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Manual de Exploração do Escraviário

Zé Ninguém

 

Manual de Exploração do Escraviário
Zé Ninguém

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©2001 SPE – Sociedade Protetora do Estagiário
www.estagiarios.hpg.com.br


 

 

Índice

Prefácio
O Escraviário e as Leis
O Escraviário no Contexto da Administração de Pessoal
O Escraviário na Onda Neoliberal Globalizada
O Escraviário e Ética/Responsabilidade Social Empresarial
O Escraviário é um Trabalhador?


 

 

MANUAL DE EXPLORAÇÃO DO ESCRAVIÁRIO

 

 

PREFÁCIO

A idéia e a pretensão de escrever este manual, surgiram a partir da minha vida cotidiana enquanto gerente e estudante de direito, também como escraviário (escravo + estagiário) do Curso de Administração de Empresas em um grande banco estatal. Vivenciei nesses longos anos, no ambiente de trabalho como gerente e estagiário (2 anos), os dois pólos da relação, Capital versus Trabalho. Na relação jurídica estágio, o predador anda em perfeita harmonia com sua presa.

Na verdade, confesso que a verdadeira vontade em escrever sobre esta temática, nasceu do choro e revolta de uma colega estagiária que após 15 dias do parto foi obrigada a retornar ao seu local de estágio, sob pena de rescisão do seu contrato. Seu medo e a necessidade do “emprego”, a fizeram voltar ainda com cheiro de placenta.

Este escrito é o que seu título diz: um manual. Não é uma obra científica. É algo para se ter à mão. Ao escrevê-lo, pensei em compor um guia ao representante do Capital de como bem explorar a mão-de-obra do escraviário alienado, um instrumento que facilitasse a todos que se utilizam dessa espécie de trabalhador a melhor se localizar nesta fascinante aldeia global do capitalismo selvagem.

Não me preocupei no aprofundamento de discussões doutrinárias acerca do assunto, com questões filosóficas e ideológicas, mas com o real habitat do escraviário no mundo do trabalho.

Perceberá o leitor, que em face da minha formação em Administração e Direito, algumas argumentações foram buscadas desses ramos da ciência e que o estágio de estudantes se revela um verdadeiro círculo vicioso e silencioso entre o estudante/escola/empresa.

Nos corredores da Justiça do Trabalho e nas andanças observando o ambiente de trabalho de várias empresas e órgãos públicos, pude observar como testemunha viva, a exploração do estudante escraviário, um jovem bicho homem sem identidade de trabalhador pois nem é prestador de serviço regido pelo Código Civil (locação de serviço), tampouco uma espécie de empregado, protegido pela CLT. É uma figura híbrida, sui-generis, que navega entre o estudo e o trabalho.

O que se observa é que a grande maioria das unidades concedentes de estágio, estabeleceram um caldo de cultura de que o estagiário é um empregado ou servidor público, fugindo aos objetivos que é de ensino e aprendizagem na linha de formação do estudante, usando como instrumento e máscara de emprego, pois é economicamente mais viável, mesmo correndo riscos em manchar o nome da instituição quando de eventuais reclamatórias trabalhistas.

Finalmente, a grande questão que se levanta. É o estagiário um trabalhador? Um trabalhador sujeito a algum direito social do trabalho ou trata-se apenas de um estudante em atividade voluntária, sem direito à remuneração de sua prestação de mão-de-obra , querendo conhecer apenas a gênese da sua “via crucis” profissional?


 

 

1 – O ESCRAVIÁRIO E AS LEIS

O escraviário é um neologismo criado pela irreverência dos próprios estudantes estagiários que labutam na dura vida do mercado de trabalho, em busca de um lugar ao sol. Para Aurélio Buarque de Holanda, escravo é aquele que está absolutamente sujeito a outrem e estagiário aquele que faz estágio ou tirocínio.

A figura do estagiário é a antítese entre o salvação e o pecado. Para o sistema capitalista globalizado, os direitos trabalhistas assegurados pela CF/88 do Brasil, elevam o “custo Brasil”, inviabilizando a competição de produtos produzidos na terra de tio FHC no mercado internacional, e o escraviário é a uma das tábuas de salvação. Por outro lado é pecado, porque o sistema capitalista de produção, não quer associar à sua marca que tem alto valor econômico, ao produto lançado no mercado internacional, a exploração de mão-de-obra que se constitui em uma chaga ainda aberta e crônica que derrama um substrato para a proliferação da revolta do consumidor politizado que aliou-se ao trabalhador explorado, este fenômeno é portanto, uma resultante da nova ordem mundial.

A definição legal dessa relação jurídica, vem estampada no art. 2° do decreto regulamentador que disciplina o assunto, dizendo que deve-se considerar o estágio curricular, “as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho do seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino”.

A figura do estagiário nas empresas, situando historicamente, foi instituída após a golpe militar de 31 de Março de 1964, em pleno regime militar, mais precisamente pela portaria 1022/67 do Ministério do Trabalho, cujo artigo terceiro já descartava a hipótese de vínculo empregatício, já alegrando a elite capitalista da época. Atualmente a matéria encontra-se regulada pela, Lei 6.474/77, parcialmente alterada pela Lei 8.859/94, regulamentada pelo Decreto n° 87.497/82. O estudante do curso de direito, está sujeito à legislação especial. (Lei 8906/94) como também o médico estagiário, que se constitui em um trabalho autônomo regulado pela Lei 3.999/61.

Trata-se de parcela de mão-de-obra de custo baixo, de grande vantagem econômica às pessoas jurídicas de direito privado e órgãos da Administração Pública, vez que o único encargo que a lei que rege a matéria impõe é somente a obrigatoriedade do seguro contra acidentes pessoais.

O seguro contra acidentes pessoais, tem seu período de vigência igual do Termo de Compromisso e a apólice deverá cobrir no período do horário do estágio, no transcurso da residência para o local de trabalho e vice-versa e em eventuais deslocamentos. A importância segurada varia em torno de R$- 3.000,00 a R$-4.000,00, os riscos cobertos são morte acidental, invalidez total ou parcial e no caso de ocorrência de invalidez permanente parcial, o escraviário receberá uma indenização proporcional ao grau de invalidez resultante.

Deve-se ressaltar que não são cobertas, em qualquer hipótese, despesas médicas, ambulatoriais ou hospitalares. O escraviário no caso de invalidez permanente receberá o “alto valor” segurado acima mencionado. Os beneficiários ocorrendo morte acidental é 50% para o cônjuge ou companheiro(a) e 50% para os herdeiros legais, sendo que na falta de cônjuge/companheiro(a), os beneficiários são os herdeiros legais e inexistentes, os sucessores legais.

Alguns doutrinadores mercantilistas, criticam o teor do artigo 1° da Lei 6.474/77 que é restritivo, autorizando somente as pessoas jurídicas a concederem o estágio, dizendo ser favoráveis a maior abrangência dos campos de estágio, em locais de trabalho como escritórios, consultórios de profissionais liberais que não estejam estruturados como pessoa jurídica, isto é, o que querem é estender o espectro dessa mão-de-obra às pessoas físicas que tivessem condições de proporcionar a “experiência prática” na linha de formação do estudante.

A corrida das empresas a esta modalidade de força de trabalho é provocada pelo alto esforço competitivo, na visão pura e antiética do lucro fácil e atualmente, também os órgãos públicos em face dos ajustes de pessoal, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal. Este fenômeno de substituição de mão-de-obra é porque a legislação sobre o assunto, afasta completamente o estagiário dos direitos sociais do trabalho, inclusive, podendo estagiar sem qualquer contraprestação pela atividade desempenhada e o administrador seja ele privado ou público, procura mostrar uma face social politicamente correta ou uma tentativa de Marketing Social, adotando um programa de estágio de estudantes, que nada mais é do que um sub-emprego aberto e disfarçado institucionalizado pelo Governo Militar e recepcionado pelo Estado Democrático de Direito..

A legislação não estabelece a carga horária diária para o estágio, dizendo apenas que deve ser cumprida pelo estudante, desde que compatível com seu horário escolar. No silêncio da lei disciplinadora, as unidades concedentes vêm descaradamente obrigando o estudante escraviário a cumprir a jornada de estágio diária de 8 horas e nota-se uma tendência de preferência aos alunos de curso superior., com prática em informática e curso de inglês, que tenham veículo próprio e celular. O estudante de parcos recursos, sem automóvel e celular, embora apresente bom desempenho escolar é taxativamente excluído do sistema por algumas empresas. É de pouco interesse, convênios para contratar estudantes dos cursos de 2° grau ou escolas de educação especial, em face do custo de treinamento e baixa produtividade, aliada à menoridade do estudante.

Como o escraviário não é um trabalhador que está protegido pelas Leis Trabalhistas, não há nenhum impedimento legal para a jornada de estágio iniciar a partir das 22:00 h, isso para o estudante maior de 18 anos e desde que compatível com o seu horário escolar. O horário noturno onde os empregados aceitam trabalhar mesmo desmotivados e o custo de produção aumenta pelo pagamento dos adicionais noturnos previstos na legislação.

Embora não abarcado pela Consolidação das Leis do Trabalho, a unidade concedente do estágio, deverá atentar que para jornada diária de até 6 horas, deverá ser concedido 15 minutos de descanso e 8 horas diárias, pelo menos uma (01) hora de intervalo. Ocorrendo o estágio entre 22:00 horas e as 5:00 horas, considerar cada 52 minutos e 30 segundos estagiados como sendo um hora. Em atividade de digitação, o descanso é de dez minutos para cada 50 minutos de atividade. A cada jornada semanal, corresponde a 5 dias de estágio, um dia destinado ao descanso semanal e o Domingo. Considere como descanso semanal entre Segunda-feira e Sábado, escolhido para utilização do repouso. É facultado alternar o dia de descanso desde que de comum acordo entre o escraviário e a conveniência da empresa. Também não há impedimento legal para o estágio em feriado, fazendo jus o estudante a bagatela de adicional de dia de bolsa-auxílio eventualmente remunerada.

Para não caracterizar uma relação de emprego, com o pagamento dos direitos trabalhistas, o empresário ou o administrador público, deverá cuidar basicamente:

observar se o aluno está comprovadamente freqüentando cursos de nível superior, profissionalizante do 2° grau ou escolas de educação especial;

se o aluno está apresentando trimestralmente o relatório das atividades do estágio, devidamente assinado pelo estudante/escola/unidade concedente;

não mudar o local do estágio e evitar deslocamentos do estudante;

se o estágio está propiciando a complementação do ensino e aprendizagem, atividades que são planejadas, acompanhadas e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares;

não permitir extrapolação da jornada diária e evitar a habitualidade do estágio em feriados;

não oferecer cursos de profissionalização por conta da empresa ou do órgão público;

evitar o estágio em atividade fim, direcionando o estagiário para atividade meio de menor complexidade.

proibir o estagiário de praticar tarefas insalubres e perigosas;

confeccionar o documento de vínculo do estágio – Termo de Compromisso, renovando no caso de prorrogação do estágio até 2 anos;

assinar a CTPS do estagiário, na página “Anotações Gerais”. como concedente do estágio.

A exigência do aluno estar regularmente matriculado, com freqüência efetiva e o estágio desenvolvido de acordo com os currículos, programas e calendário escolar, tem por fito desconfigurar uma relação de emprego com salário baixo e sem encargos para o empregador, sob a aparência de estágio. Não atendidos esses requisitos básicos, entende-se que o objetivo é fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação da legislação trabalhista, conforme prescreve o art. 9° da CLT, estando caracterizado para todos os efeitos o vínculo empregatício.

Mesmo não sendo a relação jurídica estágio um contrato de trabalho, pois considera-se sua natureza jurídica de âmbito civil, sem obrigatoriedade de remuneração, o estagiário está sujeito em ser responsabilizado pelos danos e prejuízos causados à unidade em que desempenha seu “escrágio” , no caso de incorrer em culpa por não conhecer e cumprir as normas internas, bem como recomendações ou requisitos ajustados entre as partes.

Não há nenhuma burocracia em resilir o contrato de estágio (Termo de Compromisso), mesmo antes do prazo estipulado, independentemente de intimação ou notificação prévia, não sendo devido qualquer indenização. Somente há a exigência de anotar na CTPS, o encerramento e a emissão de um documento atestando o período do estágio.

Aconselha-se a recrutar o estagiário através de agentes de integração (CIEE, IEL, MUDES..) que funcionam como verdadeiras centrais de cadastramento dessa espécie de mão-de-obra. Antes deve-se ter o cuidado de verificar e analisar se o agente possui ato constitutivo, estatuto ou contrato social devidamente registrado, CGC ou Alvará de funcionamento, relação das escolas conveniadas e respectivos comprovantes, jurisdição de atividade e pretensão referente à taxa de Administração. Esses agentes representam a empresa junto às instituições de ensino, para os procedimentos de caráter legal, técnico, burocrático e administrativo, conforme prevê o artigo sétimo do Decreto Regulamentador 87.497/82. Importante ressaltar que a taxa de administração, não pode ser descontada de eventual remuneração do estágio, pois há expressa vedação na Lei 6.494/77.

Preocupação maior não deve ter o administrador público com a descacterização do estágio, vez que em se tratando de concedente pessoa jurídica da Administração Pública direta ou indireta, da União, Estados ou Municípios, o manto da nossa Constituição Federal de 1988 protege, estabelecendo que não haverá nenhum vínculo como servidor público, em face do comando constitucional do art. 37, II, § 2°.

O comando constitucional do ingresso no serviço público somente por concurso público de provas (ou provas e títulos), evitando se assim o nepotismo, buscando a oportunidade para todos e a melhor aplicação dos recursos públicos, é utilizado pela grande maioria das entidades públicas na contratação de estudantes, entretanto, o atendimento a esses princípios fazem aumentar no serviço público o entendimento, a cultura de que o escraviário é um servidor.

A recente Lei de Responsabilidade Fiscal e a escassez de recursos orçamentários, vem obrigando o setor público, a utilizar na substituição dos servidores demitidos no ajuste de pessoal por força do diploma legal, o instituto do estágio, com baixo custo para o erário público. Esse baixo custo de pessoal é em tese, vez que havendo desvirtuação do estágio, o Estado está sujeito a pagar indenização com fundamento no enriquecimento ilícito, além dos desdobramentos políticos que derivam, vez que o próprio poder público que é protetor dos hipossuficientes, está a explorar a mão-de-obra do estudante trabalhador.

O administrador público, também deverá atentar para Súmula noventa e seis do Tribunal de Contas da União – TCU que aborda a situação do aluno-aprendiz. Não confundir o aluno-aprendiz que tem dotação orçamentária conforme o Decreto Lei 8.590/46 que prevê uma parte da dotação orçamentária para o pagamento da remuneração que se caracteriza em uma mão-de-obra com aprendizagem de uma atividade técnico-profissional com a figura do estagiário que é oriundo de faculdades e escolas técnicas e busca o conhecimento téorico da profissão que escolheram, cuja Súmula não se aplica.


 

 

2 – O ESCRAVIÁRIO NO CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL

 

Mesmo não sendo juridicamente um empregado ou servidor público, o escraviário faz parte da força ativa de produção da organização, figurando na base da pirâmide hierárquica e indiretamente fazendo parte do quadro de pessoal, sofrendo as conseqüências dos modelos administrativos de maximização de lucros, reengenharia, qualidade total...

Tema importante não poderia faltar, nesse contexto da Administração de Pessoal é a motivação do escraviário, pois afeta seu desempenho e ganhos de produtividade, podendo até contaminar todo o quadro de pessoal da unidade concedente, seja pública ou privada.

O entendimento majoritário entre os autores da matéria é de que embora haja discrepâncias quanto a aspectos da concepção do que seja motivação, existe um acordo geral sobre um motivo ser determinado fator que orienta o comportamento dos seres humanos. Esse motivo é constituído, usualmente, de um impulso (sempre interno) e de uma recompensa, que revela quando o objetivo do impulso é alcançado. O motivo deixa de existir quando o objetivo é alcançado.

Relativamente ao Fator Humano, quando utilizamos o termo MOTIVAR, estamos fazendo um alusão a um conjunto de ações que objetivam criar e manter alto o estado de ânimo das pessoas. A motivação, portanto, não é apenas uma técnica de administração do Fator Humano.

O psicólogo americano Abraham Maslow, defendeu a idéia de que o ser humano possui determinadas necessidades que pedem satisfação e que todas essas necessidades, estão sujeitas a interação das relações humanas para que possam ser satisfeitas.

Maslow classificou as necessidades a partir das mais elementares e básicas às mais sofisticadas e complexas. Elencamos a Hierarquia de Necessidades de Maslow:

1 – Necessidade de sobrevivência;

2 – Necessidade de segurança;

3 – Necessidade de participação;

4 – Necessidade de estima e prestígio;

5 – Necessidade de auto-realização.

Embora a maioria dos estudantes escraviários anotem em seus relatórios o alto grau de satisfação e motivação com seus estágios e não poderia ser diferente, pois teriam rescindidos seus contratos sumariamente pelos chefes de plantão, internamente não se sentem motivados e não exteriorizam, como se pode concluir pela aplicação da Teoria de Maslow, senão vejamos:

1 – Necessidade de sobrevivência: referem-se aquelas fundamentais para a manutenção da vida, tais como alimento, roupa, saúde, etc. Ora, para o escraviário não há a imperatividade da lei do estágio, obrigando a parte concedente pelo menos uma remuneração pela atividade desempenhada, tampouco outras recompensas como auxílio alimentação e auxílio doença. Para o escraviário alienado e necessitado que precisa sobreviver e auxiliar no sustento da família, essas seriam necessidades básicas para tirar da inércia sua motivação.
2 – Necessidade de segurança: dizem respeito fundamentalmente à necessidade que a pessoa tem de sentir-se livre dos riscos de uma possível insatisfação das necessidades de sobrevivência. Esta segunda necessidade na ordem das prioridades também está prejudicada, além de não ser obrigatório qualquer retribuição ao escraviário pelo produto do seu trabalho, não estando seguro nesta relação jurídica, pois pode ser rescindido seu contrato de estágio a qualquer tempo, sem direito a qualquer indenização ou mesmo um aviso prévio da unidade concedente.
3 – Necessidade de participação grupal e de afeição: são necessidades da pessoa participar, de ser aceita e de ser amada no grupo que participa. Será que isso ocorre no ambiente de estágio das empregas e órgãos públicos?
4 – Necessidade de estima: prejudicada. Está presente somente quando atendidas as anteriores.
5 – Necessidade de auto-realização: também prejudicada relativamente ao escraviário.

Toda organização seja capitalista ou não, têm em suas normas e estatutos, “um estoque de recompensas e punições”. Vejamos se o trabalhador escraviário tem recompensas: retribuição justa pelo seu estagio/trabalho (não, a lei do estágio não obriga pagamento de retribuição, sendo uma liberalidade), benefícios, elogios, participação em associações de classe, promoções (não, o escraviário é um alienígena na organização).

Portanto, de acordo com o ensinamento do psicólogo Maslow, não havendo atendimento das necessidades extrínsecas, não há motivação humana. Constata-se que nesta relação estudante/empresa/escola, não há a presença nem da primeira necessidade. Alguns escraviários ainda mostram alguns sinais de motivação e produzem mais ao sistema em face da promessa de um emprego, são como galinhas de granjas, expostas à luz intensa para que não durmam, e possam se alimentar mais e ganhar peso para o abate. A promessa do emprego é a luz que mantém acesa o escraviário na empresa privada. E os que estagiam no serviço público, onde não há meio de comprometimento de emprego em que o ingresso é somente por concurso público? Somente sendo um bom ator para representar assim alguma satisfação nesse sistema perverso que tem por princípio básico oferecer condições de... “aprendizagem profissional, social(?) e cultural” ao estudante.


 

 

3 – O ESCRAVIÁRIO NA ONDA NEOLIBERAL GLOBALIZADA

O livre jogo das forças do mercado e a redução da presença do Estado na Economia, a busca insana do lucro com maior eficiência, tudo isso somado à ausência de políticas de proteção em favor dos setores mais pobres, aliado também à revolução tecnológica, prenunciando uma sociedade pós-industrial na qual a tecnologia elimina mais emprego do que cria, está levando à formação de uma classe marginalizada econômica e socialmente. A atual onda tecnológica e o fenômeno da globalização, estão destruindo em curto espaço de tempo milhões de emprego, surgindo novos postos de trabalho em novos ramos da economia.

Esse novo mercado tem desfigurado o trabalhador típico, ou seja, o empregado, exigindo “colaboradores” com alto grau de informação e instrução, caracterizando um trabalho autônomo, temporário, não registrado e jornada de meio período, sem qualquer preocupação com o bem-estar do trabalhador, isto é, o que o mercado globalizado quer e precisa é de mão-de-obra barata, na busca incessante da eficiência a qualquer custo.

Nesse contexto de menor custo, é que se insere a figura do estagiário brasileiro. Há muito já se percebe uma corrida de parte de substituição da mão-de-obra permanente por estagiários, vez que não há encargos trabalhistas nesta modalidade de prestação de serviço, tampouco, necessidade de retribuição, pois aos olhos do legislador brasileiro, não é uma relação de trabalho, apenas educacional que gentilmente, as empresas e órgãos públicos oferecem sua estrutura e sua cultura, ao treinamento e formação do estudante sob supervisão escolar., além da flexibilidade em rescindir o contrato do estudante sem direito a aviso prévio e indenização.

Ocorre que o mercado de estágio, por força do processo de renovação tecnológica e da onda globalizante está exigente, priorizando a contratação somente de universitários com alta informação em informática e línguas, reprimindo os estudantes de 2° grau e de cursos técnicos. Atualmente pelos anúncios de recrutamento, já se nota requisitos de contratação, como por exemplo ter o estudante carro próprio e telefone celular e jornada diária de “escrágio” de oito horas.

A lógica do sistema neoliberal torna mais fortes e ricos aqueles que controlam o capital e mais fracos e pobres os que não podem contar senão com o produto do trabalho de seus braços e mentes. Na falta gritante de emprego e por não terem experiência prática na profissão, o estudante estagiário não tem outra saída a não ser tornar-se um “sacerdote do trabalho”, pois não tem reconhecimento e remuneração por sua atividade produtiva e que ante à realidade social, revela-se de caráter alimentar, tornando-se uma presa fácil para as armadilhas e artimanhas do capitalismo selvagem.


 

 

4 – O ESCRAVIÁRIO E ÉTICA/RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

A questão de ética nos negócios têm sido uma constante no meio empresarial e na mídia. Suborno, contribuições ilegais para políticos, exploração da mão-obra, e outros escândalos têm criado a percepção de que os empresários (alguns administradores públicos), utilizam meios ilícitos ou imorais para obter vantagem, diminuir custos ou melhorar suas posições pessoais. A maioria do empresariado não só o nacional como o internacional, argumenta que as práticas de negócios correntes ou aceitas é que devem governar o comportamento empresarial, tendo como slogan “todos os outros fazem isso”. Alguns extremados chegam a defender que a organização deve buscar toda a vantagem possível, sem preocupar com leis e costumes sociais tradicionais. Enfim, é a busca do lucro a qualquer custo.

São raras as empresas que cumprem fielmente as determinações da legislação sobre estágio, notadamente as instituições financeiras. O que se observa na maioria das empresas, com a conivência tácita das unidades de supervisão, em face do desemprego e da alta incidência de inadimplência nas escolas particulares, é o estudante extrapolando sua jornada de estágio (horas extras), atividade desempenhada na empresa/entidade sem nenhuma relação com a grade curricular, convocação para trabalho em dias não úteis e feriados, sem auxilio alimentação, baixo valor da bolsa-auxílio quando retribuída, jornada de estágio em horário noturno, além do que alguns estudantes trabalham mesmo doentes para não terem descontados os dias da sua bolsa. O estagiário é um trabalhador explorado e sofredor, despido de qualquer direito social trabalhista.

Não há a mínima preocupação estratégica da empresa, em ver associado ao seu produto, a exploração da mão-de-obra estudantil. Onde está residindo a responsabilidade social da grande maioria das organizações? O espectro de responsabilidade da empresa vai além de produção de bens e serviços para obter lucro.

As organizações, através do seu setor de gestão social, devem abraçar a ética nos negócios e a responsabilidade social como integrante de sua filosofia de trabalho, vem que não há sobrevivência e como fugir da tendência universalista do apoiamento de certos valores, independentemente de seus efeitos em outros valores, como os interesses econômicos.

A maioria do empresariado, julga que a simples contratação de estudantes, revela-se aos olhos da sociedade, uma ação socialmente justa, que venha melhorar a imagem da organização. Acreditam que essa sua ação “benemérita” pode oferecer novas oportunidades de negócios.

O empresariado aético, apoia-se no pensamento do Prêmio Nobel de Economia, Milton Fridman, que defende dizendo que “a responsabilidade social dos negócios é gerar lucros”. A argumentação dessa corrente doutrinária, apoia-se no princípio de que em uma sociedade capitalista, o desempenho econômico é a responsabilidade social primordial.

As unidades concedentes de estágio, devem ter uma postura em equilibrar o resultado econômico e a responsabilidade social empresarial, não se utilizando espertamente do instituto do estágio para diminuir seus custos de mão-de-obra e o escraviário alienado não pode ficar eternamente sendo explorado, passivo, tem que se manifestar, gritar, reclamar seja via grêmio estudantil/UNE, Justiça do Trabalho, Reitoria, MP do Trabalho, Min. da Educação, Min. do Trabalho, OAB... Enfim, escraviário, “mostra a tua cara”. !

O próprio administrador público, que deveria ter uma postura ética, na observância dos princípios da legalidade e moralidade, vem se utilizando dessa modalidade de prestação de serviço, explorando a mão-de-obra do estagiário, em substituição aos servidores demitidos por força do ajuste da recente Lei de Responsabilidade Fiscal. Não há na Ciência do Direito Administrativo Brasileiro, a figura do “estagiário servidor” e sim do “servidor estagiário” que é aquele que encontra-se sob estágio obrigatório de 3 anos, conforme prescreve a Emenda Constitucional 19/98.

O setor público, utiliza-se da figura jurídica de nomeação “agente público credenciado”, dando a aparência e criando uma cultura que o estudante estagiário é um “barnabé”. Nota-se que não há a mínima preocupação se o estagiário vai ingressar com reclamatória trabalhista no caso de desvirtuamento do estágio, vez que o manto da nossa Lei Maior, sob o comando constitucional do art. 37, II, disciplina dizendo que o ingresso no serviço público, só se dá através de concurso público de provas ou provas e títulos. Mesmo que o estudante estagiário, tenha seu estágio caracterizado como labor, ainda que seja declarado nulo, não pode ter reconhecido o vínculo de emprego, entretanto, o Estado está sujeito a indenizá-lo em face do princípio do enriquecimento ilícito, conforme jurisprudência do Tibunal Superior do Trabalho – TST.


 

 

5 – O ESCRAVIÁRIO É UM TRABALHADOR?

A questão fundamental que se levanta é se o estagiário é um trabalhador nesse atual mundo globalizado, de alta tecnologia, desemprego e miséria, que necessita do produto do seu “escrágio” para sobreviver e auxiliar a manter a sobrevivência de sua família, sujeito às ordens e direção da empresa/órgão público concedente do estágio. Para uns a bolsa-auxílio que as empresas vem retribuindo pelo esforço “educacional” do estudante, tem natureza de renda e para outros de remuneração, alguns alegando que trata-se de salário in-natura. Além do mais, seria o estudante estagiário um destinatário das normas constitucionais sociais do trabalho??

Buscamos a resposta a essa intrigante questão na nossa Lei Maior, a Constituição Federal Brasileira de 1988 que em seu art. 7°, diz, in verbis, caput: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (..).

Trabalhadores para os efeitos constitucionais, no entendimento da corrente majoritária são somente os que estão elencados na Constituição Brasileira: o empregado urbano e rural, o trabalhador avulso, a doméstica e o servidor público, estes dois últimos parcialmente. Portanto, o estagiário cuja relação educacional tem natureza jurídica de âmbito civil (não abarcado pela CLT), como também outras categorias de trabalhadores como o ”bóia-fria”, a diarista, o “chapa” e outros em que não se configura uma relação de emprego, estão fora da proteção constitucional.

O constitituinte originário da época, comandado por uma coalização de forças políticas (o Centrão) não atendeu à proposta da Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos de inclusão de “todos os trabalhadores”, vencendo a tese que só os trabalhadores empregados e os avulsos que são trabalhadores da orla marítima sem vínculo empregatício é que seriam sujeitos da norma constitucional trabalhista.

Portanto, o entendimento majoritário dos constitucionalistas é que esses cidadãos brasileiros excluídos do art. 7° da Constituição Federal de 1988 não são trabalhadores, merecedores dos direitos sociais do trabalho, até de alguns direitos humanos de segunda geração como o direito às férias, repouso semanal remunerado, licença maternidade/paternidade, à seguridade...

Entretanto, a interpretação sistemática da nossa Lei Maior para alguns doutrinadores de renome, como Amauri Mascaro Nascimento, A. F. Cesarino Junior, Marly A. Cardone, Carlos Henrique Bezerra Leite e outros é que a Carta Magna determina um trabalho ético e humano para todos, principalmente para os trabalhadores subordinados, não havendo necessidade de emenda constitucional, apenas lei infra constitucional, estendendo alguns direitos sociais fundamentais e na medida das atividades desses trabalhadores, vez que o art. 114 da CF/88 (..outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho), ampara esse entendimento. Ora o avulso, o empreteiro operário que são trabalhadores que não tem vínculo empregatício tem a proteção constitucional porque não estendê-la ao estagiário que é um trabalhador subordinado atípico?

Na prática, o instituto do estágio (criado em 1967 por portaria) nas empresas e órgãos públicos não se revela mais uma relação educacional e sim um verdadeiro sub-emprego, aberto e disfarçado, uma máscara para não caracterizar uma relação de trabalho, todo esse panorama crítico, provocado pela onda globalizante,pela crise econômica, pelo alto esforço competitivo das empresas brasileiras e pela escassez de recursos públicos (Lei de Responsabilidade Fiscal), tornaram a figura do estagiário um verdadeiro trabalhador de segunda categoria.

Trabalhador para o Direito do Trabalho, em sentido amplo, segundo do doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite (Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores, LTR/1997) é “toda pessoa física que utiliza sua energia física, mental ou intelectual em proveito próprio ou alheio, visando a um resultado determinado, econômico ou não ”. Esse tratadista do Direito do Trabalho, na obra citada acima, elenca o estagiário como “trabalhador subordinado atípico”.

Infere-se, que o estagiário tem notórios pontos de identidade com o trabalhador com vínculo empregatício conforme define a CLT no art. 3°, disciplinando que o empregado é “toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Na relação jurídica estágio, estão presentes aparentemente os requisitos do emprego, sendo muito tênue na prática, a diferença entre empregado/estagiário, por isso todo esse caldo de cultura de exploração que o “escraviário” é um funcionário ou servidor, senão vejamos:

a– O estagiário é “pessoa física”.
b– Está presente a “continuidade”, pois o estágio é de até 2 anos.
c– A “subordinação”: sujeito à direção, às ordens de superiores hierárquicos, aos regulamentos e estatutos da unidades concedentes, às vezes até transferidos de local de estágio (trata-se de requisito fundamental).
d– A “retribuição”: mesmo não sendo obrigatório por lei, o estagiário recebe comumente uma retribuição por suas atividades de aprendizagem, a chamada bolsa-auxílio ou outra contraprestação.
e– A “pessoalidade”: o estagiário em caso de ausência, não pode enviar outra pessoa. O Termo de Compromisso é ajustado para o estágio pessoal, não podendo ter substituição por outro estudante.

EM CONCLUSÃO, pode-se dizer que a extensão de alguns direitos sociais do trabalho ao estagiário é um imperativo de justiça social, pois observa-se que sofrem com a exploração de sua mão-de-obra, pois na realidade atual desse “Brazil globalizado”, de desemprego e crise econômica, o instituto do estágio hoje revela-se na prática uma verdadeira relação de trabalho e esses cidadãos brasileiros trabalhadores são discriminados juridicamente, uma vez que o aluno-aprendiz (um empregado especial) que está em um mesmo plano de igualdade ao estagiário na empresa, tem seus direitos previstos na CLT.

URGE, portanto, que o legislador edite lei, criando alguns direitos sociais para o estagiário, na medida de suas atividades, mesmo não sendo uma norma imperativa, a exemplo do que ocorreu com a extensão do FGTS facultativo à empregada doméstica, pois aos olhos do Supremo Tribunal Federal – STF, guardião da Constituição de 1988, essa lei criadora de direitos sociais para o estagiário, seria considerada inconstitucional porque estaria ferindo o art. 7° da Lei Maior Brasileira, vez que esse tipo de trabalhador não é destinatário da norma constitucional trabalhista, mesmo que parcialmente, por não ser empregado. Só que o ministro do TST, Nelson Antonio Daiha em um Recurso de Revista (402008/97), afirmou categoricamente que o “estágio tem caracteristica de emprego em potencial”.

Reafirma-se a necessidade urgente de alguns direitos sociais ao trabalhador estagiário, como já fazem por liberalidade algumas empresas brasileiras (BB: abono de faltas remuneradas para vários casos de ausência involuntária do estudante e a estagiária parturiente com 30 dias de descanso); FININVEST: férias remuneradas ao final de um ano de estágio), empresas multinacional (CLARIANT: férias remuneradas a cada 6 meses, DOW QUÍMICA: licença remunerada após um ano de estágio; JOHNSON & JOHNSON: férias remuneradas e participação nos lucros; MICROSOFT BRASIL: férias remuneradas após um ano de estágio; NEW HOLLAND: 13° salário e férias anuais; WHITE MARTINS: férias anuais e gratificação de final de ano; AVON: participação nos lucros e férias a cada 6 meses) e alguns órgãos públicos como o MINISTERIO PÚBLICO DE MS: férias remuneradas de 30 dias, após o primeiro ano de exercicio na função de estagiário e licenças remuneradas para tratamento de saúde, casamento ou luto e pelo período de 30 dias no caso de parto da estagiária.

Importante lembrar o preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 “Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais...”

A. F. Cesarino Junior (Direito Social, volume I, p. 33), citanto o jurista João Mangabeira, afirma que com relação à proteção aos mais fracos, a igualdade, não é, nem pode ser nunca um obstáculo à proteção que o Estado deve ao hipossuficiente. Consiste a igualdade sobretudo, em considerar condições desiguais, de modo a abrandar, tanto quanto possível, pelo direito, as diferenças sociais e por ele promover a harmonia social, pelo equilíbrio dos interesses e sorte de classes. A concepção individualista do direito desaparece ante a sua socialização, como instrumento de justiça social, solidariedade humana e felicidade coletiva.

Nossa Constituição Cidadã, ao proclamar a redução das desigualdades sociais como um dos princípios em que se baseia a ordem econômica, com o fim de assegurar a todos uma existência digna, reconhece que nossa sociedade é desigual, uma sociedade de classes, em cujo seio, a igualdade meramente formal perante a lei contrasta com a desigualdade real.

Finalmente, toda essa exclusão social dos Direitos Sociais Constitucionais do Trabalho relativamente à figura do trabalhador Estagiário, fere nossa Carta Magna em seus fundamentos de valorização do trabalho, com o intuito de garantir uma vida digna, assegurando os direitos sociais, promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação, erradicar a marginalização social, reduzir as desigualdades e construir uma sociedade

LIVRE,
JUSTA E
SOLIDÁRIA.

 

“SOCIEDADE PROTETORA DO ESTAGIÁRIO – SPE”
(ACESSE: www.estagiarios.hpg.com.br)


 

©2001 SPE – Sociedade Protetora do Estagiário

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Junho 2001

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