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Festa à Brasileira

Sentidos do festejar no país que “não é sério”

Rita Amaral


 

Festa À Brasileira
Sentidos do festejar no país que “não é sério”
Rita Amaral

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©2001 Rita Amaral
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A AUTORA

 

Rita Amaral é Dra. em Antropologia pela Universidade de São Paulo e dedica-se aos estudos de Antropologia Urbana desde 1986. Desenvolveu pesquisas sobre o estilo de vida dos adeptos do candomblé paulista, relações raciais, festas brasileiras e, atualmente, realiza pesquisa de Pós-Doutorado sobre a Arte Sacra Afro-Brasileira no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. É pesquisadora do Núcleo de Antropologia Urbana da USP.

Contato:
ritaamaral@pobox.com
Site “Os Urbanitas”: www.aguaforte.com/antropologia
Telefone: 55-11-3849-3541


FESTA À BRASILEIRA

Sentidos do festejar no país que “não é sério”

 

Rita Amaral


Índice

Agradecimentos
Apresentação
A Festa como Objeto e como Conceito
As definições de Festa
A participação e o tempo como critérios classificatórios
A festa é mediação

A Formação da Festa “à Brasileira”
A festa como meio de comunicação entre culturas
A Festa como modo de inserção social
A Festa como espetáculo de idéias e projetos sociais
A conquista popular da festa

A Oktoberfest de Blumenau
A festa como modo de ação
O sucesso da iniciativa
A organização da festa
A festa como investimento e fonte de lucros

As Festas Paulistas
A Festa de N. Sra. da Achiropita
O investimento social dos recursos arrecadados na festa
A Festa de Peão Boiadeiro, em Barretos
A festa como empresa cultural e o crescimento da festa
Os patrocinadores e os eventos da festa

As Festas Juninas
O São João como fato social total
O “Maior São João do Mundo”
As quadrilhas — tradição e modernidade
O Boi-Bumbá de Parintins
A lenda do boi-bumbá e a representação coletiva
A festa como integração

A Festa do Divino Espírito Santo
Preparação da Festa — As Folias do Divino
A Novena do Espírito Santo
O Sábado do Divino
O Domingo do Divino
O sorteio dos encargos
A Festa “Profana”

O Círio de Nazaré em Belém do Pará
A Festa do Círio como evento total
A Procissão do Círio
A Corda
O Almoço do Círio

Conclusão
Bibliografia
Notas
Ocorrências do termo festa na Bíblia
Sobre a autora


 

 

Agradecimentos

 

Este trabalho deve muito a algumas pessoas e instituições, por diferentes razões, e eu gostaria de agradecer especialmente:

Ao meu orientador, Prof. Dr. José Guilherme Cantor Magnani, por compartilhar comigo a festa, também seu tema de pesquisa, sendo um interlocutor disposto a oferecer estímulos e, principalmente, a percorrer novos caminhos, ouvir com interesse e ânimo todas as questões, dúvidas e problemas que surgiam durante o processo de reflexão. Por ser um interlocutor paciente e generoso e pela coragem de ousar trabalhar com novas idéias e conceitos, correndo os riscos inerentes a esta atitude. Por sua amizade, principalmente. Pela compreensão silenciosa dos momentos difíceis pelos quais passei, permitindo que meu tempo interno fluísse, respeitosamente. Pela alegria de trabalharmos juntos.

À Profa. Dra. Silvia Caiuby Novaes, também minha professora desde a graduação, por ter despertado meu interesse pelas questões de identidade e estilos de vida e pelas excelentes sugestões oferecidas durante o exame de qualificação, mesmo se algumas delas não pude (ou soube) aproveitar devidamente.

À Profa. Dra. Maria Lúcia Montes, que me ofereceu, também durante o exame de qualificação, muitas sugestões, exemplos e críticas fundamentais à reelaboração e aprumo da abordagem que eu vinha fazendo de meu tema. Por sua instigante argüição na Banca do exame final. Por seu estímulo ao meu trabalho.

Ao Prof. Dr. Carlos Rodrigues Brandão, por seu fundamental trabalho sobre festas e romarias e por sua generosa arguição na banca final.

Ao Prof. Dr. Reginaldo Prandi, pela confiança depositada em meu trabalho, recomendando-me como pesquisadora à ANPOCS, da qual obtive uma dotação para os últimos meses da tese. Por suas argutas observações na Banca Examinadora final. Pela sua amizade, especialmente.

Ao Prof. Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti, amigo e colega nos estudos sobre festas, por seu incentivo e disponibilidade em trocar informações e por sua fina arguição no exame final.

A Vagner Gonçalves da Silva, não como professor doutor que é, mas como companheiro querido, por partilhar comigo todo o processo de produção da tese, desde o projeto de pesquisa, sendo minha mais importante fonte de apoio intelectual e afetivo, sem os quais certamente esta tese não chegaria ao fim. Sua existência é minha festa interior.

À professora Marita Derek Sasse da Universidade Regional de Blumenau, pelas muitas informações e por sua generosidade, enviando-me dados e fontes de informação sobre a Oktoberfest de Blumenau, no instante mesmo em que soube de meu interesse por ela.

À amiga Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo que em sua imensa generosidade presenteou-me com grande parte de sua riquíssima e rara coleção de livros, artigos, revistas e slides sobre o folclore brasileiro. Orgulho-me muito de ter sido merecedora de tão grande confiança, apoio, amizade e de compartilhar com ela interesses comuns.

À amiga Letícia Vidor dos Reis, por excelentes sugestões e trocas que fizemos a respeito de música, samba, festa e alegria no Brasil. Por sugestões bibliográficas importantes. Pela sinceridade de nossa amizade acima de qualquer outra coisa.

Ao amigo Carlos Eugênio Marcondes de Moura, por seu permanente interesse e pelo empréstimo de alguns livros que já não se encontram com facilidade, além, é claro, de sua amizade, alegria e uma irmandade toda especial que partilhamos desde nosso primeiro encontro.

A Daniel Lobato, pelas muitas informações sobre o Círio de Nazaré do Pará. Suas informações sobre a origem do Círio foram valiosas, do mesmo modo que as informações sobre a festa com as quais atualizei meus dados bibliográficos.

Aos meus informantes encontrados nas salas de International Relay Chat (IRC), que atualizaram meu conhecimento da festa nos lugares onde eles vivem, falando muitas vezes de sua participação, como a viam e sentiam. Erik, Monika, Max, Victor, Marco, Celso e Matheus (de Blumenau, Santa Catarina) Stefanie e Carlos Cesar (de Mato Grosso), Alexandre, Gianni, Rubia, (de Anápolis, Goiás), Nevinha e Paulo (de Goiânia, Goiás). A Osvaldo e Johan de Manaus, Eder e Fábio (de Caruaru) e Edmir (de Garanhuns), em Pernambuco, Anderson (de Campina Grande na Paraíba), Daniel, Ribamar e Allison (de Belém, no Pará), que buscaram telefones e contatos com as Secretarias de Turismo locais, às quais também agradeço pelas informações.

A Pedro, Rachel, Luiz Fernando, Fernando, Tom, Jean, Ladislau, Dan, Stefan, Chester, Rodrigo, Bia, Dani, Glauro, Renato, Tania, Marco, Ernani, Leonel (da Livraria Cultura), Armando, e tantos outros que foram tão importantes durante este cinco anos de dedicação à tese.

À minha família, por todo apoio, carinho e amor, especialmente à minha mãe, por suportar pacientemente uma filha distante da vida familiar durante cinco anos. No entanto, é ela mesma a razão disto tudo, e é a ela que ofereço a minha festa.

Ao CNPq, que financiou durante 36 meses minha pesquisa e à Fundação Ford, que me ofereceu, através da Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais, uma dotação para finalização da tese.

A todos agradeço profundamente, e dedico o resultado do trabalho.

 

Rita de Cássia Amaral
São Paulo, janeiro de 1998.


 

 

Apresentação

“No Brasil tudo acaba em Festa”.

 

Quando se ouvem afirmações deste tipo, freqüentemente indignadas, sobre o caráter nacional, a impressão que se tem é a de que, por trás delas, existe a percepção de uma atitude francamente inconseqüente, por parte dos brasileiros, em relação aos rumos que tomam as ações dos indivíduos, grupos e instituições. No episódio do impeachment sob acusação de corrupção do então presidente da República Fernando Collor de Mello, eram freqüentes as opiniões de que tudo acabaria “em pizza”, “em carnaval” ou “em festa”, significando que ninguém seria responsabilizado ou punido, como sempre acontece no Brasil. Nestes casos, a associação do caráter brasileiro à festa aponta para a concepção de uma certa alienação, uma certa displicência e tendência ao descaso com a lei e a ordem, imediatamente referidas ao Carnaval (notadamente um rito de inversão) e às inúmeras festas aqui realizadas, significando que um mundo às avessas nos é familiar ou pelo menos aceito sem maiores problemas. Somos considerados, no exterior, o “país do carnaval” (e o dicionário registra que a palavra carnaval também significa “confusão, desordem, trapalhada”). O país das festas. Da inconseqüência e alegre irresponsabilidade. “O Brasil”, teria afirmado o presidente da França Charles De Gaulle, “não é um país sério”. No entanto, se a festa é, de fato, um forte elemento constitutivo do modo de vida brasileiro, não devemos esquecer que ela se dá de modos e com fundamentos diferentes para os vários grupos que a realizam. É preciso, então, compreender do que estamos falando quando dizemos que no Brasil tudo acaba em Festa, como se ela fosse sempre o objetivo a ser alcançado ou, na perspectiva mais negativa, o final inevitável a que geralmente chegamos, apesar de nossos esforços e sacrifícios para que tudo nos saia bem. Devemos entender de que tipo de festa se está falando, como é produzida e com que finalidades e, mais ainda, qual o significado dela para os que a produzem e para o povo brasileiro que, de fato, quantitativamente, realiza muitas festas, conforme se pode notar nos calendários.

A hipótese da qual parti, neste trabalho, é a de que as festas ocupam um espaço privilegiado na cultura brasileira (entendida como um conjunto de valores compartilhados em todas as regiões do país) adquirindo, no entanto, significados particulares. Tendo sido, desde o período colonial, um fator constitutivo de relações e modos de ação e comportamento, ela é uma das linguagens favoritas do povo brasileiro. Para ela são traduzidas muitas de suas experiências, expectativas de futuro e imagens sociais. Ela é capaz de, conforme o contexto, diluir, cristalizar, celebrar, ironizar, ritualizar ou sacralizar a experiência social particular dos grupos que a realizam. É ainda o modo de se resolver, ao menos no plano simbólico, algumas das contradições da vida social, revelando-se como poderosa mediação entre estruturas econômicas, simbólicas e míticas e outras, aparentemente inconciliáveis. O festejar brasileiro, por suas características peculiares pode ser considerado até mesmo, contrariamente à idéia de “alienação” que o envolve, como uma dimensão de aprendizado da cidadania e apropriação de sua história por parte do povo.

A segunda hipótese diz respeito à análise das potencialidades da festa brasileira resultantes da relação entre sua produção constante e as práticas que ela enseja. Minha tese é a de que, longe de ser um fenômeno de distanciamento da realidade, fuga psicológica etc., cujo resultado seria negar ou reiterar ao modo pelo qual a sociedade se encontra organizada, nossas festas são capazes de estabelecer a mediação entre a utopia e a ação transformadora, pois através da vontade de realização da festa muitos grupos se organizam, em nível local, chegando até mesmo a crescer política e economicamente, mesmo que em modo local. A organização para a festa tem visado, inclusive, muitas vezes, atingir finalidades específicas, de ordem social, passando esta organização primária a existir como instituição oficial. Os exemplos da Festa da Achiropita em São Paulo, da Oktoberfest em Blumenau e do Círio de Nazaré em Belém (e muitas outras) demonstram isso. A festa “à brasileira” não apenas não nega exclusivamente os valores sociais, podendo celebrá-los, inclusive, como também não os reitera, apenas, como querem as principais teorias sobre festas. Sendo, antes, a mediação entre ambas intenções (e muitas outras), nega os aspectos da sociedade em que ela se mostra deletéria à vida humana, ao mesmo tempo em que reafirma muitos valores do povo brasileiro, como projeto social ou como utopia.

A terceira hipótese é a de que as festas vêm se tornando um excelente negócio. O forte apelo turístico que lhes é peculiar, especialmente quando elas apresentam particularidades regionais, mitos religiosos ou simplesmente a vontade de dançar, cantar e beber, tem se mostrado capaz de gerar milhões de dólares em divisas, conforme os relatórios da Embratur, que vem desenvolvendo projetos de incentivo ao desenvolvimento de festas em pequenas cidades carentes de recursos. Portanto a festa adquire tríplice importância: por sua dimensão cultural (no sentido de colocar em cena valores, projetos, arte e devoção do povo brasileiro), como modelo de ação popular (no sentido de que ela tem sido, em muitas ocasiões o modo de concentração e investimento de riquezas — investimento feito em benefícios sociais, como creches e escolas) e como espetáculo, produto turístico capaz de revigorar a economia de muitas cidades, como tento demonstrar aqui.

Na primeira parte do trabalho, elenco as principais idéias e teorias que têm sido discutidas em relação às festas em Antropologia e defendo a tese de que a festa “à brasileira” constitui uma mediação entre diferentes dimensões culturais, categorias e símbolos. Deste modo ela também é mediação entre os dois principais modelos antropológicos de entendimento deste fenômeno. Sugiro, então, ler a festa como síntese de mediações.

Como as festas se referem em geral à história e aos mitos (celebrações de datas cívicas, colonização, ou ainda a fenômenos religiosos, como o aparecimento de santos, milagres etc.), é praticamente impossível falar nelas sem recorrer a estes temas. Especialmente no Brasil, formado por uma riquíssima diversidade cultural, o tema festa inevitavelmente nos remete à sua gênese, no período colonial, como festa de caráter singular, composta por contribuições negras e indígenas que se somaram ao modelo de festa (religiosa, processional) que os colonizadores portugueses implantaram como modo de estabelecer a mediação entre a Coroa e os novos, e extremamente diferentes, súditos. Sendo mediação privilegiada por conter em si a síntese de mediações diversas, a festa se mostrou, no período colonial, como tradução, ponte forte entre culturas, já que todas elas conheciam e compreendiam, apesar da diversidade, este termo universal. Na festa, como tento mostrar no capítulo II (a partir basicamente do trabalho de Mary Del Priore — minha fonte principal por ser um dos trabalhos mais informativos sobre o período em questão —, da literatura dos viajantes do período colonial e folcloristas), a sociedade brasileira constituiu-se estabelecendo trocas que se revelam importantes até hoje. Remonta a esta época, portanto, o interesse geral dos brasileiros pela festa, momento de liberdade e ultrapassamento de limites, já que tanto negros escravos, índios e outros grupos menos privilegiados participavam dela, descobrindo ou forçando pequenos espaços para sua inclusão e a de seus valores na cultura em formação. Tento mostrar também que os brasileiros foram aos poucos se apropriando da festa (que era controlada basicamente pelo Estado e a Igreja) de modo particular, captando e fazendo uso do seu sentido de construção, elaboração da identidade e solidariedade entre os diferentes, a ponto de fazer dela um modo de ação e participação particularmente marcante na história dos brasileiros.

Para demonstrar minhas afirmações de que a festa é capaz de se mostrar como apreensão do sentido da cidadania, por meio do aprendizado da história do país ou de grupos particulares, proporcionando um despertar da consciência dos direitos e deveres, do relacionamento com a burocracia de Estado e do sentimento de brasilidade em suas múltiplas facetas, escolhi cinco grandes festas ou ciclo de festas, distribuídas pelas cinco regiões brasileiras.

A escolha foi feita tomando como base o poder de atração de algumas festas nas regiões em que acontecem (sua popularidade, portanto), e o tempo de sua realização. Todas as festas escolhidas duram cerca de quinze dias, com exceção da Festa do Divino que, apesar de se realizar durante uma semana, já apresenta eventos festivos pelo menos quinze dias antes disso, quando a Bandeira do Divino percorre as cidades para arrecadar recursos. Deste modo ela se une às demais em duração, sendo todas marcadas por vários acontecimentos que pontuam o tempo da festa.

Começo pela região sul, por acontecer ali uma festa de origem recente, profana e que nasceu exclusivamente da iniciativa popular. Principal festa da região sul, a Oktoberfest de Blumenau (SC) tornou-se o pólo de atração das populações de Estados e municípios vizinhos no mês de outubro. Apesar de ser uma cidade do interior, recebe milhões de pessoas de todas as regiões do país nos quinze dias em que realiza sua festa do chope, que se tornou poderoso evento turístico e transformou a cidade, constituindo-se, inclusive, num modelo que vem sendo seguido por outras cidades de sul, que também criaram festas do mesmo estilo a fim de angariar recursos para diversas atividades.

Na região sudeste as festas paulistas de Nossa Senhora de Achiropita, na capital, e a de Peão Boiadeiro, em Barretos, demonstram o processo de criação de duas festas e suas razões. No primeiro caso, a construção de uma igreja, tendo a impulsioná-la a religiosidade e a afirmação da identidade cultural italiana no Brasil e, no segundo, a deliberação pela festa como modo de ação para angariar recursos a serem investidos em atividades sociais beneficentes, já a partir da constatação de que ela é um meio de concentração e redistribuição de bens e valorização de uma versão regional da identidade “rural”. Ambas também são capazes de mostrar o aprendizado da negociação com o Estado, os patrocinadores e o paulatino aprendizado de sofisticadas instâncias de negociações a partir da participação no processo de produção da festa. O caso da Achiropita mostra ainda o tipo de investimento feito a partir dos recursos angariados na festa: prioritariamente em obras sociais, área em que o Estado se mostra mais deficiente e ausente. A partir das duas festas se criaram creches, asilos, postos de saúde, escolas e centros de apoio. Optei por não abordar o Carnaval como objeto de análise nesta região, onde ele se mostra como um excelente exemplo de organização popular para a festa, em primeiro lugar por considerar que é uma festa nacional, e não regional, sendo intensamente festejado em toda parte. Além disso, há também os carnavais fora de época, que não implicam exatamente o mesmo tipo de organização que uma escola de samba ou um bloco de afoxé, frevo ou maracatu. Como já foi exaustivamente discutido por vários autores, sob diferentes ângulos (organização, simbolismo, relações raciais etc.), optei por não discorrer sobre ele senão com respeito ao fato de oferecer diversos elementos de refência para as demais festas, como será possível notar.

No nordeste, as festas juninas são milhares, acontecendo com euforia e apego, e escolhi representá-las especificamente através do São João de Caruaru (Pernambuco), que se intitula “o maior São João do Mundo”, (o que Campina Grande, na Paraíba, também proclama a respeito de sua festa junina, gerando uma competição que faz as duas festas crescerem ano a ano). Este evento revela não apenas a capacidade de organização regional para a festa, mas a transformação de uma tradição extremamente popular num poderoso evento turístico, com características particulares, que o tornam especialmente atraente. No mês de junho acontece um verdadeiro refluxo da migração, com nordestinos chegando de todas as partes do Brasil para as festas de Santo Antônio, São João e São Pedro. O São João de Caruaru é ainda um forte exemplo da transformação pela qual a festa vem passando. Ao mesmo tempo em que é modo de ação, homenageia os santos, revigora tradições e é capaz de ser extremamente divertida e lucrativa, atraindo atualmente milhões de turistas de todo o país que vão à “capital do forró” dançar durante quinze dias ao som de sanfonas e zabumbas.

Na região norte, o Círio de Nazaré, em Belém do Pará, conhecido também como “carnaval devoto” é a grande festa, capaz de atrair durante os quinze dias em que se realiza, a população dos estados vizinhos, da região nordeste e atualmente até do sul país. A população amazônica em geral se dirige à grande festa de Belém, a fim de participar das várias e gigantescas procissões, uma delas com mais de um milhão de pessoas nas ruas, e que termina com um grande almoço em que toda a cidade come o mesmo prato típico, embora cada família o faça em sua casa. Esta festa mostra as mediações simbólicas entre sagrado e profano e, ainda, que ela é capaz de proporcionar o aprendizado da burocracia e de instâncias políticas (em nível local, regional e nacional), das relações entre poder da igreja e poder de pressão dos leigos, das hierarquias, da resolução de conflitos entre vontades e perspectivas e, principalmente, revela o poderoso caráter lúdico da parte profana da festa para a Virgem. O Círio de Nazaré é capaz, ainda, de render milhões aos cofres da igreja e da prefeitura que podem então investi-los na melhoria da cidade e das condições de vida popular. É uma festa capaz de demonstrar claramente o caráter de fato social total das festas deste porte.

O centro-oeste brasileiro não chega a ter uma festa de mesmas proporções, resultado, talvez, de sua fraca densidade populacional, urbanização recente e do tipo de atividade local, em geral a pecuária de grandes extensões. Porém, o conjunto de comemorações da Festa do Divino, que acontece em quase todos os municípios da região, permite vê-la como uma única festa em vários lugares. Ela parece ser o contraponto da festa com potenciais turísticos, embora em algumas cidades, como Pirenópolis e Mossâmedes, já seja tida como evento atrativo de turistas, especialmente para assistirem às populares Cavalhadas. A procissão, entretanto, ainda parece ser coisa para os moradores locais. Mas nem assim a festa perde seu potencial construtivo e passa a ser unicamente devoção ou divertimento. As Festas do Divino são importantes fontes de prestígio político local, de micro-políticas sutis e de aprendizado democrático. E, fundamentalmente, são capazes de revelar o potencial de organização e solidariedade fundamentais à organização de uma festa e de um grupo social.

Em cada uma destas festas, foram sublinhados certos aspectos (organização, micro-política local, economia da festa, investimentos dos recursos, simbolismo), a fim de evitar que o texto se tornasse repetitivo e cansativo.

Dadas as características da pesquisa, a abordagem que se mostrou mais adequada, foi a interpretativa. Comparando os dados e interpretando-os foi que cheguei à conclusão de que a festa brasileira não pode ser vista sob o ângulo da mera “alienação”, do desperdício ou da “irresponsabilidade”, mesmo quando estes adjetivos são presumidamente utilizados “a favor” do amor brasileiro pelas festas. Nossa festa, além de ser uma linguagem capaz de expressar simultaneamente múltiplos planos simbólicos é, ainda, uma mediação capaz de tornar compreensível a vida num país em que as contradições de todos os tipos são realçadas diariamente. E, finalmente, a festa pode ser entendida até mesmo como um modo de ação coletiva que pode responder à necessidade de superação das dificuldades dos grupos e das regiões onde se inserem e, mais ainda, tem se revelado um grande e lucrativo negócio, razão para que as festas cresçam mais e mais.


 

 

A Festa como Objeto e como Conceito

 

A Festa como objeto das ciências sociais, apresenta diversos aspectos já estudados e alguns problemas ainda por tratar; se não para solucioná-los, ao menos para colocar em evidência novos fatores.

Em primeiro lugar, há o problema relacionado à bibliografia sobre festa: encontra-se uma vasta quantidade de trabalhos sobre festividades de todos os tipos, especialmente etnografias de sociedades indígenas, e um sem-número de pesquisas de orientação folclorista, em geral meramente descritivos, muitos dos quais fazem uso de conceitos já abandonados como o de “cultura espontânea”, “sobrevivência cultural” e outros do mesmo gênero. Tais estudos, se servem como documentos por seu caráter minuciosamente descritivo dos eventos em si e no momento em que se realizam, poucas vezes apresentam a preocupação com o registro dos contextos sociais e econômicos em que ocorrem. Excessivamente preocupados em buscar o que se considera ser o “original”, o “tradicional”, as “sobrevivências culturais”, escapa aos observadores não apenas os processos transformativos, mas também as razões que os impulsionam.

Ao mesmo tempo, nota-se a escassez de reflexões teóricas sobre as festas, que geralmente aparecem como um ponto inserido nos estudos dos rituais ou, mais propriamente, das teorias sobre a religião. Sendo assim, o “conjunto” de estudos sobre festas é composto por um farto ajuntamento de subcapítulos, parágrafos, temas afins nem sempre relacionáveis entre si, dispersos não só em obras antropológicas [1] mas, também, filosóficas, sociológicas, históricas, literárias etc.

Tais fragmentos (mas também algumas abordagens específicas da festa como objeto) são encontrados, mais freqüentemente, nas obras de autores que se ligaram à escola fenomenológica, como George Dumézil, Roger Caillois, René Girard, George Bataille, Mircea Eliade, entre outros. Estes autores, entretanto, não apresentam desenvolvimentos particularmente novos após as reflexões de Émile Durkheim que, em 1912, apresenta vários comentários sobre a estreita relação entre o ritual e as festas em Les formes elementaires de la vie religieuse que foram se tornando base comum na bibliografia posterior. Em Les formes elementaires, Durkheim afirma que os limites que separam os ritos representativos das recreações coletivas são “flutuantes” e ainda afirma que uma característica importante de toda religião é exatamente o “elemento recreativo e estético” (Durkheim, 1968:542/4). A partir dessas constatações, diz Durkheim:

toda festa, mesmo quando puramente laica em suas origens, tem certas características de cerimônia religiosa, pois, em todos os casos ela tem por efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas e suscitar assim um estado de efervescência, às vezes mesmo de delírio, que não é desprovido de parentesco com o estado religioso.[...] Pode-se observar, também, tanto num caso como no outro, as mesmas manifestações: gritos, cantos, música, movimentos violentos, danças, procura de excitantes que elevem o nível vital etc. Enfatiza-se freqüentemente que as festas populares conduzem ao excesso, fazem perder de vista o limite que separa o lícito do ilícito. Existem igualmente cerimônias religiosas que determinam como necessidade violar as regras ordinariamente mais respeitadas. Não é, certamente, que não seja possível diferenciar as duas formas de atividade pública. O simples divertimento, [...] não tem um objeto sério, enquanto que, no seu conjunto, uma cerimônia ritual tem sempre uma finalidade grave. Mas é preciso observar que talvez não exista divertimento onde a vida séria não tenha qualquer eco. No fundo a diferença está mais na proporção desigual segundo a qual esses dois elementos estão com­bi­na­dos.” (Durkheim,1968: 547/8 grifos meus).

Para Durkheim (e outros autores depois dele), portanto, as principais características de todo tipo de festa são: (1) — a superação das distâncias entre os indivíduos, (2) — a produção de um estado de “efervescência coletiva” e (3) — a transgressão das normas coletivas. A idéia de “objeto sério” ou “finalidade grave” foi totalmente abandonada, obviamente.

No divertimento em grupo, pensa Durkheim, do mesmo modo que na religião, o indivíduo “desaparece” no grupo e passa a ser dominado pelo coletivo. Nesses momentos, apesar ou por causa das transgressões, são reafirmadas as crenças grupais e as regras que tornam possível a vida em sociedade. Ou seja, o grupo reanima “periodicamente o sentimento que tem de si mesmo e de sua unidade. Ao mesmo tempo, os indivíduos são reafirmados na sua natureza de seres sociais” (Durkheim, 1968: 536).

Durkheim diz isso porque, em sua opinião, com o tempo a consciência coletiva tende a perder suas forças. Logo, são imprescindíveis tanto as cerimônias festivas quanto os rituais religiosos para reavivar os “laços sociais” que correm, sempre, o risco de se desfazerem. Neste sentido, poderíamos imaginar que, quanto mais festas um dado grupo ou sociedade realizam, maiores seriam as forças na direção do rompimento social às quais elas resistem. As festas seriam uma força no sentido contrário ao da dissolução social.

A festa também é capaz de colocar, em cena, segundo Durkheim, o conflito entre as exigências da “vida séria” e a própria natureza humana. Segundo seu modo de ver, as religiões e as festas refazem e fortificam o “espírito fatigado por aquilo que há de muito constrangedor no trabalho cotidiano”. Nas festas, por alguns momentos, os indivíduos têm acesso a uma vida “menos tensa, mais livre”, a um mundo onde “sua imaginação está mais à vontade” (Durkheim, 1968: 543/547).

Se é possível argumentar que Durkheim generaliza o “mal-estar na civilização” da cultura ocidental contemporânea para todas as sociedades, e que nem todas levam uma vida “tensa” e pouco “livre,” ou mesmo constrangida pelo “trabalho cotidiano”, temos que considerar que a noção de “vida séria” versus divertimento reaparece sob diferentes formas e nomes em todas as “teorias” [2] sobre o significado das festas (ainda que as perspectivas e análises sejam diferentes), o que lhe confere alguma legitimidade. Contudo, divertimento é coisa séria, e pode ser entendido até mesmo como a segunda finalidade do trabalho, vindo logo após a necessidade de sobrevivência.

Para a maioria dos autores estudados, o divertimento (pressuposto da festa), é uma rápida fuga da monotonia cotidiana do trabalho pela sobrevivência não tendo, a princípio, qualquer “utilidade”. No entanto a humanidade precisa da “vida séria” pois sabe que sem ela a vida em sociedade se tornaria impossível. Disto resulta que a festa deixa de ser “inútil” e passa a ter uma “função”, pois ao fim de cada cerimônia, de cada festa, os indivíduos voltariam à “vida séria” com mais coragem e disposição[3]. A festa (como o ritual) reabasteceria a sociedade de “energia”, de disposição para continuar. Ou pela resignação, ao perceber que o caos se instauraria sem as regras sociais, ou pela esperança de que um dia, finalmente, o mundo será livre (como a festa pretende ser durante seu tempo de duração) das amarras que as regras sociais impõem aos indivíduos.

Ainda de acordo com Durkheim (1968: 603), na festa a energia do coletivo atingiria o seu apogeu no momento de maior “efervescência” [4] dos participantes. Ele observa que esta efervescência “muda as condições da atividade psíquica. As energias vitais são superexcitadas, as paixões mais vivas, as sensações mais fortes”. Para garantir este estado de alma, contribuem fortemente os elementos presentes em todas as festas: música, bebidas, comidas específicas, comportamentos ritualizados, danças, sensualidade etc. Neste estado o homem não se reconhece como tal. Ele se reintegra à natureza de que teria se separado ao fundar a sociedade. Na festa, pensam Durkheim e muitos dos autores que se seguiram a ele, os indivíduos podem entrar em contato direto com a fonte de “energia” social e dela absorver o necessário para se manterem sem revolta e muita contrariedade até a próxima festa. Esses contatos, esta superenergia e a diluição da individualidade no coletivo, são sempre muito perigosos. Daí a estreita ligação entre divertimento e violência.

Também para Caillois (1950) e Mauss & Hubert (1968), a reunião de muitas pessoas, que se movimentam, dançam, cantam, gritam etc., contribui para a produção de grande quantidade de “energia”, que é redistribuída para todos os participantes. Esta afirmação surge quando os autores falam sobre sacrifício. Para eles, o sacrifício implica uma consagração, ou seja, é a transformação de um objeto profano em sagrado [5]. Segundo a argumentação desses autores a vítima do sacrifício, por sua transformação em objeto sagrado, entra em contato com forças religiosas que, na teoria durkheimiana, representam as forças vitais que mantêm vivo o tecido social. Mesmo quando não se tem uma vítima, no sentido estrito do termo, ou seja, um ser vivo que dá sua vida ao sagrado através da imolação, pode-se entender a importância da noção de sacrifício para a compreensão da festa, pois até nas mais urbanas e atuais é possível perceber o “sacrifício” de bens simbólicos e materiais em favor delas.

Ao mesmo tempo, a noção de sacrifício é central para as teorias religiosas e da festa, como demonstram Bataille (1973) e Girard (1990). Nestes autores, a religião é a procura da intimidade com o divino, perdida com a instauração da dicotomia sujeito/objeto, ou seja: a transcendência no mundo. Novamente, é preciso relativizar este raciocínio, que se relaciona às noções de “mal-estar na civilização”, “nostalgia da imanência”, e “animalidade”, não se aplicando evidentemente a todas as sociedades e aceitar, entretanto, que a festa, como o sacrifício ritual é uma mediação capaz de estabelecer o contato temporário entre o sagrado e a sociedade dos homens.

O sagrado, para Bataille, é o retorno da intimidade entre o homem e o mundo, entre o sujeito e o objeto, por isso está estreitamente ligado à grande maioria das festas, em todas as sociedades. Mas, se o homem deseja a volta da imanência, sabe também que entregar-se a esta intimidade é perder o que tem de humano. Para Bataille, o problema colocado pela impossibilidade de ser humano sem ser uma coisa e de escapar ao limite das coisas sem retornar ao sono animal recebe a solução mediadora da festa. Ele diz: “A festa é a fusão da vida humana. Ela é para a coisa e o indivíduo o cadinho onde as distensões se fundem ao calor intenso da vida íntima” (Bataille, 1973: 74).

As festas também significam a destruição das diferenças entre os indivíduos e, por esta razão mesma, associam-se à violência e ao conflito, pois são as diferenças que mantêm a ordem. Para entender essas questões é preciso lembrar o pressuposto básico da teoria religiosa girardiana: o desejo mimético. A mímese pode ser pensada como um fator de integração social, mas é também um fator de destruição e de dissolução, pois todos os indivíduos, desejando os mesmos objetos, tornam-se rivais e violentos. Por isso o “corpo social” cria interditos, que são sempre antimiméticos e condição da ordem. Contudo, apesar dos interditos, o desejo mimético continua atuando e, cada vez mais, surgem conflitos entre pessoas e grupos. Para restabelecer a ordem existem a religião e o sacrifício. Os homens, depois de representarem uma crise mimética (o ritual, a festa) concentram toda a sua violência em direção à vítima sacrificial, ao “bode expiatório”. A oposição de todos contra todos é traduzida, através do sacrifício, em oposição de todos contra um. E a ordem se restabelece (Girard, 1990), sendo comemorada [6] .

A noção de Festa como propiciadora do restabelecimento da ordem ou negação dela é continuamente tematizada por inúmeros autores. Apenas Jean Duvignaud (1983) radicaliza a teoria da festa, vendo nela não uma tentativa de regeneração ou um modo de reafirmação da ordem social vigente, mas a ruptura, a anarquia total e o poder subversivo, negador, da festa.

Para Duvignaud (1983: 212), o poder da festa não é exclusivo de uma cultura ou outra, mas perpassa todas elas, como um grande destruidor. A festa evidencia a “capacidade que têm todos os grupos humanos de se libertarem de si mesmos e de enfrentarem uma diferença radical no encontro com o universo sem leis e nem forma que é a natureza na sua inocente simplicidade.” Esta capacidade estaria, hoje, sendo “vencida” pelo modo de produção capitalista e pelo crescimento industrial.

Esta espécie de “decadência” da festa também é observada por Michel Maffesoli ao estudar a ascendência e a decadência da vida em grupo nas sociedades ocidentais, e os aspectos dionisíacos e prometéicos das mesmas. Para ele, as causas da decadência do festejar, seriam o individualismo e o utilitarismo contemporâneos (que, segundo ele, já entram também em decadência, propiciando o reflorescimento das festas e das “tribos”), princípios que são opostos ao ludismo, ao dispêndio, à inutilidade, “confusionalidade e orgiasmo” que constituem a essência das festas. Maffesoli usa o termo êxtase para se referir àquilo que Durkheim chamou de efervescência, isto é, o “ultrapassamento”, a “transcendência” do indivíduo no interior de um grupo mais amplo; o “eu” que se dilui no coletivo. Ele afirma, ainda, que a festa e o êxtase são os dois maiores inimigos do princípio de individualização que parece controlar as relações sociais na sociedade contemporânea e, indo mais longe, acredita que a “revolta” da festa em todas as suas “feições” é iminente. Ele diz:

“Uma cidade, um povo, mesmo um grupo mais ou menos restrito de indivíduos, que não logrem exprimir coletivamente sua imoderação, sua demência, seu imaginário, de­sin­te­gra-se ra­pi­da­men­te.” (Ma­ffe­so­li, 1985: 23).

Maffesoli também acredita, como Durkheim, que a festa (ou o “orgiasmo”) permite a estruturação e a regeneração da sociedade. Contra o poder do individualismo, a salvação estaria no holismo inerente às festas.

Para entender por quê, apesar das evidências em contrário, especialmente nos países em desenvolvimento, certos autores (Caillois, 1950; Durkheim,1968; Eliade, 1972; Girard, 1990 e outros.) falam em decadência da festa, é preciso ter em conta que a maioria delas foram estudadas em sociedades “simples”. Nelas, talvez, seja possível imaginar que o contato com culturas que privilegiam o sistema capitalista, industrial, que prega a racionalização do tempo, a economia dos bens etc., tenha levado a um “abandono” de certas tradições, embora seja possível nos certificarmos de que grande parte delas mantém exatamente as festas como ponto de contato com sua cultura e tradição [7].

Na sociedade brasileira, contudo, não se percebe essa “decadência” da festa, observada especialmente pelos autores estrangeiros em relação às culturas de países do terceiro mundo. Muito pelo contrário. Cada vez surgem mais e mais motivos para se festejar todo tipo de coisas e modos de fazê-lo. Sendo um país em pleno desenvolvimento capitalista deveria, segundo os pressupostos de Duvignaud, estar vivendo a decadência da festa. Mas acontece exatamente o contrário. Pode-se notar, certamente, o empobrecimento de algumas festas da atualidade quando comparadas com as que se realizavam no século passado (como as de Reis e do Espírito Santo, por exemplo) e começo deste (que eram mais pomposas), especialmente nos aspectos estético e alimentar. Também é possível notar a ausência, na primeira metade do século XX das elites em festas tidas como mais “populares”, como os carnavais de rua, das quais se afastaram, em algumas regiões. Mello Moraes Filho(1979), Câmara Cascudo (1969), Gilberto Freire (1995) e outros, observam as transformações destas festas. Os dois primeiros notam especialmente a “perda” da beleza e do luxo, lamentando a introdução de novidades que deturpam a “tradição”, e Freire interpreta esta transformação a partir das mudanças sociais ocorridas com o fim da escravatura e proclamação da República. Atualmente, contudo, as festas crescem em todos os sentidos (luxo e participação, por exemplo) e as “elites” voltam a elas, sendo comum vê-las nos carnavais e forrós. Mas é preciso notar, também, o enriquecimento de outras, que foram adquirindo muito em símbolos e riqueza com o passar do tempo, como é o caso da maior festa brasileira, o Carnaval, o Círio de Nazaré, no Pará ou o São João nordestino. O calendário turístico publicado pelas prefeituras do interior brasileiro não permite concluir pela decadência do número de festas.

A contradição entre a lógica da acumulação versus desperdício, na festa, parece resolver-se, no Brasil, de modo razoavelmente pouco tenso. Tudo indica que o capitalismo cooptou as festas populares e foi cooptado por elas, mas também que povo vem reinventando suas festas nas novas condições de vida resultantes de novos contextos econômicos e sociais. Pode-se observar, também, que as antigas festas populares, compartilhadas por grande número de pessoas (principalmente as festas religiosas) fragmentaram-se em formas diferentes de festejar conforme foram se formando grupos em decorrência do crescente processo de desenvolvimento capitalista, e a conseqüente divisão social do trabalho, dos espaços, das classes sociais e, principalmente, do crescimento de diferentes denominações religiosas com maneiras variadas de festejar. No entanto, surgiram ou mantiveram-se grandes festas em centros de atração regionais.

A festa está relacionada, ainda, a vários outros temas, conforme o objeto que os autores pretendem analisar ou o tipo de festa que se estuda. Como no caso brasileiro ela se liga essencialmente à religião (embora nem sempre o sentimento de partipação do universo religioso que envolve a festa seja uma realidade), é importante compreender um de seus aspectos mais tematizados, que é o das relações entre festa e ritual.

Há pelo menos duas posições principais e divergentes sobre o tema do ritual. Uma delas, exemplificada pelo pensamento de Gluckman, afirma que o ritual está sempre ligado ao domínio religioso ou místico (Gluckman, 1966). A outra, que expande a aplicação do conceito de ritual para outros campos da vida social que não o religioso, é exemplificada com o pensamento de Edmund Leach. Para Leach, não há diferença importante entre “comportamento comunicativo” e “comportamento mágico”. Os participantes do ritual mágico também estão comunicando alguma coisa para um determinado destinatário e, por esta razão, sua mensagem pode ser estudada e decifrada com o mesmo instrumental que se usa para entender, por exemplo, uma cerimônia política. Qualquer tipo de ritual utiliza uma linguagem, verbal e/ou não-verbal, condensada e muito repetitiva, diminuindo assim a ambigüidade da mensagem que deve ser transmitida. Nessa concepção, o ritual está sempre dizendo alguma coisa sobre algo que não é o próprio ritual. Ou seja, o ritual, por si só não é suficiente para a apreensão do sentido (Leach, 1972). É assim que a festa pode ser uma dimensão privilegiada para o estudo de sociedades e grupos.

No Brasil, as relações entre ritual e comportamento comunicativo são estreitas, tendo as festas, em geral, as duas finalidades. A grande maioria delas permanece sendo de caráter religioso, embora também mantenham aspectos bastante secularizados, que chegam a criar conflitos com a Igreja, pois muitas vezes a participação popular se dá mais pelo aspecto turístico, do divertimento e alegria, do que pelo aspecto religioso propriamente dito do evento. Além disso, disputas pelo controle político e econômico da festa também são freqüentes. Isto acontece tanto no catolicismo popular, intensamente praticado em cidades do interior do país, como nos cultos afro-brasileiros, como é caso da festa de Iemanjá no dia 2 fevereiro (e no Reveillon), em todo o litoral brasileiro, que se tornou mais uma atração turística, da qual participam fiéis e leigos, estes em muito maior número. O aspecto comunicativo aparece não apenas no âmbito propriamente religioso, de comunicação com o sagrado, mas também nos elementos que são introduzidos nas festas. Isto tanto pode acontecer na festa religiosa, pela introdução de elementos profanos, como nas festas profanas, de elementos religiosos. Assim, na Festa do Divino é possível ler-se mensagens de estímulo à prevenção da AIDS nos tapetes de flores por onde caminha a procissão, como é possível a presença dos orixás em grandes carros alegóricos, ou o Cristo de Joãosinho Trinta no carnaval da Beija-Flor.

Para a Antropologia da Religião, não há dúvidas de que as festas constituem um tipo de manifestação que se insere no quadro do estudo dos ritos em geral. Assim, as formulações teóricas neste domínio são válidas tanto para rituais festivos como para festas rituais. Todas estas posições nos indicam que é ainda necessário buscar as especificidades da festa. O que é uma festa?


 

 

As definições de Festa

 

Se foi Durkheim quem primeiro observou a função recreativa e libertadora das festas (religiosas ou não), foi Sigmund Freud em Totem e Tabu (1974) quem propôs pela primeira vez uma definição que seria utilizada depois por Caillois (1950):

Uma festa é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene de uma proibição” (Freud, 1974: 168).

Ela se relaciona, portanto, com o “sagrado de transgressão”, já mencionado. Manifesta a sacralidade das normas da vida social corrente por sua violação ritual; é alteração da ordem, inversão dos interditos e das barreiras sociais, fusão numa imensa fraternidade, por oposição à vida social comum, que classifica e separa. Caillois acrescentou ainda que:

Em sua forma plena [...], a festa deve ser definida como o paroxismo da sociedade (ideal), que ela purifica e que ela renova por sua vez. Ela não é seu ponto culminante apenas do ponto de vista econômico. É o instante da circulação de riquezas, o das trocas mais consideráveis, o da distribuição prestigiosa das riquezas acumuladas. Ela aparece como o fenômeno total que manifesta a glória da coletividade e a ”revigoração” do ser: o grupo se rejubila pelos nascimentos ocorridos, que provam sua prosperidade e asseguram seu porvir. Ele recebe no seu seio novos membros pela iniciação que funda seu vigor. Ele toma consciência de seus mortos e lhes afirma solenemente sua fidelidade. É ao mesmo tempo a ocasião em que, nas sociedades hierarquizadas, se aproximam e confraternizam as diferentes classes sociais e onde, nas sociedades de fratrias, os grupos complementares e antagonistas se confundem, atestam sua solidariedade e fazem colaborar com a obra da criação os princípios místicos que eles encarnam e que acredita-se, ordinariamente, não devem se juntar.” (Caillois, 1950: 166).

As festas parecem oscilar mesmo entre dois pólos: a cerimônia (como forma exterior e regular de um culto) e a festividade (como demonstração de alegria e regozijo). Elas podem se distinguir dos ritos cotidianos por sua amplitude e do mero divertimento pela densidade. Na verdade os dois elementos têm afinidades. Durkheim já observava o aspecto recreativo da religião e a cerimônia religiosa é, em parte, um espetáculo (representação dramática, no caso, de um mito ou aspecto dele ou de um evento histórico). Este caráter misto poderia ser tomado com um primeiro termo da definição de festa, pois ela parece ser fundamentalmente ambigüidade: refere-se a um objeto sagrado ou sacralizado e tem necessidade de comportamentos profanos[8]. Toda festa ultrapassa o tempo cotidiano, ainda que seja para desenrolar-se numa pura sucessão de instantes, de que o “happening” constitui o caso limite. Toda festa acontece de modo extra-cotidiano, mas precisa selecionar elementos característicos da vida cotidiana. Toda festa é ritualizada nos imperativos que permitem identificá-la, mas ultrapassa o rito por meio de invenções nos elementos livres.

Existem, entretanto, tipos de festas em que estes aspectos aparecem dissociados e até opostos. A razão dessas dissociações e interpenetrações parece relacionar-se ao caráter simbólico das festas. Festeja-se sempre algo, mesmo quando o objeto seja aparentemente irrelevante. A função do símbolo parece não estar então, simplesmente, em significar o objeto, o acontecimento, mas em celebrá-lo, em utilizar todos os meios de expressão para fazer aparecer o valor que se atribui a este objeto. Isambert (1982: 311/14), estudando o catolicismo popular na França, aponta para o fato de que a definição de festa exige que se precise seu contexto, o que ajuda a fazer as devidas distinções.


 

 

A participação e o tempo como critérios classificatórios

 

Como toda festa é um ato coletivo, ela supõe não só a presença de um grupo mas, também, sua participação, o que diferencia a festa do puro espetáculo. Por esta razão é que certos acontecimentos (como os festivais, os shows etc.) não podem ser considerados como festas stricto sensu. O critério da participação parece ser fundamental na definição das festas e, historicamente, negociações de vários tipos, entre diferentes classes sociais, estamentos, gêneros etc. têm sido realizadas a fim de obter maior adesão às festas. Uma festa com pouca participação ou poucas pessoas não é considerada uma boa festa.

O tempo da festa também pode ser apontado como um princípio classificatório: no limite, tudo é festa durante o tempo da festa, o que faz dela um fato social total, no sentido maussiano [9]. Uma multiplicidade de relações de diversas naturezas (religiosas, econômicas, artísticas, lúdicas etc.) as diferencia de uma simples cerimônia. Isambert (1982: 315) define a festa como a “celebração simbólica de um objeto [evento, homem ou deus, fenômeno natural, etc.] num tempo consagrado a uma multiplicidade de atividades coletivas de função expressiva”. Essa definição parece bastante apropriada para a construção de uma tipologia das festas, uma vez que, observando os termos da definição, vemos que cada um é em si variável, sendo possível conceber, teoricamente, tantas variedades de festas quantas sejam possíveis as combinações entre os termos.

Jean Duvignaud (1976, 1983), ao tentar uma definição de festa também chega a uma classificação que reitera a participação como elemento fundamental da festa e que permite dividi-la em dois tipos básicos: Festas de Participação e Festas de Representação.

Na categoria das Festas de Participação incluem-se cerimônias públicas das quais participa a comunidade. Os participantes são conscientes dos mitos que ali são representados, assim como dos símbolos e dos rituais utilizados. Algumas festas religiosas, como as bacanais da Antigüidade, as festas de candomblé do Brasil e a maior parte dos carnavais pertencem, para Duvignaud, a esta categoria.

Na categoria das Festas de Representação, contam-se aquelas que apresentam “atores” e “espectadores”. Os atores, que podem ser em número restrito, participam diretamente da festa organizada para os espectadores que, eles próprios, participam indiretamente do evento ao qual eles atribuem, entretanto, uma dada significação e pela qual são mais ou menos afetados. O elemento importante é que os participantes são em número limitado enquanto os espectadores são muito numerosos, especialmente hoje, com as reportagens diretas via televisão. É preciso sublinhar que os espectadores e os atores são perfeitamente conscientes das “regras do jogo” (ritos, cerimônias e símbolos), mas que eles “percebem” o evento de modo diferente conforme o papel que lhes é atribuído. Há entretanto, uma possibilidade intermediária.

No Brasil, atualmente, grandes festas como Círio de Nazaré, o Carnaval e o São João nordestino encontram-se numa categoria intermediária entre as duas estipuladas por Jean Duvignaud, pois são festas de participação, quando analisadas em nível local e de representação quando analisadas em nível nacional, uma vez que são transmitidas para todo o país pelas emissoras de televisão. No entanto, nem sempre aqueles que assistem à festa via TV podem compreender o que está sendo dramatizado ou qual é exatamente o significado da festa, senão naquilo em que ela é comum a todas as festas: a mediação entre os inconciliáveis da vida humana (vida e morte, sagrado e profano, natureza e cultura etc.) a alegria, o ultrapassamento social, a euforia.

A distinção que pôde ser estabelecida por Duvignaud entre Festas de Participação e Festas de Representação parece decorrente da evolução da festa no seio das sociedades, desde a Antigüidade até os nossos dias. Uma vez que as sociedades se tornaram complexas e que as diferenças de classes e atividade econômica se manifestaram, o papel da festa se modificou: seu caráter de representação tornou-se mais evidente, pois uma classe muitas vezes se “representa” para a outra. O sentido da festa parece ter mudado no momento em que elas, festas, encontraram uma consciência coletiva ativa que se acreditava capaz de modificar suas próprias estruturas e que, em conseqüência, “descobriu” a história (Duvignaud, 1976; Balandier, 1971, 1982). Deste modo, as cerimônias comemorativas só aparecem no momento em que as civilizações ou as sociedades estão muito fortemente constituídas para saber aquilo que elas adquiriram e, conseqüentemente, se definir em função de um passado. O que é, propriamente, a consciência da História (Lévi-Strauss, 1983). Toda comemoração, como bem notaram Roger Caillois (1950) e Mircea Eliade (1972), é um retorno às origens: uma ucronia que vivifica a história.

Para Duvignaud, que vê na festa o potencial destruidor de todas as sociedades, as “representações comemorativas” (festas de representação) são muito pouco destruidoras. Elas não trazem, de modo nenhum, em si, a força negativa da natureza, já que elas visariam reiterar o valor da vida social, dando-lhe uma força positiva. São comemorações [10]. Como, por exemplo, festas que comemoram vitórias ou celebrações que marcam, nos principados ou monarquias européias, os diversos momentos da vida de um príncipe ou de um soberano — seu nascimento, seu casamento, o nascimento de seus filhos, sua morte. Para Duvignaud estas são comemorações do sangue dos dominantes, nada tendo, portanto, da potência revolucionária ou destruidora que ele atribui a outras festas. (Duvignaud, 1983).

Este tipo comemoração foi intensamente utilizado pelos colonizadores europeus no Brasil e alhures onde, aliados à Igreja, fizeram delas um meio de inserção, dominação e presença das Coroas no Novo Mundo.

É necessário admitir, assim, que a festa é mais que seu momento, envolvendo dimensões complexas, e que a análise atual é apenas um aspecto de uma busca de sentido mais vasta: tenta-se explicar a festa, mas ela é uma questão colocada à nossa civilização há dois ou três séculos. Sem resposta. Interrogação tanto mais intrigante e surpreendente quando se pensa a festa em momentos em que a economia de mercado e o crescimento industrial criaram condições sociais que tenderiam a eliminar estas manifestações que caracterizariam as sociedades não dominadas pela produtividade e racionalidade ocidentais.

Ao que parece, a primeira emergência moderna desta questão, ou pelo menos uma das mais significativas, encontra-se em Jean-Jacques Rousseau, cuja reflexão é significativa da discussões sobre a natureza das sociedades e suas instituições.

Em Lettre d’Alembert sur les spetacles, Rousseau (1962) condena toda representação imaginária do homem tal como as sociedades em geral, e principalmente a Europa, dele fizeram, de modo institucional, no teatro. E ao condenar explicitamente a representação imaginária do homem, Rousseau o faz propondo sua substituição por uma dramatização social real, que a seu ver é a festa e no interior da qual se realiza, a seu ver, numa intensa participação, a fusão das consciências individuais.

Na Lettre a d’Alembert, Rousseau “rejeita” o teatro (proposto por Voltaire) e nas Consideratións sur le governement de La Pologne ele sugere que as novas nações descobririam a realidade existencial do “contrato social” no curso de festas onde se vivificaria o substrato de sua união. Pode-se perguntar se Rousseau não vê na festa uma síntese de todas as instituições sociais, sendo ela uma atividade privilegiada, onde se elaboraria a verdadeira “vontade geral”. Rousseau opõe às sociedades organizadas uma transformação permanente, cujo princípio é o da festa, que dissolve a vida privada numa comunhão intensa e ampla. E esta “transformação permanente” deve excluir, para Rousseau, o recurso à figuração imaginária, marca “aberrante” do estado de escravidão e de divisão arbitrárias.

O pensamento de Rousseau adquiriu novo sentido quando foi absorvido pelos ideólogos da Revolução Francesa, que tentaram instituir festas sem perceber que, em Rousseau, como na prática mesmo, a festa se opõe à instituição e que a “querela da festa”, mais que uma discussão de políticos, esconde uma definição ideal de sociedade civil e, conseqüentemente, de Revolução. Se revolucionários como Mirabeau, Thouret, Talleyrand admitem projetos de festas com a finalidade de reanimar o espírito cívico, historiadores e filósofos (como Condorcet, por exemplo), se opõem com firmeza a estas manifestações abstratas e desejam estabelecer festas que realmente engajem a nação em sua atividade real (Ozouf, 1986).

Danton, Robespierre e Hebert também se opõem entre si, sobre o conteúdo da festa, mas todos tentam lhe devolver, num espírito mais próximo do de Rousseau, um conteúdo que se pode qualificar de “místico”, quer seja a Razão, a Nação ou outro.

Encontra-se mesmo, curiosos textos tendendo a fazer da ‘tomada em massa’ e da ‘guerra nacional’ uma festa, solvente das instituições humanas. É fácil mostrar que problemas concretos (econômicos e sociais) se escondem sob estas divergências. Mas enfrentando-se sobre uma definição da festa [11], estes homens se enfrentam sobre uma definição (e um ideal) de sociedade” (Ozouf, 1986: 94).

A Revolução de 1848 e a Comuna, por exemplo, podem ser vistas também como festas, na medida em que seu acontecimento não deveria nada às incitações ideológicas — o que não se deixou de lhe criticar. E esta “ilusão lírica”, pergunta Mona Ozouf, não se confunde com o exercício deste “contrato social” que leva os homens além das instituições estabelecidas, lhes dá coragem de destruí-las e lhes descobre um porvir que escapa, por algum tempo, a toda definição?

O exemplo das festas brasileiras parece nos levar de certa maneira por estes caminhos, pois ela se consolida, no período colonial, quando foi necessário estabelecer o “contrato social” brasileiro. Contudo, sendo uma festa transplantada da sociedade portuguesa para o Novo Mundo, ela é profundamente marcada pela cultura e religiosidades medievais. Junta-se a isto a necessidade de estabelecer mediações entre natureza local e o instrumental cultural dos colonizadores, entre etnias, mitos e tempos históricos diversos, o que a festa teria o poder de fazer ao estabelecer uma linguagem possível para o diálogo entre os muito diferentes. Estabelecer a comunicação entre as culturas foi a tarefa principal da festa no período colonial, ao mesmo tempo em que, através desta comunicação, exercitou e estabeleceu o contrato social brasileiro e nosso modelo de sociabilidade, que é o de busca da semelhança dentro da diversidade.

Entre os vários autores que se referiram ao tema, fica claro que existe alguma coisa em jogo, na festa, que impede que se busque sua “essência” comum em todas as culturas e ao mesmo tempo comum a todas as festas. Uma festa não se permite confundir com outra, embora seja fácil reconhecermos os traços que as irmanam.

Alguns modelos sobressaem do espírito visto como destruidor ou de subversão do qual parece que a festa seja portadora, já que ela parece entranhar uma real abertura das consciências individuais [12]. No entanto, apesar de suas particularidades contextuais, é possível falar da festa como fenômeno que perpassa todas as culturas, com sentidos diversos e com um fundamento comum a todas elas: o da mediação.

A festa comporta uma poderosa desorganização das regras estabelecidas. Não, como se acreditava, à maneira de um jogo de algumas horas, mas porque o perecível que se atribui à festa é da mesma natureza que o perecível que impõe a natureza (a vida, portanto), desde que se enfrente a realidade. É esta realidade que a festa pode descobrir no curso de algumas manifestações coletivas [13]. E é talvez a esta capacidade de autodestruição — tese de Duvignaud — que as sociedades ditas “simples” devem a perenidade (maior que a das grandes sociedades históricas) de seu modo de organização, e nas quais se julgou erroneamente ver uma marca de fraqueza ou de inferioridade. Mas, se estas observações valem para sociedades “simples”, cujos códigos estabelecidos são reconhecíveis e partilhados por todos, é necessário entender que transformação a festa sofreu nas sociedades complexas.

Boas (1911) Malinowski (1922) e Mauss (1974) descreveram estes encontros “agonísticos” no curso dos quais dois grupos rivais procedem a um consumo desordenado e destruidor das riquezas e provisões acumuladas. O espírito acumulador, que serve de referência à observação, se espanta, mas este “consumo” pode mesmo ser visto como a “aurora” da atividade econômica, pois em toda parte em que elas são vistas, as festas agonísticas exercem uma ação positiva sobre a animação social e econômica. O potlach dos Chinook canadenses, como o kula dos melanesianos fundam a ação interna da vida coletiva pela destruição de objetos dificilmente produzidos pelos grupos. A raridade corresponde à abundância, mas este consumo trata sempre de uma maneira corrosiva outro grupo do qual se deseje separar, dominar ou simplesmente obter sua diminuição simbólica.

Se todas as sociedades apresentam regras, e se as regras opõem os grupos humanos à natureza, os momentos de festas não são simplesmente o “mundo às avessas”. Esta seria a fase paroxística da vida coletiva no curso da qual o grupo social descobriria a natureza, criadora e destruidora por sua vez. A Ilíada, as canções de gesta e outras estão repletas destas manifestações onde a natureza é “rebaixada” e substituída por um ato que simboliza o niilismo abstrato do cosmos (Lévi-Strauss, 1983). As celebrações cristãs, cerimônias urbanas do Estado Colonial brasileiro, é rico em exemplos desta ação.

O mito do Cristo, dos santos, dos mártires, dos patronos, dos mediadores da potência numinal ou mágica são representações que fascinam, atraem, exaltam, reúnem pessoas “alucinadas” [14] em intermináveis dias de celebrações representadas. E este “jogo” não é apenas, como diz Johan Huizinga (1951), uma atividade sem fim. É a imagem de uma vida que deve ser diferente daquilo que ela é.

A festa religiosa parece representar, portanto, um espaço imaginário diferente, onde o homem se liberte do constrangimento das hierarquias econômicas e sociais, propondo seus ideais ou fantasiando sobre o futuro. Os mistérios e dramas litúrgicos são aspectos dessa imensa tentativa de impor ao mundo (desde o período feudal, pelo menos, e nas sociedades ocidentais) uma igualdade mítica que contradiz a realidade cotidiana: utopia viva, a festa supõe uma imagem do homem diferente daquela que lhe impõe o sistema social.

Podemos notar, que apesar de tratarmos as festas tribais e não tribais como formas de festas diferentes entre si, o que é inteiramente real, elas não são opostas mas múltiplas. Elas coexistem e não se enfrentam nunca; elas se confundem, estando, simplesmente, umas ao lado das outras, e todas igualmente mobilizantes. Porque são todas mediações estabelecidas de acordo com os momentos vividos pelas sociedades, correspondendo a fins específicos, mas constituindo sempre um meio de comunicação com a natureza humana e social, e mesmo com a natureza biológica.


 

 

A festa é mediação

 

Sendo uma linguagem, como já se observou (Leach, 1972; Lévi-Strauss, 1976; Da Matta, 1978; Brandão, 1973,1985 e outros), a festa não só é um fenômeno social, como constitui, simultaneamente, um fundamento de comunicação, uma das expressões mais completas e “perfeitas” das utopias humanas de igualdade, liberdade e fraternidade.

A posição privilegiada da festa, como fenômeno universal, converte-a em modelo de investigação antropológica: como os fonemas na linguagem, os elementos da festa, do mesmo modo que os termos do parentesco, são elementos de significação e, como eles, não adquirem esta significação a não ser sob a condição de participar de um sistema. São elaborações do espírito em nível inconsciente, expressas através dos mitos que fundamentam a festa, da música, da alimentação e da dança, quando ela existe, e sua repetição em regiões geograficamente distantes e mesmo entre povos diferentes nos levam a imaginar que, de modo semelhante ao caso da linguagem, os fenômenos visíveis são o produto de algumas leis gerais, embora ocultas.

Em uma ordem distinta de realidades, como diria Lévi-Strauss, os fenômenos da festa são do mesmo tipo dos lingüísticos. Claro que não se trata de transpor a análise estruturalista de modo fechado para a antropologia da festa, mas de que podemos utilizar seu modelo para compreender o sentido deste fenômeno universal. Ou seja: trata-se de estabelecer muito mais uma analogia que uma identidade. De buscar as relações entre o universo do discurso sobre a festa e a realidade não verbal, entre o pensamento e as coisas, entre a significação e a não significação. Entre a celebração e o silêncio. Lévi-Strauss, ao estabelecer uma distinção entre ritos de controle, ritos históricos ou comemorativos e ritos de luto, separando-os conforme cada um integre em si mesmo certas oposições, diz:

Vê-se, pois, que o sistema do ritual tem por função vencer e integrar tais oposições: a da diacronia e da sincronia; a dos caracteres periódicos ou aperiódicos que podem apresentar uma e outra; enfim, dentro da diacronia, a do tempo reversível e irreversível, já que, se bem que o presente e o passado sejam teoricamente distintos, os ritos históricos transportam o passado para o presente, e os ritos de luto, o presente para o passado, e que os dois processos não são equivalentes: dos heróis míticos pode-se dizer realmente que eles voltam, porque toda sua realidade está na sua personificação; mas os humanos morrem, de fato” (Lévi-Strauss, 1976: 271/2).

Assim, e como a característica básica de toda mediação é ser engendrada pelo mito e conciliar o inconciliável, pode-se dizer que a festa é uma das vias privilegiadas no estabelecimento de mediações da humanidade. Ela busca recuperar a imanência entre criador e criaturas, natureza e cultura, tempo e eternidade, vida e morte, ser e não ser. A presença da música, alimentação, dança, mitos e máscaras atesta com veemência esta proposição. A festa é ainda mediadora entre os anseios individuais e os coletivos, mito e história, fantasia e realidade, passado e presente, presente e futuro, nós e os outros, por isso mesmo revelando e exaltando as contradições impostas à vida humana pela dicotomia natureza e cultura, mediando ainda os encontros culturais e absorvendo, digerindo e transformando em pontes os opostos tidos como inconciliáveis.

No Brasil diversos autores têm, freqüentemente, tratado a festa como linguagem e percebido seus elementos como termos de comunicação, que qualificam, atribuem sentido e movimento e pedem resposta sem se deterem, contudo, no aspecto das diferentes mediações presentes na festa. De qualquer modo, a festa, para os autores brasileiros (Goldwasser, 1975; Leopoldi, 1978; Da Matta, 1978; Magnani, 1984, Brandão, 1985, 1988 e outros), é sempre positiva, seletiva e edificante, mais que destruidora.

Os autores que concentraram seus esforços no estudo das festas brasileiras como fenômeno em si (e não apenas a usaram para ilustrar outro tema), concluem que, contrariamente à idéia de destruição, que perpassa as teorias, a festa à brasileira tem caráter positivo, afirmativo. Isto pode ser percebido pela freqüência na utilização dos termos: enfatizar, expressar e destacar, que aparecem em todas as suas interpretações. Estes autores que vivem no “país das festas”, lembram constantemente que gestos e palavras são apenas uma porta para penetrarmos o significado que se oculta por trás da festa ou qualquer outro ritual.

É assim que Roberto Da Matta pensa ao definir o ritual como um discurso simbólico que destaca certos aspectos da realidade e os agrupa através de inúmeras operações como junções, oposições, integrações e inibições. Segundo ele, os rituais (e a festa entre eles) podem dividir-se em três grupos: ritual de separação ou ritual de reforço, onde uma situação ambígua torna-se claramente marcada; ritual de inversão, onde há quebra dos papéis rotineiros e ritual de neutralização, combinação dos dois tipos anteriores (Da Matta, 1978). O carnaval brasileiro, é considerado por ele como um ritual de inversão, onde as hierarquias por alguns momentos se apagam: o pobre fantasia-se de príncipe, o homem de mulher e assim por diante. O indivíduo não desaparece no grupo pois, segundo Da Matta (1978: 93), “o projeto da sociedade brasileira, com suas regras e seus ritos, é o de dissolver e fazer desaparecer o indivíduo”. No carnaval, contrariando o projeto social, as leis são mínimas: “É o folião que conta. É o folião que decidirá de que modo irá ‘brincar’ o carnaval” (Da Matta, 1978: 115).

Essa perspectiva da inversão é criticada por Maria Isaura Pereira de Queiroz, que observa que isto pode acontecer no nível dos sentimentos e expectativas. No entanto, diz ela, ao se adotar essa perspectiva, acaba-se deixando de lado o fato de que a festa, tal como se organiza, apresenta estruturas e hierarquias que devem ser analisadas de perto para verificar se esta visão de que existem, na festa (no caso, Carnaval) orientações opostas às do cotidiano não é simplesmente uma visão teórica que pode ou não encontrar respaldo na realidade experimentada pelos indivíduos. Segundo ela, em termos de estrutura social não existe, na verdade, nenhuma inversão no Carnaval, seja ele o de rua, o das escolas de samba ou mesmo dos clubes (Queiroz, 1992). Ela lembra a exploração da imagem do corpo feminino pela mídia e pela publicidade, o intenso uso comercial do carnaval, a ostensiva presença da polícia, o alto preço cobrado nos clubes etc.

Adotando somente tal perspectiva para o conhecimento da festa carnavalesca, este fica exclusivamente circunscrito às emoções que a comemoração desperta nos participantes; e as emoções constituem, assim, as únicas vias para se chegar a uma explicação dos comportamentos. [...] Não levando em conta senão a ‘idéia que se formula a respeito da festa’, perde-se todo um leque muito rico de significados que decorrem das relações entre o mito que afirma a instalação da desordem social e a conservação das estruturas sociais que, na verdade, continuam imutáveis sob a desordem aparente” (Queiroz, 1992: 196).

Para Maria Isaura, a festa de Carnaval deve ser entendida como um rito de um mito sobre a sociedade ideal:

O conceito de Carnaval [...] é concebido como resultado de aspirações, conscientes ou inconscientes, orientadas para uma sociedade ‘outra’, na qual não existiriam nem injustiças, nem coerções; assim, mobilizaria a ação dos indivíduos no sentido de instalar uma sociedade de liberdade e paz. Muito embora o ideal não tenha sido nunca atingido, apesar de a festa se repetir ano após ano, acredita-se sempre que o objetivo será um dia alcançado; em todo caso, o fato de que ela se realiza novamente nas datas fixadas mostra que a esperança está sempre presente, assim como o apego e o gosto pelo folguedo: uma vez que a sociedade alternativa pode durar quatro dias, por que não poderia ela se instalar finalmente de modo definitivo?” (Queiróz, 1992: 182).

A pesquisa da bibliografia sobre inúmeras festas faz ver que tanto Queiróz quanto Da Matta têm razão e, mais, que sob a perspectiva proposta por Maria Isaura, de observação do vivido, pode-se descobrir uma festa realizadora, uma festa conscientizadora, uma festa que concentrae redistribui riquezas, uma festa que supre necessidades reais, ao mesmo tempo que as simbólicas. Uma festa que vivifica a história. Uma festa que é a própria história popular, distante dos livros oficiais. Que a festa foi tão importante no Brasil que pode ser entendida até mesmo como o modelo de ação e participação do povo brasileiro. Ou, se quisermos ir mais longe, a vivência de uma experiência de cidadania alternativa.

Carlos Rodrigues Brandão (1989), estudando as festas no interior de vários estados brasileiros, especialmente do Brasil central, e sua importância para a vida daqueles que a realizam e delas participam, também observa que a festa é “o lugar simbólico onde cerimonialmente separam-se o que deve ser esquecido e, por isso mesmo, em silêncio não-festejado, e aquilo que deve ser resgatado da coisa ao símbolo, posto em evidência de tempos em tempos, comemorado, celebrado”. (Brandão, 1989: 8). Para Brandão a festa toma a seu cargo os mesmos sujeitos, objetos e estrutura de relações da vida social e os transfigura. A festa exagera o real. Ela se apossa da rotina mas não a rompe; excede sua lógica, e é nisso que ela força as pessoas ao “breve ofício ritual da transgressão”. Assim, a idéia de transgressão relaciona-se, para ele, ao exagero, à ultrapassagem de limites, ao excesso. Até as inversões seriam exageros, simbolizando aspectos sempre latentes no comportamento dos homens.

Seja como for, a festa no Brasil tem especificidades desde o princípio da colonização, como aponta Mary Del Priore (1994). Em primeiro lugar, porque é uma festa que a maior parte das vezes não “nasce” no Brasil, tendo sido para cá transplantada pelos colonizadores invasores do período colonial, que fizeram dela entre outros, instrumento de inserção dos portugueses, catequização dos índios e negros e tornou menos difícil a vida num lugar estranho, com um meio ambiente desconhecido e por vezes hostil. Como não podia deixar de ser, todos acresceram à festa sua parcela de símbolos, enriquecendo-a. Para se moldar à realidade pluricultural brasileira a festa européia foi sofrendo grandes transformações, não apenas dos aspectos mais formais, mas também de sentido, sendo uma festa ao mesmo tempo lúdica, transgressora, utópica e uma linguagem para a qual se traduziram e se traduzem, desde sempre, as expectativas populares, vindo a constituir inclusive um “modelo de” e “para” (Geertz, 1978) a ação popular e de organização coletiva.


 

 

A Formação da Festa “à Brasileira”

 

As formas de sociabilidade brasileira, desde o período de colonização são marcadas pelas trocas culturais, estando ambas estreitamente relacionadas à realização de festas.

Ao buscar apreender o significado da festa num período em que a sociedade brasileira se formava e os vários segmentos sociais faziam suas primeiras experiências de convívio, Mary Del Priore (1984) mostra a importância das muitas festas que se realizavam e que, para fins de análise, podem ser agrupadas em pelo menos duas grandes categorias: a festa promovida por Estado e Igreja de um lado — festas de partipação e financiamento obrigatórios, como também observou Maria Odila Dias (1984)-, e a festa do povo, festa reinterpretada, de outro.

O constante festejar brasileiro, de caráter essencialmente religioso, de fato, não é recente e a literatura dos viajantes nos prova isto. Chegando ao Brasil, muitos deles ficavam simplesmente perplexos quando, já a partir da porta das primeiras igrejas avistadas, e por todo o percurso das inúmeras procissões que se realizavam constantemente, contemplavam as imensas “alas” compostas por carros alegóricos. Neles, gente de todas as raças fantasiada dos mais diversos personagens, ricamente vestidos e adornados, corporações de ofício e irmandades religiosas, os grupos de dançarinos e músicos, desfilavam, lado a lado, todos juntos. Desta multidão compacta sobressaía uma imensa quantidade de cruzes, pendões e estandartes, sacudidos e agitados efusivamente ao som do trovejar de ensurdecedores e excessivos fogos de artifício.

A cidade e os habitantes preparavam-se cuidadosa e caprichosamente para que, nos dias de festa, pudessem realizar com primor seu espetáculo e todos os participassem extraindo da festa a maior alegria possível, com devoção e entusiasmo quase extático.


 

 

A festa como meio de comunicação entre culturas

 

Desde o princípio da colonização brasileira as festas serviram como “modo de ação”, seja para catequizar índios, seja para tornar suportáveis, aos portugueses e demais estrangeiros, as agruras da experiência do enfrentamento de uma natureza desconhecida e selvagem, com povo, clima, plantas e animais estranhos. Ela foi importante mediação simbólica, constituindo uma linguagem em que diferentes povos podiam se comunicar. Sendo síntese das mediações, especialmente entre natureza e cultura, foi ela um dos elementos facilitadores do transplante de um modelo social europeu para terras tropicais até quase os últimos tempos do período colonial, quando a Igreja Católica imperava politicamente e as procissões e festas de santos eram praticamente intermináveis. Neste período era obrigatória a participação não apenas de todos os portugueses cristãos, como também dos índios e, posteriormente, dos escravos. Um dos mandamentos da lei da Igreja inclusive determina “Guardar domingos e festas de guarda”. Guardar as festas é importante característica do judaísmo e do catolicismo, preceito que encontra seu sentido, para estas religiões, no mito de criação do próprio mundo, pois já durante a criação, Deus ordena “Que haja luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite: que eles sirvam de sinais, tanto para as festas quanto para os dias e os anos” (Gênesis 1: 14,15). Os luzeiros são o sol e a lua, indicando deste modo que eles devem marcar não apenas a passagem do tempo mas, antes ainda, o tempo da festa. Do mesmo modo, a festa se apresenta como mediação entre o passado e o futuro, realizada no presente e através da qual a humanidade poderia caminhar no tempo, tanto para frente quanto para trás. Em todo o Antigo Testamento, inclusive, é o próprio Deus (Jeová) quem determina a realização de festas, indicando datas, períodos, sacrifícios e toda a dieta da festa. No Novo Testamento, há passagens significativas da valorização da festa nos momentos em que o próprio Cristo delas participa, deslocando-se muitas vezes de locais distantes para atingi-la [15] (ver ocorrências do termo “festa”, na Biblia).

Câmara Cascudo (1969), que sem dúvida realizou os melhores trabalhos entre os muitos folcloristas, diz que as marcas das transformações impostas pela Igreja foram observáveis por muito tempo. O “mês de Maria”, por exemplo, procurava substituir as festas de Afrodite, durante as quais os portugueses penduravam giestas à porta” [16] para comemorar a fartura e realizar o culto do reflorescimento da terra. As festas do “Divino”, propositadamente comemorado em maio tentavam, desde D. João I, em 1385, evitar o paganismo das “Maias” [17] , cantadas e dançadas pelas ruas. Instituíram-se então procissões obrigatórias por meio de um acórdão da Câmara de Lisboa, mas que não foram suficientes para evitar os ritos pagãos. O mesmo aconteceu com as “Janeiras” [18] , festejadas para celebrar a chegada do Ano Novo, quando aconteciam rituais de feitiçaria por estar o ano iniciando e apto, segundo a tradição popular, a realização de sortilégios e previsões (Cascudo, 1969; Del Priore, 1994).

Também se organizavam festas em torno das “Entradas”, recepções solenes dedicadas, desde a Idade Média, a soberanos, bispos e autoridades. Sendo públicas, estas cerimônias revestiram-se de importância cada vez maior a partir do século XVI nos rituais de corte europeus e eram marcadas por novidades a cada uma delas. Com a centralização dos Estados absolutistas como Portugal, elas serviram à cristalização de idéias absolutistas por meio da aclamação dos oficiantes mais próximos do poder (Del Priore, 1994) [19].

No Brasil-Colônia, os bispos visitadores da Santa Inquisição, os governadores-gerais e vice-reis recebiam estas homenagens. Aqui também eram celebradas festas envolvendo datas importantes na vida dos governantes portugueses (casamentos, nascimentos e mortes) implicando, portanto, o reconhecimento do poder real e da burocracia que o representava na Colônia. Ao estender sua privacidade ao público, em forma de “generosa concessão” — a festa — o rei atribuía significado às imagens e palavras nela apresentadas, criando deste modo laços simbólicos de intimidade com o povo, que disto se envaidecia muitas vezes. Por outro lado, a participação da população nas datas importantes da vida do rei reforçava bastante o culto à personalidade deste, característico da época da centralização do Estado.

A parceria entre Igreja e Estado tornava as festas simultaneamente sagradas e profanas, e tornou muito comum, ainda, um comportamento extremamente devoto por parte das populações coloniais, acentuando a identificação entre a Igreja e o Estado.

O rei e a religião, numa aliança colonizadora, estendiam o seu manto protetor e repressor sobre as comunidades, manto este que apenas por ocasião de festividades coloria-se com exuberância.”(Del Priore, 1994: 15).

O período colonial que vai dos séculos XVI a XVIII, por sua vez, engendrou um conjunto de instrumentos articulados para preservar o sistema absolutista, tendo nas festas um dos exemplos mais espetaculares e persuasivos. Segundo José Antônio Maraval, citado por (Maraval apud Del Priore, 1994: 15), a festa barroca como prática de poder não só deixava o cotidiano em suspenso como tornava mais suportável o trabalho e as penalidades impostas aos que se submetiam ao Estado metropolitano. Espelho das formas modernas de governo, a festa era um meio de instituição política e manifestação do poder crescente do Estado português.

No Brasil, a festa parece ter sido, também, um meio de diminuir as tensões inerentes à diversidade étnica e às distinções sociais da Colônia. Entretanto, ela se formava e se consolidava justamente a partir das diferenças culturais, da participação de múltiplos atores anônimos, do barulhento uso de ritmos e danças — o riso crítico, jocoso e farsesco da cultura dos diferentes grupos no interior dessa mesma festa.


 

 

A Festa como modo de inserção social

 

A índios, portugueses, negros, ciganos, espanhóis, franceses, e quem mais pudesse ou quisesse, era permitido participar das festas. Na verdade, quem não quisesse também era obrigado a participar, como mostra Maria Odila Dias (1984)a respeito das padeiras, em São Paulo, ameaçadas de prisão e confisco de suas licenças caso se recusassem, como estavam fazendo a título de protesto, a participar das festas. Carpinteiros, oficiais de cutelaria, padeiros, alfaiates, ourives, todos desfilavam nas festivas procissões coloniais. Em meados do século XVIII, em Recife, era possível ver uma irmandade de mulatos e libertos organizando procissões em que se mesclavam aspectos religiosos e profanos com diferentes intenções e sentidos. Na descrição de uma procissão de 1745 observava-se o poder de um grupo social visto tradicionalmente como empobrecido. A partir desta narrativa fica claro que mesmo antes da abolição da escravidão não apenas os negros libertos e mulatos eram capazes de acumular riquezas como também de apresentá-las nas festas do mesmo modo que faziam os colonos brancos. E nota-se, ainda, a presença de imagens incorporadas do imaginário erudito (“pecados capitais”, “virtudes” e “continentes”) que desfilavam nas procissões como alegorias e fantasias. O intercâmbio entre as culturas aparece claramente nas festas da época, assim como suas mútuas percepções.

“Havia vários sentidos nas funções aparentemente irrelevantes da festa, dando persistência a certas maneiras de pensar, de ver e de sentir. A mistura entre o sacro e o profano valia para diminuir e caricaturizar o pagão, o inculto, o diferente do europeu branco e civilizado. Os mitos pagãos eram assim esvaziados e recuperados para serem vivenciados exclusivamente como parte da festa. A América e a África, continentes recém explorados, eram retratados de acordo com os objetivos de colonização: escravos, pedras preciosas, aventura, fêmeas disponíveis — em tudo deviam parecer um espaço de concupiscência sonhada e de riquezas. O negro e o índio associavam-se ao perigo e ao mal e confundiam-se com os jacarés, cobras e dragões sobre os quais iam montados. Na sua estranheza aparecem também como o avesso da civilização ocidental cristã. Sua maneira de vestir-se apenas com penas e adereços justificava sua inferioridade técnica e, por conseguinte, a sua escravidão. Na ‘festa-dentro-da-festa’ que é a procissão, percebe-se um canal eficiente de circulação de idéias entre colonizados, colonizadores, vencidos e vencedores, tristes e alegres” . (Del Priore, 1994: 49/50).

Na verdade, é muito difícil, mesmo neste período, dividir as festas em religiosas e profanas, porque uma está dentro da outra. As comemorações do Natal são um exemplo típico. Autos natalinos em forma de bailes pastoris para louvar e cantar o nascimento de Jesus eram seguidos de cocos, fandangos e batucadas, terminadas por danças denominadas de “chacotas”. Nos bailes pastoris, apesar da presença de São José e Nossa Senhora, os reis magos e pastores saudavam o Divino Menino com temas e títulos profanos como “Baile da Aguardente”, “Baile da Patuscada”, “Baile do Caçador” etc., geralmente usando linguagem rudemente popular (Azevedo, 1959; Cascudo, 1969; Amaral, 1976, Brandão, T., 1976i e outros). Eram cantados em adros e portas de igrejas, e depois levados em cortejos de dançarinos e músicos à vizinhança e à praça pública.

Mello Moraes Filho (1979) diz que a música sacra das festas religiosas mesclava-se geralmente com ritmos populares portugueses e espanhóis, mostrando que as fronteiras entre o sacro e o profano, o popular e o erudito não estavam claramente estabelecidas. Desse modo, aos poucos, foi acontecendo um poderoso sincretismo das práticas étnicas, que começaram a se fundir no período colonial. Del Priore acrescenta:

“As festas [...] misturavam também os corpos. Embora a maioria dos narradores destaque a presença de ‘nobres de armas, chefes militares, embaixadores, arcebispos, bispos, prelados, com capas velhas e carmesins [...] damas e dueñas’ tradicionais suportes do Estado absolutista, são também unânimes em destacar a presença do povo” (Del Priore, 1994: 18).

A presença das danças profanas nas festas religiosas surge como resquício da catequese jesuítica. A Igreja permitia que os índios e os negros dançassem, pois a dança era considerada uma maneira de agradar a Deus (Davi dançou para Jeová). Depois do Concílio de Trento (1545 — 1563), estas danças se tornaram um dos elementos mais enriquecedores e ornamentais acrescidos ao culto católico.

O poder da festa e dança era tão efetivo que mesmo as danças e músicas dos escravos, consideradas inferiores e não civilizadas, eram permitidas nos dias festivos [20], o que acabou facilitando a permanência da religiosidade africana no Brasil, uma vez que esta é intimamente ligada às festas para a incorporação e dança dos orixás (Amaral, 1992). A festa colonial possibilitou, desse modo, o espaço necessário à construção de estratégias contra a repressão do catolicismo inquisitorial, ao mesmo tempo em que permitiu a absorção de alguns de seus valores (Freire, 1995; Abreu, 1988; Dias, 1984; Rodrigues, 1988; Klein, 1987 e outros).

O chamado da festa acabava incentivando a quebra das regras e o rompimento dos rígidos padrões de comportamento exigidos pelas autoridades. Isto porque a aparente “promiscuidade” da festa era relativa e a participação maciça de todas as classes se dava dentro de regras razoavelmente bem estabelecidas. No entanto, como a festa sempre enseja o exagero, um narrador escreveu:

O gosto de ver sua Alteza era tão elevado em todas as pessoas de um e outro sexo que os homens esqueciam da inata curiosidade e as mulheres não se lembravam do natural recato” (apud Del Priore, 1994: 34).

Neste período não eram apenas as “Entradas”, festas em geral profanas e do Estado, que eram grandiosamente festejadas. Também as procissões religiosas eram atividades festivas, e de certo modo até mesmo os enterros, como bem mostrou João Reis (1991) no estudo sobre a Cemiterada em Salvador em 1836. Neste estudo, Reis apresenta os dados sobre a revolta pluriclassista e multirracial que destruiu um cemitério recém-construído para abrigar os defuntos que até então eram enterrados dentro da cidade, em igrejas. Na luta, diz Reis, membros das diversas confrarias da época agitavam estandartes e usavam seus hábitos coloridos, representativos de uma cultura funerária também afeita ao espetáculo e festividade, e contrária à medicalização da morte. A pompa e riqueza dos enterros e cortejos, com banda de música, cânticos e uma série de afinidades com as procissões, faziam dos enterros na cidade, uma espécie de festa funerária.

Esse tipo de comemoração, na qual um desfile de fiéis acompanhava o pálio sob o qual seguia o sacerdote (ou o féretro), secundado por andores e charolas, fora instituído no Brasil desde o governo-geral de Tomé de Souza, quando chegaram aqui os primeiros jesuítas. Diz Câmara Cascudoque a primeira solenidade celebrada com esplendor, em Salvador, no século XVI, foi a procissão do Corpo de Deus, que muito atraiu e interessou aos índios. Logo os jesuítas adotaram e propagaram esse tipo de ato devocional com caráter penitencial ou festivo, com a finalidade, entre outras, de atrair os indígenas para a catequização e para a edificação dos colonos.

O padre Manoel de Nóbrega escrevia em 9 de agosto de 1549 à Companhia de Jesus em Roma, anunciando haver realizado duas procissões solenes com cânticos públicos e trombetas, tanto no Dia do Anjo Custódio, quanto no de Corpus Christi. Com danças, invenções à maneira de Portugal e toda a ‘artilharia que estava em terra’, tais atos devocionais irradiaram-se da Bahia pelas mãos dos missionários, e inundaram a Colônia. Assim, São Jorge a cavalo, acompanhado de guarnições militares e autoridades, São Sebastião, padroeiro contra a peste, a fome e a guerra, Santo Antônio, casamenteiro, Corpo de Deus e Almas entre outros, cruzavam as vilas de diferentes capitanias de Norte a Sul” (Del Priore, 1994: 23).


 

 

A Festa como espetáculo de idéias e projetos sociais

 

A propagação das procissões em dias de festa religiosa colocava em evidência a mentalidade das populações, que encontravam neste evento uma função tranqüilizante e protetora. Itinerários significativos para a comunidade, cantos e ladainhas somavam-se para coroar as freqüentes procissões (acompanhamento de grandes cerimônias, desfiles, datas da agenda real) ou para atender a necessidades “imperiosas” como a saúde do rei, falta de chuva, epidemias etc. Ao lidar com a demanda por religião e fé por parte dos colonos, que viam nas procissões um apoio espiritual, a Igreja passou a lhes dar justificativas históricas e teológicas. Mas aproveitou também para disciplinar e controlar a população. Isto porque as procissões eram e são, ao mesmo tempo, eventos comunitários e hierárquicos. Elas exprimem a solidariedade de grupos subordinados a uma paróquia, reforçando tanto os laços de obediência à Igreja quanto aqueles internos aos membros de uma comunidade (Araújo, 1949a, 1955, 1959; Alves, 1971; Alves, 1980; Berger, 1985; Brandão, 1985, 1989; Ewbank, 1976; Rugendas, 1972; Zaluar, 1983 e outros).

A importância das festas religiosas cresce tanto que, depois do Concílio de Trento, confirmando o investimento catequético e pastoral que as norteavam, surgem publicações especializadas para orientar o clero na organização e realização de festas. Segundo Del Priore, o Calendário Romano trazia capítulos inteiros sobre a “ocorrência de festas com muitas particularidades ou curiosidades” ou sobre “festas particulares como se hão de celebrar”. (Del Priore, 1994: 23).

Na Colônia, as irmandades e confrarias destacavam o papel das comunidades na participação e organização das festas religiosas e suas séries intermináveis de procissões. O “compromisso” (estatuto) das Irmandades do Santíssimo Sacramento, por exemplo, em São Paulo, no ano de 1763, tem num capítulo intitulado Das obrigações dos irmãos a seguinte nota:

Serão todos os Irmãos desta irmandade obrigados a assistir a todas as festas do Senhor como fica dito, e muito principalmente a Semana Santa em Quinta-Feira maior, pela manhã, para a solenidade daquele dia e semana, para a qual e para as mais da Quaresma” (apud Del Priore, 1994: 24, grifo meu).

Normalmente estas festividades ocorriam, como ocorrem ainda hoje, com a participação das economias particulares e, como o catolicismo era a religião do Estado, era difícil alguém recusar a contribuição. Todas as instâncias da comunidade colonial eram envolvidas na elaboração das festas e os funcionários do governo português eram também avisados, pois cabia a eles aprovar sua realização e, quando não houvesse patrocínio particular, financiá-las. Thomas Ewbank(1976) anota em seu diário de viagem as inúmeras vezes em que os agentes da Igreja ou do Estado corriam de porta em porta, quase que diariamente, recolhendo doações para a realização das infindáveis festas de santos, os pedidos de doações em jornais, e as infinitas esmolas que se davam nas igrejas a fim que as festas fossem realizadas com pompa. Suas descrições deixam claro os custos e o trabalho envolvidos nas inúmeras festas.

a festa de [São] Francisco de Paula foi celebrada com muito brilho. Iluminada por mais de mil tochas e ornamentada de novos tapetes de seda de damasco, a casa[igreja] do Santo estava concorrida. [A imagem do santo] Trajava suas melhores vestes e recebia complacentemente os cumprimentos dos visitantes. A multidão beijava seus pés numa reverência igual à que se faz ao Papa. Foi pregado um sermão pormenorizando os milagres que já fez e ainda faz. Após o por do sol, a frente de sua casa estava iluminada com lâmpadas, enquanto serpentinas, busca-pés, foguetes e outros fogos de artifícios proclamavam à terra e aos céus os júbilos que presidiam as festas do santo.” (Ewbank, 1976: 164).

Para a festa do Espírito Santo, diz Ewbank (1976: 191) que as igrejas da Lapa, Santa Rita e Santa Ana enviavam esmoleiros durante cinco semanas seguidas às ruas da cidade inteira. Estes esmoleiros visitavam até mesmo os navios da baía gritando e pedindo “esmolas para o Espirito Santo”.

Quando quem organizava a festa era uma ordem religiosa, esta solicitava às demais ordens, que se juntassem à festa, cada qual por sua conta, cantando e oficiando missa. A solidariedade inspirada pela festa proporcionava a possibilidade de as diversas ordens exibirem publicamente os seus recursos. À solidariedade do grupo somava-se o elemento de competição através da ostentação ou exibição de poder individual [21].

Após o Concílio de Trento, quando os leigos ganharam aos poucos maior espaço no interior das irmandades religiosas, a procissão passa a representar a própria religião, a própria igreja em marcha, rumo ao destino de glórias do paraíso, mas como resultado de uma competição de recursos e de superioridade econômica ou social de seus membros (Abreu, 1988; Reis, 1991; Del Priore, 1994). A vontade de participar, travestida de colaboração e boas intenções, peculiares do momento da festa, contaminava as classes mais ricas, incentivando-as a uma participação supostamente “filantrópica”. A festa contagiava a todos, de tal forma que até os moradores quase indigentes se viam forçados a contribuir, especialmente por causa da coerção da Igreja, sobrepujando sua miséria, com o muito pouco que tinham (Ewbank, 1976, Dias, 1984, Del Priore, 1994). A festa acontecia como um furacão, que arrastava os diferentes segmentos sociais, intimando-os, mais do que convidando-os, a participar dela, onde o brilho da colaboração individual poderia sobressair contra o cenário coletivo da festa.

Os enfeites e os adereços custosos eram doações dos irmãos. A ‘Ásia’, por exemplo, ganhara do capitão Mariano de Almeida uma ‘caraminhola de molde francês a quem circundavam quatro broches de diamantes entre os quais sobressaíam vinte e quatro flores dos mesmos diamantes [...] pendiam das orelhas dois brincos de diamantes de considerável valor e no pescoço uma gargantilha dos mesmos’. Vestida em rendas e cordões de ouro, os dedos ornados de diamantes, os sapatos de veludo encarnado com fivelas de ouro, a ‘Ásia’, figura profana, fazia bonito na procissão religiosa. Trajada como a personificação do continente asiático, uma mulata forra repetia a tradição das procissões ibéricas. Em Portugal ela teria se paramentado de outra maneira, mas estaria igualmente numa procissão religiosa: ’sentada em cima de uma grande torre’ carregando galhos e uma réplica da caneleira, em alusão às especiarias comercializadas e secundada por acompanhantes vestidos com ‘quimonos de seda’, portando leques na mão e pedrarias na cabeça. (Del Priore, 1994: 46).

A preocupação com o espetacular e o fausto nas vibrações religiosas aparecia claramente nos concílios e sínodos realizados depois do século XVI, quando surgem inúmeras disposições considerando-os uma maneira de atrair multidões de conversos.

Nos intervalos entre as grandes comemorações do calendário religioso (como a de São Jorge, protetor de Portugal, para a qual as Câmaras pediam o “inventário de todos os preparativos do dito Senhor”), registram-se muitos pedidos de procissões, que mais parecem pretextos para o começo de uma nova festa. Propõe-se celebrar as visitas de alguns santos (imagens deles), por exemplo. A estas comemorações somavam-se as festividades realizadas depois de uma procissão, cujo objetivo podia ser, entre vários outros possíveis, esconjurar um malefício que estivesse acontecendo nas cidades, como uma epidemia ou chuva em excesso. Para propor as festas e procissões, um grupo de fiéis, ou uma irmandade, por intermédio das Câmaras, encaminhava ao cabido episcopal o pedido de “remédio” para suas aflições, traduzido muitas vezes na “vinda de N. Sra. da Penha para que com sua vinda passe a epidemia de bexiga e mais moléstia”.

O calendário de festas coloniais procurava moldar a vida e os interesses das populações à aliança entre Igreja e Estado, interferindo nas formas de sociabilidade e de economia dos colonos. Contudo, ao mesmo tempo em que era imposta, a festa criava, ou não conseguia evitar, brechas que ensejavam a transformação, a resistência, dramatizações públicas de ideais e utopias dos grupos mais diversos.

As festas, no Brasil, desde o período colonial, constituíram importantes mediações entre os homens e a natureza, entre eles e seus deuses, entre povo e Estado com seus representantes. Desde o anúncio (pregão) a festa colonial era grandiloqüente (qualidade que parece ter perdido com o passar do tempo) ao exaltar que a oportunidade de realizá-la era proporcional à necessidade de demonstração do empenho da Coroa para o sucesso das relações entre a comunidade e o Estado.

A “festa concedida” era decorrência do calendário da monarquia ou da Igreja e, portanto, era preciso estar ao lado do Imperador ou da Papa, para participar dela. Também aqueles que saíam pelas ruas da cidade anunciando o próximo evento ao público estavam freqüentemente próximos do poder, indicando que a festa era propriedade do Estado, que concedia, magnanimamente, a participação popular. O povo era, portanto, “convidado”, embora fosse também quem arcasse com a maior parte das despesas das festas. Se toda festa é oferecida por alguém ou algum grupo, neste caso, era o Estado quem a oferecia e, por esta via, obrigava o povo à reciprocidade, como é característico de todo ritual ou fato social total.

Del Priore (1994: 30) reproduz o texto de alguns documentos e notícias de jornais, que dão conta dos anúncios de festas. Um deles é exemplar:

“No dia 1o. de dezembro [de 1762, para celebrar o casamento de D. Maria com D. Pedro] se deu princípio ao pregão público das festas pelas ruas da vila, vestidos todos à cortesã, uns com as capas bordadas de seda branca [...] outros de veludo azul, outros de veludo e carmesim, montados em cavalos bem ajaezados ao som de atabales, trompas e trombetas”.

Os pregões das festas eram, de fato, o princípio da festa, e representavam uma importante propaganda da qualidade, fausto, importância, riqueza, que elevariam ou rebaixariam, diante da sociedade local, aqueles que a propunham ou patrocinavam. Quanto mais divertida e imaginativa fosse a atuação dos arautos mais provável seria que a notícia da festa se espalhasse e circulasse no interior da comunidade, chamando toda a população. A folia e o rebuliço destes momentos eram sinônimos da alegria a que se podia aspirar na festa. Para isso, valia tudo: muitas máscaras, figuras engraçadas, galantes, roupas preciosas eram utilizadas. Seduzir o público parecia ser o objetivo final. Amostras de maravilhas. Tudo isto sem perder de vista o caráter “estatal” das festas.

“homens bons, com ricas capas bordadas e cocares magníficos, montados em cavalos ricamente ajaezados, acompanhavam o procurador da Câmara que lia o ‘bando’ anunciando a festa. Para que nenhuma palavra se perdesse, um ‘porteiro’ [cobrador de direitos reais] repetia suas palavras e ambos iam acompanhados do alcaide da vila” (apud Del Priore, 1994: 30).

Algumas vezes um cavaleiro com vestimenta diferente dos demais distribuía à população um folheto impresso, com versos simples falando da festa, especialmente dos aspectos mais profanos, como as zombarias e os disfarces, onde nomes de personalidades ilustres eram citados diagonalmente, ou mesmo em trocadilhos e malícias que eram distribuídos, demostrando que chegara o tempo “invertido” da festa (D’Abeville, 1976; Dias, 1984; Ewbank, 1976; Pinho, 1942; Rugendas, 1972; Spix & Martius, 1976 e outros).

Depois do anúncio, das máscaras e do desfile que abria as festas, vinha o levantamento dos “mastros comemorativos”. Substituto do “mastro de maio”, comum na Europa camponesa, a presença destes mastros marcava principalmente as comemorações de Santo Antônio, São João e São Pedro [22], e que ainda acontece em muitas cidades do interior do Brasil durante o período das festas juninas (Araújo,s/d; Barreto, 1990; Brandão, 1974, 1977, 1989 e outros). Juntavam-se ainda aos festejos, nas praças, cortejos de dançarinos, “gigantes” (versão da época dos atuais “bonecões”) e figuras alegóricas populares do período barroco, como os Ventos, os Planetas e as Ninfas, que acompanhavam o levantamento do mastro ao som de clarins, timbales e “uma grande artilharia de bombas” (Del Priore, 1994; Cascudo, 1969; Rugendas, 1972; D’Abeville, 1976; Ewbank, 1976 e outros). Câmara Cascudo observa que no Brasil conservou-se a tradição do mastro de São João, que continua sendo erguido diante da igreja, nas quermesses, com música, cantos e [23] foguetes.

A seguir, chegava o tempo das luminárias [24]. A população era chamada a enfeitar a cidade, e um “pedido” das Câmaras circulava por meio de pregões lidos por homens mascarados acompanhados de músicos, incentivando a colaboração do povo. Ou, o que acontecia freqüentemente, ordenavam que “os moradores de Vila, como os de fora dela, iluminassem as casas e domicílios com festivas luminárias [25] em seis noites antecedentes.” (Del Priore, 1994: 36).

Tudo era feito no sentido de atrair a população para a festa, pois a participação do povo a partir da decisão oficial de realiza-la é imprescindível, já que ela só se faz com muitas pessoas e a importância e poder de fato da Igreja e do Estado só poderia se expressar no número de pessoas que pudessem cooptar. Por isso mesmo, tanto Estado como Igreja se garantiam através desta participação “convocada” e às vezes mesmo “forçada” (Dias, 1984; Del Priore, 1994). Este procedimento, entretanto, ia aos poucos (ao delegar à iniciativa popular a realização de vários preparativos) abrindo brechas de extravasamento no interior de uma sociedade pautada pela exploração e pelo trabalho escravo, e punha em contato diferentes grupos, igualmente dominados que, paulatinamente, vão introduzindo sua festa dentro da festa oficial e lentamente se apropriando dela, transformando-a, vivendo nela sua própria utopia, seus valores, gestando a cultura popular brasileira.

Nas regiões mais ricas da Colônia, as Corporações de Ofício se encarregavam da iluminação das festas e, além delas, os comerciantes, quando não havia despacho das comarcas ordenando que os moradores iluminassem as frentes das casas. Até mesmo as árvores eram carregadas para as praças a fim de se pendurarem as festivas luminárias. A luz certamente fazia o contraste entre a festa, a alegria, e o cotidiano escuro, das noites vazias e silenciosas. A iluminação também ajudava a estabelecer claramente as posições econômicas, e portanto também social, dos indivíduos na sociedade local. Quem oferecesse mais luz elevava seu status.

Tendo se tornado cada vez mais importantes nas festas, as luminárias logo passaram a servir de propaganda para o Estado Moderno, trazendo o nome do rei ou de seus funcionários. Em 1818, já mais sofisticadas, as luminárias reproduziam a efígie de D. João VI e havia até lanterninhas que dedicavam gratidão ao rei (Del Priore, 1994; Dias, 1984; Cascudo, 1969). Elas parecem ter sido, de fato, as primeiras “peças” de publicidade inseridas na festa brasileira.

A festa, efetivamente, possibilitava, como ainda hoje, aos grupos sociais, o confronto de prestígio e rivalidades, a exaltação de posições e valores, de privilégios e poderes. Tudo isto sublinhado devidamente pela ostentação do luxo e distribuição de generosidade. O indivíduo e o grupo familiar afirmavam, com sua participação nas festas públicas, seu lugar na cidade e na sociedade política.

Nos períodos festivos as Câmaras ainda recomendavam à população “fazer caiar suas casas e assear suas testadas[calçadas]e que ornassem suas portas e janelas”, nos dias de procissão ou festa profana. Costumava-se ainda “alcatifar as ruas com flores odoríferas”, enfeitar as janelas com “ colchas de Pequim ou China”, ou também com “as lindezas dos senhores desta terra”. Jogava-se noz moscada nas portas de entrada para perfumá-las (Del Priore, 1994). Este foi um dos hábitos festivos que perduraram. Mesmo em São Paulo, centro econômico-industrial, altamente cosmopolita, é possível, ainda hoje, ver-se colchas nas janelas e tapetes de flores na festa de N. Sra. de Achiropita no bairro do Bexiga, ou no interior, entre outras cidades, em São Luís de Paraitinga, na festa de Corpus Christi.

Às luzes e aos adornos, somavam-se os fogos de artifício, cuja presença nas festas da Colônia remonta ao século XVII. Ao abrir a celebração das festas, anunciavam a partida dos cortejos das procissões e sua chegada à igreja ou à praça, onde aconteciam os principais eventos da festa (como ainda hoje costuma acontecer, por exemplo, nas festas do Divino Espírito Santo, na região central do país). Os cortejos podiam ainda se deslocar da terra para a água, com a festa invadindo as embarcações. Máquinas ambulantes também iam pelas ruas, espalhando os fogos pela cidade. Em Recife, no ano de 1745 desfilou pelas ruas uma brilhante fragata de fogo. Os fogos também eram usados para homenagear o rei. A possibilidade de colocar homenagens no céu, ou de escrever com luz, fez com que diferentes grupos sociais passassem a se apropriar da tradição dos fogos e utiliza-la em benefício próprio. Afinal, se era possível investir nas festas dos reis, por que não em suas próprias festas e suas próprias necessidade de prestígio? O uso de fogos na abertura de festas passou a constituir um veículo da propaganda governamental ou, como mostra Del Priore, de resistência das elites contra o mesmo governo. Mídia eficiente, pois todos os olhos se interessavam por ela, os fogos de artifício foram se tornando um instrumento de poder e, conseqüentemente, também o conhecimento pirotécnico, extremamente valorizado. Especialistas foram trazidos do exterior. Sendo tão fascinante, a artilharia dos fogos de artifício parecia significar a vitória da cultura sobre as forças hostis da natureza, do poder e do tedioso cotidiano.


 

 

A conquista popular da festa

 

Acontecendo nas ruas, no contexto de exaltação e alegria de gente de todo o tipo reunida, as festas, começam a ganhar, aos poucos, alguma independência da festa oficial. Danças, fantasias, personagens dos desfiles e carros alegóricos, ritmos e harmonias profanas invadem lentamente o quadro da comemoração original e embora estejam articuladas com o todo a que devem se amoldar, cada uma dessas manifestações tem vida própria e significado peculiar.

Em meio à pluralidade de eventos que têm lugar regrado dentro da festa (percebemos que há um ritmo entre o desfilar da procissão, a passagem dos carros alegóricos e os dançarinos, o momento da queima de fogos ou da cavalhada), ocorrem fatos menores cuja função deve ser interpretada, quer salientando os momentos de integração entre diferentes segmentos sociais, quer apontando suas maneiras específicas de usar a festa, como um espaço de diversão; tais partes do todo comemorativo são igualmente importantes para qualquer dos grupos sociais que dele participam.” (Del Priore, 1994: 63, grifos meus).

Del Priore aponta que o agradecimento por milagres recebidos é uma das primeiras inserções feitas pelo povo na festa. Tal como a festa, o milagre tinha características ao mesmo tempo sagradas e seculares (agradecia-se aos santos pelos milagres recebidos como colheitas ricas, a saúde recuperada de algum animal, curas pessoais, recuperação de objetos perdidos e outras resoluções de problemas mais cotidianos que espirituais), e é esta convivência dos dois aspectos que lhe dá sentido, na perspectiva das pessoas que participam dela, tornando-se uma espécie de “remate” das diferentes expectativas em jogo durante a festa.

O milagre tem função sacralizadora atuando como perenizador da festa nos quadros mentais. A festa passa a distinguir-se por ter sido ‘de tal ou qual’ milagre.” (Del Priore, 1994: 64).

Sendo o milagre a introdução de uma nova ordem, dentro da ordem esperada anteriormente, sua presença na festa acrescenta nova mediação entre sagrado e profano, entre ordem divina e vontade humana, entre o pedido humano e a aquiescência divina. A força simbólica do milagre na festa é tão verdadeira e arraigada na cultura popular que ainda é comum que as festas sejam promovidas e financiadas por pagadores de promessas, como na Festa do Divino (Brandão, 1973), no Círio de Nazaré (Alves, 1980) e no Tambor de Crioula (Ferretti, 1995) etc.

Não são apenas os milagres e categorias de representação religiosa, entretanto, que se inserem nas festas de santos. Outras, profanas, também foram aos poucos sendo inseridas nas demais festas. Um documento de 1762 descreve os principais momentos das festas realizadas em Santo Amaro, na Bahia, para louvar o casamento de D. Maria de Portugal com seu tio, D. Pedro. Depois do anúncio da festa, e dos seis dias de luminárias, a vila foi invadida por cortejos de dançarinos durante oito dias. Diz o narrador:

No dia nove, saiu a primeira dança dos oficiais de cutelaria e carpintaria, asseadamente vestidos com farsas mouriscas dançando destramente pelas ruas depois de o fazerem no Paço do Conselho. No dia dez se distinguiram muito os alfaiates, pois, ricamente vestidos, fizerem três contradanças pelas ruas ao som de acordes instrumentos, depois de observarem a mesma política que com o Paço do Conselho haviam praticado os carpinteiros. No dia onze fizeram os sapateiros e correeiros a sua dança em uma dança de ricas e vistosas farsas que nada deviam aos alfaiates (...) O dia quatorze foi singularmente plausível pela dança dos congos que apresentaram os ourives em forma de embaixada, para sair o reinado no dia dezesseis. Vinha adiante um estado de dezesseis cavalos ricamente ajaezados, cobertas as selas de preciosos telizes trazidos por fiadores pelas mãos de dezesseis pajens. Seguiam-se vinte criados custosamente vestidos e montados em soberbos cavalos; depois destes marchava o Embaixador do Rei do Congo, magnificamente ornado de seda azul com uma bordadura formada por cordões de ouro e peças de luzidos diamantes, e na cabeça levava um chapéu da mesma fábrica, com cocar de plumas brancas matizadas de encarnado; descia-lhe pelos ombros uma capa de veludo carmesim agaloada de ouro. O cavalo em que vinha montado correspondia aos demais em ornato e preciosidade e se fazia admirar pelo ajustado da marcha com que ao som de muitos instrumentos acompanhava o cortejo. Chegando o Embaixador ao Paço do Conselho, anunciou ao senado que a vinda do Rei estava destinada para o dia dezesseis em aplausos dos augustíssimos desponsórios da sereníssima princesa[26]

É impossível deixar de notar os vários sentidos do intercâmbio cultural que ocorre nestas festas: oficiais de cutelaria e carpinteiros vestidos de mouros encenam a tradição ibérica homenageando aqueles que recebiam a festa, simbolizando o domínio sobre o povo vencido. Os alfaiates faziam uma coreografia inglesa, as contradanças, em que os pares dançavam frente a frente. A rabeca tocada pelos sapateiros e correeiros é um instrumento europeu, medieval. São evidentes as aquisições de elementos culturais “estrangeiros” por todos os grupos envolvidos.

Na mesma época, em Recife, uma irmandade de mulatos e negros libertos organizava uma procissão em que era possível notar o sagrado e o profano se interpenetrando e ainda a combinação de traços culturais durante a festa, atestando uma pluralidade de sentidos. Nessa manifestação evidencia-se o poder econômico, embora raro, de alguns negros, capazes de acumular riquezas, como já vimos. É interessante notar que essas economias são também investidas nas festas. Observa-se ainda, a presença de imagens eruditas renascentistas (os “continentes”, os “pecados capitais”, as “virtudes” e outras) que apareciam em forma de fantasias e alegorias mesmo entre as classes não letradas, como aquisição de ordem estética e simbólica. Os “continentes”, por exemplo, representando as raças, surgiam como imagens recorrentes nos desfiles. E também estavam presentes nas procissões e festas católicas os deuses pagãos que, apesar da liberdade de estilo com que eram fantasiados, significavam a rendição de antigas crenças à mundialização do catolicismo (D’Abeville, 1976; Spix & Martius, 1976; Rugendas, 1972; Ewbank, 1976; Del Priore, 1994 e outros).

O povo fez ainda outra importante inserção na festa e que congregava a população de maneira unânime: a distribuição de comida. A festa ensejava os atos de comer e beber, mas os excessos, de caráter confraternizador eram coibidos pela Igreja.

Na Colônia, parte da comida consumida em determinadas festas tinha relações diretas com as colheitas. O beiju, a canjica ou a pamonha, presentes no cardápio de algumas regiões, tinham, por exemplo, maior consumo por ocasião de festas. O cardápio da festa tem assim a ver com a produção agrícola que se colhe por ocasião da festa. Por outro lado as escravas quituteiras costumavam atrair a ira dos pregadores, que em dia de abstinência acusavam-nas de incitar com as suas guloseimas os fiéis menos devotos.” (Del Priore, 1994: 65).

Era comum também a troca de comida por ocasião de determinadas festas. As celebrações do “pão-por-deus” [27], que precediam o Natal, são um dos exemplos em que se pode notar a circulação de comidas, pois uma das dádivas que se enviavam em troca dos pães-por-deus eram alimentos, doces, guloseimas de todo tipo. Oferecer, em casa, comida aos amigos, em dias de festa, era também uma prática comum. Do mesmo modo, o beber fazia parte da festa. Segundo tudo indica, a embriaguez era natural e permitida, nas ocasiões de festas. Nas letras de algumas cantigas de bailes pastoris aparecem referências à bebedeira das pessoas, que eram perdoadas deste pecado menor, especialmente por causa do caráter sacro-profano das festas. E além disso, o fausto necessário à festa sobrepujava a regra da abstinência, como também as demais regras, fazendo com que os excessos cometidos fossem absorvidos no conjunto dos eventos (Brandão, 1976; Cabral, 1949; Cascudo, 1969; Gomes, 1949; Moraes Filho, 1979; Mota, 1978; Neves, 1978 e outros).

A comida integrava também a festa em forma de óbolo, destacando as diferenças entre quem dá e quem recebe a esmola. O grupo, mesmo aquele composto por escravos, usava a festa para demonstrar que a abundância era, naquele momento, seu apanágio. A esmola, por sua vez, tem também uma função na festividade. Aliás, grande parte das festas religiosas começavam com o recolhimento de doações pedidas pelos irmãos das confrarias e irmandades. As pranchas dos viajantes estrangeiros no Brasil no início do século XIX, como Debret e Rugendas, atestam essa tradição: mulheres brancas e bem vestidas, pés no chão, esmolando como forma de pagar uma promessa ou um irmão vestido com a opa da confraria, bandeira numa mão, na outra a bandeja de esmolas, angariando fundos para a festa em homenagem ao santo protetor” (Del Priore, 1994: 68).

As festas e procissões, na Colônia, permitiam não só o divertimento, a fantasia e o lazer do povo, mas ainda estabelecer vários sentidos para o papel aparentemente irrelevante da festa. A distribuição de comida e bebida, por exemplo, e o investimento em espetáculos, das doações recebidas, podem ser entendidos como concentração e redistribuição de bens, o que também acontecia (através do critério da participação dos mais diversos grupos sociais), com os bens simbólicos, permitindo a inclusão, na cultura da festa brasileira, de diversas visões de mundo.

Como se vê, a festa colonial constituía um desafio para os diversos grupos sociais, contra as dificuldades do cotidiano, além de um escape paras as tensões acumuladas contra o poder, fosse ele concentrado na figura do senhor de escravos ou do funcionário metropolitano, do governo português ou da igreja católica. Mas ela se constitui, também, num espaço privilegiado para a criação de tradições e consolidação de costumes, permitindo ainda que as culturas estabelecessem contato de modo mais pautado pelos valores lúdicos, religiosos e artísticos, que constituíram linguagens simbólicas com alguns termos compartilhados e que permitiram uma melhor tradução de cada uma delas para as demais, fazendo, inclusive, fluir de umas para as outras, novos símbolos e valores culturais.

Para a igreja católica como também para os monarcas modernos, a paulatina apropriação popular das festas fez com que elas passassem a ser vistas como momentos de desordem e excesso que, mais do que proibir, era necessário integrar e usar para fazer valer os quadros da ortodoxia e da obediência. Para as camadas mais pobres da população colonial, por sua vez, as festas podem ser entendidas como um espaço de reordenação ritualizada, território cheio de símbolos que anunciavam a insatisfação social. Insatisfação que se mostrava não apenas na violência física, como também na “obscenidade” dos movimentos corporais não dominados dos negros, na detração da autoridade mas sobretudo no riso, desejo de reconciliação com o mundo e consigo mesmo. Este processo de lenta apropriação popular do espaço e da festa desemboca no século XX quando ela já estaria em novas mãos, que dela se apoderaram e a transformaram em patrimônio e modo de ação. Festa de índios, de negros ou portugueses, ela parece realmente indissociável da cultura brasileira, aos olhos estrangeiros e nacionais.

No Brasil, por toda a parte encontra-se a religião ou o que receba tal nome. Nada se pode fazer, nem observar sem deparar-se com ela de uma forma ou de outra. É o mais importante detalhe da vida pública e privada que aí temos. As festas e as procissões constituem os principais esportes e passatempo do povo, e neles os próprios santos saem de seus santuários, juntamente com os padres e a multidão, participam dos folguedos gerais. Não levar tais fatos em consideração seria omitir os atos mais populares e esquecer os protagonistas favoritos do drama nacional” (Ewbank, 1976: 18, grifos meus).

Ewbank constatava, ainda em meados do século XIX, que religião e festa, no Brasil, se fundiam, ocupando grande parte do tempo dos indivíduos e de seus projetos [28], atitude que em sua opinião poderia vir a se constituir num “problema” para o desenvolvimento brasileiro.

As ruas são varridas e cobertas de folhas, as fachadas das casas são enfeitadas de flores e bordados, mulheres e crianças amontoam-se às janelas, os habitantes rurais acorrem ao espetáculo e à sua espera formam-se por toda a parte grupos de ambos os sexos. Finalmente aparecem estátuas em tamanho natural e pintadas ao vivo, colocadas sobre estrados e carregadas em triunfo aos ombros dos homens, em meio a uma turba de autoridades, com os mais diversos trajes. Pontífices mitrados, com caudas das vestes seguras por pajens, passam por debaixo de pálios, acompanhados por magistrados civis e escoltados por batalhões de soldados, tudo precedido e seguido por coortes de padres, frades, irmãos leigos, acólitos, com bandas de música, bandeiras, fachos, turíbulos, mastros, etc., enquanto da confusa massa de espectadores emergem em surdina observações reverentes ou profanas, à medida que cada divindade de madeira desfila levada por ombros suados.[...]Creio que o catolicismo, tal como existe no Brasil e, em geral, na América do Sul, representa uma barreira ao progresso, e outros obstáculos a ele comparados parecem pequenos. [...] incorporado como está nos hábitos e pensamentos do povo, que dele se acha impregnado até a medula dos ossos [...] gerações passarão antes que a venda caia de seus olhos, permitindo que se torne mentalmente livre” (Ewbank, 1976: 19, grifos meus).

Relativizando devidamente a origem protestante de Ewbank (sua visão racionalizante do tempo e do dinheiro) e as teorias evolucionistas da época, precisamos notar, contudo, que este pensamento ainda hoje pode ser encontrado em jornais e no senso comum, em análises que se fazem das festas brasileiras. A opinião de que um povo que realiza tantas festas é inconseqüente e desperdiçador e, mais, que vive distanciado da realidade social e dos problemas que é preciso enfrentar, louvando centenas de santos diferentes, depositando seu destino em esferas místicas é corrente na opinião de parte da sociedade e a imagem que se tem dos brasileiros no exterior. Olhando, no entanto, para as festas, de um ponto de vista diferente do momento da festa, quando tudo é euforia e êxtase, enlouquecimento, alegria e entrega, é possível ver que a festa “à brasileira” não só não é alienação (no sentido de falta de consciência social, moral ou outra), como representou e representa, ainda hoje, importante papel na construção da sociedade e da sociabilidade brasileiras.

Nas festas as trocas culturais, sob suas diversas faces, acontecem em diferentes sentidos. Aparecem na arte, na estética, na música, na religião, estendendo as relações facilitadas pelo contato na festa, em que os aspectos mais fortes das culturas parecem surgir de modo mais denso e o mútuo conhecimento permite a apreensão e escolha de novos modos de viver, de casar, de educar crianças, novos padrões de famílias etc., já não completamente vinculados a um único modelo.

É possível notar, portanto, que o contato e participação conjunta dos vários grupos e etnias deixaram marcas no caráter da festa e que esta é um dos elementos constitutivos do que pode chamar de cultura brasileira. Ela é ainda uma das linguagens favoritas do povo brasileiros que para ela traduz, preferencialmente, seus valores mais caros e suas utopias.

Se mesmo assim for difícil resistir à conclusão de que a festa popular é “válvula de escape” e “repositório imenso de culturas e tradições”, devemos lembrar que a festa pode também ser entendida como um “espaço para a revolta ritualizada, território de símbolos que anuncia a insatisfação social” (Del Priore, 1994: 128).

Neste sentido, a festa brasileira não é afirmação nem negação da sociedade; nem fruição inconseqüente, nem consciência. Ela é antes uma das dimensões nas quais se dão algumas das primeiras experiências do sentir-se brasileiro. Expressão viva de uma utopia, onde as regras são, guardadas as proporções desta afirmação, feitas pelo povo e para o povo, que acumula e reparte suas riquezas; tempo e lugar em que ele reitera sua intimidade com os deuses e santos, expressa nas danças, comidas e homenagens que são feitas para eles.

Não parece ser à toa, portanto, que se diz que “no Brasil tudo acaba em festa”. Isto é compreensível, já que ela pode ser não apenas o momento do divertimento, do alegre gozo da vida, como também o espaço de protestos, da afirmação cultural, da organização de grupos de relação mais afetivas, de resistência à opressão cultural e social, ou mesmo de catarse [29].

Os exemplos das festas que apresento a seguir, construídos a partir de uma série de pequenas ou grandes monografias, parecem suficientes para minha argumentação de que a Festa, no Brasil, representa um papel constitutivo, que não pode ser visto como inconseqüência e simples busca do prazer mas, antes, do que se pode chamar de uma primeira “tomada” de consciência dos direitos e deveres de cidadão, em tudo que isto implica de aprendizado de participação, seleção e negociação; que ela pode conter tanto o desejo de estravasar sentimentos e anseios, como preocupações de ordem social e/ou políticas. Como parte do que Darci Ribeiro (1995) chamou de nossa “brasilidade”, a festa tem também características específicas, que podem contradizer as duas principais teorias sobre ela, pois é a festa de uma sociedade pluricultural, de capitalismo tardio, que encontrou nela uma linguagem de múltiplas traduções, capaz de expressar as muitas nuanças de sua identidade, formada por contribuições diversas, porém redutíveis entre si.


 

 

A Oktoberfest de Blumenau

“Bebe, bebe, irmãozinho, bebe!
Deixe as preocupações em casa.
Evite as amarguras e evite a dor
e aí a vida será uma brincadeira!
Não devemos deixar de beber
o beber é que move o mundo,
e nem ter raiva daquele
que encomenda sua bebida.
Seja cerveja, vinho ou champanhe,
vamos beber sem nos gabar.
Pois já houve quem tomou champanhe
E depois não pôde pagar”

(Canção da Oktoberfest)

 

A experiência brasileira da festa como linguagem e como “artefato” popular, como um modo de ação diante dos mais variados problemas e contextos, encontra expressão exemplar na Oktoberfest de Blumenau, Santa Catarina. Esta Oktoberfest brasileira é cheia de significados particulares e a compreensão de sua gênese pode ajudar a entender seus múltiplos sentidos e por que ela vem se tornando um modelo de festa no Sul do Brasil e em várias outras regiões brasileiras (Fishfest de Mato Grosso, a Cajufest de Fortaleza, e a própria Oktoberfest de Garanhuns, Pernambuco, para citar um exemplo curioso).

A Oktoberfest blumenauense surgiu em 1984. Mesmo assim, já faz parte do calendário turístico da EMBRATUR como a segunda maior festa brasileira, sendo considerada pela população local como uma espécie de carnaval do Sul. Alguns catarinenses dizem mesmo:

Quem disse que carnaval sempre tem que ter samba e marchinha e ser em fevereiro? Se você for a Veneza, vai ficar espantada com as músicas do Carnaval de lá. A Oktoberfest é o Carnaval do Sul.” (Max, 19 anos).

Considerando-se certos aspectos, de fato, pode-se pensar na Oktoberfest como um Carnaval, já que inclui elementos característicos deste, como as fantasias, os desfiles, os carros alegóricos, as festas de clube e de rua e representa um momento em que aquilo que os blumenauenses mais valorizam é incorporado aos desfiles nas ruas, do mesmo modo que acontece no Carnaval. Este modelo, inclusive, parece ser o modelo brasileiro de festa, reproduzindo-se freqüentemente tanto em festas religiosas como em festas profanas.

A história e os valores dos blumenauenses são encenados nas ruas de Blumenau do mesmo modo como a história e os valores do povo brasileiro são representados nas alegorias e enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, pelos devotos do Círio de Nazaré e das festas do Divino Espírito Santo ou, pelos “matutos” do São João de Caruaru.

A Oktoberfest de Blumenau foi um sonho acalentado durante anos pelos grupos originários da Alemanha, que ali viviam. Sempre se comentava como seria gratificante e importante realizar uma festa como a alemã, que acontece na Bavária, especialmente porque Blumenau já tinha toda a arquitetura condizente com o espírito da festa, além do gosto pela cerveja, herança alemã. Tanto pelo fabrico quanto pelo consumo (a maior parte dos blumenauenses sabem fabricar sua própria cerveja, embora poucos o façam atualmente). Este gosto pela cerveja introduziu a primeira indústria dela em Blumenau, inaugurada em 1858 por um dos colonos trazidos pelo Dr. Blumenau. Heinrich Mosang abriu sua cervejaria na casa que ainda hoje existe na rua São Paulo. Durante anos, entretanto, a Oktoberfest foi apenas um projeto, marcado pela vontade de reforçar a identidade alemã dos habitantes (Sasse, 1991).

A marcante influência da cultura germânica em Blumenau se revela ao primeiro olhar: na arquitetura, no fenótipo do povo, nos hábitos, nos restaurantes, em tudo se revela um certo jeito europeu, do qual os blumenauenses muito se orgulham, embora se considerem profundamente brasileiros. Chalés de madeira envernizada, casas caiadas, telhados construídos para receber neve (que representam mais uma referência que uma necessidade), letras góticas nos anúncios e o idioma alemão, falado pelas ruas por muitos dos habitantes. Pode-se dizer que Blumenau se fez uma cidade brasileira sem ter perdido a “germanidade”. Daí o anseio por uma festa que representasse essa identidade e tudo de visão de mundo particular que significa. Uma festa que fizesse explodir numa tradução brasileira o orgulho de descender de alemães (Bonatti, 1992).

O destino, contudo, se encarregou de impulsionar o projeto. E impulsionou com as águas descontroladas das enchentes do rio Itajaí-Açu, em cujo vale se localiza Blumenau. Não era a primeira vez que acontecia, (a primeira grande enchente aconteceu em 1895) mas em 1983, Blumenau foi quase totalmente destruída pelas águas do rio. Inundadas até os telhados, na vazante as casas eram apenas restos enlameados das até então belas casinhas com jeito europeu, caiadas e com cercas cuidadas, muitas flores e frontais de madeira envernizada. Demorou um bom tempo até que a cidade pudesse voltar à uma certa normalidade, com o apoio da prefeitura e do governo do Estado. Mas cada chuva se transformava em uma ameaça. Em 1984, antes mesmo que a cidade estivesse funcionando normalmente, uma nova enchente, de proporções maiores para uma cidade ainda em recuperação da enchente anterior, destruiu Blumenau. “Completamente”, dizem alguns blumenauenses. “Menos a coragem do povo”, dizem outros (Silva, 1989; Sasse, 1991; Bonatti, 1992).


 

 

A festa como modo de ação

 

Sem muitas esperanças diante da catástrofe, o povo de Blumenau só via duas soluções: partir para sempre, abandonando a cidade que seus avós e tataravós idealizaram e construíram à mercê do rio, ou ficar e reconstruir tudo. Mas o desânimo era imenso e cada chuva se tornaria sinônimo de medo. Primeiro por causa da enchente do ano anterior, que consumira recursos que o município já não possuía, e depois pelos sérios obstáculos a serem ultrapassados dos quais o maior parecia ser o abatimento moral dos blumenauenses. Era preciso arrecadar dinheiro rapidamente para reconstruir a cidade, pois os da prefeitura e do Estado não seriam suficientes e demorariam muito a chegar.

Voltou-se, então, à velha fórmula de concentração e distribuição de bens do povo: a festa. Era necessário realizar uma festa para angariar recursos. Foi então que se resolveu colocar em prática o antigo projeto da Oktoberfest e, através dela, tentar revigorar o espírito de criação para a reconstrução da cidade; o mesmo espírito de luta e de coragem que imbuíra seus antepassados que ergueram Blumenau. Agora, os blumenauenses contemporâneos poderiam fazer parte dessa aventura, que estava recomeçando, dando-lhes a chance de também fazer parte da história de luta por um bom lugar para se viver e criar os filhos. Muitos foram contra, pois além dos recursos serem mínimos e os espíritos estarem fatigados e desanimados, era agosto, e uma Oktoberfest que se preze deve ser realizada em outubro. Mesmo assim, a vontade de renascer da cidade falou mais alto e as mãos foram postas à obra. Segundo Marita Sasse (1991), apenas a perspectiva da alegria de ver realizada a “Oktoberfest de Blumenau” e a motivação de receber bem as visitas foi capaz de animar a população e incentivá-la a unir forças para se ajudar mutuamente e tirar a lama de dentro das casas, limpar móveis, consertar cercas, envernizar as madeiras novamente, caiar as casas, escovar as calçadas, até que não restassem marcas da destruição. Pelo menos não “tão” aparentes.

A idéia tomou conta dos grupos e a secretaria de Turismo ofereceu apoio, chamando os empresários a participarem. As grandes cervejarias do Brasil foram contatadas e aceitaram patrocinar o evento. Evidentemente, o sul do Brasil estava mais do que qualificado, pela ascendência da população e pelos traços culturais todos, para realizar uma bela festa da cerveja. O começo do calor, vindo com a primavera, ajudava a secar a cidade, as lágrimas do povo, e a aumentar a sede. E tudo começara a florir, aumentando a esperança no renascimento de Blumenau (Sasse, 1991; Bonatti, 1992).

As escolas ensaiaram suas fanfarras; o município sua banda. Elas deveriam animar a nova festa de Blumenau. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos deveriam participar, organizando o que pudessem. O esforço de cada um era necessário.

Foi construída, de madeira, no estilo camponês, uma carroça que, puxada por cavalos, levaria um imenso barril de chope pelas ruas da cidade, distribuindo gratuitamente canecas dele aos passantes. Para guiá-lo, foi eleito um popular personagem desenhado pelo cartunista local Luiz Cé desde 1979, o Vovô Chopão, que seria também conhecido, a partir de então, como símbolo da festa e dono do carro da cerveja (chamado de Bierwagen).

Vovô Chopão, o responsável oficial pela distribuição gratuita de chope durante os dias da festa, é o rei da folia, uma espécie de Momo germano-brasileiro. Ele, no entanto, não é destronado e nem “morre” no final da festa. Apenas se recolhe às páginas do jornalzinho onde nasceu. Durante os dezessete dias da festa Vovô Chopão é encarnado por um cidadão blumenauense que o representa com alegria e fanfarronice e é o rei temporário da festa. Mas é “apenas um Vovô” e, como tal, não tem a malícia de seus pares, como o rei Momo. Sua principal função é a de presidir a distribuição gratuita do chope e animar os bailes (Sasse, 1991).

Em setembro de 1984 foi eleita a rainha da primavera de Blumenau, que foi encarregada de visitar as cidades vizinhas e o resto do país convidando para a primeira grande festa do chope no Brasil. O cartaz que ela levava por toda parte dizia: “Visite a Oktoberfest de Blumenau. Apesar de tudo”. Este apelo foi eficaz pois chamava para a festa e lembrava aos convidados a necessidade de solidariedade no difícil momento que a cidade atravessava. Para alguns, parecia impossível e absurdo que Blumenau estivesse festejando alguma coisa. Por solidariedade ou curiosidade, pelo amor ao chope ou ainda motivada pela beleza demonstrada pelo exemplo da rainha da primavera, uma enorme quantidade de pessoas respondeu positivamente ao convite. A rainha da primavera recebeu, a partir de então, a função de Rainha da Festa e deve ser sempre “uma loirinha rosada” que se veste com o traje típico de camponesa alemã do século passado, todo bordado com flores vermelhas e brancas, cores de Blumenau. Ela é escolhida entre representantes dos Clubes de Caça e Tiro locais (Sasse, 1991). Sua missão principal é a promoção da Oktoberfest nos meses que a antecedem, percorrendo o país, e desfilar sua beleza pela cidade durante a festa. Esta rainha desfila diariamente pela cidade (do mesmo modo que o Vovô Chopão), rodeada de outras moças bonitas, as “princesas”, exibindo o padrão de beleza das mulheres do sul e as flores de Blumenau que lotam seu carro.

As donas de casa e de doceiras prepararam seus doces. E muito, muito chucrute que acompanharia as salsichas e os marrecos assados, comida tradicional alemã. O objetivo disso era atrair muita gente que, vindo para comer, beber, dançar e cantar terminasse conhecendo e principalmente comprando os produtos da cidade. Os felpudos, como toalhas e roupões, os cristais e artigos de charutaria, principais produtos de Blumenau, assim como as camisetas (a indústria de malhas Hering é uma das principais indústrias de Blumenau), foram postos à venda, e os saldos da enchente foram vendidos por preços ínfimos. A primeira festa foi um sucesso, embora muitos comerciantes afirmem ter tido prejuízo. Em todo caso, muitos encaram a primeira festa como um investimento no que viria depois (Sasse, 1991).


 

 

O sucesso da iniciativa

 

A iniciativa deu certo. Segundo dados da prefeitura local, a primeira Oktoberfest reuniu cerca de cem mil pessoas no pavilhão A da PROEB. Nos anos seguintes a festa cresceu e tomou conta do Pavilhão B exigindo a construção do Pavilhão C, estendendo-se depois até o Ginásio do Galegão, registrando atualmente a participação de cerca de um milhão de pessoas.

Consomem-se nos salões da Oktoberfest, em média, 50.000 salsichas com chucrute, 20.000 frangos com purê, 20.000 marrecos com repolho roxo e 20.000 pratos de outros tipos. Reúnem-se, sob o mesmo teto, inúmeras famílias que formam por sua vez, uma momentânea e monumental família, configurando um princípio comunitário de união e confraternização. E, na troca de experiências e de atitudes muitas vezes opostas, chegam a um ideal em que as diferenças e a hierarquia são temporariamente suspensas. O discurso dos blumenauenses em geral, da imprensa e dos autores a respeito da festa repete constantemente que ela “apaga temporariamente” as diferenças de classe, preserva os costumes e atrai turistas. Este mesmo sentimento e experiência aparecem nos almoços do Círio de Nazaré, no Carnaval e nas festas brasileiras em seu conjunto, embora em escala maior ou menor.

A comida, também na Oktoberfest como nas festas em geral, assume um caráter simbólico de alta importância. Existe um reconhecimento, nas festas, de que, em tempos de exceção, a comida partilhada deve ser diferente ou especial. E, através desse compartilhar de alimentos especiais, trabalhosos na maioria das vezes, revigoram-se os laços de solidariedade, de ajuda mútua, de pertencimento. A mesa farta e comum promove a comunhão da sociedade consigo mesma, provoca a criação de novas relações, regras inesperadas e hieraquias redistribuídas em relação à mesa e aos alimentos. Na euforia dos prazeres da mesa, as fronteiras parecem apagar-se, dissolverem-se ou ocultar-se antagonismos ideológicos e políticos e as controvérsias de todos os tipos, pois a mesa iguala os homens naquilo que lhe é fundamento natural: a necessidade do alimento e da sociedade para viver.

Beber juntos, no caso, a cerveja, também faz parte desse ritual de comunhão, acentuando a confiança existente entre os presentes. Os antepassados dos blumenauenses, os germanos pagãos, preparavam sua cerveja dentro de um ritual místico. Durante as saturnais, em que comer e beber lautamente eram prazeres característicos, a distinção entre as classes livres e as classes escravas era temporariamente abolida. E ainda mais, os senhores trocavam de lugar com seus escravos e os serviam à mesa (Frazer, 1911; Acheas, 1987). O delírio báquico é perturbador da hierarquia, de organização hipostática estabelecida e instaurador da co-ordenação, colocando antes lado a lado os elementos do sistema do que valorizando-os ou hierarquizando-os. (Acheas, 1987). Em Atenas, nos três dias que precediam a primavera, Dionísio era saudado com farta distribuição de vinho à população. Em Roma, na Antigüidade, se fazia o mesmo. Nas ruas, uma alegre procissão deveria conduzir um carro em forma de nave (o carrus navalis, antepassado do Bierwagen) que distribuiria a bebida ao povo (Schultz, 1994). Os blumenauenses copiaram da Bavária o Bierwagen (o imenso tonel puxado por cavalos) e acrescentaram a Bierfahrad (bicicletas gêmeas transportando um tonel) e a Biermottorad (a moto da cerveja de Horácio Brown). Assim, a festa vai ganhando aos poucos elementos inovadores, transformando-se ao mesmo tempo em que revitaliza tradições milenares.


 

 

A organização da festa

 

Os preparativos, como em todas as festas, começam muito antes de outubro. Desde as flores, que se espalham por toda a cidade, à preparação de doces típicos, produção ou compra das salsichas, preparação do chucrute, reserva dos marrecos, ensaio das bandas e fanfarras, decoração dos grandes espaços de 80.000m2 da PROEB, feitio das roupas e chapéus tiroleses e centenas de outras atividades, tudo vai sendo preparado com antecedência para os dias da Festa.

Canecas de chope são especialmente fabricadas para ela e é comprando-se essas canecas que se toma todo o chope que for possível beber. Os grandes barris de chope são adornados com flores. É realizado o concurso que escolherá a rainha da festa e são distribuídos cartazes. O marketing da festa entra em ação, atingido todas as cidades brasileiras. Estes preparativos podem começar em junho, visando o mês de outubro, embora a cidade produza o ano inteiro várias mercadorias que têm como finalidade a venda na Oktoberfest, além de manter várias atividades relacionadas a ela.

A festa é pautada pela alegria geral. O som das bandas (algumas vindas da Alemanha especialmente para a data) é contagioso, exuberante e, dizem os participantes, não há quem não ceda à tentação de parar para ouvir, ver ou dançar ao som das canções típicas ou mesmo de músicas brasileiras, muitas vezes traduzidas para o alemão, como famosos “pagodes” do tipo “Lá vem o negão” que se canta: “Lá vem o alemão, cheio de paixão”. Todos saem atrás das bandas, que são o correspondente dos trios elétricos baianos no Carnaval, ou se dirigem com elas para o imenso ginásio da PROEB, a fim de dançar e tomar chope.

O momento de embriaguez ritual na festa do chope é irresistível e permite o ultrapassamento ou violação das regras sociais, o que pode representar o risco da instauração da violência, como apontam Girard (1990), Bataille (1973) e Canetti (1983). Por essa razão o policiamento é mantido como forma de controle.

Embora a imprensa tente reforçar a imagem de ordem, não podem ser evitados os excessos, que são controlados por plantonistas especializados e por guardas, sem que este policiamento seja ostensivo” (Sasse, 1991: 49).

Durante os dezessete dias da festa, a cidade não pára. Bancos abrem, escolas funcionam, o comércio ferve. A diferença, dizem os blumenauenses é que se trabalha (bem ou mal) em ritmo de festa (Sasse, 1991). Em ritmo de alegria, porque as bandas não páram de circular pela cidade tocando e os Bierwagen (carros da cerveja) aparecem a todo momento, acompanhados da algazarra típica, jovens alegres, e sempre há quem saia das casas e das lojas para tomar uma caneca ou um mesmo um banho de cerveja. Na hora dos desfiles de carros alegóricos pela rua XV de Novembro, geralmente à tarde ou à noite, a situação fica crítica para o trânsito, com um engarrafamento total. No entanto, como os horários dos desfiles são seguidos rigorosamente, as pessoas podem organizar seus compromissos e sua circulação com antecipação a fim de não sofrer prejuízos e não perder seus compromissos.

A cidade participa de modo total da festa. As escolas estaduais cooperam com as fanfarras e as municipais com grupos folclóricos cuidadosamente ensaiados, vestidos “à caráter”, com roupas bordadas com desenhos tradicionais e dançando as velhas cantigas alemãs. Estes grupos saem logo cedo, por volta das sete horas da manhã, às ruas despertando com a música da festa os habitantes e turistas, que já acordam “dentro da festa”. São promovidos, também, concursos de poesia e realizam-se exposições de obras de arte e artesanato. Os grupos folclóricos desfilam e acompanham belos carros alegóricos, um dos quais traz a Rainha da Oktoberfest, que anuncia a festa e o despertar da primavera, dos sentimentos adormecidos, entre eles, a alegria e o prazer de viver, comer e beber. Segundo Sasse (1991: 68) ela encarna

em sua modéstia e simplicidade, sem o saber, a mitológica Perséfone, que vai, através da alegria de sua mãe Deméter, provocar o renascimento das folhas e das flores por toda a terra”.

Duvignaud (1976) diz que este seria mais um aspecto fundamental da festa: o anúncio de uma estação do ano ou de um novo tempo. Aqui no Brasil, de fato, a festa coincide com a chegada da primavera, embora na Alemanha, na festa original na qual se inspira a Oktoberfest brasileira, obviamente aconteça no outono. Huizinga (1951), citando Froebenius, diz que num passado remoto os homens em primeiro lugar tomaram consciência dos fenômenos do mundo vegetal e animal, só depois adquirindo as noções de tempo e espaço, dos meses e das estações, do percurso do sol e da lua. Teriam passado, depois, a representar essa grande ordem da existência em cerimônias sagradas, nas quais, e através das quais realizavam de novo, ou “recriavam” os acontecimentos representados, contribuindo, assim, para a preservação da ordem cósmica.

Dentro do ginásio da PROEB, ao som das bandas e do bater das canecas, dançam-se polcas, come-se e namora-se muito. Alguns jovens com quem conversei dizem, como Monika, de 17 anos:

A Oktoberfest é a salvação. Senão a gente não conhece mais ninguém”.

Ou ainda:

a gente só conhece gente de fora quando tem a Oktoberfest. Vem muita gente da Argentina, Uruguai, de São Paulo e Rio Grande, e então tu faz amizades, escreve cartas, troca e-mail.” (Erick, 17 anos).

Ariel, de 14 anos, também disse:

Aqui em Santa Catarina, se não fosse a Oktoberfest e outras festas típicas estaríamos praticamente isolados do mundo.

A festa se revela então como um momento em que, além da descontração, do desregramento, da revitalização histórica e da identidade local, é possível renovar as relações pessoais e entrar em contato com idéias e modos de vida diferentes, estabelecendo possibilidades novas que sem a festa não aconteceriam.

Nas noites de Oktoberfest os bailes dos gigantescos salões da PROEB ficam lotados e tanto neles como pelas ruas canta-se e bebe-se o “chope de metro”. O “Concurso dos Tomadores de Chope de Metro” consiste em beber um “metro” ou mais de chope num “copo” especial, de vidro soprado e com uma longuíssima boca, semelhante a um tubo de ensaio (chamado de pepita ou pipeta e que tem um metro de comprimento, de onde vem a expressão “metro de chope”). Não é tarefa das mais fáceis e embebeda rapidamente. Poucas pessoas resistem à tentativa e a conseqüente embriaguez.

Neste concurso há sempre campeões colocando seu título em jogo. Em 1997 foram introduzidas mais duas competições: a Maratoma, que consiste em correr e tomar uma cerveja obrigatoriamente a cada 300 metros e a Maracome, cujo ganhador será aquele que conseguir comer mais salsichas com chucrute ou outros pratos típicos. E bebe-se cada vez mais cerveja e chope ao som de cantigas como:

Im Himmel, da gibt’s kein Bier
drum trinken wir es hier
Und sind wir nicht mehr hier,
dann trinken die and’ren unser Bier

Que significa:

No céu não há cerveja
Por isso a tomamos aqui
e quando não estivermos mais aqui
os outros tomarão nossa cerveja

Ou ainda:

Ein Glück dass wir nicht saufen,
wir lassen’s runterlaufen
Wenn das so witergeht,
bis morgen früh, ja früh
steh’n wir im Alkohol
bis an die Knie”

“Ainda bem que nós não bebemos!
Só deixamos a bebida escorrer
goela abaixo.
Se isso continuar assim
Até amanhã de manhã estaremos
mergulhados no álcool até os joelhos”

(Sasse, 1991)

As canções indicam claramente qual é o espírito da festa. Viver o momento presente, aproveitar os prazeres enquanto se está aqui. O chope e a cerveja simbolizam a própria vida, que deve ser totalmente aproveitada e compartilhada com alegria, pelo menos nos dias de festa. Depois, outras gerações farão o mesmo. A mesma festa comemorando a vida. A mesma vida. Cantar em alemão, mesmo para os que não conhecem o significado da letra (e são muitos), reporta a um passado mítico, sacralizado mesmo, durante a Oktoberfest, e o significado atribuído às canções parece ser sempre o de alegria, vida e prazer. Nada melhor para enfrentar a destruição de uma enchente.


 

 

A festa como investimento e fonte de lucros

 

O sucesso da Oktoberfest foi tamanho que Blumenau não só se recuperou física e economicamente, como também se converteu num evento tão associado à identidade da cidade, que muitos folhetos turísticos substituem o nome de Blumenau por Oktoberfest. Graças ao volume de visitantes que a cidade passou a receber em função da festa, a economia se desenvolveu de forma equilibrada, harmônica e crescente. O padrão de vida da cidade subiu paralelamente. Existem, em Blumenau, segundos dados da prefeitura, automóveis na proporção de um para cada três habitantes — a taxa mais elevada do Brasil. Os blumenauenses se orgulham do fato de que em todo o município não existe uma só família que não seja proprietária da casa em que mora. O sucesso do modelo festivo de Blumenau fez com que ele se convertesse num modelo que vem se disseminando por todo o país, como modo de incentivar o turismo e através dele concentrar recursos para financiar obras sociais, gerar empregos e fomentar indústrias.

Por trás da segunda maior festa da cerveja do mundo — depois da Oktoberfest de Munique, Alemanha — movimentam-se batalhões de pessoas para viabilizar a estrutura da festa. Se a prefeitura de Blumenau e a PROEB investem dois milhões de dólares na Oktoberfest, as empresas patrocinadoras, como as quatro grandes cervejarias do Brasil (Antártica, Brahma, Kaiser e Skol), armam também uma gigantesca operação para apoiar o evento. São dezessete dias de festa seguidos, contra os cinco dias do Carnaval.

A Brahma, que detém o direito de explorar dois pavilhões do complexo da PROEB, permanece por volta de dois meses envolvida com os preparativos e chega, segundo seus próprios dados, a estimular a criação de mil empregos indiretos. Além disso, paralelamente à festa em Blumenau, a cervejaria ganhou a concorrência para participar de outras oito festas na região sul que também envolvem consumo de chope e cerveja, sem contar com a Minioktoberfest, um evento criado para o público infantil e que movimenta o segmento do refrigerante Sukita. A companhia esperava superar, em 1997, os 469.390 litros de cerveja servidos nas festas de Santa Catarina (Fenachopp, Munchenfest, Oktoberfest, Fenarreco e outras), no ano passado, além dos 14.150 litros de chope escuro. Enquanto o setor de Promoções e Novos Meios gerencia os eventos, há um contingente do pessoal de operações permanentemente dedicado aos preparativos dos produtos e equipamentos para as festas.

Para poder atender a Oktoberfest (Blumenau), Fenarreco (Brusque), Schlachfest (São Bento do Sul, terra do vinho mas onde já foram consumidos 14 mil litros de chope), Marejada (Itajaí), Shutzenfest (Jaraguá do Sul), La Sagra (Rodeio), Minioktoberfest (dentro da própria Oktoberfest) permanecem jorrando chope pelo menos 223 chopeiras, abastecidas por três caminhões tanques (com capacidade para 25 mil litros) e um Chopemóvel (caminhão adaptado com bicos próprios (com capacidade para 6 mil litros), que dispensa os terminais de chopeiras. Entre os veículos que transportam o chope, as granes e as chopeiras, são utilizados ainda onze tanques estacionários, de capacidade variada. Somente para os pavilhões da PROEB, são 55 chopeiras, 8 tanques estacionários, 20 torres e 20 post mix para servir refrigerantes. Numa noite embalada ao som das bandas e com boa freqüência de público, são necessárias duas pessoas em cada chopeira, tal o ritmo alucinante de tiragem de chope.

A festa espalha seus efeitos, ainda, para além dos limites do município de Blumenau, contagiando as cidades vizinhas de Gaspar, Pomerode, Balneário Camboriú, Brusque, Indaial e Timbó. Todas estas cidades recebem turistas e hóspedes que excedem a capacidade blumenauense de acolhida ou ainda que aproveitam para conhecer a região nos momentos em que “descansam” da festa.

À primeira Oktoberfest, que aconteceu sessenta dias depois da grande inundação de 1984, compareceram cerca de cem mil pessoas, que consumiram 100.000 litros de chope e 12 toneladas de alimentos durante os 12 dias em que a festa durou. Hoje são cerca de um milhão.

A Oktoberfest de Blumenau vem crescendo anualmente. Em 1996 foram cerca de um milhão de pessoas, que consumiram 774.600 litros de chope durante dezessete dias. E o principal faturamento da festa não se conta pela bilheteria, dizem os blumenauenses, mas indiretamente, através dos hotéis, restaurantes e do comércio local.

A festa cresceu tanto que se tornou lucrativa. O dinheiro arrecadado é investido nas melhorias da cidade, galerias de águas, asfalto, assistência social. A prefeitura e o governo do Estado de Santa Catarina a apóiam de diversas maneiras e as agências de Turismo vêm mesmo se “apropriando” da festa, como evento a ser vendido para todo o Brasil. É claro que os blumenauenses percebem isto, e fazem uso do interesse econômico em sua festa para conseguir benefícios. Não é a toa que Blumenau se orgulha de não ter gente desempregada na cidade, a não ser a mão de obra totalmente desqualificada, e mesmo esta encontra ocupação durante a Oktoberfest.

Com o crescimento, várias novidades são inseridas na festa, gerando aplausos por um lado e protestos por outro. Em 1998 a festa deve contar com uma creche onde pais possam deixar seus filhos e participar dela tranqüilamente. Em 1997 uma pequena cervejaria foi montada no Biergarten e, uma “vila germânica”, objeto de muita polêmica, está sendo construída. Esta vila deve ser uma espécie de concentração de estereótipos alemães, a que muitos se opõem. Extrapolando as linhas tradicionais da festa, a prefeitura pretende instalar uma montanha russa e um bungee jump, que parecem ser bem vindos à cidade mas não à festa (Jornal de Santa Catarina, 04/11/96).

A constatação de que valia a pena ressaltar sua tradição e suas origens na festa foi um “tomada de consciência” positiva na história de uma cidade que sentia estar perdendo suas raízes (Sasse, 1991). Durante a primeira festa da cerveja de Blumenau, o povo bebeu, simbolicamente, toda a água do Itajaí, toda a herança alemã, toda a vida esquecida desde que o Dr. Blumenau chegou ao Brasil e comprou aquelas terras com a finalidade de colonizar e instalar os alemães imigrantes que para cá se dirigiam. A Oktoberfest revive esta história em seus carros alegóricos floridos, suas canções, ao mesmo tempo em que constrói uma nova história, pautada pela existência da festa, inventando e construindo há catorze anos, uma tradição que promete perdurar. O resultado do trabalho dos blumenauenses lhes deu uma maior consciência da importância de fatos aparentemente singulares num contexto universal.

Atualmente, alguns analistas da festa enxergam nela diversos problemas e mesmo uma descaracterização da idéia original, resistindo desse modo à visão de cultura como processo dinâmico. Entretanto, a transformação da festa popular em produto turístico parece estar introduzindo de fato novos elementos tidos como bastardos pelos primeiros festeiros. Os jovens, entretanto, apreciam as novidades e impulsionam a transformação.

Não apenas a região sul, mas também o nordeste, tem investido no modelo Oktoberfest em variações locais. Surgem então, a Dezemberfest, a Julifest, Fishfest, Cajufest e até uma intrigante Oktoberfest de Garanhuns, em Pernambuco, cidade que se auto-intitula “Suíça brasileira”. Com o slogan “Garanhuns tem clima”, sua Oktoberfest é divulgada chamando-se a atenção para os shows de artistas populares e do forró que acontece durante a quinzena.

A Julifest de Camboriú foi a versão da Oktoberfest criada pelo balneário de Santa Catarina. Vivendo do aluguel de apartamentos, venda de artigos de praia, restaurantes, enfim, do turismo, como todos os balneários, Camboriú criou um modo de atrair turistas durante o inverno, o rigoroso inverno do sul do país. Colonizada por portugueses açorianos, apostou na via da gastronomia como atração. A Julifest, ainda sem identidade definida, é chamada também de “festa das nações”, e nela são apresentados desfiles e shows de música folclórica além de comidas típicas de diferentes nações.

Itajaí, outra cidade catarinense de colonização açoriana, apostou na realização, entre os dias 6 e 26 de outubro, da Marejada, ou Festa Portuguesa e do Pescado, há 10 anos. Em 1996 a Marejada recebeu cerca de 270 mil visitantes vindos de todos os estados brasileiros. Nesta festa a atração são os diversos pratos preparados à base de peixes e frutos do mar, à moda portuguesa. E vinhos da região. Os habitantes e turistas se divertem ao som das canções folclóricas açorianas. Integrante do roteiro das Festas de Outubro de Santa Catarina, a Marejada é considerada a segunda maior deste Estado, perdendo em volume de público e de consumo apenas para a Oktoberfest de Blumenau.

Além destas festas típicas, outras festas, “de colheitas”, como as incontáveis festas “da Uva”, “do Morango”, “do Pêssego”, “da Maçã”, “do Kiwi”, “do Milho” e outras propagam-se por todas as cidades. A Festa da Uva, no Rio Grande do Sul, em Caxias e outros municípios, já tem uma longa tradição e serviu para construir não apenas relações de sociabilidade entre italianos, alemães e os brasileiros do sul, mas ainda para erguer uma série de entidades, inclusive políticas, de proteção aos agricultores e cooperativas.

Em Mato Grosso do Sul, a presença dos rios e a riqueza do pescado propiciou a criação da Fishfest, a festa do peixe, em Dourados, onde são devoradas toneladas de peixes os mais diversos, preparados segundo receitas e tradições também diferentes.

Inspirada neste sucesso das Fests do sul, a Secretaria de Turismo do Estado do Ceará passou a organizar a Cajufest, entre 6 e 10 de outubro, em Fortaleza. A Cajufest, que se pretende uma festa gastronômica, tem ainda, segundo alguns, “jeito de feira”, e promove a venda de produtos do caju e a apresentação de música e dança que tenham o alimento como tema. O objetivo da festa, segundo a Secretaria, é criar condições para que as cidades da serra, sertão e litoral possam receber turistas, ação francamente incentivada pela EMBRATUR. Para isso, um caminhão equipado com sala de aula vai visitar pequenos municípios do Estado e orientar os dirigentes sobre como lidar com o turismo, especialmente através da via das festas.

Este caráter “útil”, “funcional” está presente de modo mais definido nas festas que foram estabelecidas mais recentemente. Ele já se estava presente, como vimos, nas festas do período colonial, mas sua funcionalidade e seus benefícios eram revertidos para o Estado e a Igreja. Com o advento da República e a secularização (relativa) da sociedade, o povo parece ter se apropriado da lógica da festa colonial utilizando-a em benefício próprio. Assim, as festas são festas de construção de relações e de afirmação social, embora façam a crítica da ordem vigente, ao se realizarem também com o intuito de preencherem lacunas sociais deixadas pelo Estado em diferentes sentidos.

Especialmente no sul e sudeste do país, as festas têm finalidades claras. Se a primeira e mais importante é a comemoração, a conciliação entre inconciliáveis, não se pode deixar de notar sua força política e o papel de aglutinadora de forças que poucas vezes se vê na população brasileira quando se trata de lutar por seus direitos ou organizar-se em partidos ou associações civis. O exemplo das festas paulistas de N. Sra. de Achiropita e da Festa do Peão Boiadeiro de Barretos entre outras, mostra o inesperado poder organizativo da festa e de que modo ela pode ser também um aprendizado paralelo dos direitos e deveres dos cidadãos, que aprendem a lidar com a burocracia de Estado, com a política dentro dos grupos e, no sentido mais amplo, com as dificuldades no estabelecimento de parcerias com empresas e igrejas, com as disputas e com a extrema dificuldade de redistribuição de bens que a festa gera. Vejamos os exemplos paulistas.


 

 

As Festas Paulistas

“Veio Mané da Consolação
Veio Barão de lá do Ceará
Um professor falando alemão
Um avião veio do Canadá
Monsieur Dupont trouxe o dossiê
E a Benetton topou patrocinar
A Sanyo, garantiu o som
Do baticum, lá da beira do mar

[...]
Zeca falou: antes que era bom
Mano cortou: brother, o que é que há
Foi a G.E. quem iluminou
E a Macintosh entrou com o vatapá
O JB fez a critica
E o cardeal deu ordem para fechar
O Carrefour, digo o baticum
Da Benetton, não, da beira do mar
Aquela noite
Quem tava lá na praia viu
E quem não viu jamais verá
Mas se você quiser saber
A Warner gravou
E a Globo vai passar”

(Baticum, de Chico Buarque e Gilberto Gil)

 

O sudeste do país, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, por ser a região de maior desenvolvimento econômico e concentração populacional do Brasil, abriga uma maior diversidade cultural e nela os problemas sociais surgem de modo mais gritante, pedindo soluções urgentes que pouca vezes o Estado tem demonstrado interesse ou capacidade de oferecer. É neste contexto que festas como as de Nossa Senhora da Achiropita, São Vito e outras como a de Peão Boiadeiro em Barretos (SP) podem ser vistas como modo de ação popular, interferindo efetivamente nos problemas e minorando-os ou resolvendo-os. Ao mesmo tempo, como acontece em todo o resto do país, fazem a história real do Brasil, embora não escrita nos livros oficiais, em que o povo não assiste “bestializado” às ações das elites mas é ele quem age, contando com seus próprios esforços e recursos.

O mais conhecido exemplo é o do Carnaval carioca, ao qual não parece necessário fazer longas referências ou explicar do que se trata. Festa brasileira por excelência, e cada vez mais tornando-se um produto de exportação por sua poderosa força de atração turística, o Carnaval é “modelo de” e “modelo para” (Geertz, 1978) a maioria das festas brasileiras. É necessário lembrar, contudo, que o modelo do Carnaval é o modelo processional, presente já nos primórdios da festa brasileira, cuja base do processo de simbolização é o deslocamento. Neste processo, a parte fundamental é a transmudação ou a passagem de um ou vários elementos, de um domínio para outro. A idéia de ver o deslocamento como mecanismo crítico nas transformações de objetos em símbolos é básica também para entender a natureza do rito, já que permite ver o ritual como algo que se constitui e não mais como um tipo acabado de ação social. Ou seja: o deslocamento processional, presente na maioria das festas brasileiras permite perguntar como determinado objeto ou elemento que se desloca no espaço se tornou um símbolo e em que condições um dado conjunto de ações sociais se torna um rito (Da Matta, 1978). Tanto no processo de simbolizar quanto no de ritualizar (que não se separam, como notou Turner, 1974) temos um fenômeno de consciência, isto é, de atenção plena. A partir disto podemos compreender por que, tanto ao simbolizar como ao ritualizar, nas festas, é fundamental deslocar um objeto de lugar, seja este um lugar social ou geográfico. Ao fazer isto, o deslocamento agudiza a percepção da natureza do objeto, suas propriedades, origem, adequação. Por esta razão, um dos elementos fundamentais do Carnaval é o desfile, do mesmo modo que as procissões são caminhadas deslocando um objeto sagrado. Os deslocamentos conduzem a uma conscientização de todas as objetificações do mundo social, no que elas têm de arbitrário tanto como no que têm de necessário. É neste sentido que o Carnaval é o “modelo das” festas brasileiras e o “modelo para” as festas brasileiras, especialmente na forma que elas vêm tomando atualmente. Até mesmo o São João nordestino já conta com desfiles em avenidas e percorre distâncias envolvendo milhares de pessoas.

O Carnaval também é obra de arte popular e “mise-en-scène” da cultura brasileira, do personagem povo no drama social, seja em modo de rebeldia ou submissão, conforme se dirija o olhar para cada um dos aspectos que o envolvem. O Carnaval pode mesmo ser compreendido como um grande desfile cívico, similar ao 4 de julho americano ou o 14 de julho francês. Toda a história, do ponto de vista popular, é contada nas grandes avenidas do país por onde se deslocam todas as classes sociais, raças, categorias, todos os sexos, todos os símbolos nacionais. Não parece, portanto, necessário, depois dos vários estudos já feitos sobre o Carnaval (Da Matta, 1978; Eneida, 1958; Goldwasser, 1975; Leopoldi, 1978; Queiroz, 1992; Risério, 1981; Rodrigues, 1984 e outros) descrevê-lo. Basta lembrar que a participação no Carnaval foi capaz de gerar várias agremiações que por sua vez vêm se constituindo em verdadeiras ONGs, com reivindicações e ações sociais bem definidas, como as realizadas pela comunidade da Mangueira no Rio de Janeiro, Olodum em Salvador, Vai-Vai em São Paulo e outras, que mantem centros de apoio a pessoas carentes, escolas e projetos de conscientização da população que adere ao Carnaval, além de gerar empregos e todo um mercado específico, que vai desde tecidos, lantejoulas, fantasias, até instrumentos musicais e discos com sambas-enredos ou marchinhas para carnavais de salão.

Do mesmo modo que o Carnaval, outras festas podem ser entendidas como modelos populares de ação social e até mesmo política (Caldeira, 1984). A organização primária, que se dá com vistas à realização da festa, pode vir a ultrapassar os limites do tempo de sua produção, estendendo-se por outros campos de ação no cotidiano. Especialmente nas grandes metrópoles, onde a experiência do agrupamento e da associação, pode revelar-se construtiva de laços afetivos, relações diretas e personificadas e reforço da capacidade de ação [30]. Como a tudo que engloba, a cidade e a imensa diversidade cultural que lhe é peculiar, dão à festa muitos sentidos. Em lugares como São Paulo, onde a convivência de diversos grupos obriga à reelaboração de conceitos, também as festas têm diferentes faces a serem vistas. Mais que mera “válvula de escape”, mais que ser “contra” ou “a favor” da sociedade tal como se encontra organizada, podem também ser o modo próprio de expressão dos grupos de origem, raciais, étnicos, religiosos ou ideológicos, instrumento político destes. Podem ainda ser um modo de ação social, uma vez que boa parte das festas mobiliza grande contingente de pessoas e recursos com finalidades filantrópicas, no sentido de cumprirem um papel de apoio à comunidade e seus membros ou de outros grupos. Esta atitude muitas vezes termina por gerar uma consciência da associação como modo de fortalecimento e dando origem a organização, como as de bairro, de mães, de leigos na igreja, ou ainda os Centros de Tradição, como o Nordestino, em São Paulo (Rigamonti, 1997).

Um dos exemplos contundentes deste potencial da festa no Brasil, entre as inúmeras festas paulistanas, talvez seja o ciclo das chamadas “festas italianas”, atualmente compartilhada por outros grupos de origem. No interior de São Paulo, um bom exemplo é a Festa de Peão Boiadeiro que tem se expandido de Barretos para muitas cidades.

Na capital paulistana, o ciclo de festas italianas é composto pelas festas de N. Sra. da Achiropita, San Genaro, São Vito Mártir, Santo Emídio e N. Sra. de Casaluce. São todas festas católicas, que prestam homenagem aos santos (como o Círio de Nazaré e as Festas do Divino), mas também, ou principalmente, festas étnicas [31]. As colônias napolitana, calabresa e cirignolana, tradicionalmente rivais, enfrentam-se nestas festas, disputando quem é capaz de oferecer a melhor homenagem aos seus santos prediletos. As comunidades envolvidas nelas, composta majoritariamente de imigrantes e descendentes destes [32], de classe média (alta ou baixa), zelam com severa disciplina pelos costumes herdados dos pais e avós, boa parte deles fundados na religião e, segundo alguns participantes, ainda em vigor nos países de origem.

A exemplificação destas festas e principalmente da de N. Sra. da Achiropita, que é o modelo de todas as outras, parece suficiente para demonstrar o modo pelo qual se organizam os grupos de origem ou ascendência italiana nos Bairros do Bexiga, Brás, Vila Prudente e Mooca.

A Associação São Vito Mártir realiza anualmente, há 75 anos, a festa de São Vito no bairro “italiano” do Brás, festa que acontece durante sete semanas, a partir do começo de junho. Além de festejar São Vito, a festa tem como objetivo arrecadar fundos para a construção e manutenção de uma escola e uma creche mantidas pela associação.

O mesmo acontece com a Festa de Santo Emídio, realizada durante cerca de três semanas pela população de Vila Prudente, na capital de São Paulo. A paróquia de Santo Emídio homenageia o santo há 53 anos, durante todo o mês de agosto e a principal atração da festa, além da procissão, são as massas, comida típica italiana. Canelones, pizzas, lasanha, rondelli, entre outras, com molhos variados, fazem parte da tonelada de massas “oferecida” durante a comemoração. Para fazer toda essa comida, cerca de quinhentos casais da comunidade se reúnem para arrecadar dinheiro através de outras festas, doações dos comerciantes, bingos, rifas e do auxílio de instituições públicas, como a Administração Regional do Bairro e a ELETROPAULO. Uma das participantes conta que em 1993 foram necessários cerca de trezentos e vinte mil dólares [33] para que a festa fosse realizada.

Conseguidos os recursos (geralmente através da realização de bailes, bingos, rifas e bazares nas casas dos organizadores, nos quais os prêmios e prendas são oferecidas pelos moradores e comerciantes do bairro) para a compra dos ingredientes das massas, molhos etc., a comunidade passa a dedicar todo seu tempo à execução dos pratos, que são vendidos nas ruas dos bairros, em barracas ou galpões, prontas ou cruas, com acompanhamentos diversos. Além das massas, há também espetáculos musicais de artistas da própria comunidade e todos os domingos, a partir das 13 horas, são realizados shows com uma orquestra.O lucro auferido nestas festas fica sempre em torno de 20% do dinheiro investido em sua organização. É um lucro alto, considerando-se que o investimento na festa é feito coletivamente, tornando mínimas as contribuições individuais que, somadas aos patrocínios e o apoio do Estado compõem o total do investimento. Em 1993 foram conseguidos cerca de seis mil dólares, todos eles destinados à assistência social no próprio bairro. Nos 53 anos de existência da festa de Santo Emídio, já foram construídas creches, asilos para idosos e a própria igreja matriz do bairro, e as verbas arrecadadas com a festa de 1993 tinham como destino a construção de quatro salas de aula para crianças carentes da região.


 

 

A Festa de N. Sra. da Achiropita

 

Estas festas costumam seguir o modelo (não apenas em termos da festa, mas também da preparação e realização), desenvolvido originalmente pelos moradores do bairro do Bexiga, famosos cultuadores de N. Sra. da Achiropita, cuja festa, estudada por Maria Coimbra (1987), é uma das mais populares e tradicionais da capital paulista. São ao todo dez noites de festa italiana, sempre aos sábados e domingos, no período que geralmente vai do começo de agosto ao começo de setembro.

A festa no Bexiga ocorre em agosto, tendo seu momento culminante próximo ao dia 15, quando é realizada a procissão. Mas os preparativos iniciam-se em abril e talvez já no término da festa anterior. Enquanto se vive a lembrança da festa que passou cultiva-se a expectativa da próxima. Em seu primeiro momento, a entrega da bandeira para o festeiro do ano seguinte marcava simbolicamente o início da próxima festa. A festa, de certa forma, não se interrompe.” (Coimbra, 1987: 53).

A origem do culto a N. Sra. da Achiropita, segundo a Igreja, se dá em 580 d.C., quando um capitão chamado Maurício chegou por engano a uma aldeia calabresa e um monge local profetizou que ele havia sido mandado para lá por Nossa Senhora, que ele se transformaria em imperador e naquele vilarejo construiria um templo. Dois anos depois, Maurício, já imperador, seguiu as palavras do monge e mandou erguer um santuário dedicado a Nossa Senhora. Porém, a imagem que era pintada durante o dia desaparecia à noite. Em uma dessas noites, uma senhora visitou o templo. Quando o vigia entrou no santuário, preocupado com a mulher que demorava a sair, encontrou a imagem de Nossa Senhora pintada na parede. O guarda chamou as pessoas que passavam na rua, gritando “Achiropita!”, palavra que significa, “não pintada” (pela mão do homem). O culto a N. Sra. da Achiropita se espalhou entre a comunidade italiana de São Paulo, e só existem duas igrejas dedicadas a ela em todo o mundo.

Para a festa são instaladas, na rua 13 de Maio, no quarteirão da igreja, quinze barracas que funcionam das 18 às 24 horas. Estas barracas oferecem os pratos típicos italianos, como as pastas (macarrões), as fogaças e pizzas, bebidas etc. Elas são gerenciadas por pessoas do bairro, que prestam contas à Associação, no final da noite. Na “Cantina Madonna Achiropita”, além da grande mesa com pratos frios e quentes, há música italiana típica, ao vivo, com diversos cantores, danças, leilões e sorteio de brindes. Ali são servidas, também, deliciosas comidas italianas, preparadas carinhosamente pelas “mammas” (mães italianas, ou que dominam a preparação dos quitutes italianos) da comunidade. A partir das terças-feiras, em todas as semanas, as “mammas” se envolvem em tempo integral na preparação de pratos como fogaça, fricazza, espaguete à moda Achiropita, polenta, antepastos, peperoni al forno, melanzana al forno, sfogliatelli e canolli, entre várias outras especialidades bastante disputadas. Os preços na Cantina são mais altos que os da rua, e muitos participantes da festa dizem que na Cantina a comida é, também, melhor.

Para atender às mais de 100 mil pessoas, que costumam comparecer à festa, são consumidos por volta de cinco toneladas de farinha de trigo, três toneladas de espaguete, 2500 latas de óleo, 3500 quilos de muzzarela, dez mil litros de vinho à granel, 15 mil litros de chope e 15 mil litros de refrigerantes. Colaboram também para a festa, doando materiais ou concedendo desconto especiais de seus produtos, a Antártica, a Etti, a Adria e a J. Macedo. Igualmente a Escola de Samba Vai-Vai, reduto de sambistas paulistanos, dá sua contribuição, participando das festividades com muito samba (Folha de São Paulo, 03/08/1997; Site, 1996; Coimbra, 1987).

A festa ainda tem atrativos como as danças e canções napolitanas, a apresentação de grupos folclóricos e a “linha de produção” da fogaça, com mais de cem pessoas sob o comando de “seu” Vicenzo e dona Neuza. A preparação dos alimentos insere-se em parte na estrutura de economia tradicional, pois apresenta aspectos de mutirão, artesanais e o falatório que descontrai e ameniza o esforço dos que trabalham, além de envolver os clássicos segredos culinários. A participação de famílias, cujos membros trabalham em conjunto e não isoladamente, também é comum. Entretanto, a festa cresceu de tal forma que se tornou impossível preservar todas as características artesanais do preparo dos alimentos. Foi necessário confiar a uma padaria do bairro a preparação da massa da fogaça. O macarrão também é industrializado, embora os molhos continuem a ser preparados artesanalmente pelas “mammas” (Coimbra, 1987).

Outro costume da festa é o gigantesco queijo provolone com dois metros de comprimento e cerca de cem quilos, um dos prêmios mais cobiçados da festa, entre inúmeros outros, sorteado entre os que freqüentam as barracas.

Na igreja, durante todo o período da festa, há visitação à Santa, paralelamente às orações e bênçãos. É costume a igreja ficar completamente lotada de fiéis e nas horas das bênçãos, a demonstração de fé à N. Sra. da Achiropita é mais intensa.

A parte profana da festa desenvolve-se paralelamente às atividades religiosas, entre elas a tradicional Novena da Achiropita, que acontece durante a semana, sempre às 20 horas, com a animação de corais especialmente convidados. Em 1996, a Novena relembrou a cada dia um momento da história da paróquia, que comemorava então 70 anos de existência, embora os italianos do Bexiga afirmem comemorar N. Sra. da Achiropita há pelo menos 90 anos.

“A festa de Nossa Senhora da Achiropita é a mais tradicional do bairro, sem dúvida. [...] a festa tem quase 90 anos. Antes era uma capela, não era reconhecida pelo clero, não tinha padre e todo casamento ou batizado tinha que ser feito na Igreja do Divino Espirito Santo, na rua Frei Caneca [...]. No dia 19 de março de 1926, o clero reconheceu aqui como Igreja graças ao esforço do coronel Nicolau dos Santos. Então hoje a turma da Achiropita fala dos 68 anos de festa, mas eu tenho depoimentos que desmentem isso, inclusive do “seu“ José Scaramuzza [...]. Ele era um grande festeiro e eu tenho o depoimento dele dizendo que em 1906 já existia a festa, maior do que hoje. Vinham até bandas da Itália tocar” (Seu Armandinho do Bexiga, apud Moreno, 1996).

A procissão em louvor à Nossa Senhora Achiropita, pelas ruas do bairro (com a costumeira homenagem dos alunos da Escola Maria José, que confeccionam o tapete de flores da rua Manoel Dutra), é também esperada e minuciosamente preparada, do mesmo modo que a Festa da Apoteose, no encerramento, com atrações especiais na rua e na cantina da Madonna, onde o espírito comunitário aflora. No tapete, feito de flores, tampinhas de garrafa e serragem, as inscrições feitas pelos jovens demonstram suas preocupações. Em 1997 uma delas lembrava o sociólogo Betinho, outra recomendava o uso de camisinha no combate à AIDS e outra mais exaltava o futebol.

Ainda hoje é possível ver, nas janelas de alguns prédios, toalhas e lençóis estendidos, para saudar a santa, como era comum nos velhos tempos. Este costume servia, inclusive, para sublinhar as distinções entre os ricos e os pobres do bairro. Atualmente esta prática incorporou-se aos símbolos da festa, depois de reconquistada pela ação dos moradores, que a haviam abandonado durante alguns anos em razão do desânimo que a intervenção excessiva da Igreja, ditando regras e “organizando” a seu modo o evento, causou.

Essa era uma hora também de mostrar o potencial econômico. A filha do fulano ia com aquela seda; o do pobre ia com cetim, sei lá. E a segunda coisa para mostrar o potencial financeiro da pessoa, que eram os quiaquiarones, eram as colchas na janela. Toda casa punha uma colcha na janela. Você passava na casa dos Biondi, dos Pórrio, dos Tenaglia, por exemplo, era aquela colcha de seda. Passava na casa do meu avô, era colcha vagabunda. Eles faziam questão de mostrar, pela colcha, quem cada um era. E era uma homenagem que se prestava à santa. Em 1982 tinha morrido isso. Então, a comissão da União do Bixiga (era eu e o Walter Taverna), antes da procissão, fizemos uns cartazes e fomos entregando de casa em casa, de prédio em prédio onde ela ia passar, pedindo para todo mundo voltar a colocar colcha na janela. Foi a coisa mais bonita que já vi! Uns 60% das janelas, dos prédios, tinham uma toalha (jogavam papel picado), tinha até toalha de rosto, nos cortiços etc. Mas tinha. Tem uma foto lá no museu que mostra a colcha e o altar da família Scarlatto. Eles colocavam na janela. Até hoje eles fazem” (Seu Armandinho do Bexiga, apud Moreno, 1996).

A retomada da organização da festa, segundo Coimbra (1987) foi de fato uma conquista dos moradores do bairro, que conseguiram estabelecer uma mediação entre seus interesses na festa e os da igreja. São eles, inclusive, que decidem, atualmente, de que modo será aplicado o lucro obtido com ela.

Como acontece na Festa do Divino e muitas outras ainda hoje, a Festa da Achiropita, no princípio também era promovida por um festeiro anual, escolhido por sorteio entre os candidatos ou por promessa. Atualmente esta figura se tornou coletiva, uma vez que toda a comunidade se responsabiliza pela festa.

Alguns informantes contam que, para angariar prendas, a comissão de festeiros contratava uma banda, que percorria as ruas do bairro com um estandarte e a imagem da santa, indo até o largo de Piques. Os festeiros acompanhavam a banda, arrecadando bebidas, cabritos, leitões e perus, que depois de assados seriam leiloados [34]. Realizavam-se muitos leilões, mas não se montavam barracas de comida.” (Coimbra, 1987: 71).

Eram os comerciantes donos de armazéns que davam as grandes prendas, que eram levadas das casas numa carroça que a comissão possuía. Para angariar fundos para a construção da igreja, a comissão angariou dinheiro, objetos de ouro e mesmo utensílios de uso doméstico (como panelas) oferecidas à Santa por seus devotos [35]. Ainda hoje é com doações dos moradores e comerciantes que se conseguem as prendas das festas, embora já não se use uma carroça (Coimbra, 1987).

“É tradição de quase todas as padarias do bairro oferecerem pães italianos. [...] O proprietário de uma churrascaria do bairro dá toda a carne e lingüiça necessários ao consumo da barraca de churrasco; uma família de origem italiana, residente no bairro, doa as flores para enfeitar o andor. Para angariar fundos, meses antes da festa a igreja lança a campanha de mensalistas. [...] Para contribuir as pessoas [que têm conta bancária] vão ao banco e assinam uma carta autorizando a fazer um desconto mensal de uma determinada quantia [...] Muitas empresas também colaboram, fornecendo, por exemplo, aventais, guardanapos, copos ou o programa da festa, sempre com o símbolo (marca) da empresa doadora” (Coimbra, 1987: 134).

A comida também foi introduzida, mais tarde, na festa, que até então seguia o estilo de quermesse. A descoberta do interesse do público em geral pela comida das “mammas” resultou em que ela fosse introduzida na festa, em barracas, o que afinal acabou se tornando tradição.

“No início [1910] a festa era na rua com algumas barracas, não tinha comida. Depois a festa foi para o pátio da igreja e só em 79 ela volta para a rua. Os italianos faziam a festa para eles e a paróquia começou a pegar o dinheiro que eles arrecadavam. Aí acabou o entusiasmo. Antes de 1926 a festa não era só para construir a igreja. Era também por causa da confraternização” (Sr. A, informante de Coimbra, 1987: 104).

Os organizadores não cansam de repetir que o sucesso da festa se mede pelo crescente público que prestigia o evento, fruto do trabalho voluntário de seiscentos membros da comunidade do Bexiga.

“É um trabalho por doação, que busca aliar a alegria, inerente às festas típicas italianas, à fé em Nossa Senhora Achiropita”, diz Eustachio Zuardi, mais popularmente conhecido como “seu Nino”. Ele e a esposa, dona Nancy, formam um dos cinco casais responsáveis pela coordenação do evento. “A festa de Nossa Senhora Achiropita tem crescido em importância, a cada ano, em razão da aplicação social de seu resultado financeiro”, lembra padre Toninho, o atual pároco. Para ele, “Jesus Cristo buscou na imagem das festas a melhor maneira de explicar, na utopia cristã, o prenúncio do Reino do Céu” (Site 1997).


 

 

O investimento social dos recursos arrecadados na festa

 

A arrecadação obtida através da festa pela Igreja Nossa Senhora da Achiropita, é toda revertida para as obras assistenciais dos fiéis da santa. Entre os projetos desenvolvidos estão o Centro Educacional Dom Orione (CEDO) e a Casa Dom Orione, que recebem e abrigam crianças e adultos carentes. Desde 1989, quando foi criado, o CEDO abriga 320 crianças carentes com idade entre 7 e 15 anos. Lá elas recebem aulas de reforço escolar, treinamento profissional e participam de atividades culturais. O CEDO surgiu a partir da constatação e preocupação com a exploração dos menores carente do bairro, moradores dos cortiços, por pessoas vindas de outras regiões na cidade. Assim, o primeiro objetivo do CEDO foi orientar estas crianças para a vida profissional. “Quando cheguei à paróquia, era comum ver crianças na rua com pedras nas mãos para roubar toca-fitas de carros [...] Precisávamos fazer algo para que as pessoas parassem de usar as crianças”, diz padre Toninho (Site,1997).

Em outubro de 1996, as Obras Assistenciais Nossa Senhora da Achiropita e a PETROBRÁS assinaram um convênio para que os adolescentes apoiados pela comunidade ao completarem 14 anos possam fazer um estágio de dois anos na empresa. Por meio deste convênio os alunos do CEDO poderão entrar em contato com o ambiente de trabalho e conhecer como funciona uma grande empresa, aprender métodos e linguagem de trabalho, computação e capacitando-se para o mercado.

A Casa Dom Orioni também acolhe mulheres e homens de rua, oferecendo roupas, alimentação e local para tomar banho. Atualmente ela recebe diariamente 120 pessoas, todas cadastradas pela entidade. Foi criado, ainda, a partir da experiência de organização da festa, o “Grupo de Terceira Idade”, com atividades de lazer e integração social para maiores de 60 anos. Além disso, a igreja presta serviços de assistência médica, psicológica, odontológica e jurídica para os carentes do bairro.

Carmem Cinira Macedo observa que:

“Fazer festa é [...] também uma forma de prestígio e prover uma relativa redistribuição de bens. As festas contribuem para renovar os vínculos de sociabilidade tanto quanto definem um campo de relativa competição social” (Macedo, 1985: 45).

Em sociedades de grandes diferenças sociais e extrema concentração de renda, este tipo de ação propicia aos pobres ajudarem os próprios pobres, pois é da concentração de pequenas quantias doadas por muitas pessoas, que se faz o total a ser redistribuído.

Para aumentar o número de obras sociais e preencher os vazios deixados pela falta de ação social do Estado, a festa deve crescer a cada ano assim como seus objetivos. Com este crescimento também aumenta anualmente a necessidade da colaboração de empresas e entidades que ao promoverem eventos paralelos em homenagem à N. Sra. da Achiropita, acabam por interferir nela, nem sempre de modo bem vindo pelos que participam da festa. Walter, um assíduo freqüentador das festas da Achiropita, há pelo menos 10 anos, diz que tem se tornado excessiva a quantidade de publicidade inserida na festa, descaracterizando-a. Mesmo a comida, diz ele, já tem perdido a qualidade, dado o ritmo de produção em que é preparada com o intuito de servir a todos os convidados em tempo recorde.

A festa vem sendo divulgada em jornais, rádio e televisão, e este é também um dos fatores de seu progressivo e quase incontrolável crescimento. Em 1996 foi inaugurado o site do Bexiga na Internet, para comemorar os 70 anos da paróquia e divulgar ainda mais a festa e seus resultados.

As pessoas que participam do processo de produção da festa estabelecem ainda uma espécie de “carreira” na política da festa e da igreja, como é o caso de Dona Daisy, sobre a qual Maria Fernanda Vomero, jornalista que “milita” na Festa da Achiropita (já foi bandejeira e já fez parte da “barraca da fogaça”, vendendo-as), diz que:

Construiu uma família unida e uma sólida caminhada em comunidade. Começou como diretora social da Festa d’Achiropita e membro do Encontro de Casais com Cristo (ECC). Já passou também pela pastoral do batismo. Hoje, é catequista, Ministra da Eucaristia e Coordenadora do Apostolado da Oração. Não pretende abandonar o bairro e, muito menos, a paróquia”. (Maria Fernanda Vomero,1997, grifos meus).

Além disso, a participação e a ascensão, através do trabalho coletivo, não apenas no que diz respeito aos cargos mas também em relação ao prestígio que se consegue, têm o sentido da efetiva ação em termos da realização de anseios por uma sociedade melhor e mais justa. Neste tipo de ação, é necessário aprender a lidar com vontades divergentes, diferentes estilos e possibilidades de ação, verbas, conceitos religiosos, mazelas do cotidiano, dificuldades burocráticas, legislações municipais, estaduais e federais, tudo isto podendo ser compreendido como um aprendizado de cidadania, mesmo se podemos dizer que ela ainda é muito “paralela”. O exemplo de Rita de Cássia Melita, citado por Maria Fernanda Vomero no site da Achiropita é esclarecedor do significado e tipo de compensação que é possível extrair da participação na festa:

“Rita ingressou na Festa de N. Sra. Achiropita graças a um convite da sogra, que a chamou para esticar massa de fogazza. Dona Sofia, italiana legítima, era tão dedicada e atuante que impressionava até mesmo os parentes. “Posso dizer que ela deu a vida por essa comunidade”, conta. O exemplo da avó, já falecida, marcou os três filhos de Rita [...] que, incentivados também pelo empenho da mãe, participam ativamente da paróquia desde pequenos. Hoje, os quatro estão trabalhando juntos na equipe do Visual da Festa, responsáveis pela decoração da cantina. São 19 anos, dos seus 40 de vida, dedicados à quermesse de agosto. Rita já esticou fogazza, coordenou a barraca de doces e a da fogazza na rua, vendeu souvenir, foi responsável pelo almoxarifado e por um setor da cantina. Quando começou a participar da Festa, o prédio das Obras Sociais, que hoje abriga o Centro Educacional Dom Orione, não existia ainda. “Mas era um sonho das pessoas que trabalhavam aqui. E eu senti que comecei a fazer parte deste sonho”, recorda-se, com carinho. “Cada vez que você estica uma fogazza, joga farinha e frita, que você oferece um doce ou um prato de macarrão, seu ato vai concretizando esse sonho conjunto”. Por isso, foi gratificante para ela alguns anos mais tarde ser efetivada como monitora do C.E.D.O. e poder também dar aula de catequese às crianças de lá. Atualmente [...] coordena, inclusive, o grupo da Terceira Idade, que funciona na Casa Dom Orioni; outro fruto daquele sonho conjunto. “Este sonho foi realizado, mas a gente quer que o projeto continue, que o sonho não se perca nunca”. A caminhada não pode parar. Pensando nisso, Rita constata, feliz, a dedicação de seus filhos [...] à Festa d’Achiropita, è às obras da comunidade. “Estamos vivenciando o trabalho juntos”, diz.” (Site, 1997).


 

 

A Festa de Peão Boiadeiro, em Barretos

 

Outro exemplo do tipo de organização que a festa é capaz de proporcionar, tornando-se um modo de enfrentar problemas sociais e ao crescer mostrar-se como atividade aglutinadora de diferentes interesses, dos religiosos aos empresariais, dos filantrópicos aos da mídia e do espetáculo, é a Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos.

Esta festa, realizada anualmente no Parque do Peão de Barretos, construído especialmente com esta finalidade é, hoje, a maior festa de rodeio do planeta. Internacionalmente conhecida, ela recebe milhares de pessoas, vindas de todos os lugares do país e do mundo. Além do espetáculo proporcionado pelos peões durante as provas do rodeio, na Festa do Peão Boiadeiro são realizados ainda, grandes shows com artistas renomados, feira de exposições, gastronômica e muito mais. Primeira deste gênero no país, a Festa do Peão Boiadeiro de Barretos nasceu em 1956, como resultado do trabalho e iniciativa de um grupo de jovens que um ano antes, haviam criado o Clube “Os Independentes”. Com a intenção de gerar recursos para serem aplicados em obras de benemerência, segundo afirmam seus fundadores (Site), o Clube idealizou uma festa que fosse tipicamente barretense e que homenageasse as raízes populares, artísticas e culturais da região, valorizando-as. Dos estatutos do clube constava que seus sócios deveriam ser financeiramente independentes (ricos) e solteiros. Nesta época, dizem, os barretenses, o clube era mais uma agremiação de playboys do lugar, que promovia grandes festas (Nogueira, 1989). Seja como for, já no primeiro ano de sua fundação aconteceu a primeira iniciativa comunitária dos “Independentes”, através de uma gincana beneficente.

À época, a cidade de Barretos era conhecida como a “capital da pecuária brasileira”, por motivos econômicos e históricos. Nesta cidade foi construído, em 1913, o frigorífico Anglo, primeiro da América Latina, fato que gerou notícias e comentários em jornais europeus e norte-americanos. Toda a carne consumida nos grandes centros urbanos era produzida nesse frigorífico, ainda hoje em atividade.

Estrategicamente localizada no norte paulista e com pastagens de primeira qualidade, Barretos era parada obrigatória das boiadas que vinham do Mato Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro. Pelos antigos corredores boiadeiros, que hoje são o leito das modernas auto-estradas, milhares de comitivas transportando gado rumavam ao Sul, parando antes em Barretos, onde todo um estilo de vida foi sendo enraizado e, de certa forma, preservado. Os peões que vinham trazendo o gado para ser abatido no frigorífico Anglo organizavam rodeios para se divertirem e decidir quais eram os melhores. Eles foram os precursores da festa.

A década anterior (ou talvez mais cedo ainda) já assistira à realização de alguns rodeios e também das costumeiras Cavalhadas, por ocasião das Festas do Divino Espírito Santo. Dizem os barretenses que, apesar de serem plasticamente mais bonitas e melhor produzidas como espetáculo, as Cavalhadas, que simbolizavam a luta dos cristãos contra os mouros, não tiveram repercussão junto à população em geral como os rodeios, pois eram consideradas um espetáculo de origem medieval portuguesa, estrangeira, pouco se relacionando com a história e os hábitos dos brasileiros. Os rodeios, ao contrário, provocavam fortes emoções em todas as camadas sociais, do fazendeiro ao peão. Isso porque as pessoas viam nos rodeios alguma coisa que dizia muito de sua maneira de ser e de viver, identificando-se plenamente com a vigorosa luta entre o homem e o animal, prática cotidiana dos peões nas fazendas da região.

Por esta razão, paralelamente ao rodeio, desde a primeira Festa do Peão, “Os Independentes”, se preocuparam em incluir na festa outros aspectos do estilo de vida daqueles homens que trabalhavam de sol a sol pelas estradas do interior brasileiro, domesticando animais selvagens e dominando a natureza.

Assim, foram introduzidos na festa concursos de berrante, de comida tropeira e de viola. Exposições de produtos relacionados ao estilo de vida rural foram também acrescidos ao evento. Confecções, tratores, caminhões, fertilizantes material de selaria etc. encontraram na Festa do Peão a melhor concentração de consumidores envolvidos na aura inebriante da festa, dispostos a gastar. Desde então as empresas produtoras de artigos relativos à agropecuária, não deixam de ter seu lucrativo estande nas exposições da festa. Para o público, por sua vez, a presença destas empresas na festa representa também uma boa oportunidade de atualização dos conhecimentos a respeito não apenas da moda, mas das novidades no setor agropecuário. (Site,1996/1997).

Com o crescimento da festa, mesmo a população mais urbana começou a entrar em contato os valores que ela punha em evidência, como a música, dança, alimentação e modo de vestir do peão boiadeiro. A população dos municípios vizinhos foi sendo atraída para a festa, excelente ponto de encontro da juventude e até mesmo a população das capitais passou a freqüentá-la anualmente, movida pelo interesse nas competições do rodeio e pela curiosidade sobre uma festa que cresce tanto.

Com isto a festa cresceu, não apenas no interesse de turistas e visitantes mas também em sua estrutura e conteúdo. Funcionando como uma imensa vitrine do folclore nacional, a Festa do Peão Boiadeiro de Barretos, passou a apresentar grupos folclóricos de várias regiões do Brasil, como os trazidos pelos Centros de Tradições Gaúchas e Nordestinas, ricos em tradições boiadeiras. Na festa também se apresentam grandes conjuntos folclóricos internacionais: argentinos, uruguaios, paraguaios, bolivianos, peruanos, chilenos e, mais recentemente, norte-americanos.

Graças à realização da Festa, que tem no rodeio sua principal e mais autêntica atração, a cultura do peão boiadeiro tornou-se mais conhecida no Brasil. Durante os rodeios, enquanto se aguarda que os peões entrem na arena, os locutores costumam relembrar não apenas os nomes famosos de peões campeões, como ainda contar velhos “causos”, quase anedotas, relacionados aos rodeios. Coisa para iniciados.(Site, 1997).

Apesar do caráter absolutamente secular da festa, a devoção religiosa de cunho católico não está dela dissociada e a fé em Nossa Senhora Aparecida, a grande padroeira dos peões, é constantemente referida, e a santa chamada para protegê-los. Antes do início do rodeio, todos os peões participantes se reúnem no estádio, onde, juntamente com o imenso público assistente, retiram seus chapéus e rezam por sua segurança.


 

 

A festa como empresa cultural e o crescimento da festa

 

O Clube “Os Independentes” passou, a partir da festa de Peão, a ser o grande benemérito das instituições de caridade de Barretos, e não parou de crescer e desenvolver projetos e eventos cada vez maiores, tornando-se uma grande empresa cultural. A intenção de arrecadar fundos para entidades assistenciais foi acrescida da iniciativa de promover a cidade de Barretos a “Capital Brasileira do Rodeio”, tornando-a um pólo turístico e divulgando sua identidade como a de “terra dos cowboys brasileiros”. Com isto, a festa gerou dividendos para todo o município e arredores.

O clube “Os Independentes”, destinou, segundo afirma, todo o resultado líquido das primeiras festas às instituições de caridade de Barretos e foram vários os benefícios recebidos por todas elas ao longo de todos estes anos, embora não se divulgue quais as entidades ou de que modo. Para a cidade de Barretos, contudo, não foi apenas o aumento da arrecadação de impostos através da arrecadação da festa o valor prático envolvido. Cresceu o número de estabelecimentos comerciais da cidade, e o dinheiro deixado nela pelos visitantes da festa e pelos turistas durante todo o ano. Soma-se a isto, a arrecadação pela exploração da feira agropecuária defronte ao recinto da festa. Em 1972, recebendo a primeira visita de um presidente da república, a festa, que já atingia âmbito nacional, teve aumentado ainda mais o seu prestígio. Depois disso, outros presidentes marcaram presença nela, que sempre conta com a visita de governadores paulistas além de secretários e deputados.

Tanto a Festa cresceu que em um dado momento, dizem seu organizadores, o resultado líquido já não podia ser repassado integralmente às entidades assistenciais como donativo, devido aos problemas junto à receita federal, dado seu montante. E além disso, a cada ano se tornavam necessários novos investimentos na festa. Isto não significou, entretanto, prejuízo às atividades beneficentes, segundo dizem os “Independentes”. Pelo contrário. Como solução para o problema, as entidades beneficentes passaram a ser parceiras do Clube na promoção da Festa, responsabilizando-se por setores de confiança e gerenciando a arrecadação de seus lucros. Atualmente os “Independentes” cedem um estande a cada entidade assistencial a fim de que esta exponha o que quiser e o explore a seu modo.

Em 1980, o clube adquiriu quarenta alqueires de terra para a instalação do novo Parque do Peão [36], já que o antigo recinto não comportava mais o público, que cresce a cada ano. Em 1985, a 30a. Festa do Peão já era realizada no Novo Parque, e assistida por milhares de visitantes vindos de todos os pontos do país. Em 1996 foram adquiridos mais dez alqueires e incorporados à área do Parque. (Site, 1996/1997).

Esta infra-estrutura se faz necessária para o atendimento de todos os que comparecem à festa, que registra números expressivos e que sistematicamente superam-se a cada ano [37]. Segundo as informações do próprio clube “Os Independentes” e da prefeitura municipal de Barretos, toda a cidade fatura com a festa e, do mesmo que a Oktoberfest de Blumenau, o padrão de vida dos barretenses melhorou bastante a partir do sucesso do evento, revitalizando a cidade. O crescimento da festa estabeleceu um merchandising não só dentro dela mas também uma importante comercialização de chapéus, botas (não se comparece às festas de peão sem chapéu e camisa de madras, e se possível de botas), esporas, ponteiras para colarinhos, cinturões, violas, música country e tecno-sertaneja brasileira, laços, além do leilão de gado equino e bovino e muitas atividades mais, e de todo o comércio das cidades receber grande quantidade de dinheiro. Além disso, durante todo o ano são vendidos artigos alusivos à festa de peão como souvenir da cidade dos peões.

Algumas estatísticas da Festa do Peão de 1996:

MOVIMENTO FINANCEIRO

PÚBLICO ESTIMADO:1 milhão e cem mil pessoas no Parque do Peão/10 dias de evento
INVESTIMENTO: R$ 3 milhões
FATURAMENTO: R$ 6 milhões

ALIMENTAÇÃO E BEBIDA:
Vendas de cerveja e refrigerantes: 1 milhão e 200 mil latas
Sorvete de massa: 1.500 Kg
Pão de Queijo: 30 mil
Churros: 15 mil
Batidas de Frutas: 6 mil
Pastel: 20 mil em 5 pontos de venda
Batatas: 6 mil quilos
Hot dog: 12 mil no estádio e 100 mil no Parque
Suco de Laranja: 60 mil unidades
Amendoim torrado: 1.500 kg
Churrasquinho: 30 mil
Cocada: 30 mil
Maçã do Amor: 10 mil

INFRA-ESTRUTURA:
8 helicópteros,
5 balões dirigíveis
Montagem de 4 mil metros quadrados de estandes
(Fonte: Site, 1997)


 

 

Os patrocinadores e os eventos da festa

 

É claro que numa festa do vulto da de Peão Boiadeiro os patrocinadores são indispensáveis e hoje em dia os organizadores já não são tão “independentes” pois a lista de empresas que fornecem infra-estrutura, material de divulgação etc. em troca de seu nome estar espalhado em toda parte é longa. Entre os patrocinadores do Campeonato de Marcas (o rodeio propriamente dito) estão Bradesco, Brahma, Caixa Econômica Federal, Anglo Alimentos e Souza Cruz. Juntam-se ainda à festa a Petrobrás,Yopa e Warner Continental. O evento conta ainda com uma Companhia Aérea Oficial que faz preços especiais para os visitantes da festa, e é divulgada, antes e depois pelas revistas Revista Hippus e Rodeo Life. Os peões têm seguros de vida e de saúde cobertos pela Unimed e a garota vencedora do concurso de Garota Rodeio ganha um contrato com a Ford Models. (Site, 1996).

Toda esta infra-estrutura é necessária para a recepção adequada dos visitantes da festa, que pagam para assistir aos rodeios, apesar de haver 200 mil lugares gratuitos garantidos. Fora as várias modalidades de rodeio executadas [38], incluindo laço, montaria, doma em categorias internacionalmente reconhecidas (Saddle Bronc, Bareback, Bull Riding, Cutiano, Laço em Dupla, Laço de Bezerro, Três Tambores e Bull Doging), há varias outras atrações na festa, como o Concurso de Berrantes [39], as Violeiras (festivais de violas realizados diariamente no período da festa), gincanas, desfiles de animais e a tradicional “Queima do Alho”, uma competição culinária de peões.

A “Queima do Alho” acontece todo ano durante a Festa. O vencedor é aquele que prepara mais depressa a melhor refeição à moda dos tropeiros, respeitando as tradições no modo de preparo das receitas típicas: arroz carreteiro, feijão tropeiro e carne enxugada para assar (churrasco). O público presente é brindado com um almoço servido à sombra de um grande Ipê e ao som de música sertaneja. O termo “queima do alho” vem do fato de que os peões consideram que homens não sabem cozinhar, apenas “queimam alho”, na melhor das hipóteses. No entanto, o público aprecia a comida feita por eles.

Com o objetivo de incentivar na criança o gosto pelo rodeio e a prática do esporte, “Os Independentes” incluíram na programação da Festa do Peão de Barretos, o Rodeio Mirim, chamado de Festa do Peãozinho, em que a garotada se diverte e desenvolve a habilidade da montaria e da lida com os animais.

Há ainda uma série de shows realizados por artistas e cantores famosos de música sertaneja ou country. E como em qualquer festa brasileira que se preze não pode faltar um desfile, no primeiro domingo da Festa, acontece o Desfile Típico, que relembra o carro de boi, o trole, toda a tradição tropeira e homenageia os peões, sua trajetória e sua importância para a cidade de Barretos.

As mulheres também estão envolvidas no rodeio como laçadoras, domadoras, ou participantes do concurso de Rainha do Rodeio. Exibindo suas curvas em justos vestidos de camurça franjada ou calças de modelos inspirados no estilo western, moda que mistura couro, muita franja e o brilho dourado dos metais, a Rainha e as duas Princesas fazem o papel de relações públicas do evento. Como toda realeza que se preza, elas entram na pista do Barretão num trole puxado por cavalos. Em 1996, pela primeira vez, participaram do concurso, as rainhas das dez maiores Festas de Rodeio do país, e entre elas foi escolhida a Garota Rodeio Brasil. Participam do concurso, as representantes das cidades que realizam festas de peão.

As Festas de Peão Boiadeiro se tornaram, como a Oktoberfest de Blumenau, um modelo de festa capaz de incentivar o turismo no interior paulista e em todo o Brasil. Como o seu fundamento é a competição entre peões, estabeleceu-se um extenso circuito nacional de festas-rodeio que acontecem o ano inteiro até que chegue a data da maior delas, que é a de Barretos.

Como se vê, as festas da Achiropita e do Peão Boiadeiro, independentemente dos motivos que levaram à sua criação, acabaram dando origem ou incorporando em seu desenvolvimento vários novos objetivos de caráter filantrópico, comercial, político, artístico etc. Do crescimento, sucesso e repercussão das festas passaram a depender as reputações de prefeituras e vereanças. Os negócios locais. A possibilidade de diversificação de relações pessoais e as oportunidades, de todos os gêneros que a festa oferece. Por isso ela, mais que uma linguagem para a qual se traduzem valores e anseios da população brasileira, é também um dos nossos grande negócios.

Estes tipos de festas além de concentrarem recursos e redistribui-los em seguida, estabelecem a possibilidade de um grupo social crescer ao ser capaz de se organizar para realiza-las de forma cada vez mais sofisticada. Elas representam ainda um motivo de orgulho para a comunidade. É desse modo que os participantes criam um “espelho” no qual percebem, concretamente, o que são capazes de acumular e distribuir ou desperdiçar, e qual a “estatura” do grupo na sociedade abrangente. Em casos como estes, a festa não pode ser vista como simples de “válvula de escape”. Nem como manifestação religiosa unicamente, mas uma “parceria” entre homens e deuses na luta por uma vida mais digna. A festa é ritual, divertimento e modo ação simultaneamente. Ela reaviva as velhas tradições, reforça laços de origem [40], mas também incorpora novos elementos e anseios.


 

 

As Festas Juninas

O forró corria solto,
Sem problema e sem vexame
Quando o chefe da quadrilha
Decretou changedidame
[...]
E foi doente com doutor
Era indigente e protetora
Foi aluna com professor
O perigoso bandoleiro
Zé Durango, El Justicero
Fez beicinho pro promotor
(Mas faça o favor!)
O forró estereofônico
Estava mesmo um barato
Muita música na praça,
Muita dança lá no mato
[...]
E este ano, como todo ano
Uma vez por ano
Tem quadrilha no arraial
E este ano, como sempre,
Salvo chuva e salvo engano,
A satisfação é geral
(ninguém leva a mal)”

(“Quadrilha”, de Chico Buarque)

 

Três santos são efusiva e intensamente comemorados em junho, em todo o Brasil, desde o período colonial: Santo Antônio, São João e São Pedro. No nordeste brasileiro principalmente, estes santos são reverenciados e pode-se dizer que a importância destas festas, para as populações nortista e nordestina, ultrapassa a do Natal, principal festa cristã, e que elas são, historicamente, o evento festivo mais importante destas regiões, tanto cultural como politicamente.

Acredita-se que estas festas têm origens no século XII, na região da França, com a celebração dos solstícios de verão (dia mais longo do ano, 22 ou 23 de junho), vésperas do início das colheitas. No hemisfério sul, na mesma época, acontece o solstício de inverno (noite mais longa do ano). Como aconteceu com outras festas de origem pagã, estas também foram adquirindo um sentido religioso introduzido pelo cristianismo, e trazido pela igreja católica ao Novo Mundo.A comemoração das festas juninas é certamente herança portuguesa no Brasil, acrescida ainda dos costumes franceses que a elas se mesclaram na Europa.

O ciclo das festas juninas gira em torno de três datas principais: 13 de junho, festa de Santo Antônio; 24 de junho, São João e 29 de junho, São Pedro. Durante este período, o país fica praticamente tomado por festas. De norte a sul do Brasil comemoram-se os santos juninos, com fogueiras e comidas típicas.

É interessante notar que não apenas o dia propriamente dito, dos santos, mas todo o mês é considerado como tempo consagrado a estes santos na região e, principalmente, as vésperas [41], que é quando se realizam os sortilégios e simpatias, a parte mágica da festa, típica do catolicismo popular. Inúmeras adivinhações a respeito dos amores e do futuro (com quem se vai casar, se se é amado ou amada, quantos filhos se vai ter, se se vai morrer jovem ou ganhar dinheiro etc..) são feitas nas vésperas do dia dos santos, em geral de madrugada.

A primeira das festas do ciclo junino é a de Santo Antônio. A véspera deste dia, significativamente, foi escolhida oficialmente como Dia dos Namorados, no Brasil.

O culto de Santo Antônio é, como o de São João, herança portuguesa. Sendo um santo português, nascido mesmo em Lisboa, era também um dos mais populares e cultuados tanto em Portugal quanto no Brasil-Colônia. Segundo os portugueses, a ação de Santo Antônio era fundamental na guerra, e seu nome funcionava como arma contra perigos imbatíveis. No Brasil, seu papel de militar foi importante também, dadas as inúmeras guerras e revoltas durante as quais era invocado. E tanto fez ao lado das forças armadas brasileiras que recebeu patente e mesmo soldo em várias companhias do exército brasileiro [42]. Recebeu ainda, por esta razão, o apoio dos militares com dinheiro e prestígio, às suas igrejas, obras e festas. É incontável o número de homenagens a Santo Antônio como igrejas construídas em seu louvor, nomes de ruas, praças, pessoas etc., na história e geografia brasileiras. Atualmente Santo Antônio já não é mais cultuado como militar, e sim como casamenteiro e deparador de coisas perdidas. Cascudo (1969) cita um trecho de um sermão do padre Antônio Vieira no Maranhão, em 1656, em que são relevados os maravilhosos poderes deste santo na resolução de vários problemas da vida humana:

Se vos adoece o filho, Santo Antonio; se vos foge o escravo, Santo Antônio, se mandais a encomenda, Santo Antônio, se esperais o retorno, Santo Antonio; se requereis o despacho, Santo Antônio; se aguardais a sentença, Santo Antônio, se perdeis a menor miudeza da vossa casa, Santo Antônio; e, talvez, se quereis os bens alheios, Santo Antônio.” (Padre Antonio Vieira, apud Cascudo, 1969: 128).

Segundo Gilberto Freire (1995) a escassez de portugueses na colônia, sublinhou o valor do casamento ou mesmo da procriação (com ou sem o casamento), o que tornou populares os santos padroeiros do amor, da fertilidade, das uniões, e instaurou uma grande tolerância para com toda espécie de reunião que resultasse no aumento da população no Brasil. Estes interesses abafaram não apenas os preconceitos morais como os escrúpulos católicos de ortodoxia.

Assim, os grandes santos nacionais tornaram-se, à época, aqueles aos quais a imaginação popular atribuía milagrosa intervenção capaz de aproximar os sexos, fecundar mulheres, proteger a maternidade, como Santo Antônio, São João, São Pedro, o Menino Jesus, N. Sra do Bom Parto etc.. A crença de que Santo Antônio se “devidamente” invocado, perturbado com pedidos de todo tipo e até mesmo “torturado”, arranja casamento mesmo para a mais sem graça das moças é muito difundida, e é esta a qualidade mais prezada do santo durante as festas juninas. São João também já teve estas funções, e também São Gonçalo (que continua sendo invocado com esta finalidade através de danças, no interior do Brasil) como mostra Freire:

Uma das primeiras festas, meio populares, meio de igreja de que nos falam as crônicas coloniais do Brasil é a de São João já com fogueiras e danças. Pois as funções deste popularíssimo santo são afrodisíacas; e ao seu culto se ligam até praticas e cantigas sensuais. É o santo casamenteiro por excelência. [...] As sortes que se fazem na noite ou na madrugada de São João, festejado a foguetes, busca-pés e vivas, visam no Brasil, como em Portugal, a união dos sexos, o casamento, o amor que se deseja e não se encontrou ainda. No Brasil faz-se a sorte da clara de ovo dentro do copo de água; a da espiga de milho que se deixa debaixo do travesseiro, para ver em sonho quem vem comê-la; a da faca que de noite se enterra até o cabo na bananeira para de manhã cedo decifrar-se sofregamente a mancha ou a nódoa na lâmina; a da bacia de água, a das agulhas, a do bochecho. Outros interesses de amor encontram proteção em Santo Antônio. Por exemplo, as afeições perdidas. Os noivos, maridos ou amantes desaparecidos. Os amores frios ou mortos. É um dos santos que mais encontramos associados às práticas de feitiçaria afrodisíaca no Brasil. É a imagem desse santo que freqüentemente se pendura de cabeça para baixo dentro da cacimba ou do poço para que atenda às promessas o mais breve possível. Os mais impacientes colocam-na dentro de urinóis velhos. São Gonçalo do Amarante presta-se a sem cerimônias ainda maiores. Ao seu culto é que se acham ligadas as práticas mais livres e sensuais. Atribuem-lhe a especialidade de arrumar marido ou amante para as velhas, como São Pedro a de casar as viúvas. Mas quase todos os amorosos recorrem a São Gonçalo”. (Freire, 1995: 246).

As danças de São Gonçalo, conhecidas como “são gonçalinho”, visam propiciar o casamento, do mesmo modo que as simpatias com a imagem de Santo Antônio, que são até hoje muito populares no interior do nordeste brasileiro (Dantas, 1976a; Martins, 1954; Queiróz, 1958). A festa de São Gonçalo descrita por La Barbinais no XVIII e citada por Gilberto Freire, mostra características de orgias rituais e lembra mesmo os festivais pagãos. Uma festa de amor e fecundidade:

Danças desenvolvidas ao redor da imagem do santo. Danças em que o viajante viu tomar parte o próprio vice-rei, homem já de idade, cercado de frades, fidalgos, negros. E de todas as marafonas da Bahia. Uma promiscuidade ainda hoje característica das nossas festas de igreja. Violas tocando. Gente cantando. Barracas. Muita comida. Exaltação sexual. Todo esse desadoro — por três dias e no meio da mata. De vez em quando, hinos sacros. Uma imagem do santo tirada do altar andou de mão em mão, jogada como uma peteca de um lado para o outro. Exatamente — notou La Barbinais — ‘o que outrora faziam os pagãos num sacrifício especial anualmente oferecido a Hércules, cerimônia na qual fustigavam e cobriam de injúrias a imagem do semideus’” (Freire, 1995: 248)

Para Freire, estes são sinais de uma festa já influenciada, na Bahia, por elementos orgiásticos africanos que teriam sido absorvidos no Brasil. Mas o “resíduo pagão” teria mesmo sido trazido pelos portugueses, com seus “cristianismo lírico”, suas festas de procissões alegres em que apareciam, como já vimos, tanto Nossa Senhora fugindo para o Egito, como Mercúrio, os Ventos, os Continentes (deuses gregos e romanos), o Menino Deus, ninfas, anjos, sátiros, patriarcas, reis, imperadores etc..

“Um catolicismo ascético, ortodoxo, entravando a liberdade aos sentidos e aos instintos de geração teria impedido Portugal de abarcar meio mundo com as pernas. As sobrevivências pagãs no cristianismo português desempenharam assim importante papel na política imperialista. As sobrevivências pagãs e as tendências para a poligamia desenvolvidos ao contato quente e voluptuoso com os mouros” (Freire, 1995: 250).

Freire também observa, portanto, a capacidade das festas de estabelecerem, através do desregramento possível, ou da inserção nela de múltiplas regras, a mediação entre as culturas e movê-las em direção ao objetivo comum de construção da sociedade brasileira. E neste sentido, tanto a festa de São Gonçalo, como as juninas e outras parecem ter desempenhado papel preponderante. No nordeste, contudo, as festas juninas prevalecem como as mais atrativas e de maior investimento popular.

Atualmente comemora-se Santo Antônio do mesmo modo que se comemora São João e São Pedro embora as intenções das festas sejam diferentes. E apesar da religiosidade envolvida, a maior atração, que faz com que todos se reunam (mesmo os não-católicos) para comemorar as festas juninas são, de fato, as fogueiras, batatas-doces assadas, canjica, quentão, milho verde assado, pipocas, quadrilhas, bumbas-meu-boi, simpatias, fogos de artifício, bombinhas e brincadeiras, enfim, toda a alegria que envolve estas festas. Especialmente no Nordeste, onde ainda se mantêm rígidos padrões de comportamento, quebrados temporariamente durante as festas juninas quando, “salvo chuva e salvo engano, a satisfação é geral”.


 

 

O São João como fato social total

 

No nordeste brasileiro, a perspectiva das festas juninas transforma as cidades e o espírito das pessoas, que parecem sentir uma irresistível atração e afinidade pela festa. Muitos nordestinos que se encontram fora de seus estados costumam economizar dinheiro, presentes, e voltar com eles para sua cidade natal, na época das festas juninas, a fim de comemorar os santos. No sudeste, é comum que nordestinos abandonem seus empregos, faltem por toda uma quinzena, peçam licença ou ofereçam-se para trocar o período do Natal por alguns dias de folga em junho, ou ainda negociem suas férias para gozá-las no meio do ano e poderem estar presentes às festas juninas, em sua terra. O mês de junho é um mês do refluxo migratório, e as companhias de transporte rodoviário e aéreo atestam este fato. Os que não voltam para suas cidades a fim de participar da festa podem encontrar alternativas nas festas juninas realizadas nos grandes centros urbanos sob iniciativa das Secretarias de Cultura [43].

O “São João” (modo pelo qual se referem os nordestinos ao ciclo de festas do mês de junho) principalmente, adquire tal importância na vida social nordestina que não apenas é fonte de preocupação durante todo o ano (quando se poupa dinheiro a ser investido na participação na festa, ou se organizam eventos a serem apresentados nela), como ainda move interesses políticos e econômicos que poucas vezes se imagina.De acordo com as informações dos jornais, televisões e rádios, de todo o Brasil, a festa de São João esvazia o Plenário do Congresso, em Brasília. Para se ter uma idéia da importância do São João nordestino, basta saber que em 1993 promessas de cargos e de não cortar algumas emendas de deputados durante a reprogramação orçamentária não foram suficientes para ajudar a aprovar o IPMF, e o governo só conseguiu a participação geral no plenário no dia 22 de junho de 1993 porque prometeu a cada um dos deputados nordestinos que eles teriam reservas nos aviões para retornarem a seus Estados antes das festas de São João, que começariam no dia 23 de junho à noite.A deputada Roseana Sarney (PFL-MA) declarou:

“As pessoas do Sul do país podem não acreditar, mas as festas de São João são tão importantes para o político nordestino que poderiam impedir a votação do IPMF”. (Folha de São Paulo, 21/06/1993).

O deputado Gustavo Krause (PFL-PE), acrescenta:

“Eu sou um caso raro de político nordestino que não deverá passar o São João com suas bases, porque vou a São Paulo, mas por conta disso minha família está rompida comigo”. (Folha de São Paulo, 21/06/1993).

Já José Carlos Aleluia (PFL-BA), era um dos casos dos muitos deputados que se jogam de cabeça nas festas de São João:

“Viajo nesta quarta feira pela manhã para a Bahia, passo o São João no carro, visito os arraiais e quadrilhas em cerca de dez municípios distribuídos por cerca de 2.000 km do interior [...] se eu não for, não me reelejo”. (Folha de São Paulo, 21/06/1993).

O deputado federal Tony Gel (PRN-PE) preferiu passar o São João em Caruaru (PE).

“Deveria estar em Brasília, mas o São João em Caruaru é o maior de todos os tempos este ano e é impossível ficar longe dele”

Tony Gel disse ainda que votaria pela aprovação da regulamentação, mas:

“Não vejo a votação como importante. É sempre mais um imposto e acho que não é fundamental para o país” (Folha de São Paulo, 21/06/1993).

Para os deputados, a festa é mais importante. Ela é que é do interesse popular em junho, e o distanciamento entre a política oficial (a do Estado) e a política “paralela” (local e da festa) se revela em seu comportamento, uma vez que ele percebe que o povo não o reelegerá se ele não participar da festa. Seu discurso sugere que seus eleitores não se importam tanto se sua ausência no plenário ajuda a aprovação de mais um imposto. Seu lugar, em junho, é na festa de São João, mais que no Plenário do Congresso. A política da festa local adquire assim, maior relevância que a nacional.

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação e a descoberta das festas como produto turístico a partir dos carnavais carioca, baiano e pernambucano, as grandes festas populares brasileiras ganharam espaço na mídia e, a partir disso, recursos do Estado para sua implementação como evento oficial [44]. O crescimento das festas juninas de Caruaru e Campina Grande é significativo das transformações pelas quais a festa tradicional vem passando e do modo como vem se inserindo na modernidade. Ela tem absorvido elementos novos sem, no entanto, abandonar suas principais características e mediando as relações entre tradição e modernidade, urbano e rural, entre muitas outras, de todas as festas.


 

 

O “Maior São João do Mundo”

 

Talvez o melhor exemplo do crescimento e importância que o São João vem adquirindo na região nordeste possa ser expresso pela festa de Caruaru, em Pernambuco [45], que compete pelo título de “Capital do Forró” com Campina Grande, na Paraíba. Caruaru retém, atualmente, o mais conhecido São João do Brasil, embora, se diga que em grandeza está ao lado do de Campina Grande. Os caruaruenses não concordam, com isso, entretanto:

‘Campina Grande é uma cidade ridícula a maior parte das ruas não é nem sequer calcimentadas [pavimentada]. Porém é uma cidade industrial e com isso o dinheiro lá entra mais fácil que em Caruaru que é comercial. Mas Caruaru tem mais estrutura para festa” (Eder, 29 anos, habitante de Caruaru).

Toda a infra-estrutura da festa em Caruaru denota que ela se prepara para ser uma nova fonte de renda da cidade, talvez a principal logo depois das famosas feiras, que durante a festa se incorporam a ela.

Localizada às margens da BR 232 e distante 132 quilômetros da capital pernambucana, Caruaru é internacionalmente conhecida pela sua feira de artesanato, produtos típicos e, atualmente, pela sua festa de São João. Com pouco mais de 250 mil habitantes, um clima ameno, inesperado para a região, e uma população tida como bastante acolhedora, é a cidade líder na região, e um dos mais importantes centros de atividade econômica e cultural do interior nordestino. Lá se encontra o que a UNESCO reconhece como “o maior centro de artes figurativas das Américas” — O Alto do Moura — uma comunidade com mais de mil artesãos que representam no barro o dia-a-dia do homem nordestino, divulgando até mesmo no exterior a arte iniciada há quase um século por Mestre Vitalino e vendida na feira de Caruaru e no próprio Alto do Moura.

Durante todo o mês de junho, noite ou dia, os acordes das sanfonas, do triângulos e das zabumbas, arrastam milhares de pessoas de todo o país ao longo das ruas, nas palhoças e palhoções e por todo o pátio de eventos. São mais de duzentas ruas ornamentadas com bandeirinhas e balões para o forró e o passeio das quadrilhas.

Reunindo pequenas feiras, algumas delas de destaque nacional como a Feira do Gado, a rica Feira de Artesanato, a curiosa e famosa feira do Troca-Troca ou ainda a preciosa Feira de Antigüidades, Caruaru tem a fama de “maior reunião brasileira de folclore”. E há alguns anos, durante o mês de junho, Caruaru se torna um gigantesco arraial.

Toda uma cidade cenográfica foi criada, visando trazer para o centro de Caruaru o “clima da roça”. Toda a cidade cenográfica é enfeitada para receber os turistas que começam a chegar nos lotados “trens do forró”, vindos de Recife para dançar quadrilha e participar da festa que não pára durante todo o mês de junho.

O Trem do Forró é uma das maiores atrações e sucessos da festa. Ele parte de Recife, percorrendo diversas cidades onde novas pessoas vão entrando e se integrando à festa dentro do trem. No interior do Trem o forró não para de ser tocado, dançado e cantado, e todos os vagões são animados por bandas. A partir da entrada do município, no distrito de Gonçalves Ferreira, até a parada final, as pessoas que ficam próximas à linha férrea, formam um verdadeiro cordão humano acenando para os passageiros do Trem, durante os 130 quilômetros que separam Recife de Caruaru.

Todo começo de tarde de sábado e domingo de junho, centenas de pessoas esperam pelos turistas do Trem na estação da RFFSA em Caruaru. A cada viagem, mais de 600 turistas chegam a Caruaru e a festa fora do Trem, que começa na estação ferroviária, parte para o “Pátio de Eventos Luiz Gonzaga”. Enquanto o Trem do Forró faz a festa para os caruaruenses, estes recepcionam os turistas que chegam comparecendo em massa e proporcionando animação e calor humano, características da terra. Ao todo chegam em Caruaru, em junho, dez Trens do Forró, ou seja seis mil pessoas apenas por via ferroviária.

O próximo momento da festa, depois da chegada do Trem, é o forró dançado no Pátio de Eventos, é constituído de uma grande área para shows e da Vila do Forró, a cidade cenográfica. A área dos shows possui um grande palco de 800 m2, que possibilita ao público assistir às atrações musicais de qualquer ponto do Pátio de Eventos. Durante todo o tempo em que acontecem os eventos, um locutor explica, em inglês, francês e português, os acontecimentos da festa, orientando também os turistas.

Na Vila do Forró tenta-se reproduzir, para que os visitantes possam conhecer e vivenciar o clima e cultura material de uma “verdadeira cidade do interior” em tempo de festa, na menor das cidades. A Vila é uma réplica de um arruado, com casas simples e coloridas, posto bancário, posto dos Correios, delegacia, sub-prefeitura, mercearia, igrejinha, forrós pé-de-serra, restaurantes. Entre as casas, há a casa da rainha do milho, da rezadeira, da parteira, da rendeira, de apresentação de mamulengos e outras personagens do interior. São 1.500 m2 de área cenográfica construída para oferecer, durante o ano todo, um pouco do São João de Caruaru aos turistas, embora a festa mesmo só aconteça em junho. Para a construção da Vila do Forró, foram pesquisados nos povoados da zona rural da região os traços arquitetônicos e as cores utilizadas pelos pedreiros, “sem orientação acadêmica” conforme os organizadores afirmam. Algumas casas da Vila, por esta razão, não possuem reboco. (Site, 1997).

A Vila do Forró tem, inclusive, “habitantes”. Atores encenam, de forma bem humorada, o cotidiano de personagens típicos da região como o padre, as beatas, a parteira, o soldado de polícia, o poeta, o prefeito e a primeira-dama, entre outros. O Coronel Ludugero e sua amada Filomena são personagens de destaque na Vila. Estes personagens passeiam pela Vila do Forró e pelo Pátio de Eventos, como se fossem reais. Os turistas que vão à Vila do Forró participam, portanto, de uma especial encenação teatral interativa que é mais uma das diferenciadas atrações do São João da “Capital do Forró”.

Outra atração muito popular do São João de Caruaru é a “Caminhada do Forró”, que sai do Pátio de Eventos no dia 9 de junho e é um dos grandes momentos dos festejos juninos de Caruaru. Verdadeira procissão dançante, cantante, de alegria, a caminhada tem como destino final o Alto do Moura, local onde viveu Mestre Vitalino.

O objetivo final da caminhada de quinze quilômetros é a degustação, ao final do percurso, do “Maior Cuscuz do Mundo”, oferecido gratuitamente aos brincantes. O cuscuz, prato típico do nordeste, é servido com leite de cabra e guisado de bode. Depois de servido o cuscuz, dança-se forró pé-de-serra na palhoça permanente do Alto do Moura. O “Maior Cuscuz do Mundo” é cozinhado em uma cuscuzeira gigante, que tem capacidade para 700 quilos de massa, e mede 3,3 metros de altura e 1,5 metro de diâmetro. O cuscuz consome 300 quilos de massa de flocos de milho, 20 quilos de farinha de mandioca, 5 quilos de sal e 10 quilos de margarina. A edição de 1997 do Guiness Book, cita o “Maior Cuscuz do Mundo” que em 1995 teve 600 quilos.

Outro dos momentos mais esperados da festa, que confirma o modelo processional do carnaval, alcançando uma festa que até há pouco tempo estava excluída dele, é o Desfile Junino, que acontece na noite de Véspera de São João em Caruaru. São dez mil figurantes na rua promovendo uma mostra de todos os personagens folclóricos que fazem do Ciclo Junino uma das maiores festas regionais do país.Seguindo o consagrado modelo processional, presente também em quase todas as festas brasileiras, mais de vinte carros alegóricos reproduzem cenas do cotidiano do homem nordestino, retratando a riqueza da cultura popular da região. Em cada carro a história e os valores do interior pernambucano enriquecem a noite de São João. Os carros são considerados a “versão matuta” das alegorias carnavalescas.

Além dos carros alegóricos, há carroças ornamentadas, casamentos matutos, quadrilhas tradicionais e estilizadas, grupos folclóricos, Bacamarteiros, bandas de pífaro, artistas e figurantes e um grande espetáculo pirotécnico. Participam do desfile entidades de classes, alunos da rede escolar, instituições públicas, grupos de comerciantes e a população em geral (Site).O Desfile Junino começa às 20 horas do dia 23 de junho e percorre os três quilômetros da Av. Agamenon Magalhães seguindo em direção ao Pátio de Eventos, acompanhado por uma multidão.

Os Bacamarteiros são outra atração dos festejos juninos. Com os seus “poderosos” bacamartes eles atiram para festejar o Santo Antônio casamenteiro, o nascimento de São João Batista, e São Pedro.

Por ter em suas origens raízes militaristas, os Bacamarteiros se apresentam divididos em “batalhões”, sob as ordens de um “comandante” e vestidos com roupas iguais de “azuarte” (espécie de brim, azul índigo, parecida com jeans). O harmônico de oito baixos, o triângulo, a zabumba de couro curtido e os pífaros animam as apresentações dos batalhões de Bacamarteiros (Carneiro, 1974; Souto Maior & Valente, 1988 e outros). A tradição dos Bacamarteiros é centenária, e passa de pai para filho. É tão importante e tão levada a sério que, quando o pai morre e não há filhos homens na família, é a filha ou esposa quem toma seu lugar no batalhão mantendo o costume. Os bacamartes são, em sua maior parte copiados de modelos de antigas granadeiras usadas pelas tropas sertanejas, que lutaram na Guerra do Paraguai. Com a arma na mão, homens simples, como vaqueiros, agricultores e artesãos se transformam em milícias de senhores do trovão, senhores dos sons. Para os Bacamarteiros os bacamartes não são armas. São vistos como seres de estimação, nomeados como se fossem pessoas. São os próprios Bacamarteiros que fazem a pólvora seca, que provoca o “espetáculo ribombo fumacento”. É em Caruaru que se concentra o maior número de Bacamarteiros de toda a região. Dizem alguns que foi neste município que a tradição começou (Bastos, 1977; Prado, 1977; Barreto, 1990 e outros). O grande desfile dos Batalhões de Bacamarteiros costuma acontecer no dia 24 de junho e vai até o Pátio de Eventos, onde há demonstrações de tiros de e o Forró do Bacamarteiro. (Jornal do Commércio, 30/10/1997).

Já se repete há alguns anos, nas noites de junho em Caruaru, a queima daquela que é considerada a “Maior Fogueira do Mundo”, de mais de dezessete metros de altura que é acesa no Pátio do Convento dos Capuchinhos. São necessárias pelo menos 48 horas para a queima da fogueira. Enquanto ela queima, forrozeiros caruaruenses e turistas animam o arraial do Convento. Ao mesmo tempo, os foguetes e balões fazem festa no céu.

O Festival Nordestino de Fogueteiros e Baloeiros é realizado no dia 8 de junho em Caruaru. Há apresentações de grupos folclóricos e bandas regionais. Após os folguedos, tem início o show pirotécnico. São fogueteiros e baloeiros de todo o país, com fogos de todos os tipos e feitios, sempre com temas juninos. A abertura do show pirotécnico é marcada pela queima de uma girândola de 1.200 dúzias de fogos no alto do Morro Bom Jesus, que demora cerca de meia hora para estourar inteira. Após o espocar da girândola, fogueteiros de todo o Brasil exibem no gramado do estádio as mais recentes novidades em shows pirotécnicos (Jornal do Commércio, 30/10/1997). No São João de 1995, a queima dos fogos foi assistida por 20 mil pessoas no Estádio do Central e por outras milhares em diversos pontos da cidade.


 

 

As quadrilhas — tradição e modernidade

 

As quadrilhas são o espetáculo por excelência do São João de Caruaru, e de qualquer São João do Brasil. Elas adquirem a mesma importância e lugar na festa que os blocos de afoxé baianos e que as escolas de Samba do Rio de Janeiro, e vão se tornando competitivas e especializadas.

Dança típica das festas juninas, a quadrilha é considerada uma herança do folclore francês acrescida de manifestações típicas da cultura portuguesa. Ela é inspirada na contradança francesa e sua origem, no Brasil, está na chegada da corte real portuguesa, no começo do século passado. Com D. João VI, que fugia do avanço das tropas de Napoleão Bonaparte, além de artistas franceses, como Debret e Rugendas, vieram também os modismos da vida européia, dos quais um dos favoritos era a quadrilha, dirigida por mestres franceses da contradança. Muitas das ordens desta dança transformaram-se em comandos típicos da quadrilha “caipira”, como os termos “anarriê” (en arrière, que significa “para trás”) ou “anavã” (en avant, que significa “em frente”), “changedidame” (changer de dame, ou seja, “trocar de dama”), “chemandidame” (chemin de dame, “caminho de damas”) ou “otrefuá” (autre fois), ”outra vez”. Ela foi a grande dança dos palácios do século XIX, e abria os bailes das cortes em qualquer país europeu ou americano, tendo se popularizado reinterpretada pelo povo, que lhe acrescentou novas figuras e comandos, constituindo o baile em sua longa e exclusiva execução, composta de cinco partes ou mais, com movimentos vivos e que terminava sempre por um galope.

Na época da Regência a quadrilha era enorme sucesso no Rio de Janeiro, trazida por mestres de orquestras que tocavam músicas de Musard e Tolbecque, os “pais” das quadrilhas. Foi adotada pelos compositores nacionais que lhe deram um “sotaque” brasileiro. Assim disseminou-se por todo o Brasil e, a partir dela apareceram muitas variações no interior do país, como a “quadrilha caipira” no interior paulista, o “baile sifilito”, na Bahia e Goiás, a “saruê” (que dizem ser corruptela de soirée) do Brasil central e a “mana-chica” (Pinho, 1942; Cascudo, 1969; Almeida, s/d). Atualmente só é executada nas festas juninas, das quais se tornou a música símbolo (Almeida, s/d).

As festas juninas, especialmente no nordeste, vêm se transformando, atualizando-se em função das expectativas dos participantes, demonstrando a grande capacidade adaptativa das tradições, capazes de se reinventarem sempre que necessário e, assim, as festas juninas estão sendo redescobertas não apenas pelas populações locais como modo de identidade, mas também pela mídia, pelo turismo e pelos turistas. A partir das quadrilhas comuns, em Caruaru já surgiram a Gaydrilha, a Sapadrilha e a Trokadrilha.

A Gaydrilha foi fundada em junho de 1989, quando um grupo de amigos comentavam sobre as quadrilhas matutas tradicionais da cidade. Daí surgiu a idéia de se criar uma nova atração para animar ainda mais o São João da “capital do forró”. Foi criada, então, uma quadrilha diferente onde só homens dançavam, vestidos de matutos e matutas e de personagens típicos da festa. Naquele ano, 23 “casais” saíram pela primeira vez, dando início ao que viria a ser o mais irreverente evento junino de Caruaru. Com o passar dos anos, a Gaydrilha foi se tornando cada vez maior e mais animada. Em 1995, a quadrilha contou com cerca de mil “casais”, um trio elétrico de forró e arrastou uma multidão de cerca de 40 mil pessoas, desde a concentração até o Pátio de Eventos. As inscrições por casal custaram R$ 20,00 e a Gaydrilha saiu à tarde da Estação do Forró. O dinheiro pago para a inscrição foi investido em som, apoio, chapéus etc.. O “passeio” da quadrilha pela cidade vai o anoitecer. Em 1996 e 1997 a televisão já transmitia ao vivo flashes da Gaydrilha na Vila do Forró, caricata e entusiasmada, levando desse modo mais turistas ao local.

Como alternativa feminina à Gaydrilha surgiu a Machadrilha que depois mudou de nome para Sapadrilha, também conhecida como o “grande pé quente do São João de Caruaru” A Sapadrilha é uma quadrilha só de mulheres, vestidas de matutos e matutas. As mais de mil integrantes da quadrilha enchem de irreverência e alegria as principais avenidas da cidade. Também acompanhadas por um trio elétrico tocando quadrilhas, as meninas da Sapadrilha tem também um camarote móvel e carro de apoio. A Sapadrilha desfilou em 1997 pela primeira vez, e arrastou milhares de pessoas já em sua estréia. Sua extensão era tão grande que ocupava todas as ruas do Pátio de Eventos e da Vila do Forró. O grande desfile da Sapadrilha foi no dia 16 de junho, à tarde, e as inscrições por “casal” custavam R$ 15,00. A rede Globo de televisão também transmitiu flashes da dança da Sapadrilha (Jornal do Commércio, 28/06/1997 e Site)

Juntamente com a Sapadrilha, surgiu a Trocadrilha, onde os homens se vestem de mulheres, as mulheres de homens e dançam juntos, irreverentemente, mostrando que os aspectos de inversão também se fazem presentes nesta festa, do mesmo modo que no Carnaval. No entanto, as quadrilhas tradicionais ainda são o maior sucesso.

Espontaneamente, são formadas quadrilhas nas ruas, bairros, escolas, empresas e grupos diversos. Valorizando este costume e incentivando a divertida brincadeira, a Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru promove, anualmente um concurso de quadrilhas, aberto à participação inclusive de grupos de outras cidades. Isto mostra que paralelamente à programação oficial do São João de Caruaru, não deixam de ser introduzidas novas brincadeiras e novos elementos na festa, independentemente do controle desta pela prefeitura, e que se tornaram imediatamente um sucesso. As “quadrilhas irreverentes”, como são chamadas a Gaydrilha, Sapadrilha e a Trocadrilha, são a maior prova disso. Hoje, há várias destas quadrilhas na cidade, nas quais dançam caruaruenses e turistas.

Com o crescimento do São João de Caruaru, toda uma infra-estrutura já se criou a fim de receber os turistas adequadamente, como hotéis de qualidade, locadoras de automóveis, agências de turismo, restaurantes sofisticados etc. Tudo para a festa, porque, de acordo com os habitantes:

“Caruaru é excelente na época junina e na época religiosa, No resto do ano... ierght” (Eder, 29, habitante de Caruaru).

Segundo Eder, Caruaru só é uma cidade interessante e divertida no período das festas juninas e da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, cidade vizinha de Caruaru, onde os muitos turistas que vão assistir à encenação da Paixão se hospedam. Quando perguntei a ele por que razão considerava a Paixão de Cristo divertida, respondeu que a grande quantidade de pessoas que vão à festa de São João e assistir à Paixão movimenta a cidade, possibilitando conhecer novas pessoas, fazer novos amigos e namorar. Durante o resto do ano, diz ele, a cidade é estagnada em termos de vida social.

Novamente a festa representa para os jovens de cidades mais distantes dos centros urbanos, a possibilidade de renovar as relações, estabelecer contato com modos de vida diferentes, atualizar um repertório de comportamento, como já vimos a respeito da Oktoberfest de Blumenau. Neste sentido, até mesmo um evento religioso como a apresentação teatral da Paixão de Cristo, por possibilitar a presença de muita gente diferente, adquire conotações de divertimento.


 

 

O Boi-Bumbá de Parintins

 

Outra festa junina que se tornou conhecida nacionalmente a partir dos últimos quatro anos foi o “Boi de Parintins”, cujo ápice acontece nos dias 28, 29 e 30 de junho, na ilha de Tupinambarama, a quatrocentos quilômetros de Manaus, no Amazonas. A ilha faz parte da cidade de Parintins, situada na selva amazônica. Nos três dias de festa a cidade é transformada em arena onde dois grupos de boi-bumbá — o Caprichoso [46] e o Garantido [47] — disputam o título o título de campeões do Festival Folclórico de Parintins, nome oficial da festa.

A disputa se espalha por toda a cidade, dividindo-a em duas metades opostas, uma azul e a branca e outra vermelha e branca, conforme se torça pelo boi Caprichoso (boi preto) ou pelo Garantido (o boi branco).

A festa do Boi de Parintins, é um enorme espetáculo de cunho teatral onde se apresentam os dois grupos (Bois) no “bumbódromo”, um estádio aberto com a arquitetura representando a cabeça de um boi estilizada. Dentro do bumbódromo os grupos dançam, cada um por sua vez, com alegorias com cerca quinze metros de altura e colorido de plumas nas fantasias, sendo talvez, por isso, chamada de “Carnaval da Amazônia”.

A partir de um dado enredo, 2.500 “brincantes” do Boi Garantido e 4.000 do Caprichoso mostram lendas da Amazônia encenadas por “tribos indígenas”, sobre cobras gigantes, e onças de fogo, pássaros que trazem a noite etc.., além da lenda do boi, fixa para ambos os competidores. Cada grupo apresenta seu enredo durante três horas, constituindo seis horas diárias de espetáculo.

A cada noite, trinta e cinco mil pessoas ocupam o bumbódromo. Cada grupo ocupa uma metade do bumbódromo, com as cores do grupo a que pertence. Não se usa a cor azul na “banda” do Garantido e nem a vermelha na “banda” do Caprichoso. Os torcedores não devem ultrapassar os limites de cada “banda” sob pena de serem hostilizados ou vítimas de violência. Sequer se pronuncia o nome do Boi adversário e, em caso de extrema necessidade, diz-se “o Contrário” ou “o Boi Contrário”, como se ao negar ao adversário um nome se estivesse realizando uma espécie de magia que faz com que o adversário desapareça, perca a existência, a personalidade. Mesmo a Coca-Cola, principal patrocinadora da festa, teve que verter seu tradicional logotipo vermelho e branco para azul e branco, a fim de poder mantê-lo na banda do Caprichoso, de onde a televisão faria flashes.

Na década de 60 a polícia chegou a proibir a festa devido aos muitos enfrentamentos entre torcedores dos dois Bois nas ruas, que destruíam o boi (a figura do boi, feita em papel machée ou outros materiais) adversário, provocando violência generalizada. Mesmo atualmente, casais que torcem por Bois adversários se separam, pais brigam com filhos e a reconciliação só ocorre após a festa. Para evitar os conflitos, algumas famílias decidem se separar antes do início da festa, indo cada membro para a casa de algum amigo do Boi de sua predileção, movimentando desse modo toda a estrutura social da cidade.

A “alma” da festa, dizem os organizadores e os observadores, é o ritmo, baseado nas batidas de surdos de um metro de diâmetro, chamados de toadas. O estilo do ritmo pode ser decifrado pelo nome dado ao surdo: “treme-terra”. Fortes e graves sons percussivos. A toada não tem a cadência do bumba-meu-boi do Maranhão e os entendidos dizem que a razão está na mistura. Quando o ritmo do bumba-meu-boi — segundo dizem, inspirado na música tocada nos antigos salões de festa franceses — foi introduzido por nordestinos na floresta amazônica, ganhou a influência dos ritmos indígenas e novos instrumentos como o “pau-d’água”, feito com bambu e que produz barulho de chuva, e o xeque-xeque, espécie de maraca.

No boi-bumbá de Parintins, apesar da importância dos bois, o que mais chama atenção parece ser o colorido da festa dado pelas tribos. A “tribo” é composta por “brincantes” que carregam nas costas cocares de cerca de oito metros de altura e cerca de vinte quilos. O “amo-do-boi” improvisa versos relacionados com o enredo e o cantador levanta a toada que é cantada pelos torcedores do grupo. Quando o Garantido está se apresentando a “galera” adversária fica em absoluto silêncio, sem absolutamente nenhum tipo de manifestação a respeito do boi “contrário”. Nem aplausos, nem vaias. Silêncio apenas. A mesma regra é seguida pelo Caprichoso. Tudo acontece ao som de trezentos músicos, misturando tambores, repinique e palminhas, instrumento feito com dois pedaços de madeira. (O Estado de São Paulo, 24/06/1996, Folha de São Paulo, 20/06/1995, Site). As toadas exaltam os valores do Amazonas, as lendas e a cultura indígena, como esta toada, do Boi Garantido:

A MORTE DO SOL
(I.Medeiros/T. Medeiros/J. Melo/E. Machado)

“Tupana, Tupana Ê, Ê..Á
Chorava a nação tupi
A morte do sol em pleno meio-dia
Feitiço de um poderoso Pajé
Clamava a grande nação
A tupana adormecia nos braço de Yaci
Magia de um Ahiang Mawê
Tupana, Tupana ê, ê ê
Guerreiros declaram guerra contra escuridão
Guerreiros disparam flechas pra acender o sol
E Tupã atendeu o clamor da grande nação
Sete mágicas remadas
Purantinadas bem dadas
Destruíram a forá do tinhoso pajé
É a aliança sagrada de Tupana
Com valorosa nação Mawê
Tupana Wako
Tupana Wako
Tupana Kaható”

Ou esta, do Boi Caprichoso:

EXALTANDO O BOI DE PARINTINS
(I. Porto/ E. Franco/ C. Ponte)

Ecoou na floresta
O grito de guerra
Do meu Boi-Bumbá
Boi-Bumbá de Parintins
Caprichoso
A floresta em festa
Exalta o belo
E o nobre de tradição
Tradição de Parintins
Caprichoso
Meu povo traduz em festa
As crenças perdidas
As tribos banidas
Pela fúria dos brancos
As vidas ceifadas
Em solo manchado de sangue
E a mata suplica: eu quero
Viver
Ô Ô Ê Ô Eraué Eraué”


 

 

A lenda do boi-bumbá e a representação coletiva

 

A apresentação dos Bois, em sua origem, narra a história de um casal de negros (Pai Francisco e mãe Catirina) do qual o marido comete um crime ao matar o boi de seu amo (senhor de escravos, patrão), para satisfazer o desejo da esposa grávida que quer comer a língua do boi. Por esta razão, é condenado à morte e só é salvo porque um padre e um pajé ressuscitam o boi de seu amo (estes personagens variam, podendo ser uma feiticeira, uma mãe-de-santo, ou qualquer outro que tenha o domínio da magia). Estes são o tema e os personagens principais da dramatização posta em cena pelos Bois. É claro que não sendo possível congelar tradições, novos elementos vão sendo introduzidos no drama. Segundo os organizadores da festa:

Elementos novos foram acrescidos ao Festival, com intuito de ajustar cada vez mais ao nosso contexto regional. Prova disso é que hoje enfocamos mais as culturas indígenas, mostrando as tribos que aqui vivem ou viveram, seus hábitos e seus rituais, que são o ápice do espetáculo. As inúmeras tribos apresentadas demonstram de maneira bela e cuidadosa a diversidade cultural amazônica” (Site).

Atualmente o chamado “conjunto folclórico”, uma série de pré-requisitos iguais para os dois grupos, equivalentes aos critérios usados para o julgamento das escolas de samba, é composto dos seguintes itens, que recebem notas individualmente dos jurados, que não podem ser da cidade, condição de imparcialidade do julgamento:

Apresentador:
Pessoa encarregada de dar sentido às alegorias, tribos, rituais e entrada de músicas, explicando aos espectadores do bumbódromo o significado de cada item ou detalhe importante na apresentação do evento durante as três horas em que ele se encontra em cena. É o apresentador quem se encarrega, também, de animar a torcida (galeras) de Boi que representa.

Levantador de toadas:
Encarregado de cantar ou puxar as toadas (música), equivalente ao “puxador de samba” nas escolas de samba

Amo do Boi:
O dono da fazenda. Repentista (improvisador de versos), que em alguns momentos canta versos e exalta o Boi.

Boi-Bumbá:
É todo o conjunto, incluindo o próprio Boi confeccionado em pano, que é carregado pelo “tripa-do-boi”, pessoa que carrega esta armação e faz a evolução do boi-bumbá na arena (a verdadeira vida do boi, por isso chamado de “tripa”).

Sinhazinha da Fazenda:
Representa a filha do dono da fazenda.

Pai Francisco:
Empregado (geralmente negro escravo) da fazenda, o mesmo que mata o boi para satisfazer o desejo de sua mulher (Catirina) grávida.

Mãe Catirina:
Mulher de Pai Francisco.

Cunhã-Poranga:
Cunhã (moça), poranga (bonita) na língua indígena, representada como a índia mais bonita da apresentação do boi-bumbá.

Pajé:
Índio feiticeiro, muito respeitado pelas tribos, que faz coreografias diversas, individualmente ou no ritual, e é uma das figuras mais importantes da apresentação.

Vaqueirada:
Representa os vaqueiros da fazenda.

Tuxaua-luxo e Tuxaua-originalidade:
Representa um chefe de tribo. Apresentando-se com magníficos cocares, eqüivale a muitos destaques das escolas de samba do sudeste. Com o passar dos anos estabeleceram-se duas categorias de Tuxaua: luxo e originalidade. O Tuxaua luxo se apresenta com toda a vestimenta ornamentada com dezenas de plumas de diversas cores, chegando sua fantasia pesar às vezes cinqüenta quilos. O Tuxaua originalidade utiliza alegorias com menos brilho e mais elementos da natureza, como sementes em lugar de lantejoulas ou pérolas, palha em lugar de tecido etc.

Galera:
É a torcida organizada do Boi-Bumbá, responsável pelo item animação.

Tribos masculinas e tribos femininas:
Grupos de homens e grupos de mulheres com vestimentas indígenas, fazendo coreografias, divididos em tribos.

Batucada:
É a “bateria” do boi. Composta por aproximadamente 500 pessoas que tocam instrumentos diversos, dos quais os principais são os de percussão, responsáveis pelo ritmo da toada.

Porta Estandarte:
Pessoa que conduz o estandarte, a bandeira do Boi, com o seu símbolo e slogan.

Rainha do Folclore:
Representa, segundo dizem os organizadores, os folclores branco, negro e o índio.

Ritual:
É o ápice da festa, momento em que o pajé comanda o ritual de ressuscitação do boi, evitando a morte de Pai Francisco.

Lenda Amazônica:
É uma das partes principais da apresentação, acrescida à trama original do boi-bumbá. Trata-se de uma lenda da tradição popular amazônica dramatizada a partir da interpretação de artistas locais.

Alegorias:
São peças fundamentais do festival, geralmente figuras extraordinárias e míticas, com temas amazônicos que revelam ao grande público o aspectos mágicos da cultura amazônica (Botos, Sucuris Gigantes, Curupiras, Pássaros etc.). Em geral são peças com muitos metros de altura, que podem ou não ser compostas também com pessoas dançantes, como nos carros alegóricos do Carnaval.

Figura Típica Regional:
Personagem que representa as lendas e o folclore, com trajes regionais.

Toada (letra e música):
A música enredo da apresentação. As toadas concorrem ao prêmio de melhor letra e música. (Site; Folha de São Paulo, 25/06/1997).

Todos os papéis, representados por habitantes de Parintins, atribuem prestígios aos “atores” e extravasam os momentos da apresentação. Ser “Pai Francisco”, “Dono da Fazenda” ou “Pajé”, entre outros, significa ser importante na festa e no conceito da sociedade local.


 

 

A festa como integração

 

Como conseqüência da divulgação e da popularidade que a festa alcançou, sua música, conhecida como “boi” passou a ser tocada nas emissoras de rádio de todo o país e outras festas do mesmo estilo, como os bois-bumbás do Maranhão, ganharam espaço paralelo na mídia. O crescimento da festa projetou ainda os compositores desses grupos que têm, hoje em dia, suas músicas gravadas, apresentadas em shows e programas de televisão, vendendo milhares de discos e tornando-se conhecidos, além dos limites dos próprios grupos. Tendo se projetado nacionalmente, as músicas da festa de Parintins tornaram-se meios para a obtenção de prestígio nacional, fator que possibilita uma certa mobilidade social. Principalmente porque os integrantes desses grupos fazem parte de um segmento economicamente desprivilegiado da sociedade, para o qual tais oportunidades de ascensão permanecem escassas.

Com a divulgação da grandiosidade da festa de Parintins e o conseqüente interesse turístico que despertou, a cidade vem sofrendo enorme transformação, visando dotá-la de infra-estrutura para a recepção dos turistas que, em 1996 e 1997 invadiram a cidade de modo massivo, hospedando-se, por falta de hotéis e acomodações, nos grandes barcos ancorados à beira do rio Amazonas (Folha de São Paulo, 30/06/1997).

Não é preciso dizer que a partir do crescimento de suas festas, Caruaru e Parintins viram suas bases econômicas e culturais sofrerem grandes mudanças. E nota-se que este desenvolvimento tem um ritmo particular, sustentado pelos interesses turísticos e econômicos, mas também pelo incentivo da população local, que participa ativamente, introduzindo inclusive novos elementos na festa. Pode-se portanto observar ao menos uma conseqüência dos fatos que vimos aqui: a da introdução de novos valores no sistema da festa (estéticos, econômicos, de prestígio etc.) que coloca em questão, para alguns, os valores comunitários e mais precisamente, a relação de seus membros com as novas presenças nas festas, sejam elas a dos turistas, da mídia, das empresas interessadas no consumo que a festa desperta ou outros. Assim, a festa vai transformando inclusive o critério de “pertencimento” que ela mesma proporcionava e que constituía uma de suas forças principais. As festas eram das famílias, dos parentes que chegavam, que se uniam ao redor das fogueiras ou dos bois, para compartilhar as comidas típicas e os valores em relevo no período da festa. A leitura das festas era feita principalmente referindo-se a um contexto local, familiar, original, da qual ela retirava seu sentido. Atualmente todo este universo vem sendo ressignificado e embora alguns lamentem a “invasão”, outros vêem nela um elemento positivo, que permite a inserção das comunidades locais no contexto nacional da qual se consideravam distanciadas.

As brincadeiras e atividades descritas acima são todas, atualmente, folclorizadas pela mídia em vários aspectos, senão em toda sua totalidade, com vistas a atrair turistas. Mas são manifestações sociais que foram produzidas num contexto cultural de tipo comunitário, no qual elas encontravam seu sentido e significação (constituindo ao menos parcialmente um expressão mítica, ou uma praxis gestual com a intenção de transformar os conteúdos que exprimem).

Estas brincadeiras originais ou pelo menos partes delas são então transformadas em espetáculo, tornando-se verdadeiros shows. O resultado da transformação, de ponto de vista do sentido, pode sugerir uma dessemantização da festa, tornando-a apenas um objeto de consumo, quando ela originalmente era uma história que a comunidade contava a si mesma, a história de seus espectadores e atores, que assim que teria perdido seu sentido. Isto, contudo, não é verdade, pois a população não deixa de manter o controle da festa, e participar criativamente de tudo que a envolve. Por outro lado, a festa dos turistas não é a festa dos habitantes, que vêem nela os sentidos profundos por dominarem um código que o turista não alcança, por jamais ter vivido ali. No entanto, todos prezam e se orgulham do crescimento de sua festa e da presença cada vez maior de turistas, o que significa a valorização de suas práticas tidas até então como coisas de “matutos”, “caipiras”, “paus-de-arara”, “bugres”. A festa realiza, desse modo, novas mediações, aproximando os diferentes e estabelecendo códigos novos, compreensíveis para os dois lados. Caruaru: já não é mais uma cidade do sertão de Pernambuco, mas a “Capital do Forró”, internacionalmente conhecida, do mesmo modo que Parintins, tem “A Maior Festa da Amazônia”.


 

 

A Festa do Divino Espírito Santo

“Assim como os três reis magos
Que seguiram a estrela-guia
A Bandeira segue em frente
Atrás de melhores dias, ai, ai...”


(“Bandeira do Divino”, Ivan Lins)

 

A Festa do Divino Espírito Santo é uma das festas mais recorrentes em todos os calendários turísticos e sobre festas que pude encontrar. Sua realização, contudo, parece adquirir maior relevância em regiões de colonização mais recente, como é o caso do Centro-Oeste brasileiro onde outras ela é a mais constante nos calendários das cidades. Pouco se sabe sobre sua origem como evento no Brasil a não ser que ela veio com os portugueses no período colonial, quando era efusivamente comemorada. Segundo vários autores ela foi sofrendo transformações paulatinas, “decaindo” na preferência popular por alguns anos, devido, talvez, ao empobrecimento das regiões onde se solidificaram como forma de culto ao Espírito Santo, pois elas parecem ter tido início, no Brasil, nas áreas de mineração do ouro, como Minas Gerais e Goiás.

A respeito dos primeiros tempos da Festa do Divino no Brasil e as formas pelas quais teria sido levada à região central, existem poucas e imprecisas informações, tanto nos vários autores que dela trataram e também segundo alguns moradores desta região. Acredita-se que o costume veio de Portugal, trazido pelos missionários jesuítas e primeiros colonos. E dizem que a festa estava já difundida em todo país antes de chegar à região central (Araujo, 1955, 1959; Alves, 1971; Amaral, 1976; Brandão, T. 1976i; Bruno, 1953; Carneiro, 1974; Cascudo, 1969, 1971; Dantas, 1976; Kornerup, 1974; Lacerda, 1977; Moraes Filho, 1979 e muitos outros).

A crença no Espírito Santo é reconhecida como um dos principais focos das formas de religiosidade popular do Centro-Oeste, contrariamente ao que acontece no Nordeste e Sudeste do país, onde outros santos padroeiros, como os juninos, ocupam o lugar que no Brasil Central se destina ao Divino. Diz-se ainda que a festa está intimamente ligada ao período da mineração de ouro e se conservou especialmente nas velhas cidades goianas do século XVIII, sendo rara e pouco solene nas cidades que foram fundadas depois do ciclo do ouro. Segundo Carlos Brandão (1978), as pessoas de origem mais pobre de Pirenópolis (onde realizou seus principais estudos), ligam a origem da festa à sua antigüidade apenas. A festa é tradicional, para estas pessoas, “porque é costume muito antigo”. Já nos discursos das pessoas “letradas”, há referências históricas, nomes e datas. Algumas versões da origem da festa são verdadeiros mitos narrados por moradores como uma versão que Brandão publicou, contada um habitante de Pirenópolis que, segundo ele, dizia possuir conhecimentos pessoais que até 1974 não eram conhecidos sequer por pessoas de sua família. Segundo esta versão:

“Ainda na Idade Média teria aparecido em Portugal um monge considerado como um santo. Depois de longos anos de retiro no deserto, foi-lhe revelada a vinda próxima de uma nova era de relações entre os homens sobre a Terra: a época do Espírito Santo. A humanidade teria já ultrapassado a época do Pai (o Antigo Testamento) e, ao seu tempo, terminava o seu trânsito por sobre a época do Filho (o Novo Testamento). Estaria para chegar ao mundo a época final, a do Espírito Santo, marcada pelo advento de uma implantação definitiva da paz, do amor da bondade entre todos os homens do mundo. [...] O monge voltou às cidades e procurou difundir a revelação recebida, tida imediatamente como revolucionária pelas autoridades eclesiásticas do seu tempo. Suas idéias proféticas conquistaram inúmeros adeptos, logo perseguidos por uma igreja oficial, ao mesmo tempo medieval e fechada. Segundo a versão, ‘só em Portugal foram queimadas mais de 400 pessoas por sua crença no Espírito Santo‘. Inúmeros adeptos da nova crença migraram para o Brasil, logo depois de sua colonização e, depois da conquista dos espaços mediterrâneos, ocuparam, prioritariamente, antes as terras de Minas Gerais e, depois, os espaços de Goiás e, em menor escala, os de Mato Grosso” (Brandão, 1978: 65).

Existem evidências históricas dessa versão, que próprio Brandão (1978: 143, nota 50) apresenta e que são uma boa demonstração dos modos de variação dos fatos históricos quando incorporados às práticas de grupos de pessoas vinculadas a festejos populares de expressão católica. Um exemplo de que os vazios do mito são muitas vezes preenchidos com elementos históricos do mesmo modo que os vazios da história podem ser preenchidos por criações míticas.

A festa do Divino Espírito Santo realiza-se no Domingo de Pentecostes, festa móvel católica, que acontece sempre cinqüenta dias depois da Páscoa, em comemoração à vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. Ela se realiza em inúmeras localidades do país. No Brasil central, contudo, parece ser a mais relevante e mobilizante das festas. Se nas demais regiões temos outras festas aglutinadoras da população (como o Carnaval no sudeste, as festas juninas no norte e nordeste, as FESTS no sul), a festa do Divino Espírito Santo cumpre este papel no Brasil central, embora não seja oficialmente reconhecido como santo padroeiro da maioria das cidades em que acontece.

Existe um culto pessoal do Espírito Santo em toda a região central. Segundo Brandão, as pessoas recorrem ao Divino em busca dos mesmos milagres esperados dos santos da igreja católica fazendo, inclusive, promessas. Ele não tem atributos específicos, ou seja, não tem um dom específico de cura ou proteção, como é o caso de São Brás que protege a garganta, ou Santo Antônio, que protege os namorados. Por esta razão, ao Divino tudo se pede, embora ele perca em quantidade de promessas e votos para São Benedito. Finalmente, o Divino Espírito Santo não tem culto institucionalizado por parte de algum segmento social, seja classe, profissão ou etnia.

Os motivos apresentados nos discursos das pessoas que fazem a festa, para realizá-la remetem, segundo vários autores, a uma firme crença no Divino, reconhecida em toda região. E as pessoas que Brandão entrevistou diziam que “sempre tiveram essa fé com o Divino”. E por isso que a festa foi criada e se repete todos os anos. A crença no Espírito Santo explica a festa. Ela é compreendida como um modo próprio da cidade expressar sua crença, promovendo uma situação de múltiplos rituais de louvor e homenagem ao Espírito Santo.

Como acontece nas grandes festas, apesar de o momento central acontecer num único dia, no caso o Domingo de Pentecostes (chamado por todos de “Domingo do Divino”), ela começa bem antes, não apenas no espírito dos participantes, como também nos preparativos e escolhas que devem ser feitos. No período que antecede a festa, os momentos centrais são o do sorteios dos “encargos do Divino” e a “Coroação do Imperador”.

A Festa do Divino coloca dentro de sistema de ações de trocas e serviços, pessoas socialmente diferenciadas em posições também diversas e muitas vezes interdependentes. Pode-se mesmo dizer que é sobre estas trocas simbólicas de modos de participação que se constitui, na prática, a Festa do Divino. Ela instaura uma transformação não apenas na vida da sociedade local como também na vida pessoal dos participantes, como de resto acontece com todas as festas, mas especialmente com as festas devocionais.

Aqueles que se comprometem com os festejos do Divino redefinem-se, uns para com os outros, ao se integrarem a um sistema de posições e relações que apesar de algumas vezes derivarem de relações que acontecem em outras áreas da sociedade local, somente possuem valor dentro da situação da festa e de seus vários rituais. Isto significa que empregado e patrão, por exemplo, podem ter seus papéis invertidos, reforçados ou anulados no sistema religioso da festa.

Como um ritual religioso e que é, ao mesmo tempo, visto como folclórico, passível de ser entendido como demonstração da identidade local, a Festa do Divino é um acontecimento que deve ter as características do culto ao Espírito Santo e ser organizado de forma a constituir um acontecimento da cidade (Brandão, 1978; Moraes Filho, 1979). Assim, sua organização deve ter sempre em vista a possibilidade de ampliação de cultos e rituais de esfera individual ou restrito a pequenos grupos, até as dimensões da cidade ou mais amplas, já que as festas se expandem ao ponto de alcançar as áreas rurais ao redor e outros cidades e de absorver pessoas de toda a região, e mesmo de fora dela. A Festa do Divino de Pirenópolis, estudada por Brandão, é exemplar e será usada como tal aqui, representando um exemplo ideal, que não contém, necessariamente, todas as variações possíveis do sistema da festa.

O principal responsável pela preparação e realização da festa éo imperador do Divino, devendo ser, ao mesmo tempo, seu maior investidor e aquele através de quem a cidade presta suas homenagens ao Espírito Santo, o Divino. Como uma espécie de representante temporário do Divino Espírito Santo, o imperador se torna objeto de todas as homenagens e deferências durante a comemoração. Por esta razão, o momento principal em toda a sucessão de momentos do festejo, que dura dias, é o da “Coroação do imperador”. É o momento em que simbolicamente o Espírito Santo vem à terra, sobre o imperador do Divino ou personificado nele, como na época dos apóstolos, e em que a festa promove, num único ritual, seus dois principais atores e personagens: o imperador e o padre. E é também o momento em que a sociedade local estabelece os termos rituais da continuidade da festa do Divino, de modo solene, ao estabelecer a passagem de um “ano imperial” [48] para outro.

Considerada, como outras, uma festa popular, a Festa do Divino é realizada sob o duplo controle das autoridades eclesiásticas e da cidade, em geral. As “autoridades da cidade” podem ser as pessoas em melhor condições financeiras, como fazendeiros, comerciantes, empresários etc., como pessoas que gozam algum tipo de prestígio local, comportando, evidentemente, exceções. As pessoas que promovem a Festa do Divino ocupam, geralmente, posições derivadas das relações de trabalho na sociedade local, seja este trabalho urbano ou rural. São conhecidos que se organizam para esta finalidade, e os candidatos a festeiro em geral são fazendeiros, comerciantes ou outros que se conhecem de algum modo através de relações de trabalho. Em certos casos, ocupam posições específicas na festa por causa das posições que ocupam na sociedade. Assim, combinam-se os dois sistemas: o da festa e o das relações sociais.


 

 

Preparação da Festa — As Folias do Divino

 

Um ano antes da realização da Festa do Divino são distribuídos os chamados “encargos” da festa, ou seja, os papéis ou funções que cada um deverá exercer na Festa-representação que é a Festa do Espírito Santo. Estes encargos são sorteados entre todos os que se apresentam como candidatos. Quem se candidata deve estar ciente dos custos que o encargo envolve, embora muitas pessoas sabendo disso façam da candidatura ao encargo o sacrifício implícito em uma promessa que será paga com o trabalho e investimento material na festa. Os principais encargos da Festa do Divino são:

Mordomo da novena:
Um mordomo para cada noite da novena é sorteado, contando-se, portanto, com nove mordomos da novena. Eles são responsáveis pela organização e parte dos gastos com a “reza da novena” (velas e um eventual café com bolinhos oferecido aos que participam dela).

Folião da Cidade:
Responsável pela Folia do Espírito Santo, que percorre a cidade nos dias finais da Semana Santa e poucos dias antes da festa. Ele pode participar diretamente da folia ou pagar a algum folião para sair com a banda em seu lugar. Se ele próprio for o Folião, recebe as homenagens costumeiras de folia nas casas por onde passa. Se pagar pela Folia, recebe homenagens apenas dos demais foliões.

Mordomo das Velas:
Responsável pelos gastos com velas e também com energia elétrica durante os domingos do período da festa.

Mordomo da Bandeira:
Responsável pela guarda e manutenção (incluindo reformas) da Bandeira do Divino. É quem conduz em procissão a Bandeira do Divino e a coloca no mastro para o hasteamento. De sua casa sai a Procissão da Bandeira nos anos em que ela acontece. Segundo Brandão (1978), em alguns anos ou cidades é o Mordomo da Bandeira acompanha essa procissão em lugar de destaque.

Mordomo do Mastro:
É encarregado de obter e preparar o mastro da “Bandeira do Divino”, providenciar seu levantamento e também pela queima de fogos.

Mordomo da Fogueira:
Responsável pela construção da fogueira e sua queima, durante o levantamento do mastro e da bandeira, e ainda pela queima dos fogos.

Imperador do Divino:
É o responsável pela coordenação da festa juntamente com o padre da igreja local e alguns “mordomos, e pela maior parte dos investimentos feitos. Organiza os eventos da festa, arcando com grande parte dos gastos coletivos das Cavalhadas desde os dias do ensaio. Paga pelos fogos, pela decoração da cidade (ajudado pela prefeitura) e pelas apresentações das duas bandas. Recebe as pessoas da festa e visitantes em sua casa, onde deve oferecer comida e bebida. De sua casas saem: Alvorada do Sábado e do Domingo, Procissão da Coroa, Procissão do Espírito Santo e os Cavaleiros, para ensaio. Voltam à sua casa: Procissão da Volta da Coroa, Bandeira e Cortejo ao final da festa.

O imperador do Divino tem lugar de honra nas missas (sentado num trono), nas procissões e nas Cavalhadas (palanque imperial). Ele é homenageado em diferentes situações pelos cavaleiros, pela banda de música e pelos foliões do Espírito Santo. Usa os principais símbolos da festa: a coroa do Divino e o cetro (Brandão, 1978).

Nos dois últimos dias da Semana Santa, o Folião da Cidade a percorre com a primeira Folia do Divino de uma nova Festa. O pequeno cortejo de instrumentistas e cantores divide-se entre os bairros e vilas da cidade e seus integrantes procuram visitar o maior número possível de casas em busca de donativos para a festa. A coroa do imperador é levada da casa deste pelos foliões, que percorrem com ela e a Bandeira, os lugares de “peditório”. Essa atividade também é conhecida como “Bandeira do Divino”, e pode sair novamente durante a semana da novena.

Como ninguém é tão pobre que não tenha o que ofertar ao Divino e nem tão rico que a ele não precise pedir nada, a “Bandeira” vai de porta em porta, cada uma delas, na cidade ou nas fazendas ao redor, cantando e recolhendo donativos. Desde um cafezinho até às esmolas propriamente ditas, tudo se pede cantando, e em nome do Divino Espírito Santo. As cantigas são significativas do universo simbólico envolvido na festa do Divino:

“A bandeira aqui chegou
Um favor quer merecer:
Uma xícara de café
Para os foliões beber”

E enquanto a dona da casa oferece o café, a “Bandeira”, com seus menestréis adornados de fitas, e chefiados pelo “alferes da bandeira”, canta, por exemplo:

“O divino entra contente
Nas casas mais pobrezinhas
Toda esmola ele recebe
Frangos, perus e galinhas”

“O Divino é muito rico
Tem brasões e tem riqueza,
mas quer fazer sua festa
Com esmolas da pobreza”


(Moraes Filho, 1979: 41)

Algumas vezes, contudo, vendo a pobreza dos devotos nas casas por onde passa, a “Bandeira” deixa algo em vez de levar.

“Na última casa, bem separada das outras, não havia quadros [de santos] nem rádio, o colono não pode oferecer nada, nem café. ‘Nós não tem o que possa dar, mas queria que a bandeira fosse lá’, veio avisar o menino. A casa miserável, escura, suja de barro e com muitas crianças chorando. A folia cantou muito para eles e ainda deixou dinheiro. A família segurando a bandeira, com muita devoção” (Galvão, 1977: 64).

Segundo Brandão, as folias rurais, de foliões cavaleiros” foram grandes e muito solenes no passado, e ainda hoje mantém a mesma estrutura ritual para pedir ofertas ao Divino nas chácaras, sítios e fazendas da redondeza: deslocam-se pedem esmola e agradecem, cerimônia que realizam levando uma das bandeiras do Divino. Eles costumam pedir pousada nos lugares mais distantes, rezar terços e mesmo realizar bailes “dominados por catiras nos locais onde a folia pousa” (Brandão, 1978: 35).

Por volta de quinze dias antes do Domingo de Pentecostes, e cerca de uma semana antes do início da semana da novena a cidade já vive intensamente a sua festa. Postes e árvores são pintados de vermelho e branco, as cores do Divino. Os cavaleiros e pastorinhas fazem seus ensaios e, entre fogos, doces, bolos e salgados, café e bebida, o Imperador do Divino começa a fazer os seus maiores gastos da festa; a viver os momentos mais importantes de seu “ano imperial”.


 

 

A Novena do Espírito Santo

 

Oito dias antes do Sábado do Divino, começam as novenas conhecidas como Novenário do Espírito Santo. No primeiro dia da novena a cidade é despertada duas vezes: a primeira com a Banda de Couro (com os caixeiros e caixeiras do Divino), à quatro horas da manhã, a segunda com a banda de música, às cinco horas. Ainda no primeiro dia, uma sexta-feira, e no último, um sábado, além das Alvoradas, há tocatas da banda de música ao meio-dia. O imperador queima fogos pelo menos de madrugada, quando há Alvoradas, e depois de cada reza de novena, já à noite.

Segundo Brandão (1978), em Pirenópolis as rezas de novena são solenes. São cantadas em latim pelo coro da cidade, que se acompanha de alguns músicos da banda, flautas e violinos. Foi adicionada ao ritual uma missa posterior à novena, que o padre oficia em algumas noites. Ao fim da reza da novena de cada noite, todos os presentes cantam o Hino do Divino. Para cada noite de novena há um mordomo, como vimos, sorteado junto com o Imperador e demais encargos da festa. Sua função é dirigir a reza no seu dia. Alguns deles recebem a Folia do Divino em sua casa e oferecem comida e bebida aos visitantes. É uma parte essencialmente religiosa da festa.


 

 

O Sábado do Divino

 

Às seis horas da tarde do último dia da novena, sai da casa do Mordomo da Bandeira, para a igreja matriz, a primeira grande procissão da festa: a Procissão da Bandeira. Ela é a única que não tem como origem ou destino final a casa do Imperador do Divino.

O cortejo é acompanhado pela banda de música, que durante todo o trajeto executa um dobrado marcial. Moças vestidas de vermelho e branco conduzem a Bandeira do Divino, o objeto simbólico de maior importância na procissão. A bandeira geralmente é feita pelo Mordomo da Bandeira ou no caso de uma bandeira antiga, reformada sob sua supervisão. Ela permanece em sua casa até o sábado em que, abençoada pelo padre depois da missa do último dia de novena, é solenemente hasteada em seu mastro. Tal como a bandeira, o mastro é colorido de vermelho e branco, as cores do Espírito Santo. O mordomo do mastro, encarregado, por sorteio, de faze-lo (o mastro deve ter em torno de 15 a 18 metros de altura), levanta o mastro, auxiliado pelos demais mordomos, logo depois da missa de sábado. Acende-se também a fogueira. Durante o hasteamento os três mordomos (do mastro, da bandeira e da fogueira) organizam uma queima de fogos. É costume que Imperador “responda” com outra queima.

O Sábado do Divino marca também o início da parte profana da festa. Ao meio-dia saem às ruas bandos de Mascarados a cavalo. Cobertos de máscaras de papelão ou papier maché colorido, a maioria com a forma de cabeças de bois com grandes chifres enfeitados com flores de papel, vestindo roupas coloridas e brilhantes ou fantasias que se referem ao personagem da máscara, galopam pelas ruas das cidade durante as tardes e as noites, desde o sábado até a terça-feira. Geralmente são jovens da cidade ou vindos de fazendas dos arredores. A maioria dos cavaleiros se veste do mesmo modo (máscara e fantasias iguais), com poucas exceções e galopam juntos, especialmente quando se apresentam no “Campo das Cavalhadas”. Eles não são, contudo, grupos organizados para um determinado divertimento, mas simples grupos de galope, jovens que se divertem pelas ruas em correrias e abordando moças, com flertes e galanteios, gracejando ou pedindo dinheiro para comprar bebidas. É considerada obrigação de cada mascarado não se deixar identificar nem mesmo pelos seus parentes durante os primeiros dias de saída. Durante as Cavalhadas de Mouros e Cristãos eles se apresentam nos intervalos das atuações. Na terça-feira, ao final dos festejos, saem atrás da banda de música e vão com ela até a casa do Imperador, para, juntamente com as muitas pessoas envolvidas no evento, “entregar a festa” (Brandão, 1978).

No Sábado do Divino acontecem, portanto, os últimos festejos religiosos preparatórios do Domingo de Pentecostes e os primeiros da parte profana dos festejos do Divino, que inclui eventos extremamente apreciados pela população. As Cavalhadas estão entre os mais esperados e alegres da Festa do Divino, embora em alguns lugares a prática esteja perdendo importância, como notam alguns autores (Alves, 1971; Carvalho, 1977; Pina, 1971). A luta entre Cristãos e Mouros também pode acontecer sem os cavalos, com lutas de espadas pelas ruas, intensamente dramatizadas.


 

 

O Domingo do Divino

 

Se a Alvorada de Sábado é acompanhada pelas ruas da cidade por uma grande quantidade de pessoas, a de Domingo costuma ser acompanhada por muitas mais, quase todas as da cidade e mais visitantes. Esta Alvorada não sai da igreja matriz, mas da casa do Imperador do Divino, às cinco horas da manhã, depois que este oferece aos músicos da banda “café e quitandas”. De lá ela parte em direção a diferentes ruas e lugares da cidade, em um percurso tradicional, mas que pode ser alterado conforme a necessidade ou vontade dos que o determinam. O percurso destas procissões valoriza os espaços que contém, pois sacraliza cada um deles, e os que vivem nestes espaços sacralizados sentem-se como se a presença do Espírito Santo se espalhasse pelo ar, sacralizando suas casas e suas vidas. (Alves, 1971; Brandão, 1973).

O cortejo segue a banda, que divide o percurso em dois tipos de toques diferentes: durante o deslocamento de um ponto a outro toca dobrados alegres, músicas populares atuais ou outras, regionais e, durante as paradas, executa o hino do Divino, que parte do cortejo costuma cantar. Os principais pontos de parada são geralmente a igreja local (perto da qual geralmente se encontra o mastro do Divino), as casas das pessoas com “encargos do Divino” e as casas de antigos moradores ligados à festa e que já não podem sair para acompanhar a Bandeira pela cidade, em procissão. Durante uma Alvorada de Domingo o hino do Divino é executado várias vezes. Quando o dia clareia completamente, a Alvorada se dissolve em frente à igreja local.

Os eventos seguintes do domingo também saem da casa do imperador. O primeiro é a Procissão da Coroa. Nela, o imperador é levado em cortejo, dentro de seu “quadro”, formado por varas de cor vermelha e precedido por um grupo de moças, também vestidas de vermelho e branco, com bandeiras do Divino semelhantes à que se hasteou no mastro, na noite anterior. O andor do divino é carregado por quatro moças, com roupas iguais às das que carregam as bandeiras. Um grupo maior de meninas, com idade entre cinco e dez anos, totalmente vestidas de branco levam bandeirinhas com a “pomba do Divino”.

O andor é cercado de flores e representa, como a figura da pomba, o Espírito Santo. No interior de seu “quadro”, o imperador, usando a coroa e com seu cetro de “prata” nas mãos, é acompanhado pela esposa ou parente que carrega a bandeja sobre a qual repousa a “Coroa do Divino” quando não está em uso, na casa do imperador, durante o ano imperial.

Atrás do “quadro” do imperador seguem os membros de irmandades e demais acompanhantes da procissão. A Procissão da Coroa aproxima-se da igreja matriz ao som dos sinos dobrando e do estrondo de vários fogos. O Imperador do Divino e seu cortejo entram pela porta principal e se colocam junto ao altar, de frente para o povo. A seu lado fica sua esposa e ao redor, ocupando toda área do altar, as moças, virgens e outros acompanhantes do cortejo. O padre reza a missa e nela as cantigas cantadas são as tradicionais da festa (Alves; 1971; Brandão; 1983, Pina, 1971 e outros).


 

 

O sorteio dos encargos

 

Após esta missa, as pessoas da cidade que têm maior afinidade e interesse na festa (os que desejam pagar uma promessa, por exemplo), participam, na sacristia da igreja, do sorteio dos “encargos do Divino” para o ano seguinte. As pessoas que participam anualmente do sorteio chamam-se, entre si, de “irmãos de sorte” ou “irmãos do Divino”, embora em muitos lugares jamais tenha chegado a existir uma confraria do Espírito Santo, como existiram em outras cidades brasileiras (Brandão, 1978).

A escolha dos encargos do Divino obedece aos rituais de um sorteio solene. Em duas pequenas sacolas pretas de pano são colocados papéis enrolados. Uma delas contém os nomes dos candidatos e a outra a relação dos encargos. Um dos escrutinizadores retira o nome de um candidato e outro, geralmente o próprio padre, retira o nome do encargo correspondente. Assim, qualquer candidato, de acordo com sua sorte, pode ser escolhido, pelo Divino, para qualquer dos encargos, inclusive o de imperador, que pode ser retirado em qualquer momento do sorteio, sob o olhar de uma assistência formada por todos os “irmãos na sorte”: parentes, amigos, pessoas comprometidas com a festa em anos anteriores, e os responsáveis pela apuração. Toda a expectativa é pelo sorteio do nome do imperador e geralmente quando a notícia chega à sua casa, ouvem-se fogos estourando.

A princípio, qualquer pessoa nascida na cidade, mesmo os que residem fora dela, podem propor seu nome como candidato aos encargos da festa, desde que preencham a condição de não estar sendo o imperador atual, e ser católico “de vida exemplar”. E há ainda a crença de que o lado para onde a bandeira aponta, movida pelo vento, quando o mastro acaba de ser erguido, é aquele onde o futuro imperador provavelmente reside (Pina, 1971).

Findo o sorteio, tem lugar a Procissão da Volta da Coroa, bem reduzida, que retorna à casa do imperador, tendo deixado na igreja o andor do Espírito Santo. Ao chegar à casa do imperador, este deposita no altar seus objetos simbólicos (coroa, cetro, bandeiras e bandeja) e oferece aos presentes doces, salgados e bebidas. Dentre estes alimentos, alguns são considerados indispensáveis e devem estar presentes por seu caráter marcadamente simbólico, como é o caso das “verônicas” (feitas de açúcar e limão e gravadas com os símbolos da festa, como a pomba, Nossa Senhora, a coroa), e ainda os “pãezinhos do Espírito Santo”. Em algumas festas do Divino é costume também serem distribuídas verônicas e pãezinhos do Espírito Santo de casa em casa, e cada casa deve receber ao menos um destes alimentos.

Neste mesmo dia, ainda, acontecem os rituais da Procissão do Espírito Santo, a Missa Vespertina e a Coroação do Novo Imperador. Na Procissão do Espírito Santo reúnem-se o imperador atual e o “novo”. Este vai à casa do imperador e os dois juntos saem em procissão, seguindo o mesmo itinerário da Procissão da Coroa. Neste momento ainda é o imperador atual que usa os símbolos de realeza. Seguem, então, o atual imperador, sua esposa e um auxiliar e atrás destes o novo imperador e um parente. Durante a missa vespertina o imperador atual fica em seu trono com o séquito à sua volta. Depois desta missa o padre da cidade realiza a Coroação do Imperador, considerada por muitos um momento fundamental na festa.

É interessante notar que a partir desta coração tem-se a presença de dois imperadores, um efetivo, coroado no ano anterior, cujo “mandato” está se extinguindo e outro, também efetivo porque coroado, cujo mandato ainda não começou e só começará no ano seguinte.

Os dois imperadores aproximam-se de um pequeno genuflexório colocado diante do altar e coberto de pano branco. Colocam-se de joelhos diante do padre. Este retira a coroa do imperador atual e a oferece aos dois, para que a beijem. Neste momento canta-se o Hino do Espírito Santo, após o que a coroa é solenemente colocada na cabeça do novo imperador. O mesmo procedimento é feito com o cetro, sem que se entoe outra vez o hino. Com um pequeno ramo de folhas verdes o padre esparge água benta sobre os dois imperadores. Esta cerimônia de coroação marca o final dos festejos religiosos. O novo imperador retorna à sua casa em pequena procissão, agora com o cetro e a coroa. Essa procissão não se inclui no “Programa da Festa” e, embora seja uma tradição dos festejos do Espírito Santo, não se considera que faça parte oficial dela” (Brandão, 1978: 28).


 

 

A Festa “Profana”

 

A festa é vista como tendo uma parte religiosa e uma parte profana. Os eventos da parte considerada profana começam, geralmente, com a saída dos mascarados, a cavalo, e terminam com o cortejo final de “entrega da Festa”, na casa do Imperador.

À parte o desfile de mascarados, que é bastante aleatório e pode acontecer a qualquer momento do período da festa sendo, como observa Brandão (1978), uma série de cavalgatas aleatórias, a Festa ainda tem como momentos marcantes do divertimento popular as Cavalhadas (ou “Guerra entre Mouros e Cristãos” ou, ainda, simplesmente “Mouros e Cristãos”) e as Pastorinhas. Alguns autores sugerem mesmo que as Cavalhadas são, organizacionalmente, o ponto central da Festa (Alves, 1971; Pina; 1971). Segundo Brandão, esta ênfase é exagerada, e afirma que, do ponto de vista ritual, as Cavalhadas são apenas um evento a mais na série de eventos da festa. Tanto que em alguns lugares sequer existem, existiram, ou até desapareceram há muito tempo de algumas cidades onde ainda hoje se festeja o Espírito Santo, como em Goiás e Mossâmedes. Com ele concorda Kornerup (1974), que ressalta os vários momentos da festa como igualmente relevantes.

As Cavalhadas, consideradas um espetáculo específico da festa do Divino consistem em tardes de combates e disputas entre doze cavaleiros cristãos e doze mouros. Do mesmo modo que acontece com a apresentação das Pastorinhas, é um ritual minuciosamente ensaiado. Pelo menos quinze dias antes da primeira apresentação, os cavaleiros se reúnem, desde madrugada, no chamado “pasto real” para ensaiarem as carreiras e discursos do ritual.

Nos dois primeiros dias, geralmente à tarde, são realizados a entrada e o desfile dos cavaleiros, a cena de morte do espia-mouro, as carreiras de combate de lanças, pistola e espada após a troca de embaixadas e o desafio entre os dois reis. Ao final, no Domingo, o pedido de trégua e reinício das carreiras de lutas. Por fim, a derrota e prisão dos mouros, o discurso de conversão do rei mouro e o batismo dos derrotados. Na tarde do último domingo são feitas carreiras de conciliação e homenagens à assistência. Realizam-se ainda os jogos eqüestres de “argolinhas” ou de “cabecinhas”.

De sábado a terça-feira, realizam-se as “Revistas de Pastorinhas”. A apresentação das Pastorinhas na Festa do Divino Espírito Santo vêm sendo feitas desde o começo do século e é um costume que parece se mantém com vigor. Apresentam-se ainda, na parte profana da Festa, autos folclóricos, danças etc. (Araujo, 1955, 1959; Alves, 1971; Amaral, 1976; Brandão, T. 1976i; Bruno, 1953; Carneiro, 1974; Cascudo, 1969, 1971; Dantas, 1976; Kornerup, 1974; Lacerda, 1977; Moraes Filho, 1979 e muitos outros).

Na Festa do Divino de Pirenópolis, provavelmente a mais famosa do Brasil Central, acontecem ainda, constando como “festejos profanos” no calendário oficial (Brandão, 1978), a Procissão do Reinado de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Elas se assemelham às procissões do Espírito Santo, em menor escala, e também são distribuídos doces, salgados e licores na casa de alguns dos participantes.

Os festejos profanos só terminam, onde há Cavalhadas, depois que os cavaleiros vão à igreja descarregar as pistolas em frente a porta, atirando para o alto e os mascarados e cortejos festivos da cidade vão à porta da casa do Imperador para “entregar a festa”. Só então ela é considerada encerrada.

“Na casa do imperador atual são finalmente guardadas, pela última vez, as bandeiras do Divino que vieram do ‘campo de luta’ das Cavalhadas, e sobram para a última noite uma última apresentação do ‘Drama’ e a últimas andanças dos mascarados do Divino” (Brandão, 1978: 34).

Novamente vemos a festa mediando sistemas e termos e organizando grupos, hierarquias, a passagem do tempo, a renovação do sagrado, mediando o sagrado e o profano, o passado e o presente, a vida particular e a pública, a casa e a rua, a devoção e a diversão. Através da procissão, o sagrado entra de casa em casa, em busca da humanidade, invertendo os termos de uma relação onde o que se dá é sempre o contrário. Carregado num andor, no momento de sua passagem o Divino irmana os fiéis à sua volta. Redefinem-se, a partir da organização de sua festa, as relações de lealdade de grupos, categorias e classes, dando lugar a uma única; a dos fiéis, dos súditos do imperador do divino. Neutralizam-se os conflitos, que dão lugar à íntima relação de devoção e fé para com o Espírito Santo. Nas procissões, como notou Da Matta (1978), todos se irmanam com o santo e, por meio dessa relação (que assume a forma de ligação típica de proteção e mediação) ficam ligados a todos os demais fiéis, que também seguem e vêem o santo. A intenção é, portanto, ligar-se ao santo.

Nesta caminhada que é física e social, as ruas se transformam e ficam diluídas as fronteiras entre elas e as casas, tornando-se a procissão uma mediação sagrada entre vida pública e particular. Entre mundo “interno“ e mundo “externo”, entre o “aqui” e o “além”. Tanto é assim que à passagem da procissão, portas e janelas permanecem abertas, para que o santo possa ver a casa, do mesmo modo que todos os que acompanham a procissão, estabelecendo assim, não apenas a unidade e igualdade social como ainda uma homogeneidade espacial, todo o mundo sacralizando-se a partir da passagem da procissão, porque o sagrado está acima dos homens e com ele.

A Festa do Divino apresenta, em menor escala (razão pela qual só é possível descrevê-la em termos de seus eventos rituais, e menos do entorno da produção da festa), como será possível notar após a leitura do capítulo seguinte, modos semelhantes de organização para a produção e desenvolvimento das grandes festas religiosas brasileiras. O exemplo do Círio de Nazaré, a seguir, pode mostrar a alguns destes “padrões” em funcionamento, em escala grandemente ampliada.


 

 

O Círio de Nazaré em Belém do Pará

“Olha, lá vai passando a procissão
Se arrastando que nem cobra pelo chão
As pessoas que nela vão passando
Acreditam nas coisas lá do céu,
As mulheres cantando, tiram verso
E os homens, escutando, tiram o chapéu
Eles vivem penando aqui na terra
Esperando o que Jesus prometeu..”


(“Procissão” de Gilberto Gil)

 

Todas as referências à origem da festa do Círio de Nazaré remetem à lenda do aparecimento da imagem de N. Sra de Nazaré, com poderes miraculosos, achada por um caboclo. Conta-se, em livros, edições especiais de jornais, artigos e outros escritos, que Plácido José de Souza era um caboclo da região, filho de um português e uma índia nativa. Era agricultor e caçador, e possuía um sítio na estrada do Maranhão (hoje Bairro de Nazaré). Num certo dia de outubro de 1700, Plácido saiu para caçar na região do igarapé Murutucu (onde hoje é a Basílica). Depois de muito caminhar pela mata, parou para refrescar-se nas águas do igarapé. Ao levantar a cabeça, enxergou a imagem de Nossa Senhora entre as pedras cheias de lodo. Católico fervoroso, Plácido levou a santa para o barraco onde morava e ali, em um altar humilde, passou a venerar Nossa Senhora.

Procurada pelos viajantes que passavam pela estrada do Maranhão, a casa de Plácido tornou-se lugar de culto a Nossa Senhora. Sabendo de seus milagres, muitos devotos iam rezar, pagar promessas e agradecer os milagres alcançados. Uma das passagens mais importantes do história de N. Sra. de Nazaré, constantemente citada como justificativa da construção da Basílica no lugar onde se encontra, diz respeito ao eventos chamados pelo povo de “sumiço da santa”. Diz-se que no dia seguinte àquele em que foi encontrada, a imagem não amanheceu no altar da casa de Plácido. Sem saber o que acontecera, este saiu andando pela estrada indo parar às margens do Murutucu. Para sua surpresa, a imagem estava novamente entre as pedras. Diz-se que a santa sumiu outras vezes, quando retirada dali.

Esta história chegou aos ouvidos do governador da época, que ordenou que se levasse a imagem para o Palácio do Governo, onde ficou sob intensa vigilância. Pela manhã, contudo, o altar estava vazio. Impressionados com o milagre, os devotos concluíram que Nossa Senhora queria ficar às margens do igarapé. E ali foi onde construíram uma ermida, ao lado da qual o caboclo Plácido ergueu sua nova casa. Com o passar do tempo, os milagres foram aumentando, trazendo à cidade gente de vários lugarejos do interior, e a imagem acabou indo parar em Belém.

Naquela época, os viajantes que passavam pela casa de Plácido vinham do Maranhão ou da Vigia (cerca de 200 quilômetros distante de Belém), onde já havia o culto a Nossa Senhora. Talvez algum devoto, após a viagem, tenha parado no igarapé e deixado a imagem da santa nas pedras, mas isto não importa. Depois de um longo processo de reconhecimento dos milagres da santa e da devoção local por parte da igreja, em setembro de 1790, chegou a autorização para a realização de homenagens à santa conforme o Ritual Litúrgico. Foi então que o governador Francisco Coutinho pensou em fazer uma procissão pela cidade. Dias antes da romaria, porém, o governador adoeceu. Prometeu, então, à santa que, caso se recuperasse, ele mesmo levaria a imagem até a capela do Palácio. Restabelecido, cumpriu sua promessa e na madrugada de 8 de setembro de 1790, a Virgem chegou ao Palácio. Ao amanhecer, a população de Belém se preparava para o primeiro Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

No mesmo dia, à tarde,após a celebração da missa, o governador carregou a imagem da santa, apresentando-a à população e entregando-a ao capelão do Palácio. Teve início, então, a procissão com a tropa da cidade à frente, seguida pelos esquadrões de cavalaria, batalhões de infantaria, duas filas de cavaleiros em traje de gala, várias seges e serpentinas transportando as senhoras. O palanquim, puxado por bois e ornamentado com flores — que conduzia o padre com a santa percorreu o trajeto cercado por romeiros, o governador, com um grande círio, os membros das Casas Civis e Militar (todos uniformizados e à cavalo) e, por último, as baterias de artilharia.

Escrevendo a respeito do primeiro Círio, diz Artur Vianna:

A imagem foi transportada na véspera d’aquele dia à noite da ermida para o palácio do governo. Pela iluminação de azeite da cidade, escoou-se a multidão que cercava o carro da santa até desembocar no largo da Campina, então sem as suas lâmpadas de arco voltaico, sem o seu belo teatro, sem seus circos e restaurantes, e apenas com seu belo cemitério, lúgubre, onde jaziam cadáveres dos infelizes escravos e dos pobres flagelados pela varíola. [...] No dia seguinte, à tarde, com todo o esplendor possível a uma estréia, desfilou do palácio a romaria; na frente e no couce marchava toda a tropa da cidade” (Vianna, 1904: 237) [49].

Desde sua instituição, o Círio era realizado à tarde, prolongando-se pela noite. O costume mudou em 1853 quando, ao atingir o Largo da Pólvora (atual Praça da República), a romaria foi atingida por uma violenta chuva. A imagem da santa foi levada às pressas pela tropa até a ermida, a mando do comandante das armas. Para evitar a possibilidade da chuva, o Círio passou a ser realizado durante a manhã, horário em que raras vezes chove em Belém.

Em 1855, baía transbordou às vésperas da procissão do Círio, transformando as ruas próximas em verdadeiros lamaçais. Durante a procissão o carro puxado por bois, que conduzia a berlinda, não conseguia passar. Alguém teve então a idéia de que seria melhor desatrelar os bois, passar uma corda em volta da berlinda e sair puxando até desatolar. Puxada pelos fiéis, a berlinda saiu do atoleiro no alagado do Piri, no Ver-o-Peso, e chegou ao Largo das Mercês. Desse modo foi levada até a ermida. Esta prática foi incorporada e, com o passar dos anos, os romeiros continuaram a usar cordas e a força dos braços para vencer os obstáculos do caminho, até que em 1868, a diretoria da festa decidiu oficializar a corda no Círio. O fato provocou alguns protestos, mas com o tempo se tornou a maior tradição da romaria.

Desde o início, o Círio de Nazaré saía da capela do Palácio do governo, para onde a imagem era levada na véspera, durante a transladação. Em 1882, no entanto, o bispo e o governador da Província, chegaram à conclusão de que a catedral da Sé seria o melhor lugar para a saída da procissão.

Em 1886, a Sagrada Congregação dos Ritos transferiu a festa de Nazaré para o último domingo de outubro. Em 1901, o bispo fixou o segundo domingo como data oficial do Círio. Coube ao poeta maranhense Euclides Farias que vivia em Belém, compor o Hino a Nossa Senhora de Nazaré, no ano do lançamento da pedra fundamental da nova igreja que se decidiu construir, mais suntuosa e ampla. “Vós sois o lírio mimoso” agradou muito aos fiéis e se transformou no Hino Oficial do Círio. Em dez estrofes, o poeta canta as virtudes da Virgem de Nazaré e pede sua benção.

HINO DE N. SRA. DE NAZARÉ
(Euclides Farias)

“Vós sois o lírio mimoso
do mais suave perfume,
que ao lado do Santo Esposo
a castidade resume.

Ó Virgem Mãe amorosa,
fonte de amor e de fé
dai-nos a benção bondosa, [Refrão]
Senhora de Nazaré [Bis]

De vossos olhos o pranto
é como gota de orvalho
Que dá beleza e encanto
à flor pendente do galho

Se em vossos lábios divinos,
um doce riso desponta,
nos esplendores dos hinos
nossa alma ao céu remonta

Vós sois a flor da inocência,
que nossa vida embalsama,
com suavíssima essência
que sobre nos se derrama

Quando na vida sofremos
a mais atroz amargura,
de vossas mãos recebemos
a confortável doçura.

Vós sois a ridente aurora
de divinais esplendores
que a luz da fé avigora
nas almas dos pecadores.

Quando em suspiros e ais
sentimos a vida morta
nessas angústias finais
o vosso amor nos conforta

Sede bendita, senhora,
farol da eterna bonança
nos altos céus, onde mora
a luz da nossa esperança

E lá da celeste altura,
no vosso trono de luz,
dai-nos a paz e ventura
do nosso amado Jesus.”

Com linhas arquitetônicas seguindo o estilo romano, o templo tem 62 metros de comprimento e 20 de altura. O interior tem a nave central e duas naves laterais, divididas por 36 colunas de granito róseo. As doações em dinheiro feitas pelos devotos, incluindo os romeiros que vinham do interior, foram fundamentais para a construção da igreja. A inauguração aconteceu em outubro de 1941, já com o título de Basílica, que recebeu em 1923. Desde 1920, porém, a imagem da santa está em seu novo altar.


 

 

A Festa do Círio como evento total

 

O Círio é um conjunto ou seqüência de rituais, podendo ser entendido, todo ele, como um “ritual complexo” (Alves, 1980), com desdobramentos de eventos que combinam os mesmos elementos. Ele mobiliza toda a cidade de Belém e faz dela, durante os quinze dias em que se realiza, o pólo de atração de romeiros de todo o norte e nordeste do país, alcançando, atualmente, também os romeiros de outros estados e ainda turistas de todo o mundo. A festa do Círio de Nazaré já é reconhecida entre as maiores do mundo. Toda a cidade de Belém, portanto, católica ou não, se vê envolvida pela perspectiva da festa, seja em termos sociais (a volta para a festa dos parentes que vivem distantes, a chegada de um enorme contingente de pessoas que ocupam a cidade, os novos conhecimentos etc) ou em termos econômicos (serviços de hotelaria, comércio de artefatos, turismo de todo tipo, transporte, restaurantes e toda infra-estrutura necessária à recepção dos convidados da festa, romeiros e pagadores de promessas) ou mesmo religiosos (mesmo outras religiões devem se posicionar com relação ao Círio, manifestação gigantesca de fé católica, totalizante, que impressiona fortemente os que assistem ao evento). Toda a região entra em movimento a partir da perspectiva da festa. Três eventos, contudo, podem ser entendidos como mais significativos e organizadores dos demais, dentro da festa:

A procissão do Círio, propriamente dita, é evento principal. Ela abre o Círio, que reúne aproximadamente um milhão e meio de pessoas nas ruas de Belém. É um evento prolongado, pois o percurso da procissão ao ser percorrido por milhares de pessoas simultaneamente, demora horas. A festa, entretanto, continuadurante quinze dias, especialmente nos eventos localizados no “Arraial do Círio”, montado no Largo de Nazaré.

O arraial funciona nos quinze dias da festa, com bares, barracas, parque de diversões, comidas típicas regionais e o movimento de pessoas que circulam o dia inteiro pelo largo. No último domingo da quinzena realiza-se outra procissão e, na segunda-feira que se segue, o Recírio.

Como acontece com todas as grandes festas é necessário que seja tomado um conjunto de providências, o que é feito por uma organização formalmente estabelecida [50]. A Festa de Nazaré (como muitas vezes é chamada), do mesmo modo, começa sempre muito anteriormente à data do evento e, no caso do Círio, os responsáveis por sua organização se reúnem no que chamam de “Diretoria da festa”, a quem a Igreja delega poder e que é a responsável pelos contatos com as autoridades locais e estabelecimento da ordem dos festejos.

A diretoria da festa é composta por cerca de trinta membros que se dividem em funções administrativas e em comissões. As principais, do ponto de vista da tomada de decisões são:

Os demais membros da diretoria se distribuem em doze comissões: Comissão do arraial, de procissões, de culto, de divulgação e relações públicas, da barraca da santa, da preparação da berlinda e carros, de instalação dos serviços de som, de organização do programa da festa, de decoração da cidade, de decoração do arraial, de promoção artística, de organização das exposições. Estas comissões, pela quantidade e qualidade das atividades cobrem um campo bastante amplo e implicam relações formais com o poder municipal e estadual. Implicam ainda um alto grau de comunicabilidade, integração e organização entre elas, a fim de que a festa seja bem sucedida. Para isto, são divididas em executivas e especiais às quais se juntam as comissões arrecadadoras que mobilizam todos os diretores para um trabalho de levantamento de fundos em toda a cidade que, para tanto, é dividida em zonas.

A diretoria da festa é constituída por industriais, comerciantes, militares, profissionais liberais, altos funcionários públicos e afins. Formalmente, a escolha da diretoria é da competência do Arcebispo de Belém, que segue as sugestões da paróquia de Nazaré. Os diretores e o coordenador fazem as indicações dos demais membros. Alguns nomes permanecem na diretoria por anos seguidos, trazendo assim sua experiência executiva para a realização do evento. Isidoro Alves diz que há uma tendência em manter a grande maioria dos diretores, o que pode significar, de todo modo, um maior grau de coesão (Alves, 1980). A diretoria compatibiliza ainda, no nível organizacional, dois campos de poder concorrentes na festa: o religioso e político. E faz também as mediações entre a ordem que a orientação eclesiástica pretende imprimir à festa e a vontade de manifestação popular, que acontece durante a festa.

“Nem sempre [...] as relações entre a Diretoria da festa e a autoridade eclesiástica foram harmônicas na história da festa. Constituída não nos moldes de agora [1980], mas enquanto Confraria de Nazaré, a direção dos festejos durante a primeira grande ‘questão do Círio’, quando D. Macedo Costa em 1877 a proibiu como uma festa religiosa, foi nitidamente contrária à decisão do bispado. Nesse momento, coloca-se ao lado do poder político que, em época de conflito, disputa mais claramente a consagração com o outro poder concorrente”. (Alves, 1980: 34).

Entre as diversas ações da diretoria está a criação da “Guarda de Nossa Senhora” (ou Guarda da Santa [52]), uma “corporação de voluntários” aos quais cabe a função de acercar-se da berlinda, que é puxada por eles, pessoalmente e, também, a de zelar pela disciplina na corda e no arraial. A criação da guarda de Nossa Senhora corresponde a uma tentativa da diretoria de organizar um modo de controle sobre as manifestações que geralmente lhe escapam ou que seriam exercidas pela polícia. Como a ação da diretoria não pode se confundir com a ação repressiva, uma vez que ela não recebe ordens do Estado e sua função é equilibrar a ordem religiosa com a manifestação popular, a guarda da santa exerce esta função. A Guarda de Nossa Senhora reúne membros pertencentes às camadas mais pobres na hierarquia social belenense, embora não exclusivamente. Sua ação no arraial também corresponde ao mandato que a diretoria recebe quando a Prefeitura Municipal de Belém lhe transfere o Largo de Nazaré, ou seja, a área da praça em frente à igreja.

Durante a festa a diretoria passa a ser a “dona” da praça no sentido de que pode alugar espaços aos que desejem ali se localizar e, conseqüentemente, ordenar o arraial segundo sua vontade, hierarquizando posições, demarcando a circulação através da disposição das barracas e demais eventos. Assim, “na medida em que a Direção da Festa responde pela área que ritualmente representa a ‘cidade’ e para onde converge a atenção da população durante os 15 dias e noites, ela cria um corpo para atuar no nível do arraial, isto é, da manifestação coletiva.” (Alves, 1980: 34).

Segundo Vianna, o primeiro arraial foi uma feira. O capitão-general do Rio Negro e do Grão-Pará, D. Francisco Coutinho autorizou que se inaugurasse no Largo de Nazaré uma grande feira de produtos agrícolas e industriais do Estado à qual pudessem estar presentes todos os agricultores, inclusive os índios.

“ordenava-se que em fins de agosto de cada ano deviam achar-se em Belém todas as canoas que tivessem subido ao comércio do sertão; que os diretores providenciassem de modo a ser facultado a oito ou dez indivíduos de um e outro sexo nas povoações grandes e a quatro ou seis nas povoações pequenas o embarque para a capital, a fim de virem a feira de Nazaré vender seus produtos e os dos outros que lhes desse incumbência de vendê-los”. (Vianna, 1904: 324/25).

Segundo Alves, o arraial do Círio é um local onde se pode encontrar os mais diferentes tipos de comércio. Diz ele que o arraial é o lugar onde acontece, de fato, a festa, como ponto de encontro, diversão e comemoração. É para o arraial que se dirigem as pessoas que participam do Círio nos momentos em que não acontecem as missas, procissões e outras cerimônias religiosas da festa. Com barracas de comidas típicas, jogos, dança etc., pode-se dizer que predomina o caráter de uma grande feira que objetiva, atualmente, vender o que Alves chama de “idéia do desenvolvimento de Belém”, através dos estandes para exposições patrocinadas pelo Governo do Pará e outros órgãos públicos e empresas. (Alves, 1980, Site).

A principal atração do arraial são “brinquedos”, termo que designa o parque de diversão, barracas pequenas e grandes destinadas à venda de bebidas e comidas como o tacacá, pato no tucupi, maniçoba, vatapá etc. E entre as mercadorias do arraial, os brinquedos de buriti, feitos artesanalmente nas cidades do interior do Pará. Os “brinquedos do Círio” são um espetáculo à parte durante as festividades de Nossa Senhora de Nazaré e se tornaram elemento indispensável da “quadra nazarena”. São serpentes, aves, barcos, carrosséis, bonecos, feitos de caranã — a polpa dos galhos de uma palmeira, conhecida por miriti ou buritie pintados com cores fortes. Os brinquedos são fabricados em Belém e outras localidades, mas a maior parte vem do município vizinho de Abaetetuba. A chegada dos brinquedos em Belém já se transformou em mais uma atração da festa. No sábado, chegam as embarcações com os brinquedos e todos os vendedores se reúnem no Largo do Carmo, na Cidade Velha, primeiro bairro da capital, onde os brinquedos são colocados em girândolas. Os vendedores ganham as ruas da cidade, dando um colorido único à festa.

Se as noites do arraial são momentos de encontro, circulação, namoro e várias atividades que por sua própria natureza não podem estar sob o controle da diretoria da festa, algumas delas exigindo, por vezes, a intervenção da polícia e da Guarda da Santa, o universo do arraial não é um universo desordenado, havendo mesmo uma hierarquia das barracas no que diz respeito à sua localização.

“Assim pode-se notar [...] que a Barraca da Santa se localiza ao lado da igreja e todas as noites tem um patrocínio, os noitários [...]. À Barraca da Santa acorrem normalmente as camadas mais altas da sociedade, os de maior poder aquisitivo, as autoridades, os altos funcionários. Normalmente as mesas são vendidas com antecedência e na maioria das vezes em caráter ‘compulsório’, como nas noites patrocinadas pela Universidade Federal do Pará, [...] etc, isto é, junto com um convite acompanha o talão da mesa que o ‘convidado’ fica obrigado a pagar em termos da consumação mínima” (Alves, 1980: 77).

Nos outros espaços do arraial circulam muito diferentes categorias sociais e, diz Alves, à medida que o espaço do arraial vai se distanciando da igreja é notória a presença de segmentos mais baixos da sociedade paraense.

“Há inclusive uma expressão antiga que denomina a parte final do arraial como o “cu da festa”. Sua localização espacial é ‘marginal’ ao largo” (Alves, 1980: 77/78).

Até 1973 as áreas do arraial eram leiloadas, mas a partir de então, a diretoria da festa decidiu que, ao invés de faria a seleção dos interessados e indicaria a área onde deveriam se localizar, embora mantenham ainda o pagamento. A diretoria da festa requisitou um controle maior sobre o arraial com o argumento de que ele estava se “desvirtuando”. Essa tentativa de maior controle coincide com mudanças na direção da festa e aconteceram quando foi indicado um professor universitário, com uma posição destacada na Universidade local e grande experiência como empresário, para organizar o arraial, tendo este proposto uma maior “racionalização da festa” e dar a ela o que chamou de “nova ordem” (Alves, 1980). Ele e outro diretor da festa, reclamaram contra os desvios do arraial onde, segundo viam, aumentava cada vez mais o número de bares com músicas e até outras festas “verdadeiras sucursais das boates conhecidas na cidade, por onde transitavam prostitutas”. E segundo este, “seria de espantar que numa festa em que se celebrava a Virgem Maria, em pleno arraial, em frente à igreja, a prostituição fosse evidente” (Alves, 1980: 79).Este objetivo já vinha sendo buscado há tempos, pois Vianna, em 1904, já dizia:

“Houve aqui um belo esforço para reformar o Círio e a Festa de Nazaré, expurgando-os da dissolução que os contamina, dando-lhes um cunho de seriedade que não tem, buscando ampliar as demonstrações do culto do povo, reduzindo as exibições grotescas e ridículas, despendendo mais utilmente a soma das esmolas.” (Vianna, 1904: 241).

Segundo pude perceber em todos os textos, estes momentos de tensão são constantes na história do Círio de Nazaré e acontecem preferencialmente quando há predomínio dos aspectos considerados profanos, ou seja, da manifestação festiva que foge ao aspecto religioso propriamente dito. Então, a Igreja tenta coibir os comportamentos considerados lascivos e permissivos, contrários aos valores da ética cristã [53]. O mesmo acontece por outro lado, quando o povo percebe que há um excessivo controle da festa pelas autoridades religiosas (que chegaram a proibi-la [54], mas que foi realizada mesmo assim), e delas retoma o controle, estabelecendo, contudo um equilíbrio entre os valores estritamente festivos e os religiosos. A festa, diz Isidoro Alves, parece demonstrar uma negociação, “um ‘compromisso’ entre as manifestações mais formais dirigidas pela autoridade religiosa e outras mais informais, onde tem lugar a manifestação popular tal como o povo entende que seja a ‘festa’’ (Alves, 1980: 79).

A disputa pelo controle da festa implica tensões de todo tipo, especialmente porque uma festa não acontece sem povo, e é a este povo que tanto Igreja como Estado tentam impor regras e modelos. O “manifesto” de 1974, feito pela diretoria da festa e citado por Alves, e que constava do programa da festa naquele ano, é exemplar da vontade de sua apropriação por uma e outra instância, mas também das dificuldades que devem enfrentar para impor mudanças. Ele diz o seguinte:

“A Diretoria da Festa de N. Sra. de Nazaré, consciente da rápida evolução que vem tendo a sociedade moderna, sobretudo aquelas parcelas mais atingidas pelo impacto das comunicações, decidiu orientar sua atuação no corrente ano, promovendo uma revisão geral da festividade, não só quanto aos princípios que devem nortear o culto à Virgem, mas também quanto à organização de cada um dos elementos ou etapas que a integram. Não se trata portanto de promover ‘transformações’ pela preocupação simplista de inovar, mas sobretudo de uma atitude de busca e aperfeiçoamento que seja capaz de colocar o culto que tradicionalmente o Povo de Deus, no Pará, presta à nossa Mãe de acordo com as diretrizes pastorais pós-conciliares” (apud Alves, 1980: 80).

Alves diz que neste documento [55] a diretoria da festa reconhece que ela tem, ao mesmo tempo, caráter religioso, recreativo e turístico, e acrescenta que a estas dimensões se junta a educativa, constatando ainda que:

“as parcelas do povo que mais intensa participação têm na festividade são formadas de pessoas mais simples originárias das camadas mais modestas da sociedade. É indispensável, por isso, que a festa se constitua numa oportunidade extraordinária para a participação do povo na cultura paraense” (Alves, 1980: 80).

O documento mostra, depois, que a diretoria tem como estratégia de atuação preservar tudo aquilo que ela julga representar “autênticos valores tradicionais” e excluir tudo que ao longo dos anos foi acrescido ou se imiscuindo na festa. Diz Alves que no conjunto das medidas preconizadas pela diretoria, a partir de 1974, está “uma pesquisa sistemática sobre a festividade como valor religioso, ético e antropológico, visando a definição de uma estratégia de pastoral mais adequada à realidade amazônica”. Entre as proposições da diretoria neste documento encontrava-se a implantação, no Círio, de um sistema de comando único, apoiado num sistema de comunicações que chegue até o romeiro sem interferência. Para tanto a diretoria da festa pensava contar com o sistema de freqüência modulada da Polícia Militar do Estado.

Temos que levar em consideração que estas propostas são apresentadas em plena vigência da ditadura militar no Brasil, e que a tentativa de exercer controle maior sobre a festa corresponde, inclusive, a uma visão que o poder político tinha, à época, sobre as manifestações populares. Nesta época, quando os modelos de gestão autoritária estavam em vigor, eles tentaram controlar também a festa, mesmo a religiosa. A diretoria da festa afirma ainda, no documento, que seu objetivo era o de aproveitar a oportunidade em que se reinia toda a “família paraense” para que os órgãos de Estado informem o povo sobre o que estavam fazendo e que programas pretendiam desenvolver em favor da economia regional. Como resultado disto, foram retirados os bares, os teatrinhos de monstros, e acabou o leilão dos espaços das barracas. Foram mantidos apenas os parques de recreação infantil e as barracas-restaurantes, para fins de beneficência (Alves, 1980).

O que se observou, entretanto, na quinzena do Círio, foi que nem tudo podia estar sob o controle da diretoria da festa. Nas ruas que contornam a praça onde estava montado o arraial desenvolveu-se intenso comércio de quinquilharias, comidas e bebidas. Ao mesmo tempo, nos últimos dias da festa as pequenas barracas já não obedeciam a proibição de se colocar bancas para servir bebidas. Os excessos de bebidas em certos locais, o footing e o trottoir, a pura diversão e completa descontração das pessoas que iam ao largo fugiram ao controle da diretoria. A participação popular efetiva, na festa, realiza-se, portanto, no sentido oposto ao da ordem e do controle. Do mesmo modo, não é possível um rígido controle sobre o comércio de miudezas que acontece no arraial, apesar das taxas cobradas pela prefeitura. Os pequenos vendedores aproveitam a época da festa para obter alguma renda. A tentativa de “ordenar” o espaço público acaba desagradando.

A história do arraial do Círio é marcada por vários momentos em que diferentes funções e atividades são incorporadas a ele, somando a seu caráter original de feira, o de lazer, diversão. Fala-se muito numa “fase áurea” da festa, que corresponderia a um período em que o lazer assumia o papel principal, refletido nos teatros e companhias teatrais que se apresentavam durante a festa, do mesmo modo que renomados artistas nacionais [56], o que só voltou a acontecer mais recentemente. Segundo pude inferir, o princípio de organização do arraial não se modificou. Ainda se vê a representação teatral, as performances, e outras manifestações culturais que se mantiveram com o passar dos anos, apesar do constante vaivém entre os interesses oficiais e populares neste espaço da festa. Alguns paraenses com quem conversei declaram que o espaço do arraial não é espaço dirigido pela igreja, e sim o espaço onde os belenenses fazem o lado profano da festa do Círio. Muitos dizem que realmente, em alguns momentos, brigas e “baixarias” nas proximidades da igreja propriamente dita, são constrangedoras, especialmente em se tratando de uma festa cristã, de louvor à virgem. Mas tais fatos são episódicos, dizem. A disputa entre os interesses da Igreja e da diretoria, que incorpora também forças aliadas ao interesse popular, tem permitido o equilíbrio. Todos, entretanto, notam que a verdadeira força que vem surgindo e “mexendo” no Círio é a televisão que, para transmitir a festa, ocupa lugares demais, incomoda os participantes e gera um caráter exibicionista, seja no arraial, seja na grande procissão. Todos também reconhecem que a partir da presença da TV no Círio mais pessoas conhecem não apenas a festa, mas a partir dela, o Pará, e principalmente Belém que, até então, não fazia “parte do Brasil”.


 

 

A Procissão do Círio

 

A procissão atualiza o mito do aparecimento da santa, enfatizando a origem do culto. Daí o despojamento nas atitudes e os pagamentos de promessas por milagres recebidos. Ao mesmo tempo, o deslocamento espacial da procissão refaz a ligação iniciada em 1793 entre o Palácio do Governo e a Igreja de Nazaré. Nos primórdios, essa mobilização se fazia da cidade para o interior, uma vez que a cidade, no século XVIII, era apenas um núcleo reduzido. Depois, essa movimentação passou a ser feita no sentido do interior para a cidade, pois os romeiros se deslocam das mais diferentes cidades da região norte para participar do Círio em Belém do Pará.

Segundo Isidoro Alves (1980), o trajeto e representação simbólica da procissão não se modificaram com o passar do tempo. Continua acontecendo a transladação na véspera, à noite, para na manhã seguinte acontecer a grande festa dos paraenses. Segundo ele, é assim que a grande maioria das pessoas que entrevistou (também aquelas com quem conversei), entende o Círio de Nazaré: como uma festa e não apenas como uma procissão. Moreira, citado por Alves, acrescenta que a procissão se destacou por sua extrema popularidade, representando o predomínio de

“uma romaria de origem popular sobre fórmulas tradicionais de origem oficial, as procissões ou festas reais, impostas por leis”. E acrescenta que “o Círio e a Cabanagem são os dois maiores exemplos do poder afirmativo das massas na história paraense” (Moreira, 1971, apud Alves, 1980: 39).

A procissão atrai, anualmente, para Belém, romeiros e devotos do interior do Estado ou de outros estados, juntando-se a estes milhares de turistas. O fluxo de embarcações, ônibus, aviões etc. aumenta consideravelmente. As tres principais categorias de participantes do Círio, os romeiros, devotos e turistas, são referidas durante todo o tempo, na mídia. Praticamente toda a cidade se divide nestas tres categorias. E toda a cidade participa, de uma forma ou de outra, da procissão. Mesmo quem fica em casa acompanha a procissão,através das emissoras de televisão e de rádio. Atualmente, todo o Brasil acompanha o Círio, ainda que através de flashes das redes de televisão. Os jornais locais fazem edições especiais com cadernos inteiros dedicados exclusivamente ao evento e imprimem e distribuem posteres coloridos com a imagem de N. Sra. de Nazaré. Nestas edições são reproduzidas mensagens do governador, do prefeito, do arcebispo e de diversas associações, que aproveitam o momento para vincular sua imagem à festa. Toda a publicidade local gira em torno do acontecimento. O nome da santa e o fato de ser aquele um dia especial são constantemente lembrados. Todos os que falam sobre o Círio dizem que o dia da procissão é “o maior dia dos paraenses”, lembrando os fatos que atualizam o mito de origem e permanência do Círio e da Festa.

De acordo com Isidoro Alves, a procissão, propriamente dita, do Círio de Nazaré, pode ser decomposta em três espaços em movimento: um núcleo estruturado, constituído pelas autoridades civis, militares, eclesiásticas, políticas, altos funcionários, irmandades religiosas e convidados, todos usando uma pequena flâmula que permite entrar na corda; um segmento intermediário ou liminar composto do grupo de pessoas que seguram a corda e “puxam” a berlinda com a santa e, um terceiro segmento, composto de uma massa compacta e gigantesca de acompanhantes, pessoas que seguem a berlinda ao redor, por todo o trajeto. Assim, o núcleo é o centro da procissão e da consagração, disputado tanto pelo poder político como o religioso e onde as posições são demarcadas antecipadamente, com posições atribuídas a cada categoria participante de acordo com o costume e circunstâncias políticas do momento e interesses em jogo.

Como já disse, historicamente a procissão do Círio tem início com outra procissão, menor, a que chamam de transladação e que é realizada no sábado à noite, véspera do segundo domingo de outubro. Ela sai por volta das dezenove horas do Colégio Gentil Bittencourt que fica quase ao lado da igreja de N. Sra de Nazaré. A berlinda sai puxada pela corda, acompanhada por uma grande multidão levando velas acesas. Sem a presença de autoridades e diretores da festa, a procissão se encaminha para a Catedral, fazendo o percurso inverso ao do Círio. Na manhã do segundo domingo de outubro, então, sai a procissão maior da festa, a qual se chama de Círio [57].

A procissão do Círio sai pela manhã, por volta das sete e meia da manhã, da Catedral e demora cerca de quatro horas para deslocar-se num percurso de alguns quilômetros até a Basílica de Nazaré. Ela faz inúmeras paradas durante o deslocamento. Uma das razões disso é conseguir um maior controle sobre o deslocamento da massa gigantesca de pessoas que se movimentam ao mesmo tempo. Esse movimento é feito com grande dificuldade e sacrifício pela maior parte dos que acompanham a procissão, especialmente os pagadores de promessa, que costumam acompanhar a santa nas “áreas críticas”, ou seja, segurando a corda, ou nas proximidades da berlinda onde se encontra a imagem da santa. As imagens são impressionantes e mostram um enorme esforço, por parte dos fiéis para não serem esmagados pela pressão da multidão.

No trajeto pelas ruas da cidade a santa recebe homenagens daqueles que esperam sua passagem ou dos que ficam nas janelas das casas. A passagem da santa é um dos momentos de maior emoção para os paraenses de Belém. Os informantes dizem:

“Quando a santa passa eu peço por mim, por todos. Eu rezo e choro” (uma mulher, 40/50 anos, casada, informante de Alves 1980: 54)

“Eu fiquei com a garganta apertada e lagrimei quando vi aquela multidão e a berlinda subindo a Av. Presidente Vargas. Foi uma coisa diferente” (jovem estudante universitária informante de Alves 1980: 54)

“A passagem da Santa é emocionante. Não sei lhe dizer se é mais por causa da santa ou da fé do povo que vai no rumo dela. É lindo ver tanta gente junto” (Alisson, 25 anos, belenense)

Em momentos como estes, os participantes, conscientes do significado que envolve o evento ritual, ficam mais sujeitos ao afloramento das emoções. As pessoas se transformam. Assim, chorar em público, ajoelhar-se no asfalto das ruas, vestir uma mortalha e distinguir-se no meio da multidão, para algumas pessoas só podem acontecer em tais momentos.

Entre os representantes eclesiásticos e a santa “há um espaço quase vazio onde se situa o que seria o ‘comando principal’ da procissão, que controla o deslocamento da berlinda. Esta, por sua vez, é puxada por um grupo de homens que hoje fazem parte da ‘guarda da santa’” (Alves, 1980: 44). No passado, porém, a berlinda não era puxada pela guarda da santa, que nem existia, mas por homens que pagavam suas promessas. Na verdade, diz Alves:

“Os que seguram o carro com a santa continuam pagando suas promessas mas, com a criação dessa guarda, a Diretoria procurou afastar as pessoas estranhas à devoção católica, como os chamados macumbeiros. Relata-se mesmo o caso de um pai-de-santo da cidade que durante anos pagou sua promessa puxando a berlinda mas que nos últimos anos foi impedido, pois segundo um diretor, ele se aproveitava da situação para fazer suas obrigações, que nada tinham a ver com a procissão, uma festa católica” (Alves, 1980: 44).

Próxima à berlinda segue uma densa massa humana que geralmente também está ali para pagar uma promessa. Todos dizem ser um lugar perigoso da procissão. Talvez pela excessiva disposição devocional, que resulta no aperto na multidão, com empurrões, pisões, quedas, desmaios, cortes nos pés e freqüentemente, brigas na disputa por um lugar. O pagamento das promessas de ir junto à corda implica sacrifício do próprio corpo.


 

 

A Corda

 

Separando o núcleo central com a berlinda existe uma corda, muito grossa, especialmente confeccionada para o Círio, que é segurada principalmente por pessoas que pagam promessas e que puxam por ela a berlinda com a santa. Esse espaço central

“recebe a reverência sacral e se observa nitidamente uma redução em forma de modelo, de relações entre os campos de poder concorrentes como o político, o religioso e o de posição social. Esse centro é o que recebe a consagração através de gestos, acenos, etiquetas formais” (Alves, 1980: 45).

Os que estão fora da corda dizem que dentro dela vão as autoridades, o Arcebispo e demais convidados. Os políticos costumam acenar para os que ficam nas janelas, nas ruas em que passa a procissão. Concordo com Alves, quando diz que a presença do poder po­lí­ti­co-mi­li­tar e das camadas dominantes junto com religioso num mesmo plano e num mesmo modelo de relações, concebido pelos que recebem a delegação do poder religioso para dirigirem a festa (a diretoria), indica que se oferece à leitura dos participantes do ritual uma imagem de pacto, de compromisso entre os poderosos políticos e religiosos e os vários segmentos da sociedade belenense.

Por ser um lugar onde as pessoas se unem pela promessa que cada uma delas fez à santa, ou seja, o espaço de reconhecimento da fraqueza humana e da dependência da interferência sagrada, a corda é, também, um local de afloramento de uma atitude solidária. A communitas não surge como um fato antiestrutural (Turner, 1974) mas como resposta à ordem que se impõe sob o núcleo hierarquizado da procissão. Quem vai na corda, deve ir de pés descalços, e esta é a mais acabada expressão do despojamento que a situação de sacrifício implícita na promessa implica. É assim que se neutralizam simbolicamente as diferenças, sendo comum ver-se indivíduos que desfrutam de altas posições sociais desempenharem um mesmo papel no ritual que os mais humildes e compartilharem o sacrifício de fazer o percurso da procissão descalços. Numa extensão que pode variar de 120 a 150 metros, a corda constitui uma espécie de parede humana, que circunda o centro da procissão. Só é feita a distinção de gênero. À direita vão as mulheres e à esquerda os homens. Escoteiros com padiolas e medicamentos de emergência atendem os que se machucam ou desmaiam, e muitas pessoas pagam promessa distribuindo água em quartinhas ou garrafas térmicas. “Há também quem distribua bebida alcoólica na procissão, sendo tradicionais as pessoas que carregam na cabeça potes e melancias cheios de cachaça” (Alves, 1980: 47). Além disso, existem também atitudes jocosas ou violentas mesmo na própria corda.

“Vimos por exemplo um homem desafiar abertamente um soldado e chamá-lo para fora, o ‘lado de fora’, para a briga, depois de desacatá-lo. Este fato normalmente não aconteceria, mas como os espaços rituais têm seus limites, estes são respeitados. A atitude jocosa em relação às pessoas, às autoridades, inclusive, que antes da procissão sair tomam lugar dentro da corda, era notória. Os comentários giravam sobre as mulheres normalmente bem vestidas, sobre um ou outro político ou figura conhecida na cidade, sempre mostrando um aspecto negativo daquele que na performance ritual vai para uma posição de destaque” (Alves, 1980: 49).

Esta atitude jocosa, resulta do fato de que as pessoas vão na corda descalças, com roupas simples, muitas vezes de bermuda, camiseta que contrastam com o cotidiano mais formal, às vezes até marcial, de alguns convidados que vão dentro da corda. Tal “informalidade”, entretanto, é acompanhada de uma atitude de enorme respeito pela santa. É fundamental, para quem vai na corda, o sentimento de estar pagando uma promessa, através de um ato que exige sacrifício e esforço. Esse fato faz com que as pessoas que vão na corda sejam alvo de respeito por parte dos demais acompanhantes da procissão.

“A promessa paga por quem vai na corda revela uma intersecção de duas dimensões: a individual e a social. Como um pagador de promessa, a pessoa se refere a um pedido individual e seu modo de pagar é o gesto corporal. Mas esse seu gesto se confunde com uma gestualidade coletiva. Individualmente ele busca um estado de purificação necessário às suas relações de solidariedade com os demais que participam do mesmo ato de purificação [...]. O corpo emerge como representação social e sem a atomização que caracteriza um outro tipo de promessa [...] Assim, é a coletividade que experimenta o sacrifício e a purificação. As promessas feitas durante situações críticas são as mais variadas possíveis, a maior parte ligada a crises de vida tais como doenças, aprovação em concursos, obtenção de casas. Tais situações, supõe-se, são comuns às demais pessoas e freqüentes na vida cotidiana. [...] Do ponto de vista individual o ato de promessa expressa de um lado o contrato estabelecido com o poder divino ou sobrenatural e, de outro, como um ato de cognição e controle de fatos que escapam à ação do indivíduo. Este é o caso das situações de doença, quando se faz a promessa visando a cura. Mas no contexto ritual ainda está em jogo o sacrifício auto-imposto pelo devoto representado pela dramatização das dificuldades em encontrar uma posição num sistema estruturado onde o leque de possibilidades é limitado. (Alves, 1980: 50).

Dizem alguns informantes de Alves que a corda “é o elo entre o povo e a santa”. Podemos pensar também que, sendo a corda uma espécie de defesa da santa, e o mesmo tempo aquilo que a move, é como se os fiéis estivessem experimentando uma espécie de inversão. Se a santa protege seus fiéis e os carrega pela vida, provendo sua segurança, no dia da procissão são eles que, na procissão, fazem isso pela santa. E, na volta à sua vida diária provavelmente sentem-se aliviados por seu caráter humano frágil, de precisarem ser protegidos pela santa, e por não estarem em seu lugar, puxando a corda que carrega a humanidade.

A terceira e maior parte da procissão do Círio é a grande massa de acompanhantes que circunda o núcleo composto pela berlinda e contornado pela corda. Uma boa parte destes acompanhantes da procissão caminha descalça e leva ex-votos, geralmente representando partes do corpo ou o corpo inteiro feito em cera ou, ainda, conforme a promessa, casas, livros, telefones, barcos etc. Há ainda o carro dos anjos (crianças vestidas de anjos) e da berlinda com a santa. Juntam-se a eles, as bandas de música das corporações militares da cidade, os escoteiros, bandeiras dos Estados e de diversos países, faixas alusivas ao evento etc. Quando a procissão passa em frente ao sindicato dos estivadores, estes queimam fogos durante muitos minutos, e esta homenagem, diz-se, não encontra paralelo em nenhum dos dias da festa. Diante do Sindicato a procissão pára, e todos voltam sua atenção para este espetáculo de sons. Mesmo quando a diretoria da festa mudou o trajeto da procissão (os sindicatos estiveram numa difícil posição durante a ditadura militar), a queima de fogos continuou acontecendo e atraindo uma multidão enorme.

“Percebe-se claramente que uma categoria social que no dia-a-dia ocupa posição inferior no sistema social é, naquele contexto ritual, objeto de admiração. O fraco e desprovido de poder inverte a ordem das coisas e passa a ser também admirado. Todos acham que é uma das coisas mais bonitas do Círio, a homenagem prestada pelos estivadores e que se torna mais emocionante porque se dá no momento em que ressoa a sirene do antigo edifício do Jornal Folha do Norte, onde hoje se localiza O Liberal. A sirene, soando forte, anuncia a passagem da santa e serve como pano de fundo para a queima de fogos que em seu final recebe os aplausos da multidão“ (Alves, 1980: 72)

O comportamento dos acompanhantes da procissão é marcado pela informalidade. As pessoas conversam e podem mesmo parar para tomar um lanche ou comprar um brinquedo ou lembrança da procissão [58]. Não há demarcação de posições nem o pesado sacrifício da promessa dos que vão na corda. Isidoro Alves observa que os gestos e atitudes denotam um clima de festa, ao mesmo tempo em que as pessoas têm atitude de respeito para com o evento.

“Quando entrevistados, indivíduos que acompanhavam a procissão no meio dessa massa humana, sempre diziam estar cumprindo um dever religioso, ou cumprindo uma devoção, mas isso não exclui outros atos de completa informalidade. Assim, é comum pessoas beberem durante a procissão, pois é incalculável o número de vendedores de comidas e de bebidas localizados em praticamente todo o trajeto da procissão”. (Alves, 1980: 50).

É comum, ainda, que grupos com uniformes de agremiações como times de futebol também participem da procissão e há, ainda, os que assistem, postados nas calçadas, ou em suas casas, das janelas, à passagem do cortejo de N. Sra. de Nazaré.

“Trata-se [...] de um momento de intensa emoção, em que as diferenças se diluem, o comportamento não está mais sujeito a regras fixas, a convergência emocional concentra-se em torno da Santa; na medida em que serve como poder aglutinador, propicia a momentânea formação de uma grande comunidade que estará para além do tempo e do espaço, mas que só será possível de ser vivida e revivida no contexto ritual” (Alves, 1980: 51).

Nota-se, portanto, que enquanto o segmento central é marcado pela atitude de respeito e devoção, o segundo pela disposição comunitária e igualdade, no terceiro segmento é possível a informalidade, a inversão e mesmo a desordem. Este jogo corresponderia às disposições engendradas no dia-a-dia, como por exemplo o respeito à autoridade, às posições de domínio na sociedade desempenhadas por certos grupos ou, ainda, os mecanismos de inversão expressos nos modos jocosos de se referir ao poder e aos poderosos. Neste contexto, a presença da santa é fundamental, na medida em que ela se “dispõe” a participar da festa no mesmo nível dos homens. Estes, por sua vez, no momento ritual, apropriam-se de uma dimensão mais profunda, ou seja, a que diz respeito à própria vida. Deste modo, ao pagar uma promessa feita em troca de um emprego, ou compra de uma casa, cura de uma doença etc., o homem reapropria o controle de si mesmo e também sobre o corpo social, uma vez que no dia-a-dia há um conjunto de instâncias e agentes aos quais deve recorrer numa situação de desemprego, compra da casa própria ou recuperação da saúde. Aproximar-se tanto da santa, na procissão implica, ainda, a simplificação da relação com o sagrado, que se torna mais direta, sem a mediação dos sacerdotes da Igreja (Alves, 1980).

Segundo Isidoro Alves, a procissão do Círio de Nazaré coloca em destaque, aspectos cruciais da vida dos indivíduos que são expressos na promessa, nas orações, enfim, naquilo que pedem à santa.


 

 

O Almoço do Círio

 

O Círio é um evento aberto, como vimos, que envolve uma cidade inteira e uma quantidade gigantesca de pessoas que ao final se dispersam e se dirigem às suas casas onde tem lugar o “almoço do Círio”, realizado no âmbito familiar, para a consagração das relações de amizade, compadrio e parentesco.

“Nestes momentos a festa se volta para dentro, seja do núcleo em que se situam a Santa, a autoridade política e os representantes das camadas dominantes, seja no âmbito do grupo familiar onde se celebra a festa com um almoço onde as relações de respeito convivem com relações jocosas e mais livres” (Alves, 1980: 61).

Isidoro diz ainda que o fim da procissão dá aos que a acompanharam um momento de informalidade e relaxamento. Quem não é da cidade vai para o arraial, brincar no parque de diversões ou sentar no chão, comer, beber. Os que têm família em Belém em geral vão para casa, cansados da procissão, para o “almoço do Círio”. Para este almoço são convidados ainda os amigos íntimos das famílias, que ao se encontrarem aproveitam a oportunidade para avaliar a procissão, o crescimento da festa, as personalidades presentes, a organização da festa etc.

O almoço reproduz a experiência vivida na procissão. O indivíduo se insere no grupo familiar reunido (parentes distantes que vêm à festa pagar promessas ou simplesmente compartilhar a presença de todos nesta reunião anual). Famílias nucleares e extensas, normalmente distanciadas pela geografia ou pelas atividades diárias, reúnem-se, reconstituindo, ao menos durante o almoço do Círio, seu clã. Depois de muitos “tira-gostos” e aperitivos, durante os quais a euforia das famílias que se encontram é visível, bem como a avaliação do progresso ou não de cada um dos membros (Alves, 1980: 63), o almoço é servido. O cardápio varia, mas dois pratos são obrigatórios e sem os quais o almoço, segundo pude constatar nos contatos que fiz com os paraenses, não pode ser considerado “almoço do Círio”: a maniçoba e o pato no tucupi. Podem ser servidos, também peru, galinha, porco etc. Mas o essencial são os dois pratos típicos paraenses. O clima de alegria é observável pela “quebra de regras” da etiqueta mais formal dos paraenses: os mais novos brincam com os mais velhos, contam-se piadas, dizem-se palavrões no meio das conversas. Atitudes consideradas inadequadas no cotidiano.

“Ao terminar o almoço, volta-se a viver um mesmo clima de distensão e relaxamento, um período nitidamente liminar, no sentido de que todas as ações ficam suspensas, inclusive as de total informalidade. Esse período antecede aos vários momentos em que os membros não-residentes da família começam a se despedir e voltar para suas casas. O retorno significa entrar novamente na rotina, no domínio das relações formais e consagradas, não mais no âmbito familiar, mas no contexto mais amplo da sociedade. (Alves, 1980: 64).

A comida, portanto, como em qualquer festa, assume um caráter simbólico extremamente importante pois, dependendo da quantidade e da qualidade, além dos diferentes modos de preparo dos alimentos, o reconhecimento do grupo familiar como capaz de realizar um bom almoço, e conseqüentemente participar à altura da festa do Círio, será maior ou menor. Existe um reconhecimento social belenense de que, no dia da festa, a comida tem que ser especial, diferente, algo da mesma importância e relevância que uma ceia de Natal ou festa de aniversário, quando as comidas obedecem a cardápios obrigatórios, sem o que a festa perderia seu caráter específico e sua identidade. Está em evidência, no almoço do Círio, o grupo familiar, que durante o almoço se reconhece enquanto estrutura na qual a presença de cada um compartilhando o alimento reforça a relação entre os termos. O código culinário do almoço do Círio esclarece a natureza desta reunião.

“A partir do triângulo culinário proposto por Lévi-Strauss (1968), podemos indicar que o cozimento obedece às transformações fundamentais na medida em que o cru transforma-se em cozido, através do assado e do fervido ao mesmo tempo. Considerando-se, como Lévi-Strauss, que o ‘fervido pressupõe na maioria das vezes aquilo que se poderia chamar de uma endo-cozinha: feita para o uso íntimo e destinado a um pequeno grupo fechado, enquanto o assado pressupõe a exo-cozinha: a que é oferecida a convidados’ podemos dizer que a cozinha do Círio combina ambas as formas e manifestações através de uma multiplicidade de códigos, já que o almoço compreende, de um lado, o grupo familiar e de outro os convidados” (Alves, 1980: 66).

Existe, como pano de fundo, tanto da procissão quanto do almoço do Círio, a prodigalidade, o esbanjamento, característicos da festa. Neste sentido, o código culinário se aproxima do código social. Tal como na procissão, no almoço as “diferenças” são temporariamente suspensas, e isto se expressa também na transformação culinária. O mesmo acontece em todas as festas apresentadas aqui. É importante lembrar, contudo, que no mito de origem da festa do Círio, a comida não aparece em nenhum momento como elemento fundamental. Neste almoço, como na Festa de Nazaré em geral, surge com força a identidade regional. Todos dizem que na festa do Círio, tanto a maniçoba quanto o pato no tucupi são consumidos “tanto na casa do rico como na do pobre”. O que importa realmente é o caráter especial do almoço, marcado por um cardápio específico. É importante lembrar que tanto no aspecto intrínseco quanto no aspecto extrínseco, a comida assume um duplo papel simbólico. Por um lado ela é a expressão de um código culinário voltado para o grupo familiar e, por outro, é a expressão de uma unidade social mais ampla, aparecendo como utopia, como ideal de unificação e confraternização que se opõe à realidade social.

“No código culinário, a comida assim preparada assume uma dimensão sagrada, e a referência a ela corresponde a um modo específico de se referir ao gosto que presidiu o cozimento. Nesse aspecto, a referência é respeitosa, tanto à qualidade quanto à quantidade (o gosto e a fartura). A comida, com predominância do fervido entre o assado, propõe o predomínio das relações internas do grupo, portanto as relações de “dentro” em oposição ao profano, que fica fora. Mas, como na realidade a vida é vivida lá fora, celebra-se, naquele momento ritual, a solidariedade grupal diluída na ordem profana. A forma de exprimir essa solidariedade é através da criação de mecanismos de ação que suspendem momentaneamente as diferenças entre categorias de parentes, tal como ocorre na procissão realizada antes” (Alves, 1980: 69).

A última procissão [59], que fecha o ciclo de procissões e de desfiles que marcam os quinze dias da Festa do Círio, recolocando tudo na ordem do cotidiano, é chamada pelo povo belenense de Recírio. É a volta da imagem ao lugar de onde saiu. Ela é realizada nas primeiras horas da manhã da segunda-feira seguinte ao último domingo da festa. A procissão do Recírio sai da igreja e vai até o Colégio Gentil Bittencourt, dando a volta ao redor da praça onde está montado o arraial, já que o colégio fica quase ao lado da igreja e é de lá que a imagem sai, na grande procissão. O Recírio segue o mesmo esquema da procissão do domingo, com a santa sendo carregada num andor comum, levado pelos diretores e com a presença do arcebispo que ergue a imagem antes que ela seja levada para a capela, onde ficará até o próximo ano.

“O Recírio é marcado por intensa emoção. É incontável o número de pessoas que choram especialmente no momento de despedida quando lenços são acenados e estringem palmas etc. Para muitas pessoas, acompanhar o Recírio constitui promessa” (Alves, 1980: 55).

O ciclo de procissões, portanto, é marcado pela entrada e a saída da santa no espaço da cidade, onde se dá sua “performance”. Ao deixar o lugar onde fica o ano inteiro e se tornar parte do “mundo”, ela não apenas traz a este o sagrado, contaminando com ele os espaços que percorre no andor ou na berlinda, como aproxima os homens do sagrado, através dos sacrifícios de cada um ou para a participação na festa, ou para o pagamento de promessas. A devoção da santa pelos homens se coloca ao lado da devoção dos homens pela santa. Sagrado e profano se reúnem temporariamente, para separar-se depois, quando a santa “volta pra casa”. Mas fica a esperança do próximo Círio e de um mundo onde todos os dias serão dias de festa do Círio. Um mundo onde tudo deu certo.

Além de todo o aspecto mais claramente simbólico da Festa do Círio de Nazaré como a relação entre a festa e o mito, a profunda devoção popular e a organização destes símbolos de modo a formar um sistema coerente entre simbolismo e sociedade, é preciso salientar ainda os aspectos da festa que raramente são tematizados, como a criação de toda uma estrutura política local, organizada especificamente através da festa, do qual a Diretoria e a Guarda da Santa, são exemplos claros. O aprendizado das instituições a partir de sua vivência nas festas é inestimável, e por se tratar da festa, os antagonismos ou ideologias ficam de certa forma em plano inferior. Toda a relevância da história popular também se mostra na produção da festa, uma vez que todos os elementos a ela se referem e, nela, devido à presença de milhares de visitantes e turistas, os paraenses são chamados a explicar detalhes, discorrer sobre origens e porquês, sistematizando conhecimentos e revendo o processo de transformação da festa e as relações do povo com o poder instituído. A festa do Círio é um fato social total, no mais pleno sentido, pois mobiliza todas as instituições sociais da cidade e é possível notar que a festa move e transforma não apenas os espíritos humanos mas também a sociedade e a economia.

Não se pode esquecer, ainda, todo um mercado de bens simbólicos e materiais criado a partir do referencial da Festa do Círio e que movimenta milhões de reais: velas, imagens, santinhos, escapulários, círios, berlindas, flores, lembranças, artesanato, os famosos brinquedos e “cheirinhos do Pará”, frutas e comidas típicas, mercadorias produzidas durante todo o ano mas que recebe um mercado consumidor capaz de esgotá-las no decorrer dos dias do Círio.

Há também o crescimento da infraestrura da cidade para a recepção dos turistas, gerando empregos não apenas nos quinze dias do Círio, mas durante todo o ano. Restaurantes, hotéis, estacionamentos, serviços de táxi e aluguel de carros, agências de turismo e aéreas, sem contar o que a festa representa em termos de matérias para jornais, rádio e televisão, vídeos, discos, livros e toda uma indústria cultural que cada vez mais encontra nas festas um produto de largo consumo. O fenômeno é significativo e podemos medir suas proporções quando já podemos ler, nos jornais de grandes centros urbanos, notícias sobre o Círio de Nazaré em Belém do Pará.

O sentido de representação do Círio é, portanto, invocar a história, os costumes religiosos, os milagres da santa, reforçando ainda a identidade regional e os laços comunitários ao se apresentar como a festa maior dos paraenses. Neste sentido, ele representa a mediação entre passado e presente, o reviver de momentos decisivos da história do povo paraense e também das histórias pessoais. E, ao fazê-lo, constrói novos momentos a serem lembrados no futuro, uma vez que a produção e realização da festa implicam novos esforços, tão memoráveis quanto os esforços do caboclo Plácido para construir a ermida de N. Sra de Nazaré nos tempos passados. Agora, são os esforços realizados para a realização da festa, que reverte também em benefício da cidade e dos pobres locais, além de tantos outros esforços que serão lembrados sempre em referência à Festa do Círio do ano “tal”.


 

 

Conclusão

Festa “à brasileira”

 

A análise de cinco grandes festas brasileiras, nas cinco diferentes regiões do país, com suas particularidades regionais, e de centenas de outras constantes dos calendários estaduais mostra que há, certamente, muitas semelhanças entre elas e ao mesmo tempo que, apesar da estrutura comum que as une, elas não são, absolutamente, iguais. Por outro lado, também não se opõem. Na verdade elas se complementam. Se a Festa do Peão Boiadeiro investe na construção de uma identidade rural associada aos caubóis americanos, heróis pioneiros dos filmes de western, inserindo Barretos e outras cidades no contexto internacional, a festa de São João, no nordeste, investe na versão mais brasileira desta identidade rural: a do “caipira”, esperto e jocoso, sábio e conhecedor da natureza, que através destas características sempre se sai bem no final das histórias. Do mesmo modo, a valorização da cultura nativa, indígena, na Festa de Parintins, é complementada pela valorização do nosso “pedaço alemão” através da Oktoberfest, português na Marejada, italiano na festa da Achiropita e outros. Ao mesmo tempo em que comemoram as colheitas de milho, fruto do duro trabalho na terra, as festas juninas unem aspectos lúdicos e mágicos de origens diversas com o culto aos santos católicos mediadores do amor, em que a dança da quadrilha e do forró podem ser vistas como instrumentos dessa mediação, sendo ainda festas onde a descontração, irreverência e jocosidade são incentivadas e intensamente praticadas. Estas características das festas juninas são complementadas pela profunda devoção do Círio de Nazaré, das Festas do Divino Espírito Santo e centenas de outras, com suas procissões que, ao sacralizarem os espaços das cidades onde se realizam, tornam sagradas também as relações sociais através da participação solene em novenas e missas, da distribuição dos cargos previstos na organização da festa, da confecção de doces com nomes bíblicos. Com tantas congruências e incongruências, semelhanças e dessemelhanças, é possível falar em festa “à brasileira”?

A primeira impressão é a de que a festa não se deixa capturar, pois ela tem vários sentidos. Isto resulta exatamente de seu caráter mediador que lhe permite, através das inúmeras “pontes” que realiza entre valores e anseios, conter em si vários pares de oposição sem representar de modo exclusivo nenhum deles, constituindo-se, antes, de todos. Assim, ela é religiosa e profana, crítica e debochada, conservadora e vanguardista, divertida e devocional, esbanjamento e concentração, fruição e modo de ação social; ela ainda é o reviver do passado e projeção de utopias, afirmação da identidade particular de um grupo e inserção na sociedade global; expressão de alegria e de indignação.

No Brasil, a festa tanto nega como reafirma os valores sociais, utilizando-se, para isto, tanto de sua própria lógica como da lógica social. E neste sentido é possível falar em uma festa “à brasileira”. Sendo a festa de um povo formado por rica diversidade cultural, ela incorpora seus diversos valores, até mesmo os mais antagônicos, fantasiando-os, mascarando-os ou mesmo ressaltando seu caráter de antípoda em relação ao seu par, do qual, entretanto, não pode se separar. Assim, a diversidade de sentidos e os múltiplos conteúdos resultantes da formação cultural brasileira podem ser entendidos como um dos elementos que diferenciam a festa à brasileira das demais.

São vários, ainda, os aspectos que permitem responder afirmativamente pela existência de um modelo brasileiro de festa. O primeiro a chamar a atenção é sua forma. Em geral, tanto as festas de massa como as locais, de grupos menores, são festas processionais, em que os valores, religiosos ou profanos, tornados signos e símbolos desfilam pelas avenidas das cidades, na forma de andores, berlindas, alegorias, carros de som, seguidos pelos que festejam, ligados uns aos outros, compartilhando-os. As procissões do Círio e do Divino Espírito Santo, o desfile da Festa do Peão, o junino de Caruaru e o típico alemão em Blumenau, além dos não descritos mas conhecidíssimos desfiles de escolas de samba, afoxés, Caboclinhos do carnaval e tantos outros que colocam a cultura nas ruas, revivendo a história do povo representada pelo próprio povo são recorrentes nas festas brasileiras.

Além disso, das maiores à menores, todas as festas não apenas atualizam mitos, como revivem e colocam em cena a história do povo, contada sob seu ponto de vista. Ela é, como vimos, desde os primeiros tempos da colonização, um dos lugares ocupados pelo povo na história brasileira, talvez uma de suas primeiras conquistas reais, e nela ele se vê e se representa em papéis ativos. Desfilando pelas ruas a riqueza de suas relações com outros grupos, o privilégio de suas relações com as divindades todas que ouvem suas preces e lhe entregam milagres, ele se reconhece. Como se reconhece em força nas massas que caminham por grandes avenidas, empurrando carros alegóricos com símbolos de sua historia, empurrando a própria história, em toda sua riqueza, levando em frente suas paixões e suas utopias. E a breve substituição do poder oficial estabelecido por um poder de fantasia, mágico, pode ainda ser o meio para comunicar ao primeiro as críticas sociais e aspirações que não o alcançam no curso ordinário da vida política. Da Bandeira do Divino, com seu imperador e súditos desfilando pelas ruas das pequenas cidades ao monumental Carnaval Devoto de Nazaré, ou as alegorias futuristas de Joãosinho Trinta, o que está em cena é vida do povo, sua história e seus anseios encenados na forma de alegorias, máscaras e fantasias.

As festas que crescem muito tendem também a ocupar grandes espaços destinados a elas nos centros urbanos, muitas vezes construídos com esta função exclusiva, especialmente a partir da construção do Sambódromo do Rio de Janeiro, depois da qual surgiram espaços semelhantes em todo país, mais uma indicação de o Carnaval oferece elementos de referência a grande parte das festas brasileiras. Ter um espaço especialmente construído para a festa, em geral utilizando um símbolo da festa (o Bumbódromo de Parintins foi projetado na forma de chifres de boi, o Parque do Peão em Barretos tem a forma de uma ferradura, a cidade cenográfica em Caruaru é uma vila caipira etc.), indica a importância da festa e seu lugar na vida das cidades e do país, além da preocupação em receber bem os que vão à festa. Isto acontece, em geral, nos lugares em que as festas tornaram-se festas de massas, o que pode ser explicado pela urbanização que permite o acesso e a recepção de pessoas de toda parte.

No Brasil, também, as festas populares movimentam milhões de dólares em sua produção, providos por patrocinadores que a vêm usando como mais um lucrativo espaço para a inserção de propaganda e promoção de consumo, investindo a cada ano mais neste filão, como é o caso da Coca-Cola que patrocina a Festa de Parintins, do Bradesco que patrocina a Festa do Peão Boiadeiro, da Brahma que patrocina centenas de festas no Brasil. Não se trata, contudo, de a festa ter sido invadida pela publicidade e arrancada das mãos populares e, sim, da necessária negociação para seu crescimento juntamente à percepção, por parte das populações, das vantagens, além do divertimento, que ela é capaz de proporcionar ao crescer, mesmo se para isso for preciso que algo se transforme um pouco. Deste modo, as grandes festas já não são festas “espontâneas” mas cuidadosamente planejadas, para as quais os preparativos são feitos com muita antecedência e implicam a organização permanente de pessoas encarregadas de executar inúmeras tarefas. No caso das pequenas festas, isto também acontece, embora em escala menor, pois nela os patrocinadores são pessoas do povo, como é o caso da Festa do Divino ou ainda da Festa da Achiropita, entre centenas de outras. As festas brasileiras são, ainda, festas de longa duração, período em que tudo se mobiliza em função delas, pontuado por momentos fortes, rituais, e outros, menos marcados, onde o que conta é o lazer, o namoro, a diversão, a transposição de limites e quebra de regras.

A festa “à brasileira” tem se mostrado ainda, surpreendentemente, como um modo informal de concentração e redistribuição de riquezas, como vimos nos exemplos da Oktoberfest, da Festa da Achiropita e do Peão Boiadeiro. O investimento dos recursos arrecadados nas festas preferencialmente em obras sociais (creches, escolas, asilos) é freqüente e as associações criadas para realizar a festa acabam, muitas vezes, ultrapassando seu momento, tornando-se instituições ou mesmo organizações não governamentais, que visam agir de modo a melhorar as condições de vida populares. A Festa da Achiropita e o C.E.D.O, a Escola Criativa do Olodum na Bahia, os trabalhos sociais da Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro, e os investimentos da Oktoberfest, entre outros, são exemplares. É claro que não estou afirmando que as festas são feitas com finalidades sociais ou de redistribuição de riquezas, mas esta é uma característica bastante significativa quando falamos de festa “à brasileira”.

Tanto a festa é um valor diacrítico na cultura nacional que ela é constantemente referida como característica brasileira e vem se tornando um produto turístico cada vez mais atraente, pelo que se pode deduzir dos relatórios da EMBRATUR e das Secretarias de Turismo. Ela tem gerado um crescente mercado de empregos, produtos e serviços que lhe são correlatos, o que propicia seu mais rápido crescimento e a difusão de modelos de festas por todo o país, como é o caso das Fests, das Festas de Peão e das Festas de Colheitas, inspiradas na Festa da Uva. Além disso, toda a infra-estrutura necessária ao crescimento das festas (hotéis, estacionamentos, restaurantes, lojas, gráficas, farmácias, hospitais etc.), cresce à proporção em que as festas crescem. Elas retêm, ainda, uma fatia do mercado fonográfico, de marketing, jornalístico, televisivo etc., o que faz delas, também, um dos bons negócios brasileiros.

Existem ainda outras dimensões relevantes, como a organização política local e o uso da festa, como vimos no exemplo do São João nordestino, e no Círio de Nazaré. O poder instituído tenta fazer uso da festa em seu favor, mas ela não se deixa capturar. A negociação entre os símbolos da festa e seu uso político é complexa, e ela não se rende, senão naquilo que considera necessário para atingir seus objetivos. Ao mesmo tempo, se o Estado tenta fazer da festa um produto turístico, e em certos pontos ela se permite usar, devemos lembrar que para aqueles que realmente dominam o código da festa, a leitura dos símbolos que ela contém é sempre diferente da leitura dos turistas e visitantes, que a vêem, geralmente, como espetáculo e diversão.

Não é à toa, como se vê, que se diz que “no Brasil tudo acaba em festa”. Isto é compreensível, já que ela pode comemorar acontecimentos, reviver tradições, criar novas formas de expressão, afirmar identidades, preencher espaços na vida dos grupos, dramatizar situações e afirmações populares. Ser o espaço de protestos (as passeatas e manifestações pelo impeachment do presidente Collor de Mello, em 1992, eram imensas festas, com música, dança e comida) ou da construção de uma cidadania “paralela”; de resistência à opressão cultural, social, econômica ou, ainda, de catarse. Além disso, sendo capaz de mediar diferentes valores, termos e sentidos, numa sociedade pluricultural como a brasileira, ela se revela como poderoso instrumento de interação, compreensão, expressão da diversidade, englobando-as e permitindo a todos se reconhecerem, na festa, como um povo único.

Todas estas dimensões fazem, portanto, da festa brasileira, uma festa especial. Não porque seja exclusiva do povo brasileiro, mas porque, no Brasil, adquire significados sociais, culturais e políticos específicos, sendo inegável a disposição permanente dos brasileiros para a festa. Isto é percebido tanto pelos estrangeiros como pelos próprios brasileiros, conformando uma imagem social e uma auto-imagem em que a disposição para a festa constitui um traço marcante da identidade nacional.

Por fim, se quisermos dizer que, no Brasil, nem tudo acaba em festa, devemos lembrar que, com certeza, muitos projetos e transformações, muitos sonhos, começam e são vividos na festa, razão portanto para que ela seja querida e cresça, crescendo também o orgulho brasileiro de festejar. Afinal, “a gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte”. A gente quer festa.


 

 

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Notas

 

[1] — Os antropólogos foram, desde Morgan, mais cuidadosos em buscar o sistema e o código das sociedades arcaicas do que em examinar os momentos incomuns de sua existência costumeira. Eles parecem ter, consciente ou inconscientemente projetado sobre as civilizações alheias seu desejo de persuadir seus contemporâneos de que os grupos estudados não eram, como se pensava, bárbaros desprezíveis, já que uma sociedade é respeitável quando ela apresenta uma ordem. E esta “ordem” a antropologia parece ter encontrado no mundo inteiro. No entanto, talvez exatamente por este cuidado em recompor sistemas, ela parece não ter visto na festa senão o contrário da organização cotidiana. A festa desapareceu, portanto, da análise. Ou só aparece como parte dos sistemas rituais.

[2] — O uso de aspas se deve ao fato de que poucos são os estudos que efetivamente teorizam sobre a festa. Geralmente teoriza-se sobre religiosidade ou sobre diversos aspectos sociais. Nestes estudos, a festa comparece como elemento componente da análise e não propriamente como objeto sobre o qual se teoriza.

[3] — Huizinga, em "Homo Ludens" (1951) diz que existem atividades humanas que não correspondem a nenhuma função e que não visam nenhum objetivo eficaz. Ele inclui entre eles a estética e a festa. Mas a festa não se define por seu caráter inútil ou não funcional. Esta “não-funcionalidade” teria uma função estrutural, segundo os tipos de sociedades onde ela aparece.

[4] — Agitação do espírito; excitação, exaltação; comoção, perturbação, movimento; bulício; inquietação.

[5] — O mesmo acontecendo, guardadas as devidas proporções, na festa.

[6] — A respeito dos processos miméticos em sociedade, ver o excelente trabalho de Taussig (1992). Nele, Taussig esboça uma teoria antropológica que coloca em evidencia as implicações entre a imitação (mímesis) e diferença, ou o self e o outro (alteridade). Ele ainda mescla etnografia latino-americana e história colonial com insights de Walter Benjamim, Adorno e Horkheimer, buscando aprofundar a compreensão da etnografia, o racismo e a sociedade.

[7] — Recentemente a TV Cultura de São Paulo apresentou uma série de documentários sobre as festas típicas da América Latina onde isso fica claramente demonstrado. A festa, ainda que incorporando elementos não tradicionais até o momento, mantém-se como ponto de contato das culturas com suas raízes e são extremamente valorizadas pela maioria da população.

[8] — Nas festas de candomblé, por exemplo, em que se louvam os deuses (orixás) ou o “nascimento” (iniciação, conversão) de um novo adepto, sempre há preocupação com a decoração, com a comida, um bolo confeitado, lembrancinhas, coisas típicas das festas profanas. Há, inclusive, terreiros que contratam bufês (Amaral, 1992) como de resto acontece em muitas festas ditas profanas.

[9] — A noção de fato social total refere-se a determinado tipo de trocas cerimoniais-materiais e simbólicas que acionam de maneira simultânea diversos planos (religioso, econômico, jurídico, moral, estético, morfológico) de uma sociedade. Do ponto de vista analítico, os fatos sociais totais seriam mais que temas ou elementos de instituições; mais que instituições complexas ou mesmo sistemas de instituições religiosas, jurídicas, econômicas ou outras. Os fatos sociais totais representariam o próprio sistema social em funcionamento. Expressariam o conjunto de relações, a dimensão social total, que une os atores sociais no interior de uma sociedade. Outro aspecto decisivo no conceito de fato social total é sua dimensão de obrigatoriedade: tribos, clãs e fratrias, da mesmo forma que cada ator social membro desses grupos sociais são constrangidos nestas situações, não só a aceitar o que lhes é oferecido como a retribuir com acréscimo o que recebem. (Mauss, 1974).

[10] — Do latim commemorare que significa “trazer à memória, lembrar”.

[11] — É importante constatar que a festa aparece como a ressurreição de uma atividade dinâmica que entranha a sociedade inteira num ato de inovação. Como um tipo de história em vias de se fazer e consciente de sua pulverização. “É como se, antes de “pensar a história” e buscar suas leis, os homens houvessem vivido esta história na festa “ (Ozouf, 1986).

[12] — Não parece exagerado afirmar que mesmo quando a festa é mais restrita e supostamente de fruição, divertimento, tem a capacidade de abrir a percepção individual para o significado da vida em grupo.

[13] — Duvignaud (1976, 1983) lembra sempre que a maior parte das condutas rituais eram também defesas da vida coletiva contra as grandes instâncias que a ameaçam de destruição e desordem — a morte, a fome, a sexualidade, o fim. Trata-se de condutas rituais que se poderia qualificar de mágicas. E poderíamos ver no conjunto dos rituais uma imensa conjuração da natureza.

[14] — Da alucinação simbólica convém notar que ela corresponde à vontade de impor uma ordem mística e simbólica, diferente da realidade social estabelecida. Podemos pensar aqui nas festas religiosas, nos Mistérios da Idade Média européia que postulavam a igualdade dos homens diante da morte e diante de Deus contradizendo, durante todo este período, a realidade desigual da sociedade (Cox, 1969).

[15] — O termo festa, foi usado, pela Igreja com diferentes sentidos, conforme os contextos. Raphael Bluteau, padre jesuíta que escreveu o Vocabulário português e latino, no século XVII, explica que o termo festus, de origem latina, aplicava-se à “celebração e ao culto dos falsos deuses”.. Entre elas cita as festas religiosas dos judeus e as maometanas, sublinhando, porém, que as “festas dos cristãos na Igreja Católica são sabidas de todo o fiel cristão”: as dos patronos, as dos mártires — como São Policarpo e outros — e as da Epifania. Ressalva, todavia, a existência de festas profanas. (Bluteau apud Del Priore, 1994:18).

[16] — Planta ornamental, arbustiva, de folhas pouco numerosas e flores amarelas, de cheiro agradável.

[17] — Antiga festa popular portuguesa, realizada no Algarve nos primeiros dias de maio. Ao redor de uma grande boneca de palha de centeio, farelos e trapos, vestida de branco e colocada no meio da casa no 1º de maio, os algarvios dançavam e cantavam. Câmara Cascudo diz, citando L. Gonzaga dos Reis que existiam ainda as maias naquele município maranhense. “No dia 1o de maio, os moradores enfeitam a fachada das casas, engrinaldando as janelas e as portas com flores naturais, silvestres ou cultivadas, como singela oferenda à deusa desconhecida Flora, no que dão inequívoca prova de bom gosto, ao mesmo tempo que festejam a primavera” (Cascudo, 1969:132, v.2).

[18] — Conhecidas atualmente como cantigas populares do dia de ano-bom.

[19] — A respeito da pompa e longos preparativos para a festa de “Entrada” de Tereza Cristina de Bourbon, princesa vinda de Nápoles ao Brasil a fim de contrair núpcias com o jovem D. Pedro II, e também da “Entrada” de D. Leopoldina, ver Rodrigues, 1996.

[20] — Na Bíblia o próprio Deus ordena: “E na tua festa te regozijarás, tu, teu filho e tua filha, teu servo e tua serva, e o levita, o peregrino, o órfão e a viúva que estão dentro das tuas portas. (Deuteronômio 16:14)”. Portanto, todos os que estivessem próximos a uma família deveriam participar da festa, sem exceções.

[21] — Como ainda acontece em diversas festas promovidas por grupos que antagonizam em disputas, desde o carnaval das escolas de samba, até festas como a de Peão Boiadeiro em São Paulo, ou o Boi de Parintins, no Amazonas.

[22] — De acordo com James Frazer (1911, 36/46), que estudou a presença destes mastros em diversas festas e rituais da Europa e outras regiões, os mastros representam uma reminiscência dos cultos fitolátricos e de tudo que pode ser representado pelas árvores. O objetivo deste costume seria atrair o frutificante espírito da vegetação, recém desperto da primavera. Ver também D’Abeville (1945), Cascudo (1969) e Araújo (s/d).

[23] — “[É] costume plantar uma árvore pelos três santos de junho (Santo Antônio, São João e São Pedro) e pendurar-lhe frutos, flores, enfeites de papel, ao som dos cantos. Nalgumas partes o mastro recebe as mesmas honras votivas. As premissas da colheita são dispostas nessas árvores, replantadas em cantos especiais e, depois da festa, queimadas e guardado um tição que tem efeito mágico conta tempestade [...]. A intenção proclamada é que a terra dará melhores e mais abundantes frutos depois dessas árvores e mastros enfeitados, muitos com sua história desaparecida e reduzidos a manter a bandeira do santo. Essas árvores e mastros votivos são reminiscências dos cultos agrários, homenagens propiciatórias às forças vivas da fecundação das sementes, ocorrendo especialmente no solstício do verão, junho, correspondendo ao do inverno para nós do Brasil.” (Cascudo, 1969:179/189).

[24] — Iluminação por motivo de festa ou de regozijo público.

[25] — As festivas luminárias eram pequenas panelas de barro com azeite de mamona e um pavio de algodão retorcido que se acendia na época de festas e procissões. Elas também podiam ser feitas de cascas de laranja com o mesmo azeite e pavio, ou ainda com sebo. Elas aparecem a partir do século XVI e foram o enfeite de muitas festas nas cidades até o começo do século XIX.

[26] — Relação das faustíssimas festas que celebrou a Câmara da Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro da comarca da Bahia pelos augustíssimos desponsórios. Lisboa, 1762.

[27] — Também conhecidos como “corações” os “pães-por-deus” eram mensagens escritas em papel colorido, recortado na forma de caprichosas filigranas e pacientes rendilhados, alguns exigindo paciência e habilidade até mesmo para abri-los. No interior, em uma ou duas quadrinhas, o remetente pede ao destinatário um pão-por-deus, que deve ser uma dádiva qualquer. Esta prática precedia o Natal, e o momento de circulação destas mensagens eram os meses de outubro e novembro, ficando o destinatário na obrigação de enviar até o Natal um presente ao remetente (Cabral, 1949). Plácido Gomes (1949:14) transcreve duas quadrinhas típicas: “Sois bonita, delicada/ Foi dote que Deus vos deu/ Mais bonita sereis decerto/ Se me deres pampordeus”. Ou : “Aqui vai meu coração/ Nas asas de um passarinho/ Vai pedindo pampordeus/ Ao meu único amorzinho”.

[28] — Rugendas, em visita ao Brasil no início do século XIX, espantava-se com o numero exagerado de festas, assim como Ewbank. “Tão excessivo”, diz ele, “que absorvem mais de cem dias por ano” (Rugendas, 1972:89). Confirma-se, assim, a longa duração do espírito que mesclava festas profanas e religiosas.

[29] — A morte de Tancredo Neves, por exemplo, deu ocasião, como mostraram Montes & Meyer (1985), a um tipo de manifestação que tinha todos os elementos da festa, exceto a alegria, do mesmo modo que o enterro do piloto brasileiro de Fórmula 1 Airton Senna.

[30] — Tereza Caldeira, em A política dos outros mostra claramente que para entender que é na política que se constróem e destroem cadeias significantes, é necessário conceber a política em termos mais amplos, como uma relação de forças, sem mediação obrigatória de instituições e aparelhos ligados ao Estado. Através deste jogo de forças podem ser criadas novas identidades que se liguem à idéia de participação política (diferentes da de trabalhador, católico e não-católico, homem ou mulher com papéis previamente determinados) e novos conteúdos para a noção de direito, que alarguem continuamente sua abrangência. As creches e escolas surgidas a partir da realização de festas são um bom exemplo disso. Caldeira observa ainda que mesmo que um destes conteúdos venha a se tornar hegemônico num dado momento e para um dado grupo, as repercussões disto não são previsíveis, pois quem aprende a esperar reconhecimento de seus direitos pode agir como cidadão por caminhos conservadores, liberais ou revolucionários. Ao aprendizado da noção de cidadania podem se juntar diferentes razões e experiências, produtos de histórias diversas (Caldeira, 1984).

[31] — O conceito de etnia que uso aqui é o proposto por Cohen (1978:117): “Um grupo étnico é uma coletividade de pessoas que partilham alguns padrões de comportamento normativo, ou cultura, e que representam uma parcela de um grupo populacional mais amplo, interagindo no quadro de um sistema social comum como por exemplo o Estado. O termo etnicismo se refere especificamente ao grau de conformidade existente em relação a essas normas coletivas no processo de interação social”.

[32] — Apesar do cardápio e do ethos da festa, as comunidades não são formadas apenas por italianos. Segundo uma das responsáveis pela festa de Santo Emídio, da Vila Prudente, o bairro é um “cadinho” de miscigenação de imigrantes. “Aqui temos descendentes das mais diversas regiões do mundo: espanhóis, japoneses e, é claro, italianos” comenta.

[33] — Esta quantia representa um cálculo aproximado dos gastos gerais, não tendo sido arrecadada apenas em dinheiro mas também em mercadorias como farinha, ovos, vinhos etc., recolhidos pela comunidade. Soma-se, neste cálculo, o equivalente ao que cobram os artistas para a realização dos shows.

[34] — No ano de 1920 o padre responsável pela paróquia, por seu lado, relatou a festa ao vigário geral, dizendo que ela era apenas um pretexto para tirarem esmolas do povo, sem vantagens para a religião (Coimbra, 1987:80).

[35] — Segundo Mauss, a obrigação de dar é importante e recusar-se a dar, deixar de convidar ou recusar-se a receber eqüivale a declarar guerra; é recusar a aliança e a comunhão (Mauss, 1974).

[36] — Construído especialmente para abrigar a Festa, o Parque do Peão, oferece toda estrutura necessária para a realização de um evento deste porte. O recinto, cujo projeto leva a assinatura de Oscar Niemeyer, foi inaugurado em 1985, e já tem projetos para uma nova ampliação. Com muitos atrativos, o Parque abriga a maior arena de rodeio do mundo. Localizado no km 428 da Rodovia Brigadeiro Faria Lima, o Parque tem uma área de 1,3 milhões de metros quadrados e capacidade para 35.000 pessoas sentadas. Tem ainda um estacionamento de 121.000 metros quadrados, uma área de camping de 21.000 metros quadrados, onde os que vêm à festa podem dormir em barracas, a área do Memorial do Peão, com 1.600 metros quadrados e a da Queima do Alho, com 1.500 metros quadrados instalados em uma reserva florestal de 24.200 metros quadrados. Há ainda ranchos particulares de alguns “independentes” que somam 12 construções e 24.200 metros quadrados, o Berrantão, um pavilhão coberto de 1.800 metros quadrados, onde acontece o concurso de berrantes. (Folha de São Paulo 12/08/1996).

[37] — O público que comparece à festa é sempre maior que o estimado. A avaliação é do presidente do clube “Os Independentes”, Mauri Abud Wohnrath, organizador do evento. Por isto, a festa obriga a cidade a manter infra-estrutura de hospedagem que ela nem sempre pode garantir. O aluguel das casas, em 1994, variava entre 70 e 100 dólares por dia, o camping Parque do Peão cobrava 250 dólares por pessoa e mais 300 por veículo para o final de semana. Nos hotéis duas estrelas um apartamento. para 3 pessoas custava 450 dólares por 4 dias e um de luxo para duas pessoas 500 dólares. Campeão de investimentos na Festa do Peão Boiadeiro de Barretos, o Bradesco chega a ser considerado o “patrocinador oficial do evento”. Investiu 120 mil dólares na festa de 1996. O passatempo dos peões acabou se tornando um negócio milionário. Em 1994, 282 estandes foram alugados a preços que variavam entre 20 e 50 dólares o metro quadrado. A área média de cada estande é de 100 metros quadrados. Entre os expositores estavam McDonalds, Scânia, Toyota, Peugeot, Hering e Wrangler. A Brahma, única cerveja distribuída no parque, usou a festa como inspiração para criar uma lata de cerveja exclusiva que é vendida na região de Barretos desde esta época.(Folha de São Paulo, 06/08/1995).

[38] — Em 1994 a Festa do Peão de Barretos declarou sua independência, deixando de ser a etapa final do Circuito Espora de Ouro de Rodeios para se tornar um torneio de etapa única, onde os peões entram “zerados” (sem pontuação) na batalha pela vitória. “A festa agora está solteira”, diz Emílio Carlos dos Santos o diretor de eventos do clube “Os Independentes” Sem exigir pontuação prévia a competição pôde incluir caubóis estrangeiros, o que no mínimo aumenta a expectativa com relação à performance dos peões brasileiros nas montarias em touros. Os peões de cavalos escaparam da concorrência internacional por uma questão técnica, já que as regras adotadas no Brasil diferem das aplicadas nos países de origem dos caubóis convidados. O prêmio em naquele ano, em vez dos disputados carros 0 km, foi a quantia de 120 mil dólares. (Folha de São Paulo 21/07/ 1994)

[39] — O Berrante é um instrumento feito de chifre de boi com detalhes em couro. Utilizado pelos peões, ele emite sons agudos e graves, e cada toque é uma senha, avisando a hora do almoço, o toque de recolher, toque de perigo e orienta o “sinueiro” (boi que comanda a boiada, boi experiente, esperto). Hoje, embora pouco utilizado para esta finalidade, o berrante ainda encanta turistas e visitantes da festa. Conseguir tirar um belo som do berrante exige muita habilidade do berranteiro.

[40] — No Yon Kippur, judeus confraternizam no bairro do Bom Retiro. Os irlandeses e seus descendentes realizam nos pubs paulistanos Finnegan’s e Cocktail Factory (em Pinheiros e no Brooklin, respectivamente) a festa de Saint Patrick, santo do qual são muito devotos. Os portugueses se reúnem na festa “Abril em Portugal”, realizada na Casa de Portugal ou no Centro Trasmontano, em que comem peixe e bebem vinho português, ao som de fados e viras. Os japoneses fazem festas religiosas e profanas (como o “Tanabata” — Festa das Estrelas) nas ruas decoradas com bambus e iluminadas com lanternas de papel, no bairro da Liberdade. Os norte-americanos e as escolas de inglês introduziram recentemente no calendário paulistano uma festa tipicamente americana: o Haloween, bastante apreciado pelas classes média e alta, que festejam em clubes, dançando fantasiadas. Os nordestinos de São Paulo comemoram efusivamente São João, Santo Antônio e São Pedro e têm realizado, atualmente, em junho, também o “tambor-de-crioula” e o “bumba-meu-boi” em suas casas, especialmente os maranhenses e paraenses. Eles também realizam festas no Centro de Tradições Nordestinas (CTN), no Bairro do Limão, ponto aglutinador deste grupo de migrantes em São Paulo. Grupos religiosos também fazem grandes festas com finalidades assistenciais e comemorativas: os umbandistas festejam Iemanjá (N. Sra. da Conceição ou dos Navegantes), deusa das águas, nas praias brasileiras, o orixá guerreiro Ogum (São Jorge) no Ginásio do Ibirapuera e, em várias ruas da periferia, São Cosme e São Damião. São Judas Tadeu, Santa Rita de Cássia e Santo Antônio também são comemorados em toda a cidade (Amaral, 1996).

[41] — Mello Moraes Filho diz que para as festas de São João eram realizados inúmeros intróitos. “Antecipadamente, viam-se nas ruas pretos de ganho com cestos carregados de foguetes e fogos de todo gênero, de canas e batatas-doces, de carás e milhos verdes, de galinhas, ovos e perus, de tudo enfim que dizia respeito à folia da noite aos lautos jantares e ceias que então se davam. Os fazendeiros despendiam boas somas, vestiam de novo a escravatura, matavam reses em obséquio dos convidados da corte. Em casa da Baronesa de Sorocaba, do Barão de Meriti, do Amaral e do Marquês de Abrantes, preludiavam-se os regozijos da noite desejada; no Palácio de São Cristóvão, as princesas recomendavam às companheiras de infância que comparecessem bem cedo; em vários pontos da cidade, os pais de família dispunham da lenha para as fogueiras, colocavam sobre a mesa os livros de sortes, encordoavam os violões para os descantes. As rodinhas, as pistolas, os foguetes, busca-pés, chuveiros, rojões, cartas de bichas, girassóis, traques de sete estouros, bombas e uma diversidade de fogos, alastravam as massas, entupiam as mangas de vidro, atravancavam as gavetas. De par com tudo isso, as donas de casa atropelavam as escravas, arrumando as provisões, ralando o milho verde e o coco para a canjica, fazendo deliciosos bolos de S. João. Nas antevésperas, na intimidade do lar, as moças reuniam-se à luz do candieiro, e os meninos, descendo aos pulos do sofá da sala, acercavam-se da avó, que tremendo os lábios, rolando nos dedos as contas do rosário, narrava, sentada numa esteira, a lenda do Batista e das fogueiras”.(Moraes Filho, 1979:77).

[42] — Câmara Cascudo anota que Santo Antônio recebeu patente, em Portugal, como capitão, em “Fortaleza da Barra, em 1706, alferes no bairro da Mouraria, em 1800, [...], sargento-mor em 1810 e tenente-coronel em 1814, com soldo [....] até 1907. Em São Paulo foi coronel. Capitão em Goiás. Soldado na Paraíba e Espírito Santo. Tenente-coronel no Rio de Janeiro em 1814. Capitão de cavalaria em Vila Rica (Ouro-Preto, Minas Gerais). Tenente no Recife [...] Vereador em Iguaçu, Pernambuco. Grão-cruz da Ordem de Cristo em 1814, dada pelo Príncipe regente D. João. Na Igreja de Santo Antônio na cidade de Natal (anterior a 1763) existe uma imagem do orago com o tratamento popular de capitão, embora desacompanhado de documentos.” (Cascudo, 1969;126). Daí, deduz-se a extrema popularidade de Santo Antônio no Brasil, vindo especialmente da parte dos militares, que incentivavam seu culto.

[43] — A vinda de muitos nordestinos para o sudeste e o crescimento da presença da festa na mídia, que a descobriu como espetáculo, implicou num crescimento do São João também nesta região. Não apenas em Centros de Tradição, como o CTN de São Paulo (Centro de Tradições Nordestinas) ou CTG (Centro de Tradições Gaúchas), e bairros de periferia, mas, no caso de São Paulo, através da iniciativa dos próprios governos estadual e municipal, que incorporaram os eventos juninos à programação cultural oficial. Na capital paulista tem havido já ha alguns anos, no Vale do Anhangabau, uma festa junina promovida pela Secretaria Municipal de Cultura, que geralmente conta com a presença duplas sertanejas e artistas “regionais” como Sivuca, Renato Borguetti e o Quinteto Violado, Chitãozinho e Xororó e outros.. A festa começa numa sexta-feira (independentemente da data ser ou não dia de algum santo, pois o critério levado em conta é o fim da semana de trabalho e a possibilidade de se ficar acordado até tarde em função da festa) às 19 horas (para que aqueles que saem do trabalho às 18 também possam assistir), com a celebração da Missa do Vaqueiro — tradicional em Pernambuco, que revive a história de um vaqueiro que teria sido assassinado por um adversário. Durante a missa milhares de velas são acesas no Anhangabau e a missa encerrada por um show pirotécnico que dura cerca de 8 minutos. Nos dois dias a festa é “encerrada” com a apresentação de músicos de forró. As pessoas dançam no Vale, a maioria nordestino que vivem em São Paulo. De acordo com as informações da Secretaria Municipal de Cultura, comparecem à festa cerca de 35 mil pessoas por dia. A segurança do evento é feita por 200 guardas civis metropolitanos e permanecem à disposição quatro ambulâncias e um posto fixo de saúde.

[44] — A Oktoberfest de Blumenau tem muito a ver com esta perspectiva, pois é a partir de seu sucesso que se descobrem as festas típicas do país como produto cultural a ser oferecido aos turistas.

[45] — Pernambuco é, ao lado da Bahia, um dos estados mais festeiros do nordeste brasileiro, como atesta sua programação oficial (ver página 339 e seguintes deste trabalho). Em junho, esta programação é particularmente extensa.

[46] — O Caprichoso surgiu em função de uma promessa feita a São João, pelos irmãos Cid em troca de prosperidade. Atendidos pelo santo criaram o Boi-Bumbá Caprichoso em 20 de outubro de 1913. Por ser um boi de cor preta, foi denominado de “Diamante Negro”, sendo simbolizado pelas cores azul e branca. Estas cores são utilizadas por seus adeptos como forma de filiação ao Caprichoso que só usam estas cores no tempo de festa, tanto no vestuário como em objetos pessoais, cores das casas, faixas, fitas etc..(1996, Site).

[47] — Em 1913, Lindolfo Monteverde fundou, em 12 de junho, o boi-bumbá Garantido. Tendo adoecido, mais tarde e feito uma promessa a São João Batista, de brincar com seu boi nas ruas no dia 24 de junho. Tendo recebido a graça, o Garantido passou a sair sempre nesta data e se tornou conhecido como o Boi da Promessa. Ao contrário do Caprichoso, o boi Garantido é de cor branca (Site).

[48] — As relações sociais e simbólicas envolvidas podem ser melhor avaliadas em termo dos acontecimentos da festa do que meramente em afirmações ou números sobre eles. Por esta razão, apesar de descrever os momentos mais importantes das festas, deixo de lado detalhes dos eventos descritos por diversos autores, extremamente saborosos à leitura (Brandão, 1952, 1973, 1976, 1977, 1989; Willems, 1940).

[49] — O mesmo autor diz que do “primitivo Círio como da primeira feira, nada resta” e reclama da “turbamulta dos devotos que enxameam ridiculamente em volta à santa em desrespeitoso desalinho, num atropelo e aglomeração pouco decentes e numa vozeria ensurdecedora” e diz ainda que, “a disputa dos logares faz-se violentamente aos encontrões, à viva força muitas vezes, entre homens e mulheres promiscuamente, sem recato e sem respeito” (Vianna, 1904: 327).

[50] — José Salvio Leopoldi (1978:49), em sua análise da organização das Escolas de Samba, estabelece uma distinção entre organização formal e organização carnavalesca. A primeira diz respeito à burocracia, à administração da Escola e, a segunda, vinculada à apresentação do desfile de carnaval em si. A Diretoria da festa de Nazaré desempenha, segundo Alves (1980), essas funções mais formais, no sentido de elaborar e dirigir o programa da festa e exerce também papel importante em sua realização. A diferença seria que no Carnaval tem-se uma organização que desfila competindo com outras, enquanto que na festa de Nazaré o conjunto da população que se movimenta. A preparação para a festa, por parte da população, acontece independentemente de sua administração oficial pela “Diretoria” e num sentido oposto. Isto é, enquanto a Diretoria coordena os eventos, as pessoas se preparam para viver a festa, o clima religioso e festivo, informal, de maior liberdade de ação, da recepção de turistas e renovação de relações.

[51] — Segundo Alves (1980), um coordenador foi o responsável, a partir de 1973, por uma série de medidas que diziam respeito à retomada de um maior controle sobre os eventos da festa. Nos dois anos anteriores predominou o que foi considerado pela direção dos festejos uma excessiva desordem e conseqüente desequilíbrio nas forças que movem o ritual. “A tentativa de dar novos rumos a festa [...] incorporou um modo de gestão [...] tecnocrata [que] objetiva racionalizar um acontecimento que em sua performance tende justamente ao contrário. Ao mesmo tempo, a gestão tecnocrata, reconhecendo o aspecto popular da festa procura exercer um controle através de medidas que chama de educativas e que nada mais são do que o engajamento, na festa, das manifestações da chamada ‘cultura erudita’ ou consagradas como manifestações intelectuais, e transformar o arraial também num ‘locus’ para demonstrações da ‘nova’ racionalidade político-econômica, através das exposições de órgãos públicos ou que congregam instituições privadas.” (Alves, 1980:33).

[52] — A Guarda da Santa foi criada para disciplinar o arraial sem usar ostensivamente um tipo de repressão policial. Esta preocupação foi expressa por um diretor da festa, diz Alves (1980: 83), que inclusive citou o fato de não “ficar bem”, num dia de Círio, o excesso policial contra os que vão na corda, local onde se prevê um certo nível de desordem, devido aos empurrões e à força da multidão em movimento. Diz ele: ”Eu vi, um ano, um pobre homem ser espancado junto à corda por policiais. As pessoas que fazem parte desta guarda [de N. Sra], têm a incumbência de evitar que alguém abuse de alguém. Dar um certo enfoque no sistema de policiamento, fiscalização e controle”.

[53] — Sidney Silva (1997), em seu estudo sobre a comunidade boliviana em São Paulo, mostra que este comportamento da Igreja não mudou muito, pois mesmo aceitando algumas das festas religiosas nativas deste grupo, tenta dele expurgar os aspectos considerados impróprios, como a ingestão bebida alcóolica.

[54] — O bispo Dom Antonio Macedo Costa, em 1879 publicou uma portaria proibindo o Círio e a festa que segundo seu modo de ver teriam se tornado “fonte perene de corrupção para o povo, de graves lástimas e desordens para as famílias, como eram as saturnais do paganismo”(Vianna, 1904:241).

[55] — Não inteiramente reproduzido por Alves.

[56] — Essa época corresponde às décadas de 40 e 50 sob o patrocínio de um dono de cassino, quando o jogo ainda era legal no Brasil. Felix Rocque construiu teatros, promoveu uma Grande Feira de Amostras do Pará e empresariou artistas como Orlando Silva, Gilda de Abreu, Vicente Celestino, a dupla Jararaca e Ratinho e outros (Rocque, 1974, apud Alves, 1980),

[57] — Historiadores da festa, como Artur Vianna (1904), o padre Florêncio Dubois, Ernesto Cruz (1945, 1952, 1967 citados por Alves, 1980) e outros, sempre procuram ressaltar a origem portuguesa da festa. Eidorfe Moreira mostra com mais clareza, contudo, e com uma visão antropológica mais ampla, os aspectos regionais e peculiares da festa. O termo Círio, entretanto, se transformou num termo que designa a procissão/festa de qualquer santo padroeiro de qualquer localidade no Estado do Pará. Assim, existe não apenas o Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém, mas também outros Círios pelo interior do Pará, como o Círio de Nossa Senhora do Carmo, Círio de Nossa Senhora do Rosário, Círio de Nossa Senhora da Conceição etc. Estas procissões, diz Eidorfe Moreira, provocam intenso movimento demográfico no interior do Pará (Moreira, 1967).

[58] — Alves já observava, muito antes de o Círio se tornar o evento turístico que se tornou nos anos 90, que era possível encontrar pessoas as mais diferenciadas em todos sentidos, acompanhando a procissão. Segundo ele, as ocupações iam desde a doméstica, o pedreiro, operário, até o profissional liberal. Constatou ainda a participação de pessoas não-católicas ou que se declaravam atéias e algumas que, embora se definindo como católicas, usavam roupas de filhos-de-santos ou típicas do culto umbandista. Portanto, se no nível do espaço em que se movimenta a santa na procissão é possível o controle por parte da diretoria da festa quanto à participação dos macumbeiros, isso é impossível, ainda mais quando estas pessoas se dizem católicas e devotas de Nossa Senhora de Nazaré (Alves, 1980).

[59] — Acontecem outras procissões, menores durante os quinze dias, como a procissão náutica, a do domingo da festa e o Recírio.


 

 

Ocorrências do termo festa na Bíblia

 

Mas diziam: Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo. (Mateus 26:5)

Ora, por ocasião da festa costumava o governador soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. (Mateus 27:15)

Ora, dali a dois dias era a páscoa e a festa dos pães ázimos; e os principais sacerdotes e os escribas andavam buscando como prender Jesus a traição, para o matarem. (Marcos 14:1)

Pois eles diziam: Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo. (Marcos 14:2)

Ora, por ocasião da festa costumava soltar-lhes um preso qualquer que eles pedissem. (Marcos 15:6)

Ora, seus pais iam todos os anos a Jerusalém, à festa da páscoa. (Lucas2:41)

Quando Jesus completou doze anos, subiram eles segundo o costume da festa; (Lucas 2:42)

Aproximava-se a festa dos pães ázimos, que se chama a páscoa. (Lucas 22:1)

E era-lhe necessário soltar-lhes um pela festa. (Lucas 23:17)

Ora, estando ele em Jerusalém pela festa da páscoa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome. (João 2:23)

Assim, pois, que chegou à Galiléia, os galileus o receberam, porque tinham visto todas as coisas que fizera em Jerusalém na ocasião da festa; pois também eles tinham ido à festa. (João 4:45)

Depois disso havia uma festa dos judeus; e Jesus subiu a Jerusalém. (João 5:1)

Ora, a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima. (João 6:4)

Ora, estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos. (João 7:2)

Subi vós à festa; eu não subo ainda a esta festa, porque ainda não é chegado o meu tempo. (João 7:8)

Mas quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não publicamente, mas como em secreto. (João 7:10)

Ora, os judeus o procuravam na festa, e perguntavam: Onde está ele? (João 7:11)

Estando, pois, a festa já em meio, subiu Jesus ao templo e começou a ensinar. (João 7:14)

Ora, no seu último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. (João 7:37)

Celebrava-se então em Jerusalém a festa da dedicação. E era inverno. (João 10:22)

Buscavam, pois, a Jesus e diziam uns aos outros, estando no templo: Que vos parece? Não virá ele à festa? (João 11:56)

No dia seguinte, as grandes multidões que tinham vindo à festa, ouvindo dizer que Jesus vinha a Jerusalém. (João 12:12)

Ora, entre os que tinham subido a adorar na festa havia alguns gregos. (João 12:20)

Antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, e havendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. (João 13:1)

Pois, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe queria dizer: Compra o que nos é necessário para a festa; ou, que desse alguma coisa aos pobres. (João 13:29)

Pelo que celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade. (I Corintios 5:8)

Ninguém, pois, vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa de dias de festa, ou de lua nova, ou de sábados (Colossense 2:16)

Depois foram Moisés e Arão e disseram a Faraó: Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Deixa ir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto. (Êxodo 5:1)

Respondeu-lhe Moisés: Havemos de ir com os nossos jovens e com os nossos velhos; com os nossos filhos e com as nossas filhas, com os nossos rebanhos e com o nosso gado havemos de ir; porque temos de celebrar uma festa ao Senhor. (Êxodo 10:9)

E este dia vos será por memorial, e celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; através das vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo. (Êxodo 12:14)

Guardareis, pois, a festa dos pães ázimos, porque nesse mesmo dia tirei vossos exércitos da terra do Egito; pelo que guardareis este dia através das vossas gerações por estatuto perpétuo. (Êxodo 12:17)

Sete dias comerás pães ázimos, e ao sétimo dia haverá uma festa ao Senhor. (Êxodo 13:6)

Três vezes no ano me celebrarás festa: (Êxodo 23:14)

A festa dos pães ázimos guardarás: sete dias comerás pães ázimos como te ordenei, ao tempo apontado no mês de abibe, porque nele saíste do Egito; e ninguém apareça perante mim de mãos vazias; (Êxodo 23:15)

Também guardarás a festa da sega, a das primícias do teu trabalho, que houveres semeado no campo; igualmente guardarás a festa da colheita à saída do ano, quando tiveres colhido do campo os frutos do teu trabalho. (Êxodo 23:16)

Não oferecerás o sangue do meu sacrifício com pão levedado, nem ficará da noite para a manhã a gordura da minha festa. (Êxodo 23:18)

E Arão, vendo isto, edificou um altar diante do bezerro e, fazendo uma proclamação, disse: Amanhã haverá festa ao Senhor.(Êxodo 32:5)

A festa dos pães ázimos guardarás; sete dias comerás pães ázimos, como te ordenei, ao tempo apontado no mês de abibe; porque foi no mês de abibe que saíste do Egito. (Êxodo 34:18)

Também guardarás a festa das semanas, que é a festa das primícias da ceifa do trigo, e a festa da colheita no fim do ano. (Êxodo 34:22)

Não sacrificarás o sangue do meu sacrifício com pão levedado, nem o sacrifício da festa da páscoa ficará da noite para a manhã. (Êxodo 34:25)

E aos quinze dias desse mês é a festa dos pães ázimos do Senhor; sete dias comereis pães ázimos. (Levítico 23:6)

Fala aos filhos de Israel, dizendo: Desde o dia quinze desse sétimo mês haverá a festa dos tabernáculos ao Senhor por sete dias. (Levítico 23:34)

Desde o dia quinze do sétimo mês, quando tiverdes colhido os frutos da terra, celebrareis a festa do Senhor por sete dias; no primeiro dia haverá descanso solene, e no oitavo dia haverá descanso solene. (Levítico 23:39)

E celebrá-la-eis como festa ao Senhor por sete dias cada ano; estatuto perpétuo será pelas vossas gerações; no mês sétimo a celebrareis. (Levítico 23:41)

E aos quinze dias do mesmo mês haverá festa; por sete dias se comerão pães ázimos. (Números 28:17)

Semelhantemente tereis santa convocação no dia das primícias, quando fizerdes ao Senhor oferta nova de cereais na vossa festa de semanas; nenhum trabalho servil fareis. (Números 28:26)

Semelhantemente, aos quinze dias deste sétimo mês tereis santa convocação; nenhum trabalho servil fareis; mas por sete dias celebrareis festa ao Senhor. (Números 29:12)

Depois celebrarás a festa das semanas ao Senhor teu Deus segundo a medida da oferta voluntária da tua mão, que darás conforme o Senhor teu Deus te houver abençoado. (Deuteronômio 16:10)

A festa dos tabernáculos celebrarás por sete dias, quando tiveres colhido da tua eira e do teu lagar. (Deuteronômio 16:13)

E na tua festa te regozijarás, tu, teu filho e tua filha, teu servo e tua serva, e o levita, o peregrino, o órfão e a viúva que estão dentro das tuas portas. (Deuteronômio 16:14)

Sete dias celebrarás a festa ao Senhor teu Deus, no lugar que o senhor escolher; porque o Senhor teu Deus te há de abençoar em toda a tua colheita, e em todo trabalho das tuas mãos; pelo que estarás de todo alegre. (Deuteronômio 16:15)

Três vezes no ano todos os teus homens aparecerão perante o Senhor teu Deus, no lugar que ele escolher: na festa dos pães ázimos, na festa das semanas, e na festa dos tabernáculos. Não aparecerão vazios perante o Senhor; (Deuteronômio 16:16)

Também Moisés lhes deu ordem, dizendo: Ao fim de cada sete anos, no tempo determinado do ano da remissão, na festa dos tabernáculos. (Deuteronômio 31:10)

Saindo ao campo, vindimaram as suas vinhas, pisaram as uvas e fizeram uma festa; e, entrando na casa de seu deus, comeram e beberam, e amaldiçoaram a Abimeleque. (Juízes 9:27)

Disseram então: Eis que de ano em ano se realiza a festa do Senhor em Siló que está ao norte de Betel, a leste do caminho que sobe de Betel a Siquém, e ao sul de Lebona. (Juízes 21:19)

De maneira que todos os homens de Israel se congregaram ao rei Salomão, na ocasião da festa, no mês de etanim, que é o sétimo mês. (I Reis 8:2)

No mesmo tempo celebrou Salomão a festa, e todo o Israel com ele, uma grande congregação, vinda desde a entrada de Hamate e desde o rio do Egito, perante a face do Senhor nosso Deus, por sete dias, e mais sete dias (catorze dias ao todo). (I Reis 8:65)

E Jeroboão ordenou uma festa no oitavo mês, no dia décimo quinto do mês, como a festa que se celebrava em Judá, e sacrificou no altar. Semelhantemente fez em Betel, sacrificando aos bezerros que tinha feito; também em Betel estabeleceu os sacerdotes dos altos que fizera. (I Reis 12:32)

Sacrificou, pois, no altar, que fizera em Betel, no dia décimo quinto do oitavo mês, mês que ele tinha escolhido a seu bel prazer; assim ordenou uma festa para os filhos de Israel, e sacrificou no altar, queimando incenso. (I Reis 12:33)

E todos os homens de Israel se congregaram ao rei na festa, no sétimo mês.(II Crônicas 5:3)

Assim naquele tempo celebrou Salomão a festa por sete dias, e todo o Israel com ele, uma grande congregação, vinda desde a entrada de Hamate e desde o rio do Egito. (II Crônicas 7:8)

E no oitavo dia celebraram uma assembléia solene, pois haviam celebrado por sete dias a dedicação do altar, e por sete dias a festa. (II Crônicas 7:9)

E isto segundo o dever de cada dia, fazendo ofertas segundo o mandamento de Moisés, nos sábados e nas luas novas, e nas três festas anuais, a saber: na festa dos pães ázimos, na festa das semanas, e na festa dos tabernáculos. (II Crônicas 8:13)

E ajuntou-se em Jerusalém muito povo para celebrar a festa dos pães ázimos no segundo mês, uma congregação mui grande. (II Crônicas 30:13)

E os filhos de Israel que se acharam em Jerusalém celebraram a festa dos pães ázimos por sete dias com grande alegria; e os levitas e os sacerdotes louvaram ao Senhor de dia em dia com instrumentos fortemente retinintes, cantando ao Senhor.(II Crônicas 30:21)

E Ezequias falou benignamente a todos os levitas que tinham bom entendimento no serviço do Senhor. Assim comeram as ofertas da festa por sete dias, sacrificando ofertas pacíficas, e dando graças ao Senhor, Deus de seus pais. (II Crônicas 30:22)

E os filhos de Israel que ali estavam celebraram a páscoa naquela ocasião e, durante sete dias, a festa dos pães ázimos. (II Crônicas 35:17)

E celebraram a festa dos tabernáculos como está escrito, e ofereceram holocaustos diários segundo o número ordenado para cada dia. (Esdras 3:4)

E celebraram a festa dos pães ázimos por sete dias com alegria; porque o Senhor os tinha alegrado, tendo mudado o coração do rei da Assíria a favor deles, para lhes fortalecer as mãos na obra da casa de Deus, o Deus de Israel. (Esdras 6:22)

E acharam escrito na lei que o Senhor, por intermédio de Moisés, ordenara que os filhos de Israel habitassem em cabanas durante a festa do sétimo mês; (Neemias 8:14)

E Esdras leu no livro da lei de Deus todos os dias, desde o primeiro até o último; e celebraram a festa por sete dias, e no oitavo dia houve uma assembléia solene, segundo a ordenança. (Neemias 8:18)

Como os dias em que os judeus tiveram repouso dos seus inimigos, e o mês em que se lhes mudou a tristeza em alegria, e o pranto em dia de festa, a fim de que os fizessem dias de banquetes e de alegria, e de mandarem porções escolhidas uns aos outros, e dádivas aos pobres. (Ester 9:22)

Tocai a trombeta pela lua nova, pela lua cheia, no dia da nossa festa.(Salmos 81:3)

O Senhor é Deus, e nos concede a luz; atai a vítima da festa com cordas às pontas do altar. (Salmos 118:27)

Os vestidos de festa, e os mantos, e os xales, e os bolsos; (Isaías 3:22)

Um cântico haverá entre vós, como na noite em que se celebra uma festa santa; e alegria de coração, como a daquele que sai ao som da flauta para vir ao monte do Senhor, à Rocha de Israel. (Isaías 30:29)

No primeiro mês, no dia catorze de mês, tereis a páscoa, uma festa de sete dias; pão ázimo se comerá.(Ezequiel 45:21)

E nos sete dias da festa proverá um holocausto ao Senhor, de sete novilhos e sete carneiros sem mancha, cada dia durante os sete dias; e um bode cada dia como oferta pelo pecado.(Ezequiel 5:23)

No sétimo mês, no dia quinze do mês, na festa, fará o mesmo por sete dias, segundo a oferta pelo pecado, segundo o holocausto, segundo a oferta de cereais, e segundo o azeite. (Ezequiel 45:25)

Aleivosamente se houveram contra o Senhor, porque geraram filhos estranhos; agora a festa da lua nova os consumirá, juntamente com as suas porções. (Oséias 5:7)

Que fareis vós no dia da solenidade, e no dia da festa do Senhor? (Oséias 9:5)

Mas eu sou o Senhor teu Deus, desde a terra do Egito; eu ainda te farei habitar de novo em tendas, como nos dias da festa solene. (Oséias 12:9)

Então todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém, subirão de ano em ano para adorarem o Rei, o Senhor dos exércitos, e para celebrarem a festa dos tabernáculos. (Zacarias 14:16)

E, se a família do Egito não subir, nem vier, não virá sobre ela a chuva; virá a praga com que o Senhor ferirá as nações que não subirem a celebrar a festa dos tabernáculos. (Zacarias 14:18)

Esse será o castigo do Egito, e o castigo de todas as nações que não subirem a celebrar a festa dos tabernáculos. (Zacarias 14:19)

Fonte: A Bíblia de Jerusalém.


 

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No. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998

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