capa

eBookLibris

Nélson Jahr Garcia

COMUNICANDO COMUNICAÇÃO
Vol. I

—Ridendo Castigat Mores—


 

Comunicando Comunicação Vol. I (2000)
Nélson Jahr Garcia (1947-2002)

Edição
Ridendo Castigat Mores

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital
www.jahr.org
“Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou.”
Nélson Jahr Garcia (1947-2002)

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

© Copyright 2005
Nélson Jahr Garcia


 

ÍNDICE

 

Nota do Editor

APRESENTAÇÃO
Biográficos
Censura
Criatividade
Marketing
Manipulação
Midia
Política
Profissões e Atividades
Propaganda Comercial
Propaganda Ideológica
Sociedade e Costumes


 

imagem

edição
eBooksBrasil

Nota do Editor

 

Foi em fevereiro de 2.000 que, reunidos em volume, editámos os artigos publicados pelo Nélson Jahr Garcia no “Atibaiense” e reproduzidos no Ridendo Castigat Mores, seu website.

Depois, entusiasmado com a possibilidade de difusão da cultura pela Internet, o Nélson estabeleceu sua “Editora”, a Ridendo Castigat Mores, colocando, em html, muitos e muitos livros.

Nada mais justo, portanto, que esta edição seja atribuída à Ridendo Castigat Mores, in memoriam, e a data da publicação seja mantida a original em RocketEditon.

eBooksBrasil.org
Janeiro de 2005


Apresentação

Nélson Jahr Garcia
njahr@jahr.org

 

Aqui você encontra artigos publicados em periódicos, principalmente no jornal “O Atibaiense”, principal jornal de Atibaia, cidade que me acolheu com carinho.

Alguns tratam de temas genéricos, outros se referem a assuntos de momento, relativos a fatos nacionais ou internacionais, ocorridos no período em que foram redigidos.

Como é fácil perceber, todos os artigos, mesmo que tratem de temas técnicos, têm uma conotação política. Conseqüência inevitável de quem freqüentou a Faculdade nos anos sessenta, enfrentou o autoritarismo e suportou a agressividade policial. Sinto tristeza ao pensar nos jovens; ao que tudo indica terão que lutar pelos mesmos ideais que não tivemos competência para realizar. Mas não podemos esquecer o que disse Brecht: “Há homens que lutam por um dia, são bons; outros lutam por um ano, são melhores; alguns lutam por vários anos, são muito bons; há os que lutam durante toda a sua vida, são imprescindíveis”.


BIOGRÁFICOS

 

Ricardo Ramos
Teotonio Simões
Otto Hugo Scherb
Plínio Marcos


Ricardo Ramos:
o redator publicitário

Gênio. Um herói com enorme caráter

 

Ricardo Ramos, alagoano de origem, viveu, desde jovem, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Foi jornalista, militante político, escritor, editor, profissional de marketing e comunicação, professor; tudo feito com maestria e genialidade. Como publicitário criou inúmeras das melhores campanhas que este país já teve. O maior orgulho que já senti foi ao ler, em seu último livro (foram inúmeros), uma referência a mim como amigo e companheiro. Falo do livro “Retrato Fragmentado” sobre Graciliano Ramos, seu pai.

O senso de humor do Ricardo, às vezes cáustico, em outras muito simpático, revelava uma inteligência superior. Certa vez perguntei: por que você trata tantas situações com ironia? Resposta: “ou por estar ocultando um aspecto de minha personalidade, que não quero seja revelado ou porque certos assuntos não merecem ser discutidos a sério”.

Assisti a uma entrevista em que a repórter, indelicadamente, começou perguntando: “é verdade que você é filho do Graciliano?” “Só minha mãe pode responder”, retrucou. Segunda questão: “como é ser filho de Graciliano?” “Não sei, nunca fui filho de outro, para comparar”...

Ricardo, como eu, não nutria muito respeito pelo movimento feminista. As propostas estavam superadas, num momento em que já se tinha mulheres presidindo empresas multinacionais. Perguntado a respeito dizia: “não sei, na minhas terra mulher pode dizer três coisas: prá dentro menino; xô galinha e sim senhor”. Pura ironia de quem tinha sido o primeiro a contratar uma mulher para trabalhar em propaganda: Julieta Ladeira, bem sucedida, profissional exemplar.

Nosso objetivo, porém, é falar sobre redação publicitária. O Ricardo, dentre as inúmeras disciplinas que lecionou, tinha um curso específico sobre o tema, ministrado duas vezes por ano. Os alunos vinham de todo o Brasil, do Maranhão ao Rio Grande do Sul. Eu nunca freqüentei o curso, mas ele tinha o hábito de discutir as aulas antes, para testá-las e tive a sorte de ser um dos principais “pilotos de teste”. Ensinou-me várias dicas, algumas das quais passo a mencionar.

As palavras, e daí as frases, têm cor, tonalidade e peso, de acordo com as vogais dominantes. A vogal “u” é escura, sombria; a letra “a” é clara, aberta; “e” lembra o amarelo do sol; “i” é neutro; “o” é cinza, sério. Observados esses princípios, é possível redigir textos mais expressivos, com um clima adequado às idéias que se quer transmitir.

Os parágrafos têm ritmo: frases curtas são rápidas, incisivas; as longas são vagarosas, tranqüilas. A combinação de umas com outras pode fazer com que o texto se torne quase musical, estimulando emoções e sentimentos...

O texto publicitário pode enquadrar-se em, pelos menos, três alternativas: substantivo, adjetivo e verbo. Em um classificado de imóvel deve prevalecer substantivos: quartos, salas, cozinha. Anúncios de perfume se apoiam sobre adjetivos: aroma agradável, atraente, sensual. Para automóveis são mais adequados os verbos, que sugerem movimento, ação: correr, ultrapassar, viajar.

Mas, insistia o Ricardo, são apenas princípios e não regras. O redator, a partir da idéia que deve trasmitir, escreve utilizando sua experiência, sensibilidade e criatividade. Redigido o texto, e só depois de pronto, caso considere que algo não está bom, sinta aquela sensação de falta de expressividade, aí sim, meditar sobre os princípios citados, pode ajudar muito.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 20.03.99)


Teotonio Simões:
publicitário, intelectual, amigo.

Quando se tem confiança no passado é que se pode ter esperança para o futuro.

 

O Teotonio é profissional de comunicação. Foi jornalista, escritor, editor, publicitário, dono de agência de promoção de vendas, militante político (esteve no Partido Comunista, agora é membro do Movimento Humanista, adepto das teses libertárias). Especialista em Internet. Um grande amigo e conselheiro.

Estávamos, eu e o Teo, em um curso de especialização. Por que? Respeito ao professor Francisco Gracioso. Nada a aprender, mas estávamos lá. Veio o exercício, tínhamos trinta minutos para posicionar um produto, criar o tema da campanha. Era, para o nosso grupo, um desodorante americano. Disse o Teo: temos meia hora, vamos fazer pelo menos cinco propostas de campanha. Lançamos o produto, para negros, brancos, homens, mulheres, homossexuais, jovens e velhos. Um sucesso e a observação do pretenso professor: “só pode ser coisa do Teotonio”; era mesmo.

O Teo fez centenas de campanhas publicitárias. Lembro sempre de uma. Era para a Tostines. O Teo fez uma pesquisa. Não essas com gráficos, dados estatísticos, etc. Não, perguntou para a vizinha, o gato, a filha. Resultado: biscoito é nobre, bolacha é mais popular. Tema da campanha: “Biscoito é Tostines, o resto é bolacha”. O pessoal da Nestlé, que tinha a São Luiz, líder de mercado, entrou em pânico, e com razão, Tostines assumiu a liderança.

Para a Tostines mesmo, da empresa Confiança, propriedade de portugueses, (sem qualquer preconceito) o Teo fez aquela pesquisa simples: perguntar aos vizinhos e conhecidos: descobriu, biscoito estava associado à mesa, chás, frescura em suma. Daí surgiu um comercial maravilhoso. Jovens, vestidos com jeans, saindo por trás das estátuas do Aleijadinho, mordendo biscoitos Tostines. A idéia era quebrar o formal, tradicional e folclórico, substituindo pelo informal; natural espontâneo (hoje se come biscoito em qualquer lugar). A apresentação da campanha foi feita pelo Ricardo Ramos. Um dos portugueses (ainda sem nenhum preconceito) disse: “Gostei da campanha, mas não do aeroporto”. Ricardo disse: “Tudo bem, tiramos o aeroporto”. E a campanha foi aprovada. O português (continuamos sem preconceito) confundira Congonhas do Campo com Aeroporto de Congonhas.

O que mais importa, ao menos para mim, é quando o Teo diz: importante é ser feliz, todo o resto é secundário. Pensei bastante, deixei atividades que me angustiavam, procurei outros caminhos. Estou bem, e feliz. Obrigado Teotonio. Quem quiser se comunicar com ele, basta escrever para teotonio@mtec.org.br ou visitar sua página em http://www.teotonio.org onde, além de idéias interessantes, pode-se conhecer o Leo, filhinho dele.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 03.04.99)


Otto Hugo Scherb:)
“my brother”

 

Otto era profissional de marketing e propaganda, e bom. Tinha seus deslizes. O Ricardo Ramos contava que ele (o Otto) fizera uma campanha para uma grande empresa de produtos rurais cujo título dizia: “com o adubo ‘tal’ seus tomates ficarão muito mais vermelhos”. O Ricardo explicou: ”não pode, tem duplo sentido”. Mais tarde, o Otto escreveria: “com ‘tal’ ração você terá ovos maiores”. Ricardo de novo: ”não pode”. Conclusão do Otto, vocês são maliciosos demais.

Era austríaco de nascimento. Ainda jovem, foi convocado para o exército, em plena 2a. Guerra, fato que induziu alguns desinformados a chamá-lo de nazista. Não era, foi apenas um bom soldado, comandante de uma divisão de tanques. Nem poderia ser nazista, um moço membro dos ”Falcões Vermelhos”, partido da Juventude Comunista da Áustria.

Professor da ECA-USP, foi encarregado de entrevistar-me como candidato a lecionar naquela Instituição. Perguntou tudo: história, política, sociologia, comunicação. Inquiriu-me até sobre as campanhas publicitárias que estavam no ar. Respondi o que sabia, seu ar frio e indiferente levou-me a concluir que não seria aprovado. Poucos dias depois fui chamado à USP, estava contratado. Deram-me a possibilidade de ler o relatório que fizera, nem minha mãe havia me elogiado tanto. Ainda sinto um orgulho enorme por isso. Um dia, na USP enviaram-lhe um documento com o nome dele, mas com meu sobrenome (Jahr) de origem alemã. Daí em diante ele passou a me chamar (e eu a ele) de ”brother” (irmão). Essa a razão do título acima.

O Otto era Diretor-Presidente da Escola Superior de Propaganda e Marketing, contratou-me como professor, depois Diretor Acadêmico, cargo que exerci durante cerca de 19 anos.

Intelectualmente, era invejável. Dominava a língua alemã, inglês, francês, conhecia russo e pasmem, escrevia perfeitamente em latim. Lera Machado de Assis e Graciliano Ramos, discutia Shakespeare e falava sobre Goethe como ninguém. Não gostava dos clássicos franceses, mas leu inúmeros. Gênio matemático, única vez que vi um professor lecionar estatística e os alunos adorarem as aulas.

Senso de humor, extraordinário. Com frequência tinha reuniões com o Diretor da ESPM do Rio de Janeiro, José Roberto Whitaker Pentado Filho. Falavam em inglês. Um dia perguntei: por que? Resposta. ”o nome dele é mais nobre que o meu, mas falo inglês melhor, compensa”.

Publicitário, era competente e muito. Ensinou-me a escrever roteiros para comerciais de TV, anúncios, criar títulos, desenvolver textos.

Perdeu a vida, mas com ele aprendi a viver.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 01.05.99)


Plínio Marcos:
o que não fomos

 

Perdemos o Plínio Marcos, ator, escritor e dramaturgo...

Quem continuará a contestar? A lutar contra os que confiscam nossa cidadania? Quem vai? Serão aqueles que foram para Paris, alegando terem sido exilados? Não creio, estamos órfãos.

O Plínio, conversei com ele muitas vezes, tinha coerência e era decente; jamais pediu que esquecessem o que escreveu.

Fui professor em várias Faculdades. Conversava com o Plínio sempre que aparecia e abria a banquinha para vender seus próprios livros.

Quando estava diretor de uma escola em São Paulo, ele apareceu com sua pequena banca. Bedéis e seguranças se mobilizaram para expulsá-lo. Foram conversar comigo, assumi a decisão. Fui falar com ele para anunciar que, naquela Faculdade, estava autorizado a vender livros onde quisesse. Resposta de quem se habituou a ser livre: “não preciso de sua autorização”. Estava certo, e ficou lá, vendendo livros e falando pouco. Convidamos para palestras, ele as fez, ótimas.

Nunca perguntei sobre os sucessos, censurados mas sucessos, “Navalha na carne”, por exemplo, proibido durante dez anos, tornou-se obra prima internacionalmente respeitada.. Questionei, sim, por que correr o risco de enfrentar o regime mais autoritário que já se abateu sobre este país? A resposta, dada com um ar de obviedade: “vergonha, decência e dignidade”.

Aprendi muito, agora não poderei mais, com ele não; sentirei saudades apenas.

O Plínio sofreu muito com a atividade censória do período militar; inclusive com proibições ridículas. Todo veto que impede um ser humano de expressar-se é ridículo, mas alguns são mais. A “Escola de samba Mocidade Alegre Camisa Verde” adotou, como tema para o abre-alas, a frase que o Plínio criou para eles: “Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas não é um povo livre” Os “milicos” proibiram; será que alguém vê sentido numa decisão imbecil como essa?

Apesar de toda a censura ele conseguiu, com extrema coragem, ensinar-nos sobre a condição das mulheres em nossa sociedade, a prostituição de crianças, a situação vergonhosa em que viviam e ainda vivem os “moleques” de rua. E não fez isso utilizando gráficos e estatística frios, mas com sofrimento, angústia e amor.

Quando o Plínio, enfrentando todos os obstáculos, guerreou por uma sociedade melhor, estava pensando em nós, brigando a luta que deveríamos lutar e não fazíamos.

Plínio Marcos, muito obrigado.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 27.11.99)


CENSURA

 

Censura e Comunicação
Autocensura ou o “Não” assumido.
“Topless” e censura moral


Censura e Comunicação.

Largue-me, deixe-me falar.

 

A censura é a forma mais terrível de manipulação. Alguém, ou alguns, pretendendo-se escolhido pelas divindades, decide o que podemos, ou não, ouvir, ler ou ver. Resolve que a divulgação de algumas informações pode gerar conseqüências perniciosas para nós, simples mortais. Evidentemente, está cuidando de seus próprios interesses, evitando a divulgação de fatos que possam prejudicá-lo de alguma forma.

A censura, em uma classificação simplista, pode ser social, religiosa, policial, econômica e, conseqüência das anteriores, autocensura.

Socialmente, uma comunidade decide, por exemplo, que certas informações não devam ser transmitidas a jovens até determinada idade. É natural e não acarreta problemas maiores. A partir de certo momento os jovens descobrem sua realidade, enfrentam aos antigos e aniquilam o controle.

Religiosos, esses são um perigo. Em seus conventos ou seminários, estudam as teorias de antigos filósofos e pensadores. Concluem que somos ignorantes e decidem o que podemos ou não saber, pensar ou como devemos agir. Mas não constituem, hoje, um problema tão grave; ou alguém ainda se preocupa em ser queimado nas chamas do inferno por ter “cobiçado a mulher do próximo”?

A censura policial é grave, muito grave. É realizada pelo Estado, que controla policiais, algemas, armas. viaturas, cadeias. “Matilha” de burocratas determinando a quais informações podemos ou não ter acesso. Obviamente, fazem isso pensando em seus próprios objetivos e não, como alegam, no interesse público. Hoje, todavia, já não é tão grave.orgo diz meu amigo Teotônio Simões (http://www.teotonio.org), quando se tem máquinas para reproduzir documentos, satélites, rádios alternativas (piratas) e, principalmente, a Internet, ninguém consegue controlar informações com tanta facilidade. Nem é por outra razão que estamos assistindo a denúncias sobre vereadores, deputados, senadores, prefeitos que, até recentemente, eram inatingíveis (ou “imexíveis”, como diria o infeliz ex-Ministro).

A censura econômica, num país estruturado em molde pseudo capitalista, como o nosso, é preocupante. Os “donos do dinheiro” decidem o que pode ou não ser divulgado. Um exemplo apenas: a especulação imobiliária é devastadora: criam-se loteamentos, constroem-se prédios e condomínios, tudo sem a necessária infraestrutura. Resultado: poluição, congestionamentos, falta de energia, água e esgoto. Denúncias? Nenhuma. As construtoras e incorporadoras investem muito em campanhas de propaganda, veiculadas por todos os meios de comunicação que, por isso mesmo, não as criticarão jamais.

A autocensura é triste. Jornalistas, publicitários, redatores, repórteres, âncoras, fotógrafos, câmeras e tantos outros profissionais da mídia, imaginando quais informações possam ser inconvenientes, controlam-se e não as divulgam.

Resta mantermos um senso crítico apurado.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 17.04.99)


Autocensura ou o "Não" assumido

Sei o que dizer, algo me impede

 

Esta vai em forma de historinha.

Nasceu o menino Francis (era uma graça). Em pouco tempo conseguia dizer três palavras: “mamã”, “papá” e “não”. Mal sabia, o pequeno Francis, que o “não” o acompanharia pelo resto de sua vida.

Fogão: “não:”. Sujeira: “não”. Mãos na terra: “não”. Tudo: “não”.

Francis foi para a escola. Sequer chegava próximo ao fogão da cantina, tampouco se aproximava do jardim com terra. Aprendia novas. Fora da fila: “não”, ir ao banheiro sem autorização: “não”. Discordar do professor: “não”. Estava se socializando, sem saber que “não”, para ele, significava “sim” para outros.

Era religioso, também. As religiões, a maioria delas ao menos, exacerbam em “nãos”, “é proibido” “pecado” etc.

Conseguiu bom emprego, Formação escolar precária, experiência profissional: nenhuma; mas sabia o “não”. Desenvolveu-se, foi para uma multinacional de propaganda. Chegou à presidência, cargo típico de quem sabe o “não”.

Os “nãos” se avolumaram. O cliente não quer que se diga isso; o veículo não aceita que se divulguem mensagens nesses termos, o concorrente promete começar uma guerra, se não mudar a agressividade da campanha.

Chegou a hora de votar, escolher um dos candidatos, Francis votou naquele que os poderosos indicavam como o mais adequado, para os demais: “não”.

Muitos de nós passamos por isso sem percebermos. Falamos, escrevemos, lemos, estudamos, trabalhamos, educamos filhos. Tudo dentro de limites, uma autocensura poderosa nos impede de sairmos dos trilhos, fora deles estão os “nãos” que nos foram e continuam sendo incutidos.

Francis contratou um bom profissional de propaganda, o Tom. Surgiu um problema: ele resistia aos “não”. Mania de liberdade; respeitava-se como indivíduo, acreditava que tinha um direito natural a ser ele mesmo, enfrentava e questionava as regras, um obstáculo enfim. Mas era competente demais e foi tolerado. Mas ele não foi tão tolerante, sua personalidade importava mais. Apesar do salário interessante, saiu. Ofereceram aumento, não aceitou; a liberdade valia mais que o dinheiro. Pensava em criar suas próprias regras, não em obedecer àquelas que lhe foram impostas, implodiu a autocensura.

Todos assistimos, ouvimos e vemos informações. Tenhamos cuidado, quem as produz e emite está acometido da síndrome de autocensura. Algumas vezes uma notícia parece estranha, esquisita até, talvez porque o emissor se libertou e está sendo ele mesmo, resistindo aos “nãos”. Respeitemos e, mais do que isso, vamos resistir também.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 24.04.99)


"Topless" e censura moral

 

“Topless” é a prática feminina de ficar ao sol, em praias ou clubes, sem a parte superior do biquíni.

Dia 16, domingo, uma senhora, acompanhada do marido, praticava o “topless” na Praia da Reserva, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro. Subitamente surgiram vinte PMs, armados de fuzis, Prenderam o casal, ao final enquadrado no artigo 233 do Código Penal, que condena a prática de atos obscenos em lugar público ou exposto ao público. Não entendo como a polícia, que não desvenda nada, conseguiu encontrar aquela mulher.

Naquele momento, provavelmente, em algum local próximo, praticavam-se estupros, cometiam-se assaltos, traficava-se drogas, atos que ficaram impunes. Mas a moral da família brasileira estava preservada.

A reação foi enorme, no Brasil e no exterior. Dizem até que surgiram rachaduras no túmulo da saudosa Leila Diniz. Pressionadas, as autoridades da área de segurança pública do Rio de Janeiro decidiram que a prática do “topless” não deverá mais ser reprimida ficando, portanto, liberada em todas as praias do Rio.

Fica a questão maniqueísta do que é certo ou errado Não há resposta; depende da cultura, costumes, época, história, religião. Enquanto na Europa existem milhares de clubes e praias destinados a nudistas, nos países muçulmanos as mulheres, quando os maridos permitem que saiam de casa, devem ir à rua com o rosto coberto e vestimentas que escondam até os calcanhares.

Eu, particularmente, integrado ao ambiente e cultura em que vivo, considero que a nudez não é prejudicial a ninguém. Lembro de um colega que dizia: “Eu liberaria toda e qualquer publicação erótica ou pornográfica, mas proibiria os livros de receitas. Estes estimulam a gula, o apetite alimentar e acabam por gerar obesidade e daí doenças graves, inclusive cardíacas. Alguém já ouviu falar de alguma doença gerada pelo apetite sexual?”

Ironias à parte, é hora de nos conscientizarmos de que a sociedade mudou e não há mais espaço para a censura moral, mesmo porque ela é sempre inócua e ridícula. Nos anos da repressão militar havia uma determinação, para revistas, estabelecendo que fotografias de modelos poderiam exibir apenas um dos seios, jamais ambos. Nunca consegui uma explicação que justificasse medida tão esdrúxula.

Mas deixemos a censura de lado. Velada ou explícita, já me habituei a conviver com ela. O que não se pode admitir é a mobilização de vinte policiais, portando armas pesadas, para prender uma jovem e respeitável senhora, cujo único objetivo era o de se bronzear sem ficar com as marcas do biquíni na parte superior do corpo. Esse abuso de autoridade sim, é imoral.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 29.01.00)


CRIATIVIDADE

 

Ler é preciso, escrever também é preciso
A Campanha dos Direitos Humanos
Humor e a propaganda
Lógica e Dialética
Lugar-comum
Contos de vigários


Ler é preciso, escrever também é preciso

 

Em Marketing e Comunicação, quase tudo se faz por escrito. Visita-se o cliente. Faz-se um relatório onde constam os itens principais da conversação: o que é a empresa, quais os produtos que fabrica, que ameaças está sofrendo por parte dos concorrentes, quais as vantagens que oferece ou poderá oferecer, possibilidades de mudar o preço de venda, aperfeiçoar a embalagem, distribuir por mais pontos de vendas. Essas e outras informações constituem o que se chama “briefing”. Passa-se ao Plano de Marketing, depois, ao de Comunicação. Redigem-se anúncios e se elaboram roteiros de filmes comerciais. Em havendo pesquisas, são apresentadas através de relatórios.

Como se vê, para cada fase e para cada atividade correspondem documentos escritos. Os textos, nesses casos, devem conter alguns princípios básicos, dentre os quais: objetividade, precisão, clareza, simplicidade.

No mundo dos negócios o tempo é escasso. Há alguns anos a situação ficou ainda pior porque o desemprego gerou, para os que permaneceram nas empresas, a responsabilidade de executar as atividades que antes eram realizadas pelos que foram demitidos. Esses profissionais não têm paciência para ler relatórios que não sejam objetivos, ou seja, que não “entrem logo no assunto”. Longas introduções, justificativas detalhadas, explicações desnecessárias podem determinar que os argumentos mais importantes deixem de ser lidos. Expressões complexas, frases e parágrafos longos, geralmente são vistos sem atenção, para serem esquecidos de imediato.

A precisão é igualmente importante. Os adjetivos e advérbios, por exemplo, costumam ser lidos sob uma interpretação subjetiva. Cada um lê à sua maneira, não necessariamente com o mesmo sentido que o autor quis traduzir. “Produto de qualidade”, “cores agradáveis”, “preparo rápido”, são expressões que não dizem nada, cada um entende como puder. A exceção fica por conta da propaganda. Anúncios e filmes comerciais podem ser um pouco vagos. Eles se dirigem a consumidores com perfis diferentes, mesmo que tenham igual padrão de renda e, nesse caso, não é ruim que cada um interprete a mensagem à sua maneira, desde que de forma positiva. Além disso, a cada dia os produtos e serviços são mais semelhantes entre si. Como ser preciso a respeito das qualidades de uma marca de “shampoo”, se todos são praticamente iguais?

Um texto comercial deve ser claro, passível de ser entendido rapidamente, mesmo que através de uma leitura superficial. Contém começo (introdução), meio (desenvolvimento) e fim (conclusão). Colocar idéias da conclusão no meio, ou do meio na introdução tornam o texto incompreensível. As sentenças precisam ser elaboradas com a mesma forma que se emprega na linguagem falada. Uma frase, em sua estrutura básica, tem sujeito, verbo e predicado (nessa ordem). Não inverta. Vamos a um exemplo, o hino nacional brasileiro:

“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante.”

“Quem” ouviu o brado? Poucos sabem que foram “as margens”. Mas vale, é poesia; os textos comerciais não são.

Ser simples também reforça a clareza. Textos rebuscados, só alguns compreendem. Palavras pouco utilizadas, embora estejam nos dicionários, não são entendidas pela maioria das pessoas. Voltando ao Hino Nacional, quantos sabem o significado de vocábulos como: “fúlgidos”, “vívido”, “impávido”, “garrida”, “lábaro”? E a frase com que tantos advogados encerram suas petições e recursos: “Com essas razões, vimos solicitar a V. Exa. o deferimento do pedido como medida da mais lídima, elementar e impostergável Justiça”. Alguns “slogans”, graças à sua simplicidade, foram utilizados com sucesso durante décadas: “Com Maizena fica tudo mais gostoso”; “Você faz maravilhas com Leite Moça”; “Biscoito é Tostines, o resto é bolacha”.

No que se refere aos erros de grafia, gramática e concordância todo cuidado é pouco. É muito difícil não cometer erros; por mais que se preste atenção sempre ocorre um descuido. Poucos se incomodam com esses deslizes. Mas quando a falha é grave as conseqüências podem ser desastrosas. Escrever “menas” ou “a nível de” incomoda bastante. Um publicitário, trabalhando na maior empresa de propaganda do país, preparou um relatório para a Presidência. O presidente leu, chamou um diretor e disse: “esse funcionário é analfabeto, demita”. Outro publicitário conseguiu um contrato para cuidar da comunicação de uma grande rede distribuidora de tecidos e confecções. Escreveu, para um catálogo promocional, uma frase que dizia, mais ou menos, o seguinte: “O casal, após merecidas férias nas ilhas do Caribe, voltaram para...” O diretor o chamou e, com irritação, disse: “quem escreve ‘o casal...voltaram’ não pode trabalhar conosco”.

Para verificar se esses princípios foram atendidos há dois testes possíveis. Primeiro a sensibilidade do redator. Segundo, pedir a uma pessoa que não seja intelectualizada, criança de oito anos ou trabalhador braçal, que leia. Se entender rapidamente, o texto pode ser aprovado, pelo menos do ponto de vista formal.

Não podemos deixar de concluir sem uma afirmação importante. Tudo o que foi escrito acima se refere a princípios orientadores, não são normas nem dogmas. Escrever é um ato de liberdade, onde o que importa é a intuição e a criatividade. Pela liberdade de expressão lutaram e morreram muitos, continuemos a enfrentar os grilhões das regras, aprendamos a ser livres.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 05.12.98)


A Campanha dos Direitos Humanos

Liberdade de comunicação: comunicação para a liberdade.

 

Há uma certa tendência a se encarar a propaganda apenas em seus aspectos negativos. Criticam-se as campanhas que induzem o consumidor a adquirir produtos supérfluos. Atacam-se as pregações religiosas de charlatães que se enriquecem às custas da exploração dos fiéis. Contestam-se as promessas de candidatos simpáticos que, depois de eleitos, revelam-se incompetentes e corruptos.

Tudo isso é verdade, mas apenas em parte. Há campanhas que informam sobre a existência de produtos úteis; existem pregadores sérios, que auxiliam os fiéis a solucionarem seus problemas; muitos políticos são idealistas e se dedicam à realização do interesse público.

Durante as últimas décadas o mundo assistiu, estarrecido, à proliferação de regimes ditatoriais em que, além das restrições à liberdade, havia repressão, torturas, assassinatos, corrupção. Esses crimes ocorreram no Brasil, Chile, Argentina, Indonésia, URSS, Cuba, China, Espanha, Portugal (em alguns ainda ocorrem). Há poucos anos grande parte desses regimes foram derrubados ou, ao menos, amenizaram suas ações autoritárias. Grande parte desse progresso foi desencadeado a partir de campanhas em defesa dos direitos humanos, realizadas em várias partes do mundo.

Atualmente estamos assistindo a uma extraordinária unanimidade (com exceções, claro). Em todos os países, onde existe alguma liberdade de expressão, a mídia (imprensa, rádio, televisão, internet) discute a necessidade de punição para os líderes responsáveis por atrocidades. Promovem-se debates, seminários, manifestações de rua. Ostentam-se faixas e cartazes, distribuem-se folhetos. O mundo inteiro parece se unir na luta contra as arbitrariedades e a violência.

O ex-ditador chileno, Augusto Pinochet, foi preso em Londres. Em Madrid, foi indiciado pelos crimes de genocídio, terrorismo e tortura; foi pedida sua extradição e a justiça britânica concedeu. Trata-se de uma decisão inédita. Na Suíça, a juíza Christine Junod emitiu uma ordem internacional de prisão contra o ex-ditador argentino Jorge Videla pelo assassinato de um cidadão suiço. Aliás Videla está detido em Buenos Aires, acusado por roubo de bebês, filhos de desaparecidos durante a “guerra suja”. Na França formou-se uma comissão para levar a julgamento o ex-ditador haitiano Baby Doc. O ex-ditador Suharto, da Indonésia, foi interrogado sobre sua fabulosa fortuna, supostamente adquirida de forma ilegal durante os 32 anos em que esteve no poder. O presidente francês, Jacques Chirac demonstrou apoio ao Dalai-Lama, líder espiritual do Tibet, país que se encontra dominado pelo governo ditatorial chinês. No Brasil amplia-se a discussão sobre as conseqüências funestas da aplicação do Ato Institucional nº 5, editado no período da ditadura militar.

Todos esses fatos estão sendo fartamente noticiados pela imprensa internacional. Basta entrar na Internet para se verificar o enorme destaque que se dá às matérias a respeito. E não são meras notas, mas análises, discussões, explicações detalhadas.

É expressivo, também, que os veículos de comunicação estejam divulgando, com tanta intensidade, as comemorações dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. No preâmbulo da Declaração se lê: “...o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade...”.

Talvez os ex-ditadores não sejam punidos como deveriam, ou recebam penalidades suaves. Não importa. Pouco interessa, inclusive, o que pensam juízes, tribunais, a ONU ou outros organismos oficiais. Importante, sim, é que as sociedades, com suas comunidades e grupos, cada vez mais estão adquirindo consciência de que os regimes arbitrários são intoleráveis e é necessário lutar contra eles. Qualquer dirigente político ambicioso, que poderia pretender agir com desrespeito aos princípios democráticos, irá pensar duas vezes porque, mais cedo ou mais tarde, terá que responder pelos abusos que vier a cometer. Nesse contexto a comunicação tem um papel: as pessoas só podem conhecer a realidade em que vivem, e daí se mobilizarem, se estiverem informadas sobre o mundo que as cerca e o ambiente em que vivem. A luta pela liberdade exige consciência; consciência pressupõe comunicação.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 19.12.98)


Humor e a propaganda.

Rir pode não ser o melhor remédio, mas alivia

 

A atitude permanentemente satírica é uma peculiaridade da grande maioria dos brasileiros. Não que outros povos não possuam esse perfil, mas nós somos mais irreverentes, sarcásticos, até grosseiros.

Em vários países há instituições, autoridades e personalidades que são sempre respeitadas. Os americanos chegaram a criar a tese do “politicamente correto” segundo a qual, por exemplo, não se deve chamar uma pessoa de negra, mas “afro-americana”, um baixinho é “verticalmente prejudicado” etc.

No Brasil temos piadas sobre raças, políticos, religiosos, o Papa e até Deus; e são inegavelmente engraçadas. Com isso os brasileiros encontram alívio para a angústia de serem submetidos a regras injustas, formalidades burocráticas inócuas, líderes políticos incompetentes e corruptos. A publicidade, em uma sociedade com esse traço cultural, não poderia ser diferente. Antes de tratar da propaganda, porém, vejamos em que condições uma situação se torna engraçada.

As pessoas possuem um complexo conjunto de conhecimentos sobre os mais variados fenômenos da vida. Esses conhecimentos estão organizados em sistemas (conjuntos integrados de relações entre atos e fatos).Estes, por sua vez, envolvem sistemas menores, que contêm outros ainda menores (subsistemas). Vamos a um exemplo simples, que todos conhecemos: a vida de um indivíduo na sua casa. Ele entra, toma banho, alimenta-se, senta-se para ler, assistir à TV ou ouvir música, dorme, acorda, veste-se e sai. O fato de conhecermos esse conjunto de ações reflete um sistema de concepões adquiridas em nossa experiência de vida. Vamos a um subsistema: a chegada de um homem em casa: vai caminhando, chega à porta, pega a chave, abre, entra, torna a fechar. Todos esses atos estão coerentemente relacionados. O humor surge quando se acrescenta, a um sistema (ou subsistema) de idéias, outro sistema que não está relacionado a ele. Cria-se um conflito, quebrando a coerência, e se causa riso. O homem vai caminhando, chega à porta, pega a chave, abre e cai um balde de água em sua cabeça. Os filmes de Holywood exibiram essa cena dezenas de vezes, sempre com sucesso (ou não repetiriam tanto, nem seriam imitados em todo o mundo).

Esse é o recurso empregado por todos que criam humor, inclusive em propaganda. Um comercial recente (do “Top Vida”) é marcante. O rapaz acordou, foi ao banheiro e não encontrou papel, sentou-se para tomar café e o leite estava azedo, lavou as mãos e seu anel caiu no ralo da pia, ao sair quebrou a chave na porta, começou a chover, caiu e ficou esfolado, pegou o ônibus errado, esqueceu a carteira. Ao voltar encontrou sua mulher feliz, ganhou um dinheirão no sorteio do “Top Vida”. Vejam quantos conflitos de idéias num único comercial, é realmente engraçado.

A irreverência é bastante freqüente. Um comercial mostrava freiras, movendo os braços de um lado para outro, cantando “escravos de Jó”. Descia a câmara, mostrando que estavam lavando roupa com determinado sabão em pó. Anúncio de uma empresa ostentava o texto: “Neste ano nós lhe daremos um presente deste tamanho”; a imagem mostrando a estátua do Cristo Redentor com os braços abertos.

O grotesco também se faz presente, como no caso de uma atriz bastante obesa que aparecia tomando banho sob determinado chuveiro, mostrando que jorrava água suficiente para molhar aquele corpanzil todo. Em outro comercial a mesma atriz sentava-se num sofá, provando quanto era resistente.

Em matéria de humor grosseiro chamava a atenção os anúncios transmitidos pelo radialista Zé Bétio. Um deles dizia algo assim: “a senhora está gorda, não passa na catraca do ônibus, na cama, seu marido vira para o outro lado e dorme”; em seguida vinha o nome de um emagrecedor. Em outro, o texto afirmava: “a senhora sente mal estar, tonturas, suas mãos ficam molhadas de suor: é a menopausa”; e vinha o nome do medicamento para solucionar o problema.

O humor, transmitido por tantas formas, meios e veículos, nos reconforta, ajuda a relaxar e suportar melhor as agruras da vida, mas também contribui para que possamos desenvolver uma consciência mais crítica em relação à sociedade e, quem sabe, lutar para aperfeiçoá-la.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 10.07.99)


Lógica e Dialética

 

Lógica é o conjunto de princípios e leis que regem o pensamento e daí, o processo de formação do conhecimento.

A lógica formal ou aristotélica implica três leis: Identidade: A é A (vida é vida). Não contradição: A não pode ser B (vida não é morte). Terceiro excluído: entre A e B não pode existir C (há vida ou morte, sem outra alternativa). A lógica formal é estática, abstraindo o movimento e a transformação no tempo e no espaço. Ela parte da análise (decomposição de um todo em suas partes, sem voltar a integrá-las). É o fotograma de um filme, que contém inúmeros fotogramas, mas não é o filme. Alguém vê uma flecha voando no ar e não sabe o que é, percebeu apenas uma ligeira sombra que passou pelo ar. A lógica formal explica: uma haste de madeira, com penas de um lado e pontiaguda do outro. Abstraiu o movimento (no espaço e no tempo) e tomou a parte de um todo..

A lógica dialética procura compreender o movimento e a transformação dos fenômenos (físicos e humanos). Baseia-se nas seguintes leis ou princípios:

Unidade e luta dos contrários: vida e morte constituem uma única realidade, uma não tem sentido sem a outra. Um animal, ao mesmo tempo em que está vivo, tem milhões de células que estão sendo destruídas e substituídas por outras novas. Os elementos opostos de uma mesma realidade estão em permanente luta, conflito; a vida luta contra a morte e esta contra a vida, até que haja uma transformação.

Transformação da quantidade em qualidade e vice-versa. Aumenta-se a quantidade, em um fenômeno, até certo limite a partir do qual o fenômeno modifica-se. Aumentam-se os graus centígrados de uma quantidade de água e se tem apenas água mais quente, até 100 graus apenas, quando ela se transforma em vapor. Reduzindo-se os graus, ela irá se transformar em sólido (gelo). O vice-versa (qualidade em quantidade) é o seguinte: a água congelada ocupa mais espaço. Coloque uma garrafa cheia de água no congelador. Ao congelar a garrafa explode, porque a água passou a ter quantidade maior.

Transformação universal. Nada é sempre assim, tudo está em mudança, ora mais rápida, ora mais lenta, mas sempre em mudança. Um pinto logo se transformará em galinha. Uma montanha, em milhares ou milhões de anos, será pedriscos (sob ação dos ventos, das chuvas ou por outra razão qualquer).

Conexão universal. Todos os fatos e fenômenos da realidade estão interligados e não têm sentido isoladamente. Exemplo clássico: a floresta não é apenas uma soma de árvores. Aparentemente sim, mas quando verificamos com cuidado podemos perceber que uma se alimenta das folhas, flores e frutos de outra, que se tornam adubo. Uma cresce menos, porque outra lhe rouba a luz do sol. Em suma, a floresta, além da soma de árvores, é a soma da relação entre elas. Um povo, ou uma classe social, não é a mera soma de indivíduos. Eles falam uma língua que não foi criada por cada um, trocam o produto de seu trabalho, brigam, amam e odeiam. Só há sentido na relação entre eles.

Negação da negação (ou tese, antítese e síntese). Fiquemos no exemplo da vida e morte. O organismo vivo está sendo negado pela presença da morte constante das células, que lutam e se regeneram. Há um momento em que a degeneração vence. Surge nova condição que nega a morte (que era a negação da vida), é outra realidade. Um morto (como chamamos) não tem nem a antiga vida nem a nova morte, é outra coisa: adubo, cinzas etc. Ou seja, não tem mais as características da condição anterior, mas novas. Havia uma tese (vida) convivendo com uma antítese (morte), gerando uma síntese (outra coisa). Essa concepção está em um frase famosa do marxismo, que é mais ou menos assim: “na natureza tudo traz, em si, o germe da sua destruição”.

Não é tão fácil aplicar tais princípios a situações mais complexas, porque a quantidade de relações podem beirar o infinito, é o momento de pensar, meditar, pesquisar e, com esforço, concluir.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 31.07.99)


Lugar-comum

 

Segundo o Aurélio, lugar-comum é a “fórmula, argumento ou idéia já muito conhecida e repisada.” É uma mania nossa, repetir frases, idéias e expressões. Não só nossa, conheço dezenas de músicas norte-americanas que contêm a frase “dreams come true” (sonhos se realizam). Os advogados são mestres em repetir expressões de mais de cem anos (nenhuma crítica específica aos bacharéis pois, “data maxima venia”, sou um deles).

A melhor forma de demonstrar essa “assertiva” é através de uma “missiva” que escrevo a seguir:

Caríssimos leitores:

Venho por meio desta, esperando encontrá-los gozando de plena saúde e felicidade, informá-los sobre o assunto em epígrafe.

Não obstante o fato de que a língua portuguesa nos seja dada como fato consumado, deixando pouco espaço para a criatividade, não há porque ficar repetindo determinadas fórmulas com tanta insistência. Elas tornam os textos mais longos e não contribuem em nada para a sua compreensão. Por que toda escritura pública deve começar com: “SAIBAM todos quantos esta pública escritura virem que, aos vinte e um (21) dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e noventa e nove (1.999), nesta cidade e comarca de Atibaia, Estado de São Paulo, neste Tabelião, perante mim, Escrevente Preposto, compareceram partes entre si justas e contratadas a saber...”?

Os funcionários públicos, estes, além de escreverem cartas e ofícios muito mais extensos do que o necessário, são incapazes de terminar sem apresentar os “protestos de elevada estima e consideração”.

Os juizes, em suas sentenças, após um breve relato sobre a causa que devem julgar, lançam a fórmula: “É o relatório, DECIDO”, e escrevem assim há mais de século.

A propaganda não escapa do hábito repetitivo, inúmeros folhetos, anúncios e mesmo comerciais de TV, depois de apresentar os argumentos de venda terminam por um mesmo fechamento: “Afinal,...” e aí se segue, “você merece o melhor”, “este é o produto que você sempre desejou” ou qualquer outra. E como gostam de “novo”. mesmo quando o produto não tem nada de original acaba aparecendo: “agora em nova embalagem”. Constante, também é “finalmente, agora no Brasil...”

Os classificados de jornal tampouco escapam, sempre que se pretende afirmar que um imóvel à venda está com bom preço lá vem o inevitável “Galinha Morta” como título.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 11.09.99)


Contos de vigários

 

“Conto do vigário” é uma antiga expressão popular que se refere a uma das formas de estelionato, crime previsto no artigo 171 do Código Penal.

Quando exerci a advocacia conheci dezenas de estelionatários. Sentia um certo respeito e admiração por eles. Primeiro porque eram especialistas em comunicação persuasiva, tinham boa aparência, falavam muito bem e eram capazes de entender e interpretar o lado psicológico de suas vítimas. Além disso, não usavam armas, eram avessos à violência, não estupravam, não tomavam drogas; apenas criavam situações e relatavam histórias com as quais conseguiam tomar dinheiro dos incautos.

Outro aspecto importante, que justificava meu respeito, consistia no fato de que os estelionatários só conseguiam ser bem sucedidos explorando a ganância, ambições e, geralmente, a desonestidade de suas vítimas. Muitos casos nem chegavam às autoridades policiais porque os prejudicados terminariam sendo condenados juntamente com os vigaristas.

Um exemplo ajudará a explicar o que disse.

O maior vigarista de que se tem notícia agia na França e usava o nome de Conde Victor Lustig (nunca descobriram seu nome real). Foi um dos primeiros, senão o primeiro, a aplicar o que nossos policiais denominam “conto da guitarra”. É aquele golpe em que o criminoso vende uma máquina para falsificar dinheiro, mas que realmente não funciona. Vejamos como agia o tal Conde. Escolheu uma vítima, riquíssima, que freqüentava uma praia na Côte D’Azur. Registrou-se num hotel defronte à praia e sentou-se bem próximo do milionário. Ia acompanhado de uma mulher lindíssima e exuberante que ficava olhando, de forma furtiva e com ar sensual, na direção da futura vítima. Enquanto isso o Conde rasgava os inúmeros telegramas que um funcionário do hotel ia entregando freqüentemente. Querendo se aproximar da mulher, o otário escolhido foi perguntar, se desculpando, porque rasgar tantos telegramas. O Conde explicou “sou homem de negócios, estou sofrendo de tensão nervosa e meu médico sugeriu que tirasse férias; se abrir e ler os telegramas vou voltar a ter problemas com os nervos”. Ficaram amigos, almoçaram e jantaram juntos até que um dia, depois de várias taças de vinho, a vítima insistiu em saber sobre os negócios do Conde. Fingindo-se embriagado o Conde confessou que falsificava dólares com uma máquina especial. Devido à insistência, concordou em mostrar a máquina. Colocou papel e tinta, ligou e saíram dólares perfeitos, inclusive com numeração alternada. As notas eram boas porque verdadeiras, previamente colocadas na máquina. Pressionado, o Conde concordou em vender a máquina, por altíssimo preço. Recebeu, sumiu e nenhuma outra nota foi produzida. Como reclamar na polícia a compra dessa máquina que não funcionava?

Quando for abordado por alguém que prometa rios de dinheiro, fim do desemprego, maior segurança, saúde e educação não acredite, milagres não existem, golpes sim.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 22.01.00)


MARKETING

 

Sua majestade o consumidor. Um rei sem trono.
O caso dos amendoins. As trapalhadas de um financeiro.
Privatização
O marketing do misticismo


Sua majestade o consumidor.
Um rei sem trono.

 

Desde os anos cinqüenta (talvez antes, nunca li nada mais antigo a respeito) a literatura sobre negócios, marketing, promoção e propaganda insiste em um ponto: “o consumidor é o rei”. Nós, os consumidores, sabemos: nossa coroa é de espinhos, com direito à morte na cruz dos prejuízos.

A tese é a seguinte: produtos, preços, distribuição, propaganda, tudo deve ser planejado em função das necessidades, interesses e anseios do consumidor. Um velho amigo economista, com sorriso lateral, afirma: “Realmente, eu mal dormia à noite sonhando com um videocassete melhor. Eis que a indústria eletrônica, desvendando este anseio oculto, criou o aparelho com um número maior de cabeças, induzindo-me a trocar o meu, perfeito, por outro que atendia às minhas reais necessidades”.

Outros, mais radicais, afirmam que a decisão sobre o que deve ser produzido cabe aos consumidores. A ser verdade, o Nordeste brasileiro seria o maior produtor de alimentos “per capita” do mundo. A decisão de qualquer nordestino seria pela produção de alimentos em quantidade suficiente, de boa qualidade e a preço baixo. O que é que eles têm? Eletrodomésticos de péssima qualidade, assistência técnica precária e preços absurdos.

A decisão sobre os rumos da economia se dá no âmbito das empresas (da produção, portanto). Um dos mais destacados intelectuais a insistir nesse ponto foi Kenneth Galbraith, principalmente na obra “O Novo Estado Industrial”. A Diretoria, reunida com a Presidência, após a aprovação do Conselho, decide lançar um produto que seus engenheiros resolveram inventar. Agora sim, lembram do consumidor: como “empurrar” “esta coisa”? Nesse momento seres humanos se transformam em meros adjuntos adnominais: “dona de casa”, “chefe de família”, “jovem da classe B”, O resultado das pesquisas indicam que ninguém está interessado. Criam-se, então, temas como: “a última sensação em Paris”, “suas amigas vão morrer de inveja” etc. E dá certo. Exagero? Não, vejam qualquer catálogo de lojas americanas, quantas inutilidades, só faltam máquinas de desentortar bananas (por enquanto).

O ser humano tornou-se um mero fator de lucratividade, não recebe nenhum respeito. O número de reclamações no Procom é sugestivo; empresas aparentemente respeitáveis, muitas multinacionais, estão naquela lista das mais irresponsáveis: telefonia, cartões de crédito, convênios médicos, assistências técnicas em geral. Recentemente assisti a uma cena inesquecível: estava em uma fila da Telefônica (Bragança Paulista); um senhor dizia: “porque pagar pela conta de um telefone que não tenho, não conheço, nem tenho idéia”? Resposta da atendente: “sinto muito, o computador diz que o telefone é seu e portanto deve pagar”. Outro senhor, revoltado, intrometeu-se na discussão; conseguiu ser pessimamente atendido ao chegar a sua vez. Apesar desses fatos notórios, as organizações continuam a proclamar sua preocupação com os consumidores e a justificar suas decisões pelos benefícios a eles concedidos. Discute-se, agora, a proposta de fusão entre Brahma e Antártica, criação de um monopólio poderosíssimo que deve gerar lucros fabulosos e prejudicar profundamente os concorrentes. A explicação apresentada insiste em falar em vantagens para os consumidores que, na verdade, perderão seu poder de escolha.

O que fazer? Organizar-se, reivindicar e lutar. Ainda existe uma mania péssima, um cidadão vê outro ser maltratado; ao invés de reagir, mostra-se simpático ao atendente, procurando, na sua vez, conseguir um bom atendimento para a solução de seu próprio problema. Algumas instituições, oriundas da sociedade e não do Estado têm feito um ótimo trabalho. O IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor), já obteve vários resultados positivos em defesa dos cidadãos. A única restrição que se pode fazer é a tendência à burocratização. Sou associado do IDEC há vários anos, Tenho número, carteirinha e o direito a comunicar-me através de um número de telefone especial. Não faz sentido que se criem privilégios para alguns, isto é característica dos órgãos públicos que jamais pensaram nos consumidores.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 17.07.99)


O caso dos amendoins.
As trapalhadas de um financeiro.

 

Quem já trabalhou em Administração, Marketing ou Comunicação conhece os percalços que os profissionais de Finanças podem criar. Um projeto, que envolveu dias e dias de trabalho, é rejeitado pelo financeiro por envolver custos muito elevados, não garantir retorno sobre os investimentos e, portanto, não ser rentável. Quem está atento à produção e ao mercado sabe que não seria assim, mas como discutir os números gerados por aquela maldita calculadora financeira. O projeto vai para o lixo, quem acaba por ganhar é um concorrente que teve idéias semelhantes (ou copiou mesmo). Não se trata apenas de empresas pequenas, a IBM até hoje amarga a dor de não ter acreditado nos computadores pessoais.

Pensando em fatos similares elaborou-se, na University of Western Ontario, “O caso dos amendoins”, que resumirei a seguir.

Um comerciante, dono de uma pequena casa de lanches, resolveu colocar, no balcão, uma prateleira com saquinhos de amendoins. Visitado pelo seu contador, explicou que vendia bem, com um lucro aproximado de 40% por saquinho.

O contador passou a explicar que era necessário fazer cálculos mais sofisticados. Os amendoins deveriam absorver uma parcela dos salários do cozinheiro e das garçonetes. Além disso, deveriam contribuir com uma parte das despesas da limpeza do armazém.

Não parou aí, a área do balcão utilizado tinha um valor que deveria ser levado em conta, nos cálculos contábeis.

O comerciante sugeriu uma alternativa: vender maior quantidade. O contador retrucou: se aumentasse as vendas teria um aumento dos custos operacionais, mais trabalho, maior quantidade em estoque, não funcionaria.

Desanimado, concluiu o comerciante: não gastei muito, então vou jogar tudo fora e esquecer. O contador, imediatamente, esclareceu: não pode, já ingressou no ramo de amendoins que já são responsáveis por uma parcela dos seus custos, terá que continuar, mesmo com prejuízos.

Arrasado, o dono do negócio descobriu, de próspero homem de negócios que fora, acabara metido numa terrível complicação, só por ter pensado em ganhar mais um dinheirinho com os amendoins.

Se quiser ler o caso original, veja em meu site:

http://www.jahr.org/nel/textos/ocasodos3.htm.

Essa história se refere a fatos freqüentes nas empresas, eu mesmo passei por dezenas de situações semelhantes. Mas há histórias diferentes. A Microsoft lançou um browser para acesso à Internet (talvez o melhor que existe) que é totalmente gratuito e distribuído no mundo inteiro, inclusive as atualizações. Não parece absurdo? Mas a empresa é uma das mais lucrativas e seu Presidente, Bill Gates, o homem mais rico do mundo.

Preocupa a possibilidade de que o governo brasileiro, com suas calculadoras e computadores, esteja criando números segundo os quais a inflação está sob controle, a cesta básica está mais barata ou o número de empregos começou a aumentar. Nós, sem máquinas sofisticadas, sabemos que não é bem assim.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 07.08.99)


Privatização

 

Tema complexo, envolve posições ideológicas, interesses diversos, daí muitos argumentos, contra ou favor, não serem confiáveis. Os petistas constituem um dos setores da sociedade que se opõe à privatização com maior veemência. Todavia, a base mais forte de apoio ao PT é composta por funcionários públicos, fato que compromete sua posição. Os banqueiros, por outro lado, são totalmente a favor da privatização, claro, poderão vir a ser proprietários das empresas.

Em princípio toda a atividade produtiva deveria ficar sob controle da iniciativa privada. As empresas particulares têm melhores condições de agir sem tantos entraves burocráticos. Podem demitir e contratar com mais facilidade, utilizando critérios técnicos e não políticos. São mais atentas à evolução tecnológica. No serviço público, inclusive na USP, há inúmeros funcionários (até mesmo professores) que se recusam a utilizar computadores, nem querem aprender como fazê-lo. Alguns, quando vão ao banco, preferem ir diretamente ao caixa para não usarem os terminais. Atualmente há um problema, a privatização de empresas energéticas e de telefonia acarretou uma queda nos serviços que deveriam prestar. Mas creio tratar-se de problemas temporário.

Ao Estado deve caber apenas as atividades estritamente sociais (saúde, educação, transportes etc.). Mas o Estado tem uma função importantíssima na fiscalização e controle dos serviços prestados pelos particulares. Claro que concessionárias de transporte preferem explorar linhas de ônibus executivos nos bairros de elite a manter linhas que atendem à periferia. Hospitais preferem investir em equipamentos sofisticados destinados a atender os privilegiados, a investir no tratamento das moléstias que atingem à imensa maioria da população É preciso fiscalizar isso. É simpático o controle realizado por comunidades organizadas, o IDEC é muito mais eficiente que o PROCON; mas isto ainda é coisa para generalizar-se no futuro.

Qualquer estudo a respeito, para desenvolver-se e chegar a conclusões bem fundamentadas, deve seguir alguns passos.

Uma análise da economia brasileira e suas tendências. Quais são os setores mais importantes; qual o peso da indústria, da agricultura e dos serviços? Qual o grau de desenvolvimento tecnológíco? Em função disso qual o papel das classes e segmentos sociais mais importantes? Como se partilha o poder político entre esses setores. Qual a visão de mundo que prevalece na sociedade (ideologia)?. Todas essas questões (interligadas, claro), podem sugerir qual será a tendência futura, se de intervenção estatal maior ou menor. É necessário, também, uma pequena retrospectiva histórica, que pode indicar a origem das tendências atuais. Por exemplo: no período de Vargas, Juscelino e durante todo o período militar, o Estado foi altamente intervencionista, até ditatorial. Foi assim por inúmeras razões, mas uma delas é que a ideologia de desenvolver-se, ou modernizar-se, exigia investimentos altíssimos que gerariam resultados apenas a longo prazo. A iniciativa privada ou não se interessava ou não podia participar dessas inversões. Nenhum empresário, nacional ou estrangeiro, se interessaria por construir uma usina para fabricação de aço, produzir energia elétrica ou construir estradas. Hoje parece ser o Estado a não ter recursos para investimentos importantes.

Uma questão é indiscutível, é necessário estatizar o Estado já que a maioria das decisões políticas destina-se a atender interesses particulares.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 21.08.99)


O marketing do misticismo

 

O conhecimento da realidade universal pode ser adquirido de diversas formas, que se fundem e se interpenetram. Sem pretender esgotar o assunto, classificaria essas formas em cinco principais: a experimental, a intuitiva, a científica, a mística e a da revelação (esta pode ser mais ou menos mística).

A experimentação, talvez, tenha sido a primeira forma pela qual o homem começou a aprender. Apalpou e viu que havia quebráveis e não; sentiu calor sob o sol e frio sobre o gelo; quebrou para ver o que havia dentro, colocou a semente na boca e descobriu que poderia alimentá-lo.

A intuição resultou da experiência. Após tomar chuva inúmeras vezes, o homem passou a prevê-las olhando o céu; porque aqueles nimbos trariam água? Não sabia. Assistiu a tantas mortes que aprendeu a prever o falecimento do outro, apenas olhando para o rosto dele, mas sem saber porque.

A ciência se desenvolveu a partir do momento em que o homem soube quantificar suas experiências e intuições, compará-las e concluir. Até chegar aos enormes laboratórios computadorizados.

A revelação é o instrumento explicativo da maior parte das religiões. Trazem inúmeras explicações, regras de conduta e condenações; quando se quer saber porque, vem a resposta fatídica: “foi uma revelação que o profeta recebeu”.

O misticismo, não dá explicações, tudo o que mostra é espiritual e misterioso, não deve ser discutido nem pensado, deve-se crer apenas.

Todos esses meios de se entender as “coisas” são válidos. Não por permitirem descortinar a “verdade” do mundo, mas por oferecem a possibilidade de indivíduos, grupos, tribos e até sociedades maiores, com sistemas de controle mais organizados e sofisticados, encontrar um objetivo comum e, bem ou mal, sobreviverem perante as vicissitudes da vida.

Mas surgem períodos de crise: problemas diversos, fome, conflitos. As pessoas passam a desconfiar de suas antigas idéias e crenças e procuram caminhos novos. É nesse momento que surgem exploradores, apresentando soluções místicas, planejando enriquecer com as dificuldades dos demais. Caso do Brasil atual. Basta assistir à TV, ler jornais ou revistas. Consultas a um ou uma (ou “mais ou menos”) especialista podem resolver problemas de casamento, emprego, salário, saúde. Tudo visto em pedrinhas, conchas, posição dos astros. Pode-se comprar pulseiras, colares, brincos e anéis que afastam as forças negativas. Houve até um músico que, prevendo a queda de sua carreira artística, resolveu transformar-se em místico. Ganha bom dinheiro, mesmo sem apresentar nenhuma solução concreta para melhorar a situação de seus admiradores.

O maior dos magos, com suas justificações místicas, é brasileiro. Trinta milhões vivem em miséria absoluta, sessenta em pobreza, mas ele diz que o Brasil vai bem. Estamos com o maior índice de desemprego da história, afirma que está em queda. A inflação, indiscutível, fala que está sob controle. Nem Merlin (aquele da corte do Rei Arthur) teve tamanha ousadia. Cem mil pessoas, do Brasil inteiro, foram a Brasília dizer que não acreditam no misticismo do Grande Chefe. Mas ele insiste em suas pregações.

Fico com os búzios.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 04.09.99)


MANIPULAÇÃO

 

Controle e manipulação das mentes
Remodelação do ambiente físico
Manipulação das informações
Pressão psicológica
Lavagem cerebral
Trabalhadores: a manipulação histórica.


Controle e manipulação das mentes

Cuidado, estão invadindo seu cérebro

 

O conhecimento da realidade em que se vive só pode ser obtido através de algumas vias de acesso. A primeira é a direta, que se concretiza na percepção dos diversos objetos e fatos do cotidiano. Cada indivíduo vive em determinado ambiente, onde observa a natureza, ruas, praças, construções, indústrias, residências sofisticadas e favelas, pessoas que apresentam boa saúde, outras claramente subnutridas, belos sorrisos em uns, desdentados em outros. Há, ainda, o ambiente de trabalho, com os meios de produção, uma ou outra forma de divisão de tarefas, certa hierarquização de funções, com relações específicas entre chefes e subordinados e destes consigo próprios. Além disso, há todo um conjunto de ligações com grupos primários e secundários: família, igreja, clube. De todo esse universo, o indivíduo obtém uma série de dados, que compartilha com os mais próximos, aos quais dá significação, atribuindo-lhes maior ou menor importância e relacionando-os de determinada forma. A sociedade, obviamente, não se restringe aos fatos de cada cotidiano individual. Dai a necessidade, inclusive para que esse próprio cotidiano tenha algum sentido, de se obter informações sobre uma realidade mais ampla. Estas provêm, em primeiro lugar, de outros indivíduos, portadores de outras experiências e conhecimentos. Papel fundamental é exercido pelos líderes e formadores de opinião, pessoas que, por determinadas razões, dominam uma quantidade de informações maior que a grande maioria de seus semelhantes, além de interpretá-las de forma qualitativamente superior, conseguindo perceber maior número de relações, que lhes permite formular significações mais ricas. Outras informações, finalmente, são recebidas através dos livros e meios de comunicação: imprensa escrita, rádio, televisão, cartazes, folhetos. Estas são as vias de acesso mais importantes numa sociedade industrializada, onde o sistema econômico e político tenha atingido tal grau de complexidade que sua compreensão dependa do conhecimento de grande número de dados e relações. Não basta, todavia, possuir um grande número de informações sobre uma parcela da realidade. Para conhecê-la, de forma a ter condições de atuar para obter sua transformação ou, pelo menos, adaptar-se, é preciso meditar sobre os dados de que se dispõe, compará-los, procurar contradições, encará-los num processo de análise e síntese, para então formular conclusões. Esse trabalho exige o que se poderia chamar de capacidade crítica ou senso crítico, que pode ser maior ou menor, em cada indivíduo, em função de uma série de variáveis. Interferem nela a maior ou menor experiência de vida, capacitação profissional, formação escolar, estado emocional e psíquico no momento da recepção da informação e, até mesmo, o hábito mais ou menos acentuado de se manter uma postura crítica perante os fenômenos.

O controle ideológico se caracteriza pelo emprego de um conjunto de recursos e medidas, por determinado setor da sociedade, para impedir que os demais tenham condições de formular outra versão da realidade, além daquela que lhes é apresentada. A mudança das condições de vida de uma classe social, ou de uma fração dela, depende de sua capacidade organizatória e de mobilização. Esta, por sua vez, pressupõe uma consciência compartilhada daquelas condições implicando a percepção da posição que se tem na sociedade, do espaço que se ocupa e das possibilidades de avanço. À medida que se criem obstáculos à formação dessa consciência, automaticamente se estará dificultando quaisquer lutas por mudança. Esse controle se faz pela remodelação do ambiente físico, pela manipulação das informações e através da lavagem cerebral. Serão nossos próximos temas.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 13.02.99)


Remodelação do ambiente físico

Olhe, veja, mas não acredite

 

A remodelação do ambiente físico permite torná-lo mais adequado às idéias difundidas pela propaganda. Procura-se, assim, fazer com que as imagens percebidas confirmem as idéias apresentadas.

Desde a Antiguidade se encontram momentos em que os grupos detentores do poder procuraram moldar a decoração do meio, de forma a apoiar suas idéias. Inúmeros reis, imperadores e dirigentes políticos mandaram construir grandes monumentos para reforçar a idéia de seu poder e prestígio. Os faraós do antigo Egito mandaram construir enormes pirâmides, que reforçavam sua imagem de filhos do sol, poderosos etc.

No Brasil, Getúlio Vargas foi um dos que mais se preocupou com a forma do ambiente urbano como instrumento de confirmação das suas idéias. A eficiência e modernidade de suas medidas eram sugeridas através de inúmeras construções que indicavam um governo organizado e empreendedor. A idéia do seu carisma e de sua personalidade forte era reforçada através das suas fotografias, obrigatoriamente afixadas em todas as escolas, fábricas, repartições públicas, bares e restaurantes, vagões de trens. Sua efígie estava nas moedas, selos, placas comemorativas e de inauguração. Bustos de bronze foram erigidos em diversos locais. Seu nome foi atribuído a inúmeras ruas e logradouros públicos. Sua imagem, dessa forma, impregnava todos os lugares e ambientes durante todo o tempo.

O regime ditatorial-militar pós-64 aproveitava suas obras, apresentando-as como testemunho daquilo que a propaganda divulgava. Grande parte da população, no seu dia-a-dia, acabava por se deparar com uma série de sinais que pareciam tornar as promessas governamentais inquestionáveis. Argumentando que as realizações visavam a atender aos interesses da população, assegurava-se que havia uma grande preocupação com os problemas sociais, especialmente o da habitação popular. Apoiando essa garantia, podiam-se ver enormes conjuntos habitacionais, uns com grande quantidade de pequenas casas, outros com edifícios de apartamentos, todos padronizados e facilmente identificáveis. Outras construções, a partir do Governo Costa e Silva, serviram para apoiar a imagem do “Brasil Grande”, nação do futuro que haveria de se tornar grande potência mundial e que já se encontrava em fase de franco desenvolvimento, imagem que seria ainda mais reforçada a partir do governo Médici. Para quem visse as obras em realização, ou as fotografias e filmes a respeito, não havia porque não aceitar aquela pregação como verdadeira. Realmente, eram construções monumentais: Trans­ama­zô­ni­ca, Ponte Rio-Niterói, Itaipu, Sobradinho, Metrô. A elas se somava a nova fisionomia das grandes cidades, com um número cada vez maior de grandes edifícios comerciais e residenciais, além dos vários viadutos e largas avenidas por onde circulavam, cada dia mais, automóveis modernos e sofisticados. Apesar disso tudo, sabemos, hoje, o desastre que esses regimes significaram.

As denominações de certas vias públicas foram outro recurso empregado pela propaganda. No Brasil, de certo modo, já faz parte do senso comum a idéia de que as pessoas cujos nomes identificam ruas, praças, viadutos, pontes ou estradas foram heróis nacionais ou, pelo menos, tiveram comportamento exemplar em suas vidas, merecendo ser imitadas e seguidas. Nesse contexto, certamente deveria ter algum efeito positivo, para o governo, o fato de que uma das estradas mais modernas fosse denominada “Rodovia Marechal Castelo Branco” ou que uma via elevada, obra de engenharia de grande sofisticação tecnológica, fosse batizada com o nome de “Presidente Artur da Costa e Silva” (embora popularizada como “minhocão”). Também Euclides Figueiredo, pai do último presidente militar, passou a identificar um viaduto. Mais recente, o túnel Maria Maluf foi criado pelo mesmo governador que mudou o nome de uma companhia energética para Eletropaulo, procurando difundir e perpetuar seu nome como o de um grande realizador.

Há, também, as placas colocadas nas obras, durante sua realização e outras afixadas por ocasião das respectivas inaugurações, onde se deixa bem claro e nítido que se trata de mais uma realização do governo. E nós nos deixamos enganar, mas não para sempre.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 20.02.99)


Manipulação das informações

Leia com cuidado, muito cuidado

 

A aquisição de conhecimento através dos meios de comunicação é dificultada pelo modelo informativo existente. A imprensa escrita e os noticiários de rádio e televisão vêm se caracterizando pela natureza extremamente rápida, fragmentária e desorganizada das informações que divulgam. Colocadas lado a lado, ou apresentadas umas após as outras, as notícias não guardam nenhuma relação entre si e se referem a uma gama enorme de fatos. Ler um jornal, ouvir ou assistir a um noticiário acaba por gerar uma saturação e a impressão de se estar muito bem informado. Todavia, a falta de relação entre as inúmeras noticias determina que permaneçam memorizadas por curtíssimo espaço de tempo ou, no mínimo, que fiquem gravadas como elementos isolados e sem nenhum significado.

Outro componente importante que dificulta a formação de uma consciência das condições sociais é o espetáculo. O espetáculo configura-se como tal à medida que faz parte do modo de vida da sociedade. Consiste no ritual de, em certos momentos, assistir-se a determinada apresentação com o objetivo de obter um relaxamento das tensões do trabalho, distrair-se das preocupações e problemas, deixando-se envolver por determinadas emoções. Por constituir um momento destinado a buscar alívio das pressões é, igualmente, o instante de evitar qualquer postura crítica que possa acarretar novas tensões. Faz parte do modelo informativo vigente a incorporação, ao espetáculo, daqueles fatos sociais cujo conhecimento possa abalar a credibilidade de determinada versão da realidade. Problemas sociais graves, fatos econômicos importantes, questões políticas decisivas ficam isoladas de seu contexto, inseridas em programas e noticiários elaborados com a linguagem típica dos espetáculos.

Há, ainda, importante fator de interferência no conteúdo divulgado pelos meios de comunicação: as pressões do poder econômico. Os meios de comunicação se mantêm, fundamentalmente, à custa da verba publicitária. Nessas condições, os anunciantes adquirem grande força no sentido de poder exigir que não sejam veiculadas notícias que, de alguma maneira, possam prejudicá-los. Podem, inclusive, impor a divulgação de informações de forma elaborada, dentro de versões que venham ao encontro aos seus interesses. Há uma declaração do falecido jornalista e profissional de televisão, Flávio Cavalcanti, bastante ilustrativa a esse respeito. Respondendo a uma pergunta sobre a possibilidade de se controlar os excessos da propaganda, disse: “Creio que é muito difícil fazer esse controle, porque o dinheiro é o diabo. Eu, por exemplo, não posso, no meu programa, apagar um cigarro e dizer que tenho nojo dele. Se a Souza Cruz, por exemplo, que é uma potência, for contrariada em qualquer reportagem de televisão... ela simplesmente tira os anúncios. Ela representa mais ou menos, 30 a 40% do faturamento de uma emissora”. Em meados dos anos 60, alguns grupos da sociedade começavam, com certa intensidade, a lutar contra essas formas de controle social. Setores intelectualizados das camadas médias, unidos em torno da palavra de ordem “conscientização”, empenhavam-se no emprego de fórmulas alternativas para alfabetizar a população e esclarecê-la a respeito da precariedade das suas condições de vida, da exploração a que era submetida e da manipulação ideológica que sofria. A reação do governo foi intensa, instalando uma máquina de controle ideológico que permitiu neutralizar a mobilização, trazendo a população de volta à condição apática e passiva de espectadores ingênuos e desinformados. Todas as vias de acesso à realidade, através das quais se pudesse adquirir alguma forma de consciência, passaram a sofrer interferência direta das autoridades. Os líderes e formadores de opinião, que se manifestavam além dos limites tolerados, foram reprimidos. Os meios de comunicação foram diretamente empregados na divulgação das mensagens governamentais e controlados através de uma censura rigorosa. Além disso, criou-se um clima de pressão psicológica que, se não eliminava, pelo menos afetava bastante o senso crítico da maior parte das pessoas, induzindo-as à passividade.

Hoje não é tão diferente, apenas a discrição é maior

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 27.02.99)


Pressão psicológica

Querem impedir que você pense, não permita

 

A pressão psicológica é uma das formas mais interessantes, e perigosas de controle.ideológico Atua diretamente sobre os receptores, afetando sua capacidade de análise, para que recebam as mensagens da propaganda dentro de uma postura passiva e submissa.

As pessoas, em condições normais, ao receberem uma informação, assistirem a um fato ou ouvirem determinadas explicações, devem estar em condições de avaliá-los de modo a entender, adequadamente, seu significado. Precisam compreender a situação, analisar os prós e contras, verificar se se trata de algo que lhes diga respeito diretamente e assim por diante. É o que se chama senso crítico. É esse senso que durante o dia a dia do cotidiano, nos permite desconfiar, duvidar e até não acreditar em histórias de pescadores e caçadores, relatos envolvendo a aparição de discos voadores, extraterrestes e fantasmas.

Em determinadas situações de envolvimento emocional, tensão nervosa, temor, cansaço físico e mental, os indivíduos tendem a ter o seu senso crítico diminuído. Nesses momentos, ouvem as afirmações e explicações ou assistem aos fatos sem avaliá-los, aceitando passivamente o que lhes é apresentada. A propaganda utiliza inúmeras formas de pressão para neutralizar o senso crítico dos receptores e lograr convencê-los. O recurso mais empregado é a organização de grandes concentrações de massas. Nessas ocasiões, as marchas, as músicas e cânticos ampliados por alto-falantes, as luzes, o lançamento de folhetos e papéis, o ritmo dos tambores, as bandeiras, estandartes, os discursos inflamados, tudo reflete sobre os presentes. Envolvem as pessoas com tal intensidade que, quase hipnotizadas, tornam-se mais sugestionáveis às mensagens que recebem. Foi com o emprego constante desses recursos que Adolf Hitler conseguia manter as multidões em contínuo estado de exaltação e conduzi-las ao delírio.

Algumas práticas religiosas também são empregadas como instrumentos de pressão psicológica para obter a adesão fanática dos receptores. Produzem esgotamento físico, fazendo as pessoas ficarem muito tempo em pé, ajoelhadas ou participando de longas e cansativas danças. Geram ansiedade através da espera do sacerdote que se atrasa, da escuridão ou luz muito intensa, palmas, músicas e cantos ritmados, da repetição dos sons de tambores. Embriagam com incenso, álcool, fumo e drogas inebriantes. Despertam temor com ameaças de infernos, monstros e demônios. Em meio a tudo isso fazem-se as pregações, conseguindo não só convencer os receptores. como levá-los a verdadeiros estados de possessão e transe. São os recursos adotados por diversos cultos místicos praticados no Brasil e na África e, embora de forma menos profunda e pouco intensa, por quase todas as seitas religiosas existentes na face da terra.

Dentre as formas de pressão psicológica conhecidas, a mais intensa, mais eficaz e, talvez, a que acarreta mais malefícios às suas vítimas é a denominada “lavagem cerebral”. Mas esse é um tema a ser desenvolvido na próxima oportunidade.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 06.03.99)


Lavagem cerebral

Não descuide, sua mente é mais frágil do que você pensa

 

A expressão lavagem cerebral (brainwashing) se refere a práticas relativamente freqüentes. William Sargant, psiquiatra norte-americano, baseado em pesquisas de Pavlov e em suas próprias, verificou que os seres humanos, isoladamente ou em conjunto, quando submetidos a determinadas formas de pressão, podem ser acometidos de estados de sugestionabilidade que os levam a acreditar em certas afirmações, mesmo que totalmente falsas ou infundadas. Nessas condições, o ser humano sofre uma redução de sua capacidade crítica. Dentre as formas de pressão mais comumente empregadas por movimentos políticos e religiosos, Sargant menciona as drogas, o ritmo de palmas, luzes, músicas e tambores, rituais que causam cansaço e dor física, ameaças, o anseio da espera. Dentre as reações concomitantes à redução do senso crítico, o psiquiatra destaca a ansiedade, tensão nervosa, esgotamento físico e mental, medo e pânico.

A lavagem cerebral é aplicada em indivíduos ou pequenos grupos. Consiste num conjunto de pressões, exercidas sobre as pessoas, com tal intensidade, que lhes acarreta uma espécie de “desestruturação” da personalidade induzindo-as a aceitar, passivamente, determinadas orientações de comportamento. Dentre as formas de pressão, mencionadas nos estudos a respeito, algumas são mais freqüentes. Em primeiro lugar, há o total afastamento do indivíduo do seu ambiente habitual que, completamente isolado, ou compondo um pequeno grupo com pessoas que lhe são estranhas, perde os pontos de referência com que se acostumou a avaliar as diversas situações, bem como o apoio psicológico do relacionamento com familiares, amigos ou conhecidos. A seguir, há uma doutrinação intensa, em que determinadas idéias são repetidas exaustivamente. Nesta fase, geralmente, são empregadas outras formas de pressão que abalam as defesas psicológicas e minam a capacidade de reflexão do envolvido. Dentre elas, o cansaço produzido por horas a fio de pregações e debates ou por exercícios físicos; o medo, ou mesmo pânico, provocados por intimidações; as dores, geradas por práticas físicas estafantes ou por torturas; a alternância entre aprovação e reprovação do grupo, ou do líder, por certas idéias ou comportamentos tidos como inadequados Essas formas de pressão têm sido empregadas, há muitos anos, em seitas religiosas, na vida militar e, mais recentemente, no treinamento de jovens executivos pelas multinacionais.

A lavagem cerebral mais danosa, utilizada no Brasil durante o regime militar, foi instituída com as torturas, onde a infligência de dor acabou por se mostrar um mal menor, em relação a toda a encenação que a acompanhava. O suspeito de ser “subversivo” ou de possuir informações a respeito de algum deles era preso, encapuzado, levado para local desconhecido e mantido incomunicável por dez dias. Sem saber onde estava, nem porque, não recebendo respostas às suas perguntas, já que os carcereiros permaneciam em silêncio absoluto, ao prisioneiro só restava o tormento da insegurança e da dúvida. Gradativamente, ia sendo possuído pela angústia de não saber quanto tempo ficaria naquela situação e, pior, se sairia vivo. Seguiam-se as agressões físicas: tapas, pontapés, choques, afogamentos, estupros. A seguir vinha o “diálogo” com o policial “simpático e humano”, que aconselhava a contar logo o que soubesse. Havia o temor de não saber quando recomeçaria a sessão e até quando seria possível resistir. Dos que não morreram durante as torturas, a maior parte, embora tivessem sido jovens saudáveis, cultos, conscientes, ativos e idealistas, acabaram em frangalhos, suicidando-se ou passando a viver traumatizados, medrosos, inseguros, doentes física e mentalmente.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 13.03.99)


Trabalhadores: a manipulação histórica.

 

Discute-se a Justiça do Trabalho. Os mais radicais propõem seu fim, outros sugerem diversas mudanças.

Uma das propostas refere-se à extinção dos juizes classistas. Os magistrados argumentam que o cargo de juiz pressupõe pelo menos dois requisitos básicos: competência e imparcialidade. Os classistas não são competentes por não terem formação jurídica, com todos os estudos de aperfeiçoamento e especialização necessários. Não podem ser imparciais, justamente por representarem a sua classe econômica. O mais importante: sua função é inútil, não contribui em nada para que as decisões sejam mais corretas e eficazes.

A pergunta que, de imediato, vem à mente: por que criaram essa função? Precisamos voltar no tempo, a história sempre contribui para o entendimento do presente.

Nos anos vinte os operários já demonstravam uma forte capacidade reivindicatória e de organização. Além das greves, haviam lutas, agressões, saques, destruição de trens e bondes. Surgiam inúmeras associações profissionais. A elite econômica começava a preocupar-se. Um “slogan”, extraído do Manifesto Comunista, assustava o mundo: “Proletários de todos os países, uni-vos”.

Na era Vargas se criaram diversos mecanismos para neutralizar os trabalhadores, todos acompanhados por um forte esquema de propaganda. A estrutura sindical criada pelo governo trazia uma fórmula para impedir a unidade de toda a classe: a organização vertical do trabalho. Os trabalhadores passavam a pertencer a diferentes categorias profissionais (metalúrgicos, gráficos etc.), cada uma tinha determinado mês para negociar aumento de salários e melhoria das condições de trabalho. Dificilmente uma categoria lograva obter apoio das demais pois, ou tiveram suas reivindicações discutidas em meses anteriores ou as negociariam no futuro.

O sistema acenava com inúmeros privilégios. Líderes operários adquiriam o “status” de dirigentes sindicais, com controle de grande volume de dinheiro e a expectativa de vir a obter cargos públicos bem remunerados, essa situação os tornava mais dóceis (os chamados “pelegos”). Nesse contexto se criou a figura do representante classista (vogal) na Justiça do Trabalho. O vogal sentava-se na sala do juiz, podia se manifestar livremente e discutir as decisões. A proximidade com o representante dos patrões induzia a entender seus pontos de vista e percebê-los com simpatia. Além disso passava a usar terno e gravata, ser bem atendido pelos funcionários e até ser chamado de doutor. Sua docilidade provinha da ameaça de perder as vantagens e voltar à fábrica, trabalhando de macacão, talvez tratado por algum apelido pouco agradável.

O modelo funcionou, até hoje se encontram os que chamam Getúlio Vargas de “Pai dos Trabalhadores”, “slogan” criado pela propaganda daquela ditadura. Nos anos 60 os operários já haviam adquirido consciência suficiente para não se deixar enganar tão facilmente; foi preciso um golpe armado para enfrentá-los. Esqueceram de mudar o sistema de manipulação; muitas normas continuam em vigor, embora ineficazes e obsoletas.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 12.06.99)


MIDIA

 

Imprensa e manipulação
Rádio e o espírito comunitário
Imprensa: magia, credibilidade, manipulação (I)
Imprensa: magia, credibilidade, manipulação (II)
Violência e televisão
Comunicação e autoritarismo: A Voz do Brasil.


Imprensa e manipulação

 

A aquisição de conhecimento através dos meios de comunicação é dificultada, dentre outras razões, pelo modelo informativo vigente. Tanto a imprensa escrita, como os noticiários de rádio e televisão, de maneira geral, vêm se caracterizando, desde a sua origem, pela natureza extremamente rápida, fragmentária e desorganizada das informações que divulgam. Colocadas lado a lado, ou apresentadas umas após as outras, as notícias não guardam nenhuma relação entre si e se referem a uma gama enorme de fatos econômicos, financeiros, políticos, esportivos, artísticos, policiais, tanto no plano internacional, como nacional, regional e local. Ler um jornal, ouvir ou assistir a um noticiário acaba por gerar uma saturação e a impressão de se estar muito bem informado. Todavia, a falta de relação entre as inúmeras noticias determina que permaneçam memorizadas por curtíssimo espaço de tempo ou, no mínimo, que fiquem gravadas como elementos isolados e, portanto, sem nenhum significado. Flamengo venceu; Boris Yeltsin faz acordo com a NATO; João Paulo II exorta os fiéis a rezarem pela paz; os metroviários ameaçam entrar em greve; Bill Gates promete lançar um novo sistema operacional para computadores pessoais; filme brasileiro é aplaudido em Cannes. Quem consegue ficar bem informado em meio a uma parafernália dessas?

Outro componente importante que dificulta a formação de uma consciência das condições sociais é a prática, também antiga, de se manipular a instituição do espetáculo. Considerando-se, como instituição, qualquer prática ou conjunto de práticas arraigadas em determinada cultura, o espetáculo configura-se como tal à medida que faz parte do modo de vida da sociedade. Consiste no ritual de, em certos momentos, assistir-se a determinada apresentação com o objetivo de obter um relaxamento das tensões do trabalho, distrair-se das preocupações e problemas, deixando-se envolver passivamente por determinadas emoções. Por constituir um momento destinado a buscar alívio das pressões é, igualmente, o instante de evitar qualquer postura crítica que possa acarretar novas tensões. A maior parte dos membros de uma sociedade, a partir do momento em que assume a condição de espectador, evita fazer quaisquer análises ou discussões mais profundas daquilo que está assistindo. Pois bem, faz parte do modelo informativo vigente a incorporação, ao espetáculo, daqueles fatos sociais cujo conhecimento possa abalar a credibilidade de determinada versão ideológica da realidade. Problemas sociais graves, fatos econômicos importantes, questões políticas decisivas ficam isoladas de seu contexto, inseridas em programas e noticiários elaborados com a linguagem típica dos espetáculos. Perdem, dessa forma, seu significado e passam a ser vistos como fenômenos naturais, inócuos. Embora as pessoas ainda se sintam chocadas com esfarrapados e famintos perambulando pelas ruas ou com um morto caído na calçada, pouco reagem em face de informações sobre a pobreza ou perante as dezenas de mortes apresentadas diariamente. O programa do Ratinho, por exemplo, é informativo ou apenas a simpática palhaçada de um espetáculo circense?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 05.06.99)


Rádio e o espírito comunitário

 

Ouvinte repórter é ouvinte da Eldorado AM que tem um telefone celular. Liga para a emissora informando sobre problemas de trânsito, locais onde há assaltantes de plantão, alagamentos etc.

Uma dúvida surge imediatamente: porque uma pessoa que está em seu carro, indo para o serviço ou voltando para casa, enfrentando trânsito parado, acidentes, chuva forte, ou viajando numa estrada provavelmente perigosa tem a paciência de telefonar para uma estação de rádio e relatar o que está presenciando?

Um professor da USP defendeu a idéia de que se tratava de espírito comunitário. Eu, cético, contra-argumentei que era vontade de aparecer na mídia, aquela coisa de “ói mãe, estou aqui”. Realmente um grande número de pessoas sente imensa admiração por artistas, apresentadores, locutores. O fato de telefonar para uma emissora e ouvir sua própria voz no ar deve gerar a sensação de, pelo menos por poucos segundos, ser um locutor também.

Pensei melhor e me senti excessivamente desconfiado. Realmente existe um espírito comunitário no ser humano que é admirável. Essa idéia de que se algo é bom para mim, também deve ser bom para outros, então vamos compartilhar. Exemplo inquestionável é a Internet:: quantas informações, textos, tutoriais, tudo grátis. Eu mesmo coloquei três livros à disposição. Um amigo Internauta não apenas tem livros disponíveis em seu “site” (http://www.teotonio.org), como está organizando dezenas de títulos para serem lidos gratuitamente através de “rocket e-books”.

Nos jogos de futebol, há agressões, brigas, violência, é nisso que a imprensa insiste. Será que alguém não pensou que, no fundo, há uma preocupação em enfrentar o adversário e, como pressuposto, defender uma idéia, um time, pertencer a algo. Alguém conhece alguma coisa mais comunitária que os “Gaviões de Fiel”? A maior alegria dos membros é saber que eles têm companheiros e os são também, e não critiquem o time sem demonstrar respeito, é ofensa grave.

Estudei nas tradicionais Arcadas do Largo de São Francisco. Ao entrar lá fizeram-me beijar o chão, as colunas com os nomes de Rui Barbosa, Castro Alves, Alvares de Azevedo e tantos outros. Por que? Para que eu adquirisse o direito de pertencer a uma comunidade. E somos, nos auxiliamos uns aos outros, mesmo sem saber bem como e a quem.

E há inúmeros exemplos a demonstrar que o homem brasileiro é extremamente generoso para com outros que passam por alguma dificuldade. Em época de enchentes a TV tem mostrado, em São Paulo, civis que não têm nenhum treinamento mas arriscam a própria vida para salvar a de outros. Cheguei a ver um cidadão entrar no Rio Tietê para salvar um cachorrinho. Mais recentemente, com as inúmeras queimadas ocorridas em Atibaia, vários voluntários surgiram para ajudar a controlar as chamas.

Apesar da crise econômica, desemprego, violência, políticos corruptos, ainda podemos sentir orgulho de sermos brasileiros.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 18.09.99)


Imprensa: magia, credibilidade, manipulação (I)

 

“É sério, li no jornal” Não é uma expressão freqüente? Representa uma fé, quase religiosa, nas informações publicadas pela imprensa escrita. É que os jornais adquiriram, para os leitores, um carisma e um ar mágico; como se fossem os portadores da verdade absoluta.

Não é bem assim. A imprensa, em um país capitalista, mais ou menos avançado como o nosso, é um negócio e, como todo negócio, precisa ser lucrativo. Lucro e seriedade são, algumas vezes, incompatíveis.

Um dos grandes problemas do país é a especulação imobiliária. Para se construir um grande prédio cortam-se árvores, faz-se uma rede de esgoto que termina em um rio, gera-se congestionamento. A imprensa denuncia? Claro que não, pagam páginas inteiras anunciando seus empreendimentos. imobiliários.

A imprensa, o mais antigo dos meios materiais de comunicação, exerce um papel importante para a propaganda ideológica. Jornais e revistas, por informarem constantemente sobre os fatos regionais e internacionais, contribuem em alto grau para fornecer aos leitores uma determinada visão da realidade em que vivem. Dessa maneira transmitem os elementos fundamentais para a formação de um conceito da sociedade e do papel que cada um deve exercer nela. Por trabalhar com fenômenos apresentados de maneira aparentemente objetiva, como se fosse a mera e simples apresentação dos fatos puros, tais como realmente ocorreram, adquire uma aparência de neutralidade que assegura a confiança da maioria dos leitores. Mas essa neutralidade não é real. As notícias internacionais são distribuídas por agências especializadas, principalmente as norte-americanas Associated Press e United Press International, onde se selecionam as informações segundo os critérios estabelecidos pelos interesses econômicos e políticos dos grupos que as controlam. Essas informações são enviadas às redações, onde, juntamente com as notícias locais, são novamente selecionadas, agora com observância de outros critérios, determinados pelo interesse dos proprietários dos jornais ou dos que neles anunciam. Dessa forma, a imprensa acaba por constituir um elemento de manipulação de grupos internacionais e nacionais que só permitem a transmissão daquelas mensagens que possam reforçar sua ideologia.

Além da seleção de informações, há outros meios de manipulação dos fatos. Um deles é a fragmentação da realidade, implícita na própria forma como são apresentadas as notícias. Para se adquirir consciência da realidade social, é necessário que se percebam as relações entre os diversos fenômenos, obtendo-se a visão de conjunto necessária para ver a sociedade como um todo integrado, em que os fatos econômicos, políticos e culturais sejam vistos tal como se determinam reciprocamente. A grande imprensa, ao contrário, aponta os fatos isolados uns dos outros, mantendo ocultas aquelas relações. O leitor, em relativamente pouco tempo, acaba lendo notícias as mais variadas sobre esportes, crimes, cotações de bolsa, inflação, desastres, guerras externas, declarações de brasileiros e estrangeiros. Recebe uma visão caótica da realidade, sem perceber os efeitos que os fatos têm uns sobre os outros.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 20.11.99)


Imprensa: magia, credibilidade, manipulação (II)

 

Uma forma de manipulação é realizada pelo maior ou menor destaque que se dá à notícia. A página em que é colocada, a dimensão do texto, o título, o maior ou menor número de pormenores contidos na descrição permitem dar aos fatos um certo significado. As greves organizadas pelos sindicatos operários, por exemplo, que têm uma enorme repercussão econômica e política, geralmente são tratadas pela grande imprensa como um simples fato acidental sem maior significação. O Estado de S. Paulo, por exemplo, menciona-as em pequenos espaços nas páginas de economia, ao lado de outras informações, como posição de preços no mercado, cotações de bolsa, dando a impressão de um simples fenômeno corriqueiro sem maiores conseqüências.

Há também a interpretação das informações, geralmente realizada dentro de uma linha preestabelecida pela direção do jornal, que é determinada pelos interesses ali defendidos. As notícias a respeito dos países socialistas são selecionadas a interpretadas de forma altamente negativa. Pouco se mencionam as providências bem-sucedidas, tomadas na China e em Cuba, para melhoria dos níveis de educação e saúde. Mas um grande destaque é dado às prisões políticas e torturas, mostrando-se apenas o lado negativo daqueles sistemas. Já em relação aos Estados Unidos, insiste-se no desenvolvimento econômico, na "perfeição" do sistema democrático. Mas pouco se menciona a exploração dos povos subdesenvolvidos por aquele país, ou a intervenção norte-americana em países onde se fazem revoluções e se depõem homens de governo que não aceitam certas imposições. Silencia-se sobre a corrupção política existente. Pouco se fala sobre a vida cada vez mais angustiada da juventude americana, que vai buscar nas drogas o único consolo para suas crises existenciais.

Além dos aspectos mencionados, que fazem parte da rotina dos periódicos, estes também são empregados para difundir a declaração dos homens públicos. O próprio governo usa espaço dos jornais para relacionar suas realizações.

Grupos particulares também aproveitam a imprensa, pagando o espaço, para apresentar suas idéias.

Até agora falamos da imprensa vinculada aos interesses dos grupos econômicos mais fortes. Mas ela também é adotada, algumas vezes, por grupos minoritários não ligados aos detentores do poder. A História do Brasil registra o aparecimento de inúmeros jornais e pequenas revistas da imprensa operária e estudantil que procuram evidenciar as contradições do sistema vigente e transmitir propostas alternativas. Geralmente são periódicos de vida curta, logo obrigados a fechar em virtude de dificuldades financeiras resultantes de pressões dos grupos econômicos mais fortes ou mesmo por imposição policial, que não permite que se excedam limites preestabelecidos por setores da classe dominante.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 04.12.99)


Violência e televisão

 

Que a violência atingiu um nível absurdo e insuportável todos sabem. Há inclusive programas inteiros de rádio e TV apresentando, exclusivamente, notícias policiais. São menores espancados, estuprados e mortos, chacinas, guerras entre traficantes, maridos que matam esposas e filhos, bandidos invadem delegacias para resgatar outros bandidos presos, policiais torturam e matam, motoristas dirigem como loucos e atropelam, crianças andam armadas e usam as armas, revoltas nas prisões, envenenamento de cães, espancamento de filhos. Átila, o rei dos hunos, poderia ser considerado um jovem e ingênuo seminarista.

Por que está ocorrendo? As causas, apontadas pelos analistas de plantão (sociólogos, psicólogos, juristas, jornalistas, assistentes sociais), são inúmeras. Desemprego. “Stress” gerado pela ameaça de perder a vaga no trabalho, substituído por um computador ou por outro empregado que aceite salário menor. A angústia de assistir a um filho chorando de fome. A dor por não ter um teto sob o qual viver ou um pedaço de terra para plantar. A certeza da impunidade.

Recentemente ressurgiu interpretação que eu pensava antiga e superada: “a agressividade apresentada pela TV gera e estimula a violência na sociedade”.

Fui membro de bancas de dissertações de mestrado e teses de doutoramento na USP em que os candidatos tentavam demonstrar a importância dos crimes apresentados na TV, provocando a ação de criminosos reais. Grande parte desses trabalhos acabaram publicados. Muitos leram e acreditaram. Eu, humildemente, penso tratar-se de um equívoco.

Assisti a Harry o sujo (Dirty Harry) com Clint Eastwood, Desejo de matar (Death Wish) com Charles Bonson, Rambo com Silvester Stalone, Braddock, com Chuck Norris. Todos, inclusive em suas continuações, violentíssimos, com tiros, explosões e sangue a granel. Nem por isso senti vontade de sair disparando pelas ruas, nem comprar uma “bazooka”; milhares de brasileiros que assistiram também não.

Caim matou Abel sem nunca imaginar o que seria uma televisão. Vejam a Bíblia, é de uma incrível sanguinolência, nem eletricidade existia. Leiam, quem eu tomo a liberdade de considerar o maior poeta e dramaturgo que o mundo já conheceu: William Shakespeare. Rainha envenenou o rei para ficar com o amante, o filho se encarregou da vingança (Hamlet). Nobre matou rei para ocupar o trono, acabou morto. (Macbeth). Matou a mulher por ter sido convencido que era traído (Otelo). Adolescentes se suicidaram porque as famílias de ambos não aceitavam sua união (Romeu e Julieta). Eram apresentados em teatro, nunca ouvi dizer que a violência tivesse aumentado naquela época.

Deixem a TV em paz. As origens da violência estão no Palácio do Planalto, Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 15.01.00)


Comunicação e autoritarismo: A Voz do Brasil.

 

“A voz do Brasil” é o noticiário radiofônico oficial, produzido pela Radiobras e irradiado para todo o Brasil, de 2a. a 6a.feira, entre 19 e 20 horas. Tem caráter obrigatório já que, nesse período, nenhuma emissora do país pode deixar de retransmiti-lo.O programa foi criado em 1931, sob orientação do DOP (Departamento Oficial de Propaganda), instituído pelo governo de Getúlio Vargas. Em 1939, com a criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), o programa foi reformulado e recebeu a denominação “Hora do Brasil”. Tinha por conteúdo, principalmente: irradiação dc discursos, entrevistas a respeito de atos e iniciativas do governo, descrição de regiões percorridas pela comitiva presidencial, descrição de regiões e cidades, notícias sobre livros surgidos no país, audição de obras de grandes compositores do passado e do presente, principalmente brasileiros, noticiário internacional, boletins meteorológicos.

O noticiário tem sido criticado, desde a sua origem, por opositores que argumentam contra seu caráter autoritário ou apenas se restringem a mencionar a “chatice” das transmissões, seja em razão da sua forma, seja em função do conteúdo pouco interessante. Recentemente o programa passou a ser alvo de uma campanha sistemática, através dos meios de comunicação, capitaneada por uma emissora paulista: a Rádio Eldorado AM. Alega-se, no geral, que o programa é uma herança da era Vargas, antidemocrático, cerceia a liberdade de o cidadão escolher o que deseja ouvir. Argumentos mais específicos se reportam ao fato de que paulistanos se encontravam presos em seus carros, em dias de trânsito intenso provocado por acidentes graves, inclusive enchentes, e não puderam ser informados sobre as alternativas para evitar ou escapar dos congestionamentos, já que seus rádios estavam transmitindo as informações obrigatórias fornecidas pela Radiobras. Acendeu-se a polêmica. Homens públicos e cidadãos comuns passaram a defender o programa, em varias entrevistas, apoiando-se na importância da divulgação de informações, especialmente para as regiões interioranas mais distantes que, de outra forma, não teriam como conhecê-las.

É possível formular algumas hipóteses sobre o que deverá acontecer. O programa poderá ser extinto ou, no mínimo, perder seu caráter obrigatório, caso a mobilização em curso adquira força suficiente para induzir o governo a promover tal mudança. Outra possibilidade é a da manutenção do programa por pressões políticas, especialmente as exercidas por congressistas, que não têm outro canal para se promover junto aos eleitores. Não é demais lembrar que a extinção da obrigatoriedade pode fortalecer os grupos que reivindicam o fim do horário político obrigatório, com prejuízo ainda maior para os mencionados parlamentares.

Os fatos levam a meditar sobre aspectos que dizem respeito às relações entre democracia e comunicação: direito do cidadão a ter livre acesso às informações, direito a optar pelo que deseja ou não assistir e ouvir, prerrogativa de formar livremente suas opiniões e convicções, possibilidade de livre manifestação. A discussão dessas questões exige algumas considerações sobre a estrutura e organização da sociedade, os conflitos de interesses que nela se desenvolvem e o papel da comunicação de massa nesse contexto.

Sociedade e confronto de interesses

Uma sociedade historicamente determinada, o Brasil republicano por exemplo, pode ser encarada como um conjunto de relações que se realiza e se desenvolve no tempo e no espaço. Há relações econômicas, através das quais os membros da sociedade produzem, realizam e distribuem os bens e serviços necessários à sua sobrevivência e bem-estar. Através das relações políticas, tomam-se decisões compulsórias a respeito da organização e funcionamento do conjunto social. As relações ideológicas, finalmente, promovem a formulação e distribuição de conhecimento. A expressão conhecimento é empregada, aqui, em seu sentido mais amplo, envolvendo desde a mais complexa fórmula científica até o simples comentário esportivo, passando pelas ciências, artes, religiões, filosofia, superstições. A distinção é puramente analítica. Qualquer atividade econômica é, também e necessariamente, política e ideológica, embora algum desses aspectos possa ser predominante em determinado momento histórico.

Os indivíduos e grupos, na sociedade, não participam da mesma forma daquilo que se produz e se distribui. Tomando-se apenas as situações mais extremas, há os que enriquecem com a produção econômica e os que mal conseguem sobreviver; politicamente, enquanto alguns conseguem transformar suas próprias decisões em leis, outros se limitam a obedecer às normas que lhes são impostas; finalmente, há os que elaboram conhecimento e os que sequer têm acesso às informações disponíveis e, quando têm, não ultrapassam a condição de meros receptores.

As diferentes formas de participação determinam o surgimento de interesses igualmente distintos. Levantam-se os que anseiam por salários mais elevados, opõem-se os que não querem pagá-los. Mobilizam-se os que acreditam ser possível partilhar da tomada de decisões políticas, investem outros em bloquear-lhes o acesso. Uns lutam para que seus filhos tenham condições de freqüentar escolas, outros impedem a conquista ou aniquilam a qualidade do ensino a ponto de torná-lo inócuo. Tendem a formar-se, assim, segmentos sociais. Dependendo do critério de análise esses segmentos podem receber diferentes denominações: classes, camadas, categorias. Neste texto empregaremos expressões genéricas: segmentos, setores ou grupos. Nos limites desta discussão, onde o que importa é constatar a existência de grupos que exercem controle de poder, não é necessário empregar expressões e conceitos mais precisos.

A dominação

Condições históricas determinam que certos setores de uma sociedade adquiram um papel econômico de tal forma predominante que lhes é possível impor a realização de seus interesses aos demais. Quando a economia brasileira girava em torno da produção cafeeira, o poder econômico concentrou-se nas mãos dos latifundiários paulistas. Estes latifundiários, diretamente ou através de políticos de sua confiança, impunham que as decisões políticas também fossem tomadas em função da realização de seus interesses. A educação, as artes, a imprensa, tudo se destinava a satisfazer aqueles que exerciam a dominação. Com a industrialização, gradativamente, o poder econômico foi sendo partilhado por novos setores que também passaram a exercer o controle das decisões políticas, culturais e ideológicas.

Os grupos econômica e politicamente dominantes, em uma sociedade, estendem a sua dominação para os meios de comunicação de massa. Qualquer informação só pode ser veiculada se a sua difusão não prejudicar ou ameaçar os interesses daquele setor. Se determinada notícia é tão importante que não possa deixar de ser divulgada ela o será, mas com uma interpretação e tratamento que não contrariem as ambições dos privilegiados. O fato de que o rádio e a televisão, no Brasil, desde o seu início, tenham ficado sob controle do Estado, que permitia ou não a sua exploração através de concessões, não altera em nada a afirmação acima. O Estado não é uma entidade neutra e autônoma, embora existam os que insistem em percebê-lo como tal. O Estado é a expressão da sociedade em determinado momento e reflete as suas contradições, seus conflitos, as formas de dominação existentes. Aliás, quase sempre, o Estado nada mais é que o instrumento de dominação de alguns segmentos sociais. O Presidente José Sarney, através do Ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhâes, autorizou a concessão de mais de mil emissoras.

Algumas das famílias, que compõem a “oligarquia” de poder no Brasil, devem grande parte de sua força à posse de meios de comunicação. Os Sarney, do Maranhão, detêm três emissoras de TV, sete de rádio e um jornal; os Alves, do Rio Grande do Norte, controlam uma TV, cinco rádios e um jornal; os Franco, de Sergipe, possuem duas emissoras de TV, quatro de rádio e um jornal; os Magalhâes, da Bahia, têm seis emissoras de TV e um jornal; os Andrada, de Minas Gerais, controlam duas emissoras de rádio e um jornal; os Rosado, do Rio Grande do Norte, têm uma rádio e um jornal; os Coelho, de Pernambuco e Bahia, detêm uma emissora de TV e duas de rádio.

O controle dos meios de comunicação

Por que os segmentos dominantes demonstram tanto empenho em manter o controle dos meios de comunicação? Porque o seu poder não se perpetua de forma tranqüila e inconteste. Ocorre que a dominação não pode ser mantida sem apoio, pelo menos “passivo”, dos dominados. Trabalhadores devem produzir, eleitores votar, cidadãos obedecer e, mais do que isso, devem produzir de determinada forma, votar em certos candidatos e obedecer a normas específicas. A todo momento podem surgir indivíduos e grupos a demonstrar que os interesses predominantes são parciais e a sua concretização só beneficia alguns. Podem eclodir, inclusive, movimentos de oposição cujo desenvolvimento venha a impor um recuo nos limites da dominação ou mesmo a solapá-la.

O controle dos meios de comunicação permite difundir idéias, versões de fatos e opiniões de tal forma que fiquem neutralizadas as eventuais rejeições ou oposições. Através de um processo de manipulação ideológica, é possível disfarçar a particularidade de determinados interesses, utilizando técnicas de universalização e transferência. Pela universalização, medidas que beneficiam um determinado grupo são apresentadas como se fossem realizadas em prol de toda a sociedade. Não é por acaso que as grandes obras públicas, destinadas a atender os interesses de uns poucos empresários, sejam enaltecidas pela quantidade de empregos que geraram para o “povo”. Pela transferência procura-se demonstrar que ações, destinadas a beneficiar um grupo específico, foram tomadas em função das necessidades de um segmento maior. O sistema financeiro da habitação, cuja criação foi explicada pela necessidade de se construir casas para a população mais humilde, na verdade beneficiava apenas os agentes financeiros e as camadas médias de alto poder aquisitivo.

As críticas à Voz do Brasil.

Analisadas as vinculações entre interesses, poder e meios de comunicação é possível verificar em que contexto se situam as discussões sobre a manutenção, extinção ou modificação do programa radiofônico governamental.

Um dos argumentos mais superficiais, porém freqüentemente empregado, contra o noticiário, é o de que se trata de um programa “chato”, aborrecido. Realmente, o programa utiliza uma linguagem conservadora, um pouco ultrapassada, que pode ser cansativa para quem se habituou ao dinamismo de certos noticiários comerciais. Todavia, à medida em que seu objetivo não é entreter, mas informar, não há razão para que seja “leve” ou “solto”. Informar-se, geralmente, é uma tarefa cansativa que exige atenção, espírito crítico, análise, discussão. Grande parte da programação é composta de entrevistas, geralmente com parlamentares. Nesse caso não há muito a dizer a respeito da linguagem, já que a única possível é a utilizada pelo entrevistado. Quanto ao entrevistador, se o escopo é a objetividade da informação, não há motivo para o uso de trejeitos, trocadilhos ou piadinhas que, sem dúvida, tornariam o diálogo mais interessante mas com prejuízo do seu conteúdo. Além disso, não se deve esquecer que grande parte dos programas comerciais também têm seu aspecto cansativo. Que dizer do locutor que gasta mais de cinco minutos para dizer “bom dia”? E os comentaristas esportivos, com sua enorme facilidade em consumir um tempo enorme para não dizer absolutamente nada? Por que não mencionar os entrevistadores que demonstram claramente não conhecer o entrevistado e nem entender absolutamente nada sobre o tema da entrevista? Igualmente discutível é o valor das notícias em programas locais, bastante provincianos algumas vezes, a lembrar o casamento da filha do proprietário da empresa de transportes da região, ou que o filho de um influente comerciante foi batizado na igreja da matriz.

A Voz do Brasil, não poucas vezes, traz informações bastante completas e bem mais ricas do que se encontram em outras fontes. Alguns trabalhos das Comissões do Congresso, muitas vezes importantíssimos, não são sequer discutidos na imprensa em geral, mas são abordados no horário oficial. Nos idos do período militar, muitos fatos, cuja divulgação havia sido proibida pela censura das autoridades, só puderam ser conhecidos através do noticiário do próprio governo.

Na mesma linha, critica-se o programa por oferecer informações de pouco interesse ou de interesse exclusivo para alguma pequena região do país. Por exemplo, as referências à destinação de verbas para investimento em educação, nos pequenos municípios interioranos.

Realmente, ouvir que houve investimento em educação em uma pequena cidade não interessa muito mas, diariamente, saber quais verbas foram destinadas a várias delas já começa a esclarecer um pouco mais. Será que é mais importante, para os brasileiros, saber como são as relações amorosas na família real britânica que conhecer as medidas tomadas em prol da educação nacional?

As considerações mais significativas são as que se referem à natureza antidemocrática da radiofonia oficial.

Acusa-se a Voz do Brasil de ser uma “herança da era Vargas no rádio”, resquício do autoritarismo da época. Embora sejam acusações inquestionavelmente verdadeiras, devem ser analisadas a partir de alguns outros aspectos que as envolvem. A Voz do Brasil, coma denominação de “Hora do Brasil”, realmente foi criada durante a era Vargas, em 1931, e existe até hoje, com características bastante semelhantes ao que era no início. O significado desse fato não é assim tão importante. Trata-se de um período, a era Vargas, que se refere a momentos bastante distintos da história do país. Inicia-se com a Revolução de 30, segue pela implantação da ditadura estadonovista em 37, continua com a eleição de Dutra à Presidência da República (candidato apoiado por Getúlio), culmina com a eleição de Vargas à Presidência em 1951 e se encerra com sua morte em 1954. O próprio Getúlio Vargas, encarado com frieza e objetividade, não é o mesmo em cada um desses momentos; ora é o revolucionário, depois o ditador, o democrata e, finalmente, o nacionalista suicida. Porquanto, que o noticiário oficial seja herança do período, como também são a legislação trabalhista, a produção de aço ou o PDT de Brizola não faz a menor diferença.

Quanto ao autoritarismo que macula o programa radiofônico, ele é evidente. É obrigatório para todos quantos queiram ouvir rádio no horário em que é transmitido. É elaborado não em função dos interesses da sociedade, mas de alguns políticos que apenas anseiam permanecer no poder e dependem dos meios de comunicação para consegui-lo. É de responsabilidade de homens públicos que, em mais de um debate, demonstraram ser intolerantes e incapazes de sequer pensar em alguma alternativa de mudança.

Ocorre que as emissoras particulares não constituem exemplos de democratização da comunicação, embora possam aparentar o contrário. Os interesses dos seus proprietários e diretores, dos anunciantes e de alguns “amigos” poderosos determinam que as informações sejam selecionadas, tratadas e interpretadas de molde a favorecer pontos de vista que beneficiem, ou ao menos não prejudiquem, a realização desses interesses. Até mesmo os horários musicais, em sua aparente neutralidade, são planejados e difundidos sob o controle das grandes gravadoras que impõem ritmos, compositores e artistas, de acordo com seus objetivos mercadológicos. As grandes cidades brasileiras, desde os anos 40, foram alvo de uma especulação imobiliária desvairada e devastadora sem que a imprensa tivesse prestado grande atenção ao assunto, a não ser eventualmente e de forma discreta. Não se deve ao acaso o fato de que a maioria dos grandes especuladores seja, igualmente, composta de grandes anunciantes. As empresas responsáveis pela poluição das águas e do ar, que também são anunciantes, só recentemente passaram a ser alvo dos noticiários, mas sempre encaradas com delicadeza. Seu anonimato somente não pode ser mantido pelo aparecimento, na sociedade civil, de grupos defensores da ecologia que resolveram se Insurgir contra os abusos e passaram a dramatizá-los de tal maneira que se tornou impossível desconhecê-los ou não os noticiar. A especulação financeira, que transformou alguns bancos brasileiros nos maiores e mais ricos do mundo, também ocorreu discretamente. Ao mesmo tempo, a menor suspeita de irregularidade praticada por um único membro de qualquer partido considerado oposicionista, em relação aos detentores do poder, rende páginas e horas de denúncias, as mais dramáticas e alarmantes.

Considerações finais.

A extinção da Voz do Brasil ou, pelo menos, a revogação de sua obrigatoriedade, dificilmente resultaria em melhor qualidade das programações de rádio. Em alguns casos, ao contrário, estaríamos assistindo a uma espécie de “privatização da mediocridade”. Tampouco haveria qualquer espécie de democratização dos meios informativos que, como dissemos, estão sob controle dos segmentos economicamente dominantes. Mencionamos a existência de técnicas de manipulação ideológica através das quais se procura generalizar ou transferir interesses particulares específicos. É exatamente o caso do assunto em pauta. Atacam a Voz do Brasil, ou a defendem, a pretexto de atender os mais legítimos anseios dos cidadãos brasileiros. A verdade é que se estabeleceu um confronto entre dois grupos bem definidos e facilmente localizáveis. De um lado se encontram políticos, do Legislativo em especial, que querem preservar o acesso gratuito que têm a uma rede noticiosa nacional, em horário exclusivo, que lhes permite promover suas propostas eleitorais. A oposição fica por conta das emissoras de rádio, muitas em situação de grave crise financeira, que desejam conquistar uma hora da programação noturna, em horário nobre, tempo pelo qual a propaganda comercial pagaria uma soma respeitável.

Qual o papel que os demais membros da sociedade civil deveriam assumir perante o conflito? Nenhum. Talvez distrair-se assistindo. Mobilizar-se é fundamental, mas empunhando bandeiras mais legítimas: educação, saúde, segurança, liberdade de opinião efetiva. O mais importante é que todas essas questões estão às vésperas de se tornarem insignificantes. Os modelos de comunicação e informação que conhecíamos estão se esvaindo rapidamente. As mudanças são cada vez mais velozes e profundas. Ao lado da sofisticação tecnológica das Tvs a cabo e das redes mundiais de informática, crescem as media alternativas e as transmissões clandestinas. A censura, econômica ou política, começa a se tomar inviável. Já se pode assistir a imagens eróticas e pornográficas oriundas de todo o mundo, através de um simples computador. Com alguma paciência, pode-se ter acesso a uma homepage, na Internet, cujo site: http://cali.cartel.org, é sugestivo por si.

E a Voz do Brasil? Talvez Getúlio respondesse: “Ora, a Voz do Brasil”.

Referências bibliográficas

1— CARTA CAPITAL. Agosto 1995, n. 13, pp. IS a 53

2— DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA. Anuário da Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro, DIP 1941.

3— GARCIA, Nélson J. Estado Novo, Ideologia e propaganda política. São Paulo, Loyola, 1982.

4— GARCIA, Nélson J. O que é propaganda ideológica. São Paulo, Brasiliense, 1982.

5— MARX, K. e ENGELS, A ideologia alemã 3a. ed. Lisboa-São Paulo, Presença-Martins Fontes, s.d.

6— POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo, Martins Fontes, 1977

(Artigo publicado na Revista ESPM, v.3, n.1, maio de 1996)


POLÍTICA

 

Brasil: o apocalipse
Contos de vigários
Brasileiros: as raízes libertárias
As formas não oficiais de organização e controle social
1 de janeiro, 41 anos da vitória do “Che”
As ditaduras.


Brasil: o apocalipse

 

Um amigo, o Teotonio Simões, incomodado com as travessuras do governo, inspirado por Moisés, rogou 7 pragas. Quem quiser ler o artigo basta entrar em http://www.atinet.org.br na seção Colunistas (Sete Pragas Sobre Brasília).

Meditando a respeito, recordei que quase tudo na Bíblia é apresentado com o número sete: as sete pragas do Egito, as sete trombetas etc. Não entendo disso, parece-me que se trata de uma concepção cabalística que atribui um certo poder ao número.

Verifiquei, com certa perplexidade, que os Cavaleiros do Apocalipse são quatro. Por que João, o Evangelista, teria sido tão parcimonioso? Meditando entendi: como todo bom profeta ele foi capaz de prever o que aconteceria no Brasil de hoje. Os Cavaleiros, no original, são a Fome, a Morte, a Peste e a Guerra. Bem Brasil, onde acrescentaram a Corrupção, o Confisco e o Desemprego. Com isso o pessoal de Brasília conseguiu fechar o sete, garantindo o padrão bíblico.

A Fome veio montada em um cavalo negro, com uma balança na mão, dizendo aos homens que não fizessem mal ao vinho e ao azeite, coisas desnecessárias ao homem, enquanto o trigo e a cevada seriam vendidos a preços altos. Espalhou-se pelo Nordeste e periferia de toda as grandes cidades, onde os índices de desnutrição tornaram-se alarmantes.

A Morte montava um cavalo amarelo e trazia um alfanje na mão. Entre nós trouxe um dos maiores índices de mortalidade infantil do mundo, violência urbana, chacinas.

A Peste causou um terremoto obrigando os homens a viver em cavernas e montes. No Brasil trouxe o INSS com suas filas de enfermos desatendidos.

A Guerra, montada em um cavalo vermelho, recebeu o dom de tirar a paz da terra. Aqui induziu metalúrgicos, camelôs, perueiros e sem terra a serem atacados pelas polícias militares como se fossem criminosos.

O governo brasileiro trouxe a Corrupção, em um cavalo verde dólar, seguida por um séquito enorme de deputados, vereadores, secretários, ministros.

O Confisco, cavalgando um cavalo marrom, traz nas mãos um formulário a ser preenchido para posterior pagamento de taxas indevidas, tirar dinheiro de idosos aposentados, funcionários públicos eficientes e trabalhadores mal pagos.

O Desemprego não cavalga, abandonou o cavalo, demitiu o tratador e dispensou o veterinário, fez surgir vendedores ambulantes, executivos padecendo como autônomos, famílias desamparadas.

Dois ótimos compositores, Chico Buarque e Francis Hime, escreveram, em uma música famosa de 1976 (Meu caro amigo): “Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta”. Nos dias de hoje ainda não chegamos a tanto, ainda vivemos em cinza chumbo.

Entramos no Armagedom, a caminho do Apocalipse conforme profetizado pelo apóstolo João e concretizado pelo sociólogo Fernando.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 16.10.99)


Contos de vigários

 

“Conto do vigário” é uma antiga expressão popular que se refere a uma das formas de estelionato, crime previsto no artigo 171 do Código Penal.

Quando exerci a advocacia conheci dezenas de estelionatários. Sentia um certo respeito e admiração por eles. Primeiro porque eram especialistas em comunicação persuasiva, tinham boa aparência, falavam muito bem e eram capazes de entender e interpretar o lado psicológico de suas vítimas. Além disso, não usavam armas, eram avessos à violência, não estupravam, não tomavam drogas; apenas criavam situações e relatavam histórias com as quais conseguiam tomar dinheiro dos incautos..

Outro aspecto importante, que justificava meu respeito, consistia no fato de que os estelionatários só conseguiam ser bem sucedidos explorando a ganância, ambições e, geralmente, a desonestidade de suas vítimas. Muitos casos nem chegavam às autoridades policiais porque os prejudicados terminariam sendo condenados juntamente com os vigaristas.

Um exemplo ajudará a explicar o que disse.

O maior vigarista de que se tem notícia agia na França e usava o nome de Conde Victor Lustig (nunca descobriram seu nome real). Foi um dos primeiros, senão o primeiro, a aplicar o que nossos policiais denominam “conto da guitarra”. É aquele golpe em que o criminoso vende uma máquina para falsificar dinheiro, mas que realmente não funciona. Vejamos como agia o tal Conde. Escolheu uma vítima, riquíssima, que freqüentava uma praia na Côte D’Azur. Registrou-se num hotel defronte à praia e sentou-se bem próximo do milionário. Ia acompanhado de uma mulher lindíssima e exuberante que ficava olhando, de forma furtiva e com ar sensual, na direção da futura vítima. Enquanto isso o Conde rasgava os inúmeros telegramas que um funcionário do hotel ia entregando freqüentemente. Querendo se aproximar da mulher, o otário escolhido foi perguntar, se desculpando, porque rasgar tantos telegramas. O Conde explicou “sou homem de negócios, estou sofrendo de tensão nervosa e meu médico sugeriu que tirasse férias; se abrir e ler os telegramas vou voltar a ter problemas com os nervos”. Ficaram amigos, almoçaram e jantaram juntos até que um dia, depois de várias taças de vinho, a vítima insistiu em saber sobre os negócios do Conde. Fingindo-se embriagado o Conde confessou que falsificava dólares com uma máquina especial. Devido à insistência, concordou em mostrar a máquina. Colocou papel e tinta, ligou e saíram dólares perfeitos, inclusive com numeração alternada. As notas eram boas porque verdadeiras, previamente colocadas na máquina. Pressionado, o Conde concordou em vender a máquina, por altíssimo preço. Recebeu, sumiu e nenhuma outra nota foi produzida. Como reclamar na polícia a compra dessa máquina que não funcionava?

Quando for abordado por alguém que prometa rios de dinheiro, fim do desemprego, maior segurança, saúde e educação não acredite, milagres não existem, golpes sim.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 22.01.00)


Brasileiros: as raízes libertárias

 

Vejam os norte-americanos, mesmo no cinema: “I want you to do this” (Eu quero que você faça isso). No Brasil não funciona; os patrões conseguem colaboração muito maior quando dizem: “eu gostaria que você fizesse”, “será que você poderia fazer?”, “por favor, você pode fazer?”. Para o subordinado não deveria fazer diferença, teria que cumprir as ordens de qualquer forma. Mas há um anseio de liberdade que o faz exigir que haja um pedido, não um mandado.

Quais as origens culturais desse fenômeno? Alguns atribuiriam aos primórdios da imigração européia para cá; quando vieram industriais e proletários, todos anarquistas.. Não creio, os indígenas já se recusavam a ser escravos Os negros criaram os Quilombos. Parece coisa da terra. No varejo varia, há os nordestinos que beijam a mão de Antonio Carlos Magalhães ou de Miguel Arraes. No atacado não, brasileiro não se dobra, prefere quebrar-se. Um velho bandido-herói nosso já dizia: “cabra macho brigado, não se deita pr’a ninguém, morre em pé e tem que ser enterrado em pé”. (Capitão Virgulino de Oliveira, vulgo Lampião).

Profética, a Carta Testamento de Gatúlio Vargas: “E este povo de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém”

Uma pesquisa feita para a Cia. Antarctica revelou: o “heavy drinker” (consumidor mais freqüente): é o funcionário que vai ao bar tomar cerveja, após o horário de serviço, para comentar, com os colegas, como tudo seria melhor sem o chefe.

Pode-se dizer que é humano, o anseio pela liberdade, não acredito. Os cubanos, pobres e famintos, adoram Fidel Castro Ruiz. Um certo povo muçulmano tem um respeito extraordinário pelo seu líder, pouco afeito ao Alcorão, Sadham Husseim; e perdem a vida por ele. Será que algum brasileiro arriscaria sua integridade física pelo FHC?

Tivemos vinte anos de ditadura militar. Jovens estudantes aprenderam a usar Karashnikoff, a metralhadora mais potente que existia. O povo, mais pacífico, partiu para a gozação: ironizaram a falta de pescoço do Médici, a burrice do Costa e Silva, a feiúra da filha do Geisel, o cavalo do Figueredo.

O anseio pela liberdade está inclusive em bandeiras: a de Minas diz: “Libertas quae sera tamem” (Liberdade, ainda que tardia). O brasão de são Paulo impõe: “Non ducor, duco” (Não sou conduzido, conduzo)

Somos eu e meu povo, derrubados levantamo-nos novamente, estudamos, e “deixa-se a folha dobrada, enquanto se vai morrer”...

Herdeiros somos, portugueses aventureiros, negros rebeldes, índios orgulhosos. É uma mescla perigosa, não a subestimem, jamais.

Parafraseando Napoleão, falava sobre a China, falo sobre o Brasil: deixe este povo dormir; quando acordar fará tremer o mundo.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 13.11.99)


As formas não oficiais de organização e controle social

 

Os libertários, a cada dia mais os admiro e respeito sua capacidade de percepção e previsão. Há décadas vêm nos alertando para as conseqüências negativas produzidas pelo modo como se exerce o domínio da Sociedade pelo Estado.

No Brasil de hoje fica bem visível que o Estado, como organização, pediu concordata a caminho da falência, talvez fraudulenta. Nós pagaremos os débitos da massa falida.

Qual tem sido a função primordial dos governos? Cobrar e arrecadar impostos, aumentá-los, criar novos. Para que? O pretexto é obter recursos para prover segurança, educação, saúde. A maior parte do que se arrecada, porém, é utilizada para pagar os salários dos que deveriam providenciar a realização aqueles objetivos. É algo como pagar um faxineiro e manter-se a sujeira.

Na periferia das grandes cidades, e nas próprias cidades, geralmente o Estado não vale. Consideram, e afirmam, que as leis foram feitas para não serem cumpridas. Criam normas próprias, essas sim respeitadas. Vejam as favelas do Rio de Janeiro, qualquer uma: Rocinha, Cantagalo, Alemão, Esqueleto, Borel etc. Alguém adoece, surge um médico e trata. Há o furto do salário de um trabalhador humilde, o ladrão é espancado e o dinheiro devolvido. Constroem escolas e contratam bons professores. As Escolas de Samba têm o requinte e luxo que todos conhecem, com financiamento de traficantes e banqueiros de bicho, não do governo carioca. De vez em quando aparece a polícia, espancam inocentes e querem informações. Ninguém fala, chamam de “lei do silêncio”, não, é a lei do bom senso. Por que fornecer informações contra os que realizam a auxiliam para outros que não fazem nada e prejudicam?

A classe média alta gasta fortunas para ter segurança particular, os espoliados pagam através do silêncio, e com vantagens. Não estou defendendo marginais, apenas constatando fatos.

Em São Paulo os comerciantes são assaltados com freqüência, famílias têm suas casas invadidas, assalariados vivem tensos porque podem perder o pouco que recebem. A situação só melhorou quando surgiram os “justiceiros”.

Como viver num país em que se depende de bandidos para conseguir proteção contra outros bandidos? Interessante é que a polícia prende os justiceiros e deixam os outros criminosos soltos, muitas vezes porque são sócios.

Na Itália surgiram a Máfia, A Camorra, a Cosa Nostra; eram organizações criadas para proteção contra invasores; depois tornaram-se criminosos e se espalharam pelo mundo, estão até em New York. Aqui o invasor é o governo. Nossa reação, única possível, é a do voto; façamos isso com cuidado e consciência. Corremos o risco de ter uma nova Constituição com apenas dois artigos: “art. 1o. - Ficam abolidas todas as leis vigentes no país”, “art. 2o. - Revogam-se as disposições em contrário”. Toda Constituição termina com a indicação dos Três Poderes e das autoridades que os representam, nesta teríamos: ADMINISTRÇÃO SUPREMA: Fernando Collor de Mello (FMC). CONSELHO ÉTICO LEGISLATIVO: Augusto Farias. COMANDO VERMELHO DE JUSTIÇA: José Carlos dos Reis Encina (Escadinha)

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 18.12.99)


1 de janeiro, 41 anos da vitória do “Che”

 

Na moda, estamos mudando as datas, então surgem os intelectuais do século, escritores, pintores, músicos, cientistas, todos do século. Tomo a liberdade de votar no líder: Ernesto Che Guevara. Podem votar em Clinton, Arafat, Tatcher. Eu voto no Che.

Sabem como estava Cuba sob o regime do tal Batista? Meninas adolescentes eram prostitutas a serviço dos gringos (americanos do norte). Meninos, também adolescentes, prostitutos de homossexuais norte-americanos, ou simples engraxates. Crianças desnutridas, povo faminto, humilhado, insultado durante décadas..

Repentinamente surge um barco na praia, o Granma; desembarcaram Cienfuegos. Fidel Castro Ruiz, Raúl Castro, Ernesto “Che” Guevara e outros oitenta e dois homens. De cara viraram doze, os outros mortos pelos militares, asseclas de Fulgêncio Batista.

Intrépidos continuaram. Paravam porque o Che tinha constantes ataques de asma, não poderiam deixá-lo, era o único médico e um carismático líder.

Fizeram a revolução, tomaram o poder, mas com “el pueblo”, forma legítima de mudança. Como disse Raúl Castro: “é admirável, ver o desvelo com que esses camponeses da Sierra nos atendem e cuidam de nós, toda magnanimidade e generosidade de Cuba estão concentradas aqui”. No dia primeiro de janeiro de 1959 venceram, Cuba Libre não era mais apenas um nome de bebida, mas uma realidade.

Até hoje os cidadãos cubanos veneram “el Che”, “el Comandante” e “los guerrijeros”

Sabem quem criou “El paredón”? Foi o “Che”. Conversando com o Comandante Fidel. concluiu “o povo está muito revoltado, a ficar assim matarão muitos e destruirão tudo, proponho um tribunal popular que julgue e decida as formas de execução”. Vários foram fuzilados mas, de outra forma, teriam morrido muitos mais.

Os “gringos” tentaram desmoralizá-lo pela propaganda, virou camiseta, poster para quartos de adolescentes, até chaveiros. Acredito que não funcionou. Ernesto, formado em medicina, filho de uma família abastada, poderia abrir um consultório em Buenos Aires e ganhar rios de dinheiro. Tinha cultura invejável, conhecia literatura, filosofia, entendia Marx como poucos. Preferiu arriscar a vida em Sierra Maestra, porque tinha um ideal, o anseio pela liberdade dos homens.

Chegou ao poder, Cienfuegos estava morto, o Comandante Fidel era o primeiro ele o segundo. Abandonou tudo e veio para a América do Sul para lutar por nossa liberdade também. Foi brutal e covardemente assassinado.

Obrigado Che, nunca vou esquecer que “hay que endurecer-se, pero sin perder la ternura jamás”.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 31.12.99)


As ditaduras.

 

Ditaduras: não vivi muitas, mas foi o suficiente. Quando nasci, a de Getúlio Vargas tinha terminado, meus pais falavam a respeito, professores também. Estudei e pesquisei, até escrevi um livro, foi publicado pela Editora Loyola e está à disposição em meu site (http://www.jahr.org). Foi uma ditadura simpática. Getúlio era respeitado pelo povo, colocavam sua fotografia na sala. Basta dizer que, quando deposto, candidatou-se e foi eleito senador por dois estados e deputado por sete (naquela época era possível). Candidatou-se à Presidência da República, venceu e ainda declarou: “voltei ao governo nos braços do povo”. Suicidou-se, inventavam nova ditadura.

Mais tarde, eu já sabia das coisas, tivemos o golpe de 64 (que alguns incautos ainda insistem em chamar de revolução). Foi triste, a partir de 68 pior.

Uns milicos, vestidos, ou travestidos, de farda, estrelinhas nos ombros, julgavam ter o direito de decidir o que nos era permitido ler, músicas que poderíamos ouvir, filmes a que teríamos capacidade de assistir. Proibiram até a exibição do maior grupo de ballet do mundo, o Bolshoi. Foi exibido no universo inteiro, aqui não.

Acabei de dizer que a ditadura de Getúlio foi simpática, a ponto do chefe ser eleito. Sabem de algum militar dos anos sessenta, setenta ou oitenta que tenha recebido o mesmo crédito? Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici. Ernesto Geisel, João Baptista Figueiredo (esse morreu recentemente, tarde demais).

Terríveis aqueles dias. Eu estudava, pesquisava e lecionava propaganda ideológica. Havia um livro importante: “O que fazer” de Lenin. Impossível encontrá-lo, a censura proibiu. Comprei em francês (“Que faire”), tenho ainda. Os censores não sabiam ler francês e não vetaram, a ignorância, às vezes, ajuda.

Antes disso, saira às ruas do centro de São Paulo, com colegas de Faculdade. Gritávamos “slogans” ingênuos, tais como “Abaixo o imperialismo americano”, “Mais pão menos canhão”, “Abaixo a ditadura militar”, etc. Enviavam policiais a cavalo contra nós. Eu mesmo tomei uma pancada de sabre nas costas; por sorte o cavalariço era consciencioso e bateu com a lâmina, não com o fio cortante.

Angustiante mesmo é viver o hoje. A ditadura não é explícita, faz-se de conta que há democracia. Criam-se impostos e taxas abusivos, expedem-se decretos a todo momento, rouba-se, Receita Federal espolia, fiscais exploram, CPIs são pró-forma. Chego a sentir saudades da ditadura anterior.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 05.02.00)


PROFISSÕES E ATIVIDADES

 

Intuição é fundamental, mas não suficiente.
Cuidado, computador à frente. Há alguém comandando a máquina
O executivo de multinacional
A medicina e suas contradições
Matemáticos e estatísticos: os substituíveis. Ou, humor não faz mal a ninguém


Intuição é fundamental, mas não suficiente.

 

Trabalhar em Marketing, ou Comunicação em todas as suas formas (Propaganda, Promoção, Relações Públicas, Eventos) exige muita intuição. Ë importante, ou mais do que isso, fundamental, que se tenha sensibilidade, capacidade de percepção, inteligência rápida. Essas qualidades não são apenas inatas, mas também adquiridas. Estudar muito, estar atento, ler bastante, informar-se sobre as questões nacionais e internacionais, essa a base. Além disso é preciso ter boas noções de “mercado”. O que os consumidores estão comprando e por que? Que aperfeiçoamentos gostariam de ver introduzidos nos produtos que consomem (mesmo que não tenham consciência disso)? Qual a melhor maneira de mostrar a eles as qualidades do produto, ou serviço, que se está oferecendo?

Por que intuição e não apenas pesquisa? Porque, nos dias atuais, não há tempo. Quando se pensa em aperfeiçoar, por exemplo, um sabonete hidratante; o concorrente já fez isso. Talvez seja essa uma das forças mais importantes do Bill Gates (aliás, imagino que nunca tenha estudado Marketing). Quando algumas empresas de software pensam em lançar um novo programa para computadores, a Microsoft (empresa do Bill Gates), já o está lançando.

Para exemplificar o que estou pretendendo dizer, vejamos uma situação que se tem repetido ao longo dos séculos e, talvez, constitua uma das formas mais expressivas de planejamento de Marketing e Comunicação que já se conheceu: a mãe definindo o futuro da filha.

A mulher, grávida, submete-se a uma ultrasonografia para saber o sexo do feto. É uma forma de pesquisa para conhecer uma das características do “produto” futuro. Será menina, revela a “pesquisa”. Meses depois, nasce a criança. A mãe começa a se preocupar com outras qualidades que a menina deve desenvolver; o “mercado” está cada vez mais exigente, ou seja, os jovens rapazes só têm se interessado em casar com moças prendadas, elegantes e inteligentes.

Passa-se o tempo, a garota termina o curso maternal; está na hora de definir melhor o “plano de Marketing” que permita definir seu futuro.

Primeiro problema: quem será o público alvo? Bem, conclui a mãe, o consumidor potencial deve ter um perfil com alguns traços fundamentais e outros secundários, até dispensáveis. Imprescindível ser filho de uma boa família, com posses significativas. Que tenha estudado em boas escolas e uma ótima Universidade (de preferência no exterior) é importante. Engenheiro, médico, advogado ou administrador; artista, nunca! Ideal mesmo: alto executivo de alguma grande multinacional. Traços secundários, seria desejável que o candidato fosse alto, forte culto e de hábitos requintados.

Definido o consumidor, passa-se à tarefa de acompanhar a evolução do produto. Matrícula em um bom colégio, não modernoso mas bastante tradicional. Cursos paralelos de “ballet” e inglês. Espanhol, também, pois com o crescimento do Mercosul ela deve estar preparada para ultrapassar fronteiras.

É chegado o momento de cuidar da Comunicação. Lançamento do produto: um baile de debutantes ou, ao menos, uma grandiosa festa de aniversário. E daí por diante. Visitar famílias para apresentar a moça, elogiá-la (ótima estudante, lê muito, educada). Vale até algumas práticas que os publicitários são parcimoniosos em utilizar: denegrir o concorrente. “Ah! Fulana, não sei não, me parece antipática; inclusive ouvi algumas coisas a seu respeito que não tenho coragem de mencionar.. Felizmente minha filha não é como ela.”

Os objetivos do plano foram atingidos. A moça terminou a Universidade e casou-se com o diretor de uma empresa americana.

A maioria dos produtos tem um “ciclo de vida”. Crescimento, maturação (estabilidade) e queda. Ao atingir a fase de queda é necessário rever as suas características, modificá-las e partir para o re-lançamento (vejam o se que faz com o sabão em pó mais vendido). Pois bem, em um ano a moça se divorciou para casar-se com um artista plástico. Não era rico, nem tão bem formado, tampouco tinha perspectivas de grande sucesso. Mas ela estava feliz. Descobrira que pessoas não são produtos, embora inúmeras mães pensem o contrário.

Mas essa simples fábula pode ensinar alguma coisa. Se você souber, a partir dos seus conhecimentos e intuição, acompanhar o produto desde que for concebido, interferir no seu desenvolvimento a partir da realidade do mercado consumidor, definir o preço mais adequado, comunicar-se com mensagens adequadas, será bem sucedido profissionalmente.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 28.11.98)


Cuidado, computador à frente. Há alguém comandando a máquina

 

A informática trouxe inúmeras facilidades, primeiro para as corporações, depois para empresas grandes e médias. O desenvolvimento dos computadores pessoais (PCs), com preços cada vez mais acessíveis, permitiu que cada indivíduo pudesse ter a sua própria máquina, usufruindo aquelas facilidades. Pode-se escrever, revisar e corrigir: escolher um dentre dezenas de tipos de letras. Desenhar e ilustrar ficou ótimo, milhões de cores disponíveis. Calcular é rápido. Montar um banco de dados, qualquer criança faz. A Internet transformou-se em oitava maravilha. Pesquisa-se qualquer assunto, inúmeros livros disponíveis, tudo gratuitamente. Pode-se comunicar com pessoas e empresas, em qualquer canto do mundo, pagando a tarifa de uma ligação telefônica local. A Enciclopédia Britânica, que em papel ocupa trinta e seis volumes, pode ser consultada ilimitadamente por cinco dólares ao mês. Outras enciclopédias e dicionários podem ser “acessados” sem nenhuma taxa.

Tudo na vida tem seu “porém”. Há seres humanos operando as máquinas, inclusive os distraídos e incapazes. Surgem os problemas, às vezes graves, resultantes dos que acreditam religiosamente na tecnologia e deixam de pensar. Alguns “causos” podem esclarecer essa afirmação.

Contratei um engenheiro de Atibaia para elaborar o projeto da estrutura de um pequeno prédio. De início, projetou estacas com 45 cm de diâmetro, para ouvir do profissional de estacas que essa medida não existia. Resposta: foi a dimensão que o computador mostrou. Em seguida errou medidas das sapatas e baldrames, tudo atribuído ao computador. Não pensa mais, é escravo da máquina que mal controla. Talvez por ser formado por uma Faculdade que já foi a melhor e hoje disputa o último lugar (desde o ano em que ele entrou lá)

Esta foi ótima. Passei, eu e família, um “reveillon” em Poços de Caldas. Minha filha, repentinamente, foi acometida de uma febre alta. Fomos a um médico que usava computador. Perguntas de rotina: nome, data de nascimento, idade, hábitos, doenças anteriores, religião dos pais (para que, não sei) etc. Resultado: “a sua filha não tem dez anos, como a senhora (minha esposa) disse, mas nove”. Minha mulher, levemente irritada, insistiu nos dez. Até que o médico descobriu que o calendário de seu computador estava configurado para o ano anterior (não sei como conseguiu uma bobagem assim). A máquina emitiu a receita, rasgamos e jogamos no lixo, mesmo pagando a consulta.

Fui ao banco; sacar dinheiro para pagar uma conta vencida, não aceitavam cheques. O sistema estava “fora do ar”. Não consegui, paguei a conta depois, com multa de vinte por cento. Aliás, a maravilha do “homebanking” é useiro e vezeiro em emitir mensagens do tipo: “Problemas de comunicação, tente mais tarde”, ou então: “Estamos com problemas no sistema”.

O que esses “causos” demonstram? Um engenheiro incompetente, um médico irresponsável, um operador de sistemas bancários distraído. O computador não, é um inocente e útil instrumento que não deveria ser utilizado por seres humanos despreparados.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 28.08.99)


O executivo de multinacional

 

Millor Fernandes disse: “o homem é o único animal que ri”. Lembro-me de um velho chiste, contado pelo cantor e humorista Juca Chaves, mais ou menos assim: a professora explicava a seus alunos: a hiena é um animal que cruza com a fêmea uma vez por ano, se alimenta basicamente de excrementos e ri. O “Joãozinho” levantou a mão e disse: não entendi, professora, um animal que tem relações uma vez por ano e come merda, ri do quê?

O executivo de multinacional, ou de uma grande empresa nacional, também ri. Eu, como o Joãozinho, também pergunto: do quê?

Ele trabalha doze a quatorze horas por dia, acredita ganhar bem, mas gasta grande parte de seu salário com analistas, anti-depressivos e afins.

É engraçado o executivo, ele fala sobre “a nossa empresa”. Já ouvi alguns dizendo qualquer coisa do tipo: “acabamos de investir um milhão de dólares no lançamento de um novo produto”. Esse nós, aí embutido, pode significar a Gessy, a Nestlé ou a Procter and Gamble.

Por que fazem isso? Por serem domesticados. As empresas gastam um bom dinheiro em freqüentes cursos de treinamento. Nestes aparece um Diretor, ou até mesmo o Presidente da Corporação, para afirmar: “somos todos uma grande família”. “dedicados irmãos de uma fraternidade”, “vestimos a mesma camisa” e outras “abobrinhas” semelhantes.

Executivo gosta de usar expressões em inglês sem nenhum propósito: “cash flow”, “share of mind”, “job description”. Pretende ostentar um “status” superior, sem perceber que revela arrogância e pedantismo.

Em reuniões com amigos ou família, almoços jantares e coquetéis, só fala em negócios: empresas, fusões, concorrentes, consumidores, pesquisas: é um chato em suma. Nem poderia ser diferente, não lê nada além da página de economia de algum jornal, não vai ao teatro, não ouve músicas de boa qualidade.

Um dia surge um novo Diretor. Vem dos Estados Unidos, da Suíça ou da Venezuela. Resolve trabalhar com sua própria equipe e demite o executivo que estamos mencionando.

O que fazer? Primeiro, mandar imprimir um cartão de visitas, com o endereço do apartamento em que mora. Fulano de Tal e Associados- Consultores Independentes. Os associados não existem, podem até ser esposa, filhos e o cachorro.

Outra alternativa secundária: lecionar em uma escola de marketing. Aí então, na sala dos professores, ou frente aos alunos, vem aquela história: quando fui, quando fiz ou quando era. E desenvolve um terrível hábito de saudosismo em que não pensa no futuro, vive de rememorar o passado, como se tivesse sido um maravilhoso paraíso.

Um famoso cantor e compositor. brasileiro cantava: “mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”. Meu conselho: não se mirem no exemplo dos executivos.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 09.10.99)


A medicina e suas contradições

 

Não tenho nada contra os médicos, aqueles que o velho “Pasquim” chamava de “máfia de branco” Ao contrário, já dependi deles para me manter vivo e saudável, embora algumas vezes sujeito a contratempos.

A comunicação, para os médicos, é fundamental; é através dela que os pacientes podem se sentir mais confiantes, acreditar que ficarão curados, tomar os remédios com a sensação de segurança e expectativa de bons resultados.

Um amigo foi submetido a uma consulta, um probleminha: insignificante: quisto logo abaixo da orelha esquerda. A médica, assistente do principal, atendeu antes, primeiro insistindo em saber que eventuais enfermidades poderiam ter acometido os pais, avós e a geração inteira. Aquilo que chamam de anamnese. O cliente respondeu o que sabia. Perguntou também se fumava e bebia, respondeu sim a ambas, mas ela queria saber a quantidade; alguém mede essas coisas? Ficou brava porque ele não foi capaz de responder adequadamente, mas fez isso com simpatia e um sorriso afável. Era uma médica jovem, bonita, agradável, mas chata. Por que chata? Resolveu fazer um sermão sobre os males causados pelo fumo e pelo álcool. Ainda explicou que um potencializa o outro; meu amigo imaginou que falava em progressão geométrica, mas não entendeu direito. Ficou quieto, insatisfeito, até inseguro: o que fumo e álcool teriam a ver com um pequerrucho quisto sebáceo ?

Pior do que isso, (no caso mencionado não ocorreu) conheci dezenas de situações, inclusive comigo, em que o médico desandou a descrever tudo o que poderia ser prejudicial à saúde, a lista é infindável. Alimentos gordurosos ou muito condimentados são nocivos. Carne de porco, nem pensar, pode causar doenças muito sérias. Enlatados e embutidos são um veneno. Carne vermelha, não pode. Até as ingênuas frutas, legumes e verduras, se não forem lavadas com fórmulas que exigem horas de tratamento, podem provocar problemas graves.

Mas a contradição, a que me referi no título, se reporta à desfaçatez com que alguns médicos, depois de condenar álcool, fumo, alimentos etc. (que, indubitavelmente, podem ser prejudiciais à saúde) prescrevem antibióticos que só conhecem porque um propagandista de laboratório visitou o consultório, falou a respeito do remédio, deixou folhetos e algumas amostras. São terríveis, os antibióticos. Eles destroem hemáceas, confundem os glóbulos brancos, exterminam a flora a intestinal. Alguns, como os combinados com sulfaniamida, para certas pessoas geram uma reação alérgica que pode ser fatal.

Isso sem falar nas inúteis injeções para gripe, toneladas de analgésicos para dores suportáveis, medicamentos para emagrecer que prejudicam e não deixam menos obeso. Os anti-depressivos são, geralmente, desastrosos, mas prescritos com frequência.

Os médicos, em sua maioria, são sérios, estudiosos e responsáveis. Mas cuidado, há os que só querem ganhar dinheiro. Há também os que, ainda antes de se formar, afogam colegas de Escola ou compram uma sub-me­tra­lha­do­ra para fuzilar pessoas indiscriminadamente.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 11.12.99)


Matemáticos e estatísticos: os substituíveis. Ou, humor não faz mal a ninguém

 

Conheço muitos matemáticos e estatísticos, uns amigos, outros conhecidos, alguns adversários. Depois deste texto creio que serão todos inimigos, incluindo os economistas e engenheiros que pensam entender do assunto.

Por que esses numerólogos acreditam que têm solução para todos os problemas do país e da humanidade? Arrogância? Falta de habilidade? Bons salários? Não sei. Só sei que são pouco úteis e, no geral, substituíveis por outros profissionais especializados. Matemática é uma linguagem, às vezes simples metáfora ou analogia, jamais resposta ou solução. Vejamos alguns exemplos, do tipo exame vestibular.

1. Luiz, engenheiro, depois de colher inúmeros dados, calculou a profundidade média do rio? 50 centímetros (em média). Mergulhou e afogou-se no local onde o rio se aprofundava a quatro metros. O problema deveria ser entregue a um pescador local, não a um descuidado calculista.

2. Verinha foi à escola levando, na sacola de lanches, um pãozinho, uma laranja e duas maçãs. Chegado o horário de recreio verificou que havia apenas uma maçã. Qual o percentual de alimentos desaparecidos? Não, a questão deveria ser resolvida por um delegado de polícia, a investigar quem furtou uma das frutas.

3. Habbib vendeu ao Teotônio um terreno de 1.000 m2. por R$ 250.000,00. Teotônio mediu o terreno e constatou que tinha apenas 890 m2. Quanto deveria ser o valor de venda do terreno com a metragem correta. Não é um problema matemático, é jurídico. Alguém contrataria um estatístico para resolver a questão?

4. Predebom comprou 250 polegadas de tecido. Quantos centímetros comprou? Comprou 500 cm (não 635 cm), pois o vendedor era o Goldstein. Também não é questão matemática, é de hábito cultural, portanto de Antropologia.

5. Milda tem dois filhos. Sua idade é quatro vezes a idade do filho mais velho. Qual a idade de cada um? Impossível, nenhuma mulher confessa a própria idade. O problema pertence à Psicologia, não à Matemática.

6. Claret resolveu comer pão com manteiga e o pão caiu. Qual a probabilidade do pão ter caido com a manteiga para baixo. Depende. Se o Claret morar em Caetetuba caiu com a manteiga na terra, se morar no Flamboyant, caiu no carpete com a manteiga para cima. O problema não é de Estatística, é de Sociologia.

Cuidado com o Malan e outros.É utilizando as ciências desumanas (Matemática e Estatística) que afirmam estar a inflação sob controle, o câmbio estável, o emprego em crescimento, o desenvolvimento econômico a surgir. Ouçamos outros profissionais.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 08.01.00)


PROPAGANDA COMERCIAL

 

As técnicas de persuasão
Propaganda para preguiçosos
Propaganda enganosa.
Filme publicitário: os bastidores


As técnicas de persuasão

Convenceram-me, eu precisaria comprar o produto. E agora, o que farei com ele?

 

As campanhas de propaganda, sejam comerciais, eleitorais ou ideológicas, revelam a utilização de algumas técnicas, que têm sido empregadas com certa frequência. Há um primeiro ponto comum: toda campanha é produzida a partir de algumas idéias básicas, que, mais restritas ou mais amplas, podem se referir à principal qualidade de um produto, às propostas de um candidato a determinado cargo ou até a uma crença religiosa inteira.

Em seguida se procede à elaboração das idéias, para que pareçam adequadas aos interesses daqueles a quem serão transmitidas. As pessoas, conquanto possam ter um mesmo padrão de vida, encaram a realidade de formas diferentes. Dentre os que economizaram quantidade semelhante de dinheiro, uns preferem comprar um carro mais moderno, outros valorizam a reforma da casa e há os que preferem viajar para o exterior. As três hipóteses revelam pelo menos um objetivo comum, a preocupação com o “status”. A mensagem oferecendo determinado produto procurará insistir em que ele trará prestígio para o consumidor.

Uma certa seita religiosa defende, como idéia central, que existe uma divindade superior dirigindo o mundo e exige, dos homens, que se comportem de acordo com certas normas. Impõe um padrão de vestimenta; proíbe o álcool, o fumo, a frequência a festas e bailes; proibe cirurgias e transfusões de sangue; obriga a freqüentar os cultos. Nos templos os pastores insistem em que cada um aceite as regras, porque atendem aos interesses específicos dos membros. Para uns é a garantia de salvação após a morte. Para outros vale a felicidade na terra. Em alguns casos importa a benção para toda a família. Para conquistar novos adeptos, há os representantes a visitar residências, tentando seduzir os habitantes a visitar o templo. São treinados para responder a qualquer pergunta a partir da percepção de quais são os interesses dos moradores (me refiro àqueles que importunam nosso sagrado descanso nos fins de semana).

A elaboração de idéias se faz através de dois recursos: a generalização e a transferência. Pela generalização procura-se demonstrar que certas concepções não têm relação com os interesses dos que a defendem, mas com os de todos. D. Pedro jamais disse que ficaria no Brasil para atender aos objetivos do Império Britânico, da elite organizada na maçonaria e dele próprio. Em verdade afirmou: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, diga ao povo que eu fico.” As grandes empresas não dizem que visam obter lucros exorbitantes, mas que querem contribuir para o desenvolvimento do país.

Pela transferência se atribui o objetivo de certas práticas à consecução dos interesses de quem recebe a mensagem e não dos que a emitem. O apresentador de TV nunca disse que, se recebesse as prestações dos carnês em dia, poderia ganhar mais rápido e reinvestir o dinheiro, garantindo maiores lucros. Não, diz que se pagarem no prazo poderão ganhar prêmios, carros 0 KM e até casa própria. O gerente do banco, quando propõe um novo investimento, insiste apenas nos rendimentos que o cliente irá auferir, mas nunca menciona a comissão que ele irá ganhar. Quem já ouviu um candidato dizer: “votem em mim, se eleito terei um ótimo salário, carro com motorista, viajarei freqüentemente, contratarei inúmeros assessores e darei empregos para vários parentes”.

As pessoas têm experiências, formação e capacidade de compreensão diferentes. Uns dominam cálculos, mas têm dificuldades em compreender Sociologia. Outros não simpatizam com Política, embora tenham facilidade em aprender novas línguas. Por isso, as idéias, em forma de mensagens, precisam ser simplificadas para que possam ser entendidas pela maioria.

A primeira forma de simplificação é a síntese. As idéias de Marx e Engels foram sintetizadas no Manifesto Comunista; as teses católicas foram reduzidas ao Catecismo, as propostas do Iluminismo foram concentradas na Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão.

Outra simplificação se concretiza nos “slogans” e “palavras de ordem”. Frases curtas se reportam às idéias que a propaganda pretende disseminar: “Bom Bril tem mil e uma utilidades”, “Trabalhador vota em trabalhador”, “Só Jesus salva”, “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.

Os símbolos constituem o máximo em simplicidade: um pequeno sinal associado às idéias, que levam os indivíduos a se recordar delas. A estrela da Mercedez Bens, o tucano do PSDB ou a cruz do Cristianismo são alguns exemplos.

O conhecimento dessas e inúmeras outras técnicas de persuasão é importante em dois aspectos: aprender a empregá-las, se quiser ser profissional na área; defender-se da manipulação que possa interferir na sua liberdade de decidir pela defesa dos interesses que realmente lhe dizem respeito.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 31.12.98)


Propaganda para preguiçosos

Não faça esforço, seus problemas serão resolvidos em segundos

 

O marketing e a propaganda, ao criar, desenvolver e divulgar produtos e serviços, procuram se apoiar nas necessidades e tendências do consumidor, principalmente quando há um problema importante, que possa ser resolvido. Quem compraria uma máquina para desentortar bananas? Ninguém vê problemas na curvatura das nanicas, nem sente necessidade de que sejam retas.

O ser humano parece carregar consigo, desde os primórdios de sua existência, uma tendência a evitar quaisquer atividades que causem preocupação ou cansaço. É a chamada “lei do menor esforço”, à qual poderíamos acrescentar a “lei do esforço nenhum”. Natural, faz parte da psicologia dos homens. Nos últimos anos, porém, essa tendência parece ter-se exacerbado. As exigências do sistema capitalista, obrigando as pessoas a trabalharem durante mais horas do que gostariam e, mais do que isso, o fato de que a humanidade tenha sido acometida de uma forte febre de preguiça, induziu a que ninguém queira fazer nada além do absolutamente necessário.

Os profissionais de marketing e comunicação, percebendo a tendência, lançaram inúmeros produtos e serviços: freezers, fornos de microondas, controle remoto, vendas e atendimento por telefone ou internet; todos indiscutivelmente úteis.

Mas como sempre acontece, surgiram os “picaretas”. Só há uma forma de se manter boa forma física: alimentação balanceada e exercícios que cansam, um atentado contra a ansiedade de bem-estar e a preguiça. Então surge um aparelho: você senta, liga, e tranqüilamente faz abdominais sem esforço algum. Outro é eletrônico, coloca-se em qualquer região do corpo, aciona-se e a gordura se esvai milagrosamente. Há também as sopas, fibras, comprimidos naturais (nunca entendi como um comprimido, industrializado, possa ser natural).

E a última moda: os “patches”. Invenção genial, o “patch” é um pequeno adesivo que adere à pele e transfere medicamentos e outros ingredientes químicos ao organismo. É absorvido, gradativamente, durante todo um dia. Evitam-se as injeções, a ingestão de remédios com horários preestabelecidos, os problemas estomacais e grande parte dos efeitos colaterais. Mais uma vez a “picaretagem”, oportunista, faz-se presente. Quer emagrecer? Deixar de fumar? Há “patches” para tudo.

Alguns grupos religiosos, também, não poderiam deixar de aproveitar a oportunidade. Viciado em drogas, álcool, fumo, jogo, desempregado? Basta passar a ser adepto da seita religiosa e pronto: abandonar os vícios, montar seu próprio negócio e resolver todos os problemas familiares. Sem esquecer de deixar a polpuda contribuição monetária.

Dominar uma língua estrangeira exigia estudos e, eventualmente, viagens ao exterior; agora não, um gravador, algumas fitas e se aprende dormindo.

Políticos também são milagrosos, basta votar neles para ter todos os problemas resolvidos.

Pense bem, somente o esforço e a determinação permitem conquistar uma condição de vida melhor, seja estudando, fazendo exercícios, trabalhando ou exercendo os direitos de cidadão. Jamais acredite em fantasias.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 10.04.99)


Propaganda enganosa.

 

Radical, como sempre fui, insisto em afirmar: não há problemas com a propaganda enganosa, mas sim com os consumidores incautos.

Uma senhora, cinqüenta anos de idade, um metro e sessenta de altura, pesando setenta e oito quilos. Assiste à TV. Um comercial garante: basta colocar um adesivo (patch) no braço para perder vinte quilos em dois meses. O produto, afirma o comercial, não é vendido em lugar algum, só pode ser adquirido por telefone e vem dos Estados Unidos. A senhora acredita, telefona e compra. Que se trata de propaganda enganosa é indiscutível, mas que a respeitável senhora é descuidada, também é indiscutível.

Cidadãos, aprendam a se proteger; não fiquem aguardando que códigos (o de defesa do consumidor, por exemplo), ou o Estado, os protejam de seus descuidos. Milagres não existem. Não se conquistam lindas mulheres com belos carros, não se perde um vício com adesivos, tampouco se adquire sorte com pirâmides de falso cristal. Comprar por telefone, sem indicação de procedência do produto, sem nota fiscal e certificado de garantia é um risco; melhor aplicar na bolsa de valores, onde o risco é grande, mas menor.

Toda propaganda é necessariamente mentirosa, ao menos no sentido cristão. O publicitário analisa o produto, verifica as qualidades positivas e as negativas, enaltece as primeiras e esquece as demais. Isso é mentira por omissão, aliás premeditada. O creme dental clareia os dentes, não se diz que é abrasivo e prejudica o esmalte. A mentira não foi criada por propaganda; pela sociedade sim. Imaginávamos, eu e uma colega, a hipótese da criação de um pequeno aparelho eletrônico que emitisse sons (bip, bip) sempre que uma pessoa mentisse, Resultado, terrível. “Olá amigo, que saudades (bip, bip), passa lá em casa pr’a tomar um cafezinho (bip, bip). Tudo bem? Sim ótimo (bip, bip)”. Concluímos que o tal aparelho não deveria ser inventado, a poluição sonora seria insuportável.

Por que a propaganda criada nessa sociedade seria diferente? Ela apenas reflete os hábitos e costumes e, portanto, mente. Mas o problema está na grande mentira. O cidadão comum mente pequeno, no varejo, e sabe distinguir a mentira alheia; não está familiarizado com as grandes mentiras e acredita. Essas, geralmente, vêm dos órgãos do governo, através da propaganda oficial. “Milhões de toneladas de grãos produzidos, milhares de quilômetros em construção, centenas de obras realizadas.” Como analisar essas imensuráveis quantidades?

Continuemos a mentir e ouvir mentiras, é natural; mas por que acreditar?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 29.05.99)


Filme publicitário: os bastidores

 

Quem assiste a um comercial de TV, geralmente com quinze ou trinta segundos, não imagina o que ocorreu antes e durante a gravação. É divertidíssimo, algumas poucas vezes triste.

Se o roteiro de um comercial prevê que as cenas ocorram em uma praia os produtores, alegando necessidade de iluminação natural adequada, espaço, cor da areia, tonalidade do mar etc., insistem que a gravação deva ser realizada no Haiti. Estranho, para um país que tem sete mil e quinhentos quilômetros de costa; mas é uma grande oportunidade, para a equipe de filmagem, de passear naquela ilha paradisíaca. Por razões semelhantes fazem-se tomadas aéreas, alugam-se iates, contratam-se lindas e generosas modelos.

Houve uma produtora, a SONIMA que, dentre outras coisas, produziu cerca de sete mil comerciais para TV. Seus proprietários, Álvaro e Carlinhos, contam histórias interessantíssimas.

Em um comercial havia um palco elevado, com dançarinas. “Álvaro, quantas dançarinas você contratou”? “Dez”. “Mas só tem nove.” Foram verificar de perto, uma havia caído, estava desmaiada, com fratura em uma perna. Carregaram para ser socorrida, começaram a rir do inusitado da situação e a deixaram cair novamente. Mas ficou bem, curada e com um bom dinheiro na conta bancária.

Outro comercial, aliás bastante criativo, envolvia um trailer indo do aeroporto para uma cidadezinha dos EUA. Subitamente, surgiu um grupo de indígenas a cavalo, perseguindo o veículo com ar ameaçador. Ao alcançar entregaram uma maleta esquecida no aeroporto, com o logotipo da companhia aérea que financiava a propaganda (Panam). O roteiro, elaborado pela agência de propaganda, previa que a cena tivesse montanhas ao fundo e fosse rodado em Miami. O Carlinhos e o Álvaro gostaram da idéia de passear em Miami. Viajaram e descobriram que, naquela região, os indígenas não usavam cavalos, navegavam de canoa apenas. Além disso não existiam montanhas. Solução: alugaram cavalos e contrataram jóqueis de origem italiana. Maquilaram os jóqueis para cor de índio. Toda filmagem demora muito a começar, daí os jóqueis ficaram comendo salame e bebendo cerveja e vinho. Na hora da filmagem, embriagados, os travestidos de índios caiam dos cavalos. Um desastre.

Outro comercial, para a mesma companhia aérea, deveria mostrar a comida que era servida nos aviões. Mais uma vez a ansiedade por viajar prevaleceu, foram filmar no Panamá. Um Boeing com diretores, produtores, fotógrafos e modelos foi para lá. Geralmente, quando um comercial envolve comida ou bebida, elas são consumidas pela equipe após a gravação. Nessa vez consumiram antes e, obviamente, ficaram alcoolizados. Voltaram a São Paulo, nada do que foi gravado era aproveitável, imagens embaçadas e tremidas.. O Carlinhos pegou revistas de receitas, fotografou os pratos mais bonitos e fez o comercial; ficou ótimo, a competência e criatividade dos brasileiros é impressionante.

Um amigo do Carlinhos insistia em pedir que sua filha, uma linda loirinha, fosse aproveitada em algum comercial. O cenário previa um túnel repleto de bexigas infladas com gas, por onde passariam várias crianças. De repente as bexigas explodiram. Criatividade, nesse caso, foi usada para explicar ao pai porque o cabelo da menina estava com tanto arrepio e chamuscado.

Toda gravação, de locutor ou atriz, envolve dezenas de repetições. Deve-se repetir a cena ou locução até que fique perfeita.

Tive que criar um comercial de quinze segundos. Era urgente e havia pouco dinheiro. Como sempre se faz nessas condições, pensei em apresentar apenas um texto transmitindo a mensagem. Sentindo que ficaria muito pobre, concluí que o texto poderia entrar com ritmo, acompanhando um fundo sonoro: o ruído de uma máquina eletrônica. Um colega redigiu o roteiro e viajou. Dia seguinte telefonaram da produtora: “o comercial vai ficar com vinte e cinco segundos”. Corri para lá. O texto era tão seco e objetivo que precisei de umas três horas para reduzi-lo.

Quem assiste à TV não imagina todos esses problemas. A vida, como a propaganda, também tem seus problemas de bastidores; ótimos enquanto são engraçados...

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 06.11.99)


PROPAGANDA IDEOLÓGICA

 

A Campanha dos Direitos Humanos
A Propaganda Ideológica
Contrapropaganda
Lenin e a Propaganda
Símbolos e propaganda
A propaganda de uma simpática ditadura
Guerra no Golfo: censura e propaganda
Propaganda ideológica: bases para um modelo de análise


A Campanha dos Direitos Humanos

Liberdade de comunicação: comunicação para a liberdade.

 

Há uma certa tendência a se encarar a propaganda apenas em seus aspectos negativos. Criticam-se as campanhas que induzem o consumidor a adquirir produtos supérfluos. Atacam-se as pregações religiosas de charlatães que se enriquecem às custas da exploração dos fiéis. Contestam-se as promessas de candidatos simpáticos que, depois de eleitos, revelam-se incompetentes e corruptos.

Tudo isso é verdade, mas apenas em parte. Há campanhas que informam sobre a existência de produtos úteis; existem pregadores sérios, que auxiliam os fiéis a solucionarem seus problemas; muitos políticos são idealistas e se dedicam à realização do interesse público.

Durante as últimas décadas o mundo assistiu, estarrecido, à proliferação de regimes ditatoriais em que, além das restrições à liberdade, havia repressão, torturas, assassinatos, corrupção. Esses crimes ocorreram no Brasil, Chile, Argentina, Indonésia, URSS, Cuba, China, Espanha, Portugal (em alguns ainda ocorrem). Há poucos anos grande parte desses regimes foram derrubados ou, ao menos, amenizaram suas ações autoritárias. Grande parte desse progresso foi desencadeado a partir de campanhas em defesa dos direitos humanos, realizadas em várias partes do mundo.

Atualmente estamos assistindo a uma extraordinária unanimidade (com exceções, claro). Em todos os países, onde existe alguma liberdade de expressão, a mídia (imprensa, rádio, televisão, internet) discute a necessidade de punição para os líderes responsáveis por atrocidades. Promovem-se debates, seminários, manifestações de rua. Ostentam-se faixas e cartazes, distribuem-se folhetos. O mundo inteiro parece se unir na luta contra as arbitrariedades e a violência.

O ex-ditador chileno, Augusto Pinochet, foi preso em Londres. Em Madrid, foi indiciado pelos crimes de genocídio, terrorismo e tortura; foi pedida sua extradição e a justiça britânica concedeu. Trata-se de uma decisão inédita. Na Suíça, a juíza Christine Junod emitiu uma ordem internacional de prisão contra o ex-ditador argentino Jorge Videla pelo assassinato de um cidadão suiço. Aliás Videla está detido em Buenos Aires, acusado por roubo de bebês, filhos de desaparecidos durante a “guerra suja”. Na França formou-se uma comissão para levar a julgamento o ex-ditador haitiano Baby Doc.O ex-ditador Suharto, da Indonésia, foi interrogado sobre sua fabulosa fortuna, supostamente adquirida de forma ilegal durante os 32 anos em que esteve no poder. O presidente francês, Jacques Chirac demonstrou apoio ao Dalai-Lama, líder espiritual do Tibet, país que se encontra dominado pelo governo ditatorial chinês. No Brasil amplia-se a discussão sobre as conseqüências funestas da aplicação do Ato Institucional nº 5, editado no período da ditadura militar.

Todos esses fatos estão sendo fartamente noticiados pela imprensa internacional. Basta entrar na Internet para se verificar o enorme destaque que se dá às matérias a respeito. E não são meras notas, mas análises, discussões, explicações detalhadas.

É expressivo, também, que os veículos de comunicação estejam divulgando, com tanta intensidade, as comemorações dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. No preâmbulo da Declaração se lê: “...o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade...”.

Talvez os ex-ditadores não sejam punidos como deveriam, ou recebam penalidades suaves. Não importa. Pouco interessa, inclusive, o que pensam juízes, tribunais, a ONU ou outros organismos oficiais. Importante, sim, é que as sociedades, com suas comunidades e grupos, cada vez mais estão adquirindo consciência de que os regimes arbitrários são intoleráveis e é necessário lutar contra eles. Qualquer dirigente político ambicioso, que poderia pretender agir com desrespeito aos princípios democráticos, irá pensar duas vezes porque, mais cedo ou mais tarde, terá que responder pelos abusos que vier a cometer. Nesse contexto a comunicação tem um papel: as pessoas só podem conhecer a realidade em que vivem, e daí se mobilizarem, se estiverem informadas sobre o mundo que as cerca e o ambiente em que vivem. A luta pela liberdade exige consciência; consciência pressupõe comunicação.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 19.12.98)


A Propaganda Ideológica

Sei que o mundo é azul, mas tentam me convencer de que é verde

 

O ser humano, há séculos, procura classificar a realidade, tentando entendê-la melhor. Mantendo essa metodologia tradicional, vamos tentar categorizar a comunicação para explicá-la. A comunicação pode ser informativa, expressiva ou persuasiva. Informativa, quando apenas explicita um fato, como alguém orientando sobre a localização de uma rua ou um jornal noticiando o acidente ocorrido em uma estrada. A comunicação é expressiva se procura transmitir um sentimento, uma emoção; é o caso das artes: música, pintura, literatura. Persuasiva é a comunicação cujo objetivo é convencer pessoas a aceitar determinadas idéias e mais, levá-las a se comportar de acordo com elas. Essa é uma divisão meramente teórica, pois há matérias de jornal com a nítida intenção de persuadir, assim como há manifestações artísticas com a mesma finalidade, como ocorreu com a arte soviética após a revolução de outubro.

Classificando ainda, a comunicação persuasiva (propaganda) pode ser comercial, eleitoral ou ideológica. Comercial é aquela que tenta convencer os consumidores de que determinado produto ou serviço tem boa qualidade, atende a determinadas necessidades, induzindo o receptor da mensagem a gastar seu “rico dinheirinho” para comprar um produto útil ou um supérfluo qualquer. Eleitoral é a propaganda que procura seduzir eleitores a votar em determinado candidato porque é capaz, honesto, fará inúmeras obras. A propaganda ideológica, finalmente, procura demonstrar que o mundo, o país ou a sociedade tem uma estrutura e organização perfeitas e, portanto, precisam ser mantidas ou que são inadequadas e injustas e, por isso, devem ser modificadas.

A diferença é que a propaganda ideológica, freqüentemente, é imperceptível e, muitas vezes, insidiosa. Quando interrompem a novela para apresentar os comerciais, qualquer espectador percebe que se trata de propaganda. Se um candidato surge na TV, no horário político obrigatório, sabe-se que é propaganda. Mas as notícias, os filmes, as letras de músicas podem trazer mensagens discretamente embutidas, que não são tão facilmente visíveis em seu comprometimento com determinados objetivos.

A propaganda ideológica é realizada por grupos que têm determinados interesses, formulam concepções adequadas a realizá-los e as difundem para obter o apoio de outros segmentos sociais, mesmo que não partilhem dos mesmos interesses. Esses grupos, muitas vezes, conseguem controlar vários meios e formas de comunicação, manipulando o conteúdo das mensagens, deixando passar algumas informações e censurando outras, de tal maneira que só é possível ver e ouvir aquilo que lhes interessa.

Os noticiários de jornais, rádio e televisão transmitem as informações como se fossem neutras, mera e simples descrição de fatos ocorridos. Mas essa neutralidade é apenas aparente, porque as notícias são previamente selecionadas e interpretadas de molde a favorecer determinados pontos de vista. Os filmes de ficção, romances, poesias, as letras de músicas e expressões artísticas em geral parecem resultar da livre imaginação de artistas. Contudo, a distribuição e promoção das obras são controladas de modo a só tornar conhecidas aquelas cujo conteúdo não contrariem determinadas idéias.

As denominações de ruas e praças, as placas comemorativas e de sinalização, as estátuas e efígies de pessoas, colocadas nos mais diversos logradouros, aparentemente se destinam apenas a servir de orientação ou a decorar os ambientes. Na maioria dos casos, porém, procurar promover idéias e pessoas que devam servir de exemplo, estimulando comportamentos em benefício dos interesses promovidos pela propaganda.

Professores ensinam concepções comprometidas com certas posições. Líderes religiosos, que se propõem a orientar seus adeptos pelos caminhos da paz espiritual e da salvação eterna, acabam empurrando-os para ações que favorecem lucros materiais e ambições terrenas.

Só há uma forma de se proteger: manter-se com o espírito crítico aguçado. Quem está patrocinando a mensagem, a quem pode interessar, alguém será beneficiado? Percebida a manipulação, o passo seguinte é manifestar-se: escrever, telefonar, enviar mensagens pela Internet. Ser cidadão em suma.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 25.12.98)


Contrapropaganda

O adversário incomoda? Desmoralize-o

 

Quando não conseguem obter o monopólio das informações através do controle ideológico, os grupos procuram neutralizar as idéias contrárias através da contrapropaganda.

Ela se caracteriza pelo emprego de algumas técnicas que visam amenizar o impacto das mensagens opostas, anulando seu efeito persuasivo. Procura colocar as idéias dos adversários em contradição com a realidade dos fatos, com outra idéias defendidas por eles próprios ou em desacordo com certos princípios e valores aceitos e arraigados entre os receptores. Outra vezes, atua de forma indireta, tentando desmoralizar as idéias, não pela crítica à personalidade ou ao comportamento daqueles que as sustentam. Critica-se o sacerdote para desmerecer o conteúdo de suas pregações, ataca-se alguns dirigentes políticos para combater a filosofia adotada pelo governo e assim por diante.

A contrapropaganda, na prática, se concretiza através da emissão de mensagens que, associadas aos argumentos ou à personalidades dos adversários, despertam reações negativas.

A apresentação de fatos que estejam em contradição com as mensagens adversárias, sugerindo sua falsidade, irrealidade ou absurdo, é realizada com o intuito de despertar dúvida em relação a elas. A contrapropaganda dos defensores do sistema capitalista procura neutralizar as idéias socialistas difundindo, dramaticamente e com estardalhaço, notícias sobre fugas de pessoas que viviam em países comunistas. O objetivo desse procedimento é o de sugerir que não deve ser bom aquele regime, se as pessoas que nele vivem querem fugir de lá.

Os fatos que se contrapõem às idéias da propaganda adversária costumam ser totalmente forjados. Não tendo condições de verificar, através de fonte segura, a veracidade ou não das informações, os receptores tendem a aceitá-las ou, ao menos, permanecem indecisos.

A contrapropaganda também atua sobre o temor, mostrando que as idéias adversárias, se concretizadas, podem causar graves prejuízos e malefícios às pessoas. As campanhas anticomunistas constituíram os exemplos mais significativos.

A contrapropaganda também é realizada no sentido de despertar desprezo pelos adversários e suas idéias, associando-os a situações contrárias aos princípios e valores respeitados pelos receptores. Os comentários que se fazem a respeito de alguns dirigentes governamentais, acusando-os de desonestos, corruptos, homossexuais e, até mesmo, de traídos pelas esposas, visam desmoralizá-los e gerar desprezo pelas propostas e idéias que defendem.

As questões de natureza econômica ou política são extremamente significativas para maioria das pessoas, já que se relacionam intimamente com suas condições de vida. Por essa razão, a propaganda procura apresentar as idéias dentro de um clima de grande seriedade, às vezes até solene, que torne possível despertar a atenção para a importância dos assuntos abordados. Daí grande parte da contrapropaganda atuar através do humor, da sátira ou da piada, ridicularizando as idéias e pessoas que as defendem. Procuram, assim, gerar desinteresse pelo conteúdo das mensagens e desvalorizar sua importância.

Os veículos de comunicação, constantemente, difundem charges, apelidos e sátiras que desmoralizam e desfiguram dirigentes e líderes políticos, tornando-os engraçados ou mesmo ridículos. Quebram, assim, a imagem de respeito que estes pretendam impor e afetam o conteúdo de suas afirmações.

Os slogans também são ridicularizados, para perder seu efeito persuasivo e de impacto. No Brasil, os temas das campanhas governamentais têm sido automaticamente ironizados com sugestiva criatividade

A contrapropaganda, portanto, é o instrumento utilizado por um grupo através das formas e recursos mencionados, visando neutraliza a força das teses e argumentos da propaganda adversária. Dessa forma, amenizando o efeito persuasivo das idéias contrárias às suas, o grupo pode desenvolver sua própria campanha de propaganda, sem a necessidade de recorrer a outros artifícios e precauções que esclareçam a razão das diferenças entre suas propostas e as alheias.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 27.03.99)


Lenin e a Propaganda.

 

A História, em seu desenrolar incessante, gerou líderes dotados de uma excepcional capacidade de comunicar-se, persuadir e orientar a mobilização das massas. Um deles foi Lenin (pseudônimo de Vladimir Ilitch Ulyanov), o líder da Revolução de Outubro, na Rússia. Chegou a formular uma teoria de propaganda, em seu livro “O que fazer”, onde enunciava quatro diretrizes fundamentais: organização, propaganda, agitação e denúncia política.

A organização seria o primeiro passo para viabilizar qualquer movimento político. Palavras do líder russo: “o que fazer para mobilizar um proletariado recém saído dos campos e abater a autocracia czarista? É necessário superar a espontaneidade dos operários e criar uma organização de revolucionários profissionais”. Lenin atribuía uma enorme importância ao jornal do movimento comunista, o “Iskra”, menos pelas idéias difundidas que pela organização necessária para produzi-lo.

Propaganda e agitação constituíam duas formas complementares de divulgar as concepções defendidas pelo movimento. “O propagandista inculca muitas idéias a uma única pessoa ou a poucas pessoas; o agitador inculca uma única idéia ou algumas poucas, mas em compensação ele as inculca a toda uma massa de pessoas”. Lenin, portanto, chamava de propaganda ao que hoje se denominaria doutrinação. Agitação corresponderia ao que, atualmente, entendemos por propaganda. E exemplificou: “o propagandista, ao tratar da questão da greve, deve explicar a natureza capitalista das crises, mostrar as causas que as tornam inevitáveis na sociedade moderna, sublinhar a necessidade de transformação dessa sociedade em sociedade socialista...” “Tratando da mesma questão, o agitador tomará o fato mais conhecido de seus ouvintes, o mais marcante, por exemplo, uma família de grevistas famintos, a mendicância crescente... e, apoiando-se nesse fato, conhecido por todos, se esforçará para transmitir, às massas, uma única idéia: a da contradição entre o crescimento da riqueza e o aumento da miséria”.

As denúncias políticas eram a forma de evidenciar as mazelas e abusos do autoritarismo czarista. Dizia Lenin: “...uma das condições essenciais para a necessária ampliação da agitação política, é a organização das denúncias políticas em todos os campos. Somente essas denúncias podem formar a consciência política e suscitar a atividade revolucionária das massas.”... “A consciência da classe trabalhadora não pode ser uma consciência real se os trabalhadores não se habituarem a reagir contra todos os abusos, todas as manifestações de arbitrariedade, opressão, violência...”.

Abstraída a hipótese de revolução, que está fora de moda aqui, não seria o caso de iniciarmos a promoção de denúncias políticas, insistentemente, em uma tentativa de enfrentarmos os abusos das “autoridades” e construir uma sociedade mais séria, honesta e humana?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 03.07.99)


Símbolos e propaganda

 

A propaganda, comercial ou ideológica, procura difundir e incutir idéias. São concepções que contêm conceitos, definições, explicações sobre a realidade, apelos emocionais, prescrição de ações a serem praticadas. A grande quantidade de componentes que envolvem exige que as idéias sejam simplificadas, única forma de difundi-las com rapidez e atingir aqueles que têm dificuldade em absorver explicações mais longas.

A simplificação se faz através de resumos, como o Manifesto Comunista que contém os conceitos básicos do marxismo, o Catecismo, síntese da doutrina cristã ou um folheto, contendo as principais características de determinado produto ou serviço. Também se utilizam “slogans” e “palavras de ordem”; frases curtas, musicadas ou não, que traduzem o essencial de determinada mensagem. A síntese mais simples se traduz pelo símbolo, um pequeno sinal associado a determinada concepção que, quando visto ou ouvido, induz à sua lembrança.

Os símbolos podem ser classificados em três categorias: gráficos, sonoros e plásticos. Gráficos são os símbolos constituídos por letras, traços ou pequenas imagens: as siglas dos partidos, estrelas, lua em crescente, foice e martelo. Os símbolos sonoros, com ou sem música, são expressões, denominações, pequenas frases, gritos, hinos: “Heil Hitler”, “Tovarich”, “Compañero”, a “Marseilleise”, Ahh! (do antigo Kolynos). Plásticos são estátuas, gestos. A imagem de Augusto (da Roma antiga), com Cupido abraçado à sua perna, sugerindo a proteção dos deuses; o braço estendido com a mão espalmada ou punho cerrado.

A eficiência comunicativa dos símbolos pressupõe que sejam simples, estéticos e significativos. A simplicidade garante a rapidez de reprodução e a facilidade de memorização. Nesse aspecto, o pior símbolo que me vem à memória é o do fascismo: um machado, com ponta de lança e um feixe de varas amarrado nele (fascio). A esteticidade é fundamental, os símbolos devem ser artisticamente agradáveis, as pessoas devem sentir satisfação em desenhá-los, pintar ou carregá-los na lapela. Significação é importantíssima, olhar um símbolo, mesmo, que furtivamente, deve lembrar a idéia que representa. Olha-se a cruz, Cristo foi morto preso a uma, não há como esquecer. Algumas agências de propaganda são identificadas por letras: DPZ, MPM, são as iniciais dos nomes dos proprietários ou fundadores, mas ninguém os conhece, não significam nada, a não ser para a vaidade pessoal dos donos.

Considerados todos esses aspectos, o símbolo mais perfeito que já se criou foi o “V” dos aliados, durante a Segunda Guerra Mundial. Esteticamente não é uma obra de arte, mas não compromete. Com “serif” fica até simpático. Significativo, claro, é a primeira letra da palavra vitória em inglês, português. francês, espanhol. A simplicidade, indiscutível, é fácil reproduzir; os aliados pintavam o “V” nos tanques e acampamentos nazistas com o objetivo de assustá-los, e conseguiam. Tornava-se plástico quando feito com o dedos indicador e médio da mão. A sonoridade veio de alguém criativo: a letra “V”, em código Morse, linguagem telegráfica muito empregada na época, era representada por três pontos e um traço. A Quinta Sinfonia de Beethoven, em seus primeiros acordes, se identificava perfeitamente, “tcham, tcham, tcham, tchaaaaam”. As rádios aliadas, sob o pioneirismo da BBC londrina, iniciavam seus noticiários com o tema da Sinfonia.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 19.06.99)


A propaganda de uma simpática ditadura

 

A ditadura a que me refiro no título foi a de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. Em verdade um governo ditatorial jamais pode ser simpático, mas quando se compara aquele período com o do regime militar pós-64, suas torturas, assassinatos frios e tanto sadismo, chega-se a esboçar um sorriso de respeito por Vargas.

Creio que Getúlio foi o único Presidente da República que a população deste país ainda conhece, mesmo os que não viveram a época. “Criador da legislação trabalhista”, “pai dos pobres”, “defensor dos trabalhadores”. Alguém lembra de Wenceslau Braz, ou do mais recente João Baptista Figueiredo?

Por que o ditador tornou-se tão popular? Foi montada uma enorme máquina de propaganda que controlava, de forma absoluta, a imprensa escrita e o rádio (ainda não existia TV). Insistia-se que Getúlio era inteligentíssimo, caridoso, hábil, rápido nas decisões, gostava de crianças, protegia os pobres.

Alguns historiadores gostam de afirmar que era carismático, mas não explicam bem porque. Na mesma época havia outros ditadores. Adolf Hitler aparecia em público com insistente freqüência, discursava com gestos ensaiados e uma voz tonitruante com a qual prometia restaurar o orgulho do povo alemão, abalado com a derrota sofrida durante a I Guerra Mundial. Ali perto Benito Mussolini também fazia seus discursos com seu porte ereto, tórax avantajado: chegou a se exibir sem camisa cortando uma árvore com um machado (os italianos pareciam gostar dessas bobagens).

E Getúlio? Era baixinho, barrigudo e tinha a voz fanhosa. Por que deu certo?

O povo brasileiro, em sua grande maioria, era de origem rural. Um amigo historiador gosta de dizer que nas veias dos brasileiros não corre sangue, mas terra. Tradicionalmente a autoridade maior, no campo, era o coronel, não um militar, mas o fazendeiro rico que impunha seus interesses a todos da região. O coronel, para garantir seu poder, oferecia empregos, conseguia assistência médica para os amigos, ajudava a construir as obras da Igreja. Como era o coronel? Rico, comia muito, portanto barrigudo. Usava terno do tecido mais caro que existia: linho branco. Usava chapéu Panamá e fumava charutos importados. Falava tranqüilo, rico não tem pressa. Getúlio era barrigudo, usava terno de linho branco, chapéu Panamá, fumava charutos importados e falava tranqüilo. Coincidia, exatamente, com os hábitos já culturais.

E havia o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) atuando diuturnamente para inculcar a idéia de que Getúlio (Gegê, como foi apelidado) era maravilhoso. As biografias do Chefe, patrocinadas pelo DIP, elogiosas ao extremo, foram editadas à média de uma a cada oito dias. O pessoal do DIP não tinha tanta criatividade como era de se esperar, usavam o plágio como padrão. Um dos “slogans” mais importantes da propaganda alemã dos nazistas era “Ein Reich, Ein Volk, Ein Führer”. A originalidade brasileira criou “Um Grande Estado, Um Grande Chefe, Um Grande Povo”.

Foi mais ou menos assim a nossa ditadura dos anos trinta, mas quando lembramos dos militares, Celso Pitta ou Fernando Henrique Cardoso somos obrigados a concluir: foi uma ditadura simpática.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 02.10.99)


Guerra no Golfo: censura e propaganda

Entre mortos e feridos, a informação foi uma das maiores vítimas no Golfo.

 

O conflito entre o Iraque e as forças aliadas eclodiu acompanhado de uma forte censura, certamente a mais rigorosa já havida em tempo de guerra. Os militares norte-americanos alegavam que os jornalistas foram os principais responsáveis pelo seu fracasso no Vietnam. Para os franceses, foi na Algéria que a imprensa lhes trouxe a derrota. Não e o caso de se discutir quanto de exagero há em uma versão que atribui, aos meios de comunicação, o poder de produzir um desastre militar. Mais importante é avaliar a extensão, os objetivos e, principalmente, as conseqüências da interferência dos oficiais sobre os noticiários.

Apesar da presença de 700 jornalistas na região, a censura foi total e absoluta. Os repórteres eram obrigados a trabalhar em “pools”, acompanhados por escoltas que determinavam por onde se permitia circular, quais cenas poderiam filmar ou fotografar e quem era possível entrevistar. As gravações e textos eram submetidos a “revisões” que implicavam tanto a supressão de cenas e palavras como de trechos inteiros. Em outras ocasiões, a liberação do material demorava tanto a ser concedida, que a notícia perdia sua importância. Na maior parte das vezes as únicas informações disponíveis eram as contidas nos “briefings”, preparados sob supervisão do comando. Inúmeras personalidades, nos EUA, eram contrárias ao conflito, mas não tiveram nenhum acesso aos meios de comunicação para expor seus pontos de vista. As passeatas pacifistas, dezenas delas, algumas envolvendo cerca de 100 mil pessoas, também permaneceram desconhecidas. Poucos souberam que, apenas na primeira semana do conflito, foram detidos 1.800 norte-americanos, pelo envolvimento em manifestações...

As razões principais que moviam os aliados a proceder dessa forma eram de três ordens: impedir que o inimigo tivesse acesso a informações de importância estratégica; neutralizar a ação de oposicionistas que pudessem minar o apoio político obtido pelos aliados; evitar situações de angústia para os familiares dos soldados ou apreensões entre a população civil. A primeira preocupação era legítima, embora o fosse apenas em relação a uma pequena parte dos informes bloqueados. É tolice imaginar que se fosse permitir, aos inimigos, conhecer pela tevê a localização de tropas e armas ou saber, através do rádio, sobre o momento exato de início das missões. Apesar de que, em tempos de alto tecnologia, os serviços secretos de ambos os lados de uma guerra geralmente têm mais acesso a informações do que qualquer veículo de comunicação. E não se deve esquecer que persiste uma pequena dúvida: teria mesmo a KGB se mantido neutra durante o confronto? De qualquer forma, a censura que se pratica em função do inimigo é aceitável.

Quando a justificativa é neutralizar oposicionistas ou evitar inconvenientes para a população, começa-se a ultrapassar os limites do tolerável. Uma das grandes bandeiras do chamado mundo livre, utilizada para enfatizar a excelência de seus regimes em relação aos do bloco socialista e dos países ditatoriais, sempre foi a liberdade de expressão e acesso às informações. No momento em que oficiais aliados, especialmente norte-americanos, decidem que a população não deve saber qual o número de civis mortos ou a quantas anda o moral das tropas, passam a nos deixar em dúvida sobre as diferenças entre o seu comportamento e o autoritarismo de Sadan Hussein. Um jornalista inglês, embora concordando que é mais seguro manter a eficiência em uma guerra sem os riscos que uma oposição política pode criar, acrescentou com muita propriedade: “Nós não somos democratas se confiamos no povo apenas quando os riscos são suficientemente baixos.”

O controle exercido sobre a imprensa teve características bastante específicas. A forma de censura mais comum tem um caráter predominantemente negativo. Dispõe-se de um conjunto de informes, e não se permite que alguns sejam conhecidos por razões econômicas, políticas, morais ou de segurança. O significado do conjunto, embora um pouco deformado, não se modifica na essência. Em outras circunstâncias, a manipulação pode ser feita de tal maneira que uma situação passa a ter um sentido completamente diferente, até mesmo contrário, do real. Nesse caso a censura torna-se afirmativa, pois se caracteriza menos pelo que esconde do que por aquilo que deixa passar. No Golfo não houve apenas a ocultação de determinados acontecimentos, mas sim a escolha e divulgação daqueles que permitiam mostrar outra guerra, imaginária, que pouco ou nada tinha a ver com a verdadeira. A manipulação foi de tal ordem que alguns pilotos, prestes a decolar em missão de bombardeio, foram orientados a voar dentro de determinada configuração, considerada mais estética para fins de filmagem. E verdade que. para muitos, o noticiário não tinha credibilidade, mas o enorme apoio popular à forma como as ações foram conduzidas revela o sucesso do projeto.

A estratégia da propaganda, para os incidentes no Golfo, foi criar uma versão asséptica dos acontecimentos, que transformou as imagens dos ataques em cenas de videogame. A idéia básica a ser incutida era a de que. com a tecnologia avançada, os disparos se tornaram tão certeiros quanto as “intervenções cirúrgicas”, permitindo destruir alvos militares com absoluta precisão, sem causar a morte de civis e tornando insignificantes as baixas militares. A respeito dos adversários, as condições do combate exigiam que a propaganda fosse ambígua. A necessidade de apoio político obrigou a que a vitória fosse apresentada como indiscutível. Nem faltou o título que sugeria o efeito devastador do ataque aliado: “Desert Storm Operation”. Nesse contexto era necessário subestimar os iraquianos. Suas armas eram obsoletas, seus soldados despreparados, o moral das tropas encontrava-se abalado. Por outro lado, o inimigo não podia deixar de ser também perigoso e ameaçador, para justificar a intensidade dos bombardeios sobre ele. Daí a guarda de Hussein ser composta por soldados agressivos, impiedosos e bem treinados. As referências às armas camufladas criavam um clima de ameaça em que uma possível surpresa repentina exigia ações mais contundentes. Se alguém considerasse improvável essa possibilidade, a falta de princípios e valores éticos por parte das autoridades iraquianas reforçava a argumentação para o ataque maciço. Sadan era um ditador criminoso, prestes a utilizar armas químicas perigosíssimas, como já fizera na guerra com o Irã ou com a minoria curda do seu próprio país. Aproveitando a onda ecológica mundial, a propaganda procurou mostrar que os militares inimigos não hesitavam em destruir a natureza. O mundo inteiro pôde assistir pela tevê, a algumas imagens comoventes, relativas ao petróleo derramado pelos iraquianos no mar. Três ou quatro pássaros, mal conseguindo mover-se por estarem encharcados de óleo, sofriam, aparentando estarem prestes a morrer. Um deles, promovido a “top model”, passou a ser exibido freqüentemente, primeiro agonizando, depois no laboratório onde foi tratado e salvo. Tudo isso seguido por cenas, a que se deu bem menor dramaticidade, mostrando alguns dentre os inúmeros civis mortos por um único míssil aliado.

A linguagem das declarações militares, logo absorvida pelos meios de comunicação, também servia aos propósitos da propaganda. Repleta de eufemismos e siglas, transformavam as conseqüências das ações em pormenores técnicos, mascarando seus aspectos humanos. Bombas incendiárias eram FAE (Fuel Air Explosives); MIA era a denominação dos desaparecidos em combate (Missing in Action); os sacos para corpos apareciam com HRPs (Human Remains Pouches).

Tudo indica que os efeitos dessa propaganda, articulada com a censura deve ter produzido resultados bastante significativos, especialmente nos EUA Para o exterior OS americanos reforçaram sua imagem de potência líder, empenhada na defesa dos interesses de nações amigas. Mas a conseqüência maior deve se dar no plano interno, à medida que permita. aos cidadãos, recuperar parte do orgulho que há tantos anos vêm sofrendo choques Um dos fatores mais importantes a assegurar a coesão social, naquele país, era a sensação que cada indivíduo tinha de pertencer a uma grande e poderosa nação, com uma economia insuperável e um sistema político perfeito.

A derrota do Iraque na forma fantasiosa como foi apresentada, pode fazer renascer a auto-estima daquele povo. Mais cedo ou mais tarde. porém, terão de se conscientizar a respeito do perigoso precedente que permitiram fosse criado. Foi justamente nos países onde mais se preza a liberdade de imprensa que se estabeleceu a tese da legitimidade de uma censura sem restrições, em períodos de guerra. O risco passou despercebido, talvez, porque a superioridade aliada era tão flagrante que os combates teriam que terminar rapidamente, sem grandes baixas. Imagine-se, porém, a hipótese de um confronto entre dois países possuidores de poderio bélico equivalente. Não teriam as respectivas populações o direito de estarem informadas sobre os acontecimentos, de tal forma a possuírem condições de se mobilizar quando houvesse, por exemplo, o risco de destruição mútua? Não podemos esquecer que os civis dos países beligerantes arcam com grande parte dos encargos gerados pela guerra. Foram os cidadãos dos EUA que, além de pagar os gastos militares com a campanha do Vietnam, se viram obrigados a conviver com milhares de ex-combatentes traumatizados neuróticos viciados, deficientes físicos. Como negar-lhes o direito de formar uma opinião adequada antes, durante e depois de qualquer conflito, se é tão alto o preço que devem pagar.

Existem alguns princípios jurídicos comuns a vários países, quer adotem direito escrito ou costumeiro. Um deles é o de que casos semelhantes devam ter o mesmo tratamento. Os responsáveis pela interpretação que define duas situações como merecedoras do mesmo critério de julgamento são juristas, juízes, legisladores e mesmo políticos. São homens, portanto, com todas as suas fraquezas e, principalmente, interesses. E arriscado demais deixar, em suas mãos, a decisão sobre o que podemos ou não saber. Existem várias situações passíveis de serem comparadas a uma guerra. A característica principal que a identifica é a de constituir um momento de gravidade no qual a segurança de uma ou mais nações está em jogo. Visto por esse ângulo, o único que permite explicar a preocupação em censurar, é possível estabelecer comparações com crises econômicas profundas, epidemias, greves gerais. Aceite-se tal similitude e o controle da informação começa a tornar-se mais freqüente, quando não permanente. Não se trata de mera hipótese acadêmica. Nesta nossa terra, onde “em se plantando dar-se-á nela tudo”, já se afirmou que a pornografia era uma arma dos comunistas para enfraquecer a juventude, facilitando a tomada do poder. Entendeu-se que tal fato fazia parte de uma “guerra interna”. E ficamos mais de dez anos sob a censura prévia.

O direito à informação é uma das poucas garantias, para os indivíduos e para a sociedade civil, de que não se cometerão atrocidades em seu nome nem lhe serão infligidas responsabilidades e obrigações indesejadas. Nenhuma ocorrência, por mais grave, pode autorizar a criação de obstáculos ao conhecimento de fatos, a ponto de tornar os cidadãos indefesos. A censura sobre o ocorrido no Golfo significa um retrocesso nos ideais democráticos.

O Iraque foi arrasado; a opinião pública mundial também.

(publicado na revista Propaganda, ano 36, n. 455, julho de 1991)


Propaganda ideológica:

bases para um modelo de análise

 

O estudo excessivamente valorativo e fragmentário de campanhas de propaganda ideológica exige um modelo de análise mais compreensivo e objetivo. A interação social conduz ao empenho na mudança ou manutenção da ordem existente. Esse empenho, face à conjuntura, gera a ideologia num processo de síntese dialética. Os portadores da ideologia procuram divulgá-la para obter a adesão de outros grupos na consecução de seus objetivos. A difusão constitui a propaganda ideológica que, conceptualmente, assume várias formas.

O modelo de análise ou elaboração de campanhas formulado a partir do trinômio “conjuntura-ideologia-difusão”, permite visualizar a propaganda ideológica de maneira global, dinâmica e objetiva.

A questão da possibilidade de manipular pessoas. incutir-lhes idéias e orientar suas açôes pela propaganda tem sido debatida em diversos campos das Ciências Sociais. Ao lado daqueles que conferem à propaganda ideológica (política, religiosa, de guerra) uma importância relativamente secundária, há os que vêem nela uma arma poderosa, instrumento de violação psíquica, que permite dirigir, de maneira quase ilimitada, as opiniões e as atitudes (1). O reconhecimento de sua eficácia levou inúmeras legislações, antigas e atuais, a prever severas penalidades aos responsáveis pela difusão de idéias contrárias a certa ordem vigente (2).

A inquietação com esses problemas gerou diversos estudos, focalizando as técnicas de propaganda utilizadas durante a I Guerra, revolução bolchevista, ascenção do nazismo, II Guerra. São trabalhos que nem sempre, porém, proporcionam conclusões satisfatórias. Há os que partem de um prisma extremamente valorativo, cujos conceitos demonstram grande preocupação com “finalidades... de valor duvidoso”(3) ou com os “evil propaganda methods to secure evil ends”(4). Por outro lado, muitas vezes, constituem análises por demais fragmentárias, encarando certos fatos de forma restrita, isolados de seu contexto, desvinculados das forças histórico-conjunturais que os determinaram. O enfoque fragmentário, tanto quanto as divagações valorativas conduzem a concepções parciais que não permitem concluir, com segurança, a respeito da eficácia e limites de ação da propaganda.

No que se refere ao Brasil, estudos dessa natureza sequer foram realizados. Movimentos como o abolicionista, republicano, tenentista, golpe de 1937, revolução de 1964, são analisados do ponto de vista econômico, político ou social sem nenhuma, ou quase nenhuma preocupação com a difusão de idéias que os precederam e acompanharam o que, se houvesse, permitiria compreender melhor certos fenômenos, seus antecedentes e sua evolução.

Trata-se de problemas que resultam, de maneira geral. da falta de instrumentos conceituais que permitam a formulação de um modelo de análise aplicável àqueles movimentos, sem o que se torna difícil analisá-los mais objetivamente. Em face dessas condições o presente ensaio pretende estabelecer alguns critérios fundamentais que permitem conceituar nosso objeto e estabelecer um modelo mais adequado que autorize distinguir e isolar diferentes estilos de propaganda, relacionando-os às situações em que se desenvolvem. Esses elementos permitirão um enfoque histórico-interpretativo mais seguro da propaganda, oferecendo condições para. numa segunda fase, auxiliar no estabelecimento de princípios básicos que orientem a formulação de métodos e técnicas essenciais à preparação de campanhas. Em suma, pretende-se uma base que, possibilitando uma compreensão mais abrangente, permita a propositura de certas proposições teóricas, bem como a operacionalização dessas propostas.

A propaganda ideológica deve ser vista dentro da Teoria da Comunicação, razão pela qual, dado o caráter interdisciplinar desta, vemo-nos forçados a buscar os fundamentos daquela na História, Sociologia Geral, Sociologia do Conhecimento, Psicologia Social. Nessa ordem de idéias, partimos das noções de “sistema social”, “mudança social” e “ideologia”.

Ao se estudar conceptualmente um sistema social podemos visualizá-lo como formado por subsistemas - político, econômico, religioso, etc. Além disso, “não se deve esquecer jamais que um sistema social, qualquer que venha a ser a perspectiva metodológica da qual seja descrito e interpretado, sempre possui uma ‘estrutura’, uma ‘organização’ e um ‘funcionamento’”(5). Os indivíduos e os grupos que participam do sistema social interagem e, nessa interação, determinados por sua posição e pelos interesses no funcionamento do sistema, se empenham em manter o mundo da natureza e da sociedade em certa situação ou em alterá-lo. Esse empenho se apresenta de diferentes formas que vão desde a mera expectativa, simples aspiração, até a efetiva atuação, mesmo violenta, no sentido de manter ou mudar a estrutura e organização dos vários subsistemas. Nesse contexto se desenvolvem certas categorias que, contendo uma versão significativa da realidade social, permitem orientar e dar sentido às aspirações. Em outras palavras, desenvolvem-se crenças, valores e normas que estão vinculadas, determinadas ou condicionadas por uma conjuntura (6). Estas categorias, através da interação, se fundem, se interpenetram e se tornam comuns; um processo de síntese permite a integração dos múltiplos estilos de pensamento e forma-se uma ideologia, cuja função precípua é a de orientar as ações em direção da estrutura e organização do sistema social e seus subsistemas. Abstraídas quaisquer considerações epistemológicas, poderíamos conceituar ideologia como o complexo de idéias, desenvolvido por um grupo, condicionado por seus interesses e sua posição social, que dirige a atividade com vista à manutenção ou mudança da ordem existente(7). Colocada a ideologia como resultante de uma síntese, importa acrescentar o seu dinamismo. A integração das diversas categorias constitui um momento de um processo - o pensar socialmente condicionado - que continua a fluir, pois “numa esfera em que tudo se acha em processo de transformação, a única síntese adequada seria uma síntese dinâmica, reformulada de tempos em tempos.cada síntese. ao resumir as forças e opiniões de seu tempo, prepara o caminho para a seguinte”(8). Além disso, a própria atualização da ideologia leva à redefinição sucessiva, já que “a teoria conduz a um certo tipo de ação — a mudança da situação efetiva ocasionada pelo ato dá emergência a uma nova teoria”(9).

A tendência à síntese se encontra constantemente incorporada à vontade de algum grupo cujos membros, representantes de estratos sociais mais ou menos definidos, sentem sua posição ameaçada pela situação ou pelas tensões emergentes e propõem, através da síntese, um caminho intermediário que possibilite a realização de seus intentos. Esse grupo portador da síntese, para que sua atividade dirigida à ordem prevalecente tenha algum sentido prático, precisa obter, senão a participação ativa dos elementos do seu e outros grupos, ao menos sua adesão tácita e, para tanto, se vê forçado a disseminar sua ideologia de forma a reduzir os obstáculos à obtenção de um amplo consenso. Quanto mais adequada, intensa e sistematizada for essa difusão, maior a probabilidade de que venha a produzir os resultados visados. Com esses elementos, podemos conceituar propaganda ideológica como toda forma organizada de difusão de uma ideologia ou de idéias a ela relacionadas, levada a efeito por um indivíduo ou grupo, visando a obter ou reforçar a adesão de outros - à ideologia - de forma a possibilitar ações de manutenção ou mudança da ordem existente.

É possível, metodologicamente, classificar “tipos” de propaganda em função de certos critérios. Se o objetivo visado for, primordialmente, a ordem política, falar-se-á em propaganda política; se a ordem religiosa, em propaganda religiosa e, assim, sucessivamente. Trata-se de uma distinção meramente conceptual já que os subsistemas do sistema social encontram-se de tal forma interligados que quaisquer alterações na estrutura, organização ou funcionamento de um deles implica alterações mais ou menos sensíveis nos outros. Outra classificação poderia ser reformulada em face da diversificação de atitudes em relação aos objetivos. Teríamos “propaganda de agitação” para a difusão de idéias que, preparando o terreno para determinada ideologia, proponha a mudança da situação existente, denunciando distorções do sistema, exacerbando descontentamentos, fomentando reivindicações. A propaganda de agitação exerceu papel de significativa relevância e encontrou seu grande desenvolvimento na preparação da revolução russa de 1917 onde se tinha estabelecido o principio de que “uma das condições essenciais para a expansão da agitação política é a organização de denúncias políticas em todos os campos. Somente as denúncias podem formar a consciência política e suscitar a atividade revolucionária das massas”(10). À difusão de concepções que visem solucionar tensões e crises existentes, solução representada pela operacionalização da ideologia, denominaríamos “propaganda de doutrinação”. Esta, normalmente realizada por um partido, procura “conquistar a opinião pela difusão de sua ideologia e seu programa. Trata-se de tornar conhecidas e fazer valer as idéias e os objetivos do partido”(11). “Por outras palavras: em cada grande movimento destinado a revolucionar o mundo, a propaganda, primeiramente, terá que divulgar a idéia do mesmo. Incessantemente terá de esclarecer as massas sobre as novas idéias, atraí-las para suas fileiras ou, pelo menos, abalar as crenças em voga”(12). Em se tratando de difusão de idéias no sentido de manter a estrutura e organização existente, teríamos a “propaganda de integração”. Essa propaganda tem por objetivo vital a moldagem de opiniões, atitudes e conduta entre uma população a fim de criar uma unidade ideológica, uma unidade político-mística, assegurando ao mesmo tempo a legitimidade, autoridade absoluta do poder e a participação dos cidadãos nos planos de governo, por exemplo. Finalmente, ao conjunto das mensagens que visem apenas a anular idéias adversárias, gerando em relação a elas dúvida, desprezo, ridículo ou medo, poderíamos denominar “contrapropaganda”(13).

Outros aspectos devem ainda ser considerados antes de chegarmos à formulação do modelo de análise a que nos propomos. Em que termos há de se promover a difusão da ideologia? O problema se coloca quando se tem em vista as diferenças - psicológicas, culturais, etc. - entre os indivíduos e mesmo entre os grupos. Poucos possuem condições. materiais ou espirituais, de visualizar toda uma doutrina, suas bases, seu desenvolvimento e conclusões.

É imprescindível, para uma idéia encontrar receptividade, que seja adaptada às condições do receptor, que seja sintetizada e ilustrada, o que pode ser realizado por infinitas formas. Um programa irá fornecer regras práticas de ação; a palavra de ordem conterá as idéias gerais e essenciais ou os objetivos a atingir em determinada fase; o “slogan” contém uma síntese com apelo às paixões e sentimentos; um símbolo simples, estético e significativo vai constituir o elemento condicionador de reflexos favoráveis aos portadores da ideologia e mesmo possibilitar a presença constante e intensa de um sinal que a identifique. Assim, programa, palavra de ordem, “slogan”, símbolo, são fórmulas que representam a ideologia(14). A ideologia, além disso, deve ser traduzida de molde a se adaptar aos valores, crenças, mitos, superstições, sentimentos, motivações pré-existentes e sedimentadas nos grupos a que se dirige, O líder, que muitas vezes é o principal autor de uma verbalização da síntese(15), exerce um papel significativo na personalização das idéias de um movimento, em torno de quem se irá construir a imagem de uma personalidade carismática, símbolo de aspirações e expectativas.

Dos elementos expostos, decorrem as premissas do modelo. O estudo descritivo e interpretativo da propaganda realizada durante algum movimento político, por exemplo, deve partir, inicialmente, de uma análise da conjuntura econômica, política, social e psicológica existente à época, voltando-se às suas raízes até onde se encontrem suas causas primeiras. O sistema econômico vigente, suas origens e fundamentos, as formas de exercício do poder, legitimidade, níveis de estratificação e mobilidade social, aspirações, sentimentos, crenças arraigadas, são aspectos que, dentre outros, não podem deixar de ser considerados. A seguir, há que se identificar a ideologia referente ao movimento, em função daquela conjuntura. É importante evitar o risco de empreender uma analise demasiado estática e, para tanto, deve-se considerar a ideologia em termos de síntese dialética, expressão de um processo dinâmico, que se reformula à luz das alterações conjunturais. buscando redefinir-se constantemente. A análise da propaganda, em decorrência, irá discriminar as mensagens que visem a agitação, doutrinação ou integração, busca definir os métodos e técnicas utilizados, as formas pelas quais as idéias são adaptadas às condições existentes, o eventual papel dos líderes na formulação e personalização da ideologia, os programas. palavras de ordem, “slogans” e símbolos divulgados.

Nessas condições, pode-se dispor de uma compreensão, não fragmentada e destituída de sentido, mas global e estruturada do fenômeno propaganda ideológica na área focalizada, possibilitando selecionar suas características essenciais. A propaganda há de ser qualificada de forma menos valorativa, não como boa ou má, perniciosa ou benéfica, mas como mais ou menos adequada em função de suas bases. Os limites e as razões de sua maior ou menor eficácia podem ser estabelecidos objetivamente. Do ponto de vista operacional, também, a melhor orientação de uma campanha será a que parte da compreensão das forças conjunturais e empreende a elaboração ou reformulação da ideologia, adaptando adequadamente as mensagens que, longe de parecerem abstratas, devem estar implantadas no mecanismo social.

Enfim, a partir do modelo em pauta, o fenômeno propaganda pode ser compreendido nos limites concretos do momento e das circunstâncias em que foi realizado, sem preterição das raízes psicológicas, impulsos emocionais e das condições de que emerge e que busca resolver.

Notas e Referências

1— Para um exemplo das suas posições, compare-se: BROWN, J.A.C. Técnicas de persuasão. 2.ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1971. 302 p. e TCHAKHOTINE, Serge. Le viol des foules par la propagande politique. 1a. ed., Paris, Gallimard, 1952. 605 p.

2— No Brasil, a Lei 5.250 de 1967 comina a pena de 1 a 4 anos de prisão ao ato de fazer propaganda de guerra, subversiva ou de preconceito de raça ou classe.

3— DOOB, Leonard W. A natureza da propaganda. in: STEINBERG, Charles 5. org. Meios de comunicação de massa. 2.ed., São Paulo, Cultrix, 1972. p. 491.

4— FRASER, Leindley. Propaganda. Oxford University Press 1949. p. 12.

5— FERNANDES, Florestan. Elementos de sociologia teórica. 2.ed., São Paulo, Edit. Nacional, 1974. p. 100.

6— Para uma análise da noção de "vinculação existencial do conhecimento", vide MANNHEIM Karl. Ideologia e utopia. 2.ed., Rio de Janeiro, Zahar 1972. Cap. 1 e MERTON, Robert King. Sociologia do conhecimento. ln: BERTELLI, Antonio R. et alii. Sociologia do Conhecimento. 2.ed.~ Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 81.125.

7— Este conceito de Ideologia engloba, como sinônimas, as concepções de Ideologia e Utopia expostas por Mannheim, op. cit.

8— MANNHEIM, K. op. cit., p. 117.

9— Id. ibidem, p. 152.

10— LENINE. Que faire. Paris, Seuil, 1966. p. 124.

11— MUCCHIELLI, Roger. Psychologie de la publicitê et de la propagande. Paris, Entreprise Moderne D’Editions, 1970. p.73.

12— HITLER, Adolfo. Minha luta. 8.ed., São Paulo, Mestre Jou, 1962. p. 363.

13— Para uma análise dos métodos de Contrapropaganda, cf., ROVIGATTI, Vitalino. I cattolici e la propaganda. 2.ed. Roma, Edizioni Icas, 1954. 59 p.

14— Para uma explicação das fórmulas, vide DOMENACH, Jean.-Marie. A propaganda política. 2.ed., São Paulo, DIFEL, 1963. p. 54.

15— Adolf Hitler, por exemplo, com a obra "Mein Kampf" era considerado o criador da ideologia nazista.

(publicado na Revista Comunicações e Artes n.7, 1977)


SOCIEDADE E COSTUMES

 

Língua portuguesa
Seriedade: falta um pouco no Brasil.
O trote e as soluções radicais.
Uma cidade na adolescência.
Escola e Internet.
Natal: dobrar os sinos ou não
Hino Nacional Brasileiro


Língua portuguesa

Nada tenho a dizer, mas o farei de maneira absolutamente correta.

 

A forma mais importante de comunicação é a linguagem, falada ou escrita. Insiste-se muito em que, atualmente, prevalece a comunicação por imagens. Não acredito que seja verdade; pelo menos ainda não. Como ironizou Millor Fernandes: “uma imagem vale por mil palavras; agora diga isso em imagens”.

Também argumentam, a partir da lingua japonesa, afirmando que os caracteres (kanji) são representativos das idéias que contêm. Estudei um pouco da língua, realmente alguns caracteres (homem, mulher, árvore, rio), se se fizer um extraordinário esforço de imaginação, podem sugerir a imagem do que significam. Os demais (cerca de seis mil), não sugerem coisa alguma; são apenas conjuntos de traços que, ou se decora ou não se entende.

Voltemos à linguagem verbal. Há regras: concordância, pontuação, conjugações. Elas têm, sem dúvida, grande importância. Todavia, fundamental é o que se tem a dizer. Os norte-americanos, em sua insuportável praticidade, insistem na importância de: “contents, contents, contents” (conteúdo, conteúdo, conteúdo).

Os “letristas” (brincadeira minha para designar os que são formados em Letras) adoram impor regras e designações. Vejam, por exemplo, a frase: se eu tivesse votado no canditado Lula, o Brasil teria um futuro melhor. Era uma forma denominada “condicional”; a condição para o futuro melhor seria ter votado em Lula. Os letristas de plantão, sem ter o que fazer na vida, resolveram denominar como “futuro do pretérito”. Tente explicar a uma criança de nove ou dez anos o que significa futuro do passado (os “letristas” preferem pretérito).

Durante vinte anos fui responsável pela organização dos exames vestibulares de uma Faculdade, em São Paulo. Para a prova de língua portuguesa, pedia aos que elaboravam as questões: não perguntem sobre classificações e denominações. Não interessava aprovar um candidato que, não sabendo escrever uma frase, soubesse a classificação da escrita por outrem: “é uma oração coordenada assindética”.

Erro absurdo é o uso da expressão “menas”. Imaginem, porém, um navio a atracar e o marinheiro perguntando: “mais ou menas corda?” Um “letrista” explicaria o erro da palavra e o navio, enquanto isso, bateria no cais ou ficaria à deriva.

Os “letristas” adoram tanto as regras a ponto de perder a capacidade de se expressar. Não é sugestivo o fato de que os mais famosos e badalados gramáticos deste país jamais tenham escrito um romance, nem ao menos um singelo conto?

As regras gramaticais são apenas um aspecto de nossa cultura. Além dos “letristas”, há os políticos, os juristas, os especialistas enfim, que dedicam sua vida a estabelecer normas para nós obedecermos. Vamos resistir?

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 15.05.99)


Seriedade: falta um pouco no Brasil.

 

Dizia um humorista brasileiro: “o papa só é como o conhecemos porque está no Vaticano, se vivesse aqui seria uma esculhambação. Passaria pela rua e alguém gritaria: ‘como é que é eminência? Tudo jóia? Cara bom tá ali, é amigo do Homem.’ Um repórter iria entrevistar perguntando: Qual o palpite pr’a hoje? Flamengo ou Fluminense?”.

Há vários anos visitou o Brasil a Elizabeth, aquela que é rainha do Reino Unido (United Kingdom), mas todos insistem em chamar de rainha da Inglaterra. Em seu país é proibido usar a imagem da soberana para promover algum produto. No Brasil, um comercial de TV a apresentava, caminhando sobre um tapete vermelho, enquanto um ator virava a ponta do tapete e, com um ar brincalhão, mencionava a marca. Muitas formalidades e formas solenes visam a caracterizar a importância de alguns atos ou personalidades. Nós, brasileiros, não acreditamos e fazemos gozação.

Um professor, o Jair, insiste: “O Brasil é o único país onde cafetão se apaixona, prostituta sente prazer, traficante se vicia, sequestrado foge”. Sabem a Máfia? Têm a “omerta” (lei do silêncio). Você, sendo um desconhecido, pergunta as horas para um siciliano e ele não responde, nem seu próprio nome ele diz. Até que o Tomaso Buschetta veio para o Brasil, denunciou tudo e a todos. Este país contagia. Mas nesse caso, como em outros, a conseqüência foi positiva.

Fui professor universitário durante duas décadas. Lembrava sempre de Descartes e sua famosa frase: “penso, logo existo (cogito, ergo sum)”. Bobagem, em minha experiência descobri que alguns estudantes de Faculdade não pensam e existem, ou não matariam calouros por mera brincadeira. A esse respeito disse o Teo, um bem humorado amigo: “As coisas estão evoluindo. Antigamente, eles tinham de se formar para começar a matar... Está vendo? Agora já começam ao entrar na faculdade. Depois dizem que não há evolução....”

Sabem quem recebe um dos maiores salários da TV brasileira? O Ratinho. Neste país até a mediocridade é caríssima.

Um aspecto de nossa cultura passava, para mim, desapercebido; até que conversei com um português que, como seus patrícios, usam a língua com precisão. Ele não entendia como uma cidade poderia ficar a trinta minutos de São Paulo, se as distâncias se calculam em metros ou kilômetros, não em horas. Tampouco comprendia como se pode marcar um encontro entre seis e seis e meia ou à tarde, depois do almoço etc. Realmente, usamos a língua sem nenhuma precisão e, o que é interessante, entendemos tudo.

Outra graça, são certas aulas de língua portuguesa. Elas estão na TV e no rádio. São Importantes e bem produzidas, mas praticamente inúteis para a maioria.. A crase, ensinam, significa a junção de um artigo feminino e uma preposição, Os que têm formação em letras sabem o que é isso;outros não, pelo menos não lembram. E há a pérola, tão freqüente: o verbo tal é transitivo indireto e exige preposição; poucos entendem uma coisa dessas. Tente, como estou tentando, ensinar noções básicas para alguém e falar essas esquisitices, por mais cuidadoso que você possa ser, irá bater e voltar.

Voltando à irreverência brasileira, resolvemos criar o culto às nádegas. Não tenho nada contra, mas será que é preciso exagerar tanto, por que não deixar para o particular ? Ligue a TV, qualquer canal, qualquer horário, você terá um inevitável enaltecimento àquela parte do corpo. Ainda bem.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 22.05.99)


O trote e as soluções radicais.

 

A imprensa, cada vez mais, transforma fatos sérios em espetáculos.

Mataram um estudante de Medicina. Era um jovem tão sério e dedicado que sua morte causou profunda tristeza a todos quantos ouviram a notícia. A imprensa, com seu peculiar sensacionalismo, desandou a atacar o trote. Não foi trote, foi assassinato, um ou mais criminosos mataram um jovem e o fariam com ou sem trote, cedo ou tarde. Mata-se nas escolas públicas, sem trote. Nas escolas dos EUA, freqüentemente, matam-se vários jovens de uma só vez, sem trote.

Quando entrei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco passei por isso. Dois veteranos cuidaram de mim: cortaram meu cabelo, pintaram-me de vermelho e azul. Levaram-me a pedir “esmolas”, cujo resultado financeiro viraria festa regada a cerveja (ou suco, para quem preferisse). Só terminou em maio, no dia da libertação dos escravos. Os veteranos perguntaram sobre minhas tendências políticas para então concluir que deveria entrar no Partido Renovador, de tendência esquerdista. Entrei. Qual o problema? Cortar o cabelo? Hoje grande número de cantores e esportistas raspam a cabeça. Na época muitos faziam isso, para fortalecer o cabelo ou por medida de higiene. Há, inclusive, uma marchinha de carnaval, antiga de décadas, em que se diz: “É dos carecas que elas gostam mais”, uma referência aos calouros, considerados atraentes pelas mulheres. Pinturas no rosto, saem com água e sabonete. Escolher o partido que defendia as idéias que me eram simpáticas, foi ótimo, aprendi muito.

Os veteranos me explicaram: “quem entra nas ‘Tradicionais Arcadas’ (nome que se dá àquela Faculdade) tende a ficar arrogante e pernóstico; você vai passar por isso (o trote) para aprender a ser humilde”. Foi uma das lições mais importantes de minha vida, pretendo ser humilde até o fim.

Estudei lá durante cinco anos, nunca vi alguém ser agredido fisicamente durante os trotes. Agredidos fomos, várias vezes, mas pela polícia do regime militar a quem desagradava que reivindicássemos liberdade de expressão, democracia ou o fim do imperialismo americano.

Recentemente o Reitor da USP, após longo período de silenciosa indecisão, ouviu o Conselho Universitário e decidiu proibir o trote naquela Universidade. O cargo de Reitor, geralmente, é um trampolim para funções políticas mais elevadas e lucrativas. A decisão foi a forma de acalmar a imprensa (aquela que se diz representante da opinião pública), para manter a imagem positiva do Magnífico. Funcionou, os jornalistas não pouparam elogios à decisão. Ainda bem que ele é apenas Reitor. Já imaginaram sendo Presidente da República e utilizando a mesma lógica? A construção civil causa um número enorme de acidentes e mortes. Proíbam-se as construções. É grande o número de mortes no trânsito. Proíba-se o uso de veículos automotores. Nas favelas se concentram os traficantes de drogas. Fechemos as favelas. Li bastante a respeito de uma postura semelhante, ocorreu na Alemanha.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 08.05.99)


Uma cidade na adolescência.

 

Atibaia saiu da infância, faz 334 anos. Inúmeras são as comemorações e festividades. Antes de comemorar três séculos já passados, é preciso meditar sobre os anos que ainda virão. Alguns fatos sugerem um futuro pouco promissor.

Tenho uma casinha nesta cidade há mais de década. Vinha passar fins de semana, feriados prolongados ou férias. Há meses moro aqui, definitivamente. Creio que já possa ser considerado cidadão atibaiense. Gosto daqui. A população é cordial, gentil, atenciosa. Em São Paulo não, a urbanização rápida fez as pessoas se tornarem egoístas, arrogantes, insensíveis. Mas o povo de Atibaia ainda é bom. A cidade foi e é linda, vejam as telas de Benedito Calixto, elas estão no clube, na Igreja, até na Internet. As fotos mais recentes revelam a mesma beleza.

Um fato deixa-me confuso: como pode um povo tão simpático, em uma cidade tão bonita, eleger administradores tão ruins. O Prefeito é péssimo, o anterior também, o outro inclusive. Os vereadores, nem digo. Por tudo isso a cidade vai mal. Cobraram, há três anos, o asfalto que não foi realizado. Fontes de água, que atraem turistas, estão contaminadas. Transporte coletivo horrível, quando existe. O ar, um dos melhores do mundo, de quando em vez é contaminado por fabricantes de piscinas. O tráfico e consumo de drogas aumenta a cada dia. Mas o povo de Atibaia continua bom. Terrenos baldios são criadouros de ratos, escorpiões e outros espécimes peçonhentos. O Pronto Socorro da Santa Casa, ou do Hospital Novo estão sempre superlotados; grande parte dos casos é de intoxicação alimentar. É que a Prefeitura funciona mal, mas seus funcionários são sérios e dedicados, eles fazem parte do povo, que é bom. Os chefes políticos não, talvez pertençam a uma raça ruim. Essa mania de imitar São Paulo: construção de edifícios sem infraestrutura para suportá-los, homens públicos ineptos e corruptos, poluição. Um povo bom não merece.

Por que não constituirmos comunidades? Cuidemos de nossos próprios interesses e objetivos. Se a Constituição Federal e a Estadual ou Municipal exigem que se elejam representantes, façamos isso, com os devidos cuidados e atenção; mas cuidemos de nós mesmos, além e acima das leis. Nós somos o povo, e bom.

Precisamos nos organizar, lutar, reivindicar e exigir. Não é justo que nossos filhos e netos tenham que viver num inferno urbanístico; eles merecem herdar o “paraíso quase possível na terra”, fazer parte deste povo bom e sentir orgulho de 334 anos de tradição.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 24 a 26.06.99)


Escola e Internet.

 

A velha escola está perante um problema. Trata-se não apenas de criticar, mas resolver ou contribuir para superá-lo. A Internet que muitos dizem ser nova já é adulta, a caminho da terceira idade. A rede internacional é a causa do problema e, ao mesmo tempo, a solução

Como é o ensino tradicional?

Há escolas com salas de aula, carteiras, lousas. O professor, que se presume conheça o que está lecionando, fala e escreve na lousa para alunos que se presume não conheçam o tema da aula. O assunto, qualquer: Física Quântica, Economia, teoria freudiana. O mestre, imagina-se, lê e pesquisa a respeito dos tópicos de suas aulas. Se tiver condições procura também nos sites de busca da Internet.

Se a escola for séria terá cerca de trinta alunos por sala, se não for tão responsável, pode haver oitenta estudantes numa mesma aula (às vezes mais). Dentre eles muitos devem ter acesso à Internet e podem, sobre uma determinada aula, investigar e adquirir mais informações do que o professor detém. Um especialista em Economia estava preparando uma apostila sobre Keynes para seus discípulos. O colega, para ajudá-lo, fez uma pesquisa no “Altavista” e encontrou milhares de artigos sobre o assunto, se o economista fosse ler todos não teria tempo de terminar seu trabalho, que saiu com base nas informações já disponíveis.

O uso de computador em geral, e o acesso à Internet em particular, exige organização, método e lógica. É preciso arquivar textos, conceitos, endereços, até livros. Para isso é necessário criar pastas (folders), sub-pastas (sub folders), dentro das quais se colocam arquivos (files). Tudo isso exige método e lógica, sob o risco de não se encontrar, tempos depois, alguma informação que foi gravada.

Para alunos que têm acesso à informática, em sua própria casa ou na escola, como deve proceder o professor? Imaginemos um mestre em Literatura preocupado em ensinar o significado das obras de William Shakespeare.na cultura universal. Primeiro transmitiria conceitos básicos: o que é um conto, uma crônica, romance, poesia etc. Depois diria qual o papel de Shakespeare na literatura mundial. Pode se fixar em uma obra: Otelo, por exemplo. Deveria, então, discutir a traição, infidelidade conjugal e intrigas. A seguir, daria aos alunos noções de metodologia e lógica para sugerir que pesquisassem, na biblioteca ou na Internet (esta mais rápida, mais completa e internacional).

O aluno estudioso verificaria que o maior escritor brasileiro, Machado de Assis, discutiu o tema com profundidade em Dom Casmurro, Descobriria, talvez, que o assunto foi analisado por escritores da Nova Zelândia, China ou Sri Lanka; que o professor não conhece.

O mestre não deve mais ser um retransmissor de conteúdos, precisa se concentrar em conceitos básicos, metodologia e deixar aos alunos que encontrem os conteúdos através de pesquisa. Para isso não precisa de sala de aula nem lousa, só um computador e uma linha telefônica.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 23.10.99)


Natal: dobrar os sinos ou não

 

O Natal, segundo a tradição cristã, é a data para comemorar o nascimento de Jesus Ben (filho de) David, Jesus o Nazareno ou Jesus Cristo (o messias), o único filho de Deus. É uma data importantíssima, basta lembrar que os cristãos constituem um terço da população mundial. Mais que isso, a data acaba festejada, ou ao menos respeitada, por islâmicos, israelitas, budistas e tantos outros.

Jesus teria vindo ao mundo para salvar os homens, ensinando-os a arrepender-se dos pecados cometidos, cuidar das crianças com carinho, perdoar os erros uns dos outros, serem fraternos enfim. Mas a natureza humana é complexa, os homens continuam gananciosos, violentos e não respeitam as leis, nem as bíblicas.

O Natal se transformou num dia de trocas, não de afeto, mas de presentes materiais. Tornou-se um dia de promoções e vendas, com enorme faturamento. Ganham rios de dinheiro: os fabricantes, distribuidores, comerciantes, produtores de pinheirinhos; gráficos fazem cartões de boas festas, padeiros produzem pannetones, açougueiros vendem perus e pernis, empresas de telefonia fazem mais ligações, correios entregam inúmeras correspondências, empresas de transporte vendem mais passagens, lojas têm filas enormes.

Ruim é a hipocrisia. Países em guerra, guerrilheiros, terroristas resolvem fazer trégua e não atacam no dia vinte e cinco para voltar a bombardear em dobro no dia seguinte. Outros aproveitam que os adversários estão em festa para atacá-los com força total. Criminosos agem menos, porque devem se reunir com seus familiares (bandido também tem família), mas só por um dia.

As ceias com reuniões de famílias são simpáticas, reúnem-se avós, filhos, netos alegres, trocando abraços e cumprimentos. Mas nem sempre. Alguns resolvem comer e beber em excesso, passando a recordar antigas desavenças. Começam brigas, ofensas entre pais e filhos, filhos que não simpatizam com as esposas dos irmãos ou nem se toleram entre si, primos que trocam tapas. Casais separados entram em conflito, para resolver com quem os filhos ficarão.

Há as famílias cujos membros, menos que alegres, tornam-se deprimidos por lembrar dos demais que já partiram.

Mas é válido. Presentes, embora materiais, são símbolos de desprendimento e afeição. Tréguas significam milhares de mortos a menos. Famílias, com ou sem conflitos, ficam unidas, multiplicam-se os abraços e beijos. Crianças brincam juntas em toda sua pureza.

É bom ser feliz, mesmo que apenas por vinte e quatro horas.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 25.12.99)


Hino Nacional Brasileiro

 

Há uma emissora de TV que vem fazendo uma pesquisa, entrevistando pessoas nas ruas e pedindo para cantarem o Hino Nacional. O prêmio, em dinheiro, aumenta freqüentemente, até que alguém consiga: começou em quinhentos reais, já está em mais de quatro mil.

A maior parte dos brasileiros, excetuados certos militares e alguns desportistas, não sabem o hino, conhecem algumas estrofes ou, no máximo, cantam apenas a primeira parte.

Por quê?

Assisti, recentemente, a uma entrevista com um Brigadeiro que tinha uma explicação: o problema é a falha na educação do povo, as escolas não ensinam, deveriam obrigar os alunos a cantarem pelo menos uma vez por semana. Além disso os cadernos, como já foi no passado, deveriam trazer a letra impressa nas capas. Conceitos de militares, habituados à disciplina e a exigir, ditatorialmente, que tudo seja obrigatório, forçado, empurrado pela goela abaixo.

Quando freqüentei os cursos primário, ginasial e colégio (chamavam assim antes), precisava cantar o hino com freqüência. Depois, praticando esportes, cantava constantemente. Confesso, com pesar, hoje não conseguiria cantá-lo sem gaguejar e, com certeza, esquecendo estrofes da letra.

Por quê?

Sei o hino da França, a “Marseillaise”, e consigo cantá-lo sem piscar, apenas com alguns erros de pronúncia.

Por quê?

Porque o hino francês, composto por Rouget de Lisle, tem uma linguagem popular e melodia fácil. O nosso é lindíssimo, uma verdadeira obra de arte, mas não acessível à maioria da população.

Há cerca de cinco anos eu elaborava provas para o vestibular de uma grande Faculdade de São Paulo; em uma das questões, depois de uma breve introdução explicando as origens do hino nacional, perguntei o significado de algumas palavras nele contidas. Eram mais de dois mil candidatos, apenas três acertaram e um era estrangeiro. Até escrevemos, eu e Ricardo Ramos, duas crônicas a respeito.

De início há a estrutura da linguagem. O hino começa com um verbo: “Ouviram”; quem ouviu o quê? E há os vocábulos: lábaro. fúlgido, plácidas; alguém fala assim? Como escreveu o Ricardo, na crônica a que me referi acima, com todo o humor que lhe era peculiar: “como imaginar uma jovem dizendo ao noivo que gostaria de sentir sua clava forte?”

Se este povo que é pobre, sofrido, mas inteligente não é capaz de cantar o hino do seu país é por não ter sido escrito na sua língua. Qualquer corintiano conhece bem música e letra símbolos do seu time. Já é tempo de parar com essa mania de responsabilizar o povo brasileiro por tudo.

(artigo publicado em “O Atibaiense” de 12.02.00 )


 

© copyright 2000 — Nélson Jahr Garcia

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

__________________
Fevereiro - 2000

 

Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se você pagou por esse livro
VOCÊ FOI ROUBADO!
Você tem este e muitos outros títulos
GRÁTIS
direto na fonte:
www.ebooksbrasil.org