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AS FONTES DE VIDA NO BRASIL

Alberto Torres

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As Fontes de Vida no Brasil
Alberto Torres

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Fonte Digital
Digitalização da Edição em papel
Rio de Janeiro – 1915

© 2001 – Alberto Torres


 

ÍNDICE

Obras do mesmo autor
Para esclarecimento
As Fontes da Vida no Brasil


 

 

OBRAS DO MESMO AUTOR

 

Vers la paix – Études sur l’établissement de la paix générale et sur l’organisation de l’ordre international – Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1909

Le problème mondial – Études de politique internationale – Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1913

O problema nacional brasileiro – Introdução a um programa de organização nacional – Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1914

A organização nacional – Primeira parte: A Constituição – Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1914


 

PARA ESCLARECIMENTO

 

A publicação deste estudo obedece ao propósito de destacar aos olhos da geração contemporânea de dirigentes dos nossos destinos dois aspectos radicais da soma de crises que perturbam a vida deste país: a crise da natureza e a crise do trabalho.

Ele revela a realidade pungente de um país novo que chegou a esta fase crítica da História sem haver nada construído e tendo estragado a sua terra e anemiado o vigor comprovado das suas raças, e confronta-a com as tendências irrefletidas da nossa política e com as dos centros financeiros e do pensamento superficial do mundo.

Em flagrante contraste com a verdade, a opinião dominante nos centros da nossa direção mental e governamental, ou professa as mais aéreas visões sobre a orientação da nossa política, propagando como normas da ação pública idéias que traduzem os mesmos preconceitos que foram causa destes descalabros, ou paira, de todo indiferente a tais problemas, numa atmosfera de fluidas divagações e de lutas bizantinas.

A restauração das forças da vida, nas terras e na gente do Brasil, impõe-se-nos como um problema imediato e urgente. A sanção da nossa incúria já não vale por simples ameaça, para os que lêm a realidade, nas coisas e nos fatos. Base de toda a nossa vida é, entretanto, aquela obra impossível, sem a organização do nosso mecanismo político em moldes próprios.

Eis a síntese que aqui procuro fazer passar à vista dos brasileiros que estão de posse da direção e da força política, como a própria imagem cinematográfica do mal íntimo e profundo deste país.

Rio de Janeiro, março de 1915.

A.T.


 

AS FONTES DA VIDA NO BRASIL

 

A realidade sobre a nossa situação social e econômica é não só completamente ignorada, senão anda de todo obscurecida e confundida, pelos mais absurdos erros de ciência e de observação.

Resultam dessa falsa interpretação das nossas coisas os postulados correntes nos centros dirigentes do país, sobre a nossa natureza, sobre a nossa riqueza e fertilidade, sobre a nossa política econômica — toda baseada nos preconceitos da expansão e da colonização — e sobre a nossa produção, o valor das nossas raças e o trabalho nacional.

Pareceu-me oportuno destruir essas ilusões. A dúvida sobre o valor das raças do Brasil, nos centros ìntelectuais das nossas cidades, é mais um resultado do preparo — todo receptivo — dos que nos dirigem a opinião, que os conduz a tomar por dogmas tudo quanto os livros estrangeiros nos trazem, inclusive as suas sentenças condenatórias, arestos com que o instinto político das nações adiantadas, dando por superioridade absoluta a superioridade eventual e relativa que mostram hoje, fazem títulos à dominação das que chamam «raças inferiores».

Tomam os nossos homens de saber as causas, todas sociais, do nosso atraso, por causas étnicas.

A formação do caráter psíquico do homem, sendo de origem e de base inteiramente social, é uma das grandes ficções, e, ao mesmo tempo, uma das armas de combate da ambição de poder e de domínio, o sistema de atribuir ao homem um caráter, uma natureza, certas faculdades, vícios ou virtudes, em si, fundando-se assim, com esta deslocação para o terreno da metafísica, do problema, contingente e mediato, da vida relacional do ser humano, a ciência da desigualdade entre os seres da espécie.

A verdade é que, não existindo um caráter próprio destes ou daqueles grupos humanos, senão caracteres relativos às condições, locais ou ocasionais, da sua origem, da sua passagem, ou da sua existência, são as raças assinaladas, quanto ao seu tipo mental, pelas modalidades do meio e da vida social, mais ou menos longas, mais ou menos vastas.

Encontra-se na hierarquia das raças decretada pelas diversas doutrinas que — desde o sábio Gobineau até aos modernos partidários do seu conterrâneo Vacher de Lapouge, com os alemães Nietszche e Ammon, os heredologistas da escola de sir Francis Galton e alguns dos adeptos, também franceses, da «ciência social», de Frederico Le Play — pregam a desigualdade étnica, uma distinção que, mostrando, por um lado, o erro da sentença condenatória, realça, por outro, o caráter profundamente social da evolução das diversas raças, e, portanto, ainda, o vício dessas doutrinas; é a distinção entre a apreciação individual e a apreciação estatística dos caracteres das raças.

Individualmente, dizem esses cientistas, encontram-se, entre as diversas raças tidas por inferiores, seres dotados das mais altas qualidades do tipo qualificativo de «civilizado», mas estes casos singulares, sem base para se desenhar um nivel médio de elevação, não denotam capacidade geral e definitiva, nessas raças.

Este argumento, assento de toda a dialética dos advogados, de espírito científico, da superioridade das raças — é liminarmente falso: desde que todos consignam, nessas raças, o aparecimento e progresso de certo número de indivíduos — que, não tendo sido voluntariamente escolhidos, por mais perfeitos, para serem colocados em posição de assimilar a civilização e a cultura, foram elevados, pelo contrário, a essa posição, por causas eventuais, quase sempre fortuitas — com incontestáveis qualidades e comprovados dotes de aperfeiçoamento social, o progresso alcançado por estes indivíduos não pode deixar de ser recebido, em exame rigorosamente assentado, senão como documento da capacidade geral do seu grupo étnico, e o atraso dos que não foram aquinhoados com os mesmos favores excepcionais de chança, de fortuna ou de «oportunidade» — para usar o termo de alguns sociólogos — de forma a se elevarem, só se pode explicar, na censura da mais pura lógica, pelo conjunto de fatores sociais que, mercê da ação combinada dos meios e das correntes da evolução, afastaram os seus agrupamentos dos grandes centros onde se agitam os agentes seletivos em atividade vigente.

Não consigo conceber como se possa sair das malhas deste raciocínio. O meio físico e as correntes sociais formam, reúnem e propelem, o conjunto das condições, dos instrumentos, das relações, dos costumes, dos conhecimentos, das possibilidades, que, constituindo o medium cósmico-social da vida, vão impulsionando, saturando, ativando, multiplicando e correlacionando, os instintos, as tendências, os atos, as simpatias, os interesses e as competências, nessa teia de atividades e de interações, que, formando a vida «coletiva» da sociedade, criam, consolidam, mantêm e aperfeiçoam, o caráter psíquico do indivíduo. A nossa vida moral é, na sua base pessoal e no seu curso, produto e reflexo das grandes forças e dos agentes mais possantes da vida social. E esta verdade fica iluminada a todo o clarão da evidência, com a simples lembrança da origem e da evolução do mais elementar e do mais grosseiro dos fenômenos da vida psíquica refletida: a da linguagem. Se a linguagem não poderia existir nem evoluir sem a sociedade, que dizer de todas as outras funções, superiores e mais sutis, do nosso espírito, sem o contato, o convívio e a agitação progressiva dos homens!

O acerto do velho prolóquio: «O homem põe e Deus dispõe», que o positivismo verteu para a sua fórmula: «O homem se agita e a humanidade o conduz», é um esboço desta verdade: a mentalidade humana, e, portanto, o curso da nossa existência, dirigidos pelos nossos móveis psíquicos, resulta do ambiente social, sujeitos às contingências do meio cósmico, das correntes-histórico-geográficas da evolução da espécie e das forças predominantes em cada época e em cada lugar.

Aplicada ao Brasil, esta verdade decompõe-se em outros conceitos parciais, favoráveis todos à aptidão social das nossas raças, à sua moralidade, ao seu valor econômico. É o que demonstro, nos meus recentes trabalhos. E as condições particulares, ainda mais, da nossa existência durante alguns séculos, quase exclusivamente aplicados à exploração e à expansão colonizadora, sem o longo estabelecimento definitivo que fez gerar, nas raças que habitam os países adiantados, o medium cósmico-social da civilização, não permitiram aqui formar-se ainda nem os vínculos da simples ligação do homem com a sua terra, nem o conhecimento dos meios e processos próprios à exploração da nossa natureza e muito menos o estabelecimento das bases da adaptação geral e da vitalidade progressiva, na economia e no espírito!

Os brasileiros são, todos, estrangeiros na sua terra, que não aprenderam a explorar sem destruir, e que têm devastado, com um descuido, de que as afirmações dos meus trabalhos dão ainda um pálido reflexo. Os que habitam as cidades fazem-se, por sua vez, ainda mais estrangeiros, exibindo uma fictícia civilização de luxos mentais e de luxos materiais, inteiramente alheios à vida nacional; e os que nos dirigem e nos governam, estranhos à realidade da nossa existência, agitam e mantêm essa efervescência de interesses e de paixões que formam toda a superfície da nossa vida pública, com o fervilhar de atos e, principalmente, com a brilhante ebulição intelectual, que lhe é própria — opostos, e até hostis, aos sentimentos, aos interesses e aos direitos, da Nação, e de que a atitude crítica e condenatória, comum a quase todos os nossos intelectuais, é o expressivo e deplorável modelo.

Deste estado de desencontro, de ignorância e de conflito, entre a terra e os seus habitantes, entre as raças e o meio cósmico, e entre as raças, o meio, as instituições, os costumes e as idéias, resultam os traços que formam o relevo convulsionado da nossa estrutura nacional.

Toda a imensa área do nosso território, dividida, hoje — numa primeira classificação sob o critério do interesse social — em vastas regiões já desbravadas pela ação exploradora e colonizadora dos invasores, e outras amplas regiões, em poder de selvagens — ainda virgens, felizmente, do «machado da civilização» — tem as primeiras divididas — afora a parte composta de campos, de pobre fertilidade, em geral — em zonas desbastadas, entregues à exploração extensiva, zonas desbastadas, já abandonadas, e esparsas manchas florestais, aqui e acolá, nas regiões, principalmente, em que a expansão econômica menos se dilatou.

Às terras que se podem denominar, com justeza, de campo: as extensas várzeas dos planaltos, pobres e secas, em geral, onde só à força de pesada exploração intensiva se manteriam populações não muito densas vivendo parcamente da pequena indústria pastoril e da cultura de cereais, há a juntar, com as planuras um pouco mais ricas do Rio Grande do Sul — ainda assim inferiores, em geral, às orientais e às argentinas — toda essa imensa área de restingas, de caatingas, de brejais, de quase desertos, que, para o centro, para o norte e para o oeste do Brasil, são o pouso e campo de parada e de peregrinação, dos rústicos bárbaros do interior: os mestiços e mamelucos de várias mesclas, que formam os bandos vagabundos de «jagunços», de «caipiras», de «cangaceiros» e de caboclos, espalhados por toda a parte, nascidos, uns, na fronteira moral da civilização para se absorverem logo no vortex anônimo dos desertos, e expelidos, outros, em homísio, dos centros onde há polícia e onde há xadrez, para a liberdade, faminta e suarenta, dos areais.

Das antigas regiões de florestas, a parte desbastada, extensa como a de nenhum outro país intertropical, transformou-se, num período que não excede de três séculos, uma parte em desertos, tão áridos quase como os das outras regiões, outras em extensos campos e capoeiras, pobres e raquíticos, à falta de águas correntes e de chuvas, e, por entre umas e outras, algumas zonas onde vicejam ainda robustas florestas, já nostálgicas, contudo, da atmosfera primitiva, e, dia a dia, mais pobres em oxigênio, em azoto e em umidade.

Entre estas, as nossas «lavouras» vão seguindo o ciclo das suas crises de exploração extensiva e de deterioração atmosférica, condenadas as mais vivazes ao limite da vida da árvore e da atividade dos terrenos, que a fúria desvastadora agrava de ano para ano; e as periódicas, a um restrito decurso de renovação, sujeito a todas as vicissitudes e contratempos de uma natureza a que se roubaram, com as fontes normais da umidade atmosférica e do «humus», todas as seguranças e até as mais modestas probabilidades de colheitas regulares.

É natural que, sob a influência e na contemplação dos bizarros aspectos da nossa natureza tropical, de uma cor tão intensa e de uma luz tão dura para olhos afeitos aos coloridos límpidos e à luz, diáfana ou láctea, dos quadros europeus, houvessem os nossos primeiros colonos sentido, transcorridos dois ou três anos, que, neste país, a que faltavam os gelos e cujo solo não abeberava a queda anual das neves, algo deveria dar-se, de singular e estranho, que diferenciasse as coisas, do que se passa em Portugal; mas, ou porque o próprio olhar do observador não fosse assaz instruído nem arguto, ou porque o interesse não estimulasse a curiosidade, assegurada, como estava, a existência, nos sertões virgens, com os frutos de extração e com a cultura das terras devastadas na vizinhança das florestas, o colono fez a sua obra destruidora, sem consciência e sem protesto dos governos, dos homens de inteligência, e até dos próprios, aliás, avisados e curiosos, diretores espirituais das empresas de colonização: os membros das ordens religiosas. Essa obra de ruína proseguiu, depois, sob as vistas e sob a responsabilidade dos governos da nação soberana; e, se, porventura, um ou outro espírito, mais observador e de mais zelosa iniciativa, relanceou o fato e deteve-se a examiná-lo, nenhuma ação eficaz resultou dessas observações, nem — o que é mais singular — nenhuma generalização, capaz de inspirar vistas previdentes para o futuro.

Não espanta que tal se desse. Se é fato que, em raros trechos do nosso território, cuidados com zelo que relembra a guarda esmerada das «tapadas» nobres, florestais e de caça, notava-se outr’ora algum interesse pela conservação das matas, como nas terras imperiais de Petrópolis, a própria escolha deste e de outros sítios para fundação das cidades de estio da Corte das classes abastadas, revela uma inteira ignorância do grave problema climatérico deste país, que impunha, como imperativo da própria vida, a imunidade dos altos e dos vales superiores das serras, onde, em lugar de habitações, de cidades e de fábricas, se deveram ter estabelecido e mantido depósitos de acumulação d’águas, para distribuição nas regiões inferiores habitadas, urbanas e rurais, e para conservação do clima normal.

Ao mesmo tempo — ampliando, para ulteriores desenvolvimentos, as nossas observações — é assombrosa, por outro lado, a ilusão dos homens de ciência, aqui e no estrangeiro, sobre a riqueza e fertilidade das terras do Globo. Não obstante a extinção visível de inúmeras espécies naturais úteis, e o patente esgotamento de uma infinidade de riquezas, como a hulha, ameaçada de desaparecer em reduzido número de séculos, o sepultamento de regiões, outr’ora férteis e intensamente exploradas, sob o pó dos desertos, como no vale da Mesopotâmia; as profundas e radicais alterações climatéricas que produzem, em países — regularmente administrados, aliás, como a França — verdadeiros cataclismos periódicos, como as enchentes do Sena; o escasseamento das madeiras, apesar do desenvolvimento da silvicultura industrial; as secas, as pestes, as fomes, da Índia e do centro da Ásia — de causas meteóricas —, há ainda uma ciência que propaga a ilusão da quase eternidade dos tesouros e dos produtos do nosso planeta. E é interessante notar que esta ciência alia à sua cândida confiança a propagação das idéias militantes da política expansivista e conquistadora.

Sob a sugestão desse mesmo espírito tendencioso, deu-se, até algumas dezenas de anos passados, — enquanto sir Charles Lyell não havia refutado a interpretação catastrófica da formação geológica da Terra — este singular contraste, nas doutrinas dos cientistas: ao passo que os fenômenos da formação da estrutura da Terra, prolongados, alguns, até nossos dias, e violentamente fortes, outros, em pleno estadio da era humana, eram atribuídos a enormes cataclismos de origem hipogênica e de natureza plutônica, os grandes fatos da vida social: os abalos tremendos das migrações, das guerras, das revoluções e dos êxodos primitivos, eram interpretados por meio de lendas e de mitos, inteiramente estranhos às forças da natureza, ou em que estas entravam como acidentes ou como efeitos das causas mitológicas da História.

Os imensos movimentos físicos que haviam abalado o globo a ponto de soerguer ou rebaixar as rugas formidáveis das cadeias de montanhas e as bacias côncavas dos mares, nada influiram sobre os primitivos bandos de frágeis criaturas à mercê dessas tremendas agitações, que depois de levantarem muralhas colossais de granito e de terra e cavarem oceanos, convulsionavam ainda todos os continentes.

A mesma ciência que contestara a força dos fenômenos físicos sobre os destinos do homem e que não vira a destruição do planeta por obra da incúria e da ignorância que dirigiram o nosso espírito, negar-nos-á hoje, talvez, o poder e o direito de investigar e de estudar os estragos e as depredações que fizemos, para fazer sobre a Terra a polícia dos bens humanos e iniciar a restauração das suas riquezas.

Quando muito, no que respeita às guerras, o saber catedrático das Universidades alvitra, com uma timidez que revela o receio de colher o fruto da «árvore da ciência do bem e do mal», quando não resulta — como na hipótese, tão propagada, da natureza étnica da origem das guerras: atribuída à luta das raças — do preconceito sub-consciente da dominação — alvitra, dizia-se, como simples conjectura, a verdade, evidente e monumentalmente demonstrada pelo confronto das últimas crises da formação da Terra com a evolução da nossa espécie, e das crises, não étnicas, mas geográficas, do seu povoamento, de que foram os abalos físicos do Globo — normais no ponto de vista geológico, mas catastróficos, para o critério do homem primitivo — que, com os caracteres e os acidentes naturais da sua estrutura, e com os deslocamentos originados de uns e outros, criaram o espírito e o hábito da guerra.

Esta interpretação da causa original das guerras — atribuídas ao conflito das raças, por força da sua irredutível incompatibilidade — tem um valor soberano, para caracterização das duas tendências que determinaram até hoje toda a evolução política e social dos povos, ao impulso da religião e do militarismo, — tendências que se podem resumir numa só: o espírito imperialista. A predominância das causas cósmicas, produzindo a guerra entre seres da mesma espécie, é fato que salta aos olhos, na contemplação dos fenômenos da adaptação das sociedades primitivas; mais evidente é, contudo, ainda, que as guerras primitivas, ferindo-se, por essas remotas idades pré-históricas, entre bandos e tribos que, com tardo vagar e inúmeras dificuldades, iam abrindo caminho, contra todos os obstáculos e tropeços da natureza, à disseminação e ao povoamento, travaram-se sempre entre grupos contíguos ou vizinhos, e, por conseqüência, de mais próximo parentesco. Tanto basta para fazer repelir a interpretação da origem étnica das guerras — simples sugestão subjetiva, plantada no espírito dos advogados das raças atualmente avançadas, pelo mesmo impulso que, assim projetando para o passado, o temperamento e o instinto político inspirador, nos meios militaristas, do direito de evição das raças inferiores, apoiando, entre os apóstolos da conquista pela sugestão, os privilégios da missão educativa dos povos mais fortes, e prestigiando, nos centros da finança e dos negócios, intimamente entrelaçados com os outros, os demais direitos da exploração das riquezas, da expansão econômica e da «mise em valeur», no interesse do comércio e da civilização, não faz mais que alimentar e propagar o espírito de dominação e de cobiça, que assenta — inconsciente e despercebido, em muitos casos — no fundo da moral internacional vigente e ativa.

Do resumo, acima feito, sobre o estado das terras brasileiras, com relação à produção, decorrem algumas primeiras verdades, básicas e fundamentais — porque versam sobre fenômenos da natureza — e preliminares a quaisquer estudos de ordem agronômica e de ordem econômica sobre os nossos problemas. As terras do Brasil estão subordinadas, essencialmente, em quanto à conservação das condições naturais da habitabilidade, da sanidade e da produtividade, à conservação e à fartura dos mananciais, que, não tendo nem gelos nem neves que os abasteçam, dependem das fontes naturais, alimentadas, nos países dos trópicos, sobre as altitudes, pelas condensações atmosféricas, sob a guarda protetora das florestas. Sem os poderosos agentes de suprimento d’água, das zonas temperadas e frias: os gelos e as neves, falta-lhes, por isso, com o elemento periódico da conservação da umidade, o processo normal de irrigação, e, com o de formação da terra vegetal, devido à queda das folhas, particularmente nas florestas, o da formação do «humus» os processos expontâneos com que a natureza apoia o trabalho humano, renovando os adjuvantes da cultura, e regulando, com periodicidade astronômica, as estações. Esta falta coloca-nos, assim, enquanto à umidade do solo e à umidade atmosférica, na posição de dispor de uma quantidade de suprimento, que não é arriscado computar em metade da que beneficia as regiões frias e temperadas do Globo. Ora, a nossa posição geográfica faz do nosso país, por outro lado, um dos campos de mais intensa irradiação solar, em toda a Terra: coloca-nos, por força desta injustiça na distribuição da natureza, em posição de ter, numa média grosseiramente estatuída, o dobro de calor para a metade da umidade.

São os resultados desta contingência natural que o estado das nossas terras está exibindo, em toda a extensão do território brasileiro aberto ao povoamento. De parte a Amazônia — onde, explorando uma árvore nativa, não teve ainda o homem oportunidade de destruir a ponto de transformar em desertos todas as regiões desnudadas, mas onde, também, a destruição da seringa é excessivamente devastadora, para a indústria do seu produto, e a dessa planta, o corte das madeiras, e as derrubadas nos pontos mais densamente povoados, já devem mostrar influência sobre o clima — região que, tendo as nascentes e as cabeceiras, virgens, até há pouco, de exploração, é excepcionalmente privilegiada, quanto à conservação do «humus», pela sua forma geográfica em bacia — o mar interior, dos antigos descobridores — todo o Brasil médio, do Maranhão a S. Paulo, composto, no centro, de planaltos secos, por onde as águas correm e não se infiltram, e, na maior parte das costas, de areais, e, no litoral do sul, e nas bacias ocidentais, de planícies baixas — inferiores, freqüentes vezes, ao nivel do mar, e, por isso, sujeitas, pela irregularidade da vazão das águas e pelo conflito das correntes fluviais com a direção das correntes marítimas e com as dos grandes estuários, a tantos alagamentos, nefastos à salubridade e à produção — toda esta imensa porção do país, que conterá muitas vezes a área da França, tem a sua habitabilidade, a sua sanidade e a sua produtividade, comprometidas, por muitas dezenas de anos, até ao momento em que se iniciar a política da restauração das nascentes e das fontes, da regularização das estações e da distribuição das águas.

A água é, dos dois elementos da vida climatérica da Terra, o que mais se faz mister conservar nas regiões tropicais, e, por fortuna, que a pretenciosa incúria da nossa «civilização» tem transformado em ruína, o único sobre o qual tem poder a ação humana.

Ora, o Brasil é um país cuja existência material, como corpo de uma nação e como habitat de um povo, está gravemente ameaçada, por falta de águas. Negá-lo, hoje, seria coisa que excederia de todas as raias do senso e da probidade.

Nós temos, por conseguinte, em primeiro lugar, um problema higronômico, que precede todos os nossos problemas agronômicos e econômicos. «Nossos problemas»: acabo de dizer, e é mister sublinhar vivamente estas palavras, para deixar bem claro que a noção prática deste termo corresponde aos problemas apresentados pela nossa terra e pela nossa gente, e não às teses de agronomia, de economia e de política, que a curiosidade intelectual de alguns transporta dos livros e da vida dos países estrangeiros para o nosso meio. Seja qual for o interesse da cultura e da economia a examinar no Brasil, esse interesse filia-se, na seriação a que se subordinam todas as questões práticas da vida, a este primeiro interesse elementar: todos eles aí vão ter, e nenhum pode ser solvido sem as duas ordens de providências que hão de atender, em nosso meio, neste objeto tão precário, a esta necessidade primordial, com soluções gerais relativas a cada bacia, a cada cadeia de montanhas e a cada serra, geradora de mananciais, e com soluções parciais, relativas a cada propriedade, ou a um pequeno grupo de propriedades.

Há, ainda aqui, algumas observações a fazer, que cumpre destacar vigorosamente, afim de prevenir a tendência, habitual em nossos espíritos, para isolar em abstrações e conceber em formas geométricas as questões práticas da realidade. Os problemas da prática, como as próprias coisas, não se isolam, singularmente, no espaço e no tempo: entravam-se e subordinam-se uns aos outros: assinalar a precedência, ou a magnitude, de um, não significa que se o possa desligar das suas relações naturais com todos os outros.

É assim, por exemplo, que este grave problema higronômico da nossa natureza tem relação com os problemas ordinários da irrigação, que os agrônomos estudam; mas, as idéias e os modelos que os livros de agronomia nos apontam, neste assunto, nem atingem o problema geral e superior, nem são suficientes para solver as simples dificuldades particulares da irrigação, nos lugares onde a presença de águas nos sugere, prima facie, a possibilidade da aplicação dos processos europeus. E isto, por duas ordens de causas: causas locais, decorrentes da estrutura, do relevo e da composição do solo; e causas sociais, econômicas, jurídicas e pessoais, relativas às múltiplices relações que apresentam estas miúdas questões de águas, desde às da administração pública até às do preparo técnico do agricultor, desde os meios de canalização e de distribuição, até à justiça sumária dos processos judiciais de águas. São toda uma infinidade de problemas, interessando à parte prática da irrigação capilar das terras, isto é, ao seu amanho imediato, para os quais nos faltam absolutamente todas as condições e todos os instrumentos.

Quando os nossos agrônomos citam, assim, os exemplos do Egito e de Portugal, escapa-lhes inteiramente que, na terra dos Faraós, já se haviam feito, alguns milênios antes da nossa era, grandes trabalhos de irrigação, que permitiram transformar o Nilo, de um simples caudal de vazão de águas, nesse assombroso canal vascular, pelo qual, leva, anualmente, a indústria humana, umidade e sedimentos às terras, aliás estéreis, das bordas dos desertos; e que, no Egito como em Portugal, uma infinidade de pequenos e repetidos trabalhos de canalização, multiplicaram durante séculos e instalaram na terra, as condições físicas, que a educação e os costumes, também perpetuados por séculos, permitiram continuar a pôr em ação. Se, aqui, carecem os nossos agricultores das chuvas, para o plantio, e as plantas, para se desenvolverem, não é que esteja ao alcance daqueles o uso da irrigação; mas que as formas topográficas do país, a natureza do seu solo, o seu regime político e administrativo, a falta de garantias e de processos legais, de magistratura e de polícia, de ensino das idéias elementares relativas ao assunto, de educação dos hábitos e dos esforços, por fim, para formarem, quanto às múltiplas operações desse serviço, os costumes que mantêm a soma dos usos e a soma das relações imprescindíveis a tais operações, contrariam a sua prática.

Em nosso país, ao contrário do que tenderá a pensar o observador que julgar destes assuntos por seus aspectos aparentes — para o qual, aliás, a falta d’água, periódica aqui no Rio, cidade privilegiada, já oferece um documento flagrante — esta segunda fase do problema da umidade do solo, e da umidade da atmosfera, relativa às questões agronômicas da irrigação, dependentes de causas que nos são peculiares, agrava-se, ainda mais, subordinada, como está, à primeira — com todas as dificuldades deste grave problema geral a que chamei «problema higronômico» da nossa natureza. Na Europa, a experiência estabeleceu, de há longo tempo, os costumes do reflorestamento e da conservação das matas, severamente policiados, e regulou-se o corte das madeiras e da lenha. Entre nós, onde as matas exercem tão vital função, não só nenhum esforço se faz por conservá-las, mas propagam, ao contrário, os governos a necessidade de incrementar a expansão econômica do país, para realizar a obra, tão vaidosa quanto ilusória, de «engrandecimento» e de emulação econômica — sonho dos fantasistas dos milênios materiais — e, quando os reclamos protestam, ensaia-se reparar o mal, elaborando, com o nosso burocrático vagar e frieza, textos de legislação florestal ordinária, dificílimos de aplicar, por entre os nossos costumes, na anarquia social reinante e na dissolução legal do país mascarada sob os nomes de democracia e de federação, com os processos administrativos existentes.

O problema do reflorestamento, o da restauração das fontes naturais e o da conservação e distribuição das águas, são, em nosso país, problemas fundamentais, extraordinários, mais importantes que o da viação comum, e muitíssimo mais que o das estradas de ferro — nos próprios pontos em que estes meios de locomoção correspondem a necessidades da circulação, coisa rara, atualmente. É o primeiro, um grande e complexo serviço a empreender, equivalente, pela sua importância, às obras de irrigação do Egito e da Mesopotâmia, a mais imperiosa e urgente necessidade da constituição cósmica deste país; condição da vida do seu povo, da sanidade do seu solo, da produtividade das suas terras — obra capaz (se empreendida desde já com a generalidade e com a energia que o caso demanda) de estancar, dentro em cinco anos, o exgoto dos mananciais, e de repôr as zonas produtivas do país, em menos de vinte, no estado em que se achavam há trinta anos passados; necessidade que, protelada deste momento, pode surpreender-nos, de um ano para outro, com a emergência de secas e de fomes, capazes de aniquilar massas extensas da população. Os complexos e minuciosos problemas da cultura agronômica são luxos de literatura técnica, em face desta realidade!

As nossas terras que, uma vez esgotado o humus, formado e alimentado, durante séculos, pelas florestas, mal compensam os trabalhos da lavoura extensiva (não havendo lavrador bisonho do interior que ignore que a simples cultura dos cereais e das forragens para alimentação do homem e dos animais é superior às possibilidades econômicas de quase todos e à renda da criação), há muito que mostram o documento da grave crise substancial da sua produtividade, na mesquinha pobreza da nutrição que se dá ao gado, e já exibem a prova da sua esterilidade com o selo da miséria estampado, na própria espécie humana — quanto à parte da população do interior que ainda trabalha, porque outra, muito maior, vive a sorte de roedores e de símios, comendo raízes, folhas e frutos silvestres, à falta de uma caça e de uma pesca, que vão escasseando — nas faces dos meeiros e dos assalariados da roça, roliças e lustrosas, enquanto dura o milho escasso das colheitas, e amarelas e pergaminhadas, quando — acabado o milho — têm de recorrer às abóboras, às ervas e aos inhames, para a nutrição ordinária. A crise da alimentação do porco já se estendeu à alimentação do homem. Aqui remeto este tema a poetas e a tribunos, para as variações.

E este problema propedêutico da nossa agricultura liga-se a outro, de caráter também fundamental.

O problema da alimentação é necessariamente um problema local: local, quanto à produção, pela contingência do clima, que favorece estas produções e limita a possibilidade de outras; local, quanto às necessidades orgânicas, relativas à natureza da terra em que vive o indivíduo e a outros determinantes. O solo produz bem certas coisas, melhor estas do que aquelas, mal, tais outras; com esforço e gastos de cultura de luxo, outras tantas. O clima, a natureza do trabalho, as relações do homem com a terra e na vida social, demandam esta ou aquela alimentação especial.

O problema da alimentação é o problema primário de um povo; não é um problema agronômico, nem higiênico, nem econômico: é um problema de necessidade, um problema vital físico, um problema que se pode chamar — sacrificado o sentido etimológico da palavra, em benefício do seu sentido objetivo — de «política» individual. Seria descabido discutir, a este propósito, se o nosso país tem condições para ser «um país agrícola». Não se trata de saber agora se a agricultura pode ser a indústria principal ou uma das indústrias principais do país, nas relações do comércio internacional, mas unicamente de resolver o problema vital da produção para o consumo; e, quanto a isto, a extensão da nossa área territorial, a nossa posição geográfica, e o estado atual do nosso povo e da nossa terra, dão a ameaçadora resposta de que este trabalho é a sucinta imagem.

Mais ainda, o problema da alimentação está, como nenhum outro, subordinado às condições da época, da fase do desenvolvimento da sociedade e do indivíduo, e da exploração da terra. A alimentação das camadas populares mais modestas, compõe-se, de gêneros, na Alemanha, para cujo preparo contribuem, em grande escala, processos de uma indústria já adiantada: o pão, as salchichas, o queijo — base da nutrição da gente pobre nesse país, são verdadeiros produtos industriais; na Itália, em Portugal e na Espanha, a alimentação, farta e sólida do povo, é quase exclusivamente, já, de produção agrícola, porém avançada, com base nos cereais e nas leguminosas; no Japão, o homem do povo, sedentário e ocupado com trabalhos leves, contentar-se-á com o arroz, mas o que trabalha em mais pesados labores pedirá certamente nutrição mais forte; na Irlanda, e quase geralmente, nas ilhas britânicas, é a batata a base da alimentaçãe popular.

Nós temos o nosso feijão; mas o feijão, que nunca foi alimento ordinário, para o homem de trabalho — no tempo dos escravos, era ele feito de milho e de carne seca, diariamente — é escasso e caro, dependendo das estações; o milho, que não paga, sabe-o qualquer matuto, o peso dos cevados, já é caro, também, para o homem; e, quanto à carne, se já se vai fazendo luxo, para a besta de carga do labor agrícola, o gáudio de um magro pedaço de carne seca argentina, mais caro lhe fica ainda o banquete de um bocado de carne, da rês que o fazendeiro abate de mês em mês!

Ora, estes gêneros são os alimentos que fomos adotando, ao acaso das experiências da aclimação, e ao da importação, em épocas em que a produção era garantida pela fertilidade expontânea da terra virgem e a alimentação completada pelos muitos produtos naturais que, até para o escravo, abundava no mato e nos campos próximos: e, quando não se lhes proporcionasse melhor caça, frutos e criações de cultura, ou lh’o fosse vedado, o lagarto, o tatu, até a cobra, algumas raízes e frutas silvestres, estavam quase sempre à mão, para melhorar a panelada diária, ou dar a sobre-mesa, ao jantar. Hoje, até isso se vai extinguindo...

Não resolvemos, ainda, portanto, os dois problemas práticos, ligados à alimentação popular: o dos gêneros próprios para o nosso meio, para a natureza do trabalho e para a vida social, nas diversas classes; e o da sua cultura.

Formam, estes, reunidos, o outro problema pre-agronômico e pre-econômico da vida nacional.

Na Amazônia, sabe-o toda a gente, o alimento era todo importado e pago a peso de ouro; e as secas e fomes, que prenuncio, são já a realidade — por via da crise da borracha — para os míseros brasileiros que a fortuna levou àqueles sertões, enquanto, no Rio de Janeiro, as mais poderosas classes empenham-se por arrastar o governo à política de novas aventuras econômicas, vivem, quase todos, numa agitação superficial de luxos materiais, ìntelectuais e morais, comove-se a sociedade com os horrores da guerra européia, propagam escritores e tribunos requintadas idéias de um apuro e de um brilho de joalheria, e governantes e dirigentes agitam esta população, de espírito entorpecido para a realidade, nos transportes de ilusões místicas, de paixões impulsivas, desmedidas, e de estéreis ambições.

Os descalabros desta terra vêm da agitação dos seus políticos, da predicação dos seus apóstolos, dos preconceitos, ilusões e teorias, dos seus homens de letras, e da cobica do seu comércio, da sua indústria e da sua finança, colaboradora, com o estrangeiro, da ruína do país. Hoje, tudo isso se agita em torno do governo, que, não sendo nem uma instituição nacional, nem um corpo de dirigentes aptos, é a única força de fato, e tornou-se, materialmente, o eixo em torno do qual se reunem todos os que não podem ou não querem agir, e, até ao momento em que uma agitação violenta convulsionar esta sociedade, para lhe pôr à frente uma força artificial qualquer, surgida das trevas, ou, ao interesse econômico das nações estrangeiras se juntar um interesse político, que sugira aos seus governos uma empresa de conquista, o nosso país irá seguindo a marcha da sua precoce caquexia, extinguindo-se, pelo interior, a flor do seu povo — porque é a gente que ainda ama o trabalho — e a maioria da sua população, à espera de que um dia a seca e a fome venham bater às portas do Rio, e acordar o interesse dos que, deste lado do Oceano, fazem o papel de parisienses na América, copiando as modas, as idéias, as ilusões e os sentimentalismos, que lhes remetem os alfaiates do seu corpo e do seu espírito.

Terra nova, os precalços do clima poderíamos vencê-los com as suas próprias vantagens; gente nova, sem nenhuma tradição, sem instituições, sociais ou políticas, que empeçam as soluções naturais dos problemas, só por incapacidade dos que governam e dos que dirigem se compreende houvessem lançado raízes — neste país fadado para realizar a liberdade, para fundar o regime da eqüidade social, nas leis, nos costumes, nas possibilidades e nos meios de ação, para emancipar a vida prática de normas e de dogmatismos opressivos, para iniciar, em suma, na rotação das civilizações, o ciclo que ao continente americano compete promover, das reformas sociais humanas e da organização da sociedade livre, pela política da representação social, da solução racional dos problemas, livres de cânones, livres de impérios, sem Reis, com Deus, ou sem Deus, mas, certamente, sem Papas, para todas as coisas da vida terrena — se compreende que houvessem aqui lançado raízes os regimes de privilégio, de monopólio, de supremacia, de desigualdade jurídica e de desigualdade social, que instauram as oligarquias da política, da economia e do espírito, substituindo os privilégios da nobreza pela superioridade do azar e da fortuna, e acumulando os favores da sorte e as preferências da seleção em grupos sociais, tanto mais pesados, para a generalidade das massas, quanto mais numerosos, e tanto mais certos da vitória, quanto mais surda e anônima é a pressão dos processos postos em prática.

As democracias contemporâneas se estão transformando em oligarquias, de um poder e de uma dominação tão positivos quanto os das suseranias feudais. A violência é menos brutal, mas a força duplica de poder, disfarçando sob a forma da moralidade de cada um dos membros a imoralidade dos processos coletivos: a terrível opressão de agremiações em que a ação de cada um parece inócua e neutra, mas que os vínculos sociais, expressos ou tácitos, transformam em gigantescas federarações de feudalismos. O Rei Sol tem por successores, hoje, reis constelações e reis sistemas planetários. E os reis temporários trazem para o mando uma cobiça e uma sequiosidade de poder, de que a posse tranqüila do governo isentava os Césares hereditários, havendo impérios-instituições e impérios-associações que aplicam as armas da força e da astúcia na razão inversa da abnegação pessoal de seus membros.

A política de expansão econômica foi, nos Estados Unidos, um prolongamento necessário do desenvolvimento comercial da Inglaterra; coincidindo com os grandes descobrimentos industriais e com as recentes idéias econômicas, a nova nação independente tomou o mesmo fio da evolução da metrópole e continuou a estendê-lo; os Estados Unidos tiveram uma colonização quase fidalga, de grandes burgueses; o solo, a natureza, as riquezas da terra, a hulha, grande abundância d’água e de aluviões, tudo excitava os sonhos ardorosos de pioneiros e plantadores, inspirando ambições ilimitadas, sobre a base de uma riqueza sempre crescente, multiplicada ao infinito. Aqui, nenhuma destas coisas se deu, e a fraude às contingências da nossa formação social só se explica pela forma de colonização depredatória, dada pela Coroa portuguesa ao povoamento do território, com as concessões de terras a seus validos, e, depois, pela perpetuação do espírito e da pretensão de nobreza, que a Monarquia manteve. Esta política artificial, prolongou-a a República, com o abandono dos nossos problemas cósmicos e sociais e com a aquiescência e o apoio a costumes e sistemas de atividade — senão, muitas vezes, iniciativa — de todo opostos ao parcelamento da riqueza, à multiplicação do bem-estar, à circulação comercial. A nossa inteira vitalidade econômica repousa sobre monopólios, sobre privilégios, sobre azares, sobre valorizações eventuais, sobre operações aleatórias, sobre favores, sobre especulações: o trabalho, a produção, a valorização da propriedade e do esforço, não são verbas de capital, na escrituração do nosso regime de trocas de valores.

Tudo isto resulta da feição francamente colonial da exploração do país, caracterizada pela supremacia do comércio estrangeiro sobre o comércio nacional e sobre a produção, pela indefesa subordinação dos produtores a exportadores e capitalistas estrangeiros, pela avidez e inconsciência das derrubadas, pela preferência, no trabalho, ao colono estrangeiro.

E eis que chegamos, agora, a mais um ponto central da nossa vida: a capacidade do trabalhador nacional, a sua aptidão para o trabalho e o seu amor ao trabalho.

A sociedade é a melhor das escolas, e a experiência a única verdadeira educadora. A Europa produz trabalhadores por necessidade, por costume e por disciplina; e nós produzimos ociosos porque, a não ser com o escravo, nunca fundamos no país coisa nenhuma própria a criar o interesse pelo trabalho e o amor pelo trabalho, entre os homens do povo. Na produção brasileira, só trabalhavam o dono da fazenda e o escravo. Os outros não precisavam trabalhar: alimentavam-se e vestiam-se à custa dos fazendeiros e tinham as festas da Igreja e as da fazenda e o jogo, para a alegria do espírito. Que se fez, durante quase um século de independência, para transformar em povo esta massa de ociosos? Criaram-se umas poucas de escolas públicas? Mas a lição e a palmatória do pedagogo nunca formaram trabalhadores. Estabeleceu-se qualquer regime de colonização nacional? Nem sinal disso se encontra em toda a nossa legislação. E, para prevenir o sábio sorriso de ironia que estas perguntas costumam provocar nos lábios de adeptos do fetichismo individualista, não é mister lembrar o que se fez entre nós pelo colono estrangeiro, nem tudo quanto se fez e se está fazendo, em toda a parte, em prol da animação e do desenvolvimento do trabalho: basta lembrar que, na França, onde a legislação social é uma inovação recente e ainda tíbia, o parcelamento das propriedades dos nobres, emigrados depois da Revolução, deu propriedade e facilitou o trabalho a uma grande parte da população rural. Só as revoluções justificam, então, estes atentados contra o dogma individualista, estas amplas e salutares providências de assistência social? Confessem, pois, que o estalão providêncial das «tábuas da lei» individualista, é de uma singular cegueira e de uma estranha inconsciência política.

Entre nós, a política de expansão econômica, com o sistema de cultura extensiva, de mineração, de monocultura, de latifúndios, de conquista dos sertões; com o desbravamento e a estrada de ferro agravou-se singularmente, por efeito da nossa adoração quase idílica pelo estrangeiro, que, assim como nós prostra, como em face de cânones, diante das sentenças e dos juízos de celebridades passageiras, de repórters e de exploradores em excursão, entrega-nos de mãos atadas à argúcia, ao tato, à perícia, de financistas e de caixeiros viajantes, e nos submete as inteligências aos intuitos e aos cálculos do instinto político dos outros povos. Nós temos mais que respeito: temos superstição pelo valor do estrangeiro e submissão à sua autoridade; e nisto tem estado o maior obstáculo à formação da consciência nacional, à educação da nossa iniciativa, à consolidação do nosso senso de responsabilidade — particularmente, da responsabilidade pública e social.

As vítimas nacionais desta política heteróclita são tanto mais numerosas, e tanto mais intenso é o seu sacrifício, quanto mais baixa é a camada social. O Brasil não tem trabalhadores rurais, porque as classes superiores, por seu egoísmo, nunca tiveram interesse pelo seu patrício proletário, preferindo explorá-lo a educá-lo, e abandoná-lo, por fim, em sacrifício à máquina dextra do trabalhador europeu. Mas — cumpre bem acentuar — este egoísmo é mais imputável aos dirigentes, aos legisladores, aos governos, porque o problema da organização do trabalho não poderia jamais ser solvido por iniciativa expontânea dos particulares: e os Governos nunca fizeram outra coisa senão solvê-lo contra o homem brasileiro, e contra a economia nacional, quando importou escravos e quando importou colonos.

Hoje, as crises da natureza confundem-se com as da dissolução social e econômica e com as da anarquia política, e, por fim, com as do intercâmbio mundial, para se conspirarem contra a Nação, e, dentro desta, contra as classes que suportam, com os encargos do trabalho e do fisco, os precalços da pobreza: o produtor e o operário rural, principalmente, entre todos.

A notícia e a sensação da realidade das crises da nossa produção, só nos não afligem nem nos atordoam os ouvidos porque, cessada a esperança que ainda animava, em outros tempos, os fazendeiros mais influentes a reclamar o que se lhes afigurava ser remédio para todos os males: os empréstimos à lavoura — já se lhes emudece a voz, para brados de socorro que sabem inúteis. Mas o que se passa no interior é de uma dureza e de uma gravidade que se hão impôr aos olhos e aos ouvidos dos descuidados dominadores desta terra. O nosso país está exigindo, neste instante, um tratamento legislativo e administrativo intensíssimo, um esforço múltiplice, variado, caloroso, de socorro social e econômico, uma assistência terapêutica como a das graves crises das moléstias agudas, um «estado de sítio» (as idéias boas têm a magia de regenerar os conceitos os mais odiosos) de polícia e de reconstituição econômica.

Contam-se, sem dúvida, aliados aos grandes problemas da nossa economia, uns tantos objetos, para os quais as escolas e os estabelecimentos agronômicos podem trazer elementos de cooperação, mas secundários: a instrução agrícola e os complexos trabalhos dos institutos de agronomia e de zootecnia são antecipações, são verdadeiras precipitações de esforços necessariamente estéreis, por inoportunos e inaplicáveis; a veterinária poderá um pouco atender a alguns interesses dos nossos criadores, mas, os principais males do gado vêm antes, no Brasil, de causas permanentes do que de causas patológicas. Os outros ensaios, experiências, exames, cursos, são extemporâneos e improfícuos. De que servem os estudos intensos, dos campos de experimentação, se as terras não oferecem mais as condições de êxito para aplicação de quaisquer progressos agronômicos? De que servem instrumentos aratórios, estudos de adubos, se não se conta com a umidade e com as estações? Todos estes trabalhos são esforços puramente aéreos.

Atualmente, toda a atividade do Ministério da Agricultura devera aplicar-se, quanto a trabalhos próprios do campo, ao reflorestamento do alto dos morros e à extinção das formigas, no centro do país, e a tolher a continuação das derrubadas e defender as plantas naturais de exploração, como a seringa, em toda a sua extensão. Seria este um sensato programa prático, para o qual se poderia organizar um sistema completo e expedito de providências. Mas, só para a empresa do reflorestamento, fora mister que aquele departamento contasse com o apoio, com a assídua e regular cooperação, não só de todos os outros ministérios, senão também dos Estados e dos municípios; que dispusesse das leis e dos meios jurídicos e de polícia, necessarios à sua ação... O regime político vigente é incapaz de enfrentar esta empresa.

Quanto aos produtores, há duas ordens de medidas que se nos estão impondo, como ponto de partida da nossa reorganização econômica: a liquidação da sua precária situação financeira e a criação das bases da sua nova vida, fundada sobre garantias sólidas, quanto às condições naturais, quanto ao regime do trabalho, quanto aos seus interesses nas relações com o comércio, e quanto ao crédito rural. A moratória, acompanhada de um sistema de compensações, regulado legislativamente, ou por acordo, poderá permitir-lhes solverem as responsabilidades da produção, sem transferência das propriedades e suspendendo a sua atual, aviltante e opressiva, posição de descrédito. Esta medida, eu a indiquei, há longo tempo, para aplicação geral; mas o Congresso, só adotando a moratória, juntou esta nova causa de crise às perturbações do comércio, com prejuízo certo para todos os credores, confundindo, sob o mesmo favor parcial, insolváveis e vítimas eventuais dos vencimentos da ocasião: fez, em suma, a obra pusilânime, comum à nossa política de paliativos, de adiar as dificuldades para o futuro, mais agravadas.

Adotada esta medida de alívio, e promovida a política de restauração da produtividade do solo, a da reorganização do comércio dos produtos nacionais de consumo e de exportação, e a da organização do crédito, os nossos lavradores poderão reencetar seus trabalhos com probabilidade de êxito, garantidos pela vigilância e pela ação de todos os órgãos do poder público, aplicados, a suprir, por enquanto, e a conservar, mais tarde, permanentemente, as condições mesológicas normais, defendidas, entre outros povos, pelo esforço secular da inteligência e do trabalho, pelos costumes e pela tradição.

E, aqui voltamos, por fim, ao caso do trabalhador: o mais doloroso, o mais cruel, o mais grave exemplo da nossa incúria, do nosso imoralíssimo alienismo.

O Brasil não tem trabalhadores nacionais por que, a não ser pela escravidão, nunca houve, no país regime social de trabalho. O habitante livre do país, só foi levado ao trabalho quando, estabelecido no seu latifúndio, o alto preço dos produtos inspirou-lhe a sedução da vida ostentosa do hobereau americano — fazendo disso o ideal e o contentamento da existência, como as pequenas vaidades do vestuário, da literatura estrangeira e da retórica, eram o ideal dos nossos bacharéis de vários tipos e o teatro lírico, os alfaiates e as costureiras francesas, o charuto, o carro e a chácara em Botafogo, o ideal dos submilionários destas paragens, e das suas famílias. Foram estes os modelos que nos deu a Corte; e, na psicologia da formação social, a mais positiva e certa das leis é a da modelação dos espíritos pelos estalões em evidência.

O impulso que nasceu com o bandeirante, com o desbravador de florestas, com o donatário e seus sucessores, e, depois, com o fazendeiro, perpetuou-se pela história adiante, firmando as normas da aventura e do saque à natureza, como estímulo à ação do homem sobre a terra. A exuberância da floresta e a fartura da plantação em solo virgem e a parte dos lucros comerciais que o exportador estrangeiro e o comerciante intermediário, nacional ou estrangeiro, verdadeiro preposto daquele, condescendiam em ceder ao produtor, davam para as larguezas do fausto doméstico, para as banalidades do semi-feudalismo senhorial, para o sustento de fâmulos, de escravos, de apaniguados: todo um séquito de parentes e de agregados, sem emprego e sem aptidão profissional.

Assim como os costumes europeus educaram e disciplinaram «os exércitos» dos seus «soldados do trabalho», os costumes da roça brasileira dissolveram, distrairam e amolentaram, os bandos dos nossos sertanejos e dos nossos agregados de fazendas. É um fato social comum a todas as raças, e observável, em todos os tempos, na vida dos povos civilizados de hoje: não é preciso alardear abismos de ciência psicológica, nem revolver severos termos de ciência, para explicar esse trivial aspecto de uma formação social que, nem a natureza, nem a direção política, conduziram para a organização.

Hoje, essa multidão de «forçados» da vagabundagem – discípulos fidelíssimos da única escola e da única prática que se lhes indicou e se lhes expôs — está gravemente inveterada na indolência, profundamente abatida, na reatividade do caráter e do espírito: não está, porém, degenerada. O nosso homem do campo, com o seu facies enfermiço, a sua estatura dobrada, o seu corpo franzino e recurvado — vale ainda tanto quanto valem, para as duras viagens do interior e para os pesados serviços de tração pelos nossos esburacados caminhos e pelos trilhos das nossas montanhas, o cavalinho «esquipador» do norte — mais robusto e resistente, com a sua carcaça escaveirada, do que os mais musculosos normandos e percherons —, o «marchador» do centro, o boi creoulo e o boi caracu, dos sertões. Estes são os animais adestrados para a rudeza das nossas jornadas, sobre várzeas cavadas de atoleiros e por picadas de caçadores, como são aqueles, e mais os selvagens em reserva nas florestas, os tipos, fortes e másculos, em cujo espírito e em cujo braço o Brasil poderá confiar, para restaurar a atividade na sua vida: os reprodutores das nossas «ethnos». Hão de sair daí «japoneses», para este meio. Os outros, vindos do alto da escala, ou nos trarão educação de disciplina militar, quase passiva, cobiças sobreexcitadas, aprimoradas aptidões de jardinicultura e de trabalhos de estufa, logo perdidas em nossas terras, músculos e nervos sistematizados para funções inadaptáveis, ou, como é muitas vezes o caso, nas camadas superiores, uma energia de epiderme, feita de habilidade e de alguma instrução, dando alma a essa robustez muscular, obra de sports, que é a forma do vigor entre os ociosos que cultivam a força sem a concomitante educação dos nervos para as labutas úteis, e uma moralidade convencional que concilia a preocupação exclusiva do bem próprio com os cânones dos códigos sociais.

O colono estrangeiro será, quase absolutamente, sempre, por índole, por força do espírito, dominante na vida mundial e intensíssimo entre nós, de avidez de ganho, um instrumento de exploração da nossa terra e da nossa gente, indiferente ou hostil a tudo quanto nos interessa.

Por estes motivos, e porque o estado da população nacional atinge à angústia de extrema crise, é coisa para repelir-se sem vaciliação — como verdadeira monstruosidade, moral, social e política — proseguir-se na prática da imigração — expediente sugerido pelo descuido intelectual dos políticos, não para solver o problema da organização do trabalho, mas para acudir à sua crise permanente, sempre renovada, e dia a dia mais grave, por efeito da própria panacéia adotada; e será sempre um atentado contra a Nação e contra a Humanidade, atrair ou tolerar para o nosso país migrações em massa, que alterem os processos da formação natural das populações, em equilíbrio com os meios físicos e com as condições sociais.

Em nossa época, o grande problema em litígio, de que os campos de batalha europeus mostram um dos mais dolorosos e deprimentes incidentes — é o conflito do Imperialismo com que o se pode chamar, como expressão da tendência humana para a vida de ordem e de liberdade, a evolução pacífica e racional das nações e do mundo. Restringir ao «militarismo», e particularmente, ao militarismo continental da Alemanha e do Kaiser, a caracterização desta crise da nossa fase histórica, vale por truncar os fatos, as causas e os móveis, da conflagração européia. O que o mundo ostenta hoje a nossos olhos é a luta do Imperialismo contra a Democracia — ligada a esta palavra a expressão, mais alta e mais consentânea com a civilização, de «regime da organização livre das sociedades»; é uma luta entre imperialismos: imperialismos velhos que não querem transigir e não toleram a concorrência e a emulação, e imperialismos novos — violentos e arbitrários, na consciência da sua força — que querem dominar. A posição eventual das potências, nos poucos anos que precederam a guerra, como no quadro em que as combinações diplomáticas, mais do que os interesses e as tendências, dispôs os beligerantes, nada tem de particularmente expressivo, nem de determinante: são atitudes de acaso, atitudes fortuitas, atitudes ilógicas.

Ora, o imperialismo contemporâneo continua a combater com as suas grandes armas tradicionais: o militarismo, o capital, as migrações e a sugestão. Luta por agressão ou por astúcia, arregimentada ou intersticial, mas sempre luta, que a simpleza e a ingenuidade da moral individual, pregada, porém não muitas vezes praticada, pelos seus apóstolos e conselheiros, não mitiga, porque a piedade que inspira a alguns poucos espíritos anula-se sob os ciclópicos processos da ação coletiva, esse combate só admite uma resistência possível, para os países novos e fracos, onde o indivíduo, sem consciência e sem conhecimento da realidade, não acha as condições práticas de amparo, que a sociedade não supre: a ação política, a ação governamental, a ação legislativa, por todas as suas múltiplas formas. É o que fazem, apesar de todo o teorismo individualista da sua tradicional educação, os Anglo-Saxões, na Austrália e na Nova Zelândia, no Canadá e nos Estados-Unidos, contra os Hindus, contra os Japoneses, contra os Chineses; é o que fazem, em toda a parte, todos os governos, contra os imigrantes tidos por nocivos, para a saúde e para a ordem. É o que já fizemos, com a navegação de cabotagem.

Entre nós — onde, nas próprias camadas dos que dirigem, não se sabe o que é Nação, e onde palavras e teses em francês têm a força sobrenatural de tabus — prática-se, ao contrário, a curiosa política de que resulta formar-se uma nação de gerações que se substituem umas às outras, e cuja economia, civilização e progresso se resumem no espetáculo de um povo, dizimado, nas camadas baixas, pela miséria orgânica, e, composto, nas altas, de uma sociedade distinta, que o estrangeiro emprega, contentando-lhe as vaidades frívolas, enquanto arranca-nos a seiva e a fertilidade à terra, emascula-nos e cretiniza-nos a gente.

As migrações são, enquanto fatos expontâneos e regulares, fenômenos sociais a aceitar; não são, porém, solução a nenhum problema, social, político ou econômico. Estimulá-las, desta ou daquela forma, artificialmente, por ação do Estado, ou de qualquer dos pequenos ou grandes Estados, não oficiais, investidos, para a vida temporal, dos poderes que negam ao Estado da sociedade geral e da sociedade permanente — o Estado do século — e que todos os imperialismos se recusam a fundar no mundo, vale, com a política do capitalismo, a da sugestão e a da conquista militar — epílogo ordinário das outras — por defraudar, em todo o planeta, as responsabilidades e os compromissos da nossa era, e, por desvirtuar e corromper, na América, a índole das instituições e da civilização deste continente, no único objeto de que ele pode fazer título a um caráter e a um ideal civilizador e progressivo; a organização social da Liberdade e da Ordem, pelo reconhecimento dos direitos e pela sua eficácia concreta, graças à distribuição equitativa das possibilidades sociais, na concorrência normal e no trabalho pacífico; e, em nosso país, cometer o atentado, inqualificável para a nossa geração, de sacrificá-lo à depredação imperialista, como campo de prolongamento dos processos bárbaros da civilização, em lugar de fazer dele — como a sua natureza e a sua posição o determinam, neste turno da História — a estação de início da civilização livre, pela cultura do indivíduo, com a integração física, mental e social, da personalidade — e não simplesmente confiada a falazes garantias legais — e com a organização da sociedade, na ordem e para o progresso, fundindo-se, equilibrando-se e harmonizando-se os grupos, os interesses e as tendências.

A batalha real dos imperialismos — cumpre-nos tê-lo bem em mente — não se está travando nos campos europeus: trava-se em torno das terras novas e dos povos novos do mundo; e o Brasil é o país colocado pelo curso da História e por suas condições geográficas, na primeira linha — a linha decisiva — em que se decidirá o dilema do proseguir da evolução, para a Liberdade, para a Paz e para a Ordem, ou para o obscurantismo e a opressão medieval, não menos crus porque menos diretos, não menos mortíferos porque coletivos, não menos retrógrados porque se propõem a afogar as consciências e a razão num oceano fosforescente de preconceitos brilhantes.

A nossa era é uma era de grandes problemas, que as condições práticas da vida e do mundo apresentam: problemas concretos, nascidos dos fatos, e não problemas de abstração: os mais vastos problemas sociais e humanos — os problemas oceânicos da vida: a generalização, por todo o mundo, dos conflitos e dos interesses que agitaram, revolveram e convulsionaram parcialmente a nossa espécie, arremetendo, hoje, com toda a intensidade e toda a anarquia da massa das causas que os conturbam e das correntes que envolvem, sobre cada indivíduo, sobre cada grupo social, sobre cada nação. Todo exame analítico deste momento crítico, toda posição singular, lateral, especial, toda abstração, é erro que só contribuirá para fazer retrogradar a sorte humana, por séculos inteiros, aos mais horrorosos abalos materiais, às mais negras trevas do espírito. Os Messias das curas e das salvações individuais, as doces fórmulas da terapêutica espiritual, a medicina celular do organismo social — formas ingênuas das primeiras aspirações humanitárias, confinadas no âmbito estreito do misticismo e no filosofar sentimental dos fundadores de religiões — seriam irrisórios, para a grandeza e para a gravidade das crises de hoje.

Estes problemas fluem para duas soluções finais sintéticas: fundar o Estado, como orgão da vida social das nações, e fundar o orgão mundial de equilíbrio entre as nações, para, encerrando-se de vez o ciclo da evolução humana, que veio, até ao presente, dirigido pelos impulsos da emotividade, encetar-se a evolução das sociedades, dirigida pelo sentimento e pela razão.

Em nosso país, o problema que se apresenta sob as duas faces da colonização e da imigração, é um dos aspectos da formidável massa de ondas divergentes que o interesse irrefletido e desnorteado agita sobre as sociedades.

Possuímos uma enorme população ociosa e miserável, sabem-n’o todos. Esta população, ou vagueia pelos desertos, sem polícia, do país, ou apodrece, nas regiões centrais, dia a dia mais alheiada do trabalho. Que fazer por esta gente?

Nada? Mas porque?

De todos os tempos, a idéia da assistência, do soccorro, do remédio à calamidade, à miséria, à fome, dominou instituições e regimes sociais, sem que nenhuma teoria as repelisse; a organização secular das sociedades não é outra coisa mais que o lento processo formador desse conjunto de hábitos e de instituições que entretêm a associação expontânea dos compatrícios, para a distribuição dos bens da vida — a partir do mínimo da habitação e do alimento. Hoje, os órgãos e aparelhos desta organização expontânea estão mostrando, em toda a parte, a sua insuficiência: a política acode às necessidades com a legislação social.

Nós, povo imigrado para um continente virgem, que julgávamos imensamente e indefinidamente rico; para o qual entrámos, como exploradores, extraindo frutos e avançando pelos sertões; nunca formámos a nossa sociedade. A nacionalidade é, no Brasil, um simples fato de afetividade individual e de vizinhança. Faltam-nos, de todo, os vínculos gerais da relação, a liga plástica dos interesses, o veículo moral dos fins comuns. Mas se, até as instituições de assistência direta pela caridade já se mostram, entre nós, insuficientes, nos próprios grandes centros civilizados, a agregação da solidariedade dinâmica, para o trabalho, para a luta e para o futuro — fonte e segurança primordial da vida e da saúde, nossa e da nossa prole — é-nos de todo nula.

Condenar a Nação?

Mas porque?

Porque é inferior?

A nossa inferioridade é um simples postulado de uma dessas muitas ciências transitórias com que o espírito humano se compraz a eliminar dificuldades, contentando a ambição catedrática e judicial, senão, muitas vezes, de domínio, que está no fundo de toda a ação política — entendido este termo em seu verdadeiro sentido de ação que se destina a influênciar sobre a sorte de individuos e de sociedades — com sentenças prejudiciais, a que só a força e a autoridade emprestam títulos.

A inferioridade de indivíduos e de sociedades só tem por critério de seleção um agente: os fatos, e por juiz, uma autoridade: o Futuro; e o fato, nas coisas da vida, depende, em grande parte, da consciência, da razão e da vontade.

Há raças superiores e raças inferiores?

Admitamo-lo; mas, neste caso, a superioridade há de prevalecer, a inferioridade há de ser vencida.

Porque prejulgar o litígio, fazendo, do lado dos poderosos, intervir a força, o artifício, a sugestão, os privilégios ocasionais; ou pregando, pelo nosso lado, o abandono, a renúncia, o sacrifício, e impedindo a ação organizadora, a política de solidariedade e de assistência social, pelo orgão do Estado, — como fazem os prosélitos do nosso teratológico patriotismo cético?

O nosso país é um país excessivamente devastado pela expansão econômica e pela exploração aventureira; as suas regiões já abertas pela fúria destruidora da cobiça, apresentam gravíssimas crises climatéricas, que estão comprometendo a vida e a saúde dos habitantes e a produtividade do solo. Há, nestas regiões, uma classe produtora a braços com as tremendas dificuldades, morais, sociais e econômicas, de um esforço improfícuo, e uma imensa população de párias, para a qual vareiam os vinténs necessários à vida do corpo e à vida do espírito.

Cada invasão disso a que se chama, entre nós, «civilização material», se tem traduzido por uma operação de esmagamento e de eliminação de indivíduos, de famílias e de grupos nacionais.

As grandes civilizações, que estão fundando, sobre os alicerces do poder econômico, as novas formas de suserania e de feudalismo; que exibem, no primeiro plano da sua vida, o espetáculo da alacridade impassível do luxo, do amor próprio, da incontinência, do vício, sobre um fundo de misérias ou de penosa luta pela vida, que exploram, nas suas cidades, a vaidade inconsciente e a licenciosidade, puerilmente ingênua e ostensiva, dos nababos e dos pródigos dos países novos; que estão multiplicando e acumulando, com instituições e costumes inçados de artifícios e de convenções, formas sociais onde o dinheiro, hierarquias de tradição e de acaso, cabalas e calculadas preferências, constituem monopólios sem conta, instalam privilégios invencíveis, criam e mantêm forças voluntárias de direção e de orientação, escravizando o pensamento e a educação popular ao capital das livrarias e das empresas jornalisticas, e o trabalho do espírito e do braço à dominação, silenciosamente prepotente e surdamente seletiva, de colônias e grêmios parasitários de toda a espécie, — tais civilizações não nos exportam, quase sempre, senão agentes dessa obra espúria, com que estão moldando em formas novas os velhos orgulhos e as velhas cobiças da alma humana, magistraturas expontâneas, que bipartem a justiça em sentenças crimes que condenam e sentenças cíveis que esbulham, e mestres abalizados nessa daninha, perniciosa, esterilizante e cruel, forma de moralidade que agride, ataca, fere e revolve, os defeitos alheios, os defeitos do povo, os defeitos da raça, os defeitos da Nação, – mestres que imitamos com passividade, envolvendo cada um de nós toda a sua gente em calúnias tão sumarias quanto levianas, sem reparar que a jurisdição penal que nos arrogamos, desmoraliza a autoridade do juiz e annula a sua sentença, pois que envolve a própria pessoa na condenação de todos.

Nos centros onde impera com a política religiosa, a moral dogmática, irmã dessa outra moral de isolamento do indivíduo, que arma a dominação espiritual, ensina-se, é certo — depois que se lhes vai mostrando o mal — aos discípulos que formam, nas escolas onde se educam os futuros pioneiros das explorações modernas, a respeitar os direitos dos outros, a não matar à fome os bárbaros que encontrarem nas relações da vida colonial e exploradora. Mas este conselho abstrato, cuja eficácia prática se pode medir pela eficácia alcançada sobre as consciências pelos dez mandamentos durante séculos de saturação pedagógica e de pressão psíquica, e, muitas vezes, material, — é uma simples ironia à sorte dos povos submetidos à concorrência com os talentos e as vantagens dos adiantados. O exemplo do progresso material obtido pelo português imigrado — e o português é ainda um tipo imperfeito, nessa civilização de audácias e de mercantilismo — em confronto com o abatimento e ruína da sociedade nacional, basta para mostrar o que vale o poder eliminativo do esforço individual preparado, nas liças contemporâneas da luta social. Os Neros de hoje são Neros coletivos, cujas consciências dormem, no repouso da distância e do anonimato dos sofrimentos e das mortes; o grande Cristo, o verdadeiro mártir de toda a sorte de despotismnos e de opressões, da força e do espírito, pelo correr da História, é o Homem, é a Humanidade: a massa enorme e esquecida, para quem a Moral e a Justiça não tiveram senão palavras e conselhos, lições e sentenças, e cujos problemas não podem dizer insolúveis nem uma ciência que há mais de quatro milênios explora os arcanos do céu para desvendar o movimento dos astros e ainda não concedeu um decênio e um centro regular de estudos para o exame dos problemas do homem e da sociedade, nem uma civilização que organiza poderes e dirige serviços como o telégrafo, a navegação, as estradas de ferro internacionais, as grandes indústrias e os fabulosos negócios de trusts e de milionários, mais complexos e mais avultados do que a administração necessária para fazer o bem-estar de muitos povos.

Neste periodo da civilização, as idéias de «expansão» e de «atividade internacional econômica», de «mise en valeur», de colonização — critérios predominantes entre os advogados das classes e dos interesses que governam — são lemas de guerra, pontes de passagem, dimorfismos superficiais, do espírito militar e do espírito de domínio. Uma das maiores catástrofes do impulso emotivo que tem, na realidade, conduzido os passos do Homem, consistiu sempre em atacar as formas, os órgãos, os representantes, das velhas tendências, móveis e sentimentos, ao passo que veste com outras palavras e traduz por outros conceitos o mesmo espírito, os mesmos impulsos, as mesmas ilusões.

Neste caso nem isto se dá. As pessoas substituem-se, as classes alternam-se, mas subsistem, com a mesma inspiração e a mesma essência moral, as mesmas instituições e os mesmos processos, que mudam apenas de nome. Sob ruidosos títulos «civilizadores» e «progressivos», encobre-se a mesma alma cúpida, indiferente e fria, do descobridor e do explorador antigos. Não matam, porque os povos que vêm civilizar abrem-lhes os braços, mas eliminam-n’os em poucas dezenas de anos. Ora, se a Política já não vale por um simples título de dominação, não é conceder-lhe capacidade muito transcendente o esperar que ela saiba compreender e prevenir tão grosseiras mudanças de aspecto.

O problema da conveniência ou da inconveniência da colonização, reduz-se, para nós, a dados bastante concretos e bastante simples, para poupar esforços cerebrais. A nossa terra está excessivamente desbravada; novos desbravamentos importariam prejuízos incalculáveis para o futuro e agravação imediata à crise do clima; a vida da grande maioria da nossa população é em extremo precária, por causas climatéricas, por causas econômicas e por causas sociais; os estrangeiros introduzidos no Brasil, justamente porque são mais ativos e preparados, agravariam esta nossa crise cósmica e esta nossa crise sócio-econômica; os que viessem com fim de estabelecimento e ânimo de se associarem conosco, deparariam com as mesmas dificuldades. Só especuladores e aventureiros ganhariam com essa política de inconsciência e de destruição. E não é outro, em geral, o efeito da política do capitalismo e da colonização.

«Porém — não é difícil prever — a lavoura carece de braços», replicará, incontinenti, um fazendeiro ou um dos seus advogados oficiosos, cedendo ao hábito de atribuir a causas singulares os fatos complexos, com que se ilude, em regra, a dificuldade dos problemas.

Se a lavoura carece de trabalhadores, não é por falta de gente estabelecida no país. Gente preparada para os grosseiros e elementares serviços da roça, abunda por aí; não há recanto inculto e árido, fechado no alto de serras descalvadas, ou em longínqüas planícies, onde se não encontre sempre um enxame de indivíduos, em número muito superior às necessidades das culturas que se avistam pelos arredores. Toda essa gente conhece, ou pode rapidamente conhecer, os trabalhos usuais em nossa lavoura, e fazê-los com regular perícia. A colonização jámais correspondeu, entre nós, a necessidades do trabalho; correspondeu sempre, sim, a necessidades da produção, ou, mais realmente, à necessidade das colheitas, isto é, à necessidade de dinheiro pronto e de dinheiro fácil, que é o que sustenta as culturas, nas regiões onde se encontram colonos. Não correspondeu a necessidades do trabalho, para a agricultura, porque nunca se fixou e nunca se organizou; menos ainda às necessidades do trabalho, quanto ao operário, porque este, nacional ou estrangeiro, ou o evita onde ele não dá os lucros sedutores da «indústria colonial do trabalho», ou procura ocupação urbana e no comércio rural, ou abandona-se também — em grande escala, em segunda geração, e, freqüentemente, em primeira — à calaçaria. No dia em que, por meio de um concerto de medidas próprias a reanimar os bons estímulos e a abater as más seduções, a generalizar as condições de interesse pelo trabalho e principalmente as da eficácia do trabalho, combatidos energicamente, com medidas de polícia, de segurança, de higiene e de conservação, já incorporadas à legislação de todos os povos, e susceptíveis de desenvolvimentos lógicos e necessarios, os maus incentivos e as causas de decadência — os poderes públicos, desde a União até aos municípios, de acordo com os lavradores, abrirem guerra à ociosidade e oferecerem garantias de estabilidade e de prosperidade à gente do campo, afluirá, sem dúvida nenhuma, para o trabalho remunerado uma grande parte dessas populações, hoje mantidas à custa do único esforço preciso para obter um mesquinho alimento, que o álcool e o tabaco completam, matando a fome e matando o indivíduo.

Atualmente, não pode haver crise de produção, entre nós, que imponha a necessidade de colonos. As crises deste momento — resultantes da guerra européia e da conseqüente perturbação comercial — são de outra ordem.

Como o problema meteórico, o problema do trabalho não é solúvel só por medidas diretas. Há, certamente, umas tantas providências que o interessam imediatamente: a criação de núcleos de colonização nacional, vizinhos de todas as regiões onde se careça de trabalho periódico; a regulação das relações entre lavradores e trabalhadores, para garantia recíproca; o combate sem tréguas ao álcool, levado até às mais rigorosas medidas de repressão comercial, etc. Todas essas dependem, porém, na organização e na execução, de uma infinidade de condições.

Não há nenhum problema social, solúvel isoladamente. Não existe, em nosso país, nenhuma organização, capaz de solver os nossos problemas sociais e econômicos. Todos estes convergem, em suma, para uma síntese geral: o problema político, que se divide por último, em dois outros: o problema das instituições e o problema das pessoas.

Neste momento, a organização política demanda duas ordens de regimes: um regime definitivo e um regime transitório. O regime transitório deve, por sua vez, compreender, também, duas ordens de providências: providências de solução às crises presentes e providências de adaptação do novo sistema político. É o que nos cumpre levar a efeito.

Tal é o estado do nosso país; tal é o dever que se nos impõe. Devemos enfrentá-lo, devemos lutar por ele, confiando na justiça dos nossos contemporâneos, e — se a não tivéssemos — confiando na Justiça dos pósteros. Morrer na passividade, ou na subserviência, é o que não pode fazer, nem um indivíduo, e ainda menos uma Nação!

Eis, por fim, a obra sagrada da nossa geração: restaurar as fontes da vida, no corpo do país, e as fontes da vida, no corpo e no espírito de seus habitantes; aquelas, pelo clima, e, sobretudo, pela água; e esta pelo trabalho.

 

***


 

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©2001 — Alberto M. Torres

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