capa

eBookLibris

O PROBLEMA DO LIVRO NACIONAL

Levi Carneiro

www.ebooksbrasil.org


O Problema do Livro Nacional [01-08-1938]
Levi Carneiro [1882-1971]

Versão para eBook
eBooksBrasil

Fonte Digital:
Estudos Brasileiros
Ano I * No. 1
Julho-Agosto de 1938

Copyright:
Domínio Público


O Problema do Livro Nacional

“Conferência realizada em 1-8-1938 no Instituto de Estudos Brasileiros
Av. Rio Branco, 158-11° andar-Sala 112-Rio de Janeiro”

[imagem]

LEVI CARNEIRO


ÍNDICE

Nota (nada breve) do Editor
O Conferencista
Conferência: O Problema do Livro Nacional
Resumo dos Debates
Participantes:
Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, José Leite, Paulo Azevedo, Ribas Carneiro.


Nota do Editor

 

Com a publicação desta Conferência proferida por Levi Carneiro em 1938, a eBooksBrasil quer dar sua contribuição para o debate sobre o livro e os eBooks no Brasil.

Por que a escolha de uma conferência tão antiga, quando há tantas manifestações mais recentes, inclusive no site do Comitê Gestor, sobre o problema?

Primeiro, para deixar claro que algumas questões, que parecem tão “modernas”, são anciãs. Segundo, porque algumas das piores previsões de alguns dos participantes, infelizmente se confirmaram. E, finalmente, pela oportunidade de, nas linhas que se seguem, acrescentar nossas reflexões de como os eBooks podem mudar e estão mudando todo o cenário.

Os eBooks podem, hoje, efetivamente, resolver muitos dos problemas abordados. Como, por exemplo, o da velhinha que já não podendo ler tinha que se contentar com o rádio. O leitor de eBook não precisa ficar preso a um tipo ou tamanho de letra escolhido pelo editor pelos motivos mais diversos, dos estéticos aos econômicos.

As previsões quanto aos jornais (à imprensa em geral), infelizmente se concretizaram e tendem a se concretizar cada vez mais... infelizmente.

Mas graças à internet e aos eBooks ninguém precisa ficar preso a uma única fonte de informação e quem quiser disponibilizar informações mais aprofundadas poderá fazê-lo. Só lamentamos que muitos jornalistas que se queixam da superficialidade dos órgãos de imprensa em que trabalham não disponibilizem pela internet as análises mais profundas que apregoam não os deixarem fazer. Felizmente, outros, mais atualizados, já começam a fazê-lo. Assinante de prestigioso e prestigiado órgão de imprensa paulista por anos, cancelei minha assinatura depois de constatar que me informaria melhor, mais rápido e mais profundamente pela internet. Hoje, diariamente, em MobiPocket, recebo notícias que me interessam. Análises mais profundas, as transformo em RocketEditions e envio para meu Rocket eBook... e leio em qualquer lugar, a qualquer hora.

Isso para deixar claro que a Revolução dos eBooks não se refere só aos livros propriamente ditos, mas às publicações em geral. Por quê comprar uma Agenda se posso fazer uma?

Aspectos para que chamo a atenção do eventual leitor:

"Não quereria que todos lessem os mesmos livro", declarava o conferencista.

Mas, ao chegar tempos de vestibular, toda a mocidade do país, em que a fatalidade me fez nascer, tem que se contentar com uma lista de obras que não escolheu e talvez nem escolhesse. Fica conhecendo os costumes burgueses do Rio do final do século passado muito bem, mas basta ler o surpreendente Raiva é Amor com Intensidade, de Carlos Ormond, que está (estava) nas estantes da eBooksBrasil, após ter sido recusado por diversos editores como nos informou o autor, para ver quanto o Rio mudou. Quem quiser conhecer o Rio de ontem, leia A Pata da Gazela, quem quiser conhecer o Rio de hoje, que leia Ormond.

Quanto ao que diz sobre a Biblioteca Nacional, este ano mais centenária, é louvável a iniciativa dos que estabeleceram a Biblioteca Virtual, com edições bem cuidadas em rtf. Mas, infelizmente, carecendo de modernidade em outros aspectos. Em outubro de 1999, solicitei informação para a obtenção de ISBN para eBooks. Um ano depois, recebi e-mail de pessoa que julgo pertencer à repartição competente, me dizendo que não respondera antes porque estava em um Congresso livreiro na Alemanha, que não era possível ainda ISBN para eBooks e me perguntando se conhecia o Acervo Virtual da Biblioteca Nacional.

Leitor, um ano depois de minha primeira consulta, quando a Powells, a BarnesandNoble e outras menos cotadas já estavam vendendo eBooks com ISBN e já se encontravam nas estantes da eBooksBrasil títulos convertidos do Acervo Digital em rtf para diversos formatos de eBook. Nem me dei ao trabalho de responder ao e-mail, evitando assim a tentação de umas tantas mal-criações.

A experiência de pedir um livro jurídico de José de Alencar, mencionado durante a Conferência, não deve ser estranha a quem quer que tenha solicitado a ajuda de um balconista na maioria das livrarias, principalmente das “grandes” livrarias. Recuso-me a chamá-los, a todos, de vendedores de livros, que já fui, para não ofender os verdadeiros vendedores de livros que cumprem a obrigação de, pelo menos, conhecer sua mercadoria.

Mas o mais interessante: há quanto tempo não se reeditam estes livros? Os Guaranis desta vida são de leitura obrigatória aos vestibulandos, portanto há mercado, portanto se reeditam.

Por que cito isso? Porque é o que se pode vislumbrar como o futuro das livrarias: um ponto de ajuda, recomendação e consulta bibliográfica. Um lugar onde os leitores encontrarão pessoas que conhecem os livros, que se aprofundaram em determinados assuntos e possam ajudá-los, indicando o que houver de mais adequado a seus interesses. Livrarias com vendedores para ir tirar o livro da estante e entregá-los ao “freguês”, para estas, não lhes vejo futuro. A boa notícia é que, em futuro próximo, qualquer amante e conhecedor de livros poderá estabelecer uma livraria assim, sem muito capital, exceto o mais raro: conhecimento de livros.

Bastará que tenha um computador que acesse a internet e conhecimento de onde pode localizar os eBooks. Claro, poderão ser remunerados por este serviço. Mercado haverá.

As observações concernentes aos direitos autorais, se eram então, na época do livro de papel, pertinentes, parecem, hoje, mais do que premonitórias. E a pergunta, que mostra interesse público, mais que nunca atual: “Ver­da­dei­ra­men­te, será o que mais convém à difusão de nossa cultura?”

A menção ao direito moral do autor nunca foi de tanta propriedade como hoje. Graças aos recursos do scanner, do “copiar e colar”, da tradução on-line, da mais dificultosa mas possível transcrição, a reprodução dos textos por meio digital está ao alcance de todos. Mas exatamente porque se tornou tão fácil é que os cuidados devem ser redobrados: na revisão, no confronto com fontes originais, na reprodução das notas.

Sei do que estou falando, por experiência própria: há fontes digitais duvidosas, há obras que embora disponíveis em formato digital não merecem crédito, porque não fiéis ao que o escritor escreveu.

E, claro, há um direito moral do autor impensável à época da conferência e até ontem, mas que a partir de agora deveria ser contemplado: o direito do Autor ter sua obra publicada em vida e, principalmente, após a morte. Deveríamos honrar com este direito não apenas os contemporâneos como (e principalmente) os que já morreram.

Quanto ao problema das traduções, esse também é atual. Nunca foi tão fácil aos que conhecem o francês ou o inglês, por exemplo, ter acesso aos clássicos no original. Até em latim... Mas quantos compatriotas são monoglotas? E não tenham o trabalho de procurá-los nas ruas: procure-os nas Faculdades, nas Academias, nos Parlamentos, na própria Casa do Barão do Rio Branco...

Infelizmente, embora Platão tenha contribuído com suas idéias ao acervo da Humanidade antes da Rainha Anne ter inventado o copyright, as traduções podem ser objeto de algo com que o filósofo jamais pensou: apropriação. O tradutor (mais freqüentemente o Editor, visto tratar-se normalmente de obra sobre encomenda) se torna proprietário do pensamento de Platão... e não por amor platônico.

É mais que evidente que isso tem que ser repensado, garantindo-se justa remuneração aos tradutores, mas não se vedando a reprodução das obras traduzidas.

Quanto à presença do livro brasileiro em exposições internacionais, a nascente comunidade dos eBooks no Brasil já está dando sua contribuição, com a colocação de edições de eBooks bem cuidados (na medida de nosso possível) na Rocket-Library.com (infelizmente desativada) e com links para a eBooksBrasil.org e outros sites disponíveis nos principais fóruns de eBooks na internet.

Quanto à queixa sobre exposições de livros, o conferencista certamente ficaria maravilhado ao saber das Bienais do Livro, das Feiras Regionais do Livro...

Mas se, em 1938, para uma população inferior aos 50 milhões de habitantes, com 75% de analfabetos, comemorava-se tiragens de 10.000 exemplares, o que dizer hoje, para uma população que caminha para os 200 milhões (caminhava) e um índice oficial de perto de 25% de analfabetos?

A preocupação jocosa de Afrânio Peixoto com o consumo de tinta e papel, hoje, graças aos eBooks, poderia ser dispensada. Que publique quem quiser... que os leia quem quiser. A partir de agora, gosto de dizer, poderá haver autores não lidos, mas não inéditos.

Profeticamente, infelizmente, Afrânio Peixoto acertou em sua previsão quando dizia: “E já estou prevendo também o dia próximo em que haverá uma lei que obrigue a leitura de determinados livros nacionais.” Certamente, não gostaria de saber que suas primorosas traduções, sua História do Brasil, não estariam entre eles. O que é pior, que sua História do Brasil não poderia ser publicado em eBook... porque ainda não transcorreram 70 anos de sua morte e a editora que o publicou (mas que não a reedita, embora ligada a forte grupo de editores de livros didáticos) ainda existe. Monteiro Lobato certamente deve estar rolando na tumba!

Mais estranharia Afrânio Peixoto ao saber que exatamente pelo sucesso dos seus livros infantis, Lobato não tem seus livros “sérios” publicados ou ePublicáveis. Quanto não gostaria de colocar à disposição dos leitores de hoje O Presidente Negro, o Mister Slang e o Brasil e tantas outras obras de Lobato que só se encontram nas estantes empoeiradas, nos sebos!... Devidamente protegidas por uma Lei de Direitos Autorais feita para os livreiros, para a indústria do papel, para os sucessores de autores que não têm, com freqüência, o amor aos livros que tinham os autores. Uma Lei que não foi feita para os Autores, muito menos para seus leitores potenciais e menos ainda para a Cultura e a Civilização.

Uma Lei de Direitos Autorais que, apesar de datar de 1998, parece saída dos anos 60!

À intervenção de Lourenço Filho, grande educador, quero contribuir com alguns números atuais: quantos “downloads” teria Os Maias sem a ajuda da série da TV Globo? Pois a série, infiel que seja à obra de Eça (olha a violação dos direitos morais, olha a violação dos direitos morais...), certamente contribuiu para que, em um mercado que nem sequer existe ainda, o dos eBooks, fossem feitos mais de 1.000 downloads da obra e, note-se bem, em apenas um formato: RocketEdition. Mais curioso ainda: eEditada pela eBooksFrance. Passam de 3.000 os downloads em todos os formatos disponíveis. Nem no ano passado, com a comemoração literária dos 100 Anos de Eça de Queirós, o Autor teve tantos leitores que pudessem, assim, confrontar o desrespeito da integridade da obra do Autor com o original. Em português.

Que diria, maravilhado que esteve na Biblioteca do Vaticano, ao perguntar por informações sobre as borboletas na África do Sul (e obtê-las), se entrasse no Altavista ou no Yahoo — agora, no Google — com sua consulta?

O Sr. José Leite, que não achava correto que se pagasse por uma obra de erudição o mesmo que por uma obra de ficção, ficaria mais horrorizado ainda ao saber que pelo simples fato de haver cometido um crime ou feito contato imediato com um charuto presidencial uma autora americana, talvez meramente autora por ter emprestado seu nome ao livro, faria fortunas... E que diria ao saber que teses que custaram anos de pesquisa aos seus autores e fortunas ao bolso dos contribuintes ficam sem difusão?

Dou como exemplo a bela tese de Sônia Régis, Literatura Como Ciência que, graças aos eBooks, em vez de ficar mofando à espera de eventuais pesquisadores nas estantes de uma biblioteca acadêmica, já alcançou mais 1.000 leitores apenas em RocketEdition.

Muito se publicava nos Estados de que a Nação e o Mundo não ficavam sabendo.

Por coincidência, se menciona um livro editado no Pará, que, por estranho que pareça, era conhecido no exterior, mas não no Rio.

Por que digo por coincidência? Porque, hoje, um ótimo escritor do Pará, cronista, romancista, excelente poeta, João Luiz Colares Sarmento, está tendo sua obra quase que instantaneamente divulgada, não só para o Brasil, mas em todo o ciberespaço, em questão de horas.

Sem mencionar o Prof. Daniel Walker, autor do utilíssimo Como Elaborar Trabalhos Escolares, que está ensinando muitos (inclusive a mim) Biologia com seu O Corpo Humano é Engraçado (2.170 downloads só em RocketEdition). Menciono porque o Prof. Daniel Walker é do Crato e está tão perto ou mais de seus leitores do que alguns autores que se dizem “contra os eBooks” e que moram logo ali.

Como se a questão fosse ser a favor ou contra e não o reconhecimento de um fato: os eBooks existem, já estão dando sua contribuição para a Cultura e a Educação, sem necessidade de nenhum subsídio ou Comissão Editorial, como a do Senado, que, pasmem-se! faz tiragens de 1.000 exemplares de obras importantíssimas. Ouvi na própria TV Senado, pelas palavras de um dos integrantes desta Comissão, que se vangloriava de haver publicado quase duas dezenas de títulos em um ano.

Já há um elenco de dezenas de novos escritores com obras importantes disponíveis em eBooks... e só em eBooks, em diversos websites e eEditoras que começaram a surgir.

Mas tente o leitor procurar livros, não relação livros, os livros mesmos, na maioria dos sites de bibliotecas das Universidades Públicas, Ministérios e quejandos.

Não os achará na maioria. E as exceções, pouquíssimas, são conhecidas de todo e qualquer internauta, tão poucas que são.

Mas publicam? Sim e muito. Como? Adivinhe.

O que nos faz lembrar o participante da Conferência, ora publicada, que mencionava, como aviso, “que não se adote, porém, o sistema em uso na Imprensa Nacional” que, acrescentava, “todos vós conheceis”; referia-se, certamente, à publicação de livros de apadrinhados e políticos com veleidades literárias... como “todos vós conheceis”.

Prática, evidentemente, em desuso nos dias de hoje...

Por todas as razões acima e outras tantas que o próprio leitor notará, a publicação desta Conferência se dá muito mais do que pelo simples desejo de colocar em nossas estantes virtuais uma curiosidade.

Quanto às menções à Biblioteca da Faculdade do Largo de São Francisco, só como exemplo, o quanto sentimos a ausência de Alcântara Machado, do qual se comemora este ano os 100 anos de nascimento, para utilizar os eBooks como forma de difusão de seu acervo e ajudar na preservação de obras raras que correm riscos de que as percamos pelo manuseio. Que se “escaneie” uma vez e só uma vez o raríssimo Tratado de Direito Natural de Avelar Brotero, disponibilizando-se seu conteúdo. E que se encerre o original que lá está em uma redoma, contribuição primeira para um futuro museu do livro antiecológico.

Isso é possível? Certamente. A Carta de Pero Vaz de Caminha é um bom exemplo: seu conteúdo está disponível para consulta em toda a internet, nos mais diversos formatos. O original, preservadíssimo e motivo de prestigiosa e onerosa exposição nas equivocadas e atabalhoadas comemorações de nossos 500 anos de Descobrimento.

Estas são algumas das considerações que a publicação desta Conferência nos proporciona.

Perdoe-me o leitor a desordem em que foram apresentadas.

Sem mais, com você, o Conferencista e os Debatedores, que podem, vozes vindo de 1938, dar a nós, em 2001, muito, mas muito mesmo, o que pensar.

Teotonio Simões
Fevereiro 2001
Revisão parcial em 2006


O Conferencista

Levi Carneiro

Levi Carneiro (L. Fernandes C.), advogado, jurista, político e ensaísta, nasceu em Niterói, RJ, em 8 de agosto de 1882, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de setembro de 1971. Eleito em 23 de julho de 1936 para a Cadeira n. 27, na sucessão de Gregório Fonseca, foi recebido em 7 de agosto de 1937, pelo acadêmico Alcântara Machado.

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, dedicou-se desde cedo à advocacia. Ocupou vários cargos administrativos; foi secretário da Delegação brasileira à Conferência Internacional de Jurisconsultos, em 1912; presidente da Ordem dos Advogados do Brasil; consultor geral da República, de 1930 a 1932. Como representante das classes liberais, participou da Constituinte de 1934. Perdeu o mandato com a decretação do Estado Novo, em 1937; membro da Comissão Permanente de Codificação do Direito Internacional Público; delegado do Brasil à VIII Conferência Pan-Americana de Lima, em 1938 e a várias outras conferências e congressos internacionais. Foi consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores; membro da Comissão de Codificação do Direito Internacional Público; membro brasileiro da Corte Permanente de Arbitragem de Haia; juiz da Corte Internacional de Justiça em Haia, de 1951 a 1954. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1941.

Era membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, membro benemérito do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Associação Brasileira de Educação; do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; da Sociedade Brasileira de Direito Internacional; e membro de várias academias internacionais e estaduais.

Obras: A nova legislação da infância (1930); Federalismo e judiciarismo (1930); Conferências sobre a Constituição (1937); O livro de um advogado (1943); Na Academia (1943); O Direito internacional e a democracia (1945); Pareceres do consultor geral da República, 3 vols. (1954); Discursos e conferências (1954); Dois arautos da democracia: Rui Barbosa e Joaquim Nabuco (1954); Uma experiência de parlamentarismo (1965); Em defesa de Rui Barbosa (1967); Pareceres do consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores (1967).

fonte:
ABL
www.abl100anos.com.br/cads/27/levic.htm


 

O PROBLEMA DO LIVRO NACIONAL
Por
LEVI CARNEIRO

(Conferência realizada em 1-8-38 no Instituto de Estudos Brasileiros.*)

O meu assunto não é, propriamente, o problema do livro nacional; é o problema do livro, tout court. E devo dizer que não foi escolhido por mim. Um amigo, que fez essa indicação à diretoria do Instituto, sabia que eu me havia ocupado, na Academia Brasileira de Letras, da condição do homem de letras no Brasil; e, através de informação incompleta, imaginou que eu me havia ocupado também, do livro nacional e sugeriu este tema para a minha conversa desta noite.

O problema do livro é hoje mundial. Não se trata mais do livro neste momento, como em outros tempos. Todos se lembram, todos nós lembramos das festas colegiais, em que se recitavam os versos de Castro Alves:

“O livro, caindo n’alma,
É germen que faz a palma,
É chuva que faz o mar”.

Depois disso, começou-se falar mal do livro, veio a reação contra a educação livresca.

Sacha Guitry não é autoridade adequada a este assunto tão solene; mas, é homem de tão fina inteligência, que não quero calar o autor da observação. Sacha Guitry disse que o que está nos livros não se aprende, não se estuda, precisamente porque está nos livros. O horário das estradas de ferro, o catálogo dos telefones, ninguém os estuda; na hora, em que precisa, consulta. O que está no livro, não se precisa estudar.

De sorte que o livro começou a ficar desprestigiado. Na reação contra o bacharelismo entrava alguma coisa de reação antilivresca. Apareceu a escola ativa. Afastaram-se os livros; os livros foram se desprestigiando cada vez mais.

No entanto, estou com Jorge Duhamel: nas condições atuais da humanidade, o destino da nossa civilização está ligado ao destino do livro, que é o instrumento essencial da cultura verdadeira.

Jorge Duhamel tem se ocupado, muitas vezes, do assunto, não só no “Mercure de France”, que há até pouco tempo dirigia, como num livro primoroso “Defense des Lettres” — e demonstrou muito bem: todo o homem, mesmo o mais atento, tem necessidade de voltar, de refletir de novo sobre aquilo que acabou de ler ou que acabou de fazer. É isto que se chama reflexão; isto é que é refletir, voltar atrás. E isto só é possível com o livro.

Os instrumentos modernos de cultura, os meios técnicos e mecânicos do cinema e do rádio, têm o grande e fundamental defeito de que vão, seguindo para diante. Não há meio de parar, de voltar, de refletir, de repetir, de poder demorar a atenção ainda sobre o ponto que passou. Esse ponto passou, já se seguiu outro e, portanto, não é possível refletir.

Ele mesmo conta a história de uma pobre velha, que se consolava ouvindo rádio. Não podendo ler, idosa, doente, escutava o rádio e, então, quando chegava a um trecho mais interessante, dizia: — Pára, espera, repete o trecho, repete! Mas, o rádio já tinha seguido adiante.

Não. O livro é que é o amigo da solidão, o companheiro sempre pronto, que espera pelo leitor mais demorado, mais refletido, de penetração mais lenta, mais difícil, mais meticulosa. Ele é que é, por conseqüência, o grande instrumento de cultura.

Mesmo o ensino oral, é inegavelmente, um grande instrumento de cultura, também. Mas, o que faz de melhor o professor — disse Duhamel — é ensinar ao aluno a amar os livros, conhecer os livros onde se estuda, saber os livros em que pode aprender. O que mais convém, afinal, no ensino, embora tão malsinado, e, em certos pontos de vista, perigoso e até inconveniente, é o ensino livresco.

No momento atual, múltiplos elementos conspiram contra o livro.

Em primeiro lugar, inegavelmente, o ambiente político.

O ambiente político do mundo não é propício à leitura, não é favorável ao livro. Depois (ai de nós! sabemos alguma coisa neste particular) os desportos, a era de Leonidas, do Leonidas contemporâneo, não o das Termópilas — não ama o livro.

Não estamos na idade do livro — Evidentemente, as preferências são outras, muito diversas.

Esses dois grandes instrumentos, esses preciosos instrumentos de cultura, inegavelmente — o cinema e o rádio, conforme a observação de Duhamel, correspondem a outro método de cultura, inteiramente diverso do livro.

Duhamel, ainda Duhamel, disse bem:

“Lire c’est elire”

Quem lê, escolhe, primeiro o que ler. No rádio e no cinema, não escolhe: é o que estão transmitindo, é o que vê, o que o programa comporta. A escolha é muito restrita e limitada. No entanto, para satisfazer às suas obrigações intelectuais e aos seus deveres intelectuais, o homem contemporâneo julga que lhe basta o cinema e o rádio e, no máximo, um jornal — um jornal que não tenha coisas muito pesadas. E o próprio jornal cada vez vai limitando a sua matéria de leitura, deixa-se invadir pela ilustração, adapta as manchetes, que reduzem a três linhas o artigo. O próprio artigo é espalhado, dividido em mil pedaços, pelas várias páginas do mesmo jornal. Duhamel faz a observação de que hoje há leitores que lêem os artigos seguidamente, sem procurar a continuação de cada um; vão lendo por páginas e, depois, aquilo se recompõe.

Estamos na era da confusão; estamos em plena confusão. É assim que se lê mal, e atrapalhadamente, não se lê, praticamente. O livro está francamente em decadência. Toda a gente faz uma observação fácil; não há quem leia; não se vê quem leia.

Sou do tempo do bonde em que se lia. Hoje, ninguém lê no bonde, no ônibus e no automóvel. Lembro-me de que a meu pai, o presente que lhe fazíamos, no dia de aniversário, eu e meu irmão, era um livro. O presente que meu irmão sempre me fazia, no dia de meus anos, era um livro. O presente que fazia eu a meu irmão, cada dia de seus anos, era um livro. Hoje, isso desapareceu completamente. A bola de football ainda haverá quem aceite: mas um livro, não!

No entanto, para nós, principalmente, com a nossa atenção trepidante, desatenta — se se pode dizer assim — o livro é o instrumento ainda mais precioso de cultura, exatamente pela possibilidade de reter essa atenção, de fazê-la continuada e prolongada.

Depois, somos todos mais ou menos autodidatas. Não há — perdoem-me os professores aqui presentes — professores em número suficiente para todos nós, ignorantes, para todos nós, que precisamos aprender de fato. De sorte que o livro é que pode suprir essa deficiência. Todos esses grandes professores, que aí estão, se fizeram, em grande parte, somente com esses mestres, que são os livros. De modo que, para nós, mais que para ninguém, o livro é o melhor instrumento de cultura.

Aprendi com Emile Faguet que a arte de ler se resume em dois preceitos: ler devagar e ler duas vezes. E aprendi, com a minha amarga experiência, que há outro preceito: é ler oportunamente

Eu não li a Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, quando tinha 16 anos. Tentei lê-la, quando tinha 25. Não consegui. A Cité Antique de Fustel de Coulanges, eu a li quando estava bacharel formado. E, quando a li, pensei: — aqui está um livro que eu devia ter lido no meu primeiro ano de Direito e ninguém se lembrou de me dizer que o lesse naquela ocasião. De sorte que hoje, quando encontro um primeiro anista de Direito, a primeira coisa que faço é perguntar-lhe: Já leu a Cité Antique de Fustel de Coulanges?

Mas, tive a fortuna de ler, no momento oportuno, L’Avenir de la Science, de Renan. É um livro que ele escreveu aos vinte anos e para essa idade; por um acaso feliz, eu o li também aos vinte anos e pude sentir, assim, todo o encanto dessa bela obra.

Esses três exemplos me convenceram de que há necessidade de ler, numa certa época, numa certa idade e que há livros que só se podem ler numa certa fase da vida.

Quando tive a honra de presidir, em seus primeiros dias, a hoje prestigiosíssima Associação Brasileira de Educação, sugeri que organizássemos um indicador de leituras para os brasileiros. Há alguma coisa desse gênero no estrangeiro, até um programa de Augusto Comte. Eu pensava na necessidade de poder dar aos brasileiros a indicação de alguns livros, que cada um deva ler em certa época da vida. Naturalmente, seria um indicador com bastante amplitude; não seria um programa uniforme, para todos. Não quereria que todos lessem os mesmíssimos livros. Naturalmente, haveria a possibilidade de escolher, dentro de indicações bastante numerosas, os que mais agradassem ou conviessem a cada um, conforme suas condições pessoais. Mas, enfim, traçar-se-ia um largo roteiro de leituras, através do qual se pudesse colher o máximo proveito que podem proporcionar certos livros, lidos em ocasião adequada, e todos os benefícios que resultam, para a formação mental de cada um, percorrendo, oportunamente, as páginas de certas grandes obras, que cada homem de cultura tem necessidade de conhecer.

De tudo isto, ressalta a importância da biblioteca. Nós estamos a falar na importância do livro, na necessidade da leitura, na necessidade desse indicador de leituras; mas nada disso se faz sem a biblioteca.

Duhamel havia figurado a hipótese — e admirava-se de que não houvesse um Wells que tivesse feito com ela um romance — de uma praga que atacasse todos os livros do mundo; seria a irrupção de uma doença, que atacasse as bibliotecas, de sorte que todas as bibliotecas e todos os livros do mundo fossem destruídos.

Qual seria a situação da humanidade? Ele imaginou que seria de verdadeiro descalabro. Mas, é preciso não esquecer que, em nossos dias, se têm destruído, sistematicamente, milhões de livros, com a preocupação de exterminar certas culturas, de combater certas orientações doutrinárias ou políticas.

Duhamel, aliás, se referiu ao Brasil, nesse livro, louvando as bibliotecas de aço, perfeitamente fechadas, com que aqui se defendem os livros do ataque das traças e de outros animais destruidores. Ao mesmo tempo, reconhece o que, pior do que o perigo desses animais, é a indiferença do público, que deve ler, e que abandona os livros. Contra esse perigo nada valem as nossas estantes de aço. Ao contrário...

No Brasil, a verificação aterradora é esta: não temos bibliotecas. Não há bibliotecas.

Nesta mesma avenida, há uma instituição criada no Brasil Colonial pelo grande monarca D. João VI e dirigida hoje por um dos homens mais eminentes deste país, cuja ausência lamento neste momento — o sábio Sr. Rodolfo Garcia. Há ali um milhão de livros, que constituem um dos nossos maiores patrimônios, de que nos orgulhamos. Não servem para quase nada. É um luxo para a gente mostrar, dizendo que temos um milhão de livros. Essa biblioteca foi freqüentada, em 1935, por 81.000 leitores e, em 1936, por 77.000 — quer dizer, cerca de 200 leitores por dia. Quer dizer: há um milhão de livros, que poderiam proporcionar ensinamentos e cultura, digamos, a 100.000 indivíduos e servem para 200 pessoas lerem por dia.

Mas, não é só isso. No Distrito Federal, há duas bibliotecas federais. Conheço aquela: não sei qual é a outra. Em todo o caso, as estatísticas arrolam duas. Ainda existem 3 municipais, 11 particulares, 50 de serviços federais, 95 de corporações particulares e 120 de educandários, não incluídos os educandários primários. Não há biblioteca federal em qualquer outro lugar do país. Só as duas deste Distrito Federal.

Quanto aos Estados: Pará, Ceará e Pernambuco, têm duas, cada um. Goiás, Minas Gerais e Acre, não têm nenhuma. Os outros têm uma cada um.

Bibliotecas municipais. O Brasil tem 1.478 municípios, dos quais mil e tantos têm sede em cidades e quatrocentos e tantos têm sede em vilas. Pois bem: quantas bibliotecas municipais há em todo o Brasil? Sessenta e duas. São 1.450 municípios; mantêm apenas 62 bibliotecas. Quer dizer: há 1.400 municípios no Brasil, quase a totalidade deles, mantendo jardins, mantendo gramados, subsidiando desportos, fazendo politicagem, mil coisas, mas não mantendo bibliotecas.

Parece que eu tinha razão ao dizer que, no Brasil, não há bibliotecas.

E bibliotecas circulantes? Lembro-me de ter ouvido aqui um autêntico homem de Estado, do México, Sr. José de Vasconcelos, quando veio ao Brasil, referir que, naquele país, havia uma biblioteca, do padrão da nossa, formidável, mas pouco freqüentada, praticamente inútil. E ele a havia desarticulado, ou fragmentado, numas dezenas de pequenas bibliotecas, que havia feito circular por todo o país, realizando grande obra de difusão de cultura.

Vi na Itália, ainda agora, o que lá se chama o Carro de Minerva. É um carro que transporta milhares de livros, de cidade em cidade, não para serem apenas consultados, mas para serem vendidos a preços ínfimos. Todas as grandes obras da literatura italiana, todas as grandes obras da literatura estrangeira, traduzidas em italiano, são vendidas a preços ínfimos, acessíveis a todas as bolsas, levadas de porta em porta, de lugarejo em lugarejo, provocando, atraindo a atenção, o interesse, o desejo de todos os possíveis leitores.

Não há, porém, nesta matéria, melhor exemplo a citar que o da Argentina.

Na Argentina, há uma “Comissão de bibliotecas populares”, criada por lei de 1870, que duplica a soma em dinheiro angariada por qualquer biblioteca popular. Se uma biblioteca popular angaria mil pesos, ela lhe faz donativo de outros mil pesos. Quer dizer: aquela biblioteca passa a ter dois mil pesos. A Comissão obtém livros para essas bibliotecas; publica um órgão bimensal — o Boletim da Comissão Protetora das Bibliotecas Populares; manda visitar as bibliotecas por inspetores; dá livros como prêmios às bibliotecas mais ativas e progressistas; irradia, semanalmente, um programa para as bibliotecas e funda bibliotecas nos hospitais; coloca livros argentinos nos transatlânticos, (nesta matéria, nós, brasileiros, ainda também precisamos fazer muita coisa!); promove exposições de livros nas festas nacionais, a cooperação do professorado no trabalho das bibliotecas, e a compilação de bibliografias. Em suma, o território argentino abrange 1.500 bibliotecas populares.

Esse é um confronto que nos deve envergonhar e que estimula a fazer alguma coisa.

Depois, essas bibliotecas disseminadas não são bibliotecas de composição uniforme. São, naturalmente, bibliotecas que se organizam com a preocupação de difundir os ensinamentos adequados e necessários ao homem de cada região. Não se componham dos mesmos livros das mesmas obras clássicas, que não possam interessar ao homem da zona em que se vão instalar; mas, sim, dos livros que maior interesse lhe possam merecer.

De resto, uma biblioteca não é apenas uma coleção de livros.

Se me permitis falar ainda uma vez, de mim mesmo, direi que, quando Presidente do Instituto dos Advogados nesta capital, promovi, em nossa biblioteca uma série de palestras bibliográficas, de conversas bibliográficas. Os membros do Instituto, nos reuníamos e discutíamos os livros recebidos na última semana, os artigos de colaboração das revistas mais interessantes dos últimos dias. Quer dizer, agitávamos as idéias das publicações novas recebidas e estimulávamos a curiosidade e o interesse em torno delas.

Outro problema — e estou empenhado em abordá-los rapidamente para não fazer outra transgressão regimental, já que fui autorizado a uma, não tendo escrito esta conferência — outro problema é o do editor.

Devo dizer, sem a preocupação de lisonjear os editores que aqui estão, que é o ponto em que mais temos progredido. Temos aumentado muito as nossas edições. Os editores fazem trabalhos bonitos e, até em matéria de remuneração temos avançado enormemente. Sei do autor de uma grande obra de Direito, de vinte e cinco volumes, de que vai ser publicada a segunda edição, pelo preço de 500:000$000. Creio que é verdadeiramente admirável e que deixa a perder de vista o que antigamente se pagava nessa matéria.

Em assunto de romance, de livros didáticos, em matéria de livros de ciência, temos aqui quem possa dizer, autorizadamente, sobre a matéria.

Mas, quanto aos livreiros propriamente ditos, creio que não temos progredido.

Na França, em torno do empenho de tornar atraentes as livrarias, tem-se cogitado dos mais variados alvitres — sessões musicais, gabinetes de leitura, mil coisas qüe possam tornar freqüentadas as livrarias.

O que os livreiros devem ser, a sua capacidade, é outro assunto largamente debatido. Lembro-me de ter lido, numa grande revista americana, — The American Bar Association Journal - um artigo de um professor da Universidade de Yale sobre os requisitos dos livreiros jurídicos, sobre o que se deve saber para ser um bom livreiro jurídico. Eu mesmo tenho um livreiro de Oxford, com quem me correspondo, há longos anos, Blackwell. Em seu papel de correspondência ele reproduz a frase de um escritor notável, que dizia ser Oxford um grande centro de estudos, não apenas pela sua grande tradição, pela sua universidade, pelo seu ambiente de espiritualidade, mas, também, por ter um livreiro como Blackwell. E é realmente admirável.

Lembro-me de que, certa vez em que lhe mandei pedir um livro sobre o Júri, na Inglaterra. Respondeu-me numa carta, que era uma maravilha de informação. Apresentava-me vários livros ingleses e, de cada um dizia-me: — Não é este o que lhe convém; este livro é demasiado teórico; aquele demasiado prático; este outro, apenas histórico. O livro que lhe convém, por isto e por aquilo, é o que lhe vou mandar. E era realmente o que me remetia.

Este é que é o bom livreiro; é o homem que orienta, que estimula, que provoca o cliente, que se encarrega de alargar-lhe os horizontes intelectuais, que conhece todo o material com que lida. E esta espécie de livreiros, de que já tivemos alguns, está desaparecendo entre nós. Acredito que outros surgirão, que ainda haja alguns. A verdade é que são muito mais raros.

Recordo-me ainda de outro episódio que comigo mesmo ocorreu. Freqüentava muito a Biblioteca Nacional, quando estudante, porque lá encontrava os livros que me faltavam. José de Alencar escreveu uma obra sobre a propriedade, obra jurídica, porque era bom jurista, e na qual expunha várias idéias muito interessantes. Pretendia eu consultar a obra. Quando o funcionário olhou para o pedido — “A Propriedade, de José de Alencar” — disse-me: — O Senhor está enganado. Temos o Guarani, Iracema, Minas de Prata, mas, a Propriedade, não; ele nunca escreveu nada com esse título.

Retruquei que era um livro de Direito. A resposta foi a mesma: — Não, Senhor. Está enganado. Insisti por que fosse ao catálogo. Tive um trabalho enorme para convencê-lo de que deveria fazer a consulta. Afinal, consegui que abrisse e lá havia, realmente, a obra de José de Alencar.

O que os leitores precisam encontrar numa biblioteca ou numa livraria é o homem que sabe o que tem, sugere e orienta, encaminha, abre novos horizontes aos seus leitores. Entre nós, isso está acabando. Vemos desaparecer o alfarrabista. No Rio de Janeiro, não se pode bouquiner, senão muito restritamente e com pouco êxito. As edições antigas não se encontram mais.

Outro problema é o dos direitos autorais. Neste ponto de vista, adotamos atitude muito adiantada, muito civilizada, mas que eu não sei se é a que convém mais aos interesses da nossa gente. Porque, quando chegamos à situação de ser proibida a reprodução de um artigo de qualquer jornal estrangeiro, inegavelmente estamos adotando uma fórmula jurídica adiantadíssima, tudo que há de mais avançado em matéria de respeito a direitos autorais. Verdadeiramente, será o que mais convém à difusão de nossa cultura?

Tenho algumas dúvidas sobre este ponto.

Por outro lado, sabemos que a nossa lei, como todas as leis avançadas na matéria, estabelece que cai no domínio público a obra, depois de certo período decorrido após a morte do autor. Esta determinação legal, vigente em toda a parte, é uma determinação inspirada por motivos de interesse coletivo, pelo interesse da cultura, da sua generalização. No entanto, está sendo aqui, em certo sentido, contraproducente.

Não é sem algum terror que estou vendo multiplicarem-se as traduções, de clássicos, de certos autores como Aristóteles, Platão, e até Montaigne.

Não sei, não vi, não quero fazer injustiças, mas, sinceramente, não posso deixar de confessar que é com algum receio que vejo Montaigne traduzido e editado — traduzido e editado não sei por quem. Há aí alguma coisa que pode ser altamente prejudicial aos verdadeiros interesses da nossa cultura. Quer dizer: aquela determinação legal que suprime os direitos autorais, depois de decorrido certo número de anos da morte do autor, no interesse da cultura geral, pode estar sendo aproveitada agora em detrimento dessa mesma cultura.

Há o que se chama direito moral do autor. Está presente o eminente colega que versou essa matéria brilhantemente — o Sr. Filadelfo Azevedo. Com a preocupação do direito moral do autor, já a nossa lei de 1898 considerava contrafação a tradução em que se fizessem alterações, acréscimos ou supressões. Não cogitou das deturpações. No entanto, a deturpação, na tradução, é mais grave que toda supressão, ou alteração, que o tradutor possa fazer.

De sorte que, aí, chegamos a outro aspecto do problema do livro. Estamos traduzindo — eu direi — estamos traduzindo demais. O livro francês está, realmente, atravessando uma crise, que, em França, se procura combater. O livro francês está se vendendo caro demais no estrangeiro; o livro francês não suporta a concorrência dos outros livros estrangeiros, de que cada nação está empenhada em facilitar a difusão. Aqui, estamos, porém, traduzindo todos os autores franceses, sabe Deus como!

Eliminando a leitura, na língua original, desses livros, está desaparecendo o apreço dessa leitura e eu receio que dentro em pouco tempo pouca gente leia os autores franceses em original. Estamos passando a ler todos os autores franceses em traduções. É uma grande obra, um grande sintoma da atividade admirável de nossos editores, compreendendo a necessidade de vencer o problema da carestia do livro francês; mas que isso redunda em detrimento da nossa cultura, a mim me parece indubitável.

O problema da tradução — acredito — reclama solução urgente, para que o livro produza todos os benefícios que deve produzir. Não tenho dúvida em considerar grave violação do direito moral do autor, a tradução, mesmo de obra caída em domínio público, que deturpe o seu valor literário, como facilmente deve ocorrer, como inevitavelmente ocorrerá, em se tratando de uma obra intraduzível, como é, especialmente, a de Montaigne.

Resolver-se-ia o problema editando-se o livro francês no Brasil, como os droguistas fazem ao produzir drogas estrangeiras no Brasil. Os editores fariam no Brasil o livro francês, evitando o encarecimento das publicações estrangeiras, e, ao mesmo tempo, o barateamento das traduções, que, muitas vezes, sacrificam todo o valor literário da obra.

Outro problema — e estou chegando ao fim — é o de levar o nosso livro ao estrangeiro. Já os temos que merecem lidos no estrangeiro. Já há estrangeiros que querem levar os nossos livros. Ainda agora esteve aqui uma caravana da Universidade de Córdoba, professores e estudantes, que chegaram ao Rio de Janeiro ansiosos por ver os nossos livros jurídicos; por ler, por exemplo: a Medicina Legal de Afrânio Peixoto, que não encontram em seus países.

O Brasil tem, no estrangeiro, mostruários de café, de algodão, de flechas de índios, de babaçu, e não tem mostruários de livros. Na exposição de Paris havia livros em todos os pavilhões estrangeiros, mesmo no da Espanha em guerra. Ali vi obras espanholas que nunca tinha conseguido encontrar, como certas de Ortega y Gasset**. No pavilhão do Brasil, não havia livros. Não mostramos o que temos feito nessa matéria.

Vamos proximamente à Exposição de New York. Levemos o livro brasileiro, facilitemos a aquisição de livros brasileiros. E já há quem por isso se interesse, quem pretenda obtê-los.

Aqui se fazem exposições de canários, de cães, de todas as coisas imagináveis. Uma exposição de livros nunca houve, talvez, no Brasil. E, porque não se faz? Em toda a parte do mundo se faz, com êxito, e é grande estímulo para os livreiros, para os editores, para os escritores, para os leitores. No Brasil, nunca se terá feito uma exposição desse gênero. Parece que seria oportuno fazê-lo.

Termino, Sr. Presidente, dentro do tempo que V. Ex. e a benevolência do auditório me concederam. Procurei ser objetivo, como V. Ex. determinou. O que eu quero é a biblioteca, é o indicador de leituras, é restringir o perigo das traduções, é difundir e fomentar o hábito da leitura, facilitar a leitura, prestigiar o livro, levar o nosso livro ao estrangeiro que o queira ler e compreender. Creio que, assim, teremos feito alguma coisa de útil pela cultura do Brasil.


 

RESUMO DOS DEBATES

 

O SR. AFRÂNIO PEIXOTO — Diz um provérbio alemão que, quando se bate com um livro na cabeça, se ouve um som oco.

Será sempre do livro? (Riso)

Estou convencido de que, na experiência realizada no Brasil, o som não será do livro. E o som não será do livro porque 75% dos brasileiros não sabem ler nem escrever e, dos outros 25, 20 não têm nenhum hábito de leitura nenhuma, nem de jornais, nem de coisa alguma, mesmo na capital, no Rio de Janeiro. Lêem os mostruários das vitrines, consultam os números da aritmética do Fasanelo, lêem, às vezes, os jornais exibidos nas portas das redações respectivas e... dão-se por satisfeitos.

O Brasil é um país com quarenta milhões de habitantes — 47, li hoje num último anuário do Ministério do Trabalho.

O patriotismo nacional, sem estatísticas, teima em nos fazer mal, em nos difamar, aumentando a população do Brasil. Porque, aumentando a população do Brasil e não lhe aumentando a produção, mostra que somos incapazes economicamente; aumentando a população e não aumentando o número de leitores e o número das outras coisas que fazem a cultura, ipso fato, diminuem, difamam o Brasil. O trabalho patriótico do Brasil consistiria em diminuir sua população, sistematicamente (riso), em modificar as estatísticas, em nos reduzir a dois ou três milhões de habitantes, para explicar como este país imenso produz tão pouco e como este país imenso sabe tão pouco ler. (Riso).

Não estou fazendo nenhum paradoxo. Os livreiros que se acham presentes nesta casa, sabem que as edições dos livros consagrados, quando são admiravelmente bem recebidos pelo público, não passam de 10.000 exemplares!

Dez mil exemplares, é uma tiragem que depõe contra uma cultura.

Entretanto, podemos dizer, imediatamente, que o número de livros publicados no Brasil é enorme, relativamente a essa tiragem, porque não há quem não goste de publicar o seu livro (riso); e se não há livreiro para o fazer, imprimem mesmo à sua própria custa e imprimem, sobretudo, alguma coisa que devia ser proibida por lei, porque estraga o papel (riso), consome tinta (riso), em suma, é a fortuna nacional malbaratada, com versos mal feitos, sem poesia, com versos que depõem contra uma cultura e que acabam prejudicando o escasso patrimônio nacional.

Havia de haver um curador literário para este país (hilaridade).

Recentemente — eu gosto de falar dos assuntos nacionais, porque acho que são os mais pertinentes — uma empresa poderosa de papel tomou conta do assunto. Já estou prevendo o dia em que, para dar consumo à produção sobre-excedente de papel, seremos obrigados — os livreiros já o são — a comprar papel nacional, seja como for, exclusivamente. E já estou prevendo também o dia próximo em que haverá uma lei que obrigue a leitura de determinados livros nacionais.

Não é por causa do livro, mas por causa do papel. (Riso). O consumidor nacional será naturalmente obrigado, por esta ética, àquilo que havia nos ominosos tempos.

Já sou um pouco entrado em anos. Pois ouvi de um presidente de S. Paulo uma coisa maravilhosa. No seu nacionalismo, dizia esse homem:

— Não! Eles hão de vir tomar aqui o nosso café! (Riso).

Eles eram os europeus e os americanos.

E estais vendo, com certeza, aquela série imensa de navios aproximando-se dos portos do Rio de Janeiro e de Santos, com os europeus e americanos que viriam beber o nosso café.

O homem era o Sr. Presidente Albuquerque Lins. Não quero fazer calúnias; por conseqüência, cito o nome do homem. Foi em minha casa, nas Laranjeiras onde tive a má sorte de morar com uma porção de políticos amigos. Foi aí que ouvi essa conversa, eu, inocente, no meio desses homens (riso). O Presidente Albuquerque Lins queria que viessem todos da Europa tomar café aqui e não queria exportar café. O nacionalismo brasileiro era de tal ordem, que ele dizia:

— Não! Eles hão de vir aqui.

Essa mentalidade prolongou-se, pouco depois, à borracha. Vi outro ministro de Estado dizer que as aplicações dessa primorosa hevea brasiliensis havia de ser transformada — e ele nem sabia para o que servia a borracha — em colarinhos feitos no Brasil também.

Este imaginava que a borracha só servia para colarinhos (riso).

A mentalidade do ferro é a mesma coisa.

Não se riam. No ano da graça de mil novecentos e trinta e oito, a mentalidade é esta: — eles hão de vir fazer aqui os seus alicates, os seus martelos, os seus canhões, os seus trilhos, tudo aqui.

Provavelmente, por essa mentalidade, forçaram a fabricação do papel aqui. Agora, estão impedindo os livreiros de usar outro papel. Não há concorrência possível. Amanhã serão obrigados a forçar o consumidor a ter uns tantos livros, ou pelo menos, comprar uns quantos livros, sobretudo os que não forem editados pelos editores. Porque o editor, por definição, é o homem a quem o Governo e o povo devem maltratar, porque está publicando com certo discernimento, escolhendo e melhorando. E o bom livro não é o que é feito pela cultura, mas pelo improviso nacional. Cada um publica o seu livro de S. Cipriano, o seu dicionário de cozinha; cada um procura fazer os seus versos — a todos esses, positivamente obrigam o Consumidor a consumi-lo. Tudo isso está mal feito. E se este Instituto de Estudos Brasileiros, não quiser ir para a cadeia, como prevejo, (riso) deverá suplicar ao Governo alguma coisa para criação do leitor brasileiro, do homem que saiba ler.

Levi Carneiro citou alguns exemplos absolutamente pertinentes: a falta de exposição do livro, a falta de oferecimento do livro.

Como pode haver procura, num público indolente, se não há oferta?

Já São Paulo tem carros, que andam pela cidade inteira, pondo, de graça, nas mãos do leitor, o livro que o leitor pede e que cada dia são mais numerosos. Existem cenas tocantes relativamente a isto. O público de cultura de S. Paulo tem bibliotecas ambulantes pela cidade inteira e fornece e põe, nas mãos de todo mundo, um número considerável de livros. E muitos desses livros, o leitor que os experimenta, que os anseia, que os lê, dentro em pouco acabam sendo adquiridos na própria biblioteca ambulante. Há bibliotecas ambulantes e não ambulantes.

O que disse aqui o Dr. Levi Carneiro, a respeito das bibliotecas do Brasil, é de confranger o coração: um país de 1.500 municípios em que há apenas 60 municipalidades que têm bibliotecas.

Mas não estranho isso, não. Porque nós só temos uma biblioteca pública. E é hostil. Foi um engenheiro militar que fez aquilo — é uma fortaleza (riso). Tem portas, torreões — aquilo é inacessível. Depois da gente gastar o coração para subir a escadaria, tem, lá em cima, a possibilidade de achar um livro. Mas, se o acha e não o pode ler imediatamente, no dia seguinte, o livro está ali, mas não está mais achado. Foi colocado de certa maneira, tão preciosamente, que não se encontra de novo. Se se deseja retirá-lo de novo, para a leitura, não é mais possível.

Uma cidade de três milhões e quinhentos mil habitantes, Chicago, teve emprestados, no ano de 1935, doze milhões de livros. E há livros que não saem nunca da biblioteca: os velhos livros, clássicos, os velhos dicionários, as obras de muitos volumes. Os maiores não saem. Saem os livros manejáveis, saem os livros de ciência barata, de ciência comum, saem os romances, os romances policiais, vamos dizer mesmo. Mas, enfim, saem. E esses livros que estão fora, são numerosos. Chegaram a doze milhões. Quer dizer que saíram várias vezes e entraram várias vezes. Por conseqüência, é uma biblioteca que entra pela casa da gente.

Levi Carneiro insistiu muito sobre o argumento de que, verdadeiramente, o livro é o autor da civilização contemporânea. Foi ele que acabou com a Idade Média. Toda a História está errada. Desafio a qualquer professor de História — e aqui há diversos — a que me contestem essa afirmação. Não foi a tomada dc Constantinopla, nem foi guerra nenhuma, nenhum outro fenômeno, não foram as navegações, nada disso, que terminou a Idade Média.

Quem a terminou foi o livro colocado nas mãos de toda gente, o racionalismo, o livre-exame, foram as viagens, tudo isso. O livro foi quem acabou com a Idade Média. O pai da Idade Contemporânea foi o livro. E o livro é um inimigo. Por isso, quando aparece um tirano, ele queima livros (riso). E faz muito bem (hilaridade). As fogueiras que se fizeram no século XVIII, as fogueiras que se fazem em Berlim e que se fazem na Itália, são muitas vezes justificáveis. O grande inimigo é o livro. Por conseqüência, a única esperança que temos, neste mundo sub-lunar, esperança de paz, esperança de conhecimentos, esperança de cultura, é o livro.

Portanto, creio que, embora assim desataviadamente, devemo-nos, todos empenhar nessa cruzada, que é santíssima.

A situação do nosso Brasil é vexatória, terrível: um povo de 47 milhões de habitantes, que não é capaz de consumir uma edição de 10.000 exemplares!

Afinal, se o Sr. Monteiro Lobato tira de seus contos infantis, uma tiragem maior, com lucros enormes, direi que aí, os livros de Monteiro Lobato se encontram nas mãos das crianças e estas ainda são os leitores mais assíduos que o Brasil possui, graças aos professores, às mães, aos padrinhos, que os levam de presente. Os livros de Monteiro Lobato que são realmente lidos, são os contos infantis.

Os livros de curso forçado das escolas têm tiragem maior. São sadios, são primorosos e baratos. E eu devo fazer uma homenagem ao grande livreiro Alves, que colocou o livro barato nas mãos do brasileiro e foi uma inovação. Além disso, esse homem arranjou o primeiro subsídio que tiveram os autores brasileiros. Quando a gente se lembra de que José de Alencar teve 200$000 por um de seus livros e que hoje tal romance dá ao autor, logo de inicio, 10:000$000, a gente fica obrigada a dizer que os homens são superiores a qualquer daquele tempo ou os livreiros são muito mais generosos.

De sorte que acho, Sr. Presidente, como o meu tempo está esgotado pelo desataviado da minha loquela, acredito que para sermos pertinentes, devemos tomar o ponto de vista do Dr. Levi Carneiro e redigir uns tantos ítens nesse sentido. Porque, insisto, de todas as cruzadas que podemos fazer no Instituto Brasileiro, nenhuma terá benemerência maior. O livro é o pão e o sal indispensável a que não morra a alma brasileira à mingua, como vai morrendo. É um país que está destinado a voltar, não digo à situação aborígene, mas, enfim, a essa situação feliz de estar satisfeito consigo mesmo, o que é parente da idiotia.

Não desejo o reino dos céus para os meus compatrícios.

O SR. LOURENÇO FILHO — A meu ver, a encantadora palestra do professor Levi Carneiro exige um esclarecimento na questão da escola ativa. Ele mexeu, propriamente, no meu dói-dói (riso). Estou aqui zangadíssimo.

Creio que ele conhece a escola ativa pelo livro, o que é coisa muito diferente de conhecê-la pela realidade. Foi justamente com a escola ativa que São Paulo criou bibliotecas escolares, que o Rio de Janeiro criou bibliotecas escolares, que outros Estados têm criado bibliotecas escolares. O que a escola ativa quer, não é o ensino intuitivo onde talvez o meu prezado mestre tenha aprendido. Na escola intuitiva, sim, bane-se o livro. Na escola ativa, o que se combate é o livro único, que não haja um único livro, mas que haja muitos livros de cada coisa. Há escolas primárias aqui com algumas bibliotecas de um milhar de livros e mais até. Donde se verifica que a escola ativa julgada pelo livro é uma coisa e julgada na realidade é outra.

Mas o que me parece — se me permite o grande mestre, que realmente é — o mal é justamente passar todas aquelas notas melancólicas de Duhamel, na defesa do livro francês e não do livro universal, para o nosso caso.

A França atravessa uma crise de leitores muito séria, porque o livro francês é um livro que, na sua grande maioria, está decaindo no aspecto cientifico. Já não é o livro que a geração de hoje quer. O meu filho de 13 anos não se satisfaz com romancinhos; quer livros de aplicação, de física e de química; quer saber por que um aviador que ia para a Califórnia foi parar na Irlanda; quer saber por que se faz hoje o circuito do mundo em quatro dias e meio; quer saber de outras questões como estas.

De modo que é preciso, realmente, continuar a educação ativa, para que os livros sejam entendidos por esta forma e não como o livro francês, ainda porque o francês está decaindo também como livro universal.

A crise do livro francês não nos deve impressionar, porque não temos crise brasileira de livros. Nunca se produziu tanto como agora, nem se leu tanto como agora. Há aqui dois conhecidos livreiros. Evidentemente, não me foi possível maiores indicações, porque o Dr. Levi Carneiro não nos deu os esclarecimentos precisos. Do contrário, eu traria dados sobre a produção do livro nos últimos anos.

Creio que precisamos de maior número de fábricas de papel. E não faz mal que saiam maus livros, porque os maus livros se combatem com outros livros bons

Neste ponto, estou inteiramente de acordo em que se publique muito e não pouco.

Assim, tenho esta contestação a fazer: não estamos, propriamente, numa crise do livro brasileiro. E foi justamente a impressão da leitura — vejam como se toma o livro e como o livro impressiona — que o professor Levi Carneiro acabou tendo a impressão da decadência do livro brasileiro, quando, ao contrário, não há nenhuma decadência do livro brasileiro.

A crítica feita por Duhamel, ao cinema e ao rádio, também não me parece acertada. É justamente pelo cinema que as crianças entendem hoje melhor o livro e é pelo rádio que elas compreendem uma porção de coisas, sem o que não seria possível.

É claro que o rádio e o cinema vieram trazer uma técnica diferente para se aprender. Temos que fazer uma obra de adaptação; temos que fazer do livro, que é um instrumento tão maleável, um elemento que se combine com esses outros elementos.

Não se deve combater o cinema e o rádio. Cumpre melhorá-los, talvez, de modo a se tornarem elementos benéficos para a civilização.

É esta a contestação que quero fazer a Duhamel, através do Dr.Levi Carneiro.

Poderia dizer, também, quanto às bibliotecas, que, aí, sim, têm toda razão o conferencista e o primeiro debatedor da reunião desta noite. Não há dúvida nenhuma. Temos muito que fazer nesse sentido. Já estamos fazendo nas escolas. Posso citar uma grande escola, onde o Dr. Mario de Brito trabalhou por muito tempo, que, em 1932, tinha apenas 2.000 livros, e, 5 anos depois, passou a 12.000. As consultas atingiam apenas a 1.200 por ano e passaram a 35.000. Há escolas primárias que tinham apenas 100 livros e passaram a 600, com freqüência diária à biblioteca.

Outro aspecto interessante é o da orientação bibliográfica. Isto sim: na biblioteca e na própria escola.

Lembro-me com assombro, até hoje, de uma visita que fiz à Biblioteca do Congresso em Washington, onde o padre Rubio, que chefiava a seção de física da América Latina, quis ter uma conversa comigo, exatamente sobre a produção literária do Brasil. Depois de algumas indicações e de me mostrar esse interessante serviço de bibliografia, pediu-me que lhe indicasse um assunto esquisito. Se ele me tivesse referido o assunto, eu diria que já estava preparado. Pensei e, não sei por que, lhe disse: as borboletas da África do Sul. Quatro ou cinco minutos depois, recebia três folhas datilografadas, com toda a bibliografia, inclusive de revistas, referente às borboletas da África do Sul. Achei aquilo uma maravilha: em assunto tão árido, já tinha o material todo preparado.

Aqui não temos nada disso. Bibliotecas populares, bibliotecas circulantes, tudo isso é necessário fazer-se. Mas, propriamente quanto à crise do livro e quanto à tradução do livro para o português, não estou absolutamente de acordo. Acho que precisamos publicar e traduzir quanto pudermos. As traduções podem ser um pouco infelizes de inicio, mas depois melhorarão. Se pudermos transformar a nossa língua, uma língua de cultura, em língua instrumental, tanto melhor.

Se hoje, nós mesmos, que produzimos livros, sabemos que os nossos próprios livros, quando traduzidos, achamos mais bonitos em língua estrangeira!...

É esta a impressão que temos do prestígio da língua estrangeira. Precisamos acabar com esse prestígio da língua e, muito naturalmente, fazer traduções em língua nacional, porque é assim que todo país aumenta sua cultura. É com dificuldades que se encontram professores que saibam outra língua além do inglês, que saibam o francês, língua tradicional e universal. Há mesmo professores de Universidades americanas que não lêem outra língua, porque o inglês lhes basta.

Assim, pois, traduzindo, não corremos perigo para nossa cultura. Evidentemente, haverá também, ao lado das traduções, aqueles que se utilizem de outros livros.

Terminando, eu me permitiria dizer, ainda, apenas o seguinte: se bem que não seja quase tão idoso como o Dr. Levi Carneiro, creio que, afinal, ele poderia perguntar como Machado de Assis: — Mudou o livro ou mudei eu?

Acostumado a ouvi-lo com o maior prazer, como ainda hoje, havia de pensar que o livro o agradava mais no seu tempo da juventude, nele encontrando maior encanto do que hoje, quando já tem o espírito trabalhado pela ciência acumulada, o que poderá ter produzido essa idéia de que, atualmente, o livro influi muito menos.

Não é assim. O nosso professor está influindo cada vez mais sobre todos nós, mas o livro também continuará a influir.

O SR. JOSÉ LEITE — Desejo apenas destacar alguns pontos aos quais minha experiência de livreiro induz a julgar mais importantes, e aditar algumas sugestões às que tão brilhantemente acabam de ser apresentadas sobre o que ainda se poderá fazer em benefício do livro no Brasil.

Sobre a questão do papel — O sempre reclamado barateamento do papel virá beneficiar muito os livros escolares, mas não influirá no preço de venda dos livros em geral. Nas edições de 1.000 exemplares, a mão-de-obra importa em mais do dobro do custo do papel; nas tiragens de 3.000 exemplares as verbas quase se equivalem; ao passo que nas grandes edições dos livros escolares aumenta muito o custo do papel, em desproporção com o aumento da mão de obra.

Como a confecção material importa em 30% da despesa total que pesa sobre o livro, vê-se que, nas tiragens de 2.000 a 3.000 exemplares que geralmente se fazem entre nós, a quota do papel não chega a 15%, e assim a sua redução, por maior que seja, não diminuirá o preço de venda do livro.

Essa questão, portanto, é de grande relevância para a difusão do ensino, mas não é vital, como se faz geralmente crer, para a solução do problema do livro em geral.

Sobre os direitos autorais — Queixam-se os escritores de serem mal retribuídos pelos editores, que lhes pagam apenas 10% sobre o preço de venda de seus livros. Não vêem que os editores não ganham muito mais do que isso, como se verifica do seguinte quadro das despesas que oneram o livro:

Composição, papel, impressão e brochura: 30%

Direitos autorais: 10%

Descontos às livrarias: 30%

Remessa às livrarias e cobrança: 5%

Juros do capital, propaganda e despesas gerais de aluguel, empregados, impostos, etc.: 10%

Total: 85%

Restam, pois, em média, 15% para o editor, que os receberá aos poucos, e no caso do vender mais de dois terços da edição, ao passo que os autores recebem antecipadamente os 10% de direitos autorais.

Entre parênteses, direi que não sou autor, e há muito deixei de ser editor, pelo que falo com imparcialidade, jogando apenas com os dados concretos.

A pequena recompensa material que os autores recebem pelo seu trabalho intelectual, não é tanto devida às chamadas “condições leoninas” que lhes impõem os editores, como às pequenas tiragens que nosso meio comporta.

A única anomalia existente nessa questão, está na uniformidade da retribuição concedida aos autores. Não é justo que se pague a um escritor consagrado, autor já de várias obras de sucesso, o mesmo que se dá a um principiante nas letras; ao autor de uma obra de profunda erudição, cuja confecção demanda longos anos de estudo, gastos com a aquisição de livros especializados e caríssimos, o mesmo que se dá por uma obra de ficção, que leva geralmente menos tempo para ser escrita, e que, dispondo de maior público, terá na maior vendagem uma compensação pela menor percentagem atribuída ao autor sobre o produto de cada unidade.

A meu ver, portanto, os editores deveriam pagar aos autores uma percentagem variável entre 5% até mesmo 15%, de acordo com o renome do autor, a rapidez provável da venda, e o gênero do livro.

Sobre a distribuição — Aos editores, com exceção de duas ou três grandes Empresas, falta uma boa organização para a distribuição de seus livros. Muita coisa se edita nos Estados, de que não chegamos a tomar conhecimento.

Para dar uma idéia da dificuldade que os próprios livreiros têm em adquirir certas obras, citarei apenas um caso dentre os inúmeros que me têm ocorrido nos 17 anos em que sou livreiro.

Em 1934 recebi do Estrangeiro vários pedidos de uma obra publicada no Pará naquele ano, e cuja existência eu não conhecia. Mandei procurá-la, sem resultado, em todas as livrarias desta Capital. Escrevi a duas livrarias de Manaus e de Belém, sem que nenhuma soubesse dar notícia do livro. Pois bem, há poucos meses, o autor, aproveitando a vinda de um amigo, mandou distribuir vários exemplares pelas livrarias do Rio. Vê-se, portanto, que essa obra, importante e útil, por falta de distribuição, somente mais de 3 anos depois de editada começou a ser conhecida nesta Capital.

A exemplo do que fazem outros países para a propaganda no Estrangeiro de sua produção literária, poderíamos formar uma empresa coletiva de livreiros e editores para a distribuição do livro nacional em todo o Brasil. A França tem sua conhecida e bem organizada “Maison da Livre Français”, sociedade anônima constituída apenas de livreiros e editores, com o capital de 2.704.000 francos.

Na Alemanha existem os comissários de Leipzig, a chamada cidade dos livros, onde é centralizada para distribuição toda a produção literária alemã.

Essa conjugação de esforços poupa muita despesa e tempo perdidos com a propaganda isolada, informações sobre a idoneidade de livreiros do Interior, despesas de cobrança, etc. E até mesmo parte da comissão que se desse à Empresa para a distribuição dos livros, voltaria aos editores em forma de dividendo. Além de que, é sabido que muitos livreiros editores, para que não se vejam privados de seus fornecimentos, e com maior razão, somente por motivos imperiosos algum ficaria em falta com uma entidade que representasse a maioria senão a totalidade das casas editoriais.

Sobre a falta de organização e de especialização das livrarias — Quanto às livrarias apontarei as duas maiores lacunas: a falta de organização e a falta de especialização.

Uma boa organização só poderá provir de um sólido preparo técnico que ainda nos falta pois não temos cursos profissionais para auxiliares de livrarias. Temos vários livreiros cultos, inteligentes e estudiosos, mas essas qualidades não suprem por completo a falta de preparo técnico e ainda menos poderão suprir essa falta em seus auxiliares.

Existem na Alemanha pelo menos desde o século passado “Escolas para Livreiros” onde os alunos além do curso teórico de Bibliografia, Biblioteconomia, História Literária etc. são obrigados a praticar nas livrarias indicadas pela Escola.

Já demos aqui um passo à frente com o curso de biblioteconomia existente na Biblioteca Nacional o qual poderá com o tempo ser adaptado também aos livreiros.

No que se refere à especialização, não poderemos também chegar tão cedo ao que se faz no Estrangeiro. Nos Estados Unidos, por exemplo existe uma livraria fundada há uns 50 anos dedicada exclusivamente ao comércio de livros sobre o jogo de xadrez. Outros negociam apenas em trabalhos sobre caça, pesca, cozinha etc. Importante livreiro alemão declarou certa vez que, tendo iniciado suas atividades no campo das Ciências exatas e naturais, sentiu com o correr do tempo a necessidade de as restringir às últimas. Mas, acrescentou, se tivesse de recomeçar se limitaria a uma parte das Ciências Naturais.

Nosso meio não comporta ainda tão grande limitação e eu o digo por experiência própria, pois trabalhando no começo exclusivamente em clássicos portugueses, espanhóis, franceses, gregos e latinos, tive em pouco tempo de desistir de tais veleidades. Mas cada livraria negociando em tudo poderá dedicar-se principalmente a um certo ramo.

Parecerá à primeira vista um contrasenso que essa restrição possa favorecer a maior difusâo do livro. Mas quem desejasse adquirir um livro saberia logo onde encontrar o melhor sortimento sobre o assunto e se pouparia ao trabalho de correr as livrarias até encontrá-lo por acaso ou... desistir no caminho.

A especialização traria ainda a vantagem de suprir até certo ponto a falta de preparo técnico dos livreiros e seus auxiliares, pois, com a prática ficariam a par da bibliografia respectiva podendo melhor orientar os estudiosos em suas pesquisas.

Em verdade, muitos livros se deixam de vender, e, portanto de difundir porque o livreiro que lida com milhares de obras sobre os mais variados assuntos, não podendo assim demorar sua atenção sobre nenhuma delas não está apto a elucidar seus fregueses quanto ao mérito dos livros que lhes apresenta. Está claro, que, mesmo o livreiro especializado, não poderá ler todas as obras que tenha à venda, nem isso se faz mister; mas o manuseio diuturno de catálogos anotados sobre certo assunto, o perpassar constante dos mesmos livros pelas suas mãos, a opinião autorizada de sua freguesia também especializada, tudo isso lhe dará conhecimentos que certamente irão além da simples “ciência das lombadas”.

Sobre bibliografias — É uma das necessidades mais prementes a organização de uma bibliografia de tudo quanto se publica no Brasil.

Recebo constantemente pedidos do Estrangeiro para informar sobre nossa produção nos vários ramos das Ciências, das Artes e das Letras. Não me tem sido possível atender satisfatoriamente a essas solicitações, porque nos faltam elementos de informações bibliográficas e porque os catálogos dos editores nunca mencionam as datas, os formatos, nem a paginação de suas ediçÕes, dados julgados indispensáveis.

Vários congressos internacionais de bibliografia têm ressaltado a urgente necessidade de se iniciar essa obra completamente descurada no Brasil. Esteve há poucos meses entre nós, o Prof. Lewis Hanke colhendo dados para a bibliografia americana que vem publicando anualmente desde 1935 sob os auspícios da “Harvard University” e com a colaboração dos mais eminentes professores e bibliotecários norte-americanos. A “União Pan-Americana” iniciou também, com o mesmo fim, a publicação de “O Livro Americano”, periódico mensal distribuído em inglês, espanhol e português.

De tudo isso se depreende o interesse dos países estrangeiros em conhecer nosso progresso intelectual e a nós compete fornecer-lhes os dados com a publicação de uma “Bibliografia Brasileira” a exemplo do que já se faz na Argentina.

Sobre seleção da produção — No Brasil já se edita muito, mas sem grande seleção. É necessário que os editores façam examinar por pessoas competentes e rigorosas as obras que lhes forem apresentadas. Isso evitará a eles muito prejuízo de capital e aos livreiros o esforço despendido na colocação de livros de nenhum valor que fazem os que os adquirem perder a confiança nas informações de seus livreiros, o que se reflete ruinosamente na venda das obras de valor real.

Sobre o que compete ao governo — Não é pequena a parte que deve caber ao Governo na solução do problema do livro no Brasil. Além de estar em suas mãos dar uma solução razoável à questão do papel, das taxas do correio etc. somente ele estará em condições de levar avante a publicação de certas obras indispensáveis à propagação da cultura, mas que pelo seu custo elevado ou interesse restrito não estão ao alcance das empresas editoras.

Muito se deve esperar do recém criado “Instituto do Livro”. É de se desejar, porém, não sejam iniciadas suas publicações sem a organização de um plano preestabelecido no qual se estude o formato uniforme a adotar, a seriação a preferir, até mesmo se faça escolha das primeiras obras a editar. Essa escolha deve ser feita com muita antecedência, especialmente no que se refere a traduções e reimpressões de obras antigas, para que haja tempo de estudar quais as edições originais a preferir pela correção do texto e para se encarregarem pessoas competentes de fazerem as anotações indispensáveis sem pressas prejudiciais.

Seria também conveniente fosse dada ao “Instituto do Livro” uma organização um tanto comercial, exclusão feita da intenção de lucro, para que o mesmo pudesse centralizar a venda e distribuição de todas as publicações oficiais, pois é absurdo, por exemplo, obrigar-se alguém ir a Manguinhos para conseguir um exemplar das esplêndidas “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” ou à Praia Vermelha para obter os úteis “Boletins do Serviço Geológico” ou ainda à Quinta da Boa Vista para adquirir as afamadas publicações do “Museu Nacional”. Que não se adote, porém, o sistema em uso na Imprensa Nacional e que todos vós conheceis.

Sobre a Sociedade de Bibliófilos Brasileiros — Aos intelectuais, verdadeiramente amantes do livro, não seria também difícil formar uma “Sociedade de Bibliófilos Brasileiros” que se encarregasse da publicação de obras escolhidas, especialmente de uma “Biblioteca Brasiliense”, sem nenhum intuito mercantil. Sociedades desse gênero existem em toda a parte do Mundo, sendo que em muitos países várias cidades têm a sua.

Os sócios, em lugar de pagar mensalidades, rateariam entre si o custo das edições e teriam direito a um exemplar em tiragem especial. O apurado nas vendas seria empregado nas futuras edições diminuindo, assim, cada vez mais as quotas dos sócios.

Aí fica em linhas gerais a idéia que, se merecer aprovação, poderá ser aproveitada pelo próprio “Instituto de Estudos Brasileiros”, pois a realização de tão elevada tarefa não foge às suas finalidades culturais.

O SR. PAULO AZEVEDO — Três pontos não ficaram muito claros nas considerações feitas até agora.

Um deles refere-se aos direitos autorais que foram aqui discutidos. A informação foi generalizada, embora não devesse ser geral. Confesso a ingenuidade de ter pago sempre 20% aos autores, sem exceção.

Sobre as bibliografias, o Dr. J. Leite lembrou a conveniência de serem publicadas. Eu, por minha vez, recordo que quando foi criada a obrigação de cada editor fornecer dois exemplares de cada livro à Biblioteca Nacional, na mesma lei se declarava que a Biblioteca publicaria uma bibliografia em retribuição a essa contribuição. Exigia-se um ônus dos editores, que era pago com anúncios. Isso foi no tempo do Governo Provisório. Pois bem: desde o tempo do Presidente Campos Sales até hoje, foram publicados três números de bibliografias.

Relativamente à exposição, confesso que sou um dos culpados. Tenho-me negado sempre a mandar livros da minha livraria para qualquer exposição. E isso por vergonha patriótica, digamos assim. Nós fazemos em papel ordinário o que os outros fazem em papel ótimo; e em papel ordinário não se pode fazer coisa bonita. Os nossos livros iriam sofrer um confronto muito triste. Ninguém vai mandar a Buenos Aires, a Sevilha, a Berlim ou a outros lugares semelhantes, o Código Civil do professor Clovis Bevilaqua impresso no mesmo papel das cartilhas de criança.

Quanto ao consumo de papel, os Srs. têm razão. O que vou dizer, não tem nada com o caso, mas é uma informação interessante. “A Tribuna”, de Nova York, gasta mais papel do que o Brasil inteiro — só um jornal! E o Canadá, com 7 milhões de habitantes, consome três vezes mais papel de jornal do que o Brasil. E nós temos uma população de 47 milhões de habitantes.

O SR. LEVI CARNEIRO — Devo dizer que quinze minutos são muito pouco, pois haveria muita coisa a dizer.

Começo pelo fim, para agradecer ao Sr. Paulo Azevedo a sua sucinta e interessante comunicação.

Relativamente à publicação do boletim da Biblioteca Nacional, devo tomar a defesa dessa instituição, porque a verdade é que não se mandam livros à nossa Biblioteca. Esta é a causa primordial da falta do boletim, porque realmente a lei não tem sido cumprida. Sei que o diretor da Biblioteca, Sr. Rodolfo Garcia, já promoveu até a intervenção dos Procuradores da República nos diferentes Estados, afim de conseguir a observância da lei, no sentido de que os editores remetessem os livros publicados à Biblioteca Nacional, e não logrou êxito.

Era esta a informação que devia contrapor àquela, valiosíssima do Sr. Paulo Azevedo, para passar logo às observações do eminente professor Sr. Lourenço Filho, como sempre altamente sugestivas e merecedoras de demorada atenção.

Já fui aqui debatedor — é um termo implicante, mas consagrado — da conferência do professor Dr. Roquete Pinto sobre o cinema educativo. E aqui vim debatê-la sem saber o que o professor Dr. Roquete Pinto ia dizer na sua aliás brilhantíssima conferência.

Mas, o próprio professor Dr. Lourenço Filho demonstrou que não precisava saber o que eu iria dizer, sabendo que eu iria falar sobre o problema do livro, porque pôde apresentar contestações relevantíssimas e detalhadas às minhas pobres observações.

Lamento que não tivesse podido publicar exatamente o objetivo da minha conferência e, especialmente, a parte dela em que me inspirei no livro de Duhamel, porque, assim, o Dr. Lourenço Filho teria lido o livro de Duhamel e não me tornaria cúmplice da injustiça que fez ao grande acadêmico francês. Está-se vendo que o professor Dr. Lourenço Filho não leu o livro de Duhamel.

O Sr. Lourenço Filho — Li.

O Sr. LEVI CARNEIRO — Se leu, não poderia dizer e muito menos fazer-me dizer que Duhamel houvesse tentado apenas a defesa do livro francês, notando somente a crise do livro francês, porque, absolutamente, Duhamel não focalizou a crise do livro francês.

O Sr. Lourenço Filho — Exatamente por ter generalizado é que está errado.

O Sr. LEVI CARNEIRO — V. Ex. vai ver que não generalizou, porque as causas, que apontou, do abandono do livro, como referi aqui, são duas causas de ordem universal, que se verificam em todos os países e mesmo entre nós. São, precisamente, o cinema e o rádio. É o momento de confusão, diz ele, a época da irreflexão. Ninguém quer refletir, ninguém quer deter a atenção, demoradamente, sobre os assuntos que o preocupam. E o rádio e o cinema, no seu mecanismo e dinamismo, é que empolgam e atraem e interessam.

Esta é que é a observação fundamental de Duhamel. Não é a crise do livro francês. O que ele diz a esse respeito é que lamenta não fazer a França o que faz a Alemanha, que reduz os direitos dos livros remetidos para o estrangeiro, de modo que esses livros podem se apresentar nos vários mercados em condições menos onerosas para o estrangeiro que os queira adquirir. Esse é que seria o problema restrito à França. O problema da crise do livro, do abandono do livro, da perda do hábito da leitura, do desinteresse pela leitura, motivados pelas circunstâncias que apontamos, de ordem geral e que se verificam em todo o mundo e que entre nós estão se verificando, não é uma peculiaridade do livro francês.

O Sr. Lourenço Filho — Vamos mais longe: é que as crianças e os moços de hoje, sobretudo as crianças, lêem mais do que as do nosso tempo.

O Sr. LEVI CARNEIRO — Vamos mais longe. V. Ex. é um homem do Distrito Federal. V. Ex. não está vendo, no seu otimismo, de chefe de um magnífico serviço do Distrito Federal, não está vendo o Brasil. V. Ex. tem o otimismo do funcionário bem instalado. Contraponho ao Professor Sr. Lourenço Filho os depoimentos que acabamos de ouvir, de um escritor, Sr. Afrânio Peixoto e de dois grandes livreiros, Srs. Paulo Azevedo e José Leite. E o testemunho deles é decisivo.

O nosso companheiro leva o seu otimismo ao ponto de dizer que não há crise do livro no Brasil; que nunca se leu tanto como agora: nunca se publicou tanto como agora, porque se chegou à situação de multiplicarem-se autores que publicam livros que ninguém lê, que dão livros a quem os não lê.

Este é o nosso fenômeno. Agora, difusão de cultura, difusão de leitura, não se faz, como ainda verificávamos através da exposição do Sr. José Leite, dessa dificuldade de conhecimento dos livros publicados no Brasil, dessa impossibilidade de obter livros publicados no próprio Brasil. E essa crise V. Ex. não vê, porque não quer ver, porque tem seus óculos cor-de-rosa.

E não é só isso. Admito que tenha aumentado o número de edições; que tenha crescido o número de leitores; que tenham aumentado as bibliotecas escolares. Mas, nada disso aumentou como deveria ter aumentado, porque o crescimento demográfico, o desenvolvimento cultural, a situação atual do Brasil proporcionam, exigem e determinam uma difusão muitíssimo maior...

E esta não se verifica, por que? Porque o livro não é freqüentado, não é facilitado, não é difundido, não é publicado como deveria ser.

Eu não ignorava tanto da escola ativa, embora, infelizmente, no meu tempo remoto, não houvesse escola ativa. Mas, não era preciso tê-la cursado para conhecê-la, porque me dou ao luxo de freqüentar os livros e os há sobre a escola ativa; aprendi o suficiente para saber que ela não é aquilo que o eminente professor Lourenço Filho me atribuiu.

O que eu disse, e não me arrependo de haver dito, nem me desdigo, é que a escola ativa coopera neste movimento de reação, esclarecida e acertada, contra o ensino livresco.

O professor Lourenço Filho não contestará esta minha proposição.

O Sr. Lourenço Filho — Está certo, referindo ao ensino livresco.

O SR. LEVI CARNEIRO — É uma reação benemérita. Cheguei a citar uma boutade de Sacha Guitry. Mas não disse que a escola ativa fosse inimiga do livro ou incompatível com as bibliotecas.

Não sabia e folgo em saber que há bibliotecas escolares com dez mil livros, no Distrito Federal. Há dez anos, na minha pobre cidade de Niterói, onde começa o hinlerland brasileiro, de que o meu amigo está tão distanciado; há mais de dez anos fundava uma biblioteca escolar, quando fui presidente de uma caixa escolar.

O problema não é porém fazer bibliotecas e arrumar os livros nas estantes mas, fazer com que se leia com interesse, proveitosamente, o que se deve ler.

Por conseqüência, estamos de bem neste ponto. Eu não tive o intuito de atacar a escola ativa, que prezo e aplaudo. O que disse foi que, na reação, fundamentalmente benéfica e acertada, contra o ensino livresco, tinha tido parte a escola ativa. E essa reação chegou, como freqüentemente acontece em todo e qualquer movimento revolucionário ou reacionário, ao exagero, que é a condenação do livro, à idéia de que não se deve aprender pelo livro, como Sacha Guitry exprimiu na frase que recordei.

Com o que não estou de acordo — mas aí iríamos muito fora do assunto é com o conceito do professor Sr. Lourenço Filho, sobre a decadência da língua francesa, sobre a decadência da ciência francesa.

Estou certo de que o filho do professor Sr. Lourenço Filho encontraria alguma coisa, na literatura francesa moderna, que satisfizesse sua curiosidade, impressionada pelo vôo de Corrigan, tão plenamente como nos outros livros que S. Ex. lhe proporciona, mesmo sem esperar que eles apareçam em traduções brasileiras; mesmo sem esperar que apareçam nas traduções de que me arreceio e contra as quais me pronunciei, declarando que não as conhecia, mas, que, leitor de Montaigne, no original, achava que era coisa audaciosa traduzi-lo e publicar-lhe uma edição brasileira, de tradutor talvez desconhecido.

Esta foi a minha ponderação. O professor Lourenço Filho entende que daí não pode advir mal à nossa cultura; almejou e significou, até, que através dessas traduções, chegaremos a formar uma língua brasileira como instrumento cultural, de projeção universal. Revelou, até, a sua satisfação íntima de autor, que já se viu traduzido em língua estrangeira. O pobre Montaigne não pode ter o prazer de se ver traduzido em língua portuguesa...

E se é dificílimo, como me parece, a realização desse sonho, que a imaginação do professor Lourenço Filho formula, sobre os destinos culturais da língua brasileira, para admitir a aspiração que mais satisfaz aos nossos pruridos nacionalistas; se é muito difícil — seguramente ela não se há de realizar através de traduções desta categoria. Ao contrário, nós perderemos o contato com aquela fonte autêntica da cultura mundial, da civilização e da cultura humana, porque, qualquer que seja o pessimismo do ilustre professor, a língua francesa ainda é um instrumento insuperável de cultura...

O Sr. Lourenço Filho — Certamente.

O SR. LEVI CARNEIRO — ... de que S. Ex., certamente, não privará o seu filho, ainda que desejoso de lhe proporcionar educação literária de inspiração patriótica.

De sorte que as nossas divergências ficam, assim bastante diminuídas.

Quero, entretanto, ir ainda ao encontro de uma ponderação do Dr. Lourenço Filho. É sobre a organização das bibliotecas e, mesmo sobre a sua impressão da biblioteca do Congresso, em Washington.

Já há, no Brasil, uma biblioteca fichada admiravelmente e que está sendo instrumento precioso de cultura. É a biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo, por obra, principalmente, do eminente professor Sr. Alcântara Machado. Qualquer brasileiro que deseje obter indicação minuciosa de uma bibliografia vastíssima, sobre qualquer assunto versado nos livros e revistas daquela biblioteca, obterá prontamente a informação precisa, completa e vastíssima. Ainda noutro dia, ilustre professor de Direito da Bahia me dizia que havia conseguido organizar sua tese de concurso sobre ponto de direito raramente versado entre nós, graças a informações bibliográficas, que a biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo lhe havia proporcionado.

Este é um exemplo, uma consolação, mas um exemplo raríssimo que nos mostra as nossas falhas, que nos indica o de que precisamos, o que ainda não temos realizado, e o atraso, e a deficiência de utilização do milhão de livros amontoados na Biblioteca Nacional, da Avenida Rio Branco.

Nestas condições, na situação em que estamos, depois do que ouvimos, dizer-se que não há crise do livro no Brasil; afirmar-se que eu trouxe para aqui um assunto que Duhamel imaginou através das agruras dos editores franceses e que transplantei para o Brasil, fantasiosamente — é um esforço de imaginação, não meu, mas do meu ilustre contraditor.

Verdadeiramente, é preciso ter um otimismo invejável e pairar numa esfera muito acima das dificuldades que estamos a enfrentar, para poder contrapor à minha afirmação, corroborada, brilhantemente, desde logo por dois grandes editores e por um grande escritor, a de que não há crise do livro no Brasil e que nunca estivemos melhor, no Brasil, em matéria de livros e de edições!

Creio que nada mais me resta dizer, rapidamente, sobre as considerações do professor Lourenço Filho.

Quero, entretanto, adiantar, ainda, que não acho menos encanto nos livros. Ao contrário, se alguma coisa me seduz na obra de Duhamel, é exatamente a satisfação psicológica, que ele descreve, do leitor mergulhado no livro, que é a minha situação, a situação em que sempre me encontrei.

Devo dizer, ainda, duas palavras sobre as observações do meu querido amigo, professor Sr. Afrânio Peixoto, porque ele focalizou um problema em que não me havia demorado, que é o do analfabetismo. É realmente um problema muito grave e que está ligado ao problema do livro.

Não se pode dizer que não haja crise do livro em um país que tem setenta e cinco por cento de analfabetos.

Mas, não é só o número de analfabetos; há ainda outros fenômenos que se passam entre nós e que não é possível ignorar, entre eles a desalfabetização de indivíduos alfabetizados.

Encontrando-me diante de um fazendeiro de Minas e de seus oito filhos analfabetos, eu lhe perguntei porque não os mandava à escola.

— Para que? Para esquecerem na lavoura?

Porque esquecerem na lavoura? Porque não lêem, não têm livros, não se apegam aos livros, não criaram o hábito da leitura. O analfabeto, que vai à escola e faz o seu currículo regular e que aprende a ler e escrever um pouco, se analfabetiza de novo, mais dia, menos dia.

Temos setenta e cinco por cento de analfabetos. Mas não são apenas setenta e cinco por cento, porque contamos vinte e cinco por cento que passaram pela escola, mas esquecemos que muitos desses vinte e cinco por cento se desalfabetizaram, porque não criaram o hábito da leitura, porque nunca lhes veio ao alcance da mão o livro em que aplicassem e entretivessem os conhecimentos adquiridos.

Ainda por este lado, o problema do livro, está conjugado ao da alfabetização, como bem demonstrou Afrânio Peixoto.

Ainda outra observação: sobre o que disse Afrânio Peixoto a respeito do curador literário no Brasil, que eu aplaudo e quereria com jurisdição sobre as traduções, especialmente dos livros de Montaigne, de Aristóteles, de Platão, de Spinoza, de Erasmo, que estão circulando nas livrarias, e não sei de quem são. Mas, quereria a ação vigilante de um curador.

Finalmente, deixo o meu aplauso à notícia que Afrânio Peixoto nos trouxe, de que São Paulo, ainda nos dando um belo exemplo, já tem bibliotecas ambulantes.

Agradeço a atenção com que me honraram, não só o auditório, como os meus ilustres contraditores. E estou certo de que me perdoarão a vivacidade da contradita, que resulta de uma profunda sinceridade.

O SR. RIBAS CARNEIRO — Sr. Presidente, tomo a veleidade de, depois de ficarmos encantados com a preleção de Levi Carneiro, com a ironia, sempre finamente maliciosa de Afrânio Peixoto, com as palavras de grande ponderação de Lourenço Filho e com os depoimentos dos livreiros, aqui presentes, dizer alguma coisa, como professor.

O meu depoimento é curto. Lecionando eu numa faculdade de direito, desde 1927, tenho notado a acentuada desestimação pelo livro em que vive o nosso país. É um alheamento que eu, pelas palavras aqui ouvidas, posso haver como um sinal da confusão espiritual em que nos encontramos, em que tudo é apressado, em que tudo é feito muito superficialmente, o aluno apenas se satisfazendo com as notas, a reproduzir os tempos da Sebenta de Coimbra, não tendo um movimento de curiosidade intelectual, de argüir sempre, achando difícil adquirir o livro e numa deserção, vamos dizer assim, para ampliar os seus estudos e aprofundar as suas observações.

Outra coisa que peço licença para aduzir é esta, de acordo com a que Levi Carneiro acaba de dizer: a precipitação de traduções está contribuindo também para essa desestima.

Eu, que já estou ouvindo os passos surdos da maturidade...

O Sr. Levi Carneiro — V. Ex. tem bons ouvidos (riso)!

O SR. RIBAS CARNEIRO — ... recordo-me do meu tempo de estudante em que tínhamos um prazer muito especial em ler o livro na própria língua original.

O Sr. Levi Carneiro — Eu aprendi a língua italiana lendo livros de direito, no primeiro ano da escola. Na Universidade do Brasil, onde leciono, acidentalmente, em uma turma do 3.° ano parece que só há um aluno que se anime a ler livros italianos, aliás de origem italiana. Todos se declararam impossibilitados de ler os livros italianos que eu recomendei.

O SR. RIBAS CARNEIRO — Agradeço verdadeiramente penhorado o esclarecimento. Eu era estudante. Estudante, era quase sempre sinônimo de pobre e, no meu caso, o sinônimo era perfeito. Desejando estudar, encontrei, no meu tempo áureo, um prodígio a Casa Valardi, a quem se pagava o que se quisesse, por mês, recebendo-se logo toda a coleção ilustre dos seus autores. E sem garantia, sem contrato com reserva de domínio.

Foi ali que eu li, entre outras coisas, essa maravilha, que até agora não se fez coisa igual — O Manual, de Barbera. Tenho diante de mim esse editor prodígio, caído do céu, que me entregava, mediante a primeira prestação de 20$000, todos os livros que quisesse. Mandava buscá-los na Itália. Isso me obrigou a estudar a língua italiana.

Permita-me o professor Lourenço Filho que esteja, incondicionalmente com o professor Levi Carneiro neste ponto: o hábito da tradução sistemática vai nos relaxando o estudo do humanismo, daquilo que faz a nossa mentalidade. E — meu Deus do Céu! — principalmente do livro francês (vamos abdicar um pouco de segundas intenções), o idioma francês é talvez o que nos traz aquelas coisas tão sonoras, que reveste os assuntos de um aspecto maravilhoso, de um ritmo difícil de poder exprimir. E através do francês é que sentimos todo o passado da humanidade.

 

___________


Notas

* — O Instituto de Estudos Brasileiro, fundado em 1938 por João Augusto de Mattos Pimenta, com seus estatutos publicados no primeiro número de “Estudos Brasileiros” (Publicação Bimestral do Instituto de Estudos Brasileiros), que tinha como editor responsável Cláudio Ganns e Conselho Editorial composto por Afonso Arinos, Álvaro Alberto, Annibal Machado, Hélio Vianna, Leonídio Ribeiro, Octávio Tarquínio, M. Paulo Filho, Santiago Dantas e Tristão de Athayde, declarava expressamente:

"O Instituto de Estudos Brasileiros é uma organização apolítica, não oficial, visando o maior conhecimento do Brasil e a melhor solução dos seus problemas.

Pelos seus mesmos Estatutos está impedido de exteriorizar opinião própria. Quaisquer conceitos expendidos em conferências, debates e críticas inseridos nesta Revista, são, portanto, individuais.

O Instituto acredita fazer mais para guiar a opinião pública brasileira dando larga hospitalidade a idéias divergentes do que identificando-se com qualquer escola.

A Revista não aceita, em conseqüência, a responsabilidade dos pontos de vista aqui manifestados. O que aceita é, apenas, a responsabilidade de lhes dar ensejo de aparecerem em suas páginas.”

Republicando em eBook a presente conferência, acreditamos estar permitindo que vozes brilhantes do passado contribuam com seus depoimentos, hoje históricos, como era de sua vontade expressa, para a solução de problemas que eles já diagnosticavam e com os quais ainda nos confrontamos.

** — Ortega y Grasset na fonte digitalizada. Um evidente erro tipográfico.


 

©2001 — Levi Carneiro

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

__________________
Fevereiro 2001

Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se você pagou por esse livro
VOCÊ FOI ROUBADO!

Você tem este e muitos outros títulos
GRÁTIS
direto na fonte:
eBooksBrasil.org

Edições em pdf e eBookLibris
eBooksBrasil.org
__________________
Março 2006

 

eBookLibris
© 2006 eBooksBrasil.org