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A Independência e o Império do Brasil

A. J. de Melo Morais

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A Independência e o Império do Brasil
Alexandre José de Melo Morais (1816-1882)

Fonte Digital
Edições do Senado Federal, Vol. 18
Brasília, 2004

Obras do Autor Disponíveis Online
The Online Books Page

© 2013 — A. J. de Melo Morais


 

A INDEPENDÊNCIA E
O IMPÉRIO DO BRASIL

OU

A INDEPENDÊNCIA COMPRADA POR DOUS MILHÕES DE LIBRAS ESTERLINAS E O IMPÉRIO DO BRASIL COM DOUS IMPERADORES NO SEU RECONHECIMENTO, E CESSÃO; SEGUIDO DA HISTÓRIA DA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO PATRIARCADO, E DA CORRUPÇÃO GOVERNAMENTAL, PROVADO COM DOCUMENTOS AUTÊNTICOS.

 

autor

A. J. de Melo Morais

 

Eu desta glória só fico contente
Que a minha terra amei e a minha terra

FERREIRA, P. L.


 

Sumário

 

Dedicatória
•A verdade histórica provada pelos documentos autênticos e pelos fatos
•Origem dos governos
•Formas de governo republicano
•Governo monárquico
•Retrospecto histórico
•Monarca
•Monarquia simples
•Monarquia absoluta
•Monarquia eletiva
•Monarquia hereditária
•Retrospecto histórico e político da Polônia
•Soberania
•Povo nação
•Realeza
•Usurpador e tirano
•Tirania
•Despotismo
•Soberano
•Liberdade
•Leis
•Justiça primitiva entre os povos da Europa e da Ásia
•O povo romano, seu governo e suas instituições
•Distribuição do povo e das classes sociais
•Ditador
•Polícia
•Enfermidades sociais
•Nacionalidade
•Constituição do Estado
•A França proclama os direitos da Humanidade pela revolução
•Os girondinos (extraído dos quadros históricos)
•O Brasil nos tempos coloniais, à imitação dos Estados Unidos, fez a primeira tentativa para a sua independência
•O Brasil colônia, o Brasil reino e o Brasil império
•Independência ou morte!
•A constituição do império que nos foi oferecida em 11 de dezembro de 1823
•Veto
•Caráter dos brasileiros e fisionomia do Brasil
•Independência do Brasil
•Relações do príncipe d. Pedro com José Bonifácio
•Castigo bárbaro nos soldados portugueses, da divisão de Portugal, no dia 30 de setembro de 1822
•José Bonifácio concorreu para os desatinos do príncipe D. Pedro – tentativa de assassinato de Luís Augusto May, redator do periódico Malagueta
•Demissão dos Andradas no dia 28 de outubro de 1822, e farsa ridícula que se deu no dia 30 do mesmo mês
•Processo mandado instaurar no dia 30 de outubro, e começado no dia 4 de novembro de 1822; seguindo a devassa geral em todo o império, contra os inimigos dos Andradas
•Despotismo horroroso do ministro José Bonifácio (são documentos oficiais)
•Decreto de 11 de dezembro mandando seqüestrar os bens dos súditos de Portugal
•Deportação dos Andradas, e história da charrua Lucânia
•Os presos brasileiros são salvos da traição, pela honradez do 2º comandante, José Joaquim Raposo
•Dá fundo a Lucânia no porto de Vigo e novos perigos se apresentam para os passageiros, que são salvos por intervenção do governo inglês
•Providências tomadas
•Desembarcaram os passageiros da Lucânia e partem por terra para Bordeaux
•Destino da charrua Lucânia
•São devassados os Andradas, seus amigos e o periódico Tamoio
•Reflexões a respeito do golpe de estado de 12 de novembro de 1823. – o que foram os Andradas e o patriarcado da Independência
•O patriarcado da independência do Brasil
•Quando começou a idéia do patriarcado da independência do Brasil, atribuída a José Bonifácio de Andrada e Silva
•Provocações da sociedade militar
•Acontecimentos do dia 5 de dezembro de 1833. – Demissão do tutor imperial. – Quebramento das tipografias Paraguaçu e Diário do Rio
•É acusado o periódico Lafuente e o Verdadeiro Caramuru
•Suspensão do tutor
•Nomeação do Marquês de Itanhaém para tutor interino
•Proclamação da regência
•Prisão de José Bonifácio
•Juízo de um contemporâneo sobre José Bonifácio, como operário da independência do Brasil, e o seu patriarcado
•Exposição dos planos dos restauradores, tendo à sua frente José Bonifácio
•O sr. José Bonifácio, patriarca da independência
•Um bonito episódio
•O patriotismo dos Andradas apregoado pelos jornais contemporâneos
•Combate dos caramurus
•Relação dos paisanos que foram presos no campo da honra, na ocasião do ataque do dia 2 de abril de 1832 e que se acham na cadeia
•Dissecação política entre Antônio Carlos e Evaristo Ferreira da Veiga
•Extrato do discurso, que proferiu na Câmara dos Deputados, em 21 de maio de 1832, o sr. Diogo Antônio Feijó, como Ministro da Justiça
•O imperador d. Pedro I não foi o fundador do Império do Brasil, e sim el-rei o sr. D. João VI
•Desde quando data o pensamento da mudança da Corte portuguesa para o Brasil
•Fundação do império brasileiro
•O sr. D. Pedro, príncipe regente do Brasil, primeiro imperador, no título, conjuntamente com o sr. D. João VI, segundo imperador, pelo tratado de reconhecimento e cessão do Brasil
•O príncipe regente dá conta a seu pai dos movimentos do Dia 5 de junho, e se pronuncia contra a causa do Brasil
•Pedro aos fluminenses
•A província de São Paulo elege a sua junta provisória
•Documentos justificativos – belezas do tempo
•O que decidiu José Bonifácio de Andrada e Silva aderir à causa do Brasil, antes de ser ministro
•Para a deportação
•O imperador mandando processar os Andradas como arquitetos da ruína da nação em caráter de sediciosos
•Regresso dos Andradas do desterro na Europa
•José Bonifácio fazendo com a sua mão, o seu próprio retrato
•Trechos das cartas que tenho à vista
•Voltam os Andradas do desterro
•Desconcertos e absurdos do governo do Brasil por não conhecer os homens e a história do país
•Serviços dos Andradas à causa da pátria
•Júri da capital
•Morte de José Bonifácio
•A independência dos Estados Unidos da América do Norte, conquistada pelo sangue; e a independência do Brasil comprada a peso de ouro
•Dívida de Portugal
•José Bonifácio de Andrada e Silva, comparado com Jorge Washington, este, libertador da sua pátria e o outro anarquista e patriarca do que não fez
•Origem da corrupção – os partidos políticos no Brasil e o parlamentarismo, filhos da escola de direito
•Fisionomia do tempo e desatinos das facções sem nenhuma idéia política
•Escândalos e misérias do tempo
•Resposta à defesa dos negociadores do empréstimo brasileiro, contra as invectivas do parecer da Comissão da Câmara dos Deputados
•Denúncia contra o ex-ministro da fazenda, Visconde do Rio Branco
•Mais um esquife que passa
•O desmoronamento
•Futuro da monarquia no Brasil
•Como se sabe a história da independência
•Carta política sobre o Brasil


 

 

Dedicatória

 

Meu pai,

 

 

Quando em presença de duas mentiras de bronze, uma a cavalo, mostrando a Constituição aos boticudos, aos jacarés e antas, e outra a pé com a mão estendida em sinal de arrependimento, busco restabelecer as verdades históricas completamente falseadas pela ignorância dos fatos, não me posso esquecer, meu pai, dos vossos desinteressados serviços prestados à nossa pátria, que apesar da distância em que foram praticados, a notícia chegou a tempo de serem espontâneamente galardoados, sendo vós, senhor, o único cidadão da nossa província condecorado com a Ordem do Cruzeiro no 1º de dezembro de 1822,(1) criada expressamente nesse dia, para galardoar os beneméritos da pátria. Este acontecimento para mim lisonjeiro, porque sei o que fizestes em proveito da causa comum,(2) é um legado de glória para vosso filho.

 

 

ALEXANDRE JOSÉ DE MELO MORAIS


 

 

A verdade histórica provada pelos documentos autênticos e pelos fatos

 

 

 

O BRASIL será mais tarde uma República?

O Conselheiro Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva foi o Patriarca da independência política do Brasil?

O Brasil em sua Independência teve Patriarcas?

O Brasil já sendo reino unido desde o dia 16 de dezembro de 1815, e com o príncipe herdeiro da Coroa legitimamente no seu governo, por mudar o nome de reino, para o de império, quando se desligou das relações governamentais com Portugal, por isso pode-se o chamar aquele príncipe fundador do Império?

E a que estado reduziu o Brasil, esse pretendido fundador do Império, quando o governou, e quando abdicou?

Quando começou a corrupção governamental no Brasil, e quem a inaugurou?

Consultemos os documentos, os fatos e a história dos tempos.

 

 

ORIGEM DOS GOVERNOS

 

Quando um povo se constitui em nação, a forma de governo, que ordinariamente adota é a forma republicana; isto é, a forma de governo, em que todo o povo, ou a maior parte dele exerce a soberania. Esparta foi República, como foi Tebas, Corinto, Creta, Atenas; e as que se lhes seguiram, muito depois, como Veneza, Gênova, Piza, Florença e outras; não obstante, em muitas delas, admitindo-se a escravidão, e a isenção de direitos a alguns indivíduos, destruíam com isto, a pura essência, do puro espírito democrático, que funda todo o seu prestígio na virtude dos costumes, e nos merecimentos pessoais dos indivíduos.

O abuso que se faz do governo democrático, desvirtuando-o, chama-se clocrático, demagógico e anárquico, no qual todos querem mandar e governar, e ninguém obedecer.

 

FORMAS DE GOVERNO REPUBLICANO

 

O governo republicano sofreu modificações pelo modo de dirigir a sociedade, e por isso é encarado sob três formas mui distintas:

República aristocrática, na qual o governo está nas mãos dos cidadãos ricos e dos mais considerados ou nobres.

Nesta espécie de governo, a igualdade social é uma mentira; como desde o século XIV se observou nas repúblicas italianas. Roma, depois da queda dos Tarqüínios, até o domínio de César, foi governada aristocraticamente; e como o fundador de Roma teve a cautela de firmar o edifício social, por meio das virtudes cívicas, a aristocracia romana foi quem promoveu a grandeza de Roma; como se viu na invasão dos galos, que os tribunos da plebe, por seus desatinos, entregando Roma aos galos, Camilo, por chamado do Senado, a salvou, pelo seu denodado patriotismo.

Macharel supõe, ter sido esta a forma de governo das primitivas sociedades humanas.

República oligárquica é a forma de governo, cujo executivo está confiado a um pequeno número de indivíduos ou famílias poderosas: esta fórmula de governo é terrível, por ser de autoridade absoluta, como viu-se em Roma, durante o poder dos triúnviros e decênviros

República democrática federativa, na qual a maioria, ou toda a nação, participa da autoridade.

A república federativa é a que é composta de muitos estados, tendo cada um a sua constituição particular, como as das sete províncias helvéticas (Suíça) unidas desde o século XIV; a dos Estados Unidos da América do Norte, desde o dia 29 de maio de 1765; as repúblicas francesa, batava, a partenopéia, a liguriana e a cisalpina. As que existem hoje, na Europa, são as repúblicas francesas, a Suíça, e as pequenas repúblicas de Andorra (entre a França e a Espanha, nos Pirineus sob a proteção da França) e a de S. Marin ou Marino. Esta república ou pequeno estado, desde 1383, existe encravado no condado de Urbino, sob a proteção do Papa, e governado desde o IV século, por um senado de 60 membros, com 2 chefes ou capitães-magistrados, – a que chamam Gonfaloneiros – eleitos de 3 em 3 meses, ou de ano em ano. Foi esta república estabelecida por um canteiro da Dalmácia, que para ali foi, chamado Marin ou Marino, cujo terreno obteve de uma fidalga, de nome Felicidade, a qual, fundando uma ermida, reuniu, em pouco tempo, uma população de peregrinos, que se governavam, como ainda hoje, por si mesmos.

 

GOVERNO MONÁRQUICO

 

Monarquia

A monarquia é o modo de governo em que o exercício do Poder Executivo está nas mãos de um chefe vitalício.

Este cargo não é de origem divina,(3) como dizem alguns escritores; porque o primeiro rei, que memora a história antiga, foi Nemrod ou Nembrod, filho de Cuz, neto de Cam, o amaldiçoado filho de Noé, o qual, como cabeceira ou chefe de seus parentes, fundou Babilônia, nas margens do Eufrates, e com eles construiu, pelos anos do mundo, conforme a legenda bíblica, 1771, a decantada torre de Babel.

Com o crescimento da espécie humana, os chefes ou régulos caldaicos e assírios, com indústria e força, deram melhor forma ao governo dos povos, chegando ao excesso, por amor da justiça, a fazer que o régulo assírio, Artaxerxes II (o bastardo), mandasse esfolar ministros que se deixaram corromper e ordenar que com a pele deles se forrassem os assentos dos tribunais, em que os outros se assentassem para despachar e julgar.

 

RETROSPECTO HISTÓRICO

 

Desde o berço da humanidade, os homens, entregues a seus instintos e paixões, não reconheciam outras leis mais que as da força, sendo o mais alentado e forte, o mais considerado e temido. Daqui veio a necessidade de se estabelecer, por formas regulares, o governo dos homens, e dirigi-los com preceitos, filhos da prudência política, para modificar os rigores do arbítrio, destribuindo-se a justiça, e encarregando-se aos mais dignos (aristocráticos) para os fazer executar.

Para mais obrigar os homens ao cumprimento dos seus deveres, estabeleceram a classe sacerdotal, como intermediária entre o Céu e a< Terra. Com o tempo, reunidos os homens nas cidades, modificaram o modo de governo; e, de acordo com a prudência política e inclinações sociais, adaptaram a eleição do mais digno e, por fim, estabeleceram três formas de governo simples:

O aristocrático.

O monárquico.

O democrático.

Os abusos que os chefes desses governos praticavam, fizeram aparecer novas combinações, e formaram os governos mistos, por estar de acordo com as tendências naturais dos homens; e adotaram três formas do governo, para as novas sociedades, que são:

Republicano, democrático, federativo.

Monárquico, despótico, ou absoluto.

Monárquico constitucional representativo.(4)

Estas três formas de governo regem hoje os povos da Terra: mas nós, pelo que temos observado, reconhecemos que, no Brasil, há uma nova forma de governo, ainda não classificada no direito público, que é o governo monárquico, constitucional, representativo, absoluto.

Vejamos o porquê.

No governo republicano, o Poder Executivo é a delegação temporária do sufrágio popular.

Na república democrática, os agentes dos diversos poderes do Estado são eleitos sem distinção, atendendo-se unicamente à capacidade dos indivíduos para o bom desempenho do emprego que têm de exercer. Esta forma de governo é uma ficção social, porque o povo não se sujeita, por muito tempo, a cada instante reunir-se para eleger empregados públicos.

A república aristocrática é a forma de governo em que os agentes do Poder Executivo são eleitos, dentre as classes elevadas, por gozarem de certas prerrogativas civis e políticas, que não gozam os outros cidadãos. A república aristocrática pode ser eletiva ou hereditária; e é a forma de governo mais antiga, porque, conforme nos conta a história, a homenagem que tributavam ao homem que combatia com mais coragem e galhardia era reverenciado e tido como o mais digno e o mais virtuoso dentre os membros das primeiras sociedades humanas, como sucedeu a Hércules, Aquiles, Enéias e outros.

É provável que neste modo de existência social o que praticavam os chefes ou patriarcas das famílias, em combinações entre si, sobre os negócios que interessavam ao bem-estar de todos, fosse o modo de governo das primitivas sociedades.(5) Com o volver dos anos, o chefe aristocrático era escolhido por meio de eleição dentre os mais sábios e prudentes. Os mais ricos também eram lembrados; mas como as riquezas não dão ciência, e só servem de instrumento ou meio, e tornam o aventureiro insolente, temendo-se o abuso, eram excluídos os ricos da eleição.

A aristocracia hereditária é perigosa, porque nem sempre os filhos herdam as virtudes e o saber de seus pais, e, ainda, mesmo que as herdem, podem fascinar-se pelas delícias do mando e abusar do poder, não distribuindo a justiça, tendo assim a sociedade de lutar contra o arbítrio do maior número de déspotas. Se os homens fossem sempre bons, seria esta forma de governo a melhor possível.

 

MONARCA

 

O egoísmo dos homens, a ambição das riquezas e do mando, os desnorteando, abastardaram as instituições, fazendo que o supremo poder das sociedades humanas caísse na vontade de um senhor absoluto, sem restrições mais que as leis do Estado, que as torce conforme as suas paixões.

A este chamam sultão ou grão-senhor na Turquia; rei na Inglaterra, em Portugal, no Congo, em Guiné, na África; czar ou autocrata na Rússia; imperador na Áustria, na China e no Brasil.(6)

A monarquia ou é simples, temperada e limitada; ou é absoluta e despótica. Quer um e quer outro modo de governar a sociedade se a tem considerado em relação ao modo do título de sucessão, com que passa o governo de um a outro soberano e então a monarquia é eletiva ou hereditária.

 

MONARQUIA SIMPLES

 

É a monarquia um governo simples e limitado, quando o poder supremo está circunscrito ao império das leis fundamentais do Estado, e o monarca (rei ou imperador) é o primeiro a obedecê-las; porque as leis devem ser superiores ao seu executor.

Esta forma de governo deve ser estimada, por ser a que mais se conforma com o bom senso; porque se o chefe do estado deve ser superior a todos, as leis devem estar acima dele.

 

MONARQUIA ABSOLUTA

 

A monarquia absoluta ou despótica é a forma de governo no qual a lei é a vontade do soberano. Esta forma de governo é terrível; porque se o monarca não é homem de bem, ilustrado, patriota e bem-intencionado, a sociedade, pelo medo, torna-se um estado de escravos, porque a lei é a vontade ou o capricho desse homem; e então os povos comprimidos pela tirania podem livrar-se da opressão, porque é sempre em favor da razão rebelar-se contra o tirano.

 

MONARQUIA ELETIVA

 

A monarquia eletiva é a forma de governo, na qual, depois da morte do monarca, o povo livremente escolhe, dentre os mais dignos, um cidadão, no qual investe o soberano poder. Burlamachi, nos seus Elementos de Direito Político, diz que este modo de governo deve-se fazer ou livremente, ou dentro de certas famílias; o que teve lugar nos últimos anos do império romano; em Portugal em 1139, na aclamação de D. Afonso Henrique; em 1385, no mestre de Avis, D. João I; e em 1640, em D. João IV. No México, antes do ano de 1521, em que os espanhóis o invadiram, sob as ordens de Fernando Cortés, a monarquia era eletiva, sendo o Imperador Montezuma o III, na ordem soberana. Esta maneira de monarquia é preferível e assaz conveniente, porque se o soberano tiver filhos, os educará de modo que os torne dignos de o suceder, chamado pelo povo.

 

MONARQUIA HEREDITÁRIA

 

A monarquia hereditária é a que delega o poder soberano a uma só família ou dinastia. Esta forma de governo é contra a natureza, porque Deus não criou famílias privilegiadas a procriarem filhos, para o governo dos homens; porque na sociedade, quando seja preciso, existem indivíduos dignos deste encargo, que podem ser chamados.

Muitos homens inteligentes se opõem à forma do governo monárquico eletivo, pelo que aconteceu à Polônia, que até perdeu a sua nacionalidade; mas esses mesmos que assim pensam devem saber que circunstâncias diversas concorreram para a Polônia perder mais tarde a sua nacionalidade.

 

RETROSPECTO HISTÓRICO E POLÍTICO DA POLÔNIA

 

Os diversos povos morovianos, cracóvios, silesianos e outros, espalhados nas regiões meridionais, oprimidos pelos gregos e turcos se ligaram, para sacudir o jogo do inimigo comum, e se constituíram em um só estado; a Polônia já sendo uma nação em 550, da era cristã, foi o seu primeiro chefe Lech; e depois Piart, quem em 842, fundou uma dinastia, que reinou na Polônia até 1370.

Miecislau I, duque da Polônia, abraçando o cristianismo em 965, tomou sobre si o governo da Polônia, até que faleceu em 992; e seu filho Boleslau, que o sucedeu, elevou o reino ao maior esplendor, e assim se conservou até o ano de 1139, em que Boleslau III, o dividiu por seus quatro filhos; divisão muito desastrosa pelas perturbações que duravam por dois séculos, até que Ladislau, tomando conta do governo da Polônia, convocou uma assembléia nacional, e transformou a Polônia em monarquia temperada.

Seu filho Casimiro, depois da queda do império grego, abatendo a nobreza, elevou o povo, e muito resistiu às tentativas dos turcos; Luís, rei da Polônia e da Hungria, que sucedeu a Casimiro, deixou duas filhas, Edviges e Maria; e aquela, sendo reconhecida rainha, casou-se com Jagelon, grão-duque da Lituânia, em 1386, que tomou o nome de Ladislau IV, e muito ilustrou a Polônia; mas depois da extinção dos Jagelons, na varonia, em 1572, passou a realeza a ser eletiva; cuja eleição se fazia em tendas nos campos de Varsóvia. Desde então a força central se foi enfraquecendo, e ainda mais por causa do pacta conventa ou juramento com limitadíssimo poder.

Em 1586, Estêvão Batory, fez com que a realeza se tornasse hereditária; e os polacos, elegendo Sigismundo Wasa, filho de Catarina Jagelon, da Suécia, lhe entregaram o trono.

À medida que isto acontecia, as questões religiosas enfraqueciam a Polônia, e neste estado a política da Rússia temendo a forma do governo eletivo que a Polônia havia adotado, principiou a maquinar-lhe a ruína, seguindo-lhe no mesmo caminho a Áustria, para se apoderarem dela, como efetivamente aconteceu.

Em 1790, os polacos, aproveitando-se da guerra da Rússia e Suécia contra os turcos, se rebeleram e promulgaram a Constituição de 1791, sendo admitidos os cidadãos burgueses aos direitos civis e políticos, fazendo a Polônia aliança com Frederico Guilherme da Prússia; mas a Rússia, manejando novas intrigas, Frederico abandona a Polônia e é este estado dividido entre a Rússia, a Prússia e Áustria, em 1793; e a Polônia, com esta divisão, perdeu a sua nacionalidade. Esta perda tão sensível para um povo amante do seu país fez que um grande número de patriotas entrassem em uma luta desesperada em 1794, e não podendo lhes resistir, pela desigualdade da força, foram batidos uns, mortos outros e para mais de 15.000 cidadãos polacos desterrados para a Sibéria.

Esta tremenda derrota não desanimou ao patriotismo da Polônia, porque a perda da sua nacionalidade lhe dava coragem para novos empenhos, e esperavam os polacos obtê-la pela proteção de Napoleão I, que via nas legiões polonesas a heroicidade de um povo digno de melhor sorte; e foi com a vitória de 14 de junho de 1807, que promoveu o tratado de Telsit, que pôs mais de dois milhões de polacos como membros de nação; mas o desastre da campanha de 1812, e depois a queda de Napoleão I, apagou as esperanças da Polônia, ficando de novo reunida à Rússia em 1815.

O czar Alexandre, para comprimir os polacos com o rigor do despotismo, entregou o governo da Polônia a seu irmão Constantino, que chegou a suprimir-lhe a linguagem nacional nos atos e documentos oficiais.

A revolução dos dias 26, 27, 28 e 29 de julho de 1830, que destronou Carlos X e elevou ao mesmo trono da França o duque de Chartres, Luís Filipe de Orléans, no dia 30 do mesmo mês, despertou nos patriotas da Polônia o sentimento de rebelarem-se, em proveito da sua nacionalidade, e Wyoscki com outros cidadãos, suspendendo o estandarte da revolução, entrando em luta, foram batidos, e com eles murcha a esperança de reaverem a sua nacionalidade.

Em 1848 a Hungria, tendo a sua frente Luís Kossuth e outros, se revolucionou, mas nada conseguiram e abandonaram a pátria.(7)

Se a monarquia eletiva durou somente de 1583, na Polônia, em Sigismundo Wasa, até João III, em 1674, não foi pela índole da forma de governo; mas pelas intrigas e ambições dos estados vizinhos que a embaraçavam; porque os soberanos vitalícios e hereditários temiam que em seus estados pudesse ser admitida igual forma de governo, sem se lembrarem que nenhuma família tem direito de procriar filhos para exclusivamente governarem as sociedades humanas.

As convenções sociais formam as leis; e a autoridade suprema deve ser da escolha dos membros da sociedade, e não imposta pelo arbítrio; porque a idéia da hereditariedade do poder lembra a idéia do escravo e a do senhor, e as sociedades modernas repelem a idéia da escravidão. Foi por isso que concordaram na forma de governo misto, que é a que abrange o elemento democrático, aristocrático e monárquico, no qual o poder soberano está dividido entre o chefe do Estado e a representação nacional.

O governo que se estabelece de acordo com a índole, usos e costumes da nação e que garante os direitos do cidadão, pondo barreiras aos caprichos dos potentados, protegendo a liberdade da consciência, a do pensamento e a individual; nivelando a igualdade dos direitos perante a lei: aquele governo em que o povo é chamado para tomar parte nos negócios públicos e consultado para os impostos que se deve pagar, usando-se com ele de boa-fé e lealdade, este é, sem dúvida, o melhor governo possível.(8)

 

SOBERANIA(9)

 

O princípio de toda a soberania, que é o poder, reside essencialmente em Deus, que a transmite ao povo, constituído em nação. A nação é a única soberania: o magistrado que a representa exerce a soberania por lhe ser delegada.

Sempre que este ultrapassar o determinado na constituição do Estado, o povo tem o direito de o demitir, chamando a si os poderes que lhe conferiu.

 

POVO NAÇÃO(10)

 

Povo é a multidão de homens de todas as classes sociais, de um mesmo país e de uma mesma raça. Na educação popular está a felicidade da nação, porque sem ela não forma caráter nacional e nem a conformidade de costumes. Sem a educação popular não há consciência pública, e acontece o que sucedeu em Sama, os povos levantaram no templo de Juno uma Estátua de Alcibíades vencedor, e quando foi vencido, levantaram outra a Lisandro seu inimigo!

A nação é o conjunto de homens e de famílias, tendo uma origem comum, vivendo sob o mesmo território, sob as mesmas leis, com usos e costumes próprios e a mesma linguagem.

A distribuição dos povos em nação vem do século IX, parecendo com isto se constituírem em famílias distintas, com os mesmos direitos e regalias na vida social.

 

REALEZA

 

Os homens, fê-los Deus iguais em direitos, uns sobre os outros, e perfeitamente livres. Deus não criou reis, magistrados, vassalos e nem escravos, porque gravou na consciência de todos uma só lei, que é a do “amor universal”, origem da benevolência e do trabalho, para sermos felizes sobre a Terra. Enquanto os homens observaram esta lei, viveram bem; porque cada um, de acordo com a sua consciência, vivia conforme a razão – “Não faças a outrem o que não queres que façam a ti” – eis a lei.

Tendendo os homens a viverem em sociedade, estabeleceram regras para harmonia e felicidade comum, nas quais se respeitassem os direitos, que cada um queria fazer respeitar em si; mas esta convenção não dando segurança bastante, criaram magistrados, para velar na execução das leis, resultado das convenções; e desde este instante o cidadão renunciou à sua independência, mudando de natureza, legislando para si mesmo, criou senado, deu privilégios a famílias, variando tudo conforme sua moral, sua política e suas leis!

Depois concentraram o poder nas mãos de um só homem, que se constituiu soberano ou rei.

 

USURPADOR E TIRANO

 

É o usurpador o injusto possuidor do governo, que exercita o poder contra a vontade dos governados, cuja autoridade foi adquirida por violência; e o tirano é o que governa cruelmente, indo de encontro ao fim e intenção para que foi chamado. É o tirano o verdugo da humanidade; o castigador dos sonhos e pensamentos. Para ele, tudo é crime de lesa-majestade; e por isso sempre espavorido, teme a cada instante a vingança dos homens. O tirano só trata de satisfazer as suas paixões, com crueldade e a custo do sangue alheio, e por isso obra com desatino, oprimindo e esfolando os povos, como fez Dionísio, que não só assolou a Parta como, em cinco anos, meteu nos cofres todo o dinheiro de Siracusa. Os tiranos reis do Egito, para ostentar uma fúnebre vaidade, com tirania empregaram milhares de homens na construção de suas pirâmides.

 

TIRANIA

 

É tirania o governo da violência, da proscrição e da dominação arbitrária, no qual se praticam atentados e crimes contra a liberdade e existência dos homens.

A humanidade, guiada pela razão e pelo desejo de ser feliz,revolta-se contra o governo injusto e tirânico, sob o qual vive; e por isso nenhum indivíduo comete crime, quando propõe a seus concidadãos uma forma de governo mais compatível com a idade, usos e costumes da nação; porque assim firma o império das leis, e previne a anarquia, pondo barreira à tirania.

Em todos os governos em que a monarquia é vitalícia e hereditária existe um vício radical que corrompe as instituições, que é o abuso que o Poder Executivo faz na execução das leis e na distribuição da justiça, que, muitas vezes, deixando o mérito, vai galardoar o vício, com detrimento da própria justiça.

As paixões, inimigas implacáveis e eternas da ordem pública, que conduzem sempre cada indivíduo a ver só o seu interesse particular, não serão reprimidas se o receio de ser apeado do poder o não desanimar. E onde buscar os meios de o refrear, e regular suas paixões, se o seu encargo é vitalício, hereditário e patrimônio de família!?

Foi sempre a hereditariedade e vitaliciedade do governo dos homens que, em todos os tempos, mudou a eqüidade em despotismo e tirania. Qual é que não tem abusado do poder para seus fins? Nascer grande, diz o abade Maboly, é uma razão poderosa, para ser pequeno toda a vida; porque corrompido na infância pela lisonja e pela mentira; embriagado pelos prazeres e paixões na mocidade, e na velhice engolfado no seu orgulho, entre os aduladores e cortesãos não se arrepende de suas maldades. Os príncipes que têm nascido talentosos, nenhum conhece os seus deveres e nenhum tem feito a felicidade dos povos. Aqui mesmo, no Brasil, podia provar com os fatos a proposição que acabo de enunciar.

 

DESPOTISMO

 

O despotismo é um poder usurpado, que se funda na pretensão absurda de que a vontade do soberano deve fazer a lei para a sociedade; e daqui vem a idolatria que faz cair o estatuário aos pés da imagem saída de suas mãos. O despotismo hoje é insuportável, e só pode ser tolerado por um povo ignorante, incapaz de reagir contra o déspota que o comprime.

 

SOBERANO

 

O soberano ou rei é um cidadão da escolha dos povos, para se encarregar do bem da nação, em geral, e da felicidade de cada um de seus membros em particular. O poder que o povo lhe dá é sempre limitado, porque a sociedade só pode consentir nos meios que lhe proporciona.

Quando a sociedade quer ser dirigida por um só de seus membros, chama-se a este cidadão rei, monarca, imperador ou príncipe; e o seu governo chama-se monárquico.

Quando o povo põe o governo nas mãos de um certo número de cidadãos a este governo chama-se aristocrático; mas se o povo reserva para si o supremo mando, ou quando, por meio da eleição comete o governo da nação, por tempo limitado, a cidadãos que o representem, chama-se a este governo democrático ou popular.

Jesus Cristo, que é a verdade eterna, indo de encontro a crenças dos tempos e ao despotismo farisaico, foi o primeiro que, explicando as Escrituras, demonstrou que a verdadeira forma de governo dos homens é a democracia, e proclamou o direito do homem e do cidadão, fazendo sentir que é tão nobre a dignidade do homem, que a sociedade se deve regular pela liberdade, pela igualdade de direitos e pela fraternidade ou caridade universal.

 

LIBERDADE

 

.................................................Liberdade!
.................................................... por ela,
Entre os arames que gozá-la o privam
Geme o plúmeo cantor com doces trinos;
E tanto às vezes, se lhe azeda a mágoa,
Que sem poder sofrê-la, a vida perde:
A fera, em quem por gênio as iras moram,
Saudosa rugir, se houve por ela:
A planta, se do pátrio chão a arrancam
Pra que verdeje lá em solo estranho,
Aos develos agrícolas ingrata,
Empalece, e definha, e langue e morre.
Té o mármore, enfim, duro, insensível,
Se da penha natal, quebrado o arrancam
Bem que em soberbos ostentosos tetos
Os primores sutis blasone d’arte,
Como que mudo ali a ausência chora,
Da amada rocha de que foi lascado.

(J. Gualberto Ferreira dos Santos Reis.)

 

A liberdade é a faculdade de fazer, para a própria felicidade ou ventura, quanto permite a natureza do homem, ligado pelos laços da sociedade; mas circunscrito aos deveres, ser livre não é fazer o que se quer, mas sim o que a razão aconselha que se deve fazer.

Nascendo o homem livre tem direitos certos, essenciais e naturais, de que não pode ser despojado e privado, por contrato algum, e a sociedade não podendo destruir esses direitos, fundados na justiça e na eqüidade, sempre que sua liberdade e segurança forem atacadas, tem direito de reagir contra o opressor.

 

LEIS

 

A sociedade quer e necessita ser governada; e as vontades da sociedade constituem as leis, que são as regras que a comunidade prescreve para a harmonia social e benefício comum. As leis são naturais porque emanam da natureza do homem e não podem ser derrogadas ou suprimidas, por estarem baseadas na essência do homem, como o amor dos pais e seus deveres para com a família, e o de não fazer aos outros o que se não quer que lhe façam. As leis civis são a aplicação das leis naturais, as precisões e as circunstâncias e são feitas para assegurar os direitos do cidadão e obrigá-lo a conformar-se com os seus deveres, sem, contudo, privá-lo da liberdade, da segurança e da sua propriedade.

As leis penais são as que castigam o homem quando ele viola a lei. O que recusa obedecer à lei, falta ao seu dever para com a sociedade e, por isso, torna-se inimigo dela, e portanto sujeito a ser punido porque faltou ao contrato que a sociedade fez.

A lei injusta não confere direito algum. O direito é a faculdade de gozar de um bem, conforme o ditame da justa razão e por isso só é justo o que pode dar direitos. O que a lei permite chama-se lícito; e o que ela proíbe chama-se ilícito: tudo o que é lícito é justo, sendo a lei justa. As leis são injustas, insensatas, querendo o que é nocivo e proibindo o que é útil e bom à sociedade.

 

JUSTIÇA PRIMITIVA ENTRE OS POVOS DA EUROPA E DA ÁSIA

 

(Traduzido da obra de Mr. Aignau)

 

De onde vem o Júri? Que país deu nascimento a esta bela planta que só pode florescer no solo da liberdade? Devemo-lo nós às antigas Repúblicas? Aos bosques da Germânia? À Inglaterra? Se é a esta é indigno àquele país? Seria levado à Europa pelos daneses, ou pelos normandos?

Todas estas questões são superficiais e não vão às entranhas do objeto. O Júri, isto é, o juízo do país não é produto particular de terra alguma; é, para mútua garantia dos cidadãos, a criação espontânea, a inspiração comum de todos os povos, que não são obcecados pela ignorância, comprimidos pelo terror ou abatidos pela escravidão. É a expressão simples da sociedade e a condição primária do seu contrato; é essa lei, de que fala Cícero, “que não é escrita, mas inata; que nós nem aprendemos, nem recebemos, nem lemos; mas foi tirada, arrancada e exprimida da natureza mesma; lei, para a qual não fomos ajeitados, mas sim organizados; lei da qual não somos apossados, porém imbuídos”.

A substância do Júri é ser uma emanação direta da cidade, distinta do magistrado: a sua forma consiste em operar só debaixo da direção e autoridade do magistrado. Onde esta ordem é omitida, as garantias não têm boa ordem; onde esta substância é alterada, as liberdades têm falta de garantias. Nesta matéria, bem como em todas as mais, há grande diferença entre a coisa e a palavra.

Muitos povos têm conhecido o Júri, sem lhe saber do nome; outros possuem o nome, e nada mais.(11)

Quais são as seguranças ao mesmo tempo populares e legais sobre as quais tem assentado, em todos os tempos, e entre os povos de primeira ordem, a administração da justiça, e sobre que segurança deve assentar esta administração no governo representativo? Eis aqui o que devemos indagar: por que não há governo representativo sem Júri? A lei feita pelos delegados do poder é coisa que não se pode compreender.

Longo tempo se passou sem que as sociedades tivessem idéia alguma do equilíbrio, nem mesmo da distinção dos poderes. Os grossos volumes escritos, para provar que elas começaram pelas monarquias, ou estrearam-se pela república, nada prova absolutamente. Repúblicas ou monarquias lhes eram igualmente estranhas no sentido que ligamos a estes termos. Tudo naqueles tempos era confundido: polícia, guerra, administração, religião, justiça; e nesta mesma o cível não se distinguia do crime, nem o cidadão do magistrado. Alguns homens ali regulavam tudo arbitrariamente exceto se havia a pronta e fácil insurreição dos descontentes.

Se quisermos descobrir até as mais pequenas molas do mecanismo político, dos antigos tempos, leiamos Homero. Treze “Basileus”, ou reis, condecorados com o cetro, e sobre os quais “Alcino” só tem poder de proeminência, governam a península dos feacianos. Em Ítaca, o povo escolhia os seus chefes e os revogava. “Certamente”, dizia Telêmaco aos pretendentes, “não é mau ser rei; porque torna-se um homem mais rico e mais honrado; porém, Ítaca tem muitos velhos e moços: se o divino Ulisses morrer, ela nomeie entre aqueles um sucessor e deixem-me reinar em minha casa.”

O direito de administrar a justiça era o atributo comum de todos esses reis eleitos pelo povo. À porta de suas casas, chamadas palácios, pelos nossos poetas, haviam umas poucas de pedras brancas e lisas, sobre as quais se assentavam esses juízes: aqui estava Nestor, com o cetro empunhado; ali, adiante deste, Neleu, seu velho pai. Algumas vezes, no meio da praça pública, sobre assentos circulares, estavam reunidos os juízes ou anciãos. Cometido que fosse um homicídio, o réu jurava perante o povo que já tinha satisfeito a multa: o acusador negava. Ouviam-se as testemunhas de parte a parte; de parte a parte eram proferidas aclamações de favor ou de ódio. Os arautos impunham silêncio; os juízes pronunciavam; tal era a justiça daqueles tempos.

Notemos que isto acontecia entre os povos enérgicos do Ocidente: os da frouxa e servil Ásia oferecem costumes e instituições bem diferentes. Ali desde milhares de séculos já podemos ver formarem-se, umas vezes pelas agregações de pequenas povoações, outras pela fácil conquista de imensos rebanhos de homens, circunscrições de grandes impérios, cortes de grandes reis, governos de grandes províncias, toda a miséria dos fracos e todo o despotismo dos fortes. Não são mais alguns que podem tudo; é um só que pode sobre multidões inumeráveis, e terras ilimitadas. A concentração dos poderes, não é mais efeito da ignorância, que nada sabe dividir; mas da escravidão, que nada sabe conservar. O bastão ou cetro dos pastores do povo é, em sua mão pesada, uma vara de ferro e de chumbo. Ele é invisível no fundo do seu palácio, e julga, sem apelação, pessoas e bens: a arbitrariedade e o segredo são os seus ministros, seus oficiais, seus algozes. Em cada família, eleva-se a seu exemplo, a terrível e absoluta autoridade do pai: e assim como o déspota torneia-se de alguns escravos, que fazem uma espécie de conselho, o pai torneia-se de alguns parentes, como de um tribunal. Todavia, nesse país de despotismo e luta, algumas garantias judiciárias aparecem aqui e ali, bem como alguns pimpolhos de verdura na aridez dos seus desertos.

Entre os assírios haviam uns certos magistrados munícipes, eleitos pelo povo, sob a superintendência do chefe do Estado, os quais sentenciavam vários crimes e delitos. Uns vigiavam a santidade do matrimônio e infligiam castigo ao adúltero; estes eram encarregados de punir os ladrões, aqueles, de reprimir e castigar toda a laia de violência. Em Nínive, foi visto um exemplo famoso de juízo por pares, quando Belesis, sacerdote guerreiro, acusado de haver roubado o ouro das cinzas do palácio de Sardanapalo, foi julgado e condenado à morte por seus companheiros de armas. E não foi o velho Egito, asiático de origem e costumes, o primeiro que apercebeu-se do fundamento de todas as sociedades humanas, quando promulgou essa lei excelente, que punha a vida de cada indivíduo debaixo da proteção de todos, e fazia recair a responsabilidade da agressão sobre qualquer que se recusava à defesa do agredido? E a República Judaica, não foi em suas instituições judiciárias, como em tudo mais, original e digna de atenção?

Moisés, um dos homens mais prodigiosos da antiguidade, que, à maneira de Rômulo, revolveu em seu espírito os futuros destinos do seu povo, fez da igualdade política o princípio fundamental da sua teocracia. Em sua república federativa, ou ela houvesse de admitir algum dia um rei popular, faculdade que ele lhe permitia, ou sempre debaixo da autoridade do Sumo Sacerdote, ficasse submetida a um juiz ou general; não havia entre as tribos outro privilégio, senão a prerrogativa do sacerdócio, conferida aos descendentes de Levi. Os Patriarcas, ou Demarcas, como lhes chamam os Setenta, são os chefes, e todos os cidadãos gozam dos mesmos direitos. Abraão é o pai comum, e nenhum de seus filhos pretende superiorizar-se dos outros dizendo-se mais nobre.

Moisés suprimiu a autoridade patriarcal das famílias, substituindo-lhe a do Estado. Ele e os Setenta que o assistiam formavam o grande Sinédrio, ou Conselho da nação. Subordinados a este Sinédrio haviam guardas, ou condutores de mil, de cem e de cinqüenta israelitas, os quais eram eleitos pelas Tribos.

Distinguiam-se na organização do poder judiciário dos judeus duas qualidades de funcionários: os Sofetins, ou juízes propriamente ditos, instituições que eles imitaram dos Assírios, e os Soterins, ou oficiais encarregados da execução das sentenças; mas este ministério na Judéia nada tinha de indecoroso e infamante. Estes oficiais eram igualmente juízes de polícia municipal. Armados de um chicote ou bordão, eles vagavam pelas praças e mercados e castigavam os turbulentos e ratoneiros.

Para a decisão das causas ordinárias formaram os Sofetins, em cada distrito, um tribunal de três juízes eleitos pelo povo, e, muitas vezes, pelas mesmas partes litigantes, a título de árbitros. Mas quando se tratava de causas capitais ou relativas a homens ou a animais, que a lei de Moisés fazia entrar na mesma linha, instituía-se em cada vila, cuja população excedia a 120 famílias, um Sinédrio composto de 23 Sofetins. Dois haviam em Jerusalém, nas imediações do Templo.

Crê-se, comumente, que um só juiz era encarregado da inspeção preparatória das causas; mas o certo é que a sentença era dada por muitos. O axioma fundamental da jurisprudência dos hebreus, que os distingue de todo o resto do Oriente, era: não julgueis só. O mesmo rei, não era excetuado desta máxima tutelar. Salomão a postergou; por isso corrompeu a lei de Moisés e os costumes dos hebreus.

Todos os judeus eram admissíveis às judicaturas, exceto à mais alta, isto é, ao Tribunal dos Sete, encarregado de atribuições especiais. Ali só se admitiam homens ricos, porque tinham a seu favor a presunção de maior independência; os bem apessoados, porque julgava-se que a benevolência da alma estava unida às graças do corpo; de uma idade madura, para que as decisões fossem mais prudentes; pais de família, enfim, porque muito se arreceava da dureza do celibato ou da esterilidade.

Os israelitas tinham outros tribunais, entre os quais havia um para os estrangeiros. Nesses tribunais, exigia-se uma reunião talvez mais difícil de encontrar do que a ciência, isto é, a piedade, desinteresse, boa reputação, amor da verdade, e sobretudo doçura: porque esta presidia a instrução das causas e formava, como veremos, um atributo muito considerável do código judicial dos hebreus. As instruções sublimes e patéticas, que desde logo se davam aos juízes, eram as seguintes: 1º não recebais a palavra do mentiroso, nem deis a mão ao ímpio, para prestar em seu favor um falso testemunho; 2º não te deixes arrastar pela multidão, para fazer o mal, e, quando julgares, não cedas ao parecer da pluralidade, torcendo a verdade e consciência; 3º não postergues a Justiça, para condenar o pobre; 4º não recebas presentes, porque eles abalroarão o coração do sábio e corromperão o juízo do justo.

Todo o processo era público. O acusado, vestido de negro e com os cabelos desgrenhados, assentava-se em um assento elevado. Fazia-se primeiramente a leitura da culpa: depois o acusador, como de razão, apresentava as provas, e em seguida ouvia-se o depoimento das testemunhas. Não podiam jurar os usurários, os jogadores, os escravos, os infamados e os parentes. Procedia-se logo ao interrogatório do acusado. Os juízes não podiam urdir-lhes enganos, nem inspirar-lhes temor, uso indecente e feroz, que desgraçadamente se há introduzido na maior parte das nações modernas. Muito pelo contrário, todas as expressões que os judeus empregavam com os acusados, respiravam humanidade e certa espécie de benevolência.

A confissão do culpado modificava a pena, mas não fazia prova suficiente para a pronúncia: para esta, era necessário o depoimento conteste de duas ou três testemunhas. Igual era a pena, para todos os culpados, igual a tarifa das reparações para todos os ofendidos. Não haviam essas odiosas apreciações de pessoas, graduadas no modernismo, pela escala da oligarquia, ou do feudalismo. Pelo Código Judaico, todos os homens eram igualmente reputados criaturas de Deus. Uma multa de cinqüenta siclos, punia indistintamente o comércio ilícito, com a filha do pobre.

As condenações deviam ser pronunciadas em jejum, e pelo menos pela maioridade de dois votos. Deste modo treze votos vinham a ser necessários em um tribunal de 23 juízes, para ser condenado um réu. Nunca em um mesmo dia se davam duas sentenças capitais, e estas não seriam definitivas senão depois que os juízes, voltando ao tribunal no fim de 24 horas, passadas no recolhimento e meditação, confirmavam o acórdão lavrado no dia antecedente. Os judeus não conheciam esse honroso escândalo dos magistrados de hoje,(12) que saltam de uma sentença de morte para um banquete ou para os braços da dissipação e do deleite.

E é muito para notar, que a apelação para os próprios juízes só fosse permitida a favor do condenado: os votos que os absolviam eram irrevogáveis.

Sigamos agora os passos do réu, até o instante do suplício. Ainda nesse fatal momento nem está perdida a esperança, nem exaurida a proteção. Dois magistrados inferiores o acompanham, e têm de obrigação recolher e avaliar as suas finais declarações. Chegado ao lugar fatal um arauto perguntava em alta voz, se alguém havia que quisesse defender aquele réu. Havendo-o, era o mesmo réu conduzido outra vez à prisão, e o seu processo novamente revisto. Foi assim que Daniel salvou a Susana.

Esgotou-se enfim toda indulgência a favor do réu: cinco vezes foi da prisão ao suplício, e voltou do suplício à prisão, sem que os esforços dos seus defensores conseguissem obliterar a evidência terrível que o acusava; a sociedade perturbada e posta em perigo reclamava imperiosamente um exemplo salutar: não há mais remédio. A trinta palmos então de distância do cadafalso, e antes que os olhos do infeliz encarassem o medonho aparato, exigia-se dele a confissão do crime, cobria-se-lhe a cabeça, e o último benefício da piedade, que o desamparava, era o de embriagar o malfadado. Quando os algozes de Jesus Cristo lhe apresentaram o fel, e vinagre, a sua cega ferocidade parodiava este ato de compaixão.

A sentença, que fez morrer o Divino Redentor, foi dada por aclamação. Os que a deram, foram os senadores(13) e pontífices, isto é, a nobreza e o clero de Jerusalém. O Filho de Deus, o homem por excelência, e a sua santa doutrina só tinham por si o terceiro estado, isto é, o povo; tanto assim, que a culpa que lhe atribuíam era instruir o mesmo povo, e dispô-lo a uma sublevação. “Ele promove a revolta do povo com as doutrinas que espalha.” (Veja-se S. Lucas, cap. 23).

 

O POVO ROMANO, SEU GOVERNO E SUAS INSTITUIÇÕES

 

Sabe-se que depois da destruição da cidade de Tróia, na Ásia menor, na costa do mar Egeu, a que chamam Helesponto ou Dardanelos, o piedoso Enéias, acompanhado de seu filho Ascânio, e de uma porção do exército troiano, veio à Itália, onde se casou com Lavínia, filha de Latino, filho de Fauno e de Maria, rei dos aborígines, e onde por longa sucessão, passou o reino Latino a Sílvio Procas, rei dos albanos, pai de Nomitor e Amúlio. Nomitor desvirtuando Réia Sílvia (vestal) deu à luz dois filhos, a quem pusera os nomes de Rômulo e Remo, que foram os fundadores da cidade de Roma, no dia 20 de abril, do ano 573, antes da vinda de Jesus Cristo, 431 da guerra de Tróia, sobre o monte Palatino, cujo dia se chamou Palília, do nome de Pales, deusa dos pastores.

Rômulo, que necessitava de auxiliares, abriu os braços para receber a todos os homens, que se quisessem reunir a ele, e escolheu asilo entre os montes Palatino e Capitólio; e já tendo número considerável de auxiliares, consultou a todos sobre o modo de governo que devia estabelecer e foi aclamado rei.

Rômulo sentia necessidade de aumentar a população, e para obter as filhas dos sabinos, cinsienses e outros povos vizinhos, os convidou a assistir às festas que se iam celebrar em honra do deus Conso ou Netuno; o que tendo lugar foram as mulheres roubadas e por esta causa entrando esses povos em luta com Roma, por fim desenganados fizeram a paz, e para memória dela ficaram os romanos com o nome de Quirites ou Cures (lança), cidade dos sabinos como símbolo da fortaleza.

 

DISTRIBUIÇÃO DO POVO E DAS CLASSES SOCIAIS

 

Rômulo, para firmar o seu governo, teve o bom senso político de dividir o seu povo em três turmas, a que chamou tribos. Dividiu as tribos em dez cúrias (entre nós freguesias) dando a cada tribo um chefe, a que chamou tribuno; a cada cúria, deu também um chefe a quem chamou cúrio. A todos eles deu um governador-geral, ao qual chamou cúrio máximo.

No princípio da monarquia romana, se tirava de cada tribo mil soldados e cem cavalheiros, para formar uma legião romana, sendo tudo isto aumentado com o incremento da população.

As tribos, com o correr do tempo, foram distintas em urbanas e rústicas, conforme os bairros da cidade, chegando a cidade de Roma a possuir 35 tribos, nas quais deviam estar alistados todos os cidadãos romanos. Rômulo governou 37 anos, tendo ainda estabelecido três classes de pessoas, para compor a sociedade romana:

1ª classe – Os patrícios, composta das pessoas mais distintas pelo saber, bons costumes, idade avançada, nobreza de sentimentos e riquezas, a que hoje chamam nobres.

Destes nobres foram eleitos 100 cidadãos e compuseram o senado ou cúria romana, também chamados patres conscripti. Este corpo respeitável se incumbiu da administração de todos os negócios do império.

Esta escolha que no princípio era feita pelas tribos, passou depois a ser feita pelos reis; depois pelos cônsules, pelos censores, e alguma vez pelo ditador.

Os censores, de 5 em 5 anos, passavam revista aos senadores, e os que julgava indignos do cargo não lhes publicavam os nomes.(14)

Os senadores eram tirados das famílias patrícias.(15)

2ª classe – Eqüestres ou cavalheiros, que eram tirados de cada tribo 100 mancebos de boa família, conhecidos por seus dotes de alma e do corpo, por suas riquezas, aos quais se dava um cavalo, para guarda da pessoa do rei.

A 3ª classe a plebéia ou popular.

Na totalidade do povo romano estava a sua soberania e suma autoridade, tanto nos negócios civis, como bélicos. Cada um do povo tinha o seu patrono, escolhido na classe patrícia, que vigiava sobre ele. Quando o povo romano queria decidir algum negócio, se ajuntava em grandes grupos para votar em um dia designado: chamavam a estas reuniões comícios, sendo os magistrados, e algumas vezes o Pontífice Máximo, quem convidava o povo para essas reuniões ou comícios. Os magistrados eram eleitos no Campo Márcio; e a promulgação das leis e a administração da justiça se faziam na praça pública (Fórum) ou no Capitólio.

Os que pretendiam as honras e os cargos da república vestiam-se de toga branca (candidatos). Os ricos vestiam-se de toga alva. Os magistrados tinham o encargo de examinar se os candidatos tinham todas as qualidades legítimas para serem providos; e reconhecidos capazes anunciavam ao povo. Nos comícios, a poder de obséquios conseguiam grande preponderância social; e eram tirados da ordem patrícia, tendo para este encargo nunca menos de 25 anos.

Na fundação de Roma o governo foi monárquico eletivo(16) que durou até o insolente Tarqüínio, o Soberbo, e principiou a República. Os reis tinham coroa de ouro, cetro, toga de púrpura, mesclada de branco, cadeia curul de marfim, defendidos por 12 lictores, com varas e espadas.

No tempo da República os cônsules, maior autoridade, usavam das mesmas insígnias, embora eleitos todos os anos. No começo foram dois, Lúcio Júnio Bruto, e Lúcio T. Colatino. Com o tempo perderam grande parte da autoridade e poder, por que foram admitidos à dignidade consular homens da plebe; sendo o primeiro cônsul plebeu Lúcio Sêxtio (no ano 388).

Depois dos cônsules seguiam-se os pretores, sendo uns urbanos (os mais honrados) que julgavam as causas civis, e outros peregrinos, para as causas dos estrangeiros. Os governadores das províncias e os generais também eram chamados pretores: estes tinham seis lictores, com varas, eram togados, cadeira curul, lança (sinal de jurisdição) e espada. Seguiam-se os edis, que eram os conservadores do bem público da cidade, inclusive os templos, aquedutos, edificações e da polícia municipal.

Não sendo mais possível a plebe romana sofrer as injúrias e ultrajes, que lhe faziam os patrícios, criaram no ano de 261, por ocasião de uma disputa com o Senado, uma magistratura, para a defender contra a prepotência dos grandes, a que se chamou Tribuna da plebe, sendo os primeiros eleitos C. Lucínio e L. Albino. No princípio foram dois os criados; mas com o rodar do tempo foram aumentando até o número de dez tribunos da plebe. A força do seu poder era tanta, que podiam prender quem os não obedecessem, quer fosse particular e quer magistrados. As suas pessoas eram sagradas, e quem os ofendia era tido por detestável; chegando por fim a sua autoridade a ser absoluta, e sem o seu veto nada se fazia.

Os questores eram magistrados que tinham a inspeção sobre o Tesouro público, depositado no templo de Saturno, e se encarregavam da receita e da despesa do Estado, e do mais que competia a este encargo. Havia questores provinciais e militares, que acompanhavam os cônsules, os pretores que iam governar as províncias; eram inspetores dos tributos (coletores) e davam conta de tudo. Os questores parricidas eram juízes dos crimes capitais. Os outros magistrados eram os triúnviros capitais, que julgavam os crimes das pessoas ínfimas; e mesmo condenavam à morte a outros sentenciados. Os triúnviros monetais, que tinham a seu cargo vigiar os moedeiros falsos; e sobre os que trabalhavam em ouro, prata, cobre, etc. Havia outros triúnviros encarregados de vários misteres.

 

DITADOR

 

Era criado o cargo de ditador, na República, quando aparecia alguma sedição, ou medo de alguma guerra, ou o exército estava cercado. A eleição do ditador era feita por um dos cônsules, com permissão do Senado e recaía em um senador consular; a eleição era feita à noite, precedendo a consulta dos agouros do costume. O seu poder bem que semestral, era muito grande, e sem dependência do Senado e nem do povo. Eleito o ditador, cessava o poder de todos os magistrados, à exceção da do tribuno da plebe. O ditador era acompanhado de 24 lictores, e usava das insígnias reais. Com o tempo foram limitando a sua jurisdição.

Nunca se elegia um ditador sem que ao mesmo tempo se elegesse um mestre de cavalaria, para comandar a cavalaria, e o coadjuvar. Havia outros cargos na República, como o de censor, para averiguação das rendas e possibilidade dos cidadãos, cuidar da polícia e economia da cidade, vigiar sobre os costumes, tanto públicos, como particulares. A dignidade do censor era superior à dos cônsules, não na força, mas na honra.

Havia o prefeito da cidade, que era o substituto do cônsul, que fazia as suas vezes; o prefeito do pretório, instituído no tempo dos imperadores; o prefeito dos víveres, para cuidar dos mantimentos, que sustentavam a cidade. Os decênviros tinham o poder consular, e foram os que escreveram as Leis das Doze Tábuas, base do direito público e particular dos romanos. Estes magistrados foram castigados e extintos pelos seus desvarios. Dos outros empregados romanos não falarei, porque os seus encargos eram muito limitados.

O governo dos primeiros reis de Roma durou 244 anos; o governo democrático durou até Augusto, 31 anos antes da vinda de Jesus Cristo. A eleição dos cônsules chegou até o ano de 541, depois da Era Cristã, em que foi suprimida pelo Imperador Justiniano. O fim que tiveram Júlio César e Pompeu com as guerras civis foi abolir a liberdade. O espírito da independência nacional desapareceu em Roma depois da célebre batalha de Actium, ficando os romanos incapazes de se governarem. Os romanos nos tempos dos imperadores passavam vida indolente e viciosa; e serviam-se com tropas mercenárias, que se vendiam a quem melhor lhes pagava. Os imperadores ou morriam pelo veneno, ou nas pontas dos punhais; sendo por fim o Império Romano dividido por Constantino no ano 337, ficando Constantino com Constantinopla como sede do Império do Oriente, e Roma para sede do Império do Ocidente. No ano de 860 da era cristã, Roma, e a Itália, foi entregue, por Carlos Magno, ao Papa com toda a sua soberania.

 

POLÍCIA

 

Rômulo tinha grande cuidado na polícia da cidade de Roma, porque compreendia que este ramo da polícia é o que tem a seu cargo manter as leis feitas para a segurança interior dos estados, e obrigar os cidadãos a viverem fraternalmente entre si, segundo o voto da sociedade, e conforme as regras que prescreve o direito natural.

A polícia é que deve suprir a negligência da sociedade, e vigiar que a sua tranqüilidade não seja perturbada; acalmar as paixões desenfreadas, que podem transtornar a paz pública. Subordinada às leis, a polícia deve empregar a vigilância e a força, de acordo com elas, sem contudo ultrapassá-las, respeitando em tudo a liberdade do cidadão.

Em Portugal a polícia foi criada por Alvará de 25 de julho de 1760, de acordo com o 25 de dezembro de 1608, e ao Decreto de 4 de novembro de 1757, e também ao de 20 de outubro de 1763; sendo o primeiro intendente de polícia o Desembargador Inácio Ferreira Souto, e seu ajudante o Desembargador João Xavier Teles.(17)

No Rio de Janeiro, foi criado o lugar de intendente-geral da polícia por Alvará de 10 de maio de 1808, sendo o seu primeiro intendente o Desembargador Paulo Fernandes Viana. Uma sábia, ativa e prudente polícia é o mais seguro apoio da liberdade e tranqüilidade pública; porque é necessário que haja tino e muito conhecimento dos ardis e artifícios dos homens para se lhes desvanecer os intentos.

 

ENFERMIDADES SOCIAIS

 

A sociedade, como o homem em particular, é sujeita a enfermidades que a contaminam, e que se lhe não aplicam remédios a tempo, para curá-la, semelhante à lepra, vai-lhe corroendo as entranhas, terminando pela corrupção e pela morte.

A lepra social, que fez desaparecer florescentes impérios da Antiguidade, são o jogo, os prazeres desregrados, a ociosidade, a preguiça, a perversão dos costumes, o luxo nos vestidos, que humilha o pobre e abre caminho ao mal da mulher, que falta de meios, invejando a ostentação das ricas, atiram-se aos vícios para as equiparar! Os romances, e livros licenciosos, as pinturas obscenas, a falta da educação moral e religiosa nas classes baixas da sociedade; a soberba e a vaidade dos ricos e potentados, que procuram desprezar os pobres, embora honestos, são causas de grandes males para a sociedade.

O luxo é a peste ou a lepra, que lentamente corrói os fundamentos da nação, e dá com os estados por terra; como aconteceu em Roma, que ardeu por causa de Cina, Mário e Cila e na conjuração de Catilina e seus confederados, todos das principais famílias, cuja origem das guerras civis foi a superfluidade na riqueza dos vestidos, na preciosidade das alfaias, delícias das mesas e outras cousas, que consumiam fortunas fabulosas, que os empenhando, e já pobres, desejando sustentar o decoro, se levantaram contra a pátria e a destruíram. Chegava o luxo das jóias, em Roma, a ser tão demasiado, que uma matrona da campânia, indo visitar a célebre Cornélia, filha de Cipião o Africano, por ostentação lhe mostrando as suas jóias e adornos, lhe pediu as suas para ver; Cornélia imediatamente levanta-se e vai buscar seus filhos e os apresentando lhe disse: – Eis aqui as duas jóias mais preciosas que eu possuo – e a frívola matrona confundida mudou de conversa e não lhe falou mais em adornos!

Na educação moral e religiosa da família está o remédio para curar uma boa parte das enfermidades sociais; ficando o resto aos mestres no aperfeiçoamento dos caracteres. Cornélia, tendo sido pedida em casamento, por um poderoso rei, o rejeitou, preferindo casar-se com um simples cidadão romano, a quem se havia com amor dedicado. Os romanos, reconhecendo o grande mérito da filha de Cipião o Africano, erigiram-lhe uma estátua com esta eloqüente inscrição – Cornelia mater Gracchorum – Cornélia, a mãe dos Gracos. Epaminondas, general tebano, contentava-se com um só vestido por ano.

César Augusto não usava de outros vestidos, senão os que a mulher e as filhas lhe faziam. As senhoras nobres da primitiva Igreja Católica, fundada por Jesus Cristo, conforme o testemunho de Tertuliano, consideravam as jóias e o luxo nos vestidos como insígnias de pecado, e fundavam os seus adornos nas virtudes pessoais e domésticas e no cuidado da educação de seus filhos. Conheço, entre nós, senhoras brasileiras que dão pouca importância às exterioridades feminis, e olham com desprezo os adornos supérfluos.

O costume, o uso e a uniformidade voluntária no vestir e na mesa é o modo particular de viver de uma nação, cidade ou lugar; e é tão poderoso, que prevalece a todas as leis, ordens e estatutos humanos. Píndaro dizia que o costume é o rei dos homens e o imperador do mundo; é um traidor, que insensivelmente se vai introduzindo, e com o tempo chega a ter tanta autoridade, que não só perverte às leis da natureza, mas passa ele mesmo a ser outra natureza.

O costume é um direito não escrito, em sua origem, e, introduzido pelo uso e consentimento tácito e voluntário, adquire a força da lei imperiosa.

Todos os povos, antes das leis escritas, tiveram costumes e usos. Os lacedemônios não tinham outras leis que os seus usos e costumes. O Imperador Justiniano, nas suas Instituições (Tít. 2º), diz que o direito não escrito é o que o uso autorizou.

Em França, Carlos VII, por uma ordenança, mandou redigir, por escrito, todos os costumes e usos do reino; e Luís XI desejava uniformizá-los, mas não o conseguiu porque a morte o tirou deste mundo.

Ulisses preferia a sua ilha de Ítaca a toda a Terra; e os lacedemônios se envergonhavam de vender a sua herança. Os franceses fundaram os seus costumes nas tradições romanas, francas e germanas; os romanos fundaram os seus usos e costumes nas Leis das Doze Tábuas. Na Inglaterra os costumes tomam força de lei, e por isso a aristocracia não consente a existência de uma constituição política, para não haver um poderio legal, contra os seus privilégios. A Alemanha é governada pelo direito romano, não obstante haverem costumes locais, e leis especiais.

Na educação popular, e na da família, como já disse, está todo o segredo de curar a lepra social, formando os costumes nacionais, e bons cidadãos, boas mães, e ao mesmo tempo que se aproveitam os talentos, modificam-se as inclinações, formando-se verdadeiros caracteres. Entre nós a educação é oficial, mentirosa, fantasmagórica, e por isso nenhum resultado proveitoso dará à sociedade brasileira.

Um escritor nosso em 1830 falando contra o luxo disse: Infelizmente o nosso Brasil vai começando por onde muitas nações têm ido ao túmulo. Para se ter o luxo é preciso não só dinheiro para o necessário, como para o útil, o agradável, e este, com superfluidade. A maior parte dos cidadãos (falando do Rio de Janeiro e das províncias) não tem réditos que cheguem para tanta coisa; é mister que uns esfolem os outros, por todos os meios, que essa precisão factícia lhes subministra. Por isso o magistrado quer andar em douradas berlindas, quer ter uma mobília e tratamento de Luculo, não lhe chegando os ordenados para tanta despesa, põem as sentenças em leilão, a quem mais der. O oficial quer andar agaloado da cabeça até aos pés, jogar grosso, etc.; tira do pão e da roupa dos soldados; e se estes se queixam, o indenizam com a chibata ou a espada! O ministro de Estado, além dos filhos, parentes e afilhados, tem maiores necessidades, e então são os contratos lesivos, as empresas, os créditos suplementares que dão para o luxo, e à sombra da lei furtam sem pau, nem pedra, quase a ex officio.(18)

O homem que não tem ofício ou cargo que lhe meta nas unhas pretendentes para esfolar, furta com gazua, ou chave falsa, ou andam pelas estradas, e tudo isto é para sustentar o luxo. Cuide o governo (se o tivéssemos) em pôr cobro ao luxo; a assembléia empenhe-se em remediar os males que o Brasil conseguirá a sua prosperidade.(19)

 

NACIONALIDADE

 

O povo reunido em nação, concentrando em si a força e a soberania política, estabeleceu como dogma o direito da sua nacionalidade; e crente de vir a sua soberania emanada de Deus, delega o seu exercício e autoridade em quem lhe convém; e sempre que o seu delegado ultrapassar o determinado no pacto, ou convenção escrita, tem a nação o direito de o demitir, chamando a si os poderes, que lhe conferiu. Esta crença está consignada nas constituições dos povos americanos, e em algumas dos povos da Europa, que se regem pela formas constitucionais e democráticas; e daqui veio, como muito bem diz o Sr. D. Allonier, ser a nacionalidade o elemento vital de uma nação; o espírito de patriotismo, de amor ao solo, de confraternidade, de comunidade, de princípios e de interesse geral, que subsiste em um povo, mesmo ainda depois da perda do seu nome.

Foram as conquistas, os tratados, as santas alianças que consideravam os povos como gado, que se distribui em manadas, e dadas aos conquistadores; mas essa doação perigosa torna-se improfícua se o espírito de nacionalidade vive ainda; e a lembrança da nação não está morta. Embora mutilada, seus membros esparsos tendem sempre a reunir-se e o conseguem cedo ou tarde. A nacionalidade italiana não acaba de reconstruir o povo italiano, dividido e oprimido desde tantos séculos? Esperemos que este exemplo não será o último na Europa, onde tão poucos estados têm uma nacionalidade definida, onde tantas nacionalidades estão subjugadas. Diz o mesmo Sr. Alonnier que só a França é a nação que com orgulho pode dizer ser a única bem constituída na Europa, e por isso a que tem força legítima, não só pela sua configuração geográfica, como confraternidade política, unidade de costumes e de linguagem, que é o princípio e fundamento da nacionalidade. Exemplificando as suas idéias, acrescenta afirmando que a França não é como a Inglaterra, que conserva os Highlanders, ainda semi-selvagens e os irlandeses, com a cruz do martírio; como a Prússia, renanos, franceses de afeição, e posnanianos, polacos de origem e de coração; como a Áustria, os húngaros e italianos sob o peso que os comprime; como a Rússia, os cossacos vagabundos, e circassianos indômitos, polacos palpitantes, sob o cruel despotismo.

Todas essas diferenças de origens,(20) causas contínuas de dificuldades e de conflitos, a França as apagou, graças à sua divisão administrativa e à sua legislação.

É verdade, continua o Sr. Alonnier, que a França não caminhou depressa: foi preciso tempo para aglomerar galos, ibéricos, romanos, francos, borgondos, visigodos e outros, para formar a nacionalidade francesa.

Os reis de França e seus ministros por muito tempo trabalharam para isto, sem muito resultado, mas de repente o vento da liberdade, soprando em 1789, sobre o horizonte da França, fez a união como por milagre! Ainda bem: o dogma da nacionalidade não subsiste senão pela liberdade, mas definha e morre pela ação do despotismo.

 

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO

 

A Constituição é a lei fundamental de um estado, o seu direito escrito, que determina e fixa a natureza e o modo do seu governo, e o exercício dos poderes políticos, que a nação delega, que são: o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

A Constituição como lei fundamental, para bem desempenhar o seu fim, deve ser feita de acordo com a vontade do povo, e de conformidade com a índole, caráter, usos e costumes da nação.

Antes que a França fosse encarregada de uma missão divina, e tivesse a glória de declarar nos tempos modernos os direitos do homem e do cidadão, outorgando e proclamando as liberdades humanas, Portugal tinha formulado a sua Constituição em 1143, a que chamou leis fundamentais ou constitucionais do reino, em Lamego, que foram entregues pelo povo, ao seu primeiro rei D. Afonso Henriques.

A Inglaterra havia completado a sua revolução, para conquistar a liberdade política em 1648 e 1649, procurando circular de novas garantias as instituições preexistentes, cujos princípios estavam inscritos na grande carta de 1215, arrancada ao Rei João, pelos nobres coalizados, pela mesma idéia. Portugal, apesar da compressão por que passou desde 1521 até 1640, em suas cortes de 1614, ampliou as garantias populares, porque ainda em Portugal existiam descendentes daqueles, que tiveram a coragem de falar a verdade aos reis, como em 1325, D. Álvaro de Sousa, D. Álvaro Peres de Castro, Pedro de Océm e outros, depois de exprobrarem em face ao rei Afonso IV as suas leviandades o ameaçaram de o depor, se não se emendasse!

O povo português dessas eras tinha caráter e costumes próprios; e como todos sabem foram os costumes e usos nacionais a primeira origem das leis.

Em Portugal, antes do primeiro rei ser investido da autoridade real, o povo português fez as suas leis sociais de acordo aos seus usos e costumes, dando ou denegando a sua aprovação com o seu conhecido “queremos e não queremos”.

Na fundação da monarquia, o poder real foi dado com restrições; e Alberto Cancelório, antes de entregar as leis fundamentais do reino a Afonso Henriques, as leu, para ele as ouvir, em presença do povo, e acabando de as ler, entregando-as ao rei lhe disse: “Estas são as leis do nosso reino”; e todos a uma voz: “São boas e justas e queremos que valham por nós e por nossos descendentes, que depois vierem.”(21)

Que lição sublime para os povos modernos!

As leis que Afonso Henriques quis fazer, depois, para criar a nobreza do reino e as da justiça foram pelo consentimento do povo, sem o que elas não existiriam; e tanto é verdade ser a forma de “governo monárquico constitucional representativo” criação do povo português, nas cortes de Lamego em 1143, que quando o Arcebispo de Braga pôs a coroa na cabeça de D. Afonso Henriques, na presença das Cortes ou Assembléia do povo português, entre as coisas que disse foi: “Eu sou rei, façamos leis que mantenham no reino a pública tranqüilidade.” D. Afonso Henriques conheceu que era rei, mas que não podia por si só fazer as leis, para a tranqüilidade do reino, porque não era “rei absoluto”. Nenhuma lei em Portugal tinha execução, sem que antes o povo a aprovasse; o rei propunha, os nobres e prelados deliberavam sobre a sua conveniência e utilidade, e o povo depois de ouvir a lei manifestava o seu “veto” nacional, com o “queremos” ou “não queremos”.

Eis o que é a essência da verdadeira forma de governo monárquico representativo.

Todos os reis de Portugal até D. Manuel obedeceram à Carta constitucional da fundação da monarquia, porque a nacionalidade portuguesa se fazia respeitar.

D. Dinis tirou as riquezas para o reino na agricultura, no comércio, e na proteção que deu às ciências e às outras artes. D. João I nunca declarou guerra sem ter primeiro consultado a nação; e 25 vezes a consultou, para deliberar em negócios graves e urgentes. Nas cortes de Leiria em 1434, em que D. Duarte foi jurado rei, pediu aos nobres, “que fossem os primeiros observadores da lei do reino, porque os vícios do povo se derivam do mau exemplo dos grandes, e que com o bom exemplo se podem emendar. D. João II, em Cortes, disse “que o bem da nação era a primeira coisa que se devia respeitar; e que por isso o seu mesmo paço não serviria de asilo para os criminosos”.

D. Manuel sucedeu no trono de Portugal a D. João II, no ano de 1495, tendo ele 28 anos de idade, e foi o primeiro rei que adotou para si o título de “Alteza Sereníssima”, para rodear a sua pessoa de mais prestígio, visto que os reis seus antecessores, o tratamento que tinham era de “senhoria”. Embora no começo de seu governo parecesse dar provas de proteger as liberdades públicas, mandando examinar as taxas das coisas que se vendiam ao povo, e nomear comissões, para reconhecer se as dignidades e mercês foram dadas aos nobres por seus merecimentos e serviços ao Estado, logo foi restringindo as instituições populares, e atentando contra a liberdade, mandando escrever ou adotar nas suas ordenanças o estilo odioso – “de motu propio, ciência certa e poder absoluto real”. Fez sair de Portugal em 1496 os judeus para comprazer a sua mulher D. Isabel, filha de Fernando e Isabel, de Castela, que dizia “que nunca se casaria com um rei que protegesse os judeus”. Com este ato de violência, despovoou Portugal, indo com os judeus as grandes riquezas que possuíam.

Não me é dado aqui nomear as glórias que os grandes homens de Portugal obtiveram, para D. Manuel, com a conquista da Ásia, desde a partida de Vasco da Gama, em 8 de julho (sábado) de 1497, e nem da descoberta do Brasil, por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, porque este meu escrito é puramente político; apenas lembrarei que D. Manuel era inimigo das liberdades públicas, porque em 1503 tirou os privilégios populares, que possuía a cidade do Porto, e foi o primeiro rei absoluto que teve Portugal. O absolutismo caminha devagar, mas com passo firme.

D. Manuel era homem ingrato, e teve vida desregrada; dado a suspeitas baixas, ouvia melhor aos intrigantes que aos homens de bem; e pouco se lhe dava de manchar a honra alheia, e denegrir os esforços de tantos heróis, de eterna memória, e principalmente dos que mais serviços fizeram à pátria dentro e fora dela. Foi esse mesmo homem rei, que, abusando da posição em que a fortuna o colocou, forjou as desgraças do grande Afonso de Albuquerque, do imortal Duarte Pacheco Pereira, a de Gonçalo Sacota, e outros; sendo até ingrato com Fernando de Magalhães, que, não o querendo mais aturar, foi servir à Espanha e enchê-la de glórias.

D. João III sucede a seu pai D. Manuel, com 19 anos, e achou um reino poderoso e rico, com uma corte esplêndida e divertida, pelos notáveis saraus que dava D. Manuel nos Paços da Ribeira. O pavilhão e as armas de Portugal faziam milagres no Oriente, e os navios da nação abatiam os mares de toda a parte. As riquezas da Ásia entravam continuamente pelo Tejo, e convinha prosseguir na empresa, o que efetivamente continuou D. João III.

El-rei D. Manuel havia despejado grandes somas de dinheiro na bolsa de S. Pedro; e Roma, reconhecendo que podia obter as riquezas da Índia, sem despender com armadas, e sim com o seu exército de batina, mandou Clemente VII pedir a D. João III que admitisse em Portugal a Inquisição, sendo ela estabelecida em Lisboa em 1531, e melhor organizada por Paulo III, em 1536. Foram componentes deste nefando Tribunal D. Diogo da Silva (confessor do rei), Bispo de Cintra; o Cardeal D. Henrique; D. Manuel de Meneses, Bispo de Coimbra; D. Jorge de Almeida, Arcebispo de Lisboa; o Cardeal Alberto, Prior do Crato; e outros prelados e arcebispos. Em seguida, o clero influiu insistentemente para que o rei criasse o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens (para matar a inteligência e a liberdade) tendo efeito a instituição em 1532, sendo os seus primeiros ministros D. Fernando de Vasconcelos, Bispo de Lamego; o ilustre Afonso do Prado, Lente de Teologia na Universidade de Coimbra; o Cardeal D. Henrique; e outros; recebendo o Tribunal Regimento aprovado pelo Papa Pio IV, em 6 de fevereiro de 1536, cujo fim era julgar as causas religiosas, civis, e crimes.

Roma já estava senhora absoluta de Portugal, e todo ele, sob o domínio clerical; e para mais comprimi-lo, Paulo III, por breve de 25 de março, permitiu a D. João III nomear desembargadores e mesmo oficiais, para o civil, clérigos ainda presbíteros. A instrução, o talento e a liberdade foram as primeiras vítimas do poder absoluto, e sacrificados no altar do fanatismo, da ambição, da avareza de Roma e da superstição, filhas da estupidez.

Faltava ainda um reforço para completar o flagelo.

Em 1528, em Paris, o ex-soldado Inácio de Loiola congregou-se com Pedro Lefevre (padre muito pobre), Francisco Xavier, professor da Filosofia, Jacques Lainez, Nicolau Bobadilla, Simião Rodrigues, e Afonso Salmeiron, o primeiro que ensinou a doutrina dos tiranicidas, para chamar prosélitos; e quando já tinham número, fundaram na igreja de Montmartre, no dia da Ascensão, do ano de 1534, uma sociedade, que tinha por fim a propagação da fé, e por base a castidade, a pobreza, e a obediência, com a denominação de Sociedade de Jesus.

Progredindo ela, obtiveram em 27 de setembro de 1539, confirmação, e foi instalada em Roma, com a denominação de Companhia de Jesus.(22)

De Roma, passaram-se a Portugal; e em 1547, já eram tantos ali, que em uma noite das mais escuras, os jesuítas de Coimbra, para amedrontarem o povo, saíram de suas moradas, uns cobertos de trapos, outros quase nus, correndo pelas ruas, com tochas acesas e crucifixos nas mãos, acordaram os habitantes, gritando por todas as partes: – “O inferno! O inferno para todos vós, que estais em pecado mortal! Vinde ouvir a palavra da salvação!...” Com essas três pestes, D. João III ficou subjugado, e arruinadas as liberdades públicas, porque as perseguições do Santo Ofício, a avareza e hipocrisia dos jesuítas, e a devassação da Mesa da Consciência e Ordem, fazia tremer tudo.

O espírito heróico de tantos varões ilustres, a liberdade, sentimento nato da nação portuguesa, foram-se gradualmente abatendo, porque ninguém sabia o dia, nem a hora, em que seria preso, para expiar nos subterrâneos da Inquisição, crimes supostos, inventados pela maldade dos homens.

A desconfiança veio substituir a tudo; porque a Inquisição buscou devassar as ações, as palavras, até mesmo penetrar o pensamento dos homens, para subjugá-los pelo terror.

Quando todas essas calamidades se passavam em Portugal, na Ásia os grandes homens da nação faziam prodígios de abnegação e valor; sendo cada soldado ou marinheiro um herói, pelas glórias da pátria, como bem o disse Luís de Camões nos Lusíadas e João de Barros nas suas Décadas. Seria enfadonho memorar-lhes os nomes; e como epílogo basta lembrar que os desvelos contínuos que tinha D. João de Castro na conservação do Estado da Índia lhe diminuíram as forças e a saúde, e vendo ser mortal a enfermidade que o acometeu, convocou as pessoas principais de Goa, e na presença delas pôs a mão sobre o Missal e jurou – “que até aquela hora não era devedor à Fazenda real de um só cruzado, nem havia recebido coisa alguma de cristão, judeu, mouro ou gentio, asseverando não haver naquele dia dinheiro em casa com que se comprar uma galinha, pedindo socorro do erário, para os gastos da sua doença; e que desta declaração se fizesse um termo legal, para que se fosse achado perjuro o castigasse el-rei, como réu de tão feio delito”, o que tudo se escreveu nos livros da cidade.

No seu escritório só acharam 3 tangas larins, umas disciplinas, como sinal de usar muito delas, e a gadelha da barba, que havia empenhado.

Pouco tempo depois faleceu o grande D. João de Castro, no dia 6 de junho de 1548.

D. João III, circulado de um exército de batina, faleceu no dia 11 de junho de 1557, com 55 anos de idade, e 35 de governo, sem deixar filhos varões; e por isso entrou na sucessão do trono seu neto D. Sebastião, com 3 anos de idade, filho do príncipe D. João, e na regência do Reino, na menoridade do rei, a avó D. Catarina,(23) sendo seu aio D. Aleixo de Meneses, um dos homens mais ilustrados e prudentes da corte de D. João III.

Aos padres da Inquisição e aos jesuítas não convinha na regência do governo a rainha avó, D. Catarina, porque se deixava levar pelos conselhos do sábio e discreto D. Aleixo de Meneses, e por isso foi curto o seu governo, passando a regência para o tio D. Henrique (o cardeal), o qual destituindo a D. Aleixo de Meneses, entregou a educação intelectual e moral do menino rei D. Sebastião ao jesuíta Luís Gonçalves da Câmara, que de acordo com o irmão Martim Gonçalves da Câmara aconselhavam ao mancebo rei para empreender grandes ações e dilatar as conquistas da África.

Os dois jesuítas Câmaras eram íntimos amigos do jesuíta Leão Henrique, confessor do cardeal D. Henrique, que se achava vendido a Filipe II, de Espanha, que ambicionava a posse do trono de Portugal; e todos influíam no ânimo do inexperiente mancebo, que havia entrado na administração do reino aos quinze ou dezoito anos, para que movesse guerra aos mouros da África; e tais intrigas teceram, e tais coisas fizeram, que resoluto o mancebo rei D. Sebastião empregou todo o seu empenho em preparar-se para ir mesmo em pessoa dar batalha na África.

Quando tomou posse do governo da nação, os jesuítas influíram para que ele deixasse o tratamento de Alteza Sereníssima e tomasse o de Majestade; e foi D. Sebastião o primeiro rei de Portugal que adotou para a realeza o tratamento de Majestade!(24) Em 1569, à imitação de seu avô Carlos V, instituiu em Lisboa o Conselho de Estado, composto de frades e jesuítas, que foram os que mais lhe confirmaram a vaidade, de trocar o título de Alteza Sereníssima pelo de Majestade.

No entanto, os preparativos para a guerra contra os mouros da África de dia em dia aumentavam; e de uma carta que um curioso mandou a um abade, em Portugal, escrita da África em dezembro de 1578, cujo autógrafo original e inédito estava em poder do famoso poeta o visconde de Almeida Garrett, que a deu ao conselheiro Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond, para tirar uma cópia, e lhe disse pertencera o original à biblioteca do conde de Sabugosa. Desta cópia do conselheiro Drummond extratei o seguinte: “D. Sebastião embarcou para a África no dia 25 de junho de 1578, do porto de Lisboa, e saiu no dia 26, levando 847 embarcações de todos os tamanhos; 24 mil homens de peleja; 3 mil cavalos, e o mais de infantaria. Levou 450 fidalgos dos mais ilustres do reino, por seus nascimentos e bravura.”

No dia 8 de julho chegaram a Arzila, onde se demoraram 20 dias; e foi aí que o Moleimoluco mandou pedir pazes e D. Sebastião não quis anuir. No dia 29 de julho, partiu el-rei com o exército para Alcácer-quibir, andando 6 dias de caminho; e era el-rei D. Sebastião tão fátuo, que apesar das advertências do perigo, levava coroas de ouro, para se coroar imperador de Marrocos. A força dos mouros era superior; e não obstante não quis ouvir ao duque de Aveiros, ao conde de Vimioso e nem ao bispo de Coimbra, que o aconselhavam para a vitória; e nem ao Xarife Hamet, que também o aconselhava para pelejar à tarde, porque os mouros temem a peleja neste tempo, como de mau agouro.

O rei só atendia ao jesuíta Ferrão da Silva, que o aconselhava a pelejar logo.

Os mouros passavam de 120 mil homens.

Eram 9 horas da manhã do dia 4 de agosto (segunda-feira), quando entraram em combate, estando o dia muito quente, e foi tal a peleja, e tão grande a mortandade, que durante o curto espaço de meia hora tudo estava derrotado, e el-rei D. Sebastião também morto, com cinco feridas, e prisioneiras cerca de 20 mil pessoas.

D. Sebastião foi achado no campo nu, e sendo recolhido seu corpo foi depois embalsamado.(25) Conta o autor da carta inédita, que morreram 215 fidalgos, da primeira nobreza, no combate, 2 bispos e 1 jesuíta; ficando todos os mais cativos e amarrados.

Chegando a notícia a Lisboa, da morte de el-rei D. Sebastião, do duque de Aveiro, D. Jorge de Lancastre, dos condes de Mira, Redondo, Vimioso, Vidigueira, dos bispos e dos outros fidalgos, e a do cativeiro dos que escaparam à morte, a consternação foi geral em todo o reino, pondo-se todo ele coberto de luto pesado, porque rara era a família nobre ou plebéia que não pranteasse a perda de um ente querido!

No dia 27 de agosto quebraram-se os escudos do reino, em demonstração de sentimento pela morte do rei defunto; e no dia seguinte (28) o cardeal D. Henrique tomou posse do trono, na avançada idade de 77 anos. Portugal ficou sob a dominação clerical; e o cardeal rei, se considerando enfermo e sem sucessão para a coroa, convocou as Cortes (clero, nobreza e povo) para decidir em quem cairia o governo da nação, por seu falecimento, e foi designado o dia 1º de junho de 1579, cuja reunião foi morosa, por causa de uma peste, que matava indistintamente a população de Portugal. O cardeal rei, muito receoso do estado pestilento de Lisboa, passou-se para Almerim; e para ali convidou os representantes da nação, designando o dia 11 de janeiro de 1580 para conti-nuarem em seus trabalhos; mas agravando-se os padecimentos de el-rei, faleceu no dia 31 do mesmo mês de janeiro de 1580, sem terem tempo os deputados de indicar o sucessor, e nem ter ele ao menos lembrado alguém em seu testamento, feito em 29 de maio de 1579. O que o cardeal rei deixou em abundância foram a peste e a miséria por toda a parte.

O reino ficou entregue a uma regência de 5 membros; e logo depois Filipe II de Espanha, fazendo valer o seu direito pela ponta da espada, mandou celebrar Cortes em Tomar, onde prestou juramento, deixando em seu lugar o sobrinho, o cardeal Alberto da Áustria. Portugal e seus domínios, que ficaram na maior opressão, continuou até a restauração, que começou no 1º de dezembro de 1640, terminando no dia 15 do mesmo mês, com a elevação do 8º duque de Bragança, D. João, pelas instâncias da mulher D. Luísa de Gusmão. Este duque, depois D. João IV, mais arrastado que por merecimentos pessoais, foi aclamado rei. Portugal não tinha inimigos na Europa; mas passando ao domínio da Espanha, foram infestadas as suas costas marítimas; e mais tarde a maior parte das suas possessões da Ásia lhe foram violentamente arrancadas, pelos inimigos dos Filipes. A Bahia e Pernambuco foram invadidos pelos holandeses em 9 de maio de 1624, e em 16 de fevereiro de 1630, custando quer de um e quer de outro grandes sacrifícios a expulsão deles.

Depois da morte do cardeal D. Henrique muitos portugueses quiseram fazer de Portugal uma república semelhante à da Holanda; porém, os mais aferrados às leis fundamentais ou constitucionais da monarquia, se opuseram a isto.

Os portugueses, não podendo suportar os encargos do governo, que os tiranizava, e a degradação nacional, foram despertados pelo peso de novos impostos; e então 40 fidalgos se coligaram(26) no dia 12 de outubro de 1640, e em casa de D. Antão de Almada, comparecendo D. Miguel de Almeida, Francisco de Melo, Pedro de Mendonça, Jorge de Melo e outros, combinaram os meios de acabarem com tantos males, que pesavam sobre a nação portuguesa; e transmitindo, no maior segredo os planos de uns a outros, passaram a fazer as reuniões em casa de famoso jurisconsulto João Pinto Ribeiro, que se encarregou de dirigir os planos.

No dia 26 de novembro decidiram executar o combinado, e designaram o dia 1º de dezembro. Por esta ocasião D. Filipa de Vilhena armou cavaleiros a seus filhos D. Jerônimo de Ataíde e D. Francisco Coutinho, e os exortou em favor da causa comum; fazendo o mesmo D. Mariana de Lancastre com seus dois filhos Fernão Teles da Silva e Antônio Teles da Silva.

Às 9 horas da manhã partiram todos para o Paço, e o velho D. Miguel de Almeida, entrando na sala dos Tudescos, disparou um tiro de pistola, que era o sinal ajustado, e gritou: – Valorosos portugueses, viva el-rei D. João IV, até agora duque de Bragança! – Outros responderam: Viva!

O duque de Bragança ainda estava em Vila Viçosa; e enquanto não chegou, ficou o governo entregue ao arcebispo de Lisboa.

A vontade do povo é o mandato de Deus, quando se encaminha para o bem; e sendo o povo quem assegura o poder ao chefe do Estado, e quem o reveste de privilégios, sendo ele o primeiro cidadão ou empregado da nação, não deve abusar do poder que se lhe conferiu, sendo este poder o de distribuir a justiça; e tudo de acordo com as leis.

Chegando a Lisboa, o duque de Bragança é aclamado rei, com o nome de D. João IV, e prestou o seguinte juramento: “Juramos, e prometemos, com a graça de Nosso Senhor, vos reger e governar bem e direitamente e vos administrar inteiramente a justiça, quanto a humana fraqueza permite, e de vos guardar os vossos bons costumes, privilégios, graças, mercês, liberdades e franquezas, que pelos reis passados, nossos antecessores foram dados(27) e outorgados e confirmados.” Este juramento estava de acordo com o direito público português; mas o dedo do jesuitismo em seguida apareceu no juramento que os fidalgos e povo prestaram a D. João IV, principiando pelo duque de Caminha: – “Juro aos Santos Evangelhos corporalmente, por minhas mãos tocados, que eu recebo por nosso rei e senhor verdadeiro e natural ao muito alto e muito poderoso rei D. João IV, nosso senhor, e lhe faço preito e homenagem, segundo o foro e costumes destes seus reinos.”(28)

O mal da nação veio deste juramento, que a Constituição portuguesa, de 30 de setembro de 1822, eliminou; porquanto rei, prestando o seu juramento com a nação, promete distribuir a justiça, manter os costumes e liberdades públicas, o quanto for possível, como juiz, e não como senhor, porque o povo português de outras eras, amando a liberdade, não tolerava a escravidão.

D. João IV, sendo criação popular, convocou as Cortes, quatro vezes, e cuidou dos interesses da nação, mas consentiu a entrada do princípio da política maquiavélica de dividir para enfraquecer; e “empobrecer” para governar (origem da corrupção nos estados), e muito adotado no Brasil. Não obstante apareceu no seu governo a expressão manifesta da vontade popular, mandando ele escrever e publicar em 1644 um livro, a respeito da justiça da sua aclamação, no qual faz ver que a nação tem o legítimo poder de aclamar rei, a quem tiver legítimo direito: que o poder real está nos povos e repúblicas, e dele o recebem imediatamente. Quando o rei conhece esta verdade, bem vai a nação; mas quando os seus interesses particulares sacrificam os povos, próxima está a ruína do Estado.

Com o reconhecimento da independência de Portugal pela Inglaterra se fez o tratado de 29 de janeiro de 1642, entre D. João IV e Carlos I, e com esse fatal negócio principiou a dependência de Portugal da Inglaterra.

O mesmo aconteceu entre nós com a França e outras nações com o reconhecimento da nossa independência política, que tornou o Brasil manietado, a acontecer por causa desses tratados não poder o Brasil possuir o seu comércio propriamente nacional, porque embora tenha o nome de brasileiro, na maioria, o seu pessoal é composto de estrangeiros, que vivem com os gozos e vantagens sociais, sem suportarem os ônus.

A D. João IV sucedeu seu filho D. Afonso VI, sob a tutela da mãe a rainha D. Luísa de Gusmão; e achando-se na idade própria o casaram com a princesa D. Francisca Maria Isabel, de Sabóia, cujo casamento foi anulado em 24 de março de 1660, com aprovação do Papa Clemente IX, em conseqüência da impossibilidade física do jovem rei, para o conjunto marital. Sendo el-rei Afonso VI propenso a desatinos, os portugueses instaram com o infante D. Pedro para se encarregar do governo do reino, que o aceitou, sendo reconhecido em Cortes herdeiro da coroa e regente de Portugal.

D. Pedro casou-se com a cunhada D. Francisca Maria Isabel, ex-mulher de seu irmão el-rei D. Afonso VI.

D. Pedro era ignorante, e muito propenso ao governo absoluto, e cometeu muitas irregularidades, sendo entre elas a infração de um dos artigos da lei fundamental da monarquia, que determinava que o filho ou irmão do rei não podia suceder na Coroa, sem uma nova eleição. D. Pedro convocou as Cortes para o ano de 1697, porque querendo casar a filha D. Maria Sofia, herdeira presuntiva do trono com o duque de Sabóia, temeu fazê-lo sem consentimento da nação, porque a constituição de Lamego determinou que ele não podia casar a filha com um príncipe estrangeiro; mas reunindo as Cortes no dia 1º de novembro de 1680, não só conseguiu o que pretendia, como fez o filho D. João prestar juramento, sem a condição da eleição, e assim destruiu pelo arbítrio a Soberania Nacional. D. Pedro teve por auxiliares o fanatismo, a superstição e os autos-de-fé, que acabaram com as liberdades públicas.

Apesar de todos esses excessos, reparou as perdas do reino; mas não conseguiu voltar ao domínio da Coroa as possessões da Ásia, que foram tomadas a Portugal.

O rei D. Afonso VI morreu no palácio de Cintra a 17 de dezembro de 1683, com 40 anos de idade; D. Pedro também deixou de existir no dia 19 de dezembro de 1706, fazendo o quanto pôde em bem da nação. Estimava as ciências e agasalhava os homens de talento, distinguindo-os por seus merecimentos. Deu a paz a Portugal, pelo abandono da guerra, que julgava o flagelo dos povos. Seu filho D. João V sucedeu-lhe em 20 de dezembro de 1706, com 19 anos. Nunca convocou as Cortes, e por isso não fez caso da Soberania Nacional, inaugurando o poder real absoluto. A este respeito escreve o Dr. Soriano – “que não era para admirar que fossem os mesmos Três Estados os próprios que se suicidaram; eles, que já por então estavam longe de satisfazerem ao princípio que outrora presidira a sua instituição, isto é, tomarem parte nos negócios públicos todas as classes, nas quais a força pública do Estado se achava realmente representada”.

Foi o reinado de D. João V todo de dissipações, chegando a sua prodigalidade a oferecer a Benedito XIV, pelo título vaidoso e fanático de rei fidelíssimo, cuja bula foi passada em 23 de dezembro de 1748, e por uma patriarcal em Lisboa, em dinheiro de ouro 115,509$132 cruzados; em ouro de lei em barra 6,417 arrobas; em prata de lei, 324 arrobas; em cobre para liga 15,697 arrobas; em diamantes 2,308 quilates. Estes valores na nossa moeda somam 277,530:000$000!(29)

D. João V, o pródigo fanático, faleceu no dia 31 de julho de 1750, com 63 anos, deixando o tesouro público tão esgotado, que não se encontrou dinheiro com que se lhe fizesse o funeral!

A D. João V sucedeu seu filho D. José I, no mesmo dia do seu falecimento, sendo aclamado no dia 7 de setembro; e organizando o seu Ministério, chamou em 1751 a Sebastião José de Carvalho e Melo para uma das pastas. O governo de D. José I começou pela reforma do reino, corrigindo os abusos, economizando as rendas do Estado, e promovendo a agricultura, o comércio, as ciências, as artes, a indústria, porque nada havia no reino.

No dia 1º de novembro de 1755 manifestou-se o espantoso terremoto, que fez desabar e incendiar Lisboa, o qual foi sentido a grandes distâncias, e uma resposta lacônica(30) de Sebastião José de Carvalho e Melo, dada ao rei em presença da medonha catástrofe, lhe inspirou tanta confiança, que se entregando ao seu ministro, confiou-lhe tudo.

Portugal não tinha vida política, e nem liberdade, e o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, depois Marquês de Pombal, de posse da administração do reino deu começo à obra, principiando por libertá-lo do jugo clerical.

Proibiu os autos-de-fé públicos; harmonizou a sociedade, diminuiu a influência da nobreza; reedificou Lisboa, com o ouro do Brasil; estabeleceu a Companhia dos Vinhos do Alto Douro; diminuiu o número dos clérigos e dos frades; proibiu a construção de novos conventos; encheu o tesouro público, sem violentar a ninguém; e deu força moral e política à nação, de todo abatida pelos governos passados.

El-rei D. José I, falecendo em 24 de fevereiro de 1777, com 63 anos de idade, reinando 26, subiu ao trono sua filha D. Maria I, sendo logo demitido e mandado processar o Marquês de Pombal e chamado para o ministério o Marquês de Ponte de Lima (que era tão falto de siso, quanto o grande Pombal era atilado e político)(31) que dissipou os grandes tesouros que o Marquês de Pombal deixou em reserva. (32)

A rainha, apesar de muito orgulhosa e soberba, se havia casado com o tio D. Pedro III, a quem ela muito amava; mas o perdendo por causa de uma apoplexia no dia 25 de maio de 1786, tendo ele 69 anos, este golpe lhe foi tão profundo que nunca cicatrizou. Dois anos depois perdeu o filho D. José, príncipe do Brasil, em 11 de setembro de 1788; e em 29 de novembro do mesmo ano, morreu-lhe o confessor D. Fr. Inácio de S. Caetano. Tantas dores para a alma de uma mulher sensível a haviam de enfraquecer. A rainha D. Maria I vivia tão cheia de escrúpulos, e tão subjugada por seu confessor, que nada assinava sem que ele vendo, lhe dissesse: “Pode assinar.”

D. José Maria de Melo, bispo do Algarve, que sucedeu no confessionário a Fr. Inácio, atormentando-lhe a consciência, por causa da memória, e restituição dos bens do duque de Aveiro, e dos outros fidalgos, supliciados em 13 de janeiro de 1759, perturbou-lhe de tal forma o espírito, que no 1º de novembro de 1791 apareceram-lhe os primeiros sintomas de desarranjo mental; e pelo que passou o governo do reino ao filho D. João de Bragança, em 10 de fevereiro de 1792, como herdeiro da Coroa; e depois, como regente do reino em 16 de julho de 1799. Este príncipe muito fradesco e timorato, receando a presença de Junot em Portugal, e a perda da Coroa, em 29 de novembro de 1807 embarcou-se com a família real e a sua Corte para o Brasil, estabelecendo-se na cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, aonde chegou no dia 7 de março de 1808, organizando o primeiro Ministério luso-brasileiro no dia 10, dois dias depois do seu desembarque que foi no dia 8 de março do mesmo ano, como tudo referi na minha Corografia Histórica.

 

A FRANÇA PROCLAMA OS DIREITOS DA HUMANIDADE PELA REVOLUÇÃO

 

A opressão clerical, e a dos potentados da Terra fez despertar nos homens de coração a idéia humanitária da declaração dos direitos do homem e do cidadão, por tantos séculos usurpados.

Luís XVI, filho de Luís XV,(33) e de Maria Josefina de Saxe, nascido a 23 de agosto de 1754, havia sucedido a seu pai, no dia 10 de maio de 1774, e de posse do governo da França chamou para seus ministros o conde de Maurepas, Vergennes, Turgot, Malesherbes e Necker, indicados pela opinião pública. Começou a sua administração restabelecendo os parlamentos, o qual foi aberto no dia 12 de novembro, composto de muitos deputados exilados; aboliu as torturas, criou o Monte Pio, a Caixa de Descontos e outras instituições humanitárias; suprimiu muitas pensões abusivas; declarou livre o trabalho, e tomou muitas medidas de interesse público. Um começo de governo tão bem encetado, pressagiava um reinado feliz.

Luís XVI, era homem bem-intencionado e humano; e a América mandando-lhe pedir socorro, o ajudou, bem que com pouca vontade, a conquistar a sua independência política; e firmá-la pelo tratado de reconhecimento, assinado em Versalhes em 3 de setembro de 1783. A França custou à independência da América um milhão e meio de francos.

As finanças francesas estavam esgotadas; e para as remediar Necker propôs um novo imposto ao Parlamento que o não aceitou. O cardeal de Bryenne, que dirigia as finanças, propôs o imposto do selo (que foi tão fatal à Inglaterra) e uma subvenção territorial, que foram igualmente rejeitados. Neste estado de coisas, Luís XVI convocou os Três Estados Gerais da Nação, cuja reunião e abertura teve lugar no 5 de maio de 1789.

A revolução fermentava: a idéia de fazer da França uma república tinha despontado em 22 de fevereiro de 1787, indo ela minando os ânimos pela sucessão dos meses, atravessando os tempos, passou ao de 1789, e no meio dos Três Estados Gerais se desenvolveu, pelas discussões calorosas, que forçou ao rei a mandar em 26 de junho cercar o palácio dos três Estados com a força pública. Luís XVI deixou Paris e foi para Versalhes; mas o povo o foi buscar para as Tuilherias. Luís, vendo o estado de coisas, quis fugir com sua família para a Itália, na noite de 21 de junho de 1791, mas sendo reconhecido em Varennes, o fizeram retroceder para Paris.

A assembléia dos Três Estados não se entendia, e em vista do que se passava Sieyès propôs que os Três Estados se convertessem em Assembléia Nacional. Manifestações populares aparecem; e em vista delas, Mirabeau, no dia 22 de junho, como representante da soberania popular, faz estremecer o áulico Marquês de Brésé, que veio comunicar à Assembléia que o rei não admitia a fusão dos Três Estados, e sim conservava a antiga distinção das três ordens: mas por fim cedeu; ficando um só corpo deliberante. Desde este instante, a autoridade real diminuiu, e a realeza só existia em nome.

Deram-se providências para proteger a realeza; e as tropas cercam a capital; mas esta medida alarmou Paris.

Mirabeau, da tribuna nacional, pede a retirada das tropas, e o povo toma a Bastilha no dia 14 de julho. Depois da vitória do povo, a Assembléia Nacional quer arrancar ao rei o seu pérfido e funesto círculo, que o aconselhava mal. No dia 17 de julho o rei aparece no Hotel de Ville, ornado com as cores daqueles que se tinham levantado contra a sua autoridade; e foi aí que Bailly lhe disse: “Que a França tinha conquistado o seu rei.” Desde este instante Luís XVI perdeu a liberdade, e foi forçado a assinar tudo o que lhe mandava a Assembléia Nacional.

Aquele que se confia nas promessas dos homens políticos está em véspera da perdição. Luís XVI estava animado pelas promessas dos soberanos estrangeiros, e por isso em 21 de julho de 1791 tentou fugir com sua família e foi embaraçado; e embora o rei da Prússia declarasse guerra à França, esta declaração não serviu mais que prevenir os ânimos contra Luís XVI, e não perderam-no de vista com redobrada vigilância.

Os novos Estados da América do Norte causavam inveja à França, e por isso no dia 1º de outubro de 1789 a Assembléia Nacional declara e sanciona os direitos do homem e do cidadão; e no dia 17 de junho se constituiu em Assembléia Constituinte, e celebra a sua 1ª sessão no dia 19 do mesmo mês para confeccionar a Constituição francesa.

Os amigos da Constituição, chamados jacobinos, instalaram-se no convento dos frades jacobinos. Em 12 de maio de 1790, Bailly e Lafaiete organizaram o clube dos frades bernardos em oposição aos jacobinos. Em 19 de julho, foi abolida a nobreza e suas qualificações; e Paris é o teatro da guerra civil. Entre os dias 3 e 13 de setembro de 1791, a Assembléia Constituinte termina a redação da Constituição francesa com 208 artigos, em que se declara ser o reino da França, um, e indivisível; e seu território repartido em departamentos para ser melhor distribuída a justiça. A soberania nacional, uma, e indivisível, pertencendo exclusivamente à nação francesa, que delega o exercício dela ao governo monárquico constitucional representativo.

Na última sessão do dia 30 de setembro de 1791, Luís XVI apareceu nela para jurar a Constituição(34) e prometeu obedecer e fazê-la cumprir. Luís XVI, sentindo-se traído por três de seus ministros, negou o veto a um decreto da Assembléia Constituinte; e esta negação lhe foi funesta, porque o decreto de 11 de junho de 1792 declara a pátria em perigo. Luís XVI tenta de novo fugir; mas a população embaraça-lhe a saída e grita: “Não queremos mais tiranos... a morte! a morte! abaixo Madame Veto.”

No dia 10 de agosto de 1792 foi atacado o palácio das Tulherias, e massacrados os suíços; e o rei com sua família procura asilo no Templo.

Os padres, que recusaram jurar a Constituição, foram banidos, e os emigrados condenados à morte. As desordens continuavam, e o rei escapou de ser assassinado. Neste mesmo dia de agosto a Assembléia Nacional converteu-se em Convenção Nacional investida do poder ditatorial.

No dia 22 de agosto, manifestou-se uma insurreição em favor da realeza; mas sem vantagem, dando em resultado a matança dos nobres nos dias 2 e 6 de setembro. Vandier pede a destituição de Luís XVI; e a Convenção no dia 20 de setembro ordena-lhe a prisão na Torre do Templo, com sua família, e no dia seguinte, 21, é abolida a realeza e proclamada a República francesa, sendo por um decreto substituído o tratamento de Monsieur e Madame por cidadão e cidadã.

Acham-se papéis contra o rei; e Robespierre o declara, na Convenção Nacional, traidor à pátria e criminoso para com a humanidade; e pede que Luís Capet seja condenado à morte como tirano.(35)

A Convenção no dia 3, marcou o dia 6 para Luís Capet comparecer à barra do Tribunal; e Luís XVI compareceu ao Tribunal acompanhado de Chambron, maire de Paris, de 2 oficiais municipais, e dos generais Santerre e Wittengoff.

O presidente lhe dirigiu a palavra e ele respondeu a todas as perguntas que lhe fez o presidente, depois que ouviu o secretário João Mailhe ler o auto enunciativo, que continha os crimes por que era acusado que eram estabelecer a tirania, destruir a liberdade do povo, atentar contra a soberania nacional, suspender as Assembléias de seus representantes com violência. Luís pediu cópia de tudo; e retira-se da sala para a sua prisão do Templo. É nomeado um conselho para o julgar; e na quarta-feira 26 de dezembro do mesmo mês e mesmo ano de 1792 o cidadão Seze (Raimundo de), notável advogado, se ofereceu para defender o rei, conjuntamente com Malesherbes e Trouchet, perante o tribunal da Convenção Nacional, o que fez brilhantemente durante as discussões calorosas que houveram nos últimos dias de dezembro de 1792.

No dia 1º de janeiro de 1793, o deputado Petit abre a discussão com um projeto, para que se decida da sorte de Luís Capet, pela morte, ou pela prisão perpétua; e por fim no dia 14, aparecendo três proposições, sendo a primeira: “Se Luís Capet é culpado de conspirar contra a nação, e atentado contra a segurança do Estado”, – votaram pela afirmativa 683 deputados. O presidente Vergniaud, não admitiu a segunda proposição; mas submetendo a terceira: “Que pena deve ter Luís Capet”, – na quinta-feira, 17 de janeiro, às 7 horas da noite, depois de 24 horas de discussões, sem interrupção, sobe o deputado Duchastel à tribuna, para ver se podia impedir a pena de morte a Luís XVI, depois de um eloqüente discurso nada pôde conseguir; e seguindo-se um profundo silêncio o presidente da Convenção, o célebre orador e advogado de Bordeaux, Pedro Vitorino Vergniaud,(36) dá conta do resultado da votação da terceira proposição, que condena a Luís XVI, ex-rei de França, à pena de morte!

A Convenção, antes Assembléia Nacional, compunha-se de 749 deputados: 28 estavam ausentes em comissões; 8 se achavam doentes; e 5 não votaram. Os membros presentes eram 721, sendo a maioria absoluta que votou pela morte de Luís XVI de 361. O deputado Manuel, depois que votou pela morte de Luís Capet, pela manhã deu a sua demissão de membro da Convenção Nacional. Condorcet, Dupin, e outros votaram pela prisão em ferros, e outros pela prisão e banimento: 226 votaram pela prisão e banimento; e alguns ajuntaram a pena de morte, no caso de invasão do território francês por causa do rei; e votaram pela pena de morte sem condições 387 deputados. Pela prisão votaram 334; pela morte 387, que perfaz o número de 721 deputados.

Então o presidente Vergniaud, com voz trêmula e comovida (no meio de profundo silêncio), declarou em nome de Convenção Nacional que Luís Capet, ex-rei de França – foi condenado à morte!

O ministro da Justiça vai à Torre do Templo notificar a Luís XVI sua sentença de morte, dando ao mesmo tempo conhecimento do seu processo e do que se passou nas sessões dos dias 16, 17, 19 e 20 de janeiro, e concluiu dizendo: “O conselho executivo encarregou-me de vos comunicar tudo isto e dizer-vos que decidiu a vossa sentença de morte.” No dia 16 são banidos os Bourbons.

Luís XVI, depois que ouviu tudo o que lhe disse o ministro da Justiça, tirou da carteira um papel e lhe entregou. Era o pedido de 3 dias de dilação da execução da sentença para se preparar para morrer, e dar providências de família; mas não foi atendido. O padre Jacques Roux, um dos membros da Comissão, indo muito contente à Torre do Templo, perguntou aos outros: “Anunciaram ao tirano a hora do seu suplício?”

Depois que se retirou o ministro, e os membros da comissão, Luís XVI em vozes altas bradava: “assassinos! sanguinários!” A noite do dia da execução dormiu tranqüilo, e o veio acordar o seu criado de quarto. Pela manhã do dia 21, vestiu-se, e aparecendo na sala, pediu para ficar alguns momentos só com o seu confessor. Quis entregar o seu testamento para ser aberto pela Convenção Nacional, não o quiseram aceitar, porque seu fim era conduzi-lo ao patíbulo. – O Monitor de 23 de janeiro de 1793 diz: – O dia 21 de janeiro foi marcado pelo Conselho Executivo provisório para a execução de Luís Capet. Ele não pôde ver a família; e gritava no seu aposento: “Sanguinários! Carrascos! Assassinos!” Pela manhã, Luís Capet pediu uma tesoura para cortar os cabelos e não lha deram; e quando lhe tiram o espadim disse: “Não tenho ânimo para me destruir.” Às 8 horas saiu da Torre do Templo, e passou um pátio a pé, e no outro meteu-se no carro fatal, levando duas horas no caminho, chegando às 10 horas e 10 minutos à praça da Revolução. Subiu com firmeza a escada do patíbulo, tirou a casaca e a gravata, e se dirigindo para a extremidade esquerda do cadafalso, com voz forte disse ao povo: – Franceses, eu morro inocente: perdôo de todo o meu coração a todos os meus inimigos, e permita Deus que a minha morte seja útil ao povo... e querendo continuar a falar, Santerre,(37) o comandante general, não o consentiu, porque um rufo de tambores abafou-lhe a voz, e ordenou que o carrasco fizesse o seu dever, o qual se apoderando da pessoa do rei o deitou na prancha e em poucos instantes mostrou ao povo a cabeça destroncada do desgraçado Luís XVI, rei de França. Eram 10 horas e 20 minutos da manhã do dia 21 de janeiro de 1793!

À vista da cabeça do bondoso Luís XVI, o povo francês deu vivas à nação e à República francesa.

O cadáver do desventurado rei Luís XVI foi transportado para a igreja da Madalena, e Leduc, alfaiate de Luís, por uma carta pedindo à Convenção Nacional o cadáver de Luís XVI, para o enterrar em Sens, junto aos túmulos de filho e pai, lhe foi negado. A Convenção não o julgando superior a nenhum do povo, o mandou enterrar em um fosso de 12 palmos de profundidade e 6 de largura, no cemitério da Madalena, enchendo-o todo de cal virgem. O testamento de Luís XVI tem a data de 25 de dezembro de 1792 (1º ano da República francesa).

Maria Antonieta, sabendo da morte de seu marido, disse a seus filhos: “Aprendei nas desgraças de vosso pai a não vingardes a sua morte.” – Maria Antonieta foi acusada pelo infame Fouquier-Tinville, esbirro de polícia, protegido de Danton e Robespierre. Esse infame, que não poupou a seus protetores, morreu guilhotinado a 6 de maio de 1795. Esse infame imputou crimes inauditos à ex-rainha Maria Antonieta, que subiu ao cadafalso no dia 16 de outubro de 1793. No cadafalso, respondendo ao padre que lhe pedia que suplicasse a Deus para perdoar-lhe, disse nobremente a rainha de França: “Peço a Deus que me perdoe minhas faltas; mas de meus crimes não. Eu não tenho crimes.”

A República francesa declarou guerra à Prússia, à Áustria e à Inglaterra, até que Napoleão se apoderou da França e se fez proclamar Imperador dos franceses.

 

OS GIRONDINOS (EXTRAÍDO DOS QUADROS HISTÓRICOS)

 

Quando há quem publicamente faça o panegírico dos jacobinos, e pinte como traidores, e escravos do estrangeiro os virtuosos girondistas, os verdadeiros amigos da liberdade, como quem em França acabou a república, e começou o reinado da mais espantosa tirania, justo é que o nosso povo tenha idéias exatas de fatos tão importantes, e que nos podem servir de lição útil, quando a História fala a respeito ao assassínio de 21 deputados livres (girondinos) mandados à guilhotina pelos escravos de Robespierre (os jacobinos) a pretexto de que pretendiam estabelecer na França o governo federal.

“Dos 41 acusados, 21 somente puderam ser levados ao tribunal revolucionário. Distinguia-se entre estes Brissot, autor de diversos escritos filantrópicos, caluniado pelos partidos durante a revolução, sem dúvida porque tinha sido um dos primeiros que concebeu a idéia de república, porque a austeridade dos seus costumes contrastava evidentemente com as baixezas e vícios de muitos. Vergniaud, advogado célebre de Bordeaux, onde havia preludiado nessa eloqüência patética, e cheia de imagens, que lhe granjeou tão brilhante reputação durante a Assembléia Legislativa, e Convenção Nacional. Gensonné, cuja alma apaixonada pela ventura dos homens se combinava com a serenidade do varão, necessária ao legislador. Duclos e Fonfrede, ligados pela amizade, ainda mais que pelo sangue, flor da mocidade bordelesa, que possuidores de imensa fortuna, e cercados de todas as seduções do luxo de uma grande cidade, tinham nutrido a sua alma com as lições da Filosofia, ornado o espírito pelo comércio das letras, e que já estavam no número das mais queridas esperanças da pátria. Lasource du Tarn, que se tinha feito conhecer na Assembléia Legislativa, e na Convenção, pela energia e justeza do seu espírito, bem como pela sisudeza dos seus princípios. Carra, literato pouco distinto, mas cujo ardente entusiasmo pela liberdade universal tinha o dom de persuadir os leitores, e que pelos seus anais patrióticos, publicados desde o princípio de 1789, fora muito útil aos progressos da revolução. Fauchet, bispo de Calvados, conhecido por seu zelo entusiástico, no princípio da revolução, e por seus triunfos no Cerco do Palais Royal, homem de quem se podia escarnecer por sua ambição patriarcal, e pelo misticismo, que pretendera introduzir nos princípios patrióticos, mas cuja humanidade, patriotismo e conhecimentos mereceram respeito. Gardien, cujo crime todo foi haver pertencido à Comissão dos Doze. Lauze Duperret, cuja coragem contra os novos tiranos igualava a sua paixão ardente pela liberdade. Valazé, que daí a um instante daria tão nobre exemplo de desprezo da morte. Beauvais, condenado por uma carta, em que não havia dito bem de Marat (o monstro que pretendia reduzir a França a um terço da sua população). Duchatel, jovem e corajosa vítima, por haver recebido uma visita de Carlota Corday. Mainvielle, Lacare, Vigée, Boileau, acusados igualmente de fatos absurdos, e que foram desmentidos; morreram, como seus colegas, por terem acreditado que uma república devia ser fundada pela força dos costumes, e pelo atrativo da virtude, antes, do que pela violência; por haverem oposto coragem inflexível à tirania, que ameaçava a França... É a primeira vez que se assassinaram em massa homens extraordinários.

“Mocidade, talentos, gênios, virtudes, tudo quanto há de interessante entre os homens, foi destruído de um golpe... mostrava-se com as lágrimas nos olhos o miserável leito, que o grande Vergniaud havia deixado, para ir com as mãos amarradas, entregar ao algoz a cabeça... Vós morrestes, vós, os primeiros de nossos concidadãos; morrestes como homens, que tinham fundado a liberdade republicana, e com quem esta devia eclipsar-se. Brilhais no meio de tanta baixeza e incivismo, como Catão e Bruto no meio do Senado corrompido.”

Tais foram os girondinos, a cujo número pertenceram também o profundo filósofo Condorcet, o virtuoso Guadet, o honrado Louvet de Convrai, e muitos outros varões, de que a França e a liberdade ainda hoje se honram. A História declara puras as suas intenções e conduta; argúi-lhes apenas erros, dos quais o maior foi sem dúvida o não se servirem de toda a sua popularidade, para sufocar no berço o atroz partido jacobino, que tanto sangue fez correr, que tanto ultrajou a espécie humana. Mas a virtude não pode entrar nos mistérios horrorosos do crime, e é facilmente a vítima dos hipócritas sanguinários e ambiciosos.

Se tentássemos agora oferecer em breve quadro à contemplação dos nossos leitores os crimes com que os jacobinos assolaram a França, seríamos prolixo em demasia, e afligiríamos um povo, que não está pervertido, e a quem semelhantes atrocidades fariam gelar de horror. Já outra vez falamos na destruição de Lyon, quando os habitantes daquela infeliz cidade foram mortos a milhares, quando não podendo já a guilhotina acompanhar os desejos ferozes de Callot d’Herbois, e de outros jacobinos, se atavam os homens em fila, e eram assim destruídos pela fuzilaria; as crianças acabadas às pontas das baionetas. Em Nantes os intitulados batismos cívicos ordenados por Carrier, consistiam em fazer afogar centenas de cidadãos, em barcas fabricadas com alçapões, de propósito para esse fim. Em Paris, no mês de setembro, mais de 6.000 pessoas de ambos os sexos, e de toda a idade, foram assassinadas nas prisões por esses entes ferozes, cujas virtudes se turvam. Mas para que recordar tantos horrores? O nome de jacobino é ainda hoje uma injúria em todos os países livres e cultos; os seus excessos desonraram por algum tempo a santa causa da liberdade. Mas a liberdade não tem culpa, de que seu nome fosse empregado para se calcarem as leis da humanidade e da razão: a liberdade reprova tudo quanto fizeram os Marat, Robespierre, Danton, Callot d’Herbois, Carrier, Le Bon, Fouquier-Tinville e outros tigres sedentos de sangue. Quem quer a liberdade, quer a justiça, quer o triunfo dos costumes, da Filosofia; aborrece toda a sorte de tirania, e de crueldade. A licença, o desenfreamento das paixões, as vinganças ilegais, nada disso está na lei. Que um povo deve ser enérgico, para manter seus direitos; que lhe pertence o jus de os sustentar pela força, logo que se atrevessem a querer roubar-lhes, é uma verdade, que só os escravos, ou os homens prejudicados poderão recusar. Mas que tais crises devem ser afastadas, quando o permite as necessidades das coisas, que ainda mesmo durante elas, convém guardar ilesos os foros do gênero humano, é também um princípio inegável. Os americanos não selaram com atrocidades a sua bela revolução, e ela subsiste inabalável; os franceses, depois de milhares de crimes e sofrimentos, fatigados de excessos lançaram-se nos braços de um déspota militar. – Um povo não pode ser livre, sem que primeiro seja justo.

 

O BRASIL NOS TEMPOS COLONIAIS, À IMITAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS, FEZ A PRIMEIRA TENTATIVA PARA A SUA INDEPENDÊNCIA

 

Os brasileiros, desde os primitivos tempos coloniais, educados sob o regime monárquico despótico, em virtude da constituição fisiológica do clima, amavam a liberdade e detestavam o despotismo; mas sendo de índole pacífica, toleravam os abusos do poder, para não transtornarem a tranqüilidade geral.

As colônias inglesas da América, mal afastadas da metrópole, desde o começo da sua povoação, se foram educando e ilustrando nos direitos de homem e de cidadão, para mais tarde os constituírem Estados livres e independentes, ou Repúblicas Federativas.

A compressão e o abuso do poder muitas vezes obrigam ao oprimido a lançar mãos das armas, para se revoltar contra o opressor; e foram as circunstâncias vexatórias da metrópole inglesa que levaram os americanos do norte a lançarem mãos das armas, para sacudirem o jugo que os comprimia.

A Inglaterra em 1763, para sustentar a guerra contra a França, fez enormes despesas, e devia 148 milhões de libras esterlinas, e o Parlamento, para obter dinheiro, fez passar o bill do papel selado em 1775, para uso das repartições públicas das Colônias Americanas e mais impostos sobre o chá e artefatos de vidro. A notícia chegou logo à América, e o povo de Boston concordou em nada comprar-se, que fosse de luxo, aos fabricantes da metrópole, aparecendo logo nas reuniões a idéia fascinadora da Independência das colônias da América Inglesa. Em 29 de maio do mesmo ano, instalou-se em Boston a sociedade dos filhos da Liberdade; e foi o objeto das primeiras sessões falarem contra o bill do papel selado, que vinha flagelar as colônias. O povo mais tarde se reuniu para destratar os empregados incumbidos da execução da lei do Parlamento. Os periódicos americanos se pronunciaram em favor das manifestações populares.

Quando o papel selado chegou à Filadélfia e a New York, se formaram reuniões, para obrigar os empregados a demitirem-se; e então figuras alegóricas foram enforcadas na Árvore da Liberdade. Uma grande parte do papel selado foi queimada publicamente pelo povo; e o que se pôde salvar foi recolhido às fortalezas.

Ninguém mais se serviu dos produtos da indústria inglesa.

Otis, pai e filho, e Verrem, moradores em Boston, propuseram, na sociedade dos Filhos da Liberdade, confederarem-se as 13 colônias, e formarem um Congresso, para resistir às arbitrariedades da metrópole; e se realizando a idéia de Otis e Verrem, o Congresso teve lugar no dia 4 de julho de 1776, e nesse mesmo dia é proclamada a Independência e Liberdade dos Treze Estados Unidos, e declarados os direitos do homem e de cidadão. O Congresso envia o ilustre Benjamin Franklin à Inglaterra, para advogar a causa americana. A metrópole não o quer receber em caráter oficial. Mas estremecendo com o que se passava nas colônias da América, revogou, em 22 de fevereiro, a lei do papel selado; porém como se achava a braços com a necessidade, o chanceler do Tesouro propôs o aumento dos direitos da alfândega, sobre o consumo do chá, vidros e outros objetos. Esse aumento de direitos foi também repelido, sendo os cidadãos de Boston os primeiros que tomaram armas, para a resistência; porém foram acalmados.

O Parlamento em 1778, desaprovando o comportamento dos americanos, se dispôs a sujeitá-los pela força; porém os confederados americanos, que já se consideravam livres e independentes no dia 2 de março de 1780, entraram em hostilidades, com as tropas reais, proferindo a legenda da guerra: – expulsemos de nossa pátria esses miseráveis opressores.

A morte de 3 americanos pelo destacamento real incendiou os ânimos. Quando tudo isso se passava chegam vários navios da companhia da Índia carregados de chá; e os americanos se opuseram ao seu desembarque. O Congresso ou Junta patriota, por esse tempo, funcionando em Boston, entrou-lhe nas galerias um homem disfarçado de índio e grita: – Guerra, cidadãos!... A esta voz patriótica os membros da Junta saem com a multidão do povo, vão ao lugar do desembarque, e deitam ao mar os fardos de chá à vista de todos.

O Parlamento inglês tendo ciência deste acontecimento tomou providências enérgicas; e no dia 4 de setembro, reunindo-se o Congresso em Filadélfia, animado de patriotismo, decidiu-se a resistência a todo o transe.

O Congresso encarregou ao General Goges o emprego da força, contra as tropas reais. O Parlamento inglês declara rebeldes os americanos e a guerra da Independência prossegue com esforço titânico; sendo encarregado do comando em chefe do exército americano o coronel de milícias Jorge Washington, deputado pela Virgínia, o qual, apesar de avelhantado, animado de um patriotismo invejável, fez prodígios de abnegação e de heroísmo em diferentes batalhas. (38) No dia 25 de dezembro de 1779 Washington mata em combate o comandante das tropas inglesas em Trenton, fez 900 prisioneiros e se apodera da artilharia inimiga; e a vitória de Saragota em 17 de outubro, e a rendição do General Burgoyne, deram aos americanos superioridade na guerra; que por fim capitulando os ingleses com os americanos em Corales, em 19 de outubro de 1781, entrou Jorge Washington triunfante em Filadélfia, sendo proclamado o salvador e libertador da pátria.

A França, em 1778, havia feito um trabalho de aliança com os Estados Unidos e ajudado aos americanos na sua independência. A Inglaterra, vendo-se derrotada na América, foi forçada a aceitar a paz, e reconhecer a independência de suas colônias, cujo reconhecimento foi assegurado em Versalhes em 3 de setembro de 1783. Terminada a guerra, o Congresso americano se ocupou na confecção da Constituição Federal, que foi aceita e jurada em 1787.

O General Jorge Washington, depois de ter dado conta ao Congresso Nacional do seu comportamento durante a guerra e haver recebido dele as sinceras manifestações de reconhecimento e gratidão, enfia a sua gloriosa espada na bainha e, como simples cidadão, retira-se para a sua fazenda em Monte Vermont, na Virgínia, e entrega-se a seus trabalhos agrícolas. Mas o Congresso, conhecendo que ainda podia este grande cidadão prestar à sua pátria serviços de outra ordem, no 1º de março de 1789, o chamou para presidir os destinos da Confederação Americana, em cuja direção empregou todos os seus esforços, não para sua utilidade e glória, mas sim para firmeza e prosperidade dela. Fez mais: não tomou parte na guerra que a França sustentou contra a Inglaterra, em 1793, porque a sua pátria necessitava de reparar as perdas sofridas no regaço da paz.

A Constituição que consolidou a sociedade americana, em 17 de setembro de 1787, firmada por Jorge Washington, e os deputados do Congresso Federal, começa nestes termos sublimes: – “Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma união mais perfeita, estabelecer a justiça, prover na tranqüilidade doméstica, multiplicar as fontes de felicidade pública, e segurar as preciosas vantagens da liberdade para nós, e nossa posteridade: ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.”

Agora vejamos como começa a nossa Constituição brasileira, e comparemos a fórmula de um país livre e bem constituído, para de outro escravo e dominado por um senhor:

“D. Pedro I, por graça de Deus, e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e defensor perpétuo(39) do Brasil. Fazemos saber a todos os nossos súditos que, tendo-nos requerido os povos deste Império, juntos em câmara, que nós quanto antes jurássemos e fizéssemos jurar o Projeto da Constituição, que havíamos oferecido às suas observações, para serem depois presentes à nova Assembléia Constituinte, mostrando o grande empenho que tinham, de que ele se observasse já como Constituição do Império, por lhes merecer a mais plena aprovação, e dele esperarem a sua individual e geral felicidade política, nós juramos o sobredito Projeto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que de agora em diante fica sendo, deste Império, a qual é do teor seguinte:”

O Brasil, colônia portuguesa, sentia, nos tempos coloniais, a maior apreensão e vexames possíveis, porque até dotava as filhas dos reis, quando se casavam, a título de donativo voluntário, e era obrigado a cobrir-se de luto pesado, quando qualquer pessoa da família real perecia, vindo da metrópole a indicação do estofo que se devia usar, sem excetuar o mendigo.

O brasileiro não passava de soldado, frade, marinheiro ou agricultor. Na milícia não passava de tenente, porque nesse posto não se dava patente. Os fidalgos e os magistrados pobres eram mandados para o Brasil para enriquecer à custa de casamentos vantajosos, ou por meio de extorsões que faziam.

As artes, as ciências eram proibidas, como era proibida a entrada de livros que pudessem instruir os talentos e os gênios brasileiros.

Em todos os nascidos no Brasil havia ardente desejo de liberdade, porque o europeu olhava para o americano como de superior para inferior.

A Capitania de Minas Gerais estava ameaçada de uma grande extorsão (derrama), e os mineiros tremiam em presença dela. Chegando a Minas a notícia da revolução social dos Estados Unidos da América do Norte, por dois filhos daquela capitania, entusiastas das idéias republicanas, o alferes Joaquim José da Silva Xavier (alcunhado o Tiradentes) e o bacharel José Alves Maciel persuadiram os parentes e os amigos para a independência de Minas e a de todo o Brasil; e quando se esperava o momento para a execução dos planos, um infame traidor, o Tenente-Coronel J. Silvério dos Reis, em 1788, denuncia ao capitão-general de Minas, Visconde de Barbacena, a conjuração e os conjurados, que os manda prender e devassar, sendo a vítima sangrenta da tirania e crueldade o alferes Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes), que, sendo enforcado, foi por ordem régia decapitado, esquartejado, no dia 21 de abril de 1792, no campo de S. Domingos(40) do Rio de Janeiro, conforme o testemunho do Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, juiz da execução, sendo os quartos do infeliz padecente pendurados em estacas pelas estradas de Minas, a cabeça salgada, finada na ponta de um mastro, colocada na praça pública da cidade de Ouro Preto, a casa demolida, e o terreno dela coberto de sal.

Esta tentativa de independência de Minas se havia ramificado pela Bahia e, em 1798, sendo denunciados pelo padre José da Fonseca, os conjurados Cipriano José Barata de Almeida e Marcelino Antônio de Sousa, que em suas reuniões davam vivas à liberdade e a Napoleão.

Esta denúncia foi confirmada no dia 12 de agosto, pelo aparecimento de papéis sediciosos convidando o povo para a revolta. D. Fernando José de Portugal, governador da Bahia, de posse do que se passava sobre a conjuração, mandou prender e devassar os conjurados, sendo reconhecidos cabeças da conjuração João de Deus do Nascimento (alfaiate), os soldados Luís Gonçalves das Virgens e Luís Dantas; Luís Pires (lavrante) e Manuel Faustino dos Santos Lira, os quais foram sentenciados à pena de morte, sendo supliciados no dia 8 de novembro de 1799, na Praça da Piedade; e os demais foram degradados para África, onde terminaram a existência.(41)

O ódio às metrópoles era geral na América, e por isso as colônias espanholas, conspirando-se contra as vexações européias, se foram emancipando em repúblicas.

O Chile viveu em tentativas para emancipar-se desde 1664, 1742, 1770 e por fim em 1773. Santa Fé ou Nova Granada em 1797. O México tentou a sua independência em 1808, em 1811, e em 1821 conseguiu emancipar-se. Buenos Aires desde 1808; a Colômbia em 1811; e a Bolívia desde 6 de agosto de 1825.

No México, surgindo o pensamento da realeza, ele passou como um sonho afogado no sangue de Agostinho Iturbide, e depois no do desgraçado e iludido Maximiliano. No Haiti, que se havia constituído em república em 1790, foi a realeza também em 1820 afogada no sangue do preto Henrique I.

Todas essas repúblicas têm florescido e frutificado, porque a república vive e frutifica em terrenos virgens, limpos da lepra da corrupção; como a monarquia definha e morre nesse terreno, porque não tem em que se alimentar.

A república que se estabelece sobre as ruínas de monarquias velhas, que se aluíram pela corrupção e pelos vícios, não pode durar muito, porque as riquezas e o luxo, acabando com o resto das virtudes cívicas, o amor da igualdade faz brotar o cancro social a que chamam aristocracia. Esta enfermidade crônica e corrosiva, que alui o merecimento de quem o tem, e olha a probidade como qualidade de nenhum valor, promove de novo o aparecimento da monarquia, para satisfazer as ambições, as vaidades e enervar os homens.

A sociedade assim enferma busca extremar-se em duas classes: uma de nobres, e a outra de plebeus; e aqui temos a necessidade de um chefe sagrado, que seja superior a ambos, para as equilibrar.

As repúblicas da América se constituíram pela igualdade de direitos, e por isso se conservam felizes; porém se mais tarde se corromperem, e a predominância das riquezas extremar os homens, então todas elas serão reinos, e novas lutas terão lugar, porque o despotismo da Idade Média não pode imperar sobre as gerações modernas.

 

O BRASIL COLÔNIA, O BRASIL REINO E O BRASIL IMPÉRIO

 

No Brasil, a fisionomia carregada e sombria da sociedade colonial expandiu-se com a transferência da Corte portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro em 8 de março de 1808, e a realeza para se firmar em um terreno virgem teve a cautela de criar na colônia brasileira uma extensa aristocracia sem mérito, embebendo-lhe os vícios da velha monarquia européia; e essa distinção lisonjeou tanto a vaidade dos brasileiros, que se todos pudessem ser duques, marqueses, condes e barões, não haveria na sociedade brasileira um só plebeu.

A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro foi excessivamente vexatória para o povo fluminense, porque se praticaram tantos abusos e violências, que parece incrível referir-se o acontecido.(42) A título de aposentadoria, os donos das propriedades, da noite para o dia, mudavam-se das suas casas, e as entregavam àqueles que as pretendiam.

Não obstante a presença da realeza, no Brasil, os régulos das capitanias continuavam na opressão dos povos; e não obstante os brasileiros, exclusivamente, ao mando do Brigadeiro Manuel Marques de Sousa d’Elvas Portugal, conquistaram Caiena aos franceses e entraram triunfantes na capital da colônia francesa no dia 14 de janeiro de 1809.

Portugal na Europa tinha pouca importância como potência política, e não figurava no Congresso de Viena senão como Estado de segunda ordem, e por isso não assistiam os seus plenipotenciários às discussões do Congresso.

Bastante se mortificavam os plenipotenciários portugueses, chegando a queixar-se a Talleyrand (Príncipe de Benevente), plenipotenciário da França, o qual lembrando-lhes que o único meio de Portugal tomar parte nas resoluções do Congresso era elevar o Brasil à categoria de reino, encarregou-se Talleyrand de escrever ao Ministro Conde da Barca (Antônio de Araújo de Azevedo, com quem tinha amizade), e este, em presença do comunicado, o transmite ao Príncipe Regente, que em vista das razões de Estado, aceitando a proposta, fez baixar a carta de lei de 16 de dezembro de 1815, elevando o Principado do Brasil à categoria de Reino Unido aos de Portugal e Algarves. Foi, portanto, por causa do Brasil, que Portugal tomou assento no Congresso de Viena da Áustria em 1817, como a oitava grande potência da Europa. No dia 28 de agosto deste mesmo ano de 1817, foi assinada, em Paris, a convenção, entre D. João VI e Luís XVIII da França, da entrega de Caiena a S. M. Cristianíssima, e marcados os limites da Caiena pelo rio Oiapoque, em execução do artigo 107 da Ata do Congresso de Viena, formulada em 9 de junho de 1815, sendo os signatários da convenção Francisco José Maria de Brito e Richelieu.

Pernambuco e a Bahia não viviam satisfeitos com a realeza no Brasil, e por isso queriam a república. No dia 6 de março de 1817, apareceu a conjuração, organizando-se o Governo Provisório de 5 membros no dia 7, mas sendo perseguidos pelas forças reais, são presos 434 cidadãos de todas as classes e hierarquias, e enviados para as cadeias da Bahia. A primeira vítima do despotismo real foi o padre José Inácio Ribeiro Roma, que chegando à Bahia no dia 25 de março, foi fuzilado no dia 29 (sábado) pelas 10 horas da manhã no Campo da Pólvora. Domingos José Martins, José Luís de Mendonça e o padre Miguel Joaquim de Almeida Castro, chegando à Bahia a bordo do navio Carrasco no dia 9 de junho, no dia 11 foram sentenciados à morte e no dia seguinte (12), pelas 4 horas da tarde, no Campo da Pólvora foram fuzilados, e seus cadáveres tratados com o maior desprezo. Em Pernambuco, foram enforcados o Tenente Antônio José Henrique, o vigário de Itamaracá, padre Pedro de Sousa Tenório, e os Capitães Domingos Teotônio Jorge e José de Barros Lima, Leão Coroado, o Coronel Amaro Gomes Coutinho, Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão, o padre Antônio Pereira, e os Tenentes-Coronéis Silveira e José Peregrino de Carvalho. Todos esses patriotas republicados foram fuzilados, seus corpos arrastados em rabos de cavalos, cortadas as cabeças e mãos, e expostas em lugares públicos, para exemplo das novas conjurações. Foi no meio de tantas desgraças que foi coroado, sagrado e aclamado, em 6 de fevereiro de 1818, el-rei D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves.

Mal pensava el-rei que o sangue derramado dos brasileiros, e os gemidos de centenas de homens encarcerados por amor da liberdade, e as lágrimas e desgraças de tantas famílias lhe trouxesse a paz a seus Estados. Na cidade do Porto, desde 22 de janeiro de 1818, fermentava o pensamento de nova revolução.

As vantagens que os portugueses europeus tiravam, com a presença da Corte em Lisboa; e o sentimento que causou a morte na forca do General Gomes Freire de Andrade, Grão-Mestre da Maçonaria, e seus companheiros em 1817, despertou no Dr. Manuel Fernandes Tomar, Desembargador da Relação do Porto, convidar ao Dr. José Ferreira Borges, a José da Silva Carvalho e a José Ferreira Viana, comerciante, a organizarem uma sociedade puramente política, que tomou a denominação de Sinédrio, cujo fim era revolucionar Portugal, obrigar a volta da Corte para Lisboa, e proclamar a monarquia constitucional representativa. A sociedade organizou-se no Porto, em janeiro de 1818, com estatutos, sendo somente admitidas, no Sinédrio, pessoas de inteira confiança. As idéias do Sinédrio se achavam derramadas em todo o reino; e chegando ao Porto a notícia de ter a Galiza se sublevado e proclamado o governo constitucional representativo, o Sinédrio, achando oportuna a ocasião, vem à praça no dia 24 de agosto de 1820, e proclama o governo constitucional representativo, na cidade do Porto; fazendo o mesmo a cidade de Coimbra no dia 4 de setembro; Braga no dia 5; e Lisboa no dia 15 do mesmo mês.

A notícia da revolução de Portugal chegou ao Rio de Janeiro no dia 12 de novembro, sendo portador dela o brigue Providência, cuja notícia, fermentando nos ânimos liberais, deu em resultado a revolução social do dia 26 de fevereiro de 1821, no Rio de Janeiro, em cujo dia foi mudado o Ministério, e se prestou o absurdo juramento à Constituição, que as Cortes de Lisboa iam fazer!(43) El-rei estremeceu; e um conselho composto dos ministros de Estado, e de pessoas importantes, em vista do estado convulsivo de Portugal e do Brasil, decidiram que o herdeiro da Coroa, D. Pedro de Alcântara, fosse para Lisboa, e ficasse el-rei no Brasil; mas as coisas foram mudando, e el-rei D. João VI por um decreto do dia 7 de março declarando que voltava para Lisboa, e deixava o filho na Regência do Brasil, aparecem idéias republicanas, chegando-se a descobrir uma conspiração para ela promovida por pessoas importantes da Corte, sendo presos Targini, Juiz da Alfândega, Luís José de Carvalho, João Severiano Maciel da Costa, Isidoro Francisco Guimarães, o Almirante Rodrigo Pinto Guedes, e o Brigadeiro Genelli, escapando outros por se haverem ocultado.

O Conde dos Arcos, amigo particular do Príncipe D. Pedro, se empenhava para que D. Pedro não saísse do Brasil, e vendo a resolução do Rei, urdiram os distúrbios que se deram no edifício da Praça do Comércio, na madrugada do dia 22 de abril de 1821, por ocasião da eleição para deputados, que amedrontando o Rei o forçaram a embarcar no dia 25 e saindo do Rio de Janeiro no dia seguinte 26 de abril de 1821 às seis horas e três quartos da manhã em direitura a Lisboa.

El-rei, no mesmo dia, 22 de abril, por um decreto nomeou seu filho o Príncipe D. Pedro de Alcântara regente do Brasil e seu lugar-tenente, criou um Conselho de Estado junto ao Regente do reino do Brasil, e organizou o Ministério para a regência. O Conde dos Arcos vivia em divergência com o Conde de Louzan, porque o Conde dos Arcos queria o Brasil para o Príncipe D. Pedro e o Conde de Louzan o queria para a colônia de Portugal exclusivamente. O Conde de Louzan, vendo-se sempre batido nos conselhos do Ministério, seduziu a tropa portuguesa para uma conspiração militar, que deu em resultado no dia 5 de junho do mesmo ano de 1821, a prisão do Conde dos Arcos, indo como se achava em sua casa, hoje o paço do Senado, para bordo do brigue Treze de Maio, e no dia 10, seguiu deportado para Lisboa. Neste mesmo dia, é recomposto o Ministério, e cria uma junta provisória de 7 membros, perante a qual se verifica a responsabilidade dos ministros de Estado.

No entanto em Portugal, os membros do Sinédrio, no Congresso de Lisboa, aventam a idéia de se recolonizar o Brasil, elevado desde o dia 16 de dezembro de 1815, à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarves, e de fazer sair o Príncipe Regente para Lisboa, a fim de viajar pela Europa. Os decretos das Cortes chegaram ao Rio de Janeiro no dia 9 de dezembro de 1821.

Divulgada a notícia, o Capitão-Mor José Joaquim da Rocha reúne em sua casa, à Rua da Ajuda, a seus amigos Dr. José Mariano de Azeredo Coutinho, Desembargador Francisco da França Miranda, Brigadeiro Luís Pereira da Nóbrega, Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond, Francisco Maria Gordilho de Barbuda, guarda-roupa do Príncipe (depois Marquês de Jacarepaguá) e combinaram nos meios práticos de obstar a partida do príncipe; e se resolvendo que fosse ele instado para ficar, foi encarregado de falar-lhe o seu guarda-roupa Gordilho, a quem respondeu ele “que se três províncias lhe pedissem que ficasse, não sairia do Brasil”.(44)

Com esta resposta imediatamente é chamado da sua fazenda Pedro Dias de Macedo Pais Lima, para ir a São Paulo com ofícios para o Governo Provisório e cartas para Martim Francisco, com quem o Capitão-Mor Rocha mantinha relações de amizade, e para José Bonifácio. O Grande Oriente envia para Minas o cônego Januário da Cunha Barbosa, com ofícios e cartas, e para outros lugares são enviados outros emissários. O Desembargador França Miranda, para dispor a população da cidade do Rio de Janeiro a aderir ao movimento independente, escreveu e publicou um avulso a que intitulou Despertador Brasiliense,(45) que produziu o desejado efeito, no dia 29 de dezembro. Pedro Dias de Macedo Pais Lima chega a São Paulo no dia 23 de dezembro à noite: chovia muito, e não obstante procurou os Andradas, indo ter-se com José Bonifácio, que se achava doente de erisipela; mas não obstante, no dia seguinte, foi ao palácio, deu parte de tudo, e redigiu em junta de governo o ofício, que todos assinaram no dia 24, o qual o Príncipe recebeu no dia 1º de janeiro de 1822, e no qual, em nome da província, lhe pediam que ficasse no Brasil.

No dia 2 de janeiro, o povo fluminense dirigiu a sua petição ao Príncipe Regente, rogando-lhe que o não deixasse; e no dia 9 de janeiro de 1822, por volta das 11 horas da manhã, o Senado da Câmara e povo vão ao paço da cidade, e pedem ao Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara que fique no Brasil; ao que respondeu Sua Alteza: “Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico.” E chegando a uma das janelas do paço, muito comovido pelo discurso do presidente do Senado da Câmara disse ao povo: “Recomendo-lhes união e tranqüilidade.”

A tropa portuguesa deu logo sinal de desgosto, porém muitos portugueses de todas as classes sociais se conspiraram contra a conduta da tropa, e aderiram de coração à causa do Brasil. Neste mesmo dia 9 de janeiro, o Ministério português pediu a sua demissão, mas o Príncipe não lhe deu. Em presença disto, os ministros não quiseram mais despachar os negócios a seu cargo. Bem que o Príncipe Regente dominasse o elemento europeu, por lembrança de algumas pessoas, no dia 16 de janeiro, organizou novo Ministério, e nomeou a José Bonifácio de Andrada e Silva para as pastas do Reino, Justiça e Estrangeiros, sendo os outros ministros naturais de Portugal.(46)

José Bonifácio chegou à corte do Rio de Janeiro no mesmo dia 16, em que foi chamado para o Ministério, porém entrou na cidade no dia 17, e só no dia 26 de janeiro, foi com os membros da deputação de São Paulo, da qual era relator, ao paço, dar conta de seu cargo, que era pedir ao Príncipe que ficasse no Brasil.

José Bonifácio, conforme me comunicou verbalmente o meu parente e amigo o Marquês de Olinda,(47) na presença do desembargador Ludgero Gonçalves da Silva (ex-chefe de Polícia), Garcia Almeida e outras pessoas, veio de Lisboa para São Paulo em setembro de 1819, e era oposto à independência do Brasil, pelas vantagens que recebia do Erário real. Antônio Carlos como conhecia o modo de pensar do seu irmão José Bonifácio, constantemente lhe escrevia de Lisboa, para que se empenhasse pela independência da Pátria, e que, portanto, a aderiu forçado e não por sentimentos espontâneos à causa do Brasil.

No dia 25 de março de 1822, o Príncipe Regente vai à província de Minas restabelecer a ordem pública alterada pelo Tenente-Coronel Pinto Peixoto, e pelo Juiz de Fora Cassiano Espiridião de Melo Matos. No dia 23 de maio do mesmo ano, pede-se a convocação de uma Assembléia Constituinte para o Brasil, aparecendo o decreto para a convocação e as instruções para a eleição dos deputados no dia 5 de junho.

As Cortes de Lisboa em presença da atitude que o Brasil tinha tomado, por decreto de 22 de junho de 1822, revogam a saída do príncipe regente do Brasil, como meio de retardar ou obstar a separação. No dia 30 de setembro os deputados juram a constituição política da monarquia portuguesa.

José Bonifácio logo que tomou posse do Ministério em janeiro de 1821, criou um partido seu, denominado Andradista, e circulou-se de gente muito ordinária, para instrumento de suas paixões; com o fim de praticarem crimes e horrores; e muito concorreu por um manifesto, justificando o procedimento do Brasil contra as loucuras das Cortes portuguesas.

O príncipe regente desejando acalmar os ânimos ainda em fermentação, na província de S. Paulo, partiu do Rio de Janeiro no dia 14 de agosto, e ali chegou no dia 25 do mesmo mês, (48) tomou algumas providências, em bem da ordem pública, e de volta a um passeio que deu então a Vila de Santos chegando à margem do riacho Ipiranga, por volta das 4 horas da tarde do dia 7 de setembro de 1822, onde o esperavam Paulo Beregaro e Cordeiro, com ofícios e cartas mandadas do Rio de Janeiro, em que lhe diziam que as Cortes portuguesas insistiam em massacrar o Brasil, e que por isso convinha se declarasse o Brasil independente, mostrando ele os papéis ao padre Belchior Pinheiro, vigário de Pitangi, concordou com a frase, que dizia que, “o que se tinha de fazer tarde, se fizesse logo”, e o príncipe arrancando o laço português do chapéu e o atirando ao chão gritou: “Independência ou Morte!…”(49)

 

“INDEPENDÊNCIA OU MORTE!”

 

Sabendo eu existir ainda o venerando Sr. Manuel Marcondes de Oliveira Melo, barão de Pindamonhangaba, companheiro de viagem do príncipe regente, procurei saber minuciosamente das circunstâncias que se deram antes, durante e depois do grito “Independência ou Morte”, na margem do Ipiranga, e para o que escrevi ao nobre barão especificando os pontos que convêm à história, e se dignando ele responder-me, aqui transcrevo este precioso documento, que o publiquei no nº 26, de 3 de julho de 1864, na 1ª série do meu Brasil Histórico.

“Ilmº Sr. Dr. A. J. de Melo Morais. – Tenho presente a carta de V. Sª em que pede-me alguns esclarecimentos sobre o ato da nossa independência no Ipiranga, a fim de exará-los na História do Brasil, de que é V. Sª digno autor. Com todo o prazer satisfaço a exigência de V. Sª, narrando-lhe aquilo de que tenho lembrança, e que presenciei, como testemunha ocular, e que o espaço de quarenta anos não tem apagado de minha memória. Seguirei a ordem dos quesitos propostos por V. Sª.

“Quanto ao 1º – A que horas foi o Príncipe em passeio ao Ipiranga, em cuja ocasião deu o brado “Independência ou Morte”? Respondemos: que indo o Príncipe em regresso de um passeio que tinha feito à cidade de Santos, depois que subiu a serra acompanhado somente por mim, recebeu nessa altura ofícios ou cartas por um próprio, parando e lendo-os disse-me que as Cortes de Portugal queriam massacrar o Brasil, continuando logo alcançado pela guarda de honra que havia ficado um pouco atrás, a quem o Príncipe ordenou que passasse adiante, e fosse seguindo, e isso creio, que em conseqüência de achar-se o mesmo Príncipe afetado de uma disenteria, que o obrigava a todo o momento a apear-se, para prover-se; meia légua distante do Ipiranga, encontrou-se a guarda de honra com Paulo Beregaro e Antônio Cordeiro, que perguntando à mesma pelo Príncipe, dirigiram-se ao seu encontro, para entregar-lhes ofícios, que traziam do Rio de Janeiro.

“A guarda de honra parou no Ipiranga, à espera do Príncipe que, como já fica dito, ficou atrás e com quem foram encontrar-se Paulo Beregaro e Cordeiro. Após pouco tempo, chegou o Príncipe ao Ipiranga, onde o esperava a sua guarda de honra, a quem disse, e aos mais de sua comitiva, que as Cortes portuguesas queriam massacrar o Brasil, e pelo que se devia imediatamente declarar a sua independência, e arrancando o tope português que trazia no chapéu, e lançando-o por terra, soltou o brado de ‘Independência ou Morte’; o mesmo fez a sua guarda e comitiva, a quem o Príncipe ordenou que trouxessem uma legenda com a inscrição ‘Independência ou Morte’. Esta cena teve lugar, pouco mais ou menos, às 4 horas e meia da tarde.

“2º Quesito. Se foi em conseqüência de uma carta de José Bonifácio ou de Martim Francisco, que dizia – o que se tem de fazer tarde, que se faça logo – o que resolveu o Príncipe a dar o brado? Respondemos: que ignoramos quais os motivos a dar o brado do Ipiranga, e só sabemos que foi em conseqüência das cartas e ofícios que recebeu da Corte, e que se dizia serem da Imperatriz e de seu Ministro José Bonifácio.

“3º Quesito. Se o Príncipe depois que acabou de ler a carta a deu ao padre Belchior Pinheiro de Oliveira, ou a outra pessoa, e consultou o que devia fazer? Respondemos: ignoramos completamente o que se passou nesse ato, porque quando o Príncipe recebeu os ofícios de que foram portadores Paulo Beregaro e Cordeiro, nos achávamos, como já fica dito, adiante do Príncipe, porém é de supor que este consultasse com o padre Belchior a respeito, por isso que era o seu confidente e mentor.

“4º Quesito. Quais os verdadeiros motivos que levaram o Príncipe a São Paulo? Respondemos: apenas sabemos que esses motivos foram políticos.

“5º Quesito. Quem foram os causadores das perturbações da província? Respondemos: suponho que os causadores da perturbação da província foram alguns membros do Governo Provisório, por isso que apenas o Príncipe chegou a São Paulo, deportou-os dentro mesmo da província.

“6º Quesito. Quais os membros do Governo Provisório que se desavieram e perturbaram a marcha dos negócios públicos? Respondemos: dos membros desavindos, e que perturbaram a marcha dos negócios públicos, apenas lembro-me do vulto mais eminente, e de quem muito se falava, do Coronel Francisco Inácio de Sousa Queirós, que foi deportado para Santos.

“7º Quesito. Em companhia de quem veio preso Martim Francisco para o Rio de Janeiro, e em que lugar fora da província de São Paulo o deixaram? Respondemos: Martim Francisco dirigia-se para o Rio de Janeiro, preso, e sob a guarda do major de milícias, José Fernandes, e foi solto logo que transpôs as raias da província de São Paulo, sendo preso o major que o conduzia.

“8º Quesito. Quantos dias o Príncipe demorou-se em São Paulo depois do dia 7 de setembro de 1822? Respondemos: apenas demorou-se o Príncipe um dia.

“9º Quesito. Como ia vestido o Príncipe, e em que cavalgava? Respondemos: o Príncipe ia vestido com fardeta de polícia, e se a memória não nos é infiel, cremos que cavalgava em uma besta baia gateada.

“10º Quesito. O que houve em São Paulo na volta do passeio do Ipiranga? Respondemos: na volta do Ipiranga para São Paulo, que foi no mesmo dia em que soltou o brado de “Independência ou Morte”, o Príncipe, o que houve de notável e singular, foi de ser nessa noite no teatro, onde se achava o Príncipe, aclamado rei do Brasil, por um indivíduo de sua guarda de honra, que se achava sentado junto ao Coronel Antônio Leite Pereira da Gama Lobo, Coronel João de Castro Canto e Melo, e criado particular João Carlota. No dia seguinte, o Príncipe apresentou-se com uma legenda no braço em que estava inscrito ‘Independência ou Morte.’

“Creio ter satisfeito o quanto em mim coube o pedido que V. Sª faz-me; resta-me o pesar de ter a mão do tempo riscado de minha memória muitos outros fatos circunstanciais, que porventura ladeassem o ato de nossa independência, porque quarenta anos se tem passado, e seria preciso grande fertilidade de reminiscência, para não esquecer todas as minuciosidades que se eram por essa ocasião.

“Aproveito o ensejo para respeitosamente saudar e cumprimentar V. Sª, oferecendo-lhe igualmente o meu insignificante e limitado préstimo neste ponto.

“Sou com toda a estima e consideração, de V. Seu Venerador. – Barão de Pindamonhangaba. – 14 de abril de 1862.”

No dia 14 de setembro, à noite, chegou o Príncipe Regente à Corte, e deu-se princípio aos preparativos da sua aclamação, como Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.

O Príncipe Regente, no dia 4 de outubro, antes da sua aclamação, entrou para a Maçonaria, e na ausência do Grão-Mestre José Bonifácio, dias depois, é proclamado Grão-Mestre da Ordem, e, nessa mesma ocasião, Domingos Alves Branco Muniz Barreto declarou que o augusto defensor perpétuo deveria ser aclamado Imperador, e não rei do Brasil; e subindo a uma mesa, aclamou por três vezes, com voz forte: “Viva o Sr. D. Pedro de Alcântara, 1º Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil!”, o que foi unanimemente correspondido pela assembléia. Em seguida resolveu-se que a aclamação civil fosse no dia 12 de outubro.

José Bonifácio, desesperado com esta surpresa, para contrabalançar o poder maçônico, arregimentou a sua antiga sociedade tenebrosa, chamada “Apostolado”, com o fim de guerrear os maçons do Grande Oriente, e convidou desde logo o Príncipe Regente para presidente do “Apostolado” com a denominação de “Arconte Rei”.

O Príncipe Regente, para manter a ordem pública, no dia 25

de setembro, criou a guarda cívica; e no dia 12 de outubro de 1822, é proclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.

Desde o dia em que o Imperador foi proclamado Grão-Mestre da Maçonaria, as intrigas e perseguições ferveram excessivamente entre José Bonifácio e os membros do Grande Oriente. O “Apostolado” trabalhava no edifício da Guarda Velha, onde era o quartel-general, no tempo do rei, e depois se estabeleceu a secretaria do Império; e José Bonifácio, para conhecer praticamente a sua influência pessoal, e política, em vista do estado convulso da capital do Império, no dia 28 de outubro do mesmo ano, pediu a sua demissão de ministro do Império. Os andradistas, com este inesperado acontecimento, saem pelas ruas e praças, a obterem numerosas assinaturas, e com elas vão pedir ao Imperador a reintegração dos Andradas no Ministério, o que teve lugar no dia 30 de outubro, em cujo dia, por volta da tarde, foi a cidade do Rio de Janeiro testemunha da farsa a mais ridícula, que podiam representar o Imperador e José Bonifácio. O Imperador foi se encontrar com José Bonifácio na Rua da Glória, e ao aproximarem-se abraçaram-se, e tanto chorava um como outro, e vieram ambos no mesmo carro para a casa de José Bonifácio, no Largo do Rocio, esquina da do Sacramento, acompanhados da multidão de povo; e depois que entraram, chegou José Bonifácio a uma das janelas, e da sacada gritou para a multidão: “Viva Pedro I, Pedro 2, 3, 4, 5, 6 e quantos Pedros houverem!” Estes vivas foram correspondidos pela multidão; e à noite foram José Bonifácio, o Imperador e a Imperatriz ao teatro, e todos em comum, no camarote imperial!

No Ministério José Bonifácio, o seu primeiro ato foi, neste mesmo dia 30, mandar instaurar o monstruoso processo chamado a Bonifácia(50) contra vários indivíduos, como republicanos e anarquistas, sendo alguns deles os que mais trabalharam para a separação política e governamental do Brasil da sua antiga metrópole, e pelo que foram uns presos e outros deportados.

No 1º de dezembro, é coroado e sagrado o 1º Imperador do Brasil, e para perpetuar a memória deste dia ele criou a Ordem do Cruzeiro, puramente brasileira; e bem a Guarda de Honra para sua pessoa.

No dia 3 de maio de 1823, instalou-se a Assembléia Geral Constituinte Legislativa, para confeccionar a Constituição política do Império, e prover às necessidades urgentes da Nação, sendo logo no dia 5 nomeada a comissão de sete membros para redigi-la. Embora os eleitos para ela fossem homens ilustrados, não tinham conhecimentos práticos, e nem experiência do governo dos homens. Dividiram-se as partes de que a Constituição se devera compor entre eles, e nunca se puderam entender no complexo do trabalho.(51)

José Bonifácio, não tendo muito partido na Assembléia, criou um consistório de caceteiros, para massacrar seus inimigos e o sustentar no poder. No dia 15 de julho(52) Plácido Antônio Pereira de Abreu recebeu uma carta anônima, com outra dentro, para ser entregue ao Imperador em mão própria, escrita em alemão, prevenindo-o para que não fosse à sessão do “Apostolado” do dia 16 de julho, porque sua existência perigava.(53) Como a recomendação feita a Plácido da pronta entrega da carta ao Imperador era terminante, ele, com medo da ameaça, declarou pela imprensa do dia seguinte ter entregado em mão própria a carta que lhe fora confiada.

O Imperador, no dia 30 de junho, tinha fraturado duas costelas no Engenho Novo, e não em Macacos, como anunciou o boletim e, já se achando melhor, ao cair da noite foi ao quartel do Campo de S. Cristóvão, e acompanhado do comandante do esquadrão de cavalaria, Pardal, alguns oficiais e 50 soldados do mesmo esquadrão (indo os cavalos desferrados), às 8 horas da noite dirigindo-se todos para o edifício do quartel-general da Guarda Velha, surpreendeu os “Apóstolos”, tomou assento na cadeira presidencial, ocupada por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, apoderou-se dos papéis, entre eles o projeto da constituição, que se discutia ali, e dissolveu o “Apostolado”! Todos os membros que se achavam presentes se retiram por entre alas de soldados, e mandando fechar as portas do edifício, levou também consigo as chaves. Do que se passou no “Apostolado” nada respirou; mas no dia seguinte, 17 de julho, é demitido o Ministério Andradas!!!

Passava-se o tempo, e já publicamente se murmurava contra a Assembléia Constituinte, porque não apresentava o projeto da constituição. Corria o mês de julho, e nada se havia feito, sendo a comissão de redação só a culpada, por não apresentar trabalho. Antônio Carlos era o membro mais importante da comissão; mas os seus hábitos naturalmente indiferentes, o elevavam para a morosidade. Sendo interpelada a comissão em 16 de agosto, Antônio Carlos pediu 15 dias para apresentar o projeto da constituição, o que cumpriu no dia 1º de setembro, tendo o projeto a data do dia 30 de agosto de 1823, com 272 artigos, assinado por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, José Bonifácio de Andrada e Silva, Antônio Luís Pereira da Cunha, Manuel Ferreira da Câmara de Bittencourt e Sá, Pedro de Araújo Lima, José Ricardo da Costa Aguiar de Andrade, e Francisco Muniz Tavares. No dia 15 de setembro deu-se começo à discussão do projeto da constituição, que tomou a denominação vulgar – de Constituição da Farinha de Mandioca.

A demissão dos Andradas, no dia 17 de julho, não foi devida ao espírito faccioso dos oficiais portugueses, como dizem alguns escritores, mas sim ao despotismo dos Andradas, ao seu orgulho descomunal, e ao que se passou no “Apostolado”. Logo depois de apeados do poder em 17 de julho, criaram o Periódico Tamoio, sendo o redator em chefe Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond (depois conselheiro, e o nosso mais importante diplomata) e colaboradores os Andradas.

As discussões da Assembléia Constituinte, que até o dia 17 de julho tinham corrido plácidas foram-se tornando veementes. El-rei D. João VI, que muito amava o Brasil, e dele saiu banhado em lágrimas, tendo reassumido no dia 27 de maio de 1823 o poder soberano em Portugal, o seu primeiro cuidado foi mandar suspender as hostilidades na Bahia, enviando no dia 10 de julho o marechal Luís Paulino Pinto da França, no bergantim Treze de Maio, com ofícios para o General Inácio Luís Madeira de Melo, e para o Almirante João Feliz, chegando Luís Paulino à Bahia no dia 18 de agosto, achou a Bahia restaurada pelas forças brasileiras; e como lhe foi proibido desembarcar,(54) fez-se de vela para o Rio de Janeiro, onde chegou no dia 7 de setembro, sendo conduzido preso de bordo para terra, e como vinha doente deu-se-lhe por quartel a casa do seu parente o Desembargador Garcez, à rua da Lapa.(55)

Em seguida, el-rei D. João VI mandou uma comissão especial, encarregada ao Conde de Rio Maior, e ao ex-ministro de Estado Francisco José Vieira, ao Rio de Janeiro, com o fim de reatar a união entre o Brasil e Portugal, cuja comissão, embarcando-se na corveta Voadora, saiu de Lisboa, no mesmo mês de julho, e chegou ao Rio de Janeiro no dia 17 de setembro, pelas 2 horas da tarde, sendo mal recebida, tanto pela Assembléia Constituinte, como pelo Imperador e pelo povo, e em vista disso, foi a corveta aprisionada como navio de guerra, de uma nação inimiga, voltando para Lisboa os comissionados sem nada conseguirem.

Os Andradas apesar disso não achavam oportuna ocasião para manifestarem o seu despeito e rancor, por se verem fora do poder, apesar das discussões calorosas, que houvera na Assembléia, com a presença do Marechal Luís Paulino, e a da comissão do Conde de Rio Maior. No dia 5 de novembro às 7 e meia horas da tarde, estando na porta da sua botica, ao Largo da Carioca, fora por engano espancado o boticário Davi Pamplona Corte-Real, por dois oficiais portugueses, o Major de artilharia montada, José Joaquim Januário Lapa, e Capitão Zeferino Pimentel Moreira Freire na suposição se ser Pamplona o redator do periódico intitulado o brasileiro Resoluto (Francisco Antônio Soares), que os havia afrontado no mencionado periódico. No dia 6 Davi Pamplona levou a sua queixa à Assembléia Constituinte, que estava dividida em dois partidos, e sendo enviada a petição à comissão de legislação da Assembléia, para dar o seu parecer, esta respondeu no dia 8 que o queixoso recorresse aos meios ordinários, visto não ser a Assembléia Constituinte o tribunal competente.

José Bonifácio de Andrada e Silva, amigo de representar farsas ridículas, como a dos dias 28 e 30 de outubro de 1822, havia pedido em outubro de 1823 uma licença de três meses à Assembléia, para se ir medicar em S. Paulo; e a obtendo, deixou-se ficar na Corte; mas se apresentou inesperadamente na Assembléia no dia 10 de novembro para completar a trindade andradista, e então composto o triunvirato, a tempestade formou-se, no dia 11 ela desabou, rompendo o furacão por Antônio Carlos, que via nas bastonadas, que levou Davi Pamplona, natural de uma das Ilhas dos Açores, ofendida a nacionalidade brasileira!

As discussões tornam-se tão calorosas, que a Assembléia ficou em sessão permanente, em conseqüência de saber-se que à meia-noite haviam marchado tropas da cidade para o quartel do Campo de S. Cristóvão; e não satisfazendo aos Andradas, as explicações dadas pelo governo, continuando a anarquia no recinto da Assembléia Constituinte, foi ela dissolvida ilegalmente por Decreto do dia 12 de novembro de 1823, ao meio-dia, a pontas de baionetas, saindo os deputados (como os Apóstolos do “Apostolado”) entre alas de soldados, sendo logo presos Antônio Carlos, Martim Francisco, o padre Belchior Pinheiro (primo dos Andradas), Montezuma, o Capitão-Mor José Joaquim da Rocha, e conduzidos debaixo de vaias dos moleques, e garotos, para o arsenal da marinha, sem o Brasil se constituir, por não ter a sua lei fundamental, ou antes a sua constituição.

O Imperador ao meio-dia veio a cavalo, de S. Cristóvão para a cidade, acompanhado pelos oficiais dos corpos que estavam no quartel do Campo, e pelo Aterrado (hoje Rua do Senador Eusébio) dando vivas à nova Assembléia que ia ser convocada.

Depois foram presos os filhos do Capitão-Mor Rocha, e em seguida foi preso José Bonifácio, no caminho velho de Botafogo, em casa de Luís de Meneses de Vasconcelos de Drummond, sendo conduzido pelo Tenente-Coronel Gonzaga. Faltava ainda ser preso Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond, redator do Tamoio(56) que pôde escapar-se com muita dificuldade para a Europa. José Bonifácio foi mandado preso para os subterrâneos da fortaleza da Laje, e dali para a de Santa Cruz!

No dia seguinte (13 de novembro), apesar de muita chuva que caía, o imperador, acompanhado do conde do Rio Pardo (Valente), de Francisco Gomes da Silva (Chalaça) e de um sargento, vai, às 2 horas da tarde, à Tipografia Nacional, estabelecida em frente ao Passeio Público, onde hoje está a Secretaria de Justiça, ver se os autógrafos do Tamoio eram de letras dos Andradas, e verificou todos serem de letra do redator Drummond. Ali, muito falou o Imperador contra o Dr. Pedro de Araújo Lima, por não querer aceitar a pasta do Ministério do Império. Como foram vestidos de poncho e o Conde do Rio Pardo não sabia bem usar semelhante veste, depois que montou a cavalo o imperador enfiou-lhe o poncho pela cabeça e se retiraram.

Por esse tempo, já estava imprimindo o orçamento e relatório do ministro da Fazenda, e como, pela dissolução da Assembléia Constituinte,(57) não havia a quem se dar contas, foi ele subtraído da Tipografia Nacional, sem se saber o fim que levou; e este acontecimento, em virtude do estado político da época, passou sem comentários.

No dia 10 de novembro, o imperador havia mudado o Ministério, por não querer, alguns ministros, referendar o decreto da dissolução da Assembléia. No dia 13, criou ou ampliou o papel do Conselho de Estado(58) para ajudá-lo nos atos arbitrários, e ilegais, que tinha em vista praticar; e fez publicar a exposição dos acontecimentos que tiveram lugar, motivados pelos Andradas. No dia 15, lavraram-se os decretos de deportação dos Andradas, e seus amigos, e no dia 16, proclamou aos brasileiros, dando por causa o estado anárquico da Assembléia Legislativa Constituinte, o espírito faccioso da Assembléia causado pelos Andradas e prometendo uma Constituição mais liberal ainda do que a que se discutia na Assembléia Constituinte.

No dia 18 é encarregado Joaquim Estanislau Barbosa, oficial da marinha portuguesa, do comando da charrua Lucânia,(59) para transportar José Bonifácio, seus irmãos e os outros presos para a França, saindo no dia 24 de novembro do porto do Rio de Janeiro, em direção à Europa. Neste mesmo dia, mandou-se instaurar a devassa contra os Andradas e contra o Sr. Drummond, redator do periódico Tamoio.(60)

Para justificar os fatos, existindo ainda o brigadeiro Zeferino Pimentel Moreira Freire, escrevi-lhe uma carta pedindo o histórico das bastonadas que levou o farmacêutico Pamplona, que deu lugar à dissolução da Constituinte e tive em resposta o seguinte:

“Ilmo. Sr. Dr. e amigo Melo Morais – Em resposta à carta de V. Sª pedindo-me como coetâneo da independência esclarecimentos sobre o que se passou naquela época a respeito de Davi Pamplona, oferece-me dizer só a verdade, que extraí dos meus apontamentos, pela parte que tomei nesses acontecimentos.

“Na ocasião de maior efervescência dos partidos, quando os ânimos estavam mais exaltados, propagando-se de discórdia entre brasileiros e portugueses, apareceu à barra do Rio de Janeiro uma embarcação de guerra portuguesa, conduzindo por passageiro o Marechal-de-Campo Luís Paulino de Oliveira Pinto da França: este distinto oficial, filho da Bahia, foi deputado da Constituinte portuguesa, e havia-se, portanto, um pouco avesso à independência do Brasil. Suas falas nas Cortes mostravam que tinha tomado o partido do governo português: à chegada deste personagem espalhou-se logo que ele vinha em comissão de parte do rei D. João VI, para se entender com seu filho, a fim de obstar que progredisse a independência, e preparar um partido a favor da união do Brasil com Portugal.

“O governo de então, ou porque lhe conviesse dar crédito a esses boatos, ou porque alguns dados haviam a este respeito, mandou imediatamente prender o Marechal-de-Campo Luís Paulino, conduzindo-o para terra; e como se achava doente, a rogos do Desembargador Garcez, ainda perante o general, conseguiu que não fosse para alguma fortaleza, ficando na casa do dito desembargador, na Rua da Glória, onde morava, com a condição, para maior segurança, que dous capitães da guarnição o haviam de vigiar, sendo inseparáveis de cama do general, durante as 24 horas de serviço, até que fossem substituídos por outros. Os primeiros capitães nomeados para este serviço foram Zeferino Pimentel Moreira Freire e José Joaquim Januário Lapa, ambos do corpo de artilharia montada. Estes dois oficiais apresentaram-se em casa do Desembargador Garcez, e cumpriam as ordens do governo: acharam Luís Paulino em estado deplorável de magreza, e tão doente, que não podia falar. Pouco tempo depois teve ordem de retirar-se para Portugal, morrendo logo ao sair da barra do Rio de Janeiro.

“Os dois capitães Moreira e Lapa, ao chegarem os seus companheiros que os vinham render, comunicaram as ordens que tinham, e disseram que tais medidas de segurança mais pareciam patacoadas, do que receio, que Luís Paulino pudesse fugir, visto o seu estado valetudinário.

“Pouco tempo depois apareceu em um periódico intitulado Sentinela, artigos veementes e de linguagem a mais criminosa contra os capitães da guarnição, dizendo que pretendiam deixar fugir Luís Paulino, e que conspiravam contra a independência, essas correspondências fala-vam-se serem feitas por Francisco Antônio Soares, um dos mais exaltados escrevinhadores desse tempo, conhecido pelo brasileiro Resoluto, assinando as suas correspondências com este mesmo título.

“Note-se, que a maior parte dos capitães da guarnição daquela época eram adotivos, mas tinham trabalhado a favor da independência, expondo a vida e batendo-se com as tropas lusitanas, comandadas pelo General Madeira, e resistindo às tropas portuguesas, comandadas pelo General Jorge Avilez, comprometidos como estavam, não podia haver desconfiança, porque o partido estava tomado, eram brasileiros.

“Essas correspondências que insultavam o brio e valor dos capitães do exército nos irritaram de tal maneira que fizemos uma reunião com o fim de tomarmos uma desforra.

“Éramos moços e entusiastas pelo serviço que tínhamos feito, ofendidos em nossa honra, decidimos que o primeiro capitão que encontrasse o brasileiro Resoluto, lhe desse umas bastonadas, para ele respeitar uma classe que não o tinha ofendido.

“Aconteceu que, na noite de 5 de novembro de 1823, vindo juntos para o teatro os Capitães Moreira e Lapa, ambos à paisana, no Largo da Carioca, mostrou o capitão Moreira um homem de casaca que estava na botica, dizendo ali está o autor da carta, e parando imediatamente o Capitão Lapa, dirigiu-se à botica, e deu no referido homem algumas bastonadas, reconhecendo neste conflito o Capitão Moreira, o engano, que não era o que apanhava o tal intitulado brasileiro Resoluto, bradou em altas vozes acudindo e segurando o Capitão Lapa, reconheceu-se depois que quem tinha sido espancado fora o boticário Davi Pamplona, sem que ficasse com lesão alguma.

“O resultado deste pequeno acontecimento, que em outra qualquer época passaria desapercebido, foi motivo de se levantar grande calúnia, muito principalmente na câmara Constituinte, em que os deputados da oposição para guerrear o governo declamaram em voz alta contra dois portugueses que tinham espancado a um brasileiro, quando se sabia que Davi Pamplona era filho de uma das ilhas dos Açores, e não nascido no Brasil, como afirmavam os deputados da oposição; mas nessas ocasiões a calúnia é uma das armas de que mais se servem quem quer investigar.

“Tinha-se reunido o maior número de tropa na Corte, e a oficialidade aterrada com a linguagem desabrida da Constituinte, assustada com a demagogia e com as ameaças de deportação, reuniram-se na praça de D. Manuel na casa do brigadeiro Almada, inspetor d’artilharia, e ali se decidiu que fôssemos (os oficiais) a S. Cristóvão pedir a nossa demissão do serviço, entrando neste número muitos oficiais filhos do Brasil, visto que a maioria das Cortes, nos seus discursos, apresentavam a idéia de não terem confiança em homens que acabavam de bater-se pela independência. O Imperador, ouvindo com atenção as queixas da oficialidade, mandou que se reunissem os corpos de 1ª linha no campo de S. Cristóvão.

“Ficamos três dias em S. Cristóvão, e em todo este tempo a Constituinte transformou-se em permanente, e as declamações tornaram-se acrimoniosas, e de uma maneira assustadora. O Imperador mandou marchar uma brigada comandada pelo Marechal Morais, com o decreto da dissolução da Constituinte; e mais consta do manifesto do Imperador impresso na folha A Estrela.

“Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1861. – Zeferino Pimentel Moreira Freire.”

 

Os Andradas e os seus amigos estiveram deportados do Brasil na Europa até 1829. O Brasil estava por constituir-se, porque não tinha a sua lei orgânica. No dia 11 de dezembro de 1823, vinte e nove dias depois, ofereceu o Imperador à Nação o Projeto da Constituição política para o Império do Brasil, que ora nos rege, todo mutilado, não estando autorizado para o oferecer. Foi uma oferta ilegal.

O estado assustador do Brasil era tal em 1823 e 1824, que ninguém se atreveu a comentar e nem fazer reflexões ao projeto de Constituição, porque o terror se apoderou do ânimo dos que poderiam comentá-lo, e foi aceito e jurado tal qual foi oferecido pelo Imperador ao Brasil.

O golpe de Estado do dia 12 de novembro de 1823 foi tão desastrado e fatal, que o Brasil ficou a braços com a anarquia, ora mansa e ora bravia, dando origem à revolução de 2 de julho de 1824 em Pernambuco (Confederação do Equador), a de 25 de outubro do mesmo ano na Bahia, a perda da província cisplatina em 1825, a de 7 de abril de 1831, em todo o Império, a de 14 de abril de 1832, em Pernambuco, e o golpe de Estado do mesmo ano no Rio de Janeiro, que feriu a Constituição. Este golpe de Estado foi um ato nulo, porque foi praticado por uma assembléia ordinária, e sem poderes conferidos pela Nação, como determina o titulo 8º da mencionada Constituição do Império. Seguiram-se os movimentos revolucionários de Pinto Madeira no Ceará; e sucessivamente os morticínios de Cuiabá, o de Vicente de Paula e Torres Galindo, nas Alagoas; o de 20 de setembro de 1835, no Rio Grande do Sul; a Vinagrada no Pará, com ramificações no Piauí; a de 7 de novembro na Bahia (Sabinada); a Balaiada no Maranhão, em 1839; a de 17 de maio e 10 de junho em São Paulo e Minas; a de 7 de novembro de 1848 em Pernambuco, etc.

Perdemos os nossos limites naturais do Rio da Prata; e barulhamos os do Norte, pelo Oiapoque. Tivemos a guerra desastrada com o Paraguai, por não termos nem um homem de Estado, nem político; porque os que tínhamos, eram subservientes à Coroa, e os que vieram depois são de tal força, salvas honrosas exceções, que o que fazem é comprometerem a Nação, e enegrecerem a sua reputação.

 

A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO QUE NOS FOI OFERECIDA EM 11 DE DEZEMBRO DE 1823

 

A Assembléia Constituinte, como disse, elegeu uma comissão de sete membros no dia 5 de maio, para confeccionar o projeto da Constituição política que tinha de firmar a separação governamental do reino do Brasil, do de Portugal e Algarves, com a denominação do Império do Brasil, sendo eleitos Antônio Carlos com 40 votos, Antônio Luís Pereira da Cunha com 30, Pedro de Araújo Lima, com 20, José Ricardo da Costa Aguiar com 19, Manuel Ferreira da Câmara com 18, Francisco Muniz Tavares 16 e José Bonifácio de Andrada e Silva, com 16 votos. Todos estes senhores que tinham de redigir o projeto da Constituição política, bem que ilustrados, não tinham conhecimentos práticos e nem experiência do governo dos homens, para bem cumprir o mandato que lhes foi incumbido.

Dividiram-se as partes de que a Constituição se devera compor entre os sete membros comissionados, e nunca se puderam entender sobre o complexo do trabalho. Passava-se o tempo, e já publicamente se murmurava contra a Constituinte porque não apresentava o projeto de Constituição. Corria o mês de agosto, e nada se havia feito, sendo a comissão só a culpada, por não apresentar trabalho. Antônio Carlos era o membro mais importante da comissão, mas era moroso para trabalho; porém instado por José Bonifácio, reuniu a comissão, e exigiu que cada um apresentasse o que havia feito, para em vista deles, se organizar o projeto da Constituição política do Império do Brasil, que se devia discutir na Assembléia Legislativa Constituinte. Este método não era por certo o melhor, mas foi o que lembrou naquela ocasião, puramente de experiência.

Os membros da comissão não concorreram todos com trabalho; e os que apresentaram obra era esta tão imperfeita, que por ela nada se podia organizar. O Sr. Dr. Pedro de Araújo Lima, depois Marquês de Olinda, apresentou alguns artigos que não serviram, e outros nem isso.

Antônio Carlos viu-se então obrigado, ele só, a redigir o projeto da Constituição, e o fez com tanta brevidade, extraído das Constituições portuguesa, espanhola e francesa, que deixou muito a desejar, na coordenação dos princípios, que adotou. O tempo até então perdido, foi indenizado com detrimento da perfeição da obra.

Martim Francisco Ribeiro de Andrada, era muito fanático pelas doutrinas de Benjamin Constant(61) e já tinha trabalhado também em um projeto de Constituição, que o tinha submetido ao juízo e discussão dos membros do “Apostolado”, como já disse, porque muitos membros da Constituinte pertencendo ao “Apostolado”, o que ficasse ali decidido, seria sustentado na Assembléia Constituinte. O projeto de Antônio Carlos não agradou a seus irmãos: mas como era necessário atender ao murmúrio público, decidiram que fosse assim mesmo apresentando à Assembléia Constituinte, porque na discussão podia ser emendado e substituído por outro; sendo esta última opinião adotada por Martim Francisco, porque tinha o borrão do seu projeto, que o Imperador havia levado do arquivo do “Apostolado” e que estava em discussão. O Imperador não gostou do trabalho de Antônio Carlos, porque pretendeu ver nele uma ofensa à casa imperial.

Pelo projeto de Antônio Carlos os criados da casa imperial não eram elegíveis, e nem podiam ser eleitores. Título de criado da casa imperial, entre nós é genérico, e se entende desde o homem de trabalho, até o mordomo-mor.

O projeto de Martim Francisco, não teve também completa aprovação de José Bonifácio; mas o julgou melhor que o de Antônio Carlos, e que serviria de base para as emendas que se fizessem ao projeto de Antônio Carlos quando se discutissem os artigos e se redigisse a Constituição.

Martim Francisco antes de submeter o seu projeto ao “Apostolado” o mostrou ao Imperador, e conformou-se com a sua redação, posto que visse nele expressamente declarado que todos os poderes políticos eram delegações da Nação; isto é, que a soberania política é propriedade da Nação, e reside no povo; mas como não se negava nele aos criados da casa imperial o direito da elegibilidade, exceto aos que fossem de galão branco, concordou com o mais.

Martim Francisco certo de não achar oposição da parte do Imperador, submeteu o seu trabalho ao “Apostolado” para ser discutido, emendado e apresentado pelos membros dele à Constituinte; porque como muitos deputados eram membros do “Apostolado”, os votos que eles dessem nessa sociedade secreta, sustentariam na Assembléia Constituinte.

Como já vimos, as intrigas do tempo desde o dia 4 de outubro de 1822 dividindo os operários da independência em dois partidos, que se guerreavam de morte, produziram os acontecimentos dos dias 28 e 30 do mesmo mês de outubro de 1822, por ocasião da demissão do Ministério Andrada.

As cousas corriam assim mesmo no ano de 1823, como já disse, quando uma denúncia foi mandada no dia 15 de julho a S. Cristóvão, prevenindo ao Imperador para não ir à sessão do “Apostolado” do dia 16; e como o Imperador visse nessa denúncia a ponta de um véu tenebroso, que cobria um mosteiro, na qualidade de Rômulo Arconte Rei, para ali foi, e ocupando o lugar presidencial, apoderou-se de todos os papéis que estavam sobre a mesa, e de outros que estavam dentro de um cofre vermelho, e ao mesmo tempo dissolvendo o “Apostolado” retirou-se com o cofre.(62) Como já disse, o que se passou nessa noite não respirou, porque havendo mistério, convinha que ficasse abafado entre as paredes do “Apostolado”.

Discutiram-se no “Apostolado” em sessão geral de 17 de março de 1823 vários artigos, sendo aprovado o artigo 1º sobre a divisão e harmonia dos poderes; os arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º ficaram adiados; sendo aprovado o art. 9º. Os arts. 10 até 14 foram adiados. Os arts. 15 e 16 foram aprovados. Foi nesse estado que o Imperador encontrou sobre a mesa do “Apostolado” o projeto da Constituição, que estava discutindo, e foi o que ele aproveitou para confeccionar com tanta rapidez o que ofereceu ao Brasil.(63)

O empenho, como disse, que fazia Portugal para recolonizar o Brasil, e as intrigas das duas facções no Rio de Janeiro, mais azedavam as discussões na Assembléia Constituinte, chegando por fim a ser dissolvida a pontas de baionetas, prometendo o Imperador nesta mesma ocasião dar ao Brasil uma Constituição mais liberal, que a que se discutia na Assembléia Legislativa Constituinte; como de fato no dia 11 de dezembro de 1823 apresentou o projeto da Constituição, assinado por 10 conselheiros de Estado, e rubricado por ele, a qual foi jurada em 25 de março de 1824, sendo o Imperador o primeiro que a jurou, mandando-a registrar no dia 22 de abril do mesmo ano.

Disse-me verbalmente e por escrito o Sr. Conselheiro Drummond, que esse projeto de Constituição que nos rege é o mesmo que se discutia no “Apostolado” oferecido por Martim Francisco, tendo só de mais os conselhos provinciais, que foram introduzidos pelo Ministro do Império José Joaquim Carneiro de Campos; e que o projeto achado no “Apostolado” estava escrito de sua mão, e que tendo conservado uma cópia, que dele tirou, conferiu com a Constituição impressa, em fins do ano de 1824, com os Andradas, em Bordeaux, e reconheceram ser a mesma, exceto os conselhos provinciais, que depois soube do mesmo Carneiro de Campos ter sido por ele intercalado na Constituição do Brasil. O acréscimo introduzido foi o art. 71, que é uma cópia da Constituição francesa. Foi este artigo que motivou a reforma que constituiu a lei de 12 de agosto de 1834, completamente inconstitucional.

Contou-me mais o meu venerando amigo o Sr. Conselheiro Drummond algumas anedotas, passadas na conferência do Conselho de Estado, sendo entre elas a seguinte: que se tratando dos 4 poderes constitucionais, disse um conselheiro, que realmente eram 4 os poderes, porque a força pública constava de artilharia, infantaria, caçadores e cavalaria. Esta anedota foi confirmada pelo Conselheiro Carneiro de Campos, em 1830, lamentando a péssima escolha do pessoal do Conselho de Estado dessa época.(64)

Disse-me o Conselheiro Drummond que Martim Francisco era entusiasta das doutrinas do publicista francês, Benjamin Constant, e que considerava o quarto poder (o poder real) admitido por esse publicista, uma maravilha, para as monarquias constitucionais: que nesta condição o adotou no seu projeto, com a denominação de poder moderador. Disse-me ainda mais que Martim Francisco, durante o seu exílio em França, havia modificado muito as suas opiniões, em relação a este quarto poder distinto, criado por Benjamin Constant, como também a respeito dos outros poderes, porque na prática não deram os resultados que esperava. Que pressentindo isto mesmo, no art. 174, deixou-a aberta, para se modificar os artigos da Constituição que se reconhecesse dignos de reforma; como por exemplo o art. 5º que marca uma religião determinada e obrigatória para o Estado; o § 5º do art. 6º; os §§ 2º e 3º do art. 95, por serem contra os interesses e prosperidade da nação. As leis que se fizeram em 23 de outubro de 1832, e a que se seguiu em 1871, é injuriosa a nossa nacionalidade, porque o título de cidadão brasileiro não se vende, dá-se; não se dificulta, facilita-se. Foi com um só artigo das constituições de 1780, 1781, 1786 e 1787, ajudado da índole, usos e costumes do povo americano, o que bastou para chamar voluntariamente para a América do Norte cidadãos de todo o mundo, e com eles para ali foram as ciências, as artes, a indústria, e imensas riquezas, preferindo todos aquela nova pátria da liberdade e dos direitos, a própria pátria em que nasceram; e não proletários e vagabundos, mandados por engajadores, como nos acontece.

O artigo de que falo é sabiamente concebido nestes termos: “Todo estrangeiro que vier estabelecer-se neste Estado depois de ter prestado o juramento de fidelidade a este Estado, poderá comprar ou adquirir por qualquer modo, possuir e transferir os seus bens e – passado um ano de residência, será reputado cidadão livre deste estado”.

Este único artigo da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte firmou tanto a felicidade e incremento daquele país que, começando a sua existência social e política em 1783, com 2.500.000 habitantes, apesar da guerra mortífera por que passou, em 1790 contava 3.929.827 e sucessivamente foi aumentado, a possuir em 1840, o número de 17.691.053 habitantes e hoje a quarenta e tantos milhões!

A França, antes da revolução de 1789, que acabou com a realeza em 17 de agosto de 1792, deveu a um cidadão naturalizado o engrandecimento e nome que hoje tem. Falo do cardeal Mazzarini, natural de Itália, que vindo para a França, como empregado pontifício, foi protegido pelo cardeal de Richelieu, o qual fazendo-o naturalizar cidadão francês, em 1639, o recomendou a Luís XIII, que o chamou para ministro de Estado, depois do falecimento do cardeal de Richelieu em 1642, com o título de especial conselheiro, passando sucessivamente, por pedido de Luís XIII, antes de morrer em 1643, a regência de Ana d’Áustria, e ao jovem rei Luís XIV.

Mazzarini protegeu tanto as ciências, as artes e a indústria francesa, que o século em que ele floresceu (XVII), marcou uma época distinta no calendário dos tempos, com a denominação de século de Luís XIV.

A constituição francesa de 1791 tirou ao rei o poder de dar títulos ao estrangeiro que se quer naturalizar, reservando-os ao Poder Legislativo: mais tarde este poder passou ao Executivo.

O estrangeiro em França goza dos mesmos direitos que o cidadão francês nascido em território da França; mas não pode ser representante da nação, sem novos títulos, que lhe são conferidos pelos poderes Executivo e Legislativo, a que chamam de Grande Naturalização.

Querendo o cidadão francês naturalizado ocupar todos os lugares da escala social, tendo merecimento reconhecido, a França não lhe nega o acesso a eles, como aconteceu a Necker (banqueiro suíço) no tempo de Luís XVI, e da república, que foi ministro das Finanças; como Rossi, italiano, o foi de Luís Filipe; como Fould e Walwisck foram igualmente de Napoleão III, e Gambetta faz parte da Assembléia Nacional.

A Inglaterra, sempre zelosa de seus princípios religiosos e de sua aristocracia, lá tem entre os pares do reino os israelitas Rotschild e Disraeli.

As Constituições políticas, assim como os homens, modificam-se, conforme as circunstâncias, por ser o direito escrito de uma nação que regula e determina o seu modo de existência social e política.

A Constituição do Brasil, que ainda nos rege, em forma de manto de retalho, o único artigo liberal que tem é o 179, e este mesmo a cada passo se infringe, pelo arbítrio das autoridades, porque não sendo conhecida a Constituição por elas, praticam desatinos, e isto por que entre nós não há igualdade de direitos, porque os empenhos, o suborno e o prestígio sem razão de ser, de alguns indivíduos, suplantam o mérito pessoal de quem o tem. O governo não consulta a opinião pública quando quer fazer as coisas, e no entanto a Constituição aconselha que o faça previamente. Embora a hereditariedade não seja elemento, e sim condição para a perpetuidade da monarquia, o povo nem sempre quererá ser regido pelos membros de uma só família.

A Constituição do Brasil, que foi modelada pela Constituição espanhola de 1812, e das francesa e americana, admitiu um quarto poder no governo da nação, e que chamou poder real ou moderador, criado pelo publicista Benjamin Constant, nos capítulos 2, 3 e 4 dos seus Princípios de Política Constitucional.(65)

O publicista francês, criando este poder como a chave dos outros poderes, armou com maquiavelismo,(66) tacitamente o chefe de estado com todas as imunidades, para governar despoticamente como for de sua vontade; porque sendo irresponsável pelo que pratica, como poder moderador, pode fazer o que quiser sem que ache limites mais que a sua vontade. Há um contra-senso entre o art. 98 e o 102, porque sendo o chefe do Estado o que por si só nomeia os senadores, convoca a assembléia, sanciona os decretos e resoluções da assembléia, e prorroga as suas sessões, nomeia e demite livremente os ministros de estado, perdoa e modera as penas aos condenados, e finalmente concede anistia, é o chefe de outro poder responsável, que nomeia bispos, magistrados e os demais empregados civis e políticos, os comandantes das forças de mar e terra, embaixadores, dirige as negociações políticas, declara a guerra, faz a paz, informando à Assembléia as comunicações que fossem compatíveis com os interesses e segurança do estado, concede cartas de naturalização, concede títulos, honras, ordens militares e distinções em recompensa de serviços feitos ao estado, etc.; expede decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das leis.

Decreta a aplicação dos rendimentos destinados pela Assembléia Geral, aos vários ramos da pública administração; concede ou nega o beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições, que se não opuseram à Constituição do Estado; precedendo aprovação da Assembléia, se contiverem disposição geral, e prover à segurança do estado.

Quem é que não vê a confusão entre o poder moderador e o poder executivo! Quer como poder moderador, e quer como chefe do poder executivo, só há uma vontade, e esta vontade é o absolutismo disfarçado, com o manto constitucional!

Seria longo analisar as atribuições dos poderes, e se o fizéssemos mostraríamos que no Brasil só há um poder, que é a vontade do chefe do Estado, por falta de homens, porque sendo chamados ao poder não transijam com a dignidade do homem político.

Em todos os estados constitucionais só se conhecem três poderes ou faculdades de exercer a vontade e soberania nacional, isto é, o mandato, ou poderes políticos, a fim de harmonizar a vida social da nação, que são o poder de fazer as leis (Assembléias Legislativas); o poder de velar sobre elas, e de as pôr em execução (Poder Executivo, imperador ou rei com seus ministros) e o poder de aplicá-las com justiça, nos casos de controvérsias, litígios, etc. (Poder Judiciário).

Todos estes poderes, na frase do art. 12 da Constituição do Império do Brasil, são delegações da nação, isto é, todos estes poderes são delegações do soberano poder político da nação, e não do poder moderador, que é uma utopia(67) enxertada na Constituição política, que nenhum povo da Europa adaptou, e que só o Brasil o nacionalizou, para encobrir o absolutismo no manto da Constituição, resumindo-o no veto.

 

VETO

 

O veto (eu me oponho, isto é, quero ou não quero) era uma fórmula pela qual em Roma os tribunos do povo, se opunham aos decretos e deliberações do Senado, que lhes pareciam contrários aos interesses do povo romano.

Mais tarde o veto serviu para exprimir a oposição de um poder regular, nos atos de outro poder, cujos decretos não são válidos, senão depois que recebem, desse outro poder, a sanção ou o veto.

Se os dois poderes estão em desarmonia, e a salvação pública urge, a salvação periga pelo desencontro das vontades.

As fórmulas de ser o veto suspensivo ou absoluto é ainda um recurso de que lançou mão o absolutismo, para sofismar o mandato. Na Constituição que fundou a monarquia portuguesa, feita pela nação portuguesa, o rei propunha a lei, os nobres discutiam a sua conveniência e o povo com o seu veto a aprovava.

Nos tempos modernos é o inverso, o povo, por seus representantes (Assembléia), faz as leis, e o poder moderador as aprova ou rejeita!

Na Constituição da Polônia, em 1652, o veto do Núncio que presidia as sessões da Dieta, podia anular-lhe os decretos, porque representava ali a soberania nacional, e ainda mesmo a escolha do rei. Se o soberano da Inglaterra tem o veto absoluto, é porque as leis na Inglaterra são feitas de acordo com os interesses da nação, e a representação nacional é uma realidade patriótica, e não um fantasma, ou confraria de pedantes, na frase do Sr. Zacarias de Góis, ou a chancelaria do Poder Executivo, como entre nós, onde é chancelado o esbanjamento da fortuna pública.(68)

A Constituição francesa de 1791, concedeu o veto suspensivo a Luís XVI, e foi um veto, o que mais concorreu para levar o desgraçado rei à guilhotina, na manhã do dia 21 de janeiro de 1793, porque se opondo aos decretos da Assembléia Constituinte, contra os padres e emigrados, o consideram traidor à pátria e à humanidade. A questão do veto é para mim de grande valor social, e deve ser exclusivamente da nação, porque as leis são feitas para o povo, e só ele é que deve conhecer-lhe o valor e a utilidade, porque é ele que tem de as observar. O rei ou presidente deve propor a lei, o Senado discutir-lhe a conveniência e utilidade, e a Assembléia temporária dar-lhe o veto, como representantes da nação, para voltar com o consentimento da nação, ao rei ou imperador, ou Presidente para a assinar e dar-lhe execução.

O poder real subjugou o povo brasileiro, já humilhado pelo golpe de Estado de 12 de novembro de 1823; porque a Constituinte sendo composta de velhos ambiciosos, acostumados ao regime absoluto, e de homens sem experiência, aceitando a Constituição com o poder moderador, fez que a independência política do Brasil fosse também uma mentira política; porque, todos curvados à vontade dos poderes executivo e moderador, a nação se tem progredido é por seus recursos naturais. Hoje não temos representação nacional, porque o governo é quem manda fazer nas províncias os deputados, indicando-lhes os nomes, para ter quem aprove, não só a sua vontade, como aprovou o esbanjamento do tesouro público. Haja vista, o que se passa agora (1877), que o governo manda excluir os legítimos representantes de algumas províncias para colocar gente sua na Câmara temporária!

A Corte portuguesa deixou no Brasil o sentimento profundo de amor às honras e títulos(69) que a monarquia dá, e tanto que um ex-ministro de Estado e senador do Império, pela Bahia, em pleno Senado disse: que preferia as honras de criado do Imperador, às de Senador do Império; isto é, honrava-se mais em vestir o uniforme de criado do paço, a usar a beca do senador do Império, que tem as honras de príncipe da nação.(70) Um povo assim educado poderá tolerar a igualdade de direitos?

Se com o rodar do tempo, a educação brasileira se for apropriando, e nela forem-se formando características e costumes próprios, e os brasileiros se compenetrarem que a indústria e o trabalho são os que enobrecem o homem, pela independência, e reconhecerem que as virtudes cívicas e os merecimentos pessoais são as verdadeiras distinções, e não os enfeites, e os títulos, que qualquer traficante ou ladrão de escravos os possuem, com dinheiro; quando o Brasil for nação americana, e não como ainda é colônia européia, então não duvidarei que o Brasil monárquico se converta em República americana; porque nada conseguindo com a monarquia em terra virgem não podendo mais tragar o amargo fruto da árvore da corrupção das monarquias velhas, frutificará a república, orvalhada pelo sereno das virtudes e do merecimento pessoal.

A república há de ser a forma única de governo dos homens, por ser a filha do Evangelho de Jesus Cristo, que proclamando os direitos do homem, baseou o seu governo na liberdade, na igualdade de direitos e na fraternidade ou caridade universal, que são os fundamentos da sabedoria e da civilização.

 

CARÁTER DOS BRASILEIROS E FISIONOMIA DO BRASIL(71)

 

Investigador consciencioso dos acontecimentos passados e dos do presente do meu abençoado país, e historiador minucioso e imparcial, desse passado que lá foi, e do presente que se sucede, e já pela profissão de médico, que abracei por verdadeira inclinação, posso por sem dúvida dizer, em substância, o que penso do Brasil, e do caráter de seus filhos, meus compatriotas.

Os brasileiros são entusiastas do belo ideal, e amigos da liberdade. Obedientes ao justo, e inimigos do arbítrio; e suportam melhor o roubo, que o desprezo.

São generosos por índole, um pouco levianos; apaixonados do sexo feminino, por condição do clima, da vida e da educação.

São valentes na guerra, e sofredores até a abnegação no campo dos combates. Se forem bem dirigidos na educação e nos costumes, serão os atenienses na América, se os não comprimir o despotismo.

Nascidos sob um clima amoroso, e sobre um território farto, regado de inúmeros rios, e bafejado continuamente pelo Pai da criação, esse astro-rei, que o fecunda e vivifica, serão os brasileiros a primeira nação do globo, quando compreenderem, que o trabalho e a indústria, são que enobrecem o homem, pela independência, e o merecimento próprio, o que o distingue na sociedade.

Colocado o Brasil em felizes condições geológicas, as suas entranhas são fecundas de abundantes riquezas minerais, e a sua superfície fertilíssima em produtos naturais, sendo a sua flora, a mais prestimosa, e útil que se conhece, tanto no que se refere à manutenção do homem, como em relação às artes, à indústria, e à medicina.

E para aumento da felicidade, no nosso formoso hemisfério do Brasil, quis Deus se perpetuasse o sinal de redenção (o Cruzeiro), árvore da vida, símbolo da liberdade, para o abençoar, e derramar-lhe a seiva, que permanentemente o fortalece e vigora.

 

INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

 

O Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, foi o Patriarca da Independência política do Brasil?

O Brasil em sua Independência em 1822, teve Patriarcas?

As exigências e vexames contínuos, que pesavam sobre a colônia brasileira, partidos do governo metropolitano, trazia o descontentamento na população nacional, e mesmo em grande número de europeus estabelecidos e com família no Brasil, dava desejos de pôr a colônia portuguesa da América do Sul independente do governo de Lisboa. Esta idéia despontava aqui e ali, mas sem desenvolvimento.

Chegando a notícia de emancipação das colônias inglesas da América do Norte, em 4 de julho de 1776, à capitania de Minas Gerais, fez despertar os desejos de independência do Brasil nos corações mineiros, e o que até então eram idéias vagas, firmadas em esperanças incertas, tornou-se então sentimento fixo e realizável, pelo esforço do patriotismo,(72) tomando vulto, desde 1786, traçaram-se planos, formaram-se combinações e quando se esperava unicamente pela ocasião para o rompimento da conjuração em 11 de abril de 1789 foi ela denunciada ao visconde de Barbacena por vis traidores, que fazendo desgraçados a muitos beneméritos, levou ao patíbulo da forca ao mártir da Independência do Brasil, o inimitável alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, em 21 de abril de 1792 no campo de São Domingos, do Rio de Janeiro, cujo cadáver depois de decapitado, esquartejado e salgado, foram os quartos postos pelas estradas de Minas Gerais, e a cabeça fincada em um mastro colocado na praça de Vila Rica ou Ouro Preto. Tiradentes, o patriarca da Independência do Brasil, foi o homem mais generoso, depois de Jesus Cristo, de que há memória na história das nações.

As circunstâncias políticas da Europa forçando a Coroa portuguesa, como já vimos, com a sua Corte, a transferir-se para o Brasil, e fazendo da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro a sede da monarquia, quaisquer que fossem os motivos que obrigassem o retorno da realeza para a Europa, o Brasil não podia ser mais colônia de Portugal, porque o sentimento da Independência do Brasil estava gravado no coração de todos.

Quem não queria a Independência da pátria era o conselheiro Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, receoso de que os seus interesses pecuniários, como pensionista do Estado, perigassem, se aderisse a qualquer pronunciamento de separação política; e para concorrer para o movimento que se estava fazendo no Rio de Janeiro, foi instigado por seu irmão Antônio Carlos, que não cessava de lhe escrever de Lisboa, pedindo-lhe em favor da causa do Brasil.

O pronunciamento franco do Rio de Janeiro, em que tomaram parte os brasileiros e portugueses em dezembro de 1821, deu em resultado as representações para a solução expressa do Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara ficar no Brasil, o que teve lugar no dia 9 de janeiro de 1822.

São Paulo moveu-se por pedido do Rio de Janeiro, e sendo por circunstâncias, como já mencionei, chamado José Bonifácio para o Ministério do Reino, o seu primeiro cuidado foi criar um partido seu, que o sustentasse no poder, e se rodear da gente a mais infame e baixa do tempo para instrumento de suas vinganças; como foram Porto Seguro, Orelhas, Miquelina, Lafuente (mulatos), José dos Cacos (português) e outros.

Tudo o que contrariava o seu orgulho, e não lisonjeava a sua vaidade, era vítima do seu despotismo implacável e perseguido sem trégua.

O Brasil estava a braços com as Cortes facciosas de Lisboa, que queria a todo custo recolonizar o Brasil. A Bahia se achava com as armas na mão por esse tempo, para expulsar a facção lusitana, e o ministro José Bonifácio em lugar de concorrer para chamar os brasileiros de todos os credos a um centro de ação, os que o não lisonjeavam eram perseguidos.

As desordens que apareceram em São Paulo em 23 de maio de 1822, e que deram lugar à prisão e deportação de Martim Francisco, não ficaram sem severa punição, porque José Bonifácio, para vingar a seu irmão, mandou deportar de São Paulo os seguintes notáveis cidadãos:

João Carlos Augusto Oeynhaussen, ex-capitão-general para o Rio de Janeiro.

José da Costa Carvalho, depois Marquês de Monte Alegre, dito.

Coronel Francisco Inácio de Sousa Queirós, dito.

Miguel José de Oliveira Pinto, dito.

Bispo de São Paulo, dito.

Francisco Gonçalves dos Santos Cruz, dito.

Frei Antônio do Menino Jesus, dito.

Daniel Pedro Muller, para Tibaia.

João Ferreira Bueno, para Buiriri.

Francisco de Paula e Oliveira, para Juqueri.

André da Silva Gomes, para Cutia.

Amaro José Vieira, dito.

Antônio Maria Quartim, para Jundiaí.

Antônio Cardoso Nogueira, para Pernapitanga.

Antônio de Siqueira Morais, para Nazaré.

Francisco Alves Ferreira, para São Roque.

Padre Bernardo Conrado, dito.

Caetano Pinto Homem, para Araciguama.

Antônio José Vaz, para São Vicente.

Gabriel Henrique Pessoa, para Santos.

Manuel José Sevilha, para Mogi das Cruzes, e lá morreu.

Pedro Taques de Almeida Alvim, para Paranaguá.

Jaime da Silva Teles, para Piracicaba.

Joaquim Inácio Ribeiro, para Itu.

Antônio Floriano Alves Alvim, para Itapecirica, e lá morreu.

Jerônimo Pereira Crispim, para Sorocaba.

José Rodrigues Coelho de Oliveira Neto, para Porto Feliz.

Fr. José Tundela, para São Caetano, e lá morreu.

Francisco de Paula Macedo, para São Carlos.

João Teodoro Xavier, para São Miguel.

Antônio Gonçalves Mamede, para São José.

José Manuel Tralhão, para Guaratinguetá.

Brigadeiro Joaquim José Pinto de Morais Leme, para Paranaíba.

Os quatro que se seguem, que foram em comissão, ficaram no Rio de Janeiro por ordem, e um deles foi parar na ilha de Cobras.

José Fernando da Silva.

Antônio José da Mota – (é este o fuão Fadiga, que de medo foi para o Porto, fugido, e que Antônio Carlos dizia que fora emissário).

Raimundo Pinto Homem.

Francisco Antônio Pinto Basto – (é o que habitou a ilha das Cobras).

O próprio major José Fernandes, que acompanhou a Martim Francisco até o Bananal, por ordem do governo de São Paulo, foi igualmente preso!

Além destes, houve três pessoas, que foram pronunciadas e estiveram na cadeia, em conseqüência da devassa que se mandou abrir contra quem duvidasse da constitucionalidade de D. Pedro e de seus mais fiéis ministros, etc.

José Bonifácio temia a todo o homem livre, e os mandava vigiar com muito cuidado por seus capangas, como fez com João Ricardo Dormund, padre Feijó, João Mendes Viana e João Soares Lisboa, aos quais chamava de Carbonários. Mandava prender as pessoas suspeitas sempre que eram encontradas reunidas nas ruas em número de três; e o seu excesso de perseguição chegou a tal ponto que dava proteção ao escravo para depor contra seu senhor. Os Andradas entendiam por liberdade no Brasil o poderio concentrado nos membros de sua família, e que sem eles nada se podia fazer que prestasse. Quando eles, no poder, o que não era andradista era considerado demagogo, anarquista, republicano e conspirador; e quando eles fora do poder os governantes eram déspotas, tiranos, e contra os quais maquinavam guerra de morte.

Desde o dia 30 de outubro de 1822, nenhum jornal de oposição ousou escrever contra o governo Andrada até o dia 17 de julho de 1823, em que foram demitidos do Ministério. Foi do dia 1º de agosto em diante que começou a aparecer o Correio do Rio de Janeiro, escrito por João Soares Lisboa, contra os Andradas; e para combatê-lo, criaram os Andradas o periódico Tamoio, tendo como redator principal Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond, e colaboradores os Andradas; que deram afinal por terra com a Assembléia Constituinte do Brasil.

As gazetas liberais do mês de agosto de 1823 denunciaram a existência de um clube secreto, onde se planejavam assassinatos, apesar de se acharem ainda as cadeias cheias de cidadãos presos, por opiniões políticas, mandadas encher por José Bonifácio, sendo o seu número para mais de 300 pessoas. Este clube se estendia até a Praia Grande, sendo indigitados a serem assassinados J. Maria Berquó, depois Marquês de Cantagalo, Gordilho, depois Marquês de Jacarepaguá, o Almirante Rodrigo Pinto Guedes, e outros.

Desse clube saíram as proclamações e cartazes, que se fixaram nas esquinas da Praia de D. Manuel, porta da igreja de Santa Ifigênia, na Rua da Alfândega, francamente dizendo serem os emissários dos Andradas, os que se empenhavam por eles, pois os consideravam os fatores da felicidade do Brasil e os salvadores da pátria.

Para justificar o que digo a respeito das perseguições que José Bonifácio fazia aos que se opunham aos seus desatinos sejam os atos oficiais que comprovem as verdades, como adiante verá o leitor.

 

RELAÇÕES DO PRÍNCIPE D. PEDRO COM JOSÉ BONIFÁCIO

 

Depois da partida de Jorge de Avilez para Lisboa, e da entrada de José Bonifácio para o Ministério, em 16 de janeiro de 1822, o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara estava quase todos os dias em casa de José Bonifácio, indo às 8 horas da manhã com a princesa sua esposa, e ali almoçavam. A princesa ficava conversando com a mulher de José Bonifácio e com os satélites deste, que desgraçadamente era gente abjeta, que não fazia honra a quem os admitia tão familiarmente em sua casa, e principalmente a um homem decente, como José Bonifácio, os apresentar ao Príncipe Regente e a sua esposa.

Esses satélites eram uma troça de mulatos, composta de um torneiro denominado de Miquelina, Orelhas, Lafuente, cantador de modinhas, Porto Seguro, do português José dos Cacos e outros, que constituíam a corte de caceteiros, que espancavam as pessoas desafetas a José Bonifácio.

Uma tal sociedade, que envergonharia a qualquer homem do povo, era a que rodeava o ministro de Estado e mentor do Príncipe Regente.

José Bonifácio abusava da preponderância que exercia sobre um mancebo de 22 anos, sem educação e sem experiência do mundo, para o envolver em alguns casos, que são bem vergonhosos para o Mentor e para o discípulo. Eu os poderia referir todos aqui; mas os que investigarem como eu a História desses tempos nos jornais, nos escritos particulares e na tradição, com imparcialidade, conhecerão que José Bonifácio concorreu com suas palavras desabridas, seus conselhos e seu exemplo, para os atos inconsiderados e revoltantes que se praticaram nesses tempos, que deveriam ser de reorganização e patriotismo.

José Bonifácio às vezes tratava de resto ao Imperador D. Pedro I, e mesmo dizia-lhe palavras pouco polidas e edificantes.

 

CASTIGO BÁRBARO NOS SOLDADOS PORTUGUESES, DA DIVISÃO DE PORTUGAL, NO DIA 30 DE SETEMBRO DE 1822

 

Um dos fatos mais revoltantes que se deu no Rio de Janeiro e que mais consternou a todos foi o que se deu com os soldados que se mandou engajar na divisão de Portugal, no dia 30 de setembro de 1822.

Tendo vindo para o Brasil uma segunda expedição militar, da qual parte era destinada à Bahia, a auxiliar o General Madeira, e a outra ficar no Rio de Janeiro, para render os batalhões 11º e 13º comandados pelo Brigadeiro Carettil, com o fim de obrigar o príncipe regente a retirar-se para Portugal, aconteceu não poder fazer nada, e ficando sob o alcance das balas das fortalezas de Santa Cruz e Laje, o Príncipe Regente, aconselhado por José Bonifácio, mandou pelo Brigadeiro José Joaquim de Lima e Silva (depois visconde de Magé), seu ajudante-de-campo, propor e convidar as praças de pré para servirem nos corpos de linha do Brasil, pelo espaço de três anos, com as mesmas vantagens que as que tinham em Portugal, acrescentando, se além da baixa, teriam datas de terras para cultivar; e com estas vantagens foi aceito o convite pela maior parte dos soldados e oficiais inferiores em número de 900; regressando para Lisboa os demais da expedição.

Os soldados assim engajados foram distribuídos pelos diversos corpos de linha da Corte. Não acostumados à alimentação do Brasil, principiaram a reclamar pão, carne e vinho, que era a sua alimentação ordinária, e não farinha de mandioca, carne de charque e aguardente da terra.

Supunham os soldados que se não cumpria à letra o engajamento, e por conseguinte estavam no seu direito de reclamar a sua observância. Eram bons homens e serviam bem: mas para fins tortuosos, espalharam os satélites de José Bonifácio que esses poucos homens queriam fazer desordem; e como neles os queixumes continuassem, e o Príncipe Regente tivesse conhecimento do que se passava entre os descontentes, por intermédio do seu ministro, mandou publicar em ordem do dia uma portaria em que dizia que aqueles indivíduos nascidos em Portugal, que não aderissem expressa e legitimamente à Independência do Brasil, e que se quisessem retirar, fossem dar seus nomes ao intendente-geral da polícia, para lhes proporcionar os meios de transporte; e os pobres soldados portugueses, julgando-se compreendidos na portaria anunciada, dirigiram-se à polícia, e foram dar seus nomes em número de cento e tantos soldados. A lista nominal deles foi enviada ao Ministro José Bonifácio, e este a enviou ao Príncipe Regente, tomando ambos a resolução dos soldados como ato de insubordinação militar e afronta à causa do Brasil, no dia 30 de setembro de 1822, se ordenou ao comandante das armas, que então era o General Curado, que os ditos soldados portugueses fossem castigados cada um com 50 chibatadas.(73)

Formada a tropa aquartelada no Campo de Santana, às 3 horas da tarde, ali chegou o príncipe regente acompanhado do ministro da Guerra e de José Bonifácio que fardava à moda de oficial da guarda cívica, e dos ajudantes-de-campo, todos a cavalo, bem como em seguida entraram soldados trazendo feixes de chibatas (vulgo camarões).

O povo concorreu ao Campo de Santana, mas logo que soube qual era o fim daquele aparato militar foram-se todos dispersando e murmurando, ficando apenas a escória da população da capital e alguns curiosos para darem notícias do canibalismo do dia.

A tropa que estava formada fez quadrado, por ordem do Príncipe Regente, e sendo chamados os indivíduos pela ordem da inscrição remetida pela polícia, aconteceu que o Coronel Marcelo Joaquim Mendes de Meneses, comandante do 3º batalhão de caçadores, declarasse que alguns dos soldados do seu corpo que também tinham pedido licença, bem como do 2º e 4º batalhão para se inscreverem na polícia, porque se queriam retirar para Portugal, o príncipe regente exigindo a relação nominal deles os mandou sair à frente e foram castigados com os outros indicados pela polícia.

Contou-me o Dr. Manuel Joaquim de Meneses, cirurgião-mor de um dos corpos, testemunha presencial, e outras pessoas de muita gravidade, que assistiram à execução, que no ato de começar o castigo, ouviram troca de palavras entre o Príncipe Regente, o Ministro José Bonifácio e o Ministro da Guerra Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho, a quem o príncipe respondia com aspereza. O Ministro da Guerra, logo depois dessas trocas de palavras, pediu licença ao Príncipe, e saiu do quartel aceleradamente, e com lágrimas nos olhos.

Pessoas que estavam perto do príncipe, nessa ocasião, declararam que o motivo da altercação provira de ter o Ministro da Guerra Nóbrega aconselhado ao Príncipe D. Pedro para que não mandasse proceder ao castigo em sua presença porque o castigo deveria cessar logo que S. A. Real aparecesse ao ato da execução; a que José Bonifácio respondeu que nada importava a presença do Príncipe, porque era o castigo determinado por Sua Alteza Real.

Depois deste acontecimento bárbaro e impolítico, o Ministro Nóbrega pouco tempo serviu; e por mais de uma vez me referiu, na confidência, o Dr. Meneses, que ouviu dizer e muito se arrependera Nóbrega de ter, por obediência, assinado o decreto para o castigo dos soldados portugueses, e que preferia ter-se demitido a subscrever um ato infame; e que se o castigo não foi lembrança direta de José Bonifácio, foi muito aplaudido por ele.

O que é fora de dúvida é que José Bonifácio assistiu por todo o tempo que durou a execução do castigo.

O Dr. Meneses me disse que poucos dias antes do castigo havia dado, como cirurgião-mor da 3ª brigada, por incapazes do serviço, a dois cabos de esquadra, do número dos que estavam inscritos, e se achavam no quadrado para serem castigados, dos quais um deitava sangue pela boca (hemoptise) e o outro com sintomas de aneurisma aórtico.

Em vista da dolorosa cena que tinha diante dos olhos, julgou de seu dever fazer essa participação, e se dirigindo ao cirurgião-mor do exército Manuel Antônio Henrique Tota, que ali se achava, e ao comandante da força, o Coronel Marcelo, para darem parte ao Príncipe Regente, ambos se recusaram e em vista da recusa entendeu o Dr. Meneses que o devia fazer diretamente, e se encaminhado para o Príncipe D. Pedro lhe disse que os dois cabos não podiam ser castigados em vista do seu mau estado de saúde, e que talvez morressem no mesmo ato do castigo em golfadas de sangue.

O príncipe, depois de ouvir o que lhe acabava de expor o cirurgião-mor Meneses, ordenou-lhe que fosse ao quadrado tirar os dois cabos enfermos, bem como a todos que visse não poder sofrer o castigo, e pelo modo como ordenava a retirada das infelizes praças portuguesas, e conheceu estar o príncipe lutando com os remorsos, e a inconsideração.

Tiradas as praças do quadrado, que não podiam resistir ao castigo, apesar das advertências do comandante Marcelo, que dizia estar o humano Dr. Meneses abusando, este lhe respondia a cada advertência: estou autorizado; principiou o castigo às 4 horas da tarde, designado na portaria(74) do dia 30 de setembro de 1822, já transcrita; e se não concluiu o inaudito e bárbaro castigo, por se aproximar a noite, e já se achar o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara de todo arrependido; e chamando ao cirurgião-mor Meneses lhe disse: “Eu havia dito que os castigados ficariam no quartel; mas faça o que entender”. E o Dr. Meneses respondeu-lhe que só no hospital militar poderiam ser convenientemente tratados e que para ali os pretendia remeter. Tornou-lhe o príncipe: faz bem.

Durante o bárbaro castigo, via-se no rosto desses homens, vilmente atraiçoados, estampado o ódio e o desprezo com que olhavam para o Príncipe Regente e para o seu Ministro José Bonifácio; e um deles, com as costas todas retalhadas, e escorrendo sangue, pegou na farda, tirou a legenda Independência ou Morte, e a pisou com os pés, diante de todos.

Os que presenciaram o castigo bárbaro e vil, praticado em homens que de boa-fé e voluntariamente aderiram à causa do Brasil, e que por falta de cumprimento do seu contrato se queriam retirar, disseram-me que até ali não tinham presenciado uma cena tão pavorosa e compungente como essa, porque a música marcial, que não abafava os gemidos das vítimas, o lamento das mulheres e o choro das crianças, filhos desses desgraçados, indignava a todos, fazendo a muitos derramar lagrimas de compunção!

Felizmente ainda existem vivas muitas pessoas assaz conhecidas que viram, e sabem do acontecimento que acabo de expor, e por isso não poderá ser por ninguém contestado.

 

JOSÉ BONIFÁCIO CONCORREU PARA OS DESATINOS DO PRÍNCIPE D. PEDRO – TENTATIVA DE ASSASSINATO DE LUÍS AUGUSTO MAY, REDATOR DO PERIÓDICO MALAGUETA

 

José Bonifácio, como já disse, tinha criado um partido seu, chamado andradista, e se havia circulado de uma súcia de pardos cacetistas, que espancavam os portugueses, como aconteceu ao livreiro Paulo Martins, e davam sovas de camarões nos que diziam não serem afetos ao governo dos Andradas.

Luís Augusto May, português, entusiasta pela independência do Brasil, fez aparecer em dezembro de 1821 um periódico todo seu, intitulado Malagueta (que durou até 31 de março de 1832).(75)

May se havia pronunciado contra os excessos e despotismo de José Bonifácio; e no dia 5 de junho de 1823, em uma Malagueta extraordinária, dirigiu uma carta ao Imperador, na qual fustigou os Andradas, e no dia seguinte, domingo, passando José Bonifácio pela frente da casa de May, na Rua de S. Cristóvão, 77 (sobrado antigo, afastado da rua) disse a um homem, que se supunha o feitor e que se achava no portão da chácara, que dissesse ao Sr. May que José Bonifácio lhe mandava dizer que esperasse por ele à noite, que lhe vinha falar. Em vista desse recado, May não saiu de casa, deixando de acompanhar a mulher e filhos à casa de sua cunhada D. Mariana Lopes de Araújo e Azambuja, na Rua do Mata-Cavalos, onde foram jantar, por estar à espera da visita do Ministro José Bonifácio.

Desde a tarde, Luís Augusto May se pôs à espera de José Bonifácio, mas lhe aparecendo o vigário de S. Sebastião, Luís Lobo de Saldanha, e Antônio José da Silva Calado, cirurgião-mor da Academia de Marinha, entraram a conversar, e por volta das 8 horas da noite, depois do chá, entram pela escada da frente da casa quatro homens armados de espadas, com lenços amarrados no rosto, os quais, surpreendendo e ameaçando com uma pistola uma escrava que se achava sentada embaixo e junto à porta, e entrando na sala, o primeiro descarregou um golpe de espada sobre May, que a esse tempo, suspendendo o castiçal para reconhecer com a luz os surpreendentes, sentiu-se ferido e se apagando as luzes que estavam na sala, o cirurgião Calado precipitou-se pela janela, o vigário meteu-se debaixo do piano, e May, já ferido, aproveitando a escuridão, foge, e os assassinos, acutilando os trastes às escuras, desceram pela escada e se retiraram. Ouvindo o feitor o barulho, correu em socorro, armado de foice e não encontrando os assassinos, nada pôde fazer.

May, logo que viu os assassinos descerem pela escada de frente, foi-se arrastando de gatinhas por baixo do piano e com a mão cortada, de que ficou aleijado o resto da vida, e com um golpe na cabeça, foi cair em uma vala, que separava a chácara em que morava o Padre Serafim dos Anjos.

Estava chovendo; mas uns cães que o padre tinha para guardar sua propriedade, começando a ladrar muito, motivaram o Padre Serafim a mandar por um escravo ver o que era, o qual lhe foi dizer ser um homem que estava caído na vala gemendo, e pedindo socorro. O Padre Serafim, com perto de 80 anos, muito doente, foi com dois pretos que tinha, levando luz, ao lugar dos gemidos, e reconheceu estar seu vizinho quase morto na vala. Conduzido para a sua casa, mandou chamar um cirurgião, que lhe pensou as feridas.

O Imperador, que estava no portão, perguntou aos assassinos: mataram o May? Responderam que fugira, mas em mísero estado. José Bonifácio nessa noite passou a cavalo pela Rua do Engenho Velho.

No dia seguinte, May foi conduzido em uma rede para a Rua do Conde,(76) casa fronteira à Rua do Lavradio, na cidade, onde se curou. Às 11 horas da noite, chegando a mulher de May a sua casa, a viu deserta, e só uma escrava que lhe amamenta uma menina deu-lhe notícia da desgraça acontecida a seu marido; e disse-lhe mais, que os quatro homens que entraram puseram uma pistola aos peitos e lhe mostraram espadas, e por isso não gritou.

Só pela madrugada foi que a mulher de May soube onde se achava o marido, a quem foi ver cheia de angústias.

May dizia a todos que quando levantou o castiçal,(77) no ato de lhe descarregarem o golpe de espada, caiu o lenço que encobria o rosto do indivíduo, e reconheceu ser Pedro Dias Pais Leme, o que se verificou pela carta ensangüentada, que se encontrou, dirigida da Bahia a Pedro Dias Pais Leme, e soube que os indivíduos que o foram massacrar eram o Imperador, Pedro Dias Pais Leme, o Major Quintiliano, inspetor ou diretor da música dos escravos da Fazenda de Santa Cruz, e o Major Santos (paulista). Este último consta que recusava acompanhar o Imperador nessa empresa, e foi obrigado por se lhe dar o epíteto de medroso.

 

DEMISSÃO DOS ANDRADAS NO DIA 28 DE OUTUBRO DE 1822, E FARSA RIDÍCULA QUE SE DEU NO DIA 30 DO MESMO MÊS

 

As intrigas entre os maçons e os apóstolos eram veementes e se distinguiam pela acrimônia entre José Clemente Pereira, Padre Januário da Cunha Barbosa, Joaquim Gonçalves Ledo, João Soares Lisboa e outros, contra os Ministros Andradas, e foram tão desesperadas que puseram o ânimo do Imperador em estado de dúvidas; e José Bonifácio, que tratava a D. Pedro I muito de resto e o havia desmoralizado, para tentá-lo, confiado na sua capangagem, procurou uma nova força e pediu no dia 28 de outubro a sua demissão de ministro, bem como seu irmão Martim Francisco. O Imperador, que já estava enfastiado dos Andradas, aceitou-lhes a demissão, sem fazer reparo, e nomeou novo Ministério, chamando para ministro do Império e Estrangeiros o Barão de Santo Amaro; para a Justiça, Sebastião Luís Tinoco da Silva; Fazenda, João Inácio da Cunha; Guerra, João Vieira de Carvalho; Marinha, Luís da Cunha Moreira.(78)

Logo que este sucesso constou aos entusiastas dos Andradas, iludindo a todos, fizeram reunir imediatamente a Câmara Municipal, para pedir a volta de José Bonifácio, e saíram os partidários dos Andradas pelas ruas, praças e casas particulares, com diversos nós abaixo-assinados, pedindo ao Imperador a reintegração dos demitidos; e obtidas para mais de 10 mil assinaturas, foram ao paço e falaram ao Imperador, pedindo-lhe que reconsiderasse o ato da demissão dos ministros e chamasse de novo os Andradas para o governo do País.

José Bonifácio morava no Largo do Rocio, sobrado que faz esquina com a Rua do Sacramento; e logo que preparou a força, retirou-se para casa de Luís de Meneses Vasconcelos de Drummond, no caminho velho de Botafogo (casa abarracada de muitas janelas e portão ao lado que ainda existe tal qual, nº 27 ou 31) onde José Bonifácio costumava passar dias com a família.

Recebidas pelo Imperador as representações da Câmara e povo, pedindo a reintegração de José Bonifácio e seu irmão no Ministério, foram logo demitidos os nomeados do dia 28 e chamados de novo os Andradas; e o Imperador, por volta das 4 horas da tarde do dia 30 de outubro, dirigindo-se da cidade para o caminho novo de Botafogo, encontrou-se com José Bonifácio, que vinha para sua casa, no meio de uma multidão de povo, e ao encontrarem-se abraçaram-se, e o Imperador comovido, chorando, chamou a José Bonifácio de “seu pai, seu mentor e de seu protetor!” E José Bonifácio chamou o Imperador de “seu filho do coração”; e em novos abraços, entram para a carruagem e vieram para a casa de José Bonifácio, no Largo do Rocio; e este, chegando a uma das janelas, vendo a praça coalhada de povo, gritou para a multidão: “Viva D. Pedro I, D. Pedro II, D. Pedro III, D. Pedro IV, V, VI e quantos Pedros houverem no Brasil!” A toda esta aclamação irrisória o povo correspondia em “Vivas aos Pedros!”...

De noite foram ao teatro, onde os satélites de José Bonifácio o vitoriaram, com estremecimento, e assim se passou a farsa do dia 28 a 30 de outubro, que terminou pelo monstruoso processo, cujo histórico em substância farei ao leitor.

 

PROCESSO MANDADO INSTAURAR NO DIA 30 DE OUTUBRO, E COMEÇADO NO DIA 4 DE NOVEMBRO DE 1822; SEGUINDO A DEVASSA GERAL EM TODO O IMPÉRIO, CONTRA OS INIMIGOS DOS ANDRADAS(79)

 

Reintegrados no Ministério José Bonifácio e seu irmão, Martim Francisco, mandou nesse mesmo dia instaurar um processo, que começou no dia 4 de novembro, contra alguns cidadãos, dos que mais concorreram para a Independência do Brasil, sendo os recomendados:

1 Domingos Alves Muniz Barreto.

2 João da Rocha Pinto.

3 Luís Manuel Alves de Azevedo.

4 Tomás José Tinoco de Almeida.

5 José Joaquim de Gouveia.

6 Joaquim Valério Tavares.

7 João Soares Lisboa.

8 Pedro José da Costa Barros.

9 João Fernandes Lopes

10 Joaquim Gonçalves Ledo.

11 Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho.

12 José Clemente Pereira.

13 Padre Januário da Cunha Barbosa.

14 Padre Antônio João de Lessa.

Pronunciados na monstruosa devassa, que mandou proceder José Bonifácio em 30 de outubro, e fez efetiva o ministro da Justiça por aviso de 2 de novembro, e que teve começo no dia 4, para justificar os acontecimentos do dia 30 de outubro passado, e por não haverem provas foram julgados inocentes os acusados pelo Tribunal da Suplicação, à exceção de João Soares Lisboa.(80)

Note-se que o crime por que foram acusados esses beneméritos cidadãos(81) foi uma fantástica conspiração contra o governo e contra a vida do Imperador, dizendo-se que se queria mudar a forma do governo monárquico para um república! A devassa durou até 16 de abril de 1824.

A oposição que muitos homens patriotas faziam aos desatinos de José Bonifácio, por mandar diariamente deportar homens pacíficos, vítimas dos seus espiões e caceteiros, tais como Porto Seguro, Orelhas, Miquelina e outros, foi a verdadeira causa do processo monstro, que tomou a denominação de Bonifácia.

Dos processados foram presos, como republicanos: Domingos Alves Branco Muniz Barreto, João da Rocha Pinto, Luís Manuel Alves de Azevedo, Tomás José Tinoco de Almeida, José Joaquim de Gouveia, Joaquim Valério Tavares, João Soares Lisboa,(82) Pedro José da Costa Barros e João Fernandes Lopes.

Fugidos ou ausentes Joaquim Gonçalves Ledo,(83) Luís Pereira da Nóbrega, José Clemente Pereira, Padre Januário da Cunha Barbosa e Padre Antônio João de Lessa.

Era tal o caráter de João Soares Lisboa, que confidencialmente escrevendo ao príncipe regente, assim se explicou:

“Nunca V. A. R. verá escrito meu de servilismo; deixei de ser vassalo, não voltarei à escravidão; se os portugueses se deixaram avassalar, deixarei de ser português, e buscarei em terra estranha a augusta liberdade. – Não faltamos à nossa palavra e, se fosse necessário, que suspeitássemos o mesmo que então, acrescentaríamos – deixarei de ser brasileiro. – são invariáveis os nossos sentimentos.”

Foi na prisão que o ilustre João Soares Lisboa fez aparecer a segunda parte do Correio de Rio de Janeiro, para combater o Tamoio dos Andradas, e os inimigos da liberdade.(84)

 

DESPOTISMO HORROROSO DO MINISTRO JOSÉ BONIFÁCIO

(São documentos oficiais)

 

“Nesta Secretaria de Estado dos Negócios do Império se acham registrados os avisos e portarias de que o suplicante faz menção neste requerimento, e são do teor seguinte: – Sendo um dever sagrado nas atuais circunstâncias vigiar sisudamente todos os malvados, que maquinam, para fins sinistros e criminosos, contra a tranqüilidade e segurança pública: Manda Sua Alteza Real o Príncipe Regente, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, que o intendente-geral da polícia, primeiro: escolha e aumente o número das pessoas que devem espiar todas as maquinações referidas, a quem se dará as gratificações do costume, segundo o seu préstimo e serviço; segundo: que sendo os atuais juízes do crime poucos em número, e sobrecarregados de outras obrigações e encargos, e alguns deles frouxos e pouco zelosos; e cumprindo que a polícia tenha ministros ativos, hábeis e corajosos, a quem se possa encarregar diligências de ponderação e segredo: Há Sua Alteza Real por bem aprovar a proposta, que o mesmo intendente acaba de fazer do bacharel João Gomes de Campos, e do Desembargador Francisco de França Miranda, para servirem interinamente de ajudantes do mesmo intendente-geral da polícia enquanto Sua Alteza Real não houver de tomar a este respeito ulterior e final resolução; terceiro: que o referido intendente-geral, por si e pelos ditos ajudantes, e com tropa da polícia, passem a verificar os ajuntamentos de pessoas suspeitas e perturbadoras do sossego e segurança pública, que já lhe foram comunicadas por esta Secretaria de Estado; e achando serem verdadeiros e criminosos os tais ajuntamentos, mande cercar as casas, onde se fizerem tais clubes, por força armada prender todas as pessoas que nelas forem encontradas, e fazer apreensão em todos os papéis e correspondências que forem achadas em suas casas, e que pela sua natureza forem suspeitas: para tudo ser examinado por uma comissão, que para este efeito se haja de nomear; quarto finalmente: que no dia dezoito do corrente, em que se fizerem as eleições, o mesmo intendente-geral mande para o local em que elas se hão de fazer, espias seguras, para lhe darem parte imediatamente de tudo o que ali se possa praticar, contrário ao fim único das ditas eleições, e contra a tranqüilidade pública; e para que o dito intendente-geral possa logo ocorrer a qualquer desordem que possa suceder, se postará com os seus oficiais e tropa necessária nas imediações do lugar das referidas eleições, como lhe parecer mais adequado. O que tudo cumprirá debaixo da sua maior responsabilidade. Palácio do Rio de Janeiro, em 10 de abril de 1822. – José Bonifácio de Andrada e Silva” .

“Tendo-me Sua Alteza Real encarregado de fazer executar o decreto de dezoito do mês passado, é do meu dever transmitir a Vossa Senhoria todas estas partes e denúncias, que acabo de receber, e ao mesmo tempo comunicar-lhe que por muitas outras indagações e notícias, estou capacitado que há tramas infernais, que se urdem não só contra a causa do Brasil, mas contra a preciosa vida da Sua Alteza Real, contra a minha e contra todos os honrados cidadãos amigos da nossa causa. É preciso, pois, que Vossa Senhoria mostre presentemente toda a sua energia e atividade em conhecer os perversos, descobrir as tramas até sua raiz, e ver tudo com os seus próprios olhos, não confiando diligências importantes e delicadas a juízes do crime, sem cabeça e sem energia; cumpre também que até o dia doze Vossa Senhoria deixe de estar em Catumbi, e venha morar no meio desta cidade, para com mais energia e prontidão dar todas as providências necessárias para descobrir os perversos, e esmagar seus conluios. Quando a pátria está ameaçada por traidores solapados, não valem as chicanas forenses, e só deve reinar a lei marcial. Cumpre finalmente que Vossa Senhoria, reservando para outra ocasião os dinheiros da polícia, destinados para objetos menos importantes, os empregue na conservação de bons agentes e vigias. – Deus guarde a Vossa Senhoria. Paço, em dois de outubro de mil oitocentos e vinte e dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva. – Senhor Desembargador João Inácio da Cunha” .

“Manda Sua Alteza Real, o Príncipe Regente, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino remeter ao desembargador do paço, intendente-geral da polícia, o requerimento incluso de Filipe, pardo, e escravo de João Coelho, em que se queixa de seu senhor, pelos atos de vingança que pretende pôr em prática contra o suplicante, em conseqüência da desconfiança em que está de ter este sido o delator de seus crimes. E há por bem que o mesmo intendente-geral lhe defira com as necessárias providências. Palácio do Rio de Janeiro, em cinco de outubro de mil oitocentos e vinte e dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.”

“Ao Ilustríssimo Senhor desembargador João Inácio da Cunha faz os devidos cumprimentos seu amigo e venerador José Bonifácio de Andrada e Silva, e remete a Sua Senhoria o papel incluso de denúncia, a fim de que Sua Senhoria, mandando proceder às precisas averiguações do fato a que se refere, possa descobrir a verdade, para se darem as ulteriores providências que forem de justiça. E por esta ocasião renova a Sua Senhoria os protestos da sua particular consideração e verdadeira estima. Rio de Janeiro, em cinco de novembro de mil oitocentos e vinte e dois. Denuncia em que o lente Amaral levou para Lisboa um assinado de perto de mil homens, para pedirem às Cortes mandassem para aqui oito ou dez mil homens de tropa, que seriam ajudados para prenderem ao Imperador e ao seu ministro, tomarem posse da cidade, etc. Entre os fautores desta petição distinguiram-se muito um Florêncio, morador na Rua da Cadeia, e professor de gramática, ou primeiras letras; João Pedro Maynard, um padre Luís, seu cunhado, e um F. Bandeira, boticário.

“Entre outros, que devem ser interrogados, pode ser José Pereira de Sousa Cabral, que conhece a muitos destes, e sabia de seus projetos.

“Sendo necessário para se preencher o importante fim a que se dirige a portaria de dois do corrente mês, que se facilitem aos honrados e fiéis cidadãos desta capital os meios de deporem com imparcialidade e em toda a liberdade e segurança, a favor da verdade, e contra os malvados desorganizadores da boa ordem, e conspiradores do governo estabelecido: a fim de que sejam patentes, e de todos reconhecidos seus abomináveis crimes e atentados: Manda Sua Majestade Imperial por sua imediata ordem pela secretaria de Estado dos Negócios do Império, que o Desembargador Francisco de França Miranda faça remover para fora da cidade e seu termo, segundo a lei, todos aqueles indivíduos que se acham já acusados pela opinião pública, assim como os seus infames partidistas e mais pessoas compreendidas na facção ultimamente forjada contra o governo; para que deste modo se possa proceder à competente devassa sem aqueles obstáculos, que a presença deles poderia oferecer aos ânimos de seus acusadores. – Palácio do Rio de Janeiro, em seis de novembro de mil oitocentos e vinte e dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.

“Constando na augusta presença de Sua Majestade Imperial que nas casas de Joaquim José Ribeiro, empregado na tesouraria-geral das tropas; de Luís Manuel, da tesouraria-mor do tesouro público, e nas do Sequeira, e do denominado – Boquinha, se fazem clubes secretos, com fins sinistros e inteiramente criminosos e abomináveis: e sendo muito necessário dar todas as providências que possam ocorrer e obstar à execução de seus malvados projetos: Manda o mesmo augusto senhor pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império, que o desembargador do paço, intendente-geral da polícia, empregue toda a atividade e energia em reconhecer com a maior cautela e segredo a realidade destes fatos, e os indivíduos neles compreendidos; e que proceda imediatamente à prisão deles, logo que se encontrem juntos em número maior de três, ou concorram aquelas circunstâncias, que façam confirmar as suspeitas que deles se formem: seguindo-se depois todas as mais providências, que forem justas e legais, a fim de se cortar pela raiz o plano que a sua perversidade tenha organizado. Palácio do Rio de Janeiro, em nove de novembro de mil oitocentos e vinte dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.

“Constando a Sua Majestade Imperial que na Rua da Cadeia em uma casa térrea, pertencente ao tenente-coronel do Monte, defronte de um espanhol chamado D. José, se ajuntam freqüentemente vários indivíduos suspeitos de carbonarismo e que, segundo a informação de uma mulher da vizinhança estivera Joaquim Gonçalves Ledo abrigado nessa casa no dia trinta de outubro último: Manda Sua Majestade Imperial, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império, que o desembargador do paço, intendente-geral da polícia, procurando certificar-se da existência de clubes na mencionada casa, proceda ulteriormente a dar a este respeito as providências que para casos de semelhante natureza lhe têm já sido recomendadas. Palácio do Rio de Janeiro, em dezessete de novembro de mil oitocentos e vinte e dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.

“Tendo-se apresentado na Secretaria de Estado dos Negócios do Império Frei Francisco de Assis, participando que no dia quatro do corrente, achando-se em casa de Rosa Francisca, viúva, moradora na Rua do Cano, junto à botica, ali casualmente jantara com o padre João José Pinto da Mota e Luís Manuel da Silva, escriturário da junta da bula da Cruzada, filho da dita viúva, os quais convidaram ao referido Frei Francisco para que este aliciasse a seu primo Manuel Antunes Vieira, oficial de artilharia a cavalo, a fim de entrar com eles em uma associação de facciosos, que se propunham lançar mão dos dinheiros públicos e particulares, para fazerem uma revolução, e mudarem o governo: e porquanto o referido frei Francisco acompanhasse esta denúncia das maiores protestações da sua veracidade, e dos receios que lhe inspiravam tais indivíduos: e cumprindo prover por todos os meios à segurança e tranqüilidade pública. Manda Sua Majestade o Imperador pela referida secretaria de Estado que o desembargador do paço, intendente geral da polícia, faça pôr em segurança os referidos João José Pinto da Mota, e Luís Manuel da Silva, para que à vista do exposto, e dos anteriores esclarecimentos de seus crimes e consócios, sejam logo processados e sentenciados, como for de justiça. Paço, cinco de dezembro de mil oitocentos e vinte e dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.”

“Havendo a maior probabilidade de que a denúncia dada por frei Francisco de Assis, contra o padre João José Pinto da Mota, e Luís Manuel da Silva, sobre a qual se expedia portaria na data de ontem ao desembargador do paço, intendente geral da polícia, fora uma calúnia contra os mencionados sujeitos por motivos os mais vergonhosos. Manda Sua Majestade o Imperador pela secretaria de Estado dos Negócios do Império, que o desembargador do paço, intendende geral da polícia, procedendo sem perda de tempo às mais escrupulosas indagações sobre este objeto, continue à vista delas a promover a execução da portaria da data de ontem, e passe a por logo em segurança o referido frei Francisco de Assis, que parece incurso no crime dos que mentem ao rei, em prejuízo de terceiro. Paço, seis de dezembro de mil oitocentos e vinte e dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.

“Constando que um certo Estêvão Alves de Magalhães, sócio que foi na tipografia de Garcez, pretende reimprimir nesta corte, por espírito de partido, ou por sórdida ambição, a Constituição, que acabam de decretar as Cortes de Lisboa: Manda Sua Majestade o Imperador, pela secretaria de Estado dos Negócios do Império, que o Desembargador Francisco de França Miranda, tomando conhecimento deste objeto, procure destramente dar as providências convenientes. Paço, vinte e quatro de dezembro de mil oitocentos e vinte dois. – José Bonifácio de Andrada e Silva.

“Sendo presente a Sua Majestade o Imperador que Antônio Fernandes Machado, membro do governo provisório da província do Rio Grande do Sul, e ora residente nesta corte, tem sido um dos partidistas do ex-governador Saldanha, que naquela província promoveram sempre as mais escandalosas intrigas entre as autoridades públicas, e pretenderam como fim principal de seus perversos desígnios, perturbar a tranqüilidade e união daqueles povos, e indispô-los, contra o governo: e constando igualmente que ele nesta corte não tem mudado de sentimentos, e que pode vir a ser muito prejudicial à segurança do Estado, se não tomarem a seu respeito todas as medidas de prevenção . Manda o mesmo Augusto Senhor pela secretaria do Estado dos Negócios do Império, que o desembargador do paço, intendente geral da polícia, expeça as ordens necessárias para que haja toda a vigilância em tão perigoso indivíduo, observando-se muito rigorosamente os seus passos e relações, e que dê conta do seu resultado pela referida secretaria do Estado, afim de se darem todas as mais providências, que forem convenientes. Palácio do Rio de Janeiro, em quinze de abril de mil oitocentos e vinte e três. – José Bonifácio de Andrada e Silva.”

“Sua Majestade o Imperador, confiando muito no zelo, patriotismo e constante adesão à causa do Brasil, que tem mantido o capitão-mor da vila de Itu, Vicente da Costa Taques Góis e Aranha, e no amor e fidelidade inabalável que consagra à sua augusta pessoa. Manda pela secretaria do Estado dos Negócios do Império que ele, por todos os meios ocultos, que estiverem ao seu alcance, procure conservar debaixo da maior vigilância ao padre Diogo Antônio Feijó, ex-deputado pela província de São Paulo às Cortes de Lisboa, por ser constante ao mesmo augusto senhor, que ele aos sentimentos anárquicos e sediciosos, de que é revestido, une a mais refinada dissimulação; da qual sem dúvidas resultará grande perigo à tranqüilidade e união dos povos daquela fidelíssima comarca, se não se empregarem todas as cautelas na sua perniciosa influência. E há outrossim por bem que dito capitão-mor informe pela mesma secretaria do Estado de qualquer resultado, que obtiver de suas investigações. Palácio do Rio de Janeiro, 11 de junho de 1823. – José Bonifácio de Andrada e Silva.”

As perseguições eram tantas que mesmo ao Correio Geral da Corte, expedia-se uma portaria para que fossem abertas todas as cartas de particulares julgadas suspeitas.

 

DECRETO DE 11 DE DEZEMBRO MANDANDO SEQÜESTRAR OS BENS DOS SÚDITOS DE PORTUGAL

 

“Sendo bem patente os escandalosos procedimentos, e as hostilidades manifestadas do governo de Portugal, contra a liberdade, honra e interesses deste Império, por cavilosas insinuações, e ordens do congresso demagógico de Lisboa, que, vendo infrutuosa a horrível idéia de escravizar esta rica e vasta região, e seus generosos habitantes, pretende oprimi-los com toda a espécie de males, e horrores da perfídia, e da guerra civil, que lhe tem suscitado seu bárbaro vandalismo. E sendo um dos meus principais deveres, como Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo deste grandioso Império, empregar todas as minhas diligências, e providenciar com as medidas mais acertadas, não só para tornar efetiva a segurança, e respeitável a defesa do país, pondo-o ao abrigo de novas e desesperadas tentativas,(85) de que possam lançar mão seus inimigos, mas também para privar, quanto seja possível, aos habitantes daquele reino, que continuam a fazer ao Brasil uma guerra fratricida dos meios e recursos, com que intentam tiranizar meus bons e honrados súditos, para manterem seu puro orgulho, e fantástica superioridade; hei por bem ordenar, que se ponham em efetivos seqüestros: 1º Todas as mercadorias existentes nas alfândegas deste Império e pertencentes aos súditos do reino de Portugal; 2º Todas as mercadorias, ou a sua importância, que existirem em poder de negociante deste Império; 3º Todos os prédios rústicos e urbanos, que estiverem nas mesmas circunstâncias; e 4º Finalmente as embarcações ou parte delas, que pertencerem a negociantes daquele Reino, sendo porém, excetuadas deste seqüestro as ações do Banco Nacional, as das casas de seguro, as da fábrica de ferro da vila de Sorocaba. José Bonifácio de Andrada e Silva, do meu conselho do Estado, Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros, o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessários. Palácio do Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1822, 1º da Independência e do Império.

“Com a rubrica de Sua Majestade Imperial. – José Bonifácio de Andrada e Silva” .

 

DEPORTAÇÃO DOS ANDRADAS, E HISTÓRIA DA CHARRUA LUCÂNIA

 

No dia 18 de novembro apareceu o decreto mandando dar a José Bonifácio de Andrada e Silva, e aos outros, que eram casados, 100$ por mês, e aos solteiros 600$ por ano.(86)

Para o transporte dos deportados Andradas e seus amigos mandou preparar uma velha, charrua denominada Lucânia, a que se deu um comandante brasileiro de sobrenome Cruz, mas em seguida foi este substituído por um oficial da Marinha portuguesa, de nome Joaquim Estanislau Barbosa.(87)

O imediato e toda a equipagem era portuguesa, à exceção de meia dúzia de soldados que eram brasileiros. Pronta em 12 dias a charrua Lucânia, no dia 24 de novembro saiu barra fora, e no dia seguinte abriu-se o porto a todos os navios nacionais e estrangeiros.

Pela manhã do dia 24 foram transportados os presos debaixo de escolta, para bordo da Lucânia e postos na câmara.

Mas, qual não foi a agradável surpresa de alguns presos, quando descendo para a câmara encontraram aí suas famílias, de quem até então não tinham tido notícias!

Enquanto se preparava a Lucânia, os influentes do tempo (o clube secreto), no seu particular, discutiam se era ou não conveniente mandar os presos degradados para Portugal. Vilela Barbosa e Manuel Jacinto Nogueira da Gama eram desta opinião, e o Conselho de Estado a adotou.

D. Miguel achava-se por esse tempo influindo decididamente no governo português, e sem dúvida daria fim aos presos, mandando-os processar por crime de alta traição, nos calabouços do Bugio.

Isto assim se decidiu, e para este empenho, convinha procurar pessoa capaz de dar conta da empresa. De feito achou-se a pessoa. Mandou-se desembarcar o comandante Cruz, e por inculcas de Fernando Carneiro Leão, que muita parte teve nos acontecimentos do tempo, foi nomeado o oficial da marinha português Joaquim Estanislau Barbosa.

Para 2º comandante, foi nomeado outro português de nome José Joaquim Raposo.(88) Isto combinado, faltava o consentimento do Imperador, mas nenhum dos conselheiros se atrevia a propor, por não querer tomar sobre si o odioso da proposta.

Decidiram que fosse o comandante da charrua Lucânia, Joaquim Estanislau Barbosa, quem executasse o plano, por sua conta. Este comandante industriado por Fernando Carneiro Leão, indo ao Imperador, a pretexto de lhe agradecer a confiança da comissão, falou-lhe na arribada da charrua Lucânia, a Lisboa, desviando o caminho do Havre, salvando as aparências e a responsabilidade do governo do Brasil. Ouvido isto pelo Imperador respondeu-lhe: “que não consentia no que ele lhe propunha, por ser uma infâmia e uma perfídia indigna”, e deu-lhe as costas.(89)

Barbosa, apesar disto, julgou que, levando os presos simuladamente para Lisboa, faria a Sua Majestade um relevante serviço, de acordo com o gabinete secreto do Imperador D. Pedro I.

A Lucânia caminhava lentamente para Lisboa, e os passageiros, que nada suspeitavam da urdida traição, estavam persuadidos que a longa viagem do navio era devida à má construção da Lucânia.

Chegados à altura de Lisboa, com perto de três meses de viagem, porque o comandante desfazia de noite o que caminhava de dia.

Por fim os passageiros perceberam a negaça e exprobraram ao comandante sua deslealdade. O comandante Barbosa, para tirar de si qualquer suspeita, fazia isso, esperando que algum navio de guerra português o viesse capturar naquela altura; e assim desresponsabilizado, conseguiria condignamente o empenho do gabinete secreto do Rio de Janeiro.

 

OS PRESOS BRASILEIROS SÃO SALVOS DA TRAIÇÃO, PELA HONRADEZ DO 2º COMANDANTE, JOSÉ JOAQUIM RAPOSO

 

A Lucânia bordejava perto de terra, mas não à vista dela; e o desejado navio de guerra não aparecia. Esta posição já se não podia sustentar por mais tempo, e resolveu então o comandante Barbosa procurar a terra e entrar no Tejo. Disto deu parte ao seu imediato, José Joaquim Raposo, dizendo-lhe que era assim o determinado nas instruções secretas que traziam. Raposo observou que ainda não tinha visto essas instruções secretas, e que as ostensivas que tinha visto determinavam que largasse os passageiros presos no porto do Havre da Graça, e que, para se cumprirem outras, e não estas instruções, era necessário que ele as visse. Confessou então o comandante Barbosa que as instruções para entrar com a Lucânia no Tejo foram-lhe dadas verbalmente. Raposo não se conformou com tais instruções verbais, e declarou formalmente ao comandante Barbosa que se opunha, em conformidade das ordens escritas, entrar no Tejo, e que a Lucânia, em conformidade das mesmas ordens, enquanto ele nela se achasse, havia de levar os passageiros ao Havre da Graça.

O ilustre e honrado oficial português, José Joaquim Raposo, vendo a deslealdade do comandante da charrua Lucânia, deu parte aos passageiros do que tinha havido entre ele e Barbosa, ficando todos de sobreaviso da traição premeditada, fazendo seguir a Lucânia para a Bahia de Vigo (Espanha).

 

DÁ FUNDO A LUCÂNIA NO PORTO DE VIGO E NOVOS PERIGOS SE APRESENTAM PARA OS PASSAGEIROS, QUE SÃO SALVOS POR INTERVENÇÃO DO GOVERNO INGLÊS

 

A oposição de Raposo, com qual Barbosa não contava, fez que este se demasiasse na bebida. Os passageiros lançavam-lhe em rosto a infâmia com que se havia portado para com eles; e desde logo o ilustre Raposo, tomando a si a direção da Lucânia, fê-la seguir caminho do norte, mas, como os mantimentos iam faltando, e se julgou que o estado da Lucânia não permitia afrontar os temporais da estação, malgrado dos passageiros, e do 2º comandante Raposo, entrando na Bahia de Vigo, deu fundo no porto.

Era no mês de março de 1824.

Eguia, governador de Corunha, logo que soube da existência no porto da charrua Lucânia, tomou as mais severas providências contra a bandeira brasileira e os passageiros da Lucânia. Mandou tirar o leme da charrua, e arrear a bandeira brasileira, e ao mesmo tempo ordenou que os passageiros não desembarcassem nem tivessem comunicação com terra, senão por intermédio de um oficial inferior, chamado José Bento, que apesar de tratar bem os passageiros não lhes poupou a bolsa.

José Bonifácio foi então procurado a bordo pelo cônsul da França, e, conhecendo que não podia suportar a traição que se urdia nas trevas, contra ele e seus companheiros de infortúnio, vinha oferecer-lhe os seus serviços.

Disse o cônsul francês a José Bonifácio que uma embarcação de guerra portuguesa era esperada ali, a cada instante, para os levar a Portugal, e deu circunstanciadas informações a este respeito.

Apenas tinha partido o cônsul para terra, entrava na barra de Vigo a corveta portuguesa Lealdade, comandada pelo capitão-de-fragata João Pedro Nolasco da Cunha. A corveta portuguesa deu fundo perto da Lucânia, e o comandante desta passou-se imediatamente para a corveta portuguesa. Os passageiros da Lucânia já não podiam duvidar nem das informações do cônsul da França, e nem da conivência do governo espanhol, para os entregar a Portugal.

Eguia mandou restituir o leme da Lucânia, com ordem de partir imediatamente, dizendo que o não tinha feito antes, porque, esperando instruções de Madri, só agora as havia recebido. O Comandante da Lucânia, ao receber a ordem da partida, deu as suas de acordo ao seu plano. Os passageiros revoltaram-se para impedir a saída da charrua, auxiliados pelos soldados brasileiros. De terra mandaram força para apaziguar o conflito e guardar o navio.

Determinaram então que saísse a corveta portuguesa e, 24 horas depois, a charrua brasileira. Os passageiros opuseram-se também à execução desta ordem. Tinham tudo disposto para meter a charrua a pique se a ordem da saída se cumprisse. Montezuma é que estava à testa deste último e desesperado recurso.

 

PROVIDÊNCIAS TOMADAS

 

José Bonifácio já havia escrito uma carta a Jorge Canning, ministro inglês, expondo todas as ocorrências, e outra a Fernando VII, assinada por todos os passageiros, na qual expunha a traição de que eram vítimas; declaravam-se prisioneiros da Espanha, e como tais submetiam-se ao que o governo espanhol quisesse fazer deles, menos mandá-los para Portugal.

Estas duas cartas foram confiadas ao cônsul da França, e este as expediu com a maior diligência para os seus destinos. Mr. Jorge Canning mandou ordem ao Ministro da Inglaterra, em Madri, de exigir do governo espanhol o desembarque dos passageiros da Lucânia, e a faculdade de transitarem por terra, como desejavam, para a França. Canning respondeu a José Bonifácio, para informar das ordens que havia dado ao seu ministro, e para lhe oferecer um navio inglês, se porventura ele e os seus companheiros quisessem transportar-se para a Inglaterra.

 

DESEMBARCARAM OS PASSAGEIROS DA LUCÂNIA E PARTEM POR TERRA PARA BORDEAUX

 

Em presença da intervenção do governo inglês, o governo espanhol não tardou em a satisfazer. Os passageiros da Lucânia desembarcaram em Vigo, em plena liberdade, e foram bem recebidos pelas autoridades, e com passaportes espanhóis partiram para Bordeaux, onde chegaram a salvamento.

Sem a intervenção inglesa, teriam os passageiros da Lucânia sido vítimas da mais atroz cabala, para a destruição de homens, que, partindo para o degredo, iam expiar os seus erros de política nacional.(90)

 

DESTINO DA CHARRUA LUCÂNIA

 

A Lucânia já não estava em estado de navegar. Foi condenada em Vigo, vendida e desmanchada. Era a tumba que os aduladores de Pedro I haviam designado para o passamento dos Andradas e seus amigos, desta existência terrena para a eternidade!

 

SÃO DEVASSADOS OS ANDRADAS, SEUS AMIGOS E O PERIÓDICO TAMOIO

 

Por ordem do Imperador, foi expedido o decreto de 24 de novembro, mandando devassar os Andradas, e o Drummond, redator do Tamoio, que se imprimia na tipografia nacional,(91) estabelecida na Rua do Passeio onde hoje se acha a Secretaria da Justiça, casa e moradia que tinha sido do Conde da Barca, pelos fatos que determinaram a dissolução da Assembléia Constituinte e Legislativa, servindo como corpo de delito algumas folhas do periódico Tamoio, e os discursos dos deputados, que não eram responsáveis perante a lei. O governo imoral, devasso e corrompido do Imperador Pedro I, embora contra a lei, queria achar criminosos, e pelo instaurado e monstruoso processo, depuseram 64 testemunhas, a maior parte incompetente, entre elas dois condenados.

Depois da pronúncia guardou-se a devassa com o fim de conservarem os devassados no exílio, onde permaneceram seis anos.

O Deputado Odorico Mendes, na Câmara dos Deputados em 1826, quis interpelar o Governo a respeito da deportação dos Andradas, mas, antes de o fazer, comunicando a sua instrução a José Ricardo da Costa Aguiar, sobrinho daqueles, este lhe pediu que nada fizesse, para não agravar a situação dos exilados.

A nação estava então sob a pressão da anarquia e do despotismo o mais feroz. A Câmara de 1826 era tímida, por causa da dissolução da de 1823, e, receosa das violências de um déspota louco, que reinava no Brasil, temia tomar medidas que o contrariassem; mas em 1828, sendo interpelado o Ministério a respeito do prolongado desterro dos deputados de 1823, reconsiderando no que se dizia na Câmara, deu ordens para fazer voltar à pátria os exilados na Europa. O Sr. Drummond partiu do Havre em abril de 1829, e chegou ao Rio de Janeiro em junho. Logo depois partiram José Bonifácio e seus irmãos.

Em um impresso de 1827, acerca da devassa contra os Andradas, Antônio Carlos, fazendo observações, deu lugar a que Joaquim Estanislau Barbosa se defendesse. É curioso esse escrito; e dele me serviriam os extratos, se nestas minhas memórias eu tivesse espaço para os reproduzir. Limito-me a consigná-lo, para esclarecimentos na posteridade.

 

REFLEXÕES A RESPEITO DO GOLPE DE ESTADO DE 12 DE NOVEMBRO DE 1823. – O QUE FORAM OS ANDRADAS E O PATRIARCADO DA INDEPENDÊNCIA

 

Os fados do Brasil ligados aos de Portugal fizeram que os acontecimentos do dia 24 de agosto de 1820, na cidade do Porto, repercutissem no Rio de Janeiro no dia 12 de novembro do mesmo ano, trazidos pelo brigue Providência, e determinassem os movimentos de 26 de fevereiro de 1821, no Largo do Rocio, hoje Praça da Constituição, no Rio de Janeiro, que também deram em resultado os tiros e desordens na madrugada do dia 22 de abril, e a saída do Rei, com a sua Corte, para Lisboa, às 6 horas e três quartos da manhã do dia 26 de abril do mesmo ano.

Já todos esses fatos foram contados e comentados na minha obra Brasil Reino e Brasil Império. Nessa obra contei que a revolução social para a independência do Brasil tinha sido preparada antes no Rio de Janeiro, e que quando a notícia do plano e movimentos chegou no dia 23 de dezembro de 1821 a São Paulo e Minas, já os patriotas do Rio de Janeiro tinham dado as providências para reter a saída do Príncipe Regente e obter dele a franca anuência do Fico.

Na mesma obra acham-se referidas as causas da mudança do Ministério do Conde de Louzã, e do motivo que determinou a entrada de José Bonifácio para o Ministério de 16 de janeiro de 1822. Referi o que se deu em São Paulo, que motivou a Bernarda de 23 de maio de 1822, devido às intrigas entre Martim Francisco e Francisco Inácio, a prisão e deportação daquele para o Rio de Janeiro, a sua entrada para o Ministério da Fazenda, e a história do monstruoso processo, em que foram envolvidas trinta e tantas pessoas, e que pelo decreto de 22 de setembro de 1823 se mandou nulificar a devassa e despronunciar os acusados. Aí conto o que se passou no Ministério Andrada, em relação às sociedades secretas, bem como os serviços prestados pelos Andradas, desenvolvendo muita atividade, tanto nas Cortes de Lisboa como no Brasil, em proveito da causa da independência; mas o orgulho, a vaidade e a ambição do mando fizeram que eles cometessem desatinos e deixassem em meio o que todos queriam ver concluído e consolidado.

José Bonifácio, que tinha adquirido toda a ascendência no ânimo do Príncipe Regente, que até este lhe chamava de meu pai, a ponto de ir com a princesa todos os dias para sua casa, no Largo do Rocio, hoje Praça da Constituição, esquina da do Sacramento, almoçar, e onde levavam a conversar, e mesmo saíam juntos a passear, e onde também o Príncipe se encontrava com a gente baixa e vil, que cercava a José Bonifácio, e com quem se entrelaçou, se quisesse concorrer para fundar um império modelo, o teria conseguido, se o seu orgulho e ambição de mando o não desvairasse, a ponto de desvirtuar tudo.

José Bonifácio era um déspota que não escolhia os meios para perseguir os seus fins, e mesmo destruir seus inimigos. A lisonja era o mais influente padrinho para os Andradas.

Resumirei os fatos extraídos dos periódicos do tempo, brasileiro e Aurora, um respondendo a José Bonifácio, e o outro respondendo a uma carta de Antônio Carlos, inserida no periódico Carijó, nº 11. Eis os fatos extraídos dos registros da Secretaria do Império, que por si só justificam o que foram os Andradas (como já fiz ver em outro lugar e aqui memoro de novo).

Achando pouco o pessoal de que se compunha o seu consistório privado, composto de José Oliveira Porto Seguro, Orelha Lafuente, Miquelina, José dos Cacos e outros, que infestavam a cidade em 10 de abril de 1822, mandou uma portaria ao Intendente-Geral da polícia, o Desembargador João Inácio da Cunha, para aumentar o número dos espiões, e de juízes criminais, para o andamento dos processos, que mandou instaurar contra os seus inimigos.

Escrevendo a D. Pedro, príncipe regente, que se achava em Minas, dando-lhe parte das ocorrências havidas em sua ausência, lhe dizia que tudo caminhava tranqüilo, exceto alguns falatórios de pessoas de cabeças esquentadas, que brevemente iriam indo pela barra fora.

Por causa dos movimentos do dia 23 de maio de 1822 em São Paulo, mandou deportar trinta e tantas pessoas dos principais para fora da província.

Por portaria de 2 de outubro de 1822, ordenou ao intendente de polícia, para que deixasse de residir em Catumbi, e viesse para a cidade perseguir os criminosos, e esmagar os seus conluios, dizendo de mais: quando a pátria está ameaçada (o Ministério Andrada) por traidores solapada, não valem as chicanas forenses e só deve reinar a lei marcial.

Em 10 de outubro de 1822, fez deportar para fora do Brasil o cirurgião Cerqueira, por liberal.

Por portaria de 30 de outubro de 1822, mandou instaurar o processo monstro contra Domingos Alves Branco Muniz Barreto, João da Rocha Pinto, Luís Manuel Alves de Azevedo, Tomás José Tinoco de Almeida, José Joaquim de Gouveia, Joaquim Valério Tavares, João Soares Lisboa (redator do Correio do Rio de Janeiro e do Espectador brasileiro de que saiu o Jornal do Comércio), Pedro da Costa Barros, João Fernandes Lopes, Joaquim Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira, padre Januário da Cunha Barbosa e padre Antônio João de Lessa. Por serem republicanos, em cujo processo juraram 73 testemunhas, de que resultou prisões, deportações, fugas e horrível perseguição.

Em 5 de novembro de 1822, remeteu uma denúncia ao intendente de polícia contra o lente Amaral, que, segundo ela, tinha ele levado para Lisboa um abaixo-assinado, de perto de mil pessoas, pedindo às Cortes portuguesas, 8.000 homens de tropa, que seriam ajudados para prenderem o Imperador D. Pedro I e o seu ministro e tomarem posse da cidade. Entre os indivíduos indigitados na denúncia, eram lembrados João Pedro Maynard, o professor Florêncio, o padre Luís, e o boticário Bandeira.

Por portaria de 6 de novembro de 1822, mandou-se remover para fora da cidade e termo, todos os indivíduos, que se achavam já acusados pela opinião pública, e mais pessoas complicados na facção contra o Governo, a fim de se proceder a devassa, com desafogo, e não perturbar a acusação.

Em 11 de novembro de 1822 mandou uma portaria ao diretor-geral dos correios, para que fossem abertas todas as cartas que julgasse suspeitas.

Por portaria de 9 de novembro de 1823 mandou o intendente-geral de polícia que prendesse a várias pessoas indicadas na mesma portaria, por maquinarem contra o governo.

Por portaria de 22 de novembro do mesmo ano, mandou ao intendente-geral de polícia devassar a casa, e prender a viúva Bartolaci, à Rua da Cadeia (hoje da Assembléia), por admitir nela carbonários, e fazerem reuniões, e também por ter dado asilo a Joaquim Gonçalves Ledo, e no caso dele ainda aí se achar, prendê-lo.

Deu instruções secretas a Filipe Néri Ferreira, para fazer bernardas, em Pernambuco, a fim de ter motivos para perseguir os liberais independentes.

Para seus fins corrompia os homens com honras, mercês e hábitos, para tê-los de seu lado.

Por portaria do dia 5 de dezembro de 1822, mandou prender várias pessoas, por denúncia dada por Frei Francisco de Assis, como revolucionários.

Por outra portaria do dia 6, mandou prender padre João José Pinto da Mota, por nova denúncia do mesmo frade.

Por portaria do 10 de dezembro de 1822, mandou proibir a reimpressão da Constituição portuguesa de 30 de setembro do mesmo ano, feita pela Constituinte de Lisboa, como se esse escrito fosse um panfleto anárquico e contra as liberdades públicas dos brasileiros.

Por portaria de 15 de abril de 1823, mandou vigiar os passos de Antônio Bernardo Machado, membro do governo provisório da Província do Rio Grande do Sul, como suspeito à causa pública.

Por portaria de 21 de março de 1823 mandou deportar trinta e tantas pessoas, a pretexto de que abriam uma subscrição para auxiliar os partidos contra o Governo (Ministério Andrada), indicando ao intendente-geral de polícia, o seu íntimo amigo o sargento José de Oliveira Porto Seguro, para lhe dizer quem eram as testemunhas. Foram presos 34 cidadãos, e metidos nas cadeias do Aljube e da Ilha das Cobras, por indicação de Porto Seguro, sem terem culpa formada.

Por portaria do dia 11 de junho do mesmo ano mandou para São Paulo que se vigiasse todos os passos do padre Diogo Antônio Feijó, conhecido e devotado amigo da pátria. Feijó em 5 de agosto, de 1823, escreveu uma carta ao capitão-mor de Itu, Vicente Taques Góis e Aranha, dizendo-lhe que sabia do que ele estava encarregado a seu respeito; e que o Império tinha leis para o punir; e que as suas opiniões políticas eram as mesmas que as que manifestou no Congresso de Lisboa, e em seus manifestos; e que ao Imperador prevenira para que não desse ouvidos às opiniões particulares.

José Bonifácio não tolerava a menor censura em seus atos, e tanto que mandou meter em um cárcere o redator do Correio do Rio de Janeiro, João Soares Lisboa, por ser liberal, privando-o de escrever; e ainda na prisão o mandou intimar para sair do Brasil.

À frente do Governo, quando o Brasil se movia para consolidar a sua independência, atenta contra a liberdade individual do povo e contra a razão humana. Manda deportar trinta e tantas pessoas das mais influentes de sua própria província, por se oporem a seu irmão; mandou instaurar processos por crimes imaginários; mandou espancar e prender jornalistas, como fez no dia 6 de junho de 1823, em Luís Augusto May, que o deixaram quase morto e aleijado por toda a vida. Por orgulho e vaidade, punha sempre a sua pessoa a par da do soberano. Como homem sem critério, dava ouvidos a todos os que o cercavam, cometendo por isso desatinos sem consultar as conveniências.

 

O PATRIARCADO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

 

Era de data muito remota (1786) o desejo de libertar o Brasil da compressão colonial. Eram os próprios portugueses europeus, residentes no Brasil, que, reunidos a alguns brasileiros, desejavam essa separação. Na conjuração mineira de 1789 entre os principais chefes sobressaíam, naturais de Portugal, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Tenente-Coronel Francisco Freire de Andrada. Essa conjuração, de caráter puramente republicano, e que abortou pela denúncia, fazendo vítima capital ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, e da deportação aos outros, veio ter a sua realização em 7 de setembro de 1822.

Em 1821 as idéias republicanas que apareceram no Rio de Janeiro foram despertadas pelos fidalgos da casa real e nelas tanto figuraram os nascidos em Portugal, como os nascidos no Brasil.

O povo em 1821 e 1822 estava entusiasmado pela independência e ao menor aceno, qualquer homem bem intencionado que se apresentasse à testa do movimento político e social, acharia apoio, e tanto mais tendo à sua frente o príncipe real, herdeiro da Coroa portuguesa.

Percorrendo a lista dos obreiros da nossa emancipação política, vejo os nomes de muitos portugueses,(92) e as notas dos seus serviços à causa do Brasil, sendo um português o que resolveu o príncipe regente para ficar no Brasil, para a independência nominal como a chamou José Bonifácio, tanto concorreram brasileiros como portugueses.

 

QUANDO COMEÇOU A IDÉIA DO PATRIARCADO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, ATRIBUÍDA A JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

 

Até o ano de 1832, ninguém falava, no Brasil, em patriarcado da Independência, porque os que tinham concorrido direta e entusiasticamente por ela, não se queriam adornar com esse título tão pomposo, que não cabia a ninguém, porque a independência do Brasil era a idéia suprema de todos os brasileiros e de muitos portugueses.

Um amigo meu, cavalheiro de bela inteligência, ex-ministro de Estado e conselheiro supremo de guerra, o Marechal Henrique de Beaurepaire Rohan, me disse em conversa, que sendo ele estudante de engenharia em 1832, passando com outros pela Rua do Ouvidor, vira em uma loja um quadro, contendo vários bustos e no centro dele o do conselheiro Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, com uma inscrição, por sobre a cabeça de José Bonifácio, que dizia – Patriarca da Independência.

Que até essa época nunca tinha ouvido falar em patriarcado da Independência, dado a José Bonifácio, mas que espalhando-se a notícia da existência do quadro, por entre os partidários dos Andradas, grassou a idéia, aceitando-a mesmo o Sr. José Bonifácio, até que os contemporâneos que acompanhavam os movimentos políticos de 1821 a 1833, aparecendo na imprensa da época, restabeleceram a verdade dos fatos e desmantelaram ou nulificaram o pretendido patriarcado do Sr. José Bonifácio.

Na Aurora de 14 de setembro, lê-se o seguinte:

“Sr. Redator – Nada tem vm. dito das festas com que no dia 7 de setembro foi obsequiado o herói da Independência, alcunha que recentemente se deu ao Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva? Por quê? Foram tão pouco notáveis os gritos e vozerias com que esses representantes da opinião pública correram as ruas da cidade, dando vivas, e morras, aonde os Srs. Andradas eram sempre os heróis, e malvados aqueles que se suspeita de lhe serem menos afeiçoados! Se não quer dar os detalhes relativos a este nobre assunto, indique ao menos quem eram os diretores do festejo, que começou e foi traçado no Palais Royal dos noveleiros caramurus, aonde por princípio de justa investiram contra um moço que tinha a desventura de não ser benquisto do Sr. Girão. Dali se levou ao patriarca a coroa de flores, na bandeja que, por um resto de pudor, o emissário escondia debaixo da casaca; ali se formou o primeiro grupo, a que se reuniram depois todos os da comitiva, amálgama monstruoso de alguns dos festeiros das garrafadas de março, de heróis das ceias de camarão em 1822 e de vários curiosos. Eram diretores, e corifeus, segundo a voz pública, os Srs. Girão do catecismo, Camarinha, Porto Seguro, José, por alcunha o dos cacos, João Carlos de Lemos, João gordo, o trovista Pimentel, o Gabriel despachante, etc.; enfim tudo nomes clássicos, e dignos da trompa de Homero, para cantar seus feitos ilustres. Não descreverei os detalhes desta gloriosa jornada, deixo isso à pena eloqüente do padre mestre do Exaltado, ou à do bom Davi, liberal desde o Maranhão, e amigo sincero da independência da pátria. Quis só despertá-lo, na sua inércia e sono, que já enfada a quem deseja saber todos estes fatos imortais de que o Rio de Janeiro tem ultimamente sido teatro. – O Girante.”

Os Andradas, vendo que nenhum deles fora chamado para compor a Regência, por ocasião do movimento de 2 de abril de 1831, se despeitaram, e reunidos a alguns brasileiros e portugueses formaram uma sociedade com o fim de restaurarem o Governo do ex-Imperador D. Pedro I, com a denominação de Restauradora ou dos Caramurus que se tornou forte pela intriga e maquinações contra o Governo da Regência, como em outro lugar referirei. José Bonifácio era o chefe dos conjurados, e na qualidade de tutor dos meninos imperiais, residindo no paço de São Cristóvão, converteu aquela residência privilegiada em praça de guerra, e constando ao ministro do Império que existia um plano de roubar-se, no dia 21 de setembro de 1833, o menino Imperador D. Pedro II, e as irmãs, alguns juízes de paz, para prevenir o atentado, se foram reunir no paço.

A notícia desta reunião alarmou a cidade, e se dirigindo os juízes de paz e chefe de polícia ao tutor José Bonifácio, este disse ao chefe de polícia que na Floresta (clube que se fazia por detrás da Rua da Ajuda, casa e propriedade do padre José Custódio Dias) se assentara roubar naquele dia o menino Imperador, e para o que tomara precauções; e que tal boato só merecendo riso, todavia ele se acautelava. O Dr. Baltasar da Silva Lisboa, em ofício de 22 de setembro, na qualidade de juiz de paz, dirigido ao Ministro da Justiça, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, em resposta ao de 21 do dia passado, diz não ter ele sido convidado para se reunir com os seus colegas; mas que pelas oito horas da noite, pouco mais ou menos, indo à sua casa o chefe de polícia comunicar-lhe achar-se no paço reunidos alguns juízes de paz, e como era seu distrito, muito servia a Nação, indo falar ao tutor imperial a respeito do que se propalava, de se roubar o menino Imperador; e partindo imediatamente com o seu escrivão, encontrou no paço alguns dos juízes de paz, e a eles disse que pretendia falar ao tutor de S. M. I. e que depois conferenciaria com eles a respeito de não perturbar a tranqüilidade pública; e se entendendo com o tutor, Dr. José Bonifácio, respondeu-lhe este que tendo denúncia do roubo do menino, lhe asseverou que na Floresta e Clube da Gamboa o coronel Faro a propusera, como meio de salvação, para se fazer jogo com S. M. I. e suas irmãs, contra a tirania do ex-Imperador, e procurou convencê-lo das boas intenções do Governo de S. M. I., e que embora algum mal intencionado proferisse tão horrível absurdo, a Regência e o Ministério, com a sabedoria e prudência, que lhes assiste, fariam desaparecer tais boatos, e deste modo restabelecer a ordem e tranqüilidade pública.

De volta não encontrando os juízes de paz, indo ao Rocio (hoje Praça da Constituição), e vendo tudo em sossego, deu disto parte aos ministros, que ficaram inteirados.

O Ministério procurou por outras vias certificar-se dos planos que estavam em movimento; e o tenente Manuel Joaquim, que estava de guarda, informou que pelas cinco horas da tarde do dia 21 de setembro, achando-se ele comandando a guarda do paço, viu alguns juízes de paz, que haviam comparecido; sendo os primeiros Paulo Fernandes Viana, os suspensos, João Huet Bacelar, e Fonseca, do Engenho Velho (vulgo o Corcunda), Manuel Joaquim Torres de Figueiredo, de Santa Ana, Gustavo Adolfo de Aguilar, da Candelária, e depois destes, os três atuais da freguesia do Santíssimo Sacramento, e outros, que não conheceu, sendo 14 ou 16 ao todo.

Alguns deles levavam consigo seus escrivães e inspetores de quarteirões, e todos subiram para o paço, e chegaram a algumas janelas, ora saindo e ora entrando alguns inspetores de quarteirões e várias pessoas do povo, que já começava a ajuntar-se, e entre eles conheceu Luís Mendes Ribeiro, Lafuente, o Desembargador Barreto Pedroso, o Girão, o Porto Seguro, José Barreto Pereira Pinto, José Joaquim Monteiro da Costa, e muitos outros, que subiam e desciam continuamente o paço imperial. Já a reunião do povo excedia de 60 a 100 pessoas, e depois a mais.

Pouco antes das nove horas entrou para guarda um cabo do batalhão de S. José, fardado, e de pronto pôde sacar uma arma, e sendo percebido foi preso, dando-se parte ao juiz de paz respectivo.

Por esse tempo desceram do paço todos os juízes de paz e seus oficiais, e se encontrando todos com o juiz de paz do 1º distrito de S. José, tornaram a subir para o paço, onde se demoraram, até que chegou o chefe de polícia, e depois o criado F. Neiva, se aproximando ao oficial, o preveniu de que vinha um reforço da guarda nacional desarmado, e que ele os recebesse. O oficial, em presença das circunstâncias, recusou a oferta. Em vista disto, o oficial mandou formar a guarda, e lhe aparecendo o chefe de polícia, lhe perguntou o motivo daquela reunião; ele respondeu que ignorava, e entrando para o paço, aí se demorou de 10 a 15 minutos; e descendo, vieram após dele os juízes de paz, à exceção do 1º distrito de S. José; e se lhe recomendou a maior vigilância. Uma hora depois, apareceu um grupo de 40 a 50 pessoas, que se dirigiram até o chafariz, e dentre elas saindo três juízes de paz, se dirigiram ao oficial, e lhe perguntaram pelos seus colegas, e lhes respondendo o oficial que não tinham voltado, eles tomaram a direção do cais. De novo apareceu o chefe de polícia, que mandou chamar os juízes de paz, e lhes lendo um papel, retirou-se com eles, sendo nesta ocasião acompanhados pelo coronel Huet Bacelar. O que constava era que a reunião dos juízes de paz no paço, tinha por motivo tomarem providências, em razão de denúncias que tiveram, de que naquela noite de 21 de setembro de 1833 pretendiam roubar o menino Imperador.

O chefe de polícia, Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, em ofício do dia 22 de setembro de 1833, comunicou ao ministro da Justiça o que pôde obter de real sobre os movimentos do dia 21 de setembro passado, e abundando nas mesmas causas, que as que expôs o comandante da guarda; dizendo demais que os juízes de paz apareceram no paço espontaneamente, por constar que o tutor José Bonifácio estava muito angustiado e receoso, em conseqüência de um plano que se dizia existir, para roubar-se o Imperador e as irmãs; e se dirigindo ele ao tutor, para se informar, foi com todos os juízes de paz, João Huet Bacelar Pinto Guedes e João Gomes Ferreira, à sala do tutor, onde também estava o vereador Bento Antônio Vahia, lhe respondeu que lhe constava que o clube da Floresta pretendia roubar o menino Imperador e suas irmãs, transportá-los para fora do Rio de Janeiro, e que estava persuadido do plano; e que portanto se conservava vigilante, porque se disse na Floresta que o ex-Imperador voltando, o único meio de salvação era tirar do Rio de Janeiro a família imperial; e dando as providências, ficou o paço e a cidade em tranqüilidade.

No dia 24 a Regência, por um decreto, mandou suspender os juízes de paz, por não darem parte à polícia, e nem ao Governo, do que sabiam a respeito do roubo da família imperial que pôs a cidade em alvoroço. O que se deu foi um estratagema dos restauradores, para conseguirem os seus fins; mas o plano falhou. Já na noite de quinta-feira 20 de setembro apareceu a notícia de que o governo da Regência queria no sábado proclamar a República, e como nada houvesse, depois do meio dia de sábado, apareceu logo em seguida o boato de que o Governo queria roubar o menino Imperador, pô-lo a bordo de uma fragata e mandá-lo para Santos, em companhia do padre Feijó, e dali para São Paulo, onde se estabeleceria a sede da monarquia.

Diziam os restauradores, que os seus adversários queriam a República, e quem quer República, rouba o Imperador e manda-o para São Paulo, para lá fazer a sede da monarquia!

Toda a tarde de sábado girou pela cidade este boato, e os juízes de paz (que eram da oposição) apareceram no paço, onde se achava o menino e o seu tutor.

À noite, concorreu muito povo ao largo do Paço; uns, por curiosidade, e outros, amigos das novidades, para darem vulto aos boatos. Às 10 horas da noite, como nada aparecesse, o povo e os juízes de paz se tinham retirado, porque o Governo, tendo tomado providências, reconheceu que tudo eram tramas dos restauradores, para mandarem para Lisboa a notícia do perigo em que se achava o menino Imperador, e obrigar o pai a vir ao Brasil salvar o filho.

O partido exaltado, como nada podia fazer, se havia unido aos restauradores, contra os moderados ou defensores da Constituição; e José Bonifácio, apesar dos anos, do saber e do nome que tinha, a tudo se prestava, sem o menor critério, servindo de manivela aos péssimos brasileiros, que esperando as posições, sacrificavam ao interesse próprio a felicidade e tranqüilidade da pátria.

No dia 30 de setembro reproduziu-se nova farsa, igual à do dia 21, promovida pelos restauradores.

Já não era a Floresta, e nem o Clube da Gamboa, que queriam roubar o menino Imperador, era o cobre falso, a que chamavam meia cara, o motivo de nova desordem, fazendo com que os vendedores de gêneros de primeira necessidade fechassem suas portas no dia 30 de setembro; e os anarquistas, julgando-se seguros, moveram a desordem, começando ela na porta da Câmara dos Deputados, por um grupo de 80 a 100 desordeiros.

O Governo fez dispersar a todos, e tomando medidas enérgicas, fez conhecer ao povo as tramas dos restauradores, que de todos os meios se serviam, para perturbar a ordem pública, sendo muitos deles autores dos males que causava o cobre falso,(93) por serem os senhores das fábricas da moeda falsa, que girava na circulação mercantil.

Vendo os restauradores que nada podiam fazer na Corte, procuraram perverter as províncias, remetendo para elas, de graça, os seus periódicos, fazendo por seus emissários que eles circulassem por toda a parte, de mão em mão, a fim de fazerem prosélitos os que os lessem, tornando odioso o 7 de Abril, como causador dos males da pátria.

No entanto, os meios empregados eram repelidos pelos amigos da causa do Brasil. O maior cavaco dos Andradas foi não serem contemplados para a regência; e daqui partiu o constituírem-se restauradores exaltados.

Os restauradores, vendo que com a presença de D. Pedro I acabava a moeda falsa, e traria a felicidade do Brasil, também reconheceram que ele durante o tempo que esteve nada fez de bem ao Brasil, com as somas enormes que mandou vir do estrangeiro em nome da Nação brasileira, mudaram de norte.

 

“PROVOCAÇÕES DA SOCIEDADE MILITAR

 

“Na noite do dia 2 de dezembro de 1833 se iluminou a casa (hoje estação da companhia de carros de S. Cristóvão) da Sociedade Militar, no Largo de São Francisco de Paula, e um grupo de indivíduos, saindo do teatro às 10 horas para apedrejarem a casa iluminada, a pretexto de achar-se um painel, que havia no centro da iluminação, com retrato do Duque de Bragança, e em virtude da denúncia que deu o Coronel João Huet Bacelar Pinto Guedes, ao juiz de paz do 1º distrito, João Inácio Coimbra, inspetor do teatro, foi este às 10 horas e meia ao largo, e como não tinha, ninguém reconheceu que no quadro não existia o retrato do Duque de Bragança, e voltou para o teatro.

“Chovia muito nessa noite, e não obstante, logo depois soube achar-se para mais de 300 pessoas no largo, que atiravam pedras para o painel, e para iluminação e dirigindo-se ao povo, conseguiu aquietá-lo, e entrando na sala da Sociedade Militar, pediu aos oficiais, que ali se achavam, que mandassem descer o painel, o que se fez, levando-o ele para sua casa, seguido de algumas pessoas, para assistirem ao corpo de delito, o que aconteceu. Feito o exame, se notou no painel: a figura de um anjo, pegando em um dístico, que dizia: ‘É o meu Deus que me ilumina e salva; a quem temerei? O meu Senhor protege a minha vida; que fato perigoso pode assustar-me?’

“Sobre um pedestal se achava um escudo, com a coroa imperial em cima; no meio, sobre um campo verde, Pedro II; logo abaixo um livro aberto, que dizia Constituição Política, com duas bandeiras brasileiras aos lados. Da parte direita se achava uma figura, que mostrava ser um oficial de cavalaria: logo adiante um militar, que demonstrava ter fardamento do Estado-Maior, chapéu armado, com arminhos, botas à russilhonas, esporas, cinto amarelo e encarnado, cuja figura vista de longe demonstrava o todo do Duque de Bragança; porém visto de perto nada se parecia no semblante e nem se viu insígnias nenhumas, que indicassem ser o referido duque. Do lado esquerdo se achava um oficial de marinha, logo adiante um dito do batalhão do ex-Imperador, e na frente um da artilharia montada, o qual com o outro da frente, do lado direito, tinham as mãos postas sobre a Carta Constitucional, e desta forma houve o juiz de paz o dito auto de exame por feito, em que assina com testemunhas.

(Seguem-se as assinaturas.)

“Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1833. – Bernardino Pereira de Carvalho, escrivão .

Neste dia a cidade ficou em desassossego, mas sem perturbação da ordem pública, em conseqüência de grupos que percorriam as ruas.

 

ACONTECIMENTOS DO DIA 5 DE DEZEMBRO DE 1833. – DEMISSÃO DO TUTOR IMPERIAL. – QUEBRAMENTO DAS TIPOGRAFIAS PARAGUAÇU E DIÁRIO DO RIO

 

“O Correio Oficial nº 140 de quarta-feira, 12 de dezembro de 1833, dando conta dos movimentos do tempo, refere que o povo, que no dia 2 de dezembro subira a grande indignação à vista de uma pintura, que a sociedade Militar iluminara na frente da casa, em que fazia as suas sessões, reuniu-se nessa mesma noite, bradando que se fizesse arrear o painel em que acreditava ver o retrato do ex-Imperador; e o juiz de paz do distrito, depois de várias admoestações, anuiu às súplicas do povo, fazendo levar para sua casa o dito painel, sobre o qual fez o autor, que já em outro lugar publicamos.

“A Sociedade Militar, que havia incorrido nas suspeitas do povo por este e outros motivos, principiou logo a convocar uma sessão extraordinária de todos os seus sócios, para a tarde de quinta-feira 5 do corrente. Não pouco concorreu para a explosão dos brasileiros nessa tarde, contra a Sociedade Militar, as provocadoras proclamações do Esbarra, que pareciam relativas a um propínquo acontecimento dos restauradores, e também à publicação do mesmo, dia 5, do novo periódico o Fado dos Chimangos, que pôs remate a tudo quanto a ousadia, a impudência e torpeza de escritores anárquicos, tem até hoje vomitado.

“O povo pelas 4 horas da tarde, tempo em que a Sociedade Militar tinha de celebrar a sua sessão extraordinária, juntou-se no Largo de S. Francisco de Paula, cheio de indignação pelo acinte, que aquela sociedade parecia querer fazer-lhe.

“Correu logo o juiz de paz do distrito, e também desta vez teve de ceder às repetidas representações do povo, para se dar busca na casa da sociedade, por se ter espalhado a notícia de que ali se havia de véspera ocultado armamento. Os sócios não compareceram; e apenas se fez a concessão da busca, formou-se uma torrente de povo, que inundando aquela casa, e não achando o armamento, que se dizia escondido, passou a arrancar da frente o rótulo da Sociedade Militar, que ali existia, em grandes letras de ouro, sobre campo azul ferrete, e não contente com este desafogo da sua indignação, lançou das janelas ao largo, a mobília, que guarnecia a sala das sessões.

“Começou-se logo a organizar um requerimento ao Governo, em que se pedia a dissolução daquela sociedade, suspeitada de centro dos restauradores; e a suspensão do tutor de S.M.I o Imperador, sobre o qual, de dia a dia, maiores desconfianças caíam de conivência com os inimigos da revolução de 7 de abril.

“Mais de mil assinaturas cobriram este requerimento, que foi dali mesmo remetido ao Governo, por intervenção dos juízes de paz.

“Nem parou aqui o movimento que se havia começado contra a Sociedade Militar; um excesso é sempre prelúdio de outros. Mas o caráter dócil dos brasileiros, bem se exaltou nesse dia, porque manifestando não se poder mais conter à vista das repetidas e insolentes provocações dos restauradores, em folhas por eles mantidas, e escandalosamente propaladas, não se vingou com sangue, nem concorreu armado, para esse desafogo, que era fácil de prever na circunstância em que se achava a capital.

“Os mais esquentados desta reunião concertaram entre si, destruir as duas oficinas tipográficas Paraguaçu e Diário do Rio, como fontes das mais insolentes doutrinas Caramurus e da imoralidade, com que os escritores desse credo pervertem o povo inexperto.

“Feito o estrago dessas duas tipografias, surpreendidas por dois grupos de gente irritada, sucedeu também o apedrejarem as janelas das casas daquelas pessoas, há muito indigitadas, como mais influentes nas maquinações da restauração.

“Entretanto, havia chegado ao Largo de S. Francisco de Paula a resposta do Governo, ao requerimento que lhe fora apresentado; e era, que ‘tomaria em consideração o pedido, mas, que convinha tranqüilizarem-se os cidadãos, recolhendo-se às suas casas, e confiando no Governo, que vela sobre a segurança pública.’

“A reunião começou a desfazer-se, e o resto da noite passou sem novidade.”

 

É ACUSADO O PERIÓDICO LAFUENTE E O VERDADEIRO CARAMURU

 

No dia 12 de dezembro, foi acusado o periódico Lafuente, por ter propagado injúrias contra os regentes, como bem outro periódico Verdadeiro Caramuru, por ofensas à moral pública, aparecendo como responsável um serventuário de botica, de nome Estanislau Antônio Teixeira da Mota, que foi condenado na forma da lei.

No dia 14 de dezembro, apareceram os seguintes decretos:

 

“SUSPENSÃO DO TUTOR

 

“A regência permanente considerando os graves males, que devem resultar de que o Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, continue no exercício da tutela de S.M.I. o Senhor D. Pedro II, e suas augustas irmãs por bem em nome do mesmo augusto senhor suspendê-lo do indicado exercício, enquanto pela assembléia legislativa senão determinar o contrário.

“Antônio Pinto Chichorro da Gama, Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Impérios, o tenha assim entendido, e faça executar, com os despachos necessários.

“Palácio do Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1833, Duodécimo da Independência e do Império. – Francisco de Lima e Silva. João Braúlio Muniz. Antônio Pinto Chichorro da Gama.

 

“NOMEAÇÃO DO MARQUÊS DE ITANHAÉM PARA TUTOR INTERINO

 

“A regência permanente, tendo em atenção as distintas e bem notórias qualidades, que caracterizam o Marquês de Itanhaém: Há por bem em nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, enquanto pela Assembléia Geral Legislativa, se não determinar o contrário, encarregá-lo da tutela do mesmo senhor, e de suas augustas irmãs, de cujo exercício foi suspenso, por decreto desta data, o Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva.

“Antônio Pinto Chichorro da Gama, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessários.

“Palácio do Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1833, duodécimo da Independência e do Império. – Francisco de Lima e Silva. João Bráulio Muniz. Antônio Pinto Chichorro da Gama.

 

PROCLAMAÇÃO DA REGÊNCIA

 

“brasileiros! A tranqüilidade e a ordem pública, são ainda uma vez ameaçadas por indivíduos, devorados de ambição e de orgulho, que nada poupam para levar a efeito seus intentos detestáveis, embora com isso sacrifiquem os destinos e a prosperidade nacional.

“Uma conspiração acaba de ser pelo Governo descoberta, a qual tem por fim deitar abaixo a regência, que em nome do Imperador governa, e quiçá destruir a monarquia representativa, na Terra de Santa Cruz.

“No próprio palácio de S. Cristóvão, nas imediações deste e em outros pontos, se forjaram os planos: armamento e cartuchame foram já distribuídos, e os celerados só aguardam o momento destinado para lhes dar execução.

“brasileiros! A regência está vigilante, e tem tomado todas as medidas ao seu alcance, para frustrar as insídias dos conspiradores; havendo entre elas, lançado mão duma que julgou indispensável para desalentar as criminosas esperanças dos perturbadores da ordem. Ela acaba de suspender o tutor de S. M. I. o Imperador e de suas augustas irmãs, o Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, o homem que servia de centro e de instrumento aos facciosos; havendo nomeado para substituto, enquanto pela Assembléia Geral Legislativa se não decretar o contrário, o Marquês de Itanhaém, brasileiro distinto, e que tão dignamente já exercia a mesma tutoria, quando dela encarregado.

“brasileiros! Confia no Governo: a paz pública será mantida, e conservada inabalável o trono nacional do jovem monarca, ingente penhor da prosperidade e glória do Império, ídolo dos brasileiros que se honram de pertencer à briosa nação de que somos membros.

“Viva a nossa santa religião!

“Viva a Constituição!

“Viva o nosso jovem Imperador o Sr. D. Pedro II!

“Francisco de Lima e Silva, João Bráulio Muniz, Antônio Pinto Chichorro da Gama” .

No mesmo dia a regência dirigiu a José Bonifácio o seguinte ofício:

“Ilmo. e Exmo. Sr. – Havendo a regência em nome do Imperador suspendido a V. Exa pelo decreto por cópia inclusa, assinada por Antônio José de Paiva Guedes de Andrade, do exercício de tutor do mesmo senhor e de suas augustas irmãs, enquanto pela Assembléia Geral Legislativa se não determinar o contrário. Manda a mesma regência que V. Exa imediatamente faça a entrega daquele cargo e de tudo quanto por ele lhe compete ao Marquês de Itanhaém, que por outro decreto da mesma data foi para ele nomeado.

“Deus Guarde a V. Exa.

“Paço, 14 de dezembro de 1833. – Antônio Pinto Chichorro da Gama. – Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva.

Na mesma data foram ofícios a todas as repartições comunicando-lhes a destituição do Conselheiro José Bonifácio da tutoria imperial.

No dia 15 determinou a regência, que o menino Imperador e as irmãs, fossem transportadas para o paço da cidade, como melhor lugar de segurança pessoal, dando com isso um golpe decisivo na facção restauradora.

Nesse mesmo dia a regência mandou intimar a José Bonifácio a sua suspensão de tutor, o que fez a comissão depois do meio-dia, juntando-se à comissão que foi em deputação a S. Cristóvão jantar com o Imperador e suas irmãs.

José Bonifácio nesse mesmo dia 15 respondeu ao Ministro do Império, nestes termos:

“Ilmo e Exmo Sr. – Tendo de responder ao ofício de V. Exa que acompanhou o decreto da regência de 14 do corrente, digo que não conheço na mesma o direito de suspender-me do exercício de tutor de S. M. o Imperador e de suas augustas irmãs.

“Cederei à força porque não a tenho: mas estou capacitado que nisto obro conforme a lei e a razão; pois que nunca cedi à injustiças e aos despotismos há longo tempo premeditados, e ultimamente executados para vergonha deste império. Os juízes de paz fizeram tudo para me comoverem, porém a tudo resisti, e torno a dizer que só cederei à força.

“Deus guarde a V. Exª.

“Paço da Boavista, 15 de dezembro de 1833. – Ilmo e Exmo Sr. Antônio Pinto Chichorro da Gama. Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva.

A regência mandou comunicar a todos os presidentes a destituição do Conselheiro José Bonifácio de tutor dos meninos imperiais.

No dia 16 o juiz de paz do 3º distrito de S. José, João Silveira do Pilar, deu conta da sua comissão ao Ministro da Justiça que foi nos termos seguintes:

“Ilmo e Exmo Sr. – Tendo sido incumbido pela regência em nome do Imperador o Sr. Dom Pedro II de, com outros juízes de paz, intimar ao tutor do mesmo augusto senhor, bem como fazer integrar a imperial família para o paço da cidade, por assim o exigir a salvação e a tranqüilidade pública, cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exª para ser presente à mesma regência, tudo quanto se passou a tal respeito. Havendo partido com outros juízes de paz no dia de ontem pelas 9 horas da manhã para a quinta imperial da Boavista, acompanhado de uma força de 120 homens de cavalaria e de outros tantos de infantaria, da guarda de permanentes, logo que ali cheguei mandei dividir parte da dita força em patrulhas, para renderem aqueles lugares, recomendando muito que fossem guardadas as saídas do fundo e lados da mesma quinta; e deixando o resto no portão da entrada e da parte de fora, entrei com os meus colegas somente dentro do paço; e aparecendo o referido Exmo Conselheiro, apresentei-lhe o decreto de regência, e aberto com o ofício do Exmo Ministro do Império que lhe era dirigido, sendo ciente do seu conteúdo, declarou logo que não cumpria determinações e não se dava por suspenso do exercício de tutor de S. M. o Imperador e de suas augustas irmãs; tentei convencê-lo com maneiras dóceis e por todos os meios persuasivos, de que devia cumprir as ordens da regência (no que fui apoiado por todos os mais juízes); mas vendo que se haviam passado duas horas sem que nada conseguíssemos apesar de tantos esforços, fiz-lhe sentir que as ordens da regência haviam de ser infalivelmente cumpridas antes de anoitecer, e que era mais honroso ceder às instâncias e rogativas de tantos juízes de paz, do que à força, de que necessariamente se havia de lançar mão para o compelir a obedecer às ordens do Governo supremo; tudo foi baldado e infrutífero; a nada atendeu, e firme em sua pertinácia, declarou-nos definitivamente que resistia e continuava a resistir às determinações da regência a tal respeito.

“Desenganado, então, de que por meios brandos nada se fazia, e certo de que o mesmo Exmo tutor suspenso já não podia continuar no exercício de tal cargo, depois da intimação do decreto de suspensão, e que outrossim se havia constituído réu de formal desobediência às determinações da regência, que em nome do Imperador governa; assentei com os demais juízes de que nos deveríamos retirar para alguma casa naquele sítio, a fim de lavrarmos a ordem para o dito Exmo Conselheiro ser recolhido preso à sua casa na ilha de Paquetá, o que com efeito fizemos, como participei logo a V. Exª, remetendo-lhe a cópia da mencionada ordem; sendo-lhe a mesma intimada pelo Capitão João Nepomuceno Castrioto, foi igualmente desatendida e desprezada sob o frívolo pretexto de não reconhecer nos juízes de paz autoridade para o mandarem prender; e que só entregaria à prisão, sendo-lhe apresentada ordem da regência, como tudo consta no ofício do referido capitão, que levei à presença de V. Exª. Desejando eu achar um meio de evitar qualquer ato violento contra a pessoa do Exmo Tutor suspenso, não obstante o despeito com que era por ele tratado, como autoridade, julguei conveniente participar tudo a V. Exª, apesar de ter as ordens mais terminantes, para fazer executar os decretos da regência; não tendo ainda chegado resposta de V. Exª sobre esta minha última participação, apareceu o Exmo Marquês de Itanhaém, tutor nomeado de S. M. o Imperador e de suas augustas irmãs, a quem se havia oficiado logo que foi lavrada a ordem de prisão, para que viesse tomar conta dos sagrados objetos que lhe haviam sido confiados; remetendo-lhe nessa ocasião decreto de sua nomeação, e o ofício do Exmo Ministro do Império que o acompanhava; e parecendo-me muito a propósito que antes de entrar no paço o Exmo Tutor nomeado, que tinha de tomar conta da imperial família, para com ela regressar ao paço da cidade, como me havia sido ordenado, deveria tirar ao Exmo Tutor suspenso, e a mais algum, toda e qualquer esperança que porventura pudessem ainda nutrir para embaraçarem este ato: ordenei ao comandante da força que fizesse entrar para dentro da quinta e se postasse em frente ao palácio, o que tendo feito, teve lugar o ingresso do dito Exmo Marquês, acompanhado do superintendente das imperiais cavalarias e dos oficiais-generais José Joaquim de Lima e Silva, Raimundo José da Cunha Matos, que com ele vieram.

“Vendo então o Exmo Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, que estava próximo a realizar-se o que eu lhe via dito, e que nenhum recurso lhe restava do qual pudesse sair-se bem, desistiu da sua pertinácia, largando com menos bizarria, do que se o tivesse feito quando eu e os meus colegas lho havíamos pedido com tanta instância.

“Tomando o Exmo Marquês de Itanhaém conta de seus augustos pupilos, tratou logo de os fazer jantar para se prepararem e partirem para o paço da cidade, o que foi feito com todo o aparato e luzimento, como foi presenciado pela Exma Regência, e Ministério, quando no campo da honra, chegaram S. M. e Altezas Imperiais. O Exmo Tutor suspenso, havendo-se retirado para um quarto logo que o Exmo Marquês tomou conta de seus pupilos, aí se demorou algum tempo, até que chegando o aviso de V. Exª pelo qual de ordem da Regência, o mandava recolher preso à sua casa à ilha de Paquetá, e sendo-lhe o mesmo por mim apresentado, declarou estar pronto a cumpri-lo,(94) mandando-o eu conduzir na minha sege, (e o capitão Gabizo, seu sobrinho, que me pediu o queria acompanhar) para a rampa da praia de S. Cristóvão, onde embarcou para Paquetá, no escaler do arsenal, que para esse fim aí se achava, sendo encarregado da sua guarda o Capitão João Nepomuceno Castrioto, que o acompanhava.

“Depois de tudo assim concluído, tive notícia de que dentro do paço existia ocultamente gente armada, que fora engajada nestes últimos dias para certos fins, é que no decurso do dia havia fugido a maior parte, bem como se tinha ocultado armamento e cartuchame que ali existia; e suposto conhecesse a dificuldade de se dar uma busca exata e rigorosa em uma casa tão grande e cheia de tantos esconderijos, bem como em uma quinta de tanta extensão, todavia tentei dá-la, principiando pelas lojas; porém encontrando todos os quartos fechados, pedi as chaves para os abrir, mas nenhum dos criados sabia delas, nem foi possível aparecerem; e sendo por isso necessário o arrombamento das portas não quis que isso se fizesse enquanto S. M. Imperial estivesse dentro do paço, apesar de ter toda a faculdade do Exmo Marquês tutor: abrindo porém o veador Bento Antônio Bahia o seu quarto (do qual já ia saindo quando cheguei) perguntei-lhe se havia ali alguma pessoa oculta, respondeu-me que não, mas entrando-se no referido quarto, foram encontrados os indivíduos nacionais e estrangeiros, constantes da lista inclusa, declarando nesse ato alguns que haviam sido engajados pelo dito veador, a quem foi dada a voz de prisão, pelo juiz de paz do 2º distrito de Santana, que tinha ficado com ele da parte de fora.

“Convencido por este fato, de que a denúncia que me fora dada era verdadeira, e tendo ao mesmo tempo de acompanhar a augusta e imperial família para o paço de cidade, a fim de dar conta da comissão que me fora encarregada, pedi ao juiz de paz do 2º distrito do Sacramento de Santa Rita, que ficasse ali, para depois da saída de S. M. Imperial darem uma busca rigorosa, para o que lhe deixei a força necessária.

“Se quando cheguei à imperial quinta quisesse usar dos meios violentos, cercando o paço e dando logo a busca, encontraria certamente tudo o que se escondeu no decurso do dia, porém assentei que isto não devia fazer por nenhum modo, em atenção à pessoa do monarca e de suas augustas irmãs, que se achavam dentro do paço, o que fez com que fugissem os celerados, e que se desse destino ao armamento e cartuchame, que existia; como tudo declararam depois (quando se deu a busca) alguns guardas, alguns dos quais se achavam ocultos e que foram presos, os quais todos asseveraram que pelos fundos e lados da quinta fugira muita gente logo que viram aproximar-se a força; e hoje me consta que em diferentes esconderijos ainda foi achado pelo juiz de paz que deu a busca, bastante armamento e cartuchame, como deve constar da sua parte, bem como da dos mais juízes de paz, tudo quanto ocorreu e eles observaram.

“Quando se pretenda fazer acreditar que os indivíduos que se ocultavam dentro do palácio do jovem monarca, não tinham por fim derrubá-lo do trono que lhe fora erguido pela revolução de 7 de abril de 1831, antes que estavam ali reunidos para segurança e bem-estar do mesmo monarca, ficará a Nação brasileira sabendo que se procurava fazer guardar ao seu jovem monarca por estrangeiros vagabundos, quais os que foram encontrados; e eu mesmo não sei qual das duas hipóteses será mais repugnante e abominável aos olhos de uma nação tão cheia de brios, e pundonor, que adora em extremo o inocente imperador, nascido na terra de Santa Cruz, S. M. Imperial e suas augustas irmãs não tiveram incômodo algum; e depois que o Exmo Marquês de Itanhaém os recebeu debaixo da sua tutela, mostrando-se satisfeito, tendo jantado com o maior sossego de espírito, e satisfação, com o qual partiram para o paço da cidade.

“O Barão Daiser, encarregado dos negócios do Imperador da Áustria, avô de S. M. Imperial, apareceu na imperial quinta às 2 horas da tarde, e procurando saber notícias do mesmo augusto senhor, foi por mim informado de que não tinha incômodo algum e que já não se achava sob a tutela do Exmo Tutor suspenso por decreto da regência; mostrou-se bastante satisfeito com a mesma informação, sendo apresentado ao imperador e às suas augustas irmãs, foi testemunha ocular de tudo quanto eu lhe havia dito: portando-se ele em tudo e por tudo, com a maior dignidade de um verdadeiro diplomata.

“Não posso deixar de declarar a V. Exª que os juízes de paz da freguesia do Engenho Velho não apareceram; nem na imperial quinta, nem na casa onde os outros juízes de paz estiveram reunidos, e isto apesar de ser público, que existia uma força dentro e fora da mesma quinta; acrescendo não constar-me que saíssem à rua.

“Parecendo-me ter, pelo que hei exposto, cumprido todas as ordens da regência, em nome do Imperador o Sr. D. Pedro II, que me foram entregues por V. Exª e pelo Exmo Sr. Ministro do Império, a madrugada do dia de ontem, bem como todas as mais que me foram dirigidas a S. Cristóvão, resta-me rogar a V. Exª se digne em meu nome agradecer à mesma regência, a alta confiança que em mim depositara para o desempenho de uma comissão tão importante e melindrosa; certificando-a de que se não cumpri com mais prontidão as suas ordens, foi pelas razões que deixo dito; restando-me contudo a glória de haver concluído a mesma comissão incruentamente, e sem praticar atos violentos, apesar de se me haver dado assaz motivos para deles lançar mão.

“Deus Guarde a V. Exª.

“Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1833. – Ilmo e Exmo Sr. Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça – O Juiz de Paz do 3º distrito de S. José – João Silveira do Pilar.”(95)

 

PRISÃO DE JOSÉ BONIFÁCIO

 

Tendo José Bonifácio resistido à intimação feita pelos juízes de paz, a fim de passar a tutela dos meninos imperiais, ao Marquês de Itanhaém, que o substituía, em presença do estado anárquico em que se achava o paço e a capital do Império, foi ordenado ao capitão João Nepomuceno Castrioto, para o prender à ordem dos juízes de paz; e estando ele certo, que nada mais podia conseguir, com suas bravatas, e impropérios contra todos os seus desafetos, entregou-se à prisão. Eis o que dizem os juízes de paz ao Ministro da Justiça no ofício do dia 18 de dezembro de 1833:(96)

“Tivemos ocasião, em tão melindrosa crise, de fazer-lhe sentir que se lembrasse da parte que tivera na gloriosa revolução da independência, assim como também da estima e respeito, que todo o coração verdadeiramente patriótico houvera conciliado em virtude de atos por ele praticados em uma revolução de tanta magnitude; que em conseqüência disto, não quisesse com atos tão desairosos perder a confiança de seus patrícios, manchando a glória tão justamente adquirida. Em respeito a isto, tivemos o desprazer de ouvir o Exmo Conselheiro José Bonifácio prorromper em expressões assaz imprudentes, que talvez o sossego da sua consciência bem depressa reprovasse. ‘Eu também conheço que nela tive grande parte, disse, mas estou bem arrependido, e é mágoa que me acompanhará à sepultura, porque então eu não tinha um verdadeiro conhecimento de meus patrícios, e não sabia que dela não eram merecedores.’

“Entre outras desvairadas respostas, que nos dirigiu, as mais extravagantes e indecorosas ao caráter do povo fluminense; consistindo em dizer ele que bem conhecia a reunião indigna, em que se tinha feito representação, que ela não merecia ser chamada povo, pois não passava de uma mera canalhada, sendo isto demais, acompanhado da odiosa comparação de se ver um viajante assaltado por uma quadrilha de ladrões, em desertos lugares, onde se veria na colisão de ceder a bolsa, ou a vida.”

 

JUÍZO DE UM CONTEMPORÂNEO SOBRE JOSÉ BONIFÁCIO, COMO OPERÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, E O SEU PATRIARCADO

 

Sendo divulgadas as palavras de José Bonifácio, sobre ter sido ele o promotor da independência política do Brasil, apareceu no Correio Oficial nº 149, pág. 585, de 23 de dezembro de 1833, uma refutação formal e histórica, sobre quem foi o verdadeiro autor da independência; e até, continua ele, nos parece que a modéstia conservava em silêncio os nomes de algumas pessoas, que mais eficazmente concorreram para esta grande obra, ou contentes de a gozarem em comunhão, com os seus concidadãos, ou esperando que a posteridade lhes faça justiça, desprezando os títulos colorados, com que alguns se oferecem ao respeito do Brasil, como patriarca da sua independência. Como quer que seja, ainda nenhum dos que ambicionam tão grande glória, se tornou arrependido, de uma obra tão digna de eterno louvor; e só por uma das maiores extravagâncias, é que agora ouvimos da boca do Sr. José Bonifácio a revoltante declaração que fizera perante os honrados juízes de paz, que foram à Quinta da Boavista intimá-lo e fazer executar o decreto da Regência, que lhe impedia o cargo de tutor de S. M. o Imperador e de SS. AA.

Quando outros motivos não tivéssemos para o acreditar fraco de juízo ou pervertido de coração, só essas expressões bastariam para nos convencermos da justiça da sua expressão. Só poderia entrar em planos de restauração, isto é, de passar a coroa do Senhor D. Pedro II, Príncipe brasileiro, elevado ao trono, em virtude da Constituição, e do assenso geral dos brasileiros, por um príncipe hoje conhecido estrangeiro, e por isso contrário aos interesses da nossa independência, aquele brasileiro, que se persuadisse que o povo não era digno de tão grande bem. Em quem senão no Sr. José Bonifácio se encontraria tão errado e repreensível procedimento?

Vejamos, porém, que não foi ele o patriarca da independência, como apregoam os seus seides, e nem há motivos para arrepender-se de o haver feito, quando fosse verdade o que dizem, os que assim sopram os escarcéus da vaidade.

A independência estava nos corações de todos os brasileiros e o seu grito muitas vezes havia chegado aos lábios dos que, algumas nobres, mas arriscadas tentativas, fizeram em diversos pontos do Brasil para libertarem a pátria da vergonhosa tutela de uma metrópole. As circunstâncias políticas aplainaram e apressaram esse ato, já impossível de embaraçar-se por mais tempo; e o brado do Ipiranga foi mais arrancado à necessidade de quem se diz chamar-se autor de uma obra já feita, como provam as circunstâncias bem conhecidas daquela época.

Ainda assim mesmo, não consta que o Sr. José Bonifácio, para essa declaração, que achou eco nos corações de todos os brasileiros, e se quer arrogar-se a glória de patriarca da independência, só porque, por desgraça da Pátria, era então Ministro de Estado, nesse caso os seus colegas deveriam ter iguais direitos: mas a tanto não chegou o seu orgulho.

Para provar que o Sr. José Bonifácio assistiu constrangido à independência do Brasil, citaremos a infame bernarda de 30 de outubro de 1822, precedida de várias forças a que foi ele sempre vezeiro, e que ainda agora se puseram em cena, mas sempre sem o sucesso dos outros tempos, pelo menos percebe-se nos atos do seu Ministério, de vergonhosa recordação, que ele queria separar a liberdade da independência, como se fosse possível existir uma sem a outra em país americano.

Lembrem-se os leitores que apenas aclamado o 1º Imperador, logo o Governo então fez valer a idéia de republicanismo para aterrar o povo inexperto e assim descarregar a massa da mais terrível perseguição. Sobre as pessoas, que muito se haviam distinguido em promover a independência, e cujos escritos prepararam os ânimos a essa grande obra, de que ainda nenhum brasileiro se arrependeu, exceto o Sr. José Bonifácio.

Decerto, só poderia maquinar uma restauração quem fosse de sentimentos tão extravagantes, que se arrependesse de haver concorrido para a independência de sua pátria. Esta confissão nos faz crer que o Sr. José Bonifácio não escrupulizava em submeter o Brasil a um estrangeiro, privando-o de um monarca, nascido no seu solo, cuja inocência merece mais generosidade de almas elevadas; ela explica bem claramente o fim principal dos aprestos bélicos, que se faziam na Quinta da Boavista, com escândalo geral dos brasileiros, e era dar golpe mortal na independência, de que o Sr. José Bonifácio se mostra arrependido, assim como o príncipe restaurado, daria também sobre o resto da Constituição, visto ser o seu autor, segundo a doutrina, do jurista José da Silva Lisboa, depois Visconde do Cairu, deve por força estar dela arrependido.

Só por estas circunstâncias e considerações pode conhecer o Brasil toda a sabedoria com que o Governo suspendeu o tutor, salvando a Pátria de males gravíssimos, que nos preparavam a vingança e o arrependimento de quem ousa fazer tão revoltante declaração.

A independência estava em perigo, porque o seu presumido patriarca se arrependera de haver dado a um povo que a não merecia!

Era com papeletas, com aventureiros, e com brasileiros de tão pouco siso, como o Sr. José Bonifácio, que o golpe se daria para satisfação dos Srs. Andradas!

Eis os homens que por tantas vezes nos têm falado em pátria e liberdade! O seu orgulho feriu a si mesmo, por não serem elevados à regência do Império, e por isso os seus atos os precipitam da consideração que algum tempo puderam captar, e tocaram o desprezo que merecem, os que conspiram contra a independência de sua pátria. Não sabemos que se possa fazer maior ofensa ao povo brasileiro do que declará-lo indigno da independência, só porque não quer dobrar-se às opiniões e governo dos Srs. Andradas!

Sempre um povo é digno da independência, quando se vê em circunstância como a do Brasil; e hoje nós somos muito mais dignos dela, porque a temos sabido zelar e defender, auxiliando o Governo para ferir a restauração, nesse baluarte, que se julgava inexpugnável.

Arrependa-se muito embora o Sr. José Bonifácio de haver concorrido para a independência; os brasileiros que por ela concorreram (muitos dos quais até por isso foram perseguidos(97) pelo Sr. José Bonifácio) honram-se cada vez mais desse ato e firmes se oporão a tentativas de restauração, podendo assegurar aos Srs. Andradas, que o povo, e não a canalha, está bem persuadido, que não depende de seus tiros e arrependimentos a sustentação e defesa de um ato, em que tiveram parte todos os brasileiros.

 

EXPOSIÇÃO DOS PLANOS DOS RESTAURADORES, TENDO À SUA FRENTE JOSÉ BONIFÁCIO

 

O Correio Oficial de quinta-feira, 24 de dezembro de 1833, nº 150, à pág. 599, historiando os acontecimentos do tempo, diz: “O fato de 17 de abril de 1832 bem prova que às abas do paço se recolhiam os inimigos da nossa regeneração, talvez sustentados à custa do inocente Príncipe, cuja coroa pretendiam passar a quem já não tinha direito a ela, mas apagou-se a chama desse primeiro incêndio, e ficou aceso o seu fogo, por ser bem depressa soprado por arteiros conspiradores, que a impunidade fez mais atrevidos.

“Não deve escapar às observações dos leitores, que são os membros figurantes, que, desde o impudente perdão de seus antigos crimes, procuraram abrir carreira franca à sua insaciável ambição, mas tão recatados sobre qualquer perigo, que por trás dos reposteiros do paço, como se fossem seguros (e a experiência assim o fazia crer), é que davam impulsos às suas maquinações, metendo em campo a gente de grosseiro pensar, que ainda se não persuadiu que uma restauração é impossível efetuar-se, porque a vontade nacional a rejeita com brio.

“Mas poderia o Governo, depois de ter infinitas provas da conspiração urdida e acastelada no paço da Boavista, incorrer no crime de não curar da segurança pública, quando já perigava pela demora de um golpe por tantos motivos necessário? Hoje esta questão está gloriosamente decidida.

“Se de uma parte a compra de armamento, a distribuição de cartuchame, o engajamento de aventureiros e bandidos, a nomeação de generais, regentes e ministros, faziam crer mui próximo o acontecimento dos restauradores; da outra parte a indignação dos homens brasileiros, bem determinados a sofrer por mais tempo tão insolentes provocações, como bem se mostrou, em 5 e 6 deste mês (2 de dezembro de 1833) fazia ver que a refrega seria sanguinosa, posto que certo, não seria sem lágrimas.

“O Sr. José Bonifácio, apanhado de surpresa, condena o ato de suspensão, a eterna vergonha do Império; mas vendo quebrado o instrumento principal da restauração, bendiz a energia do Governo, que assim firmou sem combates a esperança de nossa tranqüilidade.

“Para se provar que o Sr. José Bonifácio estava empenhado na restauração, sobejam os fatos e as revelações, que se têm achado verídicos; e quando os não houvesse, a sua confissão aos juízes de paz, de que desceria à sepultura com a mágoa de haver concorrido para a independência de sua pátria, tira qualquer dúvida sobre a vingança própria de seu orgulho, que ele queria tomar, submetendo o Brasil ao jugo de um príncipe estrangeiro.

“Quando se souber que foi um Andrada que assim se expressou, que juízo farão do seu patriotismo, os que ainda por experiência não conhecem esses gênios extravagantes!

“Dirão que os seus anos, enfraquecendo as suas faculdades intelectuais, o obrigaram a esse arrojo sempre criminoso, em que se arrojava o título de patriarca da independência.

“Mas então até por isso mesmo se justifica a sua suspensão na tutoria, porque a educação de um príncipe, que tem de fazer a felicidade do povo, não se compadeceu com os princípios tão contrários à boa razão, muito mais quando se pode atribuir a uma espécie de demência.

“Dirão que ele não entrava na conspiração rasteada? Mas porque achavam dentro das paredes do paço um infalível acolhimento todas aquelas pessoas, que, infringindo as leis, procuravam furtar-se aos seus castigos, não duvidando aparecer com armas, dando vivas a D. Pedro I, até no pátio da mesma casa, em que morava o Sr. D. Pedro II?

“Bulow, e outros aventureiros restauradores ali estiveram meses: as duas peças que fizeram fogo na estrada de S. Cristóvão, e que o tutor recusara entregar ao Governo, quando as pediu, dali saíram; a pólvora foi por sua ordem comprada, como declarou o Sr. João Valentim, agora Teobaldo Sanches, recolhidos pelas suas quichotadas do Ouro Preto, agasalhado pelo viador Bento Vahia, preparava-se a outras, em companhia dos oficiais desobedientes ao Governo, alguns dos quais se acham já presos.

“Para que era o engajamento de papeletas, estrangeiros, e gente pouco interessada na causa da pátria, a quem se davam 40 réis diários, e que até se encontravam aquartelados nos aposentos do viador?

“Para que eram as armas e os cartuchos embalados, que restaram ao sumiço, que se deu, enquanto o tutor, ou pueril, ou manhosamente resistia ao decreto da regência?

“Responde-se primeiramente a estas perguntas, e de forma que não seja contradição com os depoimentos dos interrogados em juízo e com o achado, em presença de boas testemunhas. Vergonhoso seria se o Governo inteirado de tantas circunstâncias, consentisse na tutoria um irmão de Antônio Carlos, que daqui foi, como se sabe, convidar o Duque de Bragança a arrancar a coroa do Sr. Pedro II. O vergonhoso seria conservar um homem, que, orgulhoso, desprezava as ordens da regência, como se fosse independente; um homem, contra quem se grita de todo o Brasil, como reconhecido apoio da restauração; um homem que deu bastantes motivos ao requerimento do povo fluminense em 5 deste mês, e que se não fosse suspenso, seria a causa de uma guerra civil, que estava pronta a rebentar. O Governo procedeu com sabedoria, porque atendeu a opinião pública, e salvou-nos de grandes desastres; é prova que o golpe foi necessário, o júbilo com que o povo recebeu a sua notícia, e correu a coadjuvá-lo na execução do respeitável decreto, e a receber em triunfo os augustos órfãos, que o tutor havia cercado de seus maiores inimigos.

“Este golpe bem calculado, vigorosamente desfechado, não só fará ver que o Governo tem força bastante para manter a regeneração de abril, mas também convencerá a todos os ministros, quanto é forte o Governo, quando se dirige pela opinião nacional, que bem se lhe manifesta nesta ocasião.

“Poderia ele por mais tempo conservar o Sr. José Bonifácio na tutoria? Não, porque já perigava a segurança pública; a nação agradecida lhe dará sempre esta resposta.”

No mesmo jornal Correio Oficial, de sexta-feira, 27 de dezembro, vem a descrição do passeio que pela primeira vez fizeram as crianças imperiais a Botafogo, acompanhadas pela regência, até então enclausuradas em S. Cristóvão pelo Sr. José Bonifácio, que as privava das mais insignificantes distrações; e a descrição de outro passeio à quinta da Caju, indo também, por convite do Imperador, o Barão Dayser, Ministro d’Áustria.

Neste passeio, de grande divertimento, onde se efetuou uma pescaria, em que assistiram a regência, o Ministério, muitas pessoas importantes da Corte, foi um dia de contentamento para as crianças, porque com maior largueza brincaram, passearam, e colheram flores, voltando elas completamente satisfeitas para o palácio, e desassombradas dos sustos em que viviam sob a tutela do Sr. José Bonifácio.

No mesmo número do referido jornal, à página 602, se lê o seguinte:

“Quanto mais refletimos no passo que deu o Governo, suspendendo o tutor de S. M. e de suas augustas irmãs, mais o achamos acertado e político.

“Uma facção que a príncipio se denominou a si mesma – dos comprometidos – isto é, dos homens que sob o regime passado tanto trabalhavam para destruir a independência do Brasil, e a sua livre constituição política, e que em virtude da abdicação ficaram mudados (permita-nos aqui o termo que é expressivo), essa facção, havia desde muito achado apoio e afago no Sr. José Bonifácio e em seus ilustre irmãos, irritados por não terem sido chamados para a regência permanente,(98) na menoridade do Sr. D. Pedro II.

“Os Srs. Andradas, desmedidamente orgulhosos e vingativos, tendo a princípio aprovado a resolução de abril, começaram, logo depois da nomeação da regência, a formar em torno de si um partido contra elas para a derribar.

“Na madrugada de 3 de abril, quando uma facção armada marchava para o campo (hoje da Aclamação), o Sr. José Bonifácio tinha o jovem Imperador vestido e pronto, na quinta de S. Cristóvão, e as carruagens montadas e preparadas dentro das cocheiras, fechadas, e ele passeava incerto na varanda do palácio imperial, com um óculo na mão, que deitava para o caminho constantemente, e apenas soube, por um pontilhão seu, do destroço da gente de 3 de abril (1833), mandou a toda pressa, e muito aflito, despir o monarca, e apear as carruagens. Quanto à veracidade deste fato, apelamos para os criados da casa imperial, e mais que tudo para a honra e consciência do Sr. José Bonifácio.

“Em 17 do mesmo mês de abril, a facção conspiradora, que se apresentou armada, puxando as peças de artilharia, que o Sr. José Bonifácio recusara entregar ao Governo, a pretexto de que eram propriedade do monarca, partiu do paço de S. Cristóvão, dando vivas a D. Pedro I; um bandido estrangeiro, que comandava essa ação, havia merecido anteriormente a simpatia do Sr. José Bonifácio, e mereceu em plena assembléia, do Sr. Martim Francisco, a defesa e o título de nobre “Hanoveriano”,(99) título bem acolhido no paço imperial, onde alguns dias antes esteve oculto na livraria, debaixo de guarda e proteção do bibliotecário Lasserre.

“Os criados e lacaios, que entraram nessa conspiração, mereceram todos o afago e proteção do Sr. José Bonifácio, a ponto mesmo, de que um, ultimamente condenado pelo júri, em 4 anos de trabalho, e fugido, continua a ser empregado da quinta imperial e a receber ordenado.

“Todos estes fatos, a notória hostilidade do Sr. José Bonifácio, para com a regência e o Governo, a viagem do Sr. Antônio Carlos à Europa, com assinaturas angariadas aqui e ali, para pedir o regresso de D. Pedro; as continuadas invenções, e ridículas farsas do roubo do augusto menino, o sistema (já empregado em 1822) de denominar republicanos e demagogos tudo o que não era andradista, isto é, restaurador; todos estes fatos, dizemos, alentavam, e tornavam de dia em dia mais audaz e ameaçador aquele partido dos comprometidos, ou dos inimigos da independência, e da Constituição, os quais, posto que de coração não amassem ao Sr. José Bonifácio, nem a seus irmãos, ora se lhes uniam, aproveitando-se do seu despeito e desejo de vingança, por não terem sido chamados à regência; a estes se uniam outros, a quem se fazia crer que, por não terem nascido no Brasil, seriam vítimas da decantada república, sem dúvida a de Paquetá.

“Assim marchava a trama da restauração, e ultimamente alentado também pela sociedade militar, e acolhido logo, e afagado pelo S. José Bonifácio, e composto de comprometidos, dos contentes, etc.

“O gênio brasileiro, porém, que não dorme, quis que o povo começasse a indignar-se de tantas audácias e insídias, e que se pronunciasse contra elas de uma maneira enérgica; então os conspiradores, julgando conveniente apressar a marcha e romper os clubes, se formaram nas imediações de S. Cristóvão e em outras partes, sendo notável o que se fazia na própria quinta imperial, denominada da Joana, a que assistia o Sr. José Bonifácio; os emissários ferviam e as armas e cartuchames se distribuíam, e tudo anunciava a próxima tempestade, para a qual o Governo e os bons patriotas se preparavam, para ainda uma vez desenganar os sectários do absolutismo, e da dominação estrangeira, de que à custa das próprias vidas, os brasileiros, dignos deste nome, jamais consentirão ser escravizados pela influência de um Francisco Gomes (o Chalaça) e de uma..., jamais consentirão que as honras e os empregos sejam dados de preferência a quem não viu a luz neste solo abençoado, como se praticava no tempo de D. Pedro I, jamais consentirão um monarca estrangeiro, porque não deve sentar-se no sólio brasileiro, basta o vergonhoso fato da fazenda e tombo de Santa Cruz!

“O Governo, porém, solícito da felicidade do Brasil, incompatível com a presença de um Andrada no poder, conhecendo que o Sr. José Bonifácio estava na tutoria, contra o voto da assembléia geral, onde pela natureza de votação por câmaras, apareceu a absurda decisão a favor de sua conservação, aparecendo um excesso de 10 votos contra na totalidade; conhecendo pelas repetidas representações dos conselhos das províncias, de câmaras municipais, de sociedades patrióticas, de muitos cidadãos reunidos; e sabendo que o tutor reunia gente armada, acoitando no paço alguns sediciosos do Ouro Preto, muitos oficiais criminosos e fugitivos, e outros celerados, e que o rompimento de uma sedição se aproximava, deliberou-se a dar golpe no coração da Hidra, tomando todas as precauções para salvar a imperial família das garras dos que queriam destronar o jovem imperador.

“Suspendeu o tutor, e entregando-o à sua nulidade, fê-lo substituir pelo digno Marquês de Itanhaém, homem de confiança nacional.

“O Governo conheceu que para acabar com o formigueiro revolucionário devia destruir a panela; mas nos devemos lembrar que existem muitas formigas, que andam por fora, e que é preciso não as deixar criar panela em torno de qualquer ‘tanajura’.

“Duas se esperam: uma do Sul, e outra do Norte; ainda que por suas contradições estejam conhecidas, contudo podem colmear.

“Vigilância e mais vigilância; persigam-se os inimigos sem piedade, e desafrontem-se os brasileiros ofendidos em sua nacionalidade. Da pronta punição dos crimes vem a segurança individual e de propriedade; faça pois o Governo castigar os infratores e juízes venais, que aparecerão entre nós os dias de paz, de abundância e de prosperidade.

“Castigar crimes é tão grande virtude como premiar o merecimento.

“O público regozijo que o Governo tem testemunhado com esta suspensão, e o abatimento dos ‘Caramurus’, devem convencê-lo de que os brasileiros abraçarão tudo que tender a aumentar a glória da revolução de 7 de abril; não deixar por concluir a obra começada: sobejam exemplos que nos convencem do quanto são fatais as meias medidas.”

Conversando eu com o ilustrado Sr. Cândido de Araújo Viana, Marquês de Sapucaí, a respeito de um artigo que o Correio Oficial publicou na página 607, sobre o “patriarcado da independência” do Brasil, que alguém me havia dito ter sido escrito por ele, respondeu-me que sim, porque José Bonifácio não era patriarca da independência, e que como presidente do Instituto Histórico não se tinha oposto ao monumento do Largo de S. Francisco de Paula. Foi por não mover desgostos entre os membros do instituto e lembrar-se que José Bonifácio, como Ministro de Estado na Independência do Brasil, fez valiosos serviços à causa pública. Que podia ter feito ainda maiores e melhores serviços à nossa Pátria se a ambição do mando e o desmedido orgulho não o cegassem.

Eis o artigo:

 

“O SR. JOSÉ BONIFÁCIO, PATRIARCA DA INDEPENDÊNCIA(100)

 

“Não tem o Sr. José Bonifácio de Andrada que arrepender-se de ter concorrido para a independência do Brasil, como inconsideradamente manifestou aos honrados juízes de paz, que lhe intimaram o decreto da suspensão da tutoria, porque o Brasil não deve este serviço exclusivamente aos seus trabalhos: nós vamos mostrar que apenas cooperou para ela, muito menos do que se pensa.

“Sabido é que já ninguém pode arrogar-se a glória, não digo só de ter feito, mas nem mesmo de ter apressado a declaração da emancipação política do Brasil. Este ato operou-se tão aceleradamente, e por tal unanimidade dos votos de todos os brasileiros, que pode dizer-se, com verdade, que os fatos encaminharam os homens, e não os homens os fatos.

“O grito da independência, repercutido em todos os ângulos da terra de Santa Cruz, com geral espontaneidade, e pouca diferença de tempo, em que precedesse sedução, porque os ânimos estavam naturalmente preparados, e muito mais quando se viu que as Cortes de Lisboa, por seus atos hostis tendiam a recolonizar o Brasil. Eis a verdade histórica, que convém estabelecer, porque existe provada nas diferentes peças oficiais daquela época memorável, nos períodos e impressos avulsos, que então circularam, lidos avidamente pelos brasileiros, que amavam ver desenvolvidas as razões para a sua de há muito desejada independência.

“Todavia, três fatos principais existem, pelos quais o povo brasileiro se declarou independente de fato e de direito: 1º) a ficar o Sr. D. Pedro de Alcântara no Brasil, contra as ordens bem terminantes da metrópole portuguesa; 2º) a convocação da Assembléia Constituinte brasileira; 3º) o brado de 7 de setembro nas margens do Ipiranga. Estes atos tiveram seus agentes, mas convém saber-se a parte que neles teve o Sr. José Bonifácio de Andrada.

“O fato de ter a junta de São Paulo dirigido ao Príncipe Regente a famosa carta de 24 de dezembro de 1821, redigida e talvez influída pelo Sr. José Bonifácio de Andrada,(101) fez crer a quem não estava ao alcance de circunstâncias particulares dos acontecimentos que a ele pertencia a iniciativa do movimento nacional, que promoveu a estada do mesmo Príncipe Regente no Brasil; mas há nisto engano. Aquela iniciativa teve origem no Rio de Janeiro, e pertence ao falecido José Mariano de Azeredo Coutinho e a José Joaquim da Rocha. Estes dois cidadãos, de acordo com mais outras pessoas, enviaram próprios a São Paulo, solicitando a cooperação da Junta Provisória daquela província e ao mesmo tempo abriram correspondência com a de Minas.

“Como os ânimos estavam bem dispostos, e os acintes da metrópole faziam requintar a indignação dos brasileiros, a cooperação verificou-se no sentido da primeira idéia, aqui concebida.

“O fato de verificar-se em 9 de janeiro a mensagem do povo fluminense ao Príncipe Regente, fez que parecesse colocado em segundo lugar na ordem cronológica dos sucessos daquela época; mas a deliberação para essa mensagem havia sido formada muito antes do dia 9 de janeiro. Deveu-se essa demora às políticas observações do Sr. José Clemente Pereira, então Presidente do Senado da Câmara, que não quis deliberar-se à obra sem que houvesse certeza da cooperação das províncias de São Paulo e Minas, considerando quão arriscado seria esse passo, se elas não assentissem, o que era de recear, atenta a distância em que estavam e a presença da tropa lusitana, que antecipadamente se havia pronunciado contra semelhante ato, até com ameaças.

“Estes fatos são tão verídicos, que por eles se faz culpa no Sr. José Clemente Pereira, na devassa da infame bernarda de 30 de outubro, e acham-se por ele explicados satisfatoriamente no processo que corre impresso. Colhe-se pois em resultado, do que temos exposto, que no movimento do primeiro ato da nossa independência, não foi o Sr. José Bonifácio patriarca dela, e apenas lhe cabe a glória de um secundário cooperador, visto ter redigido a famosa carta de 24 de dezembro de 1821, que acendeu perigoso incêndio no seio das Cortes de Lisboa, e teria produzido grandes males à causa da independência, se a tropa dali enviada tivesse aqui chegado mais cedo.

“Pelo ato de 3 de junho de 1822, que convocou a Assembléia Constituinte, fez o Brasil declaração do direito da sua independência, já de fato desde o dia 9 de janeiro, não obedecendo ao governo de Lisboa. Também para este ato em nada concorreu o Sr. José Bonifácio, antes dela desgostou, declarando crua guerra nos seus principais e bem conhecidos agentes.

“Examinemos os fatos.

“Sabido é que o decreto de 16 de fevereiro desse mesmo ano, pela sua antinacional cláusula: ‘Sistema constitucional que... jurei dar-lhe’, e por outros atos arbitrários do Ministério do Sr. José Bonifácio de Andrada, ia fazendo perder o bom conceito com que entrara na administração; e já as províncias começavam a mostrar pouca confiança no governo do Rio de Janeiro.

“Esta circunstância muito mais temível se mostrava aos verdadeiros patriotas, quando conheciam que era empenho da metrópole dividir as províncias para dominá-las, e assim fracas embaraçar a sua independência; resultado infalível de tantos atos anteriores, mas perigosa, se a união de todo o Brasil lhe não desse uma base seguríssima.

“Em maio desse mesmo ano o Presidente do Senado da Câmara José Clemente Pereira, comunicou aos Srs. Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, o receio que tinha de que a revolução do Brasil, já começada, tomasse má direção, à vista dos sintomas de divergência que manifestavam as províncias, devidos em grande parte às razões há pouco apontadas; e encontrando na igualdade de sentimento desses amigos, já distintos por seus serviços à causa do Brasil, como provam com evidência os seus escritos no periódico Revérbero Constitucional Fluminense, empreendido e sustentado para preparar a opinião dos brasileiros à independência da Pátria, foi ajustado que se encarregassem de redigir um manifesto em nome do povo fluminense, que tivesse por fim pedir ao príncipe regente a convocação de uma assembléia geral no Brasil, como único meio de chamar todas as províncias a um centro; de remover suspeitas que de dia em dia mais avultavam; e de satisfazer os desejos e as necessidades de todos os brasileiros, que nada mais esperavam das Cortes de Lisboa, exceto a recolonização. Proposição tão patriótica, tarefa tão humana que tinha por fim apressar a declaração da independência do Brasil, dar-lhe uma Constituição e manter a sua integridade e união, não podia deixar de ser aplaudida.

“Houve logo uma conferência, em que se assentaram as bases do projetado manifesto, e foram a ela convocados os Srs. Padre João Antônio de Lessa, Brigadeiro Luís Pereira da Nóbrega e João Soares Lisboa, redator do Correio do Rio de Janeiro, cujos sentimentos patrióticos, eram assaz conhecidos, e geralmente respeitados.

“Quisemos fazer esta minuciosa exposição histórica das circunstâncias que precederam ao Ato de 23 de maio, e nomear os seus principais agentes, não só para que se conheça que ele não foi devido ao Sr. José Bonifácio de Andrada, mas também pela notável coincidência de serem todos estes patriotas muito perseguidos pelo Sr. José Bonifácio, como todos sabem; e ainda teremos ocasião de mostrar que a origem de tão crua perseguição derivou deste fato honroso sobremaneira a seus autores.

“Redigida com prontidão as bases do manifesto pelos Srs. Ledo e Cunha Barbosa, assentou-se que se devia comunicar esta deliberação ao Governo, e feita a comunicação, respondeu o Sr. José Bonifácio: ‘Façam o que quiserem, na inteligência de que nem convém apressar nem impedir a convocação da Assembléa Geral.’

“Cada um pode interpretar esta resposta a seu modo: mas fica-nos a liberdade de dizer que ela inculcava manifesta desaprovação; mais alguns fatos vêm em abono dos nossos sentimentos.

“Celebrando-se no dia 22 de maio o aniversário dos mártires da Bahia, com pomposo funeral na igreja de S. Francisco de Paula, e movendo-se a conversação sobre a representação do povo que teria lugar no dia seguinte, disse o Sr. José Bonifácio, tratando-se dos seus agentes, em uma tribuna ao lado da epístola da capela-mor daquela igreja: ‘Vinde dar um pontapé nestes revolucionários e atirar com eles no Inferno.’

“Deste dito, temos testemunhas presenciais no Rio de Janeiro, pessoas de inteiro crédito.

“Por essa mesma ocasião disse o Sr. José Bonifácio ao ministro encarregado dos negócios da... na sua sala de visitas, e em voz alta, que foi ouvida pelos que se achavam na sala de espera: ‘Vinde enforcar estes constitucionais na praça da Constituição.’

“Pelo correio de Minas, no dia 1º de junho chegaram representações dos povos da Serra do Frio, em sentido igual às do Rio de Janeiro: cumpre saber-se que nenhuma inteligência precedera a este respeito, e ainda assim o Sr. José Bonifácio relutava. Mas o príncipe regente, instado pelos procuradores de províncias, Obes e Ledo, fez a instalação do conselho de procuradores-gerais das províncias no dia 2 de junho, e conveio logo na convocação da Assembléia Geral Constituinte.

“Prova-se a verdade destes fatos, não só pela ciência particular que deles temos, como também pela representação que os referidos procuradores e José Mariano de Azeredo Coutinho fizeram ao Príncipe Regente, que corre impressa no fim da qual se lê as seguintes expressões: ‘Digne-se V. A. R. ouvir o nosso requerimento; pequenas considerações só devem estorvar pequenas almas.’

“Comparem-se estas palavras com a desaprovação manifesta acima pelo Sr. José Bonifácio, e concluir-se-á: que elas aludem às dúvidas que este Andrada punha ao ato principal da nossa independência, da qual depois se chamou Patriarca!

“Apareceu por fim o decreto de 3 de junho, e nem ao menos foi redigido pelo Sr. José Bonifácio, pois sabemos que saiu todo da pena do Sr. Ledo; tal era o seu desejo de fazer a independência da Pátria!

“Vamos ao ato de 7 de setembro, que bem pouco acrescentou ao de 3 de junho, resultado da representação do povo fluminense contra o qual tanto se agastara o Sr. José Bonifácio, como fica dito.

“Ainda neste ato não apareceu a intervenção do Sr. José Bonifácio de Andrada; o Príncipe Regente soltou esse brado de independência em bem longa distância do seu ministro, na ocasião de receber a notícia da guerra que lhe declaravam as Cortes de Lisboa. O padrão dessa grande obra estava já firmado no ato da convocação da Assembléia Geral Constituinte; tirar-lhe a cortina transparente que a cobria não é fazê-lo; e o que é constituir-se senão declarar-se independente?

“Fica pois ao Sr. José Bonifácio, a parte que só lhe toca, por ter sido Ministro do Império desse tempo, e ter expedido diversas ordens a favor da independência; mas daí se não deduz, que ele a fizesse para ser chamado seu Patriarca.

“Os que nos argumentam com sua referenda aos atos do Governo de então, para provarem um título que lhe não pertence, como temos circunstanciadamente mostrado, provam também, que Francisco Gomes (Chalaça) é o patriarca do sistema constitucional lusitano, só porque referendara a carta das liberdades portuguesas, que daqui fora mandada. O Sr. José Bonifácio obedeceu às circunstâncias, porque não lhe era possível resistir.

“A opinião pública desde 9 de janeiro e talvez antes, até meados de setembro de 1822, não foi por ele dirigida, e sim por aqueles que ele perseguiu em 30 de outubro; e que por isso mesmo que os perseguiu, segue-se que não marchava de acordo com eles, ou mais claro que não aprovava a independência, que eles tão eficazmente promoveram e conseguiram, apesar dos foros de quem hoje se arroga o título de seu patriarca.

“Mas o Brasil marchou bem nessa época, e só depois das perseguições do Ministério Andrada é que uma desconfiança se introduziu nos povos e que a renitência aos atos arbitrários do Príncipe, foi tomando corpo, ate regenerar-se a nossa independência em 7 de abril de 1831.

“Quererá também o Sr. José Bonifácio ser autor deste novo ato?

“Talvez; mas a embaixada de seu irmão ao Duque de Bragança e os fatos da sua tutoria, descobertos em 15 de dezembro (deste ano) bem provam quanto os Andradas prezam a gloriosa independência da sua pátria.”

Ainda o mesmo Correio Oficial, pág. 608:

“Temos dito que os Andradas não têm vereda certa em suas opiniões, e que só uma desenfreada ambição os move, segundo as circunstâncias e se apresentam tendo por divisa a volubilidade.

“Vimos em 1817 Antônio Carlos, em Pernambuco, à testa de uma revolução republicana; vimo-lo na Câmara Constituinte, o aristocrata, descendente de uma série de caciques, explicando as regalias da Grã-Cruz do Cruzeiro. Vimo-lo novo rebocador enquanto que seus irmãos estavam no Ministério, e soberano representante, logo que caíram. Vimos sua exposição, quando aqui chegou de Bordeaux e os seus escritos no Corijó, Trombeta, etc. Vimo-lo enfim ‘ir buscar o homem, que pelo longo hábito de ser obedecido, podia chamar os povos de novo à obediência’.

“Agora vamos apresentá-lo quase republicano e temos justas razões para acreditarmos que toda a jornalada até aqui Caramuru, Restauradora ou Recolonizadora vai passar a pregar doutrinas republicanas.”

O Jornal do Comércio publica a carta seguinte extraída do Globo de 19 de outubro do ano de 1833.

“Senhor. – Tendo visto relatado na vossa folha de 4 de outubro, que eu tinha aconselhado a D. Pedro, que voltasse ao Brasil, e reassumisse a Coroa que ele havia abdicado, julgo de meu dever contradizer essa asserção. Negócios particulares me conduziram à Inglaterra, com intenção de ir á Itália; porém tendo sabido na ocasião do meu desembarque em Falmouth que D. Pedro havia entrado em Lisboa, comecei a ter mui sérias apreensões, de que um membro de minha família que existia naquela cidade, e que tinha aderido à causa de D. Miguel, pudesse estar implicado e por esta razão me dirigi a Lisboa, para ver se lhe podia ser útil.

“Não há dúvida que fui ter com D. Pedro, o qual me recebeu bem, pelo motivo de nossas antigas relações, e pelos importantes serviços, que minha família lhe prestara; e que um de meus irmãos, que é o tutor de seus filhos no Brasil, ainda lhe está prestando; mas eu nunca propus a D. Pedro, que abandonasse Portugal, e voltasse ao Brasil, e não tinha autoridade para fazer uma semelhante proposição; conseqüentemente ele não me podia ter dado a resposta, que a vossa folha diz, que dera à proposição alegada.

“Se o trono de D. Pedro II será ou não consolidado, ou se a forma monárquica continuará, não depende da vontade de D. Pedro, mas tão-somente da Nação brasileira, que tendo o poder soberano, pode decidir só pela conservação, ou terminação, da monarquia, como julgar mais próprio.

“Sou, etc. – Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Antônio Carlos, partindo do Rio de Janeiro, promoveu na Bahia a publicação do Jornal do Comércio, para pregar doutrinas retrógradas, e a algumas pessoas, comunicou ali, o objeto de sua viagem a Lisboa.

Passando por Pernambuco, emitiu sua opinião, e quis estabelecer um jornal no mesmo sentido, que não progrediu, porque os pernambucanos não o quiseram; sabia-se em todo o Império, que o seu destino era para o Porto, onde esperava encontrar D. Pedro; chega a Falmouth, e faz publicar no Albion, que o Brasil estava em fermentação; que a regência tinha perdido a confiança, e que a presença de D. Pedro era indispensável, para sua salvação, e que ele ia apresentar a súplica de muitos cidadãos de diversas províncias, para que viesse “chamar os povos acostumados a obedecê-lo, a seu domínio”. Vai e põe em prática tudo quanto disse; achando porém D. Pedro embaraçado com os negócios portugueses, começou sua presença em Lisboa a causar inquietação nos portugueses, que olhavam para o duque, como um ente necessário àquele país, e é (por satisfação a estes) insinuado a deixar Lisboa; de volta à Inglaterra, não tendo desculpa a dar ao público, vem apresentar-se, como defensor de um parente envolvido: ora não conhecemos no Brasil, parente deste senhor, que tivesse estado em circunstâncias tão apertadas, como poderia estar o tal suposto parente envolvido em Portugal, e que lhe mereceu tanto cuidado.

Quem ler com atenção o fim desta carta verá que Antônio Carlos está caindo em uma outra contradição: ele negou já à Nação o direito de expulsar D. Pedro I do trono, e agora (desenganado da possibilidade de o trazer consigo) concedeu o direito de expulsar o filho.

Outra parece ser a bandeira que começa a desenrolar. Terá ele tantos prosélitos para o seguirem sob esta, como teve sob a da restauração?

Parece que não.

Muita gente habita o Brasil, cujos corações palpitam de júbilo, quando se recordam da suntuosidade, com que desembarcava aqui um vice-rei, vindo de Portugal, que a seu bel-prazer degradava para Gaconda, ou para Goa, a quem lhe parecia; esta gente arrancha para a restauração, e com ela vêem vir a recolonização, e aquelas doces recordações; mas esta mesma gente, na alternativa deste quadro, ou do da república, decide-se pelo trono constitucional. O resto dos brasileiros, conhecedores de que entre este sistema e o republicano não existe diferença senão de ser temporário, ou vitalício, o seu chefe supremo estar assaz satisfeito de o ter vitalício e hereditário, e não pretende meter o negócio em questão.

A Nação, jurando a Constituição, jurou a dinastia do então Imperador, como devendo reinar perpetuamente: neste ato, exerceu a sua soberania; exercendo-a ainda comprometeu-se a sustentar aquele princípio: logo não é negócio que espera decisão; mas a Antônio Carlos convém soltar esse destacado e deslocado princípio, visto ter-se malogrado o outro de trazer consigo “aquele que pelo seu longo hábito de ser obedecido, etc.”

Observemos atentos e veremos como prega às tardes no novo sentido; ainda que a suspensão do tutor, deve desenganar este Lafaiete itinerante, de que a vontade de um Andrada, não se pode arrostar com o destino, e que a sua compreensão é menor do que o recinto da Quinta da Boavista. E não maior do que a ilha de Paquetá, ou os Outeirinhos, da cidade de Santos.

O Ministro do Império, Antônio Pinto Chichorro da Gama, no relatório que apresentou à Assembléia Geral Legislativa, na sessão ordinária de 1834, dando conta da administração a seu cargo, tratando da família imperial, expõe:

“Motivos de maior transcendência, senhores, levaram o Governo a suspender o tutor de S. M. Imperial e de suas augustas irmãs; nomeando para substituí-lo interinamente o Marquês de Itanhaém, que tinha já servido o mesmo cargo, e bastante notável se fez, por sua representação, conduta, e patriotismo, o que tudo ficou dependente da aprovação da assembléia geral, segundo os decretos de 14 de dezembro do ano passado, que em nos 1 e 2, se submetem à vossa consideração.

“Chamado para aquele cargo honorífico, pelos sufrágios da assembléia geral, o Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, várias mudanças, talvez já com fins premeditados, não tardaram a operar-se na casa imperial; e logo uma facção se organizou na casa imperial, para demolir a obra de 7 de abril de 1831.

“Ambiciosos e descontentes, arrastando gente crédula e ignorante, arvoravam o estandarte da restauração, e no dia 17 do mesmo mês, no ano seguinte, não duvidaram apresentar-se em campo. Circunstâncias então ocorreram, e se deram as mãos, para tornar manifesta a conivência do tutor em tão horrível atentado.

“Bem sabido é, senhores, que foi nos próprios paços que se exercitaram os soldados da ação; e que foram criados da casa imperial os que pegaram em armas. Ninguém ignora que com frívolos pretextos aquele conselheiro recusou entregar ao governador as peças, que se achavam na Quinta da Boavista; e que pouco depois elas apareceram no combate, que em Mata-Porcos(102) havia custado muito sangue brasileiro, e não as providências emanadas da vigilância do mesmo governo, a intrepidez dos bons cidadãos, e a covardia dos inimigos.

“Ninguém desconhece a escandalosa proteção, que aquele empregado deu a quantos tiveram parte na revolta; e não menos suas relações de intimidade com vagabundos, chefes da força, que então se apresentou.

“Assim ao abrigo, e sob as vistas dele, brotou uma conspiração contra o seu augusto pupillo!!! Assim viu a terra de Santa Cruz tudo quanto pôde haver de mais horrível em deslealdade; é um caso, se não único, pelo menos raro, na história das nações civilizadas. A indignação pública estigmatizou os autores do crime tão nefando; e desde aquele dia o Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, perdeu a confiança dos brasileiros.

“Depois de um tal acontecimento, não podia, senhores, deixar de vos ocupardes com a questão de sua remoção; em uma das câmaras, por avultada maioria, se decidiu que ele fosse demitido; na outra, porém, a diferença de um só voto o sustentou; seguindo-se dali um choque de interesses, cujos resultados não podiam deixar de ser funestos. O partido conspirador avançou; sua altivez e insolência cresceu de dia em dia, e sem o mais diáfano rebuço se promoveu a restauração do Duque de Bragança. Para chegar a esse fim os jornais e escritos, que não conheciam limites em suas vociferações e ultrajes, garantidos pela insuficiência e debilidade da legislação repressiva dos abusos na expressão dos pensamentos, viram a luz, e se derramaram; manejou-se a intriga, espalhou-se que o governo pretendia roubar o monarca; pânicos, medos se imprimiram em seu espírito; discursos e frases assustadoras se repetiram diante de sua cândida menoridade; e até se lhe fez acreditar, que eram seus inimigos os cidadãos, que mais cordialmente o amam; resultando talvez do exposto a enfermidade que sofrera, e que feriu de susto os corações dos brasileiros.

“Ainda não é tudo, senhores, um irmão do tutor, o que com ele sempre manteve a mais íntima amizade, partiu para a Europa; os jornais de Inglaterra e de França acordemente anunciaram a qualidade da missão de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada; e desde então ninguém pôde licitamente duvidar de que uma conspiração fora urdida contra o trono do Sr. D. Pedro II e contra os direitos do Brasil.

“Incumbido de velar sobre estes tão sagrados objetos, e acerca da pública tranqüilidade, o Governo empregava todos os seus cuidados, para impedir que os conjurados pudessem levar avante seus nefandos desígnios. E vigiando cautelosamente seus passos, descobriu um novo 17 de abril, e com mais amplitude ainda ia aparecer tinto de sangue; que outra vez em São Cristóvão se ocultavam bandidos e forasteiros; que o palácio do monarca era um dos lugares em que se faziam os mais criminosos conventículos; que se tinha procurado corromper a fidelidade de alguns corpos da tropa, e de parte dos guardas nacionais; que se havia já distribuído cartuchame embalado, e que tudo finalmente se achava disposto para romper a conspiração.

“O Governo faltaria à fidelidade devida ao jovem Imperador e à Nação brasileira; trairia os ditames de sua consciência; e chamaria sobre si a mais terrível responsabilidade, se em termos tais não lançasse mão de medidas enérgicas, que fazendo abortar o plano, poupassem também o sangue e as vidas desses mesmos infelizes, que iludidos nele entraram.

“Como primeira e cardeal, encarou a suspensão do tutor, e não hesitou em adotá-la. Dúvidas opostas por ele, talvez na esperança de se desenvolver o partido antinacional foram de pronto removidas; e pelas 5 horas da tarde do dia 15 do mês e ano que ficam indicados, S. M. Imperial e suas augustas irmãs, que se achavam no paço de São Cristóvão entraram no da cidade entre inumeráveis aclamações e bem expressivas demonstrações de amor e respeito.

“Tais são, senhores, com verdade e concisão, os motivos que ditaram a suspensão de que trato e que o Governo julgou salvadora do trono do Senhor D. Pedro II; das livres instituições que gozamos; da honra e da tranqüilidade do império.”

 

UM BONITO EPISÓDIO

 

Dias depois da prisão de José Bonifácio, estando no quarto da Princesa D. Januária, o Ministro da Justiça Aureliano, com a mulher e várias outras pessoas, entra o filho de I. P. de C. a dar os parabéns à princesa por este fausto acontecimento, e ela olhando admirada depois que ele saiu contou ao Ministro que esse moço era caramuru e que na ocasião do conflito no paço, ele indo a fugir, e achando o portão de ferro do pátio fechado e indo a subi-lo para saltar do outro lado o preto borracho, conhecido por Tico-Tico, deu-lhe um pega-ladrão, mas sendo avisado o deixou fugir.

Quando a princesa fazia esta exposição, sua dama, a Ex.ma D. Joaquina de Verna Bilsten, tocando-lhe no pé, de repente leva a princesa as duas mãos à cabeça, e quase chorando, disse, olhando para o Ministro da Justiça: “Januária, o que fizeste? Serei eu a causa da perdição desse homem, que talvez tenha família!” Ao que acudiu imediatamente o Ministro: “Minha senhora, o Ministro da Justiça não está aqui e não ouviu nada, quem ouviu foi o Aureliano, e o Aureliano nada lhe há de contar. V. A. se tranqüilize porque o Aureliano lhe guardará o segredo.”

 

O PATRIOTISMO DOS ANDRADAS APREGOADO PELOS JORNAIS CONTEMPORÂNEOS

 

O Sete de Abril, nº 10, de 1º de janeiro (terça-feira) de 1833, pág. 2, 2ª coluna, diz:

“A câmara vitalícia em despeito da boa educação do jovem monarca e de todos da Nação, conserva por embirração de sua maioria, um tutor inepto, desenvolto, em quem apenas alguns entusiastas e um punhado de brasileiros desprezíveis tem encontrado decidido apoio, porque é incapaz de amar a virtude quem a não conhece. Um ministro do ex-Imperador, que os brasileiros detestam, acusado pela câmara temporária, foi ali julgado sem criminalidade!”

Sete de Abril nº 3:

“Digamos agora, que o Sr. José Clemente chegou a conhecer-se abandonando a vida pública, em cuja carreira tantas vezes se tem esbarrado, e mesmo tombado antes pela versatilidade do seu caráter do que pela falta de algum talento. Enfim não tardaremos em o ver defendendo as virtudes do imortal tutor, da mesma sorte que outro seu companheiro na desgraça e perseguição, urdida por este, a tem feito, elevando-se ao grão-mestrado da Maçonaria brasileira, em prêmio da perfídia e horrorosas traições e perseguições, com que em 1822 tratou seus irmãos à sombra do príncipe, que não era mais do que pupilo, e cego instrumento da vingança que respira cada um Andrada, contra os que têm mais merecimentos do que eles.”

Sete de Abril nº 5:

“Se o Senado tem direito de valer-se da sua inviolabilidade para atacar nossos direitos e reprovar nossas exigências legais, sem respeitar mesmo esse código que jurou, cuja integridade diz que tanto preza e de que se serve a Aurora, por considerar-nos ofensor da lei, nós também temos o direito que nos inspira a coragem e a indignação para atacarmos esses covardes, que nem sempre zombarão de nossas calamidades; e nem sempre terão votos para sustentar na tutoria o colera morbus do povo, em quem o Brasil reconheceu o primeiro motor de seus males desde 1822.”

O Sete de Abril nº 6, de sábado, 19 de janeiro de 1833, dando conta do falecimento da princesa D. Paula, escreve: “Brasil. – Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1833. – A morte acaba de roubar ao Brasil, S. A. I. a Sr.a D. Paula, na idade de 9 anos 11 meses menos um dia, deixando a todos os brasileiros penetrados da mais veemente dor e saudades.

“Não podemos dar aos nossos leitores um detalhe circunstanciado da sua moléstia e tratamento, porque o digníssimo tutor, nas crises mais perigosas da enfermidade da augusta princesa, nos consta que se entretinha com as sessões do soberano consistório. Verdade é que nem um boletim oficial apareceu, o que assaz demonstra que não são os augustos tutelados o que mais ocupa a cabeça do Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva, todo entregue aos planos da Restauração.”

O Sete de Abril nº 11, de 5 de fevereiro de 1833:

“Clamamos sim, e com justiça, contra os retrógrados, que opõem força bruta contra os direitos que as nações têm de constituir-se e de castigar como a nossa fez, o seu chefe déspota que em todo o seu reinado atropelou os juramentos mais solenes o que espontaneamente prestou à face do universo, de ser – constitucional e brasileiro – e se alguma vez erguemos a voz pelo que respeita o passado é para acusarmos José Bonifácio de Andrada e Silva, que, sem o terror que incutiu, se menos avaro fosse do mando e do poder; e se não curasse mais do interesse próprio e de sua família do que do público, teria desde essa época firmado a felicidade deste nascente império, que não lhe é devedor senão de males.

“Mas nós ventilamos questões oportunas, que para autorizá-las, nos servimos de exemplos, que vêm a pêlo; e é por essa razão, que exprobamos a administração de frouxa, para os que nos têm provocado com insultos e com as armas nas mãos, e isto ainda quando bem senão tinha descansado as armas com que os defendemos dos assaltos dos anarquistas; e ainda quando estavam mal incertos os jornais livres, em que se despertavam sentimentos de compaixão, e de puro afeto para não só com os pais e esposas de nossos patrícios mas com os que se mostravam admirados da nossa generosidade e corridas de vergonha de nos haverem tratado com desconfiança e desprezo no tempo de suas influências.

O Sete de Abril, de 28 de fevereiro, nº 18:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

“...Conquanto esteja eminentemente ameaçada a nossa liberdade e independência, ainda muitos brasileiros não se espantam da liga repentina dos Corijos e Caramurus, que pelos seus jornais animam a esperança de uns, e inspiram terror a outros com a próxima volta de Pedro Bourbon ao Brasil, como o único recurso que resta à nossa salvação, e isto quando se diz que José Bonifácio faz para este efeito comprar armamento; o que não é difícil acreditar-se, à vista do 7 de Abril, e quando se sabe que algumas dezenas de contos de réis se ocultaram na caixa da sociedade conservadora e de que já têm sido distribuídas algumas somas pelos novos interessados pelo bem do Brasil, que devem votar no sentido dos restauradores, etc.

O Sete de Abril nº 26, de 26 de março de 1833:

“Andradas não deixam de sair deputados para Rio.

Andradas não bebem.

Andradas não cabalam.

Andradas não fogem.

Andradas não se encanalham.

Andradas não giram.

Andradas não mentem.

Andradas não morrem senão de cem anos.

Andradas não pedem.

Andradas não temem.

Andradas não se vingam...

Andradas não urram.

Andradas não zurram.

Andradas não mamam.

Lá vai verso:

 

MOTE
Na teta do desengano
Muita gente está mamando,
Mamam gigantes Andradas
Caramurus vão chuchando.
GLOSA
A mesa dos enjeitados
Agora ficou mamada,
Pobre gente malfadada,
Todos oito rejeitados;

Quem serão os deputados?
Nem o Chico Mexicano,
Nem Martim, nem o seu mano,
Nem Gustavo, nem Japi,
Deixam de chupar aqui
“Na teta do desengano.”

Ah! Vergonha dos gigantes!
Oh! Malditos moderados!...
Andradas assim deixados,
Quais pirrônicos pedantes,
Ou cansados Rocinantes?
Pobre Rio miserando,
Eu já te vou augurando
Bernardas, Rusgas, Patadas,
Porque junto com Andradas
“Muita gente está mamando.”

Quais rafados tubarões
Caíram todos na peta,
Agora mamam na teta
Dos Matracas, dos Girões.
Por isso tais papelões
Merecem mil pateadas,
Uma grosa de lambadas,
Um xarope de babosa;
Pois com gente bem tinhosa,
“Mamam gigantes Andradas.”

Pedroso mamou na teta,
O Getúlio na babosa;
Mas é coisa pouco airosa,
Pois Meneses tem gorjeta
Lá no fundo da gaveta;
Gama o dedo vai chupando
Vai Almeida resignando,
Meneses perdeu o tino,
Castro Alves tocou sino,
Caramurus vão chuchando.”

 

O Sete de Abril desde o nº 27 até o nº 101 fustiga em verso e prosa os restauradores e os denuncia, mencionando-lhes os nomes; e no nº 102, de 14 de dezembro de 1833, transcreve uma proclamação anônima do dia 5, denunciando uma reunião do conselho da “Sociedade Militar” e o requerimento do povo reunido no largo de S. Francisco de Paula, pedindo a demissão do tutor José Bonifácio de Andrada e Silva, que é do teor seguinte:

“Senhor. – A Vossa Majestade Imperial não são ocultas as maquinações feitas pelo tutor José Bonifácio de Andrada e Silva, contra a liberdade e independência da nossa comum pátria, como contra o trono de V. M. I.

“O Brasil todo sabe, que pela abdicação do ex-Imperador, tentaram os bem conhecidos Andradas ocupar o Poder Supremo do Império, e para esse fim praticaram quanto a ambição podia aconselhar-lhes; mas o Brasil de 1831, não podia suportar o jugo de ferro sob que gemeu em 1822 e 1823; o Brasil os repeliu.

“O amor-próprio, e o orgulho destes maus brasileiros pisados, lhes inspiraram a princípio desejos de vingança, ligaram-se com os descontentes de 1831 e princípio de 1832, afiançaram-lhes quanto o seu ardente patriotismo lhes figurava útil ao Brasil, e afinal o governo de V. M. Imperial lhes alucinam e seduziram com promessas lisonjeiras, mas irrealizáveis.

“Desenganados de ganharem com este partido, o que eles pretendiam, procuraram conciliar-se, e efetivamente conciliaram-se com os restauradores, e com eles estão urdindo os danados projetos de demolir o trono de Abril, e de chamar um príncipe estrangeiro, para vir satisfazer suas corrosivas paixões.

“Ninguém ignora os acontecimentos de 17 de abril de 1832; ninguém ignora que o tutor foi o principal agente dessa conspiração; que o paço Imperial da Boavista foi o ponto de reunião dos conspiradores, que o maior número destes são criados de V. Majestade, e que o tutor, a despeito de tão grande atentado, não só continuou a conservá-los, no seu imperial serviço, mas concedeu pensão às viúvas dos que acabaram no combate. Que segurança tem pois o trono e a preciosa vida de V. M. Imperial enquanto estiver confiada aos cuidados desse velho maligno!

“Não menos conhecidas são as maquinações do tutor, depois daquele infausto dia; é público que ele assaltava e remunerava assassinos à custa dos bens e dinheiros imperiais; que ele promove a publicação de papéis infamantes, que desonram a nossa civilização; por si e por seus asseclas prega a necessidade de ser V. M. Imperial derrubado do trono, para ser nele substituído pelo ex-Imperador; ainda mais, tem procurado forças nas fezes da população estrangeira, que há anos Portugal despeja no Brasil; um dos irmãos do tutor, o fátuo e antibrasileiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, lá está na Europa concertando pública e escandalosamente a restauração. E à vista destes e outros muitos fatos que pela sua notoriedade se deixam de referir, podem os brasileiros tranqüilizar-se, podem contar com a preciosa vida de V. M. Imperial, enquanto for seu tutor esse velho devasso e traidor, e, o que mais é – restaurador!

“Poderão os brasileiros ver com indiferença o crescimento do Partido Restaurador, à volta de Antônio Carlos, acompanhado de mais alguns inimigos nossos? Deverão esperar que rompa a guerra civil, que corra o sangue brasileiro, que o trono de V. M. Imperial seja abalado para então representar contra o tutor, que nos está traindo a todos? Por certo que não. Este é o motivo por que os cidadãos brasileiros abaixo assinados vêm pedir a V. M. Imperial que, sem a menor demora, suspenda o mencionado tutor, primeiro agente e apoio do Partido da Restauração, que dispõe de infinitos recursos, isto é, da dotação, bens e domésticos de V. M. Imperial e o remova para fora do Império, como altamente reclama a causa pública.

“Um dos grandes recursos em que se firma o tutor é a “Sociedade Militar”, que não tem e nem mostra ter outro fim do que a restauração do ex-Imperador; uma prova bem convincente é a apresentação de um quadro com o retrato deste príncipe, no dia 2 do corrente; levando a insolência a iluminá-lo e a expô-lo ao público. Seus principais membros são bem conhecidos, por mortais inimigos do Brasil, e alguns pronunciados como restauradores. Uma sociedade tal não pode existir legalmente, tanto porque a Constituição não permite deliberações de força armada, devendo esta ser essencialmente obediente, como porque os seus membros, na qualidade de militares, se apresentam armados, quando nenhuma sociedade há, estabelecida no Império, que use de armas. E sendo grande o número de membros desta sociedade, não poderão em uma reunião geral incutir sérios e graves receios ao Governo e à tranqüilidade pública? E convirá consentir tão numerosa reunião armada, em tempo em que os mais fortes motivos há para suspeitar-se que os inimigos querem apresentar-se em campo, como eles mesmos asseveram em seus periódicos? Nem a Constituição, nem as leis permitem tais reuniões.

“A dissolução pois desta sociedade e a remoção dos principais de seus membros para lugares onde menos possam prejudicar a causa pública são medidas da maior urgência e que os suplicantes reclamam do Governo de V. M. Imperial, a fim de que possa restabelecer-se a tranqüilidade pública, tão gravemente alterada. – E. R. M.” (Seguem-se as assinaturas.)

Outros artigos não menos importantes, o Sete de Abril nos 104 e 105 transcreve contra José Bonifácio, e a missão malograda de Antônio Carlos a Lisboa, em busca do ex-Imperador para tornar ao Brasil e vir tomar conta da administração suprema do Estado, para satisfazer-lhes a ambição e lisonjear-lhes o orgulho, como se D. Pedro, em vista do conhecimento íntimo que tinha deles, o não despedisse a tempo com o desengano.

Astréia nº 824, de quinta-feira, 26 abril de 1832

 

COMBATE DOS CARAMURUS

 

“Havíamos prometido um circunstanciado relatório do quanto se passara no dia 17, no acontecimento caramuruano; cumpri-lo-emos agora, aproximando-nos à exação quanto for possível.

“Teve o Governo no dia 16, ao meio-dia, uma participação concebida nestes termos : ‘Hoje arrebenta no paço a mina, e daí tomará a direção.’

“Foi esta participação repetida às 3 e 5 horas da tarde. O Governo, vigilante, acautelou sem estrondo, dando as convenientes providências, já reforçando com suficiente guarnição os importantes pontos dos arsenais do Exército, Marinha e Casa de Armas da Conceição, e já dispondo de vedetas de cavalaria em diferentes pontos, às ordens do incansável e digno coronel e ilustríssimo Sr. José Manuel Carlos de Gusmão, para que, estando em aviso, comunicassem logo qualquer movimento que percebessem.

“Às 8 horas da noite, teve o Governo parte de que dois negociantes desta praça (que se acham presos) haviam ido ao Arsenal de Marinha subornarem aquela guarda para que se não opusesse aos cidadãos armados, que para ali se haviam de encaminhar, portanto eram patrícios, amigos e propugnavam por uma boa causa, sendo esta parte depois acompanhada de outras notícias.

“O Governo, reunido no paço da cidade, passou-se depois para o Arsenal de Marinha, onde se conservou até o fim de tudo; a este tempo em ambos os arsenais se tinham dado todas as providências e achavam-se na melhor ordem possível. Pouco depois participaram as vedetas de cavalaria, que no adro da Glória estavam fardados e armados, Antônio de Saldanha da Gama e outro oficial, e um outro da extinta Guarda de Honra; deu-se ordem para serem presos, e chegando o oficial encarregado e dada a ordem de prisão, a Saldanha, este vergonhosamente se evadiu, mostrando neste procedimento o de um vil escravo do absolutismo; o outro já o havia feito, e igualmente o da Guarda de Honra, aproveitando-se de um bom cavalo em que ia montado. Por este tempo foi a bordo da fragata Imperatriz o Capitão-Tenente Machado, acompanhado do Capitão Tota, pedir em nome do Sr. Taylor, ajudante-de-ordens do Ex.mo Sr. Ministro da Marinha, 70 marujos armados, e recebendo somente 50, por serem os disponíveis, que o comandante os fez acompanhar por 2 oficiais, e se dirigiu para a Glória, onde tentou desembarcar, sendo-lhe frustrado este intento pelos guardas nacionais, do batalhão de S. José, que já ali se havia postado para impedir qualquer desembarque.

“O oficial que acompanhava a maruja, vendo o vivo fogo que a terra se lhe fazia, faz-se na volta do mar, perguntando ao capitão-tenente o que aquilo era; ao que lhe respondeu Machado, que o melhor seria recolherem-se para bordo, a fim de deixarem amanhecer; ele, Tota, Conrado e Brício vinham em uma falua, e tentaram evadir-se, safando-se para a Praia Grande.

“O comandante de fragata, a quem se tornou suspeita a direção que tomaram, imediatamente participou ao arsenal este acontecimento, e saindo logo em busca de barcas e escaleres armados, felizmente os encontrou, conduzindo os presos ao Arsenal de Marinha, onde já se achava reunida a regência e Governo, sendo logo conduzidos para a fortaleza da Laje, onde se acham.

“Depois de meia-noite participaram as vedetes, que em São Cristóvão havia reunião, e que esta era dentro do pátio interior da Quinta da Boavista; depois que se marchavam, imediatamente que já vinham pela ponte de Manuel Caetano Pinto e logo após pelo Aterrado. Foi então que o Governo fez tocar a chamada, e em um momento se acharam em armas a Guarda Nacional, os batalhões de linha, o permanente e o Esquadrão de Cavalaria.

“O Ex.mo comandante das armas, como militar apercebido, reunindo no Campo da Honra os batalhões de Artilharia de Posição e o 3º de Caçadores, e amalgamando com este o resto da Guarda Nacional da freguesia de Santana, por haver este batalhão feito a guarnição da cidade, formou em linha de atiradores, e à retaguarda, tanto as 2 peças de artilharia, que haviam vindo do arsenal do Exército, cobertas pela 1ª Companhia do Batalhão de São José, como as 3 vindas do Arsenal de Marinha e igualmente cobertas pela 2ª Companhia do Batalhão da Candelária, e 2 do de Santa Rita, postando à retaguarda a Infantaria, com o fito de impedir que os rebeldes atravessassem o Campo de Santana.

“Avisado o Governo de que os rebeldes se achavam já no Rocio da Cidade Nova, ordenou ao Ex.mo comandante da Guarda Nacional, que com um troço de cavalaria, tirado da Guarda Nacional permanente, e o Esquadrão de Cavalaria perseguisse os rebeldes, mandando que o Batalhão da Freguesia do Sacramento, a marche-marche, fosse pelo Barro Vermelho,(103) a fim de cortar-lhes a retaguarda.

“Os rebeldes haviam mandado espias ao campo, dos quais foram presos o Capitão da 2ª Companhia de Cavalaria da Guarda Nacional do Engenho Velho, fulano Coelho, e um oficial de de milícias; cientes os rebeldes de que no campo havia forças se foram retirando de maneira que quando a cavalaria os avistou já haviam passado a ponte do Aterrado. O Ex.mo Comandante das armas fez marchar em seguida da cavalaria as 2 peças, que haviam vindo do arsenal do Exército, apoiadas pela mesma companhia que com elas viera; mas não foi possível por isso, que eram puxadas à mão, vencer o caminho, com quanta brevidade era preciso, para que a tempo fossem empregadas.

“O Batalhão do Sacramento, apesar da forçada marcha, ou quase carreira, quando chegou a avistá-los, já se haviam feito fortes em frente das casas do Visconde de Mirandela, colocando as 2 peças de artilharia que traziam, cobrindo-as com a infantaria; já então a cavalaria em frente dos rebeldes tinha tentado a carga, que prudentemente não continuou por haver rompido o fogo de mosquetaria e artilharia; a este mesmo tempo ressoavam da parte deles os vivas a D. Pedro II e aos Srs. Andradas, estando à testa desta quadrilha o famigerado Barão de Boulow, Tenente-Coronel Gavião,(104) o Davi, redator do Caramuru, e outros do mesmo toque.

“O brioso batalhão do Sacramento, justamente indignado, respondeu com vivas ao Sr. D. Pedro II, rompendo sobre eles um vivo fogo, avançando sempre, e como felizmente eram dirigidos pelo valente major o Il.mo Sr. Luís Alves de Lima (hoje Duque de Caxias), pôde desenvolver todo o seu denodo, levando de rojo os rebeldes, que bem caro pagaram a sua ousadia. A cavalaria teve também grande parte, e perseguiu fortemente os rebeldes, que, deixando uma peça onde a haviam postado, deixaram a outra junto à ponte da estrada do Imperador. O combate durou mais de um quarto de hora, e de parte a parte foi renhida a resistência; os que não morreram evadiram-se, uns pela chácara do Sr. Joaquim José de Siqueira, que, conservando o seu portão aberto durante o combate, o fez fechar, logo que para dentro se refugiaram alguns rebeldes; outros pelas chácaras fronteiras e estrada do Imperador.

“Era composta esta quadrilha de criados da casa imperial, estrangeiros dos que deram baixa e estavam agregados na Quinta; moradores da vizinhança e também de Benfica; os criados vinham com calças e fardetas verdes, ou outros de azul, e todos trazendo no braço esquerdo a legenda – Viva Pedro I – e um laço de fita encarnada em uma das casas do colete; todos em número de 250, pouco mais ou menos.

“A cavalaria era da Guarda Nacional do Engenho Velho; desapareceu logo que principiou o ataque. Este rancho organizou-se no pátio interior do Palácio da Quinta da Boavista, e daí partiu. O número dos mortos excede a 40, e é de crer que seja muito maior, visto que muitos, talvez feridos, se meteram pelo mangue.

“Eis o fim que teve o exército caramuruano, exército com que tanto nos ameaçava o redator do Caramuru.

“O general da ação, o célebre Barão de Bulow, vestido com grande e rica farda e dragonas (diziam ser do trombeta-mor da extinta Guarda de Honra), foi preso em uma tulha de guardar café, na chácara de José Maxwell, negociante desta praça, em Andaraí, onde o havia escondido o jardineiro da mesma, sendo o encarregado da prisão o ajudante de Magano, da Guarda Municipal permanente, sendo recolhido à cadeia. Foram presos outros oficiais, sendo toda esta desordem sabida e influenciada pelo tutor José Bonifácio.”

 

RELAÇÃO DOS PAISANOS QUE FORAM PRESOS NO CAMPO DA HONRA, NA OCASIÃO DO ATAQUE DO DIA 2 DE ABRIL DE 1832 E QUE SE ACHAM NA CADEIA

 

Francisco Mendes da Costa, branco, idade de 18 anos, natural do Rio de Janeiro, alferes de ordenanças, morador em São Domingos.

Jorge Teodoro Cabral, branco, 27 anos, natural do Rio de Janeiro, guarda da Alfândega, morador no Rocio da Cidade Nova.

João da Mata, pardo, 16 anos, natural do Rio de Janeiro, alfaiate, Rua da Cadeia.

Felisberto Egídio de Araujo Cantalice, branco, 23 anos, natural de Minas, procurador de causas, Rua da Alfândega.

Francisco Antônio Sobral, branco, 23 anos, natural do Rio de Janeiro, escrevente, Rua Larga de São Joaquim.

João Antônio, pardo, 15 anos, natural da Bahia, criado do Desembargador Manoel Caetano, Rua do Resende.

Cândido Cardoso Fontes, pardo, 23 anos, natural de Minas, agente de papéis, Rua da Alfândega.

João Custódio, pardo, 16 anos, natural do Rio de Janeiro, sapateiro, Gamboa.

Desidério Joaquim, pardo, 42 anos, natural do Rio de Janeiro, empregado na Moeda, rua de trás da Lapa.

Manuel dos Passos, pardo, 21 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Luís Joaquim de Sousa, pardo, 40 anos, natural do Rio de Janeiro, pedreiro, Santa Luzia.

Joaquim de Siqueira Gonsaga, pardo, 21 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

José Leite da Silva, 20 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Luís Antônio, pardo, 50 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Gabriel Rodrigues de Morais, pardo, 28 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Fortunato Francisco, pardo, 28 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

José Joaquim Pedrosa, branco, 16 anos, natural do Rio de Janeiro, afazendado, Jurujuba.

José Mariano, branco, 25 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Pedro Leite Pereira, branco, 21 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Florentino José, branco, 19 anos, natural do Rio de Janeiro, pescador, Jurujuba.

Leandro Félix, Francisco Manuel, preto monjolo; Vicente, preto moçambique; João Luís, Manuel da Silva, seguem-se outros.

A Astréia, em seu número 825, de sábado, 28 de abril de 1832, se pronuncia nestes termos:

“O Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva é geralmente indigitado e considerado como pouco amigo do seu imperial pupilo, e a voz pública o dá por entrado nos planos da Sociedade do Catete, e circunstâncias que acompanharam o rompimento do dia 17 do corrente parecem depor contra o velho amigo do Duque de Bragança, e por ele escolhido para tutor dos seus inocentes filhos.

“Acusações tão graves e que tão de perto ferem a honra do indivíduo não devem ser feitas aereamente e nem também desprezadas, quando correm crises tão melindrosas como a presente, e envolve coisas que imediatamente tocam na liberdade nacional. Em semelhante caso cumpre recorrer a fatos, ou pelo menos a indícios, que nos dêem uma livre idéia das coisas, e nos ponham em estado de formar a seu respeito juízo certo, que regule nosso modo de proceder neste caso.

“Examinados, porém, os indícios que existem acerca do Sr. José Bonifácio, eles depõem antes contra do que a favor da sua inocência. Ao menos assim se pôde concluir do que se tem passado entre nós.

“Uma das primeiras coisas que não são favoráveis à justificação do Ex.mo tutor é haver-se realizado tudo quanto a Verdade predissera sobre o mesmo senhor, dias antes do rompimento caramuruano.

“Este espírito profético, com que essa folha nos anunciava os preparativos para a fingida reentronização de D. Pedro, não podia ser-lhe inspirada por uma força de imaginação, nem por antipatia do Ex.mo tutor; precedências houve, senão exato conhecimento das coisas, que animaram o redator daquela folha a explicar-se por maneira tão clara; o certo é que tudo se analisou sem de nada doer-se o acusado.

“Além disto, não sabemos de que modo se possa explicar a obstinação do Ex.mo tutor, em desobedecer às ordens do Governo, quando este lhe determinara, dias antes, a mudança do seu imperial pupilo, para o paço da cidade, onde era reclamado pelo bem público; talvez que ainda se não encontrem aqui suficientes provas para a completa acusação do Ex.mo tutor; porém, as peças de artilharia que foram por ele negadas ao Governo, mandando este que por segurança fossem recolhidas ao arsenal do Exército, com o pretexto de serem propriedade do seu imperial pupilo, e que nem receio davam, por estarem bem guardadas e desmontadas, bem pintadas e no melhor arranjo? Elas apareceram na rusga caramuruana, onde também se achavam os criados do jovem Imperador; sabe-se que no pátio interior do palácio da Boavista; se aprestara o exército dos caramurus, comandado pelo célebre Barão Bulow, também publicamente apontado, como tendo íntimas relações com Ex.mo tutor, que tanto recusava trazer para o interior da cidade o seu imperial pupilo, fazendo-o só depois de reiteradas ordens, que para isso teve. Finalmente o armamento em número de 80 e tantas armas, muitas baionetas, e dois barris de cartuchos embalados, achados na imperial Quinta da Boavista, na busca que anteontem deu o Il.mo Sr. Intendente-Geral da polícia, vem corroborar todos os indícios, que sobre o fato tinham.

“Esta imputação, em verdade, não mereceu desprezo; porquanto, se o peso dos anos e o descrédito em que tem caído o Sr. José Bonifácio nada deixam que recear dos seus esforços, também a história da sua vida pública, e a certeza de que manhas velhas só com a morte se perdem recomendam uma prudente e cautelosa vigilância sobre suas ações. Elas não corroboram, ao menos não destroem estas acusações.

“O ressentimento que se manifestou nos Srs. Andradas, depois da nomeação da regência, e o comportamento do Sr. Antônio Carlos provam de sobejo o rancor que eles têm ao Governo atual; e pessoas, talvez sobejamente escrupulosas, censuraram a falta de caráter que o amigo certo do ex-Imperador em ocasião incerta mostrou, aceitando a tutoria, depois de haver declarado no seu protesto, datado de Paquetá, à face do mundo inteiro, que não aceitaria essa nomeação, uma vez feita pela assembléia geral; à face, pois, do mesmo mundo inteiro, ficou o Sr. José Bonifácio julgado por inconstante e volúvel, e não faltou quem dissesse que o mesmo senhor mudara de tenção com o fito de servir-se do seu pupilo, para conseguir seus fins.

“Finalmente, se tudo quanto se diz a respeito do Ex.mo tutor é verdade, não fica desta vez bem acreditado para com os homens de probidade, que não deixaram de horrorizar-se ao verem postergadas todas as leis da boa moral e patriotismo, e desmentido o conceito que de S. Exª fizera o seu amigo, entregando-lhe seus ternos filhinhos, que deveram encontrar no Sr. José Bonifácio o amor paternal, o zelador dos seus direitos e um ente interessado na sua felicidade.

“Com efeito! Trair a causa da inocência, subtrair-se àqueles deveres, a que se deve prestar todo o coração sensível, e sacrificar tudo ao desejo de vingança e de mando é comportamento que só cabe a almas depravadas, a corações endurecidos pela maldade, sedentos de sangue humano, e respirando estragos e dissoluções, é imitar o exemplo dos romanos, desse Tarqüínio, o antigo, que escolhido por Aneo Mareo, para tutor de seus filhos, usurpou os direitos de seus pupilos e se colocou no trono!

“Qualquer que seja, porém, o sentido do Ex.mo tutor, ele se não justifica com os brasileiros dos crimes que se lhe imputam; isto mostra ou conveniência deles ou o pouco caso que faz da Nação; em qualquer das hipóteses não convém que ele dirija por mais tempo a educação do jovem Imperador.

“Os prestígios de 1822 e 1823 morreram de todo; regem-nos hoje outras leis; elas serão executadas como convém à Nação, que acaba de reconhecer os refalsados traidores, que, não contentes de haverem sustentado nas mãos de D. Pedro o cetro com que nos esmagou por 10 anos, rasgam hoje o seio da Pátria, com novos ensaios de ambição, de vingança e de terrível opressão.”

O Grito da Pátria, contra anarquistas, falando do periódico Caramuru, diz na página 212:

“O Corijo ao serviço de gigantes endeusou Pedro I e encareceu a administração, e, como o antigo Tamoio, dirigiu violentos ataques ao Governo, os mais deles caluniosos, até que fugindo Bulow, por estar criminoso, e o incurial J. I. da Penha, testa-de-ferro do Caramuru, deixou de aparecer.

“Com efeito, agora vê-se que é grande o partido do ex-Imperador, e de gente conspícua, em que se notam espiões de Fernando VII, uma chusma de estrangeiros vadios e criados do paço e de certos Ex.mos que, tendo desfalcado o Banco do Brasil, e achando-se empenhados com todos os lojistas, taberneiros, e talvez com sapateiros, mal irão se não transtornarem esta ordem de coisas.

“Resta saber se D. Pedro de Alcântara Bragança e Bourbon é entrado nessa conspiração, assim como se diz ser entrado o Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva, por desgraça tutor do nosso jovem Imperador. Se atenderem que só depois de terem recebido cartas de D. Pedro é que tem aparecido este espírito de reação, não será difícil de crer-se a sua conivência; e, neste caso, seria acertado que se procedesse a uma devassa contra ele, ou que a assembléia adote o projeto da resolução do Sr. Deputado B. P. de Vasconcelos.

“Se se julgar pelas aparências, pode-se afoitamente dizer que o Sr. José Bonifácio tem conspirado contra o seu augusto pupilo.

“O Sr. José Bonifácio recusou entregar ao Governo as peças com que os caramuruanos atacaram as forças do Imperador. Ele aceitou o Bulow, que nos veio assaltar. Ele desejava não trazer ao Imperador de S. Cristóvão senão à frente dos facciosos para impedir-nos o fogo sobre eles. Seja isto certo ou não, o caso é que esta é a voz geral, e dizem até que, no dia 3 deste mês, os coches imperiais estiveram montados logo ao amanhecer, à espera da notícia de estar tudo decidido a favor dos facciosos.

“O Sr. José Bonifácio ordenou a todos os criados do paço, em serviço da Guarda Nacional, que se recolhessem ao paço se não quisessem perder seus vencimentos por ali. O Sr. José Bonifácio se familiarizara e tinha longas conversações com os criados, dos quais se viram alguns mortos depois da ação do dia 17.

“Asseveram-nos que o Sr. José Bonifácio mandara retirar o reforço que fora mandado para o paço na noite do dia 16, assegurando-nos que ali havia criados armados para defender o Monarca, porém, que o comandante do reforço recusara obedecer ao Sr. José Bonifácio, que não é autoridade legítima para dar ordens; e decerto haveria criados do mesmo acordo dos que deram vivas a D. Pedro I e fizeram fogo às tropas de D. Pedro II.

“Finalmente, diz-se que o Sr. José Bonifácio não consente que se chame o Sr. D. Pedro I ex-Imperador; e diz que ele é que é o legítimo Imperador, porque foi sagrado e coroado, e que o nosso único Monarca nada é, por estar simplesmente aclamado.

“Ora, a ser verdade tudo quanto temos ouvido dizer do Sr. José Bonifácio podemos exclamar – o pobre velho está demente...”

A Aurora Fluminense nº 589, de 5 de fevereiro de 1832, pág. 2500, escreve:

“O Regente fez um achado: traduziram-lhe alguns pedaços de uma folha inglesa onde é detraída a regência e o Ministério do Brasil; ei-lo que se apressa a publicá-los.

“Mas em que bases se funda aquele jornal para estigmatizar os membros do atual Governo? Que são homens do partido da multidão; que querem agradar à plebe; que um deles propôs na Câmara dos Deputados um projeto de lei, cujo objeto era banir para sempre D. Pedro; outro fez uma moção para que os padres pudessem casar; e outro finalmente quis a proscrição dos empregados da administração passada (as leis da reforma e aposentadorias).

“Eis por onde na Europa se faz guerra ao Governo do Brasil, enquanto o partido exaltado aqui o designa como aristocratas vendidos ao interesse da Santa Aliança, coniventes com os homens da administração de D. Pedro, e inimigos do povo miúdo. Um artigo semelhante não pode deixar de ser encomendado de algum antigo cortesão a quem faltaram as esperanças de ser ainda personagem importante, à força de fazer cortesias em palácio, e nós sentimos que aí apareçam com louvor os nomes dos Srs. Andradas e Montezuma, que é, segundo o jornal inglês, o ‘moço laborioso, acessível aos bons conselhos, e que muito aproveitou em sua residência na Europa’.

“As outras argüições que ali se encontram, como por exemplo que os regentes são homens com fraco estabelecimento no país e que o ministro da Justiça é um padre que apenas terá estudado os cânones, não valem a pena de ser refutadas.”

A Aurora Fluminense nº 606 de sexta-feira, 16 de março de 1832, pág. 2577, diz:

“Os nomes dos Srs. Andradas têm sido gravemente comprometidos nesta miserável cabala da Restauração, que há dois meses a esta parte se tem desenvolvido no Rio de Janeiro. Mas o nosso parecer é que esses senhores (sejam aliás quais forem as suas opiniões acerca da revolução de 7 de abril) não irão ombrear com os inimigos do nome brasileiro, para efetuarem uma revolução no seu país. Até acreditamos antes que os restauradores, à falta de outro apoio, procuram os de nomes, que impõem ainda a uma parte da população, e, aliás pertencentes a cidadãos que se mostram e têm mostrado descontentes com a marcha, talvez com a existência do Governo atual.

“É a única explicação que damos, que podemos dar à simpatia que o Corijo, o Caramuru e a Malagueta afetam para com os membros da família Andradas, a quem alguns desses escritores votaram ódio antigo e profundo.”

 

DISSECAÇÃO POLÍTICA ENTRE ANTÔNIO CARLOS E EVARISTO FERREIRA DA VEIGA

 

Antônio Carlos e Evaristo Ferreira da Veiga se desenham em suas opiniões políticas a propósito da precipitação com que aquele recusou a nomeação de ministro em Inglaterra, no mesmo dia da eleição da regência, da qual era candidato. Esta discussão faz a luz sobre a perseguição de 1822 em São Paulo, por uma suposta revolta, e sobre a devassa aberta nesse ano em todo o Império para se conhecer dos que duvidassem da constitucionalidade do Ministério Andradas.

O Sr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (diz a Aurora Fluminense de 6 de julho de 1831), em uma correspondência inserida no Constitucional de sábado passado, dá ao público as razões por que se apressou a recusar a nomeação de enviado extraordinário para a Inglaterra no mesmo dia em que se fez a eleição da regência permanente.

Como o Sr. Antônio Carlos foi um dos três candidatos apresentados pela opinião que não pôde triunfar na Assembléia Geral, alguém supôs que ele o fizera por despeito, vendo frustradas as suas esperanças; mas o mesmo senhor nos afirma que não foi essa a razão da sua conduta, o que deve de todo assegurar-nos. Escusou-se porque a maioria da regência permanente não era de sua crença política, e não se conformava com ele na máxima de encarar a política do tempo.

Quanto à ansiedade com que precipitou esta recusa, dando-a no mesmo dia da eleição da regência, foi isto feito do “seu respeito à Pátria, de um sentimento de delicadeza para com a nova regência, querendo poupar-lhe embaraços, para o que não lhe permitiu neste negócio a delonga ao menos de 24 horas”.

O Sr. Antônio Carlos desfaz ainda toda a idéia que possa haver de que ele dera esse passo por despeito, declarando que já sabia dias antes que a regência estava feita e concertada e assim o anunciara para sua província.

Talvez isto não honre muito a grande maioria da Assembléia Geral, mas o que importa? Restava que este senhor nos expusesse qual é hoje a sua crença política, e por qual modo encara as cousas do tempo; teria isto a dupla vantagem de nos dar a conhecer qual supõe ser o credo da maioria da regência, e tirar-nos de qualquer espécie de incerteza acerca das “opiniões atuais de um varão distinto, que figurou em diferentes épocas sobre a cena política, por um modo sempre brilhante, mas o que uma nímia severidade poderia argüir certas vacilações, devidas sem dúvida às situações diversas em que teve de achar-se colocado”.

A estas reflexões o Sr. Antônio Carlos respondeu a Evaristo, redator da Aurora Fluminense: “Como V. M., na sua folha de 6 do corrente mês, em um artigo que me diz respeito, me dirige certas questões, não duvido satisfazê-lo, embora o seu estilo pouco circunspecto me não merecesse tanta complacência; desculpo à sua mocidade o desejo de brilhar, sem lhe importar o decoro, que cuido devia guardar ao público e a mim. Parece V. M. duvidar do meu respeito à Pátria e do sentimento de delicadeza para com a nova regência; é natural que V. M., contagiado talvez sem o saber pela atmosfera que o rodeia, desconfie da sinceridade humana, creia, porém, que só engana quem tem interesse de enganar; eu não creio que a maioria da regência seja a melhor possível nem mesmo a que muita gente desejava, mas tal qual ela é, não desejo impô-la; assaz de estorvos tem em que embique, sem que eu lhos prepare para culpa minha; na minha idade e estado se deseja o sossego, sobretudo, e este desaparece, quando o Governo encalha no seu curso. Engana-se também pensando que desonra a maioria da Câmara o concerto da regência feito por ela; é da natureza dos governos representativos o serem governos de partidos; é da prudência de um partido concertar de antemão o que lhe convém; é por fim do coração humano desejar que sejamos governados por quem partilha nossas idéias.

“Esta cadeia de razões tem sempre guiado as nações, e não sei como a maioria da Assembléia possa curar daquilo que se não pejaram seus antecessores. A moral pura requer sem dúvida outra marcha; mas qual é a sociedade que observa a moral pura?

“Respondo agora a seu quesito; eis o meu credo político em três proposições:

“1ª A dissolução do meio, que una as províncias do Brasil entre si, é nociva à sua felicidade e mesmo é sinônimo de sua aniquilação.

“2ª Difícil como é a conservação desta união, só uma monarquia constitucional fortemente constituída é capaz de a conseguir.

“3ª A conservação pois da Constituição, que é contudo fracamente organizada, é de necessidade na crise atual, e quem quer que enfraquece e relaxa os laços que unem os seus membros é no meu ver inimigo da prosperidade e melhoramento do Brasil, liberticida de fato e promovedor do poder absoluto depois dos estragos, mortes e ruínas, conseqüências da anarquia, que deve nascer da frouxidão dos males do Governo.

“O credo do partido que nos rege suponho constar das proposições contrárias.

“Resta-me rogar-lhe por fim a caridade de apontar-me as vacilações que dá a entender na minha carreira política; sou homem, a natural fraqueza pode ocultar-me estas vacilações. V. M. também, talvez pela mesma razão, não as tem olhado senão por vidros tintos pela parcialidade, e me tem julgado com candura, seduzido pelos prejuízos do seu partido. Tome, pois, o trabalho de correr com mais frieza as páginas da história da minha vida pública, e fico que me achará sempre defensor extremo dos direitos do homem social, amador constante do melhoramento, felicidade e aperfeiçoamento da espécie humana, aferrado ao que há de essencial, para a ventura do homem em sociedade, fazendo pouco apreço das formas que mudam com o tempo, clima, costumes, estado de civilização e cultura intelectual e moral; enfim, subordinando sempre os meios aos fins, e nunca estes àqueles; deixando a mancebos inexpertos e teoristas, crus, quimeras sonorosas e inexeqüíveis, que, depois de custarem caro à humanidade, desejaram eles mesmos, se forem dotados de sensibilidade, expiar com lágrimas de sangue.

“Tenho satisfeito ao que me exigiu. – Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva.”

A esta resposta Evaristo respondeu na Aurora do dia 11 de julho nestes termos:

“Reconhecemos, com o Sr. Antônio Carlos, a nossa mocidade e inexperiência, e, como ele bem disse na Assembléia Constituinte, se estivéssemos nos tempos e sob a doutrina de Pitágoras, apenas seríamos admitido a ouvir o mestre, e a jurarmos nas suas palavras, mas a verdade é que esses tempos passaram e que a juventude de hoje não é justo título para silêncio obrigado. Se isto foi um melhoramento, se foi antes uma nociva depravação da espécie, o Sr. Antônio Carlos que o decida.

“Quanto a desconfiarmos da ‘sinceridade humana’ pela nossa mesma mocidade, somos antes induzidos a acreditar facilmente e não sabemos como essa argüição se casa com a de inexperiência que pouco depois nos parece ser dirigida. Mas é essa tal qual experiência que temos, e não a atmosfera contagiada que respiramos, que nos obriga a comparar o presente com o passado, as palavras sonoras de que alguns são hoje pródigos, com a conduta que tiveram quando estavam no poder, quando faziam despovoar, por exemplo, uma cidade inteira, para vingarem as suas injúrias, quando ordenavam que se procedesse a devassa em todo o Império, contra os que duvidassem da constitucionalidade dos ministros, etc.

“Eis donde nasceram no nosso ânimo juvenil certos preconceitos, e não de prejuízos de partido a que pertençamos. Todo o respeito e consideração que tributamos à erudição e talentos brilhantes do Sr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada não nos impedirá de sustentarmos o que dissemos quanto às vacilações que uma nímia severidade pode encontrar sem sua conduta política. Sejam testemunhas os diários da Assembléia Constituinte, a maneira dura e acerba por que em seus discursos eram tratados os deputados de uma oposição tímida, enquanto pessoas de sua família estavam no timão dos negócios, a apoteose da autoridade divinal do recente Monarca, que aí relê a cada página; e a metamorfose rápida com que desde a demissão do Ministério de 1822, mudada a posição política, mudou também a linguagem de quem só curava então de pôr embaraços ao Governo e de hostilizá-lo por um modo nem sempre ditado pela razão fria, ou pelo desejo de constituir fortemente a monarquia constitucional.

“É certo que o nosso ilustre correspondente nos declara fazer pouco apreço das formas que mudam com o tempo, clima, costumes, etc., e os tempos e costumes tinham então deixado de ser os mesmos.

“Passando ao credo político do Sr. Antônio Carlos e dos desejos que manifesta, de que se não altere a Constituição atual, confessaremos que seguimos com pouca diferença as suas opiniões, e as manifestamos altamente pela nossa folha; porém, depois disso as circunstâncias de uma revolução mudaram muito a fase política do Brasil; o grito da reforma da Constituição tornou-se geral, e nós não vemos hoje a possibilidade de resistir a este voto, talvez menos prudente, mas muito expresso, e soando a um tempo de todos os pontos do Império.

“O que resta aos amigos da Pátria é trabalhar para que isso se obtenha pelos meios legais, marcados na lei fundamental do Estado, e para que as reformas sejam sensatas e em harmonia com as necessidades do povo, posição e verdadeiros interesses do Brasil.

“Quanto a nós, não podemos agourar dessa mudança os benefícios que alguns fantasiam; receamos mesmo os seus inconvenientes, mas não achamos ânimo bastantemente forte, indivíduo rodeado de tal prestígio, que nas circunstâncias em que está o Brasil possa fazer que a sua voz seja ouvida acima da da população quase toda, e conseguir que suas opiniões triunfem sobre aquelas, que tanto se têm generalizado, e a que o silêncio de uns, as tergiversações de outros deram ascendente irresistível. O Sr. Antônio Carlos pensará talvez de diverso modo, talvez conhece esses gênios superiores, mas quem poderá ser juiz nesta matéria? O tempo e os acontecimentos.

“O nosso correspondente não pretende tirar força ao Governo, antes o julga rodeado de muitos estorvos e embaraços; mas pessoas que supomos do mesmo credo político que ele apresenta e que lhe pertencem por laços muito estreitos têm-se esforçado por acrescentar a esse Governo novas dificuldades para diminuir-lhe a força legal.

“Ora privam a regência do jus de dissolver a Câmara, ora pretendem reduzir de um golpe a força armada a 6 mil homens; e o lado de que na Câmara fazem parte distingue-se por uma violência contra o poder, que tende a privá-lo dessa consideração, que já tantas circunstâncias concorrem a afastar do pé dele.

“Como explicaremos semelhante contradição? Como, senão pelas paixões, que muitas vezes exercem a sua maligna influência nos espíritos mais transcendentes, nas cabeças mais bem formadas? A cólera e o despeito não podem ocultar-se nos corações em que se abrigam.

“O credo do partido que nos reger, diz o Sr. Antônio Carlos, suponho constar das proposições contrárias. Isto é, os homens que estão no Governo querem a dissolução do nexo que une as províncias do Brasil entre si; não julgam que só a monarquia constitucional seja capaz de conseguir a união do Brasil; e desejam que se afrouxem as molas do regímen social, reformando-se a Constituição existente.

“Tornaremos em resposta ao nosso ilustre correspondente: alguns dos homens que foram eleitos para a regência, ao menos aquele que tendo sido alvo constante de quase todos os tiros sofreu exatamente as acusações contrárias a que ora lhe dirige o Sr. Antônio Carlos. Essas mesmas acusações têm sido feitas, não ao partido, mas à opinião que partilhamos, e que se faz hoje guerra pelos dois extremos opostos.

“Não será isto prova bastante de que essa opinião tem adaptado o termo médio? De que ela não pretende que a força do poder degenere em despotismos, e nem que a sua debilidade abra caminho à anarquia?

“Terminaremos, agradecendo ao nosso ilustre correspondente o haver-se dignado de responder às nossas sucintas reflexões da folha de 6 do corrente (Aurora); e esperamos que continue a dar ao público os seus pensamentos, exprimidos com aquela dignidade que é própria do homem decente e ilustrado, e que o Sr. Antônio Carlos guardou, pois não seremos iníquos, retorquindo-lhe com argüição injusta que nos faz de que faltamos ao decoro que se deve ao público.”

A estas reflexões de Evaristo Ferreira da Veiga respondeu o Sr. Antônio Carlos, nos termos seguintes:

“Sr. Redator. – Pouco desejoso de ocupar o público com coisas minhas, quando os negócios atuais chamam-lhe a atenção, não posso, todavia resistir, ainda por esta vez, ao convite que me faz, e oferecer ao menos aos ociosos, com que mantém o tempo, que talvez lhes pese.

“Faça justiça em primeiro lugar ao tom em que estão escritas as observações à minha resposta; se o mesmo tivesse reinado no seu anterior artigo, certo lhe não fizera a inculpação, que diz ser injusta.

“Alusões irônicas, labareda de fogo de santelmo, que certa gente toma por agudeza, insinuações insidiosas, e o desejo aparente de derramar o ridículo sobre coisas e pessoas sérias não constituem, em minha opinião, e cuido que também na sua, a precisa circunspeção e decoro, que um escritor deve ao público, ao homem cujas opiniões e conduta esmerilha, e a si mesmo. Sinto não poder estender a sua dialética e a consciência literária, que deve animar todo o escritor de boa fé, o mesmo encômio que dei à sua moderação, pois se me antolho alguma falha a este respeito nas ditas observações.

“Não é com figuras retóricas, com frases nuas de realidade, por bem torneadas que sejam, que se entretém o mundo por longo tempo; a ilusão cessa por fim, a constância, que só pertence ao mundo dos fenômenos de Kant, não dura muito neste em que vivemos.

“Não terá por fim iludir ao público a confusão, com que se amalgamam e atribuem a uma só causa efeitos por mim atribuídos a causas diferentes? A alguém parecerá estudada a confusão; eu, porém, a refiro com Horácio à incúria e falta de cautela aut incúria fudit aut parum canto cavit natura. A sua mocidade atribui tão-somente a vaidade de brilhar, nunca porém a incredulidade, que é só filha de maior avanço no campo da experiência, o que não pertence em regra à mocidade.

“O bom artigo por mim citado, e cuja leitura me consola e alenta, descreve também os caracteres das diversas idades do homem, que é difícil confundi-las a não ser de propósito. A sua posição particular, que lhe apresenta cada dia o aspecto da falta de ingenuidade habitual nos que o rodeiam, deve neutralizar a sua propensão a crer; erro comum e desculpável é generalizar o que a natureza individualizou somente. Nem é incompatível inexperiência nas cousas públicas, com experiência em um ramo especial que a escolha ou acaso nos fez adotar.

“A confissão, pois, a que acudiu para buscar-me contradições, se estudada não prova boa-fé, não intencional descobre pouco rigor de raciocínio; mas non ego paneis offender maculis. Menos desculpável é a exageração com que chama despovoar uma cidade inteira o simples removimento de doze ou treze pessoas que um ministro deixou subsistir, depois de feito pelo ex-Imperador; é mister que o Sr. Redator possua o mais valente microscópio para poder aumentar unidades a milhares. Bom é porém que na relação dos fatos queira servir-se dos olhos não armados de vidros aumentadores. Melhor ainda seria que não convertesse golpes de Estado em vinganças particulares. ‘Todos souberam, e eu melhor do que ninguém pela minha posição nas Cortes de Lisboa, que a revolta de São Paulo, que deu causa aos degredos parciais de que falei, era devida à opinião daqueles que preferiam a união com Portugal à independência, e que nela nenhuma parte tiveram rivalidades de família.’ Eu não aprovo nem concebo mesmo a necessidade e utilidade de ato algum arbitrário praticado contra cidadãos; que os princípios de utilidade e de justiça sempre se casam é para mim dogma ortodoxo; mas nem todos pensam assim, políticos têm havido, e há que sustentam que casos extraordinários se não devem reger pelas regras ordinárias, e que a salvação dos estados legitima atos que as leis vedam; assim obraram e pensaram entre os gregos e romanos os maiores homens, os Timoleões, os Cíceros, os Brutos, e outros, e na Europa homens de Estado abalizados de Inglaterra e França sustentam a mesma doutrina. ‘Em igual labéu incorre a desfiguração do fato da devassa, a que diz se mandou proceder em todo o império contra os que duvidassem da constitucionalidade dos ministros.’

“Eu não vi a portaria em que se mandou proceder à devassa, e cuido mesmo que ela nunca apareceu em papel público algum; mas se me assegura que por ela se ordenava somente a devassa para se vir no conhecimento dos que maquinavam contra o sistema do Governo estabelecido, e favoreciam idéias republicanas, e que mesmo semelhante portaria não teve cumprimento. Assim mesmo concebida era uma devassa geral fora dos casos especificados na lei, e só podia ser filha do zelo ardente, que tinha o ministro pela salvação do infante monarca, que desde então começava a ter adversários; e ser desculpada pela crise em que se achava o Brasil.

“Estender porém o conhecimento devasso sobre os que duvidassem da constitucionalidade dos ministros é ato tão intolerante e absurdo, que não se compadece com o caráter do ministro que a assinou, salvo se se provasse estar num acesso de frenesi. ‘Cumpre pois ao Sr. Redator, para lavar-se da suspeita de caluniador, publicar o autógrafo ou ao menos cópia autêntica da dita portaria.’

“Eis-me chegado ao que só me diz respeito às observações do Sr. Redator. Insiste em sustentar as vacilações, que cuida enxergar em minha conduta política, e apela para os diários da Assembléia Constituinte; aceito o arbítrio oferecido; advirto porém que não posso reconhecer por falas minhas autênticas senão as publicadas antes da minha deportação, quando podia reclamar contra qualquer falsificação, que de propósito ou por erro se fizesse em qualquer delas.

“É pois de dever do Sr. Redator citar pedaços de minhas falas autênticas, que estejam em antinomia uns com os outros, onde por exemplo sustente – num a obediência passiva, no outro o direito de investigação e resistência; num o poder divinal do monarca, no outro a soberania nacional; num o princípio de autoridade, no outro o de utilidade; num admita os direitos naturais do homem em sociedade, no outro os repila; num vote por um ato legislativo, no outro advogue contra o mesmo ato ou seu congênere; por fim num apóie uma medida do Governo, e no outro desaprove e censure a mesma idêntica medida. Se isto não puder fazer como estou certo não poderá, não se deve queixar se o leitor consciencioso atribuir senão a calúnia ao menos a culposa ligeireza, as asserções vagas com que pretende desbotar minha conduta política; e confessará que ao menos a seu respeito hei desmentido a maneira dura e acerba de que me crimina, contentando-me de tachar seu procedimento só de parcialidade e preocupação.

“Para desgraça sua, o que alega como prova de minhas vacilações, ou nada prova, ou prova o contrário. As formas duras e acres que atribui aos meus discursos podem provar quando muito falta de amenidade no trato, e de suavidade nas maneiras, mas nunca vacilação.

“Releva porém refletir que nos discursos improvisados não há possibilidade de escolher sempre os termos que reúnam a suavidade à força, e que no tropel de idéias que se apresentam ao orador cura ele menos das vestiduras em que as deve envolver e sacrifica por necessidade a urbanidade à força que é o essencial. Nem a linguagem açucarada e indiferente do cortesão se acha na boca do patriota ardente e zeloso; não é com os períodos arredondados, e com a dicção compassada e refinada de Isócrates que o veemente Demóstenes aterra e debela o prostrado Ésquines, e faz tremer no meio dos seus emaranhados planos o hábil Filipe; não é com a polida e arrebicada fraseologia, com os conceitos e agudezas de Plínio que o audaz Cícero increpa os Vatínios e Sêntulos, expulsa de Roma o intrépido Catilina, e excita a moribunda liberdade romana contra as pretensões de Antônio.

“Demais é natural que tenhamos menos cerimônia com pessoas que não estimamos. Eis o que me sucedeu com essa oposição tímida, como confessa, ‘em quem eu só encontrava poucas luzes, muita vaidade, quase nenhum Brasileirismo, frieza de patriotismo, e nenhuma lealdade política’. Podia ser isto erro, ‘mas ele me dispensava de medir os termos, quando atacava tão pouco mérito’.

“O que não podia esperar da sua lógica é que apontasse como vacilação o que mostra a minha consistência. Se apoiei o Ministério, enquanto nele estavam pessoas do meu partido político, apoiava as minhas idéias, que então dominavam, quando depois outro partido empolgou o poder, hostilizando-o, continuava a sustentar os mesmos princípios, atacando os seus contrários. Isto em rigor lógico é ser consistente, embora na sua opinião seja vacilar. Não sei o que entende por apoteose da autoridade divinal do monarca; em verdade a sua linguagem é nova, o que é divinal não precisa de apoteose, o adjetivo divinal está contido no substantivo. Depois da precisa eliminação, tenha a bondade de apontar-me algum dos lugares, em que faço a apoteose da autoridade do monarca, à vista deles confio que lhe mostrarei que são maneiras de fazer sensíveis as ficções admitidas na nomenclatura da política constitucional; por exemplo, que o monarca está acima da esfera da humanidade para autorizar a inviolabilidade e explicar de algum modo a ficção de que o rei não pode obrar mal; e outros semelhantes. E quando ainda tenha alguma dúvida, rogo-lhe o favor de guiar-se pelas regras de hermenêutica, interpretando lugares que lhe pareçam ressumbrar endeusação monárquica (se alguns existem, o que duvido) por aqueles que claramente o mostram criatura da soberania nacional (isto é, da razão nacional) e a ela subordinado.

“Estimo muito que o seu credo político se conforme no essencial com o meu, vis unita fortior; mas o susto é natural em mim, se creio o que ouço. Terá o Sr. Redator, como os antigos filósofos duas doutrinas, uma exotérica e outra esotérica? O desacorçoamento que patenteia sobre a possibilidade da conservação da nossa Constituição sem reformas, que são verdadeiras demolições, faz-me temer alguma inclinação a doutrinas que não queria publicar por ora.

“Sr. Redator, o que a razão do Brasil quiser, ninguém tem direito a negar-lhe; o que a sua força brutal exigir imperiosamente nada pode estorvar. Mas quem são os órgãos dos desejos razoados, ou das exigências imperiosas do Brasil? Não são por certo periódicos, expressão de um só partido, que se apoderando com jeito da imprensa têm tolhido aos outros os meios de se fazerem ouvir. Não é mesmo a legislatura, que criatura da Constituição não pode saltar o círculo dela, e querer outras reformas, que não sejam as conservadores e as aperfeiçoadoras da índole da monarquia.

“Mas ainda esta alteração quer a prudência que se guardem para melhores tempos, onde não haja risco de passarmos, em busca da perfeição, as estreitas raias que a separam do país das quimeras. Em todo o caso, porém, só a voz geral da massa da povoação pode autorizar o perigoso experimento, e esta voz, cuido, ainda se não ouviu distintamente.

“Permita-me, antes de acabar esta longa carta, fazer-lhe notar a diferença que há entre um particular e um legislador, embora sejam do mesmo partido político. O particular sensato deve temer todo o abalo e parada na máquina do governo, porque não está na sua mão restabelecer o movimento no mesmo instante, em maneira que a parada quase se não sinta. O homem de Estado, porém, que confia na sua habilidade receia menos hostilizar um governo, que crê melhor desempenhar, nem se persuada que a instantânea suspensão, que precede à mudança para melhores mãos, seja arriscada, e muito menos que um temor mal fundado, e que está a seu alcance fazer logo desaparecer, deve fazer estacionário o espírito humano na carreira dos melhoramentos sociais. Talvez por este motivo meus companheiros em princípios que formam da oposição não temam acrescentar dificuldades, e tirar força a um governo mal composto, e que confia de melhor compor.

“Passando agora aos dois exemplos que apontei: quanto se negar o poder de dissolver a assembléia dos deputados à regência, seria inconsistente o deputado que mais fez para passar semelhante negação, se o não fizesse, sendo de voto comigo de o não darmos ao Imperador, como pode ver no projeto de Constituição, redigido por mim para a Assembléia Constituinte. Eu bem conheço que a falta deste poder torna difícil a tarefa do governo; mas por outro lado encaro o grande risco da liberdade num país como o Brasil; onde uma dissolução traz comigo a cessação das sessões legislativas por três anos talvez. Entre dois males escolhi o menor, certo que as dificuldades aguçam o engenho, e animam o espírito de invenção, e que os esforços humanos continuados e bem dirigidos obtêm por fim o que à primeira vista parecia impossível; e quase seguro por outra parte que um monarca hábil com três ou quatro dissoluções feitas com jeito livre da saudável vigilância sobre que ele exerce o corpo legislativo, faria passos tão adiantados e açodados para o poder absoluto, que seria muito custoso depois fazê-lo retrogradar. Estas considerações foram sem dúvida as que decidiram a conduta de meu irmão, em negar o poder de dissolver, não ao seu partido, que ainda não estava no Governo; mas a qualquer partido que o obtivesse. Se outro deputado, que também pertence à minha opinião, quis reduzir a força armada de linha, é que talvez crê na nenhuma necessidade de semelhante força no Brasil; e fazendo comparação do exército dos Estados Unidos, que contém mais de nove milhões de homens livres, e conserva apenas oito mil homens de tropa de linha, com o do Brasil, onde a população livre não chega a três milhões e o exército queria ele compor de seis mil; cuidava ser mesmo generoso, concedendo-lhe o dobro ao menos do que a proporção pedia.

“Resta-me por fim declarar ao Sr. Redator que, não sendo movido por ódio ou amizade para com os Srs. Regentes, pois dentre eles apenas tenho falado alguma vez ao Sr. General Lima, conheço de vista o Sr. Costa Carvalho, e o Sr. Brasílio nem de vista conheço, quanto digo respeito ao credo político, que suponho naqueles dentre eles, que têm credo político, funda-se somente na voz geral; e, dimanando de fonte tão pouco segura, pode ser errôneo.

“Sou, Sr. Redator. – Antônio Carlos Ribeiro d’Andrada Machado e Silva.”

Eis a resposta de Evaristo:

“Na Aurora de 1º do corrente [agosto de 1831], transladamos uma extensa e erudita carta do Sr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, e então prometemos dar-lhe resposta, logo que a nossa saúde o permitisse. Agora que nos vamos restabelecendo, tempo é de cumprir a palavra dada, apesar da repugnância que temos a ir esmerilhar acontecimentos passados, e ofender cidadãos que, aliás, respeitamos por suas qualidades brilhantes, e por alguns serviços assinalados que prestaram. Porém, o nosso correspondente ameaça-nos com o ferrete de caluniador, se acaso não provarmos fatos que na Aurora de 11 de julho havíamos indicado, e forçoso é preterir todas as considerações, para salvarmos a nossa honra.

“Começa o Sr. Antônio Carlos por um pomposo exórdio, a que não nos faremos cargo de responder; pouco importa ao público saber se a nossa mocidade nos priva ou não da necessária experiência para conhecer os homens e da faculdade de comparar a sua linguagem de hoje com as suas nações praticadas em outras épocas. Quanto à falta de ingenuidade, habitual nas pessoas que nos rodeiam, asseveramos ao nosso correspondente que não é esse o defeito que lhes pode ser argüido, que é antes na escola dos fatos de alguns de seus contrários que havemos aprendido a não fiar facilmente dos homens, a não acreditar sempre nas suas protestações e palavras sonoras.

“Só doze ou treze pessoas foram removidas de São Paulo (diz o nosso ilustre correspondente), na perseguição que em 1822 se sucedeu a algumas ofensas que ali sofrera um membro da sua família. Sempre ouvimos elevar a muito mais o número dos cidadãos que então tiveram de abandonar a cidade, ou fosse que alguns o fizessem de intimidados, ou que, com efeito, as medidas preventivas se estendessem a mais do que a doze ou treze indivíduos. De trinta temos nós notícia. Seja o que for, o ato foi violento e arbitrário, e o mesmo Sr. Antônio Carlos o não aprova, apesar de lhe procurar padrinho na opinião dos Cíceros, dos Brutos, dos Timoliões, e na de alguns homens de Estado de França ou de Inglaterra.

“Mas o que é injusto é sempre injusto, embora na Antiguidade e nos tempos modernos se possam encontrar exemplos equivalentes. Que a revolta de São Paulo, que deu causa aos degredos parciais que mencionamos, não foi devida a desejos de união com Portugal, mas à má vontade, bem ou mal fundada, que havia contra um membro do Governo, pertencente pelos laços do sangue ao Sr. Antônio Carlos; que a sua perseguição foi o verdadeiro motivo do terror com que se caiu sobre aquela cidade, coisas são que ninguém ignora, e que o nosso correspondente nega, talvez para melhor poder desculpar fatos, a que aliás não ousa impor o selo da sua aprovação.

“Tínhamos dito que em 1822 se mandara devassar por todo o Império dos que duvidassem da constitucionalidade dos ministros. O Sr. Antônio Carlos julgou que a portaria relativa nunca aparecera em papel público algum, que ela queria só que se viesse no conhecimento dos que maquinavam contra o Governo, e finalmente nos exorta a que a publiquemos, para nos lavarmos da suspeita de caluniador.

“A expressão é um tanto forte, mas habitual a certos senhores que se acostumaram a tratar com desprezo e desdém o resto da humanidade, que para ele não passa de um punhado de ineptos, de miseráveis, etc. Mas nós temos em nosso poder a portaria, impressa, e referendada pelo Sr. José Bonifácio de Andrada, então Ministro dos Negócios do Império. A sua publicação talvez nos salve da nota de caluniador.

“Ei-la, aí vai:

“‘Tendo-se felizmente descoberto pelo brioso e leal povo e tropa desta Corte, e pelos procuradores-gerais das províncias, no dia 30 de outubro, uma facção oculta e tenebrosa de furiosos demagogos e anarquistas, contra quem se está devassando judicialmente, os quais para se exaltarem aos mais lucrativos empregos do Estado, sobre as ruínas do trono imperial e da felicidade do Brasil, ousavam temerários com o maior maquiavelismo ‘caluniar a indubitável constitucionalidade do nosso augusto Imperador, e dos seus mais fiéis ministros’, incutindo nos cidadãos incautos mal fundados receios do velho despotismo, que nunca mais tornará; ao mesmo tempo em que com a maior perfídia se serviam das mais baixas e nojentas adulações para pretenderem iludir a vigilância de S. M. Imperial e do Governo. E constando ter sido um dos prévios cuidados dos solapados demagogos ganhar partidários em todas as províncias, para o que espalhavam emissários, que abusassem do zelo que eles devem ter pela sua liberdade constitucional, liberdade que S. M. Imperial tantas vezes jurara, e que tanto tem promovido com todas as suas forças, como é patente ao mundo inteiro.

“‘Tendo já o mesmo augusto senhor conhecido os traidores, e seus perversos e manhosos desígnios, com que se propunham plantar e disseminar desordens, sustos e anarquia, abalando igualmente a reputação do Governo, e rompendo assim o sagrado elo, que deve unir todas as províncias deste grandioso Império ao seu centro natural e comum, união donde somente lhe podem provir força, posteridade e glória: Manda pela secretaria de Estado dos Negócios do Império que os governos e câmaras das províncias, a quem esta for expedida, cuidem sem perda de tempo em vigiar e descobrir com todo o esmero e atividade quaisquer ramificações deste infernal partido, indagando quais sejam seus agentes e emissários, por meio da mais rigorosa devassa; ‘e logo que estejam suficientemente ilustrados a este respeito, tomem imediatamente com cautela e energia todas e quaisquer providências, que exigir a paz e sossego da província, e a salvação do Estado’, isto debaixo da mais rigorosa responsabilidade ao Imperador e à nação; e de todo o seu justo procedimento darão imediata conta pela competente secretaria de Estado, para subir tudo à augusta presença de S. M. Imperial. – Palácio do Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1822. – José Bonifácio de Andrada e Silva.’”

“Temos aqui pois uma portaria para devassa geral em todo o Império. E quais são os fatos sobre que se deve devassar, sobre que hão de ser inquiridas as testemunhas? Se alguém calunia a constitucionalidade do Imperador, e a dos seus mais fiéis ministros!

“Por um dito vago, por uma expressão imprudente e inconsiderada contra este ou aquele membro fiel do Ministério de então, ficava o cidadão sujeito a ser vítima de uma devassa tirânica e absurda. Eis o poder chamar-se regime da liberdade!

“Deixemos os emissários que os demagogos haviam mandado para as províncias, os quais aliás, segundo consta, tinham ido com o consentimento do príncipe, e para cuidarem na sua aclamação: deixemos a presciência divinal, que a portaria atribui ao monarca, ‘que tinha já conhecido os traidores, ainda antes que por um processo jurídico fossem mostrados’; e vamos ao remate desta peça curiosa, mas em harmonia com tantas outras que então saíram do seio do governo, com assombro e pavor da massa dos cidadãos livres. – ‘E logo que esteja suficientemente ilustrado (os governos e câmaras) tomem imediatamente com cautela e energia todas e quaisquer providências que exigir a paz e sossego da província e a salvação do Estado.’

“Dá-se assim carta-branca aos governos das províncias e às câmaras, para instituírem perseguições a título do salus populis; são autorizados a tomar ‘quaisquer providências, etc., e isto logo que estejam suficientemente ilustrados’; fórmula de que usava o júri revolucionário da França para sufocar a defesa e os gritos da inocência oprimida. Todavia, depois destas observações, não diremos ainda com o Sr. Antônio Carlos que o ministro estava em um acesso de frenesi.

“Não nos demoraremos mais sobre a portaria que por si só fala bastante, nem nos dilataremos também sobre o gelo em que se conservou a imprensa do Rio de Janeiro, depois da deportação de J. S. Lisboa, então o único escritor da oposição entre nós; ou acerca de diploma dado a Porto Seguro, em que muito se falou naquela época, autorizando-o a prender quem lhe aprouvesse, o que repetimos pelo que é voz pública, por nunca termos visto este documento; ou na célebre portaria para ser espionado o Sr. Padre Feijó; e nem mesmo a respeito do modo por que foi tratado o Sr. May, quando em um número extraordinário da sua folha censurou vários atos do Ministério existente.

“Mas o fato só do silêncio da imprensa livre, depois de 30 de outubro, prova exuberantemente tudo quanto indicamos acerca do terror que pesou sobre nós por espaço de alguns meses, até julho de 1823, segundo nos lembra.

“O Sr. Antônio Carlos, querendo dar uma cartada a seu favor sobre a maneira desabrida com que tratou sempre os membros da oposição, enquanto seus ilustres irmãos se achavam no timão do governo, diz que tinha com ele pouca cerimônia, porque nessa oposição só encontrava poucas luzes, muita vaidade, quase nenhum Brasileirismo, frieza de patriotismo, e nenhuma lealdade política.

“Os cumprimentos não são de maneira alguma delicados nem lisonjeiros; porém não nos toca vindicar honras alheias, só lembraremos que nessa posição se sentavam os Srs. Araújo Lima, Alencar, e outros, e ao depois o Sr. Vergueiro, que, quanto a nós, não estavam no caso de merecer tamanho desprezo da parte do nosso correspondente. Pelo que pertence aos exemplos que traz para a questão; Cícero e Demóstenes, se usavam ultrajar os seus adversários, obravam muito mal.

“É demais sabido que a polidez dos costumes modernos tem afastado da discussão essas violências que os antigos empregavam; nem nós estamos na Grécia ou em Roma. E casar-se-ão com a civilização moderna estes retalhos de discursos do Sr. Antônio Carlos, que se lê logo nos primeiros números dos diários da Assembléia Constituinte?

“Tinha por exemplo de responder ao Sr. Custódio Dias, que argüira de – iliberal numa expressão sua. ‘É pasmoso (retorquiu o Sr. Antônio Carlos) que um campeão da liberdade, desde o primeiro alvor de seus anos seja tachado de iliberal, e tachado pelo honrado preopinante: risum tenealis amici! Pedia a modéstia que um atleta velho fosse tratado com decoro por quem pela primeira vez ungiu os lombos, para entrar em semelhantes lutas, mas esta virtude não é comum na terra, e temo que nunca apareça entre nós.’

“Combatendo opiniões do Sr. Alencar, referiu o nobre orador o silêncio que guardavam os tirões na escola pitagórica, e logo que ele não teria de atacar o projeto da anistia, se esta disciplina, bem que rigorosa nos fosse aplicada. Mas, a voz onipotente do povo nos preconiza curandeiros políticos, de repente nos investe do poder de construir e destruir, mas não nos dá, porque não pode, as precisas luzes.

“Na questão dos governos provisórios:

“‘Sr. Presidente se tivesse atendido às regras da metodologia, teria cassado toda esta questão, teriam os nobres deputados poupado a si o incomodo de falar, à assembléia o de escutá-los, e a mim de replicar-lhes.’

“Na sessão de 4 de julho, respondendo ao Sr. Vergueiro:

“‘Nada do que disse o nobre deputado vem a propósito e algumas vezes avançou falsidades.’

“São, porém, tantos os exemplos deste gênero, que fastidioso seria acumulá-los, e ao que nos parece, nem os nomes venerandos de Cícero e Demóstenes, nem o desprezo que o Sr. Antônio Carlos tinha criado pela oposição, o justificam bastante nesta parte. Ele, nas primeiras sessões da Assembléia constituinte, exerceu ali uma verdadeira ditadura oral; (se nos permitem a expressão) a sua linguagem, porém, tornou-se mais branda para os seus colegas, depois que seus ilustres irmãos deixaram as pastas.

“O nosso correspondente nos desafia para que mostremos a contradição que há em suas opiniões da época da administração Andrada, e as que apresentou depois de passada aquela época. Quereríamos para este fim recorrer aos diários da Assembléia Constituinte, mas o Sr. Antônio Carlos mesmo nos previne de que não reconhece por autênticos a respeito de seus discursos os números que saíram à luz depois da sua deportação; o que nos dispensa de tomarmos esse trabalho.

“Em geral, o que se distingue na primeira sessão de tempo, é um desejo veemente de dar grande força ao governo, de santificar todos os seus atos, de esmagar o homem ousado que se atrevesse a dirigir-lhe a mínima censura; na segunda sessão, porém, nota-se uma guerra aberta contra o poder, uma vontade constante de deprimi-lo. Isto, que aos nossos olhos, e talvez aos da sã filosofia, parece contradição, tem o Sr.

“Antônio Carlos como coisa muito coerente.

“Vejamos se com efeito o é.

“O nosso ilustre correspondente agora mesmo reconhece, nos atos da administração de seus nobres irmãos, coisas que ele não aprova, e apenas desculpa, atribuindo-as a motivos honrosos (o que demonstra também que não eram as suas idéias que dominavam).

“E por que razão não se fundando aliás o Sr. Antônio Carlos senão sobre a justiça universal, tratava com tanta severidade os que censuravam esses mesmos e outros semelhantes atos? Não haveria nisto parciabilidade? Afeições privadas dominando sobre o grande objeto do interesse público? Mais ainda. Logo que os Srs. Andradas deixaram o governo, aqueles que os substituíram ou por maquiavelismo ou por moderação, trataram de pôr termo às perseguições, à execução desses atos a que o Sr. Antônio Carlos não dá hoje o seu assenso; porém onde nasceu que a sua frase era então de uma hostilidade, que até comprometia os destinos do recente Império, por cuja existência o nobre patriota se mostrara antes vivamente interessado? Não pode esta conduta ser imputada ao despeito de ver que o poder escapara das mãos da sua família? Ao menos, isso se afigurou à maior parte dos espectadores imparciais, e nós, não decidindo uma questão que é toda de probabilidades morais, diremos ainda que não achamos em tal proceder a consistência que o nosso correspondente alardeia.

“Vamos agora à apoteose da autoridade do monarca. Na sessão de 30 de abril, tratando-se do lugar da cadeira do Presidente e do trono do Imperador – ‘Nela pode haver de comum (disse o Sr. Antônio Carlos) em jerarquia e procedência entre o monarca que para bem dos povos tem a lei, por uma ficção legal, posto além da esfera da humanidade e quase endeusado, e um puro mortal, etc., (o Presidente da assembléia)’ – na mesma sessão – ‘no monarca esplendor, aparato, que inspire respeito, e se avizinhe a divinal, etc’.

“Receia o nosso ilustre correspondente que, apesar da nossa crença particular, propendamos para a opinião das reformas constitucionais: a este respeito dissemos já o que entendíamos, e escusado é repeti-lo. Não presumimos tanto de nossas opiniões privadas, que recusemos fazer o sacrifício delas à vontade e juízo público, e ao que julgamos ser reclamado para sossego e bem da nossa pátria, único feito de todos os nossos débeis esforços. Que a reforma constitucional seja prejudicial ou útil, é questão que pode ser muito debatida; mas que o voto por algumas dessas reformas se generalizou no Brasil, eis o que nos parece não admitir dúvida.

“Um capítulo nos resta da carta do Sr. Antônio Carlos Ribeiro d’Andrada, sobre o qual talvez devêssemos demorar-nos, porque ele encerra um sentido que pode ter íntima relação com as coisas do tempo. Temos porém como mais prudente não nos alongarmos muito sobre a matéria. Diz o nosso correspondente, pretendendo justificar pessoas que pertencem à sua comunhão política, acerca dos apertos em que procuram colocar o governo atual, e que o homem de Estado, que confia na sua habilidade, receia menos hostilizar um governo que crê melhor desempenhar; nem se persuade que a instantânea suspensão, que precede à mudança para melhores mãos, seja arriscada, etc.; que é talvez por esse motivo que os seus companheiros em princípios não temem acrescentar dificuldades e tirar força a um governo mal composto, e que confiam de melhor compor. A que aludiram estas palavras? Aos cargos do Ministério? A mudança de ministros em um governo constitucional não ocasiona suspensão alguma.

“Ao lugar de membro da Regência? Como alcançá-lo, no estado atual de cousas, senão por meio de uma revolução? Querer-se-á com efeito uma revolução e suas conseqüências?

“É para isso que se amontoam dificuldades ao governo?... Mas, nós preferimos dar a estas frases a inteligência mais favorável, e acreditar que esse governo mal composto, e que se confia de melhor compor, é o ministério atual, que conta todavia no seu seio membros muito distintos da opinião liberal na transacta e presente legislatura. A idéia de revolução e dos flagelos que ela traz consigo, é tão oposta aos princípios manifestados pelo Sr. Antônio Carlos, que não podemos supor que ele a deseje.

“Concluiremos, confessando que é muito com medo, e conhecendo aliás toda a superioridade de luzes, a erudição do nosso contendor, que medimos com ele as nossas forças; porém a nossa posição de escritor público a isso nos constrange, e se não podemos, refutando-o, dar provas de talento, esperamos dá-las sempre de amor da verdade, e de um sentimento de liberdade e independência, que nos veda declarar-nos diante de quem quer que seja, muito mais, quando se trata de negócios, em que o público pode ter interesse imediato e transcendente.”

 

EXTRATO DO DISCURSO, QUE PROFERIU NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, EM 21 DE MAIO DE 1832, O SR. DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ, COMO MINISTRO DA JUSTIÇA

 

“Sr. Presidente – Outro Sr. Deputado(105) avançou que o meu relatório era a hipocrisia e a ferocidade personalizada! É muito difícil suportar semelhante insulto! Pois imputa-se hipocrisia a um homem que faz gosto de dizer a verdade, quanto aos mais tanto custa? Eu, Sr. Presidente, que apresentei um relatório, onde aparecem as verdades, mas sem o menor atavio, e verdades bem amargas a alguém, sou hipócrita? Será, como eu disse, por que falei em Providência Divina? Não sou ateu, não sou ímpio, e me é dado recorrer à Providência Divina, reverenciá-la e respeitá-la. (Muitos apoiados.) Srs., o ato mais franco e sincero do meu relatório é para o Sr. Deputado a prova da minha hipocrisia! Pois quando eu declaro que não espero da Assembléia Geral remédio aos males públicos; quando em todo o relatório não atribuo a ela nem prudência, nem sabedoria, senão quando refiro à lei de 26 outubro, e tão duramente afirmo, ‘que o futuro, que se antolha é ainda mais melancólico, se a Divina Providência não dirigir os importantíssimos trabalhos da presente sessão, é quando sou tachado de hipócrita’. Srs., eu previa a marcha da Câmara; os excessos da oposição não me eram desconhecidos; e cada dia conheço que não me enganei em ter só recurso a Divina Providência; só ela poderá socorrer o Brasil contra a esforços dos facciosos, e oxalá que eu me engane!

“Comparemos os fatos, e vejamos quem é hipócrita. Despedir com abraços a um homem, chamá-lo ‘patrício honrado’ em quem se confia haja de promover a tranqüilidade da paz para onde parte; entretanto no primeiro correio mandar que este mesmo homem ‘seja vigiado por todos os meios ocultos, porque aos sentimentos anárquicos e sediciosos une a mais refinada dissimulação’; isto sim é hipocrisia; Feijó não faz outro tanto.

“Mandar para Pernambuco um membro da mesma sociedade confidente, para promover a aclamação do ex-Imperador que tanto se dificultava por causa do Ministério de então, e com efeito consegui-lo, entretanto mandar-se uma portaria ao escrivão daquela província, para que no primeiro barco, que partisse para Europa, expulsar aquele mesmo homem, ‘por ser menos afeto à causa do Brasil’! Isto sim é hipocrisia. Outro tanto Feijó não faz, nem nunca fez. Srs., tudo quanto faz o Ministro da Justiça é patente, nenhum dos seus atos são ocultos, ele não é hipocrisia.

“Veremos se ele é feroz. Apelo para os que me conhecem de perto, que apontem um só ato de minha vida, que denote ferocidade, Sr. Presidente, se há coisa que excite a minha indignação, e mesmo cólera, é a perseguição, ou a opressão que um homem faz a outro; e se isto é ferocidade, confesso que eu sou ferocíssimo contra os que são ferozes. O que entendo por ferocidade é isto: Mandar enforcar homens, tendo ainda recurso legal contra a primeira sentença. Sr. Presidente, eu vi com os meus olhos na minha província. Era o primeiro espetáculo; a curiosidade chamou-me àquele lugar. O desgraçado pendurado caiu, por haver-se cortado a corda. Recorreu-se ao governo da província, pedindo que se demorasse a execução, enquanto se implorava a clemência do Príncipe Regente; não foram atendidos. Alegou-se não haver corda própria para enforcar, mandou que se usasse do laço de couro. Foi-se ao açougue, levou-se o laço; o infeliz foi de novo pendurado, mas o instrumento não era capaz de sufocar com presteza.

“Cortou-se a corda, e o miserável caiu ainda semivivo; já em terra foi acabado de assassinar! Isto, Srs., é que eu chamo ferocidade! Srs., eu nunca odiei, e ainda hoje tenho horror de proferir este pensamento. ‘O sangue do inimigo é muito saboroso para beber-se de um só trago.’ Isto é que é ferocidade. Note-se que aqueles desgraçados foram julgados no Conselho Supremo não dignos de morte, mas já estavam mortos! Sr. Presidente, eu desejava ‘não atolar-me no charco imundo de recíprocos insultos’; mas que hei de fazer? Se me arrastaram a ele? O meu silêncio importará o mesmo que uma confissão.

“Demais, eu disse à assembléia no meu relatório ‘que há homens que julgam ter direito aos altos empregos do Estado, e que não duvidam arriscar tudo para saciar a ambição que os devora, e que era incompatível a paz e a segurança interna com a presença de semelhantes homens’. Devo justificar a minha proposição. Não declarei quais fossem. Alguns já foram traídos pela consciência, mas fora desta casa há mais alguns. Eu provarei o que disse pela experiência, e por fatos recentes. Srs., eu falei francamente, porque devera ser sincero, principalmente para com a Assembléia Geral, a quem compete providenciar. Eu conheço estes homens, desde que se arrogaram ao governo de São Paulo; digo que se arrogaram, porque a província não os nomeou. Foram tantos os seus atos arbitrários, foi tal o descontentamento e desespero dos paulistas, que foi ali expulso este Sr. que me chamou de hipócrita com luminárias e geral prazer. Entraram para o Ministério. Tanto foi a derrota e despotismo praticado por eles, que o Imperador não obstante considerá-los, como seu principal apoio, os demitiu e proclamou aos povos esta nova, como se fora um triunfo da razão e da liberdade. Respirou o Império; os deputados recolheram-se às suas províncias, e tudo prometia prosperidade. Estes mesmos homens, apesar de que já eram deputados, mas que só davam apreço ao Ministério, e impostura ao ex-Imperador, mudaram de repente de linguagem ( apoiados). Apareceu o novo Tamoio; atacou-se a todos os atos do governo; a assembléia tornou-se onipotente, sobrevieram tempestades, sessões tumultuosas; e a capital pôs-se em comoção.

“O ex-Imperador, apesar de sua timidez, recorreu à dissolução da Constituinte, e lançou estes homens para fora do Império. As províncias vizinhas felicitaram ao Imperador por este ato violento, mas necessário; e apesar de alguns males que trouxe a dissolução, tivemos paz e gozamos de tranqüilidade por 10 ou 12 anos. Quanto melhor seria, que o ex-Imperador expulsasse somente os turbulentos, e não tocasse na Constituinte. Mas essa era a doutrina, que se lhe havia ensinado. Eu ouvi um desses Srs.: ‘Se a assembléia não fizer o que o Imperador quer, ele a dissolverá. Se a outra não der uma Constituinte digna dele, ele tornará a dissolver, e dará ao Brasil uma Constituição.’

“Vede agora, Srs., se tive razão em dizer que a paz e segurança interna era incompatível com a presença de semelhantes homens. Sabei mais, que rumores se espalharam, muitos dias antes de 3 de abril, de próxima comoção, e que Andradas achavam-se à testa dela. Rebentou a revolução, e corre impresso o manifesto dos rebeldes, na qual um Andrada é aclamado regente. E será possível que fosse ele escolhido para dirigir um governo revolucionário sem ser sabedor dele, sem ter parte na revolução, sem ter os mesmos sentimentos, sem haver acordo entre eles? Pelo menos é isto contra a natureza das cousas.

“Falou-se na conspiração dos caramurus; espalhou-se ao mesmo tempo, que estes homens entravam nela. Eu contarei um fato. Um homem, que algumas vezes foi à minha casa, procura-me pálido e assustado; exige que lhe permita comunicar-me um segredo de muita importância; e ele se explica desta sorte: ‘Estando V. Exª à nossa testa, tudo se faz sem sangue; há muita gente; não há nada a recear. Resta que V. Exª consinta em ter uma entrevista com fulano, com esse Sr. Deputado, que me chamou de hipócrita, que ponha-se de acordo com ele, e então é certa a vitória. Sem V. Exª nada queremos.’ Convenho na entrevista; mas nesse mesmo dia denúncias se me dão, e que concordam com o que o homem havia deixado entrever. Eu me horrorizo da perfídia de uma sociedade, que apenas julgava indiscreta. Ordeno que se espalhe pela cidade a notícia da traição, a fim de desconcertar o plano; e dou todas as providências para o combate.

“Recuam, e se encontrando comigo dias depois o mesmo sujeito, disse-me: ‘Não sei que diabo fez a coisa arrebentar antes do tempo. A cidade está cheia’, e instara para que lhe não dissesse mais palavra sobre a coisa. À vista de todas estas coincidências, exigi do Ministro da Guerra, que mandasse imediatamente retirar da Quinta da Boavista duas peças, que eu sabia há muito, ali existirem. Receia-se entregá-las. Mando examinar o armamento, que ali se achava, e ordenar que sem ordem positiva do juiz de paz não pegassem nelas, enquanto não se davam outras providências. Entretanto rebentou a revolução de 17, composta de gente do paço; apareceram as duas peças; e os comandantes são pessoas, que freqüentavam a companhia destes Srs. E terei razão para os julgar compreendidos, e firmar a que ambição insaciável os devora, que se julgam com direito aos altos empregos do Estado, e que a paz e segurança interna é incompatível com semelhantes homens?

“Note-se ainda assim, que eu não pedi deportações; exprimi somente a minha opinião.”

 

O IMPERADOR D. PEDRO I NÃO FOI O FUNDADOR DO IMPÉRIO DO BRASIL, E SIM EL-REI O SR. D. JOÃO VI

 

Revolução de Portugal de 24 de agosto de 1820

Na cidade do Porto em 22 de janeiro de 1818, se organizou uma sociedade política, com a denominação Synedrium,(106) com o fim de promover, por todos os meios, a volta da Corte portuguesa do Rio de Janeiro, para a sua antiga metrópole, porque ressentido Portugal, por vir buscar a justiça a 2 mil léguas, entendeu revolucionar-se em 24 de agosto de 1820, na cidade do Porto, e sucessivamente em todo o reino, repercutindo no Rio de Janeiro o eco revolucionário no dia 17 de outubro do mesmo ano, sendo o porta-voz da revolução o brigue Providência, que a todos surpreendeu. – Sua Majestade o Sr. D. João VI, convencendo-se logo das conseqüências políticas, porque passariam os seus estados, em vista da anarquia do reino de Portugal, embora tentasse remediar os males presentes, e as desgraças futuras, não pôde impedir a torrente revolucionária, que se movia em vértices, para todos os ângulos da monarquia, e principalmente na cidade do Rio de Janeiro, animada pela presença e bafejo do príncipe real, herdeiro da Coroa, que clandestinamente presidia os clubes,(107) que se faziam contra o governo pacífico e mui patriota do Sr. D. João VI, no próprio palácio real de S. Cristóvão, traindo assim a seu pai e a seu rei, dando em resultado os acontecimentos do dia 26 de fevereiro de 1821, no Largo do Rocio, hoje praça da Constituição.

D. João VI era instruído e político, mas muito manhoso; não mostrava o que sabia, porque não fazia alarde de sua ciência. Era muito modesto, e pelo traquejo do governo da nação, embora muito prudente, conhecia o fim revolucionário, e o perigo do tempo.

O Sr. D. João VI estava resolvido a não sair do Brasil, e fazer do Rio de Janeiro a sede permanente do grande império luso-brasileiro. Por muitas vezes ouvi da boca dos meus íntimos amigos Barão de Cairu, Conselheiro Drummond, Cônego Geraldo Leite Bastos e Conselheiro João Martins Lourenço Viana, a confirmação desta verdade.(108) Para aquietar os descontentes de Portugal, preferia mandar o filho D. Pedro para Lisboa, ficando ele no Brasil.

O Conde dos Arcos, que era íntimo amigo do príncipe real, e que muito amava o Brasil, desejando que o príncipe ficasse à testa do governo, e ele no Ministério, empenhava-se para que o rei se retirasse, e ficasse o príncipe, e tais meios empregaram, que o soberano foi obrigado a assinar o decreto de 7 de março de 1821, no qual são palavras suas, exige a escrupulosa religiosidade com que me cumpre preencher ainda os mais árduos deveres, que me impõem o prestado juramento, que faça ao bem geral de todos os meus povos, um dos mais custosos sacrifícios de que é capaz o meu paternal e régio coração, separando-me pela segunda vez de vassalos, cuja memória me será sempre saudosa, e cuja propriedade jamais cessará de ser em qualquer parte, um dos mais assíduos cuidados do meu paternal governo”.

O povo do Rio de Janeiro, logo que teve ciência do decreto de 7 de março, quis embargar a saída do soberano, unindo-se aos próprios portugueses europeus, aqui residentes, e dirigiram a el-rei a importantíssima representação, que publiquei à página 42 do 1º tomo do meu livro o Brasil Reino e o Brasil Império.

O aparecimento do decreto de 7 de março, mais força dando aos arquitetos da ruína da nação, transtornando as idéias de alguns, em vez da monarquia constitucional, planejam nova forma de governo para o Brasil, qual tinham adotado os Estados Unidos da América do Norte. Queriam o governo republicano.

Vindo a saber-se da nova trama, pela vigilância da polícia, foi atalhado o mal em tempo, sendo presos, como chefes da conspiração Francisco Maria Targini, Luís José de Carvalho e Melo, João Severiano Maciel da Costa, Isidro Francisco Guimarães, e o Almirante Rodrigo Pinto Guedes.

Tomás Antônio de Vilanova Portugal, embora fora do poder, perseguia os conjurados, receando algum desacato do povo, aderente às idéias republicanas, retirou-se para a fazenda de Santa Cruz; e o rei, para o salvar, julgou prudente mandar soltar Targini; e dissimulando os novos acontecimentos perdoou a todos, fazendo embarcar para a Inglaterra o conde de Palmela e Felisberto Gomes Caldeira.

Desde o dia 7 de março de 1821, caiu o Sr. D. João VI em grande melancolia, e quase sempre se via enxugar, com o lenço, os olhos, úmidos de lágrimas. Contou-me por vezes minha amiga, a nobre Ex.ma Sr.ª Marquesa de Jacarepaguá, que o vira chorar e soluçar, com pesar profundo de deixar o Brasil.

No entanto o Príncipe D. Pedro e o Conde dos Arcos, no empenho de atemorizarem o rei, para que acelerasse a sua partida, maquinaram as desordens, e mortes, que houveram na Praça do Comércio do Rio de Janeiro nos dias 20 e 21 de abril, forçando o soberano a embarcar-se no dia 25, e a retirar-se com sua Corte, às 6 horas e três quartos da manhã do dia 26 de abril de 1821.(109)

O Sr. D. João VI foi para bordo da nau Príncipe Real, banhado em lágrimas, e ao despedir-se do filho que o havia traído,(110) lhe disse: Pedro, se algum aventureiro quiser apoderar-se do governo do Brasil, põe-te à frente dele.”

 

DESDE QUANDO DATA O PENSAMENTO DA MUDANÇA DA CORTE PORTUGUESA PARA O BRASIL

 

D. Luís da Cunha(111) contou a Diogo de Mendonça Corte-Real, que seu avô, D. Pedro da Cunha, a quem el-Rei D. Sebastião, ao partir para a África, em 25 de junho de 1578, onde morreu em 24 de agosto do mesmo ano, na batalha contra Muley Moluc Abdelmelec, lhe havia confiado a guarda de Lisboa, com o título de capitão-general, aconselhara a D. Antônio, Prior do Crato, que não tendo Sua Alteza, mais do que os aguadeiros de Lisboa, para defender os seus direitos, ao passo que o Duque d’Alva, entrava em Portugal com um exército de 24 mil homens o que tinha a fazer era passar-se com os seus para o Brasil, onde podia salvar sua dinastia e fundar o maior império do mundo.

D. Antônio, não aceitou o conselho político do seu fiel amigo, que havia por amor dele, e pela glória da sua nação, rejeitado o título de Marquês de Santarém, e outras mercês, que Filipe II (chamado o Demônio do Meio-Dia) lhe mandara oferecer, para o ter da sua parte.

D. Luís da Cunha, referindo o que aconteceu, com seu avô, tinha por fim mostrar que a salvação da monarquia portuguesa estava no Brasil.

Diz mais que durante a guerra geral, que principiou em 1700, e acabou treze anos depois, com a paz de Utrecht, ele também pensou ter chegado a ocasião de passar-se a família real para o Brasil.

Que mais tarde ou mais cedo se havia de realizar o caso, de ser necessário, que a família real se transferisse para o Brasil, ou que se dissolvesse nele a monarquia portuguesa.

O Visconde de Cairu, recorrendo à historia genealógica da casa real, conta que, em 1647, El-Rei D. João IV, exaltando o Brasil, com o predicamento de principado, ofereceu a seu filho D. Teodoro o título de Príncipe do Brasil.

Este mesmo soberano, considerando a estreiteza do território de Portugal, e a inimizade com a Espanha, e a desarmonia das principais potências preponderantes da Europa, chegou a convencer-se que a segurança da Coroa e dinastia portuguesa, só poderia ter estabilidade no novo principado do Brasil, fixando-se nele a casa e família real.

Com esse pensamento fez um roteiro, para a execução do projeto, estabelecendo a Corte portuguesa em Pernambuco, como a mais central das capitanias, e a mais segura cidade, pela notável fortificação do Recife.

O Padre Antônio Vieira, escrevendo da Bahia ao almirante e célebre autor da Nova Lusitânia, Francisco de Brito Freire, em data de 24 de junho de 1691, confirma o caso que acima menciono. São suas palavras:

“Todos os que V. S. na sua ilustre história, canonizou de heróis, acabaram, e também não existem já as memórias daquela arte, ou desconcerto militar, com que defendemos esta praça, e restauramos tantas de Pernambuco.

“Oh! Quanto tomara eu ver V. S. desta banda! Lembro-me agora, quando a rainha mãe, por conselhos dos condes de Catanhede e Soure enviou a V. S. não só governar Pernambuco, mas ‘para prevenir a seus filhos, uma retirada segura no caso de algum sucesso adverso, que então muito temia, necessitasse deste último remédio’.

“E também V. S. estará lembrado de que Sua Majestade me mandou passar do Maranhão, onde então estava, para assistir a V. S. e se seguir o Roteiro, que el-rei, que Deus tem, tinha prevenido, como tão prudente, para o caso de semelhante tempestade, e se achou depois de sua morte, em uma gaveta secreta, rubricado com a sua real mão, com três cruzes”

Este mesmo pensamento de transferir a sede da monarquia para o Brasil, afagava o Marquês de Pombal, e para a execução dele, tomou grandes medidas, e estava pronto a levar efeito, logo que alguma crise política o autorizasse, ou mesmo sem ela, aparecesse qualquer ocorrência, que não admitisse réplica, e nem exceções.

Napoleão, encontrando-se no dia 25 de junho de 1807, com o Imperador Alexandre I, da Rússia, em uma jangada, no meio do rio Niemen (rio ocidental da Rússia), perto do Telsit entrando em conferência com ele, o iludiu, conseguindo assinarem o tratado de paz, de 8 de julho do mesmo ano, chamado da Paz de Telsit, pelo qual subjugado o norte da Europa, obrigassem os soberanos da Espanha e Portugal, a se sujeitarem a ele, fechando os portos aos ingleses, e declarando-lhes guerra.

O célebre Manuel Godói, Príncipe da Paz, ministro e valido de Carlos IV, e da rainha sua mulher, caiu no engano. A Inglaterra, que sabia dos manejos de Napoleão, e do que tratara com Alexandre I, mandou bombardear Copenhague, destruindo de um golpe a emboscada marítima das potências coligadas, que ali estavam reunidas, por seduções de Napoleão, para a invasão da Inglaterra.

Entre as condições do convênio de Telsit, deveria, caso não anuísse o Príncipe Regente, ao sistema do continente, entrar Junot em Portugal, apossar-se das pessoas do príncipe, e da família real e tomar conta do reino.

Antes que Junot partisse para a península Napoleão ordenou ao gabinete de Lisboa, que “Portugal se unisse à causa do continente, fechasse os portos, e declarasse guerra à Inglaterra, e prendesse os súditos dessa Nação, que se achassem em Portugal”.

O prazo fatal, que o Ministro da França, Mr. Raineval, tinha marcado, era o dia 1º de setembro, acrescentando ainda que Portugal deveria dar dinheiro para a sustentação da guerra, e mais 4 mil homens de tropa, para guarnecer as fortalezas de Lisboa.

O Príncipe Regente se achava em Mafra, a 5 léguas da capital. O cavalheiro Antônio de Araújo e Azevedo, Ministro dos Estrangeiros e da Guerra, logo que teve notícia disso, em meado de agosto, foi comunicá-lo ao Príncipe, e pedir-lhe esclarecimentos a respeito da paz de Telsit, mostrando-lhe o perigo.

O Príncipe Regente ignorava tudo. No entanto foi convocado o conselho de estado(112) para o dia 18, em que se votou, conforme os desejos de Napoleão!

Não ficando decididos os negócios, e continuando as conferências, entre as diversas opiniões do Conselho de Estado, e do conselho privado do Príncipe Regente, saiu a idéia apresentada a Sua Alteza, no dia 27 de agosto em Mafra, por Tomás Antônio, que se mandasse o Príncipe da Beira, D. Pedro de Alcântara, com o título de condestável para S. Paulo, e que com eles viessem as princesas suas irmãs.

No dia 28 foi o plano visto por Antônio de Araújo, que o adotou, e quis fazê-lo seu, porquanto disse, que muito antes o tinha revelado ao Conde de Anadia. Que mesmo em 1806, em Vila Viçosa, o comunicara ao Marquês de Alorna, e que este de passagem tocara nisto a Sua Alteza.

O Príncipe Regente, reconhecendo a gravidade da questão, no dia 29 de agosto pelas 10 horas da noite, entrou em Lisboa, deixando Mafra.

Neste ínterim Sua Alteza fez certificar ao gabinete francês, a firme resolução em que estava, de salvar a sua dignidade e a da nação, se tentasse Napoleão invadir o reino de Portugal.

No entanto, aprontava-se a expedição para o transporte do príncipe D. Pedro, e princesas, para o Brasil.

No dia 30 de setembro, os ministros da França e da Espanha exigem o cumprimento do determinado pelos seus governos. No dia 1º de outubro, Lorde Strangfort, receando ter havido alguma mudança na política portuguesa, enviou uma nota confidencial a Antônio de Araújo, e outra à esquadra inglesa, para vir bloquear as águas do Tejo.

Nesse dia os comerciantes ingleses, principiam a retirar-se de Lisboa, e há confusão na cidade.

No dia 2 de outubro, apareceu a proclamação aos habitantes do Brasil, anunciando-lhes a ida do Príncipe D. Pedro e princesas, para o Rio de Janeiro, com o título de Condestável.

O Príncipe Regente, desde que o Conselho de Estado decidiu a partida dos filhos para o Brasil, começou a enternecer-se, e a sentir o doce amargo, que inspira as saudades, pela distante separação; e vai dar parte a Sua Majestade, a senhora D. Maria I, da viagem do Príncipe D. Pedro, e das infantas, para o Brasil.

Ouvida por Sua Majestade a narrativa, disse ao filho: “E tuas tias o que ficam aqui fazendo?

“Ou vamos todos, ou não vá ninguém: como se escreveu ultimamente para França, espere-se pela resposta, e segundo o que vier disporás a jornada.”

O Príncipe Regente andava abatido pelas saudades dos filhos, e logo que ouviu o parecer da Rainha-Mãe, concebeu a firme resolução de retirar-se com a sua Corte, para o vasto e opulento principado do Brasil, onde fundaria o maior império do mundo.

Enfim, que o Sumo Deus, que por segundas
Causas no mundo obra, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina Veneranda;
Vedes a grande terra, que continua
Corre de Calisto a seu contrário pólo;
Que soberba a fará a luzente mina
Do metal que a cor tem do louro Apolo.
—CAMÕES L. C. 10 – 85 e 149

Junot, ao entrar em Portugal no dia 17 de novembro de 1807, proclamou aos povos portugueses, e só se soube da proclamação em Lisboa, no dia 4 de dezembro; mas correndo a notícia, que as tropas francesas se achavam no território português, já estando a esquadra pronta, o Príncipe Regente fez embarcar o mais que se pôde, da casa real, nos dias 24, 25 e 26, para a imediata partida da sua família e Corte, para o Brasil.

No dia 27, por um manifesto, declarou que não fecharia os portos dos seus Estados à Inglaterra, e que ia deixar Portugal para estabelecer a Corte e sede do governo português no Rio de Janeiro, e depois do meio-dia embarcou-se com a família real, e no dia 29 de novembro entre 7 e 8 horas da manhã, mandando Sua Alteza levantar os ferros das naus, partiu a esquadra para o Brasil. No dia 21 de janeiro, a nau que conduzia o príncipe e a rainha avistou terras da Bahia, e no dia seguinte, 22 de janeiro de 1808, deu fundo na baía de Todos os Santos, onde pela carta de lei de 29 de janeiro, quebrando os grilhões coloniais, abriu os portos do Brasil ao comércio do mundo; e com este ato lançou a primeira pedra, para fundação do novo Império Americano.

À famosa Bahia era prescrito
Nos livros d’ouro, onde registra o fado
Em caracteres de bronze os seus decretos,
Que segundo Ararat fosse ela o porto
Onde descanse a naufragante barca
Que leva a redenção da Europa inteira,
Não só de Lísia, salva do segundo
Dilúvio parcial de negro sangue,
D’estrago, maldição, que o corso e Satã
Tinham mandado às terras lacrimosas.
—SANTOS E SILVA, Poema Bras. Canto 12

Admirado o Príncipe Regente da beleza da cidade, da majestade e formosura dos céus, da magnificência da vegetação e amenidade do clima, quis ficar na Bahia, e fazer nela a sede da monarquia luso-brasileira; mas os desvios da esquadra, trazendo à barra do Rio de Janeiro, uma parte muito querida da família real, para poupar-lhe novos incômodos de mar, resolveu seguir viagem para o Rio de Janeiro, onde chegou na tarde do dia 7 de março, saltando em terra no dia 8, e no dia 10 do mesmo mês, mudando o Ministério, que trouxe de Portugal, estabeleceu a sua Corte, com novo Ministério brasileiro, e fundou na cidade do Rio de Janeiro a capital da monarquia luso-brasileira.

Sulcando vai ao rio desejado.
Terra da Promissão que um Deus benigno
L’havia decretado em seus diplomas,
Já novos peixes, aves, gados, frutos,
Portada a costa a vizinhança inculcam
Do novo Canaã, em cujo solo,
Se o centro lhe profundam, são diamantes
As pedras, ouro a terra, prata a areia.
Autumunal primavera, adereçada
De todo o seu ornato em despedida
Ao nobre aventureiro, tinha dado
Princípio à celebérrima viagem;
E vernal, mais mimosa, primavera
Em toda a sua pompa a recebê-lo,
Pondo-lhe fim o príncipe brioso,
Prudente, sábio, e justo ali achando,
Porque seu mútuo júbilo remate
Com a tenra prole, as veneráveis tias,
Que o tempo desprezara, e que ansiosas,
Sem tocarem no porto, há muito aguardam,
Salva a pátria, e o Deus salvo, entra, a borda
O Rio suspirado, a quem deu nome
O mês grato, em que fora descoberto;
Onde após de corrupto, e d’estragado
O antigo pelo corso furibundo,
Eterna fronte erige ao Novo Mundo.
—SANTOS E SILVA ( Brasilíada, Canto 12)

 

FUNDAÇÃO DO IMPÉRIO BRASILEIRO

 

O naturalista inglês Mr. Mawer, que se achava em São Paulo quando a Coroa era portuguesa com a sua família e Corte se encaminhava para os seus estados do Brasil,(113) dando notícia da alegria geral, diz na sua obra que o bispo daquela cidade ordenou preces públicas para que o Céu favorecesse a viagem dos soberanos e da família real, e derramasse as suas bênçãos sobre – o novo império Brasiliense.

O Príncipe Regente, que vinha animado das melhores intenções, em viagem, na Bahia, deu começo a sua obra, principiando por quebrar as correntes que trancavam os portos do Brasil às nações do globo, com carta de lei de 28 de janeiro de 1808, franqueando desde logo as costas marítimas do Brasil ao comércio do mundo.

Ainda na Bahia, por decreto de 20 de fevereiro de 1808, criou naquela cidade o estabelecimento de uma casa de seguros.

Sem que descansasse das fadigas de tão longa viagem, no dia 10 de março, demitindo o Ministério que trouxe de Portugal, como já disse, organizou o 1º gabinete ministerial luso-brasileiro no Rio de Janeiro, para fundar com ele o seu novo império e a sua independência. No dia 11 criou as 3 secretarias de Estado.(114)

No 1º de abril revogou todas as proibições que havia sobre as fábricas e manufaturas no Estado do Brasil; e pelo alvará do dia 28 do mesmo mês, não só isentou de direitos as matérias-primas que viessem do estrangeiro para as fábricas do Brasil, como concedeu uma loteria de 60 mil cruzados, para favorecer as que necessitassem de auxílio, quer as fábricas fossem de nacionais, e quer de propriedade estrangeira; e não satisfeito com esses favores dados à indústria no país, ampliou sua proteção com o alvará de 11 de agosto de 1815, restabelecendo o ofício de ourives, e mais indústrias anteriormente proibidas pelo alvará de 5 de janeiro de 1785.(115) Criou a fábrica de pólvora pelo decreto de 13 de maio de 1808.

Pela Carta Régia de 3 de junho de 1808 elevou o bispo do Rio de Janeiro à dignidade de capelão-mor da casa real; e pela de 15 do mesmo mês e ano converteu a Sé Episcopal em capela real. Em 23 de agosto criou a Real Junta de Comércio, Navegação e Agricultura, e extinguiu a Mesa da Inspeção.

Pelo alvará de 12 de outubro de 1808, criou o Banco do Brasil, o que não pôde o comércio de Lisboa conseguir do Príncipe Regente desde 1800, que se empenhava por um estabelecimento igual; e pelo alvará de 16 de fevereiro de 1816 mandou criar outro banco na Bahia.

A miséria e orfandade desvalida não ficaram sem os seus benefícios, porque em 24 de setembro de 1808 fez baixar o alvará de proteção aos órfãos desamparados, e o de 29 de março do mesmo ano providenciou em favor do hospital dos lázaros do Rio de Janeiro.

No 1º de maio de 1808, por um manifesto, declarou guerra à França, dizendo à Europa que ele não a temia, porque já estava no seu império da América.

Pelo decreto de 13 de maio de 1808, criou a Imprensa Régia, e uma junta diretora para os trabalhos tipográficos.(116)

Pelo alvará de 10 de maio do mesmo ano elevou a Relação do Rio de Janeiro à categoria de Casa da Suplicação; e na parte da administração da justiça deu as mais acertadas providências, com o fim de evitar queixumes.

Para proteger a lavoura determinou, pelo alvará de 21 de janeiro de 1809, que fossem privilegiadas as propriedades rurais dos senhores-de-engenho.

A sua ilustrada e solícita atenção estendia-se por toda a parte.

O rápido desaparecimento da moeda de ouro na circulação mercantil o forçou a tomar medidas prontas para que o comércio não sofresse por falta de numerário, e para isso fez baixar o alvará de 20 de novembro de 1809, determinando que as casas da moeda do Rio de Janeiro e Bahia cunhassem moedas de 960 réis. Esta medida, filha da necessidade, fez aumentar o valor dos metais de ouro e prata.

A fonte da Carioca, não sendo suficiente para as necessidades do povo, mandou canalizar as águas do rio Comprido, e trazê-las ao campo de Santana, enquanto se não encaminhavam para o mesmo sítio as do rio Maracanã, o que teve lugar abrindo-se as torneiras dos chafarizes em sua presença, da Corte e de numeroso concurso de povo, no dia 13 de maio de 1809.

Neste mesmo dia criou a guarda real de polícia.

Mandou pelo alvará de 7 de junho de 1810 isentar dos dízimos e direitos de entrada e saída em todas as alfândegas, as especiarias colhidas nas plantações, que se estabelecessem no Brasil; e pelo alvará de 10 de dezembro de 1814 favoreceu a indústria da pescaria nos mares e rios do Brasil. Em 5 de maio deu liberdade às transações comerciais.

Criou no Maranhão uma Relação, e pelo alvará de 6 de maio de 1812 deu-lhe regulamento.

Pelo alvará de 8 de abril extinguiu o tribunal da junta dos três estados.

Pelo alvará de 11 de agosto de 1811 aboliu a Carta Régia de 30 de julho de 1766, franqueando aos ourives de ouro e prata trabalharem e negociarem nas obras que fizessem. Em 5 de setembro de 1881 promoveu o comércio de Goiás e Pará e a navegação fluvial dos grandes rios do Brasil.

Celebrou em 19 de fevereiro de 1810 com a Coroa da Inglaterra o tratado de comércio e navegação, e deu o primeiro passo para o acabamento da escravidão no Brasil.

Em 10 de março de 1813 concedeu privilégio aos que se empregassem na real fábrica de cartas de jogar.

Proibiu a devastação das matas, e mesmo o Corte das madeiras de lei, sem autorização legal.

Em 22 de janeiro de 1815 expressamente proibiu o tráfico de africanos ao norte do Equador.

Para facilitar o comércio, mandou criar, pelo alvará de 16 de fevereiro de 1816, na Bahia, um banco, e sucessivamente em todas as cidades e vilas caixas filiais ao Banco do Brasil, criado no Rio de Janeiro.

Para que os negócios públicos não marchassem sem maduro conselho, fez baixar o decreto de 2 de julho de 1816, ordenando que o Ministro da Marinha convocassem conferências de pessoas doutas para nelas se decidirem os pontos mais interessantes, em proveito das relações comerciais da monarquia luso-brasileira.

Pela carta de lei de 16 de dezembro de 1815, elevou o Brasil à categoria de Reino Unido aos de Portugal e Algarves: e pela carta de lei de 13 de maio deu armas ao reino do Brasil, incorporando-se em um só escudo as armas de Portugal, Brasil e Algarves.

Tendo falecido a Srª D. Maria I, rainha de Portugal, no dia 20 de março de 1816, em conseqüência da rebelião de 6 de março de 1817 em Pernambuco, adiou a sua Coroação e sagração, com toda a pompa, para o dia 6 de fevereiro de 1818, como rei luso-brasileiro, tendo a sede da sua monarquia na capital do Rio de Janeiro, donde não pretendia sair.

Nesse dia fez baixar o decreto da criação da nova ordem honorífica da Conceição da Vila Viçosa, a qual recebeu estatutos pelo alvará de 10 de setembro de 1819.

Seria longo enumerar os institutos e benefícios que em tão pouco tempo fez surgir o Sr. D. João VI em proveito do seu vastíssimo e novo império, se os acontecimentos de 24 de agosto de 1820 em Portugal não o forçassem a deixar o Brasil contra a sua vontade.

Tendo ele fundado o novo império brasileiro, e feito do Rio de Janeiro a capital da monarquia, deixando seu filho o Príncipe D. Pedro para o substituir e continuar na sua magnífica obra, com dor n’alma soube do contrário, porque o primeiro ato do Príncipe Regente, logo que desembarcou no arsenal de guerra, vindo de despedir-se de seu pai, a quem havia atraiçoado, foi, qual vândalo, acompanhado de trabalhadores do arsenal, armados de machados, desfeitear ao ex-intendente geral de polícia, Desembargador Paulo Fernandes Viana, valido de seu pai, mandando deitar abaixo as árvores e o jardim do Campo de Santana, hoje da Aclamação, que existia em frente da casa do fiel amigo do rei, o que ocasionou a morte repentina do desfeiteado, quatro dias depois da partida do Sr. D. João VI para Lisboa. Infeliz sucesso esse, e de mau agouro!

 

O SR. D. PEDRO, PRÍNCIPE REGENTE DO BRASIL, PRIMEIRO IMPERADOR, NO TÍTULO, CONJUNTAMENTE COM O SR. D. JOÃO VI, SEGUNDO IMPERADOR, PELO TRATADO DE RECONHECIMENTO E CESSÃO DO BRASIL

 

O Sr. D. Pedro de Alcântara nasceu no palácio de Queluz, em Lisboa, no dia 12 de outubro de 1798, batizado no dia 19 do mesmo mês, e casado em primeiras núpcias a 13 de maio de 1817, com a Senhora D. Maria Leopoldina Josefa Carolina, arquiduquesa da Áustria.

O Príncipe D. Pedro nasceu infante de Portugal, porque ainda vivia seu irmão o Príncipe D. Antônio, que faleceu em janeiro de 1805. Sem dúvida seria ele um dos melhores soberanos do mundo, se tivesse tido uma educação própria à sua alta hierarquia. Seu pai descuidou-se da educação dos filhos, e por isso D. Pedro dizia que sua mãe cuidara mais deles do que seu pai.

Antônio de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, não aprovando o desleixo da educação dos Príncipes D. Pedro e D. Miguel, dizia, que o Sr. D. João VI era tão egoísta, que se não importava com a educação dos filhos para ser depois da sua morte chorado, quando o comparassem com eles. Até a idade de 10 anos, ainda houve algum cuidado no Príncipe D. Pedro. Seu preceptor Fr. Antônio d’Arrábida, depois bispo de Animaria, que o amava extremosamente, não o constrangia a estudos. A vida do Príncipe D. Pedro, em S. Cristóvão, até 1820, era estar constantemente nas cocheiras, cavalharices, e picadeiro, tratando dos cavalos, chegando mesmo a sangrá-los e a ferrá-los com sua própria mão, e portanto, em contato com os lacaios, moços das cavalarias, e tudo quanto havia de ruim e vil.

Por essas más companhias, habituou-se o príncipe a ser desbocado e grosseiro, usando de expressões, que outro homem, por pouco educado que fosse, não as pronunciaria.

A princesa participava desse mau costume, e era pouco reservada em suas palavras, porque ignorando o valor das expressões de nossa língua, as ouvia constantemente na boca de seu marido.

D. Pedro montava muito bem a cavalo, e tinha bonita presença.

Governava na carruagem a 4 e 6 cavalos, e quase sempre de pé, porque tinha vaidade de governar bem animais.

Estas coisas concorreram para que o Príncipe Real passasse na opinião pública, por um homem sem juízo, e incapaz de reger povos, como soberano.

No entanto possuía ele uma bela alma, muita inteligência, um bom coração, amigo dos seus amigos, procurando a felicidade deles, mesmo nos negócios domésticos, e incapaz de vinganças.

Quando era sabedor de alguma desavença, quer doméstica, e quer entre as pessoas de sua amizade, ele empenhava-se pela reconciliação, sem tomar partido por um, ou por outro, ainda que algum dele, fosse seu valido.

O Príncipe D. Pedro tinha uma fisionomia tão insinuante, que era difícil estar-se mal com ele.

Senhor de suas ações, nunca se sabia quando estava bem, e nem quando estava mal.

Tratava a todos com a mesma familiaridade, rindo, gracejando, e dizendo ditos agudos, ou anedotas joviais.

Não obstante, tinha a língua ferina, porque de repente dizia quantos insultos lhe vinham à boca, desgostando as mesmas pessoas, a quem há pouco tinha feito os maiores agasalhos.

Todos o temiam, porque não sabiam quando ele estava de bom, ou mau humor; o que deu ocasião, já sendo ele Regente do Brasil, a um homem sido, que dele era muito amigo, dizer-lhe:

“Senhor, V. Alteza o melhor homem do mundo, quando se não lembra, quem foram os seus antepassados; mas torna-se insuportável, quando se recorda que é filho do Sr. D. João VI, porque então apresenta toda a soberba de sua família.”

O Príncipe D. Pedro, com a mesma facilidade que ria, zangava-se, e dava satisfações, desculpando-se, e mesmo abraçando a pessoa, que supunha ofendida.

Assim, não se podia estar mal com ele.

Geralmente todos o amavam.

Se teve inimigos, também possuía amigos sinceros e dedicados até o fim da sua vida.

Nos últimos tempos (1820), depois da revolução de 24 de agosto em Portugal, seduzido pelo Conde dos Arcos e pelos corifeus do partido revolucionário do Porto, teve idéias fixas de governar ainda com o pai vivo; e por isso planejaram e executaram a revolução de 26 de fevereiro de 1821.(117)

Estando a tropa e o povo no Largo Rocio (hoje praça da Constituição), pelas 6 horas da manhã (plano combinado), foram ao paço de S. Cristóvão, em comissão, Antônio Cotrim de Vasconcelos, Antônio Duarte Pimenta, Antônio de Pádua da Costa e Almeida, Cipriano José Soares, Francisco Romão de Góis, João Luz Ferreira Drummond, José Cupertino de Jesus, Luís da Gama, Manuel Lopes da Costa Dias, Manuel dos Santos Portugal, Marcelino José Alves Macamboa, e se puseram na varanda do paço, à espera de que viesse o camarista saber o que queriam, e isto acontecendo disseram que queriam falar a el-rei.

Sua Majestade, ao receber a notícia da comissão, composta de gente vulgar, e àquela hora, ficou angustiado, e quase convulso; mandou chamar o filho, para que fosse saber o que queria aquela gente; mas o príncipe, que de tudo estava inteirado, porque capitaneava os revoltosos, disse ao pai, que se tranqüilizasse, porque ele os acomodaria.

E encaminhado-se para os comissionados, com quem estava em relação, os ouviu, e voltando a dar resposta ao rei, lhe disse: “Aquela gente, vem em comissão pedir a Vossa Majestade a Constituição”; e voltou, sem ouvir de seu pai uma resposta decisiva.

Disse aos comissionados, que ele iria mesmo ao Rocio, levar a resposta de S. M. à tropa e povo.

O príncipe no ato de retirar-se disse à comissão que se entenderia com o pai e o capacitaria do que sabia, e certo este, de que seu filho o não traía, ordenou-lhe que fosse ao Rocio, e dissesse à tropa e ao povo, que ele dava a Constituição desejada. D. Pedro montou a cavalo, e veio ao Rocio, com um papel na mão, gritando para a tropa e povo: “O rei dá a Constituição.”

Imediatamente romperam os vivas à Constituição, ao rei e ao príncipe. Este apeando-se, e entrando para o salão do teatro de S. João, hoje S. Pedro,(118) acompanhado dos oficiais e comandantes dos corpos e dos corifeus da revolução; depois de demitir o Ministério, sem autorização do rei, seu pai, e fazer outras nomeações, esperou na varanda do teatro, que o rei passasse, com o seu estado, para o saudarem, e foi tanto o entusiasmo do povo, que ao passar o soberano, tiraram-lhe as bestas do carro, e o levaram à mão, até o paço da cidade.

O rei ia sem chapéu na cabeça, o que nunca acontecia, porque mesmo de carruagem, ele se não descobria. Todos o viram seguir muito triste, abatido e até caindo-lhe as lágrimas, apesar de as querer ocultar.

Chegando ao paço da cidade onde a multidão o foi cumprimentar e beijar-lhe a mão – (disseram-me pessoas contemporâneas), que em todo esse tempo parecia Sua Majestade um autômato, que se movia como queriam, e assinava o que se lhe apresentava.

Logo que chegaram as notícias da revolução de Portugal de 24 de agosto, se fizeram conferências por ordem do rei, para harmonizar os negócios públicos, em proveito da monarquia. As conferências eram feitas pelos ministros entre si, ou com os grandes da Corte. A mais importante delas foi feita na residência do Conde de Palmela, à Rua do Conde d’Eu nº 197, palacete, quase próximo à esquina da Rua de Catumbi.

Nesta conferência, composta de muitas pessoas das mais gradas do Rio de Janeiro, se decidiu que fosse o príncipe para Lisboa, como lugar-tenente de seu pai, para acomodar os negócios de Portugal, e ficasse o rei com a sua Corte no Rio de Janeiro.(119)

Esta decisão, resultado de judiciosas ponderações, ficou definitivamente assentada, e adotada por Sua Majestade, e para os seus efeitos, deram-se logo as providências, escolhendo-se o pessoal que devia acompanhar o príncipe, e dentre as pessoas lembradas, pediu ele ao pai, para levar consigo o Conde de Belmonte, e seu filho com suas famílias.

Este Conde de Belmonte, era um fidalgo muito considerado na Corte do Sr. D. João VI.

O Conde dos Arcos, como desejava que o príncipe ficasse, e que o rei fosse, principiou a trabalhar nos clubes revolucionários, e neles se decidiu que o rei saísse para Portugal e o príncipe ficasse no Brasil.

E tais coisas fizeram que, com admiração de todos, o rei se viu forçado a publicar o decreto de 7 de março de 1821, no qual manifesta o seu mais vivo e doloroso sentimento de deixar o Brasil, donde estava certo que não sairia mais.

Publicado o decreto de 7 de março, convinha empregar meios para acelerar a partida do soberano, e aproveitando os anarquistas a reunião popular, autorizada para o dia 20 de abril, destinada à eleição dos eleitores de paróquia, que tinham de eleger deputados ao Congresso constituinte de Lisboa, fizeram as desordens e mortes, que já mencionei, e largamente historiei nos meus livros o Brasil Reino e Brasil Histórico, apadrinhados pelo príncipe, com o fim de amedrontar o rei, e fazê-lo sair logo do Rio de Janeiro, o que efetivamente aconteceu.

Com a saída do soberano e de sua Corte, a cidade do Rio de Janeiro, capital do Reino Unido, se apoderou de um aspecto tão triste e sombrio, que parecia pressagiar a incerteza do seu futuro. Tudo se ressentiu, e aquela atividade, que se notava no comércio e nas artes, afrouxou de modo que ficaram até os espetáculos sem concorrência. Todos temiam o estado presente de cousas, e ninguém confiava no futuro, ocasionando muitos venderem os bens, para se porem a salvo, logo que circunstâncias os forçasse.

Depois da partida do rei, D. Pedro mudou de vida. Suas íntimas relações eram com o Conde dos Arcos, que era o maior entusiasta das Cortes, e por isso andava de casaca de saragoça, para imitar a vestimenta dos deputados de Lisboa, e queria que todos usassem do mesmo pano. O príncipe não falava senão em Cortes, em constituição, em Portugal; e que havia de ir para Lisboa, logo que as coisas no Brasil se arranjassem.

Entusiasmado por tudo o que era militar, dedicou-se muito a esta classe, e por isso organizou um exército e bem disciplinado.

O Conde dos Arcos amava o Brasil, e sentindo-se por muitas vezes contrariado pelo seu colega, o Conde de Lousã, tornaram-se inimigos.

O Conde dos Arcos queria o Brasil para o príncipe e para si; e o Conde de Lousã, queria o Brasil para Portugal somente. O Conde de Lousã estava de acordo com a tropa de linha de Portugal, iniciada no que se passava entre os dous ministros, esperava o Conde de Lousã ocasião oportuna, para se descartar de seu colega, que o contrariava.

Em fins de maio de 1821, como já referi,(120) chegaram ao Rio de Janeiro as bases da Constituição, decretadas pelas Cortes facciosas de Lisboa, com a declaração expressa que não era intensiva ao Brasil, enquanto não fossem aprovadas por seus deputados em Cortes.

Os deputados do Brasil ainda não tinham chegado a Lisboa, embora já houvessem no Brasil jurado a Constituição, que as Cortes estavam fazendo. O príncipe, influído pelo Conde dos Arcos, que era da opinião contrária, esperava que ela fosse concluída e jurada pelas Cortes e pelo soberano.

O Conde de Lousã entendeu diversamente, e sendo batido na conferência, recorreu clandestinamente à tropa, e esta logo depois começou a gritar, exigindo o juramento às bases da Constituição, e como não acreditasse em desordens, em vistas das promessas dos chefes militares, na madrugada do dia 4 de julho, montando a cavalo, foi para a fazenda de Santa Cruz; porém, ali estando refletiu que sem a sua presença na capital alguma coisa poderia haver, e às 11 horas da noite do mesmo dia, tornando a montar a cavalo, voltou para a Corte, onde chegou às 5 horas da manhã do dia 5, apresentando-se imediatamente no quartel do batalhão nº 3, aquartelado no campo de São Cristóvão.

Entendendo-se com o comandante, suspeitou a existência de uma conspiração militar, e como lhe não desse muita importância ao retirar-se dos quartéis, soube que o batalhão os deixara, indo-se reunir à força aquartelada no Largo do Moura, e que por fim se achava acampada no Largo do Rocio.

Informado o príncipe de tudo o que se dava na cidade, montou a cavalo e veio a Rocio (hoje Praça da Constituição), e perguntando à tropa o que queira, respondeu-se-lhe, “que jurar as bases da Constituição”. O príncipe tornou: “Jurar as bases da Constituição à ponta de baioneta é coisa intolerável.”

Ouvindo isso, o Padre José Narciso, que estava com os oficiais, disse ao príncipe que “ele era procurador do povo: que o povo queria jurar as bases da Constituição, demitir o Conde dos Arcos do cargo de ministro e nomear um governo provisório; e que a tropa unanimemente o apoiava neste sentindo, e que estava ali para sustentar e fazer efetiva a vontade do povo”.

O príncipe, depois de ouvir a arenga do Padre José Narciso, os convidou para o salão do teatro de São João, hoje de São Pedro, para se tratar do negócio, e infelizmente tudo o que o Padre José Narciso impôs, tudo se fez,(121) sendo vergonhosamente preso em sua própria casa (hoje Paço do Senado) o Conde dos Arcos, e nos mesmos trajes domésticos em que se achava, o levaram ao cair da noite, para bordo do brigue Treze de Maio, com o fim de seguir preso para Lisboa, saindo do porto do Rio de Janeiro no dia 10 de junho de 1821.

 

O PRÍNCIPE REGENTE DÁ CONTA A SEU PAI DOS MOVIMENTOS DO DIA 5 DE JUNHO, E SE PRONUNCIA CONTRA A CAUSA DO BRASIL

 

O príncipe foi muito censurado por não responsabilizar os autores do movimento revolucionário do dia 5 de junho e conseguir na deposição, prisão e deportação do seu dedicado amigo, Conde dos Arcos, Ministro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e de Estrangeiros, o qual foi substituído nos mesmos postos pelo Desembargador Pedro Álvares Diniz.

As censuras públicas, chegando-lhe aos ouvidos, principiou a desgostar-se da insubordinação da tropa, e deu conta a el-rei, seu pai, das ocorrências do dia 5, na carta do dia 8(122) de julho.

No entanto, tornou-se um verdadeiro militar, e muito entusiasmado por Jorge de Avilez Zuzarte, casado com uma formosa mulher; e por isso ia todos os dias com a princesa almoçar no quartel-general da Guarda Velha, onde foi secretaria do Império, com o general Avilez.

Eles comiam sós: Jorge de Avilez, com a mulher e a oficialidade que aí se achavam, ficavam à roda da mesa, em que comiam o Príncipe Regente e a princesa.

Jorge de Avilez tratava-se como um verdadeiro general de armas. Sua casa estava sempre cheia de oficiais, e com mesa franca e profusa; ele tinha camarote efetivo no teatro, e andava acompanhado sempre do seu estado-maior, levando vida de príncipe. Quando o general saía a cavalo com a mulher, o séquito era mais numeroso do que o que acompanhava o Príncipe Regente.

Sua Alteza D. Pedro, desejando ampliar as suas distrações, inventou para seu divertimento jantares na Quinta do Caju, à custa dos pobres oficiais de 1ª e 2ª linha, o que acontecia duas vezes por semana.

Os jantares corriam por conta dos oficiais, desde os tenentes-generais até os alferes, e para isso davam um mês de soldo, e quando não chegava para as despesas, faziam rateio entre si.

As mesas eram postas na rua da Quinta do Caju, embaixo das frondosas mangueiras. Os brindes davam-se em honra do rei, do príncipe, da Constituição e das Cortes de Lisboa.

A esses jantares não iam senhoras, à exceção da princesa e da mulher de Jorge de Avilez, de quem a princesa fingia ser amiga, pelas desconfianças que tinha, sentando-se ao pé dela, na mesa, e depois passeando com ela de braço, conversando e rindo.

No dia 24 de agosto de 1821, aniversário da revolução de Portugal, os oficiais de 1ª, 2ª e 3ª linha da Corte do Rio de Janeiro, e dos corpos de Marinha, ofereceram ao príncipe e à princesa um esplêndido e suntuoso baile no teatro São João, de que dei minuciosa descrição, nos nos 20 a 24 da 1ª série do meu Brasil Histórico, com o qual gastou-se 53 contos de réis, em moeda daquele tempo.

Os afetos do príncipe pelo General Jorge de Avilez mais se estreitavam, e os seus desejos de se retirar para Lisboa eram extraordinários.

No entanto, a vida do Príncipe Regente, no Rio de Janeiro, o exaltamento da tropa e os desatinos das Cortes, os movimentos do dia 26 de fevereiro e dos dias 20 e 21 de abril, davam muito que cuidar às pessoas bem-intencionadas, que acompanhavam a marcha dos negócios públicos; e por isso, combinaram alguns indivíduos nascidos em Portugal e no Brasil, formar um centro social,(123) para preparar o país à resistência, no caso de alguma violenta mudança política, e por isso em 24 de junho de 1821, em casa do Capitão-de-Mar-e-Guerra José Domingues de Ataíde Moncorvo, sita na Rua do Fogo, hoje dos Andradas, esquina das Violas, se reergueram as colunas da Loja Maçônica Comércio e Artes, abatidas desde 1815, e a ela reuniu-se tudo o que havia de importante na Corte e província do Rio de Janeiro, em modo que o seu pessoal tornou-se tão numeroso que em 24 de junho de 1822 foi esta loja dividida em mais duas ( União e Tranqüilidade e Esperança de Niterói) e formaram o Grande Oriente do Brasil, para o magno fim da resistência aos desatinos das Cortes de Lisboa. Eram membros das oficinas cidadãos importantes nascidos em Portugal e no Brasil,(124) cujos nomes gloriosos foram extraídos do livro de ouro do Grande Oriente do Brasil para os meus trabalhos históricos.

Desde a instalação da Loja Comércio e Artes, o espírito público mudou de fisionomia no Rio de Janeiro, e mais se desenvolveu depois do baile de 24 de agosto, e o Príncipe Regente, reconhecendo que esse espírito público se pronunciava contra a união política e governamental com Portugal, no dia 2 de setembro do mesmo ano de 1821, escrevendo a el-rei seu pai, diz que sentindo de dia para dia apurarem-se as circunstâncias, demitiu no dia 4 de outubro o Ministro Pedro Álvares Diniz, por não querer referendar o decreto de demissão do Intendente-Geral de Polícia Luís Pereira da Cunha, depois Visconde de Alcântara, que por sua indolência, pouca atividade e pouco amor e interesse pela Constituição portuguesa, era incapaz de ser Ministro, sendo substituído pelo Desembargador Francisco José Vieira. Conta mais nela os acontecimentos de Pernambuco e Bahia, desfavoráveis a Portugal.

A retirada do gabinete do Ministro Pedro Álvares Diniz, no dia 4 de outubro, causou grande sensação, e falou-se da existência de um plano, para exterminar a tropa portuguesa, e declarar o Brasil independente do governo de Lisboa. Na noite desse dia 4, o Visconde do Rio Seco, depois Marquês de Jundiaí, prendeu em sua casa um furriel ou cabo do regimento de cavalaria, que o fora convidar para proteger com dinheiro a revolução que se preparava.

O príncipe, na carta ao rei, do dia 5, diz: que estando à noite no teatro, recebeu a notícia da prisão do furriel ou cabo que fora preso pelo visconde, no ato de lhe entregar uma proclamação, em que o convidava para entrar na desordem, em que já tinha falado na carta do dia 4: “A independência tem-se querido cobrir comigo e com a tropa; com nenhum conseguiu e nem conseguirá, porque a minha honra e a dela é maior que TODO o Brasil.

“Queriam-me e dizem que me querem aclamar Imperador. Protesto a Vossa Majestade que nunca serei PERJURO, que nunca serei FALSO, e que eles farão essa loucura, mas será depois que eu e todos os portugueses estivermos feitos em postas: é o que JURO a Vossa Majestade, à Nação e à Constituição.”

O furriel e alguns oficiais foram presos e processados, e o Príncipe Regente deu tanta importância a este acontecimento, que foi em pessoa várias vezes, no quartel-general, a fim de informar-se do estado do processo.

O príncipe acreditou que o motivo da prisão do furriel era uma realidade, e no dia 6 de outubro de 1821 dirigiu-se ao povo fluminense com a seguinte proclamação:

 

“PEDRO AOS FLUMINENSES

 

“Que delírio é o vosso? Quais são os vossos intentos?

“Quereis ser perjuro ao rei e à Constituição? Contais com a minha pessoa para fins que não sejam provenientes e nascidos do juramento que eu, tropa e constitucionais, prestamos no memorável dia 26 de fevereiro? De certo que não quereis; estais iludidos, estais enganados e em uma palavra, estais perdidos, se intentardes uma outra ordem de cousas, se não seguirdes o caminho da honra e da glória, em que já tendes parte, e do qual vos querem desviar cabeças esquentadas, que não têm um verdadeiro amor de el-rei, meu pai, o Sr. D. João VI, que tão sábio como prudentemente nos rege(125) e regerá, enquanto Deus lhe conservar tão necessária como preciosa vida; que não tem religião, e que se cobrem com peles de cordeiros, sendo entre a sociedade lobos devoradores esfaimados.

“Eu nunca serei perjuro nem à religião, nem ao rei, nem à Constituição; sabei o que eu vos declaro em nome da tropa e dos filhos legítimos da Constituição, que vivemos todos únicos; sabei mais, que declaramos guerra desapiedada e cruelíssima a todos os perturbadores do sossego público, a todos os anticonstitucionais desmascarados. Contai com o que eu vos digo, porque quem vo-lo diz é fiel à religião, ao rei e à Constituição, e que por todas estas três divinais causas, estou, sempre estive e estarei pronto a morrer, ainda que fosse só, quanto mais tendo tropa e verdadeiros constitucionais, que me sustêm por amor, que mutuamente repartimos, e por sustentarem juramento tão cordial e voluntariamente dado. Sossego fluminense. – Príncipe Regente.”

Aqui temos o homem inimigo da causa do Brasil até o dia 9 de outubro, cheio de amores pela Constituição, pelo rei e pela religião, e tão fiel ao seu juramento, que não duvida morrer por essas divinais causas.

No dia 9 de outubro, escrevendo ao rei, lhe diz: que remeteria os presos processados para Lisboa, no brigue Principezinho, que estava a sair.

No meu livro, Brasil Reino e Brasil Império, tratando deste fato à página 84, entre outras reflexões, mostrei a leviandade com que o príncipe, escrevendo a seu pai, afirmou que os revoltosos o queriam fazer imperador, mas que para isso era necessário primeiro matá-lo e a todos os portugueses, e que JURAVA com o seu SANGUE ser-lhe sempre fiel.

Estas palavras escreveu ele com sangue ou com tinta vermelha, o que causou grande hilaridade no congresso de Lisboa, quando foi aí lida a carta pelo secretário.

 

A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO ELEGE A SUA JUNTA PROVISÓRIA

 

O Conselheiro Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, formado na Universidade de Coimbra, tornou-se muito saliente por seus talentos, e o governo da Srª D. Maria I, o apreciando muito, mandou viajar o ilustre brasileiro pela Europa, onde não só colheu grande cópia de conhecimentos, como contraiu relações com os sábios de maior nomeada dos lugares por onde andou.

Voltando a Portugal rico de ciência e de prestígio, foi divulgar os seus conhecimentos na Universidade de Coimbra, como professor de Metalurgia, sendo depois nomeado intendente-geral das Minas e Metais do Reino, superintendente do rio Mondego e obras públicas, e se lhe concedendo a carta do conselho, empregos que lhe davam rendimentos para uma existência sem cuidados.

Aposentado no professorato foi viver em Lisboa, e logo chamado para exercer o honroso encargo de secretário da Academia Real das Ciências. Não se acomodando bem com a sociedade lisbonense, resolveu passar-se para o província de São Paulo, o que efetivamente aconteceu, embarcando-se de Lisboa para o Brasil em setembro de 1819.

Não pude encontrar no telégrafo marítimo da Gazeta do Rio o dia da chegada de José Bonifácio à então capital do reino. O que sei é que Sua Majestade lhe mandou abonar os seus vencimentos com os quais subsistia na vila de Santos, lugar de seu nascimento, e o convidou para reitor da nova Universidade que ia criar no Brasil.

A província de São Paulo não foi indiferente aos acontecimentos do dia 26 de fevereiro, porque o bando do dia 23 de março de 1821, publicando a adoção do novo sistema constitucional na província, mostrou a sua adesão à nova ordem das cousas. Os paulistas, em 7 de março (dias antes) tinham dado instruções para a eleição dos seus deputados às Cortes constituintes portuguesas. Com o decreto que autorizou o juramento às bases da Constituição, foram elas juradas em Itu e outros lugares da província. Despertados os ânimos com as idéias da liberdade civil e política, José Bonifácio as adaptou, propondo movimentos pacíficos, e certos paulistas que José Bonifácio afagava os mesmos sentimentos que eles, cuidaram na organização e instalação de um centro administrativo provisório, composto de homens sábios e patriotas. Alimentados com estes sentimentos, marcou-se o dia em que a tropa e o povo deveriam comparecer, e foi o dia 23 de maio o aprazado, e ao amanhecer deste dia, achando-se a praça do Senado da Câmara cheia de povo, e tocando a sineta a rebate, acudiram os vereadores da câmara e se achando todos reunidos, foi uma deputação à casa de José Bonifácio, para o convidar(126) e vir tomar parte na festa do dia, e presidir à eleição. Comparecendo logo, foi vistoriado pela tropa e pelo povo; indo outra deputação convidar o ouvidor.

José Bonifácio propôs que a eleição do pessoal do governo provisório fosse por aclamação e pediu que todo o concurso fosse para a praça, e da janela, em presença da câmara com seu estandarte fora, propôs para presidente o Ex.mo general-brigadeiro João Carlos Augusto Oyanheausen e vice-presidente – o Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva.

Pelo Comércio

O Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão.

O Coronel Francisco Inácio de Sousa Queirós.

Pela Lavoura

O Dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro.

O Tenente-Coronel Antônio Maria Quartine.

Pelo Clero

O Cônego Arcipreste Felisberto Gomes Jardim.

Dito Tesoureiro-Mor João Ferreira de Oliveira Bueno.

Pelas Ciências

O Padre mestre de Filosofia, Francisco de Paula Oliveira.

O professor de gramática, Tenente-Coronel André da Silva Gomes.

Pela Milícia

O Coronel Daniel Pedro Muller.

O Coronel Antônio Leite Pereira da Gama Lobo

Secretários

Do Interior e Fazenda o Coronel Martim Francisco Ribeiro do Andrada e Silva.

Da Marinha, o Chefe-de-Esquadra Miguel José de Oliveira Pinto.

Da Guerra, o Coronel de Caçadores Lázaro José Gonçalves.

Constituído assim o governo provisório de S. Paulo, foi-lhes deferido o juramento e lavrada a ata, passaram a assistir ao Te-Deum, que foi celebrado na Sé, havendo-se prestado juramento de obediência a el-rei, às Cortes, e ao Príncipe Regente, ao governo provisório e às bases da Constituição.

O Coronel Antônio Leite, e o Tenente-Coronel Antônio Maria Quartine, no dia 30, seguiram para o Rio a cumprimentar o Príncipe Regente e dar-lhe parte do acontecido.

A província estava tranqüila, porém a tropa se conservava mal paga e certa que pelo decreto de 22 de abril, el-rei lhe tinha aumentado o soldo, e etapa, julgou sublevar-se no dia 29 de junho em Santos e causando grandes apreensões, por fim depuseram as armas, à força de persuasões e de promessas.

No Rio de Janeiro diversos acontecimentos tiveram lugar (Vide O Brasil Reino) como largamente contei.

As Cortes facciosas de Portugal, tendo em vista reduzir o Brasil Reino, ao primitivo estado de colônia portuguesa, e até fechar-lhe os portos, sem calcular as conseqüências de semelhante pretensão, fizeram baixar dois decretos em 29 de setembro de 1821, em que mandam sair o Príncipe Regente do Rio de Janeiro e ordenam a desmembração do reino do Brasil em províncias isoladas, dependentes todas do governo de Portugal.

Estes decretos foram a luva atirada, por uma assembléia de loucos, ao Brasil, para acelerar a sua separação política.

O bergantim de guerra Infante D. Sebastião, entrado no dia 9 de dezembro, com os mencionados decretos, produziu no Rio de Janeiro profunda impressão em toda a cidade, porém não se sabia com certeza, o que de boca em boca corria, porque a repartição do correio não distribuiu para os particulares na mesma tarde do dia 9, as cartas e os jornais, e só no dia seguinte foi que toda a cidade teve perfeito conhecimento dos decretos e atitude das Cortes em relação ao Brasil.

O Capitão-Mor José Joaquim da Rocha, sabendo na rua da existência dos decretos, empenhou-se em obter um Diário das Cortes, e certo da força das ordens mandadas, chegando em casa, comunicou a seu irmão e a alguns amigos o seu pensamento.

Depois de combinarem nos meios, enviaram o camarista do Príncipe Francisco Maria Veloso Gordilho de Barbuda, depois Marquês de Jacarepaguá, português, pedindo-lhe que não saísse do Brasil, e o príncipe respondeu, que em vista dos decretos ficaria no Brasil, se três províncias, por meio de representações, lhe pedissem que ficasse; e certos eles da resolução do príncipe, mandaram para S. Paulo, no dia 20 de dezembro, Pedro Dias de Macedo Pais Leme, com ofícios e cartas para o governo provisório e para Martim Francisco; e ao mesmo tempo seguiram para Minas o Cônego Januário da Cunha Barbosa e outros, com o mesmo fim.

Pedro Dias chegou a S. Paulo, no dia 23 à noite, e entregando a José Bonifácio os ofícios, este no dia seguinte (24), reuniu o governo, e em nome da província redigiu o ofício, que o governo provisório mandou pedir ao príncipe que ficasse no Brasil, cujo oficio, conduzido por Pedro Dias de Macedo Pais Leme, foi recebido no dia 1º de janeiro de 1882.

Antes do recebimento do ofício do governo de S. Paulo, apareceu o periódico Regenerador, escrito pelo Dr. França Miranda, que muito influiu para desvanecer os receios dos ânimos timoratos.

O príncipe, por esse tempo já em relações íntimas com os principais obreiros da independência política, marcado o dia 9 de janeiro para o ato solene, em que a câmara do Rio de Janeiro devia pedir ao Príncipe Regente que ficasse no Brasil, o que aconteceu no mencionado dia 9 de janeiro, respondendo ele: – “Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico.”

Tudo isso se efetuou na capital do reino do Brasil, sem a presença dos Andradas, embora fosse o governo de S. Paulo o primeiro que enviou a sua manifestação pelo expresso, que recebera do Rio de Janeiro.

Desde o dia 9 de janeiro de 1822, o Ministério português tendo pedido a sua demissão, que não foi aceita, não quis mais assinar o expediente, o que forçou o príncipe no dia 16 de janeiro a organizar novo Ministério, e quando se esperava que fosse ele composto de portugueses e brasileiros, viu-se nessa organização ministerial predominar no ânimo do príncipe o elemento europeu, porque foram nomeados três portugueses, e apenas José Bonifácio para a pasta do Reino, Justiça e Estrangeiros, por saber falar sete línguas e ser conhecido na Europa.

José Bonifácio chegou ao Rio de Janeiro no dia 16 de janeiro, e entrou na cidade no dia 17, e foi lembrado antes para compor o Ministério pelos influentes do tempo.(127)

José Bonifácio, em 1821, não queria o desmembramento do reino do Brasil do de Portugal, porque recebendo do erário régio 18 mil cruzados, não lhe convinha a incerteza com a mudança da nova ordem de cousas políticas; mas sabe-se que seu irmão Antônio Carlos, constantemente lhe escrevia de Lisboa, em favor da causa do Brasil. Era então, como já vimos, José Bonifácio vice-presidente do governo de S. Paulo, e vindo ao Rio de Janeiro como relator da comissão, enviada pela província de S. Paulo, já achando tudo feito, tomou conta das pastas, e deu começo a dirigir os negócios públicos, e pelo modo que já mostrei ao leitor.

No dia 3 de julho deste mesmo ano de 1822, fez entrar seu irmão Martim Francisco, para o Ministério da Fazenda.

No dia 7 de setembro de 1822 foi o grito da independência, nas margens do Ipiranga, andando o Príncipe Regente com disenteria.

No dia 28 de outubro, depois da aclamação do Imperador demitiu-se José Bonifácio para ser reintegrado no dia 30 do mesmo mês, mandando processar muitos beneméritos, que antes que ele haviam-se empenhado pela independência política do Brasil. No entanto, fez bons serviços à Bahia, na qualidade de Ministro d’Estado. Por veementes suspeitas de uma conspiração contra a pessoa do Imperador, foi demitido o Ministério Andrada, no dia 17 de julho de 1823; e assim que se viram fora do poder, começam a conspirar contra o governo do Imperador, já nos periódicos Tamoia e Sentinela, e já na Assembléia Constituinte Legislativa, forçando o Imperador a dissolver a mesma assembléia a ponta de baioneta, quando principiava a discussão do projeto da Constituição, chamada de “Farinha de Mandioca”, que tinha de consolidar e firmar a independência política do Brasil sendo presos e deportados os Andradas, como viu o leitor, em cujo desterro estiveram 6 anos; forçando deste modo ao Imperador dar um projeto de Constituição, sobre o qual ninguém ousou emitir juízo algum em presença do terror do tempo.

 

DOCUMENTOS JUSTIFICATIVOS – BELEZAS DO TEMPO

 

DECRETO DE 19 DE NOVEMBRO DE 1823

 

“Tendo-me sido presente o requerimento que D. Bárbara Emília Adelaide Fernandes Pinheiro fez subir a minha real presença, em que se queixa da sentença proferida na Casa da Suplicação sobre o homicídio de seu marido José Joaquim da Cunha, pela qual sentença foram absolvidos Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e seu irmão Francisco Eugênio de Andrada, que se consideravam mandantes do referido homicídio, e condenados a degredo João Ribas e Vitoriano, que se entendiam serem mandatários do mesmo homicídio, pedindo a suplicantes que eu fosse servido nomear mais juízes para decisão dos embargos, com que a suplicante pretende opor-se à dita sentença; e havendo eu considerado quanto convém que em casos tão atrozes como é o do que se trata, e de tão difícil exame, se facilitem todos os meios concernentes a descobrir a verdade, ou seja para que mais amplamente se manifeste a inocência dos réus, ou seja para os reconhecer como tais para serem rigorosamente punidos, e para que o exemplo de um severo castigo haja coibir semelhantes atentados, que tanto ofendem a segurança pública e doméstica, de que quero que os meus fiéis vassalos hajam de gozar debaixo do meu supremo e paternal governo: sou servido que o chanceler da Casa da Suplicação, que ora serve de regedor da mesma casa, haja de nomear mais quatro juízes, além dos que o foram na sentença, para julgarem com eles os embargos à mesma sentença que a suplicante tiver oferecido. O chanceler da Casa da Suplicação o tenha assim entendido e faça executar – Palácio da Real Fazenda de Santa Cruz, 19 de novembro de 1813 – com a rubrica do Príncipe Regente Nosso Senhor.”

 

O QUE DECIDIU JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA ADERIR À CAUSA DO BRASIL, ANTES DE SER MINISTRO

 

DECRETO DE 14 DE MAIO DE 1821

 

“Tomando em consideração os bons serviços praticados com muita inteligência pelo Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, do conselho de el-rei meu senhor e pai, nos empregos que ocupa em Portugal, de intendente geral das minas e metais do reino, superintendente do rio Mondego e obras públicas da cidade de Coimbra, e lente da cadeira de metalurgia na Universidade de Coimbra: Hei por bem fazer-lhe mercê da metade dos vencimentos que percebia pela real fazenda em Portugal, sendo-lhe paga a quartéis a título de pensão pela junta da fazenda da província de S. Paulo. – O conde da Lousã, D. Diogo de Meneses, etc. – Paço, 14 de maio de 1821. – Com a rubrica do Príncipe Regente.”

 

PARA A DEPORTAÇÃO

 

DECRETO DE 18 DE NOVEMBRO DE 1823

 

“Hei por bem, que enquanto eu não mandar o contrário, se pague pelas folhas das pensões, e na forma do estilo, a José Bonifácio de Andrada e Silva, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, José Joaquim da Rocha e Francisco Jê Acaiaba de Montezuma, a quantia de 1.200$000, de que faço mercê a cada um deles anualmente; e bem assim ao Padre Belchior Pinheiro de Oliveira de 600$000 pagando-se-lhe logo três meses adiantados por uma vez somente. – Mariano José Pereira da Fonseca, etc. – Palácio do Rio de Janeiro, 18 de novembro, de 1823, 2º da Independência e do Império. – Com a rubrica de S. M. Imperial. – Mariano José Pereira da Fonseca.

 

O IMPERADOR MANDANDO PROCESSAR OS ANDRADAS COMO ARQUITETOS DA RUÍNA DA NAÇÃO EM CARÁTER DE SEDICIOSOS

 

DECRETO DE 24 DE NOVEMBRO DE 1823

 

“Tendo-se promovido a ruína da pátria por todos os meios capazes de produzir uma verdadeira sedição, e a mais horrorosa anarquia, havendo acontecido os fatos desastrosos nesta cidade, não só fora, mas dentro da Assembléia, por pessoas armadas que concorram às galerias para tirar a livre deliberação dos honrados deputados, como com efeito tiraram nos dias 10, 11 e 12 do corrente, que me obrigaram a lançar mão de meios fortes, necessários porém para evitar os males eminentes, e restabelecer ordem, tranqüilidade e segurança publica, devendo indagar-se e averiguar-se quem foram os autores e promotores de tão nefando atentado, não só para não ficarem impunes os réus destes atrozes delitos, como convém ao bem da salvação da pátria, mas também para se chegar ao conhecimento dos planos e manobras dos que os conceberam e pretenderam verificá-los, a fim de se prevenirem e acautelarem quaisquer outras tentativas que perturbem a paz pública e particular dos habitantes desta cidade, e mais súditos deste império; e havendo-se servido os autores de tão horrenda conjuração de espalhar doutrinas sediciosas por meio de periódicos em que se difundiam princípios subversivos da ordem pública, desacatando-se a minha imperial pessoa, imputando-se ao governo procedimentos sinistros, espalhando-se e fomentando-se o espírito de partido por motivos de naturalidade: hei por bem ordenar que se proceda à devassa sem limitação de tempo, nem determinado número de testemunhas, na qual se indagarão particular e separadamente todos os fatos tendentes a promover e realizar a pretendida sedição, já por meio dos referidos escritos, já pela convocação de pessoas armadas, que dentro e fora da assembléia sustentassem proposições e discursos desorganizadores e já finalmente por quaisquer outros meios criminosos. E servirão de corpo de delito não sómente estes horrorosos fatos, mas os periódicos intitulados Tamoio e Sentinela da Liberdade, à beira-mar da Praia Grande, e quaisquer outros escritos incendiários nos quais existam proposições escandalosas, e imediatamente tendentes a promover a premeditada sedição; e para juiz da referida devassa nomeará o conde regedor das justiças, um desembargador da Casa de Suplicação, em quem concorram as partes de saber, sisudo discernimento e inteireza, servindo de escrivão um ministro, que nomeará também o mesmo conde; e, finda que seja a devassa, mandará proceder na forma da lei. O referido corregedor o tenha assim entendido e o faça executar com os despachos necessários, recomendando ao ministro que houver de nomear, toda a ordem e regularidade nesta diligência. – Paço, 24 de novembro de 1823, 2º da Independência e do Império. Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador. – Clemente Ferreira França.

 

PORTARIA DE 9 DE OUTUBRO DE 1824

 

“Manda S. M. Imperial pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, remeter ao desembargador corregedor do crime da Corte e casa as oito cartas inclusas, escritas de Bordeaux por Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Antônio Carlos de Andrada; para que o mesmo corregedor, mandando reconhecer as assinaturas de umas e outras, as faça unir à devassa em que ambos estão pronunciados. – Palácio do Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 1824. – Clemente Ferreira França.”

 

REGRESSO DOS ANDRADAS DO DESTERRO NA EUROPA

 

16 DE JANEIRO DE 1828

 

“Il.mo e Ex.mo Sr. – Constando-nos, por jornais de Paris, que somos citados por editos para responder a um processo cuja matéria ignoramos, mas que enfim apareceu depois de quatro anos de existência, participamos a V. Exª, que partimos no primeiro navio que deste porto sai em dias de abril, e nos apresentaremos à prisão para sermos ouvidos em nossa defesa, como exige nossa inocência e dignidade. E desde já protestamos contra todos os processos que se houverem dado em nossa ausência ilegalmente; primeiro pela falta de verdadeira citação, não sendo admitidos na forma de direito edito contra nós, cuja residência forçada na França, nesta cidade de Bordéus é conhecida por V. Exª, e mais membros do governo de S. M. Imperial, que para este país nos enviaram um golpe de Estado, e que aqui nos pagam pensões por via da legação brasileira de Londres, o que não pode nem deve ser ignorado pela magistratura; segundo por ser insuficiente o tempo de seis meses para o reino de França, na forma da ordenação, e tornar ilusória a natural defesa; terceiro porque com o nosso comparecimento caduca, segundo a lei, tudo quanto for processado sem a nossa audiência. Esperamos que V. Exª fará comunicar, onde convier, o presente protesto, que igualmente fazemos publicar nos periódicos deste país. Bordéus, 16 de janeiro de 1828. – Il.mo e Ex.mo Sr. Corregedor das justiças. – Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. – Martim Francisco Ribeiro de Andrada.

 

AVISO DE 9 DE JUNHO DE 1828

 

“Havendo participado Antônio Carlos de Andrade Machado e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que vinham apresentar-se à prisão para responderem a um processo, para o qual haviam sido citados por edito, como lhes compara pelas folhas de França, protestando contra a ilegalidade de tal citação, não só por ser constante o lugar onde os mesmos se achavam por ordem do governo, mas também por que era ilusório o termo que se assinara na mesma citação, e porque com o seu comparecimento caducava, na forma da lei, qualquer procedimento: ordena S. M. que, quando juntar ao respectivo processo a presente, expeça as convenientes ordens, a fim de que, logo que os mesmos chegarem ao porto desta cidade, sejam recolhidos a uma prisão decente em qualquer das fortalezas, para nela tratem do seu livramento. Deus guarde a V. M. – Paço, 8 de junho de 1828. – Lúcio Soares Teixeira de Gouveia. – Sr. Desembargador Corregedor do crime da Corte e casa.”

 

AVISO DE 28 DE JULHO DE 1828

 

“Sua Majestade o Imperador manda remeter a V.M. o requerimento incluso a Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, para que, achando-se terem sido apensadas injuridicamente as cartas de que os suplicantes tratam, em relação se lhes possa deferir como for de direito, não obstante a portaria que as mandou apensar à devassa em que os mesmos se acham pronunciados. Deus guarde a Vmcê. Paço, 28 de julho de 1828. – José Clemente Pereira. – Sr. Desembargador Corregedor do crime da Corte e casa.”

 

REQUERIMENTO

 

“Il.mo e Ex.mo Sr. Ministro da Justiça. – Dizem Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada Machado que, sendo eles pronunciados em uma devassa tirada por uma suposta sedição, e nessa depois se apensaram à dita cartas particulares dos ditos suplicantes, dirigidas a parentes seus carnais e espirituais, tudo por aviso do Ministro da Justiça de então; e como a dita remessa e apensamento sejam incuriais e insustentáveis: primeiro, por se violar o segredo das cartas, caindo-se no delito proibido no art. 170, § 27 da Constituição, e pela Ord. Liv. 5º, tit. 8º, § 5º; segundo, por se achar já encerrada a devassa em março de 1824, e ser o apensamento em outubro do mesmo ano, e não havia mais lugar o dito apensamento; terceiro, por não dizerem as mesmas cartas a menor relação a fato algum que se inquirisse na devassa; quarto, porque, qualquer que fosse o contexto nas ditas cartas, não pertencia o seu conhecimento às justiças do Brasil, mas às de França, onde foram escritas, as quais seriam somente as competentes para o dito conhecimento, segundo o direito público. Protestam porém, os suplicantes, que as ditas cartas nada contêm que lhes possa prejudicar, que tudo quanto dizem nelas sendo pura verdade, ao menos na convicção dos suplicantes, não pode recair em crime algum segundo as leis do Império; mas como contêm segredos de família, não desejam continuem a ficar patentes a olhos indiscretos; e sendo pela Secretaria da Justiça mandada apensar, por ela também deve ser mandadas desapensar. Portanto, pedem a V. Exª digne-se mandar desapensar as ditas cartas, indiscretamente enviadas e apensadas. – Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. – Martim Francisco Ribeiro de Andrada.”

 

AVISO DE 2 DE OUTUBRO DE 1829

 

“Il.mo e Ex.mo Sr. – Não existindo nesta secretaria de Estado a informação que deu o chanceler da Casa da Suplicação sobre os Ministros que infringiram as leis no processo crime de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, por ter sido remetida à Câmara dos Deputados, não pode nesta parte ser satisfeita a exigência que V. Exª. dela fez pelo seu ofício de quatro do mês antecedente, em conseqüência do despacho preparatório do Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, a quem foram distribuídos os papéis que acompanharam a portaria desta secretaria de Estado, de vinte e quatro de julho passado, podendo apenas enviar a V. Exª as cópias inclusas do decreto de vinte e quatro de novembro de mil oitocentos e vinte e três, que ordenou a devassa em que foram pronunciados os sobreditos Andradas, da portaria de 9 de outubro de 1824, pela qual se mandaram unir diversas cartas à mesma devassa; podendo V. Exª, quanto ao processo crime, de que se faz menção no despacho do referido Ministro, solicitá-lo pelos meios legais do juízo da correição do crime da Corte e casa, onde deverá existir. Deus guarde a V. Exª. – Paço, 2 de outubro de 1829. – Lúcio Soares Teixeira de Gouveia. – Sr. José Albano Fragoso.

 

PORTARIA DE 13 DE DEZEMBRO DE 1823

 

“Sua Majestade o Imperador, sendo-lhe presente com o ofício do desembargador corregedor do cível, interino, de 12 do corrente, um punhal, que foi achado em um dos quartos da casa da assembléia geral, na ocasião em que se fazia inventário dos papéis e movéis que nela ficaram: manda, pela secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, restituir ao mesmo Ministro o referido punhal, e o auto da sua achada, que acompanhou o seu ofício, a fim de fazer ajuntar tudo à devassa a que está procedendo; e, porque seria conveniente, para melhor esclarecimento dela, reconhecer-se o dono do mesmo punhal, recomenda se façam para esse efeito, todas as diligências e indagações. – Palácio do Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1823. – Clemente Ferreira França.

Em apenso no processo formado por virtude do decreto de vinte e quatro de novembro de mil oitocentos e vinte três:

 

PORTARIA DE 29 DE DEZEMBRO DE 1823

 

“Manda S. M. o Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, declarar ao desembargador José Teixeira da Mata Bacelar, em reposta ao seu ofício de dezesseis deste mês, que, sendo necessário chamar algumas pessoas (seja qual for a sua graduação e emprego) a jurar na devassa de que fora encarregado, por decreto de vinte quatro de novembro último, o referido Ministro poderá fazer, dirigindo aos chefes das repartições civil ou militar a que pertençam, a necessária participação, em conseqüência da qual todos se prestaram a um ato legal, e que tanto se compadece com os princípios da sã justiça. – Palácio do Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1823. – Clemente Ferreira França.

 

PORTARIA DE 29 DE DEZEMBRO

 

“Manda S.M. Imperial, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, remeter os inclusos autógrafos do periódico intitulado Tamoio, ao desembargador José Teixeira da Mata Bacelar, juiz encarregado da devassa determinada no decreto de vinte quatro de novembro último, a fim de que o dito Ministro faça não só reconhecer por dois tabeliães a letra do seu autor, e a de um bilhete que tem a assinatura – Meneses, e que declara a sua responsabilidade no referido periódico, podendo verificar-se a qual dos Meneses pertence, se ao da chancelaria-mor, se ao da alfândega, pela confrontação do dito bilhete com a letra de um e outro naquela repartição, mas também averiguar e indagar a de todos os que escreveram e colaboraram no referido periódico: manda outrossim o mesmo augusto senhor remeter dois papéis que comprovam a responsabilidade de Grandona, redator da Sentinela, à beira-mar da Praia Grande, um deles já reconhecido, para se ajuntarem à devassa, o recomendar ao sobredito Ministro, que todos estes papéis (principalmente os que contiverem princípios subversivos da boa ordem, de que alguns vão notados com uma estrela) sejam apresentados às testemunhas para que se descubra o sinistro fim daqueles periódicos, até aparecer com toda a clareza. – Palácio do Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1823. – Clemente Ferreira França.

 

PORTARIA DE 9 DE OUTUBRO DE 1824

 

“Manda S. M. Imperial pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, remeter ao desembargador corregedor do crime da Corte e casa as oito cartas inclusas, escritas de Bordeaux por Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Antônio Carlos de Andrada, para que o mesmo corregedor, mandando reconhecer as assinaturas de umas e outras, as faça unir à devassa em que ambos estão pronunciados. – Palácio do Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1824. – Clemente Ferreira França.

 

JOSÉ BONIFÁCIO FAZENDO COM A SUA MÃO, O SEU PRÓPRIO RETRATO

 

No desterro José Bonifácio se revelou mais claramente, porque possuindo eu a correspondência original de José Bonifácio, Martim Francisco, Antônio Carlos, com o Conselheiro Antônio de Meneses Vasconcelos Drummond(128) e o Capitão-Mor José Joaquim da Rocha, e dela extraí os parágrafo, em que José Bonifácio de Andrada e Silva, se retrata e prova que não era amigo da sua província (S. Paulo) porque a denomina de “minha bestial província”; não era amigo do Brasil, porque desejando voltar a ele, no caso de não ser bem tratado, venderia os seus tarecos, e se passaria à Colômbia, país quente e próprio aos velhos reumáticos, aonde acabaria os seus dias; não era amigo dos seus compatriotas, porque a cada passo os denomina de Tatambas; era ingrato com D. João VI; porque o chamava de “João burro” sem se lembrar que este mesmo João burro foi quem o distinguiu, mandando-o viajar por toda a Europa, e aqui chegando em setembro de 1819, lhe mandou pagar todos os seus vencimentos, sem exigir dele novos serviços, que o de Reitor da nova Universidade, que ia criar no Rio de Janeiro.

Não era amigo do Imperador D. Pedro I porque o chamava de “Grã Pata,” Pedro Malazarte, de “Imperial criança, de Rapazinho,” e outros epítetos, impróprios da boca de um velho tão ilustrado, como o Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, sem se lembrar que foi a ele a quem o príncipe D. Pedro deveu a maior parte dos seus erros, como homem e como Imperador; porque tendo D. Pedro 22 anos, apesar de não ter tido uma educação própria de um príncipe, se a seu lado estivesse a sabedoria bem intencionada, o conselho e a experiência dos negócios públicos, o nascente império, não seria nominal, como o denominou José Bonifácio, e começaria sua existência política, como os Estados Unidos da América do Norte, e não pela corrupção, e pela anarquia, ora mansa, ora bravia, como aconteceu desde esses tempos até aos nossos dias.

Seja o próprio Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva quem faça com a sua própria mão o seu retrato, e com as cores com que se debuxar, veja o leitor se o pode comparar com o libertador da pátria, o Cincinato da América, o general Jorge Washington.

 

TRECHOS DAS CARTAS QUE TENHO À VISTA

 

Bordeaux, 1º de setembro de 1824

“Lembro que seria útil traduzir a minha carta do Dr. da Roça, e a do João Claro, com notas ilustrativas, e imprimi-las em Londres. Rogo-lhe que saiba se já há nomeações de deputados nas províncias do sul, principalmente de S. Paulo, e quais são; e como também creio que meu irmão Antônio, já terá escrito ao bom amigo Rocha, ou a V. Sª sobre a carta anônima, que me veio dirigida, ameaçando-nos que não vamos ao Brasil, porque somos detestados, e porque seremos assassinados em qualquer parte onde desembarcarmos (a qual carta tenho motivos poderosos para crer que saiu da fábrica do Borges de Barros) e rogo a V. Sª e ao dito Sr. Rocha, queiram com muita desteridade sacar isto a limpo, etc.”

Falence, 17 de outubro de 1824

“As cartas que recebi do Brasil, nada dizem; porque o terror robespierrino que reina no Rio de Janeiro refere até as línguas aquela pobre e tímida gente; e até as obriga a mentir talvez, porque José Ricardo se queixa de não ter recebido cartas minhas,(129) quando eu lhe escrevi não menos de duas uma pela via de Inglaterra, e a outra em direitura daqui.

“O jornal traz notícias de 24 de agosto, do Rio de Janeiro, e nada de novo sobre o famoso tratado de Lisboa, com que o pérfido gabinete de Londres procurou engodar o Brasil, para repartir a carga do agonizante Portugal, que tanto lhe pesa nos ombros, com os estúpidos poltrões ‘do grande Império nominal do Equador’.

“Como têm chegado embarcações de Pernambuco, e da Tatamba Bahia, se circularem por aí notícias que consolem uma alma do purgatório, queira comunicar-me, etc.”

“Bordeaux, 23 de outubro de 1824

“Falando de uma carta anônima: – “Quanto à minha nomeação para senador confesso que me faz muito bem ao coração ver que os baianos não se esqueceram de todo de um homem, que tanto gritou e forcejou, para que fossem socorridos,(130) contra os vândalos de Portugal; mas, como que por ora ambiciono é ir acabar os meus cansados dias em um cantinho, bem escuro, da ‘minha bestial província’; portanto rogo a Deus que S. M. Imperial me queira preterir na escolha, etc.”

[Rue du Palais Galien nº 168. – 23 de novembro de 1824. – Falando da impressão de um escrito seu.] – “Aqui a impressão é muito mais cara; todavia se receber algum dinheiro do Brasil, de certo farei imprimir duzentos exemplares para repartir com alguns amigos, – que para ‘los otros me cago io’, como dizia o castelhano com os santos que trazia na monteira; etc., ora diga-me como quer por ora que cuide da história da revolução do Brasil cujus pars magna fui, nas atuais circunstâncias, sem documentos originais, nem sequer gazetas e impressos do tempo? Ainda pior é ler as mentiras; Anuaire historique e não podê-las confutar. O que me diz a respeito da infame apreensão das cartas para o Brasil,(131) também cada vez mais convence da parte que teve na cópia e remessa da carta anônima; mas cumpre dissimular por ora: como estou certo que os baianos me nomearão deputado, apesar das ameaças da dita carta, estou resolvido a ir ao Brasil; e lá verei se devo ficar em algum país, ou vender os meus tarecos e partir para a Colômbia, país quente e próprio para um velho reumático, e sobretudo país americano e livre, etc...”

Bordeaux, 20 de janeiro de 1825

“Estamos entrando no novo ano, que prognostica felicidade para a América, e talvez desordens novas para a Europa...

“Passando a outro assunto, meus bons senhores, que notícias me dão das nossas câmaras? Por que razão ao menos a câmara da Bahia não me tem enviado o diploma de deputado eleito? Talvez o Borges saiba disto, pois devia ter participação da sua escolha de senador!

“Quais foram os deputados nomeados por S. Paulo e Minas!... Até para mais pena sentir, como dizem, não sei o que foi feito das pensões; e começo a temer, que só se pague ao amigo Sr. Rocha, porque tinha o tio alcaide... o rapazinho tem com que se coçar agora com o patriota e português, que vão incendiar até os pés-de-chumbo. Assim o quis, assim o tenha, etc...

“Aproveitamos o papel, e eis aqui vai uma ode sáfica, que tem por cena o Rio de Janeiro.

“ODE À ROLA

Tu que te apressas desde longe ousada,

Dize para onde, sacudindo voas,

Tantos aromas da sabiá origem,

Doce rolinha?

Entre a plumagem de arrochadas cores,

Alegre trazes pálidas violetas!

Porque no bico de romãs tu levas

Jasmins e rosas!

Ela responde: vou seguindo, amigo,

Não meus caprichos, obedeço ao mando

Imperioso do meu caro amo,

De Nize escravo:

Nize formosa, Nize que domina

Livres vontades, e com meigo riso,

As iras vence de Cupido, e vence

Mortais e Deuses.

Desde os pendores da gentil Tijuca,

Venho ao chamado do meu grão poeta,

Meigo me trata; porém eu submissa,

Senhor o chamam.

Ele me ordena, que é sua Nize leve

Carta nascida de seu brando peito,

Puro, amoroso, cuja doce musa,

Canta suave;

Quando entre os espinhos ressoando a lira,

Amor celebra em Catumbi ditoso;

Ou nas sombrias sempre verdes margens,

Do seu Catete.

Jura-me firme de outorgar-me agora

A liberdade, se esta carta entrego;

Mas eu que peso, com juízo as coisas,

Eu não a quero.

De que me serve combater com os ventos,

Sofrer os frios da empinada serra;

Comer faminta, de bichinhos cheias,

Bagas agrestes!

De que me serve recrear os ecos,

Dessas montanhas, com lascivo arrulho;

E em duras garras do gavião pirata,

Perder a vida!

Mais vale escrava, do meu bom Josino,

Cumprir honrada, e bem leal seus mandos,

E no seu terno bondoso seio

Gemer suave.”(132)

Bordeaux, 7 de setembro de 1825

“Passando a outras matérias: então o que lhes parecem as notícias dos jornais sobre as negociações de lorde Stuart?

“Seremos atados ao cepo de Portugal; e o defensor perpétuo (nome enfático!) daria em droga? Pobre Brasil! O que diz o brasileiro, que julga conhecer, acerca disto! É singular, mas não respondo a nada; só admiro a bondade com que elogia ao bambo mulato, e seus companheiros, em luzes, patriotismo e virtudes, etc.”

Bordeaux, 14 de fevereiro de 1826

“Devo responder às suas de 6, 9 e 10 do corrente; e começarei por dizer-lhe, que vistas as circunstâncias críticas em que se acha a imperial criança, e os sucessos rápidos, assim internos como externos do nosso desgraçado país, será talvez mais prudente esperar pela peripécia da tragicomédia Tatambica; do mais creio que o espírito público em Portugal não é favorável a um brasileiro, mormente quando este foi redator de um periódico que lhe deu tanta lategada, etc.”

Janeiro de 1826

“Principiemos pela política, já que ela nos deve muito interessar, visto o nosso estado. Quem creria possível, que nas atuais circunstâncias do Brasil, havia a grã Pata pôr tantos ovos de uma vez, com 19 viscondes e 22 barões? Nunca o João pariu tanto na plenitude e segurança do seu poder autocrático.

“Quem sonharia que a mixela Domitila, seria viscondessa da pátria dos Andradas? Que insulto desmiolado! Quando esperaria o futriqueiro Gameiro ser barão, e os demais da mesma ralé? Ó meu Deus, por que me conservais a vida, para ver o meu país enxovalhado a tal ponto? E esses bandalhos do Governo, não vêem a impolítica de tal procedimento, que fará pulular novos inimigos à imperial criança? Os condes de marmeladas do Imperador Cristóvão tinham ao menos feito serviços aos pretinhos; mas os nossos viscondes e barões, que serviços têm feito, não digo aos Tatambas do Brasil, mas à mesma criança? Parece-me que mais cedo do que pensava o velho do Rocio, se cumprirá a sua profecia acerca do Imperador de Mata-Porcos (do Espírito Santo).

“As câmaras não se juntam, e nem sequer se têm escolhido os senadores com que se abateria a desconfiança pública e teriam os corcundas basbaques algum motivo para acalmarem o povo e tecer elogios ao sultão.

“Acrescente a isto o resfriamento e azedume do gabinete inglês, que não quis ratificar o tratado de comércio e amizade; e de novo a guerra desastrosa da Cisplatina e Estados Unidos do Rio da Prata, que fará coalhar os mares de corsários, e entrará a pé enxuto no Rio Grande, e talvez em São Paulo, visto o destroço das nossas tropas do Sul, o desgosto necessário das províncias comarcas e os males da prolongação de uma guerra, onde os inimigos não só combaterão com pólvora, chumbo e balas, mas com promoções e emissários.

“Bem quis eu, quando estive no Ministério, evitar todo o motivo de descontentamento dos cisplatinos e aproveitar o ódio que tinham aos de Buenos Aires: mas era preciso tirar o ladrão e despótico Laguna de lá, e fazer gozar o país dos benefícios da liberdade constitucional; escapou-me o ladrão de vir rebulindo pela traição do general Marques e do síndico Zuñiga. Com a minha demissão foi tudo a pior; e o Laguna teve a imbecilidade de compor um novo Cabildo, de todos os corcundas do país, que teve o desacordo de pedir o absolutismo, os quais foram depois premiados com hábitos e comendas, que bem que fantásticas, indispuseram cada vez mais os ânimos: e o resultado de tudo isto foi a revolta e a guerra que hoje sofre o Brasil. Basta de política, etc.”

Falence, 14 de abril de 1826

“...Se tiver já lido a Noblesse de la peau, do bispo Gregoire, e lhe parecer digna, queira enviar-me um exemplar, pois custa barato.

“Dou-lhe os parabéns de não ter ido para Lisboa, pois o horizonte daquele país vandálico mourisco está muito embaçado; e não lhe podia servir para os seus interesses ou políticos ou mercantis. Apesar das esparramas do grande militar e financeiro Brant, estou que acerta sua estimável mana, quando lhe diz que são embófias de matreiro, o zelo que mostra por nós, principalmente por meus irmãos, que não são tão bonancheiros como eu.

“Diga-me, se pode saber, qual é o modo com que o governo francês trata ao nosso Pedra parda, pois se forem as suas comunicações tão verdadeiras como a entrega de Montevidéu, creio que o mistifica. O traste do meu amigo Vilela, do Rio, quer pôr-se a salvo em Lisboa; se o conseguir em tempo, virá com a bolsa cheia alardear em Lisboa os meus fidelíssimos serviços.

“Apesar da falta de notícias oficiais do Brasil, sobre os façanhosos acontecimentos de janeiro, eu creio que por lá anda tudo azul, e que apesar da política maquiavélica do mais maquiavélico gabinete da Europa, Canning está metido em intriga diabólica. Esperamos que venha à luz o parto, o que não pode durar muito, para rirmos ou chorarmos.

“A imperial criança está com disenteria de tenesmos ou com febre maligna de tresvarios. E qualquer modo vai mal, e irá mal com a morte do pai e com a sucessão do trono português, do que disse não queria nada, nada e nada. Que me dirá a mim, que eu tinha inspirações de profeta?” etc.

Falence, 8 de maio de 1826

“...Venha e traga, se possível for, notícias do Brasil pelo paquete inglês. E que lhe parecem os vivas dados na Bahia à religião, ao Imperador, à independência, e nada à Constituição!?

“Por que razão o Sr. Vilela, também ex-Ministro, acompanhou a imperial criança? Quererá safar-se para Portugal?... o diabo leve tanta velhacada, e nos dê paciência para sofrermos o desterro, e vermos os males da nossa bestial pátria, o que não obstante é nossa pátria.

“Que dizem os portugueses que aí residem? que diz o antigo Pinetti do tesouro fluminense? e o Sr. Pedra parda?...” etc.

Falence, 21 de julho de 1826

“...Suspiro pela chegada do paquete, pois a ser verdade o que dizem as folhas inglesas, creio que o Ministério e Conselho d’Estado do Rio, em breve irá à tous les diables; e julgo que está próxima a época em que a imperial criança há de conhecer o destino que fez, em perseguir e desterrar a quem só o poderia salvar dos corcundas e pés-de-chumbo, que hoje, com motivos e vistas diferentes, talvez se coalizem de novo com os demagogos...” etc.

Falence, 27 de agosto de 1826

“...hoje mesmo recebi uma carta do redator do Independente de Lyon, Vernay-Girardet, em que me diz que porá no seu periódico a minha resposta ao nº 79, mas que não me espante se Deloy ajuntar algumas notas, e traduções de diversas passagens do Tamoio e Correio do Rio de Janeiro.

“Que bela autoridade esta! Eu estou enfastiado de polêmicas e desaforos, mas a autoridade e calúnias do Correio deviam ser rechaçadas, e patentes as intrigas dos Bercós, etc. é a paga que teve o caluniador de Pernambuco.

“Ontem vi um novo artigo do Independente, de 18 de agosto, em que pretende responder aos da Opinião, de 13 de agosto, em que nos chama de malfeitores e tartufos, e a V. Sª. de estar comprado por uma potência inimiga da prosperidade do Brasil. Permita o Céu que voltássemos, e lá o encontrássemos para lhe pagar com um pão os favores que lhe devemos; e caso lá vá o infame, não haverá um mulatão que lhe tose o espinhaço?

“Passemos a outras cousas: enfim chegou, como creio, o paquete a Inglaterra, e dele só sabemos a arenga do corcunda Silva, e a resposta napoleônica da imperial criança. Que belo conhecedor da eloqüência do velho Bororó! Não nos dirá se o Pedra parda ou o mulato J. Marcelino tem parte nos diatribes de Lyon!...

“Como vão e o que fazem as tatambicas câmaras? Que é feito da nomeação esperada dos novos diplomáticos; e só se ressalvaria em ser confirmado o Pedra parda, encarregado de negócios; e Antônio Teles em levar a Grã-cruz para a Francisco Burro? E onde tiraria o Deloy o fundamento do clemência da criança a nosso respeito, e de que poderíamos ser deputados, pois homens aborrecidos como déspotas e facinorosos, ainda merecerão a escolha de seus naturais que os detestam como tiranos! Que bestial inconseqüência? etc.”

As cartas de 6 e 22 de outubro e de 30 de novembro de 1826, militam no mesmo terreno. A de 26 de dezembro do mesmo ano, diz:

“Estou admirado do tardio convite, do Pedra parda, e folgo que V. Sª não aceitasse, porque um tal patife só merece dois pontapés no traseiro, pelas suas vis calúnias e comportamento infame...

“Agora acabo de receber os façanhosos despachos dos dias dos anos; com efeito, esfreguei os olhos e não podia crer o que lia. Eu já dizia de Portugal, que era um país em que a espera do possível era muito maior que a do real; e que direi agora do Brasil? Nada. Talvez para melhor, se os fados não se enganam. Porém, meu bom amigo, o que mais me deu no goto foi o despacho bestial do Arcebispo de S. Paulo, antigo amigo da nova marquesa, e o tratamento de excelência a Mr. L’Abbé Pirão, de famosa carapinha. Para o ano estarão guardados os títulos de duques e príncipes do Império, que eu aconselharia que não se dessem sem concurso; para que os patifes pudessem mostrar autêntica e legalmente que os mereceu, por serem os maiores alcoviteiros, ladrões e bandalhos, não só do grande império dos trópicos, mas do universo inteiro; ao mesmo tempo, porém, conheço, que serão tantos os concorrentes e as provas tão volumosas, que para dar sentença seria preciso um século, etc.”

As cartas, principalmente as de 14 de fevereiro de 1826, as de 16 de março e 18 de abril de 1827, são escritas em sentido tão inconveniente, e em frases de tanta torpeza, que as não posso transcrever aqui.

 

VOLTAM OS ANDRADAS DO DESTERRO

 

José Bonifácio e seus irmãos voltam do exílio em 1829, para responder ao processo que o Imperador mandou instaurar como anarquistas e desorganizadores da harmonia social, e são absolvidos e premiados com pensões, como se vê nos seguintes documentos:

 

DECRETO DE 15 DE OUTUBRO DE 1828

 

“Atendendo ao que me representaram Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, hei por bem que pelo tesouro público se lhes pague a quantia de 124$296, importância das comedorias que na sua viagem para a França pagaram ao comandante da charrua Luconia, e bem assim o equivalente a 6,000 francos, que deram em Bordeaux pelo seu regresso a este porto; finalmente, a importância que, como ajuda de custo, lhes compete receber na qualidade de deputados à Assembléia Geral Constituinte, para se transportarem à Província de São Paulo, cuja quantia será regulada pela que por semelhante motivo se pagou aos mais deputados daquela província. Miguel Calmon Du Pin e Almeida, etc. – Palácio do Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1828, 7º da Independência e do Império. Com a rubrica de S. M. Imperial – José Clemente Pereira.

 

DESCONCERTOS E ABSURDOS DO GOVERNO DO BRASIL POR NÃO CONHECER OS HOMENS E A HISTÓRIA DO PAÍS

 

Tendo falecido o Conselheiro José Bonifácio na madrugada do dia 6 de abril de 1838, baixou a 26 desse mesmo mês um decreto concedendo às suas filhas D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada (casada com seu tio o Conselheiro Martim Francisco), D. Carlota Emília de Andrada Vandelli (casada com o súdito português Alexandre Antônio Vandelli) a pensão de 2.800$ repartidos por ambas, e a D. Narcisa Cândida de Andrada (filha legitimada) a de 1:200$, isto em remuneração dos serviços pelo mesmo conselheiro prestados à independência e Império. Este decreto foi aprovado então pelo de 15 de junho seguinte.

– Vandelli já há muito no Brasil naturalizou-se (Decreto nº 24, de 16 de agosto desse mesmo ano) cidadão brasileiro para legalizar o gozo da pensão de sua mulher.

– Martim Francisco já pensionado pelos serviços de seu irmão na pessoa de sua mulher, faltava ser o irmão Antônio. Veio o Decreto nº 43 de 20 de setembro de 1938, aprovando a pensão de 800$ anuais já concedida ao Conselheiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Tendo falecido Martim Francisco a 23 de fevereiro de 1844, é, pelo decreto de 22 de maio de 1842, em atenção aos seus serviços, elevada a pensão de sua viúva D. Gabriela Frederica a 2.400$ anuais.

Por igual decreto foi também concedida idêntica pensão a D. Ana Josefina de Andrada, viúva do Conselheiro Antônio Carlos, falecido a 5 de dezembro de 1845.

O decreto de 7 de setembro de 1872 veio ainda pelos serviços do pai elevar a pensão de D. Gabriela Frederica a 3.600$000.

 

DECRETO Nº 7, DE 15 DE JUNHO DE 1838

 

“Aprovada a pensão de dois contos e oitocentos mil-réis anuais, concedida por decreto de 26 de abril do corrente ano, em partes iguais, a D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada,(133) e a D. Carlota Emília de Andrada Vandelli,(134) filhas legítimas do finado Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva; e de um conto e duzentos mil-réis anuais a D. Narcisa Cândida de Andrada, sua filha legitimada, em remuneração dos relevantes serviços pelo mesmo Conselheiro prestados à causa da Independência do Império.”

 

DECRETO Nº 43, DE 20 DE SETEMBRO DE 1838

 

Aprova a pensão de oitocentos mil-réis anuais, conferida ao Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva.”

 

DECRETO DE 22 DE MAIO DE 1846

 

“Atendendo aos relevantes serviços prestados com singular patriotismo, pelo Conselheiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada, à causa da independência deste Império, em que mostrou o mais elevado merecimento, e aos escassos meios de subsistência, que legara a sua família; hei por bem elevar a 2.400$000 anuais a pensão de 1.200$000, que atualmente percebe a viúva do dito Conselheiro D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, ficando porém esta mercê dependente da aprovação da assembléia geral legislativa. Joaquim Marcelino de Brito, do meu conselho, Ministro e secretario de Estado dos Negócios do Império, assim o tenha entendido e faça executar com os despachos necessários. – Palácio do Rio de Janeiro, 22 de maio de 1846, vigésimo quinto da Independência e do Império. – Com a rubrica de S. M. o Imperador. – Joaquim Marcelino de Brito.

 

DECRETO DE 22 DE MAIO DE 1846

 

“Atendendo aos relevantes serviços prestados com singular patriotismo pelo Conselheiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva à causa da Independência deste Império, em que mostrou o mais elevado merecimento; e aos escassos meios de subsistência, que legara à sua família; hei por bem conceder à viúva do dito Conselheiro, D. Ana Josefina de Andrada, a pensão anual de 2.400$; ficando porém esta mercê dependente da aprovação da Assembléia Geral Legislativa. – Joaquim Marcelino de Brito, etc. – Palácio do Rio de Janeiro, 22 de maio de 1846, 25º da Independência e do Império. – Com a rubrica de S. M. o Imperador. – Joaquim Marcelino de Brito.”

 

DECRETO Nº 2.347, DE 13 DE AGOSTO DE 1873

 

“Eleva a pensão que percebe D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada.

“Hei por bem sancionar e mandar que execute a resolução seguinte da Assembléia Geral:

“Art. 1º A pensão de dois contos e quatrocentos mil-réis anuais, que atualmente percebe D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, filha do finado Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, é elevada, desde o dia 7 de setembro de 1872, a três contos e seiscentos mil-réis, também anuais, conforme o decreto de 15 de outubro daquele ano, em atenção aos relevantes serviços prestados pelo mesmo Conselheiro à causa da Independência e do Império.

“Art. 2º Ficam revogadas as disposições em contrário.

O Dr. João Alfredo Correia de Oliveira, do meu Conselho, Ministro e secretário de estado dos Negócios do Império, assim o tenha entendido e faça executar. – Palácio do Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1873, qüinquagésimo segundo da Independência e do Império. – Com a rubrica de S. M. o Imperador. – João Alfredo Correia de Oliveira.

 

SERVIÇOS DOS ANDRADAS À CAUSA DA PÁTRIA

 

O Imperador Pedro I, sempre em desatinos e ansioso a achar motivos para sair do Brasil, provocava o espírito público por meio da intriga de nacionalidade, que deu origem aos movimentos dos dias 6 e 7 de abril de 1831,(135) e como para regência do Império não fosse chamado nenhum dos Andradas, como já fiz ver, o despeito os levou a conspirarem contra o governo por meio de sociedades secretas, com o fim de restaurarem o governo daquele contra quem também conspiravam e que os persegue.

Por estes acontecimentos foi José Bonifácio destituído da tutoria dos meninos imperiais, preso e processado. Por uma resolução da Câmara dos Deputados de 27 de maio de 1834, assinada por S. Oliveira, Melo e A. P. Limpo de Abreu, é confirmada a remoção da tutoria dos meninos imperiais; e no dia 5 de julho compareceu o Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva perante o júri da Corte para responder por seus crimes, defendido pelo Dr. Cândido Ladislau Japiaçu de Figueira e Melo, saindo absolvido.

O Americano de terça-feira, de 25 de abril de 1831, nº 42, despertando os brasileiros: “Consta por cartas particularíssimas ao Observador Constitucional que nas últimas sessões da Câmara dos Srs. Deputados o Ministro dos Negócios Estrangeiros, referindo-se entre outras cousas às notícias chegadas ultimamente pela corveta Volage, acerca do recebimento de D. Pedro de Alcântara de Bourbon, à Inglaterra, participara à Câmara, as instâncias do Sr. Deputado Montezuma, que D. Pedro fora recebido como Imperador do Brasil; que o ato da sua abdicação fora olhado como forçado, e que os diplomatas brasileiros, bem longe de ser reconhecidos, foram até excluídos dos convites de etiqueta na Corte da Rússia. E mais: que o Sr. José Bonifácio, arrastando decretos de morte, revelava a existência do trama entre D. Pedro, a Áustria, a Inglaterra, a Espanha e Portugal com o fim de colonizar o Brasil e de repor na governaça o mesmo D. Pedro.”

 

JÚRI DA CAPITAL(136)

 

Relação das pessoas julgadas com criminalidade na sessão dos jurados do dia 5 do corrente (julho de 1834) pelos movimentos de dezembro de 1833 próximo passado:

O Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, o Vereador Bento Antônio Vahia, o Marechal Antônio Manuel da Silveira Sampaio, o Brigadeiro Jacques Augusto Conny, o Tenente Manuel Joaquim Pereira Braga, o Cadete Domingos de Oliveira Barreto, o Capitão Anselmo José de Almeida, o Capitão Antônio João Francisco Pizarro Gabizo, o Sargento Manuel Zózimo de Azevedo, Luís Teixeira da Mota, Joaquim Gonçalves da Costa, Hermenegildo Correia, Marcolino de Sousa Maciel, o Capitão Lourenço Gonçalves da Costa, Antônio Correia da Silva, Januário José de Meneses, Antônio Pereira Gonçalves, Francisco Antônio de Carvalho, Bento José do Nascimento, Laurindo José, Caetano Francisco de Seixas. – Presos.

Soltos – O Desembargador Cândido Ladislau Japiaçu, o Coronel Bento José de Lamenha, o Coronel José Pereira Barreto, o Tenente-Coronel Francisco Teobaldo Sanches Brandão, o Tenente-Coronel Conrado Jacob de Niemeyer, dito Antônio Bernardo de Oliveira Pimentel, dito José Ricardo da Costa, o Major Caetano Cardoso de Lemos, o Capitão José Carlos de Mascarenhas, dito João Maria de Sampaio, dito Antônio Pinto Homem, Alferes Eduardo Alves Moreira, dito Francisco de Paula Mascarenhas, o Cadete José Pereira Barreto, filho do Coronel do mesmo nome, Germano Lazerre, José Gomes Ferreira, ex-juiz de paz do Engenho Velho, Joaquim de Santana Cardoso, Antônio do Val dos Santos Loureiro, o estrangeiro Vanelgre, trintanário das cavalariças da casa imperial, Antônio Marques da Cruz, Antônio Gonçalves Dias, Joaquim da Lapa, Manuel José do Nascimento, Miguel, aprendiz de ferreiro Antônio Gonçalves Dias, Miguel, crioulo.

Lista dos jurados que os julgaram:

Mariano Pinto Lobato, Francisco de Araujo Silva, José Alves Pinheiro, Máximo Antônio Barbosa, Manuel Alves de Azevedo, Mariano Joaquim de Siqueira, Joaquim Vieira Xavier de Castro, João de Castro Silva, Feliciano José da Costa Monteiro, Antônio José Pinto, Marcolino Joaquim Ferreira e Castro, Francisco Manuel da Silva, Vicente José de Oliveira, João Antônio da Trindade, Manuel José Pereira de Faria, Silvano Francisco Alves, José Lázaro da Rocha, Diogo Hartley, Rafael Inácio da Fonseca Lontra, Joaquim da Silva Garcia, Francisco Xavier Coutinho, Manuel Joaquim de Almeida, Antônio Martins da Costa.

 

MORTE DE JOSÉ BONIFÁCIO

 

José Bonifácio de Andrada e Silva foi mandado preso para a ilha de Paquetá, e depois de absolvido pelo júri, passou a sua residência para o bairro de S. Domingos, em Niterói, onde faleceu no dia 6 de abril de 1838, com 75 anos de idade, tendo feito o seu testamento na ilha de Paquetá em 9 de setembro de 1834, sendo o lavrante dele o Padre Luís da Veiga Cabral.

O que encontro de mais notável nas verbas testamentárias foi o seguinte:

“Deixo igualmente os meus serviços (se S. M. I. os julgar dignos de alguma remuneração) a José Maximiano Batista Machado, na condição de se verificar o casamento com a dita minha filha D. N., por este tê-la me pedido para sua esposa, e eu o julgar muito capaz; no caso que por algum incidente se não verifique com ele o dito casamento, passarão à pessoa que com ela casar, com aprovação do tutor.”

 

A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE, CONQUISTADA PELO SANGUE; E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL COMPRADA A PESO DE OURO

 

Jorge Washington e José Bonifácio de Andrada e Silva

 

Jorge Washington, um dos principais fundadores da república norte-americana, nasceu no Estado da Virgínia, a 11 de fevereiro de 1732, sendo seu pai agricultor; e do qual ficou órfão, aos 10 anos de idade. Sua mãe cuidou com desvelo da sua educação, aplicando-se ele às Matemáticas e à Engenharia. Muito cedo foi chamado ao serviço da milícia colonial, recebendo posto de major na idade de 22 anos; mas a sua saúde, não lhe permitindo a continuação do serviço ativo, se viu obrigado a voltar para a fazenda paterna, de Monte Vernon, e cuidar da agricultura.

Quando se coligaram os treze estados coloniais e formou-se o primeiro congresso em Boston, no dia 4 de julho de 1774, foi Washington eleito deputado pela Virgínia, não só por suas virtudes privadas, como por seus conhecimentos científicos, acrisolado patriotismo e imensa influência pessoal.

Em 19 de abril de 1875, foi unanimemente nomeado pelo congresso, estabelecido em Filadélfia, comandante-em-chefe das forças federais; e tomando conta dos exércitos em junho do mesmo ano, os disciplinou de tal modo que de voluntários bisonhos formou verdadeiros soldados.

Dando batalha às forças inglesas, tomou a cidade de Levington. Em 4 de março de 1776, se apoderou da cidade de Boston, que se achava em poder dos ingleses; e quatro meses depois, fez que o Congresso Federal (4 de julho de 1776), animado pelas vitórias alcançadas contra o inimigo, proclamasse a independência dos treze Estados Unidos da América do Norte.

A sua ilustração e prudência a tudo superava o que faltava, em recursos, aos americanos; e com forças inferiores às dos ingleses, não perdia ocasião para surpreender e derrotar. Foi no último ano da sanguinolenta Guerra da Independência (1781), que os americanos receberam os auxílios militares da França, tendo à sua frente os Generais Laffayete e Rochambeau; e foi a vitória que o General Washington ganhou aos ingleses, comandados pelo General Cornwallis, em York Torn em 1781, que decidiu de toda a guerra, na qual ficaram 8 mil prisioneiros ingleses, e os americanos de posse de todo o trem de guerra.

A luta foi titânica, e reconhecendo o Congresso Federal, os sentimentos patrióticos do General Washington, que comandava as suas tropas, lhe conferiu ditadura militar absoluta, de cujo poder ele não abusou.

Washington, em campo descoberto, derrotou os Generais Howe, Cliton, Burgoyne e Cornwallis. Entrando triunfante em Filadélfia, foi aclamado libertador de sua pátria, e depois de dar contas ao Congresso Federal do que fez durante sete anos de guerra de extermínio, em proveito da pátria comum, entregou-lhe a espada triunfante e gloriosa, e sem exigir dele coisa alguma, retirou-se para sua casa, na fazenda de Monte Vernon, a entregar-se aos cuidados da lavoura.

Em 20 de janeiro de 1783, foram assinados os preliminares da paz e reconhecimento da independência dos treze Estados Unidos da América do Norte.

Em 1787, foi o General Washington unanimemente, por proposta de B. Franklin, eleito presidente do Congresso Federal, e mais tarde Presidente da República, colaborador e signatário da Constituição política, que consolidou a independência dos Estados Unidos da América do Norte, em 17 de setembro de 1789.

Durante a sua administração, conservou neutralidade na guerra que teve a França com a Inglaterra, e foi censurado por isto, mas o seu patriotismo lhe impunha o dever de unicamente atender para o bem do seu país. Cuidou com empenho seu em promover o comércio, a agricultura, a navegação e proteger as ciências, as artes, e a indústria, e dispor o seu país a ser no futuro uma das primeiras nações do mundo.

Depois de oito anos de governo e de promover o bem geral da sua pátria, não podendo mais continuar no governo, aconselha os seus compatriotas e resigna o poder, para ir descansar na sua fazenda, em Monte Vernon, e velar nas suas plantações.

Em 1798, receando os Estados Unidos ter guerra com o Diretório francês, o Congresso americano recorreu de novo ao seu libertador Jorge Washington, para tomar o comando do exército, e este, qual Cincinato, voltando dos seus trabalhos agrícolas apresentou-se ao Congresso, para pôr-se à sua disposição; mas, os bons desejos do primeiro-cônsul francês (Napoleão I) desvanecendo os receios da América, voltou o General Washington, para sua fazenda, onde faleceu de repente em 1799, com 67 anos de idade.

A sua morte foi recebida como a maior calamidade pública da pátria, e todos os cidadãos dos Estados Unidos cobriram-se de luto.

A França acompanhou no mesmo sentimento e luto aos Estados Unidos, e mandou fazer honras fúnebres à memória do herói americano. O Congresso mandou em 1792 fundar uma cidade federal em honra do libertador da pátria, que lhe deu o nome de Washington, para ser a capital dos Estados Unidos e sede do governo americano.

Jefferson, seu amigo particular de 30 anos, fazendo-lhe o retrato, disse ter Washington espírito vasto e forte, sem contudo ser de primeira ordem, mas de grande penetração, e juízo bem sólido. Era lento nas operações do espírito, mas as conclusões eram seguras.

Nos conselhos de guerra ouvia a todos, escolhia o melhor, e nenhum general combinou mais judiciosamente os seus planos de batalha que ele.

Era inacessível ao medo, afrontando pessoalmente os perigos com a indiferença mais tranqüila; e a prudência foi talvez a afeição mais pronunciada do seu caráter. Nada fazia sem antes haver maduramente pesado todas as conseqüências.

A sua integridade, era a mais pura, e nenhum motivo de interesse, parentesco, amizade ou de ódio, foi capaz de dobrá-lo em suas decisões. Era um sábio, bom homem; um grande homem. O seu coração não era ardente nas afeições, mas sabia avaliar o merecimento de cada um, concedendo-lhe uma estima sólida e proporcionada ao seu mérito. Era de boa figura, porte nobre, e movimentos cheios de dignidade. Montava bem a cavalo, e com graça. Conversava pouco, mesmo no círculo dos amigos, porque não tinha facilidade de elocução. O seu tempo, era ocupado no trabalho. Lia pouco nas obras de literatura, e se empregava na história da Inglaterra, e nos escritos de agricultura. Era um homem perfeito; colocou-o a natureza, e a fortuna no grau mais elevado; cabendo-lhe o mérito de comandar os exércitos de seu país, nos tempos das maiores vicissitudes de uma guerra difícil, cujo preço foi a independência da Nação, dirigir os seus conselhos, durante os primeiros ensaios de um Governo novo; observar em toda sua longa carreira militar ou civil, tão religioso respeito às leis que a história do mundo não oferece exemplo semelhante. Muitas vezes ele afirmou a Jefferson que considerava a Constituição americana como uma experiência da possibilidade de reduzir à prática o governo republicano. Acrescentava que estava decidido a assegurar a esta experiência todas as suas faculdades; que derramaria até a última gota de seu sangue para protegê-la. Dizia Washington: a Constituição inglesa com sua representação desigual, com os abusos que aí se notam, é o Governo, o mais perfeito, que tem existido sobre a Terra e que a reforma destes mesmos abusos o tornaria impraticável.

“Tal é a minha opinião”, diz Jefferson, “sobre o General Washington, e eu atestaria no Tribunal do mesmo Deus.”

Os treze Estados coloniais da América do Norte, quando proclamaram a sua independência no dia 4 de julho de 1776, tinham apenas 2.500.000 habitantes; e o Brasil quando se separou de Portugal tinha para mais de quatro milhões de almas, sem incluir a população indígena. Os americanos consignaram sua independência por meio de uma guerra desesperada durante seis anos, em cujo período os generais ingleses compravam por uma libra esterlina cada pericrânio do americano, que lhes fosse apresentado.(137) Jorge Washington fazendo milagres à frente de seus compatriotas, desbarata os inimigos da liberdade de sua pátria, e depois de dar conta ao Congresso, dos seus triunfos, entrega-lhe a espada gloriosa, que lhe foi confiada, e sem exigir nenhuma recompensa, como simples campônio, recolhe-se a sua fazenda de Monte Vernon, e vai cuidar das suas plantações.

No Brasil a independência política foi antes uma farsa política que deu em resultado comprarmos sem resistência armada a nossa liberdade política, por 2 milhões de libras esterlinas, ficando o Brasil com dois Imperadores, um de fato na Europa e o outro de direito no Brasil, como se vê nos arts. 1º e 2º do Tratado de reconhecimento de 29 de agosto de 1825, que dizem assim:

“S. M. Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de Império independente e separado dos reinos de Portugal e Algarves; e a seu, sobre todos muito amado e prezado, filho D. Pedro por Imperador, cedendo e transferindo de sua livre vontade a soberania do dito império ao mesmo tempo seu filho e a seus legítimos sucessores. S. M. Fidelíssima, toma somente e reserva para a sua pessoa o mesmo título.

“Art. 2º S. M. Imperial, em reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai, Sr. D. João VI, anui a que S. M. Fidelíssima tome para sua pessoa o título de Imperador.”

Pela convenção da mesma data convencionou-se o seguinte:

“Em nome da Santíssima e Indivisível Trindade – Havendo-se estabelecido no art. 9º do Tratado de Paz e Aliança firmado na data desta entre o Brasil e Portugal, que as reclamações públicas de um a outro governo seriam reciprocamente recebidas e discutidas ou com a restituição dos objetos reclamados, ou com uma indenização equivalente, convindo-se em que para o ajuste delas, ambas as altas partes contratantes fariam uma Convenção direta especial: e considerando-se depois ser o melhor meio de terminar esta questão o fixar-se e ajustar-se desde logo em uma quantia certa, ficando extinto todo o direito para as recíprocas e ulteriores reclamações de ambos os governos: Os abaixo assinados, Il.mo Ex.mo Luís José de Carvalho e Melo, Conselheiro de Estado Dignitário da Imperial Ordem do Cruzeiro, Comendador das Ordens de Cristo e Conceição, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros; o Il.mo e Ex.mo barão de Santo Amaro, Grande do Império, do Conselho de Estado, gentilhomem da Imperial Câmara, Dignitário da Imperial Ordem do Cruzeiro e Comendador das Ordens de Cristo e da Torre e Espada; e o Il.mo Ex.mo Francisco Vilela Barbosa, do Conselho de Estado, Grã-Cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro, Cavalheiro da Ordem de Cristo, Coronel do Imperial Corpo de Engenheiros, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Inspetor-Geral da Marinha; e o Il.mo e Ex.mo Cavalheiro Sir Carlos Stuart, Conselheiro Privado de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal e Algarves, debaixo da mediação de Sua Majestade Britânica, convieram em virtude dos seus plenos poderes respectivos, em os artigos seguintes:

“Art. 1º Sua Majestade Imperial convém à vista das reclamações apresentadas de governo a governo, dar ao de Portugal a soma de dois milhões de libras esterlinas; ficando com esta soma extintas de ambas as partes todas e quaisquer outras reclamações, assim como todo o direito a indenização desta natureza.

“Art. 2º Para o pagamento desta quantia toma S. M. Imperial sobre o tesouro do Brasil o empréstimo que Portugal tem contraído em Londres no mês de outubro de mil oitocentos e vinte três, pagando o restante para prefazer os sobreditos dois milhões esterlinos, no prazo de um ano a quartéis, depois da ratificação e publicação da presente convenção.

“Art. 3º Ficam excetuadas da regra estabelecida no primeiro artigo desta convenção as reclamações recíprocas sobre transportes de tropas, e despesas feitas com as mesmas tropas.

“Para liquidação destas reclamações haverá uma comissão mista formada e regulada pela mesma maneira que se acha estabelecida no artigo oitavo do Tratado de que acima se faz menção.

“Art. 4º A presente convenção será ratificada e a mútua troca das ratificações se fará na cidade de Lisboa dentro do espaço de cinco meses ou mais breve se for possível.

“Em testemunho de que nos abaixo assinados plenipotenciários de S. Majestade El-Rei de Portugal e Algarves e nossos respectivos plenos poderes, assinamos a presente convenção e lhe fizemos pôr os selos das nossas armas. Feita na cidade do Rio de Janeiro, em vinte e dois dia do mês de agosto do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e vinte e cinco. – Luís José de Carvalho e Melo – Barão de Santo Amaro – Francisco Vilela Barbosa – Carlos Stuart.”

“ll.mo Ex.mo Sr. – Tenho a honra de remeter a V. Exª os documentos que encontrei na correspondência que existe nesta Secretaria de Estado, de Sir Charles Stuart, relativas às reclamações que ele fez, como plenipotenciário de S. M. Fidelíssima, aos plenipotenciários brasileiros, que negociaram o Tratado e Convenção de 29 de agosto de 1825, a fim de V. Exª possa responder ao quesito da Câmara dos Deputados, que deseja obter uma relação muito circunstanciada de todos os objetos por que o governo do Brasil se constituiu devedor ao de Portugal de dois milhões de libras esterlinas.

“Por aqueles documentos verá V. Exª o que o dito plenipotenciário de S. M. Fidelíssima reclamou, e que passa a especificar:

Importância das embarcações de guerra, que ficaram no Brasil, as quais se avaliaram com os devidos abatimentos em

3.334:000$000

Dotes das senhoras Infantas que foram para Espanha

800:000$000

Dívida antiga flutuante

16.400:000$000

Dívida consolidada

9.399:712$553

Dívida contraída com o banco de Lisboa

2.826:250$000

Além das quantias acima especificadas requereu mais o plenipotenciário de S. M. fidelíssima o seguinte:

Indenização pelas propriedades particulares, que deixou S. M. Fidelíssima no Brasil, e que se calcularam em libras esterlinas

250:000

Indenizações aos donatários de várias províncias do Brasil, que recebem pensões por Portugal, as quais se calcularam em libras esterlinas

55:000

Indenizações aos proprietários de ofícios, que, em razão dos seus empregos, acompanharam a S. M Fidelíssima o Sr. D. João VI, que se calcularam quando muito em libras esterlinas

55:000

“Todas as referidas quantias foram incluídas no pagamento de dois milhões esterlinos, que o Governo do Brasil se obrigou a fazer ao de Portugal; entrando também nele as três últimas adições acima mencionadas, como bem se declara nas notas reversas juntas por cópia.

“Deus Guarde a V. Exª – Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1827.

“Il.mo e Ex.mo Sr. Marquês de Queluz – Bento da Silva Lisboa.”

(Cópia)

“Memorandum. Os dotes de suas altezas andam por dois milhões de cruzados ambos juntos, e portanto a metade que teria a exigir-se do Brasil por este objeto, no caso de se preferir o entrar em liquidação, seria só um milhão de cruzados, ou Rs. 400:000$000.

Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.”

(Cópia)

“Il.mo e Ex.mo Sr. Tenho a honra de oferecer à consideração de V. Exª o cálculo aproximativo, a que procedi, para V. Exª resolver a maneira por que se deva minutar a resposta ao ofício incluso do Sr. Conde de Porto Santo. No que é relativo aos dotes das Sereníssimas senhoras Infantas, que estão na Espanha, não achei notícia alguma oficial no Erário Régio, que fosse capaz de habilitar-me a satisfazer como desejo, e devo, as respeitáveis ordens de V. Exª – Deus guarde a V. Exª Erário Régio, 26 de abril de 1825.

“Il.mo e Ex.mo Sr. D. Miguel Antônio de Lemos. – João Ferreira Costa e S. Paio.

“Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.”

“Relação dos vencimentos que pela Folha dos Juros Reais e Folha de Correntes, a primeira processada no Conselho Ultramarino, e a segunda na Contadoria-Geral do Rio, consta pagarem-se a diversos, em compensação dos bens que seus antepassados possuíam no Brasil e ficaram pertencendo à Coroa, a saber:

Aos herdeiros do armador-mor D. José da Costa e Sousa por honorífico e útil da Capitania, de que era donatário no Recôncavo da Bahia, arbitrados em quarenta mil cruzados, e prêmio de 4%

640$000

Aos mesmos em sub-rogação e permuta do Senhorio da Ilha Grande de Joannes, na capitania do Pará

1.200$000

A porteira-mor D. Vitória Xavier de Sousa e Melo, como sucessora do morgado de sua casa, a que é vinculada, e de que se lhe fez mercê (além de outras) em compensação e justo equivalente pela sub-rogação e permuta da capitania de Caeté, incorporada hoje na do Maranhão

600$000

Ao Visconde d’Asseca, em sub-rogação e permuta dos Campos de Goitacases, subalternos do Rio de Janeiro

1:600$000

Isentos de décima a Domingos de Albuquerque Coelho de Carvalho, em sub-rogação e permuta das capitanias de Cumá e Cametá, pertencentes à do Maranhão

1:200$000

Isento de décima ao Conde de Resende, almirante do Reino, em sub-rogação e permuta do senhorio da capitania dos Ihéus, pertencente à da Bahia

2:000$000

À casa de Vimeiro, pagos a quartéis vencidos, e sem desconto de décima, pela importância do juro que Sua Majestade foi servido mandar-lhe pagar no real Erário pelo escambo da capitania de S. Vicente, hoje de nominada de S. Paulo

1:600$000

A D. Josefa Maria Joaquina Regado Serpa, filha de Manuel de Matos

640$000

Pegado Serpa e de D. Ana Maria Antônia Francisca Xavier Alla, de sua Tença de juro a condição do retro e preço de quatro por cento pelo capital de quarenta mil cruzados, cuja quantia com a de seis mil cruzados que o dito seu pai recebeu no real Erário completam os quarenta e seis mil cru zados que S. M. houve por bem se lhe dessem pelo ofício de provedor-mor da fazenda do Estado do Brasil de que era proprietário, e ficou extinto pelo alvará de 3 de março de 1770

9:480$000

João Ferreira da Costa e S. Paio. – Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.

“Os abaixo assinados plenipotenciários de Sua Majestade o Imperador do Brasil se dirigem a Sua Exª o cavalheiro Sir Charles Stuart, plenipotenciário de S. M. Fidelíssima, para trazer à memória e atenção de S. Exª as observações e declarações que fizeram, segundo as quais foram estipulados os artigos da convenção assinada nesta data, para fixar de uma vez as restituições, ou indenizações reclamadas por parte de S. M. Fidelíssima.

“Declaram os mesmos plenipotenciários a S. Exª que na soma convencionada e ajustada de dois milhões de libras esterlinas, a que se obrigava o Governo do Brasil entravam, e ficavam incluídas:

“1º A soma de 250 mil libras esterlinas para indenização das propriedades particulares que S. M. Fidelíssima deixou no Brasil, a qual indenização o Imperador aumentará quando S. M. Fidelíssima entenda que não preenche o justo valor das ditas propriedades. O que tudo se entenderá como arranjo de família, por cartas dos mesmos soberanos.

“2º As indenizações aos donatários de capitanias do Brasil, e as pessoas que tiveram mercês de ofícios conferidas por S. M. Fidelíssima antes da sua partida desta Corte para a de Lisboa no ano de 1821, ficando inteiramente estas indenizações como bem quisesse e entendesse por melhor ao seu serviço. E os serventuários dos ofícios, que não são aqui mencionados poderão dirigir as suas reclamações à comissão, para a indenização dos particulares tudo reciprocamente. Os abaixo assinados esperam de S. Exª o plenipotenciário português, e mediador, uma resposta em conformidade destas declarações, e por elas ficará entendida a convenção a que se referem.

“Os abaixo assinados aproveitam com muita satisfação esta nova ocasião de reiterar a S. Exª protestações da sua maior e mais sincera consideração. – Palácio do Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1825. – Luís José de Carvalho e Melo, Barão de Santo Amaro, Francisco Vilela Barbosa.

“Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.”

“Il.mo e Ex.mo Sr. Em seguimento às antecedentes relações hoje incluo a dos navios da Real Coroa que ficaram e foram consumidos no Brasil depois que S. M. ali teve a sua residência até o presente, e deixando a importância ainda de algumas outras embarcações, o valor das referidas nesta relação sobe a quatro mil, trezentos e trinta e três contos de réis.

“É certo que as naus e fragatas merecem algum abatimento pelo estado de ruína em que vieram a cair, mas contemplando por outra parte que estas embarcações foram artilhadas com sobressalentes, vasilhame e munições, o que permite um equivalente à deterioração que sofressem, eu só, como vai contemplado na relação me resolvo a arbitrar-lhe a redução da terça parte do seu valor, pelo que a totalidade desta soma desce a três mil, trezentos e trinta e quatro contos de réis, que de maneira nenhuma é exorbitante.

“Eu trato ao menos de ver se posso formalizar uma relação dos navios da praça, que foram apresados por Cochrane, ou apreendidos nos portos do Brasil, mas faltando o arbitramento do seu valor, eu não devo senão recomendar muito este objeto a V. Exª, pois a sua soma irá muito além do triplo das embarcações da Coroa.

“Deus guarde a V. Exª. Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, e Ultramar, em 27 de abril de 1825. – Il.mo e Ex.mo Sr. Conde de Porto Santo. Joaquim José Monteiro Torres. José Basílio Rademaker.

Relação dos navios da Real Coroa que ficaram e se acham no Brasil:

NAUS: Príncipe Real, Medusa, D. João de Castro, Afonso de Albuquerque, Príncipe do Brasil, Martim de Freitas e Vasco da Gama.

FRAGATAS: União, Tetis, Golfinho, Leopoldina, Graça, Sucesso, Carolina, Minerva e Carlota.

CORVETAS: Maria da Glória, Gaivota, Invencível, Aurora, Voador, Andorinha, Calipso, Princesa da Beira, Princesa Real, Liro, Benjamin, uma (ignora-se o nome que se estava construindo nas Alagoas).

BRIGUES: Lebre, Balão, Destemido, Real Pedro, Falcão, Furão, Previdente, Vingança, Atrevido, Principezinho, Real João, Estrela, Mercúrio, Brigue-escuna Real, Infante D. Miguel, e Reino Unido.

ESCUNAS: Real, Leopoldina, Seis de Fevereiro, Calmuca, Velha de Diu, Maria Zeferina, Emília, e Maria Teresa.

CHARRUAS: Lucônia, Gentil Americana, Conde de Peniche, Luísa.

CORREIOS: Infante D. Sebastião, Princesa Real, Pandora, Fidelidade e Afra.

N. B. O custo de cada uma das naus, quando saem do estaleiro prontas, sendo elas de 74, é 261 contos. De uma fragata de lote regular 130 contos. De uma corveta de mais ou menos 24, 38 contos. De um bergantim de 20, mais ou menos, 34 contos. Reputando-se as escunas acima mencionadas em 20 contos cada uma, as charruas em 34 contos, e os correios em 8 contos, teremos o seguinte resultado, a saber:

Importe de 7 naus, a 261:000$000

1.827:000$000

Dito de 9 fragatas, a 130:000$000

1.170:000$000

Dito de 12 corvetas a 38:000$000

456:000$000

Dito de 16 brigues a 34:000$000

544:000$000

Dito de 8 escunas a 20:000$000

160:000$000

Dito de 4 charruas a 34:000$000

136:000$000

Dito de 5 correios a 8:000$000

40:000$000

Somam

4.333:000$000

Abatendo-se um terço ao valor de cada uma das naus, e das fragatas, em atenção ao estado de danificação em que ficaram muitos destes vasos que importa em

999:000$000

Ficam Rs

3.324:000$000

“Não se deve julgar excessiva, por nenhuma consideração, esta soma, nem diminuto o abatimento que produziu a sua redução, quando se refletir que todas estas naus foram artilhadas com sobressalentes, etc., artigos todos de valor bastante, que não se compreendem no orçamento em que vão contemplados, que é do seu custo simplesmente quando saem do estaleiro para navegar.

“Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e do Ultramar, em 27 de abril de 1825. – Manuel José Maria da Costa e Sá.

“Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.”

“Il.mo e Ex.mo Sr. – Em resposta ao aviso que V. Exª me dirigiu em 30 de março último, tenho a honra de passar às mãos de V. Exª o ofício e cálculo aproximativo formalizado por João Ferreira da Costa e Sampaio, atual escrivão da tesouraria-mor do Erário Régio, com que me parece haver satisfeito as ordens de el-rei nosso senhor. – Deus guarde a V. Exª – Lisboa, 27 de abril de 1825. Sr. Conde de Porto dos Santos. – Assinado, D. Miguel Antônio de Melo. Está conforme. José Basílio Rademaker.

 

DÍVIDA DE PORTUGAL

 

“A dívida liquidada pela comissão incumbida deste apuramento montava a 7.522:931$328 rs., haviam-se amortizado 2.202:552$143 rs., vem portanto a sobrar a quantia de 5.320:379$186 rs. Talvez o que resta ainda para liquidar não vá muito longe de 4.000:000$000 rs. Nesta hipótese pois, e na de andarem 7.000:000$000 rs. de papel-moeda em circulação, não será exagerado o cômputo da dívida flutuante em 16.400:000$000rs.

“O estado da dívida consolidada, cujo pagamento existe a cargo da junta dos juros, conforme a relação pela mesma formalizada, é o seguinte:

Apólices do 1º empréstimo

2.909:695$773

Ditas do 2º

3.112:060$000

Ditas do 3º

613:775$593

Ditas da 5ª caixa

2.764:181$187

Soma

9.399:712$553

“O empréstimo do Banco de Lisboa, cujo capital é de 2.000:000$000 rs., há de ser distratado em vinte anos, importando os juros a 1.025:000$000 rs., acha-se reduzido a 1.900:000$000 rs., da principal, e 926:250$000 rs. de juros, ambas as quais adições somam em 2.826:250$000!

“Assinado João Ferreira da Costa e Sampaio.”

“Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.”

“O abaixo assinado plenipotenciário de Sua Majestade Fidelíssima, tendo recebido a nota dos plenipotenciários brasileiros em data de 29 de agosto, convém no que respeita ao pagamento da soma de dois milhões esterlinos pelo Governo do Brasil para as indenizações reclamadas para os donatários das capitanias do Brasil, e para as pessoas, que tendo mercês de ofícios, se viram na precisão de acompanhar a Sua Majestade Fidelíssima para Lisboa, e que hajam de ser pagos pelo modo que Sua Majestade Fidelíssima julgar conveniente, podendo os serventuários de ofícios, que não são aqui mencionados, dirigir as suas reclamações à comissão, que há de conhecer das indenizações dos particulares contra os governos respectivos. O abaixo assinado, além disso, entende e convém em que a convenção pecuniária assinada neste dia não será publicada até que a forma que prescreve o modo da sua comunicação ao corpo legislativo possa ter efetivamente lugar, ficando entendido que a demora necessária para esse fim não excederá o mês de junho do ano próximo futuro. Quanto às indenizações pelas propriedades particulares de Sua Majestade Fidelíssima, o abaixo assinado não tendo instruções para fixar o devido valor, não se opõe a que se deduza, da referida quantia de dois milhões esterlinos, a porção de duzentas e cinqüenta mil libras, deixando aos mesmos soberanos a conclusão deste negócio. O abaixo assinado aproveita a ocasião para renovar a Suas Excelências os plenipotenciários brasileiros os protestos da sua distinta consideração. Charles Stuart. – Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 1825.

Na ausência do oficial maior, Bento da Silva Lisboa.”

CÓPIA. – (Secreto). Nesta mesma data escrevo a V. Mce recomendando-lhe o pagamento do empréstimo português, se tal pagamento for a V. Mce requerido por pessoa autorizada pela Regência estabelecida na Terceira, em nome de S. M. a senhora D. Maria II. Como porém estou persuadido que a Regência o que pretende é haver a si aquele dinheiro, e não fazer com ele o pagamento do empréstimo, julgo da minha obrigação prevenir a V. Mce que tome todas as cautelas para que o pagamento que V. Mce fizer, segundo a convenção de 29 de agosto de 1825, um só real não se desvie do seu primitivo destino, porque a isso comprometeu e obrigou o Governo do Brasil. Naquela convenção há duas coisas bem distintas, a saber, um milhão e quatrocentenas mil libras esterlinas, que devem ser pagos aos portadores das apólices do empréstimo português, segundo as condições do mesmo empréstimo, tanto sobre juros, como sobre amortização; e estas condições foram preenchidas até o fim de 1828.(138) A suspensão, pois, do pagamento em conseqüência da rebelião de Portugal deve cessar, sempre que for reclamado pelo Governo legítimo; mas, torno a dizer para o fim estipulado, e não para outro. A segunda foi o pagamento de seiscentas mil libras ao Sr. D. João VI, por indenização de sua propriedade particular, cuja quantia devíamos formar em um ano. O Sr. D. João VI, só recebeu £ 250,00, e por isso ficou pertencendo à Srª D. Maria II sua herdeira, por abdicação do Sr. D. Pedro IV a cobrança de £ 350,000 restantes para preencher as referidas £ 600,000. É por conta desta quantia que se tem feito toda a despesa com portugueses, despesa de uma mera beneficência, e que não é por modo algum hostil ao rei de fato. Considerando a V. Mce completamente instruído sobre as instruções do Governo, não tenho a menor dúvida que procederá da maneira mais circunspecta e legal. Deus guarde a V. Mce. Palácio do Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1830. – Marquês de Barbacena. – Sr. Eustáquio Adolfo de Melo e Matos. Está conforme. Manuel Joaquim de Oliveira Leão.

O Brasil imperial começou a sua existência política pela anarquia, pela perfídia, pela mentira, pela falsa política e pela corrupção, que são os fantasmas dos governos mal constituídos. O símbolo da Independência do Brasil ficou representado no estado mórbido em que se achava o Príncipe D. Pedro de Alcântara, quando forçado pelas circunstâncias e pelas dores provocadas pelos tenesmos da disenteria, gritou nas margens de Ipiranga – Independência ou morte.

 

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, COMPARADO COM JORGE WASHINGTON, ESTE, LIBERTADOR DA SUA PÁTRIA E O OUTRO ANARQUISTA E PATRIARCA DO QUE NÃO FEZ

 

Os três Andradas pertencem à posteridade e ao domínio imparcial da História, que não faz favores, com detrimento da verdade.

Conversemos, pois, com as duas figuras de bronze, que se acham erguidas, uma no largo de S. Francisco de Paula, e a outra no Largo do Rocio; e diante delas, nesses mesmos largos, em que foram o teatro de muitos acontecimentos notáveis, que se deram no Rio de Janeiro, em anos diferentes, confrontemos o passado, historiemos os fatos, e tiremos a limpo a verdade histórica, e façamos justiça a quem a merecer.

Não somos opostos às manifestações, quando bem merecidas, porém reparamos nas que se fazem sem os conhecimentos profundos das circunstâncias que autorizam a idéia. Que se erguesse, à memória do sábio brasileiro o Conselheiro Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, um monumento qualquer, como primeiro Ministro de um dos dois Imperadores, que alguns serviços prestou à causa da independência política do nosso país, achamos justo; mas como Patriarca da Independência deste abençoado país, não. Vejamos por quê:

O Império estava fundado pelo Sr. D. João VI, o segundo Imperador ao mesmo tempo,(139) como vimos, principiando por tirar ao Brasil da condição humilhante de colônia, abrindo-lhe as portas dos mares, para o colocar como senhor, no meio das nações, elevando-o pela Carta Régia, de 16 de dezembro de 1815, à categoria de Reino; condição que não podia retroceder para o estado de colônia de Portugal. Por treze anos e poucos meses, que permaneceu a Corte portuguesa no Rio de Janeiro, prosperou tanto o reino do Brasil, que apesar da vastidão do seu imenso território, raríssimo foi o lugar que não recebesse algum benefício.

Não louvamos cegamente esses tempos; mas lamentamos os de hoje.

Aqui, completamente desassombrada a Coroa real portuguesa, e certa do que fomos nós, os brasileiros, em tempos remotos, dirigiu-se cheia de confiança às nações, declarando-lhes já não estar na Europa e sim nos seus estados da América; e pelo manifesto do 1º de maio do mesmo ano de 1808, declarou guerra à França; e viu Coroados os sucessos, com o triunfo das nossas armas, na rendição de Caiena, no dia 12 de janeiro de 1809.(140)

Para arquietar os desordeiros da banda oriental do Rio da Prata, e segurar as nossas fronteiras do Sul, mandou organizar em fevereiro e março de 1811, no Rio Grande, um exército de observação, sob as ordens de D. Diogo de Sousa, capitão-general da mesma província, o qual já ocupando parte do território de Montevidéu, dele se retirou, em virtude da convenção de 26 de maio de 1812.

Para auxiliar a nossa força nas fronteiras do Sul, mandou vir de Portugal uma luzida divisão denominada de Voluntários Reais, que chegou ao Rio de Janeiro em 30 de março de 1816, comandada pelo general português Carlos Frederico Lecor, depois Visconde da Laguna, a qual partiu para o Sul em 12 de junho desse mesmo ano. À medida que a divisão de Voluntários Reais caminhava, as nossas armas faziam prodígios de valor em 24 de setembro de 1816, em que foi derrotado no Passo de Chafalote, Frutuoso Rivera, pelo valente Major Manuel Marques de Sousa.

No dia 3 de outubro, em S. Bórgia, as tropas de Artigas são derrotadas pelo Coronel José de Abreu; em 19 do mesmo mês, é o caudilho Artigas completamente derrotado nas proximidades de Inhanduí e Paipais, pelo Brigadeiro Mena Barreto.

Frutuoso Rivera, que havia escapado com vida do combate de Chafalote, procura reforçar-se com quase 3 mil gaúchos, e no lugar de Índia Morta, encontrando-se com a vanguarda da divisão dos Voluntários Reais, comandada pelo Marechal Sebastião Pinto de Araújo Correia(141) é derrotado no dia 19 de novembro.

Findo esse ano de 1816, de glórias para as nossas armas, começou o de 1817, e logo no dia 4 de janeiro, são derrotados, em Catalan, os caudilhos D. José Verdum, La torre e Mondragon, à frente de 3 mil gaúchos, pela legião de S. Paulo e pelo Coronel José de Abreu.

Enquanto os nossos valentes guerreiros portugueses e brasileiros se enfeitam com os louros das vitórias; o General Lecor, à frente dos Voluntários Reais, no dia 20 de janeiro do mesmo ano de 1817, entra triunfante pelas portas da cidade de Montevidéu, cujas chaves recebeu das próprias mãos da municipalidade.

Derrotados os inimigos, parecia desafrontada a campanha, quando chegou a notícia que o caudilho Verdum se achava na povoação de Belém com 300 gaúchos, e sobre eles marchando o Capitão Bento Manuel Ribeiro, com 40 lanceiros e 50 milicianos do rio Pardo, os aprisionou no dia 15 de setembro.

No ano seguinte de 1818, o Tenente-Coronel Canavarro, junto ao riacho Pando, bate em 30 e 31 de março, vários troços de tropas de Frutuoso Rivera, sendo agarrado no dia 1º de abril o próprio irmão do chefe caudilho Rivera.

No dia 7 de abril, na povoação de S. Carlos, o Marechal Francisco das Chagas Santos, põe em debandada 800 gaúchos; mata o caudilho Arande e mais 100 dos seus, e faz 300 prisioneiros e se apodera da povoação.

No dia 16 de junho, o Major Antero José Ferreira de Brito, junto a Castilhos, prende os chefes gaúchos La Torre, Pancho e Talier.

No dia 22 de janeiro de 1819, em Taquarembó, ribeiro do Rio Grande do Sul, o Conde da Figueira e os Brigadeiros José de Abreu e Bento Correia da Câmara, ganham a batalha que lhes ofereceram os caudilhos La Torre e Sotello, ficando morto no campo o caudilho Sotello, 4 oficiais e quase 800 soldados gaúchos.

Ao passo que tudo isto se dava na campanha do Rio Grande, a política da Corte portuguesa, no Rio de Janeiro, mantinha-se nas melhores condições para com o governo de Montevidéu; e nunca aquela capital foi mais feliz e nem viveu mais segura e garantida, que quando esteve sob a proteção do Brasil; e foi por causa dessa política de segurança, que no dia 31 de julho de 1821, espontaneamente, a população de Montevidéu, a colônia do Sacramento e Cerro Largo, assinaram a ata da incorporação da República de Montevidéu, com a denominação de Estado Cisplatino ou Oriental, ao reino de Portugal, Brasil, e Algarves.

Foi tão sincera essa incorporação do Estado Oriental ao Reino Unido, pela confiança que lhe inspirou a boa fé da Coroa portuguesa, que fez logo eleger dois deputados à constituinte de Lisboa, que foram o Dr. D. Lucas José Obs e Herrera.

O Dr. Obs, de passagem para Lisboa, tocando no Rio de Janeiro em fins de fevereiro ou começo de março de 1822, foi informado do que se passava em Portugal em relação ao Brasil, e, de acordo com o Príncipe Regente, não seguiu para Lisboa e ficou empregado no Rio de Janeiro no Conselho dos Procuradores, representando Montevidéu.(142)

O Dr. Obs, era um excelente cavalheiro, e de muita instrução; e de posse de tudo quanto havia em relação ao Brasil, por ser o seu aliado natural e lhe ficar perto, o Dr. Obs, foi um dos que pediu a convocação de uma assembléia legislativa constituinte, para confeccionar a constituição, que tinha de firmar a monarquia brasileira.

O Dr. Lucas José Obs, em vista da atitude do Brasil, aconselhou aos seus compatriotas a fidelidade ao Brasil; e embora se dissolvesse a Constituinte de 1823, no dia 10 de maio de 1824, não só assinaram-se as bases da incorporação do Estado Cisplatino ao Império, como juraram o cabildo e as câmaras de todo o estado o projeto da Constituição, que o Imperador ofereceu no dia 11 de dezembro de 1823.

Unido assim Montevidéu ao Brasil, ficou no entanto abandonado a si mesmo, porque as ambições dos Andradas, e as intrigas contra Ledo, José Clemente Pereira e outros, absorvendo os interesses do país terminou pela dissolução da 1ª Assembléia Constituinte Legislativa em 12 de novembro de 1823, convocada pelos Andradas.

Buenos Aires, que observava as loucuras do nascente Império, desesperou com a incorporação de Montevidéu ao Brasil, e principiou a conspirar contra a união, e para chegar a seus fins, seduziu a D. João Antônio Lavalleja, para insurgir o Estado Oriental e proclamar a sua independência, o que obteve, fazendo que Lavalleja saltasse no dia 25 de abril no Porto das Vacas, com 23 companheiros, os quais levando o incêndio à campanha, conseguiram no dia 14 de junho estabelecer na vila da Flórida um governo provisório, e no dia 20 de agosto de 1825, uma assembléia, que deu por nulos os atos da incorporação do Estado Oriental a Portugal e ao Brasil.

Independente a província Cisplatina e desligada do Brasil, devido tudo ao estado anárquico do nascente Império, promovido por José Bonifácio e seus amigos, e pelas ambições de outros indivíduos, tivemos que sustentar uma guerra desastrada, e assinar o tratado vergonhoso de 28 de agosto de 1828, com Buenos Aires, no qual se fixou terminantemente a independência de Montevidéu.

Nenhuma nação se emancipa comprando a sua independência a peso de ouro, e nem o seu governo é cedido em legado, como aconteceu no Brasil, e por este fato pode-se chamar a D. Pedro I, fundador do Império, que a Nação o comprou “ignominiosamente” por 2 milhões de libras esterlinas!?

Não há termo de comparação entre José Bonifácio e Jorge Washington. José Bonifácio apareceu no movimento independente quando tudo estava feito, e como Ministro de Estado fez os serviços inerentes ao seu cargo, mas procedeu de tal forma por causa do seu egoísmo, avidez de mando e insaciável ambição, que, por seus desatinos, foi expiar por seis anos no desterro, em país estrangeiro, as conseqüências do seu despotismo.

Jorge Washington, finda a guerra da independência, é chamado de novo, pelo Congresso Nacional, para se pôr à frente do governo da nação, e auxiliado por Franklin, Jefferson e outros, confeccionaram a Constituição do Estado, firmando a sua independência, e depois de oito anos de uma administração modelo, retirou-se para sua casa, coberto das bênçãos dos seus compatriotas, e morreu como Cincinato.

José Bonifácio, no meio de enredos, anarquiza a Assembléia Constituinte, que confeccionava a Constituição, que tinha de firmar a nossa independência nominal, e por este motivo, sendo dissolvida a pontas de baionetas, é preso com seus irmãos e amigos, e são deportados, e lá mesmo no exílio vocifera contra o seu país e contra os seus naturais.

Os Andradas, como Ministros, dizia o Correio do Rio, nº 76, foram Verres, e como tamoios, foram diabos.

De volta do desterro, pela ambição do poder, torna-se conspirador e por isso foi preso, indo responder ao tribunal do júri, por seus crimes.(143)

Jorge Washington, contentou-se em servir a pátria, nada exigindo por seus impagáveis serviços; e José Bonifácio pelos males que causou ao nosso país, pede ao Imperador, em testamento, que remunere ao que se tiver de casar com sua filha!

José Bonifácio nunca serviu de graça à Nação: foi sempre em todas as circunstâncias seu pensionista, até depois da morte.

 

ORIGEM DA CORRUPÇÃO – OS PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL E O PARLAMENTARISMO, FILHOS DA ESCOLA DE DIREITO

 

Em 22 de junho de 1822, os homens que promoviam a independência política do Brasil, se dividiram em dois partidos para se hostilizarem, embora todos quisessem a mesma coisa. A idéia do mando e das posições oficiais, no Reino Unido, já reconhecido ou Império, que se queira emancipar, era o duende dos mais influentes na sociedade. Depois do grito fascinador Independência ou Morte, os homens que mais concorreram para a separação política e governamental do Brasil, e que maiores sacrifícios fizeram, se cegaram; e, para mais francamente se hostilizarem, dividiram-se em três grupos de combatentes políticos: realistas puros; liberais realistas, e republicanos;(144) e foram as intrigas e perseguições, como já mostramos, que deram por terra com a primeira assembléia, que confeccionava o código fundamental, que tinha de constituir o Brasil nação livre e independente.

Depois da dissolução da constituinte, os realistas liberais e republicanos partiram para o Sul, e foram promover a separação e independência da Província Cisplatina, que se havia incorporado voluntariamente ao Império.

Em Pernambuco, logo no começo do ano de 1823, se formou um clube secreto em casa de Manuel de Carvalho Pais de Andrade, para promover-se uma rebelião igual à de 1817, contra a pessoa do Imperador, que ficou em planos, e se realizou depois.

Os que partiram para as províncias do Norte foram anarquizá-las.

Os que chegaram à Bahia convocaram a Câmara Municipal e propuseram a separação daquela província do centro comum, e, não conseguindo, deixaram nela o fermento para a revolução militar de 25 de outubro de 1824.

Os que foram para Pernambuco promoveram a revolução de 2 de julho de 1824, com a denominação de “República Federativa do Equador”.

Os que ficaram na Corte, no Poder e fora dele, comprimidos pela política européia, deixam perder Montevidéu, assinam o tratado de 29 de agosto de 1825 e a convenção de reconhecimento de independência, sendo medianeiro Canning, representado por Charles Stuart, como já vimos, obrigando-nos a comprar por 2 milhões de libras esterlinas a nossa carta de liberdade; e o que é mais vergonhoso ainda é estarmos em débito.

Assinaram o tratado de 8 de janeiro de 1826, de escravidão perpétua com a França, que embaraçou o nosso comércio a retalho, ser exclusivamente dos brasileiros.

Este tratado, por sua natureza nulo, mostrou o pouco critério e os desconcertos dos políticos desse tempo, porque ninguém pode alienar a vontade de sua posteridade, nem das gerações futuras.

Ainda menos critério tiveram os nossos políticos de 1848, que não souberam aproveitar a declaração da República francesa, quando fez ver às nações que os tratados que até ali tinha a França monárquica estavam rotos pelo Governo da república.

Assinaram o tratado de 28 de novembro de 1826 com a Inglaterra, que foi a continuação do de 19 de fevereiro de 1810,(145) e outros com outras nações, sem vantagens para o Brasil.

O tratado de 19 de fevereiro de 1810 que obrigou pelo art. 10 do dia 22 de janeiro de 1815 a pôr termo ao comércio de escravos, além de outras convenções devia terminar em 22 de janeiro de 1825; porém, em conseqüência do tratado de 23 de novembro de 1826, ficaram prevalecendo para com o Brasil as mesmas condições do tratado de 1810. A Inglaterra quis mais ainda: quis o tratado de 17 de agosto de 1827. Com este tratado tolerava comércio de escravos, e como este tratado terminava em 17 de agosto de 1842, instando pela continuação, veio pôr-nos em agonias até 9 de novembro de 1846; mas como o país se pronunciou contra a continuação do tratado de comércio, Lorde Aberdeen exigiu do Parlamento o Bill de hostilidades de 8 de agosto de 1845, que pôs termo final ao comércio de escravos.

O reinado de D. Pedro I foi de lutas, de calamidades, de dissipações e de desatinos.

A corrupção governamental e a dissipação das rendas públicas, e servilismo, foram inaugurados neste reinado.

Os realistas puros, humilhados à vontade e aos caprichos de um príncipe tresloucado, nada fizeram de bom. O seu primeiro passo foi onerar a nação sem necessidade com um empréstimo desastrado, como mostrei em vários artigos que publiquei no Correio Mercantil de 1868.

Os liberais republicanos, que viam o Brasil estremecido, preparavam-no para as tempestuosas eleições de 1829, e em seguida para o golpe de estado de 7 de abril de 1831, que terminou pela abdicação voluntária do Imperador de direito.(146)

Já vê o leitor que, pelo “transunto” fiel e retrospectivo de nossa história política, não temos tido homens políticos, nem estadistas, e nem partidos políticos com idéias proveitosas, para fazer do Brasil uma grande nação, porque desde a fundação do Império nominal do Equador, ou de Marrocos, como o denominou José Bonifácio, o que tem governado o Brasil não é a cabeça, mas, sim, o estômago e os enfeites ou tetéias para o corpo. Mudada a fisionomia política do Brasil com a nova ordem de cousas, ficou sendo governado por uma Regência, e o gabinete ministerial de 7 de abril, tendo necessidade de ser recomposto em 16 de julho, foi chamado para a pasta da Fazenda Bernardo Pereira de Vasconcelos, em substituição ao Brigadeiro José Inácio Borges.

Bernardo Pereira de Vasconcelos serviu até 10 de maio de 1832.

Bernardo Pereira de Vasconcelos, monarquista constitucional, era homem de grande talento e habilidade, havendo dado provas de sua inteligência na primeira legislatura de 1826 a 1830 encarregando-se da redação dos códigos criminal e o do processo; e mesmo concorrendo para a confecção de outras leis, principalmente para a de 15 de outubro de 1827, que determina os casos e o modo de responsabilizar os Ministros da Coroa e conselheiros de Estado.

Tomando gosto pelos enlevos do poder, certo de que mais tarde voltaria ao Ministério, entendeu que a posição de Ministro de Estado não devia sujeitar-se aos vaivéns de um processo; e, para chegar ao seu intento, imaginou que só por meio da corrupção se poderia inutilizar a lei de 15 de outubro de 1827, e para isso adotou como princípio em política, máxima perigosa de vencer sem moralizar os meios, em qualquer posição em que se achasse.

Esta máxima desorganizadora de uma boa sociedade lhe serviu de fundamento em sua vida pública, mostrando na prática que o direito e o dever são dependentes das conveniências políticas.

Ele que até 1834 tinha sido a alma do partido monárquico-constitucional, fora do poder vendo enfraquecida a sua influência e prestígio, declarou na Câmara temporária em 1836 a necessidade de reorganizar o Brasil, hasteando a bandeira do regresso, ou conservadora, com esta legenda:

“Sustentar a Constituição e morrer pela monarquia.”

“Defender a ordem pública e proteger os cidadãos.”

Os liberais, vendo hasteada a bandeira do regresso ou conservadora, ofereceram ao país também o seu programa político:

“Defender as liberalidades públicas e proteger os direitos do povo. Respeitar a Constituição e a forma do governo reconhecida por ela.”

Estes dois cartazes (dá-me na cabeça e na cabeça me dá), lançados na frente do teatro da política, foram aceitos, e os dois partidos, ou facções, se extremaram.

O embaraço que Bernardo Pereira de Vasconcelos achava para chegar a seus fins, era a lei de 15 de outubro de 1827, e para a inutilizar imaginou criar no seio da representação nacional o parlamentarismo e as maiorias parlamentares (verdadeira mistificação do nosso direito público constitucional), com o fim de atacar o art. 113 da Constituição e a lei de 15 de outubro, formando camaleões políticos; invadir o Tesouro público e manter a corrupção, meio tortuoso, porém seguro, de garantir os Ministros da responsabilidade legal, como nos tem acontecido, e ultimamente com pasmo presenciou o mundo.

Ele, que confiava em seus recursos, por ser dotado de estilo mordente, e que como ninguém manejava a arma do ridículo, quer como oposicionista e quer como ministerialista, conseguiu o seu intento, mostrando com os fatos, que acima da moralidade das ações em política (traficância), está a corrupção, para vencer as dificuldades.

Com o parlamentarismo arregimentam-se as maiorias nas câmaras, e para as conseguir, o Governo intervém, por seus agentes, nas eleições populares, corrompendo, e empregando a força pública, para serem eleitos os seus capangas, ou confrarias dissidentes, para chancelarem o esbanjamento do tesouro da Nação e os erros governamentais.

Mas o Diabo como sempre cobre os velhacos com duas capas, logrou a Bernardo Pereira de Vasconcelos, porque em vez de fazer somente bem aos Ministros, acobertando-os com o amém das maiorias, não obstante a invenção “das rolhas parlamentares” do Sr. J. J. Rodrigues Torres, não os livrou do juízo da opinião publica, que manda à posteridade, com todas as cores, a conduta do Ministro leproso, que se locupletou, com a fortuna pública, e prejudicou, ou comprometeu a nação, por sua ignorância e má administração.

Nem as maiorias parlamentares, e nem o invento das rolhas, deram triunfos a seus autores, porque criaram com a corrupção, na política brasileira, uma nova forma de governo, desconhecida no direito público de todas as nações que é a “monarquia constitucional representativa absoluta” como a que hoje governa o Brasil, e como teve a Prússia, durante o reinado de Frederico II, conforme dizia ele a Voltaire, que vivia bem com o seu povo, porque este dizia o que queria, e ele fazia o que entendia.

A intervenção direta do poder real, o parlamentarismo, com suas maiorias, desconhecidas na Constituição do Estado, vão abismando o Brasil, e cavando a sepultura à monarquia.

Este estado anômalo tem trazido a confusão, a descrença na sociedade, e é provável que mais tarde o próprio país se arme, como um só homem, contra o sistema corruptor que nos devora, pondo à frente dos negócios públicos, homens de coração, que não aspiram o poder para fazer fortuna, e arranjar os seus conchegados.

Os Ministros sempre em desculpas, e sem responsabilidade legal de seus atos, ou com negaças, têm causado grandes males ao Brasil, porque um homem de talento, abusando dele, plantou entre nós a política da corrupção, dando lugar a que o sistema representativo, que hoje vigora no Brasil, seja uma comédia de aldeia, porque entre nós, a representação nacional, não é mais do que a chancelaria do Poder Executivo, para timbrar o placet do único poder da Nação, que é o Poder Executivo ou real. Haja vista ao que dizemos à coleção das leis de 1873, que compreendendo duas legislaturas, não se vê nela senão: – fica o governo autorizado, – é o governo autorizado, – autorizado fica o governo, – até topar sem reparo, com a bandeira nacional fincada no meio do cano real, da companhia City Improvement ou fincada no lixo, ou varrendo as ruas de Montevidéu, como um trapo desprezível.

A monarquia constitucional representativa absoluta, como hoje existe no Brasil, filha da corrupção, é a pior forma de governo que se conhece, porque com aparências de constitucionalidade, o poder real, absorvendo todos os poderes, faz tudo o que quer, e ninguém lhe toma contas.

Bernado Pereira de Vasconcelos deixou discípulos, porque os que se julgavam com alguma aptidão, para subir ao Poder, o procuravam para seu mestre, a fim de ter nele um protetor, e desviar de si um inimigo temível.

Os dois partidos desmentem os seus programas, o conservador com a bandeira do regresso ou do justo meio, como o Sr. Vasconcelos o denominou, se hostilizam e se confundem em modo de não haver no Brasil um partido que exprima uma idéia política, como provarei.(147)

O golpe de estado inconsiderado e ilegal de 12 de novembro, que tantos males causou ao nascente império nominal, como mostrarei na continuação das minhas investigações históricas, motivou a anarquia, ora mansa, ora bravia e feroz, no Brasil monárquico, igual à que se tem dado nas repúblicas espanholas da América. Se compararmos o nosso viver social, com o viver daqueles povos, acharemos o mesmo estado de anarquia, com uma diferença: é que neles existe espírito público, caráter distintivo de cada nacionalidade, enquanto que no Brasil o espírito público desapareceu, com um bom número de patriotas em 1821 a 1858, surgindo logo a corrupção que matou e continua a matar as mais nobres aspirações nacionais.

As repúblicas espanholas, apesar da lepra crônica que as devora, estão mais adiantadas em civilização, e prosperam a olhos vistos, e por isso para elas correm as artes, as ciências; enquanto que, para o Brasil, em melhores condições naturais, nada vem que preste.

Desde a fundação do Império nominal do Equador ou do Monomotapa, como chamou José Bonifácio, os homens da governança, cuidando só de si e dos seus conchegados, não se importaram com o futuro da nação, por não haver neles pensamento patriótico, e nem amor pelas idéias que formam os partidos que se separam para promover a felicidade comum e deixaram à mercê da traficância política chicaneira, filha da escola de direito, que é a que governa o Brasil e de especuladores mercantes, a sorte de um país que já era tão grande e tão considerado pelos estadistas europeus, que, para poder Portugal figurar como a oitava grande potência política no Congresso de Viena, foi preciso elevá-lo à categoria de reino, e sem o que ficariam os seus representantes na ante-sala, sem tomarem parte das decisões internacionais, o que forçou a El-Rei D. João VI, publicar a Carta de lei, de 16 de dezembro de 1815, elevando o principado do Brasil à categoria de Reino Unido aos reinos de Portugal e Algarves, e ao mesmo tempo dando-lhe o escudo de suas armas.(148)

O estudo da nossa História, intimamente ligada a história de Portugal, daria largas ao político ou estadista, que se dedicasse aos interesses reais deste abençoado país; mas pelo que sei da história, e pelo que tenho visto, com pesar o digo: a idéia suprema dos nossos traficantes políticos são as posições oficiais e os empregos lucrativos da nação, isto é, a política do venha-a-nós.

Os verdadeiros políticos morrem pelo triunfo de suas idéias, em proveito da sociedade. Entre nós, como não há idéias políticas, morrem pelas posições e pelos empregos lucrativos, por uma libré bordada, e bem carregada de perendengues, com o fim de parecerem bonitos nos dias de festa nacional, ou quando vão ser padrinhos de algum casamento, e outros atos.

Os políticos europeus, preparam-se pelo estudo e com a experiência para os cargos da nação, e entre nós, preparam-se os empregos para os homens, que surgem das urnas eleitorais, como os polichinelos, embora sem habilitações, e às vezes apenas formados pelo patronato dos mais adiantados na mascateria política ou pelos empenhos.

Por isso entram e saem os nossos polichinelos políticos das posições oficiais, sem nada deixarem de bom, ligado a suas memórias. Quando desaparecem da cena política, são, como fogo-fátuo, ou estrela filante, que se apaga no ar sem deixar rastilho. Embora a fatuidade os cegue, amam esses elogios que bem caro custam aos cofres da nação.

Na Europa, como em toda a parte, os partidos políticos estão discriminados: cada um milita sob sua bandeira, dirigido por seu chefe.

Entre nós, até 1830, os liberais eram tão perseguidos, que muitos acabaram a vida nos cadafalsos, com suas idéias de felicidade comum.

 

FISIONOMIA DO TEMPO E DESATINOS DAS FACÇÕES SEM NENHUMA IDÉIA POLÍTICA

 

Corria o ano de 1830, sob a dominação do Ministério de 12 de agosto, e um vulcão minava pela base a monarquia aceita e jurada em 12 de outubro de 1822. Oito anos não eram passados, já o país, pelos desregramentos do chefe de Estado, se movia ante as cenas de uma Corte de ambiciosos e corrompida, composta de paus de laranjeira, que, não sabendo dominar as orgias dessa época, entregaram-se de corpo e alma nos braços da revolução açulando as massas, com a derrota das nossas armas, nos campos da Cisplatina; com os adultérios do chefe de Estado e a vida desregrada deste no lar doméstico, além das milhares de bocas, que o apregoavam de perjuro, e entregue à falange européia. Então, os homens da Floresta, inimigos do Imperador D. Pedro I, assombrados pelo alcance da revolução de 7 de abril, que haviam preparado os desejos dele, para abdicação, tiveram de recuar por não terem forças capazes, para comprimirem a válvula da anarquia, que ameaçava todo o Brasil.

Essa Floresta, havia criado e desenvolvido em todas as cidades, vilas e povoados do país, Monitas Secretas, nas quais se tratava de assuntos que, pensando-se hoje, não passavam de verdadeiras utopias, já não se olhando para a população heterogênea de então, teve de arrepiar carreira, e criar depois, em todas as localidades, contra- Monitas, as quais se chamavam Sociedades Defensoras da Liberdade e Integridade do Império, que tendo por fim soldar os elos da cadeia, que se havia rompido, arcavam com dificuldades tais, que não tiveram outro remédio senão criar o 30 de julho de 1832; época em que na Regência Permanente de Francisco de Lima e Silva e João Bráulio Muniz, sendo Ministro do Império Antônio Pinto Chichorro da Gama, antepuseram ao carro da revolução o elemento federativo (Ato Adicional) que como lei do país sancionou-se em 12 de agosto do mesmo ano de 1834.

Satisfeitas assim, e por semelhante modo, as aspirações exageradas do elemento provincial, havendo o país perdido a esperança de reaver a Cisplatina, perdida em 1829, pela derrota do Passo do Rosário, e agressões contínuas dos caudilhos Lavalleja e Artigas, que desde então continuaram a incomodar-nos até a referida época de 1834, ficaram as províncias entregues ao regime da caudilhagem, e aproximadamente reduzidas a estados federativos.

No Pará dominava o cônego liberal João Batista Campos, e no Maranhão dominavam os Vinagras, Eduardo, Angelins, Navalhões, Rosas, Cajueiros, Fidiés e Pereiras, de Burgos; no Piauí dominava o régulo barão da Parnaíba, que tinha por braço direito os célebres Mourões, que espancaram a Sousa Martins; no Ceará dominava o Padre José de Alencar, que havendo dez anos atrás assolado a população da cidade de Fortaleza, contra seu irmão Tristão de Alencar Araripe, como chefe, tendo a seu lado o Padre Antônio Manuel, que com Tristão Araripe, fizeram a revolução, contaminando-se esta, por ordem do Padre Alencar, que foi a causa da morte trágica de seu irmão, vítima do povo, que o mataram e esquartejaram, cujos quartos foram pregados nos coqueiros da praça da Feira, da cidade da Fortaleza. O Padre Alencar, fazia grossa política, e tanto que na Regência do Padre Diogo Antônio Feijó, era ele o dominador do norte do Império, inclusive a Paraíba, e Rio Grande do Norte.

Em Pernambuco dominava Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcânti (depois Visconde de Albuquerque), que havendo sido Ministro em 1830 e 1832 e sendo excluído em 1833 e 1834 dos negócios públicos, ali com o Dr. Pedro de Araújo Lima (depois Marquês de Olinda) criaram o partido chamado Holandês, que denominou até Sergipe d’el-Rei, à qual mais tarde (1835) se reuniu Bernardo Pereira de Vasconcelos, por Feijó não querer transigir, foi chamado o partido do Regresso. Depois o Dr. Araújo Lima separou-se de Holanda Cavalcânti e Albuquerque, por causa de Rego Barros, e do Padre Francisco Barreto, conhecido pelo alcunha de Doutorzinho. Na Bahia, Francisco Paraíso de Moura, João Carneiro da Silva Rego, Dr. Francisco Sabino da Rocha Vieira, e Sérgio, aceitam a encomenda que lhes mandou o Rio de Janeiro; safando-se Sousa Paraíso da responsabilidade, deixou Carneiro e os outros seus correligionários comprometidos. A revolução de 7 de novembro de 1837 foi procedida pela questão do cemitério com as irmandades!(149)

Oribe, que sitiava Montevidéu, vendo-se também a braços com o exército aliado, entretanto em batalha foi derrotado em Monte Caseros, em fevereiro de 1852, entregando-se vencido a Urquiza; cabendo nesse conflito ao General Marques de Sousa (Conde de Porto Alegre) a maior parte das honras da vitória. O ditador de Buenos Aires, em vista da derrota que o seu exército sofreu, desanimou, saiu fugido, deixando para sempre o teatro de suas crueldades.

Por esse tempo engendrou-se no Rio de Janeiro uma missão diplomática especial, para as repúblicas Oriental do Paraguai, e governos das províncias de Entre-Rios e Corrientes, em 20 de outubro de 1851, com o fim de ratificar os limites, mediante tratados.

Note-se que por esse tempo o governo de Montevidéu estava sem dinheiro. Os rendimentos do Estado não chegavam para as despesas públicas, e as repartições fiscais, comprometidas com os ingleses. Tudo estava empenhado. Para acudir às necessidades públicas, o Governo de Montevidéu pediu ao Brasil seis mil contos emprestados, e o governo brasileiro, que vive também a pedir dinheiro à Inglaterra a prêmio, não obstante isso, remeteu essa quantia à legação do Brasil, para ser entregue ao Governo de Montevidéu.

Alguma coisa respirou acerca do dinheiro deste empréstimo, que hoje Montevidéu está pagando em prestações. O caso foi que, em 31 de julho de 1855, o Senador D. Manuel de Assis Mascarenhas, de honrada memória, obrigou no Senado a alguém fazer inventário dos seus possuídos.

Disse o Mercantil do dia 2 de maio de 1852: – “Depois da chegada da corveta D. Januária, tem corrido a nova de que o nosso Ministro plenipotenciário em Montevidéu sofreu um grandíssimo insulto, dirigido contra a casa de sua residência.”

O Jornal do Comércio, do mesmo dia, disse:

Insulto: – Espalhou-se ontem, que a casa de um de nossos agentes no Rio da Prata tinha sido apedrejada. Podemos assegurar que este boato não tem o menor fundamento.”

Depois do 7 de Abril, com o governo da Regência, não temendo os liberais o cadafalso, continuaram nas lutas, e os dois partidos, em lugar de fazerem bem à nação, não cuidaram dela. Os liberais atacam o art. 71 da Constituição, fazendo surgir a Lei de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional), sem atenderem que os artigos seguintes da mesma Constituição são corolários do mesmo art. 71. Os conservadores e regressistas atiram-se ao art. 101 e inventam as maiorias parlamentares, com o fim de forçarem a Coroa a circunscrever as suas atribuições, inconstitucionalmente, e só tirar o pessoal para os ministérios nas duas câmaras.

Se o § 6º do art. 101 da Constituição deu plena faculdade à Coroa, de nomear e demitir livremente os Ministros de Estado, obrigar a Coroa, tirar os Ministros exclusivamente das duas câmaras é atacar o § 9º do art. 15, porque as maiorias parlamentares forçam as câmaras a não serem a guarda da Constituição, e sim a manivela do Poder Executivo.

Os conservadores, que queriam a todo o transe ampliar o seu predomínio, atacam o art. 179 da Constituição, fazendo aparecer a Lei de 3 de dezembro de 1841, para montar a máquina infernal das eleições e anarquizar o Brasil. Mais tarde desarmam a Nação com a convenção de 20 de março de 1856, e entregam a nossa navegação ao estrangeiro.

Os liberais, ressentidos, ou antes fora do Poder, vendo na Câmara a passagem da Lei de 3 de dezembro, e a de 23 de novembro, que criavam novamente o Conselho de Estado, abolido pelo Ato Adicional, cujas leis, diziam eles, só podiam ser feitas por uma constituinte, coligaram-se, e formaram uma sociedade secreta na Corte, com ramificação pelas províncias, com a denominação de Sociedade dos Patriarcas Invisíveis,(150) com o fim de revolucionar o Brasil; e como fosse dissolvida a Câmara Temporária no 1º de maio de 1842, apesar da oposição de alguns Conselheiros de estado, lançaram mãos das armas. No Diário do Rio de Janeiro de 7 de maio de 1842, nº 100, vem um protesto de Antônio Carlos e Martim Francisco, contra a ilegalidade da dissolução. No dia 7, o Senador Holanda Cavalcânti, dirigindo-se ao Diário do Rio, queixa-se do Jornal do Comércio, por não querer aceitar a refutação que fez, contra as razões apresentadas pelos Ministros da Coroa, e o Diário, a transcrevendo, mostrou a deslealdade, com que procederam os Ministros com a dissolução da Câmara.

A Lei de 3 de dezembro, a de 23 de novembro de 1841 e a dissolução da Câmara dos Deputados de 1º de maio de 1842, deram em resultado as revoluções do dia 17 de maio, em S. Paulo, e 10 de julho, em Minas Gerais, e a deportação de alguns indivíduos de importância política. Os conservadores, promovem, e alimentam a revolta dos farrapos no Rio Grande, que, durando dez anos, foi concluída a peso de dinheiro do Tesouro público.

Se os conservadores atacaram o art. 179 da Constituição, os liberais fizeram o mesmo com o art. 6º, tirando-nos a nacionalidade dos nossos compatriotas, filhos de pais estrangeiros residentes no Brasil, com a convenção de 26 de abril de 1861.

Quando se queria dar algum golpe de estado, chamava-se a isto republicanizar o Brasil. Em agosto de 1839 se querendo a mesma coisa, chamou-se a isto ditadura legal, para se engambelar a todos.

Os conservadores mataram o nosso comércio e a nossa agricultura; e os liberais entregam parte da nossa navegação ao estrangeiro, e mataram-nos a indústria que tínhamos; e os conservadores fizeram o resto.

Os conservadores estabeleceram nas câmaras fábricas de rolhas, para matar a discussão, levando de vencida os seus projetos; e os liberais, com o mesmo pensamento, adotaram para si esse invento imoral, que o bom senso reprova!

Ambos os partidos ou facções, como vivem sem pensamento político, unicamente com as vistas nas posições oficiais, e no tesouro público, tem estragado o país para ser devorado pela corrupção.

Processos, vinganças atrozes, e desterros, para a ilha Fernando de Noronha, foi o que se viu em Pernambuco.

Quando tudo isto ali se passava, na Câmara Temporária se aplaudiam os excessos canibais dos conservadores, praticados contra os liberais de Pernambuco.

Alguns grupos armados da revolta de 7 de novembro de 1848, tendo à sua frente os valentes capitães Pedro Ivo Veloso da Silveira, e Miguel Afonso, entrando para as matas das Alagoas, se fizeram fortes, e resistiram às armas do Governo.

Apesar do emprego de força, o Governo chamado legal, não pôde derrotar a Pedro Ivo, nem a Miguel Afonso. Então Honório Hermeto, presidente da Província de Pernambuco, pôs a prêmio as cabeças desses chefes militares; mas por honra da humanidade, ninguém o quis ganhar.

O Presidente da Bahia, Francisco Gonçalves Martins, e José Bento da Cunha Figueiredo, das Alagoas, combinaram nos meios de agarrar os chefes rebeldes, e para isso o Presidente da Bahia, semelhante ao Senado romano, quando viu Coriolano à frente dos Volscons, às portas de Roma, pediu a Vitória, mãe de Coriolano, para ir desarmar seu filho(151) empenha-se com o velho Tenente-Coronel Pedro Antônio Veloso da Silveira, pai de Pedro Ivo, para o desarmar e tirá-lo das matas, garantindo-lhe o perdão e muitas vantagens.

O velho pai, crendo nas promessas do Governo, aceita a comissão, e partiu para Pernambuco. Ali chegando, o Presidente Honório, proporcionou-lhe cavalgaduras, e guias, entrou nas matas o iludido pai, em procura do filho, e foi, antes de vê-lo, recebido com um tiro, que o feriu na perna, ou em um pé; e como para se livrar da morte declarara ser o pai do chefe Pedro Ivo, é acatado com respeito, e conduzido à presença do filho, que o recebeu nos braços.

Pedro Antônio, depois de curado, comunicou ao filho, o fim da sua visita, e conseguiu trazer consigo o homem, que aterrava o Governo.

Chegando o pai com filho à Bahia, o apresenta ao Presidente Gonçalves Martins, que o recebeu com vivíssimas manifestações de prazer, indo com Pedro Ivo ao teatro, e a passeios em sua carruagem, e mesmo levando-o à casa do pai, na Rua da Lapinha.(152)

Os dias, em que Pedro Ivo esteve na Bahia foi tratado pelo presidente, como se fora ele um príncipe, que andava em passeio.

O Presidente da Bahia, para bem representar o seu papel, e convencer a Pedro Ivo de partir com ele, para o Rio de Janeiro, para ter o prazer de o apresentar ao Ministério, e ao monarca, certo de que seria bem recebido, e mesmo premiado. Pedro Ivo crê! E embarca para o Rio, na companhia do Presidente Gonçalves Martins; e ao fundear o vapor no porto do Rio de Janeiro, em vez de saltarem ambos para terra, foi o Capitão Pedro Ivo, escoltado, para a fortaleza de Santa Cruz, e Francisco Gonçalves Martins para a casa dos Ministros!

Iludidos e atraiçoados o Tenente-Coronel Pedro Antônio Veloso da Silveira, Pedro Ivo, Miguel Afonso e outros, pela má-fé do Governo, são presos, processados, findando esta judaica comédia, com a fuga e morte do honrado e valente Capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira.(153)

O leitor viu a exposição fiel desses acontecimentos, e sem dúvida terá já feito o seu juízo; mas moralizemos os fatos. O Presidente da Bahia procederia de modo próprio, sem autorização do Governo, contando com a sua grande importância pessoal, para impor-lhe as condições vantajosas, que mandara propor a Pedro Ivo? E se assim procedeu, por que o Ministério não demitiu imediatamente a este delegado desleal? Por outro lado, procederia aquele presidente, de conformidade com as ordens recebidas do Ministério? E neste caso, por que chegando à Corte o Presidente da Bahia, e vendo comprometida a sua honra, e desprezados os seus compromissos, não deu imediatamente a sua demissão?

Mais outro mistério. Fugiu Pedro Ivo da Fortaleza de Santa Cruz, a primeira praça de guerra do Império, e não se responsabilizou ao comandante desta fortaleza, pela fuga de um preso de Estado! Como explicar todas essas cousas? Dicant paduani.

As eleições de 1849 foram feitas com inauditos escândalos, pelo Governo, para impor uma Câmara eleita pela fraude, pelas violências, e por torpezas, como disse o Senador Vergueiro.

No entanto, desembaraçado o Ministério de seus inimigos, principiaram as reações...

As eleições para a Câmara de 1850 foram disputadas horrivelmente, cometendo os conservadores as maiores atrocidades por toda a parte.

À medida que o país se dilacerava pelas intrigas, e pelas armas, entregavam os conservadores a dignidade da nação às violências dos ingleses, para favorecer aos traficantes de escravos.(154)

Os liberais no poder fizeram o mesmo.

Cada uma facção o que queria era o mando e os lucros que podiam tirar. A lei das terras, viveiros para empregos, foi o pomo de discórdia entre as duas facções; como o célebre decreto sobre a nomeação e remoção dos juízes de Direito que agrilhoou a magistratura aos caprichos dos Ministros.

A Lei de 3 de dezembro de 1841, por causa da qual se revolucionaram os liberais, serviu a estes, quando entraram para o Poder, para comprimir os conservadores!

O Ministro do Império do Gabinete de 29 de setembro era inimigo da liberdade; o da Justiça agrilhoou a magistratura ao carro do poder, e distribuiu os empregos da nação com seus conchegados e amigos; o da Fazenda acabrunhou as províncias com as suas medidas financeiras que nunca deram resultado algum em proveito do país; o de Estrangeiros levou arrasto a dignidade da nação aos pés do governo inglês, e ao mesmo tempo recuou em vista das bravatas do ditador de Buenos Aires, mostrando a sua incapacidade para o cargo que ocupava; o Ministro da Guerra, por sua influência, vilipendiou o nosso Exército, e fizeram assim descrer dos homens que governavam o país; e por isso, tornou-se o Gabinete de 29 de setembro tão célebre pelas suas violências, e por sua incapacidade, que caiu amaldiçoado pela nação.

O Grito Nacional de 29 de novembro de 1818 transcreveu em verso a circular do Ministério aos presidentes do Norte:

 

I
Em ofício reservado,
Que lido deve ir pra chama,
Vai expor-lhe o ministério
Seus princípios, seu programa.
II
Nosso fim é governar,
Manter nossa posição,
Não nos importa o país,
Nem leis, nem Constituição.
III
Da liberdade às idéias
No Brasil atualmente,
São por certo perigosas,
Fazem muito mal à gente.
IV
Sufoque-se, pois, a imprensa(155)
E pra vencer a eleição
Empreguem todos os meios,
Recrutamento, opressão.
V
É preciso sustentar
A nossa nobre conquista,
A política adaptada
É por certo miguelista.
VI
Miguelista pelo dia,
Miguelista no pensar,
Miguelista pela gente
Que nos pode sustentar.
VII
Não tenha medo do povo,
Que pra povo há baioneta,
Se lhe falarem da Europa,
Responda que tudo é peta.
VIII
Se Guizot comprometeu
Da França um trono vetusto,
De comprometer o nosso
O Governo não tem susto.
IX
Nada de haver tolerância,
Moderação nem justiça;
Vamos todos aos empregos,
Como urubus à carniça.
X
Do Partido Liberal
Deve agora ir tudo raso,
Deixe vir o que vier,
Da nação não faça caso.

 

O Gabinete de 29 de setembro, prometendo anistia a todos os comprometidos na Revolta Praieira, não o fez; e denunciado pelo Deputado Melo Franco, de saudosa memória, o Ministério negou a promessa; e sendo chamado à tribuna, o Sr. Gonçalves Martins, para dar explicações, este desvendando a má-fé e a imoralidade do Governo se cobriram de ignomínias.

Esse desregramento de uma política jesuística, não tem feito mais que anarquizar o Brasil, e nos desconceituar perante os homens inteligentes do exterior.

Mais tarde, quando os estudiosos compulsarem os jornais do tempo e as diferentes brochuras, que se escrevera, e confrontar os atos do Governo com os dos seus agentes, os desconcertos e disparates administrativos farão a idéia mais contristadora dos homem, que figuraram na tacanha política brasileira.

Nos países onde há moralidade e onde o sistema representativo rege a nação, como uma religião social, os ministérios sucedem em presença das necessidades; e entre nós o contrário; não são as necessidades que obrigam, e sim motivos fúteis ou o capricho do chefe do Estado; o que faz crer, que entre nós o sistema representativo em vez de ser uma realidade é uma fantamasgoria social, que vai abismando a monarquia.

Os dois partidos, ou antes, as duas facções no Brasil, nada representam, porque além de não terem um chefe prestigioso que os dirija (porque quanto bicho careta ou saltimbanco há, se apelida de chefe), quando está por baixo não faz mais que conspirar para subir: e quando de cima, as idéias e leis, que combateram, as deixam intactas, para os mesmos fins, como aconteceu com a Lei de 3 de dezembro de 1841. Empregam as mesmas violências, o mesmo despotismo, até contra pessoas do mesmo partido; esbanjam da mesma forma, fazendo sair pelos mesmos crivos os dinheiros da nação, sem utilidade pública.(156)

O periódico Urtiga começou a sua vida jornalística (nº 1, sábado, 10 de agosto de 1839), e exprobando a indiferença dos Ministros, diz:

“Os Ministros passados nada fizeram; os presentes nada têm feito, e nada farão os futuros Ministros, enquanto durar a menoridade do Sr. D. Pedro II: e eu digo, se aqueles nada fizeram, ao menos não dilapidaram os cofres públicos com a espantosa corrupção, como tem sucedido no mencionado reinado do Sr. Pedro II.”

Depois do Gabinete de 29 de setembro, muitas vezes modificado, subiu ao poder o de 8 de outubro, do qual fizeram parte em 11 de maio de 1852, Francisco Gonçalves Martins, no Ministério do Império, José Ildefonso de Sousa Ramos, no da Justiça; e Zacarias de Góis e Vasconcelos, no Ministério da Marinha (que é o ABC dos neófitos Ministros), cujo ministério foi derrotado pelos parlamentares da facção conservadora, de que era chefe; o Sr. Saião Lobato, dando lugar ao de 6 de setembro de 1853, chamado da confusão dos partidos, cujo Presidente do Conselho era Honório Hermeto (Marquês de Paraná) que arvorou a bandeira da conciliação, ou de retalhos.

Esta política da confusão, só serviu para estragar ainda mais o país.

Note-se que, não obstante os desconcertos de política interna, os estados do rio da Prata estavam a braços com a guerra civil, e o general Oribe (1851), à frente de um Exército, apresentou-se no território da República Oriental, ameaçando-lhe a própria independência, e bem as fronteiras austrais da Província do Rio Grande do Sul.

O Governo do Rio de Janeiro, tendo-se aliado a Urquiza, mandou marchar para as fronteiras um Exército (1851) de vinte mil homens, sob o comando do General Caxias (hoje duque.) No entanto, alguns bailes foram dados lá pelo nosso plenipotenciário, e voltou com o seu tratado em junho do mesmo ano, ficando o protegido do Visconde do Condexas, e criatura do Jornal do Comércio, em prêmio de seu sacrifício, residindo em Montevidéu.

Depois da volta do plenipotenciário, em 1853, forjou-se a necessidade do novo empréstimo de 1,382:490$ para se sustentar Montevidéu, por utilidade do Brasil, cuja proposta foi apresentada à Câmara dos Deputados em 10 de setembro de 1853, e desta vez sendo levada ao Senado o Sr. D. Manuel, não só achou o empréstimo anárquico, como imoral, abandonando em razões; e o Sr. Montezuma tomando a palavra, desenrolou a moeda e demonstrou ao país a vergonhosa patota do tal empréstimo.

O Grito Nacional desses tempos é explícito, e pode ser consultado para a verificação da verdade, fundado no que se passou nas câmaras, e no que era voz pública, que corria na Corte, entre gregos e troianos.

Não obstante a política do Gabinete de 6 de setembro que vigorou até 1857, em cujo tempo o Marquês de Olinda organizou o seu Ministério híbrido, de conservadores, liberais e descontentes.

Este gabinete de política híbrida, foi substituído pelo de 12 de dezembro de 1853, que também durou pouco, porque pedindo o adiamento das câmaras, a Coroa não consentiu.

Passou a governar o país o Gabinete de 10 de agosto de 1853, que foi horrivelmente guerreado pela imprensa, sendo o Diário do Rio de Janeiro o que mais o combateu.

Foi durante esse gabinete que o Imperador viajou às províncias do Norte. (Eu possuo esses jornais.)

Esta viagem imperial, em vez do bem, fez muito mal às províncias, porque não adiantaram em coisa alguma, e pelo contrário, muitas casas antigas, pelas enormes despesas que fizeram, ficaram arruinadas para sempre. A atmosfera dos paços são sempre fatais aos campônios.

Muitas promessas se fizeram e muitas notas se tomaram, que com o tempo se apagaram.

No entanto houve uma intermitência na política do país, com a administração do Gabinete de 2 de março de 1861, porque este gabinete foi exclusivamente conservador; mas foi muito combatido pela imprensa liberal.

Os conservadores vendo-se assim torturados, em represália chamou os liberais de Piranhas do liberalismo. Mas a Tolerância, jornal da tarde de 15 de fevereiro, n° 323 (domingo), então órgão legítimo dos liberais históricos, no artigo editorial, respondendo a seus adversários, confirmou o prolóquio popular: brigam as comadres, descobrem-se as verdades, e disse:

Piranhas do liberalismo: é a fórmula odiosa com que o despeito dos vermelhos tem infectado os liberais nestes últimos tempos.

Piranhas do liberalismo!

“Antes de insultardes tão atrozmente os vossos adversários, dizei-nos, Srs. vermelhos:

“Quem não teve pejo de acumular três e quatro empregos magnificamente retribuídos, tendo apenas tempo e capacidade, para exercer quando muito um só desses empregos?

“Quem multiplicou sem necessidade do serviço público, empregos compensados, só para acomodar filhos e afilhados?

“Quem eram os presidentes de províncias que recebiam de ajuda de custo, dezessete, vinte e até quarenta contos?(157)

“Quem devorou os seis mil contos destinados à colonização, essa mina inesgotável de alguns inválidos do Senado?

“Quem fundou e colheu todas as vantagens da decantada caixa mágica das despesas secretas?

“Quem votou o escandaloso empréstimo à Republica Oriental?

“Quem se enriqueceu à custa dos arsenais?

“Quem despendeu rios de dinheiro com o teatro lírico?

“Quem criou comissões inúteis para proteger amigos e afilhados?

“Quem, finalmente, eram esses esfaimados, que disputavam ao orçamento as mais insignificantes parcelas?

“A esses Srs. vermelhos, é rigorosamente devida a qualificação de piranhas. E estes não são, por certo, os liberais.

Piranhas do liberalismo!

“Quem não ficaria confundido, ao ouvir Verres estigmatizar o latrocínio, Milo o homicídio e os três discípulos de Sila condenarem as proscrições?

“Triste exemplo de fraqueza humana!

“Querem infamar os liberais, atribuindo-lhe escândalos de que eles, os vermelhos, são os próprios autores!”

Os liberais embora assim se exprimissem não são inocentes, porque se não fazem o mesmo, incendeiam cidades, queimam pontes, e fazem o que podem, e favorecem espertalhões para encamparem companhias agrícolas, estradas de ferro, e outras espertezas conhecidas de todos. Os apontados pela Tolerância, não morreram tão pobres como o Dr. Barata, Guedes Cabral, Borges da Fonseca, e outros, que nada recebendo dos cofres da nação, advogaram sempre a causa das liberdades públicas.

Com a retirada do gabinete liberal, subiu o de 12 de maio de 1865, do partido da liga, bem que pendendo mais para o liberalismo, até que em 3 de agosto de 1866 apareceu o último Gabinete Zacarias, que por não poder dirigir os liberais, que o não queriam por chefe, hasteou a bandeira do progresso, com a qual se extremaram os liberais, ficando uns no progresso, e outros com as suas tradições históricas; mas todos eles sem uma idéia política vantajosa para o Brasil. Desses mesmos progressistas e históricos, muitos, por interesse próprio, se foram arregimentar nas bandeiras conservadoras, outros, por não terem crenças firmadas, sob a bandeira republicana.

Neste estado de confusão entre os liberais, o descontentamento era geral, mais ainda pelas perseguições, que os agentes da autoridade faziam no povo, por ocasião da guerra com o Paraguai; e então teve a política progressista de ceder a administração do país ao gabinete de 16 de julho de 1868 (puramente conservador), que subindo no poder sob os melhores auspícios, não se soube haver, por que foi descontentando aos seus correligionários, por haver seguido a máxima do Evangelho – Mateus primeiro aos teus, – e pelo mais que contará a história; sofrendo a transição em 29 de setembro de 1770, chegou no ponto a que se acham os partidos entre nós, vendo-se os liberais solicitarem dos conservadores, servirem na instrução pública, e pedirem empregos para os seus. Havendo desaparecido o Partido Liberal, o Gabinete 7 de março de 1871 encarregou-se de abrir a cova e enterrar o Partido Conservador, extramalhado.

Assim, estragados os partidos e desmoralizados os homens, que se aproximam às posições eminentes da monarquia, e arruinado o país, nas suas finanças pela incapacidade dos homens, que se deixam estragar pelo desmando e pela ambição, o que nos resta é a anarquia pacífica ou antes a monarquia constitucional representativa absoluta, a pior forma de governo que conhecemos.

 

ESCÂNDALOS E MISÉRIAS DO TEMPO

 

O Brasil monárquico é um país perdido, esfacelado pela corrupção, constituindo-se por isso mesmo um imenso hospital de lázaros, e a capital do Império uma vasta enfermaria de leprosos. Este mal data de 1822, porque os homens que promoveram a separação política, e governamental do Brasil, sem conhecimentos práticos de administração, e sem experiência do governo dos homens, fascinando-se pelos enlevos das posições sociais, dos títulos de grandeza, e das fitas, procurando viver dos cofres da nação, e não da indústria, e do trabalho, que enobrecem o indivíduo, pela independência, se humilharam com o fim de subsistirem à sombra do poder majestático que dos dinheiros da nação lhes mata a fome. Entrando nas lutas, que entre nós chamam política, chegam às altas posições sociais, sem se importarem com os meios, sendo o caminho seguro para tudo conseguirem, as urnas eleitorais, embora sem mérito e sem títulos que os recomendem mais, que o patronato, aparecem logo depois estadistas, financeiros, grandes políticos, os quais tendo entrado para as urnas eleitorais, pobres, como os donatos de S. Francisco, tempos depois percorrem as ruas da cidade em berlindas, salpicando lama no povo que transita. Quanto mais falastrão é o deputado ou mais capacho e manhoso, mais depressa consegue o seu fim. Entram para a política sem uma idéia sequer do proveito ao bem público: o que visam é o tesouro da nação; sem se lembrarem que o grande cidadão é o que lega à sua pátria o fruto de seus trabalhos, e os benefícios que fez a ela e à humanidade.

A grande nação, que se extingue, se transforma em uma estrela, para esclarecer a obscuridade da história, e é com este clarão que não receio dizer as verdades.

O Brasil, o mais opulento continente da Terra, pode ser hoje considerado o mais infeliz possível, porque estragado pelos vícios e pela corrupção vive lutando com a pobreza, ou antes miséria, chegando a nossa infelicidade, além do mais, importarmos das repúblicas do Rio da Prata até capim (alfafa), para sustento dos animais, dando-se com este fato a triste idéia do nosso atraso, por falta de homens, que, esquecidos de si, se encarreguem do bem geral da nação.

O corpo legislativo entre nós não tem feito o bem que dele se devia esperar, porque é uma grande aula de sabatina onde os alunos, perguntando e respondendo dão palmatoadas uns nos outros; e finda a sabatina fica a nação mesmo sem a lei do orçamento, e os Ministros, senhores da aula, despedem os discípulos recomendando-lhes que vão em ordem e não façam barulho!

Estude-se com critério a marcha política do Brasil desde o dia 12 de novembro de 1820, em que o brigue Providência trouxe ao Rio de Janeiro a notícia da revolução do Porto de 24 de agosto, prenúncio da emancipação governamental do Brasil, e depois o que se seguiu até aos nossos dias, se reconhecerá, confrontando com a história romana, que o nosso estado social é ainda pior que o do baixo império bizantino ou do Oriente, que começou em Teodorico (395 da era cristã) e acabou em 29 de maio de 1453, pela tomada de Constantinopla, por Maomé II.

A nascente independência principiou sem necessidade por um desastrado empréstimo, feito em Londres.

Não obstante a Corte portuguesa ter levado todo o dinheiro que havia nos cofres públicos, e ter antes de 1820 remetido para o erário de Lisboa 400 contos, por intermédio da casa de Samuel Felipps, de Londres, com o fim de acalmar os ânimos da antiga metrópole, estavam os cofres das províncias exaustos pelas remessas que faziam para o erário do Rio de Janeiro; contudo os Ministros que ficaram com o Regente do Brasil, como eram limpos de mãos, tomando providências sem onerar o povo, foram satisfazendo as necessidades do serviço público, sem que ninguém se queixasse. O próprio Príncipe Regente, no princípio, reduziu as suas despesas e as da sua casa.

Em maio de 1823 veio ao Rio de Janeiro Eduardo Oxenford, oferecer ao governo imperial o plano para um empréstimo de 2 milhões e 600 libras esterlinas.

Não havia necessidade dele. Entendendo-se Oxenford com o governo, este aceitou a oferta, e no relatório impresso, que tenho à vista, diz o Ministro da Fazenda ao Imperador (são palavras suas): – “Também é claro a todas as luzes, que ainda devendo-se esperar os mais felizes resultados do sistema de administração que a sabedoria da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa há de sem dúvida estabelecer, não poderão jamais os seus resultados ser suficientes para o pagamento de 30 milhões e meio de cruzados, que devemos, e ao mesmo tempo para a satisfação das despesas ordinárias, e indispensáveis, para o pagamento de despesas extraordinárias, próprias do estabelecimento de um império onde tudo se deve criar(158) e promover com a mão larga e generosa, se quisermos em pouco tempo firmar a nossa independência, e sermos contados entre as nações de primeira ordem.”

Escolhido o negociador do novo empréstimo, em 3 de novembro de 1823, o Ministro Carneiro de Campos pediu à Assembléia licença para dispensar o deputado comissionado. No dia 6, foi a licença concedida, e em abril de 1824 partiu do Rio de Janeiro o negociador para Londres; e ali chegando, uniu-se com o encarregado dos negócios do Brasil, em Londres, os quais desprezando a intervenção de Eduardo Oxenford, inculcado pelo governo do Brasil, efetuaram o empréstimo com a casa Rotschild.(159)

O produto deste empréstimo não aproveitou à nação, porque foi desperdiçado no luxo, na dissipação, por áulicos improvisados, chegando à miséria de se comprar fardamento para os soldados brasileiros, pela bitola do soldado inglês, cujo fardamento foi desmanchado para se refazer, além de uma máquina de brocar peças de artilharia, não tendo nós fundição nos arsenais e até um gabinete de mineralogia, cujas pedras depois serviram para ladrilhar a alfândega da Corte. E para que se me não tache de infiel no que conto, transcreverei a resposta que deu Eduardo Oxenford à defesa dos negociadores do empréstimo brasileiro, contra as invectivas do parecer da comissão da Câmara dos Deputados, que corre impressa na tipografia de Plancher no ano 1826.

 

RESPOSTA À DEFESA DOS NEGOCIADORES DO EMPRÉSTIMO BRASILEIRO, CONTRA AS INVECTIVAS DO PARECER DA COMISSÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

“Il.mo e Ex.mo Sr. Visconde de Barbacena.

“Tendo lido uma publicação de V. Exª, escrita em defesa dos negociadores do empréstimo brasileiro, atrevo-me a oferecer a V. Exª umas poucas de reflexões sobre aquelas partes de sua exposição nas quais me acho interessado, e visto achar-me nesta Corte, devo apartar de mim o mau conceito que V. Exª tem querido influir contra mim na mente do público brasileiro. O ódio e rancor com que V. Exª e o seu colega o Barão de Itabaiana me trataram em Londres já deviam estar acabados, pois que haviam feito o empréstimo como lhes pareceu, sem atenção alguma a mim, que fui o primeiro a oferecer a S. M. Imperial os meus serviços em operações de empréstimos; mas não acontecendo assim e continuando V. Exª a tachar de absurdo o sistema que propus, e ainda mais a inculcar um ganho líquido para o Império do Brasil de 6 ½ milhões, e até de 16 milhões de cruzados, por haver desprezado meu lance, quando verdadeiramente causou à sua nação uma perda de £469,470, sou obrigado a instruir o público brasileiro do que realmente se passou; para não incorrer no seu desagrado, parecendo um aventureiro que só cogita nos seus interesses. É verdade que todas as operações de comércio têm por fim o lucro dos especuladores; confesso que quando me lembrei de oferecer meus serviços ao governo imperial, foi com vistas de tirar deles vantagem, mas vantagem lícita e usual, nada tendo com o preço das apólices, pois estas deveriam ser vendidas na praça, segundo o estado do mercado, por dois comissários brasileiros, da escolha de S. M. o Imperador, e por mim, com outro meu sócio. Leia-se o plano que ofereci, e se acha impresso; plano que V. Exª ainda trata de absurdo, e o público brasileiro decidirá, tendo também em vista o que se segue.

“Em maio de 1823 tive a honra de oferecer ao governo imperial este plano, sendo para um empréstimo de 2 ½ milhões de libras, o qual mereceu a aprovação do atual Ministro de Finanças, o Il.mo e Ex.mo Sr. Visconde de Baependi, e de seu antecessor o Il.mo e Ex.mo Sr. Visconde de Maricá. A V. Exª, porém ‘fácil foi persuadir-se da absurdidade de um sistema de amortização que empregava a prestação anual em fundos estrangeiros a juro de 4%, deixando em uma caixa por 30 anos as prestações e juros acumulados para haver de resgatar o empréstimo integralmente e de uma só vez, quando empregada a mesma prestação anual nos fundos brasileiros, gostaríamos de um juro de 6 a 7%, amortizada desde logo uma parte do empréstimo’. Permita-me observar que a única razão que V. Exª expende, e que acima cito, só serve para me convencer que V. Exª se deixou persuadir com demasiada facilidade e sem ter bem ponderado o plano que condena. Aonde é que V. Exª descobriu que o dinheiro apartado para o resgate do empréstimo, devia de necessidade entrar em fundos estrangeiros a 4%, e que se não podia empregá-lo no modo mais favorável para o Império? Peço a V. Exª de ler o plano e verá que a caixa de resgate havia de ser debaixo da administração de quatro comissários, para usar dos fundos no modo que melhor conviesse ao Império.

Uma única sentença do plano mostrará a ilusão de V. Exª a este respeito: ‘Ninguém duvida, aqui em Inglaterra, qualquer quantia dada a juro sobre terra dos fidalgos e proprietários, ou sobre fundos do governo e do Banco, ou finalmente sobre os de qualquer corporação pública, não possa ser assim (a quatro por cento), aumentada por meio de juros de juros.’

É possível que V. Exª colija deste paragrafo que era o governo impedido de achar mais do que quatro por cento quando as circunstâncias permitissem?

Passo agora à consideração do empréstimo que V. Exª negociou em maio de 1824, e o que V. Exª rejeitou nomes no dia. Atrevo-me a perguntar a V. Exª se é cândido, liberal ou justo; se é de quem quer abrir os olhos aos seus patrícios ou quem tem interesse em iludi-los, ou misturar em uma exposição de finanças, dois empréstimos feitos em épocas e a preços diferentes, e sobre estes dois formar uma comparação com outro que, em tempo anterior, foi rejeitado. V. Exª, porém (à página 20), desprezando datas e circunstâncias, confunde um empréstimo feito no mês de maio de 1824, com outro feito em janeiro de 1825, e juntando estes dois faz uma comparação com o que lhe foi oferecido por Francis Baily, Arthur Baily, Isac Lyon Goldsmid e Eduardo Oxenford, em lance público, conforme o convite para este fim na sua carta a eles dirigida, em data de 4 maio de 1824.

Ninguém há de negar que, em conseqüência das grandes flutuações nos fundos públicos, uma comparação de empréstimos só é justa e válida quando é feita sobre os oferecimentos do mesmo dia, e por isso tomo a liberdade de apresentar a V. Exª uma comparação não ilusória ou hipotética, mas fundada sobre as bases imóveis de regras aritméticas, pela qual verá V. Exª que quando rejeitou nossa oferta pública, em 6 de maio de 1824, e fez seu ajuste particular no mesmo dia, perdeu a sua nação a soma de cruzados 5.893,234.

Devo lembrar a V. Exª que as nossas ofertas foram feitas sobre uma base que V. Exª apontou, e eram, ou para £ 3.000,000, ou para a metade desta soma.

O nosso lance foi, a saber:

Sendo o empréstimo de 3 milhões:

Para £ 100 de fundo brasileiro a 6%, £ 91 1/2

£ 100 de dito a 5%, £ 76 1/2

Sendo o empréstimo de 1% milhão:

Para £ 100 de fundo brasileiro a 6%, £ 92 1/2

£ 100 de dito a 5%, £ 77 1/2

Todo o homem cândido, sejam quaisquer suas amizades ou ódios, confessará que a única comparação justa que se pode fazer é, destas ofertas que V. Exª rejeitou e do empréstimo que V. Exª negociou no mesmo dia.

O cálculo e comparação são estes:

EMPRÉSTIMO PARTICULAR ACEITADO

£ 1:000,000, ao preço de £ 75, para cada £ 100 de fundos.

Apólices, produzem, £ 1:333.300

Despesa anual

Juros a 5% ao ano, £ 66.665

Amortização a 1% por item 13.330

Total de despesa anual, £ 79.995

EMPRÉSTIMO PÚBLICO REJEITADO

£ 1:000,000, ao preço de £ 77 1/2, para cada £ 100 de fundos.

Apólices, produzem, £ 1:290.322

Despesa anual

Juros a 5% ao ano, £ 64.516

Amortização a 1% por item 12.903

Total, £ 77.419

Declaração

Fundos

Pelo primeiro empréstimo, a nação brasileira para levantar um milhão, fez-se devedora de £ 1.333.300

Pelo dito, segundo dito 1:290.322

A comissão encarregada sobre o primeiro empréstimo, £ 42,978

É de 4%, vindo ser £ 53,332

A dita sobre o segundo 3% 38,709

Diferença em libras esterlinas 14.623

Para levantar as quase £ 75, a nação fez-se devedora por suas apólices de 19,497

Diferença £ 62,475

Que a juro composto de 5%, para 33 anos, 8 meses e 20 dias, produz a soma de £ 374.878.

Desp. anual do primeiro empréstimo, £ 79.995

Dita do segundo dito 77,419

Diferença da despesa anual 2,576

Que faz em 36 anos, 8 meses e 20 dias 94,592

Total, £ 469.470

Ao câmbio ao qual V. Exª calculou de 47d. por mil-réis, são rs. 2.397:293$617, ou cruzados 5:893,234.

Presumo informar a V. Exª que tenho ouvido dizer que além das absurdidades que V. Exª descobriu no plano original que tive a honra de apresentar, tinha achado a mim uma pessoa muito obscura, e as fortunas de meus apoiadores pouco sólidas. Enquanto me toca, tem V. Exª muita razão. Confesso-me ser uma pessoa muito obscura e V. Exª e o Barão Itabaiana, fidalgos muitos ilustres, mas minha obscuridade não tirava o valor das £ 3.000,000 que lhes foram oferecidas à vista, conforme os documentos públicos, jurados, que enviei a esta Corte, e que agora deixo na casa da tipografia, para a inspeção de quem quiser examiná-los.

Com todo o respeito que professo para V. Exª, acanho-me em tomar o seu ipse dixit para a solução de um problema de Euclides, e por isto presumo duvidar que a queda no preço das apólices é ‘evidência matemática que era impossível obter melhores condições para o Brasil’.

Ao contrário, afirmo que era uma prova decisiva que estes contratos foram feitos contra opinião pública – desconfiada, pela má fé que os negociadores tinham mostrado em adotar a determinação singular e escandalosa de rejeitar todos os lances publicamente feitos pelo seu convite, e de entrar em ajuste particular a um preço inferior; e chocada, por testemunhar a novidade dos criados de um soberano estrangeiro, pretende, a metade da comissão dos contratadores, indicando-se nisto que mais lhes agradaria uma maior comissão como nela interessados, não obstante que é visível que a sua nação paga a diferença, porque é uma absurdidade irrisória o dizer que um contratador lançaria o mesmo preço, sendo a metade da comissão comida pelos negociadores, como se o todo tocasse a ele unicamente.

Não obstante o que V. Exª diz a este respeito, eu afirmo e respeitosamente o desafio a provar o contrário, que a pretensão pública dos negociadores de receber a metade da comissão é sem exemplo em qualquer outro empréstimo contraído na praça de Londres.

A comissão que V. Exª e o barão de Itabaiana receberam sob um milhão unicamente (a terça parte do empréstimo), era de £. 26,666, ao câmbio de 47 por mil-réis rs. 136:166$808, tocando a cada um cruzado 176,208. Se tivessem aceitado a nossa oferta, a comissão que teria ganho V. Exª e o Barão de Itabaiana montaria a £. 19,354 ao câmbio de 47 por mil-réis. Rs.98:828$936, portanto V. Exª e o barão receberiam menos rs.18:668$936 cada um, ou cruzados 46,672, se tivessem fechado o negócio conosco, porém, ainda que V. Exª e o seu colega teriam ganho menos cruzados 46,672 cada um, não teria a sua nação na negociação particular de um só milhão incorrido na perda de cruzados 5.893,24, já por mim mostrada, e que nada pode destruir, nem mesmo o alto talento de V. Exª.

Eduardo Oxenford”

Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1826.”

A dilapidação dos dinheiros da nação continuou com novos empréstimos, para serem dissipados pelos traficantes do Estado, que têm feito da política um meio de vida para enriquecer a si, e aos seus amigos e protegidos.

E para justificar ainda mais o que digo, terminarei este capítulo, sem falar em outras denúncias, como a que levou à Câmara dos Deputados no dia 12 de julho de 1875 o cidadão João Antônio Capote, formulada nos termos seguintes, extraída do Jornal do Comêrcio de 11 de julho de 1875:

“Augustos e digníssimos representantes da nação. O Major João Antônio Capote, cidadão brasileiro, negociante matriculado, residente nesta Corte, usando da faculdade que lhe outorga o § 30 do artigo 179 da Constituição do Império, e 8º da lei de 15 de outubro de 1827, vem a esta augusta Câmara denunciar o Conselheiro de Estado, ex-Presidente do Conselho e ex-Ministro da Fazenda o Sr. Visconde do Rio Branco, como incurso no art. 3º, § 1º, da citada lei de 1827.

“O Sr. Visconde do Rio Branco, traindo a Coroa e seus deveres, pôs mãos sacrílegas no dinheiro público, abrindo os cofres do tesouro nacional, para confiar sem lei, sem garantia, e com quebra de todos os preceitos e conveniências indispensáveis, à casa Mauá & C. a enorme soma de 7,500 contos aproximadamente, segundo a confissão do mesmo Sr. Visconde no Senado e nas Câmaras dos Deputados; como consta das folhas oficiais, e como esse fato, confessado pelo próprio autor, constitua o crime previsto no citado artigo 3º da lei de 1827, e não devendo ficar impune, para que em futuro se não reproduza sobre tão fatal precedente, o peticionário não hesita em dar a presente denúncia, confiando que esta câmara tomará em consideração e puna severamente esse audaz criminoso.

“Augustos e digníssimos Srs. representantes da nação, o peticionário conta com o vosso patriotismo, especialmente tratando-se de um fato que desmoraliza o país, e que tem preoccupado a opinião dentro e fora do Império. O suor do povo foi malbaratado por um Ministro desabusado, e sua punição é reclamada pela sã moral e princípios de severo dever. Confrange-me o coração ver o pobre operário, o proletário onerados de impostos, e sobre todos o imposto pessoal, que esta augusta câmara votou em circunstâncias difíceis, e com fim especial a – Guerra do Paraguai, e que, apesar de serem passados cinco anos, continua o pobre povo a ser sugado, a bem do Sr. Visconde do Rio Banco encher as aligibeiras de seus amigos.

“É indispensável a punição deste alto funcionário, para que não fique um precedente tão desgraçado, e que o estadista, o empregado público não considere o exercício do cargo uma propriedade, e sim dever. O sacrifício que me imponho, formulando a denúncia que venho de dar, acoroçoa-me a esperança que justiça se fará, e que o povo, a bem das ótimas instituições juradas, ficará sabendo que a responsabilidade do estadista não é negativa, e que não será só o pária, o deserdado da fortuna, que esteja sujeito às penas da lei. Pede justiça, – João Antônio Capote. – Rio, 10 de julho de 1875.”

Esta denúncia do cidadão João Antônio Capote não foi impressa nos anais da Câmara dos Deputados, para não se saber no futuro a causa da denúncia, e o parecer que os alunos do Governo apresentaram foi tão caviloso que o Ministro criminoso, de qualquer modo sairia bem. Os alunos estavam de papo cheio, porque já recebiam a diária de 50$ (...) Como tudo isto é edificante...

Note o leitor: a denúncia foi levada à Câmara dos Deputados no dia 12, e foi publicada em todos os jornais do dia, e a opinião pública ficou surpreendida, porque sendo esse dinheiro, resultado de um empréstimo, que o governo em nome da nação, com sacrifícios ou dificuldades tinha contraído em Londres, e de que está pagando juros, o Ministro o entregou por sua conta a uma casa bancária, onerada de grandes compromissos por solver; mas como o Ministro da Fazenda, tinha por si os alunos da sua escola, mandou eleger na sessão do dia 14 do mesmo mês a comissão que o tinha de sentenciar, e esta, o santificando, respondeu à Nação:

 

DENÚNCIA CONTRA O EX-MINISTRO DA FAZENDA, VISCONDE DO RIO BRANCO

 

“A Comissão Especial nomeada por esta augusta câmara para examinar a denúncia dada pelo cidadão João Antônio Capote, contra o Visconde do Rio Branco, na qualidade de Ministro da Fazenda, vem apresentar o seu parecer sobre a matéria da mesma denúncia.

“O denunciante funda a sua acusação no fato de haver o mesmo visconde confiado à casa bancaria Mauá & C. a soma de 7,500:000$ aproximadamente, ou antes £ 756,000, por via de cambiais negociadas pelo tesouro nacional com a dita casa, para serem pagas em Londres, onde não foram satisfeitas.

“Deste fato deduz o mesmo denunciante que o ex-Ministro da Fazenda, autor da operação, está incurso nas penas do art. 3º, § 1º, da lei de 15 de outubro de 1827.

“Trata-se da remessa de cambiais; e essas transações não têm regras certas e definidas na lei, das quais o ex-Ministro se afastasse; ele as negociou na forma usual, por intermédio de uma casa bancária, que lhe merecia confiança, e que de fato em longa série de operações importantíssimas, com o Ministério passado, e os anteriores, havia sido exata e pontual.

“O fato argüido pela denúncia é perfeitamente legal, porque está dentro da órbita das atribuições do Ministro da Fazenda. Para que, pois, não obstante a sua legalidade, pudesse o mesmo fato ser elevado à categoria de crime, fora mister admitir que o ex-Ministro procedesse no intuito de prejudicar ao Estado, em benefício da casa negociadora, obrando assim de má-fé.

“Contra a possibilidade dessa má-fé até os próprios adversários políticos do Visconde do Rio Banco têm com toda a justiça protestado, quer na imprensa quer na tribuna, em ambas as câmara do Parlamento, onde o fato foi debatido por um e outro lado, e explicado com vantagem do ex-Ministro.

“Uma longa vida de dedicação à causa política, serviços relevantes prestados à pátria em diferentes circunstâncias, quer no interior quer no exterior, e notavelmente no seu último Ministério, põem o Visconde do Rio Branco salvo de suspeitas e imputações ofensivas do seu caráter, e o tornam digno da estima e da consideração dos seus compatriotas.

“A Comissão Especial, portanto, em vista do que acaba de expor, entende que a denúncia não deve ser admitida.

“Sala das Comissões, 13 de julho de 1875. – Pinto Lima – T. de Alencar Araripe – Cunha Leitão.”

Ainda essa chaga profunda, e cancerosa, exalava os elementos mefíticos, de uma situação corrupta, quando o Sr. Quintino Bocaiúva, principal e inteligente redator do Globo, e um dos mais conhecedores dos nossos homens políticos, e do estado miserando em que se acha o país, no seu mencionado jornal de 21 de julho deste ano de 1877, nos surpreendeu, com esta epígrafe:

 

“MAIS UM ESQUIFE QUE PASSA

 

“Desta vez o que levam a enterrar é a moralidade social.

“A maioria da Câmara dos Deputados, por uma esplêndida manifestação, decretou que não era motivo de pesar o fato de se haver descoberto que o Sr. Ministro da Fazenda achava-se associado a um conferente da alfândega, comunitário de uma casa de importação de fazendas.

“Tais eram os termos da moção apresentada pela oposição liberal, moção repelida pela maioria da Câmara, que a seu turno exprimiu o seu voto nos seguintes termos:

“‘A Câmara dos Deputados depois de ouvir as explicações do Ministro da Fazenda e julgando-as satisfatórias, continua a depositar no mesmo Ministro e em todo o Gabinete a mesma confiança que dantes e passa à ordem do dia.’

“A Câmara, portanto, isto é, a expressão ofícial do país, julga ser muito satisfatório que o contrabando, a fraude, o peculato, a prevaricação possam ser exercidos sob a égide do prestígio e da comparticipação de um Ministro de Estado!”

________

“Já o dissemos e aqui o repetimos.

“O indivíduo está para nós fora da questão.

“A severidade dos nossos argumentos só atinge ao Ministro.

“Uma vez porém que o interesse partidário amalgamou fatalmente o cárater do homem com o cárater oficial do cargo de que ele se acha investido, não será culpa nossa se para ferir ao funcionário temos de magoar ao indivíduo.

“Durante a guerra da Criméa ocorreu, como se sabe, um episódio notável.

“Um regimento de cavalaria britânica que se cobriu de honra e de glória, fez uma investida aventurosa, mas heróica, sobre o grosso do exército moscovita que defendia a linha de Inkerman.

“O golpe foi tão audacioso e resoluto que os seiscentos couraceiros ingleses por tal forma se envolveram com as forças russas que formaram um só corpo compacto.

“Um oficial fez sentir ao General Menschikoff que não se podia metralhar a força inimiga sem destruir e matar a milhares de russos.

“O chefe moscovita achou-se assim perante um dilema terrível: ou o suicídio ou a desonra. Pronunciou-se pelo suicídio e voltando-se para o seu ajudante-de-ordens disse-lhe: o essencial é destruir o inimigo.

“A artilharia russa fulminou a massa movediça das tropas em colisão.

“Ao acampamento inglês voltaram apenas poucos bravos; mas no campo da batalha ficaram estendidos cerca de três mil russos.”

________

“O Partido Conservador, assim como o General Menschikoff achou-se em face do mesmo dilema.

“Optou, porém, pela desonra.

“No intuito de destruir o inimigo e repelir o ataque sacrificou com o seu decoro a moralidade social.

“A noção do bem e do mal, do honesto e do desonesto, do justo e do injusto fica assim virtualmente suprimida.

“O que não seria lícito ao último dos cidadãos deste país, sob o ponto de vista moral, passa a ser autorizado pela manifestação solene dos representantes do país!”

________

“A manifestação da Câmara, para nós, ainda está incompleta.

“Os representantes da nação devem uma reparação ao conferente demitido.

“É necessário que o reintegrem e que o condecorem.

“A Câmara deve votar igualmente uma censura ao deputado que corajosamente cumpriu o deu dever denunciando ao país esse fato monstruoso.”

________

“Quando uma nação chega a este grau de aviltamento e de perversão moral, pode-se dizer dela: não que perdeu o senso político, mas que perdeu o próprio sentimento do brio.

“Os amigos do nobre Barão de Cotegipe podem dar os parabéns a S. Exª.

“Nós damo-nos os pêsames ... a nós mesmos.”

 

“O DESMORONAMENTO

 

O Globo tem, como se sabe, em todas as questões um ponto de vista especial.

“Tendo por programa a política do futuro e não a política do presente, conserva-se por sistema, tanto quanto pode, no terreno da observação calma e fria, sem que se envolva direta ou imediatamente nas lutas e nas refregas que exaltam as paixões e subvertem os interesses dos partidos que disputam entre si a herança do poder.

“Não servimos aos conservadores e não servimos aos libera-es: servimos à causa da pátria, que vale mais do que os partidos, e à causa da moralidade social, que está acima de todos os programas políticos.

“Essa posição singular nos permite apropriar-nos da frase de um grande escritor, e podemos repetir com ele:

“‘Que se estamos divorciados de todos os interesses dos partidos, achamo-nos contudo consorciados com todas as nobres aspirações da sociedade em que vivemos.’

“No momento atual a opinião pública assiste a um doloroso espetáculo.

“Vê-se um préstito, que desfila e após desse préstito um grande esquife.

“Pensa-se e diz-se que vai nesse esquife o cadáver de um Ministro.

“Há nisso uma ilusão de óptica.

“O esquife é muito grande para um cadáver tão pequeno.

“O que levam a sepultar não é, como se julga, a um homem, nem mesmo a reputação de um membro do governo, nem mesmo a uma situação política – o que vai no esquife é a honra de uma geração inteira, é o cadáver de todo o sistema político e governamental, que tem reduzido a nossa pátria às condições de um vasto necrotério.”

________

“O interesse dos partidos militantes, nós o compreendemos, é darem pronta sepultura a esses corpos, tendo em vista duas vantagens.

“A herança que resulta de toda a sucessão obrigatória e a ocultação dos elementos que podem servir para o corpo de delito.

“Daí a necessidade de se encarniçarem os ódios contra as pessoas, em vez de se elevarem os espíritos até à causa primária desses desastres morais, que não são mais do que o resultado de um sistema, mais do que as conseqüências vigorosas de um princípio radicalmente infenso à dignidade e à fortuna do país, por que ele só se apóia na onipotência de uma vontade e de uma preponderância pessoal, que tudo abate e tudo prostra em torno de si, para que não haja, em toda a vastidão do Império, um só átomo de resistência ao seu poder.”

________

“Nós não estamos vinculados a nenhum desses interesses e nem queremos servir direta ou indiretamente a esse sistema.

“Não estamos dispostos a fornecer alimento ao minotauro insaciável que se nutre de reputações perdidas, assim como os corvos se alimentam de cadáveres em putrefação.

“O que vemos nessas catástrofes sucessivas não é a queda de umas ou de outras individualidades, mas o desmoronamento de um edifício já infamado, pelas injurias do tempo e que vacila sobre os seus próprios alicerces.”

________

“O Sr. Barão de Cotegipe não é ainda a última vítima consagrada em holocausto a essa divindade terrível que não dispensa os sacrifícios humanos.

“Outros depois dele ainda terão de ser vitimados.

“Não será, porém, na hora da sua ruína e da sua desgraça que lhe negaremos a justiça a que tem direito, no momento em que voltam-se contra a sua pessoa todas as nobres cóleras da dignidade nacional afrontada no que ela pode ter de mais melindroso.”

________

“A comparticipação obrigada de S. Exª no deplorável negócio trazido ao conhecimento do país não importa, como se supõe, um simples desastre individual.

“Importa a ruína de uma situação de que S. Exª era o mais forte esteio e o mais conspícuo representante.

“Perante a consciência pública pode S. Exª, ao amparo do generoso conceito de seus próprios adversários, salvar ileso o seu decoro pessoal, como incapaz de prestar-se conscientemente a um tão revoltante escândalo; mas a honra do governo de que S. Exª é de fato o chefe principal, essa esvaiu-se por todos os poros.”

________

“Em uma tal emergência não é a retirada ou a nova expulsão de um Ministro o que pode desafrontar a opinião ultrajada ou dar ao Gabinete as condições de uma existência regular e decente.

“A ordem material de uma sociedade pode, às vezes, ser mantida pela influência autoritária que dispõe de algumas mil baionetas e que tem a faculdade de decretar impostos sob a responsabilidade de uma maioria parlamentar de quem se presume, por ficção constitucional, que representa o país.

“Mas a força moral perdida não se reconquista senão pelo exemplo de um a nobre abnegação em face dos mais solenes compromissos a que são obrigados os partidos e dos homens políticos, desde que não perderam de todo as noções do dever e da honra.”

________

“Na situação criada pelos acontecimentos que nestes últimos anos têm assinalado o domínio conservador, só um alvitre resta hoje à Coroa ao país simultaneamente:

“Ou proclamar-se de direito aquilo que já existe de fato, isto é, o absolutismo irresponsável, ou reagir-se contra um sistema de governo que só tem por elemento de ação o desprestigio de todos os princípios e o aniquilamentos de todos os caracteres.”

E por último o Sr. Saldanha Marinho (Ganganeli) assombrado pelo que se estava passando nas regiões superiores da nossa sociedade, também emitiu o seu juízo sobre a vida desgraçada do Brasil, no seu artigo a Igreja e o Estado, de 20 de agosto do presente ano de 1877. – São suas palavras:

“As manifestações de aprovação e adesão que por aí formigam em veneração ao Sr. Barão de Cotegipe são sintomas da maior decadência do Brasil. E mais ainda entristece a população sensata e honrada deste país, a convicção profunda de que todo esse Cortejo, todas essas adesões são simplesmente à farda do Ministro que ainda distribuem dinheiro, graças e ocultos favores.

“O ídolo quer dos ultramontanos, quer da maioria da Câmara, não é a pessoa do Sr. Barão de Cotegipe: é a farda bordada que nem ele teve ainda coragem de largar, e nem tiveram ainda ânimo de a tirar.

“Bem se pode aplicar o dito de um marinheiro, condecorado com a Legião de Honra, e que arrastado ébrio a um corpo de guarda gritou à sentinela:

“Brada às armas! Quero a continência.”

O governo do Brasil, além dos rendimentos tirados das forças da nação desde 1822, que montam a uma soma fabulosa, tem tomado emprestado em nome do Brasil, até o ano de 1875, a quantia de 672.450:614$000 e de que a nação está pagando juros.

Para informar ao leitor com segurança, a respeito da dívida pública, procurei o homem mais competente que temos nestas matérias, o meu ilustrado amigo o Dr. Sebastião Ferreira Soares, encarregado da estatística do comércio marítimo, e pondo à minha disposição a sua importante obra (inédita): “As finanças ou a história e análise das rendas e despesas do Império do Brasil desde 1822 até 1875”, extraí o seguinte resumo:

“Os empréstimos externos do Brasil, compreendendo o de Portugal de 1823, que pela convenção de 28 de agosto de 1825, tomou a si o governo do Brasil pagar, foram 13 empréstimos, no valor de libras 31,027.000:000 com o câmbio ao par 275.792:700$000.

Amortizações e conversões 11,322.900:000 (câmbio ao par), 100.649:300$

Dívida pública em fins de 1874 a 1875 orçava em 19.704:100$-175.143:400$000.

Dívida interna em fins de 1874 e 1875 – Dívida fundada (apólices) 283.989:900. – Papel-moeda 158.327:624$. Letras do tesouro 19.022:400$ – Depósitos e outras dívidas 35.967:290$. Total 497.307:214$000.

Soma total da dívida pública interna 672.459:614$.”

Além dessa dívida que o governo contraiu, o Sr. Vanderlei, Barão de Cotegipe, este ano de 1877, mandou vender 38,000 apólices de conto de réis, segundo consta, por muito menos do seu valor, estando elas com 35 ou 40$ de prêmio sobre cada conto de réis.(160)

Estas operações escandalosas se têm feito entre nós com grande dano do tesouro público, e foi por isso, que o Ministro da Fazenda do Gabinete de 29 de setembro de 1870 saiu do Ministério com triste fama.

Isto não bastou, para emenda:

O Ministro da Fazenda do Gabinete de 7 de março de 1871, contraindo no estrangeiro empréstimo de 7,500:000$ os entregou por sua conta ao Banco Mauá, casa onerada de compromissos insolvíveis, cuja quantia consta estar-se amortizando com a venda de embarcações podres! Entre os escândalos do tempo foi a compra que o Ministro da Guerra, do Gabinete de 7 de março fez à casa Mauá, do curtume de Melo Sousa, por mil contos de réis, para quartel de soldados! Esse curtume foi avaliado em 300 ou 300 e tantos contos.

O Sr. Jaguaribe, então Ministro, não o quis comprar, consta que por muito menos, atendendo às grandes despesas que tinha de fazer; mas enfim a casa Mauá era casa amiga, e a compra se fez e o quartel ali está ...

Oh! Quanta lepra de crosta grossa carrega este mundo de Cristo!... e por isso convém que se estude a história do Gabinete de 25 de junho de 1876, com o que se passou no contrato Gabrieli; no do lixo; no que se está dando com os empreiteiros das estradas de ferro. É bom indagar-se o destino que levaram as 3000 apólices, segundo consta, confiadas ao negociante Joaquim Pereira Marinho, o estado da casa de Paulo Pereira Monteiro & C., em relação a certo personagem, para que tudo tirado a limpo, possam os futuros historiadores, das nossas misérias administrativas ajuizar dos homens públicos do Brasil.

No entanto, nada temos que preste, e no Rio de Janeiro o que existe servindo é o que nos deixou o Sr. D. João VI. Os únicos edifícios modernos que possui a capital do Império é a casa da Moeda, construída pelo Dr. Teodoro de Oliveira, e a Tipografia Nacional, que se está concluindo. A Secretaria do Império é um edifício que representa uma verdadeira colméia, e custou ao Estado para mais de 400 contos. Não farei comentários a este respeito, porque estão no domínio público.

Se os partidos no Brasil se hostilizassem pelo amor da idéia do bem público; se entre eles aparecessem homens de Estado, conhecedores do país, as províncias do Ceará e Rio Grande do Norte de há muitos anos para cá não teriam experimentado as terríveis calamidades por que têm passado. Os males se teriam remediado com indústria e arte, porque Deus ao pé do veneno põe o antídoto.

Os dinheiros que se gastaram com a desastrada comissão científica (das borboletas) mandada ao Ceará(161) e os cem contos empregados em livros, que os comissionados, nem para os caixões que os continha olharam. Os gastos em outras comissões sem resultado, e os empregados nas largas ajudas de custo aos presidentes das províncias e aos diplomatas. Com os dinheiros gastos com a colonização de vagabundos; com o que se gastou com o valão do Mangue da Cidade Nova. Com o que se deu ao Barão de Mauá; com o que se comprou o curtume de Melo Sousa (patola); com o que se tem gastado com o encouraçado Independência se teria canalizado o famoso rio de S. Francisco, para o rio Jaguaribe, e para outros afluentes, o qual pela abundância de suas águas, que se espraiam por 10 e 12 léguas de extensão, nas enchentes, não só engrossariam as do rio Jaguaribe, como alimentariam possantes açudes em diferentes pontos da província do Ceará, que resistiriam às maiores secas, com vantagem da população, da criação e da agricultura. Mas nada disto tem acontecido por que são chamados para o poder a advocacia, que só visa a chicana, a falsa política e a mentira forense.

 

FUTURO DA MONARQUIA NO BRASIL

 

Não obstante ser a razão um brilhante atributo do homem, o bom senso é uma faculdade tão rara nele e de tanto apreço, que o senso comum vem a ser-lhe uma centelha.

É com o tempo que o bom senso aparece e se aperfeiçoa; e quando o homem o adquire, reconhece que a sociedade é um composto de velhacos e de tolos. Os velhacos, imbuindo a fraqueza humana, passando em herança, e que vistos pelo bom senso, julga o homem aviltado perante a criação.

Os velhacos se coligaram, e formaram o governo, para os tolos, e demonstraram que não podemos viver sem termos um rei ou senhor que nos governe; e até a fraqueza humana se sujeita a ser governada por um fantasma mitológico, representado muitas vezes por criaturas que não têm consciência de seus atos, o rei na maturidade, e não obstante o povo paga a esse fedelho, para em seu nome ser governado e castigado; e a sociedade imbecil, em vez de pedir contas do mau governo a quem ele paga, é o contrário. Daqui vem o abuso, entre o mercenário, e o paciente que a tudo se sujeita, em nome do que os velhacos chamam lei.

O mau governo é sempre flagelo, e quando tem completamente revoltado a opinião pública, ou o sentimento nacional, ele por certo baqueia, porque o governo não se estabelece para vantagem dos governantes, mas sim dos governados.

No desgoverno aparece sempre a confusão social e no meio do clamor público alguém há de desaparecer, por falta de bom senso, que desvenda as ilusões, e caminha com a virtude, mostrando que o governo dos homens não pode entrar em verba testamentária, como o governo e posse dos escravos que o fazendeiro lega a seus filhos. Engano: fatuidade. Um povo não é coisa; é o soberano legítimo sobre a Terra, que pode fazer baquear a monarquia, pela revolução eminente que antevejo em presença de quatro causas ou pesadelos criados pela escola de direito, que a fatuidade não viu, nem vê, e não quer ver, que são: 1º A ruína das finanças para manter o luxo, a corrupção e afilhadagem, e os desperdícios governamentais, tendendo pelo aumento dos impostos, o governo absorver a fortuna dos particulares, para fazer face à grande dívida do Estado e manter perto de 70 mil empregados públicos. Esta crise vai preparando a lenha para a grande fogueira. A 2ª é a crise social, que envolverá a emancipação forçada, que produziu a lei de 28 de setembro de 1871, chamada do ventre livre ou do infanticídio, que não tendo, pelo desprestígio, produzido o resultado que se esperava, por ser malfeita, trará o querosene ou a aguarrás. 3ª A crise política que tem desmoralizado os homens e feito que na sociedade do Brasil não haja probidade política e nem em geral nos homens, e nem amor ao trabalho. 4ª A questão romana ou religiosa que tem em uns acarretado a descrença e em outros o fanatismo religioso se encarregará do archote.

A fome, a emancipação de mãos dadas, unidas pelo desespero, ateando a fogueira, trarão a revolução mui breve contra o governo do Estado.

A fome já foi oficialmente reconhecida pelo Governo do Brasil, há caminho de dois anos, isentando dos direitos a importação dos gados das repúblicas vizinhas do rio da Prata, chegando a nossa miséria, além de tudo o mais importarmos capim (alfafa)(162) para sustento dos animais, dando com esta importação a tristíssima idéia do nosso atraso, e do adiantamento e progresso das repúblicas do Sul.

A fome, os impostos forçados, a emancipação, e a questão religiosa ou romana, por meio do grande incêndio farão desaparecer a monarquia, que como instituição anacrônica, retrógrada, na América, que nenhum resultado tendo trazido à felicidade do Brasil, mais que miséria, farão surgir a república.

O único recurso que vejo, bem que já tarde, para salvar o Brasil do estado miserável em que se acha, é o aparecimento em breve da lei da nacionalização; mas lei que abra todas as portas da política ao cidadão naturalizado, à exceção da chefança suprema do Estado, que será privativa do cidadão nato. Com as aspirações, as glórias, e o interesse do bem público, aparecerão homens habilitados e de corações generosos, que aproveitando os imensos tesouros naturais do país, a uberdade do território, a amenidade do clima, coloquem o Brasil na verdadeira posição social, de que é digno.

 

COMO SE SABE A HISTÓRIA DA INDEPENDÊNCIA

 

“Sociedade Comemorativa da Independência do Império, em 21 de outubro de 1872. – Il.mo e Ex.mo Sr. – Tendo-se por diversas vezes, em reuniões desta associação, suscitado discussões dúbias e calorosas em relação aos fatos da história do Brasil, máxime sobre a nossa emancipação política, e procurando a respectiva diretoria, por mais de uma vez, no mercado, um exemplar do Brasil Histórico, de que V. Exª é digno autor, que cita com verdade e minuciosidade aqueles fatos. Em nome da mesma diretoria, convicta dos sentimentos patrióticos que animam a pessoa de V. Exª e muito mais de que com proficuidade se prestará a auxiliar a referida associação, roga a V. Exª que, no caso possível, se digne de enviar-lhe um exemplar daquela obra.

“Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exª meus respeitos e consideração, rogando-lhe haja de dirigir sua solução à Rua do Lavradio nº 48, sobrado.

“Deus guarde a V. Exª – Il.mo e Ex.mo Sr. Dr. Alexandre José de Melo Morais. – Américo Rodrigues Gamboa, Presidente.”

Com os livros que enviei, respondi o seguinte:

“Il.mo Sr. – Recebi a nota de V. Sª de 21 do corrente, em que me pede, em nome da Diretoria da Sociedade Comemorativa da Independência, um exemplar do meu Brasil Histórico, para dissolver dúvidas a respeito dos acontecimentos que se deram, por ocasião da nossa emancipação política.

“Satisfazendo os desejos da Diretoria, ofereço-lhe não só três tomos do Brasil Histórico (faltando o 1º da 1ª série, por ter completamente desaparecido do mercado de livros), como o 1º tomo do Brasil Reino e Brasil Império, onde, historiando minuciosamente, e documentando, exponho todos os acontecimentos políticos desde 1808 até a sagração e Coroação do primeiro Imperador.

“Neste meu trabalho fui tão minucioso que nada deixei digno de memória, sobre esse passado de nossa história civil e política.

“No tomo 2º (Brasil Império), que está na imprensa (que vou publicar com 48 ou 50 páginas, pelo desânimo em que vivo), pretendia, seguindo o mesmo plano, historiar e documentar todos os sucessos de que tenho conhecimento, e mesmo revelar segredos de gabinetes e fatos recônditos, que muita luz dariam à explicação dos sucessos políticos, que infelizmente se deram no nosso país, pela ligação em que estavam, por não haver homens de Estado e verdadeiros patriotas, que, conhecendo o passado do Brasil, empenhassem-se na fundação de um grande império.

“Porém, como brasileiro, não desejando que os sucessos desta nossa terra de indiferença e de egoísmo, se percam de todo no discurso com que precedo essas poucas páginas, resumi todos os sucessos civis e políticos da nossa história até o ano de 1872, que vamos atravessando.

“Aí se verá que o monumento do Largo do Rocio (Praça da Constituição) quando forem estudados os meus escritos históricos, não passará de um ornamento de jardim, de triste decoração; porque D. Pedro I desmanchou com leviandade aquilo que os verdadeiros patriotas, amparados com ele, sem muito custo fizeram.

“Que a figura de bronze, que orna o Largo de S. Francisco de Paula, será contemplada com indiferença, porque nem José Bonifácio de Andrada e Silva foi o Patriarca da Independência, e nem os Andradas foram verdadeiros patriotas, porque o orgulho os cegava, e a ambição do mando os desnorteava, a reduzirem o Brasil desde o dia 30 de outubro de 1822, ao estado de anarquia contínua em que ficou, até este ano de 1872.

“O meu trabalho justificará o que digo, indicando as fontes onde basei as verdades que escrevi, para dizer aos vindouros :

“Eu desta glória só fico contente
Que a minha terra amei e a minha gente.

“Deus guarde a V. Sª – Il.mo Sr. A. R. Gamboa. – Dr. A. J. de Melo Morais.

No dia 30 do mesmo mês, recebi a seguinte nota: “Sociedade Comemorativa da Independência do Império. – Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1872. – Ex.mo Sr. – A Diretoria desta associação recebeu a valiosa oferta de V. Exª, acompanhada de sua carta de 23 corrente, e cumpre hoje o grato dever de manifestar a V. Exª o seu reconhecimento.

“Na época de descrença que atravessamos, são raros os homens que se entregam ao estudo e trabalho com a abnegação e desinteresse de V. Exª, que tem se dedicado com constância às pesquisas da verdade de nossa história, tão desnaturada pelas paixões políticas dos escritores, e pela indiferença de outros.

“A coleção das obras por V. Exª publicada, baseada em inúmeros documentos, é um padrão de glória para seu autor, e um tesouro de inesgotável riqueza para a história da nossa pátria: nela desaparece o homem político, para ficar o historiador imparcial, apreciando devidamente os acontecimentos como eles se deram.

“A Diretoria abaixo assinada vai fazer constar da assembléia geral da sociedade a oferta de V. Exª, e agradecendo a prova de consideração, que acaba de receber, reitera a V. Exª seus protestos de estima e consideração.

“Deus guarde a V. Exª – Il.mo e Ex.mo Sr. Dr. Alexandre José de Melo Morais – Américo Rodrigues Gamboa. – Dr. José Tomás de Aquino. – Carlos Clementino Carvalhais. – Manuel Alves Marques, presidente.”

“Paço da Il.ma Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 31 de março de 1873. – Il.mo e Ex.mo Sr. – Em sessão de 15 de março do corrente ano, resolveu essa Câmara, por unanimidade de seus membros, completar o pensamento, que presidiu a criação das escolas municipais, estabelecendo uma biblioteca no paço da municipalidade desta Corte.

“Desejosa de levar a efeito esta idéia de tão grande alcance e proveito, esta Il.ma Câmara solicita o valioso auxílio de V. Exª e lhe pede que, como cultor das letras e das ciências, se digne a nascente biblioteca com um exemplar de cada uma das suas produções, pelas quais V. Exª tanto se tem recomendado no mundo das letras e a gratidão da pátria, que se ufana de contar V. Exª com um de seus mais diletos filhos. Contando com os sentimentos que o enobrecem, queira V. Exª aceitar os mais sinceros agradecimentos que lhe envia esta Câmara, pelo muito que espera fará V. Exª em favor da instrução da mocidade fluminense, para quem, principalmente, é criada a livraria municipal.

“Deus guarde a V. Exª – Il.mo Sr. Dr. Alexandre José de Melo Morais – Antônio Barroso Pereira, presidente. Feliciano Guilherme Pires, secretário.”

 

CARTA POLÍTICA SOBRE O BRASIL

 

“Rio de Janeiro, 8 de março de 1875.

“Il.mo Sr. Francisco Logomaggiore. – Tenho presente a carta de V. Sª, datada de 26 do mês passado, recebida ontem 7 de março, acusando também o recebimento da que escrevi a V. Sª em 15 de dezembro do ano que acabou, enviando-lhe não só algumas linhas do meu próprio punho, como vários autógrafos de pessoas notáveis deste país, como V. Sª desejava.

“Agora me diz V. Sª que: ‘Para que la sección del Imperio del Brasil apareça en la obra del Autografo Americano com el lucimiento que debe: me permito observar a V. Exª que hé tratado de unir al mérito de autografía el interés literario, procurando fragmentos inéditos, pensamientos que marquen algo, de la fisionomia intelectual, moral, científica, literaria, poética ó artística del autor: con este fim ruego a V. Exª se sirva enviarme um autográfo sujo, que contenga alguma idea ou reflección que sea leída con interés ó de utilidade general.” – Respondo.

“Como deseja V. Sª que com o cárater de minha letra, acompanhe a fisionomia intelectual, moral e científica da minha individualidade, em poucas palavras darei conta de mim: e tanto mais, que, o que V. Sª deseja é por utilidade pública.

“Sou um dos brasileiros que mais tem escrito e mais publicado, sobre quase todos os assuntos dos conhecimentos humanos, sem fazer cabedal de tudo o que tenho escrito e publicado, porque o meu único pensamento, tem sido o proveito dos meus compatriotas; mas o assunto de que mais me tenho ocupado é com as investigações de história geral e particular deste abençoado Brasil, onde tudo o que é natural, é gigante, e só pigmeu o homem. Rico das grandezas do ETERNO, nada mais que a mão da indústria, e do patriotismo, para se constituir o mais importante país do mundo.

“Seu clima é tão amoroso e ameno, que uma primavera eterna não faz sentir os rigores das estações; seu território é tão úbere, que a produção é espontânea; e, se o agricultor, por falta de conhecimentos, não o esteriliza, a produção é contínua. Banhado por inúmeros rios, sendo o maior do globo o imenso Amazonas, será sem dúvida o opulento Brasil o primeiro país da Terra, quando for povoado por brasileiros de coração e de amor da pátria.

“Tudo aqui se naturaliza, e se aclimata; tudo produz e tudo dá, tendo demais o clima brasileiro a propriedade de modificar os maus instintos, e a ferocidade de homens perversos, se ao chegarem ao Brasil, forem bem encaminhados, por governo vigilante e previdente; mas, como quem vem viver entre nós, vive como quer, e pelo modo que lhe convém, também faz o que lhe agrada, porque ninguém lhe toma conta. Se a superfície do solo brasileiro é tão rica, como digo a V. Sª, as entranhas dele não são menos fecundas de profusos minerais de todos os gêneros; e para dar a V. Sª um espécime das riquezas dele, lhe direi que somente durante um século foi para Portugal, extraído das minas de quatro províncias, a insignificante soma de 63,417 arrobas de ouro bruto.

“Que de 1751 a 1769, os navios saídos do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco levam para Lisboa, em moedas de ouro cunhadas no Brasil 29,265:352$000 para o erário régio, e para os particulares.

“O Brasil como todas as colônias americanas, comprimido pela metrópole, progredia no material, pelos seus recursos naturais; e o brasileiro, ávido de ciência, não podia alargar a esfera de seus conhecimentos, por lhe não permitir a metrópole portuguesa. Neste estado vivíamos, até que para o Rio de Janeiro passou-se, em 1808, forçada pelas circunstâncias, a casa real portuguesa, com o seu pessoal, seus antigos hábitos, sua lepra e seus vícios; com a sua prepotência e seu tudo; apenas criando, durante 13 anos e um mês, que aqui permaneceu, algumas instituições proveitosas à mocidade brasileira, bem como estabeleceu a Corte, com todas as repartições no Rio de Janeiro para capital de um grande Império. Nos tempos coloniais, o europeu olhava para o americano com soberania, e o brasileiro era sempre preterido nos empregos públicos, por sua inferioridade; e, portanto, sem habilitações para os negócios políticos, e nem para o comércio, porque deste era expulso, não passava de frade ou clérigo, agricultor, soldado e marinheiro.

“A revolução de 24 de agosto de 1820, em Portugal, repercutindo no Brasil, deu origem ao movimento também revolucionário de 26 de fevereiro de 1821, e nos acontecimentos da madrugada de 22 de abril, na Praça do Comércio, no Rio de Janeiro, que forçaram o rei D. João VI, com sua velha Corte, a sair do Brasil, no dia 26 para Lisboa, deixando em seu lugar, como Regente do Reino Unido seu filho D. Pedro. Este príncipe fogoso, cuja educação foi muito inferior e vulgar, seduzido pelo esplendor de um trono na América do Sul, aderiu depois, pelos empenhos dos brasileiros, ao movimento independente, que se estava promovendo no Brasil; mas infelizmente no Rio de Janeiro os brasileiros, que estavam à frente do movimento de separação política, também se cegando pela ambição do mando, das honras e dos lucros, se hostilizaram horrivelmente, em modo que ao lançar-se a primeira pedra do edifício independente, parte deles estavam processados e presos, e outros foragidos, indo mesmo um buscar asilo em Buenos Aires.

“Não pararam aí as desgraças do nascente Império, porque não se achando constituído, como nação, tinha absoluta necessidade do Código fundamental, para a sua existência social e política; mas convocada ela, e mandando os seus representantes, foram alguns de tão reprovado patriotismo, que se afastando do fim da sua missão, em vez de formularem a lei fundamental da nação, foram expulsos do Congresso, a pontas de baionetas; sendo presos uns, deportados outros, dando com isso lugar ao despotismo e ao arbítrio nas mãos de um príncipe louco, cercado de vis aduladores.

“A Constituinte do Brasil de 1823 era composta de moços sem experiência e de velhos ambiciosos, que a tudo se sujeitavam, contanto que se lhes desse títulos, honras e dinheiro.

“Desse dia (12 de novembro de 1823) em diante, por todo o Brasil apareceu a anarquia, ora feroz, e ora bravia, e a par dela os fuzilamentos e a forca, em nome do poder soberano. O reinado do 1º Imperador foi de escândalos, de calamidades e de decepções para o Brasil, até que abdicou em 7 de abril de 1831 à Coroa do Império, no filho menor, retirando-se ele voluntariamente do Brasil para Europa, carregado de ouro.

“O interregno foi também cheio de convulsões e banhado de sangue; até que os ambiciosos, atacando o art. 120 da Constituição do Império, declararam o menino Imperador maior com 15 anos e poucos meses (23 de julho de 1840) e nas condições de reinar, no dia 18 de julho de 1841.

“Note V. Sª esta circunstância, que me não passou desapercebida: o primeiro ato da Coroa juvenil foi o seguinte: os que concorreram para a afronta da lei fundamental da Nação, constituindo maior o que a lei não autorizava, logo depois foram despedidos das graças imperiais, e chamados para os conselhos da Coroa, os que se opuseram francamente à sua elevação ao poder majestático.

“Durante 34 anos de reinado de 2º Imperador, o Brasil tem decaído tanto, que não temos lavoura suficiente, nem braços para ela, e nem indústria que sirva, porque importam-se até ovos de galinha para consumo do povo, cabos de vassouras, palhas de milho para cigarros; e nem comércio porque o que existe, vivendo a crédito, por sua natureza está falido.

“O Brasil, que começou a sua existência política sem dever um real a ninguém, logo em 1823 contraiu, sem necessidade, empréstimo de 2 milhões e 400 mil libras esterlinas, os quais foram devorados pelos traficantes de Estado; e assim por diante, se foram fazendo novos empréstimos, pagando hoje a nação uma soma fabulosa de juros, para acudir aos desperdícios dos feitores desta fazenda, não tendo o Brasil comércio, nem agricultura, nem indústria, porque o seu Governo tem vivido da falsa política, da mentira e da chicana judiciária. O comércio faz-se nas alfândegas e fora delas; ao redor dos arsenais e nas secretarias de Estado, sendo o pagador infalível o Tesouro Nacional, e a vítima o povo brasileiro que, descrente de tudo, abaixa o colo, para sofrer o que se lhe impõe, com resignação evangélica.

“A independência do Brasil foi uma mentira política porque tendo sido o Brasil dado, pelo Governo de Portugal, a nossos pais, em doação, como remunerações de serviços, reservando a Coroa daquele Estado para si somente, o direito de o governar; com o tempo reivindicando algumas propriedades, foram essas compradas pelos brasileiros à Coroa de Portugal, por 2 milhões de libras esterlinas, no tempo em que lhe reconheceu a Independência nominal; mas quando cuidávamos que o Brasil fosse propriedade nossa, nos enganamos, porque o nosso Governo colocou o Brasil de tal forma entre as nações, que ele ficou sendo de todo o mundo, menos dos brasileiros.

“As propriedades urbanas, as territoriais, o comércio, a navegação, as poucas indústrias, as empresas, as especulações lucrativas são dos estrangeiros, enquanto de brasileiras só têm o nome.

“A própria nação, representada pelo Governo brasileiro, apenas possui os velhos e podres palácios dos capitães-generais, dos tempos coloniais, as fortalezas, os templos, uma outra propriedade tomada por violência aos devedores do Estado; alguns terrenos baldios, e nada mais. O que tem o povo brasileiro é uma dívida enormíssima interna e externa contraída pelos feitores desta Fazenda; e para cuja dívida ainda se pede dinheiro emprestado, a juros, para pagar-lhe os juros!!

“Um estadista experimentado ou financeiro amestrado, reconhecendo o estado precário do tesouro público, filho do esbanjamento desregrado, não pedia dinheiro emprestado a prêmio, no estrangeiro, para pagar o juro da dívida pública existente, e nem mesmo para as outras despesas; apelaria para a nação, e faria um empréstimo interno, emitindo a soma que necessitasse, de papel-moeda ( trapo autorizado), porque com isto não pagariam os juros: mas como não há mamata gorda, nas transações desta ordem, a nação que carregue não só com o peso da carga, como com as decepções por que tem passado.

“O papel-moeda dá lucro ao Tesouro, e muito prejuízo aos particulares, porque o que se consome nos incêndios, nas inundações, o que se dilacera, ou se não resgata em tempo, o Tesouro não indeniza; e por isso o lucro é certo, e não paga-se prêmio.

“O Brasil, Governo, tendo passado por muitos e atrozes decepções, pela falta de cumprimento da sua palavra, forçado pela pressão estrangeira, moveu a Câmara dos Deputados de 1866 a 1872 a promulgar a lei libertadora de 28 de setembro de 1871 (ato puramente seu) apresentando, ao encetar os seus trabalhos, um projeto que depois apareceu mal formulado, e copiados os artigos de várias fórmulas de códigos estrangeiros, próprias a eles, e insuficientes às nossas circunstâncias, com péssimo regulamento, para libertar o ventre da mulher escrava, de origem ou naturalidade africana, que em vez de fazer o bem e prevenir os males, só tem servido para apadrinhar crimes, tentar contra a propriedade, favorecer a prostituição, a vagabundagem e dificultar o viver das famílias brasileiras, que por falta de recursos não têm quem lhes sirva.

“Em lugar de se ter preparado o país para receber sem dificuldade a lei de 28 de setembro, é ela executada sem prevenir os males!...

“Foi uma comédia burlesca o que se deu na Câmara dos Deputados por ocasião da passagem dessa lei de 28 de setembro, chamada do Ventre Livre. A idéia e o projeto foram exclusivamente da representação nacional. O Ministério então se opunha à passagem dela, e não havendo tempo para se discutir o projeto da Câmara, que foi apresentado no dia 3 de agosto, o Gabinete de 7 de março, que sucedeu ao de 29 de setembro de 1870, vendo nele o rabo do cão de Alcibíades, sem se importar com a majestade e soberania da Câmara dos Deputados, no dia 12 de maio de 1871, sem nenhuma satisfação à assembléia, jogou-lhe dentro do recinto outro projeto com o título do Elemento Servil, mandando eleger nova comissão que sem reparar na afronta, que a Câmara havia recebido, deu o seu parecer no dia 30 de junho, passando a lei toda defeituosa, pela precipitação, no dia 28 de setembro de 1871. Dir-me-á V. Sª: e por que não se opôs a esse atentado, como deputado, então? Respondo a V. Sª. Eu queria uma providência decisiva, para acabar com a escravidão no Brasil, e tanto que apresentei e motivei um requerimento, em favor da escravidão, proveitoso ao senhor, ao libertado, à sociedade e ao próprio Governo, que se fosse adotado, não estaríamos lutando com as dificuldades conhecidas; mas como na Câmara dos Deputados, só passa a lei, ou resolução que o Governo quer, passou a lei estropiada do ventre livre, que o Governo impôs; e quanto ao mais, boa noite.

“Conhecendo eu, que o único meio de nacionalizar todas as coisas no Brasil era adotar-se o pensamento dos Estados Unidos, na Câmara dos Deputados apresentei uma resolução (1869) sob o nº 69, concebida nestes termos: “A Assembléia Geral resolve: Artigo único. O estrangeiro que residir dois anos no Império do Brasil, e se estabelecer com casa comercial ou industrial, um ano, da data desta lei em diante, será considerado cidadão brasileiro. Paço da Câmara, 4 de julho de 1869.”

“Este projeto de engrandecimento para o Brasil, e que sem dúvida alguma acabaria com as odiosidades entre os naturais da classe baixa do Brasil e os também da classe baixa estrangeira, ficou no arquivo da Secretaria da Câmara, porque na nossa representação nacional como já disse, só passa a lei, ou resolução que o Governo quer.

“Oh! Quantos projetos de utilidade pública permanecem esquecidos nos arquivos da Assembléia, desde a Constituinte de 1823 até agora! Se eles aparecessem e fossem com critério discutidos e convertidos em lei, estaríamos em outras condições, mas como entre nós o tempo não representa valor, consome-se ele em palavrórios inúteis, que nem aproveita ao palrador e nem ao país, porque gasta o seu dinheiro, sem utilidade pública. Esta é a verdade; e embora os trombeteiros oficiais, com toda a força das bochechas, atormentem os ouvidos da gente, dizendo o contrário, porque se lhes paga, para soprar nas trombetas da fama, não podem ofuscar a verdade, porque acima do dinheiro dos cofres públicos está o juízo da história, para colocar cada um no lugar que merecer. Nesta terra, tudo o que parte do Governo é endeusado pelos trombeteiros oficiais, que sem critério nem observações deram ao Gabinete de 7 de março ou de ventre livre, as glórias transitórias deste mundo, embora ficassem as famílias brasileiras lutando braço a braço com as dificuldades no serviço doméstico.(163)'

“A falsa política e a mentira, neste 2º Reinado, têm estragado tudo: e para viver a vida que leva, mantêm-se pela corrupção, tendo o Poder Executivo estragado os partidos, e as próprias instituições, porque não havendo virtudes cívicas, o Parlamento, como eu já disse no meu livro Brasil Social e Político, ou o que fomos e o que somos, e agora o confirmou o Deputado Ferreira Viana, mesmo na Câmara, nada significa, porque não é a representação nacional, mas a chancelaria do Poder Executivo, que embora comprima a sociedade, ninguém lhe dá importância.

“À medida que o gabinete de 7 de março, o Caim do Partido Conservador, e o Saturno dos outros partidos, se coroou com uma grinalda de espinho de maricá, tolera que os Presidentes do Pará e Alto Amazonas consintam na escravidão dos índios e tapuias, verdadeiros senhores naturais do Brasil, por dívidas, contraídas por miçangas, ou por qualquer motivo insignificante. Os índios, não obstante serem roubados nos produtos da sua indústria, sempre ficam devedores, embora os seus produtos valham o cêntuplo dos objetos pelo que os trocam; e este empenho é o motivo da escravidão, e pelo que, passam de um a outro senhor, por uma escritura tácita, que é o título da dívida. Foi e é o trabalho desses infelizes indígenas, o que engrossou e engrossa o comércio dos dominadores daquelas províncias do Brasil.

“O índio brasileiro é manso, sociável, prestimoso: mas teme horrivelmente a escravidão; e daqui vem, como homem da natureza, ser ele desconfiado.

“Possuindo nós ainda um número prodigioso de índios, não teria sido mais proveitoso à nossa lavoura, à navegação e à grandeza do país, chamá-los para a nossa sociedade, de que ter-se despendido tanto dinheiro do Estado, improficuamente, com a colonização de vagabundos, que só tem servido para empestar o país, com seus vícios e crimes!

“A verdadeira colonização é espontânea, por que o colono só, ou com família, talvez desgostoso do lugar do seu nascimento, procura outra pátria, em harmonia às inclinações da sua alma, e aos sentimentos do seu coração; não só para si, como para seus filhos. Foi este o modo de engrandecimento dos Estados Unidos da América do Norte, e para o que se muniu de boas leis, favoráveis a todas as instituições, em harmonia aos costumes e usos de todos os povos.

“Nada disso se fez no Brasil, porque qualquer molambo serve para Ministro de Estado entre nós; e nem o Governo cumpre mesmo o que promete, porque os colonos, que de boa-fé, se confiam nas promessas do Governo do Brasil, e mesmo nos especuladores, que promovem empresas, chegando aqui, são enganados, porque a sorte do mendigo infalivelmente os espera nas ruas.

“A causa dos males neste país, meu caro senhor, está na nossa péssima educação, que tem feito, que no Brasil não haja probidade política e patriotismo: e também, em serem chamados para o poder supremo da nação e administração das províncias, pessoas sem habilitações, sem prática da vida social, sem critério, sem tino administrativo, e mesmo sem habilidade para arrumar seu baú de viagem, quanto mais para dirigir homens; completamente desconhecidos, mesmo na província onde nasceram, e que surgem de repente, como os sapinhos de trovoada, chegando a miséria deste abençoado país, a mandarem-se rapazolas, como presidentes de províncias, para namorarem as moças, e outros para serem ridicularizados nelas, com o título de Mal das Vinhas, Pai Domingos ou ladrão Aristocrata, maluco, inepto, Manuel faz-fora, e outras galantarias deste gosto. Um país organizado e administrado como o Brasil, onde além dos outros males, não há espírito público, e nem caráter nacional, porque o brasileiro é antes um pária, do que um cidadão, não pode ser coisa alguma. É só talvez depois de 4 ou 5 gerações, que será este abençoado Brasil nação, como eu compreendo.

“Para dar à V. Sª uma idéia do que é a educação da mocidade entre nós, lhe direi que, por ocasião dos exames das crianças, no edifício da instrução pública, enquanto dentro faz-se balcão pecuniário, por cada examinando, sem o que não é examinado o candidato, a pretexto (5$) de emolumentos (instrução gratuita), o comportamento dessa mocidade, fora do edifício, é tão repugnante, que, no meio das ruas, cometem as crianças excessos, altamente reprovados pelo pudor, e contra a moralidade, atacando os transeuntes; e para os conter, a própria força pública, que os guarda, emprega atos de violência.

“Como a educação no Brasil é oficial, em lugar de se pagar bem a hábeis professores para formar o coração e a alma dos alunos, mandam-se levantar palácios, para serem devorados pelos três grandes literatos e obreiros do progresso que temos, que são Monsieurs Cupim, Bichás e Tracy, ou para ostentação declamatória, que não aproveita aos ouvintes. A verdadeira educação consiste em formar caracteres, para termos bons cidadãos. E daqui vem, que nada temos que preste, porque não se escolhem as aptidões, mas sim as afeições e o patronato.

“Diga-me V. Sª, que é homem de critério, se com essa mocidade, assim educada, poderemos ter bons cidadãos? Pois bem: tem sido, em geral, dessa mocidade, que se tem tirado os homens, para governar um país, como o nosso, que saiu da compressão colonial, para viver como nação livre e independente! Note V. Sª ainda mais, que a péssima educação entre nós, e os prejuízos herdados, fazem que não se estudando as aptidões, profissionais, ou artísticas nada tenhamos, por ser crença de todos, que,

Moço que no Brasil viu a existência,
Se de nobre ou escasso filho for,
Há de em regra por força ser doutor,
Tenha ou não tenha jeito para a ciência.
Homem rico, mas pobre inteligência,
Cabala em eleições, ser eleitor,
Juiz de Paz, depois Vereador,
E pensa logo ter uma excelência.
Para a provincial então levado,
Em corpo e alma governista inteiro,
Anda sempre de um pra outro lado.
Vai assim pra geral, mostra-se ordeiro.
Sai Ministro, e por fim cai no Senado:
Eis formado o estadista brasileiro.(164)

“As letras no Brasil de quase nada servem, porque não dão pão ao escritor.

“A leitura ordinária é a de jornais e a dos romances, e estes quanto mais eróticos e imorais, mais procurados e lidos.

“Há também duas chagas medonhas, que gangrenam as altas e baixas camadas da nossa sociedade. Estas duas chagas corrosivas são o incesto e a pederastia.

“Homens que parecem ser bons pais de família, as solapam por meio do incesto, que a desvirtua, e quando contrariados cometem desatinos! Tartufos. Outros, em número prodigioso, entregues à abominação da pederastia contaminam a mocidade, pervertendo-a, e mesmo inutilizando-a para os contratos de família.

“Falando nós a língua portuguesa, os compêndios por onde se estuda nas academias são franceses; e nos colégios e escolas cada professor ensina por seu copêndio, de maneira que o pai de família, vê-se desesperado pelo argumento das despesas obrigatórias, com a compra(164) desses compêndios, impostos pela instrução pública, cuja única utilidade é favorecer os autores e editores, e atrapalhar as crianças.

“Nos tempos coloniais, por todos os estados, mesmo em Portugal, havia para a instrução da mocidade, uma só gramática, um só compêndio de filosofia, um para retórica, etc., é um deus-nos-acuda, em modo que pouco aproveitam os mancebos, pelo peso dos livros, ou bagagem que carregam.

“Mas parece-me que a decadência em tudo vai lavrando por toda a parte, pois que a Academia Francesa que não admitiu em seu seio a vida de César, recebeu com aplauso as nossas comendas; rejeitou a Henríada, para receber o Homem Mulher. Isto de algum modo me consola a respeito do meu infeliz país.

“Não havendo critério nas deliberações, acontece, como sempre entre nós tem acontecido, que todos os negócios acabam por absurdos.

“Não há no Brasil lealdade, em política, porque o que se vê é traficância. A política no Brasil é um meio de vida e não combate de idéias, que resulta em proveito da sociedade, e como os que se metem na política, e desejam primar, adornam-se com as asas de Ícaro, à medida que se aproximam ao Sol, são elas derretidas, e o bicho vem abaixo aos trambolhões e às combalhotas.

“A própria caridade entre nós é oficial e de ostentação, pois que muita gente, não faz o bem por amor do bem, mas por vanglória, porque o egoísmo, lepra do mundo, é o sentimento que mais avulta na nossa sociedade. O indivíduo muitas vezes tem consciência de si, e de que nada vale; mas adule-o, diga-lhe coisas bonitas, que é sábio, talentoso, nobre e digno de uma estátua, embora de gesso, ou barro, e outras galantarias iguais, que tudo consegue dele; e se a par de tudo isso, mostra-lhe bem perto do ouvido, alguma cousa que alegre o olho, então vá tranqüilo, que não haverá dificuldades para conseguir a pretensão.

“Eu, meu caro senhor, que felizmente conheço esta minha terra, como conheço os homens de que se compõe a sociedade brasileira, quem são, como principiaram, os meios que empregaram para serem nobres ou ricos; eu que sou a crônica viva deste meu país e que nada deixo passar sem tomar as minhas notas, rio-me deles, como me rio de tudo o que entre nós se passa! Se me procurarm inutilizar pela indiferença, não desanimo: vou meu caminho, escrevendo as verdades, pela minha independência; e por causa delas, se hoje deixar o mundo as gazetas diárias não darão notícia do meu falecimento, figurando apenas o meu nome no obituário no meio dos inocentes, porque elas nem nas minhas obras falam quando aparecem, no entanto que têm a fortuna de serem muito apreciadas no estrangeiro.

“Se em uma carta eu pudesse contar a V. Sª o que somos como povo livre e independente, e como vivemos, conheceria V. Sª que, se existimos como nação, é porque o Brasil é o continente protegido de Deus; e não ser a língua portuguesa, conhecida e falada senão em Portugal, suas possessões e no Brasil.

“Ninguém é impossível entre nós, porque aqueles mesmos, que têm comprometido a nação, voltam para o poder, e mandam pelos seus trombeteiros, pagos pelos cofres públicos, soprar nos quatro ventos cardinais, os seus pomposos elogios; enquanto que pelos mesmos ventos correm, mas sem remédio, as vozes lastimosas dos historiadores das calamidades públicas, que lhes contestam as glórias oficiais. Todos entre nós são estadistas; mas o Brasil! vai à vela. Todos são financeiros; o Brasil está devendo os cabelos da cabeça; e sendo a pátria do ouro, o seu meio circulante é o papel-moeda (fiduciária) ou antes trapo, ou cisco, que o único valor que tem, é estas palavras sacramentais – No tesouro nacional se pagará!! Com o quê? – Com outro trapo; porque no tesouro nacional não há equivalente em ouro ou prata. O que há no Brasil em abundância, são especuladores, que folheado o dicionário, acharam que o substantivo masculino – convênio – era o melhor fantasma que poderiam encontrar, para dificultar o progresso da Nação, e da vida ordinária do povo brasileiro; e admira que este, no meio das dificuldades em que permanece, se não tenha reunido, para fazer também um Convento, para mandar vir engajados da Europa ou dos Estados Unidos, um estadista, um financeiro, que saibam governar o Brasil, colocando-o na verdadeira posição de que é digno, e para o que está destinado por Deus.

“Como eu pensam muitos brasileiros de coração, que lamentam a sorte deste abençoado Brasil; e muitos como eu desejam procurar um país estrangeiro, embora para permanecer por algum tempo, para não sermos testemunhas presenciais das calamidades da nossa pátria; porque tendo o Brasil tudo para ser grande, faltam nele o bom senso, o juízo, a probidade e o amor da pátria.

“Desculpe-me se fui além dos desejos de V. Sª, pois não podia ser lacônico.

“Sou de V. Sª
afetuoso e atento respeitador
Dr. Melo Morais”

N. B. Escrevi esta carta para o Autógrafo Americano, que se está imprimindo em Bueno Aires; mas lembrando-me, que, entre nós, a roupa suja não lavava-se em casa, mas, publicamente, no Campo de Santana, no centro da cidade, preferi, não a remeter para o estrangeiro, e deixá-la aqui impressa, no Campo d’Aclamação entre as lavadeiras.

 

A Independência e o Império do Brasil, de A. J. de Melo Morais, foi composto em Garamond, corpo 12, e impresso em papel vergê areia, 85g/m2, nas oficinas da SEEP (Secretaria Especial de Editoração e Publicações), do Senado Federal, em Brasília. Acabou-se de imprimir em junho de 2004, de acordo com o programa editorial e projeto gráfico do Conselho Editorial do Senado Federal.


 

Notas

 

(1) V. o suplemento ao nº 145 da Gazeta do Rio, de 3 de dezembro de 1822, e o Brasil-Reino Brasil-Império, pág. 423.

(2) Nos anais da província das Alagoas, entre outros, há um acontecimento digno de memória, por ser muito honroso. Logo que a província aderiu (1822) à causa exclusiva do Brasil, o governo provisório fretou um navio, e o abasteceu de todo o necessário para uma longa viagem, e dirigindo-se aos portugueses europeus, os consultara se queriam ficar no Brasil, suas pessoas e fazenda seriam respeitados, e no caso contrário estava no porto um navio provido de tudo, para os transportar com suas famílias e haveres para Portugal, o que efetivamente aconteceu, chegando a salvamento a seu destino os que não quiseram aderir à causa do Brasil.

(3) O governo de Deus é o da Justiça, e por isso mandou entregar a Moisés as Tábuas das Leis, instituindo-o Juiz, cujo cargo foi, com o tempo, exercido por 22 juízes, sendo o último deles o profeta Samuel, que achando-se mui velho e não possuindo filhos dignos de suceder sagrou rei a Saul, por pedido do povo hebreu, porque antes queriam sofrer as extorsões revestidas de caráter de majestade mundana, do que as injustiças de um louco.
Foi, portanto, por pedido, e não por Direito Divino, o aparecimento da realeza entre o povo hebreu.

(4) A monarquia constitucional representativa é uma instituição do povo português, desde a fundação da sua monarquia nas cortes do Lamego em 1143, como adiante mostrarei. Esta forma de governo foi abraçada palas nações onde se vê harmonizado o elemento monárquico, aristocrático e democrático. O Brasil, como colônia, nunca teve aristocracia propriamente dita. Depois da sua separação de Portugal abraçou a monarquia constitucional representativa e teve de criar a sua aristocracia (salvas exceções de vários nobres que vieram estabelecer-se no Brasil) entre o servilismo e a traficância! E homens que nada eram apareceram na sua política, sem serviços reais, sem virtudes cívicas, sem ilustração que os recomendassem, e foram titulares, barões, viscondes e marqueses!
Ontem eram, Sr. Antônio de tal, Manuel de tal, e hoje Sr. Barão das Tabocas, Sr. Visconde das Embiras, Sr. Marquês das Crioulas, etc.! Enfardados em seus novos títulos são uns toma-largura, e se não lembram da massa comum donde saíram; mas quando tiverem instrução, virtudes e riquezas não interrompidas, então os seus descendentes se irão esquecendo da sua origem humilde, e ganjearão a estima que as qualidades lhe darão. Na Inglaterra o povo é tudo. Em Portugal, na Espanha e no Brasil, pelos fidalgos de fresca data, o povo é canalha, e antigamente farrapilha.

(5) Moisés foi o escolhido juiz, por mandado de Deus conforme a bíblia judaica; e este para dividir a autoridade em bem da justiça, designou (Num. 11-16) 70 anciões para juízes, sendo escolhidos por eleição popular, o que continuou desde Josué até Samuel.

(6) O que nos causa mais riso é vermos, ainda hoje, o modo com que os reis se tratam, embora entre brancos ou pretos, da Europa ou de Congo na África, todos por primos irmãos, dando com isto a entender que eles são formados de outra massa, que o resto da humanidade! Na Idade Média, nos tempos do despotismo, que os tinha de origem divina, ainda se podia tolerar semelhante vaidade; mas hoje, que o vapor e a eletricidade têm unido o mundo em um só pensamento, o tratamento de parentesco dos reis é um anacronismo irrisório.

(7) O Dr. Kornis de Totwárad (lente de Direito na Universidade de Pest), o coronel Byrani (que faleceu no Rio de Janeiro), emigrando para os Estados Unidos da América, com outros, se passaram para o Brasil.

(8) A monarquia eletiva seria mui proveitosa para a nossa sociedade, porque sendo o Brasil o único Estado da América, onde o chefe do Estado é vitalício e hereditário, estando ele sujeito a eleição, satisfaria as vistas políticas das repúblicas da América. Para isto a reforma da lei fundamental do Estado seria de absoluta necessidade para nulificar o Poder Moderador, que sendo a chave dos outros poderes políticos, é o sustentáculo encapotado do absolutismo constitucional.
A constituição assim reformada seria então a verdadeira lei orgânica para um país americano. Para evitar as comoções populares na eleição real, só votariam os deputados gerais, os senadores, os presidentes das assembléias provinciais, os das câmaras municipais e presidentes das corporações comerciais, no tempo do falecimento do Imperador.

(9) Vid. a minha Doutrina Social, pág. 153.

(10) Toda a plebe e canalha é povo; mas todo o povo não é plebe e canalha.

(11) Entre nós, parece que isto acontece porque a consciência dos jurados não obra de acordo com os ditames da razão e da justiça, pois se assim não fosse, não se condenaria um ratoneiro a 6 e 8 anos de prisão com trabalho, por furtar uma saia, e se absolveriam assassinos que matam à luz do dia, e famigerados ladrões da fortuna pública e a dos particulares.

(12) Dão hoje uma sentença a favor sobre um assunto determinado e logo depois voltando a mesma causa ao tribunal dão a sentença contra!

(13) Entre eles foi um senador chamado Mendes.

(14) Se entre nós pusesses em prática esta providência romana, muita gente nodoada e leprosa não seria chamada ao poder, não se proporia para senador e nem ocuparia os primeiros lugares da nossa sociedade.

(15) Entre nós até de traficantes de escravos, etc.

(16) O 1º rei Rômulo (753); 2. Numa Pompílio; 3. Túlio Hostílio; 4. Ancus Márcio; 5. Tarqüínio o Antigo; 6. Sérvio Túlio; 7. Tarqüínio o Soberbo (509). – República até aos Imperadores sendo o 1º imperador Augusto, 31 anos antes de Jesus Cristo.

(17) Vide a Hist. da Guerra Civil pelo Dr. Soriano.

(18) Em tempo contarei o que sei a respeito das ladroeiras de alguns ministros, que faz corar de pejo aos homens honestos.

(19) Se no Brasil houvesse representação nacional tudo iria bem. O que temos é, na frase do Sr. Zacarias, uma confraria de pedantes, que depois de consumir o tempo com o palavrório, se verga ao primeiro aceno do ministro que ali se colocou.

(20) O Sr. M. Deloche, na sua obra Du principe des Nacionalités, pág. 53, diz que os termos raça e nacionalidade não se empregam sempre indiferentemente um pelo outro, porque os eslavos, por exemplo, representam uma raça, e parece que mesmo constituíram uma nação; no entanto que os ibéricos foram ao mesmo tempo uma raça e uma nação, correspondendo assim à ordem etnográfica (descrição, divisão e filiação do povo) e a ordem histórica.

(21) A fundação da monarquia caiu no dia 25 de julho de 1143, sendo um rei de nome Afonso Henriques quem a fundou; e um rei de nome Henrique (o cardeal) depois de 442 anos a preparou para o cativeiro em 30 de janeiro de 1580.

(22) Vide o que extensamente escrevi e publiquei sobre os jesuítas, suas doutrinas, sua avareza, seus serviços e seus crimes, no meu Médico do Povo da Bahia de 1851, desde o nº 60 em diante; e os tomos 3 e 4 da minha Corografia Histórica, Nobiliária, Genealógica e Política do Império do Brasil.

(23) D. Catarina esteve na regência até 1553, em cujo tempo convocou as Cortes e largou o governo nas mãos do cardeal D. Henrique.

(24) Não há maior fatuidade na miséria humana do que um homem sujeito à fome e à sede, a violentas dores, e às necessidades inerentes à organização humana, tomar para si um título que, exprimindo todas as grandezas e poderes, exclusivamente pertence a Deus.
Entre os romanos se dava o título de majestade a tudo o que tinha o caráter de grandeza e poder, e como tinham para si que o povo romano era o mais heróico e digno, empregavam esse título de Majestade à soberania do povo romano.
Augusto César, usurpando o supremo poder da nação, tomou para si e para os seus sucessores o título de Majestade, como representante dessa mesma soberania do povo romano. Na Idade Média dava-se o título de Majestade aos bispos e aos senhores feudais. No século XII, os reis da Polônia e da Hungria tinham o tratamento de Excelência. No fim do XIV século os reis de Aragão, de Castela e os de Portugal, tomaram o título de Alteza; mas os aduladores dos reis, dando-lhes a autoridade vinda de uma origem divina e representantes do poder de Deus sobre a Terra, despertaram-lhes a idéia de Majestade, para mais prestigiar a realeza; Luís XI, de França, o mais façanhudo déspota conhecido assaz fanático, supersticioso, assassino, mau filho, mau cidadão, foi o primeiro que tomou o tratamento de Majestade, e em Portugal foi D. Sebastião em 1569 o primeiro que se investiu com a Majestade, por influência dos jesuítas. Os reis de Inglaterra tinham o tratamento de “Nossa Graça”, vindo-lhes muito lentamente o de Majestade.

(25) Vid. no Gabinete Hist. da pág. 339 em diante (Tomo 2) a lista nominal dos falecidos no combate do dia 4 de agosto de 1578 em Alcácer-quibir.

(26) Tomo 4º do C. Hist.

(27) A nação é quem deu todos os poderes a el-rei, para conceder graças aos cidadãos, conforme as leis, etc.

(28) Nosso não, dele duque de Caminha somente.

(29) Que trabalhem os povos para o luxo, dissipações e gozos da vida de um homem, de uma família, com detrimento de milhares de outros, que lutam com a pobreza é muita fraqueza humana.
Todo esse ouro que o pródigo D. João V mandou para Roma saiu das minas do Brasil; e para justificar o que digo basta lembrar que durante um século foram para Portugal só de 4 províncias do Brasil em ouro em barra 63,417 arrobas; e de 1751 a 1769, foram em moedas cunhadas no Brasil – 29,265:352$690, sem mencionar 325 oitavos de diamantes!!

(30) – O que se há de fazer? perguntou el-rei D. José a Sebastião José de Carvalho e Melo. – Enterrar os mortos, e cuidar dos vivos.

(31) Vide o tomo da 2ª parte da minha Corografia Histórica.

(32) Consta que o Marquês de Pombal deixou 78 milhões nos cofres públicos, que foram logo esbanjados.

(33) Luís XV tinha-se constituído o ludíbrio dos seus ministros, primeiro o cardeal Fleury, e depois o duque de Choiseul, o abade Terray e Maupeon. Duas mulheres fizeram a desgraça desse debochado monarca, que foram a marquesa de Pompadour, e a duquesa Dubarry, tendo sobre ele um poder absoluto. A duquesa Dubarry era tão infame, que procurava moças formosas para presentear a Luís XV. Este rei morreu de bexigas, e em tal estado de podridão que do seu corpo exalava um cheiro pestilento, sendo enterrado sem as honras devidas, e nem funeral, na igreja de S. Dinis.

(34) O mesmo aconteceu com D. João VI em Portugal, e se não morreu no cadafalso, o mataram envenenado, como contarei em outra obra minha.

(35) No tomo 10 de Choix de Rapports, vem todo o processo, discussões e opiniões sobre a acusação, sentença, e a lista nominal de todos os deputados que votaram pela morte de Luís XVI, e bem a íntegra de seu testamento, e o papel brilhante que representou o advogado de Seze, em favor do rei seu cliente.

(36) Vergniaud, chefe dos Girondinos, lutou contra o Tribunal revolucionário, e contra o feroz partido da Montanha, contra os jacobinos, e sendo denunciado com mais 21 deputados por Robespierre, foram executados no dia 31 de outubro de 1793 na Praça da Revolução.

(37) Santerre era um fabricante de cerveja, que chegou no tempo da revolução a ser o comandante geral das guardas de Paris, e foi o que teve a triste honra de levar o bondoso rei Luís XVI ao cadafalso, e que o impediu de falar ao povo!!!

(38) Os ingleses compravam aos índios, por uma libra esterlina, cada pericrânio cabeludo de americano que lhe fosse apresentado! Vide a minha memória A Inglaterra e seus Tratados, impressa na Bahia em 1844, onde refiro fatos muito especiais praticados na guerra da Independência Americana.

(39) Déspota como qualquer outro, e por vezes desejou de novo unir o Brasil a sua antiga metrópole.

(40) Vide o 1º tomo da 2ª parte da minha Corografia Histórica, a história da fundação da cidade do Rio de Janeiro; e o Brasil Histórico, o processo de Tiradentes.

(41) Vide as Memórias Históricas da Bahia, por Inácio Acióli, e o monstruoso processo que se instaurou.

(42) Vide a minha Corografia Histórica.

(43) Tudo isto largamente contei na minha obra O Brasil Reino e o Brasil Império, e na Biografia do Conselheiro Drummond.

(44) Vide a Biografia do Conselheiro Drummond, escrita por mim na 1ª série de 1864 do Brasil Histórico.

(45) Este precioso documento eu o reproduzi, por sua raridade, na 1ª série do meu periódico o Brasil Histórico.

(46) Vide O Brasil Reino e o Brasil Império, pág. 327.

(47) Vide a Biografia do Conselheiro Drummond na 1ª série do meu Brasil Histórico de 1864 e O Brasil Reino e O Brasil Império.

(48) Na noite desse dia o príncipe regente bebendo água do Tramandataí, gostou tanto do sabor dela, que ficou perdido de amores por S. Paulo.

(49) O príncipe estava com uma disenteria quando deu o grito da Independência, e esta enfermidade foi o prenúncio da qualidade da independência que tivemos, porque a carta de liberdade nos custou 2 milhões de libras esterlinas.

(50) Esse processo o transcrevi no Brasil Histórico. Ele foi impresso e comentado por José Clemente Pereira.

(51) Este importante documento o publiquei no nº 26 do dia 3 de julho de 1864 do meu Brasil Histórico, donde o extraí para comprovar os fatos.

(52) Fato singular! O brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto preso na fortaleza da ilha das Cobras, que tantos serviços prestou à causa do Brasil, no dia 6 de maio, recorre à Assembléia Constituinte contra a sua injusta prisão, filha do processo mandado instaurar por José Bonifácio.

(53) Diário do Rio de Janeiro de quarta-feira 16 de julho de 1823, nº 14, do 2º semestre e 197 do mesmo ano diz: “Plácido Antônio Pereira de Abreu faz saber que entregou a S.M. o Imperador a carta que recebeu para lhe ser entregue no dia 15 de julho de 1823 – Plácido Antônio Pereira de Abreu” – Este documento o transcrevi no nº 46 do Brasil Histórico, pág. 3 e 2ª coluna.

(54) A Câmara da Bahia no dia 13 de setembro de 1823 remeteu ao Imperador uma representação dos habitantes da província na qual pedem para ser julgado o Marechal Luís Paulino pela sua conduta hostil contra a causa do Brasil.

(55) Portugal insistia em recolonizar o Brasil, e por isso empregava todos os meios a seu alcance para o conseguir. Em 27 de maio de 1823 D. João VI entrando no governo da nação, fez sair uma comissão para o Brasil ramificada pela Bahia, escrevendo em 7 de julho ao General Madeira, e no dia 8 a João Feliz, para a suspensão das hostilidades contra os brasileiros, sendo encarregado dela o Marechal Luís Paulino, fazendo-o sair no bergantim Treze de Maio com bandeira parlamentar no dia 10 de julho; e com ordem de seguir logo depois para o Rio de Janeiro para se reunir à comissão do Conde do Rio Maior.
No dia 30 de julho fez também sair a corveta Voadora, com a comissão composta do Conde do Rio Maior, e o ex-Ministro Francisco José Vieira de Carvalho, em direitura ao Rio de Janeiro, com cartas e ofícios datados do dia 21 de julho e com instruções secretas, sendo uma delas de nada se comunicar a Luís Paulino, por ter nascido no Brasil. No dia 17 de setembro, às 2 horas da tarde, chegou a comissão portuguesa à barra do Rio de Janeiro, sendo aprisionada a corveta Voadora, como vaso de guerra de nação inimiga!

(56) Em outra obra minha tratarei deste mesmo assunto mais largamente.

(57) Em outra obra minha, que está pronta, sobre os três reinados, contarei minuciosamente tudo o que se passou por ocasião da dissolução da Assembléia Constituinte.

(58) O conselho de Estado deve ser composto de homens sábios e experimentados na vida social, e tirados das diversas classes que nelas representem os seus interesses, e não a aposentadoria de traficantes de escravos, composto de advogados, agiotas que pouco entendem dos negócios a seu cargo.

(59) O que se passou durante a viagem da Lucânia tenho eu minuciosamente historiado em uma obra minha intitulada Memórias do tempo e Recordações do passado ou Homens de ontem e os homens de hoje, que comecei a imprimir.

(60) Vide a 1ª série do Brasil Histórico a biografia do Conselheiro Drummond.

(61) Benjamin Constant era um tribuno, amigo das liberdades públicas e na tribuna francesa sustentou suas idéias, e principalmente escreveu na Minerva muitos artigos que colecionou sob o título de Curso de Política Constitucional, que fez publicar de 1817 a 1820.

(62) Vide as Atas do “Apostolado” desde o nº 1 em diante, na 3ª série e 5º ano do meu Brasil Histórico de 1873.

(63) O Imperador conhecia o projeto de Martim Francisco que se discutia no “Apostolado” e o tinha adotado.

(64) Creio que não melhoramos, e as razões que tenho para me pronunciar assim é que conheço o pessoal da nossa sociedade brasileira.

(65) O sistema representativo entre nós está tão falseado que devendo os deputados cuidar dos interesses da nação, consomem o tempo em discussões banais, deixando nos arquivos da Câmara temporária infinidades de projetos de grande interesse, que se fossem traduzidos para ordem do dia seriam convertidos em leis da nação. Isto não fazem por que o bem público não tem importância, e forçam o Senado a não trabalhar por falta de assunto!

(66) Nicolau Maquiavel, nascido em Florença, no ano de 1469, era jurisconsulto, escritor cômico, e muito conhecedor da história e da política. A República de Florença o nomeou seu secretário, e foi depois demitido deste emprego, por se ter envolvido na rebelião contra os Médicis. Retirado da política, morreu envenenado com ópio, fornecido pelos Médicis, vivendo ele na maior miséria.
Estando já velho escreveu o Tratado do Príncipe, obra muito perigosa e funesta para a sociedade. Esse livro é o breviário da mentira, da velhacaria, da falsa política, da ambição e da perfídia. Contêm máximas terríveis e assaz perigosas. Aconselha o crime e o assassinato, e bem o emprego de todos os meios, quaisquer que eles sejam, para vencer as dificuldades. Esta doutrina em política é a mais perigosa possível, porque tendo-se Maquiavel manchado em todos os crimes ensina estar nos maneios da intriga e da astúcia, da discórdia, do fingimento, da mancha, todo o fundamento da política de Maquiavel. Ensina aos tiranos os meios de se saírem bem nos negócios públicos e privados, ainda mesmo com o desprezo e detrimento da honra, da justiça e da humanidade. A doutrina de Maquiavel foi muito seguida pelos jesuítas (vide o 3º tomo da minha Corografia Histórica) e por muitos políticos que têm arruinado os povos.

(67) Os antigos aplicavam a palavra utopia a todo sistema político que tinha por objeto assegurar a maior soma de felicidade aos povos. Depois se aplicou a todo o sistema conhecido impraticável, não tendo outro fundamento mais que o ideal de quem o concebeu, mas que infelizmente se realizou no Brasil.

(68) O art. 39 da Constituição determina que o subsídio pecuniário que devem os deputados receber será taxado no fim da última sessão da legislatura antecedente. A Lei nº 143, de 30 de outubro de 1837 marcou o subsídio de 6.000 cruzados para cada sessão; pois bem, a Câmara dos Deputados que compôs a 15ª legislatura de 1872 a 1875, o seu primeiro ato foi infringir o art. 39 da Constituição, legislando para si, elevando o subsídio a 1:500$ a cada deputado por mês. O Ministério tinha necessidade dos deputados porque o presidente do Conselho de Ministros sendo acusado publicamente pelo cidadão Antônio Capote, pelo ataque feito ao tesouro público, levou a sua denúncia à Câmara dos Deputados no dia 12 de julho de 1875, esta o absolveu não admitindo culpabilidade no ministro que era denunciado por prevaricador.
O art. 62 da Constituição diz que se o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado for reduzido a decreto (art. 63) por uma comissão de sete membros seja levado ao imperador para lhe dar a sanção (art. 64) e se ele não consentir, a Câmara responderá: “Louvo a Sua Majestade Imperial o interesse que toma pela nação!” Se o imperador, embora seja o primeiro representante da paz, é irresponsável por seus atos, pela Constituição, e assim como não possa fazer mal também pode não querer fazer o bem que a nação deseja, e sendo urgente a medida que as Câmaras tomaram, como (art. 65) esperar por mais duas legislaturas para ser resolvida a medida que se deseja! Não está aqui bem encapotado o sistema absoluto nas vestimentas constitucionais?! Os tempos passaram; a Constituição não foi discutida, e hoje esta é um manto esfarrapado, porque os liberais, ou farroupilhas, ou luzias, em uma Assembléia ordinária reformaram pela lei de 12 de outubro de 1892 a Constituição; e os saquaremas ou conservadores fizeram outro tanto com a lei de 3 de dezembro de 1841 na parte que lhe convém. Os liberais por causa desta lei revolucionam em 1842 as Províncias de São Paulo e Minas; e quando subiram ao poder, em vez de anularem a lei de 3 de dezembro, a conservaram como instrumento de guerra contra os conservadores! Uma paz com homens políticos desta ordem pode progredir?
Não, porque no Brasil não há política, há traficante, que é o que faz que nulidades políticas, sem terem predicados que as recomendem, à consideração dos homens de bom senso, da noite para o dia se tornem uns toma-larguras.

(69) A Aurora de 26 de outubro (segunda-feira) de 1827, nº 257, justifica o que digo, apresentando a estatística dos titulares do tempo, dizendo: “A monarquia portuguesa fundada, segundo a autoridade da Folhinha, há 736 anos tinha em 1803, época em que se haviam renovado títulos e criado outros recentemente: 16 marqueses, 29 condes, 8 viscondes, e 4 barões. – O Brasil com 8 anos de idade, como potência política encerra já no seu seio 28 marqueses, 8 condes, 16 viscondes, 21 barões. Ora, progredindo as coisas do mesmo modo, como é de esperar, teremos no ano 2551, que é quando a nossa nobreza (composta de zíngaros, traficantes de escravos, fabricantes e passadores de moeda falsa, etc.) titular deve contar a mesma igualdade que a de Portugal tinha em 1803, nada menos do que 2385 marqueses, 710 condes, 1420 viscondes e 1863 barões; isto por uma simples regra de proporção, sem fazer caso dos quebrados. Assim nada devemos recear sobre o futuro: porque não havendo nobrezas sem riqueza, segue-se que seremos para então mais ricos que o Grão-Mogol, que mora para as bandas do império da China.
Os títulos são os sustentáculos da monarquia, do absolutismo e da corrupção e o que mantém a perversão dos costumes, e o que tem levado as monarquias às bordas dos abismos; porque descriminando a sociedade cria no meio dela uma que quer predominar pela hierarquia, embora sem mérito e outra laboriosa e meritória mas sem privilégios. A Aurora tem razão no seu cálculo porque o almanaque deste ano de 1876 lembra 1 duque, 9 marqueses, 9 condes, 54 viscondes, 240 barões, e fidalgos sem conta; grãs-cruzes, comendadores, oficiais e cavalheiros das diferentes ordens em tão grande número que se não pode escrever.

(70) O Senado brasileiro para dar uma prova da sua humilhação ao Imperador, recebeu com muito prazer do mordomo o figurino dos seus vestidos com que se enfeitam nos dias de gala!

(71) Esta descrição vai por minha letra figurar no Autógrafo Americano.

(72) Vide processo da conjuração mineira no meu Brasil Histórico, e os meus artigos publicados no Globo deste ano de 1877.

(73) Portaria de 30 de setembro de 1822 para o general das armas da Corte: “Manda o Príncipe Regente, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, que o tenente-general governador das armas da Corte faça castigar esta tarde com cinqüenta chibatadas, no Campo de Santana, pelas 4 horas da tarde, à frente dos corpos da guarnição da 1ª linha, que para este fim mandara formar aos soldados constantes na inclusa relação, pelo insolente e criminoso comportamento de se terem apresentado ao intendente geral de polícia, pedindo regressarem para Portugal, devendo logo depois de castigados serem remetidos presos para a fortaleza da ilha das Cobras. Manda outrossim S. A. R. que o mesmo general governador das armas, tirando para seu governo uma cópia da inclusa relação, restitua o original. Paço, 30 de setembro de 1822. – Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho.”

(74) Este fato já o referi no Brasil-Reino e Brasil Império, pág. 251.

(75) A coleção mais completa que conheço é da Biblioteca Fluminense, cuidadosamente conservada pelo zelo de seu bibliotecário, o Sr. Francisco Antônio Martins.

(76) Esta rua foi mandada abrir pelo Conde da Cunha, que mandou fortificar a cidade e a barra do Rio de Janeiro, e fez grandes melhoramentos, e por isso a Câmara, por gratidão e para lhe perpetuar a memória, deu à rua novamente aberta o nome de Rua do Conde da Cunha; mas depois por adulação e falta de conhecimentos de História do País, mandou se apagar aquele título, e dar-se o nome da Rua do Conde ao do Visconde de Rio Branco, que foi o ministro que desarmou o Brasil!

(77) O castiçal ainda existe em poder dos filhos de May, que o mostraram referindo-me o histórico da tentativa de assassinato de seu pai.

(78) No requerimento que se pedia a reintegração dos Andradas, instava-se pela demissão dos nomeados.

(79) José Bonifácio, para mais ostentar o seu poderio, no dia 11 de novembro de 1822, fez publicar uma portaria circular, para que nas províncias fossem processados todos os que se opusessem ao governo imperial.

(80) João Soares Lisboa, português, era o redator do Correio do Rio de Janeiro, e republicano de convicções. Foi condenado a 10 anos de prisão e multa de cem mil-réis.

(81) Vide o processo de 30 de outubro ou de 4 de setembro de 1822 chamado a Bonifácia, no meu Brasil Histórico.

(82) João Soares Lisboa foi um notável liberal, português, muito instruído e fiel às suas crenças políticas. Era o redator do Correio do Rio de Janeiro e depois do Espectador brasileiro, cuja tipografia e periódico foram comprados por Pedro Plancher em 1824, e em 1827, deixando o título de Espectador brasileiro, tomou o de Jornal do Comércio.
João Soares Lisboa passou-se fugido para Pernambuco e aderiu à revolução de 2 de julho de 1824, denominada Confederação do Equador, e morreu atravessado por uma bala das forças imperiais, no interior da província. Veja-se o nº 9 da 6ª feira 11 de novembro de 1873, 3ª série e 5º ano do meu Brasil Histórico.

(83) Joaquim Gonçalves Ledo era filho legítimo de Antônio Gonçalves Ledo e de D. Antônia Maria dos Reis Ledo, e nascido na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1781. Indo para Coimbra formar-se em Direito, voltou para o Rio de Janeiro sem concluir os seus estudos por lhe haver falecido o pai.
Tomando parte muito pronunciada na questão da Independência do Brasil, e possuindo bastante inteligência e ilustração, foi um dos redatores do periódico Revérbero; e por seus relevantes serviços feitos à causa da pátria, foi condecorado com a dignitaria de Cristo e carta de conselho. Aborrecido do servilismo do tempo e dos desconcertos da política, retirou-se para a sua fazenda do Sumidouro, em Macacu, onde faleceu a 19 de maio de 1847, vindo o seu cadáver para a capital, para ser sepultado na igreja de São Francisco da Penitência. Ledo era de estatura regular, fisionomia alegre, espírito culto e muito eloqüente. Antes de sua morte, queimou todos os papéis relativos à História e Independência do Brasil.
O defeito de Ledo era ser muito orgulhoso de seus talentos. Foi ele quem falou ao procurador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Antônio dos Santos Xavier, para se empenhar com seus colegas para aclamação do Imperador, e muito trabalhou para o progresso da Independência, tornando-se por isso benemérito da Pátria.
Tendo sido eleito deputado da Constituinte, no dia 22 de setembro de 1822, na sala da livraria do Mosteiro de São Bento, onde se reuniu o Senado da Câmara e os eleitores das paróquias e dos homens bons do povo, obteve 134 votos.
Em Buenos Aires sendo caluniado, foi justificado em 17 de junho de 1823 por D. Tomás García de Zóniga, dignitário do Cruzeiro, brigadeiro dos exércitos imperiais e síndico procurador-geral do estado cisplatínico, e provou a sua conduta ilibada em relação aos interesses do Brasil. A imprensa de Buenos Aires de 9 e 10 de maio fez o mesmo, e a polícia daquela república em um extenso relatório provou o comportamento ilibado de Joaquim Gonçalves Ledo.

(84) Vide o 5º ano e 3ª série e nº 9 de 1873 de meu Brasil Histórico.

(85) Não houve essas desesperadas tentativas, porque um grande número de portugueses queriam a independência política do Brasil. A guerra do Madeira na Bahia, começou por um conflito puramente militar, que deu em resultado a saída da tropa lusitana da Bahia. Foi nessa guerra civil em favor da qual José Bonifácio prestou relevantes serviços, como ministro do Estado: fez o seu dever. Vid. o meu Brasil Reino e Brasil Império.

(86) Vid. adiante os documentos.

(87) Joaquim Estanislau Barbosa era oficial da Marinha portuguesa, que havia ficado ao serviço do Brasil; passou a ser comandante das galeotas imperiais, em cujo emprego serviu até 1831, em que faleceu.

(88) Este oficial que bons serviços prestou ao Brasil era muito honrado e humano. Eu o conheci e tive com ele amizade, por suas virtudes e excelente caráter.

(89) O histórico da deportação dos Andradas foi-me referido pelo conselheiro Drummond, e confirmado por dois dos deputados.

(90) Por não ter espaço, não transcrevo o ofício reservado de 24 de março de 1824, do Conde de Sub Serra, ao Comandante da corveta Lealdade, João Pedro Nolasco da Cunha, e o de 22 do mesmo mês e ano, do Comandante da Lealdade, ao Ministro Conde Sub Serra, para justificar a presente narrativa.

(91) O Tamoio era todo escrito por Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond, como já disse. No dia seguinte ao da dissolução da Constituinte, o Imperador, indo à tipografia ver se encontrava os artigos escritos pelos Andradas, não os encontrando, disse, vendo os de Drummond: – Essa letra eu conheço.
A Tipografia Nacional foi primitivamente estabelecida na casa da esquina (lado esquerdo) da Rua das Marrecas, descendo-se para o Passeio; depois mudou-se da casa onde está hoje a Secretaria da Justiça. Em 1832 foi transferida para o edifício da Academia das Belas-Artes. Em 1835 foi mandada para o pavimento térreo da Câmara dos Deputados. Em 1861, passou-se para onde se acha hoje pegada a antiga Secretaria do Império, na Rua da Guarda Velha.

(92) Na Bahia muitos serviços prestaram o Padre Manuel José Dendê Búz, o Brigadeiro Antônio de Sousa Lima (Lima de Itaparica), o Major Sátiro, etc. Em Pernambuco o Tenente-Coronel Aleixo, Major Ferreira, o Capitão José Joaquim, etc.

(93) O cobre falso que andava em circulação montava a 60 milhões.

(94) Que espanholada imprópria de um homem de bem.

(95) O Noticiador nº 12 de sexta-feira, 28 de setembro de 1848, noticia que este cidadão faleceu no dia 27, pela manhã, vítima de um violento ataque de escarlatina, e foi sepultado nas catacumbas da Ordem 3ª do Carmo.

(96) No dia 17 de abril de 1832, houve rusga no Rio de Janeiro, influída pelos restauradores, tendo à sua frente José Bonifácio, que já em 1822 e 1823 tinha mandado prender, espancar e deportar a muita gente portuguesa. Em 1832 e 1833, tornou-se o centro dos conspiradores, servindo-se dos portugueses e outros estrangeiros e vagabundos, para anarquizar o país.
A revolução contra a Regência estava planejada para o dia 15 de dezembro. O cartuchame preparava-se na quinta da Ponta do Caju, tendo sido distribuído na noite do dia 13. O armamento foi desembarcado em S. Cristóvão, de bordo de um navio estrangeiro. O Governo era inteiramente mudado, como todos os funcionários, ficando José Bonifácio e seus irmãos na administração do Estado, e os caramurus, nos empregos públicos até a chegada de D. Pedro I. Mas tudo foi frustrado, pelas prontas providências do Governo da Regência.

(97) Vide o monstruoso processo nº 30, de outubro de 1823, no Brasil Histórico.

(98) Se a qualquer dos Andradas fosse proposta a presidência da República aceitaria o encargo, e em vez de monarquistas seriam republicanos.

(99) Era o Barão de Bulow.

(100) Este artigo foi escrito pelo Exmo Marquês de Sapucaí, conforme ele me disse, quando colaborava no Correio Oficial.

(101) Esta carta foi escrita depois da chegada de Pedro Dias Pais Leme a São Paulo, enviado do Rio de Janeiro àquela província pelo Capitão-Mor J. J. da Rocha Azeredo Coutinho e outros, para aderir ao movimento que se promoveu para a ficada do Príncipe e em seguida para a Independência.

(102) Hoje Rua do Estácio de Sá.

(103) Hoje o fim da Rua do Conde e começo de Mata-Porcos ou Rua de Estácio de Sá.

(104) Aqui nos cumpre declarar que havendo no número antecedente enumerado ao Sr. Coronel Orneles, entre os rebeldes, por assim nos ter afirmado alguém; ele nos procurou para nos dizer ser falsa a notícia, porque estando na cidade estivera na Rua Larga de São Joaquim, com pessoas conhecidas até depois das 9 horas da noite e se recolhera por incomodado.

(105) O Deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada.

(106) Vide o 4º tomo da minha Corografia Histórica; e o Brasil Reino e Brasil Império, págs. 16 e seguintes: Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges e José da Silva Carvalho, fundadores do Synedrium, eram jurisconsultos e não políticos, e João Ferreira Viana, que os acompanhava, era comerciante. Sem calcularem as conseqüências que traria uma revolução política, sem razão de ser, prejudicaram a Portugal e ao Brasil.
O fim da revolução era o regresso da Corte, para a sua antiga metrópole, e promover, conseguindo isto, o sistema colonial, sem se lembrarem que o Brasil, passando de principado a reino unido, e tendo sido a sede da monarquia portuguesa, não podia mais voltar ao estado colonial. Os próprios portugueses europeus residentes no Brasil, se opuseram a isto.

(107) No meio da sala dos pássaros ou dos pianos, no palácio de S. Cristóvão, havia uma mesa, coberta de um pano escarlate, onde o príncipe D. Pedro escrevia música, com Marcos Antônio Portugal.
Por baixo desta mesa existia um alçapão, por onde descia o príncipe, para a livraria da princesa, e ali se reunia com o Conde dos Arcos, padres Góis, Macamboa, Pimenta, João Bernardo Cauper e vários comandantes e oficiais dos corpos de Portugal, e onde tramaram a revolução de 26 de fevereiro de 1821.
Outras vezes, para o rei não desconfiar, se iam formar os clubes em casa da Rainha D. Carlota Joaquina, na Rua das Laranjeiras. A Rainha a tudo se prestava, porque muito desejava regressar para Lisboa.

(108) Vide na 1º série do Brasil Histórico o que escrevi na biografia do Conselheiro Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond.

(109) O rei embarcou-se no dia 25, por ser o dos anos da Rainha D. Carlota, para subtrair-se a dar beija-mão nesse dia.

(110) Uma coincidência, digna de reparo, e que não devo deixar em silêncio: O Príncipe D. Pedro, não obstante ser muito amado do pai, reunido aos oficiais dos corpos de tropas portuguesas, ao conde dos Arcos e outros nascidos em Portugual, maquinou traição ao rei seu pai, nos meses de dezembro de 1820, de janeiro, fevereiro, março e abril de 1821, e o põe para fora do Rio de Janeiro na ma-nhã de 26 de abril do mesmo ano, e 10 anos depois, alguns brasileiros, unidos a vários portugueses, maquinam contra o Imperador D. Pedro I, nos meses de dezembro de 1830, janeiro, fevereiro, março e abril de 1831 e o botam para fora do Rio de Janeiro no dia 13 de abril do mesmo ano de 1831!
Há na abdicação de D. Pedro muitas circunstâncias que contarei em outra obra. O Sr. D. João VI é infamemente envenenado e morre em Lisboa, no palácio de Queluz, no dia 10 de março de 1826, e dizem que o Sr. D. Pedro, ex-imperador do Brasil, morreu envenenado, em Lisboa no paço de Queluz, no dia 21 de setembro de 1834. Segredos de Deus!

(111) Memórias inéditas que eu possuo.

(112) Vide o 1º tomo da 2ª parte da minha Corografia Histórica.

(113) Na mesma ocasião em que saiu do Tejo a esquadra com a família real para o Brasil, o patrão da barra de Lisboa, Manuel Garucho, sem perda de tempo, meteu-se em um caíque, e atravessando o Atlântico, trouxe ao Rio de Janeiro a notícia da próxima chegada da Casa Real e sua Corte, e pediu aos fluminenses, por este extraordinário motivo as merecidas alvíssaras.
O mesmo aconteceu com Diogo Botelho, que em uma fusta de 22 palmos de comprimento foi de Goa a Lisboa dar parte a El-Rei D. João III da entrega de Diu à Coroa de Portugal.

(114) Vide o 1º tomo da 2ª parte da minha Corografia Histórica, págs. 61 e seguintes.

(115) Há seguramente 23 anos que existe uma representação da corporação dos ourives desta Corte, no arquivo da Câmara dos Deputados, pedindo uma lei protetora à manufatura da arte de ourives, a fim de se evitar a introdução de obras falsificadas que se importam no Brasil. Até hoje não teve deferimento um pedido tão justo.
No entanto no tempo do rei a arte de ourives era uma indústria lucrativa no país, e hoje é um comércio fraudulento, que só aproveita ao importador com grande dano do consumidor.
Um artista, a quem fui muito afeiçoado, João Crisóstomo da Silva, por seus talentos e excelentes qualidades, muitas vezes me disse que se não fossem os consertos que lhe davam para fazer, morreria de fome!

(116) Há poucos meses existia na tipografia nacional uma veneranda relíquia da imprensa régia de 1808, o mestre dos nossos mais hábeis tipógrafos, o venerando velho José Manuel Manso, com 66 anos de tipografia nacional, e de continuado trabalho, recebendo 2$600 como recompensa de tantos anos de bons serviços, porquanto, entrando em 1808 como aprendiz, matriculou-se em 23 de outubro de 1810, e se tornou tão hábil compositor, que em 1818 (Brasil Reino) foi nomeado mestre das oficinas régias de compositores! Pela portaria do Ministério da Fazenda, de 19 de novembro de 1859, mandou-se-lhe abonar metade dos vencimentos (1$300 diários), quando pelo seu estado veletudinário não pudesse comparecer à repartição, porém, mal lhe chegando esta mesquinha quantia para o pobre velho alimentar seus dias e os da família, para não perder os 2$600rs, ia-se arrastando à repartição para ler diariamente na mesma tipografia as provas das obras que ali se compunham! Faça o leitor idéia com que sacrifícios de seus olhos não trabalha esse honrado artista, com 88 anos de idade, com a vista gasta no serviço do Estado!
Em outro país onde se honra os beneméritos das artes, o venerando velho José Manuel Manso não só estaria honrado com uma das condecorações do Estado, que se dá a quanto traficante ou passador de moeda falsa, ou mesmo aos ladrões do tesouro público, como descansando, na abundância, das fadigas de tantos anos de bons serviços.
O velho Manso quando estava doente recebia 1$300 por dia, e se comparecia arrastando-se recebia por inteiro os 2$600... Morreu tão pobre que foi necessário pedir-se esmolas para se o enterrar!
Os deputados com 600$ mensais, não podendo viver durante os quatro meses de sessão, legislam para si, contra a letra da Constituição, e se acomodam com 1:500$ mensais, enquanto que o velho servidor do Estado quase não tinha o que comer e nem com que pagasse o teto que o abrigava do tempo!
Que diferença do Brasil Reino para o Brasil Império!
Muitos dos que têm prejudicados os interesses do tesouro público e mesmo a dignidade da Nação sacam aos 30 e mais contos de réis anuais do tesouro público em seu proveito, enquanto que o benemérito Manso não tinha um teto para o proteger! Serei explícito no correr dos meus trabalhos históricos, nunca dizendo uma mentira, e em ocultando as verdades.

(117) Vide o Brasil Histórico, 1ª série.

(118) O Sr. D. João VI, além das criações mencionadas, pelo alvará de 28 criou o Erário público e a Casa da Moeda do Rio de Janeiro.
Mandou em 1811 construir o teatro de S. João, hoje de S. Pedro, por ser insuficiente o de Manuel Luís, contíguo ao paço da cidade.
No dia 1º de abril de 1808, criou o supremo conselho militar; e em 1811 principiou-se com a construção do quartel do campo de Santana.
Em 3 de novembro de 1812, mandou estabelecer a biblioteca pública, para a instrução do povo.
Em 4 de dezembro de 1810, criou a academia militar para instrução dos oficiais do Exército do Brasil.
Em 12 de agosto de 1816, criou a academia de belas-artes, no Rio de Janeiro.
A Câmara Municipal não tinha edifício próprio onde funcionar, e foi em 1818, que se deu começo ao que agora (1877) se está demolindo, e no mesmo lugar construindo outro novo.
Desde 1810 ruminava o plano para a criação de uma universidade na capital do Rio de Janeiro; e tanto que convidou em setembro de 1810 a José Bonifácio, para reitor dela.
O Sr. D. João VI, muito antes de deixar o Brasil, cuja grandeza ele compreendia, amava-o tanto, que pretendia mudar para o Brasil tudo quanto Portugal tinha de importante e útil. Aqui se restabeleceu completamente, viveu tranqüilo e muito respeitado por todas as potências da Europa, e de todos os governos da América. Ele se preparava para ser o árbitro de todos os governos da América Meridional, e compreendia tanto a sua posição no Brasil, que lhe perguntando o seu Ministro das Relações Exteriores, o que queria que respondesse às grandes potências da Europa, que exigiam que Sua Majestade restituísse Montevidéu à Espanha, respondeu o Sr. D. João VI: “Diga-lhes que já não estou na Europa, e estou no Brasil.”
Forçado pelas traições domésticas e públicas, deixou o Brasil, e para mostrar aos brasileiros o seu amor, a sua dedicação e o quanto estava ligado pelos sentimentos a esta terra abençoada, cuja felicidade e grandeza eram os seus sonhos dourados, e onde havia fundado o seu Império, tendo de reconhecer a nova administração governamental, ou antes, a separação de governo, e a nova monarquia brasileira, no tratado de reconhecimento dessa separação ou independência de governo, ou administração, reservou para si, enquanto vivo, o título majestático de Imperador do Brasil e Rei de Portugal.
Em uma nota da biografia do meu venerando amigo, o Sr. Conselheiro Drummond, que escrevi e publiquei na 1ª série do Brasil Historico nº 20 em 22 de maio de 1864, disse estas sinceras e muitas ingênuas palavras:
Não somos mercenários, e nem escrevemos para lisonjear a ninguém; somos o homem independente e livre, que, sem olhar para as grandezas humanas, curvamo-nos diante do merecimento próprio.
Se pudéssemos dispor com vantagem dos meios, que a fortuna garante aos seus escolhidos, como dispomos da nossa vontade e sentimentos, empregaríamos todos os nossos esforços, para levantar-se um monumento lapidário à memória gloriosa do grande rei, que primeiro do que ninguém, nos quebrou os grilhões do cativeiro, fazendo assentar o Brasil como um potentado senhor, entre as nações do globo.
Esta lembrança, a par dos numerosos benefícios que recebemos, nos impõe o grato dever de dizermos, que quando o Brasil mais tranqüilo e consciencioso se recordar do que fomos nos tempos coloniais, e o que somos como nação, escolherá no centro da Praça da Aclamação (Campo de Santana) um lugar de honra para nele colocar a estátua veneranda do primeiro, ou antes do exclusivo fundador do Império do Brasil e da sua independência política, etc.” D. João VI teve defeitos imperdoáveis, que os revelarei em outra obra, devidos ao seu egoísmo; mas nem por isso se lhe pode negar que foi ele o fundador do Império do Brasil.

(119) Vide o 1º tomo do meu Brasil Reino e Brasil Império, e a 1ª série do Brasil Histórico, biografia do Conselheiro Drummond, a exposição circunstanciada destes acontecimentos.

(120) Vide a 1ª série do Brasil Histórico e o Brasil Reino.

(121) O teatro de São João era o quartel-general dos desordeiros, e o Rocio o campo das reuniões populares, para o barulho.

(122) Vide o meu livro Brasil Reino e Brasil Império, t. 1, p. 78.

(123) A Maçonaria dá o primeiro passo para a resistência política, e prepara os ânimos para a Independência.

(124) Vide as pp. 70 e 80 do meu livro Brasil Reino e Brasil Império.

(125) O Sr. D. João VI, já se achava preso, sem ação e perseguido pelas Cortes facciosas de Lisboa.

(126) José Bonifácio ao princípio se opunha à independência, porque recebendo do tesouro régio 18 mil cruzados, não lhe convinha perdê-los com a mudança da nova ordem de cousas. Antônio Carlos foi quem o demoveu a abraçar a causa do Brasil.

(127) 125 José Clemente Pereira, Ministro da Guerra, provou, na sessão de 14 de junho de 1811, na Câmara dos Deputados, que José Bonifácio teve parte muito secundária no movimento da Independência do Brasil. (V. Jornal do Comércio do dia 16 de junho de 1841.)

(128) Desejando servir-me da correspondência entre os Andradas, e o Conselheiro Drummond, lhe escrevi, pedindo-lhe faculdade para isto; e em resposta me disse que eu me servisse dela, como me conviesse, em proveito da verdade histórica.

(129) Pena de talião: em 1822, quando foi Ministro, perseguiu a todos que não eram andradistas; e mandou uma portaria ao Correio Geral da Corte, para se abrirem as cartas suspeitas.

(130) Fez o seu dever como Ministro de Estado.

(131) Fez o mesmo em 1822 quando Ministro de Estado.

(132) Como é diferente a linguagem do poeta, do homem político.

(133) Casada com seu tio Conselheiro Martim Francisco.

(134) Casada com o cidadão português Alexandre Antônio Vandelli, naturalizado então cidadão brasileiro pelo Decreto nº 24, de 16 de agosto deste ano.

(135) A história da revolução de 7 de abril de 1821 não está escrita, porque as causas são ignoradas. Na história do 2º reinado, no Brasil, que eu vou publicar, as enumerarei, e então se conhecerá o que houve, que obrigou D. Pedro a abdicar à Coroa do Brasil, e retirar-se para a Europa.

(136) O livro dos Atos do Júri desses anos não existe no cartório respectivo; o que publico é extraído da Aurora Fluminense de 1834.

(137) Vide a minha memória A Inglaterra e seus relatos ou o governo inglês perante o mundo.

(138) Isto não é exato: o juro e amortização do empréstimo português só estão pagos até o fim de 1827 (Nota da comissão da caixa de Londres).

(139) Vejam-se as Memórias dos Bonifácios Políticos, pelo Visconde de Cairu; as Memórias Históricas do padre Luís Gonçalves; A Gazeta do Rio de Janeiro de 1808 a 1820, o meu Brasil Histórico, e a Corografia Histórica, e o Brasil Reino e Brasil Império.

(140) Vide O meu Brasil Reino e Brasil Império.

(141) Ainda há pouco existia entre nós uma dessa relíquias, o nosso velho amigo o Brigadeiro Pinto de Araújo Correia, irmão do valente herói da batalha da Índia Morta, lutando com preterições e notáveis injustiças. Porque, entre nós o merecimento é nada, o valimento é tudo.

(142) Vid. a pág. 123 da obra o Brasil Reino e Brasil Império.

(143) O Conselho Geral do Governo de Minas felicitou a Assembléia Legislativa pela demissão de José Bonifácio de tutor dos meninos imperiais em data de 31 de janeiro de 1834. Ao mesmo tempo garante que sendo José Bonifácio o centro dos restauradores, nunca achara guarida em Minas.

(144) Em 1814 criou-se em Pernambuco uma sociedade democrática saída da Loja maçônica organizada em 1809, com o fim de proclamar a República em todo o Brasil, e onde saiu a revolução de 6 de março de 1817.

(145) O Sr. Coelho Gomes me disse que ouvira por vezes da boca de D. Frei Antônio de Arrábida, Bispo de Anemúria, que esse tratado, contra o qual se opunham o Ministério e o comércio foi ratificado, porque o Ministro inglês deu, a certa valida do Imperador D. Pedro I, 170 contos, que o obrigou a assinar.

(146) A história da revolução de 7 de abril de 1831 não foi ainda publicada com verdade. Mais de espaço em outra obra minha revelarei segredos de gabinete, e documentos ignorados por todos.

(147) O Pagode de Catucá (jornal político de 1819) chama aos liberais – partido molambo – porque se serviam da canalha para seus fins.

(148) Vide o primeiro tomo de minha obra Brasil Reino e Brasil Império, no Ministério do Conde da Barca.

(149) V. o Correio Mercantil de 1836 e 1837 e a exposição escrita por Araújo.

(150) Vide o processo que contra os Patriarcas dos Invisíveis se mandou instaurar, no nº 17 em diante, no ano 5º, 3ª série, do meu Brasil Histórico.

(151) Vide a exposição deste sucesso romano no meu discurso sobre a História Universal.

(152) Na tarde da véspera da partida do Tenente-Coronel Pedro Antônio, estando eu em casa do meu particular amigo o Capitão Francisco Antônio de Carvalho, comandante do esquadrão de cavalaria, apareceu o Tenente-Coronel Pedro Antônio, para se despedir de nós, e contou-nos o fim da sua comissão e as promessas do Presidente da Bahia.

(153) O Sr. José Bento da Cunha Figueiredo, desculpa-se dessa infâmia, conforme me disse, e a encarna na consciência de Gonçalves Martins, Presidente da Bahia.
Os homens políticos do Brasil estão tão afeitos à deslealdade e à improbidade política, que sendo José Bento da Cunha Figueiredo chamado para compor o Ministério de 15 de junho de 1876 se houve tão mal na sua administração, que foi batido em todos os jornais, sendo ridicularizado até no carnaval de 1877, e os companheiros, por esses fatos, obrigaram-no a pedir sua demissão. Em outra obra me ocuparei desse Gabinete.

(154) Foi depois de muitas decepções por que passamos que o tráfico dos africanos cessou. Vide o meu opúsculo Brasil Social e Politico, e o Bill Aberdeen de 8 de agosto de 1845.

(155) O Marimbondo, o Guarda Nacional, o Correio Mercantil, o Gaúcho, o Sino da Lampadosa, o Servo dos Barbudinhos, o Moleque, o Caboclo, a Voz Fluminense, o Sino da Candelária, etc.

(156) À custa do dinheiro da nação, os que entraram para o poder pagam a quem os endeusa, sem se lembrarem que a história administrativa do Poder Executivo está escrita nos seus atos, e na vida econômica e financeira do país, e no progresso da nação. Os trombeteiros da situação desaparecem, com os seus elogios de encomenda, ficando a História, para fazer a merecida justiça.

(157) Foi nomeado Manuel Felizardo de Sousa e Melo para Presidente de Pernambuco, tendo 20 contos de ajuda de custo, e 5 dias depois da partida do Presidente de Pernambuco, havendo necessidade dele para compor o Ministério, fretou-se um vapor, para o ir buscar, recebendo talvez igual quantia pela viagem. Deu-se 40 contos de ajuda de custo ao Presidente de Mato Grosso, só para fazer a eleição de um senador!!!

(158) Já tudo estava criado pelo Rei D. João VI como se pode ver nas obras que indiquei.

(159) Veja se a história deste empréstimo na série de artigos que publiquei no Correio Mercantil de janeiro de 1868.

(160) Além do que está devendo a nação, o Ministro atual da Fazenda está recolhendo no tesouro dos particulares todas as quantias que entram com o prêmio de 6%, cujo prêmio paga à vista das mesmas quantias que vai o tesouro recebendo, e Deus sabe em quanto já monta o dinheiro recebido!!

(161) V. o tomo 5 da minha Corografia Histórica e a biografia do meu amigo o Conselheiro Freire Alemão.

(162) Vide o meu livro O Brasil social e político.

(163) Quem lucrou em tudo foi o Jornal do Comércio, que segundo me consta recebeu 800 contos pela publicação dos Anais da Câmara e defesas ministeriais durante os 8 meses de sessão legislativa.

(164) Vide o 1º tomo da 2ª parte da minha Corografia Histórica, art. “Fisionomia do Rio de Janeiro”, e o opúsculo o Brasil social e político ou o que fomos e o que somos.


 

© 2012 — A. J. de Melo Morais

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Maio 2006

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