capa

eBookLibris

INTRODUÇÃO À MEDIDA DA CULPABILIDADE

Paulo Mauricio Serrano Neves

www.ebooksbrasil.org


 

 

Introdução à Medida da Culpabilidade
Paulo Mauricio Serrano Neves

Edição
LIBER
LIBER

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital:
Documento do Autor

Copyright:
© 2001-2006 Paulo Mauricio Serrano Neves


 

Plano da obra

Dedicatória
Prolegômenos
1 – FUNDAMENTOS LEGAIS
2 – DA FIXAÇÃO DA PENA BASE PELOS FUNDAMENTOS LEGAIS
3 – DA VONTADE ORIGINADA DO ANTEPROJETO
4 – DO IMPÉRIO DA DECLARAÇÃO
5 – DO CONTEÚDO DA DECLARAÇÃO
6 – DAS IMPLICAÇÕES DE UMA DECLARAÇÃO OBSCURA
7 – INTRODUÇÃO Á MEDIDA DA CULPABILIDADE
8 – DOS LIMITES DA FLEXÃO DA MEDIDA DA CULPABILIDADE
9 – DO MÍNIMO GRAU DE CENSURA EXIGIDO PELO DIREITO PENAL
10 – DOS LIMITES QUANTITATIVOS DA PENA BASE
11 – CONCLUSÕES FINAIS


 

 

Dedicatória

À Sara, minha mulher, pelo seu indispensável suporte logístico; à Dr. Ana Clara, minha assessora, pela tolerância em atulhar seus olhos e ouvidos com o meu fazer e refazer; e à S.H. que fez a crítica e indicou as arestas a serem aparadas e o polimento a ser dado.


 

 

Prolegômenos

A culpabilidade foi introduzida no Direito Penal Brasileiro com a vigência da nova Parte Geral do Código Penal, em janeiro de 1985. O legislador, na Exposição de Motivos, referiu-se a ter preferido a expressão "medida da culpabilidade" no lugar de "intensidade do dolo ou culpa". De lá até hoje a minha experiência vem mostrando que a formulação antiga tem resistido a ponto de serem encontradas sentenças em que o prolator diz estar a culpabilidade caracterizada pela intensidade do dolo. Se justificativas existem para o vício, a mais importante delas, no meu entender, é que nossos doutrinadores dominantes no mercado não concederam à culpabilidade o espaço necessário para divulgação de sua natureza, creio que, pelo costume do subjetivo "tratamento em bloco" dado ao revogado dispositivo sobre a fixação da pena base.

O tratamento em bloco consistia, como me descreveram alguns magistrados, em apreciar as circunstâncias judiciais e ditar uma pena base, coisa que, diziam, com a experiência, passa a ser feito facilmente. Por tal, os tribunais superiores houveram de adotar posicionamentos que conferissem alguma segurança aos decisórios, a exemplo da vinculação da pena base no mínimo do tipo quando todas as circunstâncias judiciais fossem favoráveis ao réu, e esforços serem dedicados para tornar boa parte das condenações mais justas. O que se via acontecer fazia parecer que os desembargadores, com mais experiência do que os juízes, eram capazes de atribuir penas mais justas, ou seja, a fixação da pena era uma operação personalíssima, tão subjetiva que alguns juízes eram referidos como de "mão pesada" e, por isso, não só ficavam os acusados à mercê da "mão" do magistrado, como os recursos mais eram contra o juiz do que contra a decisão.

A revogada Parte Geral veio à luz no início dos anos quarenta, época em que – lembrarão comigo os de mais idade – comprava-se um "corte de tecido para terno" e, se fosse de bom tamanho o sujeito o pano não dava para fazer o colete, resultando num terno de duas peças ou, se pequeno fosse, pano sobraria até para fazer um embornal. Vale a pena abrir um velho livro de culinária para encontrar expressões do tipo "tome um bom punhado de farinha de trigo e acrescente ovos até dar consistência".

Determinados vícios transitam imutáveis no tempo, como por exemplo o de adquirir-se um litro de óleo (comestível ou lubrificante), que na verdade, se for embalado em lata contém apenas nove décimos do litro (0,9 litro) ou seja, um quarto de galão (1 galão = 3,6 litros).

O desvio visou mostrar que mesmo pessoas cultas e informadas podem lidar com idéias falsas durante muito tempo sem questioná-las.

Necessário trazer à luz os pontos básicos da Teoria Finalista da Ação para que melhor seja compreendido o propósito deste estudo. Ao invés de uma exposição própria preferimos, para recorrência do leitor à integra das exposições, trazer de fontes publicadas, o que fazemos aqui com Carlos Aldamyr Condeixa de Castro (Dolo no Tipo, Liber Juris, Rio de Janeiro, 1989):

"Indiscutível ser a essência do atuar humano final, substancialmente entendido no sentido dado pelo homem que se propõe a um fim. A experiência da vida não faz concessões absolutas aos causalistas para assumirem uma posição criadora do acontecer causal que é uma realidade imposta ao Direito. Agora, os finalistas partem dessa característica como fundamental do formulado por WELZEL. Como seja: por estar a finalidade na ação (ao mesmo tempo em que dolo e finalidade são da mesma identidade) temos que o dolo está na ação (representada no âmbito penalístico por um tipo penal) e, consequentemente, a dedução do dolo no tipo (o injusto típico)." (pág. 22/23)

Agora, daremos, em síntese, além da clássica característica da Ação finalista, as que se seguem; sem distanciar de nosso trabalho, mas, precisamente, porque a crítica tem corrrelação com o tema.

"A Teoria da Ação Finalista estabelece para as duas categorias de crimes, doloso e culposo, o interesse tanto do desvalor do resultado (bem compreendido como a lesão quanto ao perigo exposto ao bem jurídico), quanto o desvalor da ação. Isto quer dizer que a maior relevância para a antijuridicidade será fazer funcionar nessas categorias delitivas (dolosa ou culposa) a maior ou menor presença de um ou outro desvalor. "(pág. 24/25)

A âncora doutrinária assegura a compreensão de que o tipo penal tem a propriedade de permitir que o agente nele penetre e conjugue o verbo núcleo característico. A conjugação do verbo núcleo com o fim de alcançar o resultado nele mesmo previsto, ou para o qual ele aponta, tem como regra geral que o agente não só quis conjugar o verbo como quis que o resultado se apresentasse conforme anunciado, e isto é o dolo, categoria implícita na descrição legal. Pode ser, no entanto, que o agente, estando a conjugar um verbo não nuclear de tipo, querendo fazê-lo e querendo que o resultado não tipicamente penal se apresente, o faça de modo que o vetor da ação aponte para um tipo penal e o resultado desse tipo se apresente para além daquilo que o agente desejava, e isto será a culpa, categoria ou espécie explicitada como uma exceção pertinente a um tipo.

A incursão no tipo, nos dois modos, permitirá, que seja respondida a elementar interrogação: quem fez isso? E a resposta traduzirá um vínculo de natureza primária, essencial, genéricamente denominado culpa, ou culpa em sentido largo, cujas espécies são o dolo e a culpa em sentido estreito. Essa construção é que permite seja emitida a declaração de que o agente é culpado (atribuição da qualidade) com a consequente necessidade de que, e à semelhança do que é feito com outras qualidades atribuíveis a pessoas, seja feita uma referência quantitiva. Como a qualidade é atribuída ao sujeito, a ele pertencerá a quantidade porque a ele, exatamente, pertence a qualidade, e isto é a culpabilidade e sua medida. Nítido, então, que a Teoria Finalista da Ação, ao promover a separação entre o dolo e a culpabilidade, atribuiu ao dolo residir no tipo, mas assegurou que a culpabilidade poderia visitá-lo e com ele relacionar-se, sempre que levada por alguém, alguém que, extraordinariamente entrando por outra porta, na casa se encontrasse com a culpa.

A idéia leiga da medida da culpabilidade poderia ser expressa como o ato de o vendedor cortar o tecido para o terno de acordo com o tamanho do freguês. Evidentemente, a transposição para o campo jurídico penal não é assim tão simples, e não ousaria tentar ser mais claro do que Francisco de Assis Toledo, em Princípios Básicos de Direito Penal, SARAIVA, 1990, pág 216 (ob. 1):

IV – Culpabilidade

§16. Noção e evolução da idéia da culpabilidade. Culpabilidade por fato doloso

224. A palavra "culpa", em sentido lato, de que deriva "culpabilidade", ambas empregadas, por vezes, como sinônimas, para designar um dos elementos estruturais do conceito de criem, é de uso muito corrente. Até mesmo as crianças a empregam, em seu vocabulário incipiente, para apontar o responsável por uma falta, por uma travessura. Utilizamo-la a todo instante, na linguagem comum, para imputação a alguém de um fato condenável. Seria incorreto dizer-se, por exemplo: Pedro tem culpa pelo progresso da empresa que dirige; o mesmo não aconteceria, porém se disséssemos: Pedro tem culpa pela falência da empresa que dirige. O termo culpa adquire, pois, na linguagem usual, um sentido de atribuição censurável, a alguém, de um fato ou acontecimento. Veremos que o seu significado jurídico não é muito diferente. Todavia, se olharmos de frente a culpabilidade jurídico-penal, será fácil perceber que não estamos diante de algo tão simples como parece.

Adiante, como o estudo está centrado na medição da culpabilidade, alinham-se anotações doutrinárias para facilitar a evocação do conhecimento:

a) Concepção psicológica da culpabilidade (ob. Cit. 1)

...culpabilidade é uma ligação de natureza anímica, psíquica, entre o agente e o fato criminoso.

Para os penalistas que adotam tal entendimento, se indagarmos o que é a culpabilidade e onde está a culpabilidade, a resposta virá logo:

1º) a culpabilidade é a ligação psicológica entre o agente e o fato;
2º) a culpababilidade, por isso mesmo, só pode estar no psiquismo do agente.
b) Concepção normativa da culpabilidade (ob cit. 1)

Para ser culpável não basta que o fato seja doloso ou culposo, mas é preciso que, além disso, seja censurável ao autor. O dolo e a culpa stricto sensu deixam de ser espécies de culpabilidade e passam a ser "elementos dela".

Se indagarmos aos seguidores dessa corrente "o que é a culpabilidade" e "onde ela se encontra" receberemos a seguinte resposta surpreendente:

a) a culpabilidade é um juízo de valor sobre uma situação fática de ordinário psicológica;
b) os seus elementos psicológicos (dolo ou culpa) estão no agente do crime, mas o seu elemento normativo está no juiz, não no criminoso.
c) Concepção da culpabilidade na doutrina finalista (ob cit. 1)

Resumindo, se indagarmos aos inúmeros seguidores da corrente finalista o que é a culpabilidade e onde pode ela ser encontrada, receberemos esta resposta:

1º) a culpabilidade é, sem dúvida, um juizo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso;
2º) esse juízo só pode estar na cabeça de quem julga, mas tem por objeto o agente do crime e sua ação criminosa.

Privilegiamos a obra citada porque mais do que exposição das teorias, nela o autor as discute, apresentando os prós e os contra, valendo a pena revisitá-la. A culpabilidade tem seus pressupostos elencados de forma reduzida como sendo: imputabilidade, potencial consciência do injusto e exigibilidade de conduta conforme ao direito. Para minha própria compreensão ajustei que a imputabilidade, nos limites dados nos arts. 26, 27 e 28 do Código Penal (com restrições à embriaguêz voluntária ou culposa), permite enfrentar a questão de que sendo inescusável (art. 21 do CP), o desconhecimento da lei é ao mesmo tempo  circunstância atenuante (art. 65, II do CP).

CP – Art. 26. É isento de pena o agente que ...
CP – Art. 27. Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ...
CP – Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: ...
CP – Art. 21. O desconhecimento da lei é inexcusável ...
CP – Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:...
II – o desconhecimento da lei;

A inexcusabilidade ou ignorância da lei de modo algum afeta a consciência do injusto profano, enquanto que no erro a consciência do injusto profano cede espaço para vícios de percepção sobre o continente da ilicitude (elementos do tipo) ou sobre o conteúdo da ilicitude (erro de proibição). O tratamento dado à evitabilidade do erro, isentando de pena ou diminuindo-a, contempla que o agente tenha podido ou não formar um juízo correto sobre o que conhecia, enquanto que a atenuação contempla o que o agente desconhecia, nos dois casos sem nenhum interesse pelo sentimento do agente em relação ao justo ou injusto do seu fazer, preservando a universalidade da lei e afastando qualquer juízo antecipado de censura. Assim, tive por conta que a formulação reduzida melhor se assenta na compreensão do fazer do agente quando "injusto" e "direito" forem tomados como conceitos profanos que formam um par indissociável, levando a que, quando do juízo de censura (art. 59 do CP) todas as questões legais já tenham sido vencidas. Em suma, nada que conste do Código Penal que importe em flexionar a pena para cima ou para baixo, refere-se à medida de culpabilidade que ao julgador é comandado fazer, com o que é evitada a repetição ou supressão de incidências que poderiam transformar a aplicação do art. 59 numa tarefa tormentosa cujo resultado tenderia para o ininteligível.

CP – Art. 59. O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos ...

A ampliação do elenco mostrará, por certo, aspectos que muitas vezes não são considerados no plano prático, e a citação de Hans Welzel in Derecho Penal Aleman, Parte General, Editorial Jurídica de Chile, 1970, refaz a compressão:

IV. Los elementos (pressupuestos) de la reprochabilidad

El reproche de culpabilidad presupone que el autor se habria podido motivar de acuerdo a la norma, y esto no en un sentido abstracto de que algún hombre en vez del autor, sino que concretamente de que este hombre habría podido en esa situación estructurar una voluntad de acuerdo a la norma. Ese reproche tiene dos premissas:

1. que el autor es capaz, atendidas sus fuerzas psíquicas, de motivarse de acuerdo a la norma (los pressupuestos existenciales de reprochablidad: la "imputabilidad");

2. Que él en situacióm de motivarse de acuerdo a la norma en virtud de la compreensión posible de la antijuridicidad de su propósito concreto (los presupuestos especiales de la reprochabilidad: la possibilidad de conprensión de lo injusto).

A esta parte já se começa a se tornar claro que o dolo cuja "intensidade" determinava a quantidade de pena base, desdobrou-se em dois aspectos: um atinente ao autor e outro atinente ao fato. O primeiro aspecto pertence ao plano da vontade de declarar a punição do autor do fato e o segundo aspecto pertence ao plano do conteúdo da declaração do direito positivo sobre o crime pelo qual o autor será punido. A relação que se mantém entre os dois aspectos é a correspondência entre a vontade de declarar e o conteúdo da declaração. Tais aspectos, do ponto de vista jurídico-penal são potencialmente abstratos e se tornam sensíveis apenas quando a relação entre um autor e seu fato se dá na matriz da correspondência, tornando possível afirmar que a relação jurídico-penal estará completa se – e somente se – o causal-fático e o causal-jurídico percorrerem, paralelamente, o mesmo caminho. Assim, por exemplo, o causal-fático "matar alguém" submete-se ao causal-jurídico doloso (regra implícita), culposo (exceção explícita) ou justificante (exclusão explícita da regra) sem que a realidade da morte causada por ação humana sofra alteração, permitindo avaliar que assim como os fatos penais começam eles terminam: lícito-lícito, ilícito-ilícito, doloso-doloso etc.-etc. Como as duas causalidades se apresentam simultâneas, e podem se apresentar sucessivas (p.e.: o excesso punível), a sede em que poderão ser percebidas é o fato (mutação no mundo exterior ao agente) que se submete ao tipo e, como o tipo não aceita menos e nem quer mais do que pede, não existe medida, e sim pura adequação fático-jurídica, ou fato-espécie-legal.

Para mais aclarar, seja examinado que enquanto a ação proibida declarada no direito positivo não é realizada por um agente ambos estão situados no plano do "direito", e quando é realizada ambos baixam para o plano do "torto" (unrichtig como anota Graf zu Dohna), o que mostra o momento em que a ilicitude (ou antijurisdicidade) aparece como pressuposto para a reação jurídica contra aquele que se demonstre ser "capaz".

A proporcionalidade da reação jurídica aparece, com razões que não comporta aqui expor, nas sanções e nas suas diminuições, aumentos, agravamentos e atenuações, e em outros momentos a reação jurídica se nega, excluindo a ilicitude, o dolo e a culpabilidade.

A ilicitude existe ou não existe: ou é lícito ou é ilícito.

O dolo, vetor (vontade) apontado para o resultado previsto no tipo, tem como módulo uma constante: não se pode dizer que alguma morte foi produzida por uma maior ou menor vontade de matar.

A verificação da culpabilidade, porém, leva em conta os pressupostos da existência e consistência da vontade. Por existência da vontade tome-se a imputabilidade, podendo ser verificado que recebe um tratamento bio-psíquico que contempla a idade penal mínima e as reduções por desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Por consistência da vontade tome-se o processo de formação, que pode ser resumido como o interesse quanto ao fim, correspondendo, então, o evento resultado da ação à satisfação do desejo do agente.

O processo de formação da vontade é comum a qualquer vontade e a qualquer valor que seja atribuído aos seus elementos.

A dificuldade em lidar com a culpabilidade não está nela mesma, mas sim nos dificultadores que se apresentam para aquele que a verifica.

O maior e mais comum dificultador é a insuficiência de informações sobre o autor e seu fato, o que conduz, com perversidade, à formação de um catálogo de tipos de autor, a maioria indexada na letra pê (pr*, po*, pu* etc).

Em seguida vêm os próprios ditados da lei que aparentemente não deixam espaço para que a culpabilidade apareça, por apresentarem tormentosa interpenetração entre eles mesmos ou entre eles e a culpabilidade, como é o caso dos elementos subjetivos do injusto que, quando presentes na norma passam a ser elementos subjetivos do tipo ou, o caso em que um desvio de personalidade determine os motivos do crime, quando pode ser visto que os motivos são efeito da personalidade e que, portanto, não podem as duas circunstâncias judiciais, nesse caso, serem causa de flexão da pena, ao mesmo tempo.

Os últimos dificultadores residem na cabeça de quem faz a verificação da culpabilidade: humanos julgando humanos, e querer-se-á equilíbrio de um juiz criminal que já foi assaltado à mão armada!

Ora, se a verificação da culpabilidade já se apresenta complexa e difícil, a tarefa de medí-la, ou graduá-la se apresenta tão mais, exigindo, para segurança nas fixações de pena, um tratamento científico.

James Goldschmidt, em La Concepción Normativa de la Culpabilidad, refere-se à culpabilidade como sendo a "medida da responsabilidade" e anota:

Y precisamente, la gravedad de la culpabilidad se determina según el grado en que la motivación no corresponde a la exigibilidad. (pág. 43)

Prossegue Goldschmidt citando Frank:

La culpabilidad es tanto mayor cuanto más diste la motivación del autor de la motivación justa, y es tanto menor cuanto más intervengam en ella circunstancias que se acerquen a una causa de exculpación. (pág. 43)

Como estamos em busca da medida da culpabilidade, ou grau de reprovação, ou grau de censura, encontramos reforço no Prof. Hans Welzel (ob. Cit.) quando cuida da aplicação da pena:

La medida de la pena se gradúa fundamentalmente de acuerdo a la gravedad de la culpabilidad. Además, deben tomarse en consideración os efectos que puedem esperarse de la pena para la vida futura del autor en la sociedad.

La segunda frase destaca el punto de vista de la resocialización, que la pena debe considerar especialmente, pelo ella no se agota en él, sino que conprende también otros puntos de vista, como por ejemplo el efecto de recuerdo (Denkzettel) en la pena pecuniaria y la función de advertencia en el hechor por conflicto. A la inversa le señala al juez la necessidad de considerar los efectos disociadores, que en determinadas circunstancias puede tener una pena privativa de libertad en personas incorporadas en el núcelo social. (pág. 353)

Não é demais anotar que o termo "culpabilidade" tem a mesma compreensão e extensão a cada vez que aparece, não merecendo seja a hermenêutica subvertida para que a "culpabilidade", ora aqui, ora alí, seja acomodada a conveniências outras distantes do original.


 

 

1 – FUNDAMENTOS LEGAIS

O vocábulo culpabilidade aparece no Código Penal vigente nas seguintes oportunidades (grifo nosso):

1.1 – DO CONCURSO DE PESSOAS

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

1.2 – DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO

Art. 43. As penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

1.3 – DA APLICAÇÃO DA PENA (Fixação da Pena Base)

Art. 59. O juiz, atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, aos motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário para a reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, pôr outra espécie de pena, se cabível.

1.4 – DA APLICAÇÃO DA PENA (Crime Continuado)

Art. 71. Quando o agente, ...
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bemcomo os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena...

1.5 – DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (Requisitos)

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a dois anos, poderá ser suspensa, por dois a quatro anos, desde que:
II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias autorizem a concessão do benefício;


 

 

2 – DA FIXAÇÃO DA PENA BASE PELOS FUNDAMENTOS LEGAIS

A fixação da pena base, numa visão tópica, seguiria duas trajetórias diferentes:

Seja um Crime:

1) Seja a primeira hipótese na qual Pedro pratica o Crime;

2) seja a segunda hipótese na qual Pedro e Antônio concorrem para o Crime;

Na primeira hipótese o juiz fixará a pena base de Pedro a partir do Art. 59 (CP), "atendendo" a culpabilidade e os demais fatores do rol.

CP – Art. 59. O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos ...

Na segunda hipótese o juiz deverá aplicar o art. 59 (CP) duas vezes, observando que o Art. 29 (CP) comanda a medida da culpabilidade para Pedro e Antônio, separadamente.

CP – Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

A aparência tópica é de que para o agente singular a operação começa já no art. 59, enquanto que para o agente plural a operação passa primeiro pelo art. 29, e que por tal para o singular não se mede e para o plural sim. No entanto, verifica-se de imediato que tal interpretação conduz a tratamento diferenciado, deixando o agente singular à mercê da "mão" do julgador, e exigindo para o agente plural uma declaração clara e precisa, consistente em uma medida.

A isonomia no tratamento, por certo não consistiria em escolher entre medir ou não medir para todos, vez que a culpabilidade, como conceito jurídico, tem carga própria de compreensão e extensão. Na verdade, é até possível concordar com Everado da Cunha Luna que, escrevendo seus Capítulos de Direito Penal, comenta:

Pode-se dizer que, no anteprojeto, a cláusula "na medida de sua culpabilidade" funciona, não como fixação, na lei, da acessoriedade limitada, mas com reforço, no concurso unitário, do princípio de que a equiparação dos partícipes é temperada pela individualização da pena. (pág. 255)

O pinçamento do comentário do mestre Everardo tem destaque pela expressão "temperada pela individualização da pena".

A propósito, e apenas para reforço, convém anotar que o verbo individualizar significa tornar concernente ou peculiar a uma só pessoa (indivíduo) e individuar significa especificar, narrar minuciosamente. Enquanto individuar substantiva ou nomina o indivíduo, individualizar adjetiva ou atribui ao indivíduo. Assim, a pena fixada não é para Pedro, é de Pedro, porque as declarações a outro não se ajustam. Na prática, primeiro é declarado o indivíduo (quem é Pedro), e depois é declarado o individual (o que é de Pedro).


 

 

3 – DA VONTADE ORIGINADA DO ANTEPROJETO

Seja examinada na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral:

50. A diretrizes para fixação da pena estão relacionadas no art. 59, segundo o critério da legislação em vigor, tecnicamente aprimorado e necessariamente adaptado ao novo elenco de penas. Preferiu o Projeto a expressão "culpabilidade" em lugar de "intensidade do dolo ou grau de culpa", visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena.

66. Orientado no sentido de assegurar a individualização da pena, o Projeto prevê a modalidade de suspensão especial,..., o benefício somente será concedido se as circunstâncias do art. 59 lhe forem inteiramente favoráveis, isto é, se mínima a culpabilidade,...

A redação da parte final do número 50 é clara para os doutrinadores autores do projeto, mas a entendo um tanto quanto hermética para o nível dos aplicadores que atravessaram décadas fixando a intensidade do dolo ou grau de culpa, e isto faz merecer que a exposição seja expandida.

A culpabilidade, evidentemente, aponta para o autor do fato e é, antes de ser incorporada ao mundo jurídico, um conceito profano: diz-se culpado aquele que praticou, ou colaborou para um fato desagradável, e diz-se também, profanamente, se a culpa é pouca ou muita.

Para efeito de fixação do conceito, relembre-se a final da Copa do Mundo de 98, quando os torcedores fizeram os seus julgamentos, atribuindo a este ou aquele alguma participação na derrota e, visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade de pena, sugeriram desconvocações, banimentos e defenestrações. Evidentemente, houvesse o Brasil se sagrado campeão do mundo e não se poderia falar em culpados pela vitória.

Para lidar com a culpabilidade não é preciso saber onde foi parar o dolo pois, se o dolo é o produzir o resultado ou assumir o risco de produzi-lo como fruto da vontade orientada, jamais será possível afirmar que alguém "matou mais" ou "matou menos": a vida existe ou não existe. Do mesmo modo a culpa passou a ser indicada pelo tipo, como na espécie lesão corporal (leve, grave e gravíssima). Se simples no crime unisubjetivo, na hipótese do concurso de pessoas é necessário distinguir os verbos núcleo conjugados pelos participantes: autores conjugam o verbo núcleo do tipo e partícipes não conjugam o verbo núcleo. A vontade de cada um dos participantes materializa-se, pelo verbo conjugado, em eficiência causal ou potência necessária para realizar o evento. O evento, ou eficácia causal, ocorrerá em conformidade ou desconformidade com a vontade, segundo fatores externos sempre alheios à vontade do agente, porque por ele não desejados. Então, o modo como alguém concorre para o crime possui, além da identidade finalística, uma potência finalística avaliável na realidade fática como de maior ou menor importância para o evento. Quando a vontade dos participantes puderem ser substituídas ponto a ponto uma pela do outro (congruência), não será possível distinguir as participações uma da outra sem romper com o critério da identidade finalística, caso em que a unidade de potência finalística é resultante da soma das potencias finalísticas individuais (art. 29, caput), ou seja, na abstração de uma participação o crime não teria ocorrido. Quando, verificada a identidade finalística, a abstração de uma participação mostrar que o crime ainda assim ocorreria, tal participação será a de menor importância (§1º do art. 29). Nas duas hipóteses é a congruência que assegura ser o dolo igual para todos e portanto igual ao dolo do tipo, removendo qualquer resquício da doutrina da velha parte geral que cometia ao juiz uma discricionariedade nem sempre contida pela razoabilidade. Outro sentido pode ser dado de que na hipótese do 'caput' o resultado seria alcançado por apenas um e, então, graduável será a censura para a conduta desse um, e de um por um todos; enquanto que na hipótese do §1º o um não teria alcançado o resultado por conta de lhe ser própria a circunstância que impede a consumação (impotência finalística), e a pena é abonada pela diminuição à semelhança da hipótese da tentativa em que a potência finalística é degradada por circunstância alheia à vontade do agente e, do mesmo modo, graduável será a censura, vez que a diminuição é operação posterior à da fixação da pena base.

CP – Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de ...

3.1 – DA IGUALDADE DE TRATAMENTO

Entre os artigos 29 e 59 existe uma diferença na redação. Enquanto o primeiro refere-se à "medida da culpabilidade" o segundo trata apenas da "culpabilidade".

A diferença apontada, a olho descalço, poderia induzir que num caso a culpabilidade é medida e no outro não, gerando a idéia de que o art. 29 é especial, e que persiste em relação ao art. 59 a antiga fórmula da "apreciação em bloco".

CP – Art. 59. O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos ...

Os números 50 e 66 da Exposição de Motivos ao se referirem a "índice (de censura)" e "mínima (culpabilidade)" impedem que a diferença na redação seja tomada como diferença na aplicação, de sorte que a graduação da censura (medida da culpabilidade) não se distingue do índice (grau de culpabilidade).

O art. 29 tem como novidade em relação ao texto revogado, apenas o acréscimo da expressão "na medida da sua culpabilidade", enquanto que o antigo art. 42  teve a expressão "intensidade do dolo ou grau de culpa" substituída por "culpabilidade", transformando-se no atual art. 59. Portanto, a expressão "intensidade do dolo ou grau de culpa" desapareceu, e desapareceu porque o dolo obteve nova locação.

A justificativa para uma "intensidade de dolo" ainda insepulta parece ser a não percepção de que, como anota Carlos Adalmyr Condeixa da Costa em Dolo No Tipo (Liber Juris, 1989, Rio de Janeiro):

"Está evidenciado ser o dolo um elemento do tipo, porque somente constatável diante da tipicidade do acontecer externo."

Com razão anotou, tanto que Carrara já buscava distinguir a tentativa de homícidio da lesão corporal pelo instrumento, sede, intensidade e número de golpes, ou seja, na materialidade ou objetividade do fato.

3.2 – CONCLUSÃO

A inclusão da medida da culpabilidade no concurso de pessoas, a par de críticas à técnica, evitou que a "intensidade do dolo" antes servível ao concurso de pessoas e à fixação da pena, mas explícita apenas nessa última, remanescesse no concurso como medida da cooperação para o resultado.

A medida da culpabilidade referida no art. 29 do Código Penal não se refere à medida do fazer do participante, mas à medida da censura ao fazer, que, para não constituir privilégio do concurso de pessoas deve ser feita de igual modo em relação ao agente singular.


 

 

4 – DO IMPÉRIO DA DECLARAÇÃO

A individualização da pena é um comando que desce do nível constitucional para o nível ordinário. Sua sede original (art. 5º, XLVI da CF) permite que lhe seja dada interpretação extensiva, não tendo nenhum texto legal que passou vigente para o pós-88 força restritiva da compreensão e extensão.

CF – Art. 5º. ...
XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará ...

A prática da individualização da pena, pelo que me é posto sob os olhos, tem se revelado sofrível. Casos vi em que a individualização não passou de colocar o nome do condenado no início do parágrafo, sem que nenhuma das circunstâncias judiciais tenha merecido outro registro senão o do nome jurídico com que se apresenta no art. 59.

Em sede de direito penal e em particular quanto às circunstâncias judiciais, a individualização deve obedecer a que o predicado convenha ao sujeito, ou seja, a individualização deve ser o reconhecimento de que o sujeito possui os predicados. Tal reconhecimento dever ser, então, objeto de uma declaração motivada.

4.1 – APONTAMENTO DOUTRINÁRIO

"Do mesmo modo que a publicidade dos atos processuais, impõe-se, especialmente no âmbito da jurisdição penal, como dever funcional inafastável do agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal – a motivação dos atos decisórios.

Desembaraçado e desvinculado das alegações dos sujeitos parciais do processo, incumbe ao órgão jurisdicional, segundo preciso ensinamento de JOSÉ ALBERTO DOS REIS, fazer incidir sobre os fatos levados à sua cognição a norma jurídica que entender a eles aplicável: " ao juiz compete interpretar e aplicar livremente a lei ".

Todavia, essa liberdade, sobretudo de apreciação dos fatos da causa, ou seja, de formação do seu convencimentos, não é ilimitada, como anota, já agora, ARRUDA ALVIM, e a saber: a " liberdade do juiz no seu julgar, conforme o Direito, encontra na necessidade de fundamentação ("justificação") o seu preço".

É portanto, mediante a motivação que o magistrado pronunciante de ato decisório mostra como apreendeu os fatos e interpretou a lei que sobre eles incide, propiciando, com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da abordagem de todos os pontos questionados e, conseqüente e precipuamente, a conclusão atingida.

Por isso que, segundo opinião doutrinária generalizada, ela se presta para:

a) no plano subjetivo, evidenciar ao órgão jurisdicional monocrático ou coletivo que o profere, e " antes mesmo que às partes, a ratio scripta que legitima o ato decisório, cujo teor se encontrava em sua intuição ";

b) objetivamente, persuadir as partes, especialmente aquela desfavorecida pelo ato decisório, de que este se ateve à realidade fática e jurídica retratada nos autos do processo, com a correta aplicação da lei aos fatos, devidamente comprovados, de sua perfeita especificação ao caso concreto;

c) no campo da hierarquia funcional, no exercício da jurisdição, permitir o controle crítico do decidido, delimitando o conteúdo da vontade de seu prolator, e, conseqüentemente, dos limites objetivos do julgado, e propiciada ao órgão recursal rigorosa análise, tanto no aspecto formal, como no material, do pronunciamento recorrido; e,

d) servir, quando correta e justamente proferido o ato decisório, para o aprimoramento da aplicação do direito, e, reflexivamente, para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e da orientação jurisprudencial.

Daí a afirmada imprescindibilidade da motivação de todos os atos dos órgãos jurisdicionais que tenham conteúdo decisório, consubstanciada no dever funcional de justificação do comportamento profissional dos agentes do Poder Judiciário, que, pela sua natureza, inadmite qualquer limitação." (Rogério Lauria Tucci – Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro – Saraiva – São Paulo, 1993 – p. 261)

4.2 – APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS DO TJGO

Criminal. Sentença. Pena-base. É dever do juiz especificar os motivos pelos quais fixou a pena-base acima do mínimo previsto na lei.

Essa justificação se funda, essencialmente, nas circunstâncias judiciais enumeradas no art. 59 do CP. Recurso extraordinário não conhecido, por não haver sido o vício de sentença ventilado na apelação. Habeas Corpus concedido de ofício, para anular a sentença na parte em que fixou a pena, a fim de que o juiz cumpra o disposto no art. 59 do Código Penal. (Recurso Extraordinário Criminal n. 114783 – MA, RTJ – 127/6783 – Acórdão de 17/05/88 – Relator Carlos Madeira). Adotada no (TJGO – Apelação Criminal n.º 15782 – Comarca de Piracanjuba – Primeira Câmara Criminal. – Acórdão de 21/12/95 – Relator Messias de Souza Costa).

É necessário que a quantidade e qualidade da pena de multa estejam vinculadas ao grau de censurabilidade da conduta pois a sanção deve ser suficiente para prevenir o crime, tanto no seu sentido genérico, como específico. (TACRIM – Apelação Criminal – Comarca de São Paulo – RJD 18/114 – Relator Silva Ricco). Adotada no (TJGO – Apelação Criminal n.º 16167 – Comarca de Goiânia – Primeira Câmara Criminal – Acórdão de 24/09/96 – Relator Lafaiete Silveira).

Não é possível excluir-se a análise da culpabilidade para aplicação da pena. Para que se forme o juízo de censura, num estado de direito que se presume ter um direito penal democrático, a questão da culpabilidade assume relevância ímpar, visto que, além do dolo, que é motivo de dupla valoração, uma relevando ao nível do tipo-de-culpa, são analisadas a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, todos com fatos concretos, porque graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade e na qualidade da pena, esta alternativamente. – A ausência de fundamentação vulnera os comandos normativos dos artigos 5º, inciso LXVI, 93, inciso IX, da Constituição Federal, e 59 do Código Penal. – Apelação conhecida e decretada, de ofício, a nulidade da sentença condenatória. (TJGO – Apelação Criminal n.º 14500 – Comarca de Goiânia – Acórdão de 21/12/95 – Relator Byron Seabra Guimarães). Adotada no (TJGO – Apelação Criminal n.º 16615 – Comarca de Pirenópolis – Primeira Câmara Criminal – Acórdão de 31/10/96 – Relator Felipe Batista Cordeiro).

Júri. Sentença penal condenatória. Nulidade. Nula é a sentença que não analisa as circunstâncias elementares da culpabilidade (imputabilidade, consciência da ilicitude do ato e exigibilidade de conduta diversa), em afronta ao disposto no art. 59 do Código Penal. (TJGO – Apelação Criminal n.º 16615 – Comarca de Pirenópolis – Primeira Câmara Criminal – Acórdão de 31/10/96 – Relator Felipe Batista Cordeiro).

4.3 – CONCLUSÃO

É possível concluir que a medida da culpabilidade, ou grau de censura, deve estar presente na sentença sob a forma de uma declaração motivada.


 

 

5 – DO CONTEÚDO DA DECLARAÇÃO

À primeira vista, o escopo do art. 29 (CP) é distinguir a culpabilidade de cada concorrente, para tal encontrando a "sua medida", e medida não é um conceito profano.

CP – Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Mesmo abrandando o rigor científico para adequar o trato ao exercício das ciências humanas, não é de ser abandonado que medida refere-se ao quantitativo da qualidade (ou atributo) de uma coisa.

Seja, para exemplificar, uma rapadura, e na rapadura seja possível reconhecer qualidades, umas mais aparentes como tamanho, cor, peso, doçura, dureza etc.

Seja, à moda das ciências exatas, que as qualidades sejam chamadas de grandezas. Certo é que para descrever as quantidades das qualidades é necessário eleger um elemento de comparação, uma unidade e uma escala, homogêneos, e considerando realizada a eleição, é possível descrever o tamanho em metros, a cor pelo espectro, o peso em quilogramas-força, a doçura em graus Brix e a dureza em graus Brinnel.

Brix e Brinnel são palavras herméticas para os não iniciados na ciência açucareira ou da resistência dos materiais e, portanto, tais "graus" não revelarão ao leigo se a rapadura é mais ou menos doce ou mole. A declaração, neste caso é precisa mas de inteligibilidade restrita.

Dizer que a rapadura é pouco doce e muito mole é impreciso mas amplia consideravelmente a inteligibilidade.

O direito se realiza produzindo efeitos que serão suportados por alguém, e o direito penal pretende, em regra, privar alguém da liberdade, tornando imperioso que os motivos da imposição sejam inteligíveis para quem vai suportá-la. Outra justificativa não se tem senão a de que a liberdade é um direito personalíssimo e, portanto, não basta que as partes bachareladas entendam a declaração.

5.1 – CONCLUSÃO

É possível concluir que a medida da culpabilidade deve ser constituída por uma declaração motivada cuja compreensão e extensão estejam ancorados na precisão e clareza da exposição, tais que ao próprio condenado seja possível entender.


 

 

6 – DAS IMPLICAÇÕES DE UMA DECLARAÇÃO OBSCURA

O art. 1º da Lei de Execução Penal comanda a harmônica integração social do condenado, elegendo o critério da utilidade para a pena e apontando a sociedade como beneficiária. Assim, a sentença, enquanto reprovação e prevenção do crime comete ao juiz que labore em favor da sociedade.

LEP – Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições e sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou do internado.

Depois de fixada a pena definitiva, a culpabilidade reaparece como indicador de substituição (art. 43, III), da suspensão condicional (art. 77, II), e como causa de aumento (art. 71, parágrafo único), e é necessário entender que para estas operações o juízo(*) condenatório já está encerrado.

Seja que de uma sentença tenha havido recurso para aplicação da substituição, suspensão ou aumento tutorados pela culpabilidade.

A devolução é para que o juízo superior verifique o cabimento segundo a culpabilidade vinda do juízo inferior e, portanto, para que os limites da devolução sejam respeitados, o grau superior não poderá refazer, ou reconstruir o juízo de conhecimento em busca da medida da culpabilidade que não tenha sido declarada.

A solidez de princípios estruturais do direito penal seria reduzida a cacos se, diante da obscuridade (omissão, generalidade, ambigüidade etc.) da declaração sobre a culpabilidade fosse possível refazer ou reconstruir o juízo de conhecimento para descobrir "o que o juiz quis dizer com isso".

É de ser comentado, de passagem, por força de o argumento já ter sido submetido a apreciação deste autor, que a afirmação de que "a pena base reflete a medida não declarada da culpabilidade " contraria a principal regra de construção da sentença, que é a motivação da conclusão. Fácil seria que as motivações insuficientes ou ausentes pudessem ser reconstruídas a partir das conclusões, pois o modelo de sentença inquisitorial é recuperável na história: "É culpado, aplique-se a lei."

Por uma ótica menos discursiva, não é difícil ver que, sem a declaração da culpabilidade resultaria incerto qual a circunstância judicial que impôs maior peso na pena base. Como não é válido presumir que o maior peso foi da culpabilidade, a pena base estaria viciada pela incerteza quanto à causa principal, com a conseqüência de subtrair à defesa argumentar contra a fixação.

Veja-se que a culpabilidade é pressuposto necessário (nulla poena sine culpa) e a sua medida só terá sentido se operar como determinante da pena-base e justificar a correspondência unívoca. Assim, a quantidade de culpa encontrada determinará a quantidade de pena-base aplicada, vedada a operação reversa, pois a quantidade de pena não é a medida da culpabilidade, é apenas o seu correspondente.

A declaração da medida da culpabilidade deve ser reconhecida (ou identificada) na declaração da quantidade de pena base, resultando na certeza de que o condenado está sendo punido pelo que fez, e não pelo que ele é. Portanto, o grau de influência das circunstâncias que aparecem à frente da culpabilidade no art. 59 se reduz ao limite que não descaracterize a declaração dominante.

Transitada em julgado uma sentença incerta, surge o impedimento quanto à expedição do título executivo. Não se executam títulos incertos, quer no cível quer no penal, e por certo não se atreveria a justiça penal nem a formá-los.

A segurança dos cidadãos reside em que as sentenças formem um todo lógico cognoscível pela simples apreensão do seu conteúdo. Se surge a necessidade do refazimento do juízo para que a conclusão seja verificada, evidentemente a sentença estará carecendo de premissas que conduzam à conclusão.

6.1 – CONCLUSÕES

6.1.1 – A culpabilidade da qual derivam outras implicações é a mesma culpabilidade declarada que orientou a fixação da pena base.

6.1.2 – A ausência, insuficiência ou obscuridade da declaração impõe seja adotada a medida mínima em favor do condenado quando juízo posterior houver que decidir com fundamento na culpabilidade.

6.1.3 – O trânsito em julgado da ausência, insuficiência ou obscuridade torna firme uma pena incerta, e impede a formação do título executivo.

6.1.4 – O uso de equivalentes indefinidos (v.g.: "culpabilidade reprovável"; "considerando a intensidade da culpabilidade"; "reprovável intensidade de dolo"; "o dolo intenso indica a culpabilidade" etc.), frente à interpretação autêntica e sua adequação à doutrina moderna, nega vigência aos art. 29 e 59 d CP que consagram um direito à medida da culpabilidade.

6.1.5 – A justificativa de que o prolator não declarou a medida da culpabilidade mas a contemplou como gênero quando operou o art. 59 do CP, afronta o inciso XLVI do art. 5º da CF que comanda a individualização.


 

 

7 – INTRODUÇÃO Á MEDIDA DA CULPABILIDADE

O art. 59 impõe que o juiz atenda a um conjunto de 8 termos (C = culpabilidade, A = antecedentes, B = conduta social, D = personalidade, E = motivos, F = circunstâncias, G = conseqüências, H = conduta da vítima) em que o primeiro pode ser chamado de determinante, pois os demais só poderão ser atendidos se o primeiro for afirmativo: é culpado. No entanto, o art. 29 condiciona a incidência da pena à medida da culpabilidade, e por isso o primeiro termo, para permitir o prosseguimento do juízo, além de ser afirmativo, deve ser complexo: é culpado em tal grau.

Não é incomum verificar em casos concretos que as outras circunstâncias judiciais foram embutidas na culpabilidade, imprimindo nela um sentido perigosamente amplo. O juízo não pode, no primeiro passo, ir além da graduação da censura pelo fato praticado, estabelecendo a reprovação, e a reprovação é tão independente que as demais circunstâncias judiciais não serão apreciadas se reprovação não houver.

Acontecendo que o art. 59 (CP) cuida também da prevenção e observando que a culpabilidade por si só assenta a reprovação, não é possível reprovar através das demais circunstâncias judiciais e, como não são inúteis, resta para elas assentar a prevenção.

Não é desperdício destacar que o adjetivo "reprovável" é todo consumido pela culpabilidade, não podendo ser empregado em relação às outras circunstâncias. É que o art. 59 não pode cuidar, sob pena de graves tropeços, de uma culpabilidade pela personalidade, de uma culpabilidade pela conduta social etc.

A medida da culpabilidade é o índice da pena base, e a pena base tem seus limites fixados no tipo, logo, o objeto indexado (pena base) deve guardar relação de nível com o índice (medida da culpabilidade).

Sendo a pena base um resultado apurado entre medida da culpabilidade e as demais circunstâncias judiciais, a incidência destas últimas não pode desindexar o objeto, ou seja produzir um resultado que se afaste da medida inicial a ponto de o índice, contrariamente, não indicar.

7.1 – CONCLUSÕES

A pena base deve revelar uma culpabilidade circunstanciada, ou uma reprovação flexionada pela prevenção, de tal modo que a declaração da medida da culpabilidade e a quantidade de pena base se apresentem para o espírito como em equilíbrio.


 

 

8 – DOS LIMITES DA FLEXÃO DA MEDIDA DA CULPABILIDADE

Discute-se, objetivamente, a quantidade de flexão que pode ser imposta na medida da culpabilidade de tal modo que a pena base fixada não descaracterize a declaração do grau de censura.

O argumento central é o de ser a culpabilidade o pressuposto da pena e sua medida a determinante da quantidade da pena, não comportando que entre a declaração e a fixação exista disparidade que torne inteligível a implicação.

A solução que se propõe é fazer com que os demais termos do art. 59 produzam no grau de censura uma flexão (ou variação) incapaz de desnaturar a declaração e, para isto, será utilizado o conceito matemático de entorno, dando-lhe feições profanas.

Na prática, estar no entorno de alguma coisa é estar distante a ponto de ainda enxergar e reconhecer a coisa, ou estar mais próximo de alguma coisa do que de outra. A operação de arredondar números é um exemplo de como lidar com entorno.

Para tanto, seja estabelecido:

a) a culpabilidade será referida numa escala de m (mínima incidência) a M (máxima incidência)

b) o conteúdo do art. 59 será dividido em dois conjuntos: no primeiro teríamos C (culpabilidade) e no segundo teríamos as demais circunstâncias judiciais (A,B,D,E,F,G,H).

Partindo de que a pena base (Pb) é o resultado de uma operação entre os dois conjuntos e a sanção do tipo (St), e de que não pode ser inferior ao mínimo nem superior ao máximo da sanção prevista, tem-se a representação:

[imagem]

c) sendo a culpabilidade o determinante impõe-se que o grau de pena base mantenha uma proporcionalidade com o grau de culpabilidade, e isto é o entorno buscado.

As demonstrações matemáticas são enfadonhas e, embora seja possível automatizar o cálculo sem perder de vista as declarações do prolator, não é o caso para o momento e, por isto, serão adotados os operadores "f (função de)" e "# (indeterminado)".

Seja Mc a medida da culpabilidade e Pb o resultado buscado com a aplicação do art. 59 do CP:

para Pb » Mc (pena base proporcional à medida da culpabilidade),

tem-se que:

Pb = f (St, Mc) (a pena base é função da sanção do tipo e da medida da culpabilidade)

Como foram distinguidos dois conjuntos dentro do art. 59, e no primeiro conjunto só existe o elemento C determinante, é tido que:

Mc = {C # (A,B,D,E,F,G,H)} (medida da culpabilidade operada com as demais circunstâncias judiciais), e será

será Pb = {Mc # St} (a pena base é o resultado da operação entre a medida da culpabilidade e a sanção do tipo)

Sendo a representação gráfica mais esclarecedora:

[imagem]

A demonstração vem lidando com grandezas e a proporcionalidade entre elas, podendo ser visto que St e Pb estão representadas por segmentos de reta de mesmo comprimento cujos extremos são m e M permitindo inferir a correspondência ponto a ponto entre os segmentos.

Como as grandezas são proporcionais, devendo um ponto de St ter um correspondente na perpendicular baixada até Pb, é possível adotar uma única escala (régua de medida) e uma única unidade (caso de m e M).

Seja perguntada a temperatura do ar e a resposta dada seja 25, e até aí estarão representadas a grandeza (temperatura) e a medida (25), faltando, evidentemente, a unidade de medida (escala), ou seja: graus Celsius, Farenheit, Kelvin etc. Logo, a resposta inteligível seria, por exemplo: a temperatura é de 25 graus Celsius (25ºC).

Com o mesmo exemplo, é possível ter a noção do que é entorno matemático: a temperatura está no entorno de 25 graus Celsius. Se estiver abaixo de 25, deverá estar mais próxima de 25 do que de 24, e se estiver acima de 25 deverá estar mais próxima de 25 do que de 26.

Acontece que estamos lidando com uma operação de juízo dentro de uma ciência humana, buscando uma razoabilidade, mas não se pode deixar de lado a metodologia, merecendo, então que seja buscada na própria legislação penal, limites para a flexão da medida da culpabilidade, ou intervalo do entorno.

O exame do Código Penal revela que a variação da sanção prevista no tipo, para mais ou para menos, depende da força ou potência da variante, ou seja quão mais próxima do tipo estiver a variante.

Assim, pela ordem decrescente de potência, são encontradas: as qualificadoras, as causas, e as circunstâncias genéricas. As qualificadoras estabelecem novos limites mínimo e máximo para a sanção; as causas impõem limites para a variação através de frações, e as circunstâncias genéricas são de livre variação.

Não considero que seja rigor matemático adotar que a circunstância genérica deva impor variação menor que a causa; e a causa deva impor variação menor que a qualificadora (exceção óbvia para o crime continuado), pois a observação decorre do conteúdo da parte especial do CP.

Considerando que a medida da culpabilidade já foi determinada, resta estabelecer qual a força das demais circunstâncias judiciais, ou até que ponto tais circunstâncias podem flexionar o grau de censura.

O art. 59 impõe que a fixação da pena base seja feita "conforme necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime".

A operação de reprovar está intrinsecamente ligada à medida da culpabilidade (ou grau de censura, ou grau de reprovação), logo, para não ocorrer uma dupla incidência (bis in eadem), sobra a prevenção para as demais circunstâncias judiciais. Observado que a medida culpabilidade é a determinante de quantidade, e revela a força de coesão entre o autor e seu fato, evidentemente a reprovação está incidindo sobre o que ele fez e, a operação de prevenir, certamente, no direito penal moderno, deverá passar longe de querer punir o autor pelo que ele é, o que aloca a prevenção com um operador de incrementação.

É preciso fixar que a operação de prevenir impõe uma flexão (incremento) e não um agravamento ou atenuação, ou aumento ou diminuição, pois tais últimos termos já foram reservados para outras espécies de variantes quantitativas.

8.1 – CONCLUSÃO

Em linguagem profana pode ser dito que a flexão não pode quebrar ou entortar a medida da culpabilidade.

A flexão ocorrerá para a esquerda (menos) ou direita (mais) do ponto da medida da culpabilidade conforme o conjunto se revele, na linguagem corrente, favorável ou desfavorável ao réu.


 

 

9 – DO MÍNIMO GRAU DE CENSURA EXIGIDO PELO DIREITO PENAL

Seja a hipótese da declaração de que o réu não é culpado e a sentença se encerrará sem a declaração da medida da culpabilidade, ou com a declaração da ausência da culpabilidade.

O conteúdo de tal declaração parece ser satisfatório bastante para elidir um exame científico de seus fundamentos, mas não é.

Se a culpabilidade mínima é o índice da pena mínima e se a culpabilidade máxima é o índice da pena máxima, é claro que não existe nenhuma culpabilidade maior que a máxima, mas é também claro que existe uma culpabilidade abaixo da mínima antes que a culpabilidade seja igual a zero.

Não é possível afirmar que abaixo da pena mínima prevista no tipo não existe pena, pois isto negaria a existência de causas de diminuição que tem força para levar a pena para a esquerda (abaixo) do mínimo. Logo, existe um intervalo de sanção que começa em 1 (dia) e vai até a pena mínima menos 1 (um) dia, ou seja, um intervalo fechado (sem os extremos) que vai de zero até a pena mínima.

Acontece que, sendo a medida da culpabilidade o índice da pena, e existindo pena abaixo da mínima, em princípio está assegurado que para cada grau de culpabilidade abaixo da culpabilidade mínima existe uma pena correspondente (inclusive em 0 (zero) grau).

Se a culpabilidade for 0 (zero) terá como correspondente uma pena igual a 0 (zero) mas, como foi afirmado que existe pena e culpabilidade abaixo da mínima, se for adotado o impedimento de fixar a pena inferior ao mínimo, será preciso justificar a estanqueidade.

9.1 – DO RELÊVO PENAL

É reconhecido pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência, que o direito penal faz reserva do seu espaço de atuação, em função do seu interesse especial.

O direito penal, em regra, respeita a livre ocorrência dos fatos em outras esferas, independentemente de que os mecanismos de controle e de censura e sanção nelas existentes sejam formais ou informais. A maior ou menor proximidade do direito penal, ou a ostensividade de sua presença, depende da maior ou menor tendência de os fatos exorbitarem do alcance do controle social não penal.

Tende o direito penal moderno a admitir novas formas de atuação capazes de realizar uma mínima intervenção nos movimentos sociais, ou seja, o direito penal tende a restaurar o estado original e faz anúncio disso na lei, quando comanda à execução penal promover a harmônica integração social do condenado com o cumprimento dos dispositivos da sentença condenatória.

O Direito Penal está cada vez mais humanizado, mas ainda reluta em admitir que se recria a cada caso que julga (individualização), e a sua concreticidade se apresenta por vezes intolerante com a própria sociedade.

O fato exorbitante acontece dentro da sua própria conjuntura e, embora sujeito a apreciação de uma regra geral, é um fato de um autor, em uma situação em que um objeto jurídico-material foi alvo de perigo ou lesão e, evidentemente, não é comportável pelo direito penal da individualização da pena e da harmônica integração social pronunciar-se "erga omnes".

9.2 – CONCLUSÃO

Não existe uma fórmula para verificar o relêvo penal. Dispositivos abrandadores como a isenção de pena para as lesões patrimoniais entre ascendentes e descendentes, o privilégio no furto ou no homicídio etc. não tem sido suficientes para alargamento que o campo das soluções exige. O princípio da insignificância tem um potencial desvalorativo capaz de ofender a titularidade do patrimônio, e o pequeno potencial ofensivo ingressou no mundo da eficácia classificando os autores pelas penas dos crimes.

Assim, relevo penal é uma figura de sensibilidade para a conjuntura do fato exorbitante, o qual exorbita de uma esfera singular continente original dos elementos do fato.

Relêvo penal é figura que não se esgota na "insignificância" ou "bagatela", antes, as contém, mas seu espectro de desvalorização penal é bem mais amplo. Enquanto os termos aspados surgem do desvalor da culpabilidade, conduta e dano, agasalhando o "minima non curat praetor" para excluir fato e seu agente, o sensoriamento do relêvo penal é um antejuízo de fundo que não exclui a valoração das circunstâncias judiciais e genéricas no sentido de incluir o fato e seu agente na esfera penal: qualitas curat praetor.

Sutil, mas importante que o direito penal cuide de verificar se o objeto lhe pertence. Assim, não pertencerá ao direito penal objeto que esteja abaixo dos mínimos estabelecidos como de seu interesse, mas essa não inclusão apenas confirma o direito penal como última razão, vez que não afeta a carga jurídica própria do objeto, nem lhe concede imunidade em relação a julgamentos e sanções não penais.


 

 

10 – DOS LIMITES QUANTITATIVOS DA PENA BASE

10.1 – PRIMEIRA HIPÓTESE

Seja que o direito penal tem interesse por qualquer grau de culpabilidade maior que 0 (zero) e fica estabelecido que qualquer grau de culpabilidade entre o zero e o mínimo é o grau mínimo equivalente à pena mínima.

[imagem]

10.2 – SEGUNDA HIPÓTESE

Seja que direito penal não tem interesse pelo grau de culpabilidade que possa ser fixado abaixo do mínimo e fica estabelecida uma culpabilidade mínima correspondente à pena mínima, desprezada qualquer outra menor. Nesta hipótese, qualquer medida de culpabilidade abaixo da mínima absolve, e a absolvição será declarada por insuficiência da culpabilidade.

[imagem]

10.3 – TERCEIRA HIPÓTESE

Seja que o direito penal tem interesse por um grau mínimo de culpabilidade não relacionado com a pena mínima e fica estabelecido que esse grau está situado entre o zero e o mínimo. Nesta hipótese, o quantitativo da culpabilidade que absolve resulta incerto porque fica a depender do critério de cada prolator, e algum poderia fixar o grau como apenas diferente de zero.

[imagem]

A terceira hipótese é uma especialização da primeira, logo as hipótese são apenas duas: ou se considera ou não se considera que exista algo abaixo dos mínimos.

10.4 – POSIÇÃO CORRENTE

Considerar que nada existe abaixo do mínimo é a corrente posição da doutrina e da jurisprudência, conquanto algumas manifestações contrárias já se apresentem.

À consideração de que a pena mínima para o tipo é uma barreira intransponível também para as circunstâncias genéricas, mas não para as causas de diminuição, é possível enxergar no crime um núcleo causal-condicional e ao derredor desse núcleo um espaço que aceita a orbitação de objetos, o que resulta um volume causal-condicional-circunstancial (**).

Á consideração, também, de que o dolo existe ou não existe, e existindo é um invariante, apenas um ponto da faixa de sanção o atende e, locando esse ponto como sendo o mínimo, e sendo esse mesmo ponto o referencial do mínimo da culpabilidade, o modelo resultante estaria forçando a existência de uma "culpabilidade mínima para o dolo", com todas as conseqüências de ser encontrado autor "capaz para o crime", e no autor a "vontade ilícita".

A posição corrente tanto produz uma satisfação penal mínima, quanto produz uma injustiça mínima ao promover a equivalência ficta entre o mínimo e o menor que o mínimo.

10.5 – A PROPOSTA DO ROMPIMENTO DO LIMITE MÍNIMO

Seja vista a representação gráfica da culpabilidade mínima equivalente à mínima correspondente ao mínimo da sanção prevista, flexionada para baixo da sanção mínima do tipo por força de circunstâncias judiciais favoráveis ao condenado:

[imagem]

É visto na figura que a flexão para a esquerda, correspondente a serem as demais circunstâncias judiciais favoráveis ao condenado, invade a região abaixo do mínimo.

A invasão, ou rompimento do limite mínimo, faz a entrega por inteiro das declarações pertinentes ao art. 59.

Neste passo, é correto perceber que ao trabalhar com a parte direita da figura idêntico fenômeno aparecerá.

O Tipo e a Sanção contemplam a formulação: "se T é, S deve ser" e a medida da Culpabilidade comanda: "se T é, S dever ser função de C". Como demonstrado que S e C são semi-retas de orientação positiva com origem em 0 (zero), representam a mesma grandeza escalar, e existe a correspondência biunívoca entre os elementos que compõem os dois conjuntos de pontos.

O Direito Penal incide sobre um universo que se divide em outros sistemas também especializados, e sua especialização é apenas um estrato cultural. Os objetos com que o direito penal lida pertencem a outros sistemas, de tal sorte que se o direito penal desaparecer os objetos não desaparecem. Assim, como direito especializado, o penal imprime nos objetos um sinal de relação concernente ao seu interesse, marcando limites.

Ora os limites penais são interiores aos limites próprios dos objetos e, portanto, não se livra o direito penal das ciências próprias dos demais sistemas. Assim se justifica que entre a vida e a morte sejam encontradas a morte científica (morte cerebral), a morte civil (registro do óbito) e a morte penal (homicídio).

O direito penal se propõe a encontrar a verdade real no mundo exterior, e tão mais próximo dessa verdade estará quanto mais permeável for ao ingresso das outras ciências. As perícias são um exemplo da permeabilidade, e a execução penal cada vez mais se abre para as ciências psico-sociais, demonstrando que a permeabilidade acontece de forma bidirecional.

Todo o esforço aqui despendido leva em conta que, quanto maior o número de elementos exteriores que absorver mais próximas da realidade social estarão as respostas do direito penal.

Assim, a sentença penal, no seu caráter instrumental, deverá funcionar como um transdutor, transformando a energia punitivo-penal em energia integradora-social. Para que o fim proposto seja atingido torna-se necessário, porque as normas demoram para mudar, liberar a força da sentença como criadora do direito punitivo-integrador ou penal-social.


 

 

11 – CONCLUSÕES FINAIS

O rompimento dos limites aproxima o direito penal da dinâmica social, inclusive quanto aos movimentos contrários punir/integrar, além de aliviar a tarefa do legislador na multiplicação de leis que atendam aos avanços necessários.

O rompimento dos limites não faz desaparecer a jurisdição superior e, portanto, o controle dos abusos e desvios continuará a ser feito como sempre o foi, mas sem a infernal interpretação de que a lei é feita para policiar ostensivamente os seus integradores. Antes, num Estado Democrático de Direito, comete-se aos integradores a polícia ostensiva da lei.

Interessante é que, sendo a flexão da medida culpabilidade a que apresenta menor potência incremental/decremental, quando comparada com os efeitos da atenuação/agravação, aumento/diminuição, qualificação/desclassificação, a linha de argumentação é válida também para as circunstâncias genéricas, vez que todas tem o mesmo sentido.

Os limites da sanção prevista no tipo podem ser rompidos quando:

1) a medida da culpabilidade for situada em um dos seus extremos e  restar flexioná-la segundo as demais circunstâncias judiciais do art. 59;

2) a pena base for fixada em um dos extremos e restarem circunstâncias genéricas a serem aplicadas.

O rompimento dos limites se apresenta mais justo do que a taxação das penas alternativas ou da hediondez, alivia a tarefa legislativa e contempla a mínima intervenção, não só nas coisas como no estado das coisas.

A cada um seja dado (e transite em julgado) o que é seu.


 

NOTAS

(*) – Juízo: ato em que o espírito apreende o conjunto das idéias, efetua a comparação e profere julgamento de conveniência ou inconveniência entre elas. As idéias jurídico-penais são o fato e o direito.–Volta

(**) – A equivalência entre causa, condição e circunstância é uma ficção criada a partir de que todas são eficazes para criar, modificar ou extinguir a pena. Quanto ao fato elas se distinguem, mas tal distinção não é objeto deste estudo.)–Volta


 

CRÉDITOS

Direitos Reservados
– Distribuição Gratuita –

Pode ser distribuído, copiado e reeditado em outro formato para leitura em qualquer meio físico.

© 2001-2006 – Paulo Maurício Serrano Neves

GOIÂNIA – GOIÁS – BRASIL
www.ujgoias.com.br
serrano@cultura.com.br
serrano@ih.com.br


 

[imagem]

LIBER
LIBER

Versão para eBook
eBooksBrasil.org


__________________
Março 2001

 

Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se você pagou por esse livro
VOCÊ FOI ROUBADO!

Você tem este e muitos outros títulos
GRÁTIS
direto na fonte:
eBooksBrasil.org

 

Edições em pdf e eBookLibris
eBooksBrasil.org
__________________
Abril 2006

 

eBookLibris
© 2006 eBooksBrasil.org