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PROFECIAS

(O futuro do mundo)

Pietro Ubaldi

eBooksBrasil.org


 

Profecias (O futuro do mundo)
Pietro Ubaldi (18.08.1886-29.02.1972)
Tradução: Prof. C. Torres Pastorinho
Capa de Wagner de Castro

Fonte digital
Digitalização da 1ª edição em papel
Editora Nova Era Ltda.

Transcrição para eBook
eBooksBrasil

© 2008 Pietro Ubaldi


Nota do Editor

Este livro de Pietro Ubaldi, em edição recente, sua obra e muito mais sobre ele podem ser encontrados na web no Instituto Pietro Ubaldi — www.pietroubaldi.org —, no “A Filosofia de Pietro Ubaldi” — www.geocities.com/Athens/academy/9258/ —, pela web, gratuitamente, como aqui.

Então, por que cargas d’água, me dei ao trabalho de escanear, revisar e editar este livro, de uma primeira edição de mais de meio século atrás?

Explico: este livro tem um significado muito importante para mim. Foi, com o 1984 de Orwell, presente de Natal, que devorei, nos anos 50 do século passado. E tem me acompanhado ao longo da vida, sobrevivendo a bibliotecas desfeitas, separações, mudanças e outras correrias impostas pelas circunstâncias. E, mais importante do que estes detalhes de ordem pessoal, é uma obra que merece ser lida, como um aperitivo para toda a obra de Pietro Ubaldi.

E mais ainda: está sendo reproduzida como veio à luz, apenas com a atualização ortográfica merecida e correção de óbvios erros tipográficos (novos, claro, podem ter sido cometidos!) — mas conservou-se a pontuação, pois mudanças poderiam distorcer o sentido pretendido pelo Autor.

Uma razão a mais (e importante!) para reproduzir esta edição, como o faço: diferenças textuais entre esta 1ª edição e as que encontrei na web. Não me cabe apontá-las, o que poderá ser feito por qualquer leitor e, particularmente, pelos estudiosos de Pietro Ubaldi, mas é importante deixar claro que as há.

Incluí, ainda, para benefício do eventual leitor, um pequeno glossário, que lhe poderá ser útil, como a mim o foi, para esclarecer certos trechos da obra. Estes termos estão indicados, no corpo do livro, com um *. O conteúdo foi colhido na internet.

As notas constantes da edição digitalizada foram renumeradas e agrupadas, indicando-se ao fim de cada nota o seu número original, página e capítulo a que se referem.

É um livro de minha estante que gostaria de partilhar com o eventual leitor e usuários do eBooksBrasil. É, acima de tudo, um tributo a Pietro Ubaldi. Quem não conhece sua obra merece conhecê-la. Faça uma visita aos sites acima indicados e confira. Pietro Ubaldi foi uma prova viva de que a raça humana pode produzir mais do que anões.

Boa leitura!

Teotonio Simões
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[folha de rosto]

 

II OBRA DE PIETRO UBALDI

1ª TRILOGIA * VOLUME 1.º

PROFECIAS

(O futuro do mundo)

*

TRADUÇÃO DO
PROF. C. TORRES PASTORINHO


ÍNDICE

GÊNESE DA II OBRA
I — O PORVIR DO MUNDO
II — O PENSAMENTO E A VONTADE DA HISTÓRIA
III — AS TRÊS REVOLUÇÕES E A TERCEIRA IDÉIA
IV — OS TEMPOS SÃO CHEGADOS
V — A FUNÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL NO MUNDO
VI — O APOCALIPSE (1.ª parte)
VII — O APOCALIPSE (2.ª parte)
VIII — NOSTRADAMUS, MALAQUIAS, ASTROLOGIA, AS PIRÂMIDES, DANIEL

[Notas]
[Glossário]


GÊNESE DA II OBRA

Escrevo em terra brasileira, na cidade de São Vicente, sua “Cellula Mater”, neste Natal de 1955, três anos após ter descido, aos 8 de dezembro de 1952, nesta minha nova pátria, nas vésperas da publicação de uma segunda Obra, em 12 volumes como a primeira, nova Obra que pode ser considerada brasileira em relação à I, que foi italiana. Em conclusão a esta, como ponto de ligação com a II Obra, resumimos no seu 1.º volume, intitulado “Comentários”, um documento que, enquanto dá fecho à I Obra, abre a porta para a II. Explicaremos aqui, agora, a gênese desta II Obra. Narrarei assim, eu mesmo, este primeiro período da minha história brasileira, uma vez que a minha vida é conhecida na imprensa somente até o ano de 1951, quando ela foi escrita.

Devo explicar tudo isto porque, além de todos os comentários e juízos feitos a respeito dos acontecimentos e do meu trabalho destes três primeiros anos brasileiros, se possa compreender de tudo isto, o seu verdadeiro significado, observando-o profundamente. Devo fazer compreender este significado, que para muitos passou despercebido e que, entretanto, tem uma grande importância porque nestes três anos de refinada tortura pelo assalto, contra mim, das forças do mal, não só o bem venceu, mas, também, esta sua vitória colocou sob nossos olhos as provas evidentes de que a minha missão no Brasil é uma verdade. Desta minha missão foram de fato, neste período, lançados os alicerces sobre os quais o edifício começa agora a elevar-se.

Poderei assim, também explicar o nascer desta II Obra, que agora apresentamos ao público brasileiro, as suas características e o seu significado. Trata-se, portanto, de esclarecimentos necessários neste novo e grande lado de minha vida, no qual se inicia, após o período teórico italiano, no qual escrevi somente livros (a I Obra) — o atual período de realizações práticas no Brasil. No volume precedente: “Comentários”, com o qual se inicia a atual II Obra, deu-se um olhar retrospectivo à I Obra Italiana. Nesta introdução à II Obra, no princípio deste 1.º volume da sua l.ª Trilogia, lançamos ao invés disto, um olhar para o nosso futuro edifício.

Exporemos o problema com inteligência e bondade, sem rancores (como geralmente fazem os vencidos) mas com a generosidade própria dos vencedores. Estudaremos racionalmente e sem animosidade, para demonstrar aos incrédulos, mesmo se fervorosos religiosos de suas religiões, que Deus é verdadeiramente onipotente e ativo, também na terra e que a Sua Lei é verdadeira. Deixaremos assim a palavra aos fatos, para que eles possam demonstrar que o bem é o mais forte e pode vencer sejam quais forem os obstáculos do mal. Só há uma finalidade, e esta, outra não é senão dar uma útil lição de moral.

Este trabalho será executado em duas fases. A primeira mais breve, representada pelo presente capítulo, para explicar um caso vivido e as suas conseqüências. Segue-se uma segunda, mais ampla, na qual, com tal finalidade, será demonstrada e desenvolvida sobre bases experimentais a teoria da defesa com o método evangélico da não resistência e da luta travada sem armas humanas, mas somente com o potencial do conhecimento e da bondade. Esta segunda fase será desenvolvida no volume: “A grande batalha” — Grandes ensinamentos obtive dos choques recebidos; apenas necessitei, para cumprir a minha missão, descer do terreno teórico de simples escritor, para o terreno prático das realizações. E se agora escrevo, faço-o somente com a finalidade de transmitir estes ensinamentos que podem também, serem úteis aos outros. Nestes três últimos anos vi a mão de Deus trabalhando ao meu lado, realizando uma série de milagres concadenados; contra toda a probabilidade e possibilidade humana vi o bem triunfar. Eu vi, eu toquei com as mãos. Agora a dúvida não é mais permitida. Já tenho as provas, tenho a certeza do futuro. Sobre elas surgirá a nova construção, obra de Cristo, e contra ela, as forças do mal nada conseguirão. Trata-se de uma fé de ferro e não, de uma qualquer fé, nebulosa e fantástica, porque ela é racionalmente e experimentalmente construída sobre fatos. Procedamos sem mais preâmbulos ao seu exame.

* * *

O desenvolvimento lógico das forças da minha vida segue períodos de 20 anos, com o seu início aos cinco anos quando fui à escola. No meu primeiro período de 20 anos, que vai dos 5 aos 25 anos, formei o meu corpo físico de adulto e na escola aprendi a mecânica do conhecimento das coisas (não o conhecimento das coisas) isto é, aprendi estudar por minha conta; formando-me em advocacia, termino o 1.º período. Com o fim de cada período e o início do seguinte, acontece em mim uma transformação, segue-se uma viagem e finalmente uma mudança de ambiente. Este movimento assim dividido em três fases, ocupa exatamente o espaço de 3 anos. Nascido em agosto de 1886, comecei freqüentar a escola em 1891. Assim, ao findar-se o 1.º período, formei-me, em junho de 1910, com os meus 24 anos de idade. No verão de 1911, com 25 anos fiz uma viagem aos Estados Unidos e em agosto de 1912 com 26 anos, casei-me. Começou assim, o 2.º período que vai dos 25 aos 45 anos. Deixei a casa paterna e, necessitando enfrentar o mundo iniciei uma vida diferente, de responsabilidades e lutas, interiormente de sofrimentos e de profunda maturação espiritual.

O 3.º período que vai dos 45 aos 65 anos, verifica-se, repetindo os mesmos movimentos, a distância de 20 anos. Com 44 anos, em 1930, venci em um concurso, a cadeira de Professor de Inglês nos Ginásios e Liceus da Nação Italiana; em setembro, no fim do verão de 1931 e ao findar-se o meu 45.º ano, viajei para a longínqua Sicília, onde iniciei o meu primeiro ano como professor. Passado um ano, em setembro de 1932, com 46 anos, transferi-me definitivamente para Gubbio, onde permaneci durante 20 anos. Nova viagem, depois aprovação em um novo exame, concluindo com nova mudança de ambiente por período de 20 anos. Após a maturação espiritual do período anterior, ao iniciar-se este novo período, havia cedido eu, a outros, as minhas riquezas, ganhando a vida com o meu trabalho. Foi por este tempo, na Sicília, a aparição do fenômeno inspirativo e foi depois, em Gubbio, durante 20 anos que ele desenvolveu-se e, onde nasceu quase toda a primeira Obra, já publicada. Período de solidão, trabalho, introspecção, de produção conceitual dos livros.

Necessitava narrar tudo isto, a fim de explicar o nascer e o desenvolvimento do atual período. Eis iniciado o 4.º e último período de minha vida. Na Páscoa de 1950, aos 64 anos, a Sua Voz disse-me, como veremos logo mais, que a ordem era eu transferir-me para o Brasil a fim de cumprir uma missão. Era um novo trabalho e transformação, como depois de um novo exame superado. No verão de 1951, aos meus 65 anos, surge o motivo da viagem e termino a primeira série de conferências no Brasil. Passado um ano reaparece, também, o motivo da transferência de lugar e assim, em 1952, com 66 anos, fixo residência definitivamente, com a família, no Brasil.

Uma assim tão evidente regularidade de ritmo no desenvolvimento do fenômeno, torna quase certa a hipótese que ele deva continuar a se desenvolver com a mesma lei de ritmo também no futuro. Conhecemos três períodos desta minha vida, isto é, três quartas partes do fenômeno. Com isto, podemos admitir que o último ou 4.º período continuará o seu desenvolvimento segundo aquela lei que foi, até o presente, a orientadora do seu movimento. Devemos admitir, então, que no Brasil espera-me um novo período de 20 anos, completando-se assim, a minha missão. De fato, os meus hábitos sofreram aqui, por necessidade, uma transformação radical e, tendo precisamente neste tempo terminado o meu período de ensinamento, estava livre, podendo separar-me definitivamente da Itália. Examinando profundamente a minha vida, encontrei um desenvolvimento lógico de termos sucessivos que seguem-se, apoiando um ao outro como se fossem uma série de degraus. Em conclusão lógica de todo o movimento, chega este último período da realização da missão, com o qual todo o edifício completa-se. A conclusão é qual o atual 4,º e último período da minha vida, feito de divulgação ativa e realização prática, deveria durar até completar os meus 85 anos, em seguida ao que seria possível a minha desincarnação. O meu trabalho deveria durar aqui no Brasil até o ano de 1971. Com mais exatidão, se os movimentos precedentes se repetirem, quando chegarem os meus 84 anos, isto é, em 1970, encontraremos, após uma nova promoção e transformação, a subida de um novo degrau; e chegando na idade de 85 anos, em 1971, a separação do corpo físico; e com 86 anos, depois desta nova e grande viagem, nova mudança de ambiente e trabalho, transferindo-me definitivamente em uma outra forma de vida espiritual. Não sabemos com certeza se isto tudo acontecerá, mas o que está certo, é ser esta a tendência do fenômeno A harmonia destes ritmos não lhes tira uma certa elasticidade e pode ser, também, que no final do processo, volte o período qüinqüenal inicial de 5 anos, agora utilizados como um repouso final.

Está enquadrada assim, no plano geral da minha vida, fase a fase do meu trabalho atual. Temos assim 4 períodos em sucessão lógica, um preparando outro, terminando neste atual que é o de conclusão, erguido e amparado por todos os outros, representando a razão de ter eu nascido na terra, a finalidade da minha vida, como conclusão do meu atual destino. Temos assim 4 períodos:

1.º período: formação exterior, física e cultural, que vai dos 5 aos 25 anos, isto é, de 1891 a 1911.

2.º período: maturação interior, espiritual, na dor, dos 25 aos 45 anos, isto é de 1911 até 1931.

3.º período; primeira manifestação espiritual (fenômeno inspirativo e produção conceitual nos livros) dos 45 aos 65 anos, de 1931 a 1951 (período de ensinamento em Gubbio).

4.º período: realização concreta da missão, dos 65 aos 85 anos, isto é de 1951 até 1971 (período brasileiro).

Observaremos, agora, bem de perto os mais recentes precedentes desta transferência, explicando como e porque da minha presença aqui no Brasil.

O primeiro aviso de tão grande mudança foi-me dado quando apresentava-se absolutamente irrealizável, na Páscoa de 1950, ano este que foi a primeira madrugada do III milênio, cujo sol nascerá no ano de 2.000. Então Sua Voz, no domingo pela manhã, na hora em que Cristo ressuscitou, disse-me estas palavras textuais, claríssimas e poderosas: “Vai ao Brasil. Chegou a hora. É a hora na qual cumpre-se tua missão. Vai! Agora ou nunca mais!”

Em seguida, acrescentou explicando, em resposta a minha dúvida e para fortificar meu espírito: “Vai! Outros continentes te aguardam. Não vês que já convergem neste sentido todas as forças do teu destino? Está escrito: Irás e triunfarás. Vai, meu filho, não podes parar um impulso tomado em 20 anos. Estás impulsionado e não podes mais parar enquanto não chegares à meta. Tudo está preparado, nada te faltará até ao fim, não temas, tenha fé em mim que te protegi até agora, e quando te sentires sem forças, abandona-te em mim e eu trabalharei para ti. Não te preocupes com a família. Também para ela será providenciado, junto a tí será defendida de todos os perigos. Não tivestes até hoje, a prova da minha contínua e ativa presença neste sentido? Porque deveria abandonar-te agora? vencerás. Este é o meu aviso, nesta Páscoa da ressurreição de 1950”.

No volume que muito bem denominaste: “Cristo”, espero-te para te falar. Tu que percorres os tempos com a tua missão, começarás agora a ressurgir e paulatinamente, continuarás subindo no meu conceito e no triunfo da tua missão. Alegra-te, Pedro, porque ressurges na minha ressurreição e as forças do mal não prevalecerão. Vai! Anuncia ao mundo a minha nova civilização do espírito. Esta é a minha ordem para hoje, Páscoa de 1950”.

Incrédulo de que fosse possível acontecer aquilo que então parecia-me irrealizável, aguardei a oportunidade para obedecer, a confirmação dos acontecimentos. E contra todas as probabilidades humanas, o prodígio aconteceu, isto é, em julho de 1951 voei para o Brasil, onde permaneci durante cinco meses. Começara realmente a minha missão no mundo.

Neste período de atuação prática acontecia sempre assim: primeiramente chegava o aviso ou ordem da Sua Voz. Parecendo-me a execução impossível, aguardava os acontecimentos. Eis que surgia uma série de fatos que tornavam fácil o impossível. Era-me fácil, então obedecer.

Mas note-se, também, um outro fato: estas palavras que agora estão se tornando verdadeiras, foram ditas anteriormente em uma “Visão” que me diz respeito e que é uma vista profética mais ampla, sobre o desenvolvimento desta missão. Esta “Visão” faz parte do volume: “A nova civilização do III milênio” que, terminando de escrever em 1945, foi posteriormente publicado em 1949 na Itália. Ali, às palavras acima escritas, a Voz acrescentou: “Vai. Eu te precedo. Segue-me”.

Agora eu apresento aos incrédulos esta pergunta. É possível auto-sugestionar-se com estas vozes que poderiam ser um produto do subconciente e ilusão psíquica. Por este motivo devia aguardar a confirmação dos fatos. Mas quando, depois de um aviso que no momento parecia-me impossível, os acontecimentos sobre os quais eu não tenho poder, por si começam a colocar-se em ordem convergindo todos para o mesmo fim que é a exata realização daquele aviso ou ordem e que, parecia então, irrealizável, quando isto acontece como eu vi com os meus olhos, pergunto se é lícito falar de auto-sugestão, e se é possível admitir que este possa ter o poder de mover as coisas do mundo externo e coordenar para um fim único os atos de tantas pessoas? Acrescenta-se o fato que são muitas pessoas desconhecidas entre si, ignorando o fim pelo qual trabalham e de mim independentes; freqüentemente não as conheço e sobre as quais nada posso, nem quero, influir. Entretanto, elas trabalham em cadeia, coordenadas para uma única meta, na qual cumpre-se a ordem anunciada, quando a sua realização parecia a todos impossível. Cada uma destas pessoas aparecem no devido momento e adaptados ao seu particular a cumprir. Chega de improviso, não atende um meu chamado, cumpre o seu trabalho e em seguida desaparece para nunca mais aparecer.

A inteligência que orienta para um determinado fim a mim anunciado e sobre o qual eu nada determino, não está neles, porque cada qual executa o seu pequeno trabalho, ignorando o plano geral do qual toma parte. A presença de tal inteligência não se pode negar porque vi os fatos de outra forma inexplicáveis sem a sua presença, visto não só por mim, mas por muitos incrédulos que não souberam tirar conclusões diferentes. Não podemos deixar de perguntar, quando nos é dado ver, onde está a causa de tais efeitos. Eles, indiscutivelmente, são inteligentes. A sua causa deve ser, portanto, também inteligente. Eis, então, que a presença de uma mente que dirige e de uma vontade que ordena, torna-se evidente como única hipótese que pode dar-nos todas as explicações que nos faltam. Se a causa não pode ser encontrada entre os seres humanos em ação, quer dizer que ela está situada em outro mundo superior aos nossos sentidos, mas, que assim ordena as nossas manifestações. Os seres humanos que nós vemos agindo são meros instrumentos, movidos por forças extra terrenas. Os efeitos visíveis que estão sob nossas vistas não podem ser abandonados sem uma causa; de tal conclusão lógica não podemos sair se não atribuirmos a eles uma coisa situada em ambientes para além do nosso, material, e sobejamente conhecido. Eis que os fatos provam no nosso caso a presença de forças espirituais dirigindo os movimentos, os meus e os dos outros, necessários ao cumprimento da minha missão.

Resumindo temos: 1.º — o aviso ou ordem em momento em que eles não parecem realizáveis. 2.º — a disposição dos acontecimentos coordenados para a realização do aviso ou ordem; 3.º — a plena realização, sem que eu tenha pensado ou agido com esta intenção, mas somente obedecido. 4.º — a potência desta inteligência e vontade diretriz é tal de vencer sempre e de sobrepujar qualquer obstáculo. Isto tudo não pode ser explicado, tanto no seu lado profético como no prodigioso, a não ser vendo em tudo isto a mão de Deus.

Quisemos narrar todas estas coisas, para poder compreender como as diretrizes do meu trabalho não vêm de mim e muito menos podem ser fornecidas por qualquer ser humano. Nesta missão, tanto eu quanto aqueles que se aproximaram de mim para colaborar, não somos mais que instrumentos desta inteligência e vontade superior que tudo quer e guia, Explica-se, assim, facilmente, como apenas tentam introduzir nesta obra elementos estranhos, com proveito para fins particulares, eles fácil e prontamente são expulsos do campo de trabalho pela mesma potência diretriz. Ficam os honestos e abedientes. De outra forma, somente são aproveitados para a Obra, enquanto perseguem as suas miragens pessoais, que pelas forças superiores são colocados frente aos olhos, porque não há outro meio de interessá-los e, sem uma função egoísta nada fariam. Assim, terminam por cumprir um trabalho útil à missão, mas completamente diverso daquele que pretendiam e crêem cumprir com vantagens próprias. Executando um trabalho do qual nada compreendem, uma vez terminado, são afastados, porque, seguindo os seus fins egoístas, transformam-se em obstáculo e, como tal, devem ser eliminados, para que somente o bem vença, como é Lei nas obras de Deus. Isto em aplicação do princípio geral, pelo qual as forças do mal terminam trabalhando em benefício das forças do bem.

Estas explicações são feitas para melhor compreender os acontecimentos que passamos a narrar.

* * *

Com tais avisos e ordens, a Sua Voz acompanhava o meu trabalho para guiar-me e ao mesmo tempo sustentar-me. Um outro contacto importante aconteceu em 1951 aqui no Brasil. Na noite do dia 6 de agosto deste ano, pouco antes de dirigir-me ao Teatro Municipal de São Paulo para fazer uma conferência, recolhi-me no silêncio do meu quarto. Percebi claramente que chegara a uma nova curva do meu destino, onde iniciava-se para mim uma nova vida, pública, depois do precedente período de 20 anos, passado na introspecção e silêncio, na solidão de Gubbio. Eu estava apreensivo frente às novas e inesperadas perspectivas que se me antepunham. Aceitei com obediência, como sempre. Mas como poderia eu executar nesta terra uma missão tão vasta?

Então a Sua Voz disse-me, entre outras, estas palavras, para mim, àquela altura, inacreditáveis: “O mundo virá a ti, ajudando-te em tudo que te for necessário”.

Era a promessa de ajuda material necessária para o cumprimento da missão. Falo sobre esta promessa porque ela prodigiosamente nunca foi desmentida e nada faltou-me. Com ela explicam-se os fatos que passo a narrar.

Esta missão, porém, fora já anunciada nas suas linhas gerais e descritas sobre o seu desenvolvimento na “Visão” supracitada, do volume: “A nova civilização do III milênio”. Entrava-se agora no concreto; não eram idéias gerais, mas movimentos de acontecimentos, e tudo vinha anunciado em forma objetiva e particularizada, pois, chegara a hora de enfrentar a realização prática. Passava-se das palavras aos fatos. No final tudo se teria verificado.

* * *

Mas eis logo após, uma segunda e mais precisa confirmação. Na noite de 17 de agosto de 1951, em Pedro Leopoldo, sentado à mesma mesa e em frente ao famoso Chico Xavier. Doze pessoas assistiam. Enquanto ele escrevia uma Mensagem de São Francisco de Assis, eu inesperadamente senti-me atraído a escrever uma outra Mensagem do mesmo conteúdo e com conceitos concordantes, como foi notado em seguida por muitos. As duas Mensagens foram mais tarde publicadas e julgadas como genuínas. Devemos portanto aceitar as suas palavras.

A Mensagem da “Sua Voz” dizia-me: “Hoje é chegada a hora e Eu te digo: Ergue-te e trabalha. Eis que se inicia uma nova fase de tua missão na terra e, precisamente, no Brasil... o Brasil é verdadeiramente a terra escolhida para berço dessa nova e grande idéia que redimirá o mundo. Agora tua missão é de acompanhá-la com tua presença e desenvolvê-la com a ação, de forma concreta. Todos os recursos te serão proporcionados... Tudo já está determinado e não pode interromper-se... As forças do bem são mais poderosas e têm de vencer. Pedro confio-te esta nova terra, o Brasil, a terra que deves cultivar. Trabalho imenso, mas terás imensos auxílios. Estou contigo e as forças do mal não prevalecerão”...

A mensagem do Chico confirmou com estas palavras “...não te detenhas. Caminha! Ilumina a estrada, buscando a lâmpada do Mestre que jamais nos faltou. Avança... Cristo em nós, conosco, por nós e por nosso favor, é o Cristianismo que precisamos reviver a frente das tempestades, de cujas trevas nascerá o esplendor do III milênio”...

Para quem acredita nas mensagens mediúnicas, tudo isto deverá verificar-se. Para quem não acredita existe a prova dos fatos que mostram que estas mensagens, como veremos, estão exatamente verificando-se.

Assim continua sempre, ao lado do mesmo conceito, a série de avisos e ordens, e depois, a sua regular verificação. A missão já anunciada, vem assim; sempre mais confirmada com as palavras e sustentada pelos fatos, guiando-a para a meta da sua realização.

* * *

Terminado o giro de conferências de uma ponta a outra deste imenso Brasil, descia eu em Roma do avião de regresso na véspera do Natal de 1951. Na Páscoa seguinte, em 1952, em Assis, junto ao túmulo de São Francisco, a “Sua Voz” disse-me: Partirás com toda a família no fim deste ano de 1952. O próximo Natal o pássaras no Brasil. É como se fosse coisa já feita, já acontecida.

Como sempre, pronto e obediente, esperei que os acontecimentos tornassem possível aquilo que me parecia impossível. Não é nada fácil, com quase 70 anos de idade, transportar definitivamente uma família composta de duas senhoras e duas meninas, a um outro hemisfério e isto sem os meios necessários. Somente por um prodígio poderia acontecer, mas o fato está que o prodígio realizou-se.

Aqueles que aqui no Brasil, repreenderam-me de ter cometido esta imprudência quase louca de ter-me transferido com toda a família, não conhecem a potência irresistível de tais ordens e a impossibilidade de desobedecer às forças espirituais com as quais aceitou-se ligar-se incondicionalmente.

Assim, em 1952, ano de cansativa preparação, pude observar a série de prodígios continuar cumprindo-se regularmente. Pessoas incrédulas que presenciaram, foram obrigadas ao seu reconhecimento.

Citarei somente um. Faltavam apenas 15 dias para o navio partir, quando, de improviso, surgiram tais dificuldades para obter os documentos necessários para o passaporte, que pelo menos três meses seriam necessários até os seus esclarecimentos. Já desesperado ia de uma repartição a outra, quando minha filha disse-me que aquele era o momento adequado para um milagre; sem o qual, quem sabe quando poderíamos partir. Isto porque surgiram graves dificuldades se tivéssemos que empreender a viagem com o frio e neve, em pleno inverno. Mas, deu-se o milagre. Casualmente encontrei, precisamente naquele momento, um meu aluno advogado que, sendo secretário da pessoa de quem dependia a solução do meu caso, obteve tudo facilmente e em três dias.

Partimos de Gênova regularmente, como fora preestabelecido, em fim de novembro. Ao embarque a Voz disse-me: “Eu mesmo guiarei o navio. Terás uma travessia esplêndida, calma e sem tempestade. Isto te provará a minha presença, que resplandecerá à proa, de mim, piloto do teu navio”. E assim de fato aconteceu, tanto é que o pessoal de bordo confessou raramente ter visto uma travessia tão boa.

Durante a viagem, ia freqüentemente à proa do grande navio, apontada para o sul. Avançava majestoso pelo Atlântico imenso. Toda vez que ia à proa, pressentia na frente do navio a presença luminosa de Cristo guiando-o para os mares luminosos do sul, para a imensa terra do futuro, o Brasil. E dizia-me: “Não temas. Estou contigo. O navio segue o traçado da minha vontade. Confia-te a mim. Vencerás”.

Desembarquei em Santos no dia 8 de dezembro onde fiquei definitivamente morando naquela mesma praia onde o Padre Anchieta já tinha estado. Tudo realizou-se perfeitamente e o Natal de 1952 como fora predestinado, o passamos no Brasil.

* * *

Começa agora a história brasileira, que já completou o seu 3.º ano. Este período representa uma parte interessante no desenvolvimento do meu destino. Ele assinala o ingresso na vida pública, depois dos 20 anos solitários e silenciosos de Gubbio. Havia feito até aí um trabalho de maturidade interior e de conceitos. Agora devia viver à disposição de todos, sem refúgios silenciosos onde concentrar-me Um mundo onde não era mais possível pensar. Eu que quase nunca falava publicamente, nem mesmo em italiano, necessitei tornar-me orador em português e viver sem paz, viajando cotínuamente. Habituado à vida de solidão e concentrações, numa casa onde ninguém ia, e eu podia dispor completamente do meu tempo para abstrair-me longamente em profundos pensamentos, perdendo contacto com o mundo, necessitei habituar-me a viver em uma casa onde qualquer pessoa podia chegar a qualquer hora com pleno direito de ser recebida e ouvida. Acrescenta-se, também, o clima sufocante e a alimentação completamente diferente. Urgia, além do mais, o trabalho indispensável de tomar conhecimento da língua, sem o que não era possível entender e ser compreendido. Para todas estas coisas acrescenta-se grave dever de sustentar uma família, da qual eu representava o único sustentáculo.

Cheguei ao Brasil cansadíssimo da viagem de 1951 e dos preparativos da minha transferência de 1952, sonhando lançar-me cheio de esperanças entre os braços dos amigos que fizera, para viver em paz entre os mesmos e escrever os meus livros. As coisas, porém, tiveram outro desenvolvimento. Sobrevinha nova prova. Ela foi bem dura para mim. Mas, reconheço, agora, que ela não foi somente segundo a lógica do desenvolvimento do meu destino mas foi principalmente útil. Isto por duas razões: 1.º, para dar melhor maturidade à minha personalidade, coisa extremamente necessária na renovação de ambiente, obtendo, assim, uma produção variada; 2.º, para lançar as bases da minha missão com um exemplo vivido, visível a todos, onde várias pessoas tomaram parte, um exemplo que não deixasse dúvidas sobre a natureza da Obra.

Este é o lado mais importante da questão, pelo seu grande conteúdo moral. É para mostrar isto, para mostrar o valor íntimo dos acontecimentos espiritualmente considerados, é unicamente para fazer o bem, que escrevo tudo isto. E foi para fazer o bem que Cristo quis este exemplo para que a missão do meu ingresso na fase pública de realização, lançasse com fatos positivamente acontecidos, os seus sólidos alicerces na realidade vivida e concreta.

O leitor não deve esperar uma descrição particularisada de tais acontecimentos com nomes e lugares. A intenção destes escritos não é a minha defesa, ou uma reação pessoal. Não escrevo aqui para queixar-me ou para acusar, mas para estudar como funciona a vontade de Deus. Não me interessa o errado ou certo e os pontos de vista humanos. Fico pelo contrário encantado na contemplação dos planos de Deus através dos maravilhosos caminhos do bem, estupefacto frente à sabedoria com que eu vi a sua realização. Aqui não aparecerá nenhuma das vãs palavras espalhadas em referência a este caso. Aqui estará somente o trabalho descritivo que quer demonstrar como o bem é o mais forte como, no final, ele somente triunfa. Esta tese, agora somente assinalada, será em seguida desenvolvida, baseada nos ensinamentos nascidos das provas destes três últimos anos, no volume 3.º da 1.ª Trilogia da segunda Obra, intitulado: “A grande batalha”. Queremos neste capítulo de introdução e naquele volume, demonstrar o significado e a potência do método de não resistência sustentado no Evangelho; mostrar a técnica do seu funcionamento e como, quando bem usado, ele representa a arma mais poderosa para vencer as batalhas também aqui na terra, neste nosso triste mundo cheio de astúcias e violências.

Procuramos assim, desde já, levar para o terreno realistico das lutas humanas que neste período vivi e venci com este sistema, tal ousada tese do Evangelho, que nenhum prático vemos levar a sério e que aqui os acontecimentos destes anos autorizam-me a colocar frente aos olhos do mundo incrédulo. Disto a sua grande importância, e a importância de explicá-los e compreendê-los no seu significado. Estes fatos concretos, pelos quais fez-se a justiça Divina pelas próprias mãos, sem a minha intervenção, onde houve os premiados e quem foi atingido, estes fatos deram o início de uma nova Obra, justamente aquela que aqui apresentamos. Eles constituíram-se como ponto de partida e como motivo fundamental da primeira Trilogia. Estes fatos, têm assim, com graves choques renovando a minha personalidade, dado uma nova diretriz ao meu pensamento, como era necessário para escrever uma nova Obra.

É necessário que eu mesmo, como conhecedor dos fatos, narre-os na sua verdadeira luz espiritual. O fato que mais atingiu-me e surpreenderá o leitor inteligente, é o ver além dos pontos de vista particulares para cada um, partidários e utilitários, esta maravilhosa presença de Cristo que tudo guiou, sem que eu soubesse, porque o seu pobre instrumento pudesse vencer sobre tudo e sobre todos e chegar assim, prodigiosamente, à vitória.

Assim de fato pude concluir a minha conferência na “Rádio Progresso” em São Paulo, na noite de 6 de agosto de 1955”... “O Cristo esteve sempre presente, em ação, perto de mim nesta luta e me salvou. Tenho provas positivas que isto aconteceu e que isto é verdade. Estes milagres são provas certas, para mim, de que minha missão é real e que vem da parte de Deus, eis que de outro modo Ele não me ajudaria assim; milagres como estes não acontecem cada dia e não podem ser feitos pelos homens”.

“Este trabalho não é de fantasia. A minha fé é de ferro porque está concretizada nos fatos. As teorias podem ser discutidas, mas todos compreendem os fatos. Por isso, está no plano de Deus, além dos livros, um exemplo concreto, no qual as forças espirituais se manifestam, também, no nível do mundo prático; um exemplo no qual o Cristo dá prova de sua presença e poder, deixando um instrumento seu, pobre desprovido de todos os recursos humanos, vencer contra todos os obstáculos movidos por seres poderosos e organizados, para confirmar que a missão é verdadeira e que homem nenhum, tem o poder de parar o que é a vontade de Deus.

“Esta é a grande lição moral que devemos tirar desta luta e dos meus sofrimentos valeu a pena sofrer porque os sofrimentos deram frutos. O Cristo avança, o Cristo vence. Ninguém pode parar o seu caminho triunfal aqui no Brasil.

“Este exemplo é bom para todas as religiões e grupos. Esta é uma verdade que pode fazer bem a todos em absoluta “imparcialidade” e “universalidade” que são as duas palavras da minha bandeira. São dela perdoar, abraçar e fazer o bem a todos.

“A minha conclusão, despedindo-me hoje dos meus queridos amigos brasileiros, não é somente de gratidão e de amor; e sobretudo não é de tristeza, mas de alegria. Não estou aqui para fazer queixas, nem para condenar ninguém, mas para alegrar-me com os bons, da vitória de Cristo. Isto porque se os anos de 1953 e 54 foram anos de luta e sofrimento para mim, este ano de 1955 representa o começo do desenvolvimento duma missão no Brasil Saio desta luta bem esgotado. Lutar de dia cheio de preocupações e escrever livros à noite, sozinho, num país novo, esgotaria um moço de 20 anos.

“Mas se cansou no físico este homem de 69 anos que vos fala, não esgotou na alma. E ele quer viver ainda, só para doar tudo de si mesmo, mente e coração, a este grande seu bondoso amigo que é o povo brasileiro”.

Assim começou a minha vida brasileira. Mas cedo percebi que me faltaram duas coisas absolutamente necessárias para quem quer cumprir uma missão: a independência espiritual e a idependência econômica. Em outras palavras, num país liberal, faltava-me a liberdade. Entretanto é uma coisa óbvia que quem quer obedecer a Deus não pode obedecer aos homens, e quem é instrumento do Alto não pode ser instrumento de interesses com finalidades humanas. O erro elementar de vários do meu ambiente de 1953 a 1954 que era o mesmo de 1951, foi de não ter compreendido que a minha missão era verdadeira; que Cristo trabalhava nela seriamente, sustentando-me, que eu fora lançado e defendido por forças espirituais (que depois mostraram a sua potência) e que por conseguinte, ninguém tinha o poder de freiar o meu trabalho. Assim, quem quisesse utilizar-me para suas outras finalidades, não lhe sendo possível dispor de quem deve obedecer a Cristo, o único patrão, teriam sido afastados, como de fato mais tarde aconteceu. Muitos aproximaram-se, não para colaborar, mas para utilizar a minha vinda ao Brasil para utilidades próprias que nada tinham que ver com trabalho e que, fazendo-me perder tempo, criaram-se obstáculos, fazendo-me desviar do verdadeiro caminho. No entanto, mensagens e escritos, publicados e já conhecidos, falaram claro e bastavam para iluminar. Mas eles não foram compreendidos.

Quis com esta intenção advertir quem deveria entender em primeiro lugar, com minha carta de 19 de janeiro de 1955, tomando posição definitiva e antecipando as conseqüências. Desta carta transcrevo aqui as conclusões:

“Ao Brasil, a quem dou os anos mais maduros de minha vida, peço, sendo eu pobre, o minimo de meios necessários para uma vida civil. Acreditei ter vindo ao Brasil a fim de fazer um trabalho e não para entrar em negociatas. Já perdi assim dois anos preciosos e que não voltarão mais. O fato que a minha missão seja utilizada por alguns para satisfazer interesses privados, deve absolutamente acabar. O escândalo que ameaça tornar-se público é o seguinte: A luta para obter dos direitos autorais os meios de subsistência e, de promessas não mantidas, uma casa indispensável para viver, paralisa-me no cumprimento da minha missão. Quem com isto tenta parar uma Obra de Cristo, assume uma enorme responsabilidade, e que existe uma lei, mesmo não querendo acreditar, é a verdade”.

Também eu assumi e assumo as minhas responsabilidades para com Cristo e o Brasil. Mas Cristo, que vê que a execução da minha missão não depende de mim, responsabilizará aqueles de quem a execução depende. E não nos esqueçamos que Cristo além de bom e potente nunca permitirá à liberdade humana de obstar os seus planos. Sendo eles de alcance histórico, todos os obstáculos serão pulverizados. Isto é o que neste momento a Sua Voz me diz para afirmar, rogando para que esta carta seja conservada, porque, lida daqui a alguns anos, compreenda-se com os fatos que virão, o grave significado destas palavras”.

«O meu trabalho é de dar aos espíritas, porque no Brasil foram os primeiros a virem a mim, como, também, a todos os homens de boa vontade e honestos, uma Obra que está no princípio e cujas palavras o mundo ainda não conhece e que dia a dia me são reveladas. Agora começa o verdadeiro trabalho. Eu preciso de amigos que ajudem e não de negociantes que me utilizem para os seus negócios. Esta gente, é a ordem da Sua Voz, seja afastada da Obra. Eu estou executando esta ordem. E dado que atrás de mim está Cristo a quem eu obedeço, esta ordem é acompanhada de invencíveis meios sobrehumanos para vencer. Aqui os acordos humanos, as astúcias do mundo, significam como combater com a espada contra a bomba atômica.

“Nestes dois anos, cada um, com a suas ações, se auto-definem e auto-julgam-se perante Deus; colocam-se, portanto, espontaneamente na devida posição, frente à Obra. E também o mundo observa. Eu vivo sob os refletores, no palco do mundo. Quem quer que se aproxime a mim é observado sob os mesmos refletores. Também os hemisférios Norte, Europa e Estados Unidos olham-nos E tudo aquilo que acontece escreve-se no livro de Deus, e nunca mais se cancela.

“Somos todos chamados para colaborar numa Obra imensa. Eu não sou outra coisa que um pobre instrumento que necessita da colaboração de outros instrumentos. Chegou a hora de trabalhar, tomando cada um posição exata e bem definida. A mensagem da Sua Voz, de Pedro Leopoldo, em agosto de 1951, deve tornar-se realidade. Ninguém poderá alterar os planos de Cristo. Ninguém poderá pará-los. Hoje o Brasil foi escolhido. A ele compete agora aceitar ou não. Mas já um novo exército está formando-se, porque no Brasil as almas boas e sinceras são numerosas.

“Esta carta é para declarar que com o 1955 inicia-se uma nova fase de maior desenvolvimento do plano da missão. Tudo aquilo que foi feito até agora foi somente uma preparação. Resolvamos rapidamente este absurdo ao qual o mundo está assistindo, isto é, uma tal Obra ficar a mercê dos interesses de um editor ou de um dono de casa, e trabalhemos todos, instrumentos da mesma Obra. A saída foi dada e o terreno é virgem e fértil. Unamo-nos sob a mesma bandeira do Cristo que é o único e verdadeiro dono desta Obra.

“Estas são as diretrizes que neste momento a Sua Voz ordena-me a transmitir, chamando-nos ao sentido da gravidade da hora que pesa sobre todos”.

Foi-me respondido somente na parte prática, do conteúdo econômico, da carta, mostrando até surpresa sobre haver-me transferido para o Brasil. Mas nada me foi respondido sobre a parte espiritual que é a mais importante. Mas foi justamente porque previa que tal carta não seria compreendida, que recomendei a sua conservação, porque quando relida ela fosse compreendida com as provas dos fatos que então a teriam apoiado.

A única resposta que obtive foi a minha liquidação.

Assim ao invés dos auxílios esperados, encontrei obstáculos. Esses eram graves, gravíssimos para mim, que me encontrava só, sem meios, em país estrangeiro. No entanto, eles foram todos superados. Enquanto em plena abediência aceitava a prova das mãos de Deus, a Sua presença me acompanhava, tudo resolvendo. Que eu tenha podido, não só resistir, mas vencer, foi um fato tão prodigioso que nem mesmo os crentes acreditaram, imaginando assim, uma coisa que eu nunca sonhara, isto é, que eu houvesse friamente premeditado quem sabe quais astutíssimos planos diabólicos.

* * *

Pelo contrário tudo se desenvolvia desta forma. Surgia o obstáculo. Era como o elevar-se de uma parede através do caminho. Impossível avançar. O terreno tornava-se escorregadio sob o pé que não sabia onde apoiar-se. Mistérios, equívocos, mal entendidos, promessas tranqüilizantes que não se realizavam, auxílios que apareciam como esperanças, que depois sumiam, uma atmosfera interminável de brumas e miragens, um modo de coisas vagas e inatingíveis, de palavras acariciadoras, afetuosas, fraternas, mas vazias, sem consistência e sem efeito. Era mórbido envolver do polvo, o sonho intoxicado dos estupefacentes, a alucinação na qual não se consegue mais manter o senso da realidade.

Neste mundo estranho, de coisas esvaecentes, no qual as palavras tomavam os mais variados significados, menos aquele verdadeiro, neste mundo que foge para o irreal, só a Sua Voz, firme, lembrava-me sempre: “Fique tranqüilo. Aquela parede cairá, o obstáculo será superado.” E advertia-me em forma clara e precisa, como ninguém falava ao meu redor; e diferindo de todas as promessas humanas, as suas realizavam-se. De fato, depois o obstáculo era superado e a parede caía.

Isto acontecia em seguida a circunstâncias imprevistas, não provocadas por mim, que apareciam como por si mesmas, mas ao fim proporcionadas e de natureza adequada para superar as dificuldades; e isto no momento preciso. Observando, devia constatar que uma inteligência superior dirigia tudo, porque eu não podia saber tanto, nem possuía os meios para vencer; e absolutamente não dirigia os meus movimentos. O fato de eu sempre vencer sobre tudo, regularmente, sem nunca ter pressa, com a calma das coisas eternas e sem nunca errar, espantava-me. O acaso pode nos favorecer uma vez. Mas a característica do acaso é sobre tudo a falta de inteligência e de uma coordenação constante de movimentos para um fim preciso, O acaso poderá nos favorecer uma vez, mas a sorte logo nos abandona. Aqui não podia compreender esta série de prodígios encadeiados, pelos quais sempre vencia, com a presença de uma inteligência que tudo guiasse. Assim Cristo dirigia tudo e vencia contra todos.

O meu estado de ânimo frente a tal ambiente humano da primitiva fé absoluta, teve assim que transformar-se em desconfiança. Comecei a olhar atrás dos bastidores, e agarrei-me a Cristo desesperadamente, meu único amigo. Cristã e fraternalmente foi dito, de mim e dos meus, tudo o que se pode inventar de mais calunioso e inverossímil. Por mais que se dissesse o contrário, eu não pedia riquezas, porque sabia não ter direito algum. Mas pedia, porque sabia ter direito, a palavra sincera do amigo, e não aquela bruma que me fazia perder o senso da realidade e impedia-me de providenciar as minhas necessidades e defender-me.

A Sua Voz continuava a suster-me, advertindo-me que cedo tudo se transformaria. Eu esperava obedecendo. E logo uma série de pequenos prodígios, movidos em série, coordenadamente para o mesmo fim, nasce o prodígio maior do afastamento dos primeiros amigos e surgir, sob a guia do Alto, de outros auxílios e novos amigos.

Cito apenas dois destes prodígios menores. Quando em Julho de 1954, foram-me cortados os viveres, isto é, o mensalmente indispensável que eu recebia do editor para viver com o fruto do meu trabalho, nos mesmos dias um auxílio equivalente caía do céu, sem ser previsto nem pedido.

Outro prodígio. Em fevereiro de 1955 domingo dia 13, recebi a resposta acima citada de liquidação pela qual pude finalmente saber que não existiam os auxílios prometidos pelos amigos. Segunda-feira dia 14, o oficial de justiça bateu à minha porta com a notificação judicial para desocupar o apartamento.O assalto desfechava os seus golpes decisivos, que deviam aterrar-me, lançando-me na miséria, sem meios para viver. Nestas horas, a minha vida e a da minha família ficava suspensa apenas por um fio: a minha fé em Cristo. Éramos defendidos apenas pelas potências espirituais. E estas venceram. Neste mesmo dia, de muito longe, sem que houvesse pedido, chegou o auxílio para comprar um novo apartamento, isto é, o dinheiro exato para isto, nem mais nem menos. Alguém acreditou que eu tivesse projetado tudo isto. A verdade é que eu não tinha projetado nada e foi apenas um milagroso auxílio de Deus; mas como podiam admitir este auxílio aqueles que não acreditavam em Deus? E assim fui salvo prodigiosamente de golpes muito fortes e muito bem calculados para que da outra parte não se tivesse a certeza da vitória. Fui salvo contra toda a probabilidade humana sobre a qual os práticos baseavam-se, para o auxílio das forças espirituais, que eles neste caso demonstraram ignorar completamente.

A moral é que a providência de Deus não é palavra vã e que ela funciona verdadeiramente, quando verificam-se as condições necessárias para que ela possa funcionar. Mas precisamos ainda notar um outro fato e é que, não só chegou este auxílio trazendo vitória, dando assim um sinal da aprovação de Deus, como se Ele mesmo quisesse subscrever os acontecimentos. O outro fato é que os elementos humanos que queriam torcer a missão escravizando-a aos fins particulares, viram, sem nenhuma intervenção do instrumento que tudo perdoou, estragar os seus planos e seus interesses e isto na forma e medida com a qual eles tinham procurado sufocar e demolir a Obra. Os atingidos sabem, porque assim aconteceu para eles, que isto é verdade, mesmo que nisso não cheguem ainda a ver a mão de Deus. E a reação da Lei não se deterá enquanto tudo isto que foi por eles cumprido para com ela, não tenha sido pago, e eles, como querem as forças do bem, que tudo comandam, não tenham aprendido a lição.

Mas como é possível acreditar que Deus permita que se possam desfrutar os ideais e as coisas santas pelas quais tantos sofrem e sacrificam-se? E no entanto estes princípios morais são difundidos e pregados em cada canto, por todas as religiões! Precisaria compreender que a culpa não foi contra mim, que nada valho e que não vale a pena defender; mas é contra Deus, contra os princípios fundamentais da Sua Lei. E o meu perdão não pode ter a força de sustar a reação daquela Lei. Como pode quem maneja todos os dias estes princípios, ignorar que eles verificam-se de fato?

Assim, necessitei chegar ao ponto de precisar pôr avisos nos jornais (e todos os viram) para encerrar, ao menos a meu respeito, com o sistema de recolher fundos, dos quais eu nem sabia a proveniência, nem a destinação, fundos nominalmente destinados a auxiliar-me, dos quais, portanto, eu levava o peso da responsabilidade moral e não tirava, no mar de palavras no qual devia saciar-me, sustento algum para poder cumprir o trabalho da minha missão.

* * *

Mas deixemos este mar de tristezas, para avançar em direção a praias mais luminosas. Cada prova tem o seu término, cada paixão deve debruçar-se na ressurreição. Na refinada tortura de dois anos tinha sido pago o tributo de entrada na nova terra. O batismo de dor recebido era como uma investidura do Alto, a qual confirmando, dava o direito ao cumprimento da missão. Na profunda maceração interior amadureceu em mim uma nova personalidade, não mais mística como em Gubbio, mas de luta na terra para vos impor, com a evidência dos fatos, o Evangelho. Tudo isto, — se para quem não havia compreendido a Lei, violando-a, resolvia-se em destruição, para mim, que para viver a Lei tinha sofrido resolvia-se em construção.

Assim em 1955 deu-se a mudança da guarda, isto é, um novo grupo de amigos substituiu o velho, novos amigos que me testemunharam a grande bondade do povo brasileiro, no qual sempre confiei. Assim os elementos negativos que se achavam no grupo de 1951, foram afastados. Não se pedia mais deles. Apenas que não paralisassem a Obra... Nenhum ressentimento, nenhuma reação. Apenas Deus sabe e julga; devemos portanto em tudo submeter-nos a Ele. Tudo isto foi apenas um ato de legítima defesa, para que a missão pudesse cumprir-se, já que ninguém tinha o direito e podia ter o poder de sustar uma Obra, pela qual eu tudo havia sacrificado.

Começou assim, no ano de 1955, o trabalho livre no qual não mais os homens mas apenas Cristo comandava. Neste ano foram lançadas as bases concretas da missão. No atual ano de 1956 começa a elevar-se a nova construção sobre aqueles alicerces. Neste período, foram de fato escritos os 3 volumes da primeira Trilogia da segunda Obra.

Estou aqui no Brasil não para gozar a vida ou para repousar, mas para cumprir a minha missão, última conseqüência dos primeiros pactos solenes feitos em Sicília em 1932. Estou para prestar contas do meu trabalho, explicando não só as dificuldades superadas, mas o trabalho feito em tão duras condições. Explicarei, portanto, como nasceu a segunda Obra, o que foi feito da primeira, para nos orientarmos frente aos acontecimentos e fixar as notas características deste período da minha vida.

Cada fenômeno tem a sua Lei, nenhum mecanismo pode funcionar a não ser segundo as normas impostas pela sua natureza. Todos sabem que a golpes de pedras não se pode fazer funcionar um relógio de precisão ou fazer tocar um rádio! Se não forem seguidas determinadas regras, o instrumento não obedece. Não é questão de querer ou não. Ora uma pessoa que escreve por inspiração, como o fazem os artistas e qualquer um que faça o trabalho original de conceito, é instrumento delicadíssimo que se ressente de todas as condições ambientes. Não se pode impedir que aquele instrumento, pela sua própria sensibilidade, registre todos os choques que do exterior lhe são transmitidos, ampliados pela sua grande sensibilidade, os quais assim se exprimem, deixando traços profundos na Obra que produz. Acontece como na rádio-difusão, na qual as descargas atmosféricas, que somente com o ouvido o homem não percebe, perturbam a audição e isto até o ponto em que nada mais pode-se ouvir.

Agora, nestes dois anos, 1953 1954, de perturbações psíquicas, estava tão saturado o ambiente, a atmosfera espiritual tão sufocante, as vibrações dominantes foram de uma potência tão destruidora, tornando impossível a audição e o registro de uma voz tão refinada como aquela que devia trazer a luz o volume “Cristo”. Comecei-o. Mas a necessidade de defender-me, lançou-me na luta e nela foi absorvido todo o meu tempo e todas as minhas energias e tornou-se necessário abandonar a recepção, porque em tal ambiente, sofria deformações tão monstruosas que representavam não uma expressão, mas uma violação do pensamento transmitido. Foi dito que eu estava tomado por uma onda barôntica. E de fato essa onda era representada pelo ambiente em que eu caira. A ele deve-se, portanto, se até agora, no Brasil, o volume “Cristo” não foi possível ser escrito.

Assim, a I Obra ficou truncada neste primeiro choque. Mas isto era inevitável. A missão neste período transformou-se, e o instrumento, habituado em atmosfera de solidão e silêncio, devia descer no turbilhão infernal do mundo, porque aqui cumpria-se a última fase da missão que é aquela da atuação prática. Aqui ele arriscou ficar paralisado no seu trabalho, sem poder produzir mais nada. E isto teria acontecido sem a proteção das forças do Alto, que tudo tinham previsto e vigiavam. Estava de permeio a vontade de Deus contra a qual as forças do mal nada podem. E pelo contrário, elas são utilizadas no serviço do bem e neste caso foi para produzir na pessoa uma nova maturação. A dor pode produzir sempre um fruto, pode ser um mal fecundo de bem.

O perigo existiu, no qual os homens práticos que conhecem o mundo e sorriem dos sonhadores do ideal, conseguissem destruir tudo e que a fonte secasse para sempre. No entanto eles que dizem conhecer a vida, não compreenderam que para que uma pessoa possa ser utilizada, dando o seu fruto, é indispensável que lhe sejam concedidas condições de sobrevivência. O espírito é uma coisa delicada que, para que possa funcionar, deve ser tratado com inteligência, com sinceridade e com bondade: uma bondade substancial e não somente de boas maneiras.

O instrumento em tais mãos podia ter-se inutilizado definitivamente, se não existissem as leis da vida para protegê-lo. Assim ele não cessou de funcionar, não se deixou matar. A vida reagiu nele e ele pôs-se a funcionar de outra forma. Resistiu, não quis morrer e, para sobreviver adaptou-se, transformando-se. Assim a sua atividade resultou diferente e sua produção foi desviada para outra direção. Assim, de um mal nasceu um bem, pelo qual ele renovou-se. O instrumento recebeu em cheio o choque e absorveu-o profundamente. Aqui, nos elevados processos da técnica da vida, o choque inverteu-se e emergindo, reverteu-se para o bem. A personalidade do instrumento mudou-se. Se o instrumento perturbado, não pôde produzir aquilo que estava no programa, a sua produção não parou, ele tomou outra direção, navegando por outros mares, para outros horizontes. Assim nasceu uma nova Obra, que desenvolve um tema novo com um estilo novo, duro, terreno, positivo para os práticos, um estilo de batalha adaptada ao mundo no qual a missão agora deve cumprir-se.

Assim nasceu esta II Obra, da qual agora apresentamos os primeiros 4 volumes, escritos de um ímpeto nesses três anos brasileiros. Assim, a primeira Trilogia já está completa, investindo os problemas mais palpitantes do momento com palavra concebida como ação, para construir na terra com as pedras das provas evidentes o novo edifício do Evangelho vivido e da nova civilização do III milênio.

* * *

O que foi feito então da I Obra? Ela permaneceu no 10.º volume. Assim ela pôde ser terminada. O estado de ânimo pelo qual ela nascia foi interrompido. Ficou como congelado. Não morreu por causa disto. Retirou-se apenas para as camadas mais profundas aguardando vir à tona um dia, quando os gelos do inverno terão cessado e reaparecerá a primavera. Assim a vida defende-se. A primeira Obra ficou como uma semente em baixo da terra esperando renascer. Nada foi perdido. Certamente o reinício foi apenas transferido. E se um dia a pessoa conseguir formar-se um ambiente de paz e confiança, então poderá nascer o volume “Cristo”. Mas são necessários fatos novos, impressões que em sentido contrário corrijam os precedentes; são necessárias mudanças que dêm à pessoa o tempo de sarar dos choques recebidos e que lhe garantam aquela tranqüilidade e confiança que são necessárias para que tais livros de sublimação espiritual possam ser escritos.

No momento, a I Obra está como um navio preso a um banco de areia, aguardando que o destino lhe mande o vento para desprender-se. No momento, o espírito sofreu como que uma contração para o interior, negando-se a manifestação exterior. Fecharam-se as portas para aquela ordem de conceitos e tudo silencia. Até que o ambiente não mude, nada aparecerá dito sobre aquele tema. Em ambiente como destes três últimos anos, o pensamento conexo com Cristo não pode aparecer.

É inútil acusar-se mutuamente. Colocadas as causas, as conseqüências são fatais. É como pretender que a água não gele quando chegar a zero graus. É necessário não levá-la até aquela temperatura. Necessitava não pôr as causas. Uma vez levada até aquele ponto, a água não pode fazer outra coisa senão gelar. Era necessário inteligência para compreender a delicadeza do instrumento, para não estragá-lo. Mas tal poder de intuição não pode ser encontrado no selvagem plano biológico da luta pela seleção e triunfo do mais forte. Assim, o choque é fatal e assim sempre aconteceu todas as vezes que o ideal desceu na terra para impor-se. No entanto, ele representa a maior força da evolução. Mas os não sensibilizados, não percebem isto e tudo fica defendido somente pela sabedoria das leis da vida, da qual eles dão prova de muito pouco conhecer. Entretanto, é uma coisa elementar e evidente que, se quisermos obter um serviço útil, de um qualquer meio, não é necessário fazer um mau uso, gastando-lhe o mecanismo, que deve, pelo contrário, ser bem tratado, tendo em mente as exigências vitais segundo as leis que o regem. Se por excesso de exigência e avidez, não se dá atenção a isto, seca-se a fonte. Com tal psicologia pode-se criar mártires, mas mata-se o trabalhador e a sua produção.

Assim, se ficou paralisada a I Obra, não foi absolutamente sustado o cumprimento da missão, fato que pertence a Deus e sobre o qual os homens não têm poder algum. Assim aconteceu que a trajetória do trabalho somente sofreu um desvio, imposto pelo surgir de novos choques. Certamente tudo, também neste sofrimento, continuou sendo guiado por Deus com sabedoria e intuindo o bem, que amanhã se revelará mais claramente. Entretanto, é um fato a grande utilidade moral deste exemplo, que o Evangelho nos quis dar, da vitória dos seus métodos de batalha, que na prática deste caso mostraram-se superiores e vencedores sobre aqueles do mundo. O Evangelho nos quis dar uma prova de força, da sua força, para que ele seja finalmente tomado em consideração no mundo. Para mim tenho a satisfação de ver que tantas dificuldades, no final não me fizeram perder tempo, coisa assim tão preciosa que, pelo menos para mim, não é permitido desperdiçar. Tenho a alegria de constatar que dos obstáculos a mim criados, Deus soube tirar novas criações e sobre tudo a confirmação prática experimental das teorias sustentadas nos livros, teorias que, depois de ter vencido a experiência desta prova de fogo, resistindo ao choque dos fatos, adquiriram agora um valor positivo imensamente maior.

Cristo vigiava e à Sua presença devo tão esplêndidos resultados, conseguidos em condições tão difíceis. Aqui Ele não desceu somente como conceito nos livros, mas como ação na vida, para que fosse compreendido. O prodígio foi de se ter extraído tanto bem de tanto mal e ninguém conseguido destruir a missão. Pelo contrário, do desencadear-se de rivais na contenda, para apoderar-se do instrumento e torná-lo como meio de realização de planos particulares, disto, pelo contrário nasceu uma nova Obra. O prodígio foi que nenhum destes planos, alcançou o efeito previsto, e que pelo contrário, alcançou-o somente aquele de Cristo que tudo guiava E aqueles elementos, como já disse, obtiveram com as próprias mãos, somente um resultado: o próprio dano e o afastamento.

* * *

Hoje, a barreira está superada e em 1956 poderemos apresentar os primeiros 4 volumes da II Obra a saber:

1.º volume — COMENTÁRIOS (Introdução à II Obra)

1.ª Trilogia

2.º volume — a) PROFECIAS (o futuro do mundo).

3.º volume — b) PROBLEMAS ATUAIS

4.º volume — c) A GRANDE BATALHA

Seguir-se-á a 2.ª Trilogia que está em preparação. São até aqui quase 1.000 páginas, forte trabalho feito durante a noite, porque durante o dia enfurecia-se a tempestade descrita.

Esta II Obra será toda revista por mim na sua tradução em português, de modo que possa assegurar-me da sua fidelidade na tradução e garantir a sua exatidão. Não conhecendo até há pouco tempo o português, nenhum controle deste gênero me foi possível na I Obra.

A II Obra, impressa com bom trabalho tipográfico como a I, deverá ser oferecida a um preço relativamente inferior ao da I Obra. Como lutei para que o meu nome não servisse de pretexto a outros, a fim de recolher fundos e fazer negócios, procurei assim que os meus livros não se tornassem mercadoria, ficando eles independentes o mais possivel de tudo aquilo que é comércio.

Com isto não só procurei oferecer edições tratadas pessoalmente com carinho, mas continuarei a minha luta contra o dinheiro, que é o verdadeiro inimigo de todas as verdadeiras obras espirituais. Devo, neste propósito, fazer declarações importantes. Foi dito nestes anos, entre outras coisas, que eu queria enriquecer. Eu tinha absoluta necessidade, para poder viver, e assim cumprir o meu trabalho, de uma casa onde poder morar e de meios materiais para manter a mim e a família. Nunca quis riqueza, porque não posso perder o meu tempo a fim de defendê-la. Necessito, porém, de idependência econômica, sem a qual cairia em estado de escravidão, no qual o meu trabalho é impossível. Mas obtida esta independência que me é indispensável, todo o resto representa para mim um meio para o meu trabalho; o resto pesa-me, tanto é verdade que já o dispensei na Itália. Estou consumindo metade de meu tempo e energias viajando para proferir conferências. É um grande trabalho para mim; e o faço gratuitamente. Como continuar o resto, se estou desprovido de meios para viver? É absurdo que a humanidade insaciável me arranque até o que me é indispensável para o cumprimento de minha missão para o bem dos outros.

A esta acusação, de que eu quero enriquecer, respondo agora, oferecendo uma edição boa e ao mesmo tempo econômica e acessível ao bolso de todos, abolindo os lucros inúteis. Respondo recordando as palavras por mim escritas no volume: “A Ascese Mística”, publicado na Itália, em 1939 e no Brasil em 1954. Ali, no capítulo “A minha posição” defini minha missão, a qual hoje está se desenvolvendo e àqueles princípios ali expostos permaneço fiel. Passados quase 20 anos, aquelas afirmações deram provas de serem verdadeiras.

Rogo ao leitor que deseja conhecer minhas idéias sobre tal argumento de reler todo aquele capítulo Aqui transcreverei somente este trecho: “Nada quero possuir, tudo rege-se por única força do espírito... Então, nada de casas, sedes, cargos e toda a peste de organizações humanas; nenhuma coisa que possa solicitar os baixos instintos e excitar as sempre prontas respostas dos inferiores movimentos do homem comum; nenhum cheiro de dinheiro que tanto atrai os ávidos lúridos moscões; esses fogem, por graça de Deus, à frente de um prato onde só tem fadiga, dor e paixão de espírito. Esta a minha garantia... Esta a minha força frente ao mundo...”

(A tradução deste trecho, na I Obra, não é exata).

Repito hoje, no caso atual, as mesmas declarações. Desejo que se compreenda claro e sem equívocos o meu método, que é aquele de nunca procurar dinheiro, de nunca pedi-lo, de nunca organizar propaganda, comissões, etc. para recolher dinheiro. Aquele que o faz em meu nome, o faz sem o meu consentimento, contra a minha vontade e a seu risco e perigo. Devemos compreender que a Obra pela qual trabalho depende de Cristo que não necessita o dinheiro humano. E se necessita, somente a Ele compete inspirar quem deve trazê-Io. Mas o dinheiro, também quando deve chegar porque há absoluta necessidade, não deve ser nunca solicitado pelo homem, mas apenas enviado do Alto. Estamos aqui não para fazer negócios como fazem tantos, mas para dar um exemplo prático que as forças do espírito são verdadeiramente de fato as mais potentes. E posso afirmar frente a Deus que, quando chegaram-me os meios indispensáveis para sobreviver, eles chegaram-me sempre e apenas com este sistema. E então para cumprir o meu trabalho, foi-me indispensável possuir nominalmente alguma coisa, não quis recorrer à hipocrisia de esconder isto sob formas anônimas, impessoais, sem assumir direta responsabilidade, entrincheirando-me atrás de pessoas ou instituições para possuir sem parecer.

Outra coisa que desejo esclarecer é, contra aquilo que se poderá imaginar, que não desejo jamais ser chefe de coisa alguma, nem em senso material nem espiritual. Aceitarei apenas honestos companheiros de trabalho, nunca discípulos menores sobre os quais exerça uma autoridade qualquer. Movimentando-me em uma ordem de idéias na qual o domínio sobre o próximo é perfeitamente inútil, porque, a diferença dos agrupamentos humanos onde necessita submeter todos ao comando de um só que dirija com disciplina para manter a ordem imposta sem o que tudo se desagrega, no nosso caso é a Lei e não a imposição humana que o mantém; tudo interiormente regendo com uma disciplina a qual ninguém pode escapar, porque cada violação, sem que algum chefe a imponha do exterior, torna-se inexoravelmente paga.

O meu trabalho não é de impor idéias, mas apenas de oferecê-las, difundindo-as com os livros e a palavra para o bem do próximo. Não é para procurar egoísticamente vantagens para mim, como acontece em geral em todos os que procuram o poder, mas para oferecer vantagens, e isto imparcialmente a todos, sem sombra alguma de setarismo fazendo compreender às mentes, por demais habituadas ao engano, em desconfiar, que elas são verdadeiramente uma vantagem. Com esta finalidade sigo todos os caminhos: os da razão e da ciência; os do coração e da fé; aqueles, enfim, do exemplo; como no caso atual. Oferecer a todos, imparcialmente, quer dizer que sou amigo de todos desde que sejam justos, em qualquer religião e sejam eles de que idéia forem. Quer dizer, também, que não posso permanecer fechado em nenhum grupo de caráter esclusivista e setarista. Apenas em qualquer um deles, seja-me pedido para condenar um qualquer honesto e diverso ponto de vista, só porque diverge do seu e para impor aos outros o seu próprio, daquele momento, não posso mais pertencer àquele grupo.

* * *

Esclarecidos assim estes pontos fundamentais, peço por hora licença aos meus leitores amigos brasileiros. Peço-lhes de poupar-me qualquer forma de fama e honras, que tomam-me tempo e energias precisas, enquanto representam um peso que agrava o meu trabalho. Peço-lhes que cerquem-me com o seu afeto que me alimenta. Peço-lhes que contribuam, cada um como puder, para constituir e manter em volta de mim aquela atmosfera de paz e fé, que me é necessária para escrever ainda e para cumprir a minha missão nesta nova pátria a qual me dedico todo. Peço àqueles que se interessam por mim para utilizar-me para os seus planos particulares e vantagens, àqueles aos quais o meu trabalho não agrada, peço-lhes que tenham compaixão de mim e que deixem-me em paz. O meu cansaço é grande e estou sobrecarregado de tantos deveres com vantagens para o próximo. É um pecado fazer-me desperdiçar tempo e energia em coisas inúteis, que não são para o bem disto. O meu trabalho não faz mal a ninguém, é inócuo, faz todo o bem que pode, não agride, abraça a todos e quer agradar a todos. Por que combatê-lo? Não tenho exposto aqui provas suficientes de que ele é ajudado por Cristo e que portanto não se pode, é inútil procurar andar contra a vontade de Deus? Ao contrário, não se fica encantado diante da maravilhosa harmonia e beleza das suas obras?

Por que procurar encerrar o meu trabalho, concebendo-o apenas em função de grupos particulares? Por que querer vê-lo apenas em relação a categorias já feitas, nas quais não pode caber, a princípios particulares e interesses nos quais o universal nunca poderá reduzir-se? Por que querer por força fazer um pedaço dos outros edifícios já feitos, fora dos quais não é permitido existir, porque fora deles não se permite verdade? Por que não terminar de uma vez, com vantagem para todos, com esta intolerância de todos contra todos, na qual todos se igualam? E por que deve-se-me atribuir como o mais imperdoável defeito, esta minha falta de espírito setário? Por que não procurar ser, também, com fatos, verdadeiramente irmãos? Parece que o homem seja absolutamente pouco preparado para poder compreender um pensamento universal, que vá além do restrito círculo do seu ambiente. O dogmatismo, o farisaísmo, o sectarismo, tendem sempre a reaparecer em todos os grupos como uma característica humana de cada lugar e tempo.

A simples descrição feita, o método seguido, as provas dos fatos acontecidos, parece-nos suficientes para convencer-nos que caminhamos no caminho da verdade. Sem um particular auxílio de Deus, aqueles fatos não se explicam. E auxílio quer dizer aprovação. Não se pode negar aqui a presença de um plano pre-estabelecido que se vá desenvolvendo com movimentos coordenados para um fim preciso. Como negar, frente a tais fatos, a presença de uma inteligência superior que tudo dirige? Não posso esconder o espanto que me dá esta sensação da presença contínua de uma força e inteligência que, não sendo minhas, não posso atribuir senão a forças espirituais superiores que fazem de Deus um chefe. Se não sou eu que dirijo e se tudo caminha com uma sabedoria que eu não possuo, quem dirije então? E os resultados estão aí. Frente a eles fica-se pensativo procurando explicá-los; e como explicá-los de outra maneira? Há o fato positivo da vitória. Sem um auxílio extra humano como explicá-lo? Há o fato positivo da construção que está surgindo lenta mas constante, de um modo independente da força humana, por um poder que as domina, porque elas por si mesmas não explicam o fato, nem conseguem obstaculá-las. Por quais forças é portanto sustentada tal obra, situada além dos poderes e conhecimentos humanos? Como se explica uma vitória alcançada mesmo quando fui despedido, em terra estrangeira, só, por aqueles que eram a minha única esperança? Como explicar esta impotência de meios e astúcias humanas para vencer contra um inerme, desprovido de tudo, que não arquiteta planos, não se defende, não agride e perdoa? De que couraça foi ele portanto revestido para permanecer tão invulnerável; de quais armas invisíveis foi ele provido, para ficar, numa luta tão impar, vencedor? Com ceticismo não se explicam estes fatos. E não se pode evitar de vê-los, porque existem. Como não nascerá portanto a dúvida, também na mente dos mais céticos que o instrumento não esteja só e que ao lado dele atue qualquer força desconhecida deles? E, se pelos efeitos mede-se a causa, aquela força deve ser inteligente e potente. A forma dos movimentos que vemos, indica-nos a natureza do motor do qual elas derivam.

O mundo não vê esta arma, não sabe como é feita; nem como funciona. O nosso mundo vive no plano biológico caótico onde melhor é aquele que esmaga com a força ou a astúcia, e não plano onde todos colaboram na ordem da lei. É difícil explicar aos seres de um plano de evolução os princípios que vigoram em um outro plano mais alto. No plano humano a luta pela vida habituou-nos de tal maneira à desconfiança, que também quando espõem-se sinceramente uma verdade, a primeira coisa que se acredita é que seja uma mentira. Estas minhas sinceras explicações poderão portanto ser interpretadas como uma astúcia inédita e refinada. Será assim mais difícil fazer compreender como é feita e como funciona esta arma. Ela é a arma da não resistência que o Evangelho há milênios está repetindo. Mas na prática bem poucos a usam porque nas mãos comuns ela não funciona e desaparece da vista concreta terrena dos práticos em planos de vida a eles desconhecidos.

Todavia o instinto percebe alguma coisa daquele lado. Todas as vezes que existe alguma coisa que interessa à vida, sobre tudo como ameaça e perigo, ela intui, mesmo sem perceber isto. Aqui existe luta e vitória. Duas coisas que fazem parte da vida mesmo nos planos inferiores e que portanto todos compreendem. Constatada uma vitória, todos querem saber com que armas venceu-se, porque interessa a todos achá-las para vencer. O tipo corrente fica, então, perplexo ao constatar, ao lado de uma vitória, a ausência das armas dele conhecidas, aquelas que todos usam e com as quais apenas, acredita-se que seja possível vencer.

Os céticos dizem então: que tipo de inimigo é então este que vence de tal maneira desarmado e sem fazer guerra? Aí está a incógnita do problema para a qual aqui apenas acenamos, para que isso reassuma o caso atual, mas que merece um volume especial no qual ele seja desenvolvido e que será intitulado: “A grande batalha”, último da primeira Trilogia desta segunda Obra. Ali nos encontraremos novamente para tratar a fundo de um argumento tão excepcional. Baseando-me na experiência destes meus três anos brasileiros, ali poderei descrever esta nova potente extratégia, tão pouco conhecida na Terra, pela não resistência pregada pelo Evangelho. Será assim dada exuberante solução ao presente problema. Explicaremos como, perdoando e amando, pode-se vencer mais facilmente do que agredindo e odiando, e sob quais potentes forças a Lei mantém sob sua guarda, quem a observa. Desenvolveremos assim os conceitos da “Grande Síntese”, Cap. XLII: “A nossa meta, a nova lei”, na qual se diz: “Só há uma defesa: o abandono de todas as armas”, e o Cap. XC: “A guerra, a ética internacional”, como o Cap. XCI: “A lei social do Evangelho”, no qual desenvolve-se parcialmente o tema supra dito, sobre tudo no aspecto social político, como individual.

O homem atual conhece muito pouco da técnica das reações da Lei; não tem senão uma vaga idéia fidedigna deste fenômeno, cujo mecanismo as religiões não explicam de maneira alguma. Resta-lhe, então, o instinto que o leva a admirar o vencedor. Mas então, não conhecendo o fenômeno que pertence a outros planos de vida que lhe fogem, não lhe resta mais que um supersticioso temor que o desconhecido sempre inspira. Ele percebe confusamente que há qualquer coisa que lhe foge, alguma coisa poderosa, que portanto pode prejudicar bastante. O homem espiritual para ele é um enigma. Ele o vê armado de poderes espirituais que não conhece e sobre o qual ele nada manda. Nasce nele, então, a dúvida: seja verdadeiramente aquele homem estranho que sabe vencer, mais poderoso por que auxiliado enquanto estiver ligado ao Alto? E nós que queremos utilizá-lo só para nós, não o compreendemos? E se é assim, quais reações poderão agora chegar-nos daquele mundo misterioso do espírito que nós violamos?

Aqui o problema torna-se vivo, porque ele não se exprime somente com demonstrações racionais mas com a alegria e a dor, a vitória ou a derrota de seres vivos. Aqui a Lei se torna exemplo e lição prática. Eis o que aconteceu nestes três anos, aconteceu para dar um exemplo e indicando-nos aqui a presença de Deus, para dar-nos uma prova da verdade da missão. É também uma advertência para os céticos, é o manifestar-se evidente da Lei para que se veja que ela existe e funciona, é a afirmação da invulnerabilidade das obras de Deus e da impotência, frente a elas, de qualquer um que procure destruí-las. Tantos são os ensinamentos que nos dá este caso, até o maior que nos diz que quem faz bem o faz a si mesmo e quem faz o mal o faz a sí mesmo.

Este caso aqui descrito tem o significado profundo de ser um dos infinitos momentos da universal luta do mal contra o bem, na qual este último vence porque tal é a lei. Desta luta cósmica esse não é mais do que um caso particular que acontece entre nós todos os dias, no qual acham-se aplicações as normas do caso geral. Assistimos aqui ao encontro de forças opostas, de dois tipos biológicos diferentes, de dois planos de evolução. E o resultado é que o mais evoluído vence, demonstrando assim que as forças do espírito, sendo mais avançadas, são mais fortes do que aquelas da matéria. A Divina providência intervém e, a cada injusto retraimento humano, dirigido contra quem não merece, dá como compensação o justo equivalente, protegendo resolutamente aquele que obedece a lei à custa de quem a desobedeceu. Vejamos assim funcionar na terra a lei dos planos mais altos, pelo qual o triunfo espera não mais pelo mais forte ou mais astuto, mas pelo mais justo. Substitui-se, em outros termos, a lei pela qual na desordem vence o egoísta mais prepotente, pela lei na qual na harmonia da ordem vence o homem orgânico e reto; substitui-se a lei da força pela lei do mérito.

Dada a dificuldade de fazer sentir e admitir a presença real de Deus operando entre nós, os cérebros humanos habituados à astúcia, são levados a ver em tal sucesso, a maior de todas. O valor deste caso é ter querido dar uma lição no próprio terreno das embrulhadas humanas onde tantos se movimentam no terreno, portanto, o mais vivo, e que melhor é acessível à compreensão. Como pode de outra maneira a lei fazer-se compreender por quem apenas crê na força ou astúcia, e não na ordem com a qual ela tudo regula? Como introduzir de outra maneira nos cérebros encouraçados com as idéias da luta e convencidos do contrário, este conceito orgânico de um funcionamento universal do qual o homem é uma parte e no qual é sua suprema vantagem, ao invés de revoltar-se para impor-se, saber-se coordenar?

Para abrir caminho nestas almas habituadas a respeitar só o vencedor, porque ele deu prova de ser o mais forte, qual melhor vantagem senão um exemplo prático de vitória? Precisava portanto, para alcançar este fim, que as forças espirituais do bem, descessem a produzir efeitos até no campo dos interesses materiais, porque só assim a presença deles teria sido notada e a importância deles compreendida. Em um mundo onde se aprecia somente a força, precisava que o Evangelho desse uma prova de força. Para fazer-se compreender ele devia usar a linguagem da vitória sobre o terreno das coisas materiais que todos compreendem.

Precisava vencer com a honestidade, sem as armas e as astúcias humanas, para depois utilizar a vitória a fim de ajudar a educar. Mas antes de ser generoso e bom, precisa ter dado prova de ser forte, vencendo, porque nenhuma coisa é muito respeitada na terra, nem mesmo a virtude, quando pertence ao vencido ou débil. Estes, pensa-se, é natural que sejam bons com o próximo, visto que não têm força de fazerem o mal e, como vencidos, devem dobrar-se diante de todos. Mas ver um forte, um vencedor que não aproveita de sua vantagem para amesquinhar o próximo, esta é verdadeiramente uma admirável exceção. Somente a bondade do homem poderoso é virtude rogável, porque a do débil é fruto de necessidade e de cálculo. Na atual forma mental humana, resultado do seu passado e filha do seu atual grau de evolução, na base das apreciações está sempre a força. As coisas espirituais, portanto, se querem ser apreciadas na terra devem aparecer antes de tudo vencedoras pela sua força. O povo pedia a Cristo milagres, porque via aí uma prova de força e de domínio, e Cristo mesmo contra a vontade precisava fazê-los, porque para o povo estes eram a primeira condição da fé e do respeito.

O mundo deseja honestidade e justiça, mas uma honestidade e uma justiça que vencem. Quer depois, que desta vitória seja feito um uso que seja útil ao bem dos outros, que o vencedor seja generoso. Todos compreendem e amam, porque é vantajosa para eles, esta vitória nobre, licitamente alcançada e aproveitada pelo vencedor para esmagar o próximo. Este, se pelo seu instinto de subir, admira o vencedor na ânsia de imitá-lo, no seu egoísmo sente-se bem cansado dos infinitos aproveitamentos que tem, desde suas origens, precisado sofrer da parte de todos os vencedores. Assim a prova é aceita quando no lugar das tristes vitórias da terra, ele vê descer do céu tão oposto tipo de vitórias.

O mundo acha natural que um desarmado, como quer o Evangelho, ponha-se a rastejar aos pés dos fortes, e então o despreza como um fraco. Mas, quando vê que este, não obstante não possua e não use armas humanas, não apenas vence, mas depois não abusa, como costuma-se fazer, da vitória, então salta aos olhos a diferença e todos perguntam-se como possa isso ter acontecido, qual seja a chave de tal mistério, quais sejam os novos insuspeitos princípios de forças que tornam possível tal prodígio. É assim que procurando uma explicação da qual mesmo os céticos sentem a necessidade, eles são involuntariamente atirados sobre aquela estrada na qual deverão fatalmente, antes ou depois, chocar-se com a Lei.

Começa-se então a compreender que pode existir um outro biótipo* de forte, que mesmo humanamente desarmado, é mais forte que o do atual plano evolutivo humano: um forte que é tal, apesar de pessoalmente débil, porque célula de unidades orgânicas mais complexas e mais vastas, da qual o tipo comum pelo seu egoísmo fica excluído. A este não restam para defender-se senão as suas pobres forças individuais, enquanto que o outro tem para sua defesa a potência de todo o organismo do qual ele faz parte, isto é, os princípios da lei de Deus, da qual este último fez-se instrumento.

A descida em terra destes exemplos ajuda assim cumprir um primeiro passo para entrar no campo de uma lei superior própria a um mais evoluído plano biológico, onde a seleção tende a produzir um outro biótipo. Então também na terra começa-se a admirar outro modelo de vencedor, outro tipo de força, não material, mas espiritual, feita não de prepotência, mas de bondade. Admirar-se-á este modelo até amá-lo, porque nele ama-se o próprio útil que ele representa, dado que ele é um amigo e não um inimigo para a vida dos outros, e a sua generosidade permite aos vencidos atirarem-se em seus braços em plena confiança. O homem comum, tipo corrente da maioria, achará que admirar nele não só o forte que vence mas esmaga fazendo-se temer como inimigo, mas, o que mais o atrai, o forte que ajuda, não oprime mas sustém, não aproveita mal a vitória, mas transforma-a em bem, faz-se portanto amar como amigo. A vida, no seu utilitarismo luta para livrar-se do peso do egoísmo que, se defende um só, grava sobre todos; luta para chegar a estas formas superiores que a protegem muito mais, tirando-a daquele estado de luta e insegurança que é seu doloroso estado atual. A vida alcançará assim, através a elaboração da evolução, a produzir outro biótipo de fortes vencedores, o forte generoso e orgânico, que usa sua vitória para o bem de todos, vendo na coletividade os próprios irmãos. A custa de repetir por milênios esta palavra irmandade, à custa de pregar o Evangelho e sobre tudo à custa de sofrerem todos os danos da egoística vitória dos fortes, a idéia mais civil acabará por fixar-se na raça humana e o homem achará a força de revelar-se para sair de formas inferiores de existência que tanto, por tantos milênios o fizeram sofrer. Então, o próprio semelhante não será mais um inimigo e um perigo, mas um irmão e um auxílio, e a sociedade humana não será mais dirigida por uma ordem baseada sobre a disciplina de força e temor, mas de uma ordem baseada em convencida disciplina de amor. Então, como se modificou a concepção de Deus, passando daquela moisaica, de um chefe forte, impiedoso e vingativo, à atual, de um Deus amigo que nos ama com justiça, modificará paralelamente, as concepções humanas, que se baseiam sobre o egoísmo separatista do mais forte, àquelas que se fazem apoiar sobre um altruísmo, no qual todos se compreendem organicamente coordenando-se para uma vantagem maior de todos. Então, o mais forte vencedor não será mais temido, mas amado, e a sua vitória será porque não se baseia em opressões que devem temer toda a reação de revolta, mas sobre as colaborações que fundem em uma utilidade geral as atividades e os interesses de todos.

Eis aí apenas acenada a teoria geral do nosso caso. Observando em profundidade cada dia da minha vida e as dos outros, pude dispor por meio século de um campo de observação e de um laboratório experimental para o estudo positivo dos fenômenos normais. As precedentes afirmações apoiam-se, portanto, sobre as mesmas bases objetivas de experiência sobre as quais confirmam com os fatos dando-nos prova, porque elas foram obtidas por intuição, com o método da observação e da experiência. Enquanto as teorias gerais foram obtidas por intuição, com o método de dedução, descendo depois nos particulares, esta é uma confirmação de que eles chegam por um caminho oposto, porque chega-se a elas subindo ao invés, pelos particulares dos fatos.

Eis os alicerces que aprofundam-se até as raízes da Lei, sobre as quais apoia-se e agora começa a elevar-se a nossa atual construção nesta nova terra brasileira. A missão que se iniciou agora com esta prova de força, descida dos planos espirituais para convencer também os céticos. Cristo quis com ela manifestar a Sua presença, confundindo os métodos humanos vencendo com o oposto sistema do Evangelho. Isto não apenas nos confirma o passado mas empenha o futuro, dando-nos garantia do sucesso final. E tudo isto prova que a missão continuará a desenvolver-se até o fim, porque as forças do mal podem desafiar mas, não vencer os planos do céu.

Em termos mais vastos, esta á uma prova que o Evangelho é verdadeiro, e que se pode esplendidamente vencer com o seu sistema da não resistência. O que é certo é que Cristo não nos deu esta prova para minha glória, mas apenas pela Sua glória e do Seu Evangelho. A grande coisa que Cristo quis oferecer, foi um caso vivido que nos fornece a demonstração concreta de que o Evangelho, mesmo quando é transportado no choque na nossa vida de todos os dias, não é uma utopia, mas representa uma real utilidade prática. Na difícil arte de vencer, supremo sonho de todos os viventes, demonstra-se assim a superioridade do método do Evangelho sobre todos os outros métodos. E a maravilha é que ele, como neste caso, demonstra-se plenamente eficiente também quando praticado individualmente em meio a uma sociedade não desenvolvida, dele pode portanto apropriar-se para sua vantagem uma só pessoa e para si fazê-lo funcionar, mesmo antes que tal método seja conhecido e usado pela coletividade A muitos pode parecer que tal novidade seja questão de reciprocidade e que não se possa alcançá-la senão coletivamente. Mas ao contrário, este caso nos mostra como a entrada em superiores planos de vida seja aberta a todos, mesmo a um só, quando este esteja pronto para poder entrar ali.

Estas são as bases sobre as quais se elevará o novo edifício. A grande verdade que este caso nos ensina e que ao homem seria de grande utilidade compreender, é que a Lei defende quem a segue, mesmo que esse seja um único ser em todo o universo. Não é necessário que no estado orgânico superior chegue toda a humanidade. Existem humanidades superiores que já vivem neste estado orgânico e o indivíduo, basta que seja maduro, entra automaticamente a fazer parte dela. E quem aí entrou mesmo se materialmente deve viver no ambiente terrestre, vem usufruir de todas as defesas e a dispor de todas as forças e poderes que pertencem de direito aos indivíduos daquele plano. E para entrar no círculo de tais humanidades e planos de vida superiores, a estrada aberta a todos é viver a Lei.

A conseqüência prática, compreensivel mesmo na Terra é que a Lei não defende quem não a segue, para este não há Divina Providência. Ele vem portanto abandonado às suas próprias forças espirituais que regem com bondade e justiça o universo. Esta é a triste sorte dos não desenvolvidos que ainda não querem fazer parte da ordem Divina. Mas outra conseqüência prática, é que a Lei defende quem a segue, de modo que em última análise, ninguém é tão bem defendido como é o justo.

Esta, que parece a maior das utopias, é a audaciosa tese aqui apenas acenada, que sustentaremos no volume: “A grande batalha”. Nele demonstraremos que o sistema ideal, com o qual melhor podemos vencer na luta pela vida, é o sistema da retidão do Evangelho.

São Vicente, Natal 1955.

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PROFECIAS

(o futuro do mundo).


Capítulo I

O PORVIR DO MUNDO

Estas páginas foram escritas em 1953. Era indispensável esclarecer que foi esse o ponto de vista, ou seja, o centro da perspectiva, no tempo, para os acontecimentos de que tratamos e que, hoje, são futuros. Passará o tempo, e então o tempo os achará passados, e seu centro de perspectiva será diferente. Demos com precisão, o ano, porque, neste caso, a visão desceu para a intuição na dimensão tempo em que se desenvolve o conteúdo da mesma. Quisemos, outrossim, traduzí-la nos termos racionais correntes, como são usados e aceitos pela forma mental moderna. Dessa forma, mais se concretizou a visão, encouraçada na lógica. Em outras palavras, tornou-se prática, acessível à psicologia do homem que age na terra. A fim de que a visão se adapte melhor a essa psicologia que não admite sonhos, apresentamo-la aqui, apesar de descer ela de outros planos de consciência, como uma simples hipótese, sem nada mais pretender; hipótese passada ao crivo do raciocínio, que lhe poderá controlar o realizar-se, quando os acontecimentos, hoje futuros, terão ficado atrás, no passado.

Para sermos práticos, digamos logo que é inútil iludir-se, acreditando em ideologias. Se quisermos caminhar em terreno sólido, temos que ater-nos às leis biológicas. E as leis da vida são bem diversas das teorias abstratas, que os pensadores desejariam aplicar à pele dos povos, para forçar os acontecimentos históricos. A história tem sua inteligência própria, já o dissemos alhures, e o demonstraremos melhor nestes capítulos. O que diremos, é a conseqüência lógica dos princípios do sistema que até aqui foi desenvolvido. Não trabalhamos, pois, com fantasia. A história tem suas leis, seus grandes ciclos, seus períodos menores, seus círculos de força, seus motivos dominantes que tendem a repetir-se, ainda que em planos diversos. A história passa e repassa pelos mesmos pontos, repisa a mesma estrada, volta aos mesmos pontos críticos encontrando os mesmos perigos, desmoronamentos, dores, reações e ressurreições. Assim, em última análise, a história, em seus motivos formais, pode parecer sempre a mesma, ainda que não idêntica.

Mas, há outra história, a verdadeira, que não é envernizada de idealismos, nem feita para uso exclusivo do vencedor, para legalizar, como direito e justiça, diante de Deus e dos homens, sua primeira violência e extorsão, de que nasce, depois, como arranjo, qualquer direito. A realidade que se encontra atrás das compilações artificiais da história, é sempre a que se produz pelo choque de egoísmos de indivíduos ou classes sociais, ou povos e nações, que todos querem viver. Esta realidade de substância, que é a da luta pela vida, gosta, para atingir os próprios fins dessa luta, de esconder-se e se reveste de ideologias, de princípios teóricos, que assim permanecem até que essa mesma realidade ache vantajoso encobrir-se com tais mantos fictícios. Dessa forma, eles vão e vêm, desmoronam e ressurgem transformados, passando sempre como verdades absolutas e continuamente se contradizendo, num círculo vicioso absurdo, porque bem diferente é a verdadeira linha da história. Uma é a história feita pelo homem, outra a história feita por Deus, e esta também contém, acima da luta pela vida, os grandes idealismos que devem ser alcançados. Mas estes não correspondem às ideologias e programas proclamados pelo homem com o intuito de esconder sua luta para viver. Por isso acharemos a história um modelo de absurdos, um discurso sem pé nem cabeça, se a olharmos superficialmente, tal qual se acha escrita nos livros; no entanto, se a olharmos em profundidade, em sua realidade substancial, achá-la-emos um modelo de lógica, uma admirável coordenação de acontecimentos, dirigidos a metas precisas.

Assim, a Revolução Francesa mata um rei para criar um imperador, isso enquanto proclamava o povo como soberano. Destruiu assim uma aristocracia para fazer outra. Desse modo os franceses, cansados de um longo período de paz sob os últimos reis, preferiram ir morrer nas sangrentas lutas napoleônicas e, tendo assassinado o manso rei Luiz XVI, porque rei tirano, deixar-se matar pelo grande guerreiro Napoleão. Vista assim, do lado de fora, a história é um absurdo. Mas, se a observarmos mais profundamente, nisto tudo veremos uma velha e geral lei biológica: isto é, que a árvore, como o animal e o homem, quando viveram sua maturidade e deram seu fruto, têm que acabar, pois que a vida esgotou, nessa forma de vida, as energias que lhe destinara e, para que a vida possa continuar, deve renovar-se num novo ser, que é o filho do velho que morre e do qual deve continuar a obra. Assim, mesmo agindo como inovador, esse filho será sempre o filho, que repete e continua o tipo biológico do pai. Fará as mesmas coisas que ele, pois não tem outros modelos diante dos olhos; mas não as fará idênticas, mas com alguma deslocação, mais evoluídas. Não é fácil fabricar modelos novos; isto é um trabalho de um povo e de um século. Luís XIV criara um modelo de Estado, e a Europa o assimilara. Para todos, essa era a psicologia política dos tempos. Napoleão, filho da revolução e continuador do poder real que havia sido suprimido, só podia reportar-se àquele modelo e revivê-lo, e o seu será um poder tanto ou mais absoluto que os precedentes, exercido em nome da revolução, e aceito como legítimo, se bem que em total contradição com os princípios donde se originara. Mas ele foi aceito, porque correspondia às leis biológicas, isto é, a uma utilidade e necessidade para a vida da França naquela hora; aceito e reconhecido como legítimo, porque o poder de Napoleão satisfazia à maior necessidade da revolução naquele momento, que era de vencer subjugando os povos, para lhes inculcar e impor seus próprios princípios inovadores.

Este é apenas um exemplo, em que vemos, sob teorias e aparências formais, uma realidade totalmente diversa. A vida é prática, tem um utilitarismo imediato; e as ideologias, mesmo sendo utilitárias, são-no a longo prazo e de forma vaga e incerta. Por trás das ideologias, há a luta de classe, há o espírito gregário, há a concepção egoística do poder — pura exploração em benefício próprio, em dano do povo explorado, e com razão, ao menos neste nosso plano animal, porque aqui esta é a lei para os ignorantes e ineptos, a favor dos mais hábeis e fortes.

Prossigamos observando o que faz a verdadeira história, nesse período que citamos. Mostra-nos ela, após a revolução francesa, o período napoleônico, feito de guerras e imperialismo; ou seja, mostra-nos que as revoluções não se preocupam absolutamente em realizar, de imediato, os ideais pelos quais se lançaram à luta, mas antes, mesmo se representam uma explosão de princípios novos, estes se concretizam de início numa expansão bélica, a que se prendem, para sua divulgação. Assim é que se realiza a estranha contradição, pela qual os princípios tão proclamados de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, se aplicaram como invasão a mão armada, na submissão de outros povos, numa tentativa de domínio sobre toda a Europa. Não é isso mesmo que está fazendo no mundo a revolução russa, em nome da justiça econômica? Foi aquela a primeira aplicação desses princípios da revolução francesa. Depois, a reação da Santa Aliança cancelou tudo, e pareceu que tudo tivesse voltado a seu lugar e as nações a suas fronteiras. Então, a revolução servira apenas para fazer guerras e dar pasto ao imperialismo napoleônico?

Não. A história verdadeira trabalhara em outro sentido. Através de todo esse tumulto de contradições, o trabalho real fora o lançamento de novos princípios, de uma semente de que nasceram os governos representativos, a liberdade política, os Estados nacionais, etc. Essa semente começou a desenvolver-se devagarinho, e foi necessário um século, para que pudesse frutificar; isso porque a revolução lançara, mas não realizara as novas idéias e, construir, de fato, um novo modelo de vida, é obra de povos e de séculos, já o dissemos.

Assim, cada passo tivera sua função, logicamente, em cadeia. A revolução, como sempre, tivera apenas uma função negativa, de limpar o terreno, de destruir o velho a fim de em seu lugar poder ser construído o novo. E, enquanto destruía, a revolução afirmou os novos princípios, mas sem fixá-los. Napoleão divulgou-os, e só como meio de divulgação ele e seu imperialismo foram aceitos pela história. Tanto é verdade, que, atingido esse seu objetivo, a história rejeitou tudo, e nada restou do imperialismo. Assim, a morte de Luís XVI foi necessária, para que pudesse com ele morrer o velho sistema e ficar desimpedido o terreno político. A revolução foi indispensável, para proclamar as novas idéias. Napoleão e o imperialismo, para divulgá-las. O trabalho de um século e de vários povos, para assimilá-las e fixá-las em formas concretas e particulares, que bem se distanciam das originais. Como se vê, a história verdadeira agiu com um rígido processo lógico, uma espécie de proposições encadeadas, proposições conceituais, mas expressas na forma concreta dos fatos, já que os fatos são as palavras e as proposições da linguagem da história.

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Apliquemos, agora, tudo isso, ao atual momento histórico, para compreender quais são — além das formas exteriores aparentes — o caminho real e os objetivos da história presente e do futuro próximo. Referimo-nos à revolução francesa e ao imperialismo napoleônico, porque hoje estamos num período de revolução e imperialismo. É no ciclo de desenvolvimento das revoluções que se atua a série de proposições que acima examinamos, ou seja: esgotamento do velho sistema; revolução para abatê-lo e lançar a idéia de um mais evoluído; guerras de conquista para defendê-lo; imperialismo da nação revolucionária para dominar outros povos, submetendo-os a si com violência, assim como o macho fecunda a fêmea; esgotamento das guerras, fim do imperialismo, já inútil, como tal, logo que se tenham atingido os objetivos da divulgação; isolacionismo da nação que iniciou a revolução e liquidação de suas conquistas imperialistas; assimilação secular da idéia da revolução, adaptada aos vários povos, mas de uma forma impessoal, em que se esquece o país de origem, que já se tornou inútil ao progresso. Isso tudo, não é a regra de um caso ou período, mas o desenvolvimento da lógica que está na inteligência da história. Podemos então tomá-lo como lei geral, estabelecida por um repetir-se constante do mesmo processo racional, quando a história torna a percorrer as mesmas passagens e estão em jogo as mesmas forças. A lógica das coisas autoriza-nos, pois, a aplicar ao momento atual a mesma lei.

Assim, a revolução russa e suas conseqüências estão enfeixadas dentro desta lei. Também a revolução francesa teve suas ideologias, mas permanece sempre a mesma substância em cada caso: o desenvolvimento das proposições lógicas dessa lei. Dá-nos ela então, mesmo no caso atual da revolução russa, um caminho traçado. É isto que temos perto de nós, como atual realização histórica. O conteúodo das ideologias diz respeito a outros séculos, pois não se improvisa um modelo de vida social novo em poucos anos e o mundo ainda vive nos velhos sistemas, os únicos que até agora foram assimilados. Mais tarde as ideologias se transferirão a outros povos que as adaptarão a si, naquilo que lhes sirva, esquecendo até talvez sua origem russa, já longínqua no tempo. É esse um trabalho longo e profundo, que só a inteligência da história conhece, um trabalho que os homens de hoje não conhecem e de que se não dão conta. Eles estão ligados aos acontecimentos históricos imediatos, que representam o desenvolvimento daquelas proposições que se devem exprimir na forma concreta dos fatos.

Postas de parte, pois, as ideologias, vejamos quais são, ao contrário, os termos consecutivos que seguiu e terá que seguir no porvir a revolução russa. Como se vê, pela resolução desses problemas, ao invés de fazer apelo à inteligência e muito menos à bondade humana, apoiamo-nos sobretudo na inteligência de Deus, que alhures demonstramos estar presente na história. Foi essa inteligência que quis a lei da evolução e a impõe. Se não fora por Deus impulsionada a cada passo, bem pouco realizaria o homem. Observemos como acontece isso.

No caso atual, os termos do processo são: esgotamento do velho sistema, que era o regime czarista, cansado e em putrefação, como aquele de Luís XVI. Revolução russa que o derrubou, a ele se substituindo e lançando uma idéia nova. Guerra de conquista, já em parte realizada e assimilação dos estados satélites. Estamos no período atual. O termo sucessivo, na lógica do processo, é uma nova guerra de conquista para difundir a ideologia. Esta está atuando como guerra fria, como penetração política do partido em outros Estados, com propaganda, etc. Mas o processo, evidentemente, foi lançado, e não pode ser paralisado. A ideologia não pode permanecer teórica. Há, no fenômeno, um lógico e fatal desenvolvimento de forças que não podem parar. Um trem a correr não pode retroceder. Estamos às portas do período do imperialismo napoleônico, necessário para difundir a idéia. Divulgada esta, teremos a exaustão das guerras, fim de um imperialismo já agora inútil à história, afastamento da Rússia e de suas conquistas imperialistas. Afinal, assimilação secular da ideologia do comunismo, de uma forma impessoal e independente da Rússia, de uma forma temperada, transformada, diferente e adaptada a cada povo de per si. Só assim a história, única que é consciente e sabe, atinge seus fins reais, os do progresso humano, utilizando ora isto ora aquilo, rejeitando o que não serve a seus objetivos. Recordemos o que alhures demonstramos, ou seja, que para a vida não vale o indivíduo, mesmo que seja um povo, mas apenas sua função biológica.

Hoje, portanto, a Rússia está chamada aos primeiros planos da história para realizar esse trabalho; terminado ele, seus grandes chefes poderão ter o fim de Napoleão, e a Rússia, como a França, regressar mais ou menos, ao que era dantes — a menos que não aconteça algo de pior, terem seus chefes o fim de Hitler ou Mussolini, e a Rússia o fim da Alemanha. Dada a lógica do procedimento, está hoje a Rússia ligada ao imperialismo por novas guerras de conquista. Só continuando o avanço — pois esse é seu princípio e seu plano — poderá considerar-se vitoriosa a revolução, poderá justificar-se o comunismo russo tanto no interior como no exterior. Doutra forma, se não realizar a conquista programada, terá que declarar-se falido. É muito perigoso basear-se no princípio: ou conquista o mundo ou morre. As revoluções, aliás, são uma explosão renovadora da vida, e não podem desenvolver-se senão com guerras de conquista. Sentiu-se na Rússia o perigo do nascimento de um novo Napoleão entre os generais vencedores, mais populares, e isto se evitou até agora. Mas isto não poderá impedir que a Rússia fique ligada ao imperialismo.

É esse o anel da cadeia das proposições, de acordo com as quais se desenrola a revolução russa, é este o atual ponto de seu caminho. A série das proposições acima examinadas, certamente até hoje se desenvolveu, tal como na revolução francesa, assim também na russa. O processo é tão inevitável, que as ideologias a ele se devem adaptar, mesmo que com isto se contradigam. Explica-se assim, porque a tal ponto se afastou o Comunismo de seu modelo original, que chega a praticar, na realidade, o mesmo que o imperialismo czarista, tão condenado pela revolução, e continua imperturbavelmente a sua marcha. Os maiores teóricos do Comunismo, como Carlos Marx, Frederico Engels e Lênine, consideraram aquele imperialismo como o pior inimigo da revolução. No entanto, através de todos os regimes, continua imperturbável o sonho pan-eslavista do czarismo. Sempre o nacionalismo e o racismo estão no fundo e além de todas as aparências : este é o constante e secular sonho de todos os povos, motivo e força dominante da história. Sonho reforçado pela revolução, que só pode desenvolver-se e firmar-se na conquista. Dessa forma, ainda que as originárias teorias comunistas negassem tudo isso, a realidade biológica, que elas não levavam em conta, venceu-as, e elas se transformaram e a ela se adaptaram. O que reina sempre acima das ideologias e formas de governo, o que permanece acima dos acontecimentos, é a realidade biológica, representada neste caso pelos instintos expansionistas de um povo. Triunfa assim o imperialismo eslavo, o mesmo dos czares, hoje posto em prática pelos filhos da revolução, contra as teorias dos fundadores dela, que são censurados e purgados nos pontos em que combatem o imperialismo czarista, que é o mesmo que o atual.

E é essa fatalidade do expansionismo revolucionário, na realidade, imperialista pan-eslavista, que se manifesta hoje na guerra fria, na invasão de outros Estados sob a forma dos partidos comunistas, isto é, quintas-colunas russas, na propaganda pela paz, ou seja, pelo desarmamento do próprio inimigo, enquanto cada um se prepara na mesma corrida do armamentismo. Inevitabilidade de desenvolvimento de forças comprimidas, mas tendentes todas hoje a explodir amanhã em guerra aberta, porque na natureza cada força tende a atingir sua expansão e cada conflito a concluir, resolvendo-se no choque.

Eis o que nos diz a lógica, em que está preso o desencadear-se dos acontecimentos. Contradições, se olharmos superficialmente, mas profunda lógica, da história em seu desenvolvimento. O que os homens dizem e fazem, corresponde a outras exigências, como a da luta de classes e de raças, o da experiência para aprender, corresponde a interesses pequenos, pessoais e imediatos, que ignoram os grandes objetivos da história. É natural, então, que tudo tenda a deformar a lógica do plano substancial da história, e que, no particular, só apareça um círculo vicioso de contradições. Não é pois neste terreno de fatos exteriores que poderemos achar a lógica, e dessa forma compreendemos porque aí tudo pareça ilógico. E então, eis o que achamos nos fatos. Eis as revoluções, quase todas feitas em nome da liberdade, a resolver-se mais tarde num regime mais duro, porque mais jovem, e portanto mais forte que o precedente, mais velho e cansado. Eis uma revolução como a russa, feita para a realização da justiça social, que recorda e continua os princípios da revolução francesa e que se torna, como naquela época, invasão bélica com submissão de outros povos, imperialismo, e enfim, pan-eslavismo. Substitui-se ao velho capitalismo privado, outro capitalismo, o do Estado, de que se aproveita, como sempre, a classe que manda, só porque venceu na luta pelo poder. Substitui-se à velha classe aristocrática, outra aristocracia de burocratas, e é entre ela que se seleciona e emerge o ditador supremo, como emergira das massas populares, lutando, aquela mesma classe. Falta a forma pessoal napoleônica, a aventura bonapartista, mas a ditadura, o imperialismo, o pan-eslavismo, já estão em ato.

Em tudo isso vemos aparecer os velhos motivos da história, o férreo substrato biológico, que é coisa bem diferente das ideologias proclamadas. Achamo-nos então apenas diante de um novo capítulo da luta entre eslavismo e germanismo, entre Rússia e Europa, e diante de uma tendência à repetição das invasões bárbaras contra Roma, logo que a Europa dê sinais de enfraquecimento. É sempre o mesmo motivo dos povos menos evoluídos, que saltam em cima dos mais civilizados, logo que estes não saibam mais dominar, mantendo a própria superioridade. Dessa forma, aparecem, no lugar das ideologias, os verdadeiros impulsos biológicos em ação, a rivalidade de homens, de classes, de raças, empenhados todos na mesma luta pela vida. Em seu atual nível de evolução na Terra, essa luta corresponde bem pouco a conceitos ideais, que só servem para esconder a realidade. Afirmamo-lo para todos os povos e todos os ideais. Assim, sob o pretexto de combater o capitalismo para libertar dele o mundo, refaz-se o velho jogo expansionista de um povo a expensas de outros. Dessa forma, para que se realize a ideologia russa da justiça social, será a Europa vítima, caso não queira unir-se para defender-se.

* * *

Neste ponto podemos ver o panorama geral de todo o processo evolutivo dos acontecimentos, processo que é formado por três correntes:

1.º As ideologias teóricas, no princípio são apenas as sementes, cujo desenvolvimento, em ato, é protelado a outros tempos.

2.º O férreo substrato da realidade biológica, em que homens e povos lutam pela vida, sendo este o seu trabalho, o único que conhecem e desejam.

3.º A obra substancial e subterrânea da história, que caminha como uma cadeia de proposições lógicas, para conseguir a atuação da evolução, realizando as ideologias: trabalho desconhecido ao homem que o executa sem conhecê-lo, enquanto, movido por interesses e miras menores, avança desordenadamente por um caminho torto, cheio de contradições.

Vimos o que resulta do choque contrastante dessas três correntes. Cá em baixo, no particular, domina a segunda; mas no alto, ainda que pareça longínqua, a terceira é sempre ativa. Voltando ao caso da Rússia e do Comunismo, observemos agora se este terceiro aspecto lhe oferece possibilidades de vitória. Na realidade, a expansão do Comunismo resolve-se na expansão eslava. Perguntamo-nos, então: possui a Rússia características biológicas que, diante das leis da vida, justifiquem e autorizem sua expansão sobre outros povos? Sem falar de ideologia, houve povos dominadores e colonizadores, como Roma, diante da Europa de então, e como a Europa, diante das Américas e do mundo. Quando um povo possui qualidades adequadas para saber exercer uma função de comando, a vida lhes confia, e esta poderia ser uma justificação para o expansionismo russo. Mas, possui o povo russo tais qualidades, que justifiquem seu pan-eslavismo? Se as tivesse, teria pleno direito à expansão e justificaria seu imperialismo. Mas se as não tem, só poderá repetir a aventura napoleônica, reduzindo-se a nada, ainda que vença, como a França, mas além disso com o perigo de ser destruída pelas bombas atômicas. Ai de quem se arrisca a uma prova que não pode superar. A vida o pune com a liquidação. Para vencer e ter direito ao domínio, é mister possuir superiores valores biológicos de inteligência e técnica.

Ora, a Rússia viveu até ontem de imitação, à margem da civilização européia. Como pode tornar-se hoje mestra do mundo? Como pode a vida colocá-la à vanguarda do progresso? Onde estão suas excepcionais qualidades que lhe garantam tão importante função biológica? Sua atual civilização é uma apressada imitação da pseudo-civilização materialista européia, mas sem os melhores e mais poderosos valores, os espirituais. Estes têm grande peso biológico e a Rússia pagará caro tê-los ignorado. Seu programa representa teoricamente a justiça econômica da sociedade. Mas em prática é outra coisa. O regime capitalista da propriedade estabilizada em forma jurídica na ordem social da lei, representa um grau muito mais avançado do que sua fase de formação, que é o furto. Ora, nos fatos, o método da violência, usado pelo Comunismo, atrasa a sociedade até a fase pré-legal caótica da conquista dos bens, com o furto e a agressão, e esta é, na realidade, a verdadeira psicologia das massas comunistas, que ignoram qualquer ideal, mas estão bem cônscias de seu interesse imediato. Dessa forma, na prática, o ideal da justiça social reduz-se ao assalto a quem tem, só para substituí-lo nessa posição, para logo após fixá-la, quando a tenha conquistado, em sua fase legal de propriedade juridicamente garantida, sem o que não é possível desfrutá-la. Para a massa desencadeada ao assalto, é inconcebível qualquer outro móvel, que não seja o de atingir a melhoria própria, estabilizada com a propriedade individual.

Além disso, o fato de que os chefes sobressaem apenas pela astúcia e pela violência e de que o comando seja exercido com o método do terror, revela um estado de involução. Só a passividade do povo russo e o costume atávico à resignação, fixada nas massas por uma escravidão secular, podem permitir isso. Só um estado primitivo de inconsciência coletiva, de desorganização social, de controle deficiente por parte da opinião pública, podem tornar possível que homens com o tipo biológico que têm seus chefes, permaneçam nos postos de comando. Os chefes têm os povos que merecem e os povos têm os chefes que merecem. Esses exemplos definem um povo, e só podem aparecer em certos níveis biológicos. Esses homens só podem vencer em tais ambientes, porque só aí tudo está proporcionado e adaptado a eles, e eles podem exercer uma função; e esta é a única razão pela qual a vida os deixa nesse posto. Só aí podem eles vencer, porque só aí eles são os melhores. Mas, entre povos mais evoluídos, eles seriam os piores, e até talvez expulsos. Quando a seleção biológica de um chefe ocorre por meio da violência e do terror, não podemos dizer que esse povo seja evoluído e civilizado, e que tenha o direito de ensinar qualquer coisa a outros. Jamais poderá a vida confiar-lhe missões sociais, se não na mesma ordem de seu plano, nem confiar missões superiores às que possa determinado tipo biológico executar. Entre outros povos, o melhor, mesmo que não seja um santo, é o mais inteligente, dinâmico e genial. Como se poderia, de um plano inferior, dirigir um superior? Sem dúvida, a astúcia e a mentira são mal de todo o mundo. Mas precisa verificar em que percentagem entram na escolha, e qual dose delas podem suportar os povos em seus chefes.

A mais, é difícil admitir — e disso a história não nos dá exemplo — que um povo involuído possa subir de um salto a graus superiores de civilização, aqueles que, segundo as leis da vida, são os únicos que dão direito ao domínio sobre outros povos para civilizá-los cada vez mais. Sem essa superioridade, que é valor intrínseco só conquistável à própria custa, com esforço de milênios, a vida não concede posições de domínio, e não as deixa por muito tempo nas mãos de quem as usurpa. Sabemos que a vida só concede direitos e poderes aos que são dignos de desempenhar uma real função biológica, segundo seus objetivos. Ora, um povo que quer lançar uma idéia no mundo, e faz do imperialismo, que é o domínio de uma raça sobre outras, pretendendo ser mestra delas, deveria antes fazer um exame de consciência para valutar os próprios valores, porquanto, mais tarde, terá que prestar contas às inexoráveis leis da vida; e, se não possuir esses valores, está destinado à falência. E se acaso ignora essas leis, pagará da mesma maneira, para aprender a conhecê-las.

E então, se hoje a história chama a Rússia, que função poderá confiar-lhe, proporcionada e condicionada a suas capacidades, se não as da destruição? É o duro trabalho de varrer o terreno, para que, desimpedido, possam sobre ele surgir novas construções. Isso foi confiado aos bárbaros germânicos, contra Roma, para que, liquidada sua civilização pagã, pudesse surgir a civilização cristã. E esse trabalho ingrato foi também confiado, na revolução francesa, aos involuídos, aos mais ferozes e violentos. E não pode negar-se que na Rússia domine a violência. Com efeito, não é esse o elemento escolhido, em todo o mundo, para as atividades comunistas? Que é que nos revela esse método de andar à procura da miséria, até provocando-a talvez, não para ajudar os deserdados, mas para excitá-los à violência, subvertendo a ordem? Não se trata aqui de uma ação benéfica construtiva, mas de uma atividade corrosiva, desagregante, uma função de assalto contra tudo o que manifeste sinais de fraqueza, de putrefação, de ruína, uma ação limpadora e destruidora dos poderes enfraquecidos, lançando contra eles as massas mais rebeladas pela miséria. Isto recorda e repete, no plano social, o assalto dos micróbios patogênicos, que submetem os indivíduos doentes e fracos a uma prova, da qual ele sairá ou curado e forte, ou então morto. Só essa função de depuração biológica dos povos cansados, é que a vida sábia pode confiar à Rússia, função que nasce quando uma civilização muito madura (como a de Luís XV* liquidada pela revolução francesa) deve ceder lugar a outra mais jovem, em que a vida se renove, para continuar a subir. Desse modo, o valor e a superioridade da Rússia, seriam apenas relativos, isto é, dados pela fraqueza e inferioridade da Europa cansada.

Com o que acima expusemos, procuramos compreender e explicar a atual e futura situação mundial, em suas razões mais profundas, seguindo a lógica que nos foi dada pelas leis da vida. Neste escrito, está sendo utilizado, para a compreensão do momento histórico atual e futuro, todo o trabalho de orientação realizado nos nossos volumes precedentes, onde expusemos a filosofia do funcionamento orgânico do universo. Por isso, nossas conclusões têm, por trás de si, todo um sistema filosófico, e, se bem que tivessem sido obtidas pelo método da intuição, foram submetidas a controlo racional. Ainda que as ofereçamos como hipótese, derivaram-se de uma concepção universal, e nosso tempo, com seus acontecimentos, está logicamente situado dentro de uma visão cósmica. Procuramos, assim, prever o futuro por meio de um trabalho de orientação, seguindo as linhas da lógica, que forçosamente está na história e no pensamento de Deus.

* * *

Falta-nos agora apenas completar o quadro com algumas observações particulares e práticas, especialmente em relação ao futuro desdobrar-se dos acontecimentos. Todos os povos que aspiram ao domínio proclamam a paz, mas a paz própria, sob seu comando. E para conseguir essa paz, eles fazem a guerra. Defendem uma nova ordem, mas uma ordem em que eles mandam e os outros servem, e para obtê-la subvertem e assaltam para destruir a ordem precedente, que não é a deles. Apresentam-se sempre como libertadores, ainda que os povos invadidos não desejem absolutamente ser libertados. Mas, dessa forma, os invasores, camuflando-se de libertadores, podem libertar-se melhor do próprio inimigo, vencer e sujeitar o povo invadido. É divertido observar esse jogo de contradições entre o que se diz e o que se faz, jogo de ilusões psíquicas, cujas razões já vimos. Tudo isso porque, por trás do que se diz, está agindo a dura realidade biológica, que fala e age muito diferentemente. Por aí se vê quanto podem valer as bandeiras humanas, e quanta luta feroz pela vida se realize atrás delas. Na prática, pela realidade biológica, no plano de evolução animal do homem, cada ordem só pode estabelecer-se e manter-se com a força, imposta por um dominador, já que se não formou ainda uma consciência capaz de compreendê-lo e mantê-lo por convicção espontânea. Na prática há uma só verdade político-social: a do vencedor. Não é a idéia que vale, vale apenas a idéia que vence. Hoje todos olham para o Comunismo porque a Rússia venceu e é forte. Por isso a França teve que ser forte e vencer no período napoleônico, porque, sem força nem vitória, as idéias da revolução não teriam interessado a ninguém. Se a Rússia perder, o comunismo se despedaçará nos fragmentos que sobrarem nos vários Estados em que penetrou. O que conta é vencer. Se Hitler tivesse vencido, sua idéia seria hoje a verdade na Europa, e a verdade política alemã seria a única verdadeira. E vencer é problema de meios bélicos. Mas os vitoriosos foram a Rússia e os Estados Unidos, e hoje, no mundo, só existem essas duas verdades deles, as dos vencedores. Desse modo, através dos séculos, tivemos tantas verdades, a Romana, a Francesa, a Inglesa, etc, de acordo com quem triunfava. Quando um povo vence, estabelece e impõe sua verdade, feita por ele em benefício próprio. Ele faz tudo o que fazem todos os grupos humanos, ou seja, declarar-se da parte de Deus e do direito, condenando todos os outros. Qualquer homem, só ou em grupo, diz sempre: só eu tenho razão. Temos assim tantas verdades políticas, religiosas, filosóficas, sociais, etc. Se cada um tivesse a sua sem condenar as outras, tudo iria bem. Mas cada um é dogmático e absolutista e combate todos os outros, e justifica-se disso, porque, para ele, as outras são o erro. Segundo ele, só ele é o bem, todos os outros são o mal.

É assim que nasce cada ordem nova, filha da desordem e do esmagamento, nasce a paz, o direito, as artes, as ciências, o progresso dando o tom a um período histórico. Os resultados de agressividade, que normalmente é delinqüência, legitimam-se, a glória do triunfo cura tudo, os ministros de Deus na Terra aprovam e abençoam, fixam-se as novas posições até que uma guerra nova ou uma revolução derrube tudo. Esta é a florescência das tempestades sociais, um progredir de ordens a nascer, cada uma, das ruínas da precedente, cada vez mais perfeitas, repetindo assim o processo de rearmonização do universo, que, da mesma forma, parte do caos, para voltar a Deus. É esse o caminho da vida, lógico, justificado, como o não são as palavras dos homens.

Continuemos a observar os fatos mais próximos, a realidade biológica que é tão diversa das aparências, sempre escondida na substância dos fatos. Na realidade a vitória do proletariado no mundo inteiro significaria hoje o domínio de Moscou em todo o mundo, como a vitória de Cristo em todo o mundo pode significar o domínio do Vaticano no mundo inteiro. Recordemos que, no fundo, o protestantismo nasceu sobretudo pela luta de raças. E como hoje poucos combatem o Cristo, mas muitos combatem os padres que se inculcam como ministros Seus, assim poucos combatem a justiça social do Comunismo, mas muitos combatem o bolchevismo russo, que se inculca como ministro daquela justiça. Assim, tudo é luta, porque, na Terra, as idéias universais, supernacionais e de superação, não existem na prática, mas, ao contrário, tudo está personificado em homens que, por trás dos ideais, fazem um trabalho muito diferente, ou seja, lutam por sua própria vida. Esta é a realidade biológica. Imaginemos que, num quarto cheio de objetos pequenos para nosso uso, venha habitar uma multidão de insetos. Eles utilizarão tudo para si mesmos, transformando-os para outros objetivos, usando-os como esconderijos e trincheiras, como meios de ataque e defesa, para a luta de vida e de morte, que é sua principal ocupação. Assim as religiões e os ideais, na Terra, são transformados e utilizados pelos homens, que antes de tudo lutam para viver, como esconderijos e trincheiras, como meios de ataque e defesa, na luta pela vida, que é sua ocupação primordial. Só os ingênuos podem deixar de ver essa dura realidade, por trás de tantas bandeiras desfraldadas, e acreditar que se possa viver de ideais. Estes, para atuarem na Terra, têm que dar contas à realidade biológica, que muitas vezes é bestial. Quando acusamos em nome da virtude, será que somos sinceros, e verdadeiramente acusamos pela virtude, ou será porque ela limita a expansão do próximo, e disso se aproveita nosso egoísmo expansionista? Assim é que se prega sem crer. É assim que os ideais na Terra aparecem sobretudo como mentira.

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Concluamos lançando um olhar no futuro do mundo. Se quisermos compreender quais são os móveis que fazem caminhar os homens na história, teremos que olhar por trás das bandeiras e das ideologias, para a supradita realidade biológica, que é a verdade da vida na Terra. Verdade dura, mas verdadeira, que como tal permanece para quem olhe profundamente, ainda que ela goste de ocultar-se na luta atrás de verdades fictícias e aparentes. É verdade que a história obedece em suas grandes linhas ao pensamento diretivo de Deus, imanente na história. Mas o homem obedece a isso inconscientemente, pois só conhece o particular em que está imerso, em que se realiza não o progresso do mundo — que é confiado a mãos bem diversas — mas a experimentação do homem para amadurecer sua evolução.

Dado isso, é fácil de ver o egoísmo de nação, que é a realidade biológica que se esconde sob as ideologias comunistas. Quem conhece o homem e a vida jamais poderá acreditar nos proclamados sentimentos de amor ao próximo e que se vá à procura de seu bem-estar. Provam-no os métodos usados, pois o método é o que revela a verdadeira intenção de quem age. Se o Comunismo tem a grande função histórica de lançar e de impor com a violência o princípio da justiça social a um mundo surdo, isto é obra do pensamento diretivo da história, que quer o progresso do mundo. Mas a psicologia dos homens encarregados desse trabalho é movida por interesses bem diversos, racistas, expansionistas, imperialistas. Eles querem crescer e são utilizados para um trabalho de destruição do velho e para o lançamento de uma idéia evangélica, da qual seus métodos se revelam imensamente afastados. Os homens da Rússia seguem os costumeiros e atávicos instintos humanos, em que estão fechados em virtude de seu grau de involução biológica. Segundo sua natureza, eles aqui experimentam sua vida. Ponhamos agora de lado as grandes linhas da história, e o modo por que esta os utiliza para objetivos que eles mesmos desconhecem. Observemo-los ao contrário no modo particular de sua ação, segundo as realidades biológicas em que se movem. Nesta posição, a psicologia da história salvadora e construtiva do progresso está longe. Temos ao invés uma psicologia particular, egoísta, desapiedada, feita de luta, de golpes e contragolpes, em que se joga o jogo duro, que termina com a vitória, prêmio: a vida, ou com a derrota, condenação: a morte.

Neste terreno, Rússia e Estados Unidos são dois centros de egoísmos desenfreados, dois imperialismos rivais até à morte, pela conquista do domínio do mundo. As ideologias não têm intromissão. Esta é a realidade biológica. Os princípios proclamados são apenas mantos que a escondem, são propaganda para conquistar prossélitos. Cada um dos dois gaba um programa mais belo. Mas ambos fazem a mesma coisa. Posto isto, a tendência a um choque é um fato, o choque é extremamente provável, e a ameaça pende sobre o mundo. O que refreia os dois, é o medo recíproco. Daí sua corrida aos armamentos, não obstante a contínua propaganda da paz; justamente porque eles só acreditam em sua própria força. Eles se espionam, e logo que um deles tivesse a certeza da própria superioridade e da inferioridade do outro, estará pronto a saltar-lhe em cima para liquidá-lo. Então, entre os dois colossos pacifistas, questão apenas de preparação. São as grandes fábricas americanas que, por terem superioridade técnica e produção bélica, detêm a Rússia em seu caminho para a Europa. Nada mais a deteria. E a Europa suportaria uma invasão e um domínio eslavo, em nome da justiça social. Daí a luta entre os dois rivais, para a superioridade técnica, que é hoje a condição para a conquista do mundo.

A fatalidade do embate aparece a nós oferecida pela constatação, já feita, de que as revoluções estão presas ao ciclo napoleônico. O Fascismo e o Nazismo, filhos de revoluções, iniciaram o mesmo ciclo, com a mesma lei, e caíram vítimas dela, como Napoleão. Vimos que revolução, expansionismo, imperialismo e guerra são anéis da mesma cadeia. Além disso, as ditaduras, como a da Rússia, absolutas e sem controle, não têm o freio que pode ser usado, na opinião pública, pela consciência do povo, para deter ou ao menos retardar decisões pessoais e precipitadas. Ora, diante de uma Rússia assim, tornada tão poderosa, formou-se logo, por lei de equilíbrio, o antagonista proporcionado. Esse seu processo de desenvolvimento a leva pois, fatalmente, em sua aventura imperialista, a combater o contra-imperialismo dos Estados Unidos. Assim, os dois imperialismos, o do pan-eslavismo e o do pan-americanismo, têm que bater-se amanhã explodindo numa guerra aberta, para com isso resolver a guerra fria que já se processa. Nesse ínterim, tendem os dois centros a reagrupar em torno a si o maior número de Estados satélites. E continua a pressão dos dois centros, e não se vê como possa parar a maturação da revolução bolchevista até seu período imperialista de conquista ativa, com a guerra aberta pelo domínio do mundo. Se esse domínio mundial é o programa do Comunismo russo, como poderá ele deter-se agora sem renegar a si mesmo? E como poderá não tentar, por coerência, se isto está em seu plano programado, a conquista real do mundo, passando, logo que o possa, da atual guerra latente a uma guerra aberta de conquista?

Se o campo de batalha será a Europa ou a Ásia, é só questão de estratégia. É fato, porém, que a Europa perdeu seu poder e autonomia. Suas colônias chegam à maioridade e com isso se tornam independentes. A Europa precisa hoje apoiar-se em Estados mais fortes e mais armados, já que seus exércitos e sua preparação bélica estão inadequados a resistir, hoje, sozinhos, a um assalto de nações mais poderosas. Iniciou-se assim a liquidação das várias nações da Europa como potência mundial, estando dessa forma reduzida a uma posição subordinada à defesa que lhe é oferecida por outras nações. A Europa se está tornando domínio alheio. Ela é disputada pelas duas grandes potências que buscam apoderar-se dela, e com métodos diversos, já a invadiram e a possuem em parte, uma ajudando-a e protegendo-a, outra penetrando como partido político.

Para tudo isso haveria uma só defesa: a unificação. Mas nenhum dos dois países rivais parece querê-la, porque uma Europa unida formaria uma terceira grande potência, com quem depois teriam que fazer contas. E a própria Europa parece não saber superar os velhos rancores e divisões nacionalistas. A pressão que a ameaça russa exercita neste sentido é forte e é verdadeiramente benéfica, porque a impele realmente para a formação de uma nova grande unidade, o que é, indiscutivelmente, um progresso, mesmo que, na ideologia russa, esteja previsto tudo, menos essa realização, a qual, entretanto, está nos planos da história. Mas por mais que isto seja obstaculizado e difícil, não há outra solução, se a Europa não quiser acabar como escrava e incluída num ou noutro dos dois grandes irnperialismos. São estas as forças em contraste no terreno da velha Europa. Cada uma das nações é atacada em sua autonomia, e teme perdê-la, à sua independência, que não quer ver sacrificada. É esse separativismo egoísta, essa rivalidade que divide, o perigo que hoje faz a Europa fraca e a pode amanhã tornar escrava. Não há dúvida de que, ser reduzido a um objeto disputado por outros que brigam para dominá-la, significa ter perdido o primado do mundo e encaminhar-se para a liquidação. A Europa não se acha hoje nas mesmas condições em que se achava a antiga Roma, no fim de seu império? Mesmo no caso em que ela chegue a unificar-se, conseguirá ressurgir, ou sua civilização já está em liquidação, com as invasões bárbaras às portas, tal como ocorreu à antiga Roma? E a Europa poderá, mesmo unificada, resistir à pressão de dois imperialismos que a disputam, proveniente de dois, mais primitivos, sim, mas também mais jovens do que ela, que já esgotou seu papel histórico imperialista e colonizador, como dominadora do mundo?

Como se vê, no terreno do particular, temos muitas forças em ação, contrastantes, ligadas a um seu desenvolvimento lógico. De um lado a revolução russa, que hoje funciona como motor propulsor da história de nosso tempo, revolução que já desembocou no imperialismo a que está ligada para firmar-se, sem o que faliria. Potência nova contra quem, para equilíbrio, se contrapõe o contra-imperialismo Norte-Americano e a unificação européia e de todas as nações menores, para sua defesa comum. Essas forças opostas tendem a bater-se, para resolver-se no choque, englobando atrás de si as forças menores. É esse o trabalho dos homens, em que eles experimentam sua própria vida, seguindo seus instintos e as leis da realidade biológica de seu plano de evolução. Acima de tudo isso, há os grandes planos, segundo os quais a inteligência da história utilizará todos esses acontecimentos particulares para atingir outros objetivos, como unificação de nações em grandes unidades coletivas, a destruição do velho para plantar o novo, a afirmação no mundo do princípio da justiça social, a liquidação de todas as guerras e dos governos agressivos e violentos, quando eles já tiverem cumprido sua função destrutiva, hoje útil.

Assim, neste duplo binário, caminha a história. Há o trabalho do homem, necessário também a ele, para aprender, e o trabalho de Deus que dirige a história. Há em baixo um mundo de velhacarias em que se combate ferozmente a dura luta pela vida, e há no alto um mundo de sabedoria e bondade com que Deus guia os acontecimentos, canalizando-os para o bem, segundo a linha da evolução. Duas atividades paralelas, que se entrelaçam, se interpenetram, que na realidade se fundem e realizam uma só obra: o progresso do mundo, guiado por Deus e executado pelo esforço do homem. Este pode lutar, sofrer, errar, expiar, mas não pode dirigir, porque não sabe. É necessária a experimentação humana, para que possa o homem aprender e assim possa progredir; mas é indispensável, também, um guia inteligente, que saiba, para poder canalizar para alvos precisos e benéficos todo esse esforço, sem o qual não se realizaria o progresso. E é lei, que o progresso se realize.

O dinamismo de nosso século é produzido pela revolução russa, como o do século passado foi representado pela revolução francesa. Cada revolução é uma explosão, é uma erupção vulcânica das forças da vida, que irrompem e que depois, um século de história vai assimilando. Também a revolução francesa destruiu um mundo para que se reedificasse outro. Assim a revolução russa desempenhará a função de destruir um mundo, para que se possa reedificar outro melhor. É dessa forma, através desse trabalho imenso em que se chocam forças cegas e forças inteligentes, tremendo embate guiado pela potência do espírito, é dessa forma que se elabora o terreno e são amadurecidos homens e acontecimentos, para que possa nascer na Terra a nova civilização do terceiro milênio.


Capítulo II
O PENSAMENTO E A VONTADE DA HISTÓRIA

Procuremos compreender ainda melhor, neste capítulo a afirmação do precedente, confirmando-o com novas considerações, que nos permitam completar a observação de outros pontos de vista. Anteponhamos esclarecimentos de caráter geral.

Já vê o leitor que, nesta obra, não expomos cegamente os resultados de uma intuição profética, mas que tendemos sobretudo a fazer uma construção racional, de índole histórica, com base nos princípios gerais, que deduzimos de um sistema em que eles já tenham sido demonstrados e colocados com lógica. A pesquisa histórica que aqui realizamos, sobretudo projetada no futuro, é dirigida, pois, com método positivo, racionalmente controlado, ao longo do fio de desenvolvimento de um processo lógico. Só isso nos podia dar garantia de seriedade e da maior aproximação possível do verdadeiro terreno dos acontecimentos históricos. Não desejamos, portanto, realizar aqui trabalho de adivinhação, nem dar prova de faculdades proféticas. Isso exorbitaria de nosso propósito, que é conseguir a orientação e a previsão mais provável dos acontecimentos futuros, com os meios mais positivos. Se nos guia a intuição profética é o que aqui deixamos transparecer menos. Por isso, não usamos linguagem simbólica, mas a simples e clara da vida cotidiana. Temos a segurança dos princípios gerais, que aplicamos e tomamos como guia em nossa pesquisa histórica. Mas, quando descemos ao particular, preferimos falar de probabilidade, ao invés de esconder o pensamento numa linguagem sibilina o[u] figurado-simbólica, que parece feita para dizer sem dizer e é escrita em função de uma chave explicativa, à mercê dos intérpretes. Essa necessidade, para algumas previsões, de ter que recorrer a uma intervenção póstuma de especialistas na arte de resolver enigmas, não pode fazer parte de um trabalho positivo. A indagação do futuro, nos devidos limites e até certo ponto, pode ser feita também por via racional, a que é indispensável recorrer sempre, para controlar os resultados da própria faculdade de intuição, os quais, se tomados levianamente e sem discussão, podem muitas vezes confundir-se com a pura fantasia. Contra esse perigo, em que fácil é cair, estamos sempre em guarda.

Nossa força nesta pesquisa, consiste em ter atrás de nós um caminho já percorrido em muitos volumes, em que foi estudado o funcionamento das leis que guiam o ser em todos os campos. Nossa força consiste em poder hoje localizar esta nossa indagação histórica no seio de um sistema de que ela faz parte; consiste em poder, portanto, dar uma explicação lógica de cada conclusão nossa, obtida em função da solução já conseguida de tantos outros problemas. Só assim podemos fazer descer a inspiração no terreno racional de todos, tornando-a a todos compreensível. Nossa força consiste em permanecer sempre unitários e unidos aos princípios universais, mesmo quando descemos, nos particulares, aos acontecimentos históricos no tempo. Parecemos por exemplo estar muito longe, neste volume, dos princípios de teologia do volume «Deus e universo». E no entanto movemo-nos na mesma ordem de idéias, e nossas conclusões atuais são apenas conseqüência daquelas longínquas premissas cósmicas. O todo permanece uma verdade una, seja que tratemos da queda dos anjos ou da redenção de Cristo, seja que, como aqui, tratemos da atual hora histórica e do futuro próximo do mundo. Essa unidade de pensamento e de visão é uma força, porque nos achamos diante de uma construção conceptual, em que cada parte se escora e se confirma em outra, e todas juntas reforçam a mesma verdade. Atrás de cada afirmação, ecoam muitas afirmações paralelas, coordenadas num só bloco, organicamente colocadas numa lógica única. Não se pode tirar uma pedra sem que desmorone todo o edifício. Mas, como fazê-lo desmoronar, quando a razão nos diz que cada pedra está em seu lugar certo, e cada conclusão resolve harmônica e organicamente um problema, que doutra forma permaneceria insolúvel? A mente que uma vez compreendeu estas explicações das coisas, não sabe mais renunciar à sua satisfação e jamais poderia decidir-se a recair na ignorância e no caos.

Dessa forma, se este livro é um livro de inspiração profética, é também um trabalho de aplicação dos princípios científicos, espirituais, sociais, teológicos, dos nossos volumes precedentes, princípios transportados num terreno muito diverso, o terreno histórico. Tudo isso dá ao processo inspirativo, agora dirigido aqui no sentido profético, a força de método. Disciplinar racionalmente um fenômeno tão desusado e incontrolável em seu funcionamento, pode ser uma conquista útil, para facilitar sua compreensão e seu aperfeiçoamento, para torná-lo acessível a maior número de pessoas, para torná-lo mais positivo, assim solidificado pelos controles, que em geral faltam. Fazer profecia positiva, manobrar a intuição colocando-a sob controle, admitindo a possibilidade de erro nas próprias capacidades perceptivas supranormais, mas circundando-o racionalmente para eliminá-lo o mais possível, enquadrar tudo num método que procede a fio de lógica, não é trabalho inútil. E isto queremos fazer aqui. Em verdade, a razão e a lógica não são suficientes, sozinhas, a prever o futuro, que só a inspiração pode atingir. Mas podem elas ser de enorme auxílio para escolher, controlar, eliminar, comparar e até prever, dado que não podemos excluir uma lógica, no suceder-se dos acontecimentos históricos. Enfim, fazer da inspiração também um método de indagação do futuro, pode dar ao presente estudo não só um valor contingente, em função do atual momento histórico, como também um valor independente disso. Em outros termos, este volume pode servir não só para prever o futuro que nos aguarda, em função de nosso presente, e do passado, mas ainda para prever qualquer futuro, mesmo partindo de pontos de vista diversos, situados em outros momentos históricos. O sistema que aqui aplicamos ao momento histórico atual poderá, mudadas as condições de fato, ser aplicado a outros momentos históricos; porque, se as posições mudam, permanecem imutáveis os princípios gerais com que elas são analisadas, em função de seu futuro. De tal modo que, mesmo se as previsões deste escrito não se verificassem, ou apenas se verificassem em parte ou de forma diferente, ficará positivo o trabalho do estudo de um método de pesquisa histórica, baseado na intuição e controlado pela razão. Isto poderá ser útil a ulteriores pesquisas, sobretudo pela possibilidade de aperfeiçoamento do método, que poderia levar-nos a resultados mais perfeitos.

Outra razão induz-nos a apegar-nos à lógica, mesmo navegando em pleno processo inspirativo. O que constatamos foi isso, que o funcionamento orgânico do universo corresponde a um processo lógico, que é a Lei, a qual exprime o pensamento de Deus. E a história humana é apenas um capítulo do desenvolvimento do livro do ser, em que atua o divino pensamento. A história, pois, não só obedece a uma inteligência dirigente, como exprime o desenrolar-se de um processo lógico. Não achamos um fenômeno que não obedeça a uma lei. Não podemos admitir que o fenômeno histórico esteja isento dela, e que este, que é o caminho principal da evolução humana, caminhe agitando-se no caos. Devem existir metas precisas. E quando conhecemos a lei de desenvolvimento e a marcha de um processo lógico, mesmo que parcial e inicial, poderemos, por força da lógica, deduzir sua continuação e sua completação, pelo menos muito provavelmente, até atingir aquelas metas. Há uma trajetória de desenvolvimento em todos os fenômenos, inclusive nos históricos. Há um andamento que exprime a lei que o individua, estabelece sua natureza, traça seu caminho. Nossa tarefa aqui consiste em captar por inspiração o fio da lógica do pensamento diretivo da história, sobretudo o de hoje, que é o que mais nos interessa, para depois desenvolvê-lo analiticamente nos pormenores. Ora, cada lógica tem que ser um processo de desenvolvimento obrigatório ao longo de seu próprio caminho, tal como foi iniciado, o qual, segundo suas características no trecho conhecido, deve indicar-nos sua continuação e conclusão, mesmo no trecho a nós desconhecido. É assim que nossa pequena lógica humana, aderindo à grande lógica de Deus, que não pode deixar de ser lógico, poderá chegar à compreensão de Seu pensamento e vontade, e assim, só para fazer-nos Seus instrumentos de bem, prever os acontecimentos futuros.

* * *

Retomemos agora a observação de nosso momento histórico. Parece-nos fora de dúvida, e conseqüência lógica de quanto dissemos acima, a existência real de uma onda histórica. Ela é que exprime as oscilações do pensamento diretivo da história. Deve-se a ela a valorização e o aproveitamento dos chefes dirigentes. Desse modo, ela eleva ou rebaixa os homens, como se fora o pedestal dos chefes. Esse pedestal pode ser tão alto, que ajude um pigmeu a parecer gigante; e pode ser tão baixo que faça um gigante parecer um pigmeu. Em grande parte, são as forças do destino de um homem ou de um povo, que lançam e valorizam homens e acontecimentos, forças mais poderosas que a vontade e que o valor de cada um. Mas, precisemos.

Se quisermos julgar com equanimidade e equilíbrio, teremos que dizer melhor, que a onda histórica é o pedestal que pode destacar e aproveitar um valor que, sem isso, permaneceria invisível na sombra. Mas teremos que dizer, também, que, para ser grande homem na história, não basta um pedestal que erga um tolo, mas é necessário outrossim um homem de valor, que saiba dignamente obrar sobre esse pedestal. Com efeito, a história, da mesma forma que deixou à sombra homens de valor, ergueu às culminâncias nulidades, com um único resultado: que assim apareceu bem alto e na luz a sua miséria. A vida produz na massa tal riqueza de tipos, que tem sempre à mão para escolher, tudo o de que necessita para cada função histórica. É possível mesmo que sua sabedoria chegue ao ponto de produzir, com antecipação, os homens que mais tarde lhe servirão, na hora própria.

Poderá parecer estranha, a alguns, esta nossa fé numa direção inteligente, por parte de uma mente superior, presente nos acontecimentos históricos. Mas é evidente, que também não podemos absolutamente acreditar que o caminho da história seja abandonado às diretrizes contrastantes de cada um, que sozinhos apenas gerariam o caos. E não há caos nos fatos, porque, apesar de tudo, a história caminha e o mundo evolve. Tudo isso, dado que corresponde a um plano inteligente e orgânico não pode ser trabalho do homem, que se propõe objetivos totalmente diferentes, pessoais, e não coletivos. Quem seria então o autor disso? É essa vontade superior, que escolhe os homens adequados, utiliza-os, enquadra-os num trabalho que eles não vêem e que no entanto executam, os dispõe num desenho que só aparece depois, visto de longe. É assim que eles acabam fazendo o que não tinham intenção de fazer, começando de um lado e terminando no lado oposto. Dessa forma, eles pensam que vencem, eles, por si mesmos; que dominam, mas ao contrário lutam com o destino que, no terreno social, é representado pela vontade da história que os comanda. O homem luta por si mesmo, mas é a onda histórica, ao invés, que o arrasta para onde ela quer e só ela sabe. Quem compreendeu isso, tem a sensação tremenda da presença viva de Deus na história: um Deus que respeita a liberdade individual, mas jamais lhe permite ultrapassar o limite que lhe foi designado, alterando assim Seus planos. Que se tornam, então, os grandes homens comparados com isso? Podem eles seguir livres e responsáveis a própria vontade. Mas são escolhidos e lançados de tal modo, que seu rendimento social e sua função histórica atuem de acordo com a vontade dirigente de Deus. Sua atividade pessoal está subordinada aos objetivos da vida, em relação ao grande organismo coletivo, de que eles são células. Tudo dessa forma, em última análise, reduz-se a um instrumento mais ou menos perfeito e obediente, sempre guiado por Deus. Em nossa imperfeição humana, onde domina a liberdade, que só pode ser filha do relativo, tudo desce do mundo divino do absoluto, onde tudo é perfeito e portanto determinístico.

A história adquire então significado bem diverso, se a não vemos na ação de cada homem, mas só no conjunto de suas atividades, ligadas, sem que eles o percebam, a um plano universal, o da vida que evolve. Então, a história, aos nossos olhos, resultará não mais feita pela ação de cada chefe, nem pelos acontecimentos da massa, — elementos exteriormente desconexos — mas apenas pelo fio condutor de todas essas atividades e acontecimentos, fio que, só ele pode dar um significado lógico à história que lhe assinala o desenvolvimento. Só assim poderemos compreender o pensamento diretivo da história, e só assim poderemos compreender o porquê da sucessão dos fatos, sua conexão e a meta a que tendem. Só assim é possível, num terreno de pesquisa racional, prever os acontecimentos futuros.

A história, a quem nós, já agora, em base ao que dissemos acima, atribuímos uma personalidade, pode querer as revoluções, quando elas forem necessárias para o progresso. As classes dominantes, a fim de definitivamente garantir-se as vantagens conquistadas, recorrem à legalidade, disciplinando-as juridicamente como direito, no próprio sistema de ordem, crendo, com isso, que aquelas vantagens podem permanecer definitivamente incorporadas a eles. Dessa forma, desejariam parar a história, apenas para favorecer sua egoística vantagem. Acontece então que a onda histórica se avoluma nas massas e, erguendo-se, despedaça essa resistência, ou seja, para liquidar as posições que não se desprendem dos homens, mata os homens. É constrangida a isso pelo fato de que os homens quiseram amarrar a si mesmos, de forma indissolúvel, suas posições. Para destruí-las, eles devem forçosamente ser mortos, porque estão a elas ligados de tal forma que não podem ser arrancados. Não há outro meio. Se eles tivessem assumido posições destacáveis de suas pessoas, não seria necessário isso. Mas julgaram que dessa forma conquistariam posições mais estáveis e definitivas, e assim provocaram sua própria destruição, ao invés que uma simples separação, pois a onda histórica não pode deter-se. Se a aristocracia francesa não estivesse amarrada, como seu rei, a seus direitos, e pudesse ter sido separada, não teria sido necessário seu extermínio. Mas, ao contrário, estava tudo tão solidamente enlaçado à cadeia hereditária, que queria ser eterno. Só um extermínio podia quebrar tal cadeia. E o absolutismo dos dominadores punha os revolucionários na posição de rebeldes contra a ordem constituída, de delinqüentes contra a lei. Daí proveio que, logo que estes tomaram posição, a posição dos outros, foi questão de vida e de morte o vencer, destruindo o inimigo. Houve medo e perigo real. Não havia escapatória. Ou matar ou morrer. E, para não morrer, matar. Um dos dois tinha que morrer: ou a revolução com seus homens, ou o regime monárquico e sua aristocracia. Isso é uma verdade para qualquer revolução ou mudança de governo, e portanto interessa à hora atual, também. E é por isso que, a cada mutação de governo, ocorre a depuração, isto é, a liquidação dos supérstites* do regime precedente, depois que foram liquidados o chefe e a classe dirigente. É medo e perigo real. É questão de vida ou de morte, o destruir o inimigo até o último de seus sobreviventes.

Tudo isso poderia ser evitado se os indivíduos compreendessem a história e estivessem prontos a desprender-se de suas posições, quando ela o exige. E seria ainda melhor se eles não se colocassem nas condições de forçar a história a exigi-lo, pelo fato de eles não terem desempenhado sua função histórica para o bem e progresso coletivo. É essa sua incompreensão que constrange a história a forçar as posições, que eles, em seu egoísmo cego, quereriam deter em seu próprio e exclusivo beneficio, esquecendo que a vida deve progredir e que esta é a irrefreável vontade da história. É por isso que reis, chefes e classes dirigentes são assassinados e violentamente liquidados, com uma ferocidade que não seria necessária, se todos, tanto os homens do novo como os do antigo regime, compreendessem o trabalho que lhes pede a história e o soubessem executar, obedecendo a ela, de pleno acordo entre si. Mas, em sua ignorância, não sabem agir assim, mas apenas matar-se, num círculo vicioso de perseguições e delitos que depois devem pagar, aqueles que acreditam que, com isso, venceram. Quando surgem as revoluções e abatem a ordem precedente, é isso sempre o saldo devedor de uma velha conta, feita de abusos e injustiças, mesmo se tudo estava protegido legalmente e enquadrado numa ordem jurídica. A justiça formal e apenas aparente não pode ser suficiente para sustentar com estabilidade as posições sociais. Há outra justiça substancial, na vontade diretiva de Deus. E quando, pelo próprio egoísmo, não é ela levada em conta e se cai no abuso, o edifício da ordem vigente rui e não haverá força humana que consiga sustê-lo.

Hoje a burguesia capitalista, que suplantou, na revolução francesa, a aristocracia de então, para substituir à injustiça dos privilégios, a justiça da igualdade e liberdade, cometeu as mesmas injustiças (que agora paga) daquela aristocracia, permitindo assim o nascimento do Comunismo, que se subleva de novo em prol da justiça, ao menos teoricamente, cometendo na prática os mesmos erros, que igualmente terá que pagar. Assim se explica a divulgação dessas doutrinas, sejam elas aplicadas como o forem, e isso porque elas respondem a um novo impulso da vontade da história em direção da justiça. Se a burguesia tivesse usado justiça na distribuição da riqueza, se não houvesse repetido com a centralização capitalista os erros da aristocracia francesa, hoje as idéias comunistas não teriam achado nada que destruir, nenhuma justiça para impor, nenhum terreno sobre o qual prosperar. Essa é a lógica da história: os erros se pagam. Leis iguais para todos: para os homens da ordem, que se servem dela só para si e a desvantagem dos excluídos, como para os homens da revolução, que assaltam essa ordem com a violência, para substituir àquela, uma nova ordem, mas apenas em vantagem própria. Tudo isso porque, acima do louco egoísmo, em que os homens de todos os regimes se identificam, há uma vontade melhor, mais inteligente e poderosa, que dirige os acontecimentos e faz caminhar a história em sentido evolutivo. Tudo assim está enquadrado no mesmo processo lógico, os homens da ordem e os homens da revolução, e todos juntos sofrem, cada um por seu turno, ora passivos, ora ativos, o mesmo processo de purificação. Haveria um único sistema para livrar-se disso: já ser puros. Se o homem fosse tão inteligente que compreendesse qual é, a seu respeito — seja como indivíduo, seja como coletividade — a vontade de Deus, e se fosse tão bom que a aceitasse e seguisse, tudo seria perfeito e tranqüilamente deslizaria, sem necessidade dessas intervenções cirúrgicas e de tão dolorosos corretivos. Mas o homem é um ser decaído. As razões teológicas do volume «Deus e Universo» dão-nos a explicação da ignorância humana e da necessidade de reconquistar a sabedoria, tornando a subir, na dor e no erro, a estrada da perfeição. Deriva justamente dessa posição do homem a necessidade de uma direção superior e inteligente do caminho da história, que, doutra forma, se desgarraria como um navio sem piloto.

O homem constrói edifícios sociais em ordens sucessivas, que ruem um após outro e ressurgem em outro mais evoluído e perfeito. Se a ordem precedente fosse perfeita e justa, não haveria necessidade de revoluções para destrui-la e sobrepujá-la com outra nova. São elas assim necessárias, e têm um valor negativo enquanto destróem, varrem o terreno, e ao mesmo tempo um valor positivo, enquanto semeiam o novo, que nascerá depois. Quando, na vida dos povos, se apresenta a necessidade dessa renovação, a sociedade entra num estado febril, e o pensamento e a vontade diretivas da história realizam a operação cirúrgica. Entram em ação numerosas forças, muitas vezes em conflito. Os instrumentos são os mesmos homens que, inimigos entre si, se castigam mutuamente. Se a lógica da história exige uma revolução, ela lhe abre as portas e a convida a entrar no corpo do velho regime. Da mesma forma que os micróbios patogênicos no corpo humano, assim a revolução experimenta a resistência e o valor dele, de tal modo que, se ele está ainda forte, resiste e vive; e se está fraco, parece e é destruído. A vida não quer os fracos, e submete ao assalto tanto os indivíduos como os povos, para que só os mais fortes sobrevivam. Nos alicerces da política, estão as leis fundamentais da vida. É assim que esta, da mesma maneira que oferece a fraqueza orgânica de um indivíduo como um convite aos assaltos dos micróbios patogênicos, assim também oferece a fraqueza de um organismo social-politico, como convite aos assaltos das revoluções.

É um fato, que, nas revoluções, achamos muitas vezes na defesa do antigo regime um rei-fantoche. Existe quase que uma proporção entre o poder caudaloso da onda nova que deve, nos planos da história, derrubar, e a fraqueza do organismo que deve ser destruído. Há uma sábia dosagem de forças nos dois impulsos opostos, para que a nova, que deve vencer, tenha sua tarefa facilitada, quando esta faz parte dos planos da história. Se a revolução francesa tivesse tido diante de si um Luís XIV, não o teria derrubado. Se a revolução comunista tivesse achado pela frente um Pedro o Grande ou uma Catarina da Rússia, não teria vencido. Mas, ao contrário, acharam-se automaticamente em posição de superioridade, fácil diante do inepto Luís XVI e do manso Czar Nicolau. A vida ajuda todos os homens e movimentos que têm uma função biológica e deixa sem defesa os que a não têm. E pode ser também função biológica a de liquidar uma classe social dominante, um regime, quando não mais correspondem à utilidade da vida e sua eliminação seja necessária aos objetivos da evolução. Nos equilíbrios biológicos, até o assalto patogênico tem uma função. Qualquer pessoa pode verificar, mesmo em sua vida individual privada, que algumas coisas querem acontecer, e outras não, como se houvera nelas uma vontade, que resiste à nossa e é independente dela; ou seja, obedece a outras diretrizes, que não são as nossas, que nós desejaríamos impor.

Nascem as revoluções de um punhado de aventureiros, situados fora da lei, que assaltam o colosso da ordem já constituída. Quem ajuda e determina uma tão inexplicável vitória numa luta tão desigual? Poder-se-ia objetar que é a fraqueza do chefe ou do regime que determina uma revolução. Mas houve muitos reis e governos fracos, sem que por isso tenham surgido revoluções. Para havê-las, é necessário não somente essa fraqueza da velha ordem, como também a força nascente da nova. Para que haja renovação é indispensável esse encontro de posições opostas. Podem existir governos fraquíssimos, que por ninguém são assaltados, porque a história, nessa ocasião, nada tem que renovar. Podem aparecer idéias novas, que no entanto se chocam contra um governo forte que as sufoca. E nestes dois casos, a revolução não nasce. Mas, quando a hora renovadora de uma revolução soou e a história quer e está pronta para fazer um passo adiante, para subir mais um degrau da evolução quem é que proporciona tudo: ou seja, a fraqueza decrépita do velho regime, a inaptidão do chefe, de um lado e, do outro, o juvenil poder das idéias e forças renovadoras e a capacidade revolucionária dos assaltantes? Quem é que, nessas horas trágicas em que se renova a vida dos povos, dá um impulso, de um lado, e do outro paralisa as resistências que poderiam detê-lo? E no entanto, o velho regime tem em mãos todas as rédeas do comando. Como é que, naquelas mãos, elas não funcionam mais? Que nova força sutil é essa que, em verdade, a imprensa paga não pode criar, que mina tudo interiormente, pela qual a velha máquina não funciona mais, o exército não obedece, o dinheiro não serve, tudo se rebela e a opinião pública se orienta por si mesma?

Quem governa os povos deveria conhecer esses imponderáveis, que sem dúvida são leis inteligentes, forças vivas. Falam por meio do subconsciente das massas e as constrangem a agir. Deveriam compreender os chefes, quando elas se põem em ação e, ao invés de impor sua personalidade, deveriam antes procurar compreender o momento histórico, para obedecer à vontade da história, em lugar de querer impor-se a ela. Isso porque ela é a mais forte e quem não se conforma com ela seguindo sua correnteza, soçobra. Deveriam os chefes procurar compreender, antes de tudo, se a vontade da história está com eles; deveriam evitar engajar-se numa luta contra a vontade da história, pois jamais poderão vencer essa batalha, dado que o inimigo é infinitamente mais poderoso e inteligente que qualquer homem. E quando uma revolução é necessária, e portanto decretada pela vontade da história, os chefes da velha ordem deveriam compreendê-lo e retirar-se espontaneamente, sem opor inúteis resistências, que só podem levá-los a epílogos de sangue. Quantas dores e quantos danos poderiam evitar-se para todos, nas vidas dos indivíduos como nas das sociedades, se a conduta humana fosse guiada com mais inteligência! E aqui também temos que concluir como acima: o homem é um decaído. E as razões teológicas do volume «Deus e Universo» dão-nos a explicação da ignorância humana e da necessidade de reconquistar a sabedoria, tornando a subir, no erro e na dor, o caminho da perfeição.

* * *

Baseando-nos nos princípios acima expostos, procuremos agora compreender a natureza e a posição da onda histórica que domina hoje o mundo, aquela que poderia ser chamada a onda que carreia homens e acontecimentos. Quais são as características de nosso tempo, e sobretudo das classes e povos dirigentes? Seus métodos e concepções dominantes revelam sua natureza. São práticos, utilitários, filhos de uma concepção materialista da vida. A arte, a música, a literatura, a pintura contemporâneas, tudo o que pode exprimir o que é a alma e sua elevação, se apresenta negativo, isto é, caminha não em subida, mas em descida, não é construção, mas destruição de valores. Espiritualmente, o mundo considerado civilizado, está em fase de dissolução. Não nascem mais os gigantes do pensamento e, quando nascem, ou se adaptam ou morrem. A simplicidade, que é a forma das grandes horas e dos homens e povos que têm algo de importante a dizer, já desapareceu. A madureza da civilização européia já avançou até o bizantinismo vazio, até a sutilização complicada, sem conteúdo real. A civilização adiantada demais, traz um excessivo aperfeiçoamento da forma, em dano do conteúdo. Assim os gregos não podiam compreender a simplicidade retilínea de um São Paulo, que falava no areópago. A maturação excessiva se torna, em dado momento, putrefação e o fruto maduro demais não nutre, mas envenena. A simplicidade, que é a primeira qualidade da verdadeira grandeza, não existe mais na época atual, está perdida atrás de cerebralismos artificiais, atrás de uma riqueza e complexidade de formas, com que se procura esconder o vazio interior e a tristeza de uma produção espiritual que nada diz à alma. O simplicismo na arte é artifício, o seu primitivismo é infingimento*. As próprias palavras não têm mais seu simples significado ordinário, e só se tornam acessíveis, em seus valores recônditos e enigmáticos, sob os quais nada existe, a uma classe de iniciados.

De nada adianta verberar tudo isso. Podemos apenas constatar que é essa a psicologia dominante, que é essa a corrente em que caminha a maioria. É assim o homem de hoje e essa é sua estrada. Quem pode detê-lo? Esta é a onda do mundo civilizado de hoje, o que domina o mundo. Ela é o resultado de processos milenários. Como lutar agora contra essa onda histórica? Não lembra ela, a que dominava o Império romano, nos tempos de Cristo, quando ninguém mais acreditava nos deuses? Ou a da vazia e madura civilização da aristocracia francesa, à véspera da revolução? O materialismo religioso, tal como o capitalismo egoísta de hoje, não é essencialmente o mesmo de então, e não cometeu e comete os mesmos erros? E contra este último, não se está levantando, em dimensões proporcionais aos novos tempos, uma revolução semelhante, da parte de todos os deserdados do mundo, que se preparam para o assalto com os mesmos métodos destrutivos e violentos que na revolução francesa?

Ao invés de fazer um sermão, já agora inútil, ou de profetizar a desgraça aos cegos e chorar sobre o futuro do mundo, preferimos analisar o fenômeno, para demonstrar nossas conclusões pela lógica. E isto especialmente porque a racionalidade é uma das qualidades do espírito em que o mundo de hoje ainda acredita. Admiram-se hoje mais os grandes matemáticos do que os santos, os cientistas que fazem descobertas do que os homens bons e puros que amam o próximo. As potências da civilização só distilam hoje os valores da intelectualidade. Até a arte, o coração, o sentimento se tornam cerebrais.

Não se tem mais fé nos valores do espírito, mas nos do progresso técnico. Acredita-se cada vez mais na máquina. No entanto, o progresso material se paga com carências espirituais, as hipertrofias nos equilíbrios da vida implicam correspondentes atrofias. O progresso técnico é, não resta dúvida, uma grande conquista. Mas, quando para obter essa conquista se atrofiam os recursos espirituais do homem, isso significa que ela nos custa a perda da luz das grandes diretivas, o que nos deixa perdidos, sem guia no caminho da vida. Quando a análise, mãe da técnica, supera a síntese, o homem desorientado não poderá caminhar senão por tentativas, ao acaso. E de fato, ele caminha por tentativas, sem uma perspectiva clara de seu futuro. A vida não se extravia por isso, pois já vimos que a história é sábia por si mesma e não necessita, em absoluto da ajuda da inteligência do homem para progredir. É inútil, pois, pregar e advertir. Esta é a corrente do mundo de hoje: destrucionismo. É essa a onda histórica presente. Mas esta é apenas sua fase atual. Destruição que ela necessita para desimpedir o terreno para as construções novas. Estas virão amanhã, quando o homem, após lutas e guerras, já não será o mesmo que hoje é, e caminhará em outra corrente, levado por diferente onda histórica. Cada coisa está em seu lugar e só pode chegar quando for seu tempo. Destruir hoje para construir amanhã. Já vimos que a destruição do mundo atual é uma função confiada aos povos menos evoluídos, porque só eles poderiam realizá-la. E a reconstrução será feita amanhã por gente diferente, com psicologia e princípios pelos quais não se interessa o mundo atual.

Cada coisa está em seu lugar. Não desprezemos o progresso técnico. É uma conquista, não só porque nos liberta das necessidades materiais, como também porque desenvolve algumas qualidades do espírito, como a inteligência. Vêem alguns na máquina o instrumento de uma nova escravidão. Mas o homem teve sempre que lutar pela vida e esta é uma forma de luta muito menos pesada que as primitivas. Viver numa oficina, amarrado a uma máquina, ou num escritório, preso a um trabalho monótono, é muito menos duro que lutar contra as feras e os agentes naturais, nossos inimigos. Entretanto, pode parecer que isso atrofie as qualidades de iniciativa e livre criação individual. Mas isto transforma o indivíduo de um ser isolado contra todos, numa célula social, que aprende a viver num oganismo coletivo. Além disso, lutar com uma máquina, requer muito mais qualidades de raciocínio e inteligência e muito menos prepotência e ferocidade, do que lutar contra o homem para assaltá-lo ou contra um animal para domesticá-lo. A máquina é honesta, dá-nos o que lhe dermos e não tem uma vontade egoística, rebelde à nossa. Ela obedece, não ao mais prepotente, mas ao mais inteligente. A máquina fará desaparecer o dominador pela força, e levará o homem a uma forma diferente de seleção, não a do mais forte ou do mais astuto, mas do mais inteligente. O progresso técnico imporá a necessidade de desenvolver essa qualidade superior, dado que na luta pela vida já se poderá vencer por esse novo caminho. Em outros termos, poder-se-á resolver o problema de vencer e viver, não pelos caminhos da força ou da astúcia, mas pelos caminhos da inteligência, que é o que dará ao homem o domínio sobre as forças da natureza que, sujeitas a ele, poderão garantir-lhe a vida.

Mas estas serão realizações remotas; hoje, no entanto, o atual progresso técnico nos prepara para elas e abre-nos o caminho. O mundo necessita de cada vez menos ferocidade e mais inteligência, que é, sem dúvida, um meio para chegar à bondade. E a máquina não está contra essa transformação. A própria guerra se está tornando cada vez mais um problema de produção industrial e técnica e cada vez menos um problema de ódio pessoal contra um inimigo, que muitas vezes é hoje desconhecido e contra o qual não se nutre nenhum sentimento. Essa eliminação do ódio feroz e sanguinário é já algo, como progresso, considerando-se o que é o homem, que assim, ao menos, fica constrangido, na guerra, não tanto à ferocidade, hoje cada vez mais inútil, quanto ao trabalho cerebral de dirigir sua máquina de guerra. Não se poderia pretender hoje maior progresso. Além disso, o homem que mata, com a guerra mecânica, gente que ele não conhece, pode mais facilmente convencer-se da estupidez da guerra, do que aquele que tem que matar um inimigo vizinho para defender a própria esposa e os filhos. Mas, além disso, cada vez mais nos aproxima do fim das guerras, o fato de que a técnica nos leva a tal poder destrutivo, que não se poderá fazê-la sem que todos fiquem aniquilados. Como se vê, a onda histórica que agora carreia homens e acontecimentos, se de um lado está destruindo, está hoje, por outro lado, semeando para o futuro. Com efeito, desenvolve a inteligência para chegar àquela sua forma superior que é a bondade; com a máquina liberta-nos da escravidão material e eleva o nível da vida; enfim, com a técnica bélica super-destrutiva, prepara-se a tornar impossíveis, no futuro, as guerras. Assim, sem sabê-lo, guiado pelo pensamento e pela vontade da história, o mundo está lançando as bases das novas construções do porvir.

Se a fase atual da onda histórica é destrucionismo, não devemos ficar pessimistas por isso. Ao contrário, é justamente essa fase de destruição que preludia a sucessiva de reconstrução. É questão também de compensação e de equilíbrio. Podemos até ver francamente, na atual fase de destrucionismo, uma prova do próximo advento de uma nova civilização e uma sua fase preparatória. Parece-nos assim, seguindo a lógica do pensamento da história. Ela caminha por compensação de contrários, que se completam e equilibram em sua complementariedade, integrando-se reciprocamente, de modo que, da oscilação, resulta um único caminho de subida. Hoje não se trata apenas do ato de lançar algumas sementes novas, como vimos há pouco, no terreno da maturação dos povos, mas trata-se de um total e complexo movimento de forças, que estão prontas a ajudar essas maturações, assim como as estações, o terreno, os chuvas, o calor e tantos outros agentes concorrem todos ao desenvolvimento de nossas sementeiras agrícolas. É toda a onda que carreia homens, povos e acontecimentos, e que, depois de um período de descida e desmoronamento de valores, como o atual, deve reagir num período de ascensão e reconstrução de valores. Sem essa compensação, a história não seria mais construtiva. E, se o foi sempre, como poderia hoje não sê-lo mais, especialmente numa hora tão apocalíptica, tão grávida de sementes, impulsos e motivos novos, ao mesmo tempo que tão revolucionária e destruidora?

Para compreender tudo isso, procuremos penetrar mais no fundo do pensamento da história. A história humana é apenas um capítulo do desenvolvimento da vida, a qual é apenas um momento do processo cósmico, que se acha agora, para nós, em fase evolutiva. A Lei do ser em nosso universo atual é essa: evolver. Tudo ocorre em função dessa necessidade: o amor, e a reprodução, a seleção, a morte, a caducidade de todas as coisas, a natureza relativa de nosso contingente em evolução, a instabilidade de todas as posições humanas, nossa contínua insatisfação, etc. É assim que se explica um fato, que pode parecer estranho, isto é, que a vida se nutre de morte, se alimenta de destruição. Isto porque destruição é meio de renovação, e renovação é condição necessária para a evolução, suprema tendência do ser.

Compreendida essa lei geral, situada na lógica do pensamento diretivo de Deus, é fácil compreender a lei particular, segundo a qual ocorre que a história produza, nas revoluções. Com efeito, é por meio das revoluções que a história costuma gerar o que é novo, como se o tirasse da destruição do velho. Na realidade, isto é devido ao fato de que a vida é tão exuberante de gérmens que, logo que se forma um pouco de espaço vazio, ela está sempre pronta a invadi-lo para enchê-lo. Nesse sentido, a destruição é criativa, para a vida, pois lhe permite a expansão. Quem compreendeu a inexaurível fecundidade da vida, que deriva do impulso do Deus imanente, presente em todas as partes, em cada fenômeno ou acontecimento, não pode admirar-se de tudo isso. A história caminha carregada de gérmens a desenvolver, de uma potência fantástica, e os lança a mancheias, ora aqui ora ali, com a prodigalidade de que a vida é tão rica, à espera de que a maturação e a compreensão dos homens — único limite de sua fecundidade — permitam a ela, tornando-se instrumentos de realização, o desenvolvimento no terreno deles.

Que são, pois, as revoluções? É um fato, que, por mais que os homens se cansem em fixar, no direito e em ordens particulares suas posições, estas são sucessivamente desmanteladas pelas revoluções ou guerras, que são o único meio para renovar o velho e assim chegar a construções novas. As revoluções e as guerras — dois elementos afins e conexos — são pois o verdadeiro motor da história, seu aspecto dinâmico, os períodos de marcha; ao passo que e paz, as ordens constituídas, a legalidade, representam os períodos de estase da história, seu aspecto estático, as fases de assimilação e repouso. Perguntam-se os preguiçosos: por que essa necessidade de guerras? Por que essa instabilidade, esse esforço de renovação contínua? A resposta foi dada no nosso volume «Deus e Universo», em que se explica que o homem é um decaído e portanto, qual a razão de estar ele preso à necessidade de evolver. E como se pode evolver, isto é, passar de formas inferiores a mais complexas e perfeitas, senão através da dor da destruição e da fadiga da reconstrução? Num Universo, cuja lei fundamental é a evolução, não se pode parar: é necessário caminhar sempre. Existir quer dizer caminhar. Quem pára é sobrepujado pela corrente da vida e se esteriliza. A vida é corrida, renovação, criação contínua. Não teme destruições. Ao contrário, precisa delas. Em sua imensa fecundidade, a destruição lhe é necessária, para desimpedir o terreno e aí de novo semear, para progredir.

Não nos alarmemos. É assim o mundo. Guerras e revoluções representam seu impulso vital, que na destruição não perde nada. Nada pode perder, porque suas raízes prendem-se em Deus, inexaurível e indestrutível. Na destruição, parece a vida tornar-se mais viva, porque, logo que se verifica uma falha, ela corre a tapá-la. Isto no terreno social, tal como acontece com as células no terreno orgânico. As carnificinas das guerras, com efeito, reativam a fecundidade genética dos povos. Há conexão entre vida e morte, dois fenômenos de compensação. Assim, existe uma afinidade entre amor e revolução. Ambos são uma luta para vencer, um meio para criar, uma manifestação de juventude e virilidade e, no estado natural, ocorrem numa atmosfera de violência e destruição. São duas manifestações de potência renovadora e todos lhe saem ao encontro, porque isso interessa sumamente à vida que, nelas se reaviva e dinamiza. Os povos que despertam, fazem revolução e guerra. Os povos fracos e cansados as sofrem de seus vizinhos. Para os indivíduos, como para os povos, a lei é a mesma. O povo, ou a classe social mais fraca, tal como a mulher, ficam vencidos e fecundados, recebem e assimilam. É pois lei de vida, que ocorram revoluções e guerras, as desordens para construir uma nova ordem das ruínas da antiga. É lei de vida, um periódico despertar, para executar o esforço de fazer um novo passo à frente na evolução. É lei de vida o contraste entre tempestade e bonança, e a expansão vital dos povos fortes.

Na verdade, isso tudo poderia e deveria realizar-se sem violência, e assim ocorrerá numa humanidade mais civilizada. Se a atual ainda o não é, está ela justamente lutando e sofrendo para tornar-se tal. A história que guia tudo, confia vez por vez aos povos mais aptos essas funções renovadoras. Primeiro deixa os povos num sono aparente, em que ocorre a subterrânea maturação. Um dia eles explodem, para depois voltar ao repouso. A natureza, em sua sábia economia, poupa suas forças e não repete um impulso inútil. Coube a primeira ao povo francês, agora é a vez do povo russo. Realizado o esforço, readormecerá este também, como aquele o fez. O fenômeno atual da Rússia Comunista representa o despertar de um povo primitivo rico de energias elementares e poderosas, aptas sobretudo à função da destruição, para comprovar a resistência da civilização européia. Pode comparar-se isto a um assalto de micróbios patogênicos contra o velho organismo desta civilização. Funções mais complexas não podem ser confiadas a povos primitivos, mais próximos ainda ao estado caótico primordial, rico de imensas energias, mas ainda não disciplinado pelo poder da inteligência, que é fruto de longa e laboriosa evolução. Por isso, na lógica do pensamento de Deus — que a nova Rússia ignora — não lhe podem ser confiadas senão funções destrutivas, próprias das explosões do caos, poderosa de um poder involuído e satânico. Tanto mais que essa dolorosa intervenção cirúrgica foi atraída pelas culpas da Europa e também da América do Norte, que, com suas próprias mãos, quiseram construir uma Rússia forte e inimiga, como uma vergasta para seu próprio castigo. Há nisto uma trágica e cega obediência a um destino de justiça, que todos têm que aceitar, porque está no pensamento de Deus e na vontade da história, não importando se os homens queiram ou não queiram admiti-lo e sabê-lo. A tão astuta política sempre esqueceu o peso enorme que tem o fator moral, mesmo no campo social, e ainda não sabe que, quem não liga importância a isso, pode cometer erros gravíssimos, que depois indivíduos e povos devem pagar duramente.

Assim, a história confia a vários povos, no momento mais adequado para eles e para a vida de todos, uma dada tarefa na evolução da humanidade: funções aparentemente negativas, mas, em substância, positivas, de experimentação e reconstrução de civilizações exaustas, de reequilíbrios de acordo com a justiça, de eliminações de classes dirigentes ineptas e parasitárias, de reações curativas de abusos, de fecundas reconstituições demográficas, preenchendo vazios em cada campo e reforçando fraquezas. Parece que a história manifesta, na direção da vida dos povos, a mesma sabedoria que a natureza manifesta na direção da vida de nossos organismos físicos: uma contínua ação materna, benéfica, protetora, compensadora e curadora, sempre atenta em fazer triunfar a vida. A ação da história não é a mesma ação da mãe-natureza, não é a mesma lei de Deus que vigia tudo e, com sua imanência, ajuda a todo o criado no duro caminho da subida até Ele? Não é o mesmo princípio e a mesma potência da vida, por meio do qual tudo germina sempre e floresce?

A destruição poderá assustar o indivíduo, mas a vida não pode preocupar-se com isso, porque, no conjunto, a destruição não é estéril. Nenhum ato da vida, jamais, é estéril, nem mesmo a destruição. No âmago desta, está a reconstrução, como no âmago da morte está a vida. Por isso, a destruição é um ato de administração normal, é só uma forma, um meio, de renovação. A vida é eterna, é princípio divino, portanto nada tem que temer. Bastaria haver compreendido esta grande verdade, para ser obrigado a admitir a indestrutibilidade de nosso ser e a impossibilidade, para a morte, de matar qualquer ser vivente. Cristo mesmo nos disse que quem procurar conservar sua vida a perderá, e quem a der, a ganhará. Não é conservando-nos apegados à forma que podemos viver, mas só mergulhando-nos na grande corrente ascensional do ser, em que está Deus, a inexaurível fonte de tudo. Cristo mesmo, que realizou a maior das revoluções, seguiu essa lei, pela qual a destruição é uma premissa necessária para a reconstrução. Assim, Ele teve que oferecer-se em holocausto sobre a cruz. Eis porque o sacrifício tem um poder criador, a renúncia pode construir num plano mais alto, a dor nos amadurece e a morte é lei de vida. Bastaria ter compreendido este princípio universal para compreender a necessidade absoluta da paixão e da morte de Cristo, para a evolução do mundo.

Neste capítulo quisemos observar como funciona o pensamento e a vontade da história, primeiramente em sentido geral, e depois observando, no pormenor, a natureza da onda histórica, que guia os homens e os acontecimentos na hora atual. Tudo isso para chegar a esta conclusão: que a tendência atual à destruição, que existe em todos os campos, e o estado de revolução e de guerra em que se acha o mundo, representam justamente o índice mais evidente da reação complementar necessária para a reconstrução de amanhã; ou seja, representam a fase preparatória, após a descida, para a subida da onda histórica, aquela que quer que chegue e se realize, a nova civilização do terceiro milênio.


Capítulo III
AS TRÊS REVOLUÇÕES E A TERCEIRA IDÉIA

Para compreender ainda melhor os princípios expostos nos capítulos precedentes, façamos uma aplicação deles (que é puro controle) aos acontecimentos de nosso tempo: ou seja, observemo-las concomitantemente de dois pontos de vista, o humano e o das verdadeiras diretivas, dadas pelo pensamento e pela vontade da história.

Vimos o que são as revoluções. A história recente e contemporânea ofereceu-nos dois grandes fenômenos desse gênero: a revolução francesa e a russa. Colocadas em sua realidade concreta, na perspectiva de espaço e de tempo, partindo de posições e desenvolvidas em condições desiguais, ainda que semelhantes, diferentes nas formas, nos objetivos e nas populações em que atuaram, podem essas duas revoluções parecer dois fenômenos separados, e não duas fases do mesmo fenômeno. No entanto, foi assim, na unidade do pensamento diretivo da história, em que há apenas uma realização a executar: a da evolução, ou seja, da ascensão do homem a formas mais livres de vida, mais orgânicas, mais evoluídas. Este é o impulso biológico incessante, que nasce da essência profunda da vida, que aspira à subida, para regressar à perfeição em Deus.

A incondicional supremacia do mais forte, e portanto os governos absolutos, a organização social, filha da guerra e baseada no domínio e exploração dos povos vencidos, até a instituição da escravidão, foram, nos primeiros tempos, uma necessidade biológica, proporcionada ao grau de involução da humanidade, da qual nada mais se podia pretender. E a história nada mais pedia. Por isso, deixou funcionar essas formas de vida as quais, entretanto, com a evolução, se tornavam cada vez menos adequadas e aceitáveis. Havia no âmago um trabalho intenso de amadurecimento, escondido e silencioso, que a história oficial vê e registra só quando ele aparece visível do lado de fora, no momento de suas explosões. É a esse trabalho intenso que se deve a ascensão contínua das classes inferiores que querem evolver, tomando o lugar das superiores, logo que estas tenham esgotado sua função de vanguarda do progresso. Isto pertence a todos e todos têm direito a isso, e nisso todos tomam parte, cada um com sua função particular, por meio de sua realização pessoal. O verdadeiro fio condutor do longo caminho da história é um irrefreável e instintivo anelo à liberdade, a que todos aspiram e que todos os governos prometem, em que toda a humanidade concorda e espera, porque exprime a superação da inferioridade e a libertação da prisão em que caiu o homem, como vimos.

É assim que as revoluções, que são os períodos mais ativos da história, e mais criadores, renascem continuamente, não só para sacudir o jugo dos poderes constituídos, edificados sobre os resultados das insurreições precedentes, mais velhas e superadas, como também para colocar em lugar daqueles, outros governos que sejam baseados em concepções mais vastas e livres, nos quais seja cada vez menor o número de pessoas que sofra o peso da escravidão e da limitação, e cada vez maior o número dos que gozam a liberdade, a dignidade e os direitos da vida civil. Eis aí, então, o fio que liga as duas revoluções, a francesa e a russa. Em substância, são apenas dois degraus do mesmo processo evolutivo. Sua verdadeira força genética, o impulso que as determinou, estava no âmago da história, ou seja, era um amadurecimento da vida social, que se formara através de longa elaboração psicológica dos povos. A idéia, preexistente à sua manifestação nos fatos, é a causa e a substância das revoluções. O resto é execução quase mecânica.

Essa idéia era uma dinamite, comprimida no terreno, pronta a explodir, porque já pronta e completa. Esperava apenas uma chama mínima que a acendesse. Essa chama podia aparecer e acender a revolução pouco antes ou pouco depois, aqui ou ali, não importa. Às diretrizes da história, não importam esses pequenos afastamentos de tempo e espaço, pois nada mudam no essencial, mas somente as modalidades da execução. Quando tudo estava intimamente maduro, começou a pressão invisível a tomar forma nos fatos, pois só estes são visíveis a todos e podem fixar o pensamento da história na realidade concreta. Então começou essa pressão interior a experimentar o ambiente, procura do ponto de menor resistência, a fim de abrir uma brecha para explodir, e achou-a na França, com o inepto Luís XVI e sua corte corrompida e podre; achou-a na Rússia com o fraco Czar Nicolau e sua aristocracia incapaz e atrasada, assim como nos resultados da guerra européia de 1914-1918. Mas estes são pormenores históricos. É verdade que a França de então, como a Rússia de hoje, eram o terreno mais propício para a manifestação do fenômeno. Mas se esse terreno tivesse aparecido alhures, alhures se teriam desenrolado as duas revoluções; se a ocasião se tivesse apresentado em outro momento elas teriam aguardado, e em outro momento se teriam manifestado.

Isso tudo faz-nos compreender que, nestas duas revoluções, a França e a Rússia são dois efeitos, ao invés de duas causas; dois cenários históricos, dois elementos absolutamente não necessários, que deram seu colorido ao fenômeno histórico, só por motivos contingentes. Por isso, em sua substância, podem muito bem as duas revoluções ser destacadas da França e da Rússia, e ser colocadas em seu verdadeiro sentido, que é movimento mundial, e que não pertence a um povo, como monopólio seu, mas a toda a humanidade. A substância era a idéia, que é universal, e o que a decidiu, foi ter ela atingido seu amadurecimento. O feto estava desenvolvido e tinha que nascer, não importa onde. As próprias idéias da revolução francesa ferviam na América do Norte e em todo o mundo ocidental. Se não houvesse essa preparação do mundo de então, para aceitá-las, teria sido inútil a revolução, porque ninguém a teria compreendido, e ela não teria podido difundir-se, e muito menos frutificar. E, não tendo então uma tarefa, segundo a lógica da história, não teria podido ocorrer. Tanto é verdade que, enquanto a França voltava à monarquia, e a Europa à Santa Aliança, os Estados Unidos se apoderavam das novas idéias e as punham totalmente em prática. De tal forma que se poderia dizer que a revolução francesa serviu mais para os Estados Unidos que para a França. Esta, como a Rússia, teve sua função como lança-projéteis. O que interessa é o projétil, que é acompanhado em seu caminho e à sua chegada, ao passo que o aparelho que o lançou é esquecido, desde que perdeu toda a sua importância histórica para o progresso da humanidade, tendo, com isso, esgotado sua função.

O ponto de partida e a causa determinante das duas revoluções foi igualmente um estado de escravidão. Em ambos houve igual esforço de libertação de condições de vida que não eram mais aceitáveis pela natureza humana, dado o nível atingido pelas classes dominantes e o confronto com elas feito. Se bem que as classes mais elevadas jamais pensem nisso, não obstante realizam uma obra de educação, pois que mostram, com seu regime de vida, às classes mais pobres que as observam atentamente, as formas de existência mais apuradas, as quais, por lei de evolução, os deserdados querem avidamente imitar. Tudo isso faz parte da mecânica da ascensão, que começa das bases materiais, para que destas suba às espirituais Quando as classes dirigentes formarem uma aristocracia de espírito, a imitação dos inferiores tomará essa outra direção. Mas nem uma nem outros estão hoje maduros para poder fazer tanto, e cada coisa vem a seu tempo.

Na Rússia, como na França, o ponto de partida da revolução foi um estado de feudalismo, com classes sociais separadas em compartimentos estanques, hereditariamente fixadas para sempre, inacessíveis por baixo, com privilégios próprios, com um poder central absoluto e a escravidão nos estados sociais inferiores, sem possibilidade de redenção: uma gaiola de ferro sem porta de saída senão pela explosão. Só uma revolução podia sacudir esse jugo, libertar dessa prisão. Assim, os componentes da classe aristocrática foram chamados tiranos, e a revolta contra eles surgiu como um ato de justiça, ao passo que, antes que tivesse sido atingido o novo amadurecimento, o mesmo ato de revolta teria sido considerado o maior crime. O autor de um atentado inócuo à pessoa de Luís XV foi esquartejado com grande pompa e concurso de povo. Luís XVI foi guilhotinado diante de todos e ninguém reagiu. Por isso as despesas feitas por Luís XIV e pagas pela França pela construção de Versalhes, não excitaram nenhuma revolta, ao passo que as outras, muito menores, feitas por Maria Antonieta, pareceram um esbanjamento escandaloso. A razão é que Luís XIV desempenhava a função social de criar um modelo de vida mais apurado, antes desconhecido, um modelo que as cortes européias imitaram e que o povo olhava para aprender a elevar um pouco mais alto o nível da vida civil. Quando, com efeito, a corte de Luís XV e Luís XVI serviram-se dele só para gozo egoístico, todos gritaram que era escândalo, e só pararam quando conseguiram suprimi-lo e abrir uma estrada para eles mesmos, substituindo-se a eles e imitando-os.

Se esses foram os mesmos pontos de partida para as duas revoluções, semelhantes devem também ser os pontos de chegada: ou seja, a expansão da idéia nova no mundo, a formação de novas correntes diretivas da vida social, desprendida do país em que nasceu, país que perde seu domínio, porque a idéia se torna de todos. E a idéia, como semente lançada ao vento, chega longe e frutifica nem se sabe onde, mas exatamente ali onde se lhe apresenta o terreno propício, enquanto, na pátria da revolução, só permanecerá a honra de ligar seu nome às páginas da história por meio dela. Se assim foi para a França, é lógico e provável que será assim também para a Rússia. E a idéia comunista, como uma semente levada longe pelo vento, não se sabe aonde chegará e germinará, numa forma que talvez em nada recorde sua origem russa.

A idéia é universal, pertence à humanidade. O povo que, só porque foi escolhido como instrumento para o arremesso, acredita que a coisa seja sua, será posto de lado quando não mais servir aos objetivos da vida. O que vale, no pensamento da história que dirige o mundo, é a idéia e seu desenvolvimento, e não acidentalidades contingentes de sua manifestação e de seu desenrolar-se. Em seu progresso, a história tem seus planos preestabelecidos, e para sua execução vai escolhendo os elementos que aos poucos vai achando, prontos e adequados, em seu caminho no tempo. Ora, a idéia central que, em seu desenvolvimento, constitui o fio condutor da história — aquilo que liga uma revolução à outra — é o supracitado princípio da liberdade, ou seja, de uma libertação progressiva do homem, para alcançar formas de vida mais elevadas em todos os sentidos. As aristocracias caminham adiante como antenas, exploram, criam os modelos, e as massas, ávidas por imitá-las, as invejam e se põem a lutar para tirá-las do poder e substituí-las na experiência das novas formas da vida. Através desse jogo de forças e impulsos, desenvolve-se a mecânica da evolução. O motivo dominante, a direção do caminho, os primeiros móveis, são sempre os mesmos: libertar-se da inferioridade para subir. Subir em todos os campos. Começa-se das conquistas mais elementares. Libertar-se da escravidão para atingir a liberdade física: não viver mais acorrentados. A revolução francesa quis conquistar a liberdade política, a igualdade de direitos, suprimindo os privilégios e as classes. Todos iguais diante da lei, que deve ser igual para todos, e não mais leis separadas, de acordo com a situação social. E isto já foi muito para aquela época. Mas deixou em pé a desigualdade econômica e formou uma aristocracia diferente, a do dinheiro, e uma nova classe, a burguesia. Sentiu-se, então, a necessidade de aperfeiçoar mais a conquista da liberdade, completando-a sob outros aspectos ainda não realizados. E nasceu a revolução russa, para conquistar a liberdade econômica.

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Mais tarde, veremos como poderá continuar esse caminho e até onde poderá chegar. Mas antes, observemos de perto o fenômeno russo, para compreender seu significado. Embora tenha a Rússia dado um grande passo à frente, ao menos como potência industrial, dado o ponto zero, de sua partida, representado pelo sistema feudal czarista absolutamente medieval, não obstante, nos trinta anos aproximados do governo comunista a Rússia — por mais que tenha querido correr nesse sentido — está ainda longe de ter atingido o nível de vida e de cultura das civilizações ocidentais. Mas, o que é pior, é que não atingiu sequer a realização que se propusera, da proclamada liberdade econômica. Neste sentido, se o Comunismo atraiu as massas, — porque o programa da justiça social e dos melhoramentos econômicos corresponde ao instinto daquela ascensão que a vida quer agora realizar — todavia sua experimentação até hoje foi infrutífera e isto o desacreditou diante dos mais inteligentes, mais aptos a compreender o logro de uma exploração de necessidades e instintos.

Mas há outro fato. A distância entre o ponto de partida da revolução russa — isto é, o feudalismo na Europa superado havia muito — e seu ponto de chegada — ou seja, uma ideologia que presume um amadurecimento ainda raro no mundo — significa justamente que o Comunismo verdadeiro não pode realizar-se na Rússia, e que ele aí nasceu apenas para emigrar para outros países, aí se civilizando e se transformando. Nenhum povo ocidental jamais o aceitará senão à força e transitoriamente, como é ele hoje na Rússia. E a natureza do povo é coisa que nenhum exército e nenhum domínio pode vencer. Podem matar-se os chefes, pode destruir-se o poder, escravizar as massas, transplantar cidades inteiras, mas não se consegue matar um povo, insuperável barreira demográfica que fica de pé, para continuar de acordo com sua natureza. Ora, os povos ocidentais lutaram durante séculos para conquistar a liberdade política, e não estão dispostos a renunciar a ela, custe o que custar. Eles fizeram a revolução francesa, que a Rússia não quer levar em conta, sofreram para sair desse degrau, e isso é fruto seu, inalienável. O Comunismo russo, acreditando levianamente que pode transplantar-se no Ocidente, não sabe a que reações se expõe, quando as massas descobrirem a mentira das promessas feitas e, ao invés da liberdade econômica e de uma elevação do nível de vida, se acharem diante de um sistema de dominação escravagista. O próprio instinto de ascender, que agora impulsiona as massas a aceitar o Comunismo, quando se vir traído, fará levantar as mesmas massas enfurecidas contra os que as traíram. Ela reage e corrige, mediante contra-revoluções, os erros dos que executaram suas revoluções, ou melhor, ela as continua, não no sentido errado, que eles quiseram, só para seu desfrute egoístico, mas derrubando o que eles fizeram, isto é, endireitando-o no sentido construtivo, benéfico, como o quer a Lei, que dirige tudo.

Na Rússia é diferente. Aí as massas jamais conheceram liberdade política, estão habituadas e treinadas há séculos à escravidão, hábito que o Ocidente já perdeu. Na passagem do regime czarista ao comunista, permaneceu o mesmo fundo escravagista, inadmissível alhures, mas tradicional na Rússia. Se lá o cidadão não goza de liberdade política, ele se não queixa muito, porque jamais a teve, portanto, nada perdeu. Mas é diferente, quando o Comunismo sai daquela terra e pretende implantar-se alhures. As nações ocidentais também querem a libertação econômica. Mas, quando percebem quanto lhes custaria ela com o Comunismo, isto é, a perda de uma liberdade mais fundamental e necessária; quando vêem que o proclamado bem-estar se reduz, de fato, a uma forma de escravidão e que assim, para ter um aperfeiçoamento de liberdade, esta seria de todo perdida, então essas nações só podem rebelar-se. Até hoje, tudo vai bem, enquanto só se trabalha com promessas, pela propaganda, e a realidade russa está longe. Mas, que ocorrerá se se passar aos fatos e se a realidade russa entrasse verdadeiramente em casa? É este, com efeito, justamente o ponto fraco do Comunismo soviético, a ameaça que está iminente sobre os povos, e contra a qual se insurgem as reações. As massas inconscientes, presa dos demagogos, compreenderão isso amanhã à sua custa, se o novo regime as atingir.

Ao contrário, o ponto forte é a beleza teórica do programa. No fundo, ele é o Evangelho de Cristo, mas só em teoria, porque na prática o método da violência e da escravização da individualidade humana, o subverte. Mas, certamente, não é esse lado evangélico que seduz as massas. O que faz impressão sobre elas é a autorização — primeiro passo da legalização — de apoderar-se dos bens de quem quer que seja. Mas, que se possa destruir o instinto da propriedade só em dano dos outros, acreditando que depois ela possa ficar de pé apenas em benefício próprio, só então pacífica, porque protegida pelas leis, — condição necessária para poder gozar o fruto de qualquer furto — é tão grande utopia, que só os ingênuos e primitivos podem acreditar. Por isso, os sonhos de vitória do proletariado expõem-se a terminar na sua escravização aos pés do capitalismo do Estado. Quanto terão que sofrer ainda as massas, antes de aprender a compreender por si mesmas, o que é possível e o que é impossível, o que é verdadeiro direito e o que é promessa irrealizável! Mas, também as massas têm os chefes que merecem. Com efeito, ouvem os demagogos que as enganam, e os ouvem porque a promessa é bela e grada*, ainda que não se realizar. Cristo, que disse a pura, mas dura verdade, foi crucificado.

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Como terminará o fenômeno comunista russo? Embora justificado e provocado em seu nascimento, pelo acumular-se de séculos de injustiças e opressões, tal como para a revolução francesa, entretanto, por seus excessos em sentido oposto e por seu materialismo, que o faz ignorar vitais leis biológicas, pela supressão da individualidade, por sua violência e pelo absolutismo, que suprime justamente aquela liberdade que ele proclama e que a vida quer conquistar, o fenômeno russo contém em si os gérmens de sua própria destruição. Se a vida permite tudo isso, sem dúvida para utilizá-lo para outros objetivos seus, mais tarde terá que apressar-se a destruir tudo o que é anti-vital. Pode-se subjugar com a força, oprimir, escravizar, destruir. Mas tudo tem um limite e, quem se coloca contra as leis da vida, está perdido. Justamente quando esta quer dar um passo à frente, que êxito pode ter a tentativa contrária de dar um passo atrás? Só este, de ser liquidado e arrastado pelas forças da vida, que são as mais poderosas. É natural que um regime que, fora de casa, se propõe subverter a ordem, só possa ter funções destrutivas, enquanto que as construtivas são confiadas a outros povos. E é natural também que os elementos da desordem — como ocorre com todas as revoluções — sejam depois eliminados, sob os impulsos da vida. Neste caso, eles são representados pelo regime soviético russo. Com efeito, a vida não admite desordem senão como fase de transição e com objetivo de progresso. Resulta de tudo isso, também, que os verdadeiros objetivos do fenômeno russo não estão na Rússia, e que o Comunismo se transferirá daquele país, para transformar-se alhures. Diz-nos isso a lógica do pensamento da história, que não funciona fechado num dado lugar ou tempo, apenas a serviço de determinado povo, mas se desenvolve por longuíssimos ciclos, em todo o mundo.

O problema da expansão ideológica de uma doutrina é muito árduo, porque deve considerar a história e a psicologia de cada um dos povos, no âmago dos quais queira penetrar. E isso constitui uma barreira à expansão do Comunismo soviético, tal qual ele é hoje, pois não pode evitar de ser russo. Então, precisa contar com as diferenças, e logicamente com as resistências étnicas. Observemos o fenômeno particularmente em relação à raça latina, que tem uma história e qualidades tão diferentes das dos povos nórdicos. O sistema da força bruta e do terrorismo não poderia resistir por muito tempo em contacto com a inteligência e o espírito individualístico de independência dos latinos, fruto de milênios de elaboração, que os povos nórdicos não viveram. Enquanto estes constituem de imediato um chefe, ao qual depois obedecem cegamente, os latinos possuem uma autonomia de julgamento que os torna rebeldes à obediência. Por isso os nórdicos, sobretudo os alemães, parecem-nos organizados e disciplinados, e os latinos desorganizados e indisciplinados. Ponhamos um exemplo clássico. Um alemão, antes de agir, reflete muito e organiza um plano estudado em todos os pormenores, mas depois o executa teimosamente até o fim, mesmo se, mudadas as circunstâncias de ambiente, ele se torna suicida e absurdo. Pode chamar-se a isso coerência, tenacidade, fidelidade. O italiano, entretanto, não faz plano algum, mas estabelece um a cada passo, de acordo com as circunstâncias, e o abandona logo que este lhe não seja mais útil, para então organizar outro melhor. Pode chamar-se a isso incoerência, volubilidade, infidelidade. Mas, para a mentalidade italiana, o primeiro sistema parece simplesmente estúpido. E o é especialmente na guerra que, partindo do princípio de que o mais forte tem o direito de esmagar o mais fraco, não pode pretender dar-nos lições de moral.

A razão dessa coerência, tenacidade, fidelidade, disciplina e organicidade na ação alemã, é a falta de uma inteligência de indivíduo isolado, embora exista uma inteligência como coletividade. Acontece assim que o alemão obedece muito mais por princípio, por respeito ou por temor, do que por convicção. O italiano obedece apenas se está convencido. Parece rebelde, porque só aceita o que quer. Afora o caso da coação pela força, em que não se pode falar de obediência, ele jamais obedece cegamente, mas examina, discute a ordem, quer colocar-se, ao menos psicologicamente, no mesmo nível de seu chefe. É por isso também que o alemão pensa, age e funciona sobretudo coletivamente. Ao passo que o italiano pensa, age e funciona isolada e individualmente, coisa que o alemão custa para fazer. O instinto alemão é o grupo, o instinto italiano é a independência. Do sistema alemão, de funcionar o grupo sob um chefe, obedecido cegamente, em perfeita disciplina, deriva o fato de que, se o chefe é inteligente, a fidelíssima máquina funciona à perfeição, e o pastor poderá conduzir suas ovelhas aonde quiser. Mas se o chefe é desassisado, todas as ovelhas o seguirão até o fundo do precipício, fidelissimamente, e se deixarão matar por ele. Vimo-lo na última guerra. Os italianos, ao contrário, se o chefe é inepto, todos o percebem imediatamente, porque ele é observado e controlado por todos continuamente, e a revolta é imediata, o chefe é liquidado, e o reajuste, sem pastor, é pronto, porque cada ovelha sabe, mais ou menos, agir também como pastor. Nenhuma delas será jamais tão simples, que siga alguém sem juízo até o fim, para deixar-se matar por ele.

Por isso, é diferentíssimo o modo de comportar-se dos dois tipos biológicos nas mesmas circunstâncias. Os alemães prevêem tudo, mas ao primeiro obstáculo ou revés, não tendo capacidade para recuperar-se, não contornam a dificuldade, mas param diante dela, detêm-se para derrubá-la, batem com a cabeça e, se a não conseguem sobrepujar, morrem ali mesmo. Os italianos, diante do obstáculo que lhes fecha o caminho, acham cem outros, transformam-se, mimetizam-se, emborcam as situações, convencem-se de que, sem dúvida, queriam andar em direção oposta, e deixam o obstáculo para trás. Tudo isso pode parecer ilógico, incoerente, falso e mentiroso, mas salva a vida, que quer e deve ser tão elástica, que saiba adaptar-se a tudo, contanto que retome o caminho e continue, que é o mais importante.

Isto tudo é apenas um exemplo, que se pode ampliar aos povos nórdicos de um lado e à raça latina do outro. Ora, a expansão comunista tem que levar em conta as diferenças étnicas, que representam uma barreira mais forte do que a cortina de ferro. Ao terem que defrontar-se tipos biológicos tão diferentes, quem levaria a pior? Que pode fazer o coletivismo russo, em que o indivíduo desaparece (o que só é possível na Rússia), posto em contacto com o super-individualismo latino, conquista biológica que jamais abdicará de seu trono? E uma civilização mais primitiva, como a russa, não se arrisca a ser absorvida por uma civilização mais madura? Nos embates de massas, as resistências étnicas representam as forças primordiais e irrefreáveis da vida, cujas reações é difícil deter.

Deduz-se de tudo isso que, dado que a vida hoje aceita e quer pôr em prática a idéia da justiça econômica, porque esta se encontra na linha de seu desenvolvimento, essa idéia só poderá emigrar de seu berço, quando despida de todas as sobreextruturas* russo-soviéticas. A tarefa da Rússia, pois, é diferente do que se pensa. Sem dúvida, esse povo despertou de um sono secular. Poderá ajudar a Ásia a despertar. Mas o primeiro é negócio interno, o segundo é fenômeno de imperialismo, em que o Comunismo não entra. O verdadeiro merecimento da Rússia de hoje, é o de haver imposto, com suas formas violentas, à atenção do mundo, o problema da justiça econômica, que assim teve que ser tomado em consideração, a sério, em escala bem ampla. Ainda que tudo isto não estivesse nos planos do Comunismo, todavia foi seu efeito mais importante. Assim, a Rússia teve o merecimento de haver despertado os que dormiam, os que há dois mil anos dormiam sobre o Evangelho. Acordou-os com um forte solavanco, com uma ameaça que todos compreendem. Parece que o homem só compreende o que se lhe apresenta sob forma de batalha. Quem mais ouvia as brandas o estereotipadas palavras do Evangelho, há vinte séculos repetido mecanicamente? Mas o assalto é coisa diferente: assusta, atinge os interesses. Então, aprestam-se as defesas, estuda-se uma estratégia e com isso o problema se torna vivo e atual. Este é o merecimento da Rússia: ter denunciado as injustiças econômicas do mundo, tê-lo colocado em posição de réu, e tê-lo coagido a um exame de consciência. Dessa forma, hoje, entre as nações não comunistas, no seio mesmo do Cristianismo, existe uma nobre porfia de beneficência, não tanto por amor aos pobres, mas para chegar primeiro a conquistá-los e assim afastá-los do enquadramento comunista, com que a Rússia hoje está pacificamente penetrando nos outros Países, desfrutando, com seu pleno absolutismo, a liberdade das democracias e do sistema eletivo, para vencer guerras de invasão, sem o risco de realizá-las. Ter imposto ao mundo essa corrida à realização da justiça social, é o maior mérito da Rússia de hoje, é a verdadeira forma de expansão comunista, a única de que poderá permanecer algo. Esta, porém, é a expansão da idéia da justiça social, e não a do Comunismo russo.

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É lei universal de equilíbrio que, logo que se defina novo impulso em determinada direção, surja o paralelo contra-impulso que o equilibre. Assim, nascido o grande capitalismo norte-americano, surge-lhe contra o Comunismo russo. E, surgido este, o capitalismo americano reagiu, fortificando-se e armando-se. Assim a grandeza gera inimigos e o assalto fortifica o adversário. Determinou-se assim a luta entre capital e trabalho, são definidas as recíprocas posições e direitos, e aviamo-nos para resolver seus contrastes. Existem as classes sociais do capital e as do trabalho. Este é apenas o capital em formação; o capital é o extrato concentrado do fruto do trabalho. Um precisa do outro. Mas, ao invés de colaborar, lutam para sobrepor-se. Se cada um permanecesse em seu lugar, tudo daria seu devido fruto. Mas, ao contrário, eles gostam de trabalhar destruindo-se mutuamente. O resultado é a paralisação de ambos. Afiam-se as armas: o capital explorando com salários baixos; o trabalho rebelando-se com as greves. Nesse ponto chega o Comunismo. Os demagogos aproveitam-se disso, os operários alimentam esperança e assim a coisa se mantém e caminha. Estes últimos gritam que o capital rende cem vezes mais que seu trabalho, e chamam a isso exploração. Mas, é também verdade que o capital representa a inteligência, o que, biologicamente, vale muito mais que o trabalho manual. Portanto, pode ser justa uma compensação maior. Mas é verdade também que a cobiça, muitas vezes, cresce com a riqueza e que nem sempre esta se conquista com o trabalho, mas muito freqüentemente apenas com golpes de sorte, se não pior.

De fato, discute-se muito, na teoria, acreditando-se nos sistemas. Mas as raízes do problema descem até o terreno moral. Na realidade, nem o capital nem o trabalho são culpados disso, mas o é o homem, esteja ele de um ou de outro lado. É o mesmo homem, com os mesmos instintos egoísticos, que faz mau uso de tudo. Com esse tipo biológico, dará maus resultados qualquer sistema econômico, de modo que o Comunismo, arauto da justiça econômica, nada resolve, como nada resolveu na Rússia, onde permanece a opressão e a injustiça de antes. O capital é uma força, tal como a máquina. Enquanto não nascer o homem superior, que saiba ser senhor deles, pelo bem, e não servo, por sua cupidez, nem um nem outra libertarão o homem, mas o tornarão cada vez mais escravo. Dessa forma, o capital, ao invés de ser considerado ajuda benéfica, é tido como meio de exploração, apto a congelar a riqueza em poucas mãos e a fechar o caminho ao trabalhador. É necessária uma nova consciência colaboracionista, um modo totalmente diferente de conceber a vida, baseando-a não no utilitarismo individual ou de classe, com prejuízo dos outros, mas tão vasto que abarque todos. Isto, porém, faz parte de outra revolução, que o homem fará amanhã, quando estiver mais maduro. O problema é bem diferente do que o que é equacionado hoje. Os sistemas sozinhos não resolvem. São produtos humanos, com finalidade de experiência, e portanto podem também servir de meio para evolver. Mas não representam a solução, que depende das atitudes da alma, porque a raiz de cada ato e sua forma dependem da motivação.

Esse elemento moral é um princípio de ordem, a que se prende o pensamento da história, que é muito diverso do do homem que acredita dirigir tudo. Olhemos a primeira guerra européia de 14-18. A Alemanha queria conquistar espaço e domínios, e ao invés disso gerou um filho completamente diferente: o Comunismo na Rússia. Seu pai foi um alemão: Carlos Marx. A Alemanha impulsiona a divulgação de suas idéias na Rússia, com o auxílio de Lênine. Hoje a Alemanha sofre o jugo comunista russo. Outro fato. A Europa e a América do Norte, ajudando a Rússia a vencer, criaram-se nela um inimigo e uma ameaça permanente. Eis como acabam os cálculos das astúcias humanas. A história, ao contrário, segue outro pensamento: o de uma justiça que faz recair o mal nas costas de quem o cometeu. Este princípio, que vimos em prática nas revoluções, que comem seus próprios filhos, e que vemos ainda hoje realizar-se na Rússia, levaria à conclusão de que também os Estados Unidos deveriam pagar, recebendo em suas cidades tantas bombas quantas lançaram na Europa, e isso naturalmente também para efeito benéfico de libertação também para eles.

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Que nos estará reservado, pois, no futuro, segundo o recôndito pensamento da história, na direção dos acontecimentos humanos? Retomemos o conceito de onde partimos neste capítulo e que é seu “leit-motiv”: o fio condutor do longo caminho da história é um irrefreável e instintivo anelo à liberdade. Exprime o superamento da inferioridade e a libertação da prisão em que caiu o homem. Ora, de que forma poderá continuar a manifestar-se esse impulso da vida? em outros termos, na cadeia progressiva das revoluções que funções e finalidades terá a próxima? Conquistada a liberdade política com a revolução francesa, a econômica com a divulgação dos princípios sociais impostos ao mundo pelo Comunismo (excluída a Rússia e seus métodos), concluída a grande revolução técnica operada pela ciência, com suas últimas conquistas sobre o tempo e o espaço (libertação do limite) e com a máquina (libertação do trabalho material), qual outra liberdade poderá o homem procurar conquistar?

A grande palavra das Democracias, que a opõem à da justiça econômica, proclamada pelo Comunismo, é: Liberdade. Estamos aos antípodas da concepção totalitária. Mas, ambos os sistemas têm seus defeitos. Deixemos de lado os programas teóricos de justiça econômica ou de liberdade, e olhemos a substância, que está por baixo deles. Os sistemas totalitários de um lado, filhos, embora degenerados dos sistemas de comando por investidura divina — ainda que agora Deus seja eliminado deles — exercem um poder absoluto, a mais antiga e primitiva forma de poder, partindo do pressuposto de que o chefe possui uma verdade indiscutível, porque ele é superior e não erra. Na realidade, isto é apenas uma tentativa de justificação teórica, para cobrir a crua realidade, que é o domínio do mais forte que venceu. Segue-se daí que os princípios proclamados são obrigatórios para todos, todas as consciências estão amarradas a eles e têm que aceitá-los pela imposição. Sistema primitivo, o mesmo das teocracias, necessário nas primeiras fases mais involuídas da humanidade, quando o indivíduo ainda não tinha nem uma personalidade autônoma, nem capacidade de justiça. Sistema ótimo, se o chefe e a classe dirigente fossem verdadeiramente perfeitos. Mas o são eles na prática? Sem dúvida a verdade deveria descer do alto, mas existirá de fato uma aristocracia superior, uma «elite» biológica, capaz de personificar esta função de captar e representar uma verdade que desce do alto? Ou tudo isso, na realidade é apenas uma pretensão teórica?

Doutro lado, o sistema das Democracias, embora representando uma fase mais avançada de vida, com formas mais livres de convivência social, presume maior consciência e autonomia pessoal, superior capacidade de julgamento, necessária para dirigir a nova liberdade mais vasta. É necessária uma consciência política, para saber usar o direito do voto. É indispensável uma maturação e educação que se não improvisam. Com efeito, o povo russo, que não viveu a revolução francesa e lhe não assimilou os frutos, permaneceu sob o mesmo poder absoluto, pouco importando que agora o chefe supremo esteja vestido de vermelho. Tantas liberdades não podem ser concedidas aos povos menos evoluídos, e para eles um governo absoluto pode ser uma necessidade. Mas também no Ocidente, as massas, em parte, não estão preparadas para usar desse novo poder a elas concedido. Entretanto, usá-lo já é um meio para aprender a usá-lo. E enquanto o povo não aprender, é lógico que ele também suporte as perdas, sendo explorado pelos demagogos e depois sofrendo as conseqüências.

O sistema liberal tem, além disso, outro defeito. Se é adiantado no terreno da liberdade política, é atrasado no da liberdade econômica, problema que, enfrentado e desfraldado em cheio pelos países comunistas, embora atrasados estes no campo da liberdade política, é quase ignorado pelas democracias, em que esta liberdade pode resultar naquela, de livremente morrer de fome. É assim que, enquanto as democracias acusam de escravagismo o regime comunista, este intitulando-se protetor dos pobres e paladino da justiça, prometendo, ainda que só com palavras, o bem-estar que é o a que as massas mais aspiram, pôde conquistar adesões que a concessão do direito do voto está bem longe de obter. Ao povo interessa mais resolver o problema de sua vida material, que o de sua vida política. O primeiro representa uma realidade sua concreta, que cada um vive de perto. O segundo produz frutos remotos, coletivos, em que o indivíduo desaparece; frutos problemáticos, porque entregues em confiança a homens nem sempre conhecidos de perto, em que se tem uma fé relativa. Isto porque, desde que o mundo é mundo, parece que os homens de governo tenham querido fazer convergir numa só direção a atividade educadora dos povos, ou seja, em ensinar-lhes, com o exemplo — que é o que mais persuade — a má fé dos governantes, por um hábito próprio inveterado, que considera o poder, não como função social e missão, mas como meio de exploração em prol do benefício único egoístico e pessoal dos chefes.

Como se vê, o maior defeito não está tanto no sistema ou forma de governo, mas no valor mesquinho dos homens que o ocupam. Quando só se dispõe, para construir um edifício, de lama mole, é inútil escolher e mudar projetos. Com qualquer plano de construção a casa ruirá. Isto não significa, entretanto, que não se possa construir um bom governo também com o sistema do poder absoluto, desde que se tivesse um grande homem como chefe. Às vezes a natureza os gera, e isto poderia chamar-se um verdadeiro caso de investidura divina. Um homem de grande valor pode dar sua característica ao seu século e, se for dirigido por uma consciência superior e pelo senso de missão, o poder absoluto poderá ficar em suas mãos, sem perigo de abusos e a benefício de todos. E é verdade também que, ao menos teoricamente, o poder deveria descer do alto, de uma verdadeira aristocracia do espírito, isto é, de homens superiores, biologicamente selecionados, para que possuíssem eles as mais altas qualidades da estirpe, verdadeiros antecipadores da evolução, e portanto os mais aptos a guiar e educar, que é a verdadeira tarefa do poder. E é verdade também que o sistema da representação pela escolha eleitoral, por parte das massas, eleva a juízes e árbitros, todos os elementos da nação, inclusive os inconscientes, os rebeldes à ordem, os indesejáveis. Não pode dizer-se que basta ser a maioria para representar o verdadeiro e o justo, para ter razão e poder melhor realizar. A demagogia, a mecânica eleitoral, a psicologia do momento, podem criar maiorias de valor mínimo para o bem coletivo. E então o sistema eleitoral só é justificável como meio de expressão de tendências, quaisquer que sejam elas, porque podem manifestar-se livremente e lutar; ou então expressão de correntes de pensamento, que se formam no subconsciente coletivo ou psicologia da massa, a qual inconscientemente exprimiria o que o pensamento da história exige que se faça naquele momento. Mas esta última justificação faria do cidadão votante uma molécula ignara, transportada pelas correntes coletivas, que seriam as únicas que verdadeiramente exerceriam o voto.

Dados estes defeitos do sistema parlamentar, perguntamo-nos então: por que neste caso não preferir o poder absoluto? Será porém que existem homens superiores, que justifiquem essa prática, dando-lhes sua superioridade, garantia de bom uso do mesmo? Não. São raríssimas as excessões. Eis então qual é a função do sistema representativo: a de suprir às deficiências de um indivíduo, com um sistema de controles; de evitar abusos com uma definição de atribuições, e de evitar, pela multiplicação dos detentores do poder, os erros, e com isso conseguir ao menos, uma compensação a eles, e talvez sua eliminação. Então, teremos que considerar o sistema representativo não como um sistema que possa resolver tudo, em vista do que hoje é o homem, mas como o sistema que possa suprir melhor às naturais deficiências da natureza humana. A dificuldade consiste em procurar suprir a estas, com a bondade do sistema, de tal modo que se possa construir um método, em cujo enquadramento se consiga fazer funcionar até nulidades. Isto é o máximo que se pode pedir a um sistema. Mas seu valor sozinho, jamais será suficiente para fazer tudo, e jamais poderá substituir-se ao valor intrínseco da matéria-prima, que é o homem, que é, e permanecerá sempre, o elemento fundamental de toda construção política e social.

Considerado, portanto, como é o homem em geral, levado a abusar do poder em seu favor e em favor de seu grupo, os sistemas totalitários são hoje inaceitáveis praticamente. Para conseguir-se dano menor e obter-se uma aproximação menos remota de um Estado perfeito, só há hoje o sistema representativo. Com efeito, ele traz a vantagem de respeitar o indivíduo. Enquanto os sistemas totalitários procuram invadir até a alma dos cidadãos, impondo-lhes de pensar de determinado modo e de acreditar em determinada verdade, os sistemas democráticos respeitam a individualidade, pedindo ao cidadão, apenas, a realização de um mínimo ético, isto é, o que seja indispensável para a convivência social e a manutenção da ordem, na vida coletiva. Assim, aqueles sistemas deixam o indivíduo livre em sua fé e em seus pensamentos, até o ponto em que essa liberdade não prejudique a outros ou seja motivo de desordens. O enquadramento é muito menos de coação e menos apertado, a liberdade muito mais extensa. O que se condena nos Estados totalitários, é justamente o regime policial, o sistema terrorístico, a sufocação da liberdade, a supressão de toda iniciativa pessoal, a quase-abolição do indivíduo, reduzido a máquina de produção e a função de Estado. Tal disciplina poderá representar um futuro Estado mais perfeito, como foi alcançado por algumas sociedades animais, por exemplo, as abelhas. Mas isto pressupõe uma elaboração biológica precedente longa e dirigida a uma especialização de funções e a sua coordenação, e a vida para o homem se está agora apenas preparando para essas realizações. Essa disciplina formará o superior mundo coletivo do futuro, mas presume uma adesão livre a ele, em virtude de haver sido atingida a consciência de sua utilidade, numa forma que, se é vantajosa para todos, também não suprime a personalidade do indivíduo nem seu rendimento. Sem essa adesão, espontânea porque incorporada à própria natureza, torna-se essa disciplina uma agressão à vida e um atentado às suas manifestações e rendimento. Torna-se então contraproducente.

As democracias têm a grande vantagem de deixar a vida livre de manifestar-se, desenvolver-se e formar-se segundo suas leis, e não conforme a vontade de um só homem, que oferece a probabilidade de ser um intérprete nada perfeito daquelas leis, mas somente a expressão de sua egoística vontade de domínio. Entretanto, o absolutismo pode ser suportável, e até mais adequado aos povos imaturos, que não saberiam usar a liberdade, porque ainda estão privados da consciência, que é indispensável para saber usá-la bem, e porque estão habituados a viver apenas na escravidão. É natural que, quanto mais involuído estiver um povo, tanto mais é necessária a força para dirigi-lo e tanto menos liberdade se lhe pode conceder. É sua maturação evolutiva que leva o homem dos regimes de absolutismo e força, à disciplina jurídica dos direitos e deveres de cada um, e até a livre aceitação por compreensão e adesão, sem mais necessidade de leis coletivas: evolução do ser humano, que aparece em todas as manifestações deste, políticas, sociais e também religiosas. O poder absoluto e despótico do Deus de Moisés, pôde, assim, transformar-se na ordem amorosa de Cristo, e se transformará ainda mais, na livre adesão de homens convictos, por haver compreendido a bondade e sabedoria da Lei de Deus.

O grande problema para as democracias situa-se na escolha dos dirigentes, de uma «elite» do pensamento e da ação, a quem confiar as delicadas e difíceis funções de comando. O clássico sistema das aristocracias fechadas, animadas apenas de egoísmo de classe, atentas apenas a desfrutar as vantagens das posições conquistadas, e a caminho de esgotamento por falta de elementos renovadores, de fora de seu círculo estreito, está bem longe de resolver o problema. Infelizmente é o grau de evolução da maioria que forma as correntes diretivas que são impostas também aos dirigentes. Não se deve acreditar que os governos possam tudo. Eles são apenas uma das forças que governam, e têm que prestar contas a todas as outras. Poderão eles ser o cérebro, mas de certo não são os membros, não são o ambiente social nem o momento histórico. Podem ser a parte melhor da máquina. Mas esta pode não segui-los. Eles mesmos devem compreender o que esta pode dar-lhes, se ela sabe e se pode obedecer, e até onde pode obedecer.

Daí ser necessária uma certa afinidade entre chefe e povo que, para segui-lo e obedecer-lhe, há-de achá-lo, sem dúvida, mais evoluído que ele, porque só assim sente sua superioridade; mas ao mesmo tempo, não muito distante de si, porque então não o compreenderia mais. É necessário que o chefe saiba ter os pés em terra, na realidade de todos, mesmo se isto implicar algum defeito que, aliás, é o que o aproxima da compreensão das massas. Estas, em seu atual grau evolutivo, exigem, antes de tudo, uma manifestação de vontade e de força, pois isto lhes dá a sensação do pastor capaz também de defender seu rebanho. Um santo, um homem apenas de grande engenho, sem qualidades de dominador com que se imponha, seria rapidamente liquidado. Na moralidade de muitos, é especialmente o chicote que incute respeito, é particularmente o poder material que gera a estima. Há uma harmonia de equilíbrios na vida, pela qual os povos têm os chefes que merecem e os chefes têm o povo que merecem.

Diante deste problema da escolha dos governantes, de cuja solução parece depender tudo, observemos que, não obstante, ele tem uma importância relativa. Acreditam os homens que são eles que guiam os acontecimentos, e apenas o fazem em parte; acreditam que sejam os chefes que decidem a sorte de uma nação, ao passo que, muitas vezes, são apenas forças concomitantes. Quem já compreendeu que é a inteligência da história que verdadeiramente dirige tudo, dará valor relativo às formas de governo e ao problema da escolha. Na prática, nos fatos, esta escolha se realiza igualmente, qualquer que seja a forma de governo, por seleção do mais adaptado e por eliminação dos rivais. E quando um chefe não corresponde mais à sua função, qualquer que seja a forma de governo, as leis da vida livram-se igualmente dele, liquidando-o, se este lhes não serve mais para seus objetivos. As formas de liquidá-lo poderão mudar, mas o princípio fica, que é a vontade da história que manda mais que os chefes, que os escolhe, que lhes confia tarefas, que os tira do posto, sempre em vista de seus objetivos. Esta verdade fundamental permanece verdadeira em qualquer regime. Portanto, em substância, o problema da escolha dos dirigentes é mais um problema da vida, que um problema do sistema representativo. Muda a forma, mas fica a substância igual, em qualquer regime. Quando soou a hora de ser posto de lado um chefe, não há regime totalitário, absoluto ou policial que o salve. Será afastado por morte violenta ou pela revolução, se isto for necessário, em vez de sê-lo pela falta de maioria de votos, mas será afastado da mesma maneira. Temos que convencer-nos da relatividade de todos os regimes, sistemas e expedientes humanos, diante da sábia direção de Deus. Temos que convencer-nos, também de que, quando um homem é necessitado pelo momento histórico, quando é apto a desempenhar uma função vital ou missão, e ele a aceita, qualquer que seja o regime escolhido, a vontade da história achará o modo de, para alcançar seus objetivos, fazer chegar esse homem ao devido lugar, para dar cumprimento à sua missão necessária, como o quer a história.

* * *

Observemos, em seu significado, a revolução francesa e depois a russa. Vimos que o fio condutor que as liga e as guia numa direção única, é a conquista da liberdade, aos poucos, segundo a evolução atingida pelos povos. E é justamente levando em conta este conceito acima exposto, do domínio da vontade da história, que podemos prever qual será o novo passo à frente, que ela vai querer que a humanidade dê, no caminho da conquista dessa liberdade. A revolução francesa, abolindo os privilégios, na igualdade, deu ao mundo a liberdade política. A revolução russa, combatendo os abusos da riqueza com a justiça, dará ao mundo a liberdade econômica. Se o caminho da história é um processo de libertação, que vai da escravidão a uma liberdade cada vez maior, de que tipo poderá ser a liberdade que a nova revolução quererá conquistar? A lógica, que forçosamente está no desenvolvimento do pensamento diretivo da história, dar-nos-á a resposta.

A terceira revolução já começou. As revoluções podem levar até séculos de preparação. O progresso técnico da ciência está preparando as bases materiais, em que se apoiará a nova liberdade. São elas a superação dos limites de espaço e tempo e a libertação do homem do trabalho material, por meio da máquina. A nova conquista da liberdade elevar-se-á sobre as já realizadas pelas duas precedentes: a liberdade política e a econômica. O homem ficará libertado da idéia fixa da preocupação econômica e será servido pela máquina, acionada pela energia atômica. Mas poderá ele, chegado a esse ponto, deter-se e dormir sobre os louros? Não. A vida não pode parar, e com estes novos meios, que se movem de novos pontos de partida, ela continuará a avançar por novas estradas não exploradas. Dominado o planeta, eliminadas as guerras, alcançada a ordem e a paz num governo mundial único, sistematizado a serviço do homem o ambiente externo, será iniciada a penetração no mundo do imponderável, do super-sensório, onde jazem inexploradas as minas do espírito, os continentes do mundo interior, as forças mais sutis, penetrantes e poderosas do ser. A revolução será pacífica, mas será a maior e a mais decisiva, porque deslocará o eixo, em torno do qual gira o pensamento humano, porque ela ocorrerá no profundo, mais próximo à substância das coisas e, avizinhando-se da fonte primeira do ser, que está no espírito, transformará nossas formas de vida individual e social.

O edifício da liberdade irá elevando-se, assim, cada vez mais alto. As faculdades de raciocínio, que se vão sempre mais afirmando, em larga escala nas mentes do mundo civilizado, já preparam o homem, mesmo no fundo da decadência atual, para que possa compreender claramente as verdades, que até agora só foram reveladas e que permaneceram escondidas nos mistérios. E o homem poderá ser religioso por compreensão sua direta, e não apenas pela fé. A revolução é complexa, com mil aspectos, repercussões e conseqüências práticas. Realizar-se-á na profundidade da alma, e realizar-se-á porque os tempos estão maduros, e a vida quer subir ainda, e não poderá deter-se. Após as duas últimas revoluções, a liberdade foi conquistada em todas as direções, menos nesta, que é a única em que ainda se não desenvolveu. Se o progresso, que é lei fatal, quiser continuar, só poderá seguir esse caminho. Tendo sido conquistadas as outras formas de liberdade, só há estrouto* tipo, para continuar a inevitável ascese da evolução.

Utopia? Mas que utopia maior que esse contínuo desenvolvimento do ser e seu progresso em direção a formas de vida mais altas? E no entanto, esta utopia se está realizando permanentemente no tempo. Os critérios que o pensamento diretivo da vida segue, são diferentes dos humanos, e quando algo está escrito no livro da lei, qualquer milagre tem que acontecer e é lógico que a utopia se realize. No momento em que iniciou a guerra, não parecia utopia que a Alemanha a perdesse? Há cem anos, não era utopia o rádio? A utopia existe nas aparências exteriores, que são os únicos elementos que a razão humana, em geral, leva em consideração, mas não o é na lógica da história.

Falar de uma nova civilização do espírito poderá parecer, hoje, uma loucura, diante da ameaça do colosso russo que adumbra o mundo. No entanto, o colosso tem os pés de barro. Parece senhor, mas está acorrentado ao seu sistema, que não é o Comunismo, mas a violência e o terror, pelos quais na Rússia todos sofrem e tremem, desde o chefe supremo até o último cidadão. A grande idéia da justiça social, nas mãos de outro povo e lançada com outros sistemas, já teria conquistado o mundo. Mas essa idéia, fechada naquele sistema, não pode frutificar, porquanto aquele sistema significa auto-destruição. Uma auto-destruição por causa do sistema errado e por causa de quem o utilizou, mas não pela idéia em si; esta, embora obrigada a nascer na Rússia, porque só assim, vestida de violência, podia destruir, abandonará seu duro berço e a terra materna, para crescer e caminhar pelo mundo. Não há necessidade, pois, de agredir a Rússia. Se não for destruído pelos outros, será o próprio Comunismo soviético que matará o Comunismo soviético. E uma vez eliminada esta sua forma e seu sistema de terror, o Comunismo invadirá o mundo. Mas talvez, então, chamar-se-á simplesmente Evangelho.

Vimos que o processo lógico da história tende à construção do edifício de todas as liberdades. Mas estas só se podem conquistar sucessivamente, como os pavimentos de uma casa só se podem construir um após outro. Sobre a liberdade política, elevar-se-á a econômica, e sobre esta a liberdade do espírito. Esta última será a conquista maior, resultado de um esforço maior, realizado por necessidade de circunstâncias a uma curva da história, e desejado pelo pensamento diretivo dela. As três revoluções não estão desligadas, mas representam o mesmo esforço continuado, para alcançar uma libertação cada vez mais completa das sempre mais estreitas formas da escravidão, em que estava preso o homem, com sua descida ao longo do caminho involutivo. Se este foi um caminho de encarceramento, o atual progresso é um processo de desvencilhar-se. A primeira fase, involutiva, faz precipitar no limitado, a segunda faz evadir-se dele. É por isso que o homem anseia ascender, de liberdade em liberdade, porque esta é a lei de sua evolução. A próxima curva da história só pode, pois, oferecer-nos uma nova e mais alta libertação de todas as escravidões. É um ascender progressivo, que recorda o desabrochar de uma flor, para achar, cada vez mais perto, o espírito e a substância; é um reconquistar, por graus, a liberdade completa, já possuída no ato da primeira criação, como ser perfeito, e perdida por vontade de revolta.

Observemos os degraus desta ascensão. O liberalismo das Democracias, filho da Revolução Francesa, deu-nos a liberdade política. O Comunismo, filho da Revolução Russa, desvencilhado do absolutismo e totalitarismo russo, dar-nos-á a liberdade econômica, na pacífica forma evangélica. Alguma outra nação, a quem ninguém hoje repara no mundo, mas que de certo se está amadurecendo em silêncio, dará ao homem a consciência de si mesmo e a liberdade espiritual. Como em todas as revoluções, começa lentamente a acumular-se a pressão interior, que explora o ambiente à procura do ponto de menor resistência, para depois abrir-se uma brecha e explodir como manifestação exterior, aquela que depois é a única a ser percebida pelos homens. O pensamento da história dirige os movimentos, canaliza o esforço, ajuda a explosão, preparando os acontecimentos úteis ao objetivo. O bom êxito de uma revolução é o resultado de mil forças que têm que ser coordenadas, numa orquestração perfeita. Este trabalho não pode ser feito pelo homem, que ignora tudo isso, mas só pelo pensamento e pela vontade da história. Haverá, pois, o concurso de acontecimentos históricos que, mudando as atuais condições do mundo, tornarão possível o que hoje parece utopia.

Qual será a nação escolhida? A vontade da história, sendo um momento da Lei de Deus, respeita o princípio universal de liberdade. Prepara, pois, ajuda, oferece, mas não obriga. Com efeito, uma não-aceitação da missão que deve realizar esse passo à frente, produziria apenas um atraso ou uma deslocação topográfica mas, mais cedo ou mais tarde, o fenômeno se verificaria da mesma maneira. Já o afirmamos a propósito das outras revoluções. A nação escolhida será, pois, aquela a qual, achando-se em condições adequadas, for feito o oferecimento; será aquela que, mais tarde, quiser aceitar esse oferecimento e também souber pô-lo em prática. Se se realizar tudo isso, essa nação terá a glória de ter feito o mundo dar um passo à frente. Depois disso, a idéia, onde quer que tenha nascido, se desligará de seu berço, deixará uma gloriosa mãe e caminhará pelo mundo, porque pertencerá ao mundo.

Já bastante falamos alhures, e não é mister voltar a explicar a natureza desta nova transformação. Pode ser chamada a nova civilização do terceiro milênio, ou o advento do Reino de Deus. É a demonstração e a prática do Evangelho, o que implica já haver terminado a conquista das duas liberdades menores, a política e a econômca, para alcançar a liberdade que só um ser consciente pode possuir. Esta só pode nascer em base à aplicação do Comunismo, entendido como justiça social, tal como foi ditada pelo Evangelho. Esta é a conseqüência lógica das duas conquistas precedentes. Dissemos acima que a idéia da justiça social já teria conquistado o mundo se fosse lançada com outros sistemas. A nação escolhida, portanto, terá que começar a pô-la em prática e lançá-la, livre do absolutismo e do totalitarismo russo. Só em tais bases de verdadeira justiça social, sem escravidão nem terrorismo, poderá ser iniciada a terceira revolução. Não nos espantemos com esta palavra, que ela também pode aplicar-se à obra de Cristo, que foi a revolução mais pacífica, e no entanto foi a mais profunda. As armas e a imposição à força atuam no exterior, na superfície, por coação, com resultados efêmeros, porque não penetram a alma, em que está a raiz de toda nossa atividade. Trata-se aqui, ao contrário, de uma revolução interior, em profundidade, uma revolução do sistema, que leva à adesão espontânea por livre convicção.

Assim como o mundo passou da injustiça dos privilégios de classe à justiça das igualdades políticas, como está passando da injustiça da superequação econômica à justiça de uma distribuição mais equitativa dos bens, assim passará da escravidão do trabalho material à libertação dele com a máquina e com a ciência (domínio sobre as forças da natureza), e passará depois da ignorância ao conhecimento, e, enfim, do conhecimento à bondade. Muitos, hoje, praticam o mal sobretudo porque ignoram a grande vantagem para si mesmos, de fazer o bem, ignoram o lado utilitário da retidão em todos os campos. O mundo não conhece ainda hoje a técnica deste novo utilitarismo, e comete erros contínuos, que ele vai pagando. É este caminho de esclarecimento racional, a estrada mestra para chegar à ordem, dada pela retidão; estrada que, em virtude das qualidades racionais estarem mais desenvolvidas, o mundo está hoje mais apto a percorrer. Disto nascerá uma convicção clara, como a de quem tudo viu e verificou, convicção que será muito mais forte e poderosa na ação, do que um ato de fé, às escuras. A fé é uma necessidade da humanidade infantil ainda, mas não poderá mais bastar para satisfazer a uma humanidde que se está tornando adulta.

O mundo se está debatendo hoje entre as duas idéias: a justiça social pregada pelo Comunismo e a liberdade proclamada pelas Democracias. eis que surge a terceira idéia. Sem sabê-lo, as duas precedentes são instrumento de preparação para esta terceira e, sem querê-lo, estão trabalhando concordemente para seu advento, pois estabelecem as bases de justiça econômica e de liberdade, necessárias para que, sobre elas, possa elevar-se a superior construção da terceira idéia. Esta distilará o que de melhor houver no Comunismo e nas Democracias e, neste plano mais alto, fundirá as duas idéias, hoje rivais, libertando-se dos defeitos de ambas. Assim, só a terceira idéia poderá resolver equitativamente os conflitos, vistos até hoje unilateralmente, e por isso ainda insolúveis. Ela poderá então irmanar os inimigos capital e trabalho, sem que o primeiro explore o segundo, e sem que o segundo explore o primeiro; assim, ela respeitará as conquistas milenárias da civilização, levando-as mais adiante sem destrui-las; isto é, respeitará a propriedade e a família, a individualidade e sua inteira iniciativa, mas exigirá que tudo seja feito, especialmente em favor dos deserdados, com um princípio superior de retidão, que é o único que pode melhorar as instituições. Seu defeito principal é sempre o mesmo: não se sabe usar isso bem. O que importa é eliminar esse defeito.

A culpa não está nas formas, mas na má vontade que as anima. Acreditar que seja possível essa transformação parece loucura, quando olhamos em torno e vemos o homem de hoje. Mas, também há cem anos, o vôo parecia loucura. E o futuro pertence não aos conservadores e repetidores do passado, mas aos pioneiros corajosos, que racionalmente sabem preparar as realizações dos grandes sonhos da humanidade. Que significado teria — e não seria estúpido e inútil — esse jogo de nascer, viver e morrer, através de tantos esforços e tanta dor, se não fosse para ascender, evolvendo para o que é melhor? Até agora, o rei do planeta, vencedor de todas as outras espécies, é ainda um ser meio-homem e meio-animal, que funciona em grande parte por instinto, como os animais, que ainda não sabe exatamente porque nasce, vive, sofre e morre, e que, não tendo conhecimento exato das leis e do porquê da vida, não sabe obrar conscientemente, por convicção, mas apenas por coação, ou por medo, ou por imitação, ou por fé.

A conquista desta nova liberdade exige a formação dessa nova consciência, porque doutra forma se tornaria descontrolada licença, cheia de abusos perigosos. Esta nova liberdade significa que o homem, até agora criança, guiado pela revelação, pelas religiões, leis civis e sanções, e assim, enquadrado forçosamente numa ordem moral e social, já terá agora que caminhar por si mesmo, guiado por sua livre autonomia de julgamento, guia não mais imposto de fora, mas que conscientemente nasce do íntimo. Para atingir, porém, isto, torna-se indispensável nova consciência, que só pode nascer começando pelo conhecimento. Significa isto uma visão bem clara de todos os problemas, ter resolvido todos os mistérios, conhecer os bastidores espirituais que estão por trás dos fenômenos, descobrir o pensamento da Lei que tudo dirige, sentir Deus imanente e conformar-se totalmente à Sua vontade. A fase da ordem, imposta com a força, está quase superada. Há de nascer uma ordem livre, filha da convicção de quem tudo compreendeu. Esta é a nova liberdade que temos que conquistar. O mundo está materialmente feito. Torna-se mister fazer o homem, sem o que, não é possível progresso ulterior.

Trata-se de um trabalho imenso. A Ásia e a Europa deram seu fruto. Cabe às jovens Américas empreender este novo caminho. As velhas civilizações oferecem seus frutos de milênios de lutas e dores, sem o que nada se cria, para que hoje frutifiquem nas terras virgens, com elementos mais jovens e virgens. A nação que quiser apanhar esta idéia, a terceira idéia, e a fizer sua, será grande na história. Será a nação que quiser transformar em instituições e vida social vivida, os princípios da Lei de Deus, não só entrevista pela fé, mas claramente explicada e racionalmente demonstrada, até o fim. Para iniciar isso, requer-se um gênero de «elite» ou Classe dirigente, bem diferente da que procuram escolher nas filas do povo os sistemas eleitorais vigentes. Trata-se de uma aristocracia do espírito, em que se encontrem e unam os tipos biológicos que já chegaram ao amadurecimento, e dispersos hoje pelo mundo. Sua tarefa é formar o modelo das novas formas de existência. Nestas conquistas, a vida lança primeiro para o alto um pequeno grupo selecionado, como antena de exploração, qual primeira tentativa de antecipação da evolução. Este é o primeiro passo da revolução em sua fase manifesta, e sucede à fase subterrânea de incubação. O primeiro grupo dos mais valentes forma a corrente nova em que, aos poucos, por imitação, em condições de certos ambientes mais aptos, seguem amarrados depois os pesos-mortos das massas. Mas o impulso dinamizante está antes de tudo na vontade da história, da qual, através dessa aristocracia de novos intérpretes e executores, esse impulso se transmite ao elemento sempre passivo, a matéria inerte das maiorias.

Desta vez não será a aristocracia dos privilégios encarregada de criar um tipo mais requintado, nem a aristocracia burguesa do capitalismo encarregada de criar a industrialização e o poder econômico, mas será a aristocracia da inteligência, que compreendeu o tremendo poder do pensamento, a aristocracia da bondade, não somente produto do coração, mas também da mente que compreendeu o grande rendimento utilitário da retidão na vida individual e coletiva. E, dado que a vida é sempre luta contra algum inimigo que obstaculiza a emancipação, desta vez o inimigo não será mais o próprio semelhante, que vamos agredir, mas a nossa própria natureza animalesca, para superá-la e vencê-la. Como se vê, guerra contra ninguém, mas apenas contra as inferiores leis da vida, que ainda sobrevivem no homem, com o fim de sobrepujá-las. A emancipação da animalidade — eis a nova conquista; ou seja, um requintamento de vida, não só na forma de fidalguia exterior, mas na substância, que é uma atitude psicológica de compreensão para com o próximo, de ordem na vida social, de bondade para com todos os seres.

Embora tudo isso possa parecer utopia, não há outro futuro, se quisermos que haja verdadeiro progresso. Esta é a nova ordem do mundo. Só assim poder-se-á alcançar a eliminação de tantos atritos sociais, que custam tantas dores, conseguir novo aperfeiçoamento de relações civis e mais precisa e justa coordenação, em sentido orgânico, para melhor convivência de todos. Está nas leis da vida esta necessidade de cada vez termos uma coordenação mais perfeita; é fatal que o mundo se avie para a formação de unidades sempre mais vastas e compactas. A luta futura será contra tudo o que é anti-social, contra quem quisesse resistir a essas novas formações, que são instinto humano, necessidade da vida, e representam o mais vantajoso e utilitário sistema de rendimento da atividade humana.

Mas para alcançar esse grau mais evoluído de bem-estar, em que devem desaparecer todas as opressões e coações, para ter direito a esta muito mais ampla liberdade, é necessário formar-se novo sentido de auto-disciplina interior, porque senão a nova liberdade se transformaria em licença e abuso e, ao invés de conseguir-se uma nova ordem, isto constituiria um elemento de desordem. Cada superação de limites traz um afrouxamento de freios, e implica, portanto, a necessidade da formação de uma nova consciência que, ela apenas, sirva de freio à nova liberdade. Trata-se de uma deslocação da função constritiva protetora, que parte da coativa, imposta do exterior e que tem de ser suportada à força, para uma livre, imposta pelo íntimo e aceita porque se lhe compreenderam as vantagens. Deve subsistir sempre uma norma, sem o que a liberdade se tornaria licença. Apesar de o homem ansiar mais por esta que por aquela, isto é, compreenda licença, quando fala de liberdade, há a sabedoria da Lei que supre à loucura do homem, não lhe concedendo acesso a novas liberdades, enquanto ele não tiver formada a consciência, apta a saber usá-la sem dano para si. E que faria o homem, senão constantes desastres contra si mesmo, se a Lei não soubesse tudo por ele e o não guiasse mesmo à força a cada passo?

É assim que a história concede novas liberdades aos povos, só em relação à madureza que eles atingiram. Poderiam ter todas as liberdades, mas o que estabelece a medida dessas concessões é somente o nível de evolução. Assim, estas são acessíveis apenas por graus, e as revoluções só podem conquistar estavelmente as liberdades que mais tarde os povos poderão usar. As outras, para as quais não se está maduro, mesmo se adquiridas por alguns momentos, são rapidamente perdidas. Sobe-se por isso pouco a pouco. O caso limite desta subida é dado pelo ser ao qual podem ser concedidas todas as liberdades, porque ele conquistou o conhecimento completo da Lei, e portanto está em grau de compreender o dano que a si mesmo causaria se dela abusasse, e por isso não há mais perigo que abuse. Então, absolutamente livre já, funde-se espontaneamente com o determinismo da Lei, e faz a vontade de Deus ser sua vontade. Em outros termos, o ser, chegado novamente à perfeição, supera todo o separativismo, toda diferença entre si mesmo e a Lei, pois o máximo grau de liberdade coincide com o grau de obediência máxima, na ordem perfeita. Este é o ponto final do caminho que vai do caos até Deus.


Capítulo IV
OS TEMPOS SÃO CHEGADOS

A SALVAÇÃO DO MUNDO(1)

 

Digníssimas Autoridades
Senhoras e Senhores:

Meus amigos:

«Os tempos são chegados», é o tema que vamos desenvolver nesta palestra.

«Os tempos são chegados»; este, meus amigos, é o tema que me foi apontado por inspiração do Alto, desde a primeira das Grandes Mensagens de Sua Voz, no Natal de 1931.

Embora eu tivesse chegado ao Brasil, na minha primeira visita em 1951, no meu sexagésimo quinto ano, esta grande terra estava já marcada desde moço no meu destino, tanto que a minha tese de formatura em Direito, foi um livro sobre o Brasil. Eu sentia como que uma atração instintiva e irresistível por este país, até que em dezembro de 1952, por fatos imprevisíveis por mim e mais poderosos que minha vontade, milagrosamente vencendo todas as dificuldades, cheguei definitivamente com a família, para trabalhar aqui e dar o melhor fruto da minha vida, até a morte.

Para melhor compreender, releiamos juntos alguns trechos da Mensagem do Natal de 1931, que nos oferece o tema fundamental que aqui iremos desenvolvendo. Cada um fica livre de aceitar ou não, a origem sobrenatural desta Mensagem, mas o fato positivo, que faz refletir que aí tem um poder que não é meu, é que ela, embora eu fosse desconhecido, se espalhou por si mesma pelo mundo — Europa, Américas, do Norte e do Sul, nos países árabes e na Ásia, até a Indochina, atingindo um milhão de exemplares.

Era a Noite de Natal de 1931, e eu estava desanimado pelos demais sofrimentos, quando, como um relâmpago me colheu desprevenido e eu tremendo escrevi estas palavras:

«No silêncio da noite santa, escuta-me. Põe de lado todo o saber e tuas recordações; põe-te de parte e esquece tudo. Abandona-te à minha voz, inerte, vazio, no nada, no mais completo silêncio do espaço e do tempo. Neste vazio, ouve minha voz que te diz: ergue-te e fala: Sou eu».

... «Falo hoje a todos os justos da terra e os chamo de todas as partes do mundo, a fim de unificarem suas aspirações e preces numa oblata que se eleva ao céu. Que nenhuma barreira de religião, de nacionalidade ou de raça os divida, porque não está longe o dia em que somente uma será a divisão entre os homens: justos e injustos».

«A divisão está no íntimo da consciência e não no vosso aspecto exterior, visível» ... «Minha palavra é universal» ... «Uma grande transformação se aproxima para a vida do mundo».

... «Assim como a última molécula de gelo faz desmoronar o iceberg gigantesco, assim também de uma centelha qualquer surgirá o incêndio» ...

... «A destruição, porém, é necessária. Haverá destruição somente do que é forma, incrustação, cristalização, de tudo o que deve desaparecer, para que permaneça apenas a idéia, que sintetiza o valor das coisas... Grande mal, condição dum bem maior».

«Depois disto, a humanidade, purificada, mais leve, mais selecionada por haver perdido seus piores elementos, reunir-se-á em torno dos desconhecidos que hoje sofrem e semeiam em silêncio, e retomará, renovada, o caminho da ascenção. Uma nova era começará.»...

* * *

Assim falou a primeira Mensagem de Sua Voz, do Natal de 1931. Já expliquei num artigo, “Princípios”, em 1952(2), que as religiões têm três fases: a primeira, a mais antiga, é a terrorista, feita por um Deus vingativo, que se faz obedecer inexoravelmente, punindo com a lei de talião.

A segunda, mais recente, é a ético-jurídica, feita de uma codificação de normas da vida. É o evolver da natureza humana inferior, que pode permitir uma manifestação de Deus, fazendo transparecer cada vez mais Sua Bondade.

Somente hoje a maturação pode permitir que, sem o perigo de abusos, antes temíveis, se possa passar à terceira fase, a da compreensão, na qual as religiões são livres e convictas, cada vez mais transformadas, da forma, em que lutam os interesses, na substância, que é Amor.

Hoje se passa da segunda à terceira fase. Penetra-se na fase do amor. Não mais luta entre rivais, mas colaboração de irmãos.

Brevemente o mundo se organizará sobre um princípio que não será dado por um imperialismo religioso, isto é, pela vitória de uma religião que, por absolutismo, se imponha a todas as outras. Não é por este caminho que se chegará à unidade, ou seja, a um só rebanho e a um só pastor.

O único pastor será o Cristo, e o único rebanho será formado por uma humanidade em que as várias religiões não se combatam e não se condenem reciprocamente; ao contrário, se compreendam e coordenem, fazendo dos homens todos, filhos diante de um único Deus, um só Deus, pai de todos.

* * *

O mundo materialista de hoje na realidade vivida desinteressou-se do Cristo. Mas repudiar o Evangelho significa não aceitar a lei de um plano biológico mais evoluído, e recusar a progredir e a civilizar-se. Mas ir contra as leis da vida querer pará-las no seu caminho de ascenção, significa ser atingido por suas terríveis reações. E esta foi a terrível encruzilhada em que a humanidade quis cair!

Cristo não é somente um fato histórico ou fenômeno religioso; é o mais alto acontecimento biológico do planeta, acontecimento perante o qual deverá prestar contas a humanidade, que nunca poderá fugir às leis da vida. Cristo deixou-se sacrificar para nos dar a verdade. Acreditou-se tê-lo destruído, matando-O; Tê-LO afastado, negando-O. Mas o espírito, a verdade e as leis da vida não se podem destruir. Cristo faz parte do fenômeno vida e não pode morrer. Ele está vivo, e sempre vivo estará entre nós, presente e operante como força viva. Ninguém pode parar a Sua ação.

Cristo ainda está esperando ser tomado a sério depois de dois mil anos. Os santos hoje são poucos, e as multidões seguem outro caminho. E o homem, na sua ignorância, acredita erroneamente que a paciência misericordiosa de Deus seja a sua própria vitória. Neste ponto a humanidade se encontra no caminho da descida. A multidão é ignorante e obstinada, e se faz forte pelo número. Tendo ela tomado demasiada velocidade na descida, sempre mais difícil se torna retomar o caminho da subida. Agora somos chegados a um ponto que nem mesmo com uma explicação racional apoiada na lógica e na ciência, se poderá obter a verdadeira compreensão. A destruição então se faz necessária, visto que aquele que quer parar o progresso da vida, por esta mesma vida será destruído, pois a lei quer que ele avance, e por isso ela afasta todos os obstáculos.

O fenômeno deve de qualquer maneira ser resolvido. As forças progridem e devem de qualquer modo realizar-se. Não há outro caminho que não seja o do aceleramento. Que os maus, como fala o Apocalipse, tornem-se cada vez piores, e os bons, cada vez melhores, de modo que eles sempre mais possam se separar uns dos outros, e a justiça se cumpra. Neste ponto, a solução não mais se pode encontrar voltando para trás, mas somente no choque violento entre as forças do mal e as do bem, pelo fato de que já estamos na guerra, e não podemos chegar ao fim senão como vencedores ou como vencidos. Chegou a hora do grande julgamento, no qual se terá de fazer a prestação de contas. Aqueles que mais dificilmente poderão ser salvos são os astutos, os poderosos, que são os maiores responsáveis, por terem eles nas mãos os meios de direção da riqueza e do poder.

Os dirigentes, desorientados pela falta duma concepção suficiente para resolver os problemas da vida, percebem esta corrida em direção do abismo, e desejariam descobrir meios práticos de salvação. Infelizmente porém, no repertório econômico, político e social deles, não existem tais meios para evitar estes golpes. Todo o sistema vigente está errado. Ele se baseia na força. E ninguém pode impedir que quem use da espada, por ela pereça. O nosso mundo somente confia na força, e portanto não pode merecer a intervenção de poderes superiores para a sua defesa. Ao contrário, ele os renega com seus atos. E quem não tem senão a força, não pode prescindir dela.

Ela guia a destruição porque o choque é inevitável. Ele é uma conseqüência necessária e fatal do sistema hoje vigente no mundo, que fica assim inexoravelmente preso na sua própria armadilha, sem possibilidade de saída. Tudo isso é conseqüência do grau de involução no qual o homem atual se acha, porque ainda se encontra no plano semi-animal*.

Quantas vozes espirituais se levantaram, quantos mártires se sacrificaram, para que o mundo evolvesse! Mas o homem continua pertencendo ao plano biológico do animal. Por isso ele deve aceitar as duras leis deste plano. Mas desde que, neste ponto, ele já demonstrou não querer evolver, a maioria que pertence a este tipo biológico, deverá ser afastada do planeta, de modo que este possa progredir por intermédio dos poucos evoluídos que pertençam a um plano biológico mais alto.

Tudo isso acontece automaticamente. Isto porque a concórdia e a organização são condições dos evoluídos, enquanto que o separatismo, a luta e a desorganização são qualidades dos involuídos. De modo que estes são guiados pela sua própria natureza e sistema, para serem eliminados, exterminando-se uns aos outros. Não é um fato de que o mundo continua se armando, porque não mais acredita nas armas? O que pode acontecer neste mundo assim feito, senão destruição, quando com o sistema vigente de força, os problemas não podem mais ser resolvidos senão pela força; quando nenhum outro modo tenha para sobreviver senão se constituindo como os mais fortes, porque ao primeiro sinal de fraqueza de uma das partes, a outra estará pronta ao assalto para destruir? Não é esta a lei de muitos de nossos atos? Hoje o mundo é uma gigantesca corrida de lutadores egoístas, cada um procurando aproveitar o máximo possível do seu próximo. A melhor habilidade nos negócios e na política é, muitas vezes, julgada ser aquela de saber enganar e expoliar o próximo. Os métodos modernos são muitas vezes uma sobrevivência dos antigos modos de pilhagem, de rapinas, da destruição dos fracos.

Pois bem, há entretanto uma lei de progresso, que nos impulsiona para a civilização, o que quer dizer que é preciso acabar com tudo isso, até serem afastados todos aqueles que demonstraram não serem acessíveis a esta forma de vida. E estes seres não estão isolados somente numa nação particular, mas em todas as nações do mundo. Não há uns poucos de inocentes e uns poucos de culpados. A culpa está distribuída por toda a parte, de modo que mais ou menos, muitos deverão pagá-la, e o próprio sistema deles os levará a um recíproco choque fatal, para serem destruídos uns pelos outros, sejam vencedores, sejam vencidos.

O mundo na prática não acredita em Deus. Os fatos é que valem. Faz-se muita questão de ortodoxia de princípios, mas pouca daquilo que mais importa, isto é, a retidão das obras. O mundo não leva em conta que tem uma lei, e embora conhecendo-a, às vezes esquece que o passado, o presente e o futuro estão fatalmente ligados por todos nós, que assim recolhemos a cada momento as conseqüências de nossos atos. Assim o mundo não toma conhecimento que com todo nosso pensamento e todo ato, nós semeamos o nosso futuro de alegria ou de dor, não toma conhecimento da absoluta fatalidade das conseqüências, seja de prêmio ou de pagamento. Do mesmo modo, a sociedade humana está toda ligada por uma série de liames, que não são aqueles que os homens julgam ser, somente os das relações jurídicas ou de parentesco físico. Tem também uma rede de relações cármicas, de débitos e créditos que nos vinculam uns aos outros, e que são os mais importantes. As proteções jurídicas e aquelas da astúcia e da força, ficam na superfície, e não são suficientes para nos defender da fatal reação da lei. O que vale é o efeito das causas que pomos em movimento. Quem indebitamente ganha, também devedor fica, e por conseguinte terá que pagar, e poder legal ou humano algum, poderá impedi-lo. Quem foi injustamente explorado, torna-se credor e fará jus à sua compensação. Quando se constituem relações desta natureza no destino de vários indivíduos, os liames permanecem até que as contas sejam solvidas entregando a cada um aquilo que for de seu direito. Assim o vencedor que acreditou ter triunfado, deverá cair aos pés do vencido. Se o homem pudesse compreender uma lei assim tão simples, toda a estrutura social tornar-se-ia diferente.

O homem atual muitas vezes acredita ser inteligente quando consegue defraudar a lei de Deus. Mas como pode acreditar seja possível defraudar as leis da vida? Isto é loucura! Mas o homem é míope e ignorante. Ele fica satisfeito com o sucesso imediato. E depois? Para a grande maioria isto é uma neblina de mistério. O sucesso imediato deixa ele acreditar ter conseguido enganar o próximo e a lei; entretanto ele somente conseguiu enganar a si mesmo. E olhando para os outros somente por fora, ele acredita não haver justiça no mundo, por ver os maus triunfarem e os justos serem esmagados. Mas ignora que a vida continua e que não se pode julgar somente pelo breve espaço de uma vida terrena.

Mas depois nós vemos nascer tantos desventurados e não sabemos porque! Assim, aquele que acreditou vencer, pelo contrário perdeu e acreditando enganar o próximo, não enganou, senão a si mesmo. Podemos falar assim, não porque nos baseamos sobre a doutrina desta ou daquela escola, mas porque estas conclusões foram obtidas através da observação dos fatos e conduzidas na forma científica positiva, como temos alhures demonstrado.

Assim o homem louco vai criando para si um destino de dor. Ele é o arquiteto do seu próprio futuro. Com a sua avidez, ele cria a sua miséria, com o seu orgulho, a sua humilhação, com a sua prepotência, a sua derrota. Trata-se de uma lei de causa e efeito, de continuidade e de equilíbrio, que fica confirmada por todas as outras leis que a sustentam, e que são por nós conhecidas no mundo físico e dinâmico. Esta teoria é aquela que mais concorda com tais leis. Ela poderia renovar o mundo. Hoje o homem está enlouquecido pelo sucesso, e faz consistir seu valor na aquisição e no acúmulo da riqueza, sem dar importância aos meios usados. Vencer é o grande sonho, seja de que maneira for, pois o vencedor é sempre admirado.

Mas no alto há uma lei de justiça inexorável: os débitos devem ser pagos; quem faz o mal, o mal receberá, quem faz o bem, a ele fará jus. Podemos semear livremente! Mas depois o fruto será fatalmente nosso. Então para que serve o triunfo efêmero do mais forte contra o mais fraco? Que ficou de definitivo de todos os triunfos registrados pela história?

Tudo serve somente para fazer da terra um inferno, um teatro de guerras, sem paz e segurança para ninguém, bem como para chegar à dor que é o grande mestre que nos ensina a não errar mais. Quem esmaga será esmagado, quem furta para enriquecer, empobrece, quem faz sofrer o próximo, a este deverá depois pagar a sua dívida com a sua própria dor.

É loucura procurar enriquecer e vencer sem critério de justiça. Assim, construímos o nosso próprio destino, de pobreza ou de vencidos, com o qual tudo pagaremos. Deste modo o mundo segue um método irracional, contraproducente, anti-utilitário. Quem sabe com que desprezo nos julgarão nossos futuros descendentes civilizados! Enriquecer sem dar o valor correspondente do próprio trabalho, significa empobrecer. Num mundo mais inteligente se procuraria o próprio bem estar ganhando legitimamente, sem endividar-se com o ganho ilegítimo. Ao contrário, dever-se-iam procurar créditos, pagando do seu próprio patrimônio, ao próximo, tornando-se úteis à sociedade. Em cada caso, nunca adquirir sem dar um valor equivalente. Direito de todos à vida, mas a todos o dever do trabalho! Deste, pedir somente a justa recompensa, que é obrigação da parte de quem tem nas mãos o capital e a direção. Este é o verdadeiro fundamento das leis econômicas, e não a luta. E os vencedores, porque são mais fortes e inteligentes, têm o dever de educar e ajudar os mais fracos, e não o direito de esmagá-los e explorá-los.

A humanidade deveria compreender que os problemas não podem ser resolvidos com a força ou com a astúcia, mas somente com a justiça; compreender que o vencedor se endivida perante o vencido a este devendo pagar o preço do próprio esmagamento que causar. O escravo tornar-se-á um dia, dono de seu patrão, que por sua vez será seu escravo. Só assim, ambos poderão compreender a lição. No seu ataque contra o cristianismo, Nietzsche, o criador do tipo biológico do super-homem do egoísmo e da prepotência, evoluído ao contrário, isto é, herói da involução, vê no discurso da montanha uma expressão de revolta dos renegados, dos fracos, vencidos, contra o poder vencedor. Assim Nietzsche demonstra nada ter compreendido dos profundos equilíbrios que aquele discurso expressa. O erro está no acreditar que tudo isto seja verdadeiro, só porque assim falou o Cristo, e assim o repete uma religião; é de acreditar, por conseguinte que, lutando contra esta mesma religião, ela e o Cristo possam ser destruídos. Ao contrário. Tudo isto está escrito na lei da vida, e faz parte de uma ordem universal inviolável, que nós podemos compreender e que devemos admitir não somente pelos caminhos da fé, mas também pelos rumos positivos da razão e da ciência.

Os materialistas deveriam compreender com os meios da sua própria psicologia positiva, esta moral biológica, que faz parte de leis universais de compensação e de equilíbrio. O futuro da evolução biológica, conforme já comentamos alhures, não se pode verificar senão através da espiritualização. Por que, apesar de sua desenvolvida inteligência, eles não compreendem esta moral biológica positiva? Isto é, porque o materialismo ateu representa, perante o futuro que pertence ao espírito, o passado involuído, que resiste ao progresso e no qual sobrevive a animalidade, com os seus instintos, que ensinam a vencer com a força e com a astúcia. Mas quem assim vive, a verdade lhe escapa, e vive nas trevas. Assim, recusando-se a compreender, ele arranca de si mesmo os olhos para não ver, torna-se escravo da ignorância, expondo-se pois, a duras lições. Deste modo a humanidade quis fazer por si mesma um destino de punição, que representa a reação reconstrutiva dos equilíbrios da lei, para corrigir os erros do passado. É por isso que as forças do mal agora estão livres e ativas, porque ele chega a funcionar quando tem que cumprir uma destruição para expurgar. Neste ponto não é mais possível que o conselho e a palavra possam ajudar, porque o homem caiu sob o poder de tais forças inferiores, que devem cumprir sua tarefa de eliminação, para que sejam depois finalmente afastadas.

Na atual equação das forças do mundo, a resultante é somente uma: destruição. É possível introduzir nesta equação novos valores, quantidades, ou forças que modifiquem os resultados? Esta nova força, poderia ser a inteligência diretriz duma grande nação, que tivesse a capacidade de compreender e o poder para atuar.

Poderia este novo fato eliminar, ou pelo menos retardar a destruição? Mas para que a avalanche que está desmoronando, possa voltar atrás, retomando novamente o caminho da subida, precisaria uma idéia forte e um mundo singelo, que soubesse acreditar nisso. Ao contrário, a este mundo falta confiança e todos, mais ou menos, percebem a aproximação do perigo, como um destino fatal. Vive-se como aventureiros, pressentindo-se um desastre inevitável. O mundo se agarra desesperadamente aos meios materiais e ao poder das armas. Mas será verdadeiramente este que trará a destruição! O mundo acumula armas para se defender, mas estas servirão para sua própria destruição. E nós não temos confiança senão na força, porque todas as crenças enfraqueceram-se. O momento é terrível, porque o homem tem nas mãos um poder de destruição imenso, sem possuir a disciplina moral necessária para fazer disso bom uso. Que poderemos nós esperar do futuro, quando estes poderes são dirigidos por esta psicologia?

Poderia Deus fazer milagre? Mas os milagres não podem acontecer contra a lógica e a justiça da lei, que é o próprio pensamento de Deus. Quando temos culpas para pagar, precisamos pagá-las. É preciso ter merecido esta ajuda particular que se chama milagre. Mas é certo também que esta ajuda não desce para defender interesses egoísticos. As forças espirituais funcionam, mas somente nas mãos dos santos. Elas não descem para se realizar nos planos mais involuídos, que as afastam e que ficam abandonados ao poder das próprias forças involuídas. As duas maiores potências do planeta, procuram-se eliminar uma à outra, para atingir o domínio absoluto. Porém, elas se destruirão reciprocamente, e assim far-se-á o expurgo, com uma limpeza de dor, preço da redenção, sem o qual não se pode subir a um plano biológico mais alto; será o choque necessário, sem o qual a renovação integral não se poderá atingir.

No plano onde reina a lei da seleção do mais forte, é impossível evitar o choque entre esses dois mais poderosos do mundo, porque este choque é que resolverá quem é o mais forte, isto é, aquele a quem, conforme a lei vigente da animalidade, pertence a vitória. Não se pode escapar a esta lei, do tipo biológico atual. Mas se este choque, com as armas atômicas modernas, significa destruição, esta também é inevitável para ambos esses mais poderosos. Mas isso tanto mais terá que se realizar, por ser este o único meio do expurgo, que é necessário, para que o progresso, que é fatal, possa verificar-se, e uma nova civilização possa surgir, agora que os tempos estão amadurecidos. Não se pode quebrar o encadeamento lógico destes termos sucessivos! Dada a natureza do homem atual, e as suas forças dum poder sem precedentes, que neste momento histórico estão nas mãos deste tipo biológico, não podem ser atingidos outros resultados. Não se pode alterar o desenvolvimento de um encadeamento lógico, do mesmo modo que não se pode torcer o de um processo matemático.

* * *

O momento histórico atual é muito grave. Ele está se tornando cada dia mais grave. Somos chegados na plenitude dos tempos. Pregações foram feitas bastante, avisos foram dados, mas o mundo continuou pelo seu caminho sem prestar ouvidos. Nesta hora não é mais tempo de palavras e avisos, mas de ação. Precisa-se enfrentar os acontecimentos.

Os homens continuam a fazer seus negócios e embora nas palavras digam o contrário, na prática eles dão provas de serem ateus, não importa a qual religião ou fé eles pertençam. Em todos os grupos a maioria acredita só na força material, nas armas, no poder do dinheiro.

Mas logo chegará o tempo no qual as armas servirão só para exterminar uns aos outros, ricos e pobres, donos e criados, vencedores e vencidos.

Tempo chegará no qual ter dinheiro de nada adiantará, porque no desfazimento do conjunto social, acabará toda confiança em qualquer pessoa e não será possível troca alguma. Tempo chegará em que não será possível ficar fortes como poder político, porque ninguém obedecerá mais alguém.

Mas é justo que um mundo bem polido de idéias, mas na substância feito dum egoísmo sem limites e dum ateísmo desorganizador, isto é, de individualismo separatista contra a ordem da Lei de Deus acabe por cair no abismo do caos.

Neste ponto isto é fatal. Isto é o efeito de causas que a humanidade livremente estabeleceu nos séculos passados. A liberdade humana não chega ao ponto de modificar a lei e de evadir-se do princípio de causa e efeito, que nos liga às conseqüências das nossas ações do passado. Assim o homem quis e assim seja.

A mensagem de Natal de 1931 assim falou:

«Um grande batismo de dor é necessário, a fim de que a humanidade recupere o equilíbrio, livremente violado: grande mal, condição de um bem maior.»

A Lei deixa ao homem o livre arbítrio só o quanto necessita para estabelecer as causas, mas não para fugir aos efeitos. A Lei faculta-lhe liberdade só neste limite, só para que seja possível o homem experimentar entre a verdade e o erro, para aprender e assim realizar por ele mesmo a sua subida. Mas esta oscilação do livre arbítrio está contida nos limites do contingente humano, limites que nunca é permitido transpor. Isto quer dizer que o homem está livre de semear desordem e destruição na sua própria vida, mas não tem o poder de fazê-lo na ordem da Lei, que é inviolável. De outro modo a ignorância e a prepotência humana teriam trazido, há muito tempo, anarquia ao mundo todo.

Verifica-se, assim, o fato que nas grandes linhas da história e da evolução, a lei manda, fatalmente, de modo que o homem tem somente poder limitado e relativo e não pode parar o progresso. Neste caso não é o homem, mas é a Lei quem manda, quer, e por último acaba por se impor com seu impulso intimo e tenaz, para que a evolução se cumpra. A lei não pode ser enganada nem parada. Ela permitirá infrações momentâneas, atrasos, adiantamentos, mas não falta de cumprimento. O Homem que quiser aproveitar da própria liberdade para se rebelar contra a Lei indefinidamente, será eliminado.

Os místicos percebem por intuição, os racionais sabem por intermédio duma lógica fatal da qual analisam o desenvolvimento, que agora a humanidade está correndo grandes perigos, embora que por último a destruição possa ser utilizada para depois melhor reconstruir mais alto. Ninguém poderá impedir que se cumpra a vontade da Lei. Os homens práticos podem gritar que isto é utopia. Mas aqui operam elementos imponderáveis que eles ignoram.

* * *

Os homens práticos não compreenderam o atual momento histórico e o que está agora acontecendo. Acreditam que por intermédio do progresso científico e mecânico, eles possam apoderar-se das forças da natureza para escravizá-las aos seus fins. E eles não compreendem que a natureza é muito mais inteligente que o homem, que deve a sua vida a esta sabedoria, que ele não possui. E então acontece que, quando o homem faz mau uso dos poderes entregues em suas mãos para que, livremente experimentando, possa evolver, e o faz para atingir somente o seu próprio gozo egoístico, então, aquela inteligência da natureza revolta-se, porque a sua sabedoria quer que a lei não seja violada.

E de fato, é exatamente isso o que está acontecendo, e somente assim é que podemos explicá-lo. A ciência acabou asssim por construir com a bomba atômica o meio para destruir a humanidade. Isto vem nos provar que a orientação materialista de nosso tempo nos deu uma ciência errada desde o começo e que, por conseguinte, não podia chegar a outras conclusões. Aquela orientação é o micróbio do egoísmo, que é o câncer do destrucionismo. A vida, vendo que estava sendo traída sua finalidade mais importante, que é aquela de evolver, revolta-se e destrói tudo o que a impede neste caminho.

O homem deve compreender que ele se acha perante uma inteligência e uma lógica que tem as leis invioláveis. A natureza não quer o tipo biológico do homem que está engordando no bem estar, servido pela máquina. A natureza logo que atinge um bem estar de sobra, o utiliza para acrescer a população de modo que ele produza fruto não como gozo, mas para dar a vida a um número maior de seres. Ou por outro modo, desencadeia guerras e revoluções, para que aquele bem estar sirva para destruir o velho e reconstruir o novo, evolvendo. A natureza quer que o homem cumpra o trabalho do seu próprio progresso. É por isso que, hoje que ele quer fazer uso errado dos segredos que arrancou à natureza, esta destrói os frutos de tais descobertas, exterminando a humanidade que as tem feito, e infligindo-lhe uma lição tão poderosa, que volte ao caminho certo e não mais deseje iniciar novamente semelhantes aventuras. Assim se explica como a ciência moderna, pela razão de que ela foi posta ao serviço do egoísmo, que tudo quer explorar para seu gozo e sem mais altos fins espirituais e morais, chegou a produzir, como resultado seu, somente o fruto da destruição.

Isto nos prova claro que para a vida são da maior importância, os valores morais. Descuidar deles significa errar nos seus pontos mais fundamentais, e ter por isso depois que pagar até o último ceitil*. Acontece assim que a vida se revolta e procura, com a sua sabedoria, destruir o que se desenvolve negativamente, no sentido retrógrado aos valores do espírito, como é o estabelecer-se um bem-estar material a cargo da evolução, que na nossa fase, primeiro deve ser espiritual. Então a sabedoria da vida, para nosso bem, nos impede o passo e nos pára no caminho errado. Aqui a natureza opera como nas doenças físicas: procura isolar circunscrevendo a zona infectada e, se não consegue, destrói o doente para que ele recomece a vida num outro organismo.

Entretanto, ainda antes de chegar a estas últimas conseqüências, o homem já se arrisca ser dominado pela máquina. Ele corre o perigo de que este novo ser criado com suas próprias mãos, tome predomínio sobre ele, não como simples simbiose de conviventes, mas a máquina como dona e o homem como seu criado. Isto porque o homem quer fazer dela somente um meio a serviço da própria preguiça, abdicando ao mando diretor do seu «eu» espiritual superior. A diferença parece sutil, mas é profunda. O Homem quer ser dono da máquina. Mas o dono não deve ser o «eu» inferior, material, egoísta, e involuído do homem, mas sim o seu espírito, para atingir fins espirituais superiores. Diferença cheia de conseqüências, porque, se não fizermos assim, o instrumento máquina, em lugar de criado, revoltar-se-à contra seu dono que o criou, e que não sabe dominá-lo para os fins a que se destinou e que a vida exige. A máquina acabará, assim por escravizar a ela mesma o dono que abdicou aos seus poderes de direção. E que acontece quando numa casa o chefe não dirige mais e então aparece o criado para substituí-lo nas funções diretivas? Dá-se então uma degradação, um retrocesso até o inferior plano evolutivo do criado, que assim nivela tudo na própria inferioridade. Esta é uma lei da vida, isto é, que quando quem está mais no alto se enfraquece, os inferiores surgem para mandar. Então, como o criado torna-se patrão e este criado daquele, assim o instrumento torna-se diretor e este o seu instrumento. Se o homem não souber reagir dominando espiritualmente os seus novos poderes, ele ficará preso às suas novas exigências mecânicas e, tanto mais ele se deixe prender, tanto menos será para ele possível desprender-se e voltar a ser o senhor.

A máquina é uma criatura que parece viva mas que é cega, e com a mesma indiferença, tanto nos protege a vida, como pode nos dar a morte. Repete ela e multiplica o impulso recebido pela vontade e inteligência do homem, mas nada inicia por si própria. Nada possui da consciência espiritual do homem, é amoral e pode fazer indiferentemente o bem ou o mal, conforme o impulso que o homem lhe der. A máquina sozinha não sabe manter-se viva, não tem assimilação ou recâmbio*, mas somente a autonomia que lhe foi dada pelo impulso recebido e, esgotado este, ela pára. Quando pelo funcionamento ela restitui todo o alento animador que recebeu do homem, volta a ser o que ela era antes: matéria morta, inerte. A máquina não evolve. Se bem dirigida, ela pode representar uma ajuda à evolução humana: se mal dirigida pode ser um empecilho. A máquina não é vida e não ascende sozinha. Éla é só um espelho da inteligência do homem que lhe deu a vida. Ele pode fazê-la funcionar em harmonia com a ordem universal e então a vida a sustentará. Mas o homem, que é livre, poderá fazê-la funcionar também contra esta ordem e então a vida destruirá a máquina. No primeiro caso temos tantos instrumentos úteis: o carro, o avião, o rádio, etc... No segundo, temos as máquinas de guerra e em primeiro plano a bomba de hidrogênio.

A conclusão destas afirmações é que, pela sua própria natureza, a nossa civilização mecânica sempre mais propende para a supressão dos valores morais que ao contrário deveriam ser os dirigentes, e tende a regredir por conseguinte à auto-destruição, porque a vida elimina tudo o que opera contra ela. Eis como se explica que numa hora assim apocalítica*, presenciemos a uma fatal derrocada espiritual e moral, neste terreno das funções diretivas. Eis porque, hoje, a humanidade mostra uma tão grande inconsciência.

Perante tão terríveis perspectivas, o homem prefere continuar com seus ridículos e velhos jogos: aturdir-se nos gozos para esquecer, amontoar dinheiro, tornar-se politicamente poderoso, fabricar armas. Velhos expedientes que não salvaram a humanidade, que não impediram o desencadeamento da tempestade nas horas trágicas das grandes voltas da história. Tudo será inútil. Ficará somente uma defesa: ser conforme à Lei, isto é, ser justos.

Isto porque, como fala a sobredita Mensagem: «não está longe o dia em que somente uma será a divisão entre os homens: justos e injustos.»

* * *

Agora no plano universal, exposto neste quadro, deve aplicar-se a nossa ação positiva neste nosso tempo. Entramos no terreno prático.

A maioria humana, atéia na substância, está misturada com uma minoria de crentes. Aparentemente, entretanto, os homens estão agrupados de outro modo, isto é, por religiões, seitas, crenças, fés etc. No nosso mundo, repara-se muito nestas distinções exteriores, porque elas encerram interesses humanos e pouco se dá atenção à sobredita distinção de substância, isto é, em serem justos ou não. A muitos interessa declarar-se membros dum dado grupo, porque aí acham defesa e vantagens. A poucos interessa conhecer a verdade e vivê-la honestamente.

Acontece, entretanto, que cada grupo está ocupado em lutar contra o grupo vizinho, sob a bandeira duma sua verdade particular, sem interessar-se por ela em si mesma, mas somente como meio de luta para obter vantagem da própria supremacia terrena; assim poucos preocupam-se da outra distinção de substância e não de forma, isto é, não de grupo, mas de justiça e retidão.

O erro está em cuidar do menos importante, sem olhar para o que é o mais urgente e necessário. As leis da vida que toleram este erro desde séculos, na atual volta histórica, exigem que ele seja corrigido, impondo o triunfo dos valores substanciais. É assim que a hora histórica chegou e os tempos estão amadurecidos, porque o limite da suportação, permitido pela elasticidade da Lei, foi superado. Eis então que no momento em que o cataclisma apocalíptico está pronto para desencadear-se sobre o mundo, poucos pensam substancialmente em defender-se; ou pelo menos fazem isso duma maneira leviana e em vão. Amontoar riquezas, poderes, armas, será inútil, nada adiantará. E poucos pensam no nosso mundo que está para ruir, que a única maneira para salvar-se é ser honestos. E a punição e a sua justiça, porque isto foi merecido, está exatamente na incapacidade de compreender que este é o único caminho para a salvação. Esta incapacidade chega justamente, porque aqueles que não o merecem, não devem ser salvos.

Que se pode fazer então? Dirigir-se a esta ou aquela religião ou grupo, é inútil. Aqui não se trata de defender os interesses duma particular organização humana, para uma supremacia de grupo, o que não adianta neste grave momento histórico, perante tão universais ameaças. Dirigir-se a este ou aquele grupo, quereria dizer fechar-se juntos com honestos e desonestos naquele grupo, numa verdade particular a ele, esquecendo as universais leis da vida e a positiva e férrea realidade biológica. A hora é trágica e não há tempo a perder. Aqui urge fazer um trabalho completamente diferente: não um trabalho para atingir supremacias de grupos ou vitória sobre o próximo, mas de salvação. Certo que cada um procurará salvar-se como melhor puder compreender e fazer.

Mas, somente quem conhece a Lei, a hora histórica e os imponderáveis agora em ação, conhecerá como salvar-se, porque só ele saberá como operar inteligentemente e oportunamente. É justo que, em virtude da incapacidade em compreender, fiquem os rebeldes sujeitos à ordem divina e que assim eles como merecem, não sejam salvos. Por outro lado Deus iluminará os justos que lutaram e sofreram por Ele, para que nele sejam salvos.

Prepara-se hoje, dessarte*, fatalmente, a seleção, anunciada em 1931 na primeira mensagem da Sua Voz. Assim os justos de qualquer religião ou raça estarão de um lado, e os injustos, do outro. Isto porque a hora chegou em que os involuídos serão expulsos para ambientes extra terrestres para eles proporcionados e adaptados, onde eles possam viver de acordo com seu baixo nível de vida, e assim libertar o planeta de sua imunda presença, porque este deve, de agora em diante, progredir para tornar-se a pátria duma humanidade mais evoluída.

* * *

Depois de termos esclarecidos estes princípios gerais, o problema agora é o da sua atuação prática. Que deveríamos então fazer? Constituirmo-nos representantes do Alto, quer dizer, tomar sobre nós mesmos, poder e autoridade que podem ser entendidos como conquista de domínio pessoal, no regime humano da luta pela vida, provoca no instinto dos excluídos a rebeldia. Abre-se, então, o caminho das rivalidades e inimizades, sobretudo para quem já possui este domínio, conquistado e mantido através de muitas lutas, e que não quer perdê-lo. Assim aconteceu quando o Cristo afrontou os sacerdotes do seu tempo. Nunca se pode esquecer que vivemos na terra, num nível biológico perto da animalidade, onde predomina a Lei da luta pela seleção do mais forte, e que esta lei fala poderosa nos instintos fundamentais da nossa vida e por conseguinte invade tudo, reaparecendo, mais ou menos oculta, não só no fundo de todas as nossas comuns manifestações humanas, como também, nas religiosas e espirituais. Por isso, para não provocar esta luta de auto-defesa, é preciso respeitar todas as autoridades terrenas e nunca procurar conquistar poder humano algum, que neste caso não interessa.

A salvação não se baseia sobre nenhuma força terrena, nem sobre algum dos meios de agressão e defesa atualmente usados e mais compreensíveis pelo homem. As armas devem ser interiores, aquelas da bondade e da justiça. No caminho desta salvação será o primeiro, e neste exército, será o melhor armado, aquele que tem mais bondade e menos da astúcia humana; aquele que for o mais justo o menos egoísta; o que possuir as bem-aventuranças do Discurso da Montanha, que afinal deverá tornar-se realidade vivida.

O primeiro trabalho a fazer é o de ajudarem-se uns aos outros, ajudar os justos a reconhecerem-se, encontrar-se, a reunir-se, sem discriminar raças ou religiões. Isto para constituir um primeiro núcleo de justos, prontos não somente a pregar, mas também a praticar o Evangelho; para formar um primeiro grupo daqueles que poderão ser salvos por tê-lo merecido com uma vida exemplar; para estabelecer um primeiro centro de atração para a constituição da nova civilização do III milênio. Tratar-se-ia, em outras palavras, de preparar, ante o quadro apocalíptico duma próxima destruição mundial, uma arca de salvação, para os tipos biológicos que, pelo index certo de inteligência, bondade e retidão, demonstrem ser mais evoluídos, e por isso adaptados para representar a elite de hoje e a semente dum futuro melhor.

Eles já existem hoje, mas estão escondidos, porque em geral, humildes, estão afastados e espalhados, estão subjugados pelos menos escrupulosos e mais prepotentes. Assim, a parte melhor da sociedade humana fica inutilizada e constitui o que está menos valorizado no mundo. Mas apesar disso, o futuro deverá ser melhor e por isso deverá ser confiado aos melhores. Os homens práticos sorrirão céticos de tudo isso que, para eles que conhecem o mundo, é absoluta utopia. Mas é verdade também que o mundo construído por eles ameaça a cada momento desmoronar sobre eles mesmos e que ninguém tem o poder de parar o progresso fatal da vida. A história dos últimos tempos nos mostra quanto é fraca a sagacidade humana e como forças imponderáveis possam ter um incrível poder de destruição em todos os planos e aspectos humanos. E, se cada dia mais se revela que esta sagacidade não resolve, poderá também achar-se lógico que a vida, que não quer e não pode morrer, procure novos caminhos de salvação lá onde os velhos métodos fracassam, e aplique novas tentativas numa direção diferente, usando outros princípios.

Já tomamos conhecimento da hora histórica atual e do plano de Deus a respeito. Investigando por caminhos intuitivos, racionalmente controlados, foi mister concluir que acontecerá o que temos anunciado. Uma apocalíptica destruição está aproximando-se dentro desta segunda metade do nosso século. Fazer uma tentativa para salvar o que é possível, não pode ser condenável e representa um dever daqueles que compreenderam o momento histórico. É lógico também uma tentativa com princípios diferentes daqueles do mundo, que nada até agora conseguiram resolver. E fazer tudo isso baseando-se sobre regras mais amplas e poderosas, que estão contidas na Lei que tudo regula, oferece maiores probabilidades de successo.

Nos conceitos gerais não há dúvida. Mas cada idéia, logo que chegar em contato com a realidade da vida, isto é, com as forças inferiores, encontra-se com dificuldades. Neste caso podem falir os homens que primeiro lançaram esta idéia. Os chamados podem não compreender ou não responder. Então a idéia renascerá em outra parte, com outros homens que serão chamados e assim por diante, até que ela se realize. Hoje esta oferta é feita pelo Alto ao Brasil. Se ele compreender, a salvação será primeiramente sua. Quem deseja ter uma missão, deve mostrar-se digno dela. Cada conquista não pode ser atingida senão pelo nosso esforço. Se ainda não é possível conhecer antecipadamente o valor exato desta incógnita da equação, é possível porém conhecer os outros elementos, isto é, o que nos espera no amanhã, e nos resta o dever de tentar uma salvação pois a ajuda de Deus não faltará para aqueles que procurarem realizá-la.

* * *

Restringimos agora ainda mais nossas vistas para melhor concretizar as idéias no terreno prático.

O estandarte é Cristo. O programa é o Evangelho. Os princípios são: imparcialidade e universalidade. Por isso procurar a verdade, antes de tudo feita de honestidade e bondade, reconhecendo-a onde quer que ela esteja e nunca condenando-a «a priori», só porque ela pertence a outros grupos. O fim é a unificação, não para constituir um poder central que se imponha, mas para formar um acordo entre pessoas diferentes também na fé e religião, mas que ficam unidas na simples filosofia da retidão, pelo liame que une todos os sinceros e honestos. Num mundo de guerras de todos os gêneros, de todos contra todos, a qualidade mais urgente a aprender é a aceitação de todos os pontos de vista também contrários, o absoluto respeito a toda idéia não prejudicial, respeito que se deve pelo fato de que um nosso semelhante a sustenta; aprender assim a arte da convivência, que constitui o alicerce da paz e da vida civilizada.

A conseqüência positiva está no ajudar-se fraternalmente, sobretudo na hora do perigo. Aquela negativa está no afastamento dos agressivos, intolerantes, polemistas, que possuem o instinto da luta pelo próprio domínio. Tudo isso representa o velho tipo biológico, que no novo milênio será eliminado. Deve-se ao contrário ajudar a nascer e, quando já existam, reunir e proteger os exemplares evoluídos, que serão os cidadãos do novo mundo. Estes, congregando-se e defendendo-se reciprocamente, poderão melhor atravessar o cataclisma e sobreviver. Assim o mundo de amanhã depois da destruição, achará não somente uma doutrina teórica nos livros, mas também um modelo de vida já por alguns vivido; uma semente pelo desenvolvimento de um novo tipo de civilização.

Hoje este tipo biológico parece, no nosso mundo social, estar condenado a ser eliminado. Talvez as novas gerações olharão com vergonha o homem atual, este antepassado deles que subjugava os bons, julgando-os fracos, o que somente respeitava a força, desprezando o homem de bem e justo. A vida quer subir a formas mais civilizadas e, para progredir, favorece, contra o obstáculo oferecido pelos involuídos que querem permanecer atrasados, quem luta para subir. E na vida está escrita a lei da evolução, que está na vontade e no pensamento de Deus. É preciso superar a fase atual de tolice, pela qual raciocina-se entre os povos matando-se, e o homem quer fazer do seu planeta um inferno. Ao velho mundo da animalidade, deve-se contrapor um mundo mais refinado de espiritualidade; à força bruta, deve-se contrapor a mais poderosa força da inteligência e da bondade, sustentada pelos recursos do mundo espiritual que, por quem os conhece e sabe aplicá-los, não são utopia.

Chegou a hora de cumprir esta grande obra. Ela é demasiado gigantesca para que um homem sozinho possa cumpri-la. Mas poderão realizá-la unidos os bons, com a ajuda de Deus. Terá direito à salvação quem quiser trabalhar neste sentido, colaborando com a vida, no seu esforço para construir um homem mais evoluído; ajudando-o a superar a sua atávica ferocidade e a estupidez da lei animal da luta e seleção do mais prepotente, para chegar a uma lei mais alta na qual o melhor que se deve selecionar, é o mais justo, o homem da unidade orgânica da humanidade, e não o individualista egoísta, desagregador de toda sociedade.

Estes homens evoluídos, que não brigam para dominar, e que não condenam também em nome de Deus, mas que vencem o mal com a não-resistência, que é a estratégia do imponderável, proclamada pelo Evangelho, mas hoje desconhecida no mundo, estes homens de todas partes surgirão e reconhecer-se-ão uns aos outros. Que eles, uns aos outros, abram os braços fraternalmente. O passaporte para entrar nesta nova terra do futuro está escrito com singelas palavras de honestidade na alma de cada um, que podem ser lidas na testa e nos olhos, que não podem mentir. Quem neste terreno procura enganar, engana a si mesmo.

Este é o plano de trabalho para os homens de boa vontade, quaisquer que eles sejam.

Repetimos que este plano é demasiado grande para ser confiado às forças humanas. E de fato é assim. Mas isto não nos autoriza a ficar preguiçosos. Mas aqui, quem guia, serão sobretudo as leis da vida, às quais subordinados estarão aqueles homens, que saberão interpretá-las, não pretendendo eles dirigir e mandar, mas tornando-se humildes e obedientes instrumentos da vontade de Deus. Por isso eles não dirigem ou mandam, mas obedecem; não planejam, mas fazem parte dum plano. É lógico que um trabalho desta magnitude, não possa ser dirigido e sustentado senão pelo pensamento e vontade de Deus.

Concluímos com as palavras da sobredita Mensagem do Natal de 1931, de «Sua Voz»:

«Depois disso, a humanidade, purificada, mais leve, mais selecionada por haver perdido seus piores elementos, reunir-se-á em torno dos desconhecidos que hoje sofrem e semeiam em silêncio; e retomará, renovada, o caminho da ascensão. Uma nova era começará: o espírito terá o dominio e não mais a matéria, que será reduzida ao cativeiro. Então, aprendereis a ver-nos e escutar-nos; desceremos em multidão e conhecereis a Verdade.»


Capítulo V
A FUNÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL NO MUNDO

«As grandes idéias formam os grandes povos. Um povo só é grande quando chega a realizar uma grande santa missão no mundo». — Giuseppe Mazzini

«Este Brasil está destinado a ser, industrialmente, um dos mais importantes fatores do desenvolvimento futuro do mundo» — Zweig

 

É natural que, neste volume, escrito no Brasil, devamos ocupar-nos de modo especial também deste grande país e dos problemas mundiais vistos em função dele. É natural que, quem escreve, assuma a psicologia do país em que se acha, e olhe os problemas também desse ponto de vista. O ponto de vista, em relação a determinado país não é uma preconcebida determinação de chegar a certas conclusões, em função de interesses particulares ou em defesa de orientações particulares, mas é sempre uma visão objetiva de realidades que pertencem a todos.

Qual é a função histórica do Brasil no mundo, especialmente em relação à esperada nova civilização do Terceiro Milênio? Evidentemente, não é uma hipótese, mas um fato positivo, que o hemisfério norte é um armazém de bombas atômicas, e é evidente que não são elas construídas por pura curiosidade científica. Os Estados Unidos e a Rússia estão armando-se cada vez mais, e naturalmente não é para abraçar-se. O medo de uma luta perigosa e tremendamente destrutiva para todos, os retém. Mas também os atrai a miragem do domínio do mundo, prêmio de sua vitória. A guerra fria já está em ação. Sem dúvida, os meandros da política são tão tenebrosos, a imprensa é tão obediente a quem manda e a quem paga, e no círculo vicioso dos interesses costuma dar-se ao público tanta propaganda e tão pouca verdade, que é possível que haja talvez outra realidade sob estas aparências, geralmente aceitas. Entretanto, estes são fatos. Mesmo se a Rússia, com seu sistema de expansão de ideologias, chegasse a realizar seu objetivo de submeter outros países, ao entrar nestes pela porta da representação parlamentar de partido, jamais seriam conseguidas por este meio a paz e a ordem.

Um fato, entretanto, parece certo: que a hora é apocalíptica e que o terreno norte está minado. Ora, a primeira grande riqueza e potência do Brasil é de estar em outro hemisfério, longe de tudo isso. Este fato o garante, ao menos, de não ser objeto de ataques e teatro de guerras, sorte que a Europa, os Estados Unidos e a Rússia estão bem longe de ter. Além disso, o Brasil não precisa de expansões nem imperialismo, porque seu território já é vasto como um império, e só espera ser povoado. Não tem, pois, razões de rivalidade com nenhum país. É finalmente o lugar em que há espaço para todos, e em que não há necessidade de guerras para conquistar um lugar ao sol, nem precisa garantir-se contra vizinhos perigosos, que andem atrás de espaço, dado que para todos há lugar de sobra. Acha-se, pois, o Brasil em condições pacíficas naturais, e é esta sua posição natural no mundo. Que os Estados Unidos e a Rússia preguem a paz, eles que se estão armando cada vez mais, é coisa que não tem sentido, senão o de querer desarmar o próprio antagonista e captar o favor das massas, esfaimadas de tranqüilidade. Um verdadeiro sentido de pacifismo não pode vir do hemisfério norte, mas apenas desta grande terra da América do Sul. A função histórica do Brasil no mundo só pode ser, portanto, neste nosso tempo, uma função de paz. Esta é sua posição atual no pensamento da história, esta é a missão que lhe foi por ela confiada. As circunstâncias, com efeito, enquadram hoje o Brasil nesta posição, como num destino, expresso pelas condições de fato.

Compreendamos bem este conceito. De acordo com o que dissemos antes, no capítulo «O Pensamento e a Vontade da História», é esta que, com uma inteligência e sabedoria que o homem não tem, escolhe homens e povos para determinadas funções históricas e lhas confia, utilizando-se delas segundo sua natureza e capacidade. Num sentido mais vasto, é a vida que atribui aos indivíduos e povos mais aptos, determinada função biológica. Se o fenômeno pode assim exprimir-se com termos científicos, também o pode em termos religiosos, dizendo que Deus confia uma missão. Dizer: executar uma função biológica, ou uma missão confiada por Deus, ou fazer Sua vontade, é tudo a mesma coisa. Ora, de tudo o que foi dito nos nossos volumes precedentes, resulta que, aquele que se acha nessas condições, virá personificar uma força em ação no funcionamento orgânico do universo. Tornando-se, assim, um operário executor do plano divino que dirige o evolver das coisas, ele se acha então protegido pela vida, que lhe oferece os meios, para que realmente se complete a realização da função ou missão. Por isso pudemos dizer num dos capítulos precedentes, que a vida ajuda aos homens e movimentos que têm uma função biológica, e deixa indefesos os que a não têm. Disto pode compreender-se de que poder disponha o homem ou o povo que tenha uma função biológica, ou seja, uma missão. É a própria vida que o investe de seus poderes, os quais, embora concedidos apenas onde Deus o queira e na medida em que o queira Deus, são meios ilimitados por sua própria natureza. E isto, praticamente, se chama sorte ou destino, pelo que são vistos homens comuns lançados subitamente aos primeiros planos da história. Diga-se o mesmo para os povos.

Ora, o Brasil, como no-lo indicam as condições de fato, personifica essa função biológica ou missão, de pacifismo no mundo. Quem é verdadeiramente honesto, não vai a cada passo apregoando que é honesto. Os não-honestos é que procuram esconder seu rosto verdadeiro e defender-se. Assim, o povo verdadeiramente pacifico e pacifista é o que menos se faz paladino oficial de pacifismo, o que faz menos campanhas propagandistas com esse escopo. E o Brasil é assim. Pacifista até o âmago, é-o naturalmente e não precisa dizê-lo muito, porque o é. Ora, se aplicarmos a esta nação os conceitos acima expostos, poderemos dizer que, nesta direção do pacifismo, o Brasil personifica uma força em ação, segundo a vontade de Deus e da história. A conseqüência disto, é que ele é protegido pela vida, que lhe oferecerá os meios, para que a realização desta função ou missão de pacifismo realmente se complete. E dissemos acima, de que poder dispõe quem tenha uma função biológica, porque a vida mesma é que dele faz o instrumento das próprias realizações. É ela própria que age nele, naquele sentido e momento determinado, cedendo-lhe seus poderes dentro desses limites. O fato é que, quando a vida oferece uma função biológica, depois lhe dá os meios e prepara os acontecimentos para que ela a execute dado que as palavras da linguagem da vida são os fatos. É fácil deduzir as conseqüências de tudo isso. As previsões dos cálculos e astúcias políticas não trabalham neste terreno, ignoram essas forças que, para elas, são contidas no desconhecido imponderável. Mas nós falamos aqui em termos de raciocínio, fazendo apelo à lógica das coisas, para que ficasse compreensível e manifestasse suas notas características, a presença desse imponderável que aqui aparece.

O Brasil acha-se, portanto, numa posição particular de privilégio, embora ainda em forma não manifesta, porque é uma realização de amanhã, ou seja, acha-se com uma grande riqueza em estado latente. E esta espera ser explorada e utilizada em benefício de todos; uma mina de carácter espiritual, que espera o trabalho dos homens, os quais, com sua boa vontade, possam tirar proveito, para a expansão da vida, da mesma forma que as tirarão de tantas outras riquezas ainda inexploradas no Brasil. Esta é a Lei. A vida quer expandir-se. Esta é sua vontade irrefreável. Por isso concede missões, funções, meios e circunstâncias adequadas, para que se realize esta sua vontade.

Eis a atual posição do Brasil na história. A vida lhe oferece uma função a executar, a qual faz parte de seu plano de expansão e de evolução do planeta. É um oferecimento, é a investidura de uma grande missão. Cabe agora ao povo brasileiro corresponder ao oferecimento, compreendendo-o e aceitando-o. Os momentos históricos jamais se repetem idênticos e esses oferecimentos não são feitos duas vezes. Perdida uma oportunidade, ela não volta mais. Cabe além disso ao povo brasileiro compreender que a natureza desta missão é manter-se na linha do pacifismo, isto é, que a função biológica que a vida confia ao Brasil, é função de paz e amor. Segue-se daí que, se esta é a vontade da história, e se o Brasil quiser caminhar nessa direção, aceitando a missão, ser-lhe-ão concedidos todos os auxílios; mas se ao contrário o Brasil se colocar, como primordial posição, no terreno da força bélica ou como potência ávida de supremacia, então a vida lhe retirará todos os auxílios e assim tudo será perdido, no sentido de que a função e a missão lhe serão tiradas, e a oportunidade de exercer um papel mundial se esfumará. Quem vai de encontro à vontade da história, é cortado de suas fontes vitais, e não recebe mais ajuda.

Ora, tudo isso corresponde perfeitamente às condições atuais do Brasil; é um estado de fato já existente e nada é preciso fazer para prepará-lo. Esta concordância automática entre o que é a realidade atual e a natureza da missão oferecida, confirma a verdade de nosso raciocínio. Assumir hoje o Brasil, no mundo, uma função diferente, seria coisa de difícil realização. Seria bem estranho um Brasil imperialista e expansionista, se já de per si é maior que um império e não chega a povoar sua própria terra ilimitada. Seria bem estranho um Brasil que quisesse levantar-se como grande potência militar, quando não tem inimigos próximos para combater. Seria bem estranho que um país, definido como coração do mundo e pátria do Evangelho, se pusesse a fazer guerras de conquistas ou de defesa, de que absolutamente não necessita. É claro, pois, que a função histórica do Brasil no mundo só pode ser a de abraçar a humanidade com o seu amor, em seu imenso território, à espera de ser povoado. Deixemos aos povos do hemisfério norte outras funções a executar no organismo social do mundo. Deixemos à Ásia a função metafísica, à Europa as funções cerebrais do mundo, à Rússia a função revolucionária e destruidora, à América do Norte a função econômica da riqueza, e assim por diante, e reconheçamos que a função histórica do Brasil é bondade, tolerância, amor.

Se olharmos ao mapa do mundo, acharemos uma distribuição de qualidades e funções correspondentes, diversas e complementares, como num organismo único. Este, na Terra, está em formação e se chama humanidade. O Brasil acha-se na posição oposta à Rússia, e é estranho que, a essa oposição geográfica, nos antípodas quase, corresponda também uma oposição de muitas outras qualidades fundamentais. E pode ser instrutivo observar-se isto. Não se trata somente de oposição geográfica, mas também climática, ideológica, política, moral, etc. Ambas as terras imensas, o Brasil irrompe quase ilimitado interiormente, tal como a Rússia na Sibéria, mas em posições emborcadas, o primeiro em direção ao calor do Equador, a segunda em direção aos gelos dos pólos. A Rússia é o país de regime policial de coação, de menor liberdade do mundo, de ideologia única obrigatória. O Brasil é o país da máxima liberdade, em que todas as ideologias, suportáveis com o mínimo da ética e da ordem indispensável, são toleradas. A Rússia é abertamente atéia e materialista. O Brasil é crente e espiritualista, qualquer que seja a religião que se professe. A Rússia é o país bélico por excelência; formado agora na revolução violenta, só sabe fazer guerra e preparar-se para a guerra, para conquistar tudo. O Brasil é o país pacífico por excelência, que não pensa, absolutamente, fazer guerra a ninguém. A Rússia é imperialista e expansionista. O Brasil tem tanto para expandir-se internamente, que não precisa transpor seus limites à busca de impérios. A Rússia é o centro maior do Comunismo. O Brasil é o ponto de maior rarefação dele, pois é um dos poucos Países em que, ao menos oficialmente, não há representantes de partido, do Comunismo. Pode ser apenas casual uma tão perfeita coincidência de opostos? E então, poderemos concluir também, que se a função da Rússia é destruir com a religião do ódio, a função do Brasil poderá ser a de criar com a religião do amor.

Não é esse, com efeito, o temperamento deste país, em que pacificamente se misturam todas as raças, com seu sentimentalismo tolerante, com seu espírito anti-exclusivista e anti-racista? Estas qualidades espontâneas, que já achamos existentes de fato, correspondem perfeitamente à missão que deve ter o Brasil, e a provam. Tudo concorda em cheio. É natural que a história escolha, para cada determinada tarefa, os indivíduos dotados das qualidades mais adequadas para executá-las, justamente porque a vida quer realizar, alcançando no terreno prático, todos os seus objetivos. E o Brasil pode fazer-se representante da vontade da vida, no terreno da bondade e do amor. É este um setor vazio no equilíbrio de todas as funções do organismo social da humanidade, e que outro povo poderia preenchê-lo? Não digo que não haja outros povos bons, no mundo. Mas estão empenhados em outros trabalhos. Muitas vezes, mesmo, é pelo fato de serem melhores, que estão mais sujeitos às opressões e às dores, porque na humanidade há também os encarregados da expiação e da prova do sofrimento.

Tudo o que diz respeito ao Brasil, parece feito sob medida, de propósito para torná-lo apto a essa função. Trata-se sobretudo, de amar, ou seja, de abrir os braços, evangelicamente. São tantas as ideologias propagadas no mundo. Por que deve parecer tão absurda a de um Evangelho verdadeiramente vivido? Abrir os braços ao mundo! E pode acontecer que o mundo, amanhã, com a infernal destruição que hoje se está preparando, tenha inadiável necessidade de um refúgio, em que achar paz, de uma terra em que não viva o ódio ou o interesse, mas o amor. Quem sabe que a luta entre as ideologias armadas de bombas atômicas, não se resolva num desastre tão grande no hemisfério norte, que os povos devam fugir de lá em massa, especialmente da Europa que está mais ameaçada? E quem sabe se esse impulso não exercite uma pressão desesperada sobre as portas do Brasil, tão forte que as faça ceder, e opere uma imigração em massa de milhões de europeus? Assim, se preencheria rapidamente o Brasil, de frutos mais carregados de dinamismo e de inteligência, produto da milenária elaboração da velha civilização européia, que já viveu tantas experiências, para que funcione como semente que se transplante para um terreno virgem para fecundá-lo. Tudo isto na linha das maiores probabilidades. E então, a função do Brasil seria não só receber e abraçar, mas, com seus princípios de liberdade, de hospitalidade e bondade, de amalgamar todas as raças, como já está fazendo, assimilando-as em sua nova terra. Os povos novos se fazem com a fusão, não com o racismo, e a fusão se faz com o amor.

Tudo parece pronto para estas novas realizações. O Brasil possui território imenso, cheio de riquezas incalculáveis, que só esperam a mão do homem para ser valorizadas. Maior muitas vezes que a Europa, fértil, e com um clima que torna fácil a vida, pode conter mais de 500 milhões de habitantes. E tem hoje apenas a décima parte. E o mundo da velha civilização européia acha-se justamente em condições opostas, de super-população e de pressão demográfica, à procura de um espaço vital. Dois impulsos opostos, que convergem para a mesma solução. A civilização emigrou do Egito para a Grécia, da Grécia para Roma, de Roma para a Europa e da Europa para as Américas. A raça anglo-saxã criou a civilização do dólar nos Estados Unidos. Por que a raça latina, herdeira de Roma, não poderia criar a civilização do Evangelho no Brasil?

Há também uma razão de caráter moral e, para a história, têm poder outrossim as forças desse tipo, mesmo se a política não as leva em conta. E esta razão pode ter maior valor hoje, porque esta é a hora do juízo, a hora apocalíptica, em que será liquidado um velho mundo indigno, para que nasça outro melhor. Ora, a América do Sul é inocente de vítimas de guerra e a raça latina é inocente da criação e do uso da bomba atômica. Esta inocência, diante da justiça de Deus, imanente nas leis da vida, forma uma base e um direito de ser salvo. Tudo, pois, parece concordar para uma missão do Brasil no mundo, que o faça, em grande parte, herdeiro especialmente da civilização latina.

O Brasil é a terra clássica das fusões de raças, é o «melting-pot» em que tudo se mistura. E sabemos que a natureza se regenera na fusão de tipos diversos, ao passo que o princípio racista isolacionista é antivital. Prova-o o esgotamento das aristocracias muito puras e selecionadas. E já se pode dizer que todas as nações do mundo tenham, hoje seus representantes no Brasil. Este, dessa forma, já as concentra todas em síntese como modelos, num todo que as funde juntamente numa raça nova, que pode ser chamada a síntese de todas as outras. Por isso, o Brasil, com este seu universalismo, que o coloca aos antípodas das cisões nacionalistas européias, está apto a ser o berço de uma nova civilização, cujo primordial caráter será a universalidade. O mundo caminha hoje para as grandes unidades, e os patriotismos, em sentido exclusivista e agressivo, da velha Europa, tendem hoje a ser rapidamente liquidados pelas leis da vida, porque são contra-producentes para seus objetivos evolutivos. Nisto, o Brasil tão jovem se acha mais adiantado do que a Europa, dividida e belicosa, adiantado numa idéia mais vasta, de nacionalidade cosmopolita, em que todas as nacionalidades se fundem sob o mesmo céu. Por este motivo, o Brasil é mais apto do que a velha Europa a realizar uma idéia, que é a idéia do futuro, uma unidade livre, constituída não de satélites submetidos à força, mas de fusão demográfica, a única que resiste no tempo e que forma os povos novos.

Mas outras qualidades ainda possui o Brasil, para desempenhar a função histórica que a vida lhe oferece. É ele um país jovem. O fato de não estar carregado de milênios de história, isto é, de lutas e de dores, de fadigas pelas conquistas de tantos valores de todo o gênero, o torna mais ágil. E a história do Brasil, assim como ocorre para os jovens, está mais no futuro que no passado. Este povo tem a vantagem de poder colher ainda em idade juvenil, os produtos de uma longa civilização, já confeccionados e prontos para o uso, pela Europa já velha, que suportou e sente o cansaço, produzido pelo esforço de quem os teve que criar por si mesmos. É uma vantagem poder dispor de tais meios; porque isso permite enfrentar a vida mais ricos e armados de recursos. Com a técnica moderna, derruba-se a floresta virgem, transformando-a em cidades habitadas e civilizadas, muito mais facilmente do que com os meios primitivos de nossos avós. E tudo isso é mais fácil, quando esses meios são utilizados pela força dos jovens. O Brasil é jovem. O ponto de chegada da civilização européia é, para ele, um ponto de partida. Ele começa sua vida com os meios mais adiantados da civilização: o arranha-céu, o automóvel, o avião, o rádio, a televisão; meios novos que, nesta terra acham o espaço livre, ao passo que na Europa devem ser sobrepostos aos meios mais velhos, que estavam em plena eficiência dantes, e que em determinada época constituíam a base da civilização.

Diga-se o mesmo para as idéias. O Brasil é terreno desimpedido, pronto para assimilar o que é novo. Na Europa, tudo está encadeado, cada idéia já foi fixada na vida em formas concretas, que constituem hoje uma barreira ao que é novo e criam um obstáculo a cada passo, do sofisma e do bizantinismo, enquanto que a vida nova pulsa com idéias simples, fortes e grandes. Quem tem este gênero de idéias, não pode encontrar terreno propício numa Europa que está entregue a todos os requintes da decadência: pode só em países novos que, ao contrário, estão esfaimados dessas idéias, porque sentem que elas são vitais. A Europa é a árvore carregada de frutos e sementes, à espera que o vento os carregue para longe, para frutificar em terras virgens. Eles penetrarão nos povos novos que os olham com admiração e anseiam beber-lhes o pensamento, a civilização, a vida madura, que fecunde sua vida nova. Talvez poderá ser a Europa, bem cedo, o que foi a Grécia vencida diante de Roma: vencida e mestra. E a nova luz virá ainda de Roma, sempre viva no pensamento do mundo.

Mas, a grande qualidade do Brasil, a que estabelece sua função vital, é o sentimento, o coração. Nesta terra estão as raízes daquela expansividade de afetos, que é a qualidade humana que, mais tarde, evoluindo, é a mais apta a sublimar-se no amor evangélico. Aqui até o feroz Comunismo russo idealiza-se e concebe-se como programa de justiça social, torna-se até cristão, formas inconcebíveis na sua realidade russa. Tudo, também as coisas piores, aqui procuram tornar-se boas, porque cada biótipo tudo transforma, adaptando-o ao próprio temperamento.

O poderio bélico e o econômico, por mais que queiram evolver, partem de uma semente de natureza muito diversa, e jamais poderão transformar-se em amor evangélico. Os senhores do ouro e do poder bélico poderão sorrir de tudo isto. Mas a vida é feita de tal forma, que não pode ser construída apenas com estes dois meios. Assim como cada corpo humano precisa, não apenas do ventre para digerir, da inteligência para dirigir-se, dos braços para trabalhar e defender-se, mas também do coração para amar e proteger; como cada família necessita não só do pai, que luta, ganha e ordena, mas também do amor da mãe, que gera, e cria no amor; assim também a humanidade necessita também de povos que representem, em seu grande organismo, esta nobre função da bondade e do amor, da proteção e da conservação. Na humanidade são necessários também os povos, como o Brasil, encarregados da função da coesão e unificação. A vida, que tem que ser completa, precisa também de tudo isso. Portanto ela confia a essas nações, o desempenho de funções biológicas, que são verdadeiras missões históricas. Estas adquirem hoje uma importância muito maior, porque a seleção biológica se apresta a tomar formas mais evoluídas, que já não são mais aquelas tradicionais do mundo animal, aquelas que levam à vitória do mais forte no plano material; isto é, a seleção tende, ao contrário, a produzir o biótipo do mais inteligente e do mais adequado, por qualidades de sentimento, a confraternizar, ou seja, a saber viver socialmente. A inteligência é o caminho para chegar a compreender a utilidade individual e coletiva de ser bons e honestos; e o sentimento é a estrada mestra para alcançar a essa fusão de almas, sem o que não poderão surgir os futuros organismos das grandes coletividades sociais.

O europeu que, pela primeira vez, chega ao Brasil, trazendo consigo sua mentalidade européia, não pode compreender muitas coisas, porque seus pontos do referência são diferentes. Ele, que provém de uma terra em que tudo tem uma longa história, por ter vivido muito, e desde muito tempo está maduro e adulto, não pode compreender de imediato um país jovem, em que tudo está no estado de gérmen, e porque este ainda não nasceu nem cresceu, lhe parece o terreno inculto e deserto. No entanto, à planta madura resta apenas envelhecer e morrer, e às sementes só falta desenvolver-se. Aos jovens pertencem a vida e o futuro. O que mais importa é o amanhã. Neste amanhã deve ser olhada e compreendida a grandeza do Brasil, um amanhã que para a Europa só pode ser, ao contrário, velhice e decadência.

Sem dúvida, o europeu traz em si um requinte que o leva a olhar do alto uma terra que, na Europa, é muito pouco conhecida, tanto que é considerada de tipo colonial. Apenas aqueles que se fixam um pouco e queiram olhar menos superficialmente as coisas, podem ver o que haja sob essas aparências; pode então observar como no requinte da civilização européia nem tudo seja ouro que reluz e haja também um reverso da medalha. A madureza européia pode significar também cristalização senil, uma carga de supraestruturas que bloqueiam a evolução, o esgotamento de forças vitais. Estas refervem, emergindo sempre do mais elementar, que está ávido de subir; ao passo que, quem já chegou, gosta de repousar do esforço realizado e, como os velhos, dormir sobre as próprias conquistas. É mesmo provável que a grande Europa, mãe e mestra do mundo moderno, já tenha esgotado sua tarefa e suas forças. O requinte pode significar então velhice, e o estado primitivo significar vida não no passado, mas no futuro.

Há todavia mais coisas, no reverso da medalha. Requinte, madureza de pensamento, são, muitas vezes, ausência de virgindade de espírito, isto é, qualidades contraproducentes para o desenvolvimento diante do futuro. A mentalidade européia, com o passar e repassar em revista todos os seus valores, destruindo-os e reconstruindo-os para ascender, de controle em controle, em busca de verdades cada vez mais exatas, tornou-se hipercrítica, tanto que assumiu difusamente a psicologia do filósofo, que, após haver tudo examinado e discutido, só sabe ser cético de tudo. O próprio catolicismo não pode deixar de ficar preso na vastidão e no poderio desse ciclo histórico e, embora formal e teoricamente intacto, está de fato naufragando na realidade das almas. Chegou-se assim, na prática, a um estado difuso de ateísmo, que assume, nos que se dizem crentes, uma forma de materialismo religioso, ou seja, de religião materialista em que, na forma ortodoxa intacta, a chama da espiritualidade está apagada. Por muitas razões, assim, entre as quais as duas últimas guerras, pelo exemplo da ferocidade e pelo estado de necessidade que se lhe seguiu, está ainda vigorando nas almas, sob a formalidade do cristianismo, uma religião de egoísmo e de cálculo. Quem está de fora segue, sem ambages*, a religião do ódio, quando isto é necessário para sobreviver.

Sem dúvida que a cultura, a crítica de tudo, desenvolveu a inteligência, tornou mais requintados os métodos de luta, fazendo-os mais sutis e terríveis. Por isso as massas cresceram em desconfiança e astúcia, não em bondade. Sua agressividade tornou-se organizada, racionalizada, científica. A crítica e a cultura destruíram as trevas da ignorância, sim, mas ficou apenas a razão, fria calculadora de egoísticos interesses materiais. Este é o positivismo do mundo civilizado de hoje. O poder criador, representado por um transporte de fé, com esperança no futuro, parece perdido neste mundo cinzento de ceticismo, agarrado, sem esperança, apenas à vantagem que pode oferecer o minuto que foge. Perdeu-se, assim, na realidade, todo o sentido verdadeiro de religiosidade, embora quase todos se declarem homogeneamente católicos apostólicos romanos, ao menos na Itália, ou protestantes e católicos alhures, mas todos igualmente cristãos. Na prática, as massas adoram o deus dinheiro e só nele crêem firmemente. Muitas belas práticas formais sobrevivem, mas domina, na maioria, a indiferença e desapareceu todo sentido de verdadeira espiritualidade.

O Brasil acha-se em condições opostas. Antes de tudo, o temperamento é menos frio, menos fechado, mais expansivo. Poucos, na Europa, se abraçam em público, mesmo entre os íntimos, e todas as expressões de afeto são controladas e sopesadas. No Brasil a luta menos dura e a virgindade maior de espírito ainda não fizeram fechar-se as portas da alma nem as manifestações dos próprios sentimentos, pela desconfiança necessária aos povos mais experimentados pela calamidade inimiga. O tipo biológico do Brasil é levado mais à religião espontânea, numa expansão livre, de amor e de fé, do que a uma religião já rigidamente codificada, em que o pensamento e o sentimento permanecem enregelados nas formas. Ora, este primitivo estado espiritual incandescente, ainda que, pelo europeu, possa ser olhado com um sorriso de compaixão, é o estado mais apto aos futuros desenvolvimentos. Aqui as almas são virgens e receptivas e pode criar-se o novo. Na Europa só se pode continuar a elaborar o velho, requisitando-o sempre mais em sutilezas capilares, ficando tudo fechado nas velhas barreiras construídas pelos séculos.

Assim, não há apenas, no Brasil, um estado de sentimentalismo dominante, que suaviza os homens, mas prevalece uma disposição à religiosidade e ao misticismo. Este é um povo religioso por excelência. É esse seu tipo biológico. Não importa que as religiões e as formas sejam muitas. Encontram-se no Brasil quase todas as religiões do mundo, vivendo juntas na mesma terra. Na Europa pode dizer-se que há apenas uma religião, tão afins são as duas dominantes, catolicismo e protestantismo, ambas cristãs. Entretanto, não há muita disposição espontânea à espiritualidade, e o biótipo místico não domina em absoluto. Quem pela primeira vez chega ao Brasil, fica escandalizado com a Macumba, com tantas superstições, assim como com o carnaval do Rio de Janeiro. Pois bem, estes são os graus mais ínfimos da tendência à religiosidade, ao misticismo, ao amor. Estamos muito em baixo, mas o gérmen existe. E se existe, ele pode ser guiado e desenvolvido. Na Europa mais puritana, mas não mais casta, mais formalmente religiosa e disciplinada, mas não mais crente, não existe esse gérmen, e nada pode ser desenvolvido. Que futuro se pode dar a uma religião mecânica, sem grandes transportes de fé, a uma alma friamente calculadora, sem grandes transportes de paixão? Os grandes santos surgiram, mais freqüentemente, dos grandes pecadores passionais, do que dos frios e ortodoxos pensadores. No Brasil há o estado passional que, embora no estado caótico, representa a matéria prima da fé, da religiosidade, do misticismo. Condena-se justamente a sexualidade, quando é animalesca, entretanto, representa ela a primeira porta, embora a mais baixa, pela qual começa a alma a irromper do egoísmo frígido, (naturalmente calculador e que acumula para si, sexualmente neutro) para dar de si mesmo aos outros. Por esta porta passarão mais tarde, com a evolução, todas as sublimações deste primeiro e grosseiro movimento de expansão altruísta, que aos poucos se irá cada vez mais desmaterializando, até o amor dos pais pelos filhos, do homem evangélico ao próximo, do filantropo à humanidade, do místico à divindade.

Resumamos, neste terreno, a posição do Brasil diante da Europa, num quadro de conjunto, expondo qualidades e defeitos de ambos os lados. O Brasil primitivo, simples, espontâneo, de boa fé, tendente à confiança, alma infantil, acreditando em Deus e no futuro, ainda não experimentado pelos golpes das guerras duríssimas e da iminente ameaça de uma terceira, não prostrado por milênios de luta; alma virgem, quente, entusiasta, ávida de assimilar, rica de sentimento, substancialmente religiosa, com disposições e tendências místicas, num ambiente de vida fácil que, suavizando a luta, induz à bondade e à tolerância; alma exuberante e expansiva, generosa como a dos jovens, tendente, pois, a confraternizar e a fundir-se no próximo. Tipo biológico capaz de infinitos desenvolvimentos, retomando o caminho da fé, do estado de transporte virginal em que se encontravam os primeiros cristãos, mas hoje já no terreno de mais vasta base científica e racional, que a mente moderna atingiu e pode oferecer. Tudo no estado da semente que quer e tem fome de crescer, tudo enquadrado numa fase histórica de desenvolvimento do mundo para um novo tipo de civilização, no amadurecimento dos tempos, e diante da vontade da vida de fazer um grande salto à frente. E eis que, diante dos grandes problemas do século, como principalmente o da justiça econômica e da confraternização e cooperação para poder viver e trabalhar concordemente nas grandes unidades coletivas, que a história quer fazer nascer, agora, eis que diante desses problemas, há muito mais probabilidades que os saiba resolver um povo que amorosamente os enfrenta com o coração, do que o resto do mundo, que só os sabe enfrentar com a força do dinheiro ou das armas e exércitos. Estas qualidades, a tendência à religiosidade, a virgindade de alma, que significa terreno livre para novos desenvolvimentos, representam uma capacidade de progresso nas crenças religiosas, ao qual vemos corresponder, na história da humanidade, tão freqüentemente, um progresso social.

Do outro lado a Europa, madura, complexa, hipercrítica, cética e desconfiada, sem fé nem em Deus nem no futuro, envenenada pela ferocidade de duas guerras e cansada do trabalho de civilizar o mundo, alma que já navegou por todos os mares do conhecimento, fria, reflexa, auto-controlada, farta de saber, que desbarata tudo com a análise até chegar ao ceticismo, carregada demais de coisas velhas e privada de espaço livre para o que é novo; temperamento positivo, e portanto egoísta, calculador, nada generoso, como em geral os velhos, a isso constrangido por uma vida mais difícil e dura, pela falta de espaço e pela pressão demográfica; alma tornada por tudo isso exacerbada, fechada e desconfiada, essencialmente materialista, utilitária, levada ao absolutismo e à intransigência, a um individualismo separatista, que repele a espontânea confraternização. Tipo biológico saturado, incapaz de renovações substanciais, mas apenas de aperfeiçoamentos cada vez mais sutis, na base das grandes estradas já fixadas pela raça, por assimilação de milênios. Tudo maduro, ao qual só resta envelhecer, no vasto mundo que procura, ao contrário, novos caminhos e elementos jovens para percorrê-las. Aqui, uma floresta de grandes árvores; no Brasil um campo fértil, carregado de sementes. Na floresta tudo está feito; não se pode nem semear nem colher. E nela se anda com dificuldade. A alma adulta é individualista, à maneira de grossos troncos eretos, e o resultado é o separativismo. Tudo está dividido, é rival, incrédulo até o materialismo religioso. A fé em qualquer coisa, que não seja o que é útil no presente, está em decadência.

Vejamos um só exemplo. Na catolicíssima Itália, centro do catolicismo, em cinco anos, até as eleições de 1953, os comunistas aumentaram de um milhão e meio. A Igreja de Roma condenou severamente, até com a excomunhão, a doutrina ateu-materialista. Pois bem, o comunismo, com isso, não foi absolutamente contido e continuou a progredir. Mais de nove milhões de adultos não fez caso da condenação da Igreja. Em 1953, sobre nove milhões e meio de adultos, isto é, uma pessoa em cada três era, declaradamente, materialista. Isto quer dizer que o Cristianismo, embora, com a Democracia Cristã, se tenha tornado na Itália, além de religião, um partido político, não pode deter a expansão dos princípios materialistas e nada consegue contra eles. Suas reações servem, assim, mais para desacreditá-lo, demonstrando sua impotência, do que para alcançar seu objetivo. Um terço da população adulta, que é o que conta, na catolicíssima Itália, onde oficialmente todos são católicos, e onde está o centro do catolicismo, é atéia. E dos outros dois terços, quantos crêem verdadeiramente? Sua conduta faria crer que também a maioria deles seja atéia.

O materialismo é, então, uma corrente coletiva, que arrasta todos, e contra a qual, já agora, uma Igreja reduzida à forma e vazia de espiritualidade profunda e convicta, ao menos no conjunto, não mais pode lutar para vencer. Os homens da Igreja podem dizer: Deus está conosco. Mas, se sabemos que Cristo está com Sua Igreja espiritual, estamos seguros de que Ele permaneça com aqueles homens, se eles não seguem seus ditames? Perdida dessa forma a força maior, que é a espiritual, que defesa lhes sobrará? Então, eles cairão no grande curso da corrente geral, até que ocorra uma renovação radical, com a volta ao espírito. Isto porque tudo se reduz a um grande fenômeno biológico, que não se pode realizar com os retoques da reforma, mas só por meio de grandes agitações políticas e sociais, que limpem e renovem radicalmente, refazendo-se tudo desde a raiz. Pesa sobre a Europa toda uma vingança comum da história, preparada longamente nos séculos, e que agora atinge sua fase culminante. Representa já um determinismo histórico comum a todos, porque foi preparada concordemente por toda a Europa, não obstante a diversidade de línguas e raças, e que converge toda para o estado atual. O Brasil terá outros defeitos, mas é inocente dessas culpas, próprias de quem teve a responsabilidade de guiar intelectual e espiritualmente o mundo: sua história não se fez, ainda se fará; não há, pois, diante da Lei, violações executadas, nem espera de suas reações nem débitos que pagar.

Então, a qual desses dois grupos étnicos pertence o futuro? Diante dos grandes problemas do século, como o da justiça econômica e da confraternização para poder conviver e colaborar nas novas grandes unidades coletivas, qual dos dois grupos étnicos se acha mais apto e espiritualmente preparado para resolver tudo isto, e chegar a uma conclusão, que não seja a da destruição de meio mundo, por meio de guerras exterminadoras?

Não queremos aqui impor conclusão alguma. Procuramos apenas expor dados de fato, para que o leitor os utilize livremente, para concluir por si, como melhor quiser. Mas o certo é que, salvo erro ou omissão, parece que estes dados queiram concluir a favor do Brasil. Tudo isso nos aparece nas condições de fato, escrito na onda da história, onda que carreia homens e acontecimentos, como explicamos acima. Sem dúvida, a vontade de um povo, sozinho, embora com a maior boa vontade, não poderia criar a natureza da onda histórica, num determinado momento nem sua posição dentro dela. Cada nação se acha aí situada em atitudes diversas, com diferentes funções, de acordo com o desenvolvimento das proposições lógicas do pensamento progressivo da vida. O que mais pesa, a esse respeito, é a vontade da história, é o momento, é o desenrolar dos acontecimentos. Ora, tudo está a favor do Brasil, para que, secundando os impulsos da história, que oferece, mas jamais coage, possa ele desempenhar esta sua função e missão. Esta convergência de circunstâncias favoráveis demonstra que efetivamente a história faz, hoje, ao Brasil, este oferecimento e para que este se torne função histórica e missão, e mais tarde se realize na ação, a questão é apenas de que o Brasil a aceite e a queira. Não nos detenhamos nas condições e aparências do momento. Esta que fazemos, é uma visão remota e de conjunto, e não um trabalho de análise do pormenor, em que vivem os homens políticos. Colocamo-nos aqui, em contacto com os grandes movimentos da vida do mundo, e não com o jogo dos partidos, nem com as competições humanas.

No quadro de síntese que pusemos sob os olhos do leitor, vemos que a onda histórica, que exprime a vontade da vida, vai nesta direção, e faz, a esta nação, seu oferecimento. Trata-se de aceitar e compreender, de colocar-se na corrente que a história quer seguir. Mas um homem ou um povo pouco podem sozinhos, e nada podem contra a história. Mas se a onda que os leva é favorável, Deus está com eles, as forças imensas da vida estão à sua disposição, e eles podem, portanto, alcançar até o inacreditável. As qualidades, que o Brasil possui, não só são aprovadas pelo novo rumo dos tempos, como também são aproveitadas, porque a vida, hoje, precisa justamente delas. É provável que o mundo se ache, brevemente, com uma necessidade tão premente de paz e de bondade, que se valorizem de modo extraordinário os poucos lugares em que seja possível encontrá-las. E o Brasil poderá ser o primeiro entre estes. É provável que os conflitos do hemisfério norte terminem com grandes destruições, após as quais a vida terá imperiosa necessidade, para sua reconstituição, de paz, amor, compreensão e colaboração, e de um lugar tranqüilo onde possa repousar e recomeçar sobre essas bases. A carência crescente desses elementos e a progressiva elevação da procura, os valorizará cada vez mais, tornando-os buscados e preciosos. A humanidade, traída pela força e pela riqueza, nas quais unicamente acreditou, enregelada por um egoísmo da qual só terá recebido desolação, procurará, para não morrer, um sentimento de bondade em que possa viver com mais calor, e que termine de uma vez com as lutas. Eis a grande função histórica do Brasil, se este souber preparar-se desde já; eis sua missão, se ele quiser desempenhá-la amanhã, pois que a história está pronta para confiar-lha.

Então, poderemos dizer que o Brasil poderá ser a sede da primeira realização da terceira idéia, que funda, num todo, o que há de melhor nas duas atualmente em luta mortal, ou seja, a liberdade dum lado e a justiça econômica do outro, no amor evangélico, sem o que nada é aplicável, em paz, nem pode dar fruto algum. Isso tudo é possível, porque, como diz Victor Hugo: «há uma coisa mais poderosa que todos os exércitos: é uma idéia, cujo tempo tenha chegado». Então, poderemos dizer, que o Brasil poderá ser verdadeiramente o berço da nova civilização do espírito e do Evangelho, da nova civilização do terceiro milênio.


Capítulo VI
O APOCALIPSE

(1.ª Parte)

Nos capítulos precedentes observamos nosso mundo atual e o caminho da história no sentido analítico, olhando os acontecimentos no pormenor e de perto. Agora dilata-se nossa visão em campos mais vastos. Ou seja, observemos o caminho da história em suas grandes linhas mestras. Contemplaremos quadros mais vastos, em que permanecerão situados e orientados os menores e mais próximos dos capítulos precedentes. Caminharemos, assim, por etapas, partindo das coisas pequenas e vizinhas para as grandes e remotas, a fim de iluminar cada vez mais o argumento, contemplado dessa forma e sempre de diversos mirantes.

Os capítulos anteriores terminam apoiando-se no conceito da nova civilização do terceiro milênio. É nesse conceito, a cujas portas nos levaram aqueles capítulos, que se dilata nossa visão. Nossa precedente pesquisa histórica enriquece-se agora de novos elementos, até tornar-se a imensa orquestração cósmica, em que se agitam os destinos do mundo, a ruína e o renascimento da civilização e a luta apocalíptica entre o bem e o mal. E quanto mais virmos as coisas em suas grandes linhas, tanto mais veremos nelas presente e operante aquele pensamento divino, que afirmamos ser o princípio diretivo que preside ao desenvolvimento da história. Assim, acharemos neste capítulo e nos seguintes, sempre novas confirmações dos princípios que dirigiram nossa pesquisa nos anteriores.

As observações feitas até aqui, levaram-nos a concluir pelo advento de uma nova civilização, a cuja preparação tende toda a obra presente. Procuraremos aqui cada vez mais explicar e aprofundar este conceito, que parece utopia. Observá-lo-emos agora, entretanto, não como nos capítulos precedentes, em sua atual preparação histórica, nem, como no volume sobre a «Nova Civilização»,(3) em seu conteúdo e em seus princípios diretivos, mas no pensamento profético, captado e transmitido a nós pelas grandes antenas humanas que antecipam o futuro. Procuraremos assim, na intuição alheia, a confirmação da nossa, pedindo luzes a todos, para confirmar mais ainda nossa certeza. Interrogaremos, por isso, o Apocalipse e outras profecias, mais antigas como a de Daniel e mais recentes, como as de Malaquias e Nostradamus, auscultando também a astrologia e a voz das Pirâmides do Egito, para ver se todos concordam conosco, a respeito da proximidade do grande acontecimento da Nova Civilização do Terceiro Milênio.

* * *

O primeiro problema que se nos defronta, ao penetrarmos no mundo das profecias, é o da possibilidade lógica da previsão do futuro. Será verdadeiramente possível conhecê-lo antecipadamente e como? Nossa tarefa consiste em explicar tudo, porque temos que admitir que é muito mais sólido o conhecimento dos fenômenos racionalmente demonstrados, e também porque este é o melhor meio para fazer neles um exame analítico. Ora, é logicamente possível prever o futuro. Vejamos as razões. Elas não faltam no sistema até agora seguido nestes volumes.

Já explicamos alhures (no volume: «Problemas do Futuro», cap. XI, «Livre Arbítrio e Determinismo», e no volume: «Deus e Universo») que a liberdade de escolha só pode existir num estado de imperfeição e ignorância, como é o humano, ao passo que nos planos superiores da perfeição e da sabedoria, essa incerteza de oscilações em busca do melhor caminho, não tem mais razão de existir. É isto um absurdo, dado que o melhor é imediatamente alcançado, pois já é conhecido e não há mais necessidade de experiências para evolver. Há dois mundos: o relativo e o absoluto, opostos, o primeiro oscilando na incerteza, em que se não pode prever o amanhã, e o segundo perfeito e portanto determinístico, em que tudo é sempre visível e previsível. Há conceitos e atitudes psicológicas que aceitamos como axiomáticos, porque eles são naturais em nós. No entanto, se eles são parte integrante de nosso mundo e de nossa psique, perdem seu valor logo que saiamos dele. Em outros termos, os conceitos do relativo, segundo o qual está plasmada nossa atual mente e natureza, não valem mais no reino do absoluto. Este, por sua vez, pelo fato de que só pode ser perfeito, só pode ser, portanto, determinístico.

Estabelecida esta qualidade determinística do absoluto, imposta pela lógica, teremos que admitir, como conseqüência necessária de sua perfeição — qualidade de que não pode prescindir — que naquele plano tudo é previsível. Mas o é também por outro motivo. O absoluto, como vimos no volume «Deus e Universo», após a queda do sistema, decaiu na dimensão tempo, em que o estado imóvel de existir se transforma numa série de momentos sucessivos, tomados na corrida do tornar-se, para que se realize o caminho da evolução. O absoluto não fica cindido pelo tempo que passa, mas simplesmente «é», sem tornar-se, livre da concatenação:...causa-efeito, efeito-causa..... Então, ele é totalmente concomitante, todo presente, todo visível. Nossa divisão entre passado, presente e futuro é apenas uma posição relativa a nós, dada pelo transformismo, condição necessária da evolução que é a nossa lei.

Para fazer compreender melhor como se mova o homem num mundo de conceitos filhos do relativo e próprios apenas às suas condições, mas que não valem mais se sairmos delas, observemos também a relatividade do conceito do nada. Ele só tem valor em relação às nossas posições e se dissipa quando estas são superadas. Até o fato de que, em nosso plano, sua concepção só seja possível como um contraste entre o ser e o não-ser, prova que ele é o resultado de uma cisão da unidade originária, é um efeito da queda. No absoluto, estes conceitos relativos não cabem, e tudo simplesmente «é». Aí, tudo é unidade e o conceito do nada só pode aparecer no dualismo, efeito da queda, pelo que tudo só pode existir na forma do ser ou do não-ser, ou seja, apenas perceptível como contraposição ao seu contrário. A negação em oposição à afirmação nasceu com a revolta, pois que em Deus não pode haver negação, no absoluto não há possibilidade do não-ser, do nascer e morrer, do vir-a-existir por criação, o que é um conceito relativo, e que só pode significar transformação de um estado precedente, o qual, por ser diferente em relação ao novo, se chama o nada. Eis aí então, que o nada é outro conceito que só vale para a nossa relatividade e que desaparece no absurdo, logo que se supere esta posição. No fim do caminho evolutivo, com o regresso do ser a Deus, vimos no volume «Deus e Universo» que o não-ser será reabsorvido no ser, o dualismo na unidade, o nada desaparecerá, assim como o tempo, a concatenação .... causa-efeito, efeito-causa...., a sucessão dos acontecimentos, a incerteza da escolha, nosso mundo do relativo. Mas, este universo não quebrado, no estado integral, uno, em que tudo é coexistente e presente, sem tempo, sem o nada, perfeito e determinístico, já existe acima do nosso, à espera de ser reunido a ele, uma vez terminado o caminho evolutivo.

Ora, quando mais o ser se avizinha, pela evolução, a esse estado de reintegração no estado originário, mais seu modo de existir se identificará a esse estado, que tem todas as qualidades que vimos. Para o problema que nos pusemos, interessam primordialmente as da contemporaneidade e do determinismo. Os termos do problema são dois: de um lado um plano superior do ser, em que essas qualidades são realidade; do outro, um plano inferior, em que elas não são realidade, mas que, entretanto, tem possibilidade de aproximar-se delas por evolução. A solução do problema da previsão do futuro está justamente nessa possibilidade, pela qual o ser pode aproximar-se, por evolução, das zonas superiores de unidade, concomitância e determinismo, porque em tais zonas o futuro é presente, e sempre acontece só uma coisa: a melhor, e nada mais pode acontecer.

Não se diga que os dois mundos são separados e estranhos. As qualidades do sistema perfeito permaneceram no âmago do que é imperfeito, o mundo superior, ainda que se corrompendo, projeta-se no inferior, e esses continuaram comunicando-se. Só por isso é possível que o segundo se possa purificar, até voltar à perfeição de origem. No universo decaído, Deus permaneceu em seu aspecto imanente. Se a evolução é uma realidade, e significa passagem de um plano inferior a um mais alto, isto quer dizer que eles estão conexos. Assim a estrada para atingir a previsão do futuro está traçada, o que significa o fenômeno é possível. Só precisa de um elemento: o homem evoluído, ou seja, aperfeiçoado tanto psíquica como espiritualmente, que saiba pensar não só pelos meios racionais normais, como também pela inspiração e intuição, e possa assim perceber os planos mais altos, acima do normal relativo. E os profetas representam justamente esse tipo biológico de antenas sensibilizadas pela evolução. Os verdadeiros profetas são também gênios e santos. Na profecia, o homem se aproxima das esferas superiores, em que não há tempo e que, por sua perfeição, são naturalmente determinísticas. E onde não existe o tempo, tudo é presente e os acontecimentos não aparecem cindidos na sucessão que os devora, ligados por uma cadeia de causalidades; onde tudo é determinístico, o futuro não pode ser um mistério. É assim que a profecia é possível, porque quanto mais se sobe para o ápice e para a unificação, tanto mais se pensa e se obra com perfeição, isto é, deterministicamente.

A profecia é, portanto, logicamente possível e é um ato de inspiração. Quanto mais ascendemos para as grandes linhas da história e menos elas obedecem ao capricho humano, porque mais nos avizinhamos dos grandes planos da Lei e mais ela ordena e se manifesta evidente em sua natureza, que é determinística. Para perceber melhor, referir-nos-emos a um fenômeno paralelo, conhecido também na física molecular. O movimento de cada uma das moléculas num gás não pode prever-se, porque é livre e irregular. Podem mover-se devagar ou rapidamente em qualquer direção. Mas o choque de bilhões de moléculas de gás, contra determinada superfície, produz um impulso constante que obedece as leis simples bem definidas. Num universo dirigido por uma lei única e unitária, é lógico que ocorra a mesma coisa com os seres vivos; e assim no-lo mostram, com efeito, as estatísticas. As ações de cada homem são livres e irregulares, e portanto não podem ser previstas. Mas a conduta de grande número deles, por longos períodos de tempo, representa um fenômeno de massa, completamente diferente, e obedece a leis bem definidas, e portanto pode ser conhecido antecipadamente, desde que conheçamos aquelas leis. Não fora isso verdade, ao menos com certa aproximação, e não poderiam existir e funcionar as Companhias de Seguro.

Outra referência. A liberdade de cada homem pode comparar-se à dos peixes, de mover-se nas águas de um rio. Quando pudermos conhecer o caminho do rio, o que corresponde a leis simples, saberemos também o caminho obrigatório de todos os peixes livres que estão lá dentro. Então, quanto mais nos afastarmos do pormenor e de uma visão analítica das coisas, ou seja, quanto mais concebermos por sínteses, que é o processo da intuição, e tanto mais nos aproximaremos do determinismo da Lei, e tanto mais inspirado é o profeta, melhor poderá perceber as linhas da história, a natureza e os movimentos da grande onda que carreia homens e acontecimentos. A liberdade do indivíduo é uma oscilação menor que permanece, e que ele sente como livre arbítrio, e o é; mas, na multidão, desaparece, para dar lugar a uma lei diferente, maior, universal e de síntese, lei que o indivíduo, imerso na análise e no pormenor, vendo apenas a si mesmo, não percebe, mas que o profeta, com olhos de longo alcance, vê, e dessa forma pode prever os acontecimentos. Ele descuida da oscilação menor, que faz parte apenas da observação microscópica dos indivíduos, e que lhes é indispensável para sua experiência e suas conseqüências evolutivas. Por isso o profeta se mantém, com observação macroscópica de síntese, nas altas zonas das grandes linhas dos acontecimentos históricos porque, quanto mais descer e se avizinhar ao contingente dos pormenores, tanto mais lhe escapará o determinismo da Lei e mais estará sujeito ao arbítrio do indivíduo, numa zona imprevisível. Daí deriva o fato de que a profecia nos aparece como algo que desce de outros planos, o que leva a uma deslocação de mirantes e de valores, que desorienta a psicologia normal, que está ávida, ao contrário, de elementos particulares e positivos, próprios especialmente ao seu mundo. Assim se explica porque também pode acontecer que, na visão permitida pela contemporaneidade dos planos superiores, às vezes se misture, como no Apocalipse, a normal sucessão dos acontecimentos, que depois se projetarão na terra em forma de sucessão no tempo. É por isso que, nas profecias, falta com freqüência, a precisão do tempo, que é a que mais gostaríamos de saber. Por isso é que mais emergem, ao invés, elementos morais, porque no plano de que descem as profecias, elas são fundamentais, e as profecias descem para transmiti-las ao nosso plano. Assim, seu objetivo é de converter ao bem, mais do que de satisfazer nossa curiosidade ou de fazer-nos organizar defesas contra reações merecidas, e portanto necessárias.

Se são essas as características da profecia, o problema de sua função é outro, quando a visão desce à Terra e é comunicada aos homens. Sua tarefa aqui é de avisar, para que os maus se encaminhem para o bem e para que os bons aí permaneçam com fé e paciência. O alvo das profecias na Terra é de indicar o cumprimento da Lei e de convidar o homem a segui-la de bom ânimo, se não quiser sofrer tremendos desastres. É natural, pois, que essas profecias se recusem à exploração que o homem quer fazer, ou seja, não querem fornecer informações e revelar o futuro, para que seja utilizado esse conhecimento apenas não para o bem, mas contra o bem, isto é, para fazer a própria vontade e ter bom êxito nos próprios intentos e até na guerra contra Deus. Das profecias, então, não devemos esperar o que elas não podem nem devem dar-nos, ou seja, informações para dominar os acontecimentos, para escapar ao determinismo da Lei que deve premiar-nos ou punir-nos como merecemos. Por isso, se uma profecia tiver que dizer: «acontecerá isto ou aquilo», procurará logo retrair-se, cobrindo-se de véus, porque, se deve e quer avisar, deve ao mesmo tempo impedir que as forças do mal que, porque involuídas, são ignorantes, o saibam e disso se aproveitem, para organizar melhor suas batalhas contra o bem. É natural assim que muitos fiquem desiludidos pelas profecias e se desinteressem delas. Mas as profecias não querem mesmo dizer tudo o que o homem, ao invés, desejara; elas recusam-se a ser exploradas pelo mal; estão já prevenidas para impedir este mau uso que delas se desejaria fazer. Às forças do mal que espiam essas luzes caídas do céu, para descobrir os desígnios divinos só para melhor enganá-los, escapar deles ou contrastá-los, respondem as profecias: «não, nada sabereis». Tudo o que do Céu cai na Terra tem que estar prevenido contra o mau uso que em nosso mundo se consegue fazer de tudo. Quantos olhos espiam, quantos ouvidos tentam escutar estas intuições do futuro! Que vantagem poder conhecê-lo por antecipação, para defender-se melhor! Ouvem-nas os bons, para ter coragem e perseverar, mas escutam-nas também os levianos, por curiosidade, e as escutam sobretudo os maus, para reforçar-se no mal.

Ora, vimos que, no alto, nas grandes linhas, o futuro é determinístico, e portanto não deve ser embaraçado em sua atuação pelo pequeno poder da liberdade humana que tem fim completamente diverso: isto é, experimentar e estabelecer as responsabilidades, porque as ações entram no campo da fatalidade e do destino logo que livremente realizadas. Quem interroga as profecias só para saber o futuro, e então pôr-se a lutar contra a Lei, deveria antes que interrogar a si mesmo, para ver qual sua posição diante da Lei, a posição que ele livremente quis tomar, com suas obras. Quando a profecia desce à Terra, trazendo consigo as notícias de outro mundo, ela vem chocar-se com uma realidade totalmente diversa. Então, o estado determinístico dos planos superiores, situados acima do futuro ou transformismo evolucionista, entra em contacto com aquele estado de incerteza da escolha que nós chamamos livre arbítrio. Neste ponto, o problema filosófico do contraste entre o livre arbítrio e o determinismo, torna-se vivo, atual, porque é o contacto real entre duas forças e posições opostas. E se já resolvemos, teoricamente e em linhas gerais (veja «Problemas do Futuro», cap. XI, «Livre Arbítrio e Determinismo»), esse problema, agora o argumento das profecias oferece-nos uma confirmação e aplicação do mesmo.

Tudo está enquadrado dentro de limites. O homem, que gostaria de conhecer os acontecimentos para modificá-los, deveria ao invés compreender que seu modo de ser, sua forma particular de vida, baseada na chamada liberdade, não pode alcançar os céus, reino das profecias; deveria compreender que sua liberdade não pode ultrapassar os confins do campo humano de ação, não pode ultrapassar o limite e entrar no campo da Lei, onde reina o determinismo do absoluto. Os dois campos são diferentes: num domina o desenrolar-se obrigatório das grandes linhas, no outro a incerteza da pequena oscilação do livre arbítrio humano. Um campo não pode entrar no outro, embora nas profecias cheguem a tocar-se; mais até, o mais alto penetra no inferior, e a este é concedido olhar aquele. Cada um dos dois campos tem que ficar com suas leis. Assim, uma profecia muito exata e evidente, seja em relação ao futuro próximo ou longínquo, viria alterar a liberdade humana, introduzindo nela novos elementos de decisão e perturbando o cálculo das responsabilidades. A profecia não tem o objetivo de tranqüilizar-nos para que possamos entregar-nos melhor às nossas comodidades, e para poupar-nos o esforço de vigiar e estar prontos, agindo sempre bem. Assim se explica aquela linguagem sibilina, com que a profecia parece que gosta de esconder seu pensamento, justamente aí onde mais se desejaria saber. Dessa forma, se se anuncia como certo um acontecimento, esconde-se o tempo de sua realização, e tudo fica encoberto num simbolismo de difícil interpretação.

* * *

Após haver compreendido, nas linhas gerais, o significado e a natureza do ato profético, ocupemo-nos, agora, do Apocalipse. A interpretação do simbolismo com que se exprime esse grande livro, tentou muitas mentes, algumas delas movidas pela curiosidade e pela mentalidade de adivinho. É natural, então, que elas se tenham perdido no emaranhamento dos pormenores, ou tenham chegado às interpretações mais contraditórias, produzindo apenas discordantes círculos viciosos de fantasia. É inútil querer enfrentar esse livro sem antes ter conhecido e resolvido os grandes problemas da vida e da história; não resolve enfrentá-lo com olhos míopes, diretamente, por análises, sem saber antes olhar de longe, bem orientados pela visão panorâmica de síntese. A interpretação do Apocalipse não pode ser jogo de adivinhos, mas só trabalho de intuição e ao mesmo tempo raciocínio filosófico profundo.

Muitas interpretações foram feitas com objetivo preconcebido, de modo que, ao invés de representar obra de pesquisa, representam uma tentativa de servir-se da autoridade desse livro, para fazê-lo pronunciar, e assim valorizar, a condenação dos próprios inimigos, para provar a bondade de causa do próprio grupo e a segurança de seu triunfo. As demonstrações e conclusões mais opostas são obtidas dessa maneira, com a mesma precisão de cálculos e surpreendente coincidência de fatos. Ora, é certo que o Apocalipse não foi escrito como serviço particular de ninguém, nem para alimentar antagonismos de um grupo contra outros. Ao contrário, poderemos dizer que, dado seu caráter universal, quanto mais impessoal for sua interpretação, tanto mais terá probabilidade de aproximar-se da verdade.

Procuraremos, então, fazer aqui uma pesquisa lógica do Apocalipse, observando como seu pensamento concorda com o pensamento da Lei de Deus, dirigente da vida e da história, orientando-nos com os princípios gerais dessa Lei, que foram até expostos nestes volumes. A pesquisa será imparcial, porque não temos teses particulares a defender para o triunfo ou justificação de ninguém. Nosso único interesse é compreender a hora histórica atual e seus futuros desenvolvimentos, para poder delinear a aproximação e a natureza da nova civilização do terceiro milênio. Por isso, pediremos apoio também a outras profecias, para que a concordância das vozes mais diversas, mesmo daquelas escritas sobre os restos das mais antigas civilizações, possa ser uma confirmação positiva de nossas intuições passadas. Pedimos a todas essas fontes uma ajuda, para compreender o presente momento histórico, gigantesco e tremendo, e com isso a sorte do mundo. Procuraremos, então, entender o simbolismo dessas profecias em termos claros de psicologia moderna, mesmo limitando-nos às linhas gerais, se esta é a condição de maior certeza. Basta-nos, aliás, uma visão de conjunto, mas bem consolidada, pois nada mais queremos, e seria imprudente pedi-lo, pois haveria o perigo de tentar ser adivinho e cair no fantástico. Enfim, ajudar-nos-emos com o raciocínio, apoiar-nos-emos na lógica do sistema e na própria inspiração que no-lo deu. Procuraremos, com estes meios, coordenados para o assalto ao mistério, chegar à visão mais demonstrada o exata possível, do futuro que nos aguarda a todos. É nosso dever indagá-lo, é necessário conhecê-lo, para preparar-nos melhor para ele, bem longe de qualquer sentimento de vã curiosidade.

Outro motivo ainda levou-nos a aproximar-nos do Apocalipse, e o fizemos após terminar a primeira série dos volumes, após haver aí exposto e demonstrado o sistema, e justamente porque não só o Apocalipse se enquadra perfeitamente nele, mas também porque o confirma plenamente, dando-nos uma nova prova de sua verdade. Achamos no Apocalipse o princípio da liberdade e da responsabilidade. Daí a sanção final, conseqüência do segundo princípio, após a longa luta, que é a conseqüência do primeiro. Mostra-nos o Apocalipse que o caos é transitório, e que no âmago dele está a ordem de Deus, em quem tudo tem que acabar, resolvendo-se nEle. Mostra-nos como funciona a Lei em sua reação, que é elástica e explode irrefreável, só depois de longa paciência. Mostra-nos a ignorância do mal que tripudia, acreditando-se vencedor, conquanto seja apenas tolerado pela grande bondade de Deus. Mas assim, é dado a todos tempo para assumir livremente as próprias responsabilidades, que são as únicas que podem justificar, depois, a inexorabilidade da sanção. Há proporção entre esta dura inexorabilidade e a longa espera, cumulada prodigamente de boas ocasiões e advertências, para voltar ao bom caminho. É dado tempo, assim, ao mal, para desempenhar suas funções destrutivas a serviço do bem, para a vitória deste e para a prova purificadora dos bons.

Indica-nos o Apocalipse que na Lei há um princípio de equilíbrio que estabelece um limite ao mal, controla seu desenvolvimento e o detém quando a medida está esgotada. Esta profecia faz-nos assistir a esse lento esgotamento de medidas, enquanto Deus olha sem pressa, pois os artífices do mal não podem escapar à justiça que põe tudo em ordem. Lendo-o, sentimos a cada passo o inútil esforço dos rebeldes e a inexorabilidade do destino, que é a Lei nas mãos de Deus. As águas sobem, sobem afogando tudo, os bons de pouca fé tremem aterrorizados, os maus gritam vitória, e os olhos de Deus estão abertos sobre tudo e vêem. Mas quem tem fé, quem sabe, porque conheceu a Lei de Deus, não teme e espera. Tudo é jogo de ilusões da nossa dimensão tempo, tudo escapa no irreal, amarrado nesta sua corrida a um presente que jamais se detém. E as forças do mal em vão se agarram às crinas desse cavalo em fuga, porque nenhum edifício estável pode construir-se, correndo sobre as areias movediças do transformismo da evolução, mas só na zona alta do espírito, onde as tempestades do tempo se acalmam, em mais elevadas dimensões. O mal porém é força decaída, repele e renega o espírito, permanecendo desesperadamente preso à matéria e à sua forma. Traz assim, em si mesmo, com sua própria natureza, a sua própria condenação, como ele mesmo a quis.

O Apocalipse faz-nos ver o lento amadurecimento subterrâneo dos grandes fenômenos cósmicos, descobrindo-lhes as origens até no campo moral e mostrando-nos assim a unidade do todo, em que todos os fenômenos estão coligados nos mesmos princípios. Num perfeito jogo de equilíbrios, acumulam-se em silêncio os impulsos reativos, e sobem, sobem, até a explosão final, que é ao mesmo tempo o resultado de um cálculo de forças e um ato de justiça, fenômeno físico de elementos desencadeados, e fenômeno moral de punição dos culpados, terrificante fim de um mundo e afirmação do reino do espírito, desespero de morte para os maus e vitória de vida para os bons. O mal avança afoito entre os olhares amedrontados dos bons e as forças reativas acumulam-se em seu seio, o corroem, minam-no e o esgotam até fazê-lo ruir. Confortem-se os bons, porque se tudo isso ocorre sem ser visto, e se aos ouvidos físicos só chegam os gritos de vitória dos maus, esta atividade secreta é obra de Deus que, estando ao centro, só pode obrar no centro das coisas e só no último instante aparece nas manifestações exteriores da forma. O mal está neste outro pólo, e não vê o que Deus opera em silêncio, no íntimo. O mal acredita nos rumores fictícios do plano físico, nos triunfos efêmeros do mundo, e os toma equivocadamente como vitórias. Mas, quem vê essa obra de Deus, que jamais se detém, presente em todos os lugares, sente este entumecer-se de impulsos vingativos, em favor do bem contra o mal e, mesmo que isso possa parecer aquiescência passiva e quase consentimento, fica aterrorizado por essa calma e ausência de reações, de que se prevalecem os maus. Tudo isso dá um sentimento de lenta sufocação, prelúdio de morte fatal. E o mal rebelde e cego avança para sua ruína, desprezando em sua complicada astúcia a invencível sabedoria da sincera simplicidade, método retilíneo dos bons que seguem a Deus.

Todas essas coisas, já ilustradas longamente nos volumes precedentes e fazendo parte da lógica do sistema, temos a alegria de achá-las agora inesperadamente no Apocalipse, que antes não conhecíamos. A gigantesca luta entre o bem e o mal só pode ser explicada com a teoria da ruína ou queda dos anjos, como mostramos no volume anterior «Deus e Universo». O Apocalipse é a história da volta, representa o caminho da reascensão, dividido em episódios de luta e conquista, até a meta. Esta profecia confirma os conceitos dos precedentes capítulos, a respeito do pensamento e da vontade da história, faz deles, como nós, uma coisa viva, pensante, inteligente; mostra-nos que o verdadeiro senhor dos acontecimentos é Deus, o verdadeiro guia deles é Sua Lei; sobretudo nos conforta nossa precedente interpretação da hora histórica atual, avançando num mar tempestuoso para mais altos destinos. Lampeja no Apocalipse o grande conceito da real chegada à Terra do Reino de Deus, conceito que é o da Nova Civilização do terceiro milênio. O Apocalipse confirma o significado profundo da vinda de Cristo à Terra, e reforça as conclusões do Evangelho, em torno do qual gira a presente obra.

Pode parecer que o estilo violento de batalha do Apocalipse não se possa conciliar com o estilo pacífico do Evangelho. E no entanto, os dois livros se elevam sobre o mesmo conceito. Só que no Evangelho estamos no terreno dos princípios, altos e celestes, ao passo que no Apocalipse estamos no da luta, na Terra, por sua realização. Aqui desencadeia-se, para os surdos ao apelo do amor, a reação da justiça de Deus. Se os maus quisessem fazer mau uso do amor de Deus, nem por isso a Lei poderia ficar violada para sempre. Achamo-nos diante de duas fases do mesmo pensamento. O Evangelho é a Boa Nova aos homens de boa vontade, para que a Lei se cumpra por compreensão, espontaneamente. No Apocalipse, a Lei «deve» cumprir-se, impondo-se com a força. O Evangelho é a voz do Céu, proferida por um anjo vestido de bondade, que se dá aos homens pelo amor. O Apocalipse é um drama que se desenrola no inferno terrestre, reino de Satanás. O Evangelho anuncia o Reino de Deus. O Apocalipse narra a luta, para implantá-lo na Terra. O Evangelho termina com o sacrifício de Cristo para a salvação dos bons. O Apocalipse termina com a vitória de Cristo, com a condenação dos maus. Assim, Evangelho e Apocalipse concordam, indicando dois caminhos diferentes para alcançar a mesma vitória do bem. O Apocalipse mostra-nos que chegamos à plenitude dos tempos, à hora da realização daquela Boa Nova; diz-nos que o Reino de Deus, anunciado pelo Evangelho, não será sempre uma utopia e está verdadeiramente às portas. Por isso, o Apocalipse é fundamental, também, para nossa obra: porque ele a convalida, em todos os seus princípios e a confirma especialmente em sua conclusão e seus objetivos, que é a Nova Civilização de Terceiro Milênio.

* * *

Chegamos hoje ao momento em que o determinismo da Lei toma em mãos as rédeas da história e impõe suas diretrizes. Estamos, pois, no momento em que se manifesta a vontade de Deus, que quer entrar diretamente em ação. Ainda que Sua existência seja negada pelo mundo, Deus quer igualmente salvá-lo, num momento em que se acumularam tantos erros dos homens, em que tudo ameaça ruína. Estamos, pois, na plenitude dos tempos. Nos anteriores volumes estudamos a estrutura da Lei. Agora vemo-la entrar em ação, porque ela não é teoria abstrata, mas é vida que quer realizar-se entre nós. A elasticidade da Lei tem um limite e suas forças, comprimidas pela desobediência dos homens, e deixadas livres por Deus, Chefe e Dirigente, romperão os diques da divina misericórdia, semeando a destruição nas fileiras do mal rebelde. É a hora do juízo e da justiça. Deus, esquecido e negado, reaparece terrível sobre os horizontes da história e manifesta-se em ação. Sua paciência e Sua misericórdia, embora possam parecer ilimitadas, não podem ser traídas indefinidamente; e ai do homem que confunde essa espera da Lei — que só por compaixão difere a reação — com a ausência de um princípio divino, dirigente e senhor do mundo. Ai dele, porque este princípio, após longa espera, em que os homens se acomodam, porque pensam que são eles os vencedores e senhores do mundo, reage para restabelecer o equilíbrio e explode com uma violência tanto maior, quanto mais demoradamente tiver sido violada e comprimida.

Após haver estudado nos volumes precedentes a estrutura e o funcionamento da Lei, estudamos agora, aqui, seu aspecto histórico, neste nosso tempo, que é a hora de sua realização. Foi dito e repetido que o Evangelho jamais foi aplicado até hoje na Terra, que o anunciado Reino de Deus é ainda sonho remoto e que, se tivéssemos que ater-nos aos fatos, a vinda de Cristo à Terra teria sido quase inútil.. Mas será possível que a realização da Boa Nova jamais deva chegar? Com efeito, o mundo hoje, com suas religiões, é substancialmente materialista. A concepção espiritual da vida é hoje utopia, está fora da realidade vivida. Entretanto, ninguém pode acreditar que a vinda de Cristo à Terra possa ter sido frustrada em seus principais objetivos. O fato é que o Evangelho representa essa revolução biológica, que não pode realizar-se toda em 2.000 anos. Mas qual das idéias nascidas no mundo, poderemos dizer, ter atingido imediatamente sua plena realização? Cada idéia nova é um impulso que se infiltra na corrente espiritual da vida, que já é uma força que resiste por inércia, tendendo a conservar sua trajetória precedente. Após haver sido lançada a nova idéia, é ela espalhada e com isto se funde a outras idéias, depois é alterada, às vezes renegada, mais tarde ressurge transformada, mas assimilada em parte. Sê-lo-á dez por cento, ou vinte, aqui mais, ali menos. É-o bem pouco. Mas esta percentagem se fixa na raça, a qual porém a adapta a si, ao seu tipo e às suas necessidades. Será talvez uma adaptação, mas ao menos em parte, a idéia tornou-se realidade.

Ao Cristianismo ocorreu o mesmo. Terá realizado a percentagem mínima, mas realizou-a. Mais do que isso, em 2.000 anos, a natureza humana não podia assimilá-la. Por isso, certas idéias, como o inferno, certos fatos, como as guerras santas, o poder temporal, as formas materiais do rito, foram mais exigências dos tempos, sendo responsável disso o grau involuído da maioria humana, do que mesmo criação e responsabilidade de dirigentes piores que a mediania. Isto acontece em todos os campos, e é culpa da natureza humana, muito preguiçosa para evoluir. Assim, por exemplo, o farisaísmo, o dogmatismo, o jesuitismo são qualidades que todos os homem podem ter. Não inculpemos, portanto, um grupo particular, se ele tem os defeitos da natureza humana. É essa nossa velocidade de assimilação, o passo lento de nossa caminhada ascensional. Nestas condições, o Cristianismo teve que limitar-se à função da conservação dos princípios, à defesa do patrimônio recebido. Explica-se, assim, ainda que se não justifique, sua intransigência e seu dogmatismo. Mas com isso, não queremos dizer que a caminhada se detenha e que o Cristianismo possa ficar cristalizado na imobilidade. Se hoje os superficiais podem ter a impressão da falência de Cristo, nem por isso a partida está perdida e a vida se detém. O Apocalipse nos fala justamente deste amanhã, em que ocorrerá a realização do Reino de Deus na Terra.

Se o Evangelho tem fins didáticos e se, pelo caminho do amor, quer ensinar aos homens a viver, propondo o próprio Cristo como exemplo vivo e modelo para alcançar o Reino de Deus, o Apocalipse traça a história da realização desse Reino, fazendo ressaltar, pelo caminho das ameaças, a inflexibilidade final da justiça de Deus, mostrando-nos Cristo também em seu aspecto de poder e triunfo. Só assim o quadro estará completo, quando resultar da fusão de seus dois elementos complementares: Evangelho e Apocalipse. Se o Evangelho nos traça a linha de conduta, deixando-nos livres de aceitá-la ou não, o Apocalipse entra na história e narra as vicissitudes da realização na Terra daquele novo reino, que foi anunciado no Evangelho. Delineia-se assim o desenrolar-se daquela luta cósmica, entre o bem e o mal, em que se concretizam os mais altos destinos da vida, e dessa luta ele nos prevê e garante o desfecho. A linguagem do Apocalipse se transmuda de amorável como a do Evangelho, em trágica e violenta, porque exprime uma força que se ergue como espada flamejante, para derrotar definitivamente o furibundo assalto das forças do mal. O Apocalipse move-se num terreno de batalha, a maior do universo, aquela empenhada entre Deus e Satanás, e na qual Deus vence. O mal deve ser destruído, mas ele está armadíssimo e resiste com todos os meios. Este é o maior drama do ser, em que tomam parte céu e terra, fundidos na mesma tempestade e no mesmo desenvolvimento lógico. Agita-se o mundo das causas primeiras, que movimentam seus exércitos constituídos de poderes imponderáveis, que tomam forma no desencadeamento dos elementos destruidores, manifestação da rebelião de Satanás. A estes contrapõem-se outros exércitos, constituídos de potências espirituais, o braço direito de Deus, com que Ele fulmina os maus, rebeldes à Sua ordem. A evolução não é tranqüila ascensão pacífica, mas luta cruenta, em que Satanás se empenha a fundo, para permanecer rebelde e para não ser destruído.

Entoa-se assim entre o céu e a terra uma orquestração de poder cósmico. Debatem-se na Terra exércitos de homens e demônios, guiados por formas monstruosas. Mas outros exércitos lutam no céu, feitos de Anjos, e as forças do bem e do mal se medem, e só Deus, o grande general, dirige a batalha. Esta abarca o universo, transcende do plano físico ao plano moral, e deste aos mais altos planos espirituais. Treme todo o edifício do cosmos, sacudido desde os alicerces. O pensamento de Deus, relampejante, guia a ação; Sua vontade emite centelhas de cósmico poder, as quais, exprimindo Sua ação na batalha, cintilam e ferem, ora aqui ora ali, descendo até o espaço e o tempo, em nosso mundo concreto, e fulminando os rebeldes. As falanges celestes movem os elementos num desencadear terrificante. Responde sobre a Terra o desencadear das forças do mal. A humanidade está presa entre dois fogos, sem escapatória, fugitiva, destruída. É a hora do Juízo, a hora em que será feita justiça. O mal já se aproveitou muito, e tanto se orgulhou disso, como de uma vitória sua, que ousou subir os degraus do trono de Deus, e de desafiá-lo face a face. A medida está cheia. Uma bondade ulterior não é compatível com a ordem e o bem. A ordem tem que ser reconstituída, para não acabar no caos. Os bons esmagados, vilipendiados, atormentados, devem ser reerguidos à sua dignidade de filhos de Deus, que lutaram e deram seu sangue para reascender, e portanto mereceram o auxílio. E Deus lhes estende o braço de Seu poder e os reergue para o alto. Esta é a hora da justiça. Fecham-se as portas da misericórdia, detém-se o porvir, pára e conclui o caminho da evolução, e então se fixam as posições conquistadas por cada um, no longo caminhar, e são feitas as contas, para cada um, segundo o que lhe cabe de direito, por suas obras. É a hora do juízo.

O Apocalipse fala de plenitude dos tempos. Estamos hoje nessa plenitude dos tempos. Deus se exprime no pensamento e na vontade da história, como uma onda que tudo arrasta e que se impõe aos homens e aos acontecimentos, e pende como um destino ameaçador sobre o mundo, porque a medida de suas iniqüidades está cheia e esta é a hora de prestar contas. Vivemos em tempos apocalípticos, em que a Lei deve cumprir-se. Por muitos séculos esperou Cristo a realização de seu Evangelho. O Reino de Deus tem que chegar, custe o que custar. Não é concedido ao homem o poder de tornar vã a vinda de Cristo sobre a Terra. O drama do Apocalipse é nosso, deste nosso tempo. As forças do mal chegaram até diante do trono de Deus e, orgulhosas disso, seguras de vencê-Lo, lançam o último ataque contra Ele mesmo. O olho de Deus, sempre aberto, olha e ainda espera. Mas a hora de Sua cobrança está próxima, porque chegamos à madureza do tempo e o Deus invencível se prepara para Seu triunfo. Ele é sempre o centro de tudo e, no meio da grande batalha, tem em mão o cetro de comando, para que o bem vença e os bons triunfem.

Achamos, hoje, no Apocalipse, uma tremenda ameaça para os maus e uma grande promessa para os bons. Já vimos no volume «Deus e Universo», que a destruição final dos primeiros, se não se converterem ao bem, faz parte integrante do próprio sistema. Está, portanto, garantida a vitória dos segundos. Ela é a vitória de Deus. O fim do mal significa também o fim da dor, e outra saída não pode haver no extremo da caminhada. Relegar Satanás e os maus, num inferno eterno, não é ato digno de Deus, já que não podemos admitir que Sua criação possa ter, nem mesmo apenas em parte, um fim tão desgraçado. A esta sua destruição final o Apocalipse alude, como veremos, (Ap. XX:14-15) quando nos fala da segunda morte, para todos os que não foram achados escritos no livro da vida (Deus e o Bem).

Doutro lado, para os bons, o Apocalipse conclui com sua felicidade e triunfo nos céus, num tripúdio* de aleluias diante do trono de Deus. Esta é a inevitável solução do conflito, inevitável porque está implícita no determinismo, o qual, como vimos, está implícito da perfeição da Lei. Ora, saibam os bons, para seu conforto e esperança que, quando tudo tiver sido feito para salvar os maus, estes, livres por sua própria natureza, se quiserem ainda permanecer rebeldes, serão destruídos. Então os bons triunfarão. Este é o conforto que o Apocalipse traz aos bons. E saibam os maus que se eles persistirem na revolta, espantosas provas os esperarão, até que sejam eliminados. Este é o aviso que o Apocalipse traz para os maus. Isto tem a função de confortar os bons, para que tenham coragem e perseverem, e de avisar aos maus para que invertam a rota. São assim oferecidos a cada um todos os meios, para subir até o bem. O Apocalipse, assim, se pode parecer um livro duro de ameaças, pela férrea realização da Lei, é ao invés um livro imparcial de justiça; porque se a prova que ele prediz é uma solução trágica para os maus, para os bons esta é apenas um deserto de sofrimentos que tem que ser atravessado, para atingir a inefável alegria de reviver em Deus.

Confortem-se, pois, os bons, porque, se hoje vivemos nos duros tempos apocalípticos, eles têm consigo este grande livro, hoje, como nunca, atual, que os sustentará nas provas, com a visão das grandes metas que devem ser alcançadas. E constitui uma maravilha da ordem que tudo rege, que o mesmo cataclisma, enviado por Deus à Terra, possa servir para sanar e reorganizar tudo — ou seja, como agente de depuração do mundo, dos maus que assim são eliminados do terreno que eles infectavam — e ao mesmo tempo, como uma prova para maior purificação dos bons, para que mais cedo e melhor possam eles tornar-se aptos a ascender para os planos mais felizes da vida. A Terra, com o homem qual é hoje, não pode ser lugar de paraíso, tão involuído é seu ambiente. Felizes os que o consideram apenas como um purgatório, para purificar-se e subir! Os bons, portanto, nada têm que temer dos tremendos presságios do Apocalipse, porque estes não lhes dizem respeito, mas só aos maus. Embora estejam todos misturados, juntos, Deus saberá executar a delicada operação cirúrgica de cortar fora os maus, salvando os bons. Estes, até exultem, porque o Apocalipse lhes recorda que, por mais que na Terra reine o mal e pareça vencer, o bem é rei do universo; que por mais cruenta que seja a luta entre Deus e Satanás, Deus é o mais forte e estes bons vencerão com Ele; recorda-lhes que o dia da destruição dos maus será o dia da ressurreição para os bons; que por mais que domine na Terra a injustiça e a desordem, há planos de vida muito mais altos, a que os bons, purificando-se na dor, chegarão, e nos quais reina justiça e ordem. Recorda-lhes que, no fim, cada um receberá segundo seu merecimento, e não de acordo com sua prepotência, porque o verdadeiro senhor não é o homem, mas Deus que, por trás da história, está Sua sabedoria, que salva tudo do egoísmo humano. Recorda-lhes que virá a justiça tão invocada, que reparará todos os erros, virá a verdade tão procurada, que varrerá para sempre todas as mentiras.

Se aqui na Terra tudo é imperfeição, no alto estão os planos perfeitos de Deus, e o sistema da Lei, feita de bondade, dirige tudo e nada lhe pode escapar. Em nenhum livro, tanto como no Apocalipse, se sente a bondade férrea de Deus que, no momento oportuno, impõe justiça; se sente Sua invencível potência, a impor que seja respeitada a ordem; se sente, como na hora da criação, a gigantesca presença de Deus, que retoma em suas mãos as rédeas do universo, não mais para lhe dar o primeiro impulso, mas para concluir a longa caminhada seguida e julgar. A luta cósmica entre o bem e o mal chega ao seu epílogo e se resolve na vitória de Deus sobre todas as forças, que assim são reconduzidas do caos à Sua ordem. Os problemas primeiros e últimos se reúnem na mesma solução. A última palavra do tema cósmico é o trovão do poder de Deus, é o lampejo de Seu pensamento triunfante. Assim a sinfonia se realiza. Sua orquestração é um perfeito processo lógico, em que se desenvolve o funcionamento orgânico do universo, no transformismo evolutivo, até este triunfo final do bem, até nos planos mais altos, lá onde a vida é vitória do espírito.


Capítulo VII
O APOCALIPSE

(2.ª Parte)

Examinemos, agora, mais de perto, o texto do Apocalipse. Lendo-o segundo o espírito, mais do que segundo a letra, veremos seu verdadeiro pensamento, que é claro em suas grandes linhas. Esse pensamento é o mesmo que o da primeira mensagem espiritual, de Natal de 1931, com que se iniciou nossa primeira Obra. Com o Apocalipse, que apenas agora conhecemos, verificamos que ele nos repete o mesmo pensamento central que vimos desenvolvendo, desde aquela mensagem até agora, pensamento do qual uma grande profecia nos dá a mais clara confirmação.

Transcrevemos a mensagem de Natal, outra vez citada em parte no cap. IV: «.... O homem chegará a um tal sentimento de orgulho e força, que os trairá... Vejo uma elevação da tensão, lenta mas constante, que preludiará o inevitável estouro do raio. A explosão é a última conseqüência de todo o movimento... Em outras ocasiões, os cataclismas da história podiam ficar circunscritos; mas agora não ......

«Mas a destruição é necessária. Será apenas destruição do que é forma, incrustação, cristalização, de tudo o que deve cair, para que fique apenas o conceito que resume o valor das coisas. Um grande lavacro* de dores é necessário, para que a humanidade torne a achar o equilíbrio que livremente violou; grande mal, condição de um bem maior».

«Depois, a humanidade purificada, aliviada, mais selecionada por ter perdido seus piores elementos, agrupar-se-á em torno dos desconhecidos que hoje sofrem e semeiam em silêncio e recomeçará, renovada, o caminho ascensional. Começará uma nova era, em que dominará o espírito, e não mais a matéria, que estará reduzida à escravidão. Então aprendereis a ver-nos e nos ouvireis; nós desceremos em multidão e vós vereis a verdade».

* * *

Para facilitar sua compreensão, poderemos dividir o Apocalipse em três partes.

A 1.ª parte contém avisos às sete igrejas da Ásia Menor e abrange os três primeiros capítulos do Apocalipse.

A 2.ª parte descreve a grande luta entre o bem e o mal, até a chegada do prometido Reino de Deus. Este é o trecho maior do Apocalipse, o que mais se relaciona conosco, porque toca nosso tempo e o futuro próximo. Vai do capítulo IV ao XIX.

A 3.ª parte refere-se a um futuro remoto, até o juízo final, e vai do capítulo XX ao XXII, que é o fim.

Antes de ouvirmos o Apocalipse, orientemo-nos. O caminho da evolução do pensamento religioso humano pode dividir-se em três etapas ou idades:(4)

1.ª idade, de Deus como senhor. É a idade anterior a Cristo. Temos um Deus forte, terrível, guerreiro, vingativo, ciumento, protetor apenas de seu povo. É o Deus dos exércitos. Deve-se-Lhe obediência servil, só pelo medo que inspira, sem compreensão nem amor, por desapiedada lei de talião. Época violenta e feroz, em que o homem, em seu estado involuído de egocentrismo estreito e de dura insensibilidade, não podia responder senão pelo egoísmo, interesse ou temor de seu prejuízo, seguindo seus instintos de guerra, nem sabia obedecer, só compreendendo a força e o comando absoluto do mais forte. Só por isso Deus é respeitado, só porque é o mais forte e porque, como tal, tem o poder de punir. Não fora o mais forte, todos se revoltariam contra Ele. Amor e compreensão ainda não nasceram na alma humana. Os povos não podem compreender senão a obediência cega, pela força e pelo terror.

2.ª idade, de Deus Pai. É a idade depois de Cristo até hoje. Temos um Deus bom e mais pacífico, mais universal. Deve-se-Lhe obediência filial, por amor e fé. Ele pune, não por vingança, mas por justiça, e para ensinar, conhece a bondade, a misericórdia e a providência do pai para com seus filhos. Ele aproximou-se de nós em compreensão e amor, conceitos que dantes eram ignorados. Foi isto possível pela maior evolução humana, pelo que pode fazer-se apelo ao sentimento e ao coração, forças antes desconhecidas e latentes, e só hoje chamadas a agir. Pode apelar-se também à cultura e à inteligência, e surge uma doutrina e uma teologia, uma reorganização filosófica. Época também da codificação, trabalho particularmente de defesa e conservação das verdades reveladas. Mas também época de mistérios, em que se deve crer sem explicações racionais, época dos dogmas, da disciplina obrigada do pensamento, sem o que, sendo o homem o que é, não se manteria a ordem. Ele não sabe ainda guiar-se de per si, por livre compreensão e necessita de uma coação, ainda que seja apenas moral, para não perder-se na anarquia.

3.ª idade, de Deus em nós. É a idade do Reino de Deus, na Terra, da Nova Civilização do Milênio, a civilização do espírito. Deus sai dos templos fechados e revela-Se presente em cada alma pura. Temos um Deus amigo, com quem nos unimos em colaboração, porque compreendemos que, fazer Sua vontade significa nossa felicidade. Ele tornou-se mais do que vizinho a nós, que nos fundimos nEle, porque em nós, pela evolução, ocorreu um despertar, pelo qual adquirimos a consciência de que Ele está em nós e de que nós estamos nEle. Desaparecem não só as coações da força da 1.ª idade, mas também as morais da 2.ª idade, porque o homem progrediu e tornou-se capaz de guiar-se a si mesmo, por livre compreensão, sem necessidade de constrangimentos, para que a ordem seja mantida. A disciplina é livre, feita apenas de inteligência e amor, porque o homem compreendeu. Caem os mistérios e os dogmas de fé, porque sensibilidade, cultura e inteligência estarão mais desenvolvidos no homem, que poderá intuir a verdade diretamente, por si, sentir a presença de Deus, ou pelo menos entender por meios racionais, as verdades que serão todas claramente demonstradas, porque a época dos véus e das exclusões iniciáticas já terão terminado. Esta será a época da luz do espírito, do conhecimento, da obediência, livre porque convicta. Por evolução, o Reino de Deus nascerá em nós como um despertar. Deus, então, não pune mais, mas cada homem se corrige a si mesmo, pela necessidade de harmonizar-se à Lei na qual unicamente reside a felicidade. Época da liberdade consciente, da disciplina espontânea, da convicta adesão à ordem de Deus.

Esta ascensão é lógica, como o é o desenvolvimento de uma semente. Assim se passa do terror da primeira idade, à fé da segunda, ao conhecimento da terceira; passa-se de um regime de força, a um de amor, e enfim a um de inteligência e espiritualidade. É um processo de liberação progressiva, que só pode realizar-se quando o permitir a evolução humana. Tudo é função dela. As religiões não podem ser nem mais altas, nem mais livres, do que é a natureza humana, que abaixa tudo, até o conhecimento de Deus, ao seu nível. Este último salto para a espiritualização é o grande acontecimento que nos aguarda no fim deste milênio e na alvorada do terceiro, é o grande acontecimento da instauração na Terra do Reino de Deus. É isto, justamente, o que nos anuncia o Apocalipse.

* * *

Comecemos, então, o exame da segunda parte do Apocalipse. Nos primeiros dois milênios, a obra de Cristo na Terra foi uma fase preparatória do próximo advento do Reino de Deus. Nesta fase devia realizar-se: l.º a experimentação biológica dos novos princípios do Evangelho, para que a vida, evoluindo, conseguisse aos poucos aprender e, ao menos uma pequena parte, a eles adaptar-se; 2.º, a assimilação, para que ditos princípios novos começassem, com a repetição e a técnica dos automatismos, a fixar-se um pouco nos instintos; 3.º, a conservação do patrimônio espiritual herdado, para que as verdades reveladas pudessem, através das tempestades dos séculos, chegar intactas aos novos tempos. Desta fase preparatória, passa hoje à realização. Se, na penetração do Evangelho na vida, pouco se fez em 2.000 anos, ele continua entretanto a amadurecer nas almas, continua sua obra de elaboração interior, para que o mundo ressurja, na aurora do terceiro milênio, tal como Cristo ressurgiu na aurora do terceiro dia.

Mas esta vitória dos seguidores, nos quais se personifica o pensamento de Cristo na Terra, não é pacífica. É ao contrário uma luta gigantesca, a qual, no entanto, é apenas o momento terrestre de uma batalha cósmica, em que se agita e treme o universo. É luta de Satanás contra Deus. O Apocalipse narra-nos suas vicissitudes. Eis o esquema geral. Até certo momento, Deus olha e espera, deixando o homem livre para experimentar, a fim de que aprenda. Esta é a livre ação dos homens contra Deus (os primeiros 4 selos). Há depois a ação oposta dos amigos de Deus (5.º e 6.º selos). E finalmente há a ação direta de Deus que, saturada a medida, intervém diretamente, breve, instantâneo. «Está feito», diz o Apocalipse. O reino de Satanás é destruido, e Deus venceu. Esta é, nas grandes linhas, o plano da 2.a parte do Apocalipse, a de que agora nos ocupamos.

Tudo isto é expresso com 4 símbolos maiores: os selos, as trombetas, os portentos, as taças da ira de Deus. Esses símbolos, cada um em número de sete, exprimem o desenrolar-se da ação da grande batalha. O mesmo ritmo, com que avançam esses símbolos, várias concordâncias em seu conteúdo, e até idênticas palavras às vezes repetidas no mesmo ponto de seu ciclo, autorizam-nos a entender estes quatro símbolos, como expressão diversa, segundo vários mirantes, dos mesmos acontecimentos. Quisemos, por isso, emparelhar selos, portentos, trombetas e taças, para ler neles os mesmos fatos, mais bem demonstrados em aspectos diferentes.

Imaginemos o Apóstolo João, que já pousara a cabeça no peito de Jesus e o vira morrer, velho, após uma vida de ação e paixão, orando a Deus de joelhos, diante das florestas da ilha de Patmos, com a cabeleira desgrenhada pelos ventos do mar e a alma presa na tempestade imensa das vicissitudes do mundo. Arrebatado na imensa visão, supera o tempo e o espaço e projeta seu olhar fulgurante no futuro. Olham-no os céus luminosos do oriente fantástico, e mais no alto, o olho de Deus, diante do qual ele treme e se inclina, ora, humilha-se e se incendeia. Ouve então uma voz que lhe diz : «O que vires, escreve-o num livro....». E ele viu e narrou: «...e vi, e depois disso, vi....».

Começa assim o Apocalipse. Abrem-se os céus. «Eu sou o alfa e o omega*, diz o Senhor Deus, o que é, que era e que será, o Onipotente». Eis que aparece a visão do trono de Deus, diante do qual se eleva o cântico: «Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Onipotente»... João vê na direita d’Aquele que estava sentado sobre o trono, um livro fechado e selado com sete selos. O Divino Cordeiro toma-o da mão direita d’Aquele que estava sentado sobre o trono e o abre, rompendo um selo após o outro. João olha e conta.

Assim, após este prelúdio poderoso, começa a desenrolar-se a história espiritual do mundo. Soam as sete trombetas, aparecem visões terrificantes, monstros espantosos, rasgam-se os céus donde chove destruição, e sete anjos derramam sobre a Terra as sete taças da ira de Deus, aniquilando os exércitos do mal. No entanto, os bons têm paciência, são escolhidos, reúnem-se e, enquanto ruem todas as suntuosas construções de Satanás, cantam por fim sua vitória no céu, Cristo chefiando-os triunfa e Satanás é acorrentado. Verdadeiramente, as portas do inferno não prevalecerão. Desenrola-se a ação ao mesmo tempo na terra e no céu, que se fundem num único drama. E é este seu epílogo feliz: após uma luta apocalíptica, um final cósmico em que lampeja a potência vingativa de Deus. Se o livro é terrificante em suas vicissitudes e pode parecer uma cruel e desapiedada mensagem da ira de Deus, na realidade ele narra a história da salvação do mundo, por aquela inteligência que tudo guia, imposta à multidão humana que, desesperadamente, luta para destruir tudo e perder-se, enquanto é absoluta a vontade de Deus que tudo seja reconstruído.

Mas sigamos as vicissitudes mais de perto. Os selos são abertos um a um. E eis que aparecem os quatro famosos cavalos do Apocalipse; primeiro o cavalo branco, depois, no selo seguinte, o vermelho, depois o negro, e enfim o pálido ou verde-amarelado, quando se rompe o quarto selo. As personagens começam a aparecer na cena, mas ainda não agem, deixando-se apenas identificar por suas notas características. A tempestade ainda não explodiu e tudo está à espera. A estas quatro figuras foram dadas as mais diversas interpretações. Tentemos uma também nós, mas tendo presente que, neste ponto, saímos do terreno sólido da certeza, para entrar no das probabilidades. Ofereceremos pois tudo como hipóteses, porque assim exige a mentalidade moderna. Entretanto, teremos em conta todas as razões positivas que corroborem essa hipótese.

Para conseguir melhor nosso intento, faremos, como dissemos acima, um paralelo entre estes quatro primeiros selos e correspondentes prodígios, isto é, entre o cap. VI (1 a 8) e os cap. XII e XIII inteiros, do Apocalipse. Referiremos mais particularmente à mesma primeira personagem, tudo o que se relaciona como o cavalo branco do 1.º selo e o dragão do primeiro prodígio (cap. XII). Depois referiremos à segunda personagem o que se diz do cavalo vermelho do segundo selo e da besta que saiu do mar (cap. XIII - 1 a 10). Enfim, referiremos à terceira personagem o que se diz do cavalo pálido do quarto selo e da besta que saiu da terra (cap. XIII - 11 a 18). O terceiro selo (cavalo negro) nós explicaremos, mais tarde, porque o deixamos para o fim. Estes dois ciclos parecem-nos paralelos e sua função indicar-nos-á melhor a personagem. No fim deste seu primeiro período, em ambos os casos, entram igualmente em cena os bons, cantando hosanas diante do trono de Deus, e no segundo caso é repetido o número exato, 144.000 dos escolhidos, como no primeiro. Tudo isso dá a impressão de que se trata do mesmo acontecimento, narrado em duas formas diferentes.

Sem entrar em pormenores, coincidências e razões, que cada um pode achar e analisar por si, daremos ao cavalo branco o valor de símbolo do imperialismo inglês; ao cavalo vermelho o símbolo da Rússia soviética, ao cavalo negro o da Alemanha de Hitler, e ao cavado pálido o dos Estados Unidos da América. Esta interpretação tem a vantagem de referir-se ao momento histórico atual, que é o que mais nos interessa. Vejamos agora nos selos as quatro personagens em pé, até a última guerra mundial. Nos prodígios, o ponto de vista seria em relação ao nosso atual presente, em que o cavalo negro ou Alemanha do Eixo desapareceu, porque caiu e foi aniquilado. Só permanecem de pé os outros três, isto é, Inglaterra, Rússia e Estados Unidos, que achamos nos três prodígios, na forma de dragão, da besta que saiu do mar e da besta que saiu da terra. Estas três potências são hoje as senhoras do mundo e guiam os acontecimentos.

Para justificar esta individuação, trabalho que nos levaria a um exame muito detalhado das características particulares dos símbolos que representam essas personagens, baste-nos apenas recordar que o dragão é poderoso e no entanto se arrasta como serpente, que é o símbolo da astúcia enganadora. A besta representa claramente a animalidade involuída, em antítese com o espírito, aquela para a qual apela o materialismo moderno que se baseia apenas no bem-estar do corpo. As duas personagens são apenas duas bestas diversas, isto é, duas formas de materialismo, idênticas na substância, que é a de apegar-se só às coisas da terra, única finalidade da vida. Tudo isto em antítese ao reino do espírito, em que se apreciam outros valores.

Para justificar a individuação paralela correspondente ao dragão (cap. XII), isto é, o cavalo branco ou Inglaterra, recordemos as palavras que a respeito desse cavalo, diz o Apocalipse: «...e lhe foi dada uma coroa e saiu, como vencedor, para vencer». Pela primeira besta, ou cavalo vermelho, ou Rússia soviética, diz o Apocalipse: «...foi-lhe dado poder de tirar a paz da Terra, de tal forma que os homens se matassem uns aos outros, e lhe foi dada uma grande espada». Para o cavalo negro, ou Alemanha do Eixo, o Apocalipse fala de medida e limitação de víveres, como na última guerra bem se experimentou. Para a segunda besta ou cavalo pálido, ou Estados Unidos, fala o Apocalipse de morte e destruição, e estas foram lançadas sobre a Europa a mancheias. Além disso, as cores vermelha para a Rússia, e negra, cor do Eixo, são evidentes. Os Estados Unidos aparecem também no último, no 4.º selo, como apareceram na última guerra.

Observemos, agora, as qualidades do 2.º prodígio, isto é, da besta que saiu do mar (Ap. XIII, 1 a 10) para ver se concordam com as da mesma personagem, ou seja, a Rússia soviética, expressa no 2.º selo ou cavalo vermelho. Besta quer dizer materialismo, como vimos, e o mar significa os povos, nações, línguas (ap. XVII, 15). Depois, o texto diz: «...e vi uma de suas cabeças como ferida de morte: mas sua chaga mortal foi curada». Isto podia significar a salvação de um grande golpe que ameaçou a Rússia, em Stalingrado. E o texto acrescenta: «...e lhe deu o dragão seu poder e seu trono e grande poder... E toda a Terra ficou arrebatada de admiração pela besta. E adoraram o dragão, porque dera autoridade à besta e adoraram a besta dizendo: Quem é semelhante à besta e quem pode concorrer com ela? ...»

Com efeito, não foi o recente poderio da Rússia devido ao apoio inglês (dragão), que depois convenceu os Estados Unidos a fazer o mesmo? Seguiu-se a fé fanática das massas pela ideologia comunista e todos adoraram os vencedores: materialismo, Inglaterra, Rússia. O texto prossegue: «...E abriu sua boca blasfemando contra Deus, blasfemando Seu nome .... e lhe foi dada faculdade de fazer guerra aos santos e de vencê-los....». O ateísmo russo é conhecido e bem assim sua campanha anti-religiosa. Importante que, depois de ter dito: «....e lhe foi dada faculdade de agir por 42 meses....»(5) vem a conclusão: «...se alguém tem ouvidos, ouça. Se alguém prender alguém, acabará preso; se matar à espada, será fatalmente morto à espada...». Eis, pois, como deverá acabar a Rússia: na auto-destruição. Este conceito faz parte da Lei e do sistema ilustrado nestes volumes, conceito amplamente explicado alhures. «Quem usa a espada, perecerá pela espada», norma evangélica que é lei de vida, que nenhuma força humana poderá deter. O Apocalipse conclui: «...Aqui está o sofrimento e a fé dos Santos». Os bons, pois, tenham coragem, que o mal não pode absolutamente vencer; existe a justiça de Deus e ninguém pode detê-la.

Observemos, agora, as qualidades do 3.º prodígio, ou seja da besta que saiu da terra (Ap. XIII, 11 a 18) para ver como concordam com as da mesma personagem, isto é, os Estados Unidos da América, expressas no 4.º selo ou cavalo pálido. Vimos que o cavalo negro do 3.º selo, ou Alemanha, desapareceu da cena política do mundo. Essa besta é outra forma de materialismo, que sai do poder da terra, riquezas do solo e indústrias. Diz o texto: «...e falava como um dragão...». Ou seja, a mesma língua inglesa. «...e todo o poder da primeira besta, ela o exercitava diante dela...», apresenta já realizados, de fato, os sonhos de bem-estar do comunismo russo. «....E fez que a Terra e seus habitantes louvassem a primeira besta, de que fora sanada a chaga mortal....». Foi pelo auxílio dos Estados Unidos que a Rússia se tornou vitoriosa e grande. «....E fez prodígios grandiosos, tanto que fez descer fogo do céu sobre a terra...». Eis as fortalezas voadoras, as bombas atômicas, as novas descobertas científicas... «...E fará que ninguém possa comprar nem vender, se não tiver a marca, (ou seja) o nome da besta e o número de seu nome....». Isto é, domínio completo do dólar sobre tudo. O capítulo conclui com o famoso número 666. Calculando-se segundo o alfabeto hebraico, esse número diz Nero. Mais tarde, foi dada a essa cifra, segundo os casos, o significado de uma quantidade de personagens históricas. Talvez seja um número de fantasia, para dizer que muitas personagens igualmente más, se apresentarão até o fim da história. Mas tudo isto é trabalho para adivinhos, terreno em que não podemos entrar.

* * *

Neste ponto, ocorre, em ambos os ciclos, uma mudança de cena. Até aqui, assistimos à descrição de personagens em suas características e feitos passados. Agora temos um entre-ato, em que entram em cena as personagens das fileiras opostas, os soldados de Deus. Abre-se o 5.º selo. Os bons apelam para que se faça justiça e lhes é respondido que ainda fiquem quietos por breve tempo, até que seja completado o número de seus irmãos sacrificados. Ao abrir-se do 6.º selo, inicia-se a preparação espiritual dos soldados de Deus, a qual contrabalança a preparação material de Seus inimigos. Isto é necessário, porque se aproximam as grandes provas, que explodirão ao abrir-se do 7.º selo. Temos uma breve pausa, antes de desencadear-se a grande tempestade. Tudo faz pensar que esta pausa seja a hora presente. É um momento de espera em que as forças contrárias se preparam, medem-se, tomam o impulso para lançar-se uma contra a outra. Deus olha e espera, deixa-nos a todas as nossas experiências, que pretendem dispensá-lo. Os maus movem-se afoitos à conquista do mundo, e caminham para sua destruição. Os bons oram, tremem, esperam. Deus olha, deixa todos livres, mas tudo se escreve no livro da vida, de que nada mais se apaga, e pelo qual todo o mal se paga e todo bem frutifica. A Lei não tem pressa, pois o tempo não pode detê-la e nada pode escapar à sua sanção. Este exame que estamos fazendo do Apocalipse e de sua orientação, interessa-nos sobretudo porque parece dizer respeito ao nosso presente, e dá-nos uma chave para conhecer nosso futuro próximo. Estamos num período de parada, em que o homem continua suas loucuras, sem saber que espada de Dâmocles lhe pende sobre a cabeça. Um nervosismo dominante revela-nos que o instinto sente vagamente o aproximar-se da tremenda reação da Lei. Ninguém mais tem fé no amanhã, tão prenhe de ameaças é o presente. Com o 7.º selo iniciar-se-á, com efeito a série dos castigos, porque estamos próximos da hora em que Deus, já tendo esperado bastante, terá esgotado os oferecimentos de salvação e terá que intervir para que volte a ordem e a justiça seja feita.

Na abertura do 6.º selo vemos, portanto, duas manifestações opostas. Os maus desencadearam uma grande guerra. É obra deles, não ainda a de Deus. Paralelamente são escolhidos os bons para formar o contra-exército dos filhos de Deus. A tempestade procurada pelos maus toma o aspecto de um cataclisma natural: «...E todos se esconderam nas espeluncas* e rochas das montanhas...». Esta é a última tentativa para salvar-se das incursões aéreas, que desta vez serão atômicas. Doutro lado são retidos por um anjo, os ventos, para que estejam tranqüilos e nenhum dano causem enquanto não estejam marcados nas frontes, com o selo, os servos de Deus. E o número desses escolhidos será 144.000. (Sendo este número dado por 12 x 12 x 1000 = 144.000, e representando o número sagrado plenário, pode significar grande multidão). Forma-se, pois, multidão inumerável, de todas as raças, povos e línguas, diante do trono de Deus, multidão daqueles que vinham da grande tribulação; e Deus estenderá sobre eles Sua tenda.

Esta cena acha sua correspondência na de todo o cap. XIV do Apocalipse, que segue o 3.º prodígio da besta que saiu da terra, como vimos. Achamos aqui os mesmos 144.000, marcados na fronte. Repete-se a cena do cântico diante do trono. Estes são os escolhidos do exército de Deus. Continua o paralelismo num prolongamento de repouso. O cap. XIV continua com os anúncios feitos pelas quatro vozes de anjos. São os últimos acontecimentos, antes da catástrofe: «...Temei a Deus, porque chegou a hora do Seu juízo... Quem adora a besta e sua imagem e traz seu sinal na fronte ou na mão, beberá o vinho da ira de Deus, que está pronto no cálice de Sua cólera...».

Termina aqui o entre-ato. Continuemos a observar as duas narrações em paralelo. Na primeira delas chegamos finalmente à abertura do 7.º selo. Então houve um grande silêncio no céu. E foram dadas sete trombetas a sete anjos. Enquanto eles se preparam para tocar as trombetas, eleva-se de um turíbulo de ouro o incenso diante do trono, com as orações dos santos, e sobe a fumaça do incenso com suas orações até Deus. É o momento solene em que começa o desencadear-se da justiça divina. Tocarão agora, de seguida, as sete trombetas e a cada toque seguir-se-á um flagelo sem escapatória, numa tempestade, até o 7.º toque. Então tudo muda e, como na abertura do sétimo selo explodira o cataclisma, (as sete trombetas), assim ao 7.º toque tudo se acalma e o 7.º anjo e outras vozes anunciam: «O reino do mundo passou ao Senhor nosso e ao Seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos». Eleva-se uma oração: «Agradecemos-Te, Senhor Deus onipotente, porque assumiste Teu grande poder e começaste a reinar... veio Tua ira... e o momento de premiar Teus servos... e de destruir os destruidores da Terra». (Ap. XI, 15 a 18).

Observemos outra narração paralela. Também aqui terminou o entre-ato e explode a catástrofe. Após as últimas advertências das quatro vozes (Ap. XIV, 6 a 13), há ainda um prolongamento de espera com novos anúncios. E outro Anjo grita ao divino Justiceiro, que aparece sobre uma nuvem: «...Apanha tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, porque a colheita da Terra já está seca». Outro Anjo grita: «...Apanha tua foice afiada e colhe os cachos da vinha da Terra, porque suas uvas estão maduras...». Então, à semelhança dos 7 anjos com as 7 trombetas, aparecem outros 7 anjos com as sete taças de ouro cheias da ira de Deus. Mas, também aqui, como na outra narração, antes que se passe à ação, se eleva um cântico a Deus (Ap. XV, 1 e seguintes), glorificando-O e adorando-O. Todas as nações se prostrarão diante dele, porque manifestou Seu juízo. É a hora de prestar contas. Os 7 anjos tomam as 7 taças. Enche-se o santuário de Deus da fumaça de Sua glória e de Seu poder; e ninguém poderá aí entrar até que tenham sido derramadas as 7 taças. É o momento solene em que começa o mesmo desencadear-se da justiça divina, como para as 7 trombetas. Derramar-se-ão de seguida, sobre a Terra, as 7 taças da ira de Deus, e a cada taça seguir-se-á um flagelo sem escapatória, numa tempestade gigantesca, até à 7.ª taça. Tudo foi merecido. As taças são esvaziadas sobre a terra, sobre o mar, depois sobre os rios e as fontes, depois sobre o sol, sobre o trono da besta, no próprio ar. Torna-se tudo de sangue e de fogo, seca, arde, adoece, rui numa queda universal. À sétima taça, aqui também, a ação se detém, como na sétima trombeta, e uma grande voz sai do Santuário, do lado do trono, dizendo: «Está feito». Tudo é claro, conclusivo, os inimigos de Deus não existem mais, o drama está completo com a vitória de Deus, o reino de Satanás foi destruído, aponta a alvorada do novo Reino de Deus. Este momento, expresso pela palavra: «Está feito», corresponde ao do 7.º toque da trombeta que anuncia: «O reino do mundo passou ao nosso Senhor e a Seu Cristo, e Ele reinará nos séculos dos séculos».

* * *

Esta poderia ser uma interpretação do conceito central do Apocalipse, sobrevoando sobre os pormenores, mas apanhando claramente o que há de mais importante, que se referiria de modo impressionante aos nossos tempos. É admissível, também, que numa revelação profética, proveniente por inspiração de dimensões superiores, a sucessão no tempo possa ter sido dada de modo pouco exato, em nosso plano de vida, justamente porque o profeta não pode deixar de perceber tudo como num estado de concomitância. Explica-se, assim, certa mistura de pormenores e a repetição da mesma visão como projetada em dois tempos diferentes que, à primeira vista, poderiam a nós parecer sucessivas. De qualquer modo, apresentamos tudo isto ao leitor moderno positivo, apenas como hipótese, que ele poderá controlar e também não aceitar. Mas esta nos pareceu a maior aproximação hoje possível de uma interpretação, racionalmente conduzida, do Apocalipse aos tempos atuais. Sozinha, talvez não fosse suficiente a explicá-los. Mas corroboraremos esta afirmação com as previsões de outras profecias e das Pirâmides. E quando virmos tudo concordar, permanecendo logicamente enquadrado no sistema da Lei, até agora explicado, estas afirmações serão mais aceitáveis, mesmo para o homem positivo moderno.

A substância do raciocínio é simples e nestes livros foi dito e repetido. Tudo é dirigido por uma lei que representa o pensamento de Deus. Assim, além da pequena liberdade humana, existe um determinismo inteligente histórico, que guia os acontecimentos. O homem hoje tomou a posição de Satanás, rebelde à Lei. É natural que o sistema lhe caia em cima. Explicamo-lo no volume «Deus e Universo». Dada sua orientação, o homem hoje se acha na posição de abandonado por Deus que, no entanto, respeita a sua liberdade, não o força, mas se retrai. E diz: «Quereis experimentar a força? Experimentai-a. Mas avisei-vos de que, quem usa a espada, perecerá pela espada. Credes nos exércitos e nas armas? Provai-as. Não quereis o amor evangélico e só concordais numa coisa: na mentira, no egoísmo, no trair-vos todos uns aos outros? Pagareis todos juntos. A punição, a realizareis vós mesmos, porque a trazeis em vós. Matar-vos-eis reciprocamente, porque a isso vos leva vosso próprio sistema. Quereis fazer do poder não uma função de vida e uma missão, mas um meio para esmagar indivíduos e povos? Fazei-o. Experimentai, experimentai. Sois livres. Assim vos massacrareis todos, mas, já que não sabeis aprender de outro modo, e precisa aprender, ireis à dura escola que escolhestes». Este raciocínio lemo-lo idêntico no Apocalipse, de modo que ele parece escrito de propósito para nosso tempo. E se parece feroz e sem piedade, não exprime todavia senão a exata conseqüência da livre mas louca conduta humana, no seio de uma Lei, cujas reações são fatais.

Estaremos agora no termo do período experimental da Lei, momento em que Deus já esperou bastante; as experiências humanas fazem-se cada vez mais, e agora desastrosas demais, para que não seja preciso uma intervenção superior para detê-las. O limite de elasticidade da Lei está quase sendo superado, quebram-se suas colunas protetoras e o sistema — como já ocorreu no princípio com a revolta de Satanás — desaba sobre os rebeldes que soçobram no caos por eles mesmos gerado na ordem de Deus. Soa então a hora do juízo, fazem-se as contas para que cada um tenha segundo suas obras e merecimentos. A esperada realização do Evangelho na Terra não deve ser frustrada mais tempo, a maldade e malícia humanas não podem mais ter por longo espaço o poder de tornar quase inútil a vinda de Cristo à Terra. A Igreja desempenhou sua missão de conservar sua preciosa bagagem, arrastando-a após si, através da tenebrosa época dos dois milênios. Hoje é mister realizar. No terceiro milênio, tal como Cristo no terceiro dia, é preciso ressurgir. Não basta a exceção dos Santos. O Evangelho deve apossar-se e penetrar a vida do homem, tem que inserir-se nas instituições sociais. Tudo nos diz que estamos na plenitude dos tempos. Já foram feitos bastantes anúncios e avisos. Estamos justamente nas pausas, ou entre-atos, que agora estudamos no Apocalipse, e que precedem o desencadear-se da tempestade? Quando se abrirá o 7.º selo e tocarão as trombetas, ou então se derramarão as 7 taças da ira de Deus? E que pode o homem sozinho, contra a grande inteligência que dirige a história e a vida? O certo é que, se foi reconhecida, nos planos superiores, a necessidade de uma intervenção direta de forças sobre-humanas, e se foi decidido executá-la, ninguém poderá detê-lo. Então a história disporá de tais forças que poderá realizar o que hoje nos parece inacreditável, isto é, a formação de novas correntes de pensamento e de diferentes tipos biológicos dominantes, a purificação da humanidade, custe o que custar, e a posse que ela tomará no seio de uma nova civilização do espírito no terceiro milênio. O que está fora de dúvida, é que acima das forças do mundo físico, conhecido pela ciência, há um mundo de forças que ela ainda ignora. Também fora de dúvida está, que o homem é uma pequenina formiga, agarrada a um grão de poeira cósmica, e nada pode contra essas forças. E está outrossim fora de dúvida, que nós não podemos negar a priori a possibilidade de acontecer em nosso tempo tudo o que o Apocalipse prediz. Como negar, mesmo cientificamente, que não pode haver relação entre forças morais e físicas? E quem pode dizer que a humanidade não esteja cometendo erros no terreno espiritual? Como afirmar que os poderes do pensamento não dirijam o mundo? E então, aos céticos, poderemos dizer: «E se tudo o que afirma o Apocalipse fosse verdadeiro»?

A visão da grande prostituta (Ap. XVII) é apenas um comentário e uma determinação de toda a visão. Esta mulher é a contraposição daquela vestida de sol, com uma cora de doze estrelas, contra a qual luta o dragão do primeiro prodígio, agora examinado. Se nesta alguns vêem a Igreja, ou até mesmo a Virgem Maria, na outra, Babilônia a grande, mãe das prostitutas, vêem a cidade de Roma de Nero, das 7 colinas e 7 imperadores (de Nero a Domiciano), outros o paganismo corrupto, outros o materialismo de nossos tempos, outros, como diz o Apocalipse, a riquíssima rainha dos mares, isto é, a Inglaterra protestante, vestida de trabalhismo e em conúbio com a besta. Mas, enquanto alguns católicos preferem ver aí o protestantismo, alguns protestantes aí vêem a Igreja de Roma, que lhes parece haver traído a missão de Cristo a ela confiada. Para outros, a grande prostituta é a Europa. Olhando seu mapa virado, a partir do nordeste, seu perfil sobre os mares pode dar a impressão de uma mulher sentada sobre a Rússia, que representaria a besta vermelha, como diz o Apocalipse, sobre a qual está sentada a grande prostituta. O braço direito seria a Itália, e com ele parece segurar um cálice (a Sicília), ao passo que o braço esquerdo seria a Inglaterra, a cabeça a Espanha, e o chapéu, Portugal. E Roma estaria no meio do braço direito. O cap. XVII que fala da prostituta, termina com este esclarecimento: «...As águas que viste, onde está sentada a meretriz, são povos e multidões, e nações e línguas...». E a Rússia teria justamente a tarefa sinistra de devorar a civilização européia. Esta interpretação provém, naturalmente, de escritores do lado americano do Atlântico, porque todos gostam de colocar o próximo nos erros e nos castigos, mas jamais a si mesmos.

Sem dúvida, em nosso tempo a ciência conseguiu conquistas inauditas. O automóvel, o rádio, a televisão, o domínio do ar, a descoberta da energia atômica, e até a previsão de uma possibilidade de explorações interplanetárias, representam uma tal conquista sobre as forças da natureza, que não se pode imaginar mais até onde possa chegar o homem. Há muitos elementos materiais para sustentar modos de vida absolutamente novos, num tipo de civilização de formas hoje incríveis. Os elementos-base para uma transformação radical de conceitos e hábitos, já estão em prática. Os fundamentos científicos e práticos de uma nova civilização já foram lançados com um entusiasmo sem precedentes, na conquista do tempo e do espaço, os dois grandes obstáculos ao livre movimento do homem. Sem dúvida, estas conquistas materiais reagirão, também, sobre o estado psíquico e espiritual da humanidade, ajudando-a a evolver.

Mas, infelizmente esse aumento de poderes é uma arma de dois gumes, porque, se não for acompanhado por um desenvolvimento paralelo de consciência, no terreno moral, pode representar um novo poder imenso de destruição colocado nas mãos de um inconsciente que, em sua inexperiência, não se sabe que uso possa disso fazer. Com a descoberta da energia atômica, o homem não se deu conta, ainda, de onde pôs as mãos, ou seja, de haver penetrado tão próximo à substância das coisas, tanto que se apossou da técnica da criação. Assim seus poderes cresceram sem medida, e se ele pode tirar vantagens proporcionais para seu bem, pode também sofrer dano, para seu mal. E é tão grande o novo poder, que lhe pode escapar das mãos inexperientes, sem que lhe seja possível mais controlá-lo, depois. E que dizer, quando esse poder não está, hoje, nas mãos dos sábios, mas de governantes que, por sua própria posição, estão enredados nas tristes artes da política? Que dizer, quando se sabe que esse poder está à mercê do egoísmo, do ódio, do interesse, do desencadear das mais baixas paixões? Que garantia de sabedoria podem ter, a esse respeito, governantes que só chegaram ao poder suprimindo os próprios rivais e mantendo-o com o terror? Se essa é a psicologia dos senhores dessas forças, pesa verdadeiramente sobre o mundo uma espada de Dâmocles, suspensa por um cabelo.

Se esse cabelo arrebenta, é a guerra. E a guerra de hoje tem as seguintes características: 1.º ameaça todos, mesmo os civis. É pois, também, guerra de nervos, é perigo e terror para todos; 2.º morrem todos, indistintamente, mesmo os inermes, numa hecatombe comum; 3.º é guerra em três dimensões; 4.º é guerra de todos os povos, porque mesmo os longínquos não-beligerantes se ressentem e saem dela com algum dano ou sofrimento; 5.º é guerra de extermínio, total, de aniquilamento, sem escapatória, em extensões vastíssimas.

Se arrebenta o cabelo da espada, ela cairá na cabeça da humanidade. Essas condições são tão catastroficamente ameaçadoras, que jamais se verificaram na história do mundo. Não serão estes os sinais indicadores da plenitude dos tempos, como dizem as profecias? Mas elas também dizem outra coisa: «Ora, quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para o alto e levantai vossas cabeças, porque vossa redenção está próxima... Quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Reino de Deus está próximo». (Luc. XXI, 28 e 31). Esses sinais prenunciadores de acontecimentos espantosos anunciam, então, também outra coisa, ou seja, a plenitude dos tempos, também no sentido de que deve chegar à Terra o Reino de Deus, isto é, se deva realizar o novo modo de viver, o tipo da civilização do terceiro milênio. Estamos, portanto, verdadeiramente na época extraordinária da qual falam as profecias e que culmina numa transformação radical do mundo.

Mas ainda há outro fato indicador, outro sinal dos tempos: é a queda dos mistérios. Estes aos poucos são todos explicados e aclarados pela ciência. Então poderemos repetir as palavras de S. Paulo na Epístola aos Hebreus (X, 26, 27 e 31): «Se pecamos voluntariamente, após ter conhecimento da verdade, não há mais sacrifício pelos pecados, mas uma espantosa expectativa do juízo... É coisa espantosa cair nas mãos de Deus vivente». Quando tudo estiver esclarecido e evidente, quem não quiser aceitar as verdades do espírito e obedecer à Lei, não poderá mais achar misericórdia, porque a não merece.

Poderão mudar e ser incertos os pormenores das previsões políticas, mas o que é certo é que o povo, grupo ou instituição que tiver pecado, terá que pagar. Esta é a lei certa. Cada um poderá deleitar-se em fazer o exame de consciência nos outros, antes que em si. A lei permanece a mesma. É inútil ter poder terreno, se há injustiça no espírito. Esse poder não poderá defender-nos e ruirá diante da Lei que quer justiça. Assim conclui o Apocalipse, no cap. XVIII: «Ai, ai da grande cidade, Babilônia a cidade forte! Num momento chegou o juízo!... Num momento, sua magnificência ficou reduzida a um deserto! Alegrai-vos por ela, ó céus, e vós santos e apóstolos e profetas, porque vos fez justiça Deus, com Sua condenação!»

Paralela a essa ruína do mal, corresponde o triunfo nos céus (Ap. XIX). A ruína na Terra foi completa. A voz de uma multidão imensa se eleva gritando: «...Aleluia! O Senhor fez justiça... Louvai nosso Deus!... porque o Senhor Deus começou a reinar». Chegamos ao epílogo, que é a vitória de Cristo. Satanás é acorrentado. Pode finalmente realizar-se na Terra o anunciado Reino de Deus. Tudo isto é de uma lógica constringente. É possível que o bem fique vencido pelo mal, Deus por Satanás, que a missão de Cristo, na Terra, naufrague assim, sem nenhum resultado? O próprio sistema da Lei tem uma lógica e, se tudo isso acontecesse, todo o sistema ruiria. E isto seria uma ruína muito mais fragorosa e desastrosa do que a queda das potências do mal, como o descreve o Apocalipse. Pois, se estas ruem, permanecem a salvação e a vida na ordem divina. Mas se a Lei, isto é, o sistema de Deus e do bem, se arruinam, só fica a destruição de tudo, pela precipitação definitiva do universo no caos.

* * *

O grande drama do Apocalipse está em seu epílogo e fecha-se, em sua terceira parte, com a cena grandiosa da ressurreição dos mortos e do Juízo Universal. Satanás está definitivamente derrotado. Diante do trono de Deus comparecem os mortos. Abre-se o livro da vida, em que tudo está escrito e cada um é julgado segundo suas obras. O mar entrega os seus mortos. A morte e o inferno entregam seus mortos. Depois «...a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo; esta é a segunda morte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida, foi lançado no lago de fogo» (Ap. XX, 14 e 15). Há, pois, uma absoluta destruição final, em que são anulados também a morte e o inferno, uma segunda morte, última e definitiva, em que são precipitados todos os que não foram achados escritos no livro da vida. E a vida é Deus. Então isto significa, os que não eram da parte de Deus e do bem. Eles são eliminados do sistema, anulados mesmo como espíritos. Esta não é a habitual morte do corpo, não é a normal decadência de todas as coisas, para renovar-se e evoluir. Não é a costumeira morte temporária, de que tudo ressurge. Esta é a segunda morte, a definitiva, do espírito. (6)

Chegamos ao limite da Lei, na hora em que o ciclo involução-evolução se fecha com o regresso a Deus, termina a cadeia das reencarnações, está completa a caminhada da reascensão, concedida por Deus ao ser decaído para redimir-se, cessa a possibilidade de erro e a necessidade da expiação. Está na lógica do sistema, que a experiência não possa ser procrastinada até o infinito, que o ser não possa ter à sua disposição a misericordiosa elasticidade da Lei e a paciência de Deus, para sempre. Seria um absurdo inadmissível, na ordem que tudo dirige, que se concedesse à liberdade humana, que ela se sobrepusesse à Lei e se substituísse a ela, ultrapassando os limites das próprias funções, para as quais, apenas, é admitida a liberdade, e assim subvertesse eternamente aquela ordem. Deve chegar a hora em que termina o tempo máximo concedido, para que o caminho da evolução tenha sido percorrido por aqueles que o quiseram percorrer, o tempo em que todos os auxílios foram dados, todas as possibilidades esgotadas, a hora em que se fazem as somas, e ficam de fora aqueles que, mesmo tendo-o podido, absolutamente não quiseram redimir-se. Então, tudo está terminado, pois o processo evolucionista atingiu suas conclusões. Detém-se então o tornar-se fenomênico, isto é, cada fenômeno não se prende mais ao seguinte, mas alcança finalmente sua última e definitiva fase, resolvendo-se na estase*, porque se esgotou o processo do tornar-se, e na cadeia... causa-efeito-causa..., não há mais anéis. Então para o transformismo, no tempo, termina toda possibilidade de recuperação e a escola se fecha.

Já então, por não terem mais sentido nem objetivo, acabam a morte, a dor, os estados de castigo, o inferno. Esgotados os parênteses da revolta e da desordem, tudo tem que voltar ao estado perfeito da originária felicidade, como Deus quis sua criação. O ciclo da descida e da reascensão está todo percorrido, quem quis redimir-se alcançou sua salvação e, mesmo tendo errado, aprendeu a grande lição do bem e do mal. Quem não quis redimir-se, dado que ninguém pode ser constrangido e que o rebelde não poderia permanecer indefinidamente aí, nem inqüinar* o sistema, este rebelde vem definitivamente expulso, com o aniquilamento de seu eu. Então é lógico que tudo o que era necessário num universos decaído, para tornar a subir a Deus — todos os instrumentos úteis para realizar a obra de reconstrução — não tendo mais objetivo de bem nem razão de existir, são eliminados, da mesma forma que a um edifício construído tiram-se os andaimes, que foram necessários para executar os trabalhos.

Deus só pode ser vencedor absoluto. Não poderia sê-lo com inimigos acorrentados, que eternamente clamassem contra Ele a voz de sua maldição, meditando uma revolta. A lógica impõe não só a vitória absoluta de Deus, mas, numa ordem que se tornou perfeita, como deve ser toda obra de Deus, também não se permite absolutamente a dissonância de vozes rebeldes, ainda que afastadas, e a presença de um tumor maligno à espera de arrebentar. Ele se acharia no próprio seio de Deus que é o todo, do qual nada se pode tirar, porque recairia em Deus, já que nenhuma coisa pode existir fora do todo que é Deus. E como poderia ficar em Deus uma zona de anti-Deus? Além disso, no universo, em que só achamos fenômenos que tendem a resolver-se, o fato da sobrevivência eterna de individuações pessoais das forças do mal, seria o único fenômeno que permaneceria incompleto, sem conclusão, nem em sentido positivo, de vitória, nem em sentido negativo, da derrota absoluta e definitiva. E ele está incluído no transformismo universal ou tornar-se evolucionista, como o estão todos os outros fenômenos. Não há pois razão para que ele se comporte diferentemente.

Não sabemos explicar-nos essa concepção da sobrevivência do mal em forma de prisão que, como uma projeção antropomórfica, como um produto da psicologia humana, transportada num mundo em que ela não pode chegar, isto é, do relativo ao absoluto. Essa concepção pertence à miséria das vitórias humanas, caducas e encadeadas a novas derrotas, colocadas no vir-a-ser, filhas do transformismo, concepção que está fechada dentro desse limite e que não tem mais sentido e não pode subsistir além dele, ou seja, quando o tornar-se e o transformismo cessarem, porque resolvidos. É preciso compreender que, passado esse limite, entra-se no absoluto, no imóvel perfeito, e que aí todos os conceitos do nosso relativo do tornar-se, em busca de uma perfeição, todos os seus pontos de referência em que se baseia, caem. Nesse mundo superior é lógico que não podem subsistir nossas concepções. As vitórias do absoluto não podem ser iguais às do relativo. Os triunfos de Deus têm que ser diversos dos nossos, ou seja, absolutos, sem possibilidade de reações e continuações de luta, simplesmente resolutivas e definitivas. E, dado que a vitória de Deus é absoluta, no fim o inimigo não deve existir mais. A única existência dele, mesmo acorrentado, seria uma sobrevivência perturbadora, de desordem e até, por menor que fosse, uma vitória mínima, um testemunho de revolta, ainda que latente; seria uma coexistência de vontade de negação no sistema positivo, uma prova de imperfeição, isto é, de obra incompleta. É necessário que cada individuação das forças do mal, por fim, se quiserem permanecer tais, devam ser desintegradas como personalidade própria, porque a divina substância espiritual que a constituía, a abandona para canalizar-se na corrente oposta do bem, como vencedor absoluto. É assim que aquele «eu sou» chega a não existir mais e, na segunda morte, como diz o Apocalipse, que aqui nos confirma, vem anulado até mesmo como espírito. Não há solução mais lógica do que esta, porque racionalmente conclui segundo os princípios do sistema, solução mais cabal e definitiva, porque resolve tudo para sempre, mais harmônica, equilibrada e justa, porque os negadores de Deus, que é vida, vem negados por Deus, na morte. Não há solução mais grave e resolutiva, e no entanto piedosa, porque é a única que possa ser compatível com a bondade de um Deus que não quer inutilmente ser cruel ou vingar-se, e cujo escopo foi a felicidade do ser e cujo princípio fundamental no criar foi: Amor.

Assim conclui também o Apocalipse. A destruição final do mal e das individuações que o personificam, já a tínhamos sustentado nos volumes precedentes. Agora voltamos a esta nova confirmação, depois que o longo caminho ascensional através destas obras nos levou a um conhecimento mais profundo e um amadurecimento mais avançado. Agora vejamos, em cheio a absoluta lógica e a imprescindível necessidade deste conceito, pelo qual, se no fim permanecesse no universo a menor partícula ou traço de mal e de dor, que lhe está ligada, a criação ficaria inqüinada e sua perfeição estragada, a grande obra de Deus resultaria manchada e falida, numa forma que é inconciliável com o conceito de Divindade, que só pode ser perfeita. Em Deus não há lugar para o incompleto, para o relativo, e tudo deve ser completo e absoluto, mesmo a vitória sobre o mal. O governo do universo é, e pode ser, totalitário e absoluto, porque está nas mãos de um Ser perfeito. Esses governos, na Terra, são inadmissíveis, porque não existe o homem perfeito, e procura remediar-se a isso, com uma compensação de erros, multiplicando o número dos dirigentes, para que estes os eliminem, controlando-se entre opostos. Mas, no absoluto, um Deus senhor e vencedor não incondicionado, seria um absurdo. Por isso, o extermínio do mal deve ser completo até as ruínas do ser, no ponto em que se diz: «eu sou», de modo que o mal não possa mais levantar-se. O tempo das lutas deve ser terminado sem a possibilidade de volta. Nem as cinzas do incêndio destruidor do mal devem permanecer, para recordar esse triste passado, porque até esse mínimo resquício inqüinaria e tornaria imperfeita a perfeição do Absoluto, ao qual tudo, no fim, regressa. Sobreviverão só os puros, que assim permaneceram, e os decaídos que se purificaram, já agora todos em igual estado de pureza.

Com isto, o Apocalipse dá uma nova confirmação das teorias do volume «Deus e Universo». No Apocalipse tornamos a achar todos os motivos do sistema: a revolta originária, que se perpetua nos maus, o dualismo bem-mal, Deus-Satanás, a destruição final do mal, e o triunfo total de Deus. O Apocalipse narra o caminho do ser rebelde, que volta a Deus, e conclui com a vitória final do sistema sobre o anti-sistema. Se a ascese se desenvolve numa grande luta, em que Deus permitiu ao mal que agisse, para que a ele fossem oferecidas todas as ocasiões para subir, e para a experimentação do bem; se o Apocalipse pode parecer para os maus um livro de terror, porque de condenação inexorável; no entanto, é ele um livro de justiça para todos, e para os bons é uma mensagem de alegria, porque exprime o desenrolar-se do processo evolutivo do mundo, até a reconquista da originária felicidade, até o triunfo absoluto daqueles bons, no bem, na glória de Deus.


Capítulo VIII
NOSTRADAMUS, MALAQUIAS, ASTROLOGIA, AS PIRÂMIDES, DANIEL

«Não desprezeis as profecias: examinai tudo. Retende o que for bom». — S. Paulo, Epístola aos Tes­sa­lo­ni­cen­ses, I, V:20-21.

 

Vejamos agora o que nos dizem alguns profetas mais conhecidos, em relação aos nossos tempos. MICHEL NOSTRADAMUS nasceu na Provença (França) em 1503. Dele temos um milhar de profecias, em dez Centúrias, que começaram a ser publicadas em 1555. Muitas delas foram logo se realizando, dando fama a seu autor. Embora não use muito a simbologia, como no Apocalipse, o texto aparece obscuro e o sentido velado. Isto porque, não só não é bom que os homens saibam, mas também porque é perigoso dizer-lhes o futuro. Eles querem ter êxito em seus intentos, não toleram oposições de mau augúrio e, acreditando com isso poder deter o destino, perseguem, e até, se podem, suprimem o profeta que lhe anuncia sua derrota.

Estas famosas Centúrias astrológicas começaram a ser escritas em 1547 e chegam a predizer até o ano 2001. Interessam, pois, também aos nossos tempos. Se bem que o cálculo dos anos seja feito com uma contagem diferente da nossa, o estabelecimento das datas foi possível, em base de cálculos astrológicos, de acordo com o Zodíaco, medindo as posições dos planetas e constelações. Ora, sem entrar no emaranhado dos pormenores, estes últimos 50 anos de nosso milênio são anunciados nessa profecia como dramáticos: guerras, invasões, revoluções internas, perseguições religiosas. Entrariam em ação vários anti-cristos. Virá uma ideologia horrenda e a Igreja de Roma será perseguida. Na Itália dominará um chefe vermelho e um falso papa. O verdadeiro fugirá, talvez o «Pastor et Nauta», de Malaquias. A Europa estará à mercê das guerras e da desordem e assistirá ao fim da Inglaterra. Em 1999 haverá a última invasão asiática. O anticristo é uma força, as doutrinas ateo-materialistas, a idéia anti-cristã que na história se vai personificando em vários indivíduos, mas com as mesmas finalidades, tal como no Apocalipse. Essa força está contra toda concepção espiritual, que ela quer destruir. Seu método é a desordem, seu objetivo é desorganizar tudo, sua verdadeira meta é o caos. São os princípios de Satanás. As forças do mal estão claramente individuadas. Chega-se, assim, com vários períodos e episódios, ao fim do século. Com esse dramático final, terminam as profecias de Nostradamus.

* * *

Muito mais antigo que Nostradamus, é o monge irlandês MALAQUIAS, nascido em 1094. Ficou famoso por ter compilado um «Lignum vitae», em que se acha um elenco de cento e onze pontífices, desde o papa Celestino II (1143) até o último papa, Pedro II, o Romano. Os papas não são definidos por nome, mas cada um por um dístico característico que os individua pelo temperamento, pela posição histórica, pelos feitos mais notáveis. Achamos assim delineados também os mais recentes e os próximos futuros:

Pio IX — Crux de Cruce. Leão XIII — Lumen in caelo. Pio X — Ignis ardens. Bento XV — Religio depopulata. Pio XI — Fides intrepida. Pio XII — Pastor angelicus, o papa atual.

Teremos, depois, os últimos seis da cristandade:

1. Pastor et nauta. — 2. Flos florum. — 3. De medietate lunae. — 4. De labore solis. — 5. De gloria olivae. — 6. Petrus Romanus.

Pastor et nauta talvez signifique viagens e proveniência de longe... Flos florum pode significar um reflorescimento de homens bons, tal como uma leva de mártires, ou seja, ao invés de vitória do bem, perseguição. De medietate lunae mostra-nos a Igreja dilacerada por um cisma, um anti-papa, como já dizia Nostradamus, isto é, tempos muitos difíceis. De labore solis, trabalho quer dizer esforço, e sol, verdade; ou seja, trabalho forte para fazer triunfar a verdade, esforço de que também nos fala Nostradamus. De gloria olivae, a oliveira é o símbolo da paz. Mas será essa calma que precede o furacão, ou talvez a realização da conversão dos judeus ao cristianismo, predita por Paulo? Petrus Romanus; o dístico completo, diz: «na última perseguição a sagrada Igreja romana, reinará Pedro Romano, que apascentará o rebanho entre muitas tribulações; passadas estas, a cidade das sete colinas será destruída e o tremendo Juiz julgará o povo».

O último pontífice seria, pois, Pedro II, o único que traz o nome daquele que depois foi chamado o primeiro. Faltariam seis papas para chegar ao final dos tempos. Pode calcular-se, em média, que cada papa governe 9 anos. O tempo pode ser suficiente para contê-los, dado que faltam quase 50 anos para 2.000. Apenas cerca de meio século nos separariam de Pedro II e do fim do papado. E aqui também, tudo coincide com o Apocalipse. E, estranha coincidência: na basílica de São Paulo, em Roma, onde se encontram os medalhões de todos os papas até hoje, há espaço vazio para apenas mais seis. E isto coincide com a profecia de Malaquias. De tudo isto valeram-se os inimigos do Cristianismo, para prognosticar o fim do papado. Mas isto não quer dizer fim da Igreja, assim como fim do mundo significa apenas nascimento de um mundo diferente. Pode perfeitamente mudar a forma da organização eclesiástica ou desaparecer totalmente, numa civilização mais espiritualizada. Neste sentido, termina a Visão que está no centro do volume «Nova Civilização do Terceiro Milênio». E então, não podíamos saber destas coincidências. Sem dúvida que a frase: «Haverá um só rebanho e um só pastor», não pode significar um imperialismo religioso sob um chefe terreno, mas apenas uma fusão de almas sob Cristo, supremo Chefe espiritual. É também lógico que numa nova civilização de tipo espiritual, especialmente a religião se espiritualize, e possam realizar-se transformações hoje incríveis e impossíveis, ou seja, mudanças radicais daquelas condições atrasadas, que no entanto são hoje indispensáveis, pelo grau ainda involuído da maioria.

* * *

Também Ana Catarina Emmerich diz que, 50 ou 60 anos antes do 2.000, Lúcifer seria posto em liberdade durante aquele tempo. Mais ou menos anunciam as mesmas coisas as revelações de La Salette, publicadas em 1870. Mas, observemos o que diz o ZODÍACO. Não é absurda a teoria das correspondências psicocósmicas, seja para os indivíduos, seja para os povos. Não pode excluir-se, a priori, a possibilidade de uma astrologia mundial, que defina o horóscopo, não de indivíduos, mas da humanidade, fixando os acontecimentos históricos em relação aos movimentos e posições estelares e planetárias. Não há dúvida de que há harmonias no universo, as quais reecoam uma na outra, em ritmos de ondas e retornos, que são o pulsar harmônico do pensamento da Lei. Tudo o que existe faz parte de um grande organismo, em que reina a ordem e cada parte, como no corpo humano, está em seu lugar com sua função determinada. Ora, o Zodíaco anuncia-nos, para as proximidades de 2.000, o fim da época colocada sob o signo do Peixe, e o ingresso no do Aquário. Já vivemos sob a influência de sua aproximação. Cada signo do Zodíaco é geralmente terminado com o caos, do qual surge novo tipo de vida, que parece renovar-se. Quem pode dizer se as subterrâneas maturações biológicas não quererão produzir hoje um ser mais evoluído? e que o ser atual seja apenas o último produto de uma era em decadência? Isto é menos absurdo hoje, do que o eram há cem anos o avião, o rádio e a televisão. Quem sabe se nas leis da vida, já tudo isto não esteja escrito, e que no mistério de seus inexauríveis recursos já não esteja germinando em segredo uma nova sensibilização psico-espiritual, pela qual deverão mudar nossas formas de vida individual e social? A história tem suas curvas, e como excluir a priori que esta não seja uma delas? E se justamente o nascimento de um novo tipo biológico assim, fosse necessário, para que se pudesse realizar na Terra o esperado Reino de Deus, como proibir à vida que isto aconteça? Não é lógico que, num organismo universal, a vida trabalhe harmonicamente, do plano físico ao psíquico, com as forças espirituais das religiões?

O fim deste século está dominado por um conflito astrológico entre dois planetas: Saturno, conservador e tradicionalista, e Urano, inovador e revolucionário. Conflito, pois, entre tendências negativas, destruidoras, materialistas, e tendências positivas, construtoras, espirituais. Violência de um lado, bondade do outro. O fim de nosso signo do Peixe é muito combatido por contrastes e muito atribulado, mas o futuro, sob o próximo signo do Aquário, apresenta-se com caracteres benignos, opostos ao precedente. O momento é grave e está saturado de grandes forças em conflito, é perigoso, até mesmo doloroso, mas rico de imensos recursos e possibilidades futuras. Esta hora não é de paz, mas de tempestade, da mesma forma que é também a hora dos grandes homens, dos grandes rasgos e esforços, das grandes criações. «Durch sturm empor» (sair através da tempestade), dizia Beethoven. É, verdadeiramente, a ruína de uma época, o fim de um mundo, para dele fazer outro melhor, o fim de um tempo, para recomeçar um novo tempo. «Este é o século em que se estabelecerá o Reino de Deus», escreveu BAHÁ-’U’L-LÁH, o profeta filho do Iran (1817-1892). Teremos cinqüenta anos de lutas e de esforços e em 2.000 surgirá a aurora da nova civilização do espírito, para o terceiro milênio.

* * *

Ouçamos agora os estudiosos das Pirâmides. A Esfinge maior que se conhece, com 60 metros de altura, surge na planície de El Giza, no baixo Egito, entre as pirâmides de Queops* e de Quefren, como que a guardar um grande segredo. São três as PIRÂMIDES, de Queops, de Quefren e de Micerino*, e a primeira, a maior, pode definir-se como um livro de pedra, em que está escrita a história da humanidade. Parece, com efeito, que aquela pirâmide não foi apenas túmulo de um rei, mas que, por meio dela, os antigos egípcios quiseram revelar aos porvindouros o futuro, transmitindo-nos, numa linguagem de pedra, e com medidas simbólicas correspondentes a futuras datas históricas, uma mensagem que se refere a nós, nos tempos atuais. Interessa-nos, pois, procurar compreender essa mensagem, pela qual os sacerdotes e astrólogos que dirigiram a construção quiseram imprimir na pedra uma expressão geométrica do determinismo histórico da Lei. Os egitólogos* acreditam ter sido construída essa pirâmide de 2.500 a 3.000 anos antes de Cristo. A última data da mensagem escrita, é o ano 2.001. Estão, pois, previstos desde época bem remota, os acontecimentos hodiernos e os precedentes.

Os egípcios eram bastante sábios para abarcar com um olhar 5.000 anos de história e prever a tanta distância de tempo? Parece que sim. Conheciam eles tantas leis e lados ocultos da vida, que escapam à nossa ciência positiva. E também eram cientistas no sentido moderno. Essa pirâmide está situada, com a máxima aproximação possível, do ponto central da massa global terrestre. Revela a exata distância mínima do Sol à Terra, e o diâmetro polar de nosso planeta. Sua orientação Norte-Sul é exata. É o primeiro meridiano, mais perfeito que o de Paris ou de Greenwich, porque atravessa o máximo de continentes e o mínimo de mares, e separa em duas partes iguais a terra habitada do globo. A pirâmide exprime o ano sideral, o valor exato de Pi: 3,1416, o valor de nosso metro linear, as posições e os ciclos das estrelas, etc. Não é, portanto, absurdo que, quem conhecia então tudo isto, pudesse saber também o desenrolar-se dos ciclos históricos. Das pirâmides resulta que seus construtores conheciam também os períodos da civilização egípcia, hebraica e cristã.

A pirâmide de Queops tem 137 metros de altura Tinha um revestimento calcáreo, claro, que a fazia resplandecer ao sol. Foram necessários 10 anos para construir os alicerces e 20 para levantar a pirâmide. Trabalharam nela 100.000 homens, renovados de três em três meses. Calcula-se que, para construí-la foram empregados mais de dois milhões e meio de metros cúbicos de calcáreo, com o peso total de seis milhões e meio de toneladas. Esta pirâmide não tem ponta. Na Bíblia, há muitas referências à ponta da pirâmide, à pedra angular, como símbolo do Messias. Ele teria vindo, teria lançado sua mensagem moral, mas os homens não o teriam ouvido. Assim, os construtores não puseram ponta na pirâmide de Queops. As outras têm ponta.

A mensagem desta pirâmide fica mais compreensível, se comparada com o «Livro dos Mortos». Com efeito, este e aquela mensagem, foram os maiores documentos que nos transmitiu a antigüidade egípcia. Há neles uma fundamental identidade de conceitos. E agora, penetremos na pirâmide, em sua estrutura interior de câmaras e corredores, para ler a mensagem geométrico-astronômica, dirigida aos povos futuros. Já o conjunto externo no-lo anuncia na forma do monumento. Há uma lei quaternária que dirige o mundo. Toda a vida e cada fenômeno, pode dizer-se, obedece a um ciclo de quatro fases: nascimento, desenvolvimento, madureza e fim. Tudo o que acontece deve ter o momento da gênese, da subida, da plenitude e por fim do esgotamento e morte. Isto ocorre no desenrolar-se de uma tempestade meteorológica, como de uma civilização, no dia (manhã, meio-dia, tarde e noite), como nas quatro estações do ano, nos quatro períodos da vida humana (infância, juventude, madureza e velhice). Também a evolução de nosso planeta foi dividida pelos geólogos em 4 épocas, da primária à quartenária. Esta lei geral está expressa no quadrado de base, sobre o qual se eleva a pirâmide em suas quatro faces. Mas, cada uma delas é um triângulo, ou seja, 3, que é número perfeito. Assim, os quatro tempos da vida material completam-se com os três momentos do espírito (Trindade), e o todo se une no vértice, que exprime Deus, a mente dirigente do universo. E o conjunto 4 e 3, formam 7, número místico. Também ele parece exprimir o ritmo de outra lei. São sete os dias da semana, as notas musicais, as cores do arco-íris, as virtudes, os pecados, os selos, os anjos com as trombetas, as taças da ira divina no Apocalipse, etc.

Também no exterior a pirâmide de Quéops parece cheia de simbolismos. Mas é em seu interior que o pensamento dos grandes sacerdotes do Egito, que idealizaram o monumento, foi mais completo. Na fachada norte da pirâmide, no 16º degrau, há uma entrada que leva a um corredor descendente. Este se divide, depois, em outros corredores, ascendentes, descendentes, horizontais, que terminam em várias câmaras. Não há inscrições. As pedras são tão unidas, sem cimento, que é impossível introduzir entre elas a lâmina de um canivete. Do comprimento, altura, inclinação, degraus, estrutura dos corredores e câmaras, pode calcular-se o significado profético que essas medidas indicam. Correspondem às datas principais da história da humanidade. A altura do corredor significa o desenvolvimento da humanidade; quando é alto, traça um período de progresso, quando é baixo uma fase de descida.

O corredor descendente de entrada, após breve trecho, divide-se em um ascendente e outro descendente. De acordo com o «Livro dos Mortos», este primeiro trecho representaria um período de preparação da humanidade, desde a época da construção da pirâmide, até ao ponto desta primeira bifurcação, que exprime o êxodo dos hebreus. O corredor descendente, depois, termina numa câmara, até debaixo da terra, e significa a degradação do homem que, recusando-se a cumprir o esforço da evolução, decai cada vez mais na matéria, com o fim que já vimos reservado às forças do mal. A câmara subterrânea com que termina este corredor, está muito abaixo dos alicerces, e está construída de cabeça para baixo: o teto é liso, o pavimento é de pedra vermelha. Segundo o «Livro dos Mortos», isto significa a eterna subversão dos valores, pelos que, revoltando-se contra Deus, caminha-se e acaba-se de cabeça para baixo.

Sigamos agora o corredor ascendente. Vai desde o êxodo de Israel até uma segunda bifurcação, que exprime o nascimento de Cristo, e representa o início da espiritualidade. Neste ponto, inicia-se, em baixo, o corredor horizontal, que vai até a câmara da rainha. Acima, a breve distância, mas no alto, num ponto algo mais adiante que assinala o ano 33 d.C, morte de Cristo, se abre a grande galeria de 50 metros, alta quase 9 metros, que leva à câmara do rei. Esta galeria assinala um período de progresso, devido à luz do Cristianismo, como à da ciência. O salto para o alto coincide com a crucificação de Cristo. Este corredor termina com os nossos tempos, e chegaria justamente a agosto de 1914, isto é, à primeira guerra mundial. Neste ponto, a mensagem torna-se mais pormenorizada, indicando a plenitude dos tempos em que se realiza. No fim do grande corredor, temos, com efeito, um degrau na abóbada, pelo qual esta se abaixa, e para passar por ele é mister curvar-se. Este é o primeiro abaixamento, depois do qual o, corredor se levanta novamente, o que significa uma retomada do progresso. Depois, o corredor se abaixa mais uma vez, e é preciso inclinar-se, ainda, para passar. De acordo com o «Livro dos Mortos», este seria o período de caos, da descida ao materialismo, como ocorre em nosso tempo. Após uma retomada, temos então uma segunda queda, que corresponde à segunda passagem baixa. Conforme o «Livro dos Mortos», a segunda passagem baixa significa: humilhação final. Este seria um período de anticristos. Segundo Nostradamus, ocorreria isto ao tempo do sexto sétimo e oitavo anticristo, que iria de 1966 a 1996, com o que se fecharia a história do mundo cristão. Santa Ildegarda o coloca entre 1955 e 1980. Ana Catarina Emmerich por volta de 1960. Holzhauser fala de um só, e o dá como nascido em 1950; Solovien em 1954; a grande pirâmide, com as medidas deste corredor, anunciaria o nascimento do anticristo em 1936. Mas isto pode significar também um princípio, uma ideologia. Chega-se assim à câmara do rei, uma sala vasta, com 10 metros de comprimento, 5 de largura e 5 de altura, sem ornamentos, com um sarcófago aberto, de granito vermelho. Também no «Livro dos Mortos» o túmulo aberto na câmara do rei está no último capítulo. Aqui termina a mensagem, ou seja, no ano 2.001, a última data da pirâmide, fim do velho mundo e início de uma nova era.

* * *

Mas, há outra voz que também nos chega de longe, no tempo. É o profeta DANIEL, que explica a Nebucadnesar*, rei de Babilônia, o seu sonho, ou seja, o que deve ocorrer no fim dos tempos. E eis a visão da grande estátua, cuja cabeça é de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre de cobre, as pernas de ferro, os pés, em parte de ferro, em parte de barro. Então, uma pedra feriu a estátua nos pés, que eram de ferro e de barro e os fez em pedaços. Então foi juntamente feito em pedaços o ferro, o barro, o cobre, a prata e o ouro e se tornaram como a pragana* das eiras de estio, e o vento levou-os, de sorte que não se achou lugar para eles. A pedra que feriu a imagem tornou-se uma grande montanha e encheu a terra toda. (Daniel, II, 26 a 35).

O próprio Daniel explica o significado do sonho. O rei de Babilônia, Nebucadnesar, é a cabeça de ouro da estátua. Surgirá depois um reino mais baixo, de menor valor, que é o peito de prata, depois um terceiro, que é o ventre de cobre, a seguir um quarto, duro como ferro, que é representado pelas pernas de ferro. O fato de que a seguir os pés sejam em parte de ferro e em parte de barro, significa que aquele reino será dividido, e numa parte será duro, noutra será fraco. As partes não poderão unir-se entre si, tal como o ferro não pode misturar-se com o barro. Nos dias desse reino, Deus fará surgir outro reino, que jamais será destruído, em toda a eternidade. Ele despedaçará e consumirá todos aqueles reinos, mas ele mesmo durará eternamente. (Dan. II, 36 a 45).

Muitos estão de acordo em ver, na cabeça de ouro, o reino da Babilônia, no peito o da Pérsia, como o reino de prata, no ventre o da Grécia, como o reino de cobre, nas pernas Roma, como o de ferro. Há uma descida, para o baixo, pelas várias partes do corpo, como descida no valor do material que o compõe. Depois, esse reino será dividido ou seja, o império romano entre Roma e Bizâncio, império que, por mais tentativas que se fizessem (Carlos Magno, Napoleão) jamais se reuniu. Os vários fragmentos não puderam, de fato, tornar a aglomerar-se, assim como o ferro não se pode misturar com o barro. É assim a Europa até hoje, em parte dura, em parte fraca. Nos dias desse reino, quando as coisas se acharem nessas condições, o profeta Daniel continua: Deus fará surgir um reino que jamais, na eternidade, será destruído. Ele despedaçará e consumirá todos aqueles reinos, mas ele mesmo durará eternamente. Não parece esta a mesma visão do Apocalipse, mas vista de mais longe? E qual poderá ser esse novo reino, que consumirá todos os outros e durará eternamente, senão o Reino de Deus, anunciado pelo Evangelho? Só ele, sendo de origem divina e de natureza espiritual, poderá permanecer sem ser destruído e durar eternamente. E essa intervenção direta de Deus, não significará aquela manifestação do pensamento e da vontade da história, de que falamos, como onda carreante homens e acontecimentos, para a consecução dos fins preestabelecidos, no determinismo da Lei, que agora empunha as rédeas da humanidade?

E então, diz o profeta Daniel, uma pedra feriu a estátua nos pés, que eram de ferro e barro, e os despedaçou. Então, foram despedaçados juntamente, o ferro, o barro, o cobre, a prata e o ouro, e se tornaram como a pragana das eiras de estio, e o vento as carregou e não se achou mais nenhum lugar para eles. A pedra, que feriu a estátua, torna-se um grande monte e ocupa toda a Terra (Dan. II, 34-35). Esse despedaçar de todos os elementos componentes dos vários reinos, não exprime em termos mais genéricos os flagelos destruidores do mundo atual, expressos pelo Apocalipse? Que pode ser a estátua com pés de ferro e barro, senão a humanidade, que pretende amparar-se na matéria, ao invés de que no espírito? E que será a pedra que fere esta humanidade, senão a mão de Deus, que fere o homem pelo seu cego materialismo? E tudo desaparecerá como a pragana ao vento. Esta é a queda da Babilônia do Apocalipse, Babilônia a grande, mãe das fornicações e das abominações da terra. E a pedra que ferirá a estátua se tornará uma grande montanha e encherá toda a terra. É a vitória de Cristo o triunfo final de Deus, sobre as forças do mal. Mais pormenorizado, porque mais próximo, o Apocalipse repete o mesmo motivo.

* * *

Eis, então, que o profeta Daniel nos traz uma nova confirmação, que evoca e reforça as precedentes. Tudo concorda: o Apocalipse, Nostradamus, Malaquias, a astrologia, as pirâmides, o profeta Daniel, e nossas pesquisas racionais, a lógica do sistema em que elas se baseiam. E quem sabe quantas outras concordâncias poderão descobrir-se ainda. Tudo nos diz concordemente, que estamos nos tempos apocalípticos. Quem, pode afirmar que forças extra-humanas não queiram hoje intervir na história? Quem o poderia impedir? E que dizer quando tantos argumentos lógicos e históricos e tantas vozes diversas, convergem para este mesmo ponto? Os ciclos históricos se repetem, e no entanto, em seus movimentos eles contêm tantos imprevisíveis para os calculadores de probabilidades imediatas, que de nada poderemos admirar-nos. Da vida e da obra de Cristo, os políticos e homens de ação de seu tempo, nem se aperceberam.

Vivemos em tempo de grande amadurecimento, no bem e no mal, de grandes mutações. Tudo isso explica-nos e indica-nos a possibilidade de uma intervenção direta do pensamento e da vontade da história, na guia dos destinos da humanidade. Quando esta é tão louca que transpassa o limite e arrisca perder-se, Deus acorre para a salvação de todos. A presença de uma lógica, e portanto de um pensamento diretivo na história, nós o vimos racionalmente, não é uma fantasia. Um sistema completo, desenvolvido nos precedentes nossos volumes, converge para este conceito e reforça esta tese. Deus é tudo e opera também na história. Basta que Deus se retire do mundo, para que este caia nas mãos das forças inferiores, ávidas de cisão, forças satânicas que se manifestam lançando-se umas contra as outras. É a destruição de todos. E agora a humanidade está nesse caminho. Quando a medida das maldades estiver saturada, o homem ficará abandonado. A intervenção de Deus agora, aparece como negativa, porque o homem enceguecido na revolta, realiza ele mesmo, com suas mãos, sobre sua carne, a operação cirúrgica de sua depuração. Tirado o amor evangélico, único que dá espírito de paz, só resta a guerra de todos contra todos. Mas, após este indispensável período de auto-destruição humana, virá a fase reconstrutiva, em que Deus se manifestará de forma positiva, não de abandono às forças inferiores, pela demolição do velho e do estragado, mas de atividade criadora, da nova civilização do espírito.

Achamo-nos hoje na fase de contraste entre o velho mundo, bem enraizado nas realidades concretas, materialista, teimosamente agarrado à terra e lutando para impor-se e sobreviver, e o novo mundo em formação, espiritual, sustentado pelos impulsos da vida que caminha, pela vontade da história, pelo comando da Lei, pela presença de Deus. Este mundo, que representa o porvir da evolução, está em luta para sobrepor-se ao velho, que representa o passado, e que a vida e a história, a Lei e Deus mesmo, repelem, porque tudo deve subir. O atual momento histórico é a expressão viva de uma fase decisiva na luta entre o bem e o mal, em torno de que gira a história do mundo. É a luta de Deus contra Satanás, como a pinta o Apocalipse. É a luta dos Anticristos e cataclismas, como os descrevem os videntes. É um acavalar-se de civilizações e de eras, como nos revelam as constelações e planetas. É a história da humanidade, como no-la narram as pirâmides e como no-la resume a visão do profeta Daniel. Mudam as imagens e os pormenores dos acontecimentos e das datas, mas permanece um fundo idêntico. Os pormenores não interessam a nós. O que nos interessa é ter achado o grande fio condutor da história e de ver que, no conjunto, todos esses mirantes, diferentes nas formas, concordam assim mesmo, e sobrepõem-se, reforçando-se assim um ao outro.

Antes de ouvir estas vozes, interrogamos a história e a lógica dos fatos, e obtivemos a mesma resposta. Toda essa convergência de elementos históricos, de vozes, de raciocínios, confirma-nos na segurança que já nos fora dada pela intuição, de que, quaisquer que sejam os pormenores do processo, nesta segunda metade do século XX, alcançamos a plenitude dos tempos. Vivemos num período apocalíptico, em que o mundo passa de uma civilização que desmorona a uma nova que surge. A primeira parte do trabalho foi confiada às nações destruidoras, a segunda às reconstrutoras. Mas, todas obedecem ao mesmo princípio diretivo, que quer, finalmente, que se realize um mundo onde se caminhará pelas estradas da justiça e não mais por aquelas da prepotência! Este é um anseio instintivo, que está no coração do homem, é um sonho milenar da humanidade. E o que é instinto e fala irresistivelmente partindo do coração, tem uma significação biológica, é uma ânsia vital que terá que realizar-se. Cristo que, na primeira vez, veio em corpo, para amar e semear, voltará em espírito, para julgar e ceifar, para que o rebelde impenitente seja expulso, as forças do mal liquidadas, e os bons, que tanto sofrem, sejam finalmente chamados a uma plenitude de vida. Estes sofrem, entretanto estão protegidos e amanhã vencerão. Os rebeldes crêem que vencem, e perderão. Os primeiros constróem em silêncio nos valores imperecedouros do espírito. Os segundos constróem às avessas, rumorosamente, nos valores falsos da matéria, e no fundo, eles mesmos se destróem. Mas, todos juntos colaboram, assim, sob a guia de Deus, que quer que se chegue agora, à realização da nova civilização do terceiro milênio que representa o advento, na Terra, do Reino de Deus.

 

FIM


Notas

(1) Este capítulo foi proferido pelo autor como Conferência nas principais capitais do Brasil. [Cap. IV, p. 195, (1)]

(2) E como explicaremos melhor no princípio do cap. VII, a respeito do Apocalipse. [Cap. IV, p. 198, (1)]

(3) 7.º volume da 1.ª Obra, II - Trilogia. [Cap. VI, p.262, (1)]

(4) Desenvolvimento dos “Princípios” resumidos no começo do cap. IV. [Cap. VII, p. 295, (1)]

(5) Este período é repetido no Apocalipse, XI, 2, com as palavras: «— calcarão aos pés a cidade santa por 42 meses». [Cap. VII, p. 306,(1)]

(6) Isto foi explicado no volume : “Deus e Universo”, que aqui o Apocalipse confirma. [Cap. VII, p. 323, (1)]


Glossário

ambages — ambages sf pl (lat ambages) 1. Voltas, rodeios, torcicolos. 2 Circunlóquio, rodeio de palavras ambíguas ou obscuras. 3. Evasivas.

apocalítica — Como na fonte digitalizada. O mesmo que apocaliptica.

biótipo — Diz-se correntemente biotipo; os puristas preferem grafar biótipo.

ceitil — Moeda antiga portuguesa que valia um sexto de real. / Quantia insignificante, coisa de pequeno valor

dessarte — dessarte adv (dessa+arte) Dessa forma, desse modo, assim, destarte.

egitólogo — Estudiosos do Egito. Variante legítima de egiptólogo (Estudiosos do Egipto).

espeluncas — s.f. Lugar imundo, mal freqüentado. / Casa de jogo; cassino. / Antro, caverna. É claro que, no caso, Pietro Ubaldi se referia aos esconderijos. Está conforme o próprio texto bíblico, como se mostra abaixo:

15. et reges terræ et principes et tribuni et divites et fortes et omnis servus et liber absconderunt se in speluncis et petris montium - Ap. VI,15 [Vulgata Latina]

15. Les rois de la terre, les grands, les chefs militaires, les riches, les puissants, tous les esclaves et les hommes libres, se cachèrent dans les cavernes et dans les rochers des montagnes [Bíblia de Jerusalém]

15. Então os reis da terra, os grandes, os chefes, os ricos, os poderosos, todos, tanto escravos como livres, esconderam-se nas cavernas e grutas das montanhas. [Bíblia Ave Maria]

15 E os reis da terra, e os grandes, e os chefes militares, e os ricos, e os poderosos, e todo escravo, e todo livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas;[Trad. João Ferreira de Almeida]

estase - s.f. Medicina Parada da circulação de um líquido orgânico (sangue, humores etc.). / Fig. Paralisação, entorpecimento.

estrouto — contr. do pron. dem. este com o pron. indef. outro. (Usa-se para designar o segundo de dois seres a que se atribui o demonstrativo "este": consulte o dicionário de Aulete, ou estoutro.)

grada — No sentido de agradável, que agrada.

infingimento — infingimento sm (in-fingimento) Falta de fingimento.

inqüinar [inquinar] — v.t. Sujar, manchar. / Corromper, infectar. / Poluir

lavacro — O Batismo é chamado lavacro «de regeneração e renovação do Espírito Santo» (Tt 3, 5), nascimento da água e do Espírito, sem o qual ninguém «pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5). Também é chamado iluminação, porque quantos o recebem «são iluminados na mente» (S. Justino, Apologia, I, 61, 12; PG 6, 344).

Luiz XV — foi mantido porque, talvez, o Autor via em Luís XV civilização, mas em Luís XVI já decadência.

Nebucadnesar — É como aparece em inglês, italiano, alemão. Em português, hoje, é mais corrente Nabucodonosor. Mas a grafia, como uma pesquisa rápida provou, varia muito. Interessante refletir sobre o fato de, para quem um dia foi “dono do mundo&rquo;, nem sobre o nome, hoje, há consenso.

omega — Tem dupla prosódia - cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Também, corrente, hoje, ômega.

pragana das eiras de estio — s.f. A barba das espigas dos cereais... no terreiro a secar no verão.

Queops Quefren Micerino ou Quéops, Quéfrem e Miquerinos — As três grandes pirâmides.

recâmbio — (re+câmbio) 1 Ação ou efeito de recambiar. 2 Segundo câmbio ou troca. 3 Devolução.

semi-animal — meio animal, quase animal. Hífen preservado, para indicar uma individualidade.

supérstites — Sobreviventes. "Na união conjugal, marido e mulher, é designado cada membro, pelo termo ‘cônjuge’. Quando ocorre o falecimento de um deles, o sobrevivente, é dito supérstite. É termo técnico, jurídico/cartorial.” Indica a formação jurídica de Pietro Ubaldi

sobreextruturas — Mantido por fidelidade à fonte digital. Talvez: sobreestruturas, ou melhor: sobre-estruturas. O termo superestrutura, que não aparece na fonte digital, tem, hoje, uma conotação muito ligada a um certo tipo de pensamento com que Pietro Ubaldi não comungava.

tripúdio — ato de tripudiar - “O Dicionário de Morais (1813) explica como "bailar batendo com os pés, ou dando sapateadas". Vem do Latim tripudium, uma dança do calendário religoso de Roma, dedicada a Marte, o deus da Guerra, pelos sacerdotes Sálios. Os dançarinos davam seqüências de três saltos, sendo dois seguidos com o mesmo pé; por extensão, denominou-se de tripúdio qualquer hsaltitante de alegria, especialmente quando é para comemorar alguma vitória. Hoje o termo adquiriu uma carga pejorativa, porque tripudiar sugere desrespeito e zombaria para com o adversário vencido; no futebol, o termo se aplica como uma luva para aquela dancinha que os jogadores fazem depois de um gol.”


 

©2008 Pietro Ubaldi

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