capa

eBookLibris

ESCRITOS FILOSÓFICOS

Thiago Maia


 

Escritos Filosóficos
Thiago Maia

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital:
Documento do Autor
thiagomaiasantos@uol.com.br

© 2003 — Thiago Maia


 

Índice

Introdução
Quem é Thiago Maia?
ESCRITOS FILOSÓFICOS
   A concepção como “início” da existência humana
   Todos somos filósofos
   Você é um dialético?
   O Valor da Mística e dos Sentimentos Humanitários
   Biologismo e Sociologismo
   Razão x Emoção
   O amor
   Cada um tem a sua verdade?
   Valor de verdade e Falseacionismo
   A Verdade Absoluta
   Abolição da Pena de Morte
   Os intelectuais e o povo
   Momento histórico da educação no Brasil (e no mundo)
   Depressão, Ideologia e Capitalismo
   A reforma tributária que resolve
   Governo brasileiro, eleições, capitalismo e devaneios consistentes
   Variações bem-humoradas do “cogito ergo” ou “Penso, logo existo” (Descartes)


 

ESCRITOS
FILOSÓFICOS

[imagem]

THIAGO MAIA


 

Introdução

 

Nesse livro estão presentes alguns dos escritos filosóficos que venho produzindo desde a minha adolescência. Muitos deles foram redigidos por ocasião de discussões filosóficas no grupo Acrópolis, um grupo virtual de discussão de Filosofia, do qual fui coordenador durante dois anos. O endereço do site do grupo Acrópolis é http://br.groups.yahoo.com/group/acropolis.

Outros foram redigidos pelo fato de me interessar pelo tema em questão e também para publicação na minha homepage, que se chama “O Dialético” e cujo endereço é http://www.odialetico.hd1.com.br/.

É possível que algumas das opiniões e idéias presentes em tais escritos não sejam mais defendidas pela minha pessoa, pois uma parte deles foi escrito durante a fase de “maturação” do meu pensamento filosófico (talvez eu ainda esteja nela) e por conseguinte não represente a minha opinião atual sobre o tema. Peço também que me perdoem eventuais erros gramaticais e ortográficos, pois apesar das revisões sempre passam alguns despercebidos. Espero que gostem dos meus humildes escritos e caso queira discuti-los comigo, meu e-mail é o thiagomaiasantos@uol.com.br. Ficaria muito feliz em ler suas considerações.

E viva a Filosofia!!!


 

Quem é Thiago Maia?

Thiago Rodrigo Maia dos Santos. Nasceu em Cuiabá — MT no dia 13/06/1980. Desde então, vem procurando descobrir e adentrar cada vez mais nos mistérios da humana existência. Foi coordenador do grupo Acrópolis — Discussão de Filosofia durante 2 anos. É poeta e estudante autodidata em Filosofia. Seu pensamento como filósofo visa principalmente a defender a racionalidade e o humanismo. Trabalha como escriturário no Banco do Brasil e faz faculdade de Letras — Literatura na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Atualmente, está mais focado em assuntos místicos e metafísicos,embora continue com o sonho de poder ajudar a construir uma sociedade melhor para todos.


 

Escritos filosóficos

 

A concepção como “início” da existência humana

 

Muitas das pessoas que defendem a “legalização” do aborto têm apoiado sua opinião no fato do indivíduo (embrião) em questão ser apenas uma “expectativa” de vida humana. Em vista disso, eu argumentarei a favor da opinião de que essa “expectativa” de fato já é uma vida humana.

O Esquecimento do Ser na Metafísica Ocidental

Estranho começar a argumentação com tal tópico, porém o mesmo se justifica por estar na raiz da concepção do embrião como não sendo vida humana, além do fato, (não menos importante) de que essa doença (Esquecimento do Ser) afeta o pensar científico, filho legítimo que este é do pensar metafísico.

Em minha argumentação, não serei fiel a Heidegger e sua Filosofia da Existência, até mesmo reinterpretando à minha maneira alguns de seus conceitos, para se adequar à problemática aqui exposta. Evitarei também, na medida do possível, usar seu jargão pesaroso e hermético.

Faço-o para que a maioria compreenda meu texto, só não o simplificando mais para não perder a qualidade e o poder explicativo. Lembro a vocês que se deve tomar tais conceitos apenas como referência para o tratamento da questão do ser e do tempo. A mesma coisa vale para Aristóteles e sua obra.

Heidegger considera que a Metafísica Ocidental caracteriza-se pelo movimento que vai da totalidade aos entes e dos entes à totalidade. Nesse movimento há um esquecimento do Ser, ou seja o Ser é pensado como “presentidade”, esquecendo-se a sua dimensão temporal. Ora, o tempo, como salienta Heidegger, não se pode distinguir do ser do ente. Uma de suas teses primordiais é: “Todo ser existe se temporalizando, e se temporaliza existindo”. A existência só pode se dar no Tempo. Tal tese demonstra inclusive a falsidade de algumas cosmologias científicas que afirmam que o tempo não existe absolutamente, ou seja que o Tempo só passou a existir quando o Universo foi criado. Tal afirmação é falsa pois não importa o que tenha existido antes do Big Bang, quer sejam campos de potencialidades, ondas puras, qualquer coisa, desde que exista, está sob o jugo do tempo.

Mas como o que se almeja aqui não é discutir cosmologia, veremos como tal esquecimento do Ser impede um tratamento adequado da problemática do aborto.

A afirmação de que o embrião é uma “expectativa” de vida humana não só ignora o processo temporal da existência humana, como não dá o valor adequado a um dos estágios primordiais para que o homem possa ser o que é. A temporalidade humana envolve ser embrião assim como envolve ser bebê, criança, adolescente, adulto e velho. As diversas características que cada estágio exibe são decorrentes desse processo de temporalização do ente humano, não podendo falar de entes diferentes sobre o qual se pode fazer distinções qualitativas. A “doença” aqui (do esquecimento do Ser) consiste em pensar que se pode interromper um processo temporal somente porque um estágio é considerado abstratamente como não tendo as características “essenciais” para ser considerado como um ente humano.

A categoria aristotélica de potência como dimensão essencial da temporalidade

À temporalidade como tal, pensada no nível do Ser, impõe-se uma reflexão sobre a constituição ontológica do ente e como essa mesma constituição impõe limites ao ser futuro do ente, do mesmo modo que a constituição passada do ente foi necessária para sua atualidade ontológica.

Diz-se da criança que a mesma é um adulto em potencial, o que isto quer dizer? Quer dizer que se não ocorrer nenhum acidente que impeça seu desenvolvimento, toda criança está fadada a se tornar um adulto. O próprio ser da criança impede que a mesma se transforme em outra coisa diferente dum adulto. O ser adulto não é uma possibilidade entre outras, é da essência da criança o “tornar-se adulto”. Quando porventura não se torna, é por causa da acidentalidade à qual a essência está exposta. A potência não é só um vislumbre duma possibilidade, mas a manifestação essencial do ser do ente em sua própria temporalização. Aristóteles, com certeza, não entendeu a potência dessa forma, vítima ele também do “Esquecimento do Ser”, vendo-a mais de maneira abstrata, como aquilo que está “latente” no ser do ente, mas que não está presente em “ato” (ou seja, no ser do ente em sua atualidade). Neste texto nós tornamos mais “fluída” a distinção entre potência e ato, (criticando o Esquecimento do Ser que se dá ao pensá-lo apenas em sua presentidade) e ao mesmo tempo “essencializamos” a temporalidade, pensando a potência como um movimento concreto do ente.

A concepção como “início” da existência humana

Depois de discorrer sobre os dois tópicos anteriores, cabe agora chegar ao objetivo principal desse texto, que é demonstrar que a vida começa com a concepção, sendo o aborto um assassinato, em nada atenuado pelo fato do embrião não ter a capacidade de, por assim dizer, se sentir assassinado. Se fosse assim, poderíamos matar alguém logo depois de aplicar-lhe remédio que a deixe em coma por algumas horas (coma absoluto, sem qualquer tipo de emoção, memória, sentimentos, dor, consciência) sem nenhum problema. Matar um embrião é ainda mais grave do que matar um ser humano nessas condições, pois a este ainda foi dado a chance de viver por tempo consideravelmente superior, e o outro que viveu apenas minutos, horas, dias ou semanas? O aborto é um assassinato precoce, e além de tudo, covarde, pois a vítima não tem a menor condição de se defender.

Agora, por que diabos a existência humana teria que começar com a concepção?

Primeiro: No caso dos homens, somente quando o óvulo é fecundado por um espermatózoide é que se dá o início do processo temporal pelo qual (se não ocorrer acidentes, basta lembrar) irá se formar um homem adulto em sua plenitude, que em decorrência desse mesmo processo se degenerará.

Segundo: Quaisquer outros “estágios” apontados como sendo nestes os quais o homem realmente começa a se tornar “homem”, desvinculariam o ser do homem de sua temporalidade, sendo assim considerados inválidos, mesmo que sejam estipulados a partir de critérios “ditos” científicos. Inválidos e arbitrários, porque conforme vimos nos dois primeiros tópicos, existência e temporalidade (Ser e Tempo) se correspondem mutuamente, sendo impossível ignorar um, sem ao mesmo tempo ignorar o outro, o que é inconcebível para uma sociedade que se pretenda “esclarecida”.


 

Todos somos filósofos

“Outro ponto que gostaria de frisar é que nem todos desejam se especializar em Filosofia (nem é necessário que queiram), mas todos — repito, todos — precisamos dela. A idéia de que a Filosofia é uma espécie de jogo de superioridade intelectual para mentes superdotadas deve ser destruída. Daí a importância destes livros de introdução que são, geralmente, e igualmente desdenhados pelos especialistas e pelos leigos mais avançados”. — Joaquim Neto

 

Deixando um pouco de lado esta questão dos livros de introdução à Filosofia, gostaria de corroborar a sua afirmação de que todos precisamos da Filosofia. Certa vez eu estava em discussão particular com o professor Arturo Fatturi na qual o mesmo me alertava que “há na filosofia o perigo de se querer coordenar o mundo, orientar os destinos das nações por um caminho oriundo da filosofia, mas não parece que isto funciona. O ser humano escolhe ser ou não Facista, Nazista, etc. A filosofia poderá demovê-lo desta opção se esta pessoa acreditar na filosofia”.

Eu respondi:

“É estranho falar em “acreditar” na Filosofia, pois esta não é algo em que se acredite, mas é a postura corajosa de repensar e criticar os pensamentos que as pessoas aceitam como seus, sem a mínima preocupação de saber porque pensam assim. Os que não são filósofos, são apenas “maus filósofos”. Não creio numa filosofia orientando o mundo, mas sim, em todas as pessoas se tornando filósofos e por conseguinte se tornarem capazes de orientar o mundo e suas próprias vidas racionalmente.”

No meu discurso, eu destacaria o seguinte excerto: “Os que não são filósofos, são apenas ‘maus filósofos’”. Isto é, não há como a pessoa se livrar da Filosofia. Não importa a disposição psicológica que uma pessoa mantenha em relação à Filosofia, ela sempre será uma “filósofa” desde que tenha uma opinião, teoria, ou mesmo que faça enunciados triviais. Como Popper, já nos dizia, um enunciado trivial como “O céu é azul” já pressupõe toda uma teoria das cores e uma crença sobre o estatuto metafísico das mesmas. A única diferença dessas pessoas para os filósofos é que estes não permanecem no nível da opinião e tentam justificar suas crenças e opiniões, de maneira que seu pensamento se livre da ingenuidade do senso comum. Quem desdenha a Filosofia não passa de um ignorante de sua própria condição. O que acontece é que as pessoas acreditam saber algo que, na verdade, não sabem. Sócrates demonstrou isso a milhares de anos atrás e a situação não mudou muito. Os “ignorantes” (que não sabem que são ignorantes) ajudam a manter toda a sociedade ignorante. Biologicamente falando, as pessoas não necessitam da Filosofia. Vivem muito bem sem ela. No entanto, essa é uma vida que nos inspira mais vergonha do que admiração. As pessoas precisam da Filosofia para que não sejam vítimas de opiniões falsas ou mesmos enganados por outras pessoas e/ou ideologias. Assim como precisam dela para saberem se colocar existencialmente (definir seus projetos de vida, aspirações, etc).

Todas as questões que nos afligem só podem ser respondidas de maneira adequada pela Filosofia. Quem acha que não precisa da Filosofia e se refugia nos mais diversos dogmatismos ou põe-se a navegar ao sabor da correnteza está simplesmente agindo equivocadamente e nada mais. Por isso, difundir a Filosofia é um ato humanitário e tornar-se filósofo é um ato mais humanitário ainda, pois além de fazer um bem a si mesmo, faz para os outros, é mais um para semear e trazer sabedoria para a humanidade. Infelizmente, a maior causa dos erros e crimes da humanidade tem sido doutrinas falsas e equivocadas. Conseguir que as pessoas não acreditem mais em doutrinas falsas e equivocadas já será um grande passo. E isso se consegue com a Filosofia.


 

Você é um dialético?

 

De começo, todos somos dialéticos, pois a consciência individual é formada a partir de um processo dialético, a saber pela aquisição e pela confrontação de valores culturais pré-estabelecidos. Somente através da existência de um outro pode ocorrer a necessária auto-afirmação e a conseqüente diferenciação que nos caracteriza enquanto indíviduos em contínua formação.

No entanto, num sentido mais restrito, dialéticos são aqueles que compreendem, aceitam e sabem usar a seu favor as leis da dialética. Os dialéticos usam essas leis tanto como método para conquistar a verdade, tanto como instrumentos para mudar o mundo e a si mesmos. Poderíamos definir a Dialética como uma espécie de sistema metafísico dualista que explica a realidade a partir da luta de contrários. Porém ela é mais do que isso, ela é a própria realidade no seu desdobramento espácio-temporal. Em suma, a Dialética é uma fenomenologia.

EXEMPLOS DE DIALÉTICOS

Considerado uns dos iniciadores da dialética, Heráclito de Éfeso dizia em um dos fragmentos que restaram de sua obra que “tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”. Expressava-se de maneira contraditória, com o intuito de descrever o movimento dialético do mundo, no qual tudo é mutável e fluídico. Já Platão, discípulo de Sócrates, tentou unir a concepção heraclitiana de ser como móvel e múltiplo, com a concepção de Parmenides, que via o ser como imóvel e unificado. Estabelece-se em Platão, uma síntese dialética das idéias dos filósofos anteriores, ao afirmar que o ser é ao mesmo tempo móvel e imóvel e também que este é múltiplo e unificado. Em suma, uma concepção de ser que englobou a sua contrariedade. Plotino, uns dos principais neoplatônicos, vê a dialética como uma maneira de purificar a alma e chegar ao conhecimento das idéias eternas. Nos tempos modernos, Hegel faz de toda a história da Filosofia um movimento dialético que culminaria no seu sistema filosófico. Tese, antítese e síntese são os elementos principais do sistema idealista hegeliano. A tese é a idéia inicial, a antítese, a sua negação e a síntese decorre da resolução desta contradição numa nova idéia que englobe elementos das duas anteriores. Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels, será o fundador de materialismo dialético, o qual inverterá o sistema idealista hegeliano, postulando que não é o pensamento que determina as condições materiais, mas as condições materiais que determinam o pensamento. Karl Marx faz da dialética um instrumento de análise e crítica social, com a finalidade não de interpretar o mundo, mas de transformá-lo. A luta de classes representaria uma constante tensão social que moveria as sociedades humanas através da história. A partir dela, Marx desenvolve uma série de conceitos, tais como ideologia, alienação, superestrutura. Somente uma sociedade sem classes, poderia ser uma sociedade justa e pacífica. Vemos uma continuação do projeto crítico nas obras dos chamados teóricos de Frankfurt, (Benjamin, Adorno, Horkheimer e Habermas) os quais utilizam as categorias marxianas na crítica da sociedade contemporânea.

CONCLUSÃO

Se você não é um dialético, torne-se um: confronte de maneira crítica e imparcial, as idéias dos filósofos anteriores e monte o seu próprio sistema filosófico. Por fim, estude e aplique as leis da dialética e será capaz de compreender ao próximo e a si mesmo.


 

O Valor da Mística e dos Sentimentos Humanitários

 

Começo reconhecendo que não sou a pessoa mais autorizada para falar em mística, mas tentarei mostrar como a mística e os sentimentos humanitários se entrelaçam e também a grande contribuição de ambos para que cheguemos como indivíduos e sociedade num estágio superior ao atual.

Vejamos as definições dicionarísticas:

Conforme o Michaelis:
mís.ti.ca sf (gr mystiké) 1 Tratado a respeito das coisas divinas ou espirituais. 2 O mesmo que misticismo. 3 Ciência e arte do mistério; meio de iniciação baseado sobre a ação de Deus na alma humana. 4 Devotamento a uma doutrina.

Conforme o Aurélio:
mística. [F. subst. do adj. místico1.] S. f. 1. O estudo das coisas divinas ou espirituais. 2. Vida religiosa e contemplativa; misticismo. 3. Crença ou sentimento arraigado de devotamento a uma idéia, causa, clube, etc. 4. Essência doutrinária: a mística liberal.

No entanto, o que mais se aproxima do sentido que quero dar ao termo “mística” neste escrito é o seguinte: “Devotamento e amor pelas coisas divinas ou espirituais”. Em segundo plano, pode-se ter ainda o significado de “extâse produzido pela união com a Divindade”. Já em acordo em relação ao sentido do termo mística, avancemos mais.

A mística, como a defino, pressupõe o conhecimento do que sejam coisas divinas ou espirituais e também do que seja a divindade. Em relação ao posicionamento dos filósofos acerca dessas questões, podemos já fazer algumas cisões. Há os materialistas e os espiritualistas. Materialistas são aqueles, grosso modo, que acreditam que nada há mais no mundo além da matéria. Já espiritualistas são aqueles que acreditam na existência do espírito. Pode-se fazer algumas subdivisões:

* “Materialismo vulgar” ou “mecanicista”: explica o universo por meio de processos puramente mecânicos; “materialismo dialético”, afirma a dinamicidade do Universo, que resulta do permanente conflito de forças contrárias que se encontram latentes no seio da matéria.

* “Espiritualismo imaterialista” ou “idealista”: afirma que o espírito é a única realidade, sendo a matéria apenas uma criação ilusória do espírito; “espiritualismo dualista”: acredita na existência da matéria, e que o espírito se sobrepõe a esta.

Como puderam observar, teremos que caminhar numa perspectiva espiritualista, para chegarmos ao nosso objetivo. Embora o materialismo de um modo geral, aceite a “realidade espiritual”, ele tende a dizer que é fruto do mesmo processo material, e que portanto não cabe o nome do espírito, quando o que temos é somente um cérebro e um corpo, expostos à influência do meio e de suas próprias reações químicas. Em tese, um materialista poderá aceitar o que diremos aqui, e até mesmo desenvolver a mística, mas não terá o incentivo de contar com uma realidade de outra ordem, e sempre acabará por traduzir nossas teorias para o léxico materialista. Já o espiritualismo, por força de sua própria doutrina tem uma tendência natural no sentido de valorizar tudo o que provém do espírito. Continuarei então com o nosso propósito de explicar o que significa a “Divindade” e “coisas espirituais” ou “divinas”, dentro de uma perspectiva espiritualista.

O que é a “Divindade”?

Divindade é um termo que designa uma força de origem espiritual que está na essência de tudo o que foi dela derivado. Unindo-se com a divindade chega-se a um estado de espírito em que o próprio Universo se torna a pessoa e a pessoa, o Universo. Não há mais barreiras de ordem cognitiva entre sujeito e objeto. A própria individualidade se dissipa nessa onipresença inebriante.

O que são “coisas espirituais” ou “divinas”?

“Coisas espirituais” são valores provenientes do espírito puro. São chamadas também de divinas pelo fato de nos deixarem mais próximos de nossa essência imaterial. Quanto mais desapegado da matéria maior o grau de espiritualidade embutido. Exemplos: o apreço e contemplação das belas formas sem conotação ou desejo sexual (principalmente quando relacionado às formas do sexo oposto), a vontade de praticar o bem, o interesse pelo estudo de matérias abstratas, o gosto por atividades intelectuais, a preferência por músicas que nos inspirem sentimentos nobres e/ou cuja melodia é de uma rara beleza, a admiração por todas as obras e atos que demonstrem grandeza de caráter e espírito, etc, etc, etc.

Respondidas tais perguntas, espero que todos estejam de posse do sentido completo que quero dar ao termo “mística”, para que enfim, depois dessa pequena introdução, eu possa tratar do tema que realmente me interessa.

1. O VALOR DA MÍSTICA

A mística, que defini como “devotamento e amor pelas coisas divinas ou espirituais”, representa para os homens uma grande oportunidade de conhecerem melhor a si mesmos e adentrarem num estágio superior da existência. Primeiro, porque permite que determinadas energias psíquicas latentes em nós possam se desenvolver, com grandes benefícios para a saúde mental e equilíbrio humano. E segundo, por propiciar a interiorização, tão em falta nos dias de hoje, em que estamos preocupados somente com o exterior.

O aprendizado e o exercício da mística leva-nos ao desocultamento do Ser, assim como depura e sublima a bestialidade existente em nós. Os místicos são homens de tipo superior, repletos de sentimentos nobres que a maioria da humanidade ainda não aprendeu a cultivar. As energias psíquicas que se desenvolvem nos místicos abrem um novo campo de percepção, ou seja, começa-se a ver um mundo de uma maneira diferente, descobre-se aspectos inusitados nas coisas, permitir-nos ir além dos conceitos intelectuais no quais encerramos a realidade. A sabedoria prática cresce no indivíduo, motivada pelo desejo de harmonizar e agir conforme os valores espirituais em cada situação, respeitando os direitos e as individualidades dos irmãos de existência.

Em seu íntimo, o místico busca a Unidade, a sintonia fina com o Cosmos. Os sentimentos baixos como a raiva, o ódio, a vaidade, o ciúme, entre outros, são empecilhos que a mente cria que nos impedem de permanecer sempre em harmonia com os que nos cerca. Para que alcancemos este objetivo, devemos então buscar conhecer a nós mesmos, com o fim de compreender a razão de ser de tais sentimentos e eliminá-los da raiz de nosso ser. A interiorização cumpre bem essa finalidade. À medida em que nos tornamos mais interiorizados fica cada vez mais fácil tornar-se consciente dos mínimos movimentos de nossa mente. Tornamo-nos senhores de nossas emoções e não mais escravos.

A interiorização também propicia uma espécie de “felicidade” não causada por elementos externos. Não se é preciso mais buscar a felicidade lá fora, e por conseguinte, não se perde tanto nosso tempo precioso com ambições materiais. Carros do ano, mulheres de corpo escultural, viagens para o exterior, poder sobre os homens etc., não tem mais tanto valor como antes. Há um desapego do que é “material”, passando este a ser considerado como um mero veículo do que é “espiritual”. Com esse desapego, o nosso comportamento se torna muito mais “natural”; reduz o estresse e a artificialidade provocada pela ambição material, proporcionando uma vida psíquica e física muito saudável. Não há mais necessidade de competir com os colegas pelos cargos de chefia, de estudar arduamente para passar num vestibular concorrido, de conviver com pessoas que lhe são desagradáveis, entre muitos outros exemplos.

Quem cultiva a mística consegue, em pouco tempo, se tornar uma pessoa alegre, agradável, sábia, piedosa, etc. Em suma, um caráter que além de não trazer conflitos íntimos e doenças psíquicas, ajuda em muito a vida em sociedade e a cooperação mútua. O progresso, numa sociedade de místicos, se dá de uma forma muito mais ordenada e benéfica, sem desrespeito à Mãe-Natureza, mas proporcionando conforto e comodidade para que os homens tenham mais tempo para se dedicar às atividades do espírito. O sentido de justiça faz com que nenhuma pessoa seja explorada em benefício da outra. Todos terão igual carga de trabalho e remuneração por contribuírem ao bem comum. Em suma, uma total mudança de paradigmas, onde a competição e a exploração do homem pelo homem, darão lugar à cooperação e ao reconhecimento de que todos têm direito à felicidade.

2. O VALOR DOS SENTIMENTOS HUMANITÁRIOS

Consideramos como sentimentos humanitários todos aqueles oriundos da compreensão inata ou adquirida de que o fenômeno das outras pessoas não lhe é substancialmente diferente do seu. Ambos são uma parte ínfima do fenômeno humano. Schopenhauer nos diz que “a perspectiva dos virtuosos (aqueles dotados de sentimentos nobres e humanitários) atravessa o princípio de Individuação, o véu de Maya, no sentido em que eles consideram o ser alheio como igual ao seu e não o ofende” (“O Mundo como Vontade e Representação”, livro IV, Virtude). Daqui podemos concluir, portanto, que o egoísmo representa uma postura atrasada e equivocada, dado que, continuando com Schopenhauer “O egoísmo restringe o coração. O egoísmo concentra o nosso interesse sobre o fenômeno isolado da nossa pessoa e então o intelecto nos mostra sem trégua, os perigos inumeráveis que a ameaçam e produz, em nós, uma disposição inquieta e cheia de cuidados; enquanto a convicção de que o mesmo ser anima tudo o que vive, tanto quanto a nossa pessoa, dilata-nos a simpatia, levando-a para tudo em que palpita a vida e alegrando-nos o coração. Diminuindo o interesse pelo nosso ego, essa convicção prende-se pela raiz e tempera a nossa ansiedade. (...) O egoísta sente-se cercado por estranhos e inimigos e toda a esperança se lhe funda no próprio bem-estar. O bondoso vive num mundo povoado por amigos. O bem-estar destes últimos é também o seu. Portanto, embora o conhecimento dos destinos humanos, em geral, não seja de molde a alegrá-lo, a firme convicção de encontrar o próprio ser em todas as criaturas viventes dá ao seu humor certa uniformidade e até alegria.” (idem)

É importante ter em conta que não tratamos do “altruísmo” em oposição ao “egoísmo”, pois há uma subtil diferença entre o altruísmo e os sentimentos oriundos do respeito pela alteridade. Enquanto o altruísmo é a doutrina que considera o fenômeno do outro como mais importante que o nosso, a posição que defendemos parte de uma disposição que coloca o fenômeno de outrem no mesmo nível que o nosso. Partindo disso, deve-se criar um equilíbrio entre as ações que privilegiam e beneficiam os interesses e aspirações dos outros de maneira geral e da ações que privilegiam e beneficiam a nós mesmos.

Os sentimentos humanitários geram para quem os cultiva, uma atmosfera de bem-estar. Essa satisfação, como sabemos, é oriunda da boa-consciência. São pessoas que suportam melhor o sofrimento pelo qual porventura estejam passando, por meio da comparação com o de outrem, e pelo poder de atenuar o sofrimento alheio. As obras que tais pessoas realizam, desinteressadamente, dão ótimos e múltiplos frutos. O sentimento de gratidão fará com que tenhamos ajuda quando precisarmos. A caridade e a comiseração criam laços de afeto entre as pessoas. Amizade sincera e espontânea que nos alegra e faz bem.

Um mundo de pessoas com preocupações humanitárias, com certeza, é um mundo onde todos são beneficiados, em que o egoísmo dá lugar ao bem comum. O humanitarismo faz com que desenvolva a civilização socialista, substituindo a podre estrutura capitalista que nos rodeia. Não entendam o socialismo como “ditadura de esquerda”. O socialismo simplesmente é um sistema em que as pessoas ao invés de perseguir tão somente seu interesse pessoal, atropelando e matando a si mesmo e aos outros, direcionam seus esforços para beneficiar a sociedade em geral. Seu princípio norteador é o maior bem para o maior número de pessoas, sem com isso desrespeitar os direitos de ninguém. O bem, a verdade e a justiça são os valores que moverão tal sociedade. Por isso, não há perigo de se perder a liberdade. A consciência de que o poder emana do povo fará com que não se deixem mais dominar pela vontade de uma minoria. Tampouco a maioria oprimirá a minoria, pois se agirá eticamente, com tolerância, respeitando-se o livre-arbítrio.

3. CONCLUSÃO

A mística tem como uns dos seus objetivos a realização do Reino de Deus na Terra, ou seja, fazer do nosso planeta um paraíso divino. Nisso ela converge com os sentimentos humanitários, os quais, os místicos, por sua sabedoria e compaixão tendem a desenvolver. Que nenhum homem seja pobre, nem materialmente tampouco espiritualmente, isto é o que se almeja. Talvez os místicos se preocupem mais com o próprio progresso espiritual, mas tenham certeza que nunca se esquecem dos seus irmãos, pois os místicos têm consciência da Unidade da Criação, que é Deus.

Já as pessoas que têm consciência da unidade do fenômeno humano, do qual são simples espécimes, estão a meio caminho de desenvolver a mística. Precisam apenas abarcar a Totalidade, ao invés de tão somente a espécie humana, e trabalhar em prol do seu progresso espiritual. Já são de alguma maneira devotados às coisas espirituais, pois têm o interesse de praticar a justiça e o bem e conseguem obter satisfação com isso, em prejuízo talvez de algo material, como dinheiro e o tempo que perdem com tais ações. Vão além do seu ego e do Véu de Maya. Quem cultiva os sentimentos humanitários consegue criar ao redor de si um ambiente que facilita muito a mística, tanto para si como para os outros, que se beneficiam de suas boas ações, cuja gratidão desperta neles algo de espiritual, reconhecendo a beleza e a grandiosidade das ações humanitárias.

Conforme demonstrado aqui nesse artigo, tanto a mística como o cultivo de sentimentos humanitários se entrelaçam, proporcionando ao homem que reconhece seu valor a oportunidade de subir um degrau na escada de sua evolução pessoal, assim como propicia a felicidade e bem-aventurança a si mesmo e aos que estão ao seu redor. Em suma, ambos representam algo de benéfico e devem ser buscados por todo ser humano.


 

Biologismo e Sociologismo

 

Quem está razoavelmente informado sobre o que ocorre atualmente no meio científico e filosófico, sabe da “contenda” que há entre biologismo (ou geneticismo) e sociologismo. E esta não é uma “contenda” que está muito longe do nosso cotidiano. Um membro do grupo Acrópolis, John Constantine com sua definição de desejo como biológico, (na mensagem enviada em 28 de Março de 2000) toma partido nessa questão pelo biologismo.

Primeiros pontos a tocar: Todo biologismo é “perigoso” do ponto de vista político porque tende ao “inatismo” e ao determinismo e assim sendo, pode fundamentar ideologias racistas e estimular o conflito e a “competição” entre os indivíduos. Já o sociologismo tende ao construtivismo e ao indeterminismo e tem uma perspectiva mais “tolerante”.

Do biologismo pode-se dizer também que é um “fisicalismo” adaptado ao ser humano enquanto ente biológico. Como Jurandir Costa Freire disse em um artigo escrito à Folha de São Paulo: “Assim como aprendemos a ver-nos como seres que falam e agem segundo intenções moralmente dirigidas podemos aprender a ver-nos como feixes nervosos que reagem à estímulos mecânicos ou neuroquímicos.” É estranho que isso aconteça ainda hoje, pois a posição fisicalista como doutrina metafísica e científica já está meio superada, mas continua tendo força na biologia. Basta citar o epifenomenismo, (doutrina que considera a mente e o cérebro como essencialmente a mesma coisa) que mesmo sendo refutado por Bergson, em seu Matiére e Memoire ( Matéria e Memória) ainda persiste como doutrina corrente entre os neurologistas. Diante desse estado de coisas, só no resta lamentar a incompletude e o reducionismo dessa postura, que já levou a casos extremos, como nos diz Jurandir Costa Freire no mesmo artigo: “Um dia, para os que não sabem, a psiquiatria criou “regicidas”, “loucos morais”, ou “criminosos natos” reconhecíveis pelo rosto, pelo tamanho do crânio, pelo peso do cérebro e tudo isto “cientificamente comprovado”. Tais idéias caducaram e nenhum ganho moral surgiu dessa definição do sujeito enquanto realidade biológica. Hormônios e genes não criam valores. Não sabemos o que é sofrer porque conhecemos a físico-química da serotonina; temos interesse no conhecimento da serotonina por que sabemos o que é sofrer. Da mesma maneira, só temos interesse em conhecer “genes de homossexuais”, porque discriminamos moralmente pessoas que amam outras do mesmo sexo biológico. Sem isso, essa pesquisa seria absolutamente inútil e sem sentido.”

Já o sociologismo tende a explicar o homem como membro da coletividade, e assim tendo suas preferências, desejos e motivações influenciados profundamente por esta. Alguns, a explicar isso, chamam-lhe “desconstrução”. Diz, entre outra coisas, que Deus foi “inventado” e expurga o caráter transcendental das instituições sociais, como o Estado, a Família e a Lei. Uns dos efeitos colaterais é que ela tende ao relativismo e dá um caráter “artificial” a muitas de nossas crenças. A influência biológica é quase que desconsiderada. Se levada ao extremo, a doutrina pode vir a ser um argumento para a doutrinação até mesmo levar o indivíduo a perder o contato com o mundo “real” como acontece no romance “1984”, de George Orwell.

No fundo trata-se da velha oposição entre o mundo da natureza e o da cultura. Tirando-se os radicalismos, a grande maioria dos cientistas e filósofos consegue perceber a “dialética” presente aí. O problema é saber o que prepondera em cada indivíduo e também como lidar com isso.


 

Razão x Emoção

 

Sempre se pensou a emoção como o radicalmente “outro” da razão, mas creio ser este um grande equívoco. Realmente é impossível conhecer alguma coisa sem o sistema límbico, mas isto não representa nenhum decréscimo para a razão. A emoção, de acordo, com Rubem Queiroz Cobra, está presente em todos os atos psíquicos. Transcrevo aqui um trecho do seu “Filosofia do Espírito” que exemplifica bem isso:

“Emoção é a concorrência ou soma dos quatros tipos de intuição nos estados mentais da pessoa. É um processo que se dá ininterruptamente, porém a emoção somente se torna notável quando existe um grau de preponderância da intuição sentimental e de seus comportamentos vinculados de ataque, fuga ou contenção.

Emoção é então cada momento na história do indivíduo. Em cada um desses instantes, o estado fisiológico existente dá a intensidade da ação e o modo interpretativo de tudo com que ele se depara.”

A separação entre razão e emoção é artificial e desnecessária, foi ela quem transformou a racionalidade em quase que estritamente “instrumental, e permitiu que “racionalistas” na vida científica fossem “irracionalistas” na vida pública e sentimental. Se desde o início não houvesse essa separação, as coisas seriam muito diferentes. O mundo não seria viciado por uma práxis irracional e as pessoas se sentiriam mais completas e realizadas. Essa separação, ao contrário do que se pensa, beneficia mais os irracionalistas do que os racionalistas. Vejamos o que Adauto Novaes, filósofo e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Funarte nos diz:

“Vemos que, ao longo da história, foram sendo criados conceitos para se contraporem à razão. Estes contrapontos produziram imagens de razão que, em última instância, levam à negação da própria idéia de razão, abrindo, desta maneira, caminhos para as crises.”

Continua o texto, alertando os “racionalistas”:

“Em toda determinação racional existe uma margem de indeterminação, um dado ainda a determinar, certamente provocado pelo oposto da razão, criando o movimento ou passagem de uma razão latente à razão manifesta. São experiências racionais e imaginárias desfeitas e refeitas no curso do tempo. Ora, a razão não é a autonomia plena que existe fora do seu contrário, mas uma autonomia que se constitui no triunfo sobre cada um dos contrários, não fugindo deles, mas lutando com eles e submetendo-os. Este é o movimento que permite a criação permanente e concreta da razão, uma vez que ela não cessa de ser interrogada pela presença do termo suprimido. Estamos, pois, diante não de um conceito racional instituído, mas de um pensamento em ação, uma razão “instituinte”, que existe não apesar dos contrários, mas graças também à ação destes contrários.”

A racionalidade tem que ser total, mas não totalitária, devemos “racionalizar” ao máximo nossos desejos, instintos, sentimentos, mas nunca querer uma razão “pura”, livre de influências corporais e inconscientes. E por que “racionalizar” ao invés de deixar tudo como está? Simples, porque somente assim seremos mais do que mero fruto do acaso e donos de nossa própria personalidade. A razão é uma ferramenta de libertação que não pode nunca ser dispensada. As críticas à razão feitas até agora só se basearam em conceitos reduzidos de razão, mas esta de que falo é ampla, permeia toda a vida. Eu considero até a intuição como uma das possibilidades da razão, pois esta nada mais é que uma “razão” potencializada pela imaginação e pelo “instinto”, ou mesmo uma “organização superior” dos conteúdos da consciência, que a faz ficar além do discurso humano, na sua concepção mística. Nos dois casos, a razão está presente. Querer separar a razão dos outros atributos humanos é um erro. Husserl já dizia “estamos diante de dois possíveis: ou a racionalidade ou o caos”.


 

O amor

“O que leva alguém a amar outro alguém? Pode ser muita coisa, desde a simples atração física até uma obsessão”. (Jonh Constantine, grupo Acrópolis, 11/03/2001)

 

É preciso, antes de tudo, saber o que significa “amor” e “amar”. Não se trata de mostrar como esses termos são usados pelas pessoas na linguagem cotidiana, mas de “delimitar” um campo próprio, ou mesmo defender uma teoria substancial acerca dos mesmos. Não nos interessa uma teoria puramente descritiva, mas uma tomada de posição.

“Amor” é substantivo, “amar” é o verbo. Quem surgiu primeiro? À par de especulações etimológicas, a predominância lingüística, pelo menos nesse caso, é do verbo. Senão vejamos: O amor é o nome dado a um sentimento. Um sentimento é algo que se sente. Logo, o amor é o nome dado a algo que se sente. Este “o que se sente”, mostra que a referência implícita é um verbo. Passemos a estudar o verbo “amar” que chegaremos ao substantivo “amor”.

Quem ama, ama alguém ou alguma coisa. Quem sente, ou simplesmente sente algo, ou sente algo por alguém ou por alguma coisa. Apesar de ter o objeto direto na sua forma original, ao se substituir o “amar” por “sentir amor”, este se transforma em objeto indireto, pois quem sente amor, sente amor por alguém ou por alguma coisa. Sendo assim, ele não está incluído na modalidade de sentimentos que dizem respeito somente a nós mesmos, (exemplos: o prazer, a dor, a alegria, etc), mas na modalidade dos que envolvem alguma relação com qualquer outro ente (sejam estes objetos ou seres humanos). Nestes se incluem o ódio, o ciúme, a inveja, a admiração, etc. Tal relação freqüentemente traz consigo um “juízo” (ou no mínimo, uma percepção condicionada) sobre o objeto ou pessoa com o qual o “eu” se relaciona. Este juízo pode ser parcial ou imparcial, verdadeiro ou falso. Acrescentando-se a reação emocional que teremos em frente de tal juízo, se verá formada a maior parte desse tipo de sentimentos.

Observado isto, constatamos que no uso corrente da palavra “amor”, a mesma não se refere a um sentimento em especial, mas a um conjunto de sentimentos. Dizemos que amamos nossos familiares, dizemos que amamos nosso país, dizemos que amamos nossos amigos, dizemos que amamos nossos namorados, dizemos que amamos nossos animais de estimação. A maioria tem por certo que não é o mesmo sentimento, por exemplo, o amor aos pais e o amor aos namorados. Ou seja, não se trata de um único sentimento cuja variação acidental se dê em função de seu objeto. Todos esses sentimentos que se costumam chamar de amor têm traços em comum, sem dúvida, mas como a natureza da relação entre os entes citados é fundamentalmente diferente, assim também será o sentimento que lhe diz respeito.

Portanto, pragmaticamente pode ser adequado até falar em amor desse modo, pois consegue se compreender que sentimento se tem em vista quando está evidente o objeto do nosso amor e por conseguinte a natureza da relação que mantemos com ele. Porém, do ponto de vista filosófico, cabe restringir a nossa análise a um determinado sentimento, que melhor represente o substantivo amor.

Tratemos então do sentimento que se convencionou chamar de “amor romântico”. Escolhemos este, primeiro, por ser o mais vivaz na consciência e o mais célebre na literatura, e segundo, pelo fato de que os outros sentimentos que o uso corrente da palavra amor abrange estão mais próximos da amizade, da estima e do bem-querer. Posto isso, comecemos por definir tal sentimento:

O “amor romântico” é aquele que envolve o desejo de uma relação íntima com determinado ser ou de sua permanência, quando já existente. Esta relação íntima pode-se entender tanto no sentido “carnal” como num sentido mais idealizado, ou por assim dizer, “espiritual”. Embora possamos ter intimidade em nossas amizades, elas estão sempre num nível mais superficial, não chegando, por exemplo, às vias de fato (sexo) ou ao exagero de consideramos a outra pessoa como uma parte de nosso ser. A intimidade, considerada numa relação de amizade, é decorrente do companheirismo. Há ainda de se ter o cuidado de não ser incluir aqui, a intimidade contigente que decorre de certas situações, como o ato sexual com pessoas que nos são estranhas e/ou que não temos nenhum vínculo afetivo-emocional, onde, por exemplo, devemos entrar em contato carnal com essa pessoa somente com o fim de experimentar o prazer que provém do ato em si, que é o que objetivamente buscamos ao praticá-lo.

Cabe agora responder por que queremos nos relacionar intimamente com outras pessoas. Tal resposta servirá também para a pergunta “O que leva alguém a amar outro alguém?”, do colega John Constantine, móvel de nossa investigação até agora.

Uma resposta natural e correta seria que desta extraímos benefícios e vantagens que provavelmente compensarão em número e/ou qualidade, os dissabores ou prejuízos que porventura possam ocorrer na relação ou em virtude da mesma. É uma opção que fazemos em vista do que consideramos ser o melhor para a nossa vida. Isto de “escolher o melhor”, já pressupõe determinados juízos (Não confundir com o juízo acerca da pessoa amada, pois este leva em conta as conseqüências do relacionamento). Há a necessidade de se observar o que consideramos bom ou ruim, certo ou errado, conveniente ou inconveniente para estabelecermos tal parâmetros para a escolha. Todas essas noções, consideradas de um ponto vista psicológico e individual, estão permeadas pelo modo de vida e visão do mundo dos seus respectivos detentores. Por certo, todos teremos que as pessoas tem diferentes motivos para adentrar nessa espécie de relação, mas o fazem (ou pelos menos o deveriam fazer) de acordo com as suas próprias convicções sobre o que considera bom e desejável para si mesmo.

Portanto, o que leva “alguém” a amar “outro alguém” não são outros sentimentos, mas uma predisposição que leve em conta a conveniência de se amar. A idéia, que John Contantine parece defender, que a atração física, a obsessão e demais sentimentos possam levar ao amor está baseada na mera anterioridade psicológica destes, pois como já foi demonstrado, estes não tem nenhum vínculo causal com o amor e sendo assim, tal idéia deve ser descartada como falsa. O que vem antes nem sempre é causa do que vem depois, principalmente quando se trata de fenômenos da consciência.

De posse de tal resposta, passaremos a desenvolvê-la paralelamente com outros temas, já que esta apesar de correta, permanece num nível muito geral e abstrato. Começaremos pelo tema do meu primeiro e-mail falando do amor.

AS PESSOAS SE ENGANAM SOBRE O AMOR

A Atração física

Quem só sente atração física por outra pessoa não pode dizer que a ama. Isto porque apesar da atração física abarcar o desejo de se envolver com outra pessoa, não podemos dizer que este envolvimento seja de natureza íntima, como é no “amor romântico”. Os benefícios que se oriundam dele, tal como o prestígio social, ter em seu campo de visão um belo corpo, liberar seus impulsos sexuais, etc, não necessitam para seu usufruto de nenhuma intimidade, mas tão somente de andarem e viverem juntos mantendo as aparências e a possibilidade de se fazer sexo com a outra pessoa. Decerto, sexo, com alguém que sentimos atração física é mais prazeroso do que com alguém por quem não sentimos nada, mas não é tão satisfatório como quando amamos tal pessoa. Uma prostituta bonita excita mais, mas não difere essencialmente de uma “sem-sal” ou feia.

Cumplicidade de interesses e/ou sua respectiva convivência harmoniosa

A relação baseada na cumplicidade de interesses e/ou na sua respectiva convivência harmoniosa não abarca também a intimidade e muito menos a esfera emocional, que a atração física ainda tem a vantagem de comportar. Ela própria está assentada em bases egoístas e o seu conteúdo é superficial. Ela prescinde que se sinta atração de qualquer espécie por essa pessoa para se consumar esta relação. Basta que tenham objetivos convergentes. Não é necessário que haja amor. É como no exemplo citado anteriormente, onde se falava da relação carnal não-íntima, na qual o ato sexual é praticado apenas pelo prazer que provoca. Você está atrás de sexo e encontra uma pessoa que queira fazê-lo, pronto, não precisa de mais nada. Você a toma como objeto e ela provavelmente o tomará como objeto; a eqüidade estará mantida na relação, não cabendo reclamação de nenhumas das partes. Da mesma forma, você pode procurar pessoas para outros fins que não o sexo, tais como: morar junto, sair junto, ouvir palavras carinhosas e de consolação, ter alguém que sirva de “empregada doméstica”, a ascensão profissional e financeira, e por aí vai. Se alguma tem desejos semelhantes ao seu e que vão de encontro ao seu interesse, assumirão um contrato implícito que tem em comum a satisfação de seus desejos.

A cumplicidade de interesses nem sempre é desejável, por isso que inclui a convivência harmoniosa dos mesmos, (esta sim, sempre desejável), pois algumas pessoas são de tal natureza que somente um contrário pode-lhe ser conveniente. Um preguiçoso não quererá uma “pessoa preguiçosa”, mas uma que seja “trabalhadeira”, com o fim de sustentar a sua preguiça. Uma pessoa que goste de bater nos outros não quererá uma que lhe bata, mas uma que goste de apanhar. Assim, o princípio se mantém correto, dado que o essencial é que neste se considera a relação como meio para atingir um fim completamente alheio à mesma e profícuo aos dois que a mantém.

O Sentimento de Posse

Basicamente aqui se considera o outro como um objeto que está a seu bel-prazer, constantemente sujeito aos seus caprichos. Dificilmente se chega a esse extremo, que é o seu grau máximo, mas vai flutuando entre seus graus intermediários. O que norteia tal sentimento é a noção reificante da pessoa como propriedade. Em suma, queremos mandar nela, tirar proveito dela e não queremos que ninguém a tire de nós, senão nos consideraremos roubados. De maneira alguma, isto pode ser considerado amor. Seu nome correto é “vontade de poder”.

A GRAMÁTICA DO AMOR

Recuperando o que já foi dito anteriormente, temos que o “amor romântico é aquele que envolve o desejo de uma relação íntima com determinado ser ou de sua permanência, quando já existente.” Também ficou estabelecido num plano geral que as pessoas ao amar têm como expectativa as possíveis vantagens provenientes de tal ação. Defendeu-se ainda que o amor abarca juízos tanto acerca do objeto amado, como sobre as consequências do relacionamento. Exatamente isto é o que condicionará a variabilidade de sua manifestação. Erroneamente, em texto anterior eu restringi o amor à uma situação de reciprocidade das paixões. Não é o caso. Não precisamos que a outra pessoa nos ame para amá-la. Basta que, em nosso íntimo, nos sintamos ligado à essa pessoa. A reciprocidade está inclusa somente no caso da gramática da expressão “nós nos amamos”. Tal erro pode ser perdoado se tivermos em mente que eu me referia tão somente a uma das mais sublimes e completas manifestações do amor, que justamente é exprimida pela gramática do “nós nos amamos”, como mostrarei daqui a pouco em minhas explanações.

Uns dos cuidados que se deve tomar antes de prosseguirmos é que este não é um processo necessariamente consciente e racional, ou seja, que toda pessoa antes de amar especula sobre a conveniência ou não de se amar. Deveria ser assim, mas quando não é, ou indica que estamos agindo irracionalmente ou apenas significa que fomos movidos a isso por uma força superior à nossa que, conforme às nossas crenças, poderemos chamar de instinto natural ou de uma necessidade intrínseca à essência do ser humano. Nesse caso, apenas há uma mudança do sujeito que delibera: na primeira opção são nossos genes, e no segundo, Deus. Por questões de espaço e tempo, não trataremos desse tema nessa mensagem.

“‘X ama Y’

Para tal expressão ter sentido completo, precisaremos, de acordo com nossas considerações anteriores, de nos fazer três perguntas:

Quem é esse “X” que ama?

Quem (ou o que) é esse “Y”, objeto do amor X? Por que X ama?

Cada resposta a uma dessas perguntas ajudará a responder a outra. Como não poderia deixar de ser, todas contém a alguma referência a “X”, o sujeito sob o qual se centraria o fenômeno psicológico do amor. As razões pela qual X ama, nos darão algumas pistas sobre o que constitui o seu ser, e vice-versa. O ser de X também nos pode indicar o que X ama, assim como o contrário. Para completar, também o que X ama estará relacionado com as razões pelo qual ele ama.

Para ilustrar a questão, tomemos por “X” Roberto, um hipotético jovem de 17 anos, brasileiro, de classe média alta; por “Y”, Gislaine, uma também hipotética jovem com idade de 19 anos, brasileira, de classe média alta. Roberto ama Gislaine, mas Gislaine não ama Roberto.

Por que Roberto ama Gislaine? Ama-a principalmente porque a julga detentora de uma portentosa beleza. Considera que tal amor lhe dá prazer estético e o faz feliz, visto sua afinidade com a beleza.

Levemos em conta ainda que tal sentimento não é uma mera atração física, já que a beleza de tal garota não provoca nele desejos sensuais. Diria-se ainda, muito propriamente, que na verdade, o objeto do seu amor não é a garota, mas a beleza que acidentalmente ela tem. No entanto, isso não vem o caso agora, o importante é que o amor verte-se especificamente àquele objeto neste preciso momento.

Como há duas definições possíveis de “amor romântico”, enquadremos tal sentimento numa delas mediante determinada situações.

1 — O amor de Roberto como aquele que envolve o desejo de uma relação íntima com determinado ser.

a) Roberto procura “seduzir” ou convencer Gislaine a namorar com ele.

b) Roberto quer namorar Gislaine, mas não faz nada neste sentido, por razões diversas.

c) Roberto, dado à negativa de Gislaine, tenta fazer com que seu amor se eleve ao ponto de não precisar mais de nenhuma esperança de contato físico para que seja alimentado. Seria o chamado amor platônico.

2 — O amor de Roberto como aquele que envolve o desejo que permaneça a relação íntima que mantém com determinado ser.

a) Gislaine “deixa-se” amar por Roberto e por isso, passa a namorar com ele.

b) Gislaine apaixona-se por Roberto e namora com ele.

c) Roberto, sabendo que Gislaine nunca quererá namorar com ele, ou não lhe interessando o contato físico, ama-a no “mundo das Idéias”, sente a beleza dela como parte de seu próprio ser, retém aquela bela forma no pensamento e com ela se compraz e delira em sua contemplação.

O “destino” desse amor, como podemos ver está tão ligado à sua situação concreta, como às condições que o possibilitaram. Se o juízo de Roberto acerca da beleza de Gislaine mudar, este se acabará ou tomará outra forma, assim como se o Roberto mesmo mudar ou se as razões que o fizeram amar não forem mais suficientes para a continuidade de tal sentimento.

“Nós nos amamos”

(ou X ama Y e Y ama X)

Num primeiro instante, se têm a impressão de que apenas teremos de fazer o trabalho anterior duas vezes efetuando a troca do sujeito pelo objeto direto. Mas aqui vemos nos envolvido em novas dificuldades, pois como já disse em outra mensagem, muito raramente nos estágios iniciais da relação, (para muitos, nem nos estágios finais) o “Y” que o X ama é uma pessoa, mas quase sempre algo que esteja presente nesta pessoa. O que acontece então é que quando Roberto ama a beleza de Gislaine e Gislaine ama a inteligência de Roberto não ocorre a reciprocidade e nem poderia ocorrer, pois é impossível que, por exemplo, Roberto possa amar a beleza de Gislaine e a beleza de Gislaine possa amar Roberto (X amar Y e este mesmo Y amar X). A reciprocidade só é possível entre pessoas. Por isso tanto X como Y obrigariamente devem ser pessoas e não objetos de qualquer espécie.

Há uma tendência inerente da consciência à reificação (contingência de não percebemos os outros seres humanos como “sujeitos”, mas sim, como meros objetos) que pode ser diminuída em seus efeitos pelos esforços que fazemos ao procurar saber o máximo possível do ser de outrem, talvez até mesmo penetrar em sua intimidade. Sabemos, sem dúvida alguma que, embora nunca deixem de ser objetos para nós, são sujeitos para si mesmos e isto constitui razão suficiente para nos preocuparmos e termos consideração e respeito para com eles.

Em meu e-mail de 11 de março de 2001, constatei que “o amor pela beleza do corpo, por ser agradável aos sentidos e algumas vezes despertar o desejo sexual, tende a ser o predominante”. Disse também que, embora mais raro, se pode amar determinada(s) qualidade(s) presente(s) na personalidade da pessoa (tais como a simpatia, a sensibilidade, a inteligência, o senso moral, etc.) Conclui que tal amor é inconstante, pois “se porventura, amamos a beleza corporal de uma pessoa, logo quando tomarmos consciência de que existe uma outra como uma beleza mais portentosa ainda, deixaremos de amar esta, e passaremos a amar a outra. Assim como, se amo a inteligência de uma pessoa, logo que encontrar outra ainda mais inteligente, acontecerá o mesmo processo.”

No entanto, esqueci de comentar que as pessoas podem não amar determinada qualidade ou característica em especial, por levarem em consideração o que decorre de todas elas. Nesse caso, elas amam um “conjunto” encontrado numa pessoa em especial, mas que decorre do seu ajustamento a certo modelo. O perfeito exemplar deste modelo é o “príncipe encantado” dos contos de fada, que ainda hoje permanece no imaginário feminino, sendo constantemente atualizado e adequado aos gostos e padrões de cada “princesa”. Como tal modelo ideal não encontrará correspondente perfeito, a “princesa” amará o que mais se aproximar disto. Um exemplo particular: Gislaine imagina seu “príncipe encantado” sendo composto de características e qualidades que considera imprescindíveis tais como: a beleza física, a gentileza, a sensibilidade, a educação, a força, a inteligência, a coragem, etc. No mundo real, possivelmente ela não encontrará quem possua todas, mas tão somente uma parte. Terá que escolher então quem possui o “conjunto” mais harmonioso com o que o foi imaginado por ela. Aqui, como nas situações anteriores, não se ama a pessoa, pois logo que encontrarmos outra cujo “conjunto” contenha maior grau de adequação ao modelo ideal, deixaremos de amar esta e passaremos a amar a outra. O que disse em minha mensagem anterior e completei agora, deixa bem evidente esta nossa condição de, na maioria das vezes, amarmos antes “objetos” do que sujeitos (pessoas). Principalmente quando se tem somente um conhecimento superficial da outra, isto se torna muito difícil de ser superado. Felizmente, mesmo que inicialmente um ame a beleza da outra; e esta outra, a inteligência do um, a intimidade que vai surgindo no decorrer do relacionamento abranda esses laços reificantes. Se tudo correr bem, chegará a um estágio que mesmo as máscaras que usamos no dia-a-dia podem ser tiradas em frente da pessoa amada. Ainda que não tiremos, a ela consegue entrever o que está atrás das máscaras. Vai se revelando, então, pouco a pouco, o ser do outro. Com isto a relação se aprofunda, e se viermos a amar este ser que se mostra, talvez até mesmo passemos a considerá-lo como extensão do nosso ser. A gramática do “Nós nos amamos” (X ama Y e Y ama X), que se exprime através do amor recíproco entre as pessoas, então se apresenta como uma das mais belas, sublimes e completas manifestações do amor romântico. A sua raridade, mais a pureza e a intensidade das emoções que o rodeiam fazem dele qualquer coisa de sagrado. Sentimo-nos à vontade e felizes quando permeados por este sentimento. É um amor que liberta, não que aprisiona. Quem o experimentou, sabe muito bem. A reciprocidade faz com que ambos sejam protagonistas em uma estória onde cada um aprende a amar e a lidar com o outro, tendo-se em consideração a sua dimensão puramente humana. Isto faz com que a intimidade atinja graus nunca d’antes imaginados na gramática do “Eu amo” (X ama Y). Sendo esta relação mais íntima, também deverá ser mais amorosa, de acordo com a definição de amor romântico que lhes apresentei. Além disso, a gramática do “Eu amo” é mais inconstante, tanto no que diz respeito ao seu objeto, como o próprio sentimento, que é vítima de sobressaltos e contradições (Amor é fogo que arde sem ver, ferida que dói e não se sente...) de tempos em tempos. Como o que é constante está mais próximo da perfeição, por necessitar de menos movimentos, assim também se dá com o amor.

O DESABROCHAR DO AMOR

Meu pensamento sobre o amor não foi corretamente compreendido nas duas mensagens que escrevi de próprio punho sobre o tema. Isto mais por culpa de quem vos escreve, do que pelos senhores. Até mesmo reconheço que a primeira mensagem tem alguns equívocos e imprecisões. Nessa mensagem acredito já ter esclarecido alguma coisa.

Não defendi que o amor seja algo independente de “tudo o mais”. A experiência mostra o contrário. Apenas tentei distinguir o amor de outros sentimentos com o qual as pessoas o confundem. Isso não impede que por vezes, na complexidade de nossa vida psicológica, esses sentimentos não possam se misturar. Freqüentemente, é isso que acontece. Não há nada de errado, por exemplo, em se sentir atração física por outra pessoa e amá-la ao mesmo tempo.

Nem mesmo se fosse o caso apenas de sentir atração física, tal seria motivo de censura. Quem de nós não tem sentimentos “baixos”? A real baixeza consiste apenas em permanecer com eles. Podemos começar sentindo atração física por uma pessoa, depois amar a beleza desta e ulteriormente, até mesmo quem sabe, amar a pessoa. Eu mesmo já comecei ainda pior: queria alguém para “ficar” não importasse quem fosse, apenas pelo prazer de “ficar”. Consegui e “ficamos” não só naquele dia, como em outros. Como me sentia muito sozinho e carente, achei conveniente que tivesse alguém para namorar e perguntei se ela queria namorar comigo, mas até então não sentia nada por ela. Somente depois de algum tempo de namoro é que passei a amá-la.

O que é importante perceber é que por si só, isto não evolui, podendo permanecer por tempo indefinido neste estágio. Repetindo, nem a atração física nem uma obsessão pode levar ao amor, já que esta progressão em direção ao amor se dá por motivos exteriores aos mesmos. Aqui conforme o que eu já disse em outra mensagem, a pessoa por não sair deste estado, poderá chamá-lo, equivocadamente, de amor, o que não é próprio nem correto.

Outro engodo em que as pessoas costumam cair tem a ver com as armadilhas da linguagem. A fórmula “X ama Y”, onde tanto “X” como “Y” são nomes próprios ou equivalentes, que as pessoas usam no cotidiano, tendem a significar outra coisa inteiramente diversa. Assim como quem diz “Eu amo Camões”, está na maioria das vezes querendo dizer que ama a poesia de Camões, quem diz “Eu amo a Nicole Kidman”, está querendo dizer que ama a beleza (ou outra característica) da Nicole Kidman. Isto com certeza vale para maioria de tais expressões, só que muitas vezes não se entende, ou no mínimo se dissimula. Muitas vezes nem mesmo quem proferiu a frase sabe disso, o que é deveras impressionante. Por isto, meu caro Joaquim Neto, o que faz uma pessoa amar outra, não é a beleza dessa pessoa ou algumas virtudes que consideramos admiráveis ou mesmo valores que compartilhamos. Isto é precisamente o que a pessoa ama. No entanto, talvez eu esteja lhe interpretando mal. Pode ser que você queira dizer o seguinte: “Thiago, como uma pessoa pode amar a outra senão através de algum(ns) atributo(s) particular(es) que esta tenha?”

Respondo: Não digo que não se deve levar em conta os atributos particulares de determinada pessoa, mas apenas alterar o foco que se dá a estes. Sem dúvidas, são importantes na hora de nos perguntarmos se devemos ou não amar alguém. Não queremos certamente piorar nosso estado. Por isto, falo por mim, antes de amar uma pessoa chata, ciumenta, implicante, entre outras características indesejáveis, melhor seria não amar ninguém. Assim seria com cada um de nós, de acordo com os motivos que temos para nos relacionarmos intimamente e o que esperamos desse relacionamento, rejeitaríamos aqueles cujas características se afastassem disso. Mas isso não quer dizer que amemos as qualidades que não rejeitamos, mas apenas que estas nos são agradáveis ou no máximo, indiferentes, ao passos que as outras fazem do relacionamento algo indesejável. Talvez possa ocorrer que ao conhecermos ao fundo determinada pessoa, podemos amá-la pelo seu ser.

“O sentimento é o espelho da alma”. O estágio em que está o “amor” que sentimos indicam, regra geral, o nível de ser em que estamos no momento. A frase de Leibniz: “Amar é colocar nossa felicidade na felicidade do outro” talvez não possa ser levada como um conselho, mas com certeza descreve com alguma propriedade, um ideal de amor baseado na abnegação e na grandeza de espírito.


 

Cada um tem a sua verdade?

 

Uma asserção relativística que se torna cada vez mais comum é a de que “cada um teria a sua verdade”. Parece-me estranho que as pessoas aceitem isso sem crítica, sem examinar o conteúdo filosófico da asserção para ver se a mesma seria plausível (e não é plausível, isso veremos depois). O senso comum geralmente dá uma interpretação permissivista e democrática a essa asserção, pois a tem como forma de assegurar a tolerância e o respeito à diferença. Ele acha que assim “religiosos”, “negros”, “gays”, “hippies” e etc. podem exercer sua identidade e viverem sua vida sem medo de serem recriminados, pois “cada um tem sua ‘verdade’ (no sentido de visão de mundo) e todas as formas de vida e viver devem ser respeitadas”.

Eu mesmo, já cheguei a pensar várias vezes que não passava de “um velho poeta melancólico um pouco idealista” que não tinha o direito de criticar ninguém. Frente aos outros homens e a “dura realidade” me considerava apenas um “ressentido” que queria prolongar esse “ressentimento” a outros para os quais esse mesmo “ressentimento” não fazia sentido. Felizmente, a razão sempre me voltou, e eu percebia que essa era apenas uma desculpa para se desistir da luta por um mundo melhor.

O que faz com que esse pensamento ainda seja considerado válido é sua imbricação com a utilidade política proveniente de sua aceitação. Mas mesmo considerando tal critério não me parece plausível dizer que “cada um tem a sua verdade”, melhor seria dizer (embora ainda não fazendo justiça) “cada um tem a sua mentira” pois já que tudo é falso, aceitemos as mentiras que melhor se adequem aos nossos interesses, e ao mesmo tempo reconheçamos as “mentiras” de nossos irmãos, que compartilham da mesma mísera condição. Tudo é mentira, e nós só aceitamos a ciência porque ela é uma mentira útil para nós.

Mas não pode ser assim, pois quem crê em Deus, por exemplo, admite que os outros tenham outros verdades, mas não admite que a sua seja mentira. Assim como os ateus, que até podem admitir que alguém acredite em Deus, mas não admitem que esse exista (o que implicaria em dizer que sua visão de mundo estava errada). Em suma, o que se objetiva com a idéia de que cada um tem sua verdade é que outro tenha permissão para errar. Mas permanece uma contradição, pois a verdade do ateu implica na falsidade do religioso (e vice-versa), e o agnóstico (ou o relativista) então fica num beco sem saída, pois mesmo que não seja possível saber se Deus exista ou não, fica patente que existem algumas “verdades” que são mentiras, o que leva abaixo a teoria de que “cada um teria sua verdade”.

Alguém ainda pode objetar (falaciosamente) que não se trata de crenças particulares, mas de “paradigmas”, “visões de mundo” que não podem ser confrontadas (como se estas fossem mais do que um complexo de crenças particulares socializadas). À esses replico, os “paradigmas” que fazem um homem ter uma moral ascética, ser trabalhador, civilizado etc. são incompatíveis com os “paradigmas” que fazem um outro: ser libertino, (transar com homens, mulheres, animais, familiares), ser contra o trabalho (por considerá-lo inútil e embrutecedor do homem), ser contra a civilização. Os “paradigmas” entram em confronto, pois não é possível que ambos estejam “certos” ou sejam apenas “diferentes”. Aqui fica bem claro que se as “visões de mundo” não devam ser confrontadas (pelo menos, em teoria), elas efetivamente o são pelos que compartilham de paradigmas diferentes. Aqui a prática mostra uma contradição, e de novo a teoria cai por terra.

Sendo uma doutrina tão fraca do ponto de vista filosófico, tal posição dificilmente subsistiria sem o substrato ideológico do individualismo moderno e do seu correspondente sistema político, o neoliberalismo, mostrando-se, apesar da aparência democrática, como uma idéia a favor da manutenção do capitalismo e da alienação que o mesmo proporciona aos seres humanos.


 

Valor de verdade e Falseacionismo

 

Discutindo com “John Constantine”, membro do grupo Acrópolis, eu defendi que “verdade e falsidade nada mais são que nomes que se dá à relação entre o conteúdo expresso no enunciado e a pretensa realidade objetiva a que ele faz referência”. Ele na época, objetou dando um exemplo dum enunciado matemático, que não poderia ser contraposto à realidade, sendo assim inverificável. Eu, contornei o problema, dizendo que os enunciados matemáticos tem um caráter peculiar e sua “verificação” podia ser feita de acordo com a natureza do objeto tratado. Gostaria de retomar esse problema, (verificação do valor de verdade dos enunciados que não podem ser contrapostos à experiência) principalmente o comentando no contexto do critério popperiano de cientificidade,a saber, o falseacionismo.

O falseacionismo aborda o problema da demarcação entre ciência e metafísica, e vai além do critério positivista de verificação empírica, (uma proposição é significativa apenas no caso de haver um método empírico para decidir se é verdadeira ou falsa), pois existem certas proposições (que poderíamos chamar de metafísicas) que não dependem da experiência e não obstante podem ser considerada verdadeiras, proposições estas que o empirismo não pode compreender nem explicar. Já o falseacionismo rejeita tal critério e coloca em seu lugar o critério da falseabilidade, (uma proposição só pode considerar-se científica, se dela for possível deduzir um conjunto de enunciados de observação que possam falsificá-la, ainda que não a falsifiquem necessariamente [1]) o que nos dá um instrumental epistemológico mais amplo para tratar dessas proposições metafísicas, mas pode se mostrar inapto se for colocado como critério de verdade. Analisemos dois exemplos de proposições metafísicas que se pretendem verdadeiras e não dependem da experiência.

Tratamento empirista: a proposição só pode ser dita verdadeira ou falsa por alguém que tenha existido durante todo o tempo e em todos os lugares e assim observado se sempre ocorreu dessa forma. (Tal objeção ao valor de verdade da frase foi efetuada por um antigo membro da lista nas seguintes palavras: “Como é possível dizer “todo” ser? Para isso seria necessário conhecer todos os seres, animais, vegetais, minerais,etc.. em todos os lugares, todo o mundo, planetas, seja seres atualmente existentes quanto os do passado e ainda do futuro.

1. “Todo ser existe se temporalizando e se temporaliza existindo”. — (Heidegger)

Tratamento falseacionista: a proposição é relativamente verdadeira, pois poderá ser falsificada por algum contra-exemplo que ainda não conhecemos, ou seja, um ser que exista sem se temporalizar ou se temporalize sem existir.

Fundamento da proposição e seu valor de verdade: A proposição não se baseia na simples observação, o quer dizer que ela não tira seu caráter de lei do fato de que todos os seres se “comportaram” dessa maneira até agora, mas sim da intuição da correlação necessária entre existência e tempo. Essa intuição que poderemos chamar de “eidética”, passa além de todos os fenômenos particulares para reestabelecê-los na consciência como lei universal. A proposição não depende da experiência a ser confirmada, o que mostra que o empirista se engana ao exigir uma hipotética “onisciência” por parte do defensor dessa tese. Já ao falseacionista fascinado com a possibilidade de um contra-exemplo, o “metafísico” responde que um contra-exemplo a essa tese não pode ser mais que uma construção hipotética do pensamento não podendo nunca ter existência real, pois como há uma correspondência biunívoca entre existência e tempo, o ser simplesmente “recusa” a possibilidade de “existência sem tempo” e “tempo sem existência”. A partir dessas considerações podemos dizer que ao contrário do que dizem os empiristas e os falseacionistas a proposição é absolutamente verdadeira e não-falsificável.

2. “É impossível que algo surja a partir do nada”.

Tratamento empirista (hipotético): não faz sentido fazer nenhum afirmação sobre o nada, pois dele não temos experiência ou “como dizer que algo não pode surgir a partir do nada, sem observar todas as vezes que algo surgiu e constatar que foi a partir de outra coisa, e não do nada?

Tratamento falseacionista: a proposição pode ser falseada por uma situação ou experiência científica em que algo surja a partir do nada.

Fundamento da proposição e seu valor de verdade: Assim como a primeira, a proposição não se baseia na experiência, mas diferente desta, se restringe apenas ao conceito de nada. Como no próprio conceito de nada está implícito o “nada de movimento”, se deduz rigorosamente que o nada nunca pode dar origem a outra coisa diferente dele mesmo. O empirista age ingenuamente, desconsiderando que a verdade de tal proposição é proveniente do conceito de nada e o falseacionista cai de novo no erro de achar que possam existir contra-exemplos possíveis (quando na verdade, a proposição é que fornece o contra-exemplo de qualquer proposição científica que diga que algo possa surgir a partir do nada). Só nos resta concluir, repetindo o que se falou a respeito da primeira, que esta proposição também é absolutamente verdadeira e não-falsificável.

Vimos dois casos de proposições são verdadeiras e não-falsificáveis. Além dessas, outras poderiam ser apresentadas. Diante disso, como fica o falseacionismo? Só lhe restar aceitar, sob pena de cair em contradição, que podem existir proposições não-científicas que sejam verdadeiras. Aceitar isso equivale a reabilitar a especulação metafísica e volatizar ainda mais a fronteira que o falseacionismo insiste em manter entre ciência e metafísica. O falseacionismo, que parecia ter nos deixado apenas com as verdades relativas, (posto que falsificáveis) e resguardado a esfera da racionalidade para o pensamento científico, encontra seu lugar e se reconhece como critério importante, (mas não mais suficiente) para o progresso da ciência.


 

A Verdade Absoluta

“A Verdade Absoluta existe necessariamente.”

 

Continuando minhas reflexões sobre o valor de verdade (ver texto Valor de verdade e falseacionismo) o que quero deixar bem claro desde já que não é a mesma coisa que a verdade em si mesma, vejo-me na eminência de discutir a questão da Verdade Absoluta, tão negada e rejeitada pelos relativistas e mesmo por alguns filósofos e cientistas não-relativistas, que parece aos olhos do vulgo como sendo uma coisa absurda, quando, na verdade, é condição essencial do discurso sobre as coisas.

Esclareço então o que quer dizer o conceito de “Verdade Absoluta”, pois para evitar confusões acerca dos diferentes significados que tal termo possa tomar, tudo o que eu escrever a respeito da “Verdade Absoluta” terá como referência o conceito tal como será discutido e definido nas próximas linhas.

Primeiro, a diferenciação entre “Verdade Absoluta” e verdade:

Retomando uma idéia já exposta por mim em outra mensagem, afirmo que a verdade é o nome que se dá quando o conteúdo expresso num enunciado particular concorda com a realidade à que ele faz referência. Já a “Verdade Absoluta” não pode ser pensada nesses termos, pois não se refere a nenhum enunciado em especial, mas sim, ao conjunto dos “enunciados que já sabemos ser verdadeiros”, de onde se pode ver que a Verdade Absoluta é um discurso de segunda ordem sobre a verdade. E mais, com claras intenções metafísicas, pois não se satisfaz com o conhecimento cumulativo dos enunciados verdadeiros, mas quer sintetizá-los numa perspectiva unitária.

Segundo e último, a Verdade Absoluta propriamente dita:

Hegel dizia que a “Verdade é o Todo”. Sua posição causou uma certa confusão, pois ele se referia à “Verdade Absoluta” e não à “verdade”. Com isso ele também reafirmava sua teoria da identidade entre o real e o racional, e mais amplamente entre o objeto e o pensamento (dialético, claro). Lembro Hegel, porque a “Verdade Absoluta” realmente tem um fundo “holista”, mas não no sentido que Hegel lhe atribuiu. A Verdade nunca pode ser igual ao todo porque esta sempre abarca a “re-presentação”, (re-presentar: tornar presente ao pensamento o que já não é mais experimentado diretamente) o que quer dizer que o conhecimento implica a “ideação” do ente (objeto) e esta é sempre diferente do ente considerado em si próprio. O azul (conceito, idéia) não é igual ao azul (cor que percebemos através dos sentidos em determinada situação). Quando falamos em “azul” damos um nome a algo contém em seu ideado todas as cores que se aproximem ou assemelhem-se ao azul que uma vez “experimentamos”. Essa “re-presentação” do azul é que torna possível seu uso lingüístico, mesmo com algumas confusões e mal-entendidos, pois a “re-presentação”, com seu irredutível caráter mentalista, é variável de pessoa para a pessoa, ou seja pode acontecer que o meu conceito de azul abarque cores que não estejam no seu (do leitor) conceito de azul, principalmente em casos limítrofes. Ao que foi dito, pode-se acrescentar ainda que o mesmo vale para todos os “substantivos conceituais” (ou seja, todos os substantivos, exceto os nomes próprios) e que os substantivos abstratos estão mais sujeitos aos mal-entendidos comunicativos do que os concretos pelo fato de que a representação dos mesmos, devido à natureza do seu objeto ser mais ampla e variável. Pois bem, continuando a argumentação, como a Verdade Absoluta é diferente da “Totalidade”, têm-se claramente que são dois objetos distintos. A “Verdade Absoluta” se baseia num possível conhecimento total da realidade, enquanto a “Totalidade” permanece em si mesma. A “Verdade Absoluta” é eterna e imutável, a Totalidade é eterna, mas é mutável. A “Verdade Absoluta” é então a idéia de que existe uma “Verdade” que supera todas as outras que são relativas ou incompletas e a mesma sendo Universal e expressando o conhecimento total da realidade é necessariamente eterna e imutável.

Definido o conceito de “Verdade Absoluta”, passemos então a defesa do argumento de que a mesma existe necessariamente, ou seja, que não há hipótese racional de que a “Verdade Absoluta” não exista.

O valor de verdade, aquilo que faz uma proposição ser verdadeira ou falsa, precisa de um referencial absoluto se não quiser se manter no plano hipotético eternamente ou ser mais que um psicologismo, onde as pessoas acreditariam em proposições verdadeiras e falsas, mas sem nenhum fundamento, pois a verdade e a mentira em si mesmas não existem, sendo apenas um jogo de linguagem que as pessoas usam para se organizarem socialmente e que se altera de acordo com a cultura e período histórico.

Refutar a idéia de que o valor de verdade seria apenas um psicologismo é fácil. A lógica nos ensina que uma proposição que não é verdadeira ou falsa é rigorosamente sem sentido. Então aceitar essa idéia nos levaria a conclusão inaceitável de que todo nosso palavrório até agora foi sem sentido, além de (e isso é o mais importante) refutar a si própria, pois se assim fosse tal idéia também seria sem sentido.

Existem situações (a maioria) em que sabemos que uma proposição é verdadeira ou falsa, mas não podemos decidir qual dos dois ela seria, hipoteticamente tanto sua veracidade como sua falsidade são plausíveis. Nesse caso, o valor de verdade é alterável historicamente pelo fato dos critérios de verdade de cada época ou cultura uma hora apoiarem sua veracidade, outra, sua falsidade.

Uma das conclusões inequívocas disso é que há critérios de verdade mais adequados do que outros, mesmo não se sabendo quais seriam esses, pois como a proposição só pode ser verdadeira ou falsa, e existindo alguns critérios que defendem a falsidade e outros, a veracidade, pelos menos um deles é inadequado. O que faz esses critérios serem mais adequados, não pode ser nunca um referencial historicista, posto que o historicismo é limitado em seu âmbito de ação, além de auto-contraditório se os levarmos a seus termos finais. O que faz tais critérios mais adequados do que os outros é o fato de nos deixar mais próximos da “Verdade Absoluta”, assim como a inadequação dos outros nos afasta da mesma. É preciso lembrar, antes de continuarmos, que os critérios de verdade remetem ao juízo humano sobre a verdade, e não, à verdade em si. Muita gente confunde as duas coisas e acabam por inventar concepções estranhas como as de “verdade temporal ou relativa”, querendo com isso dizer que existem “verdades” que são válidas somente em certos contextos histórico-culturais, quando, na verdade, o juízo humano sobre a verdade é que é variável e faz com que acreditemos, influenciados pela tradição, em certas “falsidades” que se passam por verdades, assim como, inversamente, com que descremos de certas “verdades”, que se passam por falsidades na época. Portanto, não existem verdades “temporais” ou “relativas”, mas tão somente juízos equivocados por parte dos homens, que podem tomar (e freqüentemente tomam) o falso como verdadeiro, e o verdadeiro, como falso.

O valor de verdade, no entanto, até quando o homem não chegar à “Verdade Absoluta” (que pode muito bem ser inalcançável ou mesmo alcançável só após um longo período de tempo) terá como referência provisória o juízo humano sobre a verdade tal como é concebido pelo raciocínio e pelo conhecimento acumulado de cada época e cultura. Por isso, aceitamos quando alguém nos diz “Eu tenho evidências para mostrar que tal proposição é verdadeira e que a outra é falsa, porém, posso estar errado a esse respeito”. Essa é a posição falibilista. Ela diz, sensatamente, que como não estamos de posse da verdade absoluta, não podemos afirmar com plena certeza se uma proposição é verdadeira ou não. O relativismo desses se mantém ao juízo, pois eles sabem que o que faz uma proposição ser verdadeira ou falsa é sua concordância ou discordância em relação à “Verdade Absoluta”.

A afirmação tão propagada de que “a única verdade é que não existe ‘Verdade Absoluta’, como já foi mostrada por alguns pensadores, é uma contradição em termos, pois se for verdade que a “Verdade Absoluta” não existe, essa verdade também é absoluta. Infelizmente, este argumento não os satisfaz já que, como irracionalistas que são, não respeitam a lei da não-contradição. Adapto então um argumento que já usei nesse texto: Se a proposição tiver algum sentido, ou seja, se ela for verdadeira ou falsa, a “Verdade Absoluta” existe, pois seu valor de verdade depende da existência da Verdade Absoluta. E se a proposição não puder ser nem verdadeira nem falsa, ela não tem sentido, e portanto, são apenas palavras jogadas no ar. Esse argumento é especial porque ele diz que a existência da Verdade Absoluta não pode ser negada, e, sendo assim, não existe nenhuma maneira de refutá-la racionalmente. Mesmo se mudar-se a proposição para formas não contraditórias como: “A suposição de que existe uma ‘verdade absoluta’ é uma ilusão provocada pelo desejo metafísico dos homens em descobrirem a essência do mundo”, a simples presença do valor de verdade da proposição indica a existência da “Verdade Absoluta”.

Muita gente combate o dogmatismo que dizem perpassar noções como as de “Verdade Absoluta”, mas erram o alvo, pois criticáveis são apenas as verdades que se querem passar por absolutas. A “Verdade Absoluta” não pode ser criticável, já que sendo absoluta é irrefutável e também porque não convém criticar algo que não conhecemos. O dogmatismo só se encontra quando se crê ter alcançado a “verdade absoluta” e nunca pela suposição metafísica de existência da mesma. A suposição é legítima, ainda mais quando ela é fundada racionalmente, como eu fiz. O dogmatismo se expressa não pela “absolutez” da verdade, mas pela falta de justificação das doutrinas. Dogmatismo é negar que exista “Verdade Absoluta” sem nenhuma argumentação racional para justificar a afirmação.

É estranho que em uma época marcada pelo progresso científico e tecnológico, muitos desconfiem da existência da “Verdade Absoluta”, até porque a própria noção de progresso do conhecimento implica a de “Verdade Absoluta”. Isso porque teorias e doutrinas sejam elas científicas ou filosóficas são compostas por um número x de proposições que se relacionam mutuamente. Quando se diz que uma teoria ou doutrina é melhor que outra, pode-se facilmente imaginar que, entre outras razões, é porque a primeira tem proporcionalmente um maior número de proposições verdadeiras ou quando essas, mesmo em menor número são mais relevantes no contexto da disputa. Teorias mais verdadeiras tendem a dar melhores resultados. E como as teorias de nossa época dão melhores resultados, podemos dizer que elas são melhores que as dos antigos, e não somente “diferentes”, como alguns defendem. É por isso que há progresso científico, porque as teorias que usamos estão mais aproximadas da “Verdade Absoluta” do que as dos antigos. Se fossem tão somente “diferentes”, iriam provocar resultados também tão somente “diferentes”, sem nenhuma distinção qualitativa entre os mesmos, o que é um absurdo desmentido pela nossa própria época.

Finalizando e resumindo os principais pontos:

1. A “Verdade Absoluta” existe necessariamente por ser quem determina o valor de verdade das proposições, que é o que faz nosso discurso ter sentido e não ser apenas mero palavrório. Portanto, qualquer um que aceite que o que fala tem sentido, pressupõe (ainda que inconscientemente) a existência da Verdade Absoluta. E quem não aceita que o que fala tem sentido, não devemos escutá-lo, pois sua fala não tem sentido.

2. A “Verdade Absoluta” existe porque serve de referencial para que algumas teorias sejam objetivamente melhores que as outras e não somente diferentes.

Espero que o meu texto tenha sido acessível a maioria e os meus argumentos corretamente compreendidos. Sintam-se à vontade para discutir comigo esse assunto tão polêmico. Mandem um e-mail para thiagomaiasantos@uol.com.br.


 

Abolição da Pena de Morte

 

Infelizmente, na entrada do terceiro milênio, deparamo-nos ainda com muitos erros e malefícios que se perpetuam na sociedade, tais como a fome, a falta de condições básicas para a vida, a exploração capitalista, as guerras, a violência urbana, etc. Trataremos aqui de uns desses “erros” em especial, que é a chamada “pena de morte”, a qual apesar de ser aplicada em poucos países, representa, por seu barbarismo, um retrocesso no processo civilizatório. Tal tema se torna de capital importância por haver o perigo de mais países adotarem tal medida para tentarem reduzir os crimes violentos em seus territórios. Nesse artigo, mostraremos a ilegitimidade de tal pena e também que necessariamente a sua aplicação leva ao agravamento das injustiças decorrentes de falsas acusações, assim como estimula os criminosos a fazerem “queima de arquivo”, entre outras conseqüências indesejáveis. Por fim, concluiremos que tal pena, assim como a escravidão, deve ser abolida da face da Terra por razões humanitárias.

1. O DEVER DE NÃO MATAR SEU SEMELHANTE

1.1. O “Direito à Vida” e a Gramática dos Direitos e dos Deveres.

A declaração que “Todo homem tem direito à vida” é, filosoficamente, sem sentido. Isto porque “vida” não é algo que se tenha “direito”, sendo tão somente uma propriedade dos viventes enquanto tais. Poderíamos em falar em “direito à vida” somente para aqueles que não a tem e, mesmo assim, no sentido estrito de “merecimento”. Um exemplo seria a frase: “Todas as belas estátuas tem direito à vida”, com o que intencionaríamos dizer que a beleza da estátuas as fazem merecedoras da vida. Isto porque imaginamos que alguns não-viventes, por algumas características que tenham, deveriam ser viventes. Essa situação não se aplica a “Todos os homens tem direito à vida”, pois não estamos a falar de homens mortos, mas de homens vivos. Portanto, tal declaração está a enunciar uma falsidade. No entanto, tal falsidade não a invalida totalmente, dado que ao lermos tal declaração, raramente a entendemos literalmente, porque senão se configuraria um absurdo, como já mostrei, mas freqüentemente a interpretamos de outra maneira, que calculo que seja algo como “Todos os homens tem o direito a não serem mortos por outros homens”.

Já de posse do sentido correto da declaração, passaremos a análise da gramática dos direitos:

Ao dizer que X tem direito a alguma coisa, estamos a pensar que é justo que X tenha tal coisa, e que como desejamos estabelecer a justiça, nós devemos agir no sentido de que ele a (man)tenha. Do que foi dito, segue-se que todo direito que temos, enquanto individuais, implica um dever por parte de outrem, seja este dever positivo ou negativo. Inversamente, podemos afirmar que nosso dever individual implica no direito dos outros. Portanto, a gramática dos direitos e dos deveres não são distintas, como um leigo poderia pensar, mas uma é a leitura invertida da outra. Por questões de conveniências e mesmo para facilitar o entendimento visto que a noção de “dever” é de mais fácil compreensão que a de “direito”, referiremos de agora em diante somente à gramática dos deveres.

Na gramática dos deveres a expressão “Todos os homens tem o direito a não serem mortos por outros homens” significa “Todos os homens devem não matar seu semelhante”. Poderia se acrescentar ainda o seguinte: “Todos os homens, na medida de suas ações, devem se esforçar no sentido de salvar as pessoas de perigo que envolvem as vidas das mesmas”. O primeiro é um dever negativo. O segundo é um dever positivo. Tais deveres, quando não são cumpridos, envolvem penalidade por parte da sociedade. A justificativa da sociedade para o cumprimento de tais deveres é a reciprocidade. Como não queremos ser mortos, também não podemos querer matar. Como queremos que as pessoas nos salvem de situações de perigo, assim devemos fazer quando elas estão em perigo. A razão de ser desse desejo é a própria conservação física que envolve o indivíduo e também o grupo de que ele faz parte. É um bem para o indivíduo e para a coletividade. Mesmo que particularmente um indivíduo não deseje a reciprocidade, ou seja se ele acredita não ter o direito de não ser morto por outrem, nem mesmo o de ter sua vida salva por outrem, isso não o isentaria do cumprimento do dever, dado que o descumprimento não afeta somente ele, como demonstrado, mas todo o grupo. É legítimo, então, que a sociedade puna um assassino e um omissor de socorro, desde que essa punição não seja uma injustiça maior do que a praticada pelo indivíduo, pois se assim fosse contrário, se configuraria a desproporcionalidade, que também é uma injustiça. Quem mata um membro do seu grupo, age contra o grupo, quem mata um membro de sua espécie, age contra a espécie. São inimigos tanto do grupo como da espécie humana. O que lamentamos é que esse princípio não venha valendo também para espécie, mas somente se manifesta no interior de um grupo, o que certamente evitaria as sangrentas guerras que têm assolado a humanidade.

Como vimos, é absolutamente justo e correto que tenhamos o dever de não matar nosso semelhante. É um dever que a sociedade impõe para que todos tenha o direito individual de terem sua vida protegida pela lei. Apenas em determinadas situações poderemos, legitimamente, desobedecer tal dever. Creio que todo mundo concorda que se é permitido matar quando isto envolve a sua própria defesa ou a defesa de outrem. A razão disso é que estamos impedindo que o outro descumpra o seu dever. Portanto, mesmo se porventura sejamos obrigados a descumprir o dever, fazemos isto em prol do cumprimento do dever. Vejamos agora se o fato da sociedade enquanto tal, descumprir o próprio dever, que é no que consiste a pena de morte, (a própria sociedade matar um de seus membros) se caracteriza como uma ação em favor do dever de não-matar o seu semelhante.

2. PENA DE MORTE: PUNIÇÃO OU ELIMINAÇÃO?

Na gramática dos deveres passou despercebida a função da punição no Direito. Diremos agora: punir é um dever para com os infratores que a sociedade estabeleceu para si mesma para evitar que os deveres sejam descumpridos. Punir de maneira alguma é uma retaliação, uma vingança, ou mesmo algo que vise restabelecer a justiça (embora isto seja algo que quando possível sempre deva ser feito), mas visa tão-somente evitar que o infrator continue a ir contra a lei. Nesse sentido lato, medidas de reeducação, também podem ser vistas como punição, dado que o seu objetivo é fazer com que o infrator passe a cumprir o Lei. A diferença com a punição no sentido restrito é que ela não age em sentido negativo, de privação de algo, mas em sentido positivo, aconselhando e tentando fazer o que cometeu um desvio a voltar ao reto caminho.

Poderia se acrescentar que a punição tem o objetivo de inibir o descumprimento da lei. Quanto a isso, poderemos dizer que sim, ela inibe, mas inibe (e deve inibir) tão-somente o infrator, nunca as pessoas que ainda não são infratores. Se assim o faz, ela está a agir de maneira errada, pois inevitavelmente estará a aplicar medidas mais graves por algo que o infrator não tem culpa nenhuma. Os possíveis crimes de outros infratores tem como culpados apenas os próprios infratores. Em última análise, mesmo que alguns fatores possam favorecer ou estimular o crime, a decisão de ser criminosa sempre cabe à pessoa. Não se pode, ao aplicar uma punição, querer desencorajar outros a não cometerem crimes, mas apenas a pessoa que a descumpriu a não mais o fazê-lo. Em suma, não se deve usar um infrator de exemplo, pois se estará infalivelmente a cometer uma injustiça.

A pena de morte é uma punição, já que evita que se repita o descumprimento do dever. No entanto, pesa contra ela o fato de não permitir o infrator a sua reabilitação, algo que nunca gostaríamos que fosse feito conosco, e por isso, é sempre injusta, já que está embasada na hipótese de que a pessoa voltará a descumpri-la (em suma, na desconfiança). Além disso, há variados meios (e menos maléficos) de evitar que a pessoa volte a descumprir seus deveres, do que se segue que a escolha pela “pena de morte” é sempre má e desmedida, por implicar na desnecessária eliminação física do infrator.

Portanto, a aplicação da pena de morte em quaisquer circunstâncias é algo injusto e mau. Apesar de ser uma punição, a sua aplicação leva-nos ao fato de que o que se almeja não é a justiça, mas as vantagens decorrentes da eliminação dos indivíduos. Somente com o indivíduo eliminado há total segurança que ele não descumprirá a lei. Além disso, em tese, evitaria certos custos causadas pela aplicação de outras medidas, tais como o encarceramento. No entanto, isso nem sempre é verdade, pois os julgamentos que envolvem pena tão extrema, e pedem um grau de certeza maior, freqüentemente são onerosos para o governo.

Do que foi dito segue-se que a pena de morte não deve ser aplicada, pois apesar de ser uma punição, é em si mesma, um crime, não se justificando como ação para fazer cumprir-se o dever de não-matar, dado que não evita a morte, como acontece com a pessoa que mata alguém que lhe mataria ou mataria outrem. Isto é agravado ainda mais pelo fato de que a sua aplicação necessariamente contradiz outro dever que a sociedade tem para conosco: o dever de promover a justiça. A desnecessária eliminação física de um indivíduo é sempre algo injusto e mau, como foi demonstrado.

3. CONSEQÜÊNCIAS DA PENA DE MORTE

Abstendo-nos de especular sobre os supostos efeitos psicológicos da pena de morte sobre os possíveis criminosos, dado que mesmo a possível diminuição dos números de crimes não justificaria a sua aplicação, concentraremos no que ela efetivamente causa para os indivíduos enquanto tais.

3.1. O Acusado

É fato já demonstrado que nem sempre a pessoa que os tribunais acusam pelo crime é realmente o culpado pelo crime. Concordamos todos que condenar um inocente é sempre uma injustiça. Dado que quando se aumenta a pena, aumenta-se a injustiça, é evidente que quanto maior a pena, maior a injustiça. Sendo a pena de morte uma das pena mais graves, segue-se que ela necessariamente causará maiores injustiças. Portanto, se não quisermos agravar as injustiças para os inocentes, não devemos aplicar a pena de morte em nenhum lugar.

Nos casos em que a pessoa for realmente culpada, já ficou demonstrado que ainda há injustiça ainda que em grau menor.

3.2. A família do acusado

A eliminação física do acusado, como não poderia deixar de ser, impede-o de agir em prol do sustento e bem-estar de sua família, do que se segue que a pena de morte causa malefícios também para os familiares do acusado, que não mais disporão de uma importante fonte de renda, o que é agravado ainda mais se considerarmos que uma parcela considerável dos familiares dos acusados são pobres.

3.3. A Vítima e as Testemunhas

Independente da infração a qual a pena de morte será aplicada, é evidente que, como o infrator não quer sofrer a sanção determinada pela sociedade, ele agirá de maneira mais violenta do que se sofresse uma sanção mais leve. Suporemos, com toda a razão, que o criminoso chegará a matar a vítima e todas as testemunhas do crime, para não ser considerado culpado. Ao estabelecermos a pena de morte, estamos dando um motivo a mais para os criminosos eliminarem as vítimas e as fortuitas testemunhas do crime, além de outras pessoas que porventura estejam envolvidas.

3.4. Aos executantes da sentença

Possivelmente, desvios de caráter psicológico, estresse, mal-estar e tormentos.

3.5. Aos juizes e jurados

Uma carga de responsabilidade muito grande, por estar fazendo o papel de Deus, ao decidir a vida ou a morte de uma pessoa. Isto pode ocasionar estresse e também alguns tormentos e perturbações, especialmente em casos em que se prova que se matou um inocente.

4. SUA NECESSÁRIA ABOLIÇÃO

Tendo em conta, suas indesejáveis conseqüências para os indivíduos particulares, assim como a influência perniciosa que causa à sociedade em geral, estimulando instintos bestiais e inumanos, tais como são o sadismo e o espírito vingativo, e desestimulando o amor ao próximo e o perdão, assim como o fato dela mesma ser um crime e propiciar em todas as situações possíveis a injustiça, além do fato, não menos concludente, que todas as suas possíveis conseqüências benéficas não justificam filosoficamente a sua aplicação e que podem ser conseguidas de outro modo, concluímos que tal pena deve ser abolida dos países em que é praticada e que os seres humanos em geral, em nome do seu dever para com a espécie, que é o de agir no sentido de evitar a morte de seu semelhante, devem lutar para que isso aconteça o mais rapidamente possível.


 

Os intelectuais e o povo

“Eu tenho uma proposta para ser discutida, se fala muito em exclusão. As pessoas são excluídas muitas vezes sem mesmo saberem que estão sendo excluídas. Ao ver de um intelectual, essa pessoa lhe causaria dó, agonia, o que fosse. No entanto, qual a visão da pessoa que é excluída? Ela realmente quer ver? Vale mais um pedreiro feliz ou um filosofo melancólico?” — Francisco Penco

 

Partindo deste trecho podemos trabalhar o problema da alienação (e por extensão da “consciência feliz”) de uma forma mais profunda. Seria a alienação desejável?

OS INTELECTUAIS E O POVO

Os intelectuais geralmente têm uma postura ambígua em relação ao povo e ao senso comum; uma hora, querem voltar à ignorância primária, outra hora, querem distanciar-se destes. O desejo de “voltar a ignorância primária” geralmente está relacionado à “dor da consciência” e à uma “fuga” do sofrimento proporcionado por esta. Frases como “A felicidade está na ignorância da verdade”, do poeta italiano Lombardi são apenas um dos inúmeros exemplos. Eu mesmo já me senti profundamente atraído por essa volta à ignorância, e isso pode ser observado num poema meu, chamado “O Pintor e Seu Filho”, Já o distanciamento tem a sua face mais drástica na “complexificação” dos jogos de linguagem usados pelos intelectuais, a qual por sua vez impede o entendimento dos temas ao leigo, no entanto, é patente o abismo entre os dois até mesmo no comportamento, nas atitudes e no modo de vida. A insistência na “diferenciação” e na “sofisticação” provoca um certo “isolamento” e também uma “elitização” por parte dos intelectuais, que se passam por “baluartes da cultura” ( hoje só os intelectuais assistem e gostam de cinema europeu e música clássica). Os membros da “alta burguesia” também ansiosos para distanciar-se do “povão” vão na onda e assistem filme europeu mesmo sem entender bulhufas e escutam música clássica sem sentir a beleza e a grandiosidade das melodias. Estes são os grandes consumidores dos produtos artísticos oriundos da “indústria cultural”, os que, por assim dizer, “sustentam” a mesma e seus produtores. Não é à toa que nessa classe social é que encontramos a quase totalidade dos “pseudo-intelectuais”.

Esse quadro muda um pouco com o marxismo, não sem antes desmistificar toda a pretensa superioridade dos intelectuais ao dizer que o modo de produção é quem determina a consciência histórica e com isso tirar todo o caráter “transcendental” da cultura burguesa. No marxismo, aos intelectuais cabem quase que tão somente propagandear a ideologia marxista, denunciar as mazelas da sociedade capitalista e planejar as ações e propor meios para a destruição dessa mesma sociedade. A adesão maciça destes ao marxismo tem como fatores principais a “utopia revolucionária” e a oportunidade de “racionalização” de todas as esferas da vida ( No fundo, no fundo, o desejo de todo intelectual é o de transformar o real em racional, entendendo-se aqui racional como não-contraditório). Os intelectuais manteram laços fortes com o marxismo até poucas décadas atrás, quando a divisão do movimento e a decadência da União Soviética os fizeram desacreditar das “utopias”.

O MOVIMENTO PÓS-MODERNO

Destaco o movimento pós-moderno, por crer que neste “movimento” é que houve realmente uma aproximação substancial dos intelectuais com a “plebe”, já que no marxismo, a pretensa igualdade se dá ao preço duma “conversão” da “plebe” à uma ideológica ascética e altruística, que por sua vez possibilitam a condição psicológica necessária ao surgimento da revolução. Para o marxismo, via de regra, o povo só é valorizado como “revolucionário em potencial”. Já no pós-modernismo, (que surge entre outros fatores da falência do projeto marxista), o intelectual renuncia à ideologia ascética e acata o conselho de Nietzsche de que é “essencialmente carne”, ao invés de espírito. Também aqui há uma desvalorização da figura do intelectual, através do método chamado descontrucionismo, que diz basicamente que tudo o que somos e pensamos é fruto de nossa época, cultura e predisposições genéticas. Com isso, o intelectual não é melhor nem pior que a “plebe”, é apenas diferente e não pode em hipótese alguma, (sob a pena de ser acusado de totalitarismo), querer homogeneizar seu “modo de vida” para todos.

CONSEQUÊNCIAS DA IDEOLOGIA PÓS-MODERNA

Um pouco de ascetismo é extremamente benéfico para o desenvolvimento intelectual, até mesmo nas práticas artísticas, onde entram em cena, a intuição e as emoções, devem ser cortar os excessos para se obter um bom resultado. Quando se renuncia totalmente ao ascetismo, a única diferença entre o intelectual e a “plebe” é o “eruditismo” do primeiro. É triste vermos hoje a predominância do “kitsch” nas artes e do “historismo” na filosofia e ciências humanas. Isso sem falar da amoralidade dos intelectuais. Já se noticiou nos jornais a existência de intelectuais pedófilos. E não é só pedofilia, toda espécie de vício e perversão são mantidos por muitos intelectuais sem resquício de culpa. A verdade é que o intelectual se vulgarizou sob a desculpa de viver na “imanência”.

Fizemos todo esse rodeio, apenas para deixar claro a ambigüidade das atitudes dos intelectuais para com o povo. Agora responderemos às duas perguntas do colega Francisco Penco: qual a visão da pessoa que é excluída? Ela realmente quer ver?

DISCURSO E IDEOLOGIA

“Os limites de minha linguagem são os limites de meu mundo”. (Wittgeinstein)

“É necessário inverter o primado ontológico do sujeito sobre o objeto”. (Levinas)

O ser humano, nascendo num determinado período histórico e numa determinada cultura fatalmente, está exposto a refletir em algum grau este mesmo período e cultura. A linguagem é sempre herdada e tem como pano de fundo o imaginário social de sua cultura. Sem a linguagem, o homem é tão somente um animal, conforme comprovaram alguns casos de crianças criadas sem a presença de seres humanos. Através da linguagem é que nos é dada a oportunidade de ascender ao mundo da cultura. No entanto, essa passagem muitas vezes se dá com o prejuízo de alguns aspectos importantes do ser humano, posto que são esquecidos, considerados inválidos ou mesmo “contigencialmente necessários” à sobrevivência dessa mesma cultura. É aqui que entra a “ideologia” e baseado nela faremos uma interpretação marxiana do aforisma de Wittgenstein tomando o exemplo do “pedreiro feliz”. Este pedreiro de nome João, provavelmente teve uma infância pobre e parte do seu imaginário foi construído pela necessidade de trabalhar desde cedo para sobreviver e ajudar a família. Tem pouca instrução e por isso a convivência com a família e outros da mesma classe social teve uma influência ainda maior na formação de seus valores morais. Suponhamos que seja honesto. Este homem talvez ache natural trabalhar 12 horas por dia para ter um salário de fome. Satisfaz-se com pequenos prazeres como beber, comer e uma hora ou outra, fazer sexo de vez em quando. Nunca pensou na possibilidade de exigir mais do que isto da vida. Sim, em certo sentido, ele é feliz. Mas como um homem pode ser feliz com tão pouco? Primeiro: porque em seu discurso não encontra conceitos, idéias ou valores que justifiquem uma possível tristeza diante de sua situação, aqui o trabalho ideológico foi tão completo que não permitiu ao pedreiro ter outras vontades além das permitidas. E segundo: há a justificação em seu discurso para o fato de que há outros que ganham mais trabalhando menos, a qual nesse caso específico pode ser: a) o “destino” do pedreiro ou a “sorte” (tanto faz) e b) o “estudo” que ele não tem ou mesmo a inteligência e alguma outra característica pessoal que ele não tenha. Essa “felicidade” é construída no âmbito do discurso e é até mesmo alimentada pela sociedade, posto que a “tristeza” e a “melancolia” de modo geral são prejudiciais à eficácia do sistema. Basta ver o sucesso estrondoso dos livros de auto-ajuda. A ideologia tem uma dupla função constituinte: a) adestrar as pessoas para se adequarem ao modus vivendis que a sociedade impor pra elas e b) impedir que sequer a pessoa pense na injustiça de sua condição.

COMO MINIMIZAR A AÇÃO DA IDEOLOGIA

Uma das características mais drásticas da ideologia é que ela se interioriza em nossos discursos e práticas cotidianas. Por isso, temos que empreender uma luta contra nós mesmos, contra a parte podre de nosso ser, para nos vermos em condição de começar a caminhada rumo à nossa libertação. Afinal, não somos originariamente livres, o primado ontológico é do objeto sobre o sujeito, e não, o contrário. Nossa linguagem é parte essencial desse projeto, ela deve ser enriquecida e seus pressupostos submetidos à crítica.

O contato com a alteridade também não pode passar pela reificação da mesma, ou seja ela não pode ser vista como um objeto para um fim, mas como um “fim” em si mesma. A “utopia” deve ser revalorizada, posto que motor essencial para as mudanças sociais. A educação deve ser repensada sob um ponto de vista humanista. Os valores primordiais, tais como o universalismo das normas éticas e o ideal de autonomia e liberdade devem ser priorizados. E principalmente, proporcionar aos seus semelhantes condições para que também se libertem, seja através da “situação ideal de fala”, de que fala Habermas ou através da argumentação racional.

CONCLUSÃO

A alienação só é desejável por um ato de “fraqueza” ou mesmo por uma queda na mundanidade, como no caso dos filósofos pós-modernos. Combater a alienação em sua forma ideológica é dever de todo intelectual sério. Os bilhões de seres humanos que ainda estão por vir, não precisam sofrer como nós sofremos.


 

Momento histórico da educação no Brasil (e no mundo)

 

Nossa cultura decadente, quando mais precisa de educação, mais se dá ao luxo de relevá-la a segundo plano. Se pensarmos bem, isso não é absurdo, o sistema não precisa de “inteligência”, a não ser quando adequada aos domínios da racionalidade instrumental, ou seja, quando se trata de dominar a natureza através da técnica ou de manipular o homem através da ideologia. Incrivelmente, em toda parte há um apelo por educação, mas não no sentido de aprender a pensar, mas sim no sentido doutrinário, que se confunde com o anseio de tomar parte da comunidade dos capitalistas, de passar de dominado a dominador. Ora, se quisermos progredir, temos que romper esse círculo vicioso e tomar as rédeas de nosso tempo. Chega de sofrimento!

Nosso governo incontestavelmente quer piorar ainda mais nosso frágil sistema educacional, elitizando-o e tentando adequá-lo a todo custo às exigências do mercado. Vejam a ameaça de privatização da universidades! Será que querem tirar dos pobres a pequena chance que tinham de conseguir um emprego decente?

A ascensão social está cada vez mais difícil, as empresas exigem ser formado numa universidade prestigiada (o provão está aí, para classificar as universidades pelo critério de “eficiência”), mestrado no exterior, curso de inglês, informática, isso sem falar de inúmeras outras exigências. Os pobres já são sacrificados pela baixa qualidade do ensino público fundamental, (o que filtra a sua entrada na faculdade), ainda querem mais?

Fatos como esses obliquam a falácia liberalista de que todos temos oportunidades iguais, e mesmo se tivéssemos, qual o idiota que por livre e espontânea vontade, aceitaria perder toda sua vida estudando e trabalhando, em nome de uma ideologia da competitividade, sendo que o que se ganha com isso é uma vida vazia de sentido (exprimido pela filosofia pós-moderna), que só é justificada pela necessidade econômica de consumir os mais diversos produtos (a maioria dos quais não temos necessidade real)?

Infelizmente, não temos nem ao menos consciência das escolhas que estamos fazendo, tamanha já é a doutrinação. O racionalismo da “técnica” transforma-se cada vez mais em “irracionalismo” da vida. A coisa já está a tal ponto que eu nem sei se dessa humanidade poderá surgir alguma fênix renovadora. Se esta há de surgir, virá do homem, da humanidade sublime que há no homem.


 

Depressão, Ideologia e Capitalismo

 

Manuel Bulcão escreveu:

“Querem saber de outro palpite hilariante? Este eu tomei conhecimento pela televisão, não me lembro se foi no Fantástico ou no Jornal Nacional. Lembro-me só do grande sorriso da apresentadora, denotando um estado de graça ante a grande nova, e da frase dita com grandiloqüência: “cientistas americanos descobrem a causa da felicidade!” Soube, no fim do programa, que a causa da felicidade era a serotonina. Sim, a causa da felicidade é a serotonina, assim como a causa de um suicídio é a corda com a qual o suicida se enforcou. Mostrou-se então um homem de classe média, que embora levasse uma vida confortável, não conseguia se livrar da depressão. Depois, mostrou-se um homem pobre, acho que porteiro de um edifício, que não conseguia parar de rir e estava sempre contente. A diferença entre um e outro? A quantidade de serotonina presente no organismo, escassa no primeiro, abundante no segundo. A grande conclusão: somos infelizes não porque sofremos injustiças; não porque somos tiranizados ou maltratados seja no local de trabalho, em casa ou na rua; não porque nos faltam meios materiais para a satisfação das nossas necessidades e as dos nossos entes queridos. Somos infelizes não porque nos negam reconhecimento e nos rebaixam à condição de coisa, mercadoria força-de-trabalho a mercê das forças de um mercado cada vez mais retraído, mutante e caótico. Em verdade, somos infelizes porque nos falta um pouco mais de serotonina. Nada que não possa ser resolvido com uma simples pílula. Aliás, até mesmo a angústia do ser-no-mundo, a sensação de absurdo e de falta de sentido, a perene insatisfação humana que não nos deixa ficar parados, estagnados; até mesmo a simples e basal dor de ser humano (a dor da indecisão, da dúvida e da renúncia que só quem é livre experimenta) irá necessariamente desaparecer num futuro próximo, no admirável mundo novo dos homens-prozac. ”

O fato comentado por Manuel Bulcão, não só ilustra a mistificação da ciência em nossos dias, como também mostra, mesmo que lateralmente, a insistência da ideologia capitalista em fazer-nos todos “felizes” (ainda que artificialmente) para melhor servimos aos seus interesses. A “consciência feliz” é tudo o que o capitalismo quer: faz o indíviduo ser mais produtivo, consumir mais, impede-o de se revoltar contra o sistema, assim como tende a minimizar os conflitos existentes na sociedade.

Já a “consciência infeliz” é perigosa para o capitalismo, por isso que ele que trata a depressão como “doença” e inventa remédios que dizem nos trazer felicidade. Eles querem sempre que todo mundo seja “feliz”. O mercado crescente que encontram os livros de auto-ajuda é a expressão “psicológica” dessa tendência em anestesiar a “consciência infeliz” para dar lugar a “consciência feliz”. O capitalismo, na sua santa prepotência, quer dominar também nossa vida psicológica.

A “infelicidade” não é nenhum mal, conforme pensam os ignorantes ilustrados, mas a expressão objetiva da impossibilidade da natureza humana em viver rigidamente sob os moldes do capitalismo. Mais saudável é o indíviduo que fica triste com sua precária condição, e não aquele que sufoca sua tristeza e a “transmuta” para viver “feliz”, mesmo que alienado.

Tampouco viver confortalmente e ter saúde é garantia de felicidade. Pode-se muito bem ser rico e gozar de plena saúde e não ser uma pessoa feliz. Do jeito que a reportagem põe as coisas, principalmente comparando o homem de classe média com o porteiro feliz, parece que o homem de classe média têm a obrigação (?!) de ser feliz, e como não é, dá a entender que o mesmo só pode estar doente.

Isso é outra mistificação, só porque todo mundo busca dinheiro e bens materiais, inferem que isso realmente traz felicidade. Não traz, só traz felicidade mundana, a mesmo que temos quando usufruimos pequenos prazeres ou quando nos esquecemos de nós mesmos. Por si só, ter dinheiro ou poder consumir, não traz felicidade pra ninguém.

A “consciência feliz” não precisa mesmo de conteúdo material para se sustentar, pois existe tanta fome de imaginário, como há de comida. Tudo contribui para matar nossa fome de imaginário, desde as religiões, até o futebol, a música e a bunda de Carla Pérez.

A “alienação” faz as pessoas felizes. Isso ninguém pode negar. Se não preenchesse uma necessidade psicológica, porque haveria tanta no mundo? Já a desalienação faz a pessoa mergulhar (pelos menos por algum momento) na consciência infeliz. Ela se sente isolada da sociedade e dos seus valores egoístas. Começa a não ver sentido no modo de vida que lhe impuseram. Não perde mais muito tempo tentando satisfazer desejos pueris. A pessoa, então, fica melancólica, pois não tem pra onde fugir, não consegue encontrar abrigo no seio da sociedade porque a considera decadente, tampouco acha que uma vida de prazeres resolve alguma coisa.

O porteiro só é feliz porque desconhece todas essas coisas, sua felicidade está na ignorância, é a felicidade de todos que estão inseridos no mundo, que se perdem no cotidiano. Ele, na verdade, é a grande vítima, é o bobo alegre, que ri da sua exploração, o homem, que mesmo tendo conforto, é triste, age de acordo com a natureza humana, que não pode se satisfazer plenamente no capitalismo.

Tomar serotonina e Prozac também é uma forma de se alienar, pois quem,ao invés de lutar e resolver seus próprios problemas, se ampara em muletas químicas, não só busca um método eficiente de não ter que lidar consigo mesmo, como cai no engodo ideológico de que devemos estar sempre (ou pelos menos predominantemente) felizes.


 

A reforma tributária que resolve

 

Fala-se tanto em reforma tributária, mas eu gostaria mesmo é de ver o candidato que tivesse a coragem e a inteligência de debater e concretizar a única reforma tributária que realmente resolve o problema, tanto do governo, como da população: a abolição dos tributos. Funciona de uma maneira muito simples: tudo o que é arrecadado hoje em impostos voltaria para o seu legítimo dono e o governo geraria uma receita virtualmente infinita, através da emissão de papel-moeda. Acabaria com toda essa máquina dispendiosa da arrecadação, e por outro lado, os sonegadores de impostos e as empresas beneficiadas por isenção fiscal não tirariam mais vantagens de quem paga o imposto corretamente, ainda extinguindo os desníveis presentes na carga tributária, a qual onera demasiadamente alguns setores e a outros, nada ou quase nada.

No estágio em que chegamos, os impostos são completamente inúteis e desprovidos de razão. Só subsistem devido ao paradigma econômico vigente, que vincula o dinheiro ao trabalho. É preciso uma mudança de paradigmas, no qual possamos sair dessa mentalidade simplista, e passemos a ver o dinheiro da devida maneira, como matéria semiótica, ou seja, como mero símbolo abstrato de valor monetário, cuja legitimidade só decorre das convenções humanas. Sendo assim, só precisaríamos dessa mudança de paradigmas, para aceitar o fato do Estado (que representa a organização objetiva da sociedade civil) emitir dinheiro sem precisar do trabalho de ninguém.

Os benefícios oriundos da abolição dos impostos são enormes e vão para os dois lados, mas principalmente para o Estado, que se tornará infinitamente milionário e será capaz de custear com folga todas as suas obrigações, como dar saúde, educação, segurança, saneamento básico, cultura, lazer, etc. Enfim, tudo o que dependesse de dinheiro seria resolvido. A abolição dos impostos, tendo como correspondente a emissão de dinheiro sem lastro pelo governo, é a única reforma tributária que serve aos interesses de todos.

*

Se você concorda comigo, contribua para a divulgação dessa idéia. Todo novo paradigma encontra dificuldades para tomar o lugar do que está vigente. Vamos fazer o Brasil ficar na vanguarda da história começando em nosso querido país essa maneira revolucionária de arcar com os custos do Estado, que rapidamente ela se proliferará para todo o mundo. Repasse esse texto (ou idéia) aos meios de comunicação e a todos seus amigos, conhecidos e familiares. Toda caminhada começa com um pequeno passo. Obrigado.


 

Governo brasileiro, eleições, capitalismo e devaneios consistentes

 

Fernando Henrique Cardoso foi o pior governante que o Brasil já teve em toda a sua história. Além dos números já mostrados na mídia por alguns presidenciáveis, como Ciro Gomes e Anthony Garotinho (Eles disseram, baseado em estatísticas do IBGE e do BACEN, que FHC dobrou a dívida externa, quadruplicou a dívida interna, estagnou a economia, diminuiu o PIB, fez o Brasil passar de oitava economia do mundo para décima primeira) existem outros muito mais contundentes, (pena não me lembre a fonte e os números), que mostram estaticamente que o seu governo foi o pior que já tivemos nestes 502 anos de Brasil. Isso, é claro, não é divulgado da maneira como deveria. No entanto, a discussão não é por aí.

É óbvio que um governo nos moldes de FHC só pode ser ruim, pois ele quer ser tudo, menos governo. Suas prioridades e modos de agir indicam claramente a sua opção pelo neoliberalismo e o favorecimento de interesses de determinados setores. A máquina do governo torna-se cada vez mais inoperante e sem razão de ser. Para um governo igual ao de FHC, era melhor nem ter governo. A interferência dele só ajudou a piorar mais.

Se quisermos mudanças, cabe-nos lutar para concretizar novos modelos e propostas de governo. E quanto mais radicais, melhor. Paremos de preocupar com coisas sem importância como eleições. Quem luta para eleger Lula ou outro qualquer de oposição, pare com isso! O socialismo democrático se mostrou falho na prática. Não há como implantá-lo numa humanidade onde a maioria é ignorante, inconsciente e alienada. Há que se unir não em torno de um nome, mas em torno de idéias. Sou plenamente a favor do que está nos textos da “Biblioteca Virtual Revolucionária”. Temos vários pontos para serem trabalhados urgentemente: a supressão imediata do dinheiro, da propriedade privada dos meios de produção, a diminuição da carga horária de trabalho ao mínimo possível e acabar com a vinculação do trabalho a qualquer forma de remuneração, acabar também com a repressão moral, sexual e etc. Devemos organizar a sociedade de maneira em que todos tenham suas liberdades e necessidades saciadas. Isso seria o paraíso na terra. É plenamente possível e até mesmo fácil fazer isso. Se eu fosse um ditador com plenos poderes e todo mundo cooperasse, faria isso em pouco tempo, uns dez anos no máximo.

Apesar de várias besteiras ditas por economistas e demais intelectuais de direitas, o fato é que o capitalismo é um sistema falho, injusto e inumano. Não se trata de questão de opinião. Quem defende o capitalismo, defende a injustiça, defende o capital em detrimento do homem, defende a imperfeição em alto grau. Infelizmente, por mais que se fale e discuta, tudo termina aí. Não há nem mesmo como defender que o capitalismo é o melhor sistema possível. Uma tarefa de antemão já destinada ao fracasso. O capitalismo é simplesmente um reflexo do baixo nível em que o homem se encontra. É realmente um estado lamentável, o da humanidade. O homem usa sua inteligência para criar máquinas sofisticadas, mas sua personalidade é tão rasteira como a de alguns répteis. Algumas pessoas nem mesmo merecem ser chamadas de homens. Criam para si uma condição tão degradante, que nem podemos mais chamar de burrice, mas de pura inconsciência e alienação, já que até uma pessoa sem nenhuma inteligência pelos menos sente que isso lhe leva ao fundo do poço. Eu trabalho numa empresa (álias, são todas) na qual a minha a pessoa não tem o mínimo valor. Chegamos ao absurdo de ter que nos valorizar como mercadorias e com isso perder tempo estudando matérias inúteis, aprendendo a falar línguas estrangeiras, entre outras coisas. Até mesmo para sermos explorados, temos que nos tornar mercadorias atrativas. A minha pessoa, Thiago Maia, não representa absolutamente nada. Ou seja, nessa sociedade, eu sou nada. Minha poesia é nada, minha filosofia é nada, minha vida é nada. Em suma, sou apenas mais um indíviduo, entre outros bilhões, que vende a sua força de trabalho. Sou completamente descartável.

Sei que o que eu digo, apesar de ser o certo, não tem valor nenhum. O que importa é a opinião da maioria, que é manipulada e sofre de vários vícios inerentes à sua própria condição. Num debate puramente teórico, tenho certeza que a opinião vencedora a respeito de um modelo ideal para a sociedade teria várias semelhanças com a minha, mas, como já disse, o príncipio que governa o homem, não é o da razão, apesar das aparências. Assim vou vivendo, tendo olhos em terra de cegos, mas sendo tratado como mais um cego. Até mesmo esse texto é inútil. Se uma pessoa pelo menos se sentisse tocada por eles...

Não sejamos mais galinhas sem cabeça[*] perambulando pelas ruas.

Entendam o meu recado e mudem o seu coração.


 

Variações bem-humoradas do “cogito ergo”
ou
“Penso, logo existo” (Descartes)

 

Não existirei, logo me angustio — existencialista

Penso, logo desisto (de pensar) — racionalista conformado ou preguiçoso

Existo, logo aproveito — epicurista

Existo?! Por que?! — metafísico

Acredito que algo existe, logo o mesmo tem a obrigação de existir — dogmático radical

A matéria existe, logo nada mais pode existir — materialista

Penso, logo só existe o que se ajusta a meus conceitos e preconceitos — maus filósofos.


 

Notas

1. — retirado do artigo KARL POPPER — A DOUTRINA DO FALSEAMENTO, Alexandre Marques, página 3.

* — O Autor refere-se à poesia Galinha sem Cabeça, de Nathan Bernier, em «O Trabalho Interior», Editora Gilgamesh, que pode ser encontrada em http://www.odialetico.hpg.ig.com.br/thiago/galinha.htm [NE]

Galinha sem Cabeça

“Se o pescoço de uma galinha for cortado de repente,
seu corpo sai correndo sem cabeça".

Um dia saí do trabalho,
dirigi o carro pensativamente
e vi-me entrando na rua em que moro,
sem lembrar por onde tinha vindo,
por que lugares havia passado.

Um dia li vários parágrafos de um livro
para só então compreender
que não prestara a mínima atenção
— e nem sabia do que se tratava.

Um dia servi-me um refresco
e quando procurei o copo, ao lado,
estava vazio.

Um dia a manhã passou inteira
e quando reparei eram duas da tarde.

Um dia vivi toda a minha vida
e morri — sem notar.


 

© 2003 Thiago Maia
thiagomaiasantos@uol.com.br

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

__________________
Janeiro 2003

eBookLibris
© 2003 eBooksBrasil.org