Crítica ao programa de Gotha (1875)
Karl Heinrich Marx (1818-1883)
Edição
Ridendo Castigat Mores
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Fonte Digital
RocketEdition de 1999 a partir de html em
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Notas desta edição retiradas da edição em espanhol do
“Marxists Internet Archive”
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Digitalização: Juan Rafael Fajardo, abril de 2000
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Autor: Karl Marx
Edição eletrônica:
Ed. Ridendo Castigat Mores
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“Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou.” — Nélson Jahr Garcia (1947-2002)
CRÍTICA AO
PROGRAMA DE GOTHA
Karl Marx
ÍNDICE
Prólogo de Engels
Carta de Marx a W. Bracke
Observações à Margem do Programa do Partido Operário Alemão
I
II
III
IV
Carta de Engels a Augusto Bebel
Carta de Engels a Kautsky
Notas
Prólogo de Engels
O manuscrito que aqui publicamos — a crítica ao projeto de programa e a carta a Bracke que a acompanha — foi enviado a Bracke em 1875, pouco antes de reunir-se o congresso de unificação de Gotha, para que fosse transmitido a Geib, Auer, Bebel e Liebknecht e em seguida devolvido a Marx. Como o Congresso do Partido em Halle havia incluído na ordem-do-dia a discussão do programa de Gotha, parecia-me que cometia um delito se furtasse por mais tempo à publicidade este importante documento — talvez o mais importante de todos — sobre o tema que ia ser posto em discussão.
Este trabalho tem, além disso, outra significação de alcance ainda maior. Nele é exposta pela primeira vez, com clareza e firmeza, a posição de Marx em face da tendência traçada por Lassalle desde que se lançou à agitação, tanto no que se refere aos seus princípios econômicos, como à sua tática.
O rigor implacável com que é esmiuçado aqui o projeto de programa, a inexorabilidade com que são expressos os resultados obtidos e postos de relevo os erros do projeto; tudo isto, hoje, passados quinze anos, já não pode ferir ninguém. Lassallianos irredutíveis restam apenas — ruínas isoladas no estrangeiro, e o programa de Gotha foi abandonado em Halle, como absolutamente inservível, inclusive por seus próprios autores.
Apesar disso, suprimi algumas expressões e juízos duros acerca de pessoas, onde careciam de importância objetiva, e os substitui por reticências, O próprio Marx faria o mesmo se hoje publicasse o manuscrito. A linguagem violenta que às vezes nele se percebe obedecia a duas circunstâncias. Em primeiro lugar, Marx e eu estávamos mais estreitamente vinculados ao movimento alemão do que nenhum outro; por isso, o retrocesso fundamental que se manifestava nesse projeto de programa tinha, por força, que afetar-nos muito seriamente, Em segundo lugar, nós nos encontrávamos então — transcorridos apenas dois anos do Congresso de Haia da Internacional — em pleno apogeu da luta contra Bakunin e seus anarquistas, que nos responsabilizavam por tudo o que ocorria no movimento operário da Alemanha; era, pois, de esperar, que também nos atribuíssem a paternidade secreta deste programa. Hoje, estas considerações já não têm razão de ser e com elas também desaparece a necessidade das passagens em questão.
Algumas frases também foram substituídas por reticências, devido à lei de imprensa. Quando tive de escolher uma expressão mais suave coloquei-a entre colchetes. No resto, reproduzo literalmente o manuscrito.
Londres, 6 de janeiro de 1891.
F. Engels
Escrito por F. Engels. Publicado em 1891 na revista Neue Zeit. Traduzido da edição soviética de 1952, de acordo com o texto da revista. Traduzido do espanhol.
Carta de Marx a W. Bracke
Londres, 5 de maio de 1875.
Querido Bracke:
Rogo-lhe que, depois de lê-las, transmita as anexas observações críticas à margem do programa de coalizão a Geib, Auer, Bebel e Liebknecht, para que as vejam. Estou ocupadíssimo e vejo-me obrigado a ultrapassar em multo o regime trabalho que me havia sido prescrito pelos médicos. Não foi, pois, para mim nenhuma "delícia" ter que escrever uma tirada tão longa. Mas, era necessário fazê-o para que depois amigos do Partido aos quais são dirigidas estas notas não interpretem mal os passos que terei de dar.
Refiro-me a que, depois de realizado o Congresso de unificação, Engels e eu tornaremos pública uma breve declaração fazendo saber que nos é de todo estranho mencionado programa de princípios e que nada temos a ver com ele.
Indispensável fazê-o assim, pois no estrangeiro tem-se idéia, absolutamente errônea, mas cuidadosamente fomenta pelos inimigos do Partido, de que o movimento do chamado Partido de Eisenach é secretamente dirigido daqui por nós. Ainda num livro que há pouco publicou em russo, Bakunin, por exemplo, faz-me a mim responsável, não só todos os programas, etc., desse partido, mas por todos passos dados por Liebknecht desde o dia em que iniciou sua colaboração com o Partido Popular.
Isto à parte, tenho o dever de não reconhecer, nem sequer através de um silêncio diplomático, um programa que é, em minha convicção, absolutamente inadmissível e desmoralizador para o Partido.
Cada passo de movimento real vale mais do que uma dúzia de programas. Portanto, se não era possível — e as circunstâncias do momento não o permitiam — ir além do programa de Eisenach, dever-se-ia ter-se limitado, simplesmente, à conclusão de um acordo para a ação, contra o inimigo comum. Mas, quando se redige um programa de princípios (em vez de adiá-o até o momento em que uma prolongada atuação conjunta o prepare), expõem-se diante de todo o mundo marcos pelos quais é medido o nível do movimento do Partido. Os chefes dos lassallianos vieram até nós porque as circunstâncias os obrigaram a vir. E se, desde o primeiro momento, se lhes tivesse feito saber que não seriam adimitidas quaisquer barganhas com os princípios, teriam tido de contentar-se com um programa de ação ou com um plano de organização para a atuação conjunta. Em vez disto, consente-se que se apresentem munidos de mandatos e se reconhecem estes mandatos como obrigatórios, rendendo-se assim à clemência ou inclemência dos que necessitavam ajuda. E para cúmulo e arremate, eles realizam um Congresso antes do Congresso de conciliação, enquanto o próprio Partido reúne o seu post festum. Indubitavelmente, quis-se com isso escamotear qualquer crítica e não permitir que o próprio Partido refletisse. É sabido que o simples fato da unificação satisfaz por si mesmo os operários, mas se engana quem pensa que este êxito efêmero não custou demasiado caro.
De resto, ainda prescindindo dos artigos de fé de Lassalle o programa não vale nada.
Proximamente, enviar-lhe-ei as últimas remessas da edição francesa do O Capital. O andamento da impressão arrastou-se durante longo tempo devido à proibição do governo francês. Esta semana, ou em começos da próxima, o assunto estará concluído. Você recebeu as seis remessas anteriores? Agradecer-lhe-ia se me comunicasse o endereço de Bernhard Becker, a quem tenho que enviar também as últimas remessas.
A editora do Volksstaat procede à sua maneira. Até o momento, por exemplo, não recebi um único exemplar da edição do “Processo dos Comunistas de Colônia”.
Saudações cordiais.
Seu,
Karl Marx,
Observações à Margem do Programa do Partido Operário Alemão
I
1. “O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, e como o trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela, todos os membros da sociedade têm igual direito a perceber o fruto íntegro do trabalho”.
Primeira parte do parágrafo: “O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura”.
O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material!), nem mais nem menos que o trabalho, que não é mais que a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem. Essa frase encontra-se em todas as cartilhas e só é correta se se subentender que o trabalho é efetuado com os correspondentes objetos e instrumentos. Um programa socialista, porém, não deve permitir que tais tópicos burgueses silenciem aquelas condições sem as quais não têm nenhum sentido. Na medida em que o homem se situa de antemão como proprietário diante da natureza, primeira fonte de todos os meios e objetos de trabalho, e a trata como possessão sua, seu trabalho converte-se em fonte de valores de uso, e, portanto, em fonte de riqueza. Os burgueses têm razões muito fundadas para atribuir ao trabalho uma força criadora sobrenatural; pois precisamente do fato de que o trabalho está condicionado pela natureza deduz-se que o homem que não dispõe de outra propriedade senão sua força de trabalho, tem que ser, necessariamente, em qualquer estado social e de civilização, escravo de outros homens, daqueles que se tornaram donos das condições materiais de trabalho. E não poderá trabalhar, nem, por conseguinte, viver, a não ser com a sua permissão.
Mas, deixemos a tese tal como está, ou melhor, tal como vem capengando. Que conclusão deveria ter-se tirado dela? Evidentemente, esta:
“Como o trabalho é a fonte de toda a riqueza, ninguém na sociedade pode adquirir riqueza que não seja produto do trabalho. Se, portanto, a pessoa não trabalha, é que vive do trabalho alheio e adquire também sua cultura às custas do trabalho de outros”.
Em vez disto, acrescenta-se à primeira oração uma segunda mediante a locução copulativa “e como”, para deduzir dela, e não da primeira, a conclusão.
Segunda parte do parágrafo: “O trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela”.
Consoante a primeira tese, o trabalho era a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, isto é, sem trabalho, não era possível igualmente a existência de uma sociedade. Agora, inteiramo-nos, opostamente, de que sem a sociedade não pode existir nenhum trabalho “útil”.
Do mesmo modo, teria sido possível dizer-se que o trabalho inútil e inclusive prejudicial à comunidade, só pode converter-se em ramo industrial dentro da sociedade, que só dentro da sociedade pode-se viver do ócio, etc., etc.; numa palavra, copiar aqui Rousseau inteiramente.
E que é trabalho “útil”? Não pode ser senão um: o trabalho que consegue o efeito útil proposto. Um selvagem — e o homem é um selvagem desde o momento em que deixa de ser mono — que mata um animal a pedrada, que junta frutos, etc., executa um trabalho “útil”.
Terceiro. Conclusão: “E como o trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela, todos os membros da sociedade têm igual direito a perceber o fruto íntegro do trabalho”.
Formosa conclusão! Se o trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela, o fruto do trabalho pertencerá à sociedade, e o trabalhador individual só perceberá a parte que não seja necessária para manter a “condição” do trabalho, que é a sociedade.
Na realidade, os defensores de toda ordem social existente fizeram valer esta tese em todos os tempos. Em primeiro lugar, vêm as pretensões do governo e de tudo o que está ligado a ele, pois o governo é o órgão da sociedade para a manutenção da ordem social; detrás dele vêm as diferentes classes de propriedade privada, com suas respectivas pretensões, pois as diferentes classes de propriedade privada são as bases da sociedade, etc. Como vemos, com estas frases ocas podem-se dar as voltas e as interpretações que se queira.
A primeira e a segunda parte do parágrafo somente guardariam uma certa relação lógica se fossem assim redigidas:
“O trabalho só é fonte de riqueza e de cultura como trabalho social”, ou, o que é o mesmo, “dentro da sociedade e através dela”.
Esta tese é, indiscutivelmente, exata, pois ainda que o trabalho do indivíduo isolado (pressupondo suas condições materiais) também possa criar valores de uso, não pode criar nem riqueza nem cultura.
Mas, igualmente indiscutível é esta outra tese:
“Na medida em que o trabalho se desenvolva socialmente, convertendo-se assim em fonte de riqueza e de cultura, desenvolvem-se também a pobreza e o desamparo do operário, e a riqueza e a cultura dos que não trabalham.”
Esta é a lei de toda a história, até hoje. Assim, pois, em vez dos tópicos surrados sobre “o trabalho” e “a sociedade”, o que competia era indicar concretamente como, na atual sociedade capitalista, já se produzem, afinal, as condições materiais, etc., que permitem e obrigam os operários a destruir essa maldição social.
Mas, de fato, todo este parágrafo, que é igualmente falso tanto pelo estilo como pelo conteúdo, não tem outra finalidade senão a de inscrever como lema no alto da bandeira do Partido, o tópico lassalliano do “fruto integro do trabalho”. Voltarei mais adiante a essa coisa de “fruto do trabalho”, de ”direito igual”, etc., já que o mesmo é repetido logo depois sob uma forma algo diferente.
2. “Na sociedade atual, os meios de trabalho são monopólio da classe capitalista; o estado de dependência da classe operária que disto deriva, é a causa da miséria e da escravidão em todas as suas formas”.
Assim “corrigida”, esta tese, tomada dos Estatutos da Internacional, é falsa.
Na sociedade atual os meios de trabalho são monopólio dos latifundiários (o monopólio da propriedade do solo é, inclusive, a base do monopólio do capital) e dos capitalistas. Os Estatutos da Internacional não mencionam na passagem correspondente, nem uma nem outra classe de monopolistas. Falam dos “monopolizadores dos meios de trabalho, isto é, das fontes da vida.” Esta adição “fontes da vida” indica claramente que o solo está compreendido entre os meios de trabalho.
Esta emenda foi introduzida porque Lassalle, por motivos que hoje já são do conhecimento de todos, só atacava a classe capitalista, e não os latifundiários. Na Inglaterra, a maioria das vezes o capitalista não é sequer proprietário do solo sobre o qual ergue a sua fábrica.
3. “A emancipação do trabalho exige que os meios de trabalho elevem-se a patrimônio comum da sociedade e que todo o trabalho seja regulado coletivamente, com uma repartição eqüitativa do fruto do trabalho”.
Onde se diz “que os meios de trabalho elevem-se a patrimônio comum”, deveria dizer-se, indubitavelmente, “convertam-se em patrimônio comum”. Isto, porém, só de passagem.
Que é o “fruto do trabalho”? O produto do trabalho, ou seu valor? E neste último caso, o valor total do produto, ou só a parte do valor que o trabalho acrescenta ao valor dos meios de produção consumidos?
Isso de “fruto do trabalho” é uma idéia vaga com que Lassalle eludiu conceitos econômicos concretos.
Que é “repartição eqüitativa”?
Não afirmam os burgueses que a atual repartição é “eqüitativa”? E não é esta, com efeito, a única repartição “eqüitativa” cabível, sobre a base da forma atual de produção? Acaso as relações econômicas são reguladas pelos conceitos jurídicos? Pelo contrário, não são as relações jurídicas que surgem das relações econômicas? Não se forjam, também, os sectários socialistas as mais variadas idéias acerca da repartição “eqüitativa”?
Para saber o que se deve entender aqui pela frase “repartição eqüitativa”, temos que cotejar este parágrafo com o primeiro. O parágrafo que glosamos supõe uma sociedade na qual os “meios de trabalho são patrimônio comum e todo o trabalho é regulado coletivamente”, enquanto que no primeiro parágrafo vemos que “todos os membros da sociedade têm igual direito a perceber o fruto íntegro do trabalho”.
“Todos os membros da sociedade”? Também os que não trabalham? Onde fica, então, o “fruto íntegro do trabalho”? Ou só os membros da sociedade que trabalham? Onde deixamos, então, o “direito igual” de todos os membros da sociedade?
Entretanto, isto de “todos os membros da sociedade” e “o direito igual” não são, manifestamente, senão frases. O essencial do assunto reside em que, nesta sociedade comunista, todo operário deve obter o “fruto íntegro do trabalho” lassalliano.
Tomemos, em primeiro lugar, as palavras “o fruto do trabalho” no sentido do produto do trabalho; então o fruto do trabalho coletivo será a totalidade do produto social.
Daqui, porém, é preciso deduzir:
Primeiro: uma parte para repor os meios de produção consumidos.
Segundo: uma parte suplementar para ampliar a produção.
Terceiro: o fundo de reserva ou de seguro contra acidentes, transtornos devidos a fenômenos naturais, etc.
Estas deduções do “fruto íntegro do trabalho” constituem uma necessidade econômica e sua magnitude será determinada de acordo com os meios e forças existentes e, em parte, por meio do cálculo de probabilidades; o que não se pode fazer de modo algum é calculá-a partindo da eqüidade.
Fica a parte restante do produto total, destinada a servir de meios de consumo.
Mas, antes dessa parte chegar à repartição individual, dela é preciso deduzir ainda:
Primeiro: as despesas gerais de administração, não concernentes à produção.
Nesta parte se conseguirá, desde o primeiro momento, uma redução oonsiderabilíssima, em comparação com a sociedade atual, redução que irá aumentando à medida que a nova sociedade se desenvolva.
Segundo: a parte que se destine a satisfazer necessidades coletivas, tais como escolas, instituições sanitárias, etc.
Esta parte aumentará consideravelmente desde o primeiro momento, em comparação com a sociedade atual, e irá aumentando à medida que a nova sociedade se desenvolva.
Terceiro: os fundos de manutenção das pessoas não capacitadas para o trabalho, etc.; em uma palavra, o que hoje compete à chamada beneficência oficial.
Só depois disto podemos proceder à “repartição”. Isto é, à única coisa que, sob a influência de Lassalle e com uma concepção estreita, o programa tem presente, ou seja, a parte dos meios de consumo que será repartida entre os produtores individuais da coletividade.
O “fruto íntegro do trabalho” transformou-se já, imperceptivelmente, no “fruto parcial”, ainda que o que se retira ao produtor na qualidade de indivíduo, a ele retorna, direta ou indiretamente, na qualidade de membro da sociedade.
E do mesmo modo como se evaporou a expressão “o fruto íntegro do trabalho”, evapora-se agora a expressão “o fruto do trabalho”, em geral.
No seio de uma sociedade coletivista, baseada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; o trabalho invertido nos produtos não se apresenta aqui, tampouco, como valor destes produtos, como uma qualidade material, por eles possuída, pois aqui, em oposição ao que sucede na sociedade capitalista, os trabalhos individuais já não constituem parte integrante do trabalho comum através de um rodeio, mas diretamente. A expressão “o fruto do trabalho”, já hoje recusável por sua ambigüidade, perde assim todo sentido.
Do que se trata aqui não é de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede. Congruentemente com isto, nela o produtor individual obtém da sociedade — depois de feitas as devidas deduções — precisamente aquilo que deu. O que o produtor deu à sociedade constitui sua cota individual de trabalho. Assim, por exemplo, a jornada social de trabalho compõe-se da soma das horas de trabalho Individual; o tempo individual de trabalho de cada produtor em separado é a parte da jornada social de trabalho com que ele contribui, é sua participação nela. A sociedade entrega-lhe um bônus consignando que prestou tal ou qual quantidade de trabalho (depois de descontar o que trabalhou para o fundo comum), e com este bônus ele retira dos depósitos sociais de meios de consumo a parte equivalente à quantidade de trabalho que prestou. A mesma quantidade de trabalho que deu à sociedade sob uma forma, recebe-a desta sob uma outra forma diferente.
Aqui impera, evidentemente, o mesmo princípio que regula o intercâmbio de mercadorias, uma vez que este é um intercâmbio de equivalentes. Variaram a forma e o conteúdo, porque sob as novas condições ninguém pode dar senão seu trabalho, e porque, de outra parte, agora nada pode passar a ser propriedade do indivíduo, fora dos meios individuais de consumo. Mas, no que se refere à distribuição destes entre os diferentes produtores, impera o mesmo princípio no intercâmbio de mercadorias equivalentes: troca-se quantidade de trabalho, sob uma forma, por outra quantidade igual de trabalho, sob outra forma diferente.
Por isso, o direito igual continua sendo aqui, em princípio, o direito burguês, ainda que agora o princípio e a prática já não estejam mais em conflito, enquanto que no regime de intercâmbio de mercadorias, o intercâmbio de equivalentes não se verifica senão como termo médio, e não nos casos individuais.
Apesar deste progresso, este direito igual continua trazendo implícita uma limitação burguesa. O direito dos produtores é proporcional ao trabalho que prestou; a igualdade, consiste em que é medida pelo mesmo critério: pelo trabalho
Mas alguns indivíduos são superiores, física e intelectualmente a outros e, pois, no mesmo tempo, prestam trabalho, ou podem trabalhar mais tempo; e o trabalho, para servir de medida, tem que ser determinado quanto à duração ou intensidade; de outro modo, deixa de ser uma medida. Este direito igual é um direito desigual para trabalho desigual. Não reconhece nenhuma distinção de classe, porque aqui cada indivíduo não é mais do que um trabalhador como os demais; mas reconhece, tacitamente, como outros tantos privilégios naturais, as desiguais aptidões dos indivíduos, por conseguinte, a desigual capacidade de rendimento. No fundo é, portanto, como todo direito, o direito da desigualdade. O direito só pode consistir, por natureza, na aplicação de uma medida igual; mas os indivíduos desiguais (e não seriam indivíduos diferentes se não fossem desiguais) só podem ser medidos por uma mesma medida sempre e quando sejam considerados sob um ponto de vista igual, sempre quando sejam olhados apenas sob um aspecto determinado; por exemplo, no caso concreto, só como operários, e não veja neles nenhuma outra coisa, isto é, prescinda-se de tudo o mais. Prossigamos: uns operários são casados e outros não; uns têm mais filhos que outros, etc., etc. Para igual trabalho e, por conseguinte, para igual participação no fundo social de consumo, uns obtêm de fato mais do que outros, uns são mais ricos do que outros, etc. Para evitar todos estes inconvenientes, o direito não teria que ser igual, mas desigual.
Estes defeitos, porém, são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como brota da sociedade capitalista depois de um longo e doloroso parto. O direito não pode ser nunca superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionado.
Em uma fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.
Alonguei-me sobre o “fruto íntegro do trabalho”, de uma parte, e de outra, sobre “o direito igual” e “a repartição equitativa”, para demonstrar em que grave falta se incorre, por um lado, quando se deseja impor ao nosso Partido, como dogmas, idéias que, se em outro tempo tiveram um sentido, hoje já não são mais do que tópicos em desuso, e, por outro lado, quando se tergiversa a concepção realista — que tanto esforço custou para inculcar no Partido, mas que hoje já está enraizada — com patranhas ideológicas, jurídicas e de outro tipo, tão em voga entre os democratas e os socialistas franceses.
Mesmo prescindindo do que fica exposto, é equivocado, em geral, tomar como essencial a chamada distribuição e aferrar-se a ela, como se fosse o mais importante.
A distribuição dos meios de consumo é, em cada momento, um corolário da distribuição das próprias condições de produção. E esta é uma característica do modo mesmo de produção. Por exemplo, o modo capitalista de produção repousa no fato de que as condições materiais de produção são entregues aos que não trabalham sob a forma de propriedade do capital e propriedade do solo, enquanto a massa é proprietária apenas da condição pessoal de produção, a força de trabalho. Distribuídos deste modo os elementos de produção, a atual distribuição dos meios de consumo é uma conseqüência natural. Se as condições materiais de produção fossem propriedade coletiva dos próprios operários, isto determinaria, por si só, uma distribuição dos meios de consumo diferente da atual. O socialismo vulgar (e através dele uma parte da democracia) aprendeu com os economistas burgueses a considerar e tratar a distribuição como algo independente do modo de produção, e, portanto, a expor o socialismo como uma doutrina que gira principalmente em torno da distribuição. Uma vez que desde há muito tempo já está elucidada a verdadeira relação das coisas, porque voltar a marchar para trás?
4. “A emancipação do trabalho tem que ser obra da classe operária, diante da qual todas as demais classes não constituem senão uma massa reacionária”.
A primeira estrofe foi tomada do preâmbulo dos Estatutos da Internacional, mas “corrigida”. Ali se diz: “A emancipação das classes trabalhadoras deverá ser conquistada pelas próprias classes trabalhadoras”; aqui, pelo contrário, “a classe operária” tem que emancipar a quem? “Ao trabalho”. Entenda-o quem puder!
Para indenizar-nos, se nos oferece, a título de antístrofe, uma citação lassalliana do mais puro estilo: “diante da qual (da classe operária) todas as demais classes não constituem senão uma massa reacionária”.
No Manifesto Comunista, afirma-se: “De todas as classes que ora enfrentam a burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto maís autêntico.”
Aqui, a burguesia é considerada como uma classe revolucionária — veículo da grande indústria — diante dos senhores feudais e das camadas médias, empenhados, aqueles e estas, em manter posições sociais que foram criadas por formas caducas de produção. Não constituem, portanto, juntamente com a burguesia, uma massa reacionária.
Por outra parte, o proletariado é revolucionário diante da burguesia, porque havendo surgido sobre a base da grande indústria, aspira a despojar a produção do seu caráter capitalista, que a burguesia quer perpetuar. Mas, o Manifesto acrescenta que as “camadas médias... tornam-se revolucionárias quando têm diante de si a perspectiva de sua passagem iminente ao proletariado.”
Portanto, sob esse ponto de vista, é também absurdo dizer que diante da classe operária “não constituem senão uma massa reacionária”, juntamente com a burguesia e, ademais — como se isto fosse pouco — com os senhores feudais.
Por acaso, nas últimas eleições(1) declarou-se aos artesãos, aos pequenos industriais, etc., e aos camponeses: Diante de nós, não sois, juntamente com os burgueses e os senhores feudais, senão uma massa reacionária?
Lassalle sabia de cor o Manifesto Comunista, do mesmo modo como os seus devotos conhecem os evangelhos por ele compostos. Assim, pois, quando o falsificava tão grosseiramente, não podia fazê-o senão para coonestar sua aliança com os adversários absolutistas e feudais contra a burguesia.
Além do mais, no parágrafo que acabamos de citar, esta sentença lassalliana é forçada e não guarda nenhuma relação com a citação mal digerida e “ajeitada” dos Estatutos da Internacional. Trazê-a aqui é simplesmente uma impertinência que certamente não desagradará, longe disso, ao senhor Bismarck; uma dessas impertinências baratas em que é especialista o Marat de Berlim.(2)
5. “A classe operária busca, em primeiro lugar, sua emancipação dentro do marco do Estado nacional de hoje, consciente de que o resultado necessário de suas aspirações, comuns aos operários de todos os países civilizados, será a fraternização internacional dos povos.”
Em oposição ao ao Manifesto Comunista e a todo o socialismo anterior, Lassalle concebia o movimento operário do ponto de vista nacional mais estreito. E, depois da atividade da Internacional, ainda se seguem suas pegadas por esse caminho!
Naturalmente, a classe operária, para poder lutar, tem que organizar-se como classe em seu próprio país, já que este é o campo imediato de suas lutas. Neste sentido, sua luta de classes é nacional, não por seu conteúdo, mas, como diz o Manifesto Comunista, “por sua forma”. Mas, “o marco do Estado nacional de hoje”, por exemplo, do Império Alemão, acha-se por sua vez, economicamente, “dentro do marco” do mercado mundial e, politicamente, “dentro do marco” de um sistema de Estados. Qualquer comerciante sabe que o comércio alemão é, ao mesmo tempo, comércio exterior, e o senhor Bismarck deve sua grandeza precisamente a uma política internacional sui generis.
E a que reduz seu internacionalismo o Partido Operário Alemão? À consciência de que o resultado de suas aspirações “será a fraternização internacional dos povos”, uma frase tomada da Liga Burguesa pela Paz e a Liberdade(3), que se deseja fazer passar como equivalente da fraternidade internacional das classes trabalhadoras, em sua luta comum contra as classes dominantes e seus governos. Dos deveres internacionais da classe operária alemã não se diz, portanto, uma só palavra! E isto é o que a classe operária alemã deve contrapor à sua própria burguesia, que já fraterniza contra ela com os burgueses de todos os demais países, e à política internacional de conspiração(4) do senhor Bismarck!
A profissão de fé internacionalista do programa fica, em realidade, infinitamente por baixo da do partido livre-cambista. Também este afirma que o resultado de suas aspirações será “a fraternização internacional dos povos”. Mas, além disso, faz alguma coisa para internacionalizar o comércio, e está longe de se satisfazer com a consciência de que todos os povos comerciam dentro do seu próprio país.
A ação Internacional das classes trabalhadoras não depende, de modo algum, da existência da “Associação Internacional dos Trabalhadores”. Esta constituiu somente uma primeira tentativa para fornecer àquela ação um órgão central; uma tentativa que, pelo impulso que deu, teve uma eficácia perdurável, mas que em sua primeira forma histórica não podia prolongar-se depois da queda da Comuna de Paris.
A “Norddeutsche” de Bismarck tinha razões de sobra quando, para satisfação do seu dono, proclamou que, em seu novo programa, o Partido Operário Alemão renegava o internacionalismo(5).
II
“Partindo destes princípios, o Partido Operário Alemão aspira, por todos os meios legais, a implantar o Estado livre e a sociedade socialista; a abolir o sistema do salário, com sua lei de bronze e a exploração sob todas as suas formas; a suprimir toda desigualdade social e política.”
Voltarei mais adiante a essa coisa de Estado “livre”.
Assim, pois, doravante, o Partido Operário Alemão terá que comungar com a “lei de bronze do salário”(6) lassalliana! E para que não se perca esta “lei”, chega-se ao absurdo de falar em “abolir o sistema do salário” (o correto teria sido dizer o sistema de trabalho assalariado), “com sua lei de bronze”. Se suprimo o trabalho assalariado, suprimo também, evidentemente, suas leis, sejam de “bronze” ou de cortiça. O que se dá é que a luta de Lassalle contra o trabalho assalariado gira quase toda em torno dessa chamada lei. Portanto, para demonstrar que a seita de Lassalle triunfou, deve-se abolir “o sistema do salário, com sua lei de bronze”, e não sem ela.
Da “lei de bronze do salário” a Lassalle não pertence, como é sabido, senão a expressão “de bronze”, copiada das “ewigen, ehernen grossen Gesetzen” (“as leis eternas, as grandes leis de bronze”(7)), de Goethe. A expressão “de bronze” é a contra-senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. E se admitimos a lei com o cunho de Lassalle, e portanto no sentido lassalliano, temos que admiti-a também com sua fundamentação. E qual é esta? É, como já assinalou Lange, pouco depois da morte de Lassalle, a teoria da população de Malthus (predicada pelo próprio Lange)(8). Mas, se esta teoria for exata, a mencionada lei não poderá ser abolida, por muito que se suprima o trabalho assalariado, porque esta lei não regerá apenas no sistema do trabalho assalariado, mas em qualquer sistema social. Apoiando-se precisamente nisto, os economistas vêm demonstrando, há cinqüenta anos e até mais, que o socialismo não pode acabar com a miséria, determinada pela própria natureza, mas tão somente generalizá-a, reparti-a por igual sobre toda a superfície da sociedade!
Mas, nada disto é o fundamental. Mesmo prescindindo inteiramente da falsa concepção lassalliana desta lei, o retrocesso que causa real indignação consiste no seguinte:
Depois da morte de Lassalle, havia progredido em nosso Partido a concepção científica de que o salário não é o que parece ser, isto é, o valor, ou o preço do trabalho, mas só uma forma disfarçada do valor, ou do preço da força de trabalho. Com isto, havia sido lançada ao mar, de uma vez para sempre, tanto a velha concepção burguesa do salário, como toda crítica até hoje dirigida contra esta concepção, e se havia tornado claro que o operário assalariado só está autorizado a trabalhar para manter sua própria vida, isto é, a viver, uma vez que trabalha grátis durante certo tempo para o capitalista (e, portanto, também para os que, com ele, embolsam a mais-valia); que todo o sistema de produção capitalista gira em torno do prolongamento deste trabalho gratuito, alongando a jornada de trabalho ou desenvolvendo a produtividade, ou seja, acentuando a tensão da força de trabalho, etc.; que, portanto, o sistema do trabalho assalariado é um sistema de escravidão, uma escravidão que se torna mais dura à medida que se desenvolvem as forças sociais produtivas do trabalho, quer o operário esteja melhor ou pior remunerado. E quando esta concepção cada vez mais ia ganhando terreno no seio do nosso Partido, retrocede-se aos dogmas de Lassalle, apesar de que hoje já ninguém pode ignorar que Lassalle não sabia o que era salário, mas que, indo na esteira dos economistas burgueses, tomava a aparência pela essência da coisa!
É como se, entre escravos que finalmente tivessem descoberto o segredo da escravidão e se rebelassem contra ela, viesse um escravo fanático das idéias antiquadas e escrevesse no programa da rebelião: a escravidão deve ser abolida porque a manutenção dos escravos, dentro do sistema da escravidão, não pode passar de um certo limite, extremamente baixo!
O simples fato de que os representantes do nosso Partido tenham sido capazes de cometer um atentado tão monstruoso contra uma concepção tão difundida entre a massa do Partido, prova por si só a leviandade criminosa, a falta de escrúpulos com que foi empreendida a redação deste programa de transição.
Em vez da vaga frase final do parágrafo: “suprimir toda desigualdade social e política”, o que se deveria ter dito é que, com a abolição das diferenças de classe, desaparecem por si mesmas as desigualdades sociais e políticas que delas emanam.
III
“A fim de preparar o caminho para a solução do problema social, o Partido Operário Alemão exige que sejam criadas cooperativas de produção, com a ajuda do Estado e sob o controle democrático do povo trabalhador. Na indústria e na agricultura, as cooperativas de produção deverão ser criadas em proporções tais, que delas surja a organização socialista de todo o trabalho.”
Depois da “lei de bronze” de Lassalle, vem a panacéia do profeta. E se lhe “prepara o caminho” de um modo digno. A luta de classes existente é substituída por uma frase de jornalista: “o problema social”, para cuja “solução“ “prepara-se o caminho”. A “organização socialista de todo o trabalho” não é o resultado do processo revolucionário de transformação da sociedade, mas “surge” da “ajuda do Estado”, ajuda que o Estado presta às cooperativas de produção “criadas” por ele e não pelos operários. Esta fantasia de que com empréstimos do Estado pode-se construir uma nova sociedade como se constrói uma nova ferrovia é digna de Lassalle
Por um resto de pudor, coloca-se “a ajuda do Estado” sob o controle democrático do “povo trabalhador”.
Mas, em primeiro lugar, o “povo trabalhador”, na Alemanha, é constituído, em sua maioria, por camponeses, e não por proletários.
Em segundo lugar, “democrático” quer dizer em alemão “governado pelo povo” (“volksherrschaftlich”). E que significa isso de “controle governado pelo povo do povo trabalhador”? E, além disso, tratando-se de um povo trabalhador que, pelo simples fato de colocar estas reivlndicações perante o Estado, exterioriza sua plena consciência de que nem está no Poder, nem se acha maduro para governar!
Desnecessário entrar aqui na crítica da receita prescrita por Buchez, sob o reinado de Luís Felipe, por oposição aos socialistas franceses, e aceita pelos trabalhadores reacionários do Atelier(9) O verdadeiramente escandaloso não é tampouco o fato de que se tenha levado para o programa esta cura milagrosa específica, mas o fato de que se abandone o ponto de vista do movimento de classes, para retroceder ao movimento de seitas.
O fato de que os operários desejem estabelecer as condições de produção coletiva em toda a sociedade e antes de tudo em sua própria casa, numa escala nacional, só quer dizer que obram por subverter as atuais condições de produção, e isso nada tem a ver com a fundação de sociedades cooperativas com a ajuda do Estado. E, no que se refere às sociedades cooperativas atuais, estas só têm valor na medida em que são criações independentes dos próprios operários, não protegidas nem pelos governos nem pelos burgueses.
IV
E agora vou referir-me à parte democrática.
A. “Base livre do Estado”
Antes de tudo, de acordo com o capítulo II, o Partido Operário Alemão aspira ao “Estado livre”.
Que é o Estado livre?
A missão do operário que se libertou da estreita mentalidade do humilde súdito, não é, de modo algum, tornar livre o Estado. No Império Alemão, o “Estado” é quase tão “livre” como na Rússia. A liberdade consiste em converter o Estado de órgão que está por cima da sociedade num órgão completamente subordinado a ela, e as formas de Estado continuam sendo hoje mais ou menos livres na medida em que limitam a “liberdade do Estado”.
O Partido Operário Alemão — pelo menos se fizer seu este programa — demonstra como as idéias do socialismo não lhe deixaram sequer marcas superficiais; pois que, em vez de tomar a sociedade existente (e o mesmo podemos dizer de qualquer sociedade no futuro) como base do Estado existente (ou do futuro, para uma sociedade futura), considera mais o Estado como um ser independente, com seus próprios “fundamentos espirituais, morais e liberais”.
Além disso, que dizer do abuso com que o programa faz uso das palavras “Estado atual”, “sociedade atual” e da incompreensão ainda mais estúpida manifestada relativamente ao Estado, ao qual dirige suas reivindicações!
A “sociedade atual” é a sociedade capitalista, que existe em todos os países civilizados, mais ou menos livre de complementos medievais, mais ou menos modificada pelas particularidades do desenvolvimento histórico de cada país, mais ou menos desenvolvida. Pelo contrário, o “Estado atual” se modifica com as fronteiras de cada país. No Império prussiano é diverso do que existe na Suíça, na Inglaterra é diferente do dos Estados Unidos. “O Estado atual” é, portanto, uma ficção.
Entretanto, os diferentes Estados dos diferentes países civilizados, em que pese à confusa diversidade de suas formas, têm de comum o fato de que todos eles repousam sobre as bases da moderna sociedade burguesa, ainda que em alguns lugares esta se ache mais desenvolvida do que em outros, no sentido capitalista. Têm também, portanto, certos caracteres essenciais comuns. Neste sentido, pode-se falar do “Estado atual”, em oposição ao futuro, no qual sua atual raiz, a sociedade burguesa, ter-se-á extinguido.
Cabe, então, a pergunta: que transformação sofrerá o Estado na sociedade comunista? Ou, em outros termos: que funções sociais, análogas às atuais funções do Estado, subsistirão então? Esta pergunta só pode ser respondida cientificamente, e por mais que combinemos de mil maneiras a palavra povo e a palavra Estado, não nos aproximaremos um milímetro da solução do problema.
Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista medeia o período da transformação revolucionária da primeira na segunda. A este período corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser outro senão a ditadura revolucionária do proletariado.
O programa, porém, não se ocupa desta última, nem do Estado futuro da sociedade comunista.
Suas reivindicações políticas não vão além da velha e surrada ladainha democrática: sufrágio universal, legislação direta, direito popular, milícia do povo, etc. São um simples eco do Partido Popular burguês, da Liga pela Paz e a Liberdade. São, todas elas, reivindicações que, quando não são exageradas a ponto de ver-se convertidas em idéias fantásticas, já estão realizadas. Só que o Estado que as pôs em prática não está dentro das fronteiras do Império Alemão, mas na Suíça, nos Estados Unidos, etc. Esta espécie de “Estado do futuro” já é o Estado atual, se bem que situado fora “do marco” do Império Alemão.
Uma coisa, porém, foi esquecida. Já que o Partido Operário Alemão declara expressamente que atua dentro do “atual Estado nacional”, isto é, dentro do seu próprio Estado, do Império Prussiano-Alemão — de outro modo, suas reivindicações seriam, em sua maior parte, absurdas, pois só se exige o que não se tem —, não devia ter esquecido o principal, a saber: que todas estas lindas minudências têm por base o reconhecimento da chamada soberania do povo, e que, portanto, só têm cabimento numa república democrática.
E já que não se tinha o desassombro — o que é muito cordato, pois a situação exige prudência — de exigir a república democrática, como o faziam os programas operários franceses sob Luís Felipe e sob Luís Napoleão, não se devia ter recorrido ao ardil, que nem é “honrado”(10) nem é digno, de exigir coisas que só têm sentido numa república democrática a um Estado que não passa de um despotismo militar de arcabouço burocrático e blindagem policial, guarnecido por formas parlamentares, de mistura com ingredientes feudais e já influenciado pela burguesia; e, ainda por cima, assegurar a este Estado que alguém imagina conseguir isso dele “por meios legais”!
Mesmo a democracia vulgar, que vê na república democrática o reino milenar e não tem a menor idéia de que é precisamente nesta última forma de Estado da sociedade burguesa onde se irá travar a batalha definitiva da luta de classes; até ela mesma está mil vezes acima desta espécie de democratismo que se move dentro dos limites do autorizado pela polícia e vedado pela lógica.
Que por “Estado” entende-se, de fato, a máquina de governo, ou que o Estado, em razão da divisão do trabalho, constitui um organismo próprio, separado da sociedade, indicam-no estas palavras: “o Partido Operário Alemão exige como base econômica do Estado: um imposto único e progressivo sobre a renda”, etc. Os impostos são a base econômica da máquina de governo, e nada mais. No Estado do futuro, já existente na Suíça, esta reivindicação está quase realizada. O imposto sobre a renda pressupõe as diferentes fontes de receita das diferentes classes sociais, isto é, a sociedade capitalista. Nada há, pois, de estranho, que os Financial-Reformers de Liverpool — que são burgueses, com o irmão de Gladstone à frente — coloquem a mesma reivindicação que o programa.
B. “O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado:
1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita”.
Educação popular igual? Que se entende por isto? Acredita-se que na sociedade atual (que é a de que se trata), a educação pode ser igual para todas as classes? Ou o que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas pela força a conformar-se com a modesta educação dada pela escola pública, a única compatível com a situação econômica, não só do operário assalariado, mas também do camponês?
“Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita”. A primeira já existe, inclusive na Alemanha; a segunda na Suiça e nos Estados Unidos, no que se refere às escolas públicas. O fato de que em alguns Estados deste último país sejam “gratuitos” também os centros de ensino superior, significa tão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundo dos impostos gerais. E — diga-se de passagem — isto também pode ser aplicado à “administração da justiça com caráter gratuito”, de que se fala no ponto A,5 do programa. A justiça criminal é gratuita em toda parte; a justiça civil gira quase inteiramente em torno dos pleitos sobre a propriedade e afeta, portanto, quase exclusivamente às classes possuidoras. Pretende-se que estas decidam suas questões às custas do tesouro público?
O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e práticas), combinadas com as escolas públicas.
Isso de “educação popular a cargo do Estado” é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir com o baixo subterfúgio de que se fala de um “Estado futuro”; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo uma educação muito severa.
Em que pese a toda sua fanfarronice democrática, o programa está todo ele infestado até a medula da fé servil da seita lassalliana no Estado; ou — o que não é muito melhor — da superstição democrática; ou é, mais propriamente, um compromisso entre estas duas superstições, nenhuma das quais nada tem a ver com o socialismo.
“Liberdade da ciência”; já é estatuída por um parágrafo da Constituição prussiana. Para que, pois, trazer isto aqui?
“Liberdade de consciência!” Se, nestes tempos do Kulturkampf(11), desejava-se lembrar ao liberalismo seus velhos lemas, só se poderia fazer, naturalmente, deste modo: todo mundo tem o direito de satisfazer suas necessidades religiosas, do mesmo modo que suas necessidades físicas, sem que a policia tenha que meter o nariz no assunto. Mas, o Partido Operário, aproveitando a ocasião, tinha que haver expressado aqui sua convicção de que a “liberdade de consciência” burguesa limita-se a tolerar qualquer tipo de liberdade de consciência religiosa, ao passo que ele aspira, pelo contrário, a libertar a consciência de todas as fantasmagorias religiosas. Preferiu-se, porém, não sair dos limites “burgueses”.
E com isto, chego ao fim, pois o apêndice que vem depois do programa não constitui uma parte característica deste. Portanto, procurarei ser muito breve.
2. “Jornada normal de trabalho”.
Em nenhum outro país limita-se o partido operário a formular uma reivindicação tão vaga, mas sempre fixa a duração da jornada de trabalho que, sob condições concretas, é considerada normal.
3. “Restrição do trabalho da mulher e proibição do trabalho Infantil”.
A regulamentação da jornada de trabalho já deve incluir a restrição do trabalho da mulher, no que se refere à duração, repouso, etc., da jornada; a não ser assim, só pode eqüivaler à proibição do trabalho da mulher nos ramos da produção que sejam especialmente nocivos ao organismo feminino, ou inconvenientes, do ponto de vista moral, a este sexo. Se foi isto o que se quis dizer, deveria ter sido dito.
“Proibição do trabalho infantil”. Aqui era absolutamente necessário fixar o limite de idade.
A proibição geral do trabalho infantil é incompatível com a existência da grande indústria e, portanto, um piedoso desejo, porém nada mais. Pôr em prática esta proibição — supondo-a factível — seria reacionário, uma vez que, regulamentada severamente a jornada de trabalho segundo as diferentes idades e aplicando as demais medidas preventivas para a proteção das crianças, a combinação do trabalho produtivo com o ensino, desde uma tenra idade, é um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade atual.
4. “Inspeção pelo Estado da indústria nas fábricas, nas oficinas e a domicilio”.
Tratando-se do Estado prussiano-alemão, deveria exigir-se, taxativamente, que os inspetores só poderiam ser substituídos mediante sentença judicial; que todo operário pudesse denunciá-los aos tribunais por transgressões no cumprimento do seu dever; e que fossem médicos.
5. “Regulamentação do trabalho nas prisões”.
Reivindicação mesquinha, num programa geral operário. Em todo caso, deveria proclamar-se claramente que não se desejava, por temor à concorrência, ver delinqüentes comuns tratados como bestas, e, sobretudo, que não se queria privá-los de seu único meio de corrigir-se: o trabalho produtivo. Era o menos que se poderia esperar de socialistas.
6. “Uma lei eficaz de responsabilidade civil”.
Devia dizer-se o que se entende por lei “eficaz” de responsabilidade civil,
Diremos de passagem que, ao falar da jornada normal de trabalho, não se teve em conta a parte da legislação fabril que se refere às medidas sanitárias e meios de proteção contra os acidentes, etc. A lei de responsabilidade civil só entra em ação depois de infringidas estas prescrições.
Numa palavra, também o apêndice caracteriza-se por sua redação descuidada.
Dixi et salvavi animan meam.(12)
Escrito por K. Marx em princípios de maio de 1875. Publicado pela primeira vez (com certas omissões) por F. Engels em 1891, na revista Neue Zeit. Publica-se de acordo com a edição soviética de 1952. cujo texto foi traduzido do manuscrito em alemão. Traduzido do espanhol.
Carta de Engels a Augusto Bebel
Londres, 18/28 de março de 1875.
Querido Bebel:
Recebi sua carta de 23 de fevereiro e alegra-me que o seu estado de saúde seja tão satisfatório.
Pergunta-me você qual é o nosso critério sobre a história da unificação. Desgraçadamente, conosco passou-se o mesmo que com você. Nem Liebknecht, nem ninguém, deu-nos noticia alguma, razão pela qual tampouco nós sabemos mais do que dizem os jornais, que nada trouxeram, até que há cerca de oito dias recebemos o projeto de programa. Este nos causou, certamente, um assombro não pequeno.
Nosso Partido estendeu a mão com tanta freqüência aos partidários de Lassalle para a conciliação, ou pelo menos para chegar a algum acordo, e os Hasenclever, Hasselmann e Tölcke sempre a repeliram de um modo tão persistente e desdenhoso, que até uma criança poderia perceber que se agora esses senhores vêm a nós espontaneamente e nos oferecem a conciliação, é porque devem achar-se numa situação de grandes apuros. Dado o caráter, sobejamente conhecido, desta gente, o dever de todos nós era o de aproveitar estes apuros para arrancar toda espécie de garantias e não permitir que esta gente firmasse outra vez sua insegura posição diante da opinião operária às custas do nosso Partido. Devia-se tê-los acolhido com extraordinária frieza e desconfiança, fazer depender a unificação do grau em que estivessem dispostos a renunciar a suas palavras de ordem sectárias e à sua ajuda do Estado, e adotar, no essencial, o programa de Eisenach de 1869(13), ou uma versão corrigida do mesmo programa e adaptada ao momento presente. Sob este aspecto teórico, isto é, no que é decisivo para o programa, nosso Partido não tem absolutamente nada a aprender com os de Lassalle, mas eles, sim, tinham que aprender com ele; a primeira condição para a unidade devia ter sido que deixassem de ser sectários, que deixassem de ser lassallianos e, portanto e antes de tudo, que renunciassem à panacéia universal da ajuda do Estado ou, pelo menos, que a reconhecessem como uma dentre muitas medidas transitórias e secundárias. O projeto de programa demonstra que nossa gente, situada degraus acima dos dirigentes lassallianos no que se refere à teoria, está mil degraus abaixo deles quanto à habilidade política; os “honrados” viram-se, uma vez mais, cruelmente logrados pelos desonestos.
Em primeiro lugar, aceita-se a frase ribombante, mas historicamente falsa, de Lassalle: diante da classe operária, todas as demais não constituem senão uma massa reacionária. Esta tese só é exata em alguns casos excepcionais, por exemplo, numa revolução do proletariado como a Comuna, ou num país onde não tenha sido só a burguesia quem criou o Estado e a sociedade à sua imagem e semelhança, mas que depois dela veio a pequena burguesia democrática e levou às suas últimas conseqüências a mudança operada. Se, por exemplo, na Alemanha, a pequena burguesia democrática pertencesse a esta massa reacionária, como podia o Partido Operário Social-Democrata ter marchado ombro a ombro com ela, com o Partido Popular(14), durante vários anos? Como podia o “Volksstaat”(15) tomar a quase totalidade do seu conteúdo político do “Frankfurter Zeitung”(16), jornal democrático pequeno-burguês? E como podem ser incluídas neste mesmo programa sete reivindicações, pelo menos, que coincidem direta e literalmente com o programa do Partido Popular e da democracia pequeno-burguesa? Refiro-me às sete reivindicações políticas(da 1 à 5 e à l e à 2),entre as quais não há um só que não seja democrático-burguesa(17).
Em segundo lugar, renega-se praticamente por completo, no presente, o princípio internacionalista do movimento operário, e isto é feito por homens que pelo espaço de cinco anos e nas mais duras circunstâncias mantiveram de um modo glorioso este princípio! A posição ocupada pelos operários alemães na vanguarda do movimento europeu deve-se, essencialmente, à atitude autenticamente internacionalista por eles mantida durante a guerra(18); nenhum outro proletariado havia-se portado tão bem. E agora vão renegar este princípio, no momento em que em todos os países do estrangeiro os operários o acentuam com a mesma intensidade com que os governos procuram reprimir qualquer tentativa de impô-o numa organização! E que fica de pé do internacionalismo do movimento operário? A pálida perspectiva, já não de uma futura ação conjunta dos operários europeus — para sua emancipação, mas de uma futura “fraternidade internacional dos povos”, dos “Estados Unidos da Europa” dos burgueses da Liga pela Paz!(19)
Não havia, naturalmente, porque falar da Internacional como tal. Mas, pelo menos, não se devia ter dado nenhum passo atrás relativamente ao programa de 1869 e dizer, por exemplo, que se bem que o Partido Operário Alemão atua, em primeiro lugar, dentro das fronteiras do Estado de que faz parte (não tem nenhum direito de falar em nome do proletariado europeu, nem, sobretudo, de dizer nada que seja falso), tem consciência de sua solidariedade com os operários de todos os países e estará sempre disposto a continuar cumprindo, como até agora, com os deveres que esta solidariedade impõe. Estes deveres existem, mesmo que não se considere nem se proclame como parte da Internacional; são, por exemplo, o dever de ajudar em caso de greve e impedir o envio de fura-greves, preocupar-se em que os órgãos do partido informem os operários alemães sobre o movimento estrangeiro, organizar campanhas de agitação contra as guerras dinásticas iminentes ou que já eclodiram, uma atitude diante destas como a exemplarmente mantida em 1870 e 1871, etc.
Em terceiro lugar, nossa gente permitiu que lhe fosse imposta a lassalliana “lei de bronze do salário”, baseada num critério econômico completamente antiquado, a saber: que o operário não recebe, em média, senão o mínimo de salário, e isto porque, segundo a teoria da população de Malthus, há sempre operários de sobra (esta era a argumentação de Lassalle. Ora bem: Marx demonstrou minuciosamente, no “O Capital”, que as leis que regulam o salário são muito complexas, que ora predominam umas, ora outras, segundo as circunstâncias; que, portanto, estas leis não são, de modo algum, de bronze, mas, pelo contrário, são muito plásticas, e que o problema não se pode resolver assim, em duas palavras, como acreditava Lassalle. A fundamentação que dá Malthus da lei que Lassalle toma dele e de Ricardo (falseando este último), tal como se pode ver, por exemplo, citada de outro folheto de Lassalle, no “Livro de Leituras Para Operários”, página 5, foi refutada com todos os detalhes por Marx no capítulo sobre o Processo de Acumulação do Capital. Assim, pois, ao adotar a “lei de bronze” de Lassalle, pronunciaram-se a favor de um princípio falso e de uma falsa fundamentação desse princípio.
Em quarto lugar, o programa coloca como única reivindicação social a ajuda estatal lassalliana em sua forma mais descarada, tal como Lassalle plagiou-a de Buchez. E isto depois de Bracke haver demonstrado sobejamente a inutilidade desta reivindicação(20) depois de quase todos, senão todos, os oradores do nosso Partido terem-se visto obrigados, em sua luta contra os lassallianos, a pronunciar-se contra esta “ajuda do Estado”! Nosso Partido não podia chegar a maior humilhação. O internacionalismo rebaixado ao nível de um Amand Gögg, o socialismo, ao do republicano burguês Buchez, que colocava esta reivindicação diante dos socialistas, para combatê-los!
No melhor dos casos, a “ajuda do Estado”, no sentido lassalliano, não é mais que uma dentre tantas medidas para conseguir o objetivo aqui imperfeitamente definido como “a fim de preparar o caminho para a solução do problema social”, como se para nós ainda existisse um problema social que estivesse teoricamente sem solução! Se, portanto, se dissesse: o Partido Operário Alemão aspira a abolir o trabalho assalariado, e com ele as diferenças de classe, implantando a produção cooperativa na indústria e na agricultura em escala nacional, e advoga todas e cada uma das medidas adequadas à consecução deste fim, nenhum lassalliano nada teria a objetar a isso.
Em quinto lugar, nada se diz absolutamente da organização da classe operária como tal classe, por meio dos sindicatos. E este é um ponto muito essencial, pois se trata da verdadeira organização de classe do proletariado, na qual este trava suas lutas diárias contra o capital, na qual se educa e disciplina a si mesmo, e ainda hoje em dia, com a mais negra reação (como agora em Paris), não pode ser esmagada. Dada a importância que esta organização adquiriu também na Alemanha, teria sido, a nosso ver, absolutamente necessário mencioná-a no programa e ter-lhe reservado, se possível, um lugar na organização do Partido.
Tudo isto foi feito por nossa gente para comprazer os lassallianos. E em que cederam os outros? Em que figure no programa um montão de reivindicações puramente democráticas e bastante confusas, algumas das quais não passam de questões em moda, como, por exemplo, a “legislação pelo povo”, que existe na Suíça, onde produz mais prejuízos do que benefícios, se é que se se pode dizer que produz alguma coisa. Se se dissesse “administração pelo povo”, talvez tivesse algum sentido. Falta, igualmente, a primeira condição de qualquer liberdade: que todos os funcionários sejam responsáveis quanto aos seus atos em serviço relativamente a todo cidadão, perante os tribunais ordinários e segundo as leis gerais. E não quero falar de reivindicações como a da liberdade da ciência e a da liberdade de consciência, que figuram em todo programa liberal-burguês e que aqui soam como algo estranho.
O Estado popular livre converteu-se no Estado livre. Gramaticalmente falando, Estado livre é um Estado que é livre com relação aos seus cidadãos, isto é, um Estado com um governo despótico. Devia-se ter abandonado todo esse charlatanismo acerca do Estado, sobretudo depois da Comuna, que já não era um Estado no verdadeiro sentido da palavra. Os anarquistas nos lançaram repetidamente à face essa coisa de “Estado popular”, apesar de que já a obra de Marx contra Proudhon, e em seguida o “Manifesto Comunista” dizem claramente que, com a implantação do regime social socialista, o Estado se dissolverá por si mesmo [sich auflöst]e desaparecerá. Sendo o Estado uma Instituição meramente transitória, que é utilizada na luta, na revolução, para submeter os adversários pela violência, é um absurdo falar de Estado popular livre: enquanto o proletariado ainda necessitar do Estado, não o necessitará no interesse da liberdade, mas para submeter os seus adversários, e tão logo que for possível falar-se de liberdade, o Estado como tal deixará de existir. Por isso, nós próprios proporíamos que fosse dita sempre, em vez da palavra Estado, a palavra “Comunidade” (Gemeinwesen), uma boa e antiga palavra alemã que eqüivale à palavra francesa “Commune”.
“Supressão de toda desigualdade social e política”, em vez de “abolição de todas as diferenças de classe”, é também uma frase muito discutível. De um país para outro, de uma região para outra, até mesmo de um lugar para outro, existirá sempre uma certa desigualdade quanto às condições de vida, que poderão ser reduzidas ao mínimo, mas jamais suprimidas por completo. Os habitantes dos Alpes viverão sempre em condições diversas das dos habitantes da planície. A concepção da sociedade socialista como o reino da igualdade, é uma idéia unilateral francesa, apoiada no velho lema de “liberdade, igualdade, fraternidade”; uma concepção que teve sua razão de ser como fase de desenvolvimento em seu tempo e em seu lugar, mas que hoje deve ser superada, do mesmo modo que tudo o que há de unilateral nas escolas socialistas anteriores, uma vez que só gera confusões, e porque, ademais, foram descobertas fórmulas mais precisas para expor o problema.
E termino aqui, apesar de que seria preciso criticar quase cada palavra deste programa, redigido, além do mais, num estilo frouxo e vulgar. E a tal ponto que, no caso de ser aprovado, Marx e eu jamais poderíamos militar no novo partido edificado sobre esta base e teríamos que meditar muito seriamente acerca da atitude que teríamos de adotar diante dele, inclusive publicamente. Tenha você em conta que, no estrangeiro, nós somos considerados como responsáveis por todas e cada uma das manifestações e dos atos do Partido Operário Social-Democrata Alemão. Assim, por exemplo, Bakunin em sua obra “Política e Anarquia”, responsabiliza-nos por cada palavra irrefletida pronunciada e escrita por Liebknecht desde a fundação do “Demokratisches Wochenblatt”(21)! Pensam, realmente, que daqui nós dirigimos tudo, quando você sabe tão bem como eu, que quase nunca nos imiscuímos, por menos que fosse, nos assuntos internos do Partido, e, quando o fizemos, foi somente para corrigir, na medida do possível, os erros que a nosso ver haviam sido cometidos, e além disso, somente quando se tratava de erros teóricos. Mas, você mesmo compreenderá que este programa representa uma reviravolta, a qual facilmente poderia obrigar-nos a declinar de toda responsabilidade com relação ao partido que o adote.
Em geral, importam menos os programas oficiais dos partidos que os seus atos. Mas, um novo programa é sempre, apesar de tudo, uma bandeira que se levanta publicamente e pela qual os de fora fazem o seu julgamento sobre o partido. Não deveria, portanto, de modo algum, representar um retrocesso como o que este representa, em comparação com o de Eisenach. E também deveria levar-se em conta o que dirão deste programa os operários de outros países; a impressão que há de produzir esta genuflexão de todo o proletariado socialista alemão diante do lassallismo.
Ademais, eu estou convencido de que a união feita sobre esta base não durará um ano sequer. Prestar-se-ão as melhores cabeças do nosso Partido a decorar e recitar as teses lassalianas sobre a lei de bronze do salário e a ajuda do Estado? Aqui eu gostaria de vê-o, por exemplo! E se fossem capazes de fazê-o, o auditório os vaiaria. E estou certo de que os lassallianos aferram-se precisamente a estas partes do programa como Shylock à sua libra de carne. Virá a cisão; mas teremos restituído “a honra” aos Hasselmann, aos Hasenclever, aos Tölcke e consortes; nós sairemos debilitados da cisão e os lassallianos fortalecidos; nosso Partido terá perdido sua virgindade política e jamais poderá voltar a combater com valentia a fraseologia de Lassalle, que ele próprio inscreveu durante algum tempo em suas bandeiras; e se, então, os lassallianos voltarem a dizer que eles são o verdadeiro e único partido operário e que os nossos são uns burgueses, lá estará o programa para demonstrá-o. Todas as medidas socialistas que nele figurem, procederão deles, e tudo o que o nosso Partido incluiu são as reivindicações tomadas da democracia pequeno-burguesa, a qual também ele considera, no mesmo programa, como parte da “massa reacionária”!
Não coloquei esta carta no correio, já que você não será posto em liberdade antes de 1º de abril, em homenagem ao aniversário de Bismarck, e não queria expô-a ao risco de que a interceptassem se se tentasse fazê-a passar de contrabando. Entrementes, acabo de receber uma carta de Bracke, que também faz graves reparos ao programa e quer conhecer a nossa opinião. Por isso, e para ganhar tempo, envio-lhe esta carta por seu intermédio, para que a leia e assim não necessitarei escrever também a ele, repetindo toda a história. Ademais, também a Ramm falei claro, e escrevi concisamente a Liebknecht. A ele não perdôo que não nos tenha dito uma palavra sequer sobre todo o assunto (enquanto Ramm e outros supunham que nos havia informado detalhadamente), até que se tornou, por assim dizer, demasiado tarde. É certo que sempre fez o mesmo — e daqui o montão de cartas desagradáveis que Marx e eu trocamos com ele —, mas desta vez a coisa é demasiado grave e, decididamente, não marcharemos com ele por esse caminho.
Arranje você as coisas para vir no verão. Ficará alojado, naturalmente, em minha casa e, se fizer bom tempo, poderemos ir alguns dias ao banho de mar, coisa que lhe fará muito bem, depois de tão longo encarceramento.
Cordialmente seu, F.E.
Carta de Engels a Kautsky
Londres, 23 de fevereiro de 1891.
Querido Kautsky:
Terás recebido minhas precipitadas felicitações de aniversário, de anteontem. Voltemos, pois, agora a nosso assunto, à carta de Marx.
O temor de que proporcionasse uma arma aos adversários era infundado. Insinuações maliciosas podem ser assacadas contra todos e contra tudo, mas, em conjunto, a impressão produzida entre os adversários foi de completa perplexidade diante desta impecável autocrítica, e a sensação da força interior que deve ter um partido para poder permitir-se tais luxos! É isto o que se deduz dos jornais contrários que me enviaste (muito obrigado!) e dos que chegaram às minhas mãos por outras vias. E, falando francamente, foi esta a intenção com que eu publiquei o documento. Não ignorava eu que em muitos lugares ia produzir-se, no primeiro instante, muito pesar, mas isto era inevitável, e o conteúdo do documento pesou em mim mais do que outras considerações. Sabia que o Partido era sobejamente forte para suportá-o e calculei que também agora suportaria aquela linguagem franca, empregada há quinze anos, e que seria assinalada com justificado orgulho esta prova de força e seria dito: que partido pode atrever-se a fazer o mesmo? O dizê-o, porém, deixou-se a cargo dos “Arbeiter Zeitung” da Saxônia e de Viena e do “Züricher Post”(22).
É magnífico de tua parte que te encarregues da responsabilidade de publicá-o no número 21 da “Neue Zeit”(23), mas não te esqueças de que o primeiro empurrão dei-o eu, pondo-te, ademais, por assim dizer, entre a espada e a parede. Por isso, chamo para mim a principal responsabilidade. Quanto aos detalhes, sobre isso é sempre possível ter-se critérios diferentes. Suprimi todas aquelas coisas às quais tu e Dietz havíeis apresentado objeções, e se Dietz houvesse assinalado mais passagens, eu teria procurado, dentro do possível, ser transigente; sempre vos dei provas disto. Mas, quanto ao essencial, eu tinha o dever de dar publicidade à coisa, uma vez que se colocava o programa em debate. E com maior razão depois do informe de Liebknecht em Halle(24), no qual este, de uma parte, utilizou sem escrúpulos trechos do documento como se fossem seus, e de outra, combateu-o sem o mencionar; Marx, sem dúvida nenhuma, teria oposto a semelhante versão o original, e eu estava na obrigação de fazer o mesmo. Desgraçadamente, não tinha então ainda o documento, que encontrei muito mais tarde, depois de longa busca.
Dizes que Bebel te escreve afirmando que a forma com que Marx trata Lassalle irritou profundamente os velhos lassanianos. É possível. As pessoas não conhecem a verdadeira história e não foi mal que tivesse sido explicada. Eu não tenho culpa de que essa gente ignore que Lassalle devia toda a sua personalidade ao fato de que Marx lhe permitiu, durante muitos anos, enfeitar-se com os frutos de suas investigações como se fossem dele, deixando-lhe, além disso, que as tergiversasse por falta de preparo em matéria de economia. Mas, eu sou o testamenteiro literário de Marx, e isto me impõe deveres.
Lassalle passou à história desde há 26 anos. E se, enquanto esteve em vigor a lei de exceção(25), a crítica histórica deixou-o em paz, vai chegando finalmente a hora de que esta seja restaurada nos seus direitos e se faça luz sobre a posição de Lassalle em relação a Marx. A legenda que envolve e glorifica a verdadeira figura de Lassalle não pode converter-se em artigo de fé para o Partido. Por muito que se queira destacar os méritos de Lassalle no movimento, seu papel histórico dentro dele continua sendo um papel dúplice. O socialista Lassalle é seguido, como o corpo pela sombra, pelo demagogo Lassalle. Por trás do agitador e do organizador, assoma o advogado Lassalle, que dirige o processo da Hatzfeld(26): o mesmo cinismo quanto à escolha dos meios e a mesma predileção por rodear-se de pessoas suspeitas e corrompidas, que só se utilizam ou se desprezam como simples instrumentos. Até 1862 foi, em sua atuação prática, um democrata vulgar especificamente prussiano com marcadas inclinações bonapartistas (acabo precisamente de reler suas cartas a Marx); em seguida mudou subitamente, por razões puramente pessoais, e começou suas campanhas de agitação; e nem bem haviam transcorrido dois anos, propugnava que os operários deviam tomar o partido da monarquia contra a burguesia, e se envolveu em intrigas tais com Bismarck, com ele afim em caráter, que forçosamente o teriam conduzido a trair de fato o movimento se, para sorte dele, não lhe houvessem acertado um tiro em tempo. Em seus escritos, de agitação, as verdades que tomou de Marx estão tão embrulhadas com suas próprias elucubrações, geralmente falsas, que é mesmo difícil separar umas coisas das outras. O setor operário que se sente ferido pela opinião de Marx, só conhece de Lassalle seus dois anos de agitação; e, além disso, vistos sob um prisma róseo. Mas, a crítica da história não pode prosternar-se eternamente diante de tais preconceitos. Para mim, era um dever revelar de uma vez as verdadeiras relações entre Marx e Lassalle. Já está feito. Posso contentar-me com isto, até o momento. Ademais, eu próprio tenho agora outras coisas que fazer. E o implacável juízo de Marx sobre Lassalle, já publicado, se encarregará por si só de surtir seu efeito e infundir ânimo a outros. Mas, se me visse obrigado a isso, não teria outro remédio senão acabar de uma vez para sempre com a lenda de Lassalle.
Tem graça o fato de haverem aparecido na minoria vozes que exigem a imposição da censura a “Neue Zeit”. Será o fantasma da ditadura da minoria do tempo da lei contra os socialistas (ditadura necessária e magnificamente dirigida então), ou são recordações da finada e rígida organização de von Schweitzer? É, na verdade, uma idéia genial pensar em submeter a ciência socialista alemã, depois de tê-a libertado da lei de Bismarck contra os socialistas, a uma nova lei anti-socialista que as próprias autoridades do Partido Social-Democrata teriam que fabricar e pôr em execução. Além do mais, a própria natureza dispôs que as árvores não cresçam até o céu.
O artigo do Vorwärts(27) não me inquieta muito. Aguardarei que Liebknecht relate à sua maneira o ocorrido, e depois responderei a ambos no tom mais amistoso possível. Será preciso corrigir algumas inexatidões do artigo do “Vorwärts” (por exemplo, a de que nós não queríamos a unificação, que os acontecimentos vieram provar que Marx não estava certo, etc.); também terá que confirmar algumas coisas evidentes. Com esta resposta, penso dar por terminado, quanto a mim, o debate, no caso em que novos ataques ou afirmações inexatas não me obriguem a dar novos passos.
Dize a Dietz que estou trabalhando na nova edição da Origem. Mas, hoje me escreve Fischer que quer três prólogos novos(28).
Teu F.E
* * * * * * *
Notas
(1) — Trata-se aqui da eleições de janeiro de 1974 para o Reichstag
(2) — Com este qualificativo talvez se refira Marx, ironicamente, a Hasselmann, redator chefe do Neuer Social-Demokrat. Este periódico era o órgão central da Asociação Geral dos Trabalhadores da Alemanha (lassallianos) que circulava em alemão três vezes por semana em Berlim (1871-1876). A tendência deste periódico refletia inteiramente a política praticada pelos lassallianos para acomodar-se ao regime de Bismarck e entender-se com a clase dominante da Alemanha e, por conseguinte, com o oportunismo e o nacionalismo dos dirigentes lassallianos. Partindo desta posição de sectarismo, este periódico se opôs sistematicamente aos dirigentes marxistas da Internacional e ao Partido Operário Social-Democrata Alemão e apoiou a atividade dos bakuninistas e a dos partidários dos grupos antiproletários contra o Conselho Geral da Internacional.
(3) — A Liga da Paz e a Liberdade, organização pacifista burguesa, foi fundada em 1867 na Suíça por um grupo de pequeno-burgueses republicanos e liberais (V. Hugo e G. Garibaldi e outros tomaram parte ativa em suas atividades). De 1867 a 1868, Bakunin participou em seu trabalho. No início, a Liga tratou de utilizar o movimento operário para seus própios fins. Difundia entre as massas a ilusão de que a criação de uns “Estados Unidos de Europa” permitiria pôr fim às guerras, e desviava assim o proletariado da luta de classes.
(4) — Depois do fracasso da Comuna de Paris, Bismarck tratou, entre 1871 e 1872, de firmar um acordo com a Áustria e a Rússia visando reprimir conjuntamente o movimento revolucionário, sobretudo a I Internacional. Em outubro de 1873, os três países concertaram a aliança tripartite preconizada por Bismarck, ou seja, um acordo de ação comum dos governos dos três países em casos de “distúrbios em Europa”.
(5) — Marx faz alusão ao editorial publicado em 20 de março de 1875 no Norddeutsche Allgemeine Zeitung. Ali, no tocante ao projeto de programa do Partido Social-Democrata Alemão se lê o seguinte: “A agitação social-democrata passou a ser mais circunspecta em muitos aspectos: renega a Internacional...”. A Norddeutsche Allgemeine Zeitung, periódico conservador publicado em Berlim entre 1861 e 1918, foi órgão oficioso do governo de Bismarck nas décadas de 60 a 80.
(6) — Lassalle formulou sua “lei de bronze” nestes termos: “A lei econômica de bronze que, nas condições de hoje, sob o poder da oferta e da procura do trabalho, determina os salários, é esta: a média de salário permanece sempre reduzida à indispensável subsistência que em geral necessita um povo para prolongar sua existência e para a reprodução.
Este é o ponto em torno do qual oscila o salário diário real, sem poder aumentar demasiado nem baixar demasiado por muito tempo. O salário diário real não pode permanecer por muito tempo acima desta média, porque então o melhoramento da situação dos operários conduziria a um aumento da população operária e, com isso, da oferta de mão de obra, o que rebaixaria novamente o salário a seu nível anterior ou incluse abaixo deste.
O salário não pode, tampouco, ficar muito abaixo do nivel necessário à subsistência por muito tempo, já que então aconteceriam a emigração, o celibato e a abstenção de procriação e, finalmente, como resultado da miséria, o decréscimo da população obreira, o que reduziria a oferta de mão de obra e faria subir o salário novamente ao seu antigo nível elevado. Assim, pois, a média de salário real existe em constante movimento em torno desse centro de gravidade: baixa e sobe, ora um pouco acima, ora un pouco abaixo desse nível.” (Veja-se Livro de leitura para operários, discursos de Lassalle em Francfort do Meno em 17 e em 19 de maio de 1863, Edições Hottingen-Zürich, 1887).
Esta “lei”, a desenvolveu Lassalle pela primera vez em suas Respostas abertas ao Comitê Central sobre a convocação de um Congresso Geral Alemão de Operários em Leipzig, Zürich, 1863, págs. 15-16.
(7) — Verso da obra de Goethe O divino.
(8) — Refere-se às observações de Freidrich Albert Lange em sua obra Die Arbeiterfrage in ihrer Bedeutúng für Gegenwart und Zukunft (O problema operário em seu significado para o presente e o futuro ), Duisburg, 1865.
(9) — O Atelier, revista mensal em francês dos artesãos e operários que se encontravam sob a influência das idéias do socialismo católico, publicada em Paris de 1840 a 1850. Sua redação, que era eleita a cada três meses, estava constituída por representantes dos operários.
(10) — Os eisenachianos também eram chamados de “os honrados”.
(11) — Kulfurkampf (Luta cultural ) era como denominavam os liberais burgueses ao conjunto de medidas legislativas adotadas pelo governo de Bismarck nos anos 70 do século XIX. Sob o disfarce de luta por uma cultura laica, estas medidas eram dirigidas contra a igreja católica e o partido do “centro”, que apoiavam as tendências separatistas e antiprussianas dos funcionários, dos donos de terra e da burguesia dos pequenos e médios estados do Sudoeste de Alemanha. Na década de 80, para reunir as forças reacionárias, Bismarck derrogou a maior parte destas medidas.
(12) — “Disse e salvei minha alma”
(13) — Em Eisenach, no Congresso pan-alemão dos sociais-democratas da Alemanha, Áustria e Suíça, celebrado de 7 a 9 de agosto de 1869, foi instituído o Partido Operário Social-Democrata Alemão, desde logo conhecido com o nome de partido dos eisenachianos. O programa adotado no Congresso correspondia inteiramente ao espírito da Internacional.
(14) — O Partido Popular Alemão, fundado em 1865, constava de elementos democráticos da pequena burguesia e, em parte, da burguesia, principalmente dos Estados do Sul de Alemanha. Ao aplicar uma política anti-prussiana e apresentar consignas democráticas gerais, este partido refletia, ao mesmo tempo, tendências particularistas de certos Estados alemães. Ao fazer propaganda da idéia do Estado alemão federal, era contrária à unificação da Alemanha sob a forma de república democrática centralizada única.
Em 1866 o Partido Popular Saxão, cujo núcleo fundamental era constituído de operários, aderiu ao Partido Popular Alemão. Esta ala esquerda, que compartilhava o desejo do Partido Popular de resolver a questão da unificação do país por via democrática, participou na criação, em agosto de 1869, do Partido Operário Social-Democrata Alemão.
(15) — Alusão à editora do Partido Operário Social-Democrata que publicava o periódico “Der Volksstaat” e literatura social-democrática. O diretor da editora era A. Bebel.
Der Volksstaat (“O Estado Popular”): órgão central do Partido Operário Social-Democrata Alemão (eisenachianos); foi publicado em Leipzig de 2 de outubro de 1869 até 29 de setembro de 1876. A direção geral do periódico estava a cargo de G. Liebknecht. Marx e Engels colaboravam no periódico, ajudando constantemente em sua redação.
(16) — Frankfurter Zeitung und Handelsblatt (“Jornal de Francfort e Folha do Comércio”): diário de orientação democrática pequeno-burguesa; foi publicado desde 1856 (com este nome desde 1866) até 1943.
(17) — Trata-se dos seguintes pontos do projeto de Programa de Gotha:
“O Partido Operário Alemão exige, como base livre do Estado:
1 . Sufrágio universal, igual, direto e secreto para todos os homens, desde os 21 anos, em todas las eleições nacionais e municipais; 2 . Legislação direta pelo povo com direito de iniciativa e de veto; 3 . Instrução militar geral. Milícias do povo em lugar de exército permanente. As decisões acerca da guerra e da paz serão tomadas pela representação do povo; 4 . Derrogação de todas as leis de exceção, especialmente as de imprensa, reunião e associacão; 5 . Administracão de justiça pelo povo e com caráter gratuito.
O Partido Operário Alemão exige, como fundamento espiritual e moral do Estado:
1 . Educação popular geral e igual, a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita. 2 . Liberdade da ciência. Liberdade de consciência”.
(18) — Trata-se da guerra franco-prusiana de 1870-1871.
(19) — A Liga pela Paz e a Liberdade era uma organização burguesa pacifista fundada em 1867 na Suíça por republicanos e liberais pequeno-burgueses. Com suas declarações acerca da posibilidade de acabar com a guerra mediante a criação dos “Estados Unidos da Europa”, a Liga semeava entre as massas falsas ilusões e apartava o proletariado da luta de classe.
(20) — Ver W. Bracke. “Der Lassalle’sche Vorschlag”, Braunschweig, 1873, (“A proposta de Lassalle”, Brunswick, 1873).
(21) — “Demokratisches Wochenblatt” (“Semanário democrático”): periódico operário alemão, foi publicado com esse nome em Leipzig desde janeiro de 1868 até setembro de 1869 sob a direção de G. Liebknecht. O periódico desempenhou um papel considerável na criação do Partido Operário Social-Democrata Alemão. No Congresso de Eisenach (1869), o semanário foi proclamado órgão central do partido e denominado “Der Volksstaat“ (véase a nota 9). Marx e Engels colaboravam no jornal.
(22) — Engels enumera os jornais sociais-democratas em que, em fevereiro de 1891, foram incluídas correspondências que aprovavam, no fundamental, a publicação da obra de Marx “Crítica do Programa de Gotha”.
“Arbeiter-Zeitung” (“Jornal-Operário“), órgão da social-democracia austríaca, circulava em Viena desde 1889. O redator era V. Adler. Na década de 90 publicou vários artigos de F. Engels.
“Sächsische Arbeiter-Zeitung” (“Jornal Operário Saxão”), diário social-democrata alemão, no início da década de 90, órgão de um grupo semi-anarquista oposicionista de “jovens”; circulava em Dresde desde 1890 até 1908.
“Züricher Post” (“Correio de Zurich”), periódico democrático, publicado em Zurich de 1879 a 1936.
(23) — “Die Neue Zeit” (“Tiempos Novos”); revista teórica da social-democracia alemã, circulava em Stuttgart de 1883 a 1923. De 1885 a 1894 publicou vários artigos de F. Engels.
(24) — No Congresso de Halle, Liebknecht fez o informe sobre o programa do partido.
(25) — A lei de exceção contra os socialistas foi promulgada na Alemanha em 21 de outubro de 1878. Em virtude desta lei foram proibidas todas as organizações do Partido Social-Democrata e as organizações operárias de massas, suspendida a imprensa operária, confiscadas as publicações socialistas e reprimidos os sociais-democratas. Sob a pressão do movimento operário de massas, a lei foi derrogada em 1 de outubro de 1890.
(26) — Trata-se do processo de divórcio da condessa Sofia de Hatzfeldt que Lassalle conduziu na qualidade de advogado nos anos 1846-1856. Exagerando a importância deste processo judicial em defesa de representante de uma antiga família aristocrática, Lassalle o equiparava à luta pela causa dos oprimidos.
(27) — “Vorwärts. Berliner Volksblatt” (“Avante. Folha Popular Berlinense”): diário social-democrata alemão; órgão central do Partido Social-Democrata da Alemanha desde 1891. Fundado em 1884, foi publicado sob o título mencionado desde 1891.
Aqui se trata do artigo editorial, publicado no periódico em 13 de fevereiro de 1891, no qual a minoria social-democrata do Reichsteg expressava seu desacordo com as observações de Marx sobre o Programa de Gotha e a apreciação do papel de Lassalle formulada em tais observações.
(28) — Em sua carta de 20 de fevereiro de 1891, Fischer comunicava a Engels a resolução da Direção do partido de reeditar as obras de Marx “A guerra civil em França” e “O trabalho assalariado e o capital” e a obra de Engels “Do socialismo utópico ao socialismo científico” e lhe pedia que escrevesse os prefácios correspondentes.
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