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O DISCO SOLAR

Ana Vitória Vieira Monteiro

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O Disco Solar
Ana Vitória Vieira Monteiro

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Documento da Autora

© 2000,2006 Ana Vitória Vieira Monteiro
maraka@zaz.com.br


Ana Vitória Vieira Monteiro

     Nascida em 7/2/1945 na cidade de São Carlos no Estado de São Paulo, desde 1984 é terapeuta acu­pun­tu­ris­ta, parapsicóloga e astróloga.
     Começou a escrever para Teatro em 1992.
     Em 1999 registrou-se na SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. É membro da Cooperativa Paulista de Teatro e da IMÃ cia. Teatral. Tem site na ’net sobre a história do xamanismo no Brasil:

www.maraka.atfreeweb.com


O DISCO SOLAR
Ana Vitória Vieira Monteiro

TEMPO UM

Algumas vozes ao longe murmuram em quitchua, depois fazem silêncio, quebrado somente por uma forte batida de coração que vai chegando cada vez mais perto.

NARRADOR
     América latina, região Andina
     Onde nasce o rio Amazonas
     Chamado de Maronõn
     Banhado pelo oceano Pacífico

     Trazendo nas ondas do mar
     O maior e mais sangrento
     Fato histórico já visto
     Do Mar o Grande Balanço
     Balança a Terra dos Incas

INCA (sozinho no palácio, enquanto sua mulher, a Imperatriz Rumi, dorme)
     Que homem sou eu, que não tenho alternativa, sinto o perigo em minha volta.
     É como se a terra ruísse aos meus pés, e não tenho a força nem a coragem para ser como os fundadores deste império, os meus antepassados (sons de ondas do mar remetendo à Atlântida), os iluminados filhos do Sol!
     Agora, outros homens vindos pelo mar aparecem, como deuses salvadores.
     Tanto lugar prá parar, tinha que ser lá, no norte, onde ainda temos tantos focos de resistência, adversários.
     Os adivinhos, um dia consultaram as folhas de coca, e elas falaram:

AMAUTA off
     "O Criador Huiracocha virá pelas espumas do mar" (mixado com sons de chocalhos de serpente)

INCA
     E o povo desde então pensa que qualquer coisa vinda pelas espumas do mar é o DEUS CRIADOR.

Está amanhecendo. O Amauta, que havia também passado a noite sem dormir, está chegando na porta do palácio onde espera por seu filho Saucam, o mensageiro do Inca.

SAUCAM (reverencia a bandeira do Império)
     Pai! Estavas me esperando? Está muito frio.

AMAUTA
     Estou acostumado, meu filho.

SAUCAM
     Estamos tão ocupados ultimamente que nem tivemos tempo para nos ver.

AMAUTA
     Vamos entrar e nos esquentar um pouco!

SAUCAM
     É rápido, viajo hoje para o norte.....
     Agora vou como tradutor entre o Inca e os "visitantes" (satisfeito). Já fiz contato com o sacerdote, como me aconselhaste, do chefe deles.
     Sabe como o chamam?

AMAUTA
     Não. Diga!

SAUCAM
     Padre (rindo)

AMAUTA
      "Padre", (pronuncia com dificuldade) que significa?

SAUCAM
     Pai, Sacerdote, Amauta, como tu.

AMAUTA
     Equivalente, igual nunca.

SAUCAM
     Perdão, não quis ofender

AMAUTA
     Mas estou orgulhoso. Quando chegares a Cajamarca, vá a Tumes, tua mãe (intervenção sonora registrando o personagem da mãe) ficará feliz em te ver com saúde.

SAUCAM
     Se der tempo... no meu posto devo ficar à disposição

AMAUTA
     Espero que ela não note tua ligeira mudança, depois que aprendestes a estranha língua. Estes novos sons estão causando algumas alterações no teu raciocínio...

SAUCAM
     Não acredito... que seja tão evidente.(brincalhão)

AMAUTA
     É sim, estás diferente depois disso.

SAUCAM
     É tão difícil dizer as letras B – D – F – G – X – V1 para um Quitchua2. (emite apenas o som correspondente, debochando)

AMAUTA
     É uma nova estrutura mental, outro raciocínio.

SAUCAM
     Por falar nisso, trouxe-te presentes especiais. Curiosidades espanholas que reproduzi em miniatura de pedra3. É uma nova arma de guerra, revólver, isso mata! (brincando com ela)

AMAUTA
     Não disse, olha a alteração.

SAUCAM
     Desde de menino sou muito curioso...

AMAUTA
     Saucam, curiosidade em demasia também mata!

SAUCAM
     Isso mata à distância.( apontando a arma, Amauta olha-o curioso)

SAUCAM
     Deixo para ti. (querendo agradar)

AMAUTA
     Não vamos nos ver mais?

SAUCAM desmente

AMAUTA
     Cuide-se...

SAUCAM
     Pai... quando ando nas ruas ouço o povo comentar que os "visitantes" são enviados do Deus Criador. É verdade?

AMAUTA
     Não ! Eles não são. Desconfio... Você viu, receberam como presente brinquedos e objetos domésticos das mulheres, roupas usadas...(voz baixa rindo)

SAUCAM
     Não desvalorize, eram objetos de ouro, muito ouro.

AMAUTA
     Ah sim! Mas não há arte neles, portanto, não são sagrados...

SAUCAM
     Só o sagrado dos teus altares tem valor? Vais ter que mudar tua concepção de valores para lidar com eles, quando chegarem aqui, em Cuzco.

AMAUTA
     Não creio. Venha Saucam, vamos andar. Está muito frio, e o vento vindo das cordilheiras para a minha idade não faz bem.

SAUCAM
     És forte como uma lhama, velho.

AMAUTA (caminham juntos na frente do Templo, presença do coro de bailarinos)
     Aqui, até as paredes têm ouvidos...

SAUCAM
     E olhos, e memória... há muita gente que finge indiferença, mas que está prestando atenção. Interpretam tudo, cada gesto, cada olhar.

AMAUTA
     Notícias sobre as pessoas próximas ao poder sempre serão de interesse para todos. Isso te aborrece?

SAUCAM
     E chateia! (muda de assunto) Ah! Olha, (coloca um poncho) vou usá-lo nas montanhas nevadas.

AMAUTA
     Tira! Tira isso já! Desde quando tens esta roupa dos estranhos?

SAUCAM
     Troquei por chicha (tira uma garrafa da bebida) há quatro anos atrás, quando os encontrei em Quito! Ha! Ha! Ha!

AMAUTA
     Não uses, faça o frio que fizer! (pausa) Já os admira?

SAUCAM
     Não adianta implicar, nem ordenar, vou usá-lo! Todos da família gostaram desta roupa. Já pedi (cuidadoso) para a mãe tecer uma igual, mas com listas, coloridas, trouxe uma para mostrar. Bonito? (tira um poncho colorido) Este fica para ti. As coisas estão mudando rapidamente, pai. Acorda!!!

AMAUTA (pega o poncho, mas não o coloca)
     Estás seduzido. Eu também estou curioso com as novidades Mas tem segredos para mim, filho.

SAUCAM
     Tu sabes da minha insatisfação, até o que se passa no meu coração! Mas tens razão, gostaria de servir o outro Inca, Huáskar (som de Huáskar)

AMAUTA
     Gostas dele porque é tão jovem quanto tu. Nasceram no mesmo dia; é natural esta ligação.

SAUCAM
     Mas quero ficar aqui, sabes bem porque, a minha paixão!

AMAUTA
     Meu filho, não digas isso, Saucam! Os novos sons põem idéias loucas na tua cabeça? Não te deixes contaminar pelos sons deles, bra, tra, pla, xa, (emite o som) há coisas que nem se sonha que possam ser provocadas através do som.

SAUCAM
     Mas não sou ignorante, a ponto de não entender! Os Incas quando quiseram conquistar os nativos, o que fizeram? Impuseram uma nova língua, o Quichua, mas entre eles falam uma outra língua, que ninguém entende.

AMAUTA
     Esta diferença é insuportável para o senhor tradutor não é?

SAUCAM
     Apesar de não ser sacerdote, um Amauta, como tu. Sei bem o que temes, não fujas do assunto.

AMAUTA
     Pensas até em demasia. (mudando de assunto) É uma honra seres o tradutor do Inca de Cusco, Atahuallpa, o maior senhor da Terra.

SAUCAM
     Honra para qualquer outro, menos para mim. Tu sabes bem que só me mantenho neste posto por causa dela, a imperatriz Rumi! (Som indicando a presença de Rumi) Assim posso vê-la pelo menos às vezes...

AMAUTA (baixinho)
     Tu és o único na face da Terra que tem a coragem de dizer isso em voz alta!

SAUCAM
     Sei bem que não sou o único por aqui a amar Rumi. A pedra intocada, (irônico) a que todos querem tocar.

AMAUTA
     O que estás insinuando, louco? Há coisas que não se pode ter, e ela é uma delas! Tu não és um Inca.

SAUCAM
     Nem tu, meu pai. Os Incas também são estrangeiros nestas terras. Com que direito escravizam o povo pela fé? Os antepassados deles criaram coisas novas, sim! Mas este que está aí é um homem tal qual eu também sou.

AMAUTA
      Mas é porque criaram coisas necessárias para o povo que o Inca é amado. Vai! Prepara-te, esta viagem talvez mude mesmo...a tua vida!

SAUCAM
     Mais enigmas, grande Amauta? Começo a não acreditar em mais em nada, tudo é, mas não é.

AMAUTA
     Tu não tens paciência, filho.

SAUCAM
     E o Inca, o "poderoso", demora a reagir porquê, quando tem um exército invencível? Adeus, meu pai! (Sai sem reverenciar a bandeira).

Enquanto isso, no palácio, Rumi canta suavemente, acompanhada pelo som dos primeiros pássaros da manhã. Na mesa baixa, vários pratos de cerâmica com frutas, abacaxi, abacate, milho, e muitos tipos de batatas.

RUMI
     Huiracocha, o Todo Poderoso. Que estás presente, dono da beleza do mundo, que tudo criou, ao dizer que se faça o homem, que se faça a mulher! E todos os frutos da terra! Onde quer que te encontres... nas nuvens, nas sombras, eu amor onde quer que estejas! (Vendo o Inca) Atahuallpa, esperava por ti...

INCA
     Quando te vi pela primeira vez cantavas esta canção no Templo. Entre as meninas, eras a mais bela! O Amauta disse que teu nome era Rumi! Pedra, uma pedra de fogo! Rumi Inti, minha deusa...

RUMI
     Foi naquele dia em que participei como sacerdotisa pela primeira vez da cerimônia do Inti Raymi, a Festa do Sol. Quando eu o vi trazido nos ombros dos carregadores, o meu coração disparou, tive que me conter, estavam todos lá, e nos olhavam atentos.

INCA
     Sim, eu estava Inca também pela primeira vez! Meu pai tinha partido deste mundo um ano antes.

RUMI
     Ainda te lembras?

INCA
     Como se fosse hoje, Rumi! Eras e és a mais bela, a única, entre todas as mulheres do mundo diante de meus olhos.

RUMI
     Mas... irás ao norte, a Cajamarca outra vez! É muito risco para a tua vida... Dizem que estes homens chegaram pelo mar trazendo muitos cães ferozes e outros animais enormes, e que sobem em cima deles...

INCA
     Um nativo, Rumi, até pensou que eram uma pessoa só...

RUMI (excitada)
     Estou tão curiosa como todos, Atahuallpa, gostaria de vê-los.

INCA
     Cavalo, é o nome destes animais, mais pessoas estão curiosas... (os dois riem juntos, maliciosos)

RUMI
     Arranjas um para mim? (beijam-se)

INCA
     Você encima daquilo, nunca, nem você, nem eu.

RUMI
     Já consultaste o povo? Sei que uma parte aprova a guerra, outra pede cautela, e os outros, que são a maioria, simplesmente não sabem o que dizer. Mas de alguma forma todos estão curiosos.

INCA
     O que me aconselhas?

RUMI
     Negociação, temos tantas coisas para trocar, por estas novidades.

INCA
     Trazem coisas que nem sonhávamos existir, arma de metal que mata como o raio, cachorros ferozes que comem restos de cadáveres. Além dos cavalos que os tornam ágeis, superando em rapidez nossos homens.

RUMI
     Como é possível?

INCA
     Por isso tive que decretar ontem em assembléia de Amautas que ninguém toque num fio de seus cabelos, sob qualquer circunstância.

RUMI
     Isto é uma perigosa decisão...

INCA
     Mas as tribos nativas, que acabamos de desterrar para a floresta, estão se aliando a eles, aos milhares. Dizem, oportunistas que são, que os estranhos são representantes do deus Huiracocha que voltou só para ajudá-los!

RUMI
     E voltam-se contra nós! (chocada)

INCA (confidente)
     Sim, até o meu irmão mais novo...Huáskar

RUMI
     Huáskar?

INCA
     Sim, impressionou-se como tu.

RUMI
     Sinto perigo no ar. Corre uma notícia, entre as mulheres, de que estão à procura de terra fértil.

INCA
     É verdade, os Amautas colocaram esta questão, quando viram que eles ficaram alucinados, ao verem nossas plantações.

RUMI
     Minha preocupação é com a segurança.

INCA
     Temos uma estratégia de defesa pronta, (pausa) em caso de emergência... As tribos inimigas que desterramos querem se livrar de mim, aliam-se a eles e falam em liberdade nacional, sinto-me acuado, sem liberdade pessoal para agir. Levarei 30 000 homens!

RUMI
     E pensar que cheguei a acreditar que estávamos pondo fim em todas as guerras, depois que combateste por Cusco com teu irmão.

INCA
     Agora estamos diante de algo diferente, desconhecido. Talvez tenha que me aliar a Huáskar, a quem combati no passado. Querem a nossa terra....nos desprezam, por não saber quem somos.

RUMI
     A terra deles não produz o suficiente, Atahuallpa, não é bom sinal... A Mama Coya contou que eles foram feitos de barro, foram expulsos de sua terra, chamada de pa–ra–íso!

INCA
     (rindo divertido) Pa–ra–íso, o que é isso?

RUMI
     Tenha cuidado, nem o Deus deles confia neles...

INCA
     As sacerdotisas disseram isso no Templo? As Mama Coya deviam estar mais preocupadas em guardar as secretas passagens subterrâneas.

RUMI
     Do Templo da Terra...

INCA
     Do Templo do Sol, onde está o Disco Solar!

RUMI
     Claro, o Templo do Sol, em cima das ruínas do que foi há mais de 500 anos o Templo da Lua , da Terra...

INCA
     Onde mais querias que fosse? Um ponto de poder não muda de lugar. Além do mais, as sacerdotisas da Terra aceitaram muito bem o Templo do Sol, como tu aceitas a mim...

RUMI
     Com tantas mulheres, é ilusão minha pensar que pensarás somente em mim, porque te dou bons conselhos. (dengosa) Serás fiel?

INCA
     A ti?

RUMI
     Sim! (confiante) A mim!

INCA
     Ao Sol! Faço tudo o que pedires, és a melhor das conselheiras

(Ela se interpõe entre ele e o Sol, que entra em fachos pela abertura da janela)

RUMI
     Achas-me bela? Me amas?

INCA
     Te amo. Esta palavra saiu da minha boca somente para ti. Prometa que nenhum viajante irá contemplar teu corpo, teu rosto.

RUMI
     Sou tua, somente tua, Atahuallpa. Jamais me verão, nem saberão que existo! O palácio e o templo são sagrados. Não ousarão invadi-lo.

INCA
     Ousarão sim, Rumi! Vieram pela primeira vez acidentalmente, e agora voltam. Quererão tudo, até a ti.

RUMI
     Sei me cuidar, meu amor.

INCA
     És uma sacerdotisa, ....O Disco Solar é o único no mundo, está conosco desde o princípio do Império. Não é apenas uma jóia rara, nem só um símbolo de poder. É tudo o que temos do antigo continente de onde viemos. Ele é de tua guarda na minha ausência.

RUMI
     Cumprirei o que pedes (pausa)

INCA
     Não te esqueças de que sou invencível e poderoso, o mais forte dos homens; receberei estes que vêm pelo norte do país com serenidade.

RUMI
      Voltarás antes que as orquídeas desabrochem na floresta?

INCA
     Não posso...(brincalhão).

Ouve-se à distância sons de flautas e tambores, falas do povo

INCA
     Os carregadores chegaram, o povo rodeia a liteira.

RUMI
     Sinta (coloca as mãos dele sobre o coração), bate como os tambores, chama para que voltes.

O Inca é saudado ao passar pelo meio do povo, distribuindo sua benção. Ao som de tambores e enormes flautas, vai em direção aos carregadores. O Amauta o acompanha.

AMAUTA
     Senhor, apesar de estarmos em Cusco é perigoso se expor, nestas condições.

INCA
     Cusco é muito distante de Cajamarca. Não tenho medo. Não quero levar pânico ao povo. Agirei como sempre no meu Império, arduamente conquistado (olha sorrindo para a multidão).

AMAUTA
     É de seus inimigos internos de que falo.

INCA
     Os mensageiros já seguiram na frente?

AMAUTA
     Já, devem ter chegado. (afastando-se solene) Que o Sol o ilumine!

INCA
     Que o Sol o ilumine!

Afasta-se ao som de enormes trombetas e tambores que tocam furiosamente.


TEMPO DOIS

NARRADOR
     No centro do mundo
     Cusco o coração
     O tempo passa rápido...
     Os mensageiros correm
     Entre as distâncias que separam Rumi e o Inca.

Rumi lê nos quipos4 as últimas notícias, olha displicentemente vários deles, parando num ou outro.

RUMI
     Quantas notícias chegaram finalmente! (pega um quipo) Em meio de tanta confusão, ele consegue ter tempo para me mandar mensagens! Lembrou-se de mim! Ele jogou no chão o quê? (pega no cesto outro quipo) Um livro, Bíblia? (Vendo o Amauta chegar) O que é isso?

AMAUTA (chegando)
     Uma forma nova de comunicação (grave).

RUMI
     Como é?

AMAUTA
     Papel, várias folhas como panos, só que duras e finas. Juntas formam um livro, e nelas aqueles homens fazem estranhos desenhos sem nenhuma arte, bem pequenos. Tem um nome, equivalente aos quipos, chama-se escrita.

RUMI
     Isso comporta mais informação que os quipos?

AMAUTA
     Sim.

RUMI
     Tens coisas a me contar? (brincalhona)

AMAUTA
     Tenho sim.(trazendo mais quipos) Saucam achou acidentalmente Huáskar perto do rio.

RUMI
     O que tem isso de grave?

AMAUTA
     Perto de uma plantação completamente destruída.

RUMI
     Eu sabia, avisei.

AMAUTA
     E..... o Inca Huáskar estava sem vida.

RUMI
     Morto. Como morreu?..

AMAUTA
     É um mistério ainda, meu filho o reconheceu.

RUMI
     Avisaram Atahuallpa?

AMAUTA
     Creio que sim....

RUMI
     Que mais, fale logo.

AMAUTA
     Atahuallpa foi acusado pelos espanhóis de mandar matar Huáskar, seu próprio irmão.

RUMI
     Acusado?

AMAUTA
     É um absurdo total, que será facilmente desmentido. Desconfio que por causa dessa intriga o Inca vai demorar mais do que pensamos.

RUMI
     Não estás querendo me assustar, estás?

AMAUTA
     Jamais o faria, não é meu hábito exagerar em nada.

RUMI
     Não entendo como ele foi acusado, e por quem? Matar não é crime, isto não faz parte de nossas leis.

AMAUTA
     Das nossas leis realmente não, mas das leis deles deve fazer. Falam também em adultério, que ainda não temos informações sobre o que é.

RUMI
     Estamos aonde, na terra deles?

AMAUTA
     Eu também não entendo qual é o Poder que o condena. A verdade é que o Inca está sem poder agir. Creio que por cautela.

RUMI
     O senhor mais poderoso da terra?

Ecos de vozes são ouvidos por toda parte. O negro da noite invade Cusco. Um som de batidas rápidas de pés de mensageiros ouve-se por todos os lados. O coro de bailarinos traz mais Quipos.

AMAUTA
     Senhora, prenderam o Inca.

RUMI
     O que estás dizendo?

AMAUTA
     Prometem libertá-lo em troca de muito ouro.

RUMI
     O que é isto, não fizemos guerra, como prenderam o Inca?

AMAUTA
     Em seu próprio palácio.

RUMI
     Como? Com tantos homens de confiança em sua volta, nada fizeram, que segurança bem treinada é essa!

AMAUTA
     Foram pegos de surpresa.

RUMI
     Que surpresa pode haver para eles, diga-me? Não são treinados para enfrentar a surpresa no ataque?

AMAUTA
     Não houve ataque, usaram de astúcia.

RUMI
     Que ousadia.

AMAUTA
     O povo já está dando o ouro que pedem, tudo.

RUMI
     Isso nunca aconteceu antes?

AMAUTA
     Não há precedentes. Se não pagarmos, matam! Pagando, querem mais! Não podemos atacar, o próprio Inca deu ordens para não atacá-los!

RUMI
     Ingênuo, quanta ingenuidade...

AMAUTA
     Fomos todos, ingênuos, subestimamos a coragem deles.

RUMI
     O seu filho está lá, irá ajudar na negociação?

AMAUTA
     Acho que ele deve estar confuso, chocado também com a morte de Huáskar, Rumi.

RUMI
      Que podemos fazer? Nada, nada? Não sei se podemos confiar na fidelidade das notícias. Teu filho domina a língua o suficiente? Será que consegue compreender mais do que a palavra; a intenção que está atrás dela, a insinuação?

(Os mensageiros colocam montes de quipos. Rumi e o Amauta pegam um ou mais quipos, procurando pelas notícias do Inca)

     Querem mais ouro, não especificam quanto a mais? Nos ofendem, humilham, nos tornam impotentes nos confundem com suas des-informações.

(Os bailarinos mensageiros dançam em desespero para a terra clamando por clemência, sons vindo de fora do palácio invadem o recinto)

RUMI
     O povo dança para Pacha Mama...(olham pela janela)

AMAUTA
     Dançaremos também. (Todos dançam)

RUMI
     Amauta, por precaução, fecharemos todos os túneis que dão acesso a Cuzco. Que o Coração de Cuzco páre de bater! (os tambores silenciam) Enquanto seu senhor o Inca não voltar. Querem ouro, pague, afinal são panelas. (tira as jóias e coloca num cesto de ouro) Leve isso também. Que vão embora logo. Adoram um Deus morto, portanto espalham a morte aonde vão. Acreditam que sofrendo bastante nesta vida na outra terão o paraíso eterno.

AMAUTA
     É uma loucura

RUMI
      Tudo parece inútil, devemos fazer o que estiver ao nosso alcance, para salvá-lo. Prepare 11 mil lhamas: 20 quilos de ouro em cada uma, não mais, senão morrem com o excesso. (sai o Amauta , gritos fora do palácio: "Huiracocha chegou!") Vamos enlouquecê-los com montes de panelas, tantas que não terão como levar.

AMAUTA
     Não é muito ouro? (cauteloso) Esta quantia é mais do já foi dada nas vezes anteriores.

RUMI
     É quase nada quando se tem um Inca nas mãos! (atira panelas e vasos de ouro pela janela)

CORO
CANTO DA SAÍDA DO OURO
(no fundo vozes murmurantes dizem: "ouro, ouro, ouro")

     Lá, em algum ponto ponteado de luzes
     distantes, muitas caixas cheia de jóias
     muito preciosas, de ouro, prata, cobre
     Tiram o que é meu e dos meus.

     Encobrem escondidos
     No infinito do céu estrelado
     visto apenas por quem ficou sozinho
     parado, impotente.

     Tudo levam para lá
     mas nada é suficiente.
     Olhando.

     Vejo tudo partir
     perto bem perto do mar...


TEMPO TRÊS

O Inca, Rumi, Amauta e o Mensageiro, meditam angustiados sobre o momento em que estão vivendo.

O Inca aprisionado no cárcere de seu próprio palácio em Cajamarca

INCA
     Estes homens não são deuses. Mas ordenam como se fossem. Conseguiram prender-me, a mim, um Inca.
      Que farão com a população? Agem como porcos. São como doença, vão e voltam. Ficam enlouquecidos em derreter panelas, roubam batatas e milho. Dizem que ofendi o Deus deles com o adultério. O que é isso? Que pratico ritos diabólicos. O que é isso? Nem o Sol sabe.
     Condenaram-me dizendo que sou bastardo usurpador, que mandei matar meu irmão. Que roubo as rendas do meu estado e que excito o meu povo contra a Espanha! Eu, que os recebi como Deuses. Que ERRO!
     Pizarro ameaça desmoralizar-me física e moralmente. Quer apavorar o povo? Quem ele é?
     Adoram uma divindade crucificada, morta (confidente) contida num L I V R O, mas não sabem ler (com escárnio). Dizem que o livro fala. (Surge um padre e oferece uma Bíblia)
     Não ouvi nada! (joga o livro no chão)
     O Cristo de que falam morreu, o Sol e Lua nunca morrem, além do que, como sabem que foi este deus que criou o mundo?
     Mataram meu irmão Huáscar. Matarão a mim também. Dei ordem para que ninguém os tocasse. Agora estou preso e meus generais não fazem nada.
     Ninguém me desobedece! Maldita ordem, onde estava com a cabeça? Sou vítima de minha própria autoridade!?.

Rumi completamente impotente no palácio em Cusco, sozinha, conserta o colar

RUMI (tentando ser realista)
     Como isso foi acontecer? As ondas do mar não subiram, nem o solo tremeu, os vulcões estão parados, não é o fim.. Ou é?
     O sol não parou de brilhar... Nem as águas do rio secaram porque estou triste... Continuam correndo em direção ao abismo. Só a nossa vida foi que mudou...
     Quem me orientará agora, sei tão pouco... E o pouco que sei serve para quê, neste momento? Foi tão rápido, Será que se não tivéssemos nos intimidado seria diferente?
     Nada mais sou, sinto-me despencar num abismo sem fim.

Amauta no Templo do Sol, diante do Disco Solar, de cócoras consulta as folhas de Coca.

AMAUTA
     É grave! O Oráculo informa: as folhas verdes de coca virarão no futuro pó branco!!! Como? Como? É anestesia. (entendendo) Tira a fome!. A questão é esta então?
     Será que eles têm preguiça de plantar? Deve ser. (joga mais folhas de coca para cima) Tem mais!? (breve pausa) Não se contentarão em anestesiar o corpo: irão anestesiar a alma, e isso irá destruí-los. (intrigado) Como isso irá acontecer? Impossível saber. (Pega um maço de coca entre os dedos, levanta solene, e canta voltado para o altar:)
          Coca kintucha, hoja redonda
          ccansi yachanki, inoqapa vidaita
          punapa ya thanpi, lla vicasqaita....

SAUCAM (fazendo quipos em Cajamarca)
     Que lentidão... Quipos, ainda tenho que mandá-los, pelos túneis, a pé! Depois que conheci o papel, os cavalos, tudo bem rápido, tenho que admitir que são melhores maneiras de se fazer a mesma coisa que faço hoje, facilita a vida.
     O Império do Sol vai acabar de qualquer jeito, casta decadente.
     Os espanhóis conseguiram atravessar o Mar tenebroso, podem mais, sabem mais!. (orgulhoso) São poderosos, infringem suas próprias leis. Isso é que é coragem!!! (esperto) Se podem, posso também!
     Desejo tanto Rumi, todas as mulheres que se parecem com ela me atraem. Quase desgracei a minha vida por isso.(preocupado) Minto e mato por ela.
     Será minha! (humilhado) Não me olha, nem me vê, mas será obrigada a prestar atenção a este tradutor que faz tudo por seu amor.
     (sem controle) Nem que eu tenha que vender a alma aos demônios da montanha ou ao inferno dos cristãos! O que importa? É por amor!


TEMPO QUATRO

No palácio nos aposentos da imperatriz, ricamente adornado com espelhos em placa de fina prata.

AMAUTA
     Com vossa permissão, Rumi...

RUMI
     Fale logo meu amigo, más notícias? Fale rápido que eu não suporto mais isso.

AMAUTA
     É difícil....

RUMI
     O quê pode ser mais difícil do que já está nos acontecendo?

AMAUTA
     É um assunto pessoal...peço a minha demissão.

RUMI
     Motivos pessoais é a sua alegação. Abandonas teu posto neste momento, Amauta?

AMAUTA
     Senhora: é uma questão de honra! Meu filho traiu a todos nós, está servindo os padres. Está cego e louco, estuprando as mulheres. Te prometeram como prêmio a ele.

RUMI
     O quê, a mim ?

AMAUTA
     Sim.

RUMI
     Desgraçado! Ouro, terra, mulher, quer a posse de tudo? Foi ele então que os ajudou, foi ele!!!! Querer-me à força, com que direito?

AMAUTA
     Sem nenhum direito, nenhum.

RUMI
     Teu filho pensa que sou mercadoria, que se ganha num acordo? Sou uma sacerdotisa. Jamais serei seu prêmio de guerra!

AMAUTA
     Meu desgraçado filho (humilhado) disse a eles que o Inca preparava um contragolpe com milhares de homens armados até os dentes.

RUMI
     M E N T I R A. Isso é crime.....crime...(confusa) Meu irmão só saiu de Cusco ontem!

AMAUTA
     Eu sei. O Inca, sob longa e cruel tortura, foi subjugado.

RUMI
     Eu sabia, intui, abusaram da nossa boa vontade, do nosso espanto, do nosso desconhecimento. Não suporto mais esta dor, que dor no meu peito.

AMAUTA
     Batizou-se! (pausa)

RUMI
     Que é isso?

AMAUTA (sem ouvir)
     Agora, marcham sobre Cuzco.

RUMI
     E Atahuallpa, aonde está.?

AMAUTA
     Não fui informado.

RUMI
     Porquê, responda (Amauta descontrola-se e chora) Está doente, ferido, sozinho, iremos buscá-lo? Porquê não me responde? Tens medo de dizer como ele está, de me chocar mais ainda, fala homem, fala. Não me diga que o Inca está morto (intuindo). (Amauta confirma com um aceno de cabeça). Não!!! (grita em desespero)

CORO
     Suportará teu coração Inca
     Nossa errante vida dispersa
     Pelo perigo sem conta cercada,
     Em mãos alheias pisoteada?
     Teus olhos que como flechas de ventura
     feriram, abre-os;
     Tuas magníficas mãos, estende-as;
     E com essa visão fortalecidos, despedimo-nos de ti.

RUMI
      Ladrões, preguiçosos, mentirosos, miseráveis. Mesmo pagando o resgate? Mesmo concordando com tudo, sem resistência. Desgraçados.

AMAUTA
     Sim.

RUMI
     O corpo do Inca, quero ver.

AMAUTA
     Impossível! Depois de torturado, foi morto e decapitado. Dez de seus generais e as suas mulheres se mataram também Sua cabeça foi jogada na floresta. (amargurados, parecem ouvir os gritos de dor e sofrimento) Meu filho, que horror fizeste! São animais, estupraram e mataram milhares de meninas, crianças!

RUMI (chora - refletida nos espelhos ganha impressionante dimensão indignada)
     Mataram o Inca, levaram nossas sementes Estupraram as mulheres. Humilham a nação inteira. Que não tenham descanso nem na terra, nem no céu. Iremos recolher o que restou do Inca.

AMAUTA
     Há mais coisas acontecendo, Rumi: as tribos inimigas aliam-se a eles, milhares de homens, marcham para cá.

RUMI
     Para Cusco?

AMAUTA (pausa, cuidadoso)
     Meu filho enlouqueceu. (raivoso) Mudou de nome, (chorando) Felipilho. Renegou meu sangue. Não é mais um homem, é um T R A I D O R

Rumi chocada, numa espécie de transe de dor e sofrimento, olha em direção ao Templo do Sol, respira fundo. Tirando da alma forças, canta suavemente uma velha canção Incaica, enquanto o Amauta chora.

RUMI
     O disco Solar está brilhando
     Em cima do meu altar
     Reflete o Sol gerando fogo
     Fogo que vem do céu
     Se este povo é fiel que caia fogo
     Fogo que vem do céu

AMAUTA
     Aceitas agora a minha demissão?

RUMI
     Não, confio em ti.

AMAUTA
     (perturbado) Mesmo depois disso tudo?

RUMI
     Tu és um homem, teu filho é outro homem.

AMAUTA (recompondo-se)
     Não tenho mais filho...

RUMI
     Amauta, a nossa sobrevivência pede total atenção se quisermos viver. No futuro, teremos tempo para chorar e lamentar sobre o que nos está acontecendo, mas não agora que o mundo desaba sobre nossas cabeças. O Disco Solar será transferido daqui. Ninguém deve saber para onde ele realmente vai.

AMAUTA
     Espalharemos mil histórias contraditórias.

RUMI
     O Inca perdeu a vida. O povo perdeu o Império. Mas nós não perdemos o nosso sacerdócio. Tivemos um início, um meio e um fim. Em outro lugar, teremos um novo início, um meio e um fim, é a LEI (pausa). Irás também?

AMAUTA
     Disponha da minha vida.

RUMI
     Entraremos pelos túneis, que dão para a floresta. Quem quiser saber para onde fomos, que converse com as pedras! Falarei aos ministros antes de partirmos.

O Amauta sai do palácio, subitamente envelhecido. Rumi o acompanha com o olhar e reflete.

RUMI
     De que adiantou ele intuir que a desgraça iria acontecer? Uma vida inteira dedicada à defesa da nação. Quando o inimigo se criava na sua própria casa, banhado todos os dias pelas lágrimas geradas nas mágoas que causou a sua pobre mãe, não viu os filhos crescerem. É vergonhoso ter que confessar que o maior império do mundo cai hoje por razões pessoais.

CANTO DA TRAIÇÃO
Não há nada na Terra que tenha duração verdadeira
E o Único compromisso que tenho é comigo mesmo
De viver, viver , quem sabe de mim sou eu
Uma vez que coloquei os meus pés a serviço do mar

Minhas mãos recebem o pagamento justo
De um justo acordo, que se ajusta
Aos meus interesses, legítimos e verdadeiros
Pois dão valor só a quem merece.


TEMPO CINCO

Runi olha por segundos no espelho sua imagem refletida. Desvia-se de si mesma. Enfurecida anda de um canto para o outro, quando ouve um barulho estranho, de patas de cavalo. É Saucam, que entra intempestivamente, por uma entrada lateral, vestindo poncho, de barba crescida e cabelos mais curtos, sem trança.

RUMI
     (horrorizada) Como ousas entrar em meus aposentos?

SAUCAM
     Não podes mais me ordenar nada, Rumi. Não sou mais o mensageiro tradutor deste império. Mas membro do exército espanhol, o vencedor! Corri risco de vida, para estar aqui, contigo.

RUMI
      Assim mesmo, não podes entrar.

SAUCAM
     Já entrei. Vamos, enquanto há tempo para te salvar. Calma, vim sozinho e não vou deixar que te mates, calma, calma, meu amor. Como tu és pequena, frágil, teus cabelos são finos, precisas de mim agora...

RUMI
     Queres que eu acredite nisso? Escolhestes teu lado. Que homem és, Filipilho, o vendido?

SAUCAM
     Desprezas e humilhas a mim, que sei ficar do lado certo? Vingaram Huáskar. Justiça de Huiracocha!

RUMI
     Acreditas nisso realmente? Infeliz destino da mulher que te deu a vida, tua infeliz mãe, que amamentou uma víbora, devia tê-lo abortado para que não visses nunca a luz do dia, cortado a tua língua, infeliz!

SAUCAM
     Maldição, isso que eu mereço, eu só obedeci.

RUMI
     Obedeceu à tua ambição, ao desejo de poder. Infiel, usou e abusou do conhecimento da informação, deturpou, manipulou as palavras, o sentido delas. Praticou ofensa grave, infringiu todas as nossas Leis. Que seja jogado do lugar mais alto das montanhas.

SAUCAM
     Não és mais autoridade aqui, percebes?

RUMI
     Que não tenhas para onde fugir até que todos possam cuspir na tua cara, no teu túmulo, na tua memória. Tu e todos os invejosos e traidores devem viver como os cadáveres que produziram, sentir os vermes deles comerem a tua carne, e ver o olhar de desejo do abutre à espera de teu corpo. Vagarás pedindo em todos os tribunais tua condenação, e não serás atendido, nem pelos homens nem por nenhuma divindade, nem do céu nem da terra. Até o dia em que te ajoelhares diante do Disco Solar pedindo perdão. (pega uma faca) Se te aproximares, me mato.

SAUCAM (Ouve-se sons de pessoas chegando
     O Disco Solar não é nada, mais cedo do que você espera iremos derretê-lo, farei brinquedo para os meus filhos dele, e das pedras preciosas, farei um lindo colar para ti, no dia em que te ajoelhares perante mim de quatro. (Empurra Rumi contra a parede.) Me provocastes o tempo inteiro, sei que me desejas. (Empurra outra vez.) Olha o fogo de teu olhar, queima, confessas que me queres. (Puxa a roupa de Rumi, o que deixa à mostra suas pernas, joga-a no chão, abre as suas pernas à força.) Inti o Deus Sol morreu, Rumi és imperatriz de quem? Te chamam de idólatra, pagã, selvagem. (Quando está prestes a estuprá-la, ouve um barulho de alguém se aproximando e o som de um gongo soa forte.)

AMAUTA
     Rumi! Saucam! Não te dei a vida para fazeres isso! (arrancando seu filho de cima de Rumi)

SAUCAM (grita corrigindo)
     Filipilho. Tu não tens nada a ver com a minha vida. (Os dois homens brigam furiosamente)

AMAUTA
     Tenho sim.

SAUCAM
     Não tem!

AMAUTA
     Sou teu Pai, te dei a vida!

SAUCAM
     A vida me destes mas a morte é minha!

Rumi corre, os dois homens lutam desesperadamente. Filipilho esfaqueia seu pai, violentamente. Apavorado, larga a faca. Rumi olha o Amauta que cai esfaqueado, gemendo de dor; diz para o filho parado à sua frente

AMAUTA (se arrastando em sua direção insiste)
     Saucam!

SAUCAM
     Pai!

Grita enlouquecido olhando para Rumi, abaixa-se para o pai, toca em seu ferimento e benze-se com o seu sangue, foge apavorado. Rumi, chorando sem palavras, segura a cabeça do sacerdote, que agoniza, em seu colo.

AMAUTA
     No futuro terás tempo para chorar, salve-se, fique viva, custe o que custar. Suba o grande rio, roube os cavalos deles......

RUMI
     Os cavalos, em Tumes, perto da floresta?

AMAUTA
     Sim, tu e as mulheres do Templo do Sol saberão como....... montá-los.......

RUMI
     Nós?

AMAUTA
     É necessário, pois aqueles ferozes animais, os ca–cho–rros que os acompanham, não atacam cavalos. (Rumi concorda balançando a cabeça.) Procure a cabeça de Atahuallpa. O dia em que a cabeça e o corpo se encontrarem o Império do Sol florescerá novamente. (morre)

(Flautas de bambu tocam selvagemente, pela morte do Amauta.)


TEMPO SEIS

(No Templo banhado pelos últimos raios do Sol, Rumi fala para assembléia de Amautas)

RUMI
     Na ausência do Inca Atahuallpa, cumprindo sua vontade expressa, assumo o Poder perante vós! Amautas Sacerdotes, Sacerdotisas! Ministros, estamos na iminência de sermos expulsos de nossa própria terra.
     No império Inca ninguém morreu de fome frio, sede e nem ficou sem teto.
     Governamos usando apenas três leis: Não Mentir; não Roubar; não ser Preguiçoso.
     Os que infligiram os princípios, são os mesmos que engrossam hoje as fileiras do invasor.
     Temos três alternativas, o suicídio, a fuga para os picos gelados dos Andes ou o auto exílio para a grande floresta.
     Não vou esperá-los chegar para ser estuprada ou pisada pelas patas de seus cavalos e morrer no fio de suas espadas! Tampouco não me matarei, prefiro o exílio na floresta. (Um condor grita lá fora.) Temos que agir rápido. Peço aos Amautas que fiquem, não mais como ministros, mas como ensinadores do uso correto da palavra.. Senhores, sejam os curadores da ignorância.
     A nossa bandeira passa a pertencer à humanidade, como símbolo do direito à convivência pacífica entre os diferentes, humanos, vegetais, minerais e animais. (As bandeiras do Arco Íris são levantadas no meio do povo)
     Ao nosso pai, o Sol, a manifestação visível do Jardineiro do mundo, nas pessoas dos senhores sacerdotes seus representantes, peço licença para seguir um novo caminho!
     Como o grande rio que desembocava no mar inverteu seu curso no dia em que as cordilheiras dos Andes se formaram, mudando sua direção, eu ouso olhar para o futuro.
     Sei que terei forças para achar o corpo do Inca. Levarei o Disco Solar e tudo que é sagrado.
     Cumprindo o nosso dever com o Templo do Sol. Saímos do coração do mundo, vamos para o seu pulmão, a floresta.

(Vai até o altar e apaga o fogo da pira. Enquanto o Disco Solar é retirado dali, sombras de patas de cavalo começam a surgir em todos os lugares).

Rumi bate no chão com o cajado três vezes e as mesmas batidas de coração do início voltam a soar.


TEMPO OITO

NARRADOR (ao mesmo tempo que na tela mostra o filme sobre as Amazonas)

     Os homens vindos de uma civilização baseada na transferência do poder da palavra falada para a palavra escrita, papel feito a partir da algo sagrado, as árvores da floresta, impressionaram-se com as mulheres cavalgando em pêlo, em seus magníficos cavalos.
     Pensando ser o que viam uma aparição das deusas gregas, as guerreiras Amazonas, deram este nome ao rio e à selva virgem onde se encontravam.
     Rumi e o povo Inca saíram do Império visível do Sol e entraram para o "Império do Encantado de Currupira", a Floresta Amazônica.
     O ciclo do Sol recomeçou na floresta. Rumi e as virgens do Sol foram chamadas de Coniupuiara!
     As Grande Senhoras!! As Amazonas!!!.

Surge no vídeo imagens da floresta e do rio Amazonas com as mulheres cavalgando, mixadas com imagens das sete pirâmides da Serra Madre de Deus e cenas do frei Cavajal levando uma flechada da Rumi; os índios seringueiros parando de sangrar a árvore olham, e vêm as mulheres passar a cavalo pela mata a dentro.

FIM


NOTAS

1 — Na língua Quitchua estas palavras eram totalmente desconhecidas, portanto tinham dificuldade de pronunciá-las
2 — Quitchua língua criada pelos Incas, que deu origem ao nome do povo.
3 — Era hábito fazer miniaturas em pedras.
4 — Quipos eram feitos de lãs coloridas e nós.


 

© 2001,2006 Ana Vitória Veira Monteiro
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