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Versículos do Homem

Jibrail ben-Jamin


 

Versículos do Homem
Abdul Cadre

Versão para eBook
eBooksBrasil.org
2001 Julho

Fonte Digital:
Abdul Cadre

Copyright:
© 2001,2006 Abdul Cadre
abdul.cadre@netc.pt
Apartado 59
7084-909 Vendas Novas
PORTUGAL


 

VERSÍCULOS DO HOMEM

[imagem]

Abdul Cadre


 

Um dia, disse o Mestre: «escreve!»

«Escrevo o quê?», perguntei..

«Escreve!», repetiu..

Na primeira noite, cinquenta páginas, de difícil leitura, jorraram duma fonte que eu quase desconhecia, e por duas noites mais eu escrevi, como quem acordado sonha.

Durante sete dias duvidei da minha sanidade mental e em sete dias mais tomei a decisão de tornar legível e publicável o que a noite me trouxe da forma que só eu sei.

De todo o erro, de toda a imprecisão só eu sou responsável. De quanto este livro possa ser útil ao leitor, nada é meu, tudo é do Mestre.

 

Abdul Cadre
Lucefecit, 31 de Julho de 1994


Jibrail ben-Jamin

VERSÍCULOS
DO
HOMEM

 

(Fixação do texto e introdução: ABDUL CADRE)


 

«A esperança é para o que acompanha com todos os vivos: melhor é o cão vivo do que o leão morto; porque os vivos sabem que hão-de morrer, mas os mortos não sabem coisa alguma, nem, tampouco, eles têm jamais recompensa, mas a sua memória ficou entregue ao esquecimento.

Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da vida da tua vaidade, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade: porque esta é a tua porção nesta vida, e do teu trabalho, que tu fizeste debaixo do sol.

Tudo quanto te vier à mão para fazer, fá-lo conforme as tuas forças, porque, na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem indústria, nem ciência, nem sabedoria alguma.»

ECLESIASTES 9:4,5 & 9,10


 

RESUMO TEMÁTICO

(segundo o entendimento de ABDUL CADRE)

 

SURA PRIMEIRA
* Apresentação da génese do livro, do seu âmbito e do que se espera daquele que foi instado a dar-lhe corpo.
SURA DA ESTRELA NEGRA
* Se todos os medos do ser humano consubstanciam visões apocalípticas, é necessário que se ame a vida e o próximo e se deseje sempre o novo dia, sem fugas, porque inúteis.
SURA DO CAMINHANTE
* Sonhar a realidade, encontrar o nosso centro, despirmo-nos de todas as ilusões.
SURA DA CONSTRUÇÃO
* Usar o sonho de construir catedrais para erguer o nosso Templo, que será assim o átrio entre o caos e a ordem.
SURA DA VIRTUDE
* Não há que descobrir a virtude, mas sê-la. A via da Rosa, onde impera o critério da verdade, é o caminho da virtude por excelência . Os maiores obstáculos são a arrogância, a vaidade e a ilusão.
SURA DO LIVRO DO MUNDO
* Onde se diz que toda a ilusão deriva de se julgar que a realidade do todo exclui a parte, ou que a forma nega o conteúdo. O atento sabe que tudo está em tudo.
SURA DO LIVRO DA «CREAÇÃO»
* Onde se fala dos nove mundos, de humanos, de génios e de anjos; de veladores e de desencaminhadores, dos sete grandes arquétipos da religiosidade dos povos do Livro; de Iblis, de Satã, de deuses e de demónios...
SURA DOS BENEVOLENTES
* Benevolentes e caritativos são, antes de mais, os Fiéis do Amor que moram nas cidades dos homens e das mulheres.
SURA DO MERECIMENTO
* Onde se diz que a alma do sábio é maior que a do santo e que homens e mulheres são as duas raças do Homem. Onde se diz ainda que a alma é uma conquista de quem ama
SURA PARA O QUE ESTÁ ATENTO
* Estar atento é ser o julgador dos cinco sentidos de saber do mundo e dos sete de saber da carne.
SURA DOS SINAIS DO AFECTO
* Onde se alerta os que buscam para as ciladas da ilusão, para o amor mal dirigido.
SURA DOS PACTOS DE MORTE
* Onde se condena o suicídio e o masoquismo,
SURA DA FUNDAÇÃO
* Aqui se dá todo o fundamento exotérico e esotérico do livro, se diz o que está para trás e se anuncia o que está para a frente.
SURA DA CONSEQUÊNCIA
* Chave de leitura.
SURA DOS QUATRO MUROS
* Há, para o Homem que busca, uma Realidade de dois caminhos que se não podem excluir: o caminho da realidade simbólica e o caminho da realidade pragmática
SURA DO ARTISTA
* Onde se enaltecem claramente os santos, os artistas e os sábios.
SURA DA DOUTRINA
* «O caminho crístico, que os povos do Livro sabem, sempre que lavam a palavra dos atributos do desejo que a distorce, é a realização do ser pela invocação do Espírito Santo».
SURA DA CONCILIAÇÃO
* A raça dos homens e a raça das mulheres são colunas de entre Céu e Terra. Macho e fêmea é a constituição andrógina do Homem Cósmico. Divisão aparente, que gera todas as divisões, tende à conciliação, "pela realização duma coisa só".
SURA DA ÁRVORE
* A árvore como metáfora do amor e da dádiva na natureza e no Homem.
SURA DO MÉTODO DIVINO
* Onde se fala de mestres vivos, de mestres ocultos, de mestres de assembleia e do mestre interno que cada homem e cada mulher deve realizar.
SURA DA SUBMISSÃO
* A Razão, alimentada pela Fé e pelo Instinto, permite o fogo do Espírito Santo sobre a cabeça de quem busca.
SURA DAS CONTRADIÇÕES
* Onde se repudiam os erros dos que crêem e se enaltecem as virtudes dos que sabem.
SURA DO AMOR HUMANO
* Louvor da realização do amor na cidade dos humanos.


 

LINHAS DE FORÇA:

Se quiséssemos apontar as linhas de força desta obra, ou seja, os grandes temas que a diferenciam da generalidade dos livros de esoterismo e a aproximam da tradição bíblica e corânica, ao mesmo tempo que implícita e explicitamente avulta em heresias, diríamos que repudia todas as teses da «carne pecaminosa», declara que o sofrimento e a solidão não são bons para a pessoa humana e que o sábio - por sê-lo - é mais santo que os santos.

Defende a Ciência, a Razão, a Fé, o Instinto e o Intelecto

Faz a apologia da Mente e diz que as almas se tornam imortais, ou se tornam mortais, na medida do amor que cultivam. Que também o corpo pode ser imortal. Condena a falsa religiosidade, o culto dos santos, das imagens e toda a idolatria.

Defende a alegria e o DEUS UNO E ÚNICO «sem companhia». Diz que Buda ou Cristo são estados do ser e que entre os povos do Livro não tem de haver disputa, porque no seu seio, hão de uns seguir a religião dos progenitores, outros qualquer dos três cultos, indiferentemente, conforme se proporcione... e outros, ainda, usarão a síntese...

A síntese perseguida pelos Templários?


I

SURA PRIMEIRA

1. A. Q. J.!

2. Louvado seja o sol sobre a taça do céu e louvado seja o dia que da taça se derrama!

3. Que nos guie a mão e nos rasgue os véus do engano e da ilusão Aquele que nunca deixou de encaminhar os nossos passos, Aquele que nos permite estar atentos.

4. No Livro da Vida, eis que se lavram as páginas do amor fiel, pelo que os fiéis do amor terão aqui o livro de sempre, ao qual o Ancião chamou de Versículos do Homem; dele, aquele que escreve dá testemunho segundo o seu limitado entendimento.

5. Por inteiro o viu, três vezes o viu em toda a plenitude, enquanto a mão à obra se furtava, até que o Admoestador lhe perguntou: «a que poder juraste, no teu nome ser fiel

6. «Sirvo o dia na noite do Profeta, por ti, que guias os meus passos

7. Na noite calma de Setembro, da forja da palavra veio o bafo quente e logo o eco se fez estridente na bigorna do servo aí atento:

8. «Caminharás como se, nas quatro direcções do vento, quatro fossem os teus olhos, flutuando três palmos acima das cabeças e pensarás como se fosses simultaneamente tu e fosses os outros, num unívoco pensamento que todavia não quisesses teu.»

9. «Porás na precisão dos teus gestos e actos o sentido da imobilidade, e saberás das seis faces do cubo mantendo-te equidistante de todas as suas arestas.»

10. «Proibido te está que o desalento te tome um só momento e dirás dez vezes o que se te não ouviu à quinta; cem vezes mostrarás o que em noventa não foi visto, na certeza de que há sempre ouvidos que ouvem e olhos que vêem.»

11. «Guardarás toda a vaidade no cofre das inutilidades e submeterás os teus desejos a um desejo maior.»

12. «Amarás a dor da tua lucidez como a maior e última permitida paixão, porque fiel do amor te sagro e a palavra com que te doto não é tua.»

13. Eis assim o livro que se funda em Ibrahim e que Gibran depositou no coração do servidor do Homem, mas que, por mais que se diga, sempre ali permanecerá, como um fogo, à espera da palavra que o revele ao caminho do meio, porque dizer é apenas despertar e o entendimento é bem outra coisa.

14. Traição ao som é a palavra dos lábios, traição ao símbolo é o dizer, porque do espírito à manifestação há o labirinto dos sentidos e há o balbucio da fala; porque a linguagem do mundo é a lura da mentira, o artifício dos enganos.

15. Línguas de fogo trazem a palavra ao coração dos homens e das mulheres que se quedam atentos, mas a palavra apodrece, tal como o tempo apodrece, e só o fogo se não corrompe e atravessa as eras, entre o que divide e o que une.

16. À palavra das eras no Homem chamam os crentes a voz de Deus; ela sai incontinente da boca dos Profetas, e a estes a turba dilacera as carnes e expulsa das cidades, porque os humanos não entendem de véspera o futuro das palavras.

17. De fogo é a palavra do Alto e dela se faz a sabedoria dos povos; quem a pronuncia é um eco no tempo, quem nela atenta ao tempo se furta.

18. Por isso, a trezentos daremos, da palavra restrita, o eco e o perfume; aos mais poremos a face sobre o espelho.


II
SURA DA ESTRELA NEGRA

1. A. Q. J.!

2. Louvada seja a noite em que a manhã se transporta!

3. O centro imóvel, como um olho que se fechasse, parecia recolher-se quando Gibran, em fogo, se fez febre no servidor do Homem e o coração lhe foi tomado pela noite e aí viu que a estrela negra tomava tudo em derredor, devorando o fogo e o desejo.

4.. Um sono sem sonhar desvanecia fronteiras seguras e só as estrelas ao longe demarcavam o círculo exterior desse vazio, para lá do qual as lágrimas e o riso dão testemunho do tempo.

5. Quem ama a vida que passa, ama a morte e não a vida; nunca terá olhos para o dia que se avizinha, nem desvendará o segredo da noite, que o esconde.

6. Quem se perca por nascentes e por poentes, viverá de saudades de sol e lua, mas vedado lhe está o tempo que só os deuses conhecem em segundos de eternidade, porque, onde o tempo é medido, móveis são as montanhas em planuras de areia e todo o tempo é consumição de glórias e iniquidades, de que só as cinzas dão testemunho.

7. Quando três negras colunas de fumo ensombrarem a Terra, não mais a lágrima de vida encontrará lugar seguro, se aquele que a espera recusa descer porque o ar é cinzento e a garganta dói, pois que bem pior que os venenos do ar e o martírio da carne é o purgatório da alma, quando a sombra a esfria no aperto de lama.

8. O que interessa o Sul?

9. Para que serve a fuga?

10. Aos que vão para o Sul, só a noite os toma e no chumbo se aniquilam, porque de fumo são três colunas, não três portas da cidade.

11. O que interessa o Norte?

12. Para que serve a fuga?

13. Os que vão para o Norte entram no falso dia, no enxofre se dissolvem, porque de fumo são três colunas, não três portas da cidade.

14. O que interessa o Leste?

15. Para que serve a fuga?

16. Os que vão para Leste não encontram o Sol, mas a refulgência do aço das sementeiras seculares da ignomínia, e três colunas de fumo, não três portas da cidade.

17. Os que vão para Oeste, esses verão os últimos raios de oiro reflectidos no negro das águas, mas de quantos prodígios registem as suas retinas, não darão testemunho, que também, aí, de fumo são três colunas, não três portas da cidade.

18. Confundem-se os elementos e as cores e iludem-se homens e mulheres por julgarem ver três pilares do céu, mas na verdade, são três colunas de fumo e não há notícias da cidade.

]


III
SURA DO CAMINHANTE

1. A. Q. J.!

2. Louvada seja a tarde e louvados sejam os trezentos que caminham!

3. Por honra aos trezentos e em seu nome são as páginas restritas e é a palavra velada, porque eles caminham.

4. Sabei, ó desatentos, que o que estava velado no tempo, agora o tempo desvela, mas os olhos que olham não vêem, os ouvidos que escutam não ouvem; a palavra passa como brisa, o tempo corre e apodrece e os seis que estão atentos incendeiam os corações dos quatro mil que sonham o mundo para Deus e para o Homem.

5. É privilégio dos deuses navegarem nas viagens dos teus sonhos, o que não obsta a que os seus sonhos sejam teus, dado que não sonharás os sonhos dos deuses, a não ser que sejas o próprio sonho que os deuses sonham.

6. Por isso, voa e queima as asas. Concretas ou imaginárias. Todas as vezes. Até que sejas voo e aí inúteis elas te sejam.

7. Sem lastro, grilhão ou venda, que sejas voo!

8. Quando o anseio é asa, o desejo de altura leva-nos ao cume das montanhas, cada vez mais altas, para lá das nuvens.

9. Saberás então, ao subires ao mais alto cume, que abaixo dos teus pés são as nuvens que ocultam os rios e os vales; lá no fundo tudo permanece igual e a Cidade do Sol apenas é visível aos olhos luminosos onde as nuvens se dissipam.

10. Shambala ou Shangrilá estarão sempre para além do degredo do olhar.

11. À medida que os carmins do céu da tarde se apagavam, aquietava-se o coração do sonhador, não porque a noite vinha sobre as coisas, mas porque a voz do Admoestador chegava como um veludo da alma:

12. «Não penses mais em Damcar e encontrarás a cidade e o segredo que procuras em todas as cidades onde ofereças de alimento o coração que escondes.

13. «Todas as cidades onde as pedras dos cultos antigos ainda respiram na noite são Damcar, não o sendo.

14. «De Bagdade a Damasco, de Damasco a Bagdade não houve cidades do meu contentamento, só areias, penhascos e pés doridos, desolação, cansaço e sofrimento, porque a via da rosa é uma senda de espinhos: morre a flor e fica apenas o perfume, mas esse persiste na memória, mesmo depois do vento o desvanecer.

15. «Findas todas as caminhadas, fica-nos a descoberta dum suspeitado paradoxo: caminhávamos em busca da imobilidade; a rosa, essa permanecia no sítio exacto onde sempre estivera, esperando paciente o adubo da nossa própria carne, mas nada disto teríamos descoberto sem a sede dos desertos, apesar da sede dos desertos ser completamente desnecessária.

16. «Sabe que o caminho de Bagdade a Damasco é perfeitamente igual ao seu inverso, todavia, ninguém chega a Bagdade, de Bagdade partindo num destino sem regresso.

17. «Dá ouvidos ao mediador, àquele que fica entre cá e lá: “todo o mundo fechado tem um ponto central imóvel cuja expansão produz o movimento e tudo se manifesta pelo jogo ilusório de forças centrípetas e centrífugas”;

18. «Toda a acção exige um centro, um ponto de apoio, e assim se produz a vida; toda a agitação requer uma pluralidade de centros, e assim se produz a morte».


IV
SURA DA CONSTRUÇÃO

1. A. Q. J.!

2. Louvados sejam os quatro mil que sonham quando a cidade adormece!

3. Louvados sejam os trezentos que caminham entre as cidades cercadas!

4. Louvados sejam os cinquenta que agem enquanto a turba se agita!

5. Louvados sejam os seis que estão atentos e que sabem da palavra a impronunciável sílaba!

6. Nove vezes sejam louvados!

7. O que diz o Admoestador?

8. «Lágrimas e sal, fogo e mar, eis o que digo! o vento leva as cinzas, o tempo remove as memórias e logo vem a Primavera

9. Na abundância da forma, a terra sobrepôs-se a toda a qualidade e o sonho afastou-se para os antípodas da utopia.

10 Empedernido está o coração humano e, de homens e mulheres, a mente consolidada e útil é como terra: terra acarinhada e rica de colheitas, porém despida de flores de cheiro e ornamento.

11. O útil e o fútil, promíscua quinta-essência da pedra na morte dos humanos, labirinto e teia que perde o tecedor!

12. Só o Arquitecto vigia e sonha.

13. Atenta na sela turca, onde o dragão e a serpente desenham o oito e o ovo numa cópula de fogo, mas atenta mais na oitava rosácea da tua catedral, onde a luz não tem acidentes de cor e o Homem se faz palavra de entendimento.

14. Usa o sonho de construir catedrais e o olhar menino dos espantos e todo o desejo superará a tua altura, como um eco do desejo maior que sonhou a natureza e deiforme te quis.

15. Pedreiro, ergue o esquadro e o compasso, o pêndulo e o triângulo sobre a pedra bruta, porque arquitectura é a vida, mas todo o Templo é uma obra inacabada; cada homem e cada mulher, projectos precários dum projecto maior que os contém e os transcende, e é nisto que consiste a eternidade.

16. O Arquitecto vigia a obra que sonha, mas não faz; os obreiros, no fazer, procuram o segredo velado da construção.

17. Imóvel sobre a pedra angular, o mestre espera e medita; esta imobilidade é o projecto da acção e a razão do movimento.

18, Mas quando os obreiros, como insectos assustados, pactuam com o caos, a agitação dos gestos faz ruir paredes e abóbadas e o sol, a água e os ventos descarnam os alicerces, até que nova imobilidade sustenha o caos e se torne a força centrípeta do novo movimento e, assim, um novo ponto central de apoio marque o espaço e se torne na pedra angular do novo Templo que se ergue entre o caos e a ordem.

]


V
SURA DA VIRTUDE

1. SLB-WRD!
2. Louvado seja o Inominado e louvada seja a Sua luz no Homem!
3. Que, por quatro estações, os setenta e dois louvem o Alto!

4. Guarde-se o mortal do conceito, guarde-se o conceito do borrão: não digas, não pintes, não imites, nem faças da ideia presunção.

5. Do réptil ao carneiro vai um grito, entre o vício e a virtude está o chão, pede o ventre o fogo que o sacie, pede o medo a água da emoção.

6. O que busca, busca e se caminha encontra, se não caminha tem.

7. Sacraliza a natureza, porque ela é o altar da vida, e ama a pedra como pedra e ama o Homem como alma.

8. Busca no peito a luz e a virtude e a dor eleva como se fosse asa.

9. Ó, crentes dos deuses ilusórios, inventados tiranetes que os vossos medos erguem como sombras sobre os altares promíscuos das nações! de que vos servem deuses como vós, cativos, mortais e limitados?

10. Não digas, não pintes, não imites nem faças da ideia presunção, porque Deus é o Absoluto debruçado sobre o Infinito, a essência do fogo na invisibilidade da chama que gera os mundos.

11. Cuidado, crentes! Cuidado, virtuosos!

12. Porque aquele que descobriu a virtude, descobriu também o seu contrário e tornou inevitável o combate onde toda a vantagem é uma semente de orgulho, onde nenhuma trombeta toca em retirada.

13. Aquele que se deu conta da virtude, sentou-se na poltrona dos preconceitos: quando fala, a sua língua é uma espada de zelo e todo o gesto se veste de ameaça.

14. O trovão da ameaça é o primeiro acorde do hino da Sombra, o prenúncio da pestilência na palavra, o sinal da morte dos sentidos, o fechar da porta da alma, a assunção do pó como destino, porque todo o medo é um pacto com o Baixo.

15. Quatro são as direcções do vento, ó crente!

16, Desilude-te de que só do Alto venha a tua crença, porque é na razão, teu fulcro de relembranças, que o Alto e o Baixo se confrontam pela posse dos frutos da carne acesa sobre o mundo; as quatro hostes, terçando armas nos campos da razão, alimentam a alma, ou roubam-lhe o sustento. Eis o segredo da rosa e do seu perfume.

17. Relembrar a rosa, não é saber que o seu perfume é doce e suave como o mel, é sentir a dor, que nunca esquece, dos espinhos cravados da busca.

18. E porque da rosa não há semente, sempre há quem guarde da roseira os secos ramos e com sangue os alimente, para que reverdeça sobre os canteiros da Terra, tal os ramos de freixo que Seth arrancou à árvore do mundo, quando usou a espada que hoje repousa na bainha.

19. Perder a rosa, ou perder a palavra não é ainda a morte, mas a sombra no Homem e o ocultamento no destino.

20. Só as criptas do segredo permitem guardar da palavra o perfume e a verdade, porque, nos artifícios da História, o imperador sem Deus nem credo em constância decreta da palavra o arremedo.

21. Toda a palavra intemporal é uma rosa em botão que, desabrochando, se perde nas pétalas da verdade; nos espinhos, ferem-se as mãos que buscam e, no fim, só um inebriante perfume fica, que logo se faz lembrança adormecida.

22. Sagrado foi o fogo que temperou as palavras que o Homem guardou nos livros dos povos, mas, juntos ou separadamente, no tempo apodrecido o ódio e o amor vão mudando a constância e o sentido das palavras.

23. Por vales e montanhas repercutem-se os sons em mil ecos que se perdem na distância, mas as montanhas e os vales não são esses ecos, nem esses ecos são o som original, nem o som original se pode confundir com a fonte donde o som brotou.

24. Assim são as escrituras sagradas: vales e montanhas onde a palavra ressoa.

25. E há o ouvido humano e há a língua que se esconde na lura da mentira e há os que se vestem de virtudes de engano e são pasto de mil desejos.

26. Para o que se alimenta de mil desejos, múltiplas são as veredas da busca onde os desejos se saciam na febre e no cansaço, mas, só aquele que submete os seus pequenos desejos a um desejo maior e troca as veredas de engano e de cansaço pela senda que os corações amantes iluminam, acede ao critério da verdade.

27. O critério da verdade é o tribunal do justo; aí se separa o útil do fútil, a certeza da presunção...

28. Aí se faz a monda da palavra.

29. No tribunal do justo não cabe a vaidade e os seus juizes são réus do próprio julgamento, porque quem se elege juiz, elege-se ao mesmo tempo réu.

30. Nem o mais justo dos justos se pode eximir à Lei!

31. Mas, na monda da palavra, cuidado crentes, cuidado desatentos!

32. Qual o critério de dizer esta é a palavra e esta não é, se não pela verdade em tribunal de justiça, onde o mortal de mil desejos não toma assento?

33. Que critério, se não o da concupiscência, disse este livro é sagrado e este não o é?

34. Que humano ser, se não o de mil desejos, fez a monda da palavra no discurso do Profeta?

35. Não foi a monda do Homem de justiça!

36. Não foi o critério da verdade!


VI
SURA DO LIVRO DO MUNDO

1. HAM!
2. Louvada seja a Lua no horizonte e o crescente no coração dos homens e das mulheres!

3. A Vida é um cântico sublime, um cântico divino!

4. Está atento e vê como a Lua se gasta pelos dias e a morte é um prenúncio e um lugar, porque o Livro do Mundo é a mandala apetecível de todos os segredos.

5. Nem luz nem sombra: a noite é um ataúde de tristeza e é nesse negrume envolvente que o esquecimento se acoita, enquanto o dia não volta.

6. Está atento! porque quando o crescente assoma no horizonte, essa promessa de luz é o reacender de memórias de sempre no espelho antigo da alma.

7, Assim se regenera a vida e assim se regenera o Homem!

8, O Livro do Mundo foi escrito na linguagem simples dos pássaros, que o desatento não recorda.

9. É a carne da serpente que guarda ainda a semente dessa linguagem, porém, o verdadeiro segredo da serpente é a regeneração da forma.

10. Dá a serpente o que o dragão guarda; acende o dragão o que a terra esconde.

11. O segredo do dragão é a metamorfose do sopro.

12. Bem-aventurado é aquele que se ergue dos obscuros lugares da morte e, como um luar de Agosto, rasga a noite velada da memória.

13. Pecador é todo aquele que, por qualquer forma, dá ou recebe a morte em nome da morte, ou cultua a morte por exclusão.

14. Réu de morte é quem a morte invoca, blasfemo quem a glorifica.

15. No ninho da vida, pássaro inquieto é o pensamento humano; cântico sagrado, que o Homem e a Natureza entoam, é a vida; entoar amorosamente este cântico, é o plano do Alto para tudo o que vibra e tem um centro; pensar é a Graça indeclinável dos que são colunas de entre Terra e Céu.

16. Que não se iludam os crentes e desiludam-se os que pensam que a morte liberta a alma, pois a alma é o fruto da paixão do espírito pela matéria, o informe buscando a forma, o indiscernível traçando os seus limites.

17. O Espírito busca o espírito, a carne busca a carne e a cidade dos humanos fez-se para o enlace de uma e outra coisa, mas, neste tempo que apodrece, a carne é uma dor ainda sem remédio e sem sentido e o espírito um forasteiro na cidade.

18. Eis como o espírito se avilta na solidão de vazio, que é a morte da carne e que é a morte da alma.

19. É por isso que o espírito de vida, que renova o tempo, sempre que o tempo apodrece, reclama a assembleia dos próximos, na cidade dos humanos, no esconjuro dessa solidão de morte, na transcendência dos poderes da carne.

20. A alma é como a rosa; a cruz do mundo é o seu vaso natural e, sobre ela, o orvalho do espírito, esse mel da vida faz-se odor.

21. E eis que a seiva, veículo de todos os segredos da planta inteira, do primeiro segredo, da primeira palavra, do primeiro gesto, é memória repercutida em ondas mansas.

22. Sem um corpo, um vaso de sangue, dor e riso, a alma não tem suporte e esvai-se inútil no indiferenciado; não há alma que viva sem esse vaso onde o espírito a acende.

23. Mas a matéria onde a alma não floresça regressa ao caos, confundida e estéril e não tem acesso à inteligência divina, porque a ponte se quebrou ou nunca foi estabelecida; porque o espírito não encontra nela local apropriado para colocar a sua semente de luz.

24. Quem da carne tem o sabor - acre ou doce - mas só da carne o sabor, nega em si dois terços de ser, alimenta e enaltece a sombra, por mais que diga e queira servir o bem, porque ao ser humano não se pede que ame o bem, mas que o seja.

25. Mas, quem da alma se apaixona, de si se descuida, de ilusão se alimenta e do mundo se aparta num devaneio sem suporte, e esse devaneio é vaidade onde o amor fiel se perde.

26, Pelo amor ou pelo ódio, a submissão à carne é o caminho dos néscios e a sua negação o artifício dos fracos.

27. Quem diz amar a Deus, tudo o mais lhe sendo indiferente, não ama a Deus, mas a ilusão de Deus, e também isto é vaidade e presunção, porque não há amor a Deus, tomando-o como parte, nem parte em Deus que legitime qualquer desprezo.

28. O contrário é presunção e confusão dos sentidos, ilusórios frutos do orgulho da carne, e nada mais!

29. A gota de água justifica os grandes oceanos, conterá mesmo o segredo das marés, mas tu sabes dos oceanos pelos barcos que os cruzam, pelos continentes que os bordam, pelos ventos que enfunam as velas e agitam as ondas.

30. Como podes declarar a essência - que todavia desconheces - e negar a forma, senhora de todos os horizontes, se frágil é o discernimento de homens e mulheres nos seus invólucros de carne, e se o coração humano é um alaúde de mil notas imprecisas?

31. Negas a forma - a que te contém e que delimita as coisas do mundo na tela da razão - e chamas realidade ao que não vês e ilusão à contingência dos dias...

32. Cego és e desta cegueira culpas a mente, a qual te foi dada pelo Alto como um penhor, que tu recusas, e um privilégio, que tu não mereces!

33. A tua grande ilusão consiste nisto: julgares que a realidade do todo exclui a parte e que a forma nega o conteúdo.

34. A verdade é que tudo está em tudo, mas tu não estás atento.

35. Se entre a tua crença e a ciência do mundo houver contradição, vê se avisada é a ciência, ou se de ilusões te alimentas.

36. Se entre a tua ciência e as crenças que há no mundo não encontrares conciliação, vê nas veredas do teu percurso, qual o caminho de enganos que tomaste sem te dar conta.


VII
SURA DO LIVRO DA «CREAÇÃO»

1. AUM!
2. R.H.M.!

3. Três ordens de seres racionais convivem no Universo do Homem, que é o arquétipo da humanidade: humanos, génios e anjos.

4. Cinco mundos separam o mundo da carne do mundo do espírito puro neste Universo do Homem.

5. Ver este Homem de braços abertos, é vê-lo crucificado e ponte entre o espaço sem limites e o tempo sem medida.

6. Da coroa à cintura, um globo azul o veste, e este é o mundo dos anjos; o vermelho o toma da cintura aos pés, e este é o mundo dos génios.

7. Os génios pedem licença para tomar assento na sela turca; buscam os anjos o omphalós vibrátil, que tem o segredo da vida.

8. Dos nove mundos, estes dois, como anéis esplendorosos, interpenetram-se periferia com centro, centro com periferia, formando um oito que a carne não vê.

9. No espaço onde os anéis se enleiam, uma chama violeta se acende; no coração do Homem uma ametista de luz se forma.

10. Enquanto o pacto das duas ordens sustentar o infinito, os nove mundos terão um centro e o Grande Alquimista contemplará a sua Obra.

11. Veladores tem a Obra, no Alto e sobre a Terra.

12. O Mundo da Natureza foi dado à raça adâmica, para que esses humanos descobrissem o corpo e os cinco sentidos da exteriorização e, assim, é Adão que, na continuidade do tempo, ontem, hoje, em cada geração e em cada ser humano que abre os olhos para o mundo, o defensor de sempre da separatividade das coisas e da pluralidade dos nomes que as individualizam.

13. Noé defende o Mundo da Forma e os sete sentidos vitais.

14. Ibrahim reside no coração e vela pelo Mundo da Percepção Espiritual.

15. Muça preside à imaginação criadora, à soberania no Homem e à preservação dos laços.

16. David, aquele que pode dizer: «bem-aventurado o homem cujo pecado o Senhor não toma em conta», é o intermediário celeste.

17. Issa é o guardião do Mundo da Natureza Divina, ou da Contemplação, e preside à inspiração dos santos.

18. Muhammad é o grande velador do Mundo da Verdade, da Adoração, ou da Essência Divina e preside à percepção do sábio, porque ele é, na verdade, o arauto paraclético da Nova Era, aquele que recebeu de Gibran a mensagem percursora do segundo advento.

19. No Alto e sobre a Terra, desencaminhadores tem a Obra.

20. Satã, que é a sombra de Iblis no mundo dos enganos, é o grande desencaminhador.

21. Servindo-o, desencaminhadores são todos os que dividem o que Deus quis que fosse uno, e que dessa forma trazem a corrupção ao Mundo.

22, Destes, há os que odeiam e os que dizem que amam o Alto e a Virtude, mas todos são igualmente de temer, porque cultuam a noite fria e a morte e têm sede de sangue.

23. E, se de uns se sabe, porque o dizem, dos outros, porque calam, só os avisados sabem, por estarem atentos aos sinais.

24. O espírito de vida tem dois rostos e nele os olhos se confundem, como se confundem as almas enamoradas.

25. Duas raças há no Homem, como os olhos que se confundem, e a cada olhar separado se chama macho e se chama fêmea.

26. Como o Mercúrio e o Enxofre da Obra, Terra e Céu se confundem e o Sal se faz alegria e o riso ecoa como música das esferas.

27. Três caminhos levam ao Pai, quatro apodrecem no Tempo, mas de todos eles só um visa o Absoluto; esse caminho é a síntese suprema de todos os caminhos de realização, mas nenhuma palavra humana o pode dizer.

28. A palavra no Profeta é um eco, onde no comum dos mortais um arremedo se faz; onde na Rosa é perfume, é na Criança riso.

29. Ecoa nas eras como palavra o que é música das esferas nos espaços, mas tal como a inocência da criança se perde nos labirintos do mundo, assim se perde da música ao ruído o segredo da palavra nos labirintos de Iblis.

30. Nesses labirintos se perdeu a inocência primeira, porque onde o Homem se divide, logo a Palavra se perde e é na Palavra Perdida que está o segredo do Mundo.

31. Da separatividade nasceu o desejo e de haver separatividade é que o desejo tem alimento e aí reside o poder de Iblis.

32. Na copla se geram os mundos onde a Mãe é forno que o fogo do Pai alimenta.

33. Aí coze a taça das precedências, e toda a taça é símbolo da organização do caos e o espaço que a concha delimita não é o vazio, mas a ilusão do vazio.

34. Cada manifestação da Criança é um perpétuo renovar da inocência, pedra que a humanidade arrasta por íngremes encostas e sempre se precipita nos vales de sombra e constrangimento, e que assim será, enquanto a mácula prevalecer.

35. Do fogo nasceram os anjos; no indiferenciado se deu o vagido primordial da raça dos humanos.

36. Em face do Absoluto, desiguais são os anjos, como desiguais são os humanos no desafio do mundo, mas de qualquer forma, o destino do Homem é ter os anjos perante si e transformar esse mundo.

37 Por isso, cumprir o destino é não se parecer com a sombra, mas antes ser fiel à matriz de vida que o vaso original gerou.

38. Por mais que a saudade das estrelas consuma o coração do crente, transformar o mundo é, num júbilo sem remorso, plantar na Terra a fraternidade dos humanos.

39. Deuses e demónios: eis a acção do Pai no coração do Filho, bem e mal no coração do Homem.

40. E o Espírito Santo age sobre o mundo e o mundo se apazigua; ou antes o caos do mundo se agiganta e o Espírito Santo não toma assento.

41. Deuses e demónios são irmãos desavindos que disputam a herança do Pai no coração do Homem.

42. Sem os humanos, a herança não tem sentido e o combate não tem lugar.

43. Para além disto, luz e sombra, que mutuamente se justificam.

44. Mas para além de tudo, reina o Absoluto, onde, pela unidade de todas as coisas, o desvanecer de todas as ilusões e a superação de tudo o que é contraditório, o discernimento se esgota.

45. O fogo e o gelo constroem horizontes distantes e plantam desertos nas paisagens do olhar.

46. É assim que areias de febre e planícies polares parecem despidas de vida, o que é ilusão dos sentidos, porque ela tudo penetra e não permite o vazio.

47. A pluralidade é a sinfonia do Alto no concerto permanente da manifestação; cada forma simples ou complexa é um imprescindível instrumento de execução da obra, e o maestro espera que cada nota soe em ritmo e tempo certo.

48. Quando Deus sonhou a natureza, sonhou-a ventre e seio a pensar no Homem: pôs-lhe fogo vivo no útero, envolveu-a (para a proteger do caos) no manto diáfano da inteligência e entregou-a ao Homem como um segredo.

49. Mas, quando ao Homem permitiu a forma, por amor ou por compaixão, deixou-lhe dentro quanto à natureza pôs por fora.

50. Frágil é o discernimento de homens e de mulheres nos seus invólucros de carne, e os seus corações são alaúdes de mil notas imprecisas, mas é por estes alaúdes dissonantes que acedem à voz de Deus.

51. Deus não tem igual, não tem oposto, nem a razão o pode conceber em conceitos de verdade; só o coração que a Sua Graça acende o pensa e só a mente desvelada o sabe.

52. A magnitude do Seu corpo visível é o infinito de estrelas e galáxias que os sentidos apreendem quando a mente os encaminha.

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VIII
SURA DOS BENEVOLENTES

1. AUM!

2. Bendita seja a Estrela da Manhã e benditos sejam os que guardam o portal do Santuário Divino!

3. Em nome dos sete libertos, dos cinco puros e do seu mestre, estai atentos, porque entre o profano e o sagrado há o mundo ilusório dos que, invocando o nome de Deus, apenas se autoglorificam; neles o senso de justiça não pode medrar, porque a justiça é o fruto da mente sóbria que não presume nem arroga vantagens sobre o próximo, e porque onde o orgulho é mestre a injustiça é a lição.

4. Igual ao orgulhoso é aquele que se veste com o disfarce da humildade e vai pelos caminhos dizendo como seria bom que todos fossem como ele; porém, os que assomam às janelas dizem: «naquele, que mal lhe assenta a roupa!»...

5. Se te envergonhares das tuas muitas fraquezas, não te sobrará vaidade para enalteceres as tuas próprias virtudes, e isso é uma coisa boa, porém, doerem-te essas fraquezas não chega, arrancá-las de ti, também não chega, porque o que vale, o que é mesmo preciso é que deixes de viver inutilmente.

6. Serás útil servindo a humanidade e aí descobrirás o próximo e, só nessa altura, o amor te tomará, porque só nessa altura a tua inteligência e a tua vontade se fundirão na tua consciência afectiva, e a isso chamam os que sabem realização da virtude.

7. Pela harmonia se vence Iblis, pelo orgulho é Iblis quem vence, mas vencer Iblis com as armas de Iblis é entregar-se ao oitavo mestre das eras, ao senhor das sete rosáceas do templo do Homem.

8. Como um espelho onde se reflicta a tua face, vê-lo-ás numa luz sem acidentes de cor e os dois olhares sobrepostos confundir-se-ão na fusão dos amantes e logo o espelho se desvanecerá, levando da memória todos os desejos.

9. Restará então um só olhar ilimitado sobre a indizível face do segredo e do mistério e toda a cristalina poalha de existências será absorvida no esplendor lácteo dum fogo sem calor.

10. Usa a Vontade e a Razão sobre a tela da Virtude!

11. A razão não é um obstáculo para a luz, como pretende a falsa beatitude e os vencidos da noite, pois ela não só é luz, como é mais luz.

12. Mas atentai que a mente e a sua função buscam no enigma o comprazimento, e estai prevenidos, porque há uma realidade última, que é também a realidade primordial, onde toda a actualidade toma o centro, e sabei que a ilusão é uma realidade que apodrece.

13. Todavia, dos 18 000 Universos de Universos que Deus alinhou em duas hostes, qual é o que é real, qual o que o não é?

14. Não há uma realidade que é e uma outra que o não é; uma montanha não é mais real que um rio, nem o ódio mais real que o vento; para os mortais sobre a Terra, tudo é ilusão e descoberta, e não é a mente que destrói o real, mas o seu uso inábil e desatento.

15. Não é a forca que mata o condenado, mas o carrasco, que é a mão, onde o juiz é o mando.

16. Segredo escondido do desatento, mas verdade sem mistérios para o que sabe, é este: nas águas profundas da mente está o lodo e está o viço do tempo e da memória; em cada espécie, todas as espécies, no animado, todo o inanimado e, assim, aos que deploram a mente, aos que deploram o destino e as sublimes outorgas que às pedras não foram concedidas, bem melhor fora que em estátuas de sal se tornassem, pois são estrangeiros nas três ordens do Universo do Homem.

17. Génios e Anjos reverenciam todo aquele que sabe o justo peso da vontade e da mesma vontade o justo uso.

18. Os anjos respeitam e os génios temem o que usa a vontade, essa condutora da razão, que é indução do Poder do Pai no coração do Homem, como o excalibur do reino da acção discernida.

19. Eles reverenciam todo aquele que tem na fronte o reflexo do Poder de Deus e porque neles a vontade é exterior à individualidade, ao humano que abandona a sua espada de poder, eles a tomam e os senhores de uns e de outros a dão a quem intendem.

20. Aparente é a serenidade das montanhas recortadas no horizonte; ilusão é a de quem as julga eternas!

21. Nenhuma montanha é eterna, por mais que permaneça cruzando eras; mas mesmo que não haja montanhas - ou havendo-as, nem o Homem nem elas o saibam - só o princípio que as inventa, e que inventa também os mortais, tem o sabor do eterno; e isto é o segredo!

22. A razão é um arauto da paz e esta o vínculo da unidade do espírito, mas o desejo de paz só cresce na medida em que o escândalo da guerra esgota o ódio nos corações desvirtuados.

23. Muitos são os indiferentes à dor que habita do outro lado da rua e se mostram sensíveis à fome de homens, mulheres e crianças em terras distantes, que nunca habitaram. Esses são desatentos!

24. Como pode o desatento servir a humanidade, se não conhece o segredo da Assembleia de Próximos?

25. Como pode amar a Deus o que aos humanos, seus irmãos, não entende?

26. Como pode amar os Céus o que não cuida da Terra?

27. Tal como, na roda, o ponto fulcral imaginário, agir sem se mover é o segredo do centro imóvel, a consciência unívoca de que a diversidade se alimenta.

28. Agente e emanação de desejos contraditórios, de nada vale à pessoa humana, na sua periferia da roda - que mal suspeita - protestar o seu amor pelo centro imóvel, se descuida o movimento, que é seu dever e é o desejo desse mesmo centro que em si se realiza.

29. O Homem não é o seu conceito! Eis a chave para a relatividade das coisas; eis a cisão, entrada do labirinto de Iblis, aquele que nos ama com o calor da carne e nos divide com a força da dúvida.

30. O mundo dos fenómenos é a diversidade manifestada ao olhar intranquilo do Homem e a razão é a inteligência da alma discernindo sobre ele, porém, o racionalismo positivista é a retórica da razão a explicar a morte do sonho e, assim, a atrofia da alma.

31. Adubo da alma é o sonho, que preside ao parto de todas as utopias; sem o sonho, qualquer humano, por mais que se tenha alimentado da semente de sésamo, será um animal racional, mas estúpido.

32. Desiludam-se os que pensam que a alma é uma quimera, mas desiludam-se mais ainda os que a julgam imperecível, porque a alma definha e morre, como definham e morrem as plantas que o jardineiro descuida.

33. Muitos são os que consumiram a alma na vida desatenta; imensidão é a dos que não a conquistaram, mas uns e outros têm dos humanos a aparência do rosto e o engano do porte.

34. Alegrem-se, porém, no Homem as almas antigas e violáceas porque se o tempo leva o viço dos corpos, nas almas cuidadas faz precisamente o contrário.

35. Não louves a virtude daquele que do berço veio cumulado de graças, louva sim as pequenas conquistas dos fracos e dos pobres em espírito que rompem os pactos com a miséria e se erguem da lama como pequenas flores que a vaidade desapiedada procura pisar.

36. Sê um bálsamo para as feridas dos injuriados e ergue a verdade - que liberta - contra o erro - que agrilhoa!

37. Onde houver mentira, vaidade, loucura e sofrimento, aí esmorece Deus no coração do Homem e um pacto de morte é todo o merecimento.

38. Atendei, crentes e simples, aos sinais!

39. Virai as costas aos que vos querem sujeitar pelo medo, ou vos prometem libertar da prisão da carne pela dor, ou conquistar os céus num mar de lágrimas.

40 Onde não for suave o jugo e leve o fardo, não é a casa do Senhor.

41. O coração humano é como uma janela virada ao sol, mas se a espessa cortina da tristeza se fecha, a sombra toma o Homem e a alma deixa a sua alcova.

42. Só a alegria pode enaltecer o coração humano e só enaltecido e iluminado o coração se torna uma oferenda no altar da vida.

43. Em nome dos sete libertos, dos cinco puros e do seu mestre, pugnai por uma mente sóbria e um coração jubiloso.

44. Benevolentes e caritativos são os Fiéis do Amor que moram nas cidades dos homens e das mulheres; segui-os e temperai o coração.

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IX
SURA DO MERECIMENTO

1. IAM!
2. Louvadas sejam as quatro estações e louvado seja o pão que nas quatro se partilha!

3. Cavaleiro andante, peregrino do tempo é o Homem; ele percorre sendas e eras e, quando levanta a viseira e se ergue um pouco sobre a sela, não sabe bem se melhorou a visão, ou se afastou os horizontes, apenas sabe que depende da sua montada, por isso a cumula de atenções, está atento aos mais pequenos sinais.

4. A esta atenção chama-se conhecimento.

5. O Homem desatento é uma ampulheta vazia, um guerreiro vencido que se perdeu do seu exército e busca o rei, a quem jurou fidelidade, no sítio onde ele não está; ao cavaleiro desatento, até a montada se lhe escusa.

6. O Homem desatento pode a noite e o vazio, pode a dádiva suprema, o amor sem objecto, mas por tudo isso apenas lhe cabe o destino do amante enganado.

7. Perdeu-se dos seus irmãos e a dor dos outros não consegue um eco no seu peito, porque aí secou o rio da compaixão e aí se esvai a memória das últimas lágrimas vertidas.

8. Poderá então, no esconderijo do silêncio, fechar definitivamente a porta da atenção, que não cultiva, e correr a cortina da memória, que não acarinha.

9. Que cuide disto aquele que é generoso, de perdão fácil para as grandes ofensas e mesa acolhedora às grandes fomes, porque nos canteiros descuidados do jardim dos grandes gestos pode a erva daninha do ódio confundir de paixões os ramos amorosos.

10. O coração, por mais generoso, corrompe-se facilmente naquele que é desatento.

11. Não é de minúsculas gotas de água que se alimenta a ferrugem que corrói o ferro?

12. O Fiel do Amor é um Neófito na Senda em que o Homem Divino é o Instrutor Perfeito, por isso não encontrareis aqui decreto ou instrução que vos dê acesso ao galardão e desejá-lo é já negá-lo.

13. Só a Graça do Alto pode dispensar alguém do trilho do amor humano, de que o amor divino é o paradigma, porque Deus é a Lei que a si própria se justifica.

14. No Universo do Homem, a fêmea é a porta de que a natureza é o ventre; o macho é a chave de que o céu é a resposta.

15. O conhecimento é a luz da alma e a ignorância o obscurecimento de Deus, pecado mortal dos humanos e alimento da sombra; por isso o sábio é o convidado de honra no banquete do seu Senhor.

16. Grande é a alma do santo que conhece a Deus no seu trono de luz, mas a alma do sábio tem o tamanho do mundo, porém, não é santo o que se embriaga em ilusórios desejos de Deus e repudia o mundo em Seu nome, nem é sábio o que desconhece Deus, ou o que perante o Seu trono não desvenda o Segredo que há na natureza.

17. Imitar o «creador», não a coisa «creada»; eis o caminho da saudade e a razão do amor; eis o regresso na essência, o rumo certo na espiral do desejo divino, a transcendência do alor humano, sem o perder.

18. O desejo divino chama-se seiva na planta e é sangue e sémen e sopro no Homem.

19. Por mais que os ventos esboroem as altas serras, espalhando-as por vales e planícies, por mais que os rios corram para o mar, sempre o chão se ergue e se faz montanha, árvore ou Homem; sempre o mar se fará nuvem e tudo isto é um erguer de braços ao sol, um gesto que ficou duma saudade que se não sabe.

20. É o apelo do Pai, dirão muitos e, mortificados de saudade, fundam ideais de regressos ilusórios, como se a bicho ou pessoa fosse dado duas vezes beber água do mesmo rio.

21. O destino do rio é ser mar; o destino do mar é ser nuvem; o destino do Homem é ser pai e ser mãe, para que na maré de vida as ondas se não neguem à praia, e é este o regresso, que o não é na aparência.

22. Muitos são os que confundem o uno com o único.

23. Contrário de disperso - que é o caos e é a morte - ser uno é deter o segredo de toda a diversidade visível e invisível, e isto é a vida; ser único é ser-se em solidão, sem oposto nem igual.

24. Deus é único em ser total e Nele tudo o mais é parte; é a fonte de vida, que não exclui a morte, porque esta é a porta de acesso aos mistérios maiores da maré de vida, cadinho da renovação da forma.

25. Porque de duas raças são os humanos e são os bichos no mundo da carne, por suas naturezas divididas, neles a solidão é um vestido de morte; natureza completa é a de Deus e a Sua solidão é o exercício de ser total, para além da vida e para além da morte.

26. A alma é uma conquista para os que em sabedoria amam sem limites e uma derrota para os que a incensam no altar dos desejos.

27. Os conquistadores unem-se ao Grande Todo; os derrotados tornam-se cidadãos dos reinos ilusórios da Luz e da Treva; são prisioneiros da individualidade.

28. Mas, para além destes, há os que devoram a própria alma, até que mais não reste que um enorme deserto de carne, onde a dor e o riso cumprem o seu destino de ser pó.

29. Da mesma forma morrem as estrelas.

30. O crente, que conquistou a alma nas batalhas da fé, sabe não haver nada para compreender, antes a luz que o toma é a compreensão infinita que o despe de todas as ilusões e o deixa - qual refulgência do vazio! - como taça luminosa que o amor divino enche.

31. Quando o filósofo constata que não há nada para compreender, de igual forma se torna refulgência e taça.

32. Pelo caminho do crente, ou pelo caminho do sábio toda a sensação de vazio é ilusória e é ainda um desejo; o desejo de plenitude que todo o vazio provoca.

33. Mas o vazio é apenas mais uma estalagem de enganos e o místico tão-só o humano nu prestes a renunciar ao privilégio da dor, à beira de encontrar-se em Deus, ou perder-se no círculo fechado da ilusão de Deus.

34. Se não romper o círculo ilusório da luz que cega, será, porventura, mais uma estrela nos céus infinitos, enriquecerá quiçá as cortes celestiais que imaginou, mas deixará certamente a humanidade sofredora mais pobre e mais só, na semi-penumbra que as estrelas não confortam.

35. Sábio e santo é o que se entrega - crucificado e vivo - como penhor e como resgate do mundo e dos humanos, mas que nunca diz: «salvé, ó cruz, única esperança»; tampouco espera, age.

36. Esse serve a Deus, servindo a humanidade e nenhum círculo fechado de ilusão o pode deter, pois sabe que a mesma porta serve aos que entram e serve aos que saem.

37. Esse não inventa companhia ao Inominável Solitário, porque a sua língua é de luz e não cabe na lura da mentira.

38. No uso das palavras, estai atentos, porque os parciais aspectos que tomais por Deus não são, de modo algum, de Deus partes verdadeiras, mas vícios da mente que investiga.

39. Que não divida o Homem o que o Alto quis indivisível, nem tampouco confunda o que a Lei pôs em distinção, porque o critério da verdade é pertença do justo e o justo não se arroga.

40. Não basta ao ser humano abster-se do Mal, nem é suficiente que pratique o Bem, é preciso ser o próprio Bem; réu por omissão é todo aquele que se demite de agir.

41. Pugnai pelo critério da verdade, mas atentai: não se julgue justo o que espera a chegada do Bem, porque o Justo caminha e age e o Bem não é o orvalho que a noite traz e a manhã retira.

42. Aos que se dizem cristãos, cuidado, porque muitos são os que assim se dizem, mas o próprio culto é a violação do que veementes afirmam, pois usam símbolos de morte em detrimento de símbolos de vida e ressurreição; cultuam imagens que são retratos fiéis das suas próprias fraquezas, nisso julgando pôr o seu fervor por Deus, à revelia da Lei que os Profetas exararam no Livro por mandato inalienável do Alto.

43. Deles se pode dizer o que já foi dito no Livro: «Trocaram a glória de Deus imperecível por imagens de homens perecedores, de aves, de quadrúpedes e de répteis.»

44. Toda a ilusão: do mundo, de Deus, ou da sua negação, é um pacto com a morte e com a sombra.

45. No mundo dos fenómenos, tudo o que teve um começo, terá necessária e inevitavelmente um fim, mas nenhum fim é derradeiro, é antes e sempre um novo recomeço, o cumprimento da lei que permite a renovação permanente da forma; lei que o Homem dominará um dia, quando ardentemente a desejar no seu coração e o seu propósito servir o Alto.

46. Calem-se, pois, os milenaristas e os profetas da desgraça, que não tendo assento no tribunal dos justos nem acesso ao critério da verdade, dão testemunho do que não sabem e confundem a morte dos dias e das eras com fins que imaginam nos propósitos de Deus.

47. Que injusto Deus imaginais, ó manipuladores do medo!

48. Um Deus que mata a esperança no coração dos homens e das mulheres e os reduz pelo medo à servidão.

49. Deus distingue com coroas luminosas os que servem a luz e erguem a cerviz como senhores, e trata como sombras os que têm o rosto sobre a lama e o degenerado gosto dos escravos pelos grilhões que os tolhem.

50. Como podem os anjos reverenciar o Homem que pelo medo é servo e que pela lama é sombra?

51. Das grades que o limitam e que foram forjadas pelos vossos olhos, libertai o texto das Escrituras que empunhais; libertai-o, para que o espírito jorre dele e assim vos liberte a vós na alegria da criança que abre para os canteiros do mundo os olhos desmedidos de futuro.

52. Pobres em espírito, ganhai do céu o canto que a Graça vos concede, mas não vos percais pelos labirintos de Iblis, que não entendeis.

53. Certeza sem regra é a Fé; com ela a pessoa humana não tergiversa, a noite faz-se manhã e o tempo faz-se futuro.

54. Um fogo que devora e ilumina paisagens impossíveis é a Fé, cuja fonte está no omphålós do Absoluto, como a água está na nuvem.

55. E se a água pode ser rio e mar, pântano, charco ou gota, também a Fé toma a pessoa humana de acordo com as suas margens, no campo dos seus limites.

56. Mas qualquer um pode tomar por fé as suas certezas, que julga absolutas, e assim porá um lastro no sonho e as janelas da vida ficarão fechadas aos muitos acidentes da cor.

57. Carvão de brasa extinta se faz aquele que desatende o que a vida lhe deu e despreza a diversidade em nome do uno quimérico que obcecadamente inventou.

58. Uma chama viva é todo aquele que entende que a expressão do uno é o diverso; aquele que, em cada ramo que toma, mais encontra a árvore e, quanto mais conhece a árvore, mais e melhor sabe que na ínfima semente está a árvore toda.

59. Na assunção da Graça, há a Fé do que, faminto do Alto, só de fé se sacia e há a Fé do que, faminto de tudo, acede à Graça pelos caminhos da virtude; entre um e outro estão todos os homens e todas as mulheres em que a alma cresce nos campos da luz.

60. Porém, muitos são os homens e muitas são as mulheres que, por desatenção, tomam por gente de Fé e de Virtude desencaminhadores vestidos de vaidade e presunção ­­- não tomados pela Graça - e que por esta vaidade e por esta presunção se identificam com quantos calculam e não sabem.

61. ... E cálculos e convicções dos planos do Alto para o mundo têm muitos...

62. Há os que, renegando em si o que no mundo lhes desagrada, julgam ver morrer no mundo o que só em si morre e confundem a luz do Alto com a ideia que formam de Deus e a fome que têm de Absoluto com os desígnios divinos.

63. Estes são pessoas humanas boas e tementes a Deus, mas não temem o suficiente, porque dizem de Deus o que Deus não disse; nem são suficientemente bons, porque não são justos, pois não são justos os que julgam elevar pelo medo os seus irmãos, quando ao Alto só se acede pela Graça e pela Virtude; o medo é sempre um pacto com o baixo.

64. Ide pelos caminhos do amor na fidelidade à vida e não encontrareis remorso ou punição; ide pelo caminho da Criança, que isso é transcender o humano sem contudo o perder.

65. Até o que ama desencaminhadamente é salvo, se acima de todos os seus próprios e mesquinhos interesses põe o amor e o serviço como bálsamo à dor dos seus irmãos.

66. Mas o que, de amor ao Alto se arrogando, se aparta do mundo em claustros incensados e frios, busca na ilusão do caminho certo a vereda de perder-se.

67. Nos enganos do incenso, só a si se engana, não a Deus, a Quem nenhuma mentira, por mais insidiosa, ilude ou prejudica.

68. Um dia ser-lhe-á perguntado: porque deixaste os pecados do mundo aos teus irmãos, como tormento, e guardaste para ti o aconchegado silêncio do desdém e da soberba?

69. Correr as cortinas sobre a dor do mundo é inebriar-se alguém com o silêncio da apatia; é uma fuga pela imobilidade, e é um ritual de morte.

70. Estar no mundo, sem ser do mundo, é colocarmo-nos na frente do combate contra o erro, sem querer da vitória ou do martírio que nos caiba mais do que a honra de servir, porque esse é o grande privilégio da vida.

71. Para o que está atento e ama, eis a transcendência do mundo e da carne pela crucificação da luz.

72. O Fiel do Amor entende isto, porque ele é um Neófito na Senda, por isso tem um coração inteligente e vai pelos caminhos do mundo e não se perde.

T


X
SURA PARA O QUE ESTÁ ATENTO

1. AUM!
2. Louvados sejam os pilares do céu e as estrelas que a noite acende!

3. Os Senhores do Tempo animaram a poeira das estrelas para que a memória fosse carne e a matéria bruta se fizesse alegria e contemplação no destino do Homem.

4. Como um cântico de fogo, a vida aninhou-se num óvulo de luz que a não pôde conter e logo, numa explosão de mil sóis, por doze universos se espalhou e este foi, de nove mil, um elo numa cadeia de começos.

5. Um julgador foi dado e serve estes doze universos, onde juiz e réus são um só, mesmo quando os separa a cortina do tempo.

6. O que está atento sabe disto e o riso do néscio não o perturba, nem a maldade que se esconde na sombra o fere, porque sabe que a ignorância é o único pecado mortal, e é mortal porque produz a morte da alma.

7. Não maldigas os teus passos, as acções das tuas mãos, o que vêem os teus olhos, nem as contraditórias marés dos teus sonhos; vive as tuas ilusões com a inocência do menino e supera-as com a serenidade do sábio.

8. Servidos por um julgador, doze são os sentidos da pessoa humana sujeita à carne: com cinco sabe do mundo, com sete sabe da carne; com cinco ilude-se e mente, com sete celebra pactos.

9. Seis são os aspectos da carne e de pactos se tece a vida sobre ela: por cada aspecto doze são os pactos, por cada pacto um senhor.

10. Atenta, ó crente! que por mais que os limite o espaço e os separe o tempo, juiz e réus são um só na consumação dos mundos.


XI
SURA DOS SINAIS DO AFECTO

1. IAM!
2. Bendito seja o vento que leva o nevoeiro e bendito seja o sopro que faz do barro carne!

3. Cuidado com o que louvas! Cuidado com o que condenas!

4. Que não seja o teu amor ao Alto o disfarce com que te escondas dos outros homens, nem o teu ascetismo a vaidade de te creres superior em pureza e merecimento, porque mais ama Deus quem, desconhecendo-O, espalha a alegria por onde passa, do que ama quem O louva e Lhe ergue altares de incenso e sacrifício, mas se furta aos caminhos da vida onde os homens e as mulheres se atropelam, porque Deus paga com ternura a colheita do riso e retribui em lágrimas sem remédio o frio e a noite no coração dos tristes.

5. Aos fiéis do amor manda Deus servir licores de solicitude e lhes acrescenta os dias para que melhor O conheçam e mais sirvam os seus irmãos; aos que O incensam com orgulho vão e vão propósito, dá Deus a noite de que são credores, para que o dia os tente como um desejo e assim possam, no seio dos homens e por sua vez, conhecê-Lo também melhor.

6. Quem a pés juntos pisa o animal que alimenta os seus desejos, não abafa os desejos, nem esmaga o animal, pois o desejo foi dado ao ser humano, para que amasse a vida, e também a dor lhe foi dada, esta para que repudiasse a sombra.

7. Quem disse que a corte dos Santos é um exército de suicidas? Quem disse que o desprezo da carne é a chave dos céus?

8. Quem nega a luminosidade da carne, nega a noite e nega o dia; nega a evidência da totalidade da Obra.

9. Deus ama os que se esquecem de si mesmos e do mundo, porque só para Ele vai todo o amor que podem, mas ama muito mais os que da Sua Obra nada descuram e a tudo estão atentos, porque é nestes que Se revê.

10. Por amor aos primeiros, derrama Deus sobre o mundo o seu perdão, mas é por amor aos segundos que atenta no mundo, porque se o não fizesse de nada serviria o perdão.

11. A uns e outros entrega ao Tribunal dos Justos, que ao que esquece dá o esquecimento total e ao atento a memória eterna, porque esta é a paga do desejo e do merecimento.

12. Deus ama até os que vivem em desatenção de tudo, ou em permanente glorificação da morte; o Seu amor por estes chama-se tristeza e é por eles que as lágrimas no mundo são possíveis.

13. Ó simples que crêem! Ó simples que não crêem!

14. Para o júbilo e para a dor, para o bem e para o mal, todo o direito que reivindicardes será vosso; no bem e no mal, tudo vos é permitido, excepto a inconsequência. Eis o penhor da vossa liberdade!

15. Se o vosso incontrolado desejo promove a vossa boca, incomensurável será ela, até que o mundo seja devorado no vórtice mortal da vossa gula e a noite se prolongue na impassividade das estrelas.

16. Estai atentos aos sinais e não vos iludis, porque, quando o cálice do futuro parece vazio, a pessoa humana ilude-se, tentando enchê-lo com os seus ideais e com as suas lágrimas, mas em cada ideal e em cada lágrima, como um luto, só o passado toma assento, enquanto ele se mortifica na corrente dos dias do presente adiado e alimenta os filhos que gera de cediços tempos, matando na criança a semente das eras.

17. Porque não existe o vazio, a inocência da Criança é apenas o vazio ilusório da taça onde o Grande Alqui­mista produz o confronto re­novado do Mercúrio e do Enxofre; aí se confundem Céu e Terra, no enlace dos amantes, e quando o Sal se faz alegria e essa alegria se faz riso, a música das esferas torna-se audível e inebria os ouvidos atentos.

18. O Homem é macho e é fêmea, é luz e é sombra, é choro e é riso.

19. A dualidade está no Homem e as encruzilhadas que unem e desunem desejos e ilusões estão nos caminhos da vida.

20. Mestre da dualidade e senhor das encruzilhadas é Iblis, o grande rebelde das hostes da luz, aquele que, quando o Homem foi investido em pilar de entre Céu e Terra, se recusou a reverenciá-lo, amando-o, todavia, mas deplorando-lhe a forma que o limita, desde então.

21. Mas Iblis - aquele que acordou e é a mente do Homem, e que reina sobre os génios - não é o inimigo de Deus. Como sê-lo, se o Inominado não tem igual, nem tem oposto?

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XII
SURA DOS PACTOS DE MORTE

1. R.H.M.!
2. Louvada seja a vida e todos os seus cânticos de luz e forma!

3. Dar a vida por amor aos outros e ser capaz de perdoar ao próprio algoz, eis a purificação cármica para o Homem e para o Mundo; eis o triunfo e a transmutação em nome da luz e não os sortilé­gios voluptuosos de Masoch.

4. Todo o suicida sete vezes será réu de morte, sete vezes gritará: «quero viver»; sete vezes morrerá no sangue, sete vezes morrerá no sopro e sete vezes dirá: «quero viver!»

5. A morte desejada é um prazer lúbrico, a manifes­tação duma libido perversa e, assim, um pacto com as forças que regem a bestiali­dade; para os servos de Satã, é a porta grande do acesso ao reino do senhor a que se dão.

6. Quanto maior o ritual, maior o privilégio; quanto mais sangue, maior a transmutação.

7. Cuidado crentes e cui­dado desatentos, porque matar é sempre servir Satã, e isto o faz o carrasco, o assassino e o suicida; para a mão que arma e para a mão que mata o pacto é o mesmo e não há morte ritual sem pacto e sem transmutação.

8. Todo o mártir, toda a vítima é sempre um cordeiro imolado, de quem nenhum pecado será lembrado em tribunal de justiça.

9. Pela sua força arque­típica, a morte na cruz é o ritual dos rituais de todos os pactos de morte, por isso, os que se elegem para a cruz, porque amam a morte e têm pacto com a dor, jamais conhecerão o sentido liberta­dor da crucificação de luz, pois só têm olhos para o signo e não vêem a realidade que o precede, só atentam na aparência e desconhecem a polissemia da vida.

10. Estes, na verdade, desprezam a obra prima do seu Senhor e nisso são réus de ignorância e desamor, de nada lhes valendo os grandes gestos.

11. A morte na cruz é a descida aos infernos; o desejo dessa morte é vaidade, presunção e blasfémia e um pacto irrenunciável com a Treva.

12. Por isso o Cordeiro grita: «afasta de mim esse cálice» e quando no corpo macerado recebe a morte - que todavia repudia - triunfa sobre a carne, porque não lamenta a vida, antes a deseja e cumpre e, ao perdoar aos agentes da Treva, põe-lhes brasas purificadoras sobre as cabeças, assim os punindo com o mais sublime dos perdões.

13. Quem quiser entender, que entenda e quem quiser celebrar pactos que o faça, mas faça-o de acordo com o seu livre arbítrio, usando o discernimento a que o Ancião o chama, porque este não é há muito o tempo de Muça e, de Issa, é já o tempo que finda.

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XIII
SURA DA FUNDAÇÃO

1. LAM!
2. Kalám-i-Illahi!
3. Louvado seja o Reino e louvada seja a Coroa!

4. Dor e cinzas!

5. Dor e cinzas no ruir das muralhas que os humanos ergueram para se dividirem, dos muros com que se privam uns aos outros do que apenas lhes pertence em usufruto e sem exclusão.

T

6. Aqui está o mundo das concepções dualísticas: há o caos e há a ordem e a Luz que alimenta a ordem e a Treva que alimenta o caos.

7. Bem sabeis - atentos e desatentos - que a cadeira de Pedro é a sombra do trono maior do Ocidente, mas nela, que luz toma assento, além dos falsos resplendores da ostentação?

8. Dos quatro cantos da Terra, soa o nome que a sombra tem sempre que Cristo se faz Luz.

9. Um surdo pavor espera e um eco de medo chega e só a voz dos Justos pode falar mais alto...

10. Louvado seja o Reino e louvada seja a Coroa!

11. Corcéis de Vento sobre caminhos de fogo nas florestas do mundo e as espadas dos Justos trazem prenúncios de morte.

12. As suas espadas são imunes à corrosão e detêm o segredo da Fundação para as cidades humanas, que ciclicamente se erguem das cinzas.

13. Dor e cinzas esperam o ruir das muralhas que demarcam os dois lados que o ódio tem.

14, Reis de vaidade e mentira erguem tronos sobre a areia de ampulhetas quebradas.

15. Eis o mundo dos homens e eis o mundo das mulheres!

16. Louvado seja o Reino, louvada seja a Coroa!

17. E neste mundo dos humanos que o Ocidente gerou, três igrejas à beira do abismo ainda prevalecem.

18. Numa o trono imperial entra em ruína, noutra o ouro consome o Homem e na terceira o Homem consome-se a si próprio.

19. Uma fala em nome do Filho do Carpinteiro e usa os passos e as vestes de Constantino; outra usa de Pasquallys a trilogia, como logos, e a banca onzenária, como praxis; a terceira esconde-se no Império do Meio e é a síntese de tudo isto.

20. Espantam-se os humanos de olhos ainda débeis, de ouvidos incrédulos, mas o jaspe e a safira não têm precedência sobre o jacinto nem sobre a ametista; nem o topázio e o crisópraso são preteridos perante a calcedónia ou perante a esmeralda, porque, pelo segredo da pérola, são pedras de igual valor, a que só a cobiça de homens e de mulheres pôs distinção de preço.

21. «Ai de vós, doutores da lei, que usurpastes a chave da ciência!», pois que assim é com a palavra; assim é com os profetas.

22. É pelo poder de Iblis que toda a divisão toma assento na alma humana, porque assim o quis o Inominado, tal como quis que duas pernas determinassem o sentido dos passos e duas naturezas velassem pelo destino.

23. Ingénua, a alma ora se envolve nos artifícios da mente e, no trono da razão, preside à conciliação dos contrários, ora se rende ao instinto e cai nas teias dos antagonismos.

24. Por um e outro caminho se têm os caminhos do tempo e os caminhos do Homem.

25. O instinto busca a preservação dos sentidos e, pelo egoísmo, cria os guerreiros e as nações; a mente ergue a espada do justo e forja a pena do sábio e tudo isto está certo para que a vida flua como um rio no leito que lhe é próprio.

26. Mas pode o instinto entregar o Homem à irracionalidade da besta e para nada lhe servirá o trono e a mente; ou pode a mente perverter o instinto num pacto de morte e tudo isto é possível pela ilusão do crente e pela ignorância do desatento..

27. Negra é a morte no imaginário humano e vem sobre o crente como uma dor esperada e sobre o descrente como um roubo.

28. Possa o que abandona os seus despojos olhá-la como uma luz que se fecha do lado mais denso da vida e logo se acende do outro lado que assoma.

29. Possa essa dor ser a dor dum parto que sempre se renova e que não haja, na morte do desejo, ladrões escondidos por veredas mal iluminadas.

30. Ilusão é a morte, como ilusão de morte é a daqueles que vêm encaminhar os passos incertos dos que vão pela vida adormecidos e, ao descerem da quinta região do espírito, olham o negrume da região da mente, onde mora toda a manifestação, como uma queda e uma morte, pois que até estes se iludem.

31. Diferentes são todos os homens, diferentes são todas as mulheres e diversas são as suas ilusões.

32. A ilusão do santo não é a ilusão do pecador!

33. Cem mil santos e vinte e quatro profetas renovaram a palavra nos caminhos do Ocidente, mas se da palavra renovada muitos são os livros que o Homem sabe, mais são os que ele não sabe e, dos que sabe, mais tem do que o mundo quis do que do céu lhe veio.

34. Do que o Homem sabe da palavra renovada, vinte e sete são os livros que Roma guarda, mas de todos eles só um guarda do Profeta a água viva.

35. Em treze está a palavra que move e não compreende; noutros treze a palavra que compreende, mas não move.

36. Por vinte e seis se tem o tempo limitado e por um só se tem o tempo sem limites.

37. É porque os profetas ecoam nas eras o que as eras são que os apóstolos, os santos e os profetas, quando falam da Vontade de Deus, apenas exprimem a vontade que têm da Vontade de Deus e a Cólera que exprimem como de Deus, quando lhe chamam Pai, é a cólera - que é também amor - que sentem quando se sentem pais dos seus irmãos que vêem perdidos e dispersos.

38. Mas isto são limites dos santos, apóstolos e profetas, não são limites de Deus!

39. Por isso, quando os livros das eras falam da Ira, da Cólera ou da Vingança de Deus, tais atributos vêm da boca do Homem e são dele logos e praxis, tudo o mais é ilusão e confusão dos sentidos.

40. Os Fiéis do Amor não atribuem a Deus os defeitos do Homem, nem usam palavras de ameaça.

41, A cada humano põe Deus uma guerra por dentro e aquele que em verdade o compreende torna-se um cavaleiro de mil batalhas e, se não faz o pacto dos cobardes nem usa a espada da soberba, por mais feridas que receba, será sempre um vencedor e não estará sujeito à segunda morte.

42. Todo o humano pode tomar de Iblis um djin e pô-lo ao seu serviço, mas não deve descurar que aquele que tem um génio, logo o génio o tem também.

43. Todo o humano tem, para o servir, um anjo, mas o anjo que o serve, serve primeiramente a Deus e se alguém pede o que Deus nega, o anjo se retira e deixa ficar a sua sombra, que é também a sombra do Homem.

44. Para cada rei sobre a Terra está reservada uma batalha de fundação; nesse vale de Armagedão, toda a fundação se faz sobre as ruínas do império que o tempo apodrecido consumiu.

45. Então, ora se ergue e cai Sodoma, ora prevalece a ruína, até que a Nova Jerusalém se estabeleça na cidade dos humanos.

46. A Luz que gera a luz não é branca; a Treva é a negação da primeira e a sombra a afirmação da segunda.

47. Entre a Luz e a Treva, movimentam-se os objectos e animam-se as sombras.

48. Anima-se o objecto, se a alma o toma.

49. Desvanece-se a Treva, sempre que a Luz a rasga.

50. No cristal, a sombra chama-se cor, e há almas como ele - e são muitas! - e há almas que são opacas - e são mais, ainda!

51. Uma estrela, quando anuncia a sua morte, intensifica o seu brilho

52. O cisne não chora, canta, quando vem a noite sobre a vida.

53. Se o remorso o fere e é já o dia sem amanhã, o humano põe a máscara da agonia e abre os olhos desmedidos para fixar a última máscara.

54. Feliz é o homem, feliz é a mulher que tem estrelas na alma e a melodia na voz, porque tranquilo é o seu olhar quando transita para o outro lado da vida.

55. Pelo dom de Iblis, é a mente humana, que tudo divide, que tudo analisa, que entende de Deus partes e do Ser Supremo concebe os atributos

56. Herança de Iblis e fogo seu sobre cada homem e sobre cada mulher nos seus passos sobre a Terra, dividida e parte é a mente, que, à sua imagem, vai traçando no ilimitado quanto de limitado pode o sonho e o coração.

57. É assim que homens e mulheres vêem Deus nos espelhos onde se olham.

58. Disse um sábio de tempos idos: «dai-me um ponto de apoio e deslocarei a Terra», e assim expôs a lei do triângulo, que em tudo se manifesta, tanto em cima como em baixo, para que o Homem compreenda o mundo dos fenómenos e tenha a chave para eles.

59. Mas é preciso que a pessoa humana saiba que o fenómeno é sempre símbolo e que todo o símbolo é um portal de dois batentes: por um se acede à Revelação, usando a Inteligência desperta no trono do coração; por outro se acede ao Conhecimento, usando a Memória activa, que a cabeça comanda e todo o corpo vital alimenta.

60. Porém, o milagre da relembrança que o símbolo pode conceder, está muito para lá da transposição dos umbrais e só é acessível àquele que tem uma luz na fronte, porque esse, enquanto avivar a chama não se perde nas encruzilhadas do tempo e dos mundos.

61. Compreender Deus pela lei do triângulo, é tomar como ponto de apoio o Mestre - e este é o Filho, onde o Senhor Supremo é o Pai.

62. O Pai projecta-se nos domínios da mente como um turbilhão de luz e som, e isto é a palavra de fogo, o Logos ou o Verbo de gregos e latinos, o Ism-e-Azam do Islão, o Espírito Santo para todos os povos do Livro - esses povos que são o Cristo Adventício de todas as promessas.

63. Solitário e único é o Deus dos humanos, das estrelas e dos mundos...

64. De companhia é tudo o que é diverso.

65. Filhos de Deus são todos os homens e todas as mulheres e são os génios e são os anjos.

66, Filha de Deus é a Natureza, onde o Homem colhe a forma e o sustento e a quem os génios dão o cio e os anjos dão a luz.

67. Só assim, não doutro modo!

68. Filho verdadeiro, porém, será o vencedor, o que não foi tocado pela segunda morte, o que não fez o pacto dos cobardes, aquele a quem o fogo e o enxofre não podem diminuir.

69. E assim é e assim será com o homem primordial e o seu reflexo em todos os ciclos, em todas as idades e em todas as eras, ascendendo das cinzas e preservando a memória pelo segredo e pelo enigma.

70. Assim é o Cristo no Homem e pelo Homem, na cumplicidade da carne, onde a memória se tece, se guarda e se transmite.

71. Aos chamados e aos escolhidos, darás lugares de memória no teu coração amante e a reverência de que são credores os teus irmãos mais velhos, mas não os designarás por santos, porque chamados são todos os que ouvem a palavra do apelo e escolhidos serão todos os que falam com a língua desatada.

72. Aos que atentam na palavra, chamarás de ouvintes, para que se distingam dos que fecham os ouvidos ao entendimento.

73. Aos que tomam a palavra e a levam como sua e a partilham, chamarás de competentes.

74. Aos guardiães da palavra, chamarás de fiéis e procurarás saber o que ensinam, por mais que passem em silêncio.

75. Aos santos e aos sábios, ouvirás com a atenção reverente que os que têm a palavra avisada merecem; invocarás mesmo os seus nomes para colheres inspiração para as tuas acções e para os teus pensamentos, mas não lhes atribuirás o louvor que só a Deus está reservado.

76. Aos apóstolos e aos profetas, seguirás conforme os apelos do teu coração, mas nem ao maior de entre eles, nem àquele que mais ames, amarás com o amor que só a Deus é devido.

77. A Deus, que é solitário e único, não darás mãe, filho, parente, nem companhia; não lhe apontarás inimigo, nem dirás: «quem como Ele», porque Deus não tem igual nem tem oposto e o seu trono de luz chama-se solidão.

78. Ilusão é a daqueles que pensam Buda ou Cristo como existências limitadas e mundanas e não como um estado do ser ascencionado, arquétipo para o Homem na senda do amor divino.

79. No Cristo ou no Buda não há distinção de senda e aí se encontram todos aqueles que não exigem o salário dos seus actos, aqueles que estão no mundo para que o mundo se torne melhor, aqueles a quem a lama não toca as túnicas, que sempre resplandecem,

80. Um dia, este mundo onde caminhas e ages entre choros e risos será perfeito e, então, não poderás furtar-te ao apelo das estrelas e irás em busca de outros mundos, que há muito esperam a tua chegada.

81. Esta é a senda dos fiéis do amor, aqueles que sabem que pelo sorriso a trégua desce sobre a cidade dos humanos; que pela dádiva se funda a assembleia dos próximos e que pela alegria é que a paz é possível.

82. Se escolhes esta senda, restaura a verdade a cada momento, preserva o segredo da Fundação e reserva a espada para o que de entre todos for o Justo.

83. Lembra o primeiro grande pavor e não terás medo.

84. Lembra-te que a inveja é uma cegueira da alma, que a não deixa ver das coisas o que às coisas dá a forma e que o ódio nega a realidade em nome de ilusões menores com que se embebedam os sentidos.

85. Em Assembleia de Próximos, partilha os bens do mundo e não serás consumido pela inveja.

86. Lembra o teu primeiro amor e não acharás espaço no teu peito para o ódio.

87. Como mil récitas de que tivesses sido o público e o actor, lembra os teus dias passados, mas faz de cada dia presente uma apoteose a que o rei assiste, aplaudindo.

88. Come cada fruto como se ele fosse único e total; cada pedaço mastigado, o fruto todo.

89. Dispõe dos teus actos e dos teus dias, saboreia-os, vive-os da mesma forma premeditada, intencional com que dispões dos teus alimentos.

90. Querer é nada desejar, quando se substitui a crença pela fé e o desejo pela certeza; é encomendar cada dia que vem como um dia já visto e, todavia, único.

91. Em quanto faças, age como se não fosses morrer, nunca, mas por cada obra pronta, pensa que morreste no último gesto.

92. Verdade precária é o fruto, cuja perenidade reside na semente.

93. Por isso, jamais tenhas a pretensão de que a realidade que inunda os teus sentidos seja a realidade total e última, porque no mundo dos fenómenos só o parcial e o relativo toma assento e a verdade das eras não é mais do que um fruto que apodrece.

94. Porém, de cada contigente realidade, não negues a que te desagrada, ou propiciarás a sementeira do ódio.

95. Não destruas visões que te confranjam, nem cegues o teu entendimento à pluralidade da vida, ou plantarás punhais de inveja nas estremas do teu peito.

96. Sê o conquistador sereno que toma por dentro todas as fortalezas, sem fazer escravos, nem promover a disputa dos despojos.

97. Se da cidade o amor se ausentou, como podes estar presente?

98. Manda engalanar todas as ruas e promove o seu regresso!

99. Sê aquele que age sobre o mundo com o ardor do amante que tem os dedos sábios e os gestos certos.

100. Não violes, não imponhas, não forces nem o mel, porque toda a verdade se faz por si e só a mentira se constrói a estalos de chicote.

101. Um dia, saberás amar-te verdadeiramente e, aí, serás todos no teu peito.

102. Nesse corpo assim imenso, nessa febre de te sentires total - quando te amares verdadeiramente - verás em lágrimas que não és o sol, mas ganharás em riso o que na morte é choro.

103. O teu lugar é no Universo do Homem, em todos os seus planos, em simultaneidade e plenitude, porque és nele um sátrapa de Deus, não uma pedra que fala.

104. O teu destino de vida - basta que o queiras - é este: amar toda a diversidade, em plenitude, dentro do teu coração, e ver essa mesma diversidade como um todo animado e divino.

105. Com essa visão embriagante, penetrarás na câmara do mestre, para depositar a seus pés a mente e a consciência numa taça de cristal.

106. E - paradoxo! - descobrirás que sempre estivestes nesse lugar, aos pés do mestre, só que o não sabias, porque estavas ainda a dormir o sono vigiado de todos os meninos.

107. Acorda, pois, que é a hora, mas não te iludas, porque acordar não é uma forma de destino.

108. Não te julgues um Ressuscitado, nem te creias vindo da região dos que sabem, desse círculo exterior à mente, onde o tempo e o espaço não são a medida dos actos.

109. Desse lugar de acordar, não tragas promessas de salvação, porque a salvação é um fruto da vida à disposição de todos os homens e de todas as mulheres, mas só quem o colhe o prova.

110. E não esqueças: só haverá verdadeira salvação quando nas Assembleias de Próximos estiverem todos.

111. Por isso, se encontraste o lugar da rosa, sê a rosa em pétalas e em espinhos e dá ao mundo apenas o perfume.

112. Se és um fiel do amor, sabes que a Vontade de Deus é o poder do Alto na cidade dos homens e das mulheres, quando o rei reverencia a Justiça no Templo do Saber, sendo tu perfume apenas.

113. Se és um fiel do amor, sabes que a Inteligência divina é a atracção universal de todos os corpos, a coesão dos humanos na Jerusalém adventícia, a acção do prisma de cristal que, não se movendo, ensina que a unidade guarda o segredo da diversidade, sendo tu apenas perfume.

114. A Acção do Alto é a música das esferas, a palavra perdida, a sílaba total, impronunciável e sagrada, que o conjunto dos humanos guarda, mas que nenhum homem, nem mulher alguma sabe por si, enquanto réu de morte.

115. E tu és apenas perfume.

116. Mas de que vale saber isto, antes que a Graça seja dispensada ao coração que se rende?

117. Saber isto, é apenas alimentar a primeira chama do incêndio que um dia devorará os pequenos desejos sem sentido, das cinzas dos quais se erguerá o coração amante, de um só desejo, onde o Mestre fala e o fiel do amor escuta.

118. Sempre que o fiel do amor escuta, o coração torna-se-lhe um globo de cristal doirado, que resplandece em raios transformadores sobre as quatro direcções do vento.

119. Por esta cruz, de fogo e aço sobre a carne, que transportam como dor e oferecem como bálsamo e como júbilo, é que são chamados de veladores das encruzilhadas do mundo e do tempo.

120. São os santos dos últimos dias, estão nos quatro destinos do vento e são eleitos de entre os que sonham o mundo para o Homem

121. Só os que têm olhos de ver, vêem e sabem!

122. Mas de nada vale saber isto, se não se age na cidade dos humanos como perfume e como prisma da Luz e da Lei.

123. Aquele que ouviu o chamado e não age, aquele que não se elege, por mais oferendas que leve à câmara do Mestre, cada uma será mais amarga que a precedente e todas terão, na sua boca, o sabor do remorso cultivado.

124. Então, o remorso cala a sua boca.

125. Bem-aventurado é todo aquele que, nada sabendo de tudo isto, é um cristal de prodigalizar cores de serenidade e uma brisa generosa que espalha o pólen doce do afecto nos vales de carência e desalento.

126. Vaidade é a daquele que de milagres e prodígios se vangloria na assembleia dos néscios e enche aí os seus ouvidos ávidos com promessas de ressurreição

127. Prodígio é o espanto do desatento e milagre é a desatenção do ignorante.

128. A ressurreição, que é uma dádiva da vida a quem transcende o desejo pelo método divino, todo o mortal a pode conquistar, mas nenhum filho de mulher, mesmo que profeta, apóstolo ou santo a pode conceder.

129. Cuidado com o que fala em nome de Deus e te quer libertar, para que ascendas ao seu reino de salvação - e não ao teu! - porque procurará que te rendas aos seus desígnios ilusórios, e ambos se perderão.

130. Todas as religiões, na sua diversidade aparente, são iguais em valimento, porque são escolas destinadas a que os corações despertem.

131. A sua missão maior reside na promoção da assembleia dos próximos.

132. Para além disto, há um encolher de asas e uma ausência de voo, porque toda a crença é uma limitação onde o desejo se conforma.

133. Mas é na crença que tudo isto se aprende.

134. É na crença que tudo isto se transcende.

135. Faz como Issa: repudia em ti o fariseu que te leva aos grandes gestos e abre o teu coração aos segredos do mundo.

136. Transcender a crença, é transcender o desejo e alargar os horizontes da concepção de Deus.

137. Não basta que digas: «creio em Deus!», ou te mostres compassivo e respeitador das leis e dos costumes da cidade...

138. Faz como Issa: sê luz no seio da Assembleia de Próximos.

139. Dirás: «eu sou cristão», afirmarás: «eu sou muçulmano», declararás: «eu pratico as regras e os ritos e creio em Deus e nos santos», mas em boa verdade te dizemos que crer não é saber.

140. Dir-te-emos que os ritos, as regras e as práticas - religiosas ou não - mais não são que enredos do mundo e da carne e um labirinto para a alma.

141. E tudo isto é vaidade! E tudo isto é ilusão!

142. Trincheira segura é o coração do mestre, quando, em solidão, a morte vem roubar-nos dos despojos que os parentes choram.

143. Ilusão é toda a companhia.

144. Irás a Meca, a Compostela, a Jerusalém...

145. Irás a lugares santos e a lugares que julgas santos.

146. Darás esmola, pagarás o dízimo, rezarás nos templos mais sumptuosos e nas capelas mais humildes.

147. «Jejum e oração», determinarás para ti próprio.

148. E mais uma vez te dizemos que tudo isto são enredos da carne e um labirinto para a alma.

149. Tudo isto é vaidade e tudo isto é ilusão...

150. Todavia, se não transpuseres os umbrais do engano, não retirarás um só véu do rosto do segredo.

151. Porta segura é o coração do Mestre, mas aí só se chega percorrendo vastos caminhos de ilusão.

152. Não há caminho para o Pai sem a realização da rosa crística, e esta floresce no coração do Mestre Perfeito.

153. Para os Povos do Livro, Mestre Perfeito é o Cristo,

154. Assumido por missão, ou na fé comungado, é nesse estado do ser que ecoa em plenitude a Voz do Silêncio, o som primordial...

155. Que é Luz e que é Fogo, e que é para o Homem o caminho salvífico da realização no Espírito Santo.

156. Eleva todo o teu ser ao salão sumptuoso e diáfano do Grande Concerto, porque aí, um breve segundo vale toda uma vida!

157. Mas não chames Deus a quem do Absoluto mais não é que um ínfimo grão.

158. Mesmo Aquele a Quem chamas «Pai Criador do Céu e da Terra», sendo a potência criadora do Alto, não é Deus, nem pessoa de Deus, porque em Deus não há pessoas.

159. Não chames Deus a Issa, nem aos outros grandes profetas que o precederam, nem ao Selo da Profecia, nem aos Santos, nem aos Mestres, nem aos Apóstolos.

160. Todos eles são somente servidores da Humanidade e é nesta humildade de servir que se fazem grandes de entre os seus irmãos e vencedores perante a morte.

161. Maior que qualquer humano é a Natureza e é a humanidade.

162. Maior, ainda, é o infinito de estrelas e de sóis.

163. Maior que tudo isto, é o que os olhos não vêem.

164. Que se contentem os pequenos homens com os seus pequenos deuses domésticos e utilitários, mas que se não desculpem com os seus erros, com o seu amor mal dirigido.

165. Deus contém, não é contido.

166. Não é o espaço nem é o tempo, mas a totalidade de todas as configurações do espaço e a medida rigorosa de todas as concepções do tempo.

167. Não é passado, nem presente, nem futuro, mas o eterno presente, em que tudo o que é, já foi e o que será, também já foi.

168. Se os humanos não são o seu próprio conceito, porque haveria Deus de ser o conceito que o entendimento dos mortais Dele forma?

169. Às hierarquias de entre céus e pedra, às cortes e hostes de anjos e de demónios chamam muitos crentes deuses, como se - usando da mesma pobreza da palavra - não fossem os homens e as mulheres igualmente deuses e deusas.

170. Mas sabe, ó crente, que esses deuses são apenas ministros onde o Santo é Rei e o Sábio é Imperador.

171. Que pobre é a palavra limitada que os humanos articulam!

172. E como chamar às legiões de seres que animam todo o soma, das quais o duplo é o mestre?

173. Dão os homens e as mulheres asas aos anjos e antropomorfizam tudo em que pensam.

174. Este desejo de possuir e limitar, reflexo do invólucro de enganos que limita o próprio Homem, é que gera os muros das cidades que se digladiam e o ostracismo das diferenças.

175. Quando a alma dum povo diz ao profeta: «eu sou o ser», chame-lhe o profeta Deus, se outra palavra não tem, mas não o confunda nas suas visões com o Absoluto, que é imperscrutável na Sua totalidade, apesar de perfeitamente visível em cada pássaro e em cada flor.

176. Deus, o Solitário Absoluto, o que não tem igual nem tem oposto, não fala no alto das montanhas nem nos profundos desertos de areia.

177. Não está em nenhum templo da Terra!

178. Todavia, a Sua voz é mensagem no coração do Justo e palavra na boca dos profetas.

179. Não O encontrarás, mesmo que subas ao mais alto cume da mais sagrada das montanhas.

180. Não encontrarás Deus onde houver espaço e onde houver tempo, porque o espaço é apenas a Sua túnica e o tempo não é mais que o Seu bastão.

181. Se caminhante algum é o bordão a que se ampara nem o bornal que transporta, que veleidades te permites, ó iludido dos sinais?

182. Infelizes mortais, os que se saciam com os seus pequenos deuses domésticos e utilitários!

183. Feliz é o que realiza o Templo e a Montanha na concha do peito e aí se incendeia.

184. E aí é a sarça ardente dos antigos.

185. É nesse lugar sem limites que Deus encontra aqueles com que se sacia do Seu apetite de vida.

186. Não se queira o profeta um prisioneiro duma qualquer estalagem do desejo.

187. Livre-se o que simplesmente crê, de ser guiado por um cego.

188. Realizai a Caaba no vosso coração, ó atentos aos sinais!

189. Fazei que desça a Jerusalém Celeste sobre a cidade do Homem.

190. Cuidado, desatentos, com quantos vos pregam a renúncia, os que querem fazer-vos abominar a carne, para levar-vos a abominar a vida.

191. Este é o tempo de todas as aspirações, e há os que aspiram à vida e há os que aspiram à morte.

192. É preciso estar atento.

193. Deseje o homem, deseje a mulher o contacto com o que lhe fica acima e com o que lhe fica abaixo.

194. Antropomorfizados ou não, vejam quantos seres possam do mundo da Lei, mas não prendam nem se prendam no nome e no conceito.

195. Que não se iludam de haver «em baixo» nem se iludam de haver «em cima», nem confundam os pés que agem, nem a cabeça que os comanda com o sentido do mundo ou a ordem das estrelas.

196. Não queiram prender todo o ar num só balão, porque, por mais que o encham, haverá sempre mais ar do lado de fora.

197. Pobre de luzes e pobre de sombras é o olhar daquele que espreita a medo pelas cinco janelas entreabertas sobre o mundo sensível e, com essa visão fugaz, traça os contornos da realidade que lhe basta.

198. Esse confunde a realidade total com a condicionada percepção que dela tem.

199. Mas não é menos pobre aquele que julga ver melhor, só porque usa também as sete janelas de se cuidar, porque os medos e os cuidados, de igual forma, condicionam o que se ilude de atenção.

200. Só o que abre e fecha as doze janelas sobre o ser e sobre o estar e sai em longos passeios pelas estradas de luz, sabe do que espreita e sabe do que vê.

201. Mas até este se ilude e, da realidade total, só intui reflexos vagos.

202. Mau será que a sua visão, só porque mais ampla, lhe baste.

203. Ilusão e vaidade é a do que se esconde na solidão e aí busca as doces núpcias da sua alma com o «Creador».

204. A solidão só é boa para os que atingiram a câmara nupcial, não para os que ainda a procuram.

205. Ouvintes, competentes e fiéis, sabei que o casal humano é o portal de acesso à Assembleia de Próximos.

206. Nele reside a semente da raça dos homens e a semente da raça das mulheres e entre uma coisa e outra não há meio termo, mas confusão dos sentidos e pactos de morte.

207. Os que buscam a união mística, só na cidade dos homens e das mulheres se tornarão nubentes, porque doutra forma, encherão a taça do peito com os venenos do ressentimento e, então, aí lhes faltará o espaço para a alegria e a caridade.

208. Vivei, ó fiéis do amor, na cidade dos homens e das mulheres e sede perfume e fonte de alegria!

209. Pois que se na cidade dos humanos reinar o Justo, é porque assembleia de próximos é cada família.

210. É porque escola de solidariedade e de afecto é a família, onde os meninos são o futuro a aprender o segredo do sustento gratuito, que um dia irão ensinar à cidade.

211. Se na assembleia das cidades o rigor e a clemência forem as colunas do templo da Justiça, inúteis se tornarão as grades e os muros, porque toda a nação é uma assembleia de próximos e uma escola de virtude.

212. Que assim se faça com o mundo.

213. Que a injustiça não possa aprisionar a verdade e que um só povo cubra a Terra inteira, na mais ampla assembleia de próximos.

214. Que as escolas o saibam e que as escolas o digam!

215. Compassivos sejam os gestos, compassivos sejam os desejos e que toda a diferença seja uma virtude, toda a virtude uma pérola, cada pérola uma lágrima de júbilo.

216. É lícito ao vivente esperar e ter esperança, mas se a espera é passiva, a vida não flui e se a esperança é uma roleta, a morte é um pleno.

217. A pessoa humana só vive verdadeiramente quando carrega o futuro nos horizontes do olhar.

218. Ruína, o passado; tudo o que já foi, expiação!

219. O fiel do amor não espera passivo, marcha com os que ama.

220. Nem cultiva esperanças que não incendeiem o olhar, porque ele sonha e contagia.

221. Ele é um ponto de encontro entre o tempo e a eternidade.

222. Eis porque está onde é preciso, com o sorriso que falta, a fé que não desvirtua a vida e a confiança que unem a assembleia de próximos contra a morte.

223. No fiel do amor, rosto e máscara se confundem, como se confundem as almas enamoradas.

224. Que o rosto se sobreponha à máscara e a luz colha a sombra em todos os recantos onde se acobarda, porque assim se cultua a verdade, único culto que vale a pena.

225. Não tenhais medo, porque a verdade não mata o Homem, mas sim o erro do Homem.

226. Não fujais, porque todo o processo de fuga é uma morte voluntária.

227. Matar a verdade é matar a consciência, e é nessa morte que o humano é pasto da besta

228. O Homem que se dá à Besta, dilui-se e é consumido nesse acto - e isto é o menos! - ou estabelece com ela o pacto do seu próprio e negro merecimento - e isto é o mais!

229. Ouvintes, competentes e fiéis: este é o tempo do ferro em corrosão, no qual o Homem inverte em si o sentido criador que lhe foi posto por dentro.

230. Este é um tempo em que se recusa a dádiva, a aliança e a Graça e se compra do mundo a ilusão que se ama com o apetite dos cobardes.

231. Enfrentai a realidade com toda a dor que esse olhar aberto provoca, sem esperardes do próximo mais amor do que aquele que ele vos pode dar - e todo o que vos der, é muito! - e dai-vos ao próximo em torrentes de amor - e todo o que derdes, será sempre pouco!

232. E não espereis pela colheita, porque ela não é vossa.

233. Não espereis qualquer paga, nesta ou em outra vida, porque não sois cobradores de virtudes

234. Quem viu o vento cobrar do mar as ondas que este dá à praia?

235. O serviço ao próximo deve ser um acto de alegria, o qual se esgota em si mesmo.

236. Servir a humanidade é servir a Deus e louvar o Alto.

237. Espalhar no seio da humanidade flores de alegria, eis o sagrado ofício

238. Não deixar que as palavras apodreçam, o verbo se esqueça e o conceito se desvirtue, eis a conservação da chama.

239. Que não vos iludais, nem iludais os crentes!

240. Onde houver dor, não há Sagrado Ofício.

241. Onde houver crueldade sobre animal ou humano, há pacto com a sombra.

242. Suicídio e autoflagelação são pecados contra a vida e pactos com a sombra.

243. O que julga amar a Deus, repudiando o mundo e afastando-se dos seus irmãos, mais não faz que criar divisões ilusórias entre o que ele entende por divino e o que estabelece que não é.

244. Por cada divisão que consegue, assiste-lhe um diabo; quando a divisão for o seu único alimento, Satã cobrará o que lhe pertence e as estrelas limitar-se-ão a consumir o que se lhes assemelhe.

245. Pobre daquele que no templo ilusório do seu amor a Deus ergue altares de frieza e de soberba.

246. Atenta, ó crente, que não há amor a Deus fora do amor ao Homem.

247. Se não confias em quem te promete o céu a troco de novena e de mesada, confia menos ainda no que prega o sacrifício em nome de Deus, do bem comum ou de ideais de ocasião.

248. Do que te quer salvar, desconfia e foge, se puderes.

249. Se políticos, filósofos ou pregadores amam o sacrifício, que têm os mais a ver com os seus prazeres secretos e doentios?

250. Se não for só da boca para fora, se usarem mesmo de verdade o sacrifício como prova de amor ao próximo, tem compaixão deles, ó crente, e ajuda-os a descobrir a alegria e o serviço que a todos pacifica.

251. Não temas as almas pequenas, nem as almas esgotadas, mesmo que capazes de pequenas e quotidianas iniquidades, porque para elas se fecha o destino.

252. Dá-lhes quanto possas da tua activa compaixão, para que o destino se acerque delas.

253. Mas teme as almas de aparente grandeza, insufladas de soberba, que se pervertem por falsos caminhos de ascensão, arrastando consigo crédulos e desatentos para o vale dos seus delírios, lugar de choro e de ranger de dentes.

254. Ó crente! que não te fira o riso do néscio nem o lamento do hipócrita, pois que valem o que vale o choro da hiena.

255. Não te preocupe o peso do oiro, que cheio o saco, mais pesa o chumbo.

256. Não pregues contra a riqueza sem que o faças contra a miséria, seu reverso, ou chegará o dia em que te quererás substituir ao rico na perpetuação da avidez.

257. Lembra-te que a fonte está no centro da cidade, onde bebe o Homem livre, o que não tem grilhões de oiro nem algemas de necessidade.

258. Nem fales das impurezas do mundo.

259. Como podes falar das impurezas do mundo, que tanto temes, se as não limpas?

260. Não disse o apóstolo: «tudo é puro para o puro»?

261. Faze-te prostituta e livra-te de o seres.

262. Chamar-te-emos puro.

263. Passa pela lama sem que a tua túnica se manche.

264. Santo te chamaremos.

265. Vive no mundo e decifra o enigma da natureza e do destino do Homem.

266. Aí, chamar-te-emos sábio.

267. Repudia a injustiça, combate-a onde ela se encontre, não consintas sequer que se esconda com disfarces piedosos.

268. Justo te chamaremos.

269. Sê sincero, atento e verdadeiro e sabe que por três vias se mente.

270. Por essas mesmas três vias se morre!

271. Eliminar tais formas mortais de mentir é ser sincero e é condição inilidível da auto-realização.

272. Aquele que aos outros mente, cria à sua volta um vórtice de forças que o esgotam.

273. Essa energia inutilmente desperdiçada exterioriza-se na consolidação das ilusões do mundo.

274. O que mente a si próprio, cria um campo de punhais onde dois antagonistas cindem em dois pólos de morte o que para a auto-realização devia estar unido como um só pólo vivo, uma força centrípeta que, no grande íman da vida, se opõe à morte e à dispersão.

275. Eremita do nada é aquele que mente a Deus!

276. Mas o que a Deus mente não prejudica Deus nem prejudica na obra de Deus mais do que o limite do mentiroso que realiza.

277. É por isso que este modo de mentir é das três vias de mentira a menos grave.

278. Ser verdadeiro para com Deus, não mentir a Deus, chama-se sinceridade religiosa...

279. Todas as religiões são um caminho para isso, como são - cuidado! - um caminho para o seu contrário.

280. Todas as religiões!

281. Não mentir aos outros chama-se lealdade para a constituição da assembleia de próximos e é o primeiro degrau da assunção da fidelidade no amor.

282. Mas entendei que a mais grave via de mentira é a de mentirdes a vós próprios.

283. Cuidai de alimentar a vossa sinceridade interna e encontrareis a pedra angular da vossa realização.

284. Muitos vos dirão que, em cada estágio da sinceridade, sete são as velaturas, como sete são as virtudes e sete os pecados mortais...

285. Mas nós vos dizemos que contareis bem se, por cada uma das doze portas de saber, que são também portas de engano, contardes sete vezes por cada uma das três vias da sinceridade atenta.

286. O total chama-se apenas primeira realização; não é ainda a realização em que o coração do Homem se torna um olho sem pálpebras.

287. A sinceridade atenta é ciosa do tempo; mal vão o néscio e o perdulário que sem sentido o esbanjam, da mesma forma que esbanjam os talentos que deviam multiplicar.

288. Pelo rédito do tempo e dos talentos é que toda a obra ­­- sagrada ou profana - tem sentido.

289. Sem rédito, todo o sentido se perde, tal como se perde o sentido da árvore que não dá frutos, porque desta até o nome se esquece.

290. Como o Homem são os grupos, chamem-se eles família, cidade ou eclésia.

291. Da mesma forma o Tempo os toca e os talentos se ganham e se perdem, se multiplicam ou se esgotam, até que da árvore se esqueça o nome, ou da árvore se consagre o fruto.

292. Pouco acrescenta e pouco define dividirmos os grupos humanos em sagrados e profanos, porque se dividirmos o homem mortal em mil partes, a quais se chamarão sagradas? A quais se chamarão profanas?

293. Sagrado é tudo aquilo que o Homem toma tendo por fim o Bem e o Belo.

294. Ética e Estética: eis as deusas que presidem à sacralização da realidade densa, que embora seja uma parte ínfima da realidade total, é o palco irrenunciável do drama humano.

295. Sem este palco - aqui na Terra, ou noutro qualquer planeta - a missão do Homem perderia todo o sentido e a matéria teria de ganhar outro esteio de consciência, que não este Homem.

296. Busque ela própria, ou outorgue-lhe o Inominado.

297. Ganhar consciência é o sentido da matéria; paralelamente, refinar e ampliar a que lhe coube na realização das eras é o sentido do Homem.

298. A vida soprada na matéria é a vivificação do espírito que a manifestou por cristalização.

299. Tornar inteligente a matéria: eis a grande obra, as núpcias sagradas da realização, a fusão divina pelo rasgar dos véus da separatividade.

300. Nesta obra, muitos são os agentes, mas o Homem é o Agente por excelência.

301. O resto não tem sentido, nem o Homem faz sentido, se este não for o sentido.

302. Não vos enganeis com palavras nem vos iludis com transcendências que vos desculpem!

303. Não queirais amar o Alto com a cegueira dos olhos finitos da cobardia, porque se o vosso olhar não for o da humanidade sofredora, transcendido num sarar de feridas, inútil será a vossa visão, estéril o vosso amor desvirtuado.

304. Fecundo é o amor ao Alto que se fundamenta no amor concreto aos homens e se realiza quando se quer e se sabe ir pelos caminhos do mundo a retirar os espinhos e as ciladas para que, debruadas de cuidados, fiquem alamedas atapetadas de pétalas.

305. Só o espírito é capaz de entender o espírito em plenitude e só o espírito é capaz de entender e pensar a matéria, que é a sua cristalização.

306. O espírito toca o Homem com a sua mão de veludo e o Homem cede a essa carícia, conhece a alma e chama-lhe noiva.

307. Não se revestisse o espírito dos cuidados que o tempo exige e dissolvidas seriam as densas qualidades humanas e a própria memória que as alimenta.

308. Animal bravio se torne o Homem e arisco se faça às carícias de veludo que logo desconhecerá a alma.

309. E eis que sem noiva não há núpcias e assim o celibatário morre no casulo da própria memória petrificada e fria.

310. Será barro donde a vida se ausenta e fica jacente no esquife do tempo, até que de novos tempos o sopro crie afagos.

311. Mas não se tome o Homem por apenas pó, nem se tome o Homem por apenas espírito que agita o pó.

312. Neste engano, e depois do tempo em Cristo redimido, se funda ainda o pecado original, nos três planos do Homem e nos três planos de Deus para o Homem e para o mundo.

313. Porque o Homem peca contra Deus, quando se julga servo, contra si próprio, quando mata uma parte de si, seja porque se julga apenas carne, seja porque se crê apenas espírito que enjeita a carne.

314. Esta é a origem de toda a ignorância, pelo que em verdade se lhe pode chamar pecado original ainda por redimir.

315. Feliz é o Homem, porque lhe é consentido que pense, e o pensamento é o primeiro caminho para o Mundo Divino!

316. Quando entre céu e terra foi criado espaço para o ar e para o Homem, o pensamento tornou-se rio de fortuna e o Homem réu de liberdade.

317. Um Grande Ser de luz branca como o leite sonhava então o Homem e, num espasmo amoroso, espalhou sobre a Terra uma nuvem fecunda e explosiva de sementes de sésamo

318. E o Grande Ser foi essa nuvem, essas sementes e o alimento comungado pela raça adâmica em formação.

319. Assim o Homem se fez desse ser total e uno a multiplicidade humana e dividida que as partes busca religar, seguindo sendas de saudades imprecisas.

320. Quando se esgotaram as sementes e depois que as águas lavaram as memórias, viu o Homem e por isso soube que quatro eram as direcções do vento.

321. Também porque viram, entenderam os humanos que de cima vinha a luz e que nos vales se punha a sombra e, quando meditavam no que viam, sentiam-se unos e crucificados nestas seis direcções.

322. Em cada uma delas viam um ser diferente pela cor, pela máscara e pelo som e em cada um desses seres se desejavam como num caminho de realização e, para preservarem na roda das gerações esse saber, selaram-no com o símbolo a que mais tarde se chamou de Sigilum Salomonis.

323. Os seis seres habitam aos pares o espaço onde a Terra se move, são da raça maior do Homem e projectam sombras de carne que caminham entre os mortais e deixam pegadas indeléveis nos trilhos da vida.

324. Tais seres regem os três tempos do tempo e as seis fases que o tempo encerra.

325. Quando se afastam, a sombra aproxima-se e as marcas dos seus passos parecem aos humanos centros luminosos de realização, quando mais não são que pontos caóticos da luz que morre nas caves de ilusão dos crentes desatentos.

326. Aproximem-se os excelsos, e os seus passos convergentes terão um centro sobre o alfa e o ómega de todos os desejos e de todas as realizações.

327. A todos os que desvendarem o segredo das suas seis cores no arco-íris será dado o manto branco dos antigos caminhantes da estrada de Damasco.

328. Estes terão acesso à cidade das doze portas e comerão à mesa do rei, que três vezes chamarão de Santo, na câmara do meio, no palácio iluminado.

329. Cada um, filho do mestre que o ilumina, e todos eles doze estrelas na coroa do rei.

330. Duas vezes assim.

331. E numa vestirão de negro...

332. ...E noutra vestirão de branco.

333. Em pares se afastando e em pares se aproximando, traçando no imponderável o sinal pitagórico dos dois caminhos.

334. Os que recordam estes sinais estão à beira do segredo.

335. Sofrem as dores da lucidez, que são as dores do parto de quem nasce de si próprio.

336. Saibam os que não sofrem destas dores que o seu tempo virá, quando romperem a barreira do esquecimento.

337. Saibam que se as dores da carne são más, por alimentarem as forças inferiores, as dores do parto e da lucidez são uma reivindicação dos bens celestes.

338. Saibam os que não lembram que o esquecimento, para a memória física, é uma forma de transformação da personalidade.

339. É o modo que à natureza convém para fazer do patamar da morte um patamar de vida, fazendo do velho novo.

340. Mas aquele que, num acto de vontade, preserva a memória física até aos limites da carne, rompe o véu do esquecimento.

341. Assim se amplia a taça da memória de vidas futuras e o escrínio das recordações de vidas passadas.

342. Deste modo se ascende na memória cármica passo a passo.

343. Deste modo se acede ao código das relembranças, porta aberta para a redenção.

344. Ao que é merecedor deste alimento divino e com ele se sacia, porque se redime, cabe-lhe uma face de esplendor num rosto sem máscara.

345. Esse agrava e desagrava na assembleia de próximos o tempo e a distância.

346. No Homem realizado, mil vidas morreram em busca da eternidade.

347. Não queiram os simples, sujeitos aos ciclos da morte, entenderem aqui o que se lhes não disse e tomar por real as aparências..

348. Real é tudo o que respeita ao Rei e ao Rei tudo respeita.

349. Até o inimigo que assedia as muralhas da cidade diz respeito ao Rei, porque só há cerco por haver o Rei e a sua cidade muralhada.

350. Dois lados tem toda a contenda e separa-os um véu de enganos.

351. Negro é o véu cuja trama é o ódio e inveja a urdidura

352. Ilusão é o véu, pois que se desce o amor sobre os olhos que o vêem, logo o véu se desvanece ante o esplendor do olhar.

353. E eis que se afasta a duplicidade pela realização da unidade na conciliação da tese e da antítese, cada termo a justificar o que lhe é espelho.

354. Os trezentos iluminando as suas sombras, os cinquenta ensinando os seus duplos e os seis tornando viva a palavra.

355. Que as sete virtudes maiores vençam os doze grandes vícios.

356. Que a estrela da mulher e a estrela do homem se confundam na unidade dos contrários que mutuamente se alimentam e mutuamente se justificam.


XIV
SURA DA CONSEQUÊNCIA

1. Pelo bastão e pelo homem!

2. Pela taça esmeraldina e pela mulher!

3. Pelo rubi e pelo sangue realizado!

4. Quando o número é o nome e é o verbo, o valor da palavra é o valor dos signos e a base segura para os decretos do sangue.

5. Em treze estâncias te demos, ó crente, o duplo sentido do Homem, nelas encontrarás o número do início da nova obra, depois que realizada foi a que no tempo apodrecido e gasto se cumpriu.

6. A acção do princípio activo sobre o ovo caótico é o segredo da semente fecundada de todas as vésperas, o segredo de ficar, enquanto os deuses partem.

7. Se não tiveres do atento o coração inteligente, como poderás saber do segredo escondido entre palavras sem eco?

8. Até que mereças o camarote real, serás somente um actor provisório, de repetidos gestos sem sentido, num psicodrama que não entendes.

9. A espada que se ergue a Leste, depois que a flor se realiza e arde, é fogo no Sul, para ser, no segredo do rubi, o sangue que se derrama na taça esmeraldina do ocidente, no lugar das águas de toda a gestação.

10. No Norte, o frio, o gelo e o remorso habitam a lua nova.

11. No número que vos foi dado, tendes o segredo dos sete hierarcas, que de entre os doze se distinguem dos outros cinco na ligação ao mundo e na ligação ao Homem.

12. Aí reside o segredo do sete e o segredo do três; da trina conceptualidade que os sete fachos acendem; dos sete machos, que são taças e geram no ventre os mundos.


XV
SURA DOS QUATRO MUROS

1. VAM!
2. Louvadas sejam as núpcias e a corte nupcial!

3. Virados às quatro direcções do vento, quatro muros tem a cidade de todas as promessas e, por cada muro, uma qualidade a que só os homens e as mulheres apontam precedência e grau, pois que única, na essência, é toda a matéria.

4. Em cada muro, três portas e em cada porta está lavrado um segredo quatro vezes repetido.

5. O primeiro segredo é o segredo do anjo, que é o segredo do Homem

6. O Segundo segredo é o segredo das estrelas, que é também o segredo dos mundos.

7. O terceiro segredo é o segredo do barro, que é o segredo da vida e que é o segredo da morte.

8. Aos que vos falem de espírito e aos que vos falem de matéria, dizei: «do mineral ao anjo, só muda o nosso olhar!»

9. Se não é tempo de núpcias, inúteis são, pois, todas as precedências, como desnecessários são os títulos do Homem que desvenda enigmas e tem os olhos prontos para os segredos da Natureza e da Vida, à sombra do Mistério.

10. Para cada segredo há uma voz e há uma chave; para cada ser gerado há o acto e há o tempo e o grito que o abre e o luto que o fecha.

11. No tempo e no espaço se plasma o acto e se tece do mesmo acto a consequência, num ritual de vida, ou num ritual de morte.

12. A espada a invocar o reino, o Graal a traçar os seus limites e, entre o oriente e o ocidente, o desenrolar do drama dos caminhos do Homem e da realização do Mundo.

13. Ó pilares de entre Terra e Céus! como podeis repudiar as núpcias?

14. E eis que chega o desejo, que ainda não sendo um querer é já um prenúncio de Reino ou Império que Quinto seja, onde homens e mulheres, colunas dum templo sem tempo, se reali­zam e realizam o mundo e, na mais ampla solidariedade, gratuitamente alimentam os corpos e alimentam os espíritos, sem que a fera seja o pesadelo do cordeiro.

15. Muitos falarão de espírito e muitos mais ainda falarão de matéria, mas para além da fala e dos seus limites e ilusões persiste a realidade.

16. Há uma realidade simbólica e há uma realidade das coisas e, também aqui, uma promessa de núpcias.

17. Dois opostos que todo o vivente que pensa e age procura conciliar numa unidade de contrários, que é o caminho de síntese, e só o caminho de síntese realiza a Obra e nenhuma obra se realiza fora dos seus parâmetros.

18. O caminho de síntese para a realização da obra não é o caminho das exclusões.

19. Cada era caracteriza-se pelo desenvolvimento e ruptura que vai duma síntese a outra síntese.

20. Toda a síntese é uma conciliação provisória dos opostos que a geraram e, porque os transporta no ventre, gera neles, por sua vez, uma mutação qualitativa que os torna aparentemente nunca vistos, mas o sol vê os dias repetidos e a lua banha as praias sem registos na memória.

21. Eis o segredo do novo, que é o passado tornado futuro; eis o segredo das eras e eis o segredo das obras e dos actos dos humanos, porque «o que é já foi e o que será também já foi»,

22. Não vos iludis, porque não há um caminho de não ser e não estar no mundo, de não pensar e não agir; caminho assim é o que foi reservado às pedras e às areias: às pedras mortas, que não se movem, e às areias, que só o vento move, mas que igualmente estão mortas.

23. Há, para os humanos, um caminho da realidade simbólica e há um caminho da realidade pragmática e todos os que, pelo ónus de viver, pensam e agem pertencem a um ou a outro caminho.

24. Porém, o melhor caminho é o daqueles que entendem matar o desejo que limita e percorrem os dois sem constrangimentos, como se fossem um só.

25. O cientista-criador pertence ao primeiro, o técnico-operador, ao segundo; à reunião de ambos chamar-se-á um dia de Cidade da Abundância, e esta é a primeira e grande síntese paraclética, ou realização material e divina do Homem sobre a Terra.

26. O que governa a cidade e o sábio que lhe outorga o mando realizam a Cidade da Justiça; quando, aí, o temor já não toma assento, eis concluída a segunda síntese.

27. O Santo que vela pela cidade e o artista que a enche de alegria realizam a Cidade da Rosa, e esta é a terceira síntese.

28. O Fiel do Amor realiza as três cidades; por quatro vezes as realiza, percorrendo as doze portas dos quatro muros da cidade anunciada.

29. Artesão ele é, que se dá à Obra e que, por cada pequena obra feita, logo tem uma nova no intuito, não por ele, mas por quem a encomenda, e é isto que é estar no mundo, não lhe pertencendo, antes o mudando em cada obra, que é uma célula apenas duma obra maior, que é por sua vez uma célula também doutra maior ainda...

30. Crer ou não crer em Deus é indiferente à prossecução da obra se a obra cumpre o plano, porém, a verdadeira consequência da sua realização plena é a consumação das núpcias.

31. Mas protestar alguém o seu amor a Deus e ao plano não altera o plano nem engana o Planejador.

32. Rica, todavia, é a obra e feliz o seu obreiro quando, no fazer, se pôs toda a alegria, porque a alegria acrescenta a alegria e esta é um cântico de vida e uma invocação propiciatória da Graça.

33. Pobre é a obra que entristece o Homem, porque toda a tristeza é uma invocação de morte e um serviço à sombra; obra assim não serve o plano do Alto.

34. Não cries apego ao pó do mundo, porque precário é o riso que dele se eleva e falsa a alegria que no pó assenta, mas realiza no mundo o que ao mundo é devido e coloca essa realização no altar das oferendas.

35. Todos os homens e todas as mulheres são filhos do Barro, naquilo que são Terra; prisioneiros do desejo, naquilo que são Água, Ícaros do sonho e da descoberta, naquilo que são Ar, criadores do futuro, naquilo que são fogo, nautas dos tempos, naquilo, que são Éter.

36. São filhos das estrelas e dos mundos, naquilo que são luz e naquilo que são sombra; vagas sombras de Deus, enquanto são esquecimento e almas ascencionadas, sempre que recordam.

37. Recordar é ouvir, primeiramente, o chamado, que é um silvo e um murmúrio e ecoa no mais profundo do ser, como se aí um enxame de abelhas tomasse morada; depois, ver a noite e a madrugada sem separação ou precedência.

38. Eis um segredo desvelado ao que tem olhos e ouvidos carregados de fome serena: basta estar atento, imóvel e sem pensar, para que esse lugar de dentro surja imenso como se fosse fora, com a amplitude das estrelas e dos sóis.

39. Aí está o Templo e aí está a Cidade que os Fiéis do Amor, era sobre era, copiam com desvelo para os caminhos do Homem; quem se quis luz, aí bordará com luz os sonhos que acalente e será o próprio sentir de todas as coisas.

40. Da mesma forma imenso é o lugar para aquele que sempre se quis pedra; aí terá os demónios como irmãos e o medo como força e disso dará em abundância aos néscios que o seguirem.

41. Mas de salvação são todos os caminhos - ó crente! - porque de escolha livre são feitos, só que para aquele que de barro se quis pedra outro é o caminho de eternidade, que não o dos fiéis do amor, pois que esse terá da palavra perdida, por recordação, apenas o reverso.

42. Para o todo de uns e de outros reservado está o Paraíso, que é o foco de convergências de todos os desejos da carne e da personalidade; das ilusões de sombra e das ilusões de luz a todos caberá em partilha segundo o próprio merecimento e convicção.

43. Esta é a verdade de todos os enganos, que nenhuma crença dá e nenhuma religião tem, porque a crença traz a conformação do Homem aos limites da mente e as religiões, tal como os seus profetas, ecoam nas eras o que as eras são.

44. A cidade das promessas fecha um ciclo, que é uma porta aberta sobre um outro, e nela o Homem se transforma como num atanor à sua medida e nos limites do tempo.


XVI
SURA DO ARTISTA

 

1. A.Q.J.!
2. IAM!
3. Louvados sejam os santos, os artistas e os sábios!

4. Generosa, a natureza é a sempiterna donzela dos sentidos desencontrados, prodigiosa e acolhedora.

5. É uma noiva apetecida e a estética da vida exige o seu desfrute.

6. Não pode o noivo furtar-se aos seus encantos, não pode o ser humano render-se aos seus enganos; violá-la, porém, é tê-la num momento para a perder no tempo todo.

7. Entender isto com todos os sentidos, só ao fiel do amor é dado, porque o amor é a arte do entendimento e a ciência da religação.

8. Deixa que o pensa­mento flua livre e luminoso, para entendimento do Alto, incêndio da Terra e realização do Homem.

9. Águia diáfana e por­tentosa de voo ao sol é o pensamento e ígnea serpente ele é por herança e assunção; sabe do céu e sabe do inferno e todo o tirano o teme, todo o sábio o ama.

10. Do pensamento, só o pensamento pode ser amarra e só é nobre o pensamento que não se basta nem se limita.

11. Por isso, amigo do saber e crente da vida, cuida que o teu filosofar não seja um caminho retórico e vago de pensamento, mas um caminho de vida.

12. Para que te serve a verdade usada como um enfeite?

13. O fiel do amor é um artista da vida e um sábio do silêncio, que é a realização oculta da palavra.

14. Por isso, ele não diz que procura a verdade última, porque a realiza passo a passo até se tornar uno com ela, sem nunca a pensar nem dizer como última.

15. A Arte da Ciência é a memória das estrelas na saudade adormecida, religião primordial que foi e última que será do Homem sobre a Terra; nela reside o segredo da palavra e das eras.

16. E isto se lavra no Livro do Homem e no Livro do Mundo em páginas de enigma e de segredo, que acharão acolhimento no Livro da Vida.

17. Mas, cuidado crentes! Cuidado desatentos!

18 Que da Rosacruz se dizem e com postiços faustos se consagram filósofos mundanos que da confiança divina se vangloriam, mas só ilusões vendem e medos semeiam.

19. Autoproclamados ar­tistas e místicos e de mais atributos que a imaginação e a vaidade podem, mas que o poder do Alto lhes não outorga, iluminados se crêem, mas são cegos que conduzem outros cegos pelas veredas nefastas da vaidade e da presunção.

20. Cuidado crentes! Cuidado simples do mundo e dos sinais!

21. Porque a vida deixa que, entre os humanos desa­tentos, se criem e proliferem imperfeitos superiores, que se servem da inferioridade gregária de haver muitos para impor o ritual obsceno da ordem dos dias.

22. Eles têm almas sombrias e viscosas e o avesso do verbo como prosa.

23. Cuidado crentes! Cuidado desatentos!

24. Eles são filhos da noite que fascinam, dispõem e ultrajam !

25. Os disfarces de opu­lências várias brilham, mas não podem enganar os avisa­dos, porque não é filósofo, artista ou santo o que, sacrílego, aos sete ventos proclama: «eu o sou!»

26. Mas o que, na prodigalidade do afecto, pela palavra, sonho, acção e merecimento, da luz em si - por Graça acrescentada - dá ao mundo sem reservas.

27. Aquele que quanto mais dá, mais em si e no mundo a luz se expande.


XVII
SURA DA DOUTRINA

1. AUM!
2. Pelo Livro, pela Palavra e pelos Fiéis que a proferem!

3. Sagrada ou profana, toda a doutrina exige um pacto de submissão entre o que escuta e o que fala e, por mais sagrada que seja, por maior riqueza de símbolos de conhecimento e preceitos que comporte, toda a doutrina é provisória e toda a doutrinação é precária.

4. De palavra lavada, muitas são as doutrinas, de ontem e de hoje, que os livros guardam e os ouvidos humanos podem escutar em benefício do entendimento do Alto, porém, muito mais são as que na palavra distorcida se fundamentam e pela pluralidade dos pontos de apoio se desagregam e desagregam os sentidos.

5. Toda a doutrina que brota da árvore que sustenta o conhecimento do mundo, é feita de palavras avisadas; toda a palavra avisada comporta a renovação dos pactos de vida pela boca dos profetas e a angústia do segredo na desocultação do mestre.

6. Ouvir a palavra do mestre na boca do vento, ou no silêncio do coração que escuta, é privilégio daquele que se submete.

7. Em nenhum caso a palavra escrita é algo que baste, nem tampouco basta o seu entendimento, pois que é preciso que a oralidade abra fissuras na pedra do ser.

8. O caminho crístico, que os Povos do Livro sabem, sempre que lavam a palavra dos atributos do desejo que a distorce, é a realização do ser pela invocação do Espírito Santo.

9. Quatro são os grandes profetas para os Povos do Livro e mestres do Ocidente eles são.

10. Dois reverenciam Melkitsedeq: por Ibrahim sabeis que Deus não aceita o sacrifício humano como oferenda; por Muça aprendestes a compensação do Karma pela Lei de Talião.

11. Os outros dois oficiam com o sacerdote do Altíssimo: pelo Colégio de Issa se aprende, na derrogação da vingança, que o amor tem o segredo da remissão de toda a iniquidade e é ressarcimento de todas as dívidas; por Muhammad se sabe que o restabelecimento da aliança de sempre é um pacto de submissão entre o espírito, que se deseja santo, e o Alto, que é assim a sua morada.

12. Guardai-vos do medo, esse anjo da morte e da sombra, porque os dias do fim são a realização paraclética que todo o ciclo comporta.

]


XVIII
SURA DA CONCILIAÇÃO

1. A. Q. J.!
2. Louvado seja o sol sobre a taça do céu e louvado seja o dia que da taça se derrama!

3. A raça dos homens e a raça das mulheres constituem colunas de entre Céu e Terra.

4. Não adianta que se escondam os iludidos na Tradição, porque o Livro é claro e insofismável!

5. Macho e fêmea é o Homem e cósmico ele é nas suas duas raças complementares e inseparáveis; ilusão é a daqueles que afirmam que o homem é celeste e a mulher é terrestre, porque só as palavras limitadas dos povos e a separatividade do entendimento concebem o macho sem a fêmea e a fêmea sem o macho.

6. Céus e Infernos podem os humanos inventar à sua medida, mas o verdadeiro decreto do Homem só se estabelece pelo juízo e pela vontade no concílio dos Justos.

7. A desatenção põe limites na palavra, da mesma forma que a conformação gera os limites de realidades ilusórias.

8. Limitação à realidade total, pela forma, é a matéria, que tem a sua génese no ovo caótico espaço-temporal.

9. Por nove estâncias esse ovo orbitou no Universo do Homem, e em sete foi moldado; no ventre dos sete senhores ocultos aprendeu o segredo do fogo e o mistério do sémen luminoso que o precede.

10. Ínfima realidade é a matéria que obnubila a visão e o sonho do grande sonhador, porém, ó crente, quando a matéria for no teu corpo um cristal onde a luz se revê e a água se pensa, nenhuma nuvem impedirá o olhar que te pertence desde o começo dos tempos.

11. Não limites a tua realidade, maldizendo as fronteiras que te tolhem.

12. Sem elas, que saberias dos limites?

13. Louva o tempo e o lugar onde te multiplicas nos rostos plurais que te reflectem e vê nesses mesmos rostos o rosto concreto de Deus, que te vigia sorrindo e a quem servirás sereno.

14. Só pelo domínio da matéria os humanos poderão libertar o rosto do suor que os mortifica.

15. Só pelo desvelar da ilusão que a matéria comporta, se vencerá a dor

16. Só pela submissão amorosa da natureza à causa humana o Homem sai glorificado e compartilha com Deus o Seu trono de Luz.

17. Não condenes o progresso nem as descobertas da Ciência, antes denuncia as técnicas que escravizam o Homem e inibem a vida.

18. É pela separação que se esquece e pelo caos que se morre.

19. Não separes as nações, porque na raça dos homens e na raça das mulheres há apenas uma nação, por mais que se diga que são 144 000 as almas.

20. Nem terras separadas do Céu, nem céus separados da Terra, nem muros de dividir nas cidades do Homem.

21. Só há uma guerra verdadeiramente santa e uma vitória verdadeiramente justa: a que se trava no peito da pessoa humana.

22. Aí se dá a vitória das cidades do mundo, que é a vitória de cada aldeia, de cada lugar, de cada assembleia em todas as nações, por mais humildes.

23. Enquanto a espada cumpre a fundação, o guerreiro bate-se por sê-lo, sendo, e o que faz o pacto dos cobardes nada faz.

24. O segredo de fazer só se descobre fazendo!


XIX
SURA DA ÁRVORE

1. LAM!
2. Louvado seja o sono do corpo e a vigília da alma.

3. Alimenta-te de frutos e enche o teu olhar e o teu peito com a alegria das flores.

4. Zela pela árvore, não deixes que os ramos velhos e ressequidos façam perigar o tronco que a sustenta, nem aqueles que, descuidados, à sua sombra se abrigam sejam para ela uma ameaça.

5. Come os frutos e compartilha-os com quem os deseje e deles necessite, mas atenta que colher os frutos não é derrubar a árvore, não é descarnar as raízes até que o sol as seque e a árvore não deixe memória.

6. O fruto da árvore de sombra é a frescura acolhedora que a mesma sombra produz, mas quem chega faminto e sequioso não lhe chega a frescura, se adormecer sem se saciar, descerá sobre ele um sono de morte.

7. Por isso, louva a árvore que, para além de dar sombra, fornece multiplicados e suculentos frutos, num desejo de se dar até à raiz.

8. Ninguém, dotado de bom senso, aceitará o sacrifício total da árvore...

9. Mas um dia, porque muitos anos passaram, procurarás a árvore e não a encontrarás no sítio onde sempre a soubeste.

10. Dirás que morreu, que o seu tronco foi chama de inverno, mas dir-te-emos que a forma da árvore permanece imutável no mundo da forma que os olhos não alcançam e que o segredo da vida daquela que disseste ter morrido viajou na semente que outro pomar acolheu.

11. Na tua árvore, prolonga a memória, rejuvenesce o porte e melhora o sabor dos frutos que dispensas.

12. Usa para isso o teu instinto, a tua fé e a tua razão.


XX
SURA DO MÉTODO DIVINO

1. VAM!
2. Louvada seja toda a palavra de entendimento e louvado seja o intelecto que a contém.

3. Silencia o mundo que te envolve e te consome, silencia as vozes desencontradas que te habitam e te confundem e encontrarás a sala dos segredos onde a voz da tua verdadeira consciência reina sobre todos os enganos.

4. Nessa sala velada e bem tua, dois seres se digladiam, agitam o teu sono e perturbam o teu entendimento.

5. Um dos seres seria branco, não fora o teu remorso; negro seria o outro, não fossem as lágrimas com que o redimes.

6. Dize-lhes que se aquietem e não os louves nem os castigues; respeita-os com a brandura da compreensão, mas fá-los saber serem agora estrangeiros nesse reino.

7. Conseguido isto, saberás que não és o teu corpo nem as forças vitais do seu orgulho.

8. Então, sem engano te chamaremos neófito nos caminhos da luz e pediremos que ponhas a tua consciência a observar o teu corpo por dentro e por fora, para que possas entender esse ser articulado e vivo como um frágil e desamparado menino que tomaste sob a tua protecção.

9. Ensina-lhe que entre ti e ele há o mesmo nexo que existe entre ele e os que lhe são próximos.

10. Ensina-lhe que o pacto que com ele estabeleceste é o modelo que deve observar em todos os pactos e em todas as relações na assembleia de próximos.

11. Vê o teu corpo vivo, os pensamentos que ele consegue articular e entender e os actos consequentes desse entendimento como um teatro de sombras, mas que não te distraia o seu enredo do fluir maior da vida e da visão impoluta do mundo e dos sinais.

12. Quando serenamente conseguires olhar para ti com o mesmo olhar crítico que tantas vezes dás ao mundo;

13. Quando conseguires olhar o próprio olhar crítico, sentir-te-ás inundar de toda a benevolência do mundo.

14 Nessa altura, estarás apto para reconhecer sem mais delongas o teu mestre interior, porque serás capaz de usar o teu corpo como uma catedral e terás os teus irmãos do passado, do presente e do futuro contigo como oficiantes e fiéis.

15. Usa a tua intuição, pratica a solidariedade do afecto e está atento a todos os sinais.

16. Usa a Razão, a Fé e o Instinto e saberás encontrar um mestre vivo, que te dirá onde está a primeira chave da primeira porta.

17. Segue sem ansiedade, sem desfalecimento e sem rebeldia os seus ensinamentos e não temas que falso seja o mestre se usas as três armas.

18. Mas atenta, ó crente, que falso é o mestre que de retórica te confunde e muito afirma.

19. Falso é o mestre que te promete o Céu a troco de mesada, ou te pede o sangue e a dor como penhor da sua conquista..

20. Verdadeiro é o que muito pergunta, o que te põe à prova perante ti próprio, ajudando-te assim a encontrar o teu mestre interior, ponto de apoio para uma alma maior.

21. Não dês ouvidos aos falsos guias nem aos optimistas da catástrofe, aos que te querem fazer crer que Deus pretende limpar o rosto do mundo com uma toalha de sangue.

22. Que sabem os que invocam a morte, mais do que da gula das moscas?

23. Sabe ainda que a alma do teu mestre interior é também a alma das assembleias de próximos que se repetem no tempo e transportam sinais de reconhecimento.

24. Aos fiéis do amor é confiada a chave da primeira porta e deles se ouvem palavras de entendimento.

25. Porém, não usam a bondade tola de quem faz camas de rosas para jumentos.

26. Eles sabem que os segredos se aviltam, se revelados, tal como as pérolas se perdem, quando dadas a porcos.

27. Mas, sabem também, que há sempre pérolas que se não perdem, segredos que se podem confiar e perfumes que persistem em suaves brisas.


XXI
SURA DA SUBMISSÃO

1. RAM!

2. Louvado seja o mortal, enquanto ornamento do que nunca morre!

3. Dizes bem, quando dizes que a Treva não é Deus e dizes bem quando dizes que o Espírito não é o Deus Total e Absoluto, mas erras quando dizes que a Treva é o Mal...

4. O Mal pertence ao mundo da mente; a Treva é a matéria prima caótica com que Deus molda os universos, a qual, quando lhe sopra o Espírito de Vida, ordena, ilumina, acende e diversifica.

5. O humano, que por cobardia ou ilusão seja tomado pela Treva, terá morte definitiva e total nos sete Planos de Consciência.

6. Não mais lhes pertencerá; Luz e Sombra perderão para ele todo o sentido e nem ao Mal se poderá dar.

7. Submete-te aos desígnios de Deus para os seres e para os mundos.

8. Como saber de tais desígnios?

9. Presta atenção aos sinais da vida - a todos os sinais! - e ouve a Palavra do Justo.

10. Precária é a palavra do Justo perante a palavra total que é o silêncio de Deus, mas é por intermédio do Homem Justo que Deus desperta as crianças do mundo, que são os humanos desprevenidos.

11. A vontade de Deus e a vontade do Homem Justo, não sendo a mesma coisa, são coisas correspondentes.

12. Mas, submeteres-te aos desígnios de Deus, não é sofrer por intenção nem usar a dor como um estandarte, porque sofrer não torna as mulheres nem os homens melhores, mas ressentidos, e o ressentimento é uma coisa má; a dor não liga os humanos às forças celestes, mas às terrestres e infernais.

13. O gosto pela dor é uma perversão abominável; querer sofrer para assim ganhar os céus, uma blasfémia.

14. Escuta, ó crente: o Homem não é celeste nem terrestre, nem sequer lhe foi dado um lugar fixo, pelo que todos os lugares lhe são acessíveis.

15. A Terra é a sua morada provisória, a que se não adapta, nem tem de adaptar-se; o seu aspecto não é definitivo, pelo que terá de aprender a dominar a forma.

16. O Cosmos como morada, a eternidade física e psíquica como conquista, eis o destino do Homem; o seu decreto estabelece-se pelo seu Juízo e pela sua Vontade

17. Até que o Homem alcance oficiar as núpcias do tempo e da eternidade, a verdade de homens e mulheres não será a verdade dos mestres, nem a verdade dos mestres a verdade de Deus.

18. Tampouco a verdade de Deus se assemelha à verdade que vai da inteligência dos mestres à mais alta intermediação divina.

19. Tudo é ilusão para o que ignora e mentira para o que apenas crê e a verdade una e única ecoa na multiplicidade dos planos e dos entendimentos como memória caótica.

20. A origem disto, disseram os antigos, está na queda, a que os crentes chamam morte e os magos esquecimento.

21. E eis assim a inacessibilidade da verdade última para os que vivem as contingências da presente humanidade sofredora, pois que imenso e espesso é o véu da separatividade.

22. Com os olhos rasos de água, vêm os que se alimentam do medo, fazem o pacto dos cobardes e se dissolvem na ilusão da luz, e a luz que inventam os toma e eles se consomem e esgotam, julgando fundir-se em Deus.

23. E as sombras tomam a luz ao pavio consumido, sem que as montanhas, sobranceiras ao vale onde tudo isto se passa, se apercebam.

24. E logo vêm outros, os que se orgulham e desafiam o Alto, os que julgam ascender em glória e poder, tecendo imperium sobre o Baixo.

25. Estes levam as suas cortes de prosélitos por veredas de enganos, e assim o coração lhes morre aos poucos e a alma lhes arrefece, porque a luz que ela tinha se esvaiu nas conquistas dos desertos de Deus.

26. Atenta nisto, ó crente: entre o cobarde e o orgulhoso, procurarás o caminho certo dos que amam e não temem.

27. Não penses que basta nascer e que isso é a vida, não, a consciência é que é, em verdade, a vida.

28. Mas, para a vida plena, é preciso recordar o que a morte faz esquecer.

29. O esquecimento, que é a morte, vem como bálsamo sobre as dores da alma; fosse outro o modo e outras seriam as dores na passagem dos mundos.

30. Busca o cavaleiro da rosa, e terás guia e protecção.

31. Busca a dama por quem a rosa foi colhida, e tu próprio serás o cavaleiro.

32. Prisioneiro de alegrias vãs é o que ascende de ilusão em ilusão.

33. Prisioneiro da noite mortal dos mundos e da tristeza das eras é o que se deixa tomar pela desilusão.

34. Uma ilusão cede lugar a outra ilusão; ambas diferentes para quem as olha, novas para quem as sente, são, na essência, iguais e velhas como o mundo.

35. Não te iludas, estudante, não te iludas, neófito, para que a desilusão te não consuma o riso.

36. Ao estudante basta o estudo, ao neófito basta a rosa, mas a esta só a atenção do jardineiro serve e, para este, só o perfume conta.

37. Não te iludas, neófito, não te iludas, estudante!

38. Estudantes desta vida, desveladores de enigmas são os homens e as mulheres debaixo do céu; aplicados ou não, todos estão perante o enigma.

39. Cada descerrado véu, é um grado do arco que percorrem repetidamente, na ilusão do novo e na miragem do eterno.

40. Uma cadeia de enganos é esse círculo.

41. Para libertar os passos dos caminhos da ilusão, não chega ser estudante, é preciso plantar a rosa vermelha do desejo e da paixão no centro das encruzilhadas dos mundos.

42. Neófitos na senda da libertação, desveladores de enigmas são os homens e as mulheres que, debaixo do céu, se erguem ao sol como cruzes de vida.

43. Estes têm corações ardentes e vão pelos canteiros do mundo desfolhando afagos, na ternura da rosa que o jardineiro cuida.

44. Ponde de lado ilusões nefastas.

45. Abandonai cediças crenças e soberbas do Bem, da Virtude e da Ciência.

46. Ide pela Razão, sem esquecer a Fé e o Instinto.

47. Ide pela Razão, porque a Razão é asa no voo encaminhado de Deus; é o Espírito Santo sobre a vossa cabeça.

48. Do Bem e do Mal, da Vida e da Morte, do Choro e do Riso, que sabe a pessoa humana sem o uso da Razão?


XXII
SURA DAS CONTRADIÇÕES

1. IAM!
2. Louvado seja o sopro que move a alma e louvada seja a alma que acende o intelecto!

3. Pela cruz, pelo crescente e pela estrela de Sião.

4. Não procures em Deus as tuas qualidades nem os teus defeitos, busca em ti a divindade que escondes e quando a descobrires, compartilha-a em Assembleia de Próximos.

5. Como podes falar de vida eterna e de ressurreição, ó crente, se manténs no madeiro Aquele que afirmas que venceu a morte?

6. Como podes falar de filhos de Deus, se a uns dás o trono e a outros negas o pão?

7. Como podes falar de Justiça, se a uma raça dás o véu e a outra dás a espada?

8. Porque te ouvem uns promessas de vingança, se a outros afirmas que o olho já não paga o olho, nem o dente paga o dente?

9. Porque falas tanto de futuro, se o não realizas em cada dia?

10. Porque falas tanto de passado, se sobre ele não tens qualquer poder? Será que não sabes que foi escrito que «ao que desejar lavrar o campo da vida futura, ser-lhe-á aumentado o seu campo e ao que desejar cultivar o campo da vida presente, isso terá, mas nada receberá na vida futura»?

11. E de que te vale impor pela tirania o culto que dizes ser do Pai? Como pode ao Pai convir o que ao Filho não apraz e ao Homem não eleva?

12 De que te valem cultos de incensos e honrarias, do oiro que se arrecada e do seu brilho nos dentes da avidez?

13. E tu, néscio pregador de mentiras, ignorante da vida, eco da sombra e agente da sua obra, porque te não suicidas, já que dizes tanto detestar a carne e os seus apelos?

14 Pregas contra a carne e contra os vícios da carne, mas que saberias da carne e dos vícios da carne sem a própria carne?

15. E que seria da carne, se na quarta vértebra não habitasse o riso?

16. Se te julgas bom e te julgas justo, então, porque o não és?

17. Acreditando odiar todo o pecado, tens-te na conta de impoluto, mas, como pode ser impoluto quem odeia, mesmo que o ódio seja somente contra o pecado?

18. Não sabes tu que o mal se alimenta do mal, o bem gera o bem e que só o espírito é capaz de entender o espírito?

19. Usa para cada coisa a lei que lhe é própria e de cada uma indaga o seu segredo, porque em tudo há símbolo e analogia e toda a pergunta tem resposta.

20. Não podes aspirar ao silêncio quando o ruído te toma: aprende a dominar o som.

21. Usa o Intelecto, que nos humanos é uma Graça divina; cabe ao Homem em usufruto, mas é propriedade de Deus, por ser Sua substância de manifestação.

22. Nos animais, o intelecto chama-se instinto natural e da mesma forma lhes não pertence, mas à natureza.

23. Faze como a criança, que só abandona os seus brinquedos gastos pela alegria do uso depois de desvendar os seus segredos.

24. Arte, Saber e Alma, eis o segredo da arquitectura do mundo.

25. Quem se eleger à imagem do Arquitecto será um artista, um sábio e um poeta.

26. Para isso, pela vontade dirigida, fará do seu corpo uma catedral da alma e da sua alma o jardim florido da inteligência activa e perscrutante.

27. É dever de homens e mulheres combater a dor, a ignorância e a miséria e fazer do planeta onde habitam e navegam entre estrelas o jardim idílico e fraterno de todos os sonhos.

28. Os que caminham sabem e os que agem cumprem.

29. Esperar não muda aos rios o curso nem ao barqueiro a margem.

30. Cabe a cada mulher e a cada homem viver a alegria que cada novo dia traz e induzir com ela a felicidade nos que lhe são próximos.

31. Aquele que realiza a alma, transcende a felicidade própria.

32. Ao que transcende a felicidade própria, não mais é possível a tristeza, porque esta é o pus dos desejos impuros, que não cabem nos jardins da alegria da alma realizada..

33. Mas a alma só se realiza quando o neófito encontra o caminho do método divino, que há trezentos e noventa anos foi anunciado publicamente aos povos do Livro, mas cujo segredo é tão velho quanto o mundo.

34. A verdade eterna e a música eterna não cabem nos limites da audição.

35. A verdade existe antes e para além do Homem, como a música existe antes e para além do violino.

36. O ouvido humano entende a música e a verdade de acordo com o momento único e precário em que escuta.

37. Eterna é a palavra pela qual este livro se faz, mas este não é nem contém a palavra imputrescível.

38. Eterno é o som que permite a palavra, mas nenhuma palavra deste livro contém o impossível som essencial.

39. Nada de essencial pode estar nos livros se não estiver previamente no coração de quem os escreve e de quem os lê.

40. Medita nisto, ó crente, a quem temos dito que toda a palavra apodrece, tal como o tempo apodrece também.

41. Esta é a lei para o tempo, para a palavra e para os que dela fazem uso.

42. Ao que vires exorcizar o mal e as forças impuras que o sustentam, e mais vires que desses actos brota o riso são e o louvor honesto ao Alto, saberás que estás perante um praticante do método divino, ou um mago da luz.

43. Pedir-lhe-ás: «deixa que escute a tua palavra avisada».

44. Ao que ouvires no arremedo da fala e vires invocar os seres que na sombra esperam a desatenção dos simples e a iniquidade dos perversos, saberás que estás perante um cultor da noite de ignomínias.

45. Três vezes lhe dirás: «eu te esconjuro em nome da Luz!»

46. Mas se alguma luz adivinhares ainda sobre a sua cabeça, dar-lhe-ás de palavras avisadas quanto possas e pedirás para a sua alma o perdão do Alto.

47. Aos fiéis do amor não cabe amaldiçoar nem excomungar, ou doutra forma seriam entendidos e com outro nome designados.

48. De quantos os velhos cultos sigam, podem os seus sacerdotes e as suas assembleias amaldiçoar e excomungar os que violem a lei e os preceitos.

49. Mas nada podem - com isso ou sem isso - sobre a vida e sobre a morte, sobre a integridade física e sobre a liberdade de quantos pequem.

50. Que não julgue o Homem o que só a Deus cabe julgar!

51. A tríplice tiara não pertence a homem nascido de mulher.

52 A autoridade da espada não é a autoridade do saber,

53 A primeira, é um porto de partida, onde há a dor de todos os partos e de todas as separações.

54. A segunda, é um porto de chegada, onde a saudade se veste de alegria e o que era distante se faz então perto.

55. Naquilo que em ti é Homem, naquilo que em ti é Natureza e naquilo que em ti é Deus, só ao Homem, à Natureza e a Deus deves a correspondente e indeclinável obediência, na prevalência dos critérios de Deus.

56. Eis toda a hierarquia dos Planos do Ser!

57. Nos Planos do Estar, toda a hierarquia se funda em actos de partilha e de submissão voluntária; o que é particular a ceder o passo ao que o é menos, o individual preterido pelo social, nos limites estritos de toda a convenção.

58. Mas as leis humanas nunca são de precedência, são uso, e por isso o tempo as esgota.

59. Só a iniquidade supõe outros princípios e lhes aponta maior valor.

60. A Assembleia de Próximos - porque é paradigma da equidade social - não pode dispor do Homem quanto nele é ser, mas pode dispor de quanto é comum ao estar, nos limites da justiça e da convenção.

61. Por isso, não é lícito a homem, mulher ou grupo legislar sobre o corpo, a alma ou o espírito, seja em nome do Homem, da Sociedade ou de Deus.

62. A tríplice tiara só de Deus é privilégio.

63. Os treze haustos de cada minuto, são uma dádiva do sol, os cento e quarenta e quatro anos de vida, são um privilégio do ser e a Assembleia de Próximos é o sorriso do estar.

64. Muitos são os segredos, mas não há segredo que não possa ser desvelado por todo aquele que verdadeiramente busca.

65. Porém, mesmo que caia o último véu do último segredo, nunca o buscador será dono do Mistério.

66 Ao buscador está reservado o cansaço e está reservada a rendição.

67. O Mistério é um indizível sol interior que consome a pessoa humana à medida que os desejos se diluem na realização do ser.

68. Ou antes: como um desejo maior que todos os outros faz desvanecer.

69. A ninguém é dado possuir o Mistério.

70. À realização do ser chamam alguns união mística, reintegração, reino dos céus, iniciação e muitos mais convergentes e divergentes nomes, conforme o tempo, a escola e o lugar.

71. Muitos são os caminhos e mais ainda são os apelos, por isso se contradizem as escolas, os cultos, as seitas e os humanos e tantas vezes as espadas saem das bainhas e refulgem ao sol em nome de verdades provisórias e no exercício do orgulho do Bem.

72. Mas o orgulho do Bem é a negação do próprio Bem, ó crente!

73. Esse orgulho conduz inevitavelmente os religiosos ao fanatismo e os magos à contra-iniciação.

74. Sabe, ó buscador, que iniciação e contra-iniciação não são conciliáveis, pois não são opostos que se correspondam, mas antagonistas que mutuamente se negam.

75. Por um dos caminhos se enaltece o que no humano é luz, pelo outro o que nele é sombra.

76. Enaltecendo a sombra, os magos negros procuram o acesso à Treva, que muitos julgam ser a mesma coisa que a sombra.

77. A sombra é do Universo do Homem, a Treva não.

78. Pela chama que arde no coração e que é alimento da Consciência, estão os humanos protegidos da Treva e podem, por um acto de vontade, afastar as sombras que neles coabitam.

79. É desejo do mago negro roubar essa chama ao desatento e, erguendo-a como um facho de poder, aceder ao domínio da Treva, desafiando Deus.

80. A Treva é a matéria caótica e lerda a que Deus não outorgou a chama de vida e assim se opõe ao Plano de Consciência de que se alimentam os filhos da Luz..

81. Assim, não se pode dizer, com inteira verdade, que um humano seja dado à Treva, mas sim que nesse condenado o que é luz à luz regressa indiferenciadamente e o que é sombra vai unir-se ao indiferenciado caótico.

82. Há seres que têm poderes sobre as Trevas e há humanos que servem esses seres e lhes chamam mestres.

83. Mas piores do que estes são os que se propõem servir qualquer poder, desde que a si próprios se enalteçam.

84. Percorrer os caminhos da Luz ou percorrer os da Sombra é para estes completamente indiferente.

85. Eles calam dos mestres da sombra os negros desígnios que compartilham gulosos e dizem dos verdadeiros mestres o que estes não dizem nem fazem.

86. Pelas artes do engano e da mentira, seduzem os crédulos com promessas de céus ridentes e amedrontam os fracos com terríveis ameaças.

87 De todos eles se alimentam física e etericamente.

88. Ó crente, não os sigas!

89. Se não encontras no teu caminho de estar no mundo um fiel do amor, é porque não foi chegada a hora.

90. Ó buscador não os oiças!

91. Se o apelo do Alto é irresistível e o de realização não te dá sossego, não tendo tu um guia, é melhor que sigas a religião dos teus pais.

92. Aos povos do Livro dizemos: os que atenderem às palavras contidas nos Versículos do Homem entenderão que ser Judeu, Cristão ou Muçulmano - ou indiferentemente ser as três coisas - é o primeiro e o segundo passo no acesso ao Alto.

93. A síntese a que os dois passos conduz é a mensagem paraclética para a Nova Era, corolário destes tempos do fim.

94. O que vai na esteira dos fiéis do amor busca para esta vida um sheikh vivo e abre ao mestre perfeito o coração em chamas.

95. Ouvir o mestre no coração é o quarto passo para o que está pronto.

96. E há os que vão pelo caminho místico e há os que vão pelo caminho mágico!

97. E há os que são tomados pelo caminho dos fiéis do amor, que é o da alquimia espiritual.

98. Neste, o neófito serve a humanidade pelo amor a Deus realizado no mestre.

99. E serve o mestre pela afinidade consciente que o eleva a Deus.

100. Discípulo se faz o que ouve o mestre e o entende.

101. Mas não te iludas, ó crente, porque em tudo isto uma vida não chega!

102 É preciso que em cada peito regurgite o passado, o presente e o futuro.

103. É preciso que aí se forme uma Assembleia de Próximos.

104. Discípulo é o que submete o seu eu pessoal perecível ao ascendente ser espiritual que realiza.

105. O discípulo é um guerreiro pacífico e justo que parte à conquista da Consciência Cósmica.

106. Longa é a campanha que o espera e longe está o Graal de todas as demandas.

107. O que tem os olhos abertos, os ouvidos disponíveis e a vontade pronta ao seu serviço não acredita nos que lhe oferecem estâncias de luz num piscar de olhos.

108. Pode o relâmpago iluminar a noite tempestuosa, que será sempre lampejo de que a noite desdenha.

109. Só o luar persiste na noite; só o sol a noite desvanece.

110. Todo o discípulo é do Alto um canal de acção diligente e justa ou, por inversão do dever, deixa de servir o mestre.

111. Todo o discípulo é um canal seguro do amor do Alto nas cidades do Homem ou é tomado pelo desejo e não será mais discípulo.

112. Todo o discípulo é do Alto um canal de poder, mas se a vaidade o toma e o poder o excita, o mestre se afasta e o deixa entregue à vacuidade.

113. Louvados sejam os quatro mil acordados quando a cidade adormece!

114. Louvados sejam os trezentos que caminham entre as cidades cercadas!

115. Louvados sejam os cinquenta que agem enquanto a turba se agita!

116. Louvados sejam os seis que estão atentos e que sabem da palavra a impronunciável sílaba.


XXIII
SURA DO AMOR HUMANO

 

1. HAM!

2. Louvado seja o Sol, louvada seja a Lua e louvado seja o amor humano, paradigma de toda a unidade de contrários, pela realização sobre a Terra do milagre duma única coisa.

3, Esplendor, Florescência e Alegria descem na Primavera ao coração da mulher, e aí plantam para todo o ano o inconsútil grão do fascínio.

4. Sobre o homem, derramam o éter da festividade

5. Isto fazem as três Graças para a ordem da carne nas cidades dos mortais

6. Fazem-no para a carne e fazem-no para a luz que alimenta a carne e para o fogo que a consome

7. E há a carne que se consome até ser cinza e há a carne que das cinzas gera o diamante e assim se transmuta.

8. Uns cuidam deste segredo, outros não.

9. Não lamentes a areia do tempo que o tempo levou, não lamentes a que vês correr na ampulheta insubmissa dos senhores da ordem, nem envolvas em ansiedade os dias que sonhas.

10. Vive o dia presente como um futuro que se realiza, porque em ti florescem todas as esperanças.

11. Compartilha essas esperanças, que são as únicas que o mundo tem para ti, e não lamentes as tuas acções, nem lamentes as tuas omissões.

12. Como diz a sabedoria antiga, não te queixes do que não tem remédio, nem te queixes do que tem remédio.

13. Ama o teu semelhante no respeito daquilo que nele te desagrada e sem endeusamento do que nele te emociona e profundamente cala.

14. É preciso que aprendas a amá-lo, e isso só é possível se começares por amar primeiro o teu grande amigo, que é também o teu maior inimigo, aquele que vive contigo na permanência ininterrupta de toda uma vida.

15. Mas não julgues esse ser, que é metade amigo e metade inimigo, nem digas: «isto são defeitos, isto são qualidades», porque em verdade te dizemos que são apenas características nascidas no agro do choro e do riso para tua colheita e cuidado; da boa safra, beneficias tu e beneficia o mundo.

16. Trata nesse ser o que tem remédio, aceita o que não o tem, não te autoflageles e, em nome do amor, afasta de ti os que pregam o martírio da carne, pois são coveiros, e os coveiros não podem ter assento na Assembleia de Próximos, sem que por sete dias se purifiquem e calem as suas obscenidades, reflexo na palavra do que os cadáveres putrefactos são.

17. Há um tempo em que para a doença se não acha remédio, mas logo vem um tempo em que o remédio se tem: para ti e para o mundo assim é a lei.

18. Conhece-te, pois, apura-te e aceita-te como um filho que gerasses e de ti próprio parisses, e assim saberás que esse com quem te identificas não és tu verdadeiramente, mas o filho dilecto da tua carne e do teu sangue, aquele que muito amas, aquele que o destino pôs à tua guarda e que só entenderás pelo Santo Espírito, reflexo em ti da esmeralda crística.

19. Assim farás com os teus irmãos em Assembleia de Próximos, onde todos estão à tua guarda, em que todos estão à guarda de todos.

20. Assim se aprenderão a amar entre si as Assembleias de Próximos.

21. Tu, que encontraste um encaminhador para os teus passos, sabes agora que a morte é um desfazer do pacto do sangue com o espírito, mas que visa a continuidade rejuvenescida desse mesmo pacto, e que ínfima realidade é a matéria.

22. Sabe mais: a memória de todos os segredos e de todos os mistérios está gravada de forma indelével nessa tal ínfima realidade que é a matéria, esse livro enigmático que os sábios decifram e os néscios repudiam em repetidos e alternados ciclos de recordação e esquecimento.

23. E cada ovo traz a memória viva do último senhor a quem dilacerou o ventre no parto das eras e no parto dos mundos.

24. Por sete vezes assim o mundo e por sete vezes assim os humanos perante os sete véus de esquecimento sobre as sete portas da memória.

25. Aos que buscam Deus, dizemos: não O procureis num lugar específico, porque esse lugar não existe, mas sim e antes, todos os lugares o habitam.

26. Aos que temem o Inferno, dizemos: não é um lugar, mas um estado; aos que buscam o Céu: olhai bem dentro do vosso coração, não desse órgão carnal e putrescível, mas desse olho de luz que o absorve e te observa expectante; aí terás o céu de todas as buscas.

27. Porém - atentai! - não é encontrar esse céu que é importante, o importante é habitá-lo por merecimento e partilhá-lo por devoção.

28. Sabei, ou recordai, que o coração e o ventre que os vossos olhos não vêem, se unem no trono do Instinto, e que nesse trono se senta o Filho, aquele que é coevo do Pai, como querem os cristãos.

29. Sabei, ou recordai, que a cabeça e o ventre que os vossos olhos não podem ver, se unem para formar a vossa Fé, que é o trono do Pai e o útero de todas as precedências.

30. Sabei, ou recordai, que a cabeça e o coração que estão para lá do que os vossos olhos querem ver, se unem para formar a asa e o voo da ave que se renova no YOD sobre a fronte.

31. Ó Fiel do Amor, tu que cruzas mil desertos, vai dizer-lhes isto.

32. Tu, que vais por caminhos pedregosos com a serenidade de quem percorre, em fim de tarde, amenas alamedas bordadas de acácias, vai dizer-lhes isto.

33 Vai dizer-lhes, ou na corrosão do tempo, a criança que negares gerará o adulto cujos olhos cegam para realidades maiores, e assim o pacto com a morte.

34. Vai dizer-lhes isto...

 

Lucefecit, 31 de Julho de 1994


 

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Julho 2001