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A EVOLUÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO

Manoel Rodrigues Ferreira


A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro
Manoel Rodrigues Ferreira
1915-2010

Fonte Digital
Documento do Autor
Edição em cola e papel de 2005
Secretaria de Documentação e Informação do
Tribunal Superior Eleitoral
2ª edição Revisada e alterada
Com farta iconografia

Digitalização,
e
Versão para eBook
eBooksBrasil.org

© 2005 — Manoel Rodrigues Ferreira

 


Índice

A nossa tradição democrática
O Estado do Brasil, Membro do Reino de Portugal
As primeiras eleições gerais realizadas no Brasil
Mais duas eleições gerais
Uma consulta sobre matéria eleitoral
A primeira lei eleitoral brasileira
O privilégio do sistema eleitoral brasileiro
A Constituição de 1824
A Lei Eleitoral de 1824
A eleição do regente
As eleições municipais
As agitações políticas
A Lei de 4 de maio de 1842
A Lei de 4 de maio de 1842
A Lei de 19 de agosto de 1846
O problema das minorias
A Lei dos Círculos
Os partidos em 1870
Os processos de votação
Servos da gleba e plutocratas
A Lei de 1875
A Lei de 1875
A regulamentação de 1876
A Lei do Terço
O primeiro título de eleitor
A vitória dos liberais
A Lei Eleitoral de 9 de janeiro de 1881
A regulamentação da Lei de 1881
Finda o Império
Inicia-se a República
A primeira lei eleitoral da República
O “Regulamento Alvim”
A Constituição de 1891
A Lei Eleitoral de 26 de janeiro de 1892
A unidade nacional
Legislação do Estado de São Paulo
O primeiro decênio da República
A Lei Rosa e Silva
A República que findou em 1930
Passado, presente e futuro
O Autor
Notas


A EVOLUÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO

Manoel Rodrigues Ferreira


A nossa tradição democrática

 

Este trabalho traz a exposição, em ordem cronológica, de todos os sistemas eleitorais já adotados no Brasil. Neste primeiro tópico, a que damos o título geral de Evolução do sistema eleitoral brasileiro, pretendemos tão-somente ressaltar a importância dos regimes eleitorais, a fim de justificar as próximas publicações a que fazemos referência. O estudo da história, nesse campo, apresenta uma importância que transcende o simples interesse em conhecer a nossa legislação eleitoral através dos tempos, pois vem demonstrar que o povo brasileiro, desde os primeiros tempos do Descobrimento, sempre teve a mais ampla liberdade de escolher os seus governos locais.

Quanto à importância dos regimes eleitorais, já em 1830, o grande constitucionalista francês Cormenin afirmava: “A Constituição é a sociedade em repouso; a lei eleitoral, a sociedade em marcha”. Eis porque os cientistas políticos acham que a legislação eleitoral é matéria que deve ser tratada com um pouco mais de humildade.

A estabilidade da vida política norte-americana é conseqüência unicamente do sistema eleitoral que aquele país adota tradicionalmente, sem qualquer modificação substancial. No dia em que os Estados Unidos substituírem o seu regime eleitoral por outro, o seu sistema de partidos e a sua representação popular sofrerão modificações profundas, com todas as repercussões e conseqüências no seu organismo político-econômico-social. A mesma coisa se poderá dizer da Inglaterra. Isto não significa que esses dois países possuem um sistema eleitoral perfeito. Bem ao contrário. A legislação eleitoral brasileira é consideravelmente superior à da Inglaterra e à dos Estados Unidos. A tendência desses países é conservar a sua legislação eleitoral. A nossa tendência, como a da maior parte dos países, é aperfeiçoar a própria lei eleitoral. No entanto, possuímos uma legislação que é imperfeita, ainda. Cada um de nós é capaz de apresentar suas próprias idéias sobre as modificações que devem ser introduzidas na nossa lei eleitoral. A fertilidade da imaginação humana faz-se sentir em toda a sua exuberância nesse campo da legislação eleitoral. Mas, muito poucas vezes, e raramente, alcança o objetivo visado: eficácia e justiça.

As modificações das leis eleitorais brasileiras sempre tiveram a finalidade de alcançar um aperfeiçoamento. É justo, pois, que consideremos as sucessivas modificações dos nossos regimes eleitorais como uma evolução, não obstante apresentassem, por vezes, alterações profundas, conseqüentes ao advento de nossos regimes políticos.

É oportuno ressaltar que o direito do voto não foi outorgado ao povo brasileiro ou por este conquistado à força. A tradição democrática do direito de votar, de escolher governantes (locais), está de tal maneira entranhada na nossa vida política, que remonta à fundação das primeiras vilas e cidades brasileiras, logo após o Descobrimento.

Evidentemente, até à época da Independência, o povo só elegia governos locais, isto é, os conselhos municipais. Mas, considerando as atribuições político-administrativas das câmaras municipais no Brasil-Reino, as quais legislavam amplamente, distribuíam a justiça, etc., não se poderá negar a importância de que se revestia a eleição dos componentes dos conselhos. Analisaremos, oportunamente, com mais vagar este assunto. Por ora, vale ressaltar que o livre exercício do voto, de escolher governos locais, surgiu no Brasil com os primeiros núcleos de povoadores. Esse direito, as gerações seguintes sempre o defenderam, mesmo tendo de se insurgir contra os governadores-gerais e provinciais e contra eles representando os reis de Portugal.

Por isso, os bandeirantes paulistas, quando se embrenhavam nos sertões, iam imbuídos da prática do direito de votar e de ser votado. Quando, em 1719, Pascoal Moreira Cabral chega, com sua bandeira, às margens dos rios Cuiabá e Coxipó-mirim, e ali descobre ouro e resolve estabelecer-se, seu primeiro ato é realizar a eleição de guarda-mor regente. E naquele dia, 8 de abril de 1719, reunidos numa clareira no meio da floresta, aqueles homens realizam uma eleição. Imediatamente é lavrada a ata dos trabalhos: “(...) elegeu o povo em voz alta o capitão-mor Pascoal Moreira Cabral por seu guarda-mor regente até a ordem do senhor general (...)”, e mais adiante continuava o documento: “(...) e visto elegerem dito lhe acatarão o respeito que poderá tirar autos contra aqueles que forem régulos (...)”. Depois desse primeiro ato legal, eram fundadas as cidades já sob a égide da lei e da ordem.

Aqui, temos tão-somente o objetivo de relacionar, cronologicamente, os sistemas eleitorais que até hoje têm presidido as eleições no Brasil. Não reproduziremos, na íntegra, os textos das referidas leis, mas sim faremos unicamente um resumo delas, no que tinham de essencial.

Só por necessidade faremos, às vezes, brevíssimas referências a fatos e situações histórico-sociais que deram origem a algumas das leis eleitorais adotadas no Brasil.

A seguir, discorreremos sobre a legislação eleitoral contida nas Ordenações do Reino e que presidiram as eleições dos conselhos municipais do Brasil desde o primeiro século do Descobrimento até o ano de 1828.


O Estado do Brasil, Membro do Reino de Portugal

As repúblicas das vilas e cidades

Após a queda do Império Romano, a Europa mergulhou em completo caos. A instituição que se mantinha, dando aos povos uma relativa segurança, era a Igreja. Aos poucos foram surgindo os mercadores, que estabeleciam o comércio entre os artesãos, as cidades e os campos. Nas cidades, esses comerciantes que dominavam os burgos, isto é, as vilas e cidades, iniciaram a estruturação de um poder político que os fortalecia criando governos administrativos eleitos pelo povo. Surgiam, assim, as repúblicas das vilas e cidades, sob a orientação dos burgueses. Tinham os burgueses, entretanto, um poderoso inimigo: os senhores feudais, grandes proprietários de terras que possuíam suas próprias forças armadas.

Os reis detinham um poder temporal, recebido dos papas, como representantes de Deus na terra. Era a Teoria do Direito Divino dos Reis, cujos atos compreendiam sanção religiosa. Ainda assim não eram unanimidade. Possuíam declarada inimizade aos mesmos senhores feudais.

Como se vê, tanto as monarquias quanto as repúblicas das vilas e cidades tinham nos senhores feudais um inimigo comum, contra os quais ambas se uniram. Surgiam, dessa maneira, os estados-nação: os reinos, monarquias, cujos reis detinham poder vitalício e hereditário; juntamente com as câmaras das repúblicas das vilas e cidades, cujos membros eram eleitos pelo povo, por um número limitado de anos.

Paradoxalmente os estados-nação eram formados de monarquias e repúblicas. Portugal foi o primeiro estado-nação a surgir dessa forma na Europa, no ano 1128, na cidade de Guimarães.

O Brasil é patrimônio da Ordem de Cristo

Na Idade Média, por ocasião do movimento das Cruzadas para libertar a Terra Santa dos infiéis, foi fundada, em Jerusalém, no ano 1119, a Ordem dos Templários. Logo após, a Ordem se estabelece no Condado Portucalense (depois Portugal), recebe, a título de doação, o Castelo de Soure e ergue, posteriormente, o Convento de Tomar.

Em 1312, sob pressão do Rei Filipe, o Belo, da França, o Papa Clemente V suprime a Ordem dos Templários. Em Portugal, o Rei D. Diniz, utilizando todo acervo da extinta Ordem dos Templários, funda a Ordem de Cristo, governada pelos reis de Portugal. O infante D. Henrique, com esses bens, criou a Escola de Sagres, responsável pelos grandes descobrimentos marítimos. Todas as novas terras descobertas ficaram sob propriedade da Ordem de Cristo, inclusive o Brasil. Assim, as terras do Brasil não poderiam ser vendidas, somente doadas, seja pelos reis portugueses seja por seus representantes.

Após o Descobrimento, conhecendo o Brasil “por fora” e “por dentro”

Depois do Descobrimento do Brasil, em 1500, a Coroa Portuguesa tratou de conhecer-lhe o litoral. Para tanto, mobilizou seus cosmógrafos e cartógrafos, o que não era empreitada fácil. É preciso reconhecer que Portugal tinha um milhão de habitantes e precisava cuidar também da África e da Ásia. Assim, não bastavam homens especializados nesse mister, mas também dinheiro.

Apesar das dificuldades, já em 1519 o cosmógrafo Lopo Homem apresentava o seu mapa da “costa” brasileira (litoral do Brasil), com mais de 150 acidentes geográficos. Estava, pois, o Brasil conhecido “por fora”, ao longo do seu litoral.

Martim Afonso de Souza funda, em 1532, as duas primeiras vilas: São Vicente, no litoral, e Piratininga, no interior

Por determinação do rei de Portugal, em 3 de dezembro de 1530, parte de Lisboa a grande expedição, composta de cinco navios e mais de quatrocentas pessoas, chefiada por Martim Afonso de Souza. Depois de muitas peripécias, Martim Afonso de Souza chega a São Vicente, onde havia um grupo de portugueses e espanhóis, no dia 22 de janeiro de 1532. Em companhia de João Ramalho, sobe a Serra do Mar, onde funda, no planalto, junto a um rio chamado Piratininga, uma vila: a primeira no interior da América Portuguesa. Começava assim o Segundo Descobrimento do Brasil, o interior; pois o litoral fora o Primeiro Descobrimento. O objetivo era criar uma escola de sertanismo para formar homens que, afeitos à penetração das matas e à devassa das florestas do interior, fossem à procura da célebre Lagoa Dourada, que os índios denominavam Lagoa Paraupava e Vupabussú.

Surge o “Estado do Brasil”

Em 1549 é criado o Estado do Brasil, com sede em Salvador, na Bahia. Era o Govemo-Geral, ao qual ficavam subordinadas todas as capitanias.

A fundação das vilas e cidades

Não se pode ignorar a importância jurídica de se fundar uma vila. Martim Afonso de Souza fundou duas vilas, São Vicente e Piratininga, em um mesmo ano, 1532. No entanto, o documento que comprova a fundação das vilas não especifica qual das duas foi a primeira.

Eu, autor deste artigo, já expus em livros e em outros artigos que, por muitas e boas razões, Piratininga foi a primeira a ser fundada. São Vicente, localizada no litoral, constituía uma âncora de Piratininga. Foi, portanto, a segunda vila. O documento da fundação de ambas acha-se no “Diário” de Pero Lopes de Souza, irmão de Martim Afonso de Souza, que registrou todos os passos da expedição. Pelo documento, vê-se que houve um ordenamento jurídico a fundamentar legalmente a constituição de ambas as vilas, isto é, foram rigorosamente fundadas sob os aspectos da administração política (governo da República eleito pelo povo), da economia e da organização social (incluindo a existência de uma Igreja para os atos religiosos). É esse um dos mais belos documentos da nossa história. Deveria obrigatoriamente ser ensinado nas escolas, desde as primeiras letras.

É necessário acrescentar que Martim Afonso de Souza estava autorizado a utilizar o solo, de propriedade (patrimônio) da Ordem de Cristo, para fundar as duas vilas. A autorização foi-lhe concedida pelo governador dessa Ordem, o rei de Portugal. Martim Afonso distribuiu as pessoas que com ele vieram entre as duas vilas. Derrubaram a mata, limparam o chão, estabeleceram o plano urbanístico, abriram ruas, marcaram a praça, onde localizaram a Casa de Câmara e Cadeia, e tomaram lotes, tornando-se, cada um, proprietário do seu.

Estava estabelecida aquela nascente sociedade, regulada pelo livro máximo do Reino de Portugal, a “Ordenação do Reino”, que estabelecia os fundamentos jurídicos da Monarquia, no âmbito nacional, e das repúblicas das vilas e cidades, no âmbito local. E assim se desenvolveram as duas primeiras vilas do Brasil: São Vicente, no litoral, e Piratininga, no interior (hoje, a cidade de São Paulo).

A “Ordenação do Reino”

 

Estado-Nação:
REINO DE PORTUGAL

Formas de governo:
MONARQUIA (âmbito nacional)
REPÚBLICA (vilas e cidades)

Livro da Constituição dos dois estados
(Nacional e República), com suas leis,
códigos, etc.:

“ORDENAÇÃO DO REINO”

Organização política dos dois estados (Nacional e República)
1. MONARQUIA DE PORTUGAL
(vitalícia e hereditária)
2. REPÚBLICA DAS VILAS E CIDADES
(eleições populares)

 

Os dois esquemas acima são bastante esclarecedores. No primeiro, vemos que o Estado-Nação, denominado Reino de Portugal, era governado por uma Monarquia (no plano nacional) e pelas repúblicas (nas vilas e cidades). No segundo esquema verificamos que a “Ordenação do Reino” estabelecia a organização política desses dois estados (Monarquia e repúblicas).

Podemos dizer que as repúblicas das vilas e cidades eram a “célula-máter” do Reino de Portugal, juntamente com as repúblicas das vilas e cidades do próprio Portugal europeu.

O livro máximo do Reino de Portugal, “Ordenação do Reino” — não confundir com ordens reais, determinações reais, exigências reais, etc. —, esclarecia a maneira como era organizado o “Reino de Portugal”, composto de Monarquia e de repúblicas. Não era, pois, a “Ordenação” um livro somente da Monarquia, mas também das repúblicas. O Reino de Portugal compunha-se assim de Monarquia e de repúblicas. Tanto a Monarquia, com suas próprias leis e outras disposições, quanto as repúblicas das vilas e cidades, com atribuições, composição dos concelhos das repúblicas, o Código Eleitoral, além de outras disposições, possuíam capítulo próprio na “Ordenação do Reino”.

A história do povo do Brasil

Por se desconhecer a história das repúblicas das vilas e cidades no Brasil, no seu sentido político, econômico e social, tal como se acha na documentação relativa às suas câmaras, os historiadores desconhecem a história do povo durante esse período. A história do Brasil que se conhece, que sempre se cultivou, foi a história pela óptica da Monarquia de Portugal: os atos de reis, governadores-gerais, vice-reis, governadores das capitanias e demais altos funcionários da Coroa Portuguesa. É, na verdade, a história brasileira no contexto generalizado de toda a Nação Portuguesa, da qual o povo brasileiro não participava diretamente, pois, na Corte, não havia representantes do povo. Portanto, foi e é um erro procurar a história do povo do Brasil nessas searas.

A história do povo, como ser político, acha-se na história das repúblicas das vilas e cidades. Era nelas que a gente do Brasil exercitava o seu poder político, elegendo e sendo eleita para os cargos da sua República. Como vimos, a Monarquia Absolutista e o conjunto das repúblicas das vilas e cidades equilibravam-se reciprocamente. Supor que o povo em geral não possuía direitos e poderes políticos é um equívoco. Tinha-os e exercitava-os, de maneira ampla, nas repúblicas das vilas e cidades. É na documentação relativa a essas repúblicas locais que vamos encontrar a história do povo do Brasil de 1532 a 1829.

O Código Eleitoral

A eleição para os cargos das repúblicas das vilas e cidades era regida pelo Código Eleitoral da Ordenação do Reino, que em seus capítulos não explicitavam os órgãos da administração, mas referiam-se aos ocupantes dos diversos cargos e funções. Assim, a Ordenação do Reino de D. João IV, reimpressa em 1767 a mando de D. João V, tratava: “Dos juízos ordinários e de fora”, no título LXV, estabelecendo suas competências; “Dos vereadores” e das suas competências, no título LXVI; “Em que modo se farão a eleição dos juizes, vereadores, almotacés, e outros oficiais”, descrevendo minuciosamente o respectivo Código Eleitoral, no título LXVII; “Dos almotacés”, no título LXVIII; “Do procurador do Concelho”, no título LXIX; “Do tesoureiro do Concelho”, no título LXX; e “Do escrivão da Câmara”, no título LXXI.

O número de “oficiais” de uma República era determinado pelo número de moradores de uma vila ou cidade. Em geral, o número de vereadores variava de três a sete e o de juizes de um a dois. Procurador do Concelho era apenas um. Quando, uma vez por semana, os vereadores, os juizes ordinários e o procurador se reuniam para tratar das coisas respeitantes ao “bem comum da República”, dizia-se que eles “faziam câmara”.

“Oficiais” eram aqueles que exerciam uma determinada função, os “oficiais da Câmara”, no caso de cargos públicos; ou ofício, profissionais como os “oficiais mecânicos”, que executavam trabalhos manuais.

Assim, em uma república politicamente constituída, a presidência cabia a um juiz ordinário. A Câmara era o corpo Legislativo da República. O Executivo era exercido pelos procuradores, que cuidavam das obras públicas por intermédio dos almotacés, fiscais de pesos e medidas e também das moradias em relação às outras casas e logradouros públicos, e dos alcaides que, executando a função dos atuais chefes de polícia, eram encarregados da cadeia e dos presos. Como não existiam policiais militares, a Ordenação do Reino, para manter a ordem pública, determinava a criação de uma polícia civil com gente do povo. Eram “quadrilheiros”. Esses nada tinham a ver com o que determinava o “Regimento das Ordenanças”, que era o povo todo em armas, para guerras de ataque ou defesa, o que veremos ainda.

Nada mais era preciso acrescentar a essas vilas e cidades para que se constituíssem verdadeiras e autênticas repúblicas, como aliás se denominavam. Os próprios reis, quando a elas se dirigiam, chamavam-lhes repúblicas. Os documentos existentes são abundantes. É oportuno citar que todas essas funções eram exercidas graciosamente, devendo aqueles que faltassem às suas obrigações pagar multas às câmaras.

O Código Eleitoral das Ordenações

Já dissemos que os juizes, vereadores e procuradores das câmaras municipais eram eleitos por um ano. Vejamos agora como eram feitas essas eleições. Esse código eleitoral estava contido no Livro I, Título 67 das Ordenações. Não iremos transcrever aqui, ipsis litteris, esse código eleitoral, pois, se a realização das próprias eleições já era complicada, é fácil imaginar a dificuldade em se entender a redação do mesmo. Então, optamos por explicá-lo com a redação nossa, para torná-lo mais acessível àqueles que não estão acostumados com essa linguagem de há séculos. Comecemos, então. O mandato dos oficiais da Câmara era de um ano, mas não se faziam eleições anualmente. As eleições eram feitas de três em três anos. Isto é, num só escrutínio eram eleitos três concelhos: um para cada ano. Vejamos, pois, o processo de eleição.

Convocação dos eleitores. O concelho cujo mandato estava terminando, e por ser ele o terceiro, convocava eleições por meio de editais, convocando todos os cidadãos, homens bons e republicanos, para a eleição que seria realizada num determinado dia de dezembro. A denominação cidadãos significava o povo todo, ou melhor, a “Gente mecânica” ou os “Oficiais mecânicos”, que era a plebe que tinha o direito de votar, mas não de ser votada. Só podiam ser votados os que pertenciam à nobreza das vilas e cidades, ou seja, os denominados homens bons que recebiam também a denominação de republicanos. Os editais da Câmara Municipal de São Paulo usavam tanto uma como outra denominação, indiferentemente. Portanto, o sufrágio era universal, não havia qualificação prévia de eleitores, e nem restrições ao seu exercício. (Agora, um parêntese necessário: um sociólogo brasileiro, Oliveira Viana, afirmou que no tal “Brasil-Colônia” a massa do povo não votava, e fez tal assertiva, por desconhecer as Ordenações e a documentação existente, da qual a mais abundante no Brasil ê a da Câmara Municipal de São Paulo, que só começou a ser publicada em 1914. Desconhecendo essa documentação, Oliveira Viana, que era sociólogo e não historiador, fez tal afirmativa. Foi o bastante, para até hoje, qualquer um invocar a “autoridade” de Oliveira Viana, para “provar” que hoje o nosso povo não sabe votar porque esse direito lhe foi negado no tal “Brasil-Colônia”, etc. etc. Ora, em História não existem autoridades, mas sim documentos. E a documentação abundantíssima das nossas câmaras municipais, particularmente a de São Paulo, que foi a que mais se conservou, aí está para provar que Oliveira Viana foi leviano na sua afirmativa. Mas, deixemos em paz os pobres repetidores que, como papagaios, invocam a “autoridade” de Oliveira Viana E continuemos, fechando este parêntese).

A eleição de primeiro grau. Reunido o povo, começava a eleição. Cada cidadão aproximava-se da mesa eleitoral e dizia ao escrivão, em segredo, isto é, junto ao seu ouvido, sem que ninguém ouvisse, o nome de seis pessoas. Essas pessoas deveriam ser da nobreza local, ou seja, da categoria dos homens bons, ou republicanos, o que tinha o mesmo sentido. Eles eram “nomeados secretamente”, isto é, “sem outrem ouvir o voto de cada um” (observação: cada vez que usarmos aspas, tal significa que a referida expressão consta do Código Eleitoral das Ordenações). Essas seis pessoas em quem o cidadão votava deveriam ser as “mais aptas” para exercerem a função de eleitores do segundo grau. O escrivão ia anotando os nomes e, terminada a votação, “os juizes com os vereadores verão o rol, e escolherão para eleitores os que mais votos tiverem: aos quais será logo dado juramento dos Santos Evangelhos”. Isto é, esses seis mais votados seriam os eleitores do segundo grau, e que em seguida iriam se reunir para eleger os oficiais da Câmara para os três anos seguintes. O juramento dos Santos Evangelhos que lhes era exigido referia-se a que iriam escolher os melhores homens bons, os melhores da nobreza local, os melhores da República, três expressões que tinham o mesmo significado. E o juramento também se estendia ao fato de que nunca diriam em quem iriam votar. Ou melhor, nunca diriam em quem votaram.

A eleição do segundo grau. Esta era a segunda fase da eleição. Os seis eleitores, eleitos pelo sufrágio universal, iriam agora escolher os membros do Concelho, isto é, os oficiais da Câmara Municipal, ou o que é o mesmo, da República, para os próximos três anos. Continuemos, então, o processo. Os seis eleitores eram agrupados de dois em dois, formando três grupos. Dois de um grupo não podiam ser parentes, nem cunhados, até o quarto grau, segundo o Direito Canônico. E assim agrupados, deixavam o recinto da eleição do primeiro grau, e se dirigiam a outro local, onde continuaria o processo da eleição. E determinava a Ordenação: “E em outra casa, onde estejam sós, estarão apartados dois a dois, de maneira que não falem uns com os outros”. Isto é, dois de um grupo ficariam em um cômodo da casa, outro grupo de dois ficaria em outro cômodo e o mesmo com o terceiro. Dessa forma, dois de um grupo poderiam conversar entre si, sendo proibida a comunicação entre dois grupos vizinhos. Assim separados, os três grupos organizavam as suas listas de votação, ou seja, iriam votar em pessoas da nobreza da vila ou cidade, que deveriam ocupar os cargos de oficiais da Câmara Municipal nos próximos três anos. Exemplifiquemos como procedia um grupo: os dois eleitores, numa folha de papel, faziam tantas colunas quantos os cargos de oficiais a eleger. Geralmente eram três colunas, intituladas: juizes, vereadores e procurador. Sendo dois juizes para cada ano, esse grupo escrevia seis nomes; se fosse um só juiz para cada ano, a coluna teria três nomes. Na segunda coluna, sob o título “vereadores”, escreveriam um máximo de nove nomes, desde que eram três vereadores para cada ano. Se a vila ou cidade tivesse só dois vereadores, então a coluna teria somente seis nomes. Na coluna “procurador”, escreviam um máximo de três nomes, desde que sempre só havia um procurador em cada Câmara Municipal. Cada grupo tinha, pois, o seu rol de nomes. Vejamos o passo seguinte da eleição.

O processo de apurar a pauta. Em seguida, os três grupos entregavam os respectivos róis (relações) que haviam feito “ao juiz mais antigo, o qual perante todos jurará de não dizer a pessoa alguma os oficiais que na eleição ficam feitos”. O juiz mais antigo, isto é, que não estivesse exercendo o cargo, jurava, pois, que guardará segredo dos nomes escritos nos três róis. Passava agora o referido juiz a manipular aqueles nomes contidos nos três róis, num processo que recebia o nome de apurar a pauta ou alimpar a pauta. Ambos os nomes eram usados indiferentemente. Assim, o juiz “verá por si só os róis, e consertará uns com os outros, e por eles escolherá as pessoas que mais votos tiverem. E tanto que os assim tiver apurados, escreva por sua mão em uma folha, que se chama pauta, os que ficam eleitos para juizes, em outro título os vereadores, e procuradores, e assim de cada ofício”. Nessas condições, o juiz apurava a pauta, ou seja, juntava numa só folha de papel todos os nomes que constavam nas três relações organizadas pelos três grupos de eleitores de segundo grau. Evidentemente, por pura coincidência, alguns nomes deveriam aparecer em mais de um rol, nos três até. O juiz organizava, na referida folha de papel chamada pauta, três colunas, com três títulos: juizes, vereadores e procuradores. E em cada coluna colocava todos os nomes que constavam das respectivas colunas das três relações que havia recebido. Assim, na suposição de que não havia nomes repetidos, na coluna “juizes”, ele colocaria dezoito nomes (3x6); na coluna “vereadores” escreveria vinte e sete nomes (3x9) no caso de a Câmara Municipal ter três vereadores; dezoito nomes (3x6), no caso de haver só dois; finalmente, na coluna de “procuradores”, escreveria nove nomes (3x3), pois as câmaras municipais tinham um só procurador por ano. Estava, pois, concluído o processo de apurar a pauta ou alimpar a pauta. Em seguida, o juiz passaria à segunda fase do processo: dos nomes arrolados na pauta, selecionar os que iriam governar a terra nos próximos três anos. É o que veremos.

O modo de conciliar os nomes. Cabia agora ao juiz uma importantíssima tarefa: conciliar os nomes da pauta, segundo o seguinte critério que consta das Ordenações do Reino: “E para servirem uns com os outros, o juiz juntará os mais convenientes, assim por não serem parentes, como os mais práticos com os que o não forem tanto, havendo respeito às condições e costumes de cada um, para que a terra seja melhor governada.” Aí estava, pois, a sabedoria das Ordenações, ou seja, conciliar os nomes, para que a terra, isto é, o município, a República municipal, fosse melhor governada. Eis como agia o juiz: no caso dos juizes, ele iria escolher seis nomes, dividindo-os em grupos de dois, ou seja, dois para cada ano de mandato. No caso dos vereadores, dividi-los-ia em três grupos, cada grupo com três ou dois vereadores, conforme o uso da vila ou cidade. No caso dos procuradores, dividia-os em três, de um único nome em cada. Evidentemente, ao escolher esses nomes, o juiz era obrigado a rejeitar um grande número de pessoas, desde que ultrapassavam o total necessário. Estavam, pois, organizados juizes, vereadores e procuradores, para servirem nos três próximos anos. Essa nova pauta, organizada pelo juiz, seria guardada, como determinavam as Ordenações: “E esta pauta será assinada pelo juiz, cerrada e selada”. Mas antes que o fosse, o juiz iria escrever os nomes dos grupos separadamente, pois, a cada três anos, dever-se-ia conhecer os nomes dos grupos de oficiais da Câmara que haviam sido eleitos. E se ficassem todos nessa pauta, aberta, então se ficaria sabendo, de antemão, os grupos que iriam governar nos dois anos seguintes. Para evitar esse conhecimento prévio, o juiz, antes de fechar e selar essa pauta, iria dela retirar os nomes dos grupos formados, para passar ao processo seguinte da eleição. É o que passaremos a descrever.

Os pelouros da eleição. Inicialmente, vejamos o que eram os pelouros de cera da eleição. Quando começaram a surgir as armas de fogo, elas eram praticamente pequenos canhões que os soldados carregavam nas mãos. E esses canhõezinhos disparavam balas de ferro maciço, chamadas pelouros. Não eram grandes, talvez uns centímetros de diâmetro. Eram, pois, pequenas bolas de metal. No caso das eleições, usavam-se pelouros de cera, redondos e do mesmo tamanho dos pelouros dos canhões. Daí o nome. Mas, continuemos. Antes de fechar e selar a pauta dos grupos que iriam servir nos próximos três anos, o juiz procedia da seguinte maneira: escrevia em três papeizinhos os nomes dos três grupos de juizes (um ou dois nomes, conforme o caso) e colocava cada papelzinho dentro de um pelouro de cera e o fechava. Depois escrevia em três outros papeizinhos os nomes dos três grupos de vereadores (três nomes ou dois, segundo o caso) e colocava cada papelzinho dentro de um pelouro de cera e o fechava com cera mesmo. Finalmente tomava três outros papeizinhos e em cada um escrevia o nome do procurador, e cada papelzinho colocava dentro de um pelouro de cera. Aí estavam, pois, nove pelouros fechados: três de juizes, três de vereadores e três de procuradores. Vejamos agora o passo seguinte.

O saco dos pelouros no cofre. Ato contínuo, o juiz tomava um saco de pano, com três divisões: numa divisão onde estava escrito “juizes”, ele colocava os três pelouros de juizes; na segunda divisão onde estava escrito “vereadores”, ele colocava os três pelouros de vereadores; e finalmente, na divisão de “procuradores”, ele colocava os três pelouros de procuradores. Na última divisão do saco, o juiz colocava a “pauta cerrada e selada”. E esse saco era guardado num cofre de ferro, com três fechaduras, sendo que cada vereador cujo mandato se estava extinguindo ficaria com uma chave. Para abrir o cofre, posteriormente, seria necessária a presença dos três ex-vereadores, simultaneamente, como veremos. Cada ano, essas três chaves passariam sucessivamente aos vereadores cujos mandatos terminavam. De acordo com as Ordenações do Reino, aquele que cedesse sua chave a outro seria “degredado um ano para fora da vila”, e “pagará quatro mil réis” de multa. Estava, pois, findo o processo da eleição. O cofre ficava guardado na Câmara Municipal, e cada um ia para a sua casa.

A Abertura dos Pelouros

No fim do ano, geralmente em fins de novembro ou começos de dezembro, os oficiais da Câmara Municipal, cujos mandatos terminariam no último dia de dezembro, lançavam “pregão”, ou seja, edital, convocando o povo e homens bons para que em determinado sábado, à hora em que o sino da cadeia tocasse, todos se reunissem na sede do Concelho, para a abertura dos pelouros, e saberem quem seria designado para servir no ano seguinte. Dizemos designado, pois eleito já havia sido; dependendo da sorte, seria designado para um dos próximos anos. Convocados e reunidos após o sino bater, determinavam as Ordenações que, “perante todos, um moço de idade até sete anos meterá a mão em cada repartimento (do saco), e revolverá bem os pelouros, e tirará um (pelouro) de cada repartimento, e os que saírem nos pelouros, serão oficiais esse ano, e não outros.” Isto é, o jovem retiraria da primeira divisão do saco onde estava escrito “juizes” um pelouro, que era aberto e então todos ficavam conhecendo os nomes dos que iriam servir. E assim se procedia com os vereadores e procurador. Depois fechava-se o cofre, que era guardado novamente.

Em seguida, esses nomes eram levados ao conhecimento do ouvidor-geral, que os examinaria e expediria um documento chamado “carta de confirmação de usanças”, ou simplesmente “carta de confirmação”, ratificando a escolha feita, e assim os eleitos podiam tomar posse. Essas cartas de confirmação correspondiam às atuais diplomações dos candidatos eleitos nas nossas eleições, que também são assinadas pelos juizes presidentes dos tribunais regionais eleitorais. Os eleitos também recebiam, do escrivão da Câmara Municipal, um ofício comunicando-lhes que haviam sido eleitos.

A posse dava-se sempre na primeira oitava do Natal, ou seja, no dia 1º de janeiro do ano seguinte. Vejamos o significado dessa expressão “primeira oitava do Natal”: antigamente, considerava-se que o dia do Natal (25 de dezembro), por ser o dia do nascimento de Cristo, deveria ser o primeiro dia do ano, isto é, do ano que iria começar daí a oito dias. Assim, se o ano que estivesse correndo fosse o de 1618, eles não diziam 25 de dezembro de 1618, mas sim, 25 de dezembro de 1619, ou seja, já começava o ano seguinte. E como esse era o primeiro dia do ano, o dia 1º de janeiro seria o oitavo dia do novo ano, ou seja, a oitava do Natal conforme se dizia e escrevia. Dessa maneira, terminamos a exposição do Código Eleitoral das Ordenações do Reino, tal como era usado tanto em Portugal como no Brasil. As atas e registros da Câmara Municipal de São Paulo, já publicadas, provam que durante quase três séculos, se observara rigorosamente o Código das Ordenações e outras leis esparsas, que veremos mais adiante.

Entretanto, devemos fazer mais algumas observações ao processo eleitoral visto. Se, no momento da abertura do cofre, faltasse algum ou alguns dos vereadores que possuíam as chaves, por estarem fora da vila (ou cidade), o cofre seria arrombado por determinação do juiz. Se, no momento da abertura dos pelouros, faltasse algum dos oficiais que neles saíram, ausência devida a falecimento ou a estar no sertão, então seria feita, no mesmo momento, eleição só para esse caso, e então todos os homens bons do lugar, no momento presentes, votavam diretamente nos nomes que quisessem, para preencher o cargo ou os cargos vagos. E os nomes que fossem recebendo votos iam sendo anotados com uma barra (/), daí ser a eleição chamada de “barrete”. Seria eleito o que mais votos tivesse, ou seja, o que mais barretes tivesse. O mesmo processo era usado quando durante o ano falecia ou da vila (ou cidade) se ausentava por muito tempo um oficial da Câmara.

E agora, uma última informação. As cartas de confirmação de usanças, ou simplesmente cartas de confirmaçao, justificavam-se, pois, como já vimos, somente os homens bons da vila (ou cidade), que constituíam a sua nobreza local, poderiam ser eleitos. O ouvidor, ao receber a comunicação dos eleitos e designados, iria verificar nos seus assentamentos se eles podiam ou não ocupar os cargos.

Casa da Câmara e Cadeia

As vilas e cidades deveriam construir a então chamada Casa da Câmara e Cadeia com dois pisos: térreo e sobrado. No sobrado funcionava a Câmara da República; no piso ficava a cadeia, com celas para homens e mulheres, separadamente. Assim, os presos ficavam sob a jurisdição direta da Câmara, particularmente dos juizes ordinários, eleitos pelo povo.

As sessões e as audiências públicas

As sessões da Câmara da República eram realizadas com juizes, vereadores e o procurador na Casa da Câmara, no andar superior do sobrado. Mas as audiências públicas eram diferentes: o povo só era recebido, na Casa da Câmara, pelos vereadores e pelo procurador. Os juizes ordinários eram proibidos de dar audiência pública na Casa da Câmara. Havia uma casa separada, denominada Paço do Concelho, onde os juizes ordinários recebiam o povo em audiência. Na falta do Paço do Concelho, os juizes ordinários deveriam realizar audiências públicas em suas próprias residências.

As faltas

O mandato dos membros da Câmara da República era de um ano. Como suscitado anteriormente, nenhum deles recebia vencimentos ou qualquer tipo de remuneração. Além disso, o membro da Câmara que faltasse deveria justificar-se por escrito, do contrário, era obrigado a pagar multa.

El-Rei D. Sebastião cria as bandeiras

O jovem Dom Sebastião, XVI Rei de Portugal (e também do Brasil), nasceu em Lisboa, em 1554, e, aos treze anos de idade, pouco antes de ascender ao trono, escreveu as Máximas, que o orientariam ao tornar-se rei, e que seriam sua guia e norma. Esse documento é pouquíssimo conhecido em Portugal, tendo sido publicado pelo historiador português Mário Saraiva em seu recente livro D. Sebastião na história e na lenda (Editora Universitária, Portugal). Assim, nas suas Máximas, Dom Sebastião escreveu:

“Conquistar e povoar a Índia, Brasil, Angola e Mina.

Gabar [elogiar] os homens e cavaleiros que tiveram bons procedimentos, diante de gente [povo] e os que tiverem préstimo para a República, e mostrar aborrecimento às coisas a ela prejudiciais. Armar todo o Reino.”

Os termos colocados entre colchetes são meus. Notemos a importância que Dom Sebastião dava à “gente”, isto é, ao povo, e às repúblicas, isto é, às câmaras das repúblicas das vilas e cidades. Percebamos também que ele não escreveu “colonizar o Brasil”, mas sim, “povoar o Brasil”. Forte evidência de que as palavras “colônia”, “colonizar”, “colonos”, como temos dito, nunca existiram na História do Brasil.

Finalmente, notemos que El-Rei D. Sebastião estabeleceu a política de “Armar todo o Reino”. Já rei de Portugal (e do Brasil!), no dia 10 de dezembro de 1570, assinou o “Regimento dos Capitães-Mores, e mais Capitães e oficiais das Companhias da Gente (povo) de Cavalo e de Pé: e da Ordem que terão em se exercitarem.” É documento muito extenso que não temos espaço para fazer resumo aqui.

Foram criadas as milícias. Essas milícias, formadas também por esquadras (cada “esquadra” era composta de 25 homens), eram organizadas pelas câmaras das repúblicas das vilas e cidades, com toda a sua “gente” (habitantes). Dez esquadras, 250 homens, constituíam uma “companhia” chamada “Bandeira”. Toda essa milícia das vilas e cidades possuía uma hierarquia: cabos, alferes, sargentos, meirinhos, escrivães, capitães, eleitos pela Câmara da República. Formada da “gente” do povo, a milícia possuía armas próprias e reunia-se a cada quinze dias, para os exercícios militares. O gênio do malogrado Rei D. Sebastião assim estabelecia o que chamamos hoje de “Exército popular” para defender as próprias vilas e cidades. Aliás, 250 anos depois, em 14 de janeiro de 1775, o Ministro Martinho de Melo, de Portugal, dizia em suas “instruções” enviadas aos governadores das capitanias do Estado do Brasil: “As principais forças que hão de defender o Brasil são as do mesmo Brasil.”

Concluindo, em 1532, Martim Afonso de Souza fundou a Vila de Piratininga para constituir uma escola de sertanismo com o objetivo de formar sertanistas para penetrar nos desconhecidos sertões da América portuguesa, descobrindo-os, devassando-os. Exatamente 38 anos depois, em 1570, El-Rei Dom Sebastião cria as “bandeiras”, cuja finalidade era armar os sertanistas, formando, assim, as milícias bandeirantes, que tiveram também o objetivo de penetrar, descobrir, devassar o grande sertão da América portuguesa.

As câmaras das repúblicas davam posse

Quando os reis de Portugal nomeavam governadores das capitanias, enviavam ofícios às câmaras das repúblicas das sedes das capitanias, informando-as dessas nomeações. Davam notícias detalhadas dos nomeados e solicitavam às câmaras das repúblicas que lhes dessem posse logo após as suas chegadas. Ao chegar às cidades-sedes das capitanias, os novos governadores se dirigiam às câmaras, agora denominadas senados das repúblicas, e apresentavam suas credenciais. Os senadores da República, eleitos pelo povo, davam-lhes posse. Só então os governadores das capitanias passavam a exercer o cargo de representantes dos reis de Portugal.

As câmaras das repúblicas e dos senados

Conforme vimos no item anterior, nas capitais das capitanias, as câmaras das repúblicas recebiam a denominação e prerrogativa de Senado das repúblicas, com representantes eleitos pelo povo.

Correspondiam-se com os reis de Portugal

As câmaras e os senados das repúblicas correspondiam-se com os reis de Portugal, e, muitas vezes, reclamavam dos governadores das capitanias.

Os privilégios

No dia 6 de julho de 1715, D. João, rei de Portugal (e do Brasil também!), resolveu que “sobre ser conveniente ao bom serviço da República da cidade de São Paulo” concedia, “aos que servirem na Câmara dessa nobreza, privilégios de cavaleiros”. E mais adiante, dizia o rei: “todos os que na cidade de São Paulo servirem de juizes ordinários, vereadores e procuradores do Concelho fiquem com as mercês de cavaleiros e logrem os privilégios deles...”. Estava criada a Ordem dos Cavaleiros de São Paulo.

Os privilégios das cidades

Os reis de Portugal (e também do Brasil!) estenderam os privilégios de que gozavam os habitantes das cidades de Lisboa e do Porto às cidades-sede das capitanias do Estado do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís, etc.

As categorias sociais

As populações das repúblicas dividiam-se em três estados: nobreza (civil e militar), eclesiástico e povo, da mesma maneira que a realeza.

Vejamos, inicialmente, a nobreza de uma República do Brasil. A nobreza local não era estabelecida por qualquer ato do rei. Na Idade Média, essa classe era denominada “homens bons”, e consistia na camada superior da sociedade, a quem competia os cargos da República por intermédio das eleições populares. As primeiras famílias portuguesas de “homens bons” vieram para o Brasil na armada de Martim Afonso de Souza e, com ele, participaram da fundação de São Vicente e Piratininga, em 1532. Passaram, daí em diante, a se considerar, e a serem consideradas, “conquistadoras da terra”.

Seus descendentes diziam-se “descendentes dos conquistadores da terra”, o que lhes garantiam a categoria de “homens bons” e o privilégio de serem eleitos para os cargos da República. Assim acontecia em todas as vilas e cidades do Brasil. Somente uma pesquisa poderia dizer em que época essa categoria de “homens bons” passou a ser denominada “nobreza” (local). Ambas as denominações coexistiam, de maneira freqüente, com a de “repúblicos”, classe política dirigente das repúblicas locais.

Portanto, expressões como “homens bons”, “nobreza da terra” e “repúblicos”, comuns na documentação das repúblicas, eram sinônimas. Mas, como em diversas partes da Monarquia portuguesa estavam sendo eleitas pessoas sem essa qualificação, o alvará régio, de 12 de novembro de 1611, ordenava às câmaras das repúblicas que organizassem livros (“cadernos”) onde ficassem assentados os nomes dos nobres e seus descendentes, únicos que podiam ser eleitos para os cargos das repúblicas.

Essas nobrezas locais (das vilas e cidades) viviam exatamente à maneira da nobreza real, e segundo as suas leis. Dentre elas, a mais importante era a proibição de executar trabalho manual, o que aliás era norma em todas as nações da Europa e em seus domínios em toda a América. Os elementos da nobreza podiam executar trabalho manual, desde que não fosse para vender o resultado dele. O nobre local, que a isso fosse obrigado, teria o seu nome riscado dessa categoria social e não mais poderia ser eleito para os cargos da República.

Nas vilas e cidades, a nobreza era sempre muito reduzida e em sua maioria era constituída de proprietários de terras. Em outras atividades, como os senhores de engenho (indústria açucareira), por exemplo, também existiam elementos da nobreza. Quando alguém perdia a condição de nobre, passava a fazer parte da massa popular, que executava trabalhos manuais para viver e cujos membros eram denominados “oficiais mecânicos ”. Eram os sapateiros, alfaiates, barbeiros, ferreiros, etc. Existia outra classe, intermediária entre a nobreza e os oficiais mecânicos, que Bluteau, em seu dicionário, chamou de “estado do meio”, mas que os especialistas em nobiliarquia denominavam “ofícios neutrais” — tabeliães, escrivães, banqueiros, arquitetos, negociantes do atacado, os mestres de ler, escrever e contar, os professores de filosofia, de retórica, de gramática latina ou grega, etc. Os “ofícios neutros” não davam nem tiravam nobreza. Também não era permitido a eles o direito de participar da administração da República.

Resta falar dos escravos, que não constituíam classe social, à exceção dos forros, que eram classificados como “oficiais mecânicos”.

É oportuno frisar que os nobres que dirigiam a administração da República eram denominados “oficiais da Câmara”. A eleição que eles faziam dos “capitães de companhia da ordenança”, isto é, de “capitães de bandeiras”, só podiam recair em elemento da nobreza. Quanto aos outros postos da hierarquia militar das bandeiras, eleitos pelos “oficiais da Câmara” (nobreza), podiam ou não ser ocupados por elementos da nobreza: alferes e sargentos. Assim, as “bandeiras”, que saíam aos sertões, eram comandadas só por elementos da nobreza, embora fizessem parte da tropa tanto nobres como “oficiais mecânicos”, isto é, “gente da ordenança”, do povo.

O respeito do rei às repúblicas

É de se ressaltar que durante os quase trezentos anos da existência da nossa vida política, com simultaneidade de Monarquia e República, não se registra um único caso de intervenção do rei em repúblicas ou de fechamento de câmaras. Em contrapartida, em 1º de junho de 1490, o rei D. João II concedeu à cidade do Porto (Portugal) “certos privilégios, liberdades e isenções” estendidos a muitas capitais das capitanias do Brasil como São Paulo (1714), Rio de Janeiro (1644), Salvador (Bahia), São Luís (Maranhão), Recife (Pernambuco), etc.

O “estado do meio”

A partir do início do século XVIII começou a surgir tanto no Brasil quanto em Portugal uma nova classe que hoje chamamos de “burguesia”, mas que à época era denominada “estado do meio” (Bluteau). Essa nova classe não pertencia nem à nobreza nem aos “oficiais mecânicos” (povo). Embora vivesse sob lei da nobreza, não tinha os direitos políticos (privilégios) daquela. Assim, não podia ocupar, na Câmara, os cargos da República.

Tal proibição originou a Guerra dos Mascates. Em 1707, a burguesia do Rio de Janeiro protestou, em representação ao rei, contra a nobreza, que não lhe permitia ocupar cargos na respectiva República. Posteriormente, em 1732, foi a vez da nobreza do Rio de Janeiro, em representação ao rei, protestar contra alguns funcionários da Corte que não respeitavam os seus privilégios de acordo com os privilégios concedidos à nobreza da cidade do Porto.

Esses conflitos que começam a surgir são, em geral, provocados pela burguesia, o “estado do meio”. Em meados do século XVIII, começa a instalar-se nas três Américas uma organização secreta, a Maçonaria. Essa organização recruta os descontentes do “estado do meio” que almejam parte do poder político reservado exclusivamente à nobreza local. Por sua vez, a classe letrada, como os advogados, são doutrinados pela leitura em francês, dos autores do Iluminismo e de Rousseau que pregam a revolução político-social, com o advento da representação popular em nível nacional. Essa é a verdadeira fermentação contra a Monarquia portuguesa, não atos isolados como os motins.

A idéia revolucionária dá-se, entretanto, somente nas cidades de intenso comércio, como Vila Rica (hoje Ouro Preto) ou nas cidades do litoral. Esse movimento não existe na cidade de São Paulo, pobre, mas rica na tradição de devoção à Monarquia. Os ideais revolucionários não ativeram-se a membros do “estado do meio”, constituído pela burguesia, expandiu-se também aos intelectuais.

O movimento incitado pelos burgueses explode em 1789, com os inconfidentes mineiros, que se utilizam de um pretexto — como em todas as revoluções — para deflagrá-lo: a cobrança de impostos por parte do poder real. Duas facções da Maçonaria se defrontam nesse momento: a “azul”, que deseja a permanência da Monarquia com Parlamento nacional eleito pelo povo; e a “vermelha”, que deseja a supressão definitiva da Monarquia. Daí a primeira (“azul”), por intermédio de Joaquim Silvério dos Reis, denuncia a segunda (“vermelha”), o que leva Tiradentes à forca (Tiradentes fora condenado à morte por exercer o ofício de alferes das tropas regulares; tinha a função de carregar a bandeira do rei, daí a gravidade do seu gesto de lesa-majestade). Ressalta-se que uma simples solicitação da nobreza da Câmara de Vila Rica ou do Rio de Janeiro à Rainha D. Maria I teria salvado a cabeça de Tiradentes. Mas tanto essas, como todas as câmaras de todas as repúblicas, estavam ao lado da Monarquia contra os inconfidentes.

Quanto ao povo (“oficiais mecânicos”) que constituía a tropa, o Exército da República, além de não doutrinado para ficar ao lado dos inconfidentes, não fora dirigido, nesse sentido, pelos superiores hierárquicos, os capitães das companhias (bandeiras), os sargentos-mores e os cabos, que eram eleitos pelas câmaras das repúblicas. Posteriormente, a Inconfidência Baiana foi uma tentativa malograda de envolver o povo nessa revolução. Da mesma maneira a Revolução Pernambucana de 1817.0 êxito da revolução contra a Monarquia — a Revolução Liberal — teve início em Portugal (Porto), em 1820, estendendo-se ao Brasil, em 1821, onde foi vitoriosa por ter sido dirigida pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em mãos do “estado do meio”, sendo o seu chefe José Clemente Pereira. Fazendo a Revolução Liberal, as câmaras tomadas à força pelos revolucionários deram o golpe de morte nas suas repúblicas.

A Revolução Liberal

A Revolução Liberal, que eclodiu no dia 24 de agosto de 1820, na cidade do Porto, em Portugal, foi dirigida pela Loja Maçônica, denominada Sinédrio, e estendeu-se ao Brasil pelos elementos da Maçonaria Vermelha que aqui, executando o mesmo movimento revolucionário havido em Portugal, dominaram as repúblicas das vilas e cidades, colocando-as ao lado das cortes de Lisboa. Instaurava-se assim, no Brasil, em 1821, a Revolução Liberal, aprisionando o Rei Dom João VI e enviando-o a Portugal, como exigiam as cortes de Lisboa.

No Brasil, foram eleitos os deputados às cortes de Lisboa, que se dividiam entre “vermelhos” (republicanos) e “azuis” (monarquistas), mas estes liberais, isto é, com Constituição e Parlamento eleito pelo povo. Como só existia um partido político, a Maçonaria, seus próprios integrantes dividiram-na, publicamente, em “Grande Oriente” (republicana) e “Apostolado” (Monarquia com Constituição e Parlamento eleito pelo povo). Da luta que se seguiu, venceu o Apostolado, tendo o Príncipe Regente, Dom Pedro, declarado a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, instaurado o Império do Brasil e outorgado a Constituição de 1824, concedendo a nacionalidade brasileira a todos aqui nascidos e aqui residentes.

É de se perguntar se o regime que terminava, a Monarquia Absolutista de Portugal, era mesmo “absolutista”. A resposta é negativa, pois esse termo não existira antes, isto é, até ser substituída(o) em 1820. O vocábulo “absolutista” foi um rótulo aplicado à denominação Monarquia, que nunca antes existira. Aliás, se não existira a Monarquia absoluta, sem representação popular junto à ela, existiram, entretanto, as repúblicas, eleitas pelo povo, das vilas e cidades e que contrabalançavam o poder real, conforme vimos ao longo de 290 anos no Brasil (l532-1822).

Também não existia, de 1500 a 1815, o termo “colônia” aplicado ao Brasil, tal como se adotou nos manuais escolares de 1822 em diante. Isto é, a denominação “Brasil-Colônia” nunca existiu em nossa História, mas sim, “Estado do Brasil”, de 1549 a 1815, data esta em que o Rei Dom João VI tornou o Estado do Brasil em Reino do Brasil, até 1822. Nossos antepassados nunca conheceram a denominação “Brasil-Colônia”. É pois um rótulo condenado também pela moderna Teoria da História, que surgiu com o movimento de historiadores em 1929, na França, denominado École des Annales. Da mesma maneira, os termos “município” e “municipal” nunca existiram no nosso passado, uma vez que só foram introduzidos no Brasil pela Constituição de 1824, que os copiou da Revolução Francesa de 1789. Como os muitos historiadores não haviam conhecido a realidade das nossas repúblicas das vilas e cidades na documentação histórica, passaram a adotar os termos “município” e “municipal” para designar aquele antigo termo “República”. Assim, esses rótulos “município” e “municipal”, inexistentes entre o período de 1532 a 1822, precisam ser abolidos, pois dão uma idéia errônea do nosso passado em que só existiam as repúblicas das vilas e cidades.

Vejamos em seguida algumas modificações havidas na passagem do regime da Monarquia portuguesa para o Império do Brasil, em 1822.

Os juizes ordinários, antes eleitos pelo povo nas repúblicas, foram suprimidos nos novos municípios, e suas atribuições incorporadas no novo Estado brasileiro.

Tanto o rei quanto a bandeira do rei (símbolo de todo o povo) representavam a Nação. O rei foi substituído pelo Imperador do Brasil, e a Bandeira do rei foi substituída pela Bandeira do Império do Brasil, que passou a representar exclusivamente o povo brasileiro.

Contudo, a grande transformação foi quanto ao direito de ser votado e de votar. Até 1824, havia uma categoria social, a “nobreza das vilas e cidades”, que tinha o privilégio (direito) de ser votada pelo povo para os cargos das repúblicas. Vimos que o movimento formado pelos negociantes, o “estado do meio”, a “gente da vara e côvado” como se dizia, criou e ampliou seu espaço. Os negociantes almejavam ter os mesmos privilégios (direito) da nobreza das vilas e cidades: serem eleitos para os cargos da República, aos quais vinham juntar-se também os advogados e intelectuais, que eram os dirigentes da Maçonaria, quando esta foi introduzida nas três Américas, em meados do século XVIII.

Com a vitória da Revolução Liberal, essa “nobreza das vilas e cidades” perdeu completamente os seus privilégios, e o “estado do meio” tornou-se vitorioso, passando a dominar o Império, novo regime, e passando a receber o nome de burguesia. Instaurou um novo privilégio: só poderiam votar e ser votados os cidadãos que tivessem determinada renda anual medida em dinheiro corrente. Assim, muitos membros da antiga “nobreza das vilas e cidades” foram excluídos por não possuírem essa renda anual.

Destaca-se uma oportuna consideração final. No início deste capítulo, vimos como os burgueses, na Idade Média, criaram e dirigiram as repúblicas nas vilas e cidades. Depois, ao longo do tempo, esses burgueses, denominados “homens bons” ou “repúblicos”, ao se tornarem fundadores de novas vilas e cidades, passaram a receber uma nova denominação: “nobreza das vilas e cidades”, que tinha o privilégio político de ser a única a ser votada para os cargos das repúblicas. Opondo-se a essa nova denominação de nobreza, começou a estruturar-se uma nova burguesia, o “estado do meio”, que se tornou vitorioso com a Revolução Liberal e passou a dominar o Estado Novo, o Império do Brasil.

Eis, pois, o que acontecera: na Idade Média, os burgueses criaram e passaram a dominar as repúblicas das vilas e cidades. Com a Revolução Liberal, sob outra designação, “nobreza das vilas e cidades”, passaram, pela primeira vez na história, a dominar os governos dos estados nacionais. Da Idade Média até a Independência, em 1822, passaram-se mais de 1.500 (mil e quinhentos) anos para a burguesia ganhar os governos modernos, dos estados nacionais, como no Brasil.


As primeiras eleições gerais realizadas no Brasil

Em 1820, quando D. João VI ainda se achava no Brasil, dois movimentos revolucionários irromperam em Portugal, dando origem a duas juntas, que coexistiam harmonicamente. Uma, tinha o objetivo de governar, e a outra, de convocar as cortes, no menor prazo de tempo possível. Foram esses movimentos que levaram D. João VI, em 1821, a voltar a Portugal, deixando o Brasil. Uma das juntas, a Junta Provisional Preparatória das Cortes, ficara encarregada de providenciar a eleição dos deputados que iriam compor as “Cortes Gerais de Lisboa”. Os deputados seriam eleitos pelos povos de Portugal, Algarve e Estado do Brasil, e, nas cortes, deveriam redigir e aprovar a primeira carta constitucional da Monarquia portuguesa.

Seria essa a primeira eleição geral a ser realizada no Brasil, pois, como já vimos, as eleições em nosso país tinham um caráter puramente local, isto é, eram realizadas somente para eleger governos locais, ou, melhor dizendo, os oficiais das câmaras. Pela primeira vez, iriam ser realizadas eleições gerais, que abrangeriam todo o território brasileiro, com a finalidade de eleger representantes do povo a um parlamento: as Cortes de Lisboa.

A junta portuguesa encarregada de convocar as eleições, devido à premência do tempo, viu-se em dificuldades para organizar uma lei eleitoral que servisse aos seus objetivos. Resolveu, por isso, adotar a lei eleitoral estabelecida pela Constituição espanhola de 1812. Pequenas modificações foram introduzidas, unicamente com o objetivo de adaptá-las às particularidades do reino português.

Ainda no Brasil, D. João VI assinou decreto, de 7 de março de 1821, convocando o povo brasileiro a escolher os seus representantes às Cortes de Lisboa. Juntamente com esse decreto, foram expedidas as “Instruções para as eleições dos deputados das Cortes, segundo o método estabelecido na Constituição Espanhola, e adotado para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve”, conforme rezava o título do decreto referido.

O número de deputados

As Instruções constituíam o que denominamos modernamente de lei eleitoral. O capítulo I dispunha sobre o modo de formar as cortes, e o seu art. 32 determinava:

“(...) cada província há de dar tantos deputados quantas vezes contiver em sua povoação o número de 30.000 almas e que se por fim restar um excesso que chegue a 15.000 almas, dará mais um deputado, e não chegando o excesso da povoação a 15.000 almas, não se contará com ele”.

Desde que o Brasil, pelo último recenseamento, de 1808, possuía 2.323.366 habitantes, seriam 77 deputados. Como as frações das províncias ficaram desprezadas, o número total ficou reduzido a 72 deputados.

A lei não fazia referência a partidos políticos, que não existiam nessa época. Também não havia qualificação prévia de eleitores. O capítulo II, art. 34, estabelecia que “se deverão formar Juntas Eleitorais de Freguesias, Comarcas e Províncias”. Como veremos, esse sistema permitia a eleição em quatro graus, o que era um verdadeiro absurdo, comparado com o código eleitoral das Ordenações, que determinava somente dois graus.

*

As Instruções de 7 de março de 1821 estabeleciam um sistema de eleições em quatro graus: o povo, em massa, escolhia os compromissados; estes, escolhiam os eleitores de paróquia, que, por sua vez, escolhiam os eleitores de comarca; finalmente, estes últimos procediam à eleição dos deputados. Descreveremos, a seguir, os processos de eleição adotados em cada grau.

Juntas eleitorais de freguesias

Não havia qualificação prévia de eleitores, nem partidos políticos; todos os habitantes de uma freguesia seriam eleitores (a província dividia-se em comarcas; e estas, em freguesias). O artigo 35 determinava: “As juntas eleitorais de freguesias serão compostas de todos os cidadãos domiciliados e residentes no território da respectiva freguesia (...)”. O povo votava em massa, inclusive os analfabetos, não havendo qualquer restrição ao voto. Esse era o eleitorado de primeiro grau, que iria escolher um certo número de concidadãos denominados compromissários. Quantos compromissários seriam eleitos? Para sabê-lo, seria necessário conhecer, antes, quantos eleitores da paróquia seriam eleitos pelos compromissários. Procedia-se, então, da seguinte maneira: “Nas juntas ou assembléias paroquiais, será nomeado um eleitor paroquial para cada 200 fogos” (art. 39). (Por fogos, subentendem-se moradias, ou mesmo famílias). O resto, excedendo de cem, daria mais um eleitor paroquial. Conhecido o número de eleitores paroquiais, calculava-se o número de compromissários. O art. 42 dizia que, para cada eleitor paroquial, deviam ser eleitos 11 compromissários; para dois paroquiais, 21 compromissários; para três, 31. Esses 31 compromissários eram o limite, pois a lei estabelecia que “nunca se poderá exceder este número de compromissários, a fim de evitar confusão”. Esses números eram diferentes para as freguesias pequenas, mas deixamos de mencioná-los, a fim de abreviar esta exposição. Em resumo, dividindo-se o número de fogos por 200, tinha-se o número de eleitores paroquiais a eleger. Sabendo-se este número, calculava-se o total de compromissados que seriam escolhidos pelo povo.

No dia da eleição, o povo reunia-se na Casa do Conselho (Câmara Municipal), sob a presidência do juiz de fora ou ordinário, ou vereadores, e também com a “assistência do pároco, para maior solenidade do ato”. Inicialmente, toda a assembléia eleitoral deveria dirigir-se à igreja Matriz, onde seria celebrada missa solene do Espírito Santo. O pároco faria “um discurso análogo às circunstâncias”. Terminada a missa, a assembléia (o povo) volta à Casa do Conselho, e organiza-se a junta eleitoral dentre os presentes. Além do presidente, que era o juiz ou um vereador, eram escolhidos dois escrutinadores e um secretário. Em seguida, não havendo denúncias de subornos ou conluios, que eram proibidos, passava-se à eleição dos compromissados. Os cidadãos chamados ditavam ao secretário da mesa os nomes das pessoas nas quais votavam para compromissados, mas ninguém podia votar em si mesmo. A seguir, a mesa proclamava os compromissados eleitos à “pluralidade de votados”. Imediatamente, os compromissados retiravam-se para um recinto separado e, ali, procediam à eleição do eleitor ou eleitores paroquiais, que deveriam ser maiores de 25 anos, “ficando eleitos aqueles que reunirem mais de a metade dos votos”. Voltavam os compromissários à assembléia e entregavam o resultado à junta eleitoral. A seguir, era lavrada a ata (ou termo), cada eleitor paroquial (de 3° grau) ficando de posse de uma cópia, que seria a sua “nomeação”, como dizia a lei. Após, a junta dissolvia-se. Então, “os cidadãos que formavam a junta, levando o eleitor ou eleitores (paroquiais), entre o presidente, escrutinadores e secretário, se dirigirão à igreja Matriz, onde se cantará um Te Deum solene”.

Os eleitores de paróquia (de 3º grau), de posse dos seus diplomas (cópias da ata), dirigiam-se, após a eleição, às cabeças das respectivas comarcas. A eleição que eles iam agora proceder realizava-se no domingo seguinte ao da eleição anterior.

Juntas eleitorais das comarcas

Os eleitores de paróquia iriam eleger os eleitores de comarca. Quantos seriam estes? Segundo as Instruções, os eleitores de comarca seriam o número triplo dos deputados a eleger (em cada província).

No dia da eleição, os eleitores de paróquia reuniam-se no Paço do Concelho (Câmara Municipal), sob a presidência do corregedor da comarca, e, “a portas abertas”, nomeavam, dentre eles, um secretário e dois escrutinadores. Em seguida, a mesa recebia os diplomas dos eleitores de paróquia para verificação. No dia seguinte, havia nova reunião. Estando tudo em ordem, “os eleitores de paróquia com o seu presidente se dirigirão à igreja principal, onde a maior dignidade eclesiástica cantará uma missa solene do Espírito Santo, e fará um discurso próprio das circunstâncias”. Terminada a cerimônia religiosa, voltavam todos ao Paço do Concelho. Procedia-se, então, à escolha dos eleitores de comarca. “Por escrutínio secreto, por meio de bilhetes, nos quais esteja escrito o nome da pessoa que cada um elege”, dizia a lei. Depois da apuração, “ficará eleito aquele que tiver, quando menos a metade dos votos e mais um”. Se não houvesse essa maioria absoluta, haveria segundo escrutínio para os mais votados. Lavrada a ata, cada cidadão eleito (eleitor de comarca, a de 4º grau) recebia uma cópia da ata, que seria a sua diplomação. Estava terminada a eleição, dirigindo-se a assembléia eleitoral incorporada à igreja Matriz, onde seria cantado o Te Deum solene. E os eleitores de paróquias voltavam às suas casas.

Juntas eleitorais das províncias

Os eleitores de comarca (de 4° grau) de todas as comarcas seguiam, agora, para a capital da província. No domingo seguinte à eleição anterior, eles se reuniriam sob a presidência da autoridade civil mais graduada, apresentando-lhes os seus diplomas (cópias da ata). Marcavam o dia da eleição dos deputados às Cortes de Lisboa. Eram nomeados um secretário e dois escrutinadores. Os diplomas eram recebidos para exame. No dia seguinte, estando tudo em ordem, “os eleitores das comarcas com o seu presidente se dirigirão à igreja Catedral, na qual se cantará uma missa solene do Espírito Santo; e o bispo ou na sua ausência a maior dignidade Eclesiástica fará um discurso análogo às circunstâncias”. Voltavam ao Paço do Concelho e procedia-se à eleição. Cada eleitor de comarca, chegando-se à mesa, declarava os nomes daqueles em que votava, e que o secretário anotava. Em primeiro escrutínio seriam eleitos os que obtivessem “a metade dos votos e mais um”; os que não o conseguissem, entrariam em segundo escrutínio, e seriam eleitos os que alcançassem “pluralidade de votos”, simplesmente. Eleitos os deputados, passava-se à eleição dos seus suplentes. A seguir, lavrava-se ata. Terminados os trabalhos, a assembléia eleitoral dirigia-se à igreja principal onde seria cantado solene Te Deum. E estava findo, dessa maneira, o processo eleitoral.

Dessa forma, foram eleitos os 72 deputados brasileiros às Cortes de Lisboa.(1)


Mais duas eleições gerais

No dia 1º de outubro de 1821, D. João VI decreta a forma provisória da administração política e militar das províncias do Reino do Brasil, as quais seriam governadas por juntas provisórias, algumas de sete membros, e outras de cinco. Dizia o artigo 2º:

“Serão eleitos os membros das mencionadas juntas por aqueles eleitores de paróquia da província que puderem reunir-se na sua capital, no prazo de dois meses, contados desde o dia em que as respectivas autoridades da mesma capital receberem o presente decreto”.

Ao que parece, esses eleitores de paróquia seriam os mesmos da eleição de deputados às Cortes, realizada anteriormente. Esses eleitores de paróquia (3° grau) deveriam, por esse decreto, continuar no exercício de suas funções, ficando os eleitores de comarca (4° grau) sem funções. Parece que os eleitores de paróquia constituíam, segundo o decreto em causa, um colégio eleitoral permanente, ao menos naquelas circunstâncias excepcionais, de nova organização político-administrativa do Brasil. Pelo menos, não foram convocadas novas eleições.

Terceira eleição geral

Coube a D. Pedro, no ano seguinte, determinar a realização da terceira eleição geral no Brasil. A lei eleitoral adotada foi a mesma de 7 de março de 1821, extraída da Constituição Espanhola. Esta segunda eleição foi convocada por decreto de 16 de fevereiro de 1822, o qual criava o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, e que tinha a alta virtude de antecipar a existência da Câmara dos Deputados do Império, que seria convocada no ano seguinte, com prerrogativas de Legislativo.

O decreto referido adotou o seguinte sistema eleitoral:

“Estes procuradores serão nomeados pelos eleitores de paróquia juntos nas cabeças de comarca cujas eleições serão apuradas pela câmara da capital da província, saindo eleitos afinal os que tiverem maior numero de votos entre os nomeados, e, em caso de empate, decidirá a sorte; procedendo-se em todas estas nomeações e apurações na conformidade das Instruções que mandou executar meu augusto pai pelo Decreto de 7 de março de 1821, na parte em que for aplicável e não se achar revogada pelo presente decreto”.

O decreto acima transcrito, em verdade, mutilou, como o fez o de 1° de outubro de 1821, a Lei Eleitoral de 7 de março de 1821, que era de quatro graus, reduzindo-a para três graus, desde que os eleitores de paróquia, em vez de elegerem os eleitores de comarca, já iriam eleger diretamente os procuradores-gerais, nas próprias cabeças de comarca. As atas seriam mandadas às capitais das províncias, onde seriam apurados os votos. Seriam eleitos também os que tivessem “maior número de votos entre os nomeados” isto é, “pluralidade de votos” (maioria relativa), em vez de “pluralidade absoluta” (maioria absoluta), como exigia o Decreto de 7 de março de 1821, para eleição dos deputados às Cortes.


Uma consulta sobre matéria eleitoral

Adotando a lei eleitoral da Constituição espanhola, três eleições gerais foram convocadas no Brasil, como vimos anteriormente: a dos deputados às Cortes de Lisboa, a das juntas governativas das províncias, e a dos procuradores das províncias. A primeira foi de quatro graus. A segunda convocação mutilou a lei eleitoral da Constituição espanhola, reduzindo-a a três graus, isto é, suprimindo os eleitores de comarcas. E pelo, que se deduz, não seriam necessárias novas eleições, pois serviriam os eleitores de paróquia, da primeira eleição.

Quanto à terceira convocação, também não foi clara. Parece que a interpretação ficava a cargo das províncias. A propósito desta última convocação, a Câmara de Olinda (Pernambuco) dirigiu ao príncipe regente uma consulta, isto é, perguntava se deveriam ser realizadas novas eleições de eleitores ou se serviriam aqueles já eleitos quando das eleições gerais dos deputados às Cortes de Lisboa.

A 11 de julho de 1822, José Bonifácio responde que D. Pedro:

“(...) Há por bem declarar que o decreto acima mencionado (de 16 de fevereiro de 1822) não determina quais sejam os eleitores (de 3° grau), que devem nomear os referidos procuradores, deixando ao arbítrio dos povos a escolha da maneira que julgarem mais a propósito; que nesta e nas outras províncias se têm servido dos eleitores (do 3° grau), antigos; que, contudo, quando estes não mereçam a confiança pública, fica livre a escolha dos outros”.

O príncipe regente deixava ao arbítrio das províncias a realização, ou não, de novas eleições para a escolha dos eleitores de paróquia (3° grau), que iriam eleger os procuradores. No caso de não serem realizadas novas eleições, continuavam os eleitores de paróquia escolhidos na primeira eleição geral (deputados às Cortes de Lisboa) investidos das suas funções, isto é, seriam considerados um corpo eleitoral, ou mais propriamente, um colégio permanente, ao menos durante aquela circunstância agitada da vida política brasileira.

Por outro lado, percebe-se a pouca experiência dos homens do governo no que se refere à convocação de eleições gerais, que se ressentiam das exigências mínimas indispensáveis, a fim de que não dessem margem a dúvida por parte das províncias.

Lembremo-nos de que as eleições locais, ou seja, municipais, continuavam a ser realizadas pelo código das Ordenações do Reino, nada havendo que as perturbasse.


A primeira lei eleitoral brasileira

Por decreto de 3 de junho de 1822, D. Pedro convocou “uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa composta de deputados das províncias do Brasil eleitos na forma das Instruções que em conselho se acordarem, e que serão publicadas com a maior brevidade”.

A nova lei eleitoral

As Instruções a que se refere o decreto acima foram publicadas a 19 de junho de 1822. Constituem a primeira lei eleitoral brasileira, isto é, a primeira elaborada especialmente para presidir as eleições no Brasil. Ao contrário da lei eleitoral copiada da Constituição espanhola, esta, a de 19 de junho de 1822, era perfeita para a época. Toda a matéria eleitoral era bem estruturada e ainda hoje nota-se a sua redação simples e acessível. Não havia, ainda, partidos políticos. O sistema era indireto, em dois graus: o povo escolhia eleitores, os quais, por sua vez, iriam eleger os deputados. Não havia, em primeiro grau (o povo), qualificação ou registro. Somente os seus delegados, os eleitores da paróquia, possuiriam o necessário diploma, uma cópia das atas das eleições. Observemos, ainda, que a religião católica era a religião oficial, adotada pela Monarquia portuguesa, o que explica as missas estabelecidas nas Instruções. E, finalmente, que a eleição era única e exclusivamente de deputados à Assembléia Geral, não havendo, ainda, assembléias nas províncias.

Não iremos transcrever a referida lei eleitoral (ou Instruções), mas, unicamente, resumi-la no que tinha de essencial.

Lei Eleitoral de 19 de junho de 1822

Antes do dia designado para as eleições, os párocos das freguesias eram obrigados a afixar, nas partes das suas igrejas, editais onde constavam o número de fogos (moradias), ficando eles mesmos responsáveis pela exatidão do censo. O povo de cada freguesia escolhia os seus eleitores (do 2º grau). Quantos? O art. 5º rezava:

“Toda a povoação ou freguesia que tiver até cem fogos dará um eleitor; não chegando a 200, porém, se passar de l50, dará dois; não chegando a 300 e passar de 250, dará três, e assim progressivamente”.

Esses eleitores, a serem escolhidos pelo povo, eram denominados eleitores de paróquia. O art. 7º precisava os que podiam votar:

“Tem direito a votar nas eleições paroquiais todo o cidadão casado e todo aquele que tiver de 20 anos para cima sendo solteiro, e não for filho-família(2). Devem, porém, todos os votantes ter pelo menos um ano de residência na freguesia onde derem o seu voto”.

O art. 8º determinava os que podiam não votar: “São excluídos do voto todos aqueles que recebem salário ou soldadas por qualquer modo que seja”, exceto os guarda-livros, os primeiros-caixeiros de casas comerciais, os criados da Casa Real (que não forem de galão branco), e os administradores de fazendas e fábricas. Vemos, pois, que somente podiam ser eleitores os assalariados das mais altas categorias e os proprietários de terras ou de outros bens que lhes dessem renda. Também não podiam votar “os religiosos regulares, os estrangeiros não naturalizados e os criminosos” (art. 9º).

A restrição ao voto era imposta às classes econômicas menos favorecidas, isto é, não proprietárias, não obstante se estendesse o direito do voto às mais altas categorias dos empregados. Como veremos, todos esses eleitores podiam ser analfabetos.

A eleição dos eleitores de paróquia

Pelo censo feito pelo pároco e afixado à porta da igreja, sabia-se quantos fogos (moradias) havia na freguesia. Em conseqüência, calculava-se o número de eleitores de paróquia a serem eleitos pelo povo.

“No dia aprazado para as eleições paroquiais, reunido na freguesia o respectivo povo, celebrará o pároco missa solene do Espírito Santo, e fará, ou outro por ele, um discurso análogo ao objeto e circunstância.

Terminada esta cerimônia religiosa, o presidente (da assembléia eleitoral, que era o presidente da Câmara), o pároco e o povo se dirigirão às casas do concelho, ou às que melhor convier, e tomando os ditos presidente e pároco assento à cabeceira de uma mesa, fará o primeiro, em voz alta e inteligível, a leitura dos Capítulos I e II destas Instruções. Depois proporá dentre os circunstantes, os secretários e escrutinadores, que serão aprovados ou rejeitados por aclamações do povo”.

A mesa ou junta paroquial estava, pois, formada. Não havendo quem denunciasse subornos ou conluios para eleição de determinada pessoa, passava-se à eleição propriamente dita. Começava o recebimento das listas ou cédulas.

“Estas deverão conter tantos nomes quantos são os eleitores (do 2° grau) que tem de dar a freguesia: serão assinadas pelos votantes, e reconhecida a identidade pelo pároco. Os que não souberem escrever, chegar-se-ão à mesa e, para evitar fraudes, dirão ao secretário os nomes daqueles em quem votam; este (o secretário) formará a lista competente, que depois de lida será assinada pelo votante com uma cruz, declarando o secretário ser aquele o sinal de que usa tal indivíduo” (art. 5º, II).

Verificamos que, como não possuía o votante qualquer documento de identidade ou título de eleitor, era identificado, no momento de votar, pelo pároco. As cédulas de votação eram assinadas pelo votante. Se este fosse analfabeto, faria uma cruz. Em seguida, procedia-se à apuração, no mesmo local e pela mesma mesa ou junta. Seriam eleitos os que alcançassem “pluralidades de votos” (maioria relativa). Lavrava-se ata (ou termo), eram extraídas cópias, que seriam enviadas às autoridades do Império e da Câmara do Distrito, cabendo também uma a cada cidadão eleito eleitor de paróquia. E, assim, terminava esta eleição de primeiro grau: reunidos os eleitores, os cidadãos que formavam a mesa, levando-os entre si e acompanhados do povo, se dirigirão à igreja Matriz, onde se cantará um Te Deum solene“ (art. 6º, II).

A eleição dos deputados

Os eleitores de paróquia, quinze dias após a eleição, deviam achar-se nas “cabeças de distritos” a que pertencessem suas respectivas freguesias. A lei eleitoral de que estamos tratando relacionava os distritos de cada Província do Brasil. Os distritos da Província de São Paulo eram: cidade de São Paulo, Santos, Itu, Curitiba, Paranaguá e Taubaté. Reunidos nestas cabeças de distritos, os eleitores de paróquia iriam eleger os deputados que a província iria dar. A lei em questão também determinava o número de deputados a eleger por província: Minas Gerais (20), Pernambuco (13), São Paulo (9), etc.

Reunidos nas “cabeças de distrito”, eram verificados os diplomas (cópias de atas) dos eleitores de paróquia e demais formalidades legais.

No dia seguinte, reuniam-se novamente os eleitores de paróquia ou colégio eleitoral. Por escrutínio secreto (art. 3°, V), era escolhido presidente, dentre os eleitores. Esta era a única atividade neste dia. “No dia seguinte (...) dirigir-se-á todo o Colégio à igreja principal, onde se celebrará pela maior dignidade eclesiástica missa solene do Espírito Santo, e o orador mais acreditado (que não se poderá escusar) fará um discurso análogo às circunstâncias (...)” (art. 4º, V). “Terminada a cerimônia, tornarão ao lugar do ajuntamento e (...) procederão à eleição dos deputados, sendo ela feita por cédulas individuais, assinadas pelo votante, e tantas vezes repetidas, quantas forem os deputados que deve dar a província, publicando o presidente o nome daquele que obtiver a pluralidade e formando o secretário a necessária relação (...)“ (art. 5º, V). “Este termo e relação serão assinados por todo o Colégio, que desde logo fica dissolvido” (art. 6°, V)

Terminadas as eleições, as “cabeças de distrito” enviavam os resultados à Câmara da Capital da Província.

A apuração

O art. 7º determinava:

“Recebidas pela Câmara da capital da Província todas as remessas dos diferentes distritos, marcará por editais o dia e hora em que procederá à apuração das diferentes nomeações: e nesse dia, em presença dos eleitores da capital, dos homens bons e do povo abrirá as cartas declarando eleitos os que ‘maior número de votos reunirem’. Terminados os trabalhos, ‘a Câmara, os deputados, eleitores e circunstantes, dirigir-se-ão à igreja principal, onde se cantará solene Te Deum às expensas da mesma Câmara’”.

Estavam, pois, terminadas as eleições de deputados realizadas pelas Instruções de 19 de junho de 1822, a primeira lei eleitoral elaborada no Brasil, para ser aqui aplicada.


O privilégio do sistema eleitoral brasileiro

Descrevemos anteriormente a primeira lei eleitoral brasileira, de 19 de junho de 1822. Devemos observar, entretanto, que os sistemas eleitorais adotados naqueles tempos eram denominados Instruções, para a realização de eleições. Tudo se resume numa simples questão de nomes: o que naquela época se denominava Instruções, hoje chama-se lei eleitoral.

Esse sistema eleitoral era completamente diferente dos dois anteriores, de 7 de março de 1821 e de 16 de fevereiro de 1822, ambos copiados da Constituição espanhola de 1812. Nestes dois últimos, o sufrágio era universal, não havendo restrição ao voto.

Já as Instruções de 19 de junho de 1822, que vimos em artigo anterior, restringiam o voto do povo em escala considerável. De fato, o art. 8° do Capítulo I dizia:

“São excluídos do voto todos aqueles que receberem salários ou soldadas por qualquer modo que seja. Não são compreendidos, nesta regra, unicamente os guarda-livros e primeiros-caixeiros de casas de comércio, os criados da Casa Real (que não forem de galão branco) e os administradores de fazendas rurais e fábricas”.

Considerando a estrutura econômico-social da época, conclui-se que o voto era privilégio dos proprietários de terras, engenhos, etc. Isso, não obstante a sua extensão aos guarda-livros e primeiros-caixeiros das casas comerciais, criados da Casa Real (de hierarquia superior) e administradores de fazendas e fábricas. De qualquer modo, o exercício do voto, direito político, assentava-se sobre bases econômicas. Isso não era novidade. O poder político, baseando-se na propriedade, desde a Grécia, com Aristóteles, até Locke, filósofo inglês do século XVII, constituía preocupação dos que se dedicavam ao estudo das doutrinas políticas. John Locke, por exemplo, ia buscar a origem e o fim do Estado na propriedade. Dizia ele: “Portanto, a grande e primordial finalidade que une os homens em comunidades e os obriga a organizar-se em governo não vem a ser mais do que a conservação da propriedade”.

As idéias de Locke eram correntes nos Estados Unidos da América do Norte, à época da sua independência. Jefferson e os outros pais da primeira Constituição norte-americana (1787) inspiraram-se em Locke. Quando foi elaborada essa carta política, um dos seus autores, Madison, defendeu a idéia, aliás predominante na época, de que a direção dos negócios do Estado deveria caber aos proprietários de terras e de outros bens, pois afirmava que, sendo a classe não possuidora de bens muito maior, há o perigo de a regra da maioria empolgar o governo e fazer desmoronar o edifício econômico-social. O governador Morris, nessa ocasião, dizia: “Se os pobres tiverem o direito do voto, eles o venderão aos ricos”. Entretanto, resolveu-se que a Constituição norte-americana nada diria sobre o direito do voto, deixando a sua legislação aos estados da Federação. Mas estes, por sua vez, somente permitiram que os proprietários ou possuidores de bens fossem eleitores. Em 1820, Daniel Webster defendia esse direito, enquanto Jackson lutava com o objetivo de ser o voto estendido às classes menos favorecidas economicamente.

Nessas condições, a restrição do voto, determinada nas Instruções de 19 de junho de 1822(3), não era devida a quaisquer considerações originadas do regime monárquico existente, mas sim decorrência de uma filosofia política que influenciava ainda muito mais os Estados Unidos, pois, no Brasil, ainda havia uma categoria de assalariados que tinha o direito de votar.

As idéias políticas em voga na Europa e nos Estados Unidos influenciavam, duma ou doutra maneira, os nossos estadistas daqueles tempos. A primeira lei eleitoral brasileira (de 19 de junho de 1822), cuja exposição sumária fizemos nos artigos anteriores, foi, em grande parte, inspirada em modelos de outros países. Aliás, nem poderia ser de outro modo. Denominamo-la brasileira porque foi elaborada no Brasil, para uso dos brasileiros somente, ao contrário das anteriores, que eram elaboradas em Portugal e serviam a todas as províncias do Império português.


A Constituição de 1824

A 7 de setembro de 1822, D. Pedro I declara o Brasil independente do Império português. Realizadas as eleições convocadas por decreto de 3 de junho e presididas pelas Instruções de 19 do mesmo mês, é inaugurada, a 3 de maio de 1823, a Assembléia Constituinte. Tendo funcionado regularmente, é dissolvida pelo imperador a 13 de novembro do mesmo ano. A17 de novembro, é convocada nova Constituinte, e, pouco depois, anula-se essa convocação.

Finalmente, a 25 de março de 1824, D. Pedro I outorga ao povo brasileiro a sua primeira Constituição política. Dela, faremos breve exposição, no que interessa ao estudo que estamos fazendo.

Os poderes políticos nacionais

Art. 10. “Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.”

O Poder Moderador

Art. 98. “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao imperador, como chefe supremo da nação, e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.”

Art. 101. “O imperador exerce o Poder Moderador.”

O Poder Legislativo

Art. 14. “A Assembléia Geral compõe-se de duas câmaras: ou Câmara de Deputados, e Câmara de Senadores, ou Senado”.

Art. 17. “Cada legislatura durará quatro anos, e cada sessão anual, quatro meses.”

A eleição da Regência

Art. 121. “O imperador é menor até a idade de 18 anos completos”.

Art. 122. “Durante a sua menoridade, o Império será governado por uma Regência, a qual pertencerá ao parente mais chegado do imperador, segundo a ordem da sucessão, e que seja maior de vinte e cinco anos.”

Art. 123. “Se o imperador não tiver parente algum que reúna estas qualidades será o Império governado por uma Regência permanente, nomeada pela Assembléia Geral, composta de três membros, dos quais o mais velho em idade será o presidente.”

A eleição dos deputados

Era exigência para o cidadão poder ser eleito deputado:

a) ter o direito de ser eleitor (de 2° grau);

b) ter renda líquida anual de quatrocentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego;

c) não ser estrangeiro naturalizado;

d) professar a religião do Estado (Católica).

Uma lei regulamentar posterior determinaria o número de deputados.

A eleição dos senadores

Art. 40. “O Senado é composto de membros vitalícios, será organizado por eleição provincial.”

Art. 41. “Cada Província dará tantos Senadores, quantos forem metade de seus respectivos deputados (...)”

Art. 43. “As eleições serão feitas pela mesma maneira, que a dos deputados, mas em listas tríplices, sobre as quais o imperador escolherá o terço na totalidade da lista.”

Art. 44. “Os lugares de senadores que vagarem serão preenchidos pela mesma forma da primeira eleição pela sua respectiva província.”

Art. 45. “Para ser senador requer-se: I — que seja cidadão brasileiro, e que esteja no gozo dos seus direitos políticos; II — que tenha de idade quarenta anos para cima; III — que seja pessoa de saber, capacidade e virtudes, com preferência os que tiverem feito serviços à pátria; IV — que tenha de rendimento anual por bens, indústria, comércio, ou empregos, a soma de oitocentos mil réis.”

As províncias

Art. 165. “Haverá em cada província um presidente nomeado pelo imperador, que o poderá remover, quando entender que assim convém ao bom serviço do Estado.”

Art. 71. “A Constituição reconhece e garante o direito de intervir todo o cidadão nos negócios da sua província, e que são imediatamente relativos a seus interesses peculiares.”

Art. 72. “Este direito será exercitado pelas câmaras dos distritos, e pelos conselhos, que com o título de Conselho-Geral da Província se devem estabelecer em cada província, onde não estiver colocada a capital do Império.”

Art. 73. “Cada um dos conselhos-gerais constará de 21 membros nas províncias mais populosas, como sejam: Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, e nas outras, de treze membros.”

Art. 74. “A sua eleição se fará na mesma ocasião, e da mesma maneira que se fizer a dos representantes da Nação, e pelo tempo de cada legislatura.”

Art. 75. “A idade de 25 anos, probidade e decente subsistência são as qualidades necessárias para ser membro destes conselhos.”

As câmaras municipais

Art. 167. “Em todas as cidades, e vilas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se criarem, haverá câmaras, às quais compete o governo econômico, e municipal das mesmas cidades e vilas.”

Art. 168. “As Câmaras serão eletivas e compostas do número de vereadores que a lei designar, e o que obtiver o maior número de votos será presidente”.

O presidente da Câmara tinha as funções dos nossos atuais prefeitos. Uma lei posterior cuidaria da eleição dos vereadores, seu número, etc. (Obs.: Esta lei somente apareceria em 1828, razão por que, até esse ano, a organização das câmaras municipais continuaria obedecendo às Ordenações do Reino).

As eleições

Art. 90. “As nomeações dos deputados e senadores para a Assembléia Geral, e dos membros dos Conselhos Gerais das Províncias serão feitas por eleições indiretas, elegendo a massa dos cidadãos ativos, em Assembléias Paroquiais, os eleitores de província, e estes os representantes da Nação e província”. Estas eleições indiretas eram em dois graus, como veremos.

Primeiro grau

Eram as eleições primárias, onde os cidadãos ativos (eleitores de 1° grau) escolheriam os eleitores de província (de 2° grau).

Art. 91. “Têm voto nestas eleições primárias: I) Os cidadãos brasileiros, que estão no gozo de seus direitos políticos; II) os estrangeiros naturalizados”.

Pelo art. 92, não tinham o direito de votar:

“I — Os menores de vinte e cinco anos, nos quais se não compreendem os casados, e oficiais militares, que forem maiores de vinte e um anos, os bacharéis formados, e clérigos de ordens sacras; II — os filhos-famílias que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos; III — Os criados de servir, em cuja classe não entram os guarda-livros, e primeiros-caixeiros das casas de comércio, os criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas rurais e fábricas; IV — os religiosos e quaisquer, que vivam em comunidade claustral; V — os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou emprego.”

Segundo grau

Art. 94. “Podem ser eleitores (de 2° grau) e votar na eleição dos deputados, senadores e membros dos conselhos de província todos os que podem votar na assembléia paroquial (do 1º grau).”

Esse mesmo artigo relacionava os que não tinham direito a voto: “I — os que não tiverem de renda líquida comércio, ou emprego; II — os libertos; III — os criminosos pronunciados em querela ou devassa.”

A Lei Eleitoral

Relacionamos, unicamente, os cargos eletivos estabelecidos pela Constituição de 1824, as qualidades exigidas dos cidadãos, para poderem ser eleitos, e também os que podiam votar em 1° e 2° grau, o que constituía o privilégio do voto. Essa era a matéria constitucional.


A Lei Eleitoral de 1824

Outorgada a primeira Constituição política do Império por D. Pedro, em 25 de março de 1824, logo no dia seguinte são convocadas eleições gerais, para a Assembléia simplesmente Legislativa. Juntamente com a convocação foram expedidas as Instruções para a realização das referidas eleições.

Estas Instruções de 26 de março de 1824 passavam a ser, pois, a nova lei eleitoral adotada no Brasil. Essa lei eleitoral pouco diferia da anterior. A diferença era mais na forma do que na essência, como veremos a seguir.

As eleições, nas cidades e vilas, eram realizadas em dia a ser designado pelas respectivas câmaras, e “nas freguesias do termo, no primeiro domingo depois que a elas chegarem os presidentes nomeados para assistirem este ato” (art. 8°). O art. 2° dizia: “Em cada freguesia deste Império se fará uma assembléia eleitoral, a qual será presidida pelo juiz de fora, ou ordinário, ou quem suas vezes fizer, da cidade ou vila, a que a freguesia pertence, com assistência do pároco, ou de seu legítimo substituto”. Do art. 5°: “Os párocos farão afixar nas portas de suas igrejas editais por onde conste o número de fogos das suas freguesias, e ficam responsáveis pela exatidão”. Os párocos ficavam encarregados do censo na sua freguesia. O povo, isto é, aqueles do povo que tinham o direito de votar, escolheria os eleitores de paróquia, cujo número era fácil de calcular: “Toda a Paróquia dará tantos eleitores quantas vezes contiver o número de cem fogos na sua população” (art. 4°). Não havia alistamento ou registro prévio dos eleitores, a não ser as relações que os párocos faziam, na Dominga Septuagésima, dos seus fregueses (art. 6º).

Eleição dos eleitores de paróquia

Passemos, agora, à realização da eleição de primeiro grau.

Art. 1º do Capítulo II:

“No dia aprazado pelas respectivas câmaras para suas eleições paroquiais, reunido o respectivo povo na igreja Matriz, pelas oito horas da manhã, celebrará o pároco missa do Espírito Santo, e fará, ou outrem por ele, uma oração análoga ao objeto, e lerá o presente capítulo das eleições”.

Art. 2º do mesmo capítulo:

“Terminada esta cerimônia religiosa, posta uma mesa no corpo da igreja, tomará o presidente assento à cabeceira dela, fincado a seu lado direito o pároco, ou o sacerdote, que suas vezes fizer, em cadeiras de espaldar. Todos os mais assistentes terão assentos sem precedência, e estarão sem armas, e as portas abertas (...).”

A novidade, nesta lei, era a eleição ser realizada dentro da própria igreja, ao contrário das anteriores, que eram realizadas nos paços dos concelhos. Pela primeira vez, as eleições passavam a ser realizadas no recinto da igreja. O presidente (juiz de fora ou ordinário), de acordo com o pároco, propunha à assembléia eleitoral dois cidadãos para secretários e dois para escrutinadores. Seriam aprovados, ou rejeitados, por aclamação. Formava-se a mesa: presidente, pároco, dois secretários, dois escrutinadores. Cada cidadão que votava, escrevia, numa folha de papel (cédula), os nomes das pessoas que escolhia para eleitores de segundo grau. Tantos os nomes, com as respectivas ocupações, quantos os eleitores (2º grau) a eleger. Como não havia partidos políticos sem registro prévio de candidatos, o cidadão votava nas pessoas que bem entendia.

O art. 5º do Capítulo II mandava que as cédulas fossem assinadas pelo eleitor de 1° grau. Nada mais. Como não aventava nem insinuava a possibilidade de o eleitor não saber ler nem escrever, nem exigir o que o eleitor assinasse, no momento, provavelmente ele já poderia levar a cédula assinada. Assim, esta lei diferia substancialmente da anterior, que permitia ao cidadão que não soubesse escrever ditar ao secretário os nomes das pessoas em que votava, e fazer uma cruz, sinal que seria identificado pelo secretário. O art. 8º dizia:

“Nenhum cidadão que tem direito de votar nestas eleições poderá isentar-se de apresentar a lista de sua nomeação. Tendo legítimo impedimento, comparecerá por seu procurador, enviando a sua lista assinada e reconhecida por tabelião nas cidades ou vilas, e no termo por pessoa conhecida e de confiança”.

Esta lei eleitoral instituía, assim, o voto por procuração. Terminada a eleição, o secretário organizava a relação dos mais votados, que seriam eleitos, ou “nomeados”, como dizia a lei: “Esta nomeação será regulada pela pluralidade relativa de votos”. Da ata lavrada eram tiradas cópias. Os cidadãos eleitos eleitores de paróquias (2° grau) eram notificados por carta, e iam receber cópias das atas, que seriam os seus diplomas. O art. 6º ordenava:

“Reunidos os eleitores, se cantará na mesma paróquia um Te Deum solene para o qual fará o vigário as despesas do altar, e as Câmaras, todas as outras”.

E assim, ficava dissolvida a assembléia paroquial, ou eleição de 1º grau.

Até 7 de setembro de 1822, os brasileiros eram portugueses. Assim, por exemplo, D. Pedro, príncipe regente, a 3 de junho de 1822, convocou uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, a que deu o nome de “Assembléia Luso-brasiliense”, conforme consta do texto do respectivo decreto. Podiam votar portugueses nascidos em todas as partes do Império português. Com a Independência do Brasil, a Constituição de 1824 estabeleceu em seu art. 6º:

“São cidadãos brasileiros: 1º) os que no Brasil tiverem nascido (...) 4º) todos os nascidos em Portugal e suas possessões, que, sendo já residentes no Brasil na época em que se proclamou a Independência nas províncias onde habitavam, aderiram a esta, expressa ou tacitamente, pela continuação da sua residência”.

Todos os eleitores de paróquia, eleitos nas diversas freguesias da província, constituíam os colégios eleitorais. O art. 4° mandava que os eleitores de paróquia, ou colégio eleitoral, se reunissem 15 dias após a sua eleição, nas “cabeças de distritos”. As Instruções estabeleciam as “cabeças de distritos” em cada província. As de São Paulo eram: Imperial Cidade de São Paulo, Vila de Curitiba, Vila de Paranaguá, Vila de Taubaté.

Em cada “cabeça de distrito” reunia-se um colégio eleitoral. Após a verificação dos seus diplomas, era feita, por “escrutínio secreto e por cédulas” (art. 7°), a eleição do presidente, escolhido dentre os eleitores, sendo eleito o que obtivesse a “pluralidade relativa”. Estava formada a mesa ou junta eleitoral, com mais dois secretários e dois escrutinadores. Os trabalhos desse dia ficavam encerrados.

No dia seguinte, segundo do ajuntamento, reunia-se novamente o colégio eleitoral, e dirigia-se à igreja principal, onde era celebrada pela maior dignidade eclesiástica missa solene do Espírito Santo, e “um dos oradores mais acreditados, que não podia escusar-se, fazia discurso análogo às circunstâncias”. A seguir, o colégio eleitoral voltava ao local do ajuntamento.

Eleição de senadores

De volta da missa, o colégio eleitoral passava a eleger os senadores. Cada eleitor organizava uma lista de número triplo dos senadores a eleger. (O imperador, do número total de cidadãos eleitos, escolheria o terço).

A Província de São Paulo elegia quatro senadores. Em cada colégio eleitoral, dos seis da Província de São Paulo, cada eleitor escrevia, numa folha de papel (cédula), o nome de doze pessoas em quem votava. Em seguida a cada nome, era obrigado a declarar “a idade, emprego ou ocupação, e rendimento” (art. 6°, capítulo V). Pois, para ser eleito senador, o cidadão devia ter idade mínima estabelecida na Constituição, e ter rendimento líquido anual superior a oitocentos mil réis.

Terminada a votação, imediatamente procedia-se à contagem dos votos, sendo eleitos por “pluralidade relativa”. Vinham após os atos regulares e legais: ata, cópias, que seriam enviadas à capital da província, etc.

Eleição de deputados

No dia seguinte, o colégio eleitoral reunia-se novamente, às oito horas da manhã, para eleger os deputados. A eleição desenvolvia-se exatamente como no dia anterior, para senadores, exceto quanto à missa, que não havia neste segundo dia dos trabalhos.

A lei eleitoral estabelecia o número de deputados que seriam eleitos em cada província: Minas Gerais (20), Bahia (13) Pernambuco (13), São Paulo (9), Ceará (8) etc. O eleitor, ao escrever na cédula os nomes das pessoas em quem votava (nove nomes na Província de São Paulo), declarava, também, em seguida ao nome de cada uma, “a idade, emprego ou ocupação, e rendimento”. Para ser deputado, era necessário ter renda líquida anual superior a quatrocentos mil réis.

Terminados os trabalhos, eram lavradas atas, etc., tudo como no dia anterior. Estavam encerrados os trabalhos nesse segundo dia de eleição.

Eleição dos membros dos conselhos provinciais

No dia seguinte, o colégio eleitoral reunia-se pelas oito horas da manhã, a fim de eleger os membros dos conselhos provinciais. Procedia-se à eleição exatamente como no dia anterior. Lavradas as atas, tiradas as cópias, etc., os trabalhos eram encerrados. Estava, agora, dissolvido o colégio eleitoral As cópias das atas eram remetidas à capitai da província, e os eleitores voltavam aos seus lares, nas respectivas freguesias.

A apuração final

Recebidos, na capital da província, pela Câmara Municipal, os resultados das eleições nas “cabeças de distrito” (seis em São Paulo), era feita a apuração final, tornada previamente pública “por editais, afixados nos lugares do estilo, pelos quais convida os eleitores da capital, pessoas da governança e povo dela, para assistirem à solenidade deste ato”. No primeiro dia, eram inaugurados os trabalhos pela Câmara. No segundo dia, somente eram apuradas as eleições de senadores. A Câmara da capital, reunida no Paço do Concelho, abria os envelopes enviados das “cabeças dos distritos”, contava os votos para senadores, que eram eleitos por “pluralidade relativa”.

A lista dos eleitos era enviada pela Câmara à imperial presença, para que Sua Majestade escolhesse o terço dessa lista tríplice. Como dois terços não iriam para o Senado, e como não se sabia quais aqueles que o imperador escolheria, os eleitos não iam, ao final dos trabalhos, à missa. E nem havia missa.

No dia seguinte, reunia-se a Câmara, para apurar a eleição dos deputados. Do Capítulo VII, dizia o art. 7º:

“A pluralidade relativa regulará igualmente esta eleição, de maneira que serão declarados deputados da Assembléia Nacional os que tiverem a maioria de votos seguidamente até o número dos que devem representar por sua respectiva província (...)” (nove, no caso da Província de São Paulo).

O resultado era enviado não ao imperador, mas à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, dando-se ao eleito uma cópia da ata, que servia de diploma. Os trabalhos desse terceiro dia eram assim terminados:

“(...) imediatamente os deputados, que presentes estiverem, e que facilmente se puderem chamar, acompanhados pela Câmara, eleitores, pessoas da governança e povo, serão conduzidos à igreja principal, onde se cantará solene Te Deum, a expensas da mesma Câmara (...)”.

No dia seguinte, o quarto e último dia dos trabalhos, era feita a apuração das eleições dos membros dos conselhos gerais de província. Tudo da mesma maneira que nos dias anteriores. Os trabalhos finalizavam, também, com o solene Te Deum na igreja principal, e ao qual assistiam os conselheiros provinciais eleitos.

E, assim, terminamos o resumo das Instruções ou Lei Eleitoral de 16 de março de 1824.


A eleição do regente

Duas leis eleitorais passavam a existir, a partir de 1828: uma de 26 de março de 1824, para as eleições gerais de senadores e deputados do Império; e de conselheiros das províncias. A segunda, a de 1° de outubro de 1828, exclusivamente destinada às eleições de vereadores às câmaras municipais, e que substituía as Ordenações do Reino.

Aperfeiçoamentos

A Lei de 26 de março de 1824 permitia que as eleições, tanto as de primeiro como as de segundo grau, fossem realizadas segundo as conveniências e circunstâncias nas freguesias e nos distritos. Não havia simultaneidade em todo país, na realização das eleições.

Um decreto, de 29 de julho de 1828, determinou que as eleições para a legislatura seguinte seriam feitas pela Lei de 26 de março. Mas, ao mesmo tempo, determinou que, numa mesma província, as eleições primeiras (lº grau) deveriam ser realizadas, em todas as freguesias, num mesmo dia. Identicamente, as eleições secundárias (de 2º grau).

Estabelecia também aquele decreto que os eleitores das eleições primárias que faltassem sem causa justificada seriam multados numa quantia variável de 30 a 60 mil réis. Essas multas seriam destinadas aos estabelecimentos de instrução pública dos respectivos lugares. As mesas dos colégios eleitorais, as câmaras das cabeças dos distritos, etc., que fossem relapsas nas suas obrigações pagariam multas que iam de 300 a 600 mil réis. Essas multas seriam entregues aos cursos jurídicos. E o decreto referido determinava ainda que as eleições de deputados, senadores e conselheiros provinciais deviam estar terminadas, no máximo, seis meses após a sua convocação.

As deficiências das Instruções de 26 de março de 1824 aos poucos iam sendo eliminadas. Assim, o Decreto de 6 de novembro de 1828 estabelecia um modo de formação das mesas dos colégios eleitorais (2° grau), de maneira a evitar dúvidas. Também o Decreto de 28 de junho de 1830 providenciava sobre alguns detalhes não muito claros quanto à realização das assembléias (eleições) paroquiais.

Uma questão de consciência

As Instruções, ou Lei Eleitoral de 26 de março de 1824, dispunham em seu art. 7° do Capítulo II: “O eleitor (do primeiro grau) deve ser homem probo e honrado de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimizade à causa do Brasil”. Essa exigência deve ter dado origem a muitos abusos, pois bastaria que a mesa, no momento de o cidadão votar, o considerasse sem qualquer uma daquelas qualidades, para o privar do voto. E não havia recurso. No entanto, era uma exigência absurda, pois a avaliação daquelas qualidades era algo muito subjetivo, não exibindo padrão que pudesse servir de comparação de medida. Por isso, o Decreto de 30 de junho de 1830 resolveu o problema, dizendo:

“1º As qualidades exigidas nos eleitores paroquiais pelo art. 7° do Capítulo II das Instruções de 26 de março de 1824 devem ser avaliadas na consciência dos votantes. 2° Nenhuma dúvida ou questão poderá suscitar-se acerca de tais qualidades”.

Depois dessas considerações o referido decreto revogava aquele art. 7º, menos na parte relativa à “inimizade à causa do Brasil”.

A eleição do regente

Quando fizemos a exposição sumária da Constituição de 1824, vimos que o regente, durante a menoridade do imperador, seria eleito pela Assembléia Geral (art. 123).

Em 12 de agosto de 1834, a Lei nº 16 modificou a Constituição, no que se referia à eleição do regente. Os mesmos eleitores (de 2° grau) que elegessem os deputados e senadores do Império elegeriam também o regente. Transcreveremos, na íntegra, as disposições sobre a eleição do regente:

“Art. 26. Se o Imperador não tiver parente algum que reúna as qualidades exigidas no art. 122 da Constituição, será o Império governado, durante a sua menoridade, por um regente eletivo e temporário, cujo cargo durará quatro anos, renovando-se para esse fim a eleição, de quatro em quatro anos.

Art. 27. Esta eleição será feita pelos eleitores da respectiva legislatura, os quais, reunidos nos seus colégios, votarão por escrutínio secreto em dois cidadãos brasileiros, dos quais um não será nascido na província a que pertencem os colégios, e nenhum deles será cidadão naturalizado.

Apurados os votos, lavrar-se-ão três atas do mesmo teor, que contenham os nomes de todos os votados e o número exato de votos que cada um obtiver. Assinadas estas atas pelos leitores e seladas, serão enviadas uma à Câmara Municipal, a que pertence o colégio, outra ao Governo-Geral, por intermédio do presidente da província, e a terceira diretamente ao presidente do Senado.

Art. 28. O presidente do Senado, tendo recebido as atas de todos os colégios, abri-las-á em assembléia geral, reunidas ambas as câmaras, e fará contar os votos: o cidadão que obtiver a maioria destes será o regente. Se houver empate, por terem obtido o mesmo número de votos, dois ou mais cidadãos, entre eles decidirá a sorte.

Art. 29. O Governo-Geral marcará um mesmo dia para esta eleição em todas as províncias do Império”.

As assembléias provinciais

A Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, à qual já nos referimos, também alterou a Constituição, na parte referente aos governos provinciais. Assim, substituiu os conselhos-gerais (das províncias) pelas assembléias legislativas provinciais, a de São Paulo, com 36 membros. A pedido desta, poderia também a respectiva província ter uma segunda Câmara Legislativa.

Três leis eleitorais

Com a lei de que tratamos neste artigo, ficava o Império, a partir de 1934, com três leis eleitorais: 1ª a de 26 de março de 1824, para a eleição de senadores, deputados e membros das assembléias legislativas Provinciais; 2ª a de 1º de outubro de 1828, para as eleições municipais (vereadores); e 3ª a de 12 de agosto de 1834, para a eleição de regente.


As eleições municipais

Nos primeiros artigos desta série, vimos que as eleições dos oficiais das câmaras das cidades e vilas eram feitas pelas Ordenações do Reino. Já descrevemos, detalhadamente, tal processo eleitoral. Não obstante fosse uma lei geral, objetivava somente a organização das câmaras das cidades e vilas, servindo, pois, unicamente para a eleição desses governos locais. As primeiras eleições gerais no Brasil, isto é, abrangendo todo o território do país, foram realizadas em 1821, para eleger os deputados brasileiros às Cortes de Lisboa. Distinguimos, nas leis eleitorais, as destinadas a eleger somente governos locais e as destinadas a eleger mandatários do povo nos governos provinciais e geral.

Com a primeira Constituição Política do Império (1824), foram baixadas Instruções para a eleição dos deputados à assembléia simplesmente legislativa e aos conselhos provinciais. Era a Lei Eleitoral de 26 de março de 1824. Essa lei eleitoral não alcançava as câmaras municipais, pois a referida Constituição estabelecia, em seu art. 169, que uma lei regulamentar sobre a organização dos governos locais, inclusive a sua eleição, seria decretada posteriormente. Nessas condições, enquanto não foi decretada a lei eleitoral para a eleição dos governos municipais, as Ordenações continuaram em uso. Assim, até 1828, as Ordenações constituíram o Código Eleitoral das câmaras municipais. Em 1° de outubro de 1828, foi decretada a esperada lei, que dava nova forma aos municípios, estabelecendo normas para a eleição de vereadores.

A Lei de 1° de outubro de 1828

Esta lei substituía as Ordenações do Reino. O seu Capítulo I, que estabelecia a forma da eleição das câmaras, constituía uma verdadeira lei eleitoral, que exporemos a seguir. Determinava o art. 1°: “As câmaras das cidades se comporão de nove membros, e as das vilas de sete, e de um secretário”.

A eleição desses membros seria feita de quatro em quatro anos, sendo convocadas com quinze dias de antecedência, por editais afixados nas portas das paróquias das vilas e cidades. O direito do voto era o estabelecido na Constituição para as eleições de deputados, senadores e conselhos provinciais, como já vimos em artigos anteriores. Sendo eleitor, o cidadão podia ser votado, com a condição de já residir há dois anos dentro do termo das vilas e cidades (termo era a área geográfica das vilas e cidades).

A inscrição de eleitores

A lei de que estamos tratando institui uma inovação: a inscrição prévia dos eleitores. Nenhuma lei eleitoral brasileira, antes, fazia tal exigência. A lei anterior, de 26 de março de 1824, simplesmente mandava que o pároco afixasse na porta da igreja o número de fogos da freguesia, não obstante, no Domingo da Septuagésima, ele fizesse a relação de todos “os seus fregueses” (art. 6°). Era essa uma relação geral, que incluía todos os habitantes, mesmo não eleitores, feita anualmente.

Mas esta Lei de 1° de outubro de 1828 determinava que quinze dias antes da eleição, o “juiz de paz da paróquia fará publicar e afixar nas portas da igreja matriz, e das capelas filiais dela, a lista geral de todas as pessoas da mesma paróquia, que têm direito de votar (...)” (art. 5°). Essa lei eleitoral, para presidir as eleições municipais, foi a primeira no Brasil a exigir a inscrição prévia dos eleitores, verdadeiro processo de alistamento compulsório, ex officio. O art. 6° resolvia que o cidadão que quisesse poderia fazer queixa do fato de ter sido indevidamente colocado ou excluído da inscrição de eleitores. Se não tivesse razão, pagaria uma multa de trezentos mil réis. Havia também outra multa de dez mil réis para o eleitor que faltasse à eleição sem motivo justificado.

A eleição

Esta Lei de 1° de outubro de 1828 instituiu também outra inovação, no Brasil: a eleição de um só grau, direta. Até essa data, todas as leis eleitorais adotadas no Brasil exigiam a eleição indireta. Assim, a eleição direta tem, com essa lei, o seu evento no Brasil. O local da eleição não era estabelecido, ficando os seus encarregados com a faculdade de o designar. A mesa era formada como estabeleciam as Instruções de 26 de março de 1824, para a eleição de senadores, deputados e conselhos provinciais.

O eleitor podia ser analfabeto. A lei anterior (26.3.1824) exigia que o eleitor, ao votar, assinasse a sua cédula, silenciando sobre a eventualidade de que ele era analfabeto, donde se concluía que ele podia levar a cédula assinada.

Essa lei de que estamos tratando permitia que o eleitor fosse analfabeto, mas o sinal (uma cruz), que ele poderia fazer, é substituído pela assinatura de uma pessoa que assinasse a seu rogo. O eleitor entregava ao presidente da mesa duas cédulas: uma, com os nomes dos cidadãos em quem votava para vereadores; e outra, com dois nomes, um para juiz de paz e outro para suplente. Ambas as cédulas eram, no verso, assinadas pelo eleitor ou por outra pessoa a seu rogo. Os eleitores que não pudessem comparecer, por impedimento grave, mandariam seus votos, em carta fechada, ao presidente da assembléia, “declarando o motivo por que não comparecem” (art. 8º).

A mesa, terminados os trabalhos, apurava, imediatamente, a votação dos juizes de paz e suplentes da paróquia. Quanto à eleição de vereadores, a mesa enviava os envelopes individuais à Câmara da cidade ou vila. Esta, recebidas as eleições de todas as paróquias do seu termo, designava, por editais, um dia para a apuração, a portas abertas. Feita a apuração, “os que obtiverem maior número de votos serão os vereadores. A maioria dos votos designará qual é o presidente” (art. 168). Interessante, nesta lei, a substituição das palavras “pluralidade relativa”, por “maior número de votos”, ou por “maioria dos votos”, expressões todas elas equivalentes. Infelizmente, não seria mantida a tradição das expressões “pluralidade relativa” e “pluralidade absoluta”.

Os cidadãos eleitos vereadores não podiam escusar-se, exceto por enfermidade grave ou emprego civil, eclesiástico ou militar, que não podiam ser exercidos simultaneamente com aquele cargo eletivo. Observamos, também, que a essa época não havia o cargo de prefeito. Presidente da Câmara era cargo que eqüivalia ao de prefeito hoje. As eleições municipais eram bem simples, pela Lei de 1° de outubro de 1828. Até mesmo as missas eram dispensadas.


As agitações políticas

A esta altura, são oportunas algumas observações. Assim, é necessário que destaquemos o fato de que as modificações nos sistemas eleitorais do Império não se deram em ambiente de calmaria política. Bem ao contrário. As modificações das leis eleitorais, no Império, foram conseqüência das lutas políticas. Façamos, então, uma rápida digressão sobre o ambiente político da época.

As duas primeiras eleições gerais do Brasil, isto é, a primeira relativa à eleição dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa (1821), e a segunda, à Assembléia Constituinte (1822), transcorreram em completa calma. “Os deputados eleitos representavam realmente o povo, suas idéias e sentimentos” (Francisco Otaviano). Na terceira eleição, para a primeira legislatura, já o governo, embora prudentemente, começou a indicar nomes, não obstante o fizesse somente para senadores. Na quarta eleição (legislativa de 1830 a 1833), a oposição, que se caracterizava pela luta pessoal contra D. Pedro I, obrigou-o a tomar posição, o que ele fez apoiando candidatos.

Até 1831, não havia partido político. A luta estabelecia-se entre governo e oposição, e essas facções recebiam nomes pitorescos. Em 1831, aparecem, na cena política, os primeiros partidos: Restaurador, Republicano e Liberal. O primeiro pugnava pela volta de D. Pedro I; o segundo, pela abolição da monarquia; e o terceiro, pela reforma da Constituição de 1824, mas conservada a forma monárquica. Os liberais dividiam-se em duas alas: moderados e exaltados. Em 1837, aparece o Partido Conservador, em oposição ao Liberal. O Conservador pugnava pela unidade do Império sob o regime representativo e monárquico, e resistia a quaisquer inovações políticas que não fossem maduramente estudadas.

Com o aparecimento desses partidos, ainda pouco estáveis, as lutas políticas ganharam intensidade. E era nos dias de eleição que os adversários se enfrentavam e procuravam ou ganhá-las ou tirar a limpo as suas questiúnculas. As lutas políticas, antes das eleições, obedeciam à certa moderação, quase que se restringiam a discussões no Parlamento.

No dia das eleições, entretanto, todo o furor antes reprimido explodia, provocando, entre os partidários, toda a série de desatinos. Tudo se corrompia nesse dia: mesas eleitorais, autoridades, eleitores, etc. O objetivo era ganhar de qualquer maneira. E nesses dias de eleições, as paixões políticas se desencadeavam.

A Lei Eleitoral, de 26 de março de 1824, falhava na organização das mesas eleitorais, que em geral eram irregulares, facciosas, arbitrárias. Como não havia nenhum alistamento ou registro provisório de eleitores, a mesa era absoluta para julgar da qualidade dos votantes, negando-lhes o direito de voto, se quisesse. Em 1837, as fraudes no colégio de Lagarto, em Sergipe, foram tantas, que o governo resolveu anular as eleições de deputados por essa província.

As eleições primárias, como já vimos, eram realizadas dentro das igrejas. Pois, nesse recinto, os ódios explodiam, naqueles dias.

“A turbulência, o alarido, a violência, a pancadaria decidiam o conflito. Findo ele, o partido expelido da conquista da mesa nada mais tinha que fazer ali, estava irremessivelmente perdido. Era praxe constante: declarava-se coacto e retirava-se da igreja (...)” (Francisco Otaviano).

E na eleição secundária, de 2º grau?

“Reunindo-se nos colégios para a eleição secundária, assinavam as atas em branco e remetiam-nas aos gabinetes dos presidentes das províncias, onde, afinal, se fazia livremente (?!) a eleição. Estes, sobretudo, não constituíam exceção” (Francisco Otaviano).

Em 1837, Limpo de Abreu, ministro do Império, dizia em relatório:

“Em diversos pontos do Império, as eleições, tanto para o corpo legislativo, como para os cargos municipais, têm dado causa a agitações mais ou menos graves (...) O cidadão sisudo e pacífico naturalmente se retira do foco da desordem, e muito difícil é discriminar entre os outros quais os agressores, e quais os agredidos, e achar testemunhas imparciais que deponham contra o delito e sobre os delinqüentes. As leis eleitorais são a base do sistema representativo: onde essas leis forem viciosas, o sistema necessariamente há de padecer, e porventura alterar-se em sua essência (...)”.

Em 1838, Bernardo Pereira de Vasconcelos, ministro do Império, dizia em relatório:

“Nem as disposições das leis eleitorais, nem as do Código Criminal são bastantes para conter dentro dos limites do lícito e do honesto as paixões que nestas ocasiões se desencadeiam, e que ultimamente se ostentavam com uma arrogância e desejo sem exemplo”.

Em 1839, Almeida Albuquerque dizia em relatório:

“Por vezes têm sido trazidos ao nosso conhecimento os abusos praticados no ato das eleições; é com inexplicável pesar que eu reconheço quanto se acha adulterado esse princípio de liberdade política, que a Constituição reconhece e a ambição tanto prostitui”.

E fácil ver que se procurava uma melhoria da Lei Eleitoral de 26 de março de 1824. E essa melhoria apareceu consubstanciada no Decreto n°157, de 4 de maio de 1842, que veremos a seguir.


A Lei de 4 de maio de 1842

Em 1842, nova lei eleitoral aparece no Brasil. Foram as Instruções de 4 de maio de 1842, que estabeleciam a maneira de se proceder às eleições gerais e provinciais.

Este novo sistema eleitoral constitui um marco importante na história da evolução das leis eleitorais brasileiras.

O Capítulo I tratava Do alistamento dos cidadãos ativos e dos Fogos. A Lei Eleitoral de 1° de outubro de 1828, para eleição de vereadores, já cuidava de uma relação prévia de eleitores, a ser organizada pelo pároco. Mas esta Lei de 4 de maio de 1842, pela primeira vez no Brasil, dispunha, em capítulo especial, sobre o alistamento de eleitores.

Segundo o art. 1º, em cada paróquia seria formada uma junta de alistamento, sendo presidente o juiz de paz do distrito; outro membro seria o subdelegado, na qualidade de fiscal da junta; e o terceiro membro da junta seria o pároco.

Entretanto essa junta nasceu sob grandes apreensões, pois, por uma lei anterior, de 3 de dezembro de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal, as autoridades agora investidas no cargo de membros da junta pareciam oferecer um aspecto de intervenção do governo.

Esta junta ficava obrigada a fazer duas relações: a dos cidadãos ativos que poderiam votar nas eleições primárias e também a daqueles que poderiam ser eleitores da paróquia.

O direito do voto era aquele que já vimos quando descrevemos a Lei Eleitoral de 26 de março de 1824, que era, aliás, uma disposição constitucional. Identicamente, as exigências para ser eleitor de 2º grau. Quanto à lista dos fogos, esta lei, pela primeira vez, define o que sejam, no art. 62: “Por fogo, entende-se a casa, ou parte dela em que habita independentemente uma pessoa, ou família; de maneira que um mesmo edifício pode ter dois ou mais fogos”.

Para a organização dessas duas listas “os párocos, juizes de paz, inspetores de quarteirão, coletores ou administradores de rendas, delegados, subdelegados e quaisquer outros empregados públicos devem ministrar à junta todos os esclarecimentos que lhes forem pedidos, procedendo, para os satisfazerem, até a diligências especiais se forem precisas” (art. 5º).

Elaboradas as duas listas de eleitores (de ambos os graus) e de fogos, seriam afixadas na porta; após, seriam recebidas reclamações sobre inclusão ou exclusão ilegal de eleitores, e sobre o número de fogos, pois eram declarados os nomes de todos os moradores. Sobre essas reclamações, a junta decidia, posteriormente, afixando as juntas, em aditamento às listas afixadas. Por fim, as listas estavam definitivamente organizadas: uma cópia seria enviada ao presidente da província. Estava, assim, terminado o trabalho da junta.

O art. 11 dizia: “O fiscal deve, e os interessados podem representar (...) aos presidentes das províncias, contra os abusos e ilegalidades cometidas na formação das listas e suas alterações; a fim de que se faça efetiva a responsabilidade dos que tiverem”.

Vemos que a lei eleitoral de que estamos tratando procurava manter um certo rigor no registro de eleitores, que era compulsório, ex officio, permitindo, a quem o desejasse, representar à autoridade mais alta da província sobre possíveis injustiças. No entanto, em poder dos eleitores não ficaria documento algum que os identificasse no momento da eleição. Isto é, não havia “títulos eleitorais”. À mesa eleitoral competia conhecer da identidade dos votantes de 1º grau, e não mais da idoneidade deles. Esta lei proibiu, também, os votos por procuração, conforme era permitido pela anterior.


A Lei de 4 de maio de 1842

O Capítulo II da Lei Eleitoral de 4 de maio de 1842 dispunha sobre a “formação da mesa paroquial, a entrega das cédulas”. Determinava, inicialmente, o art. 12:

“No dia marcado para a reunião da Assembléia Paroquial, o juiz de paz do distrito, em que estiver a Matriz, com o seu escrivão, o pároco ou quem suas vezes fizer, se dirigirão à igreja Matriz, de cujo corpo e capela-morse farão duas divisões, uma para os votantes, e outra para a mesa”.

Terminada a missa regulamentar, iniciava-se a formação da mesa. A importância da lei de que estamos tratando residia também nessa formação da mesa. Pois, pela Lei de 26 de março de 1824, o juiz de fora ou ordinário e mais o pároco propunham à massa do povo reunida na igreja dois cidadãos para secretários da mesa e dois para escrutinadores, que eram aclamados. Na urna, seriam colocados papeizinhos com números correspondentes aos da lista de eleitores de 2º grau. Em seguida, um menor de idade retirava, de dentro da urna, dezesseis daqueles números. Seriam chamados os dezesseis cidadãos cujos números, na lista, correspondessem aos retirados da urna. Estes dezesseis eleitores reuniam-se e, dentre eles, elegiam dois secretários e dois escrutinadores. Estava formada a seguinte mesa provisória: juiz de paz, pároco, dois secretários e dois escrutinadores. A função desta mesa provisória seria unicamente eleger a mesa que iria proceder aos trabalhos de eleição. Essa mesa procedia, por “escrutínio secreto, e à pluralidade dos votos, à eleição dos dois secretários e à dos dois escrutinadores, dentre os cidadãos presentes, ou que possam comparecer dentro de uma hora” (art. 15).

Ficava, então, constituída a mesa paroquial, à qual competia: 1) reconhecer a identidade dos votantes; 2) receber as cédulas, numerá-las e apurá-las; 3) requisitar à autoridade competente as medidas necessárias para manter a ordem na assembléia eleitoral, e fazer observar a lei.

Começava, pois, a eleição. Como os eleitores haviam sido, na lista geral, dispostos nos respectivos quarteirões, a mesa começava a chamar os dois quarteirões mais distantes. Por quarteirões subentendiam-se os núcleos distantes, que hoje denominamos de bairros no interior. Entretanto, atualmente, existe ainda a denominação “inspetor de quarteirão”.

Na divisão onde se achava a mesa, eram admitidos todos os eleitores de determinado quarteirão. Os demais ficaram na outra divisão. Depois de todos terem votado, e esvaziando-se o recinto, eram admitidos os eleitores de outro quarteirão. Os retardatários esperariam terminar a eleição, a fim de os seus respectivos quarteirões serem novamente chamados pela mesa. Qualquer alteração dessas disposições seria objeto de medidas especiais da mesa, que poderia, inclusive, suspender os trabalhos, até que a ordem fosse restabelecida, fazendo “proceder contra os desobedientes”.

À medida que cada votante entregava sua cédula, um dos secretários a numerava, rubricava e recolhia na urna. O voto não era secreto. A lei permitia o voto dos analfabetos, ao omitir a exigência de assinaturas. Terminada a eleição, a própria mesa, à vista de todos, procedia à apuração. Cada cédula teria tantos nomes, quantos os eleitores de 2° grau a eleger, os quais, eleitos, procediam à eleição dos deputados, senadores e membros das assembléias legislativas provinciais, da mesma maneira que a Lei de 26 de março de 1824, isto é, nas cabeças de distrito.

Esta Lei de 4 de maio de 1842 teve o grande mérito de procurar moralizar as eleições, mas somente no que se referia ao primeiro grau. Instituiu o alistamento prévio, ex officio, determinou medidas para a eleição das mesas e proibiu o voto por procuração. Aos poucos o sistema eleitoral ia sendo aperfeiçoado.


A Lei de 19 de agosto de 1846

Entretanto, o regime eleitoral brasileiro continuava imperfeito para a época, razão por que, em 21 de janeiro de 1845, o deputado Odorico Mendes apresentou projeto reformando a legislação eleitoral então existente. Até este dia, somente o governo é que havia decretado em matéria eleitoral. Pela primeira vez, o parlamento iniciava debates sobre a questão. Durou um ano e meio o estudo da nova legislação eleitoral pelos representantes do povo. Iniciada por dois deputados (Odorico Mendes e Paulo Barbosa), foi alterada, discutida, corrigida e emendada livremente pela maioria e pela minoria.

Enviada ao imperador, a nova lei eleitoral foi por ele assinada em 19 de agosto de 1846. Ficavam, em conseqüência, revogadas todas as leis e disposições anteriores, em matéria eleitoral. Esta Lei Eleitoral de 19 de agosto de 1846 é um marco importante na história da evolução dos regimes eleitorais brasileiros. Procurava ser a mais perfeita e completa para a época. E provavelmente o era. Foram necessários, entretanto, vinte e cinco anos de experiência, desde as primeiras eleições gerais brasileiras, para que se chegasse àquele resultado.

A eleição, por esta nova lei, continuaria, entretanto, a ser indireta, em dois graus; os eleitores do primeiro grau elegiam os do segundo grau, que por sua vez iriam eleger os senadores, deputados e membros das assembléias legislativas provinciais. Esta Lei de 19 de agosto de 1846, além da eleição desses representantes, também dava instrução sobre a eleição das autoridades municipais, isto, é juizes de paz e câmaras municipais.

A fim de não estender demasiadamente este capítulo, deixaremos, doravante, de descrever a realização das eleições. São idênticas às anteriores.

Qualificação dos votantes

A qualificação dos eleitores de primeiro grau, chamados “votantes”, era feita, segundo esta lei, por uma junta de qualificação, que seria formada em cada paróquia. Essa junta seria organizada após uma eleição entre os eleitores de paróquia (de 2° grau) da eleição anterior. Ficavam designados quatro cidadãos, dentre eles, para serem membros da junta, sob a presidência do juiz de paz. À junta competia organizar a lista dos votantes, ex officio, tendo como informantes o pároco e os juizes de paz. Todos os anos, no 3° domingo de janeiro, reunia-se a junta para rever a lista do ano anterior. A lista geral era feita por distritos e por quarteirões. “Para a formação das listas de qualificação, os párocos, juizes de paz, delegados, subdelegados, inspetores de quarteirão, coletores e administradores de rendas, e quaisquer outros empregados públicos devem ministrar à junta os esclarecimentos que lhes forem pedidos, procedendo, para os satisfazerem, até a diligências especiais, se forem precisas” (art. 31).

A restrição do voto continuava existindo como nas leis anteriores.

Assim, quando dizemos que a lei eleitoral de que estamos tratando constituía um aperfeiçoamento, nos referimos às suas providências quanto à moralização do pleito, à eficiência da sua realização, etc.

Feita a lista geral pela junta de qualificação, era ela afixada na Matriz. A junta recebia queixas sobre inclusão ou exclusão de votantes, injustas.

Mas o cidadão, não satisfeito com a decisão da junta, podia recorrer a mais duas instâncias superiores: o Conselho Municipal de Recursos e a Relação do Distrito.

Entretanto, não havia, ainda, títulos de votantes (eleitos), ou qualquer outro documento que os identificasse.

*

Vimos como era feita a qualificação dos votantes (1º grau), pelo Decreto de 19 de agosto de 1846. A referida lei eleitoral dispunha, em seguida, sobre a eleição dos eleitores de paróquia ou colégio eleitoral, da maneira que descrevemos abaixo.

A eleição de 1º grau

Os votantes (eleitores de 1º grau) tinham — como em todas as leis anteriores — a missão de eleger o Código Eleitoral. O número desses eleitores de 2° grau já não era mais calculado, como nas leis anteriores, na base do número de fogos da paróquia, mas sim na razão de 40 votantes para cada eleitor. Isto é, verificado pela lista organizada pela junta de qualificação qual o número de votantes, seria este dividido por 40. O resultado daria o número de eleitores de paróquia a serem eleitos. Em capítulo anterior, quando tratamos do alistamento dos votantes de 1º grau, vimos quais os cidadãos que não podiam ser qualificados.

Determinava a lei que todos os que podiam ser eleitores do l° grau poderiam também o ser do 2°, menos aqueles que: l) não tivessem de renda líquida anual, avaliada em prata, a quantia de 200$000 por bens de raiz, comércio, indústria ou emprego; 2) os libertos; 3) os pronunciados em queixa, denúncia ou sumário estando a pronúncia competente sustentada.

A eleição de 1º grau “em todo o Império será no 1º domingo do mês de novembro do 4º ano de cada legislatura” (art. 39). Pela primeira vez, ficava estabelecida uma data para as eleições simultâneas em todo o Império. Seriam, pois, realizadas todas no mesmo dia, em todo o país. Esta foi uma resolução importante. Quanto à organização da mesa que presidiria a assembléia paroquial, esta lei procurava, também, evitar todos os males das legislações anteriores. Em cada freguesia, haveria uma assembléia paroquial. Essa eleição seria feita no próprio recinto da igreja, após a missa do Espírito Santo e após o sermão de praxe, alusivo ao ato. No centro da igreja, colocava-se uma mesa, procedendo-se à eleição, primeiramente, da mesa que presidiria os trabalhos. Pela primeira vez, o pároco deixa de fazer parte da mesa à qual competia “o reconhecimento da identidade dos votantes, podendo ouvir, em caso de dúvida, o testemunho do juiz de paz, do pároco, ou de cidadãos em seu conceito abonados” (art. 46). Assim, ao pároco somente competia reconhecer o votante, em caso de dúvida, porque não existiam títulos eleitorais ou qualquer outro documento de identidade. Quanto aos votantes, podiam ser analfabetos, pois dizia o art. 51: “Os votantes não serão obrigados a assinar suas cédulas (...)”. O votante escrevia na cédula tantos nomes das pessoas em que votava, quantos eram os eleitos dessa paróquia a eleger. Junto a cada nome, a ocupação do cidadão.

A eleição não era secreta. O votante, chamado e reconhecido, colocava a sua cédula na urna. Nada mais. Não assinava a sua cédula, nem qualquer folha de votação. Havia uma 2ª e 3ª chamada dos eleitores faltosos. Estas duas chamadas eram feitas em dias seguidos ao da primeira chamada. A eleição podia desenvolver-se em três dias seguidos.

“As urnas em que se guardarem de um dia para outro as cédulas, e mais papéis relativos à eleição, serão, depois de fechadas e lacradas, recolhidas com o livro das atas, em um cofre de três chaves, das quais terá uma o presidente, outra um dos eleitores, e outra um dos suplentes membros da mesa. O cofre ficará na parte mais ostensiva, e central da igreja, ou edifício, onde se estiver fazendo a eleição; e guardado pelas sentinelas, que a mesa julgar precisas, não se pondo impedimento a quaisquer cidadãos que igualmente o queiram guardar com a sua presença.” (Art. 61).

Terminada a eleição, era feita a apuração. “A eleição dos eleitores será regulada pela pluralidade relativa de votos. Os que tiverem a maioria deles serão declarados eleitores da paróquia (...).” (Art. 56).

*

Trinta dias após a eleição primária (1° grau), os eleitores de paróquia de todas as freguesias reuniam-se nas cabeças de distrito, a fim de procederem à escolha dos senadores, deputados e membros dos legislativos das províncias. Essas eleições eram feitas separadamente, em dias sucessivos.

Reunidos os eleitores de paróquia (colégio eleitoral), realizava-se a eleição da mesa que presidiria os trabalhos, no primeiro dia.

No segundo dia, o colégio eleitoral dirigia-se à igreja principal, onde seria celebrada pela maior dignidade eclesiástica missa solene do Espírito Santo, com discurso pelo orador mais acreditado (dentre os eleitores de paróquia), “que se não poderá isentar”. Terminada a cerimônia, voltava o colégio eleitoral ao local dos trabalhos, e iniciava a eleição dos deputados à Assembléia Geral. A Província de São Paulo dava nove deputados. As condições para o cidadão poder ser deputado eram as mesmas das leis anteriores. Cada eleitor escrevia, numa folha de papel, nove nomes das pessoas em quem votava, devendo constar residência e emprego de cada uma. Feita a apuração, seria organizada uma lista geral de votação e lavradas atas, cujas cópias seriam remetidas à Câmara da capital, ao presidente da província, e aos ministros do Império, todas pelo correio.

Os senhores e membros das assembléias legislativas provinciais eram eleitos pelo método já descrito, “observando-se fielmente todas as disposições aí contidas a respeito da instalação dos colégios, cerimônia religiosa, recebimento e apuração dos votos, expedição das autênticas atas” (art. 84). Também as condições de elegibilidade eram as mesmas das leis anteriores.

Apuração final

Dois meses após, recebidos os resultados das eleições nas cabeças dos distritos, realizava-se a apuração geral na capital da província. A lei exigia muita publicidade prévia. “A pluralidade relativa regulará a eleição, de maneira que serão declarados eleitos os que tiverem a maioria de votos seguidamente (...)” (art. 88).

Os trabalhos de apuração eram terminados com solene Te Deum na igreja principal.

Eleições municipais

Esta Lei de 19 de agosto de 1846 dispunha também sobre a eleição dos juizes de paz e câmaras municipais. “A eleição dos juizes de paz e câmaras municipais será feita de quatro em quatro anos, no dia 7 de setembro, em todas as paróquias do Império” (art. 92). A eleição municipal era direta: os “votantes” (1° grau) elegiam diretamente os juizes de paz e vereadores. O voto por procuração era proibido, e aos eleitores faltosos seriam aplicadas multas. Recebidos pela Câmara Municipal da vila ou cidade, os resultados das eleições paroquiais eram apurados, sendo declarados eleitos “os que tiverem maioria de votos” (art. 105).

É oportuno notar, nesta Lei de 19 de agosto de 1846, que voltavam a ser usadas as expressões “pluralidade relativa” e “maioria de votos”, equivalentes, significando a mesma coisa.

Disposições gerais

As disposições gerais desta lei eleitoral mandavam que, a cada oito anos, fosse feito recenseamento geral do Império, dele constando o número de fogos de cada paróquia. Cada cem fogos daria um eleitor de paróquia (2° grau). Enquanto esta parte da lei não estivesse em execução, continuaria em vigor aquela a que já nos referimos antes: um eleitor de paróquia para cada 40 votantes (1° grau). A lei era severa para com os relapsos, mesmo sendo ele o presidente da província. Estabelecia, também, que nenhum eleitor de paróquia poderia votar em deputados, senadores e membros das assembléias provinciais, em seus ascendentes, ou descendentes, irmãos, tios e primos-irmãos.

Os analfabetos

Como todas as leis anteriores, a de 19 de agosto de 1846 estabelecia também as restrições do voto, mas nada dizia sobre os analfabetos. O art. 51 rezava: “Os votantes (do 1° grau) não serão obrigados a assinar suas cédulas (...)”. Isto fazia subentender que os analfabetos poderiam ser eleitores (do 1° grau). A fim de dirimir as dúvidas, o presidente da Província de Santa Catarina oficiou ao imperador, em data de 24 de outubro de 1846, perguntando “se os que não sabem ler e escrever podem ser votados para eleitores de paróquia”.

O imperador submeteu a consulta ao Conselho de Estado dos Negócios do Império, o qual resolveu favoravelmente. E, em 26 de novembro de 1846, respondendo ao presidente da Província de Santa Catarina, o imperador “Há por bem, declarar: que podem ser votantes e elegíveis os que não sabem ler e escrever, pois que os não excluem os artigos 91 e 92 da Constituição, nem os artigos 17, 18 e 53 da lei regulamentar das eleições” (Lei de 19 de agosto de 1846).

Assim, ficava dirimida a dúvida: os analfabetos (que tivessem direito a voto) podiam votar e ser votados nas eleições municipais.


O problema das minorias

Na última exposição, falamos da lei eleitoral de 19 de agosto de 1846. Frisamos a importância dessa lei que, aliás, foi recebida, na época, com grandes esperanças. Entretanto, no ano seguinte, Marcelino de Brito, ministro do Império, em relatório lido às câmaras, dizia:

“Tantas foram as dúvidas ocorridas na execução da Lei Eleitoral de 19 de agosto de 1846 e tal é a gravidade de algumas, e tão transcendente é o objeto em si mesmo que eu não posso furtar-me ao dever de solicitar do vosso patriotismo a pronta revisão desta lei.”

Nem bem a lei era posta em exercício, e já o próprio governo vinha declarar a dificuldade da sua execução! Em verdade, a lei referida era cheia de exigências, de detalhes, de tal maneira que dificilmente poderia ser perfeitamente compreendida em todo o País. As discussões no Parlamento, os panfletos, enfim, toda a forma possível de demonstrar a falência da lei era utilizada. Urgia, pois, uma nova reforma.

Em 1849, foram baixadas instruções, que não eram nova lei eleitora], mas que procuravam sanar as dúvidas apresentadas na Lei de 19 de agosto de 1846. Todos os detalhes eram previstos quanto à instalação das mesas eleitorais de 1° e 2° graus, quanto aos eleitores de 2° grau que se apresentassem sem os seus diplomas, etc. Desde que a lei mandava celebrar missas, antes e após as eleições, dúvidas deveriam ter surgido quando não existisse um pároco e nem quem as suas vezes fizesse: deveriam ser assim mesmo realizadas as eleições? A instrução referida, de 1849, cuidava, em seu art. 15, dessa eventualidade, dizendo: “A omissão da formalidade religiosa não impede que se faça a eleição em que a lei a requer, por isso que não é ela da substância da eleição: não obstante, porém, se empregarão os esforços para que ela seja celebrada”. Eram tantas as dúvidas a esclarecer que essas instruções tinham 28 artigos.

Mas já a agitação em torno dos pleitos não envolvia unicamente a sua moralização, a sua facilidade, etc. Já a esta altura, não se cuidava mais tanto da forma, mas sim da sua essência, do modo de proceder às eleições. Agora, depois de 30 anos de experiências, depois que os partidos já existiam há 20 anos, agora, dizíamos: políticos, publicistas, povo em geral, raciocinavam sobre os processos de escolha dos deputados. Começavam a surgir indagações, especulações sobre as vantagens e desvantagens do sistema indireto, e sua possível substituição pelo direto. E, ao mesmo tempo, começava a levantar-se o problema das maiorias e minorias. Os partidos não eram registrados, pois a lei eleitoral não cuidava dessas organizações políticas. Por isso, não havia também o registro prévio de candidatos. Os colégios eleitorais faziam suas eleições, e os resultados eram enviados à capital da província, onde eram apurados. Os mais votados, por pluralidade relativa, seriam eleitos. Devemos lembrar-nos: naquela época não havia sido inventado ainda o sistema proporcional, na Europa. Havia o problema das minorias não representadas. Isto é, numa província de três colégios eleitorais, os três com o mesmo número de eleitores de paróquia, se dois colégios se unissem, elegeriam todos os deputados, senadores e membros das assembléias legislativas provinciais. E o terceiro colégio, em minoria, não elegeria um único representante! Evidentemente só o sistema de representação proporcional solucionaria o problema. Mas naquele tempo esse método era desconhecido. As minorias não poderiam, entretanto, continuar prejudicadas. E a solução veio, com nova lei eleitoral.


A Lei dos Círculos

Em 19 de setembro de 1855, o imperador assinou decreto de nova lei eleitoral elaborada na Assembléia Geral Legislativa. Não revogava a Lei Eleitoral de 19 de agosto de 1846. Simplesmente alterava-a. A nova lei eleitoral de 19 de setembro de 1855 era curta, somente 20 artigos, mas modificava profundamente o processo eleitoral até então vigente. Foi chamada, na época, de Lei dos Círculos. Façamos, a seguir, uma exposição dessa nova lei eleitoral.

Eleição dos deputados

O § 3° determinava:

“As províncias do Império serão divididas em tantos distritos eleitorais quantos forem os seus deputados à Assembléia Geral”.

A Província de São Paulo, por exemplo, elegia nove deputados; logo, seria dividida em nove distritos eleitorais, de populações iguais, tanto quanto possível. Cada distrito era formado de diversas freguesias. A eleição continuava a ser pelo sistema indireto, exatamente da maneira determinada pela lei anterior. Isto é, em cada freguesia, os votantes (eleitores de 1° grau) elegiam os eleitores de paróquia (eleitores de 2º grau). Estes reuniam-se na cabeça do distrito eleitoral e procediam à eleição de um só deputado (como eram nove distritos na Província de São Paulo, cada distrito elegia um deputado). A eleição, feita pelo colégio eleitoral (2° grau), era secreta. A lei exigia o voto secreto. Apurada a votação num determinado colégio eleitoral, se nenhum candidato obtivesse “maioria absoluta” de votos, no dia seguinte o colégio eleitoral reunir-se-ia e procederia a uma segunda eleição. Mas, somente podiam ser candidatos os quatro mais votados no dia anterior. Se ainda nenhum obtivesse “maioria absoluta” de votos, seria realizada nova eleição no dia seguinte. Mas, nesta terceira eleição, somente poderiam ser candidatos os dois mais votados no dia anterior. Se houvesse empate, decidiria a sorte. O que perdesse seria suplente.

Membros das assembléias provinciais

Como os membros das assembléias provinciais eram em número bem superior ao de deputados à Assembléia Geral, a lei estabelecia um expediente prático: dividia-se o número de membros da Assembléia Provincial pelo número de deputados à Geral. O quociente daria o número de membros da Assembléia Provincial que seria eleito em cada distrito. Este processo mantinha o número de distritos, não sendo necessário aumentá-los. Assim, a Província de São Paulo, por exemplo, elegia nove deputados à Assembléia Geral, e 36 à Assembléia Provincial. Como havia nove distritos, cada distrito deveria eleger quatro membros do Legislativo Provincial.

As incompatibilidades

A lei dispunha, também, sobre as incompatibilizações, assunto que foi objeto de grandes debates no Parlamento, na imprensa, etc. O §20 dizia:

“Os presidentes de províncias e seus secretários, os comandantes de armas e generais-em-chefe, os inspetores de fazenda geral e provincial, os chefes de polícia, os delegados e subdelegados, os juizes de direito e municipais não poderão ser votados para membros das assembléias provinciais, deputados ou senadores nos colégios eleitorais dos distritos em que exercerem autoridade ou jurisdição. Os votos que recaírem em tais empregados serão reputados nulos”.

Isto é, nos distritos que não aqueles onde exerciam sua autoridade e jurisdição, podiam ser eleitos.

Como vimos, a lei em referência somente se preocupou com as eleições de deputados e membros dos legislativos provinciais. As eleições de senadores e de governos municipais, a qualificação de eleitores, as restrições do voto, a eleição indireta, etc., permaneceram.

O sistema de “círculos” ou eleição de um só deputado em cada distrito já era, de há muito, usado nos Estados Unidos, Inglaterra e França.

Mas a Lei de 19 de setembro e 1855, que instituiu os “círculos”, foi inspirada diretamente na lei eleitoral francesa de 22 de dezembro de 1789, cujo art. 25 estabelecia três escrutínios, exigindo maioria absoluta no primeiro, no segundo, e, caso em nenhum houvesse algum candidato obtido majorité absolute (maioria absoluta) no terceiro escrutínio, somente poderiam ser candidatos os dois mais votados na segunda eleição anterior.

Aliás, a influência francesa, em matéria eleitoral, no Império brasileiro foi grande. Quando as nossas leis eleitorais falavam em “cidadãos ativos” como constituindo os eleitores de l° grau, reproduziam ipsis literis a designação citoyens actifs que formavam os eleitores de 1° grau da ordenança real da França, de 24 de janeiro de 1789. Quando as nossas leis eleitorais determinavam o número de eleitores de paróquia como sendo “um por 100 fogos”, nada mais faziam do que copiar a disposição da lei eleitoral francesa de 22 de dezembro de 1789, que estabelecia o número de electeurs du second degré à raison d'un délégué par 100 électeurs du premier. Pois, entre nós, cada “fogo correspondia a um eleitor, desde que os filhos-família não podiam votar. A palavra scrutateur, nas leis francesas deu “escrutador” nas nossas (hoje, escrutinador).

As nossas leis exigiam, para o cidadão ser eleitor de 1° grau, que possuísse 100$000 de renda líquida anual. A Constituição francesa, de 4 de junho de 1814 (Restauração), dispunha que o cidadão, para ser eleitor, deve ser contribuinte de um imposto direto qualquer de, no mínimo, 300 francos por ano; e para ser elegível, essa quantia deveria ser de 1.000 francos, e o candidato ter acima de 40 anos de idade. Vemos que a exigência de pagamento de imposto mínimo, na França, foi substituída, entre nós, por renda líquida anual. As leis eleitorais francesas seguintes dispunham, sempre, sobre aquela exigência, não obstante variassem.

Assim, muitas das exigências constantes das nossas leis eleitorais do Império foram inspiradas nas leis francesas.

Fazemos estas simples referências sem entrar profundamente no assunto, por não ser o objetivo deste trabalho, onde simplesmente estamos expondo a evolução dos sistemas eleitorais brasileiros.

Os círculos de três deputados

Depois da Lei Eleitoral de 19 de setembro 1855, ou Lei dos Círculos, pela qual cada distrito elegeria um só deputado, apareceram ainda as leis de 23 de agosto de 1856, e de 27 de setembro de 1856. Nenhuma das duas alterava a Lei dos Círculos: a primeira resolvia as dúvidas sobre a composição das mesas eleitorais, dispondo detalhadamente sobre o assunto; e a segunda tinha o mesmo objetivo, e também relativamente à exigência do sigilo do voto do eleitor (1º grau).

Depois de promulgada a Lei de 19 de setembro de 1855, a qual havia sido recebida com grandes esperanças, foi realizada uma eleição geral. Qual a opinião sobre os resultados?

Fazendo uma crítica desse sistema, após a eleição, dizia, na época, Francisco Otaviano:

“Os círculos trouxeram logo esta conseqüência: enfraqueceram os partidos, dividindo-os em grupos, em conventículos de meia dúzia de indivíduos, sem nexo, sem ligação, sem interesses comuns e traços de união. Toda a nossa esfera política, até então elevada, apesar da nossa relativa pequenez como nação, sentiu-se rebaixada”.

Otaviano dizia que a direção política havia passado, agora, “às mediocridades empavesadas e fofas, quando não piores, que freqüentemente presidem as nossas desgraçadas províncias e se constituem ali únicos chefes de partido”.

As críticas ao sistema dos “círculos”, de um só deputado por distrito, eram desse teor. Urgia pois, um novo sistema, antes que chegassem as novas eleições. E nova lei eleitoral apareceu.

Os distritos de três deputados

O Decreto de 18 de agosto de 1860 alterou algumas disposições da Lei Geral de 19 de agosto de 1846, e também o Decreto de 19 de setembro de 1855 (Lei dos Círculos). A lei geral não foi revogada, mas sim alterada. Somente foi revogada a Lei dos Círculos, e substituída pela de 1860.

A Lei de 18 de agosto de 1860 determinava: “As províncias do Império serão divididas em distritos eleitorais de três deputados cada um”.

Nessas condições, São Paulo, que elegia nove deputados, deveria ser dividido em três distritos, cada distrito elegendo três deputados.

A Lei Eleitoral geral, de 19 de agosto de 1846, continuaria vigorando, quanto à qualificação de eleitores, restrições do voto, exigências para ser candidato a deputado, senador, ou membro dos legislativos provinciais, processo das eleições indiretas, etc. A alteração foi unicamente quanto à eleição dos deputados e membros dos legislativos provinciais.

Vimos, em artigo anterior, que a Lei dos Círculos de um só deputado exigia até três escrutínios, caso nos dois primeiros não houvesse maioria absoluta.

Agora, entretanto, esta Lei de 18 de agosto de 1860, que estabeleceu o distrito de três deputados, suprimiu aquele processo de eleição. Os três deputados seriam eleitos num só escrutínio por maioria relativa de votos (§ 4º).

Assim, os eleitores de 1° grau elegiam os eleitores de paróquia (2° grau), e estes, reunidos na cabeça de distrito, elegiam três deputados. A lei em referência determinava, também, que para cada 30 eleitores de 1º grau haveria um eleitor de 2º grau.

Quanto aos membros das assembléias legislativas provinciais, seu número total a eleger seria dividido pelo número de distritos; o quociente era o número de membros a serem eleitos em cada distrito.

A Província de São Paulo, por exemplo, que elegia nove deputados à Assembléia Geral, de acordo com a nova lei, seria dividida em três distritos e cada um deles elegia três deputados. Como a Assembléia Provincial era formada de 36 membros, cada distrito elegeria 12 membros.

A propósito, vejamos como o Decreto de 18 de agosto de 1860 organizou a Província de São Paulo eleitoralmente.

Os três distritos eleitorais eram: capital, Taubaté, Mogi-mirim. Cada um elegia três deputados gerais e 12 membros da Assembléia Provincial.

O primeiro distrito (capital) tinha dez colégios eleitorais, a saber: capital, Mogi das Cruzes, São Roque, Bragança, Atibaia, Itu, Porto Feliz, Sorocaba, Iguape, São Sebastião. Cada colégio eleitoral era formado de freguesias. Por exemplo, as freguesias do colégio eleitoral de Bragança eram: Bragança, Nazaré e Socorro.

Os votantes de 1º grau de Bragança elegiam 14 eleitores de paróquia; os de Nazaré elegiam nove, e os de Socorro, seis. Esses 29 eleitores de 2° grau reuniam-se em Bragança e votavam em três nomes para deputados e 12 para membros da Assembléia Provincial. Esse resultado era enviado à cabeça de distrito (cidade de São Paulo), onde era feita a apuração geral depois de recebidos os resultados de todos os outros nove colégios eleitorais. E, assim, em cada uma das outras duas cabeças de distrito.

A lei de que estamos tratando estendia as incompatibilidades das autoridades já vistas aos juizes de órfãos. Exigia, também, que as autoridades deviam deixar os respectivos cargos, para se desincompatibilizarem seis meses antes da eleição secundária.

Enfim, estas leis dos distritos de três deputados procuravam melhorar o sistema eleitoral. Entretanto, continuavam a inexistência de registro de partidos, a permissão do voto do analfabeto e a inexistência de títulos de eleitor de 1º grau.

Demagogia e corrupção

Principalmente de 1860 em diante, iniciou-se, no Brasil, um movimento favorável à eleição direta, isto é, supressão da eleição em dois graus. Em discursos, artigos de jornais, pareceres, etc., advoga-se a adoção da eleição direta.

Em 1862, um bacharel do Recife, o Dr. Antônio Herculano de Souza Bandeira, publicou um livro onde reunia trabalhos de diversos autores, todos favoráveis à eleição direta. O bacharel Souza Bandeira, ao fazer a apresentação (prefácio) desse volume, fez uma descrição da vida política do Brasil a essa época. Vamos transcrever trechos desse trabalho. Dizia, em 1862, o bacharel Souza Bandeira:

“Ou o Brasil, tão novo ainda, tem tocado já ao último grau de corrupção à vista da rapidez com que se têm sucedido tantas reformas improfícuas, ou o sistema de eleições, que temos até hoje seguido, é realmente absurdo, inconveniente e inexeqüível. Mas, não; não é na desmoralização do povo brasileiro que convém procurar a justificação dessa multiplicidade de tentativas; o absurdo sistema de eleições indiretas é que está concorrendo poderosamente para a corrupção deste povo e o que o tem por tantas vezes arrastado aos horrores da anarquia”.

Aquele bacharel, ao fazer em seguida um quadro da situação política do país, concordava com as palavras de um publicista de São Paulo, que dizia:

“Exproba ao Partido Liberal o ter corrido acelerado pela senda da anarquia, comovendo as massas populares, erguendo os pobres contra os ricos, os pequenos contra os grandes, os governados contra os governantes, o povo contra o poder, correndo com o archote em punho as províncias da Bahia, Pernambuco, Rio Grande, Minas e São Paulo, salpicando com sangue brasileiro o pendão auriverde. Acusa o Partido Conservador de ter abastardado o júri (Justiça), rebaixado a Guarda Nacional e ligado as províncias a um poder central egoísta e opressor. Crimina o partido de conciliação de ter abatido os partidos, encadeado os espíritos, subjugado as vontades, escravizado o país, erguido uma oligarquia mascarada com libré multicor, chegando por meio da corrupção às leis que dividiram o Império em distritos eleitorais”.

A seguir, o bacharel condena as mudanças de partido, que faziam os deputados, dizendo:

“Nesses grupos chamados partidos conservador, liberal, conciliador, constitucional, não há diferença alguma de princípios, nem de tendências finais: e, por isso, é patente que essas discórdias, que entre eles existem, são todas pessoais. A prova disso ei-la aí bem clara na freqüente transmigração dos mesmos cidadãos de uns dos chamados partidos para os outros, conforme as feições ou interesses individuais (...).

Querem todos eles ir no mesmo navio e para o mesmo ponto; a questão é unicamente saber quem há de ter a mão no leme: questão de suma importância para os influentes dos diversos grupos, mas de bem pouca ou nenhuma importância para o público, contanto que para se manterem no poder não alterem a tranqüilidade pública, afugentando os capitais, entorpecendo a produção e mais indústrias, como por vezes tem sucedido, com grande mal para nós todos”.

As agitações publicas choviam no país, as quais precisavam solucionar-se com a modificação da lei eleitoral. O bacharel Souza Bandeira, por exemplo, defendia a sua tese das eleições diretas.


Os partidos em 1870

Vejamos como se alinhavam os partidos políticos brasileiros em 1870, meio século após a Independência. É oportuno lembrar que não havia legislação sobre os partidos políticos, não existindo, pois, o seu registro regular. Como também não havia registro prévio das chapas de eleitores de 2° grau, assim como de deputados, senadores, etc.

Em 1870, existiam os partidos que relacionaremos a seguir.

Partido Liberal — Teve suas origens em 1831. O seu programa podia ser assim resumido: Monarquia Federativa, extinção do Poder Moderador (exercido pelo imperador), eleição a cada dois anos da Câmara dos Deputados, Senado eletivo e temporário, supressão do Conselho de Estado, assembléias legislativas provinciais com duas câmaras e intendentes municipais (prefeitos). O Partido Liberal sofireu uma evolução em 1869, que veremos mais adiante.

Partido Conservador — Foi constituído em 1837. Pugnava por maior unidade do Império, contra a formação de estados dentro do Estado, pelas assembléias provinciais. Eis uma síntese do seu programa: restringir as atribuições das assembléias provinciais, rigorosa observância da Constituição, estudar maduramente todas as inovações políticas, antes de aceitá-las, unidade do Império sob o regime representativo e monárquico. O imperador impera, governa e administra. O programa dos conservadores era o oposto do dos liberais.

Partido Progressista — Este partido nasceu em 1862, na Câmara, de uma oposição ao ministério a que foi dado o nome de Liga Progressista. Era uma “liga” de liberais e conservadores (moderados). Em 1864, foi lido no Senado o programa do Partido Progressista do qual faremos um extrato: “O Partido Progressista é um partido novo. Não toma sobre si a responsabilidade das crenças e tradições dos extintos partidos, a que pertenceram os indivíduos que o compõem (...) O Partido Progressista não quer: 1°) a reforma da Constituição política, à qual, como ao imperador e à sua dinastia, consagra o maior respeito e adesão; 2°) a eleição direta; 3°) a descentralização política; 4°) o exclusivismo nos cargos públicos”.

Partido Liberal-Radical — Este partido, que se estruturou em 1868, teve suas origens nas lutas políticas de 1862 em diante. Seu programa podia ser assim resumido: 1°) abolição do Poder Moderador, da Guarda Nacional, do Conselho do Estado, do elemento servil; 2°) pugnando pelo ensino livre, pela polícia efetiva, pela liberdade de associação e de cultos, pelo sufrágio direto e universal, pela eleição dos presidentes das províncias, etc.

Partido Liberal — Em 1869, há acordo entre os liberais históricos e os progressistas, para fazerem oposição ao novo ministério. Em conseqüência, houve a fundação de um clube e de um jornal. Seu programa e princípios eram extensos, razão por que somente deles extraímos o seguinte: os ministros devem ser responsáveis pelos atos do Poder Moderador; o rei reina mas não governa; descentralização; maior liberdade em matéria de comércio e indústria; plena liberdade de consciência; ensino livre (particular); independência do Poder Judiciário; redução das forças militares em tempo de paz; reforma eleitoral (eleição direta somente na Corte, capitais de províncias e cidades que tiverem mais de dez mil almas, sendo o eleitor, o de 2° grau, pela Constituição); abolição do recrutamento; emancipação dos escravos, etc.

Partido Republicano — No dia 3 de dezembro de 1870, na capital do Império, apareceu o jornal A República, estampando o Manifesto Republicano. Era a fundação do Partido Republicano, pela ala radical do Partido Liberal-Radical. Esse manifesto iniciava-se com estas palavras:

“É a voz de um partido que se alça hoje para falar ao país. E esse partido não carece demonstrar a sua legitimidade. Desde que a reforma, alteração ou revogação da Carta outorgada em 1824 está por ela mesma prevista e autorizada, é legítima a aspiração que hoje se manifesta para buscar em melhor origem o fundamento dos inauferíveis direitos da nação. Só à opinião nacional cumpre acolher ou repudiar essa aspiração. Não reconhecendo nós outra soberania mais do que a soberania do povo, para ela apelamos. Nenhum outro tribunal pode julgar-nos; nenhuma outra autoridade pode interpor-se entre ela e nós”.

Esse manifesto é longo e constituía um programa revolucionário de verdadeira subversão do regime. Se houvesse, naquele ano (e nos seguintes), um espírito de defesa do regime e registro obrigatório dos partidos políticos, o Partido Republicano seria posto fora de lei imediatamente. Esta observação é necessária, para demonstrar o clima de ampla liberdade de opinião, de expressão e de ação política existente no 2° Império.


Os processos de votação

Fizemos, atrás, uma exposição sumária dos partidos políticos e seus programas, no ano de 1870. Isto não significa que houvesse perfeita lealdade dos deputados aos programas dos partidos. Era comum os deputados desligarem-se dos seus partidos e passarem-se para os partidos adversários. Entretanto, as discussões dos projetos de lei eram, em geral, mantidas segundo os princípios e programas partidários.

Em 1873, o governo enviou projeto de lei à Câmara, que alterava a Lei Eleitoral de 19 de agosto de 1846 e as posteriores. A comissão da Câmara encarregada de dar parecer sobre o projeto realizou um trabalho longo, exaustivo, mas de grande importância política. Não poderemos resumi-lo neste artigo. Só poderemos fazer simples referência aos seus pontos essenciais.

Um dos pontos importantes da nova lei eleitoral, que seria discutida e votada, era o da representação das minorias. Dizia a comissão:

“É essencial distinguir nos sistemas da representação das minorias ou da representação proporcional os diversos processos sugeridos. Estes são empíricos ou racionais: pelo processo empírico obtém-se somente a representação de minorias, porque a proporcionalidade não é acautelada; pelo processo racional obtém-se a representação das minorias, porque a proporcionalidade é a garantia do resultado. Entre os processos empíricos, mencionam os escritores (europeus) a pluralidade simples, o voto limitado, o voto cumulativo, o voto plural e o voto por pontos. Entre os processos racionais são classificados a representação pessoal como o voto contingente, o voto sucessivo como o voto eventual, a lista livre com o voto simultâneo, o sufrágio uninominal com o voto transferível”.

Do parecer, transcrevemos, a seguir, algumas linhas referentes a cada processo de votação.

1) Pluralidade simples — O eleitor deposita na urna uma cédula com um só nome. Feita a apuração, os mais votados, até o número de deputados a eleger, serão os eleitos;

2) Voto limitado — O eleitor vota em um menor número de candidatos do que aquele que deve ser eleito;

3) Voto cumulativo — O eleitor deposita na urna uma cédula contendo tantos nomes quantos forem os deputados que deverão ser eleitos. Esses nomes podem ser o de um só candidato, repetido tantas vezes quanto o número de deputados, razão por que se chama cumulativo;

4) Voto plural — “É este (dizia o parecer), o processo que melhor conciliaria todos os interesses sociais, se não fora antipático e odioso à luz dos princípios em voga sobre a igualdade política (...) O eleitor disporia de maior ou menor número de votos, segundo a maior ou menor capacidade civil. O ignorante ou analfabeto daria um só voto; daí para cima a lei atribuiria ao cidadão dois, três ou mais votos, segundo o grau de sua capacidade, cujas condições seriam previamente reguladas, tendo-se em vista a cultura intelectual ou a riqueza.

É evidente (dizia o parecer) que nessa mesma desigualdade política baseada sobre a desigualdade civil, se assentaria a verdadeira igualdade social”.

5) Voto por pontos — Consiste em dar maior valor, na escala ascendente ou descendente, aos votos do eleitor, conforme a colocação dos nomes dos candidatos na respectiva cédula. Se forem três os deputados a eleger, o eleitor escreve três nomes na cédula. O primeiro vale três, o segundo dois, o terceiro um (descendente). Ou, então, o último vale 1/3, o penúltimo 1/2, e o primeiro l (ascendente).

6) Representação pessoal com o contingente — O eleito organiza a sua chapa com os nomes de sua preferência. Calculado o quociente eleitoral (número de eleitores dividido pelo número de candidatos), é considerado eleito o que o atingir ou exceder;

7) Voto sucessivo com o voto eventual — É o mesmo processo anterior, mas a sorte é quem decide, pois, na abertura dos envelopes, o que primeiro atingir o quociente está eleito;

8) Lista livre com o duplo voto simultâneo — O eleitor deposita duas cédulas: uma, sendo a chapa apresentada pelo partido, e outra, sendo a chapa organizada pelo eleitor. O processo de apuração é complicado e exigiria muito espaço para ser feita aqui a sua exposição.

9) Sufrágio uninominal com voto transferível — É um processo parecido com o da pluralidade simples.

O parecer da comissão aludia, também, a outros processos diversos, inclusive ao “sistema proporcional” inventado pelo inglês Hare, em 1859, e, finalmente, concluiu pela “pluralidade simples”. O parecer ainda fazia considerações sobre outros pontos do projeto da nova lei eleitoral, tais como incompatibilidades, qualificação de eleitores, etc., que deixamos de mencionar, apenas, para não estender demasiadamente este capítulo.


Servos da gleba e plutocratas

Após 1870, travou-se luta renhida em torno da nova lei eleitoral que se pretendia. Por isso, o governo tomou a iniciativa de enviar projeto à Câmara em 1873.

Em 1871, por exemplo, no Senado, Nabuco de Araújo defendia o programa do Partido Liberal, isto é, o de que a eleição direta deveria ser adotada somente para as cidades com até 10 mil almas:

“O programa liberal é censurado porque contém disposições diversas para as cidades e para o campo. Isto vem, senhores, do preconceito que nos tem sido tão fatal. Isto é, o preconceito das leis absolutas; entretanto que a melhor qualidade da lei é a sua relação com as circunstâncias locais (...). Ora, como confiar a eleição direta no interior do país a essa classe intermédia, situada entre os senhores e os escravos, sem condição de independência e liberdade, a qual, na frase do Sr. Diogo Velho, presidente de Pernambuco, se compõe de servos da gleba?”.

Respondia-lhe Cotegipe: “Para não haver isso é que é preciso no Centro (interior) a eleição direta”.

Tavares Bastos

Em 1873, Tavares Bastos (liberal) escreveu um volume sobre a necessidade de inovações na lei eleitoral, onde dizia: “Defendemos uma causa que desde 1861 advogamos, e que nunca desistimos de apoiar: a necessidade da eleição direta”. E afirmava que, devido à imperfeição da lei eleitoral em vigor, “a política está quase interdita aos cidadãos de mérito, aos homens de bem. A vida pública não é mais o estádio da honra e da glória, aberto às nobres ambições: é mercancia de grosso trato. Defendemos a eleição direta”. Dizia: “Em contacto com o país real, diante da nação, não cresceriam os brios do deputado, o sentimento da responsabilidade, o estímulo para o bem público?”.

Como o projeto do governo pretendia estabelecer um “censo alto”, isto é, restringir ainda mais o direito do voto, exigindo para ser eleitor uma alta renda líquida anual, dizia Tavares Bastos:

“Renda líquida, deduzidos gastos de produção! Mas quem a tem realmente neste país senão mui poucos dos mais altos funcionários, alguns dos maiores capitalistas, os negociantes de grosso trato, os banqueiros, os advogados notáveis, os grandes proprietários, alguns milhares de cidadãos ao todo? Com semelhante lei, fielmente cumprida, fundar-se-ia a mais intolerável das aristocracias, decretando-se a incapacidade do país inteiro (...)”

E continuava Tavares Bastos:

“Finalmente, não é do censo alto, de eleitores capitalistas e proprietários, que depende a nossa salvação. A França dos Bourbons e de Luiz Felipe nos sirva de ensino. Os ricos... porque não confessá-lo? Os ricos por si sós não representam no Brasil nem a inteligência, nem a ilustração, nem o patriotismo, nem até a independência.

A prova é que os proprietários e capitalistas fazem timbre neste país da indiferença em matéria política, que é o seu belo ideal, quando não são as criaturas mais submissas e mais dependentes do poder que dá cargos de polícia, patentes da Guarda Nacional, fitas e honras com que se apresentam estultas vaidades ou perversas ambições de mando, contratos e empresas com que se dobram e tresdobram fortunas. Aqui, como em qualquer parte do mundo, não se poderá cometer erro mais funesto do que entregar a sociedade ao domínio exclusivo e tirânico de uma só classe, a plutocracia, a menos nobre e a mais corruptível”.

Belisário

Em 1872, Belisário Soares de Souza escreveu também um livro onde apontava as deficiências da lei eleitoral vigente. Sobre a qualificação de eleitores, dizia:

“A condição a que se recorre mais geralmente para justificar todas as exclusões e inclusões é possuir-se renda legal. A lei constitucional não podia definir em que consistia e como reconhecer a renda líquida de 200$000; as leis regulamentares nunca o fizeram. Não queremos falar das alterações nos livros das qualificações, da troca de nomes e do remédio heróico do desaparecimento do livro de qualificação, na ocasião da eleição”.

Como já assinalamos na exposição das leis eleitorais, não havia títulos de eleitor ou qualquer outro meio de identificação. O eleitor de 1° grau era identificado, no momento de votar, pela mesa e pelos presentes. A propósito, Belisário descreve como eram feitas as identificações:

“Pedro está qualificado; mas é realmente o Pedro qualificado o indivíduo desconhecido que ali está presente com uma cédula na mão? Os mesários o desconhecem, bem como a maior parte dos circunstantes. Entretanto, o cabalista que lhe deu a cédula declara que é o próprio; os mesários seus partidários esposam-lhe a causa, e pela mesma razão os outros esposam o contrário. É! Não é! Grita-se de todos os lados. Interroga-se o cidadão. Justamente os ‘invisíveis’, os ‘fósforos’, na gíria cabalista, são os mais ladinos em responderem, segundo os dados constantes da qualificação: tem 30 anos, é casado, carpinteiro, etc.

A maioria da mesa decide: está acabado; não há nem pode haver recurso. Outras vezes, Pedro é conhecido, é o verdadeiro Pedro da qualificação. Negam-lhe, porém, a identidade: Pedro atrapalha-se, intimida-se com aquela vozeria; o seu voto é rejeitado”.

Esses “fósforos” votavam em lugar dos que não compareciam às eleições, inclusive os falecidos. E continuava Belisário:

“É mais vulgar que, não acudindo à chamada um cidadão qualificado, não menos de dois ‘fósforos’ se apresentem para substituí-lo. Cada qual exibe melhores provas de sua identidade, cada qual tem maior partido e vozeria para sustentá-lo em sua pretensão. Afinal um é aceito.

Muitas vezes, contra a expectativa dos cabalistas, apresentava-se a contestar a um ‘fósforo’ o verdadeiro cidadão qualificado. A máxima parte dos votantes da eleição primária (l° grau) não tem consciência do direito que exercem, não vai à urna sem solicitação, ou o que é pior, constrangimento ou paga. O eleitor (2° grau), entidade transitória, dependente da massa ignorante que o elege com o auxílio das autoridades, do dinheiro, da fraude, da ameaça, da intimidação, da violência, não tem força própria para resistir a qualquer dos elementos a que deve seu poder passageiro, cuja instabilidade é ele o primeiro a reconhecer. O deputado, vendo-se entre o eleitorado (2° grau) dependente do governo para manter-se no posto, e o governo (...), vive sujeito a ambos sem poder satisfazer a nenhum”.

Verificamos que urgia nova lei eleitoral. E ela apareceu, em 1875.


A Lei de 1875

As lutas políticas no Império travavam-se, em grande parte, em torno do sistema eleitoral. As fraudes, a corrupção, a intervenção das autoridades no dia das eleições, a inexistência de título de eleitor, a eleição indireta (em dois graus), os processos de eleição, as restrições do voto (privilégio), as incompatibilidades, etc. eram os temas em torno dos quais travavam-se acesos debates. Era o Partido Liberal o que mais agitava esses problemas. No entanto, todos os partidos procuravam pôr o próprio regime monárquico acima das disputas políticas. Foi o Partido Republicano que, aproveitando-se das circunstâncias e num hábil sofisma político, levou à conta do próprio regime monárquico todas as agitações políticas.

Na Assembléia Geral, cuidou-se da reforma da legislação eleitoral. Depois de votada, foi enviada à sanção do imperador. Assinada no dia 20 de outubro de 1875, e cujo decreto tomou o número 2.675, não constituiu uma lei geral que substituísse a de 1846. Em verdade, a lei de 1846 não foi revogada. Simplesmente, nela foram introduzidas inovações e modificações que objetivaram aperfeiçoá-la. Em si mesmas, as disposições do Decreto na 2.675, de 20 de outubro de 1875, formavam um conjunto sem ordem alguma. Entretanto, a regulamentação dessa lei apareceria pelo Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876, formando um todo harmônico com a Lei Eleitoral Geral de 1846 (Decreto nº 387). Aliás, essa regulamentação combinava não somente essas duas leis, mas também todas as disposições esparsas, decretadas após 1846.

Faremos uma breve exposição da lei de 1875, para, posteriormente, explanarmos, de maneira geral, a regulamentação de 1876.

Lei Eleitoral de 20 de outubro de 1875

Inicialmente, a lei dispunha sobre a formação das juntas paroquiais de qualificação. Essas juntas, encarregadas de organizar as listas dos eleitores de paróquia (1° grau), eram formadas pelos próprios eleitores, em eleição entre eles realizada, a qual era presidida pelo juiz de paz mais votado e realizava-se três dias antes do designado para o início dos trabalhos de qualificação.

A qualificação

Dizia o §42:

“As listas gerais, que as juntas paroquiais devem organizar, conterão, além dos nomes dos cidadãos qualificados, a idade, o estado, a profissão, a declaração de saber ou não ler e escrever, a filiação, o domicílio e a renda conhecida, provada ou presumida; devendo as juntas, no último caso, declarar os motivos de sua presunção e as fontes de informação a que tiverem recorrido”.

Para a inclusão de eleitores ex officio, a junta recorria a dois processos: o das rendas legais conhecidas e o das rendas legais provadas. A lei estabelecia:

“Têm renda legal conhecida:

1) os oficiais do exército, da armada, dos corpos policiais, da Guarda Nacional e da extinta 2ª linha, compreendidos os ativos, da reserva, reformados e honorários; 2) os cidadãos que pagarem anualmente 6$000 ou mais de imposições e taxas gerais, provinciais e municipais; 3) os que pagarem o imposto pessoal estabelecido pela Lei n° 1.507, de 26 de setembro de 1867; 4) em geral, os cidadãos, que a título de subsídio, soldo, vencimento ou pensão, receberem dos cofres gerais, provinciais ou municipais 200$000 ou mais por ano; 5) os advogados e solicitadores, os médicos, cirurgiões e farmacêuticos, os que tiverem qualquer título conferido ou aprovado pelas faculdades, academias, escolas e institutos, de ensino público secundário, superior e especial do Império; 6) os que exercerem o magistério particular como diretores e professores de colégios ou escolas, freqüentadas por 10 ou mais alunos; 7) os clérigos seculares de ordens sacras; 8) os titulares do Império e os oficiais e fidalgos da Casa Imperial, e os criados desta que não forem de galão branco; 9) os negociantes matriculados, os corretores e os agentes de leilão; 10) os guarda-livros e primeiros caixeiros de casas comerciais que tiverem 200$000 ou mais de ordenado, e cujos títulos estiverem registrados no registro de comércio; 11) os proprietários e administradores de fazendas rurais, de fábricas e de oficinas; 12) os capitães de navios mercantes e pilotos que tiverem carta de exame”.

Eram admitidos como prova de renda legal:

“l) a justificação judicial dada perante o juiz municipal ou substituto do juiz de direito, na qual se prove que o justificante tem, pelos seus bens de raiz, indústria, comércio ou emprego, a renda líquida anual de 200$000; 2) documento de estação pública pelo qual o cidadão mostre receber dos cofres gerais, provinciais ou municipais, vencimento, soldo ou pensão de 200$000 pelo menos, ou pagar o imposto pessoal ou outros na importância de 6$000 anualmente; 3) exibição de contrato transcrito no livro de notas, do qual conste que o cidadão é rendeiro ou locatário, por prazo não inferior a três anos, de terrenos que cultiva, pagando 20$000 ou mais por ano; 4) título de propriedade de imóvel, cujo valor locatário não seja inferior a 200$000”.

Os cidadãos que não estivessem enquadrados nessas exigências não poderiam ser eleitores. As juntas paroquiais, que faziam as qualificações ex officio, ouviriam as queixas, denúncias e reclamações injustas sobre inclusão ou exclusão de eleitores. Mas somente poderiam deliberar sobre os não-incluídos. Estando o cidadão incluído, continuaria incluído. Uma instância superior deliberaria sobre a exclusão à vista das queixas, denúncias a reclamações.


A Lei de 1875

Elaborada a qualificação dos eleitores de paróquia, as respectivas juntas enviavam os seus trabalhos às juntas municipais:

“§ 2° Para verificar e apurar os trabalhos das juntas paroquiais, constituir-se-á na sede de cada município uma junta municipal composta do juiz municipal ou substituto do juiz de direito, como presidente, e de dois membros eleitos pelos vereadores da Câmara (...). §11. À junta municipal compete: 1° aprovar e organizar definitivamente, por paróquias, distritos de paz e quarteirões, a lista geral dos votantes (1° grau) do município, com a declaração dos que são elegíveis para eleitores (2° grau) (...)”.

Esta junta municipal ouvia reclamações, queixas, provas, etc., sobre inclusão ou omissão de cidadãos que podiam, ou não, ser eleitores. A junta podia excluir os indevidamente qualificados pelas juntas paroquiais, devendo, antes, notificá-los para que se defendessem, ou melhor, “sustentassem o seu direito”.

“§ 13. Revistas, alteradas ou confirmadas as listas enviadas pelas juntas paroquiais, serão publicadas na sede do município, e devolvidas às ditas juntas, para que também as publiquem nas paróquias. A publicação será feita durante dois meses, por editais, e quatro vezes com intervalos de quinze dias, pelos jornais, se os houver no município. Ao mesmo tempo se enviará cópia de cada uma das ditas listas ao juiz de direito”.

As disposições sobre a qualificação eram numerosas, havendo recursos para o juiz de direito, que tinha autoridade para julgar. E finalmente, havia, ainda, uma última autoridade a quem podiam os interessados recorrer: o Tribunal da Relação do Distrito.

Finalmente, organizadas as listas definitivas dos eleitores de paróquia (1° grau), eram-lhes passados títulos de eleitor. Este é um evento importante: a adoção do título eleitoral, no Brasil. Dele trataremos mais demoradamente em próximo artigo.

O art. 2° dispunha:

“O ministro do Império fixará o número de eleitores (2° grau) de cada paróquia sobre a base do recenseamento da população e na razão de um eleitor por 400 habitantes de qualquer sexo ou condição, com a única exceção dos súditos de outros estados. Havendo sobre o múltiplo de 400, número excedente de 200, acrescerá mais um eleitor”. Art. 3° “A eleição de eleitores gerais (2° grau) começará em todo o Império no primeiro dia útil do mês de novembro do quarto ano de cada legislatura. Excetua-se o caso de dissolução da Câmara dos Deputados, no qual o governo marcará, dentro do prazo de quatro meses contados da data do decreto de dissolução, um dia útil para o começo dos trabalhos da nova eleição”.

As eleições

Relativamente às eleições paroquiais, dizia o § 9º:

“Instalada a mesa paroquial, começará a chamada dos votantes (1° grau), cada um dos quais depositará na urna uma cédula fechada por todos os lados, contendo tantos nomes de cidadãos elegíveis quantos corresponderem a dois terços dos eleitores que a paróquia deve dar. Se o número de eleitores da paróquia exceder o múltiplo de três, o votante adicionará aos dois terços um ou dois nomes, conforme for o excedente”.

O voto era secreto, e não havia a exigência de o eleitor assinar qualquer lista de votação, pois os analfabetos podiam ser eleitores.

Relativamente à eleição do 2° grau, dizia o § 17:

“Para deputados à Assembléia Geral, ou para membros das assembléias legislativas provinciais, cada eleitor votará em tantos nomes quantos corresponderem aos dois terços do número total marcado para a província. Se o número marcado para deputados à Assembléia Geral, ou membros da Assembléia Legislativa Provincial for superior ao múltiplo de três, o eleitor adicionará aos dois terços um ou dois nomes de cidadãos, conforme for o excedente”.

Dizia o art. 22: “O ministro do Império, na Corte, e os presidentes nas províncias criarão definitivamente tantos colégios eleitorais quantas forem as cidades e vilas, contanto que nenhum deles tenha menos de vinte eleitores”.

Explanaremos, oportunamente, de forma detalhada, o processo de eleição adotado, isto é, de só poder o eleitor votar em dois terços dos candidatos a serem eleitos.

As incompatibilidades

Disposições importantes da lei que estamos tratando eram as referentes às incompatibilidades. Faremos a sua transcrição, na íntegra:

“Art. 3° Não poderão ser votados para deputados à Assembléia Legislativa os bispos, nas suas dioceses; e para membros das Assembléias Legislativas Provinciais, deputados à Assembléia Geral ou senadores, nas províncias em que exercem jurisdição: I — os presidentes de província e seus secretários; II — os vigários capitulares, governadores de bispados, vigários gerais, provisores e vigários forâneos; III — os comandantes de Armas, generais-em-chefe de terra ou de mar, chefes de estações navais, capitães de porto, comandantes militares e dos corpos de polícia; VI — os inspetores das tesourarias ou repartições de fazenda geral e provincial, os respectivos procuradores ou dos feitos, e os inspetores das alfândegas; V — os desembarçadores, juízes de direito, juizes substitutos, municipais ou de órfãos, os chefes de polícia e seus delegados e subdelegados, os promotores públicos, e os procuradores gerais de órfãos; VI — os inspetores ou diretores gerais da instrução pública.

§ 1° A incompatibilidade eleitoral prevalece: I — para os referidos funcionários e seus substitutos legais, que tiverem estado no exercício dos respectivos empregos dentro de seis meses anteriores à eleiçáo secundária; II — para os substitutos que exercerem os empregos dentro dos seis meses, e para os que os precederem na ordem da substituição, e que deviam ou podiam assumir o exercício; III — para os funcíoriários efetivos desde a data da aceitação do emprego ou função pública até seis meses depois de o terem deixado em virtude de remoção, acesso, renúncia ou demissão.

§ 2° O prazo de seis meses, de que trata o parágrafo antecedente, é reduzido ao de três meses, no caso de dissolução da Câmora dos Deputados.

§ 3° Também não poderão ser votados para membros das assembléias provinciais, deputados e senadores, os empresários, diretores, contratadores, arrematantes ou interessados na arrematoção de rendimentos, obras ou fornecimentos públicos naquelas províncias em que os respectivos contratos e arrematação tenham execuções e durante o tempo deles.

§ 4° Serão reputados nulos os votos que, para membros das assembléias provinciais, deputados ou senadores, recaírem nos funcionários e cidadãos especificados neste artigo; e disto se fará menção motivada nas atas dos colégios ou das câmaras apuradoras.

§ 5° Salvo a disposição do art. 34 da Constituição do Império, durante a legislatura, e seis meses depois, é incompatível com o cargo de deputado a nomeação deste para empregos ou comissões retribuídas, gerais ou provinciais, e bem assim a concessão de privilégios e a celebração de contratos, arrematação, rendas, obras ou fornecimentos públicos. Excetuam-se: 1deg;) os acessos por antigüidade; 2°) O cargo de conselheiro de estado; 3°) as presidências de província, missões diplomáticas especiais e comissões militares; 4°) o cargo de bispo. A proibição relativa a empregos (salvo acesso por antigüidade), comissões, privilégios, contratos e arrematacões de rendas, obras ou fornecimentos públicos é aplicável aos membros das assembléias legislativas provinciais, com relação ao governo da província”.

Transcreveremos, na íntegra, a parte da lei referente às incompatibilidades.

A Justiça

A Lei de 20 de outubro de 1875, pela primeira vez, atribuiu importantes tarefas à Justiça, a quem encarregou de dirimir dúvidas, fazer cumprir dispositivos eleitorais, julgar recursos, etc. Não era, como se poderá supor, a criação de uma Justiça Eleitoral, mas sim a atribuição à Justiça comum de importantes encargos. Aos juizes de direito passaram a caber importantes atribuições. Assim, por exemplo, dizia o §30:

“O juiz de direito é o funcionário competente para conhecer da validade ou nulidade da eleição de juizes de paz e vereadores das câmara municipais, mas não poderá fazê-lo senão por via da reclamação, que deverá ser apresentada dentro do prazo de 30 dias, contados do dia da apuração”.

O título de eleitor

A lei de que estamos tratando também instituiu, pela primeira vez no Brasil, o título de eleitor. Este é, pois, um evento importante na evolução do sistema eleitoral brasileiro. A propósito, dedicaremos ao assunto um estudo especial, inclusive com a publicação do clichê do modelo oficial do primeiro título eleitoral.


A regulamentação de 1876

Pelo Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876, foram publicadas as instruções regulamentares para a execução do Decreto n° 2.675, de 20 de outubro de 1875, do qual já fizemos um apanhado, em linhas gerais, nos últimos capítulos.

Essa regulamentação de 1876 combinava a Lei Eleitoral de 1846 com o Decreto de 1875 e mais disposições esparsas, expedidas entre essas duas datas. Nessas condições, a regulamentação de 1876 passou a constituir uma lei eleitoral completa. Era bastante extensa e desde que já descrevemos sumariamente a Lei de 1875, simplesmente nos limitaremos a uma referência rápida à sua estrutura.

Título I

Da qualificação dos votantes. Constava de oito capítulos, com artigos e parágrafos. A qualificação em todo o Império seria feita de dois em dois anos. Os próprios eleitores formavam as juntas de qualificação, mas a Justiça (juizes de direito) desempenhavam importante papel relativamente ao julgamento de recursos, etc. O Capítulo VIII dispunha sobre os títulos de qualificação (sobre o assunto, dedicaremos um dos próximos capítulos).

Título II

Das eleições. Constava de 5 capítulos e 56 artigos e parágrafos. A eleição primária (1° grau) iniciava-se às 10 horas da manhã, realizando-se no consistório ou no corpo da igreja Matriz, ou no caso de ser isto impossível, em outro edifício designado pelos juizes de paz e de direito. Antes, o pároco celebrava missa do Espírito Santo. O cidadão apresentava o título de eleitor e, como os analfabetos podiam votar, os votantes não eram obrigados a assinar qualquer folha de votação. As cédulas podiam ser assinadas, ou não, conforme o votante desejasse que o seu voto fosse, ou não, secreto. Havia três chamadas de votante, duas no primeiro dia e a terceira no segundo e último dia de eleição. O Capítulo IV tratava da eleição secundária. Em cada província, haveria tantos colégios eleitorais quantas fossem as cidades e vilas, contanto que nenhuma tivesse menos de 20 eleitores (do 2° grau). O art. 122 dizia: “A eleição de deputados à Assembléia Geral e a dós membros das assembléias legislativas provinciais serão feitas por províncias”. Voltava-se ao sistema antigo de eleições por província, ou seja, renunciava-se aos sistemas de distritos de um só deputado ou de três deputados (Lei dos Círculos). O Capítulo V cuidava da eleição das câmaras municipais e dos juizes de paz, que era feita em todas as paróquias do Império, de quatro em quatro anos, no dia 1° de julho do último ano do quatriênio. A eleição municipal era direta (um só grau), e o voto era obrigatoriamente secreto.

A lei de que estamos tratando foi chamada, na época, de Lei do Terço, pois, nas eleições primárias e secundárias, os votantes e eleitores votavam em dois terços do número total dos que deviam ser eleitos (em próximo artigo descreveremos pormenorizadamente esse processo). Não obstante, já a Justiça comum (juizes de direito) começasse, com esta lei, a intervir em muitos aspectos da execução da lei eleitoral, eram ainda os cidadãos (votantes do 1° grau e eleitores do 2°) que ficavam incumbidos da qualificação de eleitores, organização das eleições, etc. A lei ainda não cuidava da organização dos partidos políticos nem dos seus registros, nem do registro de candidatos, etc.

A magistratura

Logo após a assinatura do Decreto de 20 de outubro de 1875, o liberal Tito Franco de Almeida escreveu:

“Prima (a nova lei) porque institui uma qualificação que deve tornar-se o registro, o grande cadastro da milícia política. Prima ainda porque procura afastar a intervenção governamental, sempre eivada de espírito partidário, e a substitui pela interferência do poder judicial, cujas incompatibilidades tornam mais extensas. Prima, enfim, pelo caráter de permanência que imprime na qualificação e pela capacidade eleitoral que reconhece em diversos ramos da ciência e do trabalho para serem qualificados jure próprio”.

Em 27 de janeiro de 1876, o Centro Liberal, em manifesto às seções provinciais do Partido Liberal, dizia:

“Desejamos também que V. Exa. e seus colegas nos confiem o juízo que forem formando da alta administração provincial e dos magistrados, os quais vão desta vez exercer importante missão na sociedade brasileira. Deus queira que eles procedam de modo a merecer as bênçãos do país. Podem dar-nos ou tirar-nos de uma vez a esperança de termos verdadeiro e sério corretivo ao transviamento das paixões políticas. Assim como estamos prontos para afrontar o crime e estigmatizar o desleixo e a indolência, também desejamos aplaudir o mérito e animar o espírito da justiça. Dignem-se V. Exa. e seus colegas comunicar-nos também os atos dos juizes e dos administradores que merecem os nossos elogios e reconhecimento público”.


A Lei do Terço

A Lei Eleitoral nº 2.675, de 20 de outubro de 1875, regulamentada pelo Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876, estabeleceu un processo de eleição ao qual, nos artigos anteriores, somente fizemos referência. Faremos hoje uma exposição mais detalhada desse processo chamado, na época, de Lei do Terço que, aliás, correspondia à própria lei eleitoral de 1875.

Quando em 1873 o governo enviou projeto de nova lei eleitoral à Câmara, adotou o processo da maioria relativa, ou seja, os que obtivessem maior número de votos, a partir do mais votado em escala decrescente, seriam eleitos. É fácil verificar que o partido (ou coligações) que organizasse chapas que fossem votadas sem modificações ganharia a totalidade das cadeiras, se tivesse maioria de votos. Apresentava-se, pois, o problema das minorias, que, antes, já havia dado origem a duas leis eleitorais: a Lei dos Círculos de um só deputado e a de três deputados.

A Câmara, recebendo o projeto de lei de 1873, modifícou-o relativamente ao processo de eleição, adotando outro que fosse mais justo em relação aos direitos das minorias. Aliás, na época, o problema das minorias era considerado em todos os países. A representação proporcional havia sido inventada pelo inglês Hare, cerca de 20 anos antes, e havia ainda um certo receio do seu emprego. Assim, a Câmara do Império, após muito discutir, resolveu adotar o sistema conhecido ao tempo por Lei do Terço, e que, anos antes, havia sido adotado na Inglaterra.

A Lei de 20 de outubro de 1875, regulamentada pelo Decreto de 12 de janeiro de 1876, estabelecia o seguinte sistema de eleições: cada eleitor somente podia votar em um número de nomes que fossem os dois terços dos a eleger. Assim, por exemplo, São Paulo tinha o direito de eleger nove deputados à Assembléia Geral e 36 à Assembléia Provincial. De acordo com a lei, os eleitores (de 2° grau) deviam organizar suas chapas com seis nomes (dois terços de nove), e 24 nomes (dois terços de 36), respectivamente. O partido vitorioso (ou coligação) somente poderia preencher dois terços dos cargos eletivos. O resto, isto é, o terço que faltasse, seria preenchido pela minoria, ou seja, o partido (ou coligação) que tivesse obtido menos votos. No caso do partido vencedor, os dois terços seriam eleitos integralmente. Mas, no caso do partido que estivesse em segundo lugar, se os eleitores tivessem sufragado a chapa completa, sem modificações (não havia registro prévio nem de candidatos, nem de chapas), então os dois terços dos candidatos teriam a mesma votação. Qual o terço desses dois terços que seria eleito? A lei mandava que se fizesse, entre os que empataram, um sorteio. Assim, a sorte decidiria. É fácil verificar que nem todos os eleitores seguiriam à risca as chapas apresentadas pelos partidos. Um só eleitor (do 2° grau) que modificasse a sua chapa seria o suficiente para impossibilitar o empate entre os candidatos.

A Lei do Terço não era um processo proporcional. Simplesmente dividia os cargos eletivos a preencher em dois terços para a maioria e um terço para a minoria. Mas os partidos geralmente não se apresentavam sozinhos, e sim em coligações. A coligação que vencesse, ganhando os dois terços, seria formada de elementos de mais de um partido. E nas câmaras, seria difícil garantir que a unidade obtida nas eleições seria mantida no plenário. Assim, maioria era um conceito que se relacionava mais com uma vitória eleitoral do que propriamente com uma organização de governo. No artigo XXXVIII deste livro, publicado sob o título Os processos de votar (aliás, Os processos de eleger), relacionamos os diversos métodos aventados pela Comissão dí Câmara dos Deputados, encarregada de dar parecer ao projeto de reforma eleitoral enviado àquela casa dos representantes pelo governo, em 1873. O sistema de eleição que teve o nome particular de Lei do Terço era denominado de Voto Limitado naquele referido parecer.


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O primeiro título de eleitor

Até 1875, não havia título de eleitor do Brasil, mas somente qualificação, sendo o votante (1° grau) identificado, no momento da eleição, pelos membros da mesa ou pelos circunstantes. O Decreto n° 2.675, de 1875, do qual já fizemos exposição em artigos anteriores, institui, pela primeira vez, o título de eleitor. A regulamentação dessa lei (Decreto n° 6.097, de 1876), em seu Capítulo VIII, cuidava pormenorizadamente do assunto.

A referida regulamentação também adotou um modelo de título, cujo clichê publicamos juntamente com este capítulo. Esse modelo era enviado às câmaras municipais das províncias, as quais deveriam mandar imprimi-los e fornecê-los às juntas de qualificação. Os títulos não eram impressos avulsamente, mas sim constituíam livros-talões. Observe-se o clichê do modelo que publicamos acima: junto à vinheta vertical onde se lê “Império do Brasil”, corria uma linha onde era destacado o título. A parte à esquerda constituía o canhoto do livro-talão de títulos. Os títulos eram assinados pelo secretário da Câmara Municipal e pelo presidente da Junta Municipal de Qualificação. O canhoto era rubricado pelo presidente da junta. O votante (1° grau) assinava o título. Se não soubesse ler nem escrever, poderia alguém assinar a seu rogo, no momento de retirá-lo.

Conforme se poderá verificar no modelo, a lei exigia o número do título, o nome da província, do município, da paróquia, do distrito e do quarteirão (por quarteirão, subentendiam-se os bairros rurais distantes). Relativamente ao votante, devia constar no título seu nome, idade, estado civil, profissão, renda, filiação, domicílio e elegibilidade, isto é, se era somente simples votante (1º grau) ou se podia ser eleitor (2º grau). Havia também a seguinte observação: “Declarar-se-á especialmente se sabe ou não ler e escrever”.

Além do número do título de qualificação, havia os números de ordem na lista geral, suplementar e complementar, números estes dependentes dos recursos interpostos. Os juizes de paz mandavam afixar editais nas portas das câmaras municipais e igrejas, matrizes, convidando os votantes a retirarem seus títulos dentro de 30 dias, findos os quais os que não fossem procurados seriam remetidos à Câmara Municipal, que os guardava em um cofre. Se os juizes de paz ou as câmaras não quisessem entregar o título ao cidadão, este podia recorrer ao juiz de direito.

Deixamos de publicar o clichê do modelo de título de eleitor (de 2º grau), por constituir um certificado, ou mais exatamente, um “diploma de eleitor geral”, como era designado e por constituir-se uma instituição desde 1822.

Os títulos eleitorais foram recebidos com grande júbilo. A propósito, Tito Franco de Almeida (liberal) disse, em 1875:

“Não é preciso encarecer a posse dos títulos de qualificação; sua grande importância ressalta de ser o reconhecimento do direito de votar, direito que se toma incontestável, indisputável. Por conseguinte, devem os partidos interessados prestar a maior atenção e cuidado em que todos os seus correligionários recebam seus títulos, evitando que por descuido, negligência, esquecimento, deixem de ir pessoalmente recebê-los do juiz de paz, acompanhando os que não souberem escrever para por eles assinarem os títulos e passarem o respectivo recibo”.


A vitória dos liberais

A denominada Lei do Terço, de 20 de outubro de 1857, cuja exposição terminamos em nosso último capítulo, constituiu uma lei eleitoral da maior importância, mas não aboliu as eleições indiretas. No dia seguinte ao da sanção da Lei do Terço pelo imperador, já o Partido Liberal reiniciava a campanha contra as eleições indiretas. A capacidade de luta dos liberais era extraordinária. Dois anos após a Lei do Terço, D. Pedro II resolveu capitular diante da exigência dos liberais: concordaria com a abolição das eleições indiretas, instituindo-se as eleições diretas.

O imperador ouve os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, com os quais delibera que a responsabilidade da reforma eleitoral deveria caber ao Partido Liberal, que sempre reclamara e sustentara a adoção das eleições diretas.

Por isso, no dia 1º de janeiro de 1878, o imperador incumbe o liberal Visconde de Sinimbu de organizar o ministério. Inaugurava-se com ele a política do governo. Apresentava-se, agora, um problema: eleições diretas seriam instituídas por meio de simples lei ordinária, ou exigiria reforma da Constituição de 1824? O imperador temia a convocação de uma Constituinte, que poderia por em risco a Monarquia. Sinimbu achava que, nesse caso, a Constituinte poderia ser convocada com poderes limitados. Incapaz de resolver a situação criada, o ministério Sinimbu teve de se resignar.

Saraiva

Caindo o gabinete Sinimbu, D. Pedro II procurou outro político liberal para formar novo ministério. A escolha recaiu no liberal baiano José Antônio Saraiva, que “possuía predicados especiais, exercia magnetismo pessoal pouco vulgar. Bom senso, faro agudo das ocasiões, arte em as aproveitar, idéias claras e práticas, confiança em si, conhecimento do meio em que vivia, prudência, altivez, decisão, jeito sob aparências rudes, manha disfarçada em explosões de brutal franqueza, conferiam-lhe inquestionável superioridade” (em Oito anos de parlamento, de Afonso Celso Filho).

Saraiva era o político indicado, tanto pela sua habilidade como por ser respeitado na Câmara e no Senado.

A 4 de março de 1880, Saraiva, ainda na Bahia, recebeu o convite do imperador para assumir a presidência do Conselho. D. Pedro II, no convite que lhe dirigira para organizar o ministério, declarava que lhe dava plena liberdade de “realizar a reforma (eleitoral) pelo modo que lhe parecer preferível”.

Saraiva organiza o ministério, com o qual comparece à Câmara dos Deputados, no dia 22 de abril de 1880. Na sessão desse dia, é aprovada unanimemente a seguinte moção de confiança no ministério:

“A Câmara dos Deputados, depositando inteira confiança no ministério, se esmerará em auxiliá-lo com o seu concurso, a fim de que a reforma eleitoral garanta ao país os melhoramentos indispensáveis de nossa legislação nesta matéria e se atenda convenientemente ao estado financeiro do país”.

Ruy

Saraiva, que já tinha organizado um esquema da nova lei eleitoral e do qual já havia dado conhecimento ao imperador, encarregou Ruy Barbosa, seu conterrâneo, de 31 anos de idade, e que era deputado pela primeira vez, de redigir a nova lei eleitoral. Concluída a redação, o barão Homem de Mello, que detinha a pasta do Império, é incumbido de levá-la à Câmara dos Deputados. No dia 29 de abril de 1880, aquele ministro é recebido na Câmara com as formalidades de estilo e, tomando assento à direita do presidente, inicia a leitura da mensagem do governo, relativa à nova lei eleitoral. Dava entrada, pois, na Câmara dos Deputados, o projeto de nova lei eleitoral.

Ali, Ruy a defende, dizendo da tribuna:

“Lançam-se em rosto que excluímos o operário, que banimos as classes produtoras, que eliminamos o elemento popular”.

E mais adiante, afirmava:

“Concedo que incorporasse ao eleitorado todos os trabalhadores, todos os jornaleiros, todos os artífices: não quero discutir a exeqüibilidade dessa pretensão, a segurança dessa promessa. Mas, para levar a efeito esse jubileu político, a vossa opinião daria à prova eleitoral uma inconsistência, uma penetrabilidade, por onde o arbítrio das qualificações cravaria o gume de sua cunha até dar em terra com o edifício da vossa democracia'.

E ao continuar Ruy seu discurso num ponto onde dizia que a exigência de um censo alto impediria a corrupção, aparteou-o Antônio Carlos, dizendo: “A corrupção está nas classes elevadas”, o que ensejou este aparte de Joaquim Nabuco: “E as classes excluídas (pelo censo) são tipógrafos, jornalistas e outras”. A esses apartes, Ruy respondia: “Não imponho a classe nenhuma o labéu de corrompida: ignoro que haja classes poluídas e classes extremes. Em todas há partes sãs e partes perdidas, virtudes e chagas morais”. E continuava Ruy:

“Aplaudo o projeto exatamente em nome da conveniência dos operários brasileiros, que contribuirão para o eleitorado em proporção menor, mas com toda a energia do seu contingente (...)”.

O imperador

O projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado do Império, foi levado, no dia 9 de janeiro de 1881, à sanção do imperador. Os representantes da Câmara dos Deputados são, nesse dia, recebidos no Paço Imperial, e o deputado Martinho Campos, ao entregar a D. Pedro II o decreto da Assembléia Geral que reformava a lei eleitoral, baseada na mensagem do governo, pronunciou breve oração, que concluiu com as seguintes palavras:

“Senhor! A obra que a Assembléia Geral realizou sem preocupação partidária, com incontestável sabedoria, abnegação e patriotismo, constituirá a época mais notável da nossa história constitucional, pela máxima importância dos princípios consagrados nesta reforma e, assegura à nação a verdade, prática da nossa forma de governo, e a Vossa Majestade Imperial a glória de marchar à frente de uma pátria livre na carreira do progresso e da civilização”.

A partir desse dia 9 de janeiro de 1881, o Império do Brasil passou a ter nova lei eleitoral, denominada “Lei Saraiva” ou Lei do Censo, cuja exposição iniciaremos em próximo capítulo.


A Lei Eleitoral de 9 de janeiro de 1881

No dia 9 de janeiro de 1881, pelo Decreto nº 3.029, o imperador sancionou a nova lei eleitoral, que substituiria todas as anteriores.

Essa legislação eleitoral foi da mais alta importância na vida política do país. Neste artigo, faremos rápidas referências às modificações mais importantes introduzidas no sistema eleitoral então vigente. Em próximo artigo, quando tratarmos da regulamentação dessa lei, a chamada Lei do Censo ou Lei Saraiva, então nos deteremos com mais vagar na sua exposição.

A reforma introduzida na legislação eleitoral pelo Decreto n° 3.029 foi profunda.

O art. 1º rezava “As nomeações dos senadores e deputados para a Assembléia Geral, membros das assembléias legislativas provinciais, e quaisquer autoridades eletivas serão feitas por eleições diretas, nas quais tomarão parte todos os cidadãos alistados eleitores de conformidade com esta lei”. Assim, ficava abolido o sistema de eleições indiretas, que vinha sendo adotado no Brasil desde 1821, ou seja, durante 60 anos. Pela primeira vez, no Brasil, foi instituído o sistema de eleições diretas.

O art. 6º determinava: “O alistamento dos eleitores será preparado, em cada termo, pelo respectivo juiz municipal, e definitivamente organizado por comarcas pelos juizes de direito destas”. Deixaram, pois, de existir as juntas de alistamento, sendo tal serviço atribuído aos juizes de direito. O § 4° desse artigo dizia: “Nenhum cidadão será incluído no alistamento dos eleitores sem o ter requerido por escrito e com assinatura ou de especial procurador, provando o seu direito com os documentos exigidos nesta lei”. Deixava de existir o alistamento ex officio, exceto para os juizes de direito e municipais.

Era permitido ao analfabeto ser eleitor, pois o § 15 do art. 6° dizia que o eleitor, ao retirar o título, passaria recibo “(...) com sua assinatura, sendo admitido a assinar pelo eleitor, que não souber ou puder escrever, outro por ele indicado”.

A lei dispunha também sobre as exigências para que os cidadãos pudessem ser eleitos para o Legislativo Nacional, Provincial e Municipal. O capítulo das incompatibilidades era extenso.

Quanto às eleições propriamente ditas, o § 2° do art. 15 dispunha: “São dispensadas as cerimônias religiosas e a leitura das leis e regulamentos que deviam preceder aos trabalhos eleitorais”. O art. 6º dizia:

“O governo, na Corte, e os presidentes, nas províncias, designarão com a precisa antecedência os edifícios em que deverão fazer-se as eleições. Só em falta absoluta de outros edifícios poderão ser designados para esse fim os templos religiosos”.

A lei permitiria também que os candidatos que concorriam às eleições pudessem nomear fiscais junto às assembléias eleitorais. O voto era secreto. Na folha de presença, “quando o eleitor não souber ou não puder assinar o seu nome, assinará em seu lugar outro por ele indicado e convidado para este fim pelo presidente da mesa”.

A lei restabelecia o sistema de eleição por distritos, em seu art. 17:

“As províncias serão divididas em tantos distritos eleitorais quantos forem os seus deputados à Assembléia Geral, atendendo-se quanto possível à igualdade da população dentre os distritos de cada província, e respeitando-se a contigüidade do território e a integridade do município”.

Cada distrito elegeria um deputado à Câmara dos Deputados, podendo eleger mais de um à Assembléia Provincial. Para ser eleito para a Câmara dos Deputados, o candidato deveria obter a maioria dos votos dados na eleição. Caso nenhum candidato a obtivesse, seria realizada nova eleição 20 dias após, só podendo concorrer a esse segundo escrutínio os dois candidatos mais votados.

Não obstante cada distrito pudesse eleger mais de um candidato à Assembléia Provincial (número de membros da Assembléia Provincial dividido pelo número de distritos eleitorais), o eleitor poderia votar somente em um candidato. O número de eleitores que votasse, dividido pelo número de membros da Assembléia Provincial que o distrito iria eleger, daria o quociente eleitoral exigido para o candidato ser eleito. Caso algum, alguns ou todos os candidatos não conseguissem esse quociente, seria realizada nova eleição 20 dias após, somente para os mais votados.

Também as eleições de vereadores e juizes de paz eram objeto dessa lei. Cada eleitor só podia votar em um nome para vereador, e seriam eleitos os que obtivessem o quociente eleitoral calculado.

Havia um capítulo relativo aos crimes eleitorais e às respectivas penas.

Finalizando, devemos frisar que não havia registro de partidos políticos, nem de candidatos, nem de chapas de candidatos.

*

A Lei Eleitoral de 9 de janeiro de 1881 (também chamada Lei Saraiva ou Lei do Censo) foi regulamentada pelo Decreto n° 8.213, de 13 de agosto de 1881.

A regulamentação de que vamos tratar era extensa, pois se dividia em quatro títulos que, por sua vez, subdividiam-se em capítulos, com diversos parágrafos. Resumiremos ao máximo a exposição da regulamentação de 13 de agosto de 1881.

Título I

O Título I, que tratava “dos eleitores e da revisão do alistamento eleitoral”, era dividido em cinco capítulos, tudo num total de 83 artigos. Já vimos que deixava de existir o alistamento ex officio, devendo o cidadão, para ser eleitor, fazer o necessário requerimento. Junto com o requerimento, devia juntar prova de que tinha “renda líquida anual não inferior a 200$000, por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego”, sem o que o cidadão não seria eleitor. A lei determinava os instrumentos necessários de prova e relacionava os cidadãos considerados como tendo renda legal conhecida, que ficavam, assim, isentos da apresentação dos documentos exigidos: senadores, magistrados, clérigos, altos funcionários, oficiais das forças armadas, professores, profissionais liberais, etc. Além da exigência da prova de renda, deveria o cidadão juntar outros documentos: de idade (acima de 25 anos para os solteiros, acima de 21 anos para os casados e oficiais militares, e qualquer idade para os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras); de residência mínima de um ano no domicílio; saber ler e escrever (o eleitor analfabeto podia votar). O processo de alistamento e conseqüente expedição do título de eleitor era afeto ao juiz de direito e cheio de detalhes quanto a registros em tabeliães, comunicações ao ministro do Império, presidente da província, etc. Das decisões dos juizes, havia recurso à instância superior.

Título II

Tratava dos elegíveis e das eleições. Para ser elegível para qualquer cargo, o cidadão devia ter as qualidades exigidas para eleitor (não era obrigado a ser eleitor) e não se achar pronunciado em processo criminal. Exigência para ser senador: idade de 40 anos para cima e renda anual de 1:600$000 por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Para ser deputado à Assembléia Geral: renda anual de 800$000 por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Para ser membro da Assembléia Legislativa Provincial: residir na província por mais de dois anos. Para ser vereador e juiz de paz: residir no município e no distrito de paz por mais de dois anos. Observadas as exigências acima, um cidadão nascido numa província poderia, noutra província, ser votado e ser eleito para senador ou deputado à Assembléia Geral. Mas, para ser votado e eleito membro de uma Assembléia Provincial, ou vereador e juiz de paz, deveria ter nascido na respectiva província. Os cidadãos naturalizados podiam ser eleitos para as assembléias provinciais, após decorridos seis anos d naturalização.

O art. 85 discriminava os cidadãos incompatibilizados para disputar cargos de senador, deputado à Assembléia Geral ou membro de Assembléia Legislativa Provincial. Não podiam ser votados: os diretores gerais do Tesouro Nacional e os diretores das secretarias de Estado; os presidentes de província (eram nomeados pelo imperador), os bispos em suas dioceses, os comandantes de armas, os generais-em-chefe de terra e mar, os chefes de estações navais, os capitães de porto, os inspetores ou diretores de arsenais, os inspetores de corpos de Exército, os comandantes de corpos, militares e de polícia, os secretários de governo provincial e os secretários de polícia da Corte e das províncias, os inspetores de tesouraria de fazendas gerais ou provinciais, e os chefes de outras repartições de arrecadação, o diretor geral e os administradores dos Correios, inspetores ou diretores de instrução pública, os lentes e diretores de faculdades ou outros estabelecimentos de instrução superior, os inspetores das alfândegas, os desembargadores, os juizes de direito, os juizes municipais ou de órfãos e seus substitutos, os chefes de polícia, os promotores públicos, os curadores gerais de órfãos, os desembargadores de relações eclesiásticas, os vigários capitulares, os governadores de bispado, os vigários gerais, provisores e vigários forâneos de procuradores fiscais e os dos feitos da fazenda e seus ajudantes, diretores de estradas de ferro pertencentes ao Estado, diretores e engenheiros-chefes de obras públicas, empresários, contratadores e seus prepostos, arrematantes os interessados em arrematação de taxas ou rendimentos de qualquer natureza, obras ou fornecimentos públicos ou em companhias que recebam subvenção, garantia ou fiança de juros ou qualquer auxílio do qual possam auferir lucro pecuniário da fazenda geral, provincial ou das municipalidades. O capítulo referente às incompatibilidades e às desincompatibilizações era muito extenso.


A regulamentação da Lei de 1881

A regulamentação da lei de que estamos tratando, em seu art. 90, dispunha que senadores, deputados à Assembléia Geral e membros das assembléias legislativas provinciais ficavam proibidos, durante o mandato ou até seis meses depois de este vencido, de aceitar “do governo geral ou provincial comissões ou empregos remunerados, exceto os de conselheiro de Estado, presidente de província, embaixador ou enviado extraordinário em missão especial, bispo e comandante de forças de terra ou mar”. Também ficavam proibidos de manter quaisquer transações com o Estado. O Capítulo II dispunha sobre a realização das eleições. O art. 91 iniciava o capítulo I dizendo:

“As nomeações de senadores e deputados para a Assembléia Geral, membros das assembléias legislativas provinciais e quaisquer autoridades eletivas serão feitas por eleições diretas, nas quais tomarão parte todos os cidadãos alistados eleitores de conformidade com este regulamento. A eleição do regente do Império continuará a ser feita na forma do Ato Adicional à Constituição Política pelos eleitores de que trata o dito regulamento”.

As mesas eleitorais, encarregadas de receber os votos, eram organizadas em eleições procedidas entre os juizes de paz, processo este bastante complicado e extenso.

A eleição propriamente dita iniciava-se às 9 horas da manhã e terminava às 7 horas da noite do mesmo dia. O § 22 dizia: “São dispensadas as cerimônias religiosas e a leitura de disposições de lei ou regulamento, como se praticava anteriormente”. À mesa tomavam assento o presidente (ao centro) e dois mesários de cada lado (ao todo, cinco) e, nas extremidades, os físcais designados pelos candidatos. Era proibida a presença de policiais no recinto da eleição, exceto quando requisitada pelo presidente da mesa. Cidadãos armados não podiam entrar no local da eleição. A urna era fechada à chave, tendo na parte superior uma abertura através da qual só poderia passar o envelope com uma só cédula. Dizia o art. 142: “O voto será escrito em papel branco ou anulado, não devendo este ser transparente. A cédula será fechada de todos os lados, tendo rótulo conforme a eleição a que se proceder”. Era colocada num envelope fechado que o eleitor depositava na urna. Em seguida, ele assinava o nome em livro competente e, se “o eleitor não souber ou não puder assinar o seu nome, assinará em seu lugar outro por ele indicado (...)”. Havia também os votos tomados em separado, quando o eleitor era objeto de desconfiança (votar com título de outrem, de defunto, etc.), a fim de ser resolvida a questão pelo juiz de direito.

Terminada a eleição, procedia-se imediatamente à apuração. A mesma mesa que presidia a eleição realizava a apuração. Cédulas riscadas, assinaladas com nomes incompletos, apelidos, etc., seriam objeto de verificações posteriores.

Feita a apuração, seria organizada uma relação dos candidatos a partir dos mais votados, e em ordem decrescente. Essa lista seria no mesmo momento afixada na porta do edifício. Em seguida, seria lavrada ata dos trabalhos, inclusive o resultado da eleição. Imediatamente, essa ata seria transcrita no livro de notas do tabelião ou escrivão de paz. Os interessados poderiam, posteriormente, solicitar ao tabelião ou escrivão de paz uma cópia (traslado) da referida ata. Qualquer eleitor poderia apresentar protesto escrito e assinado, que seria anexado à ata, para posterior decisão.

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As eleições de senadores eram feitas somente em caso de morte ou aumento do número de senadores, pois os cargos eram vitalícios. Havendo necessidade de eleger um senador (por determinada província), a escolha era feita pelo eleitorado em lista tríplice. Ao imperador (Poder Moderador), cabia escolher um dos três cidadãos mais votados.

As eleições dos deputados à Assembléia Geral e às assembléia legislativas provinciais realizavam-se por distritos. Cada província era dividida em tantos distritos quantos os deputados à Assembléia Geral a eleger. Assim, a Província de São Paulo, que deveria eleger nove deputados, ficaria dividida em nove distritos: São Paulo (capital), Taubaté, Itu, Itapetininga, Santos, Campinas, Rio Claro e Casa Branca. Cada distrito elegeria um deputado à Assembléia Geral. Como a Assembléia Legislativa Provincial (de São Paulo) era constituída de 36 membros, cada distrito deveria eleger quatro.

Em condições normais, as eleições seriam feitas de quatro em quatro anos, no primeiro dia útil do mês de dezembro da última legislatura. Como o sistema era parlamentar, no caso “de dissolução da Câmara dos Deputados, o governo marcará, dentro do prazo de quatro meses, contados da data do decreto de dissolução, um dia útil para a nova eleição”.

Realizadas as eleições, seriam as atas enviadas às cabeças dos distritos para apuração final. O art. 178 dispunha: “Não se considerará eleito deputado à Assembléia Geral o cidadão que não reunir maioria absoluta dos votos dos eleitores, que concorrerem à eleição”. (Confrontemos a redação desse art. 178 do regulamento com o § 2° do art. 18 da Lei de 9 de janeiro de 1881: “Não se considerará eleito deputado à Assembléia Geral o cidadão que não reunir a maioria dos votos dos eleitores, que concorrerem à eleição”. Esta redação da Lei de 9 de janeiro de 1881 fala simplesmente em “maioria”, ao passo que a sua regulamentação, de 13 de agosto de 1881, fala em “maioria absoluta”. Aliás, as redações respectivas só diferem nesse ponto, e isto revela o cuidado dos estadistas do Império em não criar confusões, deixando tudo muito claro).

Caso nenhum candidato obtivesse essa maioria, seria realizada, 20 dias após, uma nova eleição (somente no distrito respectivo), mas a ela somente poderiam concorrer os dois candidatos mais votados.

Quanto às eleições à Assembléia Provincial, dizia o art. 183:

“Serão considerados membros eleitos da Assembléia Legislativa Provincial os cidadãos que reunirem votação igual, pelo menos, ao quociente eleitoral, calculado sobre o número total dos eleitores que concorrerem à eleição, dividindo-se este número pelo dos membros da Assembléia que o distrito deve eleger”.

Somente seriam eleitos os que obtivessem o quociente. Os lugares não preenchidos o seriam em segunda eleição (no distrito respectivo), mas só podendo concorrer um número de candidatos duplo dos lugares a preencher, e seriam estes os mais votados na primeira eleição. Nessa segunda eleição, a maioria necessária seria relativa, e não absoluta.

As eleições de vereadores e juizes de paz foram também objeto da regulamentação. O art. 228: “Ao vereador que faltar à sessão sem motivo justificado será imposta a multa de 10$000 nas cidades e de 5$000 nas vilas”.

Título III

Era a parte penal da lei eleitoral. As penas cominadas aos que cometessem crimes de natureza eleitoral iam desde as multas em dinheiro até as prisões. Eleitores, juizes de paz, membros de mesas eleitorais, tabeliães, juizes de direito e presidentes de províncias podiam sofrer as penalidades para os crimes relacionados na lei eleitoral.

Título IV

Referia-se às disposições gerais. Um dos artigos dizia: “São proibidos arrumamentos de tropas e qualquer outra ostentação de força militar no dia da eleição a uma distância menor de seis quilômetros do lugar em que a eleição se fizer” (art. 240).

Com esse artigo chegamos ao final da exposição resumida do Decreto de 13 de agosto de 1881, que regulamentava a Lei Eleitoral de 9 de janeiro de 1881, chamada de Lei Saraiva ou Lei do Censo.

A magistratura

A Lei Saraiva, de 9 de janeiro de 1881, modificou profundamente o regime eleitoral brasileiro, principalmente no que se referia à supressão da eleição indireta. Por outro lado, instituiu inovações, destacando-se o importante papel atribuído à Justiça nos processos eleitorais. A propósito, disse Carvalho de Mendonça, naquela época:

“À magistratura confiou a Lei n° 3.029 importantíssimas funções. Aos seus membros cabe compenetrar-se do espírito da lei, inspirar-se na pura Justiça e dar suas decisões de acordo com as suas consciências. Os juizes não se deixam cegar pela mal entendida política, que hoje infelizmente tudo invade como uma praga, arruinando os homens e as instituições. O papel do juiz é mais importante que o de agente ou cabo eleitoral”.

Preferência aos serviços eleitorais

O Decreto nº 7.981, de 29 de janeiro de 1881, dispunha sobre as atribuições dos juizes nos processos eleitorais, como também sobre os seus impedimentos, substituições, suplências, etc. O art. 8º dizia: “O serviço do alistamento dos eleitores, que a lei incumbe às autoridades judiciárias, prefere a qualquer outro”.

No dia 30 de janeiro de 1881, seguinte ao da sanção daquele decreto, já o governo respondia a uma consulta de um juiz de direito, feita, aliás, antes da publicação do citado decreto. Perguntava o juiz a qual serviço devia dar preferência, sendo-lhe respondido:

“(...) ficou estabelecido que o serviço do alistamento de eleitores, que a lei incumbe às autoridades judiciárias, prefere a qualquer outro, cumprindo, portanto, que nestas circunstâncias o juiz, quando reconheça a impossibilidade material da acumulação simultânea das duas funções sem grave prejuízo do serviço público, passe a da presidência do júri ao juiz substituto a quem competir, visto que os outros juizes de direito dos distritos criminais, por terem de fazer ao mesmo tempo o serviço do alistamento, não podem assumir a presidência do júri”.

Em ofício de 7 de maio de 1881, o presidente da Paraíba oficiou ao Ministério da Justiça informando sobre substituições de juizes naquela província, em conseqüência de alistamento eleitoral, e perguntando se fora feito de acordo com a lei. O ministro da Justiça respondeu afirmativamente, mas não deixou de, no final do ofício, fazer esta observação pouco agradável:

“(...) devem os juizes esforçar-se por desempenhar cumulativamente ambas as funções de seus cargos, prevalecendo-se apenas daquela faculdade (substituições), quando não as puderem conciliar. Assim praticou um juiz desta Corte, o qual ao mesmo tempo presidiu o júri e despachou as petições dos pretendentes ao alistamento eleitoral”.

Os segundos-caixeiros

A Lei Saraiva ou Lei do Censo dizia, em seu art. 22: “É eleitor todo cidadão brasileiro (...) que tiver renda líquida anual não inferior a 200$000 por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego”. Por esta disposição, os segundos-caixeiros das grandes casas de comércio que recebessem altos ordenados poderiam ser eleitores. Mas o art. 92 da Constituição dizia: “São excluídos de votar nas assembléias paroquiais: os criados de servir, em cuja classe não entram os guarda-livros, e primeiros-caixeiros das casas de comércio(...)”. Logo, pela Constituição, só os primeiros-caixeiros podiam votar. Os segundos-caixeiros não poderiam votar.

Havia um conflito claro entre aqueles dois dispositivos, o que levou o juiz de direito de Santos, aos 20 de março de 1884, a oficiar ao ministro da Justiça, consultando-o sobre o assunto. Aos 29 de julho de 1884, o referido ministro resolveu a questão declarando que os segundos-caixeiros não podiam ser eleitores, visto que “(...) segundos-caixeiros das casas comerciais (...) são os de quaisquer casas comerciais, sem distinção da maior ou menor importância do estabelecimento a que eles pertençam ou dos salários que percebam”. Como pela Lei de 3 de dezembro de 1841 só eram considerados aptos para jurados os cidadãos que pudessem ser eleitores, assim terminou o ministro da Justiça aquele despacho:“(...) é concludente que não podem obter a qualificação de jurados os segundos-caixeiros, ainda que tenham a renda e mais condições precisas para as funções eleitorais”.


Finda o Império

A Lei Eleitoral da qual trataremos hoje foi a última do Império. Propriamente, não era uma legislação eleitoral que modificasse a Lei Saraiva. Simplesmente a alterava em alguns pontos.

Foi sancionada, a 14 de outubro de 1887, por Isabel, princesa imperial regente. As instruções para a execução dessa lei foram decretadas a 17 de outubro de 1887.

Em essência, teve por objetivo alterar o processo das eleições dos membros das assembléias legislativas, provinciais e dos vereadores das câmaras municipais.

O art. 1º dizia:

“A eleição dos membros das assembléias legislativas provinciais será feita, votando cada eleitor em tantos nomes quantos corresponderem aos dois terços do número dos membros das ditas assembléias que cada distrito eleitoral deverá eleger”.

Voltava-se, pois, à Lei do Terço, mas somente no que respeitava às assembléias legislativas provinciais e dentro do sistema de distritos. Segundo a referida lei, cada distrito da Província de São Paulo elegeria quatro membros da Assembléia Provincial, devendo cada eleitor escrever na cédula três nomes de candidatos, desde que o número quatro não era divisível por três. Os candidatos que obtivessem maioria relativa de votos seriam eleitos. O art. 2º dispunha:

“Pode ser eleito membro de Assembléia Legislativa Provincial cidadão que, embora não residente na Província, nela tenha nascido. Na falta deste requisito, é indispensável a condição exigida na legislação vigente, a saber: o domicílio na província por mais de dois anos (...)”

O art. 3º dizia:

“A eleição dos vereadores das câmaras municipais será feita pelo mesmo modo estabelecido no art. 1°. Se o número de vereadores exceder ao múltiplo de três, cada eleitor adicionará aos dois terços um ou dois nomes, conforme for o excedente. Assim, se for 17 aquele número, o eleitor votará em 12 nomes; se for 13, votará em 9 nomes; se for 11, em 8 e se for 7, em 5”.

Com essa modificação do processo de eleições dos vereadores e membros das assembléias legislativas, voltava-se ao sistema do terço, que tinha por objetivo garantir as minorias, conforme já explanamos amplamente num dos artigos desta série.

Finda o Império

Ao findar o Império, a 15 de novembro de 1889, o Brasil possuía uma legislação eleitoral perfeita. A Lei Saraiva, de 1881, foi a culminância de um processo evolutivo que durou 67 anos, desde os primeiros dias da Independência. Durante todo o Império, os partidos, os políticos nas assembléias, os jornais, os publicistas, enfim, a classe dirigente da sociedade esteve voltada para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral. Esse esforço culminou com a Lei Saraiva, que colocou o Brasil entre as nações civilizadas. A República, ao instalar-se aos 15 de novembro de 1889, nada teria a fazer, em matéria eleitoral, senão suprimir os privilégios (do voto, das elegibilidades) e adaptar aquela legislação à nova organização político-administrativa do país.

Permaneceria a essência da legislação eleitoral do Império, o espírito que a ditou, e que nada mais visava senão dotar o país de uma instituição que fosse perfeita para a época, como realmente o foi. A República, para poder sobreviver nos seus primeiros anos, teria de demolir aquele magnífico edifício que era a Lei Saraiva. E ao iniciar-se dessa maneira, a República daria o mau exemplo que seria seguido durante quase meio século, origem dos nossos males políticos durante todo esse interregno: as leis eleitorais feitas para ganhar eleições.


Inicia-se a República

Com a proclamação da República, foi iniciado novo ciclo da legislação eleitoral brasileira. A sua primeira manifestação foi o Decreto n° 6 do governo provisório chefiado pelo Marechal Deodoro e datado de 19 de novembro de 1889, cujo texto dizia:

“1º Consideram-se eleitores, para as câmaras gerais, provinciais e municipais, todos os cidadãos brasileiros, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever; 2º O Ministério do Interior, em tempo, expedirá as Instruções e organizará os regulamentos para a qualificação eleitoral”.

Era o sufrágio universal. Caíam, pois, todos os privilégios eleitorais do Império.

A 3 de dezembro de 1889, o governo provisório nomeou uma comissão de cinco membros para redigir um projeto de Constituição. A 21 de dezembro desse mesmo ano, era decretada a convocação de uma Assembléia Geral Constituinte, que se deveria reunir a 15 de novembro de 1890. Quando os futuros deputados à Constituinte se reunissem, já receberiam do Governo Provisório o projeto de Constituição elaborado pela comissão de cinco membros. Pouco teriam a fazer os representantes do povo.

A República foi um regime outorgado ao povo brasileiro. Aliás, os regimes políticos no Brasil nunca foram submetidos à escolha do povo. A este, sempre, só foi dado escolher os dirigentes dos regimes recém-inaugurados. Os republicanos de 89 temiam que as primeiras eleições para escolha dos representantes do povo à Constituinte fosse transformada em consulta popular, pois poderia ser eleita uma maioria monarquista.

Esse temor foi exposto com clareza por Campos Salles, ministro da Justiça do Governo Provisório, na reunião ministerial do dia 14 de janeiro de 1890. Da ata da sessão desse dia, transcrevemos o seguinte trecho:

“O Sr. Aristides Lobo (ministro do Interior) pede a palavra para sujeitar à apreciação do conselho uma questão que parece momentosa. Aos seus colegas de gabinete, fizera em tempo distribuir um relatório e orçamento para o recenseamento eleitoral, e deseja que o conselho, discutindo a matéria, tome uma resolução, porquanto o tempo corre e nos devemos prevenir para garantir a estabilidade do regime republicano. O Sr. Campos Salles diz que leu atentamente o trabalho confeccionado pelo seu ilustre colega do Interior, mas sugere uma idéia que lhe parece mais econômica e melhor: consultar os interesses políticos. Pelo processo oferecido pelo seu colega do Interior, cria-se uma comissão central com agentes nos diferentes Estados que procedam ao alistamento.

Pensa que esse processo poderia ser substituído por um outro mais expedito e econômico; a princípio, pensou que seria conveniente que os chefes dos partidos fizessem o alistamento; mais tarde, refletindo melhor, compreendeu os inconvenientes que poderiam resultar dessa medida. Muitos dos homens dos ex-partidos constituídos têm aderido; entretanto é de crer que essa adesão seja, com relação a alguns, aparente, e que na realidade não possam merecer confiança, porquanto eles tratam de aprestar suas forças para o combate. E esse elemento suspeito com que não devemos contar, tanto mais quanto provas evidentes já se vão apresentando de tratarem esses chefes de arregimentar forças sob os seus caudilhos, a fim de hostilizarem o governo. É mister, pois, que o Partido Republicano e o governo intervenham diretamente nas eleições”

Mais adiante, diz Campos Salles que “estados há em que ainda domina o elemento monarquista, e para neutralizar a influência desses chefes antigos, conviria que as eleições se fizessem por grandes circunscrições compostas de três estados, de modo que os baluartes monarquistas fossem sufocados por outros onde domine o elemento republicano”.

Nessa reunião do ministério tomaram parte todos os ministros, menos um: Ruy Barbosa, da pasta da Fazenda. Ruy, liberal durante o Império, era, por isso mesmo, monarquista. Era considerado, pois, um adesista. Eis porque, faltando Ruy à reunião ministerial desse dia, pôde Campos Salles falar tão à vontade sobre os monarquistas que haviam aderido ao regime republicano e com os quais era preciso ficar em guarda.

Campos Salles exprimia perfeitamente o espírito dos republicanos no momento: ganhar as eleições por qualquer meio.

Na reunião ministerial de 8 de fevereiro de 1890, foi novamente tratada a questão eleitoral e a ata respectiva limitou-se a informar: “Em seguida, apresentou S. Exa. (Aristides Lobo) o seu projeto de regulamento eleitoral, pelo qual criara uma repartição especial. Esse projeto foi aprovado sem discussão”.


A primeira lei eleitoral da República

No dia 8 de fevereiro de 1890, o chefe do Governo Provisório, Marechal Deodoro da Fonseca, assinou o regulamento eleitoral organizado por Aristides Lobo. O decreto teve o número 200-A e tratava unicamente da qualificação de eleitores. Constava de 7 capítulos e 80 artigos. Sobre os que podiam e os que não podiam votar, dispunha o regulamento:

“Art. 4° São eleitores, e têm voto em eleições: I — todos os cidadãos brasileiros natos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever; II — todos os cidadãos brasileiros declarados tais pela naturalização; III — todos os cidadãos brasileiros declarados tais pela grande naturalização.

Art. 5° São excluídos de votar: I — os menores de vinte e um anos, com exceção dos casados, dos oficiais militares, dos bacharéis formados e doutores e dos clérigos de ordens sacras; II — os filhos-famílias, não sendo como tais considerados os maiores de vinte e um anos, ainda que em companhia do pai; III — as praças de pré do exército, da armada e dos corpos policiais, com exceção das reformadas”.

A qualificação eleitoral seria feita por comissões distritais compostas de três membros: juiz de paz, subdelegado da paróquia e de um cidadão que tivesse as qualidades de eleitor, que fosse residente no distrito e que seria nomeado pelo presidente da Câmara. (Não obstante a República já tivesse substituído o vocábulo paróquia por município, ele ainda aqui aparece por força de costume). Para ser eleitor, o cidadão deveria provar, no momento da qualificação, que sabia ler e escrever e, também, que residia há mais de seis meses no distrito. Essa qualificação seria revista por uma segunda comissão, municipal, e formada de um juiz municipal (presidente), do presidente da Câmara e pelo delegado de polícia. Esta segunda comissão podia eliminar eleitores da lista organizada peja primeira. Dos cidadãos excluídos, havia recurso ao juiz de direito. Não obstante este recurso, é de notar que tanto a primeira como a segunda comissões de qualificação eram integradas por elementos diretamente dependentes do governo.

Os juizes de paz e presidentes das câmaras, embora tivessem sido eleitos, foram-no no Império, logo seus mandatos com a revolução republicana dependiam agora do governo provisório, por meio dos interventores nas províncias. Quanto aos delegados, estes eram porta-vozes do governo. A Lei Saraiva, de 1881, havia entregue à Justiça os processos de qualificação. Já a primeira lei eleitoral da República entregava tal serviço a prepostos do governo, entre eles os delegados de polícia.

Quanto ao título de eleitor, era semelhante ao do Império, não havendo, entretanto, a exigência da declaração de renda e da elegibilidade. A palavra paróquia foi substituída por município. Havia penalidade para os crimes de natureza eleitoral.

O artigo 69 dizia:

“Os cidadãos atualmente alistados eleitores, em virtude da lei de 9 de janeiro de 1881, serão incluídos ex officio no alistamento eleitoral pelas comissões distritais e municipais (...)”.

Logo, poderiam ser eleitores os analfabetos qualificados pela Lei Saraiva, de 1881. É fácil verificar que havia uma certa contradição: os analfabetos alistados pela Lei Saraiva podiam votar. Os que fossem alistar-se pelo Decreto n° 200-A, art. 4°, se fossem analfabetos, não poderiam ser eleitores. (A 12 de maio de 1890, o Governo Provisório decidiu que a interpretação correta era essa mesma). O artigo 79 do Decreto n° 200-A dispunha: “O trabalho eleitoral prefere a qualquer outro serviço público”. E assim finalizava esse decreto, que cuidava unicamente da qualificação eleitoral.

Sobre a qualificação de estrangeiros, tratavam os Decretos nºs 277-D, de 22 de março de 1890, 227-E, de 22 de março de 1890, e 480, de 13 de junho de 1890. Eles refletem bem o ambiente tumultuoso daqueles dias da República, pois, pelos dois primeiros, concluía-se que os estrangeiros, mesmo que não o quisessem, seriam eleitores e naturalizados brasileiros, interpretação correta que o último decreto modifica, colocando tudo em seus devidos termos.


O “Regulamento Alvim”

Pelo Decreto nº 510, de 22 de junho de 1890, o Governo Provisório convocou as eleições dos deputados à constituinte, a serem realizadas a 15 de setembro desse mesmo ano. Ao mesmo tempo, determinava que, eleitos os deputados, o Congresso Nacional (constituinte) seria instalado a 15 de novembro de 1890.0 decreto dizia em seu art. 2°: “Esse Congresso trará poderes especiais do eleitorado, para julgar a Constituição que neste ato se publica, e será o primeiro objeto de suas deliberações”. Assim, pois, o Governo Provisório, tendo recebido o projeto de Constituição elaborado pela comissão de cinco membros nomeada a 3 de dezembro de 1889, publicou-o a 22 de junho de 1890, informando que seria apresentado aos representantes do povo que fossem eleitos a 15 de setembro de 1890, a fim de que o aprovassem, modificando-o, se o quisessem.

O “Regulamento Alvim”

O Decreto nº 200-A, de 8 de fevereiro de 1890, elaborado por Aristides Lobo (ministro do Interior), tratava unicamente da qualificação dos eleitores. Faltava, ainda, uma lei eleitoral que presidisse as eleições dos constituintes marcadas para setembro. Como Aristides Lobo havia pedido demissão da pasta do Interior, substituiu-o José Cesário de Faria Alvim, a quem competiu elaborar a lei eleitoral necessária. No dia 23 de junho de 1890, pelo Decreto n° 511, foi publicada a lei referida, que foi chamada de Regulamento Alvim, do qual faremos, a seguir, rápida exposição.

O Regulamento Alvim constava de três capítulos e 71 artigos, e era, em grande parte, baseado na Lei Saraiva, quanto ao processo de eleição. Pelo Capítulo I, art. 1°, era exigência para o cidadão ser elegível: 1° — estar na posse dos direitos de eleitor; 2° para a Câmara, ter mais de sete anos como cidadão brasileiro, e mais de nove para o Senado. Pelo artigo 2° eram inelegíveis: 1° os clérigos e religiosos regulares e seculares de qualquer confissão; 2° os governadores; 3° os chefes de polícia; 4° os comandantes de armas, bem como os demais funcionários militares que exercessem comandos de forças de terra e mar equivalentes ou superiores; 5° os comandantes de corpos policiais; 6° os magistrados; 7° os funcionários demissíveis ad nutum.

O Capítulo II era o das eleições. O art. 5° dizia: “A nomeação dos deputados e senadores será feita por estados e por eleição popular direta (...)” Cada estado daria três senadores. O número de deputados era variável: Minas Gerais 37, São Paulo 22, Bahia 22, Pernambuco 17, Rio Grande do Sul 16, Ceará 10, etc., perfazendo um total de 205 deputados à Constituinte.

No processo eleitoral, descreveremos a constituição da mesa encarregada de receber e apurar os votos. A mesa eleitoral era composta de cinco membros, todos designados pelo presidente da Câmara Municipal, e ele mesmo seria o presidente da mesa. Estas câmaras municipais, eleitas no Império, e agora dissolvidas ou mantidas por terem aderido à República, eram instrumentos dóceis do Governo Provisório.

Os eleitores votavam em tantos nomes quantos fossem os lugares a preencher. A cédula para senador teria três nomes, e a de deputados, no caso do Estado de São Paulo, 22 nomes. O voto era secreto (não obstante a cabine indevassável não existisse naquela época). Terminada a eleição às 7 horas da noite, era imediatamente apurada. O processo, porém, continuava como na Lei Saraiva. Todas as atas com os resultados eram enviadas às câmaras municipais das capitais dos estados respectivos, que fariam a apuração geral 30 dias após as eleições. O art. 62 dizia: “Decidirá da eleição a pluralidade relativa de votos, sendo declarados eleitos os votados, para deputados, que tiverem maioria de votos sucessivamente até o número que o estado ou o Distrito Federal dever eleger, e os três mais votados para senadores”.

A eleição do presidente

O art. 62 do Regulamento Alvim dispunha:

“Aos cidadãos eleitos para o 1° Congresso, entendem-se conferidos poderes especiais para exprimir a vontade nacional acerca da Constituição publicada pelo Decreto n° 510, de 22 de junho do corrente, bem como para eleger o 1° presidente e vice-presidente da República”.

O Governo Provisório chefiado pelo Marechal Deodoro, além de já apresentar aos constituintes uma Constituição, também lhes impunha a eleição dos primeiros presidente e vice-presidente da República.

Retirava aos constituintes o direito de decidir sobre o processo da eleição do presidente da República: se pelos próprios constituintes ou pelo povo.

Os fiscais

Pela Lei Saraiva, eram os candidatos que nomeavam fiscais junto às mesas eleitorais, pois elas, além de receberem os votos, faziam também as apurações. Ora, o Governo Provisório, pelo Decreto n° 663, de 14 de agosto de 1890, estabeleceu que:

“Em cada distrito o l° juiz de paz e o imediato em votos ao 4° juiz de paz fiscalizarão os trabalhos da mesa eleitoral. Se o distrito estiver dividido em seções, o juiz de paz servirá na seção em que tiver de votar e nomeará tantos cidadãos quantas forem as outras seções para fiscalizarem cada um os trabalhos de uma mesa eleitoral”.

Mais uma vez, os dependentes do governo, juizes de paz no cargo em caráter precário ou mesmo já substituídos pelo governo, que nomeará agentes seus, eram os fiscais das eleições.

As eleições

Realizadas as eleições de 15 de setembro de 1890, os republicanos venceram espetaculosamente, como era de se esperar. O Congresso (constituinte) estava “apagado na submissão inevitável ao Poder Executivo”, ou seja, ao Governo Provisório, chefiado pelo Marechal Deodoro.

Esse Congresso, realizando a eleição para presidente e vice-presidente da República, elegeu, respectivamente, o próprio Marechal Deodoro e Floriano Peixoto.

Nascia a República já maculada por vícios que estariam sempre presentes no seu primeiro século de existência.


A Constituição de 1891

O Congresso que fora convocado com as prerrogativas de constituinte instalou-se a 15 de novembro de 1890, recebeu do Governo Provisório o projeto da Constituição e, dois meses e meio após, aprovava a primeira Carta Magna da República.

No dia 24 de fevereiro de 1891, o Congresso Constituinte decretava e promulgava a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.

Faremos um apanhado da Constituição de 91, no que concerne ao nosso estudo dos regimes eleitorais brasileiros.

Congresso Nacional

Dispunha o art. 16: “O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República. § 1° O Congresso Nacional compõe-se de dois ramos: a Câmara dos Deputados e o Senado. § 2° “A eleição para senadores e deputados far-se-á simultaneamente em todo o país”. Dispunha o art. 17, § 2°: “Cada legislatura durará três anos”. Do art. 26: “São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional: 1°) estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro, e ser alistável como eleitor; 2°) para a Câmara, ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro, e para o Senado mais de seis”.

Ao Congresso Nacional competia privativamente: “Regular as condições e o processo da eleição para os cargos federais em todo o país” (art. 34).

Os deputados

“Art. 28. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria. § 1° O número dos deputados será fixado por lei em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por estado”.

Os senadores

“Art. 30. O Senado compõe-se de cidadãos elegíveis nos termos do art. 26 e maiores de 35 anos, em número de três senadores por estado e três pelo Distrito Federal, eleitos pelo mesmo modo por que o forem os deputados”. Art. 31. “O mandato de senador durará nove anos, renovando-se o Senado pelo terço trienalmente”.

O presidente

Art. 41, § 3° “São condições essenciais para ser eleito presidente ou vice-presidente da República: 1°) Ser brasileiro nato; 2°) estar no exercício dos direitos políticos; 3°) ser maior de trinta e cinco anos”. Art. 43, § 4° “O primeiro período presidencial terminará a 15 de novembro de 1894”. (Os primeiros presidente e vice-presidente, já vimos, foram os marechais Deodoro e Floriano, respectivamente, eleitos pelo Congresso Constituinte de acordo com o art. 62 do Regulamento Alvim).

Art. 47. “O presidente e vice-presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da nação e maioria absoluta de votos”. § 2° “Se nenhum dos votados houver alcançado maioria absoluta, o Congresso elegerá, por maioria dos votos presentes, um dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais elevadas, na eleição direta. Em caso de empate, considerar-se-á eleito o mais velho. § 3° “O processo da eleição e da apuração será regulado por lei ordinária”.

Os estados e os municípios

Art. 63. “Cada estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os princípios constitucionais da União”. Art. 68. “Os estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”.

Os eleitores

Art. 70. “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, que se alistarem na forma da lei. 1° — Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para as dos estados: I — os mendigos; II — os analfabetos; III — os praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; IV — os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto, que importe a renúncia da liberdade individual. § 2° São inelegíveis os cidadãos não alistáveis”.

Essas eram as disposições constitucionais sobre os cargos eletivos da República. Uma lei eleitoral regularia os processos de eleições aos cargos eletivos federais, lei essa que veremos em próximo capítulo.


A Lei Eleitoral de 26 de janeiro de 1892

A primeira lei eleitoral da República, logo após a promulgação da Constituição de 1891, foi de 25 dejaneiro de 1892 e tomou o n° 35. Foi elaborada no Congresso e sancionada pelo presidente Floriano Peixoto.

Constava de 66 artigos e mais parágrafos. A lei cuidava dos eleitores, discriminando os que podiam e os que não podiam ser qualificados, segundo os preceitos constitucionais. O alistamento era preparado por comissões seccionais (dos municípios) e definitivamente organizado por uma comissão municipal. As comissões seccionais eram organizadas com cinco membros, todos cidadãos eleitores escolhidos pelos governos municipais. Os presidentes das comissões municipais eram os próprios presidentes das câmaras municipais (governos municipais). Havia recurso para uma junta eleitoral da capital do estado respectivo. Os títulos de eleitor eram iguais aos da lei anterior.

As condições de elegibilidade (a lei só tratava dos mandatos aos cargos federais, isto é, senadores e deputados), eram as contidas na Constituição. As incompatibilidades eram poucas, não podendo ser votados (para senador ou deputado): os ministros do presidente da República e os diretores de suas secretarias e do Tesouro Nacional; os governadores ou presidentes e seus vices: os ajudantes-generais do Exército e da Armada; os comandantes de distrito militar no respectivo distrito; os funcionários militares investidos de comando, inclusive policiais; as autoridades policiais; os membros do Poder Judiciário; os magistrados; os funcionários demissíveis ad nutum. Havia a desincompatibilidade, que se deveria verificar seis meses antes das eleições.

Eleição dos senadores

Art. 35. “A eleição de senador será feita por estado, votando o eleitor em um só nome para substituir o senador cujo mandato houver terminado. Parágrafo único: Se houver mais de uma vaga, a eleição será feita na mesma ocasião, votando o eleitor separadamente para cada uma delas”.

Eleição de deputados

Art. 36. “Para a eleição de deputados, os estados da União serão divididos em distritos eleitorais de três deputados, equiparando-se aos estados, para tal fim, a capital federal. Nesta divisão se atenderá à população dos estados e do Distrito Federal, de modo que cada distrito tenha, quanto possível, população igual, respeitando-se a contigüidade do território e a integridade do município”. § 3° “Cada eleitor votará em dois terços do número dos deputados do distrito”.(...) § 5° “O governo organizará e submeterá à aprovação do Poder Legislativo a divisão dos distritos”.

Processo eleitoral

As mesas eleitorais eram nomeadas pelos presidentes das câmaras municipais, da mesma maneira que as comissões seccionais e municipais de alistamento. As mesas incumbiam-se de receber os votos e apurá-los, imediatamente após terminada a eleição. Art. 43, § 6°: “A eleição será por escrutínio secreto. A urna se conservará fechada à chave, enquanto durar a votação”. O eleitor assinava o livro de presença. Os candidatos podiam ter fiscais junto à mesa. Apurados os votos, era lavrada ata com os resultados obtidos, a qual seria “imediatamente transcrita no livro de notas do tabelião ou outro qualquer serventuário de justiça ou escrivão ad hoc nomeado pela mesa, o qual dará certidão a quem pedir”.

Trinta dias após as eleições, processava-se a apuração geral. Todas as atas dos distritos iam ter na sede do distrito, onde o presidente do governo municipal e mais membros procediam à apuração geral, à vista das atas recebidas. Art. 45: “A pluralidade relativa dos votos decidirá a eleição de senadores e deputados; no caso de empate, considerar-se-á eleito o mais velho”. A lei estabelecia os crimes de natureza eleitoral e as penalidades.

Observação: A lei que expusemos era unicamente para as eleições dos senadores e deputados federais. Os cargos eletivos estaduais e municipais seriam objeto de leis estaduais, das quais trataremos em próximo capítulo. Como fizemos no presente artigo, as leis eleitorais da República serão expostas por nós da maneira mais sumária, mais resumida possível.


A unidade nacional

A política do Império, da Independência até a República, foi dirigida no sentido de consolidar, cada vez mais, a unidade nacional. Foi um processo histórico que durou exatamente 67 anos. Os implantadores da República ignoravam completamente aquele extraordinário esforço dos estadistas do Império. De um dia para o outro, os republicanos demoliram completamente a estrutura em que se baseava a unidade política brasileira, com o fim de, sob os seus escombros, erigir um novo edifício político-social inteiramente moldado pelas instituições norte-americanas. Esqueciam-se os fundadores da República brasileira que as instituições políticas da pátria de Lincoln não haviam nascido de um dia para outro, mas eram resultado sim de um processo histórico elaborado durante um século em condições peculiares, completamente diferentes das brasileiras.

A partir de 15 de novembro de 1889, o povo brasileiro não assistiu somente à queda da Monarquia e à conseqüente vitória dos republicanos. Se fosse somente isto, não teria importância. O povo brasileiro foi submetido ao mais violento impacto que podia ser produzido por uma revolução que subverteu nas suas bases um regime político, uma estrutura política sobre a qual repousava solidamente a unidade nacional. Naqueles dias tumultuosos, se o Brasil não se subdividiu em republiquetas independentes, pode-se atribuir tal fato não a um milagre, mas sim à verdadeira vocação que tem para a unidade o povo brasileiro. O que não obstou que a atitude anti-histórica dos republicanos fosse a responsável pelos males sofridos pelo país até os dias de hoje, durante mais de meio século, portanto.

Poderes dos estados

Durante 67 anos, os estadistas do Império esforçaram-se por dotar o país de uma legislação eleitoral que exprimisse a Justiça e a eficácia. Essa lei surgiu finalmente em 9 de janeiro de 1881, sob o nome de Lei Saraiva, e pela qual à Justiça, à magistratura, era entregue, praticamente, o verdadeiro processo eleitoral. A República anulou essa conquista do povo brasileiro, e para poder garantir-se nas primeiras eleições, substituiu a Justiça pela polícia e pelos agentes do governo. Inaugurava-se a República com o pior exemplo que poderia ser dado ao país, exemplo que frutifícaria com o passar dos anos.

Durante o Império, as leis eleitorais eram as mesmas para todo o país. Às províncias, não era permitido legislar em matéria eleitoral.

Proclamada a República, a Constituição de 1891 dispunha em seu art. 34 que competia privativamente ao Congresso Nacional “Regular as condições e o processo da eleição para os cargos federais em todo o país”. E o art. 66 dizia: “É facultado aos estados (...) em geral todo e qualquer poder ou direito que lhes não for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas cláusulas expressas da Constituição”.

É fácil ver que aqueles arts. 34 e 66 permitiam aos estados legislarem matéria eleitoral, desde que concernente unicamente às eleições para os cargos eletivos estaduais e municipais. Foi, na realidade, o que aconteceu. Cada estado, além da sua própria Constituição (que não possuía no Império), teria também sua própria legislação eleitoral (que não havia, também, no Império).

Constituintes estaduais

A 4 de outubro de 1890, o Marechal Deodoro assinou o Decreto n° 802, que tratava das eleições às constituintes estaduais. O Decreto nº 1.189, de 20 de dezembro de 1890, dispunha sobre o mesmo assunto.

Ficavam, pois, convocadas as eleições, nos estados, dos deputados às suas legislaturas, e que tinham por objetivo promulgar as respectivas constituições.

Observação: A partir do próximo capítulo, dedicaremos estudos à legislação eleitoral do estado de São Paulo, unicamente com a finalidade de mostrar como os estados eram autônomos para legislar em matéria eleitoral.


Legislação do Estado de São Paulo

A primeira Constituição paulista

Aos 14 de julho de 1891, o Congresso Constituinte do Estado de São Paulo promulgou a primeira carta política desta unidade de República.

O art. 5º dizia: “O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso. § 1° O Congresso compõe-se de duas câmaras: a dos deputados e a dos senadores elegíveis por sufrágio direto e maioria de votos. § 2° A lei estabelecerá o processo eleitoral que mais assegure a representação das minorias”.

O art. 14 rezava: “São condições de elegibilidade para o Congresso: I — Ter o exercício dos direitos políticos e estar qualificado eleitor; II — Ter tido domicílio no estado, dentro dos três últimos anos anteriores à eleição; III — não exercer autoridade que se estenda sobre o território do Estado; IV — não exercer qualquer função do Poder Judiciário”.

Art. 15. “A Câmara dos Deputados compõe-se de cidadãos eleitos na proporção de um para quarenta mil habitantes, ou fração superior à metade deste número, até o máximo de cinqüenta”.

Art. 17. “O Senado compõe-se de cidadãos eleitos na proporção de um para dois deputados”.

Pelo art. 20, compete ao Congresso decretar o regime eleitoral.

Art. 27. “O Poder Executivo é exercido pelo presidente do estado. § 1° Substitui o presidente em seus impedimentos ou quando se dê vaga do respectivo cargo, o vice-presidente. § 3° São condições de elegibilidade para os cargos de presidente e vice-presidente: 1°) ser brasileiro: 2°) ter exercício dos direitos políticos e estar qualificado eleitor; 3°) ser maior de 35 anos; 4°) ser domiciliado no estado durante os cinco anos que precederem a eleição”.

Na eleição de presidente e vice-presidente (do estado), “cada eleitor votará, por cédulas separadas, em um cidadão para presidente e em outro para vice-presidente” (art. 33). “Feita a apuração, e lavrada a respectiva ata, desta se extrairão duas cópias que, fechadas e seladas, serão remetidas ao presidente do Senado e ao da municipalidade da capital do estado. Parágrafo único — “O resultado das votações parciais será desde logo publicado oficialmente”. Art. 34. “No dia 15 de abril (a eleição era a 15 de novembro), reunida a maioria absoluta do Congresso, sob a direção da mesa do Senado, serão abertas e apuradas as autênticas (cópias das atas das eleições), e proclamados presidente e vice-presidente do estado os cidadãos que houverem obtido dois terços dos sufrágios recolhidos”. § 1° Se nenhum dos sufragados obtiver aquele número de votos, o Congresso elegerá, por maioria dos presentes, o presidente e vice-presidente dentre os dois mais votados para cada um dos cargos” (art. 35).

Regime municipal

As autoridades municipais eram eletivas. ”Os eleitores mumcipais, mediante proposta de um terço e aprovação de dois terços, poderão revogar em qualquer tempo o mandato das autoridades eleitas” (art. 53, § 2°). “Nas mesmas condições do número precedente e reunidos em assembléia, poderão anular as deliberações das autoridades municipais” (art. 53, § 3°). “São eleitores municipais, e elegíveis para os respectivos cargos, os cidadãos maiores de vinte e um anos que, inscritos em registro especial, não estejam compreendidos nas exclusões do art. 59, e tenham pelo menos um ano de residência no município” (art 53, § 4º).“ A lei ordinária assegurara aos municípios a máxima autonomia governamental e independência econômica e o direito de estabelecerem, dentro das prescrições desta Constituição, o processo para as eleições de caráter municipal” (art. 53, § 4°). A Constituição paulista permitia que cada município tivesse a sua própria lei eleitoral. Aliás, os outros estados também podiam fazê-lo, como o fizeram.

Num município paulista haveria três legislações eleitorais: a primeira, federal, para eleição de senadores e deputados (federais), e presidente e vice-presidente da República; a segunda, estadual, para a eleição de senadores e deputados (estaduais) e presidente e vice-presidente (do estado); a terceira, municipal, para a eleição das autoridades do município.

Nas “Disposições Transitórias”, dizia o art. 7°: “As eleições para as primeiras câmaras municipais serão reguladas pelo processo eleitoral que for promulgado para as (câmaras) do estado (Congresso)”.

Em momento oportuno, veremos essa primeira lei eleitoral do Estado de São Paulo.

Desde que podia haver três leis eleitorais num município (para os cargos federais, para os estaduais e os municipais), haveria, também, três alistamentos. Um mesmo cidadão teria três títulos de eleitor um de acordo com a legislação federal, para os cargos federais; outro, de acordo com a legislação estadual, para os cargos estaduais; outro, de acordo com a legislação municipal, para os cargos municipais.

Tal situação permaneceu até 15 de novembro de 1904, dia em que foi sancionada a Lei Rosa e Silva (lei federal), que dizia em seu art. 1°: “Nas eleições federais, estaduais e municipais, somente serão admitidos a votar os cidadãos brasileiros maiores de 20 anos, que se alistarem na forma da presente lei”.

A primeira lei eleitoral paulista

A primeira lei eleitoral do Estado de São Paulo, de 27 de novembro de 1891, teve o n° 1, e destinava-se às eleições para os cargos de presidente e vice-presidente do estado, e os senadores e deputados ao Congresso Estadual. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n° 20, de 6 de fevereiro de 1892. A regulamentação era extensa, pois contava 200 artigos e mais parágrafos. A primeira parte dividida em 70 artigos tratava do alistamento eleitoral. A lei, na parte relativa ao alistamento eleitoral, adotou processo semelhante ao da Lei n° 3.029, de 9 de janeiro de 1881, Lei Saraiva, razão por que à magistratura paulista cabiam importantes funções. O título segundo da regulamentação cuidava dos elegíveis e das eleições. Para ser eleito presidente ou vice-presidente do estado, o cidadão deveria ser maior de 35 anos e estar domiciliado no estado no mínimo há cinco anos.

Para ser eleito senador ou deputado, o candidato deveria residir no estado há três anos no mínimo.

As eleições eram diretas (como, aliás, todas no território nacional) e o voto, secreto, não obstante não existisse o sistema de cabina indevassável. O eleitor já levava a cédula encerrada em envelope. A eleição terminava às sete horas da noite e a própria mesa eleitoral procedia à apuração. Terminada, era lavrada ata no mesmo momento e imediatamente o tabelião ou escrivão de paz a transcrevia no respectivo livro de notas. Seriam eleitos presidente e vice-presidente do estado os que seguissem dois terços da votação. Caso contrário, o Congresso Estadual os elegeria. Para as eleições de senadores e deputados (estaduais), os eleitores depositavam cédulas separadas, cada uma contendo tantos nomes de candidatos quantos fossem os dois terços dos totais a eleger. Decidiria a eleição a “pluralidade relativa dos votos” (art. 151). O estado constituía um só distrito eleitoral.

A revogação do mandato

Deputados e senadores podiam ter seus mandatos revogados, ou usando outro termo, cassados. Os próprios eleitores podiam cassar o mandato de um determinado representante do povo. O processo era o seguinte: uma lista pedindo a cassação do mandato do deputado ou senador (estadual), devia ser assinada por um terço dos eleitores. Considerado receptível o pedido, seria convocada uma consulta popular, dentro de três meses, onde o eleitorado deveria responder se o mandato do referido deputado ou senador deveria ou não ser cassado. Se nessa consulta o representante do povo não obtivesse maioria absoluta de votos favoráveis, teria o seu mandato cassado.

As eleições municipais

A lei eleitoral, cuja exposição estamos fazendo, dedicava um capítulo especial à eleição de vereadores, juizes de paz e juizes de paz adjuntos, ou seja, de todas as autoridades municipais.

Os municípios: organização e legislação eleitoral

A primeira lei eleitoral do Estado de São Paulo, de 27 de novembro de 1891, de cuja regulamentação, de 6 de fevereiro de 1892, fizemos uma exposição, dedicava o Capítulo XVI à eleição das autoridades municipais: vereadores, juizes de paz e juizes de paz adjuntos. O art. 162 dizia: “São eleitores municipais, e elegíveis para os respectivos cargos, os cidadãos maiores de 21 anos, que, inscritos em registro especial, não estejam compreendidos nas exclusões do art. 59 da Constituição (...), e tenham pelo menos um ano de residência no município”. O § 2° desse artigo determinava: “A qualificação dos eleitores municipais1, salvo disposição em contrário decretada pela municipalidade, será feita nas mesmas épocas, pelas mesmas autoridades e segundo o mesmo processo da qualificação dos eleitores do Estado”. O art. 164 dizia: “O mandato das autoridades municipais eleitas poderá ser revogado a qualquer tempo, mediante proposta de um terço dos eleitores municipais e aprovação de dois terços”. O art. 174 dispunha: “Decidirá da eleição a pluralidade relativa de votos (...)” O art. 175 rezava: “O número de vereadores de cada município será fixado na proporção de um para dois mil habitantes, não podendo, em caso algum, ser inferior a seis, nem superior a dezoito”. A fim de não estender demasiadamente este ponto, deixamos de fazer a exposição do processo eleitoral contido naquela lei e regulamentação respectiva, pois era semelhante ao das eleições estaduais. O art. 178, último do capítulo referente às eleições municipais, dizia: “É salvo às municipalidades o direito de, uma vez constituídas sob o regime da Lei n° 16, de 13 de novembro de 1891, decretarem outro processo para a eleição de seus representantes: o estabelecido, porém, neste regulamento servirá não só para as primeiras eleições municipais, como para todas as outras nos municípios que não decretarem lei própria”.

A colonização dos municípios

A Lei nº 16, de 13 de novembro de 1891, que organizou os municípios do estado, foi regulamentada pelo Decreto n° 86, de 29 de julho de 1892, do qual faremos breve exposição. O Cap. I, art. 1.c, dividia o estado em 143 municípios.

Art. 4° “O poder municipal divide-se em legislativo e executivo”. Art. 5° “Salvo para a primeira eleição, em que vigoram com força obrigatória as disposições respectivas do presente regulamento, os municípios poderão alterar a organização estatuída para o governo municipal, suprimindo e substituindo as autoridades criadas e criando outras com atribuições diferentes (...).”

O Poder Legislativo era exercido pelos vereadores e o Executivo era regulado pelo art. 18: “A execução das leis, posturas, provimentos e outras deliberações das câmaras compete ao intendente que, dentre os vereadores, for anualmente eleito para esse fim pelas mesmas câmaras, o qual poderá ser reeleito”. As câmaras podiam, aliás, criar diversos cargos de intendentes.

Observação: Não havia o cargo de prefeito, como o concebemos hoje. Àquela época, o intendente exercia uma função muito limitada, não obstante o seu cargo correspondesse ao de prefeito, atualmente.

Os eleitores municipais podiam não somente cassar o mandato dos vereadores, como já vimos em artigo anterior, mas também poderiam “anular as deliberações e atos das autoridades municipais” (art. 20). O processo de anulação, iniciado por um terço, no mínimo, de eleitores municipais, era extenso, razão por que deixamos de reproduzi-lo nestas linhas. O artigo 30 dispunha: “O processo eleitoral, promulgado para as eleições do estado servirá para as primeiras eleições municipais, bem como para todas as outras nos municípios que não decretarem lei própria”.

Observação: O autor deste trabalho não encontrou, nos municípios paulistas, onde procurou, leis eleitorais locais, conforme permitia a lei. Provavelmente, os municípios adotaram a lei eleitoral municipal contida na do estado, escusando-se do trabalho de elaborar legislação própria. Em 24 de março de 1900, o Decreto Estadual n° 761, referente à qualificação eleitoral, dizia em seu art. 76: “As disposições referentes às câmaras municipais não se aplicarão às que tiverem lei sobre processo eleitoral ou para aquelas que a decretarem (...).”

Acatando a Lei Federal de 15 de novembro de 1904, Lei Rosa e Silva, que reduzia os três alistamentos eleitorais (federais, estaduais e municipais) a um só (federal), o Estado de São Paulo, pela Lei n° 956, de 26 de agosto de 1905, resolveu que os alistamentos estaduais e municipais seriam os mesmos estabelecidos pela lei federal. Ainda em 17 de novembro de 1916, a Lei Estadual n° 1.509 dispunha: “Nas eleições estaduais e municipais só votarão os eleitores incluídos no alistamento organizado nos termos da Lei Federal n° 3.139, de 2 de agosto de 1916”.

A partir do próximo capítulo, continuaremos a exposição das leis eleitorais da União, não mais voltando a tratar da legislação estadual, que requer estudo à parte.


O primeiro decênio da República

Nos três últimos capítulos, tratamos da primeira Constituição e legislação eleitoral do Estado de São Paulo. Só tivemos em mira mostrar como, após a República, ficaram os estados com plena autonomia em legislação eleitoral.

Com o presente artigo, continuamos a exposição das leis eleitorais da República.

A Lei nº 69, de l de agosto de 1893, cuidava somente da qualificação de eleitores. A de n° 153, de 3 de agosto de 1893, dividia os estados em distritos eleitorais (somente para eleição dos deputados federais), ficando São Paulo dividido em sete distritos, cujas cabeças eram as seguintes sedes de comarcas: São Paulo (capital), São José dos Campos, Guaratinguetá, Sorocaba, Campinas, Rio Claro e Ribeirão Preto.

A Lei nº 184, de 23 de setembro de 1893, continha disposições relativas à qualificação, dizendo no art. 6º:

“Além das incompatibilidades definidas no art. 30, não poderão ser votados nos respectivos estados, equiparando a esses o Distrito Federal, os cidadãos que tiverem empresas privilegiadas ou gozarem de subvenções, garantias de juros ou outros favores do estado”.

A Lei nº 342, de 2 de dezembro de 1895, reduzia para três meses o prazo para as incompatibilidades.

A Lei nº 347, de 7 de setembro de 1895, regulava o processo de apuração das eleições para os cargos de presidente e vice-presidente da República.

A Lei nº 380, de 22 de agosto de 1895, determinava que as eleições para os cargos de deputados e senadores ao Congresso Nacional seriam realizadas no dia 3 de dezembro do último ano de cada legislatura. A Lei nº 411, de 12 de novembro de 1896, adiou, para o dia 30 de dezembro de 1896, as eleições federais para senadores e deputados, no triênio de 1897, 98 e 99.

A Lei nº 426, de 7 de dezembro de 1896, cuidava de detalhes relativos às eleições, dispondo no art. 4° que: “Poderá ser fiscal ou membro das mesas eleitorais o cidadão brasileiro que tenha as condições de elegibilidade, embora não esteja alistado eleitor”.

O art. 8º dizia. “Será lícito a qualquer eleitor votar por voto descoberto, não podendo a mesa recusar-se a aceitá-lo”. Parágrafo único: “O voto descoberto será dado, apresentando o eleitor duas cédulas, que assinará perante a mesa, uma das quais será depositada na urna e a outra lhe será restituída depois de datada e rubricada pela mesa e pelos fiscais”.

Esse sistema do voto descoberto foi uma das grandes imoralidades que a República instituiu em nossa vida política.

A Lei nº 620, de 11 de outubro, rezava: “A eleição para deputados e para a renovação do terço do Senado efetuar-se-á no último domingo de dezembro do ano da última sessão de cada legislatura do Congresso Nacional”.

A Lei nº 917, de 9 de dezembro de 1902, adiou para 18 de fevereiro de 1903 as eleições federais, que deveriam realizar-se no dia 28 de dezembro de 1902.

No dia 15 de novembro de 1904, foi sancionada a Lei n° 1.269 chamada na época Lei Rosa e Silva, que resumiremos em próximo capítulo.


A Lei Rosa e Silva

No dia 15 de novembro de 1904, Rodrigues Alves sancionou a nova lei eleitoral da República, que tomou o n° 1.269 e ficou conhecida pelo nome de Lei Rosa e Silva. Essa lei revogou a Lei Eleitoral n° 35 de 26 de janeiro de 1892, e toda a legislação esparsa anterior. A lei constava de 16 capítulos, com 152 artigos e mais parágrafos. Só faremos um resumo do que apresentava de mais importante.

Alistamento

O alistamento dos eleitores seria preparado, em cada município, por uma comissão especial. Os coletores (exatores) extrairiam dos livros de lançamento de impostos uma lista dos maiores contribuintes do município, assim classificados: 15 do imposto predial e 15 dos impostos sobre propriedade rural ou de indústrias e profissões. Essas listas seriam tornadas públicas. Quatro meses após, o juiz de direito da comarca convocaria aqueles contribuintes e os membros do governo municipal para se reunirem dali a dez dias. Seria, então, constituída a comissão de alistamento de eleitores: o juiz de direito, dois dos maiores contribuintes de imposto predial, mais dois dos impostos sobre propriedade rural e, finalmente, mais três cidadãos eleitos pelos membros do governo municipal. Para ser eleitor, o cidadão deveria prover: 1°) idade mínima; 2°) saber ler e escrever, para isso escrevendo de próprio punho, em livro especial, seu nome, estado civil, filiação, idade, profissão e residência. Havia recursos, revisões de alistamento (periódicos) e títulos de eleitores.

Das eleições

As eleições para deputados e senadores seriam realizadas em toda a República no dia 30 de janeiro, depois de finda a última legislatura. A eleição de senador seria feita por estado. Para a eleição de deputados, os estados da União seriam divididos em distritos eleitorais de cinco deputados cada. O art. 59 dizia:

“Na eleição geral da Câmara, ou quando o número de vagas a preencher no distrito for de cinco ou mais deputados, o eleitor poderá acumular todos os seus votos ou parte deles em um só candidato, escrevendo o nome do mesmo candidato tantas vezes quantos forem os votos que lhe quiser dar. § 1° No caso do eleitor escrever em uma cédula um nome único, só um voto será contado ao nome escrito”.

A eleição para presidente e vice-presidente seria feita no dia 1° de março do último ano do período presidencial.

O art. 57 dizia: “A eleição será por escrutínio secreto, mas é permitido ao eleitor votar a descoberto. Parágrafo único. O voto descoberto será dado apresentando o eleitor duas cédulas, que assinará perante a mesa eleitoral, uma das quais será depositada na urna e a outra ficará em seu poder, depois de datadas e rubricadas ambas pelos mesários”.

O processo eleitoral

As mesas seriam compostas de cinco membros efetivos e cinco suplentes. Aqueles cinco membros seriam indicados por grupos de 30 eleitores de cada seção eleitoral, por meio de ofício. Havendo mais de um ofício, seriam eleitos os que constassem do ofício contendo o maior número de eleitores. Em caso de empate, decidiria a sorte. Estas mesas eram efetivas durante cada legislatura. O presidente da mesa seria eleito pelos cinco membros. Terminada a eleição, era imediatamente feita a apuração pela própria mesa e lavrada ata com os resultados. Em seguida, eram tiradas cópias e enviadas às autoridades competentes, entre outras providências.

Da apuração

A apuração geral de deputados seria feita nas sedes dos distritos; a de senadores, presidentes e vice-presidentes (da República), nas capitais dos estados. Seriam eleitos num estado (deputados e senadores) os mais votados na ordem numérica dos votos recebidos. Os diplomas seriam as cópias das atas dos trabalhos finais de apuração.

Outras disposições

A lei estabelecia as condições de elegibilidade para os cargos federais e relacionava as inelegibilidades. Sobre incompatibilidade, dizia o art. 112:

“Durante as sessões, o mandato legislativo é incompatível com o exercício de qualquer outra função pública, considerando-se como renúncia do mandato semelhante exercício depois de reconhecido ou empossado o deputado ou senador”.

Finalmente, havia capítulos sobre nulidades de eleições, multas, disposições penais, etc.

A unidade de alistamento

O art. 1º da Lei Rosa e Silva dizia: “Nas eleições federais, estaduais e municipais somente serão admitidos a votar os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos, que se alistarem na forma da presente lei”.

Como vimos em artigos anteriores, a Constituição de 91 e a lei eleitoral que se lhe seguiu permitiam que os estados legislassem sobre matéria eleitoral e estes, por sua vez, permitiam que os municípios tivessem as suas próprias leis eleitorais. A Lei Rosa e Silva, em seu art. 1°, estabeleceu, pela primeira vez na República, a unidade de alistamento, isto é, um só título de eleitor para as eleições federais, estaduais e municipais.

A questão foi levada à decisão do Poder Judiciário, tendo o Supremo Tribunal concluído pela inconstitucionalidade do art. 1° da Lei Rosa e Silva. Não obstante, muitos estados acataram aquela disposição de lei, mantendo um só alistamento eleitoral.


A República que findou em 1930

Posteriormente à Lei Rosa e Silva, a República foi fértil em legislação eleitoral. Isto não significa, entretanto, que tivesse havido um aperfeiçoamento. As leis eleitorais da República, até 1930, permitiam toda a sorte de fraudes, doença cujos germes podem ser buscados nos primeiros dias e anos da instalação da República.

Por ser a legislação dos últimos anos da República bem conhecida, limitar-nos-emos a mencioná-la, simplesmente.

A Lei nº 2.419, de 11 de julho de 1911, dispunha sobre inelegibilidades, sobre alistamento e mais detalhes sobre o assunto.

A Lei nº 3.139, de 2 de agosto de 1916, foi de considerável importância em matéria de alistamento. O requerimento de alistamento deveria ser dirigido ao juiz de direito do município de residência do alistando. O art. 5º determinava: “O requerimento de alistamento será escrito em língua vernácula pelo próprio alistando” (...). E mais adiante: “É essencial que a letra e a firma desse requerimento sejam reconhecidas como do punho do próprio alistando, por tabelião (...)”.

Dentre as exigências para ser eleitor, havia a de o cidadão apresentar prova de “exercício de indústria ou profissão ou de posse de renda que assegure a subsistência mediante qualquer documento admissível em juízo (...)”.

A Lei nº 3.208, de 27 de dezembro de 1916, dentre muitas providências, determinava que as unidades da Federação fossem divididas em distritos para as eleições dos deputados federais. São Paulo passou a ser dividido em quatro distritos eleitorais.

Posteriormente, apareceram as leis nºs 3.424, de 19 de dezembro de 1917; 3.542, de 25 de setembro de 1918; 14.658, de 29 de janeiro de 1921; e 17.527, de 10 de novembro de 1926. Todas cuidavam de determinados capítulos da legislação eleitoral.

Lei importante foi a de nº 17.526, de 10 de novembro de 1926, pois deu novas instruções para as eleições federais.

Os Decretos nºs 18.990, de 18 de novembro de 1929, e 18.991 da mesma data deram novas instruções para as eleições federais.

Com a Revolução de 1930, findou um período bem característico da legislação eleitoral brasileira que havia sido inaugurado com a revolução republicana. Cerca de quarenta anos depois, outra revolução o interrompeu subitamente. Tudo que se passou desde a Proclamação da República até os dias de hoje é tão recente que se não tem ainda uma perspectiva histórica para interpretar esse agitado período da vida brasileira.


Passado, presente e futuro

A legislação eleitoral que surgiu no Brasil após a Revolução de 1930 e até os dias de hoje caracteriza um dos mais importantes períodos da vida política brasileira. A fim de não tornar este trabalho demasiadamente longo e fastidioso, faremos somente referências aos aspectos mais importantes das conquistas do sistema eleitoral brasileiro dos últimos decênios. Inicialmente, a instituição de uma Justiça Eleitoral independente de injunções políticas, e que coloca o Brasil acima dos países mais civilizados do globo; a instituição do voto feminino; a adoção da representação proporcional; o registro de partidos políticos; a cédula oficial e única nas eleições majoritárias; volta à unidade nacional em matéria eleitoral, retirando dos estados o direito de legislar e restabelecendo o sistema que prevaleceu no Império.

E, assim, concluímos este despretensioso trabalho sobre a história da legislação eleitoral brasileira. É, entretanto, oportuno fazer ligeiro comentário sobre a evolução do sistema eleitoral brasileiro. Para tanto, podemos dividir a história da legislação eleitoral do Brasil em períodos.

Brasil, província de Portugal

No dia 23 de janeiro de 1532, realizou-se a primeira eleição no Brasil, em São Vicente. O historiador professor Tito Lívio Ferreira propôs que se instituísse, em nosso país, o Dia da Democracia, para ser comemorado no dia 23 de janeiro. Perfeitamente justo.

A partir daquela data, em todas as cidades e vilas brasileiras, sem exceção, realizaram-se eleições livres, democráticas, para os conselhos municipais, reguladas pelo Código Eleitoral da Ordenação do Reino.

O povo brasileiro português nascido no Brasil teve sempre a mais ampla liberdade de escolher os seus governantes locais sem qualquer intervenção de outro poder. Esses conselhos municipais, da mais alta importância na vida político-administrativa das cidades e vilas, tinham, inclusive, o direito de dirigir-se diretamente aos reis de Portugal, mesmo para reclamar contra os governadores-gerais nomeados pela Coroa.

Durante 300 anos, as cidades e vilas brasileiras tiveram vida própria, devido às circunstâncias geográficas (distantes umas das outras), às dificuldades de comunicação e a outros fatores que é exaustivo enumerar.

A unidade que sempre mantiveram e que tornou o Brasil, hoje, uma grande unidade geográfica, lingüística e de sentimentos foi, propriamente, um milagre do gênio português.

Durante 300 anos, o povo brasileiro, que era também português, sempre gozou da mais ampla liberdade política. Isto explica por que a separação do Brasil de Portugal teve lugar tanto tempo após a Independência dos Estados Unidos.

Representação nas cortes

As cortes portuguesas não se reuniam desde o início do século XVII. Quando, em 1821, cerca de 200 anos após, foram convocadas, tiveram lugar, nesse ano, no Brasil, as primeiras eleições gerais para enviar representantes a Lisboa.

O Império

A legislação do Império constituiu um aperfeiçoamento constante, não obstante fosse, no fundo, copiada dos moldes franceses.

A República

A República inaugurou novo período da nossa legislação eleitoral, inspirando-se diretamente nos figurinos norte-americanos.

Passado, presente e futuro

Durante os 300 anos em que o Brasil foi província de Portugal, a legislação eleitoral foi sempre uma só: o Código Eleitoral da Ordenação do Reino. Nesses três séculos, a vida política do Brasil foi autêntica, relativamente ao sistema eleitoral. Essa autenticidade foi quebrada pela influência francesa e norte-americana, respectivamente, no Império e na República.

Os dias que estamos vivendo parecem indicar uma volta à autenticidade: o desejo de um povo de possuir uma legislação eleitoral própria, adaptada às suas necessidades. Isto explica a razão por que a nossa democracia vem resistindo aos temporais que a vêm açoitando há 12 anos.

Mas, nem tudo está, ainda, feito. Há necessidade de maior aperfeiçoamento. Devemos cuidar de aprimorar nosso sistema eleitoral e fazê-lo com humildade. Em 1830, o célebre constitucionalista francês Cormenin escreveu: “A Constituição é a sociedade em repouso; a lei eleitoral é a sociedade em marcha”.

Mais recentemente, em nossos dias, o grande sociólogo espanhol Ortega y Gasset escreveu: “A saúde das democracias, quaisquer que sejam seu tipo e grau, depende de um mínimo detalhe técnico: o processo eleitoral. Tudo o mais é secundário. Se o regime de eleições é acertado, se se ajusta à realidade, tudo vai bem: se não, ainda que o resto marche otimamente, tudo vai mal”. (La rebelión de las massas, 14. ed. p. 134.)

Voto para o analfabeto e cédula única oficial

Da mais alta importância para a vida do país foram dois projetos de lei que à época da conclusão deste trabalho estavam em curso no Congresso. Um, sobre o direito do voto ao analfabeto. Outro, sobre a adoção da cédula única e oficial nas eleições proporcionais, isto é, ao Legislativo Federal, Estadual e Municipal, ambos da mais alta importância para as nossas instituições democráticas.

O voto do analfabeto

No Brasil, durante 357 anos, o analfabeto teve o direito de votar. Desde a primeira eleição democrática, realizada por João Ramalho em São Vicente, a 22 de janeiro de 1532, até 15 de novembro de 1889, o analfabeto sempre pôde votar. Com a instauração da República é que foi abolida a extensão do voto ao analfabeto. Tal proibição era uma instituição relativamente nova no Brasil. Eu dizia então: ora, desde que se considera que o eleitorado alfabetizado sabe votar, que tem discernimento para escolher, então, seria lógico que esse eleitorado esclarecido deliberasse sobre a extensão do voto ao analfabeto num plebiscito nacional. Não parecia justo que só o Congresso Federal tivesse poderes para resolver esse problema. Nós, a massa dos eleitores, não estamos aptos a deliberar sobre problemas econômicos e financeiros e outras altas questões especializadas, que devem ser mesmo atribuições do Congresso. Mas assunto como aquele, todos nós, eleitores alfabetizados e esclarecidos, estávamos capacitados a resolver. Por que, então, não se realizou um plebiscito para dar a todos a oportunidade de opinar? Isto seria altamente democrático, pois possibilitaria aos eleitores participar da solução de um problema nacional.

A cédula única oficial

Eu dizia ainda que era incompreensível que somente a questão do voto do analfabeto estivesse absorvendo a atenção do país. Havia outro também tão importante, mas que estava sendo quase que completamente omitido nas discussões públicas. Tratava-se da adoção da cédula única e oficial nas eleições proporcionais, isto é, ao Legislativo Federal, Estadual e Municipal. Mais de uma vez tínhamos mostrado, em nossos trabalhos, como era absurdo o sistema de eleições com cédulas individuais.

Os candidatos eram obrigados a imprimir e a distribuir, por todo o estado, tais cédulas. Normalmente, cada candidato mandava confeccionar um milhão de cédulas, para somente obter três ou quatro mil votos. Ora, distribuir um milhão de cédulas para só conseguir quatro mil votos era um absurdo. Aquele milhão de cédulas iria custar cerca de cinqüenta mil cruzeiros. Mais cinqüenta mil para distribuí-las, e tínhamos aí cem mil cruzeiros. Poderia qualquer cidadão da classe média ou trabalhadora disputar uma eleição daquela? É claro que não.

E ainda não falamos da propaganda, impressa e oral, como cartazes, folhetos, jornais, rádios, televisões, etc. Enfim, calculava-se que, numa campanha eficiente, um candidato a deputado deveria gastar cerca de um milhão de cruzeiros. Magnífica democracia aquela, em que só os milionários podiam ser candidatos!

Com o fim de democratizar o sistema eleitoral, foi apresentado, como dissemos, no Congresso, projeto de lei que mandava adotar a cédula única e oficial nas eleições proporcionais, isto é, de deputados e vereadores.

Mas, eis que surgiu um ilustre deputado federal a proclamar que a cédula única e oficial seria adotada somente nas eleições de deputados federais. E ele acrescentou: “Se der certo, será tal processo estendido às eleições estaduais”. Perguntávamos então: que significava aquele “se der certo”? Como se poderia saber se daria certo ou não? Pelo número de votos anulados? Poder-se-ia conceber que os eleitores não sabiam votar?

Uma das alegações contrárias à cédula única e oficial era a de que eram muitos os nomes a serem nela impressos. Vejamos o caso de São Paulo, que elegia 91 deputados estaduais e 45 federais. Sendo dez partidos, cada cédula deveria conter 1.360 nomes. Uma cédula cujo tamanho seria igual a duas páginas de jornal poderia encerrar todos os nomes. Talvez se objetasse que a cédula seria muito grande. Isso não teria importância. Nos Estados Unidos, as cédulas costumavam conter também consultas públicas (plebiscitos) sobre se determinados artigos das Constituições deveriam ser modificados ou não. Há alguns anos atrás, a cédula eleitoral do Estado de Ohio, dos Estados Unidos, exigia algumas horas para ser lida.

Quanto ao custo, a Justiça Eleitoral poderia cobrar de cada candidato uma taxa módica de registro, dois mil cruzeiros, por exemplo, o que possibilitaria a impressão da cédula única e oficial, sem nenhum gasto para os cofres públicos.

Se o deputado do qual já falamos quisesse mesmo saber se era possível a adoção da cédula oficial e única, que consultasse os que estavam mais bem capacitados a informar, isto é, os juizes da Justiça Eleitoral. Desde que os deputados costumam solicitar a opinião dos técnicos sobre assuntos especializados, deveriam solicitar o pronunciamento da Justiça Eleitoral, que diria se a adoção da cédula única e oficial daria certo ou não.

O que não se justificava era que continuasse o absurdo e antidemocrático sistema de cédulas individuais. E também não se justificava que, a título de experiência, a cédula única e oficial fosse adotada somente para os candidatos a deputados federais, o que constituiria um privilégio odioso em relação aos candidatos ao Legislativo Estadual.

Muitos partidos e muitos candidatos

Uma das objeções que eram feitas à cédula única e oficial para as eleições proporcionais era a de que havia muitos partidos e, por isso, era demasiado o número de candidatos cujos nomes deveriam constar nas listas. Chegou-se, por isso, a aventar diversos meios para superar aquela dificuldade. Um deles seria substituir, nas cédulas, os nomes por números. Em verdade, a grande quantidade de partidos chegava até a criar dificuldades para o próprio funcionamento do regime democrático. No próprio processo eleitoral, os pequenos partidos, por exemplo, apresentavam chapas completas, para eleger somente um, dois ou três candidatos, quando não era o caso de não elegerem nenhum.

Por outro lado, afirmava-se, com razão, que o sistema relegava os partidos a segundo plano, pois os eleitores votavam em nomes e não em legendas. Essa alegação era verdadeira.

A solução do problema se resumia em conseguir uma fórmula, um sistema que principalmente valorizasse os partidos e diminuísse o número de candidatos. Essa solução foi a que passamos a expor no tópico a seguir.

Dois escrutínios

Dizíamos então: o único sistema que poderá valorizar os partidos, isto é, as legendas, e diminuir o número de candidatos será o de dois escrutínios. No primeiro escrutínio, o eleitor votará unicamente na legenda partidária, sem os nomes dos candidatos. A apuração dirá quantos lugares caberão a cada partido. No segundo escrutínio, os partidos apresentarão chapa incompleta de candidatos, de acordo com o número de deputados que deverão eleger. De acordo com esse sistema, em primeiro escrutínio os eleitores votam somente na legenda e determinam o número de cadeiras que caberá a cada partido. Em segundo escrutínio, os eleitores votam somente nos nomes apresentados pelos partidos.

Nessas condições, o atual processo desdobra-se em dois, e esta é a única originalidade. Para melhor compreensão, vamos expô-lo com maiores detalhes.

Primeiro escrutínio

Comentávamos, sobre a aplicação do novo processo às eleições de então:

Nos dias iniciais de maio ou junho, realizar-se-á o primeiro escrutínio, a primeira eleição. Na cédula única e oficial, constarão unicamente os nomes dos partidos e, junto de cada um, dois quadradinhos com as respectivas indicações: para deputado estadual e para deputado federal. Somente isso. O eleitor escolherá a legenda e assinalará o quadradinho de deputado estadual ou federal. Poderá escolher dois partidos diferentes, se quiser. Um para deputado estadual; outro para federal.

A campanha eleitoral, nesse primeiro escrutínio, limitar-se-á à propaganda dos programas dos partidos. O eleitor votará no partido de sua preferência. Apurados os votos, calcula-se o quociente partidário exatamente como se faz atualmente, ou seja, dividindo o total dos votos pelo número de cadeiras e verificando quantas cadeiras caberiam a cada partido. Fica, dessa maneira, determinado o número de cadeiras que caberá a cada partido. Provavelmente, alguns dos pequenos partidos não ganharão cadeira alguma. Nesse caso, ficarão impossibilitados de concorrer no segundo escrutínio.

Segundo escrutínio

É fácil verificar que a apuração do primeiro escrutínio é rápida. O Tribunal Eleitoral, dentro de 15 dias, poderá proclamar os resultados. Imediatamente, os partidos realizarão suas convenções para escolher os candidatos. Não apresentarão listas completas, mas sim cada um apresentará um número de candidatos que seja superior ao que conseguiu no primeiro escrutínio. Poder-se-á aplicar a seguinte fórmula: os partidos que conseguiram de uma a cinco cadeiras apresentarão um número quádruplo de candidatos. Os que conseguiram de cinco a dez apresentarão um número triplo. E os que conseguiram acima de dez apresentarão um número duplo de candidatos. Seja, por exemplo, o partido A, que assegurou sete cadeiras. Nesse caso, ele apresentará 21 nomes (7x3).

Se o partido B assegurou 12 cadeiras, apresentará 24 nomes (12x2). Os partidos não apresentarão, pois, lista completa. Dessa maneira, fica consideravelmente reduzido o número de candidatos. E a cédula única e oficial poderá conter todos os nomes de todos os partidos.

Apurados os votos, organiza-se simplesmente a relação por partido, em ordem de votação obtida. E serão eleitos os mais votados, observando-se o número de cadeiras obtidas anteriormente.

Novo processo de eleições para reduzir o número de partidos e candidatos

A votação obtida por partido, no segundo escrutínio, não corresponderá, evidentemente, à do primeiro escrutínio. Isso não tem importância. O eleitor poderá, na primeira eleição, votar no partido D, e na segunda, em candidato do partido F. Seu voto, evidentemente, pesou favoravelmente à legenda, ao partido, e não ao candidato. Assim, por exemplo, o partido H poderá obter no primeiro escrutínio 57 mil votos e assegurar duas cadeiras. No segundo escrutínio, apresentará oito candidatos (2x4), que poderão não obter, em conjunto, mais do que 15 mil votos, por exemplo. Mas serão eleitos os dois mais votados, pois as duas cadeiras, o partido H já havia assegurado no primeiro escrutínio.

Conclusão

Esse segundo escrutínio será realizado juntamente com as eleições de governador e senadores, em outubro.

É fácil verificar que o sistema que apresentamos tem todas estas vantagens: 1°) predominam os partidos e seus programas, e não os nomes dos candidatos; 2°) diminui o número de candidatos; 3°) possibilita a adoção da cédula única e oficial; 4°) havendo diversos partidos com o mesmo programa, o eleitorado tende a fixar-se num só; 5°) em conseqüência, reduz-se o número de partidos; 6°) aprimoram-se os programas dos partidos.

A única objeção que se pode fazer a esse sistema é que ele obriga a duas eleições (primeiro e segundo escrutínios). Entretanto, a alegação é improcedente. Relativamente à Justiça Eleitoral, ela existe para isso, para realizar eleições. Quanto aos eleitores, de quatro em quatro anos, não custa comparecer a duas eleições próximas uma da outra. Aliás, parece-nos que o jogo democrático da escolha de deputados apresentará maior sensação com aquele sistema.

E finalizamos dizendo: Temos a esperança de que os nossos atuais legisladores se interessarão pelo sistema que acabamos de expor. Caso contrário, que se adote, pelo menos, a cédula única e oficial tanto para as eleições de deputados federais, como para as de deputados estaduais.


 

O Autor

 

autor

MANOEL RODRIGUES FERREIRA nasceu na cidade de Itapuí (antiga Bica de Pedra), Estado de São Paulo, em 25 de julho de 1915. Formou-se em Engenharia Civil pela Universidade Mackenzie, em 1945. Foi professor de Matemática e Física durante oito anos (1938-1945). Exerceu o jornalismo em A Gazeta, a partir de 1941, até 1972.

Em São Paulo, candidatou-se a deputado estadual em 1950 e 1962 e a vereador em 1955.

Foi diretor do Fundo Estadual de Construções Escolares (1963) e da Ceasa (hoje Ceagesp), durante a sua instalação (1965-1966).

Realizou expedições aos sertões do Brasil Central e à Amazônia, publicando, a partir dessas experiências, grande número de reportagens e livros, além de produzir o documentário cinematográfico Aspectos do Alto Xingu, realizado em 1948. Este foi o primeiro filme colorido feito no Brasil, montado e apresentado por Benedito J. Duarte no Museu de Arte Moderna de São Paulo no dia 13 de setembro de 1949. A obra deu origem à Companhia Cinematográfica Vera Cruz, no dia 4 de novembro de 1949, e venceu o Festival Internacional de Cinema realizado no Rio de Janeiro em l.952.

Foi o jornalista que, em junho de 1945, chefiando a Bandeira Mackenzie, encontrou no Rio das Mortes os irmãos Leonardo, Cláudio e Orlando Villas-Boas, então desconhecidos membros da Expedição Roncador-Xingu. Os famosos sertanistas de hoje tinham sido seus companheiros de internato em colégio da capital paulista, quinze anos antes. Ao descobri-los no Rio das Mortes, divulgou-lhes o trabalho em A Gazeta, apresentando-os finalmente ao público. A partir daí, Orlando Villas-Boas passou a escrever naquele jornal, o que tornou conhecidos os irmãos Villas-Boas e lhes garantiu lugar proeminente na Expedição Roncador-Xingu.

Lançou publicamente — e pela primeira vez — a idéia do Parque Nacional do Xingu, em A Gazeta de 27.10.1948. Inicialmente, trabalhou pela criação dessa reserva, concretizada com o nome de Parque Indígena do Xingu.

Acompanhado do engenheiro e geólogo José Epitácio Passos Guimarães, realizou sete grandes reportagens ilustradas sobre as grutas calcárias do Vale do Ribeira (SP), publicadas em A Gazeta, de 20 de outubro a 24 de novembro de 1956. Na primeira reportagem, apresentou a idéia do engenheiro José Epitácio Passos Guimarães de criação do Parque Estadual do Vale do Ribeira; na última, informou que o secretário da Agricultura, acatando a idéia, anunciara a criação do parque, o que logo foi concretizado pelo governo do estado. Hoje, o lugar é considerado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco.

Em entrevista à revista Manchete, em 1972, lançou a idéia do Parque Nacional dos Martírios, na margem esquerda do rio Araguaia (rio Paraupava dos Bandeirantes Paulistas), no Estado do Pará. O lugar recebeu o nome de Parque Estadual dos Martírios e é dirigido por Noé Von Alzingen e Maria Virgínia Bastos de Mattos.

Em conseqüência de uma série de 21 reportagens sobre o então Território de Rondônia, publicada em janeiro de 1960 em A Gazeta da capital paulista, o presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, acolhendo a idéia nela apresentada, imediatamente mandou construir a rodovia Cuiabá-Porto Velho, inaugurada um ano e meio depois.

Idealizou, fundou e promoveu a Sociedade Geográfica Brasileira (SP).

Idealizou, juntamente com Tito Lívio Ferreira, a Academia Paulista de História, a Academia Paulistana de História e a Ordem Nacional dos Bandeirantes das quais foi um dos seus fundadores.

É membro emérito do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Ordem dos Velhos Jornalistas do Estado de São Paulo e de diversas entidades culturais de São Paulo e do Brasil.

Pesquisou, nos documentos dos arquivos históricos, a tradição bandeirante dos Martírios, descobrindo, dessa maneira, tratarem-se de representações da realidade as esculturas rupestres (itacoatiaras) existentes no Baixo Rio Araguaia (rio Paraupava). Relatando esse descobrimento, escreveu o livro O mistério do ouro dos Martírios, publicado em 1960. Em 1971, realizou uma expedição científica ao local dos Martírios, onde fez vários registros (fotografias, audiovisuais, moldes em gesso, levantamento topográfico, etc.).

A Prefeitura do Município de São Paulo mandou reproduzir em bronze 17 desses moldes em gesso, para expô-los na Casa do Sertanista, no bairro do Caxingui, na capital paulista, hoje Solar da Marquesa. Dessa maneira, provou que os Martírios não eram visões fantasmagóricas dos velhos bandeirantes de São Paulo, circunstância esta que lhes deslustrava a memória e servia para que muitos os ironizassem, os desprezassem. Apagou, dessa maneira, na história das Bandeiras paulistas, algo que diminuía profundamente seus sertanistas e bandeirantes. Devolveu-lhes assim a integridade, a respeitabilidade e a dignidade.

A história dos Martírios, que descobriu e revelou, levou-o a pesquisarem profundidade a gênese das Bandeiras paulistas, cuja causa, como também a da fundação da Vila de Piratininga, em 1532 (hoje cidade de São Paulo), foi devida à então certeza da existência da rica e famosa Lagoa Paraupava (Lagoa Vupabuçu, Lagoa Dourada) desde o Descobrimento, permanecendo ela até hoje como um mito vivo no interior do Brasil, inclusive entre os indígenas, e nos países hispânicos sul-americanos.

Já publicou livros sobre pesquisas históricas, relatos de expedições que realizou, indigenismo e desenvolvimento econômico, sob o aspecto da ciência e da tecnologia.

Foi agraciado com a Ordem do Mérito do Ipiranga, por decreto do governo do Estado de São Paulo.

Foi condecorado com a medalha da Assembléia da República de Portugal e recebeu a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo, por decreto legislativo da Câmara Municipal de São Paulo.

Foi agraciado com a Ordem do Marechal Rondon, por decreto do Governo do Estado de Rondônia, e declarado Cidadão Honorário Vilaboense (de Villa Boa, fundada pelo bandeirante Anhangüera II), por lei da Câmara Municipal da Cidade de Goiás (antiga Villa Boa, então capital de Goiás).

Foi declarado Cidadão Honorário Guajaraense por lei da Câmara Municipal da cidade de Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia.

Foi patrono da cadeira ocupada pelo professor Benedito Pedro Dorileo no Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

Livros publicados

— Nos sertões do lendário Rio das Mortes (1946)
— Terras e índios do Alto Xingu (1952)
— Cenas da vida indígena (1952)
— História da civilização brasileira
(Em co-autoria com Tito Livio Ferreira) (1960)
— Nas selvas amazônicas (1960)
— O mistério do ouro dos Martírios (1960)
— A maçonaria na Independência brasileira
(Em co-autoria com Tito Livio Ferreira) (1961)
— A ferrovia do diabo: história da estrada-de-ferro Madeira-Mamoré (1962)
— A causa do subdesenvolvimento do Brasil (1963)
— Ciência do desenvolvimento econômico (1965)
— A ideologia política da Independência (1972)
— Expedição científica aos Martírios (1973)
— Os escravos mecânicos (1975)
— História dos sistemas eleitorais brasileiros (1976)
— As Bandeiras do Paraupava (1977)
— As repúblicas municipais no Brasil (1980)
— A revisão da História do Brasil (1983)
— Aspectos do Alto Xingu e a Vera Cruz (1983)
— Do Big Bang à civilização atual (1983)
— História do Brasil documentada — 1500/1822 (1996)
— História dos irmãos Villas-Boas (1997)
— História do urbanismo no Brasil — 1532/1822 (1999)
— O 2° Descobrimento do Brasil: o interior (2000)

 


 

Notas

(1) Manoel Rodrigues Ferreira, ao encerrar seu comentário sobre a lei eleitoral que presidiu as primeiras eleições gerais brasileiras, em que menciona ter sido a referida lei extraída da Constituição espanhola de 1812, transcreve a seguinte carta, que recebeu do sr. Eduardo Fernandez y Gonzales, membro do Instituto Geográfico de São Paulo:

“A Constituição espanhola referida foi realmente promulgada em 1812 pelas chamadas Cortes de Cadiz, posta em vigor e retirada por diversas vezes na Espanha, durante o século passado e que foi elaborada quando uma boa parte do território espanhol se achava ocupada pelas tropas de Napoleão. Trata-se da lei fundamental mais democrática e humana que até então tivera qualquer povo da Europa, inclusive a recentemente votada pela Assembléia francesa. Quando foi promulgada aquela constituição de 1812, a nação espanhola estava representada por toda a sua população, inclusive a do território ocupado, na proporção de um deputado por cada cinqüenta mil almas, eleito mediante sufrágio indireto em que intervieram como eleitores os espanhóis maiores de vinte e cinco anos. Naquela Carta Magna se reconheceram os direitos do homem e do cidadão, assegurou-se a justiça igual para todos, dividiram-se os poderes e colocou-se a Monarquia, secularmente absolutista, sob a égide soberana da nação. Contava 384 artigos e seu conteúdo estava distribuído em 10 títulos. Dada a especial circunstância de que a dita lei fundamental estruturava um novo regime, trazia em conseqüência dentro de si mesma uma série de leis complementares e muitos princípios e orientações para a formação destas. E no seu Título III há, efetivamente, abundante matéria para a elaboração de uma ampla lei eleitoral”.

(2) — Por filho-família subentende-se o dependente que ainda não prove a sua própria subsistência.

(3) — Um leitor manifestou estranhamento quanto à informação de que a Lei de 19 de junho de 1822 tivera estabelecido o privilégio do voto, pois ele lera que, nas eleições daquele ano, houvera a mais ampla liberdade de o eleitor votar. A ele respondi: direito de votar e liberdade de votar são dois conceitos completamente distintos. O direito do voto, quando é amplo, atingindo toda a sociedade sem restrições de classes, constitui o sufrágio universal. Quando é restrito a determinados setores ou hierarquias econômico-sociais, é também um direito, mas restrito a essas classes, sendo, pois, mais correto considerá-lo um privilégio. Em ambos os casos (sufrágio universal ou privilégio do voto), pode haver ou não liberdade de votar do cidadão investido desse direito. Pois a liberdade de votar manifesta-se no momento de o eleitor depositar o voto na urna. A liberdade de votar, ou escolher, pressupõe, por exemplo, a inexistência de qualquer tipo de coação sobre o eleitor. Assim, pode haver privilégio de voto com ampla liberdade de o eleitor votar, como pode haver sufrágio universal sem que haja essa liberdade de escolha.


 

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