capa

eBookLibris

Nélson Jahr Garcia

COMUNICANDO COMUNICAÇÃO
Vol. II

—Ridendo Castigat Mores—


 

Comunicando Comunicação Vol. II (2001)
Nélson Jahr Garcia (1947-2002)

Edição
Ridendo Castigat Mores

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital
www.jahr.org
“Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou.”
Nélson Jahr Garcia (1947-2002)

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

© Copyright 2005
Nélson Jahr Garcia


Comunicando comunicação.
Crônicas e críticas
(VOL. II)

capa

Nélson Jahr Garcia


 

ÍNDICE

 

Apresentação
Comunicação
   Comunicação Visual
Sociedade e Costumes
   A mentira nossa de cada dia
   Mudança e permanência
   Sonho, ilusão, contradições
   Ano novo, mundo novo. E amanhã
   Perseguição cultural
   Racismo: a hégira dos afro-brasileiros
   Pequenas coisas
   Feminismo & machismo
   Judeus
   Mídia e neonazistas
Economia, Administração, Marketing
   Genéricos. Ainda falta muito.
Leis e Justiça
   Pena de morte: solução ou hipocrisia
   Carandiru: outra escola
   Presidiário: gente como a gente
   Brilhante
   Carandiru: violência e humor
   Prisioneiros: trabalho obrigatório?
   Universidade do crime
   Prisão especial
   Crime e compreensão
   Advogados criminalistas
   Polícia e tecnologia
Midia
   Entrevistas.
Política
   O SAAE de Atibaia
   Cultura do autoritarismo
   Síndrome de segurança
   Atibaia: muitos anos, alguns erros
   A falência do Estado
   Adversários além do vento
Propaganda
   Mitos e propaganda (I)
   Mitos e propaganda (II)
   Arte e comunicação
   Arte e propaganda (I)
   Arte e propaganda (II)
   Superstições e propaganda
   Militares e propaganda
   Shakespeare: a arte da persuasão
Cultura e Educação
   Internet e pós graduação
   A escola de negócios e os negócios da escola
   Língua portuguesa. Qual?
   Romeu e Julieta
   Funakoshi e Okada: uma herança
   A Escola morreu


 

Apresentação

 

Aqui você encontra crônicas publicadas em “O Atibaiense”, o maior e melhor jornal de Atibaia.

Alguns tratam de temas genéricos, outros se referem a assuntos de momento, relativos a fatos regionais, nacionais ou internacionais, ocorridos no período em que foram redigidos.

Basta “clicar” no índice geral para chegar ao tema correspondente.

É fácil perceber, todos os artigos, mesmo abordando assuntos técnicos, têm uma conotação política. Claro, vivemos tempo travestido em democracia, mas sob um regime autoritário. Sua Excelência, o Presidente, com freqüente apoio do Congresso, cria impostos, embora sob nomes diferentes, invade a privacidade dos cidadãos honestos, defeca sobre a Constituição.

Na história já houve muitas revoluções e sangue correu por conta disso. Espero que possamos solucionar pacífica e civilizadamente.

Na próxima eleição, talvez.


Comunicação

 

Comunicação visual.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 01.04.00)

 

A comunicação visual faz parte de nossa vida diária e deveria facilitá-la, Há os que insistem, a título de estética, em complicar. Em alguns casos falta bom senso.

Vai-se a um “shopping” paulistano comprar sapatos. Primeira coisa: onde ficam as lojas de calçados? Não tem sentido ficar andando por aquele prédio enorme procurando, é preciso sinalização e existe, mas é ruim, não se encontra nunca.

Se tiver sorte alguém indica: “fica no andar abaixo, do lado esquerdo”.

Procura-se uma rua, a cada esquina deveria haver uma indicação do nome. Onde está? A que velocidade pode-se dirigir? Uma placa deveria dizer. Não existe, só o guarda a multar.

Espera uma informação adequada? Sonhos de uma noite de primavera, a sinalização é quase sempre precária e nos deixa perdidos. Vamos a exemplos concretos.

Avenida Paulista, o coração financeiro de São Paulo, lá estão as sedes brasileiras dos maiores bancos internacionais e nacionais também. Nome das transversais escritos em postes na vertical. Nossa cultura não é japonesa, porque ler em vertical; quem lê “Brig. Luis Antonio” assim. Eu vi, juro, eu vi pessoas dobrando o pescoço para conseguir nomes de ruas.

Qualquer um sabe: árvores morrem ou crescem, geralmente crescem mesmo enfrentando poluição, maus tratos etc. Avenida Pacaembu, em São Paulo, colocaram semáforos atrás de pequenas árvores; cresceram. Solução, escreveram no asfalto algo parecido com “sinal à frente”, porque as árvores acabaram escondendo o sinal.

Em Atibaia não se faz muito melhor, nem se espera as árvores crescerem. Vai-se pela Treze de maio, encontra-se uma placa indicando: “Balneário” e “Estância Lynce”, só que colocaram um cartaz de propaganda na frente (uma gráfica) além da placa indicando o nome da transversal a Av. dos Bandeirantes, e ninguém mais consegue ler a sinalização. Estacionei, desci do carro e fui ver; tentando descobrir porque fizeram tal coisa, não descobri, deve ser incapacidade mesmo. Mas não tenham a mesma curiosidade, o congestionamento pode ser terrível.

Além disso a economia que se faz com as placas indicativas das ruas deve ser enorme, inúmeras esquinas não têm nenhuma sinalização, o que é estranho numa estância turística.

Interessante mesmo é a forma como se indica a localização. Onde estou? Rio de Janeiro, vê-se placas, com setas, indicando o caminho de Laranjeiras. Chega lá, há uma placa “Laranjeiras”. como a dizer: “é aqui”. Vá a São Paulo e siga as setas indicando Moema. Nada informa que se chegou ao bairro pretendido, se acaba caindo no aeroporto de Congonhas, muito longe da tal Moema.


Sociedade e Costumes

   A mentira nossa de cada dia
   Mudança e permanência
   Sonho, ilusão, contradições
   Ano novo, mundo novo. E amanhã?
   Perseguição cultural
   Racismo: a hégira dos afro-brasileiros
   Pequenas coisas
   Feminismo & machismo
   Judeus
   Mídia e neonazistas


 

A mentira nossa de cada dia.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 26.02.00 )

 

A mentira é a informação, transmitida intencionalmente, que se refere a fatos, atos, pensamentos, e que não coincide com o conhecimento real que deles tem o transmissor da informação. A intencionalidade é fundamental, quem transmite sabe da falsidade da notícia e quer divulgá-la mesmo assim. Se não há intenção, só se poderia falar em ilusão, engano ou equívoco.

A mentira é e foi condenada por quase todas as sociedades, culturas e religiões do mundo. Os cristãos, por exemplo, a consideram pecado capital. Em todos os países, porém, a mentira está institucionalizada. Desde cedo as crianças são ensinadas a dizer a verdade, mas ouvem com freqüência o pai (ou a mãe) pedir a alguém que atenda ao telefone. dizendo que não está em casa.

Os adultos mentem o tempo todo. Uma vez eu fazia uma espécie de exercício de imaginação com um colega. Discutíamos o que aconteceria se cada pessoa andasse com um aparelhinho que apitasse a cada vez que não faltasse à verdade. Imaginem um reencontro: “olá, que saudades” (BIP); “eu também lembrei de você (BIP), passe lá em casa prá tomar alguma coisa” (BIP, BIP); “claro. vou sim, telefono antes” (BIP, BIP, BIP). Em suma, haveria uma poluição sonora insuportável.

Nesse caso são inverdades que a sociedade admite e até exige. Imaginem uma senhora perguntando à amiga: “o você que achou de minha blusa nova?” E a amiga: “horrível, a coisa mais feia que já vi”.

O pessoas comuns estão habituadas à “pequena” mentira. Quando se afirma ter pescado um peixe de vinte quilos, qualquer um olha com ar desconfiado, a experiência com pesos cotidianos permite analisar e julgar o significado dessa grandeza.

A “grande” mentira é mais problemática, trata de fatos grandiosos, números enormes, que a experiência comum não consegue entender com tanta facilidade. A informação sobre uma baleia pescada que pesou dez, vinte, trinta ou cinqüenta toneladas, quase não causa perplexidade para quem não tem a mínima idéia a respeito do peso médio das baleias.

Esse é o tipo de mentira utilizada por políticos. Os eleitores votam em candidatos que afirmam ter construído milhares de quilômetros de estradas ou de viadutos, milhares de casas populares. Não são capazes de entender e avaliar essas cifras. Uma frase de propaganda dos anos setenta, a respeito do fornecimento de energia elétrica dizia: “Cresceu de 28 bilhões para 66 bilhões de kw/hora”, Quantos conseguem entender o que isso significa, como verificar se a afirmação é verdadeira ou não?

Quando se ouvir uma afirmação dessa espécie o melhor a fazer é, primeiro meditar se é possível, segundo procurar alguém ou um órgão de comunicação sério que possa esclarecer.


 

Mudança e permanência.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 02.12.00 )

 

Meu orientador de pós-graduação, Virgílio Noya Pinto, gostava de insistir: “a história é um suceder de mudanças e permanências”. Teoricamente entendi, mas sentido ainda não havia. Aconteceu, vi e entendi.

Fim de semana, fui ao Marlene's Bar. É uma lanchonete, simpática, com a rusticidade típica de cidade pequena. Fica na Lucas Nogueira Garcez, principal avenida de Atibaia. Tem ótimos salgadinhos embebidos em óleo que as más línguas dizem que é Rímula, o preferido dos caminhoneiros. A cerveja vem geladinha, no ponto exato. A Marlene, proprietária, liberta das peias do casamento, é simpática, agradabilíssima, atende bem a todos.

Sentei-me a uma mesa onde estavam conhecidos. Embora os conheça há tempos, não sei os nomes, só apelidos. Eu sou o Sô Nerso. Estava o Xuxo, crioulo cor de ébano com barba e cabelos brancos. Havia também o Bigode, amigo bom “prá mais de metro”. Outros inclusive: Tião, Ciço, Paraná, Fernandinho tomou um copo e saiu rápido. Estava também seu Antonio, tem mais de setenta anos, bebe tudo, come tudo, fuma desbragadamente e tem mais saúde que todos nós juntos. Discussões surgem, brigas nunca, todos se respeitam. Repentinamente alguém assuntou: “viu o Zé, foi abandonado pela mulher”. Angústia geral, na despensa da casa mantinha feijão, arroz, macarrão. Na geladeira carne para todo dia, faltava nada.

Não deixou de haver análises psicológicas para o fato: falta de sexo, chatice, irritabilidade, implicância. Ar doutoral, um explicou: “mulher não pode ter fartura, precisa sofrer um pouco para valorizar o que tem; carne só às vezes, arroz nem sempre, feijão só quando possível”.

Ouvi, pensei, “caiu a ficha”: A tese era de Shakespeare, em Megera Domada: só se conquista e se mantém uma mulher fazendo com que sofra.

Contei, rápida e resumidamente a história da Megera; incrível, prestaram atenção. O comentário de um dos rapazes: “Olha, não conheço esse escritor, mas ele sabia das coisas”.

As mulheres lutaram, criaram movimentos, brigaram por seus direitos. As muçulmanas não conseguiram quase nada, devem usar saias longas, véus no rosto, não trabalham fora de casa; mal podem sair; as ocidentais já chegaram a diretorias, até presidência de multinacionais.

A condição das mulheres evoluiu, mudou; mas ainda existem preconceitos, não só acolá como aqui. É isso, o que se transforma está condenado a conviver com o que permanece.


 

Sonho, ilusão, contradições

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 23.12.00)

 

Hollywood, universo dos sonhos, ali ser produzem os filmes que invadem o mundo, ganham prêmios, iludem que podemos ser felizes. Mas também há os que mostram crueldade, traições, violência. Em ambos os casos, geralmente, os temas são tratados de forma ampliada.

Nos romances é freqüente o amor sincero e puro entre jovens. A moça é lindíssima, delicada, O rapaz, além de lindo, é educado carinhoso e gentil. Os cabelos estão sempre bem penteados. Ninguém assoa o nariz ou vai ao banheiro. Os automóveis “pegam” na primeira tentativa, os telefones nunca estão ocupados e sempre há alguém para atender. As casas são sempre limpas e bem decoradas, tudo está bem arrumadinho. Estacionar o automóvel não constitui problema, existe uma vaga exatamente no local onde se pretende ir.

Os filmes policiais costumam ser maniqueístas. Há os detetives e xerifes que cumprem rigorosamente a lei, só atiram em legítima defesa, não espancam os prisioneiros; em compensação, os suspeitos e criminosos se entregam rapidamente ao ouvir o grito: “é a polícia”. Em outros casos, os agentes policiais não cumprem a lei e a contestam, invadem casas e estabelecimentos comerciais sem autorização judicial, disparam por qualquer razão, torturam os prisioneiros. Os bandidos não se entregam jamais, mesmo tendo que perder a vida. Há os policiais que não erram nunca, acertam todos os tiros, não são feridos por nenhum e, nas lutas físicas, batem sempre. Um dos filmes da série “Dirty Harry” (Harry o sujo) chega a ser ridículo. O policial é surpreendido por bandidos, capota o automóvel que é baleado por quatro bandidos armados com metralhadoras potentes; subitamente ele sai do carro, com a lataria totalmente perfurada, e mata os quatro com um revólver. Engraçado, também, é a enorme quantidade de situações em que o policial, depois de realizar inúmeras pesquisas e investigações, só consegue desvendar o caso após seu chefe afastá-lo ou demiti-lo.

Nos Estados Unidos parece haver algumas contradições tecnológicas. Alguém sobe um prédio alto, escalando a tubulação externa de águas pluviais, será que os tubos são feitos de aço especial? O sistema de ventilação dos edifícios é o local ideal para se entrar, esconder-se ou fugir e nunca alguém pensa em procurar ali. Por outro lado, quase todas as portas podem ser abertas com a simples passagem de um cartão de crédito. Os disquetes de computador funcionam em todos os computadores, sejam quais forem os programas instalados.

Ficção implica imaginação e é válida, mas há casos em que se perde totalmente a noção da realidade, o filme fica totalmente inverossímil. É totalmente absurdo que um só homem, sem nenhum veículo, portando apenas algumas armas, consiga derrotar mais de uma centena de militares, que têm armas pesadas, jipes, caminhões e blindados. Os europeus também apresentam sonhos, algumas contradições, mas não exageram tanto.


 

Ano novo, mundo novo. E amanhã?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 30.12.00)

 

Encerra-se outro ano, mais que isso, o século e o milênio. Momento de promessas, anseios e esperança de transformações. Pais prometem oferecer mais atenção a seus filhos; filhos decidem que serão mais estudiosos: viciados resolvem abandonar a canga; empresas planejam aumentar a produção. Começa outro ano, passam-se dias, meses e tudo continua como antes. Esquecem que, apesar dos desejos, a regra da natureza humana continua sendo a da permanência, o calendário passa a ser uma ficção onde se alteram apenas os algarismos. Mas as intenções são importantes, demonstram que o homem é um eterno insatisfeito, quer progredir, se aperfeiçoar, crescer; só que é fraco e se acomoda.

Há, também, as inevitáveis predições: os países pobres vão se desenvolver, haverá paz, as desigualdades serão menores. Fica-se imaginando manchetes de jornais: “Brasil se compromete a emprestar cem bilhões de dólares aos EUA”, “Concretiza-se a paz entre israelenses e palestinos”, “Não existe mais fome na África”. Apenas imaginação, infelizmente.

A idéia de viver mudanças é fundamental, as pessoas estabelecem objetivos de vida, percebem-se mais confiantes e sentem um sabor de felicidade. Essa postura não deve ser anual, secular ou milenar, mas diária. O ontem é a origem, mas é passado, o hoje deve ser uma superação e, como cantava Chico Buarque: “amanhã há de ser outro dia”. Há quase um ritual de recriação em que o homem se recompõe e se regenera a cada instante. A rotina é emburrecedora, congela a vida. Há pessoas que teimam, “eu faço assim a vários anos, sempre deu certo, por que mudar agora?” Morreram e não sabem, falta apenas a extinção física. Não há pior palavra que “passatempo”, o tempo deve ser dominado, controlado e dirigido, jamais deixado passar. Há um filme: “O dia da marmota”, em que o personagem, um jornalista, acorda toda manhã no mesmo dia. O despertador liga a mesma estação de rádio. A cidade está sempre idêntica ao que era no dia anterior, as pessoas pronunciam as mesmas frases, os fatos se repetem sempre. O jornalista entra num estado de “stress” neurótico, suicida-se com sucesso, mas acorda no dia seguinte e, novamente, tudo é igual.

Embora ficção, é um bom exemplo de como o “sempre igual” gera mal estar, angústias, até pânico. As pessoas que procuram renovar a si e a seu meio, com freqüência, são mais saudáveis, alegres, dispostas e contagiantes. O grande exemplo é oferecido pelas crianças e jovens que, longe de sedentários, são os nômades dos costumes.

As crianças, constantemente insatisfeitas, têm sempre uma nova brincadeira, tentam alterar seus brinquedos (daí o sucesso dos “transformers”). Às vezes são reprimidas pela ignorância dos adultos, como a professorinha que puniu a criança ao pintar um céu de preto, alegando estar escuro.

Os jovens costumam ser acusados de indisciplinados, revoltados, inconseqüentes. É que os jovens rejeitam seguir regras impostas, principalmente as que cheiram bolor, velhas há mais de década. Foram os jovens revolucionários dos anos 60, os hippies e outros que impulsionaram a transformação da cultura e dos costumes em todo o mundo, permitindo que se modernizasse adaptando-se aos novos tempos.

Estamos às vésperas de um novo ano, novo século e novo milênio, mudemos, no dia seguinte também.


 

Perseguição cultural.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 13.01.01)

 

A sociedade, através de diversas formas de pressão, procura moldar seus membros aos padrões culturais vigentes, exigindo que se comportem de determinadas formas. Muitas vezes o comportamento exigido é necessário para manter a organização e harmonia da comunidade, em outras é inócua, mera perseguição que não leva a nenhum resultado prático.

Já durante a gravidez, pais, parentes e vizinhos fazem dezenas de planos sobre como será a vida de futura criança. Nasceu, começou a entender e falar e as cobranças surgem implacáveis. A menina deve ser feminina e o menino macho, ela pode chorar, ele jamais.

Ser indiferente em relação a futebol, não pode. Onde já se viu alguém que não torça para nenhum time. A criança escolhe um clube para não ser mais criticada, geralmente o que tem mais torcedores na região onde mora; se acaso mudar de bairro, onde o clube preferido seja outro, surgem novas pressões. A penalidade não é pouco severa: ironias, gozações em público, até agressões. Se viajar muito, por exemplo entre São Paulo e Rio, deve torcer para dois clubes, um daqui outro de lá.

É nessa fase que surge a inevitável “o que vai ser quando crescer”? Médico, engenheiro, advogado; ótimo, bailarino, artista, músico; nem pensar.

Passa mais algum tempo, o menino está perto da adolescência, a pressão recai, geralmente, sobre o pai: “Como é, já levou o menino pr&rsquo:á afogar o ganso? Olha lá, se demorar muito pode virar homossexual” (a expressão é outra, que me recuso a repetir).

Chega a fase do exame vestibular, todos sugerem e até impõem, deve escolher tal ou qual curso, deve prestar na USP ou na PUC e estudar muito, porque quem não consegue um diploma superior não tem futuro. Por isso nessa época há tantos jovens angustiados, esgotados, tomando medicamentos para não dormir, sentindo mal estar e até desmaiando no dia da prova. Entrou na Faculdade, “Quando se forma?”. Formou-se, “Vai fazer pós-graduação?”. Matriculou-se em pós-graduação, “Já está fazendo a tese, quando termina?”.

Mais ou menos nessa época todos querem saber: “Está namorando? Não ainda? Está, com quem?” Não é a primeira pergunta que todo entrevistador formula aos jovens atores e atrizes? Namorou algum tempo, atacam de novo: “Quando será o casamento, ou vai ficar enrolando?” Realizado o matrimônio, dezenas de olhos se voltam para o casal, e querem saber: “Quando e quantos filhos terão?”.

Há muito mais, quase sempre são afirmações precedidas pela expressão: “Você devia (ou deveria)...” “Você devia comprar um carro, trocar o seu por um mais novo, pintar a casa, fazer um jardim, ter vasos, criar animais de estimação, vestir-se melhor, pentear o cabelo, parar de fumar, deixar a bebida, ficar mais tempo com a família, etc.”

Deixemos as perseguições para os criminosos, políticos corruptos, cidadãos indiferentes ao que é importante para si e para todos. O superficial e fútil, cada um cuide do seu.


 

Racismo: A hégira dos afro-brasileiros.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 05.08.00)

 

Preconceito racial? No Brasil não existe, dizem uns. É sutil e disfarçado, afirmam outros. É tão violento quanto nos Estados Unidos, asseguram poucos.

Qualquer racismo só pode ser fruto da mais profunda ignorância. Hoje já se sabe que a cor da pele, ou dos olhos, se deve a uma substância chamada melanina que determina a cor, mais nada. O projeto Genoma, de maneira indiscutível, comprovou que todas as raças têm a mesma estrutura genética básica.

Penso que entre os brasileiros (entre estrangeiros é outra coisa) possa haver uma certa rejeição, afastamento, racismo não.

Já ouvi que as piadas sobre negros, que ultimamente surgiram em profusão, comprovariam a existência do preconceito. Ora, que descuido, ouvimos e contamos anedotas sobre negros, portugueses, japoneses, judeus, árabes, americanos, russos, caipiras, baixinhos, gordos, carecas, narigudos, orelhudos, nordestinos, pessoas lentas (lembram aquele que foi demitido, porque deixou uma tartaruga fugir?). Concluir o que? Seríamos o povo mais preconceituoso da face da terra? Somos não. Nem poderíamos, o Brasil é um país multiracial, eu mesmo sou descendente de quatro raças diferentes; como desenvolver preconceitos? Só se formos possuídos pela feiticeira da desfaçatez.

Entre estrangeiros, os que não nasceram aqui, ou que nasceram mas foram educados e treinados fora, o preconceito existe, foi herdado ou assimilado. As grandes agências de propaganda raramente contratam negros, ou porque o presidente e vários diretores são estrangeiros ou o são os principais clientes, executivos de multinacionais.

Comparar o Brasil a outro países é falta de informação. Nos EUA ainda existe a KKK, matam negros a tiros ou queimados. Ricardo Ramos, escritor e jornalista, visitou a África do Sul antes de Mandela; perguntado sobre a viagem respondeu: “foi ruim, estava aberta a temporada de caça aos negros”. O mesmo racismo radical existe na Alemanha, França, Indonésia, Japão. No Brasil surgiu um grupelho que, recentemente, assassinou um homossexual. São racistas sem saber porque, tanto que, pelo menos um deles, é mulato.

O problema dos negros, no Brasil, não é racial, mas de origem, com as respectivas conseqüências econômicas, sociais e culturais. Vieram da África, aprisionados, para exercer trabalhos braçais pesados, serem chibatados quando produzissem menos que o desejado. Não lhes permitiram estudar, tampouco aprender uma profissão mais digna. Portadores dessa condição, perderam a confiança dos brancos que, até hoje, não conseguem acreditar que possam ser bons médicos, engenheiros ou advogados.

Utilizei a expressão “afro-brasileiro”, no título; em verdade, chamo-os negros ou pretos. A não ser assim teríamos que classificar: luso-brasileiros, ítalo-brasileiros, ibero-brasileiros, franco-brasileiros, japo-brasileiros e assim por diante. É inócuo, anódino e, aí sim, preconceituoso. É mais adequado chamá-los (e chamar-nos) a todos de brasileiros. não cabe a nós discutir o racismo dos outros, tenho certeza que cada uma das raças saberá chegar ã sua própria Medina, enfrentando quaisquer preconceitos e sob qualquer cor.


 

Pequenas coisas.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 19.08.00)

 

Todos nós sofremos alguma forma de “stress”. As causas são diversas: falta de emprego, salário insuficiente, ambiente de trabalho desagradável, conflitos de família, sonhos que não se realizam. Mas há alguns problemas, aparentemente insignificantes, que, se não geram “stress”, o reforçam muito.

Não realizei nenhuma pesquisa científica a respeito, apenas conversei com amigos e conhecidos perguntando se não sentiam algo parecido com o que eu tenho sentido, inúmeras vezes aliás. Disseram-me que sim, daí escrevo a respeito.

É manhã, como a maioria, vai-se ao banheiro, faz-se as necessidades e entra-se no chuveiro. De repente soa o telefone. Pode ser alguma notícia urgente. Pega-se a toalha, cobre-se o corpo, molha-se o caminho inteiro e atende-se. Voz irritante do outro lado: “pode chamar a Dna. Filomena?” Sinto muito, mas não há ninguém com esse nome aqui. Pede desculpas e desliga. Volta-se ao banho e toca novamente o telefone, a mesma voz pede Dna. Filomena outra vez. Acabou de ligar, mas explica: pensou ter errado o número.

Outros ligam, nas mesmas condições, afirmando que você tem muita sorte pois acabou de ser sorteado e ganhou um curso de inglês grátis; basta pagar o material. Esse tal de material custa mais que as mensalidades de qualquer curso de inglês de boa qualidade.

Interessante, creio que algum duende me persegue; basta eu iniciar o almoço e lá vem aquele telefone novamente. Você ganhou uma assinatura grátis de um jornal, por seis meses, gratuitamente.(e não se trata de jornal pequeno, talvez seja lido em todo o Brasil e até no exterior). Eu disse que não queria, ficou ofendida, problema dela e meu, pelo incômodo. O jornal tem sido respeitado mas é ruim, resolveu apelar para o sensacionalismo, informações deformadas e pretextos de marketing indecorosos; não quero, mesmo que seja grátis.

Às vezes temos que interromper alguma atividade importante para atender alguém que vende água sanitária, em outras são vassouras, queijos de qualidade discutível, CDs falsificados.

O que mais me incomoda: fim de semana, quer-se descansar do intenso esforço da semana inteira. Batem palmas, vamos ver quem é. Testemunhas de Jeová; insistem em converter para a seita; após muita discussão simpática, tentam vender assinatura da revista “Sentinela” e outra, cujo nome me falha.

Escrever é agradável, difícil é suportar as sugestões. Escrevi quatro livros, dezenas de artigos para revistas, centenas para jornais. Sempre me aparece quem diga: “por que não escreve sobre tal assunto”, ou “você deveria escrever sobre tal tema”. Ora, se alguém tem uma idéia que considera boa, escreva; não me venha sugerir que o faça, escrevo sobre o que penso conveniente.

São essas pequenas coisas que, somadas, ajudam a aumentar a nossa taxa de inquietude, cansaço, ansiedade; “stress” em suma.


 

Feminismo & machismo.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 02.09.00)

 

As atitudes que os homem mantinham perante às mulheres e as reações que elas mostravam em relação ao tratamento que recebiam, se transformaram rapidamente, com a evolução da sociedade brasileira.

Há algumas décadas os homens se consideravam superiores. Sentiam-se mais fortes, mais inteligentes e mais capazes. Não permitiam que as esposas trabalhassem fora de casa; uma frase muito freqüente dizia: “lugar de mulher é no tanque e na cozinha”: alguns acrescentavam “e na cama”. Sentiam-se no direito de espancar, quando considerassem que a mulher tivesse feito algo inconveniente. Os maridos achavam que poderiam (até deveriam) ter amantes mas, se a mulher fizesse o mesmo, manchava seu e nome teria que ser morta. Muitos foram os absolvidos do homicídio alegando “legítima defesa da honra.”

As filhas eram proibidas de sair à noite, não podiam estudar além do ensino fundamental. Algumas estudantes conseguiam formar-se em uma Faculdade e passavam, imediatamente, a ser rotuladas como prostitutas.

O pior, as mulheres, submissas, aceitavam essa situação como natural. Já haviam sido educadas dentro desses valores. Além disso tinham medo de ser abandonadas e não ter como sobreviver.

Aos poucos a sociedade foi se transformando. Em determinado momento já não se admitia que uma casa não tivesse geladeira, máquina de lavar roupa, rádio, televisão e inúmeros outros eletrodomésticos. Os alimentos e as vestimentas tornaram-se mais sofisticados. O homem não conseguia mais manter um padrão de vida razoável. As mulheres passaram a procurar empregos para obter uma renda familiar melhor. Os maridos nada podiam fazer senão aceitar a nova condição. Mesmo assim, muitos se sentiam amargurados, fracos, impotentes. Conheço alguns professores universitários que se separaram de suas esposas, humilhados porque recebiam salários mais elevados que os deles.

Ao mesmo tempo em que evoluíam os costumes as mulheres criaram o movimento feminista, dedicadas a reivindicar maiores prerrogativas. De início houve radicalismos, as feministas não queriam iguais direitos, mas “ser iguais”. Começaram a cometer todos os erros que os homem já cometiam: beber em casas noturnas até caírem embriagadas, fumar desbragadamente, praticar esportes pesados (que para os homens já prejudicavam a musculatura).

O equilíbrio foi sendo atingido aos poucos. As mulheres passaram a ocupar cargos de grande responsabilidade, inclusive a Presidência de empresas multinacionais. Outro dia assisti a uma entrevista de uma senhora cuja função nunca imaginei pudesse vir a ser a ser exercido por uma mulher. Ela é a Diretora Geral da Penitenciária de São Vicente (para presos homens), onde introduziu um excelente trabalho de recuperação.

O conflito entre “machos e fêmeas”, aos poucos tornou-se amizade, respeito e cooperação entre seres humanos, pouco importa o sexo.


 

Judeus.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 16.09.00)

 

Os judeus têm demonstrado, através da história, inteligência, determinação e competência marcantes.

A organização social e política de Israel tem estrutura bastante sólida, espécie de socialismo que deu certo.

O exército israelense tem soldados muito bem treinados e dedicados ao cumprimento de suas funções. Os Estados Unidos tentaram resgatar os reféns que estavam presos no Irã, foi um fracasso total, nem chegaram lá, um avião bateu no outro, que vergonha! Israel preparou uma missão de resgate em Entebbe, na África, um sucesso, despertaram a admiração do mundo inteiro. Oficiais israelenses estão em vários países, basta a possibilidade de guerra e eles pegam suas fardas e viajam a Israel, para cumprir sua obrigação.

O Serviço Secreto israelense é muito eficiente, tanto quanto o da Scotland Yard inglesa, considerado um dos melhores do mundo.

A contribuição dos judeus para as artes, ciências, música são incontestáveis.

Apesar disso tudo, são discriminados em boa parte do mundo. No Brasil não, no máximo se fazem chistes sobre a ganância, avareza ou, eventualmente, sobre o tamanho do nariz. Sem problemas, os judeus são especialistas em fazer piadas sobre si próprios, aliás mais agressivas do que a dos brasileiros. Há um movimento neonazista, mas é insignificante e caricato. Eles se dizem contra judeus, homossexuais e negros Um dos membros, preso recentemente, é mulato, o que mostra a contradição de suas posições.

Apesar de tudo o povo hebreu, durante os séculos de sua existência, sofreu diversas de perseguições, muitas sangrentas. As piores foram as que ocorreram no Egito antigo, Roma antiga e Alemanha nazista. Por que? É claro, como costuma ocorrer na maioria dos fenômenos históricos, há raízes econômicas e políticas. Mas eu quero me referir às causas socioculturais. Grande parte dos judeus não aceitam valores e padrões culturais que não sejam os seus próprios. Não permitem que seus filhos se casem com pessoas de outra raça, não assimilam hábitos alimentares, nem sempre respeitam outras religiões, algumas vezes chegam a criticar acidamente as manifestações artísticas alheias.

No Egito o faraó era considerado divino e exigia obediência irrestrita, mas Moisés contestava abertamente sua autoridade. Em Roma e em todo o império, o Imperador era cultuado como um deus e exigia submissão cega. Na Alemanha a população se uniu pelo fortalecimento do III Reich, sob o comando de Hitler; os judeus contestavam e não participavam das cerimônias. Ora, é de se imaginar que a oposição a regimes autoritários acaba por determinar reações dramáticas.

Volto a lembrar que o anti-semitismo no Brasil, se houver, é mínimo. Nem poderia ser diferente. Somos herdeiros de culturas diversas. Nos alimentamos, ouvimos músicas, gostamos de literatura e artes plásticas que são originárias de indígenas, africanos, europeus, árabes, japoneses, chineses. Por que nos incomodaríamos com uma raça que prefere fechar-se nos costumes de sua própria comunidade?


 

Mídia e neonazistas.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 23.09.00)

 

A grande imprensa, há alguns anos, resolveu apelar para o sensacionalismo, chegou ao insuportável.

Lembro-me de um jornal que lançava manchetes do tipo: “Cachorro fez mal à moça”. O texto interno contava a história da jovem que comeu um cachorro quente e teve intoxicação. Venderam muitos exemplares durante um tempo, depois faliram.

Infelizmente os grandes jornais do país enveredaram por caminho semelhante. Um dos grandes órgãos de imprensa pertence a uma família tradicional, mantinha uma linha conservadora, tanto que o chamavam de jornal de terno e gravata. Repentinamente, em uma luta concorrencial com outro grande jornal, passou a apelar. Campanhas promocionais de baixíssimo nível, de lado a lado. Notícias chegadas à baixaria. Assinantes, conheço vários, não renovaram suas assinaturas. Eu mesmo recusei uma oferta de seis meses de assinatura grátis. Claro, para inventar bobagens eu faço sozinho, não preciso de um periódico que o faça por mim. Alguém pode alegar razões de mercado; não aceito. Muitos jornais foram e continuam decentes: “Le Monde”, “Wall Street Journal”, “Chicago Post”, “El Clarin”, “Gazeta Mercantil”, “O Atibaiense”.

Há uma diferença entre jornal e literatura. Um conto ou romance apresenta uma história e a vai desenvolvendo, procurando prender o leitor até a conclusão final. O jornal não, deve difundir fatos, interpretados ou não. O que os jornais andam fazendo é transformar fatos em histórias que se desenvolvem em capítulos, inventa-se para manter vivo um assunto que já se foi e o pior, com mentiras e distorções.

Um exemplo recente é o do neonazismo no Brasil. Surgiu um grupo de jovens fortes e ignorantes, sem formação escolar decente, que resolveu ser contra negros, judeus, nordestinos e homossexuais. Espancam um aqui, outro lá, até matam. Simples marginais criminosos com deficiência mental inquestionável. Caso de polícia, basta prender e mandar a julgamento.

Lá vem a imprensa, repetidamente, a insistir no ressurgimento do nazismo. O nazismo alemão, infelizmente, envolvia homens e mulheres cultos, admiradores das artes e das ciências e, por isso mesmo perigosos. Esses cretinos, auto-denominados “skinheads” São uns imbecis, bastam algumas palmadas para neutrálizá-los.

O país está repleto de jovens desanimados, até deprimidos. Procuram caminhos, uma ideologia que lhes possa fornecer alguma identidade. À medida em que a imprensa apresenta as insignificantes ações de criminosos ignorantes como se fosse um movimento de âmbito internacional, e o fazem de forma romanceada, provocam aqueles jovens a pretender participar e, assim, conquistar uma identidade.

Ainda existem muitos nazi-fascistas e comunistas no país, pelo menos há vários herdeiros. Se a imprensa continuar com seu sensacionalismo eles podem acreditar e se empolgar. Um conselho, não acreditem nos jornais, se virem uma suástica riam e, não custa nada, avisem a polícia.


Economia, Administração, Marketing

 

Genéricos. Ainda falta muito.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 19.02.00 )

 

A imprensa (escrita, radiofônica e televisiva) deu um grande destaque ao lançamento dos medicamentos genéricos no Brasil. Medicamento genérico é aquele identificado, não por um nome criado pelo laboratório, mas pelo seu princípio ativo. Inúmeras marcas competem entre si, alegando vantagens, mas são praticamente idênticas. O ácido acetil-salicílico (analgésico e antipirético), por exemplo, é apresentado em uma dezena de marcas diferentes. A vantagem oferecida pelos genéricos é que o consumidor vai pagar metade do preço, ou ainda menos.

É pouco, muita coisa no Brasil deveria ter seu genérico.

As apresentadoras de TV, todas loirinhas, simpáticas, dançantes e cantando mal; cada uma tem seu nome. Crie-se a genérica e reduza-se seu horário pela metade.

Os noticiários, sejam da Globo, SBT, Record, Bandeirantes, RedeTV. Todos dizem exatamente a mesma coisa, as opiniões são iguais, até as piadinhas se repetem. Por que não um genérico, sem sorrisos falsos, manifestações de revolta não sentida?

Os professores já estão no esquema há muitos anos. Pouco importa se conhecem ou não a matéria, se formados em Escolas boas ou não. São apenas professores e só recebem a metade ou menos.

Automóveis frágeis, garantias que não garantem, falta de peças para reposição. A quem me perguntasse: “qual a marca do seu carro”? Gostaria de responder: é “Automóvel”.

Cervejas estão começando, a fusão das duas maiores promete reduzir o preço.

Polícias: existem federais, estaduais e municipais, civis e militares. Todas não fazem as mesmas coisas. Por que não criar a genérica “Polícia”, com metade dos homens que existem nas demais? Funcionaria? Se os policiais fossem recrutados nos morros cariocas sim, o pessoal dos morros sempre foi mais competente que os policiais.

Por que não criar o genérico “Partido Político”, se os que têm nome são todos idênticos? Mas com metade dos candidatos, ou menos.

A única entidade que não admite um genérico é o ser humano. Cada homem é único, na sua sensibilidade, experiência e concepção de vida.


Leis e Justiça

   Pena de morte: solução ou hipocrisia
   Carandiru: outra escola
   Presidiário: gente como a gente
   Brilhante
   Carandiru: violência e humor
   Prisioneiros: trabalho obrigatório?
   Universidade do crime
   Prisão especial
   Crime e compreensão
   Advogados criminalistas
   Polícia e tecnologia


 

Pena de morte: solução ou hipocrisia.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 01.07.00)

 

Ano eleitoral, novamente temos uma enxurrada de promessas. Todos os problemas que nos preocupam, a nós os simples cidadãos, ficarão resolvidos: casas populares, haverá inúmeras; enchentes terminarão; merenda escolar será melhor; escola para todos; ruas asfaltadas; farto fornecimento de água e energia elétrica; mais empregos. Prometem resolver também a questão da violência e da criminalidade, uma das que mais preocupam o Brasil de hoje.

Na maioria dos caso são promessas falsas, não apenas porque não serão executadas, como nunca são, mas porque não podem ser cumpridas. Veja-se o caso do combate à violência, nenhum prefeito ou vereador pode fazer nada, pois se trata de assunto de competência estadual ou federal; mas os eleitores não sabem disso e acreditam. É verdade que muitos municípios têm Guarda Municipal, mas sem aparelhamento, viaturas e treinamento adequados a combater criminosos. Eles servem para orientar o trânsito e aplicar multas e nem isso fazem direito.

Medidas bombásticas surgem, como a do Presidente que, após um discurso demagógico, soltou um Plano Nacional de Segurança. Ele quer apenas melhorar a imagem de seu partido, que tem inúmeros candidatos pelas várias cidades do país. Engraçado, ele é sociólogo mas pegou a mania dos bacharéis em Direito: achar que tudo pode ser resolvido por lei. Leiam o Plano, ele é bastante rebuscado, mas poderia ser resumido a dois artigos. Art. 1o. - Fica proibido o crime no Brasil. Art. 2o. Revogam-se as disposições em contrário. Essa bobagem Moisés já havia feito, um dos mandamentos é : “Não matarás”. Nunca deu certo.

E voltam os velhos arautos, defensores da pena de morte. Nenhum país que instituiu a pena conseguiu diminuir a criminalidade, ou alguém acha que bandido perigoso tem medo de morrer. Além disso conhecem-se inúmeros casos de inocentes condenados injustamente; há até um texto clássico que tratou do assunto: “L&rsquo:Affaire Dreyfuss”, de Zola. E existe o caso dos irmãos Naves, no Brasil, do qual nos envergonhamos até hoje.

Os que entendem do assunto, conhecem a lei penal e tem informações sobre o mundo do crime e, ainda assim, defendem a pena de morte são demagogos, falsos e hipócritas. Digo isso porque, de maneira informal, a pena de morte está vigorando no Brasil há muitos anos, geralmente acompanhada pela lei de tortura livre. A Polícia Militar fuzila suspeitos diariamente, muitos inocentes. Só no Carandiru mataram mais de cem de uma só vez. Já se matou mendigos, crianças de rua. Matou-se até jovens de classe média; a esse respeito dizia um velho amigo: “quando a polícia não respeita nem o dinheiro, está tudo perdido”.

Se resolverem os problemas de desemprego, moradia, saúde e educação, a criminalidade irá diminuir. Há bons exemplos que não vou citar para não me chamarem comunista.


 

Carandiru: outra escola

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 30.09.00)

 

Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Passei no vestibular. Orgulho incontido, era a grande Faculdade do Brasil. Não imaginava que conheceria outra, ainda melhor, a Escola do Carandiru. O primeiro ano no Largo me desanimou, quase pensei em desistir, não entendia a linguagem, era como se estivesse estudando em outro país. Confessei minhas preocupações a um colega, filho de Ministro da Justiça. Ele sorriu e afirmou “não se preocupe, é como gíria, aprende-se rápido”.

Aprendi rápido mesmo, com muito esforço e estudo, mas aprendi.

Estava um dia numa roda de colegas, falavam sobre o Palmeiras. Nem prestava atenção, não gostava de futebol. Eis que surgiu uma colega, filha de promotor, um dos melhores que o país já conheceu, por isso mesmo respeitada. Deu uma bronca: “o país como está, perdemos os direitos que pensávamos ter, a repressão prende nossos colegas mais inteligentes, e vocês ficam discutindo jogo de futebol, sinto vergonha de vocês”. Fui conversar com ela depois, foi minha amiga durante anos, era bem mais madura que eu, embora a idade fosse quase a mesma.

Estudando muito, já era um dos melhores alunos da turma, em verdade apenas tirava as melhores notas. Dizia a todos que pretendia me especializar em Direito Penal, talvez influenciado pelos filmes do Perry Mason; hoje reconheço que foram as piores histórias que li e assisti, mas gostava na época.

Um dia conversei com a Lúcia, colega do quarto ano, eu estava ainda no segundo, mas era famoso por ser bom aluno e pela militância política insistente. Ela perguntou se não gostaria de fazer estágio na Assistência Judiciária da Casa de Detenção, no Carandiru, lá na zona norte de São Paulo.

Fui, entendia pouco de Direito Penal, ainda estava tendo aulas de introdução, princípios gerais e outras coisitas. Mas fui assim mesmo. Não imaginava que iria começar a conhecer o mundo e a vida.

A Lúcia me deu carona. No caminho explicou “vai ter fila de presos, você atende, pergunta o nome, qual o caso dele, a vara criminal onde está o processo e o número: depois durante a semana ( era sábado) você vai ao Fórum, lê os processos e vê se cabem recursos, geralmente só se pode fazer “habeas corpus” ou “revisões criminais”.

Entramos, fiz carteirinha, conheci o Diretor da Casa de Detenção, Fernão Guedes de Souza, um coronel da PM, e fui para a Assistência Judiciária.

Fui recebido com alegria enorme. Estava lá para ajudá-los, sem ganhar nada. Sem ganhar em pecúnia, mas ganhando muito, em carinho, satisfação e respeito.

Primeiro dia passei vergonha. Após perguntar o nome, questionei sobre o caso. Repondeu-me: “é 155”. Disfarcei, sai de lado e perguntei à Lúcia: “o que é 155?” Virou rápido e disse “é furto simples, mas pergunte direito porque pode ser qualificado, ou até 157 que é roubo, com violência, eles são um pouco mentirosos”.

Assim começava a conhecer um mundo que não sabia existir, pelo menos não daquela forma.


 

Presidiário: gente como a gente.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 07.10.00)

 

Quando fui para o meu primeiro dia de estágio na Casa de Detenção estava interessado, determinado mas com algum medo; ficaria dentro de um prédio enorme, grades por todo lado e milhares de bandidos. Repentinamente, o medo transformou-se em pânico; no meio do caminho a colega, que me convidara a fazer o estágio, disse que a Assistência Judiciária tinha cerca de doze “funcionários”, todos presidiários. Pensei até em desistir, mas desisti de desistir.

Chegamos, piorou tudo, o pânico tornava-se desespero, um portão enorme de ferro, outro depois, mais um. Havia uma fila de presos que tinham acabado de chegar; os guardas, parecendo trogloditas, tinham enormes pedaços de pau nas mãos, cabos de picareta. Com essas armas cutucavam os presos e gritavam: “anda vagabundo, vai seu corno, depressa seu f. da p.”. Ironia, teoricamente, aqueles presos estavam ingressando em um processo de recuperação.

Chegamos ao pavilhão dois, onde ficava a Assistência Judiciária, entramos. Medo, pânico e medo transformaram-se em alegria. Fui cumprimentado, apertaram minha mão, abraçaram-me. “O Senhor é o Doutor que veio ajudar a gente?”. Sou, respondi. “Obrigado Doutor”, são pessoas como o Senhor que trazem alguma esperança pr'á gente. Voltou o medo: muita responsabilidade para um jovem e inexperiente estudante; mas decidi, iria estudar muito, pesquisar, fazer o máximo enfim.

Começava a perceber algo novo, para mim: os presidiários não eram monstros, como a imprensa, por puro sensacionalismo, gostava de repetir, apenas seres humanos, reagindo naturalmente às ameaças e adversidades.

Imagine-se uma criança, quase abandonada porque os pais trabalham o dia todo, ou abandonada mesmo, vivendo nas ruas, apanhando dos mais velhos, sem comida, pouco ou nenhum teto, escola: mera ilusão. O sonho: crescer, ficar forte e vingar-se. Essa criança cresce e, claro, sente respeito em relação à sua sociedade; o mesmo respeito que os Estados Unidos da América tiveram para com a população de Hiroshima e Nagazaki, do Vietnã, Panamá. Ou a consideração que os colonizadores europeus sentiam em relação aos povos colonizados. Furtam, roubam, matam da mesma forma que os auto-denominados civilizados fizeram sempre. A grande diferença é que os presidiários prejudicam poucos, não milhares ou milhões, como os civilizados cometeram; é diferença meramente quantitativa.

Grande parte dos presidiários tinham pais, esposas, filhos. Como já disse um escritor, quem tem mãe não pode ser tão mau.

Carinho, tinham muito. Um preso me deu algum dinheiro pedindo que comprasse doces na padaria próxima. Disse que era para comemorar o aniversário de um companheiro que respeitavam muito. Saí, comprei, voltei, expliquei, revistado, e tudo bem. Distraído, esquecera minha data de nascimento.

Surpresa, o companheiro era eu.


 

Brilhante.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 14.10.00)

 

Um presidiário, da Casa de Detenção, avisou: “Doutor, mesmo que o Senhor seja advogado” (eu era apenas estudante), “se não der uma de macho ninguém respeita”. Não entendi muito bem, como seria macho dentro de uma cadeia, onde se dizia que o mais bonzinho cortara a orelha da mãe para fazer chaveiro; embora nunca tivesse queimado crianças, com Napalm, no Vietnam.

Avisaram antes, Brilhante vem conversar com o Senhor. O Brilhante, nunca perguntei se tinha formação escolar, sabia de cor o Código Penal, conhecia também as principais decisões dos tribunais, inclusive Jurisprudência firmada. Fazia recursos para os presos que não tinham advogado.

O Brilhante chegou. Veio acompanhado por dois primatas do pavilhão nove, um eu já conhecia. “Quero conversar com o Senhor.” Lembrei a história do machismo e respondi (estava com péssimo humor): converso com você sempre que quiser, mas mande seus amigos voltarem para o nove, caso contrário não tem papo. Nesse momento o pessoal da Judiciária estava com canetas esferográficas nas mãos, só vendo o que um presidiário é capaz de fazer com uma esferográfica.

Incrível, deu certo. Ficamos amigos.

A preocupação do Brilhante é que eu tinha atendido um preso, para quem ele fizera um recurso e eu outro. Mas como saber disso?

Convencionamos: um companheiro da Judiciária avisaria sempre que um preso, atendido pelo Brilhante, surgisse inadvertidamente.

Passei a aprender Direito Penal.

Fui aluno do Dr. Basileu Garcia, Dr. Bernardino Junior, Dr. Manuel Pedro Pimentel. Mas quem me ensinou mesmo foi o Brilhante.

Uma dica que recebi: “quando houver alguém envolvido com drogas, consulte a relação dos medicamentos que causam dependência física ou psíquica, se não estiver lá, um habeas-corpus resolve”. Consegui a soltura de dezenas de presos; tinham sido aprisionados por vender Pervitin, que não estava na lista por ser fabricado na Argentina.

Outra dica, dada pelo Brilhante: “quando houver alguém preso por porte de maconha, o argumento é que existe canabis fêmea e macho; a fêmea não é estupefaciente, e o laudo pericial não esclarece as características da erva”. Soltei outras dezenas de presos com esse argumento, até que os juízes ficassem mais atentos, quando então não funcionou mais.

Quem acabou com meu estágio foi a Ordem dos Advogados. Embora seja uma instituição que tenha lutado pelos direitos humanos, pelas liberdades democráticas, também é uma organização burocratizada e, por isso mesmo, falha. Decidiram que eu era funcionário público e, com isso apresentaram uma série de restrições à minha atividade, a principal delas: não poderia advogar contra o Estado. Ora, em um país em que o mais perigoso assaltante e estelionatário é o Estado, se não puder advogar contra ele é melhor desistir da profissão. Recorri, expliquei que exercia uma atividade voluntária e não remunerada e que a estava abandonando. Recuperei meus direitos, mas perdi as aulas do Brilhante.


 

Carandiru: violência e humor.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 21.08.00)

 

A violência nos presídios é conhecida. A imprensa noticia com, freqüência, os vários homicídios e rebeliões. Não poderia ser diferente. Um criminoso de relativa periculosidade, quando detido, é espancado pelos policiais ainda na rua. Na delegacia é novamente espancado e torturado, no presídio começa tudo de novo. Como pretender que ele se arrependa, recupere-se, e se torne disciplinado e gentil?

Quando atendia os presos comecei a perceber que muitos tinham cicatrizes nos braços, uns com algumas, inúmeras em outros. Contive a curiosidade; uma das regras, nas cadeias, é que se fala pouco e não se pergunta nada. Com o tempo alguns presos começaram a confiar em mim, sabiam que eu não seria “dedo-duro”. Um deles, que tinham inúmeras cicatrizes, explicou: “isto é um truque nosso, quando você está no pau-de-arara e não agüenta mais, pega um pedaço de metal, escondido na boca, ou usa os dentes mesmos e faz um corte sobre as veias; eles param de bater e despenduram, pode ter uma hemorragia e até morrer, daí não dará as informações que os “ratos” querem, além dos problemas com a Corregedoria”. Pouco depois, um colega da Assistência Judiciária, observou: “se ele faz isso consigo próprio, o que não fará a outros”.

Triste, para mim ao menos, era o caso do Diabo Loiro. Fora um homem alto, elegante, se expressava bem. Cometia furtos, os que os presos chamavam de “descuido” (a vítima se descuidou, perdeu). Não portava armas, não ameaçava, só se aproveitava dos descuidados. Fez uma bobagem, conseguiu vários chaveiros que tinham imagens de diabinhos de plástico, com alguns fios amarelos nas cabeças. Deixava um em cada local de furto. Quando a polícia conseguiu pegá-lo já sabia quantos crimes havia cometido. Queriam saber para quem ele vendia, receptadores geralmente têm mais dinheiro e podem dividir com os “tiras”. Não contou, foi ameaçado pelo delegado de dedo em riste, não gostou e quebrou o dedo do delegado. Meia dúzia de investigadores quebraram seus braços, o maxilar e uma perna, tornou-se um aleijado. Não sei o que aconteceu com ele mas, se saísse e tivesse condições físicas, creio que andaria armado até os dentes e nunca mais voltaria a ser preso, não com vida.

Com tudo isso, alguns detentos mantinham um certo senso de humor. Todas as escrivaninhas da Judiciária tinham canetas, amarradas com fios de nylon. Os fios eram curtos e não se conseguia escrever sem mudar a cadeira e o papel de lugar. Certa vez reclamei, porque amarrar as canetas? Um preso aproximou-se de mim, falando baixinho disse: “sabe o que é, doutor, aqui tem ladrão que não acaba mais”.

Outro, alto, porte elegante, cor de pele bronzeada como egípcio. Havia criado uma loja maçônica para fazer chantagem com os membros. Estava condenado por estelionato. Tentou convencer-me a que me filiasse à loja dele. Reclamei, você foi condenado com toneladas de provas, agora quer me ludibriar também? Disse: “é doutor, preciso treinar senão ao sair estarei fora de forma”.

Primeira vez que almocei lá comentei: esta comida é boa, saudável, mas feia. Um respondeu: “não se preocupe, vamos escolher um representante de cada pavilhão e o levaremos almoçar no melhor restaurante da cidade.”

Ainda havia humor em meio às adversidades.


 

Prisioneiros: trabalho obrigatório?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 28.10.00)

 

Há décadas ouço dizer que os presidiários não fazem nada, não trabalham e vivem às custas do Governo, ou seja, dos impostos que todos pagamos. Pura falta de informação, as coisas não são tão simples assim.

Será que alguém, em sã consciência, acredita que um ser humano, criminoso ou não, gosta de passar anos enjaulado sem ter o que fazer? Todos queriam fazer algo, só que o direito ao trabalho era privilégio, não obrigação.

Certa vez apareceu uma senhora, membro do Conselho Penitenciário, com idéias interessantes. Pretendia conseguir máquinas e equipamentos para que os presos aprendessem a operar, pudessem trabalhar e adquirir uma qualificação profissional. A alegria foi geral, todos os líderes de cela (leões de presídio), em uma reunião, aprovaram. Não era uma idéia absurda, recentemente foi concretizada na Penitenciária de São Vicente, parece estar funcionando. No Carandiru falhou.

Alguns já trabalhavam. Se tivessem conhecimentos de contabilidade, iriam para a Administração Geral ou para a Assistência Judiciária. Conhecendo mecânica, cuidariam da frota de veículos. Sabendo cozinhar, iriam para a cozinha do refeitório, um fazia a comida da Diretoria. A grande maioria, porém, não tinha qualificação nenhuma, que poderiam fazer?

O projeto fracassou por pressão dos “lobbies” de empresários e seus asseclas políticos.

A Casa precisava de reformas, os próprios presos fariam isso, mas era necessário realizar licitações, com todas as falcatruas que elas envolviam e ainda envolvem. No recente caso do prédio para o Tribunal Eleitoral, grande parte da mão de obra poderia ter sido de presidiários. Mas como o Juiz Lalau ganharia 169 milhões? Fabricar móveis, nem pensar, tiraria empregos dos empregados da indústria movelheira. Produzir calçados, também não, pelo mesmo argumento. Resultado: nenhum, estão “coçando” até hoje.

A única atividade, para os mais novos, era aprender e treinar, com os mais antigos, para que quando saíssem pudessem cometer os mesmos crimes sem serem presos pela polícia. Deu certo, a polícia não consegue deter senão uns poucos.

No mais, tomavam drogas, para suportar dias, meses e anos de tédio. O Diretor, que entendia das coisas, fazia de conta que não havia drogas lá. Impossível desconhecer, a Casa inteira tinha cheiro de maconha, que se espalhava por boa parte da zona norte.

O Diretor foi substituído por um Procurador, o homem mais ingênuo que conheci. Primeira medida: avisar que pretendia moralizar a Casa. Existe maior ingenuidade que pretender moralizar uma cadeia? Segunda medida, proibir o comércio interno de drogas. Terceira medida, andar pelo pátio, em horário reservado para se tomar sol, quando havia inúmeros detentos andando para lá e cá.. A quarta medida não foi iniciativa dele, morreu esfaqueado.

Será que é mesmo possível instituir trabalho obrigatório?


 

Universidade do crime.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 04.11.00)

 

Vários jornalistas se referem aos presídios como instituições que formam e aperfeiçoam criminosos, é verdade, diria mais: eles oferecem graduação e pós-graduação em criminalidade.

A maior parte dos presos insiste em afirmar inocência; disseram-me uma vez: “esta cadeia tem mais. de três mil inocentes.” Muitos, porém, conversam entre si sobre os delitos que cometeram, a forma como foram presos, o que sofreram na delegacia. É o momento em que começam as trocas de informações e experiências, geralmente com os mais velhos ensinando os novos.

Um rapaz, cerca de vinte e poucos anos, contava que fora preso por furtar a bolsa de uma senhora. Correu, tirou o dinheiro e jogou a bolsa num canto. A polícia começou a procurar, desconfiou dele, pediu documentos, só tinha carteira de identidade. Foi detido, reconhecido pela vítima, tratado com “psicologia” confessou o delito, mostrando onde jogara a bolsa.

Teve a primeira aula. Não se pratica “descuido” (furto em que se aproveita a distração da “vítima”) sozinho, é preciso ter um parceiro, dois melhor. Pega a bolsa, corre, entrega ao parceiro e sai andando tranqüilamente. O ideal é usar duas camisas de cores diferentes, uma sobre a outra. Cometido o delito tira-se a camisa de cima. A vítima foi atacada por um homem de camisa azul e o rapaz está de camisa branca. Com o ladrão e dois parceiros, o ataque é feito em dupla; um, andando rápido, tromba com o lado esquerdo da vítima e pede desculpas, enquanto isso o outro furta a bolsa do lado direito, lado em que a vítima perdeu parte da sensibilidade. Depois corre e entrega a bolsa, junto com a camisa, para o outro parceiro.

Os especialistas em “conto do vigário” também oferecem seus cursos intensivos. Primeiro a aparência: boas roupas, cabelos cortados e penteados, barba escanhoada, unhas feitas, palavras de pouco uso (“difíceis”) bem decoradas e treinadas em ensaio com algum amigo. O golpe deve ser tal que dificulte à vítima queixar-se na Delegacia, ou porque teria vergonha de contar a bobagem em que acreditou ou porque tentou participar de um ato ilegal. Quem contaria à polícia que adquiriu uma máquina de falsificar dinheiro que não funciona (“conto da guitarra”)? Alguém diria que comprou um posto de pedágio, sonhando em ganhar dinheiro por cada veículo que passasse?. Tudo isso já foi feito, várias vezes, quem contou foram os estelionatários, as vítimas só excepcionalmente, e essas se arrependeram de tê-lo feito.

É no presídio que se aprende que uma arma furtada ou de origem desconhecida, deve ter o seu número de registro apagado; em caso de prisão, além do crime principal, pode ser acrescentado o furto da arma, se a polícia puder descobrir a origem dela, o que não conseguirá fazer sem o número.

Algumas aulas são tétricas: nunca se dá o primeiro tiro na cabeça, que é mais estreita e difícil de acertar. Atira-se primeiro no tórax, que é largo, e depois na cabeça, para ter certeza que a vítima não prestará. depoimento depois.

Pois é, instituições que se pretendia dirigidas à recuperação de presos transformaram-se em escolas, escolas de especialização em “artes delituosas”.


 

Prisão especial.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 11.11.00)

 

Algumas pessoas, envolvidas emocionalmente por fatos recentes, desenvolvem opiniões nem sempre bem fundamentadas. É o caso da prisão especial.

Um juiz “faturou” cento e sessenta e nove milhões, dinheiro nosso: os impostos que pagamos, inclusive o inconstitucional CPMF. Diretor de jornal matou uma colega e amante, fria e premeditadamente. Ambos, por terem formação universitária, têm direito a prisão especial. Aí surgem os desavisados: absurdo, mordomia, não são todos iguais perante a lei? Abaixo a discriminação.

O conceito de prisão especial é simples, lógico e coerente; implica a idéia de periculosidade. Alguns presos apenas ludibriam, outros matam e o fazem com orgulho. É por isso que a Casa de Detenção do Carandiru foi dividida em pavilhões. No pavilhão dois ficam os estelionatários, primários de furto simples, condenados por lesões corporais em uma briga de bar. O pavilhão cinco abriga os perigosos e enfermos, portadores de tuberculose, pneumonia, AIDS inclusive. O nove tem os perigosos mesmo, muitos condenados a mais de cem anos (embora só cumpram trinta); assassinos contumazes, estupradores de crianças, estes raros, porque os demais os matam logo ao chegar.

A prisão especial, que deveria ter outro nome (ou nome nenhum), é importante para impedir a contaminação. Coloque-se um estelionatário na mesma cela com um “justiceiro”; o risco de que o vigarista se transforme em assassino não é pequeno.

Há um fato concreto: nos anos sessenta e setenta os guerrilheiros ( na época chamados terroristas) deveriam ficar em prisão especial. Prisão especial era uma cela comum com uma plaquinha onde estava escrito: “prisão especial”. Ficaram em contato com presos comuns. Os guerrilheiros eram mais hábeis, cultos e bem treinados; acabaram ensinando aos demais as técnicas de assalto, luta e, principalmente, de organização. Resultado, desenvolveu-se o crime organizado, especialmente o “Comando Vermelho”, que é bastante perigoso e a polícia não está preparada para enfrentar. Os guerrilheiros só foram vencidos com a mobilização de milhares de soldados do exército.

Defendem alguns que a separação seja feita por espécie de delito, ladrões de um lado, homicidas de outro, vigaristas mais além. Não funciona. Disse-me um presidiário certa vez: “a gente é educado pelos pais, pela religião, por todos na sociedade que matar é algo muito ruim e feio, mas quando se mata pela primeira vez, rompe-se uma barreira e vem a falta de controle”. Alguém, trabalha arduamente para manter a família, mata a esposa ao encontrá-la na cama com outro homem. Teoricamente ele nunca mais cometerá outro homicídio, foi uma situação excepcional. Colocado numa cela com outros homicidas, durante anos, é provável que ele perca o respeito pela vida alheia. Não precisaria ser recuperado, transforma-se em irrecuperável.

Solução, creio que existe. Primeiro eliminar a expressão “especial”; custa nada chamar de prisão 1, 2, 3; ou a, b, c; até k, y, w para não sugerir privilégios. Além disso, é necessário avaliar a periculosidade do preso, que independe da espécie do delito cometido, de ter formação universitária ou não, ser mais ou menos rico.

Infelizmente é utopia, formação universitária mais dinheiro é igual a privilégios, por enquanto.


 

Crime e compreensão.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 18.11.00)

 

Os seres humanos são engraçados. Uns são corruptores, outros corruptíveis, violentos muitos; mas no discurso, perfeitos, anjos de Deus. Deus que se cuide.

Um professor, há tempos, na Faculdade de Direito, tradicionais Arcadas do Largo São Francisco, promoveu um debate sobre a pena de morte. Começou perguntando: quem é a favor?

Alguns vários levantaram as mãos.

A observação dele me é inesquecível: “Um homicida cometeu o ato por razões econômicas, sociais, políticas ou mesmo psiquiátricas. Vocês, sem razão alguma, confortáveis em suas cadeiras, acabam de decidir pela morte de muitos, existe homicídio pior?”

É perfeitamente compreensível que quem tenha um parente ou amigo agredido, assassinado, estuprado ou mesmo furtado queira se vingar com violência. Seria o que eu gostaria de fazer. Mas é por causa de pessoas, como eu, passíveis de ficar descontroladas, que deve existir polícia, juizes e advogados, para que a justiça se realize com critérios e sem exageros, não pelas próprias mãos dos ofendidos. Que a justiça não funcione tão bem como gostaríamos é outra questão, devemos nos mobilizar e exigir nossos direitos, como já estamos fazendo, embora com vagar excessivo.

Cristo e seus seguidores praticamente revogaram a Lei de Talião, famosa pelo “olho por olho, dente por dente”, pregando o amor entre os homens, o respeito e o perdão. Por que? As razões religiosas, não sei, não as compreendo bem. Mas as históricas, consigo imaginar um pouco. O chamado “povo escolhido”, herdeiros de Israel, era um aglomerado de tribos que se matavam entre si com requintes de atrocidade; a continuar assim poderiam ter desaparecido da face da terra. Jesus (outros antes dele) trouxe a mensagem de paz e amor, procurando preservar e unir o povo.

Quando tentaram convencer o Nazareno a contestar o Imperador romano ele não o fez, dizendo a famosa frase: “a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”. Enfrentar o maior império do mundo, naquela época, como queria Barrabas, seria condenar todo o povo judeu à morte e à escravidão.

Muitos anos depois, Gandhi surgiu com a resistência pacífica, também havia os radicais defensores da guerra ou da guerrilha. A Inglaterra era a maior potência de então, enfrentá-la seria transformar a Índia num deserto, repleto de cadáveres.

Há pessoas que adquirem armas e as carregam no automóvel, Já decretaram a pena de morte de alguém que não conhecem, geralmente a sua própria, porque os bandidos sabem o que estão fazendo.

A não existência da pena de morte é uma questão de compreensão e de humanidade, mas eu apelo para o bom senso. Alguém imagina um homem em liberdade, mas que, se preso, será eletrocutado, enforcado ou intoxicado com cianeto. Não é apenas imaginação, os mais perigosos criminosos do país estão em liberdade. Qualquer esboço de reação ele irá atirar, esfaquear até morder.

Ainda insisto no humanismo e na compreensão, mas antes disso apelo para o bom senso.


 

Advogados criminalistas

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 25.11.00)

 

Um engenheiro sofreu um acidente e faleceu. Subiu, para bater às portas do Céu. Foi atendido por um velho senhor que, após conferir um enorme livro, disse que ele estava em lugar errado e deveria se encaminhar para bem mais abaixo. O engenheiro questionou: nunca fizera mal a ninguém, bom pai de família, trabalhador. O velho disse que o nome não estava no livro e, por isso deveria descer. O que significa que também há burocratas no Céu.

O engenheiro foi e, ao entrar, já reclamou: isto aqui é horrível, ruas mal feitas, prédios trincados, não há jardins; se eu ficar aqui vou consertar tudo isso.

Tempos depois o Inferno estava perfeito, ruas asfaltadas, jardins, iluminação, prédios bem acabados.

O Pai Maior, que sempre passeava para ver como estava tudo assustou-se, perguntando sobre o que acontecera recebeu a explicação sobre o engenheiro. Irritado, disse que deveria ter ocorrido algum erro, pois o profissional deveria estar no céu.

Respondeu o Demônio que era tarde demais, além disso ainda havia muito por ser feito.

Deus, indignado, disse que fora violada a Constituição e outras leis e que ele exigiria indenização, direito morais etc.

Satã, com seu sorriso lateral, respondeu: e onde você conseguirá um advogado?

Muitas pessoas não gostam de advogados, algumas até odeiam. Claro, quando se tem em jogo a liberdade, o patrimônio, guarda dos filhos surge ansiedade, insônia, irritabilidade. Vem a demora e, até mesmo, uma sentença desfavorável. O advogado é visto como o responsável.

Mas há, como em toda profissão, os incompetentes e os desonestos.

Os piores são alguns chamados de “advogados de porta de cadeia”. Ficam, em dias de visitas, se aproximam das mães ou outros parentes, afirmando conseguir libertar em uma semana. A mãe, geralmente humilde, pega todas as suas parcas economias e paga o miserável que nada faz a não ser extorquir o dinheiro. Deveriam, eles sim, ficar do lado de dentro.

Há também os advogados de “porta dos Tribunais do Trabalho”, como rufiões, aproximam-se de trabalhadores, que têm um processo em andamento, e oferecem seus serviços. Acabam por aceitar qualquer acordo, por mais prejudicial que seja ao trabalhador, para receber logo seu percentual de honorários.

Há muito mais, advogados que aceitam propina dos adversários do cliente para perder a causa; outros roubam processos dos tribunais, ou páginas deles; recentemente surgiram notícias de profissionais que servem de intermediários entre traficantes de drogas e suas quadrilhas.

Hoje é mais fácil. Existem o Procon, o IDEC e em Atibaia, o respeitável COMDECOM. Todos podem oferecer orientação, ajudar, indicar. O Ministério Público há tempos vem fazendo um bom trabalho. Mesmo a Ordem dos Advogados, embora seja uma instituição corporativa, não tem interesse em que sua respeitabilidade fique comprometida pela atuação de maus profissionais. Basta procurar.


 

Polícia e tecnologia.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 09.12.00)

 

Foi recente. Não prestei a atenção devida, mas ouvi claramente que a polícia de algum lugar (creio do Rio de Janeiro) estava modernizando seus armamentos. A ironia: compraram pistolas calibre .45. Quem conhece um pouco de armas sabe, uma pistola .45 faz um barulho estrondoso e assustador, onde acertar arrebenta. Eis o problema, acertar; se atirar em um elefante, a meio metro de distância, erra. Não foi por outra razão que todos os exércitos decentes do mundo transformaram a pistola 9 mm. em arma oficial. É potente, tem precisão, é a que os bandidos usam. Alguém deve ter recebido uma boa comissão na compra das .45, que ninguém mais compraria. A tecnologia policial brasileira parece influenciada por Lenin: “um passo à frente, dois atrás”.

Datiloscopia, eu aprendi um pouco, quase nada. Sabia que havia um pó químico marrom para fundos claros e outro pó branco para fundos escuros. Lançado os pós sobre mesas, fechaduras, copos, garrafas pegava-se um pincel especial, delicado, importado, para retirar o excesso. Fitas adesivas especiais, também importadas, eram colocadas sobre as impressões e afixadas em lâminas de vidro, para depois serem fotografadas, analisadas em computador etc. Conheci um perito em datiloscopia, orgulhoso de meus parcos conhecimentos perguntei se utilizava tudo aquilo. Respondeu-me: “não, uso papel higiênico”. Não entendi, ele explicou: “dá muito trabalho, com o papel você apaga as impressões e está livre”.

Fui conhecer o polígrafo. Genial, uma série de fios ligados ao interrogado: media sudorese, batimento cardíaco, pressão arterial, marcados por linhas como as de eletrocardiograma. Dai o policial começava com perguntas ingênuas: nome de pai e mãe, cidade onde nasceu, idade, nome da namorada ou esposa até que, repentinamente, perguntava se cometeu o crime. Caso a variação, no traçado das linhas, fosse totalmente diversa, haveria uma indicação de que estaria mentindo. Vi e gostei. Saí. Um investigador perguntou-me o que havia concluído. Quando afirmei estar admirado, respondeu-me: “bobagem, bandido é malandro, já sabe das coisas, nas primeiras perguntas ele mente e então não há padrão para comparar; funciona mesmo é o 'paulígrafo', enche o cara de porrada, enfia a cabeça em água e ele acaba contando tudinho”.

Não há condições, nas delegacias ainda se usam máquinas de escrever com fitas de algodão. Até pensei em organizar excursões de crianças, visitando delegacias, só para ver como se escrevia antigamente.

Automóveis, é triste, compra-se para a polícia veículos padrão, pintadinhos nos conformes, Qualquer traficante tem carro com motor turbo, pelo menos cinco vezes mais potente.

Tecnologia mesmo, improvisada mas eficiente, há no Rio de Janeiro. Um moleque empina pipa e a comanda até que se aproxime da janela de um presídio. O preso pega a linha, logo substituída por um forte fio de nylon, pelo qual se transporta drogas, armas etc.

Não seria o caso de substituir os policiais pelos presidiários? São tão desonestos quanto, mas muito mais eficientes.


Midia

 

Entrevistas.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 06.01.01)

 

Os meios de comunicação (mídia impressa, emissoras de rádio e TV) cada dia mais, dedicam seus espaços às entrevistas. O público se interessa em saber quem são e o que pensam as pessoas “importantes”, uma espécie de gosto pela fofoca. Além disso, para a mídia em geral, o custo é insignificante. Basta um entrevistador (algumas vezes vários) e o entrevistado que, geralmente, quer se promover e não cobra nada, até agradece a oportunidade.

Para quem lê ou assiste, há alguns inconvenientes. Por vezes, o entrevistado não tem nada interessante ou útil para dizer. Ruim mesmo é a incompetência, despreparo ou arrogância de certos entrevistadores.

Amaury Jr. só pergunta sobre futilidades, embora seja competente; é que o programa tem por perfil conversar com personalidades fúteis, ricos que se preocupam com moda, jóias e grandes festas; perguntar o quê?

O “Programa Jô Soares” deveria chamar-se “Jô entrevista Jô”, já que ele fala muito mais que seus convidados, acrescenta informações às respostas, discorda com freqüência, faz piadas sobre assuntos extremamente sérios. Que ele seja bom ator, ótimo humorista e tenha bastante experiência é inquestionável, agora apresentar-se como intelectual, com inteligência e cultura superiores é exagero. É bem informado porque tem uma enorme equipe de produção, entre os quais Diléa Frates e Max Nunes. Intelectual não é, sabe sobre tudo um pouco, mas apenas na superfície. Conhece vários idiomas por ter estudado na Suíça, onde se falam quatro línguas, sem contar a dos países vizinhos e próximos. Qualquer africano, mesmo sem estudos formais, fala ao menos três línguas. Às vezes é deprimente; discutir literatura, de forma contestatória e arrogante, com Saramago, um dos maiores escritores vivos e prêmio Nobel, é demais.

Silvia Poppovic é engraçadíssima, mesmo sendo séria, se for possível encontrar alguma seriedade naquilo. Os temas são de tangos argentinos ou filmes pornôs de baixa categoria: “Ele transava com outra”, “Ela era mais velha”, “Ele me fazia sentir dor”, e assim por diante. Geralmente há uma psicóloga de plantão que a Silvia inabilmente atropela. Perante os entrevistados, ela se traveste em psicóloga, antropóloga, socióloga, teóloga, pediatra. Não fala em várias línguas, como o Jô, porque nem português sabe.

Roda Viva, da TV Cultura, é muito bom. Os entrevistados, geralmente, têm um curriculum invejável, mas os entrevistadores causam tristeza. “Interrogaram”, recentemente, o Edgard Morin, filósofo, sociólogo, cinqüenta livros escritos. Um jornalista perguntou se acreditava em Deus; um professor questionou como seria o novo século; outro queria saber o que acontecerá com a informática. Tiraram-nos a oportunidade de ouvir as ótimas idéias que o filósofo formulou.

Nem todos são tão ruins, a Gabi (Marília Gabriela) faz perguntas objetivas e com respeito. Quando tem dúvidas, formula nova pergunta e, se o entrevistado insiste, não persiste.

Os jornalistas, entrevistadores da rádio Eldorado AM, também são muito respeitosos, claros nas suas questões e ajudam a nos esclarecer, ouçam a Gioconda Bordon, por exemplo.

Entrevistar, é preciso; dizer bobagens, não.


Política

   O SAAE de Atibaia
   Cultura do autoritarismo
   Síndrome de segurança
   Atibaia: muitos anos, alguns erros
   A falência do Estado
   Adversários além do vento


 

O SAAE de Atibaia e a perda de minha identidade...

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 11.03.00 )

 

Todos sabem, SAAE é a sigla do Serviço Autônomo de Água e Esgoto da Estância de Atibaia. Não conheço as obras que realiza e realizou, sei pouco sobre a sua organização e funcionamento. Conheço apenas o atendimento que recebi algumas vezes e, a partir daí, tomo a liberdade de formar uma opinião. Vou mencionar apenas dois casos mais recentes.

Pretendia erguer uma construção em um pequeno terreno no bairro de Alvinópolis e, para tanto, precisaria de água instalada. Fui ao SAAE decidido a perder horas, enfrentar fila e funcionários indiferentes. Que susto; mal cheguei e fui atendido por uma moça simpática. Verificou meus documentos e marcou a ligação para dali a três dias, informando que comunicaria antes. Perplexo imaginei que fora tão afável por ter ganho na loteria ou algo assim. Em tempo descobri que todos atendem assim. Telefonou depois, dizendo o horário em que os técnicos estariam lá. Foram, fizeram a ligação. Dia seguinte surgiu um caminhão que cobriu de asfalto o buraco que foi necessário abrir na rua. O mais incrível, aberta a torneira saiu água.

Outro dia tive um problema. Era preciso consertar um cano de torneira. O registro principal (aquele que fica no cavalete logo na entrada) não fechava completamente e o fio de água que passava dissolvia a cola para junção dos tubos. Ingênuo pensei: quem sabe consiga resolver por telefone. Liguei, não era ingenuidade, a atendente pediu o endereço, verificou o computador e confirmou meu nome. Perguntou sobre a minha solicitação, expliquei e, pasmem, ela entendeu. Disse que meu pedido seria atendido, ao que retruquei: em quantos dias? Resposta digna de causar desmaio: “hoje”. Sem exagero, dez minutos depois chegaram os técnicos que trocaram o registro, com uma competência e rapidez extraordinárias. Incrível novamente, funcionou.

A esta altura deve pairar na mente do leitor uma dúvida sobre a razão do título. Explico. Nasci no Brasil, onde vivo há 52 anos. Aprendi a me adaptar ao meio e ambiente em que nasci. Sei que, quando chega a vez de ser atendido, depois de enfrentar uma fila enorme, o funcionário vira de costas e sai, para tomar café, atender telefone ou fazer coisa nenhuma. Depois de longo tempo volta agressivo e mal humorado, reclamando todos os formulários e guias que é preciso preencher e pagar. São necessários: números de RG, CPF. quantidade de linhas da impressão digital do polegar direito. Meses depois e alguma propina, consegue-se resolver.

Pois é, o pessoal do SAAE fez com que eu me sentisse vivendo na Suécia ou Dinamarca, nunca no Brasil. Perdi minha identidade. Há algum tempo, nesta coluna do Atibaiense, critiquei prefeito e vereadores para insistir que o povo era bom. Não mudei de opinião: os políticos são ruins, o povo é bom, os funcionários do SAAE também..


 

Cultura do autoritarismo.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 27.05.00 )

 

Nasci neném, como todos. De início não me exigiam nada, pouco adiantaria, entenderia o quê? Cobravam de minha mãe: cor das roupas, em que escola matricular, outras bobagens.

Devagarinho fui crescendo, todos insistindo em perguntar muito, queriam controlar minha vida.

Nem lembro direito, penso que tinha doze ou catorze anos, por aí; alguém disse a meu pai: “Como é o moleque já 'afogou o ganso'? Está na hora, se demorar muito vira viado”.

Passou tempo, naquela época os dias corriam mais lentos; mas cuidaram de mim durante sempre. “Precisa escovar os dentes corretamente, não esqueça de lavar as orelhas, deve pentear o cabelo com capricho na risca (meu avô era espanhol e dizia riesga)”. Engraçado, não me lembro de alguém ter pensado que, embora jovem, eu era um cidadão livre e, por exemplo, tinha o direito de não querer banhar-me em dia muito frio.

Depois veio: “O que vai ser quando crescer”? Crescer o quê? Já tinha a altura que tenho hoje. Decidi, depois de assistir, e empolgar-me, aos filmes de Perry Mason, que estudaria Direito. Lá vinham os fiscais de plantão: “Por que não Engenharia”, já que meu pai administrava construção civil. Fiz Direito mesmo e gostei, faria de novo. Mas foram cinco anos de paletó e gravata, obrigatórios. Não podia discordar sem dizer: “Data Venia, ou Data Maxima Venia”.

Os militares exacerbaram: “Não era permitido falar; agir, nem pensar; escrever ou ler era cadeia”. Saímos às rua com ingenuidade, derrubando cavalariços com tachinhas e bolinhas de gude. Alguns amigos não, pegaram metralhadoras, deu certo nada.

A cobrança continuava: “Vai ser advogado criminal, civil ou comercial”? Criminalista, eu queria. “Não deve, ganha pouco e não recebe”. Fui criminalista e bem sucedido.

Resolvi estudar Marx, já havia lido a Bíblia sem nunca ter sido religioso por falta de vocação. Cobranças de novo, Marx era comunista, comia crianças, matava gente. Estudei assim mesmo, aprendi muito.

Não gosto de escrever sobre mim, e não foi isso que acabei de fazer; usei-me como exemplo do fruto de uma sociedade fascista que cobra, exige, impõe.

Agora, há alguns poucos anos, vivo em Atibaia; que diferença. Escrevo uma coluna no maior e melhor jornal local; o editor, Cesar Pinheiro, nunca acrescentou uma vírgula, jamais censurou ou exigiu.

Com freqüência vou à Estância Lynce, há pessoas de bermudas, sem camisa, até de biquini. Ninguém critica, nem reclama, admiram quando as formas são sugestivas, nada além.

A cidade tem um “slogan”: “O paraíso quase possível na terra”. Sem modificar nada, eu gostaria de colocar placas nas entradas da cidade (que são várias). “ATIBAIA. Aqui se respeita a liberdade”.


 

Síndrome de segurança.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 17.06.00 )

 

Era 1966, eu jovem. Aliás nem sei se hoje sou velho ou apenas jovem há mais tempo que alguns; mas pouco importa agora. Voltando a 66, estava passando de carro pelo Jardim Europa, em São Paulo, com um amigo. Víamos aquelas mansões enormes, bem projetadas, lindas mesmo. Haviam muros, mas baixos, uma até tinha cerca, estilo americano, feita com ripas pintadas de branco.

Na política, tinham derrubando o eleito João Goulart. Ele apresentara um projeto de reformas de base, idéia de garantir que agricultores tivessem terra, que trabalhadores urbanos pudessem morar, ter uma aposentadoria digna, comida, saúde, educação. A elite econômica brasileira, temerosa de perder seus privilégios, conspirou. Presidente eleito substituído por militar; foi a primeira vez que vi um ser humano sem pescoço; não tinha, a cabeça juntava imediatamente com o resto. Depois vieram outros fardados, cada qual pior que o anterior.

Volto a 66. Disse ao amigo que me acompanhava: estas pessoas vão se arrepender, quando o povo sofrer serão os primeiros atacados. São as premonições que ninguém sabe de onde surgem. Em pouco tempo as casas tinham seguranças armados, passaram a ter guaritas, depois casamatas. Os muros se ampliaram, hoje têm, no mínimo, três metros de altura. Com tudo isso sofrem assaltos, estupros, sequestros há todo instante.

A burguesia, inclusive a pequena, ainda vive a ilusão da segurança. Contratam guardas, compram armas e não percebem o quanto é inútil. Alguns até se justificam: “é bom criar dificuldades para os bandidos”, como se criminosos se impressionassem com pseudo dificuldades. Conheço uma casa que parece “show room” de fábrica de fechaduras, tem cadeado em tudo, nas janelas, nos portões, até no alçapão do forro.

Se alguém passar pela Clóvis Soares, aqui em Atibaia, encontrará uma loja denominada “O Rei das Chaves”; há lá um chaveiro, conhecido como alemão, muito simpático acrescente-se. Eu o vi abrir fechaduras e cadeados com um grampo de cabelo, mais rápido do se fosse com a chave original.

Desmonta-se, assim, a ilusão de segurança. Vamos aprender a esquecer os riscos, viver com felicidade, esquecer os seguranças armados, as guaritas, as grades de ferro, os cadeados e fechaduras sofisticadas, os muros altos. O que é que a burguesia conseguiu? Criar prisões para si própria.

Já perceberam Cuba? Há lá um regime autoritário, sem liberdade de expressão, terrível para nossos sonhos democráticos. Mas o ditador, “el Comandante Fidel Castro Ruz”, passeia pelas rua de Havana, desarmado e sem seguranças, o povo aplaude, cumprimenta, até tentam beijar-lhe a mão. É que, com todos os problemas e dificuldades, o povo cubano tem moradia, alimentos, assistência médica, escola para seus filhos.

Minha sugestão à burguesia burra que se apropriou deste país: exijam que as autoridades criem melhores condições de vida para o povo, aí sim, estarão mais seguras.


 

Atibaia: muitos anos, alguns erros.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 24.06.00 )

 

Parabéns Atibaia. 335 anos é um tempo respeitável. Talvez seja pouco para europeus, mas para nós, sem dúvida, é bastante.. Até porque somos capazes de viver três séculos com mais força e energia do que assistem a milhares de anos em outros países.

Temos ar puro (verdade que, em tempos de estiagem, há poeira em exagero), Tem-se pessoas amabilíssimas, a maior parte delas não nasceu aqui (nem eu), mas vieram porque a cidade é boa. Há nortistas, nordestinos, paulistanos (eu, inclusive), sulistas, todos com orgulho de viver ou estar aqui, mesmo que seja apenas por um fim de semana.

Os comerciantes são ótimos, atenciosos e gentis. Não como os de São Paulo, que passaram por cursos de treinamento para serem assim, eu mesmo cansei de organizar cursos para eles. Resultado: um balconista chato, com voz falsa, diz coisas agradáveis. Em Atibaia os balconistas sorriem de verdade, atendem bem e cumprimentam como amigos; até que façam os cretinos cursos de treinamento.

Mas há um problema: os políticos. Será que ninguém consegue votar direito? A cidade é pequena, todos se conhecem, não há razão para escolherem os piores.

Mas queria escrever sobre outras coisas. Há 14 anos comprei minha casa nesta cidade, onde agora vivo. Naquela época, visitando o Aeroporto avisaram, é um ponto de tráfico de drogas, todos na cidade sabiam, diziam até os hangares destinados ao tráfico, mas a polícia só descobriu recentemente e não conseguiu (ou não quis, por participar do negócio) fazer nada.

Tergiversando um pouco (mas não tanto), Atibaia teria tudo para ser o maior centro turístico do Sudeste. De repente há água contaminada, o aeroporto é conexão de traficantes colombianos, alguns comerciantes, mesmo simpáticos, acham que enriquecerão cobrando mais caro. Ninguém percebeu que turista vem com o porta-malas lotado de alimentos e outras coisinhas, porque aqui é mais custoso? Depois culpam a crise econômica, que existe, mas não é tão burra.

Há alguns anos veio ao Brasil o autor de uma das mais famosas histórias em quadrinhos: “O Fantasma” (“O Espectro, em Portugal”). Ele afirmou, em uma entrevista: disseram-me que me cuidasse, pois no Brasil havia serpentes venenosas por todo lado e aborígenes com flechas assassinas. E, frase dele: “Qual não foi minha surpresa ao constatar que é muito pior.” Falava sobre o Rio de Janeiro. Corremos o risco de ouvir o mesmo sobre esta nossa cidade.

Atibaia tem tudo para desenvolver-se. A Espanha, após a Segunda Guerra, por não ter ficado nem ao lado dos nazistas, nem dos aliados, perdeu o apoio financeiro do Plano Marshall. Investiram esforços em turismo e funcionou. Conseguiram transformar uma ilha inútil (Palma de Majorca) num dos locais mais sonhados para idosos (até para alguns jovens) em férias. O Ministro do Turismo da Espanha da época ( Luiz Fernandez Fuster) veio ao Brasil proferir uma palestra. Primeira frase :“Aprendam a explorar o turismo, não o turista”. Não é boa lição para Atibaia?


 

A falência do Estado.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 22.07.00)

 

O Estado brasileiro já faliu várias vezes, em nossos 500 anos. Desde o fim do regime militar estava concordatário, agora não, faliu de vez. Não é privilégio nosso, o velho modelo de organização estatal não funciona mais em país nenhum.

As Instituições dos Estados, em sua maioria, exercem três funções principais: elaborar leis, executá-las e julgar em caso de conflitos ou abusos. No Brasil essas funções deveriam ser exercidas pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Mas não funciona.

Os Legislativos (federal, estadual e municipal) se transformaram em câmaras repleta de corruptos que utilizam seus cargos para promover negociações espúrias, trocar favores, ganhar rios de dinheiro. Recentemente surgiu uma aparente onda de moralismo e se começou a denunciar escândalos, investigá-los e cassar mandatos. Mera cortina de fumaça, sacrificam-se alguns para que outros consigam ficar em paz. É aquela coisa do boi de piranha, deixa-se que os peixes comam um para que o resto da manada atravesse o rio em paz.

Os Executivos não são diferentes, talvez até pior. O Presidente já esteve envolvido em vários escândalos, embora nada tenham provado contra ele. Qual a solução que tem dado? Atribui a responsabilidade a um ou mais Ministros, substitui-os e está resolvido; é o que a imprensa tem chamado “virar pizza”. A mesma prática tem sido utilizada por Governadores e Prefeitos de todo o país.

O Judiciário, no passado foi uma instituição respeitável que contava com a confiança da população, degringolou. Há vários anos os oficiais de justiça só cumprem suas obrigações se receberem uma “gratificação” por fora. Os juizes têm recebido propinas para absolver criminosos notórios, autorizar concordatas imorais e falências fraudulentas. Caso as evidências constantes dos processos sejam tantas que devam levar à prisão, não hesitam em conceder liminares que permitam adiar a conclusão dos feitos em anos, até décadas. A Justiça permitiu que um dos Prefeitos mais corruptos da História possa tranqüilamente terminar seu mandato. O caso mais recente é pegajoso, um só juiz e, é claro junto com asseclas, conseguiu desviar 169 milhões de reais.

Existe solução? Sim e já está em curso. A cada dia mais a Sociedade vem percebendo que a solução dos problemas só pode advir dela mesmo. Organizações que eram criadas para exigir providências do Estado hoje começam a realizar, elas mesmas, as medidas necessárias. A iniciativa privada tem criado entidades destinadas a promover a solução das questões sociais, para dar apenas um exemplo, a “Abrinq” tem tido um desempenho impecável. Sabiam que a iniciativa privada gasta, com segurança, muito mais que o Governo? Surgem por todo lado Associações com objetivos os mais diversos. Os melhores institutos de defesa do consumidor não têm vínculos com o Governo.

O Estado faliu, mas a Sociedade está bem viva.


 

Adversários além do tempo.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 16.12.00)

 

Um velho mestre de artes marciais, ao final dos treinos, costumava falar sobre as técnicas desenvolvidas por Myamoto Musashi, o lendário samurai do Japão.

Uma delas consistia no desenvolvimento da sensibilidade, para localizar adversários não visíveis. Através de treinamento intenso e cansativo o samurai aperfeiçoou seus sentidos: visual, auditivo, olfativo e tátil. Quando o inimigo se ocultava na escuridão, aproveitava a névoa, cortinas de fumaça criadas por pequenas bombas ou lançava pó nos olhos, Musashi tentava distinguir sombras tênues, ouvir sons leves, sentir o odor humano ou, o mais difícil, sentir onde o vento se dividia por ter encontrado um obstáculo.

Nós, brasileiros, não treinamos; apenas ficamos sensíveis em função da experiência política e econômica adquiridas em tanto tempo de falcatruas, exploração e arbitrariedades.

Quando se olha para Brasília, mesmo não se enxergando nada, percebe-se. Há sombras que circulam, ouve-se o som claro de dinheiro ou ações ao portador sendo contados, sente-se um cheiro característico mas ruim, vê-se que não há vento algum, o obstáculo é absoluto.

Aquele cidadão que, eleito, camaleonicamente, se transformou de esquerdista em atrabiliário ditador resolveu transformar a CPMF, que era “contribuição provisória”, em imposto definitivo. Se apresenta como democrata, preocupado com os problemas sociais, mas impõe a CPMF que é, também, uma extorsão de parte do salário de quem trabalha arduamente.

Não satisfeito, o FHC (não lembra sigla de inseticida?), conseguiu que aprovassem uma lei eleitoral proibindo os meios de comunicação de se manifestarem livremente a respeito de candidatos, limitando-se à descrição de fatos ou atos objetivos.

Insatisfeito ainda, S. Excia., o inseticida, resolveu violar a Constituição. Pior que isso, violar os princípios constitucionais vigentes em todos os países sérios do mundo. Resolveu invadir a privacidade dos cidadãos através da permissão de flexibilizar o sigilo bancário. Qualquer inspetorzinho fiscal poderá nos importunar, verificar nossa vida e cobrar propinas por equívocos que alegará serem crimes fiscais. Como não somos mais cidadãos, nos subteremos, pediremos desculpas e pagaremos.

Não há nada de novo, não vivi a época mas li bastante a respeito, era o momento de ascensão do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Liberdade não havia, direito à privacidade nenhuma, torturas muitas, assassinatos aos milhões. Se não tivermos cuidado seremos submetidos a um sistema semelhante, senão pior.

Lutemos já, ou nosso adversário surgirá por trás dos ventos.


Propaganda

   Mitos e propaganda (I)
   Mitos e propaganda (II)
   Arte e comunicação
   Arte e propaganda (I)
   Arte e propaganda (II)
   Superstições e propaganda
   Militares e propaganda
   Shakespeare: a arte da persuasão


 

Mitos e propaganda (I).

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 15.04.00 )

 

Mitos são relatos, histórias que ensinam os homens sobre sua origem e destino, o que devem fazer, qual os heróis que devem admirar e seguir seu exemplo, o que plantar, o que comer.

Há vários anos os estudiosos encaravam os mitos como histórias falsas, frutos da imaginação fantasiosa do ser humano. Mais tarde, os antropólogos culturais estudaram os mitos existentes em várias culturas, desde as mais primitivas às mais sofisticadas. Verificaram que os relatos míticos não são nem falsos sequer verdadeiros, são apenas exemplares, guias de comportamento e ação.

É difícil conceituar mito, já que a palavra se refere a fenômenos tão distintos como o pecado original de Adão e Eva, a força extraordinária de Hércules, o heroísmo de Che Guevara ou a competência, habilidade, inteligência e honestidade de Getúlio Vargas, mas os mitos parecem conter alguns componentes comuns.

Referem-se ao sobrenatural; fenômenos não conhecidos pela experiência cotidiana, fora do sensível e do concreto. Muitas vezes se reportam a situações concretas reforçada, hiperbolizadas: heróis muito mais fortes e poderosos que quaisquer homens conhecidos, mais inteligentes e mais hábeis. Basta lembrar de Fernando Collor em seus dias de prestígio.

Os mitos, geralmente, têm tempo próprio, que nada tem a ver com nossos calendários. A criação de Adão, a construção da Arca de Noé ou o fim dos tempos não têm ano, mês, dia e hora.

Os relatos míticos não são discutíveis, sua veracidade não é sequer pensada, importa é que contêm uma orientação a ser seguida. O falecido Dr. Egon Schaden, um dos maiores antropólogos que a USP já teve, viveu vários anos em uma tribo indígena brasileira. Os índios mais velhos ensinavam aos jovens que, um dia, uma deusa surgiu das águas e ensinou a plantar e colher mandioca. Schaden passou a perguntar a vários membros da tribo, se o fato realmente ocorreu. Os índios ficavam atônitos, perplexos mesmo, não interessava se aconteceu mesmo ou não, importava que era preciso plantar mandioca.

Em síntese, os mitos têm várias funções. Oferecer conhecimentos, explicações sobre o mundo, os homens, vida e morte, enfermidades. Devem permitir a união de comunidades, a coesão de todos para determinados fins. Garantir o equilíbrio com a natureza e a sociedade. São normativos (estabelecem regras de conduta). O mito de Édipo ensina a não praticar incesto. A condenação por deuses (Prometeu, por exemplo), ensina a manter a disciplina e respeitar a hierarquia.


 

Mitos e propaganda (II).

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 22.04.00 )

 

Os mitos se apresentam de várias formas, dependendo do conteúdo dos relatos que contêm. Alguns aparecem com mais freqüência na história da humanidade, embora com algumas diferenças.

Os mitos de criação explicam como surgiu o mundo, os mares e rios. os animais e os homens. Os de luta entre o bem e o mal procuram explicar o movimento da natureza pela existência de conflitos entre Deus e o Demônio, democratas e comunistas, muçulmanos e infiéis. Os escatológicos, tentam esclarecer como será o fim dos tempos, quando tudo será destruído. Os mitos paradisíacos insistem que o homem encontrará um mundo perfeito, onde tudo é felicidade. Os de retorno se apegam a situações passadas, onde havia alguma felicidade, para afirmar que o homem voltará àqueles tempos. Os messiânicos, garantem que o encontro do paraíso será conseguido através de um guia, herói ou messias.

A propaganda, comercial ou ideológica, procura adaptar suas mensagens à estrutura dos mitos existentes nas sociedade. Como os mitos não são discutíveis nem discutidos, não há razão para as pessoas adquirirem uma postura crítica perante as mensagens, desconfiar delas ou buscar alternativas mais adequadas aos seus interesses.

Os modelos de comerciais de TV, masculinos ou femininos, são bonitos, simpáticos, esbeltos e sorridentes. Só em alguns poucos comerciais de humor aparecem gordos, velhos ou tristes. São aqueles outros, perfeitos, verdadeiros heróis míticos, que aconselham a adquirir algum produto ou utilizar certo serviço para que se possa ser como eles. Há décadas que os consumidores, apesar de utilizar os produtos, não melhoram suas peles, seus cabelos não crescem, não emagrecem, nem ficam com roupas mais limpas, mas todos continuam a viver os mitos e a comprar.

Em propaganda ideológica é mais flagrante. Toda a campanha do nazismo insistia em que a raça ariana era pura e superior às outras, portanto predestinada a dominar o mundo. Para conseguí-lo deveriam seguir um líder genial, superior e heróico: Adolf Hitler. Conseqüência: a matança de milhões, com a provação do povo germânico que, embora fosse um dos mais cultos da Europa, se deixaram envolver pela manipulação de antigos mitos.

Notável, entre nós, foi a ditadura de Vargas. A propaganda fez de tudo para apresentá-lo como herói, onipotente e onipresente. A cada oito dias, durante a ditadura, editava-se uma nova biografia do messias. Conduziria o Brasil ao seu grande destino: uma grande potência que produziria alimentos para saciar a fome do mundo.

Deu certo, voltou eleito.


 

Arte e comunicação.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 29.04.00 )

 

Há os que têm uma visão mercantilista da arte: um quadro vale pela assinatura do pintor famoso, músicas importam pela quantidade de discos vendidos, livros são respeitados pelo número de edições publicadas.

Há piores, os que consideram a arte inútil, mero diletantismo de ricos ou desocupados. Quantos pais ficam angustiados quando seus filhos, ao invés de optar por um curso de Medicina, Engenharia ou Direito, resolvem estudar numa Escola ou Faculdade de Artes. Não é simples hipótese, eu vi acontecer durante os mais de vinte anos em que lecionei na Escola de Comunicações e Artes da USP.

Não é meu objetivo discutir o valor da arte, apenas mencionar parte da imensa gama de atividades profissionais abertas para os artistas. Primeiro, como é óbvio, um artista pode ser, pura e simplesmente, músico, cantor, escritor, cineasta, fotógrafo e muito mais.

Em propaganda escritores redigem os textos; artistas gráficos, desenhistas e fotógrafos cuidam das ilustrações; cineastas dirigem e produzem os comerciais de TV; músicos compõem os “jingles”.

Em jornais, revistas e televisão os artistas imperam, ou alguém pensa que é um engenheiro ou médico que cria a capa da revista, faz a diagramação do jornal ou a vinheta da TV?

O primeiro passo para entrar na área não é a escola, a sensibilidade sim. Não sabe onde nasce o sol? Esqueça fotografia, ela depende de luz. Não percebe a diferença de tonalidades de cor? Esqueça pintura e artes gráficas. Não sente o ritmo, cor e som das palavras? Esqueça redação. Seja um simples burocrata, para quem o mero treinamento basta.

O segundo passo é a escola, sensibilidade e talento não são suficientes. Já se faz quase tudo por computador que, no mínimo, oferece a possibilidade de milhões de cores. É preciso aprender. Existem centenas de tipos de pincéis, tintas e papéis. É preciso aprender. Há cálculos matemáticos para se fazer uma boa diagramação. É preciso aprender. A escola não transmite talento, mas orienta e ensina como utilizar as ferramentas necessárias para concretizá-lo.

Em São Paulo existe a ECA-USP, que além de ser uma boas escola, é de graça, pois governamental; é só ser aprovado no vestibular. Há também a Escola Panamericana de Artes, boa também, basta pagar. Mas há as pequenas escolas, creio serem melhores. Atendimento pessoal, sem o formalismo das grandes, espaço e horários quase livres, pode-se passar um dia inteiro na escola, o professor permite. Existem em quase todas as cidades e Atibaia não é exceção.

Aqui, no paraíso quase possível na terra, há a Oficina Garatuja (e talvez outras que não conheço). O Márcio e a esposa Elsie ensinam com carinho há dezessete anos. Quando os conheci fiquei emocionado com o trabalho que fazem ensinando crianças.

Só quem respeita, admira e adora crianças pode ter vocação para as artes e para a comunicação; e ensinar bem.


 

Arte e propaganda (I).

As imagens da persuasão

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 06.05.00 )

 

Propaganda não é arte, nem ciência, sequer filosofia; embora alguns incautos tenham dito e escrito o contrário. Propaganda é uma técnica que se utiliza das ciências, da filosofia e, principalmente, das artes. Toda campanha envolve, pelo menos, texto e imagem. Isso significa literatura, artes plásticas e gráficas, fotografia, cinema.

Não tem regras, é criada a partir de intuições, experiências, instintos, bom senso; mas certos princípios têm se mantido através dos anos, vale a pena mencionar alguns. Falamos da utilização da arte escrita e visual. Todos os exemplos são imaginários, mas o leitor, facilmente, lembrará os reais.

Texto e imagem se completam, formam uma unidade, não devem se repetir nem brigar entre si. Imagine-se um anúncio: fotografia de um tanque de guerra e o título: “construímos uma porta tão forte quanto um tanque de guerra”. É repetição, sobra a imagem ou sobra o texto.

Comparação entre situações fica simpática. Centenas de folhas de papel, ao lado de um pequeno disquinho de computador. O texto poderia dizer: “mesmo conteúdo, mínimo espaço”. Aquele carro enorme, antigo, que não se consegue estacionar em lugar algum, em seguida surge o carrinho pequeno, ágil, bonitinho, que cabe em qualquer espaço.

Testemunhal também funciona: fotografia do Zé da Silva, campeão mundial, forte, bem disposto e saudável. O texto: “Graças à vitamina Xitasai, conquistei a medalha de ouro” (Nunca tomou a maldita vitamina, mas pagaram para que dissesse isso, tudo bem). A testemunha nem precisa ser um grande desportista ou ator famoso, basta ser gente falando bem do produto; pode estar vestido como médico, dentista; pode ser um magro que já foi obeso ou musculoso antes fraquinho.

Contraposição (antes e depois). Casa de filme de horror, centenas de baratas. Repentinamente, a mesma casa, limpinha, simpática. O texto: “Saúde e tranqüilidade de volta ao seu lar. Baratox”.

A idéia não se esgota, a gorda emagreceu, aqueles cabelos horríveis estão soltos e encantadores, o cabelo esbranquiçado escureceu, às vezes onde não existiam mais cabelos surgiram alguns, até muitos.

Associação vale inclusive. Não se fala tanto do produto, mas de alguma coisa que se associa a ele. Foto de uma suculenta feijoada. Texto: “Sem caipirinha não dá. Caipirinha só com Nhocuçu, a legítima caninha de Caruaru”. Fizeram pizza com guaraná, disseram que deu certo, não acredito, nem sempre funciona, propaganda pressupõe qualidade do produto, distribuição eficiente, bom preço, ou a Antarctica não ficaria à beira do caos, aguardando salvar-se pela fusão com a maior inimiga para poder enfrentar uma multinacional.


 

Arte e propaganda (II).

As imagens da persuasão

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 13.05.00 )

 

Em propaganda se emprega muito o efeito de visualização. Alguns produtos são tão estéticos, lindos mesmo, que vale a pena mostrá-los apenas, sem texto. É o que se faz com perfumes franceses, jóias, belos carros. Um vidro de “Chanel”, um colar de diamantes falam por si, não é necessário escrever nada. Nesses casos a competência artística do fotógrafo é o que importa, fundo adequado, iluminação perfeita, ângulo sugestivo. Só fica faltando o consumidor distraído, aquele que compra sem jamais saber porque fez isso.

Também se pode transformar imagens em sonhos, imaginação livre, solta e fértil. Aquela loira (também pode ser morena, mulata ou negra) de olhos azuis (ou castanhos, violetas não, só a Elisabeth Taylor tem), com vestido branco, esvoaçante, correndo, em câmara lenta, pela grama de um belo bosque. O produto: absorvente higiênico.

É bom não esquecer, em sonhos tudo é perfeito, as pessoas sorriem sempre, não transpiram, não espirram nem tossem, não assoam o nariz, não vão ao banheiro, ficar doente ou morrer nem pensar. Às vezes a realidade atrapalha; um rapaz esperto conquistava lindas mulheres, campanha de um uísque conhecido, o tema plagiava uma expressão popular, o “bebe quieto”. Repentinamente morreu de AIDS, era homossexual e estragou a campanha.

Também é possível e fica bom, apresentar apenas a imagem que se associa ao produto. Uma cachoeira, água rolando sob o brilho do sol, árvores em torno; assinatura: “Água Pindorama, a natural”.

Erotismo é ótimo, prá quem gosta, inclusive em propaganda. Tem-se um produto ou serviço, seja qual for, mostre aquela mulher linda, seios firmes, nádegas arredondadas, nenhuma barriguinha, sorriso enorme, dentes alvos. Funciona, podem acreditar. Erotismo com homens parece funcionar bem, mas não entendo disso, então nada falo nem escrevo.

Alguém pode pensar que a propaganda, feita com esses recursos técnicos, é enganosa; isso mesmo. A propaganda mente sempre, ao menos por omissão. O que todo publicitário faz é enaltecer as qualidades positivas do produto esquecendo as negativas. Se for o caso, o concorrente só tem as ruins. Há uma famosa jogadora de basquete que os truques fotográficos tornaram bonita e sensual, enchimentos artificiais, até hormônios, tornam homens e mulheres comuns em atletas de físico invejável. São propaganda e artes a serviço da satisfação dos sonhos e anseios humanos. Ou será que alguém sonha com mulheres feias, carros enferrujados, casas em demolição? Não há malefício algum, não me lembro de alguém desiludido por ter adquirido algum produto influenciado por sonhos.

Em política sim, há mais de décadas estamos nos arrependendo dos candidatos que sufragamos, nem era sonho, apenas um suave anseio por honestidade e decência.


 

Superstições e propaganda.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 03.06.00 )

 

Superstições são crenças. As pessoas acreditam, assumem comportamento adequado ao seu conteúdo e o fazem de forma emocional. Geralmente as crenças se reportam a determinados fatos, como se um fosse a causa de outro, quando são apenas coincidentes, ou nem há relação entre eles. Acredita-se que ferradura com sete furos, pata de coelho, trevo de quatro folhas trazem sorte. Pensa-se que a mistura de certos alimentos fazem mal à saúde. Usam-se certas expressões para enfrentar o mal.

Por que se cultivam superstições? Os homens têm necessidade de sentir-se em equilíbrio com a natureza e a sociedade, se adaptarem a elas. Quando não há o equilíbrio, desencadeia-se mal estar, angústia, tensão psicológica. A superstição traz uma explicação para o conflito ou até uma fórmula para aliviá-lo.

A quantidade de crenças supersticiosas é imensurável, dificultando qualquer tentativa de classificação, mas pode-se tentar alguns poucos exemplos. Algumas crenças são partes de rituais míticos; nas cerimônias da religião católica, em determinados momentos, faz-se um gesto chamado “sinal da cruz”; quando, porém, ao entrar no mar, numa piscina ou campo de futebol se pratica o mesmo gesto, acreditando-se que trará sorte e segurança, é superstição. Existe, também, a concepção de que existem energias positivas e negativas controláveis: sorte e azar, tranqüilidade e dor, alegria e sofrimento, tudo passível de dominação por gestos e palavras; bate-se três vezes em madeira, lança-se algum objeto para trás das costas, recita-se uma reza qualquer. Acredita-se até, que o futuro é previsível. Daí inúmeros vigaristas ganhando dinheiro com horóscopos, quiromancia, biorritmos etc.

Como se adquire superstições? Primeiro, está na cultura, você nasce e já recebe dezenas de informações sobre gestos e expressões que ajudam ou não. A mãe, ou o pai, ou ambos ensinam que há o bicho-papão, o homem do saco, saci-pererê, mula sem cabeça, cores que dignificam, flores que curam. Depois vem a experiência mal observada. Para no cruzamento, farol fechado, duas pancadas no volante e o farol esverdeia; faz-se a segunda vez e ocorre o mesmo, está criada a superstição: duas pancadas no volante abrem o semáforo.

Não pensem que essas idéias são típicas das camadas menos privilegiadas intelectualmente. Os cultos também as carregam, só que sob formas mais sofisticadas, com aparência científica. Inventam influência de hemisférios terrestres, fases da lua, clima, ozônio, intuição, lados direito e esquerdo do cérebro, controle da mente, transmissão de pensamento, auras; são superstições igualmente.

O que faz a propaganda? Aproveita as crenças existentes e adapta suas mensagens a elas. Um dos “slogans” do nazismo era: “Hitler tem a sorte a seu lado”. Um partido político brasileiro tem um trevo de quatro folhas como símbolo, todas as campanhas de sorteios apelam para a nossa sorte. Há os vendedores por telefone: “Você foi escolhido, ganhou um curso grátis, pagará apenas o material”. Os consumidores, incautos, compram, aplicam, investem, apostam, votam, e não recebem nada.

Um conselho: não sejam supersticiosos, dá azar.


 

Militares e propaganda.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 10.06.00 )

 

Nossos militares são incrivelmente descuidados. Um dos orgulhos deles é a Guerra do Paraguai. Os paraguaios insistem em denominar de Guerra da Tríplice Aliança. Como não vencer o pequeno Paraguai com as tropas de Brasil, Argentina e Uruguai, todas financiadas pelo Império Britânico. Ouvi dizer, nem acredito muito, que Duque de Caxias, o herói patrono, cometeu inúmeros equívocos Há uma estátua dele quase no centro da capital paulista, atrapalha o trânsito, transformou-se em WC de pombos. Heróis mesmo foram Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Luis Carlos Prestes, Helder Câmara, que dedicaram suas vidas à consecução de ideais.

Não gostaria de criticar oficiais militares que se vestem com roupas que misturam cores verde, marrom, amarelo e acreditam se assemelhar a árvores. Mas como evitar ser ofensivo? Quantos soldados foram necessários para dominar Canudos? Foi vergonha nacional. Mais tarde mobilizaram cerca de vinte mil para controlar sessenta guerrilheiros no Araguaia; o descuido é incontestável. Eles argumentam cuidar das populações ribeirinhas, que qualquer Secretaria de Assistência Social faria melhor. Também patrulham fronteiras, aquelas onde se traficam drogas destinadas ao mundo inteiro, inclusive o Brasil.

Mas falemos de propaganda, que é o tema proposto. Aí o descuido beira as raias do humor dramático.

As melhores campanhas de propaganda ideológica do mundo foram feitas por militares. Entre os antigos gregos Psístrato foi um comunicador excepcional. Com os generais romanos o mundo aprendeu os requintes da arte persuasiva. Venciam uma batalha e desfilavam pelas ruas de Roma, levando os prisioneiros vencidos sob correntes, os despojos; desfilavam com o braço estendido, saudação romana copiada por Mussolini, Hitler e pelos ridículos integralistas brasileiros. Julio Cesar escreveu livros, dentre os quais o famoso “De Bello Gallico”, sobre a guerra na Gália, onde havia o “slogan” “Veni, vidi, vici” (Vim, vi, venci) que ajudou a difundir a idéia do seu heroísmo guerreiro.

Hitler, cuja propaganda foi, inquestionavelmente, a melhor que já se fez na face da terra (infelizmente), era mais ou menos militar. Fidel, outro propagandista incorrigível, mas competente, é militar também, tanto que é chamado “El Comandante”.

E os nossos? Castelo Branco dizia “Estávamos à beira do abismo”; veio Costa e Silva e concluiu: “O Brasil deu um passo à frente”, foi debochado por todos os humoristas de plantão. Figueiredo foi incrível, nunca soltaram tantas frases infelizes na história deste país. Lembrando uma: “Por que o Chico Buarque é intelectual? Eu sei mais matemática do que ele.” Lembrando outra: “Prefiro cheiro de cavalo ao do povo”. (Aqui escrito em português correto, pois que o original não era bem assim).

Até hoje se conhece, como verdadeiras, afirmações sobre Getúlio Vargas ser o pai dos trabalhadores, criador da Legislação Trabalhista. Tudo mal contado, mas fruto de uma propaganda eficientíssima (era civil). Alguém lembra de algum dos temas da comunicação dos militares, que dominaram o país durante vinte anos. Esquecemos, é que os “milicos” envolveram-se em torturas e matanças desnecessárias; comunicar-se jamais. Ou alguém já viu campanhas tão ruins e sem credibilidade como as de recrutamento?


 

Shakespeare: a arte da persuasão.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 15.07.00 )

 

Freqüentemente sou consultado por jovens estudantes pedindo a indicação de livros sobre persuasão, comunicação persuasiva e propaganda ideológica. Procuram-me porque tenho mestrado e doutoramento nessa área; também fui professor da USP sobre tais matérias. Minha resposta, sempre: não existe. Já escrevi sobre o assunto em três livros, nenhum satisfatório. O pessoal da Escola de Frankfurt discutiu e escreveu sobre o tema, de forma insatisfatória também.

É que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e escrevem. Interessante, percebem as coisas da vida sem utilizar metodologias científicas e que tais. Aprende-se Psicologia com Machado de Assis, melhor que em Freud; Sociologia com Gilberto Freire se conhece melhor do que em Durkheim, bobagens se aprende com Lair Ribeiro.

William Shakespeare produziu uma teoria sobre a persuasão que cientista nenhum conseguiu, basta ler e prestar a devida atenção.

Iago, com argumentos e artimanhas, convenceu Otelo de que sua esposa, Desdêmona, era infiel. Lady Macbeth persuadiu o Lorde Macbeth a matar o rei para tomar-lhe o trono. Próspero, em “A Tempestade”, dominou demônios para que o ajudassem em sua vingança. Cássio convenceu Bruto a matar Júlio César. O fantasma do rei da Dinamarca convenceu Hamlet, o filho, a vingar sua morte. Romeu seduziu Julieta e foi seduzido por ela, a ponto de se suicidarem ambos. Petrucchio domou a megera Catarina, transformando-a em mulher dócil, obediente e submissa.

Em todas essas obras, e em outras que não mencionei, há uma idéia recorrente: a comunicação persuasiva, para ser eficiente, pressupõe um fator: as fraquezas humanas. As pessoas são mais facilmente persuadidas quando se apela para o egoísmo, ambições, invejas, ciúmes, paixões, dores, arrependimentos.

Esse foi um dos legados que William Shakespeare nos deixou, há quatrocentos anos. Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias. Mas não se trata de entender o outro, a nós mesmos sim. Somos todos guerreiros, às vezes, políticos, no sentido grego, constantemente. Também somos incapazes. Romeu não conseguiu ser bem sucedido com Julieta, não lhe deram tempo nem oportunidade. Macbeth não pode obter as vantagens do trono, sanguinariamente conquistado.

Shakespeare nos deixou grande lição: nada de ambições, ansiedades, poder, importante é ser feliz.


Cultura e Educação

   Internet e pós graduação
   A escola de negócios e os negócios da escola
   Língua portuguesa. Qual?
   Romeu e Julieta
   Funakoshi e Okada: uma herança
   A Escola morreu


 

Internet e pós-graduação

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 04.03.00 )

 

A Internet foi uma revolução para estudiosos e pesquisadores, especialmente para estudantes que fazem pós-graduação. Lembro-me de quando fiz mestrado e depois doutoramento; que sufoco. Rodar bibliotecas: a Municipal de São Paulo, as da USP e da FGV. Sentia a sensação de que as bibliotecas brasileiras haviam se especializado em não ter os livros que eu precisava consultar. Livrarias, outro problema: “está esgotado”. Comprei inúmeros livros em “sebos”. A contribuição que os proprietários desses “sebos” fazem pela cultura é sensacional, mereceriam a medalha “Cruzeiro do Sul”.

A Internet facilitou muito, pode-se consultar livros na Biblioteca do Congresso, nos Estados Unidos, uma das maiores do mundo. Mais que isso, tem-se os e-books, com milhares de livros em várias línguas e cerca de quatrocentos em português (bastar entrar em eboosksbrasil.org).

Além disso, se está se pesquisando um tema, é provável que alguém esteja estudando o mesmo assunto em Sidney, Londres ou New York, basta entrar no “site” e consultar, talvez até entrar em contato direto com o pesquisador por e-mail.

Todo pós-graduando tem um orientador, um professor mais experiente que indica a metodologia mais adequada para desenvolver a dissertação ou tese, indica a bibliografia mais importante, até revisa a redação. Mas a vida nas Universidades é complicada, reuniões inúteis e inócuas, congressos e seminários, às vezes fora do país. O orientando fica a ver navios. Com a Internet ficou ótimo. O orientador pode ler e discutir o trabalho de qualquer lugar do mundo. Eu mesmo estou ajudando três pós-graduandos: um de São Paulo, outro de Recife e mais um do Rio de Janeiro. Não sou orientador oficial, apenas tento contribuir na área de minha especialidade (Propaganda Ideológica; o site é jahr.org). Quando têm uma dúvida enviam e-mail, se não posso responder em uma quarta-feira, por exemplo, respondo no sábado ou domingo, às vezes respondo de madrugada, quando o sono é pouco.

Outra vantagem, todo estudante tende a ficar desanimado ou preguiçoso, ou tem outros afazeres importantes, momento em que anestesia seu trabalho. Nessas ocasiões o orientador envia um e-mail: “como é, e sua pesquisa?” Na terceira mensagem o orientando resolve retomar de alguma forma, e vai em frente.

Outras vantagens: um estudante do Nordeste queria ler o capítulo de um livro esgotado que eu tenho, escreveu-me, passei o capítulo no “scanner” e enviei, como ele faria para consegui-lo de outra forma?

A Internet trouxe muito mais, fabulosos os cursos à distância, estuda-se, aprende-se, pratica-se em um curso dos Estados Unidos, Japão e mesmo do Brasil. Não é ótimo? Só requer um pouco de esforço e boa vontade.

Como disse ao início, é uma Revolução, sem mortos nem feridos, só enriquecimento cultural.


 

A Escola de Negócios e os negócios da escola

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 08.04.00 )

 

As escolas de negócios vêm crescendo há vários anos, uma imitação dos Estados Unidos onde proliferou o ensino com especialização em “business”. A diferença é que aqui, país onde em se plantando todos levam, a escola se transformou no próprio “business”.

Nada tenho contra negócios, ou lucro, até gosto. Quando o enriquecimento tem por origem o tráfico de drogas, a exploração do lenocício ou o ludíbrio de estudantes incautos, aí me incomodo. Alguns “consultores independentes” (sinônimo de ex-executivos de multinacionais desempregados) inventaram um tal de “marketing educacional”.

Resolveram, faz tempo, resumir as técnicas de marketing da teoria dos 4 Ps. “product, price, place and promotion“ (produto, preço, distribuição e comunicação) para a educação. Do valhacouto de “marketeiros” surgiram então: as aulas são produtos (ou serviços), as mensalidades escolares são preços, os professores são encarregados da distribuição e vendas, cada unidade escolar é um ponto de vendas, os alunos são consumidores, clientes ou fregueses. As coisas que aparecem na TV, Internet ou em folhetos são a comunicação: propaganda, relações públicas e bobagens além.

Isso só ocorre, claro, em escolas particulares, cuja Administração não enfrenta seu papel de educar, mas ganhar dinheiro, muito e de qualquer jeito. Não creio necessário explicar a deformação que essa concepção representa, apenas comentar as distorções que acarreta, especialmente nas relações entre diretores, professores e alunos. A conseqüência mais funesta foi o poder que se deu aos alunos e a castração que se cometeu contra os mestres, tudo pelo lucro. Os professores se dedicam a agradar os alunos, dão tapinhas nas costas, freqüentam as mesmas festinhas. Alguns estudantes não têm condições de acompanhar as aulas, por deficiência de formação ou puro desinteresse. São aprovados assim mesmo. Reprovar pode significar mensalidades a menos.

Algumas escolas chegam a ponto de estabelecer um percentual máximo de alunos que podem ser reprovados, é o diretor financeiro quem calcula.

Educação não é negócio. A escola, para o estudante, é um segundo lar, às vezes o único. O aluno deve encontrar orientação, definir objetivos de vida, identificar-se com sua comunidade. Consumidor é outra coisa. O velho português da padaria, com lápis na orelha, afirma que o freguês sempre tem razão. Ele não é professor, nem quer.

Ensino não é produto, professor não é gerente de vendas e aluno não é consumidor. Se conseguirem me convencer do contrário, rasgo todos os meus diplomas.


 

Língua portuguesa. Qual?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 20.05.00)

 

As ações da Língua Portuguesa estão em alta, na bolsa da mídia. Na TV há um programa chamado “Nossa Língua Portuguesa”. abre com um “jingle”: “Nossa língua, nossa língua, nossa língua portuguesa”. Em rádio há outro: “De palavra em palavra”. São ótimos, assisto e ouço sempre que posso. Nos jornais, também, há colunas sobre o assunto.

Quando ouço a expressão: “nossa língua portuguesa” sinto vontade de perguntar, como na velha anedota, língua de quem, “cara pálida”?

Explico.

A dúvida me ocorreu ao ouvir diversas entrevistas com escritores, jornalistas, gramáticos, todos a insistir: estão invadindo a nossa língua. Referiam-se ao uso crescente de palavras e expressões norte-americanas. Ora, é inevitável. O Brasil não desenvolve tecnologia, só pobreza, desigualdades, um dos menores salários mínimos do mundo, corrupção. Tecnologia vem de fora, principalmente dos EUA, e com a língua junto. Vejam informática; os programas de computadores são escritos em inglês, só os básicos estão traduzidos. Para apagar um texto ou imagem, existe uma tecla onde está escrito “del” ou “delete”. Daí quando se quer apagar, “deleta-se”. Quer tirar cópia em papel? Tira um “print”. Pode-se escolher o tamanho do papel, “legal”, “letter” ou outros.

Em alguns países conservadores traduz-se tudo, franceses chamam computador de “ordinateur”, portugueses traduzem “file” como “ficheiro”, espanhóis dizem que “Windows” é “Ventanas”. Uso computadores há anos e com frequência, tentei ler manuais editados em terras portuguesas, não entendi nada e joguei fora.

Tenho um amigo mineiro, das Minas Gerais, humilde de letras e de dinheiro, mas rico de coração. Ele cuida de seis cães, daqueles aos quais já se chamou vira-latas, quando se colocava lixo em latas, hoje são fura-sacos, Eu, metido a sofisticado, os chamo de “bag cutter”. Mas esse amigo pensa que toda palavra masculina deve terminar em “o”; daí recebe o salário em “checo”, compra um “peixo”, joga “sinuco”, ouve “rocko”, Dificuldade, nenhuma, entendemos todos.

Há não muito tempo tive contato com professores de Portugal, Cabo Verde, Macau, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Ilha da Madeira,. Todos de fala portuguesa. O que entendi melhor, captei cerca de oitenta por cento do que dizia.

Lembram-se de nossa elite intelectual que falava francês? Eu não lembro por não estar nascido, mas li sobre.

Nossa língua é viva, nasce, cresce e não morre. Há tempos não é portuguesa.. Aceita gírias, expressões idiomáticas, palavras de além-mar. Não nos queiram corrigir, “please”, deixem-nos falar.


 

Romeu e Julieta

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 29.07.00)

 

Sobremesa, de origem mineira, tornou-se tradicional em todo o Brasil; simples combinação entre goiabada e queijo. Também, e principalmente, é o clássico mais popular de William Shakespeare. Uma peça teatral, já foi filme (com direito a Oscar), paródia em programas de humor (Os trapalhões e outros). história em quadrinhos.

Há um pequeno óbice, quase todas as apresentações se referem a uma história de amor entre dois lindos jovens; só que o original não trata disso. Shakespeare, realmente escreveu uma história de amor, mas foi um artifício para tornar o texto palatável. A peça se reporta a um conflito entre duas famílias: os Montecchios (Romeu) e os Capuletos (Julieta). Os jovens pouco se importavam com a origem familiar. Julieta, na cena em que está na sacada (antigamente se dizia balcão), pronunciou uma das frases mais célebres da literatura universal:

“Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuaria sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteiro.”

Todos conhecem o fim da história, Julieta simulou um suicídio, Romeu acreditou e matou-se, Julieta acordou, vendo Romeu morto penetrou um punhal no próprio peito. Tudo por conta da inimizade entre dois clãs de Verona.

Essa história foi escrita há cerca de quatrocentos anos, no Brasil é recente. O Rio Grande foi (e ainda é) dividido entre duas seitas, os Maragatos e os Chimangos, usavam lenços no pescoço, vermelhos uns, azuis os outros. Matavam-se diariamente, quase praxe. Em São Borja, fronteira com o Uruguai, o conflito ocorria entre as famílias Dornelles e Vargas. No leito de morte um patriarca, chamou o jovem Getúlio: “tu irás chefiar o Rio Grande, chê; talvez o Brasil”. O jovem chamava-se Getúlio Dornelles Vargas, algo como um filho de Romeu e Julieta. Foi Governador do Rio Grande, Ministro da Fazenda, ditador, senador, deputado e Presidente eleito. Suicidou-se como Romeu.

Em Alagoas, Palmeira dos Ïndios, nem faz tanto tempo, um coronel latifundiário reuniu-se com outro, o inimigo, apresentou uma proposta pitoresca: “matamos nove de vocês que só mataram oito, não seria o momento de fazer paz antes que morram todos? Ficaremos devendo um.”

Em Minas acontece algo semelhante, Goiás também, Norte todo, Nordeste e Sul inclusive. São Paulo não, mata-se qualquer um, respeitando a Constituição, sem preconceiro de cor, raça, religião, poder econômico; só se mata. Fazer o quê? Aceitar o conselho da velha freira da anedota: “relaxe e goze”.

Quem quiser conhecer as principais obras de Shakespeare, basta acessar os sites www.jahr.org ou www.ebooksbrasil.org (é grátis).


 

Funakoshi e Okada: uma herança

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 12.08.00)

 

Gichin Funakoshi nasceu em Okinawa, treinou karate desde criança. Ensinou Shigeru Egami. Egami ensinou Mitsusuke Harada. Harada ensinou Katuo Okada. Okada ensinou a mim.

De início só pensava em aprender a lutar e, se possível vencer. Amadureci, Okada ensinou-me que o pior adversário era eu mesmo, e deveria vencer-me primeiro. Treinei por anos e entendi, ao menos um pouco.

Nunca perguntei ao Okada o que estudou, se tinha diploma ou não; sentia que ele carregava cinco mil anos de cultura e civilização, o que era mais importante. Tentei aprender o máximo. Ele me ensinou mais que o possível. Outro dia falei com ele ao telefone, aprendi pelos menos dez lições mais.

Sempre senti um certo medo, receio de ficar machucado, perder dentes (o que aconteceu mesmo). Okada me ensinou que o medo é um estado único, mas se manifesta de várias formas e se conseguisse vencê-lo dentro da Academia seria mais fácil superá-lo em outras situações.

Eu tinha um escritório de advocacia. Tinha alguns créditos, mas receio de cobrá-los, poderia ouvir coisas desagradáveis, perder clientes, Fui à academia, como fazia cinco vezes por semana. Okada, com a serenidade oriental, perguntou-me: “cara esquisita, algum problema”. Eu disse a ele que alguns clientes não estavam pagando o que me deviam. Retrucou: “Como pode defender direito dos outros se não consegue defender o seu próprio”. Dia seguinte cobrei e recebi, graças à sabedoria do mestre. Venci mais um aspecto de meu medo.

Quando treinava há já alguns anos fui acometido por uma crise de prepotência. Achava-me superior, pedia aos alunos mais novos que batessem em meu abdomem e ria do fato de que não tinham nenhuma potência em seus ataques. O Okada viu, elogiou e aplicou-me um golpe que me deixou sem fôlego por alguns minutos e dolorido por dias. Explicou depois: “às vezes as pessoas sentem que cresceram mais do que realmente conseguiram, sobem tanto que ficam nas pontas dos pés, basta um vento mais forte para derrubá-las”.

Depois veio a fase do desânimo, tinha conseguido aperfeiçoar-me bastante mas não avançava mais. Okada percebeu e ensinou-me que na vida a gente corre e adquire velocidade cada vez maior, até que surge uma paredão pela frente quando então é preciso muito esforço para superá-lo e voltar a correr até encontrar nova parede. Continuei, venci e, até hoje, estou me defrontando com novos muros; vou ultrapassá-los.

Aprendendo sempre. Há não muito tempo confessei a ele um pequeno (mas grave) erro meu, cometido há alguns anos. Precisava aliviar minha consciência. Esperava uma reação hostil, até agressiva. Surpresa, respondeu-me, simplesmente: “seria bom se meus filhos falassem sobre seus equívocos com a mesma confiança e respeito.”

Penso no Okada como um pai, devo a ele mais do que a meu pai sanguíneo. Meu genitor biológico me proporcionou um corpo saudável. Okada permitiu-me desenvolver e aperfeiçoar o meu espírito.

É uma grande herança.


 

A Escola morreu

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 26.08.00)

 

Não me refiro à escola como instituição, essa deve continuar por bastante tempo. A escola, como a conhecemos hoje, tem seus dias contados. Não funciona, serve apenas para expedir diplomas.

Existe uma espécie de competição internacional onde se aplicam testes a estudantes de inúmeros países, fazem perguntas sobre a língua natal de cada um, verificam conhecimentos sobre matemática, história, geografia. Os estudantes brasileiros ficam invariavelmente em penúltimo lugar, porque o último tem sido ocupado por Bangladesh.

A escola tradicional tem um prédio, algumas vezes enorme, dividido em salas repletas de carteiras incômodas. As aulas são ministradas por professores que falam, escrevem num quadro preto ou verde, algumas vezes branco. Os professores, geralmente, não estão preocupados com o ensino; não por culpa deles, ganham pouco, não trabalham em instalações adequadas, não têm condições de freqüentar cursos de aperfeiçoamento, nem comprar livros podem.

Aqui em Atibaia já vi fatos escabrosos: alunos que freqüentam a escola há dez anos e não conseguem se expressar em língua portuguesa razoavelmente correta. Recentemente soube de uma professora, de escola pública, que exige trabalhos feitos em computador; claro que são alunos pobres e não podem comprar um equipamento mínimo de informática, a escola deveria oferecer, para uso, no prédio do estabelecimento ou na casa do estudante. Conheço uma jovem que parou de estudar porque não tem condições de ir até a escola (aqui, no Jardim Paulista, só existe uma linha de ônibus, cujos veículos passam duas vezes ao dia).

Várias vezes ouvi pais dizendo: “meu filho não gosta de estudar”. Por que? Porque a escola é longe, cansativa e chata. Estudei minha vida inteira, adorava, nunca achei a escola “chata”; os professores eram bons, tinham vocação, havia recursos a disposição, ganhavam o suficiente para ter uma vida digna. Ir à escola era uma alegria, mesmo quando necessário acordar bem cedo em dias de inverno. Sempre estudei em escolas públicas, nunca paguei um centavinho sequer; ao contrário, quando fiz cursos de pós-graduação já lecionava e ganhava por isso.

Tudo isso não é saudosismo, é apenas a constatação de que o ensino já foi bom e pode voltar a ser. Mas há uma preocupação, a escola não pode ser como as em que estudei, deve ser outra.

Há muito tempo existe o ensino a distância. Um instituto de São Paulo oferece cursos pelo correio (agora pela Internet); conheço costureiras, técnicos em eletrônica, mecânicos, todos competentes, que se formaram através desse instituto. Na Europa e Estados Unidos já existem cursos superiores, no Brasil uns poucos, onde você pode aprender e se formar sem enfrentar trânsito, gastar fortunas e enfrentar dificuldades enormes. Estuda-se em fins de semana, à noite, pela madrugada, nas férias.

É, a escola antiga está às beiras do túmulo.


 

© copyright 2001 — Nélson Jahr Garcia

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

__________________
Janeiro 2001

 

Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se você pagou por esse livro
VOCÊ FOI ROUBADO!

Você tem este e muitos outros títulos
GRÁTIS
direto na fonte:
www.ebooksbrasil.org