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ERDRO

Flávio Marques de Oliveira


 

 

ERDRO
Flávio Marques de Oliveira

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eflavio@ibest.com.br

©2003 — Flávio Marques de Oliveira


 

O homem jamais teria imaginado um destino assim.

[imagem]

 

 

Era noite naquele momento...

O céu da metrópole resplandecia em contrastes de luz e escuridão. Alternava de um negro profundo, nenhuma nuvem era visível, para clarões que o iluminavam como o próprio dia, quando os relâmpagos rasgavam as trevas e se enraizavam por todo o céu.

Abaixo, edifícios colossais, iluminados intensamente por luzes de todas as cores e formas, brotavam num mar de névoas ora escura ora repleta de poças de luzes. Parecia um mar revolto, mas ali eram nuvens baixas que eram empurradas, remexidas e desmanchadas pelo forte vento. Criando imensas bocarras ou tentáculos que pareciam querer segurar ou engolir alguns dos poucos veículos aéreos que teimosamente insistiam em voar. Apesar dos alertas do Controle de Tráfego Metropolitano, o movimento era razoável.

Eram altas horas da madrugada e a tempestade assolava violentamente a metrópole, com ondas de enxurradas socando as paredes dos edifícios. Haviam sido registrados pelo menos cinco furacões na região metropolitana. Região que ocupava milhares de quilômetros, no lugar que antes existia uma densa selva tropical.

Por fora do pára-brisas a visão que Venure tinha era quase nula, só um cenário escuro, entremeado por clarões intensos. Viajava com o auxílio de instrumentos. A via-aérea era desenhada por um dos monitores projetados com outros indicadores no próprio metal vítreo do pára-brisas. Os computadores de bordo indicavam além da sua posição global, a velocidade do vento, anúncios de furacões a quilômetros dali e granizo a metros atrás. O clima há décadas andava meio louco, mas esta noite em particular superava todas as outras.

Seu gravitor sofria turbulência, ele com as mãos firmes no timão, lutava para estabilizar o veículo. Paredes dos colossais edifícios — alguns com até um quilômetros ou mais de altura — que formavam uma muralha lateral dos dois lados da via-aérea se aproximavam ameaçadoras até ele levar novamente o veículo para o meio da via. De vez em quando perdia altitude, mas o veículo apenas amortecia ou se desviava das lufadas de ventos. Pretendia chegar a um porto seguro em algum estacionamento próximo; o computador indicava vários pontos de pouso, porém todos muito expostos ao vendaval. Numa das telas de vídeo, cheio de estáticas, mostrava um visão aérea assombrosa: tudo negro, mas interrompida pelo clarões de relâmpagos que rasgavam o céu e iluminavam colunas de furacões mais ou menos distantes dez quilômetros um do outro. O aviso era quase desesperador: todos os gravitores teriam que pousar imediatamente.

Venure não ignorava, apenas procurava o lugar menos vulnerável à tempestade. Os clarões e a luz intensa da metrópole refletiam na enxurrada densa, tornando tudo ofuscante e confuso. Flocos de luz alaranjada, produzidas por enormes gotas d’água desfilavam à sua frente. Em meio ao cenário que fulgurava ao redor, avistou então a cerca de uns cinqüenta ou sessenta metros dele, uma plataforma que se sobressaía da fachada de um edifício. Preparou-se para pousar nela. Mas, algo que mais temia ocorreu: uma lufada violenta, como um tentáculo de vento fortíssimo, o empurrou para cima. O veículo foi jogado para o alto, solto no ar. Tentou corrigir o curso, mas era tarde, o braço de vento o pegara tão forte que o virou de cabeça para baixo. A queda seria certa...

 

Logo abaixo, apenas o silêncio: ao fundo o som gotejante da chuva e o eco das trovoadas reverberando pelas instalações sombrias e imensas dos níveis mais baixos da metrópole.

A cidade acima se esquecia que aquele lugar, próximo aos níveis reais do solo do planeta, existia; só servia para o escoamento de água da chuva, lixo, sucatas e o maquinário de suporte da metrópole: geradores e reatores de energia, bombas de água e um emaranhado de tubulações e cabos que rangia e pingava ininterruptamente. Era também a parte mais antiga da cidade. Para qualquer lado que o conglomerado metropolitano se estendesse nos seus novecentos quilômetros, havia esses úmidos e sombrios locais. Ao nível do solo, guardavam ainda construções de cidades nativas daquele planeta. Só os mendigos nativos viviam por ali, disputando o espaço com enormes roedores do tamanho de cachorros e pequenas espécies de jacarés.

Num dos becos entre os colossais edifícios um velho mendigo, arrastando seus maltrapilhos, ignorava a chuva acida. Já nem pinicavam mais. Um longa barba grisalha escondia sua face triste. Seus olhos vidrados num passado que sua raça jamais esqueceria...

Olhava o chão molhado e sujo, lixo acumulado junto às paredes que pareciam de basalto polido. Sua caminhada lenta parecia aleatória, mas ele estava apenas exausto. Ia em direção a seu abrigo; a antiga saída de um escoadouro de água de enchente, hoje entupido por entulhos de onde não se brotava mais um filete de água. Era seu lar seco e de pouco mais de um metro e meio de largura por um de profundidade.

Sua caminhada foi interrompida por uma aparição. A claridade dos trovões chegaram ao estreito beco revelando a carcaça de um antigo robô-patrulha. Lembrava mais um trator com braços mecânicos apontados pra sua direção. Antes eram encaixados neles enormes metralhadoras de lasers. Sua carcaça abaulada e gasta ocupava quase toda a largura do corredor, mas o ancião não dera importância. Aquela maquina já estava ali há muito tempo, destruída num conflito com facções rebeldes...

Ele a contornou e continuou seu trajeto. Olhou para cima e uma estreita faixa de céu piscava em clarões avermelhados, rasgados por relâmpagos trovejantes. Se acocorou no túnel entupido e ficou. Observava cada gotícula de água que caia e criava micro formas em poças no chão. Como se elas contassem o tempo. A história de seus avós, os tempos que lhe restavam...

O irritante e continuo som provocado pelas gotas de chuva e ventos uivando pelas paredes iria adentrar madrugada adentro. Mas, foi bruscamente interrompido pelo estrondo de algo pesado se chocando contra o solo. O barulho continuou em ruídos e estalidos de outros fragmentos se espatifando no chão.

O baque final da queda foi quando o veículo terminou de virar, havia caído com a traseira, agora a parte frontal terminava se chocando no chão. O gás combustível, usado nos propulsores direcionais do veículo, começou a vazar produzindo um chiado. Um filete de nuvem azulada subia para depois descer, já que era mais pesado que o ar, se espalhando lentamente pelo chão enlameado. O choque produziu algumas faíscas nos circuitos do carro e com o contato com o gás provocaria uma explosão. Os mendigos fugiam arrastando suas carcaças atrofiadas vestidos em seus farrapos encardidos. Em seu interior, Venure preso pelo cinto de segurança e imprensado por colchões do airbag inflados no momento da queda. Não sofrera lesões, mas estava desmaiado, devido a própria interrupção brusca da queda de cabeça para baixo. Machucara o céu da boca e a língua; um filete de sangue roxo saía pela boca e nariz.

Na contra mão dos restos dos mendigos, o velho foi na direção do veículo. Andando lento e curvado, carregava uma barra de ferro. Ao se aproximar imprensou-a na fresta da porta. Fez uma alavanca e forcou sua abertura. Ela então, começou a abrir sozinha, mas a superfície do carro estava toda amassada e ela interrompeu-se antes da metade do caminho. Ele forçou com a barra a empurrando mais. A nuvem de gás azulado rastejava na direção das partes elétricas expostas faiscando na frente do carro: um único contato e nenhum dos dois sobreviriam. Mas já dava para puxar Venure. Puxou com toda a força que arranjou, não sabia de onde, e o arrastou por cinco metros, até parar atrás de uma coluna. Sentou-se exausto. Um estrondo ensurdecedor e um clarão cegante se fez. Fagulhas e peças voavam para todas as direções como mísseis. No lugar ficou apenas uma fogueira ardendo.

Venure acordou com o gosto de sangue na boca. Sua testa latejava de dor e suas juntas estavam doloridas. Tentou se levantar mas uma tontura o fez abaixar-se. Olhou em volta. O fogo do veículo que se extinguia pela chuva clareava frouxamente o ambiente ao redor. Gotas de água da chuva caíam de um teto, a mais de cinqüenta metros de altura; tubulações imensas e estruturas arredondadas de metal escuro enchiam esse teto. Algumas estruturas tinham ligações com máquinas barulhentas protegidas por grades eletrificas ali perto. Ele estava sentado encostado a uma parede. Um velho mendigo se aproximou com uma caneca d’água. Ele tentou fugir, mas o nativo de alguma forma não se mostrava ameaçador. Viu o seu gravitor reduzido a uma carcaça esfumaçada com focos de incêndio em partes isoladas e deduziu que não havia saído dele sozinho, pois só acordara naquele instante. O nativo pronunciou algumas palavras incompreensíveis e segurou em seu queixo apoiando sua cabeça enquanto bebia água.

— Quanto tempo estou aqui? — Perguntou tolamente, desconfiado que o nativo não compreenderia sua fala.

O mendigo pode ter entendido mas não respondeu. Se limitou a ajeitar suas próprias coisas num saco. Percebendo que o ser do mundo superior já podia ser recuperar sozinho, achou melhor partir. Venure de fato já conseguia se levantar. Ficou ainda alguns minutos apoiado na parede, tentando vencer a vertigem, até conseguir andar.

Alcançou o mendigo e ficou à sua frente.

— Espere — disse ofegante —, não te agradeci. Muito obrigado. Acho que você salvou minha vida.

O velho não deu muita importância e apressou-se para continuar sua noite interrompida pelo acidente.

— Porquê me salvou? — Perguntou Venure enquanto o mendigo continuava se afastando.

Venure não se conformava. Ele era um dos chamados seres do mundo inferior. Foi na sua direção e deu a volta, pôs seu corpo no caminho.

— Quem são vocês?

O homem com sua face enrugada escondida por trás de uma barba fitou-o com seus olhos avermelhados. Mas seu olhar não disse nada. Apenas pegou um objeto minúsculo que trazia pendurado por um cordão no pescoço e o entregou. Venure pegou, certo que aquilo seria algum gesto que abriria uma comunicação mas ampla. Tinha a forma de uma cruz, com um dos lados maiores. Ficou olhando curioso tentando entender algo tão simples, pelo jeito o homem havia talhado na madeira e feito um furo para passar um barbante. O nativo já se enfiava num beco imundo e fétido. Percebeu que estava embaixo de uma pesada chuva; gotas com alto teor de acidez já batiam em sua pele e pinicavam.

Volveu-se para ver a fogueira de seu veículo que ainda lambia em alguns gomos de fogo quando deparou-se com uma multidão de mendigos o observando próximo à fogueira. Talvez aproveitassem o calor emanado por ela. Seus rostos exprimiam medo ou apenas apatia. Ele se aproximou e quase deu um salto para trás, quando conseguiu visualizar bem suas fisionomias: figuras horrendas, uns apenas um olho, outros a boca rasgando a face encaroçada totalmente desproporcional. Cabeças avantajadas e o que pareceu ser duas pessoas sentadas lado a lado, na verdade, quando um clarão mostrou, eram seres de duas cabeças e dois troncos. Aqueles seres disformes pareciam mergulhados na mais profunda desesperança, nunca havia os avistado assim tão de perto; em geral eram vultos em bueiros, nos porões da cidade, tão ignorados quanto o resto dos animais que viviam no lixo.

Não esqueceria aquela imagem tão cedo.

 

Amanhece na Metrópole do Leste...

O disco enorme e incandescente do Sol se esparramava pelo horizonte. Despejava sua luz avermelhada sobre a metrópole. Gravitores salpicavam o céu, que de longe pareciam enxames de moscas voando entre os edifícios. Tubulações de metal-vítreos dos metrôs tremeluziam à luz do Sol. Por dentro deles as composições de três ou quatros ou até cinco vagões, passavam zunindo. Essas tubulações transparentes interligavam toda a cidade, desenhando uma colossal teia de aranha, desde o centro, o coração, às periferias.

Elevadores panorâmicos faziam as ligações verticais, daquela cidade que acima de tudo era enorme também em direção ao céu. Os prédios mais baixos não tinham menos de um quilômetro de altura; na maioria das construções algumas nuvens os rodeavam assombrosamente. Espaçosos, os elevadores subiam e desciam, por fora dos edifícios-cidades, levando gente aos mais diversos andares.

As coberturas dos prédios eram cobertas geralmente por cúpulas que envolviam parques ajardinados, ou até pequenas reservas florestais. Venure observava, pelas paredes curvas e transparentes de metal-vítreo da cúpula, o movimento dos gravitores lá fora. Estava na ampla cobertura do edifício em que morava, em um parque arborizado e uma espécie de shoping a céu aberto, apesar do céu ali ser a cúpula. Às suas costas árvores roxas e lilases que lembravam a esponjas do mar de dez metros de altura, se destacavam das verdes árvores nativas.

Estava num bar próximo à parede transparente. O balcão era servido por um ser cibernético. O ser dotado de inteligência artificial despejava café na xícara de Venure. À sua esquerda, bem na outra extremidade do balcão, uma tela plana mostrava noticias com cem por cento de nitidez:

“O vendaval provocou um caos por toda Metrópole do Leste...”

Noticiava mostrando áreas de toda a região metropolitana. Em uma delas a tubulação de metrô tubinado havia rompido e uma composição havia despencado de um altura de quase cem metros...

Soprou para esfriar um pouco o café forte e deu uma golada.

“Rebeldes iniciaram um tumulto na Metrópole Oceânica. Mas a Guarda Erdronida baniu com violência boa parte daquela facção...”

Explosões e uma violenta troca de disparos de lasers era mostrada. Robôs patrulha respondiam com violência dobrada, disparando projetis e rajadas.

Olhou de relance por um momento e avistou alguém. Ela sentou a seu lado.

— Venure, o que foi essa cicatriz aí? — Ela pergunta desviando o olhar e sinalizando pro andróide balconista.

— Ih, essa história é longa. Nem sei como estou aqui vivo...

Ela arregalou os olhos assustada.

“A Barragem Oceânica registrou um novo aumento do nível do mar provocado pelo degelo das calotas polares...”

A unidade cibernética pensante, como Venure o definia, atendeu prontamente com seu olhar inexpressivo.

— Mas me conte, como isso aconteceu?

— Aquele temporal de ontem à noite... Achei que daria para chegar em casa, afinal já estava perto.

— Você continuou voando em meio à tempestade?

— Exato...

— As vezes você me surpreende!

— Tá, mas deixa eu contar a história... O gravitor caiu lá embaixo nos porões da cidade. E o que aconteceu depois mexeu comigo...

— E?...

— Sabe os seres do porão? Conhece mais sobre eles?

— Ah, sim, eu avisto eles aqui e ali, são aberrações. Chegou-se a pensar em limpar aquelas áreas.

— Foi um deles que me salvou. Um velho me tirou do veículo, e eu quis agradecer mas continuou a caminhar pro seu beco. Fiquei comovido. Aquela criatura me salvara, se preocupou com minha vida. Quando insisti em agradecer ele me deu isso...

Venure pegou a cruz talhada na madeira.

— O que é isso? — Ela pergunta só olhando de relance. Continuava assistindo aos noticiários do telão.

— Olhe bem. Tem um significado muito importante para ele, ele o carregava pendurado pelo pescoço.

Sandra fitou Venure bem nos olhos. Ele a encarou. Pegou na cruz e colocou-a em sua mão.

— Ele me deu este objeto. Apenas isso. E tinha algum significado...

— Não me lembra a nada...

— Acho que já vi algo que me lembra esse símbolo. Talvez seja um símbolo do dialeto deles...

— E eles têm isso?

— Têm. São seres com inteligência, Sandra pode acreditar...

— Desde quando passou a se interessa por isso?

— Desde ontem à noite.

O telão mostrava mais noticias:

“O Conversor Atmosférico deverá ficar pronto em cinco anos, e será preciso quase um século para que a atmosfera do planeta fique realmente condicionada a sociedade erdrônida...”

Venure se despediu e foi andando pelo parque. Um elevador externo ficava a alguns metros dali, depois de outras quadras de jardins e chafarizes. Telões, outdoors virtuais e hologramas anunciando ou noticiando novidades podiam ser visto por toda a imensa área do parque, assim como algumas instalações, prédios e uma torre que interligava com o pólo da cúpula de metal-vítreo. Afora do superfície transparente, gravitores salpicavam o céu contra o enorme globo do Sol se agigantando no horizonte.

 

Venure era um especialista em Inteligência Artificial. Um ciberpsicólogo. Analisava todo o tipo de máquinas autônomas, robôs e andróides de vários níveis de autonomia pensante. O proprietário do andróide do balcão fora seu cliente, ou melhor dizendo, o andróide que fora seu cliente. Fora levado a seu apartamento naquele mesmo condomínio-cidade, e dali analisava sua crises existenciais: quanto mais complexa fosse a máquina, mais crises poderia ter e mais complicadas. Interligava seus cérebros de cristal, ao seu processador de inteligência, e procurava o que estava errado na tela do processador, tanto nas linhas de sua programação ou conversando simplesmente com o andróide. O balconista estava com falhas nas linhas de comando de comunicação. Não obedecia mais o dono, e tinha tremedeiras. Venure corrigiu formatando seu cérebro e reprogramando completamente o andróide. Suas memórias inclusive: aquela unidade andava questionado muito sobre o porquê ele não tinha famílias, etc... Em geral Venure não gostava de deletar assim suas memórias, achava falta de ética, pois acima de tudo, considerava eles uma forma de vida, inclusive inteligente, mas fizera por ordem do proprietário.

Venure estava diante de seu apartamento. A sua porta possuía um identificador, uma fôrma da sua mão direita. Encostou-a: o identificador se acendeu e emitiu um som mono. A porta se abriu num instante.

A sua ampla sala foi tomada por uma luz projetada do teto e uma música começou a soar. A música foi a melhor herança deixada pelos nativos para os primeiros colonos. Um conjunto de sons emitido em tal harmonia, que deixava no indivíduo um quase encantamento. Algo tão bonito criado por aqueles seres que viviam nos porões da cidade. Aquela música era produzida por muitos instrumentos; de cordas sonoras, de sopros — nos quais o nativo encostava a boca e soprava — e batuques, cujo som era produzido por um simples bater da mão numa superfície de couro esticado na boca de um recipiente oco.

Venure logo que entrou na sala, um robô de meio metro veio na sua direção. Parecia que todo a sua estrutura externa era de vidro. Uma cabeça chata girava 360° em torno de seu pescoço. Na verdade era uma bandeja com vários recipientes, aperitivos e bebidas. Por toda a extensão da sala havia peças soltas de andróide e robôs que já passaram por ali. Alguns, réplicas sintetizadas de um erdrônido típico, outros apenas estilizados: prateados, de vidro e até um que parecia ser feito de madeira. Ficavam tudo em pé pelos cantos do apartamento, à espera de seus donos virem buscá-los. Se jogou numa poltrona de encosto inclinado sem pés no centro da sala.

Segurou novamente na cruz de madeira. Com as pontas dos dedos olhou-a contra o Sol que entrava pela parede transparente da sala. “O que significa isso?”

Pegou num mouse-remoto e apontou para um quadro branco na parede. Vários caracteres apareceram em linhas. Iam se acendendo à medida em que ele procurava o que queria. Uma imagem se abriu.

Uma paisagem desoladora: ruínas cinzentas e calcinadas entremeadas aqui e ali por uma vegetação ressequida e arbustos pequenos sem folhas. Calangos e cobras se rastejavam por fendas nas pedras e paredes desabadas. A paisagem ia deslizando pela tela, mostrando vários ângulos, se distanciando e mostrando do alto. Um pico rochoso se via ao fundo. Venure estacou. Paralisou a imagem. Aproximou o que via acima do pico rochoso. Uma estátua de um homem aborígene de braços abertos...

 

Um dos becos fétidos, molhados e escuros, abrigos dos nativos mutilados, teve sua rotina mudada; rebeldes erdronidos apavorados passaram saltando montes de lixo pelo caminho ou sem mesmo se desviar das poças de água. Mendigos se comprimiam assustados em seus cantos.

Minutos depois de passar o bando, viram uma forte luz penetrar pelo túnel. O foco oscilava pra cima e pra baixo num movimento frenético e ia crescendo, junto com os estrondos pausados. Escutavam o ranger de metal; o chão tremia, rodelas de ondas surgiam nas poças d’água. Logo passou por eles, a forma monstrenga de um dos enormes robôs patrulhas. Metralhadoras apontadas e o holofote que eram os próprios olhos do monstro mecânico, cegando-os e rasgando a escuridão. O que ouviram dois minutos depois foi o grito desesperado abafado pelo som dos lasers faiscando nas paredes de uma câmara no final do túnel sem saída. Logo em seguida a máquina assassina passou de volta sem nem notar os mendigos.

 

Venure da sacada do seu apartamento observava a metrópole ganhando mais uma vez aquele ar melancólico de fim de tarde. O vento morno com um estranho cheiro de enxofre alisava seu rosto. O som distante dos gravitores cortando os ares se misturava a do painel virtual um pouco abaixo na parede de um prédio-cidade do outro lado do precipício. De vez enquanto algum passava bem perto dele. A imagem da estátua mantinha–se presa em sua mente. Um homem de braços abertos: lembrava o desenho da cruz de madeira. A única forma de ter certeza era descendo lá embaixo de novo e conversar com o nativo. Nos arquivos que consultara pouco se falara das ruínas e de seus antigos habitantes.

 

Café! — pedia Sandra no bar panorâmico.

Venure estava silencioso com o crucifixo na mão. Sandra lhe lançou um olhar indagador.

— Já está você de novo com isso aí? — Perguntou.

— Preciso fazer algo e vou fazer.

Sandra desviou a atenção para o noticiário da tela.

— Desgraçados! — Praguejou tão alto que até o andróide balconista, geralmente alheio a fatos não relacionados à sua tarefa rotineira, olhou.

— Hã? Algum problema? — Perguntou o andróide.

O telão anunciava que um grupo de rebeldes tiveram um conflito com a Patrulha Metropolitana, reagiram e foram mortos no tiroteio.

— É tudo mentira deles! Ontem à noite massacraram um grupo que já havia se rendido. Mas os perseguiram até a morte.

— Como sabe? — Perguntou curioso Venure.

Ela fez um movimento brusco com os olhos e reteve-se por um momento. Evitou olhar para Venure. Ele inclinou a cabeça, procurando os olhos dela.

— Isso sempre acontece, rapaz... O sistema está podre Venure. Essa crise que assola o planeta é devido a esse colonialismo covarde, que eles mantêm. Antari está sugando nosso sangue e precisamos lutar pela nossa independência.

— Você parece fazer parte desses movimentos de independência que se multiplicam por aí...

Ela manteve um silêncio suspeito, mas Venure não quis insistir.

“O Conversor Atmosférico será instalado no Pólo Norte e ocupará um quarto de toda área”

— O Conversor Atmosférico será uma obra construída por companhias de Antari, cujo tanto o projeto quanto todo o material e equipamentos, será importada de Antari, a créditos astronômicos. Cinco vezes ou mais o valor normal. É uma obra com eficácia não comprovada. Existe um troço desses de não sei quantos quilômetros de extensão em Epsilon que hoje está abandonado.

— É... Isso é um problema sério...

— Venure, vou andando. Quer uma carona?

— Quero. Mas é para um lugar em especial.

— Onde?

— Quero voltar lá onde caí...

— Fazer o que lá, homem?

— Preciso voltar. Tenho que conversar com aquele nativo de qualquer maneira.

— É uma sub-raça, são o que são por serem!

— Existem ruínas de cidades espalhadas pelo planeta inteiro sabia? E essa cruz parece incrivelmente com uma estátua que construíram no alto de um morro. Pode ou não me levar até lá?

— Tudo bem. Vamos...

 

Alguns minutos depois o gravitor de Sandra planava sobre um largo rio, a parte dele que atravessa ao ar livre antes de virar um canal subterrâneo mais adiante. O canal tinha até um quilômetro de largura, hoje divide a Metrópole do Leste em duas bandas, mas no passado era a principal referência de uma exuberante selva tropical. Atravessaram o canal, Sandra voou baixo até então, para depois subir novamente e se meter no emaranhado de arranha-céus.

Venure apontou para baixo. O veículo parou no ar e começou a descer verticalmente. Acionou seus pés de apoio e pousou suavemente no chão rachado do fundo. Sandra questionava se o amigo estava gozando de sua sanidade perfeita ao insistir em descer ali. Abriu a porta, Venure saiu na frente. Ela o seguiu meio acuada.

Vários daqueles seres estavam sentados, alguns dormindo, outros dentro de cabanas de papelão. Ratazanas passeavam pelos montes de lixo. Na claridade do dia Venure notou que estava numa antiga praça. Ruas de pedras ainda eram discernidas por entre sucatas velhas e abrigos de madeiras e cabanas. A Metrópole se erguia exuberante a dez metros de sua cabeça. Estavam quase a baixo de um colossal edifício. Mas para dentro a escuridão dominava. Ele pegou o caminho que fizera antes atras do velho. Sandra permaneceu de pé próxima ao gravitor. Os mendigos mantinham suas fisionomias apáticas fixas nos dois altivos visitantes.

Venure avistou o ancião. Curvado, ele arrastava um saco de coisas e empurrava um caixote com vasilhames. Venure se aproximou e falou:

— Senhor, lembra-se de mim? — Perguntou se inclinando para que o ancião o visse com suas costas curvadas.

O velho o viu mas procurou ignorá-lo ou evitá-lo. Apressou o passo e adentrou o corredor. Venure não se conteve e foi atrás.

— Por favor, precisamos conversar... — O ancião continuava a entrar no corredor.

Venure pegou o crucifixo e o mostrou:

— Só queria que me dissesse quem é ele!

O velho estacou. Parou, se endireitou e olhou fixamente nos olhos de Venure. Globo ocular rosado, se destacando numa face cinzenta. Os cabelos azuis destacava sua característica erdrônida. O velho o convidou com um gesto a segui-lo. Venure o fez. Deu uma parada quando deu de cara com a carcaça do robô patrulha. Mas se espremeu na parede e seguiu o ancião até o final. Ficou parado encostado à parede enquanto o velho se enfiava no buraco. Saiu com uma espécie de baú. Enquanto revirava os objetos ali dentro Venure tentou novamente:

— Quem é ele?

— Nosso messias... — respondeu na língua do erdronido.

Venure pouco se surpreendeu, afinal nem sabia que tinham uma antiga língua que ainda usavam entre si.

— Quem?

— Nosso salvador.

“Salvador?”

Tentava entender o que significava aquilo. “Eles esperavam alguém que iria ajudá-los?...”

— Mas onde ele está?

— Ele ainda não veio, mas virá nos salvar — respondia apontando para o céu.

Venure olhou para a fina faixa de céu que podia ser vista dali.

— Onde? Diga onde. Juro que darei um jeito de ir buscá-lo! — disse numa tolice que o mendigo pela primeira vez sorriu.

— Você não pode buscá-lo. Ele virá até nós. Ele é maior que tudo isto aqui. É onipotente. Seu poder é infinito...

O erdrônido ficou intrigado; jamais ouvira falar dele. Alguém tão poderoso haveria de ser conhecido em toda a Constelação.

— Quando ele virá? — perguntou sentando-se de cócoras em frente ao mendigo que sentava no chão com as costas na parede do outro lado do beco.

— Ninguém sabe.

Enquanto o nativo falava, Venure observava o ancião remexer nas coisas do baú. Notou algumas folhas com fotografias desbotadas. Amareladas e com manchas brancas de umidade salpicando toda a figura. Quase não dava para discernir, mas em algumas notou uma grande movimentação de nativos. Um enorme estádio lotado deles, assistiam a um tipo de ritual, ou qualquer outra coisa. Aquele estádio vira nas ruínas: por dentro só matagal e entulhos. Segurou nelas enquanto o mendigo o observava. O ancião guardou todas e fechou o baú.

O mendigo fez um esforço para se levantar. Venure ia ajudar mas ele foi mais rápido. Tossiu doentiamente e foi arrastando o pé de volta pro túnel. Sandra aparece na entrada do beco a uns dez metros dali.

— Venure, vamos sair daqui, vamos? Esse lugar tem um cheiro de morte...

Ele percebendo que não conseguiria mais nada ali virou-se e foi embora.

 

Um salvador... — Venure balbuciou enquanto observava pelo teto vítreo do gravitor o Sol: uma nódoa avermelhada acompanhando o veículo por cima de uma densa capa de nuvens. Os cumes dos edifícios mantinham-se escondidos por ela.

— O que disse?

— Eles esperam um salvador que virá do espaço. Segundo o ancião ele não existe em presença física. É uma força que vive dentro deles. Esse indivíduo morreu há milhares de anos para ressuscitar três dias depois. Não entendi direito. Pelo que sei acreditam que existe uma força criadora que rege todos os elementos da natureza...

Sandra o encarou:

— Não entendi. Não existe uma lei sequer da ciência que comprove o que você está dizendo. Que teoria maluca é essa?

— Aí, que está. Não existe ciência que consiga comprovar isso. Está acima de todas as leis da ciência. Tudo isso se manifesta pela fé. Está dentro da alma.

— E que tanto você fala de alma? O que é isso?

— A essência da vida de cada um. Se ela sai do corpo, a carne morre e apodrece.

— Hiii, Venure, tem certeza que não bateu com a cabeça naquele acidente? Você está tão estranho...

Ela pilotava bem devagar. Os gravitores à sua frente estavam numa enorme fila contornando as montanhas arquitetônicas da metrópole.

— Vi algumas coisas que mostram o mundo deles, pelo que sei eles antes da chegada dos antaris...

— Os primeiros colonos... — disse pensativa repensando a história atribulada de Erdro.

Os primeiros colonos eram indivíduos exortados de Antari, e obrigados a morar naquele fim de mundo, periferia da Constelação.

 

Há quatro gerações atrás os habitantes naturais deste planeta puderam deslumbrar um espetáculo que mudaria a história de suas nações para sempre, ou melhor poria um ponto final na sua história escrita, de mais de cinco mil anos. Nos primeiros anos de um novo milênio, gigantescas espaçonaves foram vistas “levitando” sobre a maior selva tropical do planeta. Segundo os registros ficaram paradas por um ano estudando os recursos do planeta para exploração e ocupação. Dentro de dois anos uma expedição iria chegar para iniciar os preparativos...

Em algumas décadas, cidades inteiras foram incineradas por seus poderosos canhões de partículas. O que restou foi combatido por naves menores. Nações fortes foram derrubadas uma a uma. Mas a luta não duraria muito; aquela civilização estava condenada à morte logo no primeiro contato. A tolerância de radioatividade deles era menor que a dos antaris: sessenta por cento a menos. A primeiras naves já haviam despejado na atmosfera um lixo radioativo em forma de gazes, lixos e poeira. Oitenta por cento de toda a população desenvolveria mais tarde algum tipo de câncer maligno. O restante e gerações posteriores seriam mutações que apenas lembrariam os antepassados.

 

Venuri ficou o dia inteiro pensando nessa estória. Talvez se convidasse o velho nativo a morar com ele. Sim poderia ser uma bandeira para mudar a situação. Haveria como mudar. Saiu correndo de seu apartamento e procurou no mapa holográfico da estação do metrô cilíndrico o melhor ramal para se chegar o mais próximo possível do gueto em que estivera...

Uma hora depois Venure já descia os trezentos andares que separavam a estação que acabara de saltar, ao nível mais baixo da metrópole. Na verdade o elevador o deixaria num térreo de serviços; teria que procurar alguma escadaria ou mesmo elevadores para descer ainda mais fundo. Demorou a achar, ninguém descia aos porões da metrópole. Sob olhares de curiosos Venure esperou uma espécie de andaime de cargas. Lá embaixo ainda percorreu a passos largos, espantando até alguns indigentes, mais alguns cinqüenta metros até finalmente achar o beco onde o ancião morava. Não estava lá. Rodeou toda a área tentando estabelecer algum contato com alguns mas, poucos queriam falar com ele, ou não o entendiam. Pronunciavam sons incompreensíveis. Mas uma senhora sentada, ou não tinha pernas, não pode ter certeza, revelou o que ocorrera.

O velho ancião morrera. Ocorria uma epidemia de uma doença provocada por insetos em toda a região sub-metropolitana. Um tipo de dengue hemorrágica que matava em menos de três dias e se alastrava como o próprio enxame de insetos da área.

Venure teve vontade de se sentar. Mas, ficou parado se achando um tolo, enquanto aquele mundo o envolvia insensivelmente. Havia tido uma experiência que mudara sua forma de ver a realidade, a sua e a deles. Percebeu que ambas tinham uma ligação profunda. Mas estavam tão separadas e parecia que uma ignorava a outra.

 

A tarde cai. Junto ao crepúsculo triste que geralmente dominava os fins de dias do verão. Apesar do intenso e incansável movimento de gravitores o céu parecia monótono. O silêncio era cortado ocasionalmente por um ou outro veículo que passava próximo à torre em que Venure estava. Subira à torre que centralizava o cume da cúpula do arranha-céu em que morava, um dos maiores. Abaixo dele a enorme forma convexa e transparente cintilando sobre uma paisagem arborizada e entremeada por lagos com chafarizes e pequenos quiosques. Lençóis de nuvens amarelo cinzentadas desfilavam languidamente além da cúpula como um estranho mar, contornando ou cobrindo suavemente outras coberturas e torres que chegavam àquela altura. O sol brilhava amarelado próximo ao horizonte: o oceano de nuvens, com suas ilhas pontiagudas e cúpulas, sumia na distância.

Um vento morno alisava seu rosto. Alguns dos gravitores vez por outra mergulhavam na camada de nuvens. A cidade crescia logo abaixo. Multidões andavam pelas passarelas elevadas, corredores, galerias e largos da metrópole. Mas não era o movimento cotidiano de sempre. Havia uma manifestação geral. A sociedade erdronida protestava contra o sistema. A última manifestação fora suplantada pela guarda metropolitana, cujos robôs patrulhas os perseguiram até os porões da metrópole, um deles guardava até hoje o beco do ancião. Venure estava preocupado; de repente percebeu um movimento anormal, de gravitores patrulhas. Vários deles enchiam o céu com suas iluminárias piscantes e a sirene ameaçadora. Todos os outros veículos aéreos civis começaram a descer, em pouco tempo não havia mais nenhum: apenas as patrulhas. Venure resolveu descer dali. Que faziam vôos rápidos de um lado por outro checando todo o espaço aéreo entre os prédios.

Abaixo da concavidade de metal vidro da cúpula, havia vários manifestantes em polvorosa. O bar panorâmico, fechado, soube também que as estações do metrô tubo estavam interditadas assim, como o tráfego aéreo de qualquer espécie.

 

Entrou em seu apartamento, jogou-se na poltrona completamente inclinada e ficou parado olhando o teto pensativo. Não via Sandra há vários dias. Na verdade era comum ela sumir de vez em quando. Lembrou-se de alto que o fez esquecer dela por um segundo e foi direto ao baú que pegara no beco. Abriu–o e remexeu nos objetos do velho. Potes de vidro contendo ervas e sementes mergulhadas em algum liquido, e muitas folhas de papel com anotações. Um caderno inteiro escrito à mão. E varias fotos, muitas não se destinguiam nada além de um borrão. Mas pegou em algumas mais legíveis e botou na direção dos olhos. Olhou fixamente para elas, queria enxergar os rostos daquelas criaturas que andavam tão aleatoriamente pelo passado. Colocou a foto num escaneador e ela apareceu na tela. Aproximou tanto a foto que só via retículas falhadas. Mas foi construída uma imagem até definir um rosto. Um rosto de uma mulher que sorria. Outros estavam sérios, pensativos. Venure ficou tão compenetrado observando os olhos e fisionomias daquela gente que nem percebeu que já se passara quase uma hora olhando as fotos.

Deviam ser tão felizes e livres... Um mundo inteiro, uma história inteira fora interrompida em menos de um século. Um piscar de olhos na história do planeta.

Escutou um barulho na porta. Ela se abre e por ela entra Sandra.

— Sandra!?

— Vamos embora daqui!

— Você sumiu. Onde esteve esses dias?

— É o que eu quero te contar. Sumi para seu bem; e preciso desaparecer por uns tempos...

Ele ficou observando ela amarrar o cabelo enquanto falava.

— Vamos lá fora. Eu não quero ficar confinada aqui na hora “h”.

— Hum? O que você está falando. Você faz parte disso, não faz?

Ela se conteve. Parou de se movimentar e o encarou. Deixou cair os ombros. Seus cabelos se desprenderam de novo, apressada não conseguira amarrá–los direito.

— Você já deve ter pelo menos imaginado isso! — se entregou.

— Sim. Você falava demais sobre o sistema, tinha provas incríveis contra eles.

— Faço parte dum movimento de libertação deste planeta, Venure. Já chegamos ao momento de nos libertarmos de Antari...

— Você acha que vai ser fácil?

— Claro que não. Como também nada será mudado na atual situação política de Erdro, se nós não fizermos alguma coisa!

Estrondos curtos eram ouvidos no lado de fora. Como se no corredor algo pesado e com patas metálicas estivesse caminhando... O tilintado era forte e estremecia tudo no apartamento.

Sandra paralisou-se diante de Venure. Seus olhos se arregalaram e sua boca se abriu num grito mudo. Seu rosto voltou-se para a porta. Os estrondos tornaram-se maiores e de repente tudo parou...

— Venure, cooorra! — Ela virou-se em torno dos pés e puxou sua pistola laser que carregava numa polchete de joelho.

Mas tudo a seguir foi atordoante e rápido. A porta explode, a fumaça e poeira mal abaixa e revela a carcaça de um enorme robô patrulha, metralhadoras zunindo. Uma descarga de raios parte rasgando o ar e a tingindo em cheio. Ela grita enquanto seu sangue espirra por toda a sala e cai no chão na frente de Venure. Ele aterrorizado só olhava para o robô esperando sua vez. A máquina se silencia e fica imóvel. Certamente estava passando informações para sua central de monitoramento.

Venure, trêmulo de nervoso ficou olhando para o corpo ensangüentado de Sandra. Se abaixou e pegou nela. Olhou para suas mãos sujas de sangue e para o rosto de sua amiga. Seu rosto salpicado de sangue e nenhum suspiro mais...

O erdronido deixou cair sua cruz que instintivamente carregava. A pegou e deixou na palma de sua mão direita.

— Cristo... — balbuciou. — Porquê?

Não teve muito tempo para lamentar. Escutou um estalo. O robô se mexia novamente. Deu um passo na sua direção. Ele não quis perder tempo e jogou-se para um outro cômodo. Não queria saber a real intenção da máquina, resolveu sair por uma saída de lixo. Foi parar alguns níveis abaixo por onde correu pela multidão e quando se deu conta já estava numa parada de metrô existente naquele mesmo andar do prédio.

 

Dois dias depois...

Venure estava no convés espaçoso da nave Interplanetária que o levaria para Antari. Tinha alguns conhecidos por lá. A turbulência política no planeta iria ainda durar algum tempo. Pensava em Sandra, sua companheira de anos. A conhecera por acaso naquele bar. Na verdade na maioria das vezes só se viam no bar. Agora estava tudo acabado. Quase tão de repente quanto a sociedade antiga dos nativos...

Diante da enorme escotilha panorâmica ficou ali parado, olhando para aquele planeta que um dia já foi azul.


ERDRO

[imagem]

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Final
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©2003 — Flávio Marques de Oliveira
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Março 2003

 

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