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Maria Margarida Ribeiro

As Instituições estão Doentes


 

 

As Instituições estão Doentes (2000)
Maria Margarida Ribeiro
(1944–    )

Edição
eBooksBrasil.org
www.eBooksBrasil.org

Copyright
©2000 Maria Margarida Ribeiro


 

 

A Autora

 

Maria Margarida Ribeiro nasceu a 20 de Janeiro de 1944, no Lugar da Praia da Granja, freguesia de Arcozelo, concelho de Vila Nova de Gaia.

Em 1969 conclui o Curso de Serviço Social no Instituto de Serviço Social do Porto e, em 1974, obtém o grau de Licenciatura no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.

De 1969 a 1976, exerce funções de Docente, no Instituto Superior de Serviço Social do Porto e de Lisboa, no Liceu Pedro Nunes de Lisboa e na Escola Preparatória da Pontinha. Em 1976 é convidada para a Assessora Técnica do Centro Infantil Helen Keler, onde inicia os seus estudos e a sua prática de analista institucional.

Entre 1982 e 1986, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, realiza uma investigação sobre «A Dinâmica da Escola Especial», onde testa uma nova metodologia de investigação institucional. Nesse período, entra em contacto com o professor René Lourau, Socianalista e Professor na Universidade de Vincenne. Em 1989 convida este Professor e o seu Assistente Perpétuo de Andrade para realizarem uma Conferência, na Fundação Calouste Gulbenkian, e um trabalho de grupo. Toma contacto com o Dr. Gregório Franklin Baremblitt, Psiquiatra Argentino e Institucionalista, e participa em 1992, em Buenos Aires, num Congresso sobre Análise Institucional onde conhece um grande número de Institucionalistas da América Latina e da França.

A partir de 1986, realiza em Portugal trinta e cinco trabalhos de Análise Institucional, a pedido de Instituições ligadas aos Ministérios da Saúde e da Educação, assim como algumas palestras e cursos sobre esta matéria.

Exerce ainda a função de Psicoterapeuta desde 1974. Iniciou a sua formação, em 1970, na Sociedade Portuguesa de Grupanálise, exercendo a sua actividade como grupanalista tendo atingido o grau de membro titular nesta Sociedade Científica. Em 1986, faz parte do grupo que funda a Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves onde passa também a exercer funções didácticas.

Presentemente, exerce a profissão de Psicoterapeuta em Lisboa, Évora e Beja, no âmbito da Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves.


 

As Instituições
estão
Doentes

Maria Margarida Ribeiro


 

Dedicatória

 

Dedico este livro à Ana e ao Fernando,
no profundo desejo de que ele possa ter algum contributo
na realização dos seus verdadeiros destinos.


 

Agradecimentos

Quero, em primeiro lugar e antes de me lançar ao trabalho, apresentar os meus agradecimentos:

Ao Professor René Lourau que com a sua obra, «A Análise Institucional» e mais tarde com os seus contactos, me abriu o entendimento para um novo conceito de Instituição, restituindo-me, assim, a esperança e a possibilidade de uma nova forma de estar nas Instituições e na vida social.

Ao Professor Gregório Franklin Baremblitt que me permitiu sedimentar as minhas convicções e a minha prática institucional, com a sua profunda convicção num mundo melhor, conseguido com um novo entendimento e uma nova praxis institucional.

Ao Professor Agostinho da Silva que, nas longas e complexas conversas que tivemos, me transmitiu uma nova força e um novo caminho individual e colectivo que ainda estou longe de entender, mas no qual acredito com convicção.

À Professora Aldegice Machado Rosa que, com a sua vida e a sua amizade, me serve de farol e de porto de abrigo para os momentos mais difíceis da minha vida.

À Professora Maria Beatriz Serpa Branco a quem devo o apoio e a ajuda na procura do lugar social, na cidade mais instituída que jamais conhecera, que é a cidade de Évora e que, com o seu exemplo e as suas palavras me ajudou a manter «marginal» e coerente com o papel e a função que a vida me encarregou de desempenhar, nesta cidade e nesta etapa da minha vida.

Ao meu marido que foi a única pessoa que sempre acreditou que o meu caminho passava pelo aprofundamento desta problemática e me impulsionou muito fortemente a escrever este livro, criando-me todos os meios para esse fim.

À Dra. Ana de Sousa, amiga e colaboradora, que se dispôs generosamente a reler todo o trabalho e a reformular a sua expressão escrita.

À minha filha Ana o profundo reconhecimento pelo engenho e dedicação que prestou à parte final do meu trabalho.

Finalmente, a todos aqueles seres que, de uma forma visível e invisível, ao longo da vida, me orientaram e me deram os elementos que agora possuo para partilhar convosco.


 

 

Índice

 

Prefácio
Introdução

Primeiro Capítulo
1.  A entrada do indivíduo nas Instituições

1.1. A entrada na Vida

1.2. A entrada da Criança na Família

1.3. A entrada da Criança na Escola

Segundo Capítulo
1.  A Instituição Escola
2.  Uma aproximação à Dinâmica Institucional

2.1. Da População Abrangida pela Instituição

2.2. Da Matriz Institucional

2.3. Do Padrão Institucional

2.4. Do «Suporte Institucional»

Terceiro Capítulo
1.  As Instituições estão Doentes

Quarto Capítulo
1.  Para um novo Diálogo com as Instituições

1.1. Os primeiros passos a dar ao entrar numa Instituição como Trabalhador

1.2. O testemunho de uma jovem engenheira

1.3. O reconhecimento do seu lugar na Instituição

Bibliografia


 

 

Prefácio

 

Tanto quanto a minha memória me permite recordar, comecei este livro quando tinha sete ou oito anos. E o momento de decisão de o fazer está ainda bem presente e fresco, ainda que passados que são quarenta e sete anos.

Era um Domingo de Verão. Como de costume, a minha avó levava-nos à missa. Nesse Domingo, a Igreja escolhida foi a da Granja, uma capela pequena, muito bem conservada e muito limpa. Essa Capela era essencialmente frequentada pelas fidalgas, como o povo lhes chamava, ou seja, pelas senhoras descendentes das famílias titulares monárquicas e das famílias inglesas, burguesas, portuenses, donas das principais caves do vinho do Porto. Estas mesmas senhoras eram clientes de um pequeno estabelecimento comercial que uma tia-avó minha possuía junto à estação dos caminhos de ferro da praia da Granja. Assistia inúmeras vezes aos diálogos arrogantes entre estas senhoras, os seus filhos ou netos, e/ou as suas criadas e a minha humilde Tia, pedindo-lhes esta o dinheiro que lhe deviam e recebendo a resposta que mais tarde lhe pagariam, ainda que a dívida fosse já avultada. De nada se privavam: os jornais do dia, a fruta de boa qualidade, os chocolates, o tabaco ou o charuto, coisas a que ninguém podia ter acesso, tão escassos eram os rendimentos.

Estas mesmas senhoras ocupavam os primeiros lugares nos bancos da Capela. E para não sofrerem com a dureza da madeira quando se ajoelhavam havia, só para elas, almofadas de veludo, a que ninguém mais tinha acesso. Nos bancos seguintes sentavam-se as mulheres que já usavam sapatos e pertenciam à pequena burguesia da terra. No último banco, se ainda sobrassem lugares, sentavam-se então as mulheres de lenço, de cabeça coberta, as mulheres do campo, cujo trabalho nas casas e nos campos sustentava as primeiras. Todas rezavam ao mesmo Deus, pensava eu, criança, e como seria que Este as ouvia?

Recordo-me que, nesse dia, olhando de lado, pois não tivemos lugar sentadas, fiz uma promessa a Deus: «Quando eu for grande hei-de falar em nome destas mulheres e tentarei redimir o esforço que as minhas Tias e as minhas Avós tanto fizeram, caladas, sem queixas, sem ódio, aceitando como irreversível o seu papel e a sua vida».

Aqui estou hoje, oferecendo-lhes este trabalho que também foi arduamente preparado ao longo destes anos. De costureira a que parecia estar condenada, tive desde logo, aos dez anos, que lutar para continuar os meus estudos. E o caminho sinuoso e difícil que tive de percorrer para alcançar um nível de conhecimento que parecia ter de atingir, foi tão sofrido e doloroso quanto o das minhas antepassadas, para sustentar e educar os seus filhos.

Aqui vos fica o meu reconhecimento, o desejo de que o vosso esforço de viver tenha contribuído realmente para a evolução da vossa Alma e para a evolução da Humanidade, da qual já estou a beneficiar.


 

 

Introdução

 

A vida dos seres humanos em sociedade tem sido, ao longo dos tempos, o meio através do qual o Homem se reconhece como tal, mas ainda e apenas enquanto membro de uma comunidade. Sem esta referência a uma Instituição, o ser humano é tido como perigoso ou doente mental.

Quando nascemos, a Instituição Família, talvez a mais antiga, como refere Durkeim numa das suas teses célebres que fez do «clã totémico a nebulosa familiar de onde partem geneticamente as instituições religiosas, as instituições políticas e as instituições familiares ulteriores...»[1], dá-nos um enquadramento nos grupos sociais já existentes.

Ser filho de «pai incógnito» ou «filho bastardo», ou seja de mãe cuja ligação com o pai não está legitimada pela comunidade, constitui ainda uma marca social de descrédito para aquele que a possui no mundo ocidental. É a partir desta entrada no mundo através de uma família, ou de ausência desta, que o destino de cada ser humano se vai desenrolar. E que lugar vai ele ocupar nesta família, cuja origem se perde nos tempos?

Seremos simples actores institucionais, como chamam a atenção os modernos Analistas Institucionais e já a Mitologia Clássica nos apresentava como tal, ou cada indivíduo, cada ser humano poderá alterar o curso da sua história familiar? Como o poderá fazer? Que dimensões estão em interacção na família e desta com o indivíduo? O que resta ao sujeito? O que procurará manter a Instituição Familiar?

É sobre estas questões e outras, decorrentes da Instituição Família Ocidental que nos iremos debruçar na primeira parte deste livro. O grande objectivo deste trabalho é o de restituir ao indivíduo, ao ser humano, uma existência e uma dignidade autónomas das Instituições a que pertence, o que na História da Humanidade tem vindo a acontecer muito lentamente, apesar do grande esforço e testemunho de Jesus Cristo para o mundo ocidental, onde cada avanço tem sido marcado por um trágico recuo com guerras, aparecimento de ditadores e de regimes ditatoriais.

Não basta a consciência individual dos seus direitos e dos seus deveres a cujo esforço temos assistido. É preciso que o Homem estabeleça um novo diálogo com as suas Instituições. Para isso, a Instituição tem de ser separada do indivíduo e considerada como sujeito e objecto de estudo, de compreensão e de diálogo. A exemplo dos Gregos com a sua Mitologia, os homens de hoje terão que encontrar uma nomenclatura, uma coerência, uma história e uma vida própria, para as várias Instituições que o rodeiam. A força da Instituição é muito superior à do indivíduo, como o prova a experiência empírica de cada um de nós e a História, como tentaremos apresentar algumas teses explicativas. A cada passo o Homem submerge na Instituição Familiar, Política, Religiosa, Económica ou outra, quer por ignorância deste peso Institucional, quer por demasiada confiança em si mesmo. A interacção dialéctica equilibrada entre estas duas dimensões da vida social humana, só será, quanto a nós, possível a verificar-se um grande aumento de consciência do indivíduo e dos grupos, restituindo à Instituição o que lhe pertence.

Poderá este projecto ser considerado uma utopia ou um trabalho ingénuo, mas, enquanto a Instituição permanecer inconsciente, ela precisará dos Homens para se actualizar, seguindo o seu caminho implacavelmente lógico e amoral. A humanização das Instituições é um projecto de longa data, mas até agora pouco frutífero. Porquê?

Numa segunda parte deste livro, percorreremos a vida do indivíduo desde a sua entrada até à morte, nas várias instituições a que é chamado e obrigado a participar. A «jornada do herói» poderá ser vista como a luta entre o indivíduo e as Instituições para aquele preservar a sua individualidade e identidade até ao fim da sua vida. O processo de «Individuação» constitui a obra mais fundamental do grande psicólogo suíço do nosso tempo, Carl Gustav Jung. A separação entre o indivíduo e o inconsciente colectivo, constitui para este estudioso da psique humana, a grande tarefa do Homem contemporâneo. Daremos naturalmente maior relevo e importância à Instituição, uma vez que os estudos sobre esta são ainda escassos e pouco conhecidos, ao contrário do que acontece com os indivíduos e os grupos. Isto não significa que não existam já disciplinas, obras e muita e variada abordagem sobre os problemas dos conjuntos humanos. Desde o Direito, à Sociologia, Antropologia e muitas outras disciplinas, como a Economia, a grande preocupação do nosso tempo, de há cerca de dois séculos para cá, tem sido objecto de grande investimento dos seres humanos. No entanto, este novo conhecimento parece ter sido colocado ao serviço, mais uma vez, das Instituições, da sua lógica interna, implacável e amoral, continuando a maioria das pessoas excluídas, exploradas e vivendo em condições desumanas. A procura deste percurso inexorável das Instituições será, assim, a essência deste trabalho nas vertentes possíveis e, até hoje enunciadas.

Finalmente, tentaremos esboçar um novo diálogo entre o indivíduo e as suas instituições que nada terá a ver com «a integração do indivíduo na sociedade», preconizado por várias correntes, desde a Psicologia à Sociologia, nem com a ideologia capitalista, que utiliza a linguagem normal «do politicamente correcto». Esse confronto afectivo e vivo de cada ser humano e dos vários grupos, terá que ser feito com a desumanidade, a violência afectiva e material das Instituições. Com o que serão trazidas à Terra, atribuindo às suas acções os nomes próprios da Humanidade e não aqueles que elas foram construindo para a sua sobrevivência e ao serviço do que têm colocado, por vezes, os homens mais inteligentes e capazes que a Humanidade produz.

A confusão e mesmo fusão entre indivíduo e a sociedade e entre este e a instituição, até ao nosso tempo, torna este trabalho difícil, audacioso e sujeito às maiores críticas e à incompreensão. No entanto, o enorme sofrimento vivido por nós ao longo de meio século de vida, no meio das várias Instituições e a recusa em admitir esse sofrimento como proveniente única e exclusivamente do indivíduo, tendo este que fazer um esforço, chamem-lhe terapêutico, ideológico ou técnico, para se adaptar ao meio e às circunstâncias, levou-nos a uma constante prática de vida, de estudo e de reflexão, sobre as várias Instituições por onde fomos passando. Daí este primeiro trabalho escrito ser o produto deste longo processo sofrido e vivido, tendo como objectivo final servir de estímulo aos muitos seres humanos que como eu vivem em permanente confronto com as Instituições, mas que dada a sua solidão acabam por desistir e morrer na esperança de um futuro melhor para os vindouros, ainda que saibam que os alicerces são os mesmos e que poucas mudanças se têm verificado, aguardando alguns apenas uma intervenção Divina e cruzando, entretanto, os seus braços.


 

 

Primeiro Capítulo

 

 

1. A Entrada do Indivíduo nas Instituições

 

 

1.1. A Entrada na Vida

Sem nos prendermos com as definições de Instituição e Organização, importa, no entanto, separar dois conceitos tão frequentemente utilizados na moderna sociologia, ou mesmo na linguagem comum.

O conceito de Instituição, que ao longo deste trabalho será utilizado, diz respeito ao conjunto de memórias, comportamentos e acções que um determinado grupo social foi acumulando ao longo dos séculos e referente à resolução dos principais problemas da vida humana. Estas memórias, agrupadas, organizadas, situadas geográfica e localmente, ainda que com características comuns e gerais a todos os agrupamentos humanos, constituem um património ainda quase totalmente inconsciente para os grupos e os colectivos humanos. A forma como se propagam está a ser estudada sob a designação dos chamados «campos mórficos»[2] e ainda da psicologia arquetípica, com o aprofundamento do estudo sobre o inconsciente colectivo, apresentado por Jung[3] e de muitos outros que oportunamente iremos referindo.

O nosso trabalho situa-se na sensibilização para este inconsciente institucional, deixando para trabalhos posteriores o seu aprofundamento. Assim, o conceito de Instituição por nós utilizado dirá respeito à parte inconsciente de todo o agrupamento humano. O conceito de Organização assenta na parte visível, actual, da escondida Instituição. Exemplificando: a origem da actual organização familiar ocidental perde-se nos tempos, ou seja, quando é que ela começou a definir «quem casava com quem» e como o deveria fazer; que direitos e deveres lhe eram atribuídos; que nomes próprios a designar, o de pai, mãe, tio, etc.; que proibições existiam entre os seus membros no que confere à vida sexual, de poder de decisão e outros; como eram distribuídos os bens pertencentes aos vários grupos e que leis regiam a sua continuação dentro do mesmo grupo. Este tem sido o grande terreno de estudo e mesmo de outras disciplinas como o Direito, a Sociologia e outras e grande é já o conhecimento obtido sobre a história dos vários agrupamentos humanos.

A moderna Organização Familiar Europeia, ou de outra região do Globo, é a forma visível e actual desta velha Instituição. A interacção entre ambas, o Inconsciente Institucional e a actual Organização, ou seja, a relação dinâmica entre passado e presente dos vários agrupamentos, constituirá o nosso permanente objecto de estudo e de reflexão.

Assim, fica-nos a ideia de Instituição como o suporte da Organização, sobre o qual assenta os seus alicerces e a sua história. Sem o conhecimento desta história, a exemplo do que acontece com os indivíduos, muito pouco entenderemos dos comportamentos e das acções que os indivíduos são levados a desempenhar na Organização. Mas deixemos o aprofundamento desta temática para os capítulos seguintes.

Centremo-nos agora no objecto de estudo deste capítulo: a Entrada dos Indivíduos nas Instituições.

Tanto quanto sabemos, o indivíduo não escolhe o seu lugar neste Mundo. Ele vai pertencer a uma família, a uma localidade e a uma região da Terra que lhe parecem ser totalmente alheias. No entanto, essa pertença constitui a sua primeira entrada neste Mundo. O ter nascido numa família rica e com poder, ser o primogénito, ser rapaz, ser o mais desejado, ser perfeito e inteligente, cria à partida condições, na cultura ocidental, que dificilmente serão conseguidas por um mesmo indivíduo que tenha nascido num «bairro de lata», num país pobre, de família muito numerosa, com todas as marcas de pobreza, de abandono e de marginalidade.

As Instituições existentes para além da Família, como a Escola, a Empresa, as Forças Armadas, o Estado e todos os Serviços daí decorrentes estão preparados para a Burguesia e Clero e não ainda para o Povo. Este continua a servir para a execução dos trabalhos que a Burguesia não quer realizar e que justifica com os inúmeros cargos e privilégios que detém.

A criança quando nasce traz um património genético, mais ou menos aperfeiçoado, é portador de uma memória familiar e vai ser inserido num contexto social, também ele carregado por uma memória e uma vivência colectivas. E este colectivo logo a classifica dentro dos seus padrões de distribuição de poderes e de manutenção desses mesmos poderes.

Assim, se ela nasce no seio de uma família da alta ou da média burguesia, ela terá o futuro quase garantido, pois desde os programas escolares, aos lugares de acesso aos quadros superiores do poder, estão programados e organizados para essas mesmas crianças e famílias. Ainda que uma forte corrente de ideias tenha tentado criar a ilusão a todos, pobres e ricos, de se estar a viver em Democracia – o Governo do Povo, pelo Povo –, o mundo contemporâneo sabe que isso é falso e que, ao contrário da Idade Média, onde as classes sociais dominantes assumiam abertamente o seu poder, hoje este poder é mascarado e introduziu nas relações sociais dados de ambiguidade e de perversidade que tornaram a vida colectiva caótica e mais complexa.

Diz o Povo que «o Destino está marcado». Se atendermos a este presságio como uma leitura institucional e colectiva e não individual, poderemos dizer que ela é correcta com a leitura que o colectivo faz de si próprio e que pouco tem evoluído desde que há escrita, a sua História recente. O Herói é aquele que faz feitos não previsíveis de acordo com o lugar social que ocupa na hierarquia. Ele introduz na comunicação desse grupo novos elementos que obriga à reformulação das ideias, dos valores e dos comportamentos desse mesmo grupo. A designação de Herói é simultaneamente a sua expulsão do grande grupo, pelo carácter excepcional que assumiu, o que permite ainda ao grupo continuar a seguir os antigos padrões de conduta, até que alguns elementos do grupo adaptem os seus comportamentos aos do Herói e estes passem a ser incorporados no colectivo.

Poderemos dizer que este peso do colectivo sobre cada ser humano que nasce é demasiado. Ao tomar consciência de si mesmo, o ser humano tem vindo a separar-se da Mãe Natureza, a grande instituição do passado. Ficou assim sobre os seus ombros a grande tarefa de decifrar os Seus mistérios.

Consciente já a Humanidade deste peso sobre o indivíduo, o grande colectivo tem vindo a subdividir-se em regiões, nações, grupos e famílias. A estas cabe a espinhosa tarefa de simultaneamente preservar a individualidade de cada ser que nasce e ao mesmo tempo de o integrar no seu colectivo. Dentro do grupo familiar adquire especial importância o papel desempenhado pela mãe da criança recém-nascida, vindo corroborar esta importância as modernas correntes da chamada Psicologia da Profundidade. A mãe é entregue não só ao cuidado com o alimento físico, como psicológico e afectivo da criança, o qual prepara este novo ser para a sua entrada no mundo dos adultos, da família e da sua comunidade. O acto inconsciente de ter filhos, como aconteceu com os nossos antepassados, preocupados essencialmente com a sobrevivência física e onde a vida afectiva e psicológica permanecia ao serviço das forças inconscientes e das memórias armazenadas pela espécie e pelos vários colectivos, tem vindo a ser substituído pelo esforço de consciencializar essas forças em presença no acto de educar.

Esta é também uma tarefa demasiado pesada para as Mães, poderíamos dizer. A elas compete simultaneamente a tarefa de desenvolver um ser único e diferente e, ao mesmo tempo, transmitir-lhe todos os valores da cultura onde estão inseridos, de forma a que a criança possa reconhecer e ser reconhecida pela cultura onde nasceu.

Cada mãe, de acordo com a sua evolução e o seu grau de consciência, vai transmitir e relacionar-se com o filho segundo esses padrões de desenvolvimento. E se no passado o ser humano era propriedade do colectivo e, logo que nascia, através do baptismo, por exemplo na cultura judaico-cristã, era devolvida a esse mesmo colectivo, actualmente ele pode ficar no âmbito da própria mãe ou mesmo da família. Assim, a mãe pode, por insuficiência da sua evolução, utilizar inconscientemente a alma do filho, ou o Self, como o designa a Psicologia, para superar ou colmatar algum do seu sofrimento, resultante este da necessidade actual e da dificuldade, de cada ser humano se «individuar», tornar-se único e de encontrar o sentido da sua própria vida. O colectivo onde a criança nasce pode também apropriar-se deste novo ser para o transformar em «bode expiatório» das suas insuficiências, dos seus delitos e da recusa à tomada de consciência que se impõe no seu novo nível de desenvolvimento humano.

A entrada do novo ser humano neste mundo é assim e, necessariamente, uma entrada em desamparo e solitária. O colectivo que o recebe está mais ou menos preparado, mas está ainda e por circunstâncias do seu fraco desenvolvimento, mais preocupado consigo mesmo do que com o novo ser. Este terá que fazer o duplo esforço de se defender e de se integrar. Não poderá manter-se muito tempo dependente dos seus progenitores, pois assim corre o risco de se tornar prisioneiro deles. Também não possui o conhecimento ou o grau de consciência suficiente, para não ser agarrado pelo inconsciente colectivo. A «angústia de separação» e a «angústia de castração», como bem alertou Sigmund Freud e seus seguidores, continuam a ser as duas grandes pontes de sofrimento que cada indivíduo tem que tentar passar. A primeira diz respeito essencialmente aos pais e, a segunda, à cultura que actua através do superego, uma instância individual que representa e que tenta trazer para a consciência individual o peso e os valores do colectivo onde a criança está integrada.

A entrada, na vida, de cada ser humano é assim e ainda o início de uma «jornada de herói». Desta jornada pouco sabemos, tal é a complexidade de factores a interferir a qual dá a cada um de nós um caminho próprio. Só sabemos que ela se orienta para um fim exterior ao próprio indivíduo, pois só dessa forma poderemos conceber a evolução e o sofrimento. Existe Algo que pressiona, que apela, que produz insatisfação permanente com as conquistas humanas e que tem obrigado o Homem a ir sempre e cada vez mais longe. Paradoxalmente, a maior fonte de sofrimento humano, a consciência do seu desamparo e das suas limitações tem produzido um aumento de consciência que torna o Homem mais solidário com os outros seres e lhe proporciona forças para continuar na sua busca de significado.

Mas o inconsciente colectivo, através das suas múltiplas instituições, é ainda demasiado superior ao indivíduo, exigindo deste a continuidade e a satisfação das suas necessidades próprias, ao serviço das quais coloca o indivíduo. Cada ser humano que alcança um nível de evolução superior tem que pagar um tributo a esse mesmo colectivo, como assistimos com Cristo na cultura europeia ocidental. Essa conquista vai inserir-se no património dessa mesma cultura, abrindo caminho para que outros o sigam.

A entrada na vida de cada ser humano é marcada pela força do inconsciente colectivo, seja ele através da Instituição Familiar ou outra, que o condiciona e apela à satisfação das necessidades desse mesmo colectivo, por agora pouco conhecidas, nas suas leis e variações. Ao mesmo tempo, na nossa era, a força do inconsciente individual apela a uma necessidade de salvação e de reconhecimento individual. A dinâmica entre o ser que nasce e o meio que o envolve, estabelece-se logo que aquele nasce. E ainda como um cego, cada ser humano terá que se deixar guiar por uma força ou uma luz interior que o conduz, mesmo que tenha de combater – separar-se – arduamente dos outros, como o fez Cristo.

As famílias, no entanto, ainda não estão suficientemente preparadas para esta nova função, se é que terão que estar. Não é por acaso que temos vindo a assistir a um desmembramento da família enquanto grande Instituição de suporte para os indivíduos. Da grande Família, onde coabitavam várias gerações, passou-se para a família nuclear – pai, mãe e filhos – e, actualmente, assistimos, nos países mais desenvolvidos, ao aparecimento das famílias monoparentais – um dos pais e os filhos. Poderemos apresentar como razão justificativa para esta situação do desenvolvimento económico de todo o Mundo. Mas também a situação da família actual nos sugere que a antiga forma já não correspondia às necessidades e aos anseios actuais dos indivíduos. O mesmo fenómeno se observa em relação aos grandes agregados sociais. Da aldeia onde todos se conheciam, se apoiavam e se controlavam, a grande maioria dos seres humanos prefere migrar para as cidades, grandes conjuntos de agrupamentos humanos, onde o indivíduo não é conhecido, pouco ajudado e menos controlado. Nestes novos meios sociais, o indivíduo é obrigado, pela força das circunstâncias, a fazer um trabalho pessoal ou a actuar os seus impulsos básicos sem grande controle ou com menor controle social. Paradoxalmente, é nas cidades que está mais perto e mais longe da sua individuação, ou seja, do conhecimento e da vivência profunda de si mesmo. Mais perto, porque as forças do inconsciente colectivo são novas e menos pesadas, dado estes aglomerados humanos se terem constituído há bem pouco tempo; mais longe, para alguns, talvez a maioria, porque o indivíduo está só, poucos ainda o ajudam neste trabalho, mesmo os que a ele se dedicam – os psicoterapeutas – e, ainda, porque as forças do seu inconsciente pessoal são poderosíssimas e necessitam de ser, em primeiro lugar, trabalhadas, ou seja, consciencializadas.

Se a força instituinte da Instituição Família, ou seja, a força que se opõe dinamicamente ao que jaz, é acumulada de experiências, saberes, conflitos e violências desse mesmo grupo, tem sido forte nos últimos séculos, o que terá acontecido a esse património familiar? Que aumento de consciência tem acompanhado este desmembramento da família tradicional? Estará esta mudança a acompanhar a consciencialização dos direitos das mulheres e das crianças, um fenómeno observado só no último século? E se assim for, terá sido a acção institunte das mulheres que conduziu a esta mudança na Instituição Família? Não terão sido as mulheres as principais impulsionadoras e os principais sustentáculos desta velha Instituição, como ainda observamos em África? E que verdadeiras e profundas alterações estas mudanças da Instituição Família estão a produzir nas mulheres e nos colectivos? A entrada do Feminino na política, um fenómeno novo, que mudanças de consciência, individual e colectiva está a produzir? Quem e como sustentar através dos rituais e dos ritos, como faziam as mulheres, esta velha Instituição Famíliar? Assistimos a fenómenos complexos como o da toxicodependência em grande escala dos jovens, nas sociedades mais desenvolvidas. Estes jovens não só desprezam os valores familiares como mesmo os destruem, delapidando o património familiar. Será esta já uma das manifestações do Inconsciente Institucional Familiar a pedir a intervenção mais consciente por parte da Família? Assistimos ainda a outro fenómeno generalizado, na sociedade europeia ocidental, que é a da entrega dos seus velhos a instituições novas: os chamados Lares para a terceira Idade. Estes Lares vêm substituir os Lares da Família à qual pertenceram durante toda a sua vida. Nestes Lares poucos são os idosos que resistem, parecendo estes constituírem antecâmaras da Morte.

Todas estas mudanças têm surgindo em nome de uma mudança económica que se tem vindo a implementar no último século. Os custos, o dinheiro, constitui no nosso tempo a «moeda de troca» de todos os actos sociais e políticos. A Instituição Dinheiro parece ser a que reina no mundo actual, mesmo na Instituição Familiar. Todos os nossos actos têm um preço – e a quem se paga esse tributo? E para quê? E como controlar esta força que tudo invade, ameaça e leva o indivíduo à exaustão? Os que possuem bens materiais esgotam-se nas acções para os ampliar e transformar constantemente e os que não os possuem, em criarem condições para os ter. Que forças inconscientes são estas que estão novamente a afastar o indivíduo da sua «individuação»?

Mas deixemos por agora estas amplas questões e voltemos à entrada do Indivíduo nas Instituições, a começar pela Família.

Desde o primeiro momento do seu nascimento, ou mesmo antes, a criança está em interacção com o que a rodeia: a mãe, a restante família e todo o suporte ambiental que a sustenta. Ela tem, e traz, potencialidades diversas e espera que o meio a ajude a desenvolvê-las. Ela está necessariamente centrada em si mesma. Mas admiravelmente, ela tem logo quase à nascença, capacidade para fazer uma avaliação das potencialidades de resposta que pode encontrar nesse meio. A criança procura ainda salvaguardar a sua essência, seja através do sono, seja através do choro e de outros meios que Melanie Klein, psicanalista inglesa, designou por «capacidade de fantasiar». Assim, a criança, desde que nasce, vai tentando exercitar as suas potencialidades, dar resposta às exigências do meio e ao mesmo tempo preservar a sua individualidade. Poderemos dizer que é grande o «engenho e arte» que o ser humano revela logo que nasce.

À mãe pouco disponível e atenta, a criança pode desenvolver «sentimentos de protecção» dessa mesma mãe. Para se defender, dirão? É certo, mas como foi a criança encontrar mecanismos de resposta tão finos e subtis? Para evitar a agressividade e a zanga, dirão outros! Também poderá ser verdadeiro, mas o produto dessa zanga transformou-se no seu contrário. Tal só não acontece nos casos extremos de crianças totalmente abandonadas ou mal tratadas, no limite assim das suas forças. Esta capacidade que a criança traz para entender os outros tem sido desvalorizada. Não é só a mãe que entende o bébé, mas é este que entende também a sua mãe. Como? Que aptidões humanas trazemos para comunicar que ainda desconhecemos ou pouco sabemos expressar, nomear? As mães, as mulheres, conhecem esta linguagem não verbal das crianças, que passa pelo olhar, pelo chorar, pelo sorriso, pelo contacto corporal, pela postura corporal e por um mundo que ainda desconhecemos. Pouco tem sido o esforço das mulheres para explicar e explicitar estes códigos de comunicação do sentir e do sentimento. Urge, no entanto, fazê-lo.

Este reservatório de conhecimentos femininos constitui o seu poder e o seu mundo, no qual toda a criança entra quando nasce. As palavras são insuficientes para o exprimir. Talvez as imagens lhe estejam mais próximas. E assim, o desamparo físico do filho poder despertar, na mulher, o seu próprio desamparo e ir repetir ou buscar ao seu reservatório de memórias inconscientes, as soluções que encontrou no passado, ou fazer uma nova tentativa de mudança pedindo ao filho, agora nascido, aquilo que outrora perdeu, como seja a «confiança em si mesma», a «capacidade de gostar», «o preenchimento do vazio que a insuficiência da presença da mãe e do meio lhe deixou», «a vingança para as humilhações que sofreu», numa combinação infindável de pedidos e de comunicações que o bébé capta e às quais vai respondendo de acordo com as suas potencialidades. Esta comunicação «telepática» entre mãe e filho constitui o nosso primeiro reservatório de informação neste mundo.

Como resposta por parte da criança conhecemos apenas os seus comportamentos, manifestados através do seu corpo tais como: chorar ininterruptamente ou dormir muito; rejeitar o alimento ou comer em excesso; sorrir ou apresentar um semblante triste ou mesmo apreensivo; manifestar vivacidade e curiosidade por tudo o que a rodeia ou uma grande indiferença; aumentar regularmente de peso e de estatura ou fazer esse crescimento por saltos bruscos; estar mais ou menos sujeito aos agentes infecciosos do seu meio, etc.

O «padrão» de hereditariedade física que cada criança traz, é logo à nascença completado ou acrescido, pela carga emocional que a mãe lhe transmite, através de uma linguagem que, desde a fecundação, se estabelece entre a mãe e o filho. A separação entre o filho e a mãe constitui a maior de todas as tarefas dos seres humanos. A entrada do pai nesta díade é a primeira ajuda, mas tem sido feita de uma forma por vezes brutal que não oferece alternativas, mas cria, ou tem criado, dois mundos: o das mulheres e o dos homens; mundos esses por vezes apresentados como inimigos e com leis e normas diferentes, que não tem conduzido à integração das vivências emocionais desde que nascemos mas, pelo contrário, à sua repressão e à procura de uma identidade sempre difícil para cada ser humano que nasce. A triangulação, na qual Freud situou o marco decisivo da vida emocional do ser humano e que se atingiria por volta dos cinco anos, é ainda vivida dramaticamente, tendo o Mito de Édipo, escolhido por Freud, representado essa dificuldade de todos nós. Ao amor e à profunda ligação com a mãe, a criança tem que integrar outro ser, o pai, o colectivo, que lhe traz uma nova linguagem, novas informações, novas experiências e que se oferece como companheiro e guia, nesta vida social construída pela espécie humana. Esta construção social, erguida pelos homens, tem sido feita essencialmente com o recurso à força, à lei «do mais forte» e da repressão das emoções que refreiam e desmobilizam a acção. Assim, «um homem não chora»; «dos fracos não reza a História»; «em tempo de guerra não se limpam as armas» e todo um conjunto de valores e de ideias que fazem parte do imaginário masculino. Este constitui o alicerce da vida social, interiorizado desde muito cedo e agindo mesmo na ausência do pai, através duma distância a que Freud chamou «Superego», mas que constitui, também ela, um mistério na comunicação humana. Este conjunto de valores da vida social estão sempre presentes na acção humana, através de uma voz, duma presença imaterial, duma ideia que se impõe de repente e que conduz o ser humano sem grande capacidade de diálogo da sua parte. A «tomada de consciência», uma ideia forte na arte de pensar de alguns séculos para cá, tem sido o desenvolvimento deste diálogo interno, até então sujeito à força dos Deuses como nos revela a Mitologia, por exemplo, e no qual o homem, o ser humano, era apenas um agente passivo. Aos Deuses sucederam-se as Leis, as Pautas, os Valores, aos quais só os homens tinham acesso.

Às mulheres continuava reservado o espaço fechado da casa, dos sentimentos e das emoções. Esta divisão ainda continua na maior parte da Humanidade.

A descoberta da transformação desta relação desigual entre homens e mulheres e destas com as crianças, a partir do conhecimento das forças que operam dentro de nós, interiorizadas e do seu diálogo com elas, foi talvez a maior descoberta do século que está a terminar. Até agora o ser humano tem «projectado» – posto fora de si –, a exemplo dos nossos antepassados com os Deuses, todo o conjunto de forças que o impelem para a acção, seja ela de que tipo for. E assim, mata-se um ser humano, ou uma nova ideia, ou uma nova emoção, porque se viu, colocou, imaginou que este ou esta iria trazer perda de privilégios, de satisfação, de segurança? Desencadeia-se então uma série de acções conducentes com estes medos, as quais conduzem essas respostas a serem sentidas como ameaçadoras, confirmando-as. A nossa nova Era está a ser marcada pelas «Negociações» entre as forças beligerantes, como são designadas e que traduzem esta tomada de consciência colectiva de que muitos dos desentendimentos humanos resultam destes mecanismos «projectivos» e não de reais ideias ou forças, em presença. Ou que esta diferença de interesses pode ser negociada, ainda só por alguns, até ao dia em que todos possam fazê-lo. A luta entre o inconsciente individual e o inconsciente colectivo parece ser, no nosso tempo, de grandes dimensões.

Mas deixemos o aprofundamento desta temática para os respectivos capítulos e situemo-nos, novamente, «na entrada do ser humano na vida».

A criança que nasce entra assim num mundo, o da família, ou da ausência dela, que lhe confere um lugar na sociedade e um lugar na família que a acaba de receber. A criança apreende, logo que nasce, esse lugar e estabelece com a mãe, ou a sua substituta, uma comunicação única que lhe dará um padrão de relação, o qual servirá de modelo para as futuras relações. Este padrão de relação não é só determinado pela mãe, mas pela interacção através do diálogo que desde logo se estabelece entre mãe e filho, criando um vínculo e uma espécie de pacto. Mais tarde, a traição a este vínculo será denunciado pelo chamado «sentimento de culpa», uma espécie de mal-estar que surge, sem se perceber como e em determinadas situações que escapam à consciência do indivíduo. Todo o trabalho de consciencialização deste processo está ainda longe de ser feito, pois, por repressão ou por exigência da sociedade, a infância tem que ser esquecida e considerada de «menos valia» para a actividade do ser humano. Começou neste século o desenvolvimento das técnicas psicológicas que ajudam o ser humano a trazer à consciência todo o património emocional guardado desde o seu nascimento e mesmo antes. O conhecimento de que nada se perde e que tudo está no nosso inconsciente de uma forma viva e actuante é já uma aquisição irrefutável, trazida pela Psicanálise e por outros ramos da Psicologia. Falta agora integrar estes conhecimentos na nossa vida social.

 

1.2. A Entrada da Criança na Família

 

Estabelecido o primeiro elo de contacto humano com a mãe e/ou com o seu subsistema, a criança entra, através dela, no mundo que a rodeia, aparecendo na continuação da mãe. Assim, se esta mãe é rejeitada pela família, ou colocada em lugar de destaque, ou ocupa uma posição social destacada ou marginalizada, ou numa combinação quase infinita, esta criança traz a sua marca.

Exemplifiquemos: uma rapariga, filha única, fez uma ligação muito forte com o seu pai, ocupou na tríade familiar um lugar preponderante. O conjunto de projecções que lhe foram enviadas foi de tal monta que a sua liberdade de ser ficou restrita ao cumprimento de tais «missões» projectadas por ambos os pais. No conjunto dessas projecções podemos imaginar: o de ficar sempre com os pais para deles cuidar na velhice; o de continuar os estudos ou os negócios da família; o de se vingar das humilhações sociais e familiares que os pais receberam, por exemplo, dos seus próprios pais; o de dar uma descendência só masculina. Esta criança encontra-se assim a braços com uma longa e complicada tarefa, que actua em si sem disso ter consciência, que a impele a acções e a comportamentos e que a palavra «Destino», traduziu como «algo que por enquanto é inevitável», mas que conduz a nossa vida. Curiosamente, ou não, esta inevitabilidade é dinâmica, ou seja, esta luta entre o ser livre potencial que todos nós somos à partida e o ser que dá continuidade aos outros seres, numa luta, por vezes, quase mortal, tem a capacidade de esperar, de adiar, de aguardar, de substituir, de transformar, salvaguardando este princípio de liberdade, mesmo que ele possa demorar gerações, ou séculos a conseguir alcançar. Os três grandes princípios que regem o nosso mundo, enunciados há dois séculos: Liberdade; Igualdade e Fraternidade, começam a actuar na consciência dos homens e a surgir com uma força até agora nunca igualada. É toda uma revisão dos valores sociais que está em jogo, não de uma forma exterior e racional, mas exigindo uma coerência e uma reflexão individual sobre os reais valores e propósitos de cada um de nós na interacção com todos os outros seres humanos. E um dos primeiros trabalhos a realizar será, então, o de reconhecermos as nossas projecções que actuam como uma «Sombra»[4], tal como é definida por Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica. Esta «sombra», como o próprio nome sugere, não é visível para o próprio, que só a vê quando reflectida nos outros. Num primeiro momento será recusada, tal como aconteceu quando surgiu pela primeira vez e só a coragem e a força da consciência poderão vencer esta inércia e este aparente determinismo. Para este trabalho o ser humano ainda se encontra muito necessitado de ajuda, especialmente do amor e da empatia dos outros seres humanos, dos irmãos, que já estão a caminho e de uma renovada fé na transcendência da vida humana.

Assim, as dificuldades dos filhos poderão ser vistas à luz da história familiar, tal como o demonstra a Psicoterapia Familiar. E a própria criança terá que fazer o «caminho do herói», para se desfazer destas projecções e encontrar-se. Uma tarefa sempre incompleta, sempre interrompida a cada momento, porque a sobrevivência das Instituições tem vivido e vive essencialmente deste e neste sistema da inconsciência individual.

Por conseguinte, a entrada da criança na família é por si mesma o factor condicionante da vida dessa mesma criança.

É sobre este material que a sua personalidade se vai desenvolver, actuar, interagir, sabendo-se hoje que a criança quando nasce não é uma «tábua rasa», como ainda se cria no século passado, mas traz todo um património genético e emocional de aptidões e talvez de memórias, que tornam ainda mais complexo o acto de sermos humanos.

Um dos significados do sábio conselho «é preciso morrermos para renascermos» pode ser encontrado neste trabalho individual que cada um de nós precisará de fazer para se encontrar. Mergulhar mas para daí emergir com o seu real papel e significado nesta imensa cadeia que é a Vida. A repressão deste passado, o método mais utilizado até agora, só tem trazido um aumento de sofrimento individual e colectivo. No plano individual, isso tem vindo a ser provado à exaustão pela Psicologia Dinâmica. Falta fazê-lo no plano colectivo. A Socianálise, uma corrente sociológica francesa, iniciou este trabalho nos anos setenta do século XX.

A família era responsável, na sociedade ocidental, pela educação da criança até à sua entrada na escola, por volta dos seis, sete anos. À medida que os países se foram desenvolvendo economicamente, esta idade diminuiu para os três anos e agora, com a entrada das mulheres no «mundo do trabalho», passou para poucos meses após o nascimento.

Estas mudanças materiais traduzem ou implicam outro tipo de mudanças afectivas e psicológicas, cujos contornos ainda pouco somos capazes de definir. A «instituição» família estará a ceder o seu espaço a outras instituições? Quais? Novamente ao colectivo, como o fez, no início da vida social humana? De momento, este colectivo mostra-se impotente para esta nova tarefa, ao mesmo tempo que a assume, criando-se assim ambiguidades que revertem em prejuízo das crianças. Assistimos, no nosso tempo, ao aumento crescente de crianças maltratadas pelas famílias, os pais incluindo e sem recurso a outros familiares, como acontecia na grande família tradicional; as crianças que abandonam as suas casas e que vivem na rua em bandos; as crianças cujos pais a guerra matou e que se encontram sem ninguém; etc. O número de «casas sociais», que entre nós se designam por Lares, para estas crianças estão também a aumentar. Mas o cuidado afectivo com estas crianças está ainda longe de ser uma preocupação social, contentando-se este mesmo colectivo com o alimento, a habitação e os cuidados humanos elementares. Daí decorre que o grosso destas crianças entram na marginalidade, na prostituição, na droga, ou seja, vão continuar banidas do sistema social vigente, aumentando assim a sua Sombra individual, familiar e social.

O que consideramos até agora desenvolvimento está a empurrar a maioria dos seres humanos para um subdesenvolvimento afectivo, com graves consequências sociais.

Uma nova família está a surgir e já tem nome: os «sem abrigo». Por enquanto, estes seres vagueiam pelas cidades isoladamente, comendo os restos e dormindo na rua. Ao contrário dos grupos marginalizados (como é o caso dos ciganos que vagueiam pelo mundo em grupo, rigidamente organizados e auto-protectores), estes «sem abrigo» encontram-se completamente desprotegidos. Que sinal nos está a ser dado pelo Inconsciente Colectivo? Ao lado das mais modernas e sofisticadas invenções produzidas pelo Homem, outros seres humanos parecem voltar à condição inicial. Podemos designar este fenómeno como a da «doença mental» do nosso tempo. Mas isso só servirá de contento para alguns e de enriquecimento para muitos, como se está a observar com os toxicodependentes.

 

1.3. A Entrada da Criança na Escola

 

Cada criança faz a sua entrada na vida social mais alargada que a família, seja a escola, seja outra família, de uma forma própria. Não existe, assim, uma fórmula que possa englobar estas reacções.

As tentativas que vamos fazer para expor este sofrimento das crianças serve apenas de alerta e de chamada de atenção de forma a que os adultos minorem esse sofrimento e preparem melhor os novos seres humanos para a vida. Esta entrada da criança fora dos espaços familiares a que, lentamente, se vai habituando, desde os cheiros às imagens, à delimitação do espaço, na segurança da presença constante e não ameaçadora desses mesmos cheiros, sons, imagens e pessoas, é brutalmente interrompida, como uma planta arrancada e transplantada para um outro meio. Dizemos que é brutalmente arrancada, pela reacção observada na maioria das crianças, quando entra no jardim de infância. Um pequeno estudo, acessível a cada um de nós, verifica o drama, o sofrimento, da grande maioria das crianças quando entra na escola, sofrimento este manifestado desde o choro, aos vómitos e a toda uma série de perturbações gástricas.

Em nome de «uma boa e futura adaptação social», estas alterações e pedidos da criança não são atendidos e, pelo contrário, são considerados como sinais de um «mimo» em excesso ou como uma fraca capacidade de adaptação e, por isso, mais ainda necessitadas da acção e da intervenção do colectivo, através da educadora de infância. E assim a criança vai ter novamente que reiniciar uma outra aprendizagem, na maioria das vezes, talvez decalcada numa insuficiente preparação no seu meio familiar. Necessariamente, a criança vai ter que desenvolver os seus «mecanismos de defesa», da sua individualidade e da sua interioridade, de uma forma também violenta. Do trabalho realizado pela psicanalista inglesa Melanie Klein, tomamos conhecimento que, na primeira etapa da vida, esses mecanismos vêem o mundo como caótico e ameaçador e, por isso, eles também se apresentam do mesmo modo como esquizóides e distorcidos. Aliás, basta pensarmos na precaridade e no fraco desenvolvimento dos chamados órgãos dos sentidos, para compreendermos a sua dificuldade de adaptação da criança a formas diferentes em curtos intervalos de tempo. A aprendizagem da noção de tempo tem vindo a ser alterada e associa-se, actualmente, a um índice de maior grau de desenvolvimento dos colectivos humanos, observado na rapidez ou no menor tempo gasto na execução das suas tarefas quotidianas.

O meio de comunicação que estou a utilizar, neste momento, o computador, é uma prova disso. A febre do tempo invadiu tudo: a produção dos bens, a informação das ideias, a deslocação das pessoas e os tempos de lazer. Esta aceleração do tempo, observada nos países chamados mais desenvolvidos, está ao serviço de quê e para quê? No entanto, podemos constatar um facto: os actuais dirigentes dos países mais desenvolvidos economicamente são já fruto de uma educação pré-escolar, ou jardim de infância, muito cedo separados do seu meio familiar e mesmo social. A sua persistente incidência sobre a defesa, dos grupos e dos países, para além das questões propriamente institucionais que abordaremos mais adiante, poderá ser encontrada, também, nesta aprendizagem infantil de um modo caótico, ameaçador, que exige mecanismos de defesa, permanentes, para não se ser destruído por ele. A focalização num inimigo, ou num objectivo mais específico, já pertence a uma outra fase do desenvolvimento afectivo infantil, a chamada fase paranóide, onde esse mundo desconhecido e, por isso, ameaçador, já aparece mais organizado. Tudo isto, segundo os valiosos trabalhos da autora referida, acontece mais ou menos até aos primeiros oito meses de vida e à custa de uma grande necessidade de preservar a vida interior própria, surgindo assim, na interacção social como seres extremamente isolados e individualistas.

A consciência de si mesma que a criança começa a adquirir por volta dos oito meses e que é acompanhada por um sentimento de precaridade, de medo e de revolta, numa complexidade única e própria de cada criança, faz com que necessite, por isso mesmo, de um ambiente de compreensão e de carinho. Nos tempos de hoje, para as crianças que vão para os Infantários, esse tempo é vivido na solidão e no desamparo afectivo, recolhendo cada criança, dessa experiência, os frutos que lhe forem possíveis alcançar. Não significa que o mesmo não se passe no ambiente familiar, mas o Infantário serve, no nosso tempo, de campo de experiência e de investigação acessível a todos nós.

Poderemos assim dizer que a entrada de cada criança na Escola, a Segunda Instituição que conhece, está condicionada pela experiência de entrada na Família e, agora, pela idade e pela forma como for recebida pela nova Instituição. Nesta nova Instituição vai novamente estar em jogo o «campo afectivo» que se desenvolve à sua volta. Este campo afectivo estará dependente da qualidade humana dos profissionais existentes à sua volta, mas essencialmente, do padrão de líder da Instituição, problemática que abordaremos mais adiante.

A criança vai construindo assim a sua história neste mundo e adquirindo um património afectivo que se vai associando ao genético. A consciência de si mesma que no início da vida terá que ser omnipotente, dada a fragilidade do eu perante o mundo e do carácter grandioso que este apresente perante os sentidos da criança é, no caso das crianças abandonadas, seja em que tipo de condições for, talvez cedo demais, reduzida ao caos inicial e entregue às forças afectivas que a rodeiam, ou entregue si mesma, numa volta ao inconsciente familiar e colectivo. A criança irá então procurar neste inconsciente um papel que faça sentido ao colectivo e que esteja adequado ao seu património genético. Os arquétipos trazidos pelos mitos, dão-nos notícias desse fenómeno: assim o guerreiro, o inocente, o órfão, o amante, o destruidor, o governante, o caridoso, o bobo, o sábio e outros, parecem ser papéis sociais que o inconsciente colectivo armazena como reservas necessárias aos vários colectivos e disponíveis para os seres humanos que esses mesmos colectivos abandonaram.

A busca que a alma de cada ser humano faz, parece pois não se confinar aos limites da mãe e da instituição familiar, ao mesmo tempo que é desta que, numa fase prolongada da vida, vai depender.

E a Escola, num primeiro momento, poderia servir como suporte à criança abandonada ou rejeitada pela família, se o seu investimento, nesta mesma criança, fosse essencialmente de ordem afectiva e individual. Mas este parece não ser ainda o objectivo institucional prioritário, o qual se centra, como abordaremos à frente, na sua própria sobrevivência e não das dos indivíduos que a compõem.

A criança vive o seu primeiro encontro com a Escola de uma forma própria e vai inserir-se nela de acordo com a sua experiência familiar anterior e com a receptividade que lhe for demonstrada. Ela passará, mais ou menos rapidamente e com maior ou menor conforto, do seu mundo individual para o colectivo, deixando essa passagem marcas próprias que o indivíduo terá que ir consciencializando. Sem este trabalho, o indivíduo correrá o risco de ir repetindo, como uma lei inexorável, os mesmos fenómenos até que deles tenha consciência. E parece que só assim poderá passar a um outro nível da existência humana, perdendo a sua inocência, aceitando a sua condição e oferecendo a sua vida à Transcendência com que esta o dotou. Sem esta consciência, a História individual e colectiva parece repetir-se, ou evoluir de uma forma que os seres humanos ainda pouco conhecem. Esta tomada de consciência parece exigir não só uma compreensão, como se tem feito ao longo da História, mas também uma revivência desses mesmos fenómenos, agora, neste tempo, não os actuando, ou seja, dando-lhes a vida que eles tiveram no passado, mas sofrendo-os através e no imaginário de cada um de nós. É voltar-se para a sua inferioridade, tal como o fez Cristo, o caminho mais seguro para o auto-conhecimento e para a descoberta de novos sentidos para a vida individual e colectiva. De contrário, o destino de cada um vai-se cumprindo na sua inconsciência, o mesmo se observando com o Colectivo e, neste, nas e através das Instituições.


 

 

Segundo Capítulo

 

 

1. A Instituição Escola

 

Importa salientar em primeiro lugar que elevado número de seres humanos não entra na instituição Escola. Esta Instituição, tal como no passado, continua selectiva, ou seja, é reservada a alguns seres humanos, excluindo outros. Se na Europa Ocidental se verificou, nos últimos séculos, um aumento significativo da chamada «escolaridade obrigatória», o mesmo já não se verifica para o ensino «superior». Nos países pouco desenvolvidos economicamente, o acesso à escolaridade é ainda muito reduzido e a instituição Escola continua assim a ser um privilégio de uma pequena classe social que domina aos vários níveis: político, económico e religioso.

A instituição Escola tem pois uma história, que se prende com a do poder. A exemplo dos indivíduos, não existe uma instituição sem história.

Só a consciência e a omnipotência individual nos permite entrar numa Instituição, seja ela qual for e considerarmos, sem um estudo atento do seu passado, que vamos ser nela o agente de mudança por excelência, ou de destruição ou de manutenção, por exemplo.

Cada instituição (e situemo-nos na Escola) teve um «acto fundador», um nascimento.

Ainda que um grupo de homens tenha, durante largo tempo, discutido entre si a forma de transmitir o seu saber aos outros e a hierarquia desse mesmo saber, só quando se dispõem a pô-lo em prática, nasce a Instituição. A Escola, a exemplo de outras Instituições, é simultaneamente um conjunto de ideias, hierarquicamente organizadas, sobre uma determinada área da vida social e uma prática organizada e materializada para a implementação dessas mesmas ideias. Esteja na base dessas ideias a manutenção de privilégios, ou de aquisição dos mesmos (e aí situamo-nos no campo do poder), estas «ideias força» só adquirem existência própria quando passam à acção. Se as ideias comandam a acção dos seres humanos, sem a acção desses mesmos homens estas ideias ficam sem sentido. A Instituição passou a existir quando ideia, cuja origem se perde nos tempos e acção se juntaram e se prepararam para intervir na Terra. «No princípio é o Verbo», assim começa a Bíblia dos Cristão. O Verbo é simultaneamente Ideia e Acção.

A origem das Instituições Humanas perde-se, assim, na origem da Vida Humana. É sobre as suas acções que os Homens são chamados a responder. Não se prendem os homens pelas suas ideias homicidas de roubar, ou de maltratar os outros seres humanos, mas pelos seus actos consonantes com tais ideias. Até há pouco tempo, o «Campo das Ideias» aparecia separado do «Campo das Acções» e ainda hoje, as Declarações de Princípios pouco asseguram uma acção conducente com esses Princípios, ou Ideias hierarquicamente organizadas, segundo determinados valores e reflexões, construídos pelos grupos humanos ao longo do tempo.

A Instituição passou a representar para a Humanidade um sinal da sua evolução e a servir-lhe como marco dessa mesma evolução. É através das suas Instituições que os países se classificam como mais ou menos desenvolvidos. Mas é através dessas mesmas Instituições que os homens de hoje, tal como os seus antepassados, continuam a agir para proveito próprio, parecendo esquecer todo o esforço até agora desenvolvido pela humanidade para a criação dessas mesmas Instituições. E por isso dizemos: AS INSTITUIÇÕES ESTÃO DOENTES.

Para exemplificarmos esta afirmação, retomemos a Instituição Escola. Importa referir, em primeiro lugar, o que entendemos por Doença Institucional. Para isso, socorremo-nos de dois importantes princípios que o institucionalista francês, René Lourau, definiu como suporte da Instituição e que designou por «unidade positiva» e «unidade negativa». O primeiro assegura a continuidade e a manutenção da Instituição; o segundo a sua adaptação ao tempo, introduzindo-lhe as mudanças necessárias para a sua preservação nesse mesmo tempo. Estes dois princípios interagem permanentemente e a dinâmica da Instituição é o resultado destas duas forças sempre em presença. Quando uma das forças domina e exclui totalmente a outra, a INSTITUIÇÃO ADOECE, correndo mesmo o risco de morrer. Assim, por exemplo, a defesa da unidade nacional, tem levado nações à chacina de milhares de seres humanos e, entre estes, dos seus cidadãos mais conscientes, em nome e pela acção do seu princípio de «unidade positiva». Por sua vez, outras nações têm surgido pela acção destas forças de mudança, a «unidade negativa», que conduzem os seres humanos à procura de novos modelos e de novas formas de vida em sociedade. Entre estes dois extremos que colocam os indivíduos em situações de crise e os obriga a enfrentar novos desafios, situa-se a vida das instituições mais compatível com a vida dos seres humanos, sem os quais as instituições não se vivificam.

A instituição Escola prende-se, na sua história, a uma outra instituição que é a do Saber. Este «Saber» foi, até há poucos séculos atrás, uma componente essencial da instituição religiosa, que o usava para impôr o seu domínio sobre os homens. Só com o avanço do Capitalismo e da passagem do poder para o Estado, a instituição Escola passa a ter existência própria.

No entanto, as marcas do seu nascimento continuam a actuar. E é sobre esta Instituição que o Poder tem exercido maior controle.

Com a queda do Estado, como estamos a observar, a instituição que deu o primeiro sinal de alerta foi a Escola: os alunos não aprendem, os professores perderam a consideração social, o número de escolas particulares aumenta e a qualidade de ensino deteriora-se, a todos os níveis.

A Escola neste momento, na Europa Ocidental, é a Sombra de um Regime Político e Social, que está a cair. A «unidade negativa» deste regime espelha-se na Escola. E ela poderá estar a dar-nos um sinal de mudança de lugar do Poder, tal como aconteceu no fim da Idade Média.

Este fenómeno de interpenetração das várias Instituições, a que o institucionalista francês Felix Guattari, denominou «transversalidade institucional», tal como observamos para a Escola, é extensivo a todas as restantes instituições que compõem o Estado moderno.

Analisaremos com mais profundidade este fenómeno quando nos debruçarmos sobre a dinâmica das instituições. Então o que está a acontecer nas nossas Escolas, analisadas de um ponto de vista institucional?

Retomemos o percurso do aluno, do indivíduo, na sua progressiva integração na sociedade onde nasceu, neste caso, na Europa Ocidental e no país economicamente menos desenvolvido, que é Portugal.

O aluno aprende rapidamente, logo após a entrada na Escola Básica, que:

1.   A sua individualidade não é tida em conta e que desta lhe resta um número, uma classe, uma sala e um edifício, a Escola, com que se apresenta quando lhe perguntarem: «Onde estudas?», «Em que ano?», «Qual a turma?».
2.   A Escola enquanto Instituição está acima de si mesmo. Que a sua identidade e identificação com os restantes companheiros não advém das matérias em estudo, nem do Mestre que lhes é comum, como na Grécia, mas da Instituição que partilham, cujo maior valor defendido é a disciplina, ou seja, o maior respeito vai para as horas de ensino, o horário é inquestionável, as matérias inalteráveis e os métodos de trabalho propostos e decididos unilateralmente pelos professores. A «implicação institucional» (conceito defendido pelo René Lourau e aqui apresentado na sua primeira versão) mede o grau de aderência objectiva e subjectiva dos chamados «actores institucionais» à instituição que, no caso da Escola, é avaliado através das «faltas» do aluno, medindo estas a sua implicação à Escola. Estas «faltas» apresentam uma escala de valores: «falta às aulas», a mais punida, «falta de material», «falta de atenção», «falta de respeito ao poder instituído"», estabelecendo uma hierarquia que, a par com a qualificação obtida nos testes – a prova de «boa memorização» –, dão ao aluno a possibilidade de passar de ano e de prosseguir na «carreira da aprendizagem» até obter um certificado que lhe dê acesso ao «mundo do trabalho».
3.   Do seu trabalho individual de compreensão, de análise crítica e de memorização dos conhecimentos transmitidos, este último é, para a maioria dos professores, o mais valorizado. Assim, lentamente, o aluno vai desistindo de questionar e de reflectir, transformando-se num mero copiador, por vezes dos próprios colegas, como reacção a toda uma co-repetição, sem criatividade nem expressividade. A imaginação esvazia-se; o espírito não é alimentado; a alma adormece; o ser humano regride; a violência surge e, por vezes, acaba por instalar-se.

Se o Self, o «centro unificador» da criança se encontra desde que nasceu, muito longe da consciência ou mesmo ao serviço dos outros, esta criança, neste contexto, está pronta para aderir a grupos de jovens delinquentes ou que se alienam na droga. Salvam-se, talvez, como no passado, aqueles que possuem um bom ambiente familiar e uma boa herança genética.

A instituição Escola parece, no entanto, indiferente ao drama vivido por cada aluno. Ela segue o seu percurso e os que não seguem os seus ditames são lançados fora, sem que se assista a qualquer movimento de preocupação ou culpa por esta exclusão.

A instituição surge então no seu lado mais sombrio, frio, calculista, puramente racional. Os sentimentos de compaixão, caridade, ou mesmo de simples sensibilidade parecem não existir.

Mas, escutando outro grupo institucional, os professores, estes dirão exactamente o mesmo. Sem qualquer respeito pela sua individualidade, neste caso já chamada «vida privada», os professores estão sujeitos a mudarem constantemente de Escola, de matéria de ensino, de programa de trabalho, sem que haja da sua parte qualquer tipo de participação. São, também eles, agentes passivos da dinâmica institucional. Ou seja, se não se colocam do lado da «unidade positiva», defendendo o instituído, correm, tal como os alunos, o risco de serem excluídos e, neste caso, do «mundo do trabalho». Tal como para os alunos, os programas de trabalho são impostos, quando chamados a intervir, já o essencial do trabalho está feito, tratando-se mais de um «referendo» do que propriamente de um trabalho de participação democrático.

As normas de classificação dos alunos estão codificadas e é elevado o número de impressos que cada professor tem que preencher, esgotando-o e tirando-lhe, também a ele, o «espírito crítico» e inovador.

A implicação institucional dos professores é assim medida, avaliada, tal como para os alunos, não só em função das presenças, mas também do cumprimento das exigências impostas pela tecnocracia, em nome de uma boa organização e gestão – por objectivos – dos serviços. E subindo na hierarquia escolar, a Direcção da Escola dirá exactamente o mesmo que os alunos e os professores, mas esta, em relação ao poder central, Direcções Regionais, ou Centrais.

A falta de Liberdade, a todos os níveis, será assim a tónica dominante em todos os discursos. Um sentimento generalizado em todos os elementos da Escola é o de se encontrar paralisado, o que gera simultaneamente um clima paralisante. E o fruto de toda esta dinâmica institucional Escolar é o baixo «rendimento», «aproveitamento» dos alunos, não cumprindo, portanto, o objectivo para que foi criada. A Instituição está, diremos então, doente.

Se esta mesma análise fosse aplicada a outros sistemas, tais como, o de saúde, bancário, comercial, os serviços em geral, e mesmo aos de produção de bens, o sistema chamado económico, as conclusões seriam apenas diferentes no grau de complexidade que vão adquirindo. A grande queixa de estrangulamento da liberdade individual e da quase total dependência em relação ao instituído, a um poder, agora sem rosto, mas que comanda através da técnica, é a que se faz, e fará ouvir por todo o lado.

A chamada globalização da economia é um fenómeno que já atingiu todas as instituições, embora seja mais visível para a economia.

Neste momento, corre-se o risco de, sem a participação mais consciente dos homens, as instituições recuarem, indo buscar ao seu património as regras e as leis que as constituíram no passado, mas que são desadequadas, porque insuficientes, no presente. E sem esta participação dos seres humanos, as instituições, como todo o ser vivo, estiolam, rigidificam, esquizofrenizam-se, ADOECEM. A sombra do primitivo e do reprimido parece, nos dias de hoje, espreitar e conduzir-nos de volta ao passado.

 

2. Uma Aproximação à Dinâmica Institucional

 

Há que referir, em primeiro lugar, que existe para os institucionalistas uma diferença de conceitos entre: instituição, organização e serviço. Para uma facilitação da comunicação, o institucionalista argentino Gregório Franklin Baremblit, no seu Compêndio de Análise Institucional, apresenta-os de uma forma didáctica e acessível ao leitor.

Optamos, no entanto, por uma só designação, a de instituição, dado o carácter deste livro ser de divulgação e não uma obra científica, e por ser este o nome atribuído, indiscriminadamente, pelas pessoas em geral aos vários agrupamentos sociais com um carácter estável e duradouro. Atendendo à «transversalidade institucional», um serviço, por exemplo um hospital, integra-se e pertence à cadeia da instituição saúde, que sempre existiu desde que os homens se organizaram em sociedade e que apresenta hoje esta configuração.

Assim, a análise de um subsistema, ou de um segmento da Grande Instituição, reflectirá o sistema na sua totalidade.

É nesta base que iremos apresentar uma proposta de análise da Dinâmica Institucional, a partir do estudo detalhado de uma Instituição (Serviço), como por exemplo o Hospital de Saúde Mental.

 

2.1. Da População Abrangida pela Instituição

 

A doença mental em Portugal‚ ainda é em 1998, considerada um tabu, um mal, que todos escondem e receiam. A História das Instituições de Saúde Mental é simultaneamente a história desta evolução da mentalidade portuguesa. O estudo desta história institucional será, como para todas as Instituições onde iniciemos qualquer tipo de trabalho, o primeiro passo a dar para nos integrarmos nessa nova família, que é a instituição onde iremos trabalhar, ou habitar durante algum tempo.

A nova instituição que nos acolhe, a seguir à família, tem uma já longa história, marcada por sucessos e derrotas, de lutas pela sua sobrevivência ao longo dos séculos, por vezes já cansada destas lutas. Os homens que lhe emprestaram o seu corpo e a sua alma jazem, mas continuam vivos, nos seus edifícios, nos seus escritos, e nas suas obras. Tal como na nossa Família, uma multidão de memórias de seres acolhe-nos, projecta-se e espera que lhes dêmos continuidade. Só a nossa omnipotência e inconsciência da Vida Colectiva permite estarmos completamente cegos aquando da nossa entrada em qualquer tipo de instituição.

E, no início, qualquer acção humana colectiva tem um objectivo colectivo. Embora os grupos humanos procurem a satisfação das suas necessidades, na constituição das suas instituições eles têm que se apresentar, no nosso tempo, como defensores do bem geral.

As instituições enquanto «entidades» defendem, assim, o bem geral e não o particular.

Quando, por exemplo, o Dr. Miguel Bombarda pensa e discute com os seus colegas as novas ideias sobre a saúde mental e avança na criação de uma nova Instituição – o Hospital Psiquiátrico – ele introduziu na ordem social um novo elemento que pertence à ordem do colectivo e não do individual, ou mesmo grupal.

É nesta ordem do colectivo que reside a força das instituições, que está para além do tempo individual e mesmo grupal, e que parece manter-se para e além de todos os tempos.

Uma vez criadas, as instituições geram uma força e uma dinâmica que transcende os próprios homens.

E assim, o Hospital Psiquiátrico, para além de resolver os problemas da Saúde Mental, criou na ordem social um novo lugar, integrando os seres até então dela banidos e, por isso, não existentes nessa ordem. E o seu acto fica na História desse povo, não só porque resolveu e ajudou os seres em sofrimento, mas porque contribuiu para o enriquecimento e alargamento dessa mesma ordem social, humanizando-a, ou seja, tornando-a extensiva a todos os seres humanos. E este pode ser o prémio dos deuses por os termos ajudado. Uma vez criado o Hospital Psiquiátrico, e como uma pedra lançada no charco, as ideias colectivas acerca destes doentes também sofreram um impacto.

A primeira dessas ideias a ser posta em prática foi a que todo o colectivo terá que aguentar com a dependência material, com a incapacidade para a sobrevivência que estes seres revelam, e que até então, recaía apenas sobre a família.

Com a defesa destas novas ideias os Hospitais para os doentes mentais encheram-se e as famílias descansaram.

A segunda ideia foi a que as formas de cura tradicionais eram insuficientes e que novos medicamentos e novos procedimentos terapêuticos ajudariam o sofrimento destes seres humanos. Criou-se então uma euforia em torno das investigações bioquímicas e dos novos produtos criados, e também das novas teorias psicológicas, especialmente da Psicanálise. Mas estes novos conhecimentos ficaram retidos na instituição do «Saber», à falta de uma outra designação, ou de pequenos grupos que viram nessas novas descobertas, novas formas de ganhar dinheiro, não sendo assim divulgados a par e passo com a criação das instituições psiquiátricas. E se estas, numa primeira fase, tiveram o contributo das novas ideias sobre a saúde mental dos seres humanos, acabaram por aderir apenas como assistimos nos dias de hoje em Portugal, à primeira das ideias: todo o ser humano tem direito a ser ajudado no seu psiquismo e não só no seu corpo. O colectivo ficou pois unicamente pelo carácter organizativo desta nova ideia.

E ao entrarmos, como doentes ou como trabalhadores nesta instituição, esta História da sua fundação e do seu percurso, neste país, está presente e actuante. O seu fundador chorará sob a morte das sua ideias não postas em prática e a inveja e a ganância, dos que só viram dinheiro e regalias, espreita pronta a atacar.

Esta instituição espera assim que esta luta, à qual os humanos dão a sua inteligência e o seu corpo, se equilibre, num crescendo para a sua humanização, ou seja, para o maior e melhor benefício de todos os seres humanos.

No nosso tempo, a população abrangida por esta Instituição reflecte todas as contradições do seu acto fundador e dos limites que, no processo da transversalidade, as outras instituições como a do saber, a economia e outras, lhe colocaram. A «totalidade social» é um facto que a vida social comprova constantemente.

Os doentes internados nestes Hospitais, ao contrário de outro tipo de doenças, ficam lá toda a vida, transformam o Hospital em Lar não tendo este, no entanto, condições para isso.

A mudança de mentalidades em relação à doença mental está ainda à espera de ser feita. Sem o cumprimento desta segunda etapa, será difícil, mesmo com o esforço do Estado, que o colectivo aceite os seus doentes mentais de volta.

Assim, os Hospitais Psiquiátricos transformaram-se, em todo o País, em asilos onde os doentes são abandonados e esquecidos, na sua maioria, pelas famílias. Transformaram-se num peso para o colectivo, a par de outros, como a educação das crianças e o cuidado com os velhos.

As nossas instituições estão marcadas por um forte carácter assistencial, que com o avanço do capitalismo, estão sujeitas a sérios riscos de pauperização e mesmo de destruição/morte.

Esta ameaça que paira sobre as instituições de Saúde Mental, tem condicionado a sua dinâmica nas últimas décadas, em especial após os anos 80. Se tivermos em conta toda a legislação existente.

Mesmo com todo o esforço legislativo, que inclusivamente propôs fechar os Hospitais Psiquiátricos e fazer a reconversão de algumas unidades hospitalares, a situação, no presente, fim da década de 90, mantém-se quase inalterável. Sem o conhecimento desta História Institucional, o novo elemento que nela entra, seja doente, trabalhador e mesmo Director corre o risco de ser um agente passivo neste processo de defesa, de sobrevivência, que a instituição atravessa.

Então vejamos com mais pormenor o movimento dinâmico em curso, inconsciente para a maioria dos «actores institucionais», uma vez que desconhecem a História passada e recente da instituição. Apenas o nome e a lápide do seu fundador a chamar constantemente a atenção para esse facto, que, no entanto, passa despercebido à maioria que nela entra.

 

2.2. Da Matriz Institucional

 

Todas as instituições se organizam de acordo com modelos, que variam ao longo dos tempos, mas que reflectem sempre a hierarquia do poder estabelecido para aquele momento histórico.

No presente e na Europa Ocidental a constituição de Repúblicas, levou a uma separação de poderes, que interagem permanentemente e lutam pela sua supremacia. No topo desta hierarquia do Poder, encontra-se ainda uma figura, o Presidente, com poderes mais reduzidos, mas que reflecte a herança histórica das Monarquias e dos poderes Papais, ainda em vigor.

Na Instituição, neste caso o Hospital Psiquiátrico, existe uma organização, modernamente clarificada por escrito – o organigrama – com funções, papéis e consequentemente poderes, que a exemplo do Estado, cria a ilusão de uma separação e comparticipação do poder.

Assim, nesta hierarquia define-se: a direcção da instituição; os trabalhadores da mesma e por último os utentes. Ou seja, uns mandam outros obedecem, tal como na sociedade em geral, para produzir algo, neste caso, a prestação de um serviço.

Estabelece-se assim uma dinâmica interactiva entre o «padrão» e a «matriz» institucional (conceitos que definiremos adiante). Nesta dinâmica é pressuposto que ela se desenvolva para e pela acção dos utentes, mas tal ainda não se verifica, como tentaremos provar. A luta institucional faz-se entre estes dois polos, os dirigentes e os trabalhadores, dando a impressão, por vezes, que se os utentes não existissem nada a alteraria.

A moderna organização, representante actual da velha instituição, está então ao serviço de quem, como por exemplo no hospital psiquiátrico actual?

Retomemos o percurso iniciado pelo indivíduo até à sua entrada no chamado «mundo do trabalho».

Após a sua preparação para entrar neste «mundo», seja pela idade que atingiu, só a partir da qual a lei permite a entrada, seja pelo quadro de «certificados» que acumulou, seja ainda, pelo grupo familiar de pertença, cada indivíduo vai fazer a sua entrada neste «mundo do trabalho».

Até há pouco tempo, estes rituais de entrada eram reservados aos homens. A menina preparava-se para ser uma boa gestora familiar e uma boa mãe de acordo com os valores estabelecidos pelo seu grupo e classe social de pertença. Num espaço de 20 anos, após a revolução do 25 de Abril, esta situação mudou em Portugal. Hoje as raparigas, independentemente da classe social de origem, procuram estudar e tirar cursos até então só do domínio dos rapazes, e ocupam lugares, ainda em reduzida escala, mas até há pouco tempo impensáveis para as mulheres.

Hoje, estes rituais de entrada estão a ser violentos, como sempre o foram, especialmente para as mulheres, uma vez que estas não possuem ainda uma memória histórica que as apoie neste novo papel social. Daí que a maioria pareça adoptar os padrões de comportamento masculino, negando ou fazendo perigrar o seu papel feminino, como se está a observar no caso das mulheres intelectuais que apresentam uma grande dificuldade em engravidar. Ou então, no caso das mulheres menos informadas e qualificadas, estas transportem para os novos locais de trabalho – fábrica, repartição pública, escritório, ou outro – o mesmo tipo de funcionamento da casa familiar, continuando a colocar esta em primeiro lugar, negando assim a diferença tanto sua como da nova instituição onde trabalha. Numa espécie de atitude narcísica, as mulheres dos países menos desenvolvidos economicamente, continuam fiéis, em primeiro lugar, à instituição família, da qual se sentem as legítimas representantes. Ao mesmo tempo que o mundo familiar parece desmoronar, as mulheres de ontem, não as de hoje, mostram-se incapazes para se adaptar a este novo mundo, lutando desesperadamente pelo restabelecimento do seu antigo poder: a casa e a educação dos filhos. O velho adágio popular português que se encontra impresso em azulejo, à entrada de muitas casas portuguesas, sobretudo no norte do país, e que diz: «Lá em casa manda ela; nela mando eu» é ainda o testemunho desta separação.

A mudança institucional que se está a verificar, está atingir toda uma velha ordem instituída, e o maior sinal dessa nova ordem está a passar pela alteração dos papéis sociais reservados ao longo de séculos aos dois sexos.

Nesta transição, o novo e o velho coabitam e lutam. Mas uma espécie de «tremor de terra» assola todo o mundo. Neste fim de século, os sinais mais visíveis desse abalo são as «quedas da Bolsa» constantes, ou seja, dos valores económicos atribuídos a todo o património através de um jogo mundial, muito complexo e sofisticado, e uma denúncia constante de casos de corrupção a todos os níveis. A comunicação e as trocas passaram a ser feitas através de um meio abstracto, o dinheiro, que tomou cidadania e que passou a reinar: tudo é convertido em dinheiro, até o tempo. «Tempo é dinheiro», uma das máximas do mundo capitalista.

Mas esta cosmovisão que está a espalhar-se, ainda não faz parte do discurso institucional. A instituição continua a lutar pela sua «unidade positiva» e os indivíduos que nela entram, dão-lhe corpo, uma vez que também eles não sabem encontrar outras alternativas senão as que o colectivo lhes vai oferecendo. A força do indivíduo é ainda muito desigual em relação ao colectivo em que se integra. E as leis de evolução deste colectivo são ainda, na sua essência, desconhecidas.

O jovem que entra no seu primeiro local de trabalho vai embuído de esperança, de força, de energia. Espera encontrar na nova Instituição aquilo que necessita para sobreviver, e mais ainda, «reparar» e ser «reparado» das muitas feridas feitas ao longo da sua curta, mas difícil, vida institucional – familiar e escolar – por exemplo, para os seres mais favorecidos. Acredita que finalmente vai ter liberdade, poder de decisão, fazer ouvir a sua voz, e ser reconhecido e justificado.

E as Instituições, até à entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal, tinham alguma preocupação com a entrada dos seus novos elementos, proporcionando-lhes algum tempo, cerca de seis meses, para a sua integração, percorrendo os vários serviços, ou apenas observando o que os colegas faziam. Tudo isto aumentava as expectativas do novo neófito, criando-lhe assim um vínculo afectivo forte e uma «implicação positiva». O facto de em grande número de situações essa entrada se dever não a critérios institucionais de maior competência, rentabilidade e evolução, mas de interesses familiares ou outros como a chamada «cunha» nada parecia afectar a vida institucional nem a entrada dos seus elementos. E alegria de entrar na Instituição era ainda proporcional ao tipo de instituição em causa: colocava-se em primeiro lugar o Estado. Ser funcionário público era, até meados dos anos oitenta, a maior alegria e o maior sonho de todo o trabalhador médio português.

Essa situação está em total mudança com a privatização de todo o operário público. As mulheres passaram a constituir o bloco maior de funcionários públicos, ocupando sectores como a Saúde e o Ensino, especialmente o ensino secundário e o superior, tradicionalmente ocupados pelos homens. Estes têm vindo a ocupar os novos lugares das empresas multinacionais em número crescente em Portugal, e os lugares políticos e sobretudo administrativos criados pela entrada na Comunidade Económica Europeia.

Assim, a entrada no mundo do trabalho tornou-se mais feroz e a competitividade, o baluarte do capitalismo, tornou-se a «senha» de entrada em qualquer instituição. O jovem que entra sofre uma pressão constante para mostrar que é o melhor, que dedica a sua vida àquela instituição e que por ela está disposto a tudo sacrificar: vida familiar e de amizade, ou seja, toda a sua vida privada.

A primeira traição que se sofre é por demais dolorosa para alguns que durante anos aguentaram muito do sofrimento familiar e escolar na expectativa do futuro. E a nova instituição, sabendo disso, acena agora com uma recompensa não afectiva e pessoal, mas económica. O dinheiro é apresentado então como o substituto dos anteriores vínculos afectivos.

As Instituições parecem assim estar a dizer aos homens que já não precisam da sua libido, do seu afecto, mas apenas da sua força mental, da sua inteligência.

No entanto, os seres humanos continuam na sua busca de realização de satisfação das suas necessidades de poder, de reconhecimento de criação e de contacto humano. O Capitalismo procura exarcebar o individualismo, e este revela-se doentio para o homem, fazendo-o perder o sentido para a sua vida.

E na Instituição o conjunto de seres humanos que lhe dão corpo, continuam a viver as mesmas paixões, os mesmos dramas, agora de uma forma mais reprimida, mais camuflada. Os sentimentos têm que se esconder, a máscara do «executivo», do que está sempre bem e feliz tem que ser colocada todos os dias. E no dia a dia, os conflitos institucionais aumentaram tornando a convivência diária um autêntico inferno.

Voltemos então ao Hospital Psiquiátrico. O jovem trabalhador que acaba de entrar, é agora recebido não como mais um elemento que vem enriquecer e preencher aquela família institucional, mas como um potencial rival e usurpador dos direitos já adquiridos. É enorme a solidão de cada novo trabalhador, e toda a sua personalidade é jogada neste novo contexto. A tendência, numa espécie de «compulsão à repetição» como afirmava Freud na explicação dos mecanismos neuróticos repetitivos, é a de ir desempenhar no novo grupo ou mesmo na Instituição o papel predominante que se desempenhou ao longo da vida – na família, na escola, no bairro com o grupo de companheiros de rua. Deste modo, ele poderá fazer o papel de «bobo», tão necessário à dinâmica institucional, ou o de «vítima», ou de «catalizador» dos conflitos institucionais, ou de líder do grupo, etc., numa complexidade crescente, que só o estudo de cada instituição e do seu momento histórico, nos poderá ajudar a consciencializar. Uma coisa é já certa para os institucionalistas: estes papéis têm uma existência e um significado total e não consistem em simples projecções das problemáticas individuais. Estas problemáticas apenas dão corpo às necessidades afectivas exigidas pela própria Instituição. Senão vejamos: quando alguém que desempenhava um determinado papel, por exemplo, o de «algoz», se afasta, adoece ou morre, logo outro vem e ocupa esse mesmo lugar.

As instituições têm alma. Elas não são puras construções dos homens. Elas vivem para além deles. Os homens morrem, mesmos os que em determinados momentos históricos parecem ter um papel decisivo, como por exemplo na mudança de regime político, e o seu nome fica em segundo plano em relação à Instituição que renasceu pela e através da sua acção. «A Monarquia acabou. Viva a República». Os homens que deram as suas vidas por estas mudanças são citados nos compêndios escolares, ou nas festas colectivas anuais e esquecidos, ou mesmo desconhecidos para a maioria.

A Mitologia descreve-nos a vida dos deuses carregada dos mesmos sentimentos que os humanos experimentam e interagindo com estes. Afirmar que estes deuses eram simples projecção dos homens, é uma crença megalómana do homem contemporâneo, e que o conhecimento e a conscencialização da vida das Instituições virá a destruir.

O papel que então o jovem trabalhador se vê novamente a repetir, se por um lado o desconforta, o faz sofrer novamente, por outro, volta a dar-lhe identidade. Volta a ficar idêntico a si mesmo, àquilo em que já se reconhece do seu passado. Só que a nova Institição tem, também ela, um passado diferente e uma história que segue o seu próprio rumo e que o indivíduo desconhece. Confundir as duas memórias, as duas histórias – a individual e a institucional – tem sido, para a maioria dos seres humanos, a fonte da sua tragédia, mas também de vivência terrena da sua transcendência. Possuir nas suas mãos os meios de destruição da Terra tem dado um sentido de omnipotência tão forte aos homens, que tem levado a uma aceleração das memórias institucionais, seja ela a instituição família, ou a do saber, a religiosa, a económica e outras, numa luta cujo fim ainda não se descortina, mas que nos coloca a todos de sobreaviso.

O jovem trabalhador do Hospital Psiquiátrico nada sabe sobre o que se está a passar institucionalmente, mas rapidamente se apercebe que «representa um papel», que a sua verdadeira personalidade não se pode exprimir, mas que só o pode fazer segundo determinadas regras de comunicação estabelecidas pela Instituição. Que tem nessa Instituição, tal como na Família e na Escola, um lugar, e que esse lugar já existia e possuía uma imagem, um papel e uma função, cuja alteração irá provocar reacções em cadeia por toda a Instituição. Por exemplo, esse jovem foi colocado no Economato da Instituição e tem por função todas as manhãs acordar os doentes, vigiar os seus cuidados de higiene, acompanhá-los até ao refeitório, etc. Se este jovem alterar o ritmo até então instituído, ou se esta tarefa lhe provocar repulsa, ele terá poucos meios de manobra para introduzir qualquer tipo de mudança. Para esse efeito terá que pedir autorizações, uma atrás de outras, apresentar justificações, apelar, sofrer o confronto dos colegas e acabar, na maioria das situações, por desistir dessa mudança, passando a sonhar mudar de secção, de serviço, de turno, de chefe, de local de trabalho, de categoria profissional, continuando os seus estudos, ou filiando-se nas organizações sindicais. Este desconforto seguirá então o caminho humano mais primitivo que é o de «projectá-lo» nos outros, os mais indefesos, que neste caso são os doentes. Ou ainda, congregar à volta dessa situação os que sofrem igualmente do mesmo desconforto, da mesma frustração, criando-se dentro da matriz institucional «grupos de pressão», que interceptam as decisões, espalham boatos, adiam acções, em suma, dão vida ao negativo da instituição que o instituído sempre pretende reprimir.

A matriz institucional forma-se assim dentro de um emaranhado de grupos. Uns que já pertencem à evolução da própria Instituição na defesa dos seus interesses individuais e colectivos e que formam o já designado Organigrama Institucional, com todo o mapa de pessoal existente e, mais ou menos, necessário para a prossecução dos seus fins. Estes grupos formam a pirâmide institucional de base alargada e muito estreita no topo. Mas a par destes grupos, outros nascem e morrem de acordo com o momento histórico vivido pela instituição. Mas a «matriz institucional» é mais do que este conjunto de grupos organizados segundo uma determinada hierarquia, em consonância com o todo social. Ela diz respeito ainda, e citamos: «A Matriz é a teia hipotética de comunicação e relação num dado grupo. É o terreno partilhado em conjunto que, em última instância, determina o sentido e a significação de todos os acontecimentos, e no qual se integram todas as comunicações e interpretações, verbais e não verbais» (Foulkes 1967). Na instituição, este «Fundo» passa a ser a própria Instituição no seu todo, com o seu presente e o seu passado, e com a sua interligação e transversalidade com o todo social ao qual pertence.

Assim, a matriz institucional apresenta-se de uma forma visível e não visível à própria instituição. Se todos os grupos e todos os indivíduos partilham um terreno comum, que lhes dá sentido e significado e que lhes é veículado pelo padrão institucional, um fenómeno ocorre na matriz institucional, por exemplo, a agressão física ou verbal entre dois elementos da instituição, tem uma leitura que não pode ficar pela mera análise do conflito interpessoal, como é costume fazer-se; esta agressão tem um significado naquela matriz institucional e na sua interacção com o padrão institucional; ela pode resultar da necessidade de descarga emocional, de dois subgrupos, que entraram em competição por acção de uma medida tomada pelo Director que beneficiou altamente um grupo em detrimento do outro, ou porque esses elementos pertencem a grupos partidários diferentes, informais, existentes na instituição, mas sendo um deles da mesma cor política do Director; ou ainda porque no grupo cada um dos elementos faz o papel de «boucémissaire», ou seja, de porta-voz das motivações inconscientes de uns em relação aos outros. Ao agredirem-se, eles poderão estar a dizer, a mandado dos respectivos grupos, que se acautelem e que tenham cuidado porque os outros estão atentos, tal como se fazia com os antigos duelos. Este é o trabalho da Análise Institucional.

Mais ainda, o inconsciente institucional poderá estar a impulsioná-la para determinados movimentos e direcções servindo-se dos indivíduos, dos grupos, das Direcções. É consequentemente um jogo de interacções, obedecendo a uma sincronicidade que só um estudo muito atento poderá decifrar. O acto, o comportamento, a decisão dissonante falarão mais deste «escondido» institucional que toda a rotina instituída.

Neste jogo entre passado e presente, entre Padrão e Matriz Institucional, entre personalidades díspares, umas autoritárias outras submissas e dependentes, entre uma mudança social ampla e uma luta pela rotina e pela estabilidade mantida ao longo de décadas por uma geração, a instituição e os indivíduos procuram a sua sobrevivência. Ainda não podemos dizer que tanto uns como outros vivam bem e em plenitude, uma vez que o equilíbrio estabelecido é ainda muito instável. A luta pelo poder, ou seja o colocar-se à frente da instituição, que é de todos, mas que ainda o não é consciente para esses mesmos todos, tem sido, e ainda é o maior desejo da grande parte dos seres humanos. Colocados, no topo da instituição, fazem uma espécie de pacto com ela e ficam insuflados, inconscientes dos seus limites humanos, relegando mesmo a sua condição de irmandade e de fraternidade com todos os restantes seres humanos. E nada tem feito ainda parar este movimento: os homens mais bem intencionados e dotados, uma vez chegados ao Poder, e se nele ficam durante muito tempo, acabam por esquecer os seus ideais e os valores morais por que tanto lutaram na sua juventude. Costuma-se designar este fenómeno por «tentação do poder», que se torna fatal para os que por ela são possuídos. Com o decorrer do tempo a Instituição parece acordar e deita fora aqueles que a ela se encostaram, fazendo-o, por vezes, de uma forma violenta, num movimento historicamente repetido.

Acreditar que o poder institucional é o que domina a vida da instituição, foi uma ideia espalhada, por exemplo pelos regimes políticos fascistas, mas que a evolução histórica desmente. Mas abordaremos essa dimensão quando estudarmos o «Padrão Institucional».

A Alma das Instituições, tal como a Alma Humana, escapa ao controle dos homens porque é de uma outra dimensão que o ser humano desconhece. E então o jovem trabalhador passa a encarnar um outro personagem, a procurar novos meios de se defender e a entrar no jogo, na vida institucional, fazendo alianças, desempenhando papéis que a sua moral individual condena, mas que o «grupo de pertença», ou de «referência» valida e apoia. E assim o chefe de família exemplar pode revelar-se, no contexto institucional, um tirano, um sovina, um tarado ou o contrário, este mesmo tirano na instituição poderá ser o pacificador e sustentador da Família. As instituições dão assim aos homens a possibilidade de viverem os seus vários «eus».

No quotidiano, a instituição necessita de estabilidade tal como o indivíduo. Esta luta entre a vida e a morte, travada individualmente, é também vivida pela e nas instituições. Daí que os conflitos institucionais sejam simultaneamente o que vivifica, mas também o que pode destruir as instituições. A luta entre o indivíduo enquanto ser único e aquilo que recebeu e que pertence ao colectivo não conseguiu ainda uma convivência e um respeito recíproco, lutando cada um pela supremacia sobre o outro. E a grande maioria dos seres humanos ainda só assiste a esta luta travada por um pequeno número de homens com as instituições, transmitidas pelos seus antepassados, seja para lhes dar continuidade e daí continuar a usufruir os seus privilégios, seja para as tornar extensivas aos restantes seres humanos. O socialismo, a ideia e a crença de que todos os seres humanos têm direito aos benefícios das instituições, e não apenas alguns que reivindicam esses privilégios seja pela força, seja pelo passado da instituição familiar, constituiu e constitui a maior esperança dos seres humanos sensíveis ao sofrimento dos outros, a quem chamam de «irmão» e não de escravo, de subalterno ou inferior, por nascimento ou por aptidões.

Mas o desenvolvimento institucional ao entrar nesta nova fase chamada de Globalizante, Mundial, veio desencantar novos medos e colocar novas questões.

Esta consciência da «transversalidade institucional» que permite, neste momento que o que se passa em Tóquio afecte a mais simples instituição do interior do Alentejo, por exemplo, está apenas preconsciente nos «actores institucionais», e tornou-se mais visível desde a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, através dos dinheiros. Tempos virão em que esta consciência se estenderá a todo o tipo de acção e de comportamento na Instituição.

Assim, os vários grupos institucionais existentes, por exemplo, no Hospital Psiquiátrico, formados ou não legalmente, isto é, validados ou não, pelo sistema jurídico também vigente, reflectem não só as contradições ideológicas do país em relação à Saúde Mental, como já referimos, mas também as lutas de poder entre as várias instituições pelo lugar do topo, de comando. Se num passado, ainda recente, esse lugar foi ocupado pela instituição Igreja, passando depois pelas Monarquias, que acumulavam os dois poderes, como o caso da Monarquia Inglesa, neste momento e com toda a força, a instituição Economia, ou Económica, ocupa esse lugar.

E em qualquer instituição que nos situemos neste momento, seja a Saúde, o Ensino, a Assistência Social, a Indústria, o Comércio e todo o tipo de serviços que o colectivo criou, o grande critério de avaliação do seu funcionamento, da sua criação ou do seu encerramento, é a sua rentabilidade, ou seja, produzir dinheiro, ou gastá-lo o menos possível.

Esta nova, ou mais esclarecida ideologia, pois sempre o grande feito dos que criavam qualquer tipo de instituição era a obtenção do maior número possível de privilégios para si mesmo e para os seus, tomou cidadania e mobilizou todo o tipo de classes sociais, juntando-as e criando-se assim, mais uma vez a ilusão de uma vida social mais democrática, ou seja, com maior igualdade e possibilidades de decisão para todos os seres humanos.

Caiu a máscara de uma falsa moral que reinava no mundo, mas o «Novo Mundo» como assim o intitulavam nos Estados Unidos da América, os primeiros cultores e representantes desta ideologia social, não surgiu.

Mas as instituições parecem mais preparadas que os seres humanos para esta mudança. É em nome da continuação, da sobrevivência da instituição, que as grandes reformas se estão a fazer essencialmente, deitando fora delas um elevado número de seres humanos, em nome do dinheiro, da sua rentabilidade futura, da qual os homens beneficiarão num futuro, que não se sabe qual, nem quando, mas que talvez a memória institucional possa conhecer. Partilhamos a ideia da lenta e gradual evolução humana e social.

Esta evolução, tal como a humana, não parece ser linear, mas cíclica, e é proporcional ao grau de consciência, que se traduz no «livre arbítrio», tanto individual como colectivo. As instituições parecem precisar tanto dos homens, como estes delas. A «fatalidade» individual e colectiva começa a ser mexida e o homem a acordar de um longo sono em que dormiu embalado, para o seu bem e para o seu mal ao colo das velhas instituições.

No seio das instituições, a matriz institucional, apresenta-se assim como o conjunto dinâmico de grupos, em interacção permanente entre si e com o padrão institucional, guiados por uma acção, um objectivo e uma ideologia comum, que se enraíza na sua história institucional e no momento histórico que esse colectivo vive.

O jovem trabalhador do Hospital Psiquiátrico terá então uma existência e uma referência grupal, ele pertencerá ao Serviço de Economato, perdendo assim a sua identificação anterior. Ele passará a ser o trabalhador x, com a letra y, dentro do quadro geral dos funcionários do Estado, ou segundo o Acordo Colectivo de Trabalho para aquele sector profissional. Consequentemente, ele regredirá no caminho do seu conhecimento próprio, ou pelo menos este caminho passa momentaneamente, ou não, pelo caminho daquela instituição.

Então ele, trabalhador, sonhava com o momento da Reforma, ou seja a altura da vida em que a Instituição se dava por satisfeita com os seus serviços, lhe dava o mínimo para a sua sobrevivência e o deixava continuar o seu próprio caminho de satisfação dos sonhos e das suas verdadeiras aptidões.

Neste momento tudo isto está a ser posto em causa. O trabalhador já não acredita que a Instituição e o Colectivo o reconheçam e o gratifiquem pela sua dádiva de criatividade, de vida própria e de satisfação das suas reais aptidões, e que estas, passado o tempo próprio perdem a sua força e vitalidade acabando por morrer, sendo a segunda metade da vida já tarde para as fazer renascer. Ele reivindica o dinheiro que julga merecer ou que necessita para a sua sobrevivência. Na luta nos e entre os grupos institucionais as questões essenciais andam assim, à volta do poder e do dinheiro. Os ideais de ajuda gratuita, de investigação e de criatividade para uma melhoria da vida colectiva, parecem ter caído por terra. O ser humano está a separar-se das instituições, do colectivo, e este do ser humano. A frase de Cristo «dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus», embora fosse dita num contexto próprio, parece ter hoje uma completa aplicabilidade. A sobrevivência espiritual do Homem não pode ser encontrada nas velhas instituições, criadas e preparadas apenas para a sobrevivência do corpo e dos seus mais primitivos impulsos de poder.

Os conflitos institucionais revelam, ou colocam o ser humano de hoje, na sua face mais violenta e primitiva, sem grandes escrúpulos em destruir os seus amigos ou mesmo familiares, de usar e de abusar dos seus privilégios, de não se olhar aos meios para atingir os fins, de que as máfias são os exemplos mais completos. Se estas sempre existiram, elas coabitavam com um mundo onde a Moral tentava reagir e impôr limites. Tal não acontece já nos dias de hoje.

Assim, a maioria dos seres humanos está a claudicar neste jogo de conflitos institucionais e a adoecer, como resposta da sua incapacidade de luta aos novos desafios que estão a ser colocados. Os líderes institucionais, por sua vez, entraram neste novo jogo, mostrando-se, também eles, incapazes de apresentar novas alternativas.

É no entanto neste jogo entre padrão e Matriz Institucional que todos estes conflitos são vividos, e é através das pessoas concretas, dos «actores institucionais», que todos estes fenómenos são vivenciados e, na sua maioria não consciencializados. O aumento de consciência dos homens sobre o seu papel institucional urge ser feito, em nome da sua sobrevivência e da sobrevivência das instituições, o valioso património da Humanidade.

A afirmação e a luta do socianalista francês, René Lourau, de que todo o ser humano beneficiaria de uma Socianálise, faz-nos todo o sentido. Sem este trabalho de consciencialização do nosso papel de «actores institucionais», continuamos inconscientes desse papel, sofrendo por essa ignorância, e não permitindo que a própria instituição evolua. Esta precisa da linguagem, dos códigos e dos meios de comunicação que só os humanos lhe podem dar para com eles comunicar. Só assim, elas, as instituições se humanizam. O grande poder que os meios de comunicação social, ou de massas, adquiriram no nosso tempo, dão-nos sinal dessa necessidade. A tecnologia veio facilitar esse caminho, mas esta é apenas um meio. Ela amplia e cria novos arquivos de registo da comunicação. Introduziu uma maior precisão, mas deixou cair todo um mundo de subjectividade, de subtis diferenças, que vai exigir uma nova intervenção dos homens. O salto dado não foi ainda qualitativo mas apenas quantitativo.

No dia a dia institucional estas dimensões passam ao lado da maior parte dos trabalhadores que as vão integrando como fazendo parte do seu papel e do seu trabalho. Cada um constrói a sua cosmovisão, que se alicerçou na sua infância e adolescência e que na instituição de trabalho vai procurar ter a sua comprovação, colocando-o ao lado dos que possuem a mesma cosmovisão. Assim a ideia do que é uma instituição, por exemplo, faz parte do pré-conhecimento de todos. A nossa educação transmitia a ideia e o valor de que as instituições como a família, a escola, o Estado, a nação, por exemplo, possuíam um valor superior ao dos indivíduos, que por isso lhe devíamos o respeito, e que éramos, perante elas, impotentes. Fomos ainda educados com um conjunto de símbolos que representavam essas Instituições e que na ausência dos seus líderes humanos, as evocam: são dessa natureza as bandeiras, os hinos, os edifícios, etc. Esta construção colectiva à volta das suas instituições, criou um clima de protecção e de segurança aos seres humanos que delas beneficiam. Tocar nessas imagens interiorizadas e pré-conscientes, provoca insegurança, produz medo e reacende os mecanismos de defesa próprios de cada um de nós. Daí que, todos os «actores de uma instituição» possam dela maldizer, mas quando outros exteriores a ela fazem o mesmo, esquecem as suas queixas e transformam-se em seus assanhados defensores. Esta visão é muito clara, por exemplo com os clubes de futebol, e é também muito aproveitada pelos líderes da instituição como iremos ver mais adiante.

Todo o trabalho de consciencialização institucional é assim bloqueado por factores psicológicos profundos que se enraízam na cultura dos grupos e dos povos. Esse trabalho fazia-se em redor da instituição, ou seja, até agora os grupos criticavam-se mutuamente tocando aspectos parcelares da instituição e não a instituição na sua globalidade, criticando a sua organização, ou a sua ideologia ou o tipo de relações humanas instituídas (as três dimensões da Instituição). A alternância de Governos, de líderes faz-se nesta base.

Mas na Nova Aldeia Global, como agora é conhecido o mundo, poderemos continuar a pensar da mesma maneira em relação às instituições?

Poderemos agora no Hospital Psiquiátrico acreditar que não existe outra forma de dar resposta àqueles seres em sofrimento, e que nada mais poderei fazer do que repetir todos os dias os mesmos rituais que me dão tanta segurança e tanto fastio? Estão abertas novas possibilidades de conhecer outros caminhos, até sem se sair de casa, recorrendo à Internet. Se novos caminhos existem, o que falta então? Dinheiro! Responderão os que o possuem. Sem este e sem aqueles que o possuem e controlam, nada se poderá fazer. Esta é a «nova ideologia» alicerçada na «velha ideologia» do poder. A esta proposta os mais novos dizem «nada» e revelam desprezo por tudo o que lhes está a ser apresentado e, sem capacidade ainda para outras alternativas, parecem refugiar-se noutro mundo, o mundo que a droga, por exemplo, lhes proporciona. Os mais velhos, em massa, ondulam conforme os ventos de mudança que os detentores do dinheiro provocam: mudam do campo para a cidade; dos países pobres para os mais ricos; vendem-se aos donos do dinheiro; refugiam-se em grupos religiosos, políticos ou outros, fechados, que lhes alimentam a velha crença da segurança institucional.

Mas estamos todos, então, à procura de uma nova Ordem Social, Institucional, que parece já não mais vir por e através das instituições, como acontecia no passado, mas pela participação consciente e actuante de cada um de nós.

Ou seja, as INSTITUIÇÕES ESTÃO DOENTES! A sua parte instituída, construída ao longo dos séculos e legada pelos nossos antepassados esgotou-se. Sem o contraponto do «instituinte», ou seja, da acção modificadora do Homem, a dinâmica institucional paralisa-se, desvitaliza-se e corre-se o risco de morrer.

O que fazemos cada um de nós, no hospital, na autarquia, na escola, no consultório, no comércio, etc.? Lutamos por sobreviver, dirão! A maior parte de nós não tem forças para mais nada! Será verdade? Onde foram, por exemplo, os portugueses arranjar as forças necessárias para se lançar ao mar naquelas frágeis caravelas? Na fome dirão alguns, na fé e na crença, e apoiados na força das ideias dos seus chefes, dirão os nossos melhores historiadores.

No entanto, assistimos já, em todo o mundo, ao movimento das «matrizes institucionais» a acordar e a actuar independentemente dos seus líderes. Por toda a parte, grupos de estudantes exigem um melhor ensino e grupos de trabalhadores reivindicam a sua sobrevivência. Embora «agentes de pressão» possam estar a apoiar estes movimentos, o facto é que nunca como hoje eles atingiram uma tão grande extensão mundial e uma tão consistente força. Nas escolas os alunos contestam tudo e todos e os professores encontram-se enfraquecidos para lhes dar resposta.

 

2.3. Do Padrão Institucional

 

Ser o legal representante de uma instituição, seja um país, um governo, uma autarquia, um ministério, uma escola, um hospital, um clube de futebol ou uma empresa, constituiu sempre, ao longo da História Humana, a maior dignificação do homem perante os outros homens. Para isso fazem-se os maiores sacrifícios, gastam-se as energias, recorre-se a todos os meios se tal for necessário.

Representar as instituições, tem sido até ao século vinte, uma função só masculina, embora com algumas excepções bem anotadas pela História, de mulheres que pontualmente estiveram à frente de instituições, como a do Estado.

Neste lugar e neste papel é mais visível, ainda, o carácter transcendente das Instituições em relação aos homens. E é também mais visível a tentação que estas têm sido para os mesmos homens, exactamente pela doação temporária que estas oferecem aos seres de se transcenderem para além do tempo e do espaço, o que a simples qualidade de ser humano não proporciona.

A relação dialéctica entre o instituído – aquilo que está inscrito nas memórias, nos registos, nos códigos e na história daquela instituição – e o instituinte – a acção humana, actual, viva que relê essas mesmas memórias, códigos, e as actualiza ou repete, é bem clara quando analisada do lado da liderança institucional.

Daí a grande esperança que os restantes seres humanos colocam sempre que há mudança dos seus líderes institucionais, ainda que seja da instituição mais simples, como é o caso do grupo de lazer.

A autogestão ou a gestão democrática são sonhos que o ser humano acalenta. São já um somatório de experiências de grupos, países, ainda que limitadas no tempo e no espaço, mas que já fazem parte do inconsciente colectivo.

A avaliação que o colectivo faz dos seus líderes apoia-se nesta capacidade que o líder revela ou não, de se separar da instituição, pondo-a ao serviço de todos, a quem a instituição pertence e não apenas de alguns, como tem sido a maior tentação dos líderes. Faz-se crer, nos dias de hoje, que os líderes são depostos dos seus lugares por outros ainda mais ambiciosos, e que nesta alternância só está em jogo a luta pelo poder. Esta análise conduz ao desinvestimento da maioria das populações nas suas Instituições deixando, realmente, no campo de acção apenas os que nela estão interessados, às vezes não pelas melhores razões.

Mas também esta aparente apatia das massas pode estar a revelar uma mudança no inconsciente colectivo, mudança essa inconsciente para a grande maioria das populações, mas já actuante através da «não acção» e da «não colaboração» com os poderes instituídos, como tem acontecido ao longo da História, em que os povos chacinavam os seus irmãos, pela acção e instigação dos seus líderes, sem que estes aparecessem e mostrassem os seu verdadeiro rosto. Os seus instintos básicos eram accionados, sem saberem em nome de quê e para quê, como numa espécie de instinto de sobrevivência. Na hora da morte violenta, é provável que cada um exprima sentimentos de recusa dessa morte violenta e prematura e simultaneamente um desejo de vingança que é projectado para o exterior, para o inconsciente colectivo, esperando assim, desta forma, que num futuro qualquer esta morte injusta seja reparada ou vingada.

Depois da invenção da Imprensa, o registo destas mortes e destas injustiças, passaram a ficar arquivadas. Elas já não estão apagadas no inconsciente colectivo, mas existe a possibilidade de as reviver através dos documentos escritos e agora filmados. Existe então a possibilidade de os vivos virem a reparar as violências praticadas pelos seus antepassados, reconhecendo-se deste modo, ainda que não conscientemente assumida, a cadeia institucional a que pertencemos e que está para além do indivíduo.

Vão nesse caminho o pedido de perdão pelos crimes cometidos no passado, pelos líderes de algumas instituições, como a religiosa.

E os desalojados, humilhados, abandonados, violentados, continuam a gritar, por todo o mundo, que os seus irmãos os reparem, os reabilitam. E são biliões e são séculos de História, de memórias de vidas ceifadas e que esperam a sua salvação. E numa espécie de «compulsão à repetição» outros grupos vingam-se pelos seus antepassados sem disso terem consciência. E a força da sua revolta aumenta. A História Europeia, a que melhor conhecemos, é bem a prova do que afirmamos. Este «princípio de morte» que parece reger também, o inconsciente colectivo, foi equilibrado, na Europa, pelo aparecimento de Jesus Cristo que veio trazer dados completamente novos para a compreensão do mundo e do homem, introduzindo o «princípio de vida» que nos equilibra, ou nos salva da morte vingativa e repetitiva do passado. Mas esses ensinamentos, pela «força da inércia» continuam, passados que são dois séculos, ainda a ser difíceis e só aplicados de uma forma exterior pelos que a Eles são sensíveis e tocados. A força das instituições, da preservação da Vida Humana, está inscrita para além desta vida e a memória e o conhecimento individual ainda não o atinge. Só a Fé – a crença profunda em algo que nos transcende – nos poderá ajudar a não deixar que as memórias tenebrosas dos nossos antepassados nos matem.

E se os homens parecem cansados dessas lutas, um novo potencial até agora defendido dessas lutas – as mulheres – parecem estar a ser preparados para entrar nessa luta. Não tem sido em vão que as Mães, ao longo da História Humana têm assistido à morte inglória dos seus filhos, dos seus maridos e dos seus familiares. Não tem sido em vão que as mulheres, nas guerras, têm sido usadas, indiscriminadamente, pelos soldados, na satisfação das suas necessidades sexuais. Um novo mundo parece abrir-se, também, neste campo.

Mas neste momento os maiores líderes de todo o mundo falam «entre si» e decidem sem grandes apoios da população. Mais ainda, os líderes de alguns países arrogam-se o direito de decidirem sobre a acção de todos os restantes, sem respeito pela História, nem pelas Instituições de cada País. E preparam assim a sua morte, sem disso parecem ter consciência.

Mas neste rearranjo institucional a que assistimos no nosso tempo o papel dos líderes vai ser novamente decisivo.

A instituição económica tomou a dianteira a todas as restantes Instituições, tal como o tinha feito a religiosa, na Europa, até à Idade Média. Isto significa que o critério de avaliação de todas as restantes instituições passou a ser ditado, comandado, por esta instituição. Ou seja, o «padrão» de funcionamento das instituições apresenta características novas.

Por «padrão institucional» queremos dizer o seguinte: «Padrão é derivado do termo francês "patron" e este por seu turno é originário do latim "pater" e "pattronus". Neste sentido padrão pode significar imitação, copiar, parecer-se com, esboçar, desenhar, planear um "padrão" para, ou prefigurar. Contudo em latim põe-se a hipótese que o tronco santológico seja originado de "pé", que provavelmente vem do sânscrito onde pôr (a semente) teria a conotação de semear, nutrir e fomentar.»[5].

O Padrão Institucional, é na nossa perspectiva, a capacidade que os novos líderes da Instituição têm, ou não, de «nutrir» de «fomentar» a semente contida naquela Instituição, e que, repetimos, se encontra contida nas suas memórias, nos seus escritos e na sua História de uma forma insconsciente para a maioria. É pedido, assim, ao novo líder que «actualize» esta História da forma mais consciente que lhe for possível, dando-lhe uma nova Vida. Caso contrário o Inconsciente Institucional seguirá o seu próprio caminho, a exemplo do que já sabemos com o Inconsciente Individual.

Nos tempos de hoje, esta actualização das Instituições traduz-se em «Organizá-las», ou seja, dar-lhes um novo corpo. «Organizar vem do latim "organu", que significa "constituir em organismo". Dispôr para funcionar, arranjar, instituir, criar.»[6]

Organizar as Instituições é a «doença» do nosso tempo, e constitui a tarefa prioritária de todos os actuais líderes.

Dar assim um novo corpo às velhas Instituições, parece ser a mensagem que o inconsciente colectivo está a enviar. Deitemos fora tudo o que é velho, a começar pelas pessoas. Salvemos assim as Instituições! Para quê? Em nome de quem?

A nível individual é necessário que em determinado período da vida e para ascender a um grau mais elevado desta, o homem deite fora o seu «homem velho», é necessário que este morra, para que renasça para uma nova vida espiritual. E esta foi uma das mensagens e dos ensinamentos de Cristo.

Poderá estar a acontecer o mesmo com as Instituições? Neste momento histórico só vemos destruição. Mesmo os chamados líderes de «boa vontade», preocupados com os outros e com o fazer bem, são ultrapassados nas suas intenções e conduzidos por «mecanismos de defesa institucionais» que matam e não olham a meios para se manter no poder.

Em todo o mundo, desde Portugal à Coreia, as Instituições que detêm os grandes meios de subsistência humana, desde os recursos naturais, aos meios de transformação desses recursos, cerraram fileiras, uniram-se por partes do globo, e defendem ferozmente esse património institucional, que é de todos, mas que a luta pelo poder ao longo da história lhes criou a ilusão de serem os verdadeiros e únicos donos.

Ao mesmo tempo, uma nova consciência dos direitos humanos universais toma força e leva, por exemplo, a que os empregados de uma fábrica Coreana, ao saberem que irão ser despedidos, ocupem as instalações, e sejam filmados para todo o mundo a ser espancados e maltratados pelos soldados ao serviço dos donos (multinacionais) dessa fábrica.

Neste momento, em todas as Instituições, desde a Fábrica ao Serviço de Saúde, à Escola, à Família, o Padrão dominante, ou seja, o que vivifica, actualiza, dinamiza, dá vida às Instituições, é esta «luta pelo poder», ou seja, esta luta pela sua posse. Tudo parece estar em causa. Afirma-se que se está a atravessar uma «crise de valores». Esta consciência universal que adquirimos neste século não é património de alguns, mas os meios de comunicação têm feito o trabalho de a transmitir a todos, ainda que, por vezes, de uma forma unilateral, defendendo determinadas ideias, países, ou ideologias. Mas a imagem que acompanha essas ideias fala por si mesmo e tem mais força para o inconsciente do que as ideias, que já são um produto da racionalidade dos homens. E estas imagens vão-se espalhando. E são imagens de violência, de terror, de maldade humana, na sua maioria. E se levam a que num primeiro momento, inconscientemente, todos se defendam, elas vão, tal como no passado, construindo estratégias de defesa colectiva, também elas inconscientes, mas que de repente eclodem através de guerras ou guerrilhas, até que uma nova ordem social se estabeleça. E a aceleração da informação introduziu também uma aceleração nas reacções colectivas cujos contornos ainda não conseguimos totalmente delinear, mas que dentro em breve serão visíveis para todos nós.

Mas, no estudo da Dinâmica Institucional, voltemos a um pequeno cenário, de dimensões niveladas à pequena escala individual, e tentemos analisar, o que se poderá estar a passar num Hospital Psiquiátrico, a Instituição por nós escolhida como exemplo.

Neste momento histórico português, este Hospital que já teve autonomia administrativa, financeira, de Poder, voltou a ficar sob a alçada do Hospital Geral, perdendo assim a sua especificidade, a sua identidade própria, em suma, o seu poder de decisão e de se apresentar com características próprias.

A razão apresentada para esta alteração não se prendeu com questões ideológicas, ou de princípios, mas em nome da «rentabilidade Institucional», ou seja, da sua organização face ao melhor aproveitamento dos dinheiros.

Os novos ou os antigos líderes destes Hospitais viram-se assim confrontados, num curto espaço de tempo, com um controle apertado das suas contas, e com uma justificação, também apertada, de todos os seus gastos. A sua liberdade de escolha de Padrão Institucional até agora distribuído por três áreas humanas, e que levava a uma distinção entre as várias Instituições, ou Serviços, como sejam: o das Relações Humanas, ou como afirmava Freud, uma prioridade à Libido, à energia transferida ou descarregada por todos na Instituição e que alguns líderes privilegiavam como meio de acção e de intervenção Institucional; ou o das Ideologia, o conjunto de ideias organizadas em torno da resolução dos problemas sociais, como é o caso dos Partidos Políticos, ou de Grupos de Pressão Social; e, finalmente o da Organização dessa mesma Instituição, sem o que ela corre o risco de se desmembrar e mesmo de morrer.

Neste momento, os líderes em geral e o do Hospital Psiquiátrico em particular, perderam, como dizíamos, a capacidade de escolha, que faziam de acordo com a sua personalidade e com a pressão do inconsciente institucional sobre o nível, e repetimos, «libidinal», «ideológico» ou «organizativo» que iriam privilegiar na sua acção.

São assim pressionados e confrontados com o darem constantemente resposta ao último dos níveis, o Organizativo. E se disso não forem capazes, como acontece com a maioria, criaram-se novos especialistas na matéria organizativa, que não possuindo qualquer ideia, ou ideologia, acerca do melhor tratamento dos doentes mentais, se encarregam desses assuntos. São então os novos Admnistradores, as figuras centrais da Instituição que possuem toda a capacidade de decisão sobre a Instituição, uma vez que sem dinheiro nada se pode fazer. E o passado e a História Institucional está agora, mais uma vez, adiada ou reduzida a uma das suas dimensões, a mais primitiva no sentido de primeira, ao acto e ao facto de os homens terem juntado e estabelecido as primeiras regras de funcionamento. Parecem ser estas regras, esta moral que está novamente em questão.

O facto de as Instituições se terem estabelecido com base na desigualdade dos seres Humanos, seja dos homens entre si, seja entre homens e mulheres, seja agora com as crianças com os seus crescentes dinheiros, criou sempre uma base social instável, e só sustentável através da força. A maioria dos seres humanos vive alienada dos seus direitos e abaixo das condições humanas já existentes para uma grande maioria. Mas o grito, entre outros, da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, foi mandado para o Ar, para o Inconsciente Colectivo, há já dois séculos, e está lá a actuar, a surgir constantemente como o vimos na Revolução Portuguesa do 25 de Abril de 1974, e outras por todo o Mundo.

Do estudo do inconsciente individual e principalmente da prática clínica, sabe-se hoje que quando se começa a tocar nesse inconsciente, existe por parte deste um movimento forte de defesa, reforçando-se e procurando evitar incursões seja de quem for. Este movimento de defesa inconsciente actua, por um lado em benefício do indivíduo, pois preserva a sua identidade, mas também é a fonte do seu sofrimento quando os mecanismos de defesa por ele encontrados exigem muito esforço ao eu do indivíduo, retirando-lhe capacidades para uma interacção humana mais aberta e completa. Esta pobreza de investimento afectivo, por exemplo, do indivíduo é o sinal de lutas inconscientes que o esgotam, o adoecem. A relação dialéctica entre inconsciente e consciente a nível do indivíduo, é já um dado adquirido para a Psicologia Dinâmica e altamente comprovado por longos anos de experiência clínica.

E a nível colectivo? O psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung fez um esforço sério para comprovar a existência do Inconsciente Colectivo. Neste momento, a Psicologia Arquetípica, entre outros ramos do saber, está a continuar esse trabalho trazendo dados novos. O que sabemos nós sobre esses novos conhecimentos?

Sem este esforço de estudo e de reconhecimento dos fenómenos institucionais e colectivos, corremos todos o risco de voltarmos ao passado institucional, pois que o inconsciente institucional, a exemplo do inconsciente individual, armazena as suas aquisições e volta a elas sempre que está em conflito. Os desafios que lhe estão a ser colocados são novos, como por exemplo, uma redistribuição dos bens existentes por todos os seres humanos, uma participação e uma partilha dos poderes de decisão, até agora nas mãos de alguns, (um por Instituição), etc.. Para estes novos desafios o inconsciente institucional responde com as velhas respostas, parecendo estar a dizer: — voltemos à dimensão das primitivas instituições, deitemos fora os que vieram depois, estamos em perigo de morte, porque o nosso inconsciente não possui recursos, nem memórias para resolver estes novos problemas, provocados pela «mundialização» das Instituições.

Impõe-se, pois, a ajuda consciente do Homem às suas Instituições, e para isso necessita, como fez consigo mesmo, de estudá-las, pois estas estão DOENTES, ou seja, sem recursos para responder aos novos desafios.

Entretanto, assistimos a vários movimentos de alerta social. e voltemos ao Hospital Psiquiátrico...

Os Directores destes Hospitais estão neste momento canalizados para uma luta de sobrevivência pessoal e já não Institucional. Esta é inconscientemente, a mensagem que é mandada para a Matriz Institucional, que também de uma forma inconsciente, a capta. Então o clima afectivo, libidinal, que se vive, nesta e noutras Instituições, é de medo, de perigo inconsciente, e traduzido na subserviência, no cumprimento indiscriminado, pela maioria, dos pedidos que lhe são feitos pelos vários tipos de chefes. Este medo pode ser descarregado, mais uma vez, através da projecção e da pressão sobre os outros seres humanos que se apresentam como mais fracos, ou mais susceptíveis de serem usados como «bodes expiatórios».

O Director do Hospital tem, permanentemente, um algoz, uma ameaça, um controlador, vigiando os seus actos e as suas decisões. E este juiz já não avalia a justiça, ou injustiça dos seus comportamentos e das suas decisões, como acontecia, num passado ainda recente, nas Instituições. Também já não está em causa a sua capacidade de inovação da Instituição, recriando, desenvolvendo a semente que esta lhe transmitiu, e lhe entregou. As ideias acerca de um novo modelo de ajuda aos doentes mentais já pouco importam. O que importa é que a Instituição funcione e aos mais baixos custos. Sem isto, e sem esta atitude de cuidado do «suporte material da Instituição» ela corre o risco de morrer.

As necessidades humanas de reconhecimento das capacidades, do esforço, dos conhecimentos de cada um dos «actores institucionais», não entra assim nesta «nova lógica institucional». As possibilidades de «reparação» das feridas narcísicas de cada um de nós e a que a Instituição dava uma nova oportunidade de serem curadas, pelo encontro com um bom chefe, ou um bom companheiro de trabalho, ou um bom trabalho desenvolvido para e com o colectivo, ou ainda um bom clima Institucional, que repunha uma nova imagem de família tirando o indivíduo da solidão e do isolamento a que a sua vida familiar o tinha votado, todas estas valências positivas das Instituições têm vindo a ser substituídas pelo seu lado negativo.

Pelo contrário, a sombra de cada um está também ela, sendo projectada, e desde os conflitos de posse dos territórios, como dos seus bens, como de vingança das humilhações pessoais, grupais e territoriais estão à solta e criam um permanente clima de tensão e de conflito de que a indústria do armamento se aproveita.

Nenhuma Instituição se apresenta nos dias de hoje como contentora destes conflitos sociais. A própria Igreja Católica ou mesmo Protestante parece estar mais preocupada com o seu rearranjo económico do que com o apaziguamento destes conflitos.

Mas continua a não existir uma tomada de consciência colectiva destes conflitos. Eles são descritos, analisados do ponto de vista das suas implicações – sociais, políticas, económicas, etc. – mas sem existir ainda «um fio condutor», ou uma análise mais completa que permita encontrar sinais ou caminhos de saída.

E o mesmo se passa em cada uma das Instituições. Não existem respostas para o número de desempregados que aquela Instituição precisa de pôr na rua a fim de se tornar mais rentável. E os próprios Sindicatos são ineficazes nas sua propostas e nas suas lutas. E assim o Director do Hospital deixou de ser a figura paternal securizante que protegia os seus funcionários, familiares e amigos. E a «cunha» o grande meio de emprego até há pouco tempo, passou a ser substituída pelo «potencial de informação» que o jovem trabalhador possui de outras Instituições congéneres, o que permite ao empregador aumentar o seu campo de concorrência, seja dos meios de produção ou da organização desta mesma produção.

Assim, a «Matriz Institucional» está entregue à sua própria sorte, transferindo para figuras com cariz e perfil de liderança, de protecção, as suas próprias necessidades de segurança. E os doentes, os alunos, o povo que «se arranjem» como se diz na gíria.

Mas esta ligação profunda entre os líderes da Instituição e os seus trabalhadores parece também ela estar ameaçada. A Instituição parece estar a dizer que também já não necessita deles. Os novos meios de comunicação e as novas tecnologias informáticas têm vindo progressivamente a substituir o homem, mesmo na chamada indústria pesada. As reuniões institucionais passam-se agora «ao mais alto nível», como divulgam os meios de comunicação social, ou seja apenas entre os dirigentes, os líderes institucionais.

E as pessoas, os trabalhadores, a grande maioria da população está a adoecer psicologicamente. E, desde o princípio deste século, que a Psicologia veio em socorro do indivíduo, criando nos Estados Unidos da América, por exemplo, mais de 500 técnicas psicoterapêuticas.

Mas estas, centradas no indivíduo, e tentando a todo o custo que este se adapte às novas circunstâncias sociais, não resolveram os problemas existentes e, mais ainda, agravaram o individualismo do povo americano, como o afirma o psicoterapeuta junguiano James Hilman e Michael Ventura, no seu livro: Cem anos de psicoterapia e o mundo está cada vez pior[7].

E se até agora, os líderes da Matriz Institucional: o Chefe do Pessoal na Empresa, o Director Clínico no Hospital, a Presidente do Conselho Directico na Escola, o Chefe dos Serviços Admninistrativos na Repartição Pública, o Treinador no Clube de Futebol e outros líderes da Matriz ocupavam lugar de destaque não só pelas competências que lhe eram atribuídas, como no papel de decisão e de contacto com os trabalhadores, estas figuras tendem a desaparecer e a ser substituídas pelos «conselheiros do Presidente», ou por um conjunto de técnicos que organizam a informação e preparam os «dossiers», para que os chefes, nas reuniões «ao mais alto nível», decidam entre si. A forma como o Governo Americano funciona é disso um exemplo, e o mesmo já se está a verificar com a Comunidade Económica Europeia.

Na Dinâmica Institucional, e a exemplo do que se passa na Dinâmica do Indivíduo, este reforçar dos mecanismos racionais, conscientes e produtivos da Instituição, trouxe uma repressão dos seus mecanismos históricos, impulsivos desde o seu «acto fundador», e afectivos, libidinais, vividos ao longo da sua vida institucional.

O Hospital Psiquiátrico funda-se após um longo período de vida colectiva, de séculos, em que alguns seres que apresentavam comportamentos diferentes da maioria e provocavam reacções aos restantes membros, foram sendo entendidos e compreendidos por alguns, ou por estes encontrada uma solução que os defendesse do incómodo provocado pela sua diferença. Nesta procura de solução colectiva para esta situação que provocava perturbação e sofrimento, deu-se particular atenção ao conjunto das ideias em vigor nesse colectivo sobre a forma como entendiam esses seres, e à reacção afectiva positiva e negativa em relação a eles. E tudo isto está armazenado nas memórias desta Instituição de Saúde. Neste momento, nada disto parece estar presente nos discursos e nas acções dos líderes dos vários níveis institucional. Se um Director Clínico vem defender uma determinada técnica terapêutica ou uma organização mais adequada à cura de determinados doentes, logo a primeira questão que terá a defender será a dos «custos» dessa proposta. E esta linguagem é de tal maneira já aceite e difundida que quase ninguém a questiona.

E se as soluções encontradas são um retrocesso ideológico, parece que não produz qualquer impacto junto dos líderes, desde o líder Institucional, aos do mais alto nível, como no caso dos membros do Governo, ou mesmo multinacionais.

Assim a «Matriz Institucional» vê-se confrontada com um Padrão que se pragmatizou, ou seja, que usa essencialmente uma comunicação digital, defensiva, que se rodeou de uma parafrenália de métodos e de processos de registo e de avaliação, e que em última instância, só está preocupado com uma avaliação quantitativa, estatística e económica dos resultados obtidos. E esta Matriz ou elege temporariamente, entre si, um líder que assume as funções parentais securizantes e necessárias ao funcionamento institucional, iludindo assim a sua «angústia de abandono», ou se identifica com este Padrão pragmático, o que não é compatível com todo o tipo de personalidades, e cria a ilusão de vir a ser promovido e a ocupar lugares de chefia, não olhando a meios para o conseguir, e produzindo todo o tipo de traições para com os seus pares; ou ainda, tal como numa família em que os pais não estão disponíveis para a educação e o afecto dos filhos, estes entram em processos constantes de conflito e de agressão, criando bodes expiatórios, descarregando entre si a enorme «angústia de abandono» que todo o ser humano experimenta quando as suas necessidades afectivas básicas e espirituais não são satisfeitas, vivendo-se nas Instituições autênticas novelas.

Acreditamos que só a separação entre a Instituição e nós mesmos, indivíduos, nos pode permitir superar esta angústia e avançar no conhecimento de nós mesmos e das Instituições, por mais elementares que elas sejam. Criar esta distância, tal como o fazemos em relação a nós mesmos quando nos analisamos, nos estudamos, é a primeira condição no estudo das Instituições que nos rodeiam, no estado actual da nossa civilização. Caso contrário, somos engolidos por elas, tal como tem até agora acontecido, dado o poder da sua força inconsciente acumulada comparativamente com a do insconsciente pessoal.

Mas, para que este conhecimento se processe de uma forma que sirva de paradigma para os outros seres humanos torna-se necessário, no estado actual de desenvolvimento, apresentar uma metodologia que torne acessível a todos este conhecimento e o valide.

Sigmund Freud, apresentou o seu método que designou por Psicanálise, para o aprofundamento e o estudo dinâmico do ser humano. As componentes essenciais deste método residem na descoberta, através do estabelecimento de uma relação forte com uma pessoa desconhecida que se dispõe a esse estudo, o analista, de tudo o que a pessoa transfere para esse écran humano, que se torna o analista. Ao primeiro fenómeno Freud chamou de «Transferência» e ao segundo de «Análise dessa Transferência». É pedido ao primeiro, o analista, que seja o mais neutral possível, e ao segundo que transfira para o primeiro tudo o que se passou significativamente ao longo da sua vida. Para isso criam-se condições quase laboratoriais: os dois não se conhecem de parte alguma; o analista tem um estatuto de poder e de sabedoria que dá ao analisando a crença de se encontrar perante um ser omnipotente, tal como se supõe acontecer nos primeiros tempos de vida, regredindo-o assim facilmente a esse período da vida. Ambos, analista e analisando têm em comum uma tarefa: restituir à vida as partes do indivíduo que se encontram em grande conflito e que não permitem que este viva em paz ou usufruindo o melhor que a vida lhe pode dar. Aqui, a doença é substituída por «melhor qualidade de vida» e a Psicanálise apresenta-se, essencialmente, como um método de autoconhecimento e não como um método de cura de algo que está doente ou que adoeceu no indivíduo. É assim um método que se apresenta ao indivíduo como um meio de evoluir, através de um distanciamento consigo mesmo, ajudado por um outro indivíduo.

Nas Instituições já existem métodos de análise que, desde os anos sessenta, vêm ensaiando a sua metodologia, como é caso da Socianálise de René Lourau e George Lapassade, sociólogos franceses, e dos Institucionalismos, proposto por Gregório Franklin Baremblitt, psiquiatra argentino, radicado no Brasil, e muitos outros.

Importa talvez salientar que o essencial destes métodos reside no facto de se considerar a Instituição como uma "entidade" diferente da soma dos indivíduos e dos grupos que a compõem, tal como temos vindo a tentar demonstrar. Que uma vez pertencendo à Instituição, mergulhamos nela, ficando com uma capacidade limitada de distanciamento e pelo contrário colocamos a Instituição ao nosso serviço. E que sem a ajuda de um interlocutor exterior à Instituição, a exemplo do que acontece com o indivíduo, repetimos inexoravelmente o mesmo tipo de raciocínios, de comportamentos, de análises, de atitudes. Entramos, assim, no inconsciente institucional, muito mais complexo que o inconsciente individual, que nos pode arrastar para caminhos, comportamentos e atitudes contrárias às que defendemos, como assistimos constantemente com os nossos políticos.

Desde os anos setenta, e essencialmente com a Revolução do 25 de Abril de 1974, que se tornou claro para muitos de nós, que nas instituições existem planos diferentes, interactivos, sendo temporariamente a Instituição liderada por um dos planos. Passamos a exemplificar.

 

2.4. Do «Suporte Institucional»

 

Uma instituição existe quando faz parte dela um conjunto de normas, de pautas, e de arranjos dessas pautas segundo a organização geral dessa sociedade. A Instituição família, na sociedade ocidental, é constituída por um conjunto de valores e de normas acerca desse agrupamento humano, mas também de regras próprias: a validação do casamento, da paternidade, dos bens, etc., inscritos no Código da Família, e este por sua vez no Código Civil, como muito bem estuda a Antropologia.

A este plano chamamos de «suporte formal da instituição», o que para os analistas institucionais constitui o «instituído»; as memórias, as vivências, e os seus registos, adquiriram ao longo dos tempos uma forma própria, organizada, codificada, que se apresenta nos dias de hoje sob essa forma, a qual está ainda interdependente da organização total dessa mesma sociedade. Para além desta parte visível, instituída, existe ainda a sua «Sombra», o que está recalcado e reprimido ao longo dos séculos e que tem vindo a ser excluído por e através dessa mesma forma organizada e instituída. No entanto, o primeiro acesso que temos à Instituição é através desta sua parte organizada, codificada e arranjada já segundo uma pauta humana. O «suporte formal» da instituição está para a instituição enquanto «ente», como está o Ego para o indivíduo. É com e a partir deste «suporte formal» que começamos o primeiro diálogo com as instituições. Assim ele a classifica de «Empresa», «Instituição de Solidariedade Social», de Tribunal, etc., e esta classificação implica uma série de direitos e de obrigações por parte dos seus participantes, como também a coloca na hierarquia das Instituições sociais, revelando assim o grau de importância que o colectivo lhe atribui, ou que a História lhe determinou.

Deste «Suporte formal» da Instituição fazem parte: o registo dos seus objectivos e a forma de organização que optou por os alcançar e que se designa por "Estatutos" da Instituição seja ela de que tipo for; mas, este registo só por si não dá vida social à instituição, pois ela precisa de um «espaço» próprio para dar cumprimento aos seus objectivos, espaço esse que nas instituições tem já um nome próprio – a sua sede – nesta «sede» os seres humanos que vão dar vida humana à instituição têm que se «organizar», ou seja, que distribuir entre si os vários tipos de tarefas necessárias para o cumprimento dos objectivos que a instituição se propôs alcançar, assim como a hierarquia de poder de decisão dentro da instituição, ocupando esta organização, nos dias de hoje, a parte central do «Suporte Formal da Instituição». Existe ainda uma outra dimensão, o importante deste «Suporte Formal da Instituição» que diz respeito aos dinheiros, ou como se designa institucionalmente, ao «Orçamento» da instituição, constituindo este, a par da Organização, a maior preocupação dos dias de hoje. Com este Orçamento é pressuposto que se faça uma boa gestão de forma a que exista poupança e justiça social. Finalmente, faz parte deste «Suporte Formal da Instituição» um sistema de controle aos vários níveis: das presenças, dos dinheiros, das funções, dos papéis, do aproveitamento espacial, de forma a verificar se se mantêm de acordo com os objectivos e a História Institucional, sendo os desvios a este padrão passíveis de punição.

O código moral da Organização Social, que se realiza através e pelas suas Instituições, encontra-se bem expresso no "Suporte Formal" dessas mesmas Instituições. Se analisada essa mesma sociedade através dos seus códigos: "Constituição", Governo,Tribunais, Organização Cívica, etc., verificamos que o grau de desenvolvimento atingido pelos colectivos é já elevado. A prática humana, ou seja, a forma como os seres humanos vivem nessa e com essa realidade Institucional, é que desvirtua, altera, modifica, e faz perigar por vezes, essa mesma realidade Institucional. A razão atribuída a estas alterações institucionais tem sido encontrada no fraco desenvolvimento humano individual, nos seus impulsos primários ainda muito próximos dos animais, o que tem levado à procura de um maior desenvolvimento humano de forma a que corresponda a estas expectativas sociais criadas pelas instituições. São estas e em nome destas que os indivíduos têm procurado a sua melhoria, a sua evolução. Em suma, são elas, as instituições, que têm pautado a vida de todos nós. São elas que nos premeiam e nos castigam. Só, e repetimos, o lento e omnipotente acordar do Homem lhe tem dado a noção de que esta, a instituição, é obra sua.

No entanto, sem a presença e a acção do ser humano a Instituição não se realizava, não se cumpria. Tal como sem o coração o homem de hoje não vivia, também sem os homens a Instituição não existia.

É de tal forma já visível o tipo de relação entre as Instituições e os seres humanos que as habitam, que se designam os vários extractos da sua Organização por Corpos Sociais e aos respectivos indivíduos que compõem esses corpos por Membros.

E esta relação entre Instituição e ser humano é também ela, a e exemplo do que se passa com o indivíduo, uma relação dialéctica. O corpo humano, sem a presença vivificante do Espírito, torna-se mecânico, cumprindo os seus rituais e dando satisfação às suas necessidades impostas pelo próprio tipo de funcionamento. Assim o ser humano pode apenas estabelecer uma relação dialéctica com o seu corpo, o seu «suporte formal», preocupando-se com o bom funcionamento dos seus membros, órgãos, dos seus sistemas – respiratório, sanguíneo, etc. – que no entanto lhe é insuficiente para lhe proporcionar uma vida que considere mais plena, pois que a verdadeira relação dialéctica passa pelo diálogo e pela interacção com o Espírito, uma instância não material e não visível ao ser humano, mas que a vivência dessa relação lhe dá a real comprovação da sua existência, tal como a ausência desta relação dialéctica dá à vida um sentimento de incomplitude, de vazio, de insatisfação permanente como de algo que já se viveu e se perdeu, ou a que se aspira através dum padrão existente, algures, em nós.

Nas Instituições algo de semelhante se passa. O «espírito da lei», como se usa dizer, está lá, mas é necessária a leitura e a interpretação dos seres humanos para que ela viva e actue entre esses mesmos seres humanos. Caso contrário ela, lei, fica «letra morta».

As Instituições precisam tanto dos seres humanos, como estes delas. Fica no entanto em aberto, porque ainda desconhecida, toda a dimensão Institucional, para além das memórias, das vivências, e da construção desses mesmos seres humanos que lhe foram dando vida, ao longo da sua existência humana. As Mitologias falam-nos de Deuses que vivem a sua vida através e com os Humanos. A nossa cultura invalidou este conhecimento dos antigos.

Neste momento o confronto entre Instituído (onde predomina o passado) e o Instituinte (que se realiza no presente) parece ter atingido o seu ponto máximo. A Instituição, enquanto ente, ou entidade que está para além dos homens, parece ter-se separado destes e procurado o seu caminho que consiste na aquisição de uma mais valia económica que lhe permita sobreviver por longo tempo sem a acção, ou a dependência dos homens. Para esta sobrevivência Institucional são precisos poucos homens. Os outros são, ou parecem ser, neste período histórico, para ser destruídos. As guerras e as drogas têm-se encarregado de realizar esta missão. A revolta contra as Instituições, sejam elas o Estado, o Poder Político, o Religioso, ou outro há muito estabelecido, propagam-se por todo o mundo. O Padrão Institucional já não as contém nem parece muito vocacionado para esse trabalho, como o fazia em tempos passados. Um líder substitui o outro líder num movimento constante que não traz qualquer melhoria às condições de vida das Matrizes Institucionais, nacionais e mundiais. As Matrizes estão soltas, violentas, exigentes, fundamentalistas, e parece que nada as detém. Neste clima, e a exemplo do que a História nos tem comprovado, estão a ser criadas condições para o aparecimento de «falsos salvadores», que se revelam posteriores ditadores, a exemplo do que estamos a observar com os movimentos religiosos que têm vindo a aparecer, e que se têm vindo a transformar em autênticas máquinas de «fazer dinheiro». O armamento existe por todo o lado de uma forma indiscriminada e sujeito a ser usado de forma a poder destruir uma parte da Terra.

A tensão entre os dois opostos mais visíveis na Organização Social – o Homem e a Instituição – parece estar a atingir o seu ponto de ruptura, como tem acontecido ao longo da História Humana. Esta crise entre os opostos revela o seu dinamismo e é condição necessária para o seu desenvolvimento. Ela não tem sido vista no seu lado positivo, mas essencialmente pelo seu lado negativo pela desorganização e ansiedade que provoca nos seres humanos que escrevem a História e que a encaram, essencialmente por um ângulo materialista, individual e destrutivo das suas aquisições pessoais. Para os que nada têm estes conflitos são fontes de descarga da sua revolta e dos seus sentimentos de injustiça, e por isso não se importam de enfileirar nos lotes de soldados que são aliciados para repôr a justiça social.

Esta tensão máxima entre os opostos poderá ser o anúncio dum novo equilíbrio, pela volta no seu contrário que esta tensão necessariamente provoca, a exemplo da tensão entre inconsciente e consciente a nível individual. Existe o risco desta tensão provocar a morte da vida social, e de voltarmos aos tempos primitivos, onde sobrevivem apenas alguns, como nos relata a Bíblia com a lenda da Arca de Noé.

Será possível que com o grau de consciência que o Homem atingiu tal se possa verificar? Está o Homem a tentar desafiar, mais uma vez, as Instituições e estas a colocá-lo na sua real e diminuta dimensão? É assim que relata a Bíblia dos Católicos: Adão e Eva tentando possuir dons que estão acima dos que Deus lhes tinha atribuído e por esse facto, de desobediência, tiveram que sofrer um castigo que se propagou para toda a sua espécie.

Esta dimensão transcendente das Instituições é ora aberta e clara para os Humanos, ora escondida e inexistente para esses mesmos humanos, ainda que em épocas históricas diferentes.

Ao valorizarmos, no presente, a Organização da Instituição, o seu Corpo, estamos a esquecer e a obstruir a sua Alma e o seu Espírito.

O Suporte Formal da Instituição aparece-nos como prioritário sobre tudo e sobre todos e a impôr-se de tal forma aos seres humanos que não lhes podemos atribuir a total responsabilidade, até porque o livre arbítrio dos actores institucionais é ainda muito limitado por muito que se queira ou tente acreditar no contrário.

A «Sombra das Instituições», ou seja aquilo que elas foram acumulando através da repressão – pela não aceitação, ou não integração no colectivo – acumulada ao longo dos séculos e activa nas suas memórias, exige um novo trabalho de reformulação com a participação dos seres humanos sem os quais a Instituição retomará os caminhos que já conhece e já trilhou ao longo da História, e que se têm traduzido num desenvolvimento, embora lento, destas mesmas Instituições.

Neste momento Histórico, apenas, e mais uma vez, um grupo pequeno de homens conduz as Instituições. Se, no passado, esses homens eram escolhidos através de uma descendência de sangue e de famílias que os preparavam para esses cargos, como com as Monarquias ou com as Tribos, assistimos hoje à passagem do poder para os homens que detêm o maior número de bens materiais, os chamados Capitalistas. A nova Instituição que preside aos destinos das restantes, e como já afirmámos, se no passado histórico ainda recente foi a Igreja para o mundo ocidental, passou a ser no nosso século, a Economia. E se esta precisou do Estado para a sua reorganização, neste momento está a prescindir dele. E todos aqueles que dedicaram a sua vida ao Estado reclamam deste uma retribuição. Outros, mais argutos, empoleiram-se nos poucos lugares que nesta transição ainda são necessários, lutando pela «manutenção» dos seus lugares a qualquer preço. E os muitos outros, a maioria, ficam «nos sem abrigo» ou voltam às suas origens cultivando a terra, como estamos a observar com muitos políticos Russos e que noutros países os seguiram, ou buscam formas novas, alternativas à vida colectiva até agora vivida.

Em suma, este novo século que se avizinha vai trazer uma tal alteração à vida colectiva que se poderá falar da viragem de uma nova página da vida social, tal como as profecias, na nossa cultura, já anunciavam: «A dois mil chegarás, de dois mil não passarás», (dois mil refere-se ao ano dois mil da cultura ocidental).

O novo Padrão Institucional será ditado pelo materialismo económico, estando o «menor custo» e a «máxima rentabilidade», como os valores essenciais a alcançar, tanto Institucional como individualmente. O dispêndio com a tecnologia será prioritário, em detrimento dos gastos com o investimento nos seres humanos.

O novos Suportes Institucionais serão objecto de uma atenção privilegiada, de forma a tornaram ainda mais flexíveis e mutáveis as Instituições.

As Matrizes Institucionais, em reduzido número, terão ainda mais a seu cargo a responsabilidade de refectir e de alterar, pela Acção Instituinte, o percurso que as Instituições estão a percorrer, podendo continuar a conscencializá-las do seu percurso e da sua história.

Às minorias cabe ainda um papel importante na alteração da vida colectiva.

Aos líderes das Instituições, enquanto humanos que lhes dão expressão e vivência temporal, cabe, tal como em todos os tempos, o maior grau de responsabilidade pelo grau de consciência que adquirirem ou não, do seu papel de perpetuarem um sistema institucional onde só cabem alguns, como no início dos tempos, ou de a alargarem a todos os seres, como a nova consciência individual e colectiva o exige. A velha máxima: «De que lado estás: dos trabalhadores ou dos patrões?", considerados estes como os velhos detentores das Instituições, adquire toda a sua amplitude.

Entretanto, todos os valores espirituais que a Humanidade alcançou terão que ser preservados por alguns, outros tantos, que fora desta sistema amplamente organizativo e económico, continuarão a exemplo, também do passado, a passar o testemunho aos vindouros, na esperança de uma vida social, entretanto mundial, mais justa, mais equilibrada, e mais segura do ponto de vista da sobrevivência material, que a Humanidade actual ainda não conseguiu.

Estão ainda em jogo, neste nosso tempo, as condições materiais de vida humana: uma casa para todos; alimentação para todos; saúde para todos; educação para todos.

A Humanidade tem crescido de uma forma assimétrica, essencialmente pela desatenção que os humanos têm dado às suas Instituições e não pelo seu egoísmo como têm tentado provar, culpabilizando assim, o ser que nasce, passados dois, três, ou mais séculos, por tudo aquilo que recebe e para o qual, do ponto de vista consciente, nada contribuiu.

É possível que esta etapa de crescimento colectivo seja necessária para que todos usufruam das condições de vida básicas sem as quais é muito difícil atingir níveis mais elevados, sejam eles considerados do ponto de vista estético, ético e espiritual. Se até agora alguns seres conseguiram atingir esses níveis não possuindo as condições básicas essenciais, isso parece dever-se a uma determinante colectiva, arquetípica, existente no colectivo que o conduz e o encaminha para níveis cada vez mais elevados, para um sentido que a mente actual ainda não atinge. Estes têm sido os «porta-vozes», os Mestres e outros virão até que a Humanidade tenha atingido os níveis que esta espécie encarnou.


 

 

Terceiro Capítulo

 

 

1. As Instituições Estão Doentes

 

Para falar de doença institucional temos que ter um paradigma a partir do qual se estabeleça um padrão tal como acontece com o indivíduo.

De tudo o que já foi exposto poderemos apresentar, em síntese, os elementos essenciais de constituição de uma Instituição, mais ou menos saudável.

Retomemos um exemplo prático e consideremos o Hospital Psiquiátrico, já apresentado ao longo destas páginas.

Após o 25 de Abril de 1974, assistimos à entrada em Portugal de um elevado número de ideias, de informações, de conhecimentos e de contactos que permitiram uma abertura dos vários sistemas Institucionais e uma receptividade ao novo que dinamizou todo o tecido social.

No Hospital Psiquiátrico a relação médico/doente sofreu a influência positiva das ideias freudianas, assim como todo o Hospital se dinamizou com base nas experiências realizadas, essencialmente em França, sendo a Instituição considerada como um todo e como um agente de cura. Passaram-se a fazer reuniões a todos os níveis, sendo este o meio privilegiado de comunicação. Criaram-se clubes para os doentes, e estes passaram a participar activamente na vida do Hospital. A Terapia Ocupacional ocupou um lugar de destaque, e por exemplo no Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, os trabalhos de encadernação feito pelos doentes adquiriu um alto grau de perfeição e de prestígio. As relações institucionais eram agradáveis e a preocupação com o espaço era comum. As rivalidades entre os grupos profissionais foi transferida para o exterior através da preocupação de, em Congressos e outra reuniões científicas, se apresentar uma imagem cuidada do trabalho realizado na e pela Instituição.

Esta dinâmica Institucional, onde a sua "Unidade Positiva" era vivida não era património do Hospital Psiquiátrico, mas de quase todas as Instituições. A «Transversalidade Institucional» foi uma experiência a que todos os Portugueses tiveram acesso num período situado entre o 25 de Abril de 1974 e o princípio da década de 80 ou, mais concretamente, até à entrada em Portugal do Fundo Monetário Internacional em 1985.

Mas a «Sombra da Instituição», ou seja aquilo que ela reprime, nega, projecta e recusa a considerar como seu, mas que vai fazendo parte das suas memórias, espreitava por todo o lado.

Esta «Sombra» no Hospital Psiquiátrico estava contida na situação familiar dos doentes que se recusava a recebê-los uma vez que estes entravam no Hospital. O Negativo desta Instituição, ou seja, ela transformar-se num depósito, num asilo de doentes mentais, era constantemente trazido para as reuniões e sistematicamente adiado e empurrado para as Assistentes Sociais, que impotentes para lhes dar resposta, mas incapazes, até por afirmação e dignidade profissional, não conseguiam encontrar apoio nas equipas.

O mesmo se observava também nas Escolas de Ensino Especial para as crianças deficientes. Os técnicos conseguiam atingir alto grau de recuperação das crianças deficientes, por exemplo, das crianças cegas, mas o trabalho com as Empresas e futuros locais de trabalho era sistematicamente adiado ou, mais um vez, só entregue às Assistentes Sociais. O tempo veio provar que grande parte deste esforço pouco resultou, uma vez que a mentalidade dos empregadores continua a ver a criança deficiente mais como um empecilho, estendendo a sua deficiência a todas as áreas da vida do ser humano, o que os técnicos tinham experimentado e vivenciado como uma visão errada, mas que não conseguiram transmitir ao público em geral.

Esta dualidade entre positivo e negativo, entre bom e mau, entre certo e errado, entre são e doente que está ainda impregnada na vida individual e social, não permite ver as nuances entre estes dois polos e faz-se sentir profundamente nas Instituções. A doença é assim vista como o profundo desequilíbrio para um dos lados que, tal como os pratos duma balança se desequilibram se um dos pratos está demasiado carregado. A força dispendida na procura deste equilíbrio institucional tem sido muito grande e realizada através de sucessivos desequilíbrios tal como estamos hoje a observar.

A queda da Bolsa de Valores a que estamos a assistir em Outubro de 1998 e que parece bater todos os recordes, torna visível para todos o desequilíbrio que as Instituições estão a sofrer pela emersão do seu polo negativo e pela «transversalidade institucional», a que os meios de comunicação nos facilitam agora o acesso. À totalidade institucional em permanente actividade dinâmica, ora positiva, ora negativa, acrescenta-se a Interactividade Institucional Mundial também ela, e por enquanto, positiva ou negativa.

Acreditamos que a tomada de consciência por parte dos seres Humanos destas forças em presença poderão evitar que nestes períodos de crise tantas vidas humanas sejam sacrificadas.

E as Instituições estão doentes não só pela polaridade negativa que estão a viver, mas porque esta obriga a que mecanismos de defesa anteriores voltem a actuar para salvaguarda da sua existência. Ora estes mecanismos de defesa estão desadequados em relação ao desenvolvimento individual e grupal até então atingido, uma vez que este tem sido mais acelerado que o desenvolvimento Institucional.

A Empresa, por exemplo, adquiriu níveis de organização e de consciência de todos, empregadores e trabalhadores que levou à existência de contractos colectivos de trabalho, onde as condições de vida dos trabalhadores naquela Instituição se tornaram mais dignas se comparadas com o início do século e muitíssimo mais se comparadas com os direitos dos servos da gleba na Idade Média. Houve realmente uma evolução na consciência da igualdade e da dignidade do ser Humano.

Esta consciência, tal como já apontava Carl Marx, não está ainda ao mesmo nível em todas as partes da Terra, o que não tardará a acontecer. Este desnível mundial tem sido aproveitado pelas Instituições para fazer o menor esforço possível indo, de país em país, à procura das condições mais primárias de existência e onde o desenvolvimento humano também é menor.

Aí tem sido preponderante o papel dos líderes institucionais ou a força institucional reprimida e obscura é ainda maior empurrando tudo e todos?

Se assim é, então qual é o papel dos líderes?

Estas afirmações poderão ser consideradas impertinentes para os grandes homens do Capital ou para os milhares de técnicos e de políticos aos vários níveis, que estão à frente das Instituições e que nelas lutam, todos os dias.

Nesta luta institucional os líderes são possuídos por uma força que os leva a considerar não só que as acções mais importantes decorrem da sua intervenção e do seu papel, como todos e tudo o que bloqueia a sua acção são inimigos a abater por prejudicar o seu trabalho. Esta capacidade de analisar o obstáculo como uma lição para dela extrair um ensinamento no avanço do caminho, que tão sábia é na evolução individual, não tem ainda o seu paralelo na vida Institucional. Nesta, todos os obstáculos são vistos como ameaças, o que tem levado alguns analistas a considerar o registo institucional como psicótico, ou seja, muito primário dentro da evolução humana.

O facto é que é em nome destas desconfianças, destes medos, destas paranóias, que se têm construindo armas de guerra poderosas e serviços secretos de toda a espécie.

O maior trabalho dos líderes institucionais é gasto e ocupado na montagem e análise das estratégias para a manutenção do seu poder e consequentemente no abate de todas as pessoas e movimentos que se lhe opõem. Cada decisão é analisada essencialmente através das reacções que vão provocar nos seus opositores, e agora, pela acção dos meios de informação, pelo impacto nas populações atingidas, as quais servem como reforço ou ataque, às suas decisões.

A luta pelo poder e a manutenção deste tem sido a acção privilegiada de todos os líderes institucionais desde todos os tempos.

Assim o princípio de vida, inconsciente, que parece reger as Instituições, é a sua manutenção, a qualquer preço. E o dirigente por melhor intencionado que seja com uma ideologia de esquerda, ou cristã, profundamente humanista, passado algum tempo de permanência no seu posto de comando, está a cometer as mesmas atrocidades que os seus antecessores.

A este «princípio de vida» opõe-se o «princípio de morte», sempre latente, e no caso das Instituições, identificado com tudo e todos os que se lhe opõem.

Se esta polaridade tem vindo a ser ultrapassada através do que se convencionou chamar «acordos», «convenções», «contractos», etc., neste momento, este crescimento parece estar numa fase involutiva e a «lei do mais forte» novamente a imperar.

E tanto a altos níveis, nacionais e internacionais como no pequeno Serviço de uma cidade de província portuguesa, as intrigas, os compadrios (a aliança por troca de favores), as estratégias para abater o «inimigo», ocupam e gastam todas as energias dos actores institucionais, nomeadamente, dos que têm lugares de gestão e de chefia.

E assim, a produção tem baixado, não só porque os trabalhadores estão mais conscientes dos seus direitos e exigem cada vez mais a recompensa pelo seu esforço, como os próprios dirigentes estão exauridos por tantas lutas e por tanto esforço.

Mas as Instituições, enquanto entes ainda inconscientes, e portanto ainda irracionais e amorais, continuam a exigir o esforço dos humanos para a sua salvaguarda, mesmo à custa de milhares ou de milhões de vidas. E estas mortes ficam a dever-se à acção do chefe A ou B, mas este sabe que naquela altura a sua acção foi comandada por forças que lhe ditaram toda uma lógica e uma coerência que lhe deram toda a segurança para realizar aquela acção, e considerá-la de vital importância. O depoimento dos grandes ditadores, ou dos homens que estiveram à frente de acções de morte em nome da Nação, por exemplo, no Fascismo, comprovam estas afirmações. É sabido que o grande meio de recurso dos dirigentes, sejam eles políticos, empresários ou líderes religiosos e outros é a sua Intuição. Ora esta é uma capacidade humana de difícil definição e mesmo de entendimento. O indivíduo sabe que naquele momento a acção, o caminho é aquele e não outro, e este impõe-se por si mesmo sem recursos a análises ou pensamentos lógicos e dedutivos.

E para cada momento histórico a Instituição necessita de homens diferentes e com capacidades diferentes. E se no passado este procedimento por parte das Instituições chocava os seres humanos, tentando estes através de condecorações (medalhas, fitas, e outros símbolos) agradecer, ou relembrar, a acção destes homens, actualmente tudo isso está a perder significado e a acção dos chefes é, pelo contrário, objecto de constante ameaça e desconfiança, estando a ser observados até à sua vida mais íntima, como aconteceu de forma exemplar com o Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton.

A aliança entre as Instituições e os homens parece estar a quebra-se e estas a actuarem por sua conta e risco.

Continuamos a acreditar que por detrás das Instituições existentes se encontram seres, ou outras memórias invisíveis, cujo poder é muito grande!

Continuamos a acreditar que as Instituições são também uma construção humana e que o homem tem poder sobre elas!

Não podemos crer que estas memórias inconscientes tenham mais força que os humanos, e que necessitem deles apenas para se actualizar!

E as Instituições estão doentes porque a sua evolução está a ser muito rápida, correndo riscos de se desintegrar. Nesta luta de sobrevivência, as Instituições só precisam de alguns homens, os que intuem o seu esforço de sobrevivência, a sua luta contra a morte. Estes homens dão-lhes a vida a troco de dinheiro, muito dinheiro, constituindo este um meio de troca que os condenar à morte, a prazo, até pela exaustão.

Neste momento histórico, só 18 % dos homens possuem toda a riqueza do mundo. A separação entre Instituição e o ser Humano está, talvez pela primeira vez, a dar-se e pela acção da primeira. O indivíduo tem vivido sossegado e tranquilo à sombra das Instituições que já existiam quando este nascia. Se não havia resposta para todos acreditava-se que seria uma questão de tempo e de evolução das Instituições. Hoje os que persistem nesta atitude engrossam as filas dos «sem abrigo». Os mais conscientes destas mudanças voltam a cuidar das suas necessidades básicas, como estamos a observar com os muitos políticos Russos que voltaram para o campo e tratam da sua subsistência económica.

E em todas as Instituições, desde a Transnacional ao Estado e deste ao Hospital e ao pequeno Serviço ou Estabelecimento, como a Escola ou a pequena loja de comércio, vive-se um clima de luta, de confronto, de destruição, em toda a parte do Mundo.

Todos pressentem estas mudanças profundas que se vão operar e agarram-se, como náufragos, às embarcações que abrigaram os seus antepassados.

Os mais novos já não respeitam os mais velhos porque intuem que o seu saber já não serve para este novo período histórico. E os mais velhos deitam fora a sua experiência de uma vida porque também estes intuem que a sua vida já não tem repetição ou evolução, como acontecia no passado.

E fala-se então de «crise de valores», para não se falar de uma nova Ordem Mundial, cujos contornos ainda desconhecemos.

Não se quer olhar para o fenómeno dos milhares de seres que se drogam até à morte e que manifestam um total desprezo ou insensibilidade por este nosso mundo e por todos os valores que se construíram. A Psicologia, a Sociologia e outros saberes tentam encontrar explicações, justificações. Mas a essência do fenómeno em si mesmo ainda nos escapa.

Sabemos que esta Nova Ordem Mundial já tem rosto, pois que a riqueza está concentrada em homens concretos.

Senão vejamos: «As fortunas dos 225 homens mais ricos do mundo são equivalentes ao rendimento anual dos 2,5 mil milhões de habitantes mais pobres do planeta, cerca de 47% da população mundial. Só os três homens mais ricos do mundo (Bill Gates, o sultão do Brunei e o multimilionário Warren E. Buffett) possuem activos superiores ao produto interno bruto dos quarenta e oito países menos desenvolvidos. Segundo a ONU, a concentração da riqueza continua a crescer. O país onde vivem mais "ultra-ricos"‚ os EUA, com sessenta multimilionários, logo seguido do Japão, com catorze. A África tem apenas dois, ambos na África do Sul.» (em Revista "Visão", nº 289, 1 de Outubro de 1998, pag.83).

As Instituições desumanizaram-se, ou seja deixaram de ser humanas, o que significa que já o foram. E desumanizaram-se porque estão ao serviço de poucos homens o que quer dizer que, na sua essência, elas serão para todos os seres humanos. E não é o facto de estes poucos homens viverem materialmente muito bem e de usufruírem todos os benefícios da evolução tecnológica que está em causa, mas o dos restantes seres humanos não se encontrarem nas mesmas condições; e porque é com o esforço da sua penúria que os restantes conseguiram atingir níveis tão elevados de bem estar material.

As memórias institucionais dos grupos mais favorecidos ao longo da História Humana, cujos comportamentos, atitudes, sentido estético, sensibilidade artística, e outros atingiram níveis elevados de desenvolvimento, parecem estar em confronto com as novas ideias e práticas de igualdade em todos os níveis do desenvolvimento, para todos os seres humanos, e em toda a parte do Mundo.

Já não são as famílias tradicionais que detêm actualmente esse poder, de requinte no viver, de acesso a tudo e a todos num curto espaço de tempo e nas melhores condições, mas figuras isoladas, por vezes provenientes de familias pobres, e sem nome na velha tradição institucional, seja ela familiar ou estatal.

A nossa leitura é que as Instituições são Entidades, ou seja, Entes com Idade que neste momento parecem ter perdido o seu velho suporte que lhes dava continuidade no tempo humano, e vagueiam à procura de simultaneamente se preservarem mantendo as memórias do «seu acto fundador», e de se transformarem, adaptando-se aos novos tempos, às novas ideias, às novas necessidades. A qualidade de vida humana atingida por alguns grupos humanos mantém-se como esforço a atingir, mas agora para todos os seres humanos e em toda a parte do Mundo.

E as velhas Instituições não estão preparadas para isso, e nunca o estiveram, como nos mostra a História Humana, e como cientificamente o tentou demonstrar Carl Marx. O «princípio do prazer» que, segundo Freud, é apanágio dos impulsos humanos e da sua satisfação plena, parece também reger a vida inconsciente das Instituições.

O esforço para contrariar este princípio que na cultura ocidental se deveu em grande parte à Igreja Católica Romana, através de um elevado e sofisticado código de conduta para todos os seres humanos e Instituições, mostra-se hoje caduco e sem ressonância. Os chamados «discursos morais» são ouvidos «só por fora», e nem a prática dos funcionários nem da própria Igreja é já coerente com o que se prega, ressoando assim a falso.

O mesmo se passa com os discursos dos políticos, dos homens que estão ao serviço de outra das grandes instituições como o Estado. Os funcionários do Estado representavam para os restantes seres humanos um grupo de eleitos, simultaneamente invejados e temidos, e a grande ambição da pequena e média burguesia, no nosso tempo, era ser membro dessa Instituição e pertencer a esse grupo. «Ter um emprego no Estado», como se dizia em Portugal durante toda a época de regime totalitário, constituía a maior segurança que o cidadão sem riqueza podia ambicionar. A segurança era no entanto mais psicológica que real, uma vez que o preço que se pagava em termos de liberdade de expressão e de pensamento e mesmo do nível de vida era muito alto.

Então que factores actuavam para que a maioria dos cidadãos, que não eram desprovidos nem de inteligência, nem de capacidade de pensar, se enfeudassem neste sistema? Pensamos que as memórias desta Instituição que vieram substituir os velhos poderes feudais e religiosos, abrigavam no seu seio todos aqueles que, tal como no passado, se dispunham a prestar-lhe subserviência e homenagem, a troco da subsistência das suas vidas. A sombra desta velha Instituição dava uma sensação de protecção tão forte que os seres humanos sacrificavam aquilo que lhes era também mais caro – a sua liberdade. O aumento de consciência dos indivíduos trouxe e traz, num primeiro momento, a revolta, a rebelião, à qual a Instituição vem cobrar o seu juro. Dizer que esta revolta, que se traduz nas guerras actuais de todo o tipo e que o preço que as vítimas estão a pagar é apenas um fenómeno psicológico individual ou de pequenos grupos de homens, é por um lado negar e reprimir o valor e a importância que as Instituições têm detido ao longo da História Humana, e por outro sobrevalorizar o papel e as capacidades de alguns seres humanos em detrimento dos outros. Daí que a velha Moral que inculpava o indivíduo e os grupos já não faça eco nem sentido, no nosso tempo. E o mesmo se passa com as ajudas aos mais necessitados dadas de uma forma, também elas, individual ou por grupos. Esta chamadas «Ajudas Humanitárias» são cada vez mais infrutíferas e insuficientes. Para explicar estes fracassos faz-se apelo «à conjuntura internacional», ou seja, a algo que nos transcende, mas que exprime a tomada de consciência de uma mudança global e completa nas Instituições e nos modelos de vida social que se está a processar a nível de todo o Mundo.

As velhas Instituições não são mais capazes de responder às novas necessidades ou à nova tomada de consciência humana. No entanto, elas continuam a existir nas suas memórias e a procurar espaços de sobrevivência, tentando revitalizar-se através de seres humanos ou grupos que apresentam ainda as características do passado: elevado grau de medo e de ansiedade, pouca informação e grande carência afectiva e material. Estes seres lutam pela restauração de modos de vida passados, na ilusão do restabelecimento de uma vida melhor, não se conscencializando da repetição dos seus actos e dos seus gestos que foram usados no passado para o mesmo esfeito e que não usufruiram o resultado esperado.

As velhas Instituições, doentes, exauridas, incapazes de mudar, necessitam, talvez pela primeira vez na História Humana, da consciência e da ajuda Humana, para se renovar e continuar a viver. Talvez nunca o ser humano tenha estado também ele, tão só. A sua força tem sido apoiada essencialmente nas Instituições e, por isso, acima das suas potencialidades e capacidades. Alguns seres, muitos talvez, estão a ficar doentes e a entregar-se quase voluntariamente à morte. Esta tomada de consciência do desamparo Institucional em que nos encontramos, não é fácil para a maioria dos cidadãos, que o negarão de toda a forma. Corre-se assim o risco de voltarmos a criar bodes expiatórios como se fez em épocas passadas, morrendo milhares de seres humanos acusados de serem os culpados pelo mal estar que todos estamos a viver. E mais uma vez, em nome da sobrevivência das Instituições, não dos Homens, se praticar o pior dos crimes que o ser humano comete que é o de matar outro ser humano pelo prazer de matar e pelo medo que tem da vida e dos outros, aumentando-se assim a «Sombra» e a «Culpa» colectiva.

Os políticos sabem, melhor do que ninguém, da evolução que os colectivos estão a sofrer, onde toda a velha ordem apoiada em valores sociais tem vindo a ser substituída por valores de ordem apenas e essencialmente, organizativa e por detrás destes valores económicos. O rearranjo Institucional já começou há muito tempo, mas só agora ele apareceu com toda a sua força e sem máscaras. Atribuir a responsabilidade de toda esta mudança apenas a alguns seres humanos, sejam eles os detentores do dinheiro e de todo o tipo de bens materiais, sejam eles os homens do Estado, os políticos, é ainda um desconhecimento da dinâmica institucional, da sua força inconsciente e atribuir muito poder a apenas alguns seres.

Neste momento, em Portugal, há uma queixa generalizada de todas as Instituições, e um fogo cruzado de atribuição de culpas pelo mal estar que todos vivenciam. Ninguém fala, no entanto, no caminho silencioso e lento que cada Instituição, seja ela um Banco, uma Equipe de Futebol, uma Escola, um Hospital, uma Associação Científica, um Grupo Religioso, está a fazer para se adaptar às novas exigências da Economia Mundial. Todos os actuais líderes têm que dar provas da sua capacidade para manter vivas as velhas Instituições, não já em termos de vitalidade moral, de manutenção dos ideais porque lutavam, de continuidade da sua história e da sua qualidade, mas da chamada «viabilidade económica», ou seja, de sobrevivência nos Novos Mercados que de mercadorias passaram a ser de Valores abstractos e gerados pela própria dinâmica interna. As pequenas Instituições, sem força anímica, ou se entregam às grandes forças ou morrem.

Não tardará que um novo líder mundial, a exemplo do que aconteceu com os ditadores para os países, se venha apresentar como o salvador da Humanidade, reorganizando então toda a Economia Mundial sob o seu auspício. Os meios técnicos para esse trabalho já existem. As leis e a predisposição dos Países, também já estão lançadas.

E então os valores de solidariedade, de amizade, de interajuda, de compaixão não terão qualquer enquadramento, serão até considerados obsoletos. A nova ordem económica transformará o rosto das velhas Instituições. E os homens já só se reconhecerão como bons ou maus agentes económicos. E o novo Espírito que reinará no mundo deixará cair tudo aquilo que é invisível, inatingível e imaterial.

Todo o saber que as velhas Instituições acumularam sobre a arte de viver, de ultrapassar os conflitos, de preparar o Homem para a Vida e para a Morte, parece ficar na Sombra, reprimido, esperando os tempos de voltar à Luz. E os homens, cuja memória é curta, sem a ajuda das Instituições, lançar-se-ão na acção e na conquista descontrolada de bens e mais bens, a qualquer preço, e sem olhar a meios.

E muitos homens, a grande maioria, assistirá de uma forma passiva a este esvaziar das suas velhas Instituições que também elas cansadas e doentes se deixarão arrasar por este vulcão que tudo parece arrastar à sua frente.

Neste momento quase podemos dizer que a Humanidade está totalmente doente. Os líderes só exigem trabalho aos seus subordinados, revelando o seu lado frio, austero e intransigente. Os trabalhadores cumprem até à exaustão física o que lhes é pedido, não podendo descarregar sobre os chefes algum do seu mal estar. Então são as famílias que servem como contentores ou os utentes ou o cidadão incauto. As guerras, como meios de escape das tensões sociais, multiplicam-se. Os «bodes expiatórios» vão começar a aparecer, projectados em raças, e em tipo de indivíduos com determinadas características.

A separação entre os homens vai começar a fazer-se de uma forma muito mais geral. Os que acreditam no Amor e nos valores transcendentes terão que se afastar e viver em comunidades diferentes, onde continuará a existir o verdadeiro espírito Cristão. A «separação entre o trigo e o joio» será uma realidade, em ambos os sentidos, num já próximo tempo.

Todo o repositório das velhas Instituições ficará sob a sua alçada e tal como nas velhas bibliotecas, estas memórias serão religiosamente guardadas, até que novos tempos as possam trazer novamente à vida.


 

 

Quarto Capítulo

 

 

1. Para um novo Diálogo com as Instituições

 

Até agora os homens gastavam vinte, trinta anos a preparar-se para entrar nas Instituições do Trabalho. As regras de entrada estavam bem definidas, fosse para as Forças Armadas, fosse para o Estado, fosse para qualquer tipo de Empresa. As leis da vida social eram ditadas pelas Instituições ainda que os homens as tentassem torpedear constantemente, através do «compadrio» e da «cunha», ou de outras formas sub-reptícias.

Hoje assistimos a uma subversão dessa Ordem. As regras existentes já pouco efeito possuem. Por troca de dinheiro, de favores ou de informações a entrada na Instituição, seja ela de que tipo for, faz-se sem obedecer a princípios gerais. Ou seja, o que era então considerado marginal e por isso escondido, passou a ser a norma.

O valor e o respeito hierárquico entre as várias Instituições também já não se cumpre. O poder dos tribunais e dos Juizes é constantemente torpedeado e adulterado. Nada nem ninguém parece fazer respeitar as velhas Instituições, conseguidas com tanto esforço e depois de tantos milhares de anos. E assim não só o Homem está só e desamparado, como o mesmo acontece com as Instituições.

Acreditando na capacidade de trabalho e no aumento de consciência da Humanidade, talvez nos encontremos no momento histórico em que o homem terá que ir em socorro das suas Instituições, invertendo-se assim o processo de ajuda.

Em primeiro lugar terá que lhes pedir muito pouco, pois neste momento têm muito pouco para dar. Pedir, por exemplo, subsídios ao Estado que neste momento está a ser sugado pelos Bancos Internacionais, é estar a perder tempo e forças.

E ao pedir pouco, também teremos que nos habituar a viver com muito pouco e a abandonar este excesso de consumo com que nos últimos tempos uma parte da Humanidade se habituou a viver.

À crença ideológica das Instituições de que o dinheiro gera dinheiro, teremos que contrapôr à irracionalidade deste processo, a inutilidade e o vazio que tanta acumulação produz no interior dos seres humanos. Não tem chegado denunciar a injustiça das formas como estes bens têm sido conseguidos, nem das condições precárias em que a maioria dos seres humanos vive.

É tempo de denunciar a miséria humana em que vivem os homens mais ricos deste planeta, o que os meios de comunicação social já estão a começar a fazer, mas a tentação de poder e do bem estar material ainda é muito forte para a maioria dos seres humanos, e daí a fraca denúncia e fácil compra com que são conseguidos os seus silêncios.

Este novo homem, como já falava Cristo, para além de uma profunda consciência dos seus limites, dos seus desejos, e das suas frustrações, terá ainda que conhecer igual dimensão para os sistemas Institucionais em que está inserido e ser capaz de os desmontar.

Terá assim que fazer rituais de entrada nas Instituições e saber que elas têm muito mais poder que o seu. Terá que saber que não se poder descuidar ou estar desatento, pois que a teia que o rodeia rapidamente o envolve e o tornará um dos seus. E se o seu balanço lhe indicar que não possui forças para alterar o rumo perigoso que a Instituição, seja ela qual for, está a seguir, então será melhor abandoná-la e seguir por outro caminho.

Para todo este caminho o novo homem terá que reacender a sua fé que lhe indica que «Deus dá a cada homem o pão nosso de cada dia».

Será então pedido a cada um de nós que façamos opções, que «demos a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».

Necessário se torna pedir o apoio dos nossos antepassados, os que habitaram as mesmas Instituições, para que lhes devolvam o que de melhor elas têm. Será assim um trabalho essencialmente interior e não voltado para as grandes acções ou os grandes feitos, pelo menos nos tempos de violência e de mudança que se avizinham.

As Instituições continuarão a pedir aos homens que lhes doem as suas almas, o seu «self» o seu «ideal do eu», com o que lhes pagarão em segurança, continuidade e estabilidade. São hoje os novos «executivos» que dão todo o seu tempo e a sua inteligência às novas instituições, e são estas a pagar-lhes em ordenados e regalias que lhes dão a convicção de que vão conseguir viver e sobreviver até à velhice, ainda que a dúvida se encontre no íntimo do si mesmo de cada ser humano que está assim a adoecer.

A idade dos «novos executivos» é cada vez menor porque o seu «grau de consciência» é também menor. À medida que a idade avança, este «grau de consciência» apresenta-se como um «justiceiro» perante as mesmas Instituições, as quais não querem, ou não podem ainda responder. O papel da vítima e do algoz passa-se agora entre seres humanos e instituições. Eu considero-me «vítima» da Instituição a, b, c e não da pessoa a, b, ou c, como aconteceu noutros tempos, em que os líderes que encabeçaram as Instituições são considerados historicamente, os responsáveis, tal como aconteceu com Hitler, Salazar ou Pinochet, por exemplo. A ambivalência perante estes líderes revela o carácter transcendente e semi-consciente de que estes homens estiveram ao serviço de Instituições, sendo estas, e repetimos, Entes com Memória e com vida própria que estão para além dadas capacidades humanas individuais.

Estes seres, as Instituições estão a separar-se dos seres humanos e vice-versa. São dois mundos quase opostos. A continuidade das Instituições obriga ou aprisiona o ser humano individual. A individualidade ou a descoberta da originalidade de cada ser humano põe em causa ou questiona cada conjunto humano, cada sistema humano, cada instituição, até agora criada.

Neste momento, o diálogo entre o ser humano individualizado e a Instituição, seja ela de que tipo for, parece ser um diálogo de surdos. Cada uma reivindica as suas razões, e tem-nas. A Instituição preserva a sua continuidade e reivindica-a, e o ser humano faz o mesmo.

A Intuição continua a ser o motor desta luta. Não sabemos ainda em que consiste esta capacidade humana, mas que ela conduz os destinos da Humanidade é um facto. Sem isso eu não estaria a escrever estas páginas e muitos outros a actuar em nome disto ou daquilo que chamaremos «destino», ou «vocação», ou «espírito científico». O grande esforço humano consiste ainda em adequar o seu trabalho ao ritmo e àquilo que considera ser as exigências Institucionais, sejam elas as do Trabalho, as da Ciência, Religiosas ou outras.

Vivemos ainda na ilusão de que alguém, em algum lugar, nos irá recompensar pelo nosso esforço.

O mesmo parece passar-se com as Instituições. O Estado pede aos cidadãos que votem nas suas opções, o que não acontece. Os Empresários decidem em nome das decisões que pensam ir benificiar o maior número de cidadãos de todo o mundo e recebem como troca uma exigência cada vez maior, não só dessas decisões como de todos os cidadãos.

Aparentemente o caos parece ter-se instalado.

O mundo dos Arquétipos, ou seja, do Inconsciente Colectivo, deixou, também ele de reinar. Se tal não fosse verdade, o homem não teria consciência do que se está a passar e continuaria a viver no sonho e na fantasia de que a vida e o mundo teriam um sentido e um fim. Este reinado seria mais forte do que o reinado do homem, tal como ele queria continuar a acreditar e acreditava o homem da tribo.

Hoje, os seres humanos e as Instituições parecem estar de «costas voltadas». E nesta posição um é sombra do outro, tal como nos mostra a natureza. A árvore que ao meio-dia recebe a luz do Sol no seu apogeu não está capaz de a reconhecer e ficam as duas, a Sombra e a Árvore, erectas e omnipotentes.

As Instituições parecem hoje incapazes de reconhecer o trabalho dos seres humanos, seja no passado mais remoto e seja no mais recente, e os seres humanos mostram-se revoltados e injustiçados com todo o trabalho que as Instituições, realizem em seu favor.

A separação entre estes dois mundos, chamemos-lhe o «passado e o presente» ou o «colectivo e o individual», é hoje uma realidade.

O diálogo entre estes dois mundos é assim um diálogo da diferença, ou seja, um novo mundo que implica novos códigos, novos paradigmas, novos discursos, nova ética, em que os «olhos se esfregam» perante a diferença e se esperam novas respostas e novos comportamentos.

Os direitos humanos não mais serão questionados porque todos já os adquiriram, falta só implementá-los.

A liberdade humana já está conquistada, falta só saber como aplicá-la. Já não existe novo chefe ou novo discurso que consiga mover ou conduzir grupos e multidões de homens, a não ser ainda por razões de ordem de subsistência material. As multidões de Africanos ou de Asiáticos que procuram novos locais de habitação e de refúgio fazem-no por questões de sobrevivência e não de crença em qualquer chefe ou futuro promissor como o fizeram os povos conduzidos por Abraão ou por Moisés.

Então o que nos resta?

O que nos resta é um Novo Discurso com as Instituições que, tal como nós, ou anterior a nós, têm um passado e uma História.

Por muito que nos custe a admitir, as Instituições têm uma superioridade numérica e temporal que lhes dão uma força e energia que nos ultrapassa. Um acto de humildade é assim o primeiro passo humano para este novo diálogo.

Este acto de humildade implica um estudo e uma reverência perante o passado individual, grupal e institucional. Este acto de humildade tem que conduzir cada ser humano a estudar o seu passado familiar e a enquadrar-se nele, como continuador e mensageiro de actos e de mensagens que os nossos antepassados foram incapazes de transmitir, ou que o fizeram de forma desadequada ao seu tempo e ao seu espaço.

Cada um de nós terá assim, tal como já o anunciava Freud, ainda que de uma maneira negativa e pesada como uma doença, a neurose, que perceberá qual o seu papel e o seu lugar na História Familiar, dando-lhe continuidade, reparando os males do passado, recriando a sua veia criativa para os novos tempos, ou expiando as culpas agora de uma forma consciente, tal como o fez Cristo, que em comunhão com Deus, o Transpessoal, deu todo o sentido à Sua Vida e a ofereceu por todos aqueles que como Ele sofriam ou padeciam, do mesmo sofrimento, ou seja, que eram vítimas de algo que desconheciam que vinha dos antepassados, e do que não tinham qualquer consciência ou grau de responsabilidade.

Nesta comunhão com o Transpessoal, Cristo, encontrou um caminho e uma explicação que transcendeu a sua própria e que procurou transmitir aos vindouros.

Passados que são dois mil anos, esta resposta continua em aberto para todos aqueles que se consideram vitimas, seja das famílias, seja de que tipo de Instituições for. Este caminho e esta procura não se encontra no Instituído, ou seja, na Instituição que entretanto se aproveitou e se sedimentou no caminho de Cristo e que o colectivo quis fazer como seu, mas outra vez, e mais uma vez, no Gólgata, ou seja, nos passos que Cristo individual e Só percorreu para se encontrar e para se renovar, através do seu Encontro com o Pai.

Mas Jesus falou com e para o colectivo. Ele renovou este diálogo com o Colectivo, com as Instituições.

Ele curou os indivíduos, Ele perdoou a todos, Ele não censurou as Instituições, nem mesmo o cobrador dos impostos, a figura mais odiada, foi por Ele marginalizada.

O novo Homem, a exemplo de Cristo, terá que ter esta Consciência e esta capacidade de separação entre Si Mesmo e os Outros, sejam eles o irmão, o grupo familiar ou outro, e a Instituição.

E como o fazer no nosso contacto com as Instituições?

Estas terão que, e em primeiro lugar, ser consideradas como autónomas dos indivíduos. Esta consciencialização, este primeiro passo a dar, é difícil, e mais ainda por cada um isoladamente. Daí que os socianalistas se tenham proposto ajudar todos aqueles que estavam dispostos a fazer este caminho, tendo construído para esse efeito um metodologia própria. E outras correntes Institucionalistas fazem propostas idênticas.

Neste primeira abordagem, nós sugerimos um caminho de análise e de reflexão cuidadosa e permanente que irá no mesmo sentido de ajudar cada um que se propõe afastar e reflectir sobre o seu enquadramento institucional.

Então e já numa fase adiantada da sua vida, pois será difícil a uma criança fazer este trabalho, cada indivíduo terá que fazer da sua entrada numa Instituição – Empresa, Hospital, Escola, Serviço Estatal, Partido Político...- um acto de aprendizagem e de aumento de consciência permanente. Seria importante que conhecesse já as suas aptidões, os seus desejos, o seu papel na Instituição Familiar e mesmo Escolar, ou seja, que a sua individualidade fosse já um dado mais ou menos adquirido para si mesmo, o que ainda dificilmente acontece. A preparação académica deveria ser acompanhada de uma formação e conhecimento pessoal, tal como o faziam os velhos mestres gregos com os seus discípulos.

 

1.1. Os primeiros passos a dar ao entrar numa Instituição como Trabalhador

 

Tal como um arquitecto, cada ser humano que entra numa Instituição, deveria começar por fazer um levantamento material e espacial do novo habitat que vai ocupar sete ou mais horas por dia. Este espaço, só por si, fala mais da vida que vive aquela Instituição do que todos os discursos dos vários líderes.

Por exemplo, se num pequeno caderno fizer uma planta da distribuição do espaço, ou seja, quem ocupa e como, os vários andares do prédio ou as várias salas, e como estas estão decoradas, e se separadas ou juntas, ou distribuídas, e como comunicam ou não entre si, e como são limpas e cuidadas, logo serão observados muitos aspectos que a maioria das pessoas não repara ou não quer reparar. Todos os que já viveram mudanças de chefias, já devem ter constatado que um dos primeiros movimentos do novo chefe é o de alterar o espaço que lhe é destinado, e chegando por vezes esse arranjo a estender-se a toda a Instituição.

O lugar que cada um vai ocupar naquela Instituição é assim ditado e está marcado no espaço físico que lhe é distribuído. Ainda que no contrato escrito ou oral lhe seja dito que o seu papel vai ser de primordial importância para aquela Instituição naquele momento, se lhe for distribuído um gabinete superlotado, sem luz, e sem grande espaço, tendo ainda que partilhar a mesa de trabalho com outro, tudo isso revelará a falsidade do discurso que lhe foi feito e as contradições em que está envolvido. Ele terá que procurar o papel que foi chamado a desempenhar num outro lugar, em vez de se revoltar com as condições de trabalho. Este fenómeno observa-se em grande escala no sistema de ensino e de saúde. Cada sala de aula é ocupada por um elevado número de professores e de alunos ao longo de um dia. É apontado como causa desta mobilidade a falta de espaço escolar. Mas então porque não são alugados pequenos andares ou prédios como se observa com outros Ministérios ou Serviços? A resposta a esta questão é normalmente dada em termos de custos e de aumento de pessoal. Então o que está em jogo, não é o espaço institucional, mas as opções políticas que se fizeram na distribuição dos dinheiros públicos. E nestas opções não importa a qualidade do ensino dado, mas apenas o dizer-se que se tem Escola para todos os cidadãos, ao contrário de outros tempos em que o ensino era só para alguns. Se as condições não são boas, paciência, sempre é melhor do que não ter nada! Esta falsa democracia fica assim difícil de desmontar, uma vez que os princípios foram cumpridos.

Assim, a partir do espaço institucional é possível fazer-se logo um primeiro retracto da Instituição.

Vejamos agora uma outra Instituição que faz um discurso ao contrário, ou seja, que se apresenta como a que vai ajudar os pobres ou as mulheres maltratadas ou as crianças abandonadas ou os desempregados, mas cujas sedes, e/ou lugares de atendimento constituem autênticos palácios ou espaços de grande conforto e bem-estar para os que nela trabalham. Estas distância que o espaço provoca entre os que dão e os que recebem, não é por acaso, mas sinaliza a diferença e perpetua assim a condição dos que recebem «donativos» dos mais ricos que se apresentam espacialmente como os beneméritos e compadecidos, tal como o faziam as classes ricas de outros tempos. O novo funcionário que veio de uma classe social baixa revive e identifica-se na sua nova função e no seu novo papel com as classes ricas e, temporariamente, cria a ilusão da sua real pertença. Não se dá conta de que ao sentar-se na poltrona, ao fazer esperar tempos infindos os que vêm pedir auxílio, ao usar um tom de voz paternalista, autoritário ou moralista, está a repetir um papel que subjugou durante séculos a sua própria família, mantendo-a nos limiares da pobreza.

No caderno de observação institucional que cada um de nós beneficiaria em possuir, tal como o faz a Instituição com o chamado cadastro de cada trabalhador seu, deveria assim constar e em primeiro lugar, a cartografia da nova Instituição que foi chamado a conhecer e a partilhar os seus destinos.

Logo este acto e esta atitude criaria um novo diálogo e uma nova relação entre a Instituição e o seu funcionário, pois este não se entregaria de «olhos fechados», sem discernimento e sem consciência das diferenças individuais e institucionais, como até agora tem acontecido à maioria dos cidadãos.

Um segundo passo a dar e que normalmente ocupa todo o espaço mental e afectivo do novo trabalhador, é o de conhecer qual é o pedido que a Instituição lhe faz, e que, normalmente, se designa por «função» e seu correspondente papel.

Este processo de negociação entre o trabalhador que possui já uma vida anterior e que a fez, na maioria dos casos, essencialmente com vista à entrada em determinado mundo do Trabalho, tirando por exemplo, o curso académico que mais garantias parece oferecer de um futuro emprego e a Instituição Empregadora, é no presente a maior fonte de conflitos. A Instituição apenas garante uma retribuição monetária mensal, segundo os Contractos Colectivos de Trabalho estabelecidos entre Sindicatos e Empresas validados pelo Estado, e pouco mais. Longe vão os tempos em que o emprego estava garantido para toda a vida, como era com o Estado, ou em Empresas e Serviços Públicos.

O vínculo estabelecido hoje entre a Instituição e o Trabalhador é assim o mais precário de todos os tempos. Mesmo na Idade Média o Senhor Feudal tinha a obrigação de cuidar dos seus servos, o mesmo acontecendo com a escravatura, sendo neste sistema o vínculo entre os dois fortíssimo, pois o patrão dispunha até da vida do seu servidor não podendo este traí-lo ou abandoná-lo.

Hoje, mesmo a Empresa Transnacional mais rica do Mundo não oferece qualquer tipo de estabilidade aos seus trabalhadores. Pelo contrário, a sua ideia é a de diminuir os gastos e portanto se uma máquina puder substituir o ser humano, tanto melhor! A ideia do lucro e da expansão da Empresa substituiu qualquer preocupação com os seres humanos que nela trabalham.

 

1.2. O testemunho de uma jovem engenheira

 

De uma conversa informal, surgiu a oportunidade que me é dada aqui de narrar alguns factos relacionados com a minha experiência numa instituição profissional. De início, tive alguma dificuldade em aceitar, uma vez que escrever sobre este tema, iria novamente fazer-me recordar cada uma das situações porque passei, as quais na sua maioria me provocaram sofrimento.

Para iniciar esta contribuição, comecei por tentar encontrar uma definição para Instituição e convenhamos que a mais confortável de todas as definições, sejam elas quais forem é sempre aquela que alguém já escreveu por nós, por exemplo, a que encontra nos grandes livros e que na maioria das vezes adoptamos. Assim, numa das páginas desses livros, lá estava: Instituição – «Organismo que desempenha uma função de interesse público» (entre outras definições esta foi a que me pareceu conjugar-se mais com o tema em questão) e de imediato formulei a pergunta: – Interesse?; – público?; porque também, obviamente, podemos discordar das definições dos outros.

Um dos aspectos interessantes da minha experiência na instituição profissional, que é de pouco mais de uma meia dúzia de anos, é verificar que me confrontei com mais transformações profundas na Instituição, do que aqueles que lá se encontravam há muitos mais anos, Existe no entanto, uma explicação para que tal tenha acontecido. Como sabemos nestes últimos anos deu-se um fenómeno, aquilo a que chamo a revolução económica, que embora necessária, julgo ter sido devastadora, na sua dimensão, no seu poder, enfim, na sua forma. Revolução esta que deu lugar ao aparecimento de uma sociedade mais materialista, corrupta nos seus valores e atrevo-me a dizer, quase sem Alma.

O mundo dos grandes cifrões que até aí passara despercebido, embora existente, inesperadamente lançou-se em grande força e apanhou-nos de surpresa.

Esta instituição profissional, quando a integrei era considerada uma das mais conservadoras. Com a revolução económica sofre, subitamente, uma grande viragem. O espaço, não só físico, existente até então, tornou-se restrito, as pessoas perderam a sua privacidade, o atropelo de valores já existente, mas na sua maioria inofensivo, revela-se de tal forma, que o classifico como uma das mais vergonhosas e escandalosas manifestações da nossa época. Começaram os despedimentos. Era necessário revelar números à custa de pessoas. À minha volta encontravam-se seres humanos que eram desprezados para que se despedissem, muitos deles competentes e que tinham sacrificado a sua vida familiar em favor da profissional, pessoas que repentinamente ficaram sós.

A competição era injusta.

Nós, os mais pequenos, olhávamos para cima e o cenário que se observava era idêntico ao de uma decapitação, um rolar de cabeças. Nós éramos aqueles a quem ordenavam que não deixassem cair a Tenda, enquanto os Trapezistas, os Acrobatas, os Malabaristas, os Palhaços e o Dono do Circo, davam o seu Grande Espectáculo.

Os objectivos ditados pelos «grandes estrategas» estavam a ser cumpridos.

Por várias vezes tentei colocar-me no lugar daqueles a quem pediam números, para não dizer cabeças. Talvez tenha sido a melhor atitude que tomei para compreender o que estava a acontecer. Pessoas que até então se manifestavam de uma forma, agora tinham um outro tipo de comportamento. Raros foram aqueles que para não destruir a equipe com que trabalhavam puseram o seu lugar à disposição.

Houve outros que julguei severamente, era como se me tivessem traído. Mais tarde percebi que estava a ter um juízo, a que chamo de limite, sim, não via que ainda sobrevivia. Alguns para não destruir a equipe na sua totalidade, como tinham de apresentar números, escolhiam aqueles que tinham integrado o grupo há pouco tempo, aqueles com os quais ainda não tinham mantido um elo afectivo. Aqui, percebi que todos nós em situações limite sofremos transformações boas ou más, e para não ser moralista, diferentes das habituais.

Posteriormente, também os que tinham tentado a todo o custo manter o grupo, ficaram sós... decisões superiores!... E novamente partiram para a luta, construíram novos grupos, mas fecharam-se dentro da sua individualidade para não mais sofrerem, deixando sós os novos elementos que agora lhes pertenciam, também eles vítimas do abandono pelos mais queridos, eu diria nalguns casos senão em grande parte, pela traição daqueles que ficaram na sua comodidade, no seu egoísmo, que não fizeram nenhum esforço para proteger a dedicação, a energia, o sacrifício da sua gente, que durante tantos anos contribuíram para a sua nomeação de hoje...

Falta ainda referir, os que se alimentaram do sofrimento alheio que absorveram a energia dos outros, isto, porque se uns perdem é porque outros ganham, pois a «quantidade total de energia do Universo permanece constante» como nos revela a Lei da Conservação da Energia, utilizada aqui como forma de comparação.

Também convivi com estes últimos, os que se aproveitam dos mais fracos para subirem na vida, os chamados grandes estrategas. Há quem os considere inteligentíssimos, com certeza espíritos humildes, inseguros ou fracos. Eu simpaticamente classifico-os de psicóticos, os que subtilmente espalham a sua presença, impõem a sua vontade à custa da boa vontade dos outros, aqueles que manipulam, os dominadores.

É muito difícil trabalhar com este tipo de pessoas, pois é muito fácil cais nas suas manipulações. Todos os dias testam a nossa integridade no sentido de a corromper. O esforço que despendemos para sobreviver é enorme. Sofremos retaliações e ofensas. Consumimos as nossas energias numa luta diária, algumas vezes julgada perdida.

A forma que encontrei para sobreviver a estes acontecimentos, tentando manter alguma dignidade, foi perceber o fenómeno que gerou todas estas grandes transformações. Eu e com certeza muitos outros ignorantes no assunto, pensámos que um dos melhores procedimentos a adoptar para o perceber, seria ler alguns dos livros de estratégia que então estavam na moda. Embora existissem autores, mais sensíveis que ainda se lembravam que estavam em causa vidas humanas, outros havia que lidavam com os seres humanos da mesma forma que os Financeiros lidam com os números manipulando-os até obterem o que querem.

Pelo caminho, ficaram aqueles que pela suprema dedicação ao emprego, hoje estão sós, com as suas vidas familiares destruídas, sem qualquer elo afectivo. Provavelmente encontram-se no vazio de suas casas, a procura de um começo, uma luz, uma esperança, ou, em alguns casos transformaram-se em seres puramente vegetativos.

Talvez por tudo isto, apareçam tantas religiões com sucesso que se aproveitam dos mais fracos, oferendo-lhes ficticiamente a protecção, a esperança, o afecto que lhes falta.

Talvez por tudo isto, quando me falam em Instituição me aparece uma imagem de uma casa enorme de paredes grossas e janelas muito pequenas que se encontra assente sobre um terreno árido, casa essa que está desprovida de qual quer forma de vida.

* * *

Apesar de ter escrito grande parte da contribuição no tempo passado, hoje ainda existem muitas dessas transformações. Todos os dias são um desafio. Todos os dias nos deparamos com situações novas, novos comportamentos, novas pessoas e novas estratégias. Mas, no fim, o que resta e o que importa, é a preciosa amizade daqueles que encontramos na luta diária, dos que nos fortaleceram, dos mais esclarecidos, dos que nos elucidam, daqueles que tão afectuosamente e vigilantemente cuidam e fazem parte da nossa Alma.

Lisboa, Novembro de 1998

 

1.3. O reconhecimento do seu lugar na Instituição

 

Assim, cada trabalhador, do mais indiferenciado ao melhor pré-qualificado, em termos de preparação académica ou profissional, sabe passado pouco tempo de estadia na Instituição que o lugar que ocupa, poucas garantias académicas lhe pode dar. O exemplo mais flagrante está a ser observado com os jogadores de futebol que são negociados como se de uma mercadoria se tratasse. Começámos a assistir ao fenómeno de os próprios jogadores deixarem o papel passivo que desempenhavam, em que se entregavam aos clubes e mais tarde aos agentes, dada a sua juventude e impreparação para este tipo de negócios, sendo agora os próprios jogadores a iniciar os seus contratos de trabalho.

Ligado ao vínculo económico encontra-se a tarefa que cada um é chamado a desempenhar na Instituição.

Esta tarefa, a par da retribuição económica, determina não só o lugar que irá ocupar na Instituição, como também o espaço de poder que lhe é atribuído. Por exemplo, o lugar de porteiro não só ocupava o último lugar na hierarquia Institucional dado o baixo salário que usufruía, como as tarefas que lhe eram atribuídas eram as mais simples. Assim, também a sua capacidade de decisão na Instituição era muito limitada.

Então, quando entramos numa Instituição e realizamos um contracto de trabalho, para o desempenho de determinadas tarefas, estamos, automaticamente, a colocar-nos num determinado lugar dessa Instituição. As modernas Instituições elaboram os seus organigramas, ou seja, uma cartografia das funções, dos papéis e dos lugares de poder Institucional, para assim, e, essencialmente, em casos de conflito de poder, se obter logo uma resposta. A hierarquia Institucional é mais determinada pela obediência de uns em relação aos outros, do que pelo bom desempenho das tarefas institucionais. A chamada Cogestão é uma das grandes aspirações dos Institucionalistas, mas sentida como altamente ameaçadora pelo Capitalismo, uma vez que a distribuição dos lucros seria logo uma das primeiras questões a vir à superfície, nas relações Institucionais.

Esta consciência do lugar que se ocupa na Instituição é altamente salutar para todo o trabalhador, uma vez que lhe determinar o seu campo de acção. Esta tem sido a grande luta de alguns partidos políticos e de movimentos sociais, que procuravam ajudar os trabalhadores a adquirir esta consciência e, consequentemente, a alterar as regras do jogo. Hoje em dia, a complexidade e a subtileza dos contratos laborais torpedeia todas as regras instituídas e os trabalhadores aceitam, sem grandes meios de defesa, as propostas de trabalho que lhe são feitas pelas entidades empregadoras.

A sua defesa tradicional – a greve – já não surte efeito porque a precaridade do contrato actua como meio de coacção e de acção, caso o trabalhador não cumpra o que está estabelecido.

A desumanidade institucional atingiu no nosso tempo o seu ponto máximo.

Na posse da consciência do seu lugar na hierarquia institucional, do que lhe é pedido e do que lhe é recusado, o que resta então ao trabalhador?

Em primeiro lugar, acreditar que as Instituições foram criadas para os seres humanos. Se elas se afastaram da maioria dos homens pondo-se ao serviço apenas de alguns, mais tarde ou mais cedo, elas se esgotarão na defesa dos seus interesses, deixando cair, também por esgotamento, os seres humanos que se colocaram ao seu serviço.

Em segundo lugar, por mais que as Instituições se automatizem ou se fechem no circuito tecnológico, elas necessitam dos seres humanos, quanto mais não seja, para se revitalizar e actualizar.

O que importa produzir sem fim, se essa produção não pode ser consumida, dentro dos parâmetros em que nos encontramos? A irracionalidade institucional é tão forte que não consegue estancar este processo, por muito que alguns dos seus líderes, estejam já conscientes dos perigos que as ameaçam.

Assim, os seres humanos não podem desistir de continuar a sua luta pela humanização das Instituições.

Neste momento histórico, em que uma espécie de vendaval consome tudo e todos, talvez seja tempo de reflexão e de encontro consigo mesmo, ao contrário de se deixar levar pela corrida sem sentido que cada um parece estar a levar, acreditando ou parecendo acreditar, que as Instituições o irão reconhecer.

Gastam-se horas nos transportes para se chegar ao local de trabalho. Este tempo conduz a um adormecimento e a um estado de exaustão que amolece os sentidos e a mente e paralisa a Alma. Corre-se sem sentido, de um local de trabalho para outro, para se obter um rendimento mensal considerado suficiente ou uma segurança de trabalho que não se sente ter. Não há espaço nem tempo para questionar ou para reflectir, sobre quem somos e o que procuramos.

Quando o nível de ansiedade se torna demasiado elevado, corre-se para a Igreja próxima, para o ansiolítico mais vendido no mercado, e para todo o tipo de drogas que o possa reduzir. Entra-se então num novo ciclo de dependências, em vez de se ter percebido que esta ansiedade era um sinal positivo de alerta, dado agora pelo próprio corpo como tendo, também este, atingido o seu limite.

E mais uma vez as Instituições vêm em seu socorro, facilitando todo o tipo de fármacos que os laboratórios vão investigando e comercializando, transformando o sinal de alerta dado pelo corpo, em mais um meio de ganhar dinheiro. E só o ser humano poderá cortar este viciado circuito.

Este trabalho de consciencialização individual, talvez pela primeira vez na História da Humanidade, não pode ser ensinado nem pregado nem conduzido nem codificado. Essa tem sido a tentação de modernos grupos que têm vindo a aparecer e que, rapidamente, se transformam em seitas rígidas e manipuladoras, onde as pessoas voltam a entregar o seu Self e por vezes a própria vida.

Como uma semente que se deitou à terra, cada um de nós deve procurar, em primeiro lugar, encontrá-la dentro de si mesmo. Após este Encontro, cada um tem por trabalho fortificá-la, ou como dizia Cristo, pô-la a render. Se este trabalho implica escrever, mudar de local de trabalho, de cidade, de país, de amigos, pois então que isso se faça, que cada um siga o seu Destino e que este se cumpra.

Não mais percamos o tempo a olhar para o que os outros dizem, pensam, ou fazem. Deixemos de nos projectar, no que temos de bom e de mau, nos outros, sejam eles os mais próximos ou os mais afastados. Não façamos dos outros os nossos bodes expiatórios ou os objectos de que nos servimos, para preencher o nosso vazio existencial. Tentemos encontrar nos outros a sua individualidade e prazenteemo-nos com essa descoberta.

Preparemo-nos então para um futuro, mais ou menos próximo, em que teremos que voltar a tomar conta do destino das Instituições.

Até lá, estudemo-nos e estudemos todo o passado institucional legado pelos nossos antepassados, e interajudemo-nos.

Esse estudo pode fazer-se, na sua dimensão consciente, através dos actuais líderes. Estes incarnam o passado da Instituição, e fazem deste legado uma leitura própria, ainda que condicionada pela totalidade social, onde a Instituição está inserida. Assim em determinado momento histórico, o Presidente da República, ou o Rei, por exemplo, são impulsionados a ter um papel mais activo, justificando-o de várias maneiras. Noutros períodos, estas mesmas figuras recolhem-se e aparecem as segundas figuras, os Primeiros Ministros. Justificar estas alterações em nome das leis vigentes nesses períodos é uma justificação insuficiente uma vez que sabemos que as leis se fazem e se desfazem em função dos interesses em jogo, e ou de forças inconscientes que desconhecemos.

Então, para se conhecer a ideologia de uma Instituição, em determinado momento histórico, há que se começar pelo estudo do seu líder.

E neste estudo está em jogo não só o conjunto de ideias, de ideais e de valores que ele defende, mas talvez e sobretudo a sua própria personalidade. É esta que irá dar o cariz próprio à Instituição naquele momento histórico. A Instituição, no estado evolutivo em que se encontra, necessita de pessoas que se lhe doem totalmente. Cada líder que se encontra à frente de uma Instituição, por mais pequena e insignificante que o seja no contexto social, não tarda a sentir a Instituição como sua, a exibir comportamentos de controle dos restantes membros, e a exigir que o tratem com deferência e de uma forma especial. Este é o outro lado da moeda. O indivíduo fica possuído pela Instituição, mas como não tem consciência disso, afirma o contrário: ele é que controla a Instituição. Não se reflecte que os privilégios obtidos durante o mandato pelo líder caem por terra logo que ele abandona o cargo, e por mais esforço que faça, ninguém mais lhe dá o valor que obteve quando exercia essa função.

Assim, cada um de nós ao entrar numa Instituição, tem possibilidades de avaliar do grau de evolução desta ou do seu estado de saúde ou dos objectivos, para aquele momento histórico, através do líder que se encontra à frente dos seus destinos. Os restantes líderes, subalternos, reflectirão esse padrão em vários ângulos, numa espécie de caleidoscópio. Na História da Instituição, fica sempre o nome do líder e nunca o dos restantes elementos que se esforçam e realizam as inúmeras tarefas que o quotidiano exige, o que não é por acaso.

A atenção dada à figura do líder da Instituição pouparia muito do sofrimento de cada trabalhador, no esforço, por vezes acima das suas possibilidades, que desenvolve para obter o seu reconhecimento e gratificação. Cada trabalhador repete, inconscientemente, as atitudes do seu líder. Este centra-se, sente-se e comporta-se como o elemento mais importante e decisivo daquela Instituição, naquele momento, criando-se assim, em cada um de nós, uma dependência e uma filiação neste líder, o que dá um sentimento de pertença e de irmandade entre todos.

A descoberta de que tal não é verdadeiro, provoca em todos os seres um imenso sofrimento, o qual, normalmente, é projectado ou vivido em estado de vitimização.

Afirmar que tal sofrimento se deve a problemas psicológicos e afectivos do trabalhador, é a forma inquisitorial que a Instituição encontra de o colocar no seu devido lugar.

Os indivíduos mais individuados, ou seja, mais conscientes de quem são e do que querem, têm uma atitude diferente, não se deixando subjugar ou aprisionar pelo líder da Instituição, ou seja, pela própria Instituição. Os que possuem uma personalidade distorcida jogam perversamente com a Instituição, obrigando-a a apresentar o seu lado Sombra, obscuro, reprimido. Criam assim temporariamente o caos e instalam o medo, o mal.

A Instituição procura, no nosso tempo, fugir a todo este envolvimento com os seres, apresentando-se cada vez mais como sem rosto humano específico, como já se observa com as chamadas Admnistrações. Tempos virão em que não se conseguirá saber que padrão reina naquela Instituição e só os seus actos nos poderão dar algum sinal. Já começámos a observar este fenómeno através da actividade febril em torno da chamada «Bolsa de Valores». Aí, assistimos ao jogo entre a Imagem das várias Instituições, feito de uma forma complexa, e mais intuitiva do que racional.

E neste jogo qual é o nosso papel?

Fica a pergunta em aberto.

Évora, 12 de Janeiro de 1999


 

 

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SHELDRAKE, Rupert, A ressonância mórfica e A Presença do Passado, Ao hábitos da Natureza, Lisboa, Instituto Piaget, 1995.


 

Notas

 

[1] Durkeim, E. Les Formes élémentaires de la vie religieuse, P.U.F., 1960, pp. 142-145.

[2] «Os campos mórficos, tal como os campos conhecidos da física, são regiões não materiais de influência que se estendem no espaço e se prolongam no tempo.» – Sheldrake, Rupert, A ressonância mórfica, A presença do Passado, os hábitos da Natureza, Lisboa, Instituto Piaget, 1995, p. 15.

[3] «O inconsciente colectivo represente a parte objectiva do psiquismo; inconsciente pessoal, a parte subjectiva (...) As imagens primordiais são as formas mais antigas e universais da imaginação humana. São simultaneamente sentimento e pensamento.» – Jung, Carl Gustav, Psicologia do Inconsciente, Petrópolis, Editora Vozes, 1971, p. 58.

[4] «Sombra, uma parte inconsciente da personalidade caracterizada por traços e atitudes, negativos ou positivos, que o ego consciente tende a rejeitar ou a ignorar. É personificada em sonhos por pessoas do mesmo sexo da pessoa que sonhou (...)".» – Hall, James A., Jung e a interpretação dos sonhos, São Paulo, Editora Cultrix, 1997, p. 153.

[5] Cortesão, Eduardo Luís, Contribuição para uma Teoria da Técnica Grupanalítica, Lisboa, 1981.

[6] (in Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Círculo de Leitores, 1985).

[7] Hilman, J., Cem Anos de Psicoterapia e o Mundo está cada Pior, São Paulo, Summus Editorial, 1992.


 

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Julho – 2000

©2000 Maria Margarida Ribeiro

 

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