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OS TRABALHADORES E OS PARTIDOS

Ricardo Maranhão

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Os Trabalhadores e os Partidos - Ricardo Maranhão
Pesquisa: Elizabeth Balbachevsky

Fonte digital
Digitalização de edição em papel de 1981
Editora Semente

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© 2008 Ricardo Maranhão


Ricardo Maranhão

OS TRABALHADORES E OS PARTIDOS

Pesquisa: Elizabeth Balbachevsky


ÍNDICE

1. Introdução
2. Quem falou para este livro
3. As posições diante do MDB
4. Como nasceu o PT?
5. O que se espera do PMDB
6. O que se espera do PT
7. E os outros Partidos?
    a) O PP
    b) O PDT e o PTB
8. Os problemas da democracia
    a) O que os Partidos têm a ver com os sindicatos?
    b) As organizações ilegais
    c) A frente de oposições
    d) A Constituinte
    e) As propostas socialistas


À memória de ASTROJILDO PEREIRA e de todos os que, como ele, lutaram para organizar politicamente os trabalhadores brasileiros.


1. INTRODUÇÃO

Nos anos de 1979 e 1980, muitos trabalhadores brasileiros puderam perceber uma inusitada movimentação em torno da idéia de “partidos”. Não poucos tiveram a oportunidade de serem visitados em suas casas, ou nas portas e mesmo no interior das fábricas, por militantes partidários, munidos de folhetos e fichas de inscrição. Pela televisão, em meio ao amontoado de informações que ela despeja diariamente nos lares, apareceram políticos importantes tentando expor seus pontos de vista partidários. A minoria de trabalhadores que tem a oportunidade de ler jornais diariamente, pode acompanhar os intermináveis e um tanto confusos vaivéns de siglas: PTB prá cá, PDT para lá, PDS versus PMDB, defensores do PT etc.

Nesta mesma época, um grande número de operários, bancários, funcionários públicos, médicos, lixeiros, trabalhadores rurais etc, passaram a usar de um instrumento que até bem pouco tempo atrás, no Brasil, era considerado um crime, ou um tabu: a greve, essa arma que nas democracias é a forma mais elementar e justa de defesa dos interesses dos trabalhadores.

O problema é que em todos estes anos, desde 1964, o regime político brasileiro proibiu completamente as reivindicações organizadas por parte das diferentes camadas populares. Não apenas a greve, mas até assembléias sindicais, e mesmo reuniões para solicitar melhores condições de segurança no trabalho, foram dificultadas ou reprimidas. Entretanto, pacientemente, lutando contra imensos obstáculos, parcelas significativas da classe trabalhadora, principalmente nos grandes centros, se organizaram e se prepararam para batalhar contra o arrocho salarial imposto desde 1965, contra a exploração, contra as péssimas condições de vida a que foram atiradas. Essa lenta reorganização permitiu que, a partir da greve dos metalúrgicos de maio de 1978, em São Bernardo do Campo, o movimento reivindicatório assumisse claramente um caráter de movimento de massas.

Mas o que têm a ver os partidos políticos brasileiros com os movimentos reivindicatórios? Para muita gente, as duas coisas parecem caminhar distantes, sendo os primeiros uma atividade própria das elites, e os segundos uma necessidade vital dos “de baixo”. Essa idéia nasceu do fato de que, no atual regime, a expressão política dos trabalhadores foi ainda muito mais reprimida do que a atividade reivindicatória e sindical.

Já nos primeiros dias após o 31 de março de 1964, os políticos que defendiam os interesses populares foram cassados, presos, exilados e mesmo mortos. No ano seguinte, o Ato Institucional n.° 2 (27 de outubro de 1965) extinguiu todos os partidos políticos. Para manter a fachada “liberal” diante dos investidores estrangeiros, o regime criou artificialmente duas siglas, ARENA e MDB, a segunda das quais para “fazer o papel” de oposição confiável. Nesse momento, nenhuma representação política real dos interesses dos trabalhadores era possível. Por isso mesmo, os débeis movimentos dos anos subseqüentes nada tinham a ver com a existência partidária.

Mas a miséria e o descontentamento crescente acabariam por fazer com que a população brasileira mudasse, pelo voto, a qualidade do MDB. Aqueles operários que tentavam minorar suas dificuldades, conversando com seus amigos, reunindo-se com colegas de trabalho, vendo seus passos sempre reprimidos e vários companheiros presos e torturados, passaram a perceber que sua luta era contra uma coisa maior. A intransigência dos patrões e do poder colocou os militantes, que tentavam fazer renascer a vida sindical, numa atitude de oposição ao próprio regime. Todos eles votaram, na histórica eleição de 15 de novembro de 1974, no MDB, na sigla ou em seus candidatos, como uma forma de expressão da sua revolta. E nisso foram seguidos pela imensa maioria da população brasileira, o que exigiu desse partido e de seus dirigentes uma nova posição: a de procurar expressar de maneira mais efetiva os interesses populares.

A partir desse momento, a história das campanhas reivindicatórias se aproximou um pouco mais da vida partidária, apesar das consideráveis distâncias. As lideranças emergentes das lutas sociais passaram a ter atitudes mais positivas e exigentes em relação às lideranças político-parlamentares. Boa parte destas últimas, por sua vez, não puderam deixar de se sensibilizar com as necessidades e preocupações das classes populares, defendendo-as e incorporando-as ao programa partidário.

Muito caminho tem sido percorrido, e muito mais há que percorrer, para que os trabalhadores tenham uma efetiva representação política, esse evidente direito democrático que o regime teima em negar. Embora o MDB tivesse o papel de expressão dos descontentamentos nos momentos eleitorais, ele nunca chegou a organizar efetivamente uma representação política popular, no cotidiano das suas lutas. Entretanto., nos anos de 1978 e 1979, o partido de oposição tendeu a transformar-se de um “saco de gatos” que era, em uma efetiva frente política, de luta contra o regime ditatorial. O governo passou a temer que este partido congregasse desde os setores liberais do empresariado descontente, até as nascentes forças do movimento operário. Por isso mesmo, aproveitou-se casuísticamente das crescentes pressões da sociedade brasileira no sentido de uma expressão política livre para extinguir em novembro de 1979 o MDB (e também a ARENA) e dar início à “reformulação partidária”. Sem atender os reclamos pelo livre direito de organização de partidos, o governo tentou dividir as forças oposicionistas através de uma lei repleta de exigências, capazes de dificultar enormemente a organização política dos diferentes interesses sociais.

* * *

As discussões políticas dos últimos anos, sobre a questão da democracia e dos problemas partidários, estão exigindo do proletariado brasileiro muita reflexão e uma porção de definições. A maioria da grande massa trabalhadora ainda não fez suas opções diretamente políticas; ela se debate com a escassez de informações e de práticas a respeito do assunto, impostas pelo regime. Mas os setores mais combativos do movimento operário e sindical dos últimos anos estão revelando uma crescente preocupação com o debate político e partidário.

Foi com a intenção de contribuir para esta discussão decisiva para os rumos da luta pela democracia, que procuramos ouvir a voz das lideranças emergentes que mais se destacaram nos combates dos trabalhadores nestes últimos anos. Escolhemos para isso as grandes concentrações industriais em torno de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde se têm verificado mais conflitos de trabalho. Isto não significa que desconsideremos a importância dos movimentos de outras regiões, dos conflitos de terra da Amazônia, às lutas operárias do Rio Grande do Sul.

Por falta de tempo e recursos, muitos líderes das regiões escolhidas não foram ouvidos. Mas tivemos a preocupação de entrevistar um conjunto o mais representativo possível dos participantes efetivos do renascente movimento operário e sindical. A escolha dos entrevistados baseou-se no fato de sua participação, independente das razões que os levaram a participar, ou da qualidade de sua atuação, que não nos caberia julgar. O importante é perceber (o que nos causou muita satisfação), que a grande maioria dos entrevistados tinha muita coisa a dizer, sobre a política, sobre a democracia, sobre os partidos e sobre as suas práticas. Lamentamos bastante não poder simplesmente reproduzir, na íntegra, as dezenas de textos (algumas vezes bem densos e longos) que resultaram destas entrevistas, realizadas de maneira aberta e em conversas altamente esclarecedoras. Os líderes falaram conosco com a clareza e a coragem dos verdadeiros combatentes da política e do sindicalismo. Gostaríamos de poder pôr no ar, na televisão, para milhões de brasileiros, os ensinamentos políticos que eles têm a dar. Seria uma excelente conversa, pois o povo, como estes líderes mostram, está sabendo e pensando muito mais sobre a política do que os meios de comunicação tentam fazer crer. Com o nosso trabalho, procuramos constatar novamente aquilo que os conhecedores da história de nosso movimento operário já sabem há tempo: desde as suas origens os trabalhadores brasileiros se preocupam politicamente e lutam pelo seu direito à cidadania, que as elites sistematicamente tentam negar.

* * *

Muitas pessoas perguntarão: Por que não entrevistamos o Lula? A resposta nos parece óbvia: aquele que é sem dúvida o mais importante líder sindical e político dos trabalhadores brasileiros conseguiu furar o bloqueio dos meios de comunicação. Suas opiniões políticas e partidárias são, felizmente, bastante conhecidas e veiculadas, assim como sua condição de presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, PT.

* * *

Este é um livro de entrevistas e debates, e portanto não apresenta conclusões, que ficam por conta do leitor. É claro que ao editar e selecionar trechos das entrevistas, não fomos “neutros”, e seguimos um plano e uma orientação determinados para transformar nosso rico material, de quase mil e quinhentas páginas, em livro destas dimensões. Assim, embora tenhamos sido fiéis ao pensamento dos líderes, a responsabilidade pela forma final e pela organização das idéias é exclusivamente nossa, e não dos entrevistados. A eles, temos muito que agradecer, não só pelo tempo e pela dedicação que nos concederam; mas também pela coragem e clareza política que revelaram em suas respostas.


2. QUEM FALOU PARA ESTE LIVRO*

Afonso Delellis — Sindicalista desde 1942, presidente da comissão da “greve dos 700 mil” em São Paulo (1962), presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, cassado em 1964. Ativista de oposição sindical desde 1968. (Entrevista realizada em agosto de 1980.)

Albênzio Dias de Carvalho — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte. Liderança interna de fábrica na greve realizada pela categoria, em 1979, na Cidade Industrial. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Antônio Flores — Conhecido ativista do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, tendo sido candidato à sua diretoria em 1972 e um dos líderes da greve da categoria em 1979. (Entrevista realizada em agosto de 1980.)

Antônio Augusto Oliveira de Campos — Presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo desde 1979, dirigiu a greve da categoria nesse ano e atualmente participa da Unidade Sindical de São Paulo. (Entrevista realizada em agosto de 1979.)

Arlindo José Ramos — Presidente do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte (MG), desde 1975, estando no seu segundo mandato, e tendo dirigido a última greve da categoria. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Arnaldo Gonçalves — Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos e Cubatão desde 1968, reeleito em julho de 1980. Participa da Unidade Sindical de São Paulo. (Entrevista realizada em julho de 1979, atualizada em agosto de 1980.)

Benedito Furtado — Segundo secretário do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Portuária de Santos, desde 1979. Participou da greve vitoriosa dos portuários de Santos de 1980. (Entrevista realizada em junho de 1979.)

Cid Ferreira de Souza — Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. Participou da greve da sua categoria em 1979. (Entrevista realizada em julho de 1980.)

Cláudio Albuquerque Pereira de Jesus — Tesoureiro do Sindiquímica de Caxias (RJ) desde 1979. Participa da Unidade Sindical do Rio de Janeiro. (Entrevista realizada em março de 1980.)

Dídimo Paiva — Membro da diretoria da Confederação Nacional dos Jornalistas. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de Belo Horizonte de 1975 até 1978. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Djalma de Souza Bom — Tesoureiro da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, sob intervenção desde abril de 1980. Destacou-se como liderança nas últimas greves de São Bernardo. (Entrevista realizada em agosto de 1980.)

Enilson Simões de Moura (Alemão) — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, liderança destacada nas últimas greves de São Bernardo do Campo como membro da comissão de salários. (Entrevista realizada em junho de 1980.)

Fernando do Ó Veloso — Membro da oposição do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ativo participante de movimentos de bairro da Zona Sul da Capital. (Entrevista realizada em outubro de 1979.)

Francisco Dal Prá — Presidente por duas gestões da Federação dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. (Entrevista realizada em março de 1980.)

Guilherme Tell Quintão Furtado Gomes — Presidente do Sindicato dos Professores de Belo Horizonte desde janeiro de 1980, foi um dos líderes da greve da sua categoria, em 1979. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Ignácio Hernandez — Participa da oposição do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, e teve participação ativa na greve de 1979. Ex-padre, é militante sindical desde 1968. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Ivan Martins Vieira — Presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Eleito em 1979, sofreu intervenção por ter liderado a greve da categoria nesse ano, retomando a direção alguns meses depois. (Entrevista realizada em março de 1980.)

Jacó Bittar — Presidente do SINDIPETRO de Campinas desde 1973, secretário por duas vezes do Departamento Profissional dos Trabalhadores na Indústria de Petróleo e Petroquímica e vice-presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas. (Entrevista realizada em junho de 1980.)

João Joaquim da Silva — Membro da oposição dos metalúrgicos de Osasco. Participou da greve de Osasco de 1968, quando era membro da diretoria do sindicato, e também do movimento de 1979. (Entrevista realizada em junho de 1979 e atualizada em agosto de 1980.)

Joaquim Arnaldo de Albuquerque — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, participou das comissões do sindicato e se destacou na greve de 1979. Concorreu às eleições do sindicato encabeçando uma chapa de oposição à atual diretoria. (Entrevista realizada em março de 1980.)

Joaquim dos Santos Andrade — Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo desde 1967. Membro da Unidade Sindical de São Paulo. (Entrevista realizada em agosto de 1980. )

José Cupertino de Novaes — Antigo membro do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de São Paulo. Ex-coordenador do Conselho Fiscal da COOPERGRAN (Cooperativa mista dos Trabalhadores da Grande São Paulo, com sede em Osasco). Candidato a vereador de Osasco em 1976, pelo MDB. (Entrevista realizada em julho de 1979.)

José Pedro da Silva — Conhecido ativista do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, concorreu às eleições do sindicato encabeçando chapa de oposição. Líder importante dos movimentos reivindicatórios de 1978 e 1979. (Entrevista realizada em junho de 1979 e completada em agosto de 1980.)

José Timóteo da Silva Guedes — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André (SP). Participou das greves de 1979 e 1980, se destacando como liderança em assembléia. (Entrevista realizada em junho de 1979 e completada em agosto de 1980.)

Letícia de Mello — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim (MG). Liderança intermediária na greve de 1979. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Maria Felícia da Rocha Macedo — Presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Hidroelétricas de Belo Horizonte. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Osmar Mendonça — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Participou da greve de 1980 como membro da comissão de salários da categoria, e também da greve de 1979. (Entrevista realizada em setembro de 1979.)

Paulo Moura — Membro do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Participou em 1978 da chapa 2 de oposição à diretoria. (Entrevista realizada em junho de 1979.)

Paulo Skromov de Mattos — Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Couro de São Paulo. (Entrevista realizada em setembro de 1979.)

Pedro Gomes Sampaio — Presidente do SINDIPETRO de Santos e Cubatão desde 1976. Participa da Unidade Sindical de São Paulo. (Entrevista realizada em junho de 1979.)

Raulindo Marcelo de Lima — Membro do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, liderança no Banco do Brasil, durante a greve da sua categoria, em 1979. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

Ronaldo Cabral Magalhães (Ronaldo Petroleiro) — Presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Transporte e Comercialização dos Derivados de Petróleo do Rio de Janeiro. (Entrevista realizada em março de 1980.)

Sebastião Ataíde — Presidente do Sindicato dos Rodoviários do Rio de Janeiro. Eleito em 1974 e reeleito em 1978. Liderou greve vitoriosa da categoria em 1979. (Entrevista realizada em março de 1980.)

Wagner Benevides — Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Refinação de Petróleo de Belo Horizonte. Tomou posse em janeiro de 1979. (Entrevista realizada em janeiro de 1980.)

* Em ordem alfabética.


3. AS POSIÇÕES DIANTE DO MDB

Extinto arbitrariamente pelo regime em dezembro de 1979, o Movimento Democrático Brasileiro nos seus últimos anos de existência viveu o papel de canalizador das angústias e insatisfações populares, nos momentos eleitorais. Os trabalhadores, a partir de 1974, também se valeram desse escoadouro de protestos, votando maciçamente na legenda ou em candidatos do partido. Alguns dos líderes mais combativos do movimento sindical e operário recente participaram organizadamente do MDB desde os primeiros anos de sua existência. Outros, nunca tiveram um contato com a estrutura partidária, ou a viram com desconfiança. Mas a maioria dos entrevistados, jovens lideranças emergentes, foram se aproximando do partido de oposição a partir de 1974, quando perceberam a importância de utilizá-lo como canal de ação política em defesa dos interesses gerais de suas categorias. E apesar de terem opiniões muito diferentes, e formas de relação variadas com o MDB, a maioria deles procurou estruturar formas de trabalho político junto a parlamentares e junto a suas bases. E procuram relatar aqui, às vezes com riqueza de detalhes, esse trabalho.

Apenas quatro dos entrevistados declararam não ter tido qualquer contato com o MDB antes de sua extinção. E só um deles, Cid Ferreira de Souza, manifestou estranheza diante do assunto, afirmando: “Contatos com o MDB? Que estranho! Eu não tive nenhum contato com o MDB. Nunca, nada, nada!”

As perguntas: Teve contatos com atividades político-partidárias, com parlamentares ou diretórios? Participou de campanhas eleitorais, de indicações ou do debate de plataformas de candidatos, da formação de organismos do partido? Que achou da atuação do MDB, como um todo, e também dos parlamentares que apoiou?

IVAN MARTINS VIEIRA — Olha, nós sempre tivemos o apoio de parlamentares do MDB, desde a primeira eleição em que apresentamos chapa de oposição para o sindicato. A história da nossa diretoria é a seguinte: nós tivemos a primeira eleição em janeiro de 1978. Esta eleição foi anulada. Depois veio outra em dezembro de 78, que ganhamos também com mais votos que a soma das duas outras chapas, mais os votos nulos. E a Delegacia Regional do Trabalho também anulou essa eleição, com o pretexto mais torpe possível: de que as urnas não teriam funcionado no horário normal. E sempre, nessas ocasiões, a gente denunciou essas arbitrariedades; e sempre contamos com o apoio dos parlamentares. Tanto ao nível de manifestos de repúdio, como também de pronunciamentos na tribuna, na Câmara, na Assembléia Legislativa, e até mesmo pessoalmente, comparecendo ao sindicato. Por exemplo, no dia da apuração da terceira eleição, foi fundamental a presença de dois deputados: o Marcelo Cerqueira e o Raimundo de Oliveira. Porque o procurador, mesmo nessa terceira eleição, não queria dar posse para a gente: foi duro mas conseguimos, e tomamos posse em 29 de maio de 1979. Mesmo assim, sofremos uma intervenção em 13 de setembro, só reconquistando o nosso mandato em 28 de dezembro de 1979.

Nós participamos da campanha eleitoral já há algum tempo. Em 1974, eu ajudei na campanha do Lisâneas Maciel e do Délio dos Santos, para deputado estadual. Em 78, também ajudamos um companheiro bancário, o Edmilson Martins, que no fim acabou não sendo eleito, e também Marcelo Cerqueira, Modesto Silveira, esse pessoal aí... Ajudamos a discutir plataforma também; mas nunca com um peso muito grande para esta atividade... Porque a atividade sindical nos toma muito tempo, sabe; e, prá nós, que estamos dentro de um sindicato, ela é prioritária. O sindicato nos toma muito tempo. A participação dos trabalhadores, em termos de partido, a atividade político-partidária, é muito reduzida. Quer dizer, é o pessoal mais, assim..., de vanguarda, que, nas épocas de eleição, e geralmente só nas épocas de eleição, que tem um aparticipação maior. Eu sou filiado ao MDB há muito tempo, mas a maioria não. De qualquer forma, tendo apoiado um candidato, a gente estabelece uma forma de contato mais sistemático, vinculação que permanece até hoje e é fundamental. É uma ajuda mútua, digamos assim; e esses parlamentares, em geral, que nós apoiamos, até hoje estão a serviço de nossa luta. Nunca negaram fogo. Recentemente, por exemplo, tivemos pronunciamentos de Marcelo Cerqueira, de Modesto Silveira, contra as arbitrariedades do Banco do Brasil, do BANERJ; eles estão constantemente procurando a gente, e a gente os procurando também. Temos um intercâmbio muito bom.

Ivan: Os parlamentares que nós apoiamos estão até hoje a serviço de nossa luta; não negam fogo.

OSMAR MENDONÇA — Eu, antes, não participei como elemento filiado ao MDB. Mas em 1976, em São Bernardo, a gente já trabalhou mais nas eleições. Em 78 nós fizemos um comitê apoiando 8 candidatos Na época a gente chamava de “candidatos populares”

Nós não chegamos a ter uma discussão, diretamente com eles, mas nós convidamos todos eles para fazer uma palestra, um debate com o pessoal da região e ficou nisso e, a partir daí cada um tinha um programa. Nós fundamos o comitê em Diadema e começamos a trabalhar para esse conjunto de deputados, não era nem para um, nem para outro, mas era para uma unidade de setores.

Quanto a uma atividade conjunta do sindicato com o MDB para levar algumas reivindicações da categoria para o parlamento, o que eu sei é que existiu um contato ocasional. Que eu me lembro, na época que houve aquela primeira votação em Brasília, em que foram os líderes sindicais a Brasília, se procurou entrar em contato com alguns deputados do MDB, para que eles também ajudassem. Eu acho que foi quando se ia votar a lei de greve. Então, foram alguns sindicalistas, inclusive eles foram ameaçados se fossem para Brasília. Nessa época houve um contato com os deputados do MDB, e mais recentemente em relação à nova política salarial do governo, ou seja, uma atitude comum elaborada pelos sindicalistas e por vários parlamentares do MDB.

Fernando do Ó: Não quisemos ficar só como massa de manobra; surgiu a idéia de lançar um candidato operário.

FERNANDO DO Ó VELOSO — O primeiro contato que tive com o MDB foi em São Paulo, na campanha de 1974. A gente começou a ver que era um erro não participar do parlamento. Antes a gente não tinha muito claro, né? E todos os candidatos que apareciam também a gente não conhecia, não tinham propostas, assim. É quando foram clareando algumas coisas para a gente, vendo por exemplo, o Aírton Soares com uma posição, assim, combativa, na defesa de presos políticos. A gente achava que era um companheiro que merecia a gente dar uma ajuda para ele. Nós pegamos a carta-programa dele, né, ele mesmo nós não conhecíamos. Depois, na campanha de 1976, a gente teve o Marco Aurélio Ribeiro, que veio para o bairro. A gente fez uma luta aqui no Socorro, de terrenos clandestinos, a luta por ônibus; aí teve os contatos com o Aírton também, todo esse pessoal, Alberto Goldman, mais o Antônio Rezk... Houve uma reunião de luta por ônibus, esse pessoal aí apareceu e de certa maneira deu uma cobertura.

Quando veio a eleição, a gente trabalhou para o Marco e para o Benedito Cintra. Daí a gente teve toda uma discussão, porque tínhamos apoiado o Aírton, o Cintra, o Marco Aurélio, de uma maneira assim meio... desorganizada, era um troço em que a gente não participou da decisão da candidatura. Vimos que era preciso discutir mais política, a gente estava muito num trabalhinho reivindicatório, e vimos a necessidade de, nas eleições de 1978, participar mais; não que tinha de ser o candidato daqui do bairro; mas a idéia era de discutir mais com todo o mundo, não ficar só como massa de manobra... os candidatos eram decididos lá, não sei aonde, depois vinham aqui pedir votos. Apesar de serem uns companheiros que mereciam confiança.

Surgiu a idéia de lançar um candidato, inclusive um operário porque a gente acha que a classe operária tem de participar em todos os níveis. Foi na última hora que a gente soube que a pessoa tinha de ter um ano de filiado no partido para poder ficar candidato. Não deu para discutir muito com o pessoal, mas em novembro de 1977, a gente catou o pessoal mais representativo, e filiamos. Ficamos como reserva, se a gente fosse apresentar candidato... Mas apoiamos um candidato operário, o Aurélio Pérez, que foi lançado lá pelo diretório da Freguesia do Ó, se não me engano. A gente tinha medo de a direção do MDB não aceitar; chamamos o Orestes Quércia, o Fernando Henrique Cardoso para uma reunião. Pedimos que eles interferissem, né? O Rui Brito deu uma mão também, e algumas pessoas do MDB.

A campanha do Aurélio foi uma experiência difícil, porque a gente viu que tínhamos que trabalhar muito para ganhar, sem ter experiência e sem ter recursos. Mas foi uma experiência interessante, porque foi praticamente uma campanha de apoio do povo, dos companheiros das fábricas. É verdade que a oposição sindical não participou como um bloco: algumas pessoas apoiaram, outras não, alguns apoiaram o Geraldinho (Geraldo Siqueira), outros apoiaram o Marco Aurélio Ribeiro, outros defendiam o voto nulo. Mas o Aurélio Pérez ganhou, e a gente continuou trabalhando com ele dentro do MDB, fizemos trabalho de filiação, e conseguimos ganhar o diretório de Socorro.

Depois das eleições a gente fez o possível para manter forma organizada de contato com o deputado, só que não funcionou muito. O pessoal tem desenvolvido, só que a gente acha que teve falhas, né? Os candidatos da gente estiveram presentes no movimento contra a carestia, na luta de creche, nos problemas do bairro. Nas campanhas salariais o pessoal esteve..., só que faltou um acompanhamento mais organizado, o pessoal intervir mais organizadamente, mais planejadamente.

Quanto ao MDB, eu acho que teve algumas atuações importantes. Fechar questão quanto ao pacote de abril, foi uma posição correta, uma posição avançada. Eu acho assim, em termos de tribuna, teve uma atuação razoável... Mas a luta do povo mesmo, a grande maioria do MDB não assumiu. Desde que o pessoal defende uma Constituinte, poucos têm levado a questão, o pessoal defende, mas foi pouca ação, né? Não se juntaram assim, à luta do povo.

ANTÔNIO AUGUSTO OLIVEIRA DE CAMPOS — Antes das eleições de 1978, não tínhamos contato com o MDB. A oposição sindical bancária, à qual pertencíamos até 1979, quando ganhamos a diretoria, nunca foi bem vista pelos políticos; então era difícil a gente ter acesso a parlamentares. Isso porque, as oposições, normalmente, têm atrás de si, senão partidos, pelo menos, agrupamentos ideológicos; definidos com a esquerda, ou alinhados com a esquerda. E muitas vezes oposição sindical toma um caráter partidário. Não que ela seja partidária. Mas isto, por vezes, tem dificultado o relacionamento entre oposição e parlamentares, ou oposição/dirigentes sindicais. Não me filiei ao MDB, nem participei da campanha eleitoral de 1978.

O MDB praticamente inexistia até a vitória de 1974. O caráter dele era o de um feudo eleitoral. Os diretórios eram enrustidos. A não ser um ou dois. O que eu conheci foi o de Santa Cecília que tinha uma casa, um diretório aberto. O resto funcionava no escritório do deputado, ou na casa do deputado. As direções dos trabalhadores começaram a ter uma mudança a partir, inclusive, dessa vitória do MDB. Essa mudança, a vitória do MDB, refletiu nos trabalhadores. Mas o número de dirigentes operários que têm uma atuação partidária é muito pequeno. Eu acho que isso é devido à falta de compreensão do processo político pelos próprios dirigentes dos trabalhadores, e, por essa falta, eles são facilmente manipuláveis pelos próprios candidatos. Esse contato tem sido muito difícil também, pelo fato de o sindicato estar atrelado ao Ministério do Trabalho, que é um órgão oficial.

Mas durante a discussão do projeto de reforma da C.L.T., houve um contato maior com o MDB. Eu achei muito importante, muito proveitoso, porque deu prá discernir bem claramente uma identidade de certos parlamentares com os movimentos populares. E isso pode, de uma forma ou de outra, influir no próprio programa do MDB.

Augusto: O número de dirigentes operários que têm uma atuação partidária é muito pequeno.

ARLINDO JOSÉ RAMOS — O contato que eu tive com o MDB, foi com o deputado Genival Tourinho, ainda na época em que eu era presidente da Federação dos Bancários de Minas Gerais, e ele me procurou uma vez para uma discussão sobre a política então vigente. Eu, naquela oportunidade, conversei várias horas com o deputado, rememorando todo o processo evolutivo daquela política salarial, na área do legislativo, na área da aplicação prática da legislação, e também qual era a posição dos sindicatos em relação à política salarial. Mas naquela época a legislação deixava muito pouca margem para avanços maiores dos trabalhadores, foi exatamente neste período que nós fomos fraudados nos índices oficiais de reajustes. Bom, com este contato com o deputado Genival Tourinho, eu fui parar na segunda CPI da Câmara Federal, sobre política salarial. Esse foi o meu único contato com o MDB, nunca me filiei, nem tive contatos em campanhas eleitorais.

Nós achamos que o MDB é um partido que sempre foi, assim, um grande caldeirão, reunindo homens que não concordavam com o golpe militar de 1964. Dessa forma, nós tínhamos ali liberais, tínhamos alguns identificados com a massa trabalhadora, e esses homens cuja linha parlamentar é indefinida. Basta dizer que muitos dos ex-pessedistas mineiros foram para o MDB, e esses homens não estão nada identificados com os anseios do povo. E por falta de uma definição mais aproximada das aspirações dos trabalhadores, o MDB, aqui em Minas Gerais, não teve maior apoio, a não ser como voto de protesto por ocasião das eleições parlamentares. No último pleito de 1978, nós tivemos aqui alguns candidatos que fizeram trabalho de base, como o Edgar Amorim, o Cássio Gonçalves, entre outros. Mas são casos novos, praticamente são exceções dentro do MDB. Em algumas oportunidades anteriores, os sindicalistas mineiros foram a Brasília, mas não ficaram muito satisfeitos com o apoio recebido dos parlamentares do MDB.

RAULINDO MARCELO DE LIMA — Eu era filiado ao MDB, e participei das duas últimas campanhas eleitorais. Acho que valeu a pena! Eu apoiei, assim, determinados candidatos e distribuí material. Eu fiz uma opção, assim, mais ligada ao que o candidato representava na ocasião. Eu conheci alguma coisa do passado destes candidatos, e inclusive travei contato pessoalmente. Mas não cheguei a participar de diretórios. O que me levou a participar das campanhas dos candidatos foi que eu via a necessidade política de o governo ter uma derrota, em termos de quebrar esta política. E os candidatos foram escolhidos em termos do que eles representavam para a categoria bancária. Em vista de que isso possibilitava um trabalho maior na área bancária. Quanto à razão para o MDB ter tão poucos candidatos operários, isso aí não se encontra só dentro do MDB. A razão disso aí se encontra na tradição política brasileira de autoritarismo, que se reflete tanto ao nível econômico como também ao nível cultural, isso aí... se a gente fosse discutir isso, eu acho que seria uma discussão muito ampla. Veja o governo de Getúlio; foi um governo autoritário, mas que favoreceu a classe operária; um governo nacionalista, que teve um respaldo. São coisas que eu acho que remontam até ao outro século. Mas o MDB, eu acho que foi depois de 1974, que houve uma divisão de águas nele; mas aí, inclusive, eu acho que não foi por causa do MDB, foi por causa das massas populares que votaram nele; inclusive, votaram contra a orientação de várias de suas lideranças e mudaram, assim, o roteiro da oposição. Mas eu acho que isso não foi interno ao MDB; o MDB foi reflexo de algo que se processava na sociedade.

BENEDITO FURTADO — Eu sou filiado ao MDB e sou vice-presidente do Departamento Jovem do MDB, aqui de Santos. Eu entrei no partido já faz uns três anos. Entrei sentindo necessidade de participação, pois, dentro de todo este esquema montado, só existe um veículo para você fazer oposição legalmente, que é o partido político, então eu me filiei. Eu conheço os políticos aqui da cidade. Eu sou universitário também, faço jornalismo, estou no último ano, e conheço o pessoal do meio político de Santos, tendo em vista a minha participação política estudantil. A cidade é pequena e você acaba conhecendo todo mundo aí, né? Então, quando o pessoal estruturou uma chapa para o Departamento Jovem, me convidaram e eu entrei. A diretoria do Departamento Jovem do MDB se organizou e apoiou a candidatura de Marcos Aurélio da Costa Milano, e do Corte Real para federal. Quando o Milano chegou para discutir com a gente, ele inseriu no programa dele as nossas propostas. Eu já estava engajado na luta sindical e tinha umas propostas bem específicas: ele inseriu na sua plataforma, por exemplo, a luta pelo fim de uma lei, a lei 4.860, que regulamenta o serviço de transportes aqui do Brasil. Isso estava inserido no programa dele, o direito de greve e uma série de propostas... e tudo isso em cima de discussão, porque quando o candidato sai, ele sai sem proposta nenhuma. E ele veio e a gente discutiu... infelizmente ele não foi eleito, nenhum dos dois candidatos foram eleitos, mas a gente saiu e trabalhou.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — O problema é basicamente o seguinte: quando a gente começa a ter uma atuação em qualquer sindicato, procura resolver os problemas de salário, que são da própria vida do trabalhador; mas pela ação sindical, muito rapidamente a gente é lançado, pelo menos no caso do Brasil, no campo da oposição política ao regime. Desde há bastante tempo atrás, eu trabalho dentro do sindicato; e venho sentindo cada vez mais a compreensão de que a luta sindical, por si só, não vai... sempre esbarra com um obstáculo que é o regime, que é o Estado, e tal; daí a necessidade de ser oposição. Agora num primeiro momento, eu não confiava no MDB. Eu não confiava porque era aquele negócio, dois partidos; tinha a ARENA e o MDB, os dois criados pela ditadura, então eu não tinha uma compreensão suficiente para entender que não bastava ser oposição, que tinha que ter uma organização política, e que organização política, naquele momento, era o MDB.

Eu só vim a militar, vim a trabalhar com o MDB, foi basicamente nas eleições municipais de 1976. E aí eu me inscrevi no partido, e comecei a trabalhar, apoiando alguns candidatos; e depois, nas eleições para deputado, em 1978, a gente, em São Bernardo, entrou com tudo nas eleições, a gente apoiava o Fernando Henrique Cardoso, e um conjunto de candidatos que a gente considerava mais comprometidos com a luta do povo e a gente entrou com tudo mesmo, em comícios, falamos, fomos para a tribuna..., enfim, nós fizemos campanha política mesmo através do MDB.

Na região que eu morava, ali na divisa de São Bernardo e Diadema a gente começou a organizar um diretório. Primeiro era um comitê... tinha um punhado de candidatos juntos, os chamados candidatos populares; depois a gente resolveu transformar aquilo lá em diretório.

Alemão: No Brasil, quando a gente começa a ter uma atuação sindical, é rapidamente lançado no campo da oposição.

WAGNER BENEVIDES — Eu participo de política desde 1956. Com 16 anos eu comecei a luta, apoiando candidatos naquela época do PTB, em que a gente já fazia campanhas, tinha muita aspiração e achava que realmente, na época, o PTB era o máximo. Trazia uma mensagem muito otimista para os trabalhadores, e eu acreditava nisso, como jovem semi-analfabeto, porque naquela época eu tinha só o curso primário, e eu sempre fui um batalhador. Aí eu fui para o Rio, em 1960, continuei militante do PTB, embora nunca tivesse participado de reunião de partido, sempre apoiei. Até que veio o golpe militar de 64, em 65 criaram os novos partidos.

A gente sempre teve ideologia prática, na luta do nosso cotidiano; acabaram os partidos todos e a gente ficou muito louco, sem saber o que fazer. Em 65 o Castelo Branco faz o MDB e a ARENA. Mas eu entendi o MDB, como um movimento mesmo, que aglutinasse por exemplo, as oposições ou as pseudo-oposições, uma espécie de frente. A ARENA seria dos fisiológicos, que defendiam o regime. Como os parlamentares que sobraram do PTB passaram, na maioria, para o MDB, eu também fui junto, mas sem saber o que representava aquilo, politicamente, como saldo para nós. Veio a primeira eleição em que participou o MDB, aí nós votamos todos em branco, a maioria dos trabalhadores tudo em branco, mas sem nunca ter explicado o que é o voto em branco, o que aquilo representava. A gente votou sem saber o que estava fazendo. A primeira eleição que a gente participou ativamente, foi a eleição de 74, onde a televisão foi aberta e se apresentaram um monte de candidatos, eram indicados também pelo MDB e a gente aceitava e achava que aqueles caras iam nos representar, falavam bonito; e a gente votou nesses camaradas todos, e foi o maior banho que o MDB deu na ARENA.

Mas nunca houve um contato direto, de saber onde e o que era um diretório, eu nunca paguei nada para o MDB. No PTB, a gente ainda pagava... na minha época, em 56, 59, para pertencer ao PTB, eu pagava por mês, então aquilo me vinculava mais ao partido... eu estava pagando uma coisa minha... eu entendia isso; e todos os companheiros nossos também entendiam. Quando veio o MDB, a gente não pagava nada, não tinha que participar em nada, era só votar, né?

Em 74, foi uma luta tremenda mas nós votamos, o MDB saiu muito bem e nós aguardamos os resultados... Eu pensava que era um partido mas era só um movimento que aglutinava todo mundo e a gente não tinha participação em nada... e isso aí deixou muita mágoa, porque a gente não podia participar de nada e só ouvia o que vinha de cima para baixo. Veio 78, a gente já tinha uma consciência mais política, tinha que participar mais efetivamente do movimento, aí apareceram os candidatos populares... uma quantidade de pessoas que se apresentavam com uma plataforma extra MDB, e ultrapassavam o que o MDB propunha. Numa luta muito brava, conseguimos eleger dois deputados em Minas, o Edgar Amorim e o Cássio Gonçalves. Em tudo quanto é lugar foi feito trabalho para estes candidatos. Eu, sem os conhecer, também ajudei muito, e como o MDB apresentou só um candidato para senador que era o Tancredo Neves, eu também votei no Tancredo Neves. Uma frente, na minha opinião, cria este tipo de problema.

Hoje a gente vê que o MDB acabou e os trabalhadores nunca tiveram participação efetiva dentro do próprio MDB. A partir da greve de São Bernardo, passamos a perguntar porque que a gente não teria organismo próprio, nosso, para pelo menos participar efetivamente em eleições. Daí a descrença no MDB, a frente está se diluindo.

Wagner: Eu participei do PTB de 1956 a 1965, pagando por mês. Mas eu nunca paguei nada para o MDB.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — No movimento sindical, na época de 67-68 nem se considerava a existência do MDB. A gente fazia parte de uma vanguarda de oposição sindical. O MDB era praticamente desconsiderado em sua existência. Depois, só em 1970 a gente participou. A partir de 74, começamos a ter um contato um pouco maior, novamente com o MDB. Mas eu me mantive alheio ao processo eleitoral e não participei de diretórios. Depois, quando a gente lançou a proposta do Partido dos Trabalhadores, eu, particularmente, passei a ter um contato direto com alguns setores representativos do MDB. Particularmente conversei com vários deles (desse grupo chamado de Tendência Popular). Inclusive com aqueles que não têm mandato, como Fernando Henrique Cardoso. Esse setor se aproximou da proposta do PT, se definindo depois pelo PMDB.

Cheguei a fazer algumas discussões, na campanha de 1978, sobre programas de candidatos. Achava inclusive que algumas plataformas eram boas. Na última eleição, por exemplo, a do Geraldinho parecia bastante avançada. Eu achava que ele estava iludido com a sua plataforma. Não acho que seria possível assumir o programa, dentro da política institucional que se faz no país. Eu, embora concordasse com algumas plataformas, não cheguei a participar de comitê nenhum.

De mais a mais, a estrutura do partido legal imposto pela lei orgânica dos partidos, é anti-democrática, e privilegia aqueles que têm mandatos parlamentares nos postos de comando das agremiações. E não permite que se construa no interior das agremiações eleitorais, verdadeiros partidos de combate. Aí, o operário se sente afastado. Quando muito ele preenche uma ficha, e fica esperando para alguma reunião, para alguma convenção. Depois das últimas eleições, mantive alguns contatos com o MDB. Foi quando se estreitaram as relações com o partido. Por incrível que pareça, a partir do momento em que nós passamos a ter uma proposta partidária própria, os contatos com o MDB se acentuaram, com maior freqüência. E tiveram uma importância muito mais decisiva, no meu caso, para o conhecimento direito do pessoal com o partido da oposição existente. Foi nesta ocasião que eu tive condições de discutir com vários segmentos, várias alas do MDB. O estreitamento dos contatos não significou aproximação das propostas políticas. Significou que nós passamos a atuar no mesmo campo, a nível de ter uma proposta política. Nós, dirigentes sindicais, não tínhamos proposta política. Pelo menos uma proposta aberta às massas. A partir de então, o MDB se sentiu diante de uma corrente que também construíra e disputava a mesma massa que ele pretendia também ganhar. Chegamos a ter uma forma organizada de contatos com a “Tendência Popular”. Chegamos a ter encontros mais ou menos periódicos. Havia planos de se fazer uma série de reuniões e que mais ou menos ocorreram a partir do encontro de São Bernardo. Notou-se então a diferença entre as propostas, as diferenças de fundo essencial.

IGNÁCIO HERNANDEZ — O tipo de contato que eu tive com o MDB, foi essencialmente a partir da última campanha eleitoral, em 1978, quando eu me filiei ao MDB. Na última campanha eleitoral diversos operários, principalmente metalúrgicos, fizeram uma certa campanha; não com muita ênfase, porque realmente a gente não confiava nos candidatos, não podia pôr a mão no fogo por eles. Eu topei essa campanha principalmente por Humberto Resende, pelo Amorim, pelo Cássio e pelos candidatos populares. A campanha foi relativamente fraca, mas, apesar disso, tivemos alguns comícios em Contagem e vários comitês aqui na Cidade Industrial. Então foi realmente um despertar político da populçaão. Não vamos dizer assim da massa, porque a massa, acredito que ainda não entrou no jogo partidário, mas as lideranças, alguns grupos mais conscientes aderiram a essa campanha.

Agora, havia uma desconfiança, de qualquer maneira era um partido em que não se podia confiar, um partido da burguesia, um partido que através de seus representantes nunca tinha assumido uma posição mais corajosa, mais junto com o povo. Mesmo os candidatos chamados populares não eram candidatos surgidos da base. Eles reconheciam isso, mas como não havia outra alternativa, eles se colocavam a serviço do povo. O que a gente teria gostado é que eles continuassem no trabalho de base, que estivessem sempre nos bairros junto com os movimentos populares. Também não vou dizer que os eleitos não tenham feito nada, isso também seria falso. O Cássio Gonçalves, por exemplo, através dele se fez uma CPI sobre o problema das enchentes, ele levou isso para a frente. Há coisas que eles fizeram, agora acredito que o tipo de parlamentar como a gente gostaria, seria um parlamentar muito mais dentro do povo, que acompanhasse o crescimento principalmente das associações de bairro, nos sindicatos, nas fábricas, e isso realmente não aconteceu, não.

No MDB, se não acontecessem outros fatos, a gente previa alguma probalidade de ganhar alguns diretórios, ou inclusive colocar algumas pessoas, como conseguimos aqui dentro do diretório de Contagem. Temos 2 ou 3 companheiros no Diretório Municipal. Os candidatos populares incentivaram, chamaram os grupos de operários, alugaram sedes aqui para comitês, haviam pelo menos 2 ou 3 comitês aqui, de diversos candidatos do MDB. Porém, há um fato muito curioso, em Cataguases (aqui perto) a 300 km de Belo Horizonte, o pessoal dos bairros conseguiu o Diretório Municipal, mas o MDB causou milhões de problemas para esse pessoal. Eles tiveram que recorrer até a Brasília para garantir esse diretório. Realmente lá o pessoal é todo operário, das comunidades de base, acusados pelo próprio MDB dessa cidade (de Cataguases) de filiar gente “simples” dentro do partido, filiar negro no partido. Bem, é um caso particular, mas, sem querer exagerar, me parece que houve uma frieza muito grande, não se confiou em que o operário fosse assumir uma candidatura e ser um parlamentar. Eu acho que não teríamos condições de melhorar o MDB, eu acho que seria um trabalho de oposição tão grande que consumiria o dia e muito tempo, muita atividade da gente, sendo que outros problemas urgentes como o problema sindical, o problema da organização das comissões de fábrica, o problema das associações de bairro, isso seria prioritário.

Joaquim Arnaldo: A aproximação do MDB foi muito mais com a classe média. A classe operária ficou como espectadora.

JOAQUIM ARNALDO DE ALBUQUERQUE — Em 1966, quando fecharam os antigos partidos, eu era do PDC, Partido Democrata Cristão: e aí, a reação natural dos que estavam participando dos partidos foi entrar para o MDB. Nesta ocasião eu entrei para o MDB. Inclusive concorrendo como candidato a deputado estadual. Tive a sorte de não ser eleito. A partir daí, me afastei do MDB porque achava que era uma legalização da ditadura. Em 1970, eu parti para o voto nulo, também continuando o mesmo raciocínio de que participar das eleições seria fortalecer o regime militar

Em 1974, eu já fiz uma revisão de minha posição, porque em 1970 o governo tinha eleito muita gente, e havia e imagem no exterior de que o povo estava com o governo. Por isso, parti para apoiar os candidatos do MDB, no caso o Lisâneas Maciel, que depois foi cassado. Participei com muito mais ênfase mesmo em 1978, e aí já mais organizado, quer dizer, dentro dos trabalhos de base. Inclusive foi escolhido um grupo de candidatos, que se considerava mais democrático, mais autêntico, e no Rio de Janeiro estes candidatos todos foram eleitos, porque se aproximaram realmente dos trabalhos de base que existiam. A proposta dos deputados que elegemos era de continuar, depois de eleitos, a fortalecer, a ajudar a fortalecer os trabalhos de base, e levando para o Congresso as propostas desses próprios trabalhos. Mas isso não foi feito; não quero acusar os deputados, mas as dificuldades e a distancia do Congresso para as bases, são muito grandes. Porque muitas vezes elementos eram convidados a participar de alguma atividade de base, e não compareciam, com a justificativa de que tinham um compromisso no Congresso, um projeto importante, uma coisa da qual eles não podiam se afastar etc. Esse foi o problema. Além disso, diante das greves eu acho que a participação do MDB podia ter sido bem melhor. Principalmente dos deputados que se diziam autênticos. Por exemplo, na greve dos metalúrgicos do Rio de Janeiro, que é a que eu conheço mais, nós fizemos um esquema convidando todos os deputados do MDB do Estado, para comparecerem a uma reunião e para ver no que poderiam ajudar em apoio à greve, porque nós sabíamos que ia haver repressão. Nessa reunião nós pedíamos que, se fosse necessário fazer piquete, que eles fossem para as portas das fábricas conosco porque a polícia enfrentar um deputado, prender, bater, fazer qualquer coisa, se tornaria mais difícil. E isto seria uma certa cobertura para a gente. E nenhum deles compareceu às portas das fábricas. Apesar de terem sido escalados: no dia tal fulano vai para a porta da fábrica tal, fábrica tal, fábrica tal... eles não compareceram. Pessoalmente eu avalio que a aproximação dos deputados do MDB foi muito mais com a classe média, a pequena burguesia, que estava nas movimentações em favor da anistia, etc, levando estes problemas para que o povo começasse a participar. Então eles participavam das concentrações, das passeatas; realmente foi grande a participação deles, mas muito mais, na minha opinião, através da pequena burguesia e da classe média. Porque a classe trabalhadora, como estes movimentos não foram iniciados por ela, participou mais como espectadora.

ARNALDO GONÇALVES — Se existem falhas no MDB, uma grande parte da culpa também nos cabe, porque as lideranças sindicais mais conseqüentes, que deveriam estar exigindo do MDB uma atuação mais conseqüente, posições melhores do MDB (até definindo estas posições), sempre se abstiveram de participar no partido, alguns nem queriam ouvir falar. Nós deveríamos definir primeiro entre nós os nossos principais objetivos, para depois cobrar das direções do MDB (nacional, estadual, de diretórios etc), a defesa desses objetivos. Tomar a iniciativa de um diálogo, pois eu tenho certeza que eles nos ouviriam e se disporiam a defender essas reivindicações.

Nós, do Sindicato de Santos e Cubatão, sempre defendemos, dentro do MDB, aqueles candidatos que foram melhores, que defendiam aqueles pontos de vista iguais aos nossos. Com esses candidatos nós discutimos as plataformas, os programas, discutimos aquilo que nos interessava, e eles se comprometeram a defender. Nós tivemos inclusive no nosso sindicato, o presidente anterior, o Marcelo Gatto, que foi vereador, e depois foi deputado federal pelo MDB, cassado pela ditadura. A maioria desses deputados realmente têm cumprido aquilo a que se comprometeram. Alguns falham, mas a maioria tem cumprido. Agora uma boa parte deles foram cassados e por isto não dá para se avaliar as suas atuações. Mas nós sempre procuramos nos relacionar. Eu não sei como é que trabalham os outros sindicatos, mas nós, aqui em Santos, temos uma forma de trabalho que é participar em tudo o que acontece na cidade (na comunidade), por isso nós sempre tivemos participação dentro do MDB, ou fora dele. Não acontece nada na cidade sem que o sindicato tenha uma posição bem definida e dê a sua opinião.

Arnaldo: Existem falhas no MDB, mas as lideranças sindicais mais conseqüentes se abstiveram de participar no partido, exigindo posições melhores.

PAULO MOURA — Eu participo do MDB, desde a sua fundação, porque na minha linha sempre me dei por ser de oposição; eu acho que só existe um governo mais ou menos bom, quando existir uma oposição adequada, entende? E quando era praticamente impossível ser do MDB, pois era como se fosse uma doença contagiosa ser do MDB, eu já era do partido, e já naquela época era visto como mau elemento. Por que todo mundo queria estar ao lado do governo, certo? Mas eu acredito que a maioria dos caras que entram na ARENA, até agora, a maioria deles é gente sem escrúpulos, interessados na ARENA para tirar proveito próprio, para arrumar bons empregos, arrumar peixada; e eu, graças a Deus, não preciso dessas coisas. Tenho dois braços bons para trabalhar, não preciso agradar ninguém.

Desde que surgiu o MDB, mesmo sem ter diretório organizado, aqui na Vila Jaguara nós já tínhamos um grupo de pessoas, que não eram um diretório organizado. Já tinha um grupo de pessoas que lutava pelo MDB, mesmo fora de época de eleições, sempre! Nós, aqui, sempre lutamos pela democracia. Inclusive, aqui é uma das vilas mais democráticas de São Paulo, basta dizer que o prefeito Olavo Setúbal veio inaugurar um negócio aqui e teve uma dificuldade imensa. Nas últimas eleições a ARENA pegou de 15 a 20 por cento só, sendo que isso que eles conseguiram aqui foi por ter um candidato da região, propaganda com um homem com um saco nas costas, e aquele monte de dinheiro aparecendo. Cheguei a participar dessa discussão que houve na época da eleição de 78, para tentar formar um programa único com os deputados autênticos. Eu não só participei, como também trabalhei para todos! E saiu embaixo os nomes dos autênticos: Alberto Goldman, Audálio Dantas, Aurélio Peres, Irma Passoni, o Antônio Resk, enfim, saiu um monte, e eu trabalhei para eles; trabalhei para todos! Eu sou a favor da união, da unificação de forças que representem a oposição ao governo.

LETÍCIA DE MELLO — Eu sou do interior, e meu pai foi um dos fundadores do diretório do MDB da minha cidade; então, com isso, a gente sempre estava próximo do MDB, das eleições, candidaturas, trabalho de diretório, comício, e tal. Eu participava de algumas coisas assim, mas eu era menina ainda, sabe? Depois eu mudei para cá, vim aqui para estudar, depois eu comecei a trabalhar, e meu contato assim, mais político, de eu me filiar, dentro do MDB, foi no início do ano passado. Quer dizer, aí já era um trabalho diferente daquela época, estava começando a participar mesmo de diretórios daqui, da região de Belo Horizonte, e o primeiro trabalho maior que a gente teve de participação, dentro do MDB, foi contra a extinção do partido. A gente participava de comícios na rua, na Praça Sete de Setembro, denunciando a extinção do partido, tentando fazer campanha de filiação em massa, e isso eu fiz também com os metalúrgicos, em Betim. Antes disso, na campanha de 1978, eu participei, fortalecendo a candidatura de um dos candidatos populares, o Romeu Araújo.

Eu acho que na campanha de 1978 nós não usamos toda a força que podíamos. Primeiro porque esses anos todos limitaram a participação. E segundo, houve uma dificuldade desse pessoal que estava mais disposto a atuar, em atuar unitariamente, sabe? De perceber que naquele momento era realmente muito importante defender a unidade dos setores populares. Houve uma dificuldade de manter isso, prejudicou bastante a campanha. Apesar de que fizemos iniciativas unitárias. Havia, por exemplo, o comitê eleitoral do Barreiro, que era um comitê de cinco candidatos, não era de um só. Então, quer dizer, ao mesmo tempo que teve esse fator negativo, teve o fator positivo de já se começar, na prática, esse trabalho unitário. Tentou-se fazer uma participação grande, uma relação maior entre os candidatos e aquelas pessoas que estavam fazendo a campanha para eles. Com discussão de programas, com discussão conjunta entre os vários candidatos, debates, apresentação conjunta em bairros, por exemplo, em um deles houve uma manifestação, acho que com a presença de mais de quinhentas pessoas, do próprio bairro, talvez até bem mais, e estavam lá representados os cinco candidatos. Agora, poderia ter sido muito melhor, se todos os setores progressistas tivessem compreendido antes, que a luta dentro do MDB era muito importante, para um MDB mais ágil, mais próximo. Mas na medida em que foi passando o tempo, e com o crescimento, o ascenso do movimento popular, do movimento operário, começou a haver uma mudança a nível mais amplo na conjuntura, e que se refletiu dentro do partido também de 1978 para cá, atingiu até mesmo uma série de forças que defendiam em 1974, em 1976, e até mesmo em 1978, o voto nulo, e que tinham prejudicado o ascenso das forças populares dentro do partido.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — Eu sou filiado ao MDB, e participei de todas as últimas campanhas eleitorais, todas as campanhas populares, da anistia, o Encontro Nacional etc, isso em termos políticos, Não cheguei a discutir a plataforma eleitoral com nenhum candidato específico. Eu participava como oposição ao regime. Isso depois do golpe de 1964. Porque, antes, nas lutas passadas, eu procurei me utilizar dos políticos para levar reivindicações para o parlamento.

Joaquim: Não tive contato anterior com o MDB. No bipartidarismo não havia alternativa.

JOAQUIM DOS SANTOS ANDRADE — Não tive contato anterior com o extinto MDB. Nós entendíamos que dentro do bipartidarismo não havia alternativa para os trabalhadores poderem ingressar num dos dois partidos.

MARIA FELÍCIA DA ROCHA MACEDO — Eu não tenho contato com partidos políticos. Nem com o MDB, nem com a ARENA, eu mantive contato. Nas últimas eleições eu votei em candidatos que estavam filiados ao MDB. Candidatos que eu já conhecia, Edgar Amorim, Cássio Gonçalves, porque eles haviam prestado já grandes serviços ao movimento sindical no Brasil. Então votei neles, e recomendei às pessoas que tinham contato comigo, que votassem neles também. Mas durante o trabalho no sindicato, nunca procuramos o MDB, ou outro partido político; procuramos políticos que pudessem nos ajudar, e que estivessem em qualquer partido desde que prestassem serviço ao trabalhador.

FRANCISCO DAL PRÁ — Os primeiros contatos que nós tivemos com o MDB foram assim, de caráter amistoso, sem maior comprometimento político, sem maiores intenções políticas. Sempre foram para tratar de alguns projetos que eram de interesse dos trabalhadores, só neste sentido.

Eu nunca tive uma experiência pessoal para exemplificar o fechamento dos partidos para os operários, porque eu também nunca tentei entrar. Tive intenções; em certas épocas eu cheguei a pensar; puxa, se eu fosse convidado por um partido, para ter uma posição ... poderia ter mais condições para atuar pelos interesses de minha classe, e talvez viesse me interessar por um partido, mas nunca tive também esse interesse assim, forte. Porque eu acho o seguinte: como dirigente sindical, eu tenho, modéstia à parte, um grande trabalho a prestar no Rio.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — Olha, eu sou filiado ao MDB exatamente há 10 anos; e uma das minhas principais experiências no MDB foi a de eu descobrir a burrada que as pessoas faziam, as pessoas que se diziam de oposição, de não se ter filiado ao MDB, porque não descobriram o mal que o MDB podia fazer à ditadura. Descobrem hoje, que o MDB pode fazer estragos à ditadura, quando a ditadura dissolve o MDB. A gente, há dez anos já viu isso: que uma das formas mais eficazes de fazer oposição à ditadura, era fazer um trabalho dentro do MDB.

Olha, primeiramente, é uma grande mentira dizer que o MDB não é um partido democrático, viu? Para você decidir, dentro do partido, você tem que ter filiados, e como é que você filia as pessoas, como é que participa o filiado, dentro do MDB? O filiado tem um papel muito importante, porque, se você for observar, qualquer fulano aí, que formou o MDB regional, ele coloca no diretório a mulher dele, a cunhada dele, o marido da irmã dela, na executiva do diretório, simplesmente para assegurar legenda a candidaturas. Quando chega o momento do cara se candidatar, ele tem as pessoas que vão votar na indicação dele. O eleitor, de uma forma geral, depois da revolução, depois dos “partidos” aí, MDB e ARENA, ele se colocou naquela situação de ter “meio voto”, ele só vota para eleger o cara, mas não vota em quem vai ser o candidato. Então uma coisa importante, para furar os oportunistas dentro do MDB, é participar filiadamente. Quer dizer: você vota para indicar o cara a candidato. É muito mais importante do que votar para eleger o cara. Esse é um dos aspectos importantes do trabalho do MDB. E esse negócio de que o MDB não é democrático é absurdo; ele é tão democrático, que permite que o pessoal que faz o jogo da ditadura esteja na oposição. Agora só quem custou a descobrir isso foi a esquerda.

Em 1978, eu era da executiva do MDB regional de Santo André; olha, primeiro tem que entender o que é a luta interna dentro dum partido como o MDB, sabe, é um negócio terrível, você pode até vender o voto, ou comprar; então a nossa participação primeira é de ver quem vai sair candidato, pelo partido, quem vai ser candidato a alguma coisa. Como a maioria dos caras que têm a direção dos diretórios, têm condição inclusive de brecar a filiação das novas pessoas, então uma das primeiras lutas dentro do MDB é fazer com que os nossos candidatos, que a gente conhece, e que têm um compromisso popular, têm um compromisso de classe, são ligados aos trabalhadores, às lutas da periferia, enfim, às lutas amplas, e a gente sabe que o camarada não só tem um presente de luta, mas tem um passado que justifica o presente, então a primeira luta no MDB, é fazer com que essa pessoa saia candidato. Isso o pessoal não percebeu, isso só é possível para quem tá dentro do partido, fora não é possível, fora você só é convidado para torcer. Se, há tempo, os militantes operários tivessem feito um trabalho de filiação, para dar um conteúdo popular à militância dentro do MDB, então o governo não ia conseguir adiar as eleições, nem as regionais partidárias do ano passado, nem as municipais de 1980; infelizmente, a gente está percebendo as coisas muito tarde, o pessoal, irônica, prosaicamente, com uma linha de oposição autêntica a este governo, quer continuar a vida inteira na oposição de fora, por burrice não descobriu a importância de dar um conteúdo popular à luta interna do MDB. Porque essa luta interna infelizmente é muito elitista, viu; é um grupinho que sabe das coisas, que decide, e é o pessoal que manda no MDB. Se a gente tivesse metido o povo no MDB, sabe, tivesse filiado trabalhadores, meu Deus do Céu! Olha, a situação não estava essa barra que está aí. O governo dissolvendo os partidos e adiando as eleições ao seu bel prazer. Algumas pessoas dizem que é muito difícil você filiar alguém ao MDB, porque o presidente dos diretórios regionais brecam a filiação. Olha, isso não é verdade, primeiro é falta de imaginação das pessoas: por exemplo, você vai num jornal regional, que apoia a ARENA, e diz que você tem tantas pessoas para filiar ao MDB, e dá o nome de todo mundo. O jornal tem todo o prazer de publicar no jornal que você, fulano de tal, quer se filiar ao partido. Precisa ter alguma coisa que comprove a denúncia, você fazendo isso, olha, o dirigente do diretório com certeza será obrigado a filiar todo mundo. Dizer: “não, o MDB é um partido ditatorial etc”, isso é mentir, é falta de imaginação do pessoal. É muito mais fácil decorar dois versinhos sobre política e ficar repetindo na rua, do que entender a política e ter responsabilidade sobre o trabalho.

Timóteo: Em 10 anos que estou no MDB, percebi a burrada que as pessoas de oposição faziam, de não se filiarem e não perceberem o mal que o MDB podia fazer à ditadura.


4. COMO NASCEU O PT?

Faz muito tempo que os trabalhadores brasileiros lutam para criar seus próprios partidos: o primeiro partido operário brasileiro foi fundado em 1.° de fevereiro de 1890, no Rio de Janeiro, por 120 trabalhadores socialistas liderados pelo tipógrafo Luiz França e Silva. A quase totalidade dos partidos de trabalhadores formados nas primeiras décadas do século XX teve vida curta; a exceção é o Partido Comunista Brasileiro, que conseguiu resistir desde 1922 até hoje, a uma longa história de ilegalidade e repressão.

As classes dominantes brasileiras, elitistas e antidemocráticas, sempre procuraram impedir a livre organização partidária do operariado; e a ditadura instalada em 1964 reprimiu até mesmo o PTB, um partido de massas trabalhadoras, mas dirigido por setores burgueses e pequeno-burgueses ou por membros do aparelho de Estado. Na situação política atual de retomada das lutas sindicais, surgiu a proposta do PT — Partido dos Trabalhadores. Nossos entrevistados opinam aqui sobre as razões e a história do surgimento do PT.

As perguntas: Como você acha que surgiu a idéia do PT? Quais as razões do seu surgimento?

RONALDO CABRAL MAGALHÃES — Eu acho que o PT é um partido que surgiu... porque nós, os trabalhadores nunca tivemos representação política partidária. Então o PT surgiu nesse anseio de levar maior representação dos trabalhadores ao Congresso Nacional. No meu entender, este foi o maior anseio do PT. Para que nós tivéssemos um respaldo político partidário. Mas eu acho que a proposta do PT foi pessimamente colocada. Não foi discutida amplamente, jogaram no ar, e deixaram que muitos grupos de oportunistas entrassem, para tirar proveito. Se fosse bem colocado o PT, seria um partido e tanto ... porque as intenções foram as melhores possíveis, mas lamentavelmente foi pessimamente colocada para os trabalhadores e deixamos perder esta grande oportunidade.

Ronaldo Petroleiro: Se a sua proposta fosse bem colocada, o PT seria um partido e tanto...

WAGNER BENEVIDES — Na minha opinião, a idéia do PT vem de uma frustração com o MDB. Qualquer um que tentasse, antes de 1978, entrar com alguma coisa nova para o MDB, fatalmente seria expurgado dele, porque o MDB era controlado pelo Tancredo Neves. Tinha dois irmãos aqui em Minas, que são uma máfia, um comandando a ARENA e outro o MDB, os irmãos Ferraz. Doce ilusão dos companheiros que hoje estão achando que vão ter espaço. Eu acho que o espaço vai continuar o mesmo... porque em Minas, por exemplo, o pessoal até agora não sabe quem é que comanda o PMDB.

Porque aqui em Minas é o único lugar do Brasil que ainda tem PSD, tem UDN, PR, então aqui o interesse maior é pela sigla anterior, passada, e não pelo presente. Eu acho que é o “feijão e o sonho”. Tem um montão de múmias aí, que ainda andam na política.

O MDB como partido de oposição nunca teve um trabalho sério. Pelo contrário, ele avalizou duas vezes a ditadura. Primeiro quando o Ulisses Guimarães foi candidato a presidente da República, ele avalizou a eleição do Geisel. Quando o MDB colocou aquele general aí, o Euler Bentes, também como candidato, avalizou a ditadura mais uma vez. Na nossa opinião, o MDB não tem um trabalho concreto. Existe um trabalho concreto, de alguns parlamentares. Mas na cassação do Alencar Furtado, por exemplo, o próprio MDB se sentiu bem, porque ele fatalmente ia passar a assumir uma liderança na frente do Ulisses Guimarães. Se a gente for fazer uma avaliação correta, a anistia que ele levantou, realmente não é uma bandeira do MDB, essa bandeira foi levantada pelos companheiros do PCB. Outra coisa, o movimento do custo de vida em São Paulo, foi levantado por um grupo de companheiros também de outras organizações que não são reconhecidas, foi também o MDB a reboque.

O espaço para o movimento popular, dentro do PMDB, que dizem que está sendo aberto, você sabe que é mentira. Em todos os Estados você já sabe quem vai ser candidato a governador pelo PMDB. Então você indica tudo na mão ... agora, perguntaram para o povo, perguntaram para o Zé ali? O Zé por exemplo defende o PMDB, e este sindicato aqui é bom por isso, porque todo mundo tem direito de defender o que quiser. O Zé tem direito de defender o PMDB, porque ele é trabalhador, até o dia em que ele chegar à realidade que eu cheguei ... eu também já defendi o PTB e o MDB, até que chegou a hora e eu falei: não, agora chega. Eu estou igual a mulher de malandro, né? Eu estou apanhando e não tomo vergonha na cara ... Então é isso, a gente discute, mas se a gente fizer uma pesquisa aqui dentro, só com os companheiros que estão aqui ... eu acredito que a maioria é por uma alternativa própria dos trabalhadores ... o partido próprio deles. E não é porque eu defendo não, é porque tá chegando a hora do pessoal dizer que é isso mesmo ... não existe espaço no MDB, nunca existiu é a classe trabalhadora organizada. E olha que eu não falo de classe operária, porque eu não sou sectário não, porque a classe operária não tem força de derrubar governo nenhum, mas a classe trabalhadora toda tem, porque a classe trabalhadora é a união dos trabalhadores com os operários e existe uma diferença entre operário e trabalhador. Trabalhador é todo aquele sujeito que vende a sua força de trabalho. Às vezes não sai nada pronto da mão dele. Do operário, obrigatoriamente alguma coisa sai pronta da mão dele. A classe trabalhadora, ela pega desde os profissionais liberais até o sujeito que é varredor de rua. Nunca um senador como o Teotônio Vilela, um sujeito que passou 15 anos na ARENA, como uma figura apagada, vem para o MDB e é autêntico... está no PMDB também como autêntico... Acontece que ele tem 10 mil trabalhadores lá no engenho dele, que a maioria não ganha nem um salário mínimo... Ora, na hora que houve uma greve do pessoal de Pernambuco, do pessoal das usinas, a primeira coisa que ele fez foi telefonar para Alagoas para ver se a usina dele não tinha entrado em greve também... Então tem que acabar com esta frescura, sabe, trabalhador é trabalhador e patrão é patrão, vamos separar o joio do trigo...

SEBASTIÃO ATAlDE DE MELLO — Em 1977, quando ninguém falava em PT, eu troquei idéias com os companheiros que hoje formam a sua cúpula. Como nós, enquanto dirigentes sindicais, não poderíamos participar politicamente, eu convidei-os a participar de uma associação que se chamaria “Associação dos Dirigentes Sindicais”. Seria uma forma de, ao invés de nós irmos aos políticos, os políticos virem até nós e, daí, nós passarmos a exigir. Porque, naquela oportunidade, e isto inclusive está registrado na imprensa, eu dizia que a classe trabalhadora tinha perdido a confiança na classe política. E realmente perdeu: o trabalhador de hoje não está iludido com nenhum político, principalmente políticos profissionais. Mas, depois de eu divulgar isso aí pela imprensa, os companheiros, não sei porque razão, desistiram da idéia. E ainda, em 1979, eu fui surpreendido quando nós fizemos o nosso primeiro encontro nacional de dirigentes sindicais. Em Gragoatá e em Niterói, os companheiros de São Paulo vieram com a idéia fixa em um grupo já bem organizado, para tirar aqui, do Rio, uma resolução dos dirigentes sindicais de formar o PT. Eu briguei contra isso, e eles não conseguiram aprovar. Naquela oportunidade, eles queriam um PT fechado: só entrava operário. E disso aí a gente não pode participar, porque um partido político não pode fechar as portas. Tem que ter todas as camadas, desde que estas camadas se identifiquem com o pensamento da classe trabalhadora. E, para minha surpresa, hoje eu vejo o PT com o senador Santillo, com os parlamentares que são da burguesia, e eu estou vendo que os companheiros parece que queriam era aparecer como dirigentes políticos, e não tinham uma ideologia formada. O que eles queriam era um lugar ao sol e quando houver eleições esta máscara vai cair. Aí eu digo que vai haver a degeneração do PT, como houve do PTB em 1945.

Sebastião: Desde 1977, quando ninguém falava em PT, eu propus uma “associação de dirigentes sindicais”.

JOAQUIM ARNALDO DE ALBUQUERQUE — A proposta do PT surgiu trazida por lideranças sindicais, que tinham mostrado na luta realmente uma atuação em defesa dos interesses dos trabalhadores. E aí tem muita gente enganada, quando diz que o PT é do Lula. Há muito engano deste pessoal. O Lula teve a coragem, com os companheiros, de lançar a proposta de um partido político para, vamos dizer, facilitar a luta dos trabalhadores. Como os sindicatos são atrelados ao Ministério do Trabalho, não têm liberdade, não têm autonomia, não têm nada, devia-se constituir um partido legalmente, e este partido poderia dar cobertura a estas próprias lutas nascidas dos trabalhadores. Os trabalhadores participando, é lógico que ele não vai recusar nenhuma de suas lutas, e estar na frente, junto com eles. Por isso a necessidade do PT, quando foi lançada, eu acho que, de início, foi bem aceita pelos trabalhadores. Mas, é lógico que depois, a própria máquina de divulgação caiu em cima do PT, querendo colocá-lo como mais um partido político, e isso vai dificultar um pouco mais a sua constituição. Vai dificultar, mas isso não vai impedir, porque eu acredito na constituição do PT. Porque é muito mais fácil convidar os companheiros, vamos discutir, vamos sentar para discutir política, para construir a nossa organização política, do que convidar o companheiro para ir para o MDB, o PTB. Principalmente o PTB, que já vem de uma história em que os trabalhadores nunca participaram.

IGNÁCIO HERNANDEZ — Em Minas, primeiro se escutava os rumores sobre o PT vindos de São Paulo, do ABC, da greve de 1979. Daí começaram a surgir as figuras do PT na imprensa, e ficou essa idéia durante vários meses. Depois tivemos diversos debates, na Cidade Industrial como em Belo Horizonte, até que em meados do ano passado fizemos uma reunião geral de sindicalistas daqui. Propusemos então uma reunião não de cúpula mas de base: fizemos, e me parece que demos ali os passos fundamentais; não era tão grande nem tão significativa para a classe operária, mas encheu o salão do sindicato, umas 400 à 500 pessoas que aderiram ao PT e aceitaram a idéia de se fazer uma comissão eleita, para sair um pouco daquela coisa de cúpula dos sindicalistas, já que metade deles não estavam aderindo à proposta. Depois se fez uma comissão aberta Pró-PT, numa reunião regional com diversos representantes das cidades do interior. Na comissão escolhida tem muito poucos dirigentes sindicais, mas são 21 pessoas bastante representativas, a maioria é operário.

JOAQUIM DOS SANTOS ANDRADE — Nós, já antes de 1978, é necessário que se diga, antes de 1978 e após o congresso de Lins, nós fizemos inúmeras reuniões visando a idéia do PT, aprimorando a idéia e tentando levar, na prática, condições que nos permitissem, dentro de um pluripartidarismo, criar um Partido dos Trabalhadores; e tentar dinamizar o partido, aprofundar o partido e enraizar o partido nas bases, para fazer com que ele realmente cumprisse a sua função, e desse cumprimento aos princípios transcritos no seu programa.

Bom, veio a possibilidade do pluripartidarismo; possibilidade esta que veio através de um golpe, porque o que o governo deveria ter permitido era o surgimento de outros partidos, e não a extinção dos partidos. Com a possibilidade de surgimento desses novos partidos, nasceu aquilo que era temor de muitos dirigentes sindicais, que era a interferência das facções políticas na formação do partido. E a partir daí, embora nós fôssemos os autores, eu digo nós, uma série de dirigentes sindicais, uns 20 ou 30 dirigentes que já haviam se reunido várias vezes, nós não pudemos chegar à prática, porque alguns se arvoraram em donos dessa idéia; e passaram a fazer um estreitamento; então ficou um partido que a gente não sabe se é partido ou sindicato, e o PT acabou não tendo uma participação maior dos trabalhadores, porque formou-se com o conselho de algumas facções burguesas, que vieram com aquela idéia de “sindicato autêntico” e de “sindicalismo pelego”. E alguns sindicalistas, que se auto-denominam de autênticos, passaram a fazer este exclusivismo, e a estreitar o partido, a estreitar a possibilidade de participação e deram uma tonalidade excessivamente ideológica ao embrião do partido, não permitindo a participação da maioria dos líderes sindicais.

Acabou com algumas facções, alguns pequenos agrupamentos políticos, fazendo a tal da patrulha ideológica; e a grande maioria dos dirigentes sindicais abandonou a idéia.

DÍDIMO PAIVA — Bom, a idéia do PT, podia ser partido popular, partido democrático, podia ser partido operário, essa idéia, eu ouvi do Arlindo José Ramos do Sindicato dos Bancários, afastado do sindicato, recentemente restituído a seu cargo. Foi o primeiro companheiro que levantou, ele é muito moderado, ligado a uma linha cristã, mas um dirigente muito sério, muito cuidadoso, ele achava o seguinte: que nós precisávamos de cuidar de organizar o trabalhador para um partido, porque o trabalhador no Brasil jamais será libertado se não tiver o seu instrumento de expressão. Posteriormente, essa idéia se estendeu quando começaram essas reuniões inter-sindicais, para discutir convênios de INPS, começamos a fazer as reuniões que eram proibidas na época, como são até hoje, chegou-se à idéia de que o trabalhador precisava de um partido de sua representação. Porque o trabalhador brasileiro é como escravo, houve realmente a libertação dos escravos, com aquele ato, da Lei Áurea, mas, na verdade, o trabalhador hoje é mais escravo do que o negro naquele tempo, como a política é elitista, de cima para baixo, o trabalhador nunca pode se organizar. As experiências de partido comunista, socialista ou qualquer tipo de trabalhismo, elas foram desviadas do seu verdadeiro sentido.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — Os trabalhadores não têm, e nunca tiveram organização partidária. Eventualmente houve, no passado, tentativas heróicas de se construir partidos de trabalhadores. Agora, a recente proposta de PT, surgiu numa reunião que fizemos em São Bernardo do Campo entre doze presidentes de sindicato, dos quais apenas quatro apoiaram a idéia. Esses quatro eram: o Lula, o Jacó, o Cicotti e eu. E os outros oito que não apoiaram, vou tentar lembrar para dizer: Hugo Peres, Ênio, Raimundo, Arnaldo (de Santos), João Carlos (Petroquímica de Caxias,) deve ter mais algum. Não me lembro.

O PT é uma proposta muito simples. É original, não uma idéia própria da sociedade de classes. É a idéia de um partido da classe explorada — dos trabalhadores da cidade e do campo. O PT significa a passagem da consciência dos trabalhadores, de uma massa amorfa, massa de manobra dos pequenos burgueses, para uma situação em que eles próprios constróem a sua instância política, sua própria agremiação militante, não somente eleitoral.

Skromov: O PT surgiu de uma reunião em São Bernardo, entre doze presidentes de sindicatos. Quatro deles apoiaram: o Lula, o Jacó, o Cicotti e eu.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — Olha, o problema é o seguinte: todo mundo que tem um pouquinho de atuação política, quer ser alguma coisa na vida, dentro desta república brasileira. Isso tem que ser considerado. As pessoas querem sair nas capas de jornais, as pessoas têm vaidades, as pessoas felizmente têm vocação para o poder. Então a primeira coisa que se precisa ver nesse monte de opções partidárias, é que as pessoas querem aparecer nos jornais, a primeira coisa é isso. E eles não estão errados não, também quero aparecer nos jornais; e se amanhã eu quiser bancar o diferente, ter espaço aberto em todos os jornais do País, vou dizer que estou organizando o neo-fascista, vou fazer uma comissão provisória, e aí vou dar entrevista em tudo quanto é jornal, como a dona Ivete Vargas está fazendo. Enfim, vários desses arranjos partidários começam dessas pessoas que querem aparecer, e então bolam uma coisa nova, que não é muito nova. Mas em 15 anos de ditadura as pessoas perdem a memória, perdem a noção de vida política nacional, e então o nego começa a pintar por aí com novidade: “Não, eu sou a comissão provisória, eu sou o articulador”...

ANTÔNIO AUGUSTO — No Brasil, houve dificuldades de uma atuação de massa da esquerda. A esquerda brasileira não teve condições objetivas para levar um trabalho de massa e nem condições subjetivas para entender esse trabalho. E não existindo isso daí, os grupos de esquerda nem podem reclamar para si o movimento de São Bernardo, por exemplo. Então, quando os trabalhadores já começam a fazer uma greve, e começam a ter um choque com o Estado e com todo o poder de segurança do Estado, eles passam por um processo de aprendizado ou de sentimento de avançar mais.

Entretanto, não existiu em 1978 e 1979, no Brasil, com representatividade na massa, nenhum partido de esquerda que fizesse a análise da diferença entre o movimento econômico e o político. Por outro lado, houve a euforia do 15 de novembro de 1978, dentro da qual praticamente o pessoal achou (talvez num ápice de um pensamento bem ingênuo) que fosse possível eleger o Euler Bentes, e que fosse possível ter maioria do MDB no Congresso.

Veio a frustração, que ocorreu porque houve, de quase toda a sociedade, um apoio ao MDB. Houve um engajamento até mesmo de direções sindicais na luta pela eleição; e a gente nota que com a derrota, ou melhor, não com a derrota mas por não se ter conseguido a maioria do MDB no Congresso, por não se ter conseguido questionar o sistema de escolha do próprio presidente da república, aquilo gerou uma frustração muito grande nas direções sindicais que estavam preocupadas em como escapar naquele momento do arrocho econômico. Daí a proposta do Partido dos Trabalhadores, que é, para mim, uma proposta de desafio à esquerda: é uma proposta de formação de um partido de massa com uma concepção de luta de massa, isso enquanto uma parte da esquerda teve durante um certo tempo, depois de 1964, uma concepção de guerrilha, uma concepção de se dar uma força maior ao trabalho rural; e hoje, as massas urbanas pedem uma direção. E a esquerda não conseguiu fazer sua autocrítica (pode ter feito uma autocrítica interna mas não teve condições de passar isso para as massas). Aí surgiu um Partido dos Trabalhadores, que eu acho difuso, pois não tem uma concepção marxista e nem uma concepção burguesa — ele ainda está muito indefinido — mas tem uma coisa concreta: é um partido de base sindical; tem muito de caráter trabalhista num primeiro momento. Agora, sua implantação é que vai mostrar se existe possibilidade dele se definir e de como ele vai se definir.

Osmar: A partir de sua prática, os companheiros descobriram: precisamos meter a colher nas decisões políticas.

OSMAR MENDONÇA — A idéia da necessidade do Partido dos Trabalhadores surgiu fundamentalmente ligada à evolução das lutas operárias. Eu achei que a partir do momento em que a classe operária começou a ter uma luta mais ampla, mais organizada, ficou claro para os trabalhadores que eles precisavam de fato terem uma expressão política. A nossa greve no caso, como as outras também, em Belo Horizonte, mostraram claramente o seguinte: quem é que domina o País; os trabalhadores de São Bernardo do Campo perceberam, claramente, que quem domina são as multinacionais. Perceberam quem é que defende internamente as multinacionais; a polícia foi lá bater nos operários, para defender a empresa. Perceberam também a sustentação das multinacionais aqui no terreno da lei, na hora em que a greve é decretada ilegal, decretada pelo governo. Perceberam também como o governo está comprometido com essas empresas, com o grande capital nacional e estrangeiro, no momento em que decreta intervenção no sindicato. Então, a classe operária percebeu tudo isso, através da sua própria experiência, e sentiu que aquele terreno em que ela estava era insuficiente para ganhar a luta.

Nesse processo ela percebeu quem são seus amigos; não foi através de uma visão teórica, mas através da prática. Quando começaram a fazer o cerco em cima da gente, nós tivemos o auxílio da igreja, nós tivemos o apoio dos professores, artistas, jornalistas. Então a classe operária percebeu também que ela na sociedade tem muitos amigos e viu, no entanto, do ponto de vista das decisões políticas, que apesar de ser uma grande força, ela não conseguia interferir. A partir desse conhecimento prático, os companheiros começaram a dizer: Nós temos que ter condições é de meter a colher no processo de decisão política. É daí que surge esse sentimento mais ou menos amplo hoje: da necessidade de se criar o Partido dos Trabalhadores.

IVAN MARTINS VIEIRA — Tem um fenômeno muito interessante com relação ao PT. Entre a vanguarda e a massa, existe uma coisa que a gente poderia chamar de “massa avançada”, e é interessante notar que o Partido dos Trabalhadores, o PT, exerce uma certa atração para esta parcela. E isto é devido ao próprio desgaste dos partidos políticos tradicionais, da política desse país... e ao próprio nome do partido. É um “Partido dos Trabalhadores”... então aparece como algo de novo... Tudo o que passou passou, não teve nada que prestasse, não teve nenhum partido, e tal. Quer dizer, a falta de liberdade de expressão, a censura à imprensa, outras correntes de opinião não podendo colocar a sua visão para a massa também, então o PT aparece às vezes como uma solução. Mas o que acontece aqui no Rio de Janeiro? Eu tenho o depoimento de certos companheiros aqui, que se estimularam por um cartaz ou por uma propaganda, e compareceram... um número muito pequeno, a uma atividade do PT e se decepcionaram ... Ao chegarem lá não era nada daquilo, eles também notaram uma visão muito sindicalista... “vai ser o partido que vai lutar pelos nossos salários, não vai ter patrão, e tal...”

Eu particularmente acho que foi um equívoco. A proposta do PT surgiu depois do ascenso do movimento sindical. E me parece que o grande equívoco, como eu tinha dito antes, é que ele jogou uma proposta como se fosse uma Central Única dos Trabalhadores... Parece que, na luta sindical, os companheiros que vieram propor o PT perceberam que era importante alguma ligação entre os trabalhadores, de solidariedade etc. E daí surgiu a idéia do PT. Eles tinham também um descontentamento com os partidos tradicionais, com o MDB; a falta de compreensão do caráter do MDB deixou-os desiludidos, porque muitos desses dirigentes que estão puxando o PT, estão desiludidos; dizendo assim: “Poxa, nós fomos à Brasília, e na hora da votação da reforma da CLT, vinte deputados do MDB não estavam no local”. Mas é claro que não estavam no local. Eles estavam no MDB porque se tratava de uma frente democrática. Não concordam com os interesses dos trabalhadores. Têm a ideologia do patrão, embora sejam liberais. Quer dizer, eles ficaram decepcionados porque o MDB tinha uma bancada de, digamos, 220 membros, e nas questões que interessavam para os trabalhadores, só votavam 150 ou 170... Na realidade, quer dizer, aquele número de votos seria sempre o mesmo, mesmo se houvesse outros partidos. É que a gente ainda não está com uma acumulação de forças capaz de, no parlamento, fazer prevalecer, quantitativamente, um número de deputados maior a favor dos trabalhadores.

JACÓ BITTAR — Sentimos a necessidade da formação de um canal de expressão do trabalhador, mesmo reconhecendo a existência de um Partido Comunista, que se diz partido dos trabalhadores. Eu até acredito que o PC seja, mas eu acho que houve uma campanha muito grande por parte do capitalismo contra o Partido Comunista, e que ele não tem aceitabilidade por parte dos operários como está acontecendo com o Partido dos Trabalhadores. Eu acho que a curto prazo, e até a médio prazo, seria muito mais fácil trabalhar para se formar uma consciência política diante daquilo que está tendo aceitabilidade, do que tentar engrossar um partido que foi sempre xingado, como... por que não dizer, muitos ainda acreditam que na Rússia se come criancinha... Então é melhor você abrir um espaço para a atuação e para a participação política dos trabalhadores, mesmo que não seja algo tão definido, mas que seja canal de expressão como está sendo o PT.

Jacó: Houve uma campanha muito grande contra o PC. Muitos ainda acreditam que na Rússia se come criancinha.


5. O QUE SE ESPERA DO PMDB

Temendo que o MDB se transformasse numa efetiva e poderosa frente política das oposições, o governo o extinguiu, autoritariamente, em dezembro de 1979. A maioria de seus membros, principalmente de seus parlamentares, resolveu manter-se reunida no mesmo partido, uma espécie de sucedâneo do Movimento Democrático Brasileiro, incorporando o saldo de suas vitórias eleitorais e políticas dos últimos anos.

Entretanto, o recém-nascido PMDB tende, desde a sua criação, a se diferenciar, sob uma série de aspectos, do seu “pai”. Em primeiro lugar, porque uma boa parte dos setores considerados “adesistas” e alguns dos “moderados” foram para o PDS e para o PP, deixando à nova agremiação uma coloração mais marcadamente oposicionista. Aprofundando também o seu programa e procurando aproximar-se mais dos setores populares, o PMDB tem sido considerado por muitas das lideranças sindicais emergentes como um canal efetivo de expressão política. Entre nossos entrevistados, porém, há diferentes expectativas em relação ao comportamento do partido, embora quase ninguém duvide de sua força relativa e sua viabilidade legal.

As perguntas: Como é que você vê o atual PMDB? Quais as diferenças entre ele o antigo MDB? Quais as possibilidades deste partido vir a ser representativo dos trabalhadores? O que significa o órgão “Movimento Trabalhista” do PMDB? Quais as chances eleitorais do partido?

OSMAR MENDONÇA — Eu acho que 1974 é um exemplo mais ou menos claro, onde a gente vê que há uma certa fusão de interesses, ou seja, o avanço da luta popular coincide com os discursos e a pregação parlamentar do MDB. De 1974 para cá ocorre um processo inverso, ou seja, a luta popular tende a avançar cada vez mais e o MDB fica na mesma linguagem, no mesmo discurso de 1974, não consegue se colocar adiante desse movimento que cada vez se mobiliza mais na luta pelos seus interesses específicos, reivindicatórios, a nível mesmo econômico. Para mim isso foi uma pressão, uma pressão do conjunto do movimento popular em cima do MDB, ao qual ele não conseguiu corresponder.

Eu vou te contar uma experiência, para não falar no ar. Quando nós fizemos o comitê dos candidatos populares em Diadema em 1978, a nossa idéia era transformar aquilo ali num sub-diretório do MDB, e nós tínhamos contatos com os políticos de Diadema e com outros deputados tais como Aírton Soares, Aurélio Perez, Sérgio dos Santos, Irma Passoni, Mauro Bragato, Marco Aurélio Ribeiro, Geraldo Siqueira Filho e outros, que participaram lá do comitê. Quando nós procuramos, depois das eleições, criar um sub-comitê, nós fomos impedidos legalmente de fazer isso, pelo próprio MDB de Diadema; ou seja, numa votação lá, para ser aprovada ou não a criação de diretórios, nós perdemos claramente na votação. E uma outra tentativa de transformar esse comitê em departamento trabalhista do MDB, também não foi aprovada. Então eu acho que o MDB não é um partido democrático, para mim a estrutura política do MDB é pior que a estrutura sindical. E o seu seguidor, o PMDB, não tem possibilidade de se transformar.

Timóteo: O PMDB e sua liderança tem uma atuação melhor e mais agressiva, devido a maior pressão popular.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — Os peemedebistas têm agido mais unitariamente e com mais eficiência dentro dos trabalhos de base; isso porque no PMDB nós não temos a pretensão de representar todo o povo, nem todos os trabalhadores. Isto significa que os militantes, os quadros do PMDB são os que, no meu entender, até hoje têm mostrado mais empenho e mais boa vontade para uma proposta política unitária, de frente, que não se sobreponha aos interesses do povo, dos trabalhadores; pelo menos de uma forma geral. Claro que dentro do PMDB tem interesses vários, né? Tanto interesses pessoais, de pleitear cargos, postos, o que eu considero, aliás, legítimo. Agora, há várias formas de você se empenhar para resolver o problema das reivindicações, para garantir a participação de base, e cada grupo de interesse do partido se posiciona a favor de uma certa coloração ideológica. Mas veja: ao nível do movimento sindical, eu acho que o PMDB está tendo um papel mais agressivo que o antigo MDB. Um papel mais agressivo nas suas posições, de assumir as reivindicações do movimento sindical, de tomar posicionamento nas greves. Eu acho que foi um negócio inédito, nesta última greve do ABC, você ver o Ulisses Guimarães num palanque, numa assembléia com 100 mil pessoas. Por outro lado, o PMDB é um partido que tem o governo de várias prefeituras, então há reivindicações dos trabalhadores que são atendidos pelo PMDB no governo municipal.

O posicionamento político das lideranças partidárias em favor das reivindicações de categorias profissionais, como no caso dos metalúrgicos, é outra forma também do partido se posicionar frente à base, acompanhando suas reivindicações num contato direto. Então nós já temos duas formas de participação da base. Agora, isto não é porque os quadros do partido têm esta posição, têm claro na sua cabeça que são instrumentos políticos. É porque foram pressionados. No caso de São Bernardo, por exemplo, se houvesse um outro prefeito no lugar do Tito Costa, (que se conduziu muito bem durante as greves), e esse outro não tivesse as mesmas posições que ele tem, teria também que assumir o seu papel, porque ele seria forçado pelo movimento. Porque este movimento não é só do PMDB, é um movimento dos trabalhadores, da base participando, exigindo, reivindicando...

A posição melhorada do PMDB, e de sua liderança, do Ulisses etc, se deve à pressão resultante do crescimento do movimento popular. O PMDB tem um programa; este programa manifesta idéias, e nessa conjuntura política, as idéias que se manifestam no programa do partido, é o que o povo está exigindo. É a coincidência, a ligação entre o que o povo está exigindo e o programa partidário. Você veja, o Tito Costa, por seus interesses específicos, se afastou do PMDB; eu acho que foi um erro de cálculo dele, e prova disso é que ele voltou.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — Eu acho que o PMDB não só está conseguindo manter aquele caráter de frente que ele tinha até 79, mas também houve uma espécie de depuração espontânea, porque aqueles que conciliavam, que estavam no MDB por falta de estar na ARENA, tão logo tiveram oportunidade, desembarcaram, e procuraram os seus lugares. E eu vejo o PMDB neste momento; pode ser que ele venha se degenerar, talvez num futuro próximo. Mas no momento ele, me parece, representa o interesse do povo brasileiro.

O PMDB está nascendo diferente, o PMDB está nascendo pelos intelectuais, o seu nascimento não foi igual ao do Partido Trabalhista em 1945, e o PT em 1980. Ele já está nascendo realmente com figurões, mas estes figurões têm, pelo menos até o momento, atitude diferente... Eles defendem os interesses deles, mas pelo menos, talvez dadas as circunstâncias, circunstâncias do Regime, eles defendem os interesses do povo. E eu espero que ele mantenha essa linha, porque à medida que ele não mantiver, é lógico que os trabalhadores, que são mais conseqüentes na luta, mas muito menos experientes nos conchavos políticos, vão desembarcar. Eu acho que uma forma existe para qualquer partido.... A única coisa é que o PMDB no momento representa a oposição ao sistema, e como tal, eu acho que todo mundo, todo o povo, principalmente a classe trabalhadora, deve ingressar no PMDB, e, principalmente nos seus diretórios; porque quem manda no partido político são os diretórios. Mas se o povo se mantiver afastado, não tendo ninguém para pressionar a direção, então eles podem mudar para pior.

Ataíde: O PMDB está nascendo com figurões: ele pode vir a se degenerar no futuro, mas no momento é o que mais representa o povo.

IVAN MARTINS VIEIRA — O PMDB deveria, a meu ver, ser mantido com a mesma composição de antes. Todas aquelas correntes interessadas no fim da ditadura tinham que estar dentro de um partido só. Eu entendo hoje, como etapa prioritária, a luta pela derrubada do estado de exceção.

Com relação aos adesistas, eu não tenho critérios para filtrar as pessoas, ver quem é adesista, e quem não é... Eu acho que o próprio processo vai depurar o partido dessas pessoas, certo? Eu acho que a tendência do PMDB, caso ele se transforme em frente, é de haver uma natural depuração dele... As questões institucionais, hoje, têm menos peso que antigamente, acho que são as questões sociais que estão tendo um peso muito maior... Eu acho que seria um processo natural de depuração sem nenhum tribunal ideológico para expulsar: você não pode ir para o PMDB porque você é chaguista, porque você é isso ou aquilo. Esta questão de entrarem pessoas em um determinado partido, e que não têm nada a ver com o ideário dele, está acontecendo hoje, aí, em todos os partidos, infelizmente. Não digo que seja nem maioria, porque há parlamentares aí que sabem o que querem, e entram nos partidos em função da ideologia, do seu ideário político. Mas o que está se vendo aí é que a opção partidária... virou uma verdadeira caça ao voto. O sujeito leva em conta, ao entrar no PP, no PMDB, no PDS, como está a situação naquela base onde ele tem voto. Se numa determinada cidade tem muita gente concorrendo na mesma área, dentro de um partido, o sujeito faz a opção pelo outro, simplesmente para ter voto ali. Por exemplo, a entrada do Henrique Santillo no PT. Eu não conheço o senador Henrique Santillo, para mim foi uma surpresa a entrada dele... isso pelo que conheço de longe. Eu acho que uniram-se dois interesses: o PT precisava de um senador: e o Santillo precisava de uma legenda para correr por fora. Parece que é isso, eu não tenho certeza...

Agora, quanto a esta questão de alguns líderes do PMDB insistirem que não deve haver “dupla militância”... Quer dizer, quem estiver no PMDB tem que ser só do PMDB, não pode pertencer a outra coisa qualquer... Eu acho isso um absurdo, porque seria excluir da participação do PMDB pessoas que não têm oportunidade legal de se expressar em outro partido. Além do mais, eu acho que esta idéia é uma coisa difícil de ser levada a efeito, porque o PMDB teria que ter um SNI próprio, ou, o que seria mais absurdo, se socorrer nos arquivos do SNI, para saber se a pessoa pertence a uma posição ideológica diferente. E além do mais, mesmo que tivesse arquivo, seria assim impossível de comprovação, seria apenas uma desconfiança, não é isso? Porque, tirando os partidos que estão aí, com a sigla na praça... deve haver partidos que não podem ser registrados no TSE, que são ilegais, não é? E como é que se vai provar isso?

ARNALDO GONÇALVES — Eu sempre fui ligado ao MDB, desde que ele surgiu; sempre fui filiado, fui delegado do MDB estadual. E entendo que se deveria manter a unidade das oposições; como não temos liberdade suficiente para ter um partido com uma linha ideológica definida, com princípios claros, o esquema básico de criação de partido é o mesmo que existia há dois anos atrás. Não mudou muita coisa; eu sempre defendi que a gente deveria se manter dentro do MDB, não deixá-lo ser extinto, e quando fosse extinto, a gente continuar dentro de um partido que fizesse uma frente de oposições em que todos tivessem representação. Era uma forma das oposições trabalharem juntas. E dentro deste espírito foi que eu me filiei ao PMDB. Eu continuo achando que o PMDB é o partido que conta com a simpatia junto às massas trabalhadoras, é o partido em que os trabalhadores realmente acreditam. Essa a razão pela qual eu me filiei ao PMDB. Eu acho que a criação do setor trabalhista ajuda a desenvolver a luta dos trabalhadores, ajuda a se discutir, mas independente disso, o que a gente sente junto aos trabalhadores é que eles reconhecem o PMDB como um partido de oposição, tem um Movimento Trabalhista autêntico, e a tendência da maioria dos trabalhadores é o PMDB.

Arnaldo: O movimento trabalhista do PMDB ajuda a desenvolver a luta dos trabalhadores.

JACÓ BITTAR — Não queremos o paternalismo, como essa história do PMDB, de Departamento Trabalhista, Departamento Feminino, Departamento da Juventude... Nós não queremos, não; por que um “departamento” para a maioria? Então o comando continua fora das mãos dos trabalhadores.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — O PMDB está tendo condições de atingir as bases, crescer para baixo. Eu acho que está, porque eu tenho viajado por aí, e o Movimento Trabalhista do partido é um elemento importante para isso; eu tenho viajado a convite do Movimento Trabalhista, e por exemplo, eu fui estes dias até Porto Alegre, e lá assisti a uma reunião do Movimento que tinha umas 100 lideranças das mais expressivas do Rio Grande do Sul: ferroviários, trabalhadores rurais, metalúrgicos, lideranças expressivas, de massa mesmo, lideranças sindicais, muita gente mesmo, em torno do PMDB. Aqui em São Paulo também a gente observa a mesma coisa, com o pessoal de bairro etc; em São Bernardo mesmo, quando nós fomos à Brasília, naquele ato massivo de junho de 1980, de adesão ao PMDB, nós só não levamos mais gente porque não tinha lugar no ônibus; porque tinha muito mais gente...

Essa ida coletiva a Brasília foi uma decisão do Movimento Trabalhista aqui de São Paulo, a iniciativa basicamente começou aqui, onde a gente achou que tinha que fortalecer o partido; a gente não entende o Movimento Trabalhista como um partido dentro do partido, e a melhor maneira de fortalecer o PMDB era levando adesões de trabalhadores, do povo em geral. Nesse sentido, foi um negócio muito bem sucedido; a gente foi com lideranças do Brasil inteiro, de todos os setores. Foram com o seu próprio esforço; não foi um negócio financiado pelo partido, que a direção do partido patrocinou, pagou etc; pelo próprio esforço, cada um foi para demonstrar a adesão... eu acho que politicamente foi um negócio de grande importância.

Agora, o Jacó Bittar não tem o direito de dizer esse negócio que eu acabo de ficar sabendo, de dizer no dia 11 de junho que “o PMDB está filiando pelegos em Brasília”. O Jacó Bittar é um inocente, ele não sabe o que fala. Ele fala muito emotivamente, sem ver as coisas que está falando; quer dizer, evidentemente foram dirigentes sindicais à Brasília que, do ponto de vista de ação sindical, são muito mais conseqüentes do que ele, e ele sabe disso. Então ficar falando de pelego... inclusive este conceito de pelego... o Jacó é um cara que não tem direito de falar isso. Ele pode chamar os dirigentes dele, do sindicato dele, de pelego. Mas quem pode chamar o Joaquim dos Santos Andrade de pelego são os metalúrgicos de São Paulo; o Jacó não tem nada a ver com isso.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — Essa ida a Brasília para filiar-se ao PMDB, desse grupo de sindicalistas, a discussão dessa idéia eu não acompanhei, eu fui à primeira reunião e já encontrei o fato consumado. Não era mais para discutir a proposta mas era para executar. A minha opinião pessoal é a seguinte: eu sou favorável a que o Movimento Trabalhista e o PMDB tenham uma posição firme junto ao Congresso Nacional, às Assembléias Legislativas e às Câmaras Municipais, e aos governos aonde o PMDB ganhar as eleições. Mas ter uma ação em outros termos, uma ação em cima de propostas. Porque esse negócio de ato simbólico, isso é meio bobagem, sabe. O povo tá cansado disso, viu. Eu acho que quando o Movimento Trabalhista for a Brasília, deve ir com uma posição para resolver problemas, como foi feito na época da nova lei de salários. Agora, este negócio de ato simbólico, ir lá só para falar bonito, eu acho que isso é o tipo de coisa que não contribui muito, porque cria ressentimentos, e tira a respeitabilidade do Movimento Trabalhista. Tira credibilidade da base, no que a base pode contribuir corretamente.

A minha posição pessoal é essa, mas eu acho que no rumo que está o Movimento Trabalhista, eu acho que não adianta colocar isso, eu acho que é só o tempo que vai levar as pessoas a entender que o fato que vai dar credibilidade à participação da base não é a política do “beija mão”, mas é fazer com que tanto o Ulisses Guimarães se preocupe em vir à base, quando for do interesse geral, como a gente também ir ao Congresso Nacional quando for do interesse particular do movimento operário e do movimento sindical. Porque festa a gente não precisa fazer no Congresso, né... festa a gente faz em outro lugar...

DJALMA DE SOUZA BOM — Eu acho que o PMDB vai continuar sendo um partido de cúpula, um partido de cardeais. Prá mim continua da mesma forma. Eu votei no MDB, em alguns candidatos. E se não houvesse essa alternativa do PT, eu ia continuar votando em alguns candidatos do PMDB. Agora, eu acho que não vai modificar em nada não; e não é porque eu sou do PT e estou na direção da comissão estadual do PT. Eu acho que só vai se modificar alguma coisa quando algum partido político venha até as bases e comece a conversar com o povo, comece a politização do povo brasileiro. Não é imposição não, de partidos políticos, é o povo brasileiro, ele mesmo querendo saber o que quer de fato, não sendo usado como instrumento. Por isso eu acho que os outros partidos mais uma vez vão cair no vazio, com uma política verticalista, de cima prá baixo, tentando impor condições. A entrada de sindicalistas no PMDB, que houve em junho de 1980, não vai modificar nada, se não houver uma participação popular.

Zé Pedro: Há no movimento trabalhista do PMDB alguns que são líderes; mas outros são só dirigentes sindicais.

JOSÉ PEDRO DA SILVA — Bem, no PMDB entraram alguns líderes sindicais. O Alemão e o Arnaldo Gonçalves realmente têm uma política que eu considero como de líderes sindicais; agora entraram muitos que eu não considero líderes. São dirigentes sindicais. É o caso do Joaquim dos Santos Andrade e de alguns outros por aí. Agora, é claro que nós do PT respeitamos todos aqueles companheiros que queiram entrar para o PMDB, que tenham uma visão diferente da nossa; por ele estar no PMDB e não estar no PT, nós temos todo o respeito a estes companheiros, e achamos que eles têm todo o direito de optar pelo partido que acham que seja mais viável. A nossa linha dentro do PT não é de hostilizar os outros partidos de oposição, de maneira nenhuma. Embora a gente ache que de uma certa forma o PMDB não é viável para a gente, porque dentro do PMDB, na nossa maneira de entender, o trabalhador não tem muita condição de decidir as coisas lá dentro. Agora respeitamos os companheiros que acham que o PMDB ainda não se esgotou, que é uma maneira de se organizar, e aí entra muito naquela questão: existem bandeiras de luta que o PMDB defende e que o PT defende também. A gente não considera estes companheiros de maneira nenhuma reacionários. Muito pelo contrário, são companheiros combativos e tal, que até um certo ponto da luta nós estamos juntos.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — Quanto ao PMDB, ele representa a maior força democrática no país. E eu acho que a luta ainda tem que ser travada no sentido de haver uma unidade das oposições, e uma unidade que, no meu entender, vai ser mais perfeita, se ela for uma unidade orgânica inclusive. Se todas as oposições estiverem coesas dentro do PMDB. Eu ainda não estou considerando que já está dado o novo quadro partidário: ainda tem muita discussão a ser feita, inclusive com o pessoal que está na cabeça dos outros partidos aí, no sentido de fazer reconhecer a realidade. Não existe, no meu entender, um dado novo, uma profunda mudança na situação política do país, que permite já ir criando uma série de partidos e coisa e tal. Eu acho que o dado central que existe é o aparelho de Estado, que ainda continua a mesma coisa, quer dizer, que é ditadura mesmo, no duro, entendeu? Eu acho que este negócio de dividir as oposições foi um golpe deste aparelho de Estado, não foi nenhuma ânsia de democratizar, não foi nada disso. Foi um golpe no duro. Então eu estou achando que ainda é o tempo e o espaço para se lutar pela unidade de oposição dentro de uma mesma sigla partidária, que seria o PMDB. Eu acho que isso ainda é possível. Agora, evidentemente, diante das coisas que estão se colocando hoje, a gente ainda vai ter que procurar uma unidade da oposição.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — O PMDB está um tanto depurado, digamos, de um setor mais conservador que se mantinha dentro dele. Pode ser que ele se veja um pouco mais livre para desenvolver com um mínimo de conseqüência — que nunca teve — a luta da democracia neste país. Se ele conseguir desenvolver, ele pode jogar..., digamos assim, um papel adicional ou suplementar, dentro da luta pela democracia. Nisto aí ele pode jogar. Os seus parlamentares poderão apoiar iniciativas de luta levadas pela população. Poderão. Agora, se vão conseguir, não dá para prever.

CID FERREIRA DE SOUZA — Eu vejo com bons olhos o PMDB, porque tenho dois grandes amigos nesse movimento, que são o Dr. Almir Pazzianoto e o Fernando Henrique Cardoso, meus amigos particulares. Eu deposito uma grande fé neles e acho que eles têm muitas origens trabalhistas. O PMDB tem espaço para a participação dos trabalhadores: hoje existe um órgão dentro do partido, o Movimento Trabalhista, cuja presidência está na mão do Almir Pazzianoto, que vai abrir espaço para essa participação, sabe; e com isso, eu acho que também os sindicatos vão avançar neste sentido. Eu achei que o MDB antigo era muito fechado, e hoje ele está se abrindo, está procurando as bases, indo atrás de trabalhadores, de dirigentes sindicais, de movimentos de bairro, e isso é muito bom. O partido é isso: partido popular tem que ser dessa forma, não pode ser um partido fechado como era antes. Antigamente para você se filiar ao MDB tinha que fazer alguma promessa para alguns que faziam parte da cúpula e hoje não. Eu tenho certeza que hoje o partido obterá uma filiação muito grande. E prova disso está aí, o MDB funcionou em Campinas como partido majoritário em 13 anos; eu acho que não tinha 3.000 filiados; eu me lembro, na última eleição de diretório aqui, com direito a voto havia 1.700 pessoas. Eu não posso aceitar um partido desse, eu acho que partido é participação do trabalhador, partido de oposição de frente tem que ser assim: dar oportunidade a todo mundo. Agora, aí é que está: ocupa os espaços quem tem mais condição.

PAULO MOURA — Para melhorar a atuação do PMDB é cada pessoa procurar convencer o seu vizinho, o seu amigo, prá se manifestar junto ao partido, procurar sindicatos, procurar filiar, é a associação de bairros, procurar fazer com que o PMDB sinta uma retaguarda. Na medida em que os deputados sentirem que tão tendo apoio, eles têm que se mexer. Por que se eles quiserem mandar sem o povo, fatalmente eles não existem. Então, eles precisam sentir que o povo está junto com eles, e acreditar no povo. E, inclusive eu fiz uma sugestão: que cada um deles tirasse um domingo por mês prá visitar as vilas. Porque não é justo também que eles, principalmente os que estão em Brasília e que vem para casa só no fim de semana, fiquem os 4 domingos do mês andando, é meio duro. Mas um domingo por mês, eles poderiam dedicar à periferia. Então hoje iriam numa vila, amanhã em outra. Essa proposta foi bem recebida e me parece que vai entrar em projeto, vai começar a vigorar. Uns par deles já se prontificaram a fazer isso. Eu não sei se eles falaram da boca prá fora, mas eu tive a oportunidade de ver alguns 12 ou 13 que se prontificaram a fazer esse tipo de coisa. Eu falei que era para ir em dois ou três, fazer uma espécie de mutirão. Cada dois, três, tirar um domingo por mês: hoje visitam uma vila, daqui há três ou quatro domingos, visitam outra, participam inclusive de esporte com os caras; se os caras estão jogando futebol, vão lá junto, que é para o povo sentir que está amparado pelo PMDB, ainda mais.

Letícia: O PMDB já não conta mais, graças ao trabalho da gente, com os adesistas como Chagas Freitas.

LETÍCIA DE MELLO — Eu sou do PMDB, estou trabalhando pela construção do partido e acho que o PMDB hoje é um partido com posições mais decididas, eu acho que hoje ele reúne o melhor da oposição. Sabe, é o partido de oposição que tem mais expressão ao nível do povo e vai ser um partido realmente capaz de representar o povo, criticamente, nesta conjuntura. Por exemplo: em Pernambuco o PMDB já vai partir para a quinta concentração popular, me parece, e isto está sendo feito no Brasil inteiro. No Rio o pessoal tá fazendo campanha em praça pública, nas favelas, nos bairros de origem operária. Aqui a gente tá reorganizando os diretórios, já tem Departamento Trabalhista organizado numa série de locais, estamos lutando para reorganizar o Departamento da Juventude, o Departamento Comunitário: lógico que isto tem que ser feito de forma ainda mais rápida, mais dinâmica... de uma forma inclusive que eu acho mais correta, mas eu acho que no fundamental tá saindo muito bom. É um espaço conquistado pelo movimento popular dentro do PMDB, na medida em que a gente está constantemente se organizando, e manifestando os interesses do povo lá dentro, e a criação destes departamentos e a agilização dos diretórios está caminhando neste sentido também.

Quanto aos adesistas, os grandes adesistas, já não estão mais no PMDB. O PMDB já não conta mais, graças ao trabalho da gente, com os grandes adesistas como o Chagas Freitas. Agora, eu acho que tem ainda setores do partido mais atrasados, que não estão muito interessados na defesa dos interesses populares. Agora, eu pessoalmente discordo que você tem que fazer uma briguinha formal pela direção, cargos etc. A gente pondo o povo dentro do PMDB, tem que ganhar a direção do partido à medida em que cresça a participação do povo dentro dele, na medida que a gente vá ocupando os espaços.

IGNÁCIO HERNANDEZ — As propostas do PMDB não são essencialmente diferentes das propostas que tinha antigamente o MDB, então continua sendo um problema. A diferença do PMDB e o PT é que ele continua sendo o partido que quer se colocar a serviço do trabalhador. O MDB é um partido da burguesia que realmente quer melhorar as condições democráticas de um país, quer melhorar o nível de vida do trabalhador mas que ainda não entendeu que é o próprio trabalhador que deve fazer estas coisas, então seria um partido para os trabalhadores e não um partido dos trabalhadores. Ele se coloca aí como um partido que uniria as oposições, isso até certo ponto pode ser uma intenção real, agora isso não quer dizer que todas as oposições que se coloquem numa outra linha estariam dividindo o movimento; pelo contrário, a gente se coloca numa linha que se eles aderissem eles também se uniriam, a gente aceitaria uma frente, não de cúpulas, porque o PT nem cúpulas tem; mas se aceitaria uma frente de massas, isso sim. Mas a gente se pergunta, que massa o PMDB tem? e que cúpula o PT tem? Tudo o que sobra neles falta na gente e eu acredito que aquilo que o PT possa vir a ter brevemente eles nunca conseguiriam: captar a confiança do povo. Os parlamentares não procuraram as massas, eles imediatamente se dividiram; uns foram para o PT, outros foram para o PMDB, quem quis foi para o Arenão. Mas realmente eles nunca, me parece, se voltaram para suas bases, não procuraram ter aí uma reunião com as lideranças que os escolheram e perguntar o que se deve fazer nessa situação atual.

Ignácio: A gente pergunta — Que massa o PMDB tem? E que cúpula o PT tem? Tudo que sobra neles falta na gente.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — Olha, o Jarbas Passarinho disse que o PMDB é um caleidoscópio onde várias tendências atuam harmonicamente dentro de um conjunto de posições e de propostas para a sociedade brasileira... Eu acho que ele foi muito feliz com esta definição, eu acho que não tem que rebater, não. Porque eu acho que o PMDB representa bem a sociedade brasileira, em termos das suas pontas mais avançadas, das suas pontas mais atrasadas, nordeste, sul... enfim, eu acho que o PMDB é um partido que realmente vai dar condições à classe trabalhadora, participando no PMDB, ao exercício da política, porque eu acredito que sem política não há salvação...

Agora eu discordo que o PT tenha condição de dar participação aos trabalhadores. O PT confunde muito reunião de esquina, reunião de paróquia, com exercício da política. Porque exercer a política é você resolver problemas, para mim é isso: resolver problemas. O PT, hoje, o único problema que ele tem para resolver são os seus problemas internos; o PT não sabe o que é um problema político da sociedade brasileira. O PT nunca teve experiência direta em nada, nunca teve e não vai ter a curto prazo. O PT não sabe o que é um governo, não sabe o que é governo do Estado; ele não entendeu ainda o que é governo federal... Então o trabalhador tem que se exercitar na política, entender o que é essa complexidade de soluções para o povo do Brasil.

AFONSO DELELLIS — Antes de mais nada, dos vários partidos de oposição, só o PMDB vai conseguir responder às exigências draconianas da lei eleitoral, para se manter como partido. Mesmo o PP vai ter dificuldade. Agora, as pessoas precisam perceber que dentro do PMDB existe realmente espaço para os trabalhadores e o movimento operário, muito mais espaço ainda do que no antigo MDB. Isso, pelo seguinte: além de haver nas bancadas peemedebistas um bom número de deputados identificados com os trabalhadores, o partido, para crescer e poder atender às exigências da lei, está tendo que se abrir para o movimento operário. Mesmo que alguns dos dirigentes não fizessem muita questão de recrutar combatentes do movimento operário, eles seriam obrigados a isto, como estão sendo, aliás.

O espaço para o movimento operário e para as forças que defendem realmente o interesse dos trabalhadores é uma necessidade do próprio PMDB. Além disso, a prova que o antigo MDB já possuía representantes autênticos dos interesses populares é que o PT e o PDT, para se organizar, foram buscar deputados aonde? Entre os emedebistas! E agora, que o PMDB está tendo em muitos lugares mais diretórios do que antes, de onde você pensa que vieram os novos filiados? Do trabalho político dos setores mais populares, inclusive do movimento operário.

Eu e muitos companheiros discutimos profundamente esse negócio de reformulação partidária e chegamos à conclusão de que o PMDB é a melhor alternativa, também porque é a única viável. Quer dizer, na conjuntura atual, é o partido que melhor pode representar os trabalhadores, mesmo que não seja um partido característico de trabalhadores.

Delellis: O PMDB não só tem espaço para o movimento operário, como tem necessidade de ampliar este espaço.


6. O QUE SE ESPERA DO PT

A nova legislação eleitoral, arbitrariamente imposta em dezembro de 1979, cria sérias dificuldades, pelas suas exigências legais, para a formação e consolidação de um partido político. Estas dificuldades se agravam num partido novo, sem tradição de participação eleitoral ou de vida orgânica. Apesar disso, o Partido dos Trabalhadores vem se esforçando para constituir seus diretórios e demais organismos, nacionalmente, dentro das normas legais. Nossos entrevistados divergem quanto às possibilidades de implantação e sobrevivência institucional deste partido, embora a maioria acredite na sua viabilidade.

Por outro lado, há toda uma série de questões relativas tanto à organização interna do PT quanto às características de seu funcionamento, ao tipo de pessoas que participarão dele e ao desenvolvimento de seu programa. Existem dentro do partido desde uma minoria que o vê como a expressão do “pessoal de macacão” até os que entendem a agremiação como uma frente de representantes de forças populares. Além disso, nossos entrevistados discutem aqui as possibilidades eleitorais e a amplitude da plataforma política do PT.

As perguntas: Você considera que o PT é um instrumento viável e eficaz de representação política dos interesses dos trabalhadores? Você acredita que ele está atingindo as bases populares? Quem deveria entrar para o PT? Como você vê as possibilidades eleitorais deste partido?

DJALMA DE SOUZA BOM — Até hoje no Brasil se afirma que fazer política é um negócio corrupto, é sujeira, é roubo, é suborno; nós trabalhadores pensamos da seguinte forma: que a gente vai mostrar que fazer política não é roubar, não é subornar, não é ser corrupto, você entende? A gente pretende fazer uma política sadia, uma política voltada para os verdadeiros interesses do povo. Veja você o seguinte: eu não vou dizer que isso aí o PT vai resolver no primeiro, no segundo ou no terceiro mandato. Mas dentro da própria proposta, que não é verticalista, é uma proposta que vem das bases, são os trabalhadores fiscalizando seus representantes, você pode ter certeza que num tempo não muito distante a gente vai acabar com esta corrupção. Dentro da proposta do PT, os próprios trabalhadores fiscalizando, num tempo não muito distante isso vai acabar. Porque o grande problema é o seguinte: é aquele caso das pessoas no bairro elegendo um vereador do bairro. Se este vereador não defender de fato aquela proposta feita por ele na época das eleições, ele vai ter que renunciar ou senão não se candidatar mais, porque não vai haver mais condição para ele.

Agora, eu acho, pelo menos no meu modo de entender, que nós não podemos ter esta pretensão de que o PT vai ser a salvação do país. Eu acho que todos nós devemos ter em conta que o PT vai ser um instrumento a mais nas lutas dos trabalhadores e do próprio povo brasileiro. É lógico, a pretensão é de chegar numa sociedade mais avançada, socialista; mas por enquanto não é uma pretensão imediatista, porque a própria formação política do povo brasileiro, de passividade, da imobilidade a respeito da política partidária, não dá oportunidade para que a gente, de uma hora para a outra, leve uma proposta revolucionária partidária; eu acho que a gente, antes de tudo, tem que começar uma edificação, um fortalecimento da consciência do povo a respeito da política partidária. Aí sim..., a pretensão do partido é chegar ao governo, lógico, mas não é uma proposta imediatista. Porque seria muita infantilidade a gente tentar fazer um partido de massa e não ter o objetivo de chegar ao governo; se é um Partido dos Trabalhadores, será um governo dos trabalhadores, certo. Mas a gente não pode é antecipar as coisas. Porque senão é aquele problema das propostas avançadas, sempre houve propostas avançadas, e no fim o que acontece? Acaba que a proposta avança e o povo fica. Eu acho que não pode, de forma nenhuma, acontecer isso com o Partido dos Trabalhadores. Para não ficar no vazio. Para quando chegar no poder estarem os trabalhadores no poder; e não os representantes dos trabalhadores no poder. Mas sim o povo de um modo geral.

Agora, eu também não sou contra a participação dos políticos dentro do PT não, eu não sou contra. Eu acho que a proposta do PT é bastante abrangente. Eu sou a favor, desde que esses políticos se proponham a defender o programa do PT; depois, aí o próprio povo vai julgar essas pessoas, seu procedimento. Eu acho que o problema do PT é o nego meter a mão na massa mesmo, sabe? Não são questões muito teóricas não, eu acho que são questões práticas, contra alguns políticos que até agora só se elegeram e ficaram naquele pedestal da glória. Os candidatos do PT têm que voltar às bases mesmo, e estar sempre conversando dos trabalhadores, conversando com todos, e fazer a política do dia a dia. Eu acho que aí vai se acabar com os extremismos. Poucos políticos estão aderindo à proposta do PT; porque é muito mais fácil se vender ai para o PDS, arrumar um cabide de emprego nos outros partidos e não vir pro PT, que é onde tem que se trabalhar, se dar o sangue.

Dídimo: O PT em que acreditamos é um partido com ampla liberdade, amplo pluralismo ideológico, um programa aberto, um partido de massa.

DÍDIMO PAIVA — Nós dizemos sempre que o AI-5 foi feito para duas coisas: a primeira para tomar dinheiro do trabalhador, a segunda para matar qualquer dirigente, fuzilar, eliminar, matar nas prisões qualquer companheiro que tivesse a pretensão de contestar o regime, acusando-o de comunista. A experiência fracassada ou débil dos partidos de trabalhadores no Brasil decorreu sempre do fato de se pretender à força bitolar o trabalhador; então a idéia de um partido autônomo dos assalariados nasce da necessidade de se valorizar o trabalho, para que o capital não continue sendo espoliativo; mas isso numa frente ampla, de tal forma que ele não se feche politicamente e nem ideologicamente. Esta é realmente a grande dificuldade para se organizar o PT. Embora eu seja defensor do PT, como movimento eu não acredito que nós tenhamos força para organizá-lo episodicamente agora, para disputar eleições em 1980, que não deverão acontecer, ou nas eleições de 1982, que o governo deverá organizar depois de limitar o poder do trabalhador, através da criação do voto distrital.

O partido do trabalhador em que nós acreditamos é um partido neutro, com ampla liberdade, amplo pluralismo ideológico, um programa aberto, um partido de massa, que tenha como fim primeiro abrir um espaço político para o trabalhador e mostrar a ele que ele pode ter o seu partido, feito por ele, e não votar no partido do Dr. Ulisses, do Dr. Brizola e do Dr. Tancredo. Mas a formação do partido é difícil porque a lei da reforma partidária foi feita contra o PT, ela foi feita contra qualquer partido de trabalhadores. Tanto que ela não permitiu a livre organização, como a própria ditadura Vargas, tão mortífera quanto a ditadura de 64, permitiu; tornando casuisticamente impossível o Partido dos Trabalhadores. O que a atual ditadura tinha em mente foi isolar os assalariados nos grandes centros, onde funciona a parte mais moderna da sociedade brasileira, é uma reforma elitista. Mas eu defendo a organização dos partidos de trabalhadores abertos para as bases. Porque o PDS, o PTB ou PMDB, tendo esgotado a sua capacidade de arregimentação, e nem tendo sequer iniciado esse processo, terão obrigatoriamente de fracassar; e nesse caso o PT é uma proposta concreta desde de que nós tenhamos condições de manter uma posição aberta, o que não tem acontecido em partido algum.

O movimento do PT em Minas foi feito com uma comissão diretora escolhida a partir de reuniões nas bases, reuniões na Cidade Industrial e em vários lugares; eu sei que já existem organizados 110 núcleos do PT em condições de se organizarem em 30 dias como diretórios, conforme a lei fascista Petrônio Portela exige, o que não é o bastante. Fazem parte um dirigente sindical muito empolgado e competente, o Wagner Benevides, e também Luís Soares, o Dúlcio, um companheiro do movimento grevista dos professores, o ex-deputado Fábio Soares, um elemento de alto nível que é o companheiro Ignácio Hernandez, da oposição sindical dos metalúrgicos, mais um companheiro muito sério que faz parte dos movimentos de trabalhadores de Contagem, em comum acordo com a diretoria, e vários outros. O movimento aí se organiza realmente através das comunidades de base, da Pastoral Operária e de elementos que não confiam nos outros partidos. O PT está atingindo as bases, e se o governo não tivesse, com a conivência das elites dominantes, feito uma reforma tão drástica, obrigando o partido a se organizar em 1/5 dos municípios, a coisa já estaria organizada; mas isso foi um golpe de morte. O PT não seria um partido para tomar o poder, eu acho isso irrelevante, ele seria um partido para democratizar a política brasileira e conscientizar o trabalhador para que não seja massa de manobra como tem sido até hoje.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — Na região que eu morava, ali na divisa de São Bernardo e Diadema, a gente começou a organizar um diretório. Primeiro era um comitê... tinha um punhado de candidatos juntos, os chamados candidatos populares. Depois a gente resolveu transformar aquilo em diretório.

Em 1979, eu cheguei a achar simpática a idéia do PT, comecei a participar de algumas reuniões, e, em certa medida, defender o PT, junto com os membros do diretório do MDB de Diadema. A gente queria que o PT fosse também uma frente; mas entendia que devia ser uma frente assim, mais qualificada, de pessoas mais atuantes, uma frente mais à esquerda que o MDB. Agora, o problema é que esse negócio de frente dentro do PT, as pessoas que trabalhavam com essa idéia eram poucas. O PT é um partido, não é uma frente, e coisa e tal, e mais que isso, a maioria começou a dar para o PT contornos ideológicos mais ou menos nítidos, contornos com um cunho assim, de social-democracia; uma coisa que eu acho que para o Brasil não tem jeito, o esquema social-democrata para o Brasil não funciona, e o programa do PT começou a falar de uma sociedade sem explorados e sem exploradores, mas com pluripartidarismo, com propriedade privada... quer dizer, um negócio meio confuso.

Aí, não deu mais para discutir lá dentro, não deu mais para ficar lá dentro. E depois, as coisas foram ficando mais claras, e eu fui entendendo mais precisamente a questão da necessidade da frente; e aprendendo inclusive com as experiências da Nicarágua, com Angola, com o mundo inteiro, em que ditadores eram derrubados e substituídos por governos populares. A gente está vendo que a solução, no Brasil, também passa por esse negócio da frente; e a frente aí, não era essa coisa à esquerda, que eu estava entendendo anteriormente; é uma frente onde participam pessoas que não são necessariamente de esquerda, são o conjunto dos democratas, de todos os democratas.

Além disso, o PT me parece restritivo de dois pontos de vista: primeiro por causa de alguns grupos que estão lá dentro, tipo Convergência Socialista, que aliás inventou a célebre frase: “partido sem patrões”. Aí começou a restringir... tinha um problema grande para conceituar quem era patrão, quem não era, aí ficava a grande dúvida: “será que a Ruth Escobar era trabalhadora, será que não era?” Foi se criando problemas deste tipo. E restringiu também do ponto de vista de determinadas correntes de pensamento, intelectuais, que estão dentro do PT, e que dizem: “não vou sujar a mão, não vou ficar junto de liberal, porque do ponto de vista da transformação social, liberal não ajuda...” Foi por isso que muitos parlamentares saíram do PT, muitas pessoas que estavam em torno da idéia também saíram.

Eu acho que nessa última convenção nacional do PT, a corrente vitoriosa representa uma tendência um pouco mais ampla, mais aberta. Agora, evidentemente, mesmo essa corrente vitoriosa vai ter dificuldade para impor uma determinada linha de conduta ao partido, que lhe permita conviver com essa visão de frente mais ampla, e ao mesmo tempo com estes grupos e estas correntes que existem lá dentro, que restringem tanto pelo lado do obrerismo, como pelo lado do intelectualismo mais pedante. Quer dizer, eles vão ter muita dificuldade, o pau vai ter que comer muito lá dentro.

João Joaquim: O PT foi fechando o cerco em torno dos sindicalistas mais reacionários, o Joaquinzão pulou fora, então nós entramos.

JOÃO JOAQUIM DA SILVA — Eu fui uma das pessoas que critiquei radicalmente o PT, da forma em que ele tinha nascido. Eu me lembro que ele foi lançado em janeiro de 1979, se não me engano, no Congresso de Lins; naquela época teve uma assembléia aqui no sindicato de Osasco, onde a oposição foi praticamente barrada de participar das decisões, e de onde foram tirados os delegados para participar do congresso. E depois, a forma com que o PT foi lançado, lá em Lins, com vários dirigentes sindicais, entre eles o Joaquim dos Santos Andrade, que não foi eleito pelo voto dos metalúrgicos, mas foi imposto dentro desta estrutura sindical... A gente achou muito esquisito, conversando com outros companheiros, como o Zé Pedro, e outros, como um partido é lançado assim, de cima para baixo? A gente achava que um partido tinha que nascer das bases.

Mas à medida que o PT foi tomando uma nova forma, uma nova maneira de agir no meio da população, à medida que ele foi se comprometendo mais com o povo, parece que ele foi fechando um cerco em torno dos dirigentes sindicais mais reacionários. O Joaquinzão pulou fora, outros foram saindo, então a gente foi convidado a debater o PT, foi colocando o nosso ponto de vista, e à medida que esse ponto de vista foi se alastrando pela maioria dos trabalhadores, a gente se posicionou a favor. Eu pessoalmente acho que a maneira que o PT está sendo levado, ele não é ainda um partido. A gente acha que é difícil levar uma democracia plena mesmo dentro do PT, mas aqui em Osasco, no momento, estamos fazendo o possível para criar uma direção municipal, um diretório, que seja realmente representativo; que participem pessoas engajadas nos trabalhos de base, e que tenham no mínimo de 2 à 3 anos de um trabalho concreto. Com isso eu não quero dizer que as equipes estadual e nacional não foram eleitas democraticamente. Foram, mas não houve muita participação do pessoal de base mesmo, isso devido a uma série de fatores... A gente está vendo que é uma correria para registrar os seus partidos, e eu acho que dentro dos que têm aí, o PT é a agremiação que está sendo mais democrática.

Eu acho que o PT, com as greves do ABC ele teve a sua posição marcante, de ser realmente o partido do trabalhador. Geralmente, quem criou os comitês de defesa das greves, era o mesmo pessoal que estava dentro do PT. Os parlamentares que mais sofreram as conseqüências da repressão às greves, eram do PT, não excluindo os outros também. Agora, eu acho que o PT não deve querer se fazer em cima das movimentações de base. Ele tem que servir de canal para o descontentamento desta massa, ele tem que servir de órgão que vai catalizar todos estes gritos e descontentamentos.

RONALDO CABRAL MAGALHÃES — O PT hoje está, pelo que nós temos visto aqui no Rio, com dois políticos que nós achamos que apoiavam a Convergência Socialista, eu não posso garantir... e alguns estudantes que nós temos em todas as épocas do Brasil. O governo não dá condições dos estudantes se reunirem, fazer as suas políticas dentro das suas faculdades, e quando eles vêem que surge um partido com operários então eles entram sem uma visão dos acontecimentos reais; eu respeito demais este anseio daqueles jovens, de praticar política... Mas no meio de trabalhador não dá ainda, nós precisamos desse apoio, mas eles não podem comandar os trabalhadores.

Lamentavelmente o PT não está tendo hoje nenhum respaldo dos sindicatos, aqui no Rio de Janeiro, a não ser que mude a sua articulação política. Eu queria que o PT realmente surgisse no meio sindical, sindicalista, o segmento da sociedade realmente patriota, que quisesse realmente mudar este país. Mas sentimos que na abertura do PT, certos grupos políticos passaram para o PT usando da mesma tática, aquela manha política, que não é a que todo o povo brasileiro almeja. Aqui no Rio o PT não tem atingido as bases. O PMDB parece ser o partido que tem sido mais bem aceito.

JOAQUIM ARNALDO DE ALBUQUERQUE — Eu acho que a construção do PT no Rio de Janeiro começou de maneira errada; começou errado porque a maioria dos que entraram foram realmente da classe média, e a maioria não tem trabalho de base; e isso atrasou realmente um pouco a formação do PT. Mas à medida que a militância operária está aderindo ao PT, então aí eu acho que isso vai virar, e a gente vai entrar numa linha que realmente deve ser a de um Partido dos Trabalhadores. Isso não quer dizer que se exclua a participação da classe média na coisa. Agora, eles não devem ter o comando, porque eles não estão diretamente ligados às bases.

Aqui no Rio de Janeiro, o problema sindical e do movimento operário é um pouco diferente, por exemplo, de outro estado como São Paulo. Há aqui direções sindicais com que a gente não pode contar. São muito poucos os dirigentes sindicais com que se pode contar. Então o que está se tornando mais fácil é quando os militantes de base decidem entrar para o PT, começam a reunir um grupo de sua influência. Eu participo de um grupo, que eu mesmo iniciei lá no bairro onde moro. Nunca teve uma reunião com menos de 16 pessoas, e eu não tenho quase militância no bairro onde moro porque eu não tenho tempo. Tenho alguns trabalhos de base no sindicato, numa comunidade e outra, favela, bairros populares etc, e por isso o meu tempo no bairro é muito pouco. Nós fizemos uma relação de 25 pessoas, e eu achei que se viessem oito já estaria muito bom para começar a discutir. Apareceram 18, e até agora não teve nenhuma reunião com menos de 16 pessoas. Então, há realmente um interesse do pessoal em participar; senão não viria, ou viria uma vez e não voltaria mais.

Joaquim Arnaldo: No Rio, são poucos os dirigentes sindicais com que se pode contar; mas as bases estão entrando no PT.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — Os trabalhadores, principalmente os do Rio de Janeiro, não estão pensando em PT. Tem alguns aí... eu não digo líderes decaídos, mas líderes derrotados, que nunca conseguiram ganhar eleições, desacreditados pela categoria, que estão embarcando nessa canoa do PT, como uma forma, talvez, de aparecer, ou de ter o que fazer. Mas o trabalhador do Rio de Janeiro não acredita em PT; haja visto que eles fizeram campanha, e no dia do lançamento só tinha estudante. Num pronunciamento no encontro nacional das oposições, organizado pelo CEBRADE, o companheiro Lula falava num partido sem objetivar o poder. Então era um partido para conseguir alguns empregozinhos de deputados, de vereador, mas nada de obter o poder. Eu acho que a classe trabalhadora tem que objetivar o poder. Ou ela pensa em tomar o poder, ou então ela não deve pensar politicamente. Continua sendo cega.

IGNÁCIO HERNANDEZ — Aqui em Minas, nós diríamos: é o PT que está lançando campanhas, está esclarecendo, está querendo ajudar. Aí nós uniríamos as duas coisas simultaneamente, o PT inserido dentro de um movimento que parece importante. Esse tipo de campanha que está nos parecendo importante agora, porque, como eu falava antes, a idéia precisa ser muito propagandeada. Os operários têm que escutar, os trabalhadores têm que escutar que existe um Partido dos Trabalhadores e saber aonde se dirigir. Isso tem que vir através da imprensa, do rádio, da televisão. E a gente acha que assumindo campanhas desse tipo, a imprensa não vai poder simplesmente omitir-se de falar dessas coisas.

Dentro da lei a gente tem que ter 1/5 dos municípios em 9 estados e tal, está nos parecendo que isso é possível, pelo menos até 1982, acho que não seria inteiramente inviável. E dentro disso é lógico, a gente pensa em lançar candidatos ao parlamento, às assembléias, ao Congresso em Brasília. Então lançaríamos esses candidatos trabalhadores, surgidos da base. De imediato, a gente não coloca esse problema, que mesmo sendo importante, não é o principal de todos. O principal de todos é a organização da classe trabalhadora, e eu acho que o PT nos dá condições de organizar nossa classe. Se a gente através dos diretórios municipais, através dos núcleos atuais, nós podemos ir aglutinando e organizando a classe trabalhadora, me parece que o problema da organização, a nível parlamentar, é muito mais fácil.

Timóteo: A massa trabalhadora de São Bernardo não reside nessa cidade. Até o Lula teria dificuldade para ser prefeito.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — Gente, esse negócio do PT, é conversa para inglês ver. Eu espero que esses homens que estão fazendo a proposta do PT, levem essas discussões para as bases, para ficarem sozinhos, porque, veja bem, Franco Montoro teve 8 votos em 10, no ABC. O Lula apoiou o Fernando Henrique Cardoso mas, sabe por que o Fernando Henrique saiu candidato a senador? Simplesmente porque era insuportável para o Orestes Quércia permitir que toda a oposição, dentro do estado de São Paulo, votasse para senador em seu rival Franco Montoro; então o Fernando Henrique, não comece a dançar em cima de 1.300.000 votos porque isso foi dado para ele, ele foi objeto de uma jogada político-partidária. Quem não é do partido não entende essas coisas, não entende mesmo, né?

Eu acho que a gente deve defender o direito de todo mundo formar partido e organizar seu partido, isso o MDB sempre defendeu. Agora o que eu não admito, sabe, é que as pessoas comecem a descer o pau no PMDB, o PMDB não presta... Não, gente, eu gostaria que o pessoal que propõe outras alternativas partidárias conseguisse ter os quadros que se formaram no antigo MDB.

Olha, eu acho o seguinte do comportamento das bases, da receptividade dos programas políticos dos partidos de oposição hoje dentro do Brasil, na Capital de São Paulo, na Grande São Paulo, na Baixada Santista etc.: a população destas regiões de trabalhadores tem uma experiência política muito grande, uma experiência que permite-lhes captar qual é a proposta política que tem maior possibilidade de êxito. E o pessoal, quando vai votar, vota segundo um pensamento bem material, vota naquilo que ele acha que vai resolver, vai trazer maiores benefícios. Então, na região do ABC, que eu conheço melhor, o voto daqui na situação do bipartidarismo foi um voto no “carimbo” do MDB. Eu acho que agora não. Não vai ter tanto voto no carimbo. O cara vai ter que votar em cima de uma posição que lhe traga mais perspectiva. Não é bem o problema de perspectiva ideológica, da luta geral; no ABC, eu acho que um partido que vai ter muita dificuldade com o eleitorado é o PT, porque a proposta do PT não é uma proposta que trata de problemas do esgoto, que trata do problema do saneamento básico, que trata do problema da escola. O cara que votar no PT, vai saber que o partido não vai resolver isso.

Eu acho que o partido que tem ainda, junto aos trabalhadores, uma postura de respeitabilidade, e que se ganhar, melhora sensivelmente as condições de vida, é o PMDB. A proposta do PT, ela é um pouco inacessível ao trabalhador, ela é incompreensível. A proposta do PMDB não. O PMDB fez um trabalho de anos, colocando uma certa coerência de posições e uma certa coerência de resultados. Então, o eleitor, mesmo entusiasmado com a proposta do PT, que é uma coisa para amanhã, na hora de votar, hoje, a sua tendência é escolher quem lhe dê resultados diretos. O pessoal do PT entende isso, mas não leva em consideração que na hora do voto, o PT não tira voto de jeito nenhum do PDS, o pouco voto que o PT tirar, ele vai tirar do PMDB.

Agora, sobre as grandes possibilidades de votação que o pessoal do PT espera em São Bernardo... Veja bem, a massa trabalhadora de São Bernardo, ela não reside nessa cidade. Ela vai votar na Capital, na zona Leste, vai votar em Santo André etc. Então, eu acho que o PT em São Bernardo tem grandes dificuldades para sair da área sindical para entrar na área política. Porque São Bernardo é um colégio eleitoral muito restrito, conservador, e a população trabalhadora dali, moradora das favelas, em condições realmente difíceis, é pequena, em relação à população da cidade. E o PT vai ter muita dificuldade para se implantar politicamente nesta cidade, como alternativa de governo municipal. Porque você não muda de uma hora para outra os compromissos pessoais e políticos de uma cidade como São Bernardo, que até hoje, antes de Tito Costa, sempre foi administrada pela direita, poderíamos dizer assim. Então o PT vai ter muita dificuldade para se implantar politicamente: as pessoas acham que o PT é uma boa mas não levam à sério, no meio operário tem muito isso... o cara está de coração com o PT, e politicamente com o PMDB.

Eu acho que até o Lula teria muita dificuldade para ser prefeito se se candidatasse, muita dificuldade mesmo. Porque você tem na cidade um esquema político que sempre ganhou a eleição... e o PT tem uma dificuldade incrível para montar um esquema político para concorrer. Você não imagina o que que é uma eleição, nestas grandes cidades da periferia de São Paulo. É uma guerra civil... é preciso até tirar porte de arma, viu?

DJALMA DE SOUZA BOM — O PT participará da eleição para governador em 1982, desde que o povo esteja apto a participar. Não é o PT participar, não; é o povo mesmo. Se o povo achar que o PT tem um candidato que possa competir e até ganhar do Franco Montoro, eu acho que cabe ao PT indicar este candidato. Presentemente, se houvesse eleição, seria um negócio prematuro, seria um negócio precoce o PT apontar um candidato porque o povo não está politizado ainda. Mas com o tempo, aí sim, o povo vai indicar. O PT não vai apoiar o Montoro. O PT vai apoiar o candidato do PT; se não houver candidato, logicamente vai haver o programa do partido defendido com a participação do povo. Mas até 1982, você pode ter certeza que o PT já tem um candidato, por isso a gente está trabalhando.

Djalma: O PT não vai apoiar o Montoro. Pode ter certeza que até 1982, o PT tem candidato a Governador de São Paulo.

AFONSO DELELLIS: Tem uma porção de gente boa dentro do PT, muitos companheiros combativos, alguns com um número razoavelmente grande de pessoas que o seguem. Alguns deles já me convidaram várias vezes para entrar, mas eu não fiz a minha opção pela beleza da sigla ou pela moldura da sigla, nem por influência deste ou daquele companheiro. Fiz minha opção pelo PMDB por realismo político, porque conheço as exigências da reformulação partidária. Nesta conjuntura, e com essa lei aí, o PT é inviável, mesmo que o pessoal não perceba isso.

Veja você o caso do Nordeste, o Piauí, por exemplo. Na Convenção Nacional do PT, o pessoal do Piauí falou que nos seus núcleos há um monte de pessoas, quase tantas quanto os do Rio de Janeiro, ou Minas Gerais. É que acontece o seguinte: o pessoal consegue a adesão de um dos líderes de um sindicato rural, e já conta com todas as pessoas que estão em torno deste líder, como sendo membros do PT. Mas na hora de se constituir os diretórios, em que estas pessoas sem nenhuma experiência direta da política, tiverem que atuar diretamente no partido, fazer filiação, e coisa e tal, vai se ver que o número filiados do Piauí é muito menor do que o pessoal apresentou.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — O problema é o seguinte: São Bernardo é o berço do PT, é a terra do Lula, do sindicato, e tal, lá o PT é visto com muita simpatia, quer dizer que nas urnas ali, o negócio vai ser pau a pau, uma disputa muito acirrada. Agora, o PT tá enfrentando um problema, no meu entender, que é o seguinte: ele tem que começar a ter uma ação política, o PT tem que tomar posição hoje, diante da questão, por exemplo, das eleições; a ditadura está adiando as eleições; e o que o PT vai fazer? Qual a posição do PT? Porque diante de cada ação concreta do regime, os partidos têm que responder também concretamente; e esse negócio lá está difícil. Por exemplo, em São Bernardo os petistas estão fazendo um tipo de coisa que para mim está errado. Ajuntam lá os trabalhadores que estão filiados ao partido, e vão fazer diversas conferências, não sobre coisas que exigem resposta mais rápidas, e sim conferência sobre assuntos os mais diversos: uns vão falar sobre a Amazônia, e ficam falando sobre a Amazônia um tempão, e enquanto isso a vida política está acontecendo e o PT com dificuldade para se ligar nisso.

Eu não acredito nesse negócio de pedagogia política; de ajuntar um bando de trabalhadores e ensinar política; eu acho que o trabalhador aprende, porque eu aprendi assim, o Lula aprendeu assim, é na luta, é na prática, é na vida. Não é pegar um bando de trabalhador e agora começar a falar de política. E eles estão utilizando este tipo de método, que eu acho equivocado prá danar.

WAGNER BENEVIDES — O PT se organiza lentamente, nós não temos pressa nem correria... O PT tem uma sede aqui em Belo Horizonte, existem 8 ou 9 núcleos na cidade e existem 35 cidades do interior que estão organizando núcleos do PT; então, isso aí não é sonho não, isso aí é realidade. Há companheiros aqui que também estão brigando para organizar núcleos do PMDB em Belo Horizonte, com trabalhadores; só que tem uma diferença, na minha opinião, estes companheiros estão perdendo tempo em organizar núcleos do PMDB, na esperança de que esta aliança mais tarde vá se soltar ou se desfazer, estes companheiros vão ser corrompidos por esta idéia e vão voltar para o PT depois, arrependidos...

ARLINDO JOSÉ RAMOS — Eu acho que o PT em Minas tem um grupo aí que está trabalhando, mas eu acredito que nós estamos carecendo assim, de mais debates, principalmente entre as principais lideranças sindicais, para se poder definir melhor, em bloco; pelo menos esta é a minha preocupação; de não caminharmos para um lado, e outros para outro lado. Principalmente entre os sindicatos mais combativos aqui de Minas. Nós temos que promover em alguns bairros, ou mesmo em algumas cidades, algumas reuniões abertas à participação ampla dos trabalhadores, para a difusão de idéia do PT. Oficialmente houve uma reunião na Cidade Industrial, há alguns meses atrás, mas aquela, porque foi uma reunião indevidamente divulgada, não contou com uma participação ampla, uma participação maciça de trabalhadores daquela área industrial. Então eu acho que outras promoções deviam ser feitas a fim de ir vendendo a idéia aos trabalhadores, e ouvindo deles principalmente as propostas, porque acho que nós temos de fazer as coisas de baixo para cima, e não de cima para baixo.

Arlindo: No PT, em Minas, nós estamos carecendo de mais debates, nos bairros e cidades.

LETÍCIA DE MELLO — O PT aqui em Minas nunca conseguiu aglutinar uma grande massa popular; as articulações do PT estão assim muito reduzidas, sabe; o pessoal que já concorda com o partido, já tinha antes uma determinada posição política; inclusive parece que o PT aqui em Minas se dividiu em três, está havendo um esvaziamento crescente, uma série de setores dentro do partido, hoje, estão partindo para atuar dentro do PMDB. O que eu acompanhei foi mais ou menos isto. Eu fui inclusive à algumas reuniões, e vi que a proposta do PT não partiu da consciência real da maioria dos trabalhadores, então é uma proposta assim, eu acho que... idealista; como se um Partido dos trabalhadores, realmente dos trabalhadores, debaixo da ditadura, fosse possível.

Agora, eu acho que quando a gente fala do PT, a gente não pode generalizar... tem setores dentro do PT, como alguns sindicalistas autênticos, e outras pessoas também, que são pessoas responsáveis, que estão verdadeiramente interessados em fazer uma política à favor da classe operária, quer dizer, é um esforço que a gente tem que respeitar. Mas agora, quer dizer, não é o mais geral dentro do partido, pelo contrário; por exemplo, aqui em Minas, a gente viu que estes setores mais conseqüentes deixaram de participar de uma série de iniciativas do Movimento pró-PT, e não estão dando verdadeiramente a direção do movimento.

E o PT não está atingindo as bases. Eles já tentaram fazer concentrações em São Bernardo, concentrações que reuniram muito poucas pessoas, na própria criação do diretório em São Bernardo tinha umas 300 pessoas, e inclusive a maioria dessas pessoas não era de trabalhadores, a maioria era estudante, e tal... Não que eu ache que o estudante não tenha que participar, mas já que o partido pretende atingir os trabalhadores, as bases sindicais, eu não estou vendo ele conseguir isto não. Em Minas, no sindicato dos Metalúrgicos de Contagem, o PT não tem expressão nenhuma dentro das bases, sabe, e no Sindicato dos Metalúrgicos de Betim também não tem nenhuma. Sabe, eu acredito que mesmo em Monlevade, que tem o João Paulo Pires de Vasconcelos, do PT, e que é um sindicalista respeitado na região e admirado pela sua base, eu acho que a proposta política do PT não está encontrando respaldo não.

Agora, se caso o PT for se organizar, eu acho que com alguns setores dele, a gente vai ter que trabalhar juntos. Agora, eu acho também que do PT não dá prá gente falar como se fosse um partido puro, como se fosse um partido unificado, a gente sabe que tem muitas divergências lá dentro, inclusive profundas, e eu não sei como é que a gente poderia tratar com o PT como um todo, caso ele consiga se organizar. Mas com alguns setores, eu acho que possivelmente a gente vai trabalhar junto.

Zé Pedro: A greve do ABC fortaleceu o movimento operário; o PT nasce dele, então ele se fortalece também.

JOSÉ PEDRO DA SILVA — Na organização do PT a gente não só participou da Convenção Nacional como participou da Estadual. Inclusive na Estadual eu fui eleito membro da Coordenação Estadual; e na Nacional teve, assim, passos maiores do que na Estadual. A Estadual teve alguns problemas de ordem técnica, e isso daí influenciou na questão política. Por exemplo, a falta de uma maior prática deste tipo de coisa, é a primeira vez que a gente está organizando um partido político, e isto era mais ou menos esperado. Então na hora de organizar a eleição, a composição da chapa para ser apresentada para o Congresso, surgiu um problema, que uma parcela do pessoal mais avançado participou desses debates, mas a maioria não participou. Então houve muita crítica em cima deste fato, e a gente reconhece que foi um furo mesmo. Então se discutiu pouco o programa, pouco o estatuto.

Isso na Estadual, de 24 a 25 de maio de 1980. A Nacional foi no dia 31 de maio e 1.° de junho. Nela, a coisa mudou um pouco de qualidade, porque na verdade a coordenação antiga discutiu com um conjunto de outros companheiros por Estado, discutiu a formação da chapa, mas com uma plenária de 500 militantes, discutiu o programa e o estatuto do partido. Aí houve um debate político, e o que a gente viu de mais importante neste encontro nacional, foi a presença de 22 Estados e a troca de experiência de cada setor desse grande país que é o Brasil; lá você tinha informação de como está se desenvolvendo a luta lá no Amazonas, a luta da terra no Pará, no Araguaia, em Goiás, aqui na cidade, no interior, então todas as informações chegavam sobre como estavam as lutas. E a gente também transmitiu como estava sendo levada a luta aqui, né? Foi uma troca de experiência, e a gente vinha debatendo há muito tempo como fazer isso, precisava de um organismo que fizesse esse enriquecimento. Então o PT já veio contribuir nesse sentido.

Quanto a essa questão de correntes ou tendências na Convenção Nacional, a gente está debatendo para que isso não aconteça dentro do PT. O que acontece é o seguinte: nós defendemos que ele tem que ser um partido de massas, um partido amplo, um partido democrático, mas é muito importante que não se fique degladiando uma corrente contra a outra. Quem está no PT tem realmente que vestir a camisa do PT, tem que se integrar à realidade do PT. Um partido legal, um partido que está aberto, democrático, aberto à participação de todo o operariado, nele não teve ninguém nos debates que se expressasse em nome de uma corrente, os elementos, ao se expressar, defendiam a posição que era extraída através dos debates de grupo, dos diretórios, dos seus Estados. Agora, onde existem várias pessoas, vários militantes políticos, é claro que todo mundo não pensa a mesma coisa, sabe. Mas a gente está fazendo todo o possível para que a discussão dentro do PT se dê de uma forma tal que os elementos falam representando uma região, qualquer coisa assim.

Uma das questões que teve muito ênfase na Convenção Nacional, porque tinha pessoas partidárias a ela, era a de que o PT tinha de ser um partido classista e lutar, colocar como bandeira, agora, já, o governo dos trabalhadores. Tinha uma corrente que se manifestava favorável a que o PT fosse um partido classista, um partido sem patrão. A gente, todo aquele bloco que defendia que o PT fosse um partido aberto, um partido de massa, um partido dos assalariados, em que aquele que fechasse com o programa do PT poderia estar dentro dele, esta corrente foi majoritária. Os elementos que defendiam esta proposta-PT, um partido classista, sem patrão, foram derrotados. E a questão do governo dos trabalhadores é uma questão que vem com a correlação de forças, não adianta você colocar isso na plataforma do partido agora porque isso só vem radicalizar, é uma coisa que a gente não tem força ainda para propor. Claro que todo trabalho nosso, toda a luta dos trabalhadores, toda a luta dos democratas, do pessoal que luta por uma sociedade nova, mais justa, no fundo é uma sociedade socialista, né? A gente luta por um governo dos trabalhadores. Mas a gente colocar agora: “por um governo dos trabalhadores”, fica um troço até meio utópico. Então, não é tão importante falar “por um governo dos trabalhadores” mas preparar as amplas massas dos trabalhadores para que elas assumam esse papel. E a correlação de forças é que vai decidir isso aí.

Quanto à greve de São Bernardo do primeiro semestre de 1980, o que ela fortaleceu mesmo foi o movimento operário como um todo. Agora, é claro que o PT, que é uma criação também do movimento operário, cada vez que há um movimento e estes militantes estão dentro, é claro que isto está fortalecendo o Partido dos Trabalhadores. Eu acho que a greve do ABC foi uma greve que fortaleceu bastante o movimento operário, porque trouxe algo novo, trouxe uma consciência, uma esperança... de certa forma ela veio reforçar nos trabalhadores aquela consciência do que ele é capaz, porque há alguns anos atrás, quem imaginava que uma categoria podia fazer uma greve, sem piquete, durante quarenta dias? Agora, de maneira nenhuma, não foi o PT que desenvolveu esta greve, quem desenvolveu esta greve foram os militantes do sindicato, os sindicalistas, junto com uma grande massa trabalhadora que se organizou e se conscientizou do seu papel. Claro que o PT nasce dentro deste movimento, então o PT se fortalece em cada luta dessas, né?

ARNALDO GONÇALVES — Eu tenho a impressão que a greve de São Bernardo não fortaleceu o PT. São coisas diferentes; a greve de São Bernardo foi feita pelos trabalhadores indistintamente, pelos trabalhadores de todos os partidos. E era uma necessidade que está comprovada pela razão da greve, pela validade da greve, pelas demissões que aconteceram depois, não é? A discussão da garantia no emprego, da estabilidade é uma questão muito importante, e deve ser levantada por todos os trabalhadores. E acho que esta foi a primeira greve que foi feita em cima deste motivo. Eu tenho a impressão que foi a primeira, mas não vai ser a última. Muitas outras greves ainda vão acontecer em cima deste motivo, porque é uma necessidade o trabalhador ter um mínimo de garantia. Agora, na participação da greve, nas comissões, tanto de greve como no fundo de greve, havia trabalhadores de todas as tendências. Isto aí não se pode dizer que foi o PT ou o PMDB... tinha todos...

OSMAR MENDONÇA — Eu não tenho a fórmula para definir como é que se tem que organizar a estrutura, o organograma desse PT, para ser democrático. Eu acho que o processo de discussão sobre um partido é muito complicado, principalmente em se tratando de um partido de massa, um partido, vamos dizer assim, que não tenha um caráter de classe, um partido que procura congregar dentro dele setores até contraditórios. A fórmula a gente tem buscado na prática: atualmente, é a criação de núcleos, que têm que ser buscados por categoria profissional, por trabalho, localidade, por moradia, ou seja, todas as fórmulas que são possíveis, para se organizar um partido.

E eu tenho certeza do seguinte: se ele não tiver um caráter democrático, se ele não tiver e não procurar resolver suas contradições internas de uma maneira democrática, ele não será construído. Porque a idéia que a gente tem do PT, é que ele aglutine os operários, donas-de-casa, membros do Movimento do Custo de Vida, camponeses, e esses setores entre si têm interesses distantes e até contraditórios, têm maneiras diferentes de ver o próprio processo de organização política e de transformação do País. Isso implica que a gente busque, para aglutinar esses conjuntos, de fato uma estrutura orgânica democrática. E eu não tenho de antemão esse modelo.

Quanto à direção política, o PT atualmente tem uma comissão, uma direção nacional, que aglutina fundamentalmente sindicalistas. Eu acho que o papel dessa direção é o de esboçar minimamente uma estrutura de organização, para que possamos, no prazo médio, expressar as organizações locais na direção nacional. Então é fundamental que tenha operários na direção do partido, é fundamental você ter pessoas ligadas ao campo; é fundamental você ter pessoas ligadas à pequena burguesia urbana e rural, na direção desse partido. Eu acho que fazendo assim essa direção vai refletir uma realidade de base.

O PT está conseguindo grande receptividade por aquelas camadas que não estão organizadas politicamente, que nunca estiveram. Por outro lado, muitos grupos oportunistas, que têm uma concepção estreita de partido político, ou seja, vêem o PT como um partido da classe operária, e que não estão tendo condições, dentro do País, de se manifestar ideologicamente e legalmente, estes grupos querem vstir a camisa do PT, que o PT seja o seu partido. Eu acho que isso é um oportunismo muito grande. Ê possível que esses grupos políticos encontrem a forma de ser um partido. Mas não é correto entrarem no PT e fazer dele o seu instrumento legal de ação. Não só não é correto, como é impossível e não cabe a nós denunciar isso, cabe combater politicamente isso. O PT que a gente pretende é democrático e amplo, e não isso.

Osmar: Grupos oportunistas, que têm uma concepção estreita, querem que o PT seja o seu partido.

JACÓ BITTAR — Os grupos que Osmar chama de “oportunistas”, como mobilização de estudantes etc, não terão maioria nas convenções do PT e nem vão se impor; eles sabem que não podem fazer um partido sem uma maioria de líderes sindicais. Se eles tentarem se impor, pode deixa que a gente sabe como manter a nossa maioria no comando. Já está mais do que claro quem vai compor a direção nacional do PT, e serão os sindicalistas autênticos. Essa, aliás, é uma diferença em relação ao PMDB: você acaso sabe quem vai compor a direção do partido? No PT já temos mais clareza.


7. E OS OUTROS PARTIDOS?

a) O Partido Popular (PP)

Nas pesquisas realizadas, encontramos apenas um líder sindical explicitamente ligado ao PP, o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro. Entretanto, apesar da escassa adesão de líderes de trabalhadores a esse partido, não há dúvida que a presença de chefes políticos como Tancredo Neves em Minas Gerais e Chagas Freitas, no Rio de Janeiro, faz com que o PP tenha peso entre setores oposicionistas dos dois Estados. Assim, alguns dos entrevistados comentaram as suas perspectivas. E durante a entrevista de Ignácio Hernandez, a sua esposa passou a travar com ele interessante debate a respeito.

As perguntas: Como você vê o PP? Quais as suas perspectivas? Ele poderá obter votação expressiva junto à classe trabalhadora, na sua região?

JOAQUIM ARNALDO DE ALBUQUERQUE — O Partido Popular, do Tancredo Neves e Chagas Freitas, no Rio de Janeiro, vai ter uma grande influência, porque tem uma máquina de governo. Eles vão jogar tudo para não perder as eleições. Porque o PT, que seria o partido para enfrentar realmente o PP, não tem ainda estrutura para isso. E eu acho que não é em dois anos que nós vamos criar esta estrutura. Nós poderemos prejudicar um pouco o PP, mas ainda não temos condições de enfrentar uma máquina de governo e de homens que têm dinheiro. Eu acho que o PP no Rio de Janeiro, vai ter uma grande aceitação ainda. Porque continua o cabresto, e o trabalho do PT, que seria o único com condições de enfrentar isso, está na base do pouco tempo que a gente tem. Só o PT teria possibilidade de enfrentar o Partido Popular, porque como eu dizia antes, o PT tem uma proposta de um partido não para a classe trabalhadora, o PT é da classe trabalhadora.

Joaquim Arnaldo: o PP, no Rio de Janeiro, tem uma máquina de governo e de homens com dinheiro. Ainda vai ter uma grande influência.

FRANCISCO DAL PRÁ — O PP vai perder o seu relevo eleitoral. Agora, também não vai perder muito, porque você sabe que infelizmente existe a corrupção eleitoral, e o PP está apoiado pelo clube do Chagas Freitas. Está aí essa montoeira de gente dentro do PP. Agora, que vai diminuir muito, muito mesmo nas primeiras eleições, ah, isso vai. Porque o descontentamento é muito grande.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — O PP do Rio de Janeiro não vai ter força no meio dos trabalhadores. Mas ele será uma força; isso é indiscutível, porque eles detêm nas mãos o jornal que tem o preço mais acessível, e de maior penetração no meio operário, que é “O Dia”. Por isso, o PMDB, mesmo bom como ele está no momento, não tendo os meios de divulgação que os outros têm, fica sem condições de publicidade na imprensa, porque o jornal “Última Hora” está com o grupo Brizola; os outros aí estão com o PDS; e “O Dia”, que é o jornal mais lido pelo trabalhador, está com o PP. E o PMDB conta apenas com a voz dos trabalhadores mais esclarecidos, como eu, que deverão divulgar o nome dessa agremiação política.

ALBÊNZIO DIAS DE CARVALHO — Os elementos adesistas do MDB dificilmente falavam como oposição mesmo. Isso era realmente um prejuízo, um câncer dentro do partido. A expulsão deles é um processo que reflete o próprio avanço da consciência política do povo, a própria participação popular no partido. Com a reformulação partidária eles se modificaram, cada um foi para um lado, e houve a aliança do Tancredo Neves, por exemplo, com o Magalhães Pinto. Tinha nego na oposição que achava que o Tancredo não deveria sair do MDB no momento da reformulação partidária; eu acho que ele sairia como fruto de não se sentir mais em casa mesmo, como fruto da própria luta do povo e do MDB junto com o povo na luta contra o regime; esses setores iriam chegando à frustração. Os adesistas se incluíram em vários partidos, mas foram principalmente para o Partido Popular, o partido do Tancredo Neves, do Olavo Setúbal, do Magalhães Pinto, todos defensores do imperialismo, que vive dentro do País. Os adesistas se integraram a eles.

Mas o PP vai ser um partido regional. O Tancredo Neves tem uma tradição pela sua política, toda aquela demagogia que é feita. Esse partido, aqui em Minas, realmente vai dar trabalho; mas a gente tem que ver o seguinte: que a aliança com o Magalhães Pinto significou ao mesmo tempo um esclarecimento para o povo. O Tancredo do MDB, para o povo, significava realmente um elemento de oposição. Mas quando ele se coloca em aliança com o Magalhães Pinto, que aqui para o conjunto dos trabalhadores de Minas Gerais foi o responsável pelo assassinato de centenas de trabalhadores em Ipatinga em 1973, ele é visto como um bandido, como um inimigo do povo. Todos os votos que o Magalhães Pinto possa vir a ter aqui, é porque ele trabalhou junto com o coronelismo. Mas, prô povo mesmo, está completamente isolado, fruto do próprio crescimento da situação política nacional. Mas a situação que tem aqui não pode ser tão diferente de lugar nenhum, porque a miséria que assola o povo, o descontentamento, acho que está marcando cada vez mais, em todo o Brasil, e a politização e o entendimento levarão à escolha realmente daqueles que estão no PMDB. Vale dizer, que eles vão atrapalhar com o próprio nome Partido Popular, é uma ousadia. Eles querem é levar demagogia. Mas na própria ação, no País, de trabalhar, de fortalecer o PMDB, de denunciar permanentemente o regime, o povo está deixando de ser enganado, ele não se está deixando levar por qualquer coisa.

Albênzio: O Magalhães Pinto é visto pelos trabalhadores como um bandido. O povo já não está se deixando enganar por qualquer coisa.

IGNÁCIO HERNANDEZ — Eu acho que o PP é um partido de conciliação. Então não se pode esperar nada, eu realmente acho que não se pode chamar o PP de oposição. Seria um partido de colaboração, de apoio ao governo com algumas ressalvas. Aqui em Minas, acho que o PP não vai influenciar, na classe trabalhadora não vai ter influência nenhuma.

(A esposa de Ignácio, Adélia, interfere). Mas vai atrapalhar, porque nas últimas eleições o Tancredo Neves estava no MDB, os outros trabalharam a favor de Tancredo, porque ele era de oposição. Hoje eu conversei com muitos trabalhadores, e eles falam o seguinte: nós vamos votar no Tancredo, porque naquela época ele era bom... Isso é conversa que eu ouvi no ônibus, de pessoas que estavam fechando com o PP. E é um problema esse negócio de MDB, PMDB, que são partidos da burguesia. A gente faz propaganda para esses partidos porque são de oposição, mas quando for daqui a não sei quantos anos, quando tivermos o PT que está surgindo das bases, é difícil quem fez propaganda do MDB dizer que não é mais MDB, e que o apoiou porque em outra época tinha só dois partidos. Isso continua fazendo cada vez mais confusão política na cabeça dos trabalhadores.

(Volta a falar Ignácio) Mas de qualquer maneira, quando se fala no Partido dos Trabalhadores a repercussão é bem maior!

(Responde Adélia) Aí todo trabalhador está com esse partido; quando a gente vai colocar o problema do PT, todo mundo aceita. Agora o problema é quando se vai colocar as dificuldades desse partido; eles querem um partido que possa concorrer às eleições, e quando a gente coloca as dificuldades, justamente porque é um partido que tem só base, é difícil sua legalização, aí dá um desânimo no trabalhador. Isso vai depender de muita propaganda.

(Ignácio) Eu não estou sentindo isso. Pelo contrário, eu acho que quando foi a campanha eleitoral, ficou assim bem claro que todo mundo votou em Tancredo porque não tinha outro jeito, a não ser escolher senador da ARENA.

(Adélia) Mas e o pessoal menos politizado, o pessoal de base? Para esse pessoal, se tem a propaganda de um político hoje, essa propaganda vale por muito tempo; eles não assimilam muito bem essas mudanças; “o Tancredo é isso aí, mas nós vamos votar nele porque não tem alternativa, e depois a gente muda...”

(Ignácio) Bem, mas a grande força que tem aqui o PP é que ele está ganhando as prefeituras. Os restos do PSD e da UDN têm uma força muito grande no interior ainda, e vão dar muita dor de cabeça. Mas nos sindicatos que existem por aí, a não ser nos controlados por pelegos, a dúvida para eles vai ser a escolha entre o PMDB e o PT. Um exemplo disso é a atitude do João Paulo Pires de Vasconcelos, do Sindicato dos Metalúrgicos de Monlevade, que está se aproximando do PT, mas ele ainda não está convencido de que este partido vai ser legalizado, e tem dúvidas. Agora, no PP acho que nenhum desses sindicalistas mais abertos pensaria, nem há possibilidade de trabalho lá.

LETÍCIA DE MELLO — A gente sabe que o Partido Popular está forte aqui em Minas Gerais. Possivelmente o Tancredo Neves e o Magalhães Pinto tenham ainda alguma força por aqui. Mas eu acho que é um partido que não vai conseguir enganar o povo; e nós estamos trabalhando inclusive para desmascarar esse partido, que de popular não tem nada. O Tancredo Neves, em se aliando ao Magalhães aqui em Minas, deixou bem claro que está se aliando a um dos articuladores do golpe de 1964. Este fato o povo não esqueceu e não vai esquecer...

b) O PDT e o PTB

Poucos líderes operários manifestaram seu apoio às propostas trabalhistas de Leonel Brizola. Entretanto, nenhum manifestou apoio ao trabalhismo de Ivete Vargas. As entrevistas aqui citadas foram feitas antes que a senhora Ivete, com o descarado patrocínio do Palácio do Planalto, “capturasse” a sigla PTB. O leitor, portanto, esteja atento para o fato de que o que está em discussão nas próximas respostas é basicamente a proposta brizolista. A proposta de Ivete não mereceu, da parte dos nossos entrevistados, sequer uma discussão.

As perguntas: Como você vê o PTB? Quais as suas perspectivas de crescimento na classe operária? A sigla ainda tem algum peso? Brizola poderá se valer da tradição anterior a 1964?

IVAN MARTINS VIEIRA — Eu passei a minha infância e juventude numa família petebista. A minha família era toda petebista, tanto do lado da minha mãe como do lado do meu pai. Eu me empolgava muito com o PTB. Agora, com a volta de Brizola, eu acho que houve uma certa decepção para a classe trabalhadora. Um partido que não está com o mínimo de enraizamento no povo; no movimento sindical mesmo, está havendo pouca adesão... talvez o Benedito Marcílio, de Santo André... Mas não sobreviveu aqui no Rio nenhuma forma de articulação petebista. É uma legenda muito forte, é uma legenda que vai carrear muito voto pela legenda em si. Porque tem um enraizamento muito grande na memória das pessoas, e o próprio Brizola foi o deputado federal mais votado, proporcionalmente, na história do Estado do Rio.

Sebastião: Não adianta vir com a carta testamento de Getúlio, com a sigla PTB. O povo tem mais visão, mais conhecimento.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — O povo de hoje, não é o que era há 16 anos atrás. Por isso não adianta hoje trazer à baila a Carta Testamento do Getúlio Vargas, e sigla do PTB. Isso tudo já devia estar enterrado; o povo hoje tem maior visão, tem maior conhecimento, porque o poder de comunicação hoje é bem maior. E os políticos que estão no poder, detendo um mandato eleitoral, se iludem quando pensam que o povo é burro. O povo é tímido, não gosta de falar, mas à medida que vier uma eleição, que vier o voto secreto, e que tenha-se em quem votar, aí eles terão a resposta.

CID FERREIRA DE SOUZA — A proposta de Leonel Brizola, pelo menos até aqui, nos contatos que eu tive com ele, tive a impressão que ele pretendia fazer um partido de trabalhador, trabalhador de base, trabalhador do campo. Então a gente ainda estava confiando nessa proposta. Mas eu não estou sentindo isso. Não estou sentindo que o PTB está sendo criado com esta filosofia. A idéia inicial era esta, mas percebo também que ele começa a fugir à proposta inicial, e a resolver os problemas através de acordos de gabinete, o que eu não posso concordar. Por isso nós temos intenção de formar uma comissão provisória, aqui em Campinas, que parta da base mesmo.

ANTÔNIO AUGUSTO OLIVEIRA DE CAMPOS — Mesmo levavando em consideração a força que o PTB teve anteriormente, acho que ele não sobreviveu aos anos. Acredito que as transformações da vida na sociedade em 15 anos mudaram as coisas. Se o PTB de fato tivesse força, não só eleitoral, mas se ele tivesse não só aqueles 22% de voto que teve em 1962, se estivesse entranhado no meio da massa, ele não renasceria em 1979. Ele já teria renascido há muito tempo atrás.

Dal Prá: Se você tem uma conversa franca com 10 operários aqui no Rio, oito dizem que votam no PTB.

FRANCISCO DAL PRÁ — Eu vejo a proposta do PTB do Brizola no seguinte sentido: se for para fazer um programa como foi o compromisso do encontro deles em Lisboa, um encontro aberto, em que a população participaria da elaboração do programa, eu vejo como a melhor alternativa para o meio trabalhador. Porque a gente tem que entender o seguinte: no momento, o PTB está abrindo. Porque o Brizola está coordenando a coisa nacionalmente; a Ivete, eu não sei, mas talvez tenha uma liderança em São Paulo, e isto talvez entrave um pouco. Mas se se concretizar realmente um encontro aqui no Rio, aberto, para o povo participar da elaboração do programa do partido, será a melhor opção. Eu estou certo de que será o partido mais representativo, a curto prazo.

Ainda está havendo muita contestação ao PTB. Mas se você sair no meio operário aqui no Rio, e conversar com dez operários, assim, numa conversa franca, sem ser um político (não pode ser um político, porque o pessoal hoje está muito escaldado), mas uma pessoa que não seja um político., faça a experiência: reúna dez trabalhadores e consulte: “Olha, se surgir um candidato do PTB, do do PT, do PDS e do PP, em quem você vota?” Oito em cada 10 operários respondem que votam no PTB. Eu não sei se a tradição do PTB de antes de 1964, aqui no Rio de Janeiro, ainda é uma coisa forte no movimento operário fluminense. É perigoso falar nisso. Você sabe por quê? Porque nós temos, por exemplo, o homem de 25 anos, que não conhece nada de antes de 1964. O trabalhador tem um mal: ele lê muito pouco, esta é a verdade, eu não sei se é porque ele não tem tempo, ou porque não é adepto da leitura. Então um homem com 25 anos, ele pode falar muito pouco de antes de 1964. Agora é o tal negócio: ele escuta falar que o Getúlio Vargas pertenceu ao PTB, que era o partido que dava mais apoio aos trabalhadores etc, etc... Foi o homem que deu mais conquistas... Os dirigentes sindicais hoje criticam a CLT à bessa, como eu também critico, porque é uma enxurrada de leis, a CLT; mas o trabalhador sabe que aquela CLT foi feita pelo Getúlio Vargas, e que ele pertencia ao PTB... Então a sigla do PTB traz uma atração nata, porque o antigo trabalhador já de 55 ou 60 anos, fala muito do PTB... Isso deixa uma marca, embora traga também uma série de comentários negativos para o PTB do passado, mas isso daí fica sempre numa minoria.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — O Brizola tem insistido em demonstrar seguidamente que ele hoje é a reconstrução do antigo PTB. Ao se reclamar da herança de Vargas, com tanta insistência, ao tentar dar à imposição da CLT aos trabalhadores brasileiros o caráter de uma conquista, fica claro que o PTB tem uma visão muito pouco crítica a respeito de uma questão fundamental da realidade brasileira, para começo de conversa, que é a questão dos sindicatos no Brasil. O PTB sente que esses sindicatos são uma conquista e não uma derrota para a classe trabalhadora; isto é a diferença radical da visão dos companheiros do PT. Na sua origem o PTB era criado por setores da burguesia pecuarista, latifundiária, de criadores de gado. Hoje há uma diversificação dessas bases, mas a burguesia, sem dúvida nenhuma, dá as cartas dentro da articulação do PTB. Mas eu vejo a possibilidade a nível de luta comum :— da democracia, que também é proclamada como objetivo do PTB.

Osmar: Brizola é um cacique. Nasceu para ser cacique, e não tem jeito. Prá mim, é conversa de museu getulista.

OSMAR MENDONÇA — Dentro do PTB também há contradições. Tem companheiros aí que têm uma boa formação política, como o Julião, e que entraram no PTB achando que seria um partido de massa, e entraram acreditando defender idéias corretas. Acontece que Brizola não pensa assim. Ele é um cacique, nasceu para ser cacique e não tem jeito. Eu tenho uma concepção de luta política, de melhoria de vida das massas, na qual o apoio dele como político eu veria de bom grado. Mas o Brizola, para mim, é conversa de museu getulista.

Numa luta contra o regime, a frente passa também pelo PTB e todos aqueles que têm qualquer coisa contra a ditadura militar. Todos aqueles que queiram fazer um negócio contra a ditadura militar, se precisarem de uma orientação, nós teremos um grande partido para dar essa orientação.

LETÍCIA DE MELLO — O PTB, eu acho que é um partido que não tem tomado uma posição assim muito firme de oposição. Apesar de se dizer o partido trabalhista brasileiro, eu acho que não é um partido que vai defender os interesses dos trabalhadores, não. Mesmo a posição de Leonel Brizola é extremamente ambígua, ele não está se manifestando frontalmente contra as arbitrariedades do governo, está sempre deixando uma porta aberta de contato, de conversa e de discussão com o governo. Sabe, eu acho que o PTB é um partido que por trás dele tem uma proposta política bem organizada, que a gente viu aí pelas conversas do Brizola com a social democracia da Europa, e que eu acredito que não é uma proposta que vá dirigir, vá encaminhar as lutas do povo, não. Eu acho que a inserção do PTB aqui em Minas vai ser muito pequena, só mesmo na base de Juiz de Fora com a ala do Tarcísio Delgado.

Eu acho que foram feitos esforços para uma fusão entre o PMDB e o PTB, e o Brizola insistiu na divisão. Mas, pode ser que neste ano de 1980, que vai ser um ano de muitas surpresas, um ano em que o movimento popular vai aumentar muito as suas forças, então pode ser que o crescimento popular, que estas novidades que possam vir com o tempo, levem a uma fusão entre os dois partidos. Por enquanto, a gente vai continuar trabalhando para que alguns setores mais combativos do PTB venham para o PMDB.

Letícia: A gente vai continuar trabalhando para que os setores mais combativos do PTB, venham para o PMDB.

BENEDITO FURTADO — O Brizola é um filho de Getúlio, e quer queira, quer não, Getúlio ainda é amado pelo povo, não é o Lula, não é esse ou aquele, que vai meter o pau e o trabalhador vai acreditar. Porque mesmo parte dos trabalhadores que seguem o Lula, ainda está preso no carisma do Getúlio Vargas, e o Brizola vem com o PTB, e o PTB, de Norte a Sul, é uma legenda lembrada pela classe trabalhadora. Eu estou vacinado contra isso, mas eu respeito prá cacete o Getúlio; você imagina um trabalhador de uma cidade do interior! Então o PTB vai vir e vai ter forças, então o que a gente precisa fazer? Vamos esquecer o PT, o PTB, e o diabo que exista, e vamos sair todo mundo junto.

RONALDO CABRAL MAGALHÃES — O PTB teve seu tempo, teve a sua época, era um partido usado para manobrar a classe trabalhadora. Eu acho que o mais importante foi o Brizola ter conseguido voltar para o seu país de origem, mas não gostei das colocações do Brizola na sua volta como político, porque eu acho que ele está fazendo o jogo que não é o interesse de todos nós. Eu acho que ele está dividindo, e ele devia somar em vez de dividir. O PTB não vai ter grande expressão, eu acho que nós temos que parar de usar o passado, nós temos que parar de usar sigla de trabalhador para usar o trabalhador. O importante não é um partido de siglas; o importante é um partido que tenha um programa e homens idealistas, para que nós possamos alcançar esses objetivos.


8. OS PROBLEMAS DA DEMOCRACIA

a) O que os partidos têm a ver com os sindicatos?

Na herança clássica das lutas dos trabalhadores em todo o mundo, existe uma abundante literatura sobre duas entidades completamente distintas, o partido e o sindicato, e sobre a relação entre elas. Mas essa não é uma questão resolvida, de maneira consensual, pela maioria dos lutadores da classe operária. As crescentes greves dos trabalhadores da Polônia mostraram como a questão da posição do sindicato frente ao partido é complexa, mesmo num país socialista.

No Brasil, sempre foi tolhida tanto a expressão sindical quanto a expressão política do proletariado. Por isso mesmo, quando ocorre uma conjuntura de ascenso dos movimentos de massas trabalhadoras, os seus combatentes vão naturalmente se utilizar do sindicato como arma de luta política contra a exploração, ao mesmo tempo que vão se valer do partido em que eventualmente militam, como arma dessa mesma luta. Num país como o nosso, durante tantos anos submetido à ausência de debate político, é inevitável que alguns trabalhadores confundam as tarefas específicas desses dois tipos distintos de entidade. Entretanto, a maioria de nossos entrevistados revelou um interessante grau de consciência das diferenças e relações entre sindicato e partido.

As perguntas: Como você vê a relação entre sindicato e partido? As lideranças sindicais devem também ser lideranças político-partidárias? Os sindicatos devem ter orientações políticas?

ANTÔNIO AUGUSTO — Nas relações partido-sindicato houve dois tipos de erros que depois de um certo tempo de prática foram bastante palpáveis: um em que o partido tenta fazer do movimento operário a forma e do partido o controle. Então era a concepção de “correia de transmissão”. É um tipo de erro que deve ser evitado, tem que ser evitado na marra; e por outro lado, existe outra concepção errada, em que o movimento operário consegue engolfar o partido e fazer com que ele não tenha outra proposta a não ser as reivindicações imediatas do trabalhador.

Eu acho que hoje, diante dessas experiências extremas de submissão de uma parte ou de outra, o PT ou outro partido tem que ter em conta que o movimento operário ultrapassa a concepção de qualquer partido, e a própria existência desse partido. E o partido deve ter claro que é um instrumento de avanço dos trabalhadores para se organizar politicamente, mas que, por outro lado, também é um organismo reacionário no momento em que se torna uma instituição e se cristaliza, até ser superado por um avanço do movimento operário. Acho que os trabalhadores têm que ter isso aí bem claro, diante de exemplos que ocorrem. Um caso bem concreto que a gente poderia dar, seria a França e a Itália, onde 3 centrais de trabalhadores se formam para dar vazão a correntes ideológicas; e hoje o movimento operário está conseguindo superar isso aí, e talvez se parta prá uma central só. Então, a unidade dos operários é mantida mesmo com distinções ideológicas para o universo dos trabalhadores. Eu acho que isso, em termos de liberdade, de avanço e de maturidade é muito importante; No Brasil, no caso do PT ou qualquer outro partido que se diz representante dos trabalhadores, há que se ter necessariamente isso em conta.

Augusto: o PT, ou qualquer partido, tem que ter em conta que o movimento operário ultrapassa as concepções e a existência do partido.

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — A primeira coisa é que a liderança sindical, ela tem que se preocupar em defender os interesses do trabalhador, sabe. Alguns líderes são excelentes, são eloqüentes, alguns falam bem, alguns falam o que as pessoas querem ouvir, mas é necessário falar o que os trabalhadores não querem ouvir. Isso também é necessário. As lideranças sindicais no Brasil são motivo de galhofa, até para os patrões. Eu já fui em mesas-redondas, e vi os patrões dizerem, assim: “lá nas nossas assembléias tem mais gente que nas de vocês”; eu já vi isso. Agora está virando o jogo, e as lideranças sindicais não estão acompanhando, estão despreparadas; nós precisamos de lideranças sindicais preparadas para discutir com os patrões, preparadas para entender que a greve não é o primeiro recurso, é o último. Então nós temos um sindicato, lideranças sindicais miseráveis, tecnicamente e politicamente. Olha, isso tem que ser colocado, porque é uma questão meio dura para colocar, infelizmente, as lideranças sindicais que a gente tem aí são produto desse regime autoritário, são produto de uma situação excepcional. Não são lideranças formadas democraticamente. Isso significa que se você for colocar a presença dos trabalhadores, em termos políticos-partidários, não há uma vanguarda dos trabalhadores; ela está prá nascer, viu, tá prá nascer! A classe operária tem que formar, tem que produzir quadros políticos, que atuem na esfera partidária. Não só dirigente sindical, que é quem menos agüenta a barra, em termos de luta do trabalhador, nesse País. Isso tem que ser observado, sabe, qualquer greve que você tenha, o dirigente sindical dirige a greve por meia hora, em cada 24 horas, o resto é o trabalhador que agüenta a polícia, que toma porrada, organiza a barra, enfrenta o chefe na fábrica, enfrenta o patrão, isso é a massa trabalhadora que faz. Então a gente precisa parar com esse papo de que é só dirigente sindical que faz as coisas. E vai ter que entender que vai demorar muito para que a classe produza quadros políticos que atuem nos partidos.

A classe trabalhadora tem que produzir seus quadros, e criar condições para que entre a própria classe, todo mundo possa se manifestar democraticamente... Inclusive com o direito de errar, de fazer besteira. A primeira coisinha que a gente tem que ter abertura é para permitir que todos os trabalhadores opinem, primeiro sobre a luta sindical, que é a parte que eles “querem em dinheiro”, segundo, sobre a questão partidária. Que todo mundo possa opinar democraticamente, possa participar, e fazer um esforço para que realmente venham a se criar condições para que surjam lideranças que não sejam só lideranças sindicais.

Agora, eu acho que o posicionamento de quem está em partido político, deve ser um pensamento abrangente; que ultrapasse o espaço estreito das siglas partidárias, e se coloque pelo trabalho de base em geral. A pessoa tem que ter uma posição partidária, mas eu acho que ela não deve ficar no limite estreito da sigla patridária. Porque de vez em quando o debate partidário leva a sectarismos, e a disputa acaba se sobrepondo aos interesses da organização popular como um todo. Isto significa, no meu entender, que a gente tem que ter um entendimento entre os partidos de oposição, no que tange à participação política da base, no que tange à participação popular, ou seja, significa que a gente deve dar todo o apoio às lutas reivindicatórias do bairro, dos sindicatos, das associações profissionais etc.

WAGNER BENEVIDES — Na minha opinião particular, eu acho que a relação partido-sindicato devia ser assim, piramidal: trabalhadores, sindicatos, central única e partido, com fluxo e refluxo de ações políticas. Mas existe aí teorias que dizem que o sindicato não deve ser atrelado a nada. Eu concordo com isso até determinado ponto, mas acho, na minha opinião, que se o atrelamento for feito por trabalhadores, num governo de trabalhadores, eu acredito que está tudo bem. Agora, na atual conjuntura, em que os trabalhadores são sucata, são refugo, aqui tem que se lutar pela autonomia sindical. Mas eu acho que fatalmente, se o governo for dos trabalhadores, se a central única for dos trabalhadores... porque não fazer fluxo e refluxo?

Flores: Mesmo que o governo seja de trabalhadores, o sindicato tem que ser um órgão independente.

ANTÔNIO FLORES — Bem, o sindicato tem que ser sempre um órgão democrático. Por isso mesmo, ele precisa ser independente, do governo e dos partidos políticos. Isso seja numa ditadura, que justamente tenta acabar com a autonomia dos sindicatos, seja num governo democrático de verdade, ou um governo de trabalhadores. O sindicato precisa ser independente, por exemplo no caso de um governo de trabalhadores, para cobrar a representação de verdade dos interesses deles e pressionar para que o partido que pretende representar os trabalhadores faça isso mesmo. Você veja o presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores da França: ele é membro da direção do Partido Comunista lá, mas quando foi para assinar uma plataforma comum de campanha eleitoral com o Partido Socialista, ele assinou sozinho, como indivíduo. Quando perguntaram porque a CGT não assinava o programa comum, ele disse que a CGT, como órgão sindical, precisava ser livre, ter as mãos livres para cobrar do PC os interesses dos trabalhadores.

Os trabalhadores têm que participar dentro dos partidos e levar lá para dentro as posições da classe, não impor a linha do partido dentro do sindicato. Tem que ser disputada democraticamente a hegemonia dentro do sindicato e prevalecer a opinião da maioria.

Pedro Sampaio: O perigo que corremos é de nos tornarmos subordinados politicamente, depois de termos sido subordinados legalmente.

PEDRO GOMES SAMPAIO — Existe uma frase de velhos trabalhadores que dizem: “se a consciência não foi capaz de nos unir para combater a miséria, talvez a situação de miserabilidade em que vive a classe trabalhadora seja o meio que se encontra para nos unir e sair desta miséria”. Então a gente acha que esta discussão em torno de partido político, tenha a sigla que ele tiver, foi uma evolução da classe trabalhadora. Há militantes que saíram do meio operário, que já têm uma visão de que o trabalhador sempre foi postergado em todos os processos eletivos, apesar dos partidos que se diziam representar os trabalhadores, mas que na realidade o trabalhador servia apenas para eles elegerem o candidato, como é o caso do antigo PTB (que era composto de latifundiários, e não de trabalhadores). Logo, isto é um avanço muito grande. Agora a gente vê também que no processo do sindicalismo existem duas fases fundamentais: uma é o atrelamento ou a subordinação dos sindicatos, mediante uma legislação, ao Estado, do poder dominante; e a outra fase, quando a classe operária começa a evoluir politicamente, e o Estado percebe que esta classe não aceita mais ser subordinada ao governo, então eles (o poder dominante) mudam a tática. E da nova tática eu posso te dar um exemplo, da Alemanha e dos Estados Unidos, onde o sindicalismo não é subordinado diretamente ao governo, por força de lei, mas o que acontece é que eles são subordinados por força política e isto é pior ainda, pois isto é muito mais sofisticado e muito mais difícil da classe operária entender. Nós estamos começando a sair dessa primeira fase, mas o perigo que corremos é nós nos tornarmos subordinados politicamente.

OSMAR MENDONÇA — Para mim, entre o partido político e o sindicato há uma identidade muito grande, eu acho que a grande diferença é que os partidos visam efetivamente a conquista do poder político e os sindicatos não têm essa pretensão. Eu acho que os sindicatos vão tender a se definir inclusive por partidos políticos. No momento isto não ocorre ainda, porque a vida do país ainda não é democrática; mas acho que a tendência, que se vê hoje em outros países de descobrirem a necessidade de partidos políticos, está ligada ao desenvolvimento da conquista de um sindicalismo autônomo e independente. Isso não quer dizer que sindicatos e partidos políticos se confundem, eu acho que as tarefas são diferentes, são profundamente diferentes. Agora, para mim, há uma relação, bastante estreita do ponto de vista político, não orgânico.

Eu acho que devem estar dentro do sindicato comunistas, democratas-cristãos, liberais, crentes, os que não acreditam em nada, os anarquistas, todos eles têm necessariamente que participar no sindicato. Ele é diferente de um partido político, que em geral procura ser mais definido. Isso, embora eu ache que a gente no PT está vivendo uma realidade nova: o maior problema que a gente vive no Brasil é a questão econômica, essa é a questão política central hoje. Então, na luta por melhores condições de vida das massas, não entra como condição fundamental para a construção desse partido, a definição ideológica. Por isso hoje é possível existir um partido político que tenha um programa definido, que represente os interesses dos explorados e oprimidos; mas que dentro desse partido você encontre católicos, comunistas, não-comunistas, cristãos, democratas.

Bittar: O sindicato é também um órgão de informação política.

JACÓ BITTAR — Com o crescimento do PT houve, é claro, aquele questionamento que eu já posso adiantar: e porque não simplesmente fortalecer o sindicato? Porque o sindicato é um organismo desacreditado, o trabalhador também não dá crédito... tanto é que o nível de sindicalização no Brasil não atinge a 20%... e a estrutura é podre, a estrutura é arcaica, quer dizer, o trabalhador está afastado disso aí. Então, eu acho que compete àqueles que têm a incumbência de projetar alguma coisa, que estão discutindo, que têm um espaço para ver, tentar, dentro dos fenômenos sociais, algo de novo para realmente despertar a consciência do povo.

O que é mais importante: continuar líder sindical ou ser líder político? Eu acho que em determinados momentos o jogo político é importante, como aconteceu até com o companheiro Lula, que se aproveitou da projeção feita pela imprensa burguesa; ele soube capitalizar e nós também. Mas eu sempre achei que nós não seríamos os verdadeiros líderes da classe operária... Os verdadeiros líderes da classe trabalhadora estariam para surgir, quando realmente houvesse participação. Hoje a gente faz o jogo político para ver se realmente se consegue a participação. Mas eu acho que em determinados momentos é válida a participação daqueles que têm muito mais capacidade e experiência de jogo político do que os líderes do sindicato.

O sindicato não pode ser atrelado ao partido, nem ele pode ser a sede do partido. Agora, se há um núcleo do PT entre os sindicalizados, ou um núcleo do PMDB, ou de qualquer partido, e quiser discutir as suas propostas partidárias no sindicato, nós não impedimos. O sindicato é também um órgão de informação política.

IVAN MARTINS VIEIRA — Eu acho que muita gente confunde um pouco as coisas... Achar, por exemplo, que só vai defender, no Parlamento, os interesses da classe trabalhadora, aquele que é sindicalista. Sabe, eu acho que isso aí é um critério equivocado. Porque o fato de ser sindicalista não significa necessariamente que ele vai defender bem os interesses dos trabalhadores. O parlamentar pode não ter tido nenhum mandato sindical, pode eventualmente não ter tido nenhuma militância sindical e, no entanto, ter uma ideologia, uma preocupação social, que leve-o a ser um excelente deputado, do ponto de vista dos trabalhadores. Isso, desde que ele tenha consciência de classe e uma ideologia que o empurre para defender os trabalhadores. Porque há muitos sindicalistas que não têm uma ideologia dos trabalhadores... Aliás, em São Paulo, nós tivemos dois deputados federais oriundos do meio bancário, que não foram reeleitos, mas que tiveram um primeiro mandato. Foram o Rui Brito e o Osvaldo Brandão. Todos os dois vieram do sindicato dos bancários, foram deputados federais na mesma ocasião e não se reelegeram. Isto aí eu acho que já é uma prova de que não é o fato apenas de ter passado por um sindicato que garante o eleitorado. E, além do mais, atividade sindical é uma atividade bem diferente da parlamentar.

Uma coisa que me preocupa, e eu acho que os companheiros já perceberam que estava errado, é que alguns petistas estavam atrelando muito o sindicato ao PT, está entendendo?... A gente chegou a receber muito jornal do sindicato que puxava na primeira página a organização do PT. E isso aí é um erro ao nosso ver muito grande, porque o sindicato no Brasil é um só por categoria, único e unitário, uma das únicas coisas boas que tem nessa estrutura sindical, e a gente tem que lutar para que continue assim, certo? O sindicato não pode ser um sindicato dependente de um partido político. O sindicato tem que ser apartidário; porque os trabalhadores se unem no sindicato em função de seus interesses de classe contra os patrões, e isso não depende de como é que ele pensa, qual é a religião dele, qual é o partido político dele, a ideologia dele, a cor dele, sabe... A gente não pode contribuir para a visão... mas eu acho que os companheiros do PT já viram isso, já viram que não é por aí. Há grandes nomes do sindicalismo envolvidos com o PT, mas as bases estão muito cheias de estudantes... um pessoal mais sectário, e parece que isso está criando problemas lá.

Ivan: Ser dirigente sindical não significa necessariamente defender bem a política dos trabalhadores. A atividade sindical é diferente da parlamentar.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — O PT não pretende se construir baseado nos sindicatos, tipo do PT inglês. Mesmo porque a estrutura do sindicato tenderia a refletir-se no PT e deformar sua proposta. O papel do PT, ou dos militantes do PT que eventualmente detenham a direção do sindicato, seria de garantir a livre expressão dos setores de todas as tendências e correntes, com base na compreensão de que os sindicatos são a frente única elementar que devem ter os trabalhadores. Entendendo isso e havendo o respeito a esse caráter de frente única dos sindicatos, mesmo na hipótese dos militantes do PT se situarem na oposição a uma diretoria do sindicato, eles devem se submeter às decisões da democracia operária que se pratica nessa instância sindical. Uma assembléia, digamos, como a dos metalúrgicos de São Paulo na greve recente, que decida democraticamente a luta pelos 83 por cento, ainda que nós queiramos 50 por cento, nos obriga a sair na defesa da reivindicação aprovada pela assembléia, pelo menos enquanto militantes sindicais.

MARIA FELÍCIA DA ROCHA MACEDO — Eu procuro me envolver o menos possível com partidos políticos, porque eu acho que um dirigente sindical não deve se envolver com partidos e muito menos trazê-los para dentro do sindicato, porque isso traria divisionismo na categoria profissional. Ideologia política e credos religiosos: nós não nos envolvemos com isso. Eu posso me filiar a um partido, participar nele, por enquanto eu não estou pensando nisso; ou confessar um credo religioso, mas jamais envolver o movimento sindical com estas coisas. Isto provoca o divisionismo, que é um perigo interno dos maiores.

Felícia: Eu posso me filiar a um partido, ou confessar um credo, mas jamais envolver o movimento sindical nisso. Provoca o divisionismo.

ALBÊNZIO DIAS DE CARVALHO — No sindicato tem trabalhador que é protestante, tem trabalhador que é socialista, que é comunista, que é esquerdista, é macumbeiro, cristão e tudo mais. Então nós conseguimos através do sindicato a nossa unidade. Agora, no sindicato a gente tem que levar as nossas posições políticas, tem que trabalhar com as posições políticas que são justas para os trabalhadores, para elevar a sua consciência política e tal. Mas o partido nunca pode tomar o sindicato e nem ver os sindicatos e todas as entidades de massa como fração, como parcela desse partido.

b) As organizações ilegais

No Brasil, as elites políticas dominantes sempre tiveram séria desconfiança da democracia, principalmente em um dos aspectos decisivos das modernas democracias: a liberdade de organização. Desde a década de 1930, que a organização sindical não é livre; houve curtos momentos em que a organização partidária foi permitida. Entretanto, a liberdade de organização partidária sempre teve curta duração, desde que se tratassem de partidos de trabalhadores, sempre perseguidos e atirados à clandestinidade. Mesmo na “euforia” democrática de pós-guerra, devida à vitória contra o nazi-fascismo, a liberdade partidária foi violentamente restringida: o PCB, liberado durante a abertura de 1945, foi cassado em maio de 1947.

Durante a fase democrática de 1950 a 1964, manteve-se a proibição das organizações de esquerda de atuarem legalmente; entretanto, ao sabor das alianças políticas dos grupos dominantes, os grupos operários de esquerda gozaram de alguma liberdade relativa, destruída com incrível violência após o golpe de 31 de março de 1964. Mesmo tendo posições diferentes diante dos partidos e organizações obrigadas a viver na clandestinidade, todos os entrevistados, entretanto, são favoráveis à sua liberdade de atuação.

As perguntas: As organizações atualmente na ilegalidade são alternativas possíveis para a expressão dos trabalhadores? Elas devem lutar por sua legalização?

ANTÔNIO AUGUSTO OLIVEIRA DE CAMPOS — A legalização dos partidos e organizações políticas clandestinas exige um novo pacto político no país; sob uma nova Constituição. Isso só poderia ser feito através de uma Constituinte. Isso quer dizer: liberdade de expressão, manifestação, organização, para que se possa — todos os segmentos da sociedade — serem representados numa Constituinte e, a partir daí, tentar-se um novo pacto político.

Mesmo que não tenham peso quantitativo, o fato das organizações se legalizarem traria uma contribuição imensa. O significado delas seria qualitativo e teríamos dessas organizações um conhecimento real, não sectário e não preconceituoso. Do que se conhece, ou se tem uma pichação ou um endeusamento. A gente fica com uma visão falsa, deturpada, do que seriam essas organizações. Fica sem saber de fato a visão delas sobre a sociedade, a concepção delas sobre o amanhã, e o que elas pensam, enfim, da sociedade brasileira, para ver se há uma identidade ou não.

Joaquim Arnaldo: Não legalizar os partidos clandestinos pode ser até inteligência do governo para poder acusar e prender qualquer um.

JOAQUIM ARNALDO DE ALBUQUERQUE — Eu nunca acreditei nos partidos clandestinos, por isso nunca participei de nenhum deles. Porque eu só acre. dito no partido em que os trabalhadores venham a participar e tenham as rédeas do partido nas mãos. Só por ser clandestino, a gente não ia ter a mínima condição de convidar os companheiros para participar do partido.

Agora, não legalizar os partidos clandestinos ou é burrice ou então muita inteligência do governo. Burrice por não deixar legalizar, porque aí ele poderia se dizer democrático mesmo. Mas é uma inteligência porque à medida que os partidos são clandestinos, um elemento como eu, que nunca participei de uma organização clandestina, pode ser preso, como já fui, e ser acusado de participar de um partido desses. Eu já fui preso duas vezes, já passei por torturas, acusado de participar de um partido clandestino, quando não tinham uma prova. Então talvez seja a grande inteligência deles, não dar a legalização.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — Eu não vejo outras alternativas eficazes para a expressão dos trabalhadores, além do PT. Eu acho válido, embora não concorde, que a articulação de 1922, do PCB, deva ser continuada, ou mesmo qualquer uma de suas dissidências que ainda persistem. Eu acho que as organizações que estiveram na ilegalidade devem, na atual conjuntura, lutar pela legalização. Devem porque os trabalhadores para se organizar precisam de liberdade, da franquia de se filiar e organizar. Se não conquistarmos a liberdade partidária, nós não conquistaremos nenhuma outra liberdade.

IVAN MARTINS VIEIRA — Eu acho o seguinte: já que existem partidos clandestinos, eles têm que lutar pela sua legalização, porque não tem sentido, se existe um partido clandestino, ele viver eternamente nos “subterrâneos da liberdade”. Eu acho que os próprios membros que estão nestes eventuais partidos clandestinos devem lutar. Agora, as pessoas que não estão nestes partidos, mesmo que discordem deles, devem também lutar pela sua legalização. Eu acho que é um contrasenso, um absurdo, não haver liberdade de organização partidária. Eu acho que uma sociedade dividida em classes, uma sociedade que tem as suas contradições, tem que ter mesmo muitos partidos, representando as várias classes, vários segmentos da sociedade.

Ivan: As pessoas que não estão em partidos ilegais, devem também lutar pela sua legalização.

ANTÔNIO FLORES — É um absurdo não lutar para que as organizações obrigadas a viver clandestinas sejam legalizadas. É uma coisa óbvia da democracia, uma coisa fundamental, a livre organização partidária, a livre expressão política de todo mundo, na sua ideologia. Os militantes operários são gente, têm que ter direitos iguais a todos de se expressar, qualquer que seja sua idéia. O governo tem medo de que as idéias que eles querem combater, se forem organizadas livremente, cresçam demais no meio operário...

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — Dentro de um sistema dito democrático, todas as correntes políticas deveriam expressar a sua opinião. No momento tem algumas que estão de fora. Todas as correntes políticas que no passado já tiveram o seu registro deveriam tê-lo de novo, como o PCB; e mesmo os integralistas, pois um grande número deles está hoje no PDS. Eles deveriam ter o seu partido legalizado.

Quanto às organizações clandestinas de esquerda, eu acho que deveria haver uma fusão entre PCB, PC do B, tem outro aí que eu esqueci o nome... Convergência... O grande mal destes grupos políticos, para a felicidade do sistema, é que as esquerdas se fracionam o máximo possível, porque há uma vaidade de querer ser cacique. E enquanto isso, o cacique maior que é o governo... fica por aí, batendo palma. E esta extinção dos partidos foi um plano bem elaborado, porque enquanto havia só dois partidos a oposição crescia com as esquerdas junto.

ARNALDO GONÇALVES — O problema maior é que realmente a gente não tem liberdade de definições ideológicas. Então a coisa fica muito confusa. Não há possibilidade de se definir claramente. Ninguém pode chegar e dizer, por exemplo, que é a favor do comunismo ou do trotskismo etc, então as coisas ficam emboladas e há essas confusões. Porque o partido deve ter uma definição ideológica clara. Quem se filia àquele partido sabe o que ele defende, o que ele se propõe, claramente. Enquanto não existir essa liberdade, qualquer partido que se crie vai dar confusões. A questão não é só a dos moderados, dos adesistas, mas é que todo o partido que for criado vai dar estes problemas porque não tem claro, na carta de princípios dele, o que se propõe; então vai entrar de tudo dentro dele, porque a coisa é indefinida e vai dar no que sempre deu. Se não, vai ter gente desde a direita até gente da esquerda dentro do mesmo partido.

Arnaldo: Sem liberdade de definições ideológicas, vai ter sempre gente desde a direita até a esquerda dentro do mesmo partido.

CID FERREIRA DE SOUZA — As organizações clandestinas, do tipo do PCB, deveriam lutar pela sua legalização, sem dúvida. Quando eu sou a favor de novos partidos, eu acho que todas as facções devem ter o seu direito garantido. Agora, eu queria deixar bem claro: desde que todas elas respeitem o regime em que vivemos, tá?

c) A frente de oposições

Depois de sua estrondosa vitória eleitoral de 1974 o MDB passou a ser considerado por muitos como lugar privilegiado de uma frente dos diversos setor políticos populares organizados despejou votos no MDB em 1978; ele funcionou, na prática, como o lugar de uma frente democrática eleitoral. Não chegou a constituir-se efetivamente como frente política da totalidade das opde oposição. A? críticas a essa concepção e geral partiam do fato de que muitos setores sociais oposicionistas, organizados em associações profissionais, sindicatos, sociedades de bairro etc. não pertenciam na sua maioria ao MDB. Bem ou mal, porém, a maioria dos setores ?osições, seja por seu caráter difuso, de estuário dos mais diversos descontentamentos, seja pela escassez de organização política dos setores populares.

Extinguindo arbitrariamente o MDB, o regime atalhou a possibilidade dessa frente política chegar a se constituir a curto prazo. Com a reformulação partidária e sua concepção estreita de pluripartidarismo, a questão da frente de oposições passou a tomar outro rumo. A maioria dos líderes de trabalhadores acredita que, para o fim do regime ditatorial, é necessário que se constitua uma frente, dada a fraqueza relativa dos vários segmentos oposicionistas para conseguirem agir isoladamente nesse sentido. Mas as noções sobre a constituição dessa frente são distintas. Alguns acreditam que ela deva ser constituída como frente política dos vários partidos de oposição, em torno de um programa geral e amplo; para outros, ela deve ser uma frente de massas em torno de pontos específicos; há os que defendem uma frente popular, com os representantes políticos mais avançados, ou mais à esquerda, das classes dominadas da sociedade; e finalmente os que pensam em reconstituir, de maneira mais efetiva, a frente que se desenhava no extinto MDB.

Quanto à amplitude da frente, as posições divergem basicamente em torno da participação ou não, ao lado das forças populares organizadas, dos representantes liberais da elite política e empresarial. Há desde uma minoria que acredita na constituição de uma frente de esquerda, articulada em torno da substituição da ditadura por um governo de trabalhadores; até, no outro extremo, os que acreditam que os liberais, e não os políticos das classes trabalhadoras, devam ser os elementos essenciais da direção da frente de oposições.

Durante o importante conflito político que foi a greve de abril-maio de 1980 dos metalúrgicos, centrada em São Bernardo do Campo, essa discussão retomou grande atualidade, devido aos diferentes graus de participação das forças oposicionistas na solidariedade aos grevistas.

As perguntas: Como você vê a possibilidade de uma frente de oposições ao regime ditatorial? Como deve ser organizada essa frente? Qual a possibilidade de um trabalho conjunto dos partidos de oposição? Os liberais da elite política e empresarial devem participar dessa frente?

JOSÉ TIMÓTEO DA SILVA GUEDES — A frente de oposição, de uma certa forma, ela existe; mas o que está acontecendo aí é que tem gente querendo que essa frente seja dele, isso é muito grave. “A oposição só é bem feita, só é ótima quando ela é a minha oposição.” Primeiro tem essa coisa. A gente precisa aprender a fazer trabalho onde não se busque primeiro a luta pelo lugarzinho de representar as oposições, sabe. De uma certa forma, a luta de oposição no Brasil não é uma luta só de pobres, nem só de liberais; é uma luta contra um regime arbitrário; nós temos é que fazer um compromisso amplo, sabe, e não ficar cobrando de um lado para o outro.

A gente precisa ter um pouquinho de modéstia, precisa ter um pouquinho de bom senso, perceber a participação modesta que cada um tem, e contribuir contra o governo, sabe, porque essa frente já existe, o que atrapalha é muita gente lutando pela liderança dessa frente. Por exemplo, esse negócio aí de meter o pau nos liberais, viu, eu acho que, isso é bobagem, porque em 1972, quando a gente levantava de manhã, perseguido e abafado pelo regime, ia comprar o Estadão para ver o que o Ulisses Guimarães falava contra a ditadura, contra o regime. Então não são os liberais que não são leais com a esquerda no Brasil. É a esquerda do Brasil que não está sendo leal com os liberais. Porque eles sempre assumiram a briga, durante muito tempo nós estivemos até certo ponto protegidos com o discurso dos liberais, agora, como tem um pouco de democracia, um pouco de abertura, nós chegamos e abandonamos os liberais, porque o nosso pensamento, a nossa posição ideológica não é exatamente a mesma deles. Agora, na questão política, o problema que os aflige é parecido com o que atinge os trabalhadores.

Muita gente diz que os liberais do Congresso, como um todo, não apoiaram claramente a última greve do ABC. Às vezes o pessoal faz críticas muito injustas, ataca os deputados federais, o Congresso, e acaba superestimando a capacidade dos deputados federais, acha que eles têm a clarividência, que eles sabem tudo... E eles não sabem; eles estão tão confusos quanto as bases. Eles têm culpa sim, em não procurar se esclarecer; mas nós também temos muita responsabilidade em procurar esclarecê-los, em compor uma posição política à altura de contribuir, em discutir, sem sectarismo. O pessoal de base tem uma postura, às vezes, no contato com a direção partidária, deputados e senadores, muito agressiva. Isso eu acho que é produto de uma situação política e não é culpa nem da base nem da cúpula.

Então veja: o fato de o Congresso Nacional não ter tido um papel mais abrangente na questão das greves é devido à dificuldade de acesso político à Brasília: eu acho que a Assembléia Legislativa de São Paulo tinha que assumir mais responsabilidade política mesmo, por estar mais perto; o governo do Tito Costa, as Câmaras Municipais assumiram mais o trabalho direto porque são da mesma região.

Claro, eu como militante do PMDB tenho interesse num entendimento de alto nível entre todos os partidos da oposição, até com o PP, onde for possível, onde ele for oposição. Agora para o PT, é uma sugestão que eu faço, falta humildade, sabe... e eu não vejo este entendimento possível a curto prazo... de médio prazo para lá, quando o PT tiver a sua experiência política, quando o PT formar realmente um partido, porque eu não considero o PT ainda um partido. Eu vejo o PT ainda como um movimento para a formação do partido. Depois que o PT se transformar num partido, tiver a sua experiência como partido, direta nas urnas, aí eu acho que existe clima para se começar a discussão. Porque isso que estão fazendo por aí é aquele tipo de entendimento que quando termina a reunião a única clareza que se tem é que tem que marcar uma reunião seguinte... Agora, claro que esta tendência que ganhou a convenção nacional do PT em fins de maio de 1980 eu acho que é um pessoal mais tratável.

Mas eu vou dizer um negócio para você: as pessoas não conhecem muito bem como é que funcionam os interesses, por exemplo, numa capital como São Paulo, como é que funcionam os interesses na periferia de toda esta grande São Paulo. Os interesses reais das pessoas, sabe, as pessoas trabalham, habitam, o problema do transporte, o problema da água, da habitação... então a gente, quando faz o discurso político, a gente nivela tudo isso por cima. E a gente nunca procura ver as relações entre a classe média, o povão ... os compromissos... todos os tipos de compromissos... porque eu acho que o regime, a ditadura, ela arrebentou os compromissos políticos.

Timóteo: No Brasil, não são os liberais que não estão sendo leais com a esquerda. É a esquerda que não está sendo leal com os liberais.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — Em política, como eu estava dizendo, não se fecha a porta. Eu acho que inclusive pode haver uma coligação entre todos os partidos de oposição; isso sempre foi feito no passado, deve ser no presente e será no futuro; porque à medida em que se luta pelo poder e o governo central detém em suas mãos a maioria dos parlamentares, e inclusive o poder econômico, ele restringe o campo de ação das outras forças. E como sobrevivência tem que haver a coligação, senão a oposição será sempre muito fraca. Mesmo não gostando do Chagas Freitas, ou não gostando do Magalhães Pinto, desde que eles queiram, numa coligação, fazer uma frente contra o sistema, eu acho válido.

FRANCISCO DAL PRÁ — Eu entendo que existir mais que dois partidos é uma necessidade. Penso o seguinte: se estes partidos que são considerados de oposição amanhã forem conscientes, nas horas de decisão terão que se unir, meu Deus! Porque a verdade é a seguinte: a gente quer vários partidos, mas as posições sempre se resumem em duas coisas: ou sim ou não, perfeito? Então, se os partidos de oposição amanhã quiserem tomar uma medida de unidade, isto é fundamental.

IVAN MARTINS VIEIRA — Quando o MDB era um só, os setores liberais predominavam dentro do partido e os setores autênticos, populares, eram minoria... e hoje a correlação de forças talvez esteja caindo mais para a esquerda, né? Isso vai repercutir na linha do partido. Agora, eu acho que, mesmo se este setor, digamos assim, mais progressista, for hegemônico dentro do partido, ele não deve tentar imprimir uma linha sectária, que venha a isolar estes liberais, e na prática, fazer com que eles saiam do partido. Aí seria inverter o caráter da frente.

Ivan: Mesmo que os setores mais progressistas venham a ser hegemônicos, eles não devem isolar os liberais.

IGNÁCIO HERNANDEZ — Para a gente, não se coloca esse problema de “frente” de uma maneira muito viva e atual. Para fazer uma aliança, primeiro a gente tem que existir. E realmente eles existem de fato, o PMDB, acredito que facilmente será legalizado; tem mais de 41 parlamentares, o que legaliza o partido. Enquanto que o PT não existe e durante muito tempo será um partido em formação e, se não existe, então uma aliança vai ser muito difícil. O que eu acho pc vel fazer desde já, mas não sei se o PMDB aceit; isto, seria uma frente de massa, uma frente de n tantes, uma frente de todos aqueles ativistas que m tam tanto no PMDB tanto no PT. Isso realmente pc acontecer numa campanha como essa que eu falai contra a carestia, uma campanha pelo direito de gre ou uma campanha por uma liberdade partidária maic que não existe ainda; eu acho que são bandeiras pa; tanto eles como nós assumirmos com toda força. Isí poderia ser assumido, não a nível de cúpula, pelo s< guinte: se nós fazemos isso a nível de cúpula, então nó estamos já perdendo aquela importância que nós quere mos dar aos líderes de base, pelo menos, já que não st pode falar em massa; mas os líderes que estão nas fábricas e nos bairros, eles podem assumir realmente as bandeiras, discutir etc. Eu acho que daqui a um ano/ por exemplo, se o PT já tem os núcleos formados, se já tem uma comissão escolhida no congresso por militantes, então eu acho que sim, eu acho que aí nós devemos pensar imediatamente em fazer um tipo de aliança com o PMDB e levar conjuntamente uma série de bandeiras. Cada um no seu movimento, o PMDB no seu partido e nós no nosso, dado que cada um tenha se formado de uma maneira diferente, mas os militantes poderão estar unidos, ir aos comícios e falar as mesmas coisas.

Skromov: A luta pelo governo dos trabalhadores pode ser uma proposta de frente, a nível estratégico.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — Já existem essas frentes entre o PT e os outros partidos. Dentro dos sindicatos já se reúnem militantes do PT, PC, militantes de todos os outros setores que reivindicam pela classe operária.

Agora é necessário entender que, no caso, nós temos muito mais em comum entre nós do que as outras articulações do tipo PMDB, PTB e etc. É necessário então entender que, para nós, a possibilidade até de uma frente estratégica está colocada; em que se lute por um governo dos trabalhadores. Nós devemos caminhar rapidamente dentro da crise que se processa atualmente em nosso país e apresentar para a sociedade brasileira uma saída. E a saída em que realmente confiamos é o governo dos trabalhadores. Isso seria uma unidade de frente a nível estratégico para todos esses setores.

OSMAR MENDONÇA — No Rio de Janeiro tem uma forte corrente popular e aqui também em São Paulo, como a do Alberto Goldman, que defendem o PMDB como partido de frente. Para mim, como nós podemos estabelecer uma frente política do PMDB, que signifique a luta democrática, se o grosso das camadas populares não tem nenhuma organização política, com a qual eles poderiam participar dessa frente? Para mim frente significa uma organização dos setores sociais. E preciso que os populares tenham a sua expressão política organizada, que os operários tenham a sua expressão política.organizada; nenhum deles têm. Essa frente seria quem? Quem é que estaria autorizado por esse conjunto para fazer essa frente? Que partidos políticos representam esses setores efetivamente? E são reconhecidos por esses setores?

Há no Brasil uma crise de credibilidade; o conjunto das massas não acredita no que estão dizendo por aí, como se fossem a sua direção. Isso não quer dizer que não devemos fazer alianças.

No PT, nossa questão central é a seguinte: nós temos um inimigo comum, é claro que é a ditadura militar; para acabar com os patrões, queremos é conquistar a democracia. É um sonho pensar que a gente pode fazer um partido socialista dentro da ditadura. É fundamental, isso sim, a gente abrir o horizonte das massas para discutir a questão do socialismo.

Mas eu acho que alguns liberais estão empenhados profundamente na luta contra a ditadura militar, na luta ao lado dos trabalhadores, e não dá para você fechar os olhos com relação a isso. Eu acho que o Teotônio Vilela se empenhou na luta pela anistia, o Tito Costa empenhou-se em defesa das lutas operárias em São Bernardo, esses caras são, em determinados momentos, amigos dos trabalhadores. E não dá para você radicalizar chamando-os de “patrão”. Eu acho que não é essa a ótica correta.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — Muita gente, quando estava discutindo os resultados da greve de São Bernardo de abril-maio de 1980, disse o seguinte: que o leque de forças que, na hora da greve, se compuseram em defesa dela, seriam as forças que entrariam, mais cedo ou mais tarde, na composição de uma frente na luta pela democracia. Eu acho que não necessariamente isso acontece, porque você não pode exigir, se você faz uma greve, que todas as forças democráticas estejam afinadas, estejam solidárias com os objetivos daquela greve.

Agora, evidentemente, você pode até arriscar... dizer que os melhores democratas estiveram do nosso lado. Como foi o caso do Teotônio Vilela, como foi o caso de uma série de parlamentares que estiveram sempre presentes aqui. O próprio Ulisses Guimarães esteve dando apoio. Enfim, eu posso dizer é isso: que os melhores democratas estiveram. Agora, se alguém não esteve, eu não vou dizer que é antidemocrata porque não esteve do nosso lado, eu acho que uma coisa dessas não tem sentido. Inclusive eu acho que tem um problema da própria condução da greve, que a gente não soube levar o processo no sentido de ter uma força política maior do nosso lado. A gente deixou, quem quisesse ser solidário que fosse, sabe como é? Eu achava que a gente tinha que buscar mais apoio, para um conflito que de antemão se sabia que ia ser político.

Joaquim Arnaldo: A frente pode se unir dentro do parlamento; fora eu acho que é meio difícil.

JOAQUIM ARNALDO DE ALBUQUERQUE — Acho que será impossível que os partidos, realmente de oposição, quando vier um projeto antipovo, não se unam para tentar enfrentar um projeto como esse. Então eu vejo dentro do parlamento a possibilidade de se manter unida a frente. Fora do parlamento, eu acho meio difícil. Vamos dizer que o PMDB tome uma iniciativa qualquer para levar às bases populares. Os outros partidos talvez venham a achar que participar disso vai reforçar o PMDB; ou então o PT toma uma iniciativa e o PMDB acha isso também...

ANTÔNIO FLORES — A democracia, para os trabalhadores, tem como ponto fundamental a luta pela liberdade e autonomia sindical, o direito à livre organização nas empresas, a estabilidade para os representantes operários. Os trabalhadores entram numa frente democrática propondo esses pontos, que são mais importantes para eles.

Agora, os liberais, por exemplo, não vão defender essas idéias até o fim, apesar de que muitos deles concordem em geral com isso. Mas se eles lutam até o fim, por exemplo, pela liberdade de organização partidária, eles estão na frente democrática. É claro que seria ingênuo querer que o Severo Gomes, um industrial, tomasse a iniciativa de lutar pela livre organização dentro da fábrica; mas se ele está contra a ditadura, ele está na frente, com a defesa dos pontos dele, que na atual conjuntura tem algo em comum conosco, desde que seja na defesa da democracia.

Uma outra coisa importante, que os trabalhadores têm que exigir, é que todos os integrantes da frente contra a ditadura lutem por uma Constituinte livre e soberana.

d) A Constituinte

Quando começamos esta pesquisa, não foi incluída no questionário uma pergunta específica sobre a questão de uma Assembléia Constituinte. Vários dos entrevistados, entretanto, se manifestaram sobre essa proposta que vem sendo defendida há anos por setores oposicionistas e que em 1980 foi assumida como bandeira por vários dos partidos e organizações civis oposicionistas.

Ao mesmo tempo em que diversos líderes de trabalhadores se manifestavam favoravelmente à convocação de uma Constituinte, desde que livre e soberana, a Convenção Nacional do PT de maio de 1980 não incluiu essa proposta em seu programa. Isso, nas últimas entrevistas, despertou comentários e reações, provocando a inserção de perguntas a respeito.

As perguntas: Você é favorável à luta por uma Assembléia Constituinte? Em que condições? Porque você acha que o PT não a incluiu em seu programa de maio de 1980?

ARNALDO GONÇALVES — É claro que eu sou favorável à luta por uma Assembléia Constituinte. Quanto ao PT, eu acho que a questão da Constituinte não foi bem discutida, não foi bem avaliada por eles. É uma impressão que eu tenho de fora, porque eu não participo das reuniões do PT. E eu acho que é quase certeza que eles vão ter que reavaliar essa questão e defender a Constituinte.

Arnaldo: É quase certeza que eles lá no PT vão ter que reavaliar sua posição e defender a Constituinte.

DJALMA DE SOUZA BOM — O PT fazer uma frente, para se derrubar alguma coisa mais ampla, pode ser. O PT não pode é fazer fusão com o PMDB, com o PTB, por exemplo nesse caso que está agora muito em evidência, da Constituinte; eu acho que não. Não, porque nós achamos que o povo não está preparado. A hora que houver uma preparação do povo para se fazer uma Constituinte, a gente pode fazer uma frente.

Não que seja cedo para se colocar essa questão da Constituinte. Até a gente já está discutindo isso; eu acho que o PT vai ser o partido que vai mais discutir a Constituinte, para que esta Constituinte que o PT pensa, que os trabalhadores pensam, não fique só na vanguarda.

Para se fazer uma Constituinte de cúpula, eu acho que para nós trabalhadores não vale a pena. Não vai adiantar nada, você entende? Primeiramente, para se discutir uma Constituinte, a gente teria que ter um governo provisório, teria que ter eleições diretas em todos os níveis, nós teríamos que acabar com as leis de exceção. Aí sim, nós poderíamos começar a discutir uma Constituinte. Fazer isso agora, com todas as leis de exceção, com a repressão aí, ativa do jeito que está e sem eleições diretas, eu acho que cai no vazio.

O nosso núcleo, aqui em São Bernardo, já fez palestra sobre a Constituinte e o povo está tomando conhecimento disso. Se você perguntar para o povo brasileiro, ele não sabe nada sobre a Constituinte. Quer dizer que cabe à gente dar participação para o povo e dar a oportunidade dele discutir e ele se manifestar favoravelmente, ou contra, ou qual a Constituinte que ele acha que vai beneficiar o povo de uma forma geral. É lógico, se chegarmos em 1982, e o Figueiredo convocar uma Constituinte, eu acho que cabe ao PT mostrar ao povo: esta Constituinte que o Figueiredo está propondo, que as oposições estão colocando, não vai servir em nada para nós; a Constituinte que nós estamos colocando é essa outra aqui; e continuar lutando por uma que beneficie mais o povo.

ENILSON SIMÕES DE MOURA (ALEMÃO) — O problema do PT não querer assumir a luta pela Constituinte está nessa idéia, nesse purismo que o PT tem. Primeiro, é o seguinte: o Lula acha que esse negócio de Constituinte é uma coisa burguesa; o PT é um partido de trabalhador, portanto ele não vai se meter nisso. Mas se você aprofunda a discussão, vem o seguinte: que a Constituição não resolve nada, quer dizer, a Constituinte vai reordenar a sociedade da forma que os patrões desejam, para continuar explorando os trabalhadores; é essa a visão que eles têm, lá.

Eu acho que eles não estão vendo que, se é convocada uma Assembléia Constituinte, vai se dar uma disputa no país, uma disputa política, e nessa briga cada setor, cada segmento social vai entrar com as forças que tem; e eu acho que os trabalhadores já têm uma força e uma expressão para disputar politicamente, não sei se em condições muito vantajosas, mas eu acho que já têm força para disputar uma série de questões dentro de uma Assembléia Constituinte.

JOSÉ PEDRO DA SILVA — Eu acho que a questão da Constituinte interessa aos trabalhadores, só que ela está pegando ainda na elite dos trabalhadores. Ela não pega na grande massa. Isto não quer dizer que você não leve esta questão para o pessoal que começa a participar da política agora. Mas a gente aprovar a Constituinte no programa do PT significava que a gente ia colocar um item de tamanha polêmica que ainda não foi discutido com os grupos de base, você entende? Mesmo na liderança, pouco se discutiu isso daí, sabe; então colocar um troço desses no programa estaria ferindo a democracia de base. Provavelmente, num outro congresso... ou, pode ser até que daqui a 6 meses a gente venha a ter um ponto de vista relacionado com a questão da Constituinte. Mas neste momento a gente não tinha condições de defender isso, embora a gente entende que uma Constituinte democrática e soberana interessa aos trabalhadores. Mas para ela ser soberana e democrática é preciso uma correlação de forças favorável ao próprio movimento popular, e a gente acha que não tem esta correlação de forças ainda.

Agora, eu acho válido que os outros partidos de oposição defendam a Constituinte. Se eles já discutiram essa questão com todo o conjunto do partido, e o partido foi a favor dessa idéia, é evidente que eles têm que defender isso. Só que o PT não poderia, porque ainda não tinha discutido com a base.

Zé Pedro: Uma Constituinte democrática e soberana interessa aos trabalhadores. Mas para isso é preciso uma correlação de forças favorável ao movimento popular.

ANTÔNIO FLORES — Os trabalhadores têm que exigir uma Constituinte livre, democrática e soberana; os seus líderes mais conscientes já estão discutindo isso e estariam dispostos a fazer uma frente com os vários grupos que lutam por uma verdadeira Constituinte. É importante colocar isso agora, porque a gente pode discutir os pontos que os trabalhadores exigem de uma Constituinte, com ampla liberdade de organização, com a possibilidade de livre representação dos trabalhadores nas empresas, com a liberdade de criação da Central Única de Trabalhadores e todas essas coisas.

e) As propostas socialistas

Desde o início do século passado, nas lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida, liberdade e participação nas decisões, se colocam quase sempre propostas que levam o nome de socialismo. Esta é uma herança clássica das lutas operárias nos países que tiveram sua revolução industrial no século XIX, mesmo que essa herança tivesse passado para filhos e netos muito diferentes entre si; realmente as idéias e programas socialistas são enormemente variadas, e mesmo o socialismo real dos países que se assumem como socialistas têm grandes diferenças de um para outro. Em vários países do chamado Terceiro Mundo existem movimentos de trabalhadores sem qualquer proposta socialista e mesmo partidos de conteúdo socialista mas que recusam esse nome. Independentemente dos horizontes estratégicos dos vários partidos que buscam representar os trabalhadores, não há dúvida, porém, que a questão da socialização das riquezas é uma das questões decisivas da democracia. Entre os líderes de trabalhadores brasileiros essa idéia também ocorre, apesar das diferenças de concepção sobre o “socialismo”, ou “socialização”.

Para muitos dos nossos entrevistados, a concepção de socialismo tem relação com alguma forma de propriedade coletiva dos meios de produção ou com a democratização dessa propriedade. Eles se diferenciam bastante quanto à forma e à oportunidade de colocação da questão.

As perguntas: Como alternativa ao regime atual você vê alguma perspectiva de um regime de tipo socialista? Você acha que o(s) partido(s) que se propõem a defender os trabalhadores devem ter um programa socialista?

JOSÉ CUPERTINO DE NOVAES — Um político que seja mesmo um porta-voz dos trabalhadores não só tem que denunciar tudo aquilo que é contra o interesse da classe trabalhadora, mas ter uma discussão do seu programa. Ele precisa ter toda uma avaliação das condições em que vive a classe trabalhadora e daí fazer uma discussão e ter uma avaliação do que seria um governo alternativo, né, no caso da derrubada dessa ditadura que está aí. É uma discussão que se faz por aí, mas que tem muita divergência; alguns acham que deverá se derrubar a ditadura e se constituir um governo democrático, mas que não desaparece a ordem político-social que está aí, quer dizer, que seja um estado de direito em que ainda permanece a ordem jurídica, coisa mais ou menos assim. Enquanto que outros vão mais além e acham que os trabalhadores, mesmo que derrubem a ditadura, mas o sistema de espoliação continua, essa democracia representativa não influi em nada porque antes de existir uma ditadura militar existe uma ditadura quanto ao sistema econômico, né, um sistema que explora o trabalho. Há uma discussão muito grande quanto a isso, porque mesmo que derrubem uma ditadura militar e deixem o estado de direito, na forma tradicional de democracia burguesa, ainda a ordem econômica é explorar a mão-de-obra, é explorar o trabalhador.

Novaes: Antes de existir uma ditadura militar, existe uma ditadura no sistema econômico, que explora o trabalhador.

ARLINDO JOSÉ RAMOS — Eu entendo que no Brasil se formou uma mentalidade anticomunista, anti-socialista, até para justificar a necessidade da existência da chamada “segurança nacional”. E o capitalismo joga com as palavras comunismo e socialismo como se fossem “bichos papões”, para assim amealhar apoio do povo para seu partido, para suas propostas. Mas eu entendo que o programa do PT deve apontar para a democratização não só do poder como da propriedade, fazendo com que os trabalhadores não só participem do processo de produção com o seu trabalho, também a nível de cogestão e talvez, mais tarde, ao nível de auto-gestão; e também participem progressivamente da propriedade. Acho que isto cabe bem dentro do ideário do PT.

SEBASTIÃO ATAÍDE DE MELLO — Qualquer partido que se proponha a defender os interesses dos trabalhadores deve ter um projeto socialista. Claro, porque o socialismo hoje é inevitável. Não adianta ninguém querer dizer que esta oligarquia de hoje é contra o socialismo; amanhã eles vão defender o socialismo como forma de sobrevivência. Haja visto que muitas propostas que antigamente eram consideradas subversivas, hoje o próprio governo que fez uma “revolução” contra a subversão está pondo no seu programa de partido.

Ataíde: Hoje, propostas que eram consideradas “subversivas”, o governo está pondo no seu programa de partido.

CLÁUDIO ALBUQUERQUE PEREIRA DE JESUS — Na situação atual, o partido que representar os trabalhadores, ou que se pretenda representar os trabalhadores, pode ter um programa socialista, ou que aponte para o socialismo. Ah, isso pode ter, o PTB não está dizendo que é socialista? Eu não vejo nada que impeça... eu acho que isso aí não iria interferir negativamente.

Skromov: O PT deixou clara sua visão socialista, ao definir a maneira de obter isso, através de um governo dos trabalhadores.

PAULO SKROMOV DE MATTOS — Eu acho que o PT tem que ter um programa socialista. No momento em que ele se formar como partido, ele vai ter que ter. Não mentindo aos trabalhadores, vai ter que dizer que a única alternativa ao capitalismo é o socialismo. Porém, ele pode escolher o caminho para fazer com que os trabalhadores amadureçam num processo de compreensão do que significa socialismo — ao invés de exigir dos trabalhadores, a priori, para entrar no partido, a adesão ao socialismo. Não há uma tradição no Brasil que permita que nós façamos um partido de trabalhadores exigindo esse compromisso, por parte dos que a ele adiram. Na verdade, o PT deixou clara a sua visão socialista desde o primeiro documento oficial que lançou. Ao definir que o PT luta por toda a forma de não exploração do homem. Ao definir estrategicamente a maneira de obter isso, através de um governo dos trabalhadores, sem representantes de patrão.

IVAN MARTINS VIEIRA — Eu acho que, como programa, um partido que represente trabalhadores pode até visar o socialismo; pode e a meu ver até deve. Agora, como tática política, aí já seria outra coisa. Eu acho que se deve centrar fogo na questão democrática. Que seria, a meu ver, a etapa principal do momento. Eu acho que defender já uma etapa socialista, hoje, não tem sentido nenhum.

IGNÁCIO HERNANDEZ — O que me parece mais certo é que o PT deve apontar para o socialismo, deve caminhar para o socialismo. Se não fosse assim, eu acho que muitos de nós ficaríamos desinteressados dentro do PT. Agora, deve-se fazer isso com um respeito muito grande pela massa trabalhadora, que através de toda propaganda burguesa tem criado um fantasma dentro de suas cabeças sobre socialismo, inclusive sobre comunismo etc.

Eu acho que o partido, na sua liderança, tem que ter as idéias claras para onde caminha, para uma sociedade socialista, para uma sociedade que tem que abolir a propriedade particular dos meios de produção, uma sociedade auto-gestionária etc, essa é a bandeira. Agora a maneira e o momento de levar cada uma dessas idéias socialistas para o seu pessoal de base, isso tem que se ver. Tem lugares em que se fala abertamente de socialismo, como em Cataguases. A Adélia esteve lá e lá todo mundo, a lavadeira, o chofer de caminhão, o tecelão e o pedreiro, eles falam em socialismo; estão falando isso já faz três anos. É um socialismo de maneira muito real, não é social-democracia, eles entendem o que falam. Isso lá, se pode falar, porque aos poucos se criou aquele movimento. Então, me parece o seguinte: que as idéias socialistas explicadas de uma maneira educativa, de uma maneira simples, são idéias que vão ser aceitas muito facilmente. O que eu vejo seria isto: o respeito ao momento de consciência em que a massa está, e uma linguagem tirando todo o chavão, palavras de ordem, que realmente leve de uma maneira educativa, uma maneira que respeite as bases, as idéias socialistas e a prática socialista, as duas coisas.

Djalma: Chegamos ao estágio que chegamos não foi a troco de propostas avançadas não, e sim de propostas “arroz com feijão”.

DJALMA DE SOUZA BOM — Eu acho que a proposta do PT é bem avançada, uma proposta até revolucionária; agora, existem alguns setores que levam suas propostas até... não que sejam propostas radicais, são propostas que com o tempo se vai chegar até lá. A gente não pode dizer que vai partir para o socialismo já, mas o próprio programa do PT já é programa socialista, você entende?

Agora, o grande problema é o seguinte: é desde já você jogar a proposta do socialismo, antes de fazer uma ampla discussão em torno dela. Nós não somos contra essas pessoas que têm propostas muito avançadas; a gente tem bastante prática disto aqui dentro do próprio movimento sindical de São Bernardo do Campo. Mas, se nós chegamos ao estágio que chegamos, não foi a troco de propostas avançadas não. Por isso nós achamos que dentro da proposta do PT, por enquanto você não pode jogar, de imediato, o socialismo para o trabalhador. Você tem que fazer uma edificação, você tem que fazer o alicerce e começar, de tijolo em tijolo, e conversar com os trabalhadores a respeito da proposta do socialismo. Nós achamos que jogar as propostas avançadas de imediato, a gente pode mais uma vez cair no vazio. E a gente ficar aí, mais uma vez, com o povo lá atrás e a vanguarda bem na frente.

O problema é o seguinte: se você juntar quatro trabalhadores, você pode ter certeza que três deles têm uma proposta socialista na cabeça. Agora, sobre isso aí tem que se fazer uma discussão muito ampla e acertar as coisas para se tocar a bola prá frente.


 

©2008 Ricardo Maranhão

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Junho 2008

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