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OS HERÓIS EM QUADRINHOS

Mauro Gonçalves Rueda


Os Heróis em Quadrinhos
Mauro Gonçalves Rueda

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eBooksBrasil.org

Fonte Digital
Documento do Autor
maurorueda5@hotmail.com
maurorueda@uchoanet.com

©2003 — Mauro Gonçalves Rueda


OS H E R Ó I S
E M
Q U A D R I N H O S

Literatura infanto-juvenil
COLEÇÂO JOYCEANA — Volume: 1
T E A T R O I N F A N T I L
1 Ato

São José do Rio Preto. Maio de 1.982.
Mauro Gonçalves Rueda


 

 

Dedico este trabalho a
Joyce de Castro Rueda
Julia Bolsoni Bertoni
Renan Matioli Rodrigues.
(Em especial para Roberto Ferreira e família).

 

 


Personagens:
Lúcia — Mãe de Marcos e tia de Valéria e Toninho
Sérgio — Marido de Lúcia
Valéria.
Toninho e Marcos.

Cenário:
Deverá aparentar uma floresta com uma casinha ao fundo.
Obs. O cenário terá que ser readaptado, bem como o figurino, conforme forem se passando as ações das personagens.

A História:
É um Domingo. Todos deverão participar. Os garotos brincam de heróis das histórias em quadrinhos entre outros. Os pais entram na brincadeira.


OS HERÓIS EM QUADRINHOS
— 1 Ato —

(O pano abre e o palco deverá estar vazio. Pela entrada do teatro, aparece Lúcia puxando Marcos pela mão.)

 

LÚCIA — Vamos, filho.

MARCOS — Num vô.

LÚCIA — Anda que teu pai te espera.

MARCOS — Num vô. Eu não quero ir. Quero brincar com os meus primos.

LÚCIA — Se você não se alimentar não vai brincar com ninguém.

(Sobem para o palco desaparecendo logo a seguir, pela casa adentro. Nesse momento, Sérgio atravessará a floresta com um machado às costas a cantarolar)

SÉRGIO — Eu vou, eu vou

Pra casa agora eu vou

Ver o Zico na tv agora eu vou

Num quero nem saber

eu vou, eu vou....

Pra casa agora eu vou.

(Desaparece. Aparecem Marcos e Toninho logo a seguir. Correm, brincam, etc)

MARCOS — Ainda bem que hoje é Domingo.

TONINHO — E a gente não precisa ir à escola.

MARCOS — Vamos procurar o pote de ouro dos duendes?

TONINHO — Mas não choveu.. Não tem arco-íris.

MARCOS — A gente inventa um. Eu quero um arco-íris. Eu quero procurar o pote de ouro. Eu quero!

(Nesse momento entra Valéria que deverá representar uma fada)

VALÉRIA — Eu sei aonde conseguir um... (Faz suspense)

TONINHO — Hã? (Não percebendo a presença de Valéria) Que foi que você disse?

MARCOS — Nada. (Temeroso) Eu pensei que tivesse sido você.

VALÉRIA (Saltitando de um lado à outro) — Eu sei onde tem um pote. Eu sei aonde tem um!

MARCOS — Fadazinha mais assanhada, seu!

(Valéria vai saltitando para fora de cena. Marcos vai atrás)

TONINHO (Vai fazer o mesmo, tropeça e cai) — Ei! Esperem por mim!

(Entra Lúcia. Grita chamando por marcos e sai pelo outro lado)

LÚCIA — Aonde andará aquele pestinha?

(Entram Valéria, Marcos e Toninho em fila indiana. Nas pontas dos pés)

VALÉRIA — Pssiu! É perto daquela moita.

MARCOS — Eu tô com medo.

TONINHO (Galante) — Eu não.

MARCOS — Então vai na frente. (Empurra Toninho)

TONINHO (Escapando de Marcos e correndo para trás da fila) — Manhêêê!

VALÉRIA — Eu espero aqui.

MARCOS — Não. Você vai.

TONINHO — É. Você vai e a gente espera aqui para te avisar se houver algum perigo.

VALÉRIA — (Indo para trás da fila) Eu não posso ir.Os duendes não gostam de fadas.

MARCOS — Gostam mesmo de crianças, né? (Empurrando Valéria) Vai, vai. Qualquer coisa você explica para eles que é uma fada de mentirinha... Que nós estamos apenas brincando.

TONINHO — Eu quero a minha mãe!

MARCOS — Acho que esqueci alguma coisa em casa. Tiau. (Vai saindo, Toninho o segura)

TONINHO — Volta aqui. Foi você quem inventou a brincadeira.

MARCOS — Me deixa! eu quero ir pra casa.

VALÉRIA — Silêncio! (Gritando) — Vocês vão acordar o homenzinho.

TONINHO — Já sei. Vamos tirar no palitinho.

MARCOS -Tá.

VALÉRIA — Tá.

MARCOS — Quer parar de repetir o que eu falo?

(Tiram no palitinho. Marcos perde)

MARCOS — Amanhã eu volto. (Vai Saindo)

TONINHO — Medroso! Bobão!

VALÉRIA — É isso mesmo. Lá não tem duende nenhum. Foi só pra ver se tinham coragem.

MARCOS — Ah, é? E eu estava fingindo que tava com medo só pra... só pra... (indeciso)

TONINHO — Só para não ir, não é?

VALÉRIA — Tava com medo sim.

(Nesse momento entra Sérgio vestindo uma máscara e assusta as três crianças que saem correndo)

SÉRGIO — Eu sou o dono do pote.

Ninguém vai ele levar.

Porque no pote não tem ouro.

Meu pote é para cozinhar.

Cozinho nele as plantinhas.

Perna de gafanhoto e juá.

Cozinho asa de morcego e pimenta.

Pra o meu reumatismo acabar.

Faço sopa, faço o que quiser.

O meu pote não é de ouro não.

O meu pote é de lavar os pés.

(Entra Lúcia, enquanto Sérgio vai saindo)

LÚCIA — Marcooss! Menino danado. Andou por aí o dia inteiro. Me deixa aflita.

SÉRGIO (Entra sem a máscara) — Ei mulher! Deixa esse menino pra lá. Eu acho que você já não está mais na idade de ficar brincando com as crianças.

LÚCIA — Isso é o que você pensa. Não me conhece mesmo. (Sai)

SÉRGIO — Que foi que eu disse pra ela ficar tão brava? Riririri (Esfrega as mãos e sai saltitando)

Eu sou o dono do pote.

Nessa eu também vou entrar.

Eu sou o dono do pote.

E vamos todos brincar. (Sai)

(Toninho atravessa o palco correndo)

TONINHO — Ei, pra onde eles foram? Eu também quero brincar de Robin Hood. Eu também quero procurar o tesouro. Cadê Vocês?!

(Atravessa o palco procurando pelos dois que entram pelo outro lado)

VALÉRIA-MARCOS — Um, dois. Um, dois.

Vamos naufragar.

Um, dois. Um, dois.

Vamos o tesouro desenterrar. (Marcham)

MARCOS (Parando de repente) — Aqui.

VALÉRIA (Dando um encontrão nele) — Aqui.

MARCOS — Eis o sinal. Dez passos para a direita. Dois passos a esquerda. Novamente dois para a direita e mais dez para a esquerda.(Andam contando os passos e voltam para o mesmo lugar)

MARCOS — Tem alguma coisa errada.

VALÉRIA — É tem sim.

MARCOS — Acho que o mapa é falso.

VALÉRIA — Acho que você não sabe fazer cálculo.

MARCOS — Tá duvidando do grande capitão Burraldo-Gancho?

VALÉRIA — Bem... é que....

MARCOS — Terminada a missão irás para a prancha, marujo.

VALÉRIA (Virando-se para a platéia e rindo em deboche)

MARCOS — Que foi?

VALÉRIA — Nada, capitão. Nada. (Volta a repetir a cena do riso)

MARCOS — Parece que você está com dor de dentes!?

(Entra Toninho correndo. Cansado, ofegante)

TONINHO — Eu também quero. Procurei vocês por tudo quanto foi canto.

MARCOS (Tirando uma espada de pau da cintura) — Estás preso, sabotador!

TONINHO (Para o público) — Híiii! Já vi que hoje não é o meu dia (Para Marcos) — Ei, eu sou do mesmo capitão, navio... Quero dizer (Aflito confuso) — Eu sou do mesmo navio capitão.

MARCOS — Nada! Você queria levar o meu tesouro. Vamos marujo, amarre esse pilantra.

VALÉRIA (Fazendo continência) — Está bem capitão.

TONINHO (Sendo amarrado) — É. Eu sempre entro pelos canos.

MARCOS — O que foi que disse?

TONINHO — Nada. É que...

MARCOS — Vamos, diga!

TONINHO — Teu barco tá afundando.

MARCOS — O meu barco? Meu barco afundando? Vamos marujo, vamos salvar o barco (não era navio não?), antes que ele vá a pique!

(Saem correndo aflitos)

TONINHO (Rola no chão de tanto rir) — Besta! Salvar o quê? É tudo faz de conta. Que navio que eles vão salvar? (Olhando à sua volta) — Ahá! Agora vou desenterrar o tesouro e fugir com ele. (Começa a cavar até achar o pote)

TONINHO — Aqui está... Espera um pouco... Era um pote ou um baú? Nunca ouví dizer que piratas escondessem tesouros em potes. Bem, vá lá... Acho que vou me esconder. (Sai)

(Entram Valéria e Marcos)

MARCOS — Salafrário! Nos enganou direitinho pra ficar com o nosso tesouro. Mas nós vamos pegá-lo.

VALÉRIA (Voltando-se para a platéia e rindo) — ...sim... nós vamos pegá-lo capitão.

MARCOS — E pô-lo à ferros por um bom tempo. Vamos. (Saem)

LÚCIA — Aqueles danados! Aposto como foram eles que tiraram o meu pote. Marcoosss!

(Toninho que ia entrando ao perceber Lúcia, esconde o pote levando as mãos para trás)

TONINHO — Oi tia!

LÚCIA — Cadê o Marcos?

TONINHO — Sei não.

LÚCIA — Eu tenho certeza que foi ele.

TONINHO — O quê?.

LÚCIA — O meu pote.

TONINHO — Ah, o pote!

LÚCIA — Então foi ele?!

TONINHO — É... não... é que... o pote?

LÚCIA — É cadê?

TONINHO — A Valéria falou que os duendes ficam o tempo todo vigiando ele.

LÚCIA — Tem coisa nisso. (Começa a rodear Marcos que também vai girando com o pote escondido)

TONINHO — Acho que tô com dor de barriga, tiau. (Sai correndo)

LÚCIA (Vê o pote nas mãos de Toninho) — O pote! Volta aqui! (Sai correndo atrás)

(Entram Valéria e Marcos. Vestem-se de detetives)

MARCOS — (Com ares importante e meditativo) Ah... (Coça-se no queixo)

VALÉRIA — Que foi?

MARCOS — Tudo indica que o ladrão foi por aqui, com o pote. (Indica o lado contrário)

VALÉRIA — Mas, seu Sherlok... já estou cansada

MARCOS — Vocês mulheres...

VALÉRIA — Mas eu não sou mulher.

MARCOS — Não?

VALÉRIA — Sou Watson, lembra?

MARCOS — Sim, sim meu caro Watson. Realmente. Agora vamos.

VALÉRIA — Eu tô cansada. Acho que já corremos demais. Porque não sentamos por aqui e esperamos?

MARCOS — Porque aí a gente encontra ele facilmente, ora bolas! Agora vamos senão arrumo outro companheiro.

VALÉRIA — Fazer o quê? (Saem)

(Entra Toninho cansado)

TONINHO (Olhando para os lados, tropeça e cai) — Chega! Não brinco mais.(Joga o pote num canto e se senta no chão) Tão pensando o quê? Eu nunca posso ser mocinho, o herói. Não brinco mais. (Toninho se deita e adormece. Entram Marcos e Valéria)

MARCOS — Ahá! Lá está o malandro.

VALÉRIA — Dormindo.

MARCOS — Psiiuu! Não vamos acordá-lo. Vamos pregar-lhe um susto. (Vão se chegando nas pontas dos pés e pregam o susto. Mas Toninho não acorda. Se vira para o outro lado)

TONINHO — Ah mãe... deixa eu dormir mais um pouco... eu não quero ir à aula hoje... tá chovendo... eu até tô molhado... (Valéria e Marcos se entreolham. Marcos dá um pontapé nos fundos de Toninho)

MARCOS — Levanta seu pateta!

TONINHO — (Ainda sonolento): Eu não quero patê!

MARCOS — Tá querendo brincar comigo.

VALÉRIA — Deve “de tá” sonhando.

TONINHO — Molhando. É sim, vou acabar me molhando.

MARCOS (Dando um grito) — Acoorrddaaaa!

TONINHO (Acordando assustado) — Tá pensado que eu sou surdo, sua besta? Eu não vou brincar mais. Eu não vou e acabou.

VALÉRIA — Alguém tinha que estragar mesmo.

MARCOS — Agora tem que ir até o fim.

TONINHO — Só se você deixar eu ser o mocinho, agora.

MARCOS — Pra quê? Cê nem panca de bandido tem... quanto mais de mocinho.

TONINHO — Então eu num brinco mais.

VALÉRIA — Eu acho que vem vindo gente.

(Entra Sérgio de máscara e os assusta novamente. Eles saem correndo)

SÉRGIO — Hahaha!

Pensaram que iam me enganar.

Mas eu sou mais esperto.

Sou mesmo de amargar.

E já que hoje é Domingo...

Nós vamos é brincar.

Nós vamos passear.

Que eu sou é de amargar.

(Sai pelo outro lado)

(Entra Lúcia)

LÚCIA — Todo mundo sumido.

Foram todos brincar.

Até mesmo o meu marido.

Aquele marmanjão.

Acho que eu também vou começar.

(Coloca um disfarce improvisado e começa a procurar pela floresta)

(Entram Valéria, Toninho e Marcos. Atravessam o palco perscrutando. Atrás vem Sérgio. Logo atrás de Sérgio vem Lúcia. Todos atravessam o palco e saem pela mesma porta sem, no entanto, se virem)

(Toninho, Marcos e Valéria deverão cantar a primeira parte da música. Sérgio a segunda e Lúcia a terceira)

TONINHO, VALÉRIA E MARCOS:

Nós somos personagens,

Dos desenhos em quadrinhos.

Basta querer para poder brincar.

Somos piratas, Batman, Tarzã.

Somos o Zorro, a Chita e tantãs.

Somos heróis, somos crianças.

Hoje é Domingo e é só festança.

Vamos brincar até o anoitecer.

Não tarda muito e a gente vai crescer

SÉRGIO

Que não demora vamos envelhecer.

Mas de crianças temos um bocado.

Sou Homem aranha, detetive meio abilolado.

Eu sou o Mickey, sou Tio Patinhas.

Eu sou Scubidú, Mandrake e estou ocupado.

Eu vou brincar que hoje é Domingo.

E eu sou um pai muito danado.

LÚCIA

Branca de Neve e a feiticeira.

Eu posso imitar.

Nasci artista e ninguém pode negar.

Faço teatro, faço tricô.

Faço o que me der na telha.

Eu sou artista tenho que brincar.

Porque sorrir é melhor do que chorar.

(Ao saírem todos, entram novamente os três)

TONINHO — Todos por um!

MARCOS — Vai virar bagunça...

VALÉRIA (Anunciando) — Em cena: Os três mosqueteiros!

TONINHO — Falta o Dartagnan.

MARCOS — Eu faço os dois.

VALÉRIA — Não dá conta de fazer nem um.

MARCOS — O que foi?

VALÉRIA — Nada. Eu tava decorando o um por todos, os três não dão um.

TONINHO — Mas é burra mesmo.

VALÉRIA — Se me chamar de burra não brinco mais.

MARCOS — Vão começar?

TONINHO — Ninguém manda ela dizer besteira.

VALÉRIA — Ninguém manda ele dizer que eu digo besteira.

MARCOS — Em frente! Avante bravos espadachins.

TONINHO — Cavaleiros do bem, avante!

VALÉRIA — Um por todos. Todos não dão um!

(Dão a volta pelo palco montados em cavalos de pau. Param de repente)

TONINHO — O quê foi!

VALÉRIA — É, que que aconteceu?

MARCOS — Não tem graça.

VALÉRIA — Por quê?

TONINHO — É por quê?

MARCOS — Estamos todos de mocinhos e quem vai ser o bandido?

TONINHO — É. Quem vai ser o bandido?

VALÉRIA — Falei que os três de mocinho num ia dar certo.

TONINHO — Então vamos brincar do quê?

MARCOS — Tem tanta coisa...

VALÉRIA — Coisa não é brincar.

MARCOS — Tem Robin Hood, Batman, Tarzã.

TONINHO — De Tarzã eu não brinco não.

VALÉRIA — Porquê não?

TONINHO — Tô cansado de fazer a Chita! (Faz gracejos)

MARCOS — Pois fique sabendo que é de Chita que você revela todo o seu talento.

VALÉRIA (Rindo) — Tem a cara igualzinha...

TONINHO — Já falei pra parar de gozação.

MARCOS (Aderindo) — É uma Chita escrita.

TONINHO — Eu vou embora.

VALÉRIA — Não! Fica.

MARCOS — Vamos inventar algo novo.

TONINHO — É bom mesmo. Tô cansado de brincar de personagens em quadrinhos. Virou uma baita confusão

VALÉRIA — Queria Chapeuzinho Vermelho.

MARCOS — Só se você fizer a vovó. Tem uma cara bobona mesmo.

VALÉRIA — E você de Lobo Mau.

TONINHO — Só se for de Bobo Mau.

MARCOS — Eu já sei!

TONINHO E VALÉRIA (Juntos) — O quê?

MARCOS — Já sei! Já sei...

(Entra Sérgio de máscara)

SÉRGIO:

Vou fazer cozido de criança.

Vou encher a minha pança.

Vou levar você pra longe.

(Os três saem correndo. Sérgio permanece cantando e saltitando com um saco nas costas.)

SÉRGIO

— Vou prender vocês no saco.

— Não vão poder me escapar.

— Eu sou o pirata da perna de pau.

— Mas tenho azia.

— Não posso comer bacalhau.

(Lúcia que ia entrando pára. Aproxima-se pé ante pé e o assusta)

LÚCIA

— Buuuuuuuuu!

— Seu bobão desmiolado.

— Tá pensando que só você

— Outra vez, criança pode ser?

— Agora corre senão perde a graça. Não sabe brincar não, é?

SÉRGIO — Tá. Tá.. (Tirando a máscara) Então volta que eu vou ficar distraído. Aí você entra e me prega um susto e eu saio correndo, tá?

LÚCIA (Para o público) — É duro brincar com gente burra. Tá legal.

(Ela volta e repetem. Sérgio sai correndo, assustado).

LÚCIA — Nunca me diverti tanto. Todo mundo brincando. Todo mundo vivendo o faz de conta... Meu pote! Ah, aqui está o meu pote. Acho que eu vou guardá-lo e depois perguntar para o Marcos aonde ele deixou. (Apanha o pote e sai.)

(Entram Marcos, Valéria e Toninho. Chegam ofegantes)

VALÉRIA — Já é o terceiro susto de hoje.

TONINHO — Eu ando meio desconfiado desse cara.

MARCOS — E eu já estou cansado de não encontrar nada pra fazer.

VALÉRIA — Daqui a pouco vai escurecer.

TONINHO — E eu tenho que ir para casa.

VALÉRIA — Eu não tenho medo de fantasma.

MARCOS — Espertinha!

TONINHO — Boa!

MARCOS — O quê!

TONINHO — Vamos assustar aquele homem quando escurecer.

VALÉRIA — Olha quem fala...

TONINHO — A gente fica escondido e daí...

VALÉRIA — Daí...

MARCOS — Daí...

TONINHO — Daí...? Daí... sei lá!

VALÉRIA — Sabia.

MARCOS — Depois quer ser herói.

TONINHO — Também não posso ser infalível, né?

MARCOS — Tive uma idéia!

VALÉRIA — Eu também.

TONINHO — Eu também.

MARCOS — Mas eu vi primeiro.

VALÉRIA — Idéia não se vê seu bobo.

MARCOS — Mas é minha e eu falei primeiro dela.

TONINHO — Vai ver é tudo diferente.

MARCOS — Mas o que que é diferente?

VALÉRIA — Nossas idéias, ué!

MARCOS — Ai meu São Crispino! Eu falo a minha e pronto.

TONINHO — Eu também quero falar a minha.

VALÉRIA — Eu nem me importo muito. A gente sempre acaba desistindo mesmo.

MARCOS — Dessa vez é pra valer.

TONINHO — A minha também é pra valer.

VALÉRIA — Está bem, cada um conta a sua.

TONINHO — É. Conta você primeiro, Marcos.

MARCOS — Não. Conta você primeiro.

(Ficam indecisos)

MARCOS — Acho que me esqueci. A gente ficou falando tanto.

TONINHO — Também esqueci a minha idéia. Como é que ela pôde fugir assim?.. Justo agora que eu ia fazer alguma coisa!...

VALÉRIA — Dois bobocas que nem sabem pensar.

TONINHO — Se você sabe espertinha , então conta.

VALÉRIA — Vocês querem mesmo?

MARCOS — Não tem outro jeito.

TONINHO — É isso mesmo: o negócio é agüentar tuas besteiras.

VALÉRIA — Agora não conto mais.

TONINHO — Ah, conta! Senão a gente fica aqui o tempo todo sem fazer um nada.

VALÉRIA — Está bem. Escutem aqui. (Juntam-se e parecem cochichar. Riem)

TONINHO — Essa foi boa!

MARCOS — Não sei não...

VALÉRIA — Se não quiser não faz, ora!...

TONINHO — Vamos!

VALÉRIA — Vamos! (Saem)

(Entra Lúcia por um lado e Sérgio pelo outro)

LÚCIA — Outra vez?

SÉRGIO — Você é quem anda me seguindo.

LÚCIA — Afinal de contas, o que estamos fazendo nesta história?

SÉRGIO — Sei lá. Acho que somos os pais das crianças, se não me engano.

LÚCIA — Vamos nos tornar aliados.

SÉRGIO — Está bem. Aí seremos dois e eles três.

LÚCIA — Você vai por aí, qualquer coisa me chama.

SÉRGIO — Qualquer coisa te chamo. (Vão sair e dão um encontrão. Sérgio cai sentado) Ei! Afinal de contas, para onde você vai?

LÚCIA — Vou pra lá!

SÉRGIO — Está bem. Eu vou por... (Dão novo encontrão. Ficam meio indecisos. Saem cada um por um lado).

(Entram os três de Cowboys).

VALÉRIA — E se ele for muito mau?

TONINHO — O Durango Kid aqui dá um jeito. Não existe ninguém em todo o Oeste mais rápido do que eu!... (Tenta sacar a arma e se complica todo)

MARCOS (Rindo) — Rapidez incrível mesmo. Sem dúvida!

VALÉRIA — Ainda tô meio cismada.

TONINHO — A idéia foi sua, não foi?

VALÉRIA — Mas foi sem querer.

MARCOS — Agora já foi. Vamos prender o bandido.

TONINHO — Se ele não pegar a gente primeiro...

VALÉRIA — Acho que vem vindo gente. (Para o público) Acho que eu já falei isso nesse texto uma vez...

TONINHO — O bandido! Vamos nos esconder. Cada um pr’um lado.

(Correm afobados, se confundem. Toninho se esconde atrás de uma árvore. Marcos vai para um lado. Valéria atrás)

MARCOS — Ei, você vai para outro lado!

VALÉRIA — Eu sei disso, mas você escolheu o mesmo lado que eu...

MARCOS — Então eu vou pra lá. (Valéria vai atrás)

MARCOS — Não era cada um prum lado?

VALÉRIA — Era, mas cê veio justamente pra onde eu vim.

TONINHO — Esconde que o homem vem vindo!

(Acabam se escondendo todos os três num mesmo lugar. Sérgio entra com o saco às costas. Se senta para descansar)

VALÉRIA — Vai.

MARCOS — Vai você primeiro. A idéia foi sua.

VALÉRIA — Mas eu não sou o mocinho.

MARCOS — Nem eu!

VALÉRIA — Então vamos juntos. Vamos aproveitar que ele tá distraído. (Vão saindo do esconderijo)

VALÉRIA — Eu não vou mais. Tô até branca.

TONINHO — Eu acho melhor a gente desistir.

MARCOS — São todos uns medrosos. Eu vou na frente. (Empurra Valéria na frente dele)

VALÉRIA — Desse jeito?

MARCOS — Hã?

VALÉRIA (Voltando para trás dos dois) — Você disse que ia na frente. (Se chegam para perto de Sérgio e gritam a uma só voz:)

OS TRÊS — Mão para o alto seu bandido!

SÉRGIO (Assustado) — Eu me rendo! Eu me rendo!

VALÉRIA (Garbosa) — Eu não disse que eu era fogo?. Comigo é assim: chego e vou decidindo.

TONINHO — É. Deu para perceber.

MARCOS — Põe as mãos nas costas que vamos amarrá-lo.

(Sérgio leva as mãos ás costas)

MARCOS — Você! (Apontando para Toninho) — Amarra o homem!

TONINHO (Indiferente) — Eu?

VALÉRIA — É você mesmo. Eu é que não sou Durango coisíssima nenhuma.

TONINHO (Amarrando) — Nó cego. Não vai escapar nunca.

(Sérgio sente coceira no nariz e leva a mão naturalmente para coçar-se)

MARCOS — Nó cego, é? Num vai se soltar nunca?

VALÉRIA — Vai dar nó assim lá na esquina!

TONINHO (Para a platéia) — Acho que dei um furo.

MARCOS — Deixa que eu mesmo amarro.

VALÉRIA — E agora?

TONINHO — É, e agora?

SÉRGIO — Vocês devem acampar. Devem estar cansados.

MARCOS — Era isso mesmo que eu estava pensando. Precisamos acampar. Amanhã prosseguiremos.

SÉRGIO — Trouxeram alimentos?

VALÉRIA — Não precisa, a gente mora aqui perto.

MARCOS — Chiiii!

VALÉRIA — Que foi?

MARCOS — Você estraga tudo mesmo... aonde já se viu três desbravadores do Oeste morarem aqui mesmo e quando sentir fome ir para casa?

TONINHO — Ela é nova no ofício, moço. Num liga não, tá?

SÉRGIO — Deu pra perceber.

MARCOS — Muito bem... Toninho fica de vigia. Eu e Valéria vamos procurar alimentos e água.

TONINHO — Eu prefiro ir.

VALÉRIA — Mas não vai.

TONINHO — Aqui sozinho é que eu não fico.

MARCOS — Mas você vai ficar com ele.

TONINHO — Com ele? (Sérgio) — Pior ainda. Pensei que fossem levá-lo com vocês... Agora é que não fico mesmo.

VALÉRIA — Cada Durango Kid covarde vocês arrumaram pra fazer teatro.

MARCOS — Vai ficar e pronto. Você é o mais medroso e o autor é quem decide. Por isso você fica.

TONINHO — A história não é sua.

MARCOS — Assim não dá pra continuar.

VALÉRIA — Da próxima vez a gente vem de Zorro, pelo menos o amigo dele é Tonto mesmo e concorda com tudo...

MARCOS — Se você não ficar a história vai acabar aqui. Então acho melhor você ficar e pronto.

TONINHO — Tá bão! Tá bão! Mas tenho certeza que vou entrar pelos canos outra vez. Isso sempre acontece comigo. Acho que o dono dessa história não foi muito com a minha cara.

VALÉRIA — Não se preocupe, a gente volta logo.

TONINHO — E se escurecer?

MARCOS — Aí você faz uma fogueira.

TONINHO — Num é melhor acender a lâmpada?

VALÉRIA (Rindo) — Depois chama a gente de burra...

(Os dois saem. Toninho fica observando Sérgio à distância. Voltando-se para a platéia)

TONINHO — Isso é perseguição. Sempre eu. Ficar aqui tomando conta desse marmanjão. Onde já se viu?

SÉRGIO — Se eu não fosse o seu tio, quando terminasse essa história, ia te puxar as orelhas por ser malcriado.

TONINHO — Mim Durango Kid... (Pra platéia) ...meio medroso mas, mim Durango Kid... mim não ser sobrinho de marmanjo nenhum!

SÉRGIO — (Rindo à sopaca)

TONINHO — Que foi? Quer mudar de lugar? Tem formiga aí?

SÉRGIO (Rindo) — Não... não é nada disso... eu tô rindo...

TONINHO — Dá pra ver a palhaçada.

SÉRGIO — É que você faz a maior confusão com os papéis. Quem fala “Mim ser isso... mim ser aquilo...” não é o Durango Kid, não!

TONINHO — Não?

SÉRGIO — Quem fala isso é o Tarzã.

TONINHO — Ah!... Eu não tenho culpa. Nunca fui Tarzão. Sempre me obrigaram a fazer a Chita.

SÉRGIO (Cai na gargalhada)

TONINHO — Que que é? Tá debochando, tá?

SÉRGIO — Não...Tô imaginado você de Chita. Deve ser uma comédia e tanto!

TONINHO — Ah, bom! Pensei que tivesse debochando de mim.

SÉRGIO — Queria ver você de Chita...

TONINHO (Orgulhoso) — Até que eu era bom.

SÉRGIO — Era?

TONINHO — É... depois peguei medo.

SÉRGIO — Medo? Porquê?!...

TONINHO — O Marcos e a Valéria... aprontaram uma comigo.

SÉRGIO — E o que foi?

TONINHO — Tinha uma parte que eu tinha de pular para o cipó e sair de uma árvore para outra.

SÉRGIO — Então?

TONINHO — Eles passaram um treco escorreguento no cipó e...

SÉRGIO (Caindo na risada)

TONINHO — ...Levei o maior tombo.

SÉRGIO (Rindo ainda mais) — ...é... uma Chita mesmo!... Eu me divirto!

TONINHO (Para a platéia) — Parece um jacaré dando risada.

SÉRGIO — Olha a educação, menino.

TONINHO — Acho que vamos brincar de canibais... Que tal?

SÉRGIO — Que que cê tá pensando?

TONINHO — Arrumar um caldeirão e fazer uma bela sopa de jacaré.

SÉRGIO — Se fizer isso não brinco mais.

TONINHO — Tá vendo? É só apertar e começa todo mundo a apelar.

SÉRGIO — É que você de Chita deve ser engraçado pra chuchu!

TONINHO — E o senhor de Caçador de Esmeraldas ao molho pardo deve ser uma delícia!

SÉRGIO — Acho melhor a gente mudar de assunto... (Como que escutando) Tá ouvindo?

TONINHO (Temeroso) — Não... o... o... quê?...

SÉRGIO — Sei lá... parece que eu ouvi uma gargalhada de bruxa.

TONINHO — Num é tempo delas.

SÉRGIO — Bruxa não é fruta pra ter tempo. Existe à qualquer hora.

TONINHO (Cada vez mais temeroso) — Aqui não tem bruxas.

SÉRGIO — É que você ainda não viu.. Tem cada bruxa horrorosa nessa floresta que você nem imagina! Daquelas que fazem crianças virarem estátua, sapo, lagartixa...

TONINHO (Aflito) — Tô começando a ficar com medo...Num gosto de brincadeira de bruxa, que depois não durmo à noite.

SÉRGIO — Pode esperar que a qualquer momento elas aparecem.

TONINHO — Acho que vou me mandar.

LÚCIA (Aparecendo vestida de índia) — Não vai pra lugar nenhum, cara-pálida! Mim soltar companheiro. Você ir de refém.

TONINHO — Não to entendendo mais nada. A senhora achou o pote?

LÚCIA — Achei, mas não conta pro Marcos que no fim vou pegar ele. Agora desamarra irmão.

(Toninho desamarra Sérgio)

LÚCIA — Agora vai andando.

TONINHO — Para onde vamos?

LÚCIA — Pra aldeia de Touro Sentado.

SÉRGIO — Era Touro Sentado. Cansou de esperar e se deitou.

(Saem. Bumbo tocando música índia. Entram Valéria e Marcos. Luz em resistência. Enquanto isso deve ser preparada a aldeia).

MARCOS — Ei! Acho que raptaram o Durango Kid!

VALÉRIA — Veja! Pegadas de índios.

MARCOS — Precisamos salvar o nosso amigo. Devem ter ido pra aldeia.

VALÉRIA — É, mas não dá pra saber pra que lado... já está meio escuro.

MARCOS — Será que alguém viu para onde foram?

VALÉRIA — Não sei... só perguntando (Para a platéia) — Vocês viram? Hein? — Pra lá? Aponta o lado contrário)... Lá?

MARCOS — É. Acho que perdemos a pista... se ao menos a gente tivesse um caçador...

VALÉRIA — Cachorro?

MARCOS — É. Daqueles que o focinho é maior que a cara.

VALÉRIA — Acho bom a gente começar a procurar.

MARCOS — Sim. Vamos. Vou seguir meus instintos e faro de rastreador.

(Saem. Black-out. Luz. Uma cabana de índios. Toninho amarrado numa estaca. Os dois índios conversam. São Lúcia e Sérgio)

LÚCIA — Já tô ficando enjoada dessa brincadeira. Preferia ver o Silvio Santos.

SÉRGIO — Depois quero ver a conta da luz... Tenho uma idéia melhor.

LÚCIA — Fala.

SÉRGIO — Que tal se cozinhássemos aquele cara-pálida?

TONINHO — Eu não quero virar sopa... minha carne é de terceira... Tô estragado... só tenho músculos... faz mal pra digestão...

LÚCIA — Carne terceira bom pra meu estômago malvado!

SÉRGIO — Isso mesmo... demora mais pra digerir... mim também gostar carne terceira.

TONINHO — Mamãe! Quero a minha mãe!

LÚCIA — Tua mãe tá viajando seu bobo. Só chega a semana que vem.

TONINHO (Pra platéia) — Estão vendo? A gente nem pode dar um toque sutil na coisa e já confundem tudo!

SÉRGIO — Mim fazer dança de estômago roncando.

LÚCIA — Mim gostar de churrasco à gaúcha.

TONINHO — Que jeito que é isso?

LÚCIA — A gente põe a carne num espeto de vai rodando sobre a brasa e jogando salmoura e cortando aos pedacinhos.

TONINHO — Ai... ai... já tô sentindo a dor... ai!...

SÉRGIO (Erguendo-se com uma machadinha e batendo com a outra mão na boca começa a dançar em volta de Toninho) — Iúuuuu! Iúuuuu!

TONINHO — Quer parar um minuto?

SÉRGIO (Parando) — Que foi?

TONINHO — O senhor tá desafinado. Se fosse no programa do Chacrinha já tinha sido buzinado.

SÉRGIO — Tá Legal. Vou caprichar. (Fazendo pose e impostando a voz, continua)

LÚCIA — Acho bom companheiro maneirar um pouco. Tá passando dos 80. Bota em segunda.

SÉRGIO — Porquê?

LÚCIA — Senão acaba a gasolina e tá uma crise danada.

SÉRGIO — Eu já tô é ficando meio bobão de tanto rodar feito pião.

TONINHO — Tomara que caia!...

LÚCIA — Isso é hora de fazer propaganda de roupa?

SÉRGIO — Mim ser forte como um touro... mim rodar, rodar... mim parar... tudo continuar rodando... mim bobão... mim xarope... mim desmaiar. (Cai)

LÚCIA (Acudindo) — Ei! Acorda meu! Isso é hora de fazer sesta? Cê nem comeu ainda...

SÉRGIO (Erguendo a cabeça) — Mas já tô empanturrado. (Cai de novo)

(Valéria e Marcos se aproximam da aldeia)

MARCOS — Tô sentindo o cheiro deles.

VALÉRIA — Deve ser porque não tomaram banho ainda.

MARCOS — E você deveria lavar a boca com sabão.

VALÉRIA — Com sabão? Por quê?

MARCOS — Pra parar de falar tanta besteira. Os rastreadores sentem o cheiro do inimigo à distância.

VALÉRIA (Como quem não entendeu) — Ah!...

MARCOS (Deitando-se) — Vamos, deite-se. Já dá para avistar a aldeia.

VALÉRIA — Que que você está vendo?

MARCOS — O que todo mundo está vendo.

VALÉRIA — E o que é que todo mundo tá vendo?

MARCOS — Uma cabana de índios. Um índio deitado. Uma índia e o Toninho amarrado num poste.

VALÉRIA — Então não é o que estamos procurando.

MARCOS — Como não?

VALÉRIA — Procurávamos nosso amigo, oras!

MARCOS — O Toninho.

VALÉRIA — Mudou?

MARCOS — Porquê mudou?

VALÉRIA — Até agora pouco procurávamos o Durango Kid...

MARCOS — É... acho que não vai ser fácil não...

VALÉRIA — Também acho.

MARCOS — Vamos rodear a aldeia. Assim que escurecer caímos em cima deles.

VALÉRIA — Mas aí alguém pode se machucar.

MARCOS — Aiaiai!

VALÉRIA — Que foi? Se machucou?

MARCOS — Não, mas acho que alguém vai se machucar daqui a pouco se não fechar a boca.

VALÉRIA — Então acho melhor deixar isso pra lá...Brincadeira de machucar não dá não.

MARCOS — Vamos rastejar até lá perto. Venha. (Vão de gatinhas)

(Na aldeia, Lúcia tenta reanimar Sérgio)

LÚCIA — Tá passando?

SÉRGIO — O quê?

LÚCIA — A bobeira?

SÉRGIO — Bobeira não. Zonzura!

LÚCIA — Que diferença faz?

SÉRGIO — Pra você, nenhuma!

LÚCIA — E pra você menos ainda. É um bobo sentindo-se zonzo.

TONINHO (Chamando Lúcia) — Ei!...

LÚCIA — Que que cara pálida querer?

TONINHO — É que já tô cansado de esperar. Será que eu não poderia dar uma sentada enquanto vocês decidem?

SÉRGIO — Se fizer isso te dou um cascudo. Tá pensando que isso aqui é a casa da sogra? Sujeitinho folgado, seu! (Levanta)

LÚCIA — Vamos ou não, fazer churrasco de cara-pálida?

SÉRGIO — Hoje não. Ainda tô meio bobão. Vamos dormir. Amanhã cedo damos um jeito nele.

LÚCIA — Nem vamos deixar de molho?!...

(Vai escurecendo. Eles se ajeitam para dormir. Valéria e Marcos se aproximam com um lampião na mão)

VALÉRIA — E se eles acordarem?

MARCOS — A gente enfrenta eles.

VALÉRIA — Prefiro correr. É mais seguro.

MARCOS — Pssiiuu!

(Chegam junto ao poste onde Toninho encontra-se amarrado).

MARCOS (Sussurrando) — Ei, acorda.

TONINHO — Eu num quero virar churrasco... eu tô magrinho demais...

VALÉRIA — Chíiiiiii! Tá ficando mocorongo.

MARCOS — Cala a boca seu burro. Nós viemos te salvar. (Desamarra Toninho)

TONINHO — Pensei que não viessem mais. Tava a fim de renunciar ao papel.

VALÉRIA — Que papel?

TONINHO — Durango Kid, oras!

MARCOS — Vamos embora antes que acordem.

VALÉRIA (Espirra) — Aaaatchimmmm!

TONINHO — Saúde! Cebion, Corestina D, Pastilhas Valdas, Melhoral e etecétera.

SÉRGIO (Acordando) — Péga! Caras-pálidas invadir aldeia.

LÚCIA — Logo agora que eu tava pensando em descansar um pouco!

(Saem correndo)

SÉRGIO — Se pegar os três, tem couro pra fazer tambor pra aldeia inteira!

LÚCIA — Mim fazer peruca. Abrir logo uma fábrica.. Mas preferia mesmo era ir dormir.

(Saem todos)

(Entram Valéria, Toninho e Marcos)

MARCOS — Que confusão você me arruma!

TONINHO — Eu nem tava sabendo que a gente ia ter que enfrentar índios. Num falaram nada que os tios iam brincar...

VALÉRIA — Você nunca sabe de nada mesmo.

TONINHO — E você sabe demais, sabia?!...

MARCOS — Vamos parar com isso? Deixem-me raciocinar... hummmm... hum...

VALÉRIA (Coloca a mão no queixo e começa a andar de um lado para outro imitando Marcos) — Hum... hummmm!...

TONINHO (Faz o mesmo) — hummmm... hummmm...

MARCOS (Pára de repente e dá um grito) — Eureka! (Os outros dois se assustam)

TONINHO — Quem? Quem?

VALÉRIA — Não ouviu não seu bobo?!

MARCOS — É isso! Não. Não é isso não! (Volta a fazer tudo novamente) — Hummmm... Hummmm...

TONINHO — Eu já tô ficando tantã com esses dois!...

MARCOS — Tá uma confusão danada. Acho que quem escreveu essa história não bate muito bem não!

VALÉRIA — É mesmo... Aposto que ele tá morrendo de rir da gente!

TONINHO — Ou então é do lado dos índios...

MARCOS — Acho que precisamos organizar isso direito.

(Entram Sérgio e Lúcia, ainda vestidos de índios)

SÉRGIO — Ahá! Pegamos caras-pálidas tudo duma vez só!

MARCOS — Nanananão! Podem parar!

LÚCIA — Que foi?

MARCOS — Eu tô cansado de correr pra lá e pra cá. Vamos começar outra coisa que esse negócio de virar churrasco de índio, não tá muito legal não!

TONINHO — É mesmo! A gente podia fazer outra coisa... sei lá...

VALÉRIA — Fazer o quê? Acho que já fizemos tudo quanto era história de heróis em quadrinhos.

LÚCIA — Só se fizermos o Brucutú!...

SÉRGIO — Os três porquinhos.

TONINHO — Queria fazer o Batman.

MARCOS — Você deveria fazer a Lessie.

TONINHO — E você a mulher aranha.

SÉRGIO — Está bem. Por hoje chega. Acho que já brincamos demais e precisamos fazer outras coisas também.

VALÉRIA — Ah!...

SÉRGIO — Estudar. Trabalhar. Cozinhar. (E ensaiar que ainda tá uma porcaria)

TONINHO — Ah!

LÚCIA — Eu por mim... tô cansada mesmo.

MARCOS — Então tá, né? Antes assim do que na marra.

SÉRGIO — É isso aí!... Outro dia a gente brinca mais. Domingo que vem está bem? (Para o público) — Está bem, Domingo que vêm? Hã?.

TODOS — Tiau, pessoal! (Vão saindo de mãos dadas)

(Todos saem, mas o palco continuará com a luz em resistência. Entram em fila indiana, Valéria, Marcos e Toninho. Vão atravessando o palco lentamente, cantando e acenando)

OS TRÊS CANTAM

Nós somos os heróis em quadrinhos.

Somos muito danadinhos e queremos brincar.

Papai e mamãe já se cansaram,

E a gente ainda tem que criar.

Domingo que vem a gente volta.

Pra outra vez poder brincar.

Com vocês que são nossos amigos.

Que são bons e que sabem cantar.

Nós somos os heróis em quadrinhos

Por isso vivemos a brincar.

No teatro, na rua, em casa.

Na escola nós vamos estudar.

Agora nós vamos embora.

Precisamos também descansar.

Mas Domingo que vem a gente volta.

E vamos todos juntos brincar.

(Vão saindo e acenando o tiau)...

 

Luz.
Fim.

 

São José do Rio Preto — Maio de 1.982.
Mauro Gonçalves Rueda

 

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Janeiro 2003

 

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