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Ainda Há Uma Esperança

Romero Evandro Carvalho


 

Ainda Há Uma Esperança
Romero Evandro Carvalho
Fonte digital: Documento do Autor
romeroevandro@hotmail.com

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© 2013 Romero Evandro Carvalho


 

Romero Evandro Carvalho

Ainda Há Uma Esperança


 

Capítulo I

À tarde esmaecia. Era quase noite. O céu, já começava a revelar o seu bordado de estrelas.

O vento frio, sem ser intenso, pronunciava a chegada de um rude inverno.

Longe ainda do porto, avistava-se um caravelão, sem identificação, apenas, com uma longa flâmula branca.

Atracou já com o negrume da noite. O cais estava iluminado por apenas dois archotes. Sob esse brilho frouxo, passageiros apressados, com pouquíssimas bagagens, desapareciam na escuridão pelas vielas de Bilbao.

Alguém, insistentemente, gritava um nome. Até que se calou, e o silêncio reinou por alguns instantes.

Naquele dia, à tarde, quando o sol deitava no horizonte, o jovem padre secular, pela primeira vez, havia sido solicitado para dar a extrema-unção a um moribundo.

Seu cérebro, ainda guardava a imagem daquele quadro lutuoso, quando de modo inopinado, alguém o abordou. Dizia-se ser o chefe da tripulação. Grosseiramente, tomou o braço do jovem padre, apertando-o, disse, quase gritando: — Padre, temos no navio, dois defuntos, que pela aparência que a morte deixou, devem ser enterrados imediatamente. Acho que eles pegaram a peste dos ratos.

O jovem padre, espantado, desvencilhou-se do apertão em seu braço. Não conseguiu entender o que o navegante português, banguela, estava dizendo; ele pronunciava as palavras rapidamente, articulando-a muito mal. Embora tivesse conhecimento do idioma português, solicitou então, que o chefe da tripulação, falasse pausadamente. Houve a repetição por algumas vezes, até que conseguiram se entender.

O padre ainda atônito, ficou sabendo, por sua inquirição, que o veleiro, trouxe uma leva de judeus safarditas fugidos de Portugal.

— Mas como isso ainda pode estar acontecendo! As perseguições não acabaram?

— Padre, isso não me interessa. Fui muito bem pago, para trazer esse pessoal para cá. E agora, eles estão aí e me deixaram um grande problema que o senhor vai me ajudar. Afinal, o senhor é um padre!

Pensando um pouco no que fazer, e acossado pelo marinheiro chefe, recomendou as providências que deveriam ser tomadas.

De modo cadenciado, diz o que deveria ser feito.

— Enrolem cada um dos defuntos, em panos resistentes e amarre-os. Eu vou me ausentar, e trarei comigo uma carroça para levá-los ao cemitério. Aguardem!

Regressando ao cais, que ficava bem próximo ao adro da Igreja de Santo Antão, o jovem padre, se ajoelhou e pediu proteção ao santo.

Os dois “de cujus”, estavam bem acondicionados e, foram postos na carroça. Mas, antes de partir, o padre foi novamente abordado pelo mesmo truculento marinheiro, que lhe disse: — Padre, há mais uma coisa a ser resolvida. Lá na embarcação, há uma jovenzinha, se desmanchando em lágrimas. É a órfã desses dois. O senhor também tem que me ajudar.

— Por favor, tragam a menina aqui, pois necessito fazer a ela algumas perguntas.

— Como você se chama?

— Shayna.

— Você tem algum documento?

— Não sei se tenho. Quem cuidava disso era o meu pai.

— Você tem algum parente que deveria encontrar em Bilbao?

— Tenho um tio, uma tia e dois primos. Viajamos juntos. Eu os perdi no desembarque.

— Não Shayna — argumentou o jovem padre um pouco alterado — eles é que a abandonaram; são uns egoístas; desejaram somente, salvar a própria pele; não há neles nem uma réstia de solidariedade. Com certeza, eles tinham consciência do que havia acontecido com seus pais, da doença e, sabiam também, do enorme problema que iriam enfrentar se encarassem os fatos, mas, eles a deixaram só com o enorme e triste problema. Mas, fique tranquila, eu irei ajudá-la e, irei investigar e achar esses seus parentes; sefardins desprezíveis.

— Não senhor padre, pelo amor de D’us. Podendo me ajudar, me ajude, mas não quero saber mais deles.

— Mas porque você me fala isso? O que houve?

— Durante a viagem, certa noite, o barco estava ancorado, eu estava admirando o luar, quando os meus primos, me atacaram, me agarraram, me derrubaram e tentaram tirar as minhas roupas. Eu gritei, gritei, gritei, até que fui ajudada por um velho marinheiro, que deu uns bofetões neles. Não disse nada aos meus pais, pois eles já não estavam bem, então, cuidei de não preocupá-los mais.

— Além de tudo, são aproveitadores de jovens indefesas.

No cemitério, o padre dialoga com o coveiro, recomendando que enterrasse aquelas pessoas, numa cova bem funda. Para isso, gratificou-o. Adiantou ao coveiro, que um outro dia viria trazer uma cruz, identificando os mortos.

Saindo dali, já altas horas, chegaram a um abrigo para peregrinos. O padre bateu insistentemente na porta, até que entrevistou-se com a atendente. Esclarecendo a situação e, para ser atendido sem mais delonga, dispensou-lhe algum dinheiro; disse o nome da jovem e, solicitou que fosse oferecido um banho, roupas limpas e alimentos a jovem judia.

— Shayna, você ficará bem aqui. Amanhã à tarde, eu virei vê-la.

A jovenzinha, ainda muito tristonha e desolada com a situação que estava vivenciando, frente aqueles acontecimentos funestos, chorosa, conseguiu articular algumas palavras em agradecimento.

O jovem padre, ainda remoendo os seus pensamentos, com todos os acontecimentos funestos e tristes, chegando ao ponto de ficar raivoso com as pessoas que abandonaram a jovenzinha no cais, os quais, eram seus pares, deixou a carroça e o animal, no mesmo lugar onde havia tomado “emprestado”.

Já era alta madrugada. Resolveu então, em vez de ir para o seminário, onde tinha os seus aposentos, endereçou-se para a casa do seu tio — ancião e solitário.

Levemente, tomou a aldrava e bateu.

— Quem bate à porta?

— Sou eu tio — Augustim.

Com um rangido a porta abriu.

— O que houve Augustim? — perguntou espantado.

— Tio, o senhor não estava dormindo?

— Eu não consegui conciliar-me com o sono. Estava aqui lendo algumas passagens e ensinamentos de Jesus. Quer tomar um chá? Fiz nesse instante. Sente-se e me conte o porquê dessa sua visita a altas horas da madrugada.

— A narrativa tio, é longa e triste.

E Augustim, discorreu tudo pormenorizadamente.

— Mas filho, você que é do meio religioso, diga-me uma coisa: Não existe uma notícia, de que esse Papa, que vive a vida de luxúria, tenha já se pronunciado extinguindo essas perseguições?

— É, a notícia é essa mesmo, no entanto, ainda existem em vários lugares esses sentimentos adversos do próprio povo, que tem sentimento de inveja contra os judeus, em virtude de eles se destacarem na sociedade em tudo que fazem. Com isso, o ciúme é aguçado, terminando em violência, perseguições e até morte. Fugindo dessas perseguições, os judeus mais abastados, têm imigrado para a nossa região e para a França, além de enfrentarem viagens longas para a América.

— Como você disse, essa jovem, além de viajar na companhia dos seus pais, havia outros parentes. Para onde foram?

— Não sei tio. Só sei que a menina, não quer mais encontrá-los.

— Que idade ela tem?

— Acho que deve ter uns quinze anos...não sei!

— É bem jovenzinha. Mas diga-se uma coisa. Amanhã, à tarde, você voltará ao abrigo. Que providência pretende tomar?

— Não sei ainda. Que atitude o senhor tomaria?

— Eu recomendaria que ela ficasse por lá. Afinal, lá tem cama e comida. Se houver necessidade de ter algum pagamento, eu me disponho a ajudar. Vou me esforçar, na venda dos meus queijos. É uma boa causa.

— Obrigado tio! O senhor quer ir lá comigo?

— Vamos marcar um encontro, que estarei lá.

O dia já raiava e ambos não dormiram nada. O velho Lander foi apartar algumas vacas para ordenhar e Augustim, foi para o seminário.

À tarde, como haviam combinado, Augustim e seu tio, se encontraram em frente ao abrigo. Cumprimentaram-se e, logo movimentaram a aldrava da porta. Não demorou muito e logo foram atendidos.

— Padre, estávamos ansiosas aguardando a sua presença.

— Como poderei lhe ser útil senhora?

— Senhor Padre, a jovem judia que nos trouxe ontem para cuidarmos, nos contou toda a sua história vivida aqui, nessa curta estada em Bilbao; acontecimentos muito tristes que a abalou muito. Ficamos pesarosos ao ouvirmos tanta desgraça para uma jovenzinha. No entanto Padre, desejo lhe informar, que para preservar as pessoas que aqui vivem e a nós mesmas, responsáveis pela entidade, eu lhe digo, que estamos com medo de contrairmos a doença dos ratos. A jovem judia, está com muita febre e eu não sei se essa moléstia é contagiosa. Assim, peço que o senhor a leve daqui e, urgentemente procurem um médico para tratá-la. Ela é uma menina muito bonita, não merece estar perdendo a vida tão cedo.

O jovem Padre, vira-se para o seu tio.

— Tio, o que é que eu faço?

— Fique calmo meu filho. Vamos vê-la.

— A senhora pode chamá-la? Indagou o tio.

— Só um instante, por favor, e ela virá já com a sua bagagem — disse a senhora.

Shayna, se aproximou a passos vacilantes e lentos; estava bem penteada e trajada, mas, o seu rosto estava bem enrubescido.

— Shayna — perguntou o Padre — Você está com febre?

— Estou com muito calafrio e com o corpo todo dolorido — respondeu chorosa.

O jovem Padre, olhou mais uma vez para o seu tio, e já estava visualizando mais um quadro de morte.

— Fique calma Shayna — interveio o tio — Nós iremos levá-la ao médico. Eu vou me ausentar por alguns instantes e regressarei com uma condução, pois o consultório do médico fica muito distante daqui.

Shayna, começou dar uma série de espirros, estava com dificuldade de respirar e seu nariz destilava muito. A senhora atendente do asilo, já um pouco atemorizada, lhe deu um lenço e despediu-se, cerrando a porta da entidade.

Entrevistando-se com o facultativo, homem maduro, o jovem Padre, discorre toda história envolvendo a paciente, até a madrugada gelada desses acontecimentos.

— Senhorita Shayna, como você se sente neste momento? Perguntou o médico

— Estou com muito frio e com o corpo todo dolorido.

— Como você sente o seu coração. Ele está disparado? Sente tonturas?

— Estou me sentindo muito fraca...meu coração...não sei...

— Se você apertar aqui — mostrando as virilhas — elas doem?

Shayna, olhou para o Padre e ao velho Lander, como que dizendo: não olhem para mim. E eles entenderam e viraram de costa.

— Não sinto nada — disse Shayna.

— Agora, Shayna, faça isso. Estique seus braços na lateral e, com movimentos alternados, leve as suas mãos na ponta do nariz. Esse, é um movimento simples de coordenação, e se fechar os olhos, é de equilíbrio.

Shayana , movimentou-se muito bem.

— Agora, Shayna, senhor Lander e Padre Augustim, só me falta um último exame, que é investigar o corpo da nossa jovem. Como percebo que ela é muito jovenzinha, e é casta, eu vou chamar a minha esposa, já acostumada em me ajudar nessas consultas, se a Shayna conceder.

E assim foi feito, com o veredicto da senhora, dizendo que o corpo da jovem, era imaculado.

— Ótimo! — disse o doutor. Então, só resta lhes dizer, que Shayna, está somente com um gripe forte, que necessita de tomar alguns remédios que irei manipular, se alimentar muito bem e manter uns quinze dias descansando, sem sair de casa, para que não contraia uma pneumonia. Por hora, ao chegar em casa, façam um chá com dois dentes de alho para controlar um pouco essa febre. Amanhã, um de vocês venham aqui, no período da tarde.

O tio Lander, perguntou ao médico: — Quanto lhe devemos doutor?

— Amanhã, conversaremos.


 

Capítulo II

Na rua, sem saber para onde ir, o tio Lander, se adiantou: — Augustin, vamos levá-la para a minha casa. Lá, nós cuidaremos dela. Tenho uma boa casa, bem ampla e, praticamente, na zona rural, onde a menina poderá usufruir de um ar puro e da paisagem campestre e pastoril.

— Tio, mas eu acho que devemos saber a opinião dela? Não acha?

— Muito bem! A opinião dela é muito importante, no entanto, no estado que ela está, doente e, estando sob as nossas responsabilidades e cuidados de saúde, nós vamos curá-la primeiramente, lá na minha casa. Depois, quando ela estiver prontamente restabelecida, ela decide, se deseja ficar conosco ou ir a procura dos seus pares da comunidade judaica. Eles, conforme você me relatou, não ergueram um palha para ajudar a jovem. E ela sabe disso! Bem Augustim, está resolvido. Vamos!

E a Shayna, anuiu aos impositivos do velho Lander, fazendo transparecer, confiança.

— Vamos logo, que temos de dar esse chá de alho à nossa protegida— disse o velho.

No percurso, Lander, tem uma idéia, que quer compartilhar com o sobrinho.

— Augustim, estou pensando no meu vizinho. São velhos, mas velhos amigos. Vou solicitar a dona Talya, que nos ajude a elaborar uma boa alimentação, saudável e substanciosa para reerguer o mais rápido possível a saúde da nossa jovem. O que você acha?

— É uma boa idéia tio. Havendo necessidade de pagamento, estou disposto a arcar com essa despesa.

— Vamos ver, inicialmente, o que ela responde à nossa solicitação.

E assim foi feito. Todos os dias, dona Talya, comparecia à casa do velho Lander, juntamente com seu esposo, fazia as comidas e, também, aproveitavam e faziam às refeições, juntamente com o Lander e Shayna, e não raro, também com o jovem padre Augustim.

Isso, se repetiu por mais de um ano, até que a própria Shayna, passou a ela, mesma fazer as comidas e outros afazeres, como a arrumação da casa.

O relacionamento entre o velho Lander e a jovem judia, se estreitou de tal modo, saudável e respeitoso, que Shayna, começou a tratá-lo de “avô” e, ele, de “minha neta”.

Já bem restabelecida da saúde, Shayna, acompanhava o seu avô adotivo, nas vendas dos produtos agrícolas que ele produzia, principalmente, queijo, por toda Bilbao.

Certa vez, caminhando pela cidade na companhia do seu avô adotivo, Shayna foi abordada por dois jovens, que lhe dirigiram gracejos no idioma hebraico.

Ela, os reconheceu. Eram seus primos. Com temor que fosse novamente molestada, agarrou-se no braço do velho Lander, começou a chorar e, quase gritando insistentemente: Vovô, me leve para casa!

Os dois jovens, cuidaram de se evadir rapidamente do local.

Shayna, agora, em casa, mais calma, relata ao velho Lander, traduzindo o que ela ouviu dos primos.

Nesse instante, chega o padre Augustim, que também, ouve o relato e perguntou: — Tio, o senhor notou se foram seguidos?

— Não. Não me preocupei com isso.

— Eu acho então, tio, que por um bom tempo, Shayna não deve acompanhá-lo _a cidade. Seria bom que ela ficasse aqui, ou na casa da dona Talya. O que o senhor acha?

— É, seria uma boa medida para protegermos a nossa jovem.

— Shayna — perguntou o velho Lander— O que você acha dessa nossa resolução?

— Eu vou ficar bem com a dona Talya.

Por vários meses, a jovem judia, ficou na companhia da dona Talya e, aproveitou para aprender como bordar as mantilhas bascas e outros afazeres domésticos e ainda, várias receitas culinárias características da região.

Nesse período, Augustim, procurou ficar sempre por perto. Não raras vezes, o jovem padre não se preocupando com as horas e, ouvindo os relatos do tio e dela e, também contando os seus, quando percebia, já era muito tarde da noite. E assim, ficava a pernoitar na casa do tio.

Nos relatos de Shayna, ela contou muitas passagens tristes, quando vivia em Portugal. Ao final dessas narrativas, ela sempre estava com grossas lágrimas rolando dos seus lindos olhos negros, sobre seu formoso rosto, agora mostrando muita saúde. Isso, entristecia também o velho Lander e o jovem padre.

— Tenho muita saudade dos meus pais. Ele, era uma pessoa muito atenciosa comigo; era o meu protetor. E da minha querida mãe, nos meus mais variados problemas, ela estava sempre atenta para me dar este ou aquele conselho ou ajuda material. Que fique bem certo senhor Lander, meu avô que adoto com muito carinho e o senhor também, padre Augustim, que me protegeu desde que aqui cheguei com aquele imenso problema, que de vocês e, do que me proporcionaram, e ainda, continuam a me proporcionar, não tenho nada a reclamar, mas só, agradecer imensamente e todos os dias. Vocês, são criaturas maravilhosas. Se uma coisa eu aprendi com os meus pais, foi ser agradecida. E eu os agradeço por tudo que fizeram e estão fazendo pela minha felicidade. Mas, eu lhes confesso: sinto um vazio no peito e, noto, que isso acontece pela falta que tenho deles. Gostaria que eles estivessem aqui comigo, usufruindo as suas presenças, nesse convívio agradável.

Há algumas semanas atrás, eu sonhei com eles, mas estavam com aparência bem diferentes Acho que, desde que eu comecei a observar, os meus pais, sempre se vestiam com roupas pretas e, nos meus sonhos, eles aparecem vestindo roupas claras, quase branca; ficam abraçados e sorrindo para mim. As vezes me falam, mas no dia seguinte, eu não consigo lembrar de tudo. Lembro bem, claramente, quando me disseram: — “Shayna querida, não chore mais. Nós estamos muito bem e sempre com você”.



— Shayna — disse o velho Lander — eu, com a idade que tenho e, que tenho vivido muito bem, me comparo de alguma maneira, como você. Eu também perdi, há muitos anos, duas pessoas muito queridas: minha esposa e minha filhinha. Já experimentei muitas coisas ruins e boas nesta vida, mas alguns acontecimentos são marcantes, doídos e nada existe que possam amenizá-los. Ainda muito moço, eu perdi Naiara, minha esposa e Zuri, minha filhinha. Depois de tantos anos passados, elas ainda me fazem falta e, como você, também tenho o meu peito vazio.

Como seria bom, Shayna, se nesse momento elas estivessem aqui conosco.

O velho Lander, sacou do bolso de seu surrado casaco, um lenço, e enxugou os olhos.

— Acho — disse o padre Augustim — que para fechar essa nossa conversa, eu vou contar para você Shayna, a minha triste passagem, quando ainda tinha treze anos de idade. Nós, papai, mamãe e eu, estávamos viajando para a América. Próximo a Ilha da Madeira, uma forte tempestade naufragou o caravelão. Eu, com muita sorte, consegui me agarrar em algo que boiava. Com a ajuda de alguém, por quem até hoje eu peço a Deus em minhas orações que sempre o proteja, consegui chegar na ilha. Alguns tripulantes se salvaram, mas nenhum passageiro. Perdi meus pais. Alguém, talvez o mesmo que me salvou, me levou a um convento, e lá fiquei alguns anos. Depois, fui para Lisboa, onde, também num seminário, onde conclui meus estudos até envergar essa batina.

Regressei a Bilbao, minha terra natal e desde essa época, convivo com o meu querido e amado tio Lander.

Também como vocês dois, eu, vez ou outra, sonho com eles e constato, com a minha compreensão atual, que eles não morreram. O corpo que eles tinham, soçobrou naquelas águas turbulentas, mas as suas almas, estão vivas. As almas, não morrem; elas deixam o corpo, quando estes, por várias razões perdem a vitalidade. Eu creio, que ela, após esse desenlace, vai viver, não muito distante de nós que aqui estamos, em outra situação que ainda não entendo, mas com amplo discernimento, mas sempre dependendo do estágio que aqui na Terra conquistaram. Se a criatura, a seu modo, vive com propósitos honestos, quando falece, a sua alma, não há de ser escura e triste e ficar na escuridão, mas sim, estará leve, feliz, com ânimo de nos ajudar, para que trilhemos num bom caminho. Eu acredito que os sonhos, aqueles bem expressivos, como acontece conosco algumas vezes, quando sonhamos com nossos entes queridos, são encontros verdadeiros. No convento da ilha da Madeira,onde fiquei por um bom tempo, eu tive o conhecimento de que, havia um grupo de frades que estudavam essa questão e outras, como a comunicação dessas almas em reuniões.

Tio e Shayna, vocês estão compreendendo o que lhes falo?

— Padre Augustim, eu estou compreendendo e, se o meu sonho é verdadeiro, estou feliz porque os meus pais estão livres daquela doença horrível que os acometeu.

— Eu também estou entendendo alguma coisa — disse o velho Lander — e acrescentou: — Augustim, não sei se você tem conhecimento e pode me responder a um questionamento, que talvez, seja uma aberração, mas, acho que se relaciona com o assunto que entabulamos. No meu caso, desde, praticamente a minha infância, eu trabalho. A minha alma, que está dentro desse corpo, trabalha. Como fica, então, a alma, com o falecimento do corpo? Fica ociosa?

— Tio, eu não tenho idéia se o trabalho das almas, no caso específico, dos nossos entes queridos que já faleceram, ainda trabalham, como quando aqui estavam. No entanto, partindo da afirmação bíblica de que todos nós somos filhos de Deus, igualmente como Jesus que também o é, e que Ele afirmou — “ Meu Pai obra até agora, e eu trabalho também”, acho que não há dúvida que existe o trabalho para todas as almas, agora, de que maneira é exercido, não sei.


 

Capítulo III

A vida entre eles, Lander e Shayna, transcorria com normalidade, igualmente, como se fossem realmente parentescos de sangue: avô e neta.

Numa das conversações, após terem feito a refeição da noite, o velho Lander, perguntou: — Minha querida neta, diga-me uma coisa. Você sabe qual é a sua idade?

Por alguns instantes, ela ficou calada, pensando.

— Não vovô! Eu não sei!

— Eu acho importante minha querida, que saibamos a nossa idade. Eu, tenho sessenta e oito anos. Será que você quando desembarcou naquela noite triste, não deixou alguma bagagem no barco?

— Vovô, eu peguei somente a minha mala e um volume que a minha mãe antes de morrer me fez guardar. Eu lembro, quando ela ainda estava sã, ela cuidava muito bem desse pacote. Então, ele está comigo, e o trago muito bem guardado.

— Você nunca teve a curiosidade de ver o que contém dentro dele?

— Não senhor. Eu o guardo muito bem, como ela me entregou. Mas acho que seja alguns dos seus pertences. E assim, quero mantê-lo intacto.

— Somos iguais. Eu também guardo, muito bem guardado, alguns objetos e roupas que eram da minha esposa e duas bonecas; lembro que a minha filha, não largava delas.

Tenho saudades... muitas saudades delas...

— Bem minha querida, acho que está na hora de dormirmos. Amanhã, ainda muito cedo, antes de soltar as vacas, tenho que erguer um pedaço de cerca que caiu. Senão elas vão comer as hortaliças do vizinho, e aí, eu vou ter prejuízo. Durma bem meu anjo!



Logo no início do dia, com o sol despontando vagarosamente no horizonte, o velho Lander estava na cozinha, preparando o seu dejejum, quando surgiu, Shayna, com um embrulho nas mãos.

— Bom dia — cumprimentou sorridente o seu estimado avô adotivo.

— Bom dia Shayna. Mas porque levantou tão cedo?

— O senhor lembra-se da conversa que tivemos ontem à noite? Veja o senhor, como muitas coisas acontecem, sem que tenhamos uma vontade efetiva de ver esses resultados.

O velho, ouvindo aqueles palavreados proferidos por uma jovenzinha, ficou admirado e apreensivo.

— Lembra, quando me perguntou sobre a minha idade? Pois bem. Está noite, eu sonhei. Foi um sonho tão nítido e compreensivo com a minha mãe...ela estava tão bonita...feliz...

Mamãe, me recomendou, que eu abrisse este volume e que nele, eu iria descobrir coisas muito importantes para a minha vida. Como o senhor me falou que é muito importante sabermos a nossa idade, quem sabe, está aqui dentro para ser revelado, a minha idade. Então, quero que o senhor compartilhe comigo nessa descoberta.

Ela pôs o volume na mesa e começou a cortar as tiras que o acondicionavam.

Com vagar. foi desdobrando alguns papéis e colocando-os de lado — eram cinco documentos; um maço de dinheiro espanhol um maço de dinheiro português e mais dois saquinhos.

Os documentos eram: um título de propriedade de uma casa; uma certidão de casamento; uma certidão de batismo dos pais dela; uma certidão de nascimento e uma certidão de batismo, ambas de Shayna. Em um dos saquinhos tinha algumas pedras preciosas e no outro, algumas pepitas de ouro. Tudo isso, muito bem acondicionado.

— Vovô Lander, meu pais trabalhava com objetos de ouro.

— Ele era um ourives — disse o velho Lander.

— Bem Shayna, você tem aí, um bom dinheiro. Mas, o que estávamos conversando ontem, era sobre a sua idade. Vamos ver se conseguimos entender e fazer as contas.

Após uns instantes o velho abriu um belo sorriso e disse: — Shayna, minha querida neta, você faz aniversário no dia vinte de setembro e, hoje, você tem dezessete anos. Vejo que seu pai se chamava Alon e sua mãe Alitzah.

Vamos comemorar, agradecendo a sua querida mãe que nos proporcionou essa notícia maravilhosa. Vamos tomar um belo chá de capim santo, com essas broas bascas.

Shayna, estava toda risonha feliz.

— Muito bem, já comemoramos, agora, eu vou arrumar a cerca.

— Vovô, espere um pouco, que eu vou com o senhor e posso ajudá-lo.

— Mas arrumar cerca, não é serviço para uma jovem tão linda.

— Mas então, eu só fico olhando.

— Se for assim, então vamos.

O serviço, não foi tão grande. Apenas dois espeques foram substituídos, em virtude de tanto tempo enterrado, o que fez apodrecer as suas bases.

Mas algo chamou a atenção de ambos. Não muito longe dali, três pessoas todas vestidas de preto, os observava.

— Shayna — disse o velho até com um certo temor— é a primeira vez que vejo essas criaturas por aqui. O que será que desejam?

— Vovô, acho que são judeus!

Logo que foram detidamente observados, os estranhos desapareceram.

— Vamos Shayna, Vamos logo para casa. Eu não estou gostando nada disso.

Ao chegarem, deram com o padre Augustim.

— Eu estava os observando daqui — disse o padre.

Shayna se adiantou e disse ao padre, que ela tinha dezessete anos e deu conhecimento, do que continha no volume que ela guardava.

— Fico feliz, com as suas descobertas. São coisas e documentos muito importantes.

— Agora, Augustim — interveio o tio — quando estávamos lá na divisa, arrumando a cerca, vimos três indivíduos, cujas fisionomias não identificamos, mas a Shayna, acha que, pelas vestes pretas, eles eram judeus.

— Tio, pode ser mesmo que eram judeus e que possivelmente, tenham algum interesse em algumas dessas outras propriedades.

— É...pode ser...— respondeu o velho Lander.

— Padre Augustim, quer tomar um chá que o vovô fez, com essas broas bascas?

— Aceito!

Nas conversações que entabulavam, notava-se que Shayna estava muito feliz.

— Shayna — perguntou o jovem padre — acho que o dia de hoje, será maravilhoso para você. A felicidade, está estampada no seu rosto.

— Estou mesmo, muito feliz por ter sabido a minha idade e, compartilhar das suas companhias a minha alegria. Agradeço a minha mãe, que me ajudou a ter esses momentos felizes.

— Minha querida neta, como lhe disse, eu estou com sessenta e oito anos, estou velho, e é certo, “que não vou ficar para semente”.

— O que que é isso vovô. Não estou entendendo!

— Quero lhe dizer, que não viverei para sempre. Todos nós morremos. Você já teve essa experiência; seus pais faleceram. Pois bem. Você está com dezessete anos. Muitas jovens da sua idade, já estão casadas e com filhos.

— Eu sei aonde o senhor quer chegar com esses pensamentos. A minha mãe, certa vez me disse, que ela casou quando tinha quinze anos.

Já com lágrimas rolando em seu lindo rosto, Shayna, em soluços, falou: — O senhor, e o senhor também padre, querem se livrar de mim, e quem sabe me entregarem nos braços daqueles primos inescrupulosos?

Chorando compulsivamente, ela correu para o seu quarto.

— Augustim, olhe só o que eu fiz...

— Tio, não vamos deixar essa situação perdurar muito. Vamos até lá acalmar a menina e desanuviar os seus pensamentos.

— Shayna, por favor, me entenda. Eu só desejei lhe dizer, que eu morrendo, você ficará sozinha e, nesta casa...como é que você cuidará de você e de tudo aqui?

— Estendendo a mão para o jovem padre, disse entre soluços: — Fica comigo?

O jovem secular, não hesitou em responder: — Fique tranquila minha menina que estaremos sempre juntos, e ainda, por muitos anos, na companhia do seu avô adotivo.

Com o mal entendido desfeito, abraçaram-se felizes.


 

Capítulo IV

Alguns dias passaram sem qualquer novidade. Mas, numa manhã radiosa, o velho Lander, recebeu em sua casa o comissário de polícia, o seu velho conhecido de muitos anos e seu freguês na compra de queijos.

— Olá Osírio, que bons ventos o trazem a este humilde lar?

Antes de responder, abraçaram-se efusivamente.

— Venha, velho amigo. Vamos entrar que vou lhe oferecer um naco daquele queijo que você adora.

Entabularam conversações, as mais diversas, quando se aproximou, Shayna, toda sorridente e sendo apresentada à visita.

— Essa, Osírio, é a minha neta adotiva que Deus me deu.

— Lander, você pode me explicar melhor?

— Qualquer hora eu faço isso. É uma história longa e um pouco triste.

— Lander, ficarei esperando a narrativa dessa história.

Eu, resolvi vir para esses lados, porque houve uma denúncia de roubo de alguns animais, naquela região norte. Como eu não estava muito longe da sua propriedade, resolvi vir. Então, agora, eu lhe convido para que retribua a minha visita. Vou lhe oferecer um belo licor de tannat. É delicioso! Como você está sempre na cidade, faça-me uma visita.

Osírio, despediu-se, abraçando o velho amigo e, beijou a mão de Shayna, que se admirou com esse gesto.

Observando que a jovem se admirava com aquele gesto, o velho Lander se adiantou: — Shayna, esse gesto de beijar as mãos das mulheres, é um gesto respeitoso e educado do meu amigo Osírio com relação a você.

Passou uma semana, Lander e a neta foram à cidade e, levaram de presente a Osírio, um queijo da sua preferência.

Chegando na comissariaria, são recebidos com muita alegria. Osírio, repete o mesmo gesto osculando as mãos da jovem, após ter recebido e agradecido o presente.

— Shayna, faz muito tempo que eu não falo com alguém, no dialeto biscaio. Assim, peço-lhe desculpas, porque vou falar o meu velho amigo nesse dialeto. Acho que você não vai entender nada.

— Lander, eu tenho algo a lhe dizer, mas, para preservar a jovem, não pode ser na presença dela.

— Mas o que pode ser, que ela minha neta, não pode escutar. Eu não tenho segredos para ela.

Nesse momento, o jovem padre que tinha visto o seu tio e a jovem, entrarem na comissariaria, entrou ofegante.

— Tio, o que houve?

— Nada Augustim. O que poderia ser que não retribuir a visita do meu amigo Osírio?

Falando em dialeto, Lander dirigiu-se a Augustim, solicitando que levasse Shayna para um passeio.

O padre ficou surpreso, mas obedeceu.

— Venha Lander, vamos para a minha sala. Como lhe prometi, aqui está o precioso licor de tannat. Tomaram alguns cálices, degustando algumas fatias de queijo.

— Então Osírio, o que você tem a me dizer.

— Lander, alguns dias atrás, antes de visitá-lo, estiveram aqui, três judeus, sendo o pai e dois filhos, acusando-o de ter sequestrado uma jovem judia, sobrinha e prima deles, cujo nome é Shayna. Sua neta adotiva.

Lander, não se abalou.

— Prossiga Osírio. O que eles disseram.

— Eles fizeram um extenso relato, culminando dizendo, que você mantinha a jovem como sua escrava. Como eles fizeram uma denúncia formal — aqui está e assinada pelas três pessoas — eu tenho a obrigação de ofício e apurar, tomando o depoimento de todos vocês e de mais outras pessoas se necessário for.

— O que você quer que eu faça Osírio?

— Que você, me relate tudo, desde quando conheceu a jovem, até ontem. Eu, Lander, não tenho a mínima dúvida da sua inocência nesse caso, mas como lhe disse, eu tenho que concluir esse processo.

Então, eu gostaria que você discorresse com vagar, pois tenho que transcrever.

— Muito bem Osírio — disse tranquilamente — Você está pronto para anotar?

Após um aceno, Lander começou a relatar.

— Certa noite, a altas horas, o meu sobrinho Augustim, bate à minha porta, entra e, sem demora começa a me relatar o que ocorreu com ele naquela noite no cais...

Lander não esqueceu nada, desde o dia que acolheu a menina em sua casa, até a data de ontem. Fez questão de frisar: — Osírio, certa vez, estávamos na cidade, e a Shayna, foi abordada por dois homens, que ela disse serem os seus primos e que lhe disseram muitos gracejos em hebraico. Ela ficou apavorada, e quase gritando, pedia insistentemente para que eu a levasse logo para casa.

Ela, me falou, que durante a viagem para cá, eles chegaram a rasgar a sua roupa e tentaram se aproveitar da menina.

— Lander, estou satisfeito com o seu depoimento. Para completar esse seu relato, eu quero ouvir o padre Augustim e por último, a jovem Shayna.

— Osírio, sabe o que eu acho. Esses judeus, sabiam que a profissão do pai dela, era ourives. Talvez, ele estivesse trazendo valores expressivos, mas que, conforme a Shayna, ela desembarcou somente com a sua valise e um volume que pertencia a sua mãe. Esses safados, estão interessados é na pequena ou grande fortuna, que ficou no caravelão e que deve ter sido motivo de grande satisfação para os marinheiros.

— Fique certo Lander, que eu vou apurar tudo isso com muito rigor.

Ao despedirem-se na porta d comissariaria, viram o padre e a Shayna. A um sinal, eles se aproximaram.

— No mesmo dialeto, o chefe, convida o padre para uma conversa em particular.

Desviando aquela situação do momento, Lander perguntou a Shayna: — Querida neta, há quanto tempo você não tem um vestido novo? Vamos ali, eu conheço uma senhora, costureira, minha freguesa. Vamos ver se ela faz um vestido para você.

— Mas porque isso. Eu não preciso de roupa nova.

— Minha querida, eu quero lhe fazer um presente de aniversário. Eu nunca lhe dei um presente de aniversário.

— Vovô, mas o meu aniversário, o senhor me disse que era em vinte de setembro, e nós estamos de maio!

— Mas Shayna, é um presente atrasado; do seu aniversário do ano passado — falou sorrindo.

Shayna, anuiu a insistência do seu avô.

— Padre Augustim, aqui, três pessoas vieram, e na minha presença, sendo o pai e dois filhos, judeus, relataram que a jovem Shayna, foi sequestrada pelo velho Lander, que a mantinha como escrava. O que o senhor poderá me dizer sobre isso.

— Sequestrada...Escrava...Isso é um absurdo senhor comissário. Titio não disse isso ao senhor?

— Eu acredito no seu tio, no entanto, na posição que ocupo, tenho por obrigação encarar esse caso e concluir. Sei que o Lander é incapaz de fazer qualquer mal a alguém.

— Muito bem senhor Osírio. Eu vou dizer tudo que sei e presenciei, desde o que eu estava fazendo naquela noite tão escura e triste, em frente a igreja de Santo Antão, cujo adro, fica praticamente rente ao porto.

— Por favor, fale pausadamente, que eu tenho que registrar tudo aqui nesse processo.

— Está bem! Naquela noite, após eu ter atendido uma família, que mora ao lado da igreja de Santo Antão, para um ato de extrema-unção,...

E ele relatou tudo e com detalhes.

— Senhor padre Augustim, estou satisfeito.

— O que o senhor vai fazer.Não vai tirar a Shayna do meu tio, vai?

— Não...Não penso nisso. Agora, vou diligenciar ao cemitério, falar com o coveiro; vou ao abrigo e se der tempo, ainda hoje, vou visitar o médico que cuidou da Shayna. Depois, para finalizar o processo, vou ouvir a jovenzinha judia, lá na casa do Lander. Não quero ela aqui nesse ambiente.



Era o meio da manhã. No alpendre, estavam, Shayna, Lander e Augustim. Conversavam descontraidamente, quando um galopar, chamou-lhes a atenção. Olharam para a porteira e, identificaram que era o Osirio que estava chegando.

— Lander, senhor padre Augustim e Senhorita Shayna, muito bom dia!

Lander, hoje resolvi esquentar as canelas do meu “pottok”. Ele estava ficando muito preguiçoso e gordo; só pastando. E sabe de uma coisa: Eu também estou ficando muito gordo!

— Venha Osírio, vamos entrar.

Ao redor da mesa da cozinha, conversaram sobre vários assuntos, entre outros, a grande imigração de judeus, para ficarem em Bilbao, ou para daqui, rumarem para a França.

A certo momento, com palavras bem escolhidas, Osírio dirigiu-se a Shayna.

— Shayna, uma autoridade lá do porto, esteve comigo e, me perguntou se eu tinha conhecimento sobre a vinda de alguns judeus, provindos de Portugal, em que no caravelão, faleceu um casal. A alguns dias atrás, conversando informalmente com o padre Augustim, ele me disse que providenciou o sepultamento dos seus pais. Então, senhorita, eu gostaria que você me contasse esse episódio, sei que é triste, mas por favor, faça um esforço e me relate.

— Posso contar sim, senhor Osírio. Isso já está fazendo um bom tempo atrás.

— Se não se incomoda, Shayna, eu vou anotar tudo que você disser. Concorda?

— Concordo!

Virando-se para seu avô e ao padre, ela disse: — Se eu esquecer alguma coisa, pois sabem muito bem a minha história, por favor, me chamem a atenção.

Shayna, descontraidamente, iniciou o seu relato, desde o momento do embarque, numa madrugada fria em Lisboa, salientando, que seu pai havia lhe dito, que saiam de Portugal como fugitivos.

— Senhor Osírio, enfrentamos no percurso, fortes tempestades, que no meu entendimento, quase naufragamos. Mas chegamos, infelizmente, com meus pais mortos, pela peste dos ratos.

O padre Augustim, foi a única pessoa que me ajudou e me amparou. Fez o sepultamento dos meus pais; providenciou para que eu pernoitasse num abrigo e, no dia seguinte, como eu estava com muita febre, levou-me ao médico, só que agora, também na companhia do meu avô adotivo, que me recolheu em sua casa, tratou da minha saúde, com todo cuidado e carinho, com a ajuda da senhora Talya.

Senhor, dentre mais de trinta pessoas que viajavam, estava, um tio, uma tia e dois primos, os quais, ainda vou varrer da minha mente, essas criaturas para sempre.

Dizendo isso, grossas lágrimas rolaram daquele meigo e lindo rosto.

— Shayna, você deseja continuar o relato, ou prefere parar.

Calou-se por uns instantes, com um lenço oferecido pelo padre, enxugou o rosto e continuou.

— Numa noite enluarada, eu estava olhando as ondas que batiam no caravelão, preocupada com o estado de saúde de papai e de mamãe, pensando: “se eles morrem, o que eu faço sozinha!”, quando fui encurralada num canto do barco, pelos meus dois primos, que logo me rasgaram o vestido e tentaram me usar. Eu gritei, gritei, até que fui acudida por um velho marinheiro.

Não contei nada disso aos meus pais, porque eles já estavam muito mal e acho que nada poderiam fazer. Outra coisa, senhor, eles nos abandonaram, quando aqui chegamos. Se não fosse o padre Augustim, eu não sei o que seria de mim.

— Shayna, quando você e o Lander, avistaram aqui por perto, três pessoas, todas vestidas de preto, que poderiam ser judeus, não reconheceu nenhum deles?

— Eles estavam bem longe. Não reconheci.

— O seu pai, trazia muita bagagem? Alguns valores?

— Não tínhamos muita bagagem. Eu tinha uma pequena mala, a deles, era um pouco maior e papai, tinha uma valise, a qual ele tinha muito cuidado. Agora, se havia valores nessa valise, acho que os marinheiros acharam, porque, no desembarque, de tão transtornada que eu estava, que só peguei a minha pequena mala e um volume da minha mãe.

Papai, senhor, era ourives. Não seu se ele trazia dinheiro, ou objetos de valor, naquela valise.

— Shayna, minha querida — disse o comissário — estou satisfeito com o seu relato. Vou informar tudo isso a autoridade portuária e encerrar o assunto.

Sacando do seu relógio de bolso, constatou que já era hora de ir embora e, educadamente, recusou o convite para ficar e almoçar.

Efusivamente, abraçou o velho Lander, o padre Augustim e beijou mão da senhorita Shaya, dizendo: — Você é uma jovem muito bonita! Merece ser muito feliz!

No dialeto biscaio, Osírio, em mais um abraço no seu amigo Lander, sussurrou: “— Daqui três dias, espero vocês na comissariaria, pela manhã”

Shayna, foi para a cozinha, deixando os dois, que confabularam sobre a ida de todos eles à comissariaria.


 

Capítulo V

No dia aprazado com o seu amigo Osírio, logo pela manhã, Lander e Shayna, estavam nas proximidades da comissariaria. Lá estava o jovem padre Augustim que os aguardava.

Na comissariaria, Osírio os introduziu numa ampla sala, onde já se acomodavam os três denunciadores.

Reconhecendo quem eram aquelas pessoas, Shayna, ato contínuo, movimentou-se para abandonar o local. Prevendo que isso poderia acontecer, Osírio, logo acorreu, tranquilizando a jovem, informando-a que ali, nada poderia acontecer a ela. Ao seu lado, Osírio designou um dos seus auxiliares para protegê-la.

— Senhor Osírio, agradeço a sua proteção. Eu ficarei, mas não quero ficar olhando para essas criaturas, e logo virou-se para uma das paredes.

— Senhorita Shayna, pode ficar como desejar, pois não há necessidade alguma de se fazer o reconhecimento. Nós não nos alongaremos muito nos procedimentos que aqui iremos fazer.

— Bem, senhores acusadores, o repúdio contra vocês é muito forte por parte da senhorita, sobrinha e prima, respectivamente, como acabaram de presenciar. Vou lhes fazer algumas perguntas para concluir esse processo o mais breve possível.

Senhor Batuel: o senhor era irmão do senhor Alon ou da senhora Alitzah?

— Ele, era meu irmão — respondeu secamente.

— Na noite que o senhor desembarcou, o senhor teve o conhecimento que o casal Alon e Alitzah, já havia falecido?

— Eu sabia que eles estavam muito doentes.

— Então o senhor não procurou se cientificar que o seu irmão e sua cunhada, tinham morrido e, que a sua jovem sobrinha, com apenas quinze anos, poderia precisar de ajuda?

— Eles estavam doentes, com a peste dos ratos.

— O senhor sabia que, o senhor Alon, trazia uma riqueza considerável numa valise?

— Ele era um ourives. Com certeza, para aqui recomeçar seu ofício, acho que trazia ouro e prata.

— Senhor Batuel, depois das suas denúncias, eu investiguei, e descobri que quem providenciou o sepultamento do seu irmão e da sua cunhada, foi esse senhor que aqui está — o padre Augustim. E foi ele também, que providenciou que a sua jovem sobrinha, fosse recolhida naquela madrugada num abrigo.

No dia seguinte, o padre, na companhia do seu tio, Lander, levaram a jovem Shayna ao médico, porque ela ardia de febre. E não foi só isso: o senhor Lander, acolheu a sua sobrinha na casa dele, amparando-a, dando-lhe um teto e, com os préstimos de uma vizinha, senhora Talya, a jovenzinha, recuperou a saúde, e está aí saudável, mas, com certeza, sentindo uma grande repulsa na presença dos senhores.

Agora, dirigindo-se aos primos — Caleb e Elizeu, o senhor Osírio perguntou: — Por ventura, vocês tem idéia, do porquê, que a senhorita Shayna, não quer olhar para vocês?

Os dois acenaram com a cabeça de maneira negativa.

— Por acaso, não acham que a atitude dela é muito significativa?

— Não temos como saber, senhor — respondeu Eliseu.

— Os senhores, não estão lembrados, que numa noite, quando ainda navegavam, vocês a atacaram, rasgando o seu vestido, e procurando desonrá-la?

— Senhor Batuel, o senhor teve conhecimento desse fato?

— Não senhor.



— Pois aí está o grande motivo que a senhorita Shayna tem no seu íntimo, de não querer nem olhar para os seus rostos.

— Eu, senhores, pesquisei a fundo esse caso, ouvindo todas as pessoas que dele participaram. Primeiramente, eu ouvi o coveiro, que me levou até a cova onde estão enterrados, Alon e Alitzah. Disse-me ele, que quem trouxe os defuntos, foram uma jovem e um padre, numa noite muito escura; depois, fui até ao abrigo, e lá, ouvi a responsável que acolheu a Shayna enlutada, a altas horas da noite; entrevistei também, o médico, que assistiu a jovem, medicando-a; me informei com os vizinhos de propriedade do senhor Lander e, de tudo isso, além de, pessoalmente, visitar a senhorita Shayna, não constatei nada do que os senhores acusam o velho Lander. Constatei sim, que ela ali, foi e está muito bem cuidada e feliz. Saibam os senhores, que por sua vontade própria, ela elegeu o velho Lander, como o seu avô adotivo. Isso, senhores, se não sabem e nem desconfiam, é uma expressão de amor e reconhecimento que ela tem com o senhor Lander. Então, já lhes adianto que, o senhor Lander, juntamente com o padre Augustim, são verdadeiros anjos da guarda da senhorita Shayna.

Outra coisa. Só para elucidar aos senhores, que casualmente, descobri e constatei a grande incoerência que existe entre os seus nomes e as suas atitudes com relação a uma familiar — a Shayna.

Senhor Batuel, o seu nome quer dizer, “o homem de Deus”: no entanto, o senhor não movimentou nem uma pena em favor da sua sobrinha, menina, praticamente, em face de uma situação de falecimento dos seus pais, sem saber o que fazer frente a essa realidade da vida. Então o que o senhor fez? Abandonou-a naquela noite escura e fria. Ela, como o senhor, também é uma filha de Deus; senhor Caleb, o seu nome quer dizer, “o cão — “o grande amigo do homem”. Mas, o que o senhor fez, senão tentar desonrar a própria prima; e o senhor, Elizeu, que quer dizer “pessoa confiável”, que também não honrou o seu nome, provocando na sua prima de sangue, como o senhor vê, um grande repúdio.

Enfim, dos senhores, só tenho a lhes dizer, que nada se aproveita. Eu estou achando, que os senhores queriam mesmo, é a valise do senhor Alon, que deveria estar cheia de valores. Mas constatei, com a senhora do abrigo, que a jovem Shayne, quando lá pernoitou, tinha somente um pequeno embrulho e uma também pequena mala de roupas. A valise do senhor Alon, ficou no caravelão, que com certeza, deve ter proporcionado muita alegria a algum dos marinheiros que a achou.

Por fim senhores, e sem mais delongas, eu não vou encarcerá-los, mas, estou lhes dando um prazo de três dias, a começar de agora, para que os senhores e seus familiares, desapareçam de Bilbao. O único caminho que vocês têm, é com destino à França. Para ter certeza disso, eu vou mandar uma comitiva acompanhá-los até a divisa das nossas terras com a França. Não quero vê-los nunca mais! Se desobedecerem, serão presos.


 

Capítulo VI

— Padre Augustim, já há algum tempo, eu o vejo, periodicamente, às segundas-feiras, você aqui, à frente do Santíssimo, estirado ao chão, outras vezes, de joelhos, orando e, no meu sentir, numa rogativa tão profunda dos seus sentimentos, que já notei, partindo da sua cabeça, chispas em direção a imagem de Santo Antão.

Noto também, que você não fica, desta ou daquela maneira, apenas alguns minutos, mas você atravessa a noite, partindo daqui, somente no começo do alvorecer.

Augustim, não estou fazendo essas observações, recriminando-o. Não! Acho muito louvável que reverenciemos o nosso Senhor Bom Jesus e o nosso padroeiro Santo Antão.

O meu intuito, está destinado a um possível e talvez, um pequeno auxílio que poderei lhe oferecer, levando em conta, sem ostentação, aos mais de quarenta anos de sacerdócio. Acho que ingressei no sacerdócio, com a sua idade, aqui mesmo, nessa paróquia. Conheço todas as pessoas residentes em Bilbao. Por todo esse tempo, a minha vida, como de qualquer pessoa, foi e é idêntica, composta de alegrias, às vezes de tristezas, de vitórias e, como não, também de derrotas; de venturas e desventuras; de compreensões e incompreensões; de amor e desamor. Tudo isso, muito igual a qualquer pessoa, com uma única e expressiva diferença: nós padres Augustim, não temos ninguém com quem dividir no nosso dia a dia. Temos que nos recolher e, pedir em oração, a ajuda ao Altíssimo.

Tive momentos, em alguns desses anos de sacerdócio, de muita, mas muita solidão, acompanhada de fortes arrependimentos, pelo que deixei de exercer a minha vontade. Os arrependimentos, meu caro Augustim, são figuras constantes em nossas mentes, mesmo, se aconteceram em um passado muito distante. Eles estão eternamente vivos, compondo com outras nossas lembranças.

Eu acho, Augustim, por tudo que já observei e vivenciei, que agora, diante de você, admito que no seu íntimo, há um enorme conflito. Quero lhe dizer, que esse envolvimento conflituoso que assola o seu pensar e o seu mais refinado sentimento, todos nós, sejamos padres ou não, tivemos e ainda estamos, por algumas vezes, sendo visitados por ele.

Eu, lhe confesso, que tive muitos conflitos. O último, faz alguns anos, foi frente, a algo inusitado, que colidiu na minha mente, com a nossa doutrina católica. Foi quando, comecei a ver nitidamente, algumas pessoas que já haviam morrido, e que eu lembrava perfeitamente, que tinha oficiado a sua missa de corpo presente. Até nesse dia, não acreditava nas pessoas que se diziam ver as almas dos defuntos. Vez ou outra, eu os via e reconhecia, até pelo nome. Lembro, que essas almas, queriam falar comigo, mas eu me recusava a ouvi-las.

Tive que aceitar isso, porque, por várias vezes, estando aqui, como você, em recolhimento, elas apareciam à minha frente, como isso ainda acontece, querendo conversar e contar como estão, o que fazem e o que pretendem fazer. Algumas almas, com tênue luminosidade, já me disseram que estavam trabalhando para, novamente renascer. Esses encontros inusitados e conflituosos para mim, não aconteceram uma ou duas vezes, mas muitas e muitas vezes. Hoje, já estou sovado com essas manifestações. Essa, é uma realidade, portanto, que nesse meu mandato sacerdotal, que não está longe de findar, já admito.

— Padre Robles, se uma outra pessoas me relatasse isso que me conta, eu não acreditaria.

— Houve um momento muito expressivo e interessante. Já eram altas horas da noite, o tempo lá fora, era de uma chuva muito pesada e o ribombar da trovoada era forte. Não sei porque razão, estava no dentro do confessionário, quando, do outro lado, uma voz feminina: “Padre, eu desejo me confessar!”

Primeiramente, eu me assustei. Por alguns instantes, mantive-me surpreso, até que perguntei: — Como você entrou na igreja, e a estas horas, se as portas todas, estão cerradas?

— Padre Robles — respondeu ela — eu não tenho dificuldade nenhuma de entrar em qualquer lugar. Meu corpo, que tinha muitos obstáculos, já morreu, mas a minha alma, não tem nenhum, pelo menos até o momento.

Mas, padre, eu não gostaria de ocupar muito o seu tempo. Vou lhe contar algo, que considero, para mim, muito importante e que é o meu desejo.

Eu, morri...Não, meu corpo morreu...Antes de falecer da febre tifóide, nos horários, previamente estipulados para nós, designados pelo senhor, aqui vínhamos e, cumpríamos, ao nosso modo, a nossa obrigação de católicas. Gostávamos do seu acolhimento para conosco. O senhor, padre Robles, nunca nos preteriu, aventando qualquer preconceito. Bem, então voltando ao assunto, morte, eu, quando morri, embora desejasse, não tive a oportunidade de receber a sua extrema-unção; não me confessei pela última vez. Assim padre Robles, quero fazê-la agora, pois isso, me fará muito bem, se o senhor me permitir, muito embora, sei que o fazendo, não me isentarei das consequências dos pecados cometidos. Isso, já foi-me dito. Mesmo assim, esse é meu desejo.

— Como você se chama?

— Estelita. Recorda-se?

— Sim! Mas Estelita, se você sabe que não vai escapar das consequências dos seus pecados, porque você está aqui então, se eu não posso absolvê-la e nem indicar-lhe como penitenciar as suas faltas ?

— Estou aqui padre Robles, só para me confessar, pois, naquela oportunidade, não me foi possível. Não vou pedir para que Deus perdoe todos os meus pecados e que também o senhor me absolva, uma vez que, já compreendi a lição — “Quem planta, há de colher”, seja lá o que for.

E assim, aquela alma, desenrolou toda a sua vida, por um bom tempo no confessionário. Terminando, agradeceu a minha atenção, e me disse: “Fique com Deus padre Robles!”

— Estelita, sempre que se achar com a necessidade de se harmonizar, peça ajuda ao nosso santo padroeiro — Santo Antão.

— Obrigado padre Robles...

— Augustim, acho que a antiga frequentadora da casa de tolerância, com certeza, deve ter ficado mais leve com o seu desabafo.

— Então, Augustim, voltando ao seu conflito, que agora, você não precisa me contar, ou nunca me contar, vamos dormir um pouco, que não demorará muito a amanhecer. Aqui, eu tenho uma acomodação para visitantes, padres, que estão de passagem. Durma bem!


 

Capítulo VII

O tempo voou. A época das fortes chuvas voltaram. A hora, já estava avançada. Antes de se recolher para o sono reparador, Augustim, posicionando-se como de hábito, genuflexo, para a sua última oração do dia, rogava a interseção de Santo Antão; com fervor, pedia ao santo, que iluminasse o seu pensamento e seus sentimentos, a fim de que pudesse se direcionar melhor na vida presente e futura. Dialogando com seu santo, admitia que a sua vida, havia se resumido em duas fases: antes de ser abordado por um marinheiro no cais, e outra, depois do ocorrido e ter conhecido a jovem judia.

Ainda genuflexo, sob a luz bruxuleante de um toco de vela, em voz alta, rogou a Jesus: Na minha pequenez de espírito, sem um mínimo mérito, me valho do seu ensinamento — “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á”. Então, Mestre Querido, eu Lhe peço e imploro e, à sua porta, bato, para que me dê, se eu merecer, um melhor discernimento para a minha vida atual e futura.

Nesse instante, embora a sua cela estivesse toda fechada, uma forte rajada de vento, assustando-o, deixou-o na escuridão. Surpreendido com esse fato e, sentindo no seu corpo uma sensação congeladora, de imediato, brotou no seu cérebro, a imagem abatida do seu querido tio.

A chuva forte fustigava Bilbao, acompanhada do estrondear das trovoadas; era assustador.

“Será que aconteceu algum acidente com titio? E a Shayna, sozinha, o que poderá fazer?”

Num ímpeto, aprumou-se, vestiu-se, agasalhou-se bem, pegou seu guarda-chuva e saiu em direção a casa do seu tio. A distância a enfrentar, não era pequena, mas o seu ânimo de chegar, era enorme e, sem medo, encarou uma caminhada bem difícil, até que chegou todo enlameado e encharcado.

Junto à porta, Augustim, percebe que Shayna chorava muito.

— Shayna...Shayna...sou eu...padre Augustim...

Com a porta aberta, Augustim vê jovem judia toda descabelada, molhada, suja de lama...

Surpresa e ao mesmo tempo agradecida com a chegada do padre, ela jogou-se nos braços de Augustim, chorando convulsivamente.

— Shayna, procure se acalmar um pouco e me diga o que aconteceu? Onde está titio?

— Eu não consegui levá-lo para a cama. Ele está ali na sala, estirado no chão e desacordado, todo molhado e sujo.

Constatando que seu tio respirava, ainda que, muito fracamente, Augustim, solicita a Shayna algumas providências: — Por favor, pegue a roupa de dormir do titio, uma toalha de banho; depois, vá para a cozinha, alimente bem as chamas do fogão, esquente água no maior recipiente que tiver. Vou dar um banho nele. Separe uma água e faça um chá de alho bem forte.

Ainda desacordado, mas o velho Lander, está acamado sob grossos cobertores.

— Shayna, acho que as providências materiais que poderíamos cumprir, cumprimos, agora, é a sua vez. Vá se lavar e trocar essas roupas molhadas. Depois, serei eu.

Augustim, tinha o mesmo tipo físico do seu tio, assim, as roupas dele, serviram.

— Shayna, agora, conte-me o que aconteceu.

Ainda, muito chorosa, ela relatou: — Eu estava na cozinha, arrumando algumas coisas, quando escutei um grande estrondo e em seguida, as vacas mugindo. Vovô, estava na sala, lendo. Ele correu para a janela e logo disse: — Preciso ver o que aconteceu com as minhas vacas.

— Mas vovô, a chuva está muito forte!

— Eu preciso ver, Shayna...

— Então, eu vou com o senhor!

Duas vacas, acho que estavam mortas, as outras, não se encontravam no curral.

Ele foi caminhando no escuro, naquele pasto molhado, quando mais um raio caiu próximo de nós.

Caímos, nós dois no chão. Meio atordoada, consegui me levantar, mas o vovô, não levantou. Insisti, gritei, mas ele não levantou. Consegui trazê-lo para casa, mas não sei com que forças. Deixei-o na sala. Eu estava exausta. Não seu o que aconteceu com ele.

Prorrompendo-se, mais uma vez em prantos, Augustim, a ampara num abraço.

— Shayna, acho bom você tentar dormir um pouco, pois o dia que aí vem, promete que será muito longo.

— Antes, padre Augustim, o senhor poderá me dizer a razão da sua vinda até aqui, nessa tormenta de raios e trovões?

Carinhosamente, ele afagou os longos e negros cabelos da jovem, e disse: Shayna, “volgut angel”...Shayna, vá descansar. Logo que se normalizarem as coisas, eu lhe responderei.

Encaminhando-se para o seu quarto, ela lembrou-se que o seu avô adotivo, às vezes a chamava assim: “volgut angel” — querido anjo, em catalão.

Augustim, velou pelo tio e em oração, até o raiar do dia.

Ainda de joelhos, apoiando-se ao lado da cabeceira da cama do seu tio, com a sua cabeça entre as mãos, percebe uma leve tosse. Segurando a mão do tio, chamou-o: Tio, o senhor me ouve? Repetiu mais algumas vezes, até que sentiu um leve aperto em suas mãos. Isso, foi um sinal muito expressivo.

Saiu do quarto correndo, e pelas mãos, trouxe a Shayna.

— Shayna, pegue na mão dele...fale com ele...

Chorosa, entre soluços: — Vovô Lander...vovô Lander...acorde...eu preciso do senhor...não me deixe...Nós precisamos cuidar das vacas...

Com os olhos semi abertos, ele apertou a mão da sua neta adotiva querida.

— Fique conversando com ele, que eu vou fazer mais um chá de alho.

Com dificuldade, ainda, Lander, tomou todo chá.

— Shayna, eu vou até o vizinho, emprestar uma carroça; vou trazer o médico.



O velho Lander, por quase um ano, conseguiu resistir aos efeitos do mal que lhe afligia, mas, um ataque cardíaco, foi fatal.

Foi muito concorrida a encomendação do corpo de Lander, em missa de corpo presente. O velho, era muito querido por um grande número de pessoas de Bilbao.

— Shayna, estava inconsolável e, sempre ao lado do padre Augustim, que também deixava rolar grossas lágrimas.

Após, tudo consumado, com muito tato, observou a Shayna, que ela deveria ficar no abrigo, por algum tempo.

— Mas por quanto tempo?

— Não muito. Só até eu resolver o que fazer com as coisas do titio. Eu estou me apressando, porque também tenho que solucionar algumas coisas minhas.

No abrigo, há muito que fazer. Não fique na ociosidade. Ocupe-se.

Eu, vou falar com o padre Robles e pedir alguns conselhos para essa situação, que é para mim, inusitada. Agora vamos Shayna, que temos muito o que fazer.

Shayna, você lembra do senhor Alonso, vizinho de titio? Combinei com ele, quando veio me cumprimentar, para que ele peque as vacas e os cavalos e leve para a sua propriedade, cuidando dos animais. Disse para que ele ficasse com o produto do leite. Ele aceitou. Então, só temos que nos preocupar com as coisas pessoais de titio.

Em um grande gavetão, Augustim, encontra documentos pessoais, dele, da sua esposa e da filha; roupas femininas e sapatos; uma bolsa de couro, bem surrada, onde continha, jóias e uma expressiva quantidade de dinheiro, além de uma carta testamento, que legava a Augustim e a Shayna, toda propriedade e os animais.

— Shayna, você já arrumou as suas coisas?

— Já!

— Então, vamos “volgut angel”!

— Agora, padre Augustim, eu só tenho o senhor como meu “volgut angel”

— Você então já sabia...

— Eram com essas palavras em catalão, que o vovô às vezes me chamava.

Não trocaram nenhuma palavra até chegar no abrigo.

— Cuide-se, Shayna, tenha paciência, ocupe todo o seu dia; eu virei buscá-la assim que resolver tudo.

Enquanto ele se afastava, Shayna, recostada no portão do abrigo, pensava: “Virá buscar-me...Para me deixar aonde?”

Ao seu lado, a responsável pela administração do abrigo, só observava e, divagava: “É um jovem padre e, muito bonito...e ela, uma linda jovem judia...”

A passos rápidos, na direção da igreja de Santo Antão, Augustim, percebe, que na sua frente, há uma distância considerável, está o padre Robles. Agora, correndo e gritando: — Padre Robles...Padre Robles...

Calmamente o padre Robles vira-se, identifica o seu companheiro de sacerdócio e, de imediato, num lampejo, a sua mente revela: “Hoje, solucionar-se-á o conflito que fustiga a mente do meu irmão Augustim”

Num átimo, quadros sucessivos do seu passado, vieram a mente do padre Robles, em que o seu pretérito experimentou, trazendo naquela época para seu coração, enorme sofrimento: “Padre Robles lembrou-se, como morador de Sant Julia de Loria, em Andorra, que apaixonou-se por uma campesina, de nome Lilette, mas, por força e imposição dos pais dela, ela teve que consorciar-se com um jovem um pouco mais abastado do que ele. Eram todos amigos. Os dias calmos corriam em Sant Julia, até que uma notícia de morte acidental, ceifou a vida do esposo de Lilette. Uma esperança, surgiu de um lado fúnebre, mas, essa era a oportunidade real que ele tinha para tê-la ao seu lado. O idílio com Lilette, agora, sem oposição, era uma realidade promissora, até que, uma gripe, com consequências ferozes, levou-a... Tudo isso, aconteceu no transcurso de mais ou menos um ano. Ele abandonou aquelas plagas, e já caminhando em solo francês, com sede, fome e frio deparou-se com uma construção sólida; um mosteiro. Pediu auxílio para suas necessidades materiais e, de sobejo, ofereceram-lhe também, para as suas chagas internas, bálsamos espirituais.

Alguns deles, ali, tinham histórias idênticas ou quase, as suas. Eles diziam com uma firmeza categórica: “Ainda há haver uma esperança.”

Questionando consigo mesmo: Porque, nunca questionei esse dito naquela época?

Só agora tenho o real entendimento dessa verdade, após a análise de muitos fatos ocorridos comigo, dentro da igreja, que a frase, “ainda há de haver uma esperança”, aqui em Bilbao, quando comecei a relacionar o meu passado, com os fatos que vi e ouvi, já investido como sacerdote.”

Tudo isso, aconteceu num “flash” mental.

— Está se exercitando Augustim?

— Ah Padre Robles...Não, eu só desejo que o senhor possa me dar algumas diretrizes e conselhos.

O velho e experimentado padre, mira bem seu jovem irmão de batina, abraça-o, afaga a vasta cabeleira e, simplesmente disse: — Vamos!

Tendo ainda na sua memória, quadros expressivos do seu passado em Sant Julia de Loria.

No adro da igreja de Santo Antão, o padre Robles, observa a Augustim: — Veja só, Augustim, aquele homem de vassoura na mão. Hoje, ele varre aquele lado; amanhã, ele varrerá o centro e depois de amanhã, estará deste lado. Feito isso, ele entra na igreja e faz toda limpeza, não deixando nem um cantinho sem passar um pano; limpa tudo! Isso meu irmão, ele faz todo santo dia, após ministrar suas aulas de matemática.

Ninguém lhe pediu para que ele fizesse isso. Ele o faz, com alegria, às vezes cantando e, não pede nem um copo de água.

Chegamos aqui em Bilbao, mais ou menos na mesma época. Ele veio de Barcelona, ainda jovem, talvez com vinte e três ou vinte e cinco anos, solteiro; professor Benitez. Muito boa criatura. Irrepreensível nos seus atos. Chegamos aqui, mais ou menos na mesma época. Eu também tinha essa idade: vinte e cinco anos.

Conversávamos e ainda conversamos muito sobre tudo, até sobre as coisas do nosso foro mais íntimo; nossos sentimentos. Nunca o encontrei em meu confessionário, mesmo porque, sempre o avaliei uma pessoa muito íntegra, de bons princípios, mas, como todos os seres humanos viventes, experimentava e administrava bem os seus conflitos, que não eram pequenos.

Lembro-me bem... são mais de trinta anos passados, ele convidou-me para ir à sua casa, aquela ali, ao lado da igreja, para tomarmos um chá de melissa com broa basca; uma delícia!

Nesse encontro, ele me contou que tinha deixado Barcelona, por uma questão de amor; um amor, que ele teve que renunciar para que não houvesse uma tragédia. Abandonou Barcelona, veio para Bilbao e, aqui, depois de um tempo, outra coisa não aconteceu com ele, senão, a mesma situação que havia deixado para trás, em Barcelona, só que, mais agravado, pois aquela mesma jovem que assaltou o seu coração, estava ali, só que casada.

Hoje, Augustim, eu posso lhe contar, porque a jovem, bonita e casada, principal personagem desse idílio que só aconteceu em trocas de olhares ternos, esteve em meu confessionário, expondo os seus conflitos sentimentais.

Benitez, dizia-me, que amava aquela jovem mulher casada, desde quando residia em Barcelona, e lá. ela ainda era solteira; que tinha abandonado Barcelona, para que não houvesse uma tragédia. Reclamava, sem exageros, com Deus, questionando comigo essa situação: “Porque, a mesma situação, agora mais agravada, vem acontecer comigo aqui em Bilbao, padre Robles?”

Bem, Augustim, para não ir muito longe com a história: Ela contraiu uma doença, que não foi identificada. Seu esposo, encerrou o comércio que tinha, e regressou para Barcelona.

Benitez, desapareceu por um bom tempo. Mas certa noite, antes de eu cerrar as portas da igreja, eu o vejo caminhar na minha direção. Nos abraçamos e, em nossos diálogos, disse-me que, desde o primeiro dia após o féretro da jovem mulher, ele passava horas e horas em frente ao seu túmulo, orando e questionando-a, tentando obter alguma resposta da defunta.

Disse ainda, Benitez, que no dia anterior àquele nosso encontro, ele obteve dela, com perfeita clareza: “-Benitez, não venha mais aqui tentando conversar comigo. O que aí está enterrado, não tem condições de falar”.

Foi então, nesse que tivemos, que ele me pediu para limpar a igreja, pois quem sabe ali, ele poderia dialogar com a sua amada.

Naquele momento, achei que o meu amigo poderia estar com algum desequilíbrio, mas concordei.

O tempo, escoou e Benitez, sempre cumprindo a sua promessa de limpeza da igreja. Mas Augustim, qual não foi a minha grande surpresa. Certa noite, pronto para me recolher, eu escuto um leve barulho, fui verificar muito devagar, e constatei, Benitez, com uma lamparina numa mão, a vassoura em outra, estava sentado e, ao seu lado, uma jovem, linda e risonha; ambos felizes. Voltei para o meu quarto, com aquela imagem ainda na minha mente e orei fervorosamente, em favor de Benitez e daquela alma. Eu a reconheci! Era a Carolina!

Essa, foi a segunda vez que eu comecei a ver as almas das pessoas que já faleceram. À partir desse dia, normalmente depois de minhas orações, sempre vejo alguém que já morreu, visitando a nossa igreja.

Nesse momento, Augustim, recordo-me, que Teresa Sanches de Opeda, que posteriormente tornou-se, Santa Teresa de Ávila, a escritora mais erudita da língua espanhola, no seu livro, o “Livro de sua vida”, narra poeticamente as visões, escutava os espíritos e diálogos com Jesus. Existem outros, que viam e falavam com as almas, como Santa Brigida, Vicente de Paulo, São João Bosco, que conversava com seu amigo, Luis Comolo, que já havia falecido, e muitos outros.

Há uma passagem evangélica, quando Jesus dialoga com Nicodemos, senador dos judeus: Jesus afirma a Nicodemos: “Não te admires de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo.” Então Augustim, refletindo com profundidade sobre essa máxima de Jesus, essas almas, da Estelita, da Carolina, e ainda, outras que vi e continuo vendo, terão oportunidade de nascerem de novo e, com grandes possibilidades de fazerem ou de concluírem algo que muito desejavam e, que não foi possível por várias circunstâncias em uma vida. E ainda refletindo sobre o que afirmou Jesus, dentro da minha amplitude de entendimento, acho, que o que nós adquirimos com respeito ao conhecimento, nós não perdemos; vindo a renascer, nós só acrescentaremos.

Bem Augustim, esta aí, algo que deveremos nos debruçar para entender melhor sobre esse e outros ensinamento do nosso Mestre Querido.

Quanto ao Benitez, ele continua a limpar a igreja. Continuamos amigos e confidentes. Vez ou outra, eu ainda vejo a senhora Carolina aqui na igreja, acompanhando o seu amor e, já não me admiro mais.

Ele, já está velho, como eu, e às vezes me fala: “Ainda há uma esperança, padre Robles; teremos outras vidas”. Com isso, eu lembro do meu passado em Santa Julia de Loria em Andorra, e tenho outro ânimo.

Mas, Augustim, vamos entrar!

Da porta da entrada da igreja, ambos calados, caminham pela nave até o santuário.

Padre Robles, quebrou o silêncio.

— Augustim, acho que tudo que fizermos, importante ou não, dentro ou fora da igreja, como ainda somos muito vacilantes em nossa fé, vamos pedir para o nosso Padroeiro Santo Antão, para que venha ao nosso encontro e, nos auxilie. “Santo Antão, amigo de todas as causas e de todas as horas, rogamos o seu amparo, a sua força, a sua determinação, às quais, lhes deram méritos para receber do nosso Querido Mestre, toda sustentação para ser uma dos grandes divulgadores da Doutrina de Amor, proclamada por Jesus. Seja Santo Antão, para os nossos problemas, os mais diversos, uma grande luz, clareando as nossas mentes e os nossos destinos.”

— Padre Robles, confesso-lhe que a ótima sensação de bem estar, que nesta hora, sinto, eu nunca havia experimentado.

— Acho Augustim, essa sensação gostosa que estamos sentindo, vem do que vou lhe relatar pelas possibilidades que tenho de ver, o que muitas pessoas não vêem: Nós estamos aqui, frente a este santuário, que está mergulhado de uma luz argenta. Temos também, a companhia de almas que trazem os seus peitos iluminados. Há um casal, que se identifica como sendo os seus pais — Hernandes e Ester; ao lado, outro casal — Alon e Alitzah.

Augustim, não tenha dúvidas, do que mais vou lhe relatar. Eu não vejo o nosso Padroeiro, mas, o sinto na sua grandeza espiritual; essas pessoas também, todas iluminadas, me dão imenso prazer de poder ser os seus intérpretes nesse instante.

Para que não percamos nenhuma vírgula, acho bom, anotarmos tudo.

— Padre Robles, o senhor Alon e a senhora Alitzah, foram os pais de Shayla.

— Augustim, constato, que também, está aqui conosco, o que me dá imensa alegria em vê-lo, muito bonito e feliz, é o seu tio Lander...

— Titio...

Augustim, não se conteve, chora, vertendo grossas lágrimas.

O espírito do velho Lander se aproxima, abraça-o e beija-o, deixando uma forte sensação de paz e amor no seu querido sobrinho.

Largo silêncio se estendeu por algum tempo.

— Augustim, o seu tio, como que ter sido eleito pelos outros que aqui estão, está muito rejubiloso para falar. Vou chamar o Benitez que se apronta para começar a varrição, para fazer todas as anotações.

“Querido sobrinho e amigo! Uma emoção saudável invade a minha alma, neste ambiente de luz radiante. Agradeçamos a Santo Antão, por ter-nos dado essa oportunidade de podermos nos beneficiar dos seu eflúvios de amor, frente a esse Divino Santuário.

Augustim, meu querido, de pronto, desejo e assim o faço, agradecer, não só do fundo do meu coração, mas de todo meu coração e de todo meu entendimento, a sua atenção para comigo, por todo o espaço de tempo que convivemos. Não houve uma situação a destacar, todas as horas que estivemos juntos, foram especiais. Sou portador, neste instante, também, dos agradecimentos que provém dos seus pais, que recordam os momentos saudáveis e felizes do seu período infantil, como uma criança amorosa e educada.

O senhor Alon e a sua senhora, os quais você não os conheceu, também aqui estão solidarizando-se conosco e agradecendo todas as providências respeitosas que você empreendeu para que os seus despojos fossem, com seriedade sepultados e suas almas encomendadas a Deus, naquele dia atribulado.

Augustim, meu dileto, estamos aqui, deste lado, todos, muito certo, das suas intenções, que emergiu em seu coração e no seu entendimento, desde a noite em que o caravelão aportou em Bilbao, trazendo aquela jovenzinha, que assaltou o seu ser.

Estamos cientes, todos nós deste lado, que nesse ambiente santo, as nossas palavras estão sendo transcritas pelo professor Benitez. Que Deus o abençoe professor e bom amigo!

Então, é necessário e prudente, que fique muito bem gravado para o tempo futuro, que a nossa intenção, o nosso júbilo a este encontro, está cingido, única e exclusivamente vinculado em um ato de agradecimento, enlaçado ao que vivenciamos no passado e ao que somos hoje, graças aos ensinamentos da Vida Maior que Jesus nos proporcionou a conhecer e praticar. Em nada, estamos ligados e influenciando a livre vontade do nosso querido Augustim.

Convivi e ainda convivo com o seu caráter reto, assim como, muitos que o conhecem, o consagram na sua retidão ilibada.

Acho bom lembrar, que as forças do tempo e do destino, preservando a sua vida do mar bravio e posteriormente das intempéries e da fome, por mão amiga, o levaram a um refúgio acolhedor, que tinha e ainda tem no seu seio, propósitos augustos, dando como consequência, a sua ordenação sacerdotal, a qual, sou testemunha pelos anos de nosso coexistência, foi correta.

Mas, como diz a antiga máxima: “O mundo dá muitas voltas”. Se me permitem, eu acrescento: “dando às nossas vidas, muitas alegrias e entraves”.

Entraves, esses, que temos que resolver, superá-los e seguir em frente, tendo como galhardete a flâmula do amor. E você sabe melhor do que todos nós, que essa flâmula do amor, foi posta em suas mãos, novamente, quando aqui atracou o caravelão, procedente de Portugal, trazendo uma leva de judeus. Acho interessante ressaltar, que não existe acaso em nossas vidas.

Este galhardete que emana o amor, está no seu caminho, Augustim, sinalizando a muitas voltas do mundo, sendo que você sempre o recusou em segui-lo, muito menos, portá-lo como sua bandeira, a tino próprio, para ser respeitado e temido. Dessa sua recusa, em suas várias vidas, sendo que, em muitas delas estivemos juntos, não como parentes, porque você não admitia parentes, nem como amigos, porque você só via inimigos à sua frente. A Shayna, sofreu sobre seu cruel domínio. Ela era a minha filha; era uma religiosa, foi dominada para ser sua escrava no sexo. No verso da moeda, você, em outras vidas, foi dela, escravo no trabalho árduo, penoso, e também, serviu como objeto sexual, foi abortado algumas vezes, recolhendo assim, a semeadura que produziu. Enfim, entre ambos, desavenças e crimes de toda ordem, que nas voltas do tempo vieram paulatinamente se equilibrando e harmonizando, assim como, nós, que por bondade de Deus, conseguimos algum melhoramento para nossas almas.

Então Augustim, não fique pensando ser o único devedor. Todos nós fomos e ainda o somos. Hoje, é esse o caminho que se abre à sua frente, para um enlace, que sempre foi querido por você e Shayna; e por nós também, como coadjuvantes deste cenário.

Augustim, você tem lá no abrigo, uma jovem judia — veja que ela veio de longe — que o aguarda para juntos, cumprirem os desígnios traçados e autorizados pelos seus anjos da guarda, que todos nós temos, e que velam por nós.

É importante, que cumpra todos os procedimentos para se desligar da instituição que o acolheu tirando-o de uma difícil situação, deixando um rastro da sua honestidade e respeito ao sacerdócio. Outra coisa, não menos importante. Guarde com todo cuidado e carinho, esta batina, como sendo, no seu pensar, um troféu, pois, nesse quadrante atual de sua vida, você é um vencedor.

Nós, sempre estaremos por perto, se Deus nos permitir em sermos úteis. Fique com Deus, é o que todos nós desejamos. Sempre lembrando-o, que Deus, proporcionou a todos nós, a livre escolha para nossos atos, dos quais seremos sempre responsáveis”.

— Augustim, tomou a palavra o padre Robles. Ainda estamos mergulhados numa atmosfera abençoada. Vamos usufruir ao máximo essa benesse que Deus nos dá e, refletirmos sobre o conteúdo da mensagem, que a um trecho, Lander, enfatiza a certo momento, sobre o livre arbítrio. livre agir, o livre pensar ou a livre escolha, e daí, sermos responsáveis e obrigatoriamente termos que colher o plantarmos.

Acredito, que você no longínquo pretérito, deve ter solicitado a Deus esse encontro, que Jesus, por Mateus, capítulo 7, versículo 7, nos ensina: “Pedi e se vos dará; buscai e achareis; batei e vos será aberto. Porque todo aquele que pede, recebe. Quem busca, acha. A quem bate, abrir-se-á” Admito que vocês conseguiram esse encontro por merecimento de ambos.

Agora, ainda investido de sacerdote, vá ao encontro daquela que preenche o seu coração. Amanhã, logo após o primeiro ofício da manhã, você e Shayna estejam aqui.

Outra coisa Augustim, a sua pretendente está sabendo das suas intenções?

— Ainda não.

— Mas Augustim...

— Padre Robles, irei agora ao abrigo, e falar-lhe sobre as minhas intenções.

— Então vai meu filho!

No pátio interno do abrigo, Augutim, observa Shayna que se aproxima em passos ligeiros mas elegantes. Ela era alta, esbelta, bela silhueta. Seus cabelos negros, bailavam ao vento, caindo suaves sobre seus ombros, emoldurando-lhe seu lindo rosto, num conjunto de simpatia e beleza.

— Que bom vê-lo padre Augustim!

O padre ainda embevecido com aquela criatura meiga, suave, linda, por instantes, somente fixa seu olhar terno, naquela que inundou seu coração de amor.

— Como tem passado Shayna?

— Ah padre Augustim, estou sendo muito bem tratada, as pessoas daqui, são muito atenciosas, cuidam de mim como se eu fosse uma menina indefesa. Eu gosto dessa situação, mas, interiormente, ainda me sinto abandonada. Procuro me entreter com algum trabalho de costura, mas quando cai a noite, esse pensamento de abandono invade os meus pensamentos e, não me contenho. Choro muito, com muitas saudades de vovô Lander.

— Shayna, meu “volgut angel”, preste bem atenção no que vou lhe dizer e reflita bem no que vou lhe pedir: Eu estou enamorado de você, desde o dia, que você muito triste, desembarcou em Bilbao. Já estão passados mais de três anos. Por todo esse tempo, esse sentimento foi se concretizando no meu entendimento e no meu coração, então, resolvi dar um outro rumo na minha vida, pois esta que estou tendo não está me satisfazendo como deveria. Por isso, em razão do forte sentimento de amor que sinto por você, eu quero dar um outro leste na minha vida, e para isso, lhe faço um pedido: Você quer casar comigo?

Shayna, sem estar preocupada com quem pudesse estar observando, enlaçou o seu querido num forte abraço.

Augustim, retribuiu aquele gesto de amor, dizendo-lhe aos ouvidos: Amanhã, logo ao alvorecer virei buscá-la.

Em seguida, ecoou naquele pátio, uma sonora salva de palmas, vinda das amigas do abrigo.

Ele ficou um pouco desconcertado, mas, ela, saltitava de contentamento.

— Então Shayna, faça as suas despedidas, agradeça a acolhida, procurando saber se você tem algo a remunerar ao abrigo. A administração foi muito acolhedora, assim, devemos também sermos solidários, cotizando de algum modo para a manutenção da instituição.

Com a assistência ainda se mantendo atenta, para quem sabe, um beijinho, Augustim, apenas apertou a mão da sua querida e, acenou para a platéia, sendo correspondido com uma ovação: “Viva os noivos!”

— Mas...Como eu vou tratá-lo: Augustim ou Padre Augustim?

— Deixo para você escolher. Hoje, ainda sou padre.

— Por enquanto, vou chamá-lo de Augustim. Então me diga um coisa: Porque você disse que vai dar um outro leste em sua vida. Desculpe a intromissão, mas não seria dar um outro norte em sua vida? O vovô, às vezes falava em dar um norte melhor para sua vida.

— Shayna, eu sempre que necessário, falo em “leste”, pela simples razão: O Sol, é Vida, sem ele, não haveria vida na Terra. Além do que, ele nos dá alegria, ânimo, saúde e tudo o mais. Ele nasce para nós, no “leste”; a Lua, maravilhosa quando está bem cheia, inspira-nos os melhores sentimentos, também nasce para nós, no “leste”; todos os planetas que vemos no céu e as constelações, nascem no “leste”, então, por tudo isso, você é o “leste” da minha vida.

Até amanhã “volgut algel”!

— Até amanhã “volgut angel”, respondeu ela.

 

No dia seguinte, muito cedo, lá estavam, Shayna e Augustim, sentados na primeira fileira de bancos da igreja.

A primeira missa, estava com poucos fiéis.

Terminada a missa, com a igreja vazia, o padre Robles, toma Augustim pelas mãos, levando-o aos seus aposentos. Aí, ele mostra e oferece ao jovem padre, as roupas que deveria usar, daquele dia em diante. Roupas comuns, usadas pelos bascos.

Augustim obedece, sem nenhum questionamento.

— Agora meu filho, guarde muito bem esta batina aqui nessa sacola de couro; guarde-a muito bem. É o seu grande troféu, como disse o seu tio Lander, porque, se não fosse ela, você não teria ido dar aquela extrema-unção e não estaria naquela hora no porto de atracação dos barcos e, ainda, não encontraria com a sua querida e futura esposa.

Shayna, estava cabisbaixa, de olhos cerrados, quando sentiu um toque em seus ombros. Ergue a cabeça e tem um impacto visual. Era Augustim, como um homem comum. Ela se levanta, sorri, e dá um abraço no ex padre.

O padre Robles, se dirige aos dois, pedindo que o aguardasse por alguns instantes, pois iria chamar o professor Benitez.

Augustim e Shayna, com semblantes interrogativos afivelados em seus rostos, olham-se e ficam aguardando.

— Bem Augustim, como você sabe, o meu amigo Benitez é o meu braço direito para os cuidados da nossa igreja, na limpeza e manutenção. Ele será testemunha única da cerimônia religiosa, que promoveremos nesse momento auspicioso, que me causa imenso júbilo. Shayna e Augustim, essa é a surpresa que lhes ofereço: Um cerimonial católico de casamento.

Antes, o professor pediu licença aos noivos e, em tom quase inaudível: Padre Robles, nós não estamos sós. Aqui estão dois casais, sendo um, de aparência judia, o outro casal, aparentando pessoas que lidam com a terra, agricultores e, ainda, o senhor Lander, que conheci; e mais padre Robles, para minha surpresa, a Carolina.

— Muito bem Benitez! Então, estamos em ótimas companhias. Augustim e Shayna, depois da cerimônia, o Benitez irá relatar o que ele viu nos bastidores, que os olhos de vocês não puderam registrar.

— Outra coisa padre Robles, observou Benitez: Aqui também, nas primeiras fileiras de bancos, estão muitas almas, bem apessoadas, que me dão a impressão, serem ligadas aos noivos em algum tempo; estão felizes...

— Ótimo Benitez, então, vamos começar a cerimônia.

Com todos os requisitos que a liturgia católica exigia para a celebração do casamento, foram oficiados, destacando com ênfase, o que proclamou o Apóstolo Paulo, em Coríntios, capítulo 7, VV. 3 e 4:

“O marido cumpre o seu dever para com a sua esposa e da mesma forma também a esposa o cumpre para com o seu marido. A mulher não pode dispor de seu corpo, ele pertence ao seu marido. E da mesma forma, o marido não pode dispor do seu corpo, ele pertence à sua esposa”

Augustim e Shayna, Shayna e Augustim, eu os declaro marido e mulher.

— Padre Robles, estou vendo, que além dos dois casais e o senhor Lander, estarem felizes, aquelas outras almas que aqui estão, chegaram a comemorar o acontecimento, com muitas palmas.

— Foi muito bom, Benitez. Eu também percebi. Com certeza, deve ter havido um vínculo, também muito forte com os noivos em outras vidas.

— Agora, Augustim e Shayna, venham comigo, que desejo lhes dizer algo mais.

— Benitez, obrigado por ter-me ajudado.

— Quando precisar, o senhor sabe que sempre estarei por aqui.

— Sentem-se, porque a conversa pode ser um pouco longa. É o seguinte: É minha opinião, que vocês comecem a vida de casados, longe de Bilbao. Penso assim, Augustim e Shayna, para preservá-los de comentários às vezes maldosos e maliciosos. Então, eu os aconselho a irem para outra cidade ou para outro país. Eu, lhes sugiro a partirem para a minha terra natal, que é Sant Julia de Loria, em Andorra. Lá Augustim, eu tenho um grande amigo, começamos juntos no sacerdócio. Hoje ele é auxiliar do bispado em Andorra La Vella; chama-se padre Charles. Ele pode ser muito útil a vocês, desde ajudá-los a arrumar uma casa para morar, até auxiliá-los a obter um emprego, talvez, como professor. Eu até já me adiantei e, escrevi uma carta apresentado-o, dando a ele, todas as suas qualidades.

De mãos dadas, os noivos trocam olhares.

— Deseja falar alguma coisa, Shayna — disse Augustim.

— Quero. Eu não sei aonde fica esse lugar, mas se for muito longe, como podermos fazer para visitarmos os túmulos dos meus pais e de vovô Lander?

— Filha, expôs o padre — eu lhe digo com toda convicção. Lá naquele campo santo, onde seus pais e o seu avô adotivo foram enterrados, estão somente os seus ossos. A alma de cada um deles, é o ser que vive e é indestrutível, ainda estão aqui conosco. Eles, acredite minha filha, não morreram, apenas, mudaram-se para uma outra dimensão. Recorde-se um pouco do que nos disse o professor Benitez, quando estávamos celebrando o seu casamento.

— É padre, acho que é isso mesmo. Confesso, que quando o senhor oficiava e, mesmo antes da celebração, eu senti uma sensação gostosa, como que, sendo abraçada e protegida.

— Vou lhes contar algo: Acho que até o final do ano, eu irei encontrá-los lá em Sant Julia de Loria, onde ainda tenho parentes. Já recebi um comunicado de que, virão par cá, dois padres jovens. Com isso, estarei liberado para ir embora. Já estou velho. Encontrá-los-ei, esperando estarem saudáveis e felizes. A viagem que empreenderão, não será muito longa e as belezas naturais, vocês verão, são deslumbrantes.

— Padre Robles, nós estamos emocionados e profundamente agradecidos com tudo que o senhor nos proporciona. Achamos que a sua ideia de nos preservar, aconselhando-nos a erigirmos o nosso lar longe de Bilbao, será muito bom. Gostaríamos que o senhor, já fosse conosco, mas nós o aguardaremos com alegria.

— Vocês tem ideia de quando irão partir?

— Logo que inventariarmos os bens deixados por titio e, o tempo para que possamos vendê-los.

— Augustim e Shayna, há uma coisa importante: Nós estamos chegando em meados do outono. Portanto, previnam-se que logo o inverno estará às nossas portas e, como Andorra fica assentada nos Pirineus, lá o inverno é rigoroso. Mas meus amigos, em contrapartida, as belezas naturais de Andorra, são de encher os olhos.


 

Capítulo VIII

Foi uma viagem cansativa, mas, como jovens que eram, estavam esperançosos, às portas de Andorra La Vella, cidade sede do bispado.

Logo encontraram um hospedaria, que lhes forneceu todo conforto que necessitavam para amenizar o cansaço da longa viagem e o frio.

— Shayna, querida, como você se sente? Você já pode falar qualquer coisa a respeito da sua primeira impressão dessa terra em que erigiremos o nosso lar?

— Às vezes, quando vovô e eu, conversávamos, sentados na varanda e, que você era o assunto, ele dizia: “O Tim...”. Agora, eu lhe pergunto, posso tratá-lo dessa maneira?

— Meu amor...Você me chamando, é tudo que eu desejo,

Ela abraçou-o, beijando-lhe o rosto e acrescentou: — Então está bom! Tim, a cidade, vimos muito pouco, pois logo escureceu. Mas o que vi, gostei. Acho que este lugar, nos dará um lar bem feliz e aconchegante. Vou guardar para sempre esta data, do nosso primeiro dia em Andorra — 15 de julho de 1870.

— Shayna, por todos esses dias da nossa longa viagem, foram quase quinze dias, com alguns contratempos, nós não dormimos juntos; aliás, desde dos dias posteriores ao nosso casamento. Hoje, nessa hospedaria, será o nosso primeiro dia em que passaremos a noite juntos, em uma mesma cama. O que você acha disso?

— Tim, foi bom você ter tocado nesse assunto. O que posso lhe dizer, é que com o tempo, nós nos acostumaremos.

— Você tem razão. Com o tempo nós nos acostumaremos e nos conheceremos melhor.

Logo pela manhã, ambos, vão ao encontro do padre Charles, amigo do padre Robles.

Encontrando-o, nas dependências do prédio do bispado, o jovem casal se apresentou, trocaram cumprimentos e, Augustim, entregou-lhe a carta do padre Robles.

Demonstrando-se muito feliz com a carta do seu amigo, rapidamente rompeu o lacre, sentou-se e iniciou a leitura. Um sorriso se esboçou em seus lábios. Por fim, ele agradeceu ao casal, por terem trazido ótimas notícias do seu amigo.

— Bem — acrescentou o padre Charles — além de vocês me darem ótimas notícias do meu amigo Robles, ele, os apresenta, conceituando-os muito bem e, me pediu para ajudá-los de alguma forma. Então, em primeiro lugar, o que vou lhes oferecer, é uma casa para morar. Eu tenho por força de herança dos meus tios, uma casa, é pequena, mas bem estruturada e de madeira de lei, com dois quartos, sala e demais dependências. Há algum tempo, ela está sem ser habitada. Não fica muito longe daqui. Vocês poderão ficar morando lá, sem ter a preocupação de me remunerar. Só terão a responsabilidade de cuidar da casa. Agora, quanto ao trabalho, ainda agora pela manhã, vou me cientificar se temos necessidade de ter um professor da língua espanhola. O Robles me fala na carta, que você fala corretamente o português, espanhol e francês, além do catalão. Acho que teremos grandes possibilidades de usufruirmos dos seus conhecimentos em nossa escola.

Vamos fazer o seguinte. Vou velá-los na casa, para já, começarem a dar uma limpeza. Uma coisa que esqueci de lhes dizer. A casa, está mobiliada; falta alguma coisa, mas acho que, de primeira necessidade, lá vocês terão.

Acomodados, na residência, Augustim e Shayna, habituam-se à vida de casal e, ajustam-se sem nenhuma dificuldade aos costumes e a pacata movimentação da cidade.

 

O tempo escoou rápido. Augustim, agora, professor, estava feliz e enfronhado com a comunidade.

O rigoroso inverno, nunca experimentado pelo jovem casal, foi providencial, pois veio a fortalecer a intimidade entre eles e, os planos futuros de família, são ventilados.

Seis meses passaram. Antes que o verão se despedisse no esmaecer de um lindo dia, Augustim e Shayna, na varanda, abraçados, contemplavam a linda paisagem que os Pirineus lhes fornecia.

— Tim, tenho saudades do vovô Lander e da dona Tayna que cuidou de mim e que me ensinou muitas coisas, inclusive uma receita do bolo basco. Tenho saudades também, do senhor Osírio que me protegeu daquela situação lá na comissariaria; das senhoras do abrigo, afáveis e acolhedoras; do padre Robles; da casa do vovô, das vacas mugindo. Enfim, tenho saudades de tudo de Bilbao.

— Eu também, sinto falta da palavra amiga e conselheira do meu tio. Ele era uma ótima criatura. Conversávamos sobre muitos assuntos; ele era firme em defesa das suas posições, no entanto, não era intransigente, aceitava às vezes a minha opinião. Isso era muito bom, porque sempre estávamos a dialogar.

Mas Shayna, você desejaria, algum dia voltar a morar em Bilbao?

Ah Tim — disse ela mantendo-se abraçada ao seu marido — realmente eu me lembro de Bilbao, das pessoas e do meu querido avô, com muitas saudades. Tive lá, momentos de muita felicidade, mas ainda, marca-me, muito triste, quando me vem à lembrança aquele chegada ao porto. Uma coisa, Tim, você não sabe: eu sempre evitei de ir àquele porto. Aquela noite, naquele lugar, foi horrível e ainda, me machuca um pouco interiormente. Então, respondendo à sua pergunta, eu não quero mais voltar a Bilbao.

— Shayna, olhe só quem vem vindo lá. É o padre Charles!

— Como vai padre? Está dando uma caminhada para espairecer?

— Que bom que o senhor veio. Vamos entrar e, o senhor já está convidado a sentar à mesa, para tomarmos um gostoso chá, com um delicioso bolo de receita basca.

— Muito obrigado pela recepção. De fato, Shayna, o cheiro do bolo está muito bom. Mas, esperem um pouco que vou lhes fazer uma surpresa.

Padre Charles, saiu da casa, fechou a porta.

O casal, ficou então a esperar qual seria a surpresa que o padre iria trazer.

E lá veio o padre Charles trazendo em sua companhia, o padre Robles.

— Padre Robles...abraçaram-se os três.

— Shayna e Augustim, vejo em seus olhos que aqui reina a alegria, a felicidade e o amor. Estou certo?

— Isso é verdadeiro padre Robles; essa é uma verdade incontestável — respondeu Tim, de braços com sua querida esposa.

— Realmente meus amigos, esses sentimentos mútuos, de amor, de felicidade e de alegria que trazem em seus corações, desprendem-se, e enchem esse ambiente de paz e concórdia. Sinto isso.

Muitas perguntas daqui e dali, com novidades recíprocas e, por fim, o padre Robles afirmou que estava de retorno à sua terra natal, para definitivamente, ficar.

— Que bom padre Robles — disse Augustim — então o senhor ficará aqui conosco.

Não dando tempo para responder, adiantou-se o padre Charles: — Não meus amigo, o Robles ficará na minha casa. Temos muito que conversar. Aqui, muito embora vocês sejam ótimos, ele achará que estará incomodando. Não é Robles? Depois, ele está bem “velhinho”, acordará de madrugada, vai fazer barulho, outra coisa, acho que ele deve estar roncando muito.

Com essas últimas palavras, todos riram muito à gargalhadas.

— Eu ficarei por aqui, até o fim do mês, depois, irei ver o meu pessoal em Sant Julia de Loria. Ficarei por lá se arrumar alguma coisa para fazer, que não seja responsável por paróquia. Senão, voltarei para cá que talvez tenha mais chances.

— Robles, eu vou lhe adiantar propondo-lhe um trabalho, que reputo que seja muito, mas muito importante e interessante. Acredito que você vai adorar. Estou reunindo vários documentos, são centenas, muito antigos, desde o começo de Andorra. Necessito de alguém como você para me ajudar nessa compilação e ordenamento desses documentos. O que você acha da proposta?

— Me aguarde Charles. Acho que esse trabalho não será monótono e preencherá o meu tempo e a minha mente.

— Nós — acrescentou Shayna— ficaremos felizes por ter o senhor por perto.

 

Mais dois anos passaram. O casal, já estava sentindo, que alguma dificuldade neles, existia — não conseguiam ser pais.

Certa oportunidade, dialogando com o padre Charles, Augustim solicitou uma benção, para ele e Shayna, rogando a interseção de Sant Julia de Loria, junto a Nossa Senhora, para que Ela os auxiliasse a concretizar os seus desejos, que era, a constituição de uma família.

— Augustim, — de pronto respondeu o padre — esta noite, estarei na sua casa, na companhia do padre Robles, e faremos os nossos pedidos.

Shayna, às vezes, mantinha-se intranquila e, Augustim, pacientemente lhe dizia: — Querida, só Deus tem o conhecimento da causa ou das causas que estão conosco, dificultando a vontade que temos de sermos pais. O que podemos fazer, é com tranquilidade, sem nos desequilibrarmos, serenamente, orarmos, rogando a Sant Julia de Loria, Ela, que é a patrona espiritual dessa nossa terra, pedindo-Lhe que interseda junto a Nossa Senhora, a graça para sermos um dia, pai e mãe.

No entanto, minha querida, é possível que não consigamos, mas isso, não poderá nos afetar. Existem milhões de casais que não conseguem ser pais. Mas é importante que peçamos e, peçamos com muita fé para que tenhamos a vinda do nosso bebê.

Os padres Robles e Charles, chegaram. Após os cumprimentos, eles já movimentaram os seus desejos de peticionarem em oração, junto a Jesus e a Nossa Senhora, por interseção de Santo Antão e Sant Julia, em favor do casal.

Tomou a palavra o padre Robles: — Meus amigos, atinem bem o que disse Jesus, no Evangelho de Mateus, capítulo 18, versículos 19 e 20: “Digo-vos ainda isso: Se dois de vós se unirem sobre a terra para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão de meu Pai que está nos céus. Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, ai estou no meio deles”

Então meus amigos Augustim e Shayna, façam oralmente os seus pedidos.

— Senhor Jesus — tomou a palavra Augustim — com suas bênçãos, somos, desde o dia que nos consorciamos, um casal muito feliz. Rogamos, para que essas bênçãos de felicidade continue reinando entre nós, com um acréscimo, de nos dar mais uma felicidade: a alegria de sermos pais, preenchendo de muita luz o nosso lar. Assim rogamos, para que o milagre da vida entre nós se concretize.

— Jesus — disse Shayna — o Senhor lê bem lá no fundo dos nossos sentimentos e dos nossos corações. Desejamos ser mãe e pai! Ajude-nos, por favor!

— Augustim e Shayna, vocês sabem das minhas possibilidades de ver pessoas que já faleceram, o que muitos não tem. O padre Charles, compartilha comigo, uma visão muito querida— é do velho Lander. Ele está muito alegre, feliz e, agradecido por ter tido a oportunidade de estar aqui entre nós e deseja dirigir-lhes a palavra. Vou tentar lhes transmitir o que ele falará.

“Padres Robles e Charles, querido sobrinho e querida neta adotiva, boa noite!

Num trecho da minha caminhada existencial em Bilbao, vocês dois, foram a minha razão e iluminaram os meus caminhos. Fui muito ditoso, abençoado mesmo, tendo-os em minha companhia.

Tim, você foi e é o meu sobrinho, mas demonstrou, e até no seu íntimo, foi o meu filho querido que não gerei.

Shayna, depois de muitos anos, você surgiu na minha vida, não por acaso, porque, por esse lado que estou, o acaso não existe e, tornou-se a minha neta adotiva e muito querida, que Deus me deu. De tudo isso, meus estimados sobrinho e neta, vocês foram e continuam sendo as joias da minha vida. Quero afirmar, com o que lhes digo, que o amor de pai e de mãe, para ser cristalino, à prova de tudo, não tem a necessidade de ser derivado de uma hereditariedade; de ser sangue do meu sangue. Nós, Tim e Shayna, somos prova disso! Vocês são criaturas que Deus os beneficiou com inteligências e apurado discernimento, e que, ambos tem corações robustos de intenso amor. Portanto, se nesse espaço de suas vidas, vocês não têm, por razões que desconhecemos, aptidões orgânicas, talvez, ou no momento, não terem merecimento para gerarem uma criança, não esmoreçam, fiquem receptivos, pois com certeza Deus os proverá — mais dia, menos dia, concedendo-lhes um nenê, para dele, serem pais amorosos.

Tim, você se lembra do Benitez? Ele, quando encontrávamos sempre me dizia: “Ainda há uma esperança”. Essa afirmação, serve para todos nós. No caso de vocês, acrescentem “ para serem pais”.

Um grande beijo, minha neta querida e sobrinho estimado, um grande abraço padre Robles, querido amigo, igualmente ao padre Charles. Boa noite e fiquem com Deus!”

O padre Charles, tomou a palavra: — Meus amigos, o ambiente está com intensa luz. Aproveitemos esses momentos para novamente, rogar a Jesus, a Nossa Senhora, por interseção de Santo Antão e de Sant Julia de Loria, para que possam concretizar os desejos de Augustim e Shayna.

Vamos então, orarmos, como nos ensinou Jesus: Pai nosso que estais nos céus...

Finda a oração, padre Charles observou: — Robles, esta foi a primeira vez que vejo e escuto uma alma tão lúcida e aconselhadora.

Augustim e Shayna, da minha parte eu lhes digo: Se hoje vocês estão tendo a dificuldade de abrir a porta que lhes dá a paternidade, de gerarem um nenê, tenham certeza, uma outra porta se abrirá. Por isso, o que disse o Benitez, é muito válido: “Ainda há uma esperança”. Acrescentou o padre Charles.


 

Capítulo IX

O tempo corria monótono em Andorra La Vella.

Um dia, no meio da tarde, o padre Charles, estava na igreja de Santa Coloma, inspecionando a execução de um trabalho de reparo em uma das paredes internas.

Alguém, à porta adentro, chama pelo padre Charles aos gritos.

— Padre, um jovem lenhador, acidentou-se na floresta. Acho que está entre a vida e a morte. O senhor precisa vê-lo, pois quem sabe, terá de encomendar o corpo.

— Vamos meu filho. Leve-me até ele!

Realmente o quadro era muito triste. O padre, engoliu seco, fez o seu trabalho. O jovem com severos ferimentos, não resistiu.

Em um canto daquele cômodo, muito pobre, sentada no chão, estava uma jovenzinha chorando muito, vertendo grossas lágrimas, com um bebê no colo, que aparentava ter nascido a poucos dias.

O padre tentou consolá-la e, prontificou-se a ajudá-la no que fosse possível.

Passados poucos dias, o padre Charles, novamente nas dependências da igreja Santa Coloma, foi abordado por aquela mesma jovenzinha viúva do lenhador, que num sotaque francês, externou a sua vontade de confessar. Trazia no colo, o seu rebento. O padre, embora todo empoeirado, pois varria um resto de massa de revestimento, apiedado, não se recusou em ouvir a jovem mãe que se mantinha um pouco desarmonizada.

— Antes, minha filha, como você se chama?

— Georgette.

— Muito bem Georgette, você deseja tomar um pouco de água?

— Quero sim padre e, agradeço a sua bondade.

— Qual o nome que você deu ao seu bebê?

— É a Julie.

— Muito bom. É um nome que se traduz em força e determinação.

— É isso mesmo que desejo para a minha filha no futuro.

— Você ainda deseja confessar?

— Quero sim padre. Acho que já em pensamento, eu estou cometendo um grande pecado.

O padre, ouviu a jovenzinha por um bom tempo. Avaliou e constatou, que o que ouviu, não tinha nenhuma relação com a situação aflitiva da jovem mãe, quando foi abordado.

— Georgette, pelo que você confessou, não irei lhe dar nenhuma penitência. Só o ato de aqui vir e se ajoelhar, você já foi perdoada.

— Padre, o meu pecado maior, está ainda em meu pensamento e no que irei fazer, mas não tenho coragem de confessar, mas, rogo a Deus que me perdoe.

O padre ainda no confessionário, ouviu passadas de corrida pela pequena nave.

Por alguns instantes, o padre ficou orando em favor daquela jovenzinha, temendo que ela cometesse o grande pecado, que é tirar a sua própria vida.

Reinou um grande silêncio por alguns instantes, até que um chorinho, chamou-lhe a atenção. Saiu assustado do confessionário e, deparou-se com um bebê e, logo pensou: “Esse foi o grande pecado que ela não desejou confessar — abandonou o seu nenê”. Correu até a porta, mas não viu ninguém. Voltando, largou os seus afazeres, tomou aquela criança no colo, e foi ao encontro de Augustim e Shayna, que moravam não muito distante da igreja, apenas algumas centenas de metros.

— Shayna — disse o padre esbaforido-, minha filha, você pode cuidar desse bebê por algumas horas. Vou tomar algumas providências em favor dela. Depois eu lhe conto o porquê ele veio parar em minhas mãos.

Shayna, com um sorriso estampando grande felicidade, aconchegou aquela linda criança em seus braços e levou-a para a sua cama, ficando admirando-a e, pensou: Será que o padre disse que era ela? Uma menina?

Passou mais ou menos duas horas, chegaram: Os padres Charles, Robles, Augustim e uma senhora.

— Tim, venha ver que beleza que é essa criança!

De braços dados, com largos sorrisos, admiram aquela criaturinha linda.

— Vamos ver — adiantou-se a senhora— como está esse bebê.

Sem nenhum problema físico aparente, a nenê era bem fortinha.

— Senhora, eu me chamo Marie. Temos que providenciar um banho para ela, com água morna; trocar as roupas e dar de mamar.

Augustim olhou para Shayna, e Shayna olhou para Augustim e, ambos estampando fisionomias interrogativas frente àquela situação, que exigia leite materno.

— Não se preocupem, que eu tenho essa solução — disse Marie.

Enquanto Marie e Shayna cuidavam da nenê, na sala, o padre Charles dava conhecimento a Augustim, sobre como veio a ele aquela criança e, com ênfase, acrescentou que ninguém mais poderia saber daqueles acontecimentos, preservando assim, a vida futura da bebê; nem a dona Marie. Eu só lhe disse que vocês tinha adotado uma criança e que Shayna precisava ter algumas lições de como cuidar de um bebê. Como ela é uma das responsáveis pelo orfanato, ela sabe que esse sigilo é importante. Eu conheço a dona Marie, há muito tempo; é uma mulher séria e responsável.

— Augustim, estou lhe dizendo isso, crente que estou, que a partir de hoje, você e Shayna, serão os pais dela.

— Robles, eu posso afirmar isso?

— Augustim — acrescentou o padre Robles— , nesse momento, me vem a lembrança do que lhes foi dito pelo seu tio Lander, a algum tempo atrás: “Fiquem receptivos, com a certeza que Deus os proverá, mais dia menos dia, concedendo-lhes o que desejam, um nenê, e dele, serem pais amorosos”. Aí está a oportunidade e nas dependências da sua casa.

 

Adentraram na sala, Shayna, com a nenê no colo e dona Marie.

— Olhe só Tim! Que linda que ela é! Segure!

— Bem padre Charles, demos um banho nela, agasalhamos bem, e dei de mamar. Acho que agora, ela vai dormir. Eu vou voltar para o orfanato, daqui umas duas horas, estarei de volta.

— Muito obrigado dona Marie — agradeceram o casal e os padres.

— O que você acha Shayna, de se tornar mãe desta criança? — indagou o padre Charles.

Ela virou-se para seu esposo e disse: — Tim, eu não tenho dúvidas sobre os meus sentimentos com relação a nenê. Eu estou apaixonada por ela!

— Minha querida, ainda a pouco, o padre Robles, recordava o que nos foi dito por titio, tempos atrás:”mais dia menos dia, Deus os proverá, concedendo-lhes o que desejam — um nenê e, dele, serem pais amorosos”. Então, tenho certeza, que essa é a nossa hora. Faremos todo empenho para sermos pais amorosos e dedicados à educação e cuidados com a nossa filha, e lhe dou Shayna, todo apoio, para que você escolha o nome dela.

— Vou pensar um pouco, depois lhes digo.

 

— Então, ela vai se chamar Julia. Quando para cá viemos, o nosso destino, por indicação do padre Robles, era Sant Julia de Loria. Como não fomos para lá, ela veio para nós.

Logo em seguida a essa firmação, Shayna sente algo incomum com seu corpo.

— Tim, segure a Julia um pouco. Eu volto já.

Ela constatou que os seus seios gotejavam. Recompôs-se, correndo de volta à sala, falou a todos sem nenhum recato e muita alegria: — Eu já tenho como alimentar a Julia. Meus seios estão cheios de leite! Muito obrigado Sant Julia de Loria! Muito obrigado e auxilia-nos nesta tarefa, cuja responsabilidade deposita em nossos ombros, para bem criarmos e educarmos a nossa pequena Julia.

Os padres ficaram maravilhados com o desfecho de suas intenções. Consideraram que o que ocorreu com a Shayna, teria sido um milagre.

— Augustim, — disse o padre Charles— amanhã, no meio da tarde, vocês vão à igreja de Santa Coloma, que iremos batizar a Julia.

Outra coisa. Não sei porque, eu não tinha intenção de lhes dizer, mas, acho que posso fazer agora, já que a nenê já tem nome. Quando conversei com a mãe dessa linda criança e, que ela, com a nenê no colo desejou confessar, eu perguntei qual era o nome da nenê, e ela respondeu — Julie. Vejam só a coincidência auspiciosa que se concretiza. É possível que essa mãe, também desejasse louvar a Sant Julia de Loria, como fez a Shayna.

— Então, padre, eu gostaria que o Padre Robles oficiasse o batismo, tendo o senhor como padrinho e a dona Marie como madrinha da nossa Julia.

— Agradeço e fico muito feliz da parte que me toca. Vou comunicar a dona Marie. Acho que ela se alegrará também.

O padre Robles ao pronunciar: “” Julia, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, percebeu pelos seus dons da vidência, que, havia naquele momento, vários espíritos.

Ao final da cerimônia, o padre Robles revela em particular a Shayna e a Augustim, que àquela cerimônia, estavam também presentes, os pais de Augustim e da Shayna, o velho Lander e, também para sua admiração, Benitez e sua querida Carolina, que se aproximaram, e falaram aos ouvidos do padre: “ainda há uma esperança”, mas acrescentaram que a esperança de vocês, naquele momento, era uma realidade.

Estamos juntos, Carolina e eu, só não sabemos, até quando, pois temos que saldar muitas dívidas, e isso, só poderá ser solucionado com novas vidas terrenas. Mas, enquanto isso não acontece, meu amigo padre Robles, nós estamos felizes e trabalhando.

— Augustim, você se lembra do professor Benitez?

— Sim. Lembro-me bem! Ótima criatura!

— Pois é. Acho que ele faleceu. Você sabe que às vezes eu vejo e escuto a pessoas que já faleceram. Eu o vi aqui, na companhia da sua amada, Carolina. Ele, entre outras coisas disse: “Ainda há uma esperança”, mas emendou, que a “esperança” de vocês, hoje, é uma realidade.


 

Capítulo X

Três anos passaram e, a Julia desenvolvia-se muito bem. Era uma menina saudável, forte, esperta, muito bonitinha, com seus cabelos negros e escorridos, olhos negros e expressivos, enfim, era uma fofura.

Shayna e Augustim, realizados, tinham um lar felicíssimo, sem nenhum contratempo.

 

Certa manhã, Shayna envolveu o seu esposo num afetuoso abraço, dizendo-lhe gracejando aos ouvidos: — “Volgut angel” — viu como sei falar em catalão? Na verdade, eu só sei essas duas palavras e acho que são suficientes.

Riram e, novamente se abraçaram.

— Tim, tenho algo a lhe dizer, que acho, havendo confirmação, vai ser um acontecimento muito importante para nós e de grande expressão, que desde algum tempo depois do nosso casamento, nós estamos a desejar.

Ainda abraçados, ele sussurrou aos ouvidos dela: — “Volgut Angel”, uma palavra invadiu o meu pensamento. Por favor querida, confirme o que já está inundando o meu coração de contentamento.

— Tim, desde três dias atrás, eu estou ficando nauseada. Eu não penso em outro motivo para me sentir assim, senão de estar grávida.

Ele num gesto rápido, beija a sua querida esposa e, levantou-a no colo, leva-a para a cama.

— Shayna, meu amor, fique aí deitadinha, quietinha, não faça nada. Eu irei procurar alguma senhora para cuidar da nossa casa. Acho que vou falar com a dona Marie.

— Tim, eu sou estou um pouco nauseada, não estou mal a ponto de ficar deitada. Posso cuidar muito bem da nossa casa.

— Shayna, é bom nós nos preocuparmos com essa gravidez desde o começo. Essa gravidez, sempre esteve em nossas orações. Ela é muito bem-vinda; muito querida. Portanto vamos nos precaver. Eu não demoro. Vou aproveitar e comunicar a grande notícia para os nossos amigos padres.

 

Com alguma indisposição, uma vez ou outra, Shayna, atravessou os primeiros três meses de gravidez. Depois, manteve-se muito bem e cuidando-se, não cometendo esforços.

No transcurso dos meses, Shayna era uma linda parturiente; sua beleza fisionômica, acentuou-se.

Numa manhã fria, Shayna deu à luz a um menino, sem nenhuma ocorrência de permeio. Tudo correu normalmente, com a assistência da senhora Marie.

O rebento, veio ao mundo robusto, sadio e chorando forte, para alegria e felicidade de todos, inclusive dos amigos padres, que na sala aguardavam as notícias.

— Augustim, eu não me canso de repetir: O que o nosso amigo Benitez, lá em Bilbao sempre me dizia:”Sempre há uma esperança para os nossos desejos”. Isso, se confirma com mais esse acontecimento jubiloso que acaba de acontecer, entre vocês.

Augustim, agora ao lado da cabeceira, acariciando os negros cabelos da sua querida esposa, ouve dela: — Tim, você se recorda o dia em que pisamos pela primeira vez nessa terra acolhedora?

— Sim! Lembro-me bem quando você frisou: “Vou guardar para sempre esta data do nosso primeiro dia em Andorra. Era o dia 15 de julho de 1870.

— É isso mesmo meu querido. E hoje, é 15 de julho de 1877. Chegamos esperançosos e, em todos esses anos, continuamos esperançosos. Por obra de Deus, conseguimos o nosso intento de sermos pais de duas crianças maravilhosas.

Augustim, beijou a fronte da sua esposa, acrescentando: — Agora, descanse que logo você terá o nosso nenê para amamentar.

— Tim, desta vez, você escolhe o nome do nosso menino.

— Não querida. Acho que você ainda tem essa prerrogativa. Pois considero, não que você tenha sofrido e reclamado por todo período da gravidez, mas, muitas vezes, teve alguns dos seus movimentos tolhidos, sem queixar-se. Então, é a você que cabe a escolha, e eu, a apoiarei.

— Então, está bom. Só que eu vou revelar, quando formos batizar o nosso menino. Até lá, estarei pensando.

— Padres Charles e Robles, sobre o batizado do nenê, eu gostaria que fosse feito na estação primaveril — disse Shayna.

— Fique tranquila, filha. Vamos deixar passar essa onda fria. Quando apontar a primavera, faremos o batismo.

No auge da primavera, com o nenê, tendo um pouco mais de um mês, bem fortinho, está no colo da sua mãe e ao lado, Augustim, tendo como padrinho, o padre Robles e como madrinha, a dona Marie que tanto ajudou e está ajudando a cuidar da mãe e do nenê.

— Então Shayna — perguntou o padre Charles — qual é o nome dessa linda criança?

— Ele terá o nome de: Charles Robles Lander.

O oficiante do batizado e o padrinho, abriram um largo sorriso. Ficaram agradecidos e felizes.

Sem que fosse novidade para os padres, sobre as possibilidades de também ver os espíritos, dona Marie, comentou, que muitos ali estavam, e contentes com o acontecimento e, que um, se destacava do grupo, como sendo avô e tio do casal, que estava afirmando: “Mais uma esperança se concretiza — Que Deus, nosso Pai, os abençoe!”.

 

Romero Evandro Carvalho — autor.


DOUTRINA ESPÍRITA

Alguns esclarecimentos ou conceituações que o Espiritismo determina sobre várias situações que experimentamos em nossas vidas.

 

1 — Influência dos Espíritos sobre os acontecimentos da vida.

Pensamos erradamente que a ação do Espírito só deve manifestar-se por fenômenos extraordinários; desejaríamos que viessem em nosso auxílio através de milagres e sempre os representamos armados de uma varinha mágica. Mas assim não é, e eis porque a sua intervenção nos parece oculta e o que se faz pelo seu concurso nos parece inteiramente natural. Assim, por exemplo, eles provocarão o encontro de duas pessoas, ao que parece dar-se por acaso; inspirarão alguém o pensamento de passar por tal lugar; chamarão sua atenção para determinado ponto, se isso pode conduzir ao resultado que desejam; de tal maneira que o homem, não julgando seguir senão os seus próprios impulsos, conserva sempre o seu livre arbítrio”

(Livro dos Espíritos — Comentários de Allan Kardec ao cap. IX, item VII)

 

2 — Solidariedade/Encontros.

A solidariedade que é o verdadeiro laço social, não é só para o presente: estende-se ao passado e ao futuro, pois que os mesmos indivíduos se encontram e se encontrarão para juntos seguirem as vias do progresso, prestando mútuo concurso. Eis o que faz compreender o Espiritismo pela equitativa lei da reencarnação e da continuidade das relações entre os mesmos seres.

(Obras Póstumas — Allan Kardec — Comentário do Espírito Clelie Duplantier sobre As Expiações coletivas)

 

3 — Encontros.

O fluido cósmico, posto que emana de uma fonte universal, individualiza-se por assim dizer, em cada ser, e adquire propriedade característica, que permitem distingui-lo entre todos. (...) Das qualidades particulares de cada fluido resulta, entre eles, uma espécie de harmonia ou desacordo, uma tendência a unirem-se ou a evitarem-se, uma atração ou repulsão, em uma palavra, as simpatias ou antipatias, que se sentem, sem causas conhecidas.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — Introdução ao Estudo da Fotografia da Telegrafia do Pensamento)

 

4 — Acontecimentos da vida.

Assim, por exemplo, eles (os Espíritos) provocarão o encontro de duas pessoas o que parece dar-se por acaso; inspirarão a alguém o pensamento de passar por tal lugar; chamarão a sua atenção para determinado ponto, se isso pode conduzir o resultado que desejam; de tal maneira que o homem, não julgando seguir senão os seus próprios impulsos, conserva sempre o seu livre arbítrio

(O Livro dos Espíritos — Comentários de Allan Kardec sobre a pergunta 525)

 

5 — Sonhos.

401 — Durante o sono, a alma repousa como o corpo?

— Não, o Espírito jamais fica inativo. Durante o sono, o liames que o unem ao corpo se afrouxam e o corpo não necessita do Espírito. Então ele percorre o espaço e entra em relação mais direta com outros Espíritos.

(O Livros dos Espíritos)

 

6— Morte.

A sobrevivência da alma prova-se de maneira irrecusável, e por assim dizer palpável pelas comunicações espíritas. A sua individualidade demonstra-se pelo seu caráter e qualidades próprias a cada uma; essas qualidades, distintas umas das outras, constituem a personalidade; se se confundissem em um todo comum, as qualidades de todas seriam uniforme. Além dessas provas, ainda temos a material das manifestações visuais ou aparições, que são frequentes e tão autênticas a ponto de não deixarem a menor dúvida.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — cap. A Alma)

 

7 — Reencarnação/Outras vidas.

166 — A alma que não atingiu a perfeição durante a vida corpórea como acaba de depurar-se?

— Submetendo-se à prova de uma nova existência.

(O Livro dos Espíritos)

 

8 — Pluralidade das Existências — Reencarnação.

Certas pessoas repelem a ideia da reencarnação pelo único motivo de que ela não lhes convém, dizendo que lhes basta uma existência e não desejam iniciar outra semelhante.(...) Só temo a lhes perguntar s Deus devia pedir-lhes conselho e consultar os seus gostos para ordenar o Universo?

(...) Diremos entretanto, a essas pessoas, para tranquilizá-las, que a Doutrina Espírita sobre a reencarnação não é tão terrível como pensam e que se estudassem a fundo não teriam do que se assustar. Saberiam que a situação dessa nova existência depende delas mesmas: será feliz ou desgraçada, segundo o que tiverem feito neste plano, e podem desde já elevar-se tão alto que não mais deverão temer nova queda no lodçal.

(O Livro dos Espíritos— cap. V— Livro II — Considerações sobre a pluralidade das existências — Allan Kardec)

 

9 — Existências anteriores/Esquecimento do passado.

Integrado na vida corpórea, o Espírito perde momentaneamente a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse. Não obstante, tem às vezes uma vaga consciência, e elas podem mesmo lhe ser reveladas em certas circunstâncias. Mas isto não acontece senão pela vontade dos Espíritos Superiores, que o fazem espontaneamente, com um fim útil, e jamais para satisfazer uma curiosidade vã.

(O Livro dos Espíritos — cap. VII — item VIII — Comentário de Allan Kardec sobre a pergunta 399)

 

10 — Conhecimento adquiridos/Idéias Inatas

218 — O Espírito encarnado conserva algum traço das percepções que teve e dos conhecimentos que adquiriu nas existências sucessivas?

— Resta-lhe uma vaga lembrança, que lhe dá o que chamamos de ideias inatas.

218-A — A teoria das ideias inatas não é quimérica?

— Não, pois os conhecimentos adquiridos em cada existência não se perdem. O Espírito liberto da matéria sempre se recorda. Durante a encarnação, pode esquecê-los em parte, momentaneamente, mas a intuição que lhe fica ajuda o seu adiantamento. Sem isso, ele sempre teria de recomeçar. A cada nova existência, o Espírito toma como ponto de partida aquele em que se achava precedente.

(O Livro dos Espíritos)

 

11 — Encarnação.

A encarnação dos Espíritos deriva de lei natural, é uma necessidade, tanto para o seu progresso, como para a realização dos planos de Deus.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — cap. Criação — item 21).

 

12 — Trabalho.

O aperfeiçoamento do Espírito é fruto do seu trabalho, ele o alcança na razão da atividade e boa vontade que emprega para a aquisição das qualidades que lhe faltam.

(Obras Póstumas de Allan Kardec— cap. Criação — item 22)

 

13 — Obstáculos da Vida.

Se a discórdia ameaça, façamos silêncio. Se a tentação aparece entrenebrecendo a estrada, recorramos a oração. Se a ofensa nos injuria, refugiemos no serviço. (...) Em qualquer obstáculo, valer-se desse trio de paz, discernimento e realização, é assegurar a própria felicidade.

(Sol nas Almas — André Luiz — Psicografia de Waldo Vieira — cap. 47)

 

14 — Conflitos.

Nas horas difíceis da verdade, afasta-nos da violência e da paixão menos digna, no entanto, sustenta-nos a sinceridade para que pronunciemos a palavra equilibrada e certa, sem a hipocrisia do silêncio culposo.

(Sol nas Almas — André Luiz — Psicografia de Waldo Vieira — cap. 70)

 

15 — Manifestação dos Espíritos.

Os Espíritos, agindo sobre a matéria, podem manifestar-se de muitos modos diferentes: por efeitos físicos, como deslocação de objetos e rumores; por transmissão de pensamento, pela vista, ouvido, tato, escrita, desenho, música, etc.; em uma palavra, por todos os meios pelos quais podem entrar em relação com os homens.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — cap. O Perispírito, Princípio das Manifestações — item 14)

 

16 — Aparições.

(...)As aparições propriamente ditas dão-se no estado de vigília, quando se está no pleno uso da liberdade e das faculdades. Realizam-se geralmente sob a forma vaporosa e diáfana, na maior parte das vezes vaga e indecisa, não passando de uma nuvem esbranquiçada, cujos contornos se desenham lentamente. Noutros casos, as formas são bem acentuadas, distinguindo-se os mínimos traços do rosto, de modo a se poder fazer com a maior precisão, uma perfeita descrição. Os gestos e o aspecto são semelhantes ao do Espírito, quando encarnado.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — cap. O Perispírito, Princípio das Manifestações — item 17)

 

17 — Manifestações Visuais.

Por sua natureza, e no estado normal, o perispírito é invisível, e por este lado se confunde com uma multidão de fluidos, que sabemos existir, conquanto não possamos vê-los; entretanto pode como certos fluidos, sofrer modificações que o tornem perceptível à vista.(...) Pode até adquirir as propriedades de um corpo sólido e tangível, sem deixar a propriedade de voltar instantaneamente ao seu primitivo estado etéreo e invisível.(...) Outra propriedade do perispírito, que procede da sua natureza etérea, é a penetrabilidade; a matéria não lhe opõe obstáculo e ele a atravessa, como a luz atravessa os corpos transparentes.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — cap. Expiações Coletivas — Comentários de Clelie Duplantier)

 

18 — Pressentimento.

188 — O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm esta faculdade mais ou menos desenvolvida; elas podem devê-las a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as consequências das coisas presentes e a ligação dos acontecimentos; mas frequentemente também ela é resultado de comunicações ocultas, e é neste caso sobretudo que podemos das aos que dela são dotados, o nome de médiuns de pressentimentos, que são uma variedade de médiuns inspirados.

(O Livro dos Médiuns — cap. XV)

 

19 — Orientação do Espíritos.

A possibilidade de entrar em comunicação com os Espíritos é uma bem doce consolação, que nos proporciona o meio de nos entretermos com os parentes e amigos que deixaram a Terra antes de nós. Pela evocação eles se aproximam de nós, permanecem ao nosso lado, nos ouvem e nos respondem. Não existe mais, por assim dizer, separação entre nós e eles, que nos ajudam com os seus conselhos, nos dão testemunho da sua afeição e do contentamento que experimentam por nos lembrarmos deles. É para nós uma satisfação sabê-los felizes e aprender através deles os detalhes da sua nova existência, adquirindo a certeza de que um dia, por nossa vez, nos juntarmos a eles.

(O Livro dos Espíritos — pergunta 935 — Comentários de Allan Kardec)

 

20 — Afeição.

297 — A afeição que dois seres mantiveram na Terra prossegue sempre no mundo dos Espíritos?

— Sim, sem dúvida, se ela se baseia numa verdadeira simpatia.: mas se as causas de ordem física tiverem maior influência que a simpatia, ela cessa com as causas.As afeições entre os Espíritos são mais sólidas e mais duráveis que na Terra, porque não estão subordinadas ao capricho dos interesses materiais e do amor-próprio.

(O Livro dos Espíritos)

 

21 — Encarnação.

24 — Em cada uma das existências, o Espírito traz o cabedal adquirido das anteriores, quer intelectual, quer moralmente; do mesmo modo como traz os germens das imperfeições de que não conseguiu expurgar-se.

25 — O Espírito que emprega mal uma existência, não adiantando uma linha no campo do bem, nenhum proveito colhe e tem de recomeçar o trabalho em condições mais ou menos penosas, em consequência de sua negligência e má vontade.

26 — Um vez que o Espírito adquire alguma coisa de bom e se despoja de algo de mau, em cada existência corpórea, segue-se que, ao fim de certo número de encarnações, se encontra depurado e chega ao estado de Espírito puro.

(Obras Póstumas de Allan Kardec — cap. Criação)

 

22 — Comunicação do Espírito.

As comunicações sérias são graves quanto ao assunto e à maneira pela qual são feitas. Toda comunicação que exclui a frivolidade e grosseria, e que tem um fim útil, mesmo que de interesse privado, é por isto mesmo séria, mas nem sempre, apesar disso, isenta de erros. Os Espíritos sérios, não são todos igualmente esclarecidos; há muita coisa que eles ignoram e sobre as quais podem enganar-se de boa fé; por isso os Espíritos verdadeiramente superiores nos recomendam sem cessar de submeter todas as comunicações ao controle da razão e da mais severa lógica.

(O Livro dos Médiuns — cap. X — item 136)

 

23 — Laços de Família.

Formam família os Espíritos que a analogia dos gostos, a identidade do progresso moral e afeição induzem a reunir-se. Esses mesmos Espíritos, em suas migrações terrenas, se buscam, para se gruparem, como o fazem no espaço, originando-se daí as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, acontece ficarem temporariamente separados, mais tarde tornam a encontrar-se venturosos pelos novos progressos que realizaram.

(O Evangelho Segundo o Espiritismo — cap. XIV — Instruções dos Espíritos — A ingratidão dos filhos e os laços de família— Santo Agostinho —Paris 1862)

 

24 — Consequências/Causa e efeito.

A Lei de Causa e Efeito, nos impele a pensar no regime de responsabilidade em que a vida nos preserva o livre-arbítrio da ação com as reações de compulsória.

(Sol nas Almas — André Luiz — psicografia de Waldo Vieira — cap. 49)

 

25 — Prece.

658 — a prece é agradável a Deus?

— A prece é sempre agradável a Deus, quando ditada pelo coração, porque a intenção é tudo para Ele. A prece do coração é preferível a que podes ler, por mais bela que seja, se a leres mais com os lábios do que com o pensamento. A prece é agradável a Deus quando proferida com fé, com fervor e sinceridade. Não creias, pois, que Deus seja tocado pelo homem vão, orgulhoso e egoísta, a menos que a sua prece represente um ato de sincero arrependimento e de verdadeira humildade.

(O Livro dos Espíritos)

 

26 — Destino.

Não te esqueças, pois, de que és, e serás sempre, o único construtor dos instrumentos de que disponhas na vida e na estrada do teu próprio destino, na marcha insofreável da evolução.

(Sol nas Almas — André Luiz — Psicografia de Waldo Vieira— cap. 55)


 

 

©2013 — Romero Evandro Carvalho

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Abril 2013

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