Mafaldinha A Minhoca
Mauro Gonçalves Rueda
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maurorueda5@hotmail.com
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©2003 — Mauro Gonçalves Rueda
Índice
Personagens
Primeiro Quadro
Quadro Dois
Quadro Três
Quarto Quadro
Quinto Quadro
M A F A L D I N H A
A M I N H O C ATEXTO PARA TEATRO
infanto-juvenil
Coleção "JOYCEANA" — Volume: 4
UM ATO EM CINCO QUADROS
Escrita em São José do Rio Preto, em 20 de junho de 1.988
MAURO GONÇALVES RUEDA
Dedico este trabalho à minha filha, Joyce de Castro Rueda que inspirou-me a COLEÇÃO "JOYCEANA".
Para Júlia Bolsoni Bertoni;
Maricy Regina de Castro Rueda, meus irmãos, irmãs e sobrinhada
PERSONAGENS
MAFALDINHA A MINHOCA
GRAVETINHO PAQUERA DA MAFALDINHA
ATCHIM IRMÃ DE MAFALDINHA
LÉCO-LÉCO IRMÃO DA MAFALDINHA
AGRIÃO DO CANTEIRO
REPOLHÃO DO CANTEIRO
D. ALFACE DO CANTEIRO
FADAZINHA AZUL
PRIMEIRO QUADRO
MÚSICA:
MAFALDINHA
(Mauro Rueda)
Mafaldinha a minhoca
Já não regulava bem
Paquerava um gravetinho
Que chamava de meu bem
Todo dia bem cedinho
Mafaldinha na ilusão
Saia de um buraquinho
Num canteiro de agrião
E sorria bonitinho
Palpitando o coração
E o graveto bem quietinho
Não dizia sim, nem não
E com isso Mafaldinha
Vivia na ilusão
Se pintava, se ajeitava
Rouge, blusch e batom
A sainha bem rendada
Anel, brinco, que paixão
Mafaldinha, coitadinha
Era feliz na ilusão...
(Entra Mafaldinha toda charmosa. Voz dócil, brincos, maquiagem)MAFALDINHA — Lalalaiá-laiá... lalalaiá, laiá... Ah, o amor! O amor! (Estaca e encara o público. Tira um espelhinho de dentro de uma bolsa e retoca a maquilagem enquanto fala) — o que seria do mundo sem o amor? Ah doce paixão!... acho que nasci com a alma de um poeta! Preciso caprichar. Ficar bem, bem bonitinha! (sai de cena).
(Entram o Repolhão, o Agrião e a D. Alface que permanecerão todo o tempo em cena, durante os cinco quadros).
REPOLHÃO — Minhoquinha mais maluca, seu!
D. ALFACE — Onde já se viu paquerar um gravetinho?! Um pedacinho de pau sem graça e magricela daquele jeito. Eu hein!...
AGRIÃO — Ara! Ara! É coisa de adolescente. Além do mais, gosto não se discute.
REPOLHÃO — Cada maluco com a sua mania. (Encostando-se em D. Alface).
D. ALFACE — Sai pra lá, repolhão! Essas lagartas!
REPOLHÃO — Lagartas? Eu? Eu, D. Alface?
D. ALFACE — Então, não? Pergunte ao Agrião...
AGRIÃO — Psiu! Quietos! Aí vem o príncipe encantado!
D. ALFACE — Gravetinho mais desajeitado!
GRAVETINHO (Entrando em cena apático. Ares de conquistador. Galante) — Estou terrivelmente enfastiado com todo esse marasmo... Arre que nesses canteiros não acontece absolutamente nada de novo!
REPOLHÃO (À parte) — Convencido!
D. ALFACE — Inda se tivesse um pouco de recheio...
AGRIÃO — O que é isso, D. Alface?
D. ALFACE — Hã? (Surpresa) — Nada, nada! É que ele é tão fraquinho! Qualquer um poderia fazê-lo em dois sem nenhum esforço.
REPOLHÃO — E aí vem a princesa encantada!
MAFALDINHA (Avistando o gravetinho, pára e o observa por algumas frações de segundo; em seguida decide-se) — Tem que ser agora ou nunca!... Oh paixão cruel!...
GRAVETINHO (Parado, sem vida. Não dá a mínima importância à Mafaldinha que faz de tudo para chamar-lhe a atenção) — Oh dia! quisera alguma coisa acontecesse em minha vidinha pacata e solitária!
MAFALDINHA — Eu também! Eu também! (À parte) — Ele flerta. Quer se fazer de difícil. (Decidida) — Olá bonitão!
GRAVETINHO — O... oi!...
MAFALDINHA (À parte) — Eu não disse? Ele está caindo. (Novamente para o gravetinho) — Está um belo dia, não?
GRAVETINHO (Ainda apático e desinteressado) — Está sim... é...
MAFALDINHA (Esperançosa) — Eu não disse? logo ele se renderá aos meus encantos. (Para o gravetinho) — você está sempre... é... (pigarreia) ...
GRAVETINHO (Interrompendo a frase) — Estou?!...
MAFALDINHA — Sempre tão sozinho!?...
GRAVETINHO — Então?!...
REPOLHÃO (Torcendo) — Agora vai!
D. ALFACE — Eu é que não caía nessas conversas!
AGRIÃO (Para D. Alface) — Tá com inveja?
D. ALFACE — Inveja?! De uma coisa daquelas!?
REPOLHÃO — Escutem! Escutem!
MAFALDINHA — Bem... não deve ser muito legal a gente viver sozinho, né?
GRAVETINHO — Acostumei.
MAFALDINHA (Ajeitando-se toda) — Mas é tão bom ter alguém!!...
GRAVETINHO — Acho que deve ser... não posso lhe dizer.
MAFALDINHA — Por acaso, é... você... não notou nada!?...
GRAVETINHO — Notou? Bem, o que poderia ser?
MAFALDINHA — Bem... é que... quero dizer... (À parte) — Que que eu falo agora? (Para o gravetinho) — notou... sei lá!... bobagens! Vamos dar uma volta?!...
GRAVETINHO — Prá?!...
MAFALDINHA — Ah... a gente vai por aí e... vê as coisas!... sabe como é né!?
GRAVETINHO — Tá.
MAFALDINHA — Tá?... Tá o quê?!...
GRAVETINHO — É... vamos...
MAFALDINHA (Toda feliz, espalhafatosa, se ajeitando) — Eu não disse? Tá no papo. Oh coração! Oh felicidade! (Voltando-se para o gravetinho) — sim, sim, meu Romeu! vamo-nos!...
(Dão-se os braços e saem de cena conversando coisas)
QUADRO DOIS
(Entram Atchim e Léco-Léco. Param cansados)
LÉCO-LÉCO — Ufa! Procuramos um bocado. Estou com os pés em brasas!
ATCHIM (Preocupada) — Por onde andará Mafaldinha? Tão desmiolada, meu Deus!
LÉCO-LÉCO — Sei lá. Por mim, deixava ela em paz. Acho que já sabe muito bem o que fazer da vida dela para que nós fiquemos nos intrometendo.
ATCHIM — Sabe, mas não sabe muito não! Capaz de fazer besteira. Tem andado tão diferente, ultimamente...
REPOLHÃO — Olha lá!
D. ALFACE — É o Léco-Léco e a Atchim. Estão procurando a maluca da irmã!
AGRIÃO — Coitada da Mafaldinha! Eu não acho que ela seja tão estranha assim. É até alegre e brincalhona...
D. ALFACE — Paixão, hein?!...
REPOLHÃO — Vamos parar vocês dois?!...
AGRIÃO — A idade é fogo mesmo. Fica-se velho e começa-se a criticar tudo. Coisa mais chata!
LÉCO-LÉCO (Choramingando) — Olha, Atchim.. nossa irmã não é mais uma criança, entende?
ATCHIM — Mas é muito espevitada. E, ainda mais com essas paixões sem medidas!
LÉCO-LÉCO — Deixa disso! Não é a primeira, nem será a última. Quantas vezes ela saiu por aí e demorou mais do que hoje?
ATCHIM — Acontece, Léco-Leco, que me deu esse pressentimento, entende? Quando ela se arruma toda como tem feito esses dias, é que aí tem coisa...
D. ALFACE — E como tem! Eu que o diga!...
AGRIÃO — Ô Fofoqueira!!...
REPOLHÃO — Esses dois vão acabar me cansando...
AGRIÃO — É inveja! Só pode ser. Aliás, toda alface envelhecida se sente rejeitada. Ninguém mais quer...
D. ALFACE — Envelhecida não! Ouviu seu grosseirão amargoso! Estou um pouco queimada pelo sol, apenas isso!
AGRIÃO — Tá enrugando. Logo logo, começa a murchar e acaba.
D. ALFACE — Ah é, é? Pergunta aqui pro nosso companheiro, Repolhão... Tô jogada às traças, Sr. Repolhão? Estou!?...
REPOLHÃO (Apaixonado, se encostando) — Que nada, D. Alface. Que nada! Tão tenra, tão maciazinha!!...
D. ALFACE (Desconfiada) — Epa! Espera aí! Saí pra lá, não vem folgando liberdades para cima de uma donzela, não!
AGRIÃO (Rindo) — Chíi... mais essa!... Donzela!...
D. ALFACE — Viu seu amargão? Então? Pergunta ao Repolhão... sou ou não atraente?
AGRIÃO — O amor é mesmo cego, D. Alface! A senhora tem toda a razão.
REPOLHÃO (Sem entender) — É sim! Acho que é!...
ATCHIM (Volta o diálogo para o primeiro plano) — Além do mais, Léco-Léco, depois que a Mafaldinha andou tomando tanto sol... ela... sei lá... parece que anda assim, meio pancada!...
LÉCO-LÉCO — Bom... meio pancada ela sempre foi por natureza!
ATCHIM — De forma que, temos que cuidar dela, pobrezinha!...
LÉCO-LÉCO — Que nada, Atchim! Qual o quê!? Ela, apesar de tudo, é muito espertinha!
ATCHIM — Até demais!...
D. ALFACE — Muito atiradinha pro meu gosto. Essas coisas de adolescentes irresponsáveis!...
AGRIÃO — Saúde! Vigor! É isso o que Mafaldinha tem de sobra e que mete inveja em muitas por aí!!
(Volta ao primeiro plano)
LÉCO-LÉCO — Acho que vou tirar uma pestana aqui mesmo!
ATCHIM — Deixa de ser preguiçoso! Nossa irmã em perigo e você pensando em dormir? Ponha-se de pé já, já! (Puxando-o). — Vamos continuar nossa busca, agora!!...
LÉCO-LÉCO (Á parte) — Qual das duas será a mais maluca?
ATCHIM — O que foi que você disse, hein?!
LÉCO-LÉCO — Eu? Nada! Nada!
ATCHIM — Então vamos andando.
LÉCO-LÉCO — Como é dura essa vida de minhoca! Arre que me matam de tanto andar!!
(Saem os dois. Diálogo volta ao segundo plano)
D. ALFACE — Eta bichinhos mais estranhos, as minhocas!
AGRIÃO — Bem que nos favorecem! São muito nossas amiguinhas.
ALFACE — Tenho minhas dúvidas...
AGRIÃO — Ignorância, meu Deus! Não são eles que deixam a terra em que estás regulada?
REPOLHÃO — Isso lá é bem verdade! Elas nos ajudam e muito!...
AGRIÃO — Então?
D. ALFACE — Não gosto da Mafaldinha. Além do mais, vive muito preocupada consigo mesma.
AGRIÃO — Já disse! Coisas da idade. Aliás, o que não aconteceu com a senhora, pelo visto...
REPOLHÃO — Isso lá, também tem suas verdades que, com a idade avançando, passamos a nos preocupar mais com nossos semelhantes e as outras criaturas do Universo!
AGRIÃO — Exceto os egoístas que não conseguem enxergar muito bem além de seus limites.
D. ALFACE — O que me importa o que digam? Sou bem vivida para ter meus próprios pensamentos.
AGRIÃO — Guarde-os muito bem para a senhora mesma que, pelo jeito, não servem para mais ninguém.
D. ALFACE — Há quem goste! (insinuando) — Não é mesmo, Sr. Repolhão?
REPOLHÃO (Todo desconcertado, sem jeito) — Bem... na realidade, tudo o que se encontra na natureza, tem sua razão de ser.. de forma que...
D. ALFACE (Cortando) ...de forma que, também sou compreendida e querida, ouviram?!...
AGRIÃO (À parte) — É... cabeça dura, miolos moles! Dá-se um desconto. Jesus disse que deveríamos ensinar aos ignorantes e nunca fazê-los desfeitas...
D. ALFACE — O que foi que resmungou, hã?
AGRIÃO — Que a natureza tem lá os seus caprichos!
REPOLHÃO — Se tem! E como têm!...
QUADRO TRÊS
 
MAFALDINHA — Snif! Buáá! Rejeitada... Ele não me ama... Diz que não é possível um graveto casar-se com uma minhoquinha... Snif! E por quê não? Todos se casam, não casam? Na escolinha, disseram-me que éramos todos iguais...
(Graveto, entrando em cena)
GRAVETO — Mas nós somos diferentes, Mafaldinha! Só você que não percebe. Eu sou um pauzinho, um gravetinho...
MAFALDINHA — E eu uma minhoquinha. E o que tem isso? Nas historiazinhas e fábulas, até abóbora fala. E sapo, vira gente...
GRAVETINHO — Eu sei! Eu sei... mas é que... é que...
MAFALDINHA — Buá... Snif! Você não me ama. Pode dizer!!...
GRAVETINHO — Bem... amar, até que amo! Mas...
MAFALDINHA (Afoita) — Então? Podemos nos casar, não podemos? Seremos felizes...
GRAVETINHO — Eu não sei não...
MAFALDINHA (Sonhadora) — Eu sei! Eu sei! Teremos uma linda casinha e a tardinha, passearemos a cantarolar, observando o pôr do sol. Farei lindos e deliciosos bolinhos de terra para nós!... Oh, seremos tão felizes!...
GRAVETINHO — Aí é que está... você vive enfiada pela terra. Essas coisas de minhoca... E eu? Ora, tem algo que me parece meio estranho nessa estória!
MAFALDINHA — O que pode ser estranho quando se ama? Estou disposta a qualquer ato por nosso amor!
D. ALFACE — Assanhadinha!
AGRIÃO — Fica quieta aí, ô inveja galopante!
GRAVETINHO — Se ao menos eu me transformasse num minhoco...
MAFALDINHA — Lindo! Lindo! Seríamos, certamente, o casal perfeito de toda a região e... Espera aí!... espera, um pouco...
GRAVETINHO — O que foi Mafaldinha?
MAFALDINHA — Talvez não seja impossível?!
GRAVETINHO — Como assim? Do que você está falando, afinal?
MAFALDINHA — Podemos mudar algumas coisas quando nossos desejos são fortes e sinceros o bastante.
D. ALFACE — Não creio!
REPOLHÃO — Lá vem você outra vez!
AGRIÃO — Ela é sempre contra. Depois diz que não é inveja!
D. ALFACE — Vocês é que são cegos e não conseguem ver as coisas claramente!...
AGRIÃO — Pra ver da forma como a senhora tem visto, é preferível nada ver.
D. ALFACE — Tolinho! Onde já se viu ficar mudando a natureza? Graveto não se casa com minhoca e pronto!
AGRIÃO — Ah é, é?! E quem disse que alface fala?
REPOLHÃO (Rindo bastante) — Essa foi realmente muito boa!
D. ALFACE — Tá rindo do quê, ô seu paspalho? Por acaso repolho velho pode rir?
REPOLHÃO (Parando de rir e meio sem graça) — É... somente as crianças e os escritores são capazes de inventar essas coisas...
AGRIÃO — Pelo menos eles têm tornado o mundo mais humano, à despeito dos conflitos da raça...
(Volta para o primeiro plano)
MAFALDINHA — Talvez uma fada possa nos ajudar?
GRAVETINHO (À parte) — O amor deixa a gente meio maluco, acho. (Pra Mafalda) Fada? Que fada?
MAFALDINHA — É isso mesmo!!... Uma fada boazinha!!
GRAVETINHO — Oh, mas claro! Uma Fada! Como eu não havia pensado nisso antes?
MAFALDINHA — Ela resolveria, certamente, nossos problemas!
GRAVETINHO — Talvez eu até peça para que ela me transforme num enorme pinheiro.
MAFALDINHA — E eu? Como fico nessa história?
GRAVETINHO — Ora, você poderia ser transformada numa bela e frondosa paineira!...
D. ALFACE — E cheia de espinhos também!
AGRIÃO — Parece que alfaces é que têm adquirido espinhos ultimamente.
REPOLHÃO (À parte) — E, venenosos, pelo jeito!
(Volta ao primeiro plano)
MAFALDINHA — Não sei não... (À parte) — Acho que se ele fosse transformado num belo minhoco, seria mais interessante. Além do mais, a idéia foi minha...
GRAVETINHO — Mas, diga-me uma coisa: Fadas... elas existem, realmente?
MAFALDINHA — Claro! E como não haveria?
GRAVETINHO — Sei lá... nunca vi!!...
MAFALDINHA — Mas há que ver... há sim!
GRAVETINHO — Hei? Hei de ver?
MAFALDINHA — Claro que há de ver! Vamos já procurar uma fada e conversar com ela, para que resolva este caso!!
GRAVETINHO — Então vamos. (à parte) — Não custa nada acreditar...
MAFALDINHA (Saindo) — D. Fada! D. Fada!!!...
(Quando eles saem volta o segundo plano)
D. ALFACE — D. Fada! D. Fada! (imitando) — Pobrezinha! (rindo) — Eu não disse que é meio pancada? Eu não disse?
AGRIÃO — Só ela?
REPOLHÃO (introspectivo) — Mas será que existem mesmo?
D. ALFACE — Deixe de ser sonhador, Don Repolhão! Fadas só nas estórias da carochinha... Essa é muito boa! O que a gente não tem que ouvir neste mundo?!...
AGRIÃO — Eu torço por eles. Tomara que encontrem a fadazinha azul e sejam atendidos! Seria muito bom que fossem felizes. Afinal, os dois desejam isso...
QUARTO QUADRO
(Entram Atchim e Léco-Léco por um lado e continuam procurando como quando saíram de cena.)
ATCHIM — Mafaldinha!! Mafaldinha!!...
LÉCO-LÉCO (Já no centro do palco) — Ufa! para mim já chega!
ATCHIM — Chega? Como chega?!...
LÉCO-LÉCO — Daqui não arredo pé, não! Pensa que sou trator?
ATCHIM — Preguiça. Pura preguiça. (continua procurando) — Mafaldinha!!!
(Entram Mafaldinha e Gravetinho pelo lado oposto)
MAFALDINHA — Fadazinha!!...
GRAVETINHO — D. Fada! Apareça, por favor! Só um pouquinhozinho!!...
(Dão de frente com Atchim e Léco-Léco)
ATCHIM — Ahá, finalmente!...
MAFALDINHA — Oi maninha! Me procurando?
LÉCO-LÉCO (Imitando a irmã) — Me procurando? Ainda se faz de sonsa.
GRAVETINHO (À parte) — Ainda vai sobrar para mim...
ATCHIM — O dia todo! O dia todo! Já reviramos toda a horta e a senhorita batendo pernas com esse... com esse gravetinho? (Espantada).
GRAVETINHO (Disfarçando) — Tá um lindo dia não?!
LÉCO-LÉCO — Esses dois não me enganam! Tão com cara de que andaram atrás das cores do arco-íris.
GRAVETINHO — Quem? Eu?
LÉCO-LÉCO (Imitando o gravetinho) — Eu? Agora é que fiquei mais desconfiado ainda!
ATCHIM — Podemos saber por onde andaram e o que fizeram todo esse tempo por aí, sozinhos?
MAFALDINHA — Nós? Ora, estávamos somente conversando...
ATCHIM — Conversando o quê, por exemplo?
LÉCO-LÉCO — É isso mesmo. Conversando o quê por exemplo?
GRAVETINHO — Sobre a possibilidade da gente...
MAFALDINHA (Interrompendo-o bruscamente) — Não! Não conta!
LÉCO-LÉCO — Eu não disse? Eu não disse?
GRAVETINHO — Disse o quê?
LÉCO-LÉCO — Eu tinha certeza disso! Eu tinha!
ATCHIM — Quer fazer a gentileza de fechar essa matraca e deixar os dois explicarem?! Ah... e muito bem explicado!
LÉCO-LÉCO — E muito bem explicado!
ATCHIM (Brava com Léco-Léco) — Ah, mas você não perde essa mania de ficar repetindo tudo o que os outros falam?! Vê se fica quieto um pouco! Parece mulata de português...
LÉCO-LÉCO — Mulata de português não, ouviu?!
GRAVETINHO (Rindo Bastante) — Mulata de português é boa... é muito boa!
MAFALDINHA (Rindo também) — Se é boa!... Se é!!...
LÉCO-LÉCO — Então tá achando graça, né? (Pro gravetinho)
GRAVETINHO (Parando repentinamente) — Eu? Eu... não!... é que...
LÉCO-LÉCO (Invocado) — É que o quê?!...
GRAVETINHO — É que... sei lá! Foi tão engraçado!... (Volta a cair na risada)
LÉCO-LÉCO (Com desdém) — Espertinho, boboca! E trate de ir explicando direitinho sobre suas intenções com as pobres e indefesas minhoquinhas!
MAFALDINHA (Zombando) — Hi! ficou valente de repente! Cuidado que ele acaba virando a “Shirra”!
ATCHIM — Agora chega de gracejos todos vocês! Se eu não me engano, alguém tinha que explicar alguma coisa por aqui!... Então?!...
MAFALDINHA (Disfarçando) — Então?
LÉCO-LÉCO — Estamos esperando.
GRAVETINHO — Está bem! Está bem! Já que terão que ficar sabendo cedo ou tarde, eu já vou explicando...
ATCHIM — Pode começar.
LÉCO-LÉCO — É, mas somente a verdade!
GRAVETINHO — Eu não sei bem como começou... mas, acontece que...
LÉCO-LÉCO (Interrompendo) — Eu não disse? Bem que eu desconfiava!
GRAVETINHO — Vai ficar interrompendo, vai?
MAFALDINHA — É isso mesmo! É melhor você ficar calado e esperar que alguém o chame na conversa, seu malcriado!
LÉCO-LÉCO — Está bem, tudo bem! Eu prometo não interrompê-los. Podem continuar. (Para o público) — Essa história tá ficando muito longa e isso me cansa! (Boceja sonado)
ATCHIM — Pois bem, continue!
GRAVETINHO (Indeciso) — Como eu ia dizendo... é... você não quer dar a notícia, Mafaldinha?
MAFALDINHA — Eu? Eu não! Você começou, agora vai até o fim!
LÉCO-LÉCO — Isso mesmo! Tá esperando a coragem chegar, é?!...
ATCHIM — Vamos contar tudo de uma vez? Eu já estou perdendo a paciência!!
GRAVETINHO — É que nós, eu e a Mafaldinha... é... nós dois...
LÉCO-LÉCO — Lá vem bomba!
GRAVETINHO — Nós... nós...
MAFALDINHA — Resolvemos nos casar!
GRAVETINHO — É... é isso!!
ATCHIM — Casar?!...
LÉCO-LÉCO — Casar?!...
GRAVETINHO — Casar? Quero dizer, é isso mesmo: resolvemos nos casar!
MAFALDINHA — Só que tem um pequeno probleminha...
ATCHIM — É?! E qual é esse pequeno probleminha?
GRAVETINHO — É... um probleminha!...
LÉCO-LÉCO — Disso nós já fomos informados!... O que precisamos saber, agora, é que probleminha é esse!?!...
MAFALDINHA — É que passamos o dia todo procurando a fadazinha azul e não conseguimos encontrá-la. Somente ela poderia resolver o problema!
ATCHIM — Está bem! Já que vocês estão realmente decididos a se casarem, só nos resta então, sairmos todos à procura da fadazinha azul.
LÉCO-LÉCO — Não!
MAFALDINHA — Não o quê? Você é contra?
GRAVETINHO — Mas nós, só queremos ser felizes...
ATCHIM — Porquê não, Léco-Léco?
LÉCO-LÉCO — Não! São os meus pobres pezinhos! Eu não agüento mais procurar! Por hoje, chega. Vocês vão e eu fico. Se por acaso a fada aparecer, dou o recado.
ATCHIM — Tinha que ser a preguiça de sempre. Já era de se esperar!
MAFALDINHA — Não faz mal, ele pode ficar e descansar. Eu estou feliz da mesma forma.
GRAVETINHO — Tudo resolvido?
ATCHIM — Claro!
GRAVETINHO — Então lá vamos nós!
MAFALDINHA — Sim! Vamos!
(Os três saem. Léco-Léco procura um lugar para descansar)
LÉCO-LÉCO — Eu hein! Ainda se fosse um príncipe encantado!... Um graveto mais estranho que nunca vi! Eu é que não saio por aí perdendo o meu tempo atrás de fadas. Ainda mais das azuis. São tão difíceis de serem encontradas nessa época do ano! (Adormece).
(Segundo Plano: Agrião, D. Alface e Repolhão completam o quarto quadro)
AGRIÃO — Vocês viram? Eles vão acabar juntos! Assim é que deve ser!!
D. ALFACE — Que torcidazinha mais boba! Até parece que é você quem vai se casar, seu amargoso?
AGRIÃO — Pelo jeito, a senhora não gosta de ver ninguém contente, não é mesmo?
REPOLHÃO — E vocês dois, não conseguem permanecer por muito tempo sem começar com essa palhaçada de sempre?
D. ALFACE — Vocês são contra tudo o que falo!
AGRIÃO — Também, só fala besteira. Quer o quê?!
LÉCO-LÉCO — Ei, vocês aí! Querem parar com essa zoeira toda, sim?
REPOLHÃO — Estão vendo? Já, já, arrumam uma encrenca qualquer.
LÉCO-LÉCO (Caindo em si de um salto) — Ei... vocês... vocês... falam?!
D. ALFACE — E o que há de mais nisso? Você, por acaso, não fala?
AGRIÃO — Está ouvindo? Todos falamos!
REPOLHÃO — Isso mesmo, todos falamos!
LÉCO-LÉCO — Bem, nesse caso poderiam, por favor, falar mais baixo enquanto descanso? É que estou com os pés...
D. ALFACE — Nós já sabemos: com os pés em brasas.
AGRIÃO — Mas pode descansar tranqüilamente. Procuraremos não incomodá-lo.
REPOLHÃO — Fosse eu, não confiaria muito não.
LÉCO-LÉCO — Ah! e se por acaso, virem uma fadazinha azul, por favor, me acordem. Está bem?
AGRIÃO — Nós faremos isso por você. Pode ficar tranqüilo.
(Pausa. Léco-Léco volta a dormir. Ronca um pouco)
D. ALFACE — Já dormindo, o rapazinho folgado?!
REPOLHÃO — Já dormiu sim, D. Alface. E acho melhor a senhora manter os ânimos um pouco mais sob controle!
AGRIÃO — Isso mesmo!
D. ALFACE — É... já vi que agora os dois não vão largar do meu pé tão fácil!... Mas afinal, ninguém resiste aos meus encantos!
REPOLHÃO — Ei vejam só quem vêm ali! Vejam!
AGRIÃO — A fada! É ela, só pode ser! Eu sabia! Eu sabia que ela existia!
(A Fadazinha vai entrando em cena. Saltitante, com sua varinha na mão)
FADAZINHA AZUL — Lalaiá! Ouço alguém me chamar! Oh! mas que bela horta! Mas quem estaria me chamando por aqui?!
D. ALFACE — Olá!
FADAZINHA — Oh... olá, D. Alface! A senhora me chamava?!
D. ALFACE (Disfarçando) — Não... quero dizer... já que a senhora está aqui, poderia fazer um favor?
FADAZINHA — Bem eu acho que posso...
D. ALFACE — Obrigada! Muito Obrigada! Eu sabia que a senhora poderia me ajudar!
FADAZINHA — Ei, calma! Não sei ainda o que a senhora deseja.
D. ALFACE — Bem... é que esses dois aí...
FADAZINHA (Apontando Repolhão e Agrião) — Esses?
D. ALFACE — Eles mesmos. Por favor, não os acorde ainda. Bem, é que eles vivem me chamando de velha e... dizem que perdi toda a minha verdura...
FADAZINHA — E a senhora quer ficar novamente como era há algum tempo atrás?
D. ALFACE — Isso! Isso mesmo! Por favor, poderia, hã?!
FADAZINHA — Está bem. Mas a senhora tem que acreditar: a juventude está no coração e não no exterior, entende? Agora feche os olhos e mãos à obra... (Para o público) — A vaidade é terrível, às vezes. (Vai até os dois e os toca com sua varinha mágica) — Pronto. (Para o público) — Se não posso fazer com que D. Alface rejuvenesça, pelo menos posso fazer com que seus amiguinhos passem a olhá-la de forma mais simpática.
REPOLHÃO — Ei o que está se passando? Acho que adormeci.
AGRIÃO — Eu também. Oh, olá D. Alface! A senhora está radiante hoje!
D. ALFACE — Obrigada Sr. Agrião. O senhor também está realmente encantador! (Para o público) — Deu certo! Deu certo!
TODOS — Ei, a D. Fada! Precisamos avisar Mafaldinha!
FADAZINHA — Sim! Ouvi alguém me chamando o tempo todo. Era daqui?
AGRIÃO — Sim, sim! Aquele dorminhoco ali poderá explicar melhor.
REPOLHÃO — Psiu! Léco-Léco!
D. ALFACE — Léco-Léco!
LÉCO-LÉCO (Ainda com sono) — Já estou indo, calma!
D. ALFACE — A fada! Ela está aqui, veja!
LÉCO-LÉCO — A fada! Finalmente encontramos. Vamos avisar os outros. (Sai correndo).
FADAZINHA — O que há com ele, afinal?
REPOLHÃO — Foi chamar a Mafaldinha. Era ela quem chamava pela senhora todo esse tempo.
D. ALFACE — É sim... ela precisa de um favor muito, muito importante!
AGRIÃO — Isso mesmo. Ela e o gravetinho. Querem se casar e somente a senhora poderá ajudá-los a realizar este sonho tão bonito.
REPOLHÃO — Ou transforma ele num minhoco, ou ela, em D. Gravetinha.
FADAZINHA — Ora, isso é fácil! Posso fazer bem mais. Isto é, se eles realmente se amam. Caso contrário, eu nada poderei fazer pelos dois... Vocês entendem, não é mesmo? É preciso que eles se amem de verdade para que a minha varinha realize seus sonhos...
QUINTO QUADRO
(Léco-Léco encontra Mafaldinha, Gravetinho e Atchim que voltavam. Repolhão, D. Alface, Agrião e a Fadazinha passam para o segundo plano).
LÉCO-LÉCO — Não conseguiram encontrá-la, não é mesmo?
MAFALDINHA (Desanimada) — É... procuramos muito...
ATCHIM — Por léguas e léguas...
GRAVETINHO — Acho que estou em frangalhos após toda essa caminhada.
LÉCO-LÉCO (Fazendo suspense) — Bem... acho que posso resolver o problema.
MAFALDINHA (Afoita) — Pode? Pode mesmo?!
ATCHIM — Não me venha com suas brincadeiras tolas!
LÉCO-LÉCO — Muito bem, fiquem aqui e esperem. Volto já.
(Caminha até o segundo plano, onde se encontram os outros: Repolhão, Agrião, D. Alface, juntamente com a fadazinha azul).
D. ALFACE — Encontrou-os?
REPOLHÃO — Disse a eles?
LÉCO-LÉCO — Bem, encontrei sim... só que estive pensando...
FADAZINHA AZUL — Pensando?
AGRIÃO — O quê?
LÉCO-LÉCO — Se realmente é um amor verdadeiro...
AGRIÃO — Mas é claro que é!
LÉCO-LÉCO — Só há uma forma de ficarmos sabendo.
REPOLHÃO — E qual é?
LÉCO-LÉCO — A sra. D. Fada poderia, com sua varinha encantada, realizar as mágicas sem aparecer?
FADAZINHA AZUL — Mas é claro que sim! Aliás, fazemos isso sempre: atendemos muitos pedidos dos aflitos, sem que nos vejam. E eles, nos chamam por anjos da guarda!
LÉCO-LÉCO — Oh mas isso é ótimo! Então eu vou lá e digo a eles para fazerem o pedido e a Sra. o realiza daqui. Nós sempre seremos todos gratos, hã!?
FADAZINHA AZUL — Está bem, Léco-Léco.
LÉCO-LÉCO — Ótimo! Eu já vou então. (Sai saltitando de contentamento)
AGRIÃO — Vai, certamente, aprontar alguma.
D. ALFACE — Esse não vai tomar jeito nunca.
REPOLHÃO — É preciso não confiar muito. Ele é esperto que só vendo!
FADAZINHA AZUL — Eu já sei quais são suas intenções. Deixe-o realizar seus sonhos extravagantes!
(Primeiro plano)
LÉCO-LÉCO — Muito bem! Todos prontos?
MAFALDINHA — Prontos?
LÉCO-LÉCO — É, eu disse que poderia resolver o problema... só que tem um porém...
ATCHIM — E o que é?
GRAVETINHO — Sim, do que se trata?
LÉCO-LÉCO — Bem, bem! Só poderei ajudá-los se prometerem que de hoje em diante, não vão mais me acordar cedo, hein? Hein?!
ATCHIM — Não sei não...
MAFALDINHA — Para mim está bem. Eu estou de acordo.
GRAVETINHO — Bem, também acho que estou de acordo.
LÉCO-LÉCO — Então, concentrem-se e façam os seus pedidos...
(Todos se concentram, Léco-Léco faz alguns gestos. Ri para o público. Jogo de luzes)
MAFALDINHA — Deu certo! Deu certo! Agora podemos nos casar! Viva!
GRAVETINHO — Deu certo mesmo! Agora é só começarmos os preparativos.
ATCHIM — Oh que maravilha! (Beija Léco-Léco) — Como você conseguiu?
LÉCO-LÉCO (Pomposamente) — Segredo, maninha. Segredo!
MAFALDINHA — Tô tão feliz (Abraça Léco-Léco) — Obrigada irmãozinho!
LÉCO-LÉCO — Ora... isso foi realmente fácil para mim!
GRAVETINHO — Quem diria!... Obrigado, meu cunhado! (Abraça-o)
LÉCO-LÉCO — Tem um porém...
ATCHIM — Lá vem coisa!
MAFALDINHA — O que é irmãozinho, diga, vamos?!
LÉCO-LÉCO — Vocês não poderão jamais romper nosso trato.
ATCHIM — Mas é claro que não!
LÉCO-LÉCO — Se me acordarem cedo, quebram o encanto.
MAFALDINHA — Nunca!
ATCHIM — Você pode dormir o dia todo, se quiser!
LÉCO-LÉCO — É... acho que é bem mais seguro. É isso mesmo! (Ao sair pisca para o público e ri)
(Todos saem. Volta para o segundo plano)
D. ALFACE — Ora, mas que espertinho! Bem que eu disse...
REPOLHÃO — Isso não foi lá muito honesto! Onde já se viu mentir daquela forma?
AGRIÃO — Aproveitou-se da situação e da bondade da Sra.! Não é D. Fada?
FADAZINHA AZUL — Não se preocupem. Não tem importância!
D. ALFACE — Não? Mas ele...
REPOLHÃO — Ele abusou da senhora só pra conservar sua preguiça.
FADAZINHA AZUL — Mas acontece que vou ajudá-lo a livrar-se da preguiça.
AGRIÃO — Depois de tudo isso? Quanta bondade!
REPOLHÃO — Realmente, isso é que é bondade.
D. ALFACE — E o que a senhora pretende fazer?
AGRIÃO — É, fazer o que com todo aquele sono?
FADAZINHA AZUL — Ele queria dormir bastante durante o dia, não é?
REPOLHÃO — É, deve ser. Porque durante a noite, ninguém iria acordá-lo!
FADAZINHA AZUL — Então ele poderá dormir durante todo o dia. Até o anoitecer!
D. ALFACE — Mas é tudo o que ele deseja.
FADAZINHA AZUL — Mas para compensar, ele há que transformar-se em guarda noturno para sempre e somente poderá dormir durante o dia. À noite, vigiará toda a horta e caminhará bastante. Com o tempo vai acostumar-se e perder toda aquela preguiça!
(TODOS RIEM SATISFEITOS. O PANO CAI.)
FIM
São José do Rio Preto, 20 de junho de 1.988
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