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Advento da Ditadura Militar no Brasil

Visconde de Ouro Preto

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Advento da Ditadura Militar no Brasil - 1891
Visconde de Ouro Preto
(Afonso Celso de Assis Figueiredo – 1836-1912)

© 2016 Visconde de Ouro Preto
Versão para eBook
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Fonte Digital base
Edição de 1891
Imprimerie F. Pichon, Rue de Soufflot,24, Paris

Atualização ortográfica e edição
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Índice

 

•INTRODUÇÃO
•Manifesto do visconde de Ouro Preto aos seus concidadãos
•Resposta ao marechal visconde de Maracaju
•Resposta ao conselheiro Cristiano B. Otoni
•ANEXOS
•Carta do primeiro ministro do interior sobre a atitude do povo na proclamação da República
•Artigo do Tempo, Jornal de Lisboa
•Contestação do marechal visconde de Maracaju
•Primeiro discurso proferido pelo visconde de Ouro Preto na sessão da câmara dos deputados de 11 de Junho de 1889
•Segundo discurso na mesma sessão
•Notas


 

ADVENTO
DA
DITADURA MILITAR
NO BRASIL

 

PELO
VISCONDE DE OURO PRETO


 

 

I

 

Viso duplo objetivo reproduzindo neste volume o Manifesto publicado no Comércio de Portugal, acerca da sublevação militar de 15 de novembro de 1889, que derrubou a monarquia brasileira, e fazendo-o acompanhar das respostas oferecidas às poucas contestações que suscitou:

1° Expurgá-lo de incorreções que escaparam na primeira impressão apressadamente concluída, juntando-lhe em confirmação notas extraídas de documentos vindos posteriormente ao meu conhecimento;

2° Facilitar a realização do intuito principal a que ele se propunha, isto é, habilitar meus concidadãos a julgarem com perfeito conhecimento de causa o procedimento do governo, naquele dia deposto pela força pública amotinada.

Ordinariamente os jornais perdem-se ou consomem-se ao cabo de algum tempo; o mesmo não sucede com um livro.

Ainda no legítimo interesse de que não chegue somente aos vindouros a versão de meus adversários sobre tão importantes acontecimentos, ocupar-me-ei em poucas linhas, à maneira de prefácio, de vários pontos que não foram tratados nos precedentes escritos, e convém elucidar.

Tanto é necessário para que justiça inteira se faça a vencedores e vencidos.

 

II

 

Embarquei no dia 19 de novembro por deliberação do governo provisório, no vapor alemão Montevidéu, surto no porto do Rio de Janeiro, com destino a Hamburgo e ordem expressa de não tocar em porto algum do Brasil.

No dia quatro de Dezembro O País, órgão do ministro das relações exteriores, deu na coluna editorial a seguinte notícia:

Deportação.

«Atendendo a razões de ordem pública do mais elevado caráter, deliberou o governo provisório que tivessem residência obrigada na Europa, durante algum tempo, os dois eminentes chefes políticos Srs. Gaspar Silveira Martins e Visconde de Ouro Preto.

Esta medida não tem caráter odioso porque não exprime espírito de vingança ou de perseguição, nem tampouco receio da suposta influência dos dois referidos cidadãos.

Ela significa apenas, que o governo provisório continua a preocupar-se seriamente com a manutenção da ordem pública, removendo prudentemente todos os elementos que podem concorrer para perturbá-la, tornando necessário o emprego da força.

A gloriosa revolução consumou-se de modo tão auspicioso e brilhante, que por lamentável que seja o constrangimento imposto aos dois eminentes cidadãos, devemos reconhecer que acima de tudo devem ser colocadas a paz pública e a conservação da ordem.»

Assim, éramos deportados o Sr. Silveira Martins e eu, não por vingança ou perseguição, nem porque temesse o governo provisório a influência que pudéssemos ter, mas unicamente para não se ver obrigado a empregar a força na manutenção da paz pública.

Ora, se a revolução se consumara auspiciosa e brilhante e não tínhamos influência, como afirmava a declaração oficial, razão não havia para nos expelirem do país, tanto mais quanto nossos antecedentes não autorizavam suspeitas de que promoveríamos a desordem.

Maiores surpresas, porém, me estavam reservadas pela justiça sumária da ditadura, que se organizou para restaurar a liberdade da minha pátria.

 

III

 

Não me permitiram sofrimentos da família fazer a travessia até Hamburgo. A conselho do médico de bordo fiquei em Santa Cruz de Tenerife, onde permaneci de três a dez de dezembro, tomando então passagem para Lisboa, em cuja barra entrei na noite de 13. Desembarquei no dia imediato.

Aproveitando a demora no porto de escala escrevera o Manifesto e apenas chegado àquela capital curei da impressão.

Havia ali certo grupo que almejava recomendar-se às boas graças do governo provisório e supunha consegui-lo com maior facilidade simulando serviços importantes, quais os de denunciar as tramas e maquinações do deportado e comunicar seus revezes.

Daí uma série de telegramas inverídicos e malévolos, expedidos para o Rio de Janeiro e tendo por objeto os meus atos, pensamentos e palavras.

Avulta entre eles o que assegurou ter sido por mim alterado o Manifesto, em vista da resposta antecipada recebida do ministro da fazenda, assim como que o submetera à censura de S. M. o Imperador, o que é tudo absolutamente falso, como já o disse uma vez.

A resposta prévia do ministro da fazenda consta do seguinte telegrama, que transcrevo do Século de 19 de dezembro, véspera, note-se, da publicação daquela minha narrativa no Comércio de Portugal:

 

«Rio, 18 às 12 e 45, t. — Latino Coelho, redação do Século, Lisboa — Saudamos e agradecemos os seus grandes serviços à causa dos Estados Unidos do Brasil.

Temos aqui em telegramas algumas noções do manifesto do Visconde de Ouro Preto. É um documento indígno que caracteriza o seu autor, que recompensa assim a generosidade da revolução, a qual salvou-lhe a vida. Caluniando, ele diz ter estado em risco de ser fuzilado na prisão. Quem o impediria se o governo provisório quisesse fazê-lo? Com insigne falsidade acusa de traição o visconde de Maracaju, seu colega no gabinete, calúnia tão palmar esta, que esse general foi reformado por nós, logo em seguida à revolução como traidor ao exército e à Pátria.

Diz serem fúteis os motivos da revolução. Entretanto esses motivos produziram tamanho resultado e obtiveram assenso tão universal no país, que os partidos liberal e conservador declararam-se dissolvidos. Os jornais desses partidos cessaram a sua publicação; apenas resta um órgão de Ouro Preto, intérprete das paixões pessoais desse estadista, que afirma que se as suas reformas se tivessem realizado obstariam à revolução. Ora foi justamente da oposição às suas reformas, feita no Diário de Notícias e no País, apoiados pela imprensa federal e republicana, que se produziu a revolução, gerada pelas aspirações federais, que o ministério Ouro Preto planejava esmagar.

Esse papel foi escrito para iludir a Europa. Ouro Preto é abominado no Brasil onde acabava de eleger uma câmara unânime, a poder de uma reação e corrupção inauditas num eleitorado altamente censitário. A ideia de restauração é sebastianismo ou ignorância de especuladores ou tolos.

D. Pedro está sendo explorado pelos antigos diplomatas imperiais. As pretenções à ingerência das monarquias europeias no Brasil são simplesmente ridículas. A república brasileira terá por si a aliança ofensiva e defensiva da América inteira. A prosperidade nacional cresce. A comissão nomeada pelo governo organiza o projeto de constituição. Outra comissão elabora o regulamento eleitoral. Esta semana será decretada a liberdade de cultos e o casamento civil. Paz absoluta. Candidaturas de Ouro Preto e seu filho recebidas com desprezo. Situação financeira segura.»

Rui Barbosa, Ministro da fazenda.

 

Não farei comentários sobre a singular compreensão que manifesta o ministro da fazenda da ditadura acerca dos deveres que a esta incumbem para com as potências amigas, quando, em vez de dirigir-se aos representantes do Brasil em Lisboa, corresponde-se oficialmente com o chefe do partido republicano de Portugal que, demais, pertence ao exército.

Dexarei de parte os inconvenientes, que de tais práticas podem advir para as relações internacionais e ainda a posição esquerda e somenos em que elas colocam os diplomatas brasileiros.

Quero, apenas, que os meus concidadãos apreciem os gratuitos insultos contra mim lançados pelo ministro da fazenda e que cotejem o telegrama destinado ao Século, com o que foi inserido no Jornal do Comércio de 21 de dezembro e vai em nota (1).

Perante o estrangeiro a quem eu viera pedir hospitalidade ele carrega-me a mão; na presença dos nossos compatriotas, que nos conhecem e dariam aos seus conceitos o devido valor, não se mostrou tão rigoroso. Apuro de gentileza e cavalheirismo!

Declara o ministro da fazenda que a minha candidatura foi recebida com desprezo. Não vale a pena discutir por que meios maravilhosos pôde assim conhecer, instantaneamente, o Sr. Barbosa as manifestações do espírito público, reveladas em lugar não sabido, e sobretudo a propósito de fato que não ocorreu, pois não me apresentei candidato por parte alguma.

Não foi o telegrama de 18 de Dezembro, em duas edições, a única prova da correção e gravidade do ministro da fazenda, recebida pelo fio elétrico.

O Século de 26 do mesmo mês oferece mais esta:

«São falsas as afirmações de Celso dizendo que o Diário de Notícias e o País aconselhavam o exército à revolta; é falsíssimo; pelo contrário sempre buscámos mostrar que o exército era aferrado à disciplina que o governo quebrava com as violações grosseiras da lei contra a classe militar. A revolução foi a reivindicação da legalidade contra a prepotência do governo. Obrigado a V. pelo telegrama. Desconfiem aí dos noveleiros.» Rui Barbosa.

 

Os leitores do Diário de Notícias e do País, a quem não escaparam as longas séries de artigos excitando o exército contra o governo e concitando-o a faltar ao dever militar, pasmarão ante o desembaraço com que o ministro da fazenda afirma, — que jamais as duas folhas recorreram a tais embustes e manobras.

 

IV

 

Não eram decorridos oito dias depois do meu desembarque em Lisboa, quando o cabo telegráfico anunciou o motim do quartel de S. Cristovão, promovido por algumas praças de artilheria, e as medidas de rigor que então entendeu tomar o governo provisório, entre as quais, segunda deportação imposta ao Sr. conselheiro Gaspar da Silveira Martins, o meu banimento, bem como de meu irmão o conselheiro Carlos Afonso de Assis Figueiredo, e sua prisão na fortaleza de Santa Cruz.

Até hoje ignoramos o que realmente houve no quartel de S. Cristovão, pois à imprensa já não é lícito dar notícias completas sobre os acontecimentos que ao público mais interessam. Ainda menos sabemos qual a responsabilidade que nos atribuíram em tais sucessos, que segundo parece determinaram o decreto de banimento.

Só em princípio de janeiro pude conhecer-lhe o texto, que obrigou-me à seguinte reclamação publicada no Comércio de Portugal de 14 daquele mês e transcrita na Gazeta de Notícias de 6 de fevereiro.

 

«Lisboa, 12 de Janeiro de 1890.

Sr. Redator,

A V. Exa., que tão gentilmente me tem dado hospitalidade nas colunas de seu ilustrado jornal, peço ainda a publicação das seguintes linhas.

Nas folhas do Rio de Janeiro, trazidas pelo paquete Orotava, encontrei o texto do decreto, que baniu meu irmão Conselheiro Carlos Afonso de Assis Figueiredo e a mim do território brasileiro e do qual já havia notícia telegráfica. Nada articularei com relação ao banimento. Vencido ou antes traído, a 15 de novembro p. p., declarei, confiando na justiça do futuro, que submetia-me à força e aguardava resignado a sorte que me destinassem.

Corre-me, porém, estrito dever de reclamar contra alguns dos fundamentos em que se baseia o ato do governo provisório.

Diz-se no referido decreto:

Considerando...

Que por atos positivos e manifestações públicas deprimentes do caráter nacional e infensos à ordem da política estabelecida pelo pronunciamento da opinião nacional, alguns cidadãos procuram fomentar, dentro e fora do Brasil, o descrédito da pátria, por agitações que podem trazer a perturbação da paz pública, lançando o país às contingências perigosas de uma guerra civil;

Que por mais constrangedora que seja a necessidade de recorrer a medidas rigorosas das quais resultem limitações ao princípio da liberdade individual, não se pode contudo subordinar o interesse superior da pátria aos interesses individuais dos inimigos dela;

Ficam banidos do território nacional etc...»

 

«Perante os meus concidadãos e o mundo civilizado, protesto contra os qualificativos que me são atribuídos e aos meus companheiros de infortúnio. Honramo-nos muito em ser brasileiros e jamais, em caso algum, nos seria possível deprimir o caráter nacional, promover agitações nocivas à paz pública, ou ao crédito de nossa pátria, que prezamos acima de tudo.

Condenem-nos embora, persigam-nos e aos nossos quanto lhes aprouver; mas não nos caluniem.

De passagem notarei quão curioso é tomarem-se medidas de tamanho rigor, contra um homem que em telegrama oficial se declarou ser abominado no Brasil, onde sua imaginária candidatura fora recebida com desprezo.

Visconde de Ouro Preto».

 

Confirmo o solene protesto que então lavrei, em meu nome e no de meu irmão, e estou certo de que os nossos concidadãos hão de acolhê-lo, e secundá-lo, pois a todos os corações brasileiros revoltará a injustiça de qualificar-se como inimigos da pátria aqueles que sempre se desvelaram, até o sacrifício, pelo seu engrandecimento e prosperidade.

A Ditadura pode muito, pode tudo mesmo, graças aos canhões e baionetas em que se apoia, menos roubar-nos os foros de bons brasileiros, conquistados pelo trabalho assíduo e honrado, pela dedicação sem limites ao serviço da terra em que nascemos.

Segundo comunicação do ministro da fazenda ao Século e dessa vez também ao representante brasileiro em Lisboa, as ocorrências do dia 18 de Dezembro não tiveram importância alguma. Eis o que a tal respeito telegrafou o Sr. Barbosa e encontra-se nas gazetas de 27:

 

«Rio, 20, às 12. t. — Latino Coelho. — Lisboa. — Por telegramas vemos que infelizmente não há especulação de noveleiros que não encontre crédito na Europa, contra nós, por mais que a previnamos contra esta espécie de conspiração. É falsa a notícia de revolta dos corpos de artilharia. Apenas houve um motim de alguns soldados, que logo foi reprimido; esse fato aumentou aqui a confiança no governo, mostrando estar ele armado de recursos prontos e decisivos para sufocar qualquer perturbação da ordem.

É falso haver agravação da doença do general Deodoro; pelo contrário, as suas melhoras da moléstia antiga crescem. O médico assistente acredita certa a sua cura. Em todo o caso a sorte da revolução hoje é aceita pelo país inteiro e não depende da contingência da vida de um homem, por muito preciosa que seja. No exército mesmo a revolução conta outros chefes de altíssimo pestígio e não menos dedicados a ela. Todas as opiniões políticas aqui abraçaram com entusiasmo o prazo da convocação da constituinte, considerando definitivamente firmada por esse ato a segurança da república. Desconfiem dos noveleiros. — Rui Barbosa.»

 

Dando-se crédito antes ao Sr. Cristiano Otoni(2) do que ao ministro, alguma coisa houve de muito sério e grave no dia 18 de dezembro, pois S. Exa. assevera, que em consequência desses acontecimentos foram condenados cinquenta e tantos soldados e inferiores, dentre os quais dez à pena de morte, comutada em galé perpétua ulteriormente.

Em todo o caso, que coparticipação tiveram nesses sucessos os cidadãos fulminados pelo decreto de 21 de dezembro? Eu, semanas antes, pisara terra estrangeira; o Sr. Silveira Martins também esteve preso desde a revolução ou vigiado; pelo que toca ao Sr. Carlos Afonso é evidente que, se algum indício ainda que ligeiro e remoto contra ele resultasse do inquérito rigoroso, a que se procedeu, não se contentariam de baní-lo os que depois disso ainda o detiveram 21 dias numa fortaleza. Como quer que seja, neste fato se contém a demonstração eloquente das condições a que reduziu o Brasil a revolução de 15 de novembro, assim como na significativa circunstância de que uma única folha ousou arriscar tímidas observações acerca de tão descomunal violência, contra um cidadão encanecido ao serviço do país. Outrora, nos nefastos tempos da monarquia, quando era apanhado em flagrante qualquer turbulento, gemiam os prelos, a autoridade via-se obrigada a dar explicações a todos os jornais e não faltava quem requeresse e obtivesse imediatamente em favor do detento a salvadora providência do habeas corpus.

 

V

 

Depois de publicado o Manifesto, tive conhecimento de uma queixa mais do exército. Ignoro se efetivamente constituiu ela uma das causas que determinaram a sublevação de 15 de novembro, ou se foi lembrada post factum como justificativa.

Acontece isso frequentemente no mundo moral. Consumado um atentado, sua enormidade patenteia-se aos olhos de quem o praticou, já desanuviados das paixões, e então a consciência aflita busca explicá-lo por motivos diversos dos que realmente atuaram.

Para maior edificação dos leitores trasladarei literalmente a nova razão invocada em abono da revolta. Disse o tenente coronel Jacques Ourique no seu escrito, intitulado — A Revolução de 15 de novembro:

 

«Em vista da atitude assumida pelo exército provocada pela inépcia administrativa do poder, o gabinete João Alfredo em vez de procurar corrigir franca e patrioticamente os erros de seus antecessores, preferiu lançar mão da perfídia, fazendo sair da corte, sob um pretexto que não podia ser recusado, o general Deodoro da Fonseca com uma forte expedição para a longínqua província de Mato Grosso.

Naquela província, o general sempre correto, escravo do dever, dava completa e satisfatória execução à missão que lhe fora incumbida, quando constituído o gabinete Ouro Preto, recebeu bruscamente, sem a menor atenção a seu alto cargo e aos muitos serviços que ele prestara ao país, ordem de regressar com as forças para a corte.

Esta inepta e descabida provocação foi agravada com a nomeação para a presidência daquela província de um oficial de péssima reputação militar, instrumento maleável dos inimigos do General, e que além disso tinha propalado na corte, e no Rio Grande do Sul, o boato de que o chefe das forças em observação em Mato Grosso tinha sido assassinado pelas próprias tropas que comandava, devido à falta de disciplina que não pudera manter.»

 

O agravo, portanto, a provocação inepta e descabida ao general baseia-se em dois pontos: dissolução da coluna expedicionária de Mato Grosso e nomeação de presidente para essa mesma província.

Ora, se a missão dada ao general Deodoro, sob pretexto que não podia ser recusado, fora um ato de perfídia do gabinete anterior no ministério de 7 de junho, este, mandando-o recolher ao Rio de .laneiro, deveria ser-lhe agradável e não odioso, por quanto fazia-o regressar ao ponto de onde houvera sido ardilosamente afastado. A volta para a corte corrigia o embuste em virtude do qual dela se ausentara. Isto é claro.

Eis como no afã de endeusá-lo, os entusiastas do general por vezes o comprometem, atribuindo-lhe sentimentos e atos incompatíveis com o simples bom senso! A dar-lhes crédito o ídolo seria a inconsequência personificada. Assim neste caso: sob um falso pretexto fazem-no seguir para longínqua província. Ele, ainda que não se deixasse enganar, obedece, parte e não se queixa. Mas ao governo que de tal estratagema usou sucede outro, que o desmancha, recolocando o general no ponto de onde o obrigaram a sair.

S. Exa. ofende-se só então; toma o fato como uma provocação e reage! Preferiria continuar vítima da perfídia, numa comissão ilusória?! Bem se vê quão desarrazoada é semelhante queixa.

Fui informado de que os meus antecessores não tiveram em vista pôr entre si e o general Deodoro a grande distância, que vai do Rio de Janeiro a Mato Grosso, mas tão somente confiar comissão que julgavam indispensável e importante a um chefe brioso, que contava simpatias no exército. O fim da expedição foi impedir que aquela província sofressse uma invasão e se convertesse em teatro de luta entre nações vizinhas, dado o rompimento de hostilidades entre a Bolívia e o Paraguai, que se supunha iminente.

As duas repúblicas, porém, acomodaram-se e resolveram liquidar pacificamente as suas questões, desaparecendo o receio daquela eventualidade, que realmente seria grave. Por outro lado, a permanência das forças em paragens tão remotas ocasionava grandes despesas e reclamações havia por falta de recursos no acampamento. O ministério ordenou que regressassem, que viessem do sertão para a capital, isto é, a um tempo aliviou-as e ao tesouro público de sacrifícios ingentes. Eis a provocação!!

Mas diz o escritor: a ordem foi brusca e não se teve em conta o alto cargo do general. Como deixaria de ser brusca e atenderia ao alto cargo? Em primeiro lugar, a consulta era desnecessária visto já não existirem as razões que determinaram a expedição. O aviso prévio, assim como a mesma consulta, consumiria muitos meses, atenta a imensa distância, conseguintemente prolongaria e agravaria os inconvenientes que se procurava remover — despesa desnecessária e sofrimento das tropas. Demais, que governo, digno desse nome, julgou-se jamais obrigado a avisar previamente seus subordinados, o que equivale pedir-lhes licença, das resoluções que entende tomar no interesse do serviço público?!

Ao general não se marcou prazo para recolher, teve comunicação de que a expedição estava terminada, cumprindo regressar quando se oferecesse oportuninade.

Embarcou quando quis, e veio, note-se, conservando os vencimentos e honras de comandante em chefe. Não se podia fazer mais.

Não se atendeu aos seus grandes serviços. Quais? Os da guerra do Paraguai foram em tempo e devidamente remunerados. Os da expedição? Estes só podiam ser aquilatados, conhecido o que nela ocorrera. Para isso foi o general convidado a escrever um relatório, que não chegou a apresentar.

Quanto à nomeação para presidente da província de Mato Grosso de um oficial seu inimigo, expor a arguição, é quanto basta para patentear a subversão completa de todos os princípios que lavrava, não direi no exército, mas em grande parte dele. Pretender que o governo julgasse interdito distinto brasileiro cujo préstimo queria aproveitar, só pela inimizade, aliás ignorada, de um general, por mais elevadas que fossem sua patente e importância, é o cúmulo das exigências impertinentes e inadmissíveis.

Na hipótese de ser notória essa inimizade, que aliás não o era, (pelo menos para o presidente do conselho) e se o posto a que foi chamado esse oficial entendesse com a missão do general, os atritos que daí poderiam resultar para o serviço aconselhariam talvez a escolha de outro. A missão do general, porém, estava finda, ele ia deixar a província. Que inconveniente havia em que o suposto adversário fosse presidí-la? Porque, pois, não aproveitá-lo para um cargo, que estava perfeitamente habilitado a desempenhar?

E não refletem no triste futuro que para si mesmos preparam os que elevam a desafeição, justificada ou não, das grandes patentes à categoria de obstáculo à carreira militar de seus camaradas!

Se me fora lícito dar conselhos aos que se incumbem de explicar a atitude assumida pelo exército no dia 15 de novembro, dir-lhes-ia, por amor da própria corporação, que atribuíssem-lhe outros móveis e outros intuitos, que não os até agora manifestados. Esses não podem calar na consciência nacional.

 

VI

 

Não quis o ministro da fazenda do governo provisório que chegasse a seu termo o ano de 1889, sem desfechar no regime decaído golpe que supôs ser o mais decisivo.

Publicaram os jornais de 31 de dezembro extenso relatório seu, ao qual pôs por epígrafe — A fazenda nacional em 15 de Novembro de 1889, destinado como declara a oferecer ao país o quadro dos erros e abusos do antigo sistema, e ao mesmo tempo convencê-lo de que em matéria de finanças a república só encontrara dificuldades, compromissos e exigências imperiosas. Excusado é dizer que ao ministério 7 de junho lançou a principal responsabilidade do tristíssimo espólio. O quadro foi desenhado trabalhosamente; no gênero diatribe é um primor. Tudo quanto se fez sob a monarquia e especialmente sob o último gabinete, foi disperdício, falácia, torpeza e corrupção; tudo revela falta de tino, de proficiência, escrúpulos e patriotismo.

A nação estava à borda de um abismo;... porém felizmente possui recursos imensamente superiores às suas necessidades, e a república chegou a tempo de evitar a catástrofe. Mais um minuto e tudo se precipitaria no antro medonho e insondável!

Não há originalidade nisto; mas traço caraterístico de uma seita partidária, que contou e conta numerosos adeptos em todas as épocas e em todos os países.

Depois de analisar-lhe a índole e os habituais processos que, não admitindo no antagonista sequer a possibilidade de erro de apreciação, a induzem a enxergar sempre na opinião infensa perversidade e crime, a não discutir, mas condenar; a criar para seu uso exclusivo direito diferente do que aos demais assiste; a suprimir o adversário se lhe opõe dificuldades; a nunca julgar-se com liberdade bastante, descobrindo nos outros liberdade em excesso; e, finalmente, a bradar contra o despotismo quando não pode exercê-lo, praticando-o em larga escala, quando lhe aproveita; fazendo assim profundo estudo psicológico político dessa escola, termina ilustre publicista com a seguinte observação:

 

«A constituição intelectual do jacobinismo não lhe deixa descortinar a verdade, porque ele coloca invariavelmente entre si e os homens ou fatos que pretende julgar, uma ideia preconcebida, ou um ódio implacável. Desde que saindo das maquinações subterrâneas exibe-se à luz do sol, — como as aves da noite, nada vê.»

 

Ocorreram-me esses conceitos ao ter o relatório de 31 de Dezembro. O quadro é trágico e guardou todos os preceitos professionais, mas ainda assim não pôde ocultar a verdade, que dele mesmo transparece, e foi isso que ao autor não deixou perceber sua constituição intelectual. Quis provar que a república só encontrara dificuldades financeiras; conseguiu apenas demonstrar que o império legou-lhe, pelo contrário, situação próspera e segura.

Apesar de amordaçada, a imprensa brasileira deu-lhe o justo valor pelo órgão de um de seus mais hábeis polemistas. No estrangeiro e especialmente nos países que sendo credores do Brasil, ou mantendo com ele extensas relações comerciais, estudam os seus negócios com cuidado e seriedade, o efeito produzido foi exatamente o inverso do que visava o ministro da fazenda.

 

VII

 

Mostrarei com os próprios dados do célebre relatório, que a república achou o tesouro nacional provido de meios abundantes para ocorrer a todos os compromissos, e necessidades do estado.

Efetivamente, que despesas havia a saldar até à liquidação do exercício?

 

1° As ordinárias da manutenção dos diversos serviços, orçadas em

40.000 contos

2° Parte exigível da dívida flutuante calculada em

7.840 contos

3° Prestações a que o tesouro se obrigara para auxiliar a lavoura e que não poderiam, em caso algum, elevar-se a mais de

59.830 contos

4° Compra de prata para cunhagem de moeda

2.993 contos

5° As despesas extraordinárias para socorro às vítimas da seca, que depois estimarei

_________

110.085 contos

 

Excluindo, pois, a última parcela, em 111.000 contos cifra redonda, computava-se a despesa máxima até liquidar-se o exercício(3).

Mas, não só há o acréscimo indicado, senão deduções a fazer-se nessa quantia.

Nos 7.840 contos de dívida flutuante estão contemplados 4.500 contos, importância do papel moeda resgatado pelo Banco Nacional, que seria paga, não em dinheiro, mas em apólices de um conto de réis, ao par, e juros de 4% ao ano. Conseguintemente, apenas esse juro, correspondente a um semestre, ou 90 contos de réis, deveria ser contado, abatendo-se a diferença — 4.410, o que reduz desde logo os 111.000 contos a 106.590; digamos 107.000.

Os 59.850 contos para auxílios à lavoura teriam de ser dispendidos em prestações, à proporção que os bancos, com os quais o governo contratara tais auxílios, empregassem nos empréstimos 26.150 contos já recebidos com o mesmo fim, além de soma igual de suas carteiras, na forma estipulada.

Ora, tais operações de sua natureza são morosas, dependendo da apresentação de documentos, do exame das propriedades, sua avaliação, etc.; e ainda que se houvesse procurado simplificar e facilitar todas essas diligências, fora de dúvida era que, até liquidar-se o exercício, como os fatos vieram comprovar mais tarde, não teria o tesouro de desembolsar a quantia total. Levá-la-ei, entretanlo, em cálculo, para com todas as concessões argumentar na pior hipótese.

Temos, pois, a despesa de 107.000 contos e mais a dos socorros às províncias assoladas pela seca. Não avalia o relatório a quanto subiria esta verba e portanto é mister conjecturá-lo.

No mês de novembro, segundo as últimas notícias, a intensidade do flagelo ia diminuindo; já havia chovido em algumas localidades, e, executando as instantes recomendações do governo, os presidentes das províncias reduziam consideravelmente os socorros e conseguintemente as despesas. Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, por exemplo, cessariam completamente em pouco tempo.

Sem embargo, admitirei que essas despesas continuassem em proporção avultadíssima. Do começo do ano a novembro abriram-se para elas créditos extraordinários no valor de 18.000 contos, que nem todos estavam gastos.

Tomarei soma igual para os socorros prestados de 15 de novembro a 30 de junho, o que é manifestamente exagerado. Acrescendo tal soma aos 107.000 contos já apontados, vê-se que a despesa máxima não excederia de 125.000 CONTOS DE RÉIS.

 


 

Examinemos agora os recursos de que podia dispor o governo provisório. O próprio ministro da fazenda assim os enumera:

Saldo em dinheiro existente no tesouro: 7.522 contos

Saldo em dinheiro no Banco Nacional do Brasil: 2.672 contos

Saldo em dinheiro na agência financeira de Londres: 21.362 contos

Quantia enviada para compra de prata nos Estados Unidos: 2.995 contos

Renda a arrecadar até ao fim do exercício: 28.000 contos

Produto do empréstimo de 1889 a realizar-se até abril de 1890: 65.000 contos

Total: 127.551 contos

Assim, para o dispêndio máximo, grandemente improvável, de 125.000 contos, havia recursos seguros e disponíveis no valor de 127.000.

Mas não era só isso. Outros e abundantes existiam, outros acautelara o ministério, e foram omitidos no relatório, afim de carregar o quadro de ruínas amontoadas pela monarquia.

Com efeito, em virtude de convenções antigas, que datavam de 1879, ao tempo em que geria a pasta da fazenda o presidente do conselho do mesmo gabinete de 7 de Junho, podia o governo retirar do Banco do Brasil a soma de 10.000 contos pelo crédito ali aberto em conta corrente. Podia ainda mais, e por contrato firmado por esse ministro, depois de junho de 1889, levantar em condições idênticas 5.000 contos no Banco Nacional; e, finalmente, podia sacar a descoberto sobre a Europa até cinco milhões de libras esterlinas, importância do crédito que negociara e conseguira abrir, logo que assumiu a administração do país, crédito válido por dois anos.

Portanto, as dificuldades, os compromissos, as exigências imperiosas, que o abominável último ministério da não menos abominável monarquia legou à república, consistiam em recursos prontos, reais, efetivos para toda a despesa possível, calculada com grande exagero até junho de 1890 e um saldo superior a 61.000 contos de réis!!!

E cumpre acrescentar, que poucos dias antes da revolução, realizara o governo em condições vantajosíssimas a conversão da maior parte da dívida externa, conseguindo economia superior a 3.800 contos de réis na despesa anual.

Se tudo isto, se o crédito público fortalecido, se a cotação dos fundos do estado em alta, o amplo desenvolvimento do comércio e das indústrias e a renda em escala ascendente não constituíam situação financeira animadora e próspera,— eu não sei que país do mundo possa ufanar-se de tê-la jamais alcançado.

Não sustentarei que as finanças do império foram sempre modelo de ordem, prudência e sabedoria. No largo período de quase meio século, cometeram-se erros e disperdícios. Não podia deixar de ser assim. Muito antes de aparecer na cena política o autor do relatório, eu os assinalava na imprensa e na tribuna do parlamento, advertindo que era preciso corrigi-los e indicando os meios que para esse fim pareciam mais acertados.

Desses erros e disperdícios, inevitáveis sobretudo nos países novos, que têm de pagar o tributo da inexperiência, para as exagerações odientas do relatório, vai imensa distância, que todos os espíritos refletidos, podem medir com facilidade. A despeito de tudo, a verdade é que a administração financeira do Brasil entrava em paralelo com a dos países mais adiantados, distinguindo-se por uma feição característica, que lhe fazia a maior honra,— escrupulosa fidelidade no desempenho dos compromissos nacionais. Dever-se-ia ter feito melhor, mas o que se fez não merece os apodos violentos do relatório. A prova desta asserção está na confiança que sempre inspirou o Brasil aos capitalistas estrangeiros, que não têm condescendências, julgam com severidade, mas sem preconceitos e sem paixões.

 

VIII

 

Adicionando dívidas de natureza diversa, de juro vário e em todas relativamente módico, umas exigíveis em prazos mais ou menos longos, outras sem vencimento obrigado, e, conseguintemente, não podendo criar dificuldades e dando ao país folga para o resgate sem sacrifícios, pretendeu o ministro da fazenda gravar na mente popular frases de efeito impressionista contra o regime decaído, escrevendo: — avantaja-se a um milhar de contos de réis o débito nacional, que nos deixou em herança a monarquia!

O débito do Brasil é considerável, porém enormemente maior é o patrimônio do estado, constante do vasto e ubérrimo domínio nacional, de riquezas naturais imensas, de magníficos estabelecimentos que possui, de estradas de ferro, de telégrafos que formam já extensa rede, dos grandes capitais assim empregados e progressivamente reprodutivos.

Não seria, portanto, preciso, como afirma o relatório, superpor sete orçamentos, calculada a receita anual em 150.000 contos, para vencer a altura das responsabilidades do estado. Fosse mister vencê-la de pronto e não careceríamos de tamanho prazo, pois que a própria receita unicamente está longe de ser estacionária e avoluma-se de ano para ano.

Segundo tão singular sistema, para atingirem a altura do seu débito maiores superposições haveriam de empreender as nações mais adiantadas e prósperas. A França necessitaria de amontoar mais de oito orçamentos, a República Argentina quase nove e a Grã Bretanha nada menos de 207 (4)! Cálculos desta natureza são infantis.

O débito nacional é grande; mas a sua maior quota resulta de causas fatais, de força maior e inelutáveis. Não se visse o império compelido, para defender a integridade e a honra do país, a gastar 600.000 contos com a guerra do Paraguai; não se visse forçado a despender 80.000 para atenuar os horrores da calamidade, que por duas vezes em dez anos assolou a zona do norte e esse milhar de contos que representam os seus compromissos, estaria reduzido a quantia insignificante, fora de toda a proporção com as que oberam outros estados, comodamente resgatável pela alienação de mínima parte do seu patrimônio. Apesar desse débito, ainda é o brasileiro um dos povos menos sobrecarregados de impostos.

Proposições como as que acabo de pulverizar quadram indubitavelmente aos intuitos de panfletistas intransigentes, que a todo o transe procuram agitar as multidões e arrastar as massas ininteligentes, mas destoam da gravidade e correção que devem revestir os escritos de um homem de estado, que fala em nome do seu país.

O império não foi a ruína, foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve íntegro, tranquilo e unido território colossal; converteu um país atrasado e pouco populoso em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul americana, considerada e respeitada em todo o mundo civilizado, fator eficiente da civilização moderna, uma de suas mais sólidas garantias no futuro. Aos esforços do império, principalmente, deveram três povos vizinhos o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante; o império foi generoso sempre com seus adversários, protegeu-os muitas vezes; ninguém proscreveu, aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil glórias imorredoras, paz interna, ordem, segurança, e, mais que tudo, liberdade individual, como não houve jamais em país algum. Se teve erros, resgatou-os nobremente, por serviços sem conta, por desinteressado e inexcedível patriotismo.

Oxalá possam fazer tanto os que além de derrubá-lo para sobre seus destroços erguer a ditadura militar, tentam arrastá-lo pelas gemônias da história! Mas tentam em vão. Veritas super omnia. Na consciência universal há de erguer-se um brado poderoso contra a justiça postergada.

 

IX

 

Tanto a imprensa do governo provisório, como os que intentam captar-lhe as boas graças, não cessam de responsabilizar os exilados por tudo quanto de desagradável se passa na Europa, relativamente à nova situação do Brasil.

São eles que transmitem notícias prejudiciais à república, são eles que escrevem artigos desfavoráveis e por seus manejos promovem a baixa dos fundos, a queda do câmbio, e o retraimento dos capitais. Em uma palavra, os exilados agitam-se em indefessa conspiração, sendo o mais culpado o chefe do ministério deposto a 15 de novembro.

Estas increpações obrigaram-me já a formular a seguinte reclamação que reproduzo:

 

«Sr. Redator do Jornal do Comércio — Dos jornais brasileiros aqui ultimamente recebidos, vejo que o Diário do Comércio dessa capital transcreve um artigo publicado na Gazeta de Portugal desta cidade, atribuindo-me sua autoria.

Em algumas linhas que precedem a transcrição, à maneira de prólogo, faz o Diário do Comércio a declaração de haver inserido outro artigo da mesma procedência, firmado pelo mesmo nome, cuja paternidade igualmente emprestou-me e aplaude-se pela própria perspicácia, pois enxerga n prova de que acertou — na virulência, injustiça e ataques contra o Brasil, contidos na aludida segunda publicação.

Nas circunstâncias especiais em que me achei no meu país, e sobretudo nas em que atualmente me encontro, não devo estranhar que procurem especular com o meu nome por todos os meios e modos, conforme a fertilidade do engenho de cada um. O governo provisório recompensa com generosidade e abundância.

Procure, porém, o Diário do Comércio fazer o seu negócio, sem socorrer-se à clamorosa hermenêutica, que o leva a considerar como prova irrecusável de minha autoria, ou co-participação em qualquer escrito — a violência de linguagem, as injustiças e ataques contra o Brasil, do qual podem banir-me, mas onde, mercê de Deus, ninguém possui o poder de apagar os vestígios do meu berço.

Fora mister que eu tivesse herdado toda a virtude de Jó para refrear o protesto de indignação que deixo exarado, contra imputações tão gratuitas, quanto malévolas.

Permita-tne, Sr. redator, acrescentar o seguinte, uma vez por todas: — nada escrevi, nada escreverei acerca da nossa pátria, sem a minha assinatura e plena responsabilidade; tão pouco hei inspirado, direta ou indiretamente, apreciações do que lá ocorre.

Desta norma de proceder não se afastará o

Visconde de Ouro Preto(5).

Lisboa, 26 de Fevereiro de 1890.»

 

Convém acrescentar, que a própria Gazeta de Portugal espontaneamente protestou contra a autoria, que se pretendia dar-me dos escritos publicados em suas colunas.

Nem esses, nem quaisquer outros — salvo os que hei firmado com a minha assinatura — partiram de mim ainda que indiretamente, torno a dizê-lo.

Abstenho-me muito propositalmente de enunciar aqui juízos sobre os negócios do meu país. Nem é no estrangeiro que eles hão de decidir-se, sim lá, e por exclusiva deliberação dos brasileiros. Estes estão em seu direito deixando-se governar como quiserem, sem que a nenhuma nação ou influência estranha seja lícito imiscuir-se nas suas questões domésticas. No dia em que tão inadmissíveis e ultrajantes pretensões se manifestassem de qualquer modo, no mundo político como no financeiro, eu seria o primeiro a tudo esquecer e preterir, para colocar-me ao lado dos que cumprissem o dever de repelí-las com a máxima energia e à custa de quaisquer sacrifícios.

Não há, pois, maior injustiça e nem magoa-me tanto nenhuma como a de que me estou ocupando.

Da norma de conduta que me hei traçado fornece testemunho insuspeito o artigo do Tempo, jornal de Lisboa, que incluo nos anexos. É de uma pessoa com a qual jamais tive relações, e cuja benevolência certamente não me podia granjear o fato que revela.

Cumpre notar que a entrevista aí narrada passava-se 36 horas depois de desembarcar eu em Lisboa e quando bem vivas deviam estar ainda as tristes impressões dos sucessos de 15 de novembro e suas consequências.

A arguição de que os exilados influem nos mercados estrangeiros, de modo a determinar a cotação dos fundos públicos e a prejudicar o crédito do governo provisório, é de tal natureza que nem precisa ser combatida. Hão de sorrir-se dela e dos que a aduzem quantos tenham a menor noção das grandes praças europeias e suas transações.

O esforço e insistência com que se nos procura caluniar e maldizer do nosso procedimento fora do país, prova apenas que na pátria não encontram motivos justificativos da animosidade que nos votam alguns corifeus da situação e quanto estimariam ver o mesmo sentimento compartido pela maioria de nossos concidadãos. Temos fé, porém, que eles nos fazem e farão sempre completa justiça.

 

X.

 

Algumas palavras mais de interesse puramente pessoal: escrevo o meu testamento político.

A forçada ausência do meu país e o aniquilamento da minha posição, não me preservam das agressões de alguns adversários, que não cessam de procurar ferir-me no meu caráter público e privado. Ultimamente e em falta de novos assuntos ocuparam-se dos meus haveres. Em artigo de jornal se disse que eu passara para a Europa, durante o ministério e ainda depois de preso, a soma de 4 a 5.000 contos de réis. Alguém numa publicação feita sob os auspícios oficiais e que traz por título — Primeiras linhas da história da República no Brasil, afirma que em especulações de praça, e, mediante excepcional favor de poderosos amigos, ganhara eu maior quantia, da qual remeti para Londres 2.000 contos, reservando o resto, o que sabe por informações de pessoa de conceito. O escritor acrescenta, que encontrando naquela praça, ao incumbir-me do governo, um saldo de 40.000 contos e no tesouro 2.000 em ouro,— gastei-os para vencer eleições.

De par com isto, noutro jornal depara-se-me a notícia de que estou lutando com dificuldades para aqui subsistir, consumidos os recursos que trouxera.

Quanto aos 42.000 contos despendidos em eleições, logo que restabeleça-se no Brasil o império da lei e me seja permitido invocá-la, chamarei a juízo o escritor para dar as provas de tal asserto.

Pelo que toca à minha fortuna particular..., posso fazer dela o uso que me aprouver, e, portanto, aqui solenemente prometo doá-la aos escritores, se indicarem, como certo ser-lhes-ia fácil o estabelecimento ou casa por onde e para onde fiz os saques sobre a Europa, uma ou alguma das especulações de praça, em que adquiri tamanha opulência, ou os bens, títulos e rendimentos de que ela se forma.

A pessoa de conceito que forneceu as informações poderá, seguramente, desvendar o segredo.

Fiquem certos de que a isso não se hão de opor nem a esposa e meeira, nem os filhos e genros, porque não só estamos de pleno acordo, mas são também riquíssimos. Só meu filho mais velho, segundo as mesmas versões, possui nada menos de 400 contos de réis, ganhos, já se sabe, à sombra do meu governo.

Não lhes sirva de embaraço, por generoso escrúpulo, a notícia de que estou lutando com dificuldades para subsistir, pois cumpre-me informá-los, visto que o homem público deve habitar em casa de vidro, que não é isso exato.

Dois amigos espontaneamonte entregaram-me cartas de crédito sobre a Europa (outros m‘as ofereceram) e de uma delas me aproveito. Não lhes declino os nomes, porque seria expô-los à suspeita de conspiração contra a república, no que há perigo; mas algum dia o farei, e se antes disso morrer, meus sucessores fá-lo-ão por mim. Sorvi-me de um desses créditos, por que, como é fácil compreender-se, pode-se possuir grande fortuna e não se ter momentaneamente dinheiro disponível, maxime estando ele empregado.

Como, porém, acostumei-me a não viver à custa alheia, meu genro o Dr. Feliciano Mendes de Mesquita Barros, para apurar com que saldássemos alguns débitos, pagar o que aqui retirei e continuar a manter-me, hipotecou, em dias do mês de Março findo, no Banco de Crédito Real do Brasil uma pequena fazenda que possuímos em Ubá, província de Minas.

Para maiores explicações e minudências quem quiser dirija-se à respeitável casa dos srs. Araújo Ferraz e Cia, rua Municipal n° 28, na cidade do Rio de Janeiro-; eu autorizo-as e peço que as deem.

Não me afligem comentários desta ordem; não me abatem o ânimo os trabalhos que tenho afrontado ou ainda me reserve o futuro. Ao contrário redobram-me as forças, enchendo-me de íntima satisfação.

Há alguma coisa de mais glorioso que o triunfo: — ser vencido na defesa do direito, — o sacrifício pelo cumprimento do dever.

Paris, 29 de maio de 1890.

Ouro Preto.


 

 

1ª PARTE.

 

O Visconde de Ouro Preto aos seus concidadãos (6).

 

Santa Cruz de Tenerife, 9 de dezembro de 1889.

 

Deste porto, onde fui obrigado a deter-me, e do qual posso comunicar com os meus compatriotas, é meu primeiro cuidado referir-lhes o que presenciei e a parte que tive nos memoráveis acontecimentos de 15 de novembro, os quais privaram o Brasil das livres e nobres instituições, que lhe deram tantos anos de paz e prosperidade e me arrojaram a paragens tão distantes.

É esse um dever e ao mesmo tempo um direito de que não prescindo. Alvo principal de todos os ataques, centro e direção da resistência que aqueles sucessos poderiam encontrar, o alto cargo que ocupava na situação política, tão violentamente deposta, me pôs a par de circunstâncias, que poucos conhecem, e são da maior importância para bem se aquilatar como, em poucas horas, se mudou a forma de governo do meu saudoso país, quando geralmente a supunham fortemente consolidada. Incumbe-me fornecer à história esses subsídios indispensáveis para que ela profira juízo imparcial e seguro. Cometeria eu uma falta se os ocultasse.

Por outro lado, para que se aprecie com exatidão o meu procedimento, cumpre ter em vista as circunstâncias em que me achei, o meio em que me coube agir. Perante os meus próprias adversários de boa fé nada mais quero, nem preciso, para que reconheçam haver sabido manter com dignidade o meu posto.

Na exposição que vou fazer, oferecer-se-me-á ensejo de contrariar mais de uma inverdade, assoalhada pelos jornais publicados no Rio de Janeiro, desde o dia 16 de novembro até à data da minha partida, 19, e que só a bordo do vapor que me conduziu pude ler.


Nos dois últimos meses do ministério a que tive a honra de presidir, todo o esforço da oposição consistiu em convencer o exército de que lhe era hostil o governo, alimentando o intuito de abatê-lo.

Dois jornais, principalmente, tomaram a si a tarefa ingrata de promover uma sedição militar, calamidade de que o Brasil fora preservado durante mais de meio século. Eram o Diário de Noticias e o País, dirigidos pelos atuais ministros da fazenda e dos negócios estrangeiros do governo provisório. Não cessavam as duas gazetas de, por odiosos pretextos, concitar os brios do exército e da armada, exagerando e adulterando fatos comezinhos da administração pública, como depois se verá, inventando outros sem a menor plausibilidade sequer, atribuindo imaginárias ofensas às duas classes, não só às deliberações do governo, mais justas e acertadas, senão também aos seus planos de futuro.

No constante dizer das duas folhas, que assim se constituíram fomentadoras da anarquia, o ministério pretendia nada menos que desprestigiar o elemento militar, e sobretudo o exército, cuja dissolução tinha em mente, — O ministério de 7 de junho de 1889, que aliás se organizara, entregando as duas pastas da marinha e da guerra a dois oficiais generais das forças de mar e terra (pensamento que, seja dito de passagem, serviu de tema para as primeiras agressões irrogadas ao presidente do conselho)(1), e que às fileiras do exército fora buscar dois coronéis para presidirem as províncias de Mato Grosso e Ceará, cujas circunstâncias especiais reclamavam administradores da mais absoluta confiança!

Jamais acreditei, confesso a minha ingenuidade, que tais manejos pudessem surtir efeito, calando no ânimo da maioria dos oficiais do exército e menos da marinha, tão correta e circunspecta até então no desempenho de seus árduos deveres.

Admitia apenas a possibilidade de arrastarem a alguma inconveniente manifestação um ou outro jovem exaltado e inexperiente. Supunha, porém, que os contivessem os conselhos e o exemplo dos superiores mais avisados e prudentes, persuadido de que em todo o caso, se qualquer abuso ou excesso fosse praticado, o coibiriam os meios disciplinares ordinários, enquanto não se preparasse ação mais vigorosa para o futuro.

Essa crença, além de se originar do inconcusso princípio de justiça, que de ninguém permite suspeitar criminalidade na ausência de fatos averiguados, corroborava-se por motivos muito especiais.

O sr. visconde de Maracaju, ministro da guerra, era uma alta patente do exército, em cujo serviço ganhara todos os postos e distinções. Devia, pois, conhecer-lhe bem as necessidades, reclamações e descontentamentos; não podia tão pouco ser indiferente aos seus interesses, que lhe eram comuns.

Pois bem; s. exa. nunca me preveniu de que assistiam à corporação razões de queixa contra o governo: jamais trouxe ao meu conhecimento qualquer representação, nem formulou proposta ou exigência em favor da classe militar, que deixasse de ser atendida pelo governo, salvo a que depois mencionarei.

Logo em começo de nossa administração indicou que se mandasse regressar de Mato Grosso a divisão, que sob o comando do Marechal Deodoro, para ali destacara o gabinete anterior. Imediatamente anui a essa medida, que chamou para a capital do império o chefe e o núcleo dos futuros sublevados, recomendando a s. exa. que tratasse de aproveitar o mesmo marechal em comissão correspondente ao seu elevado posto.

O sr. visconde de Maracaju fez sempre as promoções que lhe aprouve sem a mais ligeira oposição dos colegas, os quais opinaram tão somente em contrário a s. exa. (que, entretanto, prontamente acedeu) pela demora no preenchimento de uma vaga de brigadeiro, não por julgarem menos digno o coronel que para ela apresentava, mas por ter parecido conveniente aguardar segunda vaga do mesmo posto, geralmente esperada em breve prazo, para que ao mesmo tempo alcançasse igual acesso outro oficial tão idôneo e com serviços tão valiosos como o primeiro. Não se verificando, porém, a vaga ficou resolvida a promoção do oficial preferido pelo sr. ministro da guerra.

S. exa. quis pensões para algumas famílias de militares e obteve-as; entendeu galardoar a vários camaradas com títulos e condecorações e o conseguiu.

Ao que não anuiu o gabinete, e tal é a exceção que ressalvei, foi em uma derrama de graças por toda a oficialidade, baseada em certa tabela de equação entre os postos e a categoria dos títulos e condecorações, de modo que a cada marechal de campo se conferisse, verbi gratia, um baronato, a cada brigadeiro uma dignitaria da Tosa, e assim por diante.

Ponderou-se-lhe que generalizar tais mercês seria tirar-lhes o valor, não agradando nem mesmo aos contemplados. Não nos opusemos, todavia, a que oportunamente se distinguissem todos os que tivessem mérito assinalado.

O sr. ministro da guerra estava, portanto, satisfeito com a marcha dos negócios e, seguramente, assim não poderia acontecer se o exército a que pertencia sofresse injustiças ou agravos.

Não é tudo: — como recebesse avisos anônimos de que alguma coisa se tramava nos corpos da segunda brigada, mais de uma vez chamei para o assunto a atenção de s. exa., que sempre me procurou tranquilizar, assegurando nada ocorrer de extraordinário e estar vigilante para impedir ou reprimir qualquer irregularidade.

No mesmo sentido ainda se pronunciou o sr. visconde de Maracaju a 14 de novembro em entrevista comigo, na véspera dos acontecimentos, como depois relatarei.

Verdade é que, por se achar enfermo, duas vezes obteve licença o sr. visconde de Maracaju, sendo substituído interinamente na pasta da guerra pelo sr. ministro da justiça, senador Cândido de O1iveira. Era possível que durante essas interrupções qualquer desgosto fosse inflingido ao exército. Mas, nos poucos dias em que serviu o ministro interino nenhuma resolução foi tomada, sem proposta ou acordo da segunda autoridade militar, o ajudante general do exército, marechal Floriano Peixoto, estimado e respeitado por seus camaradas e subordinados entre os quais gozava da maior popularidade.

Deste oficial general, que incontestavelmente era o de maior prestígio em todo o exército, com quem estava em contato imediato, inqueri também acerca das disposições em que ele se achava e de s. exa. tive seguranças iguais às que me oferecia o sr. visconde de Maracaju.

Recebendo destarte das duas fontes mais autorizadas e competentes informações tão satisfatórias, não podia o governo recear nenhum atentado, tanto mais quanto, como observei, jámais chegou ao seu conhecimento reclamação individual ou coletiva, que acusasse injustiças a reparar ou necessidades a atender, relativamente às forças de linha.


É certo que algumas faltas de disciplina foram cometidas na capital e nas províncias; mas, além de que eram a reprodução de outras praticadas desde muitos anos e que não haviam aconselhado medidas de rigor, não poucos fatos em sentido contrário me convenciam de que se o espírito de insubordinação afetava algumas praças e oficiais, não se generalizava o mal e podia ser extirpado sem o emprego de meios excepcionais, pelo influxo de uma política justa e moderada, posto que enérgica.

Assim é que, sendo preciso, em consequência de conflitos travados na capital de Minas entre praças do 9.° regimento de cavalaria e as de polícia da província, substituir aquele corpo, seguiu para ali, dentro de 4 horas após a recepção das primeiras notícias, nova guarnição sem a menor relutância, retirando-se a antiga na melhor ordem e regularidade.

Assim é que, exigindo as conveniências do serviço público, que destacasse um dos corpos da guarnição do Rio de Janeiro para a longínqua província do Amazonas, em poucos dias para ali embarcou o batalhão de infantaria n.° 22, sem embargo dos boatos espalhados de que desobedeceria à ordem de marcha e dos conselhos e provocações, que para isso recebeu da imprensa oposicionista.

Com referência à partida dessa força, foi-me entregue uma comunicação do comandante da respectiva brigada, general barão do Rio Apa, irmão do ministro da guerra, a qual, por feliz acaso, se me deparou entre os poucos papéis que minha família encontrou sobre a mesa de trabalho e me pôde entregar à bordo. Aqui transcrevo-a, como espécime significativo das informações que os chefes do exército traziam ao conhecimento do governo. Verão os meus compatriotas que poucos dias precedeu à sedição militar.

 

“Ilmo. e Exmo. sr. conselheiro visconde de Ouro Preto.

Como v. exa. já deve saber efetuou-se ontem, à hora determinada, o embarque do batalhão 22 de infantaria na melhor ordem, não tendo havido a menor circunstância que denotasse pouca vontade no cumprimento da ordem do governo.

Disse a v. exa. que nada me constava sobre a relutância do 22.° embarcar e asseguro a v. exa. que os corpos da minha brigada são todos muito disciplinados e que cumprirão sempre as ordens do governo; e se não fosse assim teria pedido exoneração do comando.

Creia v. exa. que todos os corpos do exército são disciplinados e que com eles o governo pode sempre contar.

O Governo que lhes dê chefes que não queiram antepor a popularidade à disciplina (hoje um mal de que são atacadas todas as classes) e verá que o que eu digo é uma verdade.

A disciplina é uma religião para o soldado e eles amam muito sua bandeira para darem-se em espetáculo triste, à vista da população, desobedecendo ao seu governo.

Aceitei de bom grado a responsabilidade que v. exa. e o sr. conselheiro ministro interino da guerra me fizeram pelo embarque do 22; estou, portanto, desobrigado dessa responsabilidade que nunca evitarei em relação à qualquer força sob o meu comando, porquanto saberei em todo tempo manter a disciplina.

V. exa. prometeu-me que seria chamado à corte o major do 22, Souza Menezes, logo que com seu batalhão chegasse à província do Amazonas, peço pois licença para lembrar a v. exa. o meu pedido.

Reiterando os protestos da minha mais alta estima e consideração, peço vênia para subscrever me.

De V. Exa.
amigo mto. grato e resp.dor
Barão do Rio Apa(8).

Corte, 11 de novembro de 1889. »

 

Quanto à marinha menos razão tinha ainda o governo para suspeitar, que conspirasse contra a autoridade legítima e principalmente contra as instituições vigentes. Nada ocorrera que justificasse semelhante conjectura, acrescendo que da parte de um dos seus membros, geralmente reputado altivo e violento, o chefe de divisão Wandenkolk, ministro da marinha da insurreição, recentemente recebera eu, como sempre, as mais afetuosas provas de apreço pessoal e reconhecimento, recordando-me ele, por essa ocasião, haverem-lhe sido por mim conferidos alguns postos e condecorações, quando ocupei a pasta hoje a seu cargo(9).

Citarei ainda dois fatos concernentes a este oficial, bem significativos de que não nutria ressentimentos para com o governo em cuja deposição colaborou. Diversos outros, referentes a distintos oficiais da armada de todas as patentes, fácil me fora enumerar, em demonstração de que entre ela e o governo reinavam confiança recíproca e até cordialidade. Limitar-me-ei, porém, aos que dizem respeito ao sr. Wandenkolk por sua proeminência na atual situação.

Publicou certo jornal do Rio do Janeiro a notícia de que este oficial ia ser agraciado com um título nobiliário, que pertencera a pessoa de sua família. O sr. chefe de divisão anunciou-o às guarnições dos navios do seu comando, surtos na Ilha Grande. Comandantes e oficiais fizeram à s. exa., a propósito da anunciada mercê, brilhante manifestação de apreço, correspondida com toda a gentileza, aplaudindo assim uns e outros a presumida deliberação do governo imperial.

Tornar-se-ia o sr. chefe de divisão republicano por não se haver efetuado o agraciamento? Se desgosto houve, não foi profundo e outro fato o prova.

Tendo o ministério a meu cargo dissolvido a câmara dos deputados, em sua grande maioria composta de conservadores, procedeu-se à eleição da nova câmara em 31 de agosto próximo passado. A luta foi renhida em todo o império. O partido conservador, aliado ao republicano, disputou a vitória em todos os distritos, gozando ambos de máxima liberdade de ação e de todas as garantias. O sr. chefe de divisão Wandenkolk achava-se na Ilha Grande, a poucas horas de viagem do Rio de Janeiro. Como s. exa., muitos oficiais seus subordinados estavam qualificados eleitores na capital do império. Em tempo oportuno, o sr. ministro da marinha deu as ordens e facilitou os transportes precisos para que todos, que o quisessem, viessem exercer o direito de cidadão, votando nos candidatos de sua feição política.

O sr. Wandenkolk não se moveu do porto, permanecendo à frente da divisão e com s. exa. ficaram muitos outros oficiais, notoriamente pertencentes às fileiras republicanas ou conservadoras.

Para homens de convicções sinceras e arraigadas, quais se deve crer sejam estes membros da corporação da marinha, como explicar semelhante abstenção no momento decisivo, mormente se a opiniões políticas contrárias às do governo se juntasse a circunstância de estarem sob a pressão de ofensas e de agravos por ele inflingidos?

É sabido que todas as classes civis e militares da capital do Brasil esmeraram-se em obsequiar a oficialidade do encouraçado chileno Almirante Cockrane, fundeado naquele porto.

O Clube Naval, presidido pelo sr. chefe de divisão Wandenkolk, foi, como era natural, dos que mais se esforçaram para festejar os nossos hóspedes e leais amigos. Não dispondo de grandes recursos pecuniários, os membros da associação ver-se-iam em dificuldades para os dispêndios que tais demonstrações exigiam. Foi ao presidente do conselho e ministro da fazenda que eles se dirigiram para livrar-se de embaraços, por intermédio do chefe Wandenkolk, que sabe ter sido tão galhardamente atendido como permitiam os recursos à disposição do governo.

Importa acrescentar, pois o episódio é expressivo, que em galante emulação com a oficialidade da marinha, a do exército não quis fazer menos do que ela, em honra dos chilenos. Todos os estabelecimentos ou corporações militares, que os convidaram para recepções de júbilo, exceto a Escola superior de guerra, solicitaram e obtiveram generoso auxílio do ministério.

Passava-se tudo isto poucos dias antes da sublevação de 15 de novembro. Ora, podia-se por ventura suspeitar, que cavalheiros de sentimentos elevados conspirassem pela deposição do gabinete, no próprio momento em que assim pediam e recebiam favores de tal ordem?(10).

Confesso, torno a dizê-lo, a minha ingenuidade. Não acreditei nunca em uma conjuração militar. Atribui sempre os avisos anônimos que me eram dirigidos a algum indivíduo ou grupo de interessados, que com tais advertências (aliás concebidas em termos vagos e sem articulação de fatos ou nomes) esperavam, se adversários eram do governo, arrastá-lo a medidas de precaução que suscitassem ressentimentos e o prejudicassem; se simplesmente ambiciosos, abrir espaço à satisfação de aspirações que só lograriam vingar, afastados das comissões e cargos que exerciam aqueles oficiais contra quem, por ventura, o governo houvesse de reagir.


Tais eram as disposições do meu espírito e conhecem-nas quantos comigo privavam, quando no meio dos trabalhos e preocupações, que me acarretava a próxima reunião das câmaras legislativas, vários sucessos, isoladamente sem importância, mas assumindo-a, em seu conjunto, vieram sugerir-me a primeira dúvida acerca da plena segurança, que me garantiam os srs. ministro da guerra, ajudante general do exército e brigadeiro barão do Rio Apa, assim como os pormenores que deixo referidos.

Em um dos festejos, a que já aludi, o atual ministro da guerra, então lente da Escola Superior dessa repartição e tenente coronel do exército, sustentou, em presença da oficialidade estrangeira e do ministro seu superior hierárquico, ser inconcusso direito da força armada depor na praça pública os poderes legítimos, constituídos pela nação, quando entendesse que seus brios o exigiam, ou o julgasse acertado e conveniente para o bem da pátria(1).

No dia seguinte, ou no imediato, esse lente era estrepitosamente aplaudido na própria sala das preleções, por um grupo de oficiais subalternos de diferentcs corpos, pela energia e hombridade com que no mencionado discurso defendera os direitos e o pundonor da classe militar(12).

Quase simultaneamente chegou-me a notícia de que no Clube Militar, grêmio da oficialidade do exército, e sob a presidência do mesmo lente, haviam-se alistado em uma só sessão numerosíssimos sócios, promovendo-se ativamente a aquisição de outros em todos os batalhões. Asseverava-se que isto ocorrera na noite de 9 de novembro, em que o governo ofereceu um baile à oficialidade do Almirante Cokrane(13).

Com estas revelações coincidiu o aparecimento de artigos editoriais e ameaçadores no País, um dos quais, comentando certa demonstração de apreço feita pela Associação Comercial do Rio de Janeiro ao chefe do gabinete, dizia simbolizar ela o Capitólio, de onde em breve seria arremessado à rocha Tarpeia o governo a quem atribuía planos sinistros e tenebrosos, que felizmente não se realizariam (asseverava-o a folha) — graças a infalível e próxima queda.

Sobre tais prenúncios chamei a atenção do gabinete na penúltima conferência que tivemos, terça-feira, 12 de novembro, de 1 para 3 horas da tarde, recomendando tanto ao sr. ministro da guerra como ao da justiça, que pelos meios a seu alcance procurassem sindicar do que sucedia e sem demora fossem tomando as providências que os fatos reclamassem, cientificando-me de tudo quanto soubessem.

Ainda nessa ocasião afirmou-me o sr. ministro da guerra que nada havia a temer, acrescentando (textualmente) que nessa manhã falara ao ajudante general e fora informado de que tudo corria regularmente. S. exa. disse mais: esteja tranquilo; estamos vigilantes, eu e o marechal Floriano; nada haverá (14).

Na quarta feira, 13, devia eu ir a Petrópolis despachar com S. M. o Imperador, ao que obstou enfermidade gravíssima em pessoa de minha família. Partiu em meu lugar o sr. ministro do império e conservei-me em minha residência.

Na manhã de quinta feira, 14, recebi a seguinte carta do sr. ministro da justiça:

«Gabinete do ministro da justiça. Rio, 13 de novembro de 1889:

Exmo. chefe e amigo. Soube pelo sr. Basson que não foi a Petrópolis por incômodo de família, o que muito sinto. Aí vai essa carta do ajudante general em que ele declara que se trama alguma coisa. Estou vigilante e é bom recomendar cuidado ao Maracaju. Se souber de alguma coisa avisarei. Colega e amigo — Candido de Oliveira.—»

Eis a carta do ajudante general:

«Rio, 13 — 11 — 89. — Exmo. amigo sr. conselheiro. A esta hora deve v. exa. ter conhecimento de que tramam algo por aí além: — não dê importância, tanto quanto seria preciso, confie na lealdade dos chefes, que já estão alerta. Agradeço ainda uma vez os favores que se tem dignado dispensar-me. O meu afilhado, isto é, afilhado dos liberais do Rio Grande do Norte, Fonseca e Silva, esteve aqui em comissão percebendo vencimentos de comissão ativa; não é de justiça que vá para aquela província com prejuízo, razão porque peço despacho favorável à nota junta, que v. exa. devolverá e com a data de 11(15). Sou de. v. exa. menor criado, am.° e obgd.°. — Floriano Peixoto

Tendo de presidir o tribunal do tesouro mandei convidar os srs. ministros da guerra e da justiça e o presidente da província do Rio de Janeiro para ali conferenciarmos.

Ao sr. ministro da guerra comuniquei a carta do marechal Floriano Peixoto, pedindo me dissesse o que sabia a tal respeito. S. exa. nada pôde adiantar, continuando, porém, a mostrar-se perfeitamente seguro de que a ordem pública não seria alterada e de que, no caso contrário, sobrariam ao governo elementos de repressão, pois pela primeira brigada, ao menos, respondo eu, em quaisquer emergências.

— Consta-lhe alguma coisa a respeito do marechal Deodoro? — inquiri, em consequência de se me haver dito que tomaria parte em alguma manifestação.

— Nada me consta e suponho que não se envolverá em distúrbios, até porque está enfermo.

— Bem, retorqui, — cumpre que v. exa. esteja atento e não perca um instante. Mande chamar o general Deodoro e abra-se com ele. Um oficial general não pode nem deve consentir que envolvam seu nome em manifestações contra a autoridade constituída. Conferencie com o ajudante general, indague de tudo quanto o levou a escrever ao nosso colega da justiça e tome logo as providências que o caso requerer, mandando-me à noite informar do que souber e tiver feito.

— Mandarei o próprio marechal Floriano.

— Tanto melhor: — estimarei ouvi-lo pessoalmente: queira comunicar-lhe que o espero em minha casa, entre 7 e 8 horas da noite.

Ao retirar-se o sr. ministro, continuei:

— Se o marechal Deodoro não der explicações satisfatórias, será preciso tomar providências contra ele, reformando-o até se necessário for. Concordará v. exa. com esta medida?

— Conforme, — replicou o sr. ministro da guerra -conforme o procedimento que haja tido ou venha a ter.

— Estamos de acordo, conclui, vá providenciar sem perda de tempo.

E com isto despediu-se o meu colega, o sr. visconde de Maracaju(16).

Com o sr. ministro da justiça combinei nas ordens necessárias para ficarem de prontidão o corpo policial e a guarda cívica, mandando por intermédio do conselheiro chefe de polícia continuar nas ativas diligências que já estava empregando aquele distinto auxiliar, para descobrir a verdade do que por ventura se tramasse.

Ao sr. presidente da província do Rio de Janeiro, que sem demora acudiu ao meu chamado, encarreguei de reunir na capital e no mais breve prazo possível a força de que pudesse dispor, tendo-a preparada para embarcar com destino à corte, devidamente municiada, ao primeiro aviso.

Essa autoridade, com a energia e zelo que caraterizam o sr. conselheiro Carlos Afonso, cumpriu exatamente as minhas instruções.

Tomadas estas providências, e outras não podiam ser por mim adotadas na emergência, aguardei os acontecimentos

Não me apareceu, como esperava, o sr. marechal Floriano Peixoto à hora marcada, o que atribui a algum impedimento pessoal. Recebi, porém, o sr. chefe de polícia, que mostrando-se apreensivo de que alguma coisa se preparava em hostilidade ao governo, me deu parte das acertadas medidas que punha em prática para averiguar dos fatos e proceder como eles determinassem.

A. s. exa. comuniquei uma carta nessa tarde entregue, narrando preparativos que se faziam no quartel do 1° regimento de cavalaria e citando os nomes de alguns oficiais mais decididos e ativos na propaganda contra o governo.

Essa carta estava assinada por um nome que nos pareceu de disfarce, mas pelo seu contexto merecia a mais séria atenção.

Determinei ao chefe de polícia, que fosse apresentá-la ao ajudante general do exército diretamente (por me constar que o sr. ministro da guerra se retirara para o alto de Santa Teresa, em lugar de difícil acesso) — que se informasse do que na mencionada carta havia de verdade e das providências adotadas, participando-me tudo imediatamente, assim como o motivo porque deixara o Sr. Floriano Peixoto de procurar-me.

Cerca das 10 horas da noite, recebi a visita do sr. conselheiro Souza Ferreira, principal redator do Jornal do Comércio. S. exa. vinha saber se era exato, como lhe haviam referido, ter sido expedida ordem de prisão contra o marechal Deodoro e para o embarque de vários batalhões da guarnição da capital.

Respondi não serem verídicas essas informações e que nem o governo cogitara sequer de tais atos, por não haver motivos que os aconselhassem.

O sr. Souza Ferreira mostrou-se satisfeito com as seguranças que eu lhe dava, porque, no seu conceito, tais ordens trariam as mais graves consequências.

— Que consequências? perguntei.

— Não seriam cumpridas.

— O governo far-se-ia obedecer.

— Não teria meios.

— Meu caro sr. conselheiro, já lhe afirmei e repito que não se lembrou o ministério de mandar prender o marechal Deodoro, nem de fazer sair da corte nenhum dos corpos da guarnição, mas se as conveniências do serviço público o exigirem, não hesitarei em dar as ordens necessárias, sejam quais forem as consequências. Se for desobedecido, recorrerei aos batalhões que se conservaram leais, recorrerei à marinha, recorrerei à guarda nacional e ao povo; em todo o caso cumprirei o meu dever. Hei de manter o poder com dignidade ou resigna-lo-ei.

— Mas a dignidade não exclui a prudência.

— Tenho-a toda, quanta é possível. De que atos de precipitarão me arguem?

— A prisão do general Deodoro seria uma imprudência, — insistiu o sr. Souza Ferreira.

— Mas já lhe disse que não a ordenei!

— Forque não manda desmentir o boato pelo Diário Oficial?

— Não o farei, porque isso me obrigaria a desmentir todas a balelas que a oposição se lembrasse de inventar. Desminta-o o Jornal do Comércio, já que chegou ao seu conhecimento, se o julga necessário. Para isso o autorizo.

O sr. conselheiro Souza Ferreira proseguiu em observações consoantes às primeiras, respondendo-lhe eu sempre no mesmo sentido e ao se despedir me declarou que havia cumprido um dever não só de amigo, senão de jornalista que se interessa pela manutenção da ordem pública.

— Agradeço-lhe muito a intenção, redargui; mas se os grandes interesses sociais perigarem e a ordem pública for perturbada, a responsabilidade não será minha, sim dos que promovem a propaganda subversiva e também dos órgãos de publicidade que devendo combatê-la, não o fazem, deixando-a sem contestação.

Hoje, quando reflito sobre este incidente, pergunto a mim próprio se os boatos que chegaram ao conhecimento do redator chefe do Jornal do Comércio e o obrigaram a percorrer longa distância para ir à minha casa averiguar da autenticidade deles, não teriam relação com a conferência, pela manhã, entre mim e o sr. ministro da guerra.

Só com s. exa. me abrira acerca da eventualidade de repressão contra o general Deodoro, verificado não ser regular o seu procedimento; a ninguém mais absolutamente comunicara o meu pensamento. De onde partiria, pois, a notícia da prisão, da qual aliás nem falei, mas sim de reforma? Talvez o futuro esclareça este ponto(17).


Às 11 3/4 da noite, despachava eu papéis da pasta da fazenda, quando recebi pelo telefone o seguinte recado do conselheiro Basson:

«Previno-o de que o primeiro regimento está em armas no respectivo quartel; comunicou ao ajudante general que estava nessa atitude. Os chefes do exército estão no quartel general reunidos. Mandaram intimar o regimento para se desarmar. Não sei o que fará. Julgo necessária a sua presença aqui por todos os motivos. Estou na secretaria; envio o meu carro com o meu ajudante que vai para acompanhá-lo, e espero-o.

O guarda cívico José Antonio Rodrigues que foi chamar o respetivo comandante, indagando onde morava este, foi ali preso e ficou».

Respondi que ia partir, e, efetivamente, momentos depois saí a pé, em direção à cidade, acompanhado pelo meu amigo e hóspede o sr. coronel Gentil José de Castro. Descemos a rua de S. Francisco Xavier dispostos a tomar o primeiro veículo que encontrássemos.

Nas proximidades da ponte do Maracanã cruzou conosco um carro; fizemo-lo parar. Era o do chefe de polícia e conduzia o capitão Lírio, que me confirmou as notícias transmitidas pelo telefone.

Seguindo pela rua Hadock Lobo, entrámos no quartel de cavalaria policial. Por ordem do sr. conselheiro chefe de polícia estavam já reunidas e prontas 40 praças e 2 oficiais. Mandei que a elas se incorporassem as ordenanças dos ministros, assim como os diversos destacamentos ou patrulhas, que pudessem com presteza ser avisados, que fosse chamado sem demora o comandante major Cícero Galvão e que, convenientemente armados e municiados, seguissem para o Quartel Central, à rua dos Barbonos.

Dali dirigi-me à secretaria da polícia, onde se achavam o conselheiro Basson, o delegado dr. Carijó e alguns agentes(18). Estavam reunidos também 3 ou 4 reporters, um dos quais, o da Gazeta de Notícias, não mais afastou-se e foi testemunha de quanto ocorreu daí por diante, até o desenlace final.

Na secretaria soube que a razão, ou antes o pretexto, do levantamento do 1.° regimento de cavalaria, era — a inculcada prisão do marechal Deodoro, e a denúncia de que ia ser atacado pela chamada guarda negra(19).

Inteirando-me do ocorrido e das providências tomadas, soube que o conselheiro Basson tinha já mandado prevenir os demais ministros, assim como o presidente do Rio de Janeiro, para ter de prontidão a força policial da província, e o comandante do corpo de polícia da corte para que imediatamente o pusesse em armas.

Ordenei que me viessem falar sem demora o ajudante general do exército e o comandante do corpo de bombeiros, que compareceram pouco depois.

O sr. marechal Floriano Peixoto, confirmando e ampliando as notícias dadas pelo sr. conselheiro Basson, disse-me que fora avisado pelo capitão Godolfim, de ordem do Tenente Coronel Silva Teles, que se declarava coacto, de que tanto o 1° regimento de cavalaria, como toda a 2ª brigada, se armaram e que s. exa. tinha mandado recomendar ao mesmo Tenente Coronel, comandante interino da brigada, que aconselhando prudência aos oficiais e procurando detê-los no aquartelamento, viesse falar-me ao quartel general do exército, onde o fora esperar. Acrescentou que tomara, no entanto, as providências precisas, sendo esse o motivo pelo qual deixou de me procurar naquela noite, conforme lhe ordenara o sr. ministro da guerra.

Perguntei se havia prendido o capitão Godolfim, que se lhe apresentara, em nome de uma força sublevada, porquanto o fato de armar-se, sem ordem superior, constituía já de si grave crime militar.

Respondeu-me que o não prendera, para ganhar tempo e se poder acautelar, porque se aquele oficial não regressasse ao quartel, muito provavelmente os corpos, desconfiando de que o governo estava prevenido, pôr-se-iam imediatamente em movimento, antes de reunidos e dispostos os meios de contê-los.

Comunicou-me ainda o sr. marechal Floriano Peixoto que mandara intimar à 1ª brigada que deixasse as armas e aguardasse ordens posteriores.

Ponderei não ser bastante o desarmamento dos corpos, porque o simples fato de tomarem armas sem ordem superior importava, como já disse, crime grave, sendo mister prender oficiais e soldados, distribuindo-os pelas fortalezas e estabelecer logo rigorosa sindicância para conhecimento de toda a verdade e punição dos culpados, em desafronta da lei.

Ordenei-lhe que assim procedesse, convindo o sr. marechal em que era essa a marcha a seguir.

Inquirindo se já reunira tropa bastante para executá-lo, respondeu-me que precisaria talvez de mais alguma, por lhe constar que parte da l.ª brigada (a do comando do sr. barão do Rio Apa) era simpática aos amotinados, não tendo plena confiança senão no 10.° batalhão de infantaria. Pediu-me que mandasse vir o 21.° da mesma arma aquartelado na ilha do Bom Jesus e o 4.° de artilharia, destacado na fortaleza de Santa Cruz.

Fazia o sr. ajudante general grande empenho, sobretudo, na vinda deste último corpo, por não ter à sua disposição nenhuma força daquela arma.

Tranquilizei-o, assegurando que expediria imediatamente as ordens precisas, podendo s. exa., no entretanto, contar desde logo com o corpo de polícia da corte, que já deveria estar reunido, e assim também com o de bombeiros. Além dessa força poder-se-ia lançar mão do corpo policial do Rio de Janeiro e dos corpos de marinha.

Observou-me o sr. marechal Floriano Peixoto, que a intervenção de qualquer contingente da marinha seria de grande efeito moral, pois os amotinados propalavam que ela os apoiaria, desiludindo sua presença muita gente.

Pediu mais que se preparassem logo os transportes para o 4.° batalhão de artilharia, e esperassem no arsenal de marinha o comandante tenente coronel Pego, que ali compareceria para ir buscá-lo, e outrossim que se fizesse ocupar por alguma força da província do Rio de Janeiro a ilha do Boqueirão, onde havia grande depósito de material de guerra.

Não me recordo bem se antes ou depois da chegada do sr. ajudante general apresentou-se o coronel Neiva, comandante do corpo de bombeiros, a quem determinei que imediatamente o formasse e convenientemente armado se pusesse à disposição de s. exa..

Lembro-me, porém, perfeitamente de que, declarando-me o sr. coronel Neiva não ter aquele corpo espingardas, disse o sr. Floriano Peixoto que as poderia receber no quartel general do exército.

Ao retirar-se assegurou-me s. exa. que eu podia contar consigo(20).

Incumbindo o sr. coronel Gentil de ir a Niterói recomendar ao presidente da província, que fizesse marchar o corpo policial e guarnecer por tropa municiada a Ilha do boqueirão e o sr. conselheiro chefe de polícia de marcar aos meus colegas do ministério que comparecessem a aquela secretaria, para onde haviam sido convidados, como ponto de reunião o arsenal de marinha, para lá me dirigi.

Abrir-se-me o portão, dar-me a conhecer, despertar o porteiro, ser chamado o inspetor, chefe de divisão Foster Vidal e apresentar-se-me s. exa. foi obra de 15 minutos, quanto muito.

Enquanto isto se passava, expedi a ordem e telegrama seguintes:

«Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro — Sr. Diretor do Arsenal de Guerra.

Mande V. Sa. prevenir já o Exmo. Sr. Ministro da Guerra de que me acho no Arsenal de Marinha, onde preciso falar à S. Exa.. Outrossim, telegrafe para a fortaleza de Santa Cruz, de ordem do mesmo sr. Ministro da Guerra, a fim de que o corpo de artilharia que ali está aquartelado prepare-se para embarcar, devidamente municiado, logo que chegarem os transportes. Prepare os que aí tiver, e, dadas estas ordens, venha entender-se comigo neste Arsenal. — 15 de novembro de 1889. — Às 3 l/2 horas da manhã.»


«Urgente. — A S. M. o Imperador.

Senhor, esta noite o 1.º e o 9.º regimentos de cavalaria e o 2º batalhão de artilharia, a pretexto de que iam ser atacados pela guarda negra e de ter sido preso o marechal Deodoro, armaram-se e mandaram prevenir o chefe do Quartel General de que viriam desagravar aquele marechal. O Governo toma as providências necessárias para conter os insubordinados e fazer respeitar a lei. Acho-me no Arsenal de Marinha com os meus colegas da justiça e da marinha.»o;

Estes senhores ministros aí compareceram no momento em que redigia o telegrama(21).

Ao sr. Foster Vidal ordenei: que preparasse imediatamente todos os meios de transporte de que dispusesse o Arsenal, para com os que viessem do de guerra irem buscar à ilha do Bom Jesus o batalhão 24 e à fortaleza de Santa Cruz o 1° de artilharia, aquele imediatamente e este logo que se apresentasse o comandante Pego; e que mandasse vir para o Arsenal o Batalhão Naval e o o Corpo de Imperiais Marinheiros, fornecendo cada navio os destacamentos que pudesse dispensar.

Estas ordens foram, sem detença, executadas.

Compareceram pouco depois o coronel Pego, que partiu para Santa Cruz e em seguida o coronel Fausto, inspetor do Arsenal de guerra, que acudira ao meu chamado.

Ordenei-lhe que pusesse o Arsenal em estado de defesa e repelisse qualquer tentativa de assalto. Disse-me s. sª. que ia imediatamente providenciar, mas chamou a minha atenção para a necessidade indeclinável de ser ocupado o morro do Castelo por tropa do Governo, porque, se os amotinados dele se apoderassem, seria impossível sustentar-se o Arsenal.

Respondi-lhe que proveria a esse respeito. Perguntou-me o que deveria fazer acerca dos menores existentes no Arsenal, no caso de ataque. Autorizei-o a mandar para suas casas os que tivessem família, acautelando quanto à segurança dos outros do melhor modo possível.

Todas estas ordens foram comunicadas aos meus colegas da justiça e marinha. Mais tarde chegou o da guerra. O sr. ministro da marinha, barão do Ladário, com a pronta decisão que o distingue, tomou, sem demora, outras providências para a defesa do Arsenal e ativou a execução das já determinadas.

Cientificado do que estava feito, o sr. ministro da guerra, a quem lembrei a conveniência de mandar guarnecer o morro do Castelo, convidou-me para o acompanhar ao Quartel General do exército, que era o seu posto e para onde precisava voltar, tendo já ali estado, creio eu.

Disse-lhe que me parecia melhor ficar no Arsenal de Marinha, de onde mais facilmente o poderia auxiliar, conforme as circunstâncias exigissem.

— A presença de v. exa., observou-me o sr. ministro, é necessária para animar a resistência(22).

— Bem; irei, apenas veja assegurada a defesa dos arsenais e parta daqui o primeiro contingente de marinha.

Enquanto se reuniam o corpo de Imperiais Marinheiros, o Batalhão Naval e os diversos contingentes dos navios, incumbi o sr. ministro da marinha de ir verificar se no Arsenal de guerra estavam tomadas as precauções convenientes para a defesa.

Com a resposta afirmativa de s. exa., que foi e voltou por mar, e havendo presenciado a partida da primeira força de imperiais marinheiros, organizada pelo meu infatigável colega, segui para o Quartel General do exército, conjuntamente com os srs. ministros da justiça e estrangeiros, que mais tarde nos tinham vindo encontrar. Ali foram ter os srs. ministros do império e da agricultura, que só às 6 horas da manhã receberam aviso.

Deixei recomendado que o batalhão 24 de infantaria e o de polícia da província do Rio de Janeiro se concentrassem no Arsenal de Marinha, aguardando ordens. Quanto ao l.° de artilharia, o seu comandante as tinha diretamente do sr. ajudante general.

O sr. ministro da marinha ficou preparando novos contingentes que mandou armar com metralhadoras de bordo, e provendo sobre o municiamento da força. Devia ir reunir-se aos colegas em pouco tempo.

Chegando no Quartel General (seriam 7 horas da manhã) soube que os corpos sublevados tinham já partido do quartel de S. Cristovão e vinham em marcha para a cidade, ao que parecia, em direção àquele estabelecimento.

Perguntando se já se havia expedido alguma força ao seu encontro, respondeu-me o sr. ministro da guerra negativamente.

Ainda que inteiramente alheio a coisas militares, ocorreu-me que formando os referidos corpos longa coluna (pois traziam, ao que se afirmava, 16 peças de artilharia) a desfilar por uma das extensas ruas do Aterrado, perpendiculares ao Campo da Aclamação, e cortadas de espaço a espaço por muitas outras, o simples bom senso estava indicando, que por estas e em diversos pontos deviam ser atacados os sublevados, porque assim facilmente poderiam ser divididos e dispersos.

Notei a falta de certas disposições para a defesa do Quartel General, como barricadas nas suas imediações e a ocupação de casas ao menos nas esquinas das ruas por onde podessem penetrar no campo os amotinados, afim de pô-los entre dois fogos.

É possível, julgo mesmo provável, que estes aprestos ante a tática fossem absurdos, mas a verdade é que nem esses nem outros foram realizados por aqueles a quem cabia a responsabilidade e a competência da resistência material.

O fato é que se aproximavam forças ameaçadoras e os batalhões que lhes deviam embargar o passo, formados no pátio interior do Quartel General, permaneciam com as armas em descanso. Nem se observava o movimento natural de quem se aparelha para combate, como, verbi gratia, a distribuição de cartuchame,a prontificação de ambulâncias, etc. Quem contemplasse aquela força suporia que ali se achava para uma simples parada, ou acompanhamento de procissão.

O sr. ministro da guerra, a quem comuniquei as minhas reflexões, não as refutou, dizendo tão somente que nenhuma força fora ao encontro dos corpos em marcha, por não se confiar em toda a que se reunira no quartel. Quanto aos preparativos de defesa, respondeu-me que ela estava a cargo do marechal Floriano Peixoto, oficial distintíssimo, que a organizaria do melhor modo.

Continuei a atender ao que se passava. Impressionou-me funda tristeza que se estampava na fisionomia dos oficiais, quer superiores, quer subalternos, com quem cruzava nos compartimentos do andar superior e na varanda, que se estende pelo lado interno. A expressão que neles divisava não era a da calma dos que têm a consciência de cumprir o dever e a resolução de bem desempenhá-lo, mas alguma coisa de incerteza e de angústia. O sr. Floriano Peixoto conservava a serenidade que lhe é habitual. Cingindo a espada, pronto para montar a cavalo, dava frequentes ordens em voz baixa aos oficiais, que encontrava ou mandava chamar. Não lhe pude ouvir uma só.

Em um dos colóquios que tivemos, perguntei ao sr. ministro da guerra se os sublevados disporiam de muitas munições e s. exa. respondeu que não as podiam ter em grande cópia.

Noutro, como me observasse s. exa. que seria de grande vantagem a organização de uma força que, no caso de ser o Quartel General atacado, por suã vez acometesse os sublevados pela retaguarda, retorqui que essa força se poderia constituir com os dois batalhões 24 de infantaria e de polícia da província, que já deviam estar no arsenal da marinha, agregando-se-lhes os novos contingentes de imperiais marinheiros que estivessem reunidos.

— Designe v. exa. o comandante, acrescentei, e eu me encarrego de ir dispor a tropa.

Concordámos em que fosse designado o general Amaral (23).

De novo me dirigi então ao arsenal de marinha, mandando que ali fosse ter o referido sr. general Amaral para tomar o comando da coluna. Já não encontrei o meu colega sr. barão do Ladário, que ordenara que um vaso da esquadra viesse cruzar entre os dois arsenais para coadjuvar a defesa. Não pude falar também ao sr. inspetor Foster Vidal, mas a um dos seus ajudantes recomendei que, reunidos os dois citados batalhões e os contingentes de marinha, ficassem sob as ordens do sr. Amaral.

Tinha pressa em regressar ao quartel general ameaçado. Desde que o meu colega da guerra julgava necessária a minha presença para animar a resistência, era ali o meu posto. Lá notei ainda a mesma falta de preparativos, que denunciassem resolução de combater. Quando me apeei penetravam no portão os primeiros pelotões do corpo policial da corte, bastos e numerosos. Ao entrar na varanda, ouvi o sr. ministro da guerra que presenciava o desfilar daquela tropa, exclamar: — «agora sim; temos gente suficiente e estamos bem!»

— E aí vem mais, retorqui, aludindo ao corpo de bombeiros, que vira também encaminhar-se para o Quartel General. — É tempo de ir ao encontro da 2ª brigada; de v. exa. as ordens.

Vendo que saía do quartel e marchava para o lado do Paço Municipal um corpo de linha e indagando qual era e para onde ia, respondeu me: — «é o 10.° de infantaria e vai postar-se no Largo da Lapa, para impedir que os alunos da Escola Militar, também sublevados, façam junção com a coluna que vem de S. Cristovão.»

— Mas, contestei, estas últimas forças estão mais próximas, avizinham-se, são as de que mais há a temer e v. exa. permite que exatamente o batalhão, que me disseram ser o de maior confiança, deixe o posto de perigo?! Pois aí vem contra nós artilharia e cavalaria e manda-se essa tropa ao encontro dos meninos da Praia Vermelha?!...

Não tive explicação para o caso. Deu-se-me então parte de que se organizava uma coluna, nomeando-se para comandá-la o sr. general Barreto, afim de atacar os sublevados de flanco, junto à Estação Central da estrada de ferro D. Pedro II. O sr. general Barreto não estava ainda à sua frente; passeava e conversava na extensa varanda, enquanto as tropas que devia comandar saíam pela porta do quartel general, que deita para as imediações da Estação.

Acercando-me de uma das janelas da frente para ver a posição que tomava essa força, avistei poucos momentos depois, a dobrar a esquina da rua do Senador Eusébio, creio eu (é a segunda perpendicular ao Campo, passada a Estação)(24). um piquete de cavalaria, armado de lanças e carabinas, tendo à frente um oficial.

Adiantou-se aquela escolta até a frente do quartel general; o oficial, que soube depois ser o capitão Godolfim, começou a percorrer o terreno, evidentemente explorando-o. Eram as avançadas dos sublevados.

Chamei sobre elas a atenção dos srs. ministro da guerra e ajudante general, mandando que as fizessem cercar e capturar, por ser até vergonhoso que ousassem vir tão perto impunemente.

Instando por vezes para que fosse aprisionado aquele troço, assegurou-me o sr. ministro da guerra que o general Barreto ia montar a cavalo, e começaria por se apoderar dos exploradores.

A minha despedida ao sr. general foi por esta forma:

— Estou certo de que cumprirá o seu dever.

— Seguramente, respondeu com singular expressão — hei de cumprir o meu dever.

S. exa. montou a cavalo e saiu na retaguarda das forças. Como procedeu, narra-o o Jornal do Comércio de 16, nos seguintes termos:

«No Campo da Aclamação a força policial apresentou-se ao sr. ex-ministro da guerra, que disse lhe recebesse as ordens do sr. general Barreto, o qual pouco depois pô-la sob as ordens do sr. marechal Deodoro»(25).

Os exploradores não foram cercados, nem atacados. Conservaram-se diante do quartel general, a poucos passos, retirando-se o oficial, que naturalmente se foi juntar ao grosso das forças, as quais, momentos depois, apareciam no Campo, tendo à frente o marechal Deodoro, e vinham assestar sua artilharia contra e edifício do quartel general.

Por vezes ordenei positivamente que fosse acometida aquela gente; o sr. ministro da guerra, — valha a verdade, — repetia essa ordem em voz alta, mas não lhe davam execução.

As tropas do governo permaneciam no pátio, com a arma em descanso; não se moviam. Começara a desconfiar daquela inação.

Da coluna sublevada destacou-se um oficial. Aproximando-se, disse em voz alta que trazia uma mensagem do marechal Deodoro para o marechal Floriano Peixoto.

— Entre só, e a pé, foi a resposta do ajudante general.

Era o tenente-coronel Silva Teles, comandante do 1.° regimento de cavalaria e interinamente da 2.ª brigada.

Penetrando no quartel general, declarou da parte do marechal Deodoro que este desejava uma conferência com o sr. Floriano Peixoto.

O sr. ajudante general, em presença do tenente coronel Silva Teles (o qual, no meio de sua oficialidade, me recordou depois o episódio), transmitiu-me o recado, ao que respondi:

— Conferência! Pois o marechal Deodoro não tendo recebido do governo nenhum comando militar, aqui se apresenta à frente de força armada, em atitude hostil, e pretende conferenciar com o ajudante general do exército?!... Em tais circunstâncias, não há conferência possível. Mande v. exa. intimá-lo a que se retire, e empregue a força para fazer cumprir essa ordem. Esta é a decisão única do governo(26)

Houve um momento em que julguei ia começar o desagravo da lei, ferindo-se o combate. Vi o sr. ajudante general montar a cavalo, seguido do seu estado maior e ouvi tiros na frente do quartel.

Esses tiros, porém, haviam sido desfechados sobre o meu bravo e leal colega, o sr. barão de Ladário, que, acudindo também ao apelo do sr. visconde de Maracaju, vinha juntar-se aos seus companheiros. Ao apear-se, intimado a render-se, resistiu, procedendo como era de esperar de um oficial general da marinha brasileira.

Diante de tanta inércia e lentidão, quando o inimigo se achava a poucos passos, — perguntei a mais de um militar se era assim que as coisas se passavam nos campos de batalha.

Dando, pela quinta ou sexta vez, a ordem de ataque à coluna sublevada, ordem, torno a dizê-lo, — que o sr. ministro da guerra repetia em voz alta ao sr. Floriano Peixoto, um jovem oficial, — creio que tenente, — que ali se achava, exclamou, dirigindo-se a mim: — «Sr. ministro, pese bem a responsabilidade que assume; é tremenda; vai haver uma carnificina horrível e inútil! »

Sem redarguir-lhe, voltei-me para o sr. ministro da guerra e disse-lhe:

— Este oficial falou ao dever militar; cumpra v.exa. o seu.

Em voz baixa advertiu-me ao ouvido o meu colega, sr. marechal visconde de Maracaju:

— Não sabe v. exa. quem é?... É filho do visconde de Pelotas.

Esta revelação, confirmando suspeitas que já me assaltavam, clareou-me a situação. Então tudo compreendi.

Não mais me surpreendeu, nem que, ordenando pela última vez fosse desalojada e expelida a força que seguramente havia já uma hora afrontava o quartel general, me prevenisse o sr. ministro da guerra que não poderíamos esperar vitória, — nem tão pouco que oferecessem ao ministério a retirada pelos fundos do edifício, o que terminantemente todos recusámos.

Não podíamos esperar vitória, assegurou-se-me, porque em poucos instantes a artilharia reduziria a ruínas o quartel.

— Mas essa artilharia pode ser tomada a baioneta, objetei; na pequena distância em que se acha postada, entre o primeiro e o segundo tiro de uma peça, há tempo para cair sobre a guarnição.

— É impossível! As peças estão assestadas de moda que qualquer sortida será varrida à metralha!

— Porque deixaram então que tomassem tais posições? Ignoravam isso?! Mas não creio na impossibilidade senão diante do fato. No Paraguai, os nossos soldados apoderam-se de artilharia em piores condições.

— Sim, observou o sr. Floriano Peixoto, — mas lá tínhamos em frente inimigos e aqui somos todos brasileiros.

Se eu pudesse ainda manter ilusões, elas se teriam dissipado ante essa frase.

Resolvi reunir o ministério para deliberar. Nessa última conferência, depois de ter o sr. ministro da guerra novamente declarado não haver possibilidade de evitar a derrota, após grande derramamento de sangue, porque, além de tudo, se receava defecção de considerável parte da tropa encurralada no pátio do quartel, todos os meus colegas opinaram pela capitulação do gabinete.

Exigi fossem consultados os generais Floriano Peixoto, barão do Rio Apa e Barreto, que se mandou chamar para a sala em que estavam os ministros.

Suspensa, entretanto, a conferência, aguardava eu ali sua continuação, quando se apresentou o sr. chefe de divisão Barbedo.

Vinha dar-me parte de que, apesar de muito ferido, o sr. barão de Ladário, se recusava terminantemente a recolher-se à sua residência, exigindo que o conduzissem para o meu lado. Fazendo-me ver a necessidade que tinha s. exa. de um tratamento imediato e mais completo do que pudera ser aplicado no primeiro momento, pediu-me que lhe fizesse chegar uma palavra, porque só a mim atenderia.

— «Pois bem! queira v. exa. dizer da minha parte ao sr. barão de Ladário que, agradecendo a sua dedicação e lealdade tão comprovadas, lhe rogo se recolha ao seio da família para tratar-se, — o que na ocasião é o maior serviço que me pode prestar. Queira dizer-lhe mais que esteja tranquilo, pois seus colegas não correm o menor perigo.»


Comparecendo o sr. marechal Floriano Peixoto e o sr. brigadeiro barão do Rio Apa, novamente se reuniram os ministros. Esperámos pelo sr. general Barreto, que não apareceu pela razão já conhecida dos leitores, graças às revelações do Jornal do Comércio(27). Entendemos prescindir de seu voto, atenta a urgência de uma solução. Ventilou-se do novo a possibilidade de resistência; os três generais contestaram-na insistindo nos motivos acima expendidos.

Por esta ocasião o sr. general Peixoto declarou que o marechal Deodoro exigia a retirada do ministério.

Ouvido o voto unânime dos profissionais, não possuindo naquela emergência outros elementos de ação, diante da opinão já manifestada pelos meus colegas, eu, fazendo sentir que repetidas vezes, instantemente e debalde, ordenara que os sublevados fossem batidos em caminho, e, ainda depois de se haverem postado diante do quartel general, que os desalojassem daquela posição à viva força, no que fora desobedecido, declarei que me resignava às circunstâncias e passaria por telegrama a S. M. o Imperador pedido de exoneração do ministério.

Ato contínuo redigi o telegrama nos seguintes termos, incorretamente publicados em várias folhas, e encarreguei o diretor geral da secretaria da guerra, barão de Itaipu, de o ir pessoalmente transmitir pela estação central dos telégrafos:

— «Senhor, o ministério, sitiado no quartel general da guerra, à exceção do sr. ministro da marinha, que consta achar-se ferido em casa próxima, tendo por mais de uma vez ordenado debalde, por órgão do presidente do conselho e do ministro da guerra, que se repelisse pela força a intimação armada do marechal Deodoro, para pedir sua exoneração, e diante das declarações feitas pelos generais visconde de Maracaju, Floriano Peixoto e barão do Rio Apa de que, por não contarem com a tropa reunida, não há possibilidade de resistir com eficácia, depõe nas augustas mãos de Vossa Majestade o seu pedido de demissão. A tropa acaba de fraternizar com o marechal Deodoro, abrindo-lhe as portas do quartel.»

Não era ainda conhecida a resolução do ministério, quando soaram estrepitosas aclamações no interior do quartel general. Soube que aberto o portão, — ignorando-se por ordem de quem, — o marechal Deodoro nele entrara a cavalo e recebia aquelas ovações, ao percorrer as linhas dos diversos corpos. Aos vivas sucederam se toques festivais e uma salva de artilharia. Não havia que duvidar: — a força armada solenizava o seu triunfo contra os poderes legalmente constituídos, que devia apoiar e defender.

Decorrido algum tempo, seguido de numerosíssimo cortejo, apresentou-se o marechal Deodoro na sala em que estava reunido o ministério. Encaminhou-se para mim, depois de haver dirigido ao sr. visconde de Maracaju esta saudação:

— «Adeus, primo Rufino

No meio do mais profundo silêncio, cienticou-me de que se pusera à frente do exército para vingar as gravíssimas injustiças e ofensas por ele recebidas do governo, as quais enumerou, como depois direi. Só o exército, afirmou, sabia sacrificar-se pela pátria e, no entanto, maltratavam-no os homens políticos, que até então haviam dirigido o país, cuidando exclusivamente dos seus interesses pessoais. Apesar de enfermo, não se pudera escusar a dirigir os seus camaradas por não ser homem que recuasse diante de coisa alguma, temendo só a Deus. Aludiu aos seus serviços nos campos de batalha, comemorando que pela pátria estivera durante três dias e três noites combatendo no meio de um lodaçal, sacrifício que eu não podia avaliar. Declarou que o ministério estava deposto e que se organizaria outro de acordo com as indicações que iria levar ao Imperador. Disse que todos os ministros podiam retirar-se para suas casas, exceto eu — homem teimosíssimo, mas não tanto como ele, — (assim se exprimiu) e o sr. ministro da justiça, que ficaríamos presos até sermos deportados para a Europa. Quanto ao Imperador, concluiu, tem a minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores. Seus direitos serão respeitados e garantidos.

Tendo ouvido com toda a calma e sem um gesto sequer, respondi:

— «Não é só no campo de batalha que se serve a pátria e por ela se fazem sacrifícios. Estar aqui ouvindo o general, neste momento, não é somenos a passar alguns dias e noites num pantanal. Fico ciente do que resolve a meu respeito. É o vencedor: pode fazer o que lhe aprouver. Submeto-me à força.»

Salva uma ou outra expressão que não pude conservar de memória, foi esta a minha resposta ao marechal Deodoro. Tal foi a minha atitude. Conservei sempre a maior serenidade e firmeza.

Apelo para as numerosíssimas testemunhas que assistiram à cena, militares e paisanos, quase todos indiferentes ou adversários. Entre muitos enumerarei o meu venerando amigo sr. marquês de Paranaguá, o sr. dr. Pizarro, o sr. barão de itaipu, o sr. repórter da Gazeta de Notícias, os srs. generais Amaral, barão de Miranda Reis, visconde de Souza Fontes e o sr. major Serzedelo. Apelo também para o sr. tenente coronel Benjamin Constant, cabeça do movimento e atual ministro da guerra do governo provisório, que se achava ao lado do marechal e acrescentando sempre que ele se referia ao exército: — e também à armada.

Se o sr. Benjamin Constant, que não despregou os olhos de mim um só momento, se qualquer outro homem de honra, desses que mencionei de momento, ou cujo nome não me ocorreu, e presente se achasse, afirmar que foi diverso o meu procedimento, confessar-me-ei indigno da estima dos meus concidadãos.

Faço este apelo por dois motivos: — li no País que eu pedira garantias de vida ao general vitorioso e constou-me que s. exa. dissera a alguém me haver eu portado vilmente em sua presença, — o que aliás me mandou afirmar, por parentes seus, ser inexato, à hora do embarque no arsenal de guerra(28).

Tudo sofrerei, menos que me queiram fazer passar por homem sem dignidade e sem coragem no cumprimento do dever.


Contra a minha deportação e a do sr. senador Cândido de Oliveira reclamaram o sr. Floriano Peixoto, outras pessoas entre cujas vozes me pareceu distinguir a do tenente general barão de Miranda Reis, bem como a do dr. Pizarro, este com o maior empenho e vivacidade. Muito lho agradeço (como a todos) e mais as manifestações de simpatia que naquele momento me prodigalizou, tranquilizando-me sobre o estado do meu colega, o sr. barão de Ladário.

Retirando-se o marechal para percorrer as ruas em triunfo, quis também sair, a fim de aguardar as ordens de S. M. o Imperador, o qual constava ter vindo para a capital.

Opuseram se, porém, vários oficiais e amigos, que se haviam encaminhado para o quartel general, ponderando aqueles que no estado de agitação em que se achava a cidade, poderia eu sofrer qualquer desacato e não faltaria quem o atribuisse à classe militar, com o que absolutamente eles não se conformavam.

Conservei-me, pois, ali até cerca de 2 horas da tarde, tomando então o carro, no qual, em companhia de meu filho, o dr. Afonso Celso, fui, sem o menor incidente, para casa de meu cunhado o barão de Javari, à rua da Ajuda, visto que no centro da cidade poderia mais prontamente cumprir as determinações de S. Majestade.

Por volta de 4 horas procurou-me o ajudante de campo do Imperador, tenente general barão de Miranda Reis, trazendo-me ordem de S. M. para ir imediatamente à sua presença.

Fui; o Imperador recebeu-me com a costumada delicadeza e serenidade de ânimo que jamais se perturbou. Inteirado do meu telegrama, mandou que lhe referisse os pormenores do acontecimento. Dei-lhos e renovei o pedido de demissão do ministério. S. M. recusou assentir, ordenando-me que continuasse. Escusei-me, dizendo:

— É impossível, Senhor. À vista do ocorrido, faltam-me os meios de bem servir ao meu país e à V. M.; — o gabinete está desprestigiado; sem o concurso da força armada, ou antes hoslilizado por ela, não posso responder pela ordem pública. O único serviço que neste momento me é dado prestar a V. M. é aconselhar a organização de novo ministério.

— Quem indica para organizador? perguntou S. M.

— O senador Silveira Martins; é o homem para a situação.

— Lembra bem; avise-o para vir falar-me.

— O sr. Silveira Martins está em viagem; deverá chegar amanhã ou depois.

— Logo que chegar, diga-lhe que venha entender se comigo. Advirta, porém, que só lhe concedo a demissão, porque o sr. entende não poder absolutamente continuar.

— Agradeço muito a V. M., mas o meu dever é retirar me. Cumprirei as ordens de V. M..

Recolhi-me novamente à casa do sr. barão de Javari, para comunicar aos meus colegas a resolução imperial e providenciar de modo a poder avistar-me com o sr. Silveira Martins, apenas entrasse a barra o paquete que o conduzia.

Fui arguido por um jornal — Novidades, — de não haver exposto ao Imperador toda a verdade, falando-lhe em uma simples mudança ministerial, quando já se tratava de suprimir as instituições.

Não sei se à hora em que comparecia no paço, estava proclamada a república na Câmara Municipal; a verdade, porém, é que o ignorava assim como todas as pessoas que me rodeavam.

O que sabia e acreditava era que o marechal Deodoro, segundo me declarara no quartel general, apresentar-se-ia ao Imperador para lhe impor o novo ministério, incidente que, como era do meu dever, não ocultei a S. M..

Fui informado da instalação do governo provisório, depois de preso, como passo a referir (28).

A minha prisão efetuou-se às 6 horas da tarde pouco mais ou menos. Cercada a casa do sr. barão de Javari, foi-me intimada de ordem do marechal Deodoro, por um oficial do estado maior, o 1.° tenente Veiga, acompanhado de um paisano, cujo nome não me ocorre.

Perguntei ao oficial se estava autorizado, no caso de me não entregar, a empregar a violência.

Respondeu-me que sim. Declarei-me então à sua disposição e segui-o.

A meu filho, que instantemente rogava o deixassem acompanhar-me, recomendei que ficasse ao lado da família, que nesse momento velava o cadáver de um dos nossos. Para que tivessem notícia do meu destino, bastava a presença do nosso distinto amigo dr. Honório Augusto Ribeiro, que não se quis separar de mim. Daqui lhe envio os meus sinceros protestos de reconhecimento pelas grandes provas de interesse o dedicação, não merecidas, com que me obsequiou, desde o momento da prisão até o embarque.

Tomámos lugar no carro o dr. Honório Ribeiro, o tenente Veiga e o preso de Estado. Foi nele também o paisano a quem aludi. Seguimos caminho do quartel da 2.ª brigada em S. Cristovão, precedidos de batedores, galopando um oficial ao lado e tendo por escolta numeroso piquete de cavalaria. Chegamos já noite. Fui entregue ao comandante da brigada, tenente coronel Silva Teles(30).

Não relatarei tudo quanto ali se passou nas 86 horas em que estive detido. Se jamais poderei esquecê-lo, muita coisa houve que só a mim interessa, porém nada à causa pública.

Episódios, todavia, se deram que não posso deixar em silêncio, porque servem para se aquilatar das atenções e consideração com que o governo provisório trata os seus adversários, e, segundo oficialmente afirma, mandou guardar para comigo.

Nas duas primeiras noites, arranjaram-me um leito numa sala de ordens, abertas a porta e duas janelas gradeadas, que deitam para o pátio interno do quartel, dois bicos de gás acesos, duas sentinelas à mesma porta e uma força de prontidão à próxima distância. Transferiram-me depois para um compartimento mais reservado, mas onde também não se perdia um só dos meus movimentos.

Na segunda noite tive de abandonar a cama por um pequeno sofá, porque a ensopara a chuva que do teto caía a cântaros. Nessa mesma noite, a de sabado, 16, mal conciliara o sono, quando (seriam 12 horas) fui repentinamente despertado por extraordinário clangor de cornetas, estrepito de armas e a irrupção no compartimento de um oficial de espada desembainhada e um cadete empunhando enorme revólver.

Obrigado a levantar-me vi-me durante cerca de três horas, entre a ponta de uma daquelas armas e o cano da outra, sob as repetidas ameaças de que a minha vida pagaria o que ia acontecer.

Ao mesmo tempo que isto acontecia, no pátio retiniam espadas, soava o tropel de cavalaria, a sair e a entrar, o passo apressado das praças que chegavam à forma, vozes de comando, recomendações imperiosas para que as armas estivessem carregadas, as patronas cheias de cartuchos, os cunhetes de outros convenientemente distribuídos, em uma palavra, percebia, distintamente, que se aprestavam ali os preparativos de um combate a todo o transe, aparato que não presenciara na madrugada de 15, quando, a chamado do sr. visconde de Maracaju, me fui meter no quartel general.

Por vezes ouvia, ao serenar a espaços o tumulto, a palavra irritada, naturalmente das praças de pret, — que se queixavam de não poderem dormir por causa de um homem e paisano, que tamanho incômodo causava a tanta gente, sendo tão fácil sossegar tudo com um tiro de fuzil!

O mais interessante é que perguntando eu aos que me custodiavam o que ia acontecer e eu pagaria com a vida, não mo souberam dizer ao certo! Ora afirmavam que o quartel general estava em chamas, ateadas pelos meus correligionários, ora que a marinha se batia com o exército; que a contrarevolução estava na rua, e, finalmente, que o quartel de S. Cristovão ia ser atacado pelos meus amigos, que pretendiam libertar-me!

Observei-lhes que tudo aquilo era uma crueldade inútil. Não se interrompia o sono de um homem, que não podia fugir nem se defender, para o ameaçar de provável fuzilamento de um momento para outro: — fuzilava-se in continenti. Se toda aquela inferneira se destinava a amedrontar-me, para o fim de me arrastar a alguma humilhação, iludiam-se, porquanto não era preciso ser soldado, e disso os convenceria, para afrontar a morte com dignidade.

Esta cena prolongou-se até quase ao amanhecer, vindo pôr-lhe termo o próprio oficial, que me anunciara estar próximo o fim da existência, o qual tendo saído a colher informações, voltou para me dar licença de novamente deitar-me e dormir sossegado, porque houvera apenas falso alarma!

Momentos depois compareceu o comandante, que naturalmente inteirado (não por mim, que jamais formulei a menor queixa) do que se passara me veio também tranquilizar, assegurando que assim acontecera por não se achar presente, porquanto fora obrigado a ir percorrer os postos avançados da defesa do quartel.

Para que maior fosse a minha tranquilidade, o sr. tenente coronel determinou ali mesmo, ao mencionado oficial que, ao primeiro indício de ataque ao quartel, me metesse no quadrado, ordem que depois me explicou não ter outra significação nem outro intuito — senão melhor garantir a minha segurança pessoal.

Com referência a este incidente, peço aos meus compatriotas que atendam ainda a esta local da Gazeta de Notícias de domingo, 17 de novembro, a qual pôs em sobressalto minha família e prova as boas disposições que nutria para comigo o novo governo:

«À meia noite, recebeu o sr. ministro da guerra comunicação telefônica de que um lanchão aproximava-se do quartel do 1.° regimento de cavalaria, trocando-se tiros de parte a parte. À 1 hora, o sr. ministro da guerra enviou uma força com ordem ao 1.° tenente coronel Silva Teles, comandante do mesmo regimento, afim de trazer o sr. visconde de Ouro Preto em um carro escoltado por todo o regimento, declarando ao oficial que, se em caminho fosse atacada a escolta, dissesse que estava autorizado a fazer fogo contra o prisioneiro


Certo não podia eu conjecturar, que me estivesse reservada a desagradável noite de 16 de novembro, à vista do que pela manhã ocorrera, pois logo cedo recebi a visita do ministro das relações exteriores, o sr. Quintino Bocaiuva.

Protestando seus sentimentos de estima individual, e lamentando que as necessidades da situação impusessem a minha detenção, não só para prevenir o mal que eu lhe poderia causar por meu prestígio e outros requisitos, que graciosamente me emprestou o sr. ministro, senão ainda para segurança de minha pessoa, vítima possível, nas circunstâncias de momento, de alguma imprudência ou desforço de vindita pessoal, me disse que atendendo ao meus desejos, resolvera com os seus colegas do governo provisório, facilitar-me o embarque para a Europa, no paquete Galileu, que nessa tarde devia partir, ou em qualquer outro que saísse posteriormente, contanto que não tocasse em porto algum do Brasil. Nessas disposições, ia informar-se de mim se preferia embarcar prontamente, afim de serem em tempo expedidas as ordens necessárias, pois o paquete levantava ferro de 2 para 3 horas da tarde.

Agradecendo a gentileza do sr. Bocaiuva, permiti-me retificar o engano em que laborava. Eu nenhum desejo manifestara ao governo provisório, nem fizera a menor reclamação, conformado como me achava com a sorte que me aguardasse, qualquer que ela fosse. Pouco antes, porém, de sua visita, fora informado pelo sr. barão de Javari e seu filho dr. Henrique Dodsworth de que eles, alguns parentes mais e vários amigos, julgando conveniente a minha ausência do país por certo tempo, empregavam diligências nesse sentido por intermédio do sr. dr Paulo de Frontin, diligências que eu não solicitara, mas também não contrariaria, condescendendo com os que dessarte por mim se interessavam, e que seguramente teriam para assim pensar e proceder motivos sérios e graves.

O sr. Bocaiuva redarguiu-me que tais motivos existiam realmente e que, no seu conceito, para segurança de minha pessoa, era indispensável que me afastasse do Brasil por algum tempo.

Assinalando a declaração do sr. ministro das relações exteriores e perguntando se dela me poderia servir, julgando-o necessário, ao que gentilmente assentiu, disse-lhe que, em tal caso, preferia embarcar naquele mesmo dia, desejando apenas, se não enxergasse nisso inconveniente, me fosse facultado passar, mesmo sob escolta, por minha casa, a fim de me despedir da família.

— A família será prevenida para se achar no arsenal de guerra à hora do embarque, respondeu-me.

E depois de me convidar a preparar-me para partir dentro de poucas horas, retirou-se.

Ao transpor, porém, o portão do quartel parece que mudou de resolução. O sr. comendador Paranhos, que acompanhou o sr. Bocaiuva e a quem eu pedira para prevenir um amigo que me fosse falar ao arsenal, à hora do embarque, veio comunicar-me que este fora adiado.

Nessa mesma manhã tivera eu ensejo de conhecer o sr. major Solon, comandante do 9.° regimento de cavalaria, que me dirigindo palavras corteses e amáveis, me assegurou que, enquanto estivesse sob a guarda da 2.ª brigada, a que ele pertencia, nada receasse.

Tanto este oficial, como o tenente coronel Silva Teles e o sr. Quintino Bocaiuva me haviam asseverado, que ordens estavam dadas para que me pudesse livremente comunicar com as pessoas de minha família, e, efetivamente, logo pelas 9 horas da manhã, coubera-me a satisfação de ver meu cunhado, barão de Javari, sua senhora e filhos.

Mas meu filho, o dr. Afonso Celso, que ali se apresentara também cedo não teve licença de entrar e só muito mais tarde o conseguiu, mediante autorização escrita do governo provisório.

Numerosos amigos meus, como o venerando sr. visconde de Sinimbu e sua exma. filha, o sr. senador Dantas, seus filhos e genro, o juiz de direito dr. Henrique Dodsworth, conselheiros Mafra, Costa Pereira, Bandeira de Melo, senadores Viriato de Medeiros e Leão Velozo, comendador Manuel Joaquim Pereira da Silva e muitos outros, foram despedidos do portão, fazendo-se-lhes saber que só com um passe do quartel general lhes seria facultado visitar-me.

Mas àqueles mesmos que no generoso empenho de me levar algum conforto, — e consolador me é recordar que muitíssimos foram, posto houvesse mandado pedir aos mais íntimos que não aparecessem para evitar cenas desagradáveis, — àqueles mesmos, digo, que se muniam de salvo conduto não era lícito falarem-me a sós e sim em presença de um oficial.

Compreende-se, pois, que as nossas conversações se limitavam a meros cumprimentos banais, ficando eu completamente ignorante do que se ia passando por fora.

Não se pode dizer que essa situação fosse a de incomunicabilidade, mas estava longe de ser o tratamento benevólo, que se mandou apregoar por parte dos que diziam ter derrubado um governo incapaz e odiado, mudando as instituições, com aplauso da nação inteira, que saudava a nova era de liberdade e fraternidade. Sobretudo, não se explicavam tantas cautelas, relativamente a um homem só, sem séquito, sem influência, prisioneiro, desarmado, e vergando ao peso da inculcada animndversão dos seus concidadãos.


Vem a pelo, porque daí resultam igualmente subsídios para a história, mencionar o que colhi das conversações com alguns oficiais, durante os dias em que com eles convivi.

Revelo-o, sem escrúpulos, pois tive a franqueza de os prevenir de que desejava obter esclarecimentos exatos para mais tarde, se conservasse a vida, transmiti-los ao público.

— A sedição militar de 15 de novembro estava de muitos dias preparada e teria lugar na noite de 9, a do baile da ilha Fiscal, se já então contassem os conspiradores com o apoio de uma parte, ao menos, da marinha.

Conceberam também o plano de cercar a secretaria de estado em que conferenciavam os ministros, para os prender e conduzir a fortalezas e quartéis, e, por último, ficou assentado que o pronunciamento se efetuasse por ocasião da festa que Sua Alteza Imperial pretendia oferecer, na noite de 17 de novembro, à oficialidade do couraçado chileno, sendo dessarte a um tempo sequestrados toda a Família Imperial, o ministério e quaisquer outras pessoas de que podessem recear.

O abandono dessa combinação, pela que se pôs em prática na madrugada de 15, foi determinado pelas conferências, que tive na manhã de 14, no Tesouro, com os sr. ministros da guerra e da justiça e com o presidente do Rio de Janeiro. Suspeitaram os conjurados que o governo recebera denúncia do levantamento e apressaram-se para que não houvesse tempo de completar as providências porventura tomadas.

— Convidado para aderir ao pronunciamento, o general Barreto não deu a princípio resposta decisiva e até pareceu infenso, o que se explicava pelo estremecimento das suas relações com o marechal Deodoro. Dois ou três dias antes, porém, num café da rua do Ouvidor, resolveu-se a mandar-lhe declarar que estava à sua disposição. Reataram-se assim as relações. Portanto, quando, segundo o Jornal do Comércio, pôs-se esse general no Campo da Aclamação às ordens do chefe rebelde, não obedeceu a um arrastamento momentâneo, cumpriu uma promessa, que tinha presente ao aceitar o comando da coluna para operar no flanco dos revoltosos e na ocasião em que me assegurou — saberia cumprir o seu dever.

— Ouvi com pasmo, e nem posso mesmo agora acreditá-lo, que pronta já a força que devia marchar sobre a cidade, se expedira de madrugada aviso ao marechal Deodoro de que estava à sua espera para se pôr a caminho. Tendo passado mal a noite, o marechal respondeu que não podia ir, e que chamassem o sr. ajudante general Floriano Peixoto, para assumir o comando! Como insistissem, o marechal apresentou se.

— A coluna que partiu do quartel de S. Cristovão, posto constasse de dois regimentos de cavalaria e um batalhão de artilharia, compunha-se apenas de 450 praças e 50 oficiais da Escola superior do guerra, que faziam o serviço de artilheiros. Contavam, porém, com os alunos da Escola militar que de fato se insurgiram e saíram armados para fazer junção com aquelas forças. Tinham todos os oficiais empenhado a sua palavra de honra, em documento escrito, de vencerem ou se deixarem matar até o último(31).

— No quartel general e, aparentemente, à disposição do governo, formavam o 1.°, 7.° e 10.° batalhões de infantaria de linha, o corpo policial da Corte, o de bombeiros e os contingentes da marinha. Não se temiam da guarda nacional, ainda em via de reorganização, nem o governo cogitou de lançar mão desse recurso, que julgou desnecessário.

— Logo que os sublevados tomaram posição no Campo da Aclamação, foram informados não só da força que havia dentro do pátio do quartel general, como da respectiva formatura. Algum receio lhes inspirou o corpo de bombeiros, pelo que trataram de assestar a artilharia de modo a dizimá-lo de preferência.

Momentos depois, porém, mandou preveni-los o oficial que comandava uma força de marinha, com duas metralhadoras, — que não se preocupassem com elas, porque ao começar o combate voltar-se-iam contra os bombeiros.

— Estes não tomaram parte nas ovações que recebeu o marechal Deodoro ao lhe ser franqueado o ingresso no quartel e nem acompanharam a marcha triunfal; conservaram-se na posição que em começo lhes foi designada, até receberem ordem de recolher.

— O comandante do corpo policial da corte, coronel do exército Andrade Pinto, não consentiu que ele levasse as armas carregadas, ao partir para o quartel general(32).

— Eis o que me foi referido sobre os sucessos do dia 15 de novembro pela oficialidade do 1.° regimento de cavalaria e de outros corpos, que ali se reuniam, — à parte os motivos de descontentamento do exército, próximos e remotos, que me expuseram e dos quais tratarei mais adiante.

Aí fica para o futuro historiador fonte abundante de proveitosos esclarecimentos.

Ao escurecer o dia 18, parou à porta principal do quartel de S. Cristovão um oficial de cavalaria, acompanhado de ordenanças, e se dirigiu ao tenente coronel Silva Teles, que depois de o ouvir, me convidou a segui-lo para a sala próxima.

Ali em roda de oficiais me disse: — O sr. oficial vem trazer uma mensagem do governo provisório.

Entregou me um ofício. Continha, sem uma palavra de explicação, três passaportes, um para mim, minha senhora e dois filhos menores, dois outros destinados a meu filho dr. Afonso Celso e meu genro dr. Paula Lima e respectivas famílias.

Indagando do comandante a que horas sairia eu do quartel, disse-me que às 7 da manhã seguinte. À essa hora ali compareceu novamente o sr. ministro das relações exteriores, que tomando-me em seu carro, acompanhado de luzido esquadrão de cavalaria, conduziu-me ao arsenal de guerra, que encontrei preparado como para repelir um assalto.

Ali, pouco depois, foram ter minha família e alguns amigos que se puderam informar da hora do embarque; a bordo do paquete tive a satisfação de abraçar muitíssimos outros.

o sr. Bocaiuva acompanhou-me até o cais: ao despedir-me, agradeci-lhe as gentilezas pessoais que comigo tivera, estimando que pudesse prestar serviços à nossa pátria.

Na lancha que me levou ao vapor alemão Montevidéu, proibido de tocar em qualquer porto do Brasil e com destino a Hamburgo, — embarcaram quatro oficiais, completamente armados. Conservaram-se a bordo até levantar-se a âncora e depois na mesma lancha pairaram nas imediações até que o paquete singrou barra fora.

Antes de passar a outro ponto, devo, em abono da verdade, declarar que, salvos os incidentes já referidos e que atribuí a ordens superiores, em geral fui bem tratado pela oficialidade do exército com a qual me achei em contato. Alguns de seus membros fizeram mesmo jus ao meu reconhecimento, repelindo e contendo com cavalheirismo e espontâneo impulso manifestações desagradáveis a que dois únicos alferes se entregaram. Não declino o nome dos primeiros para os não expor à odiosidade dos dominadores; guardo-os todavia em eterna lembrança.

Pude verificar, porém, que no ânimo deles e especialmente dos mais jovens, aliás inteligentes e muito mais instruídos do que se supõe, dominam infundadas prevenções contra as classes civis, que julgam lhes serem infensas, não levados por fatos que exprimam tais sentimentos, mas pela astúcia e pertinácia com que falsos amigos trataram durante muito tempo de incutir-lhes tão injusta quão errônea crença. Dela esperavam tirar partido grosso, sem absolutamente se preocuparem com os verdadeiros interesses daqueles que assim arrastavam a infringir o principal dever e a mais nobre virtude do militar — a disciplina, — que, ao mesmo tempo, constitui sua força e suprema garantia.

Os agravos do exército contra o governo, quais os ouvi articulados, são puramente imaginários, como demonstrarei, e em caso algum poderiam autorizar a deposição do governo legal e muito menos a mudança das instituições pela força armada.


Quais esses agravos, declinou-os o chefe do governo provisório.

Outros ouvi no quartel da minha prisão e enumerava-os a imprensa, que fomentou a desordem.

Nessas arguições algumas são peculiares ao ministério a que tive a honra de presidir, outras compreendem todos os governos anteriores, ou antes, os poderes constituídos.

Examinarei rapidamente todas elas.

As arguições que não podem ser levadas à conta do ministério decaído, mas à de todos os seus antecessores, ou melhor, dos poderes constituídos, são as seguintes:

 

1.ª
Nenhuma influência do elemento militar no governo do país.

 

Não é essa a sua missão, em país regularmente organizado. A força armada não deve governar pela óbvia razão de que para lhe resistir aos desmandos fora mister que as outras classes se armassem também, situação intolerável e absurda.

Mas, a verdade é que, no Brasil, aos representantes do exército e da armada não estavam tolhidos os meios pelos quais podiam, como quaisquer outros cidadãos, aspirar ao voto popular, ter entrada no parlamento, e ascender aos altos cargos da governação do Estado.

Não raros foram deputados, senadores e ministros. Caxias, Rego Barros, Manuel Felizardo, Belegarde, Jerônimo Coelho, Delamare, Osório, Pelotas e muitos outros eram militares e governaram.

Nenhum homem político teve nunca maior prestígio do que o primeiro desses generais.

Do ministério último faziam parte dois militares.

Ao invés de negar-se-lhes influência nos negócios públicos, via-se no Brasil o que talvez em nenhum outro país. aconteça: — pleiteiarem livremente eleições em hostilidade franca ao governo e escreverem contra ele na imprensa, militares do serviço ativo, sem que daí resultasse o menor tropeço para a sua carreira.

 

2.ª
Insuficiência do soldo.

 

É a sorte comum de todos os funcionários no Brasil.

Não há categoria, não há classe que tenha vencimentos avultados, relativamente à sua posição. O Imperador era o soberano que gozava de menor lista civil, quase toda despendida em benefício dos pobres, ou obras de utilidade pública. Vivia sem fausto e com maior simplicidade do que muitos dos seus súditos. Entretanto, o militar tinha sobre todos os outros servidores da nação uma grande vantagem — legar à família metade do soldo.

 

3.ª
Injustiças nas promoções.

 

É natural que se dessem, como as há em todos os países e em desvantagem de todas as classes de funcionários. Mas relativamente aos militares, essas injustiças eram em muito menor escala pelas regras estatuídas pura os acessos, a saber:

Que as promoções aos postos de tenentes e capitães se fizessem metade por estudos e outra metade por antiguidade. Que as de major, tenente coronel e coronel, metade por merecimento e outra por estudos. Que os postos de oficiais generais se preenchessem por merecimento, apurado por uma comissão composta do ajudante general do exército e dois outros generais, nomeados pelo governo. Essa comissão apresentava três nomes para cada vaga. Aí estavam todas as garantias possíveis.

O governo não exercia arbítrio, tinha de cingir-se a uma lista organizada pela comissão, cujo pessoal era naturalmente interessado em que não fossem preteridos os direitos da corporação a que pretencia.

Sirvo o meu país, envolvo-me ativamente nos negócios públicos há mais de trinta anos. E não tenho notícia do fuzilamento de uma única praça de pret sequer em todo esse largo período, salvas raríssimas exceções em acampamentos de guerra. Não me consta que nas fortalezas ou quartéis haja ou tenha havido oficiais cumprindo sentença. Se algum, ainda mais raro, foi a isso condenado, o tempo decorrido apagou-lhe a lembrança; não houve, em todo esse prazo, uma só degradação de posto.

As patentes militares eram vitalícias; nenhum oficial podia ser privado do seu posto, honras ou privilégios, senão por sentença passada em julgado dos tribunais compostos dos seus pares e por delitos previstos na legislação respectiva que, embora antiquada, lhes assegurava plena defesa.

As distinções honoríficas da nação, os títulos nobiliários e condecorações lhes eram facilmente concedidos, sendo quase exclusivamente militares os que os tinham mais elevados.

Os mais altos cargos administrativos, como as presidências de província e o conselho de estado, foram em todas as épocas conferidos aos generais habilitados.

O exército era pago em dia, alimentado abundantemente; seu fardamento regular, seu serviço levíssimo, pois, há muitos anos, se limitava ao de guarnição nas cidades. O Estado liberalizava-lhe escolas de todos os graus de instrução, mantendo-as até em número e luxo talvez excedentes às forças do erário público.

Que sorte adversa, portanto, que injustiças clamorosas sofria o exército, para juslificá-lo de se levantar contra os poderes legalmente constituídos e mudar de surpresa as instituições do país.(33)?

Agravou a sua situação o último ministério que apenas durou 5 meses? Praticou iniquidades, conculcando direitos e cometendo violências? Vejamos:

Contra o gabinete de 7 de junho articulou-se a acusacão de que pretendia abater o exército e até dissolvê-lo.

Nas considerações que precedem demonstrei já a improcedência de semelhante aleive, adrede urdido, e ao qual por todos os meios deram curso os jornais da oposição principalmente o País e o Diário de Notícias, cujos diretores, como já disse, fazem parte do governo provisório.

 

4.ª
Foi preso durante 8 dias no estado maior do seu batalhão, por ordem do presidente do conselho e ministro da fazenda, um oficial subalterno do exército.

 

Comandava o oficial a guarda do tesouro nacional; essa guarda foi encontrada em quase completo abandono, porque o comandante dormia e a mor parte das praças estava a passear.

Importava o fato séria irregularidade no serviço, que não podia ficar impune. A competência do ministro para conhecer da falta e impor a pena disciplinar era incontroversa: l.° por ser o chefe da estação pública onde essa irregularidade se cometeu, verificada em flagrante; 2.° por ser o imediato representante do poder executivo, a quem o exército está subordinado. Demais, a prisão foi intimada à ordem do ministro da guerra.

A prisão devia ser apenas por horas, mas foi elevada a oito dias porque, sendo proibido aos militares discutir pela imprensa assuntos de serviço, sem licença do quartel general, e em caso algum ofender em tais discussões seus superiores, no dia imediato publicou o delinquente um escrito relativo ao fato e desrespeitoso ao ministro que o prendera.

Mas, — sustentaram os dois jornais anarquistas, — além de prezo, o oficial foi exautorado à frente da guarda que comandava. A exautoração consistiu em que sabendo não haver ele obedecido à ordem de prisão, inquiriu o ministro porque assim procedia e mandou a outro oficial de patente superior — que o conduzisse ao estado maior, dando de tudo parte ao ajudante general do exército. Teve isso lugar no próprio edifício do tesouro, sim, mas não à frente da guarda.

Requerendo conselho de guerra, acrescentou-se, para se justificar, não lhe foi isso concedido. É o governo juiz da necessidade ou conveniência dos conselhos de guerra requeridos pelos interessados. No caso vertente era uma inutilidade, porque fora ouvido o conselho de disciplina, que entendeu não ter havido irregularidade no procedimento do oficial.

Releva notar, entretanto, que pouço depois daquele fato, visitando o oficial superior do dia, na praça, a mesma guarda do tesouro, prendeu o comandante exatamente porque o encontrara a dormir como o primeiro.

 

5.ª
Foi demitido o diretor de uma escola militar a bem do serviço público.

 

Os lugares de diretores dos estabelecimentos de instrução militar são, como não podem deixar de ser, meras cominissões, sem prazo determinado, e de pura confiança do governo.

Os que os exercem são demissiveis ad nutum.

O diretor da Escola Militar do Ceará foi exonerado, a bem do serviço público, por dirigir oficialmente um telegrama insultuoso ao sr. visconde de Maracaju, seu superior por duplo motivo, como ministro da guerra e marechal de campo, cientificando-o de que não se prestava a cumprir ordem legal dele recebida.

 

6.ª
Teve ordem de embarcar para província longínqua um batalhão de infantaria que fazia parte da guarnição do Rio de Janeiro.

 

Compreendem todos que nenhum governo pode ficar privado da plena liberdade de distribuir, como julgar mais acertado, a força armada do país, dentro do próprio território.

Entretanto, razões especiais determinaram aquela providência. O exército do Brasil é pequeno, mas é óbvio que não se deve concentrar na capital, ficando as províncias, mormente as limítrofes com o estrangeiro, sem guarnição. A província do Amazonas, para onde partiu o corpo em questão, é a fronteira norte do Império. Ali se faz o contrabando em larga escala, ali se acumularam milhares de indigentes acossados pela seca do Ceará, elemento naturalmente disposto a perturbar a ordem pública e a pôr em perigo a propriedade particular(34).

Havia, pois, sérios motivos para que permanecesse ali um batalhão de linha, acrescendo que o Amazonas atravessa uma crise comercial, que o tem empobrecido. Em toda a parte do mundo a existência de um corpo militar em qualquer povoação aproveita ao comércio e às indústrias locais.

Demais, o exército passara por uma reforma que aumentou o numero dos corpos, reduzindo-lhe os quadros, para o fim de se poder colocar em cada província, pelo menos, um batalhão: — a província do Amazonas não o tinha, contando apenas poucas dezenas de praças.

Os agitadores propalaram que a providência era um ato de perseguição contra o oficial preso na guarda do Tesouro, porque foi designado para esse destacamento o batalhão a que pertencia, desde muito antes do incidente.

É manifesto, entretanto, que se o móvel fosse perseguir um simples tenente do exército, mais facilmente satisfaria o governo seus intuitos, transferindo o tenente em vez do batalhão.

Acresce que a designação foi feita não pelo governo mas pelo ajudante general, Floriano Peixoto, que, como já recordei, era persona grata ao exército.

A estas três acusações, — únicas(35), note-se bem, — repelidas e comentadas pelas folhas anarquistas, e que, ainda a serem procedentes, não justificariam perante a consciência dos homens mais exaltados um pronunciamento militar, juntaram os oficiais duas outras sem advertir que assim denunciavam disposições inadmissíveis e contra as quais todo o governo prudente se deveria precaver, a saber;

 

7.ª
Foi aumentado o corpo militar de polícia da cidade do Rio de Janeiro, dando-se-lhe melhor armamento.

8.ª
Tratou o governo de organizar a guarda nacional na mesma cidade.

 

Nestas duas medidas, transpareciam, afirmavam os promotores da desordem, séria ameaça ao exército.

Era necessidade sentida de longos anos o aumento do corpo militar de polícia da cidade e município do Rio de Janeiro. Por ele são fornecidos os destacamentos para todos os distritos e as guardas da Casa de Correção, de Detenção, do Asilo de Mendigos, da secretaria de polícia, dos teatros e jardins públicos; dele saem as rondas diurnas e noturnas em todas as ruas e praças, as ordenanças das autoridades, etc.. O governo elevou-o a 1.400 praças, que ninguém dirá sejam demais e nem mesmo suficientes para policiar extenso município e uma capital, que conta cerca de 500.000 almas(36).

Quanto ao armamento, não me consta que o substituíssem sob a minha administração, mas em todo o caso não se pode ver, de boa fé, uma ameaça contra quem quer que seja no fato de, procurando-se melhorar um corpo militar de polícia, distribuirem-se-lhe armas superiores às de que tivesse usado até então. Considerá-lo como tal é confessar pretenções que não se compadecem com uma polícia regular. Se o exército, compenetrado dos seus deveres, estava resolvido a não transgredi-los, a reorganização daquele corpo não lhe podia ser odiosa.

A mesma observação aplica-se à da guarda nacional. Nada mais fez o governo do que executar lei vigente em todo o império, exceto na capital, o centro de maior população e importância do país.

Entretanto, não é este o momento de guardar reservas, e resolvendo dirigir a palavra aos meus compatriotas, foi para usar da máxima franqueza.

Cônscio de que não atentava contra os direitos do exército e da armada e antes solicitamente atendia quanto possível às suas necessidades e conveniências, o gabinete 7 de junho, como tenho revelado, não acreditava em um rompimento, visto não lhe deparar pretextos.

Todavia, a prudência que assim se impôs não ia ao ponto de tolerar graves falhas de disciplina, que eram cometidas, ou deixar seus sucessores na triste situação em que aceitara o poder, sem recursos para fazer executar a lei em um conflito com o exército ameaçador e animado pela impunidade.

Reprimiu alguns atos de insubordinação cometidos na escola militar do Rio Grande do Sul e no laboratório pirotécnico do Campinho. Com referência aos distúrbios de Ouro Preto e às manifestações da escola superior de guerra, de que já dei conta, proveu de modo a que fossem cumpridas as disposições regulamentares, incompletas e ineficazes, é certo, porém as únicas vigentes.

E, ao passo que assim providenciava sobre os sucessos ocorrentes, não se descuidava do futuro.

Por esse motivo a reorganização do corpo militar de polícia e da guarda nacional do Rio de Janeiro, tendo por fim imediato satisfazer uma necessidade por todos compreendida e executar a lei, visava também não deixar o governo à mercê da força de linha, absolutamente sem outra qualquer em que se apoiasse para, se mister fosse, prevenir ou conter-lhe os desmandos.

Nao era isto uma ameaça, mas imprescindível cautela, natural e legítima, e que só podia ser mal recebida por aqueles que já alimentavam intuitos inconfessáveis e planos subversivos.

Nunca houve antagonismo entre o exército brasileiro e os corpos policiais, ou a guarda nacional de todo o império. Os conflitos travados ultimamente na capital de Minas entre algumas praças de linha e a respectiva polícia foram incidente isolado e de ocasião. E a prova é que cessaram imediatamente, logo que foram substituídas aquelas praças por outras também de linha.

Os corpos policiais e a guarda nacional sempre viveram na melhor harmonia com o exército em todas as épocas e especialmente na maior guerra que sustentou o Brasil — a do Paraguai, — na qual tomaram parte os corpos de polícia da corte e de mais de uma província, bem como a guarda nacional, sendo que, sobretudo a do Rio Grande do Sul, formou a maior parte das forças em operações.

De que, pois, se arreceava o exército? A escolha dos comandantes e oficiais dos batalhões criados no Rio do Janeiro prova que o governo os pretendia constituir de modo a inspirarem geral confiança. O corpo policial foi entregue a um oficial do exército, insuspeito aos seus camaradas, a seção de cavalaria a outro oficial do exército, aparentado com o próprio marechal Deodoro, e, pelo que toca à guarda nacional, os nomeados foram negociantes, capitalistas, proprietários, industriais, homens de letras e da imprensa, naturalmente interessados na conservação da ordem e da paz, na marcha regular dos negócios públicos e no progresso do país, onde tinham muito que perder, e, portanto, os menos próprios para servir de instrumentos a uma política de violências e despotismos.

Eram cidadãos independentes, chefes e representantes das famílias mais distintas, abastados, influentes, e se neles esperava o governo encontrar eficaz cooperação para manutenção da lei, deles vir-lhe-ia a mais formidável e invencível resistência se fosse seu desígnio transgredi-la.

Seria desses homens que desconfiava o exército? Nesse caso, o exército, se havia convertido em perigo público e louvores mereceria o governo, que acumulasse elementos capazes de lhe fazer frente.

Assim, o descontentamento que causavam estas providências, se descontentamento havia, outra coisa não demonstrava senão as disposições subversivas e anárquicas que minavam a força armada.

Demais, se contribuíram elas para o levantamento do dia 15, porque não demitiu o governo provisório o comandante do corpo policial(37) e a oficialidade da guarda nacional, dissolvendo os respectivos batalhões, como dissolveu o conselho de estado, o senado e a câmara dos deputados?(38) Porque consentiu que continuasse sob a guarda de um dos respectivos chefes o armamento da milícia cívica?

Já se vê que nada têm de sério estas arguições.

Alimentasse o governo o pensamento de aniquilar o exército e o primeiro passo a dar seria não preencher os claros abertos nos quadros das praças de pret por morte, baixa ou deserção. Ao contrário, esforçou-se sempre por manter completos esses quadros, não poupando para isso sacrifícios pecuniários, nem o emprego dos meios coercitivos a seu alcance, com o que contrariava as tendências naturais da população, em geral avessa ao serviço das armas.

Propalou-se, também, nas vésperas da sedição, como constara à redação do Jornal do Comércio, estar resolvida a retirada de diversos corpos do Rio de Janeiro para serem disseminados pelo interior das províncias mais distantes. É uma falsidade. Se as conveniências do serviço público o exigissem, não hesitaria o governo em determinar a marcha de qualquer batalhão, usando dos recursos ao seu dispor para que a ordem se executasse. Mas não foi expedida nem cogitada, do que podem dar testemunho o sr. ajudante general Floriano Peixoto, a quem haveria de ser transmitida e os arquivos das estações públicas, hoje em poder dos vencedores.

Fez-se ainda constar a ordem de prisão contra o marechal Deodoro, manejo que, à última hora, puseram em prática. Outra falsidade. Jamais passou pela mente do governo a prisão desse general. Resolvê-la-ia, indubitavelmente, se ao seu conhecimento viessem fatos que a autorizassem. Declarei, porém, já e ora repito, que as intenções do governo lhe eram favoráveis e até quase o último momento nenhumas razões tive para descrer da sua lealdade. Surgiu no meu espírito a primeira dúvida ao 1er a carta que recebi na manhã de 14, dúvida que comuniquei ao sr. ministro da guerra, na conferência que deixei relatada. E ainda nessa ocasião, a medida que me ocorreu, caso se verificasse a suspeita, foi a reforma e não a prisão, que só podia ser ordenada por fatos positivos de desobediência, indisciplina ou criminalidade comum. Não parecia natural que conspirasse um homem que guardava o leito e se dizia gravemente enfermo. Só acreditei que o marechal se pronunciava contra o governo quando tive parte de que marchava à frente da coluna sublevada.

Neste ponto, invoco igualmente o testemunho do sr. ajudante general e do ex-ministro da guerra, visconde de Maracaju.

Portanto, os motivos aduzidos para justificar a sedição de 15 de novembro, referentes ao exército, são cavilosos ou absolutamente destituídos de fundamento.

Tê-los-ia acaso suscitado o governo, com os seus atos de ordem política ou administrativa em outros ramos do serviço público?

O fato, já aludido de ter a Associação Comercial do Rio de Janeiro, em assembleia solene, representadas além de todas as opiniões políticas, todas as nacionalidades, e quanto o comércio, as indústrias, o capital e o trabalho possuíam de mais distinto, unanimemente resolvido dar as mais significativas demonstrações de apreço e reconhecimento ao presidente do gabinete de 7 de junho, e erigir-lhe mesmo uma estátua, prova que se esse gabinete não foi um benemérito, em nada comprometeu, pelo menos, a causa pública.

Releve-se, porém, para que a resposta seja mais peremptória, recordar em rápida resenha os atos desse ministério, que apenas durou 5 meses e poucos dias.

Seguramente ainda estão vivas na lembrança do público as circunstâncias em que aceitei o poder no dia 7 de junho do corrente ano.

Explorando os interesses contrariados pela abolição da escravidão, chegara a propaganda republicana ao maior auge, conquistando dia a dia novos prosélitos, especialmente nas classes da lavoura e do comércio, mais diretamente prejudicadas por aquele grande ato.

As demais classes importantes do país também se mostravam possuídas de profunda descrença ou completo desânimo; sentindo-se mal, todavia nada ousavam empreender para melhorar as próprias condições e promover o progresso geral. Descontentes da atualidade, nem sequer esperavam do futuro.

O partido conservador, de posse do governo desde 1885, fraccionara-se em dois grupos, que depois de se hostilizarem cruamente, confessaram-se impotentes para dirigir os negócios públicos, agravados por complicações e dificuldades, sob mais de um aspecto.

Tal era, em resumo, a situação, quando a confiança da coroa, confirmando a indicação do meu partido, cometeu-me a missão de organizar gabinete.

Apresentei-me às câmaras com um programa francamente democrático, comprometendo-me a realizar reformas liberais, que inutilizassem virtualmente a propaganda republicana e, de par com elas, medidas que melhorassem as condições econômicas e financeiras do país.

A repulsa formal da câmara dos deputados, em sua grande maioria composta de adversários, posto nada mais lhe pedisse além dos meios indispensáveis de governo, obrigou-me a dissolvê-la, convocando os comícios eleitorais para o dia 31 de agosto próximo passado.

Sem embargo do trabalho insano que importa sempre uma mudança de política na alta administração do estado, mormente seguida em tão curto prazo de eleições gerais, sabem os meus concidadãos quanto fez o gabinete de 7 de junho.

Pondo de parte a reorganização de vários serviços importantes, como entre outros o de engenhos centrais, mencionarei a criarão dos burgos agrícolas, a decretação de grandiosas obras para higiene e embelezamento da capital, a elaboração do Código Civil que se adiantou consideravelmente, conseguindo-se muito]mais nesses poucos meses do que até então em longos anos, a reforma do Código Criminal, a do processo das falências e a da grande naturalização, que ficaram concluídas para serem presentes ao poder legislativo (39), estudos e diligências para a solução da questão de limites com a Guiana Francesa e o tratado para chegar a seu termo, por via de arbitramento, a que existia entre o Império e a Confederação Argentina.

Simultaneamente e fiel ao seu programa, adotou o gabinete uma série de medidas que de maneira eficassíssima influíriam para a prosperidade e riqueza do país.

Foi assim que robusteceu e avigorou o crédito público, realizando as duas maiores operações financeiras que jamais se efetuaram, ambas nas condições mais favoráveis.

De uma resultou avultada redução da despesa pública pela conversão da maior parte da dívida externa, da outra auferiu o governo os meios pecuniários de que carecia não só para ocorrer aos compromissos do Estado, extraordinariamente aumentados por motivos de força maior, como a seca nas províncias do norte, senão para levar a efeito importantes melhoramentos materiais e empreender as obras de saneamento e embelezamento da capital do império.

Daí lhe vieram também recursos para prestar avultadíssimos auxílios à lavoura, desorganizada e abatida, proporcionando-lhe meios de reconstituir e desenvolver o trabalho, impedindo dessarte que se estancasse, ou pelo menos diminuisse grandemente, a principal fonte da receita pública.

Pôs o governo especial cuidado em facilitar as transações, tanto comerciais como industriais, e fomentando o espírito de iniciativa e associação, conseguiu que, no estreitíssimo período da sua gerência, fossem criados no país bancos, empresas e companhias em maior número do que os existentes até sua ascensão ao poder.

Contratou vantajosamente e iniciou o resgate do papel moeda, tornando realidade um desideratum que baldara todos os esforços dos poderes públicos, desde o ano de 1830.

Promoveu a celebração de tratados comerciais com várias potências, a fim de abrir aos principais produtos brasileiros novos mercados, aliviando-os dos pesados impostos, a que em alguns países estão sujeitos, impossibilitando-os de concorrer com os similares de procedência diversa.

Deixou terminada e em via de promulgação com aplauso de todas as classes interessadas, a reforma da tarifa das alfândegas, que conjuntamente com o desenvolvimento de várias indústrias nacionais determinaria o aumento da renda pública.

Finalmente, sem a menor violência, sem se socorrer aos meios de corrupção, sem o emprego de expediente algum ilegal para a aliciação de votos, e, ao contrário, garantindo a todos os partidos a mais plena liberdade de ação, sem o mais leve estremecimento da ordem pública, o gabinete de 7 de junho triunfou nas eleições de 31 de agosto em todas as províncias, reunindo imensa e ilustrada maioria na câmara dos deputados, que viria coadjuvá-lo na pronta adoção das reformas políticas e administrativas do seu programa, já consignadas em projetos que, como era notório, teriam de ser submetidos ao parlamento logo no primeiro dia útil das sessões legislativas.

Tais projetos convertidos em lei imporiam silêncio à propaganda republicana, demonstrando praticamente, que sob a monarquia constitucional representativa pode operar-se a máxima decentralização administrativa, com a maior expansão de todas as liberdades e garantias, em quaisquer manifestações da atividade humana, individual ou coletivamente considerada, sem os perigos e graves inconvenientes daquele outro sistema de governo, firmando em bases sólidas a unidade e a integridade nacionais, cimentando o progresso e a grandeza da pátria, pela colaboração não só de todos os seus filhos, mas de todos os estrangeiros que a ela se acolhessem com ânimo de permanecer, constituindo família ou patrimônio.

Batidos nas urnas, pois que, apesar da aliança com o partido conservador, não conseguiram senão eleger dois deputados, os republicanos apelaram, como recurso extremo, para uma sedição militar.

E ela fez-se, e triunfou em presença da nação, tomada de surpresa, e depois coacta pelas violências praticadas, que bem claramente revelaram até onde chegariam, para conservar o poder, os que dele se haviam apossado.

Não foi um movimento súbito, a obra de um dia; o golpe estava já preparado de muitos anos. Os primeiros pródromos da insubordinação do exército datam da terminação da guerra do Paraguai.

Ao regressarem as tropas, nas ruas do Rio de Janeiro foram desacatados os ministros por aqueles que entendiam terem sido poucos todos os sacrifícios feitos pela nação para recompensar a sua colaboração na vitória.

Desde essa época, sintomas graves de indisciplina foram-se reproduzindo e generalizando. Acalmaram sob o ministério Sinimbu em 1878 e 1879, graças ao prestígio do legendário general Osório, mas ele, o intemerato e avisado, bem os sentia latentes, advertindo ser arriscado desprezá-los.

Acentuaram-se sob o gabinete Paranaguá, mas dominou-os a energia do ministro da guerra Carlos Afonso, até que, sob a administração do seu sucessor, explodiram, tingindo as ruas da capital do sangue de um homem, assassinado pelas espadas e revólveres do exército, posto estivesse sob a proteção de um de seus oficiais.

Cerca de dois anos depois os militares compreenderam que tudo podiam ousar, desde que, para evitar luta fratricida, o ministério Cotegipe transigiu com suas imposições, confessando nobremente não ter ficado ilesa a dignidade do governo. Ao tempo do ministério João Alfredo levantaram sérios distúrbios em S. Paulo, arrancando-lhe a exoneração do chefe de polícia que cumprira o seu dever, e se não exigiram e não obtiveram mais, sob o mesmo gabinete, foi por virtude do derivativo da expedição de Corumbá, a qual proporcionou mando e comissões rendosas ao grupo mais irrequieto e turbulento.

Recordem-se estes fatos, estude-se a sua concatenação e gradação, atenda-se a que não só tão graves quanto condenáveis manifestações não encontraram corretivo, já pela benevolência e tolerância dos nossos costumes, e já pela fraqueza dos governos, continuando, ao invés disso, a serem promovidos e galardoados exatamente os que mais sobresaíam no desacato à lei e à autoridade, atenda-se também a que uma certa parte da imprensa, esquecida dos princípios que regem as sociedades cultas, sob pena de se aluírem as bases em que elas se firmam, aconselhava, animava e aplaudia tantos desmandos, e ninguém se admirará dos sucessos de 15 de novembro.

Eles consumaram-se, cumpre reconhecê-lo, no momento psicológico. Um pouco mais tarde não se verificariam, ao menos com tão fácil êxito. O governo teria tido tempo de predispor os meios de repressão.

Mas, desprevenidos os poderes públicos, desobedecidos e abandonados, na hora crítica, por aqueles em que mais confiava e devia confiar, a insurreição triunfou como não podia deixar de acontecer.


Conclusão.

 

Ignoro até hoje o que se tem passado no Brasil depois da minha partida, a 19 do mês findo. Aqui, na tranquila capilal das Canárias, apenas repercutiu o eco longínquo da queda da monarquia, ainda nem sequer oficialmente comunicada ao cônsul brasileiro.

Mas, se não tenho completamente obliterado o parco entendimento que Deus me concedeu, não é infundada a convicção de que não perdurará e menos fará a felicidade da pátria a república, que se levantou sobre os broquéis da soldadesca amotinada.

Vem de uma origem criminosa, realizou-se por meio de um atentado sem precedentes na história e terá uma existência efêmera, se não falham os supremos princípios da moral e da justiça eternas.

Quais as faltas, ou os crimes do sr. D. Pedro II, que em quase cinquenta anos de reinado nunca perseguiu ninguém, nunca se lembrou de uma ingratidão, nunca vingou uma injúria, pronto sempre a perdoar, esquecer e beneficiar, — que aboliu de fato a pena de morte, apoiou com dedicação e promoveu por todos os meios a seu alcance o progresso, a felicidade e a grandeza da pátria, sacrificando ao bem comum interesses, repouso e saúde?

Quais os males causados pelo príncipe, que despendia em obras beneficentes ou de utilidade pública a mor parte do que o Estado lhe oferecia, para o fausto de sua alta posição?

Quais os grandes erros praticados que o tornaram merecedor da deposição e do exílio, quando, velho e enfermo, mais devia contar com o respeito e a veneração dos seus concidadãos?!...

Pois trata-se como a um déspota, ou a um tirano, o chefe de Estado, que soube impor-se ao respeito e à admiração de todas as nações civilizadas, de modo que não se sabe dizer se mais simpatias e confiança inspira às monarquias da Europa, se às repúblicas da América, aos Estados Unidos, onde deixou um nome popular, ao Chile que o escolheu para árbitro nas suas questões mais complicadas, à república Argentina, à Oriental e à do Paraguai, para cuja liberdade direta e poderosamente contribuiu?!

A república brasileira, qual foi proclamada, é uma obra de iniquidade; não pode perdurar.

Nada significam as adesões que apregoa surgirem de todos os pontos do império. Originam-se do terror ou partem da multidão interesseira dos descontentes da situação decaída e daqueles que, ainda em maior número, esperam lucrar com a que se inaugurou, massa flutuante que adere a quem pode, no momento, fazer o mal ou distribuir favores(40).

Hoje ela já não será tão compacta como nos primeiros dias, porque muitas esperanças cedo se frustraram, muitas ilusões desapareceram. Querendo viver com todos, ninguém sustenta; insaciável, nada a satisfaz.

Devorar-se-ão entre si os que se aliaram para dominar o país, contra o voto por ele solenemente expresso de manter as instituições que o regiam, aperfeiçoadas pelas reformas indispensáveis ao seu progresso moral e material, isto é, desenvolvido o pensamento democrático do Ato Adicional à Constituição do império, e avigorada a autonomia dos municípios e províncias, até onde o permitisse a conservação da grande unidade brasileira.

Ou prevelacerá a caudilhagem militar, sacrificadas as liberdades cívicas, como em quase todos os estados sul-americanos, ou o exército será vítima dos demagogos de que se fez instrumento, iludido por falsos motivos, ou aliciado por promessas irrealizáveis.

Uma nação de homens livres não suportará por muito tempo tão intolerável regime, dissipado o assombro de que foi tomada, reagirá, impondo sua vontade soberana.

Por outro lado, é uma utopia a federação das províncias que inculca querer fundar o governo provisório. Como podem ser estados independentes, para não falar em outras províncias, o Ceará com as secas que periodicamente o assolam, obrigando o país a endividar-se para socorrê-lo, Sergipe, Alagoas, ou Piauí que, nem sequer podem pagar seus funcionários, oberados de compromissos pecuniários, sem recursos próprios e sem crédito? A federação nas circunstâncias atuais será o fracionamento da grande e esperançosa nacionalidade, que tanto custou a constituir-se e era justo orgulho da América Meridional.

A missão dos antigos partidos constitucionais, portanto, não está extinta: —tornou-se mais grave e mais melindrosa, e não incumbe já a eles sós, mas a todos os homens de critério, coração e consciência, porque é exatamente agora que a manutenção da paz e da tranquilidade públicas, a segurança dos interesses sociais, a fidelidade aos compromissos e o futuro da pátria correm perigo no Brasil.

Assim pensando, e visto que, compelido a ausentar-me do país, nada mais posso fazer para auxiliar os meus concidadãos, aconselho e daqui os exorto a que, sem recorrerem a desforço material, o que apenas daria azo a maiores violências do que as já cometidas, não poupem esforços nem sacrifícios para conjurar as calamidades que ameaçam a terra comum, que tanto estremecemos.

O terreno da luta deve ser o da tribuna, da imprensa e dos comícios eleitorais, que os dominadores prometem franquear a todas as opiniões.

Se a consulta que protestam submeter à nação fosse sincera e respeitado o direito de cada cidadão de preferir a forma de governo que entender, tenho por certo que seria segura a vitória da boa causa.

Não me iludo, porém, acreditando no cumprimento de semelhante promessa; as eleições serão feitas à feição dos que governam pela força e pelo terror e hão de entregar as províncias a procônsules armados, como eles, de todos os poderes e capazes de todos os excessos.

Mas os bons cidadãos desempenharão o seu dever e lavrarão solene protesto. Quando nada mais possam conseguir, evitarão a vergonha e a humilhação de passarem aos olhos do mundo como um bando sem crenças nem energia, incapaz de defender os próprios direitos, e, portanto, digno da prepotência que o oprime.

Serão poucos? Não importa; formarão o núcleo das futuras legiões, que hão de levantar-se, porque essa causa é a da lei, a da justiça e a dos grandes interesses sociais.

O sr. D. Pedro II não abdicou; subsistem seus direitos, assim como os dos seus sucessores diretos e legítimos, quais os garantiu a lei fundamental do estado; cedeu à violência; está privado de fato das suas prerrogativas, mas não as perdeu, porque só a nação podia tirar-lhas e a nação não se pronunciou no dia 15 de novembro(41).

Entretanto, se ela livremente sancionar o atentado, confirmando o advento da república, dever é de todo o brasileiro, que preze esse nome, respeitar o veredictum supremo e contribuir, na medida da sua capacidade, para que, observadas as normas do direito, da moralidade, e da moderação, possa o novo regime aumentar a grandeza e a prosperidade da Pátria (42).

 

Santa Cruz de Tenerife, em 9 de dezembro de 1889.
Visconde de Ouro Preto.


 

 

SEGUNDA PARTE.

 

Ainda os acontecimentos de 15 de Novembro de 1889(43).

 

(Aos meus concidadãos).

 

O Sr. visconde de Maracaju, ex-ministro da guerra do gabinete a que presidi, leu de ânimo prevenido a exposição por mim dirigida aos nossos concidadãos, acerca dos acontecimentos de 15 de Novembro do ano passado, que determinaram a queda do governo e a mudança das instituições no Brasil.

Era natural, pois, lhe faltassem, com a memória, a placidez e agudeza de espírito, que o caracterizam, quando escreveu a contestação que entendeu opor-me.

A prevenção do Sr. visconde originou-se, indubitavelmente, de um telegrama expedido desta cidade a certa folha do Rio de Janeiro antes da publicação daquele documento, e no qual imputou-se-me, entre outras inexatidões, havê-lo acusado de traição.

Daí veio ter o Sr. ex-ministro da guerra enxergado no escrito o que absolutamente nele se não contém, e a increpação de má fé, que me lança em rosto a tantas mil léguas de distância.

Contra ela nenhum desforço tomarei...

Não posso, porém, deixar sem contradita a narrativa do Sr. visconde, começando por uma declaração, que julgo conveniente.

Entre as falsas notícias a meu respeito enviadas desta capital para o Rio de Janeiro, por alguns indivíduos, que pensam assim recomendar-se ao governo provisório, figura a de que alterei a aludida exposição, à vista da resposta antecipada que por via telegráfica lhe deu o cidadão, que apoderou-se da pasta da fazenda(44).

É isto uma inverdade. Publiquei o Manifesto como foi redigido em Tenerife, segundo minhas impressões e reminiscências, — o que podem atestar não só os meus ilustres colegas conselheiros Cândido de Oliveira e barão de Loreto, ex-ministros da justiça e do império, a quem o li logo depois do meu desembarque, pedindo-lhes a fineza de me advertirem de qualquer engano porventura cometido, senão também o digno par do reino Sr. visconde de Melicio, redator e proprietário do Comércio de Portugal, cujas colunas cavalheirosamente franqueou-me.

O telegrama do Sr. Barbosa não podia influir para que lhe alterasse uma vírgula sequer, até porque não foi resposta, mas série de insultos gratuitos, que não me atingiram.


Isto posto, tomarei em consideração os pontos do artigo do Sr. visconde de Macaraju, que exigem comentários.

É o primeiro a asserção de que do meu manifesto transpira o intuito de desculpar-me, acusando S. Exa. de não ter agido no sentido de sufocar o movimento, sendo certo que deu muito a tempo as providências, que estavam na esfera de suas atribuições, ainda que chame eu a mim a autoria dessas mesmas providências.

Vamos por partes.

Não tive, nem podia ter o intuito de desculpar-me, pela óbvia razão de não me acusar a consciência nenhuma culpa.

Meu único intuito foi habilitar os nossos concidadãos e a posteridade a julgarem do meu procedimento com perfeito conhecimento de causa, descrevendo com escrupulosa fidelidade, e sem o menor resquício de paixão ou ressentimento, a situação em que me vi e o que pratiquei para fazer-lhe face.

A arguição, além de infundada, é contraproducente.

Tivesse eu necessidade de desculpar-me, e muito maior seria a do Sr. visconde de Maracaju, meu companheiro no governo, solidário comigo, e, o que é mais, militar, ministro da guerra, primeiro responsável, portanto, pelas medidas a adotar, em um conflito com a força armada.

Ora se, por um lado, o Sr. ex-ministro da guerra afirma e com toda a razão, que o gabinete a que pertencemos jamais cogitou de medidas odiosas contra o exército, e até revela a deliberação que tomáramos de melhorar-lhe a sorte (o que não referi para não parecer que pretendia captar as simpatias dos vencedores); se, por outro lado, declara que foram observadas em tempo todas as providências precisas para sufocar o movimento, deveria facilmente compreender que, tendo plena ciência de tudo isso, eu não podia sentir a necessidade de desculpar-me.

Não acusei o Sr. visconde de Maracaju de não ter agido convenientemente para sufocar a sublevação do dia 15, nem imputei-lhe alguma outra falta. Expus os fatos como os presenciei, ou deles fui informado por seus protogonistas e testemunhas, deixando à perspicácia dos leitores tirar do conjunto as ilações que julgassem razoáveis.

Se essa exposição reclamava retificações da parte de S. Exa., era seu direito e dever formulá-las, sem todavia atribuir-me aquilo de que não curei. Quando houver readquirido a calma habitual, releia o Sr. visconde o manifesto, e reconhecerá que não foi justo para comigo nessa parte.


Tão pouco chamei a mim, como pretende, a autoria das providências que S. Exa. assegura ter tomado durante o dia 14 e a madrugada de 15 de novembro, nem ainda agora contesto que o Sr. visconde as houvesse tomado.

Asseverei, sim, e repito, que — em atividade desde cerca de 11 horas da noite de 14, logo que recebi aviso do Sr. conselheiro chefe de polícia acerca do que se passava no quartel da 2º brigada, dei todas as ordens que mencionei, para a reunião e marcha das forças com que julgava poder contar, ordens que já estavam em execução, quando, às 2 1/2 horas da madrugada de 15, soube S. Exa. da revolta, em casa de seu irmão o general Rio Apa, e dali saiu para a secretaria de polícia, depois para o quartel-general e por último para o arsenal de marinha, onde após instantes chamados, tivemos o prazer de vê-lo, eu e os nossos colegas da justiça e da marinha, ao bruxolear do dia.

O que se verifica de minha exposição é que, a esse tempo, já eu tinha estado no quartel de cavalaria de Estácio de Sá, na secretaria de polícia, confirmando as ordens expedidas pelo digno Sr. conselheiro Basson, ditando outras e conferenciando com os Srs. ajudante general do exército e comandante do corpo de bombeiros; já me havia transferido para o arsenal de marinha e aí as dera também ao respectivo inspetor, ao do arsenal de guerra, ao coronel Pego, comandante do corpo de artilharia destacado em Santa Cruz, ao presidente do Rio de Janeiro, à estação central dos telégrafos, etc., primeiro por minha única iniciativa e depois de combinação com os Srs. ex-ministros mencionados, cumprindo assim, o melhor que podíamos, o nosso dever.

O Sr. visconde de Maraçaju pode entender-se com todos os funcionários que tais ordens receberam, antes que tivesse a bondade de aparecer-me, e reconhecerá que não chamei a mim a autoria do que a S. Exa. pertencia; narrei apenas o que pela minha parte havia feito.

Só aos dignos Srs. ministro da justiça e presidente do Rio de Janeiro lhe é impossível consultar, porque foram expelidos do país como eu; mas assevero-lhe que — aquele confirma quanto estou expondo, e logo ve-lo-á, e o segundo, antes de receber a recomendação escrita que levou-lhe o ajudante de ordens de S. Exa., para fazer embarcar o corpo de polícia da província, tivera de mim, e de viva voz, na véspera, a de concentrar na capital toda a força disponível, e na madrugada de 15, por intermédio de pessoa de confiança, a de ter pronta a seguir essa força, ao primeiro aviso, determinações que participou-me estarem cumpridas, antes da chegada do Sr. visconde de Maracaju ao arsenal de marinha.


Increpa-me S.Exa. por atribuir-lhe, ainda que dubiamente, haver-se propalado a falsa notícia da prisão do marechal Deodoro, por lhe ter eu falado em reforma daquele general, uma vez averiguado que animava ou promovia manifestações de indisciplina.

É outra injustiça. À fé de cavalheiro, afianço a S. Exa. que jamais passou-me pela mente dar-lhe coparticipação em semelhante boato. Nunca o julguei capaz de um ato de perfídia.

Francamente, o que suspeitei foi que, confiando a alguém talvez quanto entre nós se passara acerca da possibilidade da reforma, do abuso dessa confidência originara-se o boato.

Só posteriormente à publicação do manifesto, lendo os traços biográficos de diversos personagens do dia 15, insertos em um jornal do Rio de Janeiro, soube fora engendrada por um dos chefes, para o fim de precipitar os acontecimentos, aquela notícia que o biógrafo qualifica, conforme o senso moral da época, de hábil e patriótico estratagema de guerra.


Declara o Sr. visconde de Maracaju que não fez chegar ao conhecimento do governo as queixas do exército porque eram antigas e, como S. Exa., devia eu conhecê-las pelos jornais, acrescendo que durante dois meses esteve, por doente, afastado da pasta da guerra, tendo mesmo, por esse motivo, pedido exoneração, do que depois desistiu.

Reclama este tópico várias observações.

Em primeiro lugar, o Sr. visconde de Maracaju nele confirma quanto disse eu a respeito dos desgostos do exército para com o gabinete deposto: o ministério de 7 de junho não procedeu de modo a irritar o exército, contra o qual não alimentava má vontade. As queixas formuladas tinham por objeto fatos anteriores à sua organização e que, portanto, não podiam ser levados à sua conta, tanto mais quanto não fora solicitada reparação.

Ora, além de que eram infundadas estas queixas, como demonstro no Manifesto, a atitude do Sr. visconde de Maracaju bastava para convencer-me de que não fariam explosão sob um governo, que não as agravara de modo algum, antes, pelos meios legais, dispunha-se a melhorar a sorte da classe militar.

Membro do ministério, considerado por todos os colegas; tendo, nas deliberações dos negócios peculiares à sua pasta, a iniciativa e opinião decisiva que lhe competiam, tanto pelo cargo como pela competência profissional, o Sr. visconde de Maracaju não julgou necessário chamar a atenção do governo para essas queixas antigas, constantes apenas dos jornais.

Conseguintemente, em seu conceito não constituíam assunto tão grave ou urgente que devesse preterir os demais de que se ocupava. Porque de diverso modo considerá-las-iam os outros ministros, atarefados de múltiplas questões, dificílimas e melindrosas, resolvidas em uma administração de cinco meses, que nem os mais encarniçados adversários ousam acusar de esterilidade?!

A circunstância de ter estado duas vezes afastado da pasta, por enfermo, alegada pelo Sr. visconde de Maracaju, nada prova, porque mesmo do leito, com uma palavra escrita ou verbal, podia e devia S. Exa. despertar a atencão dos colegas para aquilo que julgasse urgente.

Os companheiros não o abandonaram na moléstia, visitaram-no com a frequência que os afazeres permitiam: uma recomendação de S. Exa. seria suficiente para exame imediato das reclamações do exército e sua satisfação nos limites do possível.

Coube-me a honra de receber mais de uma carta do Sr. visconde, ainda enfermo, sobre negócios de somenos importância, e de todos dei-lhe solução. Assim também podia escrever-me sobre as queixas do exército, se as julgasse justificadas e momentosas.

Não escreveu S. Exa. ao Sr. ex-ministro da justiça e interino da guerra, pedindo que suspendesse a partida do batalhão 22? Podia tê-lo feito, acerca de qualquer outra questão. Seu silêncio, portanto, era de natureza a tranquilizar-nos, embora estivesse doente e afastado da direção da pasta.

A propósito, releve S. Exa. dizer-lhe que o ato único do governo, praticado durante seu impedimento, que pareceu desagradar-lhe — a partida do batalhão 22 — afigurou-se-lhe acertado depois, ao saber que fora sugerido pelo ajudante general o Sr. Floriano Peixoto, e tanto que nada inovou ao reassumir o exercício do cargo.

Como quer que seja, não era convincente a razão aduzida por S. Exa. para pedir a suspensão da ordem de embarque, isto é, certificar-lhe o Sr. general Rio Apa, que o batalhão era bom e bem disciplinado.

Exatamente esses requisitos indicavam-no para qualquer diligência importante, e nem a província do Amazonas é presídio a que se destinem somente os incorrigíveis e relapsos.


Não contesta o Sr. visconde que me houvesse convidado a ir ter consigo no quartel general; nega, apenas, a razão que deu ao convidar-me, isto é — necessidade de minha presença para animar a resistência.

É um lapso da memória de S. Exa., tanto mais para estranhar-se quanto opõe à minha afirmativa uma razão inverossímil.

Diz o Sr. visconde, que tendo acedido ao convite, resolvi depois o contrário, a pedido dos Srs. ex-ministros da justiça e da marinha, únicos que se achavam presentes, sendo que mais tarde espontaneamente seguimos todos para o lugar aprazado.

Se a pedido de dois colegas —, que aliás não existiu, novo engano de S. Exa., — houvesse eu declinado do convite, por que razão mais tarde iria meter-me com todos eles entre as frágeis paredes do quartel-general?

A este respeito nada mais acrescentarei, remetendo o Sr. visconde de Maracaju para a seguinte carta do meu amigo o Sr. conselheiro Cândido de Oliveira. Ela recordará também a S. Exa. outros incidentes, de que está esquecido, e que igualmente contesta no seu escrito.

«Exmo. colega e amigo Sr. conselheiro Cândido de Oliveira. — Em artigo, que publicou no Jornal do Comércio de 14 de Janeiro, contestando alguns pontos de minha exposição, acerca dos acontecimentos de 15 de Novembro, o Sr. visconde de Maracaju afirma — não ter insistido comigo, na madrugada daquele dia, para que fosse reunir-me com ele no quartel-general, declarando que a minha presença era necessária para animar a resistência.

Afirma também que o convite não foi dirigido a nenhum outro ministro, os quais para ali se encaminharam espontaneamente.

Assevera ainda não se recordar de que, no quartel-general, e depois de se nos declarar impossível a resistência, nos oferecessem saída pelos fundos do mesmo quartel, ao que nos recusamos.

Conquanto nenhuma dúvida tenha acerca do testemunho de V. Exa., a quem li a exposição antes de publicá-la, pedindo-lhe, assim como ao nosso colega barão de Loreto, o obséquio de corrigir qualquer engano que porventura houvesse cometido, todavia, como pretendo responder ao Sr. visconde, rogo-lhe o favor de dizer-me por escrito o que souber a respeito daqueles fatos, ou quaisquer outros que sirvam para esclarecer a verdade.

Dupla fineza será autorizar-me a fazer uso da sua resposta.

Sou com estima e consideração. — De V. Exa. colega, amigo e patrício. — Ouro Preto. — Lisboa, 10 de Fevereiro de 1890.»

Eis a resposta do Exmo. Sr. conselheiro Cândido de Oliveira:

«Exmo. colega e amigo Sr. conselheiro Visconde de Ouro Preto. — S. C. em Lisboa, 11 de Fevereiro de 1890.

Passo a responder aos tópicos de sua estimadíssima carta que, datada de ontem, acaba de ser-me entregue.

1.° Na manhã de 15 de Novembro último achava-se V. Exa. no arsenal de marinha do Rio de Janeiro em minha companhia e na do Sr. barão do Ladário, providenciando no sentido de debelar a revolta militar, de que o governo tivera notícia na véspera, quando ali se apresentou o ministro da guerra, Sr. visconde de Maracaju, que, participando-nos as medidas que por si havia tomado, declarou-nos ser conveniente reunir-se o ministério na secretaria da guerra, para melhor homogeneidade de ação.

Observando-lhe V. Exa. que a permanência no arsenal seria talvez mais profícua, o Sr. visconde de Maracaju replicou, dizendo que a presença do presidente do conselho era necessária no quartel-general para animar a resistência. Por minha parte ponderei que o arsenal estava mais bem preparado para a defesa, sendo segura a comunicação pelo mar, ao que V. Exa. objetou que poder-se-ia supor que tínhamos medo; resolvendo então os ministros presentes (V. Exa. e os da marinha e justiça) seguirem para o campo da Aclamação logo que partissem os primeiros contingentes da marinha, que se estavam reunindo; o que se fez.

2.° Quando se convenceu o ministério na secretaria da guerra de que lhe faltavam, inteiramente, os elementos para sufocar o movimento, e que se achava, por assim dizer, todo ele prisioneiro no quartel-general, foi sugerida, não me recordo por quem, a ideia da retirada pelos fundos do edifício, dizendo o Sr. marechal Floriano Peixoto que isso não seria difícil.

A esse alvitre nenhum de nós anuiu.

3.° Quando chegámos à secretaria da guerra participou-me o Sr. visconde de Maracaju que havia nomeado para comandar interinamente a 2ª brigada o brigadeiro Barreto.

Não deixei de estranhar essa nomeação, que recaía, em um momento crítico, em um oficial exonerado pouco antes pelo ministério, e que podia guardar-nos algum rancor.

Recordo-me de que V. Exa. dirigiu-se ao novo comandante, dizendo-lhe que dele esperava o leal cumprimento do dever.

Eis o que sei em relação aos quesitos formulados, e pode V. Exa. fazer da minha resposta o uso que julgar conveniente.

Sou, com toda estima, colega, patrício e amigo. — Cândido de Oliveira


Pretende o Sr. visconde de Maracaju, que não apreciei bem o que me disse acerca de um oficial subalterno, quando as bocas de fogo do marechal Deodoro já estavam assestadas a poucos passos de distância contra nós, e eu repelia as ordens para serem atacadas.

É possível que me tenha enganado, mas consinta S. Exa. que reproduza as minhas palavras, para que os leitores, que certamente não as têm já presentes, possam verificar se houve ou não motivo para que a resposta de S. Exa. me abrisse de todo os olhos.

Eis o que escrevi:

«Dando, pela quinta ou sexta vez, ordem para ser atacada a coluna sublevada, ordem, torno a dizê-lo, — que o Sr. ministro da guerra repelia em voz alta ao Sr. Floriano Peixoto, um jovem oficial, — creio que tenente, — que ali se achava, exclamou, dirigindo-se a mim: «Sr. ministro, pese bem a responsabilidade que assume, é tremenda; vai haver uma carnificina horrível e inútil!»

Sem redarguir-lhe, voltei-me para o Sr. ministro da guerra, e disse-lhe:

— Este oficial faltou ao dever militar; cumpra V. Exa. o seu.

Em voz baixa advertiu-me ao ouvido o meu colega Sr. marechal visconde de Maracaju:

— Não sabe V. Exa. quem é?... É filho do visconde de Pelotas.

Esta revelação confirmando suspeitas que já me assaltavam, clareou-me a situação; então tudo compreendi.»

Ora, eu supunha que, na conformidade das leis militares, não é lícito fazer reflexões daquela natureza a uma ordem emanada de autoridade competente, e muito menos em momento de perigo incutir desânimo, constituindo este último fato crime gravíssimo, punido com todo o rigor marcial.

Por esse motivo, ouvindo as palavras de S. Exa. quando chamava sua atenção para tão condenável manifestação, compreendi que rotos estavam todos os laços e subvertidas todas as noções de disciplina e desprovido o governo de quaisquer meios de ação.

Se não compreendi bem a S. Exa., peço-lhe que me esclareça, pois estou pronto a reconhecer e arrepender-me do meu erro.


Confirma o Sr. ex-ministro da guerra uma parte importante da exposição, confessando que ainda no dia 12 de novembro, aludindo eu, em conferência, a avisos anônimos de que manifestações hostis se preparavam da parte do exército, tranquilizou-me S. Exa. a semelhante respeito.

Merece ser transcrito esse trecho. Diz o Sr. visconde:

«... Em outro ponto de seu manifesto, diz o Sr. visconde de Ouro Preto que recebeu muitas cartas anônimas, prevenindo-o que o exército queria revoltar-se, mas que o tranquilizei. Delas, porém, somente deu-me notícia S. Exa. a 12 de novembro, dia em que reassumi o exercício, do qual estava então afastado, não por dias, como refere S. Exa., mas por um mês e se naquela ocasião pronunciei-me de modo a não julgar iminente um movimento militar, baseei-me no que nesse mesmo dia me dissera o Sr. ajudante general, isto é, que o exército estava desgostoso com o gabinete, supondo que ele lhe era infenso, mas que nada havia a recear, posto corressem diversas notícias desagradáveis, sobre o que estava atento.»

Assim, três dias antes de serem as instituições políticas do país mudadas por alguns corpos rebelados, o Sr. visconde de Maracaju assegurava-me não haver motivo para recear-se um movimento militar, jurando nas palavras do ajudante general do exército.

Nessa ocasião não se referiu S. Exa., como parece dar a entender, a desgostos do exército contra o gabinete; aludiu, sim, a desgosto de um ou outro oficial desatendido em suas pretenções, acrescentando — recordo-me bem — como sempre os há em todos os tempos.

Se S. Exa. tivesse aludido a desgostos do exército contra o governo, é bem de ver que mais detidamente ocupar-nos-íamos do assunto, não nos limitando a uma conversa ligeira, como descreve o próprio Sr. visconde de Maracaju neste outro tópico:

«... No dia 12, como depois da conferência ministerial, onde ligeiramente se tratou das notícias que circulavam, me tivesse dito o Sr. conselheiro Lourenço de Albuquerque, na ocasião em que iam se retirando os ministros, que lhe constavam coisas desagradáveis sobre um pronunciamento militar, o que não estava de acordo com as informações do Sr. ajudante general, de novo fui com este entender-me, comunicando-me ele que já tinha providenciado e que esperava serenar os ânimos...»


Entende S. Exa. haver equívoco de minha parte, quando afirmo que também na conferência, do dia 14, véspera da sedição, tranquilizou-me sobre os resultados de um conflito, caso surgisse. O equívoco é da memória enfraquecida do Sr. visconde, como provarei com as suas próprias palavras.

A S. Exa. impressionaram as revelações e recomendações que lhe fiz, conforme minuciosamente narrei, mas nem mostrou-se sabedor daquelas notícias, nem receoso das consequências possíveis da sublevação, se ela estalasse; ao contrário, disse-me formalmente — «com a 1ª brigada (comandada por seu irmão) pelo menos conto eu

A prova de que o Sr. visconde nessa entrevista, a que compareceu a chamado meu, por volta do meio dia, não conhecia a situação nem tomara resolução alguma, resulta do seguinte trecho do seu artigo:

«Disse-lhe (a mim) nessa entrevista que ia conferenciar com o mesmo Sr. ajudante general, com os comandantes das duas brigadas, quartel mestre general, diretor do arsenal de guerra e com o intendente da guerra, afim de poder eu então tomar as necessárias providências e retirei-me.

Voltando à secretaria, informou-me o Sr. ajudante general que estávamos sobre um vulcão, pelo que na véspera, à noite, lhe constara e soubera do Sr. chefe de polícia (o que surprendeu-me), mas que esperava evitar qualquer pronunciamento com as providências que tinha tomado, já aludidas, e outras. Receando eu, à vista disso se desse algum acontecimento na noite de 15, quando estivesse o ministério em conferência, ou a 16, por ocasião do despacho, entendi-me com os chefes militares, já mencionados, e mandei vir cartuchame para os batahões e pólvora para o arsenal de guerra, no qual deviam ser preparados cartuchos para onze bocas de fogo de Krupp e seis de Withworth, que ali já se achavam e dei outras providências.»

Portanto, até o dia 14 de novembro, cerca de meio dia, quando conferenciou comigo no tesouro, nenhuma providência ocorrera ao Sr. visconde de Maracaju, para evitar ou reprimir qualquer movimento militar, tanto que surprendeu-se ouvindo logo depois o Sr. marechal Floriano Peixoto dizer-lhe:— estamos sobre um vulcão.

Só nesse momento, receando algum acontecimento na noite de 15, ou no dia 16, entendeu-se com os chefes e mandou vir cartuchame para os batalhões e pólvora para o arsenal.

Logo, é claro que antes da desagradável surpresa por que passou, não podia S. Exa. confirmar os receios que houvesse eu manifestado, e menos assustar-me, descrevendo-me uma situação de que não tinha notícia, e que, mesmo depois da surpresa, não julgou tão grave como realmente era.

Com efeito, militar brioso — primeiro responsável pela disciplina do exército, leal servidor da monarquia, se o Sr. visconde dé Maracaju não estivesse convencido, quando comigo conferenciou, de que dispunha o governo de meios suficientes para conter qualquer movimento; se, depois de ouvir o Sr. ajudante general, acreditasse realmente que estávamos sobre um vulcão, não se limitaria às poucas providências que tomou.

Na iminência de tão grave perigo, S. Exa. não se contentaria de mandar vir cartuchame para os batalhões e pólvora para o arsenal e recomendar vigilância ao ajudante general, retirando-se tranquilamente para a casa de seu irmão, sem verificar ao menos se aquelas ordens eram cumpridas, guardando para o dia seguinte a conferência com o Sr. barão do Ladário, ex-ministro da marinha, de quem podia esperar eficaz concurso para a defesa, e deixando de fazer-me, a mim, presidente do conselho, qualquer comunicacão.

Portanto, das próprias palavras do Sr. visconde de Maracaju resulta, com a transparência da luz meridiana, que ainda na manhã de 14, suspeitoso eu de que alguma coisa se tramava, e tratando de proceder como cumpria, não podia S. Exa. ter-me incutido dúvidas sobre a efetividade e eficácia de recursos suficienles para sufocar uma sublevação, a que S. Exa. dava tanto peso, que recolheu-se ao lar fraterno, a dormir em sossego.

Insisto nestes pontos em desempenho do meu dever. Não podia consentir que a fidelidade de minha exposição fosse posta em dúvida por pessoa da autoridade do Sr. visconde de Maracaju.

Não tenho contra S. Exa. resentimento algum, como parece acreditar. Sinto apenas uma mágoa, que com franqueza externarei, mas pela qual não culpo ao Sr. visconde, atribuindo-a à fatalidade do destino.

Se no dia 14 de Novembro o Sr. visconde de Maracaju, depois de surprender-se diante do ajudante general, me houvesse participado que ele nos julgava sobre um vulcão, se me tivesse podido avistar com S. Exa. antes da madrugada de 15, em que acudiu ao meu chamado, quando os corpos sublevados já se achavam de arma ao ombro, prestes a marchar; se algumas horas antes nos houvéssemos reunido aos nossos colegas, acredito que talvez tivéssemos defendido melhor a causa da lei e das instituições, a cujo serviço nos consagrávamos, convictos de que eram as mais convenientes à felicidade e grandeza da pátria.

Fatalidade, sim, porque o povo assistiu àquela cena bestializado, na frase do ex-ministro do interior, e o Brasil não tem hoje dias mais felizes do que sob o regime decaído, vendo confiscadas todas as liberdades políticas e civis, debatendo-se sob a ditadura da espada, pagando sem poder protestar os impostos, que a ela apraz exigir para malbaratar seu produto e ameaçado, além de tudo isto, de perder, com parte preciosa do território, naturais e insubstituíveis linhas de defesa, sem que à imprensa, atalaia outrora — e ainda bem! — tão vigilante, censor tão implacável e tão altivo, juiz tão severo e intransigente, outra coisa seja permitido senão aplaudir, louvar, louvar sempre... embora repassada de tristeza — laudans sed mœrens!

É isto o que profundamente deploro; esta a minha grande mágoa, que certo compartirá o Sr. visconde de Maracaju.

Visconde de Ouro Preto.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 1890.


 

 

TERCEIRA PARTE

 

Resposta ao sr. Conselheiro C. B. Otoni.

 

O sr. Cristiano B. Otoni foi um dos adversários com quem mais rijamente tive de bater-me na vida pública. São passados doze anos depois que pela última vez terçamos armas. Nesse período esqueci — sabem-no todos que nos conhecem — as desavenças que nos separaram e no meu ânimo apagaram-se quaisquer ressentimentos. Por sua parte, ao menos ostensivamente, também S. Exa. absteve-se de hostilidades.

Decaído agora da posição que ocupava, esbulhado dos meus direitos, banido da pátria, atira-me de longe o sr. Otoni, gratuita agressão. Levantá-la-ei para defender-me. Não esperava a investida, que todavia não me admirou. Assim devia acontecer, dadas as mudanças que se operaram no Brasil.

Alimentasse eu outros intuitos, além da justificação de meus atos, como funcionário público, e larga expansão proporcianar-lhes-ia o libelo que se intitula — O Advento da República no Brasil — firmado pelo meu comprovinciano e ex-colega.

Na ostentosa enumeração de títulos honoríficos(45), nada consoante aos sentimentos democráticos tão inculcados, que precede a narrativa, no amontoado de inverdades de que ela se compõe, nas contradições flagrantes de que está inçada, no esforço vão aí manifesto para arrogar-se o autor foros de antigo abolicionista, causa que aliás combateu no princípio e só advogou quando vencedora, no afã com que procura chamar sobre se a atenção pública, evitando a obscuridade e o esquecimento que o aterram, em todo esse quadro triste, fotografia moral do meu acusador, dignamente emoldurada pelo edificante contraste das loas entoadas aos potentados do dia, com as censuras arguidas ao soberano deposto, outrora tão requestado, — libaria eu a largos haustos o doce prazer, tão grato aos deuses da fábula, como ao sr. Capitão tenente reformado, — se não me repugnassem as práticas do meu irrequieto e implacável antagonista.

Mas os próprios antecedentes a que aludi impõem-me limites que não devo ultrapassar. Restringir-me-ei ao que me é pessoal, para mostrar-me isento das culpas imputadas.


Não prescinde o Sr. Otoni dos sediços recursos da velha tática. Aparenta modéstia e imparcialidade, protestando não escrever a história dos acontecimentos de 15 de nôvembro, mas tão somente oferecer aos futuros escritores os desinteressados subsídios de seu testemunho espontâneo. Para prevenir consciente exceção de incompetência por absolutamente suspeito para comigo, desde logo acusa com evangélica unção a possibilidade de erro nas apreciações, prometendo resgatá-lo pela correta exposição dos fatos e o desejo sincero de fazer às partes justiça merecida.

Tudo isto é decrépito e gasto. Descarnemos os argumentos e discutamos.

No conceito do sr. Cristiano, a queda da monarquia no Brasil proveio das seguintes quatro causas principais:

1° Abolição da escravidão doméstica;

2° Evolução natural da ideia democrática;

3° Queixas e descontentamentos da oficialidade do exército;

4° Descrédito que a política imperial lançara sobre as instituições(46).

O procedimento do ministério 7 de junho de 1889, a que tive a honra de presidir, agravou — e tal é a primeira increpação que me faz — a terceira dessas causas, determinando a explosão que Sa. Exa. quisera antes dever ao elemento civil e não ao militarismo, e que não obstante aplaude.

Para dedução da minha defesa importa apurar, no conjunto do requisitório, alguns quilates da valia que aos olhos de conciencioso historiador possam ter os subsídios, tão patrioticamente colegidos pelo meu adversário.

Se a ideia da abolição (passo a copiar o folheto) ainda que de iniciativa do imperador(47) fomentou no espírito público uma evolução que não mais recuou, (48) ganhando força e terreno com o apoio da mocidade educada nos novos princípios, dos jornais, das associações, das conferências e da propaganda(49); se essa evolução precipitou-se graças principalmente ao grave senão da lei de 1871, o abandono da escravatura então existente à sua misera sorte(50) e ao emperramento dos poderes públicos, que recusaram tomá-la a sério(51); se o projeto Dantas, ao ser apresentado, já não acompanhava a opinião do país (52); se a lei Saraiva foi atrasada, impopular e inexequível(53); se a barbaridade de um senhor de escravos foi a gota d’água na taça da indignação pública (54); se a abolição da pena de açoites proposta, rápida e quase unanimemente aprovada sob a influência dessa indignação, extinguiu virtualmente a nefanda instituição(55), condenada pelo povo que de fato a aboliu, forçando os poderes públicos a homologá-lo(56); se tudo isto assim é, e nem o contesta ninguém, que historiador poderá aceitar como causa da alienação das simpatias populares pela monarquia aquela medida, que tamanho acolhimento encontrou da parte da nação, avivou-lhe as energias e despertou-lhe o entusiasmo, ideia que a mesma nação quis e levou a efeito, obrigando os representantes da autoridade a segui-la e obedecê-la?!

Por outro lado, o sr. Cristiano Otoni, que propôs-se fazer o balanço da monarquia, cotejando o ativo que restringe com o passivo que deturpa ou exagera(57), acaso a incrimina, ou tece-lhe invejável elogio assim explicando a sua queda?

Que juízo predispõe para a pátria, na consciência dos vindouros, a testemunha, cujo depoimento a descreve condenando a monarquia, porque inspirada de nobre e generosa intuição impeliu o povo, que governava, para o caminho do bem e do justo, para a remoção de uma calamidade secular, satisfazendo a um tempo os reclamos da civilização e da humanidade, cobrindo-o de glória e consultando seus mais importantes interesses?!

O sr. Cristiano Otoni irroga a mais clamorosa injustiça aos brasileiros. A causa que enumera como a que principalmente influiu para a supressão da monarquia será eliminada pelo historiador. E sê-lo-á com toda a razão, porque a verdade, que a S. Exa. escapa, é que o descontentamento foi de uma classe e não de toda a nação, assim como não o provocou o fato da abolição em si, tão conforme à índole benévola e nobilíssima dos nossos compatriotas, mas a crença de que, na situação nova em que se encontraram os senhores de escravos, recusavam-lhes os poderes públicos a proteção e os auxílios a que se julgavam com direito e as próprias conveniências do estado requeriam.

Ora, quando restabelecida a calma e arrefecidas as paixões, apreciar-se devidamente, que parte de responsabilidade cabe à monarquia nessas queixas dos agricultores, ver-se-á que nem é dela a culpa, nem essa culpa real. De feito, principalmente contribuíram para que a lavoura não fosse de pronto atendida aqueles mesmos que mais tarde exploraram o seu desgosto com fins políticos.


No conceito do sr. Cristiano Otoni, o ministério de 7 de junho aumentou descontentamento da oficialidade do exército pelos seguintes motivos:

1° A ordem de prisão intimada pelo ministro da fazenda ao comandante da guarda do Tesouro, a severa repreensão que dirigiu-lhe e a incumbência dada a outro oficial para conduzi-lo preso, ficando a guarda sem comandante;

2° O pensamento de dividir o exército, distribuindo os batalhões pelas provindas;

3° A reorganização e armamento da guarda nacional(58).

Quanto ao primeiro fato S. Exa. observa: «Procedimento altamente irregular! Mais, requerendo o moço conselho de guerra para justificar-se, puseram pedra em cima do requerimento. E a oficialidade, irritada pelo fato em si, e mais, estimulada pelos comentários das folhas da oposição, fez sua a ofensa feita ao camarada. A crise agravou-se.»

E acrescenta: «estas linhas já estavam escritas quando li transcrito pelos jornais da capital, o Manifesto que publicou em Lisboa o visconde de Ouro Preto. O período relativo ao incidente do Tesouro, conquanto dê aos fatos cor diversa, confirma nos pontos principais a minha narrativa

Que o sr. Capitão tenente reformado qualifique de altamente irregular o ato de um minisiro que, em repartição a seu cargo, prende o comandante de um posto importante, por encontrá-lo em falta, é para mim absolutamente indiferente.

Entendo mesmo que sua apreciação não podia ser diversa. Assim deve raciocinar quem afirma(59) não ter sofrido ninguém pelo fato da sublevação de Dezembro do ano passado; pois não trouxe processo, prisão, nem castigo, tendo antes escrito: «o comandante do regimento foi posto em liberdade, houve a lamentar-se alguns ferimentos e três ou quatro mortes, e 50 e tantos soldados e inferiores foram condenados pelo tribunal militar, comutada em galés perpétuas a pena de morte imposta a 10 deles!»

Não admira também que, pelos processos de semelhante lógica, considere S. Exa. coisa insignificante o decreto que expeliu da pátria três concidadãos, dois dos quais seus colegas e comprovincianos, sendo estes últimos banidos, pena jamais aplicada em 50 anos de monarquia.

Estes conceitos dispensam averiguar os fundamentos das conclusões a que chega o sr. Otoni. São-me pois elas também indiferentes. Não o são, porém, a verdade dos fatos e a insinuação contra mim formulada.

Não é exato que se pusesse pedra em cima do requerimento do oficial preso, pedindo conselho de guerra. O ministro indeferiu a petição e estava no seu direito, pois era o juiz da necessidade ou conveniência de ser qualquer oficial sujeito ao referido conselho. Fora ouvido o de disciplina, que decidiu não haver irregularidade no fato. O de guerra era, pois, inútil.

Agora a insinuação. O sr. Otoni dá a entender que depois da revolução narrei o caso de modo a atenuá-lo ou, na sua frase: «dei-lhe cor diversa». Inexato ainda. Recorra ao Diário Oficial da época, que noticiou o incidente, tal como ocorrera, logo que as folhas oposicionistas começaram a explorá-lo, no intuito de irritar a oficialidade do exército. Essa notícia não difere da narrativa do Manifesto.

Como quer que seja, entretanto, o futuro historiador pasmará, sem dúvida, ao verificar que por ter sido preso durante poucos dias um oficial, cujo procedimento a autoridade superior com razão ou sem ela julgou irregular, o exército e a armada do Brasil insurgiram-se e vieram depor na praça pública o ministro que ordenara a prisão, o governo e as instituições, sendo logo depois banido o mesmo ministro.

O subsídio, que assim oferece o sr. Otoni às glórias da república, é verdadeiro presente grego para ela e seus heróis, — suponho eu.


O sr. Cristiano Otoni, querendo transmitir à história falsos boatos, já desmentidos pelos próprios que adrede os assoalharam, insiste em atribuir ao ministério 7 de Junho o pensamento de dividir o exército, distribuindo os batalhões pelas províncias.

Disse no Manifesto e continuo e afirmar — que o governo não teve tal pensamento, havendo unicamente expedido ordem para o embarque do batalhão 22, com destino ao Amazonas, pelas razões que então expus e em vista de proposta do ajudante general o sr. Floriano Peixoto.

Diante de tal asseveração nenhum homem prudente animar-se-ia a contestá-la sem exibir provas. O sr. Otoni, porém, julga-se dispensado de apresentá-las e declara categoricamente:

«A dispersão das forças começada a realizar-se foi o que precipitou a explosão logo transformada em revolucão política(60); o projeto da dispersão das forças foi tão notório e teve tal começo de execução que me espanta vê-lo negado no Manifesto de Lisboa.»

Começo de execução. Em que consistiu? Na partida de um corpo proposta pelo ajudante general, que nunca foi suspeito ao exército e quando a província do Amazonas não tinha guarnição suficiente para o serviço, havendo na cidade do Rio de Janeiro tropa demais para ela!

Notoriedade do plano. O que é notório, desde os primeiros dias da revolução, o que o sr. Otoni e toda a gente sabem, pois publicaram-no jornais geralmente lidos, é ter sido a notícia da ordem de embarque de outros batalhões propositamente divulgada por um dos promotores da revolta, para o fim de irritar os ânimos e precipitá-la, vangloriando-se ele mais tarde e sendo elogiado por esse ardil que chegou-se a qualificar de hábil e patriótico estratagema de guerra, o que prova entre muitas coisas ter a república brasileira mudado também a significação dos termos.

Os próprios autores do boato confessam ter sido falso; o Ajudante general do exército dá testemunho de que jamais se cogitara de semelhante medida; nos arquivos públicos dela se não encontra vestígio; mas o sr. Otoni meses depois, na calma do gabinete, mui calculadamente reproduz e registra a falsidade como subsídio à história à qual pretende transmiti-lo com a autoridade dos seus 80 anos, postos, títulos e comendas!

Pois bem! fosse ele verídico e ninguém daqui a alguns anos (como atualmente ninguém fora do Brasil) ninguém dentre os nossos compatriotas deixará de surpreender-se, vendo a ordem de marcha de alguns corpos, disponíveis na capital, para províncias que careciam de seus serviços, considerada entre os motivos do pronunciamento que derrubou a monarquia constitucional representativa, para substituí-la pela ditadura militar! Mesmo hoje somente manifestarão sentimentos e liguagem diversos os que se proponham a especular, lisonjeando o exército vitorioso e onipotente.


Ainda que no Manifesto já me ocupasse de refutar as pretendidas queixas do exército, a importância do assunto merece que acrescente alguma coisa ao que então disse e acabo de escrever. O sr. Otoni destinou-lhe uma grande parte do folheto. Os desgostos da classe militar, agravados pela atitude do gabinete 7 de junho, são uma das causas principais a que a posteridade deverá atribuir a revolta de 15 de novembro. Tal é o clamor dos interessados, a afirmativa em que insistem os militares e todos quantos pretendem as suas boas graças.

A história, porém, que se carateriza pela justiça e a imparcialidade não pode acolher o brado suspeito da classe, nem os embustes adrede inventados com afronta revoltante da verdade.

Apreciemos novamente os desgostos da classe militar e depois a atitude do gabinete de 7 de junho!

A política influía entre os militares; o interesse partidário prevalecia sobre os seus direitos e não raro reclamava-se o seu concurso como instrumento nas lutas eleitorais. Se assim era, culpa não cabe ao governo nem aos chefes políticos, mas aos mesmos oficiais, que se alistavam nos partidos militantes. É claro que ninguém se lembraria de confiar empreitadas eleitorais a quem previamente não as solicitasse, ou pelo menos se mostrasse apto para o seu desempenho. Não tinham, portanto, direito de estranhar a sorte comum a todos os cidadãos de partilharem a boa e má fortuna da causa a que se filiavam.

Havia injustiça nas promoções? E possível, já o disse no Manifesto. A quem, entretanto, aproveitavam essas injustiças? Se algum capitão, major ou coronel era preterido, a outro capitão, major ou coronel tocava o acesso. A responsabilidade do fato caía inteira sobre os chefes, que ajeitavam informações, fés de ofício, e documentos, ou sobre os próprios beneficiados, que haviam posto em jogo todos os meios ao alcance do seu interesse e ambição. Acaso algum bacharel em direito, engenheiro, médico ou lavrador, veio jamais preencher postos no exército, em prejuízo dos que nele militavam?

Para as suas fileiras todas as classes forneceram poderosos contingentes sempre que a pátria o reclamou. Elas, porém, vinham quinhoar tão somente os duros trabalhos de campanha, os perigos e a morte no campo de batalha. Terminada a guerra, despiam a farda e voltavam a ganhar laboriosamente a vida nas artes úteis. Nenhum paisano ficou pertencendo à classe privilegiada, usurpando aí os postos e os proventos, nem mesmo os que voltaram mutilados, ou mostrando em honrosas cicatrizes a bravura com que arrostaram o ferro inimigo.

Os demolidores, que afagavam a ideia da violência e da conflagração do seu país, durante anos exploraram as queixas do exército com toda a espécie de tramas e insídias. Mas o sr. Otoni, que viveu cinquenta anos no parlamento e na imprensa sem proferir palavra em apoio dessas arguições, apesar de major reformado, não tem o direito de oferecê-las à história sem indicar onde, quando, e como se deram os fatos que as justificam. Da classe militar, assim como da magistratura, do professorado, das letras e do comércio, saíam os homens mais eminentes para os mais altos cargos do Estado. Nunca foram excluídos os militares, quer das nomeações do governo, quer do voto popular.

No senado, na câmara dos deputados, no conselho de estado, na diplomacia, na administração, figuraram sempre diversas patentes do exército e da armada. Graças à sábia constituição, que nos legaram nossos maiores, o mérito era a chave única que abria todas as portas para os militares como para os outros cidadãos, quaisquer que fossem a sua origem e proveniência.

E, todavia, a classe militar era desconsiderada, a classe militar era oprimida e o gabinete 7 de junho aumentou a desconsideração, agravou opressão!

Mas, o gabinete de 7 de junho se organizou com um marechal na pasta da guerra, com um almirante na pasta da marinha, sendo esse durante os primeiros meses — o único capítulo de acusação, em que rufaram como tambores incansáveis os atuais ministros do governo provisório, constituído pelo exército e pela armada! O gabinete 7 de junho concedeu títulos e condecorações aos militares; colocou-os à frente das províncias como presidentes; removeu de Mato Grosso o general Deodoro e seu exército, que ali se julgavam em disfarçado exílio; distribuiu comissões e pensões que ainda hoje aproveitam aos que o rodearam de canhões e baionetas, ou o deixaram abandonado no momento supremo, a pretexto de que o sangue brasileiro devia ser poupado.

Sim, o sangue brasileiro devia e deve ser poupado! Mas não era brasileiro o sangue que vinham derramar os batalhões sublevados, se no campo da Aclamação encontrassem resistência? Não eram brasileiros aqueles contra quem se conjuraram os corpos da 2ª brigada e no interior dos quartéis, no silêncio da noite, afiavam-se espadas e aprestavam-se lanternetas? Não eram brasileiros os ministros, que defendendo as instituições, nada mais faziam do que cumprir o seu dever? Não era brasileiro o velho Imperador, que singrou os mares enfermo e alquebrado, sob os canhões do encouraçado Riachuelo, até que nos confins do horizonte sumiu-se a última plaga da terra a que serviu durante meio século, dedicada e patrioticamente?!

Como devem ser reconhecidos os vindouros ao sr. Otoni pelos subsídios que oferece à sua apreciação!

S. Exa., silencioso e mudo tão longos anos, fala agora em opressão do exército, quando o exército demitia chefes de polícia, presidentes, ministérios, e a imprensa demagógica, entre aplausos entusiásticos, não cessava de celebrar os seus triunfos, sempre que entrava em luta com os poderes públicos. Ousa afirmar a opressão do exército, quando S. Exa. mesmo relembra o fim trágico de Apulcho de Castro, e comemora a impunidade desse ostentoso assassinato, à luz do dia, numa das ruas mais públicas da capital do império, sob os olhos do próprio chefe de polícia e a poucos passos da secretaria de estado, onde conferenciavam os membros do governo!(*)

A opressão vinha do exército e ensaiou-se primeiro contra as leis e os depositários da autoridade pública, para mais tarde estender-se sobre toda a nação.

Se alguma acusação procede contra o governo com relação ao exército não é a de rigor e opressão, mas a de nímia condescendência, moderação extrema e fraqueza inqualificável. A verdade é que nenhuma classe foi jamais tão honrada, distinguida, cumulada de favores e vantagens, já pelo governo já pela legislação do país. Nenhuma goza e gozou em tempo algum de iguais prerrogativas e privilégios. À classe militar pertenciam os genros e neto do imperador. O príncipe consorte com assídua atividade tomava parte nos seus trabalhos, consagrando-lhe toda a dedicação e solicitude. Nunca se mostrou nos atos solenes senão trajando a farda de marechal, que honrara com mais de uma vitória à frente do nosso exército.

Creia o sr. Otoni, qualquer que seja hoje o poder da classe militar, não é digno do octogenário servidor da monarquia, e menos digno ainda é da história, a consciente repetição de balelas forjadas pela cavilação dos que pretendiam agachar-se um dia debaixo das patronas da soldadesca sublevada, para assaltar o poder supremo, iniciando no Brasil os pronunciamentos militares, que felizmente tendiam a desaparecer da América.

Não são sinceros amigos do exército os que afadigam-se em proclamar que sobravam-lhe razões e direito para o procedimento que teve no dia 15: querem tirar partido de seus resentimentos infundados a que a história fará severa justiça.

Mal do exército se deixar-se arrastar sempre por tão funestos conselhos! A sua verdadeira força, o seu prestígio, a sua garantia estão na disciplina, e o primeiro dever da disciplina é a obediência, o respeito aos poderes legalmente constituídos. Só o povo, só a nação têm o direito de derrubá-los, de substituí-los, e a nação assistiu bestinlizada à revolta de 15 novembro, na frase de um daqueles a quem o exército elevou ao poder, na ponta das baionetas.

Não há, em todos os países desta velha Europa, classe mais considerada do que a militar, exatamente porque abstém-se de querer influir na direção do Estado, timbrando na obediência e acatamento à lei. Na própria Espanha, onde era outrora instrumento de reações políticas, o exército compreende hoje por diverso modo a natureza de sua missão nobilíssima.

São recentes dois fatos significativos que vou assinalar. Em reunião íntima, na qual se achavam vários oficiais, o general francês Castex, respondendo a um toast que lhe fora dirigido, aludiu ao fato de ter sido preterido numa promoção. Não atribuía a injustiça ao ministro da guerra mas aos seus auxiliares. «O ministro é civil, disse o general, não conhece o exército, e por isso, muitas vezes é mal inspirado pelos que o cercam.»

Um jornal da localidade deu notícia da ocorrência, que chegou ao conhecimento do governo. Imediatamente esse general foi submetido a conselho de disciplina, o qual unanimemente opinou fosse exonerado do seu comando e posto em disponibilidade. Assim se decidiu em 24 horas.

Na Espanha, o general Daban dirigiu uma circular a vários oficiais, concitando-os a protestarem contra as arbitrariedades do governo que, no seu conceito, era infenso à classe militar. Publicada essa circular, sem demora o ministro da guerra infligiu ao autor a pena de dois meses de prisão em uma fortaleza. O general Daban era senador. O gabinete comunicou a resolução tomada ao senado, solicitando permissão para tornar efetiva a detenção do senador delinquente de crime militar.

Suscitou-se violento debate, sustentando alguns militares, também senadores, que o governo procedera irregularmente condenando o general Daban, antes de ouvir o senado. Venceu o gabinete, votando a favor dele vários generais. Daban seguiu para o presídio designado, porém foi indultado logo depois. Durante a discussão o general Martinez Campos, um dos mais veementes oposicionistas, declarou, que em hipótese alguma assumiria a responsabilidade de provocar uma sedição militar, por estar convencido de que a consciência nacional e a maioria do próprio exército a repeliriam sem remissão.

Confronte-se com isto o que aconteceu no Brasil. E há quem sustente haver sido justa causa, para a substituição das instituções pela ditadura militar, a prisão por oito dias de um oficial encontrado em falta, e que no dia seguinte trouxe à imprensa publicação ofensiva ao ministro que o prendera, a suposta ordem de marcha para a província de alguns corpos estacionados na capital e quejandas futilidades!!

Acaulele-se o exército contra amigos deste quilate.


Assinala o libelista, entre as causas de irritação do exército, a reorganização da guarda nacional do município neutro, iniciada pelo ministério de 7 de junho.

É fácil, porém, responder que a este respeito o exército obedecia a sentimento bem diverso da inculcada irritação.

Efetivamente, alegou-se que ele — não digo bem — que a oficialidade de alguns corpos aquarlelados no Rio de Janeiro descobrira afronta, ou desconsideração, no fato de pretender o ministério colocar a capital nas condições em que se achava todo o país.

A guarda nacional tinha chefes e estava alistada por toda a parte, menos na sede do governo.

Jamais houve luta entre a guarda nacional e o exército, que viveram sempre na maior harmonia. A guarda nacional foi em todos os tempos e em todas as campanhas o mais pronto auxiliar da tropa de linha, seu principal contingente e eficaz reforço. Foi com ela que o exército preencheu os quadros e aumentou as fileiras, quando chamado a combater pela ordem interna, ou pela defesa e honra nacionais.

A maior guerra que sustentou o Brasil foi a do Paraguai. Quem formou o grosso das forças que ali pelejaram durante cinco anos? A guarda nacional, sobretudo da província do Rio Grande do Sul e os corpos de voluntários da pátria, que em todas constituíram-se principalmente com os guardas nacionais. A instituição não podia portanto ser odiosa à classe militar, antes grata e simpática. Mas resolvida já a firmar seu domínio exclusivo, ela compreendeu que se a milícia cívica chegasse a receber a necessária instrução oferecer-lhe-ia séria resistência no dia em que saísse da legalidade. Cumpria impedí-lo e daí a explosão.

Por conseguinte, não foi a susceptibilidade do exército que se melindrou, não foi o seu orgulho que se ofendeu: quis acautelar-se contra um perigo eventual, suprimir um obstáculo. Esta verdade o sr. Cristiano Otoni lobrigou-a quando escreveu: »fora ingenuidade crer que a tropa de linha ameaçadora como se ostentava, esperasse a organização (a da guarda nacional) contra ela projetada»(61).

Assim, não eram o descontentamento ou a irritação que influíam no exército, mas outras considerações que a história apreciará com justiça, mormente atendendo a que o governo provisório, que destruiu tantas outras instituições do antigo regime, deixou de pé a guarda nacional da corte, em cuja oficialidade avultam hoje homens da sua maior confiança, que o apoiam com entusiasmo e aos quais há prodigalizado favores sem conta.

Diga-se que o aludido ato do ministério exprimia uma previsão, uma cautela, lógica e lícita, confessa o meu acusador, e eu não o contestarei; que traduzisse ameaça, absolutamente o nego. Em tal caso, tão inepto não seria o governo que entregasse a direção superior dessa força e sua instrucçâo a oficiais do exército e nas arrecadações deste depositasse o armamento que a ela destinava.


Estranha o sr. Cristiano Otoni, que houvesse eu afirmado no Manifesto a ingenuidade de não acreditar até à última hora na possibilidade de uma sublevação militar e perturbação da ordem pública, à vista dos antecedentes conhecidos do exército. Essa ingenuidade, segundo pensa, provaria da minha parte completa inépcia. Se aparentei tranquilidade de espírito, colocando-me na posição do capitão que diz eu não cuidei,—foi por faltar-me a dignidade dos vencidos para dizer: victrix causa diis placuit, sed victa Catoni!(**)

«A verdade, continua S. Exa., é que ocupando-me primeiramente das eleições, só quando as julguei seguras, quis acautelar-me contra o exército, que bem sabia estar prestes a levantar-se, mas era tarde.»

E a prova de que tinha plena consciência do perigo, o sr. Otoni a descobre na carta, que dirigiu-me o comandante da 2ª brigada, relativamente ao embarque do batalhão 22 publicada no Manifesto(62).

Irei por partes, recordando antes de tudo o que escrevi.

Não declarei que tivera a ingenuidade de convencer-me, até à última hora, da impossibilidade de atos de indisciplina e insubordinação da força armada; mas sim a de supor que não estava, nem podia estar iminente tão grave sucesso, qual o de virem exército e marinha depor na praça pública o governo legal, e as instituições fundamentais do país.

E, acrescentei, — em todo o caso confiava — que entre as forças arregimentadas não me faltariam elementos para, em um conflito, que de modo algum provocara, manter a autoridade e desagravar a lei.

Pronunciando-me por esse modo, enumerei as razões em que me fundava para assim pensar, não só em referência a uma parte do exército, aos corpos policiais da capital e de Niterói, sob a direção de comandantes em cuja dedicação devia o governo descansar, como relativamente à marinha que jamais registrara em seus anais um ato de rebeldia, acrescendo a circunstância de que motivos especiais autorizavam-me a contar com o seu apoio. Sem imodéstia posso dizê-lo: nenhum homem público fizera no Brasil mais pela corporação da armada, do que o chefe do gabinete de 7 de junho.

Tais são as afirmações do Manifesto. Não é lógico, nem leal destacar de longo escrito palavras ou trechos isolados e daí concluir para o pensamento nele expresso.

A minha ingenuidade, pois, consistiu na conviccão de que uma revolução e revolução militar, especialmente, não explode sem motivos sérios e graves; que não pode ser razoavelmente considerado inimigo de uma classe quem não a persegue, nem exautora, ao contrário, fizera já e fazia quanto estava a seu alcance em beneficio dessa classe, e, por último, que em país civilizado todo o governo legal, honesto e patriótico, encontrará quem o auxilie na defesa da ordem e das instituições. A minha ingenuidade, numa palavra, consistiu em acreditar que no momento de perigo, não seria o governo o único a cumprir o seu dever.

É isto inépcia? Resigno-me ao qualificativo; não, porém, antes de pedir aos meus concidadãos, aos contemporâneos e à história, que respondam às seguintes interrogações:

Podia e devia o governo suspeitar que, por exemplo, sem embargo de ordem expressa e terminante, o corpo policial, quase tão numeroso ele somente como todos os outros corpos do exército aquartelados na cidade, e sob o comando de oficial, que por suas relações de família e antecedentes era contado, ufanando-se de sê-lo, não só entre os mais dedicados adeptos da monarquia, para cujos representantes era personna gratissima, mas entre os mais sinceros e reconhecidos amigos do gabinete, podia suspeitar que o corpo policial marchasse para o campo em que devia combater sem espadas afiadas e com as espingardas descarregadas, bandeando-se ao simples aspecto do marechal sublevado?

Podia suspeitar que um general encanecido no serviço, já depois de haver garantido aos revoltosos o seu concurso, com eles feito há dias, se apresentasse no quartel general entre os defensores do governo e deste aceitasse, na hora crítica, o comando de uma coluna, protestando que cumpriria o seu dever, para momentos depois colocá-la sob as ordens do chefe inimigo?

Devia admitir a possibilidade de que o ajudante general do exército, o primeiro auxiliar do governo, no gozo da mais ilimitada confiança e de toda a benevolência, que podia dispensar-lhe o mesmo governo, o ajudante general (que seria o ministro da guerra se o sr. visconde de Maracaju insistisse no pedido de demissão) ainda no dia 13 escrevesse ao ministro da justiça: não dê importância ao gue por aí se trama; confie na lealdade dos chefes; na tarde de 14 dissesse ao mencionado visconde de Maracaju: espero tranquilizar os ânimos com as providências tomadas e outras; e na madrugada da revolta, a mim próprio, tranquilizasse sobre a eficácia da resistência, quando desde aquele dia 13 fora prevenido pelo marechal Deodoro da resolução que este tomara?

Muitas outras interrogações sugerir-me-iam inúmeros fatos revelados em publicações posteriores pelos agentes da sublevação e devera sujeitá-las aos que houverem de julgar o ministério 7 de junho.

Contento-me, entretanto, com as que deixo exaradas. Se foi inépcia não alimentar dúvidas semelhantes, e ainda mais não proceder sob a influência delas, eu fui grandemente inepto.

O que foram os outros, não quero nem me importa sabê-lo; o senhor Cristiano Otoni procederia por outra forma, creio. Questão de temperamento. Pela minha parte agradeço a Deus o que me deu.

É possível que o pronunciamento abortasse, se no dia 14, ao conceber as primeiras suspeitas sobre a iminência da crise, houvesse tomado medidas de rigor. Bastaria talvez mandar prender os que pudessem capitaneá-lo e dissolver os corpos da 2ª brigada. Só receávamos, disse-me na prisão um oficial de cavalaria, só receávamos um golpe de audácia, na véspera. Mas além de que tais medidas excediam a minha competência, e, ministro constitucional, não podia afastar-me da lei senão quando, em presença de sucessos gravíssimos, me convencesse de que a salvação pública corria perigo, não sei se encontraria quem cumprisse as minhas ordens. Na manhã do dia 15 fui desobedecido, embora me conservasse no terreno mais estritamente legal. As revelações depois feitas de fatos então desconhecidos, mostram a toda luz, que esse tentamen seria baldado, e magnífico pretexto teria eu então fornecido para a justificação dos excessos cometidos, que hoje procura-se explicar por meio de queixas imaginárias.

Não me pesa a consciência de não havê-lo feito. Circunstâncias há na vida em que mil vezes preferível é ser vencido, ainda mesmo correndo o risco da qualificação de inepto.

Honram inépcias dessa ordem. Emilio Castelar, chefe do poder executivo de uma república, poderia tê-la salvado a 2 de janeiro de 1874, dando um golpe de estado, como aconselhava o comandante militar de Madri, general Pavia, que punha à sua disposição os meios necessários, respondendo pelo sucesso. Quis antes ser vencido do que, como disse, sacrificar um átomo da legalidade.

É que o ilustre democrata espanhol não pensa como o democrata brasileiro Cristiano que o triunfo converte o rebelde em benemérito da pátria, e o atentado em ato de heroísmo, ainda que a vitória seja ganha contra os eternos princípios da justiça e da liberdade!


Escreve o sr. Otoni: «A propósito do embarque do batalhão 22 para o Amazonas transcreve ele (o visconde de Ouro Preto) uma carta de 11 de Novembro do barão do Rio Apa, comandante da 2ª brigada, carta em que se notam os seguintes trechos:

«Aceitei de bom grado a responsabilidade que V. Exa. e o sr. ministro da guerra interino me fizeram pelo embarque do 22: estou portanto desobrigado dessa responsabilidade.»

Logo, temiam desobediência du batalhão.

Em seguida afirmando que todos os corpos são disciplinados, acrescenta: o governo que lhes dê chefes que não queiram antepor a popularidade à disciplina e verá que o que digo é verdade.

A insinuação aos comandantes, diz mais o sr. Otoni, é transparente.»

As frases do sr. Rio Apa com as quais o sr. Otoni, fiel ao seu sistema, argumenta, são imediatamente precedidas por este período:

«Creia V. Exa. que todos os corpos do exército são disciplinados e que com eles o governo pode sempre contar

Esse, porém, não viu, ou finge não ver o meu contendor, assim como o seguinte:

..............

..............

«A disciplina é uma religião para os soldados e eles amam muito sua bandeira para darem-se em espetáculo triste à vista da população, desobedecendo ao seu governo. »

 

Logo, o próprio documento invocado pelo libelista e o fato a que ele se refere deveriam convencer o governo de que não eram dignos de fé os boatos, que até mim chegaram, de indisciplina e sublevação e cuja repressão confiei, sob sua responsabilidade, ao sr. barão do Rio Apa.

Propalara-se a notícia de que um batalhão de linha cuja partida para a província do Amazonas fora ordenada, em virtude de proposta do ajudante general, não cumpriria essa ordem. O governo incumbiu o Sr. barão do Rio Apa de fazê-la executar, ainda à viva força; o embarque, porém, teve lugar sem necessidade de qualquer esforço ou providência, e o general informou;

«Efetuou-se ontem à hora determinada o embarque do batalhão 22 de infanteria, na melhor ordem, não tendo havido a menor circunstância que denotasse pouca vontade no cumprimento da ordem do governo

A notícia, portanto, era falsa; mero aleive o boato de indisciplina e querendo precaver o governo contra balelas dessa espécie, assegurava-lhe o general: «O governo pode contar com todos os corpos do exército; eles são disciplinados; a disciplina é a religião dos soldados, que não darão o espetáculo triste de desobedecer ao seu governo

Verdade é que em uma das frases que o sr. Otoni apanhou, para sobre ela edificar o seu castelo, poder-se-ia descobrir insinuação contra algum ou alguns comandantes de corpos.

«O governo, disse o sr. Apa, que lhes dê chefes que não queiram antepor a popularidade à disciplina...»

Portanto, podia-se supor que houvesse chefes capazes de sacrificar a disciplina por amor da popularidade.

Mas, quando assim fora, em primeiro lugar porque desconfiaria o governo que em prejuízo seu fosse adquirida a popularidade a que aspiravam tais chefes, à custa da disciplina? Em segundo lugar, a suposição não podia recair sobre a 1ª brigada, porquanto, nessa mesma carta truncada pelo sr. Otoni, o barão declarava que todos os corpos da sua brigada eram muito disciplinados e cumpririam as ordens do governo. Em terceiro lugar, finalmente, uma simples insinuação, arriscada a 11 de novembro, não podia prevalecer no ânimo do gabinete, diante da formal segurança, dada pelo ajudante general dois dias depois, quando dizia: confie na lealdade dos chefes, que já estão alerta.

Conseguintemente, o documento com que o sr. Otoni julga mostrar que o governo não podia ter a tranquilidade que aparentava, era de natureza a infundi-la, se não existisse, e a fortalecer essa tranquilidade, que aliás, repito, não consistia na crença da impossibilidade de uma sublevação militar, mas na convicção de que não podia ela estar iminente e na confiança de, se irrompesse, não lhe faltarem meios de combatê-la e sufocá-la.

Para terminar nesta parte, direi que o sr. Otoni, no hábito inveterado de afirmar quanto lhe vem à mente, sem a indispensável verificação dos fatos, declara que, preocupado de preferência com as eleições, só depois de contá-las ganhas lembrei-me de reorganizar a guarda nacional, recurso lícito, observa, porém, moroso. Não é isto exato: se em um governo apenas de cinco meses ocupei-me principalmente de eleições, diga-o o país inteiro, em cuja memória deve estar ainda recente quanto fiz nesse curto período. Pelo que tóca às tardias providências, relativamente à guarda nacional, lembrarei que o gabinete organizou-se a 7 de junho e já a 13 de julho o ilustrado ministro da justiça, conselheiro Cândido de Oliveira, expedia o decreto n° 10.264, provendo sobre esse serviço.


Apreciando a marcha que me propus seguir no governo escreve o sr. C. Otoni:(63)

«Para conjurar a evolução democrática, o programa de reformas adiantadas em tese era lógico; mas nas circunstâncias da ocasião era inexequível; custa crer que o não reconhecesse a lúcida inteligênia do visconde de Ouro Preto. Toda a vez que avassala os ânimos uma ideia nova, capaz de transformar a sociedade, é essa ideia que deve separar os pleiteantes, é a favor dela ou contra ela que se disputa o poder. Monarquia ou república devia ser o que se pleiteasse, não a banalidade de partido da ordem e partido do progresso

Atribuindo-me pensamento que não tive, increpa-me o senhor Otoni por não haver tentado exatamente aquilo que procurei conseguir pelos únicos meios admissíveis!

Não formulei programa vasado nos antigos moldes do partido da ordem e partido do progresso; nem foi em nome dessa banalidade que pleiteei as eleições; apresentei largo programa de reformas democráticas, qual fora aprovado em congresso do meu partido e a cuja execução ele se comprometera.

Que objetivo visava eu propondo-me realizá-lo? Disse-o francamente ao Imperador ao ser convidado para incumbir-me do governo, e não menos francamente revelei-o à nação, quando compareci perante as câmaras:

«Agita-se, ponderei eu, propaganda ativa, cujos intuitos são a mudança da forma de governo. É precursora de grandes males, porque tenta expor o país aos graves inconvenientes de instituições para que não está preparado, que não se conformam às suas condições e não podem fazer a sua felicidade. É mister não desprezar essa torrente de ideias falsas e imprudentes, cumprindo enfraquecê-la, inutilizá-la, não deixando que se avolume. Os meios de conseguí-lo não são os da violência ou repressão: — consistem simplesmente na demonstração prática de que o atual sistema de governo tem elasticidade bastante para admitir a consagração dos princípios mais adiantados, satisfazer todas as exigências da razão pública esclarecida, consolidar a liberdade e realizar a prosperidade e grandeza da pátria, sem perturbação da paz interna, em que temos vivido durante tantos anos. Chegaremos a este resultado, empreendendo com ousadia e firmeza largas reformas na ordem política, social e econômica, inspiradas na escola democrática: reformas que não devem ser adiadas, para não se tornarem improfícuas; o que hoje bastará, amanhã talvez será pouco

Que reformas, porém, eram essas? Apontei-as com igual clareza; a saber, na ordem política:

«Plena autonomia das províncias e municípios;

Alargamento do direito de voto, admitido como prova de renda legal o fato de saber o cidadão ler e escrever;

Ampliação dos distritos eleitorais;

Temporariedade do senado;

Liberdade de cultos e seus consectários;

Efetividade de garantias ao direito de reunião;

Em outra ordem de interesses:

Reorganização do conselho de estado, constituindo-o corporação meramente administrativa;

Elaboração de um Código civil;

Lei de terras, facilitando a aquisição, sem ofensa do direito dos possuidores;

Conversão da dívida externa:

Amortização do papel moeda;

Equilíbrio da receita pública, com a despesa pelo menos ordinária;

Máxima redução possível nos direitos de exportação;

Fundação de estabelecimentos de crédito, principalmente de emissão e empréstimos hipotecários.»

Tais eram os meios, tais as armas com que pretendia contraminar a propaganda republicana e inutilizá-la, tirando-lhe toda a razão de ser.

Esses meios eram lógicos, — diz o Sr. Otoni; e, portanto, acertados e eficazes, concluo eu. Ora, a sanção nacional para esses meios, expressa na maioria dos sufrágios e a obtenção de colaboradores, que viessem auxiliar-me a pô-los em prática, — foi a causa que disputei perante as urnas eleitorais.

Como, pois, exproba-me o sr. Otoni haver pleiteado perante elas — a banalidade dos antigos partidos da ordem e do progresso?!


Segundo erro meu foi, no pensar do Sr. Otoni, não ter promovido a transformação dos partidos. Diz ele:

 

«Colocasse-se o ministério à frente dessa transformação; não teria câmara unânime, mas havia de obter maioria, com a qual poderia encetar a execução do programa(64)

 

A transformação, como a organização dos partidos, não se operam a arbítrio ou à vontade de nenhum governo, e sim em nome de ideias, para a realização de princípios e satisfação de grandes necessidades públicas. Não é por meio de conchavos, transações, ou arranjos pessoais, que os partidos se constituem ou se modificam. Por semelhantes meios podem associar-se grupos, tendo em vista um interesse comum, que aproveite a determinadas classes mais ou menos numerosas, porém nunca interesses nacionais. Os partidos instituem-se e transformam-se pela conformidade de crenças e aspirações de ordem política, social e econômica.

Pois bem; as medidas que o ministério 7 de junho pretendia consagrar na legislação, conferindo ao cidadão, ao município e à província a maior soma de iniciativa, liberdade e autonomia administrativa e política, sem enfraquecimento do Estado, e, ao mesmo tempo, fomentando e desenvolvendo as fontes de riqueza do país, firmando e elevando o crédito público, não só eram as mais próprias para angariar a adesáo e o concurso de todos os que trabalhassem para dar maior expansão e força ao elemento democrático da Constituição do Império, mantida a monarquia, como garantia da integridade nacional, senão também satisfaziam o partido liberal que aprovara essas ideias em solene congresso de suas sumidades.

Por outro lado, os conservadores adiantados, os que já se haviam convencido da impossibilidade de manter o statu quo, os que almejavam rasgar à política novos horizontes e compreendiam, que para manter é preciso aperfeiçoar, coerentemente não podiam rejeitá-las e bem o provam os apoiados gerais com que foi recebida a exposição do programa ministerial na câmara dos deputados, em que aquele partido contava imensa maioria(65).

Tal programa somente poderia encontrar oposição da parte dos emperrados, que formavam a velha guarda conservadora e dos republicanos intransigentes e sôfregos. Daqueles, porque viriam essas reformas aniquilar a centralização política e administrativa e os meios de compressão e arrocho, que lhes deram tão longos anos de poder, e mediante os quais defendê-lo-iam quando de novo chamados à direção do Estado; dos republicanos, exaltados e impacientes, porque mostrariam a desnecessidade de derrubar a monarquia para que a nação reconquistasse o governo pleno de si mesma, sem o abalo e os perigos de uma mudança radical do sistema, sob o qual desenvolveu-se e prosperou, gozando de plena paz interna e de consideração sempre crescente das potências estrangeiras, no decurso de quase cinquenta anos.

Os próprios republicanos, que protestavam não pretender a mudança das instituições por meios violentos, e tão somente pela evolução natural dos acontecimentos, pela marcha progressiva do espírito público, não teriam, em boa fé, motivo plausível para combater o programa ministerial.

Sua realizacão importaria um triunfo para os princípios democráticos, que assim mais facilmente seriam levados aos últimos desenvolvimentos, se a maioria da nação realmente estava, como alegavam, divorciada da monarquia.

Portanto, o ministério hasteara uma bandeira, a cuja sombra poder-se-iam acolher todos aqueles que não pertencessem às fileiras republicanas, programa que entre esses mesmos devia encontrar simpatias de quantos não preferissem à essencia de um governo a sua forma, ingenuamente acreditando que a nação é livre só por denominar-se república e ter um chefe periodicamente eleito, embora seja a eleição falseada e disponha o chefe de poderes discricionários.

Se programa havia que naturalmente pudesse influir para a transformação dos partidos e principalmente dos partidos constitucionais, esse programa era o do gabinete a que presidi. Se transformação não houve, culpa não foi seguramente do governo. Com efeito, qual o procedimento dos conservadores, sem embargo dos aplausos fervorosos ao presidente do conselho, na exposição de sua doutrina?

A esses aplausos seguiu-se uma moção de desconfiança que a maioria em peso votou, fazendo sentir ao ministério que entre ele e essa maioria nenhuma aproximação era possível: um repto de morte. Poucos dias depois surgiu na imprensa o órgão do partido A Nação, que desde logo rompeu na mais crua hostilidade contra o ministério, declarando negar-lhe pão e água, ar e luz. Hostilidade que não irrompeu só contra o gabinete e seus delegados, manifestando-se talvez ainda com maior veemência contra as medidas, que ele procurava tomar no exclusivo interesse da ordem pública, e que tanto aproveitavam ao governo como aos seus adversários constitucionais.

Nenhuma folha atacou com mais veemência a reorganização da guarda nacional, por exemplo, do que o órgão do partido conservador, — aliás inspirado e redigido pelos prohomens* da situação decaída e por ex-ministros do gabinete demissionário, isto é, os mesmos estadistas que poucos dias antes haviam lutado com as maiores dificuldades e curtido as mais pungentes humilhações, por falta de uma força organizada que não pertencesse ao exército. Esqueceram-se logo de que não foram vítimas do exército, graças unicamente, como o disse já, ao derivativo da expedição de Mato Grosso, que com sacrifício considerável do Tesouro proporcionou mando e comissões rendosas aos mais irrequietos e turbulentos!

Mas, ainda não ficou aqui.

Nas eleições em que jogava-se a sorte das instituições, os conservadores por toda parte auxiliaram os candidatos republicanos, em detrimento dos liberais. O Sr. Cristiano Otoni nega-o; mas S. Exa. contraria assim o que está na consciência pública, o que é notório, o que o país presenciou. Bater o governo a todo o custo, ainda em benefício dos candidados republicanos, tal foi a senha de combate dada pelos chefes mais proeminentes, tal a manobra executada em todos os distritos.

Os amigos do governo, ao invés disto, não hesitaram em apoiar o candidato monarquista, onde quer que este em segundo escrutínio entrou em concorrência com o republicano.

Esta é a verdade; e, todavia, o sr. Otoni inculpa-me de não me haver colocado à frente da transformação dos partidos!


Mas que outros meios, além de um programa que os conservadores pudessem e devessem aceitar, que norma diversa de ação entende S. Exa. que cumpria ao governo adotar, para congregar em torno de si os adeptos da monarquia, pertencentes aos dois partidos?

Indica-a o Sr. Otoni nestes termos:

 

«Colocasse-se o ministério à frente dessa transformação; não teria câmara unânime: mas havia de obter maioria com a qual poderia encetar a execução do programa. E os republicanos ocupando 1/4 ou 1/5 dos assentos da câmara não pensariam em meios violentos

 

S. Exa. não completou o seu pensamento, mas é fácil atinar com ele. O sr. Otoni queria que o governo tivesse maioria contra um quarto ou um quinto de deputados republicanos, isto é, 25 a 31, pois que a Câmara compunha-se de 125. Que quinhão reservava S. Exa. aos conservadores? Outro quarto ou quinto, isto é, 25 a 31 deputados desse lado, porque não deviam merecer monos que os republicanos. Assim, em uma hipótese, a do quarto, coligados os dois adversários, conservadores e republicanos, não teria o governo maioria, porque um dos seus amigos deveria necessariamente ocupar a presidência, que não vota, salvo o caso de empate. Oposicionistas e governistas arregimetariam forças iguais.

Na do quinto, e dada a coalisão, o governo teria 25 votos a mais, o que realmente constitui maioria com que já se pode atravessar uma sessão, mas em caso algum fazer adotar reformas importantes, especialmente com a urgência requerida pelas que o ministério tentava realizar. Convir-lhe-ia uma única hipótese, a de aliarem-se a si os conservadores: nesse caso, os 25 ou 31 republicanos poderiam dar-lhe trabalho, mas não suscitar embaraços inamovíveis. Quem conhece a índole dos antigos partidos acreditará que podendo os conservadores, unidos aos republicanos, derrubar um ministério liberal (e consegui-lo-iam protelando apenas as reformas), deixassem de fazê-lo, resignando-se a perder o ensejo de readquirir talvez o poder, para nele fortalecerem os adversários? Ninguém o crê, salvo o sr. Otoni, que em política nunca passou de simples amador.

Mas, querendo fazer a S. Exa. todas as concessões, aceito a hipótese. Os conservadores eleitos, sob os auspícios do governo, viriam auxiliá-lo. Ora, com esse apoio o que obteria o governo, segundo o plano do Sr. Otoni? Habilitar-se-ia a encetar a execução do programa, — vantagem que não satisfazia o ministério, porque ele não tinha em vista e nem precisava encetar somente a execução do programa, mas executá-lo integralmente, no menor prazo possível, sem delongas, que as circunstâncias não comportavam.

Demais, seria impraticável, visto como por muito imediata e diretamente que o governo quisesse e pudesse intervir no pleito eleitoral, não disporia a seu talante dos diversos distritos para distribuí-los pelos representantes dos partidos, à razão de um quarto ou quinto para os oposicionistas, reservando o resto para si, à guisa de divisão de lucros numa sociedade em conta de participação. Seria também incompatível com a dignidade do governo, e do eleitorado, com a hombridade dos partidos e dos próprios candidatos preferidos. O plano do sr. Otoni numa palavra, seria inepto.

Em verdade, porque motivo ou com que interesse, no caso de poder previamente designar os futuros deputados, deveria preferir ao correligionário, que prestar-lhe-ia serviços dedicados, o adversário, monarquista ou não, do qual, na melhor hipótese, não poderia esperar senão tolerância, que lhe permitisse encetar a execução do seu programa?

Tão extravagente ideia nem merecia discussão.

O ministério 7 de junho colocou-se na atitude imperiosamente imposta a qualquer governo, que tem consciência dos seus deveres, pela própria responsabilidade que assume. Respeitou as deliberações do partido liberal, que em todas as províncias pleiteou as eleições, dirigido pelos chefes antigos e naturais; não cogitou de saber como, por sua parte, fariam a campanha os conservadores ou os republicanos, não os embaraçou no emprego dos recursos de que dispunham. Não foi, porém, e nem podia ser indiferente à luta; não a viu travar-se como simples espectador; procedeu como era do seu direito e dever. Esforçou-se por angariar as simpatias e a confiança pública; inspirou e aconselhou os seus amigos, onde e sempre que o entendeu necessário à causa comum, dando-lhes todo o apoio moral que lhe era lícito dispensar-lhes.

O governo queria viver para levar a efeito uma obra patriótica e não suicidar-se. Não recorreu à força, nem à violência, nem à fraude, e nem seus correligionários o fizeram. As eleições correram em plena paz, sem protestos, sem prisões, sem o menor distúrbio, sem movimento de tropa. Tiveram os adversários a mais ampla liberdade de ação, todas as garantias que as leis asseguravam. Nunca houve eleição mais pacífica, mais calma, menos complicada de duplicatas, e que menor número de reclamações suscitasse. O triunfo foi completo e esplêndido. Eis como apreciou esse resultado observador insuspeito:

«Qualquer que fosse o grau de discordâncias, que viessem a surgir nas fileiras liberais em razão do programa da autonomia das províncias, — o qual teria de achar tenaz resistência nas tendências federalistas, — o triunfo ministerial estava perfeitamente assegurado. O governo era invencível no parlamento(66)

Em vez disto, queria o sr. Otoni que o ministério se esforçasse por organizar uma Câmara, cuja maioria o habilitasse apenas a encetar a execução do programa! Ainda aqui revelam-se os sentimentos com que há tantos anos me distingue o sr. Cristiano.


Mas, continua S. Exa.: «O meio empregado para obter esse triunfo foi simplesmente a corrupção em larga escala. Corrupção na enorme derrama de títulos, condecorações e patentes da guarda nacional. Corrupção espalhando dinheiros a mãos cheias, sob pretexto de auxílios à lavoura. Corrupção no emprego de fundos secretos(67)

Analisarei cada um dos meios de corrupção enumerados pelo Sr. Otoni, ainda que o 1.º e o 3.° sejam verdadeiras banalidades, que bem poderia deixar sem resposta.

Corrupção eleitoral, graças aos fundos secretos da polícia, por meio de mercês honoríficas, imputação é que no Brasil sofreram todos os governos. Quando não a articulavam contra os ministros, não ficavam ilesos os presidentes de província. Lugar comum a que se socorrem todos os descontentes. Todavia ainda neste ponto acompanharei o libelista.

Efetivamente, o ministério 7 de junho, antes e depois das eleições de 31 de agosto do ano passado, conferiu alguns títulos e condecorações e preencheu postos da guarda nacional, estes principalmente no Município Neutro, onde essa milícia deixara de ser reorganizada de acordo com a última lei.

Tais despachos, entretanto, a quem aproveitavam? Os de postos da guarda nacional a amigos do governo, muitos dos quais, os das províncias, — foram apenas reintegrados, porque eram antigos oficiais ilegalmente destituídos pelos conservadores.

Quanto aos títulos e condecorações foram dados na maior parte a homens distintos do partido liberal, sendo também contemplados oficiais do exército e da armada, assim como alguns conservadores.

A razão da preferência vinha da desigualdade que sempre houve na distribuição de graças entre os dois partidos. Em regra, o titular ou o cidadão condecorado no Brasil pertencia às fileiras conservadoras (o sr. C. Otoni era uma das raras exceções), o que servia de argumento para atribuir-se à coroa mais simpatias por um partido do que por outro. Entendi destruir lal prevenção.

Ora, todos compreendem que partidários firmes e dedicados, prontos sempre para todos os sacrifícios, batalhadores incançáveis nas lutas eleitorais, não careciam do estímulo de um título ou condecoração, para apoiarem o governo na que se feriu a 31 de agosto de 1889. Nem se deixariam corromper por esse ou quaisquer outros meios cogitados e não cogitados.

Pois o Sr. Otoni julga que os nossos colegas e meus particulares amigos Inácio Martins e Lima Duarte, por exemplo, concorreram para o triunfo do partido porque obtiveram o título de visconde? Pois na província do Espírito Santo, Alfeu Monjardim (a quem S. Exa. principalmente deveu a cadeira que ocupou no Senado), no Rio de Janeiro, Valdetaro, Souza Ferreira, Rufino Furtado; em Minas, os Sant’Anna, Teixeira de Carvalho, Justo Maciel, Fidelis, Diniz, Moreira da Costa, Américo Luz, Monte Mario, Italiaia, Saramenha, só corrompidos por mim teriam sido fiéis ao partido a que pertenciam e procederiam como em todos os tempos e sob todos os governos procederam?! Também deixar-se-ia corromper seu sobrinho, o respeitável magistrado Carlos Otoni? Supor que cavalheiros tão dignos, — e muitos outros de igual merecimento pudera eu citar, —renderam-se às captações do governo, é irrogar-lhes uma calúnia, repelida por longo e honroso passado e pagar com a mais negra ingratidão favores recebidos.

Deixar-se-iam do mesmo modo corromper e votariam por esse motivo nos candidatos do partido liberal os oficiais do exército e da armada, que poucos dias depois depuseram o ministério e a monarquia, ou conservadores da ordem de um Taunay, Guahy, Oliveira Fausto, Mendonça, do Rio Grande, e outros agraciados pelo ministério 7 de Junho?

O Sr. Otoni foi já obrigado a confessar que escreveu às pressas o seu folheto, naturalmente porque urgia significar ao governo provisório que achava-se à sua disposição. É de presumir, pois, que se chegar a publicar segunda edição eliminará dela tamanha descaída, senão por amor à verdade, ao menos para melhor defender a opinião que sustenta.

No intuito de prejudicar o ministério 7 de Junho, S. Exa. não advertiu nesta grande incoerência: — se alguns títulos e condecorações produziram o extraordinário efeito da vitória do governo em todas as províncias, a nação brasileira nao é tão republicana como o sr. Otoni pretendeu inculcar e demonstrar nesse mesmo folheto.


Corrupção pelos dinheiros espalhados a mãos cheias, sob pretexto de auxílios à lavoura. Os auxílios à lavoura aproveitaram, acrescenta o sr. Otoni, principalmente aos comissários alguns dos quais arrecadaram dívidas, já reputadas incobráveis: esses, em geral, deixaram de dizer-se republicanos.

Não sei se comissários houve, que deixaram de dizer-se republicanos pelo fato de se terem aproveitado dos empréstimos autorizados pelo governo; mas se assim aconteceu, o Sr. C. Otoni denunciando-o, fornece mais provas contra os seus próprias assertos, porquanto daí se vê que a república não tinha por si as convicções desinteressadas, sinceras e profundas que S. Exa. procurou assinalar para regozijo do governo provisório.

Não sei tão pouco se os auxílios à lavoura aproveitaram principalmente aos comissários; o que sei é que, ainda verificado o caso, com eles lucrou a lavoura, exonerada por esse modo dos juros elevados percebidos pelos comissários, os quais, tendo à sua disposição as quantias que cobravam, habilitavam-se a realizar novos empréstimos auxiliando outros agricultores.

Não sei, por último, se cometeram-se abusos na execução das medidas adotadas pelo governo, não em auxílio da lavoura simplesmente, mas do Estado também, pois da lavoura aufere a maior parte da sua renda e tinha máximo interesso em que ela não diminuísse; o que sei e ninguém ousará contestá-lo é que o governo adotou todas as medidas possíveis para evitar que se abusasse.

Devo dizê-lo, visto oferecer-se-me ensejo: — o meio de que serviu-se o ministério 7 de Junho para pôr um paradeiro ao descalabro em que ia a lavoura, não constituía o plano que julgava preferível e mais tarde executaria, para fomentar e desenvolver o crédito territorial e agrícola.

Foi simplesmente um recurso de ocasião, o único de que no momento podia lançar mão. O ministério não podia improvisar estabelecimentos de crédito territorial, máxime em falta de lei que lhe facultasse as medidas necessárias. Estas dependiam do voto legislativo e eram de sua natureza morosas. Cumpria agir de pronto, com os instrumentos que encontrara, ou podia com brevidade aparelhar. O plano do governo, por meio do qual esperava abrir à lavoura e indústrias auxiliares nova era, consta de projetos que deixou quase concluídos. O sr. Otoni, poderá ter notícias deles solicitando-as dos Sr. barão de Paranapiacaba e Dr. Honório Ribeiro. Esses projetos deviam ser apresentados às Câmaras, logo no começo das sessões.

Serviu-se, pois, o governo dos meios que tinha à sua disposição; deles ulilizou-se tomando todas as precauções para prevenir abusos.

Não falando na honorabilidade das diretorias com quem contratou, já por si garantia de fiel execução do seu pensamento, foram nomeados para fiscalizarem as operações com a lavoura cavalheiros acima de qualquer exceção, habilitados por seus conhecimentos teóricos e praticos a bem encaminhá=las; expediram-se instruções regulando a celebração dos contratos; para estes estatuíram-se normas e modelos; mandou-se que fossem preteridas formalidades inúteis, dispensaram-se diligências dispendiosas e demoradas e a tudo deu-se a mais ampla publicidade, de modo que chegasse ao conhecimento de todos os interessados(68).

Em resumo, praticou o governo tudo quanto estava a seu alcance para que os auxílios aproveitassem principal, direta e imediatamente à lavoura. Dado que de tais elementos não soube ou não quis ela tirar toda a vantagem possível, culpa não foi do ministério.


Todo esse esforço, tamanho trabalho visavam acaso a corrupção para vencer eleições, como escreveu o sr. Otoni? Tal é o ponto essencial da arguição, que convém elucidar. Posso felizmente opor-lhe resposta peremptória e cabal. Quando um ano antes o meu antecessor na presidência do conselho e na pasta da fazenda, consultou-me e aos srs. Conselheiros de Estado Lafayette e Visconde do Cruzeiro sobre o que de pronto poderia fazer, em benefício da lavoura, cujas dificuldades agravavam-se de dia em dia, ameaçando de grande desfalque a renda do Estado, o parecer que lhe demos foi exatamente o que executei no governo.

Pela minha parte disse-lhe: — «Não se limite a destinar para tal emprego pequenas somas; aplique o mais que puder; alargue os auxílios, contraía para isso empréstimos, sendo preciso; irei defendê-lo na tribuna do senado, assumindo a responsabilidade do que nesse sentido fizer.»

Pois bem: será ao menos sensato supor e afirmar que em 1888, achando-se os meus adversários políticos em toda a pujança do seu poder, assegurando-lhes tudo longo domínio, — cogitasse eu de meios corruptores para vencer eleições, numa situação por mim presidida e cujo advento a ninguém então afigurava-se próximo?!

Com que direito, com que fundamento, pois, atribui-se a intuitos inconfessáveis o ter eu praticado no governo aquilo que no interesse do país já aconselhava na oposição?

Apreciem os homens honestos e justos a imparcialidade e a indefectível retidão do sr. Otoni.


Corrupção pelo emprego dos fundos secretos. Pensa o sr. Otoni que não se pode vencer eleições, sem o emprego dos fundos secretos da polícia, porquanto em seu folheto capitula essa acusação contra todos os governos.

Não perderei tempo em pedir as provas de semelhante asserto, relativamente ao ministério de 7 de Junho, porque S. Exa. previamente dispensou-se de apresentá-las com a seguinte evasiva, que também submeto à apreciação dos homens sérios:

«Os fundos secretos... são secretos, mas os gue a este respeito porventura me contestarem, hão de rir-se uns para os outros como os áugures romanos(69)

Bem se vê que subsídios de tal natureza fornecidos à história convertê-la-iam em repositório de difamação e de calúnias desprezíveis!

Não me contentarei de contrapor à asseveração do libelisla a mais franca e categórica negativa, dizendo-lhe: é uma falsidade. Tornarei patente a inanidade e a inépcia da arguição.

Sabem todos que o orçamento do império destinava às despesas secretas da polícia a quantia relativamente insignificante de 100.000$000, parte da qual era distribuída às províncias; sabem que pela verba secreta corriam, além dos gastos que indispensavelmente exigem as medidas de segurança pública, gratificações a agentes e autoridades subalternas, transportes, etc.; sabem ainda que o ministério de 7 de Junho subiu ao poder quando o exercício financeiro ia quase em meio e, por conseguinte, quando já estava consumida grande parte daquela soma.

Eis aí os recursos com que o sr. C. Otoni afirma ter o governo corrompido o eleitorado de todo o país! Isto é simplesmente irrisório.


No conceito do sr. Otoni, o ministério 7 de Junho desmoralizou-se por três causas que assim enumera:

1.° Imposição a que submeti-me, ao constitui-lo;

2.° Divergência logo ao nascer com correligionários importantes;

3.° Natureza dos meios com que venceu as eleições.

Daí a fraqueza que, na hora crítica, impossibilitou-lhe a resistência(70). Do terceiro destes postulados acabo de tratar; ocupar-me-ei dos precedentes.

Acerca do primeiro, S. Exa. assim se exprime:

«Levou (o Presidente do Conselho) a Petrópolis a sua lista de seis amigos políticos com ele solidários: e lá, na última hora, alta noite, exigiu a Corte a eliminação de dois e a admissão para a pasta da guerra do marechal barão de Maracaju e para a de marinha do vice-almirante barão do Ladário (71)».

Em seguida acrescenta:

«As circunstâncias eram muito graves e a Corte andava já muito assustada para poder pensar em influências palacianas. Pelo contrário: — O Imperador o entregou-se em tudo ao visconde de Ouro Preto, que governou sem peia alguma(72)

Portanto, quem exigiu a eliminação de dois nomes por mim apresentados não foi o Imperador, que a mim entregou-se em tudo, diz o sr. Otoni, não me opondo peia alguma. S. M. não está compreendido na Corte de onde partiu a exigência; menos ainda a virtuosa Imperatriz, que nunca se envolveu em negócios públicos.

Quem formava essa Corte, pois? A quem alude o sr. Otoni? Aos semanários que estavam de serviço, certamente não. Eram estes os Srs. Conde de Carapebus, camarista, barão de Muritiba, veador e Conde de Mota Maia, médico, cavalheiros que nem se ocuparam jamais de política, nem tinham comigo relações que explicassem ou autorizassem aberturas, confidências ou combinações acerca da organização do gabinete. É bem provável que somente a conhecessem, depois de publicada pelos jornais.

Evidentemente o sr. Otoni, empregando a palavra Corte, quis aludir à Sereníssima Princesa Imperial e a S. A. R. o Sr. Conde d’Eu, porque dos jovens príncipes um estava em viagem, outro absorvido pela sua mineralogia e os seus quadros, e os demais pelos primeiros estudos e os brinquedos. E, de fato, na ocasião se disse, que de tal origem proviera a indicação dos dois ministros militares. É isto pura falsidade.

Os Srs. Condes d’Eu nenhuma intervenção absolutamente tiveram na organização do ministério 7 de Junho. Dela foram informados por mim, depois de feita, cerca de 10 para 11 horas da noite. De mim ouviram S.S.A.A. o nome dos novos ministros. Expus com toda a fidelidade os incidentes da organização, quando apresentei o ministério às Câmaras, nos seguintes termos que reproduzirei:

«Cabe-me declarar também à câmara que, tendo aceitado a missão de que assim era incumbido (a organização do ministério) S. Majestade perguntou-me se já havia pensado nos nomes dos companheiros que escolheria. Respondi que não cogitara ainda disso, mas podia de momento indicar os amigos, cujo concurso acreditava não me seria negado. Declinei 10 ou 12, e tenho a satisfação de afirmar que nenhum deles foi objeto de impugnação. Organizei o ministério com alguns desses amigos por inspiração própria, depois de ter ouvido vários correligionários.

Portanto, a organização é minha, exclusivamente minha. Guardei plena liberdade de ação até o último momento.»

Sou bem conhecido no meu país. Se, porventura, S.S.A.A. os Srs. Condes d’Eu faltassem à completa abstenção, que deviam ter em semelhante assunto, e disso eram incapazes, para sujeitar-me a uma imposição, ou mesmo aceitar qualquer indicação da sua parte, como insinua o sr. Otoni, fora necessário — ou privança com os príncipes, que nunca tive, ou sentimentos que jamais me atribuíram os mais encarniçados adversários, — subserviência e aulicismo.

O presidente do conselho de 7 de Junho nunca foi áulico do imperialismo; hoje honra-se de sê-lo da desgraça. Fui ao paço pela primeira vez em 1864, no caráter de representante de Minas, acompanhando, como toda a deputação, o ilustre Teófilo Otoni, que ali apresentara-se para agradecer a sua escolha de senador. Lá voltei com a mesma Câmara, quando, sob proposta do deputado Nébias, incorporada felicitou o Sr. D. Pedro 2.° por ocasião de uma das grandes vitórias contra o Paraguai, e, mais tarde, em 1866, 67 e 68, como ministro de Estado.

De 1868 a 1878 ali apareci duas vezes: uma para dar pêsames à família imperial pelo passamento da Augusta Princesa D. Leopoldina; a segunda para solicitar de S. M. o Imperador providências que contivessem a compressão eleitoral, que se estava exercendo na minha província.

As razões porque apelei para o Chefe de Estado diretamente e não para o governo, assim como o que passou-se nessa audiência, constam de publicação que imediatamente fiz no jornal, que então redigia — a Reforma.

Em 1879, escolhido senador e nomeado ministro da fazenda, em 1882 eonselheiro de Estado, concorri ao paço sempre que o meu dever de funcionário o exigia e fora disso unicamente por motivo de moléstia de S.S.M.M., ou de despedida, quando se ausentavam do país.

Nunca vaguei pelas imediações dos paços da cidade, nunca me fiz, como o Sr. Otoni, encontradiço na estação de Petrópolis, para exibir-me em palestra augusta.

Tão pouco frequentei jamais o palácio Isabel. Para os bailes e partidas, que ali se davam, e nos quais eram assíduos tantos que hoje apedrejam a grandeza decaída, só tive a honra de dois convites:— um em 1879, porque era ministro, outro depois de conselheiro de Estado. Respeitoso sempre para com S.S. A.A., não tinha razões para acreditar na suas simpatias e menos para aspirar à sua privança ou familiaridade.

Quem obedecesse a sentimentos menos altivos e nobres, como seriam precisos para submeter-me a uma imposição, da natureza da que inculca o Sr. Otoni, não teria no parlamento, e quando, encetado apenas o meu governo, mais desejaria o apoio do Imperador e da Princesa Herdeira, a linguagem de que me servi perante as Câmaras, no tópico de meu discurso, que recordarei porque nele explico também o motivo pelo qual aceitei duas distinções honoríficas.

Perguntava eu, respondendo à arguição de que no ministério havia áulicos:

«Acaso o áulico será o presidente do conselho? Senhores, eu não careço defender-me a este respeito. O país conhece-me. Se resolvi-me a aceitar honras desta natureza (titular e veador da imperatriz) foi somente quando aceitá-las era motivo para incorrer em censura e odiosidade de certos indivíduos. Títulos de nobreza já eu os possuía, e os meus forais estavam registrados em arquivos superiores aos de todas as mordomias régias. Esses arquivos são os anais parlamentares de uma e outra casa eletivas, os volumes da legislação do império, que encerram frutos do meu trabalho, são os jornais que tenho redigido, os volumes que tenho publicado. E não são esses ainda os melhores de que eu posso ufanar-me. Porém, sim, a moralidade do meu lar e a educação que dou a meus filhos, que hão de elevar o humilde nome que herdei de meus honrados pais.

O Sr. Coelho Rodrigues: Mas mudou de nome.

O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do conselho) «Mudei, é certo, mas primeiro porque seria um ato de fraqueza rejeitar o título, quando me foi novamente oferecido, e também porque, graças a Deus, transmitia esse nome a um filho, que pode levantá-lo.»


Visto como o boato que o Sr. Otoni pretende transmitir à história, apesar de formalmente desmentido, serviu de tema a acusações não só contra mim, senão contra os srs. Condes d’Eu, devo a este respeito entrar em mais circunstanciadas explicações.

Teve ele origem, suponho, em uma visita que fiz a S.S.A.A. em Petrópolis, nas condições que passo a mencionar.

Recomendando-me S. M. o Imperador, ao terminar a nossa primeira conferência, na noite de 6 de Junho, que formasse o ministério sem demora, pois que a crise já se prolongava, de volta ao hotel tomei algumas disposições, entre as quais a de dirigir-me ao Sr. barão de Muritiba, veador em serviço, nos seguintes termos:

«Não conheço os estilos da Corte, mas tendo-me incumbido de constituir ministério, e regressando amanhã para submeter a S. M. a nova organização, suponho dever, depois disso, apresentar meus respeitos a S.S. A.A.

Sendo assim (e peço conselho a V. Exa.) rogo-lhe o obséquio de solicitar da minha parte designação de hora, em que possa ser recebido, ponderando que precisarei voltar ao Rio de Janeiro, na madrugada de 8.»

O Sr. barão de Muritiba teve a bondade de responder-me assim: «S.S.A.A. receberão a V. Exa. em qualquer hora, logo que se desembarace no Paço Imperial.»

Por cerca de 9 horas da noite, apresentei a minha combinação ao Imperador, que dignou-se de aprová-la, sem a menor observação, e, in continenti, tive a honra de reproduzir as declarações feitas na véspera sobre a marcha que seguiria no governo, comunicando a S. M. os termos de vários projetos de reforma, que anteriormente organizara para serem tomados em consideração no Congresso do Partido Liberal e que alterara de acordo com o que no mesmo Congresso fora resolvido.

Sendo já tarde, quando terminei a entrevista, deixei no Paço o meu oficial de gabinete, o Sr. Comendador José Ferreira Sampaio, lavrando os competentes decretos e dirigi-me à casa de S.S.A.A, a quem, oferecendo as minhas homenagens, comuniquei quem eram os novos ministros.

Entre ida e volta decorreriam 15 minutos. Prontos os decretos, apresentei-os ao Imperador. Um foi reformado, é certo, por ordem minha, — o do Sr. barão do Ladário, ministro da marinha, porque o Sr. Sampaio omitira no primeiro o seu posto de Chefe de esquadra.

Eis a verdade com todos os pormenores. Como se aludisse no Diário de Notícias à suposta imposição, entendi preparar-me para responder nas Câmaras a quem insistisse em semelhante balela, referindo todas as minuciosidades. Para isso pedi ao Sr. barão de Muritiba cópia da minha carta, que enviou-me. Esta e a resposta acham-se no Rio de Janeiro entre os meus papéis, que lá ficaram no açodamento do embarque.

Reproduzi-lhes fielmente o pensamento e até creio as próprias palavras, sem omissão nem acréscimo. Apelo para aquele cavalheiro.


Entregar as pastas militares a profissionais foi resolução minha; a escolha desses profissionais também minha, feita à última hora em Petrópolis.

Corroborando as declarações que nesse sentido fiz perante a Câmara dos Deputados, posso ainda invocar o testemunho do sr. Cons.° Saraiva, com quem conferenciei em Santa Teresa, poucas horas depois de voltar a primeira vez de Petropólis, antes da reunião que convoquei para o escritório da Tribuna Liberal. Aí S. Exa. deu-me esse conselho e declarei-lhe que era exatamente o meu pensamento.

Naquela reunião não comuniquei a ninguém a minha combinação definitiva, pela óbvia razão de que tais resoluções dependem de circunstâncias imprevistas e do último momento.

Num dos discursos da Câmara aludi ao testemunho de outro amigo particular (e isso foi, ainda não atinei com que fundamento, motivo para reparo), a quem revelei, ao sair para o Paço pela segunda vez, quais seriam os novos ministros.

Agora acrescentarei, já que o sr. Otoni foi buscar ao entulho dos mexericos esquecidos tão pequena intriga, que esse amigo, o Sr. barão do Alto Mearim, autorizado por mim, transmitiu a outro de S. Paulo em telegrama cifrado a nova organização, dando-a por mim assentada, antes da assinatura dos decretos.

Ainda mais: o sr. Cons.° Luiz Filipe de Souza Leão fora um dos correligionários a quem confidencialmente disse, no correr do dia 7, quais seriam os companheiros de quem até aquele momento cogitava. Mudando, porém, do resolução mais tarde e depois da reunião no escritório da Tribuna Liberal, pedi ao nosso comum amigo, conselheiro Manoel Pinto de Souza Dantas, que fosse convidá-lo a entender-se comigo, sendo possível, à hora do embarque para Petrópolis. S. Exa. fez-me essa fineza; à última hora conversei com o Sr. Luiz Filipe na estação. S. Exa. dirá a quem quiser consultá-lo, que não levei para Petrópolis uma combinação e voltei com outra.

Posso, finalmente, invocar outro testemunho: o sr. Vice Almirante Eliziário José Barboza afirmará ao sr. Cons.° Cristiano Benedito Otoni, que ao partir para aquela cidade o presidente do conselho estava resolvido a confiar a oficiais do exército e da armada as pastas militares.

Desço a todas estas minudências, porque escrevo o meu testamento político e quero também fornecer à história alguns subsídios bem diversos, felizmente, dos do sr. Otoni.


O ministério 7 de Junho desmoralizou-se logo ao nascer, segundo o sr. Otoni, por um motivo mais: — a divergência com correligionários importantes, como os srs. Conselheiros Saraiva e Rui Barbosa.

Que o Sr. Barbosa declarou-se em divergência com o ministério logo que ele organizou-se, é fato incontestável. O Sr. Otoni poderia até acrescentar que a divergência manifestou-se mesmo antes da organização, porquanto, ainda ia eu caminho de Petrópolis para apresentar a combinação, quando o Sr. Barbosa fez afixar grandes cartazes, anunciamlo que rejeitara a pasta para que o convidara, por conselho e a instâncias do meu amigo o sr. Cons.° Dantas.

Fato virgem em nossos anais políticos, que nunca registraram exemplo de tamanha vaidade e abuso de confiança! Dezenas de homens iminentes de ambos os partidos convidados para ministros, excusaram-se, porém por um dever de cortesia e lealdade nunca o revelaram. O sr. Barbosa foi o primeiro, que a esse respeito fez soar os seus tímbales. O sr. Cristiano Otoni também tem feito disto alarde, mas, em abono da verdade devo dizê-lo, somente depois de mortos os organizadores. O finado e saudoso Otaviano, entre os liberais, o sr. Cons.° Fernandes da Cunha, entre os conservadores, recusaram pastas mais de uma vez. Jamais disso se gabaram e até o contestavam.

A divergência do Sr. Barbosa, pois, está fora de dúvida; que fosse importante e pudesse criar-me embaraços, é o que ainda hoje contesto, apesar do imenso poderio de que se acha investido aquele cidadão. Tinha a divergência por fundamento não me haver eu prestado a realizar uma reforma, que obtivera no congresso do partido apenas o voto do Sr. Barbosa e o de 15 ou 16 correligionários mais, preferindo pôr em prática a que, sobre bases por mim próprio apresentadas, fora ali áprovada por uma grande maioria no mesmo congresso e constituía compromisso solene.

A importância dessa divergência, entretanto, aquilala-se perfeitamente pelo resultado das eleições. Na sua província, a Bahia, os chefes do partido liberal a que o Sr. Barbosa protestava pertencer até à última hora, nem sequer o apresentaram candidato; nenhum distrito o proclamou como tal. No Rio de Janeiro por onde pleiteou a eleição, com o maior esforço, conseguiu apenas poucas dúzias de sufrágios. O ministério viveu completamente desafrontado e viveria, se a 15 de novembro o Sr. Barbosa não fosse elevado ao poder pelo marechal Deodoro, não só apesar, como em virtude da hostilidade que o cidadão lhe movia.

O sr. Cons.° José Antonio Saraiva, sim, seria um embaraço, mas o sr. Otoni avança proposição pelo menos temerária, afirmando que S. Exa. iria fazer-me oposição. Nada ocorreu que me induzisse a recear semelhante eventualidade; muito ao contrário, contava com o apoio do ilustre senador.

É certo que na conferência que teve com o Imperador, o sr. Saraiva declarou preferir o projeto do Sr. Barbosa, e cuja principal diferença para com o que eu adotara, consistia em que este fazia depender a nomeação dos presidentes de província da escolha do poder central, em lista organizada por eleição nas mesmas províncias, ocupando aqueles sobre quem não recaísse a escolha os lugares de vice-presidentes, enquanto o primeiro prescindia da designação imperial, tudo confiando exclusivamente à eleição.

Nem o sr. Saraiva disse que o Imperador anuíra a tal reforma, e tão somente que conjecturava anuísse, pois que ainda insistiu para ser o organizador, ouvidas as suas opiniões, nem tão pouco que opor-se-ia ou dificultaria a realização do meu programa, que era o do partido. Longe disso e depois das formais declarações, que fiz perante o parlamento, conhecendo já a marcha que eu pretendia seguir no governo(73), e não podendo, portanto, ter a menor dúvida sobre as medidas que realizaria, de S. Exa. recebi as mais significativas provas de interesse pela sorte do gabinete, assim como do seu apoio, que daqui agradeço.

Ainda depois do seu regresso da Europa, nas proximidades da revolução, consultado por deputado eleito, em Pernambuco, sobre o procedimento que este deveria ter na Câmara respondeu-lhe: — sustentar o ministério. Assim, ilude-se o sr. C. Otoni: o gabinete contava com o apoio do sr. Cons.° Saraiva; S. Exa. não lhe promoveria a queda.

Saiba, porém, o sr. Otoni: — tenho na mais alta conta a opinião do sr. Saraiva, mas ainda que S. Exa. fizesse questão do projeto Barbosa, — nem só isso, — ainda quando a maioria do meu partido, reconsiderando o voto que emitira, pretendesse encarná-lo na legislação do país, eu manter-me-ia no terreno em que me coloquei — por estar convencido de que aquele projeto afrouxaria os laços da solidariedade nacional e poria em perigo a integridade do Brasil, que cumpre conservar unido, à custa de todos os sacrifícios.


Pensa o sr. Otoni que se o meu Manifesto não houvesse sido escrito antes da chegada a Lisboa, outra seria a minha linguagem, porque é inegável que a mudança da forma de governo está sancionada pela nação: todos os partidos, todos os homens políticos aderiram ao movimento(74).

Outro engano de S. Exa. A nação brasileira ainda não se pronunciou sobre os acontecimentos de 15 de novembro e nem posso atribuir às aludidas adesões mais valor do que lhes dá o próprio governo provisório, que mostra-se desconfiado de tanta dedicação.

Mantenho as minhas crenças. Quando a nação pronunciar-se, respeitarei a sua vontade soberana, inspirando-me no amor do meu país e nos meus deveres de brasileiro. Até lá, porém, confirmo as declarações do Manifesto. Por muito ligeira que seja a minha lição da história, conheço-a quanto basta para apreciar o valor dos hosanas entoados em torno do governo provisório, tanto mais quanto, como diz o sr. Otoni, a imprensa está amordaçada(75) e ele, dominando os telégrafos, consegue ocultar todas as notícias, que mal lhe soam(76).

A história, e, como a história, a crônica encerram exemplos fecundos e curiosíssimos. A começar pelas pequenas coisas, eu vejo da crônica, verbi gratia, que o sr. Cons.° Cristiano Benedito Otoni, depois de ter assinado o manifesto republicano de 1870, julgou inoportuna sua execução e aceitou a escolha da coroa para um cargo vitalício; vejo que S. Exa. tendo-se oposto à lei emancipadora de 1871, unicamente, como diz(77), porque deixara abandonada a escravatura existente à sua desgraçada sorte, nada tentou, durante largos anos, para minorar-lhe o infortúnio, esquecendo-se dos infelizes cativos até que a ideia da abolição triunfou na consciência pública; vejo, finalmente, que, tendo quebrado lanças pela temporariedade do senado, respeitou todavia a vitaliciedade da corporação desde que para ela entrou, simplesmente porque, como ainda agora afirma, as atribuições da Câmara a que pertenceu por espaço de 10 anos não lhe facultavam iniciar reformas constitucionais, como se lhe estivessem vedados outros meios de promover a medida que julgava indispensável e menos pudesse, em prol dela, depois de senador, do que quando era simples cidadão, ou capitão tenente reformado!

Subindo mais alto, ocorrem-me, entre outros fatos históricos, que dos sobreviventes da célebre Convenção Nacional Napoleão 1° tirou nada menos de 23 prefeitos, 85 funcionários civis e 30 membros dos grandes corpos políticos que criou, não obstante haverem sido republicanos ferrenhos, pois, à exceção de uma dezena talvez, todos votaram pela morte do rei; e assim mais que no Senado francês do segundo império, sentaram-se lado a lado, cômoda e convencidamente, o último dos emigrados de Coblentz e o derradeiro dos regicidas de Luís XVI.

Deixe-me, pois, o sr. Cristiano Otoni com os meus erros e as minhas ilusões. O que sei da nossa pátria, depois da publicação do Manifesto, não me levaria a modificá-lo. Muita coisa admirou-me, outras afligiram-me ainda mais do que os sucessos de 15 de novembro.

Nada, porém, tanto me entristeceu como ler escritos pelo punho de um brasileiro ilustre qual o sr. C. Otoni, os dois trechos seguintes:

«O general vencedor assume todos os poderes; e dispondo ele só da força material, — nosso futuro, nossa vida, nossa segurança — libertas, decus et anima nostra, têm por garantia única a ilustração, o desinteresse, os bons instintos, o patriotismo do Ditador; e a fé que tenho de que essas qualidades não faltarão ao atual Chefe do governo é o que me anima a escrever com inteira liberdade e isenção de ânimo(78)

..............
...................

Se para consolidação do novo regime, garantindo a paz e a unidade nacional, poder prestar algum serviço, fá-lo-ei(79)

Não; deixe-me o sr. Cristiano Otoni com os meus erros e as minhas ilusões; não posso conformar-me com as doutrinas que S. Exa. proclama e que se resumem neste outro tópico do seu escrito, referente a um discurso ameaçador do ministro da guerra do governo provisório:

«Não vai nas minhas palavras censura ao ministro da guerra do governo provisório. Como quer que pudessem naquela época ser apreciadas as suas palavras, foram elas precursoras da revolução que triunfou, e, como se sabe, o triunfo converte os rebeldes em heróis(80).

Abominável teoria! Não é o triunfo que constitui o heroismo; não o foi, nem será jamais; assim também não é a derrota que amesquinha, envergonha ou condena, mas a justiça e a grandeza da causa, em nome da qual se vence ou se é vencido.

Será hoje o Brasil mais livre, mais forte, mais considerado, terão os meus concidadãos mais segurança, maior tranquilidade e garantias do que sob o regime decaído? Responda a consciência nacional. O próprio sr. Otoni o faz, dizendo em referência ao chefe do governo provisório: — prolongue-lhe Deus a vida e pode ele tranquilizar o país(81).

A sorte de uma nação entregue a um homem e dependente da sua vida!

Basta. Quando Turgot, que esperava salvar as instituições por meio de sábias reformas, foi apeado do poder, em virtude de uma conspiração palaciana, despediu-se do rei, dizendo-lhe: «desejo que possais acreditar sempre — que eu vi mal as coisas e mostrei-vos perigos quiméricos

Terminarei parodiando as palavras do grande ministro: — não só o desejo, mas reputar-me-ei feliz, se os fatos vierem convencer-me de que somente me arreceava de males e perigos imaginários, quando tentei conjurar a tempestade em que submergiu-se a monarquia constitucional representativa do Brasil!

Paris, 28 de Maio de 1890.

Visconde de Ouro Preto.


 

 

ANEXOS

 


 

I

Diário Popular de São Paulo de 18 de novembro de 1889

Acontecimento único

 

Rio de Janeiro 15 de novembro de 1889.

 

Eu quisera dar a esta data a d enominação seguinte: — 15 de novembro do primeiro ano da república; mas não posso infelizmente fazê-lo.

O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era.

Em todo o caso, o que está feito pode ser muito, se os homens que vão tomar a responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à Liberdade.

Como trabalho de saneamento a obra é edificante.

Por ora, a cor do governo é puramente militar, e devera ser assim.

O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula.

O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso sem conhecer o que significava.

Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada.

Era um fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente, quebrando o enleio dos espíritos.

Pude ver a sangue frio tudo aquilo.

Mas, voltemos ao fato da ação ou do papel governamental.

Estamos em presença de um esboço, rude, incompleto, completamente amorfo.

Não é tudo, mas é muito.

Bom; não posso ir além, estou fatigadíssimo, e só lhe posso dizer estas quatro palavras que já são históricas.

Acaba de me dizer o Glicério que esta carta foi escrita, na palestra com ele e com outro nosso correligionário, o Benjamin do Vallongo.

E no meio desse verdadeiro turbilhão que me arrebata, há uma dor que punge e que exige o seu lugar — a necessidade de deixar temporariamente, eu espero, o Diário Popular.

Mas o que fazer? O Diário que me perdoe, não fui eu, foram os acontecimentos violentos que nos separaram de momento.

Adeus,

Transcrito no Correio da Manhã de Lisboa de 13 de Dezembro de 1889.

 

 

II

 

O Tempo, jornal de Lisboa, publicou no dia 15 de dezembro de 1889 o seguinte editorial.

 

O Sr. Visconde de Ouro Preto.

 

Chegaram a Lisboa, vindos diretamente de Tenerife, o sr. visconde de Ouro Preto (Afonso Celso), chefe do gabinete derrubado pela revolução do Rio de Janeiro, e o sr. Cândido d'Oliveira, membro do mesmo ministério.

A opinião do sr. visconde de Ouro Preto acerca dos negócios do Brasil afigurou-se-nos da máxima importância, dada a alta situação ocupada no Império por aquele homem de Estado. Assim, procuramo-lo no Hotel Atlântico, onde se alojou com sua família, e, como nos recebesse com a perfeita cortesia de um perfeito estadista, expusemos-lhe o fim da nossa visita.

O sr. Afonso Celso respondeu-nos:

— Não posso prestar declarações algumas acerca dos acontecimentos do Brasil.

— Todavia...

— Em primeiro lugar, proseguiu o sr. Celso, indo ao encontro da nossa objeção, porque não concordo com o processo jornalístico que se chama — interview; em segundo lugar, porque tenciono expor a minha opinião numa carta que tornarei pública pela imprensa.

Íamos louvar as excelências da interview, e contar ao ex-ministro brasileiro as maravilhas desse depoimento verbal de que o nosso interterlocutor tanto parecia arrecear-se, quando ele nos distinguiu cortando-nos a palavra...

— O processo é americano... bem sei... mas ele a não me presto.

Assim como para os efeitos do hipnotismo há bons sujets e maus sujets, assim para os efeitos do interview há maus e bons sujets. Sua excellência é um mau sujet. Ele o disse: não se presta.

A despeito desta dificuldade, tanto mais insuperável quanto nos quis parecer que o sr. visconde de Ouro Preto já tinha sido prevenido contra interviews e interviewers, permitimo-nos interrogá-lo sobre outros pontos inteiramente inocentes.

— V. exa. tenciona publicar a sua carta n’algum jornal português, ou pensa recorrer aos grandes órgãos da imprensa estrangeira?

O sr. visconde d'Ouro Preto respondeu-nos sem hesitação:

— Na imprensa portuguesa.

Intimamente regosijados por haver obtido de sua exa. tão interessante pormenor, inquirimos;

— E em que jornal português tenciona v. exa. dar a lume a sua carta?

— Não sei.

Já desorientados, apelamos para a palestra familiar e despretenciosa.

— V. exa. fez por certo uma boa viagem?...

— Persiste em interrogar-me?...

— Se v. exa. permite, eu distingo: há duas pessoas no reporter — o homem amável e o observador curioso e... perigoso. Neste momento é o primeiro que está falando. Fez o sr. visconde uma boa viagem?

O sr. visconde deu-nos a honra de sorrir e replicou:

— Enfim, vejo que não há remédio senão responder. E em seguida, assumindo junto de nós uma atitude mais conciliadora, referiu-nos benevolamente de como estivera preso, e, logo libertado, de como partira para a Europa. Depois contou-nos de como fora forçado, em virtude de doença de uma pessoa de sua família, a aportar a Tenerife, onde se demorara uns oito dias, e por último de como partira para o continente.

Como estes acontecimentos não interessassem diretamente à questão brasileira e não pudessem exercer uma influência imediata na opinião que a Europa está formando dos homens do antigo Brasil, apressamo-nos em nos despedir do sr. visconde de Ouro Preto. Antes, porém, não nos sofreu o ânimo que não tentássemos justificar a legítima curiosidade desta — helás! — pobre reportage, tão mal vista e mal apreciada. Então, o antigo presidente do Conselho expôs-nos francamente que, além de ser contrário ao processo das interviews, não desejava ver alterados os seus pensamentos, no compte rendu de qualquer entrevista que porventura tivesse, como — por exemplo — sucedeu com sua alteza o sr. conde d’Eu, acrescentou s. exa..

— Peço perdão, tornámos nós, mas o compte rendu da entrevista realizada com o sr. conde d’Eu, por um jornalista que teve a honra de lhe ser apresentado por uma carta do sr. conde de Paris, é, na sua parte essencial, perfeitamente exato.

— Mas sua alteza não autorizou...

— Peço perdão, mas não costumamos na imprensa livre da Europa pedir antorização para expender a opinião dos outros, quando os outros no-las facultam nesse intuito. Quando um personagem — político, científico ou literário, príncipe ou plebeu — consente em receber a visita de um jornalista que o vai inquirir, tem duas coisas a fazer: ou procede como v. exa., o que é pouco complicado, ou conversa com inteligência, tino e precaução, o que é prudente e amável. Ainda há um terceiro caso que não previmos, e é que esse personagem não nos receba. É incomparavelmente menos incômodo para ambas as partes...

Dito isto, retirámos-nos.

O sr. visconde de Ouro Preto é um cavalheiro amabilíssimo e, como não ignoram os que conhecem a política do Drasil, foi um dos estadistas mais influentes do Império. Fisicamente é um homem dos seus cinquenta anos, alto, ligeiramente trigueiro, suíças e bigode brancos. O seu trato é ao mesmo tempo afável e nobre as suas maneiras distintas.

Como dissemos, s. exa. está hospedado com toda a sua família, que é numerosa, no Hotel Atlântico.

O sr. Cândido d’Oliveira está hospedado no Hotel Central.


 

 

III

 

Jornal do Comércio de 14 de Janeiro de 1890.

O general Visconde de Maracaju ao País.

 

Aguardava, como disse na Gazeta de Notícias de 18 de Dezembro último, a publicação do manifesto do Sr. ex-presidente do gabinete 7 de Junho, para tornar públicos os atos que pratiquei, por ocasião dos acontecimentos de 15 de Novembro, e mesmo pronunciar-me sobre as referências que fizesse ele à minha pessoa. Nesse manifesto há muitas inexatidões, e sobressai o intento que tem S. Exa. de desculpar-se, acusando-me de não ter agido no sentido de sufocar o movimento de 15 de Novembro, quando é certo que dei para esse fim todas as providências que estavam na esfera de minhas atribuições, posto a si chame S. Exa. a autoria de todas elas. Não acompanharei S. Exa. em todos os pontos de seu manifesto, limitando-me a contestar as inexatidões que me parecem mais graves. Antes, porém, devo declarar que, quanto a atribuir-me S. Exa., ainda que dubiamente, o ter-se propalado a notícia da prisão do Sr. marechal Deodoro, por ter-me falado em reformá-lo, e, também a maneira por que aprecia o que disse eu em relação ao Sr. tenente Felipe Câmara, bem como outras ofensivas insinuações, penso que só a má fé poderia gerar no espírito de S. Exa. tão injustas suspeitas, não sendo eu a única pessoa contra quem S. Exa. se tenha assim manifestado.

Relativamente à retirada das forças que se achavam em Mato Grosso, a que se refere S.Exa., cumpre-me dizer que, havendo o meu antecessor mandado cessar às mesmas forças vantagens de campanha por ter-se terminado o conflito entre as repúblicas do Paraguai e Bolívia, e tendo S. Exa. proposto a nomeação do Sr. coronel Cunha Matos para presidente e comandante das armas, não havia mais motivo de ali permanecerem aquelas forças, pelo que propus a retirada das mesmas, o que foi aceito.

Não me recordo de ter-me S. Exa. recomendado que tratasse de aproveitar em alguma comissão o Sr. marechal de campo Deodoro, o que espontaneamente tinha eu resolvido, não tendo sido ele nomeado, por estar doente e constar-me estar prestes a seguir para Caxambu. Pondera S. Exa. que nunca levei ao conhecimento do governo as queixas do exército. Eram elas antigas, e, como eu, S. Exa. devia conhecê-las, pelos jornais; convindo acrescentar que, por motivos de saúde, estive por dois meses afastado da pasta da guerra, chegando mesmo por esse motivo a solicitar minha demissão, da qual desisti, por causar isso transtorno ao governo, e por estar a se abrir o parlamento, onde devia logo entrar em discussão a fixação de forças de terra e o respetivo orçamento. Acresce que com o fim de evitar que se repetissem aquelas queixas, quando em minha residência, onde me achava doente, soube em Novembro pelo Sr. ex-ministro da justiça, que então ocupava a pasta da guerra, que em conferência resolvera o gabinete o embarque do 22° de infantaria para o Amazonas, depois de ter ouvido o general barão do Rio Apa, comandante da brigada a que pertencia aquele corpo, o qual confirmou o bom conceito que fazia eu desse batalhão, dizendo-me «que era ele bom e bem disciplinado», a 5 do mesmo mês dirigi ao Sr. ex-ministro a seguinte carta:

«Exm. amigo Sr. conselheiro Cândido de Oliveira. — Rogo a V. Exa. que não expeça ordem, até falarmos, sobre a mudança de parada do 22 de infantaria para o Amazonas. A respeito ouvi o comandante da brigada. Sou etc. — V. de Maracaju

Não me foi, porém, contestada esta carta, entregue no mesmo dia 5, e a 10 embarcava o 22°, entendendo eu que nada mais devia acrescentar a esse respeito por constar-me que S. Exa. marchava de acordo com o Sr. ajudante general, marechal de campo Floriano Peixoto, e ter-me ainda declarado S. Exa. que havia reclamação de um batalhão para aquela província e haver sido para esse fim indicado o 22° pelo mesmo Sr. ajudante general. Se por um lado procurava evitar motivos de desgosto para o exército, por outro jamais deixaria de atender às necessidades do serviço público. Foi assim que, no intuito de impedir uma alteração da ordem pública em Ouro Preto, iminente, em vista dos alarmadores telegramas que comunicavam um conflito entre o 9° regimento de cavalaria e a polícia, para ali mandei que marchasse a ala de um batalhão de infantaria e um esquadrão do 1° regimento de cavalaria, e ordenei que se recolhesse a esta capital o mencionado 9° regimento. Foi ainda com o fim de manter a disciplina que, tendo o ministério resolvido, durante a minha enfermidade, a demissão do Sr. coronel Mallet de comandante da escola militar do Ceará, concordei com essa deliberação, tomada por me ter aquele oficial dirigido um desrespeitoso telegrama. Vem a pelo relatar como procedi a 18 de Maio de 1887, quando o ex-ministro da guerra do gabinete barão de Cotegipe ouviu-me sobre o alvitre com que queria pôr termo à questão militar que naquele tempo se agitava, pois se propalou que fora eu chamado para me ser confiado o comando geral das forças, afim de sufocar qualquer pronunciamento militar. Dizendo aquele ex-ministro que pretendia trancar as notas dos oficiais repreendidos, se eles o requeressem, e pedindo a esse respeito o meu parecer, opinei afirmando que eles não fariam semelhante requerimento, o que assegurei, tendo em vista o caráter militar. Replicando S. Exa. «que a questão era então um beco sem saída», lembrei a solução de propor o Sr. ajudante general, daquele tempo, o trancamento daquelas notas, o que me pareceu ter calado no espírito de S. Exa., pois nela falou-me repetidas vezes, e, na sessão seguinte do senado, passou uma moção, convidando o governo a fazer o trancamento das notas. Em outro ponto de seu manifesto, diz o Sr. visconde de Ouro Preto «que recebeu muitas cartas anônimas, prevenindo-o de que o exército queria revoltar-se, mas que o tranquilizei». Delas, porém, somente deu-me notícia S. Exa. a 12 de Novembro, dia em que reassumi o exercício, do qual estava então afastado, não por dias, como refere S. Exa., mas por um mês, e se naquela ocasião pronunciei-me de modo a não julgar iminente um movimento militar, baseei-me no que nesse mesmo dia me dissera o Sr. ajudante general, isto é, que o exército estava desgostoso com o gabinete, supondo que ele lhe era infenso, mas que nada havia a recear, posto corressem diversas notícias desagradáveis, sobre o que estava atento. Lembrei, por isso, nessa mesma ocasião, ao Sr. visconde de Ouro Preto a conveniência de mandar desmentir pelo Diário Oficial e Tribuna Liberal os boatos que circulavam e mesmo publicavam alguns jornais da oposição, tais como: dissolução do exército, o embarque de mais dois batalhões, etc.

Não julgou, porém, isso preciso S. Exa., por saber eu do contrário, por estar a se abrir o parlamento e ter-se resolvido em conferência aumentar o soldo dos oficiais, como eu não ignorava e seria declarado na fala do trono. Sobre aqueles boatos chamei, portanto, a atenção de S. Exa. e somente na manhã de 14 receei qualquer movimento, como nesse mesmo dia comuniquei ao mesmo Sr. visconde, reportando-me ao que me expôs o Sr. ajudante general, que mostrou-me uma carta, assinada, dirigida a S. Exa., anunciando preparar-se um movimento militar. No dia 12, como depois da conferência ministerial, onde ligeiramente se tratou das notícias que circulavam, me tivesse dito o Sr. conselheiro Lourenço de Albuquerque, na ocasião em que iam-se retirando os ministros, que lhe constavam coisas desagradáveis sobre um pronunciamento militar, e que não estavam de acordo com as informações do Sr. ajudante general, de novo fui com este entender-me, comunicando-me ele que já tinha providenciado e que esperava serenar os ânimos com a mudança do 9° regimento para a escola militar, e com a partida de alguns oficiais, no dia 17, para o Rio Grande do Sul.

Continua o Sr. visconde de Ouro Preto: «no mesmo sentido ainda se pronunciou o v. de Maracaju no dia 14 de Novembro, isto é, que o tranquilizei». Há por certo equívoco.

Correndo nesse dia algumas notícias alarmadoras, ia até entender-me com o Sr. ajudante general, quando recebi do mesmo Sr. visconde um chamado urgente, referindo-me S. Exa. o que eu acabava de saber e falando de uma carta, assinada, que recebera e entregara ao Sr. ajudante general, e aludindo a outros anônimos a que não dava muita importância.

Disse-lhe nessa entrevista que ia conferenciar com o mesmo Sr. ajudante general, com os comandantes das duas brigadas, quartel mestre general, diretor do arsenal de guerra e com o intendente de guerra, afim de poder eu então tomar as necessárias providências, e retirei-me.

Voltando à secretaria, informou-me o Sr. ajudante general que «estávamos sobre um vulcão», pelo que na véspera, à noite, lhe constara e soubera do Sr. chefe de polícia (o que surprendeu-me), mas que esperava evitar qualquer pronunciamento com as providências que tinha tomado, já aludidas, e outras. Receando eu, à vista disso, se desse algum acontecimento na noite de 15, quando estivesse o ministério em conferência, ou a 16, por ocasião do despacho, entendi-me com os chefes militares, já mencionados, e mandei vir cartuchame para os batalhões e pólvora para o arsenal de guerra, no qual deviam ser preparados cartuchos para onze bocas de fogo de Krupp e seis de Whithworlh, que ali já se achavam, e dei outras providências.

Todas estas medidas, porém transpiraram, tanto que de tudo deu notícia O País no dia seguinte. Recomendei, ao retirar-me, vigilância ao Sr. ajudante general, afim de comunicar-me o que fosse ocorrendo, e disse-lhe que o Sr. visconde de Ouro Preto tinha pedido que, como eu estava enfermo, fosse ele à sua residência, ao anoitecer, dar parte do que se resolvesse na conferência. Depois, apesar de doente, segui para a casa do meu irmão general barão do Rio Apa, à rua da Lapa, onde ia pernoitar, como avisei ao Sr. ajudante general e aos meus empregados, e não para Santa Teresa como disse S. Exa.; pois, apesar de ser esta a minha residência, ficava na cidade todas as vezes que o reclamava o serviço público; e pretendia no dia imediato entender-me com o Sr. barão do Ladário. Conquanto me houvesse limitado a estas medidas e a outras que adiante menciono, constou-me que se tinha propalado haver eu dito ser a secretaria uma posição estratégica para sufocar o movimento e que fora ali encontrado um plano de ataque, por mim traçado em papel vegetal, quando no entanto nada disso houve.

Em seu manifesto procura o Sr. visconde de Ouro Preto declinar em mim a responsabilidade dos acontecimentos de 15 de Novembro, dizendo que não providenciei de modo a evitá-los, quando no entanto S. Exa. está convencido do contrário. Tendo sabido pelo meu ajudante de ordens, às 2 1/2 horas da madrugada, mais tarde portanto do que S. Exa., que soube às 11 1/4 da noite de 14, constar no quartel general achar-se em armas a 2ª brigada, por esperar a todo o momento ser atacada pela guarda negra, haver ordem de embarque para o 2° regimento de artilharia e o 7° de infantaria, e ordem de prisão contra dois chefes militares, não obstante ter passado a noite mal, procurei logo enteuder-me com S. Exa. na secretaria da polícia, e lá não o encontrando, como necessitasse logo providenciar, além das medidas que já tinha tomado, e das quais já fiz menção, encaminhei-me às 3 horas da manhã, mais ou menos, para a secretaria da guerra, na qual, depois de orientar-me sobre o que havia, dei diversas ordens, tais como: a marcha do 7° de infantaria, que devia destacar uma companhia para o morro do Castelo, a do 1° batalhão de engenheiros, que estava no Campo Grande, e a do corpo de bombeiros, devendo todos seguir para o campo da Aclamação. Sabendo que o Sr. coronel Pego já tinha recebido do Sr. ajudante general ordem de ir à fortaleza de Santa Cruz buscar o 1° de artilharia, e trazer da de S. João 100 praças, ordenei que ficasse este coutingente guarnecendo o arsenal de guerra e marchasse o mesmo coronel com aquele batalhão, tomando ali as bocas de fogo a que já me referi, que deviam seguir para o referido quartel, onde não havia uma só. Ordenei também ao Sr. coronel Andrade Pinto, que encontrei, ao entrar na secretaria da guerra, mandasse vir imediatamente para o mencionado quartel toda a força de que dispunha, de infantaria e cavalaria, pois destas, poucas praças ali havia. Tendo assim providenciado, ia entender-me com os Srs. visconde de Ouro Preto e barão do Ladário, que estavam no arsenal de marinha, quando recebi do mesmo Sr. visconde um chamado. Aí chegando comuniquei a S. Exa. as providências que tinha tomado e requisitei de SS. Exas. mais forças, escrevendo então o Sr. visconde de Ouro Preto, para esse fim, ao Sr. ex-presidente do Rio de Janeiro, e de cuja carta foi portador o meu ajudante de ordens.

Diz S. Exa. que em chegando eu ao arsenal de marinha «convidei-o para acompanhar-me até o quartel general, dizendo que sua presença era necessária para animar a resistência», repetindo ainda em um outro ponto «que lá se foi meter a meu chamado.» Não há tal, a S. Exa. não disse que a sua presença era necessária para animar a resistência; perguntei apenas a S. Exa. se queria acompanhar-me, ao que acedeu, resolvendo depois o contrário a pedido dos Srs. ex-ministros da marinha e da justiça, únicos que ali então se achavam e aos quais não fiz convite algum, nem nesta ocasião, nem em outra qualquer. No entanto tem S. Exa. a coragem de dizer que o atraí à secretaria da guerra, e que o Sr. barão do Ladário foi ferido na ocasião em que atendia ao meu apelo, o que é inexato, e tanto que neste ponto apelo para o mesmo Sr. barão. Regressei, pois, só, àquela secretaria, onde espontânea e sucessivamente às 6 1/2 horas mais ou menos chegaram o Sr. ex-presidente do conselho e os demais Srs. ex-ministros. Diz o Sr. visconde de Ouro Preto que notou ali a falta de preparativos para a resistência, o que admira, pois, quando S. Exa. chegou estavam-se reunindo no pátio dos quartéis do campo da Aclamação o 1° de infantaria, que estava apenas com 40 praças, por estar o batalhão de guarnição, o 7° da mesma arma, com 120, por ter eu mandado uma companhia ocupar o morro do Castelo, o corpo militar de polícia desta capital com 450, inclusive 30 de cavalaria, o corpo de imperiais marinheiros com 156 e duas metralhadoras, o corpo de fuzileiros navais com 120, o corpo de bombeiros com 240, ao todo 1.126 praças, todas já municiadas, exceto as do corpo de bombeiros, que no quartel do campo receberam armamento e munição. Não me recordo de ter dito, quando chegou o corpo de polícia desta capital — «agora sim, temos gente suficiente e estamos bem», como disse S. Exa.. Tendo sabido que unido ao destacamento do 24, que estava na escola militar, estava em movimento o corpo de alunos da mesma escola, já tinha ordenado ao Sr. ajudante general mandasse postar no largo da Lapa o 10° de infantaria, afim de obstar que à 2ª brigada se reunisse ele.

Já tinha determinado fossem apresentados ao Sr. comandante do mesmo 10° oito praças de cavalaria de polícia, para transmitirem ao Sr. ajudante general quaisquer notícias, sendo eu informado depois que ao referido corpo de alunos se tinha incorporado esse batalhão; e avisado de que estava em marcha a 2ª brigada, tinha ordenado ao Sr. brigadeiro Amaral fosse expor ao Sr. visconde de Ouro Preto, que estava no arsenal de marinha, o que havia, e requisitar mais força ao Sr. barão do Ladário.

Ao Sr. ajudante general tinha recomendado reiterasse as ordens para que imediatamente para o campo da Aclamação viesse o 1° de artilharia que já devia estar no arsenal de guerra. Como o corpo de polícia do Rio de Janeiro, o 1° de engenheiros e o 24° de infantaria, não pôde aquele batalhão reunir-se às forças que estavam no pátio dos quartéis do mesmo campo. Como declarara ao Sr. ajudante general, já tinha nomeado o Sr. brigadeiro Barreto para comandar a brigada provisória, que seria composta do corpo militar de polícia desta capital, imperiais marinheiros e fuzileiros navais, ao todo 726 praças, e pretendia dar ao Sr. general barão do Rio Apa a 1ª brigada, que lhe pertencia, reforçada com os outros corpos que eu esperava. Portanto, quando S. Exa. chegou à secretaria da guerra, já tinha eu tomado as necessárias providências.

Não ponderei a S. Exa. ser de grande alcance a organização de uma força que, no caso de ser o quartel general atacado, por sua vez acometesse os sublevados pela retaguarda, nem foi lembrado o nome do Sr. brigadeiro Amaral, que era quartel mestre general, para comandar força alguma. Aparecendo em frente à secretaria um piquete de cavalaria como explorador da 2ª brigada, ordenei ao mesmo Sr. brigadeiro Barreto, que ia então marchar com a brigada provisória, o mandasse aprisionar, e seguisse logo a impedir a marcha da 2ª brigada, como presenciaram os Srs. ex-presidente do conselho e demais ex-ministros.

Tardando comunicação da brigada provisória e não sabendo o que estava ela fazendo, entendi-me com o Sr. ajudante general, que mandou então o Sr. capitão João da Silva Torres saber o que havia, vindo afinal eu a ser informado que tinha aquela brigada feito alto junto à estacão da estrada de ferro, estando em frente com a 2ª o Sr. marechal de campo Deodoro, quando calculara eu estar ainda muito adiante. Não podia, portanto, contar o governo, nem com a brigada provisória, nem com o 10° de infantaria e apenas dispunha de 400 praças, cuja dedicação ao dito governo era duvidosa. O 7° de infantaria, que devia fazer parte da 1ª brigada, ainda não se tinha incorporado a ela, tendo assim à sua disposição o Sr. general barão do Rio Apa apenas quarenta (40) praças do 1° de infantaria, por estar o batalhão de guarnição, e por ter o 10° marchado para o largo da Lapa. Não tendo chegado o 1° de engenheiros nem o 1° de artilharia com as 10 bocas de fogo, nem o corpo de polícia de Niterói, nem o 24° de infantaria, que estava na ilha do Bom Jesus, nem o reforço de marinha, frustrados todos os meios empregados para a resistência, por terem a brigada provisória e o 10° de infantaria confraternizado com a 2ª brigada e com o corpo de alunos da Escola Militar, colocou-se o Sr. marechal de campo Deodoro, que estava à frente de dois mil homens, mais ou menos, diante da secretaria da guerra, com 16 bocas do fogo de Krupp, estendidas em linha de batalha, bem como a infantaria e cavalaria, sabendo eu nessa ocasião que fora ferido o meu colega e amigo Sr. Barão do Ladário.

A mim não cabe, portanto, a responsabilidade do insucesso das medidas que tomei, muito a tempo de evitar o desfecho dos acontecimentos de 15 de novembro. Se não pus em prática os meios, barricadas, etc., de que fala S. Exa. e os quais não me esqueceria de empregar em ocasião oportuna, foi porque, além de ser ofensiva a posição do governo, esperando eu até poder ainda fazer marchar a 1ª brigada, reforçada, se precipitaram os acontecimentos de tal modo que não havia mais tempo para tratar-se da defensiva, além de que nem força havia para levantar barricadas, e ocupar diversas ruas. Nestas condições reunido o gabinete para deliberar, declarei que julgava sem êxito qualquer resistência exprimindo-se do mesmo modo os Srs. generais Floriano Peixoto e Barão do Rio Apa, resolvendo então o ministério pedir demissão, telegrafando o Sr. Visconde de Ouro Preto ao ex-imperador que estava em Petrópolis. Nesta ocasião ofereceu-se o Sr. ajudante general para ir comunicar essa resolução ao Sr. general Deodoro. Ao ser entregue ao Sr. diretor geral da secretaria o telegrama, que devia ser expedido, ouviram-se vivas no pátio dos quartéis, veiificando-se que nele penetrara o Sr. marechal Deodoro, reunindo-se nesta ocasião às forcas que estavam em frente à secretaria as que ali se achavam, exceto o corpo de bombeiros. Logo depois, achando-me no salão da secretaria, vieram dizer-me que estava no gabinete o mesmo Sr. marechal, pelo que, para ali encaminhei-me, ouvindo parte das queixas que em nome do exército estava ele expondo aos Srs. ex-presidente do conselho e ex-ministro da justiça, as quais terminou dirigindo-me em camaradagem algumas palavras. Mais tarde retiraram-se os Srs. ex-ministros, que acompanhei até ao portão da secretaria, tendo-se conservado sempre serenos, não tendo-me constado que houvessem oferecido ao ministério saída pelos fundos do edifício. Pela exposição sucinta, mas verdadeira, dos fatos, que faço, patenteia-se que até à última hora cumpri rigorosamente os meus deveres. Foi esta sempre a norma de minha vida onde jamais vacilei no cumprimento de deveres. Ficam, com esta exposição, ainda destruídas completamente as injustas apreciações que de mim fez um Diário desta capital, a propósito do manifesto do Sr. Visconde de Ouro Preto, apontando-me «como de índole irresoluta», e acrescentando «ter contado sempre o gabinete 7 de Junho com minha firme condescendência em medidas contra o exército». De fato, está patente que de minha parte não houve irresolução alguma na maneira porque procedi em face dos acontecimentos de 15 de Novembro.

Era bem clara a linha de conduta que mo cumpria seguir, e segui-a sem vacilações, providenciando até onde me foi possível, e como a situação reclamava. Não somente nessa ocasião mas em todos os momentos de minha vida pública assim me tenho portado, não discutindo o que tenha a fazer, não vacilando, e, antes, me havendo sempre com a maior isenção e firmeza.

Onde a firme condescendência para com o gabinete 7 de Junho? É grave injustiça semelhante acusação, e o prova o meu procedimento como ministro da guerra desse gabinete, e o não haver jamais cogitado ele em tomar medidas odiosas contra o exército.

A esse respeito acham-se todos inteirados de que eram falsos completamente os boatos de dissolução do exército, embarque de mais dois batalhões, etc., ao que tudo já me referi nesta exposição. Só os que me não conhecem, ou ignoram o modo por que costumo desempenhar-me de obrigações a meu cargo, poderão, ainda que sem prova possível, julgar-me por esta forma. Não tenho por hábito jactar-me do que faço, e, se por esta maneira agora me exprimo, é no intuito apenas de acobertar-me contra os injustos conceitos a que me referi.

Tendo exposto com toda a exatidão e franqueza o que se passou na manhã de 15 de Novembro e convencido de haver posto ao serviço da pátria e do exército durante mais de quarenta anos o esforço da minha inteligência, dedicação e lealdade, tranquilo aguardo o juízo dos meus contemporâneos sobre o modo por que procedi.

Termino, aproveitando o ensejo para declarar que deixei de contestar diversos boatos que correram e publicaram alguns jornais em relação à minha pessoa, por ter no mesmo dia em que ia contestá-los aparecido o decreto que reformou-me por motivos de ordem pública, o que me resguardava contra qualquer injusto conceito, quanto à posição que como ministro da guerra do gabinete 7 de Junho assumi em frente aos acontecimentos que acabo de expor, em restabelecimento da verdade.

Visconde de Maracaju.

Rio, 12 de Janeiro de 1890.


 

IV

 

Gazeta de Notícias de 23 de março de 1890.

 

Ainda os acontecimentos de 15 do Novembro.

 

O artigo que, no Jornal do Comércio de 16 do corrente, publicou o Sr. V. de O. Preto, replicando a alguns pontos das contestações que opus ao seu manifesto obriga-me a pronunciar-me mais uma vez sobre os acontecimentos de 15 de Novembro.


Defende-se S. Exa. da acusação que lhe fizera, quando notei em seu manifesto o intuito de desculpar-se «acusando-me de não ter agido no sentido de sufocar o movimento», dizendo que não teve, nem podia ter tal intuito, pela óbvia razão de não acusar-lhe a consciência nenhuma culpa, acrescentando que, se tivesse necessidade de desculpar-se, muito maior seria a minha, porquanto, como ministro e ministro da guerra, era eu o primeiro responsável pelas medidas a adotar-se em um conflito com a força armada notando ainda S. Exa. que, se eu própria afirmara que o ex-gabinele jamais cogitou de medidas odiosas contra o exército, e declarava ter tomado em tempo todas as providências para sufocar o movimento, não podia sentir-se na necessidade de desculpar-se.

Pelo fato de não lhe acusar a consciência nenhuma culpa, não se segue que S. Exa. estivesse isento de lhe atribuirem qualquer responsabilidade, sendo por isto acreditável que julgasse conveniente prevenir-se contra isso, como depreendi de seu manifesto. Por outro lado, se, na qualidade de militar e ministro da guerra, era eu o primeiro responsável pelas medidas a tomar-se em um conflito com a força armada, S. Exa. era o primeiro responsável pela situação política, e portanto, não podia reclamar para si a cômoda posição de irresponsável, se lhe fossem arguidos erros ou desacertos. Direi mais: embora tivesse eu tomado as providências que indiquei, e não houvesse motivo de queixa do exército, não podendo S. Exa. por um lado sofrer censura, podia sofrê-la, contudo, de outra natureza, sentir-se, portanto, na necessidade, de defender-se contra ela.

Foi o que S. Exa. procurou fazer com seu manifesto, atirando sobre mim, como ainda agora o faz, a responsabilidade, como mostrarei, transpirando assim do seu manifesto o intento de desculpar-se.

Não se referindo S. Exa. em seu manifesto às providências que eu ordenara, limitando-se tão somente a apontar as que assegura ter tomado, sendo elas idênticas a algumas das que tinha eu determinado, era natural supor que S. Exa. havia chamado a si autoria das mesmas.

Assim é que o Sr. ajudante general, a quem o Sr. visconde diz ter mandado dar algumas ordens, não só a isso não aludiu, quando com ele conferenciei na madrugada de l5, como nem sequer constou-me que S. Exa. tivesse estado no quartel general. De haver eu tomado aquelas medidas e outras que já referi no artigo que publiquei no Jornal do Comércio de 14 de janeiro último, se certificaria S. Exa. se ouvisse no mesmo Sr. ajudante general, e ao Srs. ex-comandante do corpo de polícia desta capital, com quem entendi-me diretamente.


Um ponto do artigo de S. Exa. carecedor de reparo é aquele em que parece ter entendido que em minha exposição de 14 de janeiro increpei ao gabinete de não ter tomado em consideração as queixas do exército, desculpando-me de não o ter feito por achar-me doente.

Alegando naquela ocasião o achar-me doente e ausente do governo tive por fim único responder ao tópico do manifesto de S. Exa. no qual se queixava de não ter eu jamais levado ao conhecimento do governo aquelas queixas, o que me cumpria fazer.

Eu próprio escrevi: «eram elas antigas, e como eu S. Exa. devia conhecê-las pelos jornais, convindo acrescentar que, por motivo de saúde, estive afastado da pasta da guerra por espaço de dois meses.»

Se outras houvesse, portanto, era mais natural ignorá-las eu do que S. Exa. mesmo porque, ao contrário do que se dava comigo, esteve sempre à testa dos negócios públicos, podendo, por conseguinte, por intermédio do Sr. ministro interino da guerra, que substituiu-me por aquele tempo, ou por si diretamente, ser conhecedor disso.

E a prova de que eu tanto ou menos era sabedor de que existiam queixas, é que limitei-me, e isto espontaneamente, a fazer considerações sobre a mudança de parada do 22° de infantaria, com o fim mesmo de evitar qualquer desgosto; não me cumprindo nada mais fazer depois das ponderosas razões que deu-me para isso o Sr. conselheiro C. de Oliveira.

E se então observei que aquele batalhão era bom e bem disciplinado, não foi porque julgasse que por castigo o iam remover, o que não é crível, e sim porque naquelas condições era preferível que demorasse aqui na capital.

S. Exa. assim se exprimindo em seu artigo último emprestou-me a ideia de, ainda que de leve e injustamente, culpar, em minha defesa, aos meus colegas de governo, o que se não coaduna com o meu caráter.


De novo insiste o Sr. visconde de Ouro Preto em dizer que o convidei para a secretaria da guerra «para animar a resistência», e agora baseia-se em uma carta do Sr. ex-ministro da justiça.

Releve-me o Sr. visconde insistir na negativa, ainda que muito me mereça a palavra do meu ex-colega da justiça.

Contestei aquele ponto do manifesto de S. Exa., e com isso tive em vista principalmente repelir o que podia parecer da parte de S. Exa. um fim injurioso; hoje o faço por amor à verdade, tão somente, pois, perdeu toda a importância aquela frase que me imputa, desde que S. Exa. tirou-lhe o caráter de ofensiva.


Assim também protesta o Sr. visconde, em seu artigo, contra a intenção que lhe tivessem atribuído ao repetir uma frase que pronunciei em relação ao Sr. capitão Felipe Câmara.

S. Exa. labora ainda, porém, em um engano, qual seja dizer que lhe falei ao ouvido do que não tinha necessidade.

Afirma o Sr. Visconde agora que advinhava nas minhas expressões que os laços da disciplina estavam rotos.

Não concordará S. Exa. comigo, que assim sendo, seria até imprudente apurar em um momento anormal, o que em quadra regular poderia ser punido, tanto mais quanto aquele oficial se dirigira a S. Exa. de uma maneira respeitosa, e fora provocado por uma interrogativa do Sr. visconde? Podia S. Exa. admirar-se de que naquele momento estivessem rotos os laços de disciplina?

Dizendo ao Sr. visconde que o Sr. capitão Câmara era filho do visconde de Pelotas e ajudante de ordens do Sr. ajudante general (o que S. Exa. omitiu), outro não poderia ser meu intento senão significar-lhe que o Sr. capitão Câmara, por aqueles motivos — ser filho do visconde de Pelotas que era amigo do governo e ajudante de ordens do Sr. ajudante general — que era um funcionário de confiança — não devia inspirar-me dúvidas, e antes merecer-nos confiança, relevando-se-lhe uma falta relativamente pequena ao que se passava, e na qual não havia intento de incutir desânimo ao gabinete.

Foi o que S. Exa. não advinhou nas minhas palavras, e nelas tão somente se continha.


No sentido de mostrar que eu próprio no dia 12 tranquilizei-o sobre a possibilidade de dar-se um movimento, o Sr. visconde transcreveu uma parte de minha exposição, na qual dizia que «se naquele dia (12) pronunciei-me de modo a não julgar iminente um movimento militar, baseei-me no que nesse mesmo dia me dissera o Sr. Ajudante General.»

Conclui depois S. Exa. — «Assim três dias antes de serem as instituições políticas do país mudadas por alguns corpos rebelados, o Sr. visconde de Maracaju assegurava-me não haver motivo para recear-se um movimento militar, jurando nas palavras do Sr. Ajudante General.» Notarei antes de tudo, que, de ambas as vezes que o Sr. ex-presidente do conselho se tem pronunciado sobre os fatos de 15 de novembro, tem deixado obscuro o fato de nesse mesmo dia (12) ter assumido, há poucas horas, o meu ministério, e tê-lo feito depois de uma longa ausência de dois meses.

Durante esse longo tempo, nem S. Exa., nem qualquer outro colega, nem o Sr. ajudante general, quem quer que fosse, aludiu-me, sequer, a desgostos do exército contra o gabinete; como, pois, achar-me mais orientado do que S. Exa.?

Como desconfiar que houvessem motivos de queixa do exército, quando dos meus camaradas, durante minha moléstia, e posteriormente publicamente, recebera tantas provas de estima e de apreço?

Como culpar-me, se ao inverso do que se dera comigo, se achara S. Exa. sempre à frente do gabinete, tendo por isso maiores razões do que eu para não ignorar, e no entanto, horas antes do pronunciamento é que o Sr. ex-presidente do conselho recebeu o primeiro aviso do Sr. chefe de Policia, como ainda agora o repete!

E se acaso outros anteriores recebeu, porque, já não digo antes, mas ainda no dia 12, deles não me falou e apenas referiu-se a cartas anônimas a que não dava muita importância, como adiante mostrarei, transcrevendo a própria confissão disso que fez no seu manifesto?

Mas S. Exa., nas vezes que nos encontrámos em minha residência, durante minha moléstia, em nada me falou!

Portanto, somente no dia 12, ao reassumir minha pasta, é que poderia ter colhido a primeira notícia, e essa foi-me dada pelo Sr. ajudante general tal como referi a S. Exa..

Convém acrescentar que no dia 12, embora não julgasse, pelo que ouvira do Sr. ajudante general — iminente um movimento militar — lembrei a S. Exa. a conveniência de mandar desmentir pela imprensa os boatos que então circulavam com o fim de indispor o exército com o gabinete, ao que S. Exa. não anuiu, como detalhadamente referi em minha exposição, e o próprio Sr. visconde afirmou, relatando uma entrevista que teve com um redator do Jornal do Comércio.

O Sr. visconde diz que o tranquilizei — jurando nas palavras do Sr. ajudante general.

Nem é de estranhar que o fizesse, quando ele era uma autoridade competente para bem informar, pelo fato de, em razão de seu cargo, ver-se sempre em contato com a guarnição, além de que era um funcionário da confiança do ministério.

Continua S. Exa.: «nessa ocasião não se referiu S. Exa., como parece dar a entender, a desgostos do exército contra o gabinete; aludiu, sim, a desgosto de um ou outro oficial desatendido em suas pretenções, acrescentando, recordo-me bem, como sempre os há em todos os tempos.»

S. Exa. recorda-se mal.

Na própria frase que transcreveu de meu artigo, lá está que o exército estava desgostoso com o gabinete por supor que ele lhe era infenso, e sendo esse desgosto motivado por supor-se que eram reais as notícias que circulavam e desagradáveis; lembrei, por isso, a conveniência de mandar desmenti-las, o que S. Exa. não julgou preciso, dando-me as razões que já indiquei em meu artigo.

Para remover esse mal — os desgostos do exército por acreditar nos boatos mentirosos que corriam, não era necessária larga conferência, bastando para isso desmentir os boatos.

Não procede, pois, o dizer S. Exa. «se tivesse aludido a desgostos do exército, não em ligeira conversa, mas em larga conferência, disso nos teríamos ocupado.»


Contestando o tópico da minha narração em que, referindo-me ao seu manifesto apontei equívoco em dizer que eu o tranquilizara ainda no dia 14, exprime-se S. Exa. de forma a fazer crer que o julguei em equívoco por ter S. Exa. afirmado que eu lhe assegurara, em caso de perigo, contar com a 1ª brigada, ao menos.

São coisas bem diversas.

Em haver dito S. Exa. que o tranquilizara no dia 14 sobre a possibilidade de dar-se o movimento, é que o contestei, como se vê do seguinte tópico que S. Exa. pretendeu responder: «Continua o Sr. visconde de Ouro Preto: no mesmo sentido se pronunciou o Sr. visconde de Maracaju a 14 de novembro em entrevista comigo», isto é, que o tranquilizei. Há por certo equívoco.

Mostrarei que S. Exa. não podia mesmo refutá-lo.

Poderia estar eu confiante no resultado do movimento, e não o estar quanto à possibilidade de realizar-se ele.

O Sr. visconde de Ouro Preto afastando-se do ponto ferido por mim, responde como se eu o tivesse atacado em ponto diverso.

Jamais contestei que houvesse dito contar em qualquer emergência com a 1ª brigada, isso, porém, não equivale a dizer que duvidara de ser alterada a ordem pública, a menos que S. Exa. não quisesse beber esse alento naquela primeira frase, o que não é razoável crer-se.

Por um tópico de meu artigo que S. Exa. não reproduziu e precedia imediatamente ao que foi transcrito por S. Exa. e começa por estas palavras: Disse-lhe nessa entrevista, etc. — verá o leitor: 1°, que não podia eu tranquilizar a S. Exa.; 2°, que não foi S. Exa. a primeira fonte que deu-me aquelas notícias; 3°, que não foi dessa entrevista que recebi inspiração para providenciar.

Eis o tópico aludido:

«Correndo nesse dia (14) algumas notícias alarmadoras ia até entender-me com o Sr. ajudante general quando recebi do mesmo Sr. visconde um chamado urgente, referindo-me S. Exa. o que eu acabava de saber e falando de uma carta assinada que recebera e entregara ao Sr. ajudante general, e aludindo a outros anônimos a que não dava muita importância.»

Permanece, portanto, ileso o equívoco de S. Exa. que apontei na minha exposição.

No intuito de defender-se do que não argui-lhe, como já expliquei, continua o Sr. visconde:

«Portanto até o dia 14 de novembro, cerca de meio dia, quando conferenciou comigo, no tesouro, nenhuma providência acudiu ao Sr. visconde de Maracaju para evitar, ou reprimir qualquer movimento militar, tanto que surpreendeu-se ouvindo logo depois o Sr. ajudante general dizer-lhe: estamos sobre um vulcão.

Não o contesto e não cessarei de repetir o que S. Exa. sempre esquece e muito importa saber, isto é, no dia 14, cerca de meio dia, completavam-se apenas 48 horas que eu reentrara para o governo, e isso depois de uma ausência por moléstia, durante a qual foi-me aconselhado o mais absoluto repouso.

Durante essas 48 horas tive as seguintes informações: as do Sr. A. General, a 12, dizendo que nada havia a recear; uma advertência do Sr. conselheiro L. de Albuquerque a qual ainda motivou ir entender-me de novo com o Sr. A. General que ainda animou-me; e finalmente a que me deu S. Exa. aludindo a cartas anônimas a que não dava muita importância, como se vê das próprias palavras do seu manifesto: — «Não, confesso, torno a dizê-lo, a minha ingenuidade. Não acreditei nunca em uma conjuração militar. Atribui sempre os avisos anônimos que me eram dirigidos a algum indivíduo ou a algum grupo de interessados (aliás concebidos em termos vagos e sem articulação de fatos ou nomes), que esperavam arrastar o governo a medidas de precaução que excitassem resentimentos e o prejudicassem, se adversários eram os avisadores, ou no caso de serem simples ambiciosos, abrissem espaço à satisfação de aspirações que só lograriam vingar, afastados das comissões e cargos que exerciam aqueles oficiais, contra quem por acaso o governo se acautelasse.»

Se até o dia 12 ninguém avisou-me, se essas foram as únicas informações que tive eu daí até cerca de meio dia de 14, e que apesar de frágeis eram destruidas pelo que me dizia o Sr. A. General; se outras fontes não me foram abertas; se só momentos antes de ir ter com o Sr. visconde se providenciou, fui informado da gravidade da situacão, por notícias alarmadoras que corriam nesse dia 14 como recair-me a censura por não tê-lo feito antes, por não ter sido eu prevenido por ninguém até essa hora?

Como posso eu ser responsabilizado pelo que não era de prever, e S. Exa. não?

Pelo exposto vê-se ainda ser natural o surpreender-me ao ouvir o Sr. ajudante general dizer-me «estamos sobre um vulcão&raqu;, embora acrescentasse ele que esperava serenar os ânimos com as providências que já tinha tomado e outras. Só daí em diante, por esse motivo dei outras providências, além das que o Sr. ajudante general me dizia ter tomado e já eram insuficientes, apesar de não ser de todo desanimadora a frase do Sr. ajudante general. Mas entende S. Exa. que se depois de ouvir eu ao Sr. ajudante general, acreditasse realmente que estávamos sobre um vulcão, não me limitaria às poucas providências que tomei.

Estas, porém, eram suficientes por não se contar com a revolta nessa madrugada, o que foi surpresa para todos, inclusive para S. Exa. que foi horas antes avisado em sua casa pelo Sr. conselheiro ex-chefe de polícia como ainda agora o afirma em seu artigo, e sim para a seguinte noite ou mesmo no dia imediato como declarei em minha exposição. Esse foi o motivo por que guardei para o dia seguinte a conferência que ia ter com o meu colega da marinha, além de que retirara-me tarde da secretaria.

Diz ainda S. Exa.: retirando-se tranquilo para casa de seu irmão.

O fato de retirar-me para ali, onde costumava pernoitar sempre que exigia o interesse público, mostra que não estava tranquilo, além de que prevenira ao Sr. ajudante general e a diversos meus empregados, do lugar em que ia pernoitar, recomendando que me fosse comunicado qualquer acontecimento. Não me cumpria, como entende S. Exa. que devia fazê-lo, verificar se o Sr. ajudante general desempenhava o que lhe incumbira. A responsabilidade do elevado cargo que exercia o Sr. tenente general Floriano Peixoto, aliada à confiança que merecia do gabinete, eram garantias seguras de que cumpriria as ordens que lhe dei. Se não fiz a S. Exa. qualquer comunicação da entrevista que tive com o mesmo Sr. tenente general, foi por que o Sr. visconde me dissera mesmo, que, atento ao meu estado de saúde lhe mandasse informar pelo Sr. ajudante general do resultado da conferência que com este tivera; e somente no dia imediato soube que o Sr. ajudante general não pôde comparecer na residência de s. Exa. como já referi em minha exposição. Ao fato de haver-me eu limitado àquelas providências, não é que se deve o insucesso do ex-gabinete, pois que outras foram dadas a tempo de evitá-lo, não o conseguindo como mostrarei.

De fato: apesar de, somente às 2 1/2 da madrugada, ter recebido a primeira notícia alarmadora, não obstante ter recomendado que me fosse feita qualquer comunição, saindo nessa mesma hora providenciei de modo e a tempo de evitar aquele insucesso e dessas providências fiz ciente a S. Exa. e aos colegas da justiça e marinha, no arsenal de marinha, onde se achavam e cheguei não depois de insistentes chamados como diz o Sr visconde, e sim apenas um que me chegou às mãos quando para lá já me encaminhava.

Não à fatalidade do destino, como diz afinal S. Exa. e muito menos a haver eu tomado tardiamente as providências, o que se depreende do corpo de seu artigo, deve atribuir o quanto se passou na madrugada de 15 de novembro.

S. Exa. não pode imputar-me falta por não ter advinhado o que estava longe de prever, isto é, que as forças mandadas pelo governo confraternizassem com as sublevadas. S. Exa. foi, como eu, surpreendido, nada justificando até então uma suspeita. Olhe S. Exa. para a História do País em que se acha, e aí encontrará dois fatos de natureza idêntica ao que se deu entre nós. Um deles foi quando a guarda nacional, em Lisboa, sublevando-se, depôs o gabinete presidido pelo marechal duque da Terceira, o qual nada pôde fazer apesar do seu prestígio político e principalmente do que gozava como militar; o outro foi quando as tropas, sob o comando do rei D. Fernando, abandonando-o, se uniram ao exército, muito menos numeroso, do marechal duque de Saldanha, que entrando em Lisboa, depôs também o ministério, sendo nomeado presidente do conselho. Verdade é que as instituições não decaíram então, mas será crível, para quem testemunhou os fatos, que fosse isso possível da minha parte evitar depois de deposto o gabinete presidido por S. Exa.?

Se como militar, ministro da guerra, não podia eu ser responsável pelos fatos que aqui se deram, desde que tudo foi devido à falta de cumprimento das minhas ordens, S. Exa. faria grande injustiça profligando meus atos.

Queixou-se o Sr. visconde de Ouro Preto da imputação de má fé que atirei-lhe em rosto a tantas mil léguas de distância... Seja dito de passagem que era isso aliás justificado pelo modo porque se exprimira S. Exa. em seu manifesto, não sendo eu o único que notou no que disse S. Exa. a intenção contra a qual agora protesta. Muito mais doloroso me seria ver atirada à face a injustiça e a injúria de uma responsabilidade, e isso do estrangeiro, onde não era conhecido, e por um patrício e colega de governo.

Pondere ainda S. Exa. que semelhante acusação chegava, quando em um telegrama passado para Lisboa, se dizia que eu fora reformado por faltar à pátria e ao exército, a quem tenho servido durante longos anos, com lealdade e patriotismo.

A injustiça cercava-me de todos os lados, e o que mais é, ela me era atirada dentro e fora do país por compatriotas que sabiam o contrário do que afirmavam. Folgo de ver que S. Exa. protesta, dizendo, referindo-se a mim: «Nunca o julguei capaz de um ato de perfídia!!» Esse protesto aproveita mais aos créditos do caráter de S. Exa. do que a mim mesmo.

Não só o Sr. visconde de Ouro Preto, mas o país inteiro faz-me essa justiça.

Visconde de Maracaju.

Rio de Janeiro, 21 de março de 1890.


 

 

CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

V

 

Discursos pronunciados na sessão de 11 de Junho de 1889.

 

— O Senhor Visconde de Ouro Preto (presidente do conselho) (atenção, silêncio):

Sr. Presidente, tenho a honra de apresentar à câmara dos srs. deputados o ministério de 7 do corrente mês.

Se nem todos os ilustres companheiros que dignaram-se de prestar-me sua coadjuvação, são conhecidos de alguns dos nobres membros desta casa, em compensação conhecê-os bem o país, a cujo serviço consagraram-se de longos anos com o maior devotamento.

Cumpre-me informar a câmara como organizou-se o ministério de 7 de Junho e quais são os seus intuitos.

Pouco depois das duas horas da tarde do dia anterior, foi-me entregue um telegrama expedido de Petrópolis pelo meu honrado amigo o sr. Senador Saraiva, convidando-me, de ordem de S. M. imperador, a comparecer no paço daquela cidade com urgência.

Obedeci, embarcando à hora determinada, 4 da tarde. Procurei entender-me em caminho com o meu ilustre colega, mas na ponte de Mauá soube com pesar, que S. Exa. viera pela estrada de ferro do Norte.

Na estação de Petrópolis avistei-me com Sua Majestade, que marcou-me as 8 1/2 da noite para uma conferência.

Pontualmente apresentei-me ao Imperador, ignorando do que se tratava por não ter podido falar ao senhor conselheiro Saraiva, embora como homem político conjecturasse a tal respeito.

Segundo o prudente exemplo dos meus distintos predecessores, eu também protocolizei o que passou-se entre mim e o chefe do Estado, afim de não proferir uma palavra de mais ou de menos, e peço licença à câmara para ler os meus apontamentos.

— O Sr. Coelho Rodrigues: — Verba volant, scripta manent.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do conselho): Sim senhor (lê):

«Apresentando-me ao augusto chefe do Estado, Sua Majestade dignou-se de dizer-me que tendo-se o nobre senador pela Bahia recusado a organizar ministério, resolvera encarregar-me dessa missão, desejando porém, antes disso ouvir-me sobre a situação do país. Agradecendo tão alta prova de confiança respondi ao Imperador: Vossa Majestade terá seguramente notado que em algumas províncias agita-se uma propaganda ativa, cujos intuitos são a mudança da forma de governo. Essa propaganda é precursora de grandes males, porque tenta expor o país aos graves inconvenientes de instituições para que não está preparado, que não se conformam às suas condições e não podem fazer a sua felicidade (apoiados gerais).

No meu humilde conceito, é mister não desprezar, essa torrente de ideias falsas e imprudentes, cumprindo enfraquecê-la, inutilizá-la, não deixando que se avolume. Os meios de conseguí-lo não são os da violência ou repressão; consistem simplesmente na demonstração prática de que o atual sistema de governo tem elasticidade bastante, para admitir a consagração dos princípios mais adiantados, satisfazer todas as exigências da razão pública esclarecida, consolidar a liberdade e realizar a prosperidade e grandeza da pátria, sem perturbarão da paz interna em que temos vivido durante tantos anos (apoiados gerais).

Chegaremos a esse resultado, senhor, empreendendo com ousadia e firmeza largas reformas na ordem política, social e econômica, inspiradas na escola democrática: reformas que não devem ser adiadas para não se tornarem improfícuas. O que hoje bastará, amanhã será talvez pouco.

Portanto, concluí, a situação do país define-se, a meu ver, por uma fórmula — necessidade urgente de reformas liberais.

(Interrompendo a leitura.) Determinou-me Sua Majestade que positivasse com precisão quais as medidas que propor-me-ia a realizar para fazer face à situação.

Retorqui que estavam compreendidas no programa do partido liberal.

— O Senhor Duarte de Azevedo: — Agora já não lê.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do conselho): — Não, repito de cor. Já li estes apontamentos perante o senado e V. Exa., que foi meu mestre, bem sabe que sempre tive boa memória (Hilaridade).

Continuarei a narração (lê). Retorqui ao Imperador que essas reformas estavam compreendidas no programa aprovado pelo congresso do partido liberal, ultimamente reunido nesta Corte e do qual fora eu um dos iniciadores, programa que tem por ideias capitais as que passava a enumerar.

— Um Sr. Deputado: E na ordem que devem ser realizadas?

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do conselho): V. Exa. depois verá (Apartes).

A execução não depende só de mim, mas também dos representantes da nação. Ouçam-me V. Exas. e se algumas das ideias que vou expor-lhes agradar-lhes e quiserem coadjuvar-me, não ponho dúvida em aceitar tão preciosa colaboração.

Não creio, porém, que ma concedam; tantos apartes estão mostrando a boa vontade que anima os nobres deputados ().

Determinou-me S. Majestade que positivasse com precisão quais as medidas que propor-me-ia a realizar para fazer face à situação.

Observei que estavam compreendidas no programa aprovado pelo congresso do partido liberal, ultimamente reunido nesta corte e do qual fora eu um dos iniciadores, programa que tem como ideias capitais as que passava a enumerar:

Alargamento do direito de voto, mantido o alistamento vigente e considerando-se como prova da renda legal o fato de saber o cidadão 1er e escrever, com as únicas restrições da exigência do exercício de qualquer profissão lícita e do gozo dos direitos civis e políticos. Ampliação dos distritos eleitorais.

— Um Senhor deputado: Aí está a restrição. O alistamento pode ser mais restrito do que o atual.

— O Senhor Visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): Perdão; V. Exa. não ouviu ou não me compreendeu. Se mantenho o atual alistamento e faço nele incluir novas classes como pode ser mais restrito?! (continuado a leitura):

Plena autonomia dos municípios e províncias. A base inicial desta reforma é a eleição dos administradores municipais e a nomeação dos presidentes e vice-presidentes de província, recaindo sobre lista organizada pelo voto dos cidadãos eleitores.

Prescrever-se-ão em lei o tempo de serventia desses funcionários, os casos em que possam ser suspensos e demitidos e os da intervenção do poder central, para salvaguarda dos interesses nacionais que possam perigar.

Efetividade das garantias já concedidas por lei ao direito de reunião; liberdade de cultos e seus consectários, medidas aconselhadas pela necessidade da assimilação na família brasileira dos elementos estranhos, provenientes da imigração, que convém facilitar na maior escala;

Temporariedade do Senado.

— Vozes: Deve ser a primeira.

— O Senhor visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — Se V.V.E.E. prometem auxiliar-me, contem comigo.

— Vozes: Poderia tratar disso na presente sessão.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — Repito; não tenho dúvida; mas depois das leis de meios.

— O Sr. Pedro Luiz: — É o começo da república.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — Não; é a inutilização da república.

Sob a monarquia constitucional representativa podemos obter com maior facilidade e segurança a mais ampla liberdade (Cruzam-se numerosos apartes; o sr. presidente faz soar os tímpanos).

Não se incomode V. Exa, sr. Presidente; esta tempestade não me assusta. Ao contrário, alegro-me com ela. Eu prefiro esta agitação, sinal de vida e movimento, ao morno silêncio, que por tantos dias reinou nesta casa, que devera ser a oficina ativíssima do trabalho nacional! (apoiados, muito bem). Eu a prefiro, porque é da luta ativa dos partidos, é do choque das ideias, que surgirá a grandeza da pátria! (apoiados; muito bem).

Consintam os nobres deputados que continui (lê): Reforma do conselho de Estado, para constituí-lo meramente administrativo, tirando-lhe todo o caráter político.

Liberdade de ensino e seu aperfeiçoamento.

Máxima redução possível nos direitos de exportação;

Lei de terras que facilite a sua aquisição, respeitado o direito dos proprietários;

Redução de fretes e desenvolvimento dos meios de rápida comunicação, de acordo com um plano previamente assentado;

Finalmente, animar e promover a criação de estabelecimentos de crédito, que proporcionem ao comércio e especialmente à lavoura os recursos pecuniários de que carecem.

Muito respeitosamente, e com toda a franqueza, declarei ao imperador que, homem de partido, preso aos seus compromissos e não podendo bem serví-lo sem o apoio da maioria dos meus correligionários, não me era dado aceitar o governo senão para executar este programa.

Acrescentei, que não sendo possível iniciar simultaneamente tantas medidas, e tendo ficado resalvada, por deliberação do congresso, completa liberdade de ação ao membro do partido, que fosse chamado a levá-las a efeito, quanto à preferência e oportunidade das reformas que devessem ser adotadas, pela minha parte julgava imprescindíveis e mais urgentes o alargamento do voto e a autonomia das províncias, concedendo-se ao Município Neutro governo e representação próprios, como reclamavam sua população e riqueza.

Em prol destas providências, daria todos os meus esforços, encaminhados também, em outra ordem de interesses, aos seguintos fins:

Elaboração de um código civil;

Conversão da dívida externa;

Amortização do papel moeda;

Equilíbrio da receita pública com a despesa pelo menos ordinária.

Fundação de estabelecimentos de emissão e crédito especialmente para fomentar o aumento da pro«dução.

Observei mais a Sua Majestade que, não podendo esperar a aprovação de semelhante política de uma câmara composta em grande maioria de adversários meus, limitar-me-ia a pedir-lhe os meios de governo, contando que as próximas eleições, a que presidiria a mais completa liberdade para todas as crenças, trar-me-iam os elementos precisos, que a nação não recusará a quem destarte propuser-se a satisfazer suas mais fundas aspirações.

Aprovando a marcha que assim pretendia seguir no governo, se me fosse confiado, ordenou-me Sua Majestade que organizasse o ministério, recomendando-me que o fizesse em breve tempo, pois a crise por demais se prolongava.

Cabe-me declarar também à câmara que, tendo aceitado a missão de que assim era incumbido, S. Majestade perguntou-me se havia já pensado nos nomes dos companheiros que escolheria. Respondi que não cogitara ainda disso, mas podia de momento indicar os amigos cujo concurso acreditava não me seria negado. Declinei 10 ou 12 e tenho a satisfação de afirmar que nenhum deles foi objeto de impugnação.

Organizei o ministério com alguns desses amigos por inspiração própria, depois de ter ouvido vários correligionários.

Portanto a organização é exclusivamente minha. Conservei plena liberdade de ação até o último momento.

— Um Sr. Deputado: O Sr. Rui Barbosa não está de acordo com essa história.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — Se V. Exa. quiser fazer-me o obséquio de expor as razões em que se funda o Sr. conselheiro Rui Barbosa para contestar a minha narrativa, muito prazer terei em responder-lhe.

— O mesmo Sr. Deputado. — Ele há de encarregar-se de o fazer.

— Outro Sr. Deputado. — Já começou.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — São balelas sem fundamento. A organização de 7 de junho é exclusivamente minha; eu a concebi, modifiquei, fiz e refiz, na minha mente, até o momento de apresentá-la ao Imperador.

A última e definitiva deliberação tomei-a no hotel, em Petrópolis, antes de dirigir-me ao paço.

Se carecesse aduzir provas das minhas asserções, eu poderia dá-las, invocando até o testemunho insuspeito de um honrado cavalheiro, alheio aos partidos e às nossas lutas políticas, mas meu particular amigo de muitos anos, o Sr. conselheiro Pinho, uma das notabilidades do Comércio desta corte, a quem comuniquei o meu pensamento poucos minutos antes de ir dar contas ao chefe de Estado de como desempenhara a missão de que me encarregara.

— O Sr. Theodoro Machado e outros Srs. Deputados: V. Exa. não precisa de dar provas; basta-nos a sua palavra.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto (presidente do conselho): — Seguramente não preciso dar provas do que afirmo para o país que me conhece; mas quero dizer tudo à Câmara dos Srs. deputados, porque falo-lhe com o coração aberto.

Sr. Presidente, tenho revelado como se organizou o ministério a que presido e quais os fins a que se propõe; não posso esperar, nem peço a confiança desta Augusta Câmara, em que é predominante o voto dos meus adversários. Reclamo apenas os meios de governo, que não me podem ser recusados, e, em circunstâncias idênticas, concederam os meus correligionários a um gabinete conservador.

É quanto tenho a comunicar à Câmara dos Srs. deputados e termino aqui, protestando voltar à tribuna, se for necessário. (Muito bem, muito bem).


 

 

VI

 

2° Discurso.

 

Usavam da palavra os deputados Gomes de Castro, Cesário Alvim e João Manoel, o qual terminou o seu discurso exclamando «Viva a República!»

— O Sr. visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho), (Erguendo-se impetuosamente e com energia): — Viva a República, não! (Aplausos prolongados no recinto e nas galerias).

Não e não; pois é sob a monarquia que temos obtido a liberdade, que outros países nos invejam e pudemos mantê-la em amplitude suficiente, para satisfazer as aspirações do povo mais brioso! (Continuam os aplausos).

Viva a monarquia! forma de governo que a imensa maioria da nação abraça e a única que pode fazer a sua felicidade e a sua grandeza! (Entusiásticos aplausos da Câmara e das galerias abafam por momentos a voz do orador).

Sim! Viva a monarquia brasileira, tão democrática, tão abnegada, tão patriótica, que seria a primeira a conformar-se com os votos da nacão e a não lhe opor o menor obstáculo, se ela, pelos seus orgãos competentes, manifestasse o desejo de mudar de instituições! (Muito bem, muito bem. Grandes demonstrações de adesão).

Lavrando assim o meu protesto em nome das minhas convicções, em nome da lei e dos sentimentos da generalidade dos meus compatriotas, contra as palavras com que terminou o seu discurso o orador precedente, e que jamais deveriam ter soado neste recinto (apoiados); eu vou, Srs., tomar em consideração os pontos capitais dos discursos que acabamos de ouvir. Os debates desta natureza devem ser rápidos e incisivos. O momento, como bem ponderou o nobre deputado pelo Maranhão, é grave e solene; cumpre antes obrar do que falar.

O ministério, disse-se, compõe-se de áulicos. Mas quem é o áulico? Será o ministro da guerra? S. Exa. já havia ganho todos os seus postos, todas as condecorações que lhe adornam o peito, expondo sua vida em prol da honra e do serviço da pátria, nos campos de batalha ou nos pântanos pestilentes das fronteiras setentrionais do império; tinha administrado brilhantemente várias províncias, quando entrou para o paço. É um dos generais mais ilustres do exército; não foi o paço que lhe deu merecimento, foi o seu merecimento que para lá o chamou. (apoiados).

Será o nobre ministro da marinha? É a primeira vez que se formula contra S. Exa. semelhante arguição, se é que tal nome merece a pretendida suspeição. Todos aqueles, que já tiveram assento nesta casa, sabem quais são os princípios políticos do meu ilustre colega; quanto aos jovens deputados, procurem nos anais desta câmara as ideias do liberalismo mais adiantado e encontrá-las-ão firmadas pela iniciativa, pela assinatura ou pelo voto do bravo marinheiro. Mas, o áulico será o nobre ministro do império?! S.Exa. é o ex-presidente desta câmara, quando nela predominava o elemento liberal. É o companheiro de ministério do sr. Conselheiro Saraiva, a quem não se acusará de cortesanismo. É o presidente de várias províncias, em cuja administração deixou vestígios luminosos, é aquele a quem foram confiados os destinos de Pernambuco em uma época difícil, com anuência da Câmara, que mais tarde consagrou-lhe unanimemente moção de louvor. É o professor laureado, o literato distinto, o homem de Estado, que sobrelevar-se-ia em qualquer país do mundo (apoiados).

Se a monarquia brasileira tem como cortesãos homens desta ordem, é a melhor das monarquias, porque os oficiais da sua casa não são meros medalhões, cobertos de bordados: sim, servidores distintos do país (apoiados, muito bem).

Acaso, o áulico será o presidante do conselho? Senhores, eu não careço defender-me a esse respeito (apoiados); o país conhece-me.

Se resolvi-me a aceitar honras do paço, foi somente quando aceitá-las era motivo para incorrer na censura e odiosidade de certos indivíduos. Títulos de nobreza já eu os possuía, e os meus forais estavam registrados em arquivos superiores aos de todas as mordomias régias!

Esses arquivos são os anais parlamentares de uma e outra casa eletivas, os volumes da legislação do império, que encerram frutos do meu trabalho (muitos apoiados, muito bem. muito bem), os jornais que tenho redigido, os livros que tenho publicado. Não são ainda esses os melhores de que me posso ufanar. Porém, sim, a moralidade do meu lar, e a educação que dei a meus filhos, que hão de elevar o nome humilde, que herdei de meus honrados pais! (Muitos apoiados, muito bem, muito bem).

— O Sr. Coelho Rodrigues: — Mas mudou de nome.

— O Senhor visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — Mudei; é certo, mas primeiro porque seria um ato de fraqueza rejeitar um título, quando me foi novamente oferecido, e também porque, graças a Deus transmitia esse nome a um filho, que pode levantá-lo! (apoiados; muito bem).

Disse-se ainda, que o ministério é anti-parlamentar. Mas porque anti-parlamentar?... Por não se compor exclusivamente de membros das duas casas eletivas? Efetivamente, é princípio aceito do sistema representativo que os ministros devem sair do parlamento.

Esse princípio não é absoluto; sofre exceções; aplica-se em condições normais. Suponha-se a hipótese de mudança de política, quando a oposição conta nas câmaras cinco a seis membros. Como, neste caso, organizar ministério, só com os cidadãos que a ela pertençam?

Eu, sr. presidente, não podia contar nesta casa senão com pequeno número de correligionários, e portanto era do meu interesse não reduzí-lo ainda mais, escolhendo de entre eles a maior parte dos meus colegas.

Demais, a Câmara está representada no gabinete por dois dos seus dignos membros, número igual ao dos senadores que dele fazem parte, acrescendo que não fiz mais do que outros fizeram antes de inim, chamando para meus companheiros cidadãos estranhos ao parlamento, sem que por isso merecessem qualquer censura.

O General Polidoro, e mais tarde o brigadeiro Manuel de Melo, o brigadeiro Mariano de Matos, o Visconde de Beaurepaire Rohan e o general Caldwell em 1860, 1861, 1864 e 1870, foram ministros com Caxias, Olinda,Zacarias, Furtado e S. Vicente, todos de ilustre memória, sem que pertencessem a qualquer das casas do parlamento e ninguém condenou esse fato.

Na penúltima ascensão conservadora, Alencar e Antão não eram deputados, nem senadores, e entraram para o gabinete do honrado Visconde de Itaboraí, sem reparo, antes com aplauso de muitos dos nobres deputados, que hoje me arguem porque imitei o precedente!

Na penúltima situação liberal, o primeiro ministério contou nada menos de três distintos cavalheiros, que não estavam investidos do mandato popular.

Outros fatos poderia eu citar, senhor presidente, do nosso e de países estrangeiros, onde o sistema parlamentar vigora em toda a sua plenitude, para apoiar o meu procedimento. Entre esses, lembrarei que ainda recentemente o emérito financeiro Goschen fez parte do gabinete britânico, embora não pertencesse nem à câmara dos comuns, nem à dos Pares, e toda a Inglaterra viu-o com o maior prazer ocupando alto posto na administração do Estado.

O ministério deixará de ser parlamentar se nas próximas eleições, a que deverão apresentar-se os seus membros, que não são deputados nem senadores, forem derrotados e não se retirarem.

Esta acusação é, portanto, sem importância e banal.

Viu-se na entrada de dois militares também um erro, senão uma ameaça, mas, ao passo que assim se pronunciavam, os nobres deputados incorreram na mais flagrante incoerência, porque se esses ministros são dignos dos louvores que aliás tão merecidamente se lhes teceram, claro é que não se prestarão a ser instrumentos de uma política antipatriótica, ou de fins inconfessáveis.

Mas, porque estranhar a nomeação de militares?

Pois, então, para a ilustrada maioria desta casa, ou para os nobres deputados, que se declararam republicanos, motivo é de suspeição pertencer à oficialidade do exército ou da armada? (apoiados).

Há, porventura, algum privilégio que proiba escolher ministros de outras classes, que não sejam as dos bacharéis em direito, dos doutores em medicina, dos banqueiros, ou dos padres?... (apoiados).

Eu tinha de prover as pastas da marinha e da guerra e era natural que para isso me lembrasse antes de um chefe de esquadra ou de um marechal de campo, do que de um sacerdote, embora ardente como o ilustre deputado, que acabou de falar (Riso).

Por via de regra, os ministros denominados casacas quando, nas pastas militares, querem envolver-se nas especialidades, consultam os entendidos. Ora, se eles são excelentes auxiliares como órgãos de cousulta, melhor será dar-lhes autoridade própria, porque deliberarão por si, sem necessidade dos conselhos de quem saiba do seu ofício (apoiados).

Sempre foi minha opinião, que devemos ter marinha e exército modestos, compatíveis com os nossos recursos, porém tão perfeitamente organizados quanto seja possível, e por essa razão confiei as respectivas pastas a dois oficiais generais, ornamentos das nobres corporações de que são membros (apoiados).

É singular, senhores! Antes da organização do ministério de 7 de junho, clamavam todos contra a exclusão dos militares dos cargos de ministros de Estado. Chamo-os a prestar serviços neste alto posto, e sou censurado. Há sinceridade nisto?

Já que aludi ao nobre deputado pelo Rio Grande do Norte, notarei que S. Exa. qualificou os meus colegas, ora de caretas ora de carrancas, dirigindo-lhes outras quejandas amabilidades. Nada mais fácil de que retaliar de modo pungente; mas não o farei, não responderei a isso, porque as discussões nesta casa devem manter-se sempre em termos elevados, mormente quando se travam entre represenlandes de dois poderes, como são o ministério e a câmara dos Srs. deputados.

Sr. presidente, foi por vezes invocada a grande e incontestada autoridade do Sr. Saraiva. Pois bem, peço licença par ler a carta de congratulações que S. Exa. dirigiu ao Sr. ministro da marinha e que o meu nobre colega confiou-me há poucos momentos, autorizando-me a servir-me dela. O Sr. Saraiva diz entre outras coisas: ()

«Muito bem fez o Sr. Ouro Preto dando a militares as pastas militares. Estou seguro de que V. Exa. fortificará a organização da nossa marinha de guerra, fazendo economias, e por isso deve contar com todo o sincero apoio de quem é de V. Exa. admirador e amigo... »

Chamei, repito, militares para o gabinete, porque desejo ver a marinha e o exército em condições regulares.

Não ameaço, nem quero ameaçar ninguém; o que pretendo é doutrinar e convencer.

O nobre deputado pelo Rio Grande do Norte disse, que a atual mudança de política não pode explicar-se decentemente, porque o partido conservador tem grande maioria na câmara dos deputados. Mas, em 1865 e 1868 o partido liberal dispunha de avultada maioria na mesma câmara e foi apeado do poder.

O nobre deputado então aplaudiu-o, porque aproveitava a seus amigos. É preciso ser coerente quando se quer mostrar tanto rigor, como S. Exa. acaba de revelar.

— Um Sr. deputado: O nobre deputado não falou em nome da maioria; falou por conta própria.

— O Senhor visconde de Ouro Preto (presidente do Conselho): — Sr. presidente, vi com estranheza qualificar-se de um modo inconveniente, altamente injusto e desrespeitoso, o procedimento da coroa nos recentes sucessos políticos. Acredito mesmo que o regimento da casa não o permitia. (Apoiados da maioria e principalmente da deputação do Rio de Janeiro).

O procedimento da coroa foi corretíssimo. Se recusou por vezes a demissão pedida pelo ministério de 10 de março foi porque aguardava que os fatos se pronunciassem de modo inequívoco. Logo que a maioria manifestou-se impotente para auxiliar o governo na sua missão, negou-lhe a dissolução da câmara, anuindo ao voto quase unânime do Conselho de Estado, que pôs em relevo os erros do gabinete. E o que feZ depois disto? Chamou um estadista conservador, o Sr. senador Correia, para organizar novo governo; S. Exa. não o quis, por motivos pessoais.

Chamou segundo, o Sr. Visconde do Cruzeiro e S. Exa. declinou também; chamou terceiro, o Sr. Visconde de Vieira da Silva, que, depois de esforços estraordinários, foi obrigado a confessar que não era possível formar gabinete viável, unindo as duas frações do seu partido.

O Sr. Visconde de Vieira da Silva, como comunicou hoje ao Senado, não indicou nenhum outro correligionário seu que pudesse ser mais feliz. A nação não podia ficar sem governo. O Imperador apelou para outro partido; o seu procedimento foi perfeitamente constitucional e nem podia ser outro.

E como refiro-me a esse fato, sr. presidente, direi que é uma razão mais para acreditar que a maioria não me negará meios de governo.

Nós, os liberais, não amamos ao poder: aceitamo-lo no desempenho de um dever civico, como sacrifício em bem do país. A cadeira em que me sento é de espinhos, e, por isso, enganou-se o nobre deputado pelo Maranhão, quando disse que o sentimento dominante em minha alma neste momento é a gratidão.

Creia S. Exa.: o sentimento único que me domina é o temor pela grande responsabilidade que assumi, não porque falte-me o apoio da maioria dos meus correligionários, visto que com eles posso contar e estou no mais perfeito acordo. Arreceio-me da própria incapacidade. (Muitos não apoiados).

Sr. presidente, alegou-se que a combinação ministerial foi diversa da que se ajustara e combinara.

Combinarão ajustada? Mas com quem? Eu não chamei colaboradores para a missão de que encarreguei-me.

Desempenhei-a por mim só, já o disse e repito!

Ouvi, é verdade, alguns amigos, pedi-lhes conselho; mas reservei-me até a última hora o direito de resolver o que julgasse mais conveniente, acerca dos companheiros que devia tomar, para sair-me bem de tão melindroso passo. Observou-se também que a organização publicada divergia da que se propalara. O que prova isso, porém, senão que a propalada era inexata, e que se iludiram os que acreditaram devassar as minhas intenções?... E quando aconteceu já neste país, que os ministérios antecipadamente publicados fossem efetivamente os nomeados?

Pois não há até quem se entregue ao inocente passatempo de imaginar gabinetes, mais ou menos verossímeis, e de publicá-los à sua custa, para ter ocasião de dizer «fui lembrado»? (Riso).

Pois já não me imputaram até discurso de apresentação e programa?

Portanto, é absolutamente falso que eu levasse a Petrópolis um ministério, como se disse, e voltasse com outro. Voltei do paço com o que levei combinado na minha mente, depois de refletir e ponderar, depois de modificá-lo e refazê-lo comigo mesmo, em vista das circunstâncias e conveniências, que me iam acudindo ao espírito.

Alegou-se ainda, que não foram previamente consultados os nobres ministros da guerra e da marinha. É exato. Mas também não o foram os nobre ministros da justiça, do império e da agricultura. Eu apenas lhes disse: V.V. E.E. serão ministros comigo. E sabe a câmara porque não os consultei previamente? Pela razão óbvia de que de antemão sabia que nenhum deles excusar-se-ia de prestar-me sua coadjuvação, como não se excusará, posso afirmá-lo com ufania, nenhum dos meus correligionários de certa ordem, porque, torno a dizê-lo, estou com eles na mais perfeita harmonia (apoiados).

Acusam-me ainda, senhor presidente, de não ter apresentado ao Imperador um programa de federação das províncias, ao qual conjectura-se ter Sua Majestade anuido, na conferência com o senhor Saraiva.

Já informei a câmara de que ignorava completamente o que se passou entre o chefe do Estado e o nobre senador pela Bahia, pois que não nos encontramos.

Devo acrescentar, que não há muitas horas S. Exa. declarou ao Senado, que não falara a Sua Majestade em federação, donde se vê que tais conjecturas não têm fundamento.

Entretanto, dado mesmo que fossem exatas, eu não podia guiar-me por elas, e ainda menos propor-me a executar aquilo que o meu partido não aprovara. O programa do partido, a que estou ligado, e que comprometi-me a levar a efeito, não é a federação, mas a plena liberdade e autonomia dos municípios e províncias, sem enfraquecimento da união e da integridade do império (apoiados).

Não me era lícito afastar-me daquilo, que a maioria dos meus correligionários aceitara, para preferir um voto em separado, que apenas reuniu poucas adesões no congresso liberal. Se assim procedesse faltaria a compromissos solenemente contraídos.

O nobre deputado pelo Maranhão anunciou uma moção de confiança. Esta moção é uma inutilidade. Ela virá provar um fato, que o ministério conhece e ninguém contesta, isto é, que não tem maioria nesta casa. Entretanto eu a aceito.

Para responder, porém, à interpelação de S. Exa. preciso de um esclarecimento, que espero da gentileza dos meus adversários.

Que preferem S.S. Exas. conceder-me: uma simples prorrogativa ou um orçamento regular?

— Alguns Srs. deputados: O governo diga o que quer?

— O Sr. Visconde de Ouro Preto, (presidente do Conselho). — O governo não pode ter vontade nesta casa, onde os seus amigos acham-se em tão insignificante minoria. Aceitará o que lhe quiserem dar. Renovo pois a pergunta: o que me querem conceder?

Esta questão não é indiferente, senão séria. Um dos meus primeiros cuidados foi pedir aos meus colegas, que verificassem o estado de cada uma das verbas dos respectivos orçamentos. Ao entrar nesta casa, recebi do nobre ministro da guerra a demonstração relativa à sua pasta.

Interessa à câmara saber o que ela contém? Algumas verbas estão quase esgotadas e achamo-nos ainda no princípio do sexto mês do exercício; conseguintemente, hão de faltar recursos antes do seu encerramento.

Em outros ministérios, segundo estou informado, dá-se o mesmo caso ou pior; a consignação para algumas despesas foi já consumida. É indispensável providenciar a este respeito.

— O Sr. Costa Pereira: Eu por mim dou orçamento.

— O Sr. Visconde de Ouro Preto, (presidente do Conselho): Com V. Exa. sempre dar-me-ei perfeitamente bem; mas V. Exa. não é a maioria.

Aceito a moção; é intolerável a situação de um governo diante de uma maioria hostil. Cumpre decidir o conflito. Não é mesmo digno da maioria e do governo disputarem entre si mais alguns dias de vida (muitos apoiados). Ou o governo, ou a Câmara (apoiados).

Qual será a solução deste conflito, como perguntou-me o nobre deputado, eu não sei dizê-lo; mas tão somente que vou sujeitá-lo à apreciação do poder competente, o qual resolverá em sua sabedoria. Portanto, não percamos tempo precioso; à obra, senhores, à obra! (Aplausos prolongados, palmas, bravos, muito bem, muito bem).


 

 

Notas

 

(1) Telegramas. O senhor ministro da fazenda dírigiu ao senhor Latino Coelho este telegrama: «Latino Coelho — Redação do Século. Lisboa Saudamos e agradecemos a V. Exa. seus grandes serviços à causa dos Estados Unidos do Brasil. Temos aqui por telegramas algumas noções acerca do manifesto do visconde de Ouro Preto. Esse documento carateriza o seu autor que retribui a magnanimidade da revolução, a qual lhe salvou a vida, caluniando-a.

Diz ele ter estado em risco de ser fuzilado na prisão Se o governo provisório quisesse fuzilá-lo quem o impediria? Insigne falsidade. Acusa de traição o visconde de Maracaju, seu colega no Gabinete. Aleive tão palmar que esse general foi reformado por nós logo após a revolução por ter faltado ao exército e à pátria. Afirma Ouro Preto serem fúteis os motivos da revolução. Entretanto esses fúteis motivos produziram este resultado estupendo e granjearam ao movimento de 15 de novembro o assenso universal do país. Os partidos liberal e conservador declaram-se dissolvidos. Os jornais, órgãos dessas parcialidades, despiram esse caráter ou cessaram de publicar-se. Apenas, resta um órgão do visconde de Ouro Preto intérprete das paixões pessoais desse estadista. Afirma ele que se as suas reformas se realizassem teriam obstado a revolução. Ora, foi justamente a oposição a esses projetos de reformas, especialmente no Diário de Notícias e no País, apoiada na imprensa federal e republicana, que produziu a revolução, gerada nas aspirações federais que o ministério Ouro Preto planejava esmagar. Esse manifesto é escrito para iludir a Europa. O nome do visconde de Ouro Preto é hoje abominado no Brasil, onde acaba de eleger uma câmara unânime, a poder de reação e corrupção inauditas exercidas sobre um eleitorado altamente censitário. A ideia de restauração monárquica, puro sebastianismo, ou ignorância de especuladores ou tolos. D. Pedro está sendo explorado. Os antigos diplomatas imperiais andam no mundo da lua. Pretenções de ingerência das monarquias europeias no Brasil, se as há, são simplesmente ridículas. A república Brasileira terá por si a aliança ofensiva e defensiva da América inteira. A prosperidade nacional cresce. Uma comissão nomeada pelo governo organiza o projeto de constituição. Outra elabora o regulamento eleitoral. Em breve será decretada a liberdade de cultos e o casamento civil. Paz absoluta. As candidaturas de Ouro Preto e seu filho foram recebidas com desprezo. Situação financeira segura.

Rui Barbosa, ministro da fazenda.

 

(2) No seu recente folheto — O Advento da República no Brasil.

 

(3) A Gazeta de Notícias num excelente artigo de 6 de janeiro adiciona a esta despesa 21.362 contos, para os gastos do exterior, e dos quais trata confusamente e de caso pensado o relatório. A meu ver, toda a despesa no interior e no exterior até liquidar-se o exercício de 1889 estava incluída nos 40.000 contos da primeira parcela; ao contrário este algarismo não teria explicação. Os 21.362 contos teriam de ser dispendidos por conta do novo cxercício de 1890, que disporia de recursos próprios e suficientes.

 

(4) Segundo a publicação mais recente e séria na especialidade eis aqui a receita e o total da dívida nacional de cada um destes estados:

França. Receita 3.614 milhões de francos. Dívida 29.557 milhões de francos.

República Argentina. Receita 59 milhões de pesos. Dívida 526 milhões de pesos.

Inglaterra. Receita 89 milhões de libras. Dívida 18.407 milhões de libras.

(Les finances du Chili par Ovalle Corrêa, 1889)[N.E. Les finances du Chili dans leurs rapports avec celles des autres pays civilisés - Ovalle Correa, Eduardo]

 

(5) No Jornal do Comércio de 16 de março de 1890.

 

(6) Este manifesto foi publicado em Lisboa no suplemento do Comércio de Portugal n° 3122 de 20 de dezembro de 1889.

 

(7) É curioso recordar que os principais impugnadores da chamada de dois generais para o ministério foram os redatores dos jornais acima citados, que poucos meses depois uniram-se ao exército para conquistar o poder, sob o pretexto de desprestigio da classe militar. Veja-se entre os anexos o segundo discurso que proferi na câmara dos deputados, respondendo às censuras feitas à nomeação de dois ministros militares.

 

(8) o signatário desta carta, renunciando o título de barão, publicou no dia 19, a seguinte ordem do dia:

«A data de 15 de Novembro é escrita com letras de ouro na história pátria, pois não é mais do que um complemento às de 7 de Setembro e 13 de Maio. Nada mais nos resta para nos dizermos um povo livre; por isso convido a guarda nacional de meu comando a acatar com respeito e amor a nova instituição e a bradar bem alto: Viva a união e fraternidade, vivam os Estados Unidos da República Brasileira, viva o exército e a armada, viva a guarda nacional. — O brigadeiro, Antonio Eneas Gustavo Galvão

Dias depois ao ser demitido, por decreto de 4 de dezembro, do comando superior da guarda nacional, o general, reassumindo o título, publicou nova ordem do dia, despedindo-se dos seus comandados, e na qual disse:

«Do íntimo da alma agradeço a todos os srs. comandantes de corpos, comandantes de companhias, oficiais, cirurgiões e guardas, e bem assim os meus camaradas do exército o quão graciosamente se prestaram a servir de instrutores dos mesmos corpos, as maneiras distintas com que me trataram e a pontualidade na execução das ordens do meu comando. E nem outra coisa podia esperar de chefes tão distintos e briosos como sejam os srs.... F... F... (menciona todos os comandantes)...

Os quais nunca deram crédito à intriga pequena e vil que a todo transe buscava inimizar o exército com a guarda nacioual, espalhando que esta era reorganizada para bater aquele.

Como general do exército, em suas fileiras educado, sem outras vistas que a de bem servir a minha pátria, magoavam-me esses boatos de oposição, como comuniquei ao ex-ministro da justiça no ofício abaixo transcrito de 14 de Novembro último; não obstante continuava no trabalho da reorganização da guarda nacional, crente de que ela não seria mais do que uma reserva do nosso exército, com o qual jamais se poderia medir por falta de elementos.

Como general do exército, envidei sempre todos os meus esforços para que entre a guarda que organizava e os meus camaradas reinasse a maior cordialidade.

Julgava correta a minha conduta, e por isso tinha a consciência tranquila, quando a exautoração dos cargos que exercia e a reforma que se me acaba de dar em razão de ordem pública, contra a qual protestarei em tempo, vieram-me convencer da falta de confiança em mim depositada pelo Governo da República.

Não a mereci, porquanto, desde que foi aceita a nova forma de governo a ela aderi; e como general brioso, que me prezo de o ser, jamais seria capaz de uma traição.

Não perdi ainda a esperança de representar na minha pátria o papel de mantenedor da ordem e de servir de sustentáculo contra qualquer tentativa às instituições.

Então aqueles que, por me verem decaído, jogam-me baldões terão consciência de quanto foram injustos para com o general que se orgulhava de estar sempre ao lado de seus camaradas.

Finalizo agradecendo e louvando, pelo muito que me coadjuvaram, ao estado maior do comando composto do major secretário Josino do Nascimento Ferreira e Silva, capitão quartel-mestre Joaquim Ferreira Campos e capitão auxiliar João da Silva Torres. — Barão do Rio Apa.

 

(9) Estas manifestações de gratidão do Sr. Wandenkolk tiveram lugar, em presença de testemunhas, em uma das salas do Cassino fluminense, por ocasião do baile ali oferecido ao Sr. Conde d’Eu, em Outubro, para solenizar o aniversário do casamento do S. A. e o regresso da viagem ao norte.

Ainda posteriormente, em um jantar oferecido por Sua Alteza o príncipe D. Pedro à oficialidade do couraçado chileno Cokrane no dia 5 de novembro, o Senhor Wandenkolk fez-me a fineza de repeti-las. Vendo-o sentado àquela mesa, ninguém suspeitaria sem dúvida que S. Exa. era um dos conjurados da revolução que triunfaria dez dias depois!

 

(10) Constou-me que um oficial superior do exército contestara, em publicação pela imprensa, a afirmativa de que os chefes dos estabelecimentos e corporações militares se dirigiram ao governo pedindo auxílio pecuniário para as festividades promovidas em honra dos chilenos.

Não conheço a contestação, porque, casualidade ou propósito, a minha correspondência é desencaminhada e dificilmente recebo jornais ou cartas do Brasil.

Assegura-me, porém, pessoa de inteira fé, que ela apareceu em folha de Pernambuco.

Felizmente, entre os poucos papéis que minha família pôde trazer encontrei documento comprobatório de que neste ponto, como em todos os demais, a minha narrativa foi escrupulosamente exata. Ei-lo aqui: é uma carta do então comandante da fortaleza de S. João, na baía do Rio de Janeiro:

Fortaleza de S. João 28 de Outubro 1889.

«Ilmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Senador Visconde de Ouro Preto.

Tenho muita honra em saudar a V. Exa.. Devido aos afazeres do cargo oficiai que aqui ocupo e da honrosa missão de representar a classe militar perante a distinta oficialidade do Almirante Cockrane, não me tem sido possível receber as ordens de V. Exa.. É meu desejo tumbém realizar nesta Escola de Aprendizes artilheiros, situada em belo lugar, uma festa inteiramente diferente das que se tem feito, em homenagem a visita dos nossos hóspedes, podendo até tornar-se uma das mais mencionadas.

A Escola Militar, graças ao patriotismo de V. Exa. saiu-se galhardamente, e a de Aprendizes Artilheiros deseja também distinguir-se como a sua co-irmã. Para este fim, levando em conta a distância a que se acha afastada do centro dos recursos, peço a V. Exa. para mandar-me a quantia de um conto de réis, ficando certo V. Exa. de que farei uma festa condigna, que será, como espero, com a presença de S. A. o Sr. Conde d’Eu e mais membros da Augusta Família imperial e de V. Exa. e mais membros do Ministério, uma das mais importantes. Aguardo com urgência as respectivas ordens de V. Exa..

De V. Exa.
Admirador, Atento Venerador e Criado
Tenente-Coronel
João Vicente Leite de Castro.

Não preciso acrescentar que o Sr. Leite de Castro foi atendido prontamente.

 

(11) O Sr. Cristiano B. Otoni afirma no folheto: o advento da República no Brasil que eu me achava presente na ocasião. É inexato.

 

(12) Esta manifestação teve lugar no dia 26 de Outubro e nela tomaram parte os oficiais do 2° regimento de artilharia e 1° e 9° de cavalaria.

 

(13) Eis como descreve o que passou-se no clube militar, um oficial do exército:

«Tendo-se resolvido convocar uma reunião de oficiais no Clube Militar a 9 de Novembro, para tratar de assuntos da classe, concordou-se na véspera entre o Dr. Benjamin Constant, o autor deste artigo e alguns outros oficiais, que na sessão do dia 9 se aceitasse a proposta que então apresentei de entregar-se a solução da questão a uma comissão de três membros com faculdade de obrar livremente, depois de mais uma última e enérgica tentativa junto ao governo, marcando-se-lhe o prazo de 24 horas, para levar a termo sua missão e dar conta do resultado ao Clube.

Na sessão do dia 9, à noite, presentes cento e cinquenta e três oficiais, propôs o Dr. Benjamin Constant que, em vez de ser nomeada uma comissão de três membros, lhe fossem entregues os poderes que a ela se pretendia conceder e lhe dessem o prazo de oito dias para apresentar o resultado dos trabalhos que ia empreender.

Com o fim de evitar discussões inoportunas em assembleia tão numerosa, tanto mais quando achavam-se os ânimos dos jovens oficiais que a constituíam exacerbados em alto grau pelos últimos atos do governo, e sabíamos estar debaixo de constante vigilância dos agentes da polícia, propus imediatamente: — que, dando prova de completa confiança na palavra que o Dr. Benjamin Constant acabava de empenhar espontaneamente, e como justa manifestação a seu elevado caráter e a sua reconhecida dedicação à classe a que pertence, se lhe desse o mandato sem discussão.

Acolhida com entusiasmo esta moção, cujo alcance principal era deixar aos chefes os meios de trabalhar com a reserva necessária, o Dr. Benjamin Constant agradeceu a honra com que o distinguiam assim os companheiros e levantou-se logo a sessão.

Desde essa mesma noite começou o digno oficial a desempenhar a delicada missão que lhe fora confiada.

Com a convicção de que nada alcançaria por meios brandos e suasórios junto ao orgulho o pertinaz obstinação do chefe do gabinete, resolveu recorrer à reação armada.

(Carta do Tenente Coronel Jacques Ourique publicada no Jornal do Comércio de 4 de Janeiro de 1889.)

 

(14) Respondendo ao meu manifesto, o senhor visconde de Maracaju não contestou esse ponto. Veja-se no Jornal do Comércio de 14 de janeiro de 1890, e entre os anexos o artigo que se inscreve: O general Visconde de Maracaju ao País.

 

(15) O afilhado do marechal, a que S. Exa. se refere na carta supra, era grande protegido seu, apresentando-o sempre como pessoa da maior confiança. Para ele pediu com instância mais de uma comissão importante, e foi esse mesmo oficial que no dia 15 de novembro, por ordem do general Deodoro, apossou-se do comando do corpo policial do Rio de Janeiro, quando este marchava em auxílio do governo. É o tenente coronel Francisco Victor da Fonseca e Silva, que suponho ter sido já promovido.

 

(16) No seu citado artigo o Sr. Visconde de Maracaju diz ter havido equívoco de minha parte, quando afirmo que no princípio desta conferência ainda tranquilizou-me, assegurando-me ter o governo meios suficientes para reprimir qualquer movimento. O equívoco, porém, e de S. Exa., como ficou patente da minha resposta e da réplica do Sr. visconde. Julguei dever de lealdade para com o meu ex-colega transcrever no fim do volume o que o Sr. viconde publicou a tal respeito.

 

(17) Efetivamonte está hoje verificado que essa notícia foi... assoalhada pelo major Solon para irritar os ânimos da 2ª brigada e precipitar o pronunciamento. E isto qualificou-se de patriótico estratagema de guerra!

 

(18) Também ali esteve e no seu posto o delegado Dr. Bernardino Ferreira da Silva, que prestou bons serviços. Corrijo assim a omissão que escapou-me no texto.

 

(19) Novo invento provavelmente do mesmo oficial que espalhou a falsa notícia da prisão do marechal Deodoro. A chamada Guarda Negra nem sequer existia mais.

 

(20) Das diversas narrações dos sucessos de 15 de Novembro resulta a prova de que desde o dia 13 desse mês, o Sr. Marechal Floriano Peixoto estava prevenido pelo Marechal Deodoro da conspiração militar.

Eis como o refere o tenente coronel Jacques Ourique:

«Por sua parte o general Deodoro no dia 13, mandou chamar a ajudante general do exército, marechal de campo Floriano Peixoto e confiou a sua lealdade a posição em que se achava o exército. Tendo ponderado o marechal Floriano Peixoto que, a seu ver, os atos do governo não autorizavam ainda semelhante extremo e talvez fosse preferível fazer uma última tentativa junto ao gabinete, o marechal Deodoro declarou categoricamente ao seu velho amigo que o movimento era irrevogável e que ele já se achava a frente de seus companheiros.»

Este mesmo oficial afirma que os revolucionários contavam com as seguintes forças: todos os corpos da 2ª brigada e 7º batalhão de infantaria, parte do 1°; muitos oficiais do exército e da armada, diversos navios e um contingente de fuzileiros navais e, acrescenta:

«Não dispunha (a revolução) do 10° batalhão de infantaria, da polícia da capital da província do Rio de Janeiro, do 1° batalhão de artilharia de posição, corpo de bombeiros e de imperiais... Devo fazer notar que conquanto nestes corpos houvesse oficiais e soldados dedicados à causa, que trabalhavam ativamente em favor da revolução, nada se tinha alcançado até o dia 14, talvez pelo imprevisto do fato que devia dar-se no dia 16. Entretanto, a unidade manifestada no momento decisivo, quando uma simples oscilação podia ocasionur graves tropeços, é a prova mais evidente do patriotismo do exército e da armada» (A Revolução de 15 de Movembro, cartas publicadas no Jornal do Comércio de 4 e 5 de Dezembro de 1890).

Ignoro a razão porque o senhor tenente coronel Ourique deixa de incluir nas forças com que contava a revolução as escolas militares, que marcharam para o campo.

Não sei também se inclui nessas forças o corpo policial da corte ao mando do coronel Andrade Pinto. Como depois ver-se-á, parece que esse corpo, numerosíssimo e da imediata cunfiança do governo, estava feito com os revolucionários.

 

(21) Afirma-se que este telegrama não chegou ao conhecimento do Imperador, mas tão somente o segundo em que o ministério pedia demissão, expedido do Quartel general.

Não procurei averiguá-lo; o que é certo é ter sido expedido pela Estação Central, recebido na de Petrópolis e enviado ao Paço.

 

(22) o Sr. Visconde de Maracaju contesta que me houvesse feito aquela declaração mas há equívoco da parte de S. Exa. como eu afirmo e prova-o a carta do ex-ministro da justiça, que adiante ver-se-á.

 

(23) o Sr. Visconde de Maracaju contesta este incidente; mas continuo a afirmá-lo; não foi o único, nos sucessos do dia 15 de Novembro, de que S. Exa. se olvidou.

 

(24) Conforme narra o tenente coronel Ourique, os sublevados entraram no campo da Aclamação pela rua do Visconde de Itauna.

 

(25) Este oficial general, cujas relações com o Marechal Deodoro estavam estremecidas, mandara oferecer-lhe os seus serviços para a sublevação.

Eis como ele próprio descreveu o seu procedimento no discurso que proferiu em resposta a uma manifestação de vários oficiais, quo o foram felicitar por aquele motivo (Jornal do Comércio de 30 de Novembro):

«Diante do insidioso procedimento do governo deposto, meus senhores, eu não podia conservar-me inerte, quando se tratava de erguer os brios e a dignidade do exército: como declarei a diversos companheiros, entre os quais apraz me lembrar o major Inocêncio Serzedelo Correa e capitão de cavalaria José Pedro de Oliveira Galvão, resolvi oferecer o meu fraco apoio aos beneméritos camaradas Deodoro e Benjamim Constant e coadjuvá-los no dia glorioso da reivindicação dos nossos direitos, no momento solene em que tivéssemos de exigir do traidor a reparação dos nossos brios ofendidos. Eis porque as onze horas da noite do dia 14 respondi ao major Serzedelo que me fora procurar: contem comigo; tomarei a posição mesmo a mais perigosa. Marchei a frente de 1096 praças, prontas a combater e de acordo com o meu formal compromisso, recebi os meus velhos companheiros no campo em que se devia dar o ataque não como inimigos, cuja marcha eu devesse deter, mas como amigos cujo coração pulsava ao calor de um sentimento generoso, em defesa de uma causa justa, e a cujo lado eu devia-me achar para exigir desagravo dos traidores da nação. Ao general Deodoro em lugar de uma espada fratricida estendi-lhe a minha mão de amigo e do velho companheiro. »

Assim, o general Barreto estava de acordo com os conjurados e prometera-lhes o seu apoio, ocupando mesmo a posição de maior perigo, quando, na madrugada de 15 de novembro, apresentou-se no quartel general entre os defensores do governo, deste recebeu o comando da melhor força de que dispunha, 1.096 homens prontos a combater e ao mesmo governo assegurou que cumpriria o seu dever. O general partiu ao encontro do chefe rebelde, estendeu-lhe mão leal e não espada fratricida, pondo-se à sua disposição com toda a coluna.

Este foi o procedimento do general Barreto e S. Exa. disso se glorifica em discursos solenes!

 

(26) O tenente coronel Jacques Ourique foi contestado no Jornal do Comércio em alguns pontos da sua narrativa por um escritor, sob o pseudônimo de Epaminondas, o qual afirma que mandei convidar o general Deodoro para uma conferência pelo capitão Silva Torres, ao que o general recusou-se, intimando depois a demissão do ministério. É absolutamente falso; não convidei o general Deodoro para conferência alguma e nem o faria. Apelo para todos os que estiveram presentes, especialmente para o tenente coronel Silva Teles, que recordou-me, no quartel de S. Cristovão. o incidente que no texto relato. Nem o fato é verossímil.

 

(27) Até esse momento ignorava que o general Barreto houvesse entregue ao Marechal Deodoro a força que lhe fora confiada para combatê-lo, estendendo-lhe não espada fatricida, mas... etc.

 

(28) A Gazeta de Notícias em artigo editorial, que se me assegurou ter sido inspirado pelo próprio general Deodoro, desmentiu o infame boato. Aliás em várias narrativas de origem insuspeita, isto é, escritas por oficiais do exército ou baseadas em informações suas, encontra-se o espôntaneo testemunho de que portei-me como devia e era digno de mim. Podiam e poderão vencer-me, porém jamais obrigar-me a uma fraqueza.

 

(29) Em uma das cartas que escrevia para o Correio Paulistano sob o pseudônimo Horácio e cuja autoria publicamente assumiu (Jornal do Comércio de 27 de maio de 1890) o Sr. Dr. José Avelino afirma, que ao saber da proclamação da república, no quartel, eu me impressionara e exaltara tanto que adoecera, sendo chamado um médico e avisada a minha família. O sr. Dr. José Avelino foi mal informado e afirmou uma inverdade. Da proclamação da república soube, no quartel, na noite de 15 e não me produziu essa notícia maior impressão do que os fatos extraordinários, que presenciara e todavia não foram suficientes para tirar-me o sangue frio e a calma. Estes nunca me faltaram, em incidente algum, do que pode dar testemunho toda a oficialidade presente no quartel, até o meu embarque.

Tive ali, é certo, ligeira indisposição, porém no dia 17, sem relação alguma com os acontecimentos (é sabido que não gozo saúde vigorosa) e da qual eu próprio mediquei-me, como poderá atestar o meu comprovinciano Dr. Stokler, republicano antigo, que indo visitar-me e indagando se do meu estado de mim ouviu o que sofria e o que tomara. S. Sª teve a bondade de oferecer-se para passar ali a noite, o que recusei agradecido. o Sr. Dr. Avelino deu curso a um cancan.

 

(30) Em mais de uma publicação li a narrativa de conversações que se diz tivemos no carro. Há inexatidões que não vale a pena retificar; o que é verdade é haver o tenente Veiga peremptoriamente declarado que poria fora do mesmo carro o loquaz paisano de quem trato no texto, se continuasse a aturdir-nos e ele emudeceu.

 

(31) A coluna que marchou de S. Cristovão compunha-se das seguintes forças:

1° Regimento de cavalaria;

Contingente da Escola superior de guerra;

2° Regimento de artilheria montado;

3° Regimento de cavalaria (a pé por falta de cavalos).

(Cartas citadas do Tenente coronel Jacques Ourique).

 

(32) Um oficial deste corpo, o sr. Valadão, reclamou contra esta afirmativa, que reproduzi como foi-me comunicado no quartel de S. Cristovão. Segundo S. Sa. quem deu a ordem não foi o sr. Andrade Pinto, porém o reclamante que para si reivindica esse título de benemerência. Ignorá-lo-ia, porém, o comandante do corpo? (Jornal do Comércio de 11 de janeiro de 1890).

 

(33) Veja-se o que digo ainda a respeito das queixas do exército na resposta ao Sr. C. Otoni e no prefácio.

 

(34) O sr. Dr. José Avelino, o mesmo a quem já em outra nota me referi, sentiu feridos os seus brios de Cearense por este trecho e reclamou com a sua assinatura no Jornal do Comércio de 11 de janeiro de 1890, contra o que denominou a agravação do infortúnio da fome pela injúria, argumento frágil e odioso, inventado no apuro de circunstâncias que S. Sª respeita. o sr. Avelino acrescenta: «O emigrante cearense foge a extenuação da fome, mas para procurar trabalho honesto e lícito, onde o encontra. O roubo não é o seu recurso

Nem eu disse que o roubo era o recurso do emigrante cearense, mas tão somente que onde se aglomeravam milhares de indigentes acossados pela fome, devia se precatar pela ordem pública e a propriedade alheia, o que é coisa diversa.

Seria infundado esse temor? É conhecida a solicitude com que o governo e seus agentes procuravam distribuir socorros aos indigentes, onde quer que os horrores da seca se fizessem sentir e especialmente no Ceará. Pois bem; não foi isso bastante para impedir que depósitos de víveres fossem assaltados e saqueados mais de uma vez naquela província. Citando de memória, lembrarei ao Sr. Dr. Avelino que, entre outros, esses fatos deram-se na própria capital duas vezes, na hospedaria de imigrantes e no lugar denominado Garrote, em Sousa, no Riacho da Sela e em Messejana.

O sr. Dr. Joaquim Bento de Souza Andrade, que é cearense distinto, cioso dos brios de sua província e mais interessado por ela que o sr. Avelino, não entendeu, e com razão, que injuriava os seus patrícios, profligando com energia esses fatos, entre os quais destaca-se o assalto de Messejana, no qual figurou o sr. Tristão, pessoa muito conhecida do reclamante.

Porque, pois, descobrir uma injúria na simples referência a esses fatos? Diz S. Sª, que a suposta injúria, escrita no estrangeiro por um brasileiro deve ter produzido péssima impressão e ter enfraquecido muito o valor moral do manifesto.

É possível; e não cogitei de verificá-lo, porque não escrevi o manifesto para os estrangeiros, e sim, para o meus compatriotas.

Entre estes acredito que o que deve ter produzido péssima impressão, tirando-lhe todo o valor moral, é o arrepelado patriotismo e escusado protesto do sr. Avelino, os termos e a ocasião em que o fez.

Não é esta a única arguição que dirigiu-me este patrício depois do meu banimento: de outra ocupo-me em lugar diverso.

 

(35) Veja-se o que digo no prefácio.

 

(36) Quando isto escrevia ignorava que um dos primeiros atos do governo provisório fora elevar o corpo policial da capital a regimento constituído por 3 batalhões. Eis aí bem patente a procedência das arguições feitas ao ministério 7 de junho.

 

(37) Conservou-o, até promovê-lo a general.

 

(38) E mais tarde as assembleias provinciais e municipalidades.

 

(39) Consta-me que por parte de um professor da faculdade de direito do Recife, foi contestado este ponto da minha exposição, afirmando S. S.ª que a reforma do Código criminal não estava concluída. Não li a contestação, nem sei quem seja o contestante. Insisto, porém, no que afirmei.

A comissão incumbida de organizar o projeto de reforma do Código criminal, sob a presidência do Sr. conselheiro João Batista Pereira, terminou o seu trabalho que foi a imprimir na Tipografia Nacional, para ser presente às câmaras logo em novembro. É questão de fato, fácil de verificar.

 

(40) No folheto — O Advento da República no Brasil, o sr. Otoni afirma que a imprensa está amordaçada, e efetivamente o decreto n° 85 de 23 de dezembro de 1889 considera crime militar, sumariamente processado por uma comissão militar e sujeito à pena de morte, a oposição na imprensa ou mesmo de palavra aos atos do governo, ou a divulgação de notícias que lhe sejam desfavoráveis.

Vários jornais foram suprimidos e jornalistas encarcerados por discutirem a marcha da administração. Tal é a liberdade que trouxe a república para o Brasil!

 

(41) O ministro do interior escrevendo no mesmo dia da revolução dizia que o povo a ela assistira bestializado. Veja-se primeiro documento anexo.

No Rio de Janeiro assim aconteceu realmente, mas nas províncias a fibra nacional vibrou. No Maranhão, por exemplo e segundo o testemunho do primeiro governador nomeado pelo governo provisório, o Sr. Pedro Tavares, a proclamação da República não se fez sem o morticínio de muitos brasileiros.

 

(42) Os desinteressados amigos do governo provisório, em Lisboa, telegrafaram para o Rio de Janeiro, anunciando que esta publicação fora mal recebida pela imprensa daquela capital. É mais uma falsidade. À exceção do Século e de mais algum outro jornal republicano, que doestaram-me, esquecidos de que eu viera pedir hospitalidade às plagas lusitanas, só devo amabilidades a imprensa portuguesa. Receba aqui novamente meus agradecimentos o Comércio de Portugal, e protesto-os também à Tarde, ao Dia, ao Tempo, ao Diário Popular, ao Diário de Notícias, ao Diário ilustrado, ao Correio da Noite, à Gazeta de Portugal, e ao Repórter, os quais, entre outros que me escapam, referiram-se, nos editoriais de 20 e 21 de dezembro, em termos benévolos e honrosos ao meu Manifesto.

 

(43) Publicado no Jornal do Comércio de 16 de março de 1890.

 

(44) É curioso enumerar e confrontar o que os noticiaristas a que acima referi-me tem se lembrado de inventar a meu respeito.

1.° — Foi a conselho meu que o Imperador recusou o donativo de 5.000:000$, deliberação honestíssima e correta que eu aconselharia, se pudesse, mas de exclusiva iniciativa de Sua Majestade, logo que, no mar, tomou conhecimento do respectivo documento, e comunicada ao mordomo muito antes de poder eu ter a honra de avistar-me com o Imperador;

2.° — Submeti à sua augusta censura e mereceu-lhe condenação o meu manifesto, que só leu depois de publicado;

3.° — Não quis receber-me no Porto, onde, como sempre, acolheu-me com a maior bondade, e fui designado para pegar cui um dos cordões do féretro da virtuosa Imperatriz;

4.° — Apesar dessa repulsa, poucos dias depois dignou-se o mesmo Senhor conceder-me larga conferência a que esteve também presente o Sr. conselheiro Cândido de Oliveira, que, seguramente, ficou tão surpreso com a notícia como eu;

5.° — A imprensa deste nobre país, à qual, exceto as folhas republicanas, só devo finezas, ou censura ou despreza o meu aludido manifesto;

6,° — Sou candidato à Constituinte, ainda que a nenhum dos meus futuros eleitores haja, direta ou indiretamente, comunicado tal pensamento;

7.° — Estou aqui, onde sistematicamente evito até conversar sobre negócios do Brasil, para não agravar as minhas mágoas, em plena atividade de reação contra a república, promovendo a queda do câmbio, a baixa dos fundos e o descrédito de meu país, e não sei quantas mais falsidades e calúnias!

Dá-las-ei por bem compensadas se delas derivar algum proveito, para os que julgam ser justo e nobre amargurar a sorte de um proscrito. Ao menos, assim, servirei ainda para alguma coisa.

 

(45) O Advento da República no Brasil — pelo conselheiro C. B. Otoni, Capitão tenente reformado da armada, Lente jubilado da escola de marinha, Professor honorário da Academia de Belas Artes, Fundador (aqui é inexato) e Primeiro Diretor da Estrada de Ferro Central, Dignitário da Ordem do Cruzeiro, Oficial da de Leopoldo da Bélgica, Deputado em quatro legislaturas, e nos últimos dez anos Senador do império.

 

(46) Folheto página 3.

 

(47) Folheto p. 66.

 

(48) Folheto pp 23, 36, 37.

 

(49) Folheto p. 37.

 

(50) Folheto p. 36

 

(51) Folheto p. 36.

 

(52) Folheto p. 66.

 

(53) Folheto pag. 66.

 

(54) Folheto pag. 58.

 

(55) Folheto pag. 58.

 

(56) Folheto pag. 66.

 

(57) Folheto pag. 111, 113.

 

(58) Folheto páginas 91 e 105.

 

(59) Folheto páginas 127, 128

 

(60) Folheto p. 106.

 

(*) Cf . «Morte do Redator do Corsário», Carbonário, Rio de Janeiro, número 237, 29 de outubro de 1883 (N.E.)

 

(61) Folheto, página 105.

 

(**) Pharsaliæ, Lucano (N.E. em inglês no Gutenberg Project

 

(62) Folheto pag. 69, 92, 93, 94, 98, 106.

 

(63) Folheto pag. 69, 103.

 

(64) Pg. 103.

 

(65) Sessão de 11 de Junho do 1889.

 

(66) Jornal do Comércio de 2 de janeiro de 1890. Retrospecto de 1889, Brasil.

 

(67) Folheto, pag. 104.

 

(68) Vejam-se as Instruções para os fiscais datadas de 5 de junho, os Avisos de 11, 12, e 19 desse mês, a circular de 3 de agosto, acompanhada dos modelos para a proposta e processo dos empréstimos sob hipoteca e penhor agrícola, muito mais simples do que os usados nos estabelecimentos bancários, e todavia, contendo todas as condições de segurança; os avisos dessa mesma data, assim como os de 10, 22, 21 e 28 do referido mês de agosto, e 30 de setembro, contendo novas instruções, modelos e normas, os do 4 e 31 de outubro, 8 de novembro, solvendo dúvidas, estabelecendo doutrina. Fiz ainda preparar e imprimir um índice ou repertório alfabético de todas as providências tomadas, assim como de tudo quanto aos interessados convinha saber.

Pois bem! todo este trabalho, anterior e posterior às eleições, não foi mais aos olhos do sr. Otoni do que um estratagema para vencê-las, comprando a lavoura e os comissários! Que lhe agradeçam o bom conceito!

 

(69) Pag. 104.

 

(70) Pag. 106.

 

(71) Pag. 100.

 

(72) Pag. 100, in fine.

 

(73) Declarações no Senado.

 

(74) Pag. 108 a 109.

 

(75) Pag. 132.

 

(76) Pag. 108.

 

(77) Pag. 26.

 

(78) Pag. 80.

 

(79) Pag. 136.

 

(80) O Sr. Otoni afirma que ouvi este discurso, o que é inexato.

 

(81) Pag. 26.

 


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