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Mauro Gonçalves Rueda

Da Infância Perdida e Outros Poemetos


Da Infância Perdida e Outros Poemetos
Mauro Gonçalves Rueda

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maurorueda5@hotmail.com
maurorueda@uchoanet.com

© 2003 — Mauro Gonçalves Rueda


Índice

Prefácio
Primeira Parte:
Da Infância Perdida.
Segunda Parte:
Outros Poemetos.


DA INFÂNCIA PERDIDA
E OUTROS POEMETOS

(Poesia)

Mauro Gonçalves Rueda
São José do Rio Preto/Barretos, l.995


 

 

Para meus pais e meus irmãos.

Para: Joyce & Maricy

Santo André e, Barretos da minha Infância.

 

 


 

PREFÁCIO

 

Como se fosse fácil, para a infância perdida, encontrar a saída, transformá-la em prefácio. Como se fosse fácil, transformar o fóssil-hermético da alma sem idade, em frases que nos expliquem os sentimentos transformados em rimas. E as rimas, os versos, se não retratam o silêncio, espelham o sangue, filho da solidão. E, creio, tudo não passa de ilusão.

Ainda bem que os ebooks não têm “orelhas” e nem recendem à cola, papel, mofo, ranço e depredação. De forma que, sinceramente, não sei bem o que dizer sobre “A Infância Perdida e Outros Poemetos”. Apenas e tão somente que, por tanto sentir, sonhar, viver, ver e sofrer — sinto que, a vida valeu, vale e valerá sempre. Ainda que, para renascer, seja necessário, baixar à terra, tudo o que mais amamos. Sobretudo, a infância. E da infância, ao que me parece, o que mais fere, são as lembranças.

No entanto, como viver sem elas, recordações? Por isso, se nos versos que escrevo, há o que me parece, uma excessiva pitada de tristeza e melancolia; desesperança e desolação, ora queridos(as) leitores(as), é exatamente “essa pitada”, o que me faz, perscrutar — insone —, as madrugadas. Talvez seja sina. Ou mera ilusão. Uma côdea de excesso da sensibilidade. Fraqueza e até mesmo, falta de vigor diante dos percalços da existência. Contudo, de algo tenho plena convicção: não, não há nada na vida, que nos faça sossegar dentro do peito, o gigante coração.

Se a mente pensa, é porque acredita refazer o que sentido. E, sinceramente, não há muito sentido, o excessivo e acurado refazer o que sentido. Porque na poesia, a razão somente auxilia.

Há muita melancolia. Há uma saudade sem tamanho. E algo que se me retrata estranho: apesar da idade, há um menino sempre batendo asas dentro do peito, da imaginação. Por isso, por esta criança, é que na tristeza, na saudade, na melancolia, ainda preservo a vicejar, a infância perdida. Mas que havia. Que passou, (e embora pareça morta), vive em meu peito a brincar. Para conhecer o homem e o menino, melhor mesmo é ler. E ler para — ainda que por mera curiosidade —, conhecer, sempre vale a pena. É o mesmo que sonhar, colher estrelas com as mãos e criar asas para voar.

A infância? Bem, quem não a teve e ao se recordar, sente desejo de caminhar em sentido contrário e à ela tornar? Quem sabe para resgatar um pouco, quase nada, daqueles sonhos e esperanças que, hoje sim, nos parecem muito mais, contos de fadas?

Acho que é isso. Ninguém melhor e apto para discorrer sobre a obra, que o próprio autor. Mas o autor, ora, o autor é o descartável e terrível suspeito em tudo o que produz. Portanto, sua opinião é o mesmo que emprestar sentido ao que não carece empréstimo algum. Sobretudo o de sentido para o que nem há. No mais, cada leitor(a), é quem possui, na realidade, a verdadeira capacidade de criar, inventar, sonhar e, ultrapassar todos os limites que nos prendem ao mundo com sua realidade nua, crua e excessivamente devastadora, chocante e desesperançada.

E é isso, exatamente isso, o que não cabe aqui. E apesar do toque melancólico desta cantilena, há muita luz e brilho em cada verso — alado ou não. Basta ler tendo aberta a frincha, por onde a criança espia — mesmo depois de idosa —, a sua própria infância. Faça isto. Vale a pena. Mesmo porque, quem lê poesia, de uma forma ou de outra, não deixa de ser poeta também. E os poetas, bem, são somente crianças crescidas. Anjos a espera... Sem jamais perder a esperança e resgatar as fantasias em um mundo que, viver sem elas, é morrer um pouco à cada dia.

Mauro Rueda.


 

Primeira Parte:
DA INFÂNCIA PERDIDA

 


 

1

 

A infância.....
Ah!, a infância perdida!
Hoje é tudo,
tudo o que me resta
nesta vida!.


 

2

 

Quando queria escrever,
trancava-me em meu escritório.
Dócil, sorrindo, ela vinha.
Batia na porta e sussurrava:
— Pa..pai!.
Assim, fiz-me poeta.
E, jamais voltei a escrever
uma frase, um verso sequer.


 

3

 

Meu pai, alimentava os porcos.
Minha mãe, no batedouro.
E eu,..eu jamais poderia imaginar
que, aquele sonho, um dia,
(já adulto)
me fizesse chorar!.


 

4

 

Meus irmãos
abarrotavam a casa
na inocência da algazarra.
Éramos em oito e,
não sabíamos que,
a mãe e o pai
valiam por mais de mil!.


 

5

 

Quando meu avô morreu,
era madrugada de natal.
Então, descobri que,
Papai Noel,
jamais voltaria
a brincar em meus sonhos.


 

6

 

Quando o crepúsculo surgia
modorrento, interiorano,
meu coração passarinho
e meu pensamento cigano
traziam-me uma melancolia
e uma saudade do que não vivi....
Então, de repente,
nem alegre, nem contente,
eu voltava a ser gente:
e me punha a sonhar!.


 

7

 

Pelos trilhos de terra,
cercado pelo mato rasteiro,
durante a minha infância
— a voar em pensamentos —,
conheci o mundo inteiro!


 

8

 

Quantas varandas!
Terrenos baldios e quintais!
São memórias da infância distante,
perdida no tempo;
são retalhos de sonhos,
costurando os meus “ais”!.


 

9

 

O cachorro vira-latas
pelo quintal estirado...
A cadeira de palhinha,
o olhar equidistante...
Parece que foi ontem!
Parece...
Mas, bem sei:
foi num tempo inexistente
em que a paz inda era Lei!.


 

10

 

A solidão do homem já feito
dói, dilacera, amarga no peito.
A solidão do menino, não!.
Povoada por sonhos, fantasias,
nem parecia ser solidão!.


 

11

 

Quando se envelhece
a vida parece
transformar-se num passarinho.
Bate as asas e,
se nos foge de mansinho!.


 

12

 

Às vezes, a gente pensa na vida
com uma saudade danada!.
È feito quem sabe perdê-la.
É feito quem chega
ao fim da estrada!.


 

13

 

O sonho do menino
franzino, alado...
Hoje traz os pés no chão.
Passarinho engaiolado!.


 

14

 

Sei que jamais
voltarei a ser eu mesmo.
É que, de tanto sonhar,
fui me perder por aí
para, nunca mais voltar!.


 

15

 

A correr pelo mato
(na infância)
sentia-me leve, solto...
Hoje adulto, na cidade,
sinto-me um pobre,
doentio homem morto.


 

16

 

As primeiras palavras
brotam feito asas!.
E, restam por toda a vida
(bailando nos corações dos pais),
pairando pela casa.


 

17

 

Abandonado, o menino
vivia sempre
—eternamente—,
contente e sorrindo!.


 

18

 

Aos 39 anos
ainda vivo de sonhar.
É que a criança
no adulto,
vem estar.


 

19

 

Na solitude silente
da madrugada,
observo as estrelas.
Criança curiosa.
Mais nada.


 

20

 

Minha esposa, minha filha...
O que mais resta
(exceto a infância perdida),
em tudo o que me resta de vida?!.


 

21

 

A rua, a lua,
a casa, o jardim...
Afinal, o que restou
do que eu pensei
jamais fosse ter fim?!.


 

22

 

Do rio da minha infância
—que secou, morreu —,
restou-me a lembrança.
Eis tudo o que há de meu!.


 

23

 

A minha existência
é feito uma velha estrada.
Velha estrada abandonada,
que vai sem ter rumo e,
por isso, me leva à nada!.


 

24

 

Vivo por viver!...
Todo o tempo
desta vida,
sem vontade:
a me esconder!.


 

25

 

Quanto tempo ainda falta
para que possamos viver em paz
sobre a face da Terra?.
Talvez, jamais eu fique sabendo.
Esqueçam o que eu disse:
todo poeta erra!.


 

26

 

Trago em mim
a fantasia dos loucos.
Há muito perdi a razão.
Há muito vivo só de ilusão.
Há muito que morro aos poucos.


 

27

 

Quero morrer em paz!.
Como quem houvera
vivido, jamais!.


 

28

 

Agora “encho a cara”
todos os dias.
Talvez seja esta vida,
tão fria.
Tão nada.
Vazia!.


 

29

 

Hoje, adulto,
já não desejo a fama.
Desejo sim,
o silêncio dos esquecidos.
E, sobretudo,
a paz dos que partiram
e agora, encontram-se perdidos.


 

30

 

Aqui jaz o menino
sob o mato do quintal.
A casa de fazenda
faz sombra
sobre sua pobre infância.
E derrama lágrimas
quando a chuva cai.


 

31

 

O menino cresceu,
perdeu a infância,
a inocência, o juizo...
Na cidade grande,
entre impressos de jornais,
política e viola,
o homem chora.
Chora o homem
o que hoje é nunca mais.


 

32

 

Tanta filosofia!
Política e livros!
Quanta gente conhecida!
De tudo o que juntei na vida,
o que mais guardo e dói
é a infância já perdida!.


 

33

 

Ah!, saudade danada!
Quão imensa solidão!
Tens a ponta afiada,
fincada em meu coração!.


 

34

 

Nas madrugadas,
insone, o menino
desperta e sorrindo,
põe-se, as estrelas,
a mirar.
O menino,
como quem
já partindo!.


 

35

 

Não!.
Não são eternas as primaveras.
E, à cada primavera perdida,
com ela,
perdemos um pouco da vida!.


 

36

 

Somente sou o que sou
porque trago no homem
— qual o sol que, vai e volta —,
a infância que já passou!.


 

37

 

Desperto com uma saudade
danada.
De tudo e
que era tão nada....
Mas sei,
sei que a criança,
ainda guarda!.


 

38

 

Em dias assim,
de tristeza e melancolia,
sinto minh’alma vazia.
Em dias assim,
sinto-me
uma noite sem fim....


 

39

 

Computadores, controle remoto,
antenas parabólicas, NASA,
foguetes espaciais, ilusão...
Quanta coisa eu não conhecia!.
Hoje, hoje aprendi tanto.
Por isso, trago minh’alma fria!.


 

40

 

Sinto-me vazio, frio...
Qual fora o menino morto,
com seu sorriso roto,
acenando na distância.
A memória desperta
e, por uma porta entreaberta,
a criança acena-me com a mão.
Parece-me que, trago de Eras,
um punhal cravado
no coração.


 

4l

 

Amanheço com o orvalho
e beijo as pedras frias...
Minha alma parece um deserto.
A lembrança, uma lâmina afiada.
E a vida correndo estradas,
tão distante, tão perto,
quanto a estrela na madrugada.


 

42

 

Sei: hoje tenho-me por morto.
Morto, ainda sorrio.
Mas sei,
o sorriso vazio,
traduz-se em adeus...
Um adeus que retrata
o nunca mais.
Algo perdido que
a vida, esquecida,
deixou em algum tempo
que não voltará jamais.


 

43

 

Passaram-se os anos.
A boiada também passou.
Passou o tempo.
Passou a infância.
Morreu a esperança.
A vida?
Ora, passou também!.
E o que restou?
Eu!.
Eu: esse pobre ninguém!.


 

44

 

Às vezes sonho.
E, no sonho,
piso o pó do sertão.
Ah, como a lembrança dói!.
Fere fundo...fundo,
o coração!.


 

45

 

Ah!, ter-se que morrer aos poucos!
A cada cabelo branco,
uma ilusão já vencida.
A cada ilusão perdida,
perde-se um pouco da vida!.


 

46

 

Morrer não é quedar-se sob a terra.
Mas sim,
saber-se morta
a alma que não se enterra!.


 

47

 

O menino..
Ah, o menino hoje é pai!.
Contudo, o menino insiste
e, deveras, sabe:
já não é mais menino.
Hoje é muito mais!.


 

48

 

Os loucos...
Os loucos são crianças.
Vivem de sonhos, ilusões!
São mendigos da infância;
são acordes de canções!.


 

49

 

Lampejos de saudade,
da infância — pés–no-chão!
Minha saudade é tamanha:
nem cabe no coração!.


 

50

 

A solidão de um garoto
ajoelhado e já morto,
veio comigo habitar.
Sou eu! Eu mesmo!
Como posso evitar?.


 

51

 

Minh’alma tornou-se triste:
pobrezinha, fez-se adulta, adoeceu!
Às vezes, o vazio é tão profundo,
tão imenso,
que até penso, que
o menino que guardei,
saiu mundo afora e
e, jamais tornou...
Morreu!
Pobre menino!
O menino sou eu!.


 

52

 

Mamãe, vovô, vovó, papai..
Amigos da infância,
meus queridos irmãos!
Ah!, quantos ais!.
Que saudade estrangulada.
A alma vazia e
ao mesmo tempo, abarrotada!
Tudo em meu ser fenece.
Dói, dói e, ..mais nada!.


 

53

 

Dói a dor
de nada ser.
Quanto mais se luta,
quanto mais se quer viver,
nós, crianças,
aprendemos mais cedo,
a sofrer e a morrer!.


 

54

 

Coração passarinho,
diga-me:
és menina ou menino?.
O que importa
se, dentro do peito,
sempre aberta,
manterei esta porta?!.


 

55

 

Nada e nem mais triste
que, o olhar-se para trás
sabendo-se perder a infância
que fica e, não volta mais.


 

56

 

Pelos campos adentro
um menino sozinho,
vaga a sonhar.
E lembro-me da infância
e que também, fui criança.
Como se houvesse sido
por um momento.
Hoje, hoje sou esquecimento.


 

57

 

Nas rimas
que nunca fiz,
sorria a brincar
um menino
contente, feliz!.


 

58

 

Sei que um dia
eu também já fui menino.
Estava a nadar no rio,
veio uma sucuri e,
não me recordo de mais nada.
Creio que ela me engoliu.


 

59

 

Cada sonho perdido
pela estrada do viver,
é morrer-se aos poucos.
E, ainda que morto,
ter-se tanto que sofrer.


 

60

 

Envelhecemos pela vida.
E a cada chaga sangrada,
jamais cicatriza a ferida.
Por isso, abandonamos pelo caminho,
uma criança triste, ajoelhada.


 

61

 

Triste melancolia
é carregar-se na lembrança
o espectro de uma infância
e a fachada de uma casa vazia.
A alma apequena-se
e, aos poucos,
torna-se fria!.


 

62

 

Tudo passa, bem sei.
Mas, como conformar-me
com a infância perdida?
A infância...
Hoje são resquícios
de lembranças!
São espinhos pela estrada.
E no peito, cravada,
esta mortal e pontiaguda
lança!.


 

63

 

Noites de São João..
Da fogueira, restam cinzas.
Lá no alto, apagando-se,
do menino a infância.
Já tocando as estrelas,
miudinho balão...
Que distância!.


 

64

 

Corte de faca.
De faca e facão.
Cortai o meu peito, abri..,
arrancai o coração.
Picai-o todinho,
atirai-o aos cães!
Para que o menino,
não sinta mais nada.
E, de vez,
transforme-se em passarinho
abandonado pelas estradas!.


 

65

 

Cada estrela
lá no alto a cintilar,
é uma saudade.
Lembrança da infância
que não consigo apagar.


 

66

 

Melancolia, JesusCristinho!...:
é feito o desespero
de um pobre passarinho.
Desses que
— alguém, por maldade —,
foi destruir o seu ninho!.


 

67

 

A porteira
do meu coração
fica batendo.
Batendo sem parar.
Quisera fosse o vento!
Mas, sei não!..
é somente um jeito,
num jeito triste
de sonhar!.


 

68

 

Por onde anda a alegria
que um dia sonhei ter?
Na infância já perdida?
No sorriso da minha filha?
Ou alegria não existe?
E é somente, desta vida,
um sonhar, nunca viver?!.


 

69

 

O luar do meu sertão
clareia as matas verdes:
é somente da infância,
este resto de lembrança
que trago no coração!.


 

70

 

Não morri afogado:
atravessei o rio à nado!.
Era ainda, criança.
Hoje, adulto, o que me faz morrer,
são as águas dos meus olhos
só porque fui te perder!.


 

71

 

No branco linho da mesa,
o sangue coagulado.
É o sangue da nossa infância,
meus irmãos, minhas irmãs.
A infância...Que ironia!
Fugiu-nos por uma fresta
deixando o linho manchado
e a farta mesa vazia!.


 

72

 

Quem me dera
ser poeta de campos
e searas!
Poeta lá de Barretos:
das barrancas de um rio...
Poeta lá da fazenda,
do umbuzeiro e do estradão..
Mas, eis que de poeta,
trago da remota infância,
essa dor no coração.


 

73

 

Tortuosa estrada boiadeira:
tão tortuoso é teu leito,
quanto o destino do menino.
Quanto a minha vida inteira!.


 

74

 

Essa bola de meia
remendada e feia,
já me deu muita alegria.
Hoje, quieta num canto,
representa o abandono
da criança envelhecida.
Assim somos nós.
Assim é a vida!.


 

75

 

Deus me fez poeta.
Talvez, sem expressão.
Compondo versos mancos,
sem nenhuma inspiração.
Mas sei que, por linhas tortas,
também remenda-se o destino.
De tudo, Deus, que desatino,
porquê arrancaste de meu peito
a infância do menino franzino?!.


 

76

 

Que melancolia!
No crepúsculo a cismar,
volto a ser criança,
nalgum tempo, nalgum lugar.
E quando o sol se deita
lá nos braços do poente,
sei que foi tudo um sonho.
Desses: que sonha toda a gente!.


 

77

 

È uma tristeza mansa.
Dessas que nunca se cansam,
de a gente fustigar.
Senhor!, dai-me um descanso.
Arranca do meu coração,
os fantasmas da infância
que, arrastam suas correntes,
dentro em mim,
nalgum porão da lembrança.


 

78

 

Eis que, de repente,
dispara a boiada
pelo velho estradão.
Toca-se o berrante:
— Eia boi! Eia!.
A boiada atravessa o tempo,
rompe, febril, o espaço...
E somente acalma-se,
nessa estrada magoada,
que é meu pobre coração.


 

79

 

Fruto estranho o jatobá!
Dos meninos, no céu da boca,
grudava a importunar.
Em mim, o estranho fruto,
nas lembranças, ainda que luto,
morto, roto, jamais visto,
no coração, veio restar.


 

80

 

Cheiro de mato,
de terra molhada...
Quando perde-se a infância,
não nos resta mais nada.


 

8l

 

Cadeira de palhinha
na varanda.
Jabuticabas pelo chão;
galinhas no quintal,
a rede, o cachorro,
o canário cantador...
Deus!, o que foi feito da vida?
Da vida de pés descalços,
do tempo que já passou?
Do tempo de fantasias,
de tudo o que já morreu
mas, teima em nos assombrar?!


 

82

 

Cavalinho de madeira,
doido pela invernada...
Eia!, eia! Cavalinho!,
que a distância é danada.
A nos separar da infância,
esquecida, abandonada!.


 

83

 

Passa o tempo
ligeirinho,
pela estrada
do viver.
Leva a infância,
os amigos.
Leva até
meu bem querer!
Só não leva
essa saudade,
e este jeito
de sofrer!.


 

84

 

Que saudade
sinto hoje,
de um tempo
que já ido...
Tempo de sonho
e fantasia..
Tempo de criança
e magia..
Tempo que,
um dia,
vi passar.
E hoje sei..,
sei que
não vai mais voltar!.


 

85

 

Vida, vida!,
porquê nos rouba
a infância?
E o destino
e o tempo,
nos fazem crescer,
envelhecer...
Nos fazem sofrer,
lembrar, chorar e
a gente vive..
Vive por viver!
E a gente vive,
vive, a recordar!.


 

86

 

Menino andarilho
pelo mato já vaguei...
as estradas
tão desertas,
de um tempo
em que fui rei.
Gravatá, gabiroba,
azedinha, macaúba,...
De repente, numa estrada,
sem perceber,
fiz uma curva:
acabou-se a infância!,
acabou-se a fantasia!
Homem feito,
dói no peito,
o menino que perdi.


 

87

 

O terreiro
da Casa Grande,
era tão belo,
tão lindo!
E eu crescendo,
crescendo...
E tudo diminuindo:
a casa, o terreiro,
a alegria de viver.
Deus!, restou-me
Essa saudade!.
Maior, que meu coração.
Maior que o meu sofrer!.


 

88

 

Noite de São João,
à volta da fogueira,
meus pais, avós, irmãos,
brincavam a noite inteira.
Noite de São João...
...hoje queima a fogueira
da saudade..
..dentro do meu coração!.


 

89

 

Tempo ingrato!
Feito um bandido,
roubaste-me
além da infância,
os meus entes
mais queridos!.


 

90

 

Bicho estranho!
Bicho do mato.
Pisando a terra,
nunca sapatos.
Não sei se desleixo,
não sei se pobreza...
Mas os pés
e a terra,
sempre a mesma
pureza!.


 

91

 

Quisera ter asas,
ser passarinho..
arribando pro céu,
pairando mansinho.
Mas, qual o quê?!
Era somente criança,
aprendendo a viver.


 

92

 

Ser criança...
Que ilusão!
A gente,
aprende um dia,
dura pouco
a fantasia.
E nos resta
uma ferida,
para sempre
sangrando
de tanta ilusão.
Assim, bem dentro,
no fundo do coração.


 

93

 

Sucuri engoliu boi,
os chifres restaram fora.
Nós, meninos abusados,
no alto do pé de amora.
Cobra d’água: bicho bobo,
se pegava no anzol.
Jibóia, laço de corda,
amarrava ali, ao sol.
Urutu e cascavel,
nem de longe se bulia..
“Papa vento”, se borrava,
sete léguas se corria.
Medo de “papa vento”,
pior que bicho papão.
“Papa vento” só desgruda,
quando o céu manda trovão!.


 

94

 

O morto já bem “morrido”.
E nós ali, mirando os pés:
—Beija que leva o medo.
—Beijar?. Qual o quê?!.
—Morreu de tanta cachaça.
—Tinha frieira e bicho-de-pé!.
—Eu, beijar pé de morto?!.
—Morto inchado e com chulé!.


 

95

 

O menino
que ficou lá atrás,
perdido, esquecido?
Não, ele ainda
não morreu!.
Aquele menino
ajoelhado que chora,
aquele menino,
sou eu!.


 

96

 

A criança fez-se adulta.
O adulto, em poeta.
Hoje lapida palavras
como quem, com a pá,
cava a terra, ara e lavra...
Quem sabe, um dia,
a colheita do trigo, do pão?!.
A criança plantou na terra,
o seu pobre coração.


 

97

 

A filhinha que hoje tenho,
lembra-me a infância que passou.
Estrelinha que caiu do céu,
e um dia, em meu coração, pousou.
O tempo levou-me a infância
e emprestou-me um tesouro pra sonhar.
Estrela, minha filhinha,
jamais deixes de brilhar!.


 

98

 

A vida, às vezes,
se nos retrata tão fria que,
magoados nos encolhemos,
qual frágeis bichinhos
sem mais ter porque viver.
Sem mais ter porque sonhar,
esperando tudo findar!.


 

99

 

Quisera poder sorrir
e ser feliz outra vez.
Mas como poder sonhar,
na alegria capenga do viver?
Se hoje sou folha morta
e sendo, o que não posso ser?!.


 

100

 

Um versinho manco,
acabrunhado, triste,
sozinho...
Um versinho
pra te contar
que, em meu peito,
vive a chorar,
uma criança só,
sem carinho!.


 

Segunda Parte:
OUTROS POEMETOS

 


 

1

 

A lua vinha lavar louças,
no lago lívido
em seu olhar marejado.
Sonhávamos em ser
felizes e sorrir..
A ilusão é uma canção
cansada de tanto esperar.
Agora, o que vou te contar?
Como vou te dizer
sobre a esperança,
a felicidade, a cidade,
a sorte, a vida, a solidão?
Ando sorrindo cabisbaixo,
acanhado, sem jeito..
Dói-me o peito,
porque já não tenho
o que sonhar.
A nossa felicidade
é uma velha cidade,
pacata, abandonada..
Ponta de faca afiada,
cravada fundo
num peito moribundo,
num olhar vagamundo,
que vive a mirar:
a lua que vinha
lavar louças
no lago lívido
em seu
olhar!.


 

2

 

Minhas mãos
lavram a terra
onde se encerra
o ciclo do meu sonhar.
Lavram a terra
sem sementes
para plantar.
Minhas mãos
são ferramentas:
amassam a massa
escassa,
sonham o pão.
Oh ilusão!,
Meu coração
é um rio já seco.
E lá vou eu
para(a vida),
o beco.
O corpo
no chão
estirado.
Minhas mãos
estendidas na lida,
retratam a ferida,
esmola do viver.
Oh agonia!
Meu viver
é somente
uma alma fria!.


 

3

 

A pá pesa.
Pesa a pá.
Terra sobre
rasa cova.
Nada muda.
Nada inova.
Tudo, tudo,
uma só cova.
No fim da estrada,
no fim da busca,
no fim da lida,
tudo se finda.
Nada muda,
nada inova.
Tudo, tudo,
uma só cova.
Eis a prova
da vida-cova.
Terra sobre
madeira:
este caixão
de terceira.
Nada muda,
nada inova.
Tudo, tudo,
uma só cova.
Eis a prova.
Tudo, sempre,
eternamente,
o mesmo.
Ainda que,
a gente
insista.
Ainda que,
a gente
resista!.


 

4

 

Medo do medo
do medo do medo
de sentir medo.
Psiu!
Não contem
para ninguém:
isso é segredo!.


 

5

 

A rosa rubra:
úbere
do beija-flor.
A rosa,
naturalmente,
um gesto de amor.


 

6

 

Água
asa
água
asa
rasa
água
asa
do pensamento.
Água
dos olhos:
meus
olhos.
Água:
rasa
sepultura,
sentimentos!.


 

7

 

O sorriso
limpidamente lindo.
Boca
entreaberta
entredentes.
Nada a ver.
Tijolo
na boca:
cacos
sangrando!.


 

8

 

Fumaça
baça..
O tempo passa.
No baseado,
a ilusão
do eterno
viajar....


 

9

 

O dedo
na ferida,
dói, sangra..
É feito
estar-se
morto,
a fitar,
absorto,
este resto
de vida!.


 

10

 

A aurora
adentrou-me a boca.
Louca,
trouxe-me
a primavera.
Um rouxinol
cantava.
Meu coração,
no peito,
sangrava.
Tudo não passou
de um sonho.
Quimera!.


 

11

 

Alucinação!
As chagas do Senhor
agora sangram
em meu coração.
Loucura?
O que importa?!
Se hoje sei:
minha vida foi,
é e será,
—eternamente—,
uma sombra morta,
atrás da porta!.


 

12

 

O tempo passa,
a vida torna-se
sem graça.
Às vezes,
o que nos salva,
desse tédio abissal,
são algumas cervejas
e as lembranças
do que não fizemos.
Como quem, patético,
esforça-se
Para ser normal!.


 

13

 

Quisera ser contente!
Assim, simples,
feito essa gente.
Que come, dorme,
não vive, morre
e consente!.


 

14

 

Sonhava ser normal
feito os homens
desse tempo.
Contudo,
não consigo!.
Serei eternamente
um estranho.
Vivo abarrotado
de sentimentos!.


 

15

 

Desespero,
melancolia,
lassidão...
Como a vida
torna-se vazia
quando enterramos
o coração!.


 

16

 

Mastigava
cacos de vidro.
Se você vir
no lixo,
na sarjeta,
o meu olhar
ou meu cigarro...
Não pense
ser absurdo.
Posso ser,
fazer
o que desejar.
Ainda que não seja,
ou proclame ser,
o dono do mundo:
feito um megaestar!.


 

17

 

Fosse cantor,
cantaria nosso amor.
Ator-mentado,
sou poeta desesperado.
Sem inspiração,
veia poética
ou tesão,
ridicularizo
a métrica.
O futurismo
é uma porra
escorrendo-me
por entre os dedos
da mão,
Mulher!.


 

18

 

Deixa-me em paz
que, dou-te um beijo
no coração.
O silêncio,
é o frontispício
da mais
louca canção!.


 

19

 

Tudo finda assim:
a casa ruindo,
você dormindo,
Eu emputecido.
De qualquer forma,
sempre salvamos
a indiferença
e os gemidos!.


 

20

 

Tudo igual:
a casa, o muro,
a cerveja, o cigarro,
a rua, o palhaço...
Tudo igual!
Você me observa.
Eu disfarço.
Juro.
vou ser normal.
Juro.
vou ser igual.
Todavia, previno,
alerto, digo:
morro cedo,
lambendo
meu próprio umbigo.


 

21

 

Poemeto casmurro!
Pensas que sou burro?


 

22

 

Roendo
as unhas da madrugada,
insone, penso que penso.
Contudo, vazio,
passo a noite,
sem pensar
absolutamente
nada!.


 

23

 

Queria tanto
ser poeta!
Qual!, não passo
de um fingido.
Engano-me
todo o tempo,
fingindo
o que
hei sentido!.


 

24

 

Beijei a louca.
Ela, tarada,
abriu a boca e
do que eu era,
fora dela,
não restou nada!.


 

25

 

A minha vida
é toda atrapalhada.
Procuro-a
durante o dia.
Mas,
somente a encontro
na madrugada!.


 

26

 

Poeta maluco,
vi um disco voador.
Não sei se era
noite ou dia..
Realidade ou fantasia...
Mas lembro-me bem:
de dentro dele,
qual dócil flor,
vi acenando-me
com um largo sorriso,
o meu inesquecível
e fodido
amor!.


 

27

 

A moça sorria
e eu chorava.
—Dá pra mim,
meu bem. Dá!.
Recatada a moça
sorria.
Dar que era bom,
não dava!.


 

28

 

Agora que estou louco
por inteiro
(da cabeça aos pés),
já não importa
o que digam.
Às vezes,
distraído,
pego-me a falar
pelo umbigo.


 

29

 

Canta galo, canta!
A madrugada esvai-se,
o dia já se levanta.
Eu fumo feito um cavalo.
(Aliás, o primeiro cavalo que já vi fumando).
No mais,
afora a vida agora,
o resto vá se danar!.


 

30

 

A minha poesia
é feito a madrugada:
vazia,
silenciosa
e
mais nada!.


 

31

 

Poesia mesmo
é na madrugada.
Já embriagado,
a gente mijando num poste,
enquanto assobia um fado.
O céu forrado de estrelas
e o sapato
todo molhado.


 

32

 

A melancolia
é uma coisa fria.
Às vezes se me parece
uma alma trancafiada
no escuro
de algum porão.


 

33

 

Amanheceu!
Eu, pelo avesso,
pensava ser o início,
o começo...
Qual o quê?!.
era somente
o fim.


 

34

 

Porque hoje é sábado
e eu, aparvalhado, ria.
Ria!, gargalhava!
Com a cara cheia
e a vida vazia.
Ria!.


 

35

 

Ela me amava
feito um passarinho.
Um passarinho,
em sua agonia,
em sua prisão.
Um dia,
abri portas e janelas.
Ela,
abriu as asas e voou.
Foi para sempre.
Nunca mais
tornou..


 

36

 

Trago em meu ser guardados,
fragmentos de um tempo
inexistente.
Um tempo
em que fui feliz.
Um tempo
um tempo em que fui
contente.


 

37

 

Nada mais importa
se se tranca a boca,
se se abre a porta...
Sabendo-se,
atrás dela,
a própria sombra morta.


 

38

 

Nalgum tempo ido, perdido,
e que nunca vai voltar,
sei que existe uma criança:
rota, triste e bela.
Ajoelhada a rezar.


 

39

 

O que importa-me agora,
se o que fui, já não sou?.
Se o que sou, já não sei.
Parte, morre aos poucos.
Como quem vai embora:
esse que, permanece,
é aquele que,
sonha, chora e esquece!.


 

40

 

Para que tanta ilusão se,
o que nos restam
são chagas no coração?!.


 

41

 

Envelhecemos demais
tentando encontrar
á nossa frente,
o que esquecemos
lá atrás.


 

42

 

Hoje tudo é melancolia.
Mesmo quando pego-me
contente.
Ai, que alegria vazia!.
Hoje tudo é melancolia.


 

43

 

Quando não se ama — mais,
o coração seca no peito
e a gente vive sem paz.


 

44

 

Sou um homem só.
Sempre.
Ora triste, ora contente.
Por isso,
sou o que sempre
encontra-se,
eternamente ausente.


 

45

 

A minha alegria
anda triste, torta..
Escondida atrás da porta.
Por isso,
não me peças que sorria:
minha alegria é somente
uma casa velha,
vazia,
descontente.


 

46

 

Loucura o que fiz!
Como se bastasse amar
para poder ser feliz!.


 

47

 

Melancolia, meu Deus!
Arranca de minh’alma
essa pedra fria.
Adentra-me o coração
e conta-me que,
o que passou, passou...
Morreu!.


 

48

 

Perdi tanto pela vida,
pela estrada.
Hoje sei:
de tudo o que havia
e pensei fosse meu,
já não resta
mais nada.


 

49

 

Pobre do meu amor!
Tão frágil, tão pouco,
murchou, morreu.
Restou-me o vazio!.
Pobre do meu amor!
Tão frágil feito uma flor
que um dia,
alguém,
do jardim, arrancou!.


 

50

 

Havia tanta alegria
em meu coração!
Era um passarinho.
Desses que batem asas,
vão perder-se no infinito
e voltam mais não.


 

51

 

È quando o dia
desabrocha
que, pego-me a cismar.
Então, penso
em você.
Penso,
contudo,
não sei se foi
porque já te amei,
ou se, desperto,
vivo a sonhar!.


 

52

 

Por uma fresta
da janela,
observo o telhado
ao lado.
Parece ter chovido ou,
alguém,
de quem nem me lembro,
por nós, os pequeninos,
parece ter chorado.


 

53

 

A manhã desperta:
boca aberta, feroz, atroz!..
Ai de nós!
Enquanto envelheço,
observo a manhã desperta.
Autos, gentes,
turbilhão, chinfrim...
Ai de nós!
Ai de mim!
Eu que, sem perceber,
vou chegando ao fim!.


 

54

 

Então, veio-me a solidão.
Fria, cravou suas garras em meu coração.
Na frialdade da cidade,
foi que descobri:
o amor nunca fez-se verdade.
O amor, nunca vai existir.


 

55

 

Um dia, a poesia,
feito a infância,
pediu-me licença.
Partiu para nunca mais.
Hoje, não sei se morro de aflição,
ou se, morto,
tento encontrar a paz.


 

56

 

Pensava possuir
as palavras, o amor,
as estrelas, o céu...
Pensava mas, enganei-me.
Tudo o que possuo,
são mentiras, sonhos que,
me restam no papel.


 

57

 

Quisera ser rei..
Mas ando tão cansado!
Bardo sonhador!
Trovador, poeta, operário..
Quisera ser tanto e,
no entanto,
o que tenho sido?
Nada!
Somente este resto de vida,
que, de vida mesmo,
já nem faz sentido!.


 

58

 

A estrela fria
de minha pobre alegria,
apagou-se,
esmoreceu..
A tristeza não.
Esta, cresceu!.
Pelos anos, arrastou-se,
acompanhando-me,
sobreviveu.


 

59

 

Por mais que eu tente,
não consigo ser contente.
Deus!, deve ser esta distância!
Essa saudade
do que jamais vivi e
que me faz todo o tempo,
um eterno ausente!


 

60

 

Nada possuo.
O que posso desejar?
Hoje sei que nesta vida,
alguns nascem para ter.
Outros...
Outros, para sonhar!.


 

61

 

A vida pela poesia.
A poesia pelo pão.
Às vezes penso
que a vida vale a poesia.
Mas a poesia, o que é?
Mero sonho?
Ilusão?!.


 

62

 

Às vezes,
quem jura nos amar
e vem a face nos beijar,
amanhã,
poderá ser o primeiro
a nos trair.
A nos condenar.


 

63

 

Quando o tempo
e as traças,
passam a roer
o coração de um homem,
é que, realmente,
ele descobre:
o valor da existência
e tudo aquilo que ele sentia
mas jamais
soube o significado
e o nome.


 

64

 

Quando no vezo da solidão;
na saudade do não saber do que..
na melancolia fria da madrugada,
descobrimos que a vida
pode ser tudo.
E, às vezes,
pode ser, nada!.


 

65

 

Sinto medo da solidão.
Solidão lacerada pela melancolia
que faz sangrar o tempo,
despertar a saudade infinda,
relembrar o que se passou,
perdeu-se no tempo,
findou.
Sinto medo da solidão.
Essa solidão maior,
muito maior que
meu pobre coração.


 

66

 

Sim!
Sou triste sim.
Feito uma velha estrada
abandonada e sem fim.


 

67

 

Converso com meus mortos
e fantasmas
nessas longas madrugadas..
Quando a última
estrela apaga-se no céu,
estafado,
deito-me para repousar.
Jamais disse à eles,
mas meu coração
tão cansado,
persiste do outro lado.
Pelas searas do além,
nessas tantas madrugadas,
procuro tanto a paz..
..no entanto, é sempre,
sempre o mesmo nada.


 

68

 

Deitado a pensar,
hoje consigo aceitar, que
aqueles a quem mais amamos,
tão cedo acabam
nos deixando.
Talvez seja
para que, jamais,
deixemos de sonhar.
Ou ainda, quem sabe,
jamais deixemos que,
a vida nos roube
o dom sublime,
inato,
de
amar!.


 

69

 

Tomara que, irônico,
eu consiga gargalhar
da minha própria desgraça.
Palhaço enfeitado
em plena praça,
por um momento,
afugente todos os tormentos
da raça.
E o povo, inocente,
também sorria.
E de minhas lágrimas,
(como se fossem falsas)
riam à socapa.
E felizes,
achem graça....


 

70

 

Que a manhã
venha límpida
e o sol, venha desvencilhar-me
dessas trevas..
E, no meio do quarto vazio,
a luz, as flores,
o cântico dos pássaros,
exterminem esse silêncio.
Esse terrível silêncio sombrio!.


 

71

 

Por tanto amar
a vida e seus mistérios,
sei, fadado estou,
a preencher mais cedo
uma cova,
nalgum abandonado cemitério.


 

72

 

As quatro da madrugada
procuro a minha amada.
Escondida em meio
a sentimentos, loucura
e devaneios,
ouço-a gargalhar.
Aperto o comutador,
desligo a lâmpada
e vou me deitar.
Perdida no escuro,
ouço-a chorando baixinho,
aflita, a me chamar!.


 

73

 

Sete mares naveguei.
Vassalo, menestrel e rei,
fui, sou e serei.
Todavia,
uma parte de mim,
perdeu-se.
A outra?
Não sei!.


 

74

 

As palavras
velozes,
violam o tempo,
rompem o espaço
e, guturais,
jorram da boca:
em lamentos
e ais!.


 

75

 

Consentido beijo:
a língua mergulha
boca adentro
oca
abarrotada
de meras palavras
saliva
vírgulas
e desejos inconfessos.
Os dentes deliram.
Essa vida tão louca!.


 

76

 

Quando desperto
adormeço.
Quando adormeço
desperto.
Entre um mundo
e outro,
há um grande
vazio.
Um imenso
deserto.


 

77

 

Ao norte,
um copo de cerveja
e minha louca saudade.
Ao sul..
Para que lado
fica o sul, mesmo?....


 

78

 

A voz
viola o silêncio.
Os mortos
despertam
e caminham
pela casa.
Contudo, sabemos,
quando a madrugada voltar,
descansaremos
no eterno silêncio
de um outro sonho,
em outro lugar.


 

79

 

Lapidava palavras,
febril.
A vida passou,
morreu
e nem viu!.


 

80

 

Britadeiras, serraria,
lixadeiras, correria..
..fustigando a mente.
Meu coração tão cansado
vai assim, molemente,
pelas ruas de terra
que a memória guardou.
Hoje eu sei que...
..que na vida de todo poeta,
sempre haverá
uma pedra.
"No meio do caminho...".


 

81

 

Do menino franzino
restou-me esta sombra diminuta
tentando acompanhar-me com seus passos.
E eu me perco pelo mundo
sem jamais ter para onde ir,
sem nem ter onde chegar!
O mundo dá tantas voltas,
tantas peças nos prega que,
as vezes penso,
que jamais, sai do mesmo lugar.


 

82

 

Era o trem bufando, vindo, passando..
E eu, menino, esperando.
Tantos trens vieram, partiram..
E eu, menino, esperando
um bem que hoje,
hoje sei que
não vem!
Não vem!
Não..


 

83

 

Minha vida melancolia.
O destino?
Ah!, quantas incertezas!
Somei, subtrai :
um olho alegria,
o outro, tristeza!.


 

84

 

Minha tia, médium:
— Hí, Zifio, iluminado.
Muita proteção do Outro lado.
Depois dos trinta,
vai ser muito feliz! —.
Hoje, aos 39,
fico matutando:
tia, como demora para se chegar
depois dos trinta!.


 

85

 

Pensava fosse morrer sozinho.
Sozinho, morro mais não.
Tenho a mulher, uma filha,
um cachorro, uma gata
e uma casa de COHAB
que comprei à prestação.
De quebra, tenho meus discos,
meus livros e o violão.
De forma que,
já não posso queixar-me
dessa inarredável solidão.


 

86

 

A eterna primavera sonhada,
hoje, é somente inverno
no coração
e,
mais nada!.


 

87

 

Quanto mais vou envelhecendo,
definhando, morrendo...
Mais descubro em minh’alma
este carinho:
vicejando, crescendo!.


 

88

 

Nem alegrias, nem tristezas,
desejo ao mundo legar.
Desejo sim, a pureza,
o carinho e a paz
de um poema que sei,
um dia ainda hei de criar!.


 

89

 

Ah!, filhinha querida!...
Sem você nada sou.
Sem você não sou nada.
Talvez, o fim da estrada;
quem sabe, a vida perdida?!.


 

90

 

Sempre fui triste.
Não por opção.
Talvez, por não caber dentro do peito,
o meu pobre coração!?.


 

91

 

Para quê tantas palavras,
se uma somente basta?
Uma palavra bem afiada,
quando já não desejamos
dizer mais nada!.


 

92

 

Aos 39 anos,
meu coração é um velho cigano.
Vaga por aí:
não tem morada certa.
Cada noite de estrelas,
é uma tenda, uma cabana...
Sempre com a porta aberta.


 

93

 

Sonhava com um canteiro
florido de jasmins.
Nele, enterrei meus sonhos,
minha vida, meu coração...
Para que restasse, um pouco..
..muito pouco de mim!.


 

94

 

Para que ser alegre,
ou, quem sabe,
ser triste?
Para quê?
Se nesta vida,
tudo passa.
E o que nos resta,
é esse vazio,
sem graça?!.


 

95

 

Nos braços da madrugada,
encontro a paz desejada.
Nos tornamos amantes.
Sou mais que um sonhador.
No seu colo,
sou um astro errante.


 

96

 

Escrever poesia
é feito arar um pedaço de céu.
A caneta é minha enxada:
quando é tempo de colher,
colho estrelas.
E derramo as sementes
dos meus versos,
em outras, incontáveis madrugadas!.


 

97

 

Quando nasci,
já nasci poeta.
Foi o que segredou-me
um alado querubim.
Poeta das madrugadas,
que nunca,
jamais terão fim.


 

98

 

Enquanto Deus brinca
a trocar estrelas de lugar,
pacientemente espero.
Pequenino, tão nada,
feito num conto de fadas,
espero a minha vez chegar.


 

99

 

Corda de aço
de viola, afinada..
Cada nota é um gemido,
de saudade da infância que,
partiu sem dizer nada!.


 

100

 

Poeta triste!
Mais triste que o menino só.
Hoje sei todos os meus sonhos
pelas estradas
desfeitos
em pó.


 

101

 

Meu poema
é tão triste!
É assim,
feito uma coisa,
que parece que nem existe!.


 

102

 

Os galos cantam,
amanhece o lá fora..
Porquê deixaste, Senhor,
minh’alma encontrar-se
com a aurora?
Restou-me o corpo vazio,
e o olhar perdido
que chora...


 

103

 

Vida, minha vida!
Por quê te foste tão cedo?
Quem de mim a roubou?
Por onde andas perdida?
Vida,
minha vida!.


 

104

 

Tão pobre tenho sido,
que, às vezes, sinto medo.
Medo da vida lá fora.
Medo de que em meu peito,
a vergonha, um dia herdada,
não mais guarde este segredo.


 

105

 

Às vezes entristecido.
Por outras, humilhado.
Por quê me destes asas, Senhor,
se, mesmo que em sonhos,
tenho que esconder-me do mundo,
feito um pássaro engaiolado?!.


 

106

 

Arranca-me da boca
esta palavra louca!
Assim, quem sabe,
um dia,
eu não mais tenha que sofrer?!.
E, minha boca calada,
mais nada tenha a dizer.


 

107

 

Anoitece em meu peito
este poema sem cor.
É somente da vida,
mais um pouquinho da dor!.


 

108

 

Quando daqui eu me for,
lembra-te, minha filha,
o quanto eu te amei.
E mais, tanto que sofri
por não poder ser, nem te dar
o que, em sonhos,
guardei!.


 

109

 

Alegria dissimulada...
Deus!, sou um pobre sonhador!
Para quê sonhar se,
após a alegria,
findo o sonho,
vem me atormentar
indescritível dor?!


 

110

 

Sonho!.
Já não posso mais cantar.
Se não sonho,
hei de morrer
entre versos
e estrelas,
onde possa
te encontrar!.


 

111

 

No beco escuro
um vulto move-se, lentamente.
De repente, iridescente,
percebo não ser
um pobre mendigo.
Mas sim,
um anjo sorridente.


 

112

 

Dócil feito um passarinho
o poema aninha-se
em meu coração sonhador.
Meu coração?
É um velhinho que, o tempo,
ensinou o que é o amor!.


 

113

 

O carinho
tece suas tranças
no vento
a bailar.
Essa ternura
antiga...
Esse sorriso
meigo!..
Já não consigo
deixar de te amar!.


 

114

 

Meu coração
nada tem à ver
com a anatomia.
Meu coração
é um simples poema que,
às vezes chora,
por qualquer besteira.
Como quem
de alegria,
sorrisse a vida inteira.


 

115

 

Na solidão da madrugada,
insone, a escrever,
às vezes um verso alado
faz-me lembrar você.
Então, quando amanhece,
e meu corpo quer descansar,
deito-me e sonho.
Em sonhos,
vou te encontrar!.


 

116

 

Um poeminha
tão frágil,
tão roto..
Pobrezinho!
Veio ao mundo,
suspirou
e
quedou-se morto.


 

117

 

Quando amanhece
por descuido,
anoiteço.
É que na lida,
daquele que palavras lapida,
cada segundo de vida,
cada verso criado,
tem por direito
o seu preço, seu espaço.


 

118

 

Que coisa,
obrigado a ler jornal.
A informação
tão urgente
dilui-se, num repente..
E o poeta,
enfastiado,
por mais que tente,
jamais conseguirá
ser normal!.


 

119

 

Macambúzio,
a fumar,
fico contando estrelas.
E nem sinto
a vida passar.


 

120

 

Tiro do bolso
o poema.
Não sei se mágico
ou farsante,
meu poema me alenta.
Vamos de braços dados
pela estrada,
seguindo adiante!.
Deixemos de tormentas!.


 

121

 

Esse pedaço de lua
esquecido no céu,
convida-me a sonhar.
Enquanto isso,
a caneta desliza
sobre o branco
do papel.
Deus, como é belo,
este dom inato
de comover-me
com um pedaço
— tão pequeno —,
da lua a boiar!.


 

122

 

Tão brasileiro,
a tirar "bicho de pé",
na modorra a cismar.
Pobre de mim
que trago no peito
um coração tão sem jeito
de poeta sem pátria
sem fronteiras,
a sonhar!.


 

123

 

Vá lá:
um poemeto
de um verso só.
Parece-nos triste.
Mas sei o quão feliz,
a jogar "caxangá"
com os escravos de Jó!.


 

124

 

No fundo do baú empoeirado,
encontrei, pobrezinho,
um resto de carinho
que um dia
— não sei porque —,
eu deixei abandonado!.


 

125

 

Que poeta sou eu que,
um dia,
por um pouco de carinho,
por um resto de atenção,
me deixei morrer
de amor
e nunca mais
um simples verso escrevi?
Tudo o que sei,
tudo o que resta
é que não diferi
o amor da ilusão.
Que poeta sou eu?
O que chora,
ou o que morreu?.


 

126

 

Poeta de mesa de bar,
o que mais posso fazer
senão, sentir, sonhar
e me embriagar?!.


 

127

 

Um beijo de despedida
que lá vem o trem.
Em cada estação,
outros lábios,
bem sei,
esperam pelo mesmo beijo,
também!.


 

128

 

Crianças tristes
de sarjetas e vadias...
Quem dera eu pudesse
legar-lhes um pouco,
(quase nada),
do que chamam alegria.


 

129

 

Na tarde modorrenta,
observo a rua vazia.
Ninguém chega,
ninguém parte...
A vida é sempre assim:
um que de vazio
que parece nunca ter fim!.


 

130

 

Roupas brancas
nos varais.
Crianças sujas
brincam pelos quintais.
Às vezes desperto
de algum sonho antigo
e sinto em meu peito
tantos ais!.


 

131

 

Na candura do sorriso
da menina a crescer,
eu moleque apaixonado
vi o tempo tão moroso
roubar o sorriso dela
e atirar nossa infância
no porão obscuro
da lembrança.
Tempo aziago,
que jamais se cansa
dessa farsa,
terrível dança!.


 

132

 

Estrada sinuosa!
Eu, garoto descuidado,
me fiz moço, meio prosa.
Foi assim, sem perceber,
que meus sonhos de criança
um por um,
eu vi morrer!.


 

133

 

Buscava a paz,
a serenidade...
Pensando: quando se chega
a uma certa idade...
Ilusão!
Quanto mais o tempo passa,
mais me fere o coração!.


 

134

 

Escrever poesia!...
Rimar sentimentos...
Rebuscar as palavras...
De que me vale a poesia,
palavras e tanto sentir?
Parece, bem sei,
que todo o tempo
estou a enganar-me,
vivendo de fingir!...


 

135

 

Tusso, tusso, tusso!
Tusso poeira, pó,
barro, tijolos...
Pensei em montar
uma olaria.
Eu e minha alergia.


 

136

 

Despertei:
o céu furibundo,
troando ao fundo.
O vento, minha antena
carregou.
Subi no telhado,
fiquei ensopado.
Quebrei telhas,
esbravejei,
rezinguei...
Desesperado,
prisioneiro do poema,
esqueci a TV..
E, rindo,
ouvia a chuva caindo.


 

137

 

A cerveja,
o filé de merlusa,
a mulher, a filha
e um velho e roufenho
radinho de pilhas.
Não é à toa que,
os antigos já diziam,
filosoficamente que,
a vida simples
é que é boa!.


 

138

 

Havia um tempo
em que se era feliz.
Hoje, não sei não.
Creio que tomei
o bonde errado.
Atrapalhado,
tenho andado
pela contramão.


 

139

 

Talvez seja
esta melancolia...
Não sei bem o que,
( embora, queira viver,
de poesia e alegria..),
me faz, tanto sofrer!.


 

140

 

Essa noite fria,
esse silêncio,
a agonia, a solidão..
Fico a cismar,
como quem conta estrelas,
nalgum céu guardado
dentro, no fundo
do coração.


 

141

 

A poesia é o bálsamo
transformado em magia:
a aquecer o coração,
na longa noite vazia.


 

142

 

Apatia!.
Alegria esfarrapada!.
A vida toda
hoje tão nada!.
O destino,
roubou minha amada!


 

143

 

Deve ter sido
a infância perdida,
este fantasma
que me persegue
e me abre essa ferida.
Ferida pela qual,
sinto esvair-se
minha vida.


 

144

 

Deixem que enterrem
o meu corpo,
no fundo do quintal
lá de casa.
Quem sabe,
brotem estrelas
iridescentes;
anjos de plúmbeas asas...
Ou suspiros
que irão perder-se
pelo infinito.
De um tempo perdido
mas que nunca passa...


 

145

 

É tão difícil
conseguir-se algo na vida que,
quando realizamos tal intento,
choramos feito crianças.
Como se algo que
acabássemos de adquirir,
fosse a realização
de uma esperança
( que de tanta espera ),
encontrava-se cansada,
vencida....


 

146

 

Um poema torto
para um pobre morto
que sorri zombeteiro
daqueles que choram
sem sequer, conhecê-lo!.


 

147

 

A poesia maluca
brotou feito avencas
— sem prévio aviso —,
em minha fria nuca.


 

148

 

Porque, nunca mais
berrei pela casa,
lívida, ensimesmada,
descobriste, enfim,
que a casa,
a casa tornou-se vazia.
Agora, resta somente
a fachada.


 

149

 

Sentados no sofá,
líamos contritos,
o manual para "fazer bebê".
— Bem, agora corre,
e, ai, ui, desliga a TV!...


 

150

 

Aquela coisa
rota, pútrida,
torta, morta,
arrastando-se pelo porão,
não era assombração.
Era, pobrezinha,
minha decrépita ilusão!.


 

151

 

— Benzinho,
Me dá um beijinho?.
— Só beijinho?.
— Pra começar. Afinal,
daqui até o quarto,
é um longo caminho!.


 

152

 

O sapo engole a mosca.
A cobra engole o sapo.
Coisa estranha!
Mundo animal...
Talvez seja natural:
— Tem gente que engole cobra!.


 

153

 

O político
policia a poesia.
É contra a ética
essa hipocrisia.
Como nada tenho
à ver com isso,
continuo a escrever.


 

154

 

Crudelíssimo tormento!
Por um lapso do tempo,
quem sabe, um momento(?),
pensei haver mais
do que carinho
em seu olhar.
Ilusão!
Nem carinho, nem olhar..
Era chama de tesão!
Depois, somente esquecimento.


 

155

 

Fumo feito um tarado esfaimado.
Provavelmente morra
mais cedo que o previsto.
Haja vista,
meus óculos.
Se miro o futuro,
tudo o que vejo
é passado.


 

156

 

"Mundo, mundo!,
Vasto mundo!...".
E eu aqui,
trancafiado no quarto
a escrever poesia!.
Mas isso também
não importa.
Afinal,
o mundo nem sabe,
que existo.


 

157

 

Psiu!, não façam alarde!
Não despertem minha amada.
Ela acaba de falecer,
afogada.
Tirante as lágrimas,
creio que foi o orvalho
dessa longa madrugada.


 

158

 

Um grito aflito ecoa!
O olhar marejado
perde-se no infinito.
— Deus, sou eu!..
Sou eu, Vosso Filho que,
de mãos postas, vos implora:
Ouvi, Senhor,
desse ateu,
a prece
( de alguém )
que há muito, se perdeu!.


 

159

 

A palavra fria,
tão nada,
pouca...
Restou-me inútil:
vazia e fútil
num canto da boca.


 

160

 

Enquanto sorrias,
na solidão eu chorava.
Sofria a chamar-te baixinho.
Até que, fatigado,
meu coração magoado,
criou asas e partiu.
Minha alma, hoje,
é um passarinho.


 

161

 

Dá-me teu olhar,
tua mão.
Meu coração abandonado,
já não suporta
tanta solidão.


 

162

 

Poeta desencantado,
luto contra o destino!
Ainda creio ser o menino
que vivia a sonhar.
Sonhava que um dia,
a poesia fosse
me salvar!


 

163

 

Quão longa a estrada
que nos conduz à nada!
Quão estranha essa vida,
nos rouba dos sonhos,
a estrada.
E nos abandona
nalgum beco sem saída!.


 

164

 

Madrugada insone,
silente...
Às vezes penso que,
alma de poeta
não deveria ser
nem triste,
nem contente.
Um bichinho sem asas,
somente.


 

165

 

Quisera ser poeta!
Mas poeta com letras impressas
em livros, nas vitrinas.
Tolice!, hoje sei que,
poderia ter mil livros impressos:
a poesia continuaria
fustigando meu coração.
O que sinto e escrevo
é o que mais fere;
açula a minha alma
e nunca apascenta a solidão!.


 

166

 

Loucura ser poeta
em tempos assim:
tempos em que sonhar,
sentir, escrever poesia
é um estar-se a morrer
que parece não ter fim!.


 

167

 

A cidade é bela.
Bela é a moça.
Cavalo pastando
pelo jardim...
De louça, a moça
passa e, sorri para mim.
Depois de tudo
restam estilhaços;
é o fim!.


 

168

 

Amor de rapaz,
adolescente, carente..
O coração tolo,
a pulsar desesperado.
Envelheci!.
O amor?
Ah, o amor!
Fazer o quê?
A ilusão é feito aguardente.


 

169

 

Eu e minha amada,
caímos, rolamos pela escadaria.
Pena!, faltava tão pouco!.
Dois ou três degraus
e creio que,
teríamos sido felizes!.


 

170

 

Esse bicho estranho
a revolver-se-me dentro do peito...
Talvez seja um sonho?
Quem sabe o coração?
Tudo o que sei é que,
não sossega,
não tem jeito,
esse bicho
dentro do peito.


 

171

 

De tanto vagar
pelas estradas,
descobri que
a esperança
não passa de uma criança
que, às vezes, quer brincar.
Outras, ainda,
perdida em seu próprio mundo,
nos esquece.
Não deseja nada.


 

172

 

Às vezes penso
que a felicidade
anda tão distante
— mas tão distante —,
que mais parece
um boêmio vadio, errante,
perdido por aí:
a perambular
sem nunca ter onde chegar!..


 

173

 

Quem me rasga,
dilacera o coração?
Anjo bandido, sorrateiro;
guardai a mortal espada!.
Sinto-me tão só, tão só!...
..que, com o coração ferido,
sangrando,
de meu próprio ser,
sinto pena,
tenho dó!.


 

174

 

Loucura!
Foi tudo loucura,
sonhar com o teu amor!
Roubaste-me as estrelas,
a alegria, o sorriso,
as palavras, o jardim...
Hoje nem sei o que me resta
senão, que cheguei ao fim!.


 

175

 

Quando o sol desperta,
adormeço de boca aberta.
Vampiro das madrugadas,
saciada a sede de poesia,
sonho com os seios,
os lábios e o sangue
de minha louca amada!.


 

176

 

Poeta fingido
não tem que sofrer
ou morrer por amor.
Poeta fingido,
nem sequer sente.
Mente e deixa
à todos, contentes!.


 

177

 

Companheiro das madrugadas,
becos e porões sombrios,
o sol apanhou-me desprevenido.
Hoje encontro-me ali,
no asfalto, sorrindo torto,
roto e derretido...
Ah, poeta bandido!.


 

178

 

Ela, bela cinderela,
perdeu um dos sapatos.
Encontrei-o.
Cavandante que sou
(e não príncipe ou rei)
vendi o sapato,
comprei um litro de vinho
e me embriaguei.
Agora, todas as noites,
sonho com um dos pés
da pobre cinderela!.


 

179

 

Bem, agora que estou
chegando ao fim,
ora, danem-se os canteiros
com suas rosas e alecrins!
Quem sabe, minh’alma penada,
nas horas mortas da madrugada,
venha deitar-se na relva
e passe o tempo todo
a mirar o nada?!.


 

180

 

Morresse um dia
embriagado pela poesia,
a gritar o seu nome
na madrugada fria.
— Pobrezinho, morreu
de loucura e paixão!.
Juro que estaria sorrindo
do outro lado da canção.


 

181

 

Silêncio, poeta!
Os vizinhos irados,
por sobre o muro
observam-no
do outro lado!
Todo cuidado
é pouco.
Somente nós sabemos
quem são
(na realidade),
os loucos!.


 

182

 

Na orgia das palavras
minha consciência,
as mãos lava.
Sementes de poesia
na orgia das palavras.


 

183

 

Tivesse a magia
incrustada em meu olhar,
juraria frente ao espelho,
o mundo todo encantar.
Qual o quê?!.
Todo eu,
sou somente coração!
No mais,
trago meu olhar
entristecido,
cravado no chão.


 

184

 

Cismarento, enfarado,
macambúzio, pego-me
a sonhar!
— Porra!, se eu pudesse..
ah!, se eu pudesse voar!..


 

185

 

Ela me olha
de dentro pra fora.
De fora pra dentro...
Sinto desejo,
ímpeto
de mastigá-la toda e,
por sabê-la intocável,
é que me vem
tanto tormento.


 

186

 

Toma!,
mastiga de vez
meu aflito coração!.
Mas, por favor,
põe fim
nessa doentia paixão!.


 

187

 

Minha alegria
(todo o meu ser),
é um passarinho.
Sequer tem forças
para construir
o seu próprio ninho!.


 

188

 

Amo tanto minha filha.
Tanto, tanto!,
que, por Deus!,
às vezes,
a observá-la adormecida,
dócil, inocente, serena,
pego-me a acarinhá-la
aos prantos!.


 

189

 

Para ser feliz,
basta um pouco de paciência
e outro tanto de sabedoria.
No mais,
nesta vida,
desnecessário algo (mais)
que a simples entrega.


 

190

 

Apaixonado por todo o mundo,
meu coração pulsando
dentro do franzino peito,
sem jeito,
pode explodir
à qualquer segundo!.


 

191

 

Impossível
viver sem a poesia!
Se a poesia,
são meu coração
e meu olhar
recriando
este triste mundo!.


 

192

 

Feito a madrugada
desfazendo-se lenta,
a sua imagem são traços.
Sombras mal delineadas
na memória que,
teima em recriar,
o que sempre
foi nada!.


 

193

 

Sob as estrelas,
com os pés no chão,
pego-me a brincar...
Enquanto brinco de sonhar,
chora, ferido,
o meu coração bandido.


 

194

 

As ilusões
já perdidas,
hoje são
fantasmas que,
habitam
os porões
da minha vida.


 

195

 

Chorava baixinho..
...Nossa Senhora
vinha dar-me alento,
abrandar-me a saudade,
mitigar-me a ferida.
Feito a Mãe que,
pelo filho, sacrifica
os seus sonhos
e a própria vida!.


 

196

 

Brincava com as palavras.
Íntimo, arguto, febril.
Às vezes, indômito.
Outras, macambúzio..
Um dia, enfarado, partiu.
As palavras ainda esperam:
orfãzinhas abandonadas.
Drummond nem sabia
a falta que faria!.


 

197

 

Um dedo toca-me
o ombro direito
nas horas mortas
da lenta madrugada.
Sem sobressalto,
sem medo ou desprezo,
permaneço imóvel
a olhar para o papel.
Não que o dedo
seja mera ilusão.
É somente inspiração
carente, magoada!


 

198

 

Pela rua, ladeira íngreme,
de terra vermelha e quente,
eu menino, caminhava
sem pensar em mais nada.
Meus pensamentos eram
os lábios de Lucéia,
a primeira namorada.
Ficou em Barretos,
nunca soube de nada!.


 

199

 

Na rabeira do caminhão
correndo feito o tempo,
vi minha história partir.
Fatigado, sentei-me
para descansar.
O corpo, ainda trago comigo.
Mas a alma,
a alma
sei que ficou por lá!.
Naquele pedaço de história
que nunca mais vou encontrar.


 

200

 

Quando o sol febricitante
na tarde modorrenta,
parece queimar à tudo,
sentado à sombra
de um frondoso umbuzeiro
tento no tempo voltar.
Mas isso foi há tanto,
tanto tempos atrás!
Perdi a infância,
as ilusões, os sonhos e,
o umbuzeiro, creio,
que já nem exista mais...


 

201

 

Na madrugada,
o clima seco, empoeirado,
arfante na janela,
mirava o céu estrelado.
No casarão centenário,
havia um baú de segredos onde,
quando parti,
deixei meus sonhos guardados.


 

202

 

A alegria que eu tinha,
— pobrezinha, tão mirrada —,
tão pouco, tão nada,
a alegria que eu tinha.
Nem percebi quando
por descuido a perdi.
Talvez esteja acocorada
no olhar de alguma namorada.


 

203

 

Quando eu completar
quarenta anos,
estarei mais conformado:
com essa gente,
com essa vida,
e, sobretudo,
com aquilo que eu
jamais pude fazer
para impedir que o meu povo
deixasse de tanto sofrer.


 

204

 

Penso: as palavras
são de morte!
Às vezes, troçam
da rima torta.
Da frase mal construída,
expondo-nos as feridas...
Nessa lida indefinida,
é que perco,
aos poucos,
minha vida!.


 

205

 

O poeta está
ficando maluco,
caduco.
Ninguém avisa
mas, sei que está.
O que não sabem,
é que, somente a poesia,
ainda o faz respirar.


 

206

 

Entro pela porta
e deparo com o
meu corpo no chão.
Parece sonho, ilusão.
Contudo, estou morto.
Apenas finjo que não.
Continuo sorrindo.
Poeta fingindo:
tentando enganar
a própria razão!.


 

207

 

Loucuras do amor,
velhas canções,
estrelas e poesia...
Passo o dia varrendo
as madrugadas frias
e os cacos de sonhos...
Até que minha alma
torne-se,
novamente,
uma abandonada
casa vazia.


 

208

 

Punhal de prata
cravado na luz.
A minha alma
se abraça com a sua
e,
ambas sangram
estrelas e raios de lata.
Na madrugada que
nos une
e nos mata.


 

209

 

Não pude desviar-me
da solidão secular
que hoje trago no olhar.
Por Eras e Eras,
continuarei sonhando
que ainda existem
primaveras.


 

210

 

Enquanto continuo sonhando
que posso essa vida mudar,
você vive sua realidade:
sucesso, grana, fama
e, um fardo de ilusão
que, você vai ter que
carregar.


 

211

 

Desperto em meio ao vazio.
Há tanta solidão à minha volta.
Há tantos desertos que,
já não distingo qual dos dois
é o verdadeiro deserto.
O eu, quando adormeço.
Ou o eu, quando desperto.


 

212

 

Envelheço ajoelhado
pelas velhas catedrais.
Envelheço em busca
de uma esperança
que já não existe mais!.


 

213

 

Ah!,
se você aprendesse
a me amar!
Afinal,
não custa
nada, sonhar!.


 

214

 

Quando você passa e,
disfarçadamente me olha,
minha pobre alma,
ajoelha-se
e,
contente,
chora!.


 

215

 

Sangrando, como convêm
à um coração ferido,
pego-me a procurar,
em meio às estrelas,
o nosso amor
fingido!.


 

216

 

A borboleta pousa
na vidraça.
A vida passa.
Penso a poesia.
Magia do viver.
Somente agora,
quando começo
a morrer,
é que encontro
razão
para viver.


 

217

 

Zélia Duncan:
"Orquídea Selvagem"
"Nos Lençóis do Reggae".
Na magia da canção,
a voz vibrátil,
oriental fonte
fátuo — fogo!.
No sonho: "uma catedral";
um verso míope: paixão.
Zélia Duncan:
chaga sangrando
no "Secular Coração"!.


 

218

 

Andava distante!.
Tão longe de tudo,
de todos!.
A vagar em meio
aos cometas, girassóis..
Na solidão de Eras,
descobri o seu olhar
e outras bocas sedentas.
Até hoje, Ida,
permaneço na longa fila
com uma bola de vôlei
que você sacou
rasgou o tempo
o espaço
e a mesosfera...
Infinita \ mente
IDA!.


 

219

 

Desse um jeito
nesse jeito sem jeito
de amar repente...
Nem alegre,
nem contente..
Um simples poeta.
Homem comum,
operário,
monge
tragando aguardente.


 

220

 

Coração passarinho,
carinho, encantamento...
Meu coração criança,
sofre calado,
aflito.
Quando você partiu
em cacos,
a madrugada,
restou-me tão pouco...
quase nada!....


 

221

 

Não, a solidão não incomoda.
A sua ausência retratada
na refratária lembrança...
..ela sim,
é o que me faz chorar.
Como quando o que sonhamos
que jamais
pudesse
um dia findar.


 

222

 

Vêm, me dilacera!
Fera faminta
e sedenta de calor.
No sangue quente,
na carne adocicada,
mastiga-me inteiro
para que partas:
saciada!.


 

223

 

Vida breve!
Carrega-me em teu dorso
em acordes de canção.
O que restar:
"napalm", estilhaços,
baioneta calada...
Tudo, tudo é nada!
E será
somente o que restar.


 

224

 

As pedras coloridas
do caminho,
guardam segredos
seculares.
Um homem caminha
só.
Contudo,
jamais acreditaram
no que eu queria dizer.


 

225

 

As palavras
são serenas.
Retratam
a melancolia
da madrugada.
Meus poemas
vagam
pelas velhas estradas.


 

226

 

Não, não é loucura!
Minha mão te procura,
no vazio do nada.
Costuro o manto
da solidão
no silêncio
da madrugada.
Um suspiro,
um ai...
Às vezes sussurro:
— Onde te escondes, amada?!.


 

227

 

Que solidão vadia
nesse vai e vêm!.
Quanto mais
eu te pedia,
mais me via
sem ninguém.
Foi por isso
que apertei
o comutador,
desliguei...
Quem te disse
que o que eu sentia
era amor?.


 

228

 

Suzana, adolescente namorada,
(hoje advogada),
nessa antiga madrugada,
descobri que
a "Vila Anchieta",
desapareceu.
Creio que foi aquele beijo!..
Lábios sedentos, febris..
Quando dei por mim,
estava dentro de você.
Na realidade, creio que,
ainda estou
e
nunca mais
vou conseguir despertar!.


 

229

 

Numa noite sem luar,
brinco de sonhar.
O vento varre as ruas,
enquanto imagino-te nua.
Quanto custa brincar
numa noite que me parece
jamais ter fim?
Não sei ao certo.
Talvez, a velha solidão
ruim..
Quem sabe, o que restava
do amor que findou
e me fez triste assim?!.


 

230

 

O poeta, aos poucos,
vai despindo-se.
Não do manto
que nos cobre as vergonhas.
Mas sim,
das impurezas do mundo:
neste mundo de falsas
alegrias e tristezas!


 

231

 

Meu coração é passarinho,
criança indefesa!
Meu coração
é um punhado
de esperanças
e incertezas.


 

232

 

Ser humildezinho!...
Mendigo de carinho,
atenção..
Ah!, a simplicidade dos que,
dentro do peito,
guardam de Deus,
a inspiração!.


 

233

 

Eu estou tão só!
Passarinho que perdeu seu ninho.
Um menino abandonado,
um poeta chorando baixinho..
E Deus me vê:
entristecido pelo meu sofrer
e novamente faz adormecer
este meu coração sem carinho!.


 

234

 

De teus olhos tristes
gotas cintilantes brotam.
São mais que estrelas brilhantes,
puro cristal, diamante...
São, do infinito céu,
orvalho com sabor de mel!.


 

235

 

Ao frescor da brisa
matutina, faceira;
no leito, revolvo-me
e, encontro em teu corpo,
a segurança da mulher.
Da menina e companheira.


 

236

 

Acocorado à um canto,
prato e colher nas mãos,
sou menino do mato:
barriga cheia, feliz o coração.
No humilde alimento,
uma oração
e um agradecimento.


 

237

 

Pés descalços
pelos caminhos,
ignoro pedras
e espinhos...
Trago no olhar
o horizonte.
No coração
a esperança
e, nas mãos,
meu próprio destino:
iluminado por esta alma
que, jamais descansa.


 

238

 

A tua tristeza
imola, faz sangrar
meu coração.
Por favor, sorria!
Acredite: o amanhã
será um novo dia e,
talvez,
possamos juntos,
cantar uma dócil canção.


 

239

 

Sei que a maldade
não existe.
A ausência do Bem,
às vezes, nos engana.
Desperta do inexistente,
a repudiável chama.


 

240

 

Deus criou o Universo
e, poeta amoroso,
de seu coração carinhoso,
a inspiração fez brotar.
Por isso, quando miro
uma estrela no céu a brilhar,
meu coração também brilha
e põe-me a sorrir, a chorar
e a cantar.


 

241

 

Não fuja, criança!
Para que jamais
eu perca a esperança
e a saudade que me resta
do que trago da infância.


 

242

 

Quando o crepúsculo
descerra moroso
o denso véu da noite,
é que, de te lembrar,
minha alma recebe
os primeiros açoites..
...de uma saudade dorida.
Que fere, sangra
a reabrir, velhas feridas!.


 

243

 

Em meio a heras,
cresce um arbusto
sem nome.
Planta estranha..
feita de sentimentos..
Chora em tormento
quando, ao ver-me
chorar tanta quimera,
parece saber perdidos
a vida, o tempo,
a espera!.


 

244

 

Chove tanto, tanto que,
parece, a chuva,
(batendo no telhado),
as águas do meu pranto.
Mas, bem sei que não,
provável espanto:
são anjos que choram,
são preces que rolam
pelas crianças, idosos,
os loucos e santos!.


 

245

 

A pressa e a prece
não fiam a canção.
Tecem sim, frios versos
que ferem o coração.


 

246

 

Essa melancolia fria
estilhaçando a razão!...
Minha vida,
um rio de espera;
de esperanças e sonhos
que, esfumam-se pelo infinito,
em vão!...


 

247

 

Na mansuetude
dessa fria madrugada,
a fumar e a escrever,
é inevitável:
penso em você.
Penso em você
com uma certa saudade;
uma tristeza vadia que,
até mesmo penso,
já nem vale a pena
a gente amar e viver.


 

248

 

Lucélia Santos
de todos os santos.
Dos versos
e das canções.
Deixa-me, por favor,
em paz!
Seus olhos e
o sorriso doce,
inquietam e fustigam
nossos pobres
corações!.


 

249

 

Maricy: o mar em si,
transborda a vida toda.
E toda a existência,
todo o carinho
e todo o amor,
são campos de ternura,
são primaveras em flor.
Maricy: o mar em si,
transborda a alma
de amor!.


 

250

 

Ergue a voz retumbante
e vai romper o infinito!
Não num grito aflito.
Nem mesmo de ódio ou dor.
Mas sim, de esperança,
de fé, de paz
e amor.


 

251

 

Quem inspira-me
na madrugada,
a rabiscar estes versos
que não são meus?
Por certo, algum anjo!
Na claridade divina,
que o Dom e a sina
— um dia —,
Deus me concedeu!.


 

252

 

Puros de coração,
os poetas são meninos
e, as meninas,
também o são.
Somente cumprem a sina
no ardor de cada palavra,
no desassossego de cada verso
que,
jamais serão em vão!.


 

253

 

Em desalinho,
os sentimentos
pipocam dentro do peito.
Ah!, quanta ternura!
Ah!, quanta ilusão!
Operário sem erário,
trabalha o poeta
nas noites de solidão.


 

254

 

Menino vejo
refletido no espelho
embaçado, envelhecido,
retalhos da infância
costurados nas lembranças.
Envelhece o corpo,
faz sofrer o que perdido.
Mas a alma..
..a alma,
esta que alarga e cresce;
liberta-se; rejuvenesce
e faz-se na eternidade,
a luz de uma nova canção!.


 

255

 

Não tão só
quanto supunha,
na solidão que,
forja o poeta.
Ladeado pelos sonhos,
hoje posso vê-los:
são anjos de luz,
risonhos!.


 

256

 

Dá-me, Senhor,
o destino que eu mereça.
Que minh’alma cresça e,
largo e profundo
faça-se meu coração.
Com ele, tecerei versos,
de paz, igualdade e pão!.


 

257

 

Não há mais nada
nesta vida
que me faça sofrer
e chorar,
do que saber que
existem seres
que jamais
aprenderam a amar!.


 

258

 

Vadia, minha mente,
divaga sempre a sonhar.
Vai vagar pelo mundo,
brincar em meio às estrelas,
vai, minha imaginação!
Vai. Não me canso.
Aqui permaneço
contente
a te esperar.


 

259

 

No sarro do cigarro,
na fumaça que evola,
aos poucos,
nós, os fumantes compulsivos,
inveterados,
jogamos a vida fora.


 

260

 

Alegria inventada,
vestida de pierrô
ou columbina
com sua máscara
momística, circense...
No salão da vida,
quando finda a festa,
pobre alegria inventada!
Abandonada, percebe que,
já não lhe resta
mais nada.


 

261

 

Ser passarinho
volitando mansinho
e, sem que percebas,
o coração saltimbanco,
a transbordar em carinho,
roubar-te um beijo
e sair de mansinho.


 


 

262

 

Na vida conturbada
das repúblicas estudantis,
aprendi a saudade,
a fome,
o frio,
a tristeza...
E, sobretudo,
um sentimento estranho que,
até hoje,
não descobri o nome.
Mas sei, jamais terá fim!.


 

263

 

Te amava tanto,
tanto que,
quando partiste,
morri afogado
em meu próprio pranto.


 

264

 

Sentado ao lado
(secreto amor)
da professora,
eu, carona tímido,
de soslaio,
observando-lhe as belas coxas,
a bendizer
seu curto vestido,
na transparência
da minha inocência.


 

265

 

Sem dinheiro
para o cigarro e o café,
vendi meus óculos.
Quando ia ler,
fazia uso de uma lupa.
Vendi a lupa,
vendi os livros
e perdi a inspiração.
Hoje não enxergo
mais nada.
Mas isso, não faz diferença,
porque disse Buarque,
"os cegos podem ver na escuridão..".
Porra, que poema torto!
Parece letra
de samba canção!.


 

266

 

Perdi a identidade.
Sou mais um ninguém
no anonimato,
da multidão..
Por isso,
esqueci o meu nome.
Caetano foi quem disse:
— “Gente é pra brilhar,
não pra morrer de fome!”.


 

267

 

Todo santo dia
rola o pranto:
agonia.
"O que pode fazer
o homem comum......".
Belchior já dizia:
— "Nesse presente instante\
senão sangrar \
tentar inaugurar a vida,
comovida,
inteiramente livre
e triunfante?" —.
Todo dia é santo
quando cai a noite
é que,
me espanto!.


 

268

 

A ler Fernando Pessoa,
pensava:
poesia não se escreve.
Sente-se e,
enterra-se
nalguma cova rasa.


 

269

 

Cecília Meireles:
nem alegre, nem triste,
poeta!.
Eu comungava
com seus versos,
na certeza que,
um dia, todos passamos.
Eu passo, tu passas,
emudecemos e,
"amanhã estarei mudo,
mais nada...".


 

270

 

Na canção desesperada
a dialogar com Neruda,
um niño triste me acenava.
Como se não bastasse
perder a própria vida,
com ela,
o tempo..
O tempo roubou
minha amada.


 

271

 

Fernandinha:
por detrás das lentes
dos óculos
(Salla Barrios),
quantas vezes
mastiguei-te
inteirinha!.


 

272

 

Fiz promessa
tão contrito.
Padre Cícero
dizia-me que
promessa não se faz.
Meu avô
(como convêm à todo bom baiano),
envelheceu
e partiu em paz.
A promessa
que fiz?
Sei lá,
já nem me lembro mais!.


 

273

 

A sonhar com Pixinguinha,
ensaiávamos um chorinho.
Despertei,
Pixinguinha se foi..
E eu,
perdido em meio
a fusas, colcheias,
semifusas,
breves e semibreves,
nunca mais vou compor.
De Pixinguinha, um chorinho,
é feito a alma
de um passarinho?.
E eu,
bem, acho que não sei
compor sozinho.


 

274

 

A música, o violão,
a poesia..
Franzino,
não fosse o que sou,
quisera ser,
uma singela
nota de violino.


 

275

 

Na faculdade, o professor:
— Trabalho sobre a obra de Camões.
Eu, "por mares nunca dantes navegados",
retruquei:
— Oh, mestre!
Camões, não!.
Embaraço:
— Como não?.
— Sei lá, a poesia não se pode explicar.
Foi meu primeiro zero.
Nunca mais voltei lá.
E Camões?
Creio que esteja rindo até hoje.
Dá um tempo,
vou até a esquina
e volto já!.


 

276

 

Palavras vazias, ocas,
oscilam pelo céu da boca.
Às vezes, a vida,
se nos parece
não mais que
alguma coisa louca!


 

277

 

Meu coração aflito,
passarinho desesperado,
esvoaça aturdido,
à prisão do peito
eternamente fadado.


 

278

 

Pequeninas formigas,
cigarras estridentes,
escalas de um violino,
tão grandes sonhos,
fantástica ilusão..
Eu sou assim.
Assim, meu pobre coração!.


 

279

 

De seus lábios,
o mel escorrido.
Eu, poeta bandido,
roubei-lhe um beijo..
Descuidado beijo.
Até hoje,
meu coração ferido!.


 

280

 

Nada lava
a palavra
lavra a escritura
da candura
do sorriso.
A palavra dita:
— Amar é preciso.


 

281

 

Não fosse teu olhar,
teu sorriso cândido
e este desejo de ficar...
Ah, não fosse você,
juro, não me importaria,
matar ou morrer.


 

282

 

De Madalena
a paz serena
no sorrir, no olhar..
Às vezes, sozinho,
pego-me a cismar:
em que estrela,
dócil criança,
pulsa a amar
o coração da mulher
que, em Madalena,
vive a sonhar?!


 

283

 

Costuro a madrugada
em sentimentos irrequietos.
Deus!, trago em meu peito,
um coração maior,
bem maior
que o maior dos desertos.


 

284

 

Que loucura
vem apossar-se de meu ser
e que me faz
na madrugada vazia
a cismar, da janela,
mirando o céu,
em cada estrela
ver você?!.


 

285

 

Que coisa mais estranha!
Viro-me pelo avesso
a devorar de meu ser
as próprias entranhas!


 

286

 

Muito mais que a distância,
o que me separa desta vida,
o que me atira para o lado de lá,
é essa saudade de outros mundos
nos quais,
em sonhos,
eu me pego a voar!.


 

287

 

A semear sonhos
vivo de esperar.
Meu coração me diz:
— Espera a hora da colheita!.
Ela, no tempo certo e preciso,
inevitavelmente
bons frutos,
lhe trará!.


 

288

 

A razão..
Ah, a razão!.
Vai-te pelo espaço!
Deixa em paz
o desesperado
e amante coração.


 

289

 

Tudo em meu ser
não passa de sonhos,
quimera, ilusão!.
Às vezes penso
que sou o sonho que
alguém sonha e,
insiste em não despertar!.


 

290

 

Cantiga de roda
fora de moda..
Por quê?
Porquê insistes
em fustigar-me
a lembrança,
fazendo sangrar
da criança,
o abandonado
coração?!.


 

291

 

Toda a guerra
que tenho feito,
foi em nome da paz,
do amor, da esperança.
Da fraternidade,
da compreensão...
Toda a guerra
que tenho feito,
já não cabe mais
dentro em meu peito.


 

292

 

Anoiteço e amanheço
na redoma vazia
do futuro que sangra.
Confesso, sinto medo!
Mas, por Deus!,
isto é somente
o princípio do fim
para um novo começo!.


 

293

 

O espelho estilhaçado
reflete o rosto
— mal delineado —,
de um improvável
futuro..
De um obscuro
passado!...


 

294

 

Em meio à tantas anomalias,
a bater-me com
estes animais,
olho para trás
e tudo o que vejo,
são
uma estrada sinuosa
e uma vida vazia.


 

295

 

Em meio à tantos chacais,
a existência torna-se
um alvo fácil
demais.
O poeta assassinado
já nem pode
sentir mais.


 

296

 

Cordas de aço:
os dedos sangram...
O destino deseja
urgentemente,
reconquistar o seu
parco espaço.
Na canção,
a emoção
dos acordes feridos.
Meu coração
ainda pulsa,
mas sabe-se, adormecido.


 

297

 

Havia tanta alegria!
Havia...
Agora,
uma lágrima
escorre
fria...
..na alegria
que a via...


 

298

 

Louco, morro aos poucos!
Não feito o poeta comedido.
Muito mais, o bandido,
fugindo, escondendo-me,
a libertar o berro desumano..
Mas, tudo isso
é tão pouco!.


 

299

 

No espanto da madrugada,
encontro o teu sorriso, amada.
Penso que posso retê-lo
no vezo do meu delírio.
Olho para o céu e vejo,
minha esperança,
— aos poucos —,
perdendo o brilho.


 

300

 

Bichinho entristecido.
Asas magoadas de passarinho,
tento alçar vôo!
Rei da melancolia,
há muito, sei-me vazio,
em busca
da velha alegria.


 

301

 

Parece que foi ontem.
Contudo, bem sei,
foi há muito,
muito tempo atrás.
Num tempo em que,
eu acreditava
que entre os homens,
pudessem,
reinar a paz,
a justiça
e a lei.


 

302

 

A fumar, impaciente,
dobro a velha madrugada.
Pensava fosse Deus..
Hoje sei,
não passo
de uma pobre alma
penada.


 

303

 

Meu contentamento,
por um momento,
Faz-se malabarista.
Para ser palhaço,
tem-se que ser, artista.
Meu contentamento
é um poema
de tormento.


 

304

 

Palavra escalavrada..
Lapido, da vida,
este meu destino.
Que desatino!.
Meu coração
rola pelas madrugadas.


 

305

 

Cada verso e
cada palavra,
não passam
de uma faca afiada.
Faca de dois gumes,
na alma, cravada.


 

306

 

Minha loucura
não pode ser limitada.
Ou entrego-me
por inteiro,
ou jamais deixarei de ser
um mero Napoleão,
a carregar sobre os ombros,
um cavalo e uma espada.


 

307

 

No infinito deste céu,
sei que, para alguns,
existe uma fonte
que os aguarda:
a produzir a liberdade
em favos de mel.


 

308

 

A luz da esperança
dança em meu olhar.
É quando a minha alma
liberta-se...
..e ponho-me
a sonhar.


 

309

 

Necessito desta paz.
Poeta da alquimia,
profeta das madrugadas,
sei que uma existência
sem paz,
não passa de uma
casa vazia,
abandonada.


 

310

 

Agora, o menino
sou eu.
O homem, adulto,
que Deus o tenha!
Morreu!.


 

311

 

Posso dizer-te que não.
Mas, sabes, pequena,
és dona e brincas
com o meu cansado
coração.


 

312

 

Sopra vento
o teu ininterrupto lamento.
Ouço-te, amiúde,
e, ouvindo-te,
sei:
tantas almas
em tormento!.


 

313

 

Vinha a louca
beijar-me a boca.
A vida que havia,
fez-se eterna poesia.


 

314

 

Tudo não passa
de magia.
Sei também que,
tudo, um dia,
se finda.
Contudo, há tantas,
tantas coisas,
que, não sei ainda.


 

315

 

O teu sorriso
tão singelo,
desvendou-me
um mundo mais belo.
Que dádiva
o teu sorrir!
É dele que me vem
este sonho, filha!.
Sonho que tanto amor
jamais poderá findar!.


 

316

 

Lívida a luz
lava meu olhar
que
vive a te mirar.


 

317

 

A voar pelo azul do céu,
despertei:
sonho pequenino,
num pedaço de papel.


 

318

 

A faca é fria.
Há uma cavidade
por onde o sangue escorre.
Então, perde-se o medo.
E a gente, morre!.


 

319

 

No copo vazio
sobre a mesa,
um poema inusitado:
a mosca passeia,
eu permaneço calado.


 

320

 

Dá-me tua mão,
os pés, os seios,
os lábios, cabelos..
Dá-me teu coração!.
Contigo, da canção,
roubo o tom: SI!.
Lá vamos nós,
Maricy!.


 

321

 

O porta retratos vazio.
Arrepio!.
A foto fugiu e,
ninguém viu.


 

322

 

Mastigava o sabonete
a mirar no espelho
meus cabelos.
Dos caracóis,
ouvia o canto
dos rouxinóis!.


 

323

 

Um pingo d’água
rolando, caiu..
..sobre a folha
do papel.
Deve ter fugido
de algum olhar
que espiava-me
lá do céu!.


 

324

 

No fino fio
do tecido, cerzida
a prece
na pressa nossa
de cada dia.
Deve ser poesia.


 

325

 

Algumas palavras
aram, sulcam,
o branco do papel.
Abelhas fazendo mel.


 

326

 

Que pena
— Às vezes —,
a pena, me dá.
Preciso deixar
de sonhar.


 

327

 

Em meu quintal
não há girassol.
Mas, contento-me
com os raios
que me empresta
o sol.


 

328

 

Pensei fosse segredo
ou coisa do coração..
O nosso amor findou,
morreu,
sei lá!
Acho que não passou
de paixão.


 

329

 

Cláusula primeira.
Não há artigo,
inciso ou emenda.
Há sim, linha na agulha que,
as nossas vidas
costura e remenda!.


 

330

 

A poesia torta
escondeu-se
atrás da porta.
Um dia, encontrei-a:
a sorrir, feia,
rota, já morta!.


 

331

 

Crepúsculo..
No lusco-fusco
do tom ferido
é que te procuro.
Encontro-me, perdido.


 

332

 

Na tarde modorrenta,
o teu olhar
faz de meu peito
essa incontrolável
tormenta!.


 

333

 

Morrer vazio:
sem saudade
ou alegria.
Sem tristeza
ou tormento.
Feito uma nota
perdida na canção,
deixar em paz
o pequenino coração.


 

334

 

Sei tão pouco,
quase nada!..
Só sei o que
me contam,
minha vida
e a estrada.


 

335

 

Dá-me, Senhor,
a ausência e a paz
dos esquecidos.
Ser poeta é estar
constantemente
sangrando,
ferido.


 

336

 

O fato é que o feto
da poesia,
forma-se lento
para o parto...
o coração dilatado
é o ventre;
o útero a crescer
num repente.


 

337

 

Talvez a morte
não seja tão ruim.
Sobretudo,
quando descobrimos,
que tudo o que mais amamos,
um dia também,
chega ao fim.


 

338

 

Tom de melancolia
nos versos da poesia..
A maioria dos poemas
possui um quê
de tristeza.
Quem sabe se,
(na mesma)
não encontra-se
a verdadeira beleza?


 

339

 

Alguns veros
são tristes.
Outros, estranhos, contentes.
Quem os escreve,
quem os lê..
O que será que
cada um, sente?


 

340

 

Na madrugada,
observo
minha companheira amada.
Não creio que
devesse chamá-la
solidão.
Estamos sempre
juntos.
Às vezes penso
que somos um só
coração!.


 

341

 

As paredes
parecem envelhecer.
Ou será minha alma
que assim deseja
crer?!.


 

342

 

Um tijolo no silêncio.
Aparentemente os segredos.
No branco espaço,
palavras desconexas.
Nem todo sentimento
é profundo.


 

343

 

Um verso é pressa.
Outro, quem sabe,
mero ensaio?
Um verso é tristeza,
outro solidão.
Um verso é ternura,
outro,
a imensidão..


 

344

 

Cada sentimento
um parto de paz,
ou de tormento?.


 

345

 

Atávico, mergulho
no vazio.
Espero, inerme,
que minha mente,
teça um fio...


 

346

 

Cada verso
é um filho gerado.
Dei à luz,
tantos mundos:
vazios e povoados!.


 

347

 

Naquele baú
esquecido num canto,
por tanto sentir,
sei que nele existe
trancafiado,
um universo..
ao esquecimento fadado!.


 

348

 

Quando o poema
se nos retrata sem nexo.
É que,
de tanto sentir,
sem ter como exprimir,
eu
me pego perplexo!.


 

349

 

Os pulmões solfejam
na madrugada,
o poema da fumaça
baça
do cigarro.
É somente
"pigarro"!.


 

350

 

A frase indecorosa
violenta o hímen
da poesia
na magia do sangue
coagulado no lençol
cor de rosa.


 

351

 

O sonho
engendrado no sonho
pensa que pensa.
Confuso,
confunde
realidade e ilusão.
Mas é somente,
um sonho.
O resto, engendra ilusão.


 

352

 

Lambia a orelha
do livro.
Gosto ranço,
amargando a natureza.
E florestas inteiras,
hoje são ranço
em meras orelhas.


 

353

 

Sob o cinzeiro
escondi minha vida.
E, com ela,
um segredo:
a infância perdida!.


 

354

 

Agora, já não possuo
mais nada.
Somente esta dor
dos vencidos.
O olhar que, perdido,
os passos trôpegos,
que, arrastam este corpo,
por uma outra,
estranha estrada.
Já não possuo,
mais nada.


 

355

 

Senhor, olhai por nós,
os frágeis e vencidos.
Nós que, sonhamos às escondidas.
E, sobretudo,
velai por nós.
Porque há muito
perdemos a vida.


 

356

 

Desperto pelo avesso.
Sem ter fim, nem começo.
Feito o meio da rima.
Nada me alenta,
tudo me violenta!.
A sina dos benditos,
malditos abandonados.
Sinto-me um resto de nada
ao nada, atirado.


 

357

 

Febricitantes deleites,
embalde, travados.
Na mente ou coração?
Pouco me importa!
Réu-confesso:
estou para sempre
condenado.


 

358

 

Desejo de tudo
e a nada almejo.
Ironia:
a alma vazia.
A casa fria,
a sina, o beijo..
Que lábios roçam-me
a face ardente?
Deus!, minh’alma
é uma velha decrépita,
doente.


 

359

 

Assassino que sou,
de caneta empunhada,
mato rimas, versos,
vírgulas, palavras...
Essa vida louca,
doentia, vazia..
Essa vida que não lava
as impurezas da mente!
Cravo unhas e dentes
no dorso do destino.
Já não tenho para onde fugir.
Sou eu,
o próprio deserto!.
Enterro o corpo,
do menino inocente..
Numa vala rasa,
a criança sorrindo,
pensa em criar asas!.


 

360

 

Palavra pouca, escassa!
Rima torta, baça.
Nada resta-me
para o amanhã.
Tudo vêm,
tudo passa.
Diante do espelho,
de olhar vermelho,
chora esta infeliz carcaça!.


 

361

 

O que me lega a vida?
Não mais que a dor
dessas chagas sangrantes.
Dessa alma ferida.


 

362

 

Em meio ao conflito,
grito aflito, contrito.
Contudo, nada disso
importa a poesia morta.
Se sei que após a tempestade,
nunca mais haverá realidade.


 

363

 

Já não há vivos
neste verso impreciso.
Apenas mortos,
feito a própria solidão.
Passam os dias,
cavando covas rasas
para outros mortos que,
jamais existirão.


 

364

 

Bananas & mandiopãs;
formiplac; formicida;
eucatex; superbonder;
fliperama; flibusteiros..
A poesia é bela
e tem, debruçada,
na janela,
a moça do Chico.
O resto que se dane!.


 

365

 

Entre os dedos,
guardado o segredo,
é um verso espantado.
Às vezes, magia.
Outras, desencanto:
o destino.
Ah, o destino!...
Este, o conheço,
antes mesmo,
do parto.


 

366

 

Há fome na poesia.
Confesso a vergonha e o pecado.
Há fome nas cidades;
pelos campos e cerrados.
Nas caatingas, fome há.
Nas escolas do país.
Na mesa do assalariado.
Sim, há fome de justiça.
Feito a fome do inocente
condenado.


 

367

 

Como escrever poesia
se, o olhar embaçado,
posto está, na mesa vazia?.
Como escrever poesia
se o ronco
(rugido)
da fome,
nos sufoca a inspiração
numa dor que
nem tem nome?!.


 

368

 

Fé - lá - tio
suicida!.
Chupar bala
sem tirar o papel?
Inconcebível ato.
Um desatino homicida.
Do pênis, os extremos:
a morte e a vida.


 

369

 

Os carniceiros
em qualquer profissão,
jamais perdem.
Somente cheiram mal.
Fedem.


 

370

 

Poetatônito, biodegradável;
grandiloqüente, verborrágico...
Em meio ao plágio, a plasticidade
da idade cancromecanizada.
Fada azulanilizada,
mergulhada em clorofôrmio.
Putaqueospariu!,
que poema mais torpe!.
Parece fila de
ieneéssesse!.


 

371

 

A via
— mão única —,
na libertinagem do prazer,
ganha novo sinal:
pista dupla!.


 

372

 

Meu coração
é uma rua deserta
que, vai findar,
num beco sem saída!
Os sentimentos?
São crianças,
abandonadas,
entristecidas!..


 

373

 

Ligeiros passam os anos!
Com eles, sonhos e esperas.
Às vezes, penso ser primavera
em algum lugar..
Um lugar que nunca existiu:
não passou de quimera.


 

374

 

Trancafiado no coração,
trago um mundo de ilusão.
Coisas que nem sei o nome
e tampouco contar..
Em tudo, uma única certeza:
um dia percebemos que,
aos poucos,
este mundo,
passa a ficar vazio,
desmoronar.


 

375

 

Sonhadores, meus olhos
volvem-se para o céu.
Vivo a contar estrelas
e,
a vislumbrar o infinito.
Meu olhar enternecido,
nada sabe deste coração
ferido!.


 

376

 

Pelos caminhos
por anos vaguei.
Somente eu sei da solidão..
Só eu sei das esperanças
que, foram apagando-se e,
hoje,
são vultos incrustados
nas lembranças.


 

377

 

Madrugadas sombrias
de esperanças futuras..
O medo da insegurança;
o descrédito da incerteza..
Deus!,
quantas perguntas
sem uma resposta sequer!
Lágrimas dolentes,
hoje são,
caudalosas torrentes...


 

378

 

Tocar a vida,
seguir em frente.
Na lida,
entristecida ou contente,
nunca que parar.
Acreditar que o futuro
é uma certeza e,
sonhar,
lutar,
sonhar!..


 

379

 

Quisera nem tristeza,
nem alegria.
Tão somente, a vida...
Feito o rio que passa
e segue em frente,
a cumprir sua sina,
sem jamais
questionar...


 

380

 

Pobre bichinho,
o homem,
vagando pelas estradas.
À sua frente,
o desconhecido.
Atrás,
somente pegadas.


 

381

 

Na sala, o aparelho de TV.,
entretêm mentes
e bocas silenciosas.
A família reunida,
nem percebe,
à cada capítulo,
(da novela preferida),
as palavras mortas.
E a vida,
aos poucos,
perdida.


 

382

 

No dicionário,
palavras complexas,
frias.
Tanta poeira,
teias de aranha..
Palavras esquecidas,
jamais usadas.
Nunca servem
para nada.
Tão vazias que,
não cabem na poesia.


 

383

 

Versos oriundos
dos becos escuros;
das vielas e monturos..
Versos oriundos
deste e de outros mundos...
..quisera fossem
mais do que rimas.


 

384

 

Cultas flores imperfeitas..
Tanto ódio,
tanto medo!..
Coisas que caem
do céu,
explodem em mil
partículas
legando-as à sorte,
deixando um rasto
de dor
e de morte.


 

385

 

O que importa essa sangria
que desata no peito?
A sua alegria,
o meu sem jeito..
transformam-se em dor.
Não há vencido,
nem vencedor.


 

386

 

Perdemos o trem!
Nos atrasamos e
o futuro passou.
Tudo o que vimos,
acenava-nos de uma janela.
Decrépita e velha:
uma esperança
que partiu,
não nos esperou.


 

387

 

Os restos de sonhos
de uma vida cansada,
esquecida, perdida..
Os restos de sonhos sangram:
são somente, feridas.


 

388

 

Minha filha não sabe,
mas eu sinto:
seu sorriso inocente,
tão alvo, contente..
doendo em meu peito..
É que, de tanto sonhar,
perdi o jeito para a vida e,
já nem sei mais lutar.
A vida, feita de amor,
às vezes, pode sangrar.


 

389

 

Poeta por necessidade,
nasci em meio à fumaça negra
e o concreto de uma grande cidade.
Santo André é uma “fotografia
desbotada na memória”.
Não possuo passado,
nem futuro.
O hoje é uma página em branco que,
jamais, será história.


 

390

 

O Dom que Deus me deu!...
O que fazer?
Não passo
de um pobre poeta obscuro que,
nem o presente legado
percebeu.


 

391

 

Entristecido,
sinto-me um animal ferido.
Procuro à minha volta
e me hei abandonado.
À cada novo dia,
tenho chorado.
Enganei-me,
fui enganado.
Dos homens
o que mais
poderia ter esperado?.


 

392

 

Vazio e deserto,
procuro-te.
Nada vejo por perto.
Não tenho paz.
Nem para viver,
nem para morrer.
Ainda tão moço,
trago uma corda
a ferir-me
o pescoço.


 

393

 

Este sonho miudinho,
mais parece um passarinho
sem ter forças
para voar.
Por Deus!,
o que vou fazer
para chegar
onde preciso
chegar?.


 

394

 

Velhas cantigas,
desertos eternos,
imensa solidão..
Tudo, tudo,
não passa de ilusão.
Mesmo estes versos
— inúteis versos —,
que restaram-me
nas palmas
das mãos.


 

395

 

Amanheço todos os dias
num desejo de contentamento.
Quisera extirpar tanto tormento,
e as incertezas desta vida.
Com o passar das horas
— findo o dia —,
meu desejo morre
à espera de uma nova aurora.


 

396

 

No fundo do quintal,
um vezo:
espanto secreto,
em meio às bananeiras...
No cacho de bananas,
o coração que sangra
guarda uma vida inteira...


 

397

 

Perdi a infância!.
Contudo, insisto em acreditar
que ainda sou criança.
Que ainda,
posso amar!.


 

398

 

Muito mais do que o sorriso,
perdi as esperanças.
Hoje tudo o que me resta,
são tristes e antigas
lembranças.


 

399

 

Minha alegria
parece-me estranha,
a bater latas e a saltitar.
Mas isso,
são somente sonhos,
lembranças..
Minha alegria partiu.
Há muito perdeu-se
por aí,
para nunca mais
voltar!...


 

400

 

Meus versos são
todos desajeitados.
Pobres nas rimas;
nas roupas, esfarrapados...
Contudo, jamais deixam,
de fingir
que são,
alados.

 

 

FIM.

 

 

Mauro Gonçalves Rueda
São José do Rio Preto/Barretos, 1.995.


 

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Maio 2003

 

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