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Brincadeiras de Ontem

Carlos Alberto Almeida Marques


 

Carlos Alberto Almeida Marques

 

Brincadeiras de Ontem

Edição Especial para Download Grátis pela Internet

 

Juazeiro do Norte
2001

Endereço do Autor:
Rua Dr. José Gonçalves, 1781
Lagoa Nova
59056-570 NATAL – RN
Telefone: 0xx84.206.6272/231.0591
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Versão para eBook
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Dedicatória

 

Aos meus pais,
Zeca Marques e Maria Almeida,

por terem sempre me liberado para todas as brincadeiras.


Às minhas crianças
Carlos Alexandre, Aline e Luana.


Em memória de meus irmãos

Válter e Samuel,
que foram brincar no céu.


Agradecimentos

À minha esposa, Ozenir,
pela empolgada divulgação prévia deste livro.


Aos meus irmãos Daniel e Jorge Luiz,
pelo grande incentivo e pela valiosa
ajuda nas lembranças das brincadeiras.


 

Sumário

 

Prefácio
Apresentação
Introdução
As brincadeiras

TriânguloFutebol de PoeiraBandeirinhaBilaCastanhaMeia-LinhaEmpunhaçãoCobra-CegaCinturão Queimado Cantigas e Brincadeiras de RodaJogo de BotãoPetecaBanho de RioBaladeira CarrapetaBola de MeiaCaçar BorboletasTroca de RevistasPatineteColeçõesCinemaCowboyRodaJogos de MesaEmissora de RádioCatar BesouroCircoBanho de ChuvaBrigaCorridaMacacaSalva CompanheiroBicheirinhaFutebol de PregoSinucaEsconde-escondeComícioConcurso de Cuspe, de Mijo à distância e Pau melado de bostaAdivinhaçãoCorrida de CarroRevólverRaia e PapagaioNego de CeraCarrinho de Pé GuerraTratorzinhoRádio-transmissorBadoqueSetinhas
Glossário
O Autor


 

Prefácio

 

Ainda não existe (a não ser no mundo da ficção) e jamais haverá uma “máquina do tempo” capaz de nos transportar para passado com a força e a rapidez que a leitura de um livro proporciona. Aliás, alguém já disse: quem lê viaja no tempo. Isto é uma grande verdade. Voltar ao passado, ao meu tempo de infância, foi justamente o que experimentei ao ler os originais deste opúsculo sobre brincadeiras de infância/adolescência escrito em boa hora por meu irmão Carlos Alberto, mais novo do que eu apenas dois anos.

Das brincadeiras relatadas neste livrete eu participei praticamente de todas. Pena que durou tão pouco, só agora eu sei. Quando se chega à idade adulta precocemente, como foi o meu caso, é que a gente lamenta ter saído tão cedo da infância e da adolescência. E aí, de nada adianta lamentar, pois, o passado, inexorável como é, sempre anda para trás e, quando por acaso volta, só o faz através do pensamento.

Lendo este livro a gente percebe quanto Carlos Alberto tem razão, quando diz que a modernidade vem acabando com as brincadeiras das crianças. Realmente, muitas das brincadeiras salutares e agradáveis de antigamente não combinam com a modernidade. Enquanto o lugar onde moramos não conhece o progresso, as brincadeiras disponíveis e utilizadas são em número muito grande. De fato, cidade pequena, sem ruas pavimentadas, com muitos terrenos baldios e pouca iluminação é o lugar ideal para se praticar a maioria das brincadeiras descritas nesta obra de Carlos Alberto.

É fácil perceber que ruas asfaltadas e movimentadas não oferecem condições para se brincar, por exemplo, de carrapeta, de triângulo, de bila de buraco, etc.; ruas claras, bem iluminadas, são igualmente desapropriadas para se brincar, por exemplo, de esconde-esconde ou do famigerado “pau melado de bosta”; calçadas de ladrilhos não prestam para se brincar com castanhas de caju, uma excelente brincadeira (ou jogo?) na qual se podia até ganhar umas moedas, porquanto ela só pode ser praticada em calçada de cimento liso; e em ruas com prédios altos e atravessadas por cabos elétricos e telefônicos fica difícil soltar pipa ou brincar de raia, como se dizia no passado.

Em Juazeiro do Norte o progresso já chegou e é exatamente por essa razão que é raro se encontrar crianças brincando das brincadeiras tão comuns nas décadas de 50 e 60, quando a cidade não contava com os benefícios da vida moderna, como a energia elétrica de Paulo Afonso que provocou em nossa cidade o advento dos brinquedos eletrônicos, e também da televisão, videogame, videocassete, enfim, essas coisas modernas e modernosas que a gente não sabe ao certo se delas usufrui ou padece.

Eu já estou mais ou menos adaptado à vida moderna, mas se pudesse – nem que fosse por pouco tempo – voltar ao meu tempo de infância, não vacilaria um segundo sequer, pois, aquele sim, é que era, realmente, um tempo bom. A gente era feliz e não sabia, para repetir uma expressão tão repisada. Ninguém conhecia, naquele tempo, o que era violência, drogas, pornografia. É claro que essas coisas existem há bastante tempo, mas nos anos 50 e 60 a dimensão era insignificante, nada que se compare à época atual.

Com a publicação deste livro, Carlos Alberto, hoje engenheiro, casado, pai e avô, presta um significativo serviço às gerações dos “anos dourados” e à seguinte, a dos “anos rebeldes”, ao resgatar brincadeiras que a modernidade implacavelmente vem afastando da meninada, e o pior, conduzido-as ao esquecimento. Então, relembrá-las através deste trabalho primoroso proporciona um excelente exercício de memória, um verdadeiro mergulho num fascinante e inesquecível mundo de fantasias, o mundo lúdico inerente à vida de toda criança, independentemente de sua condição social ou econômica.

Se você, amigo leitor, foi criança um dia, parabéns. Pegue carona aqui, vista sua calça curta (hoje se chama bermuda), relaxe, esqueça todo e qualquer problema, deixe-se invadir pela emoção de voltar ao passado, transforme-se novamente numa criança, a criança que você foi ontem, junte-se aos seus companheiros, escolha a brincadeira e vamos todos brincar que ainda é tempo.

E como este é um livro de brincadeiras, deixe sua imaginação fluir à vontade.

 

Daniel Walker


 

Apresentação

 

A idéia de escrever este livro surgiu no final de 1984, quando dei de presente ao meu filho Carlos Alexandre, então com 10 anos, um brinquedo eletrônico chamado Atari, que utilizava o aparelho de televisão como complemento e era uma verdadeira coqueluche na época. Morando sempre em zonas urbanas de capitais, senti que meu filho jamais iria ter os tipos de brincadeiras que eu tive quando menino. Ele iria ser criado sob a influência da informática e da recém iniciada revolução dos jogos eletrônicos, que consolidava a televisão como o instrumento determinante maior do novo modo de brincar das crianças. Então pensei em escrever um pequeno resumo das brincadeiras de minha infância e adolescência em Juazeiro do Norte, pretendendo que meu filho pelo menos as conhecesse através da leitura.

De início, deparei-me com algumas pequenas dificuldades. Eu tinha que descrever as brincadeiras com a maior clareza possível e com bastante simplicidade. A narrativa tinha que ser técnica e detalhada, na explicação das regras e dos objetivos das brincadeiras, e ao mesmo tempo leve e agradável, para despertar o interesse na leitura por uma criança. Além do mais, estava morando em uma capital, longe dos locais das brincadeiras e, devido o longo tempo já passado desde a minha infância, alguns de seus detalhes e características me fugiam da memória. De qualquer forma iniciei o livro e interrompi a escrita em pouco tempo, tendo na época esboçado apenas a descrição de umas poucas brincadeiras.

Só agora, passados dezesseis anos, com meu filho já adulto, tendo já me dado uma netinha, foi que decidi a qualquer custo concluir o trabalho, com a intenção de deixar registrado pelo menos uma parte das minhas atividades naquele tempo de infância e adolescência. Ao descrever as brincadeiras, tive a mesma satisfação ao lembrar os antigos amigos, principalmente aqueles engraçados ou exóticos. Muitos são citados nominalmente e não são do conhecimento dos leitores que não foram da Pracinha ou do meu tempo. No entanto, acredito que personagens semelhantes fazem parte da infância de todos.

Esqueci que não sou escritor e preocupei-me apenas em ativar a memória e relembrar várias passagens, o que se tornou para mim uma nostálgica, porém agradável viagem a um belo tempo passado.

É bem verdade que ainda hoje podemos ver nas periferias das cidades, onde existem terrenos baldios e ruas não calçadas, meninos brincando de algumas daquelas brincadeiras. Mesmo assim preferi fazer a narrativa empregando os verbos no tempo passado, tentando, talvez inconscientemente, reforçar a sensação de que aquela realidade (do meu tempo) não mais existe.

 

Carlos Alberto Almeida Marques


 

Introdução

 

Havia algumas características comuns à maioria das brincadeiras naquele tempo longínquo em Juazeiro do Norte, quando o progresso estava apenas chegando. As brincadeiras eram praticadas em quadras ou terrenos baldios, em ruas não calçadas e em locais sem iluminação. Estas peculiaridades eram comuns na época, uma vez que existiam na cidade muitas áreas abertas, poucas ruas calçadas e a chamada luz de Paulo Afonso, recém chegada, só beneficiava umas poucas ruas privilegiadas. Nesse tempo, dávamos a maior prioridade às brincadeiras, vestíamos calça curta, calçávamos alpercatas e sandálias de rabicho (depois apareceram as sandálias japonesas) e tornávamo-nos rapazes quando pedrávamos e quebrávamos o cabresto, expressões estas que denotavam nossas alterações fisiológicas íntimas.

Brincávamos sempre descalços e na maioria das vezes de calção, sem camisa, como dizíamos, nus da cintura pra cima.

Os dias e horários eram naturalmente definidos: de segunda a sexta-feira iniciávamos as brincadeiras a partir das cinco horas da tarde, após a volta da escola, com um pequeno intervalo para o jantar, e prosseguíamos até às nove horas da noite, no máximo. Nos sábados, domingos e feriados era o dia todo.

Brincávamos muito, mas muito mesmo, sem, contudo, atrapalhar os estudos. O dia parecia ser mais longo e permitia a quem quisesse, estudar, brincar e até ajudar em algumas tarefas caseiras. O horário de recreio das escolas, normalmente meia hora, era também aproveitado para brincar de bila ou de trocar figurinhas. É claro que havia alguns meninos, os alunos relaxados, que viviam atrasados nos estudos, mas os motivos eram outros.

Brincadeiras e jogos, ainda hoje é difícil caracterizar o que era uma coisa ou outra. Poderíamos definir que os jogos eram as brincadeiras em que existiam competição e um vencedor, ou vários. Mas isso não era o importante. Afinal de contas, o objetivo final era um só, diversão sadia. O jogo tem necessariamente regras, enquanto que a brincadeira pode ou não ter regras.

Algumas brincadeiras eram sazonais e estavam relacionadas diretamente com a estação do ano ou com as férias escolares. As típicas de inverno eram banho de chuva nas calçadas, aproveitando a abundância da água que jorrava das bicas dos telhados das casas, triângulo, banho de rio, caçar borboleta (era impressionante a grande quantidade e variedade de borboletas que existiam na época), fazer bonecos de barro e outras. No verão, durante a safra de caju, era jogo de castanha nas calçadas de cimento liso. Inúmeras eram permanentes, como futebol de poeira, bandeirinha, corrida. Outras só eram praticadas à noite, como esconde-esconde, cobra-cega, cinturão-queimado, cowboy.

Devido às poucas opções de brinquedos industrializados existentes no comércio da cidade e, principalmente, ao baixo poder aquisitivo dos nossos pais, nós mesmos com alguma competência construíamos os nossos brinquedos. Naquele tempo recebíamos presente dos pais apenas no nosso aniversário, no Natal ou quando o nosso pai chegava de uma longa viagem. Por isso, se quiséssemos brincar, fazíamos caminhões de madeira, revólveres, cartucheiras, petecas, bolas de meia, patinetes, traves de jogo de botão, aviõesinhos de cambão de milho e de flandres, raias, papagaios, badoques e muitos outros.

Com a pavimentação das ruas e o ajardinamento das praças, surgiram os Comissários de Menores. Eram senhores temidos, implicantes, cuja função, segundo nosso modo de interpretar, era impedir de brincarmos. Os comissários eram uma verdadeira praga em nossas vidas. Surgiam do nada para atrapalhar nossas brincadeiras. Não podíamos brincar de bola, entrar nos jardins das praças, nem subir em árvores. Nos cinemas, implicavam com a brincadeira de troca de revistas (que eles consideravam um comércio), apreendendo as consideradas proibidas...

É um fato indiscutível que o calçamento das ruas e a pavimentação das praças contribuíram definitivamente para eliminar nossas brincadeiras e jogos, hoje limitados à periferia das cidades de pequeno porte. Enquanto naquele tempo as brincadeiras eram bastante sociáveis, havendo muito pouca discriminação, uma vez que praticamente todos tinham as mesmas opções, hoje apenas o pessoal da periferia é que ainda pratica algumas dessas brincadeiras, mesmo assim bastante modificadas por imposição dos tempos modernos.

Nas páginas seguintes são relembradas, sem o compromisso com a ordem cronológica, algumas brincadeiras que foram uma constante na minha infância. São também relembrados alguns amigos da época e descritos alguns locais de Juazeiro antigo. É possível que mesmo com o esforço de memória exercido eu incorra em falha por omissão de algum detalhe. Peço a todos que lerem estes relatos que me corrijam quando este fato ocorrer.

Não escondo a pretensão de minha parte de que haja uma interação com os leitores, contemporâneos meus ou não, no sentido de que cada um relembre suas próprias passagens e fatos da infância, como também acrescentem mais detalhes sobre suas brincadeiras preferidas.


 

As Brincadeiras

 

Eu daria tudo que eu tivesse

Pra voltar aos dias de criança

Eu não sei pra que que a gente cresce

Se não sai da gente essa lembrança

...

Eu igual a toda meninada

Quantas travessuras eu fazia

Jogos de botões pelas calçadas

Eu era feliz e (não) sabia

(Extraído e adaptado da música de Ataulfo Alves)


 

TRIÂNGULO

 

Triângulo era uma das brincadeiras típicas de inverno. Para praticá-la eram necessários dois jogadores e um terreno plano, molhado, mas não encharcado, sem grama ou qualquer tipo de vegetação rasteira. O único dispositivo utilizado era um pedaço de arame grosso, reto e rígido, de mais ou menos 20 centímetros de comprimento, com uma extremidade pontiaguda e outra com uma dobra circular. Este dispositivo era impropriamente denominado triângulo.

Para iniciar o jogo era feito um risco no terreno com o triângulo. Os dois jogadores, um após o outro, lançavam o triângulo no chão, tentando enfiá-lo o mais próximo possível do risco para ter direito a começar os lançamentos. O risco era desfeito e o vencedor da saída lançava sucessivamente o triângulo em distâncias escolhidas a seu critério e ia ligando os pontos dos furos, em linha reta, formando um polígono aberto. O terreno ligeiramente molhado facilitava a penetração do triângulo e o traçado das linhas retas. O objetivo era fechar o polígono, mantendo preso o outro jogador. Este tinha o direito de efetuar seus lançamentos sempre que o primeiro errasse, ou seja, quando não enfiasse o triângulo, ou não fizesse o furo dentro do polígono. O segundo jogador fazia seus furos sucessivos, tentando sair do cerco formado pelo primeiro. Quando conseguia sair, prosseguia com os lançamentos, tentando a seu modo contornar o traçado do primeiro. O jogo seguia neste ritual, até que um deles conseguia fechar o seu contorno, o que ocorria quando era conseguido enfiar o triângulo em cima da linha.

A dificuldade do jogo consistia em sair do cerco criado pelo adversário. A tendência era este objetivo ficar cada vez mais difícil. No final do jogo o chão ficava marcado com um desenho complexo. Os erros ocorriam quando o triângulo não penetrava no chão, penetrava pouco e caía por falta de sustentação, ou encontrava uma pedra enterrada.

Não existia um prêmio fixado para o vencedor do jogo. Podia ser apenas satisfação do ego, por sentir-se o melhor, ou podia ser acertado previamente o que o perdedor deveria dar ao vencedor. Acertava-se comumente um brinquedo de pequeno valor.

Nunca entendi a razão do nome do dispositivo de arame ser também triângulo. Na realidade o traçado final no chão, resultante da prática do jogo, também não era um triângulo e sim um polígono irregular. Talvez o nome triângulo, emprestado ao jogo, se devesse ao fato de ser esta a menor figura geométrica que se poderia formar para ganhar o jogo logo no início.


 

FUTEBOL DE POEIRA

 

Era a mais popular das brincadeiras, praticada em qualquer época do ano, em qualquer faixa de idade. As regras eram quase as mesmas do futebol profissional, sendo do conhecimento de todos. Existiam porém algumas características inerentes ao futebol de poeira praticado no tempo que falávamos ofissaide ("off side", impedimento), córner (escanteio), bater o fora (lateral), banho de cuia (chapéu), rasteira (carrinho) e outros termos hoje em desuso.

O campo era um terreno baldio, ou uma área reservada para uma praça pública, de preferência plano, sem acidentes ou vegetação. Não era marcado e os limites podiam ser alguns acidentes do terreno, caso existissem, tipo uma moita, um buraco, um fio de pedra, um muro, ou qualquer outro obstáculo. No máximo se permitia marcar os quatro cantos, usando-se pedras ou varetas de pau.

Em jogos mais importantes, em domingos ou feriados, por exemplo, ou em partidas com equipes de fora, era feita a marcação do campo e das áreas com cal, pó de carvão ou sulcos no terreno. As traves também eram duas pedras ou varetas de pau. A bola era de borracha. Na falta de uma dessa, era improvisada uma bola feita com bexiga de boi, obtida nos açougues. A bola de couro não servia porque desgastava rapidamente pelo atrito com a terra. Só era usada quando o campo era gramado (fato raríssimo) e algum menino rico possuía uma bola dessas. O número de jogadores de cada equipe dependia do tamanho do campo, mas em qualquer situação era desejado um número mínimo de seis participantes por equipe, sendo um goleiro, duas defesas e três atacantes. Um dos times jogava com camisa e o outro sem. Todos jogavam descalços. Apenas os goleiros tinham o direito de jogar de camisa e até usar tornozeleira.

No início do jogo era feita no “par ou ímpar” a escolha dos lados do campo, dos jogadores por equipe e da equipe que deveria bater o centro para iniciar o jogo. Não tinha juiz; ganhavam-se as discussões sobre falta, gols, laterais, tudo na base do grito ou da pressão da torcida. O gol tinha que ser bem marcado, para não deixar dúvidas se a bola passou por cima da pedra (trave) ou se passou muito alto, de modo que o goleiro realmente não poderia alcançá-la.

Uma lembrança muito particular do futebol de areia foi a criação de uma equipe de futebol mirim, formada só com crianças na faixa dos dez aos doze anos, mais ou menos. Era um time com uma certa organização, uma espécie de embrião de escolinha de futebol. Para fazer parte do time, o menino era submetido a uma seleção. Eu era o treinador e o goleiro.


 

BANDEIRINHA

 

Em versatilidade, movimentação e emoção a bandeirinha era a brincadeira que mais se aproximava do jogo de futebol. Era disputada em uma rua larga, de preferência não calçada. A rua era dividida por uma linha perpendicular, feita por um risco de carvão ou gesso, se fosse calçada; ou com um sulco no chão, se não o fosse. Os limites laterais eram as paredes das casas.

A brincadeira era disputada por duas equipes, com o mesmo número de participantes, sendo recomendado o mínimo de seis para cada equipe. Para diferenciar, uma equipe ficava com camisa e a outra sem. O jogo era disputado obedecendo-se a regras bem definidas. As equipes posicionavam-se estrategicamente em cada lado do campo. Eram utilizadas duas bandeirinhas, normalmente duas camisas de participantes, colocadas no chão, dispostas simetricamente a uma certa distância da linha divisória. Embora não fosse obrigatório, era conveniente que cada equipe definisse os atacantes, que ficavam posicionados próximos à linha divisória, e os defesas, próximos à bandeirinha. Para marcar um ponto, o jogador de uma equipe devia transpor a linha divisória, sem pisá-la, correr até a bandeirinha, apanhá-la e trazê-la para seu campo. Tudo isto tinha que ser feito sem ser tocado por nenhum adversário, sob pena de ficar preso, isto é, parado no local em que foi tocado. Para evitar ser preso o jogador devia correr, fazendo malabarismos com o corpo, visando desviar dos adversários. Era o que chamávamos "dar um pitu", uma espécie de drible sem bola. Caso o jogador fosse tocado por um adversário portando a bandeirinha, esta deveria ficar no mesmo lugar do jogador preso. O jogador permanecia parado até que viesse um companheiro de equipe para libertá-lo, bastando tão somente tocá-lo. Ao mesmo tempo a bandeirinha podia ser carregada. O jogo terminava quando uma das equipes atingia determinado número de pontos, previamente acertado (em geral dez), ou quando uma equipe conseguia prender todos os adversários.

Um bom praticante de bandeirinha era aquele que corria muito, sabia "dar um pitu" e tinha senso de oportunismo, para saber a ocasião apropriada para invadir o campo adversário.


 

BILA

 

Esse jogo era praticado usando-se umas esferinhas de vidro, normalmente azuladas, conhecidas por bolas de gude e, impropriamente, por bilas. Tratava-se de um jogo bastante simples e de poucas regras, praticado por dois jogadores em um terreno seco, de preferência plano. No terreno eram feitos três buracos rasos alinhados e distanciados mais ou menos um metro e meio um do outro. Cada jogador usava uma bola de gude mestra e três a cinco bolas de gude peões. O jogo consistia em cada jogador colocar as esferinhas do adversário nos buracos, através de toques utilizando a bola de gude mestra. As jogadas eram alternadas, mas o jogador tinha direito a continuar o toque quando conseguia colocar uma bola de gude num buraco. Era permitido, ao invés de tentar colocar as bolas de gude do adversário num buraco, afastar uma própria que estivesse próximo deste, para dificultar a jogada do adversário. Ganhava o jogo quem conseguisse colocar as três bolas de gude nos buracos, sendo o prêmio pela vitória as esferinhas do adversário que foram colocadas nos buracos. Era exigido do praticante deste jogo uma boa habilidade manual. As esferinhas de vidro podiam ser substituídas por esferas de aço, pouco usadas por serem mais caras.

Uma variação desse jogo era o jogo de bila, em que eram utilizados pequenos seixos redondos, substituindo as esferinhas de vidro. Nesse caso não existia um número fixo de bilas e o pagamento do prêmio pela vitória era feito com notas de cigarro, que tinham um valor monetário correspondente a cada marca.


 

CASTANHA

 

Esta era uma brincadeira ou jogo próprio da época da safra de caju. Era um dos poucos jogos de criança em que o prêmio para o vencedor era dinheiro. Era jogado obrigatoriamente numa superfície cimentada, lisa, plana, sem obstáculos, como rachaduras, buracos, saliências. Normalmente era uma calçada de rua.

Para a sua prática era necessário um bancador, que colocava a prêmio uma moeda, e no máximo três disputantes, devido a pouca largura das calçadas. O bancador sentava-se na calçada com as pernas abertas. Entre as pernas colocava uma moeda em pé, de quina, apoiada num montículo de areia. Os jogadores se posicionavam a uma distância predefinida pelo bancador, que variava com o valor da moeda. Cada um lançava uma castanha de caju, através de impulso com o dedo maior de todos, visando derrubar a moeda. Quando um jogador acertava e derrubava a moeda ele a ganhava e o jogo era parado. O bancador ficava com as castanhas que passaram. Assim, quanto mais tempo a moeda demorasse a cair mais castanha ele ganhava. O bancador podia ainda colocar outra moeda a prêmio ou ceder o lugar para outro. Devido à simultaneidade dos lançamentos das castanhas pelos praticantes, comumente havia sérias discussões na identificação de quem derrubou a moeda. Aí valia a palavra dos espectadores ou o poder de convencimento do jogador.

O jogo era bastante simples, mas existiam algumas características. As castanhas mais adequadas eram as grandes, secas e achatadas. Estas facilitavam a pontaria. As castanhas verdes e pequenas rolavam, pulavam e mudavam de direção. Só serviam para assar e comer. Era comum o bancador colocar um espantalho, chamado macaco, ao lado do montículo com a moeda, para dar azar aos jogadores. O macaco era um boneco feito com uma castanha grande, seca e achatada, chamada castelão. O formato deste castelão já se aproximava de um rosto de macaco. Nele eram feitos dois furos para servirem de olhos, um entalhe para servir de boca e colocado um tripé de palitos de fósforo. Em alguns eram incluídas cabeleira e orelha. Este apavorante boneco podia até não dar o azar desejado pelo bancador, mas que sua presença incomodava e nos tirava a atenção, não tenho a menor dúvida.


 

MEIA-LINHA

 

A meia-linha era uma espécie de preliminar do futebol de poeira, sendo praticada enquanto era completado um número suficiente de jogadores para formar duas equipes.

Para sua prática eram necessários apenas quatro participantes, sendo um goleiro e três atacantes. Era usada apenas uma das traves e uma pequena área do campo. O jogo servia também como treino e aquecimento. As regras eram muito simples e simulavam um ataque dentro da pequena área. Os atacantes efetuavam os toques de bola, um para o outro, com o pé ou a cabeça, sem deixar a bola cair no chão. O terceiro a tocar a bola poderia chutá-la para o gol. O placar ia até cinco, quando então poderia haver um revezamento entre o goleiro e um atacante.

Embora as regras fossem simples existiam algumas penalidades. Por exemplo, o jogador que tocasse com a mão a bola, ou deixasse a mesma cair no chão, saía e cedia o lugar a outro. O goleiro não podia sair da linha do gol. Também não eram permitidos chutes a gol com muita violência.


 

EMPUNHAÇÃO

 

O termo empunhação não existe no dicionário Aurélio, mas seria o ato de empunhar, ou segurar pelo punho, o que não tinha nada a ver com a brincadeira. Na realidade, existindo ou não, o termo empunhação não designava propriamente uma brincadeira ou jogo, mas um grupo de atividades desafiadoras aleatórias, uma espécie de olimpíada de faz de conta.

Os desafios eram os mais diversos e visavam apenas mostrar quem era o mais corajoso, mais ousado, mais ágil, ou seja, o melhor. Os mais comuns eram pulo à distancia, subir em lugares altos ou em árvores, pular de uma certa altura em rios, atravessar um rio a nado ou mergulhando, passar de uma árvore para outra através dos galhos, correr até um ponto definido, e até mesmo entrar sozinho, à noite, em uma casa abandonada, com fama de mal assombrada, ou no cemitério.

Também havia algumas empunhações ligadas a determinadas ginásticas, tipo dar cambalhotas no ar, andar com as mãos no chão e as pernas para cima, equilibrar-se com apenas uma mão no chão e os pés na parede.

Eram todas brincadeiras sadias e não provocavam brigas, mas apenas uma ou outra discussão na avaliação do vencedor de determinado desafio. Os acidentes, porém, eram inevitáveis e ocorriam com uma certa freqüência. Alguns desafios ocasionavam quedas de mau jeito ou arranhões, principalmente naqueles que não tinham muita habilidade e arriscavam-se mais, por não querer sair perdendo.


 

COBRA-CEGA

 

Essa brincadeira tinha poucas regras e não existia número definido de participantes. Era necessário apenas um local aberto, sem obstáculos ou acidentes. Consistia numa gozação feita a um dos participantes, previamente selecionado.

Um menino era escolhido por sorteio ou na base do par ou impar para ser a cobra-cega. O sorteado era posicionado no centro de uma roda formada pelos participantes, tinha seus olhos vendados com uma camisa ou uma tira de pano e recebia um pedaço de pau. Em seguida era girado por quatro ou cinco voltas para que ficasse tonto e tivesse dificuldade de se locomover. A partir daí iniciava-se a brincadeira. Cada um dos participantes se aproximava do cego, batia-lhe e empurrava-o. Este, a seu modo, tentava evitar a aproximação de qualquer um, defendendo-se com o pau. Não era uma tarefa fácil, já que estando com olhos vendados não via ninguém e ficava sem equilíbrio. Ele tinha que estar atento, com os sentidos apurados para tentar bater com o pau no jogador que dele se aproximasse. O cego às vezes era habilidoso e ficava rodando o pau em todos os sentidos, dificultando a aproximação do agressor.

Este ritual prosseguia, normalmente com o cego levando desvantagem. A malandragem existia por conta do cego, que às vezes conseguia ver um pouco através da venda, por ela ter sido mal colocada ou ter se afastado devido os movimentos. A brincadeira terminava quando o cego cansava.


 

CINTURÃO QUEIMADO

 

A exemplo da cobra-cega, essa era também uma brincadeira agressiva, em que levava desvantagem, com certeza, quem fosse abobalhado. Depois de formada uma turma suficiente, com seis ou mais meninos, um deles era escolhido para esconder, sem ser visto, um cinturão em qualquer lugar não muito distante, podendo ser um buraco no chão, uma moita, embaixo de uma pedra, uma fresta de muro. Qualquer lugar servia, contanto que fosse difícil e original. Em seguida era dado o sinal para que todos começassem a procurar o cinturão escondido.

Para dificultar, esta brincadeira era praticada somente à noite, de preferência sem lua. Após o sinal todos se espalhavam e rapidamente iniciavam a procura. Depois de um breve tempo, caso estivesse difícil achar o cinturão, o menino que o escondeu poderia ficar dando as dicas de "quente", se alguém estivesse próximo, ou "frio", quando se afastava. Daí talvez proviesse a denominação de cinturão-queimado, estado que ficaria este utensílio após ter ficado quente e ter sido achado. O menino que achasse o cinturão tinha o direito de dar umas "cinturãozadas" em qualquer um que estivesse participando, de preferência nos que estivessem mais próximo. Era uma correria louca, cada um a seu modo tentando evitar ser agredido. Depois o cinturão era passado para outro e a brincadeira reiniciava.

Às vezes, alguém engrossava, não obedecia à regra básica de não revidar e partia para a briga. Havia uma certa tensão durante a procura do cinturão. Você tinha que estar muito atento para achá-lo por primeiro e para evitar ficar próximo a outro que o achasse. Afinal de contas ninguém queria levar uma surra de outro menino. Devido a isso, alguns meninos recusavam-se a participar da brincadeira, por reconhecerem suas limitações. Em princípio, a brincadeira terminava quando completava o rodízio ou iniciava uma briga.


 

CANTIGAS E BRINCADEIRAS DE RODA

 

As Cantigas de Roda (“Atirei o pau no ga tê ó tó...”, “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...”, “Três, três passarão...”), as brincadeiras de passar o anel, pular corda e os contos de fada nos proporcionaram momentos divertidos em nossa verdadeira infância. Todas essas brincadeiras eram praticadas junto com as meninas do bairro, sem nenhuma malícia, na nossa época mais inocente. As brincadeiras de roda eram sempre comandadas por uma menina jeitosa, desinibida, às vezes mais velha que a gente. Normalmente era uma irmã ou prima de algum de nós. Brincávamos sempre na rua, à noite, enquanto as nossas mães ficavam conversando nas calçadas. Tudo muito corretinho. Deixávamos de brincar quando íamos crescendo, ficando rapazinhos, e já começávamos a olhar as meninas de uma maneira não mais tão inocente.


 

JOGO DE BOTÃO

 

O jogo de botão é hoje denominado futebol de mesa, sendo muito praticado por adultos. Esse jogo evoluiu muito, principalmente no formato dos botões, deixou de ser popular e tornou-se elitista, existindo inclusive em várias cidades brasileiras associações que promovem campeonatos regulares e bastante concorridos. Agora, verdade seja dita, sem desmerecer o valor do futebol de mesa e sem nenhum saudosismo radical, o jogo de botão de antigamente era mais emocionante. As suas regras, muito semelhantes ao futebol de poeira, continuam praticamente as mesmas, mas as características e peculiaridades foram bastante modificadas. As características a que me refiro são os tipos de botões, o formato das traves, a bola, o goleiro e algumas outras.

O jogo de botão podia ser praticado em qualquer superfície lisa, como uma mesa de madeira ou de marmorito, ou até mesmo o chão liso da casa ou da calçada. Em qualquer caso, fazíamos a marcação do campo com giz ou gesso. As traves eram feitas por nós mesmos, com pedaços de madeira, de preferência cedro. Para as redes usávamos pedaços de renda, de meias de seda ou de mosquiteiros. Uma trave bem feita ficava em perfeito esquadro, com a rede colada e esticada. Seu tamanho era tal que permitia apenas com muita dificuldade a passagem da bola por cima do goleiro ou pelas laterais. Isto tornava o gol mais difícil de ser feito.

Cada um de nós tinha seu par de traves. Como normalmente existia diferença nas traves de um e de outro, antes do início de uma partida era escolhido o par de traves a ser usado. Para conduzir os botões durante o jogo e bater os foras era utilizada uma palheta, que nada mais era que um vidro de relógio de bolso.

O goleiro era uma atração à parte. Feito obrigatoriamente com uma caixa de fósforos de folha fina de madeira da marca Fiat Lux (o único tipo existente no mercado). Dentro da caixa eram colocados pedaços de chumbo, para o goleiro ficar pesado e não cair quando receber a bola. Depois, era feito o uniforme do goleiro, revestindo a caixa de fósforos com papel cartolina. A partir daí era aplicada toda uma criatividade, com a colocação do nome, emblema e cores do time. E interessante, no verso era colocado o número 1.

Normalmente o nome do time era o mesmo de um clube que torcíamos no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Alguns goleiros ficavam realmente muito bonitos. A bola era uma tampinha de pasta de dente, com seu interior preenchido com cera de carnaúba ou sabão. A melhor bola era a tampinha verde da pasta dental Kolipe.

Os astros do jogo, como não poderiam deixar de ser, eram os botões. Com exceção dos beques, que podiam ser de plástico ou feitos de catemba de coco, eram todos de osso e diferentes entre si em tamanho e cor. Cada botão era personalizado e podia representar um jogador famoso da época. Às vezes eram pintados o nome e o número, este de acordo com sua posição em campo. Assim como os botões eram diferenciados, eram também personalizados: chegávamos a dizer que tal botão era bom no ataque, outro era melhor para bater falta, outro para conduzir a bola. Os botões, ou jogadores, mais valorizados eram os retirados de palitós ou casacos velhos do nosso pai ou avô. Um detalhe: os furos dos botões eram também preenchidos com cera de carnaúba ou sabão.

Os botões, bola e palhetas eram guardados em um estojo apropriado, cobertos de talco e enrolados em uma flanela. Antes de iniciar o jogo os jogadores eram um por um polidos e posicionados no campo. A partir daí o jogo iniciava, propiciando aos competidores e aos torcedores toda a emoção de que falei no início.


 

PETECA

 

A peteca era uma das brincadeiras mais bonitas de se ver, muito praticada nas tardes de domingos e feriados, em terrenos baldios, bastante abertos e sem obstáculos. Consistia na formação de uma grande roda por um número não definido de participantes, afastados entre si por uma certa distância. Cada participante lançava a peteca para o alto, na maior altura possível, através de impulso com a palma da mão. O membro da roda que estivesse mais próximo do local onde a peteca iria cair dava um impulso na mesma, procurando lançá-la também o mais alto possível. Aquele que deixasse a peteca cair saía da roda. A brincadeira continuava e, um a um, os participantes iam saindo, até ficar o último, o vencedor.

Esta brincadeira tinha uma característica especial: era muito praticada também pelos adultos ou homens casados, talvez por terem mais força, qualidade exigida para a sua boa prática. Na realidade, nós gostávamos mais de apreciá-los jogando.

As regras eram poucas e simples. A peteca não podia ser tocada com os pés, nem podia ser segurada. Um participante não podia disputar com outro o lançamento da peteca. A prioridade era sempre do que estivesse mais próximo.

Destacava-se nesta brincadeira aquele que lançava a peteca mais alto e que não a deixava cair facilmente.

A peteca era semelhante às que ainda hoje vemos no comércio, mas os materiais utilizados na sua confecção eram outros. Existiam muitas petecas bonitas, verdadeiras obras de arte popular. A sua base era feita de couro curtido, com a face inferior lisa. As duas faces eram costuradas com tiras de couro após serem preenchidas com fiapos de pano. O suporte das penas era feito a partir de um carretel de linha de costura, de madeira, que tinha uma das abas (rebordos) aparada. As penas eram de peru ou galinha. Em algumas petecas, mais decorativas do que práticas, eram usadas penas de pavão. A peteca tinha um peso ideal: não tão leve para não ser levada pelo vento, nem tão pesada que dificultasse seu lançamento.


 

BANHO DE RIO

 

O banho de rio ou de açude era uma atividade até um certo ponto arriscada, principalmente nos tempos de cheia, só exercida por meninos mais afoitos e que tinham uma certa liberdade. Os filhinhos de papai, ou filhos de pais durões, não se aventuravam nas excursões aos brejos para tomar banho de rio, alguns deles até perigosos.

Durante o banho era comum brincarmos de bicheirinha e de empunhação, como atravessar o rio nadando ou mergulhando, apanhar objetos no fundo do rio, pular do barranco ou de um galho de árvore e outras improvisações. Também pescávamos piabas, enfiando no leito do rio uma garrafa de um litro, sem fundo, com farinha de mandioca no seu interior. O fundo dessa garrafa era retirado a fogo, utilizando como cortador um cordão embebido em querosene. Quando nas margens do rio havia barro, nos sujávamos todos e depois caíamos na água para nos limpar. Todos tinham que saber nadar, sob pena de não poderem participar dos desafios. Quem não soubesse aprendia na marra.

O rio mais usado era o Salgadinho, na época ainda ativo, com água corrente limpa. Havias vários trechos desse rio acima e abaixo da ponte que eram bons para tomarmos banho. No inverno ele sempre enchia e muitas vezes lavava a ponte em sua forte correnteza. Nessas ocasiões, só os mais corajosos (ou loucos, o que não era o meu caso) tomavam banho e exibiam-se pulando da ponte.

Existiam trechos do rio em que era proibido tomar banho, devido à intransigência do proprietário do terreno. Aí havia o perigo de vir o capataz do terreno e levar nossa roupa. Para evitar que isso acontecesse, sempre ficava um de nós vigiando, atento para avisar quando alguém aparecesse.

Atração à parte do banho de rio era brechar as lavadeiras lavando roupa. Mas isso não é necessário comentar... Cada um de nós tem suas lembranças.


 

BALADEIRA

 

A baladeira não era propriamente uma brincadeira e sim um utensílio (hoje chamado estilingue) que usávamos para várias finalidades, como caçar passarinhos (comumente garrinchas, ou rouxinóis, e bigodes), lagartixas, calangos e cobras, para maltratar um cachorro ou gato, ou para brincar de guerra. Todo moleque que se prezava tinha sua baladeira, confeccionada por ele próprio. A baladeira daquele tempo não era diferente da que ainda hoje é vendida em feiras. Apenas a tira de borracha, feita de câmara de ar, foi substituída por uma mangueira. Como balas usávamos bolinhas feitas de barro cozido ou pequenos seixos. Para completar o conjunto usávamos dois bornais, onde colocávamos as balas e as caças.

Comumente, saíamos para caçar nos brejos, como as Malvas e a Timbaúba, ou na serra do Horto, e terminávamos tomando banho em algum rio ou açude. Ali contávamos o que havíamos caçado, definíamos o vencedor e jogávamos fora todo o produto da caça. Não tinha nenhuma outra finalidade a não ser o prazer de testar a pontaria, acertando um desses pequenos animais. Às vezes, quando caçávamos um animal mais raro, tipo camaleão, é que trazíamos para mostrar aos outros meninos, como se fosse um troféu.

Lembro-me de uma vez em que numa dessas excursões, hoje condenadas pela ecologia, eu e meus primos José Onofre e Luilson caçamos um gambá. Não conhecíamos este bicho e o trouxemos para a cidade dentro do bornal. Quando descíamos a ladeira do Horto, as pessoas se afastavam e nos xingavam. Foi um verdadeiro levante, devido o mau cheiro exalado pelo gambá. Desfizemo-nos do animal, mas chegamos em casa os três totalmente contaminados pelo mau cheiro.

A brincadeira tinha um certo risco porque tínhamos que passar por cercas de arame farpado, infiltrar-se em arbustos e subir em rochas, sujeitos a arranhões, quedas e até mesmo à picada de alguma cobra. A exemplo do banho de rio, não era praticada pelos meninos mais direitos. Tinha que ser moleque mesmo e ter um mínimo de espírito aventureiro.


 

CARRAPETA

 

Devido à emoção que provocava, lançar carrapeta era uma das brincadeiras mais preferidas por crianças e adultos. A carrapeta era feita de madeira peroba, violeta ou imbuia. Para o seu manuseio era preferencialmente usada uma linha especial, chamada ponteira. Praticada em um terreno plano, seco e duro (chão batido), sem número definido de participantes, permitia duas opções: participar de disputas, o que era mais interessante, ou simplesmente brincar de lançar carrapetas.

A disputa de uma partida de carrapeta propiciava uma variedade de alternativas, mas a finalidade básica era cada participante retirar, através de lançamentos da sua carrapeta, as carrapetas dos outros, que estavam colocadas no centro de um círculo formado no terreno. Para escolher as carrapetas que deviam ficar no centro do círculo, cada um, no início, tentava com um lançamento de sua carrapeta acertar um ponto marcado dentro de um pequeno círculo, chamado morto. Quem não acertasse tinha que deixar sua carrapeta dentro do círculo maior para ser submetida às torturas.

Nas seqüências de lançamentos, cada carrapeta que estava dentro do círculo, era submetida a tudo: podia ser furada, rachada ao meio, ter uma lasca arrancada e, em alguns casos, até ter uma outra carrapeta enfiada. Era uma desolação, você ficar vendo sua carrapeta sendo massacrada, sem poder fazer nada, apenas torcendo que ela fosse retirada logo do círculo. Caso você tivesse outra, você podia tentar retirá-la do círculo através de toques leves, que consistiam em levar a segunda carrapeta girando na mão e bater na primeira, deslocando-a suavemente para fora da roda.

Nestas disputas, existiam aqueles que se destacavam por terem as carrapetas maiores e a mão certeira, ou boa munheca. Era uma temeridade participar de uma rodada com eles.

Havia um certo risco de acidente nessa brincadeira. Era aconselhável os observadores ficarem um pouco afastado dos participantes. A linha podia deslizar e a carrapeta ao invés de tocar o solo podia atingir outro participante ou um observador. O lançador podia errar a pontaria e acertar o pé de alguém. Também havia a possibilidade, embora remota, de uma carrapeta do chão ser atingida e resvalar contra alguém.

Caso não se quisesse participar de disputas, havia as outras alternativas que consistiam apenas em fazer lançamentos isolados e algumas manobras interessantes com a carrapeta. Dependente da habilidade de cada um, os malabarismos mais comuns eram: lançar a carrapeta e apará-la no ar com a palma da mão, sem deixá-la tocar o solo; passá-la da palma da mão para a unha do dedo polegar; mantê-la girando pendurada na ponta da linha; passá-la da palma da mão até o ombro, levantando o braço e deslizando-a calmamente.

Hoje, é comum chamar de pião, indiferentemente, a carrapeta e o pião propriamente dito. Ambos apresentavam uma certa semelhança no formato, mas o pião era um pouco diferente: mais bonito, tinha um perfil mais sinuoso, era maior e tinha um pequeno ressalto circular na parte de cima. O pião era menos usado por ser mais difícil de manusear, exigindo um pouco mais de habilidade. Existiam os especialistas em lançar pião. A diferença existia também no modo de tratar a brincadeira. Assim dizíamos "vamos brincar de carrapeta" e "vamos brincar de soltar pião".


 

BOLA DE MEIA

 

Jogar bola de meia é mais uma das brincadeiras extintas. Era uma brincadeira simples, mas interessante. Para praticá-la usávamos uma bola feita com uma meia gasta, enchida com retalhos de pano e costurada. Após a costura a bola ficava arredondada, nem fofa, nem dura demais. A melhor bola era feita a partir de um meião.

Brincávamos com a bola de meia de várias maneiras, sendo a principal o jogo que chamávamos de pau-a-pau. Jogávamos esse jogo comumente na lateral aberta da casa, uma típica comunicação entre a saleta e a copa, para onde davam as janelas dos quartos. Essa era uma área muito comum nas casas antigas. Também jogávamos nas áreas laterais cobertas do Posto de Saúde, quando ele estava fechado.

O jogo só tinha dois participantes e a regra era muito simples. Cada um se posicionava numa das portas da área, que funcionavam como traves, e, alternadamente, fazia arremessos da bola de meia com pé, visando marcar um gol no adversário. Ganhava a partida quem primeiro marcasse dez gols. Por ser um jogo bem caseiro, normalmente jogávamos as partidas com um irmão ou primo, com a finalidade de suarmos para tomarmos banho.

Uma outra utilização da bola de meia era brincar de fazer embaixadas contínuas, batendo-a contra uma parede ou muro com a parte interna do pé, visando atingir uma meta fixada previamente de cinqüenta ou cem embaixadas, por exemplo. No final da contagem, para consolidar a meta atingida, era dado o "charles”, uma espécie de toque acrobático feito com o calcanhar. A bola de meia também eram muito usada para brincar de carimbar, o que não era nada mais que acertar, com a bola, a mão do colega apoiada numa parede.


 

CAÇAR BORBOLETAS

 

Essa era outra brincadeira ecologicamente incorreta. Mas eram tantas as borboletas que não era a captura de umas poucas que provocaria algum desequilíbrio ecológico. Também naquele tempo quem poderia pensar em extinção das borboletas.

Não era obedecida nenhuma regra. Apenas tentávamos apanhar o maior número de borboletas vivas, de preferência grandes, bonitas e raras. Elas vinham de longe e se dirigiam para os brejos. A variedade era muito grande e podíamos nos dar ao luxo de escolher a que queríamos capturar. Para capturá-las usávamos a camisa, dando um leve toque, com cuidado para não matá-las. Uma vez capturadas, tínhamos um certo cuidado em manuseá-las. Diziam que o pó soltado das suas asas poderia cegar os olhos. Até hoje não sei se isso é verdade.


 

TROCA DE REVISTAS

 

Trocar revistas de quadrinhos não era propriamente uma brincadeira, mas uma atividade bem agradável. Após ler as revistas, normalmente íamos para frente dos cinemas Roulien, Avenida, Eldorado ou Capitólio para efetuar as trocas por outras mais novas, ou que ainda não tínhamos lido.

Naquele tempo as sessões de cinema eram às 18:30h e às 20h30min, diariamente. Aos domingos, havia também sessões à tarde. Em geral os filmes demoravam no cinema apenas dois dias, e quando terminava a primeira sessão todos tinham que sair, pois não existia ainda a prática das sessões contínuas. Um ingresso só valia para uma sessão. Cinema naquela época apresentava algumas particularidades interessantes, das quais hoje não se fala mais. Por exemplo: quando o filme era uma comédia (como se diz hoje), a gente dizia que era filme de goga. Quando um dos artistas era engraçado, a gente dizia que ele era o doidinho ou doidin . E o amigo do artista principal era chamado de segundo artista. (Nos filmes de Durango Kid sempre existiam o doidin e o segundo artista). Filme de terror era filme de assombração. Quando a fita em exibição era de uma empresa americana chamada Condor acontecia uma coisa interessante. Essa empresa tinha como símbolo um condor (espécie de abutre ou urubu, como dizíamos). Quando o condor aparecia na tela, todo mundo na platéia gritava em coro: chi, chi, chi para afugentar o bicho, que logo levantava vôo, claro, independentemente da vontade da platéia.

Aproveitávamos o tempo antes do início das sessões para fazermos as trocas e vendermos revistas às pessoas que iam assistir ao filme. Só havia uma preocupação: era a possibilidade de aparecer algum Comissário e tomar as nossas revistas consideradas proibidas para menores, como as policiais e as de terror. Elas tinham impressa a mensagem "proibido para menores de 14 anos”, ou "proibido para menores de18 anos".

Hoje eu sinto que essa atividade servia como um excelente exercício de técnicas de negociação e venda. Para fazer bons negócios era recomendável ter um estoque bem variado de revistas novas, ou usadas em bom estado. As revistas novas eram compradas na conhecida banca "O Cruzeiro", do também conhecido Florentino, localizada na rua São Pedro.

Ler as revistas de quadrinhos também fazia parte dessa atividade. Líamos as revistas de acordo com a nossa preferência dos gêneros. As mais apreciadas eram as dos gêneros cowboy (Roy Rogers, Durango Kid, Geny Altry, Kid Colt, Zorro, Billy the Kid), infantil (de Walt Disney, Gato Felix , Pernalonga, Popeye, Os sobrinhos do Capitão, Frajola e Piu-Piu), de ficção (Superman, Batman, Flash Gordon, Capitão Marvel), de terror (Frankenstein, Drácula), policial (Charlie Chan, Mandrake) e outras diversas, como Tarzan, o Fantasma, Homem de Borracha, Nyoka.

Aliás, contrariamente ao que achavam os nossos professores, alguns conhecimentos gerais podiam ser adquiridos através da leitura de revistas de quadrinhos. As aventuras de Mickey, Pato Donald e Tio Patinhas sempre transmitiam alguma informação histórica. As de cowboy descreviam várias paisagens e informavam os nomes dos estados e cidades do oeste americano. As de ficção continham boas informações de astronomia. Era sem dúvida nenhuma uma atividade bastante salutar e até cultural.


 

PATINETE

 

Andar de patinete era uma brincadeira que nos proporcionava um grande prazer, e aos nossos vizinhos, uma enorme irritação. É que o patinete apresentava dois graves inconvenientes: era muito barulhento e riscava as calçadas de cimento, devido às suas rodas de rolamento. Havia os patinetes de roda de velocípedes, totalmente silenciosos e não riscavam a calçada, mas que não eram interessantes. O preferido era o patinete tradicional, com rodas de rolamentos, base e coluna do guidom de madeira e o freio feito com um pedaço de pneu. Era uma versão modificada do patim de rolimã. É verdade, naquele tempo já existiam os patins, que mais pareciam alpercatas com rodas. Estes não eram muito apreciados pelos meninos, por serem muito caros e, principalmente, por serem considerados mais brinquedos de meninas. Menino macho mesmo andava era de patinete e não de patim.

O patinete não era feito por qualquer um. Era necessário ter uma boa prática para fabricá-lo. Os rolamentos tinham que ficar bem fixados e centralizados, caso contrário o patinete tombava ou andava de lado. Além do mais, tinha que haver uma certa proporcionalidade entre os comprimentos da base e da coluna. Tudo obedecia a uma certa estética.

Na época foi lançado comercialmente o patinete de rodas de velocípede e coluna de ferro. Não foi muito aceito. Com o tempo, à medida que o cimento liso das calçadas foi sendo substituído pelos mosaicos, o patinete de rolamentos foi deixando de ser usado. O patinete voltou, mais moderno.


 

COLEÇÕES

 

Colecionar coisas, atividade que hoje todos chamam hobby, proporcionava um grande prazer e enriquecia o nosso conhecimento. Colecionávamos tudo: os diversos tipos de álbuns de figurinhas, como de filmes (Os Dez mandamentos, Bem Hur, El Cid), de animais, de faroeste (um grande sucesso foi o álbum de cowboys), de personalidades históricas, de artistas de cinema, de cantores de rádio, de campeonatos mundiais de futebol.

Completar um álbum dava um pouco de trabalho, sendo quase uma competição. Comprávamos as figurinhas dentro de um envelope lacrado, sendo que normalmente existiam as figurinhas difíceis de serem obtidas. Por este motivo, até encher o álbum, tínhamos que efetuar trocas, tendo muitas vezes que trocar várias figurinhas por uma só. Às vezes, tínhamos direito a um prêmio, quando completávamos um álbum.

Outras coleções eram: caixinhas de fósforos de papelão, moedas antigas, selos, santinhos de políticos (em época de eleição), estampas de animais, que vinham nas embalagens do sabonete Eucalol, flâmulas, tampinhas de garrafa.

Também colecionávamos as embalagens de cigarro, quando ainda não eram de papelão e sim de papel fino. As embalagens eram abertas e desamassadas ou engomadas, ficando no formato de uma nota de dinheiro. Alem das marcas comuns, como Continental, Hollywood, Camelo, BB, Victoria, existiam as notas difíceis de cigarros que não eram vendidos na cidade e as bonitas e sempre disputadas, como a da marca estrangeira Chesterfield. O surgimento das embalagens em caixa tirou todo o interesse desse tipo de coleção.

Qualquer que fosse a coleção, sempre era possível extrair dela algum conhecimento. Os álbuns de figurinhas, por exemplo, traziam impressas, abaixo do espaço onde era colada a estampa, informações sobre o tema. A coleção de moedas permitia-nos conhecer as moedas oficiais dos países. Os selos comemorativos nos lembravam as datas e personagens históricas.

Outro tipo de coleções eram os álbuns de recortes colados, feitos por nós mesmos. Montávamos os álbuns de artistas do rádio e do cinema e de jogadores de futebol, utilizando fotos recortadas das revistas da época, sendo as mais conhecidas Cinemin, Revista do Esporte, Revista do Rádio e O Cruzeiro. Esta última era a revista semanal de variedades mais lida.


 

CINEMA

 

Fazíamos o projetor de filmes com uma caixa de sapato, uma lâmpada incandescente e uma lente de óculos. Obtínhamos as lentes junto aos relojoeiros ou as retirávamos dos óculos inutilizados de algum parente. As fitas eram obtidas no lixo dos cinemas, de preferência antes de uma sessão de filme, quando o lixo ainda estava no quintal. Fazíamos as tiras de fita, emendando-as com durex. Também produzíamos as nossas fitas, desenhando os motivos em papel manteiga. Esse precário projetor permitia vários aperfeiçoamentos. A caixa de sapato podia ser substituída por um caixote de madeira. Podiam ser instalados carretéis e manivela para enrolar as fitas.


 

COWBOY

 

Essa era uma brincadeira das mais interessantes, a começar pela maneira como a chamávamos: Camone bói (da frase “come on boy”, pronunciada nos filmes de cowboy). Assistíamos a estes filmes no cinema (western era uma palavra que nem conhecíamos) e na noite seguinte estávamos simulando as cenas mais vibrantes, ou seja, as de luta e tiroteio, promovendo as adaptações que achávamos mais apropriadas. Antes de iniciar o nosso filme, escolhíamos o artista, o xerife e seu auxiliar e, por exclusão, os bandidos. Também nessa hora, improvisávamos um roteiro e definíamos a atuação de cada um, escolhendo quem deveria morrer ou ser preso.


 

RODA

 

Existiam dois tipos de roda. Uma era a roda feita do beiço de pneu de caminhão. Para manobrá-la utilizávamos um pedaço de pau, o cabo, que recebia um acabamento apropriado. Podíamos fazer competição de corrida ou simplesmente ficar passeando com essa roda.

Tínhamos um certo cuidado com a nossa roda de pneu, considerando-a como se fosse uma bicicleta. Elas se diferenciavam conforme o seu acabamento, sendo as melhores aquelas que tinham o corte mais uniforme.

O outro tipo era a rodinha de aço, ou o retentor de motor de caminhão. Para brincar com essa roda utilizávamos um guiador. O guiador era um pedaço de arame rígido e reto, que tinha uma extremidade dobrada em forma de U (gancho) e a outra fixada num sabugo de milho (cabo). Com esse conjunto não dava para brincar de corrida, mas dava para fazer umas manobras interessantes, que exigiam um pouco de habilidade no seu manejo.


 

JOGOS DE MESA

 

Os jogos de mesa mais comuns eram onça, damas, firo, gamão, dados (bozó), dominó, pega-varetas e baralho. Destes, só o jogo da onça é que está extinto. Os demais ainda são jogados por alguns adultos, obedecendo as mesmas regras de antigamente, mas não despertam interesse nas crianças.

No jogo da onça, um jogador movimentava no taboleiro uma pedrinha, chamada onça, e o outro movimentava uns caroços de feijão, chamados cachorros. A finalidade do jogo era fazer com que os cachorros aprisionassem a onça em um setor apropriado do tabuleiro, denominado forca, através de movimentos alternados dos cachorros e da onça. A onça podia comer os cachorros, mas estes não podiam comê-la. O firo, que muitos chamavam fire, atualmente é denominado trilha. Só existia um tipo de dominó: o das peças de madeira, pintadas de preto, com as marcações dos números das peças em branco. Os jogos de baralho mais comuns eram relancim, vinte e um e buraco, e o popularíssimo cagado.

Eram considerados jogos de mesa, mas, na verdade, jogávamos mesmo todos eles nas calçadas de cimento liso.


 

EMISSORA DE RÁDIO

 

Esta foi uma brincadeira muito particular, praticada por meus irmãos Samuel e Daniel e por mim, em nossa casa, numa certa fase de nossa adolescência. Simulávamos uma emissora de rádio, com programas de músicas e de notícias. Samuel e Daniel eram os locutores, eu era o contra-regra. As notícias eram lidas diretamente nas revistas, ou improvisadas. Os discos eram os antigos de cera, que continham uma música em cada lado. Como naquela época não existia uma radiola em nossa casa, os discos eram tocados girando-os manualmente em um pick-up improvisado. O som era obtido através de um fone feito com um papel grosso, enrolado no formato de um cone, com uma agulha grossa na ponta. Uma mão girava o pick-up e a outra apoiava o cone no disco. O som, embora muito precário, atendia à nossa necessidade. Os discos mais tocados eram os de Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Luiz Gonzaga e Francisco Alves, dos selos RCA Victor e Continental.


 

CATAR BESOURO

 

Existia um tipo de besouro, de cor verde, comprido, parecido com a abelha, que se escondia nuns buraquinhos que ele próprio fazia no chão, no inverno. Com um pedaço de papel celofane, tapávamos o buraco e apreendíamos o besouro, quando ele tentava sair. Depois o soltávamos. Era só isso mesmo.

Uma variação dessa brincadeira era apanhar tanajura, uma fêmea dos insetos himenópteros, da família dos formicídeos, ou uma espécie de formiga voadora, que aparecia muito comumente também no inverno. Alguns meninos tinham o costume de retirar, assar e comer a bunda desenvolvida da tanajura. Argh! Falavam que tinha o gosto de toucinho assado. Nunca experimentei.


 

CIRCO

 

A chegada de um circo na cidade, assim como a de um parque de diversões, era um acontecimento inesquecível, uma verdadeira festa. Mudávamos toda nossa rotina. Pra começar, os circos sempre eram instalados na Pracinha, palco da maioria das nossas brincadeiras. Acompanhávamos a sua montagem e desmontagem, assistíamos aos ensaios, através de furos na lona, andávamos atrás do palhaço, com suas longas pernas de pau, repetindo em voz alta aqueles seus refrões característicos. Os animais do circo eram a melhor atração. Podíamos vê-los de perto em suas jaulas e acompanhar os elefantes até o rio Salgadinho, onde eles eram banhados.

O dia certo para assistirmos às apresentações dos circos era o domingo, na seção da tarde. Mas é claro que não agüentávamos ficar esperando a semana toda e, sempre que dava certo, assistíamos às seções da semana à noite, furando a vigilância. Era simples: esperávamos o vigia se afastar e dar as costas, pulávamos rapidamente a cerca, passávamos por baixo da lona e ficávamos quietinhos no poleiro, torcendo para não sermos descobertos.

O circo mais importante naquela época era o Circo Nerino. Era o maior, o mais luxuoso (a sua lona não tinha furos, o que era muito comum nos outros circos) e o mais completo. A sua vigilância também era rigorosa. Era quase impossível furá-la.

As vezes um circo utilizava meninos do bairro como figurantes ou coadjuvantes de alguma peça teatral, logicamente com a autorização dos pais. Numa dessas ocasiões, Daniel, Samuel, Cícero de Siri, Adauto Balbino e Dedé, atuaram como anões na peça Branca de Neve e os Sete Anões. Ninguém da platéia sabia que eram eles. A uma certa altura, alguém descobriu os personagens e os chamou pelos nomes, em voz alta. Imediatamente os outros meninos deram aquela vaia.

No tempo de circo na cidade sempre era retomada a brincadeira de perna de palhaço, que fazíamos com duas travas de madeira, com um batente no meio para apoiar as pernas.


 

BANHO DE CHUVA

 

Brincadeira obrigatória no dia que chovia forte, fato muito freqüente durante o inverno no Cariri. Usávamos as bicas que jorravam a água dos telhados das casas. Não era só o banho que nos atraía. Aproveitávamos a chuva para brincar de bicheirinha, corrida, soltar barquinhos de papel, guerrear, atirando bolos de barro nos colegas e até de futebol. Também brincávamos de construir barragens de areia, aproveitando as pequenas corredeiras formadas nas laterais das ruas de terra. Em algumas dessas barragens, incluíamos comportas e fazíamos pistas que permitiam o trânsito de carros de brinquedo. Tomar banho de chuva era por tudo isso uma festa alegre.


 

BRIGA

 

Pode perecer uma incoerência de minha parte, incluir a briga na descrição das brincadeiras. Acontece que essas brigas originavam, na maioria das vezes, de uma discussão de jogo ou de uma agressão durante uma brincadeira. E, verdade seja dita, uma briga de meninos sempre despertava nossa atenção.

Os motivos podiam ser os mais diversos, desde uma rixa no futebol, até um empurrão numa disputa de corrida. As brigas também aconteciam às vezes fora das brincadeiras. Algumas eram provocadas pelos próprios colegas, que levavam recados inventados ou aumentados, tipo fulano disse que você era isso ou aquilo. Este mandava de volta um recado mais desaforado ainda e, inevitavelmente, era programada a briga, sendo acertado o local e o horário da peleja. Depois de uma briga, os dois gladiadores sempre ficavam intrigados. A formalização da intriga, às vezes, era feita cumprindo um certo ritual: através do gesto de juntar horizontalmente as pontas dos dois dedos indicadores e solicitar ao outro para cortar ("corte aqui"), ou seja, romper com a mão a ligação dos dois dedos. A partir daí não mais se falavam e não passavam na calçada um do outro. Depois de um certo tempo, quando a raiva acabava ou um amigo interferia para apaziguar, havia a reconciliação.

Algumas intrigas duravam até meses, outras apenas algumas horas. Tudo dependia da gravidade do fato gerador da intriga. Havia as chamadas intrigas de sangue a fogo. Essas eram pra valer, mais duradouras e de reconciliação quase impossível.


 

 

A lista de brincadeiras não termina aqui. Vêm na minha lembrança muitas outras brincadeiras, que sobre elas apenas farei breve citação, deixando para os leitores a agradável missão de relembrar seus detalhes e de, certamente, acrescentar outras, de acordo com suas lembranças. São elas:

CORRIDA

 

Toda criança brincava de corrida. Além de ser uma agradável brincadeira, servia de exercício e ajudava o nosso desenvolvimento físico.

MACACA

 

Essa era um pouco afeminada, devido àqueles pulinhos nos quadrados e aos gestos para apanhar a pedra.

SALVA COMPANHEIRO e BICHEIRINHA

Ambas tinham poucas regras e uma certa semelhança com a bandeirinha. Eram muito apreciadas e praticadas o ano todo.

FUTEBOL DE PREGO

 

Não sei se o nome era esse. Em um pedaço de tábua, enfiávamos uns pregos em posições definidas, formando um campo de jogo. A bola era uma moeda, acionada alternadamente por cada praticante com o dedo indicador, com o objetivo de fazer o gol.

SINUCA

 

Na verdade era uma sinuquinha, que fazíamos de madeira, utilizando uma mesa como base. As bolas eram as mesmas esferinhas de vidro.

ESCONDE-ESCONDE

 

Nesse jogo, um menino tinha que achar todos os outros que se escondiam em locais diversos. Só dava para brincar à noite, obviamente.

COMÍCIO

 

Tempo de comício também era uma festa na cidade. Acompanhar os eleitores nos caminhões era uma oportunidade de andar na carroceria de caminhão de graça. Íamos a comícios na rua do Horto, nas Malvas, nos povoados, e até na vila Palmeirinha. Arrancar os retratos dos candidatos, pregados nas paredes, muros e postes, fazia parte também da festa.

CONCURSO DE CUSPE, DE MIJO À DISTÂNCIA e PAU MELADO DE BOSTA

 

Eram as brincadeiras anti-higiênicas e escatológicas: O nome da última era esse mesmo. Todas faziam parte da molecagem; não temos como esquecê-las. O famigerado “pau melado de bosta” consistia no seguinte: melava-se um pedaço de pau (espécie de cassetete) com bosta mole, exceto na parte onde o mesmo era segurado. Uma menino ficava com o pau e simulava uma briga com o companheiro, tudo falso e previamente combinado. Havia sempre uma pequena torcida para insuflar a briga de brincadeira. Tudo isso acontecia como preparativo até a chegada de uma pessoa incauta que deveria passar pelo local. Quando essa pessoa chegava perto ouvia sempre a frase mágica: “Se você tem coragem de brigar comigo, entregue esse pau a uma pessoa e venha de homem para homem!” Então, a pessoa doida para ver uma briga se oferecia logo para segurar o pau. Quando ela tocava na parte melada, o menino completava o “serviço”, fazendo o pau escorregar pela mão da “vítima”, deixando-a repleta de bosta. Feito isto, todo mundo corria na maior gritaria, feliz da vida por ter pego mais um besta. Essa brincadeira era feita sempre à tardinha, quando começava escurecer para que a vítima não percebesse que o pau estava “preparado”. Por incrível que pareça o “sucesso” da brincadeira era sempre garantido. Um detalhe interessante: às vezes era necessário provocar uma diarréia num menino previamente escolhido para que o pau fosse “preparado”. Sem dúvida, era uma brincadeira sebosa, de muito mau gosto.

ADIVINHAÇÃO

 

O local preferido para brincarmos de adivinhação era as calçadas das esquinas. As perguntas eram feitas empregando-se a expressão “O que é, o que é...?”

CORRIDA DE CARRO

 

Na verdade era corrida de caminhões de madeira, feitos por nós mesmos. Os caminhões tinham carroceria basculante, carga, feixe de mola, cabine, gigante, faróis, feitos com foquitos e pilha, e outros acessórios.

REVÓLVER

 

O revólver era feito com um pedaço de madeira, um carretel (o mesmo usado na peteca) e uma liga de borracha. A bala era um caroço de feijão.

RAIA E PAPAGAIO

 

O auge dessa brincadeira, que hoje o pessoal chama de soltar pipa, foi no tempo que existiam muitas áreas abertas na cidade e poucos fios de eletricidade. Os adultos também soltavam suas raias e papagaios. Uma curiosidade: quando havia vários meninos brincando de raia, era uma prática corrente assobiar “para chamar o vento”.

NEGO DE CERA PRETA

 

Com essa cera fazíamos bonecos cowboy com chapéu, revólveres, cartucheiras e o cavalo. Os bonecos de cera foram substituídos pelos de plástico, facilmente encontrados no comércio. Mas os bonecos de cera eram mais interessantes porque despertavam a nossa criatividade.

CARRINHOS DE PÉ

 

Eram feitos de madeira e dirigidos apenas com os pés. Precisavam de um colega para empurrar. Brincávamos nas calçadas de cimento liso, do mesmo modo que os patinetes.

GUERRA

 

Brincávamos de guerra com espadas de madeira, quando passava um filme de espadachins, ou com baladeiras e revólveres.

TRATORZINHO

 

Era um carrinho movido a corda. A roda era um carretel de linha, de madeira, em que eram feitos uns dentes nos seus rebordos, para não deslizar. A corda era obtida pela torção de uma liga de borracha presa a um pedacinho de pau.

RÁDIO-TRANSMISSOR

 

Feito com lata, ou caixa de fósforos, e um fio fino. Com um par desses radinhos era possível a comunicação entre duas pessoas até a uma distância de mais ou menos 20 metros.

BADOQUE

 

Era um arco feito de galho fino, uniforme, sem nós, e um cordão grosso ligando as extremidades. A flecha era obtida a partir de um galho mais fino.

SETINHAS

 

As setinhas eram feitas com uma pena de galinha, contendo na extremidade uma bolota de cera preta, onde era colocada uma brocha grande ou uma agulha de toca-disco. Elas podiam ser lançadas contra um alvo de madeira, fixado na parede, ou contra uma porta. A versão moderna das setinhas são os dardos.

E existiam mais essas brincadeiras e brinquedos: fazer renda de cordão, usando os dedos da mão, aviõezinhos de papel, de flandres e de cambão de milho, carrinho feito com lata de doce e cabo de vassoura, disputa de queda de braço, catar vaga-lumes e esfregá-los na camisa, ouvir histórias de Trancoso, fazer bonecos, cavalos e tijolinhos de barro vermelho (o barro figo), para-quedas, carrinho de filtro de óleo de caminhão, currupiu, rói-rói, disco-voador, pandeiro, feito com lata de doce e tampinhas de garrafa, eureca, uma bolinha muito elástica feita de cola de sapateiro, caleidoscópio e muitas, muitas outras.

Vou terminar por aqui, com as lembranças das minhas brincadeiras do passado, e voltar ao presente, onde tenho os compromissos sérios de gente grande. Foi um prazer indescritível rever os amigos de infância e brincar novamente como criança.


 

Glossário

 

Algumas palavras e expressões empregadas neste livro não são mais usadas, ou não são conhecidas pelos leitores mais jovens. A seguir são apresentados seus significados.

Alpercata. Alpargata.
Aluno relaxado. Que não queria estudar, relapso, moleque.
Avelós. Planta fibrosa, espécie de arbusto, que contém um líquido leitoso no seu interior; usada como cerca natural.
Barranco. Ribanceira do rio.
Bem arrumado. Bem vestido.
Beque. Zagueiro.
Bolota. De formato arredondado, bolinha.
Bornal. Pequeno saco de pano com alça, utilizado a tiracolo.
Botija. Uma quantidade de dinheiro enterrada por uma pessoa que já faleceu. Para encontrá-la, tinha-se que enfrentar durante a escavação as almas penadas.
Bozó. Jogo em que são utilizados dois dados.
Brechar. Olhar (escondido) mulher sentada de uma forma tal que seja possível ver suas partes íntimas.
Cambão de milho. A parte interna do caule do pé de milho.
Candeeiro. Lamparina de querosene feita de flandres.
Catemba de coco. A casca dura do coco seco.
Científico. 1º a 3º série do atual ensino médio.
Cinturãozada. Bater com o cinturão.
Coreto. Espécie de palanque, de concreto armado, sem cobertura.
Dedo maior de todos. O dedo médio da mão.
Ficar intrigado. Romper amizade.
Flandres. Folha de ferro laminado muito utilizada na fabricação de latas.
Fogo corredor. Fogo-fátuo; inflamação espontânea de gases emanados de pântanos, brejos e sepulturas.
Foquito. Lâmpada pequena usada em lanternas de pilha.
Funileiro. Pessoa que trabalha com folha de flandres, na fabricação de lampiões, copos, canecas e outros utensílios caseiros.
Ginásio. 5º a 8º séries do atual ensino fundamental.
História de Trancoso. Historia fantasiosa. Gonçalo Fernandes Trancoso era um escritor português conhecido como escritor de contos e histórias de proveito e exemplo. Ele se inspirava em Boccaccio e outros autores italianos e na tradição oral para escrever suas obras. História de Trancoso era sinônimo de história de mentira.
Humanista. Concluinte do antigo Curso Ginásio.
Luz de Paulo Afonso. Energia elétrica da CHESF.
Macaubeira. A árvore da fruta macaúba.
Marmorito. Pedra feita com cimento, areia grossa e pedacinhos de mármore ou granito e com uma face polida.
Munheca. Mão certeira, boa pontaria.
Nu da cintura pra cima. De calção e sem camisa.
Papa-figo. Corruptela de “papa-fígado”. O mesmo que bicho-papão, um personagem monstruoso que, segundo a invencionice popular, comia o fígado das crianças que ficavam soltas nas ruas até altas horas da noite.
Piaba. Espécie de peixe fluvial, de tamanho reduzido.
Poleiro. Arquibancada de circo.
Rolimã. Rodas de aço, parecidas com rolamentos, usadas nos patins antigos.
Sabugo de milho. A parte restante do milho seco após a retirada dos caroços.
Saleta. Hall, pequena sala, ante-sala.
Tirar um fino. Passar muito próximo, quase batendo, triscar.
Visagem. Fantasma, visão de alma de outro mundo


 

 

O AUTOR

 

Carlos Alberto Almeida Marques nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará, em 1949. É filho de José Marques da Silva, um respeitado ourives, conhecido por Zeca Marques, e de Maria Almeida Marques, ex-professora do antigo Grupo Escolar Padre Cícero. Foi alfabetizado na escolinha particular da professora Toinha, como todos seus irmãos. Cursou o primário no Grupo Escolar Paulo Sarasarte e no Grupo Rural Modelo, uma espécie de escola de aplicação da antiga e famosa Escola Normal Rural. Fez o curso de Admissão ao Ginásio e o Ginásio no Colégio Salesiano São João Bosco, todos de Juazeiro do Norte. Cursou o Científico no Colégio Diocesano de Crato. Fez o Curso de Engenharia Civil na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco, de Recife. Ingressou na PETROBRAS em 1974, em Salvador, onde fez Especialização em Engenharia de Petróleo. Fez pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Na PETROBRAS exerceu atividades nas áreas de produção de petróleo e gás natural nos estados de Bahia, Sergipe e Alagoas. Atualmente está exercendo estas mesmas atividades no Rio Grande do Norte.


 

© 2001 Carlos Alberto Almeida Marques
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Janeiro 2001

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