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O INÍCIO DO FIM

Mauro Gonçalves Rueda

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O Início do Fim
Mauro Gonçalves Rueda

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Fonte Digital
Documento do Autor
maurorueda5@hotmail.com

©2003 — Mauro Gonçalves Rueda


 

Índice

O INÍCIO DO FIM
   Parte Um
   Parte Dois
   Parte Três
   Parte Quatro
   Parte Cinco


O INÍCIO
DO FIM

(Poesia)

 

Mauro Gonçalves Rueda

São José do Rio Preto, l.99l

 


 

 

 

 

(Pra: Joyce e Maricy. Minha mãe e meus irmãos)

 

 

 


O INÍCIO DO FIM
(Parte Um)

 

1

 

A vida

vivida, sangrada,

em faca afiada:

— túnel sem saída —.

Ferida

que não cicatriza

a ferida

legada.

Em troca de nada

ou da própria vida?

Feito uma dívida

dividida

desproporcional\mente

(no)

final?!.

 


 

2

 

O fato fixo

na mente

gira em vão.

Confusão.

Caos.

Em busca

de solução.

O coração

pifa.

Os sonhos,

o orgulho,

maiores que a razão.

Pura ilusão

determinando

o fim.

O homem

é a fera

do homem.

Engolindo

a si mesma!.

 


 

3

 

Não lavra

a palavra

o já feito.

O ato

consumado,

é fato

consumindo

a consciência.

Não ara

a hera

o instrumento

sem corte.

Em vão

vagas

na solidão.

Terreno árido,

dura aflição,

para a própria

agonia,

de frágil razão.

 


 

4

 

Medo do medo

no medo sentido.

Concebido

na escuridão

do estar-se solitário.

O medo que medra,

é pedra rolando

a ribanceira.

Homem sem esperança,

esperança sem eira.

Castelo de areia

ante a força da erosão.


5

 

A imaginação

logra o real.

Propõe

ante o concreto caminho,

o vazio,

o nada,

o abissal.

Poço sem fundo,

aberto em precipício.

A tragar do mundo,

sua própria essência.

 


 

6

 

Abre-se uma porta

encontra-se uma saída.

A corda retesada

às vezes, desfia.

Um homem sozinho

é somente

um grão de areia

em meio ao deserto.

Nem toda semente

necessariamente, vinga.

 


 

7

 

A sabedoria corta

— em dois gumes —,

o fruto da incoerência.

Nem todo sábio

sabe

qual o lado

da navalha

utilizar,

ante o fator

emergência.

 


 

8

 

Que o louco

seja breve.

Tanto quanto

o sábio.

Porque, ambos

mal percebem,

o mundo em que vivem.

E, as feras,

que os cercam.

 


 

9

 

Não o caos

no calo.

Ou a famélica

história\histérica

mágica\esotérica

do repente.

È como se fosse

um fato,

alguém fitando

uma fera,

enquanto,

uma bomba cai!.


10

 

A lâmpada

louca\mente

emite um claro.

raro\muito raro\

um claro

provêm

da

lâmpada.

 


 

11

 

Ah, avencas!.

Ah, vem cá!.

Verde, verde,

amadurecendo

na lida da vida.

Até que,

amanheça

outra nova

existência!.

 


 

12

 

— Olha o louco!.

Dizem no riso

débil.

Mas o louco,

o louco

apenas caminha

pelas ruas

sob o sol

da meia-noite,

a palrar

com as sombras..

..de touca!


13

 

Beijos e bocas.

Palavras brotam.

Escorre um silêncio

jamais entendido.

 


 

14

 

As estrelas brilham

sempre.

As estrelas..

E quem consegue

— realmente —,

vê-las?.

 


 

15

 

Ás vezes,

é feito um parto

(sem anestesia),

olhar para o mundo

e enfrentar a vida

tão fria!.

 


 

16

 

Feito o sol

adentrando o telhado

do cérebro.

Banhando em luz

e calor

o interior

da casa vazia.

 


 

17

 

A rouca voz

ríspida

rasga o pano

do medo

entre o silêncio

da consciência

e a expressão.

 


 

18

 

A música

mística

move a montanha

da alma

entorpecida.

A fé

faz-se

em porta.

Eis o sinal

de que o amanhã

ainda virá.

 


 

19

 

A voz

vela

da alma

o veludo

sereno

da calma.

E forja

(delicada)

a sabedoria.

 


 

20

 

Caminho pela casa

e a casa

habita em meus passos.

Ambos comungamos

o vazio.

Cada partícula

pode ser

um Universo.

Incomensurável!.

 


 

21

 

É como se fosse

um pecado

o pecado

não havido.

O pecado

inexistido.

É como se fosse

um pecado..

Mas, afinal,

o que é pecado,

afinal?!.

 


 

22

 

Vãs palavras

prenunciam o ato

a ser consumado.

Para quê palavras?.

 


 

23

 

Morto no silêncio

do talvez

é a lógica

do vazio

do esquecimento.

É a negação

do sim

e do não.

 


 

24

 

Entre

um termo

e outro

há o meio.

E o meio

entre o um

e outro

é um vazio.

Pobre ilusão.

 


 

25

 

Na palidez

do morto,

ausência

de cor,

há um tom

de filosofia.

Casa sem teto

ou janelas.

Sem portas,

vazia.

 


 

26

 

A incoerência

do escorpião

é desconhecer

— no desespero —,

letal veneno

do próprio ferrão.

 


 

27

 

A frase impressa

na pressa

compromete a estética.

E, às vezes,

desatina

e destoa

do resto

da oração.

 


 

28

 

A lua

languida

lambe

o lago.

Límpido

e claro,

o lago

lava

a

lua.

 


 

29

 

A rima

roça

a métrica

e rasga

repentina

o resto do poema.

Resta um rastro

ríspido

na rasura

do roto papel.

 


 

30

 

É com pena

que penso

e empunho

a pena

no pesar

do poema.

Pálido pensamento.

 


 

31

 

Homens e máquinas

maquinam

maquiavélicos

miríades

tarefas

na destruição

do planeta.

 


 

32

 

Lenta e louca

trafega a máquina

em tendões

e tropeços.

Sem o apreço

devido

dividido

homem.

Carne

máquina

o homem

trafega

lento.

 


 

33

 

Vozes velam

do morto:

memórias.

As horas

esmaecidas

sugam

as lágrimas.

 


 

34

 

Penso

que penso.

Logo,

penso

que posso

poder

existir.

 


 

35

 

Nadam

nuvens

vazias.

sob um céu inexistente,

pelos riachos,

em meu coração

dentro.

 


 

36

 

Fomento

a fome

arando

rasgando

e abrindo

sulcos

no árido

solo

de minha consciência.

 


 

37

 

Nada

mergulhando no vazio.

O vazio do vazio

em nada

mergulhado.

Feito o homem

calado.

Sem ter

o que falar.

 


 

38

 

Caminhas

em linha

reta.

Jamais

conheceste

o roto

resto.

Há na impureza

dos caminhos,

lições

que purificam

o porvir.

 


 

39

 

A palavra

escalavra

o espaço.

Cria

novas imagens,

rasga

densos véus

e prevê

horizontes.

 


 

40

 

Feito a força

febril

forjando

a fera.

Violência

homem

animal...

 


 

41

 

Esvoaçantes asas

roçam a fronte

do poeta.

Janela aberta

para o infinito

do infinito.

 


 

42

 

Rasgo a terra

fundo,

fincando

minhas raízes.

De meu olhar,

seiva corre

por meu tronco

desnudo.

Os céus

dão-me de beber:

nas conchas

das mãos

que plantam

o amanhã.

 


 

43

 

Os que virão

após passarmos.

Os que virão

seguindo os mesmos passos.

Os que virão

pela contra-mão....

 


 

44

 

A lassidão

elucidando

a lenta lucidez.

O ancião

logra

a lívida

dúvida

na lembrança

esmaecendo.

 


 

45

 

Lentamente

amadurecem

os frutos.

Que saciam

a fome

do homem

que sacia

a fome

da terra.

 


 

46

 

A insônia

traga

o meu sono.

Mastiga

o travesseiro,

engole

minha paciência

e me faz

arrastar os chinelos

pela casa.

 


 

47

 

Dança lá fora,

em gotas que caem,

a bailarina

de outros tempos.

Corre

pelas sarjetas

e desfaz-se

na enxurrada

que arrastou

meus sonhos.

 


 

48

 

Compro uma criança

no mercado negro

por parcos dólares.

Como quem compra

o vídeo cassete.

Eis a humanidade!.

Eis o capitalismo

e o livre mercado.

 


 

49

 

Sol derretendo

a rua que vai.

Sol derretendo

autos,

pernas,

velhos,

cavalos.

O sol!.

O sol tragando

a casa,

e o jardim.

Para todo

o sempre.

 


 

50

 

É feito um sonho

a roer as unhas

do tempo.

Meu coração

faz malabarismos

frente ao caos

cotidiano.

 


 

51

 

A torre da igreja

aponta o infinito.

Ah, o infinito!.

Meu coração

bateu asas

e nunca mais

voltou!.

 


 

52

 

Na melancolia da madrugada,

preencho os espaços vazios

(da minha vida)

com um

punhado de nada.

 


 

53

 

Fria solidão,

gordurosa madrugada...

Meus sentimentos

são poços fundos,

entupidos com cimento..

Mais nada!.

 


 

54

 

Silêncio!

Tudo é silêncio.

Tudo.

Afora este absurdo

que teima em continuar

respirando,

arfante!...

 


 

55

 

Às vezes

ponho-me a pensar

e reflito:

Ah, a vida!.

E mastigo a casa,

o jardim,

as pedras

e,

boa parte

de mim!.

 


 

56

 

Planto cigarros

pelo quintal.

Um auto

atropela

meus pensamentos.

O que restará

quando,

um dia,

tudo findar?!.

 


 

57

 

Teço a manhã

como quem sonha.

E de meu olhar,

um sol vem brotando,

aquecendo o lençol

e a fronha

do travesseiro.

 


 

58

 

Um dia tropecei

e cai.

Esparramado

pelo chão,

nunca mais consegui

reunir os cacos

do que um dia

eu fora.

 


 

59

 

Toda a casa

sou eu.

Cômodos,

portas,

janelas,

corredores...

E,

quando todos dormem,

uma legião de gnomos

e fadas

desperta e preenche

o vazio

da estranha casa.

 


 

60

 

Como quem mastigasse

o próprio cérebro,

descubro que prefiro

cerveja com torresmos

a viver o que ensinaram-me:

sem perguntarem

se eu desejava

aprender.

 


 

61

 

Como um dia enlouqueci

e todos passaram a temer minhas ações,

sentei-me encolhido em um canto

de um verso que,

jamais teci,

e

ali,

deixei-me

esquecido.

Nunca mais

eles poderão descobrir

para onde

um dia,

parti.

 


 

62

 

Tenho uma faca

afiada

e um sorriso

que a vida

entortou.

Mas eles,

eles insistem

em afirmar

que,

não possuo nada!.

 


 

63

 

Às vezes penso

que sou um vazio

tão imenso,

tão imenso...

que,

não caibo

em mim mesmo!.

 


 

64

 

É uma dor no pulmão,

do lado direito....

Mas,

às vezes,

ela

— dor —,

cansada,

salta para o lado

esquerdo.

Feito uma bola

de pingue-pongue.

 


 

65

 

Quando em pequeno,

pensava que o mundo

fosse maior que meus sonhos.

Muito tempo após,

descobri que não havia

sonho algum.

Então,

passei a pensar

que eu fosse

menor que aquela

estrela

boiando

lá no alto.

Um dia descobri que,

tamanho,

não tem nada a ver

com importância.

Hoje,

não penso

em mais nada

não!.

 


 

66

 

As ruas

estavam desertas.

Por muito

— muito tempo —,

perambulei

procurando...

Um dia,

fatigado descobri que,

as ruas,

as ruas

eram somente

seres!.

 


 

67

 

Eu tenho um canteiro,

um lápis

e um cachorro.

Às vezes,

fico pensando nas pessoas

que são infelizes,

por não possuírem

as coisas que eu,

eu ainda posso inventar!.

 


 

68

 

Um dia alguém me disse:

— Olha, o céu é azul!..

Por longos anos,

continuei acreditando que o céu,

realmente,

fosse azul.

 


 

69

 

Nada mais importa agora.

Ontem, talvez...

Mas, agora,

mais nada.

Alguém veio

sorrateiro

e,

roubou-me

dos sonhos

o travesseiro!.

 


 

70

 

Minha cabeça caiu.

Rolou ladeira

abaixo.

E eu permaneci ali,

sentado,

esperando que um dia,

ela voltasse.

Às vezes

— confesso —,

sinto saudade.

Foi há tanto tempo!.

 


 

71

 

Vãs palavras

varrem

da consciência,

o que resta de razão.

Amanhã,

tudo o que findar,

nada mais será

que um amontoado

de incoerência!.

 


 

72

 

Não entendo

muito bem

a vida e as pessoas.

Para ser sincero,

nem desejo!.

 


 

73

 

Quando em pequeno,

eu era muitos,

eu era tantos...

Agora,

sou como ninguém:

tão nada.

Absurdo\espanto!.

 


 

74

 

Um dia,

sonhei que os homens

— realmente —,

pudessem ser felizes.

Hoje,

prefiro acreditar

nos pássaros e avencas!.

 


 

75

 

O que me importa

o teu sorriso

ou,

o teu olhar

se,

quando me olhas,

não sorris

e quando sorris,

não estás a me olhar!?.

 


 

76

 

Nada vezes nada

o que me resta

nesta madrugada?

Nada!.

 


 

77

 

Como que o sorriso

ou o muro, a parede,

o silêncio, a ilusão...

A minha vida é

— toda ela —,

algo subjetivo.

Palavra,

folha ao vento,

qualquer canção.

O que é a minha vida?

Um sim,

outro não!.

 


 

78

 

Tristeza!.

Parece-me nunca findar

o que jamais

poderia existir.

Em meio à tanta

tristeza,

eu apenas desejava

sumir,

desaparecer,

inexistir!...

 


 

79

 

Melancolia vindo,

cavalgando o crepúsculo.

Melancolia entra

sem bater na porta.

Os primeiros grilos

cricrilam lá fora.

Tanta melancolia!

A natureza sorri..

Apenas meu coração,

chora!.

 


 

80

 

Sinto saudade

de tudo e de todos.

Mesmo daqueles

aos quais desconheço.

Mesmo do meu próprio mundo!

Saudade como que

o nunca mais.

Deus!,

para que tanta saudade?

Eu desejava

somente um pouco

— quase nada —,

daquela saudade

que o tempo ido,

nos traz!.

 


 

81

 

Um rio correndo

cava, sulca,

uma fenda

em meu coração.

É o rio da tristeza

no leito arrumado

em vão.

 


 

82

 

Havia uma esperança

criança em meu coração.

Tornou-se adulta,

amadureceu e,

qual um fruto,

secou,

morreu.

 


 

83

 

Que caia a madrugada!

Raios de luar

sobre calçadas..

Sussurros e juras

de amor.

Tudo natural

feito respirar

ou existir.

Tudo normal,

somente eu,

permaneço aqui:

sentindo, sentindo..

...sem poder dormir.

Inevitável, deprimente...

Narinas arfantes

sugando um ar

inexistente!.

 


 

84

 

Meus pensamentos

são uma longa avenida

abarrotada de gente

que vai e que vêm.

Contudo,

cá estou com meus pensamentos:

tão só,

sem ninguém.

 


 

85

 

Vivo a sonhar

com um mundo inexistente.

Um mundo em que o homem

— realmente —,

consiga

ser

gente!.

 


 

86

 

Há uma porta entreaberta

que vai dar em algum lugar

que desconheço.

Mas também sei

que há sempre

— inevitavelmente —,

um preço a pagar.

Embora,

todas as portas,

sejam iguais.

Como são iguais

todos os caminhos que nos levam

para um único lugar...

 


 

87

 

Passei minha existência

tentando apascentar

ovelhas desgarradas

e invisíveis.

Como quem pudesse

nalguns segundos,

doutrinar

pensamentos

e sentimentos

desviados e perdidos

na obscuridade

da ignorância.

 


 

88

 

Há um medo

súbito

de que,

a estrada se finde bruscamente e,

nem tudo o que havia

(que),

tenha sido.

 


 

89

 

E porque todos

— sem exceção —,

sempre foram

iguais a eu mesmo,

jamais pude

adormecer em paz,

sabendo-os

sem paz.

 


 

90

 

Quando amanhecer

e o sol penetrar

em meu olhar,

que seja eu

(todo eu),

novamente a criança.

Que à tudo ignora.

Mesmo a sabedoria

do ancião

que estiver habitando

o meu ser!.

 


 

91

 

Não posso morrer

tranqüilo agora,

enquanto lá fora,

sei que há tantos

que insistem em viver,

embora,

nem tenham o que comer.

 


 

92

 

O que restará

senão a ilusão

de ter sido algo

ou alguém?.

 


 

93

 

Meu coração é uma estrada.

Que vai e nunca tem fim.

Uma estrada que

mal conheço,

mas

fica dentro

em mim....

 


 

94

 

Que sentido tem a vida

neste viver-se tão sem sentido?!.

Contudo,

à ela,

abraça-se o ser

(no pélago e vezo do seu viver),

enquanto a vida,

a vida passa, passa..

Como alguém que,

já nem quer perceber..

 


 

95

 

Na noite fria

que ora escorre lá fora,

é dela

que me vem a tristeza;

é nela que meu coração mora.

É na noite fria

que minh’alma

descobre-se vazia

e, solitária,

às vezes,

chora!.

 


 

96

 

Esvoaçam asas

pela casa.

Sem medo

do futuro.

Não há cercas

ou muros

em minha

imaginação.

 


 

97

 

A fome

finca facas

no abdômen.

A fome

fere

a fera

no homem.

 


 

98

 

Um anjo alado

pousa ao meu lado

para uma cerveja.

Um papo,

um porre

e, ambos embriagados,

deixamos a vida

de lado.

Agora, uma farra,

até que nos cairia bem!.

 


 

99

 

Lobo aflito

— contrito —,

uivo para a lua

alva.

Casta,

muito casta,

ela esconde-se

num véu de nuvens.

Meu coração

palpita de amores.

 


 

100

 

Num canteiro,

quando madrugada,

enterrei os sonhos

de minha amada.

Agora,

quando as estrelas despontam,

do canteiro brotam

notas de um violino.

 


 

O INÍCIO DO FIM
(Parte Dois)

 

101

 

Nunca o fim

feito fátuo fogo

consumado.

Cinzas,

borralho.

Mas o início

do fim.

Se em tudo,

tudo inicia-se..

Se em tudo,

tudo finda..

É feito o meio inexistente

em mim:

o início

do fim!.

 


 

102

 

Como que o teu olhar

a perscrutar-me a alma.

Calma, oh!, singela!.

Eis - me despido

e eu.

Como se fosse parte

do que vês

e não vês,

sou.

Eu sou eu,

mas

estou em você.

 


 

103

 

Deixa que eu sorria

para o espelho!.

Deixa que eu exponha-me

para o futuro

que antevejo.

Deixa!

Deixa porque tudo,

tudo é um deixar

sem qualquer explicação.

É feito, talvez,

descobrir-se

o coração!.

 


 

104

 

Até que consumado seja

o copo de cerveja,

o gosto da cereja,

o teu triste olhar..

Até que consumado seja

o ato gerando o fato.

 


 

105

 

Sejam palavras,

nunca navalhas.

Frases simples,

feitas uma oração.

Sejam teus dias

feito primaveras.

Jamais a quimera

qual este nunca existir!.

 


 

106

 

E porque tenho sido

o que tenho sido;

o que jamais sugerido,

deixo cada qual pensar

que tudo tem que ser

aquilo que

jamais será!.

 


 

107

 

São feito ruas

que jamais se findam

(meus sentimentos).

São sonhos que,

por um momento,

vão estender-se

ao infinito.

 


 

108

 

Como a tarde

que parece-me

suspensa no ar,

permaneço quieto

como que uma nuvem

em silêncio

a vagar.

Já não importo-me

se há ou não

porque ter que voltar!.

 


 

109

 

Em minha alma

há um silêncio

de outro mundo,

de outra Era.

Um lugar e um tempo

em que penso

ser eterna

primavera.

 


 

110

 

Trapos, farrapos

de pensamentos

amontoados

ao longo dos anos vividos.

O que há

em meu ser,

a fazer sentido?.

Se todo eu,

sou feito

meus próprios

pensamentos?!.

 


 

111

 

Os ratos

saem pela madrugada

e passeiam.

Os ratos...

Nas longas noites,

observo-os

como quem observa

os próprios sapatos.

 


 

112

 

Fantasmas

arrastam correntes

pela casa.

Como que

numa procissão.

Não há preces,

apenas lamentos.

Lamentos

e a fria

solidão

daqueles que,

já não podem

se libertar..

 


 

113

 

Um cigarro

e outro

e outro.

Até que me reste

apenas o suspiro

que ainda

não dei.

 


 

114

 

Sobre algum muro

lá fora

no escuro,

mia um gato.

Longamente,

feito um seresteiro

que ainda

não se deu

por contente.

 


 

115

 

A vida,

talvez,

seja tão louca

quanto estar-se a contar

estrelas pela madrugada.

Eu disse isso

ao mundo.

Mas é como

se eu não houvesse

dito nada.

 


 

116

 

“Estomacado”!

Me hei atabalhoado

ante o fato

de que tudo

findou.

E em meio

a esse porre

de sabedoria,

gostaria

— urgentemente —,

de vomitar!.

Livrar-me

de tanta porcaria!.

 


 

117

 

Sexta, Sábado e Domingo.

Sexta, Sábado e domingos!...

Prefiro a Segunda-feira,

quando todos voltam

a ser

mortos - vivos!.

 


 

118

 

Chorei um rio,

um mar,

um caminhão.

Não sei porque.

Aparentemente,

não havia razão.

Ou será que foi

o porre que tomei?

Deus!

como um porre

é bom!.

Chorar-se

um rio de mágoas

que sufoca,

e estrangula

o coração!.

 


 

119

 

De forma que,

morri!

Matei sonhos

e ilusões,

para ser

somente

um sujeito normal.

Normal!..

De forma que,

morri!.

 


 

120

 

Ultimamente,

todas as noites,

fico embriagado.

Bebo feito um tarado.

O que mais

eu poderia fazer,

ante essa vidinha,

senão embriagar-me

e,

talvez,

por isso mesmo,

tentar

viver?!.

 


 

121

 

Não há forças malignas

em meio às benignas

forças!.

O mal,

ausência do Bem,

e o Bem,

ausência do Mal.

Tudo certo,

tudo normal,

feito viver

ou morrer.

Feito respirar,

ou ser ou não,

anormal!.

 


 

122

 

Todos os caminhos

(são tão iguais).

O que são fronteiras,

raças,

cores,

religiões,

idiomas?

O que são?..

Bem,

amanhã no almoço,

talvez

eu

deguste feijão.

 


 

123

 

Meu coração

é um bonde

correndo fora dos trilhos.

O que importa

ter-se ou não

filhos,

se todos os filhos do mundo

todos são

meus?!.

 


 

124

 

O lado.

Um lado disso

ou daquilo

um lado..

Como que a versão.

Como quem conta

a sua história.

Como quem ouve.

Como quem,

simplesmente

deturpa,

sem aparente

razão.

 


 

125

 

Passei a madrugada

apalpando o meu

pobre fígado.

Toquei rins,

bexiga,

estômago,

coração.

Deus estava na cabeça?.

Que ironia!

Deus estava

do lado de lá do pulmão?

Ou pulmões?

Nas mãos?

Estaria Deus,

por acaso,

entupindo

— enroscado —,

(n) uma veia

em meu coração?.

Encontrei Deus não!

Contudo,

em meio à dúvida,

teci uma oração,

fumei um cigarro

e pensei:

falta-me

uma costela!

Oh Deus!,

porquê fizeste

de mim a cobaia?

Eu jamais

pedi para estar

no barro de Adão.

( Ainda que a Eva

tivesse lá,

seus encantos!.).

 


 

126

 

— Eis o problemático

ante o sorumbático

problema existencial!.

(Eu respondo):

— Quem disse que eu,

gostaria de ser normal?

 


 

127

 

Um dia

despertei desesperado!

Azia, barulho do tráfego,

vozes de gente,

pás - carregadeiras,

britadeiras..

Tudo em minha mente.

Em meu estômago embrulhado.

Feito um pacote,

saí para o quintal,

toquei fogo na casa

e pus-me a rir.

Desesperadamente!.

 


 

128

 

Foi quando

entortei o meu riso

e fiquei cantarolando

um bolero antigo.

Tenho certeza

que foi.

Mas, o que me importa?

Tudo continua

o mesmo

lá fora!.

 


 

129

 

Bati com um martelo

por horas e horas

em minha

própria cabeça.

Até que, desencanei e,

disse à mim mesmo:

— Afinal,

eu nunca fui

um prego mesmo!.

 


 

130

 

É quando a manhã

despenca lá do alto,

o sol ardendo

no asfalto

e as pessoas

são ligadas

quando se aperta um botão...

É pela manhã que,

escondo-me

atrás da capa.

Em seguida,

transformo-me

num morcego

e, simplesmente,

desapareço

do mapa!.

 


 

131

 

Ficava mascando

um ramo de capim.

No hospício,

todos os domingos

eram assim.

Impregnavam-me

de comprimidos

e diziam-me

que eu não era

Napoleão.

Mas eu nunca

havia dito

que era Napoleão.

Se eu não conseguia

ser eu mesmo,

quanto mais,

Napoleão,

meu irmão!.

 


 

132

 

Cinco horas

da manhã

e eu leio

e escrevo.

Mas estou

achando tudo isso

sem nenhuma graça.

A praça vazia,

as ruas vazias,

a casa vazia

e eu,

abarrotado

de fantasmas!.

 


 

133

 

Eu estou observando

as pessoas.

Elas estão por ai,

em todos os cantos e,

parecem-me,

aborrecidas,

entristecidas...

Como se caminhassem

para algum lugar

que desconhecem..

Elas sentem medo e,

por isso,

me parecem tão frágeis!

Como se não desejassem

chegar!.

 


 

134

 

Ah, este ócio!

Fóssil de minhas

reminiscências!

Demência entranhando,

engendrando

a alma,

a paciência...

 


 

135

 

Talvez

eu nem desejasse

reter

a primavera

por entre os dedos

escorrida....

E fosse feito

reter o tempo

de uma quimera.

Todo o tempo perdido

que foi,

que é

e era..

..será para mim,

a perdida

primavera.

 


 

136

 

O anarquista

fadado ao enfado,

já não se agita.

Quieto, calado,

espera um dia,

encontrar

a porta da saída.

 


 

137

 

Perdi o prumo,

desatinei.

A minha lira,

cansada,

esquecida,

hoje é como

que nada.

Um conto de fada,

frente a crueza

da vida.

 


 

138

 

Longas estrias

do pensamento torto.

Avenida em desalinho,

desatino no peito

em seu ninho.

Um olho mira

por uma fresta,

o futuro.

A boca afoita,

balbucia desconexas

frases.

Frias frases pelo ar

a afirmarem descuidadas

que o futuro,

não há.

É como se fosse,

nada!.

 


 

139

 

Oh labirinto!

Pura ilusão..

Meu coração aflito,

num ato contrito,

lava as mãos.

A vida continua

lá fora.

 


 

140

 

Um homem ora.

Ora um homem.

De joelhos postos,

postas mãos:

ora

um lobisomem.

 


 

141

 

A língua lambeu

a lâmpada,

engoliu a luz,

iluminando

o corredor.

O “Corpo de Cristo”,

— em hóstia —,

palmilhando

o caminho.

 


 

142

 

Corro contra o tempo

e o tempo não me espera.

O tempo é uma esfera,

rolando pela ribanceira.

Aflito, fatigado,

vejo esvaindo-se-me

a vida.

A vida inteira,

por uma longa

abissal

ribanceira.

 


 

143

 

Dar-te-ia

um rio de poesia,

caso alegrasse

o seu coração.

Mas oh, destino!,

eu poeta,

nada mais vos oferto,

que um profundo rio

de ilusão.

 


 

144

 

Agora todos os dias,

meus sonhos são

caravelas singrando

sob o imensurável azul.

Ao pé da porta

entretido,

ponho-me a observar

o céu.

E quando o sol

se põe,

sobre meus sonhos,

desce um denso véu.

Minh’alma presa

ao batente da porta,

gira lentamente

e faz-se

em branca folha

de papel.

 


 

145

 

Festa no olhar

da bailarina..

Digiro vitaminas

pensando em girassóis..

Giramos, giramos,

em estonteante

velocidade.

Atravessamos

a mesosfera infinita,

o nada...

E, nos tornamos

a nave

ainda por ser

criada.

 


 

146

 

Um cogumelo explodiu

em bilhões de partículas

numa Hiroshima

dentro em mim.

Por uma fração

de segundo,

pensei ser o fim..

Mas era somente,

o início

do fim!.

 


 

147

 

Cavaleiro solitário,

desfio o rosário

de poesia e lamentos.

E parto

pela madrugada

ante o espanto

da amada...

Adeus!

Vou pela mão

do vento,

em busca

de outro nada!.

 


 

148

 

Que bicho mordeu

o coração da menina?

Sou poeta de esquina,

afogado na ilusão!.

Não, não tenho nada.

Ou melhor,

trago essa faca cravada

bem fundo,

no coração.

 


 

149

 

Não posso explicar

a flor,

a dor dessa gente,

a natureza.

Apenas sei que,

apesar de tudo,

há sempre

um raro momento,

em que a vida,

e tudo nela,

parecem-me

contentamento.

 


 

150

 

O sangue rubro da rosa

restou

no rosto roto

dessa réstia

de ilusão.

Fagulhas da paixão,

cultivada pela vida.

Pobre pássaro,

profunda ferida,

jamais sanada.

De repente,

a vida havida,

resumiu-se

em quase nada.

 


 

151

 

Eis - me ante o espelho:

sou um velho ceifeiro

pelos campos ressequidos.

Lá fora,

rompe a aurora.

O outro que me

observa do espelho

que sou agora,

verga-se ao peso

da foice.

E, feito uma criança,

corre a esconder-se.

No espelho,

o que restava

do ceifeiro,

ajoelha-se

e chora.

 


 

152

 

Sobretudo,

percorri os canais

dos esgotos.

Por isso,

trago o peito

macerado, roto.

Contudo,

aprendi a sorrir

para a vida.

Porque ela,

foi tudo

o que me restou

de uma primavera

antiga.

 


 

153

 

Talvez eu vendesse

um poema.

Tenho tantos!.

Um poeminha frágil,

roto, manco,

sem graça....

Certamente,

não faria falta.

Me diz a razão.

Contudo,

o coração

diz que não.

Não se arranca

da alma da gente,

um pedaço

se,

o preço é somente,

ilusão!.

 


 

154

 

A irrealidade

confunde-me

o real

ser

ou estar.

Atiro bolas

vermelhas

azuis

verdes

para o alto.

Talvez as mãos

invisíveis

de algum anjo maluco

as segurem

lá no alto.

Elas nunca voltam!.

 


 

155

 

Não fosse esse mormaço

e esse homem desesperado

frente ao espelho,

eu tiraria o chapéu

e sorrindo,

partiria para outras estações.

Porém,

estou preso.

Desesperadamente preso

e sem chapéu algum.

 


 

156

 

Não tenho o que gritar

porque esvaziei-me.

Troquei pele

e religião.

Troquei de cigarros

e desejos.

Mas nada,

nada me trouxe

a paz

que jamais conheci.

Foi tudo

em vão.

 


 

157

 

Tenho sido

o último ser

de uma Era Glacial.

Sentado frente

a uma Olivetti,

escrevendo para um tempo

que jamais existirá.

Porque aqui

nada acontece.

Por enquanto,

o planeta ainda gira

enquanto sinto-me

um cachorro-quente

mergulhado

em litros de mostarda.

 


 

158

 

O meu medo

é indiferente.

Porque sei

que tudo se finda.

Olho para estas ruas,

a cidade, as pessoas,

e é como se eu,

para o nada,

estivesse olhando.

 


 

159

 

Amanhã,

quando a lua surgir

e lobisomem eu for,

prometo de pés juntos,

fazer-lhe uma serenata

oh meu grande

e (phod...) perdido amor!.

 


 

160

 

Observo-me ao espelho

e sinto aquela estranha sensação

de que me conheço

de algum lugar.

Embora,

muito embora,

eu jamais

tenha a certeza,

se conseguirei

me lembrar.

 


 

161

 

A cidade é moderna

e meu olhar,

tão antigo!.

Há linhas de metrô,

coisas computadorizadas,

linhas telefônicas

e tubulações de gás,

correndo sob meus pés...

Contudo, o meu olhar

continua em bondes

puxados à burros!..

 


 

162

 

Sou eu:

guerreiro imbatível

da melancolia.

Nada como o crepúsculo,

uma cervejinha,

um arrotozinho

(disfarçado)

e uma saudade filhadamãe

de nem sei o que!.

 


 

163

 

Talvez não seja correto

Mas durmo

com um pensamento torto,

meio frágil,

meio roto,

de que amanhã

eu consiga,

finalmente,

meter os pés

nos fundilhos

do destino.

 


 

164

 

Talvez seja tesão..

Talvez seja ilusão..

Somente o tempo dirá

com quantos

calos na mão,

com quantas

espinhas no rosto,

a juventude

escorreu

pelo esgoto.

 


 

165

 

Seu olhar

fora de foco

procura estrelas

pelo céu.

Mas eu sei

que ele encontra-se

mergulhado(bem fundo)

dentro em mim.


166

 

Meu cachorro porralouca

amanheceu de touca.

Bocejou,

rodopiou,

três, quatro vezes,

deitou-se

e dormiu.

E eu não sei porque,

mas acho

que vai chover.

 


 

167

 

Ardendo em febre,

sonhava delirando.

Delirava, sonhando...

Até que você,

abriu a boca

e sorriu.

Abriu a boca

e me engoliu.

Sequer deu-se

ao trabalho

da mastigação.

 


 

168

 

Não sei se sei

o que sou.

Não sei se sei

o que não sou.

Só sei que não

sei..

 


 

169

 

Amanheceram:

o relógio,

o gato,

o rato.

As ruas

amanheceram

os seres

e eu ria

feito louco

num sonho

em que havia

amanhecido.

Alguém me chamou

e disse-me:

— Está na hora

de ir para a cama.

Mas eu estava

tão cansado;

mas tão cansado,

que nem lembrei-me

do pijama.

 


 

170

 

Assassino cruel,

— crudelíssimo —,

recorto fotos

de velhas revistas:

artistas a prestação.

Observo-as

e pergunto-lhes

coisas...

Idiotas!.

São todas

umas sonsas e,

ainda por cima,

mudas.

Então,

as faço em picadinhos.

Oh, como eu sou mau!.

Mas um dia

ainda fujo

desse hospício

e vou de trem de ferro

para a capital.

Lá sim,

tem muita coisa,

legal!.

 


 

171

 

Foi de repente

que olhei para

o meu pirulito.

Que coisa!..

Pensei.

Esse é o meu

pinto!.

Chacoalhei

e guardei.

Tem hora,

que pinto,

é somente

uma coisa

engraçada.

Mais nada.

 


 

172

 

De forma que,

desperto as

três horas da madrugada.

Silencio!.

Talvez aconteça algo.

Corro para o espelho e,

nada.

Somente uma cara

que penso ser minha.

Que coisa chata.

Cansa, todos os dias

saber que quando

a gente for mirar-se

no espelho,

vai sempre estar lá.

Talvez um dia,

eu olhe no espelho

e veja meu cotovelo.

Ou minha barriga,

ou minhas costas...

Quem sabe,

a bunda insone?

Outro olho

vermelho?!.

 


 

173

 

O rato que roeu

a roupa do rei,

ria e roía

a barriga

da Lili que,

sonhava

com Lalá que,

lambia limão

limpando

com um lenço,

lentamente,

esse lixo

de poema.

 


 

174

 

É um saco

ter que pensar

para poder escrever.

É feito arquitetura:

o concreto, o embasamento,

o cálculo, o prumo...

Mas, que por.. é essa, afinal?!.

Talvez a poesia

seja apenas

um jumento

sentado na praça,

fumando um cigarro

e lendo um jornal?!.

 


 

175

 

Não que eu seja

um depravado

quando digo

que sou tarado.

Mas em meio

ao poema,

e um par de coxas,

há sempre

uma grata inspiração.

 


 

176

 

Meus óculos

fatigados

hoje são relíquias.

Há muito,

estão aposentados.

Às vezes,

penso em comê-los

com sal e limão..

Mas, certamente,

eles ficariam

chateados.

Afinal, nada mais triste,

que um par de óculos

embaçados!.

 


 

177

 

Enquanto as papoulas

e melancias

vicejam

pelo quintal,

Bhagavad Gita

envia-me

um sinal.

 


 

178

 

Eis a colher do

pedreiro

e a tesoura

para tosquiar

a lã.

Sei que devo

optar,

mas,

prefiro

a estrada.

 


 

179

 

Mesmo que eu me quede vencido

e nada,

absolutamente nada,

tenha sido

modificado,

hei que permanecer

calado,

observando os muros

e as nuvens

que deslizam

pelo céu.

 


 

180

 

Pelo sim e pelo não.

Pelo fato de ser

minha sina,

a corda de um velho

violão..

Que aos poucos,

cansada,

vai se desfiando,

é que,

desafino.

Como toda canção

que não passa

de mera ilusão.

 


 

181

 

Leve brisa

do dia chegado...

Adentra pela janela

com seu ar orvalhado.

Quantos anos perdidos,

quantos anos passados!.

O que me resta

senão, lembranças?

Minha história

é um espelho

embaçado.

 


 

182

 

Como era singela

a vilazinha

de mato e terra

da minha infância

adormecida em Barretos!

Era um amanhecer

mais belo;

era um pôr de sol

mais terno..

e tudo possuía

um jeito doce

como se nem

esta vida besta

fosse!.

 


 

183

 

O rosto pálido,

orvalhado

da manhã despontada,

toca-me

com seus lábios.

É um beijo

molhado.

Certamente,

dalgum anjo alado

que teima

em sobreviver!.

 


 

184

 

O sol ainda

não despertou.

Nenhum passarinho

cantou.

Nenhum galo

anunciou o amanhecer.

Não ouço panelas

ao fogo;

animais no pasto,

cães em algazarra..

Tudo é silêncio.

Um silêncio absurdo

acontecendo em velha

cidade.

Ai que saudade!

Quando os primeiros

ruídos

se fizerem ouvir..

Desejaria não estar aqui!

Mas há muitos,

muitos anos atrás..

Naqueles anos

que sei,

não voltarão jamais!..

 


 

185

 

Melancolia!

É isso o que

a alma sente

quando está

doente

e pensa ser

o que já

não é!.

 


 

186

 

Penso no domingo

como quem abre uma

lata de sardinha.

E, no espanto,

descobre

nada haver

dentro dela.

É feito

uma longa

rua deserta,

esta lata

aberta.

É feito

um domingo vazio,

uma vida

sem desafios!.

 


 

187

 

Pelas noites antigas

horas sombrias

deslizavam morosas.

Eram horas

de medo,

eram horas

de prosa.

Os velhos fiavam

histórias infindas

de fantasmas,

lobisomens,

vampiros,

mulas sem cabeças...

E nós, crianças,

tremendo de medo,

nem sabíamos que,

tudo, aos poucos,

com a própria idade

iria se desfazendo.

Hoje sabemos:

restou apenas

saudade!.

 


 

188

 

É domingo na rua,

no vizinho, na praça.

Sei que é

porque é tudo

silencioso

e sem graça.

Feito despertar

e nem ter nada

o que fazer.

 


 

189

 

Perdi o trem

que se arrastava

molemente

pelos trilhos.

Perdi o trem

e nem percebi que,

tudo o que

havia por ser vivido,

ainda nem vivi.

 


 

190

 

Feito a rua

que vai.

Feito a rua

que vem...

Assim é toda

a vida,

assim sou eu,

também.

 


 

191

 

Passei a madrugada

a tosquiar carneiros

num campo inexistente.

Quando despertei,

dei-me por contente

por ter sido somente

um sonho.

É que fazia

muito frio

para carneiros

passearem

sem seus casacos.

 


 

192

 

Onde se escondeu

a lua que boiava

lá no alto,

atrás da casa?

Onde se escondeu

a casa que ficava

na lembrança?

Perdi tanta coisa

ao longo dessa estrada!.

Inclusive,

a própria estrada que,

às vezes,

me leva

de volta

à infância!.

 


 

193

 

Envelheci.

Não feito um bom vinho.

Apenas envelheci

e mais nada.

Feito

um carro de bois,

que sem uso,

fica atirado

a um canto

da estrada.

 


 

194

 

Ali, junto à porteira,

havia uma velha paineira

e dois profundos sulcos

que as rodas

de um velho

carro de bois deixou:

quando partiu

da minha vida

e nunca mais voltou!.

 


 

195

 

Corre tempo, corre!.

Avança veloz,

feito guerreiro atroz.

Vai, não espera por mim!

Deixa-me em paz

que minha colheita

nunca vai

ter fim.

 


 

196

 

Sinto-me um tapete

enrolado

enfarado,

a um canto atirado.

E sabendo-me

já sem alguma serventia,

conformo-me

em dar abrigo

às traças

e ao pó.

Assim,

certamente,

já não me sentirei

tão só.

 


 

197

 

Na linha do pensamento,

por um momento,

desenho um ponto.

Um ponto que talvez seja

um sentimento

a entortar a retidão

e a frialdade

dessa linha

sem idade.

 


 

198

 

Vai-te tristeza!

Rola pela ribanceira

e adormece

para sempre.

Vai-te e me deixa

no pouco que me resta,

ser ao menos contente.

 


 

199

 

Talvez fosse o início,

quem sabe, o fim?

Ou o início do fim?

Já não importa

quando sinto

que há um vazio

que nem sei o que seja

habitando dentro

em mim!.

 


 

200

 

Ficava zanzando

pela casa, insone.

Lá fora,

o jardim,

o portão batendo...

Alguns velhos amigos,

fantasmas antigos,

arrastavam correntes

atrás de mim.

Então eu coava

um café,

fumava

e olhava as estrelas:

rebanho do Senhor

reluzindo lá no céu...

Dava uma melancolia

naquela melancolia

já engendrada,

já posta!

Punha-me

a escrever

para espantar

a inarredável solidão.

Poderia mesmo,

gritar.

Mas, continuaria

a ouvir

as batidas

do meu coração..

Sem fundo,

sem fim..

Maior que a casa,

do tamanho do mundo,

meu coração

vagabundo..

Tão imenso,

tão imenso..

Feito um pirilampo

pisca - piscando

em meio às rosas

lá fora,

no jardim...

 


 

O INÍCIO DO FIM
(Parte Três)

 

201

 

Olhava para uma pedra

e pensava:

Eu sou aquela pedra.

Estou naquele pássaro.

Nas mãos do operário.

No riso do palhaço.

Na inspiração do poeta.

Na solidão da menina.

No calor dos corpos...

E, quando fatigado,

olhava para uma pedra,

pensava:

— Eu sou aquela pedra!.

 


 

202

 

Com o correr dos anos,

descobri que tudo na vida

(na vida da gente),

se repetia.

Então,

passei a pensar

na morte.

 


 

203

 

Valsa na tarde

a bailarina.

Leve, livre

e lúcida.

Valsa embalde,

o peito deserto

no turvo olhar

de sua ilusão.

Valsa e sonha,

amiúde encanto

e,

para seu próprio espanto,

vai girando

no ar.

Gira, gira e gira..

Pobre fada fadada..

Pois, por mais que brilhes,

ninguém há que ver nada!.

 


 

204

 

Palavras asas

ruflando pelo ar.

Espirais elevando-se

para o infinito do infinito.

Grito, verbo incontido;

aflito clamor em chamas..

Ardendo, pelo fátuo fogo

de um amor quase louco que,

aos poucos, um dia,

findou.

Primavera esmaecendo

lenta, morrendo,

no estertor da poesia.

Cavaleiro enfarado,

sem destino, pelos prados,

a buscar a donzela

entre sonhos, quimera,

sem jamais a encontrar.

E assim, quando finda a jornada,

descobre que seu tudo é tão nada!

Feito as palavras que perdidas,

ele, infante abatido,

(como quando o vento carrega um pensamento),

percebe que o tempo,

o tempo passou e levou sua vida.

Então, fatigado,

à sombra de um outeiro,

a cismar, refaz o mundo inteiro,

como que a rebuscar pela memória,

ele mesmo, outro alguém que fora outrora.

E a sonhar, percebe, num repente,

que ao longe, embriagado pelo poente,

o vasto e fértil campo, flora.

Vem então,

um pássaro em seu ombro pousar.

De seus lábios,

“Boas Novas”

fazem-se brotar..

Como quem fia uma prece.

No peito, o coração se agiganta,

cresce e,

explode em festa

a esperança

que um dia,

pelo caminho, havia perdido.

Somente então, o infante descobre

que uma parte de seu ser

teve que, necessariamente,

morrer.

Feito o morrer de uma primavera

para outra,

certamente,

nascer.

Assim,

qual o apagar de uma estrela,

para outra, mais bela, reluzente, brilhar.

Assim são os sonhos, as estações,

as primaveras..

Assim são, porque assim têm que ser:

como tudo o que nasce e morre

e renasce para tornar outra vez

a perecer.

Naturalmente:

como as coisas acontecem

quando elas necessitam

acontecer!...

 


 

205

 

Oh Deus da melancolia

em poça estagnada em min’alma!

Oh Deus dos insetos

e palavras e avencas!

Permaneço absurdamente desperto

frente à tumba de meus sonhos.

Há um vazio profundo

em tudo o que está cheio.

Mesmo meu coração

por onde criaturas das sombras

esgueiram-se..

..mesmo o meu coração..

..é frio, gélido cativeiro.

Sentimentos absurdos,

entoando ladainhas,

feito velhas carpideiras.

Oh Deus de minha insônia!.

Sou um beco sem saída

e, os loucos e dementes,

há muito,

perderam-se.

Lençóis espalhafatosos

sobrevoam minha tumba;

a menina sorria contente,

impregnada de cio e sal..

Feito o caos contido

na barra do dia, do vestido.

Oh Deus desse agônico esperar:

o que hei, obrigatoriamente, sentido?

Algo ou coisas que, nunca sei decifrar..

Desejos envelhecidos,

mumificadas ilusões!.

Coisas tolas, sem razão..

Onde buscar sentido

em tudo o que não há?

Onde fica, Senhor, a saída?

Por onde fugir,

sem não mais ter que voltar?

Eis que desperto

e já não sei quem sou.

Porque tenho sido

tudo o que não tenho querido.

E o que hei desejado,

jamais hei conseguido.

Por tudo, trago esse enfado:

esboço da criatura de teu sopro,

em desenho,

rascunho

mal delineado!.

 


 

206

 

Contava carneiros

num sonho antigo.

Um anjo amigo,

veio me acordar:

— Desperta, pastor!,

não percebes

que teu rebanho

precisa descansar? —.

Saltei da cama,

vesti-me de tédio

e que remédio havia

senão,

ir trabalhar?

Já era dia!.

 


 

207

 

Como que

um velho templo ruído,

pelo tempo carcomido,

sinto-me deteriorado.

É essa vida..

..esse fardo,

abarrotado

de esperanças

e enfado!.

 


 

208

 

Sou feito

uma primavera.

daquelas que se sonha,

e põe-se à espera.

Mas frágil,

enfrento o verão;

padeço o outono,

e pereço no inverno.

Sou feito

uma primavera:

daquelas que,

para tantos,

jamais irá

existir!.

 


 

209

 

Quando as horas

sombrias

derramam-se

negras

sobre o porão,

sinto pulsar

o coração.

É como se eu fosse

das trevas,

esse vampiro

beberrão.

Que desperta

e sai pela madrugada

em busca de outro

coração.

 


 

210

 

Fatigado bocejo

frente ao despertador.

Noites em claro,

no sarro do cigarro

a teclar uma Olivetti..

Será assim

até o derradeiro poema.

Que,

provavelmente,

quedará infindo.

E, pela metade,

sem ter qualquer maldade,

sussurrará, entredentes:

— Vai-te, bandido!.

E eu partirei sorrindo

sem sequer

ter para onde ir!.

 


 

211

 

Velho violão,

não me olhes!.

Sois marujo,

sou capitão!

Com o tempo verás

que, tenho razão.

Soam-te as cordas

por acaso,

se não dou-te

os dedos das mãos?

Então?

Essa é a lição:

sem eu,

sois nada.

Sem vós,

sou um mar

sem navio.

Navio

sem capitão!.

 


 

212

 

Vinha a loucura

mansamente

adentrando o meu olhar.

Por isso,

sempre estive

feito uma estátua:

petrificado,

observando

o que nem há!.

 


 

213

 

Corro,

esbato-me,

afoito,

desesperado!.

Caio, rolo,

e, por um segundo,

pareço parado.

Mas, aqui vou eu:

rolando pela ribanceira.

Afinal,

tem sido assim,

a vida inteira!.

 


 

214

 

Ave noturna

rasgando o espaço...

Denso véu

nas retinas..

Retinem címbalos

no embalo

da loucura prometida,

premeditada..

Penso ser

qualquer deus grego..

Contudo,

hoje sei

que além da loucura,

resta-me a confusa sensação

de ouvir címbalos

e me transformar

em morcego...

 


 

215

 

Querem raspar

minha barba,

aparar meus cabelos,

cortar minhas unhas,

trocar meus sapatos..

Ora, senhoras!..

Ora, senhores!...

Deixem-me em paz!

Não é muito.

Quase nada.

Quanto à mim,

parece-me que

o que ao ser

mais apetece,

é ser doentio

e, sobretudo,

vil.

(Pontequepartiu!)

 


 

216

 

Eis - me aqui:

tarado mergulhado

no café da manhã.

Cigarro consumido

no prazer do beijo

fatal, letal, anormal.

Rompo estruturas

e traço no mapa

o oásis inexistente

de um poeta demente.

Anfetaminas, não há!

Aciono o teclado

de meus sentimentos

e programo o próximo orgasmo.

Sem ereção.

Lago morno

da insossa ejaculação.

Memória computadorizada

na simplicidade do despertar.

Procuro pelos chinelos,

cabelos em desalinho,

azia da cerveja consumida,

vida besta, besta vida..

Ligo o rádio: FM boçal

e nu, observo o flácido tecido

abaixo do umbigo.

Forço a bexiga e me alivio:

penso que ainda sou normal.

 


 

217

 

As roupas esvoaçam nos varais,

quintais de minhas fantasias.

Alegrias abafadas — sufocando —,

na lâmina da espada:

o corte nefando.

A vida é uma estrada

que vai sem voltar.

Pela qual se caminha sempre,

para nenhum lugar.

É ridículo, contudo, real:

há poesia no vazio,

há poesia no varal.

No varal onde minha alma

afogada, seca ao sol.

Amarrotada, torcida,

a respingar no chão de terra,

minha alma engomada,

apenas sorri,

não diz nada.

Espera, aguarda,

o dia em que uma fada

a transforme

numa abóbora..

Por enquanto,

apenas se contenta

em ser humilde

poesia!.

 


 

218

 

Amanhecer:

lento, agônico..

Talvez à medo,

num segredo

da noite com o dia.

Os meninos das trevas,

vampiros iguais a eu..

...ateus juramentados,

fiam preces a outro Deus.

Um Deus concebido

à nossa dor e ilusão.

Desperto para o café na caneca,

o cigarro de palha, o pão.

E, unidos, amanhecemos

nessa eterna comunhão.

Esquecidos da fúria das ruas

no “Pac Man” eletrônico

de nossa tediosa diversão.

Olheiras da velha insônia

circundam-nos: cansaço.

Desfazemo-nos da capa,

dos caninos afiados,

dos velhos sonhos alados

e já não somos invisíveis.

Um ranço gosto do sangue

sugado em gelo e cuba;

em gin e rumba

retumba sobre a cripta

de nossa sede insaciável.

Ah cruel destino

em voltarmos ao normal!

Agitados, nos “engravatamos”,

meninos cruéis, lobos

em cordeiros disfarçados..

E saímos para a lida

de saco cheio dessa vida.

Sorrimos polidos, cordatos;

apertando o calo, o sapato.

Corremos para a coleta

diária do velho aborrecimento.

Lua, estrelas, silêncio,

néon, lampiões, não há!

Piranhas de becos escuros,

malandros de botecos,

fumegantes mijadas em postes,

e, sobretudo, o jeito de poesia.

Os primeiros raios de um sol límpido,

dourado, banham ruas,

casas, autos, fábricas..

Ao primeiro contato

com o cimento das calçadas,

mecânicos cumprimentos,

bocejos, mau-humor, tédio,

apatia, desilusões...

Nessa hora agônica,

andróides futuristas

cravam

(Feito nas velhas revistas),

estacas afiadas

em nossos pulsantes

corações!.

 


 

219

 

Choveu, choveu...

A enxurrada veio, cresceu,

e, arrastou a minha amada

para algum bueiro.

Ah, que solidão,

meu São João!.

 


 

220

 

Cabeça de bagre

em relevo na paisagem,

sempre levando vantagem

em detrimento da razão.

Eu disse, ai!

E estava esse vai-não-vai,

e esse hen-hen-hen,

como que um pararatibum!.

(E vivam as cabeças-de-bagres

do meu Brasil!).

Eles ficam ricos,

eles governam,

eles faturam

estão no Poder..

Que coisa mais estúpida:

o povão trabalha

e eles é que ficam ricos..

Qual dos dois é mais burro?

Qual dos dois é mais toupeira?

Qual dos dois é pior para ser tragado?

Eu não sei, não dá para analisar:

se alface não tem Q.I.,

se ostra não tem Q.I....

E eu queria ir para o exílio.

Eu queria era sumir daqui!.

E viva o Brasil varonil!.

O maior produtor

de cabeças-de-bagres

que já conheci!.

 


 

221

 

Tudo ilusão!

Tudo sonho!.

Nada de novo,

tudo tão velho,

quanto a velha dor.

Tudo caminha

ao largo do tempo,

e vai

e passa

e a eternidade

se reduz

a um simples momento:

ou chama-se dor,

ou

esquecimento!...

 


 

222

 

Foi quando num repente

descobri o seu olhar.

Em meio ao jantar,

alface, cogumelos,

e, talvez, poesia!..

Deus!,

livrai-me

do peso da azia,

deste sonho assim

tão louco!.

Foi quando de repente,

saltaste para o prato

e me perguntaste algo.

E eu me vi tão rouco,

sem ter o que falar.

 


 

223

 

Que madrugada bela!.

Singela, gostosa!.

Abro a janela

e olho para o céu.

Todo prosa, todo eu!

Então declamo

um verso de Pessoa.

Depois...

.. depois fecho a janela,

mexo no...

e fico rindo à toa!.

 


 

224

 

Primeiro minha cabeça

caiu:

rolou pela escada

e espatifou-se em mil

cacos.

Segundo,

nem bem amanhecia

o dia vindo,

percebi o quanto era bom,

o quanto era lindo

não ter cabeça alguma

para poder pensar.

Terceiro,

passei a viver,

eternamente

no ar!.

 


 

225

 

Quero voltar pra Barretos

e me enterrar no quintal

da casa onde morei.

“Vila Pereira”,

na infância, era tanta poeira que,

quando choro,

vira reboco

para enterrar a saudade

e as lembranças

que nunca deixei.

 


 

226

 

Quero enlouquecer de vez

e breve.

Leve feito um passarinho,

sair cantando baixinho

como quem fala à ninguém.

E de repente,

sem que percebam,

alçar vôo mansinho,

ir-me sumindo,

sumindo,

até para lá do infinito

e nunca mais

ter que voltar.

 


 

227

 

Envelheço:

mero papel encardido.

Ali, num canto,

esquecido.

Com um poema de éter

e asas

que nunca,

jamais,

escrevi.

 


 

228

 

Vinha trotando

na madrugada,

ao longe, uma boiada,

por um abandonado

estradão.

Uma boiada de sonhos,

que vim pela vida

“aboiando”,

até chegar à porteira

que põe fim à toda ilusão.

Porteira roída, trancada,

que fica em meu

coração!

 


 

229

 

Quando eu morrer,

quero um chorinho manhoso,

bem lento,

bem preguiçoso,

tocado em serenata

ao luar.

Um violão, bandolim;

uma flauta, um violino

e uns três ou quatro boêmios

cantando sobre minha tumba,

até o dia chegar!.

 


 

230

 

Ah, foste tu,

oh primavera!?

Sonhava-te eterna

e quando te vi findar,

fiquei quieto, calado,

olhando a vida

passar!.

 


 

231

 

Porquê hei de sofrer

se hei sofrido o viver,

quando chegar

a hora

de ir-me embora,

morrer?!.

Que pare o coração

num repente,

em que eu,

quase contente,

não tenha nada mais

a dizer!.

 


 

232

 

Um momento!.

Não me despertem agora

que sonho vir vindo

a aurora

de um tempo jamais existido,

em que a humanidade

aprendeu a amar!.

 


 

233

 

A chave que abre a porta

para todos os Mundos:

possíveis e impossíveis..

Mundos de Eras distantes.

Mundos sem tempo ou espaço.

Mundos do sim e do não.

Mundos onde à poucos

(raríssimos),

é dado um dia chegar.

Eu trago a chave de todos

em uma única chave.

Quando chegada a hora,

ela estará

em algum lugar:

meu olhar fitando todos os mundos.

Então hei de partir.

Abrirei todas as portas

e adentrarei em cada um

de todos os mundos.

E a Eternidade

abrirá os seus braços

para um filho que retorna.

Porque dela eu vim,

estou e estarei,

sempre,

dentro e fora.

 


 

234

 

Todas as angústias

acercam-se de seu ser.

Na singeleza da madrugada

como que a um parto natural,

sei que a vida termina.

Olho para o meu corpo

e tudo o que vejo

é uma mochila

aos poucos,

sendo esvaziada.

Mais nada.

Apenas que,

chegada a hora,

será necessário partir.

 


 

235

 

Como que num sonho

em que eu te via,

apesar da distância,

estamos ligados

um ao outro,

por nossas missões

e promessas.

Portanto,

quando desperto,

e me vem a lembrança,

sei que o tempo inexiste,

e que,

esta vida,

é mera quimera!.

 


 

236

 

Todas as madrugadas

o relógio acentua

a quarta hora.

Quatro da manhã,

tarefa a cumprir:

caneta, papel,

as mãos já cansadas,

obedecendo

o que vem de muito,

muito distante...

De um tempo e lugar

em que

nunca existi!.

 


 

237

 

Sou eu quem

se encontra

atrás daquela porta.

Este que,

caminha pelo corredor,

não passa

de uma sombra:

vazia e morta.

 


 

238

 

Do lado de fora

de quem sou,

observo-me dentro,

amiúde.

E ainda que,

largo e profundo;

sem início e sem fim,

sinto pena do que

tenho que ter sido

para poder

desvincilhar-me

de vidas e tempos idos.

 


 

239

 

Sinto-me pela testa.

Qual o olhar

por uma fresta,

o imensurável.

E por isso,

sei que tudo aqui

é pequeno

e tão nada!.

Recolho-me,

qual um bichinho

em seu casulo

e retorno à jornada.

 


 

240

 

Tusso a fumaça

que grassa

pelos ares.

Feito uma planta

que agoniza

sem poder respirar.

Assim extinguir-me-ei.

Assim, extinguir-te-ás!.

 


 

241

 

O que hei sentido

a fazer-me comovido?

Ora, não importa!

Mas o que hei

querido dizer

sem que possas ouvir-me

ou, ouvindo-me,

não consegues

entender?!.

Eis o que me põe ferido!.

Não por eu haver

perdido o meu tempo.

O tempo é um vazio.

Mas porque,

sem que percebas,

o vazio

evola

de teu ser..

 


 

242

 

Enquanto as forças

extinguem-se

em meu ser...

E, cada vez menos,

sou do que vês,

sinto-me mais o que sou

e nem sei como explicar-te.

Posto que,

não compreenderias

o que

não podes ver.

 


 

243

 

Eu sou o mago da solidão.

Toda a Alquimia,

trago-a em velhos papiros,

trancados nalgum cofre

do que fui,

sou e serei

em outra dimensão.

Tentar desvincilhar-me

do que vim

para cumprir,

é pura ilusão!.

 


 

244

 

Em seguida,

abrirei a janela

e a fumar

observarei a noite

perecer.

O sol brotará

tímido,

um galo cantará

um momento.

Por um momento,

roubará da aurora

lá fora,

um raio de sol.

E, findo o cigarro,

voltarei a ser

somente um homem,

debruçado em sua

janela.

 


 

245

 

Corre veloz,

corcel do tempo

que a vida nos empresta!

Rompe as barreiras

da razão

e da sanidade

e vai conhecer

outros campos,

outros prados.

Estes,

ora, são todos,

em vão.

 


 

246

 

Não um Deus concebido,

criado e comedido.

Mas sim,

quem sabe,

UM

sopro inconcebível

para nossos sentidos?!...

 


 

247

 

No dorso do vento,

viajava no início

de todos os mundos...

Feiticeiro das palavras,

que vem para a

Terra

sem o Dom

da comunicação...

Segredo selado,

lacrado,

na Eternidade

de um porão!.

 


 

248

 

O poeta místico

das madrugadas,

mergulhado

em busca da essência

do vazio,

do nada.

Como se de tão distante

raciocínio

viesse a explicação:

o início de tudo,

o fim da ilusão!.

 


 

249

 

Num dia assim,

amanhecendo..

Ora, digam que saí!.

Ou melhor,

que jamais,

estive ou serei,

aquele que sempre

se tem visto

aqui.

 


 

250

 

Era uma caixa de fósforos.

E um homem chamado Noé,

transformou-a numa Arca.

Uma arca

que passou a girar

em torno da Terra.

Por muito,

muito tempo,

os habitantes

deste planeta

tentavam explicar

o estranho fato

de uma simples

caixa de fósforos,

poder pelo Cosmo,

girar.

E, concluíram:

“Um objeto não identificado”;

“Um novo planeta a se formar”.

Noé coçava um dedo do pé,

cofiava suas longas barbas e ria.

Ria e pensava consigo:

“Há certas coisas,

sobre as quais

ainda não se podem falar!”.

 


 

251

 

Quando tempo for,

direi:

as palavras

eram somente sonhos!.

Mas, não importa!.

Os sonhos findaram,

e um novo tempo

de uma nova Era,

principia.

E todos compreenderão

sem que haja

necessidade

de

uma só palavra.

 


 

252

 

O mar:

imenso,

profundo..

é como que todo,

todo

um outro mundo!.

O mar...

mas, eu nunca vi

o mar!...

 


 

253

 

Que loucura

no poema concebido!

É uma sensação

de paz,

sem fim..

Como quem emprestasse

para um passeio,

as asas

de um querubim!..

 


 

254

 

Poeminha torto,

a dar cambalhotas

e piruetas

no ar!.

Ah, poeminha!.

Porquê chamar a atenção

de um coração

cansado de amar?!.

 


 

255

 

Meus versos já vem prontos,

sempre feitos.

Claro, com seus defeitos.

Mas isso é natural,

qual a minha imperfeição.

Eles sempre me surgem já feitos

e perfeitos.

As imperfeições

e os erros

são meus que,

nunca os exprimo

direito.

 


 

256

 

Afino minha lira,

anoitece.

Há estrelas e luar.

Necessariamente,

sei que toda a madrugada,

minha alma

seus versos

irá cantar!.

Afino minha lira

e sei que o sonho

é um jeito

de amar!.

 


 

257

 

A frase louca

enroscada no céu da boca

era um beijo guardado.

Tanto tempo, tanto tempo,

que acabou constelação,

um sonho que se sonha

acordado.

 


 

258

 

Há um rato, um gato,

um “dog”,

rosnando,

chiando,

guinchando,

miando,

em meus pulmões.

Merda!.

E eu que,

nem tenho mais

pulmões!..

Porquê haveria

de preocupar-me

com a fauna

ou a flora?

Danem-se!.

 


 

259

 

Não sou poeta,

senão esteta da ilusão,

nas frases e palavras contidas.

No mais,

o resto,

é só coração.

A poesia,

ela

é toda a vida!.

 


 

260

 

A minha subjetiva esperança,

na espera eterna,

a fiar tranças nos cabelos das Eras,

numa rede de nuvens

balança,

sonha

e,

já era!.

 


 

261

 

Na hemoptise da madrugada,

teço versos

para a amada!

Ah como é romanticozinho

sofrer!.

Chega a dar-me

vontade de rir.

De rir e tossir,

até morrer!.

 


 

262

 

Febril e indiferente.

Talvez pareça demência

estar-se contente quando,

sabendo-me doente,

nem importo-me

em cantar ou morrer.

Componho um bolerinho

patético, sem graça,

e,

no violão,

fico tocando

uma valsa.

A única

que aprendi.

 


 

263

 

Correndo, correndo,

pelo longo corredor

de uma triste enfermaria,

na balbúrdia dos heróis,

arde-me uma agulha

e injetam-me

uma adrenalina.

Besteira!.

O oxigênio pode

não chegar ao cérebro.

Mas quem disse

que a medicina

entende de poesia?!

Perguntem a Noel Rosa,

se numa hora tão poética,

pararia

meu coração?!.

 


 

264

 

Foi quando morri.

De repente,

aparentemente,

sem uma única razão.

E os irmãozinhos

me chamando:

“Venha em nome de Jesus,

nós o guiaremos para a luz!”.

Pensei bem e concluí:

— Eu, hein!. De catequese,

como bom ameríndio,

já estou

por aqui!.

 


 

265

 

Eu moro numa casa

que adquiri à prestação.

São somente 25 anos

para pagar.

Como penso que

terei morrido até lá,

porque hei de me preocupar?.

Afora a pracinha

— aqui bem em frente —,

o resto que se dane!.

Casa de COHAB

é feito salgadinho

de bar de rodoviária..

Dá a impressão

de que a gente vai ficar

o resto da vida pagando

por um ato impensado.

 


 

266

 

Domingo, frio,

muito...

Toco fogo

na casa

e faço

uma bela fogueira

para esquentar

os pés e as mãos.

Hoje não tem macarronada.

Nem programinha

de televisão.

 


 

267

 

Amanheceu.

Desperto mais um dia.

Dormi feito uma pedra,

um santo, um tonto,

e nem vi a vida passar.

Não leio jornal

porque passo mal.

O que posso fazer, afinal?.

Daqui a pouco,

baixa um tédio danado

e, como que cansado,

vou dormir outra vez.

 


 

268

 

Foi quando

amanheceu o dia

que percebi

que minha vida

estava vazia.

Tão vazia

que me atirei pela janela

pensando ser

poesia.

 


 

269

 

Compus um Rock desengonçado,

primitivo, atabalhoado..

Um rock mal acabado,

indiferente, desenformado.

Batizei-o de “Rock Pirado”

e nunca mais

toquei no assunto.

Como a banda

era eu e eu e eu

e ninguém nela se entendia,

achei melhor

abandonar a carreira.

Hoje, vendo ovos,

na feira.

 


 

270

 

Que bela manhã!.

Assaz bela que,

me compraz

pensar que posso até morrer.

E, talvez,

deixar um bilhete

com uma única frase:

— Que se dane quem não entender!.

 


 

271

 

Sinto-me em segurança

e prevejo o futuro,

consultando os meus guias

e minha &lquo;Oui —Já”.

O que me dizem?.

Ora, que nada sabem e,

é melhor deixar

prá lá.

 


 

272

 

As moscas foram chegando.

Sorrateiras, zumbindo,

pousando, voando,

tornando a pousar..

Até que, uma passou

a passear

pelo nariz do morto.

De lá pra cá,

daqui para lá...

— Cataplá!...

Foi um tapão

que o morto deu.

Ninguém viu,

ninguém percebeu,

em meio ao festival

de piadas

e risinhos contidos

na sala mortuária

de odores impregnada.

 


 

273

 

No compasso da vida,

sou somente uma semifusa

mal dividida.

Fora de tempo,

fora de compasso,

fora de lugar.

Um acidente na nota

que escorreu pela pauta.

Um “atchim”

no solfejar.

 


 

274

 

Meu poemeto impresso

ficou tão estranho...

..mal delineado.

Coitado,

uma cara de aloprado

em meio à execução

de uma mazurca.

Quem lia, ria.

Ria...Mas,

nada havia

de engraçado.

 


 

275

 

“Com que roupa?..”.

Como diria Noel.

Farmácia, supermercado,

quitanda, boteco da esquina,

impostos, água, luz...

Com isso, vou costurando,

evitando passar em frente.

Devo, bem sei.

Mas, meu salário,

não vai dar para pagar.

Se eu fosse Noel,

faria uma marchinha,

um samba, talvez...

Mas ando mais

pra Valdik Soriano

e faço logo um bolerão

tipo:

“Eu não sou cachorro, não...”.

 


 

276

 

Olha a poesia Moisés!.

Olha a poesia, D. Maria.

Por metro, por peso,

por rima, disquete, ou dúzia!.

Tragam a bacia!.

Poesia sob encomenda:

para apaixonados,

embriagados, suicidas,

gagos, doentios,

enganados, mal-amados!..

Promoção:

Pague uma e leve duas.

Aproveitem esta oportunidade!.

Aceitamos cheques pré-datados,

cartões de créditos, promissórias..

E, em última instância,

até título protestado.

Está para acabar.

Corram, venham buscar!.

Aproveitem este resto

de inspiração

de um pobre poeta

liso,leso e louco que,

meio filho da outra,

já virou um vendilhão!.

 


 

277

 

Oh, meu Deus!

Como é lindo o amanhecer,

o sol raiando ao nascente,

pássaros chilrando, vozes,

tossidas, carros acelerados,

gente apressada, fumaça,

pregões, bons-dias, olhos inchados...

Ah, meu Deus,

como é lindo o dia!.

E raios partam

à todos lá fora,

se o que aqui afirmo,

é tão somente,

ironia!.

 


 

278

 

Café na caneca de alumínio,

ruídos no batedouro,

no chiqueiro, galinheiro,

no curral...

Vô, vó, mãe, pai,

irmãos...

O dia mal amanhecia,

selava meu corcel imaginário

atrasado pelo horário,

saía galopando pela estrada.

No alforje, os cadernos,

os sonhos, e aquela preguiça

danada!.

Em meio ao caminho,

imaginava a escola destruída

pelos “Peles Vermelhas”...

E, já que nada havia restado,

o que mais poderia fazer senão,

esquecer a aritmética

e ir andar pelo mato;

jogar bola, nadar e viver?!.

Ou acham que eu iria

arriscar meu escalpo e,

por tão pouco,

morrer?!.

 


 

279

 

À medida que o tempo passa,

e, aos poucos,

vou envelhecendo,

aprendo que tudo

foi somente

a mais pura ilusão.

Peguei carona

para o lado errado

da estrada.

E vaguei toda a vida

pela contra-mão.

Mas não me importo muito.

Afinal,

tudo nessa vida,

tem lá,

sua razão!.

 


 

280

 

O poço era fundo, fundo...

Ia dar lá no Japão..

Entrando pela terra

do quintal lá de casa

e atravessando o mundo...

Por isso é que,

demorava tanto para

(puxando o balde cheio pelo sarilho),

a água chegar

até a borda do poço.

 


 

281

 

Tiziu!, Tiziu!..

Passarinho mais besta!.

Pulava para cima,

gritava “Tiziu!”,

e agachava.

(Mangando da gente...).

Eu ia ficar perdendo meu tempo

com um bicho daqueles?.

A gente atirava uma pedra e ele:

— Tiziu!.

A gente errava.

Ele agachava e, claro,

se escangalhava de rir

da cara da gente!.

 


 

282

 

Eu pensava

que tivesse nascido

“Lelé”

(Arantes)

da cuca.

Que nada!.

Foi uma tamancada

que levei

no meio do “coco”.

Fez um som oco.

De lá para cá,

passaram a dizer

que eu não tinha nada

na cabeça.

Sempre chamaram-me

“cabeça de vento”.

E caíam em contradição.

Se eu não tivesse algo na cabeça,

como diziam ter vento?.

Então descobri que eles,

eles sim,

eram lelés!..

 


 

283

 

Drummond dizia que,

“no meio do caminho

havia uma pedra”...

Que sorte a dele!.

Eu, desde que,

comecei a caminhar,

por toda a extensão do caminho,

somente tenho encontrado,

porcaria para pisar!.

 


 

284

 

Se a vida fosse piada,

eu estaria sempre

a dar risada.

Porém,

a vida é tão séria,

mas tão séria que,

às vezes,

acho que vou morrer.

E,

depois de bem morto,

rir a não mais poder!.

 


 

285

 

Há dias em que penso:

que tédio, que preguiça,

que aborrecimento!.

Somente tomando

um porre mesmo,

para curar-me dessa apatia.

Após o porre tomado,

penso numa nova sessão:

outro porre!.

Esse, para curar,

a depressão

do outro.

O já tragado.

 


 

286

 

Matei minha amada

afogada na pia.

A pia entupiu.

Somente um século depois,

foi que a polícia

descobriu.

E me prendeu.

E condenou-me

a justiça,

por eu ter entupido

a pia da cozinha,

quando eu poderia,

ter usado

o lavatório do banheiro

ou o vaso

com descarga hidro.

Automaticamente

defendi-me alegando

insanidade mental.

Pois como, insano,

jamais teria tido

a capacidade,

(a imaginação),

para arquitetar

tão perfeito plano.

Com isso,

reduziram a pena

para somente

400 anos.

Com alívio pensei:

ainda bem que fui astuto!.

Fui,

caso contrário,

estaria ferrado.

E fui tranqüilo

para a cadeira elétrica,

morrer torrado!.

Também, foda-se!.

Não sou eu

quem vai pagar

a energia.

E outra,

pelo menos,

agora não preciso mais

ficar tentando

desentupir

aquela droga

de pia.

Eu sabia

que tudo iria

findar bem.

Eu sabia!....

 


 

287

 

Poeta,

embriagado pela vida,

não tenho encontrado

a saída

para tanta agonia!.

A minha ilusão

não pode salvar o planeta.

Sequer,

ajoelhar-se

pela humanidade.

 


 

288

 

Vejo a lua

e as estrelas

boiando no céu.

Penso na vida,

no destino das gentes,

e sei:

meu coração

é tão somente

um menino...

Frágil, inseguro,

com este medo terrível

do futuro.

 


 

289

 

As pessoas entranhadas.

Guardadas em si mesmas:

egoísmo, orgulho, ilusão!.

A disputa, a guerra,

a violência..

Penso nos cães das ruas,

os abandonados

e,

não consigo entender

tanta loucura..

Os homens

ainda não perceberam,

o que estão fazendo

de si próprios...

e...de todo o resto!.

 


 

290

 

A vida é breve.

Feito um segundo.

Ainda assim,

aprendi a não ter pressa.

E, mesmo que eu queira,

não posso,

(aleatória\mente)

abraçar o mundo.

Então,

porquê não viver

o meu segundo?!.

 


 

291

 

Há tanto silêncio

na madrugada que,

às vezes penso,

estar ficando

surdo.

Somente meu coração

bate forte

a dizer-me que não!.

 


 

292

 

Talvez eu não tenha

muito tempo de vida!...

Não sei..

E que importância

há nisso?.

A cada dia vivido,

tenho aprendido

a não importar-me

com o que vem

para passar!.

 


 

293

 

Ah, noite!.

Fiel companheira,

vem derramar

em minh’alma,

o silêncio

e a calma.

Agora sim,

pensar e sonhar,

são um jeito

de amar!.

 


 

294

 

Ah!, mistérios do Infinito!.

Minha pobre imaginação,

é somente

uma frágil planta

com as raízes fincadas

neste chão!...

 


 

295

 

Escondido atrás da capa,

num beco qualquer,

sinto-me

um pobre vampiro solitário que,

às vezes,

perde o horário

e vê o dia

raiar!.

 


 

296

 

Sou um sujeito estranho

a mirar-me num espelho.

Nunca sei

se sou o que está

do lado de dentro,

ou o de fora...

Se sou eu que olho

o do espelho,

ou o do espelho

é quem me olha!.

 


 

297

 

Ainda que meio proscrito,

aflito, sinto pena deles.

Deles que,

tudo o que fazem,

é julgar

o que nunca lhes coube!...

 


 

298

 

Sinto-me aflito

feito um pássaro

nalguma gaiola.

Meu olhar mira

o infinito

e percebo a liberdade...

Minh’alma...

ajoelha-se e chora!.

 


 

299

 

As longas barbas

de um tempo insano,

habitam minhas faces.

Cobrem-nas com um pano.

Um pouco de melancolia,

poesia e solidão.

O mesmo pano

com o qual abriguei

do frio da vida,

o teu pobre coração!.

 


 

300

 

Um céu azul demais

na paz da tarde finda.

E eu não to com nada.

Inconseqüente,

observo o movimento da rua.

Pernas, brim, cetim,

sob, abaixo do umbigo

o velho abrigo e,

as questões morais.

O que há de mais?.

Ou, o que há de menos?.

Quem sabe, um hímen?...

Ou, talvez,

pentelhos?.

Um disco voador

pousa em meu olhar

e, eu não tenho

nada a ver

com tudo isso!.

 


 

O INÍCIO DO FIM
(Parte Quatro)

 

301

 

Antes que pereça em mim

dos sonhos,

toda a sorte..

..e, juntamente,

a obra que, hei realizado,

pelas palavras e músicas...

Desvencilho-me de tal peso

que, da obra,

hei sentido..

Deixando, tal fardo,

à própria sorte.

Qual o pai deixa o filho

(e sua criação),

e entrega-se

ao leito de morte.

 


 

302

 

Que erro hei cometido

maior que o de haver alimentado

a ilusão de amor já sem sentido?

Seguramente não fora

ao tomar sobre meus ombros,

a responsabilidade de calar-me

ante tal fato,

constrangido?.

Sim, em virtude,

querer o cumprimento de lei insana

a respeitar, do contrato,

a imagem profana

com que a sociedade investe

o amor!.

Não há erro maior,

nem incoerência

(pecado?),

continuar à bom grado

alimentando imagem deteriorada

daquilo que,

para o mundo e a sociedade,

é amor...

..cumprimento dos deveres..

e, para nossos sentimentos,

contudo,

agora é somente

um vazio:

tão nada!.

 


 

303

 

Que a ferida

se alargue em meu peito

por haver amado.

E, sobretudo, egoísta,

por haver tomado,

num sentimento de posse,

o que hoje,

descubro alado.

Não mereço, deveras,

o padecimento que

ora me tortura?.

Querer tornar o sentimento

em vil contrato,

ante duas desiguais

assinaturas?!...

 


 

304

 

O que haverá

que nos faça ver

que nossa vida tem sido

tão somente,

morrer?!.

Talvez, saber trancafiado,

em sombrias masmorras,

o sentimento da alma,

sem o que a socorra?!.

 


 

305

 

É um pesadelo

o desejar ser livre, quando

a liberdade,

é renunciar à tudo

o que,

por livre escolha,

um dia,

fez-se prender.

De tal forma que,

somente pensar

em tal ruptura,

é legar à própria alma,

a dor em sofrer

sem o desejar,

sem o querer!.

 


 

306

 

Que agonia antevejo,

vem cobrir-me a fronte

qual um cálido e terno beijo,

haveria por tornar-se

desejo?!..

É cruel a prisão

na qual nos cerramos

em nome do amor,

em nome do coração.

Bastasse-nos a alegria

da contemplação radiante!.

E, matura,

tornar-se-ia serena,

sem jamais

turvar-se-nos

o semblante!.

 


 

307

 

Febril criança

prostrada ao leito,

deixa-te inocente,

sem da vida, jamais,

conheceres os efeitos!.

Não esbata-te clamorosa

em busca deste vil viver!.

Sonhar é, também, sofrer.

A realidade é adversa

sempre, ao nosso querer!.

Por isso,

deixa-te carregar,

nos braços, a sorte.

Porque toda forma de vida,

faz-se, também,

em jeito de morte!.

 


 

308

 

Cantam arautos pelos campos

na manhã trazida para a lida.

Toma-me de roldão,

tristeza maior que o coração.

Porque não posso ser simples

e renegar a natureza de meu ser

e ser

simplesmente igual a um campesino que,

vive tão somente

para a terra,

sabendo que nela,

há que,

um dia,

morrer?!.

 


 

309

 

Fiz da vida, somente quimera,

tornando-a doce primavera.

Sobretudo,

quando tudo o que era,

nela vida,

rústico inverno,

emprestava-lhe contornos afáveis,

em minha incansável espera.

Não sei o que hei querido

com tal quimera idealizar.

Talvez a inocência inexistente.

Talvez o ardor que ora mente,

por descobrir ser nada,

a primavera.

E, contrário,

ser tudo,

o inverno que nunca passa,

nunca finda,

e faz-me,

a alma enregelar....

 


 

310

 

Não obstante, ressequido

o coração,

às vezes, teima o amor,

como que,

do alto de um monte,

em reavivar a chama da ilusão.

E, por um momento,

em que fremente sonho,

no mais puro e dócil sentimento,

sinto do alto do monte,

abrir-se em pétalas

uma flor, outra botão.

Mas, breve e frágil,

qual o sussurrar da brisa,

desfaz-se tal quimera..

Resta o frio árido,

ressequido,

de um ferido coração.

Um coração que,

condenado à dor de Eras,

jamais tornará

a rever a primavera...

 


 

311

 

Oh, alma minha!...

Outrora fogoso corcel,

a rasgar dos prados,

o tempo.

E, do tempo,

o denso véu!.

Deixa-te quieta,

em violinos embriagada.

Adormecidos trazes

todos os sentimentos.

Já não vejo sentido

em querer esbater-te

quando, tenho-te vencida.

Vencida e quieta,

talvez encontres

— da paz —,

o caminho.

E, uma vez encontrado,

faz nele o teu ninho...

..de éter e sonhos!.

Sonhos alados!.

 


 

312

 

Quisera ter alçado aos céus

cada fragmento dos sonhos meus!.

Cada ato e palavra,

quisera ter

aos céus, legado!.

Contudo, sempre estive,

tanto à vida, ligado!.

E nela, tendo os dois pés atados,

pego-me hoje, tão esfalfado,

que, sequer, o céu denso,

tenho - tão pequenino e aflito —,

divisado!.

 


 

313

 

A tez serena,

jamais sombria,

quisera trazer!..

E, pela vida fora,

— não qual o poeta que chora —,

mas o jardim que flora,

sereno e tranqüilo,

a mirar o infinito,

contrito,

um dia,

morrer!.

 


 

314

 

Ah, tivera no coração,

o que Miguel Ângelo

trouxera nas mãos!.

De Florença à Roma,

de Roma à Grécia,

esculpida pelo cinzel

a doce obra,

não o fel!.

O fel de rústicas palavras,

nunca dóceis qual o mármore

com que Miguel dera à vida,

toda a sua obra

e lida!.

 


 

315

 

O sol caía longe.

Dava uma melancolia

louca, pouca...

Quase nada.

Mas, doía!.

Feito a saudade

que restou no teu rasto...

 


 

316

 

Muito tempo depois,

brilhou a primeira estrela.

Aí sim,

lembrei-me

de como sorrias!.

 


 

317

 

Sem afetamento algum

na voz,

clamo por teu nome.

Para quê afetamento

na voz,

se,

“quem choram”

são os olhos?!.

 


 

318

 

Veio uma saudade

imensa, grande...

Pensei carregar às costas,

um fardo maior

que um elefante.

 


 

319

 

Ninguém viu,

ninguém percebeu.

Saí na ponta-dos-pés

e nunca mais voltei...

...a ser normal!....

 


 

320

 

São as longas ruas

que levam mundo afora...

..que me invadem..

coração adentro...

 


 

321

 

Primeira gota sobre a terra.

A lavoura agradece

por Deus também fingir que,

às vezes,

necessita chorar.

 


 

322

 

A pedra bruta

esculpida pelo cinzel,

faz-se delicada.

Uma alma,

sobe ao céu,

iluminada!.

 


 

323

 

Humilde, humildezinho,

o pobre fica no fim da fila.

Até o fim da vida.

 


 

324

 

Cheiro de mato,

capim gordura

à beira-rio.

Colonião, caruru,

espinheira, “arranha-gato”,

e um cacho de gravatá

adocicando a infância

perdida na memória.

 


 

325

 

Fiquei perdido

sem bússola a me guiar.

E quanto mais lembrava-me

do teu sereno olhar,

mais perdia-me...

..sabendo jamais te encontrar!...

 


 

326

 

A vida toda é um ponto.

Só.

E, pronto.

 


 

327

 

Quisera gritar

(os pés presos no derretido asfalto)

mas não havia tempo.

Morri atropelado.

Por isso sei

que não havia tempo.

 


 

328

 

Meu avô no caixão,

minha mão numa alça.

Nas outras, anjos malucos que,

ele dizia serem amigos

e eu,

eu nunca havia acreditado

até então....

 


 

329

 

É feito uma palavra.

Em seguida, um ponto:

finalizando o sonhar.

Um ponto.

Nada mais além.

 


 

330

 

Pensava ser alado pássaro

ou querubim

e, saiu voando

sobre a metrópole agitada.

Lá embaixo,

ninguém percebeu

quando ele pousou

na avenida central

e ficou ali, colado!.

 


 

331

 

Ouvindo a “Voz do Brasil”

no pequeno rádio à pilha,

sem saber que,

Carlos Gomes,

dançava com o seu

“Guarani”

nas ondas “médias e curtas”...

 


 

332

 

Uma voz que chama..

chama..chama...chama

e a enxurrada corre,

corre, corre, corre..

até que,

tudo finda.

Com a chuva que pára,

com a noite que morre.

 


 

333

 

Sob o fulgor das estrelas,

solitário feito um cão de rua,

penso ver-te na lua.

Sento-me a uivar

como quem quisesse

mirar a luz

que emana

do teu olhar!.

 


 

334

 

La mienne vie et le mien tracasser

ne sont bandiéres.

Ne je’en ai patrie, religion

ou parti politique...

Si la humanité é mon coeur,

voi alors mon objectif.

( A minha vida e o meu labutar

não são bandeiras.

Não tenho pátria, religião

ou partido político..

Se a humanidade é meu coração,

eis então, meu objetivo.).

 

Samedi, le 9 Juillet, 1.987.

 


 

335

 

Pone, Dómine, Custódiam ori meo,

et óstium circustantiae

labiis meis.

(Ofusca minha mente

com o pavor da ignorância

e enche minha boca

de terra

para que nada mais

pense ou diga ao vento).

 


 

336

 

Ao longe uma estrela cai

tão breve que, meu pedido,

— secretamente —,

queda-se preso

entre o pensamento

e os lábios atônitos.

 


 

337

 

Quisera ser feito o vento que

passa e não volta jamais.

 


 

338

 

A pá e a palavra

— terra —,

enterram meus lábios

sob o céu — sol — súbito

da manhã.

 


 

339

 

Barretos:

simples feito um ponto final.

Um sopro do Criador.

A Eternidade..

No entanto,

nada mais que,

a simples\cidade!.

 


 

340

 

Necas de tititi!.

Se o rio corre para o mar,

porque hei de querer sofrer?!

 


 

341

 

A palavra confusa

é a semifusa

no solfejo

enroscada.

 


 

342

 

Feito sangria desatada

em remotos tempos idos

— outras Eras —,

meus versos são somente

um jeito

uma sala

de espera

daquilo que

talvez,

jamais virá!.

 


 

343

 

Nem fora o que houvera

por ter sido

o que nem era.

Ficou parado

no meio

feito o poema

que mal concebido.

 


 

344

 

A tortura é o silêncio

onde tantos habitam

sem mais terem

o que falar...

 


 

345

 

Evola pelo ar

fumo

fumaça

desfazendo a vida

e o sonho

que paira

e passa.

 


 

346

 

Pelos campos

a mirar os astros,

vinha de “fasto”

querendo no tempo,

voltar.

 


 

347

 

Todo o meu contentamento

é ter as duas mãos livres,

com as quais refaço

cacos do ontem

e fragmentos do depois.

Pois que, neles encontro,

a razão pura de ser....

 


 

348

 

Ainda que eu desperte

as crianças,

nada voltará a ser

o que fora.

Os pássaros já partiram!.

 


 

349

 

“O cemitério é geral,

e a morte nos faz irmãos”.

Enquanto isso,

o vento sopra as bananeiras

no Planalto Central

do

brasil....

 


 

350

 

Adormeço em meio

ao início e desperto

para o grandioso final.

Bandeiras agitadas

pelas avenidas e prédios.

Vivi a vertigem

natural dos boêmios

e a ilusão de ser poeta!.

 


 

351

 

Os meninos pálidos

com seus calções encardidos,

suas pernas finas,

seus sonhos adormecidos,

esperam um futuro

que jamais virá.

Por questões disciplinares,

foram encontrados numa vala rasa,

perfurados à balas.

 


 

352

 

Faca de ponta nos seios:

riscando, traçando,

um longo caminho.

Até que a morte,

nada mais seja senão,

a cruel poesia

dos amantes.

 


 

353

 

— Meu bem, vamos fazer amor?.

— Hã?...

— Deixa eu ler meu horóscopo na “Ilustrada”,

por favor?!.

 


 

354

 

Toda a felicidade

e o amor que a gente tinha,

são somente

uma velha casa abandonada e,

com as janelas escancaradas

por onde o sol

teima adentrar.

 


 

355

 

Não foram as palavras

que azedaram nos lábios.

Nem as frases revisitadas.

Foram o silêncio e

o medo

do que nem havia.

 


 

356

 

O laudo da balística

concluiu que

o projétil

era místico.

 


 

357

 

A flor de um poema:

rubra rosa ferida

sangra.

Salpicando o branco

do papel

em gotas de inspiração.

 


 

358

 

Arrancava os cabelos

aflita,

sem se dar conta

que engolira

o laço de fita.

 


 

359

 

O amor é lerdo

para os desejos

guardados.

 


 

360

 

Ficava imaginando

a deslizar

por entre as coxas,

a poesia da densa mata.

E morria de sede.

 


 

361

 

Brincava de “casinha”

com a filha da vizinha.

Pura magia impúbere.

 


 

362

 

Por um tempo demasiado longo

permaneci observando o rio.

Lento, moroso,

realizando o seu percurso.

Feito um velho sábio

sem pressa de chegar.

 


 

363

 

— O homem está morto, meu filho.

Poderia estar mas,

por uma fração de segundos,

juro,

eu o vira piscar!.

 


 

364

 

Como eu deslizara

para dentro dela?

Furtivo, feito um gatuno....

Pela janela?.

Nada!.

Somente sonho

inconfesso na madrugada.

E a velha cama molhada.

 


 

365

 

A palavra veio vazia.

Brincou na ponta da língua,

escorreu por entre dentes

e lábios

e saltou morta para o ar:

— Amo!....

Ela nem percebera

que há muito,

o amor

morrera.

 


 

366

 

No vão da escada

foi que prendi minh’alma.

Os anos passaram

e eu permaneço ali:

observando minh’alma presa

e sorrindo feito um zumbi.

 


 

367

 

As vezes penso

que minha inocência

seja uma longa viagem...

Atribulada de desejos

e bobagens.

 


 

368

 

Foi quando num repente morri.

E meu corpo ficara

estirando junto à linha do trem.

Menino “abestado”,

se o trem corre parado

corro eu também.

 


 

369

 

Quando eu morrer,

quero encolher,

encolher...

Feito um bichinho indefeso

frente ao monstro que

desconhece.

 


 

370

 

O suor brotando em bagas

pelo esforço demasiado.

Em ter que carregar a cruz

que Jesus deixou ficar

para aquele que é honrado.

 


 

371

 

Ela sorria dócil

e eu pensava em

estrelas e poesia.

Ah, a louca musa!

Abandonou-me.

Somente agora,

sei o que, realmente,

ela implorava,

desejava,

queria!...

 


 

372

 

Em meio à canção

sob uma janela, em seresta,

explode-nos o coração

e, de repente,

é uma festa!.

Hoje, na lembrança,

vazando o branco imaculado

da calcinha,

negros pêlos,

púbicos,

inspiram outras serestas.

As mãos apertam o violão

e, no vai-e-vem

— ao que tudo indica —,

já tocamos mais de 100!.

 


 

373

 

Outros mundos,

coisas, segredos,

nunca soube,

nunca vi....

Contudo,

sei-os existentes:

trago-os todos

bem aqui!.

 


 

374

 

O amor é um longo,

esdrúxulo corredor:

pelo qual caminhamos

sem jamais chegarmos

à sua essência, em flor.

Contudo, às vezes,

é bom sofrer.

 


 

375

 

Na simplicidade das coisas,

na simplicidade dos seres,

é que encontro

a real

felicidade.

 


 

376

 

Fora eu, o menino a levantar

às 4 horas e, antes que o sol

se nos brotasse, transpirava,

a plantar capim na roça...

Fora o que fui na infância

toda a vida,

hoje não teria,

contraído da cidade orgulhosa,

e da sociedade cancerosa,

essa incurável ferida!.

 


 

377

 

Enquanto imbecis e idiotas

da Tribuna recitam frases feitas,

enfarado, penso que a política

deva ser uma ciência.

Contudo, é também

feito uma caixa de barbitúricos:

que compramos nas farmácias

sem necessidade de receitas.

Uma droga!

 


 

378

 

Então, saiu do sertão.

Na grande, imensurável cidade,

observando de soslaio o movimento

e o monumento aos Bandeirantes,

foi pela avenida,

seguindo adiante...

Sequer percebera

— ingenuidade de barro —,

e findou sua labuta

sob as rodas de um carro.

 


 

379

 

Egoísta que sou,

tranquei meu amor

no porão lá de casa...

Sem dar-me que,

o amor,

tinha lá, suas asas!.

 


 

380

 

Recostada no escuro

do muro de um beco,

ela parecera-me uma princesa.

Como não enxergo muito bem

— nem durante o dia —,

melhor continuar caminhando

e sequer olhar para trás.

 


 

381

 

A moça de lábios rubros

entreabertos e úmidos

sob a coberta,

previa o futuro:

uma casa sem ter portas,

sempre aberta,

no escuro.

 


 

382

 

O olhar marejado

mirava o disco voador

que perdia-se pelo céu.

E a razão perguntava:

porque partir

sem sequer indagar-me

se desejo ficar aqui?!.

 


 

383

 

Eu jamais comentara

sobre as melancias

no quintal.

Mesmo porque,

no quintal

somente havia cimento.

 


 

384

 

Era uma carência

tão profunda, tão louca,

que um dia,

sem atinar-se,

grudara-se ao espelho,

beijando sua própria boca.

 


 

385

 

— Teresinha de Jesus!,

jura que me ama?.

— Juro!.

— Então, prova!.

— Como você consegue

ser tão chato?!.

Desencana!

 


 

386

 

Sempre fui um bicho

estranho, solitário..

Por isso, vivia trancado,

— para desespero da família —,

no fundo de um armário.

 


 

387

 

— Dr., quantos anos viverei?.

— Talvez dois. No máximo, três.

Viveu até os 90.

 


 

388

 

Nunca tive o que queria.

Então passei a desejar,

o que jamais

pudessem me dar.

 


 

389

 

Somos demasiado parecidos

mas, sem grandes alaridos,

disfarçamos a atração e,

partimos cada qual

por um caminho.

E curvados arrastamos

nossos fardos de carinhos...

 


 

390

 

A loucura é tudo o que me resta!.

De forma que,

essa é minha festa:

um imenso salão vazio

no qual,

ninguém mais

vai entrar.

 


 

391

 

Comia barro

e cuspia tijolos.

— Olaria!.

Zombavam.

Um dia, desapareceu

da decrépita cidadezinha.

Esqueceram-no.

Hoje ele é o maior

arquiteto do planeta.

Embora, continue

comendo barro

e cuspindo tijolos.

 


 

392

 

Já fui poeta

(hoje sou amador).

Fui esteta,

fui palhaço.

E, uma parte de meu ser,

disparatado

se perdeu.

Essa parte do que fora

e que comigo resta guardada,

não, este não sou eu!.

 


 

393

 

Quisera o tempo necessário,

apenas para contrariar

os adversos...

E, controverso,

à obra,

emprestar seu termo..

Pôr/fim!.

 


 

394

 

Não que fosse necessariamente refutável

uma vida assim:

“De bar em bar”.

(Do Filme)

Talvez,

quem sabe,

na embriagues,

sonhar?..

Sonhar que eu estivesse

em outro tempo,

outro lugar?!..

 


 

395

 

O que restou

do teu puro e sincero amor?.

Talvez a dor

como que a me dizer:

— Viu, não era pura ilusão?.

 


 

396

 

Deixa que o planeta gire

e a vida passe

e os sonhos findem!..

Deixa!.

Afinal, restou-nos tudo sem vivacidade,

sem graça.

Mesmo quando a vejo

e me vem o desejo

súbito\coeso

de te engolir

e depois morrer!...

 


 

397

 

Porque a ironia

é uma cadela vadia que,

a despeito dos constantes pontapés,

e, concomitantes maus-tratos,

ocupa um lugar

na vida e no espaço

a entreter-se

com os seus carrapatos?

 


 

398

 

E porque

necas de Segunda-feira?.

Quando a preguiça

parece crescer

e a cidade\pessoas

parecem morrer?!...

Quem sabe se

eu cortasse os pulsos

com algum

caco de telha?....

Ou vivesse em sonhos

outros sonhos a costurar

tua tortuosa geometria...

Mas,

qual o quê?!.

Seria digno de um poeta

(se permitissem-me as palavras),

nem ter como morrer?!.

 


 

399

 

A primeira imagem

que me veio

foi o teu pescoço.

Depois,

os óculos e as pernas.

Concupiscentes!.

E, a consciência:

— Viste o que não era para ver!..

Ai, my God!, exclamo.

Profano, sinto dois desejos:

O primeiro, nunca mais te esquecer.

O segundo:

provar teu veneno e morrer!.

 


 

400

 

Feito um animal

ou algo que o valha,

contrito, penso na Gênese

e toda a concepção..

ao ver no quintal:

meu cachorro

e minha cadela.

— Ulalá!.

Exclamo,

achando a natureza bela.

E, impudico,

indago-me,

— Porquê tanto nos complicamos

se,

— tirante nosso hediondo\falso

conceito moralista —,

umazinha nos parece

tão bela?!....

 


 

O INÍCIO DO FIM
(Parte Cinco)

 

401

 

Alô, poetas!.

Por

esta e outras

as ostras

se fecham.

Quem entende

o quê?

Vou dizer

nada

de poesia.

A lâmina é fria.

Feito a língua (gem)

azia (ga).

Sei que morri

mas não vou contar

à ninguém.

À ninguém

(me)

Inter\essa

faltal\idade!...

 


 

402

 

Pensava profunda

mente

no ócio

fóssil

fácil

fixando

por uma fresta

o fato

é que

encontro-me

irremediavelmente

fatigado.

 


 

403

 

Longa via entroncada

do pensamento

poema

sem um ponto

referencial

a língua

recoberta

por sal

de repente

entredentes

uma gilete só

ria

todavia sei não

ser

definitivo...

 


 

404

 

Enquanto o sol

derrete a selva

em pedras

luzidias

e mastigo uma parte

inexistente

de algo que não sei

penso:

não há solução

possível

para tanto enfado

neste ramo de capim

ou no Sonrisal

borbulhando

até o fim.

 


 

405

 

Mastigava Mandrix

ou diazepan

(o que não recomendaria à ninguém),

no ventre da madrugada

e a namorada

dopada

sorria

na fotografia

inexistente..

..da parede que

(eu não via)

não h(a) via...

 


 

406

 

Trancafiado em seu quarto

horas à fio,

por mero acaso

descobriu

que há longos anos

(à fio)

nada existira.

Fora somente uma personagem

de algum conto.

Embora não soubesse

de qual livro

(um dia)

fugira!.

 


 

407

 

Não, eu não vinha pela avenida

como quem trafega\navega

em transe

em meio ao trânsito

um mar de corpos

e autos e

a avenida estava em mim

no ar\na fumaça

e do jato riscando

meus pensamentos

o céu só\ria

eu me lembro

é fundamental

que eu insira

no contexto

que um sorriso

havia

embora eu não tenha

a certeza

se era você

ou eu

quem/

quem?

sorria...(?).

 


 

408

 

O café

absorto

no balcão

o jornal esfriando

ou melhor

quero dizer

o jornal absorto

no balcão

e o teu olhar

por detrás das lentes

sorvia

quente

o café

em meu olhar

torto

absorto

no decote

de uma tarde de Domingo

de óculos

e a mancha no linho

pálido

apanhado

absorto...

 


 

409

 

Irônica

mente

sacana

afogado

em sua bacia de prata.

A tarde esvaindo-se,

escorreguei

(como quem desliza)...

A tarde agonizante..

você mirava as margens

e o lago sereno

de repente,

escureceu.

Foi quando pensei

na água do mar

pela primeira vez.

 


 

410

 

Um poema

não a pornô

grafia

perplexa

pudica

pudibunda

púbere

no poema

um poema

comp(Léxico)

e pateticamente

apático

ante a perspectiva

de púbicos

pêlos profanos

profanando

a ponta fálica

da pena...

 


 

411

 

Era um Domingo

ou melhor

não (sei) consigo

lembrar-me

exatamente acho que era

um dia qualquer

e havia (ouvíamos)

uma canção

Caetano

eu havia passado muito

muito tempo

calado

e você

de mãos dadas dentro

do carro

mas já era tempo

de algo acontecer

e eu havia comprado

as passagens

um abraço

as malas ali

aos nossos pés

você ligou

engatou

partiu

não lembro

se me olhava

quando fez

a curva

fiquei parado

olhando

exatamente

para as malas

na calçada

pensando na canção

e nunca mais

a estrada

e a distância

devolveram-me

o jeito que eu tinha

de ser

tinha que ser

do meu jeito

no crepúsculo

estertor

de um momento...

 


 

412

 

Não, eu jamais contei

mas ninguém me visitara

e nem era dia de visitas

e eu ficava olhando

as brancas paredes

(dopado?)

como há muito

eu andava

daquele jeito

mas as borboletas

sobrevoando pelo quarto

minha mãe havia-me

dito

um dia

acho que foi

minha mãe

mas eu não queria mais

sair para as ruas

e eu sempre tive medo

das pessoas

porque eu não sabia

o que fazer

da vida

por isso eu perguntara

ao cara do meu lado

que dia era

e ele só ria

sempre

sorrindo

sorrindo

e quanto mais ele

ria

mais borboletas brotavam

de seus lábios

amontoando-se pelo quarto

pátio

foi minha mãe quem disse

lembro-me

mas eu era

sempre fui

um cara

desde garotinho

eu já havia

via

as borboletas

de forma que

eu já havia

em criança

percebido

a ruptura.....

 


 

413

 

você entende, hã?

esparramava, misturava

tintas e cores

num emaranhado

sem pincéis

com as mãos

pés

esfregava a bunda

no painel

enquanto eu tomava café

e fumava pensando

acho que não vou conseguir entender

não muito bem

enquanto ela dizia-me

a arte é

deveras

complexa

ela dizia

com a bunda pingando tinta

então

sem que ela percebesse

apanhava meu bloco

de anotações e fugia

para a redação

“A Arte é complexa”.

Anotei, acendendo outro cigarro.

 


 

414

 

Ela chorava trancada no banheiro.

Talvez porque as coisas

andassem cada vez mais à revelia

rebeldia

complexa

tempos aziagos

para todos nós

creio

ou cria

sempre cri

porque ninguém dizia

comentava

e fossemos todos complicados

até que

indômito

um de nós

perdia a parca paciência...

 


 

415

 

Vinha com o dia

acotovelado sobre os ombros

a fadiga e o mormaço

mãos sujas de ferrugem

olhos ardendo solda

(soldador/torneiro mecânico)

estômago embrulhado em pacote

a matemática contábil

mecanografia

filosofia psicologia economia de mercado

noções de Direito

dormindo sentado

às cinco da manhã

o sargento passando a tropa em revista

(eu moído carcomido mal dormido)

e ele impunha

guarda no final de semana

pensava na namorada

o Sábado o cartucho de munição

o cano do fuzil

roçando o céu da boca

de forma que

mais dia

menos dia

— Cabo!.

— Sinsenhor, sargento!..

— Porquê cê não enfia a baioneta nalgum lugar

para ver se desperta?.

— Sinsenhor, sargento!.-, eu dizia.

Filhodaoutra!.

 


 

416

 

Cê vai acabar louco tanto ler essas coisas!

noites em claro

cigarros e café

vai dormir, meu!

E foi assim que aprendi

a curtir uma leitura

de banheiro.

 


 

417

 

foi em meio à madrugada

no escuro do quarto

que apanhei o capeta pelo rabo.

não o acudisse Deus,

teria feito eu

um estrago!.

 


 

418

 

ficava pensando

nos olhos

lábios dela

estrelas\poesia

sentindo

sem saber o que dizer

mergulhado na íris

abobalhado..

então ela abria as duas bocas

engolindo-me

de forma que

embora pensasse em poesia

acabei aprendendo

a dançar rock e rumba...

 


 

419

 

quinze hora de uma tarde

em que o sol modorrento arde

e cavalos passeiam

pela avenida pedro de toledo

penso que havia tanto

contudo nada fiz

o silêncio da casa

o jornal intragável

irremediavelmente sem tesão

acendo outro cigarro

observando a máquina de escrever

sem a mínima inspiração

“mas aqui nada acontece

que alegre o meu coração...”.

então exclamo às paredes

que droga!

pura catarse

somente isso

e nada de crônica

e os caras ligando

vai escrever ou não

o jornal fechado

e eu concluindo amassando um original

arremessando-o ao cesto

caramba

isso não é normal

carcaça vazia

o jornalista assassinado

apesar do calor da vida

uchôa é somente

uma navalha

enferrujada

e fria.

 


 

420

 

concludente fato

toda uma protuberância

da ignara massa

sobre enfática teorização

de energúmeno amigo

baseado em Galileu Galilei

quem sou eu para refutar pergunto

de que a inércia

ou outro besteiról anárquico

é a primeira causa desse tédio

e a mão

irremediavelmente

coça

por sobre o brim da calça

de forma que

o ciclo

jamais terá fim

creio que seja isso....

 


 

421

 

E aqui vou eu

veloz, atroz,

assassinar

os meninos alados

dessa louca solidão.

E saio para as ruas

a perguntar às pessoas

com quantas caixas de fósforos

faz-se, por exemplo,

uma canoa?.

Ou, quem sabe, uma arca?

De barbas longas,

e maltrapilho,

observo de soslaio

as reações.

Ninguém entende o que digo.

Nem eu mesmo.

Por isso peço que

“matem o cantor e chamem o garçom”.

Enquanto tomo um trago

observando coxas

— sem querer, juro! —,

o tempo desvairado

engole minhas horas.

Mas eu não vou desistir

e arquiteto um plano:

como raptar a lua

e a torre da igreja.

— Mais uma cerveja que

arquitetura me causa sede!.

Sede de tudo, às vezes.

E, um pouco de medo.

Contudo, isso é segredo.

Eu disse à minha mulher

que eu cria naquilo que não via.

Perdi meus chinelos.

Procurando-os sob a cama

ela me dizia:

— Quem sabe, no maço de cigarros!.

Silêncio. Ela não disse nada.

Bem, mas isso também não importa.

Não muito...

Porque o que me interessa

é essa ficção novelística,

divulgada estatisticamente

no matutino que encontrei no passeio..

E os meninos desapareceram

(definitivamente)...!.

Ela me disse ou dizia, creio..

— Há uma cerveja na geladeira.

Concluí:

— Talvez, se nos deitássemos mais cedo hoje e...

Então ela observou aborrecida:

— É, acho que desapareceram de vez.

Primeiro os meninos, os chinelos,

a torre da igreja, a lua, o relógio..

vasculhei cada canto em meu

cérebro e não encontrei nada.

Ficamos o resto da madrugada

tomando cerveja e fumando.

Nem passou-me pela cabeça

o problema da caixa de fósforos.

Ela enroscava os pés nos meus..

Ambos dizíamos coisas.

Passadas, presentes, miscelânea..

Um trago e, de repente, amanheceu..

Enquanto ela fazia o café,

estirado na cama,

puxava por um fio da memória

o enredo:

E aqui vou eu, veloz, atroz,

tarado e com olheiras,

assassinar os meninos alados

dessa solidão!...

..e.. apaguei!...

 


 

422

 

As flores ficaram ali:

secando no vaso

enquanto você sorria.

Sorria e aprontava

as malas.

Sempre as malditas malas

abarrotadas de papéis

sangue e açúcar.

Eu não disse nada

(não quero e nem devo agora.

porque nunca digo),

enquanto você partia

deixando a porta escancarada.

E eu fiquei ali.

E eu ainda estou ali:

passivamente observando

as flores murchando nos vasos.

Como se aquele momento

jamais fosse chegar

ao fim!..

 


 

423

 

As palavras

estão flutuando pela casa.

Frases complexas;

vírgulas, pontos,

bailando pelos cômodos.

Tento apagá-las.

Contudo, embalde.

Como se um escritor invisível...

Algumas pessoas disseram-me

que talvez fosse loucura:

continuo tentando ignorá-las.

Estou apenas tentando.

E isso, é tudo!.

 


 

424

 

Bem, eu disse,

eu não me importo com a solidão.

Mas não era verdade e,

sabíamos disso.

Mesmo as aranhas

tecendo teias

em meus cabelos

orelhas

nos vãos dos dedos...

Mesmo elas,

sabem....

Mas você prefere ficar aí

morta em sua cadeira de palhinha.

Esse aspecto horrível

na palidez

e o pó que os anos

vão acumulando

em suas rugas,

colo, sombra.

E quando o vento sopra

as cortinas

e sob a luz mortiça

fico observando

através do vazio do tempo

que há em seu olhar

então,

então eu penso

que minha solidão é fria.

Muito,

muito fria!.

 


 

425

 

Enquanto eu fumava

e tossia desesperadamente

a chuva batia no telhado,

mansa.

Por algum tempo,

permaneci quieto

com medo das sombras

e quando a luz voltou

o medo permaneceu ali:

passeando pelo quarto

em meus gestos..

Então pensei no futuro,

em teu ventre,

nas estradas

e que tudo na vida

é sempre inseguro

obscuro

e tossi mais/

com febre, creio.

E me veio uma agonia

estrangulada

por isso acho que chorei..

Quando a chuva

parou,

levantei-me

e passei a caminhar

pela casa.

Fumando e tossindo

desesperadamente.

 


 

426

 

Agora nada disso importa

porque eu passo as madrugadas

caminhando pelos becos.

Os ratos e baratas

espreitam meus passos.

Não me importo com os casais

recostados em negros muros.

A lua deslizando

mansamente por entre nuvens

e a solidão dos prédios de apartamentos.

As crianças e velhos humilhados

nos parque e viadutos..

O vento que bate em meu rosto

frio, cortante

me fazendo pensar...

Mas não desejo mais pensar em nada.

Nem ter que, obrigatoriamente,

partir ou permanecer.

Talvez nunca dêem

por minha falta..

Talvez...

 


 

427

 

Eu estava cavando

no centro da sala,

diante da tevê.

Aliás, eu estivera cavando

nas duas últimas madrugadas

e a pá retinia

deixando-me nervoso.

Faltava pouco:

dois ou três palmos,

não sei bem.

Mas o que me punha aflito,

eram aqueles dois negros olhos

cravados em meus movimentos:

esperando....esperando...

 


 

428

 

Eu permaneci ali,

escondido nas sombras

observando o alpendre

da velha casa abandonada.

O enorme palhaço

de olhos verdes-faiscantes,

sorriu

as bolas vermelhas

azuis

subiam\desciam

atraindo-me — chamando.

Por isso eu corri

e nunca mais tornei...

Eu sabia que

do outro lado da porta,

havia um corredor escuro

dando para

a Eternidade!....

 


 

429

 

Com uma adaga

cravada no coração

e

um olhar entristecido,

você sorria na fotografia

para mim.

Somente para mim.

Ninguém mais via

aquele sorriso

aquele olhar...

 


 

430

 

Eu estava desesperado

procurando nos classificados

algo que me desviasse a atenção,

os pensamentos...

Tentei o trânsito,

os rostos cansados..

Mas não havia rosto algum,

nenhuma identidade...

Creio que fosse noite

e os bares estavam vazios

e havia uma música no ar, ao longe..

Caminhei apressado

e quando dobrei o quarteirão,

percebi que,

nada havia ali...

Nem além...

A cidade havia desaparecido e,

o tempo,

o tempo parado...

 


 

431

 

Agachado em um canto

num canto

nalgum canto

com a cabeça entre

as mãos\rústicas

contava aqueles bichos

estranhos\estirados

no solo

frio de cimento

farrapos\trapos

sem nomes

sem rostos

sem identidades.

Apenas seres humanos...

 


 

432

 

A guilhotina..

..ela desceu lenta

lentamente

dentro dos trilhos

o brilho afiado

do corte

o capuz

o sorriso

um balaio...

Em outros lugares,

crianças sorriam

sob o sol

e acho que era primavera

porque havia flores

nos canteiros

e pássaros chilrando

longe...longe...

 


 

433

 

Mas você nunca foi de pensar!.

Não muito, hã?!.

Sobretudo no passado.

E ele — passado —,

hoje são escombros

do que fora.

Talvez seja melhor assim.

Um vazio dentro de outro vazio.

Numa sucessão infindável

de nadas.

 


 

434

 

É, etilicamente,

creio que me excedi,

quando passei a dar com a cabeça

nas paredes.

E rachei as paredes,

a cabeça..

E num domingo de manhã

(creio que foi num domingo),

eu já não poderia fazer mais nada.

E permaneci parado,

quieto,

com o olhar

atravessando todos os mundos:

possíveis

e impossíveis!.

 


 

435

 

Talvez a loucura

nem fosse tudo..

ainda restasse

um tanto\algo

de carinho

e,

o sol teria voltado

a brilhar!...

 


 

436

 

O que fizeram

sou

o que deixaram..

Às vezes, penso em você.

Às vezes, nada

Penso

que às vezes sou

o que nunca serei

ou tenho sido

o que jamais hei querido.

 


 

437

 

As orquídeas ainda florescem,

as avencas vicejam..

Embora, tudo em volta

esteja, definitivamente,

morto!.

 


 

438

 

Foi quando o sol escorreu

por teus cabelos

até tocar o chão.

E eu permaneci ali:

com a cara colada

naquele chão

com a boca cavando

a terra

e um gosto

do teu corpo

que persiste na língua

até hoje...

 


 

439

 

Não,

jamais me disseram

sobre a tristeza

ou a loucura.

E você também

nem se preocuparia

com o sol da manhã.

Mas eu conheço

os fantasmas de perto.

Sobretudo, suas sombras

passeando pelos porões escuros

das memórias!.

 


 

440

 

O que eu queria\necessitava dizer

é que provavelmente

fosse tarde

mas você não queria me ouvir

porque o sol estava nascendo

fábricas apitando

vagas sombras caminhavam

havia um chinfrim na esquina

e você caminhava pelo quarto

com sua tristeza e sabedoria

no entanto eu disse que aquilo ia acabar

me deixando irritado..

você sorriu vagamente

os seios em linha reta

apontando para o meu nariz

então explodi

eu dizia coisas

rasgava os lençóis

tropeçava nas frases

e minha cabeça queimava

quando divisei o seu corpo

no meio do quarto

avançando lentamente

algo brilhara em sua mão

quando o sol

então pensei

— sem ódio —,

porque as coisas parecem..

não, não havia cor

em seus olhos

e fiquei parado

encolhido

e você crescendo

crescendo

com o ruído

do trânsito

lá fora...

 


 

441

 

Eu sabia que

você sacaria o seu colt 45

apontando para o meu coração..

Mas não tenha pressa.

hoje é Domingo

e eu preciso ler os jornais.

coração empedernido

lobo - mau, terrível

ora, ora!

vamos, sente-se

e tome algo

enquanto há tempo.

o sol irá se pôr logo mais

e eu agendara um compromisso..

você me compreende?.

talvez amanhã

eu esteja pronto

para morrer...

Talvez....

 


 

442

 

Uma centena!

Milhares delas!..

— Aracnídeos?.

É. Ou melhor,

creio que...

Agora, todas as noites,

elas passeiam pela casa

e marcham

dentro em meu cérebro

tecendo longos fios

invisíveis...

Por isso,

tenho tido pesadelos.

E desperto fatigado

feito um camelo.

Mas ninguém vai acreditar.

Não,

não irão acreditar

em um único fio de palavra.

Mesmo porque,

quando amanhece,

elas,

elas já se foram...

 


 

443

 

Nem tanto absurdo

quando tudo o que peço

é que me deixem em paz.

Eu não quero estar desesperado

quando tudo o que tenho a fazer

é deitar-me e morrer.

Porque tudo e todos

são absurdamente

ridículos.

O que esperavam mais

da vida?.

A Pedra Filosofal?

Um pote de ouro

no fim do arco?..

A evolução da raça?.

E toda a nossa sabedoria,

nossos sonhos...

Como o tempo

nos corrói!...

Lentamente..

Coisa ridícula!.

Louvados

o tempo

e a vergonha

que nos cobrem!.

 


 

444

 

O Portal

para a Eternidade

é somente

um sonho enferrujado

sobre gonzos

rangentes.

Foi quando escrevi

os dois primeiros contos

que descobri que havia

um deserto à minha volta.

E tudo o que sou,

veio sendo recoberto

pela poeira dos anos.

O Portal

para a Eternidade

é somente

uma madrugada.

Uma madrugada que sei:

nunca,

nunca mais

terá fim!.

 


 

445

 

Como quem decepasse

as próprias mãos,

tomava um suco

na tarde modorrenta

e fumava sossegadamente

observando as nuvens.

Nada mais.

Por Deus, isso é tudo!.

Mas sempre vem alguém

com uma faca

e um beijo nos lábios.

E nos diz

que há estradas

que palmilham

o planeta.

Ou que a tecnologia

tornou-se obsoleta

pelo mero fato de que

a mente sei lá..

E o suco

acaba se tornando

um cálice de fel!...

 


 

446

 

Eu grito que não me importo.

Eu não desejo nada.

Absolutamente.

Porque sei exatamente

o que há

por detrás de tudo isso.

E sei também

o valor de cada prestação.

Porque tudo,

tudo está escrito

numa velha lápide

sobre uma tumba.

E o vento continua

soprando, soprando..

em sua obstinada

tarefa!...

 


 

447

 

Melhor fora tecer

no velho manto

o caminho.

Arrancar os dois olhos

para tatear no escuro

a linha

invisível

e tropeçar

e cair

nalguma vala rasa.

Melhor fora calar

cada promessa amarga.

E não ter que explicar.

Nunca,

jamais

ter que

prestar contas.....

 


 

448

 

Feito um beijo

que murchara

nos lábios

o sangue das papoulas

vivas

as manchas

nos lençóis

a gordura

nos punhos

o início

determinara

o fim!.

 


 

449

 

Legaram-me as armas

para a louca revolução.

E passei

longos anos

ensarilhando-as

empunhando-as

sem nenhuma munição.

E eu senti medo.

Um medo terrível

de tudo

e de todos.

Porque eu sempre soubera

que estivera

ausente

todo o tempo.

E as coisas secaram

o meu coração.

Definitivamente.

E o silêncio

enferrujou

em meus lábios,

todas as armas

petrificando e salgando

o solo em que

plantar.

 


 

450

 

Escrevo em letras maiúsculas:

“FECHADO PARA SEMPRE”.

Enquanto as lágrimas

sulcam-me as faces.

Não fora isso o que eu sonhara.

Não fora para isso

que eu me debatera

todos os anos da vida

vividos

sangrados

mortos.

Mas

algo mudou de repente.

Todos sabemos disso.

Há um dia em que

despertamos

e nos damos conta

de que tudo à nossa volta

está mudado.

Não importam os motivos.

É, isso não importa.

Somenos para a questão.

Então,

fechamos,

cerramos as portas

e partimos.

E o “PARA SEMPRE”,

são dois fios d’água

que salgam

e sulcam

as pedras

e terras

por onde

correm......

 

 

—São José do Rio Preto, 1.991—

Mauro Gonçalves Rueda

 

 


 

©2003 — Mauro Gonçalves Rueda
maurorueda5@hotmail.com

 

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Janeiro 2003

 

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