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CRUSP68
Ato na Assembléia Legislativa de São Paulo
17.12.2008

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CRUSP68: Ato realizado na Assembléia Legislativa de SP em 17.12.2008

Fonte digital
Transcrição da sessão enviada por e-mail por Walter Silva (Teco)
Confrontada com os vídeos disponíveis em
www.youtube.com
Os depoimentos transcritos, editorados, podem e devem ser confrontados com os vídeos da fonte digital para qualquer citação.

Edição
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©2009 CRUSP68
USO NÃO COMERCIAL * VEDADO USO COMERCIAL


Nota Editorial

Aqui, o leitor encontrará depoimentos da primeira geração de residentes no Centro Residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP), entre 1963 e 1968, quando foram desalojados, após o AI-5, por operação militar. Muitos foram presos. Alguns tiveram sua trajetória universitária interrompida.

Quarenta anos depois, voltaram a se encontrar. Primeiro, em um almoço, realizado dia 29.11.2008 no Colégio Notre Dame, em São Paulo, com o comparecimento de 600 pessoas.

Depois, alguns, em um ato, realizado na Assembléia Legislativa de São Paulo, dia 17.12.2008, que aqui está registrado, graças aos bons ofícios do colega Walter Silva (Waltinho, Teco), que nos enviou uma transcrição por e-mail.

A transcrição enviada foi confrontada com os vídeos disponíveis no youtube, a grafia de nomes com a relação disponível no site www.crusp68.org.br. Os tratamentos cerimoniosos constantes da transcrição enviada foram eliminados, porque, como disse o Lobão: “...nós, do CRUSP, somos da mesma escola do Lauri”. Gostamos de nos tratar pelos primeiros nomes, quando não pelos apelidos. O que, em absoluto, quer dizer descortesia, mas carinho, amizade, coleguismo e, com certeza, espírito democrático e cidadão.

Conservamos a designação “deputado”, “vereador”, e quejandos (quejandos é bom, não é?) como um mero registro indicativo dos cargos públicos que os cidadãos estão (ou estavam) exercendo.

Como toda transcrição do falado para o escrito, esta, também, não conserva a riqueza dos registros em som e imagem. A maior parte dos depoimentos está disponível na web. Abaixo damos os endereços em que podem ser localizados.

Para as demais falas, o leitor terá que se contentar com os registros disponíveis aqui, a menos que tenha acesso à gravação realizada pela TV-Assembléia, que imagino que tenha sido feita.

Qualquer correção, observação, retificação, peço que enviem por e-mail para livros@ebooksbrasil.org, para que seja providenciada, uma vez que queremos, na medida de nosso possível, deixar um registro histórico fidedigno.

Encerrando estas notas, faço minhas as palavras do amigo e colega Luiz Barco, esperando que estas transcrições, estes depoimentos sinceros, venham a ser úteis a alguém, no presente ou no futuro: “para que nunca mais este país sonegue o direito inalienável de todo o cidadão ter direito à saúde, à cultura, à educação e principalmente à felicidade.”.

Teotonio Simões
ex-cruspiano

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Depoimentos disponíveis no youtube.com:
Fulvia Molina
http://www.youtube.com/watch?v=m0zGCJ9pplI
Rafael De Falco Neto
http://www.youtube.com/watch?v=MKm3l-4yKj0
Sonia Penin
http://www.youtube.com/watch?v=Y1WRNQP_RJU
Walter Silva (Teco) - Parte 1
http://www.youtube.com/watch?v=UrcGwS8RB1g
Walter Silva (Teco) - Parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=8-VWvMZsCY4
Carlos Alberto Lobão Cunha
http://www.youtube.com/watch?v=CNv09M84UnE
Luiz Barco
http://www.youtube.com/watch?v=FDWs2VCkzuU
Álvaro Rodrigues dos Santos
http://www.youtube.com/watch?v=u2DjrFCfzqY
Hugo Marques da Rosa
http://www.youtube.com/watch?v=-VfsrSP4nHg
Wolfgang Leo Maar
http://www.youtube.com/watch?v=rUs5ECOl17s
Nelson Vilhena Granado (Nelsinho)
http://www.youtube.com/watch?v=3RxftMdkKSM
Valter Vuolo
http://www.youtube.com/watch?v=CoFotxvqrI4
Benjamin Prizendt
http://www.youtube.com/watch?v=Uvy5nzn6Vsg
Rute Bevilaqua
http://www.youtube.com/watch?v=6HWX8EpHFqk


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CRUSP68
Ato na Assembléia Legislativa de SP
17.12.2008

 

WALTER SILVA — Chamamos para fazer parte da mesa os membros da Comissão Organizadora CRUSP 68: Rafael De Falco Neto; Fulvia Molina; Hugo Marques da Rosa; Sonia Penin, Diretora da Faculdade de Educação da USP, que está representando a Reitora da USP, Dra. Suely Vilela; Cecilia Garçoni, Diretora do Ministério da Cultura de São Paulo; e, como representante da Câmara Municipal de São Paulo, o Vereador Eliseu Gabriel; e o representante que é o Presidente da Comissão do CRUSP 68, Victor Foroni.

Como em toda Sessão Solene, nós vamos começar ouvindo o Hino Nacional Brasileiro.

Início do Hino Nacional Brasileiro

Fim do Hino Nacional Brasileiro.

WALTER SILVA — Agora passamos a Presidência deste ato solene ao Presidente da Comissão de Educação da Assembléia, o Deputado Simão Pedro.

DEPUTADO SIMÃO PEDRO — Boa-noite a todos. Sejam bem-vindos aqui à Assembléia Legislativa. É uma honra para a Comissão de Educação, que aprovou esse ato solene, igualmente para a Comissão de Direitos Humanos; uma honra poder sediar esse encontro de recuperação da memória, de reavivamento das lutas e das experiências que vocês vivenciaram lá.

Então, para a gente, além de uma honra, é muito emocionante. Eu estava vendo aqui o filme e comentando que nós, que não vivenciamos — como eu — esse episódio já me emocionei, imagina vocês revendo essa história.

Eu quero cumprimentar o Deputado Adriano Diogo que é membro representante da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, um dos idealizadores deste ato.

Queria cumprimentar o Deputado, meu colega de bancada, Rui Falcão; cumprimentar o Vereador Eliseu Gabriel, nesse ato representando a Câmara Municipal de São Paulo, e os nossos convidados aqui: os amigos Rafael De Falco Neto, Fulvia Molina, Hugo Marques da Rosa, Walter da Silva, que é assessor da nossa bancada e também é um dos idealizadores e uma das pessoas que mais se empenharam para a realização desse ato aqui na Assembléia: cuidou com muito carinho para que pudesse acontecer.

Também queria cumprimentar a professora Sonia Penin, que é Diretora da Faculdade de Educação, nesse ato representando a Dra. Suely Vilela.

É uma satisfação, professora Sonia, encontrá-la aqui, nós que participamos da Comissão que implantou a USP Leste e o José Fernando Peres. Nós fizemos, dias atrás, aqui na Assembléia, coincidentemente eu e o Deputado Adriano Diogo e o Deputado Rui, um ato em defesa da memória e da verdade.

Aquele ato ocorrido aqui, no Auditório Teotônio Vilela, contou com a presença de representantes de várias instituições da sociedade civil, do Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Numa linha de solidariedade àqueles setores do Governo Federal que vêm lutando pela reabertura dos arquivos da Ditadura Militar; para que o Governo Federal cumpra a decisão judicial de identificação, de dizer onde estão enterrados os jovens mortos na Guerrilha do Araguaia, para que se identifique os torturadores que agiram em nome do Estado impunemente, torturando, matando e assassinando jovens que se opunham. Ou pelo menos os suspeitos, muitos suspeitos... Mas aqueles que se opunham àquele período de arbítrio que se instalou aqui no Brasil após 1964, que estão no bojo desse ato, e também o Congresso Nacional, por iniciativa do Deputado Arlindo Chinaglia, realizou um ato recentemente.

E esses atos, notícias, matérias de jornais, reportagens, encontros, estão acontecendo nesse momento simultaneamente. Então, eu queria falar isso porque situo esse ato aqui em memória dos 40 anos da invasão do CRUSP dentro dessas lembranças que ocorreram no Brasil num passado muito recente.

Nós estamos vivendo esse período da democracia há pouco mais de 20 anos porque a recuperamos; e temos tanto a fazer pela implantação efetiva da democracia no Brasil.

Eu acho que nós não conseguiremos isso se não fizermos um encontro com a nossa história, para que os jovens, para que as futuras gerações, saibam de fato o que ocorreu nesse período de arbítrio, nesse período em que tantas coisas ruins e tristes aconteceram no nosso país. Nós precisamos fazer esse encontro com a história.

Eu estava olhando esse filme e era muito clara a alegria, a vida, a vivência comunitária, as festas e o encontro de tantas pessoas vindas de tantos lugares diferentes para estudar aqui. E o CRUSP representava isso.

Depois, as cenas tristes da ocupação, da invasão, da repressão, da perseguição e das prisões. E, passado esse período, parece que volta a alegria, com os vários encontros de vocês, até esse último, nesse momento aqui.

Então, essa noite é uma noite de alegria, uma noite de encontro e pensar como foi aquele movimento do CRUSP e a vivência, e a convivência de vocês. Mas também como foi triste e como foi ruim o período da Ditadura Militar e toda a sua repressão. E porque nós fazemos isso, é porque nós não queremos que isso volte nunca mais a acontecer em nosso país.

Vivemos em uma sociedade livre, democrática, igual e respeitadora dos direitos individuais e dos direitos humanos. Então, é uma alegria recebê-los aqui. Parabéns e que vocês façam muitos e muitos desses encontros para celebrar a vida de vocês, o futuro, mas, principalmente, aqueles momentos felizes, alegres. E, porque não, também pensar sobre o que ocorreu. Para que a gente passe isso para as futuras gerações, para que a gente tenha um Brasil eternamente democrático, livre e fraterno.

Um grande abraço, uma boa-noite a todos e parabéns pelo evento aqui. Obrigado. (Palmas.)

DEPUTADO SIMÃO PEDRO — Eu vou passar a palavra agora para o Deputado Adriano Diogo que é um dos organizadores deste evento, representando a Comissão de Direitos Humanos. Eu queria passar a Presidência para o Deputado Adriano Diogo.

Assume a Presidência o Deputado Adriano Diogo.

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Antes de fazer uso da palavra, eu passo a palavra para o Deputado Rui Falcão. Assim, nós podemos organizar o ato dando prioridade para que os CRUSPIANOS aqui presentes possam falar. Eu queria parabenizar o nosso amigo Valtinho, que ele realmente foi o organizador do almoço com outras pessoas. Foi ele quem organizou esse ato com o Álvaro, Hugo e com a Flavia Molina que fez esse documentário maravilhoso e o Rafael.

Então, eu acho que hoje é uma noite importante, e uma coisa importante a representante da Reitora, a professora Sonia Penin.

Professora, o Álvaro estava dando uma idéia outro dia, que era a seguinte: que a gente fizesse esse encontro lá nos blocos. Nos encontrássemos para pegar alguns blocos e colocar umas placas alusivas com o nome de algumas pessoas que lá moraram, as que já se foram, ou assassinadas, ou desaparecidas, ou que morreram no curso da vida. E fazer uma coisa bonita até para aquelas gerações, que estão lá, tenham uma idéia do que aconteceu e de quem são essas pessoas e que haja uma retomada 40 anos depois.

Então, eu queria passar a palavra para o Deputado Rui Falcão que aqui, entre nós, os Deputados, é um dos que mais representa essa geração. Tem a palavra o Deputado Rui Falcão.

DEPUTADO RUI FALCÃO — Boa-noite a todos e a todas. Quero cumprimentar os Deputados Adriano Diogo, Simão Pedro, Vereador Eliseu Gabriel, que representou a Câmara. Saudar a todos os CRUSPIANOS e organizadores, na pessoa do Valter, que foi quem nos mobilizou aqui. Inclusive, me abordou um dia no corredor, nessa correria que é nossa aqui, dizendo que nós precisávamos fazer um debate na TV Assembléia.

Eu concordei imediatamente e ele queria que eu participasse do debate.

Eu falei: “não, porque nós temos o Adriano Diogo que, embora secundarista na época, era freqüentador assíduo do CRUSP e eu, em 1968, já não era mais estudante. Eu já estava envolvido em outras atividades”.

Mas o Valter muito motivador... saiu o debate e foi um sucesso. E depois a festa. E hoje nós estamos aqui nos reencontrando para reavivar as nossas memórias.

Me dizia o Rafael que às vezes, agora, a gente pela memória, pelo tempo, às vezes nem reconhece muito as pessoas. Principalmente ele, que era liderança, que era mais conhecido. As pessoas se lembram mais dele e ele nem sempre se lembra dos demais.

É uma dificuldade que às vezes o Deputado tem, porque faz campanha no Estado todo. De repente, cruza com o eleitor que diz: “você se lembra de mim”... e eu já digo que não, porque é melhor assumir que não do que ficar tentando inventar um nome. Eu acho que o Simão e o Adriano fazem isso também.

Eu queria dizer para vocês que, para mim, é um momento de muita emoção esse reencontro.

Eu fui morador da Casa do Estudante do XI de Agosto. Então, num determinado período, houve um movimento na Casa do Estudante. Nós queríamos nos transferir para o CRUSP, porque ali estava a vida mais agitada, os grandes movimentos... E, na Casa dos Estudantes, nós tínhamos a direita armada, a direita raivosa do CCC que era mais forte do que a direita do Mackenzie e volta e meia eles rondavam a Casa dos Estudantes também.

A Casa do Estudante acabou sendo um reduto também de jovens que deram as suas vidas, lutaram pela democracia, entre os quais o João Leonardo da Silva Rocha, que foi o meu padrinho de casamento. Saiu naquele seqüestro dos 15 e depois foi assassinado na Bahia, depois de retornar ao Brasil para continuar a luta.

Então, eu freqüentava episodicamente o CRUSP também. Eu era da turma do Rafael De Falco.

Lá eu freqüentei bastante no período em que houve a contestação da eleição da UEE e que nós tínhamos o José Dirceu eleito Presidente da UEE, em nossa opinião legitimamente, e a AP, que reivindicava a eleição da Catarina Meloni. E sequer tinha sido candidata; candidato era o Davila, que perdeu a eleição, e a primeira-vice assumiu a UEE.

Então, a gente ia lá ao CRUSP para conspirar um pouco, discutir essas questões. E nós acompanhávamos a vida do CRUSP.

Mas, quem mostra aquele período com grande propriedade [é o Wolfgang Leo Maar]. Eu estava lendo um artigo do Wolfgang que é de uma síntese e de uma emoção! Porque ele faz passar pelo CRUSP a vida da nossa geração.

Tudo aquilo que tentam nos imputar naquele período, das loucuras, dos terroristas, não aplaca a intensa vida cultural, a criatividade, a beleza, a riqueza daqueles momentos.

Eu me lembro dos poemas do Antonio Benetazzo, dos seus desenhos. Nós tínhamos artistas, nós tínhamos jovens que estavam plantando o futuro do Brasil e aí foi a dureza do golpe.

O momento de maior efervescência política da vida democrática brasileira, das reformas de base, da sindicalização rural, da alfabetização do método do Paulo Freire, os estudantes participavam de tudo isso. Eles eram o país em movimento. Eles estavam querendo fazer o Brasil de 40 anos que hoje nós estamos recuperando depois.

Então, eu tenho uma felicidade impar em refletir aquele período e nos emocionar pela verdade que ele traça naquelas linhas bonitas. Recomendo a todos que acessem o site.

Eu confesso que também deve ter outros artigos muito bonitos, mas eu só pude ler o do Wolf. Mas eu imagino que os demais que viveram aquela época têm depoimentos semelhantes.

Nós poderíamos converter aquilo num livro, inclusive.

Porque agora se relembra do funesto AI5, não faz nem uma semana ainda. E o que nos dá satisfação é que os jovens do pós 64 estão aqui, sem qualquer vergonha, vitoriosos. E o Jarbas Passarinho, dos remanescentes daquele período, tem vergonha e não gosta que se divulgue aquela frase absurda dele “às favas qualquer tipo de escrúpulo, nós queremos manter a revolução”.

Revolução para eles, para nós golpe, atentado à constituição, quartelada; que nós nunca pronunciamos o nome revolução que a mídia e todos eles falavam.

Eu queria aqui também relembrar a memória de pelo menos três que aparecem aqui, que não eram CRUSPIANOS. Tinham camas reservadas para quando passavam por lá, mas que aqui no ato estão incorporados: o Fernando Ruivo, Fernando Ferreira com quem eu convivi muitos anos.

Nós integramos a primeira direção da dissidência do Partido Comunista na Universidade e o Antonio Benetazzo que eu também quero homenagear. O Fernando Ruivo, que foi assassinado no Largo da Batata. O Jeová Gomes que, esse sim, morava no CRUSP, e foi também assassinado depois de voltar ao Brasil.

E daquele período, Rafael, eu me lembro que há três sobreviventes: o Reinaldo Carcanholo, que era da economia, depois se exilou na Costa Rica e eu não sei onde ele está e se está vivo; o José Dirceu, que também voltou e sobreviveu; e esse aqui que vos fala, que embora não tenha tomado o caminho da ALN, como a grande maioria da Dissidência, foi para outra organização também revolucionária.

E nós podemos aqui assumir claramente as nossas identidades, os nossos passados.

Outro dia, no restaurante, eu conversava com o Rafael. Ele também sintetizou muito bem e disse: “Rui, nós somos vitoriosos”.

Vocês todos são vitoriosos porque a democracia, pela qual nós lutamos naquele período, cada um do seu modo, nas atividades culturais, nas atividades esportivas, agregando pessoas, fazendo aquela revolução de costumes inclusive no CRUSP, na sociedade, hoje nós vemos a democracia triunfante.

Não está perfeita, há muito a avançar ainda.

Ontem mesmo, nós vimos derrotada aqui uma emenda que pede referendo. Vamos vender a Nossa Caixa; eu não sei o que o povo de São Paulo pensa. É uma coisa elementar, mas nós não podemos porque o referendo é muito caro.

Então, é preciso fazer a democracia avançar, é preciso ter democracia participativa também, embora tenhamos a democracia representativa bastante substantiva em relação ao passado.

Mas também é preciso lutar para que aquele passado, contra o qual nós lutamos, não retorne.

E ele tenta retornar, não com os tanques e as patas dos cavalos. Ele retorna agora, muitas vezes com punhos de renda, com projeto não da direita escrachada, mas de centro-direita com discurso macio, insinuante, tentando travar o grande processo de avanço e desenvolvimento que o país vive hoje sob o comando do Presidente Lula.

É preciso fazer o país avançar, é preciso impedir o retrocesso, e a geração de 1968 é uma garantia de que não haverá aquele passado, de que não haverá ditadura, de que não haverá mais tortura. E é isso que nós também, nesse momento de reencontro, devemos aqui festejar.

Um grande abraço a todos. Estamos juntos, a nossa geração triunfou. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Tem a palavra o Vereador de São Paulo Eliseu Gabriel.

VEREADOR ELISEU GABRIEL — Boa-noite. Eu queria saudar a toda a mesa aqui, os Deputados Rui Falcão, Simão Pedro e o Adriano Diogo e a todos da mesa.

Eu acredito que uma das grandes coisas que nós fizemos foi essa resistência que de certo modo é uma resistência humana, uma resistência dos valores humanos.

Muitas vezes a gente fala assim: “a ditadura foi derrubada porque havia contradições no regime etc.”

Mas seria muito diferente ela cair por simples contradições e como caiu, com uma grande mobilização popular que nós iniciamos há muitos anos, logo depois que veio o golpe.

Eu acho que a vida no CRUSP foi uma vida de muita alegria e muita coisa que nós aprendemos.

Eu acho que essa geração é uma geração que tem uma importância fundamental na nossa sociedade hoje.

A própria luta que nós temos hoje para punir os torturadores; nós não podemos aceitar os crimes que lesam a humanidade. Isso nós não podemos aceitar em hipótese alguma.

Eu acho que essa geração é que está levantando essa questão e é uma questão fundamental, se a gente pensar no futuro do Brasil, da humanidade.

Eu tenho muitas recordações do dia da invasão.

A gente estava no alto do Bloco G e nós víamos os tanques chegando, com carros de assalto, infantaria e cachorros e nós já esperávamos. Quando aconteceu o golpe, que foi o AI5, no dia 13, nós estávamos reunidos no CRUSP, e ouvindo no rádio realmente o AI5, e já esperávamos que alguma coisa grave iria acontecer.

Eu acho que a invasão do CRUSP foi um marco mesmo na ditadura dentro da ditadura da violência, do desrespeito total ao ser humano, os assassinatos enfim.

A partir daí aconteceram às coisas mais tenebrosas que podiam acontecer no Brasil. Os momentos lá vividos foram momentos de grande emoção e de grande crescimento para todos nós.

Eu queria deixar um abraço para todos, os parabéns pela iniciativa da Assembléia Legislativa.

A Câmara Municipal eu acho que vai ficar com inveja. Vamos ver se fazemos alguma coisa parecida lá na Câmara.

Parabéns a todos, e quero dizer que eu estou muito feliz de ver tantos amigos aqui, especialmente da física, que eu conheço tantos.

Um abraço a todos e foi um prazer estar aqui com vocês. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Vou passar a palavra então para a Fulvia, que fez, não sei se todo mundo que chegou viu. No fim a gente projeta de novo aquelas imagens fotográficas belíssimas que ela recuperou. Com a palavra a Fulvia Molina.

 

FULVIA MOLINA — Eu acho que é um prazer a gente estar aqui de novo. Quantas vezes a gente se encontra... e a gente continua sentindo toda aquela vibração que a gente teve da nossa convivência lá no CRUSP, que foi uma convivência que eu acho que deve ser estudada, talvez pelos educadores mesmo.

Porque ela foi muito frutífera. A gente era das várias faculdades, dos vários cursos, também éramos jovens, com toda a nossa força, com toda a nossa juventude e com todo aquele elã que a gente tinha, principalmente voltado para os direitos humanos.

Foi muito interessante isso que aconteceu no CRUSP porque ninguém, por mais por fora que fosse, não tinha esse ideal por trás.

Nós tínhamos uma utopia mesmo, que hoje a gente pode falar aqui, e que foi muito importante.

Eu acho que aquela convivência, aquelas condições que se criaram lá, em que não só por se juntarem todos esses estudantes, mas também nós tínhamos a arquitetura que tinha no CRUSP.

Quando se falou hoje que a gente talvez vai se encontrar lá, sabe que eu fiquei muito triste?

Porque hoje eu fui lá e a gente fez uma entrevista. Então, é muito triste ver como está abandonado aquilo lá. Eu acho assim: logo depois do fechamento do CRUSP, a ditadura fez isso e continuou colocando uma pedra: “nós vamos abandonar, aquilo lá vai ficar um pardieiro” — nem sei qual o nome se poderia dar — “e ninguém vai querer morar lá”.

Em 2005, a Bienal de Arquitetura homenageou três arquitetos do modernismo. Um deles era o que fez o CRUSP. Um dos maiores projetos dele foi o do CRUSP. Então, é um projeto importante do Modernismo que está des-tru-í-do. Eu não sei onde está a nossa memória. Eu não sei onde está a Universidade que não se preocupa com isso. É uma coisa terrível!

Os pilotis, típico do Modernismo, está fechado embaixo.

O concreto, típico do Modernismo — lembram que os nossos corredores eram de concreto?.

E dentro dos apartamentos tem lá uma cerâmica de quinta.

A convivência que era proporcionada por aqueles apartamentos: nós tínhamos três pessoas morando junto, uma sala de estudo. Era tudo muito limpo, muito bonito!

E mais ainda: construíram aquelas colméias no meio, que é um absurdo, porque é mais uma destruição dessa arquitetura moderna que é a repetição.

Então, você tinha vários prédios com essa repetição e agora, com aquelas colméias, você nem vê o que é do outro lado, você nem consegue ver o outro prédio.

Os jardins que tinham lá foram destruídos.

A fórmica, que era típica também, era contemporânea da época, os materiais contemporâneos desse Modernismo, agora tem pintura, isso é totalmente contra, o moderno não vai pintar, o Modernismo é totalmente contra.

As fórmicas estão destruídas, as portas estão destruídas.

E puseram um apartamento para cada pessoa.

Eu nunca vi isso e não existe o CRUSP, na verdade. Aquilo lá não é o CRUSP.

Então, a residência, ela tem que ser de excelência. A nossa residência era de excelência e hoje não é mais, infelizmente.

Então, eu acho que aquela experiência toda deve ser levada em conta. Porque foi muito frutífera, haja visto que estamos aqui.

O nosso Governo tem vários representantes que moraram lá. A Universidade é cheia de representantes que moraram lá. As várias ONGs. Então, quando a gente estava lá, a gente fazia política e estudava também muito.

Eu quero também homenagear as mulheres CRUSPIANAS, as mulheres de 68, principalmente no nome de uma companheira nossa morta tragicamente. Ela não era CRUSPIANA, mas ela morava lá praticamente e vivia, por exemplo, no meu apartamento: a Lola Aurora que fazia Psicologia na época, que é uma dos nossos ídolos. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Grande Lola, Aurora. Rafael com a palavra.

 

RAFAEL — Eu queria começar contando, já que o Rui levantou a bola, contando uma das nossas conspirações de 68, porque sempre que eu vejo o Rui eu lembro.

Eu tinha sido recém eleito Presidente do DCE e convoquei uma assembléia de Presidentes de DA e foi colocado pela AP em votação uma Moção apoiando a Catarina Meloni como Presidente que o DCE que eu presidia deveria apoiar.

E não tinha jeito, porque a maioria dos Presidentes de DA eram da AP, e nós iríamos perder a votação, e eu ia ter que sair dizendo que a representante dos estudantes era a Catarina.

Ai eu fui salvo pelo gongo porque o Rui, como bom advogado, foi lá para mim e falou: “Rafael o quorum mínimo é tanto, se nós nos retirarmos, você pode encerar a reunião por falta de quorum”.

Foi o que nós fizemos, e eu não fui obrigado a reconhecer a Catarina como presidente da UEE.

Voltando ao CRUSP, o encontro passado, o almoço em que nós nos reencontramos e conversamos e matamos saudades e a reunião de hoje, no fundo, estão lembrando um fato que quando aconteceu foi uma derrota. Uma derrota para nós que estávamos lá, uma derrota para todos os que estavam lutando contra a ditadura, de armas na mão, sem armas na mão, de todas as formas. Uma derrota para todos aqueles que queriam um Brasil melhor, naquele momento.

Só que hoje, passados 40 anos, aquele momento se transformou numa vitoria.

E por que? Porque boa parte da vida no CRUSP que nós tivemos, seja ela o mais universal no que diz respeito a nossa vida pessoal ou cultural, seja ela na questão política, boa parte das idéias que nós desenvolvemos, pelas quais nós lutamos, pelas quais nós nos empolgamos, hoje são idéias aceitas plenamente pela sociedade.

O Brasil não é socialista, mas é democrático. E era parte importante da nossa luta uma sociedade democrática.

O Brasil não é um país totalmente justo, mas evoluiu muito de lá para cá, principalmente depois que a ditadura militar foi derrotada.

Então, nesse sentido é que a nossa comemoração de hoje, apesar de lembrar um fato que no seu inicio foi uma derrota, é uma comemoração de vitoriosos.

E acho que nós devemos reflexionar sobre o que é importante salvar da nossa experiência no CRUSP. No meu modo de ver, existe algo universal e ai eu queria colocar para a Sonia, algo que é universal, e que tem algo a ver com a pedagogia.

A minha formação como cidadão foi muito mais influenciada pela minha vivência no CRUSP do que pela minha vivência na POLI.

Nós tivemos oportunidade de deixarmos de sermos só engenheiro, só advogado, só biólogo, só matemático.

Nós tínhamos ao lado uma bióloga que vinha discutir com a gente as combinações genéticas, às vezes até pedir ajuda nas relações matemáticas que eram necessárias.

E com isso nos formamos mais universalmente, com uma formação menos bitolada do que teria sido se eu tivesse feito só POLI, lá longe, no Biênio, isolado do resto da Universidade.

E esse aspecto é que eu acho que a Universidade deveria tentar resgatar: um CRUSP que possibilitasse aos atuais estudantes, aos futuros estudantes, porque aos atuais não é possível, esse tipo de vivência que nós tivemos a possibilidade de ser e que tanto nos influenciou para a nossa vida futura.

A militância política, a militância pessoal, ela foi uma conseqüência do momento que nós vivemos.

Como jovens, nós fomos a geração de 68 e não podíamos de deixar de participar de todo processo mundial de lutas.

E, nesse caso, eu queria voltar a lembrar o processo das companheiras do CRUSP que se envolveram nas lutas femininas da época que era a liberação da mulher, a liberação sexual, a afirmação mesmo da mulher, que ainda tinha dificuldade no processo social.

No aspecto político, nós não podíamos deixar de participar, com armas na mão, sem armas na mão, na luta que era importante, que era a luta contra a ditadura.

Tanto que, eu ouso afirmar, que se os militantes ultrapassavam 10% dos CRUSPIANOS, seguramente mais de 90% apoiavam as lutas contra a ditadura na época dos membros do CRUSP.

Então, eu queria encerrar as minhas palavras com este apelo: eu acho que o que nós devemos fazer é um esforço no sentido de recuperar o que de bom teve o CRUSP em 68 e que contribuiu para que nós, 40 anos depois, conseguimos nos reunir para lembrar esses aspectos, independente inclusive da nossa posição política na época e hoje. Obrigado. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Tem a palavra a professora Sonia Penin, Diretora da Faculdade de Educação da USP, que nesse ato representa a atual Reitora, a professora Suely Vilela.

 

SONIA PENIN — Eu primeiro quero cumprimentar a mesa; na pessoa do Deputado Simão Pedro, todas as autoridades; e, na pessoa do Rafael Falco, o grupo de trabalho da organização desses eventos que vieram em boa hora nos lembrar da época, de um período muito importante para todos nós.

Eu vinha já a esse evento independente da representação da Reitora, como já estive no nosso almoço, belo almoço, com mais de 700 pessoas, conseguimos um número incrível de pessoas.

E vinha porque a CRUSP é o lugar, exatamente, onde também eu, como tantos de nós, nos despertamos para a vida política, para a vida mais ampla de pensar o país, de pensar um país melhor, sobretudo.

É interessante lembrar, primeiro, que uma das aprendizagens foi nos tornarmos críticos e crítico é uma coisa que nós temos que ser, sempre.

Eu acho que neste momento as demandas aqui, sendo hoje uma funcionária, docente da Universidade de São Paulo, na direção, eu acho que, por exemplo, as demandas que a Fulvia fez nesse momento são demandas importantes de serem encaminhadas.

Eu acho que a história do CRUSP precisa também ser contada, porque nós pegamos o CRUSP novo, novinho em folha.

Nós fomos exatamente isso: ele acabou de ser construído e fomos os primeiros moradores daqueles blocos.

Então, ele estava realmente brilhando. E a história do CRUSP é um pouco a história desse país; a história da USP também não é diferente da história do país.

Naquele momento, por exemplo, a gente briga porque o CRUSP tinha o sentido de atender a todos os alunos que não pudessem pagar de alguma forma.

Mas a gente via que, naquele começo, não foi bem assim.

A gente tinha, por exemplo, eu me lembro muito bem, a filha do proprietário da Fábrica Hering que estava lá. Não era exatamente uma pobre que estava ali dentro. Assim como muitos outros, e como talvez muitos de nós não fossemos o perfil de hoje do CRUSPIANO que nós temos lá dentro.

Lá dentro eu acho que, hoje, e isso eu posso falar com clareza, o critério é um critério socioeconômico sim, muito mais do que foi naquele inicio, até porque a UEE, as pessoas que cuidavam não eram bem da Universidade, mas junto com os estudantes era um pouco diferente.

E hoje nós temos situações lá incríveis, que eu acho que é preciso atender.

De qualquer forma, e sobretudo essa questão de arquitetura, eu acho que eu vou, sim, fazer essa demanda junto com os meus amigos da FAU, agora do Silvio Sawaya, que também foi um militante, um pouco antes desse tempo, que agora é o diretor de lá.

Mas são questões que o uso dos espaços, por exemplo, aqueles fechamentos e a questão dramática que é usar, de precisar de mais espaço, isso é uma questão central da Universidade. A verba, o orçamento, sempre curto.

Então, encontrar a melhor forma é alguma coisa que às vezes se discute no Conselho Universitário, às vezes não, mas de qualquer forma eu acho que essas demandas são importantes, levar a história daqueles que inauguraram a CRUSP.

Então, com tanta beleza, eu acho que nós devemos recuperar. Beleza é fundamental também, entre outras questões.

A respeito também de como nos tornamos militantes cada um de alguns lugares.

Aqui foi falado da AP. Eu era da AP. Não era uma grande militante, era uma militante, ali.

Inclusive era interessante. A gente achava o pessoal do PCzão muito reacionário. A gente era marxista leninista naquele momento, e maoísta inclusive, e o PCzão não era exatamente o revolucionário que a gente gostava.

Então, são as questões que se colocavam naquele momento e depois, nós somos isso ai: somos revolucionários.

Queríamos a revolução, nós éramos contra as injustiças e continuamos em cada lugar que estamos. Eu acho que esse é um dado importante.

Mas, pensando um pouco, primeiro que o CRUSP em 63 começou a receber estudantes, aliás, começou com 12 pessoas que invadiram durante os jogos panamericanos, alguns estão aqui presentes, inclusive o meu atual marido.

Em 63 começou a receber estudantes de diferentes Estados e regiões do Estado de São Paulo. Ele foi invadido por tropas militares no dia 17 de dezembro de 68.

Os estudantes que ali residiram foram julgados no seu conjunto como subversivos e assim foram retirados à força e presos.

Um pouco antes, como já foi falado aqui, a 13 de dezembro de 1968, havia sido instituído o Ato Institucional n° 5 que como todos sabemos serviria para legalizar o arbítrio que já vinha acontecendo desde o começo do regime militar em 1964.

O fechamento e a prisão de todos foram um dos primeiros atos de segundo e negro momento do período militar.

Vivendo esse período de exceção e arbítrio, uma grande parte dos estudantes do CRUSP foi estimulada a discutir a situação nacional e ai se engendrou um espaço de resistência contra a ditadura.

Nada de se estranhar nessa discussão política a respeito do país e de seu destino. Por que nada de estranhar? Porque dos objetivos de uma educação de nível superior está o de exercer o pensamento crítico.

Era essa, é, a principal função da Universidade: é formar profissionais, todo o tipo de profissional, competente na sua profissão, que cada um escolheu, mas com compromisso e responsabilidade para o desenvolvimento do país. E isso só é possível com o desenvolvimento do pensamento racional e crítico.

Tais objetivos tomam uma dimensão ainda maior para aqueles que estudam numa instituição pública sustentada pelo imposto que cada cidadão, rico ou pobre, paga pelos produtos que compra.

Então, nesse momento, é que eu acho que essa proposta, por exemplo, da Fulvia precisa ser exatamente discutida porque quantos a mais vamos atender dentro do CRUSP e como utilizar os espaços.

É uma questão difícil, mas que há de se encontrar a forma mais adequada para isso.

A USP, como Universidade Pública e de qualidade reconhecida, recebe grande parte dos jovens talentosos do país e assim é de se esperar, que os seus estudantes reagissem da forma como fizeram, resistindo ao arbítrio, lutando pela liberdade, por justiça social e pelos direitos humanos de modo geral.

Vale lembrar também que os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada lá em 1948, eram declamados em versos e prosas nos espaços acadêmicos e cultural de todo o país.

É possível afirmar que os estudantes do CRUSP deste período, juntamente com estudantes de outros espaços de resistência da época, no Rio de Janeiro e em outros tantos outros lugares, consistiram numa geração de referência da luta pela liberdade, pela justiça social e pela democracia nesse país.

Por fim, é preciso também dizer que se alcançamos alguns dos anseios de então, o estado de direito, a democracia, ainda falta de fato muito por fazer, tanto para os que pertencem àquela geração que como eu ainda trabalha, esperamos continuemos trabalhando mais ainda e mais tempo, quanto aos pertencentes às gerações que nos sucederam.

Isto se faz necessário no intuito de brilharmos no Brasil como entre as nações, construindo um país mais justo em termos de oportunidades e de distribuição de riqueza que hoje nós vemos na distribuição do PIB, tanta diferenciação entre Legislativo e Executivo e todas as necessidades do país com mais justiça social, com mais e melhor educação, com oferta de saúde e habitação digna a toda população e tantos outros direitos, inclusive o direito à diferença como todos eles escritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que todos defendemos.

Que o espírito da resistência da geração de 68 estimule as gerações mais novas a lutar, com perseverança, contra as injustiças que ainda persistem em nosso país, de modo que possamos nós aqui presentes viver um pouco mais da utopia que todos compartilhamos desde 68.

Que o espírito de luta, de resistência e de justiça social nunca esmoreça. Obrigado, boa sorte e bom trabalho a todos nós. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Eu queria passar a palavra para a nossa colega da época Cecilia Garçoni, aqui representando o Ministro da Cultura, ela que é Diretora da Divisão do Ministério da Cultura aqui em São Paulo.

 

CECILIA GARÇONI — Boa-noite a todos. Eu queria também saudar a todos os companheiros da mesa, em particular o meu amigo Rui Falcão.

Eu vou falar de quem viu o CRUSP de fora. Eu não fui CRUSPIANA, mas o CRUSP para mim representou uma coisa que eu acho que vocês não conseguem imaginar.

Eu morava em Curitiba, uma cidade até hoje extremamente conservadora e provinciana, e uma Universidade fraca, ruim.

Então, a USP já era um sonho. Mas o CRUSP era muito mais, porque o CRUSP era uma forma nova de vida: era alegria, era liberdade, era luta e encarnava tudo pelo qual toda a geração de 68 lutava, queria e almejava; todos os jovens, sem exceção, por algum ou outro motivo, alguns por comportamento simples e outros por toda a luta que se travava.

Então, para mim o CRUSP era um sonho.

Eu entrei na universidade em 68, fazia jornalismo no Paraná e já comecei a participar intensamente da vida política. O meu companheiro, que depois foi o meu marido, era do DCE em 68. E como ele participava da UNE, eu sempre que tinha oportunidade vinha com ele para São Paulo para alguma reunião qualquer.

Mas, na verdade, eu queria mesmo era partilhar daquele ambiente, e viver aquele ambiente, porque o que vivíamos no Paraná, não; era uma coisa que estava a anos luz de distância da vida que corria no CRUSP.

Então, a minha visão do CRUSP é uma coisa que era realmente um sonho.

Eu acho que vocês tiveram a felicidade de construir aquilo, eu acho que esse papel histórico, que marcou realmente não só São Paulo, mas marcou toda uma juventude brasileira e foi muito importante.

Então, eu acho que vocês têm tudo a comemorar, tudo.

E eu fico muito feliz, aqui, hoje, convidada pela minha amiga CRUSPINA Malu.

Em 1968 também não foi só CRUSP. As lutas se passaram no Brasil inteiro e nós no Paraná lutamos muito.

Tivemos a honra de ter derrubado a famosa Lei do Suplicy. O primeiro ensino pago no país tentou-se implantar no Paraná, na Universidade Federal. E toda a luta que se fez do movimento estudantil conseguiu derrubar o Decreto. Depois isso acabou ao longo da ditadura e foi abandonado totalmente.

Mas a primeira vez que se tentou implantar foi no Paraná.

Tivemos lutas muito importantes no Paraná. Eu depois vim para a USP, em 1969.

Fui presa no Congresso de Ibiúna e a perseguição política no Paraná foi bastante pesada... E eu vim embora e, também por uma opção pessoal, vim para a USP e entrei na ECA. Mas o CRUSP já não era o mesmo.

As coisas já eram outras e radicalmente diferentes. Eu não consegui viver tudo aquilo que eu sonhava viver, que eu sonhei durante o ano de 1968 inteiro, de viver no CRUSP.

Em agosto eu fiz uma exposição no Ministério da Cultura chamada “68: Utópicos e Rebeldes”, que foi feita aqui na Cinemateca e depois foi levada para vários Estados, e agora está no Rio de Janeiro onde vai encerrar a sua carreira, a sua trajetória.

Eu queria resgatar um pouco da nossa memória de 68 com essa exposição.

Ficou, modéstia à parte, muito boa e muito bonita. Eu não sei se algum de vocês assistiu, mas quando eu comecei a exposição, a pesquisar e levantar com outros pesquisadores contratados e mergulhar um pouco novamente naquele universo todo de 68, até para saber que tipo de exposição deveríamos fazer, me surgiu uma frase que eu acho que muitos de vocês devem conhecer sobre 68 de um guru americano. E a frase dele falava assim: “fomos ingênuos, éramos jovens, éramos ingênuos, éramos inconseqüentes, mas tínhamos razão”.

Eu achei em principio uma frase muito forte, muito marcante e comecei a girar as coisas em torno disso, mas até entrou na composição gráfica da exposição.

Entraria num grande painel que a gente mandou fazer e eu coloquei como inspiração da coisa. Ficou bonita no painel.

Mas aprofundando e mergulhando em todo o universo das nossas lutas de 68, o que significou 68 em todos os níveis, comportamento e político basicamente, eu comecei a entrar num outro mundo, que era muito mais importante.

E comecei a ver que não fomos inconseqüentes coisa nenhuma. Éramos jovens, foi a única coisa em que eu acabei concordando. Não éramos ingênuos, não éramos inconseqüentes em hipótese alguma, pelo contrário.

Eu acho que nós, jovens de 68, lutamos muito e contribuímos muito, fundamentalmente para todas as mudanças que hoje, como disse o Rui, nós assistimos aqui de camarote. Porque muitas de nossas lutas estão aí e foram conseqüência realmente de toda a nossa trajetória de juventude.

Lutamos depois no movimento estudantil, milhares de nós nas organizações de esquerda e onde as conseqüências foram muito mais graves, como todos vocês sabem.

E todos os que passaram, como eu, o Rui, e muitos outros talvez aqui, que passaram para a luta verdadeiramente na clandestinidade, foi uma luta pesada. Mas todos nós contribuímos muito para tudo o que está ai.

Eu acho que hoje a gente pode, como disse o Rui, afirmar, com todo o orgulho: nós vencemos.

Eu estive no lançamento de uma revista de direitos humanos na Secretaria de Direitos Humanos. Estava lá o Ministro Paulo Vannuchi e o discurso dele foi exatamente no mesmo sentido do discurso do Rui hoje.

Nós fomos vencedores, porque nós, hoje, 40 anos depois, estamos aqui em todas as comemorações, fazendo todo tipo de festa, inclusive como a grande festa do CRUSP que vocês fizeram.

E os nossos opositores e os nossos torturadores estão escondidos nas trevas.

Nós não, nós estamos na luz.

E eu acho que nós devemos ainda continuar essa luta, porque nós temos que trazer à luz esses torturadores, para que eles sejam punidos.

Quem passou por isso, toda a nossa geração, tem que deixar isso muito claro.

Eu acho que todos os níveis possíveis que pode hoje, tem que voltar a batalhar por isso e não deixar que isso morra nas trevas, eles escondidos e nós satisfeitos.

Eu acho que isso é uma lição que a gente não pode deixar e todos nós aqui, toda a nossa geração, tem que continuar essa luta.

Eu agradeço muito estar presente com vocês aqui hoje. É uma grande alegria para mim. E o apelo que eu faço é esse: continuem essa luta e vamos continuar essa luta. Muito obrigada. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — A coisa aqui funciona meio pela emoção. As pessoas não querem falar e de repente o cara quer falar. Agora vai falar o organizador deste ato, o Teco, o Waltinho. Que agora ele criou coragem e quer falar. Vamos lá, Teco, cria coragem e fala.

 

WALTER — Eu quero cumprimentar toda a mesa na pessoa do Deputado Simão Pedro, Deputado Adriano Diogo, Deputado Rui Falcão.

Eu acho que vários amigos CRUSPIANOS estarão aqui fazendo depoimento a respeito da situação política, da importância do CRUSP no movimento estudantil, na defesa da democracia, na luta pela justiça social.

Na fala do Rafael De Falco ele sempre expressa que o CRUSP foi uma escola de cidadania.

Então, o que eu quero é registrar a nossa participação em termos de esporte no CRUSP, e o quanto o CRUSP foi importante para a Cidade Universitária e para a Universidade de São Paulo em termos de esportes.

Está aqui o Remo, o Prandi, o Silvio Preto não está aqui, o Shozo Motoyama não está aqui, o pessoal que passou pelo departamento de esportes e que deu uma grande contribuição para a Cidade Universitária.

Hoje eu estou como assessor de esportes da Liderança do PT e às vezes os colegas me perguntam, ou se questionam, como o Walter aí tem o conhecimento de esportes, iniciativa, esse conteúdo todo e não é professor de educação física. Eu sou historiador.

Primeiro, esportes e educação física são coisas distintas e, segundo, como Diretor do Departamento de Esportes do CRUSP eu adquiri uma experiência muito rica e aquela prática esportiva eu passei para a teoria e a partir daí passamos a formular políticas públicas para o esporte.

Então, esta contribuição vem do CRUSP, a vivência que eu tive no CRUSP.

Eu queria registrar aqui três momentos, porque o que eu vou falar a maioria dos CRUSPIANOS não tem conhecimento.

Quer dizer, é a primeira oportunidade que nós temos de fazer um depoimento a respeito do que aconteceu no CRUSP. É na nossa vivência lá em termos de esportes que eu quero falar.

A primeira é que, logo em 1964, quando entrei no CRUSP, eu estava lá na sala no meu apartamento, 608 do prédio E, estudando, e de repente deu um estalo. Eu era ligado a esporte, porque não organizar uma corrida na Cidade Universitária para motivar o pessoal na participação do atletismo? Deu esse estalo e imediatamente fui nos apartamentos do lado, do Mineiro, do Tortelli, e consultei o pessoal: “o que vocês acham de fazer essa corrida?”

“Ah! Sensacional!”

“Então, vamos dar seqüência. Mas para conseguir algum apoio é melhor colocar o nome de São Silvestre Universitária, que nós vamos conseguir o apoio da Gazeta”.

E lá fomos nós pra Gazeta.

Procuramos os diretores da Gazeta, eles gostaram da idéia e mandaram nós conversarmos com o representante do esporte universitário. Ele não estava lá, voltamos outro dia. Quando chegamos, ele já estava sabendo da história da corrida. Olhou para nós e disse o seguinte: “você está louco?”

Eu levei um susto, e ele falou: “você já viu universitário correr sete quilômetros?”

Porque só tinha a São Silvestre na passagem do ano como corrida. Hoje tem várias por ai, mas naquela época não tinha.

Eu fiquei meio sem saber o que falar e ele falou: “tem mais uma coisa, você não pode organizar a corrida sem a autorização da FUPE”. Ele jogou aquele balde de água fria em cima de nós. Nós agradecemos a atenção dele e fomos embora.

Nós saímos lá fora e eu falei para o pessoal: “nós temos condições de organizar essa corrida, o que vocês acham?”

“Ah! Teco, vamos em frente!”

Então, decidimos ir em frente.

Chegando ao CRUSP, eu fiz um oficio para a FUPE. Não pedindo autorização, informando que nós íamos organizar essa corrida. Fomos até a FUPE e, como estava fechado, eu joguei o oficio debaixo da porta e fui embora. Comuniquei que nós íamos realizar.

Qual não foi a nossa surpresa à noite ia começar a primeira São Silvestre Universitária que depois virou Volta da Cidade Universitária e aparece lá quem para fazer a cobertura? O Diretor da Gazeta José Antonias de Inglês.

Nós pedimos para ele dar o tiro de partida e no dia seguinte aparece uma folha inteira na Gazeta Esportiva sobre a corrida e destacando a importância do CRUSP para o desenvolvimento do atletismo brasileiro.

A partir daquele dia o Diretor da Gazeta se tornou o maior adepto e o maior defensor da Volta da Cidade Universitária. Essa foi talvez uma grande contribuição do CRUSP.

Nos dois anos seguintes, a corrida passou a fazer parte do calendário da FUPE e da CBDU (Confederação Brasileira de Esportes Universitários) e se tornou uma tradição na USP.

Nós começamos correndo com 20 atletas e hoje correm cinco mil pessoas, e foi realizado esse ano, agora em outubro, a 45ª Volta da Cidade Universitária. Então, essa foi uma grande contribuição do CRUSP para a universidade.

Segundo fato: pelo fato de ser atleta, eu sempre achava que a presença do público e das autoridades motivava a nossa participação e melhorava o índice técnico. Então, lá com a minha maquinnha, eu mandava oficio para todas as autoridades. Nunca apareceu ninguém.

Mas um dia, e sempre tem um dia, o professor Miguel Reale havia assumido a Reitoria fazia um mês e estava despachando com o chefe de gabinete, o Dr. Fabio Prado — isso o Dr. Fábio nos contou — e ele pegou o meu oficio, entregou para o Reitor e já puxou: “Isso é festa de estudante.” Aí professor Reale olhou e disse: “Volta da Cidade Universitária? Oito horas da noite? Coloca na minha agenda”.

Lá estava para começar a Volta da Cidade Universitária, encosta o carro oficial. Aí todo mundo surpreso, o Antoninho Inglês veio: “Vamos dar para ele o tiro de partida.” E o Dr. Reali deu o tiro de partida.

Quando terminou a prova, nós fomos para o palanque fazer a premiação. Ele pediu para fazer uso da palavra. Ele disse o seguinte: “Hoje, eu estou vendo aqui que os estudantes não têm condições de praticar esportes na Cidade Universitária. Mas uma coisa eu vou dizer para vocês: antes de terminar o meu mandato, vocês vão ter uma praça de esportes”.

O Inglês, que estava ali do lado, falou: “Reitor, nós vamos cobrar isso do senhor.” “Não precisa cobrar, você registra isso aí.”

Dois meses depois, o professor Miguel Reale tomou cinco milhões do Governo do Estado, cinco milhões da Prefeitura e começou a construção do CEPEUSP. O CEPEUSP nasceu dos CRUSPIANOS e se tornou a maior praça esportiva da América do Sul. Isso foi uma realização nossa. (Aplausos)

Terceiro fato: eu sempre pensava: “como nós podemos desenvolver o esporte aqui com a falta de estrutura. Precisamos de elementos humanos. O pessoal da educação física, professor, aluno, sempre ajudava na organização da Volta da Cidade Universitária, no dia.

Eu pensei: “a escola de educação física precisa estar aqui para dar uma força na nossa organização, para planejar o esporte dentro da USP”.

Então, fui lá, peguei minha maquininha de novo, e fiz um oficio para o Reitor pedindo a integração da escola de educação física na USP, que era um instituto isolado de ensino superior que funcionava aqui no Ibirapuera, no DEF, estava espalhado por aí.

Aí, o Reitor encaminhou esse oficio para o Conselho Universitário, que abriu processo e deu seqüência. E anos depois a escola de educação física passou a fazer parte da USP. É outra realização nossa. (Aplausos)

Além desses três eventos, nós organizávamos o encontro das Casas do Estudante. Quer dizer, vinham os estudantes de Piracicaba, de São Carlos, de Lins, da Casa do Estudante de Direito, da Medicina, da Casa do Politécnico... e isso era um embrião de Olimpíada na USP.

Eu me lembro de quando eu dava aulas no cursinho à noite em Osasco.

Quando voltava, descia do ônibus na Avenida Corifeu de Azevedo Marques, atravessava todo o Butantã e chegava à meia noite no CRUSP e ainda ia disputar o campeonato de futebol de salão. Isso é testemunha de que lá se estudava, tinha tempo para a cultura, para o esporte e para a formação da cidadania, como diz o Rafael.

E ainda fazíamos excursões pelo interior. Eu cheguei a levar uma seleção de sul americanos para Quatá, para Rancharia.

Então, tinha essa participação intensa na parte de esportes.

Em 1975, o Prefeito da Cidade Universitária me chamou para ser o Diretor do CEPEUSP.

Fui lá, fiquei dois meses, fiz o regimento interno e comecei a trabalhar.

Depois de dois meses, “o contrato do Walter não pode sair porque o Coronel que está lá na Reitoria, o nome dele está na listão negro e é considerado um subversivo do CRUSP, portanto, nada feito”, e eu não pode ser contratado.

Nós CRUSPIANOS fizemos acontecer, passamos a fazer parte da história, ajudamos a romper os laços da ditadura para que o Brasil passasse a nadar num mar de democracia.

Para encerrar, eu queria deixar o meu abraço fraterno a todos os CRUSPIANOS aqui presentes, o mesmo abraço carinhoso a todos os CRUSPIANOS ausentes e aos CRUSPIANOS que nos ouvem, que nos assistem, nas várias faixas do universo, a nossa saudade e a certeza de que um dia estaremos juntos novamente para novas missões.

O encontro no dia 29 de novembro, 40 anos após a diáspora do CRUSP, e esse evento na Assembléia é o testemunho de que Deus existe. Muito obrigado. (Palmas.)

DEPUTADO ADRIANO DIOGO — Eu queria abrir a palavra para duas pessoas ou três das pessoas que vieram nos visitar. Convido para a mesa o Dr. Hugo Marques da Rosa.

Então, eu vou dar uma quebrada no protocolo.

Na nossa aldeia gaulesa geológica tínhamos três representantes aqui hoje presentes: o Álvaro, o Duílio e o Lobão.

O Lobão foi banido duas vezes da USP. Uma porque foi preso e outra quando lá na escola de geologia houve um golpe.

Então, eu queria homenagear a nossa diáspora gaulesa, pedindo para o Lobão falar um pouco, o Lobão que era daquele grupo de paraenses fantásticos que vieram para São Paulo quando se formou a escola de geologia. Com a palavra o companheiro Lobão.

 

LOBÃO — Boa-noite, obrigado, cumprimento a mesa. Eu queria explicar porque eu vim falar daqui. Porque nós, do CRUSP, somos da mesma escola do Lauri.

Eu me lembro do dia em que foi a Orquestra Sinfônica se apresentar lá embaixo, no centro de vivência.

Acabou a apresentação e o maestro perguntou se alguém gostaria de reger a orquestra, já sorrindo, como se ninguém fosse ter coragem de reger a orquestra. O Lauri pegou a batuta e regeu a orquestra. (Aplausos) Então, a escola é essa.

O que eu gostaria de chamar a atenção, afora o que o Adriano já falou, de ter o agravante de ser geólogo, paraense, e o agravante de ser CRUSPIANO.

Do meu ponto de vista, o que tem de singular naquelas pessoas que estavam no CRUSP, nas pessoas que estavam na Universidade de São Paulo enfim, dos estudantes que estavam nas ruas em 66, 67, 68, digamos antes do AI5 ou um pouco depois. O que era singular?

Do meu ponto de vista, singular era o fato de que a gente sabia em que mundo a gente estava. Eu acho que era isso: um mundo em que a gente tinha a esperança de que ia mudar.

A gente ia tomar o céu de assalto. O problema era do céu, não era nosso, óbvio. Mas o mundo que para nós, digamos, especificamente no CRUSP, a gente pichou o Brasil inteiro, dizendo que o Congresso da UNE, o 29º, ia ser nos dias 2, 3, e 4 de agosto... no CRUSP. O Brasil inteiro estava pichado. Então, a ditadura acreditou. Foi o Ministro da Justiça ou o que significasse ser o Ministro da Justiça na ditadura de direita. Nós fizemos o Congresso em julho e estávamos em 2, 3 e 4 de agosto as teses da UNE sendo discutidas em grande parte das classes no Brasil inteiro e a ditadura se descabelando. Mas no ponto de vista o que estava acontecendo.

O ano de 68, que é emblemático, na verdade para mim significa o ano em que, no Vietnam, você tem a ofensiva do TET, ofensiva do ano novo chinês, o TET de 68 é o ano do horóscopo chinês, o ano do macaco. Só faltou, tanto os vietnamitas do norte, quanto os guerrilheiros do sul, terem tomado Saigon, como chegaram próximos de tomoar outras cidades. Foi uma derrota. Mas o ano de 68 terminou, depois dos Estados Unidos estarem com 500 mil soldados dentro do Vietnam, terminou com os Estados Unidos tendo que discutir com os representantes, tanto do Vietnam do Norte, quanto do Vietcongue, qual era o tipo de mesa em que eles iam acabar se rendendo em Paris.

Então, a gente sabia aonde é que a gente estava. A gente estava nesse mundo. E a gente tinha a esperança de transformar esse mundo e ia transformar mesmo. Não tenho a menor sombra de dúvida. Bom, a não ser que acontecesse, como diria o Rubens Fonseca uma combinação aleatória de circunstâncias imprevisíveis, que pode ter o nome de AI5 e várias outras coisas em uma ditadura latino americana como quaisquer uma das outras. Eu vi um debate um dia desses na televisão e não tem diferença qualquer de nenhuma delas. Não tem diferença.

Enfim, de qualquer maneira, eu acho que a gente pode rapidamente dizer que os que estávamos nas ruas, estávamos numa luta, digamos assim, de dois em um, no mínimo de dois em um. Primeiro porque tinha que enfrentar uma ditadura. Segundo porque não era só enfrentar uma ditadura. Não era simplesmente ser resistente e ser resistente a uma ditadura latino americana não é pouco. Era porque estávamos juntos com outros povos na luta pela criação do socialismo. Era por isso. Ninguém era só passivo, a gente era propositivo. Vários partidos clandestinos, várias organizações, lutavam pela implantação do socialismo. Lutavam pela criação do socialismo. Então, não é só resistente, Porque se fosse... Eu estive preso no intervalo da ditadura e antes de ser preso a gente estava na rua exigindo abaixo a ditadura.

Depois que eu sai os estudantes que não estavam na rua, estavam exigindo liberdades democráticas, o que significa isso: tudo bem vocês venceram, mas não esculacham.

Porque se a gente estivesse só resistindo, o Benê o Jeová o Chico, a Lola, a Helenira não teriam sido assassinados. Quem só resiste uma hora fala: está bom, vocês venceram, pára e a gente entrega os pontos. Quem é propositivo luta por alguma coisa, luta até o fim.

Então, o nosso dois em um do meu ponto de vista é esse, para derrubar uma ditadura ajudamos e ganhamos. Aqueles que lutavam, e muitos lutavam pela construção do socialismo no planeta inteiro, perderam, perdemos. E eu não acho qualquer problema em perder, por um dado extremamente simples: porque quem não sabe perder, com certeza não vai saber ganhar.

Então, só queria encerrar, dizendo uma coisa: para mim, o mai importante no aprendizado no CRUSP foi a força, a coragem e a valentia das nossas companheiras CRUSPIANAS. Obrigado. (Palmas.)

O Deputado Adriano Diogo deixa a presidência da mesa. Assume-a Walter Silva (Teco)

WALTER SILVA — Hoje está havendo aqui a votação do orçamento na Assembléia. Então, os Deputados têm que se retirar, porque estão sendo chamados no plenário. Vamos continuar o nosso evento. E agora vamos ter o depoimento dos CRUSPIANOS nessa seqüência ainda. Chamamos o professor Luiz Barco. Vamos tentar limitar em uns três minutos as falas, para não avançar muito no horário.

 

LUIZ BARCO — Três minutos. Não é a primeira vez, como professor. Eu tenho um depoimento estranho a fazer aqui.

Eu estou sentado lá no fundo, absorvendo uma série de coisas aqui, mas me assustando com outras.

O CRUSP foi tudo isso, mas foi um pouco mais do que isso.

Eu era um quase menino, nascido em Itararé, na fronteira com o seu Estado, Paraná, e tive o privilégio de ter uma mãe, meu pai morreu quando eu tinha cinco anos, uma mãe que era empregada doméstica.

Então, hoje, ser professor titular da principal universidade do país, porque a USP (com todos os defeitos ainda é a principal e o orgulho universitário desse país), só foi possível porque alguém abriu uma porta para que um jovem pobre viesse estudar Matemática na USP.

Hoje sou professor da universidade e sou professor com muito orgulho. Eu acho que o bom professor vai morrer professor.

Ele precisa ser meio ruim para virar diretor e quase um bandido para virar Reitor ou Ministro da Educação.

Falar isso é um absurdo, tendo ai uma pró-reitora. Espero que ela nunca chegue a Reitora, porque daí iria piorar de vez.

Mas a grande verdade é o seguinte: nesse país, o controle é feito às avessas. Nós estamos aqui comemorando e eu, ali, velhinho, sentado no fundo, pensando assim: “Eu não vou agüentar mais 40 anos”. Mas alguns de vocês, ou seus filhos e netos, estarão aqui comemorando os 80 anos do CRUSP... E o Brasil continuará o mesmo, prestando um enorme desserviço à educação.

Eles falaram que o Brasil se tornou democrático... Eu gostaria de saber se isto vale para os jovens deserdados, como eu era, e que não têm o privilégio de ter o CRUSP.

O que é que nós, que vivemos aquela experiência, andamos fazendo para recuperar para a juventude de hoje aquilo que nos foi dado, aquilo que nós conseguimos fazer.

É preciso que tenhamos coragem, não de reinventar o CRUSP, o CRUSP era a cristalização de uma época e de alguns sonhos.

Não pensem vocês que a gente envelhece quando fica barrigudo, careca e cheio de rugas. Nós envelhecemos quando abrimos a mão e não encontramos ali nenhum sonho para correr atrás, nenhuma utopia.

O CRUSP foi o resultado de jovens, meninos e meninas, alguns mais atrevidos, outros mais covardes.

Eu quando, vejo falar no Jeová, no Lauri, eu lembro-me da jactância, quase ingênua, mas também da beleza do que aquela gente acreditava.

Mas tem alguns que sobreviveram e não se formaram.

Eu lembro que uma vez nós estudávamos Cálculo de madrugada. E quando começou a clarear o dia, o Matias tinha colocado um senhor para limpar as vidraças para o lado de fora.

A minha mãe tricotava bem, a minha irmã também, e eu tinha duas ou três blusas de lã, outros tinham um tanto. O mais pobre dos nossos amigos, que não está aqui hoje, talvez porque é simples e fique com vergonha de participar dessas coisas, chamava-se Martins. Era seu vizinho de Bloco B. Eu era do Bloco E, 111. E o Martins deixou todo mundo ali e saiu. Nós falamos: “será que ele já foi beber, esse malandro?”. E, quando olhamos, estava alguém estendendo a mão pela janela para um menino de roupas rotas, um negro que provavelmente nunca entrou na USP, nem ele, nem os seus filhos. Não porque era burro, mas porque era e continua sendo pobre. E o Martins pegou a única blusa que tinha, porque a mãe dele era uma costureira em Catanduva, e deu para aquele menino.

Aquilo, para mim, era o retrato do CRUSP. Quem é capaz de dividir o pão, dividir a roupa, dividir o sonho, dividir a amizade. Alguns com coragem foram às armas, outros à literatura e outros a lugar nenhum.

Nós temos que dizer, não aqui, aos comemoradores de uma época, aos sobreviventes de uma época. Nós temos que ensinar isso as nossas crianças, para que nunca mais este país sonegue o direito inalienável de todo o cidadão ter direito à saúde, à cultura, à educação e principalmente à felicidade.

É preciso que se crie um departamento nos CRUSPIANOS do passado, não só para criar festas emocionantes como aquela que vivemos, mas para construir, ajudar a construir a dignidade de uma massa enorme de pessoas que é desconhecida da Universidade, senhora professora, é desconhecida dos senhores vereadores e deputados que aqui sentam. Porque a maioria deles está muito mais ocupado com o ranking das suas realizações do que com as reais necessidades do povo brasileiro.

É preciso acordar.

Eu queria dizer ao jovem, que terminou falando em Deus: fazer ciência é tentar descobrir como Deus pensa. O homem arrogante chama isso de transcendência; o filósofo chama de metafísica e o homem simples como você chama de Deus.

Eu acho que o Descartes fez coisas maravilhosas e a ciência nos deu condições incríveis. Mas está nascendo aí um novo jeito de olhar a ciência, a ciência da complexidade e da transdisciplinaridade. Eu espero que venha junto com esta ciência as emoções, o respeito e a dignidade e o amor ao próximo a cidadania e, sobretudo a alegria. Não é pecado ser alegre e feliz, apesar das conjunturas.

Deus lhes pague pela atenção que me deram. Muito obrigado. (Palmas.)

WALTER SILVA — Chamamos agora nosso amigo, irmão, Álvaro Rodrigues dos Santos.

 

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS — É covardia, eu não me tinha inscrito, não. Isso é compulsório.

Mas eu gostaria de lembrar uma coisa que o Rafael chamou a atenção.

Eu acho que a nossa história de lutas políticas, ela atendeu a uma conjuntura, nacional e internacional, que nos foi colocada e nós respondemos a isso da maneira como nós achávamos correto responder.

Com todos os nossos impulsos juvenis, entregamos toda a nossa generosidade com uma coragem tremenda, perdemos irmãos nessa luta e vivemos ela intensamente.

E eu acho que, de alguma forma, isso, com outras tantas coisas que aconteceram no país colaborou, pelo menos para essas liberdades democráticas pelas quais tanto lutávamos e que dentro delas agora prosseguimos as lutas para outras extensões que os nossos ideais nos indicavam.

Mas essa conjuntura política não foi exclusiva nossa, ela atingiu a juventude no país todo.

O que nos diferenciou, o que nos marcou como CRUSPIANOS, foi a nossa vivência CRUSPIANA. Isso é a costura comum a nós que nos deu essa cumplicidade que nós não sabemos explicar direito qual é, mas nós sabemos que somos cúmplices em alguma coisa que tivemos em comum.

Eu, até aproveitando o apelo do Rafael, também acho que isso tem que ser estudado. O que é que aconteceu ali em termos existenciais, com aqueles mais de mil estudantes e outras centenas de milhares que por lá passavam e conviviam com a gente e aproveitavam um pouco daquela existência.

Foi um fenômeno muito profundo que aconteceu ali. Eu tenho uma frustração tremenda de não saber explicar isso. Mas eu acho que é essa vivência, que o Hugo até chamou de a verdadeira vivência universitária, de tanta gente diferente, de tantos cursos diferentes, de visões diferentes, de culturas diferentes, de cidades e países diferentes, que amalgamou essa que nós tivemos de comum. essa existência.

Então, eu faço um apelo. Eu não sei se é um antropólogo, um sociólogo ou um pedagogo para dedicar uma tese de doutorado, algum estudo, sobre isso. Porque isso foi o que houve de diferencial no CRUSP.

A luta política não nos diferenciou de outros tantos jovens que participaram dela, com a mesma intensidade que nós participamos, no país inteiro, e o meu amigo e geólogo Honestino Guimarães de Goiás, por exemplo, que também foi morto.

Eu gostaria de lembrar: alguns colegas aqui falaram das mulheres CRUSPIANAS. A gente não chamava de mulher. Eram as meninas.

Eu me lembro umas das invasões... O CRUSP não foi só invadida na invasão final, nós tivemos algumas outras invasões.

Eu não me lembro a propósito do que foi aquela invasão, se foi após a tentativa de destruição do submarino amarelo. Eles queriam destruir o esqueleto do prédio e nós impedimos com aquela ação. Foi nessa invasão que eu fui preso, inclusive, tantos outros colegas foram presos.

Foi uma situação muito estranha, porque eles arrebentaram as portas e nos prenderam e nos colocaram em ônibus. Isso de madrugada. E nos levaram, em vários ônibus, pela Via Anhanguera e fizeram o retorno em um lugar já perto de Campinas. E iam soltando, um a cada um quilômetro. Eu falei: “estão nos matando”.

Mas não, era só a tática deles de nos dispersar. Mas vejam só como era a cabeça nossa. Nós conseguimos nos juntar, pegar um ônibus de volta, voltar para o CRUSP e continuar a briga com a polícia. Isso tudo numa madrugada de invasão.

Nesse dia... eu morava no glorioso Prédio E, no 602, e da nossa janela víamos o prédio das meninas e um “Brucutu”, que era um carro de combate que estavam testando em nós, entrou junto ao prédio das meninas.

O que essas gloriosas meninas fizeram? Pegaram a mangueira de incêndio e jogaram água em cima do Brucutu até fazer o Brucutu atolar.

Então, era um orgulho o que a gente via no Prédio E: as nossas meninas fazendo aquilo, jogando água em cima do Brucutu e o Brucutu, vergonhosamente, a maior tecnologia da repressão, atolado ali nos jardins do CRUSP.

Eu termino aqui mandando um beijo a todas as nossas meninas, inclusive aquela com a qual eu me casei, a Maria do Carmo. (Palmas.)

WALTER SILVA — Eu vou pedir para o Hugo Rosa fazer uma saudação aqui também.

 

HUGO ROSA — Eu tenho muito dificuldade em falar em situações que me provocam muita emoção.

Mas para mim, a passagem pelo CRUSP foi uma passagem que me marcou profundamente. Eu entrei uma pessoa no CRUSP e, dois anos depois, quando o Crusp fechou em 1968, saiu uma pessoa completamente diferente da que eu entrei.

Mas eu tinha uma vivência anterior ao CRUSP, que era uma vivência universitária no Rio Grande do Sul. Eu estudei no Colégio de Aplicação em Porto Alegre e o Colégio de Aplicação era um barracão de madeira que ficava exatamente no meio do Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Eu vivi nesse ambiente dos meus 10 aos 17 anos de idade. Então, eu vivi num ambiente universitário, onde os nossos professores eram alunos da Faculdade de Filosofia, onde nós tínhamos um intenso convívio com as Faculdades e tínhamos uma relação extremamente amistosa com os professores.

Era comum nos sábados, por exemplo, nós íamos jogar futebol com os professores. E saiamos à noite para tomar chope com os professores. Era uma relação absolutamente fraternal, até porque, no final do curso secundário não tinha muita diferença de idade entre os alunos e os professores.

Quando eu entrei na USP, na POLI, eu encontrei aquele ambiente absolutamente árido, aquela relação completamente adversarial entre professores e alunos. Quer dizer, parecia que aquilo era uma disputa de quem conseguia produzir mais mal para o outro lado. Os professores fazendo exigências absurdas, uma condição terrível nas salas de aulas e os alunos retribuindo no final de curso depredando a faculdade.

Pelo menos quando nós nos formamos, no final do 5° ano, aqueles alunos mais comportados durante o curso, jogando cadeira e mesa pela janela, quebrando murais... Uma coisa que é impensável num ambiente universitário.

Mas dentro do CRUSP era um ambiente realmente universitário. Nós convivíamos com gente de todos os cursos, de todo o Brasil, e a gente então tinha essa pluralidade. Era uma relação completamente diferente.

Então, a POLI era um mal necessário. A gente tinha que ir lá fazer prova para poder terminar o curso, mas realmente a vida acontecia no CRUSP, as relações sociais e as amizades. E o CRUSP foi realmente uma aula de formação política, de cidadania, que eu pude, muito dessas coisas, desses sonhos do Crusp, poder aplicar na vida pessoal e na vida profissional.

Então, eu acho que o que eu pude fazer, e que eu tenho orgulho na minha vida, foi dar continuidade aos valores daquilo que eu aprendi no CRUSP. Obrigado. (Palmas.)

WALTER SILVA — Chamamos o CRUSPIANO Wolfgang Leo Maar.

 

WOLFGANG LEO MAAR — A democracia é muito trabalhosa. Se é bem verdade que a gente, num certo sentido, venceu, não dá para a gente sentar em cima dessa vitória.

É preciso lembrar que a invasão do CRUSP, que culminou com o fechamento do CRUSP, foi um modo quase que exemplar, paradigmático, de mostrar para nós a violência a que a sociedade capitalista instituída, os poderosos, recorrem para impor o seu modo às pessoas, principalmente as pessoas comuns.

Eu, no CRUSP, era uma pessoa comum. Sai dali preso, fiquei vários meses preso, fui bastante mal tratado.

E quando eu digo que a democracia é trabalhosa, eu quero dizer que esta é uma situação que continua presente e nós não devemos pensar apenas, como já foi lembrado aqui, em celebrar o CRUSP como um passado.

É claro que isso é importante. Mas em pensar a atualidade do CRUSP. O CRUSP se repete todos os dias. A violência a que a sociedade recorre, infiltrada no cotidiano, está presente, no dia a dia.

A pior das heranças do ato Constitucional n° 5 é a presença da violência no nosso cotidiano. Então, quando as pessoas são reprimidas nas favelas, quando a polícia reprime com violência os pobres, quando eles perdem o emprego, quando as pessoas que se manifestam, enquanto os estudantes na universidade são reprimidos, etc, etc., etc... a invasão do CRUSP está presente.

Eu acho que a melhor maneira de nós comemorarmos, na nossa experiência da utopia do CRUSP, é termos isso em mente. E não nos restringirmos a celebrar o passado, mas pensar na atualidade dessa questão e como nós vamos enfrentá-la no dia a dia.

Nós poderíamos pensar, eventualmente, em que o site CRUSP, que reuniu essas pessoas todas, se transformasse, por exemplo, numa Fundação que pensasse a relação entre educação e democracia, que pensasse no alojamento dos estudantes, na universidade, no ensino gratuito, etc., etc., etc.

É isso. Eu estou muito contente de estar aqui, parabéns a nós todos. Muito obrigado. (Palmas.)

WALTER SILVA — CRUSPIANO Nelson Vilhena Granado, Nelsinho.

NELSON VILHENA GRANADO — Boa noite, gente. O depoimento vai ser bem simples, rápido.

CRUSPIANO desde 63, quando invadimos, junto com a Hilda, e outros mais daqueles iniciantes, logo depois dos Jogos Pan-americanos. E saido no final de 68, também pelo mesmo motivo que todos nós do CRUSP.

O CRUSP, e o Álvaro foi muito claro, aquela amálgama, aquele entrelaçamento de pessoas do Brasil todo, do mundo todo. Lembramos, ainda há pouco, da Fong, que veio do Vietnam e morou lá. Da Anne, que veio de Lyon e morou lá e estudou conosco. Tanta gente incrível morou, trabalhando, pesquisando, entrelaçando, em ajustes vibratórios, de percepções, de idéias, de compromissos, cada um com os seus. E lá nós aprendemos um relacionamento, aprendemos a viver em comum a experiência do CRUSP, talvez uma das poucas no mundo de uma comunidade, que a ditadura, de uma forma brutal, na madrugada do dia 17, fez por encerrar.

Acabou de uma forma brutal, hedionda, porque ela, a ditadura militar, tinha dentro de si, em todas suas propostas e perspectivas, aquilo: encerrar com aquele momento mágico que eu vivenciei, onde conheci a minha esposa, que está comigo há 43 anos, até hoje. Com cinco netos, quatro filhos homens.

Pois bem. Só que a ditadura acabou com o CRUSP, mas não acabou com o nosso relacionamento. Nós amadurecemos, nós criamos consciência, nossas propostas de melhoria do mundo, porque éramos românticos, aumentou, e aumentou muito.

E hoje, 40 anos depois, nós pudemos fazer um encontro, graças a meia dúzia de amigos incríveis. Pudemos fazer um encontro, no dia 29 de novembro, onde nós percebemos que o CRUSP acabou, mas nós continuamos com aquele espírito do CRUSP.

Nós continuamos com o laço de ternura, de amor, de companheirismo, de afetividade.

E todas essas propostas, do Wolf, do Álvaro, e dos amigos que aqui estavam, em prosseguir, em misturar o CRUSP, estão válidas.

E aceitem essa vibração, com muita emoção, do Nelson, do Nelsinho de Santos, do CRUSP, da POLI, depois da Física, depois da Fisioterapia.

Aceitem de uma forma muito carinhosa, com muita emoção.

E quando me propus falar o três minutos, um minutos, foi porque eu não podia deixar de testemunhar esse momento mágico que estamos vivendo hoje, 40 anos depois daquela madrugada truculenta que essa ditadura que se esconde, infelizmente, fez para nós. Tenham uma boa noite. (Palmas.)

WALTER SILVA — Agora o depoimento do CRUSPIANO Valter Vuolo.

 

VALTER VUOLO — Eu acho que antes de fazer algum depoimento, eu queria lembrar, primeiro fazer uma homenagem.

Eu tive a honra e a felicidade de conviver com alguns dos assassinados da ditadura: Lauri, Benetazzo, o Jeová, o Arantes, a Helenira — era de outra organização, mas éramos companheiros.

E quero lembrar aqui também que o Rui Falcão falou do Fernando Ruivo, mas esqueceu do Chael, que os dois foram assassinados juntos —apesar do Chael não ser do CRUSP — foram os dois os primeiros assassinados pela ditadura.

Então, eu acho que o Chael era um companheiro, que eu acho que a gente deve também prestar uma homenagem. (Palmas.)

O CRUSP eu acho que marcou a vida de todos nós. O evento, que juntou mais de 600 pessoas, mostra que os laços ficaram, a gente ainda consegue reviver. Eu, encontrar pessoas que eu não via fazia 40 anos, foi uma grande alegria.

Eu acho que o CRUSP marcou a vida de todos nós. A minha, pessoalmente.

Eu costumo dizer quando entrei no partidão, já virou dissidência. Não era PC, era Partidão.

Logo depois do AI5, no dia 11 de dezembro, eu saí do Carandiru. Eu fiquei naquela turma que ficou uns dois meses lá no Carandiru, que era aquela turma do Congresso de Ibiúna. No dia 11 eu sai do Carandiru graças a um companheiro de Brasília, que o pai trouxe o habeas corpus em mãos, do STF, para transformar em alvará de soltura.

E a gente conseguiu sair no dia 11, senão nós não teríamos saído. Como o Dirceu, Wladimir, Ribas e o Travassos, que não saíram. Tinha uma turma que tinha sido transferida que não saiu. Nós saímos no dia 11 de dezembro, no dia 13 veio o Ato.

E a gente já sabia que o CRUSP, mais dia, menos dia, ia ser fechado e nós tivemos que se esconder.

Eu estava com a prisão preventiva decretada, correndo de um lado para o outro. Fui passar na casa de um parente, não muito próximo, mas parente, de uma noite para outra. E não fiquei mais tempo porque o cara estava se borrando inteiro. Mas esse cara, logo depois da anistia, quando eu voltei ao Brasil, esse cara chegou para mim e falou: “Walter, pena que aquilo que vocês queriam fazer não deu certo”. Isso em 79! Eu falei: “que bom, um cara que naquela época... mudou o pensar dele”.

Quer dizer, essa é uma frase que resume um pouco toda aquela militância, aquele excesso de idealismo, muitos companheiros nossos perderam a vida.

Eu e o Rafael, nós moramos juntos durante uma época. Eu costumo dizer que estou vivo graças a uma hepatite. Eu peguei uma hepatite no começo de 69, fiquei seis meses de cama e quando eu levantei já, né?, já.

Então, tem alguns episódios. Eu acho que o CRUSP — eu estava comentando ali com o nosso companheiro repórter — eu acho que o CRUSP tem que ser resgatado, a sua inserção na política estudantil da época. O aspecto de cidadania foi muito bem colocado pelo Rafael. Eu acho que o CRUSP fez de todos nós cidadãos. O Teco, vejam, o Teco: hoje, trabalha na liderança do PT. Ele era da turma dos alienados do CRUSP" É, vai falar que não é? (Risos) A gente percebe que o CRUSP deu certo, né?

Então, gente, um grande abraço e, de novo, uma homenagem a todos os nossos companheiros assassinados. Um abraço para todos nós.

Eu acho que aquela época marcou todos nós muito profundamente, para o bem. Para o bem. Muito obrigado. Obrigado. Boa noite. (Palmas.)

WALTER SILVA — Benjamin Prizendt. Só faltam mais dois.

 

BENJAMIM PRIZENDT — Porque que nós lutamos em 68? Nós temos esse compromisso, não só entre nós, mas com todos nossos familiares e amigos.

Nós lutamos porque nós vimos, no nascedouro, as mudanças que, infelizmente, elas estão ai. Por exemplo, aqueles acordos MEC/USAID, o que que era aquilo? Aquilo era a formação de uma cadeia de produção de técnicos para as multinacionais. Não era mais do que isso.

Era transformar a universidade numa maquininha de fabricar operários qualificados, entre aspas.

Outra coisa em que nós lutamos: lutamos contra essa tremenda desigualdade de distribuição de renda no Brasil. Eu faço minhas as palavras do Barco, Luiz Barco, companheiro de muitos anos.

Muitos de nós viemos de famílias humildes, como filhos de imigrantes, por exemplo, pessoas que tiveram que abandonar a sua terra em função de perseguições religiosas e outras coisas e encontramos aqui ainda uma oportunidade de avançar.

Mas quando a gente vê o estado atual, a gente vê que muita coisa ainda tem que ser feita.

Nós vemos, por exemplo, a privatização da saúde. E muitos de nós, na nossa idade, não temos direito a plano de saúde. Porque 500% de diferença entre a faixa inicial de atendimento de saúde privada e a última, em que nós estamos, é realmente uma condenação.

Então, nós temos, sim, o compromisso de continuar a luta. Nós somos a memória viva dessa época e eu, como consultor ambiental, eu tenho levado essas informações exatamente para as multinacionais.

Mas em outra condição agora, a condição de uma pessoa que teve toda essa vivência no CRUSP e pôde então ter uma noção do que se fala sobre sustentabilidade, que é uma palavra que está na boca de todos, quando a gente sabe que o capitalismo, para ser sustentável, é muito chão.

Temos muita coisa ainda para fazer.

É praticamente outro regime que vamos ter aí pela frente e eu acredito que nós ainda vamos ter muitas surpresas.

Nós vivemos até aqui, ultrapassamos esses 40 anos, mesmo em função de perseguições, e estamos vendo que algumas coisas estão mudando. Mas muitas coisas mais ainda têm que ser feitas. Muito obrigado, pessoal. (Palmas.)

WALTER SILVA — Acredito que.. a última CRUSPIANA, a Rute Bevilaqua. Depois do término aqui, o Deputado Adriano Diogo nos ofereceu ali um coquetelzinho.

 

RUTE BEVILAQUA — Eu estou aqui porque no CRUSP, eu aprendi, que a gente pode ter mais de 60 anos, ser aposentado, mas tem que pôr o tijolinho da gente.

Então, eu escrevi um discurso que nem vou fazer para vocês, porque já disseram muitas coisas que eu ia dizer.

A proposta que eu vou fazer aqui é a seguinte: eu fiquei muito triste, eu não gosto de falar em público, eu vim aqui por causa do tijolinho.

Eu fiquei triste de não ver CRUSPIANA aqui falando, dando depoimento. Então, eu começo a achar que está na hora de a gente marcar um encontro de mulheres CRUSPIANAS para apresentarem os depoimentos delas. Porque eu estou querendo depoimento de CRUSPIANA.

Eu fazia Física e morava no CRUSP em 67, 68, e tenho um monte de histórias para contar, como todos nós CRUSPIANOS temos. Algumas histórias são muito poéticas, de um tempo em que ninguém tinha carro no CRUSP, os estudantes andavam todos a pé, os estudantes da USP, que hoje todos têm carro, era tudo a pé.

E a gente se encontrava à noite com os amigos para andar até o CEASA, porque tinha menos violência.

Então, a gente ia tomar uma sopa de cebola (Aplausos), passeava entre um monte de verduras... Tudo verde lá, couve, tomates vermelhos... E a gente fazia tudo isso discutindo os destinos do mundo e ainda voltava para casa a pé para ver o sol nascer e continuava discutindo os destinos do mundo e vendo tudo colorido, apesar de já existir o Ato Institucional n° 1, 2, 3, 4...

O mundo só deixou de ser colorido para a gente depois do fechamento do CRUSP, do Ato Institucional n° 5.

Eu acho que a gente sonhou muito e, talvez, por ter sonhado muito, nós nos frustramos muito.

Nós hoje somos as pessoas com mais de 60 anos, 10% da população brasileira. E nós vimos muito no CRUSP e aprendemos muito e vimos muitas coisas. Vimos o milagre econômico, muitos poucos anos de poder desse milagre. E teve muito fim de milagre durante a ditadura, muito fim de milagre.

Então, a gente viu muita coisa no fim da ditadura e a ditadura foi também cheia de miséria e desgraça.

Além de a gente ver os nossos amigos do CRUSP serem massacrados, assassinados, tudo isso.

Depois, quando pintou a democracia, fim da ditadura, ai meu Deus do céu! A gente continua vendo o que? Muita estagnação, desemprego, fome, roubalheira. Então, o Estado de direito associado à economia sem jeito e todas essas coisas, tudo isso acontecendo.

E agora tem o trambique dos mercados e a crise, sei lá, que está chegando ai, que dizem que é mundial e vai ser horrível.

Então, eu convoco as minhas amigas CRUSPIANAS, que sonhamos muito, muito mesmo — eu acho que muitas de nós éramos muito feministas — e não tivemos até agora um mundo que sonhamos.

Então, eu acho que está na hora de a gente tomar sopa de cebola e discutir o mundo de novo e quem sabe a gente ainda consiga se encantar com o nascer do sol de novo. (Palmas.)

WALTER SILVA — A Zezé quer falar alguma coisa.

ZEZÉ — É só um complemento: a gente desenrolou as mangueiras para jogar água e afundar o Brucutu. Mas a idéia de colocar açúcar no combustível não foi nossa, não foi da ala feminina, e deu um trabalho imenso uma vez ligado aquilo, porque ele não se movimentou com facilidade. Agradecemos, então, os complementos. (Palmas.)

WALTER SILVA — Antes de encerrar eu queria dizer que a colocação que o Vuolo fez, eu não estava entre os alienados. Primeiro, que eu era aluno de história e tinha plena consciência da filosofia da época. Inclusive, participei do episódio da Maria Antonia e de todas assembléias. Eu não era um líder político, mas era um líder do Esporte.

Eu acho que pela primeira vez nós conseguimos colocar perante a sociedade essa história do CRUSP. Quer dizer, aquilo que a ditadura apagou, nós estamos aqui recuperando.

Mas esperamos que algum dia, e tão logo possa, algum historiador assuma essa tarefa de escrever a verdadeira história do CRUSP.

Eu queria agradecer a presença de todos, mas antes saudar a Comissão que participou desse reencontro do CRUSP, que conseguiu mobilizar mais de 600 CRUSPIANOS para o almoço.

E saudar a Comissão de CRUSPIANOS, principalmente, na pessoa do Celso Suyama, que foi um batalhador dessa tarefa.

Uma vez completada aqui a nossa primeira missão, como foram feitas sugestões aqui, eu acho que os nossos reencontros deverão continuar, dar seqüência, e que ainda possamos ser úteis para a sociedade.

Que o nosso exemplo sirva para as próximas gerações.

Um feliz Natal a todos e um próspero ano novo. (Palmas.)

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Abril 2009