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A EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS

Adolpho Gordo

www.ebooksbrasil.org


 

A Expulsão de Estrangeiros
Adolpho Gordo

Edição
eBooksBrasil
Fonte digital: digitalização da edição em papel
S. Paulo
Espindola & Comp. — Rua Direita, 14-A
1913
Os negritos foram eliminados, as itálicas foram mantidas, a ortografia foi atualizada e os nomes conservados em sua grafia original.

Copyright
©2006 Adolpho Gordo


 

Índice

Nota do Editor
A EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS
Discurso de 29.11.1912
Discurso de 14.12.1912
Anexo: Lei 1.641 de 7.1.1907


 

Nota do Editor

O Sr. Adolfo Afonso da Silva Gordo foi pessoa importante na República.

Logo após da Proclamação, foi nomeado governador do Rio Grande do Norte pelo governo provisório. Como governador do Rio Grande do Norte, ficou pouco, de 6.12.1889 a 8.02.1890.

Fez parte, por S. Paulo, da Constituinte, instalada em 15 de novembro de 1890, de que resultaria a Constituição de 1891.

Paulista de Piracicaba, bacharel pela Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, deputado federal e senador da República, legou seu nome a duas leis que fizeram época na história pátria.

A primeira, de 1907, dispunha sobre a Expulsão de Estrangeiros. Revista em 1912, teve como relator o próprio Sr. Adolfo Gordo.

É sobre a revisão os dois discursos desta publicação.

A segunda, também conhecida como “Lei Adolfo Gordo”, então senador, de 1923, foi a primeira lei de imprensa brasileira. Tentava silenciá-la. Foi denominada, pelos opositores e pelos jornalistas, “lei infame”.

O senhor Adolfo Gordo foi pessoa importante na República. Um precursor.

Estes discursos ajudarão a conhecê-lo um pouco... e também o clima político do Brasil na primeira década do século XX.

Espero que esta publicação ajude a dar uma perspectiva às discussões que hoje se travam pelo mundo sobre estrangeiros e, no Brasil, sobre o movimento operário e as elites brancas.

Teotonio Simões
Maio de 2006


 

CONGRESSO NACIONAL

A EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS

____________

 

Discursos pronunciados na Câmara dos
Deputados, nas sessões de 29 de Novembro
e de 14 de Dezembro de 1912

PELO SR.

ADOLPHO GORDO

DEPUTADO POR S. PAULO

 

 

S. PAULO
ESPINDOLA & COMP. — Rua Direita, 14-A
1913


 

DISCURSO

pronunciado na sessão do 29 de Novembro do 1912

 

O SR. ADOLPHO GORDO. — Sr. Presidente, membro da Comissão de Constituição e Justiça e relator do projeto em debate, corre-me o dever de dar uma resposta aos ilustres oradores que me precederam nesta tribuna, dever este que cumpro com tanto maior satisfação quanto é certo que um órgão de publicidade desta Capital entendeu dever considerar o projeto — um dos botes mais insidiosos que tem sofrido nesta casa do Congresso os mais sagrados direitos.»

O projeto manda revogar os arts. 3.°, 4.° §único e 8.° do Decr. n.° 1.641 — de 7 de Janeiro de 1907 e para bem justificá-lo preciso, preliminarmente, fazer algumas considerações sobre a natureza e fundamento do direito de expulsão de estrangeiros.

Sr. Presidente, há mais de uma doutrina em relação a este assunto.

Antigamente, prevalecia a orientação de um exclusivismo absoluto, do completo isolamento dos povos. Era o regime que dava ao nacional o monopólio da lei e da propriedade, e que colocava o estrangeiro fora do direito civil, por considerá-lo um inimigo. Dizia-se: «se o gozo das nossas leis e a aquisição de nossos bens forem permitidos a todas as raças do globo, o estrangeiro invadirá insensivelmente a nossa indústria e o nosso comércio, se apoderará do nosso solo e se instalará em nossas cidades, estabelecendo uma vizinhança que constituirá um perigo para o sentimento nacional.»

Esse isolamento, que era o ideal dos tempos passados, essa doutrina da exclusão absoluta do estrangeiro, não podia prevalecer nos tempos modernos.

Os novos costumes, as práticas da civilização, as necessidades da vida moderna, o desenvolvimento assombroso do comércio estreitando cada vez mais as relações entre os povos, a freqüência e a rapidez das viagens, e a facilidade dos transportes quebraram o isolamento dos Estados. «A vida moderna, diz muito bem Charles Turgeon, tem necessidade de livre movimento, precisa de expandir-se ao grande ar, por cima dos rios, por cima dos mares, por cima das montanhas e das fronteiras: precisa de toda a terra. Hoje a humanidade é um corpo imenso do qual é difícil separar os órgãos e isolar as funções sem profundo abalo e sem grande padecimento para as partes e para o todo.»

De modo que, ao sistema da exclusão absoluta do estrangeiro sucedeu uma nova concepção: — a da supressão completa das fronteiras, a do mesmo direito para todos os homens, sem distinção entre nacionais e estrangeiros, a que condena, em absoluto, o direito de expulsão. É, por uma flagrante violação dos direitos imprescritíveis do homem, que a legislação do país confere ao governo o poder discricionário de expulsar o estrangeiro, diz Pinheiro Ferreira, e votando uma tal lei, o legislador abusou de seu mandato que o obrigava a defender e proteger os direitos naturais do homem, tornado membro da sociedade. Não há diferença entre o nacional e o estrangeiro, continua esse escritor, quanto ao gozo e exercício dos direitos civis, que não são outra cousa mais do que os três direitos naturais da segurança, da liberdade e da propriedade.»

Expulsando-se um estrangeiro, diz Clovis Hugues, atenta-se contra a liberdade e contra o próprio princípio da República.

Mas, Sr. Presidente, se a primeira concepção não é compatível com a civilização moderna, a segunda tem restrições que são impostas pelo interesse público.

Se as necessidades da vida moderna e o extraordinário desenvolvimento do comércio estreitaram de tal modo as relações entre os povos que o seu isolamento é hoje impossível e que a hospitalidade é um dever, por seu lado o estrangeiro que recebe a hospitalidade tem também o dever de se conformar com as leis e instituições do país que o acolhe e de não se constituir um perigo para a ordem e tranqüilidade públicas. (Apoiados).

São funções essenciais do Estado velar pela segurança das pessoas e da propriedade e manter a ordem pública e para que bem possa desempenhar a sua missão, é evidente que deve ter o direito de remover os embaraços que perturbem a sua ação. Toda a nação tem o direito de viver, de trabalhar e de progredir e tem por isso mesmo, o direito de expulsar do seu território o estrangeiro que for um perigo para a sua vida, para o seu trabalho, para a sua prosperidade, para a sua segurança, para a sua propriedade e para a sua honra. (Apoiados.)

Diz muito bem um publicista, que sob o fundamento de uma fraternidade ideal, não se pode sacrificar os direitos da comunhão aos direitos de alguns indivíduos.

Facilitem os povos, sobretudo os novos que tanto precisam do braço e do capital estrangeiros para o seu desenvolvimento econômico, facilitem, tanto quanto puderem, a entrada e a permanência do estrangeiro em seu território, mas, quaisquer que sejam as medidas que tenham tomado com esse intuito, quaisquer que sejam as suas declarações oficiais, os princípios consagrados em sua Constituição Política e as disposições de suas leis ordinárias, terão sempre o direito de conduzir a suas fronteiras os estrangeiros que atentarem contra a segurança nacional e causarem outros males. (Apoiados).

O direito de expulsão é uma manifestação do direito de soberania, é o jus imperii: não é a lei que o cria, pois que é anterior a lei, e esta regula, apenas, o seu exercício.

O direito de expulsão é inerente à soberania nacional e é essencial à segurança e à defesa das nações.

O direito que tem o estrangeiro de entrar e de fixar-se em nosso território tem uma restrição — qual é a de conformar-se com a nossa vida social, respeitando as nossas leis e instituições, obedecendo as nossas autoridades e não constituindo jamais um perigo para a ordem e segurança públicas.

A expulsão é uma medida de alta polícia, de prevenção, de segurança social e política, é um instrumento de governo, de defesa, que cabe ao Estado no exercício de sua soberania.

Isto é líquido em face da doutrina, das legislações de todos os povos e da jurisprudência dos tribunais de todos os países.

«É fora de dúvida, diz Fiori, que o governo tem o direito de expulsar os estrangeiros, por motivos de segurança pública. Esta faculdade deve ser considerada como uma medida de alta administração e o exercício dos direitos de soberania e não pode ser desconhecida pelo direito internacional. O direito de permanecer em sua própria pátria, é um direito natural do homem, que pertence exclusivamente aos cidadãos.» Isto mesmo dizem todos os tratadistas de direito internacional.

Antes mesmo de termos qualquer lei acerca deste assunto, o nosso Supremo Tribunal Federal, em dous acórdãos notáveis, afirmou o seguinte:

«Segundo os princípios do direito internacional, nenhuma nação pode ser compelida a receber estrangeiros em seu território e só os recebe quando julga que a sua admissão nenhum inconveniente lhe pode causar. É, pois, manifesto que uma vez recebido o estrangeiro, se a sua presença pode causar perigo à tranqüilidade pública, ou outros quaisquer males, embora sem a participação de sua vontade, tem o Governo o direito de retirar-lhe a permissão de residir no país. Esta faculdade de obrigar o estrangeiro, julgado perigoso, a ausentar-se do território nacional, independentemente de processo e condenação judiciária, é o que se chama direito de deportação.»

.......«A faculdade de deportar o estrangeiro, cuja permanência no país é prejudicial ou inconveniente, decorre imediatamente do direito de soberania nacional, e pela Índole do sistema político e natureza do ato, somente pode ser exercida pelo Governo como delegação da Nação. Nem jamais se contestou ao Poder Executivo, como um dos representantes da soberania nacional, encarregado não só da execução das leis de interesse coletivo da sociedade, mas também da deliberação e ação própria para que se torne efetiva a segurança e defesa do Estado, a indispensável faculdade de fazer retirar os estrangeiros perigosos ou incorrigíveis, que por qualquer modo possam comprometer os interesses públicos.»

Isto posto, Sr. Presidente, vou entrar no exame e justificação do projeto, respondendo, ao mesmo tempo, aos dignos oradores que me precederam nesta tribuna.

O projeto revoga os arts. 3.°, 4.° §único e 8.° do Decr. n.° 1.641, de 7 de Janeiro de 1907.

O art. 3.° do citado decreto dispõe que não podem ser expulsos: a) o estrangeiro que residir no território da República por dous anos contínuos; b) o casado com mulher brasileira, e c) o viúvo com filho brasileiro.

Evidentemente, todas estas restrições não só carecem de fundamento jurídico, como podem ser altamente inconvenientes ao interesse público. Com efeito, Sr. Presidente, se a expulsão é um direito inerente à soberania nacional, se é uma medida de prevenção, se é um instrumento eficaz de governo e de defesa a fim de que o Estado possa cumprir a sua missão, se a doutrina, as legislações e a jurisprudência de todos os povos reconhecem o direito de expulsão de todo o estrangeiro cuja permanência no território nacional constitua um perigo ou uma ameaça à ordem e à tranqüilidade públicas, é bem visto que esse direito pode ser exercido qualquer que seja o tempo de sua residência no território nacional, seja ou não casado com mulher brasileira, seja ou não viúvo com filho brasileiro.

Porque razão não pode ser expulso o estrangeiro que residir no território da República por dous anos contínuos? Porque razão pode ser expulso o estrangeiro perigoso que não residir há dois anos no país, e não pode o que residir há mais tempo?!

O tempo de residência influi de mal modo em seu caráter que ele, que é um homem pernicioso e pode causar grandes males ao nosso país, deixará de sê-lo, tornando-se honesto, pacífico, respeitador da lei e da autoridade, desde que se complete o período dos dois anos?!

Pois não é evidente que o estrangeiro que está há mais de dous anos em nosso território, pode ser tão pernicioso ou mais pernicioso ainda do que aquele que se acha há dias ou há meses?!

A. é um anarquista perigoso, um profissional do crime e vem ao nosso país com planos sinistros. Nos primeiros tempos emprega a sua atividade em estudar a nossa língua e as nossas instituições, em conhecer o nosso país e em formar relações... Pois não é manifesto que a sua ação pode ser muito mais nefasta, muito mais perigosa depois desse trabalho preliminar, do que quando recém-chegado?! (Apoiados).

E a circunstância de um estrangeiro ser casado com mulher brasileira ou de ter um filho brasileiro exerce tão poderosa e decisiva influência sobre o seu caráter que o torna incapaz de praticar qualquer mal contra o nosso país? Não, evidentemente.

Acresce que a sua expulsão não envolve a de sua esposa que fica com o direito ou de permanecer neste país ou de acompanhá-lo, e nem a de seu filho, que também poderá aqui continuar.

São, pois, absurdas as restrições do art. 3.° da lei de 1907. O estrangeiro casado com mulher brasileira, ou com filho brasileiro não deixa de ser estrangeiro e se não conformar-se com a nossa vida social e for um elemento nocivo, o Estado tem o direito de expulsá-lo. E muitas vezes essa expulsão poderá ser um caso de salvação pública.

A lei da Bélgica de 12 de Fevereiro de 1897 dispõe no art. 2.° que não podem ser expulsos — o estrangeiro casado com mulher belga da qual tenha um ou mais filhos nascidos na Bélgica, durante a sua residência no país, e o estrangeiro que, casado com mulher belga, fixou a sua residência na Bélgica, há mais de cinco anos e ali continuou a residir de um modo permanente. A lei da Holanda de 13 Agosto de 1849 também dispõe no seu art. 19, que não pode ser expulso o estrangeiro estabelecido no Reino, que é ou foi casado com mulher holandesa, da qual tem um ou mais filhos nascidos na Holanda.

Como vê V. Ex., Sr. Presidente, estas disposições não são idênticas às da nossa lei de 1907: são muito mais rigorosas. Entretanto, as legislações dos outros povos não consagram tais restrições.

Em França ainda está em vigor a lei de 3 de Dezembro de 1849.

O art. 7.° dessa lei autoriza o Ministro do Interior, por simples medida de polícia, a expulsar e a fazer sair imediatamente do território, qualquer estrangeiro que aí esteja de passagem ou que aí resida, podendo, outrossim, expulsar os próprios estrangeiros que obtiveram autorização para estabelecer o seu domicílio na França. A lei não estabelece restrições de qualquer natureza e mesmo os menores, nascidos em França e filhos de pais estrangeiros, podem ser expulsos.

Cavallazzi foi expulso do território francês simplesmente por ter traduzido para os operários italianos estabelecidos em Meurthe et Moselle, a lei francesa sobre acidentes!

Em 1906, Clemenceau expulsou Monsenhor Montagnini, secretário da Nunciatura da Santa Sé, por ter transmitido a três curas, de Paris a ordem de violarem a lei da separação da Igreja e do Estado, e quase que não há dia em que a França não expulse estrangeiros por considerar inconveniente a sua presença no país.

Na Alemanha não há lei alguma que regulamente a expulsão e a residência dos estrangeiros. Desde que a autoridade pública entende, que por motivo de segurança pública, deve ser expulso um estrangeiro, ela o faz sem ter em consideração a sua idade e a sua situação.

Na Itália, o art. 90 da lei de 22 de Dezembro de 1888 autoriza o Ministro do Interior a ordenar, por motivos de ordem pública, a expulsão de qualquer estrangeiro, de passagem ou residente no Reino.

Na Suíça todos os estrangeiros podem ser expulsos, quer estejam de passagem, quer sejam estabelecidos, quer sejam proprietários, quer não. Até os próprios suíços, não originários do Cantão, podem dele ser expulsos, quando forem punidos por delitos graves.

Na Inglaterra, o aliens act de 11 de Agosto de 1905, coloca, diz Martini, sob o mesmo pé de igualdade, todos os estrangeiros para poderem ser expulsos, por ordem do Secretário do Estado e por medida de segurança pública.

Na Áustria, pela lei de 27 de Julho de 1871, mesmo os estrangeiros que têm domicílio legal podem ser expulsos, por motivos de interesse público.

Na Romênia, a lei de 7 de Abril de 1881 autoriza a expulsão do estrangeiro, residente ou domiciliado no território do país, que comprometer a segurança interna do Estado ou perturbar a tranqüilidade pública.

Na Rússia, a lei de 26 de Maio de 1903 também permite a expulsão de estrangeiros, sem quaisquer restrições.

Nos Estados Unidos, a lei de 20 de Fevereiro de 1907 permite a expulsão dos estrangeiros:— idiotas, imbecis, fracos de espírito, epilépticos, alienados ou que sofreram de alienação mental dentro de cinco anos antes, pobres, mendigos profissionais, tuberculosos ou afetados de qualquer moléstia repugnante ou perigosa ou contagiosa, condenados por felony ou por qualquer outro crime ou delito que revele torpeza moral, polígamos, anarquistas, etc.

A República Argentina, que mesmo antes de decretar qualquer lei em relação ao assunto e não obstante a sua Constituição Política assegurar os benefícios da liberdade a todos os homens do mundo que queiram habitar o solo argentino, e garantir-lhes o direito de entrar, permanecer, transitar e sair livremente do território, já fazia expulsões, tendo mesmo em 1884 expulso o núncio apostólico porque se opusera a uma lei votada pelo Congresso, consagrando o princípio do ensino leigo, foi forçada depois dos bárbaros e estúpidos atentados anarquistas em uma Igreja da Capital, no Teatro Colon e depois do assassinato do Chefe de Polícia, a decretar, quase que em momentos, a lei de 23 de Novembro de 1902, que denominou: «lei de residência.»

Dispõe essa lei: (lê)

«Art. 1.° — O Poder Executivo poderá ordenar a saída do território da Nação de todo o estrangeiro que haja sido condenado ou contra quem haja processo movido por tribunais estrangeiros por crimes ou delitos comuns.

Art. 2.° — O Poder Executivo poderá ordenar a saída de todo o estrangeiro cuja conduta comprometa a segurança nacional ou perturbe a ordem pública.

Art. 3.° — O Poder Executivo poderá impedir a entrada no território da República a todo o estrangeiro cujos antecedentes autorizam a incluí-lo entre aqueles a que se referem os dois artigos anteriores.

Art 4.° — O estrangeiro contra quem se haja decretado a expulsão terá três dias para sair do país, podendo o Poder Executivo, como medida de segurança pública, ordenar a sua detenção até o momento do embarque.»

Como vê V. Ex., Sr. Presidente, as legislações de todos estes povos reconhecem o direito de expulsão de estrangeiros, sem restrições de qualquer natureza.

O projeto de regulamento sobre a expulsão de estrangeiros, elaborado pelo Instituto de Direito Internacional, em Genebra, em 1892 e no qual colaboraram os mais notáveis internacionalistas da Europa, reconhecendo o direito que tem o Estado de, por motivos de interesse público, fazer expulsões de estrangeiros, em massa ou individuais, extraordinárias ou ordinárias, sejam eles domiciliados ou não no país, também não estabelece quaisquer restrições a esse direito.

Eis aí, Sr. Presidente, os países mais civilizados do mundo não fazem as restrições constantes da nossa lei, e as regras internacionais sobre a expulsão de estrangeiros, adotadas pelo Instituto de Direito Internacional, em Genebra e propostas pelos mais eminentes internacionalistas da Europa, também não as fazem,

De modo que, manter aquelas restrições é colocar o Brasil em situação de verdadeira inferioridade em relação às demais nações.

Quando todos os países movem uma formidável campanha contra os elementos perniciosos que invadem as suas fronteiras, manter aquelas restrições é abrir as nossas portas aos vagabundos, mendigos, cáftens, anarquistas e bandidos profissionais, expulsos de toda a parte, é sacrificar os mais vitais interesses da nossa pátria! (Apoiados).

Sim, porque para não poderem ser expulsos — ou se casam com mulher brasileira ou aguardam o prazo de dous anos para desenvolverem depois a sua ação...

E o Brasil já está se constituindo um refúgio de anarquistas e fomentadores de desordens.

Informa este documento que tenho em mãos, (mostrando um papel) emanado de uma repartição pública de São Paulo, que já há naquele Estado 26 sociedades anarquistas. Os chefes dos grupos anarquistas limitavam-se, a princípio, a fazer propaganda de suas idéias libertárias em Santos e na Capital, agitando as várias classes operárias, provocando greves que se repetiam com muita freqüência, e prejudicando consideravelmente a vida industrial daquelas cidades. Uma das últimas greves que tiveram lugar na Capital, durou mais de 30 dias e nela estiveram envolvidos cerca de 10.000 operários.

Ultimamente, porém, têm eles feito uma propaganda intensíssima no interior do Estado, junto aos colonos, com o intuito de desorganizarem completamente o serviço agrícola, promovendo, durante a colheita, uma greve geral.

Parece-me que não tenho necessidade de expor todas as conseqüências desastrosas que resultarão para S. Paulo e para o país inteiro desse fato. (Apoiados).

Para mostrar até que ponto vai a ousadia e vai a insolência desses estrangeiros a que se refere o projeto, vou ler o seguinte trecho de um artigo publicado no jornal «O operário» editado em Sorocaba e assinado por Joseph Jouber Rivieri (lê):

«Ao Governo Federal». «Ao Governo do Estado e ao Povo». Ao Supremo Chefe do Poder Executivo, ao representante de 23 milhões de habitantes deste infeliz país digno de melhor sorte, devolvo a patente de tenente da guarda nacional, restituo-lhe o título de eleitor e de cidadão brasileiro e me declaro rebelde contra todas as suas leis, decretos ou qualquer outra forma sancionadas para enganar o povo. Não quero e não devo mais tempo pertencer a um país cuja constituição se tornou um qualquer toillet de latrina».

Em recente reunião realizada para festejar a fundação do jornal «A Barricada» foram proferidos violentíssimos discursos contra a polícia, contra o governo do Estado e da União, orando Gigi Damiani e José Barrobio em termos sediciosos e agressivos contra os Srs. Rodrigues Alves, Rivadavia e Marechal Hermes. Essa reunião terminou com «morras» às autoridades constituídas e vivas à anarquia!

É manifesto, Sr. Presidente, que o país não pode manter-se de braços cruzados por mais tempo: é indispensável resolver já este problema e para isso basta-lhe inspirar-se nos exemplos e legislações dos povos cultos, eliminando da lei as restrições que aquelas legislações não consagram.

Entendo mesmo que deveríamos fazer uma liga com as nações sul-americanas a fim de termos a mesma lei e termos o mesmo procedimento. (Apoiados).

Repito: a hospitalidade é um dever, mas o estrangeiro que penetra em nosso território tem, por seu turno, o rigoroso dever de conformar-se com a nossa vida social, de respeitar as nossas leis e instituições e de não comprometer a ordem e a tranqüilidade públicas.

Creio ter assim demonstrado, Sr. Presidente, que as restrições constantes do art. 3.° da lei de 1907 além de não terem base jurídica, são inconvenientes ao interesse público.

O projeto manda revogar também o art. 8.° da citada lei. Este artigo dispõe que o estrangeiro expulso pode recorrer para o próprio Poder que ordenou a expulsão, se ela se fundou na disposição do art. 1.° ou para o Poder Judiciário Federal quando proceder do disposto no art. 2.°, tendo o recurso, neste último caso, efeito suspensivo. Dispõe ainda o mesmo artigo que o recurso ao Poder Judiciário Federal consistirá na justificação da falsidade do motivo alegado, feita perante o Juízo Seccional, com audiência do Ministério Público.

De modo que, sempre que um estrangeiro for expulso por haver comprometido, por qualquer motivo, a segurança nacional ou a tranqüilidade pública — caso do art. 1.° da lei de 1907 —, não terá ele recurso algum para o Poder Judiciário. Só terá esse recurso quando for expulso — ou por ter sido condenado ou processado por crime ou delito de natureza comum, ou por ser vagabundo, ou mendigo ou cáften — casos do art. 2.° Em qualquer dos casos, porém, cabe-lhe o recurso — sem efeito suspensivo — para o próprio Poder que ordenou a expulsão.

Este artigo da lei não só faz uma distinção que não encontra justificação perante o direito, como encerra uma disposição completamente inútil. Porque negar recurso no caso do art. 1.° e concedê-lo em qualquer dos casos do art. 2.°?! Que motivos de ordem jurídica ou que interesses de ordem pública determinaram essa distinção?

Por isso mesmo que a expulsão é uma manifestação do direito de soberania, que é uma medida de alta polícia, que é um instrumento eficaz de governo e um instrumento de defesa, é uma medida discricionária que cabe exclusivamente à administração. «Pela índole do sistema político e natureza do ato, a faculdade de deportar, diz um Acórdão do Supremo Tribunal Federal, só pode ser exercida, pelo Governo, como delegação da União.» A administração é o juiz único dos motivos que podem determinar essa medida, como é o Juiz único da sua oportunidade. Os tribunais judiciários não podem entrar no conhecimento desses motivos.

O SR. CELSO BAYMA. — Não apoiado. Acho, ao contrário, que os tribunais têm obrigação de examinar qualquer ato do Poder Executivo e dar um amparo ao estrangeiro desde que se verifique que o Executivo exorbitou.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Que os tribunais judiciários não podem entrar no conhecimento dos motivos que determinaram uma expulsão, é líquido perante a doutrina e perante as legislações dos povos cultos.

«Constituindo a expulsão uma medida de polícia, diz Martini, tomada por motivos de interesse público e sob o receio, muitas vezes, de um perigo grave, a administração deve ter toda a latitude para tomá-la, sendo investida de um poder discricionário. Bem ou mal fundada, essa medida não deve ser debatida perante um tribunal judiciário, porque é a administração o único juiz dos motivos que a tornaram necessária.

O SR. CELSO BAYMA. — Isto ocorre na França que não tem o habeas-corpus.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Estou expondo a doutrina. Como poderiam, diz aquele escritor, ser os tribunais juízes dos motivos que determinaram uma expulsão, quando, muitas vezes, esses motivos prendem-se a questões que interessam a tranqüilidade e a ordem públicas e a segurança nacional? É impossível fazê-los participar da direção política dos negócios e de constituí-los árbitros das questões de segurança pública.

Imagine-se, diz Arthur Desjardins, que uma discussão se trava entre o ministério público e os advogados, não mais sobre uma questão de culpabilidade, mas sobre uma questão de alta administração? Seria preciso trazer para o Tribunal relatórios confidenciais, revelar, em plena audiência, certos perigos internos ou mesmo externos, com o risco de inquietar a Nação, de perturbar certas transações, ou de impedir o bom êxito de graves negociações diplomáticas? Seria necessário contar aos juízes o que um Ministro dos Negócios Estrangeiros não refere, algumas vezes, à própria representação nacional?

Não é bom e nem é prudente, diz Darut, advertir a Nação do perigo que corre e suspender o curso da vida ativa de uma parte da população. É indispensável que o governo possa agir neste assunto com a mais plena independência.

O SR. CELSO BAYMA.— Pela nossa legislação há sempre recurso para o Poder Judiciário contra qualquer ato do Poder Executivo. Na França não há disposição alguma que permitia esse recurso.

O SR. ADOLPHO GORDO. — O meu nobre colega está equivocado quer quanto a nossa legislação que não permite recurso da expulsão fundada no art. 1.° da lei de 1907 e quer quanto à legislação francesa que dá recurso para os tribunais correcionais das expulsões ilegais. Mas continuo...

A expulsão, diz Lafayette, tem sempre o caráter de uma medida de polícia, exprime uma necessidade política ou uma conveniência da administração; é, pois, da exclusiva competência do Poder Executivo. Chamar o Poder Judiciário a intervir em deliberações tais, é desconhecer a natureza, a missão e os hábitos de um Poder rigorosamente adstrito a decidir as questões pelas normas da lei e a julgar tão somente da justiça dos atos, isto é, da conformidade ou não conformidade deles com o princípio de direito, sem competência para tomar, como elementos de suas decisões, motivos de conveniência, de interesse político ou de utilidade pública.

Em França, os tribunais correcionais só podem verificar a legalidade de uma expulsão, isto é — se o expulso é efetivamente um estrangeiro e se a medida foi decretada por autoridade competente. Mas a França bem como quase todos os povos cultos não permitem aos estrangeiros expulsos o direito de discutir diante dos tribunais, os motivos da expulsão.

O art. 21 da Resolução do Instituto de Direito Internacional, já citada, dispõe que todo o indivíduo expulso tem o direito, se não for estrangeiro ou se a expulsão for contrária a uma lei ou tratado internacional que proíbe expressamente essa medida, de recorrer a uma Suprema Corte Judiciária, não tendo, porém, o recurso efeito suspensivo. E o art. 35 dispõe que este Tribunal só se pronunciará sobre a legalidade da expulsão, não podendo apreciar a conduta da pessoa e nem as circunstâncias que pareceram ao Governo tornar a expulsão necessária.

Cumpre, efetivamente distinguir entre a legalidade e a legitimidade de uma expulsão. Se alguém for expulso do nosso território como estrangeiro, sendo, aliás, brasileiro, e se o ato da expulsão for expedido, não pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, como determina o art. 5.° da lei de 1907, mas por qualquer outra autoridade federal ou estadual, a medida é manifestamente ilegal e dela deve caber recurso para o Poder Judiciário. A disposição do art. 72 §22 da Constituição Política é terminante (lê): «Dar-se-á o habeas-corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder

Se, pois, os tribunais judiciários são incompetentes para apreciarem os motivos que determinaram uma expulsão ou a sua legitimidade, podendo somente se pronunciar sobre a sua legalidade, se a nossa lei fundamental, em disposição positiva e terminante, dá a todo aquele que for vítima de uma violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder, o recurso de habeas-corpus, e se não há necessidade de a lei ordinária transcrever esta disposição para ser invocada, mesmo porque não pode o legislador ordinário modificar, aditar ou revogar o preceito constitucional, é manifesta a conveniência de ser eliminada da lei de 1907 a disposição do seu art. 8.°. E o recurso para o próprio Poder que decretou a expulsão, que a lei consagra? Mas a lei dispõe que esse recurso não tem efeito suspensivo e é de simples bom-senso que o expulso poderá sempre interpô-lo, mesmo que a lei não o declare.

Eis, Sr. Presidente, os motivos que levaram a Comissão de Constituição e Justiça a submeter ao conhecimento da Câmara o projeto, ora em debate.

Entretanto, um jornal desta Capital, quebrando essa elevada linha com que costuma discutir os mais importantes assuntos, disse hoje em uma nota que li com verdadeira surpresa, que se este projeto for convertido em lei — «nada restará dos direitos dos estrangeiros no Brasil», porque constitui «um dos botes mais insidiosos que têm sofrido no Congresso os mais sagrados direitos».

Que apreciação injusta e improcedente!

Todos os membros da Comissão de Constituição e Justiça e todos os membros desta Câmara estão bem compenetrados de sua responsabilidade como representantes da Nação: nem aquela Comissão submeteria ao conhecimento e deliberações da Câmara um projeto que constituísse um bote insidioso contra os mais sagrados direitos dos estrangeiros, e nem a Câmara, quando tal acontecesse, deixaria de ter o civismo para repelir tão extravagante tentativa! (Apoiados).

O que pretendeu a Comissão foi formular um projeto com disposições iguais às dos povos mais civilizados do mundo, com o intuito de evitar que o Brasil fique constituído em refúgio de anarquistas e de malfeitores profissionais! Agiu e está agindo para salvar o futuro do país e dominada por um dever de patriotismo.

Não: o projeto não constitui um atentado contra os direitos dos estrangeiros. Nenhum membro desta bancada (apontando para a bancada paulista), sem trair o seu mandato, poderia prestar o apoio de sua palavra ou de seu voto a um projeto que tivesse tais intuitos, tão grandes são os serviços que o desenvolvimento e progresso de S. Paulo devem ao estrangeiro! (Apoiados da bancada paulista).

O projeto visa beneficiar e tranqüilizar os estrangeiros honestos, já estabelecidos ou que venham estabelecer-se neste país e que com o seu trabalho, esforço e inteligência quiserem colaborar conosco na obra de nosso progresso intelectual e moral. O que visa o projeto? Permitir que a autoridade possa manter a ordem e a tranqüilidade públicas, e sem a ordem não há trabalho fecundo! (Muito bem, muito bem. O orador é vivamente felicitado pelos deputados presentes).


 

DISCURSO

pronunciado na sessão de 14 de Dezembro do 1912

 

O SR. ADOLPHO GORDO. — Sr. Presidente, o debate provocado por este projeto, neste recinto e fora, a violência com que tem sido combatido, a impugnação que tem sofrido — com os fundamentos de ser absurdo, monstruoso, inconstitucional e de constituir um gravíssimo atentado contra os direitos e garantias assegurados aos estrangeiros pela nossa lei fundamental, e sobretudo o efeito que visa — qual o de armar o governo com um instrumento de defesa contra agitadores estrangeiros profissionais que vêm ao nosso país com o intuito exclusivo de perturbar a ordem pública, provocando desordens, conflitos e crimes — essas circunstâncias obrigam-me, como relator, a intervir, mais uma vez, na discussão.

Tenho absoluta necessidade de tornar bem manifesto perante a Câmara e perante o país — que o projeto é constitucional e reclamado por interesses de ordem elevada.

O SR. FLORIANO DE BRITO. — É o salus rationis mais do que o salus populi.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Os que têm combatido o projeto, invocando o preâmbulo do art. 72 da Constituição Política que assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, e invocando, outrossim, a disposição do §10 do mesmo artigo que permite a qualquer pessoa, em tempo de paz, entrar e sair livremente do território com a sua fortuna e bens, quando e como lhe convier, independentemente de passaporte — alegam que as suas disposições são inconstitucionais: — uns — porque o nosso país não tem o direito de expulsar estrangeiros, não podendo, por isso mesmo o Poder Legislativo Ordinário decretar quaisquer leis a respeito, — e outros — porque o projeto não distingue entre estrangeiros residentes e não residentes e sujeita todos à medida da expulsão, contra a expressa disposição constitucional que consagra essa distinção.

Os primeiros sustentam que inconstitucional é o decreto legislativo n.° 1.641, de 7 de Janeiro de 1907, porque a nossa lei fundamental não permite a expulsão de qualquer estrangeiro, em caso algum, e que inconstitucional, portanto, também é o projeto em debate que elimina as restrições daquela lei. Os segundos sustentam que só não podem ser expulsos os estrangeiros que tenham residência no país.

O ilustre Deputado por Minas Gerais, que ontem ocupou a tribuna com o seu brilhantismo habitual e cujo nome peço licença para declinar, o Sr. Mello Franco, considerando que a lei não contém e não pode conter um termo ou expressão inútil, emitiu o parecer de que a Constituição empregou a palavra «residentes» para designar todos aqueles estrangeiros que devem ser equiparados aos nacionais e não podem ser expulsos. Se este não fosse, disse ele, o pensamento da disposição constitucional, a sua redação teria sido outra, pois que, em vez de dizer: «A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros RESIDENTES NO PAÍS a inviolabilidade», etc., teria dito: «A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros a inviolabilidade», etc. E como a Constituição não define a residência e nem determina as suas condições, é indispensável que a lei ordinária o faça. O que a lei ordinária não pode fazer é sujeitar os estrangeiros à expulsão, sem excetuar os residentes, determinando quais os que assim devem ser considerados. Desta opinião foi também o ilustre Deputado, Sr. Nicanor do Nascimento.

Um distinto professor da Faculdade de Direito de São Paulo tem sustentado, de sua cadeira, que os estrangeiros a que se refere o preâmbulo do citado art. 72 da Constituição, são exclusivamente os que já residiam no país a 24 de Fevereiro de 1891. Esses, diz ele, não podem ser expulsos; os outros, porém, que vieram depois, estão sujeitos à medida de expulsão, sem restrições de qualquer natureza.

O SR. FLORIANO DE BRITO. — É uma interpretação.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Todas estas opiniões não me parecem procedentes. Efetivamente, Sr. Presidente, a Constituição Política, no preâmbulo do art. 72, assegura a brasileiros e estrangeiros, residentes no país, a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade.

Cumpre distinguir entre direitos privados e direitos políticos: se os estrangeiros não podem ter direitos políticos, porque são um privilegio do cidadão e se os tivessem, pondera um escritor, constituiriam uma classe de pessoas sem pátria, gozando de todas as vantagens de nosso estado social, sem contribuírem para os seus encargos, devem, entretanto, gozar dos direitos civis, e o que o art. 72 da Constituição, em seu preâmbulo, assegura aos estrangeiros — que estão, que habitam, que residem no território brasileiro, são os direitos civis. E a Constituição distinguindo entre o estado de guerra e o estado de paz, no §10 do mesmo artigo permite a qualquer pessoa, em tempo de paz, entrar ou sair do território nacional, sem passaporte, com a sua fortuna e bens, quando e como lhe convier.

Não há, porém, nem no preâmbulo do art. 72, nem no §10 referido e nem em qualquer outro artigo da Constituição, termo ou expressão alguma pela qual tenha a Nação Brasileira renunciado o seu direito de expulsar estrangeiros nocivos e perigosos ou tenha estabelecido restrições a esse direito. A Constituição nem fala mesmo em expulsão.

O SR. RAPHAEL PINHEIRO. — Muito bem.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Os princípios da civilização moderna e as necessidades do comércio exigem que as legislações dos povos consagrem disposições idênticas às do nosso estatuto fundamental: os estrangeiros poderão livremente, sem necessidade de passaporte, entrar em qualquer parte do território, aí fixar residência temporária ou estabelecer domicílio, constituir família, fazer o centro de sua atividade e de todos os seus negócios, tendo os mesmos direitos civis que os nacionais, com uma condição, porém, dizem os tratadistas de Direito Internacional e diz o simples bom-senso — qual a de não trazerem para o país que os acolhe e lhes dá hospitalidade — nem uma carga pecuniária, nem uma doença contagiosa e nem um perigo social. (Apoiados).

O direito de conduzir à fronteira o estrangeiro perigoso à ordem social ou política ou cuja presença no país possa causar outros males, resulta da própria soberania nacional e para que uma nação não possa exercer esse direito, é indispensável que o tenha renunciado de um modo bem expresso. (Apoiados gerais).

Elimine-se do Código Penal a disposição que justifica os crimes cometidos em defesa própria e nem por isso haverá juiz ou tribunal que condene o que matar ou ferir em sua defesa, porque o direito de defesa funda-se na própria natureza humana e a lei só pode regular o seu exercício. (Apoiados). O direito de expulsão é um direito de defesa que decorre da própria soberania, que está portanto acima da Constituição e das leis e o legislador só pode também regular o seu exercício. (Apoiados). Toda a Nação tem o direito de viver e tem, por isso mesmo, o direito de defender-se de todos os que atentam contra a sua vida. (Muito bem, muito bem).

Não poderá limitar a sua soberania? Evidentemente, mas é indispensável que o faça de um modo bem claro e positivo, mesmo porque a Nação que renunciasse o seu direito de defesa, decretaria a sua liquidação. (Apoiados). A renúncia de um tal direito não se pode presumir, deve ser expressa.

Diz Pradier Foderé: «Nenhum Estado poderia renunciar ao direito de expulsão de que está sempre armado, sem comprometer por esse abandono os interesses que lhe são confiados e que ele tem o dever de proteger. Assim faz-se observar com justeza que os tratados e as declarações pelas quais um governo estipula para os seus nacionais o direito de residir, de adquirir propriedades imóveis, de exercer indústria em território estrangeiro não devem ser interpretados como implicando renúncia, por parte de outra potência contratante do direito de expulsar os estrangeiros cuja conduta deixasse a desejar. Convenções formais seriam necessárias para que se entendesse diversamente.»

O tratado franco-russo de comércio e navegação de 1 de Abril de 1874, estabelece que os franceses na Rússia e os russos na França poderão, reciprocamente, viajar, permanecer no território e aí tratar dos seus negócios, gozando a mesma proteção dispensada aos nacionais, o que não tem impedido que a França expulse russos e a Rússia franceses sempre que entendem conveniente.

«Tão forte é esse direito vital de legitima defesa, disse Medeiros e Albuquerque, que para renunciar a ele, só um ato bastante claro, bastante formal e expresso pode ser suficiente».

Rodrigo Octavio, em sua excelente monografia sobre o Direito do Estrangeiro, diz: «O princípio que autoriza o Estado soberano a expelir do seu solo o estrangeiro que se torna perigoso à ordem pública, é dos que se não compreendem implicitamente revogados pela adoção de princípios gerais garantidores da liberdade. Seria preciso, para que se reputasse revogada tal faculdade inata do Estado, que os seus legisladores houvessem consignado na lei: fica proibida a expulsão dos estrangeiros. Fora deste caso, a faculdade de expulsar é das que se devem presumir subsistentes, por ser imanente da condição soberana, apenas dependendo da lei, a regulamentação do seu uso.»

Repito, Sr. Presidente, não há em qualquer dos dispositivos da nossa lei fundamental, termo ou expressão alguma pela qual tenha a Nação Brasileira renunciado o seu direito de expelir os estrangeiros cuja permanência em nosso território constitua um perigo para a ordem e tranqüilidade públicas. (Apoiados). A lei de 7 de Janeiro de 1907 não é, pois, inconstitucional...

O SR. OZORIO. — Bastava que a Constituição estabelecesse, como estabelece a igualdade completa entre nacionais e estrangeiros para se afirmar a inconstitucionalidade da lei.

O SR. FLORIANO DE BRITO. — Não estabelece essa igualdade completa e apenas assegura os direitos civis aos estrangeiros residentes.

O SR. ADOLPHO GORDO ...e assim tem sempre julgado o Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, Sr. Presidente, o Supremo Tribunal Federal, mesmo antes de termos qualquer lei referente à expulsão, julgou esta medida perfeitamente constitucional, em dous Acórdãos notabilíssimos proferidos — um a 6 de Junho de 1892 do qual foi relator Piza e Almeida e o outro a 20 de Junho de 1893 do qual foi relator Aquino e Castro, por considerar que «a faculdade de deportar o estrangeiro prejudicial ou inconveniente decorre imediatamente do direito da soberania nacional e que o direito de liberdade garantido pela Constituição é forçosamente limitado pela conveniência do bem geral e indeclinável necessidade de assegurar eficazmente a manutenção da ordem pública, supremo dever da autoridade que bem compreende a sua missão.»

O SR. CUNHA E VASCONCELLOS. — Também assim sempre se pronunciaram os Poderes Legislativo e Executivo. As expulsões feitas por Floriano Peixoto foram homologadas pelo Congresso antes de termos lei a respeito do assunto.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Depois da lei de 7 de Janeiro de 1907, mais de uma vez, foi ventilada perante o Supremo Tribunal Federal a questão da inconstitucionalidade dessa lei, invocando-se sempre como argumento as palavras do preâmbulo do art. 72 da Constituição e a disposição do §22 do mesmo artigo e tem sempre aquele Tribunal julgado constitucional a lei.

Ora, Sr. Presidente, se pelo regime que adotamos, cabe à justiça federal a elevada missão de obrigar os poderes políticos, quer da União e quer dos Estados, a respeitar a Constituição, declarando nulos e inaplicáveis os atos e leis federais ou estaduais que ferirem ou contrariarem os preceitos constitucionais, e se a justiça federal já afirmou, antes e depois da lei de 7 de Janeiro de 1907, ser constitucional a medida de expulsão, sempre que a questão foi aventada perante o Supremo Tribunal Federal, já não é licito alegar-se a inconstitucionalidade dessa medida, por ter proferido a última palavra no assunto o Poder que, pelo nosso direito político, é guarda e intérprete da Constituição. (Muito bem, muito bem).

Alguns dos ilustres oradores que combateram o projeto reconhecem a constitucionalidade da lei de 1907, mas alegam que as disposições do projeto são inconstitucionais.

O projeto propõe a revogação dos arts. 3.°, 4." §único e 8.° daquela lei. O referido art. 3.° dispõe que não podem ser expulsos — o estrangeiro que residir por dous anos contínuos no território da República, o que for casado com mulher brasileira e o viúvo com filho brasileiro.

Se a Constituição Política não encerra disposição alguma pela qual a Nação Brasileira tenha renunciado o seu direito de expulsão, ou tenha restringido o exercício desse direito, que decorre da própria soberania nacional e é um instrumento de defesa necessário para a vida social, não se pode alegar, com fundamento sério, que o projeto é inconstitucional.

Diz-se que o projeto permite a expulsão de brasileiros!

O art. 69 da Constituição Política diz que são cidadãos brasileiros, além dos nascidos no Brasil e os filhos de pai brasileiro nascidos no estrangeiro:

«os estrangeiros que, achando-se no Brasil a 15 de Novembro de 1889, não declararam dentro de seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o animo de conservar a nacionalidade de origem ;

«os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiras ou tiverem filhos brasileiros, contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;

«os estrangeiros por outro modo naturalizados.»

Eis aí, Sr. Presidente. O projeto manda revogar a disposição do art. 3.° da lei de 1907 que proíbe a expulsão do estrangeiro que residir por dous anos contínuos no território da República, do que for casado com mulher brasileira, e do viúvo com filho brasileiro e como, em nenhum desses casos, o estrangeiro está compreendido nas disposições do art. 69 da Constituição, só com má-fé se pode alegar que o projeto permite a expulsão de brasileiros. Repito: o projeto refere-se exclusivamente a estrangeiros; os que tiverem adquirido a nossa nacionalidade, e os que por qualquer dos dispositivos da nossa lei fundamental devam ser considerados brasileiros não poderão ser expulsos. Pelo fato único de ser casado com mulher brasileira, ou de ter filho brasileiro, o estrangeiro não é cidadão brasileiro: a Constituição exige, além de qualquer dessas circunstâncias, a de ter ele imóveis no Brasil, a de aqui residir e a de não manifestar a intenção de continuar com a sua nacionalidade de origem. (Apoiados).

Diz-se ainda que a Constituição Política equiparou os estrangeiros residentes aos brasileiros, para não poderem ser expulsos e que o que a lei ordinária deve fazer é definir a residência e estabelecer as suas condições.

Não há, Sr. Presidente, disposição alguma na Constituição que faça tal equiparação e para aquele efeito. O intuito do art. 72 da Constituição, em seu preâmbulo, como as palavras desse dispositivo tornam bem manifesto — é assegurar os direitos civis aos estrangeiros que estão, que residem no país, sem renunciar, porém, o direito que cabe ao Estado de expulsar os estrangeiros perigosos à ordem e à tranqüilidade públicas. O termo «residentes» ali empregado não tem e nem pode ter a significação que os honrados deputados srs. Mello Franco e Nicanor do Nascimento lhe atribuem.

A redação da lei é melhor do que a que foi lembrada por aquele ilustre representante de Minas Gerais a qual, por seus termos vagos, poderia conduzir a interpretações absurdas.

E qual seria o critério para a definição da residência?

Porque razão o estrangeiro que residir em nosso território há menos de dois anos pode ser perigoso e o que residir por mais tempo, não?!

Ontem, quando orava o ilustre deputado pela Capital Federal — o Sr. Nicanor do Nascimento — e sustentava a necessidade de a lei ordinária determinar as condições da residência, tomei a liberdade de, em aparte, perguntar à S. Ex. qual a sua opinião sobre tais condições. S. Ex. respondeu-me, mais ou menos, nos seguintes termos: «o legislador não deve ter em atenção o tempo da residência, porque tão perigoso pode ser o estrangeiro que está há menos de dois anos em nosso país, como o que está há 10 ou 20 ou mais.

Mas, Sr. Presidente, se, efetivamente, o estrangeiro que já se acha há 10, 15 ou 20 anos no país pode constituir um grave perigo à ordem pública e à segurança social, de modo a ser necessária a sua expulsão, o legislador constituinte não poderia ter o pensamento de equiparar, para todos os efeitos, o estrangeiro residente ao nacional, tanto mais quanto é certo que facilitou consideravelmente a naturalização. (Muito bem, muito bem).

A disposição, portanto, do art. 3.° da lei de 1907, que proíbe a expulsão do estrangeiro que residir no território da República por dois anos contínuos, é absurda e inconveniente.

Diz-se, finalmente: a expulsão do estrangeiro casado com mulher brasileira implica a expulsão de uma brasileira e a expulsão de um viúvo com filho brasileiro, implica a expulsão deste.

Antes do mais: será bem líquido, perante o nosso direito, que a mulher brasileira casada com um estrangeiro, continua com a sua nacionalidade de origem e que é absolutamente imperativa a disposição sobre filhos de estrangeiros constante do art. 69 §1.° da Constituição?

Sr. Presidente, Pimenta Bueno, um dos mais extraordinários jurisconsultos que tem tido este país...

O SR. RAPHAEL PINHEIRO. — Muito bem. Entretanto, cometeu-se ontem neste recinto a heresia de dizer-se que Pimenta Bueno estava muito velho...

O SR. ADOLPHO GORDO ..., em seu livro sobre Direito Internacional Privado e no capitulo referente à nacionalidade por efeito do casamento, diz o seguinte (Lê): «A unidade de direitos em uma família, de sua sorte e destinos, deve ser e é sempre atendida pelas leis das nações civilizadas. A mulher não deve ser estrangeira a seu marido, vive unida a ele, tem de acompanhá-lo em suas viagens, enfim forma como que a mesma pessoa. Se ela fosse sujeita a um estatuto pessoal diferente do de seu marido, o poder marital e outros efeitos do casamento, ressentir-se-iam da falha da unidade, haveria confusão ou desordem sem necessidade ou fundamento plausível. É por isso que as leis estabelecem a máxima que a mulher segue a condição de seu marido. Assim a estrangeira que casa com um Brasileiro é ipso-fato nacionalizada Brasileira e vice-versa a Brasileira que casa com um estrangeiro perde a qualidade de Brasileira, e adquire a de seu marido.

A lei n.° 1.096 de 10 de Setembro de 1860 dispõe no art. 2.° que «a estrangeira que casar com Brasileiro seguirá a condição do marido e semelhantemente, a Brasileira que casar com estrangeiro seguirá a condição deste.»

Continuou, porventura, esta lei em vigor depois da Constituição Política? Diz o Aviso do Ministério da Justiça de 14 de Janeiro de 1803 (lê): «Por não terem sido expressamente revogadas devem considerar-se em vigor as regras estatuídas no Decr. n.° 1.096, de 10 de Setembro de 1860 que regulam os direitos civis e políticos dos filhos de estrangeiros nascidos no Brasil, cujos pais não estiverem a serviço de sua Nação e das estrangeiras que casarem com brasileiros e das brasileiras que casarem com estrangeiros.»

O Decr. n.° 2.304, de 2 de Junho de 1806, que regulamentou a navegação de cabotagem, no art. 5.° §1.° b, indica que a expressão brasileiro compreende «a mulher brasileira casada com estrangeiro, se, pelo contrato antenupcial, além de não haver comunhão de bens, lhe couber a administração pessoal ou direta dos que lhe forem próprios.» De modo que a mulher brasileira casada com estrangeiro, torna-se estrangeira, se predominar o regime da comunhão de bens.

O Instituto de Direito Internacional, nas regras votadas na sessão de Oxford, em 1880, estabeleceu que: «.La femme acquiert par le mariage la nationalité de son mari.»

Em face do exposto, peço licença para perguntar, de novo: é absolutamente líquido que a brasileira que casa-se com um estrangeiro continua com a sua nacionalidade de origem?

Em relação à outra questão que suscitei, é certo que o art. 69 §1.° da Constituição Política dispõe que são cidadãos brasileiros — «os nascidos no Brasil ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço de sua nação.»

Também a Constituição do Império dispunha no art. 6.0 §1.° que são cidadãos brasileiros: — os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua nação.»

Sr. Presidente, não obstantes os termos claros e precisos dessa disposição, o Império fez a lei já citada de 1860 e o seu art. 1.° está concebido nos seguintes termos (lê): «O Direito que regula no Brasil o estado civil dos estrangeiros aí residentes poderá também ser aplicado ao estado civil dos filhos desses mesmos estrangeiros, nascidos no Império durante a menoridade somente, sem prejuízo da nacionalidade reconhecida pelo art. 6.° da Constituição. Logo que estes filhos chegarem a maioridade, entrarão no exercício dos direitos de cidadãos brasileiros, sujeitos às respectivas obrigações, na forma da Constituição e das leis.»

Eis aí: são brasileiros, dizia a Constituição, os filhos de estrangeiros, nascidos no Brasil; — aos filhos menores dos estrangeiros, nascidos no Brasil, diz aquela lei, pode ser aplicado o estatuto pessoal de seus pais. Essa inteligência, o Ministério dos Estrangeiros, por circular de 20 de Agosto de 1861, comunicou aos Presidentes das Províncias e serviu de base para várias convenções consulares.

E porque no Império foi dada tal interpretação ao art. 6.° §1.° da Constituição? Diz Pimenta Bueno (lê): «A razão, o simples bom-senso, a natureza ditam que os filhos, por isso mesmo que são filhos e ao menos enquanto estão debaixo do poder paternal, devem seguir a condição dos pais e conseqüentemente, pertencer à sociedade política, à nacionalidade a que estes pertencem; sua pátria natural é, pois, a pátria de seus pais, a quem eles não devem ser estrangeiros em sua menoridade. Qualquer que seja a face por onde se examine a questão, enquanto o filho não pode ter vontade própria e só se governa pela dos pais, este é o verdadeiro princípio social que respeita todos os direitos próprios e estranhos. As nações têm o tipo e caracteres especiais da sua raça, seu gênio, propensões, idéias, costumes, linguagem, espírito nacional, religião e outras circunstâncias diferenciais. A educação que os pais dão aos filhos procede nessa conformidade e de mais a mais, identificam-se com eles às vezes até no ódio ou menosprezo por outras raças. A unidade moral e legal da família, as relações do pátrio-poder, os direitos de sucessão nos bens, serviços, e mesmo em certos cargos e posição social, tudo manda atender essas circunstâncias distintivas e dominadoras; ninguém deve, pois, ser despojado de sua origem por coação. Já os Romanos reconheciam esta verdade, quando em sua lei 7ª Cod. de incol., por maior que fosse o tempo de residência do estrangeiro, diziam eives origo, incolas domiciliam facit.»

Entender a disposição constitucional como imperativa é suscitar conflitos que até podem ferir a honra nacional, dizia aquele eminente escritor. E lembra esta hipótese: «O filho de um francês nascido no Brasil e qualificado brasileiro pela lei do Império, segue com seu pai para um terceiro Estado, seja Buenos Aires. Falece ali o pai, e como o filho é menor, faz-se preciso acautelar os bens, cuidar da pessoa dele, estabelecer a tutela. O cônsul brasileiro tem o dever de apresentar-se para intervir; o cônsul francês, porém, também se apresenta, porque entende que o menor é francês: qual dos dous será o atendido e a ser o brasileiro o desatendido, o seu governo reclama ou não contra o de Buenos Aires? »

E como já disse, pelo Aviso do Ministério da Justiça de 14 de Janeiro de 1893, continua em vigor a lei n.° 1.096, de 10 de Setembro de 1860.

Será bem líquido, perante o nosso direito, que a mulher brasileira, casada com um estrangeiro continua com a sua nacionalidade de origem e que é absolutamente imperativa a disposição sobre filhos de estrangeiros, constante do art. 69 §1.° da Constituição?

Mas, quando mesmo fosse bem líquido... quid inde?

Expulso é o marido e não a mulher que tem o direito de acompanhá-lo ou de ficar em nosso país; expulso é o pai e não o filho que também pode aqui ser deixado.

Se, pois, a mulher do expulso tem o direito de acompanhá-lo ou de ficar neste país, se tem ele o direito de levar o filho em sua companhia ou de aqui deixá-lo, como dizer-se que a sua expulsão implica a de sua mulher e a de seu filho?!

Acresce, Sr. Presidente, que a disposição legal dá lugar a graves absurdos.

Suponha-se que um estrangeiro, anarquista perigosíssimo, é expulso. Recorre do ato, com o fundamento de que é ilegal, por ser casado com brasileira. Verifica-se que a alegação é verdadeira, mas que, há muito tempo, abandonou a sua mulher.

O art. 3.° da lei de 1907 não distingue: a sua disposição, em termos bem claros e positivos, proíbe a expulsão do estrangeiro casado com brasileira, de modo que, aquele anarquista, não obstante haver abandonado a sua esposa, não pode, efetivamente ser expulso!

Suponha-se que esse anarquista não abandonou a sua esposa, mas a mantém em país estrangeiro. Não pode ser expulso, porque é casado com brasileira!!

Trata-se de um «cáften» casado com brasileira, cuja prostituição promoveu e explora. Não pode ser expulso, porque é casado com brasileira!!

Suponha-se que há necessidade indeclinável de ser expulso um estrangeiro por ser espião perigosíssimo, pelo conhecimento que tem do país, pelas suas amplas relações, pelo seu grande talento e atividade. Mas é viúvo e tem um filho nascido no Brasil. Pois bem: embora o seu filho resida no estrangeiro, não poderá ser expulso, porque é viúvo com filho brasileiro!

Sr. Presidente, o ilustre deputado pelo Pará, o Sr. João Chaves, pretende, com a emenda que ofereceu ao projeto, substituir as disposições absurdas e inconvenientes constantes do art. 3.° da lei de 1907 pelas disposições da lei belga.

Diz a emenda (lê): «Substitua-se o art. 3.° por este: Não pode ser expulso: a) o estrangeiro autorizado a estabelecer seu domicílio no país; b) o estrangeiro casado com mulher brasileira, de quem tem um ou mais filhos nascidos no Brasil durante sua residência no país; c) o estrangeiro que, casado com mulher brasileira, tem fixado sua residência no Brasil há mais de cinco anos e continua a residir aí de uma maneira permanente.»

Dispõe o art. 2.° da lei belga de 12 de Fevereiro de 1897, que não pode ser expulso: a) «o estrangeiro autorizado a estabelecer o seu domicílio no Reino; b) o estrangeiro casado com mulher belga da qual tem um ou mais filhos nascidos na Bélgica durante a sua residência no país; c) o estrangeiro que, casado com mulher belga, fixou a sua residência na Bélgica há mais de cinco anos e continua a residir ali de um modo permanente.»

Como vê a Câmara, as disposições da emenda são absolutamente idênticas às da lei belga.

Medeiros e Albuquerque, em seu magistral trabalho sobre a expulsão dos estrangeiros (Apoiados) já demonstrou, cabalmente, que não podemos adotar tais disposições, tão profunda é a diferença existente entre a situação da Bélgica e a do Brasil. (Apoiados).

Na Bélgica, a naturalização é muito difícil. Depende de uma lei especial que só terá efeito depois de registrada pelo burgo-mestre da Comuna onde mora o naturalizado e isto dentro de dous meses depois da assinatura pelo rei, da lei de naturalização.

E, por isso mesmo, que a naturalização depende de um projeto especial que sofra debate nas duas casas do parlamento, observadas as disposições regimentais e que se converta em lei; por isso mesmo, em uma palavra, que a naturalização é muito difícil na Bélgica —, esse país permite que o estrangeiro que satisfaça um certo e determinado número de formalidades, possa ser autorizado a estabelecer o seu domicílio no reino.

Em nosso país, a naturalização é facílima. Pode naturalizar-se cidadão brasileiro: a) o estrangeiro que residir no Brasil pelo tempo de dois anos; b) o casado com brasileira; c) o que possuir bens imóveis no Brasil; d) o que tiver parte em algum estabelecimento industrial ou for inventor ou introdutor de algum gênero de indústria útil ao país; o que se recomendar por seus talentos e letras ou por sua aptidão profissional em qualquer ramo de indústria; e) o que for filho de estrangeiro naturalizado, nascido fora do Brasil, antes da naturalização do pai. E para que o estrangeiro, que se acha em qualquer desses casos, possa obter a sua naturalização, será bastante que dirija uma petição ao Presidente da República, instruída com documentos que provem o alegado. Acresce que não temos lei alguma que fale em permissão para o estabelecimento de domicílio e que estabeleça quaisquer formalidades para isso. A situação, portanto, de um país, é absolutamente diferente da de outro.

«Alegar o domicílio, como amor ao país, pondera muito bem Medeiros e Albuquerque, é talvez uma razão na Bélgica ou na Holanda, onde a naturalização tem todas as peias que acabamos de ver. Não é, porém, no Brasil. O estrangeiro, em qualquer das hipóteses em que as leis belga e holandesa dão como bastantes, não para impedir de todo, mas para tornar apenas mais difícil a expulsão, pode, se realmente tem amor ao país, aceitar a nossa nacionalidade.»

Acresce que na Bélgica, tal é a densidade da população dos nacionais, que os estrangeiros estão em uma proporção insignificantíssima. Em algumas províncias há 3 estrangeiros para mil habitantes, em outras 2 e em outras 1.

E entre nós? Basta-me referir que calculo a população do Estado de S. Paulo em 3.600.000 habitantes e o número de estrangeiros em cerca de 1.200.000, ou na terça parte.

O SR. RAUL CARDOSO. — O número de estrangeiros é maior.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Na Bélgica, 1 ou 2 ou 3 estrangeiros estão cercados por mil nacionais, mas esta não é a situação do nosso país, onde entram anualmente milhares de estrangeiros. Como, poderemos, pois, adotar a lei belga? E tanto mais quanto é certo que as legislações dos outros povos cultos, em quase sua totalidade, não contêm as restrições daquela lei?! Não consagram, efetivamente, tais restrições, as legislações da França, da Alemanha, da Itália, da Suíça, da Inglaterra, da Romênia, da Áustria, da República Argentina e de vários outros países.

O projeto de regulamento sobre a expulsão de estrangeiros, elaborado pelo Instituto de Direito Internacional, em Genebra, em 1892, permite no art. 42 a expulsão, sem restrições de qualquer natureza, estabelecendo, apenas, que o expulso «deve ter a faculdade de liquidar a sua situação e interesses, diretamente, sendo possível, ou por meio de procuradores.»

Se mantivermos as restrições da lei de 1907 ou se as substituirmos pelas da lei belga — constituiremos o nosso país em asilo de cáftens, criminosos e anarquistas expulsos dos outros países. Altos interesses de ordem pública exigem a eliminação pura e simples do art. 3.° daquela lei.

Permita-me a Câmara que eu abuse por mais alguns momentos da sua preciosa atenção.

O SR. FLORIANO DE BRITO. — V. Ex. está nos encantando e instruindo sobre o assunto. (Apoiados).

UM SR. DEPUTADO. — Estamos ouvindo V. Ex. com o maior prazer e interesse.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Muito agradecido. O ilustre deputado pelo Pará, o Sr. João Chaves, ofereceu uma outra emenda mandando restabelecer o art. 8.° da lei de 7 de Janeiro de 1907, que permite ao estrangeiro recorrer para o próprio Poder que ordenou a expulsão, se ela se fundou na disposição do art. 1.° ou para o Poder Judiciário Federal, quando procedeu do disposto no art. 2.°.

Muitos dos que têm combatido o projeto, argumentando com evidente má-fé, dizem que suprimir o art. 8.° da citada lei, é suprimir por completo os recursos até agora permitidos do ato da expulsão, é abrir espaço aos mais graves abusos por parte do Poder Executivo, é atentar contra os direitos e garantias assegurados pela Constituição!

Sr. Presidente, os que tanto falam na possibilidade de abusos, esquecem-se dos termos do art. 1.° da mesma lei. Diz este artigo que: «O estrangeiro que, por qualquer motivo comprometer a segurança nacional ou a tranqüilidade pública, pode ser expulso de parte ou de todo o território nacional.»

Tão amplos são os termos da autorização concedida ao Governo por esta disposição, que o Poder Executivo pode nela fundar todas as expulsões. (Apoiados). Note bem a Câmara: o art. 1.° da lei de 1907 permite ao Poder Executivo expulsar todo aquele estrangeiro, que a seu juízo, comprometer a segurança nacional ou a tranqüilidade pública.

Pois bem: a lei não permite recurso algum ao Poder Judiciário da expulsão fundada no art. 1.°!

Efetivamente: o art. 8.° da lei em vigor só permite recurso para o Poder Judiciário da expulsão fundada no art. 2.° —; isto é, se o estrangeiro for expulso ou por ser criminoso, ou por ser vagabundo, ou mendigo ou «cáften». O estrangeiro, pois, que for expulso, ou por ser «cáften», ou por ser mendigo, ou por ser vagabundo ou por ser criminoso, poderá recorrer para o Poder Judiciário Federal e o recurso terá efeito suspensivo, nos termos do art. 8.° da lei, mas se o ato da expulsão fundar-se no art. 1.°, isto é, se o estrangeiro for expulso por entender o Governo que ele, por qualquer motivo, compromete a segurança nacional ou a tranqüilidade pública, desse ato só caberá recurso para o próprio Poder Executivo e sem efeito suspensivo! É bem claro que este recurso não tem valor algum e recorrer para a própria autoridade de um ato que ela praticou, ou pedir a reconsideração desse ato, é um direito que não precisa ser declarado em lei.

Se, pois, tão amplos são os termos do art. 1.° da lei de 1907, em vigor, que o Governo pode fundar todas as expulsões nessa disposição, limitando-se a declarar no seu ato — que o expulso compromete a segurança nacional ou a tranqüilidade pública, e se da expulsão fundada em tal disposição, a mesma lei não permite recurso algum para o Poder Judiciário — dizer que o projeto atenta contra a Constituição porque espolia o estrangeiro expulso de recursos para o Poder Judiciário, é, evidentemente, argumentar com má-fé! (Muito bem, apoiados).

Já disse, há poucos dias, desta tribuna, que é indispensável distinguir entre a legitimidade e a legalidade de uma expulsão, pois que o Poder Judiciário pode conhecer da legalidade, mas não da legitimidade. Não conheço país algum em que seja dado ao Poder Judiciário autoridade para conhecer dos motivos de uma expulsão e se pronunciar sobre a sua legitimidade.

O Poder Judiciário só pode conhecer da legalidade do ato. No caso de uma expulsão ilegal, ou por ter sido determinada por autoridade incompetente, ou por não ser estrangeiro o expulso, tem ele o recurso de habeas-corpus que lhe é garantido pelo art. 72 §22 da Constituição.

«Dar-se-á o habeas-corpus, diz o artigo, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso do poder.»

Inconstitucional seria o projeto se tentasse revogar esse dispositivo, mas não há quem não saiba que o Poder Legislativo Ordinário não pode revogar, aditar ou modificar uma disposição constitucional e que quando o fizesse, a lei não poderia ter aplicação. (Apoiados). Como também não há quem não saiba que não é necessário que a lei ordinária transcreva a disposição do art. 72 §22 da Constituição para que a vítima de uma ilegalidade ou de um abuso de poder possa requerer habeas-corpus.

O art. 8.° da lei de 1907 nem fala em habeas-corpus e dizer que a revogação desse artigo constitui um atentado contra o art. 72 §22 da Constituição é fazer uma alegação com evidente má-fé. (Apoiados).

Sr. Presidente, antes de concluir, devo dizer duas palavras acerca da emenda oferecida pelo nobre deputado por Santa Catarina, o Sr. Celso Bayma, revogando o art. 2.° da lei de 1907. Esse artigo autoriza a expulsão dos estrangeiros processados ou condenados pelos tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum, os condenados duas vezes, pelo menos, por crimes ou delitos da mesma natureza, pelos tribunais brasileiros, bem como os vagabundos, os mendigos e os que cometem o lenocínio.

S. Ex. sustentando da tribuna a sua emenda, considerou iníqua e contrária aos princípios de direito aquela disposição por sujeitar um indivíduo à duas penas diferentes por um único fato: a pena do Código e a expulsão.

UM SR. DEPUTADO. — A expulsão não é uma pena.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Efetivamente, a expulsão não é uma pena. A pena, diz Darut, é imposta ao delinqüente em reparação do crime ou do delito que perpetrou; a expulsão, ao contrário, é decretada contra o estrangeiro para evitar que ele atente contra os interesses vitais da unidade política. Não se conduz um estrangeiro à fronteira, diz de Berc, para puni-lo do crime que cometeu, mas para impedir que ele cometa outro crime.

Peço licença à Câmara, para reproduzir o que diz o parecer da Comissão de Constituição e Justiça, de que fui relator, em relação a esta emenda.

A lei belga de 12 de Fevereiro de 1897, autoriza no art. 1.° a expulsão do estrangeiro processado ou condenado em país estrangeiro por crimes ou delitos que dão lugar à extradição; idêntica disposição consagra o art. 7.° da lei de Luxemburgo de 30 de Dezembro de 1893; a lei argentina de 23 de Novembro de 1902 dispõe no art. 1.° que o Poder Executivo poderá ordenar a saída do território da Nação a todo o estrangeiro que haja sido condenado ou contra quem haja processo movido por tribunais estrangeiros por crimes ou delitos comuns; a lei dos Estados Unidos da América do Norte de 20 de Fevereiro de 1907 determina no art. 2.° que poderão ser recusados (e por isso mesmo expulsos) os estrangeiros condenados por felony ou por outro crime ou delito que revele torpeza moral ou convencidos de haverem cometidos fatos semelhantes e a lei inglesa de 11 de Agosto de 1905 dispõe no art. 3.° que poderá ser expulso o estrangeiro condenado por felony, misdemeanour ou por qualquer outra infração que dê lugar à prisão; a lei italiana de 30 de Junho de 1889 autoriza no art. 90 a expulsão de todo o estrangeiro condenado por delito e a Suíça também permite essa expulsão, «alors même qu'un traité passé avec l'État dont ils ressortissent, declarerait que les étrangers seront traités dans chaque Canton sur le même pied que les ressortissants des autres Cantons».

Outros países, como França e a Alemanha, podem expulsar quaisquer estrangeiros sempre que entendam conveniente, sendo a expulsão mera medida de polícia, e não enumerando a lei e as suas causas.

É, outrossim, evidente que o Poder executivo deve ter a faculdade de expulsar os vagabundos, os mendigos e os que se entregam ao tráfico de cáftens.

Várias legislações estabelecendo as causas para a expulsão, contêm disposição idêntica à do n. 3 do art. 2.° do referido decreto n. 1.644.

Ponderou muito também a Comissão de Legislação e Justiça do Senado: «O país não é destinado a receber os estropiados, vagabundos e mendigos das quatro partes do mundo, e está na sua ação defensiva livrando-se da carga e deixando que permaneça onde foi gerada.»

O. Caruso enumerando os estrangeiros que considera perigosos à ordem pública e devem ser expulsos, transcreve a seguinte pagina de Ranelleti:

1.°) «Oziosi e vagabondi, cioé quelli che validi al lavoro e privi de mezzi di sussistenza, vivono senza esercitari alcun mestiere e professione e vagano di luogo in luogo senza uno scopo lecito e determinato: perché lo Stato non è tenuto a supportare il peso degli straniere che vengano senza mezzi di sussistenza e senza volontà al lavoro.»

2.°) Mendicanti, giacchè la miséria e il bisogno sono le cause piú forti che determinano il delitto ed inoltra la mendicitá diffonde nel popolo la triste propensione all'ozio ed al vagabondaggio.» (Il dirt. di expuls., pag. 23).

Revogar o art. 2.° da lei em vigor é tornar o nosso país um asilo de criminosos, de mendigos, de vagabundos e de cáftens.

«A cada país a sua miséria e a sua canalha» diz. muito bem Charles Turgeon.

Sr. Presidente, creio que nada mais preciso dizer em defesa do projeto.

O SR. VALOIS DE CASTRO. — V. Ex. fez uma defesa extraordinária do projeto. (Apoiados gerais).

O SR. RAPHAEL PINHEIRO. — Tirou as últimas dúvidas que ainda pairavam em meu espírito.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Antes, porém de deixar a tribuna devo lavrar um protesto.

Alguns dos que têm combatido o projeto, têm dito neste recinto e fora, que ele constitui uma manifestação contra o estrangeiro.

Se constituísse, eu seria o primeiro a votar contra. O Brasil precisa muito e muito do estrangeiro para povoar o seu vasto território, para explorar as suas riquezas naturais, para desenvolver o seu comércio, a sua indústria, a sua agricultura e abrir assim caminho à sua grandeza e à sua independência econômica! (Apoiados). O que nos cumpre fazer em virtude de um dever de patriotismo — é decretar todas as medidas que possam atrair o braço e o capital estrangeiros e nunca praticar quaisquer atos que possam repeli-los!

A imputação constitui, aliás uma injúria gravíssima aos estrangeiros que já residem entre nós e que tanto têm contribuído para o nosso progresso material e intelectual, porque os equipara a esses bandidos profissionais, visados pelo projeto e que são repelidos de todos os países! O projeto tem por fim impedir que o nosso país seja invadido por elementos nocivos, por indivíduos que penetram em nosso território com o único intuito de perturbar a nossa vida normal, atentando contra os nossos interesses vitais, provocando agitações e toda a sorte de crimes!

O SR. RAPHAEL PINHEIRO. — É uma medida de profilaxia social.

O SR. ADOLPHO GORDO. — Sim, é uma medida de profilaxia social e o país que não puder adotá-la, que não tiver força e energia para repelir de seu seio os elementos estrangeiros nocivos, é um país falido no conceito das nações civilizadas! (Muito bem, muito bem. O orador é abraçado e felicitado pelos Deputados presentes).

* * *


 

Anexo a esta edição — Não consta da fonte digitalizada.

Lei 1.641 de 7 de janeiro de 1907

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:

Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a seguinte resolução:

Art. 1° — O estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurança nacional ou a tranqüilidade pública pode ser expulso de parte ou de todo o território nacional.

Art. 2° — São também causas bastantes para a expulsão:

1a) a condenação ou processo pelos tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum;

2a) duas condenações, pelo menos, pelos tribunais brasileiros, por crimes ou delitos de natureza comum;

3a) a vagabundagem, a mendicidade e o lenocínio competentemente verificados.

 

Art. 3° — Não pode ser expulso o estrangeiro que residir no território da República por dois anos contínuos, ou por menos tempo, quando:

a) casado com brasileira;

b) viúvo com filho brasileiro.

 

Art. 4° — O Poder Executivo pode impedir a entrada no território da República a todo estrangeiro, cujos antecedentes autorizem incluí-lo entre aqueles a que se referem os arts. 1° e 2°.

Parágrafo único. A entrada não pode ser vedada ao estrangeiro nas condições do art. 3°, se tiver se retirado da República temporariamente.

Art. 5° — A expulsão será individual e em forma de ato, que será expedido pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Art. 6° — O Poder Executivo dará anualmente conta ao Congresso da execução da presente lei, remetendo-lhe os nomes de cada um dos expulsos, com a indicação de sua nacionalidade, e relatado igualmente os casos em que deixou de atender à requisição das autoridades estaduais e os motivos da recusa.

Art. 7° — O Poder Executivo fará notificar em nota oficial ao estrangeiro que resolver expulsar, os motivos da deliberação, concedendo-lhe o prazo de três a trinta dias para se retirar, e podendo, como medida de segurança pública, ordenar a sua detenção até o momento da partida.

 

Art. 8° — Dentro do prazo que for concedido, pode o estrangeiro recorrer para o próprio Poder que ordenou a expulsão, se ela se fundou na disposição do art. 1°, ou para o Poder Judiciário Federal, quando proceder do disposto no art. 2°. Somente neste último caso o recurso terá efeito suspensivo.

Parágrafo único. O recurso ao Poder Judiciário Federal consistirá na justificação da falsidade do motivo alegado, feita perante o juízo seccional, com audiência do Ministério Público.

Art. 9° — O estrangeiro que regressar ao território de onde tiver sido expulso será punido com a pena de um a três anos de prisão, em processo preparado e julgado pelo juiz seccional e , depois de cumprida a pena, novamente expulso.

Art. 10. — O Poder Executivo pode revogar a expulsão se cessarem as causas que a determinaram.

Art. 11. — Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1907; 19° da República.

AFONSO AUGUSTO MOREIRA PENA - Augusto Tavares de Lira.


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