelecer uma normalidade de serviços e custos na navegação aquaviária. A Micropressão profissional tem-se feito sentir no sentido contrário. A proporção nos preços dos diversos sistemas de transportes é aproximadamente a seguinte:

Marítimo.................. 1

Ferroviário............... 3

Rodoviário............... 9

Aéreo.....................15

Desde já, sem maiores bases para discutir, poderemos veri­ficar que a proporção do marítimo para 1 e do rodoviário para 9 está longe de significar a situação existente no País. Quanto ao ferroviário, a observação é a mesma. Por todos os fatos apon­tados o sistema rodoviário figura uma pressão forte contrária à expansão dos dois sistemas citados. Como contrapartida, os péssimos serviços do sistema marítimo têm contra êle a Micropressão profissional estranguladora da economia nacional. A disparidade, pela análise e crítica conjuntural tende a se agravar. Sòmente por um serviço razoável será possível conseguir alguns resultados favoráveis. Contudo, ainda no aspecto conjuntural, tal situação exerce forte pressão para aumentar a rêde de estradas pavimen­tadas, por onde são transportadas mercadorias inadequadas pelo pêso e pelo valor. A pressão tem caráter político, dada a re­percussão de iniciativas próprias como pela flexibilidade dos in­vestimentos. Por outro lado, o tempo de execução facilita a de­monstração de atividade administrativa, prestando-se bem para promoção política pessoal.

Analisando e criticando sob o aspecto estrutural, atenden­do-se ao sentido de projeção futura, o reajustamento será uma questão de tempo e de madureza cultural. Nesta ocasião verifi­caremos que o País estará enriquecido com uma extensa rêde rodoviária pavimentada, por onde transitarão mercadorias adequa­das. Vemos, pois, dois aspectos inteiramente contrários da Micropressão profissional dos transportes no Brasil. Um desfavorável e outro favorável. Aliamos, assim, mais um exemplo de antago­nismo e contradição no processo social de evolução social.

 

A Micropressão do funcionalismo público

Muito se fala no excesso de funcionalismo público ou na política de clientela. Contudo, poucos têm analisado o problema nas suas causas, fixando-se apenas nos efeitos. Aliás, isto é vício de culturas pouco amadurecidas. A consciência cultural acêrca do assunto ainda é bem insipiente. Eis por que ao definirmos cultura sempre assinalamos tal deficiência de conceituação, como se segue:

«Cultura é um conjunto de realizações e estado de consciência próprios que mais aproximam um povo da meta de suas aspirações e objetivos».

Temos certas restrições ao excesso de funcionários públicos no País. Se considerarmos pelas tarefas empreendidas, o racio­cínio é verdadeiro. É preciso sempre analisar e criticar as causas antes de julgar os efeitos. A Argentina com uma população três vêzes menor do que o Brasil possui 600 mil funcionários, contra aproximadamente 500 mil de nossas estatísticas. O Uruguai cêrca de 70 mil com menos de 3 milhões de habitantes. Os dois países irmãos apresentam uma taxa aproximada de 3% em relação à população, e nosso país 0,8%.

 

Qual a causa principal da quantidade excessiva de funcionários

Se de fato há excesso, nós o compreendemos em ordem rela­tiva. Via de regra a percentagem da receita despendida com o funcionalismo público é de ordem crescente, em certos casos de 80% na esfera estadual. No serviço público federal parece si­tuar-se em 40%, incluindo autarquias. (Exceto classes armadas). Ao contrário do que se pensa, existe subemprêgo e não pleno emprêgo, como panorama da mão-de-obra do País. Há disponi­bilidade de trabalhadores braçais, mas falta tremenda de mão-de-obra semi e qualificada. Isto é o mesmo que a revelação da falta de uma Política educacional efetiva, e não a execução sob forma de «campanhas». Só isto basta para revelar a falta de Planejamento no setor educacional. Uma «campanha» seria com­preendida como uma revisão sectorial de um Planejamento, iden­tificada como um «reajustamento», que a imaturidade da cultura nacional chama de «reformas de base». Estas nada significam, pois que o processo de evolução e de desenvolvimento é «uno, sinérgico, coordenado, entrosado, interdependente entre fatôres e categorias». Já a nossa definição de governar — «equacionar pro­blemas» — mostra a importância de dispor do conjunto dos dados para o Planejamento, que por sua vez é «prover e prever». A Micropressão no profissionalismo da esfera oficial decorre da capacidade falha de equacionar o problema da educação no País. O empreendimento privado seleciona os mais capazes e deixa à margem a grande massa pouco qualificada. Esta faz pressão junto ao político para conseguir um emprêgo público. Nada sabe porque nada aprendeu. Contudo, na determinação biológica vai consti­tuir família e deixará uma geração em condições iguais às suas. Se o Estado tomar a seu cargo a qualificação profissional, despenderá em cada série profissional e técnica uma elevada quantia, dado o custo alto dos serviços oficiais. O emprêgo constitui uma moda­lidade assistencial e um esfôrço educacional indireto. Quando ingressa no serviço público, o funcionário «amplia e qualifica» seu universo social. Esta mudança de posição social dá-lhe opor­tunidade de atender e encaminhar a própria geração, aquela dos parentes e amigos, todos confinados ao meio social anterior, nos meios educacionais e oportunidades afins que encontra em seus «contatos». Atuou como assistente social e especìficamente edu­cacional, além de dispensar cuidados de geração e nutrição à família. O Estado, se arcasse diretamente com tal responsabili­dade, talvez despendesse mais do que o simples ordenado. Quem ainda não atendeu à solicitação de algum contínuo ou burocrata ao comparecer à repartição para interêsses particulares?

O processo de urbanização é importante como fator para facilitar a luta educacional. A taxa brasileira é baixa, chegando apenas a 5%, salvo um ou outro Estado, como o do Rio de Ja­neiro, com 50%. Na situação brasileira, tal nível já é chamado êxodo rural, porque o fato se identifica como uma entidade patológica social. Aquêles que deixam o meio rural não são substi­tuídos pela Tecnologia e, sem capacitação, vão engrossar os mar­ginais profissionais dos meios urbanos. A Micropressão aumenta cada vez mais quando estamos com um índice demográfico de 3,6%, ou um dos maiores do mundo. A geração surgida do funcionalismo público está capacitada para as diversas profissões.

A Micropressão do funcionalismo público força o govêrno a procurar os recursos onde êles se encontram. Nas condições dinâmicas do movimento social e econômico do País, qualifican­do-se como uma vasta região pioneira, é muito difícil disciplinar bem a distribuição de rendas. O impacto sôbre a Receita obriga a que as emprêsas privadas procurem na Tecnologia a maneira de obterem melhores lucros, dado que o govêrno solicita cada vez mais as medidas fiscais. O fato é que até agora a expansão da produção industrial e dos negócios demonstram que a capaci­dade econômica ainda está longe de esgotar-se. Ao que nos consta, o carioca despende 85 mil cruzeiros, por ano, e «per capita», de impostos, e o paulista situa-se nas imediações de 40 mil. Sendo o Estado da Guanabara uma «cidade» fundamentalmente buro­cratizada, verificamos, neste ano, um aumento de Receita pública, de aproximadamente 70%.

O impôsto indireto é uma injustiça social sensível, saben­do-se, outrossim, que ao funcionalismo público é difícil esquivar-se ao pagamento do impôsto mais justo de todos que é o de renda. Pois bem, em fontes ligadas à repartição que o arrecada, declaram que a fraude lesa o Tesouro em 50% da atual arrecadação.

O volume físico de serviços públicos, cremos, não atinge a 20% do que poderia produzir. Contudo, é preciso ressaltar que apenas nesta percentagem existem os funcionários concursados. O longo período de govêrno pessoal atendeu quase sempre sem as provas de seleção. Em virtude disto, sempre houve há alguns anos o desinterêsse para a educação profissional ou técnicas es­pecializadas. A dactilografia que deveria ser a prova eliminatória, ou uma delas, para a burocracia, encontra no serviço público uma das mais sensíveis deficiências. A prova de seleção como postu­lado constitucional apresenta um fundamento da democracia que é a «mesma oportunidade a todos», correspondendo a moral social convencional, de «cada qual ter e fazer o que lhe compete». O procedimento contrário equivale a uma mistificação da ideologia que nos rege a uma «perversão» frente aos interêsses populares.

Passamos, assim, em revista perfunctória ao problema do funcionalismo público, como Micropressão, examinada, analisada e criticada sob características conjunturais desfavoráveis e estruturais favoráveis.

 

PARADOXOS E ANTAGONISMOS DO PROCESSO SÓCIO-ECONÔMICO BRASILEIRO DE EVOLUÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO

 

A Compatibilidade e a Eficácia na conjuntura brasileira de desenvolvimento

A determinação de desenvolver deve constituir no momento o Objetivo Nacional Atual de maior relevância. Ao saltarmos da fase liberal e capitalista autêntica ficamos inferiores na possibi­lidade de lançar mão suficientemente da Tecnologia. Em verdade tal condição favoreceu as Nações mais evoluídas, algumas, é bem verdade, tão novas como nós. Dispuseram elas, contudo, de con­junturas favoráveis na tradição histórica de herança como em um verdadeiro sentido de transmissão cultural, quando nós labutá­vamos na retração, sendo teatro de uma economia diversa e atra­sada frente àquela dos demais países. Inicialmente e com cautela sofremos de uma verdadeira alienação cultural sem qualquer vis­lumbre de consciência cultural de adaptação. Tanto no processo econômico como no social caminhávamos diferentes do que o mundo já conhecia como verdadeira doutrina da riqueza. Tal impacto nos atingia em todos Os sistemas já diversificados. Quando estávamos na economia baseada no braço escravo, já a Europa saia do feudalismo. Quando começamos a entrar neste, já no continente referido esboçava-se o Estado Liberal-Capitalista e o espírito tecnológico. Fomos logo contaminados pelas idéias novas de evolução social sem que estivéssemos fortalecidos pelos meios advindos do liberalismo. O grande potencial que nos foi legado favorecia nossas idéias de acompanhar os passos que deram lugar ao Estado Beni-Estar ou Democracia Social. Poucas Nações dis­põem do potencial territorial do Brasil e de uma imensa capacidade de consumidores, como nós. Contudo, a doutrina econômica exige a capitalização que, na sua autenticidade, se define na poupança. Para haver incentivo de capitalizar produzindo é ne­cessário o consumo. Torna-se, porém, imperativa a Tecnologia. Daí deduzimos que precisamos a compatibilidade e eficácia. Na primeira ressaltamos a importância do jôgo do consumo e da acumulação. A propensão para o consumo material gera a von­tade de consumir, resultando, outrossim, no desejo de acumular. Êste constitui a «vontade de economizar» na feliz expressão de ARTHUR LEWIS (The Theory of economlc Growth). A cultura adequada ao desenvolvimento econômico, segundo Goldschmidt (WALTER GOLDSCHMIDT, The interrelations between cultural factor and the acquisitions of new tecnical skills) é aquela que satisfaz as necessidades de bem-estar físico, e, segundo êle, con­tinua satisfazendo indefinidamente essas necessidades, oferecendo ao grupo social as satisfações necessárias para o ajustamento da personalidade de seus elementos no contexto do seu próprio sistema de valôres, «desde que não explore, física ou psicològi­camente, alguma outra população ou segmento de população». Três atitudes devem ser consideradas para estabelecer condições deter­minantes de desenvolvimento, dentro do conceito de Segurança Nacional. Neste último, torna-se necessária a previsão do futuro quando se complicam e se tornam complexos os problemas inter­nacionais de uma Nação. Nós queremos o Brasil sempre e cada vez maior. Não seria demais recordar aqui as palavras de TOBIAS BARRETO: «Não somos nós que temos tudo a esperar do futuro; é o futuro que tem tudo a esperar de nós».

É preciso tomar consciência de que o julgamento decorrente da análise e da crítica da conjuntura não é o mesmo daquele ligado à estrutura. É muito natural e justificável que o segundo seja mais do campo dos cientistas e pesquisadores, demonstrando conclusões e resultados contraditórios, porém mais verdadeiros. Eis porque afirmamos que, no ponto histórico do momento, não verificamos qualquer crise brasileira, seja social, econômica ou moral.. Os acontecimento e fatos ligados à conjuntura, mais sa­lientes e vibrantes, são semelhantes àqueles por que passaram tôdas as Nações já em fase evoluída e desenvolvida de hoje. O Brasil faz a sua história.

As três atitudes determinantes para o desenvolvimento são as seguintes:

a) atitude em relação ao consumo de bens econômicos;

b) atitude em relação à acumulação de bens;

c) atitude do povo para se desenvolver.

A atitude em relação ao consumo sofreu uma série de impor­tantes modificações ligadas jntimamente à mudança gradativa do caráter nacional a partir do descobrimento. Quando na Europa exigiam as riquezas e os produtos das novas terras descobertas, funcionava a estrutura feudal de desenvolvimento e o processo de evolução social ditado pelas reivindicações populares. Para o Brasil vieram os aventureiros e exploradores que nunca pensaram em formar aqui uma nação. Não havia pròpriamente duas cultu­ras em choque, dado que o contato era das cúpulas sociais aqui existentes, comungando de interêsses comuns. Assemelhava-se esta fase da evolução brasileira àquela da pré-história, ficando margi­nais, apenas como fôrça de trabalho, o elemento escravo. À medida que a Europa saía gradativamente do feudalismo e entrava na economia liberal, caminhávamos com muita lentidão para o feuda­lismo. Assim, «enquanto voltados para o exterior» tomávamos contato com uma cultura mais evoluída, aqui permanecíamos em fases bem mais retardadas. O Brasil de verdade, que era seu povo que aqui surgia, «vivia escondido e se evitava que fôsse mostrado».

 

Doutrinas econômicas e processo brasileiro de evolução

Ao se iniciar a fase de industrialização em pleno liberalismo econômico, acumulavam os países da Europa as riquezas «pro­duzidas pelos colonos de além mar». As massas surgidas com a era industrial que despontava, em virtude de sua fraqueza, orga­nizavam-se e tomavam a dianteira do povo nas reivindicações. Aumentando o consumo e «a vontade de gozar o progresso», atirou-se o liberalismo nas pesquisas científicas e no aperfeiçoa­mento da técnica. Contudo, a cultura, com que tínhamos maiores contatos e da qual dependíamos, não tinha pendores industrialistas, e, sim apenas mercantilistas. Por outro lado, Portugal, seguindo a linha de dependência política da Inglaterra, evitava que suas colônias esboçassem qualquer manifestação industrial. As fazendas permaneciam em uma economia fechada, defendendo-se assim dos preços elevados das manufaturas inglêsas que via Portugal ru­mavam para o Brasil. Além da tradição avêssa ao industrialismo, nos encontrávamos na defensiva contra a pressão política e eco­nômica. O caráter brasileiro ainda mais se tornou firme na admi­ração pela estética em prejuízo da utilidade. Tal economia fechada resultava na restrição do consumo, incentivo importante para a produção. O «complexo colonial» que Inácio Rangel denominou ao fato de as fazendas se tornarem núcleos de fabricação dos artigos de consumo indispensáveis, como roupagens, calçados, ferragens, etc., haveria de fazer fracassar mais tarde as iniciativas tendentes a instalação de fábricas. Até 1875 haviam fracassado muitas tentativas de indústria de tecidos. Nossa elite, por outro lado, assimilava inconscientemente a cultura européia e procurava imitar exatamente o que lá se praticava, especialmente, na edu­cação escolar. Esta, aliás, foi a mais longa e perniciosa alienação. Afetava ela o setor importante de um país que necessitava «criar uma consciência cultural própria» de sua vida e de seus problemas.

Por outro lado tornava-se imperativo que vencesse a tre­menda herança tradicional avêssa ao trabalho técnico e à pesquisa científica, ligadas à produtividade, desde que nos era dado pre­senciar a vitória material no setor mercantilista. Podemos dizer que quatro fatos internacionais marcaram a mudança do caráter brasileiro. O trauma sofrido pela França em 1870, as duas últimas guerras mundiais e a crise norte-americana de 1929. Não fala­remos da Revolução Francesa, pois que dela recebemos os reflexos de sua repercussão sôbre outros países. Tais acontecimentos vieram-nos demonstrar que poderíamos viver bem e evoluir, criando, inovando e substituindo aqui quase tudo que nos enviavam do exterior para satisfazer nossas necessidades naqueles pontos históricos considerados.

A partir da Revolução Francesa, em que a burguesia levou o povo a se revoltar contra os privilégios da nobreza, estava selada a sorte do feudalismo na Europa. Em verdade, como sempre acontece, o povo tomou parte, utòpicamente, no acontecimento, desde que os privilégios passaram a ser gozados pela nova classe que se instalou no poder. Contudo, serviu a advertência para que as antigas monarquias se voltassem para as reivindicações populares, tendo permanecido de pé aquelas que não cometeram «perversão» frente aos interêsses e aspirações populares. Ainda no liberalismo, ampliou-se e tornou-se mais sensível a participação do povo na direção de seus destinos. Aumentou o número de consumidores pela garantia que o direito dava da «igualdade de todos perante a Lei», forçando a «vontade» de adquirir posição pela posse dos bens materiais. O respeito pela propriedade privada foi uma alavanca ponderável para a evolução e para o progresso.

Em tal ponto histórico, instalou-se o espírito tecnológico e, mais tarde, a Teconologia. A febre de capital e de capitalização para atender aos reclamos dos novos povos incorporados na vida internacional e portanto consumidores, explorados contudo na dis­crepância de preços entre produtos primários e matérias-primas de um lado, e do outro, as manufaturas, forçava uma intensa poupança. Nesta altura a situação econômica de Portugal era péssima quando reinava D. Pedro II. Por razões históricas já descritas, Portugal e sua colônia, o Brasil não tinham pendores para acompanhar a nova era econômica que se instalava intensa­mente anos após. Firmou-se ainda mais a situação quando John Methuen conseguiu passar para um Tratado a ascendência política e domínio econômico que a Inglaterra tinha sôbre Portugal. Firmou-se o Tratado de Methuen em 17 de dezembro de 1703. As vantagens foram excepcionais para a indústria de tecido inglêsa a trôco de uma exportação controlada e financiada de vinhos. Coincidiu tal época com a exploração do ouro no Brasil. Uma têrça parte do metal existente no mundo, na ocasião, ou, 1 milhão de quilos, foram drenados para a Inglaterra através de Portugal. Tal pressão internacional fêz sentir seus efeitos em nosso país até meados do século XIX. Esta Macropressão polí­tica e econômica histórica reforçou as tradições negativas mer­cantilistas do povo brasileiro em plena fase da era tecnológica, nos alicerces de sua fundação.

Os acontecimentos já mencionados conseguiram reformular o tipo do caráter nacional. Enquanto a Inglaterra com o ouro do Brasil estruturava a sua economia liberal e lançava as bases da Tecnologia, D. João V, em Portugal, exibia e ostentava luxo oriental em sua côrte. Portugal passava da penúria dos reinados de Pedro II e D. João IV, para a maior folgança mal empregada que se conhece.

Os investimentos acumulados no capitalismo-liberal e a sua criação, a Tecnologia, iriam permitir ao Estado mudar a sua es­trutura, intervindo mais na economia privada e na distribuição de riquezas, especialmente, proporcionando a um maior número a possibilidade de concorrer livremente, com maior capacitação, aos postos mais elevados da escala social e política. Estava caracte­rizada a Democracia Social. Os segmentos sociais organizados começaram a lutar por maiores reivindicações e o Estado foi ampliado e aperfeiçoando o seu sistema assistencial. Todos os recursos precisavam ser mobilizados dentro da nova técnica para atender as reivindicações cada vez maiores, levando o Estado Moderno a controlar as fôrças sociais tradicionais, sobretudo aquelas que dispunham de poder econômico. Novas leis apareceram condicionando a posse da propriedade em seu uso ao bem coletivo (Sobretudo a terra). Surgiu o Estado Bem-Estar.

Pois bem, sem passar o Brasil pelo capitalismo-liberal autên­tico, sem explorar colônias, sem a posse plena da Tecnologia, resolveu experimentar o Estado Bem-Estar. No momento progride satisfatòriamente e evolui, lançando mão do crédito que lhe proporciona o imenso potencial natural ainda pouco explorado. Certas dívidas estrangeiras no montante de 2,5 bilhões de dólares aproximadamente ou 5 trilhões de cruzeiros, ou, mais de uma vez e meia a Receita Pública Federal, tiveram dilatados seus prazos de vencimento. Êste fruto da poupança alheia está servindo heròicamente no ponto crítico do desenvolvimento. As inflações maciças correspondem a «um adiantamento» lançado sob a carga das populações atuais. A evolução e o desenvolvimento continuam favoráveis. Estamos ensaiando uma novidade institucional: O Estado Capitalista e Capitalizador, e formador de uma forte classe consumidora com relativa liberdade de iniciativas, de idéias e de pensamentos. Evidentemente existe um descompasso no aspecto conjuntural, sendo cedo para um julgamento definitivo. Nesta história precisávamos de verdade de uma autêntica elite dirigente ou, pelo menos, um grupo governante qualificado. A compatibi­lidade está lançada como uma interrogação. Resta tecermos considerações referentes ao problema da eficácia.

 

Autenticidade das doutrinas econômicas

O povo, habituado durante muitos anos a uma restrição de consumo, que caracterizava um baixo nível de vida, repentinamente atira-se a uma exuberância de tudo consumir, forçando os orçamentos oficiais pela política de clientela, especulando de todos os modos e em tôdas as direções, não tendo qualquer preocupação de previdência ou de segurança. Concorre à compra de tudo sem se preocupar com os preços. Naturalmente, as elites têm a obri­gação de levar o povo a tomar consciência da necessidade de desenvolver e mostrar a determinação de selecionar consumo e promover poupança. Por outro lado, nenhuma Nação do mundo conseguiu desenvolver-se sem se servir da poupança de outros povos. Não existe economia introvertida. Quanto mais um país se industrializa mais necessita diversificar suas matérias-primas e ampliar mercados consumidores. Quanto mais desenvolvido mais dependente. O que deve possuir é a autopropulsão econômica ou capacidade de transformar e modificar pela ciência e pela técnica os setores de dependência ao encontrar-se em um alter­nativa. As elites e os líderes têm o dever de induzir o povo a tomar parte importante no desenvolvimento e na evolução da Nação, dentro da consciência cultural que isto determina.

A moral dos líderes e das elites inculca as atitudes de con­fiança e de decisão, provocando a consciência para lutar por um objetivo definido. Tal posição das elites, em que pesem os assuntos pessoais de consciência e espírito de classe, pode colocá-la em posição destacada quando em jôgo o interêsse coletivo e os obje­tivos a serem perseguidos pela nacionalidade. Esta confiança é importante para que o povo dispense a liberdade a seus dirigentes para escolherem os recursos da Tecnologia fugindo à respon­sabilidade de opinar polìticamente na escolha do caminho certo a ser seguido. É importante para um govêrno, no Estado Mo­derno, ter oportunidade de conciliar bem as determinações da técnica com as imposições políticas. Em nosso caso, agiganta-se o problema dado que iniciamos a característica mais nítida do Estado Bem-Estar, a satisfação mais recente de reivindicações populares conseqüentes ou decorrentes do último conflito mundial.

Para Rostov (W. ROSTOV, The Process of Economic Growth) o primeiro pré-requisito indispensável é a «propensão a aceitar inovações». Desenvolvimento pressupõe mudança, transformações e risco, todos conjugados em novas combinações acêrca dos fatôres de produção. Naturalmente, as inovações mais importantes situam-se na engenhosidade ativa decorrente da capacitação cien­tífica e na conjunção de ciência e técnica visando a Tecnologia. No Brasil, o aproveitamento do esfôrço universal, em proporções maiores quanto à ciência e à técnica, que não podem constituir privilégios, determina, contudo, uma consciência perfeita de adap­tação, decorrente das pesquisas, especìficamente dirigidas a parti­cularizações e características nacionais. Exalta-se aqui a moral das elites e líderes, fugindo de alienações rígidas e procurando adquirir consciência dos problemas nacionais. O povo não se atém na análise e na crítica, arriscando-se algumas vêzes a pra­ticá-la no aspecto conjuntural. Contudo, a fisionomia estrutural, ampla, verdadeira e real, que ultrapassa o raciocínio vulgar, deve possuir subsídios que levem o povo a ter confiança. Êste aprecia realmente os resultados, mas encarando-os de forma objetiva, con­creta, imediatista e oportunista, algumas vêzes. Mais uma vez a confiança tem que ser imposta para o «compasso de espera» ne­cessário e imperativo do processo de evolução e de execução do Planejamento. O outro requisito importante da eficácia é a pos­sibilidade de «apropriação dos frutos do esfôrço e do sacrifício», a que Lewis denomina de «direito à recompensa». O terceiro requisito importante é a oportunidade a todos de conseguirem interpenetração nas diversas camadas sociais, quando tal condi­ção se apoia no esfôrço individual calcado nos princípios médios dos procedimentos sociais do grupo. Ai já encontramos a im­plicação íntima da Política proporcionando a recompensa devida, selecionando a capacitação dentro de oportunidades iguais, para o que deverá «igualar desigualdades», postulado constitucional vigente tão bem interpretado por Rui Barbosa. A eficácia é um problema dos mais difíceis da conjuntura brasileira. O assunto exige uma posse de consciência específica das elites no sentido de corrigir mais ràpidamente a debilidade de nossa herança tec­nológica. A Península Ibérica permaneceu na fase do capitalismo mercantil e em estado de semifeudalismo, enquanto outras nações européias já se encontravam em plena revolução industrial. O bacharelismo, a alergia à experimentação técnica e científica, a ojeriza aos processos educacionais ligados à ciência positiva é herança que nos aflige na fase mais aguda da Tecnologia já com o recurso inestimável do Planejamento. No dilema entre ciência e estética, sempre nos inclinamos pela última.

Outro ponto que nos estrangula e que necessita correção a longo prazo é a audácia social, ligada à doutrina econômica sempre seguida e desviada para responsabilidade do Estado. No inter­câmbio cultural sempre praticamos a dupla cultura, onde o povo ficava à margem dos problemas que lhe diziam respeito. Ainda se pratica no País a «economia fechada e auto-suficiente» a que alguns denominam «complexo colonial», onde nas fazendas impera o desejo de atender com os próprios recursos as necessidades mais importantes.

 

A consciência cultural na economia política

No entanto, nos encontramos em uma encruzilhada do des­tino. Pelos vícios acima caminhamos na direção firme do Estado Capitalista e capitalizador, além de «distribuidor de oportunidades», nem sempre no princípio da «igualdade dentro da desigualdade» e da autêntica capacitação. Com êste critério torna-se formador de uma classe média apenas consumidora. Ao mesmo tempo se­guimos rumo do consumo livre e ostensivo, o mais das vêzes originário da capacidade investidora, direta ou indireta do Estado. Criamos uma mentalidade de monopólios oficiais ou semi-oficiais que descura o interêsse pelo custo e portanto pela Tecnologia, deixando à margem a preocupação do risco. Comumente tal monopólio ou cartel acobertado pelo Estado vem beneficiar um grupo ou uma classe em detrimento dos interêsses conjunturais do povo e estruturais da Nação. O ponto importante frente à Segurança Nacional é que esta persegue a formação de um grande Estado no futuro, atendendo a necessidade de todos, aos interêsses de um maior número e a conservação da cultura totalmente assegurada. Na economia industrial, o processo tem que ser progressivos devendo estar esgotada em breve tempo a capacidade consumidora nacional. Ai chegará a hora de disputar a concorrência internacional. Verificaremos então o elevado custo nacional causado pela imprevidência e pelo monopólio disfarçado, conjuntamente com a parca qualificação industrial motivada pelo desinterêsse dedicado à Teconologia. Constatamos, assim, o sacri­fício das gerações presentes, sem as recompensas para com as populações futuras. Nunca, pois, necessitou tanto o País da con­fiança nos seus homens de elite e líderes autênticos para que tomem consciência do desenvolvimento nacional racional. Como o vício é de estrutura, ultrapassa a compreensão do povo. Na ausência de elites autênticas, atira-se êle a propor soluções e a tirar conclusões, decorrentes da crosta dos fatos que emergem mascarando o núcleo da realidade, só desfindável pela análise e pela crítica.

O nacionalismo é uma pressão nacional, estrutural, ideológica e favorável. Conscientemente solicitado poderá encaminhar o sen­tido de «confiança» nos homens de elite desde que realmente procedam visando os interêsses da coletividade.

Para conservação do atual nível de vida necessitamos fazer investimento no montante de 12% da Renda Nacional (Alexandre Koft). Já descemos a esta taxa, mas temos contado com mais 4% da ajuda estrangeira. A situação econômica é promissora, com fácil correção na produção industrial de 9% e a entrar em produção uma pressão de energia elétrica para atender a demanda de 4 a 5 anos.

As Micropressões conjunturais serão corrigidas pelo processo intenso de esclarecimento acêrca de problemas nacionais, caso contrário sofreremos um período negativo mais longo até que se estabeleça o reajustamento determinado pela evolução estrutural.

A consciência cultural em qualquer processo de desenvol­vimento determina o esfôrço do Estado em diminuir constan­temente o seu desnível exagerado com a evolução. Na imprecisão do processo, sofrendo contínuos reajustamentos estruturais, o procedimento seguro dos Estadistas é atender às exigências da Educação. Esta sim, e sòmente ela, pode concorrer para estruturar e encaminhar bem qualquer forma ou fórmula que se tenha esta­belecido em uma determinada fase de desenvolvimento. Quaisquer tropeços, desequilíbrios, desajustes, dificuldades e mesmo distúr­bios do processo de desenvolvimento encontrarão na educação a síntese exata para seu correto desfecho. Vemos, pois, que um Estado necessita tomar consciência cultural exata dos recursos da educação na formação da grande Nação. Educação não é tão sòmente obrigação do Estado, Política do Govêrno ou tarefa da Administração, devendo ser a determinação da Nação.

A verdadeira fisionomia do fundamento de igualdade dentro da desigualdade que encarna a Democracia Social e é elemento preponderante do Estado do Bem-Estar, pode tornar-se de mais fácil aplicação quanto todos dispuserem de armas equivalentes na conquista de suas posições e situações. Ao constatarmos êste fato não nos deveremos perturbar com a excelência dos processos edu­cativos ideais e, sim, nos empenharmos dentro de uma perfeita consciência cultural de conjuntura nacional das possibilidades que visam a maior ampliação como meta inicial, e a seleção como etapas sucessivas. Se consignarmos o procedimento da Escola como dependente de uma específica dinâmica social, iremos logo deduzir que a resposta de «como, porque e para que» educar caminhará até atingir o ideal de ação individual; acresce ainda a circunstância de que a padronização humana em suas características biológicas, especialmente no que se refere a tipos mentais, é absolutamente impossível. Se o processo digestivo é automático ao ser iniciado, a assimilação dos proceitos educacionais, tanto informativos como formativos está condicionada aos anseios e às atitudes de aceitação psíquica. Esta disposição de concordância, dada a característica númena da mente humana, de suas reações e manifestações emocionais, sentimentais e sobretudo complexiais, exigem especial vocação na coordenação das ações.

Com a educação será facilitada a criação de mentalidades que são saltos que podem ser conseguidos na seqüência mais ou menos determinada da evolução social. Assim, pois, criaremos na Administração Pública a mentalidade institucional, a sua fisionomia técnica sem uma imposição tecnocrática, a impregnação política sem prejuízo das pressões legítimas e a facilidade da equação entre Política e Técnica ao levarmos as exigências técnicas aos orga­nismos de representação popular visando conciliá-las com as con­tingências e conjunturas políticas (Fig. 3).

Por outro lado, a Administração Pública, ficará mais cons­ciente de sua responsabilidade de identificar as pressões legítimas, atendendo inclusive a ingerência político-partidária, tal como deve acontecer no sistema democrático, tendo contudo como norma de conduta o procedimento e a atuação dentro da lei. Por outro lado, a melhor formação e seleção profissionais com disciplinação de deveres e direitos por sistema judiciário administrativo, incute maior garantia aos atos funcionais. A orgânica do Govêrno muito lucrará com a mentalidade institucional trazida pelo processo educacional intensificado enquadrando cada qual na esfera de sua competência e responsabilidade (Fig. 1). Mesmo na sistemática brasileira do chamado presidencialismo funcionará um «colegiado» onde o campo do estadista, do Presidente com seus Ministros, formariam uma «unidade coletiva de opinião» e expediria Dire­trizes Políticas sob a responsabilidade do Presidente. Uma Política de Desenvolvimento quase tôda ela se enquadra na Segurança Nacional. Eis porque o Conselho de Segurança Nacional não deverá continuar a funcionar no Brasil apenas decidindo assuntos de Defesa Nacional. Para isto existe o Estado Maior das Fôrças Armadas.

A deficiente integração cultural de uma inautêntica elite fá-la descrer de meios normais de luta social e se atém a velhos padrões já desfigurados de doutrinas políticas. O Estado Moderno absorveu as pretensas ideologias salvadoras da vida dos povos. Nenhum programa ideológico existe mais. Os direitismos, centrismos, socia­lismos, marxismos, etc. desapareceram da mentalidade de povos evoluídos. Constitui, pois, um carreirismo puro o que se observa nos povos de desenvolvimento retardado. Dentro da política carreirista gravitam os que podem ainda conseguir alguns su­cessos. As formas esquerdistas sentimentais, emocionais, festivas, delirantes, originais, etc., fornecem elementos para o carreirismo literário, jornalístico, artístico, religioso e atendem a várias políticas de nações estrangeiras com rótulos democráticos, socialistas, demo­crata-cristãos, etc. Não existe, em nossa opinião, amizades e sim interêsses entre nações. Nesta base devem estar estabelecidas as nossas relações internacionais. A História nos mostra que os países que deveriam ter ligações as mais profundas se guerreavam de modo mais violento.

Ao conceituarmos modernamente a democracia deveremos en­cará-la como filosofia de vida e não simples sistema de govêrno. O procedimento dos cidadãos, a sua responsabilidade na escolha da representação popular, o dever de atender aos que ainda se encontram na fase instintiva e primária da vida humana; a culpa­bilidade dos grupos e elites dirigentes na obediência dos preceitos de valorização do gênero humano e a imensa responsabilidade nas relações internacionais onde os grupos humanos já intensamente evoluídos e ricos têm que cumprir também os preceitos democrá­ticos a que estão sujeitos os cidadãos nas suas relações sociais. Não basta apregoar as excelências da atuação e procedimento livres senão ao mesmo tempo demonstrar a equivalência de armas e recursos de que dispõem. A desigualdade dentro da disputa econômica na sistemática democrática é a caracterização de típica perversão e deslealdade. Acresce ainda a circunstância desoladora do comprometimento da verdadeira filosofia de vida democrática.

Aqui frisamos a inconsistência da ortodoxia econômica, que dentro do seu dogmatismo propicia realmente vantagens desiguais, sempre pendendo para o que dispõe de meios e recursos mais eficientes. Nesta ordem de idéias poderemos focalizar a perda de valor dos produtos primários frente a manufaturas e bens de produção com que precisam contar os países de desenvolvimento retardado para diversificar a sua produção e melhorar seus níveis de produti­vidade superando substancialmente os recursos estrangeiros dre­nados sob variadas formas — empréstimos, investimentos, doações, assistências, etc. Justamente neste ponto veríamos a sinceridade de propósitos democráticos ao verificar não a determinação dogmá­tica do preceito de livre concorrência (com armas e meios desi­guais), mas sim a aplicação correta da verdadeira filosofia da democracia social de nosso tempo. Ao desligarmos o primarismo da conceituação comunista ou marxista da China Continental, verificamos a impossibilidade de sua reconstrução e integração no mundo civilizado sem a colaboração substancial do mundo inteiro. A exigüidade territorial e o impacto populacional dificultam e inibem qualquer sentido vitorioso de uma recuperação satisfatória. Vemos o contrôle no Sudeste da Ásia de 90% do estanho existente. Êste metal entra nas composições e nas variadíssimas ligas metá­licas da industrialização e, sobretudo, da eletrônica e embalagens. A posse de tal situação permitirá negociações excepcionais e per­mite a expansão determinada do surto industrial do Ocidente. Para o Professor Solow a estagnação na inovação e renovação técnica do parque industrial norte-americano poderá ocasionar em vinte anos a queda da renda «per capita» a «0».

O papel predominante da Segurança Nacional é viver dentro da realidade de nosso tempo e nunca abjurar das imensas conquistas que já fizemos na senda vitoriosa da dignidade da pessoa hu­mana. Precisamos dissecar as consciências e os objetivos ocultos. Devemos identificar nossas deficiências e atacá-las. Precisamos estar alerta para atingir e vencer todos os antagonismos que se antepuserem à consecução dos Objetivos Nacionais e conseguir pela Arte e pela Técnica transpor obstáculos a que possamos aper­feiçoar cada vez mais o sistema democrático de vida social, im­plantando racionalmente o Estado do Bem-Estar.

 

FATÔRES DE DEBILIDADE E DESEQUILÍBRIO NA DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO

Parece-nos ser cabível a transcrição das palavras de Louis-Joseph Lebret em sua obra «Dynamique concrète du Développe­ment» sôbre os fatôres de debilidade e desequilíbrio na dinâmica de desenvolvimento. No capítulo mencionado, êle o divide em duas partes. Na primeira trata dos fatôres que enfraquecem ou impedem e, na segunda, aquêles causadores de desequilíbrios e perturbações.

A. fatôres físicos e econômicos

— no campo da produção

1 — ausência ou insuficiência de recursos minerais ou energéticos (interrupção ou insegurança no abaste­cimento)
2 — ausência ou insuficiência de outras fontes de energia (ou descompasso entre fornecimento energético e crescimento industrial)
3 — queda ou insuficiência do crescimento da produção agrícola frente as necessidades da população e da exportação. Várias causas podem estar em jôgo:

a) sêcas prolongadas

b) baixa do nível subterrâneo dágua

c) deficiência de terras, erosão, salinização

d) invasão do solo arável pela areia

e) renovação do plantel de gado sem as comple­mentações adequadas

f) insuficiência de estocagem e de conservação

g) sistema de trabalho agrícola anti-econômico ou reforma agrária mal preparada ou mal feita, etc.

— quanto a transportes e comunicações

1 — insuficiência de rodovias e ferrovias
2 — estrutura inadequada da rêde ferroviária
3 — insuficiência portuária em capacidade e equipamento
4 — insuficiência de meios de transportes e respectivos parques
5 — insuficiência das rêdes postais, telegráficas e tele­fônicas

— quanto ao mercado

1 — fraqueza do poder aquisitivo popular e operário
2 — margem de ganho excessiva
3 — prática de usura no meio comercial
4 — má localização e má organização dos mercados
5 — insuficiência de crédito a curto prazo

— mercado exterior

1 — flutuações importantes no preço dos principais pro­dutos exportados
2 — variação desfavorável nos têrmos de troca
3 — importação de produtos agrícolas que poderiam ser produzidos no país
4 — excessiva importação de bens de confôrto e de luxo

— quanto ao financiamento

1 — fraca taxa de poupança. Má orientação na sua apli­cação
2 — impossibilidade do Estado emprestar. Inflação crô­nica
3 — usura intensa, taxa excessiva de juros bancários,
4 — nula prática ou fraqueza nos empréstimos a longo prazo, pouco interêsse dos investidores estrangeiros

— quanto à mão-de-obra e estrutura de emprêgo

1 — penúria ou excesso de mão-de-obra
2 — subalimentação e subnutrição dos trabalhadores
3 — elevado índice das doenças de massa
4 — insuficiência em número e nível deficiente da mão-de-obra qualificada
5 — insuficiência em número e qualificação dos empre­sários
6 — êxodo rural

B — obstáculos psicológicos, sociológicos e políticos

— psicológicos

1 — fraca propensão a possuir bens
2 — pouca atração pelo trabalho
3 — repugnância pela evolução técnica
4 — repugnância pela disciplina do trabalho coordenado
5 — tendência à ostentação (classes dirigentes, médias ou mesmo populares)

— sociológicos

1 — concepção feudal ou tribal na vida social
2— tendência isolacionista das comunidades
3 — parasitismo familiar intenso (particularmente em tôrno do trabalhador urbano)
4 — racismo, castas, oposições étnicas, intensa luta de classes
5 — xenofobia ou orgulho dificultando o apêlo à colabo­ração estrangeira desde que se aceitou a hipótese do desenvolvimento

— políticos

1 — instabilidade do poder
2 — incompetência e imperícia administrativa
3 — desorganização, parasitismo e corrupção adminis­trativa
4 — ausência de plano e de um serviço de planejamento
5 — não percepção da necessidade de um plano
6 — despesas excessivas com a defesa

Fatôres causadores de desequilíbrios e perturbações

— desequilíbrios físicos

1 — perda duma parte importante de território
2 — divisão de um espaço econômico de produções com­plementares em regiões autônomas
3 — mudança de clima ou do regime de águas

— desequilíbrios técnicos

1 — inovações que tornam súbito imprestável um equipa­mento ou que provocam um desemprêgo considerável (automação inadequada, inoportuna ou na ampli­tude inconveniente - §)
2 — adoção inconveniente de certas técnicas
3 — publicidade excedendo a escala de valôres e provo­cando desperdícios

— desequilíbrios econômicos

1 — regime de especulação, inflação, fuga de capitais, excesso de meios de pagamento
2 — unidades econômicas possantes impondo uma estru­tura econômica muito especializada
3 — excesso de «royalties» provocando despesas conside­ráveis
4 — mono-exportação (ou quase mono-exportação).
5 — desigualdade considerável dos desenvolvimentos re­gionais
6 — má escolha dos setores de investimento e má implan­tação e localização dos empreendimentos (não crian­do uma economia coerente nem a nacionalização do espaço estruturado)
7 — tributação inconsiderada da moeda e das trocas
8 — margem excessiva de lucros
9 — deficit crônico dos balanços

— desequilíbrios políticos

1 — política de prestígio
2 — política demagógica
3 — ditadura ou domínio sectário de um partido
4 — oposição estéril dos partidos
5 — instabilidade governamental
6 — má distribuição das rendas orçamentárias
7 — má repartição dos impostos e taxas diversas
8 — má repartição dos recursos públicos entre as cole­tividades territoriais dos diversos escalões
9 — guerras externas ou ambiente interno de violências

— fatôres de desequilíbrio humano

1 — desagregação rápida da civilização anterior
2 — deteriorização moral e materialismo
3 — crescimento urbano desordenado
4 — aceleração dos ritmos dificultando o amparo de chefias
5 — pedagogia mal adaptada ao pais e as suas necessi­dades
6 — criação de novas formas de feudalismo, de opressão e de corrupção administrativa.

Ao apresentarmos a extensa lista de fatôres negativos na política de desenvolvimento deixaremos de expor os fatôres acele­rados e multiplicadores do mesmo autor. Procuramos ensejar a seleção daqueles que mais possam atingir a conjuntura brasileira e que merecem de fato o conhecimento público, dado que o povo precisa e deve determinar-se a desenvolver e evoluir. A parte pròpriamente de «como fazê-lo» deve ser uma tarefa destinada aos Estadistas e Técnicos. O livro de L. J. Lebret é de leitura atenta e aconselhável aos políticos e administradores. (*)

Sendo o assunto educação de especial relêvo na política de desenvolvimento achamos conveniente destacar que o ensino médio mostra um prazo de recuperação social do investimento de 12 meses que no ensino superior se estende por 36 meses. Por outro lado, na Conferência de Genebra de fevereiro de 1963, onde cientistas e técnicos de todo o mundo debateram teses ligadas ao papel da ciência e da tecnologia no desenvolvimento (* *) a ins­talação de um nôvo aluno na escola primária custa US$ 40.00. Evidentemente representa isto a média de custo conseguida de padrões de vida bastante diversos. Decorrendo disto, com a nova mentalidade nacional de votar excepcional verba para a educação escolar, os recursos deverão, se bem aproveitados, fazer descer a taxa de analfabetismo do país a menos de 10% até 1975. O ensino médio que demonstra tão rápida recuperação social dos recursos investidos precisa ser fortemente ampliado na rêde oficial. Uma exigência mínima da Segurança Nacional impõe a freqüência escolar de 25% da população do país. Esta será a primeira etapa a ser atingida de qualquer modo e no mais curto prazo.

No critério da democracia autêntica e na substância deter­minante do Estado Bem-Estar (Welfare State), o problema de alfabetização ultrapassa quaisquer critérios de imperativos finan­ceiros, econômicos ou orçamentários situando-se no campo da moral social. O princípio democrático é mistificado, a alegação de fun­damentos sociais democráticos é falsa, os cidadãos são responsáveis, o grupo ou elite dirigente é culpada e não pode existir determi­nação de desenvolver ou evoluir. Sòmente o Planejamento e o esfôrço social conjugado, coordenado e racional visando a alfabe­tização afirma a autoridade de determinar o Desenvolvimento.

Tôdas as grandes guerras cumpriram, paradoxalmente, o papel de reformular a sistemática política. Ao contrário das revo­luções, que apenas deslocam e impõem novas classes privilegiadas, as guerras atingem a profundidade das instituições atendendo com mais vigor a reivindicações populares. Contudo, chegamos no ápice daquelas reivindicações ao serem fundamentadas as democracias sociais de nosso tempo. Não me refiro, com evidência, aos que se beneficiaram da expansão e convicção ideológicas de um sistema democrático, que muito longe se encontrava de suas autênticas origens filosóficas e de sua consciência doutrinária de não constituir de fato um sistema de govêrno, mas de uma filosofia de vida que determina procedimentos de governos e cidadãos entre si sobretudo na aplicação de seus princípios nas relações interna­cionais. O que presenciamos foi a quase imposição de uma forma de liberalismo econômico onde se evidenciava a superioridade de recursos e meios de nações mais poderosas.

A monstruosa revolução militar e industrial de nosso tempo desencadeou o último conflito mundial e forçou a explosão de independência e de soberania de povos dominados. Com cêrca de quarenta países independentes, conta hoje as Nações Unidas com mais de cento e vinte. Assim, de certo modo, a desenvoltura de procedimentos que ditavam as ações das nações poderosas encontram hoje certos obstáculos ligados a problemas de sobe­rania, se bem que com novos aspectos e sob modelos diversos.

Por outro lado, ao antigo domínio territorial e anexação substituiu-se o econômico direto, motivo autêntico de todos os grandes conflitos mundiais. Hoje em dia, ao forçar e enfatizar a representação popular como fundamento da democracia, outras técnicas são selecionadas para atingir os interêsses econômicos através das supremacias políticas. É preciso urgência para tais manobras, dado que a democracia social, que em seus funda­mentos, esvaziou tôdas as ideologias e fórmulas políticas desti­nadas a propiciar as reivindicações populares poderá na sua apli­cação prática tornar inoperante tôdas elas.

O problema torna-se angustiante para as nações desenvol­vidas que não dispõem de farto potencial territorial de matéria-prima. Acresce a circunstância de que a grande batalha econômica de hoje se passa no campo da ciência e da tecnologia, mas com resultados contínuos e imediatos na inovação, renovação e trans­formação dos processos, técnicas e métodos industriais de produção. A pesquisa científica e técnica exige disponibilidade fácil e pronta de matérias-primas para experiências e para a produção. Elas estão hoje sob a vigilância de nações soberanas, ressabiadas dos tratamentos anteriores a que foram submetidas. Por outro lado, as nações novas, impulsionadas pela ânsia de gozar do bem-estar da civilização, procuram elas mesmas aproveitar as suas matérias-­primas, mesmo sob forma de semibeneficiamento.

O retardamento e a insipiência na aplicação dos recursos da ciência e da técnica determinam a necessidade de fugir da concorrência internacional. As ideologias estranhas que procuram inculcar nada mais representam do que a penetração sutil nas decisões políticas de nações novas. Tanto é curioso o assunto que países, desejando fugir a uma dependência de duas fôrças internacionais que na aparência ainda se defrontam, lançam mão de novas pseudodoutrinas políticas que serviram a outros países. Muitos partidos estão tomando características internacionais e a isso levados por grupos econômicos de nações interessadas.

O comunismo encontra seu centro de irradiação mundial em país diverso daquele que lhe deu origem. É preciso aproveitar a insuficiência de consciência cultural e de evolução de países novos.

Para atuar na política é preciso fazer o diagnóstico social prévio. Sòmente com tal procedimento será possível atingir com segurança os povos que se iniciam na experiência política da representação popular ou que se encontram em penosa fase de transição. O Brasil de hoje é a grande fonte de matérias-primas, excepcional mercado consumidor em expansão e na sua grande fase de transição para a evolução e para o desenvolvimento. É o povo visado para conquista de um espaço vital econômico.

Nunca houve tanto interêsse em conceder bôlsas de estudos para pesquisas sociais, e tantos procuram diagnosticar a nossa patologia social. Até parece que «a nossa doença social e, espe­cialmente, do Nordeste, é de surto agudo e recente».

Nesta surda luta de penetração em nossos destinos políticos, devemos responder com a harmonia de fontes de poder político para garantirmos a evolução dentro dos modelos da liberdade. A união da classe militar brasileira deverá ser o ponto culminante mesmo dentro do ambiente de debates, discussões, polêmicas e ambições pessoais.

A concepção política, como hábitos e costumes, acompanha a evolução e a tendência de uma época. Há mesmo certas carac­terísticas e ginástica intelectual concebendo doutrinas políticas como atividades «esnóbicas». Como uma epidemia, surgem os heróis e salvadores ou candidatos a mártires de novas e esquisitas doutrinas políticas com cujos sofrimentos se espalham se difun­dem e fenecem. Temos que tomar consciência na cultura brasi­leira para que nos afirmemos cada vez mais na determinação de aperfeiçoar a praticar os fundamentos da democracia social.

Os costumes, o sistema de vida, a concepção do Estado, a deficiência de meios técnicos de comunicações rapidas, o atraso da ciência, criaram as diversas filosofias da política como ciência e arte. Dentro do conhecimento e dos exemplos da História devemos procurar inspiração para ajustarmos e conciliarmos a fonte política como fator de Poder. A democratização da Edu­cação, o realismo e a atenção para com os direitos do homem como semelhante nos induzirão a selecionar a estrutura política capaz de atender aos objetivos humanos.

Dentro da verdade e respeitando a liberdade condicionada ao consenso da maioria, seguindo a linha média de objetivos pró­ximos, procurando evoluir a níveis mais qualificados, caminha nosso mundo para a Democracia Social. Ao conseguirmos em nossa Pátria um estágio satisfatório de desenvolvimento, com aquela liberdade, não poderemos iniciar uma marcha no seu ponto de partida. Àquela escravidão física nunca poderemos aceitar agora a escravidão mental, o domínio estrangeiro de nossa cultura e a imposição de um caráter nôvo.

 

INFLAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Perdura ainda o equívoco de desenvolvimento permanente e sua compatibilidade com a inflação. Um processo de desenvol­vimento em bases razoàvelmente saudáveis e perene só pode ser possível dentro de um quadro inflacionário modesto e fàcilmente controlável. É mesmo tolerável, senão mesmo aconselhável, em uma forte dinâmica sócio-econômica, uma taxa inflacionária dis­creta de 5 a 15%, no máximo. O mesmo se poderá dizer no que respeita aos «deficits» orçamentários. Se em um processo normal de evolução e de desenvolvimento vamos encontrar os ciclos eco­nômicos positivos e negativos que não encontram qualquer expli­cação dentro da dogmática técnica econômica, nenhum critério positivo se poderá seguir, com certa rigidez, no que respeita a processos dinâmicos de evolução sócio-econômica. A disponibilidade monetária, isto sim, deverá estar à disposição das solicitações real­mente reprodutivas de uma economia. Tanto mais se torna im­periosa tal política quanto mais precárias sejam as coletas esta­tísticas, quanto mais primárias sejam as manipulações monetárias e tanto quanto existam maiores ilhas econômicas primitivas. Está focalizado assim o caso brasileiro.

Uma taxa inflacionária intolerável e incontrolável pode es­tabelecer um surto de desenvolvimento temporário, desorganizado, desarmônico e injusto em suas conseqüências sociais. Por outro lado o desnível razoável, controlável e corregível entre evolução e desenvolvimento adquire tendência a se ampliar cada vez mais não dando tempo e oportunidade de os planos assistenciais cum­prirem a sua missão. A conseqüência é sempre a formação de uma inautêntica classe média dispondo de requisitos econômicos mal aplicados, tanto na seleção do consumo como na tendência ao desperdício e à ostentação.

O aumento de volume dos meios de pagamento como se obser­va na inflação estabelece uma febre de produção, mesmo à custa de uma inadequada e anti-econômica autorização, sem qualquer interêsse pelos custos e pela qualidade. Cria-se assim, um hábito artificial de trabalho que nasce de uma constante marginalidade de custos com a paridade internacional. Abastecida a capacidade aquisitiva do mercado territorial impõe-se a exportação. Sòmente com subsídios retirados da própria economia popular será possível o intercâmbio internacional.

Conforme o tempo em que se tenha conseguido um desenvol­vimento, dentro de um quadro inflacionário, intolerável, ao hábito se substitui uma mentalidade difícil de ser removida. As defor­mações mais ou menos estabilizadas dificultam os planos de recupe­ração. Os bens de produção, sobretudo a terra, atingem a valôres artificiais incompatíveis com atividades econômicas regulares. A classe média que se formou, os empresários favorecidos com as atividades especulativas e a sensação de relativo bem-estar so­cial etc., aumentam ondas de descontentamento com repercussões políticas. Estas acionadas pelo artificialismo podem atingir as medidas e planos de recuperação resultando o ciclo vicioso que caminhará para o «debacle» total. Tivemos no Brasil exemplos seguidos de tal seqüência de fatos. Em tempos idos o equilíbrio estrutural se fazia por violentos traumatismos sócio-econômicos, inclusive, com falência de bancos oficiais. As Instituições precárias continuavam, mas mudavam os homens de direção. No momento, porém, as Instituições se vêem ameaçadas pela intromissão de nações interessadas em dominar a situação política para auferir vantagens nos convênios e intercâmbios econômicos. Cada país interessado e já desenvolvido exporta a ideologia que diz seguir. A instabilidade social trazida pela inflação facilita a atividade de interêsses políticos estrangeiros dentro do território nacional. A desinflação torna-se, pois, um imperativo de Segurança Nacional.

As Nações já desenvolvidas, que ficam à mercê de uma eco­nomia industrial que exige permanente expansão, encontram no atual momento as fontes de matérias-primas, inclusive a sua diver­sificação acompanhando o progresso da ciência e da técnica, res­guardadas com um furor nacionalista, às vêzes inconsciente, mas explicável pelo longo período de rapinagem que devem ter sido teatro. Então a tática de vencer tais dificuldades é expandir ideologias estranhas e inaplicáveis, propagar ideologias que dizem esposar e doutrinas que dizem seguir para, pelos caminhos apa­rentemente democráticos, implantar supremacias políticas. Assim, surgem os partidos de caráter internacional, a propagação de ideo­logias originárias de fontes antes combatidas, mas agora válidas porque satisfazem na falsidade de suas promessas um mundo de igualdades, destruição das taras biológicas determinantes do caráter de cada qual e irreversíveis como o egoísmo, a ambição e a vaidade, por exemplo. Vemos países considerados democratas incentivar subterrâneamente a ideologia comunista, outros acenarem com pro­messas muito próximas do comunismo para estabelecer uma tônica que possa atender aos interêsses estranhos à nacionalidade em tela. Quanto menos fortes formos e mais divididos geogràficamente e formando maior número de soberanias, mais fácil se tornará a partilha das fôrças de domínio e de influências políticas estranhas. Este é o maior perigo que ronda o Brasil dentro dos próximos cinco anos. Sòmente a união de nossa classe militar bem informada a respeito do assunto, nos poderá salvar de tão iminente perigo.


 

PRESSÕES ILEGÍTIMA E LEGÍTIMAS SÔBRE
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

GOVÊRNO

INTERPRETAÇÃO FACCIOSA DAS LEIS
MÁ DISTRIBUIÇÃO E FALTA DE APOIO À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
DIRETRIZES POLÍTICAS
INFLUÊNCIAS POLÍTICO-PARTIDÁRIAS

MEIOS FÍSICOS→
GRUPOS DE PRESSÃO→

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Pressões Internas

←OPINIÃO PÚBLICA
←LEGISLAÇÃO IMPERFEITA


GRUPOS RELIGIOSOS
GRUPOS IDEOLÓGICOS
CONTRÔLE E FISCALIZAÇÃO DESATUALIZADA
INTERÊSSES PARTICULARES E FAMILIARES

[Quadro adaptado, para o formato eBookLibris - N.E.]

 


 

    PRESIDENTE DA REPÚBLICA    
ÓRGÃOS INFORMATIVOS, CONSULTIVO E NORMATIVO CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL ESTADO MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS
    ↓DIRETRIZES POLÍTICAS
INFORMAÇÕES↑
   
PODER LEGISLATIVO CONCILIAÇÃO
POLÍTICO
TÉCNICA
←→
GOVERNO
(Executivo)
← → PODER JUDICIÁRIO

INFORMAÇÕES TÉCNICAS
  ↓DIRETRIZES
TÉCNICAS

INFORMAÇÕES↑
 
INFORMAÇÕES
COMISSÕES TÉCNICAS INTERCÂMBIO INTENSO
←→
DEBATES ENTRE ADMINISTRADORES E TÉCNICOS
CONCILIAÇÃO POLÍTICO-TÉCNICA
SUBSÍDIOS PARA ELABORAÇÃO DE LEIS
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUBSÍDIOS PARA NORMALIZAÇÃO JURÍDICA
←→
INSTÂNCIAS INFERIORES
   
OBJETIVOS NACIONAIS
   

[Quadro adaptado, para o formato eBookLibris - N.E.]

 


NOTAS

(§) RENOUVIER — «Essais de Crit. Gén. Logique», I pág. 19
BERGSON — «Matière et Mémoire»
PARODI — «La philosophie contemporaine en France»
PAUL DUPONT — «Les Problémes de la Philosophie»

(§ §) BUCKEN — Gesch. der Phil. Terminologie, pág. 68

(*) L. J. LEBRET — Dynamique concrète du Developpement. Les Éditions Ouvrières, Paris. 1963.

(**) United Nations (Nations Unies) Le développement par la science et de la technique dans l’intéress des regions peu développés (VIII Vols.) — Vol. 1 «Un monde de promesses». Conferência das Nações Unidas sôbre aplicação da Ciência e da Técnica, no interêsse de regiões pouco desenvolvidas, fev. 1963, Genebra.


 

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

__________________
Dezembro 2000

Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se você pagou por esse livro
VOCÊ FOI ROUBADO!
Você tem este e muitos outros títulos
GRÁTIS
direto na fonte:
eBooksBrasil.org

Edições em pdf e eBookLibris
eBooksBrasil.org
__________________
Março 2006

 

eBookLibris
© 2006 eBooksBrasil.org