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Memória sobre a Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá

Luiz D’Alincourt

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Memória sobre a Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá
Luiz D’Alincourt

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digitalização da edição em papel de 1953, volume VIII das PUBLICAÇÕES COMEMORATIVAS SOB O ALTO PATROCÍNIO DA COMISSÃO DO IV CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
BIBLIOTECA HISTÓRICA PAULISTA
DIREÇÃO DE AFONSO DE E. TAUNAY

Copyright:
Domínio Público


ÍNDICE*

Duas Palavras
Affonso de E. Taunay
Dedicatória
INTRODUÇÃO
MEMÓRIA SOBRE A VIAGEM DO PORTO DE SANTOS À CIDADE DE CUIABÁ
Descrição Histórica
Descrição Histórica<
NOMES DOS RIOS EM QUE SE PAGA A CONTRIBUIÇÃO DAS PASSAGENS, DESDE A CIDADE DE SÃO PAULO ATÉ À DE GOYAZ
MEMÓRIA ACERCA DA FRONTEIRA DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO, ORGANIZADA EM CUIABÁ, NO ANO DE 1826
APÊNDICE
Notas



LUIZ D’ALINCOURT

Memória sobre a Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá
Introdução de
AFONSO DE E. TAUNAY


DUAS PALAVRAS

 

Pouco ou, antes, quase nada se sabe do distinto oficial de engenheiros, que foi Luiz D’Alincourt.

Nascido em Oeiras, Portugal, a 17 de fevereiro de 1787, praça de artilharia em 1799, da Academia Militar, nela se graduou engenheiro, após brilhantes estudos.

Teve numerosas comissões e importantes; na Bahia (1816), Pernambuco (1818), em Mato Grosso (1822-1830), no Espírito Santo (1841), onde, segundo parece, faleceu.

Publicou diversas memórias sobre a corografia do Brasil e assuntos militares, seis das quais estão impressas na Revista do Instituto Histórico Brasileiro; era grande autoridade sobre coisas do Mato Grosso, e, na opinião de Leverger, “colhem-se de seus escritos valiosas informações”.

Dele, diz Machado de Oliveira: “era um oficial muito inteligente e bom profissional”.

Notas biográficas suas só conhecemos os ligeiros “Apontamentos” de Xavier de Brito e uma efeméride das Datas Matogrossenses, de E. de Mendonça.

Morreu major de engenheiros, e na força da idade.

Das suas obras, é talvez a mais interessante e valiosa a Memória sobre a viagem do porto de Santos à cidade de Cuiabá, jornada que, em 1818, realizou. Imprimiu-a em 1825 num folheto hoje raríssimo.

A ele se refere Saint-Hilaire numerosas vezes e elogiosamente. Traz diversas informações curiosas sobre a vida paulista, de há mais de um século, e de que há escassez em semelhante época.

São Paulo, 16 de julho de 1953.

AFFONSO DE E. TAUNAY


SENHOR

 

“Por largo campo indômito, e fremente
“Corre o Nilo espumoso,
“Feroz alaga a rápida corrente
“O Egito fabuloso;
“Mas se grã carreira, as ondas grato,
“Tributo de caudais rios aceita.
“Soberbo não rejeita
“Pobre feudo d’incognito regato.

DIÑIZ Ode 1a.

 

Não é vontade de inculcar-me autor, nem vaidosos pensamentos me figuram esta obra digna de ser oferecida a V. M. I.: não, Senhor, o amor próprio não me fascina a ponto de ignorar a curta esfera de minhas luzes, e a escassez de meu talento. Mas o contar com o acolhimento benévolo, que V. M. I. costuma dar aos que se abrigam à sua egrégia sombra, me anima a dedicar a V. M. I. o meu imperfeito trabalho.

Da indulgente censura dos Sábios obterão desculpa os erros de um Cidadão Militar, que, à face do Mundo inteiro, protesta adesão ao Império, amor, e obediência a V. M. I.; protestação ingênua, verdadeiro timbre daquelas almas, que firmemente se dedicam à Grande Causa do Brasil.

Reverente beija as Mãos Augustas de V. M. I.

 

LUIZ D’ALINCORT
Sargento mor Engenheiro.


INTRODUÇÃO

 

DEDIQUEI o tempo, que me foi preciso empregar na jornada, que fiz, no ano de 1818, desde o Porto de Santos à Cidade do Cuyabá, em escrever o Diário da mesma jornada, notando nela a direção da estrada, que segui, as povoações, que encontrei, os Ribeiros, e rios que atravessei, e finalmente a qualidade do terreno, por onde é conduzida a dita estrada; fazendo ao mesmo tempo aquelas observações, que julguei convenientes à utilidade do objeto, a que dirigia o Diário. Dei, portanto, princípio, e fim a tão honrosa tarefa, suprindo os meus bons desejos a escassez de tempo, meios, e talentos próprios para o seu completo desempenho. O golpe de vista, o passo, e agulha; as pessoas mais cordatas das diferentes povoações, a quem consultei; algumas idéias adquiridas em diversos Autores, e o meu fraco critério, foram os únicos e verdadeiros guias do Diário, e, por conseqüência, do seu objeto, que é a presente Memória. Por ela far-se-á juízo, se não com rigor matemático, ao menos quanto baste para se conhecer da possível maneira a população, comércio, indústria, situação, e origem das Vilas, e Arraiais nascentes, e confluências dos rios, direções de serras, e particularidades dos terrenos, por onde dirigi a marcha: anexas se acham as plantas das mesmas Vilas, e Arraiais, e quatro Mapas, que mostram a direção da estrada: o primeiro pela Província de S. Paulo; o segundo pelo terreno, que ultimamente passou a formar parte da Província de Minas Gerais; o terceiro pela Província de Goyaz; e o quarto pela Província do Cuyabá até à sua Capital. Eis aqui expostos os pontos, em que versa a Memória: mas, para que o agradável não deixasse de acompanhar o útil, à mesma juntei diferentes perspectivas de terrenos encantadores, que de contínuo desafiam a atenção dos viajantes, e convidam a desenhá-los,mesmo aqueles, que para o fazerem tiverem as mais fracas luzes. (1)

Partindo da Cidade de S. Paulo, e, dirigindo a marcha a Oes-noroeste, segui, passados alguns dias, a Noroeste, chegando a tocar Nor-noroeste, e Norte: com pequenas alterações, continuei sempre no Quadrante de Noroeste, descaindo muito mais para o Norte, do que para Oeste, até chegar à Cidade de Goyaz; além da qual entrei no Quadrante do Sudoeste, e mareando mais para Oeste, do que para Sul, toquei enfim a meta da minha jornada. Do que tenho exposto se colige, que a estrada se desvia sempre da direção retilínea até à Capital de Goyaz; donde então começa a declinar para o outro extremo da reta, ou Cidade Cuyabá. Desta forma os três pontos S. Paulo, Goyaz, e Cuyabá, representam os vértices de um triângulo proximamente retângulo, e isósceles, mostrando Goyaz o vértice do ângulo reto: e é visível, que se pouparia muito em tempo, despesas e fadigas, se se tentasse aproximar à hipotenusa do triângulo à direção da es Irada, o que se não deve supor impraticável.

É bem sabido que a direção da atual estrada foi empreendida ao acaso: foi assim, que Bartholomeu Bueno penetrou aqueles vastos sertões; e foi assim que seu filho, guiado pelas fracas idéias adquiridas na companhia dele, na tenra idade de doze anos, e desafiado pelo espantoso rumor, que faziam as Minas do Cuyabá, tentou, muito depois da primeira entrada, volver ao lugar do Gentio Goyaz, até onde tinham penetrado. Porém a sua primeira expedição foi malograda; tal era o fraco conhecimento, que tinha daqueles incultos terrenos. Recobrando novo ânimo, tentou segunda, e como às apalpadelas foi formando o trilho, que depois se chamou estrada, e, com mais fortuna desta vez, completou suas esperanças, descobrindo Goyaz. Eis aqui o método imperfeito, por que se abriu a estrada de S. Paulo a Goyaz; que se algumas modificações tem sofrido, são devidas unicamente ao cuidado, e particular comodidade de seus habitadores.

Já a esse tempo existia descoberto o Cuyabá; e seus habitantes vindos também de S. Paulo, e conduzidos ali pela navegação dos rios, ambiciosos de colher o louro metal, onde em mais abundância, e com menos trabalho aparecesse, ouviram alegres a fama do descoberto em Goyaz, e dispondo-se em grande número a buscá-lo, marcharam por sertões desconhecidos até o encontrarem. É pois desta maneira, que, em 1736, se abriu a estrada do Cuyabá a Goyaz; e reunindo-se as duas neste ponto, formam a única de comunicação, por terra, de S. Paulo à Cidade do Cuyabá.

Os motivos acima ponderados provam sobejamente, que a estrada atual não segue a direção mais curta, nem mesmo a melhor; por causa dos muitos rios, e ribeirões, que é preciso atravessar, e que na Estação das águas, demoram repetidas vezes a marcha dos viajantes, sendo-lhes necessário construirem pontes, quando é possível; pois há nela ribeirões, que não as admitem pelo modo, por que são feitas; modo acomodado à força dos mesmos viajantes: e neste caso é mister esperar, que as águas diminuam. Portanto, seria bem para desejar que se tentassem meios para a abertura, e acomodada ao objeto da mesma, e que, fazendo abrir outros sertões, daria de mais a mais a vantagem de se formarem estabelecimentos novos.

As idéias, que tenho adquirido, consultando Mapas, e alguns Roteiros; e as notícias, que, em diversas épocas, foram dadas por algumas pessoas, que penetraram os mesmos sertões, me conduzem à probabilidade de ser possível abrir-se a estrada com direção muito próxima à retilínea, para o que se deverá procurar o terreno, donde partem muitas torrentes, umas dirigidas em rumo geral ao Norte, e outras ao Sul, que vão engrossar os majestosos rios da Prata, e Amazonas: o Mapa No. 1o. serve de guia.

Julgo que a estrada se poderá começar da Vila de Mugi-Mirim, na Província de S. Paulo, deixando à direita a atual, e seguindo à esquerda, a rumo de Noroeste meio Oeste, por um terreno elevado, que faz parte da dita Província, e em que há já povoadores, e algumas fazendas de gado. Este terreno forma uma espécie de Zona, fechada, ao Setentrião, pelo rio Mugiguassú, e ao Meio dia, pelo Tietê; principiando na direção das cabeceiras dos mesmos rios, e determinando no grande Paraná, onde eles confluem; havendo só a atravessar, em toda a extensão do mesmo, o pouco considerável rio Pirapitinga, tributário do Piracicaba, e este do Tietê, e o Jacaré Pipira, que também é confluente deste último. Passar-se-á depois o Paraná, à saída daquela Província; e, seguindo o rumo do Noroeste se atravessará a Província de Goyaz na ponta, que a limita ao Sul, o país dos Cayapós, que não tem mais de dois graus de trajetos; correndo, desta forma pela parte Setentrional do rio Sucuriú, tributário do Paraná, e Meridional da serra Selada, grande ramo do Sul da de S. Marta. Findo este trajeto, entra-se na Província do Cuyabá, perto das cabeceiras opostas do dito rio Sucuriú, e do Piquira confluente do S. Lourenço, e seguindo-se o mesmo rumo passar-se-á, nas suas fontes, o rio Piquiri, que também entra no S. Lourenço, e se tocaram as mais altas origens dos ribeirões, e ribeiros, que descem a engrossar o rio das Mortes, e fazem as suas vertentes. Assim atravessará o projetado caminho de S. Lourenço, e seguirá para a Cidade do Cuyabá, sem entrar no de Goyaz: e em conseqüência dos rumos gerais que tenho apontado vê-se que a direção da estrada será quase retilínea, e as idéias, que tenho do terreno, e dos poucos rios a passar, me fazem supor que as tortuosidades da mesma deverão ser muito raras, e de pequena curvatura.

Além das indicadas vantagens, oferecem-se outras para o Cuyabá; e são, ficarem os Comerciantes isentos de pagar o imposto das passagens em muitos rios da atual estrada; e os Direitos Públicos em Goyaz.

Os povoadores a um, e outro lado do imaginado caminho poderão ser de grande utilidade à navegação dos rios Sucuriú, e Piquira: navegação que, infrutuosamente, se tentou a partir do Cuyabá, sem que os exploradores pudessem descobrir a verdadeira origem do Piquira, por se enganarem com alguns ramos do mesmo rio: todavia há tradição de que ela foi felizmente executada por um homem que fugira de S. Paulo com sua família, o qual sabendo que o perseguiam, desceu o Tietê, e se meteu no Sucuriú. Portanto, julgo que deste lado se deve começar a exploração dos ditos rios; e conhecendo-se boa a navegação, em todo o caso, se deve preferir a de Camapuã, por ser muito mais curta, evitando-se a trabalhosa viagem do rio Pardo, a grande curva do Taquari, e o descer-se ao Paraguay, para se entrar no S. Lourenço: o que forma outra volta assaz considerável. A confluência do Sucuriú fica próxima à do Tietê, que faz curta a navegação pelo Paraná; o que não acontece seguindo a do rio Pardo. O Sucuriú corre do Nor-noroeste ao Su-sueste, no País dos Cayapós; chegando-se às suas cabeceiras, entra-se na Província do Cuyabá, e na mesma paragem se presume ter princípio o rio Piquira, que vai correndo a Noroeste, e depois volta a Oeste, a entrar no S. Lourenço; e navegando-se por este, águas abaixo, entra-se no rio Cuyabá.

Devo observar que as léguas, de que faço menção nesta Memória, são contadas pelos povos, e práticos do caminho; e que portanto não é possível que tenham a precisa exatidão. Para que se faça idéia clara das recíprocas distâncias de S. Paulo à de Goyaz, em linha reta, há a distância de 142 léguas de 20 ao grau; da de Goyaz à de Cuyabá 129; e desta à de S. Paulo 192, vindo por este modo a poupar-se, em direção reta, 79 léguas e muitas mais se pouparam atendendo às grandes voltas, que faz a atual estrada, como se vê nos Mapas Ns. 2.o, 3.o,4.o e 5o.

Este meu trabalho, ultimado com o possível zelo, é para aproveitar-se dele o que exprimem os versos seguintes:

“Acrescenta o saber sizo ao sizudo.
Tudo ouve, o bom aceita, o mau despreza;
Porque nem tudo é bom, nem é mau tudo.”

Andrad. Cam. Epist. 2a.


MEMÓRIA
SOBRE A VIAGEM DO PORTO DE SANTOS À CIDADE DE CUIABÁ

 

MEMÓRIA

 

EXISTE a entrada da Barra de Santos nos 24o 2’49” de Latitude Austral, e nos 331o 39’30” de Longitude do Ferro. Está colocada no centro de uma notável enseada, que faz parte da grande sinuosidade, que apresenta a Cesta do Brasil, desde Cabo-Frio até à ponta do Pinheiro, próxima à barra do Sul da Ilha de Santa Catharina: tem de largura pouco menos de uma milha; seu fundo é sobejo para navegarem as maiores Naus; pois não desce de sete, e oito braças, no baixa-mar; à direita serve-lhe de muralha a Ilha de Santo Amaro, à esquerda a terra firme, e defronte a Ilha de S. Vicente, que a faz mudar a rumo de Les-nordeste: no lado esquerdo, e direito da barra, isto é, a Leste, e Oeste, o terreno é alto, e ao Norte, na Ilha de S.Vicente, é baixo, e só algumas colinas se oferecem à vista. Marcam a entrada da barra duas pontas; a de Oeste denominada Taipú, e a de Leste a Grossa, contigua à qual, e seguindo a Costa, está a enseada do Manduba, que tem três Ilhotas na parte mais reintrante, sai detrês a mais saliente, que tem junto à pequena Ilha da Moela, nome derivado da sua configuração; passada a ponta, existe a pequena baia de Santo Amaro, que em frente tem a Ilhota das Cobras, depois a ponta da Enseada, e assim vai seguindo princípio a barra deste nome. À esquerda da barra de Santos, ou a Oeste, segue a Costa da terra firme inclinando-se ao Sudoeste sem grandes tortuosidades; a uma distância da barra pouco mais, ou menos igual à em que dista da mesma a ponta da Bertióga, demora a barra da Conceição, por onde só entram Canoas, em bom tempo. Tem a barra de Santos, na sua enseada, duas balizas naturais para os navegantes; para os que vêm do Setentrião as Ilhotas Alcatrazes, rochedos carcomidos, que acabam em pontiagudos; e assim chamadas, porque nelas criam muitas daquelas aves; distam da barra vinte e quatro, a vinte e cinco milhas com pouca diferença: da parte do meio dia existe a Ilhota chamada Redonda, ou Lage; rochedo que tira o nome da sua figura, e dista da barra vinte e sete, a vinte e oito milhas.

Os furacões de Sudoeste são perigosos nesta paragem, não se estando bem à embocadura da barra, pois obrigam as embarcações, ou a correrem para o mar, o que ainda é boa fortuna, ou a fundcarem, se elas vêm do Norte, e se acham aterradas; e neste caso fica só dependendo a sua salvação dos ferros, e amarras: porém, chegando-se a estar Leste-Oeste com a Moela, então o vento é a favor, e corre-se velozmente para dentro.

A extensão da barra, desde a sua entrada até que muda de rumo a Les-nordeste é inteiramente fustigada pelo Sudoeste, Sul, e Sueste; mas, dobrando-se a ponta da Fortaleza, na Ilha de Santo Amaro, entra-se em um ancoradouro, ao ahrigo de todos os ventos, mais estreito que a barra, e com bom fundo, entre dezenove, e treze braças, por um não pequeno espaço.

Dobrada a ponta, ainda o terreno desta ilha é alto, porém da parte oposta, ou Ilha de S. Vicente, é baixo, e só para o lado do rio deste nome estão algumas colinas de pouca monta. A curta distância da dita ponta, e do mesmo lado, fica a Fortaleza de Santo Amaro. Acima desta Fortaleza vira o rio ao Norte, e Noroeste, conservando-se assim em suas diferentes voltas, até à ponta de Santos, que o faz seguir a Oeste: seu fundo é sempre bom, nunca desce de cinco braças, e geralmente é de sete, e oito; as embarcações chegam a tocar com os gurupés nas árvores das margens, que são cobertas de mangues; o leito do rio é lodoso, e o terreno junto a ele, principalmente na Ilha de Santo Amaro, é pantanoso. O ancoradouro de Santos é muito bom; os Navios estão próximos à terra, e chegam mesmo aos trapiches, para carregar. Este rio de Santos é chamado a barra do meio, para distinção das de S. Vicente, e da Bertióga. Os rios denominados de S. Vicente, e da Bertióga, não são mais que sangradouros do laga-mar acima de Santos, e servem de limites; o primeiro à Ilha do seu nome, pelo Ocidente; e o segundo à de Santo Amaro pelo Setentrião.

O Porto de Santos é um dos melhores, e mais abrigados deste Império, o primeiro da interessantíssima Província de S. Paulo, e de um Comércio considerável. Não obstante a sua grande importância nunca se atendeu como se devia à sua defesa, e ainda que ultimamente se deram algumas providências para evadir-se a Vila de Santos dos insultos, que poderiam tentar nossos inimigos, tudo quanto se fez é obra de pouca duração, e por isso em breve tempo voltará a defesa deste Porto ao péssimo estado, em que a notei no ano de 1818, que foi o seguinte.

A curta distância da ponta de Santo Amaro, para cima, está a Fortaleza do mesmo nome, como disse, que apenas é uma bateria alta, somente com fogos diretos, e um pequeno ângulo, para o lado da ponta, com poucas canhoneiras; lado para onde o fogo se faz mais preciso, pois é a embocadura do canal. Na margem oposta há uma comprida praia, e em frente à Fortaleza um lugar aterrado, a que chamam bateria; onde construiram modernamente um reduto, que tem seis, ou sete peças, mas o parapeito acha-se bastantemente arruinado. Penso, que se não podia escolher um lugar mais impróprio para se fundar a Fortaleza: é dominada por um padrasto, que tem junto a si, por onde o inimigo se pode facilmente fazer senhor dela, pois que, desembarcando a seu salvo na praia do Manduba, marcha direito ao padrasto, que lhe não fica longe, e dá a lei ao Forte, que nenhuma defesa tem deste lado, e uma vez senhor dele, domina o lugar fronteiro, ou bateria: além disto, o Forte é mal construido, suas canhoneiras não têm as dimensões precisas, e o terra-pleno é de lajedo curto, muito mal unido, e cheio de cavidades, o que faz arruinar os reparos, e perder as pontarias, juntando-se a isto ficar o espaço de quase meio canal para o lado da Fortaleza privado do fogo de Artilharia da mesma, e o mau estado dos reparos, e das peças; e querendo-se proteger o dito espaço com a mosquetaria, ficam necessariamente muito expostos os defensores. Com a fortificação deste ponto se deixou toda a extensão da barra desde a sua entrada, que segue Norte-Sul, indefesa; e o mesmo acontece à parte da Ilha, que lhe fica fronteira, lugar de fácil desembarque, e que, a meu ver, será aproveitado pelo inimigo, que quiser surpreender Santos (como em outra época fizeram os Ingleses, e Holandeses), e ainda que lhe não seja possível permanecer no País, não deixará por isso de causar-nos graves transtornos, e despesas. Para fim tão prejudicial não há mister o inimigo gastar tempo em tomar o Forte, nem tentar a passagem junto a ele, para se expor às delongas da navegação do rio; que pelas voltas, que faz, e muitas vezes por falta de ventos próprios, retarda a viagem dois, e três dias, e ficar dependendo unicamente das marés, e mesmo as embarcações de remos não podem avançar com presteza na vasante, porque além do refluxo ordinário do mar, há a corrente d’água do rio, que por ali é mais rápida por ele ser mais estreito. Portanto, fazendo-se o desembarque junto a um pequeno ribeiro, na praia de S. Vicente, marcha-se sem obstáculo em direitura a Santos; e atrevo-me a dizer, que no estado de defesa, em que achei este Porto em 1818, dois Corsários atrevidos, tais como aqueles, que no dito ano, infestaram a Costa do Brasil, e que por mais de uma vez mostraram até que ponto chegava a sua audácia, como é notório, eram suficientes para um golpe de mão, porque alcançando conhecimento do estado da defesa de Santos, tirando língua de algum barco, que encontrassem, poderiam aproveitar-se de uma noite propícia, correr a terra, surpreender os ânimos, saquear, e embarcar-se impunemente. A natureza porém favoreceu este Porto, dando-lhe bons pontos, que se podem fortificar, dispostos em toda a extensão da barra, e defronte dela; e que, oferecendo fogos cruzados, aumentariam consideravelmente o sistema de defesa.

[imagem]

COSTUMES DE SÃO PAULO — (Rugendas)

 

À entrada do rio de S. Vicente, existe um pequeno Forte, chamado a Trincheira, que de nada serve à defesa do lugar apontado para desembarque, e não se demorando o inimigo em subir o rio para atacar Santos, também fica inútil a bateria de Itapema na Ilha de Santo Amaro, fronteira à ponta, onde o rio volta a Oeste para a Vila. Semelhante juízo formo da defesa, que oferece outro pequeno Forte, que está na Vila, colocado junto à praça do Quartel, e penso que tem unicamente a serventia de manter em respeito as embarcações do ancoradouro: sua Artilharia está em péssimo estado, as peças são de ferro, e se acham cheias de cavidades, e pelo ouvido de algumas cabe o dedo polegar, os reparos estão quase fora de serviço.

É esta a descrição verdadeira das quatro pequenas, e imperfeitas Fortificações permanentes do Porto de Santos; colocadas em pontos isolados, e por uma ignorância tão crassa escolhidos, que de modo algum podem conspirar para a defesa séria daquela Vila.

A Vila de Santos, nem é a mais antiga, nem foi a principal da Província; a de S. Vicente é a primeira, e noutro tempo mui populosa: ela deu o nome à Capitania, cujos limites foram bem diversos, dos que tem hoje a Província de S. Paulo.

O célebre Martim Affonso de Sousa, honrado Governador da Índia, foi o Fundador da Vila de S. Vicente, e Donatário da Capitania do mesmo nome. El-Rei D. João 3o. lhe deu o Comando de uma Armada, e o enviou ao Brasil a novas descobertas, com ordem de fazer estabelecimento no lugar, que achasse mais conveniente. Chegou ao Rio de Janeiro no primeiro de Janeiro de 1531, e por esta causa lhe deu o nome que ainda conserva: seguiu avante, e foi dando aos diversos lugares da Costa o nome do Santo do dia, em que os marcou, e o mesmo fez ao estabelecimento de S. Vicente, cuja Capitania foi a maior das dez, em que El-Rei D. João 3o. dividiu o Estado Brasiliense; e também a primeira, que se povoou, e com que confinava a de Santo Amaro, 4 que compreendia a Ilha deste nome, e pertenceu a Lopo de Sousa, irmão do mesmo Martim Affonso.

A Vila de Santos existe nos 23o 56’ 15” de Latitude Meridional, e nos 331o 39’ 30” de Longitude do Ferro, e na Longitude de 45o 24’ 30” de Greenwich, colocada na parte Setentrional da Ilha de S. Vicente, em um terreno chamado noutro tempo pelos indígenas Guaijanazes Enguaguaçú = (nome composto do substantivo Engua, e do adjetivo guaçú) que vem a dizer = Pilão grande = que os Índios derivaram da configuração do lugar, que lhes pareceu semelhante aos instrumentos, em que faziam as suas triturações; o qual ocupa a parte da Ilha desde os Outeirinhos até ao golfo de Caneú, com pouca diferença. Os primeiros, que assentaram casa em Enguaguaçú, foram Pascoal Fernandez Genovez, e Domingos Pires, que, formando sociedade, se estabeleceram fronteiros ao largo, que faz o rio, e onde se divide em dois: um que vai formar a barra de Bertióga, e outro a do meio: deste lugar abriram estrada por terra para S. Vicente, e assim se conservaram até 1539, em que se lhes passou Carta de Sesmaria das terras, que ficam a Leste do ribeiro de S. Jeronimo. Braz Cubas, Cavaleiro Fidalgo, possuia as terras de Gerybatiba, que estão além do rio em frente a Enguaguaçú; e por ficarem muito distantes de S. Vicente, lembrou-se de fazer estabelecimento em sítio mais azado para o embarque, e desembarque dos gêneros, que, sendo de fácil comunicação com a Vila, estivesse ao mesmo tempo próximo à sua fazenda: e para este fim comprou a um dos sócios parte dss suas terras, a qual se achava ainda coberta de mato virgem, e compreendia o Outeirinho de Santa Calharina, junto ao qual deu princípio à nova povoação em 1543; e com êle o teve igualmente a Vila de Santos, que reconhece ao mesmo Braz Cubas por seu Fundador. Foi ele que estabeleceu a casa da Misericórdia, que é a mais antiga do Brasil: ao princípio teve simplesmente o nome de Porto, querendo dizer, que, era o Porto da Vila de S. Vicente; porque bem depressa os navegantes largaram o antigo ancoradouro; e vieram desembarcar os seus efeitos à nova povoação, donde eram conduzidos por terra à Vila, o que se lhes fazia mais cômodo: o mesmo praticavam todos os fazendeiros da Bertióga, Santo Amaro, e mais terras deste lado. Assim se conservou a povoação por alguns anos, até que o sobredito Braz Cubas fundou um Hospital junto à Casa da Misericórdia, para socorro dos marinheiros, que adoeciam, e lhe deu o apelido de Santos, à imitação de um semelhante em Lisboa. Este nome bem depressa se estendeu a toda a povoação, que até hoje se ficou chamando Porto de Santos, que, pelos cuidados do seu Fundador, foi erecta em Vila, nos fins do ano de 1546. Teve o seu princípio junto ao Outeirinho de Santa Catharina, como disse, mas, pelo tempo adiante foi ficando deserto este lugar, e a Vila estendeu-se para o Ocidente, mesmo além do ribeiro de S. Jeronimo, ocupando assim um local muito inferior ao primeiro, que por ser mais baixo, e cercado de colinas, é assaz abafado, no tempo dos canículares. A esta mudança deu motivo a proximidade das fontes, e assistência dos moradores de serra acima, que procuravam sempre chegar da Vila mais perto do Cubatão, posto na fralda da serra, onde embarcavam para Santos, e desta maneira se conservou até que se edificaram os Quartéis da Tropa, atrás da Igreja Matriz. Foi Santos a poderosa rival de S. Vicente, que pela concorrência no seu Porto, comércio, e aumento de população, eclipsou todo o esplendor, de que esta se via revestida, O terreno, que a Vila ocupa, é plano, e inclinado para o lado do ribeiro de S. Jeronimo, onde as ruas são mais povoadas, e onde labora o maior comércio; elas são dispostas pelo gosto antigo com mais alguma regularidade; as menos povoadas são diretas, e espaçosas, colocadas por detrás das primeiras, estendendo-se para Leste, em direção, pouco mais ou menos, paralela à margem do rio: os edifícios são de pedra, e cal (2), e alguns bem construídos, tem casa da Misericórdia, como já disse, um Convento de Franciscanos, um Hospício de Bentos, e outros de Carmelitas calçados; o Colégio Jesuítico é atualmente o Hospital da Tropa, tem um cáis regular, e de canteria, no qual finda uma praça mediana, ornada pela parte de Leste com o Palacete dos Excelentíssimos Capitães Generais, que também faz frente para o rio, e para a praça dos Quartéis, junto à qual há um pequeno Forte; cuja Artilharia está em péssimo estado: as peças são de ferro, e se acham cheias de cavidades, e pelo ouvido de algumas cabe o dedo polegar (3). O Quartel da Tropa é um pouco melhor que o atual da Artilharia do Rio de Janeiro, e do mesmo modo aberto. Tem Santos um Regimento de Infantaria de Linha, uma boa parte do qual existe destacada em S. Paulo. É esta Vila o interposto de todos os objetos de exportação, e importação da Província; de Goyaz, e Mato-Grosso; ou conduzidos por terra, ou pelos rios. As produções, que descem dos estabelecimentos centrais, para sairem à barra, são açúcar, algodão, tecidos do mesmo, toucinhos, aguardentes, café, courama, fumo, e carnes chamadas ensacadas; estes gêneros são transportados, em Sumacas, a outras Províncias, com especialidade às do Rio de Janeiro, e Bahia. Os Estrangeiros levam daqui açúcar, algodão, café, e courama. Os principais efeitos de importação vêm a ser o ferro, o aço, o sal, as fazendas secas, e vinhos, e, além destes, em mais ou menos quantidade, toelos os que a Europa produz, e costumam ser exportados para o Brasil: daqui sobem a abastecer S. Paulo, e as mais povoações da Província, que, não obstante sua fertilidade, e relativamente à abundância dos gêneros, que entram em Santos, não são baratos nesta Vila, e a razão é porque a maior parte deles sendo de antemão destinados a outros lugares, não se vende, e nem se demora na terra. O clima é muito cálido, principalmente quando, no Estio, venta o Noroeste, que se torna insuportável. É a Vila de Santos a pátria do célebre Alexandre de Gusmão, e de outros Varões, que por seus talentos raros em diferentes Ciências, ilustraram os Anais da Universidade de Coimbra. É de lastimar-se que, sendo esta Vila uma das mais antigas do Brasil, colocada tão vantajosamente para o comércio, com um excelente porto, em uma das mais povoadas, e melhores Províncias do Brasil, esteja ainda tão pouco adiantada! A natureza, madrasta em outros pontos do Globo, que a arte tornou vantajosos, se prodigalizou aqui, porém tais vantagens têm sido pouco aproveitadas.

Para montar a grande serra de Paranapiacaba (4) ou do Cubatão, navega-se pelo rio acima, e a pouca distância da Vila entra-se no espaçoso golfo de Caneú, cuja passagem, sendo livre nos primeiros anos, teve depois um imposto, estabelecido pelo Excelentíssimo Capitão General Martim Lopes Lobo de Saldanha administrado por Contrato Real. Este golfo recolhe pela direita as águas dos rios Juribatiba, Quilombo, Cubatão-Mirim (5) que todos descem da serra: a parte superior do mesmo golfo, a rumo de Noroeste, é fechada por muitas, e diversas Ilhas cobertas de mangues, e nela deságua o rio Cubatão-Guaçú, que vem de serra acima: pela esquerda, tem entrada no mesmo golfo o rio Santa Anna. Este grande peso d’água descarrega no mar por três bocas: que vêm a ser, o canal da Bertióga, o de S. Vicente, e a barra do meio. Passado o golfo, navega-se por um dos muitos canais, que formam as Ilhas, e entra-se no Cubatão-Guacú, que é estreito, e suas margens cobertas de mangues, e no fim de quase quatro léguas de viagem, a contar da Vila, chega-se ao porto, e Registo do Cubatão, antigamente Cubatra, onde há um Piquete do Regimento de Santos, e um Oficial Comandante. Aqui se pagam direitos da passagem de todos os gêneros, que sobem, e descem a serra: há armazéns, onde os depositam, até que sejam despachados, para serem depois conduzidos aos lugares de seu destino. Os donos sofrem não pequeno detrimento, por causa da morosa navegação do rio, que muitas vezes é arriscada no trânsito do golfo, e sendo os efeitos, pela maior parte, carregados em saveiros, conduzidos, e governados por negros naturalmente preguiçosos, gastam em subir quarenta e oito, e mais horas fundeando logo que vasa a maré, e só aproveitando as enchentes, que são fracas neste rio, exceto no máximo fluxo do mar. Além deste motivo, também é ponderosa a frouxidão, com que se administra a descarga dos efeitos, e a demora em ficarem desimpedidos para seguirem viagem: o que bem mostra a utilidade da projetada estrada, cuja abertura principia algum tanto acima do porto do Cubatão, perto da serra, e que fará necessariamente poupar muito aos comerciantes, em tempo, trabalho, risco, e despesa, pois que, em poucas horas se acham em Santos, e com a mesma facilidade partem da Vila para montar a serra: e, em conseqüência de tais vantagens, com sumo prazer continuaram a pagar os direitos estipulados o que se pode fazer em Santos, por não demorar a marcha das Tropas, estabelecendo-se um Registo em cima, ou em baixo da serra, no qual se apresentem os despachos da Vila, e se receba a Guia das cargas, que descem para a mesma.

Seguindo-se por terra firme um espaço de quase meia légua do porto, principia-se a subir a formosa, e alcantilada serra de Paranapiacaba, ou Cubatão (nome que tem só nestes lugares), a qual faz parte dessa extensa muralha, que sustém o terreno Brasiliense pelo Oriente, e que tendo começo no rio da Prata, segue ao Norte a terminar na parte Setentrional da Província de Piauí, oferecendo espaços mais, ou menos reentrantes, e salientes para o mar, segundo a sua direção, e a da Costa. Partem dela grandes, e diversos ramos, que abraçam longos, e ricos taboleiros, em todas as Províncias marítimas, compreendidas nos mencionados pontos da Prata, e Piahui. Esta grande cordilheira é aberta em várias partes, cujas falhas preparou a natureza para darem passagem livre a muitas torrentes, que vão confundir-se no Oceano.

A subida da serra é assaz íngreme, e em ziguezague; o terreno é todo coberto de alto, e espesso arvoredo: em alguns pontos passa a estrada junto a medonhos precipícios que se abrem entre monte e monte, e horrorizam a vista: tem este caminho a grande vantagem de ser todo calçado, obra utilíssima, e que saneou a dificuldade do trânsito principalmente em tempo chuvoso.

Chegando-se ao ponto mais alto do caminho, chamado o Pico, e volvendo os olhos ao Oriente, se lhes apresenta um dos mais encantadores, e variados quadros, em que parece se esmerou a Mão Onipotente, dali se descobrem muitas lêguias de mar, até representar confundir-se com a Celeste abóbada: a Costa Atlântica, as diferentes Ilhas, que a ornam, os montes, e colinas próximas à barra de Santos, e as praias são os mais remotos pontos, que enriquecem tão interessante quadro: nota-se depois a Vila de Santos, os rios, e ribeiros, que, serpenteando, cortam o terreno por diversas, e agradáveis maneiras; um lindo verde de copadas árvores, já frutíferas, já silvestres, matiza a superfície de tão delicioso painel; mais próximos se avistam os multiplicados canais do grande laga-mar, que parecem espaçosas ruas, dividindo formosos canteiros de um elegante jardim, desta forma se finaliza o país, na concavidade que faz a serra para o Nascente. O pico é o lugar onde se despedem de ver o mar os que se destinam a entrar nas Províncias centrais: é neste ponto, que sensivelmente se conhece a extraordinária diferença do nível, entre o alto da serra, e a superfície do Oceano. A pouca distância do mesmo ponto de vista, caminhando para S. Paulo, tudo desaparece, e outros objetos começam a entreter os olhos. O primeiro Português que subiu a estes elevados terrenos, anos antes da chegada de Martim Affonso, foi o célebre João Ramalho, que prestou ao Donatário serviços relevantes, reduzindo o mais poderoso dos Caciques, chamado Tebireçá, seu sogro, a contratar paz, e amizade com os Portugueses na ocasião, em que estavam para serem atacados por muitas tribus indígenas. Deste lugar segue a espaçosa estrada em rumo geral ao Noroeste, e se dirige por um plano suavemente inclinado; o qual só é interrompido em algumas partes por pequenas subidas: novas florestas se encontram e depois de ter-se passado pelas fraldas de alguns morros, chega-se a largas, e vistosas campinas, que se estendem a perder de vista; alguns montes se descortinam, e poucos são os moradores da estrada até à vizinhança da Cidade, em que se entra pela parte do Oriente. (6)

S. Paulo, Cidade episcopal, assento do Governo da Província do mesmo nome, está situada em um terreno um pouco elevado, e cercada de belos, e dilatados campos, na Latitude Meridional de 23o 33’, e na Longitude Ferro de 331o 25’, (observações do Astrônomo Francisco de Oliveira Barboza) e nos 23o 15’ de Latitude, e 33o 50’ de Longitude, conforme Mr. Eschard, e pelo grande Mapa publicado em Londres, em 1811, segundo as últimas observações Astronômicas de 1810: fica a Oeste do Meridiano de Greenwich 46o 36’: a Oes-sudoeste da Corte do Rio de Janeiro 70 léguas geográficas: ao Noroeste de Santos 11 para 12: ao Sudoeste quarta de Sul da Bahia de Todos os Santos 277: e ao mesmo rumo de Pernambuco 400: ao Sul quarta de Sueste do Pará 444 léguas: e ao Sul quarta de Sudoeste de S. Luiz do Maranhão 436: ao Sudoeste de Villa Rica (7) 86: ao Nordeste de Porto Alegre 167: ao Nordeste quarta de Norte de Montevidéo 297: ao Sul meio Sueste de Goiaz 142: ao Sueste quarta de Leste, da Cidade de Mato-Grosso 300: e finalmente ao Sueste da Cidade do Cuiabá 230 léguas.

Está a Cidade de S. Paulo debaixo de um sol sereno, 350 braças acima da superfície do Oceano; o clima é excelente, o terreno fertilíssimo; produz em grande cópia as canas de açúcar; é muito próprio, em diversos lugares, para a plantação do trigo; abunda em milho, e toda a qualidade de legumes; muitas frutas da Europa, e outras diversas, e preciosas produções. O açúcar forma o principal ramo de exportação; e, além de todos os mais gèneros que mencionei tratando do Comércio de Santos, não se deve omitir a extração das bestas muares para muitas Províncias, o que faz um ramo assaz lucroso; assim como o gado que sai para a Corte. É a Cidade cercada de quintas, ou chácaras, que embelecem os seus subúrbios; é muito farta d’águas, e as do Rio Tamandoatei são excelentes; este corre ao Oriente, e o ribeiro Hynhangabahú ao Ocidente; os quais unindo-se vão confluir no Tietê, que passa a meia légua de distância, pela parte do Norte.

Tem esta Cidade todas as proporções para o estabelecimento de uma Universidade; o baixo preço dos gêneros, a abundância deles, a salubridade do ar, a temperatura do clima, as poucas distrações, que se oferecem, finalmente tudo parece conspirar a preferir este a outro qualquer sítio para a cultura das letras.

Não obstante estar a Cidade de S. Paulo tão próxima à zona tórrida, o inverno faz-se ali demasiadamente sensível; pode ser que o que para isto influi mais seja a grande altura do local, o ser plano o terreno, e a fresquidão da atmosfera, assaz lavada dos ventos. É esta Cidade inteiramente aberta; todavia a serra do Cubatão lhe serve de um formidável baluarte, e a põe a coberto dos insultos, que o inimigo possa tentar, pela parte do mar; pois que pequenas forças, bem dirigidas, destruirão grandes corpos, que tentem subir a serra: pelo lado do interior, não temos que recear. As ruas de S. Paulo são calçadas, espaçosas, e boas; os edifícios são de taipa, e como a terra tem grande tenacidade, e é bem pilada, duram muitos anos, e adquirem uma tal consistência, que é preciso usar-se de alavancas para se derribarem as paredes: tem várias pontes de pedra, e outras de madeira; algumas praças regulares: três conventos, um de Beneditinos, outro de Carmelitas, e o terceiro de Franciscanos: dois Recolhimentos de mulheres, várias Igrejas, e Ermidas, casa de Misericórdia, e três Hospitais; é residência do Exm.o Capitão General, de um Ouvidor, e de um Juiz de Fora: tem Professores Régios de Primeiras Letras, Gramática Latina, e Filosofia. O povo está dividido em duas freguesias, a da Catedral, e a de Santa Ifigênia: o Convento, que pertenceu aos Jesuítas, é hoje o Palácio do Governo. As rendas da Província são de sobra para a sua despesa, o que faz andarem os pagamentos prontos em dia.

Os Paulistas são trabalhadores, espirituosos, robustos, afáveis, generosos, e bastantemente polidos; são dotados de talentos próprios para grandes coisas, assim os pudessem cultivar.


DESCRIÇÃO HISTÓRICA

 

Deve a Cidade de S. Paulo a sua origem aos desvelos, e cuidados dos Jesuítas. Os primeiros, que viu o Brasil, vieram em 1549, na companhia do Fundador da Cidade da Bahia, e primeiro Governador Geral, Thomé de Souza; e à testa deles, em qualidade de Superior, veio o virtuoso Padre Manoel da Nobrega, que, em Novembro do mesmo ano, mandou para S. Vicente, a fundar o segundo Colégio da sua Ordem, que teve este Império, ao Padre Leonardo Nunes: que passando depois aos campos de Piratininga, conseguiu dos pais de famílias Indígenas muitos mancebos, com os quais desceu a S. Vicente, e junto ao Colégio fundou um Seminário, para instrução, e católico(*) proveito destas almas. Veio depois o Padre Nobrega visitar S. Vicente, onde se achava quando lhe chegou a Patente de Provincial do Brasil, a cuja dignidade o elevou Santo Ignacio de Loiola, Fundador da Ordem Jesuítica, e a sua primeira, e mais notável ação, foi ordenar que o Colégio se mudasse da Vila para o Campo (8); assim chamavam ao terreno de serra acima, ficando nela tão somente os Religiosos precisos para administrarem os Sacramentos aos Cristãos Navegantes. Já neste tempo existia no campo a povoação de Santo André; mas nem este lugar, nem a Aideia de Tebireçá, ou de Piratinitiga, agradou aos Padres para o seu estabelecimento, e escolheram um lugar eminente, entre o Rio Tamandoatei, e o ribeiro Hynhangabahú, onde formaram a sua morada. Para aqui concorreu o Cacique Martim Affonso Tebireçá, com os Índios seus subordinados, largando a pátria de seus ascendentes: e igualmente o velho Índio João Cay Uby, senhor de Geribatiba: e por uma forma tão diametralmente oposta à da antiga Roma, e de outras Cidades, que mui célebres se tornaram, teve princípio a de S. Paulo: porque aqui só se cuidava na instrução, e conversão das almas, infundindo-lhes os sagrados princípios da Santa Religião, e os da sã Moral. Tão lisonjeiros começos pareciam formar em S. Paulo um povo virtuoso, porém a maldade dos homens sempre inclinada a opor barreiras às mais bem intencionadas obras, obstou a esta, como adiante se verá. O principal Fundador de S. Paulo foi o venerável Padre, José de Anchieta (9), da Companhia de Jesus, por antonomásia o Apóstolo do Novo Mundo: estabeleceu-se, com os seus novos convertidos, em um lugar toscamente aberto na terra, e coberto de palha; o qual só tinha quatorze pés de comprido, e dez de largo, pobre choupana, que servia de dormitório, escola, e cozinha; assim o escreveu ele mesmo a Santo Ignacio (10). Pouco depois chegaram a este asilo da paz mais doze jesuítas, à testa dos quais vinha o Padre Manoel de Paiva, e unidos a Martim Affonso Tebireçá, que morava onde está hoje o Mosteiro de S. Bento, construíram uma limitada casa, e a ela contígua uma Igreja, na qual celebravam a primeira Missa a 25 de Janeiro de 1554, e por ser o dia dedicado à memória da conversão do grande S. Paulo, ficou tendo este nome a nascente povoação, cujos habitantes cresciam todos os dias; e os Missionários congratulando-se de verem muitos filhos dos gentios aprenderem gostosos as lições de Doutrina Cristã, da língua Portuguesa, e Latina; aprendiam também deles a língua Tupinambá, universal na Costa do Brasil; devendo-se ao Reverendo Anchieta a primeira Gramática da mesma língua e um vocabulário. Bem depressa se declarou rival de S. Paulo a Vila de Santo André, que existiu três léguas distante dela, onde está hoje a fazenda dos Padres do Carmo, tendo por fundador João Ramalho, da qual era Alcaide Mor, e o mais poderoso, e respeitado do lugar. O povo desta Vila compunha-se, na maior parte, de Mestiços, e Mamelucos, (assim chamavam aos filhos de Europeus com Índias) e de muitos homens facinorosos, que assombrados com o facho da verdade, que os Jesuitas pregavam, e virtudes, que exerciam, o que era oposto à sua danosa ambição em escravizar os Indígenas, declararam-se inimigos dos Padres, e por todas as maneiras procuraram desacreditá-los com os Índios, e se esforçaram em tolher os progressos da nova povoação. Com o fim de dissipar o mal, recorreram os Missionários ao Bispo da Bahia, D. Pedro Fernandes Sardinha (o primeiro do Brasil); o qual querendo dar pronto remédio a tais calamidades, procurou o auxílio do Governador Geral do Estado, D. Duarte da Costa, e não o achando propício às suas justas intenções, nasceram daqui as controvérsias, desgostos e transtornos (sempre prejudiciais ao Serviço do Soberano, e do Estado, mormente quando acontecem entre as primeiras Autoridades), que deram causa a partir o Bispo para Lisboa, e sofrer o naufrágio na enseada de Vaza-barris, e o martírio nas mãos dos bárbaros Caetés, aos 25 de Fevereiro de 1556.

Durante estes acontecimentos, continuava em S. Paulo a ser combatida a virtude Evangélica, e o partido oposto ia crescendo, esforçando-se para dominar; e assim duraram as contendas, até que os Jesuítas alcançaram a vitória, que deveram aos cuidados do Provincial Nobrega; o qual fez valer também as suas razões para o Governador Geral, Mém de Sá, que o reduziu finalmente, em 1560, a extinguir a Vila de S. André, e a passar-se o Pelourinho para S. Paulo, colocando-se em frente do Colégio; e neste mesmo ano entrou a povoação na classe das Vilas, com o nome de S. Paulo de Piratininga, título que conservou até ao ano de 1712, em que foi condecorada com o foro de Cidade, ficando-lhe só o nome do seu Padroeiro; e finalmente em 1746 teve a preeminência de Episcopal (11).

Consideravelmente crescia a população de S. Paulo: muitas famílias nobres de Portugal ali vieram estabelecer-se, e em poucos anos começaram a aparecer grossas casas, que possuíam muitas terras, e numerosa escravatura. Foram os Paulistas os exploradores de centenários de léguas do Sertão, e os descobridores de muitas, e ricas minas; tais como as Gerais, de Cuiabá, Goiaz e Mato-Grosso. Os antigos Paulistas eram generosos, porém demasiadamente altivos, e cheios de orgulho; picavam-se muito de nobreza, e por isso estavam prontos sempre a dar suas filhas em casamento a qualquer Português pobre, que chegasse a S. Paulo, contanto que mostrasse primeiro que era nobre; e esta mania de tal sorte os ocupava, que, por mais de uma vez, requereram a Sua Majestade Governadores da primeira grandeza do Reino. A vingança entre eles foi levada a extremo, fazendo-os muitas vezes atropelar as Leis, e o respeito devido aos Governantes; pegando em armas, e formando partidos, que chegaram mesmo a derramar muito sangue; como se viu nas suas guerras civis. A obstinação de dois Chefes de famílias, Pires e Camnargo, querendo cada um ocupar exclusivamente os Cargos da República: a concordata, que entre eles se fez, e se confirmou para que os ditos Cargos fossem exercidos por igual número de pessoas de ambas as famílias, mostram bem quanto o seu poder era temido naqueles tempos. Não ficará em silêncio a notável antipatia entre os Taubateanos, e os Piratininganos, que tantas desordens causou; assim como a guerra entre os mesmos Paulistas, e Europeus, no princípio da mineração de Minas Gerais: a célebre campanha de 1631, cujo resultado trouxe tão grandes vantagens ao Brasil, faz época memorável nos Anais da Monarquia. Nesta campanha, os Paulistas, apesar de estar ainda Portugal infelizmente sujeito ao Governo de Espanha, fizeram uma cruenta guerra aos espanhóis estabelecidos nas dilatadas Províncias de Guairá, Itay, e Tapé; destruindo-lhes a Cidade de Xerés, Villa Rica, e outras povoações, que os Jesuítas espanhóis tinham fundado, entrando a largos passos pelos domínios Brasilienses; e se eles continuassem com prosperidade não teriam os portugueses desfrutado as ricas minas de Cuiabá, Goiáz, e Mato-Grosso, donde saíram tantas centenas de arrobas de ouro.

A partir de S. Paulo, e tomar a estrada geral, atravessa-se a ponte do Lorena, e logo entra-se na Cidade nova: a rua é larga, e por ela vai-se suavemente subindo até ao Pico, onde existe uma Ermida de N. S. da Consolação: aqui finda a Cidade, e na mesma direção da rua principia a estrada que vai para Itú, e Sorocaba, a rumo de Les-nordeste. A poucos passos do Pico, para o lado direito, a rumo de Oes-noroeste, tem princípio a estrada de Minas Gerais, Goiáz e Cuiabá: não distante está uma pequena ponte de pau no sítio denominado Pacaembú; imediato passa-se o rancho, e ribeiro d’Água-branca, e a estalagem do mesmo nome, que é de gosto sertanejo. Na distância de quatro léguas, pouco mais, ou menos, para a direita, estende-se a serra de Juqueri, em direção quase paralela à estrada: um pouco mais adiante segui ao Noroeste o caminho da Freguesia de N. S. do Ó, por me dizerem ser mais curto para Jaraguay; este caminho torna-se impraticável no tempo das águas, por ser conduzido por uma vargem inundada pelas cheias do Tietê, que chegam muito perto do sítio, em que está a Igreja. Tem o mesmo caminho alguns espaços aterrados, e com arbustos, de um e outro lado para susterem a terra; mas tão estreitos, que duas bestas carregadas não podem passar uma a par da outra. Há por aqui sofríveis pastos, e algum gado: e louco além se atravessa o Tietê, por uma ponte de madeira em péssimo estado de serviço. A volta que faz o rio nesta paragem, segue o rumo de Oes-noroeste, e o caminho vai ao Noroeste; adiante está a Igreja de Nossa Senhora do Ó, colocada em uma colina com o frontespício para S. Paulo, donde dista légua e meia; o estado de ruína, em que se acha dá logo a conhecer a pobreza do povo, que chega a mil e duzentas almas de confissão, suas fazendas, e moradas são distantes umas das outras, e somente há um pequeno número de casas perto da Igreja. Do cimo do monte, em que ela está fundada, se desviam muitas outras colinas, e campos aprazíveis; ao Sueste quarta de Leste, a Cidade de S. Paulo; e mais à direita deste rumo o giro tortuoso do rio Tietê, que assim corre até a ponte denominada do Coronel Anastácio; onde principia a ser mais regular. Os habitantes desta Freguesia cultivam a cana de açúcar para extraírem aguardente, o que forma o principal ramo do seu negócio; colhem café, mandioca, algodão; plantam milho, e legumes, quanto baste para o seu consumo.

Pouco mais de um quarto de légua distante da Igreja entra-se na estrada geral; o terreno tem algumas inclinações, é seco e geralmente calvo; somente se observam curtos arbustos, e muitas pirâmides feitas de terra, e algumas quase da altura de um homem, fabricadas pelo cupim (12). Perto do sítio do Tenente João Pinto Guedes, o terreno é mais irregular. Este homem existe aqui há vinte anos, e tem de idade setenta, conservando-se ainda muito robusto, e trabalhador; vive das suas plantações, principalmente da cana de açúcar, de que faz aguardente; a sua morada perto do morro de Jaraguay, a três léguas da Cidade: aqui o terreno é cortado por montes, e vales, alguns cobertos de arvoredo; as águas são boas, e abundantes e assim os pastos: os moradores criam gado vacum, e mandam diariamente vender à Cidade grande porção de leite: sustentam-se de legumes, fazendo maior uso do feijão: comem o milho branco cozinhado em água, e sal, a que chamam canjica; o seu pão é a farinha de milho: para a fazerem lançam o grão de molho até fermentar, pilam-no depois, e torram a farinha; a qual, deitada em água forma uma bebida, a que chamam jacuba, que tem por muito saborosa, e fresca; fazem uso do leite, do toucinho, e de alguma carne salgada ou seca, mas não todos os dias.

Seguindo deste lugar para a Vila de Jundiahy, a estrada vai formando, a rumo geral Oes-noroeste, diversas curvas, subidas e descidas, mais, ou menos inclinadas, segundo a forma dos montes, por onde passa, corre pela direita do morro de Jaraguay, e no lugar, em que este lhe fica ao Sudoeste, avista-se a Cidade a Oes-sudoeste. Continuando-se a jornada por um caminho mnais regular chega-se ao sítio de Juquirí, que tira o seu nome do rio, que por ali corre, onde só há dois moradores, um d’aquém, outro d’além do rio, que se passa por uma ponte de madeira, já arruinada. A estrada corre neste lugar de Les-sueste a Oes-noroeste, o rio ao Sul-sudoeste, e vai confluir no Tietê, abaixo do rio Parnaiba; aquele pela direita, e este pela esquerda. A curta distância deste sítio, na descida de um monte aparece granito a um, e outro lado da estrada; a qual vai seguindo por um terreno, em partes avermelhado, e noutras amarelado, notando-se em algumas paragens bancos de pedra arenosa da mesma cor: os bosques são de pequena altura, e os troncos das árvores delgados. Adiante entra-se em um sítio chamado o Félix, onde há um pouso Reiuno, (nome posto pelos Arrieiros, ou Tropeiros, por ser construído à custa do Estado) e só três moradores, à esquerda; e pouco depois outro denominado os Cristais, onde a estrada segue ao Norte, por formar uma curva. São poucos os moradores neste lugar, e geralmente pobres; as mulheres vestem-se de baeta, e pano de algodão tecido por elas; pois é rara a casa, em que não haja um pequeno tear. No progresso da jornada, o primeiro pouso, que se encontra, está no sítio chamado o Prestes, do qual para diante segue a estrada quase sempre bordada de arvoredo; e o primeiro morador, passado o Prestes, é o do sítio denominado o Campinho, que fica à direita da estrada, à qual, nesta paragem, e pela esquerda, vem unir-se a de Parnahyba. Imediato passa-se um ribeirão de cristalinas águas, e entra-se em um bosque espesso, impenetrável aos raios do Sol (13); e aonde aqueles principia a abrir, atravessa-se o lindo ribeirão das Pedras: assim chamado por correrem as suas saborosas águas por cima de seixos, e calhaus, de que é coberto o seu leito; e continuando-se a marchar, por bom caminho, chega-se à Vila de Jundiahy.

Jundiahy, pequena Vila na Latitude de 23o 6’40” e longitude de 46o 57’ a Oeste do Meridiano de Greenwich, menos de uma milha distante da margem esquerda do rio Jundiahy-Guacú, que lhe passa ao norte, e vai desaguar no Tietê, quatorze, para quinze léguas distante da direção, em que este rio corre próximo a S. Paulo; está colocada ao longo do cabeço de um monte, dez léguas ao Nor-noroeste desta Cidade: o monte tem suave declive até ao vale, que lhe fica ao Sudoeste; para o lado oposto a inclinação é mais áspera; as ruas são alinhadas, e largas, dispostas paralelamente umas às outras; todas as casas construídas de taipa e terras, à exceção de duas moradas, a maior parte delas são cobertas de telha vã, e guarnecem as ruas com muita irregularidade em suas frentes, e alturas: a rua direita está no ponto mais elevado, disposta ao longo do cabeço do monte; depois segue-se a do meio, e são as mais povoadas; à rua do meio segue-se a nova, e a esta a da Boa Vista, que é mais baixa, e a menos povoada; a qual tem grandes espaços tapados com muros de taipa, e outros inteiramente abertos. Há nesta Vila três Igrejas; a Matriz, da invocação de Nossa Senhora do Desterro, colocada quase no centro da Vila, com uma pequena praça na frente; a de Nossa Senhora do Rosário, situada na extremidade da parte de S. Paulo e a de S. Bento, no outro extremo, havendo entre esta, e a Vila, um comprido largo coberto de pequenos arbustos. Foi Jundiahy no seu princípio uma Freguesia, erecta há perto de cento e oitenta anos: tira o nome do rio Jundiahy, e estes dos peixes chamados Jundiás, a cuja palavra juntando-se-lhe o y, que tendo na linguagem Indiana a pronúncia de ú francês, quer dizer rio, assim os dois substantivos formam um só nome que exprime rio de Jundiás, ou rio em que há Jundiás. É esta Vila pouco povoada, porque grande número de seus moradores, se aplica à cultura das terras; principalmente no tempo dos roçados para as plantações: e outros saem por camaradas, e arrieiros das diversas tropas; que ali se arranjam do preciso, para seguirem jornada; e em que se empregam, todos os anos, de oitocentas a mil bestas, o que forma um mui útil ramo de negócio destes habitantes (14). O açúcar, aguardente, e toucinho são os principais gêneros de exportação: colhe-se milho em quantidade, arroz, legumes de várias qualidades, e especialmente feijão: fazem farinha de mandioca; plantam algum trigo, e criam gado vacum, e cavalar. Há no Termo perto de quarenta engenhos, entrando neste número os de aguardente, situados pela maior parte na serra de Japí, cinco léguas distante, que corre do Nordeste, ao Sudoeste, e fica ao Sueste da Vila: é o melhor local de todo o Termo para produzir a cana. Ao rio Jundiahy-Guaçú se vão juntar os ribeiros Quapéba, e Mangabaú, que atravessam a estrada geral; e passam junto à Vila. Uma grande parte de seus habitantes tem os pescoços defeituosos por causa da moléstia, a que vulgarmente chamam papos, que ataca as pessoas de ambos os sexos, e até de menos idade; julga-se que esta moléstia provém da qualidade das águas.

Na noite de 6 para 7 de Setembro, estando eu aqui de pouso, às 11 horas pouco mais, ou menos, houve um tempestuoso furacão, que se fez notável pelos seus efeitos: a trovoada foi horrível, e, entre os muitos raios que ofenderam a terra, um caiu sobre a Matriz, o impetuoso vento arrancou telhas, derribou algumas casas, e fez grande estrago nas plantações, e arvoredos: disseram alguns velhos do lugar, que não se lembravam de ter havido um temporal semelhante nos seus dias.

 

POUSO DE UMA TROPA — (Rugendas)

 

De Jundiahy segue o caminho no prolongamento da rua direita, e toma por detrás de S. Bento em ladeira, pelo declive, que tem o monte, que termina no rio Jundiahy-Guaçú, que se passa por uma ponte estreita, construída de madeira e corre nesta paragem do Nor-noroeste, ao Sul-sudoeste: junto a ele, da parte da Vila, há seis pequenas moradas de casas (15); e a este sítio dão o nome da ponte: a estrada vai a Oes-noroeste plana, e coberta de arvoredo. Pouco adiante passa-se o ribeiro, que chamam a Fonde(**) do Aterrado, e quase duas léguas distante da Vila, se desce a um vale, onde há dois moradores próximos à estrada, e o pouso chamado da Oliveira. Deixado este sítio, o primeiro morador, que se encontra, à esquerda do caminho, que vai continuando coberto de arvoredo, e plano, é o Capitão Felisberto: deixa-se depois outro morador, à direita, e finalmente chega-se ao rio Capivary, que tem as suas cabeceiras perto de S. João de Atibaya, e deságua no Tiête, quinze léguas abaixo da confluência do rio de Jundihay, que sai igualmente dos mesmos montes. (16) O rio Capivary tira o nome de capivara, do y com pronúncia de u francês, como já disse, o que exprime, na língua indígena, rio de capivaras. (17)

Na passagem de Capivary contam os moradores meia jornada da Vila de Jundiahy, à de Campinas: o rio corre, neste lugar, ao Sudoeste: junto a ele há um pouso, ou rancho (assim chamam a uns telheiros levantados em certas paragens, em que se abrigam as cargas das tropas) e uma casa, em que, nesta ocasião havia um grande número de pessoas, de ambos os sexos; por ser costume juntarem-se muitos para o trabalho a que chamam muchiron na linguagem indiana; e assim passam de umas a outras casas, à medida que vão findando as tarefas: o trabalho consiste em prepararem, e fiarem algodão, e fazerem roçados para as plantações. Desta sorte se empregam a gente pobre, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro; e as noites passam-nas alegremente com seus toques, e folias.

Além deste sítio, o terreno é mais irregular; porém para produzir melhor do que até ao rio. Há na estrada várias subidas, e descidas, e é descoberta por causa dos roçados; as árvores são mais corpulentas, do que as que ficam do rio para Jundiahy, que geralmente são de troncos delgados, formando densos bosques. Por toda a estrada se divisavam os terríveis efeitos do temporal, de que fiz menção, que até chegou a derribar árvores de extraordinária grossura: algumas das quais ficando atravessadas no caminho, obrigaram a abrir veredas por entre o mato, para se poder passar. Continuando-se a jornada, o caminho entra a ser coberto; adiante há uma baixa, onde aparece granito, e depois de subida uma ladeira íngreme, desce-se a um vale, além do qual está o sítio chamado a Rocinha, em que existem aiguns moradores, apartados uns dos outros, tanto à direita como à esquerda do caminho, que segue nesta paragem ao Noroeste. Passado o sítio do engenho seco, que ainda pertence ao lugar da Rocinha, está o ribeirão de Jurubatuba, e seus moradores em pequeno número, e a curta distância deste sítio, se encontram mais alguns, debaixo da mesma denominação. As águas destes ribeirões, e ribeiros, todas vão ao Tietê, entrando nos diferentes rios Jundiahy, Capivary, e Atibaya, que a ele vão desaguar. Adiante estão os poucos moradores do sítio chamado os Dois-Corvos; e perto deste lugar passa-se o ribeirão da Ponte-Alta, que é formada de pranchões, e próximo a ela está o rancho do Pinheiro, além do qual sobe-se uma ladeira alcantilada, que, em tempo de chuva, se torna quase impraticável, por ser de um barro muito escorregadio, e depois desta passam-se mais duas, e o vale do Coronel Luiz Antônio, seguindo a estrada ao Noroeste, a Oes-noroeste, até que enfim chega-se à Vila de Campinas.

S. Carlos de Campinas é Vila ainda pequena (18), situada em uma alegre planície, na Latitude Austral de 22o 50’, e Longitude de 47o 20’ de Greenwich, 18 léguas ao Noroeste de S. Paulo; o terreno que a cerca, a curta distância, é algum tanto mais elevado, representando à vista a forma circular, todo coberto de curto, e espesso arvoredo. Foi S. Carlos ao princípio uma Freguesia, pertencente ao Termo de Jundiahy; depois, pelos poderes, que vieram ao Governo da Província, foi criada Vila, no dia 4 de Novembro, e proclamada tal em 14 de Dezembro de 1797, com o título de S. Carlos, em comemoração do Augusto Nome da Rainha, a Senhora D. Carlota Joaquina. Antes de ser Vila, constava somente de nove moradas de casas, hoje chegam estas a mil, e a seis mil almas a população de toda a Freguesia (em 1818), cujo Orago é N. S. da Conceição. A Igreja, que foi erecta em Freguesia, e em que se celebrou a primeira Missa, no ano de 1776, está bastantemente arruinada. É Vigário atual dela O Reverendo Joaquim José Gomes, que serve, há 22 anos; homem muito cuidadoso em seus deveres, e dotado de alguns conhecimentos, além dos que são privativos do seu Ministério: com ele contam-se dez Vigários. A Vila estende-se do Sueste quarta de Sul, ao Noroeste quarta de Norte, e, à esquerda da rua da entrada, é lindo o local para se continuar a mesma. No lugar marcado na Planta com uma cruz, projeta-se edificar um novo Templo. O terreno para a direita da rua do comércio, e para além da segunda rua, por detrás da Matriz, declina suavemente até ao ribeiro, que fica próximo e corta a estrada à saída da Vila, o qual se passa por uma ponte de pranchões; e a poucos passos, subindo-se uma ladeira pouco inclinada, existe o Bairo(***) de Santa Cruz, formado de algumas casas em torno de um largo (19), e uma Ermida na frente.

As ruas de S. Carlos são direitas, e de boa largura, mas não guarnecidas de casas, em toda a sua extensão; por haver nelas repetidos espaços murados; principalmente nas ruas extremas à direita, e esquerda, e na segunda por detrás da Igreja. As casas são térreas, exceto uma propriedade; em geral de telha vã, e construídas de taipa. A cadeia é um pequeno edifício velho, com grades de pau, e a Casa da Câmara é pouco melhor, uma grossa estaca de madeira toscamente lavrada, com a Era, em que foi erecta a Vila, forma o Pelourinho, que está no largo da Matriz.

O açúcar faz o primeiro, e mais considerável ramo de exportação, que monta a cem mil arrobas, por ano; a aguardente o segundo: abunda em milho, feijão, arroz, capados, e outros gêneros, de que, depois de deduzido o preciso para consumo do país, o restante, que monta a quantidade não pequena, vai abastecer S. Paulo, Itú, e Sorocaba. Tem muito boas frutas; como figos, uvas, limões doces, limas, pêssegos, laranjas, jaboticabas, melões, melancias, ananazes, algumas silvestres, e o terreno é apropriado para a cultura de muitas outras, se não obstasse a isso a incúria dos habitamites. A escravatura forma o principal ramo de importação, depois o sal, ferro, aço, gado, e outros gêneros em menor quantidade.

Geralmente sustenta-se o povo de feijão, toucinho, carne de porco, arroz, e milho. Os preços correntes das produções do país são os seguintes – o açúcar em 1817, regulou a 1280 réis a arroba: o alqueire de feijão a 400 réis; o de milho a 160; o de arroz a 320; os capados de quatro arrobas a 3200, os lombos frescos a 160; as galinhas a 80 réis, &c. (20)

Todo o terreno de Campinas é ótimo para a plantação da cana; de maneira que, há doze anos a esta parte, tem se conhecido um aumento considerável na exportação do açúcar. O lugar chamado Anhumas (21) tem a primazia entre os mais para a dita plantação; basta dizer-se que, a perto de sessenta anos, que recebe a planta, sem que tenha sido preciso deixar-se o terreno em descanso, por se não conhecer o menor abatimento na produção: tal é a sua força! Tem o terreno todo de Campinas a grande vantagem de não ser minado pelas formigas, que são fatais às plantações, em outros muitos lugares da Província. Há no termo desta Vila sessenta engenhos, contando os do fabrico de aguardente; quinze dos quais são movidos por água; e outros muitos se podem levantar por esta maneira cômoda. O principal senhor de engenho é o Coronel de Milícias Luiz Antônio, morador em S. Paulo (22), homem ajudado pela fortuna de um modo espantoso, e que possui uma das mais sólidas casas do Brasil; só ele, em Campinas, tem dezesseis engenhos, um dos quais lhe rendeu em 1817, nove contos de réis; a sua colheita anual não desce de trinta mil arrobas de açúcar, e a renda da sua casa anda em oitenta mil cruzados. Além desta, existem outras de bons fundos. A do Coronel Francisco Antônio de Sousa anda de dez, a doze mil arrobas, em cinco engenhos, quatro dos quais são próprios. A do Sargento Mor Floriano de Camargo Penteado chega a oito mil arrobas em dois engenhos. A do Capitão Theodoro Ferrás Leite de três, a quatro mil; e outras muitas deste lote: de maneira que se podem regular vinte engenhos a três mil arrobas cada um. O terreno é próprio, tanto para a cana miúda, como para a de Caiena: contudo fazem mais uso desta última, que chega a dez, e doze palmos de alto. Apesar do grande número de arrobas de açúcar, que se extraem de Campinas, a cultura deste fertilíssimo, e delicioso país deve reputar-se nascente ainda há léguas, e léguas de terreno inteiramente coberto de mato virgem; e o mesmo se vê em muitas sesmarias, que deixam de ser cultivadas, pela falta de forças de seus donos.

São grandes as proporções que tem S. Carlos para ser uma Vila opulenta; além da admirável posição, que ocupa, e da fertilidade do terreno; respira-se ali um ar puro, goza-se de um clima sadio, e de belas águas; e finalmente ainda se não tem conhecido uma só moléstia endêmica. Os Senhores de engenho compõem a classe principal da terra; são homens assaz polidos, e de agradável trato; entre eles há um notável, o Capitão Mor João Francisco de Andrade, por sua altura, e extraordinária gordura, que o priva de montar a cavalo: e outro, por nome José Rodrigues do Amaral, dotado de muitos bons princípios de Geometria, e até de alguns de Hidráulica.

O rumo geral da estrada para a Vila de Mugi-Mirim é Norte: ainda perto da Vila desce-se a um pequeno vale, e passa-se o ribeiro Lapa-pés; a estrada vai seguindo em partes coberta de arvoredo, e noutras descoberta; e por ser o terreno algum tanto irregular, se encontram algumas pequenas subidas, e descidas. Meia légua distante de S. Carlos atravessa-se o ribeiro Taquaral, e o caminho começa a descrever diversas curvas; mais adiante passa-se o ribeirão das Anhumas, légua e meia distante da Vila; suas águas se dirigem a Oeste, e não longe há uma subida, da qual se desce a um vale; em que se descobre pedra com veios escuros, e avermelhados. Continuando passa-se o ribeiro da Minhoca, e próximo a ele deixa-se, à esquerda, o engenho do Capitão José da Rocha; e, a poucos passos, encontra-se, do mesmo lado, o do Capitão Manoel Ferraz: então principia-se a divisar a grande plantação de cana pertencente a estes dois engenhos, que cobre a superfície de um dilatado monte, quase paralelo à estrada, que pertence ao grande torrão dos Anhumas. Deixa-se depois, à esquerda, o engenho dágua do Capitão Antônio de Cerqueira, seguindo-se a passagem do ribeiro Tijuco, e perto dele, o engenho do mesmo nome. O caminho, que vai nestas paragens, ao Nordeste, é agradável e a diferença de ser repetidas vezes coberto ou ourelado de arvoredo, e outras descoberto, recreia a vista. Avançando mais encontra-se, ao mesmo lado, um pouso de tropas; e adiante, da parte direita, uma pequena lagoa: do mesmo lado o engenho do Sargento Mor Floriano; e, a curta distância deste, existem mais dois, um da viúva D. Ana de Campos, moradora em S. Paulo, e outro de seu filho, José de Campos. Continuando-se a jornada atravessa-se um pequeno vale, e o ribeiro da Ponte alta: a estrada é sempre agradável, e em partes mui direita: perto dela está o canavial, e logo o engenho do filho do Capitão-Mor, e com as suas terras confinam as do engenho, que pertence, ao pai. Mais adiante principia-se a descortinar grossos penedos, sobressaídos à superfície da terra; o que se vai observando até ao rio Tybaia, ou Atybaia, que nasce na serra do Cubatão, a poucas léguas, e ao Nordeste de S. Paulo; e vai desaguar no Piracicaba, acima da Vila deste nome; e este último, depois de atravessar uma grande floresta de corpulentas árvores, conflui no Tietê. O Tybaia passa-se por uma ponte estreita de madeira, e o seu leito, pela parte de cima da ponte, é coberto de rocha, que aparece à superfície dágua; as margens são da mesma pedra, e guarnecidas de arvoredo; sua corrente é de águas turvas, e mais que ordinárias no tempo seco; no chuvoso torna-se impetuosa, e sai de suas barreiras; dirige-se de Leste para Oeste nesta paragem, onde tem quarenta passos de largura, e onde marcam três léguas e meia de S. Carlos: dá vau, no tempo da seca; e nele se pesca algum peixe saboroso. Paga-se na sua passagem, bem como na de outros rios, uma exorbitante contribuição a Bartholomeu Bueno Anhanguéra, descendente do primeiro Anhanguéra (23), explorador destes terrenos: um homem a cavalo paga 120 réis; uma besta sem carga 120: e com ele paga segundo os volumes; um carro 1200 réis; e uma pessoa a pé 40 réis. Apesar deste produto, assaz pesado ao público, e até impolítico, (24) a ponte, além da sua má construção ameaça ruína; ela é mui estreita, de maneira que não dá lugar à passagem de duas bestas a par carregadas, e ainda para a de um carro é preciso haver toda a vigilância; pois não tem resguardo dos lados.

Na passagem do Tybaia existe um só morador, que é quem recebe as taxações (25); e continuando jornada para Mugi-Mirim, passa-se imediato ao rio, um ribeiro, que nele vai entrar; mais adiante encontra-se outro; a estrada continua a ser agradável; passa-se algumas subidas, e descidas; pequenos campões, ou bosques até que se chega ao rio Jaguary, quatro léguas e meia distante de S. Carlos. Aqui há quatro moradores; o rio passa-se por uma ponte da mesma construção, que a do Tybaia; porém mais arruinada (26). As pagas das passagens não têm diferença das antecedentes, e são destinadas para o mesmo Anhanguéra. Pouco acima da ponte, em distância de trezentos a quatrocentos passos, se une ao Jaguary o rio Camandaucaya, cujas fontes nascem da serra Mugiuaçú, que servem de limites à Província de S. Paulo, pelo Nordeste, separando-a da de Minas Gerais: este rio corre do Nordeste, e o Jaguary, até a confluência de Les-sueste; dirige-se depois neste lugar, onde tem cinquenta e oito passos de largura, a Oes-noroeste: suas margens sobem a dezoito pés, apesar do que, no tempo das águas, transbordam muito: é neste rio que finda o Distrito, e belo terreno de Campinas.

A estrada vai correndo ao Nor-nordeste, e depois de passar-se uma ladeira íngreme, a que se segue uma suave descida, o caminho é plano, e, por espaço de uma légua, coberto d’arvoredo, que finda além do sítio chamado o Morro das Pedras: vêm-se então largas campinas, nas quais aparecem com freqüência as pirâmides do cupim, de que já falei; e nestas paragens todo o terreno é mui fraco para as plantações. Vai-se descendo depois para o rio dos Coiros, que propriamente falando, só merece o nome de um ribeirão; e não longe dele está, à direita, o engenho de Pirapitingui,que pertence a D. Gertrudes Mathildes, irmã do Brigadeiro Francisco Xavier dos Santos, morador em S. Paulo: este engenho é só de quatrocentas, a quinhentas arrobas de açúcar. Tem este sítio (27) alguns moradores; o engenho está junto a um ribeirão, que vai correndo para o Sul-sudoeste, e a estrada segue ao Nor-noroeste. Atravessado o ribeirão, monta-se uma ladeira, e ao alto oferece um agradável ponto de vista; descobre-se a grande campina matizada por diversos bosques, dispostos com intervalos muito variados; o caminho, e terreno próximo a ele é descoberto; e no fim de légua e meia, a contar do engenho, entra-se no chamado Campão Grosso, então a estrada segue coberta de alto arvoredo; e depois de ter-se caminhado por um comprido espaço, torna a descobrir, e continuando a marcha um pouco mais avante chega-se à Vila de Mugi.

S. José de Mugi-Mirim, Vila pequena, na Latitude Austral de 22o 22’ e Longitude 47o 22’ de Greenwich, é colocada em um plano suavemente inclinado, que tem princípio antes de entrar-se na Vila, e fim à saida da mesma, em um pequeno vale: ele estende-se do Sul-sudoeste ao Nor-nordeste, a cujo rumo, e ao Noroeste o terreno se eleva algum tanto em áspera subida, formando um monte, que a circula por este lado, a curta distância. Foi erecta em Vila no primeiro de Abril de 1770, com o nome do seu Orago, o Patriarca S. José, sua largura é pequena, e as ruas mais povoadas, e únicas, que merecem este nome, são a direita, e a do comércio, dispostas em direção paralela; a direita desde a entrada da Vila até ao largo da Matriz, conserva a mesma largura, e ainda está mui pouco povoada, do largo até ao fim vai estreitando: a rua nova existe ainda em princípio, é a que fica mais a Leste: geralmente as casas são pequenas, algumas de taipa, porém a maior parte construída de paus a prumo, ligados com ripas horizontais e os vãos cheios de barro; há somente duas moradas altas, a do Capitão Mor, e a da Câmara, com a Cadeia por baixo; as ruas direita, e do comércio são as mais povoadas. Todo o Termo de Mugi compreende 6150 almas de confissão.

Os seus habitantes plantam arroz, trigo, milho, e feijão; fazem azeite de mamona, e amendoim; as colheitas são pequenas, e escassamente chegam para o consumo do país; de maneira que os anos de esterilidade fazem imediatamente sentir a fome ao geral do povo: o terreno é apropriado para as plantações, principalmente o que demora ao Norte, e Nordeste da Vila, não obstante o ser todo perseguido pelas formigas; as frutas são poucas; as laranjeiras, limoeiros, e limeiras produzem abundantemente. O algodão fez em outro tempo o principal comércio deste povo; porém há alguns anos a esta parte tem diminuido muito, por causa das repetidas geadas. Hoje exporta-se algum açúcar, e aguardente, gado vacum, e bestas muares. Os engenhos deste Termo não chegam a trinta, contando as fábricas de aguardente; não existe uma só casa de bons fundos, e as mais notáveis apenas contam três mil arrobas de açúcar por ano: a importação consiste em sal, ferro, fazendas, e outros gêneros em diminuta quantidade, e também alguns escravos.

A Vila, e seus subúrbios são doentios: há sezões, hidropsias, febres agudas, e papos em quantidade; tira o nome do rio Mugí-Mirim, que desagua no Mugí-Guaçú. Este lugar manifesta sensivelmente o lastimoso dano, provindo das pagas nas passagens; a cultura das terras cada vez vai em maior decadência, e o geral do povo, como não pode exportar, e não é animado pelo interesse, mola real do coração humano, tem-se entregado à indolência, e preguiça; causas fatais à população. Na mesma Vila, a cada passo se apresenta a pobreza, e miséria; e finalmente comparando-se Campinas a Mugí, apesar da sua proximidade, que não excede a dez léguas, cabalmente se conhece a felicidade daquela, e a desgraça desta; aquela exporta livre os seus efeitos, esta decai consideravelmente, por não ter igual fortuna (28).

A partir da Vila passa-se a ponte de madeira sobre o ribeirão Belém, a estrada segue descoberta a rumo de Nor-nordeste; pouco adiante se desce a um vale alagadiço; atravessa-se depois, por uma ponte de madeira, o rio Mugi-Mirim, que corre, nesta paragem, ao Sul; mais adiante avista-se o engenho da Estância Floresta, que pertence ao Capitão Manoel Dias de Barros; e continuando-se jornada, passa-se a ponte também de madeira, sobre o rio Mugi-Guaçú, mal construída, estreita, e sem reparos aos lados, e subindo-se a ribanceira, entra-se na Freguesia, que tira o seu nome do rio.

A Freguesia de Mugí-Guaçú está uma légua distante da Vila, mais antiga do que ela, e em outro tempo sua cabeça, assim como do Arraial da França, Freguesia da Casa-Branca, e da dos Batatais. Consta esta Povoação de um largo retangular, ornado de casas, construídas de paus a prumo, ripas, e barro; tem princípio sobre a margem do rio, e estende-se em curto espaço, do Sul-sudoeste ao Nor-nordeste; a Igreja, que é da invocação de Nossa Senhora da Conceição, está à entrada do largo, da parte do rio, que neste ponto corre a Oes-sudoeste, e tem de largura sessenta e oito passos; aqui paga-se a contribuição das passagens da maneira já descrita. O rio nasce na serra de Mugi-Guaçú, que vão pegar na grande Mantiqueira, e desagua no Paraná, ou Rio Grande do Sul; as águas do Guaçú são doentias, principalmente no tempo das grandes cheias, pela muita imundície que arrastam; acima da ponte está uma pequena cachoeira, e por algum espaço, o leito do rio é coberto de rocha: este sítio é assaz doentio por causa do mesmo rio, e dos pantanais, que infeccionando o ar com seus vapores, causam sezões, e outras moléstias. Haverão vinte e quatro anos, que esta Freguesia sofreu uma grande epidemia, causada pelo pernicioso costume que tinha o povo de matar o peixe, pisando o cipó chamado Timbó, e deitando-o no rio; o peixe acudia em cardumes a engolir a poeira, que o fazia morrer sem demora, e assim tornavam fácil a pesca; porém no dito ano foi tão grande a quantidade de peixe, que, apodrecendo, infestou de tal forma o ar, que foi causa de perecer um grande número de pessoas. Há neste rio excelentes dourados, nos meses próprios de se pescarem, outubro, novembro e parte de dezembro. A população de toda a Freguesia chega a duas mil almas; exporta capados, aguardente, azeite de mamona amendoim, rapadura e trigo; tudo em pequena quantidade. Não chegou este lugar a ser Vila por causa de ser muito doentio, e é lástima que havendo perto locais desafogados, e sadios, não se tenha deliberado o povo a sair deste açougue. (29).

Continuando-se a jornada, corre o caminho ao Noroeste, e, a curta distância, subindo-se, começa a atravessar dilatadas Campinas, voltando então ao Nor-noroeste. A quatro léguas para Leste estende-se a Serra Negra (30), limite desta Província com a de Minas Gerais; um pouco mais adiante notam-se os fundamentos da primeira Igreja; e não sei por que mania os primeiros povoadores deixaram de continuar a estabelecer-se neste lugar, por natureza agradável, e farto de excelentes águas, para o irem fazer junto ao rio. Estes campos são inteiramente descobertos, e neles encontram-se muitas ervas medicinais: avançando mais, deixa-se à direita, perto da estrada, e engenho da Lagoa, e adiante, do mesmo lado, estendem-se as terras do Vigário da Freguesia, João Damasceno: nem um só ribeiro atravessa o caminho nestas paragens; mas de um e de outro lado, e a curta distância do mesmo vertem saborosas águas. Seguindo jornada, notam-se à esquerda duas lagoas; e mais adiante à direita, três grandes, sendo a maior do centro; tem jacarés, cágados corpulentos, e muita caça, como patos, garças, e grande quantidade de tuiuiús; e no tempo chuvoso é quando aparecem em maior número. Adiante principia-se a descer suavemente, e até que se chega ao pouso, e morador da Oriçanga, nome derivado do ribeiro, que ali corre; tem-se marchado perto de quatro léguas, a contar da Vila de Mugi-Mirim.

Seguindo da Oriçanga passa-se logo o ribeiro do mesmo nome; a estrada dirige-se ao Nor-noroeste; o terreno compõe-se de colinas, e vales, as subidas, e descidas são curtas, e a poucos passos entra-se em aprazíveis campinas cortadas de pequenos vales que principiam aos lados do caminho, e próximo a ele, cobertos de arvoredo, que aformoseiam a vista: a estrada segue plana, e ao Nordeste; descobre-se dela a serra da Boa Vista; deixam-se depois uns moradores, à esquerda, no sítio chamado de André Rodrigues, e descendo suavemente, segue o caminho ao Nor-noroeste; atravessa-se o ribeiro Itaqui, e logo à esquerda, estende-se um comprido bosque, depois baixa-se ao ribeirão das Pedras, que tem junto alguns moradores, duas léguas distante de Oriçanga; segue-se a este sítio o de Taquarantan, onde corre o ribeiro deste nome, cujas margens são habitadas por vários moradores que negociam para a Corte em gado vacum; avançando mais avista-se ao longe, para a direita, a serra das Caldas, assim chamada por ter em si banhos quentes: o terreno continua a ser lindo, e os pequenos bosques ou capoeiras cobertos de um verde escuro, e colocados irregularmente fazem parecer um Arquipélago estes campos, que abundam em perdizes, cordonizes, veados, e outras caças; e finalmente chega-se ao pouso de Itupéba, onde há alguns moradores, que têm criações de gado, e capados; dista légua e meia de Taquarantan.

Além do pouso de Itupéba, passa-se o ribeiro deste nome, perto do qual corre um regato de cristalinas águas; a estrada segue a rumo geral Nor-noroeste, e continua por aprazíveis campos, porém infestados de moscas, e mosquitos: adiante deixam-se, à direita, dois moradores; todo este terreno se vê semeado de gado, o que forma o forte negócio de seus habitantes. Depois pnncipia-se a descer suavemente para o rio Jaguarí-Mirim, que partindo da serra de Limites, corre de Leste, e vai confluir no Mugí-Guacú; suas águas são más, porém perto dele há excelentes; as margens são cobertas de arvoredo alto, e denso, formando por baixo largos espaços, mui limpos, e agradáveis; por aqui existem espalhados alguns moradores e o sítio dista uma légua de Itupéba; o rio no tempo das águas abunda em peixe, e suas margens têm bastante caça de diversas qualidades; passa-se a vau no tempo seco, e em canoa, (31) quando corre alto, pagando-se passagem a Bartholomneo Boeno, a quem pertencem êsses terrenos. Continuando a marcha, segue o caminho ao Nordeste, e, a poucos passos, entra-se em novas campinas; volta-se então ao Nor-noroeste, e deixando à esquerda o ribeirão Iberaba, vai-se descendo docemente a entrar no Campão dos Olhos de Água; atravessa-se um pequeno ribeiro, e o cristalino dos Olhos d’Agua; onde existe alguns moradores, distantes duas léguas do Jaguarí; d’aqui marcha-se ao Norte, e o caminho passa entre dois vales; mais adiante notam-se duas lagoas, que têm grandes jacarés, e uma espécie de Jamanta, que dizem os povos daqueles lugares, é monstruosa, do feitio de uma pipa, com boca na barriga, dão-lhe o nome de minhôtoçú; o terreno continua a ser belo, e tendo-se descido uma ladeira suave, chega-se ao pouso, e moradores de Cocais.

Parte-se deste sítio ao Norte, sobe-se ao Noroeste, entra-se em caminho plano, e o terreno é semelhante ao antecedente; deixa-se à direita a Capela de S. Ana; e então a estrada inclina ao Nor-noroeste; avista-se depois o formoso Campão dos papagaios, onde os há em quantidade, e são de grande estimação; ali se colhem muitos para a Corte, e outras Cidades. Só há vinte anos a esta parte, é que estes terrenos deixarão de ser perseguidos pelos selvagens; ainda se vê o lugar onde eles mataram muitos Portugueses. O caminho vai continuando excelente, e atravessando-se o Campão, e ribeiro Pissarrão, avista-se ao Noroeste, e na distância de três para quatro léguas, a serra das Pederneiras; e continuando a marchar, entra-se na Freguesia da Casa Branca.

O lugar de Nossa Senhora das Dores da Casa Branca na Latitude Austral de 21o 29’; e Longitude 47o 28’ de Greenwich, e distante légua e meia de Cocais, consta de um largo retangular, ornado com pequenas casas cobertas de palha, e com uma Igreja no fim do mesmo largo, ainda por acabar, de que é Padroeira Nossa Senhora das Dores: há mais algumas casas fora do largo, colocadas avulsamente (31-A); foi erecto em Freguesia há quatro anos; a gente é bisonha, e desconfiada, o sítio saudável, e alegre; as águas boas: um comprido vale coberto de arvoredo, semicircunda o lugar e a ele vão dar outros menores igualmente cobertos, cuja variedade forma uma agradável perspectiva. Estes povos colhem algodão, milho, feijão, e algum trigo; plantam cana de açúcar; porém o forte do seu negócio consta de gado vacum, e capados. Para este lugar vieram vinte e quatro casais de Ilhéus, dos quais existem unicamente seis, por se terem ausentado os outros para diversas paragens, que lhes ofereceram maiores interesses; ao que deu causa o esquecimento, que houve de se lhes fornecer tudo quanto o Estado lhes tinha prometido. (32).

Da Casa Branca segue-se jornada a Oes-noroeste, e logo passa-se uma pequena ponte de pau, e quatro ribeiros, até ao sítio chamado a Estiva onde existem alguns moradores pobres, colocados em uma chapada; continua-se ao Noroeste, e o terreno mostra linda, e pitoresca vista; adiante atravessa-se um campão, passa-se a ponte de madeira sobre o ribeirão Tambaú, e chega-se ao Engenho do Resende, ou Fazenda da Paciência.

A Fazenda da Paciência, ocupa um agradável terreno, próprio para muitas, e diferentes plantações, com grande extensão de terras, bons matos, e excelentes águas, criação de gado vacum, e cavalar, capados, e galinhas, planta-se milho, feijão, e outros legumes; a cana produz muito bem; há um engenho de açúcar, e uma fábrica de aguardente. Deste sítio a S. Paulo contam-se cinco passagens, em que se pagam as contribuições já expressas, isto na distância de quarenta e quatro, a quarenta e cinco léguas.

Da Paciência segue-se a Oes-noroeste; imediato ao engenho passa-se um pequeno ribeiro, e o terreno daqui até ao Rio Pardo, é algum tanto irregular, com pequenas subidas, e descidas, e muito farto de saborosas águas; cinco ribeiros, atravessam a estrada até ao rio; ela vai algumas vezes por baixo de fresco arvoredo, e a face do país, em partes plana, e noutras variada, é aprazível. Adiante do Resende está o sítio da Oleria, com um só morador; a serra das Pederneiras, de que já falei, vai ficando à esquerda, e a estrada corre ao Noroeste, e continuando a marcha, no fim de duas léguas, existe o sítio chamado o Cercado, com quatro moradores. Seguindo para o Rio Pardo, encontram-se mais dois moradores, onde o terreno é alagadiço; mais além avistam-se, à esquerda alguns moradores próximos à mata do rio; e atravessando uma vargem, entra-se no bosque, que borda a margem do mesmo, que fica a pouco mais de quatro léguas da Paciência.

Este rio vem de Minas Gerais, e deságua no Paraná, neste lugar, em que o toca a estrada, corre a Oeste, suas margens são pouco altas, cobertas de espesso arvoredo, que se estende perto de meia milha além delas; suas águas não são boas para se beberem, porém, as dos ribeiros próximos são sofríveis; abunda em peixe no tempo próprio, e os bosques em caça de diversa qualidade: um dia de viagem, a contar do porto para cima, existe uma cachoeira, que faz estreitar o rio, e torna velocíssima a sua corrente, de maneira que embaraça a passagem das canoas; à vista do porto há outra, mas esta deixa livre a navegação; o rio nesta paragem tem de largo cento e cinqüenta braças, com pouca diferença: as cargas, e pessoas passam em canoa, pagando-se por cada carga vinte réis, por cada pessoa quatrocentos réis, e por cada besta, que passa a nado, 60 réis; no tempo seco dá vau; aqui há dois moradores, e a curta distância deste sítio, maior número deles.

Partindo deste lugar, segue-se ao Norte, e acabado o bosque da margem do rio é o caminho descoberto, e junto a ele vivem algumas famílias, a longa distância umas das outras; o terreno em partes oferece uma superfície plana, e noutras algumas pequenas ladeiras, até ao sítio chamado a Campina, em que há um só morador; e continuando-se a jornada, entra-se finalmente na serra do segundo Cubatão, que é de fácil acesso; mas na segunda descida há uma ladeira íngreme, e no fim dela atravessa-se o rio Cubatão por uma ponte de pau, além da qual está o pouso, que tira seu nome deste rio, contando-se desde o Pardo até aqui, cinco ribeiros, dos quais o segundo é chamado o das Pedras.

O pouso do Cubatão dista três léguas do Rio Pardo; está situado em um plano elevado, donde se descortinam, para o lado da serra, os cumes de diversos bosques, que vão aparecendo uns por detrás dos outros, à medida que o terreno se eleva, e de tal maneira, que representam bem a imagem do Oceano embravecido. Deve notar-se, que passadas as Vilas, os habitantes dos campos vão sendo cada vez mais bisonhos.

Do pouso do Cubatão parte-se a Oes-noroeste; o terreno de contínuo vai oferecendo diversos campões e capoeiras; o caminho é bom, e plano por largos espaços; à esquerda deixa-se uma densa floresta, que cobre um profundo vale, a serra das Caldas avista-se à direita; a estrada, depois de voltar-se ao Norte, passa ao Nor-nordeste, e finalmente chega-se à Fazenda das Lages (33).

Esta Fazenda, que dista três léguas do pouso do Cubatão, pertence a seis irmãos unidos, que fazem um grande negócio em gado; ali corre um ribeiro a Oeste, por cima de lajes, de que tira o nome este sítio.

Das Lajes parte-se ao Norte, desce-se a um vale cortado por um ribeiro, além do qual está a serra do Morro; o caminho é por aqui mau, e há nele uma ladeira íngreme, com muita pedra solta; atravessa-se o ribeiro que tem o nome da serra, a qual só apresenta a sua altura da parte do Norte do lado oposto está igual com o terreno e adiante passa-se o ribeiro das Pedras. Todos estes ribeiros, a contar do Rio Pardo, se dirigem em rumo geral ao Norte, e a maior parte deles vai desaguar naquele rio; a estrada faz algumas voltas seguindo os rumos Nor-noroeste, Noroeste, e Norte, até chegar-se ao ribeirão, e moradores do Araraquara: aqui o ribeirão vai a Oeste, e o caminho a Oes-noroeste. Em frente deste sítio há um morro escalvado, que representa a figura de um antigo Castelo em ruína; a estrada lhe passa ao lado direito. Todo este terreno vai sendo cada vez mais infestado de moscas, e mosquitos: continuando a marchar por ele chega-se ao ribeirão do Cervo, onde não há mais que dois moradores, e é lugar descoberto e desafogado, tira o nome de um cervo de extraordinário tamanho que nele se matou: aqui se unem dois ribeiros, ambos de belas, e cristalinas águas, o da direita corre do Sudoeste, o da esquerda de Oeste, e o que eles formam, na sua confluência, vai ao Sul desaguar no Araraquara, e este no rio Pardo. A estrada segue ao Nor-noroeste plana, e agradável; adiante se desce a passar o ribeirão do Catingueiro, e principia-se a subir a serra de Mato-Grosso, coberta de altas, e grossas árvores, e passado o ribeiro da Bela Vista, a poucos passos se apresenta aos olhos um quadro encantador; extensos campos, semeados de gado, diversos campões, e capoeiras, cristalinos ribeiros e algumas colinas ao longe: a estrada é boa, e o terreno arrochado. Depois de uma descida fácil chega-se ao morador dos Batatais.

Este lugar é muito alegre, seu dono Manoel Bernardo do Nascimento, ajudado de seus filhos, desenvolve a maior atividade na lavoura; faz muito bom negócio em gado vacum, e em queijos. Afastados do caminho há, nestas paragens, muitos vizinhos, mais, ou menos distantes uns dos outros, que possuem grande quantidade de gado.

Deste sítio segue a estrada ao Nor-noroeste, e deixado à esquerda o caminho para a Freguesia do Sr. Bom Jesus da Cana Verde, vai-se passar, ao mesmo lado da estrada, por uma ponte de pau, o ribeirão da Paciência, para chegar ao pouso do mesmo nome.

O morador da Paciência vive a duas léguas dos Batatais, e quatro do Cervo; a estrada segue, nesta paragem, ao Nordeste, inclinava depois ao Nor-nordeste, e, passado um ribeiro, volta ao Noroeste. Largas campinas, matizadas de pequenos bosques, se avistam, até que na proximidade do rio Sapucahy, o terreno torna-se irregular, e o caminho, com algumas ladeiras, vai fechar nas margens daquele rio, que são cobertas de arvoredo; o rio atravessa-se por uma ponte de madeira, e no tempo da seca dá excelente vau; dista da Paciência légua e meia, nasce na serra de Muguaçú e vai confluir no Pardo: deixa-se depois o ribeiro do Patrocínio, que vem correndo de Leste por cima de Lajes; o caminho vai ao Nor-noroeste, e a quatro léguas, e um quarto distante da Paciência está o morador de Santa Barbara, à direita; passa-se logo, por uma ponte estreita de madeira, o grande ribeirão do mesmo nome, que corre ao Noroeste, por um leito formado de grossas pedras; e aqui há uma cachoeira. Deste sítio à Franca contam-se três léguas, e três quartos; larga-se adiante, à esquerda, a estrada geral, para tomar-se, à direita, para a Fazenda das Macahubas, junto à qual se passa o ribeiro Sapucahy.

O dono desta Fazenda, natural de Guimarães, conta oitenta e auatro anos, em muito bom estado de saúde, e robustez, faz o seu maior negócio em gado. Além deste sítio, entra-se um pouco adiante, na estrada geral, que vai ao Nor-noroeste: o terreno continua a ser agradável, ornado de campões, e capoeiras; passam-se três ribeiros até chegar-se ao Arraial da Franca.

O Arraial da Franca está na Latitude Austral de 2Oo 28’, e Longitude 47o 26’ de Greenwich, foi fundado há treze para quatroze anos, por Hypolito Antonio Pinheiro, Capitão de Distrito, e natural da Comarca de S. João d’El-Rei, Província de Minas Gerais; é ele o mais opulento do lugar, e sete léguas arredado, possui uma grande fazenda: antes desta fundação eram estes terrenos demasiadamente infestados pelos selvagens. Deu-se a este Arraial o nome de Franca, por virem a ele estabelecer-se toda a qualidade de pessoas de diversos lugares; todavia a mor parte delas veio de Minas Gerais: a fama deste lugar é muito má, por causa dos facinorosos, que, em grande número, o habitam; e de certo a conservará enquanto ali se não estabelecerem as Autoridades, que mantenham as Leis do Soberano, e a Justiça. Este povo existe como os da primitiva: o mais astuto, e valente, ou para dizer melhor, o de pior coração dá a lei, os outros tremem, e cegamente obedecem; e, como a Justiça está muito longe, nada receiam. Houve ali um malvado, que fez quatorze mortes, e se recreava com a narração delas; porém, graças às deligências do Exm.o D. Manoel de Portugal e Castro, Capitão General de Minas, que fizeram acabar cora tal monstro, que se tinha refugiado neste Arraial, onde ainda existe um delinquente de sete mortes, e vários outros de menor número (confissão dos mesmos povos). Não trato da qualidade de mortes, das traições, e de muitos pais roubados a seus filhos; pois são tão diferentes os casos, que seria necessário descrevê-los muito por miúdo; finalmente pela mais leve causa não há escrúpulo em tirar a vida.

Os habitantes deste lugar são industriosos, e trabalhadores; fazem diversos tecidos de algodão; boas toalhas, colchas e cobertores; fabricam pano azul de lã muito sofrível; chapéus: alguma pólvora; e até já têm feito espingardas: a sua principal exportação consta de gado vacum, porcos, e algodão, que levam a Minas: plantam milho, feijão, e outros legumes para consumo do país. O Arraial está bem arruado, porém a maior parte das ruas é ainda mui pouco povoada, só o largo da Matriz está mais guarnecido de casas que são construídas de pau a prumo, com travessões, e ripas, cheios os vãos de barro, e as paredes rebocadas com areia fina, misturada com bosta, geralmente são pequenas, e a maior parte delas cobertas de palha (34). Tem a Franca duas Igrejas: a de N. Senhora do Rosário, pequena, e baixa foi a primeira, que se fundou; e a Matriz de N. Senhora da Conceição está quase acabada, e é um lindo Templo. Esta Freguesia chega a três mil almas de confissão; e a meu ver deveria entrar o Arraial no número das Vilas, para melhor governo, ordem e polícia de seu povo, que tendo em meio de si as Autoridades de Justiça, não haverá ali tantos crimes.

É dos mais lindos, e desafogados locais, que tenho encontrado; um comprido Campo se estende de Norte ao Sul, e suavemente vai declinando até aos ribeiros, que o limitam a Leste, e Oeste, os quais reunindo-se ao Sul, formam um só ribeirão; assim fica representando uma península este terreno: que é mais elevado, mais ventilado, e inteiramente plano ao Norte da Matriz: para Oeste, contíguo ao Arraial, vai ele abrindo-se em duas ribanceiras, formadas pelas chuvas, que destruirão bem depressa esta parte, se lhe não derem remédio pronto. O ribeiro d’Oeste, que tem o nome de Itambé, forma um salto de seis, ou sete braças de alto, logo abaixo da boca da ribanceira; o de Leste denomina-se do Vigário, porque este habita na sua vizinhança em uma excelente casa. Além dos ribeiros eleva-se o terreno em doce ladeira, e, a poucas léguas de distância há um olho d’água, que se conserva quente em todo o tempo.

Partindo da Franca dirige-se a estrada a Oes-noroeste; depois a Oeste; o terreno vai oferecendo a mesma perspectiva agradável que o antecedente, passam-se quatro ribeiros, o primeiro dos quais tem uma cachoeira à vista do caminho, e vai correndo por cima de lajes; finalmente principia-se a descer, até que se chega ao pouso, e fazenda do Machado, (35) duas léguas e meia da Franca: o morador fica à direita, e cercado de montes e vales; as águas são boas, e abundantes, e junto à casa corre um claro ribeiro.

Continuando jornada, o caminho vai ao Norte; e, a poucos passos, volta ao Nor-noroeste; vira depois a Oeste, e Oes-noroeste, até chegar-se ao morador da Ressaca, distante três léguas e meia do Machado: boa estrada, e o terreno aos lados cortado de montes, vales, e bosques; perto do sítio passa-se um ribeiro, e continua-se a marcha ao Nor-noroeste; mais adiante segue-se ao Noroeste, e algumas vezes por baixo de arvoredo, parecendo em partes uma rua da mais bem arranjada chácara; chega-se depois ao morador do Monjolinho; atravessa-se um ribeiro, e logo outro; mais adiante, à direita, vai correndo a Oeste por cima de grandes lajes, o ribeirão dos Córregos: o caminho tem algumas subidas, e descidas, deixa-se logo à direita um morador, e passam-se dois Córregos, perto um do outro, que dão o nome ao sítio, e prosseguindo assim, atravessa-se outro ribeiro junto ao morador do Pouso Alto, que dista seis léguas do Machado.

O ribeiro do Pouso Alto corre para Leste; o terreno por estas paragens, é guarnecido de curtas, e esquisitas árvores, umas de folhas delgadas, e outras de mui estreitas, e coberto de agradáveis, e lindas flores. A estrada parte daqui ao Noroeste, plana, e o terreno vai mostrando a mesma superfície lisonjeira: deixa-se à esquerda o morador do Calção de Coiro, (36) e atravessa-se adiante um ribeiro; depois de subida uma ladeira comprida o caminho é coberto, e nele passa-se outro ribeiro, chega-se à fazenda, e moradores do Rio das Pedras, onde se contam quatro léguas do Pouso Alto; encontra-se além mais um ribeiro, e entra-se depois na extensa mata, que cobre as margens do grande Paraná, e que se estende muito pela terra dentro; e então vai o caminho em declive até chegar-se ao porto deste rio.

O Rio Grande, ou Paraná, tem a sua origem na face Ocidental da comprida serra de nome Mantiqueira, que divide a Província do Rio de Janeiro, da de Minas Gerais; e a oeste da Vila do Paraty, vinte e cinco léguas; até ao limite desta Província com a de Goyáz, correm as suas águas em rumo geral ao Noroeste, voltam depois a Oeste, e poucas léguas abaixo da foz do Rio Paranahyba, ao Sul, forma a comprida ilha Délsalto, e vai confluir no Paraguay, com mais de quatrocentas léguas de curso; correndo então para ele a Oeste, depois de ter recebido as torrentes de muitos, e caudalosos rios, tanto pela direita, como pela esquerda: suas margens são cobertas de espesso, e alto arvoredo, que o torna mui sombrio em várias paragens; da parte de cima do sítio, em que se atravessa o Paraná, há uma grande Ilha; ele forma o limite da Província de S. Paulo pelo Norte e Oeste; e a este último rumo, se dirigem suas águas na paragem, em que o toca a estrada; paragem triste, esezonática, por causa da inundação do mesmo rio no tempo chuvoso, formando-se então dilatados pantanais de fácil navegação para canoas: neste lugar é já o Paraná bastantemente largo, e atravessa-se em uma barca, formada sobre duas canoas. Da Cidade de S. Paulo a este ponto contam-se perto de noventa léguas pela estrada: (37) paga-se passagem como se fosse por três rios, a Bartholomeu Boeno.

A estrada segue do Rio Grande plana a Oes-noroeste, e coberta pela mata do rio; descobre depois, e vai a Nor-noroeste, passa-se um morador à direita, e adiante um ribeiro, e por caminho sempre bom, no tempo seco, chega-se ao Registo da Posse, três léguas distante do porto do Paraná.

No Registo da Posse, modernamente estabelecido, há um destacamento de Cavalaria de Linha de Minas Gerais; de cuja Província faz parte o terreno, que fica entre o Paraná, e o Paranahyba, o qual pertencia antes a Goyaz: junto a este Registo passa um ribeiro de boas águas. Deste lugar parte-se ao Noroeste, no fim de uma légua deixa-se um morador, e, decorrendo outra, novo morador se encontra; continuando passa-se um ribeiro, até que se avista o lugar da Farinha Podre: todo o terreno, que medeia dele ao Registo, é agradável, composto de chapadas altas, que se mostram umas por detrás das outras, muitas das quais estavam neste tempo abrasadas; a estrada é bela.

A Farinha Podre, é lugar de quinhentas pessoas de confissão; as casas, que aí são geralmente cobertas de palha, estão dispostas segundo o capricho de seus donos, (38) sobre as duas margens de um ribeiro, que vai correndo ao Noroeste: tem a pouca distância uma Capela da invocação de Santo Antônio, e S. Sebastião, colocada no alto da ladeira da parte do Registo, do qual dista três léguas e meia; o terreno de um, e outro lado do ribeiro, eleva-se suavemente, e é cortado por outros pequenos ribeiros: o principal negócio desta gente consiste em gado, e capados; e planta legumes, milho, e algodão. Aqui têm-se refugiado muitos criminosos, e em geral este povo é de tal sorte desconfiado, que logo que se aproxima alguma comitiva, retira-se ao mato, e só de noite vem a espreitar o que se passa ali (39).

Segue-se viagem deste sítio a Oes-noroeste, caminho bom; e adiante desce-se a passar o pequeno rio Uberava-Falsa, e no fim de três léguas de marcha está o pouso do Lanhoso, onde há um só morador carregado de família, a quem dois índios ali estabelecidos queimaram tudo quanto possuia, e ainda quando passei estava arranchado debaixo de uma copada árvore: o terreno até este pouso assemelha-se ao que fica entre a Posse, e a Farinha Podre. Junto ao Lanhoso está uma grande escavação feita pelas águas, onde a terra se desliga fácilmente, e é toda misturada com cascalho grosso, e miúdo: disse o morador, que ali se tinham tirado pedras preciosas, e algum ouro.

Continua o caminho quase ao Noroeste por um espaço coberto de arvoredo, dirige-se depois, formando voltas, e algumas ladeiras, por um morro de pedra miúda, ficando-lhe aos lados vales profundos, que tornam o terreno assaz irregular: mais adiante segue-se ao Nor-noroeste, e então corre melhor a estrada, porém à vista delas ainda continua a irregularidade do terreno, até chegar-se ao sítio da Ponte Nova do Tijuco, aonde há quatro moradores, e que dista três léguas do pouso antecedente.

Do Tijuco continua-se a jornada ao Nor-nordeste, sobe-se por uma lombada, com profundos vales, à direita, e à esquerda, depois entra-se em uma vasta planície, que se estende a perder de vista, sem encontrar-se água: quase a tocar o horizonte, para a direita, oferece-se um interessante quadro, que representa a figura do mar sereno, e algumas árvores ao longe, dispostas em longos intervalos, formam a mais agradável ilusão ótica, figurando Navios de diferentes portes, com o pano cheio; vista que fere o coração com a mais aguda saudade, a quem se vê obrigado a perder, por dilatado tempo, o quadro real do Oceano. Em várias partes, a superfície deste plano mostra o terreno levantado como formando pequenas ilhas, divididas por estreitos canais que são cheios d’água no tempo das chuvas, e dispostos em tantas voltas que dão bem a conhecer quanto esta grande campina é horizontal. No fim de mais de duas léguas termina a planície, e podem então satisfazer-se de água os viajantes, em um cristalino ribeirão, que vai correndo por cima de pedras: e principiando então a descer chega-se ao lindo ribeirão da Uberava-Verdadeira, junto ao qual existe um só, e pobre morador, quatro léguas e meia distante do Tijuco.

Daqui parte-se ao Nordeste, caminho plano, e descoberto; à direita, e algum tanto distante, é o terreno alto: volta-se depois ao Noroeste, e deixada, à esquerda, a Fazenda da Rainha, que dista três léguas da Uberava, atravessam-se dois ribeiros a ela juntos, o primeiro dos quais tem um grande salto; a estrada volta ao Nor-noroeste, ficando aos lados um terreno irregular, formado por montes, e vales, alguns deles são cobertos de arvoredo, e continua descendo até chegar-se ao Rio das Velhas.

No Rio das Velhas paga-se passagem, e há um Registo, e um destacamento de Cavalaria de Linha de Minas, com um Oficial à testa, que é Comandante Geral de todos os Registos, que ficam entre o Rio Grande, e o Paranahyba. O Rio das Velhas tem as suas cabeceiras na serra da Canastra, que divide a Província de Minas Gerais, pelo Noroeste, de Goyaz, e vai confluir no Paranahyba. Na paragem, em que está o Registo, alarga o rio, apresentando uma engraçada vista, as suas margens são cobertas de arvoredo baixo, que o torna desafogado; acima do porto há duas ilhas, e entre a que fica mais ao Sul, e a margens próxima, é o rio mais profundo; o seu leito é coberto de rocha, que em várias partes aparece à superfície d’água, formando muitas, e pequenas ilhas, e sua corrente dirige-se a Oeste: o terreno, contíguo ao rio é cortado de altos montes, parte deles coberto de arvoredo: daqui à Uberava-Verdadera contam-se três léguas, e três quartos. Este, e os mais Registos foram estabelecidos para vedar o extravio dos diamantes, e ouro em pó.

Do Rio das Velhas segue o caminho ao Noroeste, subindo-se uma íngreme ladeira: deixa-se adiante, à esquerda um morador índio, que possui uma sofrível propriedade: o terreno é cortado de montes, e vales, e no fim de uma légua passa-se um ribeiro, e perto dele está a Aldeia de Santa Anna, habitada por Índios, que já são filhos do mesmo lugar: tem uma Ermida, e em frente a ela um largo retangular, ornado de casas pequenas cobertas de palha, e algumas de telha: fora do largo há mais algumas casas dispostas avulsamente. Um Soldado pertencente ao destacamento do Rio das Velhas, é o Diretor desta e tanto o Diretor, como os Índios estão subordinados ao Comandante Geral. Toda a pessoa que não for Indiana, e que achando-se estabelecida em terras do distrito da Aldeia, quiser depois retirar-se, só poderá vender os seus bens de raiz aos Índios. O caminho segue da Aldeia plano e ao Noroeste; porém a um, e outro lado, observam-se montes, e fundos vales: continuando-se a marcha chega-se ao princípio de uma ladeira, donde se vê uma cascata que despenha as suas águas de grande altura: o salto é formado por um paredão vertical, que parece feito pela arte. Descida a ladeira, passa-se o pequeno rio da Furna: nome deste sítio, que vai correndo para Oeste por cima de pedras soltas, e negras; sobe-se depois docemente, e logo no alto está o Engenho da Furna, que dista três léguas do Registo; e prosseguindo-se ao Noroeste, chega-se ao pouso da Boa-Vista, quatro léguas, e um quarto distante do mesmo Registo.

Os moradores deste sítio são Índios, divididos em várias famílias, que todas trazem sua origem de um velho de mais de cem anos, que ainda governa o lugar, e que já tem netos de seus netos: as casas desta gente são cobertas de palha.

Parte-se ao Norte, e junto ao sítio passa-se o ribeiro do mesmo nome, que tem o leito formado por uma contínua escada de pedraria, o que torna a sua água excelente: volta depois o caminho, ao Nor-noroeste, e mais adiante é muito plana, e segue ao Norte: passado um ribeiro, entra-se em uma vasta planície, e no fim dela principia-se a descer para os moradores do Pissarrão, aonde há uma Ermida, e para Oeste corre um ribeirão, que se atravessa por uma pequena ponte de pau: este sítio dista duas léguas e meia do antecedente. Daqui sobe-se, e vai bom o caminho rumo do Nor-noroeste, atravessando terreno coberto de raro e baixo arvoredo; mais adiante volta ao Nor-nordeste, depois ao Nor-noroeste, e principia-se então a descer até um vale assaz alagado no tempo das águas; de maneira que obriga a estivar-se o caminho com paus, para poderem passar os animais: imediato está o ribeiro, e no alto, além dele, o pouso da Estiva, quatro léguas e meia distante da Boa-Vista.

O pouso da Estiva é lugar alegre, e sadio, com vários moradores: há quintais em algumas casas, com frondosas laranjeiras, todo o terreno daqui até ao rio Paranahyba é muito irregular, principalmente o que fica próximo a ele, de maneira que a estrada corre todos os rumos desde Oes-noroeste até Nor-nordeste, pelo Norte; quase sempre coberta de pedra solta, e aos lados em várias partes, com paredões de rocha. Duas léguas e meia, além da Estiva, atravessa-se o ribeirão das Pedras, junto ao qual estão moradores índios, e chegam a dezoito as casas: daqui, segue-se ao Noroeste, e tendo-se caminhado uma légua, está o sítio de S. Domingos com vários moradores, sítio triste e cercado por dois lados, de alto, e sombrio arvoredo. A poucos passos além atravesse-se um ribeiro, e viajando-se ao Nor-nordeste, vai entrar-se na mata da margem do Paranahyba, e a ele se chega depois de haver caminhado cinco léguas a contar da Estiva, e trinta e quatro e meia do porto do Rio Grande, vindo portanto a distar este sítio da Cidade de S. Paulo cento e vinte e quatro léguas e meia pela estrada.

O rio Paranahyba tem as suas mais remotas fontes ao Norte da serra da Marcella, perto das do Rio Preto, que vai entrar no grande S. Francisco; e depois de um dilatado curso, vai o mesmo Paranahyba desaguar no Paraná, servindo ao Oriente de limite entre a Província de Goiaz, e a de Minas Gerais: é ele a continuação do rio de S. Marcos, que tem este nome até a extremidade Meridional da mesma serra da Marcella, à qual corre paralelo, em direção geral. Há na margem deste rio um Registo, que tem por Comandante um soldado, ou Inferior pertencente ao destacamento do Rio das Velhas; e que é também o cobrador dos direitos de passagem. Em todo o espaço do Paranahyba, que fica à vista do porto, é o seu leito coberto de rocha, e areia, as suas margens são pouco altas, e o álveo alarga nesta paragem, ficando no tempo seco, uma boa parte dele descoberta: a corrente dirige-se a Oes-noroeste, o rio aparece coberto de névoa, quase todas as madrugadas; nele há peixe, jacarés, e cobras sucurís. Na margem da parte de Goyaz há um morador.

Do rio Paranahyha continua-se a jornada a rumo do Nor-nordeste, subindo-se algum tanto, e o caminho vai descrevendo diferentes curvas com subidas, e descidas, e em várias partes, coberto de pedras soltas, assemelhando-se a uma calçada em ruína, por entre a mata da margem do rio: no fim da qual está um morador no sítio chamado a Borda da Mata, a que se chega depois de ter-se caminhado uma légua, e atravessando um ribeiro. Daqui segue a estrada a Oes-noroeste, descoberta, e boa; avistando-se sempre o terreno composto de montes, e vales cobertos de arvoredo, enfia-se no sítio dos Olhos d’Agua, distante duas léguas do Paranahyba, passa-se o ribeiro do mesmo nome, e chega-se finalmente ao pouso, e moradores dos Casados: aqui há muitas laranjeiras, engenho, fábrica de aguardente, e uma boa fazenda: este sítio dista do Registo duas léguas e meia. (40)

A estrada segue dos Casados ao Nor-noroeste, coberta de arvoredo, e descrevendo algumas curvas com pequenas ladeiras; e a curta distância do pouso atravessam-se dois ribeiros, além dos quais o terreno é semeado de curtas árvores; mais adiante, desce-se a passar outro ribeiro por uma ponte pequena, e subindo-se, entra a ser o terreno irregular; logo encontra-se um morador à direita, e a curta distância deste, outro; então o caminho vai ao Noroeste, pela direita divisam-se altos montes, e bosques. A todo este sítio, até deixar-se outro morador, chamam Riacho; além do qual, e perto da estrada, se eleva um alto monte, coberto de arvoredo, paralelo à mesma estrada, que por aqui vai ao Nor-noroeste, e, a poucos passos, volta a Oes-noroeste. Continuando a marcha vê-se a alguma distância, pela direita, em frente uma grande mataria, e profundos vales, de um, e outro lado do caminho, que em parte é coberto de Pedra miúda, e vai passar por entre dois campões, seguindo ao Noroeste, vira depois ao Norte, e ao Nor-noroeste, e voltando outra vez ao Norte, principia-se a descer suavemente até aos moradores do Catalão, lugar que dista quatro léguas dos Casados.

Parte-se do Catalão ao Norte, por um terreno elevado, e descoberto: adiante volta o caminho ao Nor-noroeste, e chega a tocar Nor-nordeste; e descendo-se por boa estrada, passa-se o ribeiro, e moradores do Pé do Morro, (41) sítio que dista duas léguas e meia do Catalão; e chega-se ao Campo dos Buritis, onde não há moradores, depois de ter-se atravessado dois ribeiros, e caminhado uma légua a contar do Pé do Morro: o Campo é fechado por três lados por dois córregos, descrevendo um deles uma curva, até unir-se ao outro, como se vê na planta.

Partindo dos Buritís, segue-se ao Nor-noroeste, por terreno irregular, em parte coberto de bancos de argila, em parte de pedra arenosa, e em muitas de cristal de rocha junto à estrada, que correndo ao rumo de Nor-noroeste, e de Nor-nordeste, vai formando diversas curvas, em subidas, e descidas, semeada de pedra solta, e de cascalho. Divisam-se por ali bancos de pedra, que se fendem em compridas lâminas, e que sendo desfeitas em partículas, apresentam um grande brilho. De quando em quando descobrem-se ao longe dilatados montes divididos por alguns ribeiros: o caminho continua ainda por um terreno alto, e pedregoso, e no fim de duas léguas de marcha, encontra-se um morador à direita, no sítio chamado o Campo Limpo.

A estrada segue deste lugar ao Norte, e um pouco mais adiante passa à direita de um comprido morro de pedra argilosa, formado por grossas lâminas, e que mostra a figura de uma antiga, e arruinada muralha. Continuando a jornada, e a rumo de Noroeste é o caminho excelente por algum espaço, até que enfim chega-se ao rio, e morada do Veríssimo, duas léguas do Campo Limpo.

Este rio tem a suas cabeceiras dentro da Província de Goyaz, a Leste da Serra da Marcella, e algumas léguas ao Norte do paralelo do Registo de S. Marcos, e vai desaguar no Corumbá, entrando-lhe pela esquerda: no ponto em que a estrada o toca, descreve ele um ângulo reto, porque vindo de Leste volta ao Sul; as suas margens são cobertas de bancos de pedra com a direção para a corrente, e dá vau no tempo seco.

O terreno continua da mesma forma irregular, e o caminho partindo dali a Oes-noroeste, volta logo ao Noroeste, Nor-noroeste, e assim vai descrevendo muitos rumos, e a meia légua do Veríssimo passa por um outeiro, a que chamei de Longa Vista, por se divisar do seu cume, em todos os sentidos, grande extensão de terreno, geralmente escalvado; adiante está um ribeiro, e a estrada vai continuando pedregosa, alta, e com profundos vales aos lados, até chegar-se ao Campo do Silva, que tira este nome de um morador que ali houve. Junto a este sítio, que dista pouco mais de duas léguas do Veríssimo, corre um ribeirão.

Do Campo do Silva segue a estrada ao Nor-noroeste: o terreno é algum tanto mais regular, que o antecedente; e no fim de légua e meia atravessa-se o pequeno rio chamado o Braço do Veríssimo, que vai ao Sul confluir naquele, e logo está o morador deste sítio, à direita, e a estrada parte daqui a Oes-noroeste. Notam-se nesta paragem bancos de pedra, que se elevam à superfície do terreno, e cortam o caminho; e avançando mais uma légua, com pouca diferença, a contar do Braço, vem findar junto à estrada, pela direita, um comprido e mui fechado campão, com alguns coqueiros, ou buritís, e pouco mais adiante, à esquerda, principia um atalho, que dá melhor e mais curto caminho, (42) a exceção do trânsito de dois ribeiros, que é algum tanto incômodo, por causa dos seus escorregadios barrancos, que são em ladeira íngreme; entra-se no atalho a Oes-noroeste, e deixa-se a estrada ao Noroeste quarta de Norte. Acabado o atalho, que vem do Su-sueste, volta-se à estrada, que se dirige de Les-sueste; então começa, entre profundos precipícios, a alcantilada ladeira de um alto monte, cujo cimo é plano. A grande visual, que oferece o seu cume, é assaz notável; de um lado observam-se dilatados campos, montes, e vales, todos calvos, e inteiramente incultos, e só de grandes distâncias aparecem pequenos bosques, por baixo dos quais correm alguns ribeiros: do outro lado o painel é igualmente belo; ao longe notam-se altos montes; mais perto apresentam-se viçosos campões, e capoeiras; e vários ribeiros, o que tudo forma uma das mais agradáveis e variadas perspectivas; uma grande enfiada de coqueiros, que parecem dispostos pela arte, se estende de longe até quase tocar a estrada, pela esquerda. Continuando-se a jornada, e tendo-se descido o monte, vai o caminho ao Nor-noroeste e com pequenas alterações nos rumos, e por bom terreno, chega-se ao pouso, e sítio do Brito atravessando-se antes, e junto a ele o ribeiro deste nome, que foi do seu primeiro morador, e dista perto de cinco léguas do Silva.

Do Brito dirige-se o caminho ao Norte, e muito bom; todavia o terreno aos lados é irregular. Atravessados três ribeiros, que obrigam a descidas, e subidas, chega-se, no fim de pouco mais de meia légua aos moradores do sítio chamado a Posse, tendo-se marchado, por um não pequeno espaço, ao Noroeste; e continuando daqui, quase sempre ao mesmo rumo, por caminho com alternativas de bom, e mau, atravessa-se ao Nordeste um bosque, e no fim dele vai-se ao Oes-noroeste, passa-se depois o ribeiro do Palmital, cujo leito é coberto de lajes, e além fica o sítio do mesmo nome, que dista do Brito duas léguas e meia.

O caminho vai ao Noroeste; por aqui as árvores são mais freqüentes: mais variada a configuração dos montes, e dos vales todos cobertos de mato, e a estrada passa algumas vezes por entre bosques, seguindo em várias partes o rumo de Oes-noroeste, e depois de ter-se atravessado um ribeiro, e descido por uma ladeira suave, está logo à esquerda, o morador Pedro da Rocha, que dista légua e meia de Palmital. Aqui vai ao Nor-noroeste a estrada, que atravessa uma grande mata ao Noroeste e no fim delas, depois de um pequeno ribeiro, avista-se à esquerda, o sítio de nome Cercado, com alguns moradores muito pobres. Continuando ao Nor-noroeste, e Noroeste, vê-se em frente um terreno abaulado, todo calvo, e com um monte na parte mais elevada, bem semelhante à Ilha redonda, na entrada do Rio de Janeiro, atravessa-se um ribeiro, e seguindo-se por caminho coberto em várias partes do cascalho, e noutras cortado por bancos de pedra, quase em direção vertical, desce-se enfim uma doce ladeira, a Oes-noroeste, para o rio Corumbá, porém antes de chegar-se a ele, ainda se passa outro ribeiro, e três moradores.

Logo além do rio Corumbá está o sítio assim chamado, que dista cinco léguas, e meia do Brito, e nele as casas pertencentes a Bartholomeu Anhanguera, que tem aqui uma fazenda. O rio nasce no lugar denominado o Cocal dos Perinéos (43) e vai confluir no Paranahyba; e neste sítio em que o toca a estrada, tem um agradável porto, bastantemente fundo, acima do qual há uma Ilha longa, que divide o rio em dois canais; o de Noroeste é estreito, porém mais fundo, que o de Nordeste, cujo leito é coberto de Banco de pedra, como mostra a planta; abaixo do porto torna o leito a ser coberto de rocha, formando uma cachoeira; porém os bancos não aparecem, como os no canal do Nordeste: aqui pagam os direitos de passagem ao Anhanguera.

Prosseguindo a jornada, e ficando logo à esquerda o caminho antigo, que vai pelo Arraial de Santa Cruz, toma-se por ser mais curto o da direita, que se dirige ao Noroeste, e atravessando, a curtas distâncias, dois ribeiros, e um bosque, chega-se no fim de uma légua, ao ribeirão do Bom Sucesso, e moradores na sua vizinhança. Deste sítio segue-se a Oes-noroeste; e além dele, a meia légua de distância, passa-se a ponte de um ribeirão, e contando outra meia légua ficam os moradores, e ribeiro do Brejo; e marchando-se ainda ao mesmo rumo, atravessando mais um ribeiro e um campão, chega-se ao pouso e morador do Campo Alegre, que dista três léguas e meia do Corumbá. O lugar é agradável, e tem um lindo pomar de laranjeiras, e excelente água.

Do Campo Alegre prossegue-se jornada a Oes-noroeste, e depois de ter-se caminhado um grande espaço, entra-se a descer uma comprida ladeira, no fim da qual está um ribeiro e o morador Manoel de Souza, volta-se então a Oeste, e a pouca distância subindo-se ao Norte; à direita se prolonga um vale, e o terreno apresenta-se bastantemente variado; chega-se depois ao ribeiro, e morador do Magalhães, e deixado este, sobe-se a Oes-noroeste marchando-se por bom caminho: indo-se assim avante encontra-se o Engenho de Miguel Ribeiro, que dista do Campo Alegre, duas léguas e meia; e é aqui que vem reunir-se a estrada, que passa pelo Arraial de Santa Cruz. O caminho a partir deste sítio é por algum espaço tortuoso; indo depois ao Noroeste, corre assaz bom pela encosta de um dilatado monte e cortando um ribeiro dirige-se por outro monte igual ao antecedente, e descendo-se por uma ladeira pouco inclinada chega-se ao pouso de José Dias, seis léguas distante do Campo Alegre.

Parte-se deste sítio ao Noroeste, e atravessando junto a ele um ribeiro e logo adiante outro, segue-se ao Norte, e apesar de ser o terreno irregular, é bom o caminho, e volta ao Noroeste, por um extenso monte, e no fim dele corta um ribeiro: adiante corre coberto de arvoredo, e depois de outro ribeiro, sobe-se ao Norte, deixa-se à direita o morador do Pouso Novo, e se atravessa ainda outro ribeiro para chegar-se ao pouso e morador do Bazilio, que dista de José Dias quatro leguas e meia.

Junto ao pouso do Bazilio passa-se o ribeiro do mesmo nome, e marchando-se ao Nor-noroeste, por caminho bom, e terreno regular, e desafogado, vai-se descer suavemente ao Noroeste, deixando-se um morador à esquerda, volta-se a Oeste, e a Oes-noroeste, e torna-se ao Noroeste, e atravessando-se, a pequenas distâncias, três ribeiros, chega-se aos moradores das Guariróbas (44): a estrada continua boa, e descoberta, e depois de ter descrito uma curva à vista do Arraial do Bom Fim, vem dar ao mesmo.

O Arraial do Bom Fim está na Latitude Austral de 16o 48’, e na Longitude de 47o 23’ de Greenwich, colocado em terreno alto, e aprazível; consta de poucos Fogos, e a sua população não excede a mil e trezentas almas: as ruas são dispostas com muita irregularidade tanto em largura, como em direção. O descoberto do ouro neste sítio, deu motivo à fundação do Arraial, no ano de 1774; governando Goyaz o Exmo. José de Almeida Vasconcellos do Sobral e Carvalho, undécimo Governador desta Província: presentemente tem-se desprezado a mineração, por falta de escravos, e por não aparecer o ouro com a primeira abundância. Todo o terreno junto ao Arraial pela parte do Norte, Leste, e Oeste, está revolvido pelos mineiros, apresentando largas, e profundas escavações. Atualmente os habitantes ocupam-se na criação de gado, e capados, que exportam para a Cidade de Goyaz, e Vila de Paracatú, colhem milho, legumes e pouco algodão; importam sal, ferro, e algumas fazendas e nas vizinhanças do lugar existem alguns pequenos engenhos de açúcar, e poucas fábricas de aguardente. A Freguesia é da invocação do Senhor do Bom-Fim: a Igreja é pequena, porém no largo da estrada se edifica outra com maiores dimensões. Tem este Arraial uma Companhia de Cavalaria Miliciana, outra de Infantaria, e uma de Ordenança.

Do Bom-Fim segue-se jornada a Oes-noroeste, descendo-se a passar um ribeiro, e subindo-se depois ao Noroeste, entra-se em caminho plano e desafogado: em distância de meia légua do Arraial, passa a estrada por um morro, que oferece um lindo ponto de vista, e mais adiante atravessa um ribeiro no sítio chamado a Posse, que já foi habitado; passam-se depois dois campões, e mais dois ribeiros antes de chegar-se ao engenho de S. Domingos, que fica algum tanto para o lado esquerdo da estrada, edificada em belo, e alegre local, e distante légua e meia do Bom-Fim. O seu possuidor é um homem muito industrioso: trabalha o açúcar e aguardente, tem fábricas, que são movidas por água, em que faz farinha de mandioca, de milho, e de trigo, e outra em que se fia algodão. O caminho parte daqui ao Noroeste, e vai descrevendo todos os rumos deste quadrante por um terreno aprazível, e abundante d’água, e atravessando cinco ribeiros, e dois ribeirões, e alguns pequenos bosques até ao engenho, e pouso de Piracanjuba.

 

HABITANTES DE GOIÁS — (Rugendas)

 

O engenho, e pouso de S. João de Piracanjuba, quatro léguas distante do Arraial, situado em lindo, e descoberto terreno, mui abundante de saborosas águas, pertence ao Capitão do Distrito, Joaquim da Costa Ferreira. Parte-se deste sítio a Oes-noroeste, e a curta distância, deixada à direita a estrada velha, segue-se ao Noroeste, por um terreno descoberto, atravessam-se dois campões e dois ribeiros, além dos quais desce-se ao Norte uma comprida ladeira, e perto dela, outra um pouco íngreme; e antes de começar-se a marchar para o engenho do Tenente Borges (45), por um plano suavemente inclinado, ainda se passam mais dois campões, e dois ribeiros. Este engenho dista do antecedente três léguas e meia.

Do Borges continua-se a jornada a Oes-noroeste, por bom caminho, passa-se o morador Braz de Godois, e o ribeirão das Antas; depois o ribeiro dos Anicús, e o ribeiro Piancó, no sítio chamado a Forquilha, onde há uma fazenda, que dista três léguas do Borges; e prosseguindo uma légua mais encontra-se o ribeirão Capivary, e junto a ele o pouso do Abrantes. Daqui marcha-se por um chapadão, e no fim de duas léguas e um quarto topa-se a grande serra dos Pirinéos, formada, por alcantilados morros, que circundam profundos, e escuros abismos, e este sítio julgam ser o mais alto da Província. No fim de um quarto de légua de trabalhosa descida chega-se ao sítio, e morador das Furnas, duas léguas e meia distante do Abrantes; e na continuação da marcha passam-se os ribeiros Sapesal, Barro Branco, e da Tapinhuacanga, além do qual segue a estrada por bom terreno; e na distância de meia légua antes da Meia Ponte, atravessa-se o ribeirão Mar e Guerra, e junto a ele principia o caminho a ser coberto, até a vizinhança daquele Arraial.

O Arraial da Meia Ponte está colocado em terreno irregular, e cercado de morros, mais ou menos apartados dele, na latitude Austral de 15o 50’; e Longitude de 47o 30’ de Greenwich, a Leste da Cidade de Goyaz 26 léguas; é grande, e bem povoado, é a exceção da Capital da Província, o lugar mais florescente, comerciante. O nome do Arraial provém do ribeirão Meia Ponte, que lhe fica perto; e que lhe foi dado por Bartholomeu Boeno na sua primeira entrada; porque chegando à sua margem, e não o podendo vadear, por levar muita água, fez construir sobre ele uma tosca ponte no sítio onde há uma grande laje, que sai até meio do ribeirão; e porque se aproveitou desta meia ponte natural, ficou-lhe este nome.

É notável que o mau gosto e nenhum desvelo, que punham os antigos na fundação dos lugares auríferos, no que bem mostraram, que só o ouro formava o seu alvo, e que tudo o mais era nada, em presença de tão precioso idolo! Por isso, é que sempre davam princípio às povoações o mais perto possível do sítio, em que mineravam, importando-lhes pouco a irregularidade do terreno, das ruas, e edifícios, ainda que próximo houvesse melhor local: assim teve começo, junto ao Rio das Almas, que ainda é pequeno, o Arraial de Meia Ponte; e até por um capricho mal entendido, edificaram a Matriz no pior sítio do largo, em que existe, com frontespício voltado para o máximo declive do mesmo largo, e os fundos que estão em uma cova, para a parte mais espaçosa; o que executaram só para que o Templo ficasse próximo à casa de que tinha concorrido com maior quantia para a sua fundação; o que desta sorte se exigiu. Toda a parte do Arraial, que está ao Setentrião da Matriz, é a pior situada, com as ruas dispostas sem ordem, nem uniformidade, em suas larguras: a outra parte, que fica ao Meio-dia da mesma Igreja, ocupa terreno mais regular, e as ruas são largas, e direitas; porém menos povoadas, à exceção da Nova. Os habitantes são abastados de carne e peixe, colhem milho, trigo, legumes, mandioca, tabaco, algodão e algum café, criam gado vacum e capados; fabricam tecidos de algodão, e mesmo alguns de lã; daqui se exporta grande cópia de gêneros para a Capital, e é este o lugar de toda a Província, onde melhor se cuida na Agricultura. As tropas dos Negociantes de Cuyabá, e Goyaz, nele se refazem do preciso para descerem às Províncias de S. Paulo, Rio de Janeiro, e Bahia. O gênero mais considerável, que se exporta, é o algodão; e deve-se confessar, que o Tenente Coronel Comandante Joaquim Alves de Oliveira é o autor do aumento deste lucroso ramo de comércio, pelos desvelos, e cuidados, que tem posto na cultura da planta, animando, e ajudando os cultivadores, e reputando bem todo o algodão daqueles, que não têm meios de o exportar por sua conta; o que até pratica com os seus próprios escravos, a quem proibe a mineração, a que é mui oposto, mostrando-lhes o lucro do seu trabalho nos dias de folga, com os prontos pagamentos; e de tal forma se tem dado este bom Gênio à Agricultura, que não só tem feito a fortuna de sua casa, que vai crescendo todos os dias, mas até a de Meia Ponte, que bastantemente decaía (confissão geral do próprio povo): o arranjo, e administração da sua grande fazenda, e engenho é admirável, como é igualmente a boa Ordem, e polícia, em que tem posto os seus escravos, fazendo-os casar, dando a cada um sua casa, que vai edificando simetricamente; o que torna o sítio do engenho uma elegante povoação: ali também se fabrica tudo quanto é preciso para o vestuário dos mesmos escravos; enfim é um Gênio criador, e benfazejo, e muitas casas do Arraial lhe devem a existência: os gêneros principais de importação vêm a ser o sal, ferro, aço, fazendas, e escravos. Não longe de Meia Ponte tiram-se lajes de diversos tamanhos com a particularidade do elastério, pois que obrigando-as a curvarem-se tornam ao seu natural sem abrirem a menor fenda.

Foi este Arraial fundado em 1731, por causa do grande descoberto do ouro, e no ano de 1737, foi escolhido pelo Exmo. Conde de Sarzedas D. Antonio Luiz de Tavora, Capitão General de S. Paulo (a cujo Governo ainda pertencia Goyaz), para Cabeça da Província, com o título de Vila, porém a sua morte obstou a resolução tomada, e o seu Sucessor o Exmo. D. Luiz Mascarenhas, mudou de propósito, criando Vila Boa, que hoje é Cidade. A Paróquia é dedicada a N. Senhora do Rosário, e tem por filiais, as Capelas do Sr. do Bom-Fim, de N. Senhora do Rosário, do Carmo, e da Lapa. Tem o Julgado de Meia Ponte, pela conta tirada em 1816, homens brancos casados 124, solteiros 462; Pardos casados 144, solteiros 734; Pretos casados 57, solteiros 248; mulheres brancas casadas, 120, solteiras 562; pardas casadas 200, solteiras 796; Pretas casadas 40, solteiras 364; Escravos 1356, e Escravas 926, cuja soma total é de 6133 almas; e a força Militar é de três Companhias de Cavalaria Miliciana, duas de Infantaria, duas de Ordenanças e uma de Henriques. De S. Paulo a este Arraial contam-se 183-1/léguas, pela estrada.

O caminho segue plano por entre morros, a Oeste, e adiante volta a Oes-noroeste, prolongando-se à direita o serro do Frota, vai depois por entre os montes denominados o Matutino, ao lado esquerdo, e um pouco mais além, o Buriti da parte oposta, todos cobertos de pedra, e mato. Na distância de três quartos de légua do Arraial, passa-se o Rio das Almas, pela sua ponte de madeira, e logo adiante estão os moradores, e o rancho do Taquaral. O rio começa na lagoa do Pai José não distante de Meia Ponte, e vai confluir no caudaloso Tocantins. Continuando a jornada, atravessa-se próximo aos moradores o ribeiro Taquaral; e a estrada, que tem sido boa, vira então ao Oes-sudoeste, depois a Oeste, e vai descrevendo rumos diferentes no Quadrante do Noroeste; algumas vezes passa por um terreno pedregoso, com subidas, e descidas mais ou menos inclinadas, e cortando bosques pequenos, e nove ribeiros desde o Taquaral até ao pouso, e morador do Arruda; alguns destes ribeiros entram no número dos ribeirões, em um dos quais se achou bastante ouro.

Do sítio do Arruda, que dista seis léguas de Meia Ponte, parte-se para o Arraial, de Jaraguay, a Oes-noroeste, e o caminho principia a descrever muitos rumos, chegando mesmo a tocar o Sudoeste, e Sul; a face do terreno é em partes irregular e pedregosa, e noutras plantas, mas passado o Rio das Almas, caminha-se por boa estrada até ao Arraial, e dele ao Arruda contam-se seis ribeiros, um ribeirão e um rio, sobre o qual há uma ponte; todos eles correndo para o Sul.

O Arraial do Corrego da Jaraguay está na Latitude Austral de 15o 53’, e Longitude 47o 51’ de Greenwich, e quatro léguas, com pouca diferença, do Arruda; em local desafogado, com um alto e dilatado monte na distância de quase uma milha para o Sudoeste; e entre ele, e o lugar é lavrado todo o terreno de que se extraiu uma boa porção de ouro. Foi descoberto em 1737 por negros faisqueiros, e o ouro deu motivo à sua fundação, dirigida sem regularidade: os habitantes colhem milho, feijão, e alguns outros legumes; criam capados, e plantam algodão, mas em quantidade diminuta. Há ali duas Capelas filiais de Meia Ponte; a de N. S. da Lapa à entrada do Arraial, que é a Matriz; e a de N. S. do Rosário, à saída do mesmo: a força Militar consta de uma Companhia de Cavalaria Miliciana, duas de Infantaria e uma de Ordenanças; a população é pequena.

Parte-se de Jaraguay a Oeste, volta-se ao Sudoeste, e vai passar, marchando por boa e descoberta estrada, mui perto do morro de que falei; logo está o ribeirão do Parí, e no fim de duas léguas, o Rio dos Patos e habitantes das suas margens; e mais além uma légua, os moradores do sítio das Areias, e ribeirão do mesmo nome; o caminho entra a ser coberto; daqui a três quartos corre o ribeirão Goiabeiras, e deste a uma légua há um morador, e o ribeirão Secury: o terreno abunda por ali em partes excelentes, e é muito bom para a cultura. Do Secury vai-se ao morador José de Oliveira; atravessa-se o ribeirão do seu nome, e caminhando mais uma légua, chega-se ao pouso e ribeiro do Retiro: assim avançando sempre no Quadrante do Sudoeste, passam-se os moradores e ribeirão das Lages, onde a estrada entra a ser descoberta; e pouco adiante se divide em duas, que vão igualmente dar a Goyaz; mas deixando a direita, por ter a ponte do rio Uruú destruída, apesar de ser a estrada geral, segue a da esquerda, que dá maior volta, e no fim de três léguas chega-se ao engenho, e fazenda do Capitão Mor daquela Cidade; e mais além uma légua está o Arraial do Curralinho, que dista doze léguas e meia de Jaraguay, e de Goyaz seis e meia.

Este Arraial é mui pequeno, consta unicamente de um largo retangular com algumas casas, que guarnecem os lados, e uma Capela de N. S. da Abadia; está colocado em terreno plano, a desafogado, e deve a sua fundação a alguns Fazendeiros.

Imediato ao Arraial corre o ribeirão do mesmo nome, e marchando-se ao Sudoeste, com pequenas alterações, por caminho em partes coberto, chega-se ao ribeirão, e pouso dos Coqueiros, duas léguas e meia distante do Curralinho; e mais adiante uma légua, passado antes o pequeno rio Uruú, está a fazenda, e engenho de S. Isidoro. Todo o terreno nas vizinhanças da estrada é agradável, e bom para produzir. Do engenho à Capital medeia a curta distância de três léguas, passa-se primeiro o ribeiro da Quinta, depois o das Areias, e próximo à Cidade o do Bacalhão, perto do qual a estrada começa a ser mui pedregosa.

Goyaz, Cidade pequena, Capital da Província do mesmo nome, está situada nos 16o 20’ da Latitude Meridional, nos 32o 40’ de Longitude do Ferro, e a Oeste do Meridiano de Greenwich 48o 30’ ao Noroeste da Corte do Rio de Janeiro 163 léguas Geográficas, a Oes-sudoeste da Bahia de Todos os Santos 213, ao Sudoeste meio Oeste de Pernambuco 323; ao Sul do Pará 305; ao Sul meio Sudoeste de S. Luiz de Maranhão 298; ao Norte meio Noroeste de S. Paulo 142; ao Norte meio Nordeste de Porto Alegre 288; ao Nor-nordeste de Monte-Vidéu 409; ao Noroeste de Vila Rica 149; a Leste meio Sueste da Cidade de Cuyabá 129; e finalmente ao mesmo, com pouca diferença, da Cidade de Matto Grosso 223; colocada em uma posição baixa, e abafadiça, cercada de morros, que se elevam junto a ela pela parte de Leste, Norte, e Oeste: o terreno do lado oposto é mais alto, porém irregular. O local, que a Cidade ocupa, concorre muito para que o calor aí seja excessivo; local, que os antigos preferiram por se conservarem junto ao ídolo, que atraía todas as suas atenções; falo do ouro, que abundantemente forneceu o Rio Vermelho, e por esta mesma causa, a parte da Cidade, que foi primeiramente edificada, é composta de becos, e travessas sem ordem; devemos porém confessar que não foi da intenção do Fundador, que ali crescesse a povoação, mas sim algum tanto mais para o Sueste na planície do rio da Prata, sítio espaçoso, e desafogado. O aurífero Rio Vermelho divide Goyaz em dois bairros, quase iguais, comunicados por três pontes, construídas de madeira, sobre o mesmo; denominadas a do Marinho, que fica mais para Oeste, à qual se segue a do Meio, e a esta a da Cambaúba. As casas são medíocres, e irregulares nos frontespícios, feitas de taipa, e mui poucas há que não sejam térreas; o mesmo Palácio do Governo é abarracado, e até não guarda simetria nas suas três faces: a Cadeia é um bom edifício; o Quartel das Companhias de Dragões é igualmente bom. As ruas, que ficam ao Noroeste, e ao Sueste do Rio Vermelho, são direitas, e de boa largura, excetuando algumas, que ficam a ele próximas. Tem várias Praças, de que as mais notáveis são a do Palácio e a do Chafariz, onde houve uma alameda, que mandou destruir o Ex. D. João Manoel de Menezes, por se dizer, que as raizes das árvores tornavam as águas más, e que dali vinha a moléstia dos papos; mas, o certo é que, esta continua da mesma forma, e o público perdeu em um momento um recreio, que precisa anos para se obter, e que era bem útil em semelhante clima.

É nesta Cidade que reside o Governo da Província; o Ex. Prelado Bispo in Partibus; o Tribunal da Junta da Fazenda Pública, e o de Justiça; tem casa de Fundição do ouro, e oito Capelas filiais da Matriz; a qual é da invocação de S. Anna, erecta em 1743; em cuja obra se despenderam muitas mil oitavas de ouro, que a ignorância do Arquiteto fez perder em menos de cinqüenta anos, com a ruína do Templo, chegando a cair-lhe todo o teto, e então serviu de Matriz a Capela do Rosário até que ele foi reedificado; atualmente se acha de novo ameaçando ruína. As Capelas filiais são, a do Rosário, edificada em 1734 por Antonio Pereira Bahia; a da Lapa de 1749, por Vicente Vaz Roxo; a de S. Francisco de Paula, por Antonio Thomaz da Costa, e outros, em 1761; a da Boa Morte em 1779, levantada pela Confraria dos Pardos sóbre os fundamentos da Capela Militar de S. Antônio, por esta não ser aprovada por S. M., a de S. Barbara, em 1780, por Christovão José Ferreira; a do Carmo, principiada por Diogo Luiz Peleja, Secretário do Governo, e cedida em 1786 à Confraria de S. Benedito; a de N. S. da Abadia em 1790, pelo Reverendo Padre Salvador dos Santos Baptista, com esmolas do povo, e finalmente a de N. S. das Barracas em 1793, Capela pública, em casa particular.

A casa da Fundição do ouro foi estabelecida em 1752, e no ano seguinte rendeu o Quinto 507:240 cruzados; no de 1807 chegou só a 35:680 cruzados; e atualmente está reduzido a mui pouco. A Junta da Fazenda Pública, de que era Presidente o Capitão General (46), foi estabelecida por Ordem de 23 de outubro de 1761. Tem esta Cidade pouco mais de setecentos Fogos, e o seu Julgado anda em onze mil almas.

Os Goyanenses são pouco industriosos não por falta de Gênio, mas dominados pela preguiça, e demasiadamente entregues aos prazeres sensuais, e bem diferentes são as causas, que os têm conduzido a tão deplorável estado, como se colherá da Descrição Histórica, tendo ao mesmo tempo as qualidades de honrados, bons e fiéis Cidadãos. Não se acha em toda a Província uma só casa, que se possa dizer de bons e sólidos fundos, a não ser a do Tenente Coronel, Comandante de Meia Ponte, Joaquim Alves de Oliveira: a Mineração está em grande decadência, e a Agricultura ainda no início, todavia a Cidade é abastada, porque de muitas léguas em roda concorrem ali os Fazendeiros com diversos víveres, por ser o único Lugar aonde os podem vender com lucro. O Ouro, e gado fazem os objetos de exportação; e além destes já se exporta algum algodão, tanto em natureza, como tecido: a importação consta de fazendas, secos, molhados, sal, aço, ferro e escravatura. O terreno é próprio para diversas plantações, produz mui bem as uvas, os marmelos, laranjas, limas, e muitas outras frutas; e se algumas só aparecem em diminuta quantidade, é porque são pouco curiosos os habitantes; colhe-se milho, trigo, arroz, mandioca, feijão, e outros legumes; a aguardente tem muita extração.

O Rio Vermelho, que divide a Cidade, como disse, passa ao Norte pela garganta, que formam dois morros; corre para Leste, e ao Nordeste da Cidade muda de rumo, dirigindo-se ao Sudoeste: tem as suas cabeceiras nos montes do Ouro Fino, e vai confluir na dita da Araguayá.


Descrição Histórica

 

Por desgraça da humanidade, foram os primeiros descobridores da América dotados de uma ambição sem limites, de uma crueldade sem freio e de uma alma até incapaz de remorsos: aventureiros infames (não falo de Colombo (47), e de outros em pequeno número) que na Europa viviam na obscuridade, e até nas prisões, sem educação, e sem fortuna; que atravessando os mares, expondo-se a perigos incalculáveis, e servindo-se da sagacidade Européia, para derramarem em todas as partes do Novo Mundo o susto, o espanto, e a morte, sacrificaram milhões de vítimas, firmando assim o padrão de sua glória na mentira, na hipocrisia, no fanatismo, e no horror de inumeráveis atrocidades; servindo-se do nome Cristão, para injúria do Cristianismo! E alcançando em prêmio de tantas iniquidades o ódio eterno de todas as Nações Indígenas; ódio, que passou, as que apenas restaram, depois a filhos, e de geração a geração. A história do feroz, e injusto Bavadilla, Velasques, Balboa, Pedrarias, Cortês, Fernando de Luques, Pissárro, Valverde, os dois Almagros e de outros muitos, mostra distintamente a realidade do Quadro, em que apenas lanço os primeiros traços; porém traços profundos, que fazem estremecer as almas bem nascidas, e que horrorizam a natureza.

Tais exemplos perniciosos foram seguidos por largos anos; e os Portugueses, por desdouro desta Nação briosa, de alguma forma os imitaram! Mas graças ao Paternal cuidado de Nossos Monarcas esclarecidos, que por suas humanas Leis puseram termo a tais barbaridades. Nada havia naquelas remotas épocas que pudesse quebrantar o desejo das descobertas, e alguns Paulistas audazes, se expuseram à fome à sede, às feras e a milhares de incômodos, entranhando-se por sertões desconhecidos, para cativarem os Índios, e para depois os venderem nas povoações vizinhas ao mar, chegando a haver em S. Paulo casa, que possuía mais de seiscentos destes miseráveis: eis os motivos, que fizeram descobrir Goyaz, e outros muitos lugares no interior do Brasil.

Consta, que Manoel Corrêa, Piratiningano, fora o primeiro que, penetrando naquela Província, chegara até ao lugar dos famigerados Aracís, e decerto não foi o ouro o principal agente, que o levou a tão remotos climas, porque, se assim fosse, não se contentaria só com dez oitavas, que tirou, com um prato de estanho, no rio dos Aracís; e de que, no seu regresso, mandou fazer uma coroa a N. S. da Penha da Vila de Sorocaba; o cativeiro dos Índios foi o único fim das primeiras entradas, e aqueles desgraçados, que se não podia agrilhoar com manha, ou à força, eram mortos. Um semelhante procedimento devia precisamente atrair o ódio das Nações Indígenas; e com efeito os Cayapós, Chavantes, Acroás, Chacriabás, e outros nos fizeram uma guerra terrível, perturbando o adiantamento de nossas descobertas, e dos estabelecimentos, que depois viemos a fazer naquela Província; flagelo que suportámos por dilatados anos. Outros Paulistas, por iguais razões às de Corrêa, vagaram pelo sertão, e entre eles se distinguiu com particularidade Bartholomeu Boeno da Silva, natural da Vila de Paranahyba, que os seus compatriotas mencionam como um herói: este homem astucioso, duro por natureza, e acostumado ao trabalho, penetrou em 1682, sem que o embaraçasse o peso de uma larga idade, até ao lugar do pacífico gentio Goyaz, seguido de um filho do mesmo nome, e de outros companheiros; e neste sítio se demorou a fazer plantações, que melhorassem as suas necessidades, pois que muito tempo havia, que só se alimentavam da caça, do mel, e frutas silvestres. Bem depressa conheceu a riqueza do lugar, onde está hoje a Cidade, vendo folhetas de ouro pendentes ao pescoço das Índias, e por outras pesquisas, ficou inteirado da grande abundância, que por ali havia deste metal precioso; mas o que o pai desprezou, tendo só cuidado em cativar os Índios, veio depois a fazer a glória do filho, que é o verdadeiro descobridor dos mais ricos lugares, que teve aquela Província. Grande foi o ódio, que os Selvagens conceberam ao primeiro Bartholomeo, e em razão, de seus enganos, e ardis o apelidaram Anhanguera, que vem a dizer Diabo Velho; foi ele o que, entre todos os antigos sertanistas, soube melhor que nenhum inventar, e pôr em prática diversos estratagemas para iludir os Índios, a fim de os cativar; e além do da aguardente, de que já falei, outro me ocorre não menos notável, e que pinta bem a sua astúcia, e a credulidade Indiana. Vendo-se em uma ocasião com grande número de Índios em frente, todos fortes, e bem feitos: e contente com a idéia da presa, mas não ousando tomá-la de viva força, receando alguma catástrofe, mudou de rumo, e travando com os Selvagens conversação amigável, e entretendo-os com várias quinquilharias penetrou mui bem quais eram os principais Cabos dentre eles: logo armando com os seus uma dança; deitando primeiro ao pescoço de cada um deles o anel das correntes, que levava preparadas, principiaram a mover-se com muita agilidade ao compasso de pandeiros, e outros instrumentos toscos, de madeira que os Índios ficaram penetrados de admiração, e pesarosos de não saberem tão encantadora folia: Anhanguera que lhes estava observando os movimentos, folgou muito conhecendo que as suas vistas se iam a cumprir; convida os Selvagens significando-lhes que fàcilmente aprenderiam a dança, de que tanto tinham gostado, e cheia de alegria aquela simples gente, aceita o convite; então Bartholomeo, como por distinção aos maiores, principia por estes, e os vai dispondo, deitando-lhes os fêrreos colares ao pescoço, bem como tinha feito aos seus, jugo que aqueles infelizes receberam como ornato preciso ao divertimento; mas bem depressa conheceram o seu engano: Anhanguera, apenas os vê encadeados, levanta a máscara, e dá a lei aos mais Índios, que ou fogem, ou facilmente se submetem, vendo-se privados de seus Chefes; e com esta vil traça, em um momento, faz perder para sempre àquela gente singela os lares pátrios, e a conduz a ser entre Cristãos, pela primeira vez, desgraçada. Eis aqui a heroicidade, e o verdadeiro fito das façanhas do velho Bartholomeo!

Correram os tempos, e diversos Paulistas descendo uns rios, e subindo outros penetraram até Cuyabá, e Matto Grosso, por onde fizeram descoberta riquíssima; o ouro principiou a conduzir-se em grande cópia para S. Paulo, e este metal, que tem feito derramar tanto sangue, e, por milhares de vezes, desvairar os homens de seus justos deveres, aparecendo com profusão na Capital, despertou em Bartholomeo filho as idéias, que na companhia de seu pai tinha adquirido quarenta anos antes, e desejoso de alcançar honra, se determinou a descobrir Goyaz, não o embaraçando para uma empresa tão árdua, o grave peso de cinqüenta e dois anos de idade: participou a tenção em que estava ao Ex. Rodrigo Cesar de Menezes, naquele tempo Governador, e Capitão General de S. Paulo, que muito o louvou, e deu logo conta a S. M., que foi Servido enviar-lhe a sua Real Aprovação. Cheio de esperanças tratou Anhanguera de ultimar os preparativos necessários à sua exploração, mas como só os seus meios não bastavam, foi-lhe indispensável unir-se a seu genro João Leite da Silva Hortiz; e no ano de 1722, logo depois da Páscoa, partiram de S. Paulo, com uma comitiva de mais de duzentas pessoas, entre as quais se contavam dois Religiosos Fr. Jorge Benedictino, e Fr. Cosme, Franciscano e alguns artífices, levou cem armas de fogo, e quarenta cavalos. Com estas forças vagou pelo sertão, sem outra guia mais, do que o golpe de vista, e a eminência de alguns montes, e até privado do auxílio das primeiras idéias, que já estavam quase de todos ofuscadas; assim depois de tempo dilatado, e de uma marcha incômoda, chegou Boeno ao Ribeirão, que chamou de Meia Ponte, pelo motivo já indicado donde seguiu em demanda da Bocaina Velha, da parte de Anicúns; sítio em que seu pai tinha feito roça, e onde se demorou praticando o mesmo: prosseguiu depois em suas diligências, explorando o terreno vizinho, que é assaz dilalado, e teve a desventura de passar perto do lugar, que demandava, sem conhecer as suas vizinhanças, desorientando-se de tal maneira, que foi ter ao rio, que chamou de Pilões, ou seja porque os seus companheiros ali fabricaram estes instrumentos para facilitarem a sua sustentação grosseira, ou por se acharem no rio algumas pedras côncavas com semelhante configuração, o que parece mais provável as quais se observam ainda hoje no rio Claro, de que há toda a desconfiança, que foi o rio a que ele chamou de Pilões.

Neste lugar principiaram as cabeças a esquentar; os incômodos que sofriam, os trabalhos já passados, e a idéia triste dos futuros; a grande distância em que estavam de S. Paulo, os combates freqüentes com o Gentio Cayapó, foram os motivos, que concorreram para se malograr a exploração, e para se desfecharem impropérios de toda a casta contra o autor de tantas fadigas: no princípio juntaram-se contentes, e a poderosa mola do interesse, os fez jurar constância em todos os perigos, e trabalhos, mas logo que eles apertaram, os espíritos estremeceram, e Bartholomeo era de tudo o culpado. Quão fácil é aos homens variarem de sentimentos, logo que as circunstâncias variam! Queria João Leite formar estabelecimento naquele lugar, em conseqüência de algum ouro, que tinham descoberto; representou Boeno que não era este o sítio procurado, e depois de algumas contestações, prevaleceu a prudência deste homem ilustre, e continuaram a marcha em direção a Oeste, para onde supunha erradamente o Explorador, que lhe ficava Goyaz. Passados muitos dias foram ter a um rio, que, pelas tristes circunstâncias, em que se viam, chamaram da Perdição, que vai entrar em outro maior, e abeirando este águas abaixo encontraram um braço semelhante ao primeiro, que chamaram das Areias, de que era coberto o seu leito; avançando mais, descobriram terceiro braço, a que deram o nome de Rio-Rico, por encontrarem nele grande cópia de ouro, rio mui notável nos Roteiros, mas hoje incógnito, apesar das diligências que, por várias vezes, se fizeram para o descobrir.

Não foi só a abundância do ouro que tornou célebre este lugar mas também a formidável discórdia, que se ateou entre os dois sócios: Boeno, cansado de tantos trabalhos, vendo a maior parte dos companheiros lassos de forças, com os ânimos abatidos, e quase sem esperanças de descobrir Goyaz; quis, com razão aproveitar-se do aurífero sítio, e parar ali, para em ocasião mais oportuna prosseguir as suas diligências; mas não foi possível que atendesse Hortiz a tão justificados motivos, e levado únicamente do seu capricho, raivando ainda por não terem parado em Pilões, como ele pretendeu, foi pertinaz em marchar avante, e estes sentimentos opostos bem depressa formaram dois partidos, que se enfureceram a ponto de correrem às armas; Boeno para sustentar a sua autoridade, e suas razões poderosas; Hortiz o seu orgulho insano, e a sua desobediência ao primeiro Chefe; desta forma o sangue estava próximo a derramar-se, e os súditos de um mesmo Soberano, tendo-se juntado como Irmãos, para um mesmo fim, estavam dispostos a acumular, sobre tantas desgraças, uma desgraça maior; a diminuir o seu já diminuto número, e a meter aos cotovelos os braços fratricidas nas entranhas uns dos outros; mas louvores ao zelo, e prudência dos dois Religiosos, e de algumas pessoas das mais sizudas, que suspenderam a fúria daqueles leões ferozes, cedendo o grande Boeno, para glória sua, à caprichosa pretensão de Hortiz, e com toda a Comitiva continuou na diligência de descobrir Goyaz, procurando os arranchamentos feitos por seu pai, e passando nas vizinhanças da Cidade sem as conhecer, atravessou toda a floresta de Matto Grosso (48), até ir dar por fim no rio Paranan, onde de todo se julgou perdido, vendo vestígios de gado, que depois se conheceu ter vindo das margens do rio S. Francisco, já então povoadas de Paulistas, que para ali tinham passado de Minas Gerais. Chegou ao sítio, em que existe hoje o Arraial de S. Felix, e onde a desesperação alterou os espíritos de maneira, que não foi bastante para os aplacar nem a autoridade, de que Boeno estava munido, nem as razões prudentes dos Sacerdotes, e das pessoas de maior peso: o veneno da discórdia contaminando os corações, fez nascer a anarquia, e os da Comitiva julgaram mais proveitoso separarem-se, descendo uns em balsas pelos rios até o Gão Pará, onde foram presos, outros tomaram rumos diversos, e o Explorador se viu nas tristes circunstâncias de não poder continuar as suas tentativas, em que tinha gasto três anos, e perdido grande parte dos companheiros, tanto por doença, como pela braveza dos Selvagens, e das feras; e vendo-se quase desamparado, com vinte dos seus escravos de menos, acometido de tantos desgostos, tomou por único recurso desistir da empresa, e seguir para S. Paulo, aonde envergonhado não ousou aparecer ao seu Ex. General, que tendo em vista por uma parte o interesse, que resultava ao Estado de tão grande descoberta, e o da sua própria glória; e por outra, a inteligência, fidelidade, e constância de Bartholomeo Boeno, chamou-o a si, afagou-o com promessas, e louvando o seu zelo incansável, infundiu-lhes nova coragem para segunda vez tentar a descoberta de tantas preciosidades.

Eis aqui como este sábio Governador fez um serviço tão relevante ao Soberano, e à Pátria; conheceu o homem, e soube aproveitá-lo, ajudando-o, e fortalecendo, com honra, o seu espírito abatido; eis aqui por que os Generais Romanos não desesperavam da Pátria, tendo perdido batalhas, e corriam gostosos a votar-lhe novos sacrifícios; assim o Ex. Rodrigo Cesar de Menezes imortalizou a sua memória, por ter sido a causa de se imortalizar a de Bartholomeo Boeno da Silva Anhanguéra.

Em 1726, com pouco mais de cinqüenta e cinco anos de idade, e com uma comitiva não inferior à primeira, deu Boeno princípio à segunda exploração, levando em sua companhia o Padre Antonio de Oliveira Gago, o Engenheiro Manoel de Barros, Manoel Pinto Guedes, e outros sujeitos, e esquecendo-se o seu nobre coração das contendas passadas, tomou novamente por sócio a seu genro João Leite da Silva Hortiz, e tendo caminhado por espaço de seis meses, e seguindo uma marcha mais bem dirigida, chegou às vizinhanças de Goyaz na distância de duas léguas, aonde o achado de uma caimba de freio, já corroída do tempo, e outros vestígios mais o convenceram, que estava em sítio trilhado por outros, que não fossem os Selvagens; daí a pouco alguns dos companheiros, que tinha mandado em busca de mel, e de caça, lhe apresentaram dois Índios já idosos, que lhe foram mostrar o lugar do primeiro arranchamento, onde está hoje o Arraial do Ferreiro, e onde Boeno se estabeleceu, e desta forma alcançou, a primeira palma de tantos trabalhos. Passando depois a examinar o terreno circunvizinho, deu com o Pouso, que seu pai tinha tomado junto ao Rio Vermelho, onde existe as casas do Reverendo Padre Lucas, e para ali fez mudar a nascente povoação, dando princípio desta forma ao Arraial de S. Anna, hoje Cidade de Goyaz: desde logo começaram a revolver o leito do rio no sítio, em que está a ponte do Meio, ou do Telles; o ouro entrou a descobrir-se em grande cópia, chegando a tirar-se meia libra em uma só baleada; e no lugar do Batatal, entre os Arraiais do Ouro Fino, e do Ferreiro, ainda apareceu em maior quantidade; de maneira, que sem muito custo cada trabalhador tirava o jornal de quatro, e cinco oitavas de ouro. Cheio de satisfação voltou Anhanguéra a S. Paulo, a dar conta de tão avultada descoberta, e para a mostra levou oito mil oitavas de ouro anunciando mais cinco córregos, em que tinha encontrado abundância dele: foi recebido do Ex. Governador com os louvores devidos a seus serviços relevantes, e conferindo-lhe o Título de Capitão Mor Regente, diversos Privilégios, entre eles o de adiministrar a Justiça, e o direito de dar sesmarias, com a promessa dos rendimentos das passagens dos rios, o enviou de novo ao lugar da sua glória.

Prosseguiu Boeno nos seus trabalhos, que eram interrompidos de contínuo pelo Gentio Goyaz, que se tinha fortificado no terreno junto à confluência do Rio Vermelho, com o dos Bugres: foi pois indispensável domar, e afastar daqueles contornos a estes bárbaros, e usando-se do estratagema de se lhes prenderem as mulheres, deles se obteve o intento desejado.

Soou por toda a parte a fama de tão ricos Descobertos, e em menos de dois anos cresceu o povo prodigiosamente, concorrendo para ali de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, S. Paulo e Cuyabá; abrindo-se para este fim, e com muitas fadigas, novas estradas. Foi por este mesmo tempo, que tiveram princípio os Arraiais da Barra, S. Cruz, Meia Ponte, Crixá, Natividade e Pontal; e por toda a parte entraram aqueles homens a revolver a terra para colherem só o único fruto de seus cuidados: a Agricultura foi inteiramente desprezada, e só os vivandeiros, que de contínuo estavam a chegar de S. Paulo, tiravam sólidos, e avultados lucros, e eram senhores de taxar os gêneros, que subiram naquela época a grandes preços; basta dizer-se, que o alqueire de farinha de milho custava dez, e onze oitavas de ouro, o deste grão seis, e sete; o primeiro porco, que apareceu, vendeu-se por oitenta, e a primeira vaca de leite por duas libras de ouro; e, apesar destes preços nem por isso deixava, em algumas ocasiões, de sentir-se a fome; porque o povo era muito; e as tropas não podiam conduzir o necessário: assim os homens sequiosos só de ouro, andavam como aturdidos, e nem ao menos um instante pensavam nos seus verdadeiros interesses, depositando fielmente uma grande parte da riqueza, que obtinham com trabalho excessivo, nas mãos de quem lhes fornecia, sem muito custo, o indispensável à vida.

Foi o povo de Goyaz formado de indivíduos, pela maior parte sem educação, e sem princípios, que ali concorriam de diferentes pontos, para tentarem fortuna, e não sendo os sentimentos do coração bons, como poderiam ser as obras! Mormente em um País, onde não havia, naquela época, força precisa para se conterem os malévolos! E ainda que Bartolomeo Bueno era dotado de juizo prudencial, de experiência, e inteireza; e estava revestido de tanta autoridade, com tudo nem ele podia ser presente em tantos lugares, nem era possível prevenir alguns casos, que horrorizam a Natureza; e entre muitos se fazem notáveis os seguintes: Uma mulher, ou para dizer melhor um monstro, teve ânimo de sufocar, e sepultar nas suas lavras de Ouro Fino as duas filhas só por ser muito gabada a sua formosura; e esta mesma fúria matou o filhinho de uma sua escrava, e o apresentou assado ao marido, por julgar que era dele: o descobridor do Pular teve a ousadia de perturbar a Ordem em uma Procissão pública, disputando com o Juiz Ordinário a procedência do lugar, e fez o insulto de tirar-lhe a cabeleira, e dar-lhe com ela no rosto: do que se seguiu ficarem as Santas Imagens abandonadas, e uma desordem formal entre os partidos dos dois, dando-se muitas cutiladas, e havendo algumas mortes! O descobridor de S. Felix, morreu com as armas na mão fazendo resistência vigorosa à Justiça: o Padre José Caetano Lobo Pereira, morador junto a Meia Ponte, tinha a insolência de fazer despejar da sua vizinhança, por uma carta, as pessoas que lhe parecia, intimando-lhes pena de morte, e o mais é que era obedecido sem réplica: o Padre Antonio de Oliveira Gago, era um frenético assassino; e assim outros muitos. Eis aqui em grande parte a qualidade dos homens que fundaram os primeiros Estabelecimentos naquela Província!

Já neste tempo estava João Leite da Silva Hortiz, condecorado com o Cargo de Guarda Mor Geral das Minas de Goyaz, e voltou a S. Paulo para requerer a confirmação das promessas que se lhe tinham feito e a seu sogro, em remuneração de seus serviços; mas achando de acordo diferente o Ex. Antonio da Silva Caldeira Pimentel, sucessor do Ex. Rodrigo Cesar, voltou logo a Goyaz sem obter coisa alguma, e resolvendo ir pessoalmente requerer aos Pés do Trono, partiu com seu cunhado Francisco Boeno da Silva, e descendo com grande trabalho pelas margens do rio de S. Francisco, chegou à Bahia, donde passou a Pernambuco, e ali faleceu ficando com ele sepultada a notícia de outros muitos Descobertos, assim como o lugar encantado das Correntes, de que há tradição constante ser riquíssimo; e foi este o fruto, que tirou o Estado do mal entendido sistema do Ex. Pimentel; sistema que teve só por verdadeiro fito ser oposto ao do seu antecessor: duas arrobas de ouro levava Hortiz; mas por sua morte, não se lhe acharam; seu cunhado chegou a Lisboa, onde faleceu igualmente sem ultimar as suas pretensões.

Entretanto continuava o Capitão Mor Regente a exercer a sua jurisdição, que pouco a pouco se lhe foi quartando, e este homem ilustre que tão relevantes serviços fez ao Estado, tanto por suas descobertas, como por seu governo, e despesas com a Fazenda Pública; e que possuiu tão ricas lavras, morreu pobre em Goyaz, aos dezenove de Setembro de 1749, com setenta anos de idade. Obteve contudo a graça das passagens, de que não gozou, e por seu Testamento, fez renúncia dela em seu filho do mesmo nome, que, não podendo alcançar o seu encarte do Ex. D. Marcos de Noronha, passou a Lisboa, e sabendo merecer a piedade de S. M. a Rainha D. Marianna d’Austria, obteve vinte mil cruzados de ajuda de custo, e por três vidas os rendimentos das passagens dos Rios Grande, das Velhas Corumbá, Jaguarímirim, e Atybaia; reservando-se as outras passagens para os descendentes de Hortiz, que já não existem; mas por falecimento do filho do Descobridor, tornaram estas rendas para a Coroa, até que seu filho Bartholomeo Boeno de Campos Leme e Gusmão conseguiu o seu encarte, e por sua morte, entraram os rendimentos das ditas passagens a ser arrematados por conta da Fazenda Pública; porém o filho deste último Bartholomeo Boeno da Camara Leme e Gusmão, dirigindo-se à Corte do Rio de Janeiro, alcançou finalmente o seu encarte, o posto de Coronel de Milicias, e levantou, dos atrasados, dois contos, e quinhentos mil réis.

Foi a Província de Goyaz, no seu princípio, sujeita à de S. Paulo, até que por Alvará de 8 de Novembro de 1744 ficou formando um Governo separado, marcando-lhe os limites o Ex. Gomes Freire de Andrade, naquele tempo Governador Geral das Províncias, desde a do Rio de Janeiro para o Sul. O primeiro, e privativo Capitão General de Goyaz foi o Ex. D. Marcos de Noronha, contando-se ao todo cinco Governadores de S. Paulo, com Mando em Goyaz, e dez próprios, entrando neste número o Ex. Fernando Delgado Freire de Castilho; e dois Governos de Sucessão, o primeiro por morte do Ex. João Manoel de Mello, que faleceu a 13 de abril de 1770, e jaz na Capela Mor da Matriz; o segundo tomou posse em 7 de maio de 1778, por se retirar com licença da Corte o Ex. José de Almeida Vasconsellos de Sobral de Carvalho. A Igreja tem sido governada por sete Bispos, entrando o atual, e deste número os primeiros quatro foram os do Rio de Janeiro, a cuja Diocese estava então sujeito o Governo Eclesiástico de Goyaz; teve mais um Vigário Capitular: dezessete Ouvidores, doze Intendentes, Provedores da Fazenda Pública e dos Juizes de Fora.

É esta Província uma daquelas, que mais abundantemente têm fornecido o ouro; os primeiros descobridores, ávidos deste metal precioso, correram grande parte do País, onde encontraram Descobertos riquíssimos, e não olhando para o futuro, prenderam-se a eles, e ali fundaram as suas fábricas, e julgando talvez que as fontes auríferas eram inesgotáveis, desprezaram totalmente a Agricultura, vindo com a mesma facilidade, com que extraiam o ouro, a passá-lo a outras mãos, em troca dos gêneros de que precisavam: e como a maior parte daqueles homens eram dominados pela ignorância, de educação baixa, e que anteriormente viviam sem fortuna, tornaram-se ativos, e orgulhoso, vendo-se rapidamente na posse de uma riqueza, a que nunca tinham aspirado; e bem semelhantes ao jogador afortunado, que despende com profusão, o que venceu sem trabalho, entregaram-se ao luxo, criando assim milhares de necessidades; e os costumes ficaram cada vez mais corrompidos: o ouro corria dos cofres com a mesma presteza, com que entrava, o que ele se obtinha era de curta duração, e a terra cansando de apresentá-lo, fez decair grande parte das casas, e seus possuidores acabaram pobríssimos! E bem poucos foram os Mineiros, que escaparam ao incêndio voraz da miséria; mas nem por isso o exemplo dos pais serviu para os filhos, que sendo criados ao colo das escravas, em uma vida mole, inteiramente entregues a um luxo desregrado, e tendo sempre em primeiras vistas satisfazer a seus prazeres, bem depressa levaram uma decadência total as suas heranças; e ainda que alguns se vieram a lembrar de trabalharem na Agricultura ao mesmo tempo, que na Mineração, já foi muito tarde; as forças estavam fracas, e não podiam ser divididas; a escravatura entrou a padecer cada vez mais pela falta do sustento precioso, de que os Senhores, com máxima errada, se desviavam por lhes consumir uma grande parte, dos já diminutos jornais, pois tudo lhes fazia falta para a manutenção do seu fasto aparente; e acrescendo mais a falsa política, com que proibiam os casamentos dos escravos; e desta forma uma boa parte destes infelizes pereceu com o peso do trabalho, e da miséria assim acabaram todas as grandes casas, que firmavam o seu forte na Mineração; e o luxo na Capital, a ociosidade, e a falta de meios para se exportarem alguns gêneros de Agricultura, têm finalmente aproximado Goyaz à sua ruína final. Eis aqui o fruto que tem tirado todos aqueles povos, que só dedicaram as suas forças a socavarem a terra, para colherem o ouro; pois é bem claro, que se devemos contemplar pobre o Estado, que exporta menor quantidade de gêneros de sua indústria, do que importa; que julgaremos daquele país, que só se limita a exportar ouro, e de tudo o mais carece! A experiência responde com precisão, e verdade.

Distância de Pouso a Pouso, desde a cidade de S. Paulo até à de Goyaz

Da Cidade de S. Paulo a João Pinto Guedes.................3
De João Pinto ao rio Jaquiri.................2
De Jaquirí à Vila de Jundiahy.................5
De Jundiahy ao rio Capivary.................4
De Capivary a S. Carlos de Campinas.................4
De Campinas ao rio Atybaia.................3 1/2
Do Atyhaia ao rio Jaguary.................1
Do Jaguary ao Pirapitinguí.................2 1/2
De Pirapitingui ao rio Mugi-Mirim.................3
De Mugi-Mirim ao rio Mugi-Guaçú.................1
De Mugi-Guaçú a Oriçanga.................2 3/4
Da Oriçanga a Taquarantan.................3 1/4
De Taquarantan à Itapéba.................1 1/2
De Itapéba ao rio Jaguary-Mirim.................1 1/4
Do rio Jaguary-Mirim aos Olhos d’Água.................2
Dos Olhos d’Água à Freguesia da Casa Branca.................2 1/2
Da Casa Branca à Fazenda do Rezende, ou Paciencia.................3
Do Rezende ao Rio Pardo.................4 1/4
De Rio Pardo ao Cubatão.................3 1/4
De Cubatão às Lages.................3
Das Lages ao Cervo.................3 1/2
Do Cervo aos Batataes.................2
Dos Batataes à Paciencia.................2
Da Paciencia ao Rio Sapucahy.................1 1/2
Do Sapucahy a S. Barbara.................2 3/4
De S. Barbara ao Arraial da Franca.................3 3/4
Da Franca ao Machado.................2 1/2
Do Machado à Ressaca.................4 1/2
Da Ressaca ao Pouso Alto.................3 1/2
Do Pouso Alto ao Rio das Pedras.................4
Do Rio das Pedras ao Rio Grande.................4

Soma total das Léguas de S. Paulo ao Rio Grande.................89 3/4

Distâncias de Pouso a Pouso, do Rio Grande ao Rio Paranahyba

Do Rio Grande ao Registro da Posse.................3
Da Posse ao Arraial da Farinha Podre.................3 1/2
Da Farinha Pobre ao Lanhozo.................3
Do Lanhozo ao Tijuco.................3
Do Tijuco à Uberava-Verdadeira.................4 1/2
Da Uberava ao Rio das Velhas.................3 3/4
Do Rio das Velhas à Aldeia de S. Anna.................1
Da Aldeia de S. Anna ao Engenho das Furnas.................2
Das Furnas à Boa-Vista.................1 1/4
Da Boa-Vista ao Pissarão.................2 1/2
Do Pissarão à Estiva.................2
Da Estiva ao Ribeirão das Pedras.................2 1/2
Das Pedras a S. Domingos.................1
De S. Domingos ao Rio Paranahyba.................1 1/2

Soma total das Léguas desde o Rio Grande.................34 1/2
Soma total das Léguas de S. Paulo ao Paranahyba.................124 1/4

Distâncias de Pouso a Pouso, do Paranahyba à Cidade de Goyaz

Do Paranahyba aos Olhos d’Água.................2
Dos Olhos d’Água aos Casados.................1/2
Dos Casados ao Catalão.................4
Do Catalão ao Pé do Morro.................2 1/2
Do Pé do Morro ao Campo dos Buritís.................1
Dos Buritís ao Campo Limpo.................2
Do Campo Limpo ao Verissimo.................2
Do Verissimo ao Campo do Silva.................2 1/4
Do Campo do Silva ao Braço do Verissimo.................1 1/2
Do Braço do Verissimo ao Brito.................3 1/2
Do Brito ao Palmital.................2 1/2
Do Palmital ao Pedro da Rocha.................1 1/2
De Pedro da Rocha ao Rio Corumbá.................1 1/2
Do Corumbá ao Brejo.................2
Do Brejo ao Campo Alegre.................1 1/2
Do Campo Alegre ao Engenho de Miguel Ribeiro.................2 1/2
De Miguel Ribeiro a Manoel Dias.................3 1/2
De Manoel Dias ao Bazilio.................4 1/2
Do Bazilio ao Arraial do Bom Fim.................3
Do Bom Fim ao Engenho de S. Domingos.................1 1/2
De S. Domingos ao Engenho de Piracanjuba.................2 1/2
De Piracanjuba ao Tenente Borges.................3 1/2
Do Borges à Forquilha.................3 4
Da Forquilha ao Abrantes.................1
Do Abrantes às Furnas.................2 1/2
1)as Furnas ao Arraial de Meia Ponte.................1
De Meia Ponte aos moradores do Taquaral.................0 3/4
Do Taquaral ao Arruda.................5 1/4
Do Arruda a Jaraguay.................2
Do Jaraguay ao Rio dos Patos.................2
Do Rio dos Patos ao Secury.................2 3/4
Do Secury às Lages.................3 3/4
Das Lages ao Curralinho.................4
Do Curralinho aos Coqueiros.................2 1/2
Dos Coqueiros a S. Izidoro.................1
De S. Izidoro à Cidade de Goyaz.................3

Soma das Léguas do Paranahyba a Goyaz.................87 3/4
Soma total das Léguas de S. Paulo a Goyaz.................212


NOMES DOS RIOS EM QUE SE PAGA A CONTRIBUIÇÃO DAS PASSAGENS, DESDE A CIDADE DE S. PAULO ATÉ À DE GOYAZ

ATYBAIA – JAGUARI-GUAÇÚ – MUGI-GUAÇÚ – JAGUARI-MIRIM – RIO PARDO – RIO GRANDE, ou PARANÃ – RIO DAS VELHAS – PARANAHYBA – CORUMBÁ.


 

A estrada a partir de Goyaz, que é péssima pela natureza do terreno, e que a Arte não tem melhorado, o que não pode deixar de notar-se, por ser nas vizinhanças da Capital, segue em rumo geral ao Sudoeste, e a Oes-sudoeste. A serra Dourada prolonga-se à esquerda do caminho, a duas léguas de distância, o qual algumas corre paralelo, e outras se inclina a ela. Perto da Cidade, passa-se o pequeno rio da Bagagem, e na distância de uma légua, o Ribeirão Agapyto, e além deste, outra légua corre o Ribeirão Caxambú, meia légua antes de chegar-se ao sítio da Estrela. Neste sítio houve uma boa fazenda, e hoje está quase abandonado; as casas, que ameaçam ruína, ainda mostram a grandeza do seu primeiro possuidor. Junto a este lugar corre o Ribeirão Forte, que, em outro tempo, teve uma boa ponte de madeira, e é lástima, que estando ainda as vigas mestras, que a sustinham em muito bom estado de serviço, se tenha desprezado a fácil reparação dela, tão interessante ao público! Pais que o Ribeirão quando vai cheio não dá vau, e é perigoso por causa da sua corrente arrebatada.

Da Estrela segue-se para a Barreada, que fica a duas léguas distante, com pouca diferença, e em cujo sítio há algumas cabanas, e uma fazenda. O caminho cada vez se vai aproximando mais à serra Dourada, que se estende em direção geral de Leste para Oeste: o terreno continua a ser irregular, e a estrada não merece tal nome.

Da Barreada vai o caminho descrevendo diversos rumos no Quadrante do Sudoeste, e é péssimo, não só pela escabrosidade do terreno, composto de colinas, montes, e vales cobertos de escuras matas, como também pelo desleixo das pessoas, a quem compete cuidar dele. No fim de três léguas e meia de enfadonha marcha, tendo-se atravessado cinco Ribeiros, e alguns córregos de pouca monta, chega-se ao pouso desabitado do Burity Redondo. Deste sítio para o Sudoeste descobre-se uma bocaina, que faz a serra Dourada, por onde vai passar a estrada, junto a um alto, e escalvado morro, que lhe fica à direita. Daqui para diante são raros os moradores, por conseqüência desertos os pousos.

Do Burity continua o caminho cada vez pior, fazendo repetidas voltas, e em partes é tão estreito, por entre as matas, que só a muito custo podem passar as bestas carregadas: o rumo geral é Sudoeste e em partes segue-se dele um pouco para o Sul. Com a marcha de duas léguas encontra-se o pouso do Taquaral, atravessando-se antes um Ribeirão de trânsito difícil, quando vai cheio, e o pequeno rio dos Índios Grandes; e além do pouso, passa-se o Ribeirão Taquaral Grande, e vai entrar-se em uma comprida e escura floresta: depois está, em campo aberto, o pouso do Guarda-Mor, quase quatro léguas e meia distante do Burity, tendo-se atravessado ao todo para chegar-se a ele, três pequenos rios, e oito Ribeiros, a contar com o que está junto, e aquém do mesmo pouso.

Deste lugar caminha-se ainda ao Sudoeste, vai passar-se o Ribeirão d’Anna Barboza, e a estrada é assaz áspera, dirigindo-se por grandes morros que fazem parte da serra: íngremes subidas, e descidas a cada passo se encontram, e assim, com muito custo, e com a marcha de quase três léguas, chega-se ao pouso da Bocaina, tendo-se encontrado cinco Ribeiros.

Este pouso fica em um alto da serra, junto, e aquém de um Ribeirão de boas águas, cujo leito é formado de rocha, com algumas pedras grossas e soltas: ali há também um olho d’água, assaz cristalina, e saborosa, que se despenha de um alto, e alcantilado morro, que fica à direita, ou ao Norte da Bocaina; e é o mesmo, que notei visto do Burity Redondo; ao Sul da mesma Bocaina está outro morro quase igual ao primeiro, e por entre eles corre o Ribeirão, dirigindo-se de Leste para Oeste. Desta eminência se avistam matas extensas, altos montes, vales escuros, e grande parte dos morros, que formam a serra.

Pouco adiante do pouso passa-se o Ribeirão do mesmo nome, que dá péssimo vau, por causa das cristas dos bancos de pedra, de que é formado o leito, com a direção para a corrente: desta forma, com muito trabalho vai-se atravessando a terra, e descrevendo os rumos desde Oes-sudoeste ao Sul, até chegar-se a um terreno alto, e alegre, coberto de bons pastos, e que oferece aos olhos, já cansados de só verem precipícios, e matas escuras, uma perspectiva dilatada, ornada de viçosos taboleiros, bosques, e serranias ao longe, e para o Sul, a grande distância, elevam-se alguns morros, que representam bem castelos antigos, e arruinados: o caminho é por aqui bom, e descoberto, e poucos são os campões, que atravessa. Continuando-se a jornada, chega-se ao pouso das Mamoneiras, sito em lugar sombrio, uma légua, e três quartos da Bocaina: junto a ele corre um Ribeiro, além do qual vira o caminho a Oeste, seguindo ao longo de uma comprida mata, que lhe fica à direita, e conservando-se sempre a este rumo, por bom terreno, chega-se, no fim de duas léguas, a contar das Mamoneiras, ao pouso da Boa Vista, que está em terreno alegre, cercado, a alguma distância, por pequenas colinas cobertas de viçosos pastos, e só para o Sul, e ao longe, é que se avistam montes mais elevados. Para chegar-se a este sítio é preciso atravessar sete Ribeiros, desde a Bocaina, entrando alguns deles no número dos Ribeirões.

Da Boa Vista continua-se a Oeste, pela encosta de uma colina; depois tendo-se descido em ladeira íngreme, entra-se em uma floresta extensa, e fechada, tocando-se o rumo de Oes-noroeste; o caminho começa então a descrever diversas curvas, com subidas, e descidas, até entrar-se em campo, onde o terreno é mais regular, e coberto de belos pastos: a estrada segue direita ao Sudoeste, para o rio de Pilões, onde se chega tendo-se marchado uma légua, e três quartos, e passado cinco Ribeiros.

Nas margens do Rio, nesta paragem, há alguns moradores; as casas são cobertas de palha, e construídas de pau a pique, colocadas avulsamente. Este rio não é muito largo, sua corrente é média, dá vau no tempo seco, as suas margens são cobertas de arvoredo; tem a origem na serra Dourada, e vai desaguar no rio Claro, duas léguas, com pouca diferença, abaixo deste lugar. Daqui segue-se a Oeste, o terreno é regular, com ricos pastos, a estrada é direita, e muito boa, e só a algumas distâncias dela é que aparecem pequenas elevações. Próximo ao Arraial do rio Claro vira-se a Oes-sudoeste, e chega-se a ela com pouco mais de uma légua de marcha, e tendo-se passado dois Ribeiros.

 

[imagem]

MATA VIRGEM — (Rugendas)
COLEÇÃO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

 

Este Arraial consta de poucas e pequenas casas, situadas a capricho, em lugar plano, e aprazível, junto à margcm direita do rio: os diamantes tirados do mesmo, e o ouro deram princípio à povoação, onde há um Registo, e um Oficial Comandante. Os trabalhadores cuidam em minerar, o que só podem fazer no tempo de seca, e já com pouca vantagem: nos outros meses, entregam-se à ociosidade, desprezando inteiramente o terreno daqueles contornos, ótimo para a Agricultura; de maneira que dão todo o interesse das suas fadigas insanas, aos que da Cidade lhes conduzem, com pouco incômodo, o preciso para o sustento da vida. As margens do rio Claro são um pouco altas, e cobertas de arvoredo; o leito é quase todo formado de cascalho, e em partes de rocha, e areia: corre nesta paragem ao Nor-nordeste, tem as cabeceiras na serra de S. Martha, e as suas águas seguem em rumo geral ao Norte, depois voltam ao Noroeste, e vão engrossar o grande Araguay.

A estrada segue dali ao Norte, por bom terreno, que só ao longe, tanto da direita, como da esquerda, é montanhoso; depois volta-se ao Noroeste, e chega-se a tocar Oeste: marchando-se sempre no Quadrante do Noroeste, mais para o Norte do que para Oeste: Atravessam-se cinco matas (a terceira, que é a mais dilatada denominam a do Guarda-Mor) e sete Ribeiros, e Ribeirões, até chegar-se ao pouso, que chamei Elíptico, da sua figura, formada pelo arvoredo, que a fecha, e tem o eixo maior na direção da estrada de Leste para Oeste. Próximo a este pouso, que dísta três léguas, e quarto do rio Claro, corre um pequeno rio de cristalinas e saborosas águas.

Continua-se a jornada a Oeste, o terreno é regular, e o caminho é bom, e descoberto; volta depois ao Norte, e ao Nor-noreste; mas, por maior espaço, segue ao Noroeste, até que vai declinando para Oeste, e a este rumo chega-se ao pouso, que chamei das Cabeças Negras, porque junto a ele sobressaem à superfície da terra pedras ovais, e negras de seis, a oito palmos de alto: daqui ao pouso antecedente contam-se cinco léguas, e nesta distância corta a estrada nove Ribeiros, e Ribeirões, dirigidos todos em rumo geral ao Norte, exceto o que está junto ao pouso, que vai correndo a Leste, porém tão devagar, que parece água estagnada: atravessam-se igualmente duas florestas, e alguns pequenos campões. Este pouso oferece um agradável ponto de vista; grandes serranias se descobrem, desde o Sul até Leste, pelo Norte; da parte direita avista-se a serra Dourada, para Leste outra, que tem o seu cume um morro elevado, que representa propriamente uma Fortificação antiga, e mais ao longe terceira, que parece mar, tanto pela cor, como pela forma ondeada. Deve-se notar que todo este terreno, principalmente o que fica próximo à Cidade é coberto de um aluvião de moscas, mosquitos, e carrapatos de qualidades diversas, que muito atenuam aos viajantes. Todos estes pousos, e os que se seguem são desertos.

Das Cabeças Negras segue a estrada a Oeste, e vai depois voltando aos diferentes rumos para Sul até o tocar; vira então ao Sudoeste, por espaço dilatado, e de repente ao Nordeste, mas por breve tempo; passa daqui ao Noroeste até chegar-se ao pouso, tendo-se caminhado sete léguas, e encontrado sete ribeirões, dois ribeiros, e diversas florestas.

O caminho é aberto em bom terreno; os campos, que vai cortando, uns são de belos pastos, outros cheios de arbustos densos, e altos, e cercados de matérias mais ou menos distantes. Antes de chegar-se ao pouso, atravessa-se uma charneca dilatada, por terreno areento, que torna a marcha assaz enfadonha: na distância que medeia de um a outro pouso; há algumas ladeiras, e espaços curtos cobertos de pedra; passa-se por um morro alcantilado, que é preciso subir-se em ziguezague, e mais além deixa-se outro à esquerda, que por ser de forma mui semelhante ao lombo de um Camelo, chamei-o Monte Camelo, e ao pouso Sombrio; por estar à bordo de uma mata de arvoredo alto, e fechado, que o circunda de Leste a Oeste, pelo Norte, e como o Sol faz o seu giro por este lado (acomodando-me à linguagem vulgar) sempre ali há mais, ou menos sombra: o terreno é inclinado para o Ribeiro, que fica à entrada da mata.

Deste pouso segue-se jornada ao Noroeste, atravessando a mata, e é este o rumo geral, com pequenas alterações, a que se caminha até o pouso seguinte, distante do Sombrio quatro léguas e meia: a estrada é boa, e, no fim de uma légua de marcha, está um agradável pouso, e um Ribeiro de belas águas; além do qual atravessa-se uma comprida floresta, e vão-se encontrando algumas pequenas ladeiras, até chegar-se ao grande morro da Rapadura, bastantemente alto, e de subida incômoda, e coberto de grandes bancos de pedra arenosa: em cima observam-se largos penedos da mesma pedra caidos uns sobre os outros, que bem mostram terem desabado do seu lugar primitivo, e que o morro foi muito mais alto: outros se apresentam corroídos do tempo, em diferentes, e esquisitas figuras, e também compridos bancos verticalmente cortados, no que parece influiu a Arte, assim como fundas bacias abertas na mesma pedra. Este morro é extenso, e a sua descida é mais suave, que a subida, e no fim dela está o pouso do Rapadura, junto a um Ribeiro, que se passa duas vezes. Neste pouso foi assassinado, por negros, um negociante por alcunha o Rapadura e daí vem o nome do morro, do pouso, e do Ribeiro. Do alto desta montanha alonga-se a vista muitas léguas em roda, descobrindo-se grandes serranias ao longe, e para o Sul fica uma bem semelhante à serra de Arrabida, em Portugal, com o Cabo do Espichel.

Do Rapadura caminha-se por um areião enfadonho, até chegar-se ao pouso Luiziano, tendo-se ao todo atravessado cinco Ribeiros, e cinco matas, e marchado seis léguas e meia, como notei. Permita-se-me dizer, que dei a este pouso o meu nome, não só por ter-me encantado a sua bela, e agradável situação; mas também, porque na margem do lindo Ribeiro, que corre junto a ele, há um lugar, que desafiou meu pensamento a discorrer sobre diferentes, e úteis objetos: o pouso é coberto por algumas formosas, e copadas árvores, e fica no fim do grande areião.

Deste lugar segue plano o caminho ao Noroeste, ora a um, ora a outro lado do mesmo rumo; o terreno é regular, e coberto de arvoredo ralo; e depois de ter-se andado espaço dilatado, chega-se a uns pantanais, onde é preciso fazer grandes voltas, correndo todos os rumos de Norte ao Sul, pelo Oeste, a fim de fugir-se dos atoleiros: é grande a extensão destes campos alagadiços, que formam duas lagoas à vista da estrada; uma à esquerda freqüentada por muitos patos reais; e mais adiante outra à direita, por cervos monstruosos. Todo este sítio é infestado por uma multidão de mutucas, que insuportavelmnente perseguem os viajantes. Além dos pântanos encontra-se um cristalino Ribeiro, tanto mais para estimar, quanto é grande a falta de boas águas, e por ser o único em toda a estrada desde o pouso Luiziano, até ao rio das Almas, a que se chega com quatro léguas, e meia de marcha. Este rio é pequeno, e dirige-se em rumo geral ao Norte, a confluir no Araguay, as suas margens são cobertas de arvoredo alto, e é mui agradável à vista, que o oferece no lugar do porto; onde há duas Ilhotas separadas da terra firme, por estreitos canais, e entre elas corre o maior peso de águas.

Continua-se a jornada por bom, e plano caminho, seguindo o rumo de Oeste, com pequenas alterações; e deixada a mata da margem do rio, que é curta, entra-se em terreno descoberto, e só ornado de algumas árvores espaçosamente dispostas; marcha-se depois por um extenso campo, que mostra ser coberto de águas, na estação própria, e com muitas carreiras de árvores à direita, alinhadas de maneira, que parecem plantadas; o que provém de estarem por natureza colocadas de terreno superior ao que fica entre elas, que é por muito tempo alagado. No fim de uma légua de marcha; está o ribeirão da Ponte Alta, d’águas excelentes, e continuando por um areal entra-se finalmente na floresta do dilatado Araguay, até chegar-se ao seu alegre porto.

O Rio Grande, ou Araguaya tem as suas fontes na serra Seiada, ao Sul da Província de Goyaz, no País dos Cayapós: os braços principais, que lhe dão origem, são, a contar do Oriente para o Ocidente, o rio Cayapó, o Bonito, o Pitombas, o Taquaral, e o Barreiros, com as multiplicadas ramificações dos ribeiros, que neles vão confluir. Este majestoso Rio vai unir-se ao Tocantins, na Latitude Austral de 5o 40’; dividindo-se antes em dois braços, que formam a Ilha de St. Anna, ou Bananal, com perto de três graus e meio de comprido.

No lugar, em que o toca a estrada do Cuyabá, já ele se mostra o mais largo de quantos se tem atravessado; e até ali tem perto de sessenta léguas de curso: divide a Província de Goyáz da de Matto Grosso, do Sul ao Norte; e desde a povoação do Bayão, perto de trinta léguas acima da sua foz no Amazonas, é coberto de muitas, e diversas Ilhas, até que neste vai entrar pela sua boca Meridional, e com cinco, para seis léguas de largo, na Latitude de 1o 40’, Sul, e vinte léguas a Oeste da Piedade do Pará, formando as duas grandes Bahias, a de Marapaté a Leste, e a do Limoeiro, a Oeste. O seu porto da parte do Cuyabá, é mais desafogado, que o da parte de Goyaz: os olhos estendem-se por este Rio em largo espaço, tanto para cima, como para baixo do porto: as margens são pouco altas, e o arvoredo é curto; abunda em peixe, e as águas são boas.

Da parte do Cuyabá, é muito bom o local para assento de uma povoação, que seria assaz interessante para esta Província, e os seus habitantes poderiam em poucos anos ficar abastados, uma vez que se dedicassem à Agricultura: o Rio é o que dá melhor, mais curta, e limpa navegação de quantos comunicam esta Província com a Cidade do Pará; é navegável para Embarcações de maior porte do que as canoas de guerra: sem grandes voltas, e com quatorze para quinze graus de curso, desde o sítio, em que o toca a estrada do Cuyabá. A povoação neste lugar sadio protegeria as tropas, que descem do Cuyabá para a Bahia, Rio de Janeiro, e S. Paulo, cansadas de atravessarem um sertão de tantas léguas, onde não há moradores, e as que subissem para Cuyabá achariam igualmente os auxílios precisos; à sombra desta povoação, não haveria dúvida de que alguns indivíduos se quisessem estabelecer junto à estrada, na certeza do socorro vizinho, e de que o produto do seu trabalho, ali seria aceito; aproveitar-se-iam, para as plantações, os grandes torrões da Insua (49), Lajes, Barreiros, e outros muitos; prosperariam com eficácia as minas dos Araés, que não ficam a mais de quarenta léguas de distância, abandonadas em outro tempo, não por falta de ouro, mas sim por estarem em um sertão infestado pelo Gentio, aonde pequenas, e isoladas forças não podiam subsistir. O algodão, e outros gêneros facilmente se poderiam exportar para o Pará, e pelos que se houvessem em troca, não teriam precisão muitos negociantes do Cuyabá de descer a S. Paulo, Rio de Janeiro, e Bahia, principalmente aqueles, que em lugar de ouro, conduzissem para o Rio Grande gêneros exportáveis de Agricultura: de mais sendo freqüentada esta navegação, domesticar-se-iam as Nações Selvagens, que povoam as margens deste rio, e o ferro das minas do Cuyabá teria por elas grande extração obtendo-se por este meio os diversos, e excelentes efeitos, que fazem a riqueza privativa do Pará, e de que tanto abundam aquelas paragens; e é mui provável, que então novos tesouros se viessem a descobrir em alguns dos braços Ocidentais do Araguaya, bem como se encontraram nos Orientais; e, em geral concluo, que todos os desvelos e cuidados se devem empregar para o aumento da população da Província de Mato Grosso, espalhando-a a propósito pelas margens dos grandes rios, que dos portos de mar comunicam até o interior da América Meridional: mas para esta população prosperar deve firmar o seu forte interesse na Agricultura, e Comércio, e este será seguro melhorando-se, e freqüentando-se os grandes canais, que a Natureza apresenta, e a Mineração, que neste caso prosperaria melhor, tomaria o terceiro lugar no interesse Público, por ser bem notória a experiência de que o mineiro, apesar de possur grandes, e ricas lavras, e que só a elas dedica os seus cuidados, como geralmente acontece, se não acaba pobre, como Bartholomeo Boeno, e outros muitos, jamais a sua casa tem passado opulento a segundo, e muito menos a terceiro possuidor; a razão é clara, e não cansarei de repetir esta verdade. Assim sucede a uma Província, que só exporta o ouro, e em que a Agricultura é fraca; a população não avulta, o ouro é conduzido do seu seio para trocar-se por efeitos, que em breve tempo desaparecem; os descobertos não se acham com freqüência; enfim ela vem de certo a cair no estado de pobreza, e a maior parte de seus habitantes fica reduzida à miséria: é disto exemplo claro, o que sucede a esta Província, donde se tem extraído milhares de arrobas de ouro: porém que tem lucrado! Está reduzida ao mais deplorável abatimento; e ainda que ela quisesse melhorar as suas circunstâncias, por meio dos gêneros de Agricultura exportáveis, não o pode fazer, por falta de forças; por não ter ponto de apoio nos lugares próprios, que facilitem a exportação, e porque sem auxílios eficazes nunca os poderá obter. Eis aqui o estado verdadeiro do ante-mural do Brasil; desta dilatada Província, onde tem origem as principais vertentes dos muitos, e grandes rios, que vão ao Norte, e ao Sul comunicar aos Portos de mar, e a outras Províncias, e que bem poucos apenas fracamente são aproveitados; Província cercada por toda a parte do Ocidente, o Sul, por povos, que, sendo originários de uma Nação, as circunstâncias os têm conduzido a ponto de adotarem princípios, que os conduzirão bem depressa a formar diversos Estados, que não poderão deixar de atrair mui seriamente a nossa atenção; note-se com madureza a posição geográfica desta Província; encarem-se as relações políticas de nossos vizinhos, às do Reino de Espanha, e de alguns outros da Europa; investigue-se o plano ambicioso dessa Nação formidável, que manda sobre o Báltico, o Glacial, o Pacífico, o Cáspio, e o Negro; mas que não se contenta com estes limites, que marcha com passos firmes ao zenith do seu esplendor, e que fará tremer as mais Nações, e o Mundo inteiro: com estes dados facilmente se formará a equação que deve resolver o problema.

Nas margens do Rio Grande, da parte do Cuyabá, está um Registo, com um pequeno Destacamento, que pertence a esta Cidade e alguns moradores pobres: passa-se o rio em uma barca, e paga-se o tributo competente à Fazenda Pública de Goyaz (50). Daqui a Goyaz são 50 3/4 de léguas.

À saida do Registo do Araguaya, corre um Ribeirão com o leito muito inclinado, e todo de rocha; a estrada vai passar depois por terreno baixo, e alagado na estação própria, e mais além continua plana, e boa; no fim de uma légua está o pouso e Ribeirão da Estiva, e dali em diante, em algumas paragens, a um, e outro lado do caminho, é o terreno baixo, e alagado até entrar-se em um serradão (assim chamam aos campos cobertos de arvoredo curto, e denso) de terreno areento; e além dele, tendo-se deixado uma lagoa, à esquerda, chega-se ao pouso da ponte Alta, quatro léguas distante do Registo: o rumo geral da estrada é Oeste, mas por alguns espaços, corre-se a Oes-sudoeste, e perto do pouso, a Oes-noroeste. É bem impróprio o nome, que deram a este pouso; porque a ponte sobre o Ribeiro a ele junto, é muito baixa, e mui pequena, construída ligeiramente pelos Tropeiros.

Continua-se jornada a Oeste, por caminho bom, e terreno regular; e deixando, à esquerda uma lagoa, segue-se então a Oes-sudoeste; passa-se o Ribeiro e pouso de José Dias, e, além dele, principia-se a avistar, pela frente, um terreno montanhoso, e à direita, e esquerda alguns pantanais; vira-se a Oes-noroeste, depois a Oeste, e vai-se passar entre montes, por uma baixa plana, que é alagada no tempo chuvoso; descobre-se depois, ao longe uma serrania dilatada, e tendo-se atravessado um Ribeirão, chega-se ao lugar da Insua, três léguas distante da Ponte Alta, e onde houve um Registo, e alguns moradores, e atualmente está deserto (51): tira o nome do Ex. Luiz d’Albuquerque, seu Fundador, que era da casa da Insua, na Província do Minho, Reino de Portugal.

Parte-se daqui a Oeste; junto ao sítio corre o Ribeirão do mesmo nome, e mais adiante entra o caminho a descrever rumos diversos tanto no Quadrante do Noroeste, como no do Sudoeste, e mesmo chega a tocar o Nor-nordeste, por ser preciso fugir de alguns pantanais; o terreno é por ali mais irregular, que o antecedente, e em partes coberto de bosques mui fechados, e tendo-se atravessado três Ribeirões, a contar da Insua, e quatro Ribeiros, chega-se ao rio Taquaral Pequeno, que vai correndo ao Norte, e é de passagem custosa, quando cheio tem as suas fontes não longe da estrada, e conflui no Rio Grande. Além do Taquaral está o morro do mesmo nome, por onde vai a estrada, a Oeste, em subida assaz íngreme, e extensa, e o ponto mais alto dele se faz notável pelo interessante golpe de vista, que oferece; para o Nordeste o terreno é baixo, e se alonga além do alcance dos olhos, sem divisar-se um só outeiro; e o continuado verde das árvores, que se mostram em vista de pássaro, representa bem um vasto, e sereno mar à esquerda; à direita deste morro estendem-se dois Promontórios; o da direita vê-se aonde termina, mas o da esquerda, que fica mais próximo, não se lhe descobre limite: o terreno baixo continua entre o morro, e a serrania da direita, e como em muitas partes é alagado, eis aqui o motivo, porque deixaram de continuar por ele a estrada, dirigindo-a por um lugar bordado de precipícios aos lados, e de subida, que muito fatiga os animais.

O Caminho vai seguindo por terreno elevado, e irregular, descrevendo muitas voltas nos Quadrantes do Sudoeste, e Noroeste, encontrando-se a cada passo bancos de pedra arenosa, e grandes penedos desabados; entra-se depois em melhor terreno, até que descendo em caracol a passar o ribeiro do Pouso Alto, sobe-se a este Pouso, que fica em sítio aprazível, e elevado cinco léguas distante da Insua, e duas do Taquaral.

Daqui segue-se jornada a Oeste, por terreno irregular, subindo-se, e descendo-se muitas vezes, em voltas repetidas; atravessa-se um ribeiro, que estende as suas águas por uma grande laje, e mais além, à esquerda vai correndo o ribeirão Passa-Vinte, por uma vargem dilatada; pela frente notam-se grandes penedos de pedra arenosa, corroídos do tempo, que lhe tem dado formas muito variadas, e curiosas: e o terreno é por ali cortado de longos bancos da mesma pedra; caminhando, mais desce-se em ziguezague um despenhadeiro alto, e a estrada segue por entre morros escabrosos, cortando muitas vezes o ribeirão Passa-Vinte, que se dirige a Oeste, até chegar-se ao pouso do mesmo nome: o leito deste ribeirão é formado por grandes lajes, que a distâncias amiudadas oferecem largas, e fundas bacias, e junto ao passo estreito em ladeira chamado o Tombadouro, está um grande tanque, formado pela Natureza, que recebe as águas do mesmo ribeirão despenhadas de quase trinta palmos de altura; e avançando-se mais chega-se ao pouso Passa-Vinte, três léguas e meia distante do antecedente.

Deste lugar caminha-se ao Noroeste, pela fralda do morro, que se estende à direita do ribeirão; a estrada é incômoda por ser muito estreita, coberta de mato espinhoso, e pelas suas ladeiras freqüentes, e alcantiladas, sendo preciso correr aos diferentes rumos de Oeste-noroeste, Norte e Nor-nordeste, até que ao Nor-noroeste principia em subida, a deixar o vale, e então é descoberta, e vai seguir por terreno elevado, e de vista agradável; passa-se novamente o ribeirão Passa-Vinte, e ainda outra vez mais além, onde merece já o nome de rio, e é de cristalina, e saborosas águas, dirigidas por leito coberto de seixos luzentes; sua corrente é rápida, e dificulta o trânsito quando vai cheio: é neste que vem confluir o ribeirão Pilatos, e depois de correr ao Sul, volta a Leste a entrar no Rio Grande, algumas léguas acima do Registo. Da parte de além do Passa-Vinte fica um pouso em situação alta, e alegre; duas léguas distante do último. Continuando-se a jornada ainda por bom caminho a Oeste, passa-se um ribeiro a Noroeste, e então se principia a descrever muitos rumos, por terreno montanhoso, que oferece repetidas, e íngremes ladeiras, e quase todo coberto de matas frondosas, e entreleçadas de arbustos de espinho; atravessa-se o ribeirão Pilatos, depois o Queimado, e Arêas, até que descendo-se em ziguezague uma ladeira comprida, sempre com o rumo geral a Oeste, chega-se ao Pouso, e rio do Cotovelo, com a marcha de quase cinco léguas a contar do Passa-Vinte. Aquele rio parte das montanhas, que se estendem no limite do pais dos Cayapós com esta Província, onde tem igualmente origem outros muitos, e vai engrossar o Rio das Mortes; as suas margens são altas, e sombrias; e as águas turvas.

O caminho segue dali ao Oes-noroeste, por terreno irregular, acompanhando o rio, que lhe corre à esquerda, volta depois ao Norte, até que passado largo espaço, principia a desviar-se do mesmo rio, fazendo muitas voltas, de maneira que chegando a tocar Nordeste, vai pelo Norte, a Oeste; atravessa um Ribeiro, e mais adiante um Ribeirão, e continuando por terreno semelhante ao que se encontrou até ao pouso do Cotovelo, vai passar o grande Ribeirão dos Barreiros, que se une ao Cotovelo, ambos fartos de excelente peixe; e além daquele é melhor: corta mais dois Ribeiros até ao pouso do Taquaral das Vidas, quatro léguas e meia do antecedente: o pouso fica na encosta de um monte, que é bastantemente inclinado para o Ribeirão.

Daqui para diante é o terreno mais regular, e o caminho, com algumas ladeiras, pelos chapadões de montes diversos, e aos rumos de Oes-sudoeste, Oeste e Oes-noroeste, vai passar por entre penhascos carcomidos, e escalvados, que de longe parecem as ruínas de um edifício grande; e depois de atravessar cinco Ribeiros, chega ao Ribeirão Jabutá, de boas águas, além do qual está o pouso do mesmo nome, três lêguas, com pouca diferença do antecedente.

Deste sítio, marcha-se ao Sudoeste, e pouco adiante volta-se a Oeste, o terreno é mais regular, e a direção do caminho vai sendo marcada por balizas naturais, que todas se avistam na linha de Oes-sudoeste, formadas de pedra arenosa, sendo uma delas o famoso Paredão, de que falarei adiante. No fim de duas léguas corre o Ribeirão dos Olhos de Água, além do qual encontram-se algumas ladeiras, e a um, e outro lado, se divisam, a distâncias desiguais, alguns morros isolados da mesma pedra arenosa, até chegar-se ao Ribeirão, e pouso das Lages com três léguas de jornada, a contar do Jatubá.

O terreno continua irregular, e cortado por largos e compridos bancos de pedra arenosa, e avermelhada; a estiada segue os rumos gerais de Oeste, e Oes-sudoeste, e até chegar ao Ribeirão Uanandy, passa dois Ribeiros, e alguns córregos; todos eles de trânsito mais, ou menos difícil, na estação das Águas. Além do Uanandy, atravessam-se três Ribeiros, o segundo dos quais corre por um canal fundo, e estreito, que a Natureza abriu num rochedo dilatado; e vai se entrar depois em terreno, areento até o pouso do Paredão, que dista perto de cinco léguas do das Lages. Este Pouso tira o nome duma grande muralha natural, que lhe fica junto, e à esquerda, e de que tirei a perspectiva (assim como de outros muitos lugares) do ponto em que ela me ficava ao Sul, tendo eu em frente, entre a muralha e dos morros unidos uma aberta, por onde se avistam ao longe, dois montes em forma de Atalaias, que se levantam dum terreno alongado, coberto de mato curto; a cor, e figura da grande muralha, vista daquele ponto, é inteiramente como representa o desenho. O pouso fica em situação baixa e triste, cercado de bosques pela parte oposta ao Paredão, e é farto de boas águas, e de caça.

O caminho segue deste lugar a Oes-sudoeste por terreno descoberto, e areento; e depois de quase uma légua de marcha, avistam-se, à esquerda, diversos, e separados morros de pedra arenosa; e caminhando-se por uma lombada comprida, atravessa-se o Ribeiro Samambaia, segue-se depois, com poucas variações, ao Sul-Sudoeste, passa-se o Ribeiro Tijuco Negro, volta-se a Oes-sudoeste, e deixado o Ribeiro Corisco, e mais além o chamado Torresmo, chega-se ao pouso Cabeça de Boi, que fica em sítio alegre, e cercado de águas saborosas, tendo-se andado quatro léguas, e meia.

Continuando a viajar, a Oes-sudoeste, encontra-se um Ribeiro, e próximo a ele, o Ribeirão Bom Jardim; a estrada principia então a ser coberta, e assim continua por algum espaço, passa-se o Ribeirão Couro de Porco, e segue-se a Oeste, depois ao Noroeste, a salvar um pantanal, torna-se a Oeste, e tendo-se caminhado quatro léguas, chega-se ao Sítio do Sangradouro; sítio alegre, e desafogado, com boas matarias, e terrenos excelentes para a cultura, muito abundante de águas, e bons pastos.

Ali houve alguns moradores, e a maior parte das suas casas ainda se conversa em pé; porém viram-se na precisão de ausentar-se por falta de forças, e sobre tudo pela perseguição dos índios domesticados nas Aldeias de Goyaz, que nelas vivem sem governo, nem polícia, entregues ao mando de homens sem educação e sem os conhecimentos precisos para os civilizar, querendo só tirar lucro do seu trabalho, sem se embaraçarem com o primeiro fito, para que as mesmas Aldeias foram fundadas; seguindo-se deste sistema prejudicial partirem os índios em magotes, unirem-se a outros do mato, e roubarem, e perseguirem tudo o que podem.

Seguem-se deste sítio, até o pouso, e Ribeirão Sangradourinho, os rumos gerais Oeste, e Oes-noroeste, por caminho bom, e descoberto; nesta distância que é de duas léguas e meia, atravessam-se os Ribeirões Córrego Fundo, da Mala, e das Almas.

Do Sangradourinho caminha-se a Oeste, por uma chapada, que tem mais o legado comprido, e no fim dela, atravessado o Ribeirão da Perdição, entra-se em um bosque, o terreno principia a ser mais irregular, o que faz seguir a estrada os diferentes rumos de Oes-noroeste, Nor-noroeste, e Norte; marcha-se depois por um campo semeado de mato raro, e descobre-se à direita um Vale profundo, e mais adiante, pela frente, grandes cortaduras no terreno, e longas porções de pedra arenosa talhadas pelo tempo, em figuras esquisitas; chega-se ao fim do campo, e então se descortina totalmente a larga e funda escavação, que as águas têm feito, e para descer-se a ela, passa-se pela crista da ribanceira, que é assaz estreita, e em que mal pode caminhar uma besta carregada; segue a estrada pela baixa, e logo adiante está o pouso e ribeirão d’Água Branca, assim chamado da cor de leite, que tem a mesma água, não obstante o que é muito boa; daqui ao Sangradourinho contam-se três léguas e meia.

Atravessado este ribeirão, vai seguindo o caminho ao Noroeste, Oeste e Sudoeste; e o grande vale, vai alargando cada vez mais na direção deste último rumo; o terreno é por ali irregular; e depois de ter-se passado um ribeirão, e mais adiante outro chamado o Caiterá, entra-se em um bosque a Oeste, e além dele caminha-se por estrada descoberta, e areenta: encontra-se depois uma ladeira em voltas alcantiladas, e de trabalhosa descida, e no fim dela corre o ribeirão Mundo Novo; avançando mais alguns passos, vem unir-se a este, pela direita, outro ribeirão, por leito formado de rocha, e em grande declive, dirigindo-se de Oes-noroeste. Foi junto a esta confluência, que os índios surprenderam uma tropa e lhe mataram dezessete bestas. Unidas as águas destes ribeirões, seguem ao Sul e o caminho a Oeste e Oes-sudoestc; há depois outra ladeira íngreme, e passado o ribeirão do inferno, sobe-se por um plano assaz inclinado; o terreno apresenta-se mais irregular, o caminho tortuoso e dele se avistam grandes morros à esquerda, deixa-se o pouso e Ribeiro do General (assim chamado por ter pousado ali o Ex. Caetano Pinto de Miranda Monte Negro, Capitão General que foi desta Província) e atravessando-se alguns campões, duas vargens, e dois Ribeiros chega-se ao pouso e Ribeirão dos Dois Irmãos, quatro léguas e meia do antecedente.

Deste pouso continua-se a jornada a Oeste, por terreno irregular, e areento, e atravessado um pantanal, entra-se em um bosque, onde corre outro Ribeiro com o mesmo nome do antecedente e que a ele se vai unir; deixa-se depois o rio Vertentes Grandes, decorrente rápida ao Sul, o caminho descreve algumas voltas, e é descoberto; e descida a Oes-sudoeste uma ladeira tortuosa, passa-se o Ribeirão Lamarão que entra no rio Vertentes, assim como o Ribeirão de S. João, que também corta a estrada, correndo ao Norte; e mais além uma légua, o Ribeirão Barro Preto, que vai igualmente ao Norte entrar no Vertentes; a estrada segue daqui ao Nor-noroeste, e vai passar pela direita da Lagoa Feia, e atravessando um pantanal, e um serradão, há no fim deste outra ladeira, em voltas, e coberta de pedra soltas, e a curta distância dela está o pouso do Secury, quatro léguas distante do antecedente, e meia da Lagoa, em sítio espaçoso, e cercado de montes, porém distantes: junto a ele corre o Ribeirão, que lhe dá o nome, em direção ao Sul.

Além do Ribeirão Secury, é o terreno por alguns espaços alagado e muito irregular, caminha-se aos rumos de Oeste, que é o geral, Oes-sudoeste, e Sudoeste, atravessam-se três Ribeiros até chegar-se ao das Lavrinhas, correndo todos para o Sul; sobe-se depois uma ladeira de pedra solta, notam-se, à esquerda, os picos de diversos morros: a estrada é por ali boa, e descoberta, porém mais adiante vai seguir, descrevendo voltas e algumas ladeiras, pelos cumes de várias colinas pedregosas, que terminam em uma subida alcantilada, depois da qual entra-se numa floresta espessa, descendo com suavidade até encontrar-se o rio das Almas de corrente arrebatada, para o Sul; depois sobe-se para o sítio do Alecrim, junto ao qual, também para o Sul, corre o rio Paranahyba. Há neste sítio, que dista cinco léguas do Secury, e três do Ribeiro das Lavrinhas, um morador, homem velho, filho de Portugal; planta milho, legumes e cria capados.

Parte-se daqui a Oes-noroeste, por terreno coberto de arvoredo, e passado logo o ribeiro do Alecrim, o caminho se descobre um pouco mais adiante: sobe-se depois uma ladeira íngreme com muita pedra solta, marchando-se pelos cabeços de diversas colinas, donde se avistam montes, vales, matas escuras, e, à direita, uma cascata, que despenha as suas águas abundantes de grande altura: a estrada é quase sempre assombrada de arvoredo alto e frondoso, e dificultosa em muitas partes, não só pelos atoleiros, como também pelas ladeiras escorregadias e descreve muitos rumos nos Quadrantes do Noroeste, e Sudoeste; até chegar-se à ponte do rio S. Lourenço; tendo-se antes atravessado os ribeirões da Cachoeira, e da Seriva, e dois ribeiros mais. O pouso fica a um tiro de fuzil para a esquerda da ponte, cercado de bons pastos, e distante do Alecrim cinco léguas: o rio tem as suas cabeceiras pela Latitude 15 go, Sul; recebe o Paranayba, o Piquiry, o Cuyabá, e outros muitos de menor grandeza, e vai confluir no Paraguay.

Perto deste sítio, sobe-se a Oeste, e Sudoeste, por um morro formado de pedra arenosa com muitos saltos, e árvores curtas; e mais adiante descobre-se à esquerda, um vale profundo; o caminho continua tortuoso, até entrar-se em Campo descoberto ao Nor-noroeste, deixa-se a Oeste a estrada velha, que vai passar pela antiga fazenda do Padre Albuquerque; ou Jatubá; e toma-se ao Noroeste para a fazenda atual do mesmo a que se chega, tendo primeiro passado um ribeiro e três ladeiras caminhando duas léguas, a contar de S. Lourenço. Aqui há um Engenho com mais de cem escravos de ambos os sexos, entre pequenos e grandes; as casas, que são de pau a pique, estão em uma baixa cercada de montes, assombrados de bastas, e copadas árvores: o ribeirão Pirapitangas, que abunda em peixe deste nome e dourados, corre junto ao sítio. O defunto Padre, dono desta fazenda, ainda vivia quando por ali passei (52) em dezembro de [1]818, contava perto de noventa anos, em muito boa disposição.

Ao largar este sítio atravessa-se o ribeirão imediato, e subindo-se por entre uma fechada mataria, entra-se depois numa campanha dilatada; o caminho é bom, e o terreno semeado de curtas, e raras árvores; anda-se algum tempo ao Norte, depois vira-se a Oeste, e a Oes-sudoeste, até chegar-se a passar por uma ponte estreita o Rio Manso, cinco léguas distante do Albuquerque; o pouso fica logo além dele sobre a sua margem esquerda, e o rio vai entrar no Cuyabá.

Continua-se a jornada a Oes-sudoeste; mas larga-se depois o caminho a este rumo, e seguindo-se o de Oes-noroeste para a Aldeia de St. Anna, por um chapadão extenso, com algumas capoeiras, e geralmente coberto de mato raro, vira-se a Oeste, e então se avistam altos montes para a esquerda; e no fim de três léguas de marcha, volta-se ao Nor-noroeste a salvar um pântano, e entra-se num serradão ao Nor-noroeste: avançando mais vai-se voltear um campão, ficando-lhe o terreno em frente mais alto, e cortado para o lado do mesmo campão em penhascos carcomidos, que mostram figuras elegantes, e curiosas; e logo está o pouso das Caveiras, distante do antecedente três léguas e meia.

Caminha-se dali ao Noroeste, e por uma abertura, que forma o terreno, à parte esquerda, divisa-se outro em plano muito inferior, que se alonga a perder de vista; e quase tocando o horizonte, nota-se o morro de S. Antônio vizinho à margem esquerda do rio Cuyabá, e quase seis léguas distante da Cidade deste nome; encontra-se logo uma ladeira íngreme, por entre pontas de bancos de pedra arenosa, e no fim dela cai-se em terreno plano e bom caminho, até que vai-se tomar o pouso da Bocaina, que fica à esquerda, no princípio de uma grande escavação, que se alonga em declive. Este pouso, de vista alegre e interessante, fica cinco léguas afastado do que se deixou no rio Manso.

A estrada continua muito boa e o terreno plano, marchando assim chega-se à Aldeia de S. Anna, quatro léguas distante da Bocaina: os olhos se recreiam de contínuo para a esquerda, com o lindo quadro, que apresenta o terreno baixo da parte do Cuyabá. Toda esta extensão de terras, a que pela sua grande diferença de Nível, às do Cuyabá, chamam a serra da Chapada, é excelente para produzir muitas e diversas qualidades de plantas, é por ali que os Cuyabanos têm os seus melhores Engenhos e Fazendas, e donde concorre maior cópia de víveres para abastecer a Cidade: o terreno é todo mui bem regado por deliciosas águas; o ar mui puro e saudável; o sol incomparavelmente mais brando do que nas vizinhanças da mesma Cidade.

A Aldeia de S. Anna, ou Lugar de Guimaraens, está na Latitude Meridional de 15o33’, e na Longitude de 322o Ferro; em terreno alegre, fértil e espaçoso, duas léguas distante do pé da serra, por onde vai a estrada para o Cuyabá e oito desta Cidade: a Igreja Matriz, da invocação de S. Anna do Sacramento, é a cabeça da Freguesia, que tem um Vigário Colado. Esta Aldeia consta de um largo comprido, com o Templo quase no meio, e ornado de casas, algumas de taipa, porém a maior parte de pau-a-pique; e por fora estão várias casas construídas avulsamente: os moradores, que pela maior parte são índios, ou descendentes deles, plantam milho, feijão, mandioca, cana de açúcar, algum café e algodão. O Excel. D. Antônio Rolim de Moura, Conde de Azambuja, foi o Fundador deste lugar mandando para ali dois Jesuítas, que vieram em sua companhia, Fr. Estevão de Castro e Fr. Agostinho Lourenço, a fim de agregarem os índios em Missão, o que executaram no ano de 1751; e, à custa da Fazenda Pública se levantou o primeiro Templo, dedicado desde logo a S. Anna; com dois altares colaterais, um de S. Inácio de Loiola e outro de S. Francisco Xavier. Depois dos Jesuítas passou a Missão a ser Freguesia, com Capelães pagos pela Fazenda Pública, sendo deles o primeiro o Padre Simão de Toledo Rodovalho. No ano de 1779, o Doutor José Carlos Pereira, que foi Juiz de Fora do Cuyabá, depois Intendente do Ouro em Goyaz, e enfim Desembargador da Relação da Bahia, ajudado com as esmolas dos fiéis, erigiu um novo Templo, que é o existente; e o Excel. Visconde de Balsemão Luiz Pinto, sendo Governador desta Província, determinou que se denominasse esta povoação – Lugar de Guimaraens – e assim se denomina hoje, ainda que vulgarmente tem o nome – Aldeia de S. Anna de Chapada.

A estrada parte dali a Oes-sudoeste, que é o rumo geral até Cuyabá; o terreno é regular e a uma légua de distância fica o engenho do Burity, e junto a ele corre o Ribeirão, que forma a principal cabeceira do rio Cuxipó-Mirim, e caminhando mais meia légua, chega-se ao sítio do Monteiro, onde se passa um Ribeirão e além deles marcha-se por terreno, que se eleva de um, e outro lado formando colunas de pedra arenosa e outras muitas peças de Arquitetura de gosto Gótico, elegantes e curiosas, que assaz entretem a vista, todas devidas à escavação das águas no decurso de longos anos; e por aqui se vai descendo suavemente até a Bocaina da serra, onde principia uma ladeira muito íngreme e em voltas, e com a marcha de mais meia légua, chega-se ao fim da mesma serra, pela raiz da qual corre o Ribeirão das Lajes e além passam-se vários outros Ribeiros, que vão formar o rio Aricá. Da serra ao rio Cuxipó-Mirim há três léguas de marcha: este rio, que tem a sua origem como disse, no Ribeirão do Burity, se despenha pela serra e é engrossado pelas águas dos pequenos rios Claro, Mutuca, e o do Peixe, e vai unir-se com o Cuyabá, uma légua abaixo do Porto Geral: do Cuxipó vai-se atravessar o Ribeirão das Três Barras; com légua e meia de caminho: e daqui à Cidade do Cuyabá marcha-se mais légua e meia. Por todo este terreno, a um e outro lado da estrada, em maior, ou menor distância, há moradores.

Há outra estrada, que é a mais seguida pelos viajantes: vem do campo do rio Manso, pelo engenho do Bom-Jardim, e depois de atravessar vários Ribeirões e o rio Aricá, vem dar ao Cupixó-Mirim, que se passa por uma boa parte de madeira, e dali à Cidade anda-se só uma légua.

Cuyabá, anteriormente – Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuyabá – está situada aos 15o 36’ de Latitude Meridional, e aos 321o 35’ 15” de Longitude do Ferro; ao Noroeste meio Oeste da Corte do Rio de Janeiro 281 léguas geográficas; a Oeste meio Sudoeste da Bahia de Todos os Santos 350; a Oes-sudoeste de Pernambuco 449; ao Sudoeste de S. Luiz do Maranhão 357; ao Sul-sudoeste do Pará 327; ao Noroeste de S. Paulo 230; ao Norte meio Noroeste de Porto Alegre 301; ao Norte de Monte-Vidéo 392; a Oes-Noroeste de Vila Rica 249; a Oeste meio Noroeste da Cidade de Goyaz 129; e a Leste, meio Sueste, com pequena diferença, da Cidade de Mato Grosso 76 léguas: ao Norte meio Nordeste da Cidade d’Assumpção do Paraguay 199; e quase ao mesmo rumo de Vila Real, também do Paraguay, 160; ao Norte quarta e meia ao Nordeste do Forte da Burbon 114; ao Nor-nordeste do Forte de Coimbra 96; quase ao Norte do Presídio de Miranda 80; a Les-nordeste de S. Rafael de Chiquitos 95; a Leste meio Nordeste de S. Cruz de la Sierra 170; e finalmente a Les-sueste meio Sul de Lima 442 léguas.

É a Cidade do Cuyabá medíocre, mas abastada de carne, peixe, feijão, milho, laranjas, limas, ananazes e leite; tira o nome do rio Cuyabá, e dista da sua margem esquerda uma milha; está fundada em um vale espaçoso e alegre, que se alonga na direção do Nor-nordeste, ao Sul-sudoeste, fechado ao Nascente pelos morros do Bom Despacho e Rozario, e ao Poente pelo da Boa Morte (53) todo o terreno que a Cidade ocupa é geralmente coberto de cascalho e cristal de rocha, que assenta sobre grossos, e unidos bancos de argila. O ouro deu motivo à fundação desta Cidade, e todo o terreno imediato, e circunvizinho o forneceu em grande cópia, e do melhor quilate, principalmente o morro do Rozario de que extrairam em um só mês, quatrocentas arrobas, em o ribeirão da Prainha, que vai correndo para o rio Cuyabá junto e a Leste da mesma Cidade. As casas são de taipa e térreas, à exceção de seis, ou sete moradas, uma das quais é um magnífico edifício para a terra e de gosto mui moderno; a Igreja Matriz da Invocação do Sr. Bom Jesus é regular: há mais quatro Templos de menores dimensões; o de N. S. do Bom Despacho, do Rozario, da Boa-Morte, e o do Sr. dos Passos; tem dois Hospitais muito bons; o dos Lázaros fora da Cidade, e o da Misericórdia ainda imperfeito. O Quartel novo para a Legião de Linha acha-se bastantemente adiantado; é um edifício retangular, com uma boa praça dentro e que tem de lados exteriores setenta e cinco braças de comprido, e quarenta e uma de largo, com todas as acomodações necessárias para a Legião, guardando ao mesmo tempo a mais exata simetria em todas as suas partes.

É nesta Cidade, que o Excel. Capitão General faz a sua maior residência e é o assento do Ex. Prelado Bispo de Ptolomaida (54) da Junta da Fazenda Pública, e do Tribunal de Justiça; tem Juiz de Fora e Professor Régio de Latim.

Como tive ordem para escrever uma Memória Corográfica acerca desta Província, o que executarei – se a tanto me ajudar o engenho e arte, – reservo para então tratar mais amplamente desta Cidade, e sua origem em 1720, a que deu causa o descobrimento do ouro no morro do Rozario por dois Índios domésticos de um Miguel Sutil, andando em busca de mel, mudando-se de improviso para aqui o nascente Arraial da Forquilha que existia na margem esquerda do rio Cuxipó-Mirim.

 

FAMÍLIA DE FAZENDEIROS — (Rugendas)

 

Foi esta Província, como a de Goyaz, sujeita ao Governo de S. Paulo, até que, por Patente de 25 de Setembro de 1748 foi despachado primeiro e privativo Governador, o Capitão General dela o Ex. D. Antonio Rolim de Moura, Conde Azambuja, de boa Memória que tomou posse em Cuyabá em 17 de janeiro de 1751, e governou até o último dia de 1764 sucedendo-lhe seu sobrinho, o Ex. João Pedro da Camara, que teve a posse em Mato Grosso (assim como todos os mais Governadores, que se lhe seguiram) no primeiro de Janeiro de 1765, e durou o seu governo até três de janeiro de 1769; tendo princípio nesse mesmo dia o do Ex. Luiz Pinto, e durou o seu bom governo até 13 de dezembro de 1772; entrando então o Ex. Luiz de Albuquerque, que acabou de governar em 20 de Novembro de 1789; seguindo-se-lhe seu irmão o Ex. João de Albuquerque, que faleceu em Mato Grosso aos 28 de fevereiro de 1796, e por sua morte teve princípio o Governo de Sucessão composto do Ouvidor Antonio da Silva do Amaral, do Tenente Coronel Ricardo Franco de Almeida Serre e do Vereador mais Velho Marcelino Ribeiro e durou até 6 de Novembro do mesmo ano, em que tomou posse o Ex. Caetano Pinto de Miranda Monte Negro, e o seu pacífico Governo chegou até 15 de Agosto de 1803, por marchar ao de Pernambuco; em conseqüência houve segundo Governo de Sucessão, formado do Ouvidor Manoel Joaquim Ribeiro, do Coronel Antonio Felipe da Cunha Ponte e do Vereador mais Velho José da Costa Lima; e neste Emprego estiveram até 28 de julho de 1804, dia da posse do Ex. Manoel Carlos de Abreu e Menezes, que faleceu em Mato Grosso, a 8 de Novembro de 1805; e por este motivo houve novo Triunvirato composto do Ouvidor Sebastião Pita de Castro, do Coronel Antonio Felipe e do Vereador mais Velho José da Costa Lima, o seu Governo durou até 18 de Novembro de 1807, entrando para esta Província o Ex. João Carlos Augusto de Oeynhauzem, que tão sábia e felizmente a Governou até 6 de janeiro de 1819, dia em que finalmente teve princípio o Governo do Ex. Francisco de Paula Maggesi Tavares de Carvalho. (55)

Distância de Pouso a Pouso desde a Cidade de Goyaz até ao Rio Grande, ou Araguaya

Da Cidade de Goyáz ao ribeirão Agapyto.................1
Do Agapyto à Estrela.................2
Da Estrela à Barreada.................2
Da Barreada ao Burity Redondo.................3 1/2
Do Burity ao Taquaral.................2
Do Taquaral ao Guarda-Mor.................2 1/2
Do Guarda-Mor ao Pouso da Bocaina.................3
Da Bocaina às Mamoneiras.................1 3/4
Das Mamoneiras à Boa-Vista.................2
Da Boa Vista ao Rio de Pilões.................1 3/4
De Pilões ao Rio Claro.................1
Do Rio Claro ao Pouso Elíptico.................3 1/4
Do Elíptico às Cabeças Negras.................5
Das Cabeças Negras ao Pouso Sombrio.................7
Do Sombrio ao Pouso Luiziano.................6 1/2
Do Luizianno ao Rio das Almas.................4 1/2
Do Rio das Almas ao Registo do Rio Grande.................2

Soma Total das léguas desde Goyáz até ao Rio Grande.................50 3/4

Distância de Pouso a Pouso desde o Registo do Rio Grande até à Cidade do Cuyabá

Do Rio Grande à Estiva.................1
Da Estiva à Ponte Alta.................3
Da Ponte Alta à Insua.................3
Da Insua ao Taquaral.................3
Do Taquaral ao Pouso Alto.................2
Do Pouso Alto ao Passa Vinte.................3 1/2
Do Passa Vinte ao Pouso do Cotovelo.................5
Do Cotoveilo, ao Taquaral das Violas.................4 1/2
Das Violas, ao Jatubá.................3
Do Jatubá às Lages.................3
Das Lages, ao Paredão.................5
Do Paredão, ao Cabeça de Boi.................4 1/2
Do Cabeça de Boi, ao Sangradouro.................4
Do Sangradouro, ao Sangradourinho.................2 1/2
Do Sangradourinho, a Água Branca.................3 1/2
Da Água Branca aos Dous Irmãos.................4 1/2
Dos Dous Irmãos, ao Secury.................4
Do Secury ao Alecrim.................5
Do Alecrim, ao rio S. Lourenço.................5
Do S. Lourenço, ao Albuquerque.................2
Do Albuquerque, ao rio Manso.................5
Do rio Manso ao Pouso da Bocaina.................5
Da Bocaina, á Aldeia de S. Anna.................4
De S. Anna ao fim da serra da Chamada.................2
Do fim da Serra, à passagem do Cuxipó-Mirim.................3
Do Cuxipó, á Cidade do Cuyabá.................3

Soma total das léguas desde o Rio Grande até Cuyabá.................93
Soma total das léguas da Cidade de Goyáz, á do Cuyabá.................143 3/4
Soma total das léguas da Cidade de S. Paulo, á do Cuyabá.................355 3/4

Do Goyáz para Cuyabá, paga-se mais a passagem do Rio Grande, logo de S. Paulo ao Cuyabá paga-se passagem em dez rios.

Tenho concluído a minha tarefa, queira a fortuna, que as minhas fadigas alcancem o prêmio de agradarem, de serem úteis, e de fazerem lembrado o seu autor, que todavia não esmorece, por estar possuido dos sentimentos, que exprimem os versos seguintes: e por isso não deixará de trabalhar ainda que pouco se aproveite.

“Luzes quer nossa Pátria, tenha luzes,
Se ingrata for, façamos mais do que ela,
Nossas vigílias, nossas vidas, tudo,
Tudo à Pátria se dê”

B...

FIM

Cuyabá 16 de Dezembro de 1825.

Luiz Dalincourt,
Sargento mor engenheiro.


MEMÓRIA

Acerca da Fronteira da Província de Mato Grosso, organizada em Cuiabá, no ano de 1826

 

A Província de Mato Grosso é de um interesse reconhecido para o vasto e rico Império do Brasil; ela lhe serve de ante-mural, por todo o Ocidente e grande parte do Meio-Dia; cobrindo as Províncias do Grã-Pará, Goyáz e S. Paulo; desenvolvendo uma Fronteira dilatada de mais de 500 léguas, que tem princípio na cachoeira de S. Antônio, no Rio Madeira, pela Latitude de 8o 48’; e seguindo por este, e pelos Rios Mamoré, Guaporé, Paraguaçu, passa por detrás das serras de Albuquerque e da dos limites, aproximando-se às grandes Bahias da Uberava, e Gaíba; vai à boca da Bahia Negra, no Paraguay, e corre depois pelo rio Apa até às fontes do Rio Igatimy, pela Latitude de 23o 20’, onde finda abrangendo a Vacaria; vindo a formar estes rios a raia entre esta Província, e as espanholas do Paraguay, Chiquitos e Moxos. Em tão extensa Fronteira, apenas há três pontos fortificados; Miranda, Coimbra, e o Príncipe da Beira: o primeiro, e segundo, em frente à Província do Paraguay e o terceiro à de Moxos.

O Presídio de Miranda está na Latitude Austral de 20o 50’, e na Longitude, pelo Meridiano do Ferro de 321o 40’ 32”, colocado em terreno desafogado, regular e livre de inundações, na distância de 247 braças da margem direita do Rio Mondego, que conflui junto ao Rio Negro, de igual peso de águas, no majestoso Paraguay. Foi fundado o Presídio o ano de 1797, por Ordem do General da Província, o Ex. Caetano Pinto de Miranda Monte Negro, em conseqüência de haver noticia certa de que os espanhóis se prestavam para virem estabelecer-se na vizinhança do mencionado Rio, onde tiveram, em outro tempo, a Cidade de Xerés, e Vila Real, que os Paulistas destruiram, no século 16.

Os motivos, que deram lugar à fundação do Presídio, fizeram com que apenas se construisse um reduto quadrado, de 45 braças de lado, fechado por uma trincheira de terra socada entre duas estacadas, com uma pequena banqueta, e com os Quartéis, e Armazéns, feitos com pouca estabilidade, e dispostos paralelamente ás faces do Reduto, e tão próximos à trincheira, que não deixam capacidade bastante para manobrarem os defensores desafrontadamente: no interior tem uma praça também quadrada, no centro da qual se construiu depois um poço: o paiol acha-se a meio da face, que olha para o Ocidente; é uma pequena casa coberta de telha, assim como o Armazém, Capela, e Quartel do Comandante: todos os mais Quartéis são cobertos de capim. Pelo tempo adiante construiu-se, a meio de cada face, um Redente, que por sua pequena capacidade, é quase inútil para aumentar a defesa: não tem fosso e somente, para supri-lo, há uma cava de 3 palmos de profundidade e 12 de largura: tem dois portões, o principal na face para a parte do Rio e o segundo na oposta, que deita para um largo espaçoso, ornado de algumas casas, que todos têm quintais com bastantes laranjeiras; ambos os portões são descobertos.

Assim existiu o Presídio, por largo tempo; e hoje acha-se inteiramente arruinado: a trincheira, que está por terra, em várias partes, dá livre passagem ao gado; a estacaria, quase toda podre; partes dos Quartéis têm caído, e os que restam estão danificados; no Paiol e Armazém do mantimento chove em abundância; finalmente não merece já o nome de Presídio.

Nos últimos tempos, ficou reduzida a Guarnição a menos do terço da que é necessária, no pé de paz; bastará dizer-se, que no ano passado, constava de um Alferes Comandante, 2 Sargentos, dos quais um serve de Escrivão, 1 Furriel, 3 Cabos, fazendo um vezes de Almoxarife, e 28 Soldados da Legião de Linha; e da Companhia de Pedestres 1 Sargento, 1 Cabo, 2 Tambores e 37 Soldados; ao todo 76 Praças; o que é nada para acudir ao Serviço; pois que deste número se tira gente para a lida da Fazenda de gado vacum e cavalar, para a Guarda avançada, que é dali a seis léguas; para o cortume e outras pequenas e indispensáveis tarefas; de maneira que, tanto o Presídio, como as mais pertenças, achavam-se com força mui desproporcionada à que lhe é necessária; e esta mesma muito mal paga de soldos e datas, e muito mal vestida: sendo indispensável, para satisfazer a todos estes serviços, em tempo de paz, e para o novo estabelecimento de plantações, um Oficial Comandante, um Subalterno, 60 Soldados da Legião de Linha e 100 Pedestres, incluidos os Oficiais inferiores; 10 Inferiores da Legião de Linha, para servir um de Almoxarife, outro de Escrivão; e também por causa do pequeno Destacamento do Córrego; um Capelão e um Cirurgião.

As Armas precisas em maior força para a defesa daqueles terrenos são as de Cavalaria e Caçadores: a Artilharia deve empregar-se no Presídio e pouca na Campanha.

Há em Miranda unicamente 5 bocas de fogo; 2 peças de bronze de Calibre 6; 1 de ferro de Calibre 3; e 2 de bronze deste mesmo Calibre: reparos há só 3; balas com taco 445: pirâmides 29: cartuchos de pólvora 317; ditos com Lanternetas 72: a palamenta e mais apetrechos de Artilharia são em diminuta quantidade; e de pólvora encaixotada existem 44 arrobas, e arruinada. Pelo que pertence ao Armamento de Infantaria, tem o Presídio 166 Armas do Padrão novo; 14 pistolas, 40 espadas e 6678 cartuchos embalados: e do mais, que é relativo a este Armamento, há grande escassez.

O lugar, em que existe Miranda, é próprio para construir-se uma Fortificação regular; nem um só padrasto o domina, e dele se descortina a campanha, em todos os sentidos, sendo unicamente interrompido o golpe de vista por alguns matos, o terreno declina suavemente para todos os lados, e só para N. N. O. há um espigão algum tanto longo: no tempo das águas, fica ilhado o terreno, em que está o Presídio, ao qual chega o rio mui perto, franqueando as suas margens.

Para o Oriente do Presídio, e à vista dele, existe um terreno seco, plano, e desafogado, que termina numa lagoa para o lado do Rio, com o qual se comunica, e é d’água permanente; o terreno, que está da margem direita a uma distância igual, com pouca diferença, à que vai do Presídio até a sobredita margem; tendo a vantagem de se achar junto a ele, grandes bancos de pedra, para construção do Forte, aguada, e podendo servir de molhe a mencionada lagoa, para resguardar as canoas: em conseqüência julgo conveniente, que se examine bem o dito terreno para conhecer-se, com evidência, se deve ser preferido àquele, onde está hoje o Presídio; pois que até se escusa, arrasar algumas casas a ele próximas, e cortar laranjeiras; o que se faz mister, tratando-se de nova e regular Fortificação.

Ultimamente partiu desta Cidade uma Conduta, em que foi um Capitão da Legião de Linha para Comandar o Presídio, e 30 Pedestres; este Oficial levou instruções e Ordem para fazer um estabelecimento em Miranda, que venha a fornecer mantimento para a Fronteira; o que é da maior importância, tanto para as Guarnições de Miranda e Coimbra, como para a Fazenda Pública, que muito vem a poupar com ele.

A Fortificação deste Ponto importante, é de necessidade absoluta para o Sistema de Defesa; cobre por todo aquele lado da Fronteira, a comunicação com o interior da Província e com a Cidade do Cuyabá; serve de depósito, de resguardo a todo o nosso Trem de Guerra empregado naquela parte, e de base às nossas operações, quer ofensiva, quer defensivas; finalmente mantem em pé de respeito as diversas Tribos indígenas, quer Guanas, quer Uaicurús, espalhadas nas suas vizinhanças.

Seis léguas para o Sul, a contar do Presídio, há um pequeno Destacamento nosso, ou Guarda avançada, no sítio denominado o Córrego; além do qual é o terreno cortado por diversos morros, e pela pouco alta serra do Canastrão, que oferecem alguns pequenos desfiladeiros, e partem da grande serra, que do Norte ao Sul, corta a Província, à vista da Cidade do Cuyabá, e vai findar no Rio Grande, ou Paranan, quando depois de ter corrido por muitas léguas, em rumo ao Sul, segue pela Latitude de 26o para 27o, em rumo geral a Oeste, a unir-se com o Paraguay; e é da união destes dois Rios corpulentos para baixo, que se denomina Rio da Prata.

Desta Serra notável partem muitos ramos, uns para Leste, outros para Oeste, mais ou menos salientes, e que em várias paragens se desfazem em morros solitários; e donde têm origem multiplicados e caudalosos Rios, que dirigindo-se para o Oriente, e Ocidente, vão engrossar os mencionados Paranan e Paraguay. A parte desta serra dilatada, que entra pelos Domínios Espanhóis e ainda pelos nossos, tem o nome geral de Amamby.

Passada a serrania do Canastrão, vai o terreno abrindo em campanhas vistosas e planas, entre as quais se distingue o chamado Campo-grande, de 7 a 8 léguas de largura, sem encontrar-se nele um só arbusto; e avançando mais, chega-se ao Rio Ápa, nossa extrema com os Paraguayanos, que dista do Presídio de Miranda 45 a 50 léguas, e vai entrar no Paraguay, pela Latitude de 23o. O terreno de que venho de falar, é cortado por diversos ribeirões, e ribeiros, mais ou menos apartados uns dos outros, divisando-se também algumas vertentes, e olhos d’água mui cristalina, que rebenta com grande profusão; diversos capões e matos ornam a superfície destas campanhas e em vários pontos, oferecem lugares próprios para emboscadas e para fazer-se a guerra de chicana, ou de postos, única que nos convém no sistema Defensivo: lugares, que o Comandante desta parte da Fronteira aproveitará, para cansar e cortar as comunicações ao inimigo, que, para manter-se, necessita de levar grandes boiadas e cavalhadas; e nunca o deverá esperar dentro das trincheiras do Presídio.

Até ao Ápa chegam as nossas rondas, no tempo da seca; porque no tempo d’águas tornam-se intransitáveis aqueles terrenos. Passado este Rio, entra-se em terras de Espanha, e continuando a estrada sempre em rumo geral ao Sul, chega-se, no fim de 10 léguas, com pouca diferença, ao Rio Aquidauane, onde os Paraguayanos têm as suas primeiras avançadas; entre estes dois Rios, houve moradores, que foram obrigados a retirarem-se em 1809, por causa da perseguição dos Índios Uaicurús, e Guanas. Cinco léguas além do Aquidauane, está a primeira Fazenda, de nome a Egoa, pertencente ao Sargento-mor reformado João Manoel Gamarra; e dali para diante vão-se encontrando moradores, a curta distância uns dos outros, até que se chega à Vila da Conceição.

A cem passos da margem esquerda do Rio Ápa, tiveram os Espanhóis o Presídio de S. José, que lhes desmantelamos em 1802. Este Rio nasce na serra de Amambay de dois a três dias de viagem das cabeceiras do Rio Mondego, antigamente Embeteteú, o qual fazendo uma curva, que oferece a sua convexidade para o Setentrião, vai com um curso mui tortuoso, confluir no Paraguay, bem como o Ápa. Do Presídio, três dias de marcha a cavalo, sempre com a margem do Mondego à vista, nota-se a reunião de 2 braços que formam o dito Rio: o que vem de Leste é mais fundo, e d’água mui doce, e tem bastantes cachoeiras; e o segundo do S. E. é de água salobra.

Todos os ribeirões, que se encontram, desde o Mondego até ao grande Ribeirão Penetéque, no caminho do Ápa, são de águas salobras, e cristalinas; as quais se vão unir às do Mondego, e os que seguem do Penetéque para o Sul são d’águas doces e vão entrar no Apa.

Para chegar-se do Presídio de Miranda à Cidade de Cuyabá, por terra, caminham-se 80 léguas, atravessando-se os Rios notáveis Aquidaune, do Barranco Alto, Dabouce, Negro, Taquari, Itiquira, Piquiri, com marcha de seis léguas de um a outro, e S. Lourenço, além de outros menores, e grande námero de ribeirões. As campanhas de Miranda, que em grande parte são inundadas no tempo próprio, abundam em pastagens excelentes, o que faz produzir exuberantemente o gado vacum, e cavalar. A Fazenda Pública possui em Miranda, uma Fazenda de gado vacum, que monta já 9500 cabeças, não contando o gado bravo, que por ter faltado a gente necessária para lidar com ele, anda disperso pela campanha; o cavalar chega a 750 cabeças, devendo-se notar, que o estabelecimento desta fazenda é moderno, pois não chega a ter 16 anos.

Poucos sítios há nas vizinhanças do Presídio: seus donos dão-se à criação de gado vacum, e cavalar; porém com poucas forças; assim mesmo conduzem a Cuyabá boiadas e cavalhadas, que, em grande parte, compram aos índios. Os povoadores chegam somente a 4 homens brancos maiores de 14 anos; menores de 14 existem 2; mulheres brancas maiores de 14 anos 3; e menores 4; homens pardos maiores de 14 anos 16; menores 9. Escravos maiores de 14 anos 8: escravas 2; e de 14 para baixo 2; total 62 almas: casais há somente 2.

Partindo do Presídio, e seguindo a navegação mui tortuosa do Mondego, chega-se no fim de 3 dias, à barra do mesmo Rio no Paraguay, quando ele tem abundância d’água, por lhe tornar mais rápida a corrente. Logo abaixo desta confluência, e um pouco retirada da margem direita do Paraguay, existe a Aldeia de Albuquerque dos índios, hoje Missão de N. S. da Misericórdia, em situação alegre, e desafogada; e dela, a 2 tiros de Arcabuz, estão algumas casas, e a fazenda do gado vacum, de pouca força, pertencente à Fazenda Pública. As águas do Paraguay, quando cheio, chegam mui perto da Aldeia, e das ditas casas: todo aquele terreno é muito bom para a cultura; tem, a alguma distância, boas matérias e vários moradores para o Ocidente e parte do Setentrião; os índios Guanás ali estabelecidos, que chegam a 300 almas, criam galinhas e alguns porcos, fazem plantações de milho, feijão, mandioca, abóboras, batatas e outras para seu consumo, e para irem vender a Coimbra, o que é de grande proveito para a guarnição daquele Forte.

Este lugar é importante, e próprio para estabelecer-se aí o Quartel do Comando Geral da Fronteira; domina as entradas dos Rios Mondego, e Taquary, e por conseqüência, as comunicações para Miranda, e Camapuaná, quer por terra no tempo da seca, quer por água, em todo o tempo; dista cinco léguas de Coimbra, que lhe vem servir de Posto avançado, sendo mui fácil e breve comunicação com este Forte, por terra na seca, ou pelo Rio, e campanha, na estação das águas. Junto a este lugar acham-se pontos bem próprios para se depositarem as barcas canhoneiras, que vão construir-se, e que devem fazer a defesa principal do Rio Paraguay.

No Quartel do Comando Geral, deve haver uma força disponível, em todo o tempo; no de paz bastará que seja de dois Subalternos, e os oficiais Inferiores precisos para 40 Soldados da Legião de Linha e, 50 Pedestres.

 

ENGENHO DE AÇÚCAR — (Rugendas)

 

Continuando a descer o famoso Rio Paraguav, notável por dar navegação limpa, até quase às suas cabeceiras e por ser mui saudável e abundante de caça e peixe, vai-se entrar no longo e amplo estirão da Piúva, além do qual e 11 léguas abaixo da foz do Mondego, encontram-se dois grandes morros, por entre os quais encana o Rio: na fralda da tromba do morro da direita, existe o Forte da Nova Coimbra.

Está este Forte na Latitude Meridional de 19o 55’ e na Latitude de 320o 1’ 45” pelo Ferro: fundou-se em 1775, sendo General da Província o Excel. Luiz de Albuquerque Pereira de Caceres: o primeiro estabelecimento foi um reduto retangular feito à borda do Rio, e fechado por uma grossa estacada; e assim se conservou por muito tempo, até que pelos cuidados do Coronel Engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra, então Comandante Geral da Fronteira, se edificou de pedra e cal, aonde existe hoje; e foi aperfeiçoado, acrescentando-se-lhe uma estrada coberta, que não está de todo acabada, pelo Brigadeiro Engenheiro Antonio José Rodrigues. Esta fortificação é pequena, porém construída com muita estabilidade; é obra irregular, tem 12 canhoneiras que oferecem fogos cruzados, tanto para o Meio-dia, como para o Oriente; está em posição sobranceira ao Rio, que bate os rochedos escarpados da estrada coberta; os tiros para o lado do morro fronteiro são mergulhantes e só para o Sul, ao correr do Paraguay, é que podem ser a todo o alcance; todavia há uma Ilha, para este lado, não longe do Forte, e que terá 600 passos de comprido, sita a meio rio, que pode servir de refúgio ao inimigo, apesar de ser rasa, e inundada, no tempo próprio; porém geralmente com mui pouca altura d’água.

O Excel. General da Província mandou edificar este Forte no Fexo dos Morros, que estão na Latitude de 21o 22’ 9” léguas abaixo do Forte de Burbon, hoje Olimpo, que é justamente onde o Paraguay encana por entre terreno alto, e serranias e é ali que represando-se o grande peso d’águas, pela pouca largura do rio, que é ainda dividido, em dois canais estreitos por um penhasco a meio dele, causa a notável transbordação do Rio, que tem 100 léguas de longo e 40 em muitas partes, de largura total, para uma, e outra margem: se possuíssemos aquele ponto, tínhamos fechada a navegação de Paraguay dali para cima, e ficávamos de posse de um maior número de léguas de bom terreno, cortando do mesmo ponto para Leste; porém a ignorância de quem foi encarregado de cumprir a Ordem, o fez persuadir, que onde está Coimbra, era justamente o lugar indicado; porque, tendo ido no tempo da seca viu que o Rio encanava por entre dois altos morros, e deixou de notar, que estes morros são cercados por uma campanha dilatadíssima, e rasa, que toda é inundada, no tempo das águas, e por isso pode o inimigo passar a seu salvo acima do Forte, sem expor-se a seus tiros, e vir cortar-lhe a comunicação; porque não só pela campanha, mas até por várias corixas, ou esgotadoudos de bom fundo, pode navegar comodamente: os espanhois apenas souberam do nosso estabelecimento de Coimbra, vieram fundar Burbon. O Paraguay até a serra dos Dourados, e ainda acima dela, dá bom fundo para navegarem Sumacas, e aquém de Coimbra podem passar embarcações de maior porte, como brigues, e outras deste lote. É de presumir que, pelo tempo adiante, se venham a usar barcas de vapor, na navegação deste Rio, o que facilitarja muito as condições fornecendo as suas margens a lenha precisa com abundância.

À vista da Artilharia de Coimbra pode também passar o inimigo, subindo o Paraguay, porque, tendo marcado com Agulha a ponta de cima do morro, que está na margem esquerda, e aproveitando a noite e o vento Sul, que em certas estações do ano é infalível, larga as velas, e navega impunemente. O vento Sul chega a ser tão forte, que faz levantar no Rio grossas maretas, obrigando as canoas, ainda as de major porte, a buscar abrigo, sem demora; e ao menor descuido, as perde, sem remédio; o que tem acontecido por muitas vezes.

O Forte de Coimbra estende-se pela encosta do morro acima; somente as baterias são em plano horizontal, o resto da fortificação é em ladeira; os Quartéis dos Oficiais, e o dos Soldados são inteiramente descobertos: para a parte superior do morro são as muralhas mui baixas; há para aquele lado dois pequenos baluartes, com seteiras, assim como na cortina, que os une, a meio da qual existe um portão medíocre, e além deste mais dois; o principal, que olha para o Ocidente, sobranceiro ao porto geral, e o segundo no outro extremo do Forte, ou das baterias, voltado para o Setentrião, seguindo-se-lhe uma rampa, que vai comunicar com o lugar chamado a Barrinha, onde se acham as casas de alguns dos moradores, e mesmo de vários Soldados, sitas na fralda do morro, do lado do Oriente.

É este Forte dominado por dois padrastos, sendo o mais perigoso, o que está na sua retaguarda, no cume do morro, donde o raio visuar se alonga a grande distância, descortinando a campanha, e o Rio tanto para cima do Forte, como para baixo; o inimigo dá a lei a Coimbra uma vez que esteja senhor deste posto, ao qual se pode subir por diferentes lados, ainda que com algum trabalho. É neste lugar, que deve ser ocupado logo, que haja desconfiança, que julgo indispensável construir-se reduto circular, para cobrir os defensores, que não poderão ser em grande número, atenta a população empregar na fronteira. O padrasto além do Rio é também da província, e por conseqüência a gente que será possível nocivo a Coimbra; estando o inimigo de posse dele, cansará a nossa gente com alertas contínuos; e apoiará as suas comunicações com Burbon.

Tem este Forte 10 bocas de fogo, 9 peças e um Obuz de 6 polegadas: de calibre um, há uma teça de ferro desmontada, de calibre três, 4 peças de bronze montadas; de calibre seis, 2 de bronze e uma de ferro montadas; porém os reparos estão bastantemente danificados; o Obuz não tem leito. De três existem 159 pirâmides, 447 balas, 131 lanternetas, 96 cartuchos embalados, e sem bala 263; de calibre seis, Pirâmides 120; balas com tacos 175; ditas sem tacos 223; lanternetas 84; cartuchos embalados 132; ditos sem bala 50; de Calibre nove, balas 101, cartuchos 96; granadas reais de Obuz 100; ditas de mão 91; ditas descarregadas 53; balas de chumbo avulsas 44 libras: pólvora encartuchada 35 arrobas; dita solta em caixas 85 arrobas. A palamenta e mais dependência d’Arma de Artilharia são em diminuta quantidade. O Armamento de Infantaria chega a 343 Armas com baionetas em bom estado e 34 a reparar; Traçados 33; caixas de guerra 2; azagaias 23, cartuchos embalados 690, arrobas 26; ditas de perdigotos 113; do mais que é relativo a esta Arma, não há provimento suficiente.

A guarnição deste Forte, no ano passado de 1826, constava de 2 Oficiais da Legião de Linha, sendo um Comandante Geral de toda a Fronteira do Paraguay, cujo Comando estende-se até Camapuã; 12 Oficiais Inferiores; e 46 Soldados da mesma Legião; da Companhia de Pedestres, 4 Oficiais Inferiores, e 19 Soldados; e de Milícias um Tambor; todas as Praças fazem o número de 84, que não bastam para satisfazer aos diversos serviços, que são indispensáveis. Coimbra necessita em pé de paz, de um Oficial Comandante, dois Subaltermos um Cirurgião, 50 Soldados de Legião de Linha e 8 Oficiais Inferiores para servir um de almoxarife e outro de Escrivão: e de 66 Pedestres, incluidos os Oficiais Inferiores. Em conseqüência vem a ter a Fronteira do Paraguay em pé de paz, 8 Oficiais; 3 Capelães; 2 Cirurgiões; 26 Oficiais Inferiores da Legião de Linha e 150 Soldados do mesmo Corpo; e de Pedestres 226, com os Inferiores; somam todas as praças 415, das quais 9 não são combatentes.

Onze léguas ao S. O. de Coimbra e por um canal de 5 a 6 léguas de comprido, faz barra, pela direita, no Paraguay, a Bahia Negra, que tem 5 léguas de extensão de N. a S., e recebe as águas dos inundados e amplos campos, que demoram ao Ocidente e ao Meio-dia das serras d’Albuquerque; e é até esta barra, que se estende o nosso domínio no Paraguay, donde, continuando o Rio ao Sul em rumo geral, chega-se, pela Latitude de 21, ao morro, chamado, em outro tempo, de Miguel José, onde existe hoje o Forte Olimpo, de que já falei, primeiro estabelecimento dos Paraguayanos por esta parte, 20 léguas distante de Coimbra, em linha reta.

Para chegar-se de Coimbra à Cidade de Cuiabá, sobe-se o Paraguay e passada a Aldeia da Misericórdia e as bocas dos Rios Mondego e Taquary, encontra-se a união do Paraguay-mirim, que é um braço daquele, com 12 léguas de longo e direção retilínea e 19 de navegação total desde o seu princípio; 7 léguas abaixo da serra dos Dourados, até a sobredita união, pela Latitude de 19.o. É próximo a esta confluência, que à beira do Rio, pela direita, a tromba mais Oriental da serra do Rabixo, que faz parte das serras d’Albuquerque; que mudam a direção ao Paraguay desde a Povoação daquele nome, correndo então direito a Leste, pelo paralelo de 19.o, e descrevendo uma grande curva, ao Oriente das mesmas serras, as quais têm pouco mais de 10 léguas de largo, segue em direção geral ao S. O. até a boca da Bahia Negra, onde muda para o S. E. O Paraguay-mirim corre de N. ao S., descrevendo multiplicadas e pequenas curvas; todavia dá navegação mais curta do que o Paraguay, naquela paragem, que é mister navegá-lo 31 léguas para chegar-se do princípio do Paraguav-mirim ao seu fim; este braço tem, em muitas paragens, 40 braças de largo, e 18 palmos de fundo.

É da maior importância, no sistema de Defesa, o lugar abaixo logo da união do Paraguay-mirim; é ali que se deveria escolher sítio azado para um estabelecimento Militar, que servisse de depósito geral, para fornecer-se Coimbra, Miranda, as barcas Canhoneiras, defesa principal do Paraguay e outros pontos, que forem necessários; e é ali que, fechada a navegação do Rio, pelo que respeita à Província do Paraguay: tem-se aberta, e franca a comunicação com a Cidade de Cuiabá, Villa Maria, e Matto-Grosso; vigiam-se as serras d’Albuquerque, tão recomendadas, protege-se a navegação pelo Mondego, e Taquary, assim como o caminho de terra, que vai para Cuyabá, entrando no de Miranda, e, se o inimigo passar acima de Coimbra, fica exposto a sofrer o ataque de frente e retaguarda.

Seguindo daqui, para O. chega-se à pequena Povoação d’Albuquerque, fundada no Governo do Excel. Luiz d’Albuquerque Pereira de Caceres; à direita, em situação elevada, junto ao ângulo, que descreve o Rio; pois que vindo em direção geral do N. N. E., volta ali para Leste, e no plano que forma um morro no seu cume, e todo ele, bem como vários outros, que fazem parte daquelas serras, são de pedra calcárea: foi olhado este ponto, como importante ao sistema geral de defesa, consideração que, a meu ver, não merece, por não ter os requisitos necessários para tão interessante fim, e porque o inimigo pode penetrar impunemente no interior da Província: subindo pelo Paraguay-mirim, está Albuquerque na Latitude Meridional de 19o 0’ 8”, e na Longitude de 320o 3’ 14”.

Continuando a navegar pelo Paraguay acima chega-se à barra do Rio S. Lourenço na Latitude de 17o 35’, com 75 léguas desde Coimbra; e avançando por este 26 léguas, entra-se no Rio Cuyabá, pelo qual, para chegar-se ao Porto Geral da Cidade do Cuyabá, é preciso navegar-se 72 léguas; vindo a distar este Porto do Forte de Coimbra, pelos Rios 155 léguas. Continuando pelo Paraguay, chega-se, na Latitude de 17o 42’, à boca do canal, que comunica, pela direita, a Lagoa Gaiba, com aquele Rio, e esta Lagoa, prende com a de Uberava de forma circular, de mais de 3 léguas de diâmetro, por outro canal de 4 léguas de extensão, que vai da Gaiba direito ao Norte a entrar na Uberava. Da extremidade Ocidental destes grandes Lagos às primeiras Povoações da Província de Chiquitos, SS. Coração, S. Tiago, e S. João, não há muita distância, com 5 dias de jornada chega-se a elas.

Na Latitude de 17o 33’ começa a ser monstruosa a margem Ocidental do Paraguay, formando-se altas serranias, que do N. para o Sul tem os Nomes da Insua; e em frente à boca do S. Lourenço, está entre outros, o morro da Barra; Pedras de Amolar, único pouso, que se não alaga nas grandes enchentes do Rio, por estar na encosta da dita serra (que tira o nome da qualidade da pedra, de que é formada) e por isso freqüentado sempre dos viajantes; estende-se, no mesmo prolongamento, a serra dos Dourados, abaixo da qual há uma abertura, que vai ao Lago Mandioré, o maior do Paraguay, e tem pouco mais de 5 léguas de comprido: é na serrania dos Dourados, que existem, junto à margem direita, os morros com o nome particular – Caveiras – por ser assassinada, junto a ele, pelos Índios Payaguás, a tripulação de uma conduta, que vinha de Porto-Feliz; e ali tem agora a sua morada alguns Guatós, sendo a principal habitação destes Índios nas margens da Lagoa Uberava: seguem-se logo os morros Chêne, Três Barras, e o da Laranjeira; nesta paragem estreita mais o Rio, porém é de grande fundo.

Para Oeste destas serras, que bordam a margem Ocidental deste notável Rio, prolonga-se uma grossa cordilheira de montanhas, e entre estas e as primeiras, há um grande vale de 20 léguas, e o de 3 de largura; no qual existem de N. para S. as Lagoas Uberava, Gaiba (que por um canal de uma légua de extensão, para O., comunica com a Gaiba-mirim); e Mandioré: a tromba mais setentrional da supracitada cordilheira chama-se Ponta de Limites e fica 7 léguas ao ponto da Lagoa Uberava; por ela vai correndo a nossa Fronteira.

Para o Sul da serra dos Dourados, vão encontrar-se os morros do Securi; fronteiros a um canal de curta extensão, que a força da corrente abriu, e é por onde se navega hoje, poupando-se uma grande volta do Paraguay; depois os de nome Carandá, e Castelo; e mais além estendem-se as serranias d’Albuquerque, e junto à Povoação está a boca de um canal, que traz as águas da Bahia de Caceres, sita ao N. destas Serras; ergue-se a serra do Rabixo; avistam-se as do Jacadigo, e dos Macacos, para o interior da campanha, as quais formam a parte do S. e de O. das Serras d’Albuquerque; depois está junto à margem direita, o morro da Piúva, e o do Conselho, até chegar-se finalmente aos de Coimbra; gastando-se, desde este Forte até a barra do S. Lourenço 13 dias de Navegação, no tempo em que a campanha dá lugar para também se navegar por ela, o que encurta muito a distância, poupando-se voltas, que faz o Paraguay, cuja inundação dura desde Maio até Outubro; isto é quando os Rios, que a causam estão baixos: em águas do Paraguay principiando a descer, torna-se insuportável a navegação deste Rio, por causa dos mosquitos, que, em nuvens, cobrem ambas as margens.

Deixada a barra do Rio S. Lourenço, e continuando a subir o Paraguay, chega-se pela Latitude de 16o 43’ ao morro Escalvado que abeira no Paraguay, pela sua margem Oriental, e forma a ponta Austral das extensas serranias, que dirigindo-se dali a N. N. E., passam pela Jacobina, estabelecimento notável do Tenente Coronel João Pereira Leite, e por onde as corta a estrada, que da Cidade de Cuyabá e do Arraial de S. Pedro de El-Rei, segue para a Cidade de Mato Grosso e vão findar junto às mais remotas fontes daquele formoso Rio. Continuando a navegar por mais 7 léguas, chega-se à foz do Rio Jaurú, junto à qual, na margem direita, e na Latitude de 16o 24’; e Longitude de 319o 52’ 30”, está o marco de limites, colocado ali no ano de 1754.

A poucas léguas da margem meridional do Rio Jaurú, tem princípio, por esta parte, a Província de Chiquitos. As copiosas salinas chamadas do Jaurú, e do Almeida, têm princípio no interior do país e seguem para o S. O. até à Latitude de 16o 19’; o terreno entre as Salinas, e a margem Austral do Jaurú, é alto coberto de boas matas; e para L. da Salina do Almeida estende-se a serra de Burburena, que se comunica, para Oeste com a chamada Pitas, e continuando mais para o Poente, encontram-se as serras, que são cortadas pela estrada geral, que, da Cidade do Cuyabá vai para a de Mato Grosso, 10 léguas distante desta. Pela Salina do Almeida houve caminho que, do Registo do Jaurú, seguia para a Missão de S. João de Chiquitos, mais de uma vez trilhado.

O Ponto da união do Jaurú com o Paraguay, foi notado de grande importância, no sistema de defesa, pelo Sábio Engenheiro, o Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra: e o é na realidade, pelo que respeita à nossa Província para com a de Chiquitos, que dele está mui próxima; cobre a estrada geral, que vai do Cuyabá para Mato Grosso, e seus intermédios estabelecimentos, e defende a navegação limpa pelo Paraguay acima, até quase às suas cabeceiras; e subindo por este Rio mais 7 léguas, a contar da barra do Jaurú; encontra-se, na Latitude de 16o 3’, e Longitude de 320o 2’, Vila Maria, útil estabelecimento, fundado em 1778.

Continuando pela nossa Fronteira de Nascente a Poente e contando do Paraguay, por espaço de 50 léguas e pela Latitude de 16o e 20’ chega-se aos campos logo ao Sul do nosso Posto avançado das Salinas: espaço coberto por pântanos, campos inundados, na estação própria, serranias, e matas; passando à vista da parte Meridional das serras do Agoapehy, onde tem origem o Rio deste nome e o Alegre, cujas fontes principais distam, uma da outra, pouco mais de uma braça, e demoram na Latitude de 16o; correm quase paralelos pelas ditas serras, por espaço de 7 léguas ao N. E., até que abrindo algum tanto, se precipitam pela escarpa do N. das mencionadas serras, formando em baixo a entrada do ístmo de 3900 braças de largura, e desde logo tomam direções opostas: o Agoapehy dirige as suas águas para o Oriente e vai entrar no Jaurú; 3 léguas abaixo do Registo, por onde passa a estrada para a Cidade de Mato Grosso: entra o Jaurú, como disse no Paraguay, e este depois de confundir as suas correntes com as do Paraná, toma o nome de Rio da Prata até entregar as suas águas ao profundo Oceano. O Alegre corre para o Ocidente; e faz barra no Guaporé, meia légua acima da dita Cidade, e este corre para o Rio Mamoré; que conflui no Rio Madeira, que vai engrossar o maior Rio do Mundo, o Corpulento Amazonas; que, bem como o da Prata, vai confundir-se no vasto Oceano. Por esta abreviada descrição dos Rios, que cercam o amplo terreno do Brasil, vê-se que ele se pode considerar como uma Península, fechada ao Setentrião pelo Amazonas; ao Meio-Dia pelo Rio da Prata, Agoapehy e Alegre; ao Ocidente pelos outros Rios; e finalmente ao Oriente pelo Oceano; Península, cujo ístmo, que a liga à Província de Chiquitos, é muito estreito.

Três léguas acima da barra do Alegre no Guaporé, entra pela sua margem esquerda, o Rio Barbados, na margem direita do qual, 7 léguas distante da Cidade de Mato Grosso, pela estrada, e 10 pelos Rios, existe a Povoação de Casal-Vasco, em terreno plano, mas inundado quase todo, no tempo das chuvas, na Latitude Meridional de 15o-19’-46”, e Longitude de 317o-42’. Foi fundada pelo Sargento-mor Engenheiro Joaquim José Ferreira, e por Ordem do General, da Província, o Excel. Luiz d’Albuquerque, no ano de 1781. Tem esta Povoação um palacete para os Governadores da Província, Capela, Casa de Alfândega, Quartéis, Armazéns, algumas casas de particulares e 2 praças muito boas, todos os edifícios são dispostos simetricamente; e as ruas mui direitas, e de boa largura: há ali um Destacamento composto tanto de Soldados da Legião da primeira linha, como da Companhia de Pedestres: o lugar é inteiramente aberto, e vem a servir como de Posto avançado para a Cidade de Mato Grosso; dele saem as patrulhas para guarnecerem os Pontos de S. Luiz, Salinas e Ronda do Sulá o primeiro dista de Casal-Vasco, 4 léguas e um quarto; o segundo 7 e um quarto, e é a nossa última avançada; e deste, correndo direito ao Sueste, por espaço de 10 léguas, encontra-se o posto denominado a Ronda do Sul, distante dos morros do Agoapehy 4 léguas. Em frente a Casal-Vasco, na margem oposta dos Barbados, é o terreno elevado, e assim vai continuando coberto de densa mataria até ao Posto importante de S. Luiz, junto ao qual se forma uma bocaina por este terreno, e mato; e do outro lado, ou a Leste, pelo longo e fechado Capão de João da Rosa.

Todas as campanhas de Casal-Vasco, e das Salinas, são inundadas na estação própria, excetuando alguns espaços um pouco elevados por onde existem diferentes capões, capoeiras e densas matarias; e não só estes obstáculos dificultam viajar-se por aqueles terrenos, não havendo bom prático; mas também o serem cortados de pantanais, corixas, esgotadouros, lagoas e alguns Rios; portanto saindo da estrada geral, vê-se o homem cercado de imensas dificuldades para poder viajar; o que é para nós de grande interesse, a fim de cansarmos o inimigo, e perseguirmos os seus comboys, inutilizando de alguma sorte a vantagem, que ele tem de obter socorros prontos das Missões de Chiquitos; muitas das quais ficam a poucas léguas da nossa raia. Das salinas à primeira avançada dos Castelhanos, chamada a Cacimba, contam-se 2 léguas, e 3 dali a Perupio, onde eles têm um pequeno Destacamento; a estrada, que vai passando por estes pontos, corre direita ao Sul, até que atravessando a grande floresta de S. Anna de 8 para 9 léguas de largura, e de comprimento mui dilatado, chega-se no fim de 2 léguas além dela à Missão de S. Anna, assento do Governo daquela Província, de 2.000 almas, e que demora ao SS. O. da Cidade de Mato Grosso, 31 léguas.

A Cidade de Mato Grosso, está como se acabou de notar, mui próxima à Fronteira, na Latitude Austral de 15o, e na Longitude de 317o 41’, em terreno plano, cercado de pântanos, formados pelo Rio Guaporé, em cuja margem direita existe, e pelo Sararé, que conflui naquele pela direita, 3 léguas abaixo da cidade na Latitude de 14o 51’. O terreno onde ela está edificada, inunda-se quase todo, com a enchente do Rio, não obstante distar dele algumas braças; de maneira, que chega-se a navegar em canoas pelas ruas, que são largas, e mui direitas. O Conde de Azambuja, D. Antonio Rolim de Moura, que foi o primeiro Governador, e Capitão General desta Província, lançou os fundamentos a Mato Grosso em 13 de Maio de 1752.

O Rio Guaporé nasce nos dilatados campos dos Paricis, mui perto das cabeceiras do Juruena, grande confluente do Tapajós, na Latitude de 14o 39’ 48”, e Longitude de 318o 39’; e o Sararé tem princípio nas serras daquela denominação, pela Longitude de 318o 25’ 30”: o Jaurú, Paraguay, e outros muitos rios, têm igualmente as suas cabeceiras nos mesmos campos.

Na Latitude de 16o 21’ tem princípio as serras notáveis, que, dirigindo-se dali a N.N.O., vão terminar 2 léguas a O. do Arraial de S. Vicente, com 40 de extensão total; sendo atravessados, pelos Guaporé e Sararé: as grandes matérias, que as cobrem, deram o nome à Província.

Além de Guaporé, não longe da sua margem, e frenteando a Cidade para O., estende-se o morro do Grão-Pará, e por detrás dele, seguindo o rumo N.N.O. prolonga-se uma comprida cordilheira, que acompanha o Guaporé, a 2 e 3 léguas distante da sua margem esquerda, e termina, abeirando a dita margem, em frente à barra do Rio Piolho, na Latitude de 13o 39’, e no sítio chamado as Torres, nome que provém de um morro destacado e limite daquelas serras, que de longe apresenta uma ilusão ótica, de antigas, e arruinadas muralhas, e fica 11 léguas abaixo da barra do Rio Verde, que vai cortando a mencionada cordilheira, pelo meio do seu prolongamento, até indireitar para o Guaporé: as Torres distam da Cidade, pela navegação de Rio, 48 léguas, e daqui para baixo 33 de navegação, encontra-se pela esquerda, a foz do Rio Paragaçú, na Latitude de 13o 33’ que vem da Província de Chiquitos e nasce entre as Missões de S. Ignacio e Conceição na Latitude de 17o; corre paralelo ao Guaporé, até descair para entrar nele com 60 léguas de curso; e forma a nossa raia, desde a Latitude 14o 11’, até a de 15o 48’.

Da confluência do Rio Paragaçú, com o Guaporé para baixo, até 3 léguas do nosso Destacamento das Pedras, somos senhores privativos de ambas as margens do Guaporé; mais daquele ponto em diante, isto é, do Rio Medíocre, ou baía de S. Simão Pequeno para O. (que entra no Guaporé pela esquerda) possuímos somente a margem direita, pertencendo a esquerda à Província de Moxos; e desta forma continua a raia pelos Rios Mamoré e Madeira, até a Cachoeira de S. Antônio, onde termina.

A baía de S. Simão Pequeno, corre a S. O. N. E., por espaço de 5 léguas e da sua boca à barra do Rio Baurés há 40 léguas de navegação pelo Guaporé, ambos de igual volume d’águas; aquele vem da Província de Chiquitos e nasce pela Latitude de 17o. A distância entre estes dois Rios, por espaço assaz longo, é muito curta, pois não distam entre si mais de 6 até 9 léguas, o que faz, que, nas suas cheias, se possa navegar pelo campo comodamente de um a outro Rio, servindo de muito para este fim, o Rio de S. Martinho, que também entra no Guaporé, pela esquerda, abaixo do S. Simão Grande, que faz barra no mesmo, pela direita.

Três léguas e meia abaixo da foz do Baurés conflui no Guaporé, também pela esquerda, o Rio Itonamas e subindo por ele 30 léguas, chega-se à notável Missão da Magdalena, situada na sua margem Ocidental, na Latitude de 13o 21’ 40”, e Longitude de 313o 13’ 30”; seus habitantes chegam a 9000: é este Rio mui freqüentado pelos espanhóis.

Uma légua e um terço, depois da barra do Itonamas, na margem direita do Guaporé, 190 léguas além da Cidade de Mato Grosso, pela navegação deste Rio, e na Latitude de 12o 26’; e Longitude de 312o 57’ 30”, existe o Forte do Príncipe da Beira, começado em 1776, a fim de proteger a navegação de Mato Grosso para o Pará pelo grande Madeira, e substituir o Presídio da Conceição, que houve em outro tempo, um pouco abaixo, sobre a mencionada margem; está fundado em terreno espaçoso, que declina suavemente para todos os lados, e livre da inundação, que neste lugar, chega a 45 palmos de altura: há uma lagoa próxima ao Rio, que principia 27 braças distante do fim da esplanada, na direção da capital do baluarte, que olha para o S.S.O.

O Forte do Príncipe é Fortificação regular, a melhor que temos em toda a Fronteira; consta de um quadrado de 60 braças de lado exterior, fortificado segundo o sistema do célebre Mr. de Vauban; tem fôsso, estrada coberta, 4 praças d’Armas, e esplanada, entra-se no Forte por dois portões, um que está em frente ao Rio e outro a meio da cortina, que olha para o N.N.O., que é principal; cada baluarte 14 canhoneiras, 6 nos flancos, 8 nas faces e 10 braças de gola. As capitais seguem a direção do N. 1/4 N.E., ao S. 1/2 S.0.; e de O. 1/2 N.O., a E. 1/2 S. E.: os Quartéis, Armazéns e Hospital estão postos em ordem simétrica, ao longo das faces do quadrado interior; e em frente deste existem os Quartéis do Governador, Oficiais, a Capela, que fecham a praça interior, que tem 24 braças de lado, e no centro a entrada de um aqueduto, que vai para o Rio, seguindo a capital do baluarte, que olha ao O. 1/2 N.O. as saídas da praça interior são todas de boa largura para manobrarem os defensores, tanto pelos ângulos da mesma praça, como pelas ruas a meio dos lados; igualmente são espaçosas as comunicações entre o terrapleno, e os Quartéis. O Guaporé forma, em frente ao Forte, uma enseada não pequena.

Tem esta Fortaleza 6 peças de calibre 6 em bom estado, e 7 de calibre abaixo de libra, que julgo servirem de bem pouco, ou nada para a defesa; a reparar existem 3 peças de calibre 3, e 5 de calibre inferior a um, carretas há 12, espeques 107, pés de cabra 8, soquetes e lanadas 40, cuxaras 14, diamantes 52; polvarinhos 35; sacatrapos 20; busca-vida 1, palanquetas 208, balas 1802, latas com metralha 222, porta-cartuchos 3, cartuchos 816, pólvora em bom estado 56 arrobas e em total ruína 63.

Pelo que pertence ao Armamento de Infantaria, tem o Forte 375 Armas, 393 baionetas, 51 bandoleiras, 159 cartucheiras, 240 boldriés, 118 espadas, 126 facões, 3 caixas de Guerra, 9223 cartuchos, 183 arrobas e meia de balas de chumbo e 43 de perdigotos; os mais utensílios são poucos.

A Guarnição consta de 5 Cabos da Legião da Primeira Linha, 3 Anspeçadas e 18 Soldados: da Companhia de Pedestres, e Agregados há 5 Anspeçadas e 22 Soldados: da segunda Linha existem 2 Sargentos, 2 furrieis, 6 Cabos, 3 Tambores e 56 Soldados, somam todas as Praças desta Guarnicão 122. Cumpre notar que quase todos os Milicianos são moradores no Distrito do Forte: a Fazenda Pública possui ali 21 escravos dos quais estão 5 no Destacamento do Ribeirão; e dos particulares há 25.

Do número 122, total das praças da Guarnição, existe 1 cabo de la. Linha servindo de Escrivão e 1 Soldado por seu Ajudante; 1 Soldado serve de Enfermeiro, outro de Feitor do pequeno Engenho; e 1 Anspeçada de Fazendeiro: em diligências nas Rondas, há 1 Anspeçada, e 4 Soldados: da Companhia de Pedestres e Agregados estão empregados, nas Obras Públicas, 1 Anspeçada e 1 Soldado; por Feitor 1 Soldado, na Horta 1 dito; no Curral 3 ditos, e na Ferraria 1 dito: em diligência nas Rondas 1 Anspeçada e 7 Soldados: pelo que pertence à Segunda Linha serve de Almoxarife 1 Tenente; nas Obras Públicas 3 Soldados; em diligências nas Rondas 2.

Tem este Forte debaixo da sua dependência 2 Destacamentos, ambos na margem direita: o das Pedras está acima do mesmo Forte 48 léguas, pela navegação do Rio; consta a sua Guarnição de 3 Soldados da Legião de Linha e 4 Pedestres, e Agregados. O do Ribeirão existe na margem direita do grande Rio Madeira, junto à cachoeira e ao Rio do mesmo nome, que é aurífero e vem das serras dos Paricis: está a cabeça desta cachoeira na Latitude de 10o 4’, e tem 1 légua, e quase meia de comprido: as embarcações são aqui totalmente descarregadas, e o varadouro é de 750 braças. A Guarnição deste Posto, que dista do Forte do Príncipe 66 léguas, pelos Rios, é pequena, consta de 1 Furriel, e 3 Soldados da Legião de Linha: da Companhia de Pedestres, e Agregados 5 Soldados; e 5 escravos da Fazenda Pública e um particular. Está este Destacamento uma légua abaixo da junção do Mamoré com o Madeira, a que os espanhóis chamam Beny e 45, a contar da confluência do Guaporé no Mamoré.

A união do Mamoré com o Madeira está na Latitude de 10o 22’ 30”, e daqui até entrarem as suas águas no Amazonas, contam-se 245 léguas; e à cachoeira de S. Antonio, limite da nossa Fronteira, por este lado, são 57; ela é a primeira, que se encontra, subindo o Madeira, que tem às suas cabeceiras pela Latitude de 13o, passando uma das principais pela Cidade da Paz e junta-se ao Mamoré, com 250 léguas de curso; e este nasce pela Latitude de 18o nas serranias entre Cochabamba e a Cidade da Paz. Em frente à junção destes 2 corpulentos rios há sítio azado para a construção de um Presídio, que seria de grande vantagem, fechando por eles a navegação.

O Forte do Príncipe, como disse está entre as confluências dos Rios Baurés, e Itonamas, 5 léguas abaixo daquele, e légua e meia deste: e acima da barra do Mamoré 21, e por terra 12; posição própria para se expedirem Rondas, a fim de vigiarem as saídas dos mesmos Rios, devendo-se porém construir Presídio, aonde existe o Destacamento das Pedras, na Latitude de 12o 52’ 35”, e Longitude de 314o 37’ 30”, lugar, que se não alaga; para dali impedir-se a subida pelo Guaporé ao inimigo, que pode penetrar nele, como se viu navegando pelo campo, e depois pelo pequeno Rio de S. Martinho; havendo mais um Destacamento de observação, no lugar das Tôrres, que fecha a navegação superior do Guaporé, e dista da Cidade de Mato Grosso, pela navegação do Rio, 48 léguas.

Divide-se a Província de Mato Grosso, em dois grandes Comandos Militares: o Primeiro tem por lugar principal a Cidade do Cuyabá; e pertencem-lhe os Comandos de Coimbra, Miranda, Povoação d’Albuquerque, Registo de Camapuã, Registo do Rio Grande, ou Araguaya, Diamantino, Vila Maria e Registo do Jaurú.

O Segundo Comando Militar, é o seu lugar principal a Cidade de Mato Grosso, ao qual estão sujeitos os Comandos de Casal-Vasco, Forte do Príncipe, Destacamento das Pedras, o do Ribeirão e o de S. Luiz, junto da Catadupa de S. Theotonio, na margem direita do Madeira e Latitude de 8o 52’; pouco acima da cachoeira de S. Antonio.

A Força Militar do Primeiro Comando consta de um Tenente Coronel do Estado Maior do Exército; e da Legião da Primeira Linha um Tenente Coronel, que a Comanda, um Major-graduado, 2 Capitães efetivos, 2 ditos graduados, 3 Tenentes, 7 Alferes, e 1 agregado, 12 Sargentos, 8 Furriéis, 16 Cabos de Esquadra, 1 Corneta-mor, 4 Cornetas, 1 Tambor, Anspeçadas e Soldados 173; somam todas as praças 232.

Da Companhia de Pedestres, Alferes 1; Sargentos 4; Cabos de Esquadra 15; Anspeçadas 8; Pifanos 1; Tambores 2; Soldados 180; todas as praças somam 211.

Da Legião da Segunda Linha, Tenente-Coronel 1, Ajudante 1, Sargento 1, Porta-Estandarte 1, Cabos de Esquadra 6, Tambores 8, Soldados 33, somam todas as praças 46.

Soma total das praças que guarnecem os diversos pontos Militares do Primeiro Comando 849.

O Segundo Comando Militar, com os Destacamentos da sua dependência, tem a força de 1 Tenente da Legião de Linha, 1 Sargento, 9 Cabos, 51 Anspeçadas e Soldados; todas as praças somam 62.

A Companhia de Pedestres, tem 3 Sargentos, 21 Cabos de Esquadra, 21 Aiispeçadas, 1 Pifano, 2 Tambores, 210 Soldados; somam todas as praças 258.

Todas as praças pertencentes ao Segundo Comando Militar, somam 320.

Total geral da Força Militar empregada em toda a Província: pelo que pertence à Legião de Primeira Linha 293.

À Companhia de Pedestres 469.

À segunda Linha 46.

Total da Força Militar efetiva empregada nos diferentes Destacamentos de toda a Província 809 entrando o Tenente Coronel de Artilharia, adido ao Estado Maior do Exército.

O total do Estado efetivo da Legião de Milícias, pertencente ao Primeiro Comando Militar, compreendido o Estado Maior e as três Armas de Artilharia, Cavalaria e Infantaria, é de 1365 praças.

O total, também do Estado efetivo da Legião de Milícias, que pertence ao segundo Comando Militar, ou da Cidade de Mato Grosso, compreendendo o Estado Maior e as três Armas, é de 521 praças.

Todo o Corpo Miliciano, das duas Legiões de Cuyabá, e Mato Grosso, com 287 praças das 4 Companhias de Milícias do Paraguay, sendo 1 de Cavalaria, e 3 de Infantaria; e também com as companhias avulsas de Albuquerque, Casal-Vasco, e Forte do Príncipe, que fazem o cômputo de 163 praças, formam, uma força total Miliciana de 2336 praças; as quais juntas às 293 da Legião de la. Linha, e às 469 da Companhia de Pedestres, fazem uma soma total de 3.098 praças, em toda a Província de Mato Grosso.

A artilharia, que existe no primeiro Comando Militar, consta de 2 Obuzes de 6 polegadas, e 1 de 4; 2 caronadas de calibre 12,5 peças de ferro de calibre 6, 12 ditas de bronze de calibre 3, 1 dita de ferro de calibre 3, 6 ditas de ferro de calibre 1; soma total das bocas de fogo 42.

O Armamento de infantaria consiste em 909 Armas prontas, 1351 a reparar, 2284 baionetas, 118 terçados de Caçadores em bom estado, e 70 a reparar, folhas de terçados 59, granadas de mão 1204.

A Cavalaria tem 22 clavinas em bom estado e a reparar 119, pistolas 284, e 58 a reparar, espadas direitas 298 e a reparar 34, espadas curvas a reparar 119 e finalmente balas de chumbo para mosquetaria 89 arrobas.

As munições de Guerra consistem em 200 granadas para Obuzes de 6 polegadas, 25 lanternetas para Obuz de 4 polegadas, 101 balas de calibre 9, 1.700 de calibre 6, 816 de calibre 3, 900 lanternetas de calibre 6, 397 pirâmides de calibre 6, 292 balas de 8 onças, 8196 cartuchos embalados para Infantaria, 434 lanternetas de calibre 3, 159 pirâmides de calibre 3, 96 cartuchos de pólvora para peça de calibre 9, 588 cartuchos de pólvora para peça de calibre 3, 184 arrobas de pólvora em bom estado, não encartuchada e 44 arruinadas.

FIM

Cuyabá 16 de fevereiro de 1826.

N. B. Não trato da Artilharia, Armamento e munições de Guerra do Comando Militar de Mato Grosso, por não haverem chegado ainda os Mapas competentes.


APÊNDICE

SOBRE O RECONHECIMENTO DA FRONTEIRA DE MATO GROSSO, PARA O LADO DE S. ANNA DE CHIQUITOS; O QUAL TEVE PRINCÍPIO NA CIDADE; FEITO NO ANO DE 1820, POR LUIZ D’ALINCOURT, SARGENTO MOR ENGENHEIRO

 

PARA, da Cidade de Mato Grosso, se entrar no Rio Alegre, sobe-se o Guaporé, e a meia légua, com pequena diferença, distante do Porto da Cidade, está a barra daquele Rio, que vem cortar a margem esquerda deste. O Alegre é estreito, e suas margens pouco altas e cobertas de arvoredo, o seu curso mui tortuoso; de maneira que chega a descrever todos rumos de Leste a Oeste pelo Sul, em espaços curtos; navegando-se por ele acima légua e meia, entra-se em um tanque espaçoso, e de vagarosa corrente, no tempo da seca, a meio do qual, e na margem direita, está o pequeno Engenho de Luiz Pereira, este rio corre em direção geral ao Norte, e do Engenho para baixo, é o terreno mais alagado do que para cima, no tempo das chuvas. O grande pantanal do Perí, que fica da parte direita do Guaporé, vai desaguar neste rio, um quarto de légua acima da barra do Alegre, e só nos meses de julho, agosto, e setembro dá passagem, em certo lugar, em alguns anos, até meado de outubro.

Partindo da Cidade por terra, no tempo da seca, vem atravessar-se o pantanal do Perí, passa-se o Guaporé e na margem oposta, está a Fazenda e Engenho de Francisco de Bastos Ferreira, onde principia a estrada para Casal-Vasco, que segue em rumo geral ao Sul, e corre junto das casas do Tenente Ignacio de Bastos Ferreira, que distam das do antecedente, coisa de 800 braças: daqui vai para a Fazenda do defunto Barata, situada na margem direita do rio Alegre, que na distância de três quartos a uma légua, se junta ao rio Barbados: a casa do Barata fica cinco léguas distante da passagem do Bastos. O terreno, por onde se dirige a estrada, é geralmente alagado, no tempo próprio, e a maior distância a que se aparta dela o rio Alegre, tem três quartos de légua. À direita, e esquerda da estrada, é o terreno cortado por alguns fechados campões, que chegam, da parte direita, a findar na margem do Alegre, e os da esquerda, que são mais longes, vão fechar alguns no Guaporé e nas serranias a Leste; portanto fica o terreno deste lado cortado por estas matas: a estrada tem três passos estreitos, fechados à direita e esquerda por densos campões; e vem a ser o 1.o Trahiras, 2.o Cabeça de Preto, e o 3.o Chapeo de Sol. Todo este terreno é semeado de gado vacum, e algum cavalar.

Há outra estrada, que se costuma seguir no tempo das águas, e se despreza no tempo da seca, por ser mais longa, e ter duas passagens até ao Barata: passa-se o Guaporé defronte da Cidade e segue, acompanhando a margem esquerda do mesmo, até pouco acima dos Paióis do Engenho do Capitão Velloso, e defunto Capitão Vieira; e logo acima deste sítio vai acompanhando a margem esquerda do Alegre; e tocando o Engenho do Capitão Joaquim Vieira, vai atravessar este rio no sítio, que foi do Tenente Coronel Domin gos Mendes, corta os campos de Luiz Pereira e vai unir-se à estrada já mencionada, junto ao grande capão das Trahiras, donde segue para o Barata, como fica dito. Esta estrada é inundada, no tempo de águas, que chegam até as barrigas dos cavalos; o terreno não atola, à exceção do que fica junto da Cabeça de Preto.

Acima dos capões já citados, para a parte do Oriente, há uma extensa campanha, cortada por pequenas capoeiras, e alguns outros capões, e geralmente alagada, no tempo da estação própria e fechada ao Norte pelo Rio Guaporé, ao Sul pelo rio Alegre, e ao Oriente pela comprida serrania, que tira o nome deste rio, porque nela tem suas cabeceiras, na Latitude de 16o. Neste mesmo terreno, a margem esquerda do Guaporé é coberta de arvoredo; mas, na distância de 5 léguas da Cidade, principia uma larga, e extensa mata que vai unir se à espessa Floresta, que acompanha toda a baixa dos morros do Alegre; Floresta que segue da margem esquerda do Guaporé para o Sul, acompanhando os ditos morros e serranias; afastando-se dela uma légua em partes menos, até entrar pelas terras de Castela; além do morro de nome Agoapehy, derivado do rio, que faz contra-vertentes com o Alegre, e que vai desaguar na Jaurú, 3 léguas abaixo do Registo deste nome. As margens do Alegre, que desde a barra do Barbados toma a direção geral para o Sueste, são cobertas de matos, que acompanham até as suas cabeceiras, sendo mais espessos e largos os da margem esquerda.

Passado este rio, junto às casas da Fazenda do Barata, atravessa-se o mato da sua margem esquerda, que é uma excelente barreira, e vai-se puxando um pouco ao Sudoeste para Casal-Vasco, aproximando-se cada vez mais à margem direita do Barbados: o terreno é todo plano, e alagado, na estação própria, exceto naquelas paragens, onde há capes, dos quais os notáveis, que tocam a estrada, são o da Fumaça à direita e mais além uma lagoa, com pouca diferença, o do Córrego do Cágado, que vem findar na estrada pela parte esquerda e é muito mais comprido, que o antecedente; dali a Casal-Vasco a distância é curta. Contam-se duas léguas e meia, desde o Barata até esta Povoação, e além dela légua e quarto, passa-se o rio Barbados, no lugar chamado a Passagem, dirigindo-se até aqui a estrada próxima à margem direita do mesmo rio, o qual, até este ponto, corre em direção geral do Sueste, desde que passa a três léguas e meia, pouco mais, ou menos, dos morros do Alegre, e nasce nos morros, e matarias do Agoapehv, da parte de Chiquitos.

Entre o rio Alegre, e o Barbados há uma extensa campanha, que tem princípio na grande mataria dos morros do Alegre, e que é por ali mui plana, e descoberta; e desta forma vem puxando para os campos de Casal-Vasco, que são semeados de alguns capões: em meio dos ditos campos tem princípio o ribeiro Barbadinho, que vai fazer barra no Barbados um pouco acima da Passagem: esta campanha em geral é alagada, no tempo das águas. À direita e à esquerda do Barbados, e junto a ele, formou a natureza unidas bacias maiores, ou menores, divididas e cercadas por linha de arvoredo, que igualmente as separam do campo, e que parecem dispostas pela arte; as quais se enchem de água, no tempo próprio, e a conservam até entrar muito pela seca, esgotando pouco a pouco para o rio; e apesar dele dar vau nesta época, é mister ser muito prático, para entrar-se nos lugares, em que ele dá passagem, que são mui poucos: em todos os mais pontos é dificultoso o trânsito, por causa dos atoleiros, que oferecem as bacias.

Da Passagem segue-se para o Posto de S. Luiz, a estrada deixa à esquerda o rio Barbados, vai passar a Leste do capão do Lobo; e deixando, à esquerda, a antiga, que corre direita ao posto das Salinas, inclina a nova um pouco ao Sudoeste, e mio fim de três léguas, com pouca diferença, chega-se a S. Luiz, caminhando por um terreno plano, e cortado por muitos, e pequenos serrados, capões, e capoeiras; e ao Sueste dela tem princípio o grande e extenso capão de João da Roza, que antes merece o nome de uma comprida mata, que se alonga na direção do mesmo rumo, e vai findar légua e meia pouco mais ou menos, a Oeste do Rio Barbados. No Posto importante de S. Luiz, principia outra mui dilatada matéria, e entre este ponto, e o capão de João da Roza, há uma bocaina de fácil defesa. Junto a S. Luiz passa o Sangrador da Bahia Grande, que tem o nome de Peri, e vai unir-se, correndo a Les-nordeste e cortando estes campos, à grande cinza, que é outro esgotadouro da campanha, que vai correndo junto ao capão de João da Roza, pelo Noroeste, e conflui no Barbados, acima do curral do Barbadinho: sangradouros, que se tornam em caudalosos Rios, no tempo das águas. De S. Luiz segue-se para as Salinas, último Posto das nossas avançadas, e que fica três léguas distante do antecedente; a estrada continua muito plana, por uma campanha dilatadíssima, e clara, tanto para a esquerda, como para a direita, e alagada toda, no tempo próprio; atravessa-se o sagradouro da cinza e marchando perto dele faz-se uma pequena volta, carregando à esquerda, entra-se em um serrado, e costeando-se o mato das Salinas, chega-se a este Posto, cujo mato se estende do mesmo Posto para o Sueste, ou para o lado da Ronda do Sul, na distância de 4 léguas, pouco mais ou menos, e vai findar em um serradão, que se alonga para a parte de Castela, na direção do Sudoeste; no qual tem princípio outro mato, já em terras de Chiquitos, que se dirige para o Susueste

Entre o capão de João da Roza e o mato das Salinas, há um campo claro, e dilatado, também coberto de águas, nas chuvas, que vai findar ao Sueste, na bocaina que formam estes matos que é um bamburral alagadiço e além dela novos campos se apresentam da mesma sorte alagados, que vão terminar, matizados de algumas pequenas capoeiras, no Rio Barbados, Ronda do Sul e dali se estendem para Chiquitos.

Das Salinas à nossa Ronda do Sul, a rumo do Sueste, contam-se 10 léguas e da Ronda ao cabeço do morro do Agoapehy 4; deste morro ao morro de Castela, assim chamado, que fica ao Sul, há uma grande bocaina coberta de mato virgem, e por detrás dele estende-se um serradão, aonde existe junto ao morro de Agoapehy, um alojamento de Índios Bororós: a Ronda do Sul está mui próxima à margem esquerda do Barbados. A estrada das Salinas, para a Ronda do Sul, corre no prolongamento do mato das Salinas, que lhe fica à esquerda e à direita segue o sangradouro da cinza, que, a meia distância do comprimento do dito mato, se lhe vem unir um ramo, correndo da grande mataria de S. Anna de Chiquitos, e costeando a estrada Geral, pela parte esquerda até Perúbio, donde tomando a direção quase ao Nor-nordeste, vai entrar na Cinza no sobredito ponto: a Cinza, acompanha a estrada da Ronda do Sul, pela direita, desde o fim do mato das Salinas, e até ali corre dos campos de Chiquitos, atravessando diversos serradões, e seguindo rumo geral da S.S.E. a N.N.O.

Das Salinas segue a estrada para a Capital de Chiquitos, direito ao Sul, e na distância de 2 léguas, fica a Cacimba primeira avançada dos Castelhanos, e continuando a caminhar ao mesmo rumo, chega-se no fim de 3 léguas a Perubio, segunda avançada e além mais uma légua à Estância de S. Lourenço; dali a outra légua à de S. Antônio, e avançando outra à de S. Firmino; depois à de S. Miguel, adiante mais légua e meia, e contando outra légua e meia à de S. Belchior, e desta 2 léguas à de S. Joaquim: finalmente avançando mais 2 léguas chega-se à entrada do fundo e extenso mato, grande barreira dos Castelhanos, por este lado. Todas estas Estâncias só têm valor pelo nome e nenhuma pela fôrça elas são ocupadas por meia duzia de Índios e mesmo algumas estão atualmente abandonadas.

A grande floresta, chamada de S. Anna, estende-se pira Oriente, e Ocidente, a perder de vista; e tem de fundo, no lugar, em que atravessa a estrada Geral de Norte ao S., 8 léguas, e no fim de uma, a contar da estrada, existe uma arruinada estacaca, que fechava o caminho: acabadas as 8 léguas de mato, entra-se em campos, e daí a 2 léguas está a grande Missão de S. Anna assento atual do Governador de Chiquitos. O terreno todo, por onde estão colocadas as sobreditas Missões, é plano, e alagado no tempo próprio, e se alonga para a direita, e esquerda da estrada, sendo cortado por diversos capões e serrados.

Tenho descrito as particularidades do terreno do lado do Oriente do rio Alegre até fazer barra com o Barbados e pelo mesmo lado, desde este rio até a passagem acima do Casal-Vasco e dali, pela parte esquerda da estrada Geral até S. Anna de Chiquitos; terreno fechado ao Nascente, pelos grandes morros de Castela, Agoapehy e rio Alegre; ao Norte pelo Guaporé; e pelo Sul vai confinar com a grande mata de S. Anna. Besta mostrar a qualidade do terreno, que fica ao Poente desta mesma direção geral.

Para Oeste da Cidade de Mato-Grosso, na distância de 2 léguas, prolonga-se o morro do Grão Pará do Sul quarta de Sudoeste para o N. quarta de Nordeste; forma um grande cabeço ao Sul, e daí parte outro ramo ao Poente; este morro é assaz elevado, e pelo lado oposto, no interior dos dois ramos, tem uma lagoa e é o terreno cobertos de mato. Abaixo da Cidade faz o Guaporé um cotovelo, tomando a direção quase direita ao morro; e voltando logo passa pelo Engenho de Manoel Caetano, que fica na margem esquerda e vai-se dirigindo ao Norte acompanhando o prolongamento do dito morro. Acima da passagem, defronte da Cidade, segue um caminho, que adiante divide-se em dois; um vai para o Engenho de D. Luiza e outro para o Engenho do Veloso; todo este terreno é coberto pela grande mataria, que tem princípio entre o morro do Grão-Pará, e o Guaporé, e que pela parte do Oriente, estende-se muito próxima à margem esquerda do Alegre, cobre a Bahia Rica, pelo lado de Oeste, segue pela esquerda do Barbados até a passagem; e então corta direito à Bahia do Serro e descrevendo uma curva, vai fechar no Posto de S. Luiz, donde inclina para a Bahia Grande, e acerca pelo Oriente; depois dirige-se a findar na tromba de morro do Grão-Pará e além do chamado Morrinho, Floresta assaz espessa e intransitável. Seguindo a margem esquerda do Alegre, temos, além do sítio de Domingos Mendes e acima do Sangradouro das Trairas, o sítio de Maria Ursula, depois o de Morcego; segue-se a este o de Joaquim Gomes; e mais adiante está à direita a Bahia Rica, e à esquerda a barra do Barbados, e além mais afastado um um pouco deste rio, existe o Engenho do Barata: marchando por este terreno, encontra-se a Roça da Fazenda Pública e a dos Índios de Casal-Vasco; dali até a passagem continua o terreno a ser elevado, e mui coberto de mato, formando uma curva para o Poente, até que depois vira findar em S. Luiz. Desde a Passagem até S. Luiz, para a direita da estrada, é o campo todo cortado por capões e vai terminar na grande mataria de S. Luiz; deste Posto para a Passagem há outro caminho mais curto, que vem cortando o terreno à direita da estrada atual e segue junto do Lobo pela parte de Oeste. Logo acima de S. Luiz vem correndo o sangradouro do Peri, seguindo o prolongamento do grande mato, tendo recebido as águas da Bahia Grande, na distância de uma légua, da qual para o Sudoeste, a duas léguas e meia de S. Luiz, para Oes-noroeste, fica o morro da Bahia Grande, onde principia outra extensa mataria, de nome S. João, que formando uma entrada notável, perto daquele morro, avança depois, e se dirige ao Sul para o morro de S. Roza, já em terras de Castela e 6 léguas distante do da Bahia Grande. Deste grande mato até a estrada das Salinas e Perubio, há uma campanha larga e alagada, na estação própria, cortada por diferentes capões e serrados. Em todo o prolongamento da sobredita mataria, corre o sangradouro chamado o Córrego Grande, até ao lugar, em que o mato faz entrada para Leste, e então vira direito a fazer barra no Peri um pouco ao Poente de S. Luiz.

Casal-Vasco está na Latitude de 15o 19’ 46” e Longitude de 317o 42’: é Povoação fundada em 1781; pelo Sargento-mor Engenheiro Joaquim José Ferreira, por Ordem do Excel. Luiz d’Albuquerque Pereira de Caceres: havia ali antes da fundação e tinha a sua morada no lugar aonde está hoje o Palácio, o Alferes Bartholomeu da Cruz, natural do Cuyabá e sua mulher Anna Antunes Belem, que faleceu no ano de 1819, com 90 anos de idade; igualmente era morador neste sítio Custodio José da Silva, natural de Portugal, e nele possuía uma fazenda de gado; daqui passou a fundar a grande Fazenda da Cutia, que ainda existe hoje, perto do Cuyabá.

À vista da descrição destes terrenos, fica fácil ao Oficial entendido conhecer quais são os Pontos Militares mais importantes, para o sistema de defesa, que deve adotar.

NOMES DOS COMANDANTES, QUE TÊM HAVIDO NESTA POVOAÇÃO ATÉ 1821

1o. Sargento-mor Engenheiro, Joaquim José Ferreira
2o. Tenente de Artilharia Ignácio José Nogueira.
3o. Alferes Francisco Pedro de Mello.
4o. Alferes João Pereira Leite, que é hoje Tenente Coronel
5o. O Alferes de Pedestres Joaquim Vieira Passos, capitão hoje de Milícias.
6o. O Tenente de Pedestres Manoel Ribeiro Leite, que chegou a Tenente Coronel.
7o. O Ajudante de Milícias Alexandre Boeno Lemos de Menezes.
8o. O Capitão Francisco Pedro de Mello, pela segunda vez.
9o. O Capitão Flaviano José de Matos Coelho.
10o. O Tenente Luiz Antonio de Souza.

FIM


NOTAS

[*]Nota do Editor: Apenas os tópicos em maiúsculas constam do Índice da edição em papel, colocado no fim do exemplar digitalizado, o de número 97, da tiragem especial em papel “vergé”, constante de 100 exemplares. Os toponímios, os conservamos, seguindo o procedimento da edição de 1953, na grafia original. Como se procedeu a apenas uma revisão, prováveis erros de digitalização (esperamos que facilmente detectáveis) podem ter ocorrido – eBooksBrasil
(1) – Do volume publicado na Tipografia Imperial e Nacional, cujo texto se reproduz aqui, não constam os anexos e ilustrações mencionados pelo autor. – N. da R.
(2) – Toda a cal da Província, que é muito boa, sai das Ostreiras de S. Vicente, e de Santos, Conceição, Iguape, e Cananéia; as quais foram formadas pelos Índios Maramomes; que vinham, em certos meses do ano, fazer a pesca de várias qualidades de marisco, com o qual se sustentavam, formando montões das conchas, que, com o tempo se desfizeram, e petrificaram grande parte delas, tornando-se em uma massa mui rija, de maneira que é preciso usar-se de marrões, e alavancas para se quebrar, a fim de ir aos fornos.
(3) – Com muita facilidade se podem conservar por largos anos, e em estado de serviço, as peças de ferro; pois que temos junto à Vila de Abrantes, na Província da Bahia, uma excelente mina de Granito, descoberta em 1816, quando fui com o Sargento Mor Guilherme Christiano Feldner, à exploração do carvão de pedra, e é o sétimo lugar do Mundo, onde se sabe que existe o dito mineral; com ele faz-se uma excelente composição para conservar e preservar das injúrias do tempo, toda a obra de ferro: os Ingleses têm dele tirado grandes vantagens, e lhe devem o bom estado de sua Artilharia, pela untura, que de meses em meses dão às peças, e a todas as máquinas de ferro; o que até diminui consideravelmente o atrito: do nesmo mineral se fazem lápis de diversas qualidades e unta-se pedaços de couro, para assentar o fio às navalhas de barba, e a outros instrumentos cortantes.
(4) – Quer dizer, em linguagem Indiana, lugar donde se vê o mar.
(5) – Mirim, significa pequeno: Guaçu, grande.
(6) – É notável o aumento, que tem experimentado a povoação da estrada do Cubatão a S. Paulo: em 1818 eram raros os moradores; no princípio deste ano, 1823, encontram-se a cada passo. Embora trabalhem nossos inimigos por fazer retrogradar os progressos do Brasil, não o conseguirão de certo, transtornar o que a pródiga natureza nos concedeu, não é obra dos homens. Não muito distante da Cidade existe o célebre lugar chamado Piranga, que sempre será decantado nos Anais Brasílicos por ser onde o Grande, Imortal Pedro Primeiro proclamou pela primeira vez a nossa Independência ditosa.
(7) – Hoje Imperial Cidade do Ouro Preto, 1823.
(*)catalico na fonte digitalizada. (N.E.)
(8) – Os pimeiros Vicentistas deram o nome de campo ao terreno da serra acima, para o diferenciar das terras do beira-mar, aos quais acharam muito cobertas de arvoredo, o que não acontecia em todas as vizinhanças de S. Paulo, que por natureza eram descobertas, e unicamente pequenos capões, ou capoeiras (assim denominam os bosques curtos, e fechados) se divisavam.
(9) – Nasceu Anchieta em 1533 na Ilha de Tenerife, filho de pais nobres e ricos, e desde seus tenros anos principiou a abrasar-se no Sagrado fogo da verdadeira Religião; veio para o Brasil, com outros Missionários da sua Ordem, em 1553, na companhia de D. Duarte da Costa, segundo Governador Geral, que foi do Estado.
(10) – As informações de Anchieta sobre a casa dos jesuítas não constam de carta a Santo Inacio e sim da Quadrimestre de maio a setembro de 1554 e vem reproduzida na que endereçou em 1555 aos Padres e Irmãos da Companhia em Portugal. C. Anchieta, Cartas. Informações. Fragmentos Históricos e Sermões (Rio de Janeiro, 1933), pp. 43 e 73. O A. engana-se ainda na reproduQão dessas informações escrevendo «pés» onde deveria estar «passos» – N. da R.
(11) – A carta régia elevando S. Paulo à categoria de Cidade traz a data de 24 de julho de 1711. O ano da criação do Bispado tem sido matéria controvertida, pronunciando-se alguns pelo ano de 1745. Em favor da data de 6 de dezembro de 1745 encontra-se decisiva documentação em J. P. Leite Cordeiro, A Criação da Diocese de S. Paulo (S. Paulo, 1945), pp. 56, ss. – N. da R.
(12) – Pequeno animal da Ordem Entomológica, que vive à maneira das formigas.
(13) – Hoje acha-se desbastado o arvoredo aos lados do caminho.
(14) – Em Sorocaba é onde se faz grande negócio nas bestas bravas que vêm do Sul.
(15) – Hoje há quase o triplo. (1823).
(**)Fonde na fonte impressa. Fonte? [N.E.]
(16) – Entre estas duas confluências tem o Tietê grande número de cachoeiras.
(17) – A capivara é um animal anfíbio, do tamanho de um capado de duas arrobas, com o focinho semelhante ao da paca, e o corpo como o da anta, sua cor é russa, não tem cauda; a sua carne é insípida, e muito carregada, porém o couro estimado.
(18) – Desde Setembro de 1818, até o princípio de 1823 tem crescido consideravelmente em propriedades: o negócio é aí grande; a cada passo encontram-se armazéns de tudo quanto se precisa, algumas lojas de bebidas, e um bilhar; notam-se muitas casas acabadas de fresco, e outras a construir-se, os habitantes tratam-se com muito luxo, e gosto em seus vestiários; finalmente já não merece o nome de pequena Vila.
(***)Bairo na fonte digitalizada. Bairro? [N.E.]
(19) – Hoje existe grande número de casas arruadas, 1823.
(20) – Estes preços estão mais alterados com o aumento da população.
(21) – Este sítio, que dista da Vila légua e meia, tira o nome de um ribeiro, que lhe passa junto, a que os antigos chamaram Anhumas, de umas aves deste nome que ali apareciam.
(22) – É já falecido.
(23) – É notável o estratagema, de que usou o primeiro Anhanguéra, quando se viu apertado pelos índios no Rio Grande; ele os ameaça que ia lançar fogo a todo o país, se lhe fizessem o menor dano, do que lhes mostrava a prova; então lança pela terra a aguardente de um barril, comunica-lhe fogo, e com isto ficam pasmos, e sujeitos os índios os quais, por causa deste, e de outros estratagemas, e por ele ser velho, o apelidaram Anhanguéra, que significa diabo velho.
(24) – É grande o prejuízo público, que julgo resultar de tão avultadas pagas de passagens, repetidas em tantos rios. É indubitável que a Agricultura, estabelecida debaixo de um sistema de racionáveis princípios, forma a verdadeira felicidade, e riqueza dos Estados. As Nações modernas compõem-se de três grandes classes de homens; Agricultores, Fabricantes, e daqueles, que destinados a outros trabalhos e empregos do Estado, consomem o excedente das duas primeiras classes; portanto dependem delas, bem como a dos Fabricantes da dos Cultivadores, ou fonte primária de subsistência. Logo pode dizer-se, que metade de uma Nação depende do trabalho de outra metade, para manter-ae, e esta metade nunca poderá apresentar maior subsistência do que a Nação precisa, deixando-se de permitir-lhe a livre exportação do supérfluo; o que se não deve olhar simplesmente como um ramo lucroso de comércio, mas também debaixo de vistas mais extensas, quais são as de segurar à Nação sua plena subsistência, e ter sempre reservas prontas para o aumento futuro de população. Portanto, não só se devem franquear aos Cultivadores as portas das Províncias, mas até as do Império, para a venda do seu excedente; e como o natural interesse desta classe, é de apurar a maior quantidade de gêneros na certeza de vendê-los com lucro, nunca faltará a subsistência às outras duas classes, por maiores que sejam as suas necessidades. Ora, se quanto afirmo é verdade, segue-se que todo o meio, que tolher aos Cultivadores fazerem maiores plantações do que as necessárias ao seu próprio consumo, é prejudicial à Nação, e ao Estado: à Nação porque lhe tolhe a precisa subsistência; porque não deixa reinar a abundância, e porque repentinamente faz sentir os cruéis efeitos de um ano estéril, o que a experiência tão repetidas vezes tem mostrado: ao Estado porque o priva dos impostos razoáveis, que tanto mais se multiplicarão, quanto maior é a quantidade dos gêneros, que se vendem; ou seja no próprio país, ou para fora dele. As avultadas pagas, repetidas nas passagens de tantos rios, fazem um mal real, enfraquecendo a cultura em todos aqueles povos, que demoram além deles; porque não podendo reputar os seus efeitos, como outros cultivadores, que não têm a pagar tais passagens, cuidam só em plantar o necessário à sua própria subsistência; o que acontece em muitas partes do interior do Brasil, tanto por estas, como por outras razões: do que resulta finalmente um considerável atraso, assim à Agricultura, e ao Comércio, como à população do interior. O desenvolvimento deste assunto interessantíssimo é tão extenso, tão complicado, quão necessário de profundar-se: assunto, que verdadeiramente só pertence aos gênios raros, e que tem dado tanto que pensar aos maiores Políticos. Portanto tornarei ao ponto, donde me distraí, continuando o trilho ordinário da minha Memória, que forma um objeto mais apropriado às minhas forças.
(25) – Agora há três moradores (1823).
(26) – Tanto esta, como a do Tybaia, estão hoje em melhor estado, e com portões fechados. Daqui para Mugi tem-se multiplicado os moradores (1823).
(27) – Neste lugar observei, pela primeira vez, o modo de reduzir o milho a farinha, por meio da simples máquina, a que chamam monjolo – ela consta de uma comprida haste de madeira, tendo numa das extremidades uma espécie de gamela aberta na mesma haste, com a borda extrema inclinada para fora: quase na outra extremidade tem um grosso ponteiro pela parte debaixo unido perpendicularmente à haste, a qual é suspensa por uma cavilha, que a atravessa horizontalmente, da parte do centro de gravidade para o lado da gamela, e a cavllha roda sobre duas linhas firmadas no terreno, e verticalmente levantadas; esta máquina é movida por água, que, enchendo a gamela, faz, com o seu peso, inclinar a haste para este lado, e lançando fora a água, pela extremidade, obriga o lado do ponteiro a ir abaixo, e dar pancada no milho, que se deita em um pilão, entranhado na terra, e colocado na direção do ponteiro: com a continuação das pancadas forma-se a farinha.
(28) – Apesar dos motivos ponderados, é tal a força que geralmente impele todos os pontos do Império Brasiliense a engrandecerem-se, que, no princípio deste ano de 1823, achei esta Vila hastantemente aumentada, por haver concorrido a estabelecer-se nela grande número de pessoas vindas até de Minas Gerais, com alguns fundos, a fim de aproveitarem as grossas matas das vizinhanças, para as plantações.
(29) – Ultimamente têm-se construido casas no terreno alto junto à estrada.
(30) – A serra Negra, que finda no Guaçu, a das Caldas, e Boa Vista, que vão acabar no Rio Grande, formam uma mesma Cordilheira com o nome de Mugiguaçu, que limita a Província de S. Paulo, ao Nordeste; e ao Sul pega com a grande Mantiqueira.
(31) – Modernamente construiram sobre ele uma ponte.
– Este Lugar está hoje muito mais aumentado, e a Igreja acabada, 1823.
(32) – É incontestável que a população do Brasil, é nimiamente pequena em relação aos mui distantes limites deste Império; é igualmente verdade que do grande número de braços resulta a verdadeira força dos Estados, uma vez que se disponham, e arranjem de maneira a tirar deles a máxima vantagem, logo todos os meios, que puderem atrair Súditos ao Augusto Soberano, se devem pôr em prática; meios que não são dificultosos de alcançar, mormente em um País, onde a natureza prodigalizou seus dons; um País que abunda em centenares de gêneros primeiros, e que por seus diversos climas é capaz de produzir tanto quanto produz o Antigo Mundo: muitas léguas de nossas estradas acham-se desertas, e povoando-as, resultava a dobrada vantagem do aumento da população, e da facilidade no comércio. As Nações mais poderosas têm sido aquelas, que se hão dado com particularidade ao necessário cuidado do aumento de sua população, repartindo, e empregando apropriadamente os braços humanos, e este delicado trabalho tem feito a verdadeira glória de muitos, e grandes homens de Estado. A Prússia, Reino, que apenas conta pouco mais de cem anos, oferece um notável exemplo, no aumento, de suas forças pelos desvelos a que se tem dado na sua população, e a Rússia, que desde Pedro, o Grande, vê nascerem cada ano novas Vilas e Cidades, caminha com passos agigantados a tomar a preponderância da Europa. Porém, sem sairmos da América, temos o exemplo dos Estados Unidos, Nação moderníssima que aproveitando-se dos transtornos da Europa, e apesar da moléstia endêmica daquele País, tem aumentado prodigiosumente a sua população com inumeráveis Cidadãos úteis em todas as artes, e ciências. O Brasil havendo igual cuidado, será grande em força, como o é em extensão de terreno, em magníficos portos, delicioso clima e prodigiosas riquezas naturais em todos os reinos; o que constitui já os seus habitantes uma das primeiras Nações do Mundo.
(33) – Antes de chegar-se a ela, e um pouco afastado do caminho para a direita há uma Capela nova e junto a ela alguns moradores, o que não havia em 1818.
(34) – Hoje são raras as que existem cobertas de palha, e há boas propriedades; desde o ano de 1818, era que estive nesse Arraial, até o princípio deste de 1823, que por ali tornei a passar, tem-se aumentado o número de Fogos consideravelmente, não só dentro do Lugar, como fora junto dos ribeirões, por onde há sítios mui aprazíveis; igualmente há crescido o comércio, e agricultura, o ali concorrem da Farinha Podre, e outras partes a buscar sal, e mais alguns gêneros.
(35) – A estrada da Franca ao morador do Monjolinho não passa hoje pelo Machado, porém sim mais à esquerda, em direção mais curta, por melhor terreno, e com triplicados moradores, (1823).
(36) – Antes de chegar-se ao Calção de Coiro, pouco mais de légua, existe agora uma Capela, sita em terreno desafogado, com mais de quinze moradas de casas, o que não havia em 1818; chamam a este Lugar simplesmente a Capela.
(37) – Quando ultimamente (no princípio de Janeiro deste ano de 1823) atravessei o terreno além do Rio Grande, vi que seus habitantes se ajuntavam para abrirem uma nova estrada desde o Arraial da Farinha Podre até o da Franca; que deve seguir pela direita da atual, em direção mais curta; e algumas pessoas me afirmaram, que se poupa sete léguas de caminho, que o terreno, por onde ele deve correr, é melhor, o trânsito do rio, e livre de pantanais no lugar, que indicam propor-se o povo a abrir a estrada à sua custa, a construir a barca de passagem, e a oferecer este serviço ao Estado, por já não poder sofrer a paga exorbitante da passagem atual, e má administração da mesma.
(38) – Causa prazer notar o quanto este Arraial tem aumentado no curto espaço de tempo, que há decorrido desde 1818, até este ano de 1823! A população da Freguesia anda em duas mil almas de confissão; o negócio é grande, vão-se formando ruas, as casas são em muito maior número, e quase todas cobertas de telha; e os sítios, e fazendas das circunvizinhanças, têm-se multiplicado; muitas famílias de Minas, aqui se têm vindo estabelecer.
(39) – Hoje está muito mais polido, e civilizado, 1823.
(40) – Este sítio está hoje mui aumentado (ano de 1823) pelos casamentos dos filhos, e filhas do dono da fazenda, velho de muita idade, que tem as suas moradas unidas umas às outras, e vivem em grande harmonia; há mais um engenho: a exportação é para Minas. A população e cultura de todo o terreno, nas circunvizinhanças do caminho têm crescido admiravelmente, com estabelecimentos novos, formados por muitas famílias vindas das Gerais.
– Ao lado direito do caminho, pouco mais de meia milha há hoje uma Capela entre o sítio do Catalão, e o Pé do Morro, e os moradores vizinhos são em grande número (1823).
(42) – Presentemente é por aqui a estrada geral.
(43) – Este lugar está na grande cordilheira, que passa junto ao Arraial de Meia Ponte, ao Sítio das Areias, e ao do Gavião; dispostas em direção geral de Oriente para o Ocidente, e que vai unir-se, pela parte do Sul, com a serra de S. Marta e pelo Norte com a extensa cordilheira de Tabatinga, que limita as Províncias de Goiaz e Bahia formam desta maneira uma grossa muralha, onde tem origem muitas torrentes, que tornando-se em caudalosos rios, vão em direção geral ao Norte, e ao Sul confluir nos grandes e majestosos Amazonas e Prata.
(44) – A estrada não passa agora, 1823, por este sítio.
(45) – Algum tanto adiante do Borges há agora outra estrada, que parte à esquerda para Goyaz, e é mais curta, e bem povoada; atravessa a floresta de Mato-Grosso, mas não passa nem por Meia-Ponte, nem pelo Córrego de Jaraguay (1823).
(46) – É digno de notar-se, que entrando o ouro para o Cofre Público o mais apurado, que é possível; sem o que não é ali recebido, além de ser de baixo toque, saia das mãos do Pagador inteiramente falsificado com grande porção de esmeril, o que faz que todo o ouro em giro, seja mau, porque necessariamente os particulares o introduzem com igual preparação: verdade assaz pública, e escandalosa, que arrasta as mesmas conseqüências de se elevar o valor à moeda, e outras ainda mais tristes, mui fáceis de se tirarem. (Assim acontece até 1818, agora não sei se continua, 1823).
(47) – O célebre Colombo, dotado de um gênio raro, e de um caráter são, foi vítima da calúnia, e da inveja: este homem ilustre, a quem a Espanha deve tão dilatados Domínios, tanta riqueza, e o Mundo Antigo o conhecimento de um outro Mundo; este homem ilustre, que por sua descoberta interessante levou os Sábios a outras multas descobertas, com que engrandeceram as Ciências, teve em recompensa de serviços tão relevantes a privação de seus empregos, a prisão, os ferros, e uma velhice obscura, e desgraçada! E até para cúmulo de sua má fortuna, a mesma Europa foi com ele injusta, roubando-lhe a glória de ficar o seu nome a todo o vasto Continente, que às suas combinações, à sua paciência, sofrimento, esforços e trabalhos, deve a descoberta! Assim esta negra, Infame, e primeira injustiça foi o presságio fatal de todas aquelas, de que este ameno, rico e por todas as razões, admirável País veio a ser o teatro.
(48) – Mato Grosso chama-se a grande floresta, que atravessa de Norte a Sul a Província de Goyaz, nove léguas distante da Capital, tendo de Leste a Oeste nove léguas de largura, e em partes mais; estende-se muito para o Norte, e para o Sul ainda não se lhe conheceu o fim: há nesta floresta muitos estabelecimentos, e roçados; e é donde sai a maior quantidade de mantimento para a Cidade.
(49) – Hoje há na Insua um morador, porém de poucas forças, 1823.
(50) – Não sei que haja motivo justo, para entrar o produto das passagens do Rio Grande no Cofre de Goyaz, e não no do Cuyabá; as despesas com o Destacamento, e outras, são fornecidas pela Fazenda Pública desta Cidade, e a ela pertencem os Negociantes, e mais pessoas, que pagam as passagens; ademais Goyaz já se subtraiu de fornecer a Mato Grosso a porção de oitavas anuais, que fornecia; apesar do que ainda conserva a posse de cobrar tributo de todos os gêneros, que entram para Cuyabá! – 1823.
(51) – Tem agora (1823) um morador, como disse.
(52) – Pouco tempo depois da morte do Padre Albuquerque ficou abandonado este sítio, de tanta conveniência para os viajantes; os escravos foram à praça, por causa do interesse próprio da maior Autoridade da Província.
(53) – Os Cuyabanos impropriamente dão o nome de morros às eminências do Rozario e Boa-Morte, pois que em rigor são terrenos, que se levantam da parte do vale e pela oposta vão-se alongando irregularmente.
(54) – O primeiro, que teve o Cuyabá, e o único faleceu ali no 1o. de agosto de 1823.
(55) – Este Excel. Capitão General foi deposto no memorável dia 20 de agosto de 1821, pelo Clero, Tropa, Nobreza e Povo do Cuyabá, e criado o Governo Provisório, composto de nove Membros.


 

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Novembro 2001