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O SOBREVIVENTE

Jorge Alberto Canale

www.supervirtual.com.br


O Sobrevivente
Jorge Alberto Canale
Título original: “The Survivor”

Tradução de José Roberto Romeiro Abrahão

Edição Supervirtual

Versão para eBook
eBooksBrasil

Fonte Digital:
Documentos da Editora

Copyright
© 2006 Jorge Alberto Canale


Índice

Prefácio (1968-1969)
     O Jovem Jorge Alberto Canale
     Jean Llobet Valls
O Meu Manifesto
Homenagens especiais - Agradecimentos
Sobre o livro
Dedicação Especial
Gatos, Pombos e Filhote de Leão
Entre Histórias de Guerra e Histórias de Amor
Hann a Enfermeira
A Guerra dos 6 Dias - 1967
Iêmen e o Grande Khat, o Cão
Lábios Leporinos e Maus Policiais
Christiane
Sanduíche de Mortadela e Meio Copo de Água de Torneira por Apenas US$100
Instituições Religiosas
O MG, Meu Automóvel, a Grande Perdida
Quarto Dia - Amor a Primeira Vista
Tchecoslováquia
Croácia, Bósnia... Não me Lembro Bem
As Ditaduras
O Encontro com a Dra. Rita Moreno não Concretizado
O Mexicano Rodolfo Zapata
Livros de Jorge Alberto Canale
Nota do Editor


 

PREFÁCIO
(1968-1969)

 

O JOVEM JORGE ALBERTO CANALE

 

Não apenas um jovem como outros, digamos que jovem-adulto, diferente dos demais da sua idade. Sua pessoa sempre nos chamou a atenção.

É pessoa grandiosa, sensível ao extremo e de coragem indômita. Está sempre polindo sua inteligência e imaginação inventiva para enfrentar as circunstâncias da vida, novos combates. Sempre de posse de grande material em potencial, ele sabe que é difícil ganhar batalhas pelo mundo que vivemos, mas não é de desistir ou se render frente as maiores dificuldades.

O Sobrevivente, penso que é mais uma maravilhosa literatura sua, obra magnífica. Culto, sábio, gosta do que é bom e do melhor, mas também sabe aceitar o pior. Fala pouco, ouve muito, enxerga longe e sabe o que faz.

Embora muito jovem é bem relacionado mundialmente com grandes personalidades. Jorge Canale, de caráter firme, é ético, porém simples e até humilde demais. O Sobrevivente, talvez ele manifeste neste livro sua própria vida, ou de tudo aquilo que ele foi espectador no mundo, experiências das suas profissões e das suas missões.

Aprecia o glamour que perfuma as flores silvestres dos campos, respeita a natureza em si. Ouve os cultos e os mais velhos, é tolerante com a ignorância e a brutalidade humana. Isto às vezes é mais que surpreendente em demasia.

Aceita qualquer clima, enfrenta qualquer tempestade, natural e humana. Nos mais graves dos seus momentos, este se torna agradável e afável. É impetuoso, quase não desfrutou da sua juventude. Considerado por elevadas autoridades da Europa e dos Estados Unidos, com um grande gênio.

Jorge Canale, mais uma vez com um dos seus tantos livros e acredito que como os anteriores também este, O Sobrevivente, seja do seu agrado. Ame-o ou odeie-o.

 

Jean Llobet Valls
Professor Universitário e amigo.


O MEU MANIFESTO
(2002)

O meu manifesto, como leitor, como observador e como ex-diretor daquele que fora o jovem Jorge Canale, hoje mais que um adulto, aliás, ele imerso na tenra idade já era adulto e cheio de sabedoria. Ele, sempre mostrou sua grandiosidade humana e profissional, como médico, arqueólogo, combatente mundial, entre outros e mais que outros.

De extraordinária disciplina. Trabalhamos juntos. O vi por infinitas vezes confeccionar artefatos, máquinas, instrumentos e armas; inventar tudo que imaginamos e nem imaginamos; escrever com afinco. Sempre nos chamou a atenção. Seus livros são destaque e em poucos dias se esgotam. O Sobrevivente, eu tinha um exemplar que se extraviou e me foi impossível conseguir outro. Resido em Nova York e um dia lendo um jornal me deparei com um anúncio, alguém buscava livros da autoria de Jorge Canale, entre eles O Sobrevivente e o Emissário do Diabo.

Em pouco tempo vi mais procura destes em outros jornais e na internet, desta vez com persistência de uma Dra. da Áustria e pessoas da Alemanha e Bélgica. Eles não só pagariam bem pelos exemplares como também gratificariam sobre qualquer informação do paradeiro do autor.

No último terremoto de São Francisco, preocupado com um amigo residente na zona mais atingida, fui à sua procura e chegando ao local do sinistro, só achei os bombeiros e os escombros do edifício onde este morava. Na lista dos bombeiros constava meu amigo como vivo, pois este no momento do terremoto estava pescando.

Vasculhando os escombros do edifício ou do que este outrora fora, me deparo com algo de maior surpresa, ali jogado estava todo chamuscado e meio amarelado, um livro de Jorge Canale, aliás, um dos tantos mas, este era o mais procurado nos últimos anos — era O Sobrevivente. A vida não é irônica? Meu amigo salvo pela pescaria. O Sobrevivente sobreviveu ao terremoto. Eu fiquei eufórico, mais uma vez depois de tantos anos, mais que surpreso com a pessoa que é Jorge Canale.

O Sobrevivente, talvez um dos únicos livros de maior repercussão mundial nos anos 70. Sua capa ainda mantinha sua cor, apesar de estar chamuscada; folhei-o reparando que faltavam folhas, talvez umas 45 delas, outras estão danificadas como que parecendo as cicatrizes do Canale. Penso que o livro sobreviveu tanto quanto sobreviveu Jorge Canale durante estes anos todos. O Sobrevivente, propriamente a vida árdua do Canale, o autêntico Jorge Canale, digno homem de luta.

Assim que retornei à minha residência, constatei que as pessoas que estavam à procura do tão requisitado livro, manifestavam o desejo que este seja reeditado, talvez esta edição seja a 3ª ou 4ª, há muitos leitores e admiradores; calcula-se que mais de 12.000 no mundo todo à procura do livro.

Um certo repórter, de renomado jornal de Nova York, sabendo do assunto tentou adquirir o livro, mesmo este estando danificado e me oferecendo uma quantia elevada, mas não aceitei. O Sobrevivente, ele sobreviveu, eu o achei, o livro, no meio do terremoto. Não vendo, não dou e não empresto. A determinação de uma pessoa americana que morou no Brasil. O livro ficará hospedado na minha residência pelo tempo necessário para traduzir o livro.

A questão é que este livro seja reeditado, como meu presente para Jorge Canale, que para nós amigos do mundo todo, acreditamos seja uma das maiores alegrias e grande gratificação.

 

Dr. Robert Gross.
USA


 

HOMENAGENS ESPECIAIS:

 

• Dr. Robert Groos, Médico (USA);
• Professor Dr. Jean Llobet Valls (França) — in memoriam;
• Dr. Manuel Joaquim R. do Valle Neto, Médico (Brasil);
• Marcia Karolczyk, Enfermeira (Brasil);
• Marco Cézar Bassi, Empresário (Brasil);
• Milton Ortega Calvo, Administrador de Empresas (Brasil);
• Sylvia Sarah Jorge da Silva, Professora de Inglês (Brasil).

 

AGRADECIMENTOS:

 

Ao Dr. Robert Gross, meu sincero respeito e admiração. Embora com idade avançada, sempre se manteve lúcido e forte e teve uma grande vitória em ter localizado uma das minhas obras, na qual dediquei muito tempo da minha vida.

Sem sua pessoa este livro, O Sobrevivente, não seria reeditado, satisfazendo a solicitude de milhares de leitores e amigos nele interessados.

Há sempre procura dos meus livros antigos e reelaborá-los não é muito fácil, mas faz-se o possível para atender aqueles que solicitam, sejam eles instituições culturais, centros acadêmicos, amigos ou admiradores.

Ao Dr. Robert Gross, meu grande amigo e meu ex-diretor, o meu grande obrigado.

 

Jorge A. Canale
O autor.


 

 

 

Fiz este livro quando tinha talvez 26 ou 27 anos de idade, não me lembro exatamente. Naquela época eu era novo mas com longa experiência de trabalho profissional e é claro, da vida que o mundo nos oferece.

A primeira edição, com tiragem de 4.300 exemplares, se esgotou em trinta e oito dias. Posteriormente foram impressas mais 6.500 cópias, que também se esgotaram em pouco tempo. Houve novas propostas para reedição do livro, mas por várias razões desisti das mesmas.

O livro em si, seu conteúdo, digamos que relata fatos reais, embora alguns países, cidades, instituições e nomes de pessoas foram trocados para preservar sua integridade. Das pessoas que conhecia na época, hoje restam apenas cinco.

O livro achado pelo Dr. Gross, do qual foi copiado este, está muito danificado e chamuscado; acredito que faltarão cerca de 30 páginas. Portanto estas foram completadas ou substituídas por outros fatos ou histórias.

 

Jorge Canale
O autor.


 

 

 

DEDICAÇÃO ESPECIAL:

 

 

 

Ao Sobrevivente
À minha gata Ana Maria (Aninha)

 

 

 

 

A: Sou elevado funcionário ou oficial autoridade. Sirvo aos órgãos competentes que confiam em mim. Preservaram minhas profissões, habilidades, tarefas e missões encomendadas. Respeitam meu perfil e ética. Estou muito treinado e preparado para dar a vida se for necessário, em defesa para concluir a missão que fora encomendada.

B: Nunca, jamais desistir da missão ou trabalho encomendado. Não me deixarei subornar, corromper e não me venderei por livre vontade, pressão, tortura ou humilhação. Se estiver no comando, nunca entregarei ou trairei meus funcionários enquanto houver meios e forças para resistir física e mentalmente. Farei de tudo para escapar, resistir e lutar, para ajudar os outros a escaparem e salvar suas vidas.

C: Se eu for feito prisioneiro, capturado ou seqüestrado, serei fiel ao meu órgão, país e aos meus colegas e companheiros de prisão.

D: Não tomarei parte no que possa prejudicar meu serviço, missão, camaradas e departamento. Se eu for o mais veterano ou o mais velho, assumirei o mando de comando, se não for pessoa de habilidade e responsabilidade para as circunstâncias e cargo, renunciarei ao mesmo para dar lugar a outra pessoa competente.

E: Preservarei a minha educação, ética, bons princípios e disciplina, recebida no meu lar, escola, faculdade e academia. Não temerei ninguém, mas sim respeitarei tudo e todos. Respeitarei religiões, credos e seitas. Evitarei submissão, humilhações e atacarei conforme as circunstâncias, com as mais profundas das minhas habilidades técnicas e táticas de sabedoria.

F: Feito prisioneiro e interrogado, fornecerei apenas nome, posto, número de documento, data de nascimento e grau. Nunca farei declarações por escrito, gravadas ou orais que traiam a lealdade e honra das minhas tarefas ou missões, todas elas por razões humanitárias e de ciência.

G: No possível serei pontual e formal nos meus serviços e com as minhas obrigações, respeitarei meus superiores, colegas e camaradas de trabalho. Me afastarei de maus funcionários, gente inconveniente e viciados em drogas, álcool e mau comportamento, que estejam fora dos bons princípios.

H: Sobreviverei a qualquer custo e sacrifício e cumprirei com o que me foi encomendado, tarefa ou missão designada. Obedecerei meu superior ou superiores, mesmo que estes estejam errados.


 

GATOS, POMBOS E FILHOTE DE LEÃO.

 

São duas horas da manhã, sentado na beirada da minha cama começo a pensar em tudo e não consigo entender. Me levanto, ando, paro e penso, sinto que minhas emoções aceleram as batidas do meu coração. Tenho sede, tomo um copo d’água, mas os pensamentos continuam. Será que há no mundo outros sobreviventes além de mim? Eu não seria o único?

Tenho insônia!

A psiquiatria e a neurologia, no seu estágio atual, não são competentes o bastante para diagnosticar com precisão o grau de deficiência do metabolismo do meu corpo e os profissionais consultados ficam desnorteados e confusos. Indicam outro profissional, com nível mais elevado para estudar o meu caso e este por sua vez também não consegue chegar a um diagnóstico.

Enfim, até hoje nenhuma destas duas áreas médicas conseguiu ajudar-me a dormir nem que seja uma hora a mais por noite ou mesmo durante o dia.

Vou me deitar às 22:00 h, leio até as 23:00 h, depois durmo profundamente até às 24:00 h ou em raros casos, como já citado, até as 2:00 h. Acordo e não mais prego os olhos. Ao acordar, volto a ler ou a ouvir um pequeno rádio de pilha com meus fones de ouvido, para não incomodar a mulher que dorme tranqüilamente ao meu lado (fico pensando se há sobreviventes jovens amantes da música de Strauss ou de outra música clássica).

Mas, a mulher percebe meus movimentos e se irrita, motivo pelo qual temos tido tantas brigas e atritos. Aliás, fui casado quatro vezes e em todos os casamentos foi o mesmo problema!

Às 3:00 h da manhã já estou na minha pequena empresa.

Abro a janela e Ana Maria pula no meu colo. É a minha gata “Aninha”, como os amigos mais chegados costumam chamá-la. Irá completar 14 anos e tem a aparência de um tigre com uma faixa de pelos brancos na barriga.

Já publicaram em jornais, revistas e periódicos fotos da “Aninha” em muitos países. Ela entende chamados e algumas conversas em cinco idiomas. Poderia chamá-la de inteligente não fosse ela um animal. Quando sai comigo na rua anda como se fosse um cão, do meu lado. É muito disciplinada. A primeira coisa que faço ao chegar à empresa, é a limpeza do seu tapete e asseio da “Aninha” e sua alimentação. Michel, o dono do bar vizinho ao meu prédio, vê a luz acesa pela minha janela e envia o café da manhã, o qual, é claro, compartilho com a minha gata.

Deixe-me contar o que aconteceu com esta gata e como sobreviveu a um massacre de animais.

Num colégio famoso de São Paulo, de renomado conceito, o seu diretor permitia todo tipo de atrocidades para com os pombos e gatos. Certo dia recebi uma denúncia anônima a respeito desses maus tratos com animais e imediatamente comuniquei o fato a um jornalista, à polícia e até aos bombeiros. Fomos ao local, ou seja, ao colégio. Lá chegando, surpreendemos o diretor em seu gabinete e imediatamente soltamos todos os animais que estavam com suas patas amarradas com fios e entre eles, pombos e a gata que se tornou minha estimada “Aninha”. Reunimos os alunos no pátio do colégio, explicamos que aquelas atrocidades cometidas aos animais eram passíveis de severa punição judicial e que poderia levar à detenção.

Eu já estava cuidando de duas gatas que recolhi da rua, uma delas a Minu, estava com treze meses de idade e acabara de dar à luz dois gatinhos, mas apenas um deles sobreviveu. Quando trouxe a Aninha para o meu convívio, ela era a única sobrevivente duma ninhada de cinco gatinhos, entre eles seus pais e irmãos. Todos trucidados pelos professores, alunos e porteiros que trabalhavam no colégio, sendo que os filhotes tinham apenas quarenta dias de vida.

Aninha estava suja e ensangüentada, parecia até que havia saído de um bombardeio. Dei-lhe banho, fiz assepsia, mas ao examiná-la constatei que ela sofrera várias fraturas, além de outros ferimentos e estava desnutrida. Na opinião de um amigo veterinário, era melhor sacrificá-la, mas algo no fundo me dizia que ela ainda tinha muitas vidas e iria sobreviver (se gato tem 7 vidas, acho que Aninha perdeu 6).

Conscientemente eu não poderia sacrificá-la e então resolvi pessoalmente fazer a cirurgia de que ela precisava, e disse a ela:

— Olha gatinha, não prometo nada, mas vou tentar fazer o máximo por você. Embora eu não sou mais aquele cirurgião, mas vou fazer o possível.

Preparei o material cirúrgico e às 16:00 h duma tarde quente de dezembro de 1988 comecei a operar a gata, tarefa que foi até às 24:00 h. Ela reagiu bem à cirurgia, era forte e resistiu. Alguns dias mais tarde a gata Minu começou a dar-lhe de mamar e eu criteriosamente lhe ministrava alimentação na hora certa com as vitaminas necessárias. Cerca de tanta dias mais tarde, ela já estava totalmente recuperada.

Certo dia, cheguei na minha firma, por volta das 5:00 h e ao abrir a porta, deparei com uma cena horrível. Os corpos de dois gatos mortos pelo chão e a Aninha miando ao lado do corpo de sua mãe adotiva. O que teria acontecido?

Observei a janela e percebi que ela havia sido forçada. Pensei comigo mesmo, será que alguém entrou aqui apenas para matar estes pobres bichinhos?

Estava enterrando a Minu e seu filhote quando recebi um chamado telefônico. Era uma enfermeira que trabalhava na redondeza e assistiu a esse ato de atrocidade quando saía de seu trabalho. Ela viu um elemento mal-intencionado jogar pela janela um pouco de alimento envenenado (embora ela não soube precisar exatamente que tipo de alimento), mas o fato é que os gatos o comeram, exceto a Aninha, estes vindo a falecer rapidamente.

A enfermeira seguiu o elemento até o referido colégio de onde eu havia resgatado a Ana Maria, por conseguinte percebi que eram atritos com o diretor.

Novamente comuniquei o fato à Polícia, dois repórteres e a testemunha dos fatos. Fomos ao colégio à procura do senhor diretor, que quando nos viu mudou até de cor e eu lhe disse:

— Sr. Diretor, o crime não compensa.

Ele foi levado ao DP e seu colégio foi matéria policial em todos os jornais, seus pedreiros demitidos e ele renunciou, tamanha a pressão sofrida, justamente.

Estes casos, quando resolvidos com o respaldo da Lei, deixa-me muito satisfeito, embora muitos desses animais sofram toda forma de atrocidades até que alguém, de boa índole, resolve arregaçar as mangas e enfrentar esses humanos que são piores que feras. A grande diferença desses com os animais, é que os animais matam para se defenderem ou para saciar a fome, ao passo que os humanos sentem prazer em ver suas vítimas, indefesas e agonizando, sem o menor remorso, ao contrário, se deleitam com a morte dessas indefesas criaturas.

Às vezes provocam-lhes a morte por ingestão de veneno, introdução de pedras de vários tamanhos em seus organismos e abrem suas vísceras com o animal ainda vivo, etc. Podem existir animais piores que este?

Mas nem sempre alguém que quer defender um animal das mãos desses assassinos o consegue, quando então são bem sucedidos.

Tomem o exemplo de um filhote de leão de 8 meses de idade, enclausurado num porão de um hotel de luxo, na praça Roosevelt, em São Paulo. Recebi uma denúncia anônima sobre a situação. Obtive o mapeamento do local onde o leão se encontrava e planejei vê-lo para confirmar a denúncia.

Encenei uma hospedagem no hotel com uma mala vazia. Cheguei à recepção e me hospedei. Conforme a informação, com muito cuidado, desci as escadas para chegar ao porão, com medo de ser descoberto e após meia hora localizei o animal num canto do porão, jogado no chão frio, amarrado com uma corrente, sua respiração era fraca, estava desnutrido e sem uma parte da sua cauda.

Revoltado, saí imediatamente do hotel, pagando a conta e alegando uma viagem de urgência. Imediatamente ao chegar ao meu atelier contatei o IBAMA, a Polícia Florestal e até a Organização Protetora dos Animais, e aguardei horas, para ser mais exato, oito horas, mas não houve manifestação de nenhuma destas entidades. A minha luta para salvar o filhote de leão continuou por horas a fio. Contatei oito organizações de Meio Ambiente e também não recebi qualquer apoio. Os meus apelos chegaram até o gabinete do Presidente da República mas, como todas as outras tentativas, não recebi nenhum retorno. O que fazer? A quem recorrer? talvez ao partido verde? Negativo, não recebi apoio!

Estava completando 38 horas de luta para salvar o pobre animal quando uma fonte de dentro do hotel me informou que o filhote de leão não resistiu e morreu. Isto soou para mim como um fracasso na minha luta para salvar um animal.

Que mal teria feito tal animal para ter esse fim?

Onde está a sensibilidade humana?

Será que para estes há algo de maior importância que a vida?

Será que este país, tão bonito e rico em fauna e flora, não tem órgão competente para resolver um caso como este?

Agora, eu entendo porque o governo deixa uma boa parte do povo da região norte e nordeste passando fome.

O termômetro para se medir o cuidado que o governo tem para com seu povo está no modo como trata sua fauna e flora. Assim sendo, se não cuidam de suas crianças carentes, jogadas na rua, que dirá dos cuidados com um filhote de leão? A imprensa não se interessa por este tipo de assunto? Ou a prioridade é para sensacionalismo, política e novelas? Se um criminoso, como nesse caso, fica impune isso é com a justiça. No entanto, cuidar dos nossos animais, preservando a flora e fauna, isso é tarefa também para cada um dos nossos cidadãos.

Temos o caso do Japão e da Noruega. Eles massacram baleias, golfinhos e filhotes de focas, usando métodos cruéis e arcaicos alegando questões de estudos científicos. Ora bolas, esses países são do primeiro mundo e portanto não precisam destes métodos para se alimentarem. Isto é apenas uma desculpa para que assassinos predadores continuem a solta, livremente com suas atividades insanas e inescrupulosas.

A rotina diária continua. Agora, são 3:40 h. Já terminei de fazer a higiene da Aninha, seu toalete e utensílios de alimentação. Recebo o café da manhã enviado pelo Michel, e compartilho o iogurte, creme de abacate, suco, ovos e frutas com a Aninha que se recolhe novamente até as 11:00 h. Às 4:36 h, está tudo OK. Está mesmo? É importante me certificar disso, pois preciso sair à rua e antes de sair observo com cuidado o trajeto que irei fazer. Preciso buscar o jornal. Geralmente as bancas abrem cedo.

Há na esquina uma viatura policial, vários motoristas de táxi, então sinto-me um pouco mais seguro e desço até a banca mais próxima. Ela ainda está fechada, então preciso andar um pouco mais, mas tudo bem, andar faz bem a saúde. Então encontro alguns amigos e conhecidos. Pago o jornal, folheio as manchetes e ao longe ouço Cavalheiros Ingleses. É uma marcha militar executada até os dias de hoje pelos ingleses em batalhas, desfiles ou troca de guarda.

De onde vem? Em meio a dezenas de prédios da avenida, alguns já com suas luzes acesas, fico tentando localizar a procedência daquela música-marcha. É linda, bela letra e dura aproximadamente 4 a 5 minutos.

Em seguida, só ouço barulho de carros que já começam a rodas em alta velocidade. Retorno à empresa, mas antes paro para tomar um cafezinho no bar do Wilson. Ao sair do bar e andando pelo quarteirão, onde fica a minha firma, ouço um canto de galo — canto de galo? Nessa selva de pedras? Onde está ele? O galo continua cantando quase intermitentemente. Aqui onde eu estou só há prédios enormes, de escritórios, hotéis e alguns de moradia. Mas penso comigo mesmo, deve ser um hotel restaurante que abate aves para consumo, mas galos? Lá vou eu pesquisar onde posso encontrar o habitat desse galo. Procuro em hotéis, um após outro, mas nada. Volto à minha firma.

Na madrugada seguinte acordei com o canto do galo mais próximo de mim. Pensei que estivesse imaginando coisas, mas não, o canto continuava. Então decidi que precisava achar esse galo ainda hoje, enquanto ele está cantando. Percebi que se eu estivesse no alto do meu prédio poderia vê-lo com facilidade.

O prédio onde estou, tem três andares e é de arquitetura antiga. Não tem elevadores, mas preciso subir. Subo todas as escadas e no final estou sem fôlego; ainda mais, preciso subir outra escada de ferro par alcançar um alçapão fechado com um ferrolho enferrujado com seu tampão antigo. Pensei, se eu subir por ele chego ao telhado e de lá posso ouvir o canto e localizar o galo. E assim se deu. Abri o alçapão e olhei ao redor. Silêncio total. Metade do meu corpo está pra fora do prédio e a outra metade dentro. Preciso tomar cuidado parta toda esses estrutura não ruir. De repente, ouço canto do galo e desta vez mais audível. Ele canta com se estive ouvindo um eco ou resposta de um outro canto de galo. Mas em vão, ele está sozinho.

Percebo que o som vem da minha esquerda e se eu andar uns dez metros por sobre o telhado — e se ele não afundar — com certeza vou achá-lo. E lá vou eu me equilibrando e me segurando onde fosse possível até chegar na caixa d’água. Nos fundos do meu prédio há um outro em forma de L invertido e no meio do L uma grande árvore, uma seringueira, de aproximadamente 50 anos ou mais.

Olho pra baixo, há também uma moradia e... cocoricó, cocoricó... Eureca, achei o danado! Lá estava o galo, num espaço máximo de 6 metros quadrados. É o seu reduto sagrado. Um reduto espremido pela falta de espaço e com falta de harém. No entanto, um galo sabe demarcar o seu território e ser imperador mesmo que sobre uma só galinha. Estava em cima dum caixote de maçãs e se esticava todo para soltar o seu canto, batendo as asas.

— Viva, glória a tua existência, — grito eu de cima do telhado, me segurando na caixa d’água. Ele olha pra mim como se perguntando quem és? E não volta a cantar. Penso que estraguei o seu barato. Desço do prédio e contorno a rua a procura do responsável pelo galo.

Estou na frente da enorme porta do prédio vizinho, toco a campainha e o zelador veio atender-me.

— Dionízio?

Fico surpreso ao reconhecer o zelador.

— Olá Doc, tudo bem?

— Tudo bem Dionízio, venho trazer um pouco de milho para o seu galo.

— Ah! Como o senhor conhece ele?

— Acabei de conhecê-lo há alguns minutos atrás. É um galo muito bonito. O zelador meio tímido, perguntou-me:

— Ele perturbou o senhor?

— Oh, não, de maneira alguma. Acho fantástico como ele sobrevive nessa selva de pedras.

— O senhor tem razão, não é fácil mantê-lo vivo, ainda bem que o síndico do prédio permitiu que eu e minha esposa cuidássemos do galo e da única galinha que veio da Bahia, há uns dez anos atrás, numa sofrida viagem por causa do transporte e falta d’água quase morreram, e a barreira policial tentou impedir a viagem até São Paulo mas, graças a um sargento que sensibilizou-se, liberou a passagem, — explicou ele.

— Hoje são para nós os nossos bichinhos de estimação e ficarão conosco até morrer.

Fiquei satisfeito por saber que embora não estivessem no seu habitat natural, estavam sendo bem cuidados e tratados.

Volto aos meus afazeres me lembrando que há trinta anos atrás, quando vim morar neste bairro, todos os dias às 5:00 h, lá no alto de um prédio de aproximadamente 30 andares — um banco, havia um bem-te-vi e um sabiá que anunciavam o seu império cantando por uns 30 ou 40 minutos. Isso se repetia também no final da tarde, mas por incrível que pareça, não brigavam entre si.

Trinta anos se passavam e lá estão no mesmo prédio, no mesmo lugar, um bem-te-vi e um sabiá cantando do mesmo jeito. Será que são os mesmos? Devem ser seus filhos, netos ou bisnetos. Como sobreviveram?


 

ENTRE HISTÓRIAS DE GUERRA
E
HISTÓRIAS DE AMOR

 

Quem seriam meus pais.

Um médico militar da linha alemã, lutava na África (Tubruk? ...não sei precisar exatamente), durante a Segunda Guerra Mundial. Ele se perde no deserto, durante uma tempestade de areia. Um coronel inglês captura esse médico alemão e o deixa sob sua custódia. O coronel sofre acidentalmente uma queda e fica ferido vindo a ser imediatamente atendido pelo médico alemão, ministrando-lhe tratamento até a chegada da filha do coronel, que também era médica, na época com 19 anos. Quando a filha do coronel chega é apresentada ao médico alemão e acontece o inevitável — ficam apaixonados. O resto da história é uma fuga com um avião chamado de Fortaleza Voadora, onde morrem deixando como sobrevivente apenas o filho pequeno.

Isto prova que por mais perversa que seja a guerra, o amor supera todas as circunstâncias desastrosas e está latente no ser humano, não importa as circunstâncias.

Falando de guerra, a Segunda Guerra Mundial nos trás fatos muito surpreendentes. As histórias de guerra estão cheias de dramas e até comédias. Numa certa noite estava eu chegando ao Peru, os restaurantes já estavam fechados mas achei um bar em que eu podia comer algo, para enganar o estômago. Eram aproximadamente 23:00 h. Eu beliscava uns camarões até sair a janta dentro de um ambiente com 6 ou 7 pessoas. Uma dessas pessoas me avistou e puxou assunto comigo:

— Eu sou John, John Whit, — apresentou-se.

— E eu... — ia me apresentando quando ele interrompeu... — Já sei, li muito a seu respeito, sou seu fã.

Ele estava um pouco alterado, bêbado.

— Dr., eu não gosto de bar ou sair após as 23:00 h, mas hoje é um caso especial, — continuou John, — estou triste e precisei sair para beber. O caso é o seguinte, a minha mulher foi embora e me deixou só. Nós estávamos juntos desde o Dia D (invasão da Normandia em 1944).

Isso me interessou.

— Viu quantos anos Dr., — continuou John.

— É, eu entendo, — retruquei.

— Quando da invasão dos aliados nós já estávamos na Europa. Eu era o capelão, complementa John, e a Emma era freira. Nós nos apaixonamos e tivemos um caso de amor, amor pra valer! Mas não havia condições de excluir nossos hábitos e nem tampouco nossos votos, mas o fato é que Emma ficou grávida e imagine, um padre engravidar uma freira?

— Como sair daquela situação? — continuou John.

— Fugir seria a melhor solução, — explicou.

— Nós tínhamos dinheiro, mas nossos nomes, hábitos e etc, causavam-nos empecilhos, então me veio a idéia: vamos trocar de identidade. Mas de que forma? — continuava John a me contar sua história.

— Ora, numa guerra o que não falta são cadáveres, então troquei nossas placas metálicas pelos documentos, roupas e subornei um piloto comercial português e este nos trouxe até o Peru. Vivemos muito felizes, criamos.

— Com licença, — interrompeu o garçom, com o meu jantar.

Com a fome que eu estava devorei tudo em dois tempos. Mas a conversa continuava...

— E aí John, — indaguei.

— Pois é Dr., Emma foi embora e me abandonou. Eu estou arrasado, muito infeliz. Eu ainda a amo, a amei desde que a vi, mesmo naquele habito de freira.

— Olha John, eu preciso ir, mas quero que você tome um café comigo, visto que não aceitou jantar, aceita?

— Aceito.

— E veja só meu amigo John, se a Emma te amou durante todo esse tempo, eu acho que logo logo ela estará de volta, você precisará ter paciência.

Aí ele começou a soluçar ainda mais forte.

— Dr., ela não voltará, ela fugiu com nosso mordomo, imagine só uma ex-freira?

— É John, imagino que também você, um padre, um capelão, fez por assim dizer o mesmo. Quando uma mulher vai embora é porque ela não gosta mais da gente. A melhor coisa que temos de fazer nesse caso, é esquecer superando o episódio com um outro amor! Saia à rua amanhã, e verá que existem centenas de mulheres carentes com muito amor pra dar e pode ter certeza, alguém pode encaixar-se perfeitamente no teu perfil.

— Não fique enchendo a cara por aí, — e continuei. — Vá a lugares públicos onde existe gente descente, lá poderá encontrar alguém do jeito que você procura!

Despedimo-nos. Fui para minha hospedagem e John With para sua vida.

A época da guerra faz muitas pessoas quebrarem barreiras que antes não conseguiam quebrar. Fazerem coisas que antes não conseguiam fazer.

Então, no calor da guerra criam coragem. Alguns que não conseguiam divórcio, por exemplo, fogem, se fazem passar por mortos, desaparecidos, entre outras coisas e até mudam de identidade.

Militares que são excelentes militares, mas na vida privada são um verdadeiro fracasso.


 

HANN A ENFERMEIRA

 

Faltavam uns três meses para terminar o curso de medicina, a reitoria aceitou meu pedido de licença por sessenta dias, visto que eu estava adiantado com as matérias, eles mesmos recomendaram que eu descansasse alguns dias e o restante desse palestras para um Hospital-Escola sobre ética médica e enfermagem. Poderia me recuperar do Stress que me abatera. Na opinião da secretária eu era de longe o melhor e o mais novo monitor daquela universidade européia; era a pessoa ideal para ir à Jerivan.

O meu nome havia sido citado várias vezes pela diretoria desse Hospital-Escola à Cruz Vermelha, por eu ter escrito vários livros e embora sendo jovem tinha feeling suficiente para a explanação de assunto em questão.

De fato o emissário da Cruz Vermelha me mostrou que a universidade insistiu por vários abaixo-assinados pelo meu nome. Então, respondi: — Irei à Jerivan.

Ademais, iria me render uns dólares e seria muito bom.

Chegando em Jerivan me apresento ao Dr. Sharkis, o reitor.

Formalmente simpático aparentando ter mais ou menos 48 anos de idade e de estatura média.

Ele estava feliz por seu pedido ter sido aceito pela Cruz Vermelha que me enviou à sua escola, para fazer as palestras. Por isso imediatamente forma uma assembléia para comunicar a minha presença e o período das minhas palestras.

O Dr. Sharkis me leva ao hotel onde eu deveria ficar hospedado que é enorme e cujos móveis e adereços estão cuidadosamente limpos e arrumados, exceto por alguns detalhes que para mim seriam imprescindíveis: o barulho e a distância. Sendo assim, então aceitei ficar ali.

Ela me convida a sentar enquanto vai buscar um chá tipicamente indiano em bule e xícara de porcelanas que eu adorei.

Conversamos rapidamente sobre vários aspectos de nossas vidas e estabelecemos o valor da hospedagem: cinqüenta dias custaria US$ 76,00 e incluía café da manhã, refeições completas a noite, incluindo sobremesa e até licor. Também teria a liberdade de sair e retornar a hora que desejasse, desde que respeitasse os limites do espaço e silêncio no ambiente.

Hann era uma senhora lituana, loira, de lindos olhos azuis, tristes pelo sofrimento da guerra, pois, perdera toda sua família.

A Cruz Vermelha tinha contratado-a para esse lugar e depois o Hospital-Escola a efetivou tornando possível que ela se estabelecesse comprando essa residência que ela a transformou em pensão. Agradecia muito a Deus por ter conseguido estar bem de vida, levando em conta que perdera tudo na guerra.

A Sra. Hann me mostra um quarto pequeno mas aconchegante. Havia uma pequena pia no canto, uma ampla janela para o jardim e do outro lado um guarda-roupa e uma cama. Havia também uma pequena estante, uma TV e até livros.

— Gostei, fico com este quarto!

A Sra. Hann me leva até um pequeno escritório, faz minha ficha e eu lhe pago a vista.

Passo rapidamente os olhos nas fotos antigas que ela tem sobre a estante e a reconheço, mesmo em uniformes militares, mais jovem, com seus pais e com um militar major. Outras fotos com um garoto e uma especial que ela mostra-me onde aparece um outro militar, ela diz:

— Este é o Alexieis, meu primeiro marido e este garoto é o meu filho de 17 anos, e o nome dele é Yuri.

— Este outro militar, — continua ela, — é o Demétrius, meu atual marido. Ele também é médico-militar; está na reserva, mas ainda trabalha como médico, ele deve voltar em torno das 20:00 h.

Um miado dengoso me chama atenção e ao olhar do meu lado, já tenho em meu colo um gato, um persa branco de belos olhos cinza.

— Este é King, — comenta Hann. — Ele é muito, temperamental...

— Como temperamento de mulher, não é? — comentei.

O gato pula do meu colo, fica olhando a distância e vai embora.

— Sr. Albert, será chamado logo mais à noite para o jantar, fique a vontade!

Fico no meu quarto, arrumo minhas coisas e após o banho começo a preparar a matéria para a palestra do dia seguinte. Fico imaginando a reação que terão os alunos sobre o assunto e me pergunto: será que irão gostar? Bem, vou fazer o melhor e se não gostarem pelo menos terei cumprido a minha designação. Se eles me chamaram é porque acreditam no meu trabalho. Ler sobre minha vida é uma coisa e ouvir as minhas palestras é outra bem diferente.

O cansaço me faz desistir de ler e vou me descontrair vendo TV.

Veja noticiário, mas numa língua que eu não entendo, então desligo a TV e ligo o rádio, mas... sou chamado para o jantar.

Na sala havia 3 pessoas, a Sra. Hann, um garoto e um senhor idoso.

Fico sabendo então, que o garoto é o filho de Hann e o senhor o seu marido. Observando que a mesa é relativamente pequena pergunto:

— E os outros pensionistas? Virão depois?

— Ah não, — responde Hann, — a sala dos pensionistas é outra. O Senhor é nosso convidado especial e queremos que fique aqui conosco.

— Muito agradecido, Sra. Hann, eu realmente estou feliz por tamanha acolhida e ser tratado com tanta gentileza. Além disso o jantar não poderia estar melhor!

Assim, minha rotina como palestrante do Hospital-Escola continua indo muito bem e diariamente conduzia turnos de palestras aos funcionários do hospital, ou antes de começarem o turno ou logo após o horário de serviço, para aqueles que não assistiam antes.

Meu horário de palestra se estendia das 8:00 às 19:00 h, mas não me sentia cansado, pelo contrário, me sentia revigorado por fazer aquilo que eu mais gostava.

Certo dia, retornando da minha rotina de trabalho encontro a Sra. Hann chorando e isto me deixou preocupado. Hesitei para perguntar sobre o que estava acontecendo, mas me dirigi a Hann e perguntei:

— Está tudo bem?

— Mais ou menos, — respondeu ela.

— Posso ajudar em alguma coisa?

— Infelizmente não Albert, é que esta noite sonhei com o Alexieis retornando pra mim; eu jamais esquecerei o Alexieis. Ainda o amo muito.

— Entendo Hann, mas seja razoável, sua vida agora é outra. Você precisa esquecer. Se passaram quase dezoito anos, na guerra ele foi dado como morto, desaparecido; o serviço de inteligência da Cruz Vermelha informou. Você tem que aceitar. Se o Alexieis estivesse vivo estaria com você, não é? Sendo assim, você tem que aceitar!

Meu sexto sentido me dizia que algo iria acontecer, portanto me retiro, vou ao meu quarto. Algo me dizia que o dia seguinte haveria algo diferente.

Pensando nisso, achei melhor telefonar ao hospital e avisar que trabalharia apenas meio período, argumentando com a reitoria que estava um pouco cansado e eles aceitaram.

Durante o jantar, observo que a Sra. Hann estava atenta ao menor ruído ao redor da pensão ou da porta mas, vou dormir.

Acordo cedo para a rotina do dia, tomo café da manhã e trabalho até às 14:00 h.

Volto rapidamente para a pensão, atravessando a rua quase que correndo e ao chegar lá vejo alguém, um homem, sentado na calçada, as mãos cobrindo o rosto e soluçando muito.

Ofereço-me para ajudar. Aí ele tira as mãos do rosto e eu tomo a iniciativa de apresentar-me.

— Eu sou Albert, estudante de medicina e cadete militar, estou aqui para... bem, quero saber de você.

— Meu nome é Alexieis... e veja como estou, não muito bem, não é?

Aí, penso eu: agora o que farei? Tenho um problema e tanto nas mãos, preciso agir rápido tirando-o daqui.

— Quer ir para algum lugar onde a gente pode tomar um café, trocar idéias e quem sabe eu poderei ajudá-lo?

Ele prontamente aceitou, estendeu a mão e se levantou. Eu não imaginava que fosse tão alto, se eu tenho 1,83 ele era mais alto que eu.

Andamos a procura de um bom ambiente para conversarmos e encontramos um bar-café onde nos sentamos.

Conta a sua relação com a Sra. Hann e como tornou-se oficialmente morto pelas autoridades. Como aviador, numa missão na África, na Segunda Guerra Mundial, uma pane no aparelho obrigou-o a fazer um pouso forçado colidindo com o solo. Esta colisão causou-lhe várias fraturas, especialmente no crânio, deixando-o por muito tempo em coma.

Foi o período mais difícil de sua vida, visto que ficaria sem família, com amnésia cerebral e numa terra estranha. Por mais que se esforçasse a Cruz Vermelha não conseguiu contato, por isso, considerou-o morto.

Mas, uma missão especial da Cruz Vermelha, após dezoito anos localiza-o numa pequena cidade da África. Após um tratamento recuperou a memória e retornou ao Ministério do Exercito onde foi promovido a coronel, recebendo os honorários de todos os anos.

Então, para quem estava na pior, pelo menos materialmente, agora estava bem e só faltava a parte emocional para completá-lo. Era necessário ir atrás do seu grande amor, a mulher da sua vida!

Por isso resolveu vir à procura de Hann.

Por muito tempo tentou achá-la, obtendo informações daqui e dali, até que bateu na porta da casa de uma vizinha da pensão de Hann. Esta vizinha falou mais do que devia, revelando como era a nova vida de Hann e como vivia. De uma certa forma isto foi bom, pois ele ficou sabendo que a Hann casara de novo e tinha nova família.

Do caminho da casa da vizinha até a pensão, Alexieis começou a raciocinar e antes de bater na porta da pensão caiu em prantos, e foi nesse momento que eu cheguei.

Agora, fico imaginando o que faz com que eu tenha este sexto sentido e programar um horário para estar na pensão exatamente onde estaria o Alexieis?

O que fez a senhora Hann pressentir alguma coisa o tempo todo, na noite anterior? E isto após dezoito anos?

A nossa conversa no bar convenceu o Alexieis a ver a realidade de sua vida e usando de bastante tato para não magoá-lo ainda mais, argumentei da seguinte forma:

— Alexieis, sei que não é nada fácil, entendo perfeitamente o seu sentimento, mas, veja pelo lado prático das coisas. Tanto você como eu sabemos que a guerra tem seu lado cruel! Quantas vezes alguém se dirigiu a você para dizer chorando que havia perdido um ente querido, pai, mãe ou outro parente na guerra, o que você respondia?

— Infelizmente não há nada que se possa fazer, — respondeu ele. Então, acrescentei:

— É justamente assim que você deve encarar essa nova faceta da tua vida. Nada, ninguém, nem mesmo você pode fazer coisa alguma, pois, veja bem, se amou a Hann, deixe-a viver a vida dela. Você foi importante para ela, mas tudo indicava que você estava morto; ela esperou por anos para confirmar o seu desaparecimento e como a Cruz Vermelha e outras autoridades asseguraram o seu desaparecimento, não havia mais nada a ser feito. Ela tinha de continuar a sua vida. Houve a oportunidade de um novo emprego, apareceu um homem que cuida bem dela e teve filho com ele, então, como é a ordem natural das coisas, a vida continua. Pode ter a certeza de que ela nunca esqueceu. É feliz com a vida atual. Imagina você aparecendo nessa nova vida dela, o que pode acontecer? Nem você e nem ela serão felizes! Se você ainda ama Hann, a melhor coisa a fazer é deixa-la viver a vida dela. Você conseguirá, com certeza refazer a sua vida com uma outra pessoa. Coloque uma pedra nesse assunto, assim como ela colocou e serás muito mais feliz. A vida é realmente um jogo. Feliz daquele que consegue colocar as cartas certas nesse jogo e se for perdedor, saber perder, embaralhar novamente as cartas e tentar a sorte outra vez. Há sempre uma chance de ser feliz, basta tentar de outra forma e a sua chance é agora. Jogue de maneira certa, seja feliz!

Alexieis olhava atentamente pra mim enquanto eu falava e percebi que entendeu perfeitamente a minha mensagem. Estendeu-me a mão, deu-me um grande abraço e... lá vai Alexieis com passos firmes para um bom futuro.

Volto à pensão e ao colocar a chave na fechadura, a porta se abre e... era a Sra. Hann com ar ansioso, perguntando:

— O Senhor estava conversando com alguém aqui?

— Não, acabei de chegar.

— Olha, o senhor me desculpe por ontem, mas raciocinei sobre o que me disse e acho que tem razão, de hoje em diante não vou mais pensar no Alexieis, já o tirei da minha vida.

O sentido da minha vida sempre foi o de sobrevivência. A fauna e flora sempre me deram ânimo para acreditar na vida e sinto que estes correspondem aos meus anseios.

A vida sempre foi um desafio. Nasci num ambiente hostil da Segunda Guerra Mundial. Como todos sabem, até hoje não houve devassa maior.

Fui cursar dessa crueldade animalesca do homem. No entanto tive forças para cursar 3 carreiras universitárias; medicina, arqueologia e engenharia, cursos esses que não ultrapassaram quatro anos. Hoje esses mesmos cursos duram muito mais. Garotos perdem a sua juventude nos estudos. Na minha juventude tive ainda que trabalhar para custear meus extras e projetos de vida, afinal, precisava me alimentar, vestir e outras necessidades básicas.

Fiz todo tipo de trabalho: colheita de frutas, legumes, transportava cavalos e camelos de uma cidade para outra, cuidei de idosos, doentes, cuidei de animais, etc.

As necessidades da vida impeliram-me a fazer isso. Não tive juventude, pois o trabalho e estudos me tomavam todo o tempo, afinal eu não tinha ninguém por mim. Era eu para eu mesmo.

Estas dificuldades da vida jamais me jogaram para dentro das drogas ou da desonestidade, mesmo que os caminhos para isso estivessem abertos.

A vida nos dá muitas chances para sermos felizes, dependerá de cada um de nós aproveitá-las.

O homem é o que tem!

O respeito e dignidade do ser humano estão no seu trabalho e no que ele possui, pois as pessoas nos julgam por aquilo que possuímos.

Se temos uma posição financeira razoável, somos tratados por Doutor, no mínimo. Somos bajulados por banqueiros, em restaurantes, convidados a festas, eventos e etc.

Se nada temos, as pessoas não se interessam pela nossa existência e até nos negligenciam. Dificilmente somos convidados para algum evento e nos olham com suspeita numa fila de banco, por exemplo. Ou quando muito somos tratados por você.

Acredito que eu sou sujeito de muita sorte e habilidades e talvez isso tenha me ajudado a sempre superar as crises que assolam o mundo.

Já tive muitos bens e perdi tudo, cheguei até a ser considerado rico, muito bem de vida e por erros que cometi, voltei a ser pobre.

Quando se é jovem, temos ânimo para fazer muitas coisas, mas após os 50 anos é muito difícil conseguir ter a chance de ganhar dinheiro. Mas, a pior pobreza que existe è aquela em que, mesmo tendo muito dinheiro não conseguimos comprar alimentos ou água, porque estes são escassos; como no deserto por exemplo. Em época de guerra eu possuía mochilas de dólares, mas nenhum prato de comida ou mesmo um copo d’água para beber.

Quando encontrei alguém que podia me oferecer um prato de comida tinha de pagar de US$ 100,00 a US$ 500,00. Em outros lugares o dinheiro não tinha valor, ou era mesmo desconhecido.

O frio da noite no deserto era algo desesperador. Cheguei a fazer fogueira com boa parte do dinheiro que possuía, pois na mochila eu tinha de US$ 10.000,00 a US$ 30.000,00, que naquela ocasião nada valiam, nada significavam.

Cada um de nós faz o seu destino, conforme sua habilidade e inteligência.

Se até os 35 anos não é e nada tem, mau sinal. Se chegou aos 45 anos e perdeu tudo e nada mais consegue, não consegue se equilibrar, não sobrevive psiquicamente e se descontrola, acaba ficando jogado na rua — a sociedade não é culpada. Porém o governo, que deveria dar-lhe uma chance não o faz; não quer saber do assunto. O governo não o leva para um asilo de velhos, para uma instituição de recuperação ou albergue, até que este seja útil novamente. Para o governo, este ser é puramente um LIXO. Tanto faz que este ser humano um dia contribuiu com seus impostos. No seu estado de calamidade nada mais representa para o Estado ou prefeitura, dane-se! Como outros seres humanos, este acaba ficando na sarjeta, são apenas excremento humano.

Trabalhei em uma infinidade de lugares, com a Cruz Vermelha Internacional, Cruz de Resgate Internacional, ONU, OTAN, ONGs (estas terceirizadas, que aparentemente não existem, mas são formais), TA (instituições religiosas fortes, algumas nem conhecidas) e Medicina sem fronteiras. Entre tudo e todos sempre fui contratado, ora por serviço, ora temporário, ora por tempo indeterminado. contratado, mas sem seguro.

Todas elas com serviços de alto risco — com risco de vida. Formas de pagamento: algumas 30 % adiantado; se o contratado é pessoa já competente que executou serviço anterior e é de suma confiança 45 ou 50 % adiantado; o restante no fim do serviço, se este fosse 100 % executado, do contrário... vai para o grande conselho ou congresso. Não é o contratado que vai até a Sede ou Matriz, são eles que fazem o contato; contrato mais US$ 2.000,00 para suborno ou obter informações ultra-secretas.

Pagamento final, nem sempre final, após o serviço, sempre é enrolado para receber; este se torna um verdadeiro inferno e por demais demorado para receber, até cinco ou oito meses de espera. Após ter recebido o dinheiro já pouco valia. Há centos de lugares para acertar contas e dívidas a serem pagas. Um novo contrato... às vezes há infinidades deles e às vezes infinidade deles não se realizam.

E a nossa sobrevivência? É a mesma coisa ser contratado por um hospital ou instituição de saúde do governo, que nem sempre estão em dia com o profissional ou os profissionais, além de pagarem pouco é claro. É o que acaba com a subsistência de um profissional.

Este tipo de problema, comum em qualquer parte do mundo, principalmente em países pequenos, onde ocorre mais antes ou após as eleições, pois as verbas para saúde são colocadas para fins políticos.

Nestas organizações a gente é contrato como:

Médico: ora como médico militar, ora pela Saúde Internacional ou Planejamento Internacional, etc.

Emissário de resgate: de feridos (presos políticos), intercâmbio de prisioneiros e de reféns.

Ajuda internacional para saúde, alimentação, financeiro, outros,

Agente supervisor: prisão de políticos, prisões comuns, prisões militares e desaparecimento de pessoas, etc.

Arqueologia: várias.

Meio-ambiente: em geral.

Engenharia: em geral.

Agente para assuntos: desvio de verbas ou descobrir onde foi desviado material didático; suprimentos em geral e matérias.

Todos os contratos e/ou serviços são de elevado risco de vida e de saúde.

Não há Seguro. Ganha-se bem nos contratos, mas sempre temos que, em caso de morte, deixar um documento com o nome de uma pessoa para receber o restante do pagamento e... boa sorte. Se fizer bom trabalho nós o reconheceremos e sua ficha estará sempre em primeiro plano. Se sua tarefa salvar vidas, nosso governo o condecorará.

Em todas as missões, sempre estará totalmente sozinho, nunca espere ajuda, nos piores momentos sempre espere o mais grave. Em alguns lugares, dependendo do caso ou gravidade, terá ajuda; dependendo do lugar terá que se valer por si só. Dependendo da missão ou assunto, talvez terá um contato ou ajuda de uma ou duas pessoas.

Sempre tem que ser um artista, inteligente e habilidoso. Os US$ 2.000,00 a mais do combinado, é para suborno, para salvar sua vida ou obter informações super valiosas, mas nunca para se divertir ou esbanjar.

Assim, tive um nascimento em plena Segunda Guerra Mundial e dentro de uma Fortaleza Voadora, avião inglês, bombardeiro-artilheiro. Estudei-trabalhei arduamente e me alistei como médico militar, oficial durante sete meses, até obter licença por ferimentos graves.

Para quem levou vários ferimentos de guerra e mutilações os recursos humanos e departamento médico não o liberam para tais tarefas. Aí os órgãos citados nos contratam para amenizar a nossa subsistência, só que pode se tornar pior, ou o trabalho mais difícil.

Assim, começa o grande martírio para se arrumar emprego, muito difícil. Quando conseguimos, é por meios de padrinhos ou por que fizemos algo de extraordinário e assim chamamos a atenção de alguém. Mas se a gente fez algo fora de série e o nome aparece nos jornais... nossa! Aí sim chovem ofertas, principalmente das organizações citadas anteriormente. O ser humano tem que mostrar que sabe fazer algo, aí ele é alguém; se ele nada sabe fazer ele nada é.

Depois de me recuperar dos ferimentos do joelho, ganho um pequeno curso de repórter-escritor, não profissional mas amador ou júnior. No meu último dia de curso, ainda sem saber qual seria o meu próximo destino, ao chegar onde residia, em um quarto de apartamento de casal de idosos em pleno centro de Nova York, alguém me espera na sala (living). É um representante da ONU. Ele gostaria que minha pessoa fosse contratada por trinta e cinco dias; um tanto pelo contrato mais despesas de alimentação, estada (não em hotel 5 estrelas, é claro) e despesas extras. Se fosse necessário teria um contato de Carlos — de Carlos, só isso.

O serviço seria na Saúde Pública, escolaridade, bem-estar e etc. Nos trinta e cinco dias eu teria que executar tais tarefas em três países da América Central.

Após o treinamento de seis dias me advertiram: “Tome cuidado você vai receber ameaças de morte, seqüestro e tentativa de suborno, entre outros.”

Para desembarcar nos citados países de América Central, eu teria que começar pelo último, ou seja do sul para o norte. Começando pelo sul seria mais seguro, enquanto que, se começasse pelo norte, a chefia considerava inseguro e eu poderia sofrer até atentados de risco, mas não graves.

Um dia após minha chegada, fui atendido pelos ministros da Saúde e Bem Estar Social. Como toda autoridade das Américas, arrogância, petulância e corrupção. Logo eles foram direto ao assunto e com clareza; o primeiro ministro diz:

— Dr. Karebff, o senhor é judeu?

— Não Sr. ministro, não sou.

— Mas esse sobrenome?

— Parece, mas não é Dr. Kanosky.

— O senhor parece muito jovem e esse sobrenome parece polonês, tchecoslovaco ou russo. Parece que o Dr. é novo demais e sem muita experiência com grandes negócios, transações de grandes volumes de dinheiro. Imagine o senhor elegante bonitão, cheio de saúde e ter acidente fora do seu país?

— Sim, sim, claro Sr. Ministro. Sou jovem, mas já fui oficial-médico, enfrentei algumas batalha e fui emissário. Já tratei com alguns presidentes da Ásia e Oriente. Quanto a acidentes, a agente sempre está alerta.

O Ministro manifesta que há muita pobreza e que precisa de recursos (dinheiro urgente). Eu digo que conforme o meu relatório o conselho da ONU dará o parecer ao FMI e só os dois poderiam resolver e não eu. Porém antes, eu teria que olhar e examinar as periferias e abe.

Assim é combinado que no dia seguinte às 9:00 h, haveria um passeio por estes lugares, antes de fazer meu relatório e assim entregá-lo às minhas autoridades.

Na hora da janta, o restaurante indicado é fino e de primeira qualidade; a salada é cheia de lagartas vivas, não reclamei; o peixe grelhado cheirava a podre, o pão era duro e cheio de mofo, etc. Paguei a conta e me perguntaram se foi do meu agrado a grande janta.

— Ah sim, claro, estava ótima, adorei.

A janta ruim seria uma das ameaças? Um atentado? É possível.

Ao chegar ao hotel, no quarto mais uma surpresa — a cama não estava mais no seu devido lugar e sim perto da janela, o travesseiro estava enforcado com uma das minhas gravatas — sem dúvida era um aviso e temendo algum atentado fui dormir no banheiro, lugar seguro para atentados e ninguém imagina que a vítima estará lá. Cedo de manhã fiz a barba, tomei e banho. Desisti do café da manhã e sai à rua. Andei com cuidado até chegar a uma praça, uma feira-livre de alimentos, peixes e frutas. Uma das bancas vendia peixe tipo milanesa com ovos mexidos e notei que ali os peixes se mexiam, ou pulavam — ova, bom sinal. Solicitei ao peixeiro um peixe à milanesa e com ovos mexidos. Eu deveria ser o seu primeiro cliente, pois ele deu um pulo de alegria e foi dizendo:

— Si Senor, en la horita.

— Quanto custa?

— US$2,00. Ok?

— Ok! Eu lhe darei US$ 8,00 se o senhor me fizer o favor de arrumar uma fruta, um suco de fruta e um bom café com leite, Ok?

Assim comi o que seria minha janta anterior e o café da manhã. Sai de lá satisfeito e retornei ao hotel.

Cinco minutos depois de ter chegado, a comitiva que me levaria aos subúrbios e abe já estava pronta para a minha investigação. Eram três carros (velhos); as pessoas que viriam comigo, claro, seriam assistentes e secretários do ministro da Saúde e Bem Estar Social. No total havia 9 pessoas. O que pensei ser um secretário do Bem Estar Social, era na verdade uma secretária. Logo me apresentaram esta. Uma bela morena de uns 29 anos, estatura mediana de mulher e estonteante fisicamente. Belos seios e lábios cheios; olhos castanhos claros. Não era muito discreta para se vestir (ou capturar homens). Usava saia curtíssima, os seios quase para fora e mocassins de salto médio, que faziam com que suas pernas se destacassem normalmente.

No treinamento já fora avisado: belas e exuberantes mulheres são parte das armadilhas para atrair agentes ou emissários. Por mais carente que esteja, nunca se deixe envolver, não caia nos braços delas. A maiorias das vezes elas nem são o que parece, ora autoridades, ora verdadeiras damas; se o agente cair no charme delas, estas usam todos os tipos de artimanhas para que assine documentos valiosos. O agente pode ser dopado, intoxicado, pode ter até lavagem cerebral. Nunca aceite nada delas, jantares, festas e etc., ainda mais quando estas possuem belos corpos.

Assim, conheci a bela secretária e sua comitiva que o dia inteiro me levaria para conhecer a periferia e parte do abe. Ela se chamava Rita Moreno, ou Dra. Rita Moreno. Primeiro tinha feito sociologia e depois psicologia, conforme as minhas perguntas de algumas matérias e professores, ela se saíra bem. Assimilava bem e era muito inteligente.

O longo caminho até a periferia por precárias estrada e ruas era sinuoso e acidentado. O povo, a maioria favelados, morava em palafitas sem nenhuma infra-estrutura e planejamento para moradia digna de pessoas ou seres humanos.

A Dra. Rita a cada movimento que fazia cruzava as pernas... sua minúscula saia parecia que ia sair pela cabeça, pois esta subia além dos limites mostrando suas lindas coxas e às vezes mostrando seu mapa. As minhas observações eram discretas para com ela e seu corpo. Minha idéia era saber se estava realmente boa como parecia, se era uma mulher usada ou se realmente era uma funcionária do elevado escalão do governo.

Às vezes a gente parava em algum bar-café para fazer um lanche ou simplesmente tomar café. Num dos carros, só ia ela, eu, o que parecia ser um segurança e o motorista. Porém, todos cultos, educados e comportados. A Dra. Rita, não portava luxo como jóias, correntes, anéis e etc., ou sinal de aliança. Isso tornava difícil saber se ela era ou não casada, mas não havia sinal de aliança nos seus dedos.

Seus olhos eram lindos e naturais, fundo amplo-claro, o mesmo que seus dentes e língua. Seus dentes de uma brancura perfeita; sua pele, natural e sem maquiagem. Nas paradas, eu a via andar rápido e agitada e seu corpo não mostrava flacidez. Aparentemente era uma mulher sozinha e não tinha alguém sexualmente freqüente. Sorte de quem conseguir, pois era uma bela fêmea. A cada ponto de parada, ela mostrava a área no mapa e era marcado por um F (vistoriado ou visto). Assim foi até altas horas da noite. O calor e umidade insuportáveis na América Central deixam a gente indisposto e com vontade de ficar seminu, portanto a Dra. Rita não exagerava ao vestir sua pouca roupa.

Assim transcorreu toda aquela sexta-feira, examinando a periferia. O que eu pensei resolver em um dia levaria muito mais. Sábado e domingo, nada feito, eles não trabalham, portanto eu ficaria no hotel fazendo o meu relatório, fazendo com que o fim-de-semana passasse rápido para que logo no começo da semana saísse desse país.

A comitiva me deixou no hotel já bastante tarde. Aquele carro mais parecia uma prisão, a única coisa que aliviava um pouco o desconforto era a imagem da Dra. Rita. Ela foi atenciosa, me levou até a recepção do hotel e agradeceu pelo meu trabalho. Também eu agradeci a ela e na despedida ela segura a minha mão e diz:

— Gostei da sua pessoa, o senhor parecer ser um bom profissional, embora de falar pouco. O Dr. precisa falar mais. Eu sei, eu sei, o senhor fala só o justo e necessário. Mais tarde, após ter descansado um pouco eu entro em contato. Posso ou não telefonar aqui para o hotel?

— Claro, a Dra. pode ficar a vontade.

Aí ela olha para trás, como se evitasse que alguém a ouvisse e disse:

— Por favor, não me chama de Dra. e sim somente de Rita, isso ao menos quando estivermos a sós, OK?

Fiz barba, tomei banho e deitei um pouco. Após 30 minutos de descanso sai para jantar. Geralmente os habitantes da América Central são divertidos e alegres, o mesmo pode-se dizer de sua música. Era o que eu não estava vendo naquela noite quente de verão. Ameaçava chover e as chuvas são torrenciais. Mas isto não tira a alegria do povo. Eu notava silêncio e quietude nas ruas. Ou era impressão minha? Será que para o povo ter uma vida mais amena, dependia de mim? do meu relatório? Será que o povo sabia que eu estava ali e eles estavam dependendo de mim? Acho que não. Tudo era imaginação ou impressão minha.

Já no restaurante, escolhi a mesa e examinei o cardápio. Até o garçom parecia diferente dos dias anteriores; ele estava mais atencioso e gentil e o prato escolhido, também bem melhor que o anterior. Sim, alguma coisa estava diferente.

Retornando ao hotel, fiz meu relatório. Os meus relatórios eram autênticos, eu não tinha condições de ajudar a população. Eu não poderia ser um Ser Milagroso. Apenas teria que fazer aquilo que minha missão tinha me mandado fazer. Olhar, examinar, analisar e concluir. O restante dependia dos conselhos da ONU, Saúde Mundial ou FMI. Eu era um mero funcionário e não quem toma serias decisões. Sou neutro e um correto observador da realidade destes povos. Assinei os relatórios e fui dormir, embora sempre com dificuldade de pregar os olhos, desta vez durmo assim me deito.

Acordei as 3:00 h. Chovia torrencialmente e se abrisse a janela, ouviria melhor a chuva e sentiria o ar puro e aqueles pingos d’água bater e se desintegrar no meu rosto. Sei que é arriscado aparecer em frente à janela, mesmo assim a abro e deixo a chuva bater no meu torso e rosto.

 

Chuva que cai e refresca as plantas, flores e a terra.
Chuva que cai e me molha, molha meu corpo.
Chuva que cai e me lava.
Chuva que cai e lava minha alma e meus pecados.
Chuva que cai e me alivia e lava minhas feridas.
Chuva que cai e alivia minhas dores.

Fecho a janela; a chuva castiga impiedosamente o vidro, deito novamente e retorno dormir.

Acordo cedo e não sei se tive uma boa noite. Como sempre dormi pouco, isto faz com que eu sempre esteja de mau-humor. Fico de mau-humor até duas horas depois de ter acordado. Assim que acordo meu corpo está frio e dolorido; as infinidades de fraturas e cicatrizes do meu corpo são também motivos para que eu não durma em paz, portanto acordo com dores e mais dores... e de mau humor. Para ninguém notar isto, eu disfarço bem ou finjo que esta tudo bem. Para me aliviar acordo e faço exercício durante uns 10 ou 20 minutos, o que alivia 80 % e as dores são amena. Tomo uma ducha e fico 96 %, quase bom, pronto para mais uma batalha.

Minha primeira mulher Sanny, era Dinamarquesa, de pai Libanês, um ano mais nova que eu. Ela também era médica militar. A gente se dava bem, tínhamos quase os mesmos gostos e praticávamos os mesmos esportes. Como toda mulher, geniosa porém muito companheira. Ela encarava qualquer situação por mais difícil que esta fosse e sempre estava junto. Muito psicóloga e observadora. Conforme ela, quando eu sentia dores dormindo eu gemia e me virava constantemente na cama. Ela então de imediato, com talco, mãos suaves e carinho, massageava as minhas áreas doloridas. Se a dor fosse aguda ela recorria a compressas; estas então se dissipavam e eu retornava dormir. Sanny, se eu tivesse que excursionar pelo deserto, montanha ou selva lá estava ela, junto. Parecia que, como mulher, ela sempre queria estar ao lado como companheira, por que eu estava precisando dessa sua grande companhia e ou... como mulher protetora. Se a gente estivesse com grupos de pessoa, assim que eu ficasse um pouco afastado, ela logo estava me olhando, como se perguntasse “Está tudo bem?”.

Ela... era diferente. Nunca entendi seu perfil diferente do meu. Eu, não era muito social ou comunicativo, porém oportunista conforme as circunstâncias. Às vezes possuía senso de humor, com piadas ou algo engraçado, raras vezes sorria, isto causava surpresa; me ver sorrindo era coisa estranha, as mulheres diziam que meu rosto sorrindo era outro, mais chamativo e lindo...

Nunca existia o não ter nada para fazer, sempre estava ocupado ou tentava estar ocupado. Não dava chance do meu corpo esfriar. Sanny, como já citei, era diferente: sociável, comunicativa e sorria a todo instante, de capacidade extraordinária para administrar o lar e sua profissão, ora como médica, ora como militar-médica.

Nas minhas falhas ela tinha tato e qualidade para me corrigir, para me observar ou dar aquelas broncas com classe. Era uma excelente amazona, mesmo que o cavalo fosse bravo ou brioso (agitado); ela conseguia dominá-lo com maestria; era segura. Até, que numa das suas missões, após seis dias, algo veio a minha mente, que tinha acontecido alguma coisa com ela. Uma hora após esse meu pensamento, um oficial bate à porta da nossa residência na vila militar comunicando-me:

— Sr., o Comando lamenta lhe comunicar mas é a pura realidade, ela perdeu a vida em missão de trabalho!

Assim, naquele dia, recebi o mais duro golpe emocional da minha vida.

Sanny, viria a ser para mim um dos mais grandiosos seres humanos e a mulher que eu mais amaria; uma pessoa de caráter e ética. Nunca entenderei como ela chegara a me amar e se preocupava por mim vinte e quatro horas. Ela me defendia e tomava conta da mim como uma leoa defende seus filhotes com garras e dentes.

Às 7:00 h, no mesmo hotel, tomo o café da manhã. O garçom, gentilmente me serve e trás o jornal da manhã para eu ler. Sempre li jornais cedo; acho que ler jornais fora desse horário ou ler jornais após as 12:00 h só trás notícias que já são obsoletas ou ultrapassadas. Geralmente as notícias que chegam aos jornais já chegam atrasadas e quando os jornais as publicam chegam ainda mais atrasados aos leitores. As notícias mais atrasadas para os leitores são aquelas que vem de conflito, ou de revolução ou de uma guerra. Um correspondente nem sempre possuem recursos e formas para suas matérias chegarem aos seus jornais em tempo, portanto, se este repórter documentou a vitória de uma batalha num país “A” esta matéria chegaria ao jornal cinco ou oito dias depois, quando então o jornal a publica, só que neste dia o país “B” pode ter revidado e derrotado o país “A”.

O garçom tenta puxar conversa comigo ou ser gentil, mas esta manhã eu não estou a fim de papo e ele acaba dando o fora. O jornal destaca tumultos no norte dos Estados Unidos, exaltações do pastor Martin King, ativistas de estudantes liderados por jovem, que o jornal destaca ser alcoólatra e drogado, etc. Há agitações na Polônia e Tchecoslováquia; teme-se a invasão da União Soviética... mau sinal. Os focos explosivos continuam espalhados pelo mundo todo. A ONU, OTAN e outros conseguem a paz (ou apagar esses focos explosivos num lugar) e de imediato aprecem outros em novos lugares. O certo é que nunca acabará.

Após tomar o café, continuo a ler o jornal. Há uma música ambiental suave do hotel. A música é boa e muitas vezes serve de estímulo e acalma a as pessoas irritadas. O atendente me comunica que há um telefonema para mim. Tão cedo? Será que há alguém mais que acorda tão cedo?

Atendo num box (cabine estreita); é a voz da Dra. Rita Moreno, além de ser bonita e sensual, também é dona de uma voz de gata. Ouço dela:

— Dr., quer tomar café da manhã comigo? Explico que já tomei e agradeço.

— Não está a fim de tomar um banho de piscina?

— Dr. Estou na piscina, faz companhia?

— Oh! Bem... gostaria... mas não dá Dra.

— Afinal, do que gosta? Gosta de mulher?

— Adoro! Não existe coisa melhor no mundo, principalmente se estas forem morenas.

— É, mas não parece, — é sua resposta.

— Dra., é meu serviço; a gente não pode misturar, fogueira e ética. Mais cedo ou mais tarde, a chefia fica sabendo e os riscos e de perder o emprego... Eu adoraria estar aí com você na piscina, ser a água e outras coisas, Rita.

— Dr., Hoje e a noite o ministro dará uma festa em sua residência oficial. Festejará o aniversário de sua filha e ele sugeriu para eu lhe convidar; eu mesma irei buscá-lo no hotel, aceita?

— Ok, combinado. Aguardo sua vinda para ir à festa. — Então Dr., não virá tomar banho de piscina comigo?

— Dra., é inviável.

— Você não sabe o que está perdendo.

— Eu sei que você tem razão; estou perdendo o contato e calor do seu corpo. Acredito que seja um potencial, como também é a sua grandiosa companhia.

— Dr., és guloso?

— Eu? Sinceramente sou, e demais.

— É o que imaginei, — responde ela e desliga o telefone.

Subo ao meu quarto. Hoje não estou preparado para festas; não possuo roupa adequada além de um simples terno para casos eventuais. Quem viaja a serviços a países tropicais não pode carregar muita roupa a rigor e era o meu caso.

Solicitei ao conciergue que desse uma arrumada ou passasse o meu terno a ferro quente. Paguei o serviço dando uma caixinha.

Saí à procura de algo para ler. Aos sábados costumo ler boas revistas de nível internacional, aos domingos um bom livro. Quando estou em alguma cidade grande do mundo, alguns jornais sempre trazem as notícias mais frescas, embora como já disse obsoletas.

Transcorrido o sábado, fiquei pronto e a espera da Dra. Rita Moreno e conforme o combinado, chegou pontualmente às 19:00 h. Lá estava ela na porta do hotel, num Citroen, não muito velho, muito bem conservado e cuidado. Assim que entrei no carro, me senti agredido com suas beleza. Estava usando um vestido escuro, decotado ao extremo, mostrava tudo. Pulseira e correntinha de ouro e relógio. Eu me manifestei:

— Rita, está a fim de me deixar louco? Para que tanta provocação?

Ela fica em silêncio total, ergue mais o vestido e encosta o carro à beira da estrada.

— Doctorcito, estou afim de você desde aquele primeiro dia que saímos para trabalhar. Acho que já mostrei o meu potencial feminino, ou não mostrei?

Ela pega a minha mão e leva para alisar suas coxas e seus seios.

— Claro, você está no ponto.

Ela realmente estava no ponto e muito mais que isso. Toda dura, suas coxas e seios.

Sua boca, de tamanho médio, lábios cheios, prenderam os meus; parecia que esta mulher me levaria para subir as paredes, ou iria me virar do avesso. Apalpei suas coxas e entre pernas, estava encharcada então tentei me controlar.

— Rita, não é bom nem para você nem para mim. A gente corre o risco de escândalos, perda dos empregos e de diplomas. Ser alto funcionário de grandes instituições quer muita disciplina e rigor. A gente é observado e vigiado constantemente. Qualquer motivo que nós damos já somos colocados na rua. Eu também e nos meus trabalhos não posso ir para cama com toda mulher que cruza o meu caminho ou que esteja a fim de mim. Eu não sou também de confiar. Mulheres sempre estão a fim de pregar algo para nós. Elas são treinadas para nos aprontar, elas são usadas, pagas para isso. Quantos ministros secretários e elevados emissários já caíram, em armadilhas?

— Eu sei que você é uma funcionária mesmo, portanto precisa estar no chão com pé firme. Ok?

— Neste momento eu posso estar sendo vigiado, assim como você. A gente é jovem e não podemos perder o futuro que nos oferecem. As chances são poucas de aparecer alguém e nenhum órgão brinda com chances para nós quando somos muitos jovens. Quando nos brindam, é por que mostramos bons serviços e disciplina, entende?

Silêncio total. Dentro do carro há cheiro do fluxo-vaginal, abaixo o vidro.

O olhar de Rita está longe, no vazio, não querendo aceitar a realidade dos fatos.

Ela se manifesta:

— Esta capital, desta cidade da América Central, é grande e muita coisa pode ser feita escondido. Eu sei que você tem razão, mas é tão difícil aparecer um homem do seu tipo, culto, educado e reservado. Eu sou carente; por ser bonita torna-se mais difícil achar alguém; estou com quase 30 anos, não sei o é que o calor de um homem há mais de três ou quatro anos. Durmo pensando em sexo acordo toda dolorida e pensando em sexo, meus ovários parecem que vão estourar. No meu trabalho, no meu gabinete, é impossível ter um caso com alguém. No dia seguinte todo o ministério saberia que abri as pernas.

— Eu entendo tudo isso. talvez um dia a gente possa se ver; se encontrar num lugar fora do seu país, Ok?

— É, mas quando? — pergunta ela.

— Olha, um dia a gente pode se encontrar no México, lá você não é conhecida, está fora do seu país, mesmo que encontre alguém do seu trabalho, mas você está no exterior, é diferente.

— Como me comunico com você Doc.?

— É difícil, — respondo.

Aí ela dá um murro no volante do carro e diz:

— Tudo para mim, para meu lado emocional e intimo é difícil.

Eu não tenho país para morar, não tenho pátria, residência. A cada quarenta dias estou trabalhando em lugares ou países diferentes. Não sou eu que escolho o lugar e as missões. Tenho que ser médico, emissário, militar, observador, repórter ou analista. Sou só no mundo, sem lugar fixo. Se ao menos tivesse um parente ou familiar, teria um endereço para correspondência. Portanto se nada tenho, às vezes nada sou. Apenas possuo duas caixas postais, uma em Nova York e outra na Europa. Ou, você se comunica comigo através de código nos jornais. Aos finais de semana eu leio New York Times, The Guardian, etc.

Meus serviços são duros e de risco. Ninguém sabe onde eu estou, se estou vivo ou morto, prisioneiro, etc. Se eu executar direito meu serviço serei contratado novamente; ao contrário sou esquecido. Às vezes fico sem novo contrato durante meses, passando até fome. Em plena cidade grande sou obrigado fazer Sobrevivência.

O controle emocional retorna e ela se recompõe.

— Precisamos ir para a festa, senão chegaremos atrasados, — repito duas vezes. — Troque de calcinha, trate da sua parte íntima, está muito molhada e cheira muito, manchará o vestido.

Aí ela responde:

— Estou pegando fogo, hoje daria e faria tudo e você Doctorcito, nada faz para me acalmar.

— Quando chegar o momento certo prometo que tiro o atraso.

Ela se arruma, arruma os cabelos, o vestido e partimos. Chegamos a uma mansão cheia de gente. Aí noto a minha falha, não estou levando o presente de aniversário para a filha do ministro; mas a Dra. Rita diz para eu não me preocupar, isso não é importante e sim a minha pessoa na festa.

Há algumas pessoas, todo tipo de bebidas, petiscos e alimentos, até caviar.

Cumprimento várias autoridades apresentadas pela Dra. Rita, até que o Ministro do Bem Estar Social gentilmente me apresenta sua família e sua filha aniversariante, uma garota de 18 anos, morena e bonita, me desculpo pela ausência do meu presente.

A Dra. Rita pede licença por uns minutos e sai, suponho rumo ao toalete. Ela chama a atenção, com os saltos altos, o mini-vestido e vejo que realmente é estonteante.

Logo ela está de volta, o ministro e sua comitiva-família continua sua relação social. A Dra. Rita desta vez colocou batom nos seus lábios e fez maquiagem geral, está uma gata.

Ela quer que eu beba alguma coisa ou jante. Olho tudo, examino a festa; é uma festa e tanto... Chamo o garçom e solicito que me traga uma Coca-cola gelada, ela dá risada, bebendo, é claro, o que parece um Martini; ascende um cigarro e me convida a acompanhá-lo. Alego que não fumo, só esporadicamente.

Pergunto a ela:

— Dra., quem paga esta festa?

Ela titubeia e diz:

— Bem... acho que o Estado.

— O Estado Dra. Rita? O que é isso? Quem paga é o povo, aquele povo pobre que nós visitamos para eu examinar e conseguir os fundos; esses pobres e o povo do país inteiro... até você Dra.? Também explora esses coitados? Altas autoridades sugam e espremem eles, depois querem que eu tente liberar os fundos junto ao FMI e a ONU? Me dá nojo do poderio e autoridades das Américas. O povo passa fome enquanto vocês enchem a barriga às custas deles!

— Dr., seu puritano e idiota. Vai estragar a festa? A minha festa, na qual eu tanto gostaria de ficar ao seu lado? O único lugar e a única oportunidade de sentir você e ter você do meu lado?

E despeja o Martini do seu copo no meu rosto. Me limpo com um lenço, chamo o garçom e solicito a este que providencie um táxi para me levar ao hotel. Antes de sair do salão, pergunto a ele:

— Garçom, quanto custa uma Coca-cola?

— 50 centavos de dólar, senhor.

— Tome, aqui tem l dólar, ao menos o povo, o pobre povo não pagará a minha Coca-cola. Boa noite Dra., — e saio à procura de um táxi.

São 22:00 h quando chego ao hotel. Telefono para a companhia aérea; o próximo vôo para Costa Rica será as 3:00 h. Faço a reserva, acerto a conta do hotel, recolho as minhas poucas coisas e vou embora para o aeroporto.

Os vinte e oito dias transcorrem pelos três países que fora designado na minha tarefa, não é difícil. Também não muito fácil. Nos três países, o perfil seria o mesmo. As autoridades mal são autoridades incompetentes, sem noção de como administrar uma nação e ou seu povo, maior parte dele faminto. Os únicos bem-de-vida são sempre as autoridades. 90 % dos políticos que conheci, não tinham noção ou formação universitária de ciências políticas, todos corruptos e é claro, ricos à custa do povo.

Assim, antes dos trinta e cinco dias (calculo aproximadamente entre trabalho e locomoção) entreguei a documentação e o dinheiro que tinha sobrado, uns US$ 3.400,00. Eles alegaram que ainda estava dentro do período designado de trabalho. Era melhor conservar este dinheiro para alguns dias de hospedagem e alimentação, pois não saberiam me informar ao certo a data correta do restante do pagamento, o que poderia ser demorado. Acabado estes recursos, infelizmente teria que me virar até receber o restante.

Fui até o apartamento do casal de idosos, onde já tinha me hospedado duas vezes e eles foram atenciosos. Comuniquei-os porém do meu serviço. Eles ainda tinham o quarto vago e eu poderia ficar o quanto desejar e ainda ter o café de manhã e uma pequena janta.

No segundo dia após ter chegado, fui chamado para uma reunião a respeito do meu serviço. Na marcada reunião, não saberia quanta gente era autoridade, entre banqueiros, etc., se eu poderia responder o mesmo que estava nos meus relatórios assinados. Meio sem jeito ou sem falar direito o idioma, manifestei autenticidade dos fatos, do que tinha visto e que tentaram me subornar, que fui ameaçado e ainda citei o fato da festa. Fui dispensado e disseram que eu tinha feito um excelente trabalho.

Nunca soube se a ONU ou o FMI liberaram ou não os recursos para os três países. Eu, apenas tinha feito a minha parte; tinha sido contratado para isso, o resto já não era assunto meu.

Fui pago com o restante do valor combinado. O casal de idosos me sugeriu abrir uma conta corrente no banco de Boston, com 30% do valor depositado a juros e 20% para movimentação, para trânsito ou outras necessidades, sendo possível usar o endereço deles como minha residência.


 

A GUERRA DOS 6 DIAS — 1967

 

Uma instituição mista canadense-alemã patrocinou um levantamento de arqueologia no deserto do Paran (ao sul do deserto do Sinai), mas a expedição não ia em frente e a toda hora algum funcionário se acidentava e não trabalhava; alguma coisa estava errada. Eu, com uma equipe, teria que resolver o problema ou suspender os trabalhos para uma outra oportunidade. Além do mais, surgiram conflitos entre árabes e israelenses e a coisa por aqueles lados estava mais que feia.

A equipe seria formada pela Dra. Nancy Limberg (chefe da expedição), Dra. Clarisse Muller, arqueólogas, e pelos técnicos Giovanne Conti, Silvio Gatti, Karina Simong e eu. O nosso encontro foi em Gênova, Itália. Tomamos o avião para Aiffa e ao chegarmos lá tudo estava agitado e as autoridades não estavam afim de que continuássemos para o deserto do Paran. A área estaria fervilhando de guerrilheiros árabes e outros aliados para entrar em guerra com Israel, portanto o país não se responsabilizaria pelo que viesse a acontecer, ou seja, ninguém poderia nos dar segurança ou nos proteger.

Contratamos um avião bi-motor para 8 lugares e carregamos a bagagem. Ao sobrevoar o Sul do deserto do Sinai, o piloto do avião nos comunica que teria que desviar de rota aérea, pois lá embaixo havia muito material bélico e grande movimentação militar, o avião poderia ser confundido e abatido. Por tanto voaria duas horas mais e pousaria no deserto do Paran. Abasteceria com combustível e partiria de imediato; nada mais poderia fazer por nós.

O avião pousou numa pequena pista no deserto. Em dois Jeeps continuamos rumo ao sítio arqueológico. A temperatura estava a 42° C. Uma barreira israelense nos pára e pede identificação. A comandante, uma capita de uns 23 anos, já sabia da nossa missão e nos explica que até o sítio arqueológico ainda seriam 40 km. Ali com eles, no posto militar, nós teríamos que nos equipar com armas, provisões e kits de primeiros-socorros. As armas são necessárias, pois há muitos guerrilheiros — estes são aliados dos árabes em conflito com Israel. Além disso, eles fazem prisioneiros, comercializam as mulheres e executam os homens. Fora do posto militar eles mais nada poderão fazer.

Como chefe de equipe dou tarefa a cada um de nós:

— Karina Simons, você arrume de imediato os kits de primeiros-socorros, alimentos em lata e em comprimidos; plásticos para condensadores solares para recolher água, OK?

— Ah? Sim, sim, entendi.

A mulher mais Parecia estar no ar ou conturbada que prestando atenção.

— Dra. Limberg, A Sra. arrume um tonei com 50 litros de água e cantil para 6 pessoas, entregue os cantis de mão em mão.

— Dra. Muller, a senhora escolha 6 pistolas e 6 fuzis, com o Sr. Conti, entregue a cada pessoa.

— Sr. Gatti, o senhor entende de armas, arrume a munição e oriente como se usa e explique sua segurança para evitar acidentes, OK? Sei que todos sabem atirar com armas, talvez falta treinamento mas, o Sr. Gatti dará instruções rápidas. Nós não temos tempo para detalhes e formalidades, em 15 minutos partimos.

As pistolas são todas Browning High Power 9 mm com dois carregadores; os fuzis, Martin 305 de pente com 10 tiros, 10 tiros? Acho que é melhor que nada.

Em 15 minutos a gente estava a caminho, pela estrada poeirenta. Os 40 km eram intermináveis. Poeira, calor acima de 40° C, 9:30 h. Nós teríamos que chegar ao sítio até as 13:00 h. São 12:48 h e a gente chega ao sítio arqueológico. Fomos apresentados ao chefe responsável, arqueólogo Aminn Azzem. O lugar estava quase descoberto, apareciam algumas muralhas e habitações históricas. Expliquei a Azzem a ordem que nos foi dada, era cobrir de novo as áreas descobertas, isto teria que ser feito em 4 horas, no máximo até as 20:00 h a partir dali.

O lugar tinha 12 funcionários e eles teriam que ser pagos. Não tinham alimentos nem água e há um ferido que precisa ser suturados, pois tem um corte no braço de uns 10 cm.

Examino o ferido e vejo que realmente precisa de sutura. Digo ao Azzem que ele será tratado por mim e que ponha os homens para trabalhar; serão pagos de imediato. Chamo a Srta. Karina Simons.

— Sim. Sr!

Peço para ela me trazer o kit de primeiros-socorros e distribuir os alimentos enlatados aos operários assim com a água.

Se passaram mais de 15 minutos. Cadê a Karina? Vou atrás dela e lá está ela, falando com a Dra. Limberg. Eu as interrompo:

— E o material que pedi?

A Dra. Limberg fala por ela:

— Dr., a Karina esqueceu de por no Jeep, o material ficou no acampamento militar...

Silêncio total até eu explodir.

— Irresponsável! Falta de seriedade e respeito para com sua equipe e o ser humano! Saia da minha frente, sua incompetente!

Pego minha mochila e dela o pequeno kit de primeiros-socorros. Chamo o ferido e mando apoiar seu braço numa rocha. Ele se chama Salim e digo a ele que terei que fazer o meu serviço e que será um pouco dolorido. Ele aceita e diz que tudo bem.

Faço a assepsia na área ferida e anestesio com xilocaína a 2 %; faço a sutura, cubro com curativo e mando ele proteger a ferida do Sol e tomar um antibiótico a cada seis horas. Dispenso ele de trabalhar.

São 19:00 h, o trabalho de cobrir novamente está quase está no fim e o sítio arqueológico ficara apagado, só Deus sabe até quando. A gente paga os operários e dispensa eles. Azzem, solicita para um deles ir até uma pequena aldeia e providenciar alimentos e água para nós todos. Todos contribuímos com dinheiro e ele é levado por um dos nossos motoristas.

Hora e meia depois eles estão de volta com alimentos e água. Após aquela janta típica do deserto, simples demais, mas com proteínas e calorias suficiente para quem trabalha durante o dia abaixo do sol de 44° C, perdendo quantidades de energia.

Um dos motoristas dos Jeeps, que fora procurar cigarros deixados no veículo, retorna eufórico, este tinha ligado o rádio e ouvido que Israel estava em guerra com o Egito. Havia aliados guerrilheiros e rebeldes, portanto por toda a fronteira com o Sinai havia muitos inimigos e nós estávamos bem próximos deles. Para evitá-los, teríamos que nos afastar da lateral esquerda do Sinai e ir ao acampamento militar israelense pelo centro do deserto. Sugeri esperar mais um dia ou dois, nos fortalecer bem em alimentação e combustível, descansar, viajar de madrugada e parar após as 7:00 h. Durante o dia nos esconder. Todos concordaram e fizemos o planejado.

Fazer 40 km até o acampamento militar israelense não é nada fácil, evitar barulhos, os Jeeps não são tão barulhentos, porém os caminhões que transportam os operários e o material de arqueologia, seus motores são barulhentos demais. Depois de andar uns 23 km paramos, alguma coisa me diz que, aquilo será um inferno. É quando um morteiro e mais outro explodem próximo ao pequeno comboio. O pessoal fica descontrolado; procuro acalmá-los, e orientá-los. Eu, tomo os fuzis da Dra. Limberg, de Gatti, e três pentes de pistola. Mando sair do meu Jeep o Gatti e Clarisse para estas se juntarem ao pessoal dos caminhões, em qualquer circunstância, aconteça o que acontecer, se ocorrer algo comigo, para eles irem em frente até chegar ao acampamento militar israelense. Chegando lá, haveria chances de saírem do país com vida? Não sei.

Fico com o Jeep e o motorista atrás do comboio e mando todo mundo saírem dali o mais rápido possível. — Vão embora! Dêem a partida!

Com um fuzil Martin 305 em mãos, olho para ele e me pergunto o que farei com isso contra rifles AK 47, morteiros e ponto 50?

Os morteiros e tiros começam de novo, explodindo bem próximo do comboio, os tiros de AK 47 são em maior número, Olho para as montanhas e vejo a fumaça, seus pontos, de onde são disparados são centos e centos e mais morteiros. O meu Jeep é atingido e capota dando várias voltas; sou jogado que nem uma bola de futebol, caindo 10 metros fora da estrada de terra, estou atordoado e sangrando, tenho um corte no rosto e meu corpo está um trapo, procuro achar fraturas, mas não tenho, ainda assim sinto dores e o mundo parece girar... Olho o comboio, eles estão longe, distantes da área de fogo e dos morteiros.

Tiro do coldre a pistola. O que farei com uma pistola contra toda aquela gente lá cima? Bem, ao menos ainda tenho mais dois pentes cheios de balas. Procuro com minha vista localizar o motorista, não o vejo, até que noto seu corpo no lado oposto da estrada, tento me levantar para auxiliá-lo, mas o impacto do meu corpo na queda causou lesões. Tento mais uma vez sair correndo em sentido do corpo do motorista e consigo. É quando vários tiros são disparados no meu sentido, mas chego sem ser atingido até o motorista. Ele está de bruços, ainda com a pistola em sua mão, mas não respira mais; suas costas estão crivadas de balas. Viro-o e vejo o mesmo no seu peito e estômago. Mais nada posso fazer por ele. Observo ao meu redor e vejo os atiradores; não sei quem são, se rebeldes, guerrilheiros ou soldados egípcios; todos eles descendo das montanhas indo na minha direção.

Afinal, o que faço? O que posso fazer com uma simples pistola? Também não é a minha guerra, não estou ali por causa de guerra e sim por causa da ciência. Ciência? Será que eles entenderão isso? Se me rendo serei tratado bem como prisioneiro? Não sei, difícil saber, ainda mais quando já se foi prisioneiro outras vezes e os direitos internacionais não foram respeitados — pelo menos não comigo. Me rendo, é o jeito... é de grande risco. É melhor me livrar da pistola, com ela não pensarão bem de mim. Enterro ela (uma pena, uma bela arma, leve e precisa). Desta vez ela ficará debaixo da terra.

Me ponho em pé, com os braços bem alto, pego meu lenço branco e ergo balançando-o. Num minutos estou rodeado do que pareciam, ora rebeldes, ora soldados e começo a gesticular com os meus documentos:

— Ciência! Cientista! Arqueologia!

Sou rodeado por vários combatentes; uns vasculham o Jeep e o motorista morto, tomando dele a pistola, o soldado que a recolheu a traz para o sargento que está na minha frente e entrega a ele. O sargento a examina, sopra a terra aderida nela e esfrega na sua farda, então a coloca na cintura. Chegando mais perto de mim, me interroga; dou meu nome e grau, mostro meus documentos — ele os examina e me chama de espião.

— Espião?...

Eu procuro explicar que não mas recebo um soco no meu rosto e caio, tento me levantar e recebo um chute nas costas; não consigo respirar, meu pulmão foi atingido e meu rosto sangra. Dois soldados me levantam e me seguram de pé, recebo mais um soco no rosto e uma coronhada. O mundo parece que vai acabar...

— Cão! Espião! Para quem trabalha? Quem o mandou aqui? Ingleses? Americanos? Israelenses? — E mais um tapa, outro...

Quando sinto que estou para desmaiar, ouço um veículo freando bruscamente. Mal consigo enxergar, meus olhos estão cobertos por sangue. Aparece o que seria uma combatente (mulher) que me joga água no rosto, limpa minha vista com meu lenço e fica ali estática. Quem desceu do veículo que parece um Jeep é um jovem oficial; teria minha idade e altura; examinada a pistola do motorista morto. O sargento fala com ele e aponta em minha direção, este então se dirige para mim; minha respiração está um pouco melhor, mas ainda sou segurado pelos dois soldados que me mantêm quase de pé. O que eu achava que era uma combatente feminina, na realidade é também uma oficial; parece uma tenente. Ao se aproximar o jovem oficial me cumprimenta militarmente (continência). Ele me examina dos pés a cabeça e peço para falar com ele em particular. Este anda ao meu redor e alega que na minha situação não estou em condições de reivindicar nada e que serei fuzilado.

— Mas porque? — pergunto.

Examina meus documentos e chama a mulher-oficial porque ela fala inglês. Porque inglês? Não deveria ser árabe? Ou será que ela é uma assessora soviética ou de um outro país comunista?

Ele discute com ela e o sargento e diz:

— Ele, não tem cara de ser americanos, inglês ou israelense, pode ser um espião, mas não é dessas nacionalidades, vejam a cor da sua pele. Vamos levá-lo para interrogatório.

O sargento se aproxima de mim e me dá mais um soco, aí o oficial grita para parar. O mundo gira... eu estou girando com ele e perco os sentidos. Acordo quando já é tarde e escuro e vejo uma fraca luz que deveria vir de uma lâmpada fraca. O lugar é quente, úmido e mau-cheiroso. Meus olhos estão inchados, assim como meu rosto com várias feridas e talvez com fratura no malar-esquerdo. Tento enxergar com dificuldade e desejo saber as horas. Tiraram meu relógio, meu isqueiro, os poucos cigarros que tinha, além dos meus documentos. O lugar onde estou parecer uma cela, com palha. Estou com sede, meu rosto dolorido e meus lábios abertos por feridas.

Preciso beber. Ouço passos de botas pesadas e passos de botas leves; a porta da cela range, sinal de que esta tem um longo ferrolho que deve ser forte, de aço, e eu jogado ali que nem um saco de batatas. A porta se abre e três pessoas estão ali me olhando. De baixo, visto da minha posição, estes parecem que são gigantes e cruéis.

Alguém se inclina e examina meu rosto. É a jovem mulher oficial, aquela que no deserto me jogou água e limpou meus olhos. Eu reclamei:

— Oficial, não estou sendo respeitado dentro dos direitos internacionais; eu não sou espião e preciso falar com seu comandante.

—Negativo, Sr. Kareboff ou Doc?

Ela se inclina, um soldado lhe entrega um balde com água gelada e um pano. O pano molhado e gelado faz com que eu sinta mais dor; ela me lava o rosto e passa o pano no meu corpo, depois me cobre com uma manta. As mulheres... por mais inimigas que estas sejam, às vezes também me deram carinho e amor; algumas foram sensíveis.

Eu digo:

— Tenente, de que lugar é a Sra., da Polônia? Ela não responde.

— O que faz aqui no meio do deserto? Continuo sem resposta, então ela diz:

— Aqui está uma tigela com leite de cabra, cereais e pão sírio. Eu dou risada e sou cínico:

— Típico de masmorra, né? O que farão comigo?

— Assim que melhorar será interrogado e talvez fuzilado, agora trate de se alimentar e descansar.

— Ah é? Aqui neste palacete?

Ela vai embora. A porta se fecha, corre o ferrolho, colocam cadeado nele e também ouço o rangido de uma chave (sem chance de fugir).

Estou com fome, acostumado a jantar ou a me alimentar entre as 19:30 e 20:00 h. A fome é tal que afinal como a comida que ali me foi deixada pela linda oficial. Leite de cabra, cereais, pão sírio e um pouco de água, penso, não é qualquer um que tem toda essa sorte. Sou um prisioneiro de privilégios? Pela reclamação do meu estômago, penso que são as 21:00 ou 22:00 h. Tento me sentar, mas o mundo continua girando, estou fraco. Preciso saber onde estou e sair daqui e para isso é necessário que eu esteja forte, com bastante energia e bem de saúde, recuperado das feridas, é claro, se não for fuzilado antes. Consumos os cereais, o leite e o pão, mas tenho um companheiro de cela; terei que compartilhar com ele? Ele está a uns 40 cm de distância de mim, tem uns 20 cm e deve pesar uns 300 g; é de cor preta. Nunca tinha visto um rato de cor preta. O rato olha para mim, senta sob suas patas e me cheira, mexe e gira seus bigodes.

Penso que o rato deve ser hóspede ou habitué deste grande hotel. Ok, vou dividir minha ração com você, se você não for mais rápido que as dores são mais intensas. Tenho sono e penso que um dia preciso me dedicar mais a mim mesmo. Quando era pequeno, pensava o mesmo: ouvir mais música, ler mais, me tratar mais, cuidar e ficar mais sadio e forte.

Lembro de minha casa, aquela grande residência, seus grandes jardins floridos, cheirando a flores, grama e pinheiros. O jardim sempre estava cheio de pássaros e eles sempre vinham se alimentar comigo; os esquilos, eles comiam na minha mão. Lembro da minha bicicleta, daquela motocicleta que eu tinha feito com um velho motor e canos hidráulicos e todo mundo dava risada, mas eu fiz funcionar a minha moto.

Lá eu treinava com meu arco e flecha, tinha tudo montado, um belo stand de tiro. Depois que meus pais morreram nunca mais fui lá, nem sei que fim levou aquela residência, se ficou com algum herdeiro ou foi vendida. Ir lá pra ver? Pra que? Ver aquela residência me traria lembranças, saudades e por demais tristeza, talvez um dia eu volte lá para saber. Claro, se eu sair desta com vida.

Dormi. Acordei com trovoadas, confuso. Trovoadas ou explosões? Devem ser 5:00 h pelas estrelas. Ouço gritos, choros, gemidos e depois:

— Atenção... preparar... apontar... fogo!

Me levanto, dolorido, mas consigo pôr-me em pé e vou até a janela, esta com grades de aço. Lá fora havia um enorme pátio e vários soldados que descansavam com suas armas no solo e mais à frente vários corpos caídos, aparentemente vestidos com roupas claras e todos com aparência de serem brancos; acredito que todos ele seriam funcionários de instituições religiosas, médicos, enfermeiros ou missionários.

O que eu estava vendo era, segundo os disparos que tinha ouvido, o segundo fuzilamento desta manhã. Os fuzilamentos sempre são executados de manhã, bem cedo. Alguns corpos, jogados no chão com suas roupas manchadas de sangue, ainda se debatiam ou estavam em convulsões. Os ferimentos das balas não tinham atingido seus pontos vitais. Um oficial, o que parecia ser um capitão tira do seu coldre uma pistola, o que deveria ser uma 9 mm ou uma 45 e dá um tiro em cada um dos fuzilados, bem na cabeça, ficando estes inertes.

Eu era o espectador daquele quadro horrível. O próximo seria eu? Teria que estar pronto a qualquer momento. Mas lembrei que a mulher oficial disse que primeiro eu seria interrogado e depois fuzilado. Fuzilado? Isto é um pesadelo, ou não?

Observo minha cela e não há como fugir dela. Suas grades são fortes e de aço, a porta consistente, as paredes feitas de pedra (granito). Observo lá fora e vejo que os corpos não mais estão lá. As paredes estão manchadas de sangue, não acredito, estando no deserto onde a água é escassa, esse quadro de sangue nas paredes não será lavado e lá ficará até secar formando uma pintura. Arte, só que horripilante. Com o tempo o sangue seco descasca e as películas de sangue acabam caindo.

O muro, onde as pessoas foram fuziladas são altos e suas paredes também feitas de granito ou rocha sólida. Essas paredes devem ter uns 50 ou 60 cm de espessura, mais do que difícil de derrubar, nem com uma bazuca ou explosivo poderoso conseguiria total sucesso.

É uma fortaleza usada como base militar árabe. Uma fortaleza de arquitetura medieval, ou pós-medieval, talvez construída na época das cruzadas, por volta do ano 1099 ou 1100.

O ferrolho da cela range e a porta se abre. Um oficial com vários soldados me diz para sair e que os siga. Caminhamos por um longo corredor onde há uma infinidade de celas, todas vazias, só vejo ratos correndo e se escondendo. Ao menos o rato da minha cela não mais terá que competir pela pequena refeição comigo.

Depois de andar uns 50 m subimos uma estreita escada e viramos a direita, onde sou empurrado e obrigado a entrar no gabinete do comandante. Nele há um coronel de uns 40 anos, de estatura média, lendo uma papelada. Nos cantos opostos há mais dois oficiais em pé, em sentido de alerta.

O comandante me manda sentar e me interroga, quer saber o que eu e as outras pessoas fazíamos próximo ao local onde eu fora capturado. Explico do sítio arqueológico, mas sou obrigado a repetir várias vezes a ele. Para o comandante sou um observador ou espião israelense. Manifesto que não.

Ele observa meu nome e sobrenome, quer saber a origem dele, explico que não sei, talvez seja sírio, libanês, grego-turco, e que meu pai era de lá ou daqueles lados. Quer saber onde moro e qual é meu endereço. Digo que também não tenho. Ele dá risada e alega que um cidadão do meu nível deveria ter residência fixa. Explico que sou uma das vítimas da Segunda Guerra Mundial, motivo pelo qual fui bolsista de vários países, oficial-médico e das minhas atividades.

— Soube, do seu relacionamento internacional, é bom?

— Não senhor, ninguém que luta possui bom relacionamento, principalmente quando falamos algumas verdades. Todos nós temos prós e contras e somos catalogados às polêmicos ou rebeldes.

O coronel me observa e diz:

— O senhor é muito jovem, mas tem personalidade e nome, o senhor já xingou o Papa, também o presidente dos Estados Unidos, ou não? É o que dizem. Não é qualquer um que chega ao Vaticano, janta com o Papa e depois o xinga. Não é qualquer um que ingressa no gabinete do Presidente dos Estados Unidos e passa a mão na bunda das suas namoradas. Levem ele à sua cela e tratem-no.

Sou levado de volta à minha cela e antes de esta ser trancada, um soldado me entrega uma bandeja de cobre, com o café da manhã: queijo de cabra, leite de cabra, pão sírio, mel, um ovo, café e chá. Ouço novamente o ranger do ferrolho, a cela é trancada e lá fico eu. O que será de mim? Após ser interrogado seria fuzilado? Mas o interrogatório não foi rude.

Consumo o café da manhã. O rato preto está lá num canto me olhando mas não se aproxima. Claro, está cheio! Ele comeu o que restou da noite anterior. Após ter consumido o café da manhã e antes de saber que será de mim, preciso dar um trato no meu rosto, tratar da fratura do malar pois o osso fraturado está afundado e logo começará a se solidificar e obstruirá a irrigação sangüínea, aprisionando algum nervo da face, assim evito futuras cirurgias de correção. Futura cirurgia de correção? Ainda não sei se sairei vivo daqui. Tenho que tentar ver se a fortaleza tem médico. Pela pequena janela da porta da cela chamo o guarda e peço a ele para falar com um médico. Este titubeia, chama o cabo de plantão e de novo explico que preciso falar com um médico. Este sai e em 20 minutos aparece com um capitão, um jovem médico e três soldados. O capitão, petulante e arrogante, logo diz:

— O senhor está pensando que isto aqui e uma clínica de plástica? Quem define sua situação é o comandante e seus assessores, entende?

— Não! Não capitão, eu não fui tratado como prisioneiro, fui ferido pelos seus homens e preciso ser tratado. Conforme o tratado e convenção da Tchecoslováquia e de Genebra, se o senhor não tomar providências, eu terei problemas de face e respiratórios. Por enquanto ainda há tempo, antes que a fratura solidifique. Se mais tarde serei ou não morto já e outra questão, mas preciso ser tratado. Se eu fosse um soldado e fosse capturado, detido em combate ainda vivo, deveria ser tratado conforme as convenções. No meu caso, eu me rendi e minha rendição não foi respeitada, estava desarmado e indefeso; aqui o Sr. capitão vê o resultado. Serei ou não tratado?

— Ok, o nosso médico o examinará e avaliará seu problema para depois discutir autorização junto ao comandante.

O capitão se retira, e o médico e o soldados ficam, sou examinado pelo médico que diz:

— O senhor é um problema muito grande para eles, aliás, para todos nós. Ele examina minha fratura trêmulo, não sabe o que fazer. Eu o oriento.

— Dr. Salim Harann, tenente médico, o osso está fraturado, há um fragmento de osso em formato de baleia, e pequeno, não mais que uns 3 cm. O senhor precisa anestesiar a área com xilocaína a 2 % e depois inserir uma agulha de sutura média com linha n° 3, esta inserção tem que ser por baixo do osso fraturado. Com o fio de sutura, o senhor formara um “U”, aí puxe para fora as duas extremidades do fio; o osso fraturado irá para a posição correta e para segurá-lo o senhor pegue uma abaixador de língua (palito tipo sorvete), quebre-o, forre com algodão e amarre as duas extremidades, o palito fará uma trava. Em quatro dias o osso começará a solidificar e tudo bem, ok?

O médico, surpreso olha para mim e diz:

— O senhor pensa em sair daqui com vida? Acha que meu trabalho será útil?

Ah! Aí está e digo:

— Todo prisioneiro, quando tem vida e está com energia, tenta sair com vida... tenta fugir. É igual quando capturamos uma ave silvestre e colocamos numa gaiola, ela, por todas as formas, tentará fugir, demora, mas tenta e... consegue. Ela, não nasceu para ficar presa e eu... menos ainda.

— Tudo bem, vou levar seu caso ao meu superior, se não voltar em uma hora, não será por culpa minha, acredite.

E vai embora.

Após duas horas, o trinco da porta volta a ranger, deve ser 8:00 h já era para estar morto. Por que ainda não fui fuzilado? O médico entra com seus apetrechos e diz:

— Sinceramente... não entendo, não entendo, o senhor está marcado para morrer e o comando me manda tratar dos seus ferimentos.

Ele abre sua mala, estende um pano no chão e coloca em ordem o instrumental cirúrgico. Com uma seringa de 5 cm põe 2 ml de xilocaína, faz assepsia na área e aplica o anestésico em quatro lugares, poucos minutos depois minha face fraturada esta adormecida. A agulha de sutura é inserida, ela gira em forma de “U”, ele puxa esta e o fio de sutura formando um “U”. O abaixador de língua já foi reduzido para uns 3 cm e está forrado com algodão. Mando ele puxar o fio em para fora, segurando firme as duas extremidades, sinto um rangido — o fragmento do osso retornou ao seu lugar. Solicito para ele, com a mesma seringa inserir por baixo do osso fragmentado e remover um coágulo, a recuperação será mais rápida e logo eu voltarei a respirar melhor.

Ele tira a agulha e amarra o palito com o fio de sutura. Agora o osso não mais caíra pra dentro. Peço ainda para ele me arrumar alguns antibióticos e antiinflamatório. E ele se manifesta:

— Mais uma lição técnica que aprendi, no meio do deserto, para melhora de um prisioneiro...

Agradeço e peço que ele providencie água pois estou com muita sede. Um soldado traz água e os remédios, todo mundo sai da cela e após esta ser trancada, um silêncio total. O rato preto, anda no meu sentido desconfiado, olha a porta e gira seus bigodes, se aproxima de mim até uns 40 cm, gira seus bigodes e chega a me observar como perguntando “esta tudo bem”?

— Oh, claro companheiro de cela, comigo esta tudo Ok, sou um cara de sorte, ainda não fui fuzilado, estou sendo tratado decentemente.

Como prisioneiro eu consegui ser ouvido e reivindique os meus direitos, parte deles foi atendido, não posso me queixar. E durmo.

Acordo. Deve ser perto do meio-dia — meu estômago é quem me diz. O efeito da anestesia não mais existe e a fratura esta dolorida, mas nem tanto e respiro melhor. Estou com fome (bom sinal). Preciso me alimentar bem, recuperar as forças. Tentar fugir desta fortaleza não será fácil e se tiver que andar pelo deserto terei que estar bem de saúde e fisicamente.

O trinco range, a porta se abre, dois soldados apontam suas armas pra mim, outro soldado desarmado entra com uma espécie de “caixa” de metal, atrás dele entra a oficial feminina (a polonesa) e me pergunta:

— Good?

— Ah!. Wonderfull! Só me falta uma biblioteca, um Grunding e vários 78 ou 45 de jazz, clássicos e melodias, mas sou um prisioneiro. Até que estou bem, obrigado tenente.

Ela dá meia volta e vai embora, os soldados recuam sem deixar de apontar suas armas. A porta é trancada. Me levanto, já não estou tão dolorido, penso que tenho boa saúde, bons tecidos, sempre tive uma boa dieta, isto faz com que sempre me recupere rápido e parta para outra.

Olho para fora. Realmente é uma fortaleza e tanto, seus muros são impossíveis de serem ultrapassados. Há guardas bem armados e bem atentos.

Faz calor, a temperatura deve estar uns 45° ou 47° C. Há nuvens escuras — num deserto é difícil esperar chuvas, mas não impossível, em alguns lugares só chove a cada quatro ou dez anos. Uma chuva hoje... seria uma boa.

O que há dentro da caixa de metal? Abro esta e logo o rato preto está ali perto (ele é meu companheiro de cela, terei que convida-lo para almoçar). Há uma panela, abro essa, que está bem cheia. É Fistekn, isso é comida de Sheik. Fistekh é bucho de cabra com creme e farinha, pimenta, alho, entre outros temperos (não lembro). É um prato forte, de muitas calorias. Se eu me alimentasse com Fistekh por dois ou três dias seguidos viro um touro! Minha recuperação seria total. Sirvo um pouco ao meu amigo (o rato-preto) e vira aquele almoço.

Agora seria bom um chá. Não sou muito chegado a café, mas nessa hora, se viesse um, também não desprezaria. Guardo o resto da comida, longe do rato-preto, e ando pela cela, preciso digerir e examinar a fortaleza. Não faço a barba há uns três dias e preciso tomar banho, mas como?

Se chover... Se chover coloco uma das tigelas para fora e encho esta, transportando a água para a caixa de metal, ali posso juntar uns 10 litros d’água e daria para tomar banho.

Exploro a cela. Ela até que é grande, tem uns 5 m. Parece maior por estar vazia, sem móveis ou objetos. A janela até média, deve ter l m por 80 cm, distância de uma grade para outra com não mais que 25 cm, uma pessoa magra passaria por ali, mas ninguém sabe qual e o fim do pátio. No pátio há algumas árvores frutíferas, devem ser de Damasco, Tâmaras ou Romãs, há outras plantas e algumas flores. Alguém gosta de verde pois se vê que está bem cuidado.

Removo a palha da cela, num canto há um ralo. No fundo da cela há uma porta consistente, tento abrir e esta não cede, faço força, abre um pouco, empurro e ela abre uns 40 cm. Forço mais e ela range abrindo por completo. É um pequeno quartinho onde há um banheiro arcaico e um tanque, o que deveria ser uma pia. Bem, pelo menos ali já dá para fazer as necessidades, mas, não tem água. Num canto, sobre uma pedra, há uma velha escova de dente, um pedaço de pente amarelo e um sabão velho, tudo corroído por ratos. Já está melhorando, ao menos posso me pentear, e se tiver água, o sabão não é de Paris, mas daria pra tomar banho.

Começa a chover. Aí esta a chuva que deve ser abençoada para as árvores e plantas e... para mim. A tigela, estendo-a para fora e ela rapidamente enche. Transporto para caixa de metal e assim continuo até enchê-la. É uma tempestade. Junto mais água, tiro a roupa e tomo um banho. Ah! Que delícia! Lavo a minha camisa tipo safári, a camiseta e a cueca.

Hoje “estou feito”. Trataram da minha fratura, me deram boa comida, uma “visita feminina” venho me ver... o que mais quero. Pois é... quero a liberdade.

Assim, pela janela, depois de me dar um trato, olho a chuva cair, ela continua até o final da tarde. Refresca, a temperatura cai e ao longe se vê um arco-íris. Há muitos anos que não via um. Eles são bonitos. Nos charcos d’água que ficaram no pátio da fortaleza pousam alguns passarinhos e eles fazem a festa, tomam banho. Ao menos eles estão em liberdade e com vida, até quando? Até aparecer algum predador.

Mesmo tendo feito muita coisa, ter dormido após a tração da fratura e ter me tratado, o resto das horas foram longas. Devem ser 20:00 h, a esta hora não acredito que tragam mais nada para mim. Todo lugar de prisioneiro ou militar, as refeições são cedo: café da manhã das 5:00 as 6:00 h (para oficiais não há hora certa), almoço entre as 11:00 e 11:20 h e janta das 18:40 às 19:20 h. E já é mais que 20:00 h. Ia adorar uma fruta, uma sobremesa ou uma panqueca. Vou tocar o sino, talvez a copeira venha e diga “Sr.” aí eu digo:

— Srta. Jane, por favor uma sobremesa e um licor.

Mas tudo isso esta mais que longe de acontecer, estou sonhando demais..

Abro a panela de comida que guardei do almoço, o Fistekh, embora frio, ainda cheia bem. Ele foi bem elaborado, o cozinheiro é bom. O Fistekh não é comida comum nas Arábias, geralmente é consumido pela classe média, por demais nutritivo. Os prisioneiros, eles não são bem alimentados, pelo contrário, estes ao contrário são mantidos fracos, subnutridos e dessa forma o prisioneiro ou os prisioneiros não tem força suficiente para gerar uma rebelião, sem energia não há poder físico. Se estes tiverem sucesso, não andarão muito após a fuga e logo são recapturados.

E no então por que eu estou sendo bem alimentado. A minha janta é interrompida por uma música, clássica: Straus, Tchaikowski, depois Ray Charles e por último uma polca. Uma polca? Ah, já sei quem está ouvindo música. Se não fosse pela polca, seria qualquer um ouvindo música, mas agora o assunto muda. Penso que dentro da fortaleza, entre os que me consideram inimigos, há um que é meu aliado ou admirador, e já sei quem é: a tenente Wazelouska.

E aí o motivo do café da manhã reforçado e da boa alimentação. Já outros prisioneiros não tiveram a mesma sorte. Mas por que eu estou tendo algumas regalias? Sem dúvida alguma, não obterei resposta tão logo ou talvez nunca a tenha.

Minha roupa esta quase seca. No deserto não há umidade e isso faz com que tudo seque logo. Examino a roupa, até que não esta tão enrugada, mas ao menos esta limpa, sem cheiro e sem manchas de sangue dos meus ferimentos.

Me sinto melhor hoje (ou agora), embora seja incerto o que será de mim amanhã, se continuarei vivo ou se serei fuzilado. Acho que esta noite dormirei melhor, estou limpo, e a noite está mais fresca. Devem ser 22:00 h tudo é silêncio. Há lua cheia. A lua no deserto faz parecer com que seja quase de dia, claridade plena. Ouço o manifesto de uma coruja, ela deve estar numa das torres da fortaleza (seu império) e de repente o ruído das suas assas. Quando a coruja sai, é por que focalizou um rato, uma lagartixa ou um sapo. Ela logo retorna, sinal que sua caça estava perto.

Ouço um chiado forte, dever ser de uma ave noturna. Depois o som de um chacal do deserto e ainda sinal de outro mais distantes, eles se fazem destacar, para mostrar seu território e seu império. O deserto que deveria ser deserto, na realidade é o contrario, possui sua vida, sua fauna, que só está ausente durante o dia por causa do intenso calor. De noite o deserto se torna totalmente vivo, de animais. Tenho que enfrentar a noite, preciso dormir, acordar e enfrentar o incerto do amanhã.

Sou acordado com o ranger do ferrolho da porta. Tão cedo? Será que é hoje? Hoje serei fuzilado? Acho que não é tão cedo, eu que dormi bem, será? A porta se abre, dois soldados apontam suas armas para mim e entra o médico que fez a tração na fratura. Estranho... estranho.

— Vim examinar sua fratura.

Mas não fala bom dia nem me pergunta como estou. Penso que tenho que aceitar tudo, ainda mais sendo do inimigo. Ele se inclina, examina a fratura e diz:

— Está tudo bem, quase não está mais inchado.

Com um chumaço de algodão unta a área do fio com iodo. E eu digo:

— Sua ajuda Dr., foi muito boa. Gostaria de fazer a barba, há condições de me arrumar um aparelho e um espelho?

Ele nada responde e depois de alguns segundos diz:

— Falarei com a tenente Wazelouska, ela é responsável pelo senhor, OK?

— Obrigado Dr.

Antes de ele sair, um soldado entra com o café da manhã. Fico só, aliás com o rato preto, ele também quer o café da manhã, afinal merece, é uma boa companhia.

O café, um ovo cozido, bacon, suco de damasco e café com leite de cabra. Nada mal, nada mal. Acabo de tomar minha pequena refeição e ouço passos fortes e alguns mais fracos. Passos de botas fortes, mau sinal. A porta se abre e lá está ela, com as mãos para trás examinando tudo e encarando meu rosto. Ela é branca demais, o sol do deserto nem sequer fez com que ela ficasse bronzeada. É bonita, possui personalidade.

— Vejo que está melhor e mais disposto, sua roupa está melhor.

— Ah, sim estou melhor graças à Sra., tenente Wazelouska.

— Sabe meu nome?

— Não, não tenente, só sei seu sobrenome.

Ela vai até a janela, olha para fora e diz baixinho, meu nome é Tatiana. Sou de Varsóvia e estende sua mão, nela está o barbeador e um pequeno espelho.

— Há um porém. Terá que se barbear estando eu aqui, até terminar, por questões de segurança.

Molho o velho sabão na água da tigela e unto o meu rosto. Assim faço a barba, propositadamente demoro para que ele fique mais tempo e eu possa observá-la melhor e examiná-la mais. Examinar seu corpo, embora muito difícil saber de uma mulher militar se tem ou não corpo bonito. Só vemos algo quando estas estão menstruadas e usam saias-uniformes ou saias -fardas, aí elas mostram as pernas, geralmente as saias-fardas são justas e dá para ver os contornos das suas coxas e da bunda.

Quase por acabar de me barbear aparece uma sargento, também de rosto bonito e mais escuro. Esta já não fala em polonês mas sim em inglês e diz para a tenente:

— A guerra deve acabar em dois dias. Mose Dayan deve assinar a paz e os termos, mas não devolverá os territórios ocupados aos árabes. — e fica em silêncio.

Lavo meu rosto, me enxugo e me viro enfrentando as duas. Agradecendo pelo barbeador, devolvo este. A tenente comenta que estou bem melhor, pareço outra pessoa.

Saíram todos, mas Tatiana retorna e diz:

— Acredito que a partir de agora as coisas não serão tão boas para sua pessoa, desejo-lhe boa sorte e sinto muito, acredite, foi um grande prazer tê-lo conhecido e ter ficado bem próximo de você. Há poucos anos fui sua fã.

Saiu e a porta é trancada.

Acho que ela tem razão, as coisas não estão boas para meu lado. Se eu não for fuzilado, posso ser anistiado e solto. Tudo é possível para um prisioneiro quando a guerra está por acabar. Também, conforme as circunstâncias e mente de cada comando do campo de prisioneiros, o melhor é acabar com tudo, nem sempre testemunhas ficam vivas.

Qual seria o meu caso? Vi os fuzilamentos de mais de cem pessoas civis.

Ouço passos de botas firmes e de várias pessoas — mau sinal. A porta enguiçou, não conseguem abrir. O rato preto se esconde, ele sabe que o clima é ruim (animal sabe). E digo para ele:

— Amigo rato preto, foi um prazer tê-lo conhecido e tê-lo como companheiro de cela.

A porta se abre e o rato some. O sargento grita:

— Em pé e estique as mãos!

Minhas mãos são acorrentadas numa corrente de uns 30 ou 40 cm. Sou empurrado para fora da cela. Estou confuso e começo a suar. Sou levado pelo corredor oposto ao que já andei antes e vejo as paredes da fortaleza. Ainda há escudos e espadas da época das cruzadas, mas as espadas parecem dos Templários. Templários? Templários. Será que eu sou um deles? Preciso me controlar, preciso controlar meu emocional. Viramos a esquerda e descemos uma escada com poucos degraus. Uma porta de grades é aberta por um soldado e saímos num pátio. Nos detemos... é o pátio que eu via da minha janela de cela, onde aconteceram os fuzilamentos. Vejo as árvores e plantas e... vários soldados em posição e armados com fuzil. São uns 15 ou mais soldados... não consigo contá-los, começo tremer e parece que vou vomitar. Preciso me controlar, meu Deus! Controlar? E se luto? De que forma? Estou acorrentado e sem uma arma, mesmo que tivesse uma, poderia até enfrentá-los, mas num segundo seria morto.

Minhas pernas estão trêmulas, estou suado. De nada adiantou ter tomado banho e me barbeado se serei morto. Sou empurrado e obrigado a andar no sentido do paredão onde as pessoas foram fuziladas. Lá sou deixado, há silêncio total. Faz calor e minha respiração é ofegante. É necessário que eu recupere o controle e enfrente a situação. Estou só nos piores momentos, sempre estou só, sempre estive só, nasci só cresci só e vou morrer só. O controle volta a mim, já quase não tremo, não mais estou suando. E começo a olhar ao meu redor. É uma linda fortaleza, mas cadê minha cela? E a janela onde eu estava? E... lá está ela, fácil de identificar, pois sobre a janela olhando para o pátio está o rato preto. É uma piada, minha vida é uma piada e por demais emotiva. Um rato assistindo o que seria minha execução, só vendo para acreditar. Acho que o rato, neste momento não é apenas um rato, talvez ele sinta o que um ser humano não sinta, ao menos ele sinta gratidão por ter tido um companheiro de cela que compartilhou o pouco de alimento que tinha. O rato viu que este parceiro de cela, para com ele não fez dano. Agora na janela, girando seus bigodes, assiste o que será a minha morte.

Bem, pelo menos serei morto limpo e barbeado, ou seja, com disciplina, ética e postura. É o que um homem digno faz. São 15, 17 ou 18 soldados que logo atirarão em mim e se todas as baladas me atingirem num ponto vital, coração e cérebro, eu morra em poucos instantes. Tudo bem, o meu sofrimento será ameno, mas se eles tiverem má pontaria, não gostaria de ficar jogado no chão me debatendo em convulsões até receber o tiro de misericórdia.

Estando no pátio é que vejo a amplitude da fortaleza. Se fosse em outro momento melhor ou numa visita social, diria “que bela arquitetura”, mas agora, nesse momento, só me resta dizer, “que merda!”. Vou morrer amarrado e mijado nas calças!

Discussão, berros, ou briga? Em algum lugar dos oficiais, acima, mas não localizado. Parece ser do gabinete do comandante, que seria algo acima do nível do pátio. Minha execução é demorada. Há mais de 5 minutos que estou aqui, até quando? A discussão continua, se eleva, é por demais exaltada e cheia de insulto. Olho para cima; lá segurando para o lado a cortina da janela, vejo uma figura sem o quepe militar. É a tenente Wazelouska, seus cabelos estão soltos, olhando para mim, como dizendo “olhe para mim, antes de morrer, veja como sou linda”. Ela, lá em cima, se parece a Julieta olhando para baixo na espera do seu Romeu. Só que eu não sou o Romeu, nesse instante não sou nada nem ninguém.

Ela fecha a cortina e desaparece.

Ouço fortes passos, e o sargento diz:

— Atenção!

Todos os soldados ficam em sentido, o tenente que fez a minha captura chega perto de mim, manda eu me encostar mais na parede e diz:

— Você colocou a gente numa enrrascada sem saída.

— Eu não, — digo, — eu não vim aqui de própria vontade, vocês me trouxeram por erro ou por falta de competência.

De novo ele grita:

— Atenção para o fuzilamento!

Todos os soldados ficam segurando suas armas com as duas mãos. Eu volto a tremer e gagejar.

— Preciso falar com seu comandante, tenho o direito.

O tenente vai se afastar, quando uma janela acima se abre e grita em árabe para o tenente, é o comandante da fortaleza. O tenente manda os soldados descansar e sai correndo em sentido do gabinete do comandante. Lá em cima a gritaria e discussões são maiores, e... depois o silêncio.

De novo, após uns 10 minutos, o tenente retorna. Um enorme portão se abre e entra um enorme Jeep com dois soldados. Dá um berro:

— Soldados de fuzilamento, dispensados!

No pátio, só ficamos eu, ele e os dois soldados com o Jeep. Ele me manda subir no veículo. Eu não entendo nada, subo, me manda sentar num assento lateral e sou vigiado pelos dois soldados. O tenente ocupa o lugar do motorista, e espera a chegada de mais alguém. Esse alguém é a tenente Wazelouska, ela porta uma metralhadora e um saco de pano. Logo ocupa o lugar do passageiro ao lado do tenente. O forte portão volta a se abrir e o Jeep dá a partida. Toma uma estrada de terra e poucos minutos depois pergunto para onde estou sendo levado. Ninguém responde. Pergunto de novo e o tenente diz:

— O deixaremos no deserto. Entendo a situação e xingando digo:

— Me leva ao deserto, lá me executa e sou devorado pelos abutres, ratos e formigas, não é isso?

Ele nada responde.

Após uma hora andando pela estrada poeirenta, entramos pelo deserto, pelo cascalho, terreno irregular. Mais uns 10 km e eles detêm o Jeep e me mandam descer. Acho que para me executar não seria necessário ter andado tanto. Desço, os soldados também. Se afastam da gente, mas não apontam as armas para mim. O tenente tira de mim a corrente. Me entrega o saco de pano e diz:

— Confira tudo!

Me inclino no chão e despejo os objetos do saco, caem de dentro o meu relógio, isqueiro, o maço com poucos cigarros, documentos e US$ 3.500,00 que tinha quando fora capturado. Ele ergue um braço e com o dedo indica:

— Em linha reta, andando uns 5 km, encontrará uma estrada, esporadicamente nessa estrada passa alguma caravana, eles lhe ajudarão a chegar a alguma aldeia. Se seguir sempre em linha reta, mais 6 km encontrará um comando ou acampamento israelense, boa sorte, Sr.

Eu começo andar e após uns 20 metros alguém corre em minha direção chamando o meu nome, me detenho. É a tenente Wazelouska, ela estende sua mão, é um cantil com água.

Mais uma bondade dos meus ex-executores, ou dos que seriam meus executores. Eu digo para ela:

— Obrigado pela comida, pela música, pela sua sensibilidade e... pela sua beleza. Um dia, talvez eu vá para Varsóvia.

Ela, retorna de costas, como querendo retornar ao Jeep. Se vira e sai correndo. Sobe no veículo que se perde no meio da poeira.

Coloco meu relógio no pulso, são 9:00 h. Está calor demais, talvez uns 40° C, ponho meu chapéu e vou andando... andando pelo deserto, o deserto talvez não seja melhor que a prisão da fortaleza, mas é melhor ser livre e enfrentar uma outra batalha. Aí eu grito:

— Liberdade! Viva a liberdade!

Começo a sentir o calor. Tenho andado muito e já são 13:00 h. Chego à trilha citada, a das caravanas e exploro ela. Como vou saber quando uma delas passará por ali. Bebo um gole de água e continuo andando por mais duas horas. Começo a sentir dor de cabeça e um pouco enfraquecido. Se me desidratar aqui, o deserto não me perdoará e nem adiará execuções. Tudo começa a ficar ruim de novo. Ouço de algum lugar ruídos de veículos; devem ser dois. De repente à minha direita vejo uma nuvem de pó e bruscamente dois Jeeps freiam em minha frente. Os dois Jeeps transportam três combatentes e cada um porta uma metralhadora ponto 50 com torre giratória. Nas antenas dos rádios há bandeiras israelenses. Ficam me olhando. Eu estou parado e quieto.

Um oficial desce e me pergunta se sou Dr. Karebff.

— Sou, — respondo.

— Ouvi seu nome sendo citado pelo rádio do inimigo, eles citavam seu nome e que já estava livre e solto.

— O senhor está bem?

— Oficial, para falar a verdade, estou daquele jeito, como está me vendo aqui. Meio com insolação e fome. Preciso de água gelada na nuca.

Eles abrem uma caixa térmica e tiram água gelada, fazem compressa na minha cabeça e me dão comida. Já me sinto bem melhor e digo para irmos embora, é bem melhor que ficar na incerteza naquela fortaleza. Subo no Jeep e partimos.

Quando chegamos ao acampamento militar, lá estão a minha equipe que conseguiu fugir da expedição arqueológica. Eles ficaram surpresos ao me ver com vida. Eu tomo banho, me alimento bem e vou deitar. Acordo às 5:00 h e fico sabendo que acabou a guerra árabe-israelense. Uma guerra que não era minha, mas na qual quase acabo morto.

Muitos anos depois, eu estava no sul do Canadá. Tinha ido a uma loja de esportes, os donos eram meus amigos, um casal, eles aproveitaram que eu estava ali para irem a uma reunião de escola dos filhos, não demorariam mais que 40 minutos. Antes deles saírem pediram-me para eu escolher a vara e o molinete de pesca. Eu gostava de pescar truta e salmão e tínhamos planejado ir pescar no fim de semana. Não se passaram 15 minutos quando na loja entra um cliente e vai no meu sentido. Ele me cumprimentou dizendo estar a procura de iscas para salmão. Comecei a mostrar as iscas e de repente seu rosto me é familiar, tinha quase a minha altura, a idade e pequenas áreas laterais de cabelos grisalhos. Olho para ele e pergunto:

— A gente não se conhece? Nós, já nos vimos antes? Ele continua.

— Estou no Canadá há poucos meses e não conheço ninguém daqui. Paga as iscas e vai embora, chega na porta e se detêm intrigado, sai.

Poucos segundos depois este retorna à loja e diz para mim:

— Albert Karebff.

— Sou eu mesmo, por que?

— Dr. Albert Karebff, você foi meu prisioneiro. Eu o capturei e ia fuzilá-lo. Depois o libertei no deserto.

Eu fico inerte. O mundo é irônico. Mantendo o porte, pergunto:

— Tenete... tenente. Nunca soube o seu nome.

— Thange Ramiz. Não sou mais tenente, sou apenas um simples civil, desejando uma vida amena. As Américas oferecem muita coisa e chances.

— Ramiz, por que não fui fuzilado.

— Bem, nós tínhamos cometido um erro, reconheço o erro, dois dias depois reconhecemos sua pessoa, mas um dos comandantes não gostava de você e ele era a favor da sua morte. Sua prisão chegou ao conhecimento do alto Ministro de Defesa e aí surgiu a polêmica e ele ficou de estudar seu caso. A sua morte originaria um conflito internacional, mas ele insistia em seu fuzilamento. Assim, faltando dois minutos, a ordem de lá de cima foi para lhe dar sua liberdade e aqui lhe vejo em liberdade. Dr., onde mora?

— Bem, eu não tenho endereço. Possuo umas terras, tipo fazenda, uma eu não conheço, darei ou doarei pra um orfanato na Síria e a outra... não sei, acho que não tenho estrutura e tempo para me dedicar às terras, embora goste de cultivar o verde e de animais.

— É... naqueles dias ninguém acreditou que o senhor não tivesse residência fixa, mas vejo que é verdade.

— Ramiz, e a tenente Waselouska?

— Ah, a Tatiana, ela fugiu da linha, mandava para o senhor alimento que era dela; gostava do senhor, quando o momento do seu fuzilamento chegou, ela não apelou, mas chorou, ninguém viu mas nós notamos nos seus olhos. Ela... ela morreu numa ação militar, pisou numa mina de tanque e do seu corpo, nada sobrou. Dr. me estenda a mão, vou indo, um dia a gente se vê novamente.


 

IÊMEN E O GRANDE KHAT, O CÃO

 

Há uma pequena revolução, está foi controlada ou acalmada. O povo revoltado, junto à ONU, reclama de pobreza e fome, entre outras coisas.

A ONU designa uma missão de emissários-agentes, em conjunto com a Cruz Vermelha. Num grupo de 8 pessoas eu encabeço a chefia. Há treinamento e várias vezes friso o risco. Em caso de algum ferido, ou com sérios problemas, agir só conforme as circunstâncias, mas nunca por em risco a vida do restante da equipe. Se um agente ou emissário atingindo ou ferido está sendo seqüestrado, agir somente se este estiver bem próximo do grupo, do contrário a pessoa tem que ser abandonado a sorte de Deus. E assim que for possível comunicar os fatos às nossas autoridades, diplomatas, etc.

O destino é o Iêmen. A gente se comunica e identifica a equipe e a missão. No dia seguinte, já nos jornais, as manchetes falam da nossa missão e objetivo.

Em seis dias os documentos estão prontos, assinados e os relato, via malote, enviados ao destino. O guia e intérprete, me faz um alerta. Noto que a viela onde andamos de repente ficou deserta e estamos só eu e ele, o resto da equipe, desapareceu. Numa viela pouco à frente vejo que todo o pessoal da equipe está num canto e vários homens vestidos a rigor, apontam armas para deles. O nosso guia-intérprete grita:

— O que esta ocorrendo!

E avança em sentido de quem seria o “chefe”. Este o empurra em direção da equipe e coloca a ponta do cano da arma em sua boca. Entendo que é para este ficar quieto ou calado, do contrário morre ali mesmo.

O chefe dos homens armados, pergunta ao guia se eu sou cirurgião, este repete a pergunta para mim e afirmo que sim. Mas, que ali, a minha missão é outra, se tivesse que ser cirurgião ou fazer uma cirurgia, seria necessária outra documentação dirigida as autoridades locais, portanto sem autoridade, eu nada posso fazer. Ele insiste e pergunta onde está a minha mala com instrumentos de cirurgias. Digo que não tenho. O chefe insiste que eu teria que fazer uma grande cirurgia numa perna, num líder rebelde que está nas montanhas, está ferido há vários dias. Insisto e friso que nada posso fazer.

Mas, de nada adianta, sou empurrado e obrigado a subir num caminhão, e... vejo que mais uma vez meu destino é cruel. Estou sendo seqüestrado.

O líder me interroga, os homens armados que estão comigo no caminhão, apontam suas armas para mim, quer saber se eu sei fazer amputação de perna.

Digo que talvez sim, mas sem material e recursos, nada poderia ser feito.

Ele recebe um rádio que diz que seu líder está mal, sua perna ficou “preta” e ele já quase não respira. Explico que deve ser gangrena e conforme o grau dela resta pouco tempo de vida.

Um novo rádio chega ao chefe. Este desliga e fica pensativo. Depois joga o rádio num canto do caminhão e avança sobre mim agressivamente, segurando meu pescoço me chacoalha. Um segundo chefe o segura e procura afastá-lo de mim, explica que eu não tenho culpa.

Manda deter o caminhão e me expulsa dele. Ele me dá um ponta pé no traseiro e caio para fora, batendo no chão. Eles partem e mais uma vez eu fico no deserto. Só, sem saber onde estou e desorientado, nem sei que a distância estou do povoado. Sem água, sem alimento — Puta que pariu!

Tiro a poeira da minha roupa, são 10:00 h. A temperatura já é elevada. Retornar pelo caminho que vinha o caminhão, mais tarde ou mais cedo chegarei à aldeia de onde fui capturado. Se de caminhão dá mais de 6 horas com estrada obstruída, a pé estarei lá umas 24:00h. Começo a andar pela estrada batida.

Após uma hora de caminhada, começo a sentir o calor e a falta de água. Há muitos penhascos, montanhas e rochedos. Descansar um pouco na sombra desses me fará bem. Até parece que ouvi um latido de cachorro... ou não... de novo. O terceiro latido. Não é de cão das planícies ou deserto, também não é de chacal. Ando no sentido dos rochedos, o latido é mais alto e nítido. Assobio e este aumenta, depois geme. Me aproximo mais do rochedo e percebo que latido é de cão doméstico, tento falar com ele e ele me responde com diferentes latidos. Subo nos rochedos e o chamo.

Eu estou bem próximo dele agora. Há uma espécie de caverna pequena, me detenho e ouço pingos d’água, aí ele late de novo, dentro da caverna há um poço com água, olho atentamente e lá vejo ele. A água chega na altura da sua barriga, é um cachorro médio de cor amarelo-escura, escura talvez por estar molhado. Examino o local, a profundidade é de dois metros, não é impossível chegar lá embaixo. O cachorro deve ser de algum pastor ou de alguma caravana, sentiu o cheiro da água e ao tentar beber ele caiu dentro e não mais conseguiu sair. Deve estar liso, difícil para um cão escalar suas paredes. Tento falar com ele e tranqüilizá-lo, ele mexe a cauda e ao mesmo tempo mostra os dentes. Ai eu digo:

— Olha, se você não confiar em mim, não poderei te salvar ou tirar daí desse buraco, além disso, é uma troca de favor, afinal você, com seus latidos, me ajudou com água para a sede, Ok.

Ele mexe de novo a cauda. Desço o que pensava ser fácil, mas ao contrario é escorregadio e logo eu também estou lá embaixo, minha queda é amortecida pela água.

Me recupero da queda. O cachorro e eu estamos “cara a cara”, logo ele se aproxima e me lambe o rosto. Eu digo:

— Somos amigos.

Examino ele acariciando sua cabeça, ele é um cachorro de idade média, bem cuidado e com saúde, examino seus dentes, não tem nada de tártaro, tem coleira e uma placa com o nome. Khat, inscrição em árabe — (traço) e mais um outro nome, Jhamil. Pronuncio “Khat” e ele pula sobre mim.

— Então seu nome é Khat — e ele late freneticamente. — Tudo bem e Jhamil.

— Jhamil — ele inclina a cabeça e olha para cima do poço, então ele conhece o Jhamil e com certeza possuem relacionamento em si. Penso que Jhamil deve ser seu dono. O cachorro deve pesar uns 35 quilos e puxá-lo para cima não vai ser tarefa fácil.

Exploro o poço, vejo se a água é boa, lavo meu rosto e bebo. É água pura de montanha e sob as pequenas rochas dentro do poço há algumas vasilhas de metal-cobre, todas pequenas e uma grande tipo antiga com alça. Numa das suas alças pende uma corrente, também de cobre, de uns 40 cm. Imagino se eu saindo do poço, o que não vai ser fácil, além de carregar o cachorro também conseguirei carregar a jarra com água. Esta, amarro minha cinta. Primeiro tento subir as paredes do poço, em vão. Nos primeiros 80 cm as paredes são lisas, acima já há algumas saliências em forma de degrau. O problema são os primeiros 80 cm e é pior com o peso do cachorro.

Junto às pedras e pequenas rochas que estão no poço e faço degraus, dando uma altura de 70 cm. Já está melhorando, é tudo questão de usar a cabeça. Tento e dá resultado.

— Tudo bem Khat, vamos lá. Olha não vai ser fácil, mas tentaremos, Ok Eu sei que não falamos a mesma língua mas estamos nos entendendo.

Amarro a minha cinta a jarra com água (são uns 3 litros d’água), subo as pedras e rochas amontoadas e chamo o cachorro. Este pula sobre mim, ótimo! O empurro sobre meu ombro e este se equilibra e se prende, sinto suas unhas nas minhas clavículas. E lá vamos nós... são uns 2 metros, 50 cm andamos bem, 70 cm também, o mesmo aos 80 cm. Agora há mais degraus, só que a distância ao chão aumentou e o peso é enorme. Não consigo firmeza, os degraus são estreitos, mas com uma mão consigo me agarrar firme a uma saliência. Faltam 50 cm e quando sinto que estou quase firme, o cachorro dá um impulso, suas unhas se cravam na minha pele e ele pula saindo do poço e eu fico lá. Com dificuldade para superar os 50 cm, depois de alguns minutos consigo. Saio do poço e fico na beira dele exausto com a jarra ainda pendurada na cinta. Me recupero e deixo esta num canto.

Acredito que como o acidente com este cachorro, pode acontecer o mesmo com outros ou com animais silvestres, que poderão morrer lá sem auxílio. Para evitar isso. Jogo lá dentro pedras e pedaços de rochas, até completar mais ou menos os 90 cm. O poço não ficará seco, a água virá à tona do mesmo jeito, todo mundo acalmará sua sede e mais ninguém padecerá lá no fundo do poço.

Vou saindo das rochas, mas não mais ouço o cachorro latir, com certeza agora salvo, foi embora. Desço o rochedo, chegando à estrada e não o vejo.

Salvando ele, minha intenção era que ele me serviria de guia e me levasse a um lugar povoado. Não quero nem pretendo usar e explorar o cachorro, mas ele conhece o caminho para casa, ou não? De repente ouço ele grunhir de perto de mim, me viro e lá está ele, atrás de mim, deitado na sombra de uma rocha. Acho que está se recuperando do stress sofrido lá no poço.

Olho para ele e digo:

— E aí Khat? E agora?

Ele mexe a cauda mas não se levanta de onde está deitado e eu persisto.

— Nós temos uns 3 litros de água, para nós dois dará para uns 5 ou 6 km. Vamos?

E ando no sentindo que tinha tomado anteriormente. Ele se levanta todo alegre e pula sobre mim e vai na minha frente. Oba! Estamos indo no caminho certo! Ele se apressa andando na frente de mim uns 20 metros, pára e se vira olhando para mim como se dizendo “anda mais rápido” Se senta e me espera e assim vai acontecendo nossa caminhada durante horas. O cachorro Khat, sabe para onde estamos indo, estou mais seguro e tranqüilo.

Assim chega a noite, e tarde, o frio do deserto se faz sentir, é total claridade, a luz da lua nos ilumina e cria sombras, fazendo com estas sejam uma espécie de “espectros”, pois nossas pernas nas sombras parecem longas e nós gigantes magros. Minhas pernas começam doer, andar na terra mole ou areia, faz afundar o calcanhar e isso faz com que force os pés causando dor nos tornozelos e barriga das pernas, talvez sejam 21:00 ou 22:00 h. Estou com fome e por demais cansado. Seguindo meus cálculos, a aldeia onde fui seqüestrado, deve estar e pé, umas 15 horas ainda. Se eu conseguir andar até as 5:00 h, depois descansar e continuar andando, chegarei lá por volta do meio-dia (se tudo correr bem).

Quem anda ou caminha pela areia durante mais de oito horas, tende a sentir fortes dores lombares e na coluna. Na areia, o calcanhar afunda forçando a barriga das pernas. Se a pessoa tivesse um estabilizador, ou seja, uma pequena mochila sob as costas, ajudaria a amenizar as dores, já que a má postura ao andar na areia, também causa dores nos músculos dos ombros (trapézio).

Se andamos só por terrenos de cascalho, acima de 6 ou 7 horas, as conseqüências físicas são comprometedoras. O cascalho faz com que nossos tornozelos e joelho se atritem nas articulações e sofram desgaste e luxações. Os ligamentos são forçados acima dos limites e se inflamam (incham). A sua recuperação é de trinta dias ou mais. Andar pelo cascalho acima de 12 horas sem parar, na certa é artrose de difícil recuperação.

Ao andar pelo deserto, o corpo humano forma um arco, sendo que após 20 ou 24 horas de caminhada, sua cabeça inclinou-se para frente uns 8 a 10°.

Para se recuperar a pessoa terá que ficar em repouso por vinte ou mais dias, sem travesseiro e cama curva, oposta ao que a vítima estava, além de dose elevada de vitaminas, cremes hidratantes para a pele, muito líquido e pouca iluminação, onde ela se encontra. Após os vintes dias de repouso será necessário um tratamento de um fisioterapeuta.

Se o sobrevivente de uma tragédia aérea na selva, também superar o deserto e após sua sobrevivência estiver totalmente lúcido, claramente este nunca na vida terá desequilíbrio psicológico ou psiquiátrico.

Já é o oposto do sobrevivente das grandes cidades. O chamado indigente, morador sem teto, etc. Podemos observar que estes possuem sérias perturbações mentais. Entre eles, uns 80 %, achamos gente com curso superior, mas que sem conseguirem equilíbrio psicológico, sucumbiram.

Paro por alguns minutos. São 3:00 h, meu corpo arde, estou todo dolorido e com fome... fome, há horas e horas que não ingiro alimento algum.

Ainda temos água mas até quando? Chamo o cachorro e este pára e me olha, seu olhar é meigo e de amigo. Ele sabe que nossa situação não é boa. Até que eu poderia ficar aqui e dispensar ele. Ele já sabe o caminho e em poucas horas chegaria à aldeia; lá ele chegaria exausto e magro mas acharia seu dono que trataria dele, não é uma boa?

Também poderia ter me ocorrido antes, não usei a minha imaginação, por que não fazer um bilhete e fixá-lo na coleira do cachorro. Este levaria a mensagem e eu poderia ser salvo. Por que, não? Não custa tentar?

Me sento no chão e fito o cachorro, tento conversar com ele, mas ele só me olha, vejo que não está satisfeito.

Convido-o com água, ele bebe, mexe sua cauda, deve significar obrigado, observo ele, é um belo animal, talvez não de raça, mas bem cuidado. Tem retração de estômago, não deve comer a dois ou três dias, É um cachorro inteligente. Ele deita perto de mim, se aproxima e lambe meu rosto, penso que ele me pede para não me desanimar, deita e apóia sua cabeça na minha perna. Até animal precisa de carinho e estes dão carinho, só que há muita gente que não sabe disso e são cruéis para com eles. Eles são amigos da gente, excelentes companheiros e até às vezes dão sua vida para salvar os seus donos.

E ele, neste momento, está sendo meu amigo, nós dois estamos sós no meio do deserto, onde mais uma vez um simples e insignificante animal está me provando que é meu amigo e penso que pouco estou conseguindo fazer, tanto por mim como por ele. Isto me frustrou por causa do fracasso e da tristeza.

Eu pego a caderneta no bolso da minha jaqueta, e a caneta, não sei se esta está em condições de uso ou não. Nela estão dois elásticos enrolados, tento escrever, mas minha mão está trêmula. Não ter me alimentado por quase dois dias, faz que eu me sinta desta forma. Mas tentarei escrever.

De repente Khat ergue sua cabeça e fica atento, olha na direção de uma rocha e umas pedras grandes, olha fixo e fareja. Ficamos imóveis, o cão descobriu algo, eu não me mexo e o mesmo faz suavemente ele, mexendo apenas a sua cauda. Ele se ergue de onde está deitado e com seu olhar fixo se arrasta em direção à rocha e às pedras, que estão a uns 10 metros. Faltando uns 2 metros ele dá um salto e cai sobre algo e ouço um chiado de um animal, um pequeno animal. Ele capturou um bichinho? Trás para onde eu estou. É um rato do deserto, aquele que anda igual a um Canguru australiano, tem suas pernas traseiras longas e mãos curtas.

Para andar ele pula e não é fácil de ser capturado. É um rato de uns 30 cm e pesa uns 400 g, da cor da areia.

O cão chega para mim e mostra o troféu na sua boca, como me dizendo “olhe, eu o peguei”. Elogio ele com um carinho e Khat solta o rato bem nos meus pés, como dizendo “nós agora temos comida”. Fica me olhando e insistindo para que eu veja que é para mim. Seu focinho bate na minha mão e depois empurra o rato para mim. Sem dúvida ele quer que eu me alimente primeiro.

Já comi cobras, lagartos, rãs e outros bichos, por necessidade alimentar, mas se for necessário terei que me alimentar de ratos.

Tento fazê-lo entender que o rato é seu, insisto. Aí, chegamos à conclusão que é instinto e quanto é fiel um animal. Ele sabe que há alguém antes ou igual a ele precisando de comida e este dá preferência ao mais necessitado.

Se o cão fará uma longa viagem para ele será ótimo que esteja alimentado. Insisto para ele comer, e ele obedece. Após ter acabado, se lambe limpando sua boca e bigodes. De repente sai correndo e captura mais um rato. Tentando fazer o mesmo que anterior. A refeição é totalmente sua. Dou-lhe água e ele deita ao meu lado.

Escrevo o bilhete: “Help, urgente, para uma autoridade, Jhamil ou quem quer que seja. Eu e este cão Khat, nos salvamos mutuamente de um poço, ele foi salvo e ele me salvou da sede. É meu amigo inseparável e até aqui neste lugar onde faço o mapa, ele está comigo, são 4:30 h. Tentarei que este fiel cão, vá até algum lugar próximo para pedir ajuda. Ainda não sei se ele irá, ele é muito fiel e amigo. Por favor, estou com fome e sem água”.

Enrolo o papel e com os elásticos amarro o papel à coleira do cachorro, só espero que estes não estourem soltando-se e nunca chegue aos meus salvadores.

— Khat, meu amigo... vai... vai... vai. Jhamil... Jhamil.

Ele me olha e olha o caminho, anda um pouco... mais uns 20 metros... pára e me olha, e olha para frente, para aquele caminho. Ele está na dúvida se vai ou não.

Eu, insisto e então sai correndo. Ele sabe sonde vai, sabe o caminho certo.

O problema é será que alguém pega a mensagem da sua coleira.

Me levanto do chão e continuou andando. Olho o céu, ele está bonito, de luar, estrelado e frio... sinto frio, o típico frio do deserto. A lua girou, desde aquela hora. Agora a minha sombra é longa, ou seja, minhas pernas são longas demais e eu dou risada. Vou andando.

A água está quase no fim, só tem um gole, um gole é um gole de vida. Andarei até onde for preciso e minhas forças resistam. Depois de duas horas de caminhada, de repente na minha frente sai uma raposa do deserto que vai correndo, no encalço de um pequeno coelho, os dois se perdem lá na frente. Acima de uma rocha, que parece uma plataforma, há uma enorme cabra das montanhas, me olhando, ela acompanha meus passos. Ela lá em cima deve estar vigiando; é grande e seus chifres são longos, típico da sua raça e do seu habitat. Deve ser uma líder de uma colônia de outras cabras e lá está vigiando. Mas eu não sou seu predador, nem poderia sê-lo. Eliminar uma cabra desse porte não iria resolver o problema, saciar minha fome. Para eliminar minha fome são necessários 300 ou 400 g da sua carne ou outro qualquer alimento. O peso da cabra deve ser de uns 100 a 120 quilos. Eu consumiria os 400 g dela e o resto?

Que ia fazer? Pôr na geladeira? Com certeza ia apodrecer no deserto ou serviria de alimento para os abutres e outros animais. Sobre uma pedra um lagarto se aquece. Não sei quanto já andei, só sei que minhas pernas não estão resistindo e a falta de líquido pode fazer com que logo sinta cãibras, também pode ser que o excesso de tempo em que estou me mantendo em pé me cause uma flebite aguda e posteriormente uma trombose e aí sucumbir.

E se eu parar? Esperar num lugar à sombra, afinal o grande cão Khat já deve estar a caminho com ajuda. Será que ele já chegou? Será que a mensagem que transportava na coleira, alguém leu? E se a mensagem perdeu-se no caminho? Melhor continuar até onde der, não desconfio do cachorro, acredito que este fará o máximo da sua parte. Faria mais se este falasse. É apenas um cão, penso que por demais inteligente, seria demais exigir dele. 7:34 h, começo a sentir o calor e fome. A esta hora, se estivesse num lugar certo, já teria tomado o meu café da manhã, estaria ouvindo música e lendo meu jornal. O mesmo café da manhã todos os dias enjoa, como toda refeição. Mas, de manhã cedo, nosso estômago aceita qualquer coisa. Sobre as pedras do deserto há um escorpião. O escorpião ataca um grilo, o grilo foge. Finalmente o escorpião o captura e o devora.

Hoje, se estivesse na minha residência, no jardim, ia querer tomar meu café da manhã no jardim, cheirando as flores, o verde, vendo os passarinhos e esquilos, ía querer bacon, ovos quentes, frutas, suco de laranja, café e torrada. Ouvir música, seria de Neil Sedaka, Tom Jones ou Mat Monroe, é claro, num som Grunding.

Mas, tenho que esquecer, não tenho mais aquela residência com enorme jardim, tudo aquilo já foi, pertence ao passado. Hoje não tenho nada.

Só tomo aquele café da manhã quando estou num hotel, sou bem atendido e claro, estou pagando bem, ou alguém paga para mim ou por mim. Aí, eu sou chamado de Dr., ora de Professor, ora Capitão, ora Comendador.

Cracg, cracg, cracg. Esse barulho que estou ouvindo é o silêncio, silêncio total. O cracg, cracg ouvido por mim é do meu calçado com a areia quando eu piso. São mais de 8:00 h. Cadê o meu café? Aquela copeira bunda mole e lenta que tinha lá em casa, ela sempre me dava o café tarde, minha mãe berrava com ela:

— Jane, atende o menino, ele está atrasado por sua causa, ele precisa do seu café.

A Jane era uma garota, eu nunca soube de onde era, só sei que era da América, perto do Brasil, creio que da Guiana ou algo assim. Era morena, jovem e sensual, toda dura. Quando ela chegava perto de mim, eu esfregava suas coxas e bunda, ela nada falava nem reclamava, às vezes só dava risada. 8:30 h. Cadê meu café? Ninguém aparece com meu café, são todos omissos, eu quero meu café, mesmo que este não seja como eu gosto, pode ser café velho, com leite estragado, pão duro e bichado. Não preciso de música... nem do jornal do dia, até pode, se for o caso, ser jornal velho com tanto que eu não tenha lido.

Estou com fome... sede. Vou beber meu último gole de água e acabou, não adianta guardar. E este vasilhame de metal? O que faço com ele? Não vou carregar ele vazio, no deserto não vou achar água, a não ser se chover, mas aqui não chove, portanto, seu vasilhame, obrigado por tudo, agora você fica aqui em pé no meio desta estrada, você é dona dela, adeus. Vou embora e lá fica ela, de longe. Olho para a jarra que brilha com o sol. 9:30 h. Parece que vou cair. Minha boca está seca. Não reponho a saliva, então arranco um botão da jaqueta e levo à boca. Chupo como se fosse uma bala e aos poucos recupero a saliva Mas, até quando vou resistir? Mais duas, três horas? Novamente parece que vou cair, tropeço... e volto a me equilibrar.

No deserto, quando tudo está bem não vemos nada nem sequer moscas, abutres, etc., nenhum se vivente. Quando no deserto as coisas começam a se agravar e na certa a morte está próxima a gente fica cheio de milhares de moscas, algumas pairando ou voando sobre nós. Lagartos e formigas grandes, eles sabem que o nosso fim está bem próximo e que seremos seu grande banquete — como será que eles sabem que nosso fim está chegando?

11:20 h. Ouço um barulho de motor. É avião? Helicóptero? Não... não estou vendo nada, se fosse uma aeronave eu veria, aqui o céu é limpo e o raio de visão é de até 12 km.

O barulho do motor não é forte, mas não o localizo. Olho na minha frente e só vejo uma tempestade de areia. Vento? Tempestade de areia? O barulho do motor pára e a poeira se dissipa, deve estar a uns 60 ou 80 m de mim. Só vejo algo escuro, parece ser um carro ou algo parecido. Ouço vozes e mais vozes e um latido de cachorro, então vejo que é um velho caminhão. O latido se repete e do caminhão salta o chão que sai correndo em minha direção. Eu tropeço, caio e fico de joelhos. Muita gente corre em minha direção. É o Khat, ele corre para mim latindo e se joga sobre mim me derrubando, e então me lambe.

Meu grande amigo, o cão, ele conseguiu. Tanto ele como eu estamos contentes. Mais uma vez, o animal mostra que ele é mais companheiro, mais amigo que o ser humano. Que ele por ser irracional e não falar, se faz entender. É um ser inteligente e o amigo do homem e eu fui salvo do deserto por um cão.

— Ok. Ok Khat! Eu sei que você está contente, eu também estou, estou feliz por você ter conseguido, és um grande cachorro. Pensei que você ia se perder ou morrer, mas você é um grande vitorioso e mais uma vez salvou a minha vida.

Jhamil, grita.

— Sou o Jhamil, o dono do Khat. Nós recebemos e entendemos a mensagem.

Atrás dele há mais pessoas, umas 6 ou 7, todas eufóricas e entre elas o meu guia e intérprete.

Após nos cumprimentarmos, amparados por eles, sou levado até onde está o velho caminhão. Na sombra deste, eles estendem um tapete e me deito para descansar, tiram as minhas botas, jaquetas, camiseta, me dão de beber e comer. Coalhada com mel e pão. Hidratam minha pele com panos molhados. Khat não pára de me lamber e fazer festa comigo, come junto comigo e eu faço carinho nele.

Todo mundo está ao meu redor tentando me aliviar do esforço feito no deserto, jogam água e massageiam os meus pés. Outros fritam alguma comida e fazem café. O guia e intérprete da missão diz que eu andei mais de 40 km a pé, com mais uns 8 km, se tivesse sorte, chegaria a Kazmith, que era a aldeia onde a equipe estava quando fui seqüestrado.

Quando Jhamil e o cachorro chegaram ao acampamento à sua procura, a equipe da missão estava de partida para o aeroporto. Se o cachorro demorasse mais 10 minutos eu não estaria a salvo. Jhamil, se manifesta:

— Khat, Dr. Albert, é o melhor cão da região. Ele é pastor, vigia e amigo. Atende em três idiomas. Vive alerta as 24:00 h do dia. Eu o tinha perdido nas montanhas do deserto quando ia de caravana há quatro dias. Pensei que nunca mais o veria, o tinha dado por morto, a família inteira chorou pela sua ausência. Sua perda causaria grande tristeza na aldeia. Já era 7:00 h, quando ele chegou esgotado arranhando a porta, com fome e sede. Logo vimos a sua mensagem. A gente já sabia do senhor, o rádio citava seu nome a cada hora.

— Nós também já lemos muito a seu respeito. O senhor salvou meu cachorro e portanto como gratificação dou para o senhor 12 cabras e 2 camelos. Khat, para mim e para nossa família é como um filho.

— Não precisa Jhamil, estamos de igual para igual. Khat salvou minha vida duas vezes e eu salvei a dele do poço. Estamos bem agora. Cuide bem do resto da vida, cuide dele agora mais do que nunca, ele merece.

— Salaam Sahib, Salaam Sahib.

Após ter me alimentado mais, eles me servem a fritura que fizeram e o café. Já estou bem melhor mas não estou a fim de caminhar, gostaria de mergulhar numa banheira e depois dormir.

O velho caminhão, talvez ano 40 ou 50, nos leva com destino a Kazmith. Depois de uma hora de estrada começo ver nas laterais árvores de romãs, tâmaras, damascos e cultivo de horta. O caminhão se deteve e eu desço. Mais uma vez venci o deserto, desta vez com a grande ajuda de um cão chamado Khat.

Perdi alguns quilos, mas logo me recupero e estarei em forma novamente.

Cumprimento o pessoal da equipe, mas não estou a fim de papo, recolho meu saco-marinheiro, faço barba, tomo banho, troco de roupa e tomamos o ônibus para o aeroporto.

Todo mundo já subiu ao ônibus e eu sou o último a chegar, minha bagagem é colocada lá em cima e me viro. lá está ele, creio que como eu ele também está triste. Fizemos grande amizade, uma amizade que não será fácil de esquecer.

Khat está sentado me olhando e atrás dele seu dono Jhamil. Abraço o cão, beijo ele e parto. O ônibus parte e após alguns metros olho para trás e lá vejo de longe o grande cão Khat sentado no meio da rua de terra, adeus meu grande amigo.


 

LÁBIOS LEPORINOS E
MAUS POLICIAIS

 

Após alguns dias de folga, que não foram mais que dez dias, tinha ido a uma fazenda de um amigo no interior, New Orleans. Não deu para descansar o merecido mas para relaxar um pouco e sentir um ambiente de família. A família inteira e os funcionários gostavam muito de mim e sempre que era possível eu ia à sua fazenda, lá eu cavalgava, pescava, me embrenhava nos seus pastos cheios de flores silvestres, entrava no meio da criação de galinhas, patos, gansos, porcos e cavalos. Adorava ajudar a cuidar dos bichos e dar alimentação de manhã cedo. Após o café da manhã selava uma égua preta, ela era muita agitada, diria que brava, briosa, porém manobrável e boa companheira, tanto para cavalgar como para conviver por que ela, quando eu chegava na fazenda a tirava da cocheira, ficava comigo e quando eu comia maçãs, torradas e etc., tinha que compartilhar com ela.

Quando a montava, parecia que adorava me transportar e suportar a sela. Nós dois cavalgávamos das 8:00 as 14:00 h; íamos pelos longos caminhos de terra, beira de lagos ou no meio dos campos floridos. Descansava apreciando aquelas flores silvestres de forte fragrância enquanto a égua pastava, mas sempre inquieta e observando tudo e todos, como se ela fosse um cão guardião como me dizendo “desfruta das flores e do verde e não se preocupe que eu vigio”.

Assim que retornávamos à fazenda, removia sua sela, escovava, dava banho e a soltava no curral, mas sem antes se virar e me olhar, como dizendo “você voltará?”

A família Labwer era rica e além da fazenda possuíam empresas e outros comércios, porém eram muito simples e grande amigos.

De retorno às minhas atividades meus superiores me designaram para trabalhar num país Andino, próximo ao Peru. Eu teria que cadastrar e avaliar a gravidade de centos de portadores de Lábio Leporino. Para posteriormente enviar ao local médicos especialistas para resolverem a questão em si, ou seja, para fazerem as correspondentes cirurgias reparadoras. Estes especialistas eram geralmente voluntários ou contratados temporariamente pela ONU ou Saúde Mundial.

Meu serviço duraria cerca de vinte a trinta dias. Até aí tudo bem, um serviço quase fácil, mas... há algo por trás dele, o que será?

— Doc, — diz meu chefe — Num país vizinho onde você fará o cadastramento, temos uns 40 estagiários voluntários num centro de saúde e pesquisa. Os mesmos precisam ser visitados por um supervisor e registrar suas pontuação, serviço que pode ser feito em oito a dezoito dias, entretanto há um porém: algumas das estagiárias sofreram assédio sexual, tentativa de estupro, humilhações, etc.. É assunto grave, mais grave por se tratar de policiais, são dois que lá ficam de plantão duas vezes por semana, ou seja, cada plantão deles é de 12 horas; no final do dia eles estão com sintomas de embriagues, leve e é aí que abordam as mulheres. Eles possuem um quartinho de descanso, este quarto fica num corredor meio ermo, no primeiro andar, de pouco movimento, é aí que eles mexem com as estagiárias. Eles bebem conhaque. Algumas estagiárias atacadas já deram parte aos superiores mas nada foi feito. Os casos mais graves não foram denunciados por causa de represálias. Então Doc, pense bem no assunto. Se aceita ou não trabalhar nos dois países e em como resolver o problema dos maus policiais. Em 3 ou 4 horas você terá que nos dar a resposta e se for caso também uma solução.

Como combinado com a chefia, 3 horas para tomar decisão sobre a minha missão é tempo insuficiente, mas é claro, tomei a decisão em fazer os 2 serviços, aliás, o serviço mais difícil.

Retornando ao gabinete da chefia afirmei que faria o cadastramento e a avaliação das vítimas do lábio leporino, e que tentaria o mais difícil de resolver, o problema dos maus policiais. Para tal precisaria de uma garrafa de conhaque, da mesma marca que eles consumiam e também precisaria de uma seringa de 20 ml, sonífero, seis camisinhas e uma calcinha de mulher com bastante uso, ou seja, a mesma deveria ser usada por uma mulher durante seis dias, para para ficar impregnada com o mesmo fluxo vaginal.

Depois do treinamento, a longa viagem até os Andes se torna cansativa, além do problema de adaptação com a altitude; senti tonturas, ânsia de vômito e problema de pressão arterial. Só iria melhorar no quinto dia.

Durante seis semanas, indo de aldeia a aldeia, de pequenos povoados até cidades grandes, fiz o devido cadastramento e a avaliação das vítimas de Lábio Leporino. Sua freqüência era maior do que eu imaginava.

Após minha primeira missão viria a mais difícil — a do país vizinho. Por ser fronteira um com o outro e a não mais que 32 horas de ônibus, desisti de viajar de avião, para relaxar e conhecer as montanhas Andinas, as selvas e seus grandes precipícios ou tipos de cânions, estes cobertos pela mata.

Durante o percurso de ônibus, a maior parte por estrada de terra mas em boas condições, o ônibus não era forçado, já que a viagem era em descida.

Após quase 37 horas de uma viagem exausta, chego à cidade agitada. Me hospedo num hotel, não um cinco estrela, mas bom. Eram 10:00 h. A temperatura era elevada e o ar rarefeito, mas não tanto que o anterior. Preencho a ficha e sou acompanhado até meu aposento, a moça que me acompanha, abre a porta dando educadamente o meu ingresso ao quarto. Sobre uma pequena mesa ela coloca a minha mochila, abre a janela com vista à avenida Victoria. A janela é bem movimentada, com uma amplitude visual desde o terceiro andar, vejo nas janelas várias pombas e andorinhas que sobrevoam os ares.

— Ótimo — digo para a moça.

Dou uma caixinha e esta sai fechando a porta. Preparo uma roupa limpa, faço a barba, tomo banho, descanso até as 11:49 h e depois saio para almoçar. A avenida está mais movimentada, talvez seja por ser hora do almoço. A temperatura é mais elevada também como a umidade. Ando a procura de algum restaurante, as calçadas não permitem andar muito a vontade pois há vendedores ambulantes dos dois lados e eles vendem de tudo que se possa imaginar, artesanato Andino, roupa típica, roupa de agasalho feita de lãs das lhamas, ervas, frutas e outras mercadorias. Também há os músicos de rua, com seus instrumentos principalmente as flautas chamadas Kenas; não se ouve música estrangeira somente tipicamente folclórica local ou dos Andes.

Finalmente, não sei quanto tempo andei, achei um restaurante, parece razoável. Talvez tenha passado por vários sem tê-los notado, mas dou de cara com este que parece ser bom. Já dentro vejo que há movimentação de clientes. Na porta está um cartaz escrito “Gallo Bataraz”, entro e tomo lugar numa mesa de dois lugares numa janela que dá para rua. Estudo o cardápio e este, logicamente, está escrito em espanhol e o único que vejo e entendo é o prato “Pollo a Ia brasa, com salada de papas, aspargos, tomates e crema de maiz”.

A espera dura mais meia hora, vale a pena, é um ótimo prato andino, embora o tomate e batatas com sabor diferente, de outros países. Após o almoço, retorno ao hotel e faço contato com a coordenadora dos estagiários estrangeiros, marcando uma reunião para o dia seguinte às 8:00 h. 14:00 h. Me aproximo da janela para apreciar a agitada avenida Victoria, só que agora está deserta, a elevada temperatura faz com que seu povo saia das ruas e fiquei sabendo que estes retornam somente após as 16:00 h. É uma quietude e silêncio total, raramente se vê um automóvel ou ônibus de passageiros. Seus edifícios são de arquitetura normal, os mais elevados não passam de 7 ou 8 andares e as calçadas são bem arborizadas.

Tento descansar sem conseguir, ligo a TV, esta não tem nada que seja do meu gosto, por fim num dos canais há um episódio de Roy Rogers, filme juvenil dos anos 50, seria o único que me relaxaria a mente. Acabo por pegar no sono profundamente e assim dormi a tarde inteira, ou seja, até às 20:00 h. Claro, na TV que ficou ligada o tempo todo, agora há noticiário.

De manhã, 7:20 h, tomo um táxi e me dirijo ao centro de medicina e ciência onde estão 80 % dos estagiários estrangeiros. O centro não é muito distante do hotel e em 12 minutos já estou no local. É um edifício amplo, em dois grandes blocos de uns 6 andares, ocupando quase dois quarteirões. Ainda falta 15 minutos para minha reunião para com a coordenadora, dou um tempo andando pela calçada e seus jardins bem arrumados, floridos e arborizados.7:55 h, na recepção me identifico e solicito ser anunciado para a Dona Beatriz.

Uma pessoa me acompanha até sua sala, não muito longe do hall central do bloco, num corredor infinito com centos de salas. Num instante sou recebido por uma senhora de uns 54 anos, elegante e de excelente idioma espanhol. Ela verifica minha documentação e designa uma assistente que me auxiliará na minha tarefa com os estagiários na pontuação. Meu serviço pode durar de oito a dezoito dias.

Eu obteria um contato da minha missão, não sabia nome dela, já que seria uma mulher, a senha seria: “Que marca de carro o senhor tem?”

A 2ª coordenadora, cujo nome é Carmem, chama pelo interfone a Lilian, que seria a minha assistente, no obstante, dona Carmem me solicita que a acompanhe para me mostrar o que seria minha sala de trabalho. Andamos até o final de um longo corredor, que termina num pequeno hall e uma escada com acesso até último andar do bloco. Entre o hall e escada ficava a minha sala, quase que ampla e confortável, com uma janela grande e vista para o jardim, passeios e porta do bloco. Melhor impossível e digo para mim mesmo “ótimo, ótimo”, dessa posição e visão poderei, além do meu trabalho de supervisão e revisor, também fazer a vigilância da minha missão.

Com um bater na porta somos interrompidos e dona Carmem manda a pessoa entrar. É uma moça de uns 26 anos, morena, sensual, de porte médio e elegante, usa calçado de salto e saia curta, mostrando lindas pernas, lábios cheios e sensuais, olhos castanhos, aliás... tudo uma grandeza de beleza. Dona Carmem apresenta a Srta. Lilian. Eu a cumprimento e esta afirma que será minha assistente até finalizar o meu serviço.

Após as formalidades dona Carmem se retira e fico a sós com Lilian. Combinamos que todo trabalho de revisão e pontuação ficará em dez pastas e também analisaremos 10 pessoas por dia, ou o máximo que for possível também de minha parte. Lilian alega que a maioria das estagiárias gostaria de ir embora da instituição o mais rápido possível, mesmo que elas não forem aprovadas nos exames ou não atingirem o requerido. Pergunto o motivo.

Lilian, embaraçada responde que a maioria das estagiárias ou sofreram assédio sexual, ou foram abordadas e uma delas sofrera estupro, dando parte às autoridades, mas sofrera mais uma vez represálias e teve que abandonar o estágio e a instituição.

Pergunto de quem ela sofrera abusos.

Lilian responde que de 2 policiais em estado de embriaguez; eles fazem plantão de 12 horas duas vezes por semana. No final do plantão, ou quase final, estão embriagados (não totalmente) e no final do expediente não vão para o distrito e sim diretamente para seus lares. Portanto seus superiores não ficam sabendo o estado deles, a não ser pelos seus substitutos.

Gostaria de bombardear com mais perguntas e informações a Lilian, mas temo que me precipitar ia estragar tudo ou que Lilian, não seja confiável, portanto deixarei para mais tarde.

Assim, naquela mesma manhã, recebo e examino 10 e até 14 pastas, achando que as estagiárias das mesmas possuem qualificações normais ou acima da média, por meu ver, se dou 77 — 80 % ou ao menos 60 % das estagiárias, estas seriam liberadas e se formariam. E 40 % ficariam na instituição para não chamar a atenção dos fatos (da minha missão).

Assim, fiz revisão, pontuação e examinei todas até o quinto dia desde a minha chegada. No quinto dia, às 8:40 h dei uma parada para tomar um chá, levantei da mesa e com a xícara na mão fui tomar o chá na janela e observar o jardim. Quando me deparo com dois policiais andando pelo passeio, logo me veio à mente que fossem os dois suspeitos, mas como saber se eram elas?

Eles se detêm e batem papo acuradamente. Atrás deles há uma torre, pergunto a Lilian, que tipo de torre é essa, ela se aproxima da janela e me informa que do rádio da instituição. Mas fica meio sem jeito e gagueja, me dizendo que esses dois policiais são os que tinha citado para mim. Era o que já imaginava.

Fico em silêncio, observando eles atentamente. Estão a uns 40 metros da minha janela, mas dá para estudá-los bem. Os dois não devem ter mais que 1,68 de altura, um deles está bem arrumado e seu uniforme bem passado, cabelo em ordem regularmente. Já seu parceiro deixa a desejar, seu uniforme surrado, amassado, cabelos longo, barba por fazer e fumando cigarro, etc. Pergunto para Lilian onde eles descansam. Ela responde que é num pequeno quarto no 1° andar, acima da minha sala, é o número 1009. Lá eles bebem, dormem em serviço e aprontam. Ao menos já possuo algumas informações.

Mas, preciso de mais detalhes e um pouco de apoio e claro, de alguém de suma confiança e que fale bem o espanhol. Como obter ajuda de mais uma pessoa? Lilian? Muito arriscado, faz apenas cinco dias que a conheço, mas vale a pena tentar. Assim pergunto:

— Lilian, você já foi vítima desse pessoal?

— Sim. — responde ela.

Pergunto se deu parte deles. Não fez, daria apoio se tivesse e amparo.

Sexto dia. Cadê o meu contato? Nem sinal dele. Meu chefe mencionou por três vezes que ele estaria bem próximo de mim. E se fosse a minha assistente Lilian? Por que não? Como saber? E se me engano? Tenho que descobrir e logo.

De manhã, ao mesmo horário, vou tomar o meu chá na janela. Um carro estranho, já tinha visto um desses ou vários deles na Europa, mas não lembro seu nome marca. A porta se abre pela frente, possuem duas rodas dianteiras normais com direção nas mesmas, mas as duas traseiras são quase grudadas e fixas.

Chamo Lilian à janela e pergunto de que marca é esse carro, lá estacionado no passeio. Ela logo diz que é uma Romisetta, na Europa é chamado Heinkel. Ah! Agora lembro, é isso mesmo e dou risada. Se passam alguns instantes, acabo meu chá, me viro e vejo que Lilian me observa fixamente e então pergunta:

— Que marca de carro o senhor tem?

Me sinto aliviado, até que enfim o meu contato está na minha frente... dez dias de serviço, mais oito dias e preciso ir embora. Começo planejar o plano para derrubar os policiais.

Mas não discuto o mesmo com Lilian, nem dou detalhes, combino com ela de que precisarei do seu bom espanhol para fazer dois telefonemas. Eles seriam feitos em dias incertos, um para a corregedoria da polícia e outro para um jornal. Ela, meio insegura e temerosa me assegura que fará os telefonemas. 11° dia do meu serviço. No horário do almoço fecho minha sala e saio para explorar o terreno no primeiro andar. Ando no corredor para cima e para baixo observando bem o quarto 1009, me aproximo da sua porta e tento ouvir se há alguém dentro... silêncio total. Então pergunto:

— Sr. Ayala? O senhor está aí? Sr. Ayala?

Espero resposta... não há ninguém no corredor, então suavemente giro a maçaneta da porta, que se abre. Pergunto mais uma vez pelo Sr. Ayala, um meio de desculpa, mas lá dentro não há ninguém e rapidamente observo dentro do quarto. Há mau cheiro, desordem, uma pequena mesa, duas cadeiras, e dois armários. Fecho a porta e vou embora. Agora já sei como é o terreno. 12° dia, chego ao serviço às 6:40 h, tranco a porta da minha sala e faço de conta que estou trabalhando ou fazendo o serviço atrasado. De uma sacola retiro a garrafa de conhaque, tiro a tampa e injeto 2 ml de sonífero, agito até obter a mistura e guardo o resto do sonífero e a seringa.

Os dois policiais entraram no serviço às 7:30 h. Embrulho bem a garrafa, carrego esta debaixo do braço com o avental que uso. Este é largo o suficiente e não se nota o volume. No corredor da minha sala não há ninguém, subo a escada e também no primeiro andar não há ninguém. Faço o mesmo que no dia anterior, pergunto pelo Sr. Ayala e, claro, este não responde, o n° 1009 está em silêncio total. Abro a porta com sumo cuidado, deixo a garrafa sobre a mesa e me retiro do local.

Retorno à minha sala e lá fico trancado até às 7:40 h. Abro a porta e começo o serviço com a minha assistente (sem citar o meu plano). De tanto em tanto observo pela janela o movimento dos passeios e a ronda dos policiais, lá estão eles. Eu sei que cada vez que estes somem é sinal que estão bebendo. 18:50 h, Lilian sai por uns minutos, observo pela janela, os dois policiais estão na ronda e rapidamente carrego a seringa com 17 ml de sonífero, subo ao 1° andar. A garrafa, lá está ela, com menos da metade já consumida, injeto o sonífero e me retiro do local. Vejo que estes vão até o quarto, sem dúvida, beberão o conhaque.

A contagem pelo meu relógio, 10, 15, 20 minutos, é o tempo que demora para fazer efeito o sonífero. Alerto a Lilian que fique aqui e se alguém me procurar diga que fui ao toalete. No bolso do avental carrego a calcinha usada de uma mulher e as seis camisinhas. Chego ao quarto 1009 e... — Sr. Ayala, Sr. Ayala? O senhor está aí? Preciso falar com o senhor. — Silêncio total. Abro a porta e lá estão os dois policiais, sem consciência pelo efeito do sonífero, não sabem o que está acontecendo. Jogo embaixo da mesa a calcinha e as camisinhas, tiro dos policiais parte da farda e de um deles a sua arma, esta coloco na minha cintura. Os dois ficam seminus e rapidamente saio do local.

Chegando à minha sala, peço para Lilian fazer dois telefonemas, estes, claro, de um telefone público. O primeiro para a corregedoria da polícia, comunicando que no instituto havia tido uma tentativa de estupro por parte de dois policiais bêbados; o segundo telefonema ao jornal local, explicando ao repórter de plantão o ocorrido.

Transcorrem 20 minutos, convido Lilian para tomar um lanche num bar que fica em frente ao bloco. No caminho deste, jogo a arma do policial no bueiro e o mesmo faço com a seringa. Fazemos o lanche e retornamos ao instituto. Lá há o maior rebuliço, vários reportes, policiais da corregedoria, etc.

A gente cruza justo no momento em que os dois policiais algemados são levados pelo corregedor, estes, seminus e ainda zonzos pelo efeito do conhaque. Quando chega a chefia deles, o corregedor pergunta a este.

— Seu chefe, como se explica tudo isto? O senhor por ignorar os fatos, também será punido, venha conosco.

No dia seguinte compro o jornal e lá estão os fatos na manchete. Transcorrem os dias, termino meu trabalho e Lilian parte para seu destino. Agradeço a coordenadora e então eu também tomo rumo levando o relatório para minha chefia.


 

Christiane

 

Não foi um grande amor, mas sim uma mulher que me deu forças para eu andar novamente.

Não é mais um ser humano que compartilhou minha vida ou pessoa que esteve próximo de mim, nem mais um dos tantos amores. Os amores que tive foram bons, excelentes mulheres. Também tive vários casos, fãs. Nome de mulheres que nunca poderia imaginar.

Poucas vezes me apaixonei, gostei de verdade e fui correspondido. Amores profundos e sinceros, que foram duras batalhas de enfrentar talvez por ter amado, inclusive os amores proibidos, como nos casos de esposas de diplomatas, adidos militares, filhas de presidentes, etc. Creio que por ser muito carente, muitos casos amorosos foram difíceis de superar.

As minhas piores ou mais graves batalhas, foram as emocionais, e a solidão, possivelmente mais cruel delas.

Os grandes amores foram muitos e muitos, mas grandes paixões que nunca esquecerei por exemplo foram: Sanny, Ana Maria, Inês Nory, Cecili, Sue, Patrícia, Caroline e Christiane. Todas elas, ora por um motivo ora por outro, tiveram que acabar, não por incapacidade física ou mental, mas sim das autoridades em tentar me aliviar.

Numa delas fora atingido por ferimentos na coxa, joelho direito e corte de baioneta no braço. Durante a recuperação no Hospital Central tudo estava bem, os ferimentos de bala, baioneta, etc., só o joelho que não. No joelho tinha recebido ferimentos por fragmentação de pequenos metais. Por mau atendimento médico, ou falta de atenção destes, eu piorava a cada dia, cada hora.

Minha temperatura sempre elevada, analgésicos, sedativos para dormir (para não incomodar com meus gemidos, por causa das dores), antibióticos fracos entre outras e outras falhas médicas.

Meu joelho sabia que estava quase em estado crítico, a dor não mais era tolerável. A mais de quinze dias internado naquele hospital, era ótimo, de primeira categoria, luxo por onde se olhasse, mas no meu caso, isso era tudo uma merda. Em cada sala ficavam quatro leitos, bem ventilados. No horário de visita não era permitido mais que duas pessoas por leito, só eu que não tinha visita, é claro, a não ser pelas poucas vezes por um amigo que por acaso passasse por ali perto ou por um oficial ou autoridade que me considerasse.

Mas do jeito que minha pessoa estava, não queria papo com ninguém, nem com os colegas de quarto.

As visitas eram das 15:00 às 16:30 h. Em dado momento, lá pelas 12:00 h senti que meu joelho estava em estado ruim e ninguém atendia aos meus apelos. Alguém chamou a enfermeira de plantão e tentei de todas as formas explicar para ela chamar o médico de plantão, pois eu não estava me sentindo bem e meu joelho estava muito ruim. Ela saiu, poucos minutos depois retorna com uma seringa na mão e diz:

— Isto o deixará mais calmo, em poucos minutos o residente de plantão virá vê-lo.

A injeção me deixa tonto, estou dopado, fará com que eu durma para não encher o saco de ninguém. Filha de uma puta! Enfermeira de merda, me enganou, me traiu... e durmo.

Acordo às 15:00 h e aos poucos. Estou suando e tremendo, minha temperatura está elevada. Ao meu lado há uma jovem que nunca tinha visto antes, mal consigo vê-la. Está sentada, não deve ter mais que 21 anos, tem cabelos castanhos claros, olhos claríssimos, de um verde apagado. Veste-se com simplicidade, mas na moda e tem rosto angelical. Penso que estou sonhando, ou que é o efeito da injeção, mas não é.

— Quem és? O que faz aqui?

— Sou Christiane, filha do Sargento Nolbert, aquele senhor que está no extremo do quarto. Estou visitando-o com a minha mãe. Há dias que observamos você gemer e delirar muito, a gente nunca vê ninguém lhe visitar, sempre está só e vim ficar um pouco aqui ao lado da sua cama. Como se chama?

— Albert — não estou bem, nem consigo falar direito.

— Entendo Albert, cadê sua mãe? Quer que eu telefone para ela ou algum parente?

— Não, não obrigado Christiane, você não pode fazer nada, sou só no mundo, só tenho a mim mesmo. Eu estou bem quando estou com saúde e vida, aí enfrento a vida e o mundo que me rodeia, você não entenderá, mas, se acha que poderá fazer algo por mim, por favor, localize a enfermeira chefe, tente falar com ela em particular e diga que atenda o meu apelo de vir aqui. Sei que não será fácil, mas tente.

Christiane sai e pouco depois retorna com ela.

Ali, do jeito que me sinto, ela se parece uma gigante e mal encarada e peço:

— Sra. enfermeira cabo, por tudo que me resta de vida, chame para mim o residente chefe médico e diga a ele que minha perna já está cheirando mal. Se eu não for atendido, farei o maior escândalo no mundo inteiro, colocarei seus nomes na imprensa internacional, Ok? Manifestei o meu problema à sua enfermeira e esta fez descaso total Vá! Ou começo já me arrastando até o gabinete do residente?

Ela sai depressa.

Agradeço a Christiane e peço a esta gentilmente para ir junto ao seu pai, que logo tudo pegará fogo.

Quinze minutos depois o residente e dois assistentes estão ali em torno da minha cama me ouvindo e manifesto o estado do meu joelho. Ele examina minha perna e vê com claridade que eu não estava exagerando e logo diz:

— Chamaremos seu médico, se tudo der certo em três ou quatro horas ele estará aqui. Grito um oba!

— Meu médico é um incompetente, como profissional é mais antigo do que eu e eu, apesar de ser mais jovem, sou mais médico do que ele. Ou o senhor resolve agora o problema ou sairei à rua, mesmo que seja me arrastando e acabo com este hospital agora mesmo, quer ver?

— Ok. Ok Dr. Albert, que deseja que faça?

— É simples Dr., meu joelho tem uns 4 ou 5 fragmentos de metal, que por omissão médica não foram extraídos, minha perna, ou essa área, está entrando em necrose. Em poucos dias perderei a perna. Há tempo e chance para evitá-lo. Uma anestesia geral e uma raspagem na área afetada resolverá. O senhor desmonte um nebulizador ou inalador com alta sucção, mas antes o senhor consiga dois imãs de rádio, os alto-falantes possuem, eles extraem qualquer metal em lugares moles ou tecidos que estão comprometidos. O senhor esteriliza os imãs, junta os dois com fita e nos buracos necrosados injete com uma seringa de 20 cm éter. Com o nebulizador ou inalador faça um tipo de aspirador. O éter limpará o afetado e o tipo de aspirador removerá para fora os fragmentos de metal, eles são cinco, contei-os. Aqueles que não saírem, faça um corte com bisturi de uns 5 cm e coloque lá dentro os imãs que os metais ficarão aderidos a estes e a operação será um sucesso. Administre outras lavagens com soro, desta vez use um inalador normal. Faça uma drenagem com uma sonda urológica perfurada com vários furos com as extremidades saindo para os dois lados e por fim suture o corte. Administre extrectomicina a cada 6 horas e analgésicos para dor. Os tendões e ligamentos ainda não foram afetados, há tempo de me recuperar em trinta dias.

— E tem mais... não quero mais esse meu médico de merda inútil e parasita, também essa equipe de enfermeiras que não são profissionais. Se o senhor não me atender, farei eu mesmo a operação cirúrgica! Ok!?

— Ok. Vou estudar o caso e ver se dá para fazer o trabalho da sua perna em menos de duas horas.

Pouco depois, as visitas são dispensadas, uma maça móvel é encostada na minha cama e eu sou colocado nela. Me é aplicado uma injeção e fico dopado, sou levado só Deus sabe onde.

Meia noite, acordo vomitando, não eliminei a anestesia pela transpiração e agora vomito ela. Duas enfermeiras estão me dando atenção e molhando os meus lábios para saciar a minha sede. O anestesiado não pode beber líquido até três horas depois da aplicação. O médico residente está tomando a minha pressão e o pulso, com transfusão sangüínea.

— Dr., saiu tudo bem, os fragmentos foram removidos, o senhor logo estará bem e o joelho ficará bom.

— É. Não tão bom, mas voltarei andar como gente. E durmo.

Acordo de manhã cedo e estou fraco, com fome e com sede. Sinto dor na perna, mas não aquela dor que tinha anteriormente. Depois que fiz aquela revolução, as enfermeiras não saiam mais do meu lado. Peço para uma delas que faça dois cilindros com lençóis, coloque um debaixo do joelho e outro atrás do calcanhar e calce o pé com dois travesseiros, desta forma o pé não cairá de lado e a barriga da perna não encostará no colchão, não sentirei dor.

Três dias depois já estou bem, as dores são bem menos intensas, minha recuperação é ótima, estou me alimentando bem. Christiane, todos os dias me visita, em cada visita se torna mais íntima, um dia pergunta-me de que gosto de torta; gosto.

— De Maçã. Quando era criança minha mãe fazia torta de maçã e servia chá, pavê e bolo de pão.

— E frutas?

— Gosto de todas elas, mas adoro uva, pêssego, romãs, melão e figos. Depois que minha mãe morreu, quando eu tinha 9 anos, ninguém nunca mais fez para mim.

Soube que Christiane morava com um cabo Mariner. Este fora dado por morto em 22 de novembro de 1968 na Província de Taymuh, mas seu corpo não fora identificado e suas plaquetas não foram entregues ao comando nem à sua família. Ela estava só a quase um ano.

Num domingo, Christiane me traz uma pequena torta de maçã, revistas, as minhas preferidas, entre elas a Seleções Reader’s Digest, Life, etc.

Depois de ingerir parte da torta de maçã, tomo o chá trazido numa garrafa térmica.

De repente olho Christiane fixamente e pergunto por que faz tudo aquilo por mim.

— Porque te amo e porque você, mesmo sendo homem, porém jovem demais, é mais maduro que um adulto de 35 anos, você precisa de amor e carinho.

—Oh!

— Albert, não acredita em mim?

Agacho a cabeça e respondo que é muito difícil acreditar nas pessoas, principalmente se alguém diz que me ama. O amor existe, mas não sabemos quanto tempo, minutos, meses. O tempo é que faz com que amemos e este é limitado pelas pessoas e pelo que sentimos. Às vezes não é bem isso que sentimos e sim apenas uma atração ou uma admiração, ou paixão passageira. De repente, tudo acaba, um acaba não amando mais e aquele que continua amando, sofre, sofre até aparecer um amor superior. Ou por circunstâncias da vida temos que nos afastar daquela pessoa que amamos.

Trinta e cinco dias depois começo a andar. Não é fácil, sinto a perna pesada, com pouca articulação, mas não dói quando apoio esta. Também não há mais inflamação ou inchaço. O fisioterapeuta começa me tratar, ele como o médico que me tratou, se surpreendem com minha recuperação e pelas minhas idéias surgidas para salvar o joelho.

Ando quase normalmente, mas ando pouco. Me deram alta, tendo que vir a fisioterapia a cada três dias. Acho o tratamento fraco e vou para a Vila Militar. Lá ando o dia todo, caminho, desço e subo escada, e a cada dia dobro o joelho, mais e mais. Quanto a Christiane, é quase um namoro, ela jura que é amor, que gosta de mim. Gosto dela, sinto muita coisa por ela, acho-a inteligente e de capacidade. Acredito que sem ela eu não estaria recuperado como estou para as pessoas se sentirem bem ou recuperadas, precisam ter objetivo e amar alguém, talvez amar a si mesmo e a Deus, o que muitas vezes me perguntei “Já amei a mim mesmo? Amei Deus?”.

Deus? Será que ele existe? Tantas vezes duvidei... duvido... Nos piores momentos apelei para ele e fui abandonado, sobrevivi com a minha habilidade e controle emocional ou me engano? Deus... Deus... se você é todo poderoso, acredito que não pode estar em todo lugar do universo para os seres que precisam de ti. Será que foi isso que aconteceu comigo?

Apelei a Deus quantas vezes? E penso que Deus não tinha tempo de se dedicar a mim nos piores momentos da minha vida, ele deveria estar super ocupado e de longe olhou para mim e disse:

— Eu sei que você Albert, está no fim, mas se vire sozinho, eu estou mais que ocupado com coisas piores que a sua vida ou que os seus problemas, seus ferimentos e... desespero, afinal, Albert, você é habilidoso, mais uma vez se sairá bem e não morrerá.

— É isso? Meu Deus, me responda? Se estou errado, Deus, me perdoe.

Gosto de cavalos, gosto de cavalgar, um dia fui a procura de um para dar um passeio, nas cavalarias. O cabo responsável diz para eu montar um usaria a perna esquerda, portanto não teria problema para cavalgar e me manda escolher um. Depois de andar, dou de cara com um preto, e uma pequena mancha no meio da sua testa.

— Esta aqui é a witch — diz ele.

— Ah! É a bruxa?

Me aproximo mais e esta me cheira e mexe no meu bolso, adivinho que gosta de torrada, bolachas ou frutas. Arrumo uma maçã e dou para ela. Eu mesmo selo ela e monto, minha perna responde bem, embora sem dobrar totalmente o joelho mas dá para por o pé no estribo e dar um passeio. Saio da Vila Militar para embrenhar-me nos campos. É bom. O verde, os esquilos pulam pelas árvores e há muitos pássaros.

Depois de duas horas retorno à Vila, tiro a cela da égua, escovo esta e dou banho. Mais uma maçã e o cabo se ocupa dela. Estou retornando à minha residência da Vila quando vejo a Christiane, encostada no carro do seu pai, um Buick 1957 em folha. Vou me aproximando dela... algo não está legal. Cumprimento ela, mas seu beijo não é o mesmo de sempre e digo:

— É Christiane, já disse, o amor é o tempo e as circunstâncias, mesmo amando, temos que nos afastar desse grande amor. Christiane, sua missão, tua grande missão já acabou, você me recuperou, me fez muito bem, creio que você sendo uma jovem mulher, fez algo que outra não faria.

— Albert, sinto muito, tenho que deixá-lo e para sempre. Adoro você. Você é forte e corajoso, sobrevive a tudo e todos. Eu vi tudo isso, o mundo inteiro te admira e te respeita, um sábio professor diz no jornal: “Albert Karebff (ame-o ou odeie-o)”. Ele deu uma entrevista na TV e falou muito de ti. Ele foi teu professor na faculdade. Contou coisas de ti fora de série. Albert... eu te amo, mas ele voltou ontem de noite, ele precisa de mim, eu fui sua esposa, ele estava prisioneiro e conseguiu fugir, está cheio de traumas e precisa do meu carinho. Por favor Albert, entenda.

Se joga nos meus braços, chora e depois vai embora. Mais uma vez terei que superar, foi bom, boa garota, estava gostando dela ou melhor, estava apaixonado por ela.


 

SANDUÍCHE DE MORTADELA E MEIO COPO DE ÁGUA DA TORNEIRA POR
APENAS US$ 100

 

Um dos piores lugares para se trabalhar, a Argentina, quando se consegue, o problema é receber.

Mesmo com contrato registrado, verbal ou combinado, no caso até com a palavra de honra de um homem. Só que na hora H ninguém cumpre a sua honra.

Em todas as épocas, boas, críticas ou até as piores, não há desculpas.

Várias vezes fui convidado para dar palestras, simpósios ou seminários, poucas vezes recebi e quando recebi não foi nada fácil.

Num dos congressos, em Nova York, me fora apresentado um grupo de Argentinos para intercâmbio de ciência, comercial e trabalhista, gente seria. Depois de alguns contatos fui contratado por um grupo de diretores que possuíam um grande instituto de ciências.

Conheci o mesmo, localizado em pleno centro de Buenos Aires. Até que em aparelhagem não estava ruim, eles queriam assessoramento e várias palestras (as minhas palestras); seriam as mesmas predicadas no centro cultural de Nova York.

Durante visita a este Instituto, percorrendo suas dependências, vi que eram amplas e espaçosas para se trabalhar. Havia muitos objetos de arqueologia e antropologia, amplas salas no departamento de poesias, contos escritos ou para escritores. Ali viria eu a conhecer o escritor Jorge Luís Borges, Nalo Rodlo, entre outros e também alguns do Peru, Bolívia, Chile, México e etc.

Também havia um amplo e belo salão de auditório para conferências e palestras. Notei que o instituto não andava bem de finanças, que tinha mais caciques que guerreiros (por demais diretores e poucos funcionários), os professores não eram bem remunerados, isso quando eram.

O majoritário era uma mulher de uns 36 anos, socióloga, maior acionista por parte de família e não por ela. Como a família não participava por questões de outros negócios ou empresas, era ela quem ficava a maior parte no Instituto e que fazia ou desfazia, ou não fazia nada. Notei que todo o tempo ela só falava mal de todo mundo.

Na Argentina foi o primeiro país onde conheci o sanduíche a milanesa, ou sanduíche feito de lombinho a milanesa no pão. Nunca fui muito chegado a carne mas foi bom. Nos primeiros dias de palestras o auditório lotou e assim por diante durante cinco dias. Sei que o instituto arrecadou o que não tinha arrecadado durante dez anos, mas para eu receber não foi fácil. Fiz com que o instituto arrecadasse uma fortuna e o que eu teria a receber seriam 20 %.

Fui embora, mas não muito satisfeito. Poucos dias depois recebo mais propostas de trabalhos sobre minhas palestras, ficando para estudar o assunto, que já não me interessava mais, pois receber, que nunca foi problema em qualquer parte do mundo, ali não era fácil. Também recebera proposta dos escritores Jorge L. Borges e Nalo Rodlo para trabalhar com eles em comunicações internacionais.

Minhas quatro palestras, encheram de novo o auditório, desta vez para cientistas de quase toda a América do Sul. Também não foi fácil receber, pior do que a primeira. Para ter sucesso tive que ser rude e ameaçar de fazer uma matéria para a imprensa internacional por meio do centro cultural de Nova York.

Assim que recebi despachei o dinheiro para fora da Argentina, ficando assim só com o necessário, ou seja, quase nada.

Tentei trabalhar com os dois escritores confiando neles. Assim se passaram trinta e dois dias. Tornou-se impossível trabalhar com os dois escritores, Jorge L. Borges e Nalo Rodlo. Eles só sabiam mandar aos gritos sem saber mandar ou fazer o que mandam fazer. São arrogantes, petulantes e se sentem os maiores do mundo. Consideram a Argentina e os argentinos os maiores do mundo, quanto o que vi eles pararam no tempo.

Após trinta e cinco dias sem receber, torna-se difícil para mim continuar naquele ambiente hostil e de gente antipática. Conheci outros grandes escritores europeus e americanos de renome, grandes personalidades, mas com classe, educação e sobretudo cultos.

Assim recebi deles também, mas somente com ameaças eles me abonaram com cheques pré-datados. Precisava sair da Argentina de qualquer forma. Eu não poderia mais ficar no hotel, acertara, mas não tinha dinheiro para mais um dia de hospedagem. Fiz um rolo e consegui trocar um dos cheques por US$ 100,00. Com esse dinheiro resistiria até a Air France me trazer a minha passagem, que ia demorar uns três a quatro dias, ou mais, já que ali tudo era demorado ou chega com atraso. Para evitar me hospedei no Exército da Salvação, mas só para dormir, tomar banho e o café da manhã (ou lanche). Teria que pagar o equivalente a US$ 8,00 por dois dias, ainda tinha alguns trocados, paguei só com os US$ 10,00, do terceiro para quarto dia já teria a minha passagem.

Um dos piores lugares para se hospedar, como já citei anteriormente, é o Exército de Salvação. É pago e não pago e o tratamento são os piores que podemos imaginar. Lugar inseguro, onde se tem que dormir vestido e com calçado, do contrário, acordamos sem nada e sem ter onde reclamar. No terceiro dia, nada da minha passagem, teria que resistir mais um dia, à noite não acho forma de trocar os US$ 100,00, ninguém mexe com essa quantia de dinheiro, eu preciso me alimentar, tomar banho e dormir. Até que me indicam um barzinho em frente ao Exército da Salvação. Seu proprietário aceita, mas não tem alimentação a não ser sanduíches e só tem mortadela. Bebidas, só alcoólicas.

Portanto solicito um sanduíche de mortadela e um copo de água mineral, este me dá água da torneira e só meio copo, pois não tem água mineral e da torneira é muito cara. Estou consumindo meu lanche quando ele me solicita que pague. Dou os US$ 100,00. Acabo meu lanche, mas não vejo o troco dos 100. Reivindico e este alega que eu nada dei — aí começa a discussão e briga. Até que chamo a polícia. Esta vem e me atende, o dono do bar continua alegando que eu nada dei. A polícia me solicita testemunhas. Havia umas 8 pessoas lá quando dei os US$ 100,00 dólares. Coloco elas perante o meu problema, só que ninguém sabe de nada. É claro, eles são clientes de todos os dias e ali, bebem fiado.

Assim eu perdi meus US$ 100,00 nas mãos de gente que não podemos chamar de gente, ou seja, paguei um sanduíche de mortadela e meio copo de água de torneira com US$ 100,00.


 

INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS

 

Há tantas e tantas, digamos que milhares. Infinidades de renome, algumas de excelentes perfis e virtudes, enquanto em outras, seus dirigentes, missionários ou seminaristas mutilam ou deturpam sua imagem. Mas geralmente são os grandes que estragam a imagem da Igreja, o Credo, um templo, etc.

Em algumas das minhas tantas e tantas viagens, sempre longes dos seus lugares ou dos seus tronos, já vi grandes iminências religiosas aprontando cada uma... ora por acaso, ora por acidente ou por que o destino fez com que eu visse com os meus próprios olhos.

De grandes iminências religiosas já levei cantadas e assédios, em trocas de favores ou em troca de um prato de comida. Uma vez, num país da América do Sul, vítima de assalto, perdi tudo. Só Deus saberia quando o meu, problema seria resolvido ou solucionado. Deste assalto que foi vítima, fiquei só com a roupa do corpo, um terno impecável e de noite vi o dono de um restaurante ou pizzaria jogar restos na lata de lixo. Estava tudo bem fechado e embalado impedindo que ficasse misturado ao lixo. Enquanto estava andando e consumindo os restos de pizza, não tinha outra forma de saciar a fome, de repente um carrão pára e dele abre o vidro e recebo a proposta do seu motorista... blá blá blá — aquele papo furado. A gratificação seria bem elevada e finjo que aceito, queria saber quem era o distinto cidadão, que pela sua fala com muitos termos que eram de um religioso.

— Ok, — digo. — Aonde vamos?

— Olha... — gagueja. — Não sei se você vai gostar, é na minha residência da Igreja.

Esfrego os restos de pizza no seu rosto e chuto seu carro.

Por causa do mesmo assalto de que fui vítima um empresário me indica uma autoridade religiosa, de um famoso colégio, que teria 2.500 metros quadrados.

Levo uma carta para entregar em mãos para ele. Ele lê a carta e manda me servirem um prato de comida. Depois de duas horas de papo furado diz que sim, pode me ajudar a conseguir as passagens para ir embora. A forma de pagamento poderia ser duas, a primeira: fazer uma bela arrumação nos jardins do colégio, eu aceito.

A segunda forma: durante dois dias ou noites, eu teria uma bela cama com muito carinho e muito mais... a maioria viados. Já que possuem nome de grandes religiosos, ao menos façam respeitar ele, ou sejam mais discretos.

Nunca fui chegado em sexo por troca de algo, muito menos com homens, respeito os gays, viados ou o que quer que sejam. Que façam da sua vida o que bem entenderem, sem prejudicar ou causar mal a ninguém. Mas, adoro mesmo é mulher, acima de 20 anos, até os 70.

A terceira cantada que levei, foi de uma Superiora religiosa, indicada por outra religiosa. Esta marca uma entrevista comigo, estuda meu caso, me enrola, enrola e fica vermelha, indo direto ao assunto.

— Gostei do seu corpo; podemos ficar juntos no fim-de-semana.

Ao menos a cantada foi de uma mulher. Catando comida numa feira, já no fim desta, os feirantes jogam muita mercadoria fora e os necessitados podem aproveitar estas oportunidades. Quando estava para andar, uma freira franciscana, me diz:

— Doc, sou diretora de um colégio-convento e de um museu. Soube que o senhor está à procura de emprego, que restaura objetos de artes? Pago bem.

Até que enfim, algo decente.

— Assim de alegria, como soube de mim?

— Ah, nós religiosas, sabemos tudo.

Depois de sessenta dias finalizo meu serviço, recupero meu passaporte, passagem e dinheiro e embarco. No meu quarto, ouço música de jazz, Jerry Mullygan e Gene Kapra, além de conjuntos clássicos.

Mas a música hoje não me tira da minha inquietude e agitação. Como também a leitura. Tudo tem sua hora certa e momento certo. Também, eu tenho meus momentos de agonia, angustias e tristezas. Um dia eu precisei de um religioso, não estava bem e pensei que um religioso seria o ideal para me ouvir, só me ouvindo já me causaria grande alivio, mas... foi para pior. Não sou religioso, nem tenho religião, sou filho de duas religiões milenares.

Quando pequeno, em casa me disseram:

— Nós não vamos impor e nem obrigar você a seguir uma religião. Com o tempo e com idade suficiente, você mesmo escolhera uma, a que desejar ou achar que está certa.

Hoje, adulto, acho que estou certo. Depois de tanta vida temperada e vivida, estudando as que já vi em questões de religião, fico com a minha: NENHUMA.

Em um dia de verão, 16:00 h, aquele calor, desempregado, sem alimento e sequer um copo de água. Desesperado. Eu precisava falar com alguém, precisava de ajuda espiritual. Alguém indicou-me um famoso padre, uma famosa Igreja, e lá fui eu.

Primeiro, o padre já achou ruim que eu o fizesse sair da sua cesta, ou seu descanso após o almoço. Penso que para quem precisa de ajuda a Igreja não tem hora para atender necessitados.

Segundo, o padre não gostou de me atender porque eu não era cristão batizado, não tinha batismo do não-sei-do-que e por que eu não tinha a primeira comunhão. Por tudo isso o padre abre a porta da Igreja e me expulsa da lá. Nada tenho contra Igrejas e religiosos, alguns devem ser bons.

Uma vez fui ferido na batalha do Vietnam. Tinha levado três ou mais tiros, ferimento de baioneta e fissuras nos maxilares. Eram tantos os traumas que eu tinha dores, jogado num hospital de feito de barracas; lá não existia medicamento algum, menos ainda analgésicos, calmantes, antibióticos, anestesia, etc. Para o comando, a única coisa que interessava era a gente se recuperar logo logo, para retornar ao posto de batalha.

As dores eram tantas, que a gente padecendo, pegava no sono só após as 3:00 ou 4:00 h. Dormíamos por causa do stress, mas muitas vezes o coração de muitos feridos não resistia e estes vinham a sucumbir. Assim que a gente dormia caia profundamente no sono, ou por cansaço ou por que a noite anterior tinha sido impossível dormir.

Mas o maior problema dos pacientes era uma hora após terem pegado no sono, uma hora após, como já citei. O paciente era acordado violentamente ou digamos agredido. Quem os acordava era uma freira de Riga, já de certa idade, chamada de Michaela e um noviço, chamado Julius. Quem não concordava com a freira, o era pelo noviço Julius. Eles chacoalhavam os pacientes, que ao serem mexidos desta forma tinham suas fraturas deslocadas, ocasionando mais dores aos coitados.

O mesmo acontecia comigo. Mal começava dormir, quando este estrupício vinha me encher o saco para acordar. Para a freira e o noviço os doentes tinham e eram obrigados a acordar às 4:00 h para REZAR; tinham que rezar o Pai Nosso e sabe Cristo o que mais. Penso que era cedo demais, sem necessidade e era crueldade para com os doentes.

Como eu estava usando um aparelho de tração bucal, por causa das fraturas, não podia falar e nem tinha como me manifestar a respeito; minhas mãos engessadas e etc.

Um dia, ainda mal conseguia falar ou escrever, numa das passagens do Padre militar, manifestei a este o caso. Ele mesmo concordava que era cedo demais para acordar os soldados feridos. Mas nem este padre não fez merda nenhuma!

Assim, mal me tinha recuperado, quase não conseguia caminhar ainda, mas os ataques tinham-se intensificados e o exército esperava o pior. Por tanto, todos os feridos que estavam mais ou menos aptos para usar uma arma, tinham que ir para front, (foda-se) eu estava no meio. Eles precisavam urgente de neurocirurgiões, mesmo eu mancando e mal conseguindo me manter em pé. Fui designado como diretor hospitalar de emergência. Antes de ir embora a caminho do meu posto, fiz recrutamentos e ao meu auxiliar incumbi que me recrutassem a Irmã Michaela e seu cão noviço Julius, afinal eles são bons enfermeiros, ou não? Tomei o serviço e o alerta era total, constantemente. O turno da freira Michaela e de Julius terminava às 21:00 h. Jantavam, e exaustos iam dormir. 22:00 h, 23:00 h eu ia com tudo à sua barraca e os fazia levantar para REZAR o Pai Nosso, eles não podiam reclamar nada ou falar, pois eu era o cacique. Até que no 5° dia, eles suplicaram para eu não ser tão cruel, já não estavam agüentando mais e precisavam dormir mais. Claro, para mim aquilo não estava sendo fácil, mas eles precisavam de uma lição e os dispensei. Que retornassem ao hospital base mas com uma condição: se acordassem os combatentes feridos antes das 6:00 h, faria com que voltassem comigo. Só assim é que melhorou.

As festas natalinas, que eram católicas e outras festas não católicas, que podem ser judaicas, ortodoxas, presbiteriana, etc. Acredito que não deveriam ser festejadas com tanta pompa e festa, mas sim apenas citada no calendário, para que sejam lembradas ou festejada discretamente. O mundo festeja o Natal. E aqueles que estão presos? Prisioneiros, internados, condenados, jogados na sarjeta, e os milhões e milhões de pobres? Não é injusto?

Um exemplo. Eu estou bem de vida, no Natal vou fazer uma festa no jardim da minha residência, com aquela quantidade do melhor das comidas, e aqueles coitados que estão jogados na rua? Esses seres que há dias ou meses que não sabem o que um prato de comida? Vendo eu na maior festa o que estes farão? Esperam que eu termine aquela comilança para depois ver se jogo para o ar os ossos do peru ou leitão?

Num campo de prisioneiros ou campo de concentração, a maioria deles morre de fome. No Natal, a diretoria decide comemorar junto com os guardas. O mesmo ocorre em um hospital com os enfermeiros e médicos.

É certo que todos nós em qualquer situação, devemos comemorar as festas natalinas, seja num salão, jardim, praça, etc... mas antes, os pobres e os mais ferrados teriam que ser brindados com as ceias. No ano 55 DC já surgiu esta observação. Antes deste, em toda festa ortodoxa, judaica e outras, o povo da Ásia e do Oriente, nestas festas sagradas o cidadão, o trabalhador, o pobre e o rico levavam para casa um saco da grande festa. O saco desta época seria a cesta natalina de hoje ou até a cesta básica. Até para os escravos ou os gladiadores eram oferecidos os sacos da ceia, seja dentro de uma residência, ou para o mendigo, que olha pela janela do restaurante e observa aqueles que estão lá com aquela festança.

Quando perdi meus pais quando eu tinha apenas completado 9 anos. Ainda me lembro que eles eram filhos, netos ou bisnetos de religiões diferentes. Nunca em casa foi festejada uma festa judaica, ortodoxa e outra da qual não me lembro. Às vésperas dela, a gente agradecia a Deus por ter-nos dado saúde, trabalho, bons negócios e sucesso. Lembro que eles compravam com fartura, carregavam o carro e distribuíam nas praças onde havia alguns mendigos, claro, na época não eram tantos. Hoje há milhares e se os países fossem melhor administrados acredito que seria diferente.

Eu sei que dos 9 para os 10 anos, para mim, foi só solidão e tristeza. Sentia a ausência dos meus pais e da minha casa. No colégio onde tinha ficado, era interno com outros centos de alunos, muitos estava na mesma situação que a minha. Cada um superava de uma forma ou de outra. Acho que eu sempre disfarçava a minha fase. Acredito que ninguém, até os dias atuais, soube o que eu sentia ou como me sinto agora.

O colégio era militar, por demais severo e disciplinar; ele era mais indicado para os descendentes daqueles que tinham perdidos seus pais ou parentes na Segunda Guerra Mundial. Nas épocas de Natal, era uma euforia total.

Surgia o “intercâmbio de famílias católicas natalinas”. Os filhos de certas famílias iam passar o Natal em casas diferentes, ou seja, o filho da família Andrews iria para casa da família Jonah enquanto o filho desta ia para a casa do Andrews. Esse era o intercâmbio natalino. No colégio ficavam poucos alunos, os sem família ou sem ter para onde ir ou para quem ir.

Aí, surgia aquela encheção de saco:

— Vá lá, aquela família é excelente, passe o Natal com eles, você vai gostar, a comida é diferente.

Até que um dia decidi ir. Um casal marca uma visita no colégio para me conhecer e fica tudo combinado, eu iria passar o Natal com eles. Seria o primeiro Natal a ser festejado por mim.

Era 19:50 h daquele 23 de dezembro. Eu sairia do colégio depois de onze meses sem ter alegria e felicidade. Mas, por insistência de colegas e superiores, fui levado. Quando chegamos à residência daquela família, Morgantini, um casarão, toda família me recebeu sorridente e cheia de atenção, me mostrando o que seria o palacete deles.

Próximo das 22:00 h vejo uma empregada carregando um colchão, com cobertor e depois uma jarra com água, copo e um prato de comida. Vi tudo isso sendo colocado num quarto escuro — estranho. Minutos depois mandaram que eu entrasse nesse quarto e assim que o fiz a porta se fechou e a trancaram.

Até os dias de hoje me pergunto porque? Me tiraram do colégio para passar o Natal numa casa de família católica, conforme eles disseram, para eu ter alegria e harmonia, só que eu não tive nada disto. Fui jogado num quarto, trancado que nem um animal até a manhã seguinte quando novamente fui entregue ao colégio, solicitei explicações e mais explicações, inclusive aos meus diretores, sem obter respostas. A única mudança que foi feita a respeito é que nunca mais houve intercâmbio de famílias católicas natalinas.

Esse fora o primeiro Natal que eu iria festejar e nunca mais. Num país europeu, uma forte instituição religiosa possuía uma espécie de Lar ou Amparo para ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e outros refugiados importantes. Esta instituição também recebia ajuda financeira de outras grandes instituições, órgãos empresariais, governamentais, etc. Mas conforme meus superiores algo estava errado, aconteciam coisas obscuras e não esclarecidas. Lá também era um hospital de pesquisa sobre psiquiatria, uma composição bem organizada, pois até cemitério próprio tinha. Geração elétrica, padaria, etc.

Então, eu seria o novamente o tal já conhecido jovem médico, que precisava fazer umas entrevistas e pesquisas sobre psiquiatria e química. O meu estudo deveria durar no máximo cinco meses. Era fundamental que eu tinha que ser resistente e descobrir o que estava acontecendo lá dentro, pois sumiam estudantes, estagiários e noviços religiosos, entre outros.

A residências dos meus pais tinha ido a leilão e entre as propriedades, uma seria para mim. Quando fui ver esta no norte da Itália, era linda de morrer, eu até fiquei eufórico de alegria, pois era uma espécie de palacetes com jardins. Mas com a morte dos meus pais em 1952, os impostos e encargos não eram pagos há vários anos e então, quando fui à prefeitura para acertar os pagamentos, a conta era quase o mesmo do valor do palacete se fosse tomado pela prefeitura, equivalente a US$ 10.000,00.

— Olha Sr. prefeito, prefiro que a prefeitura fique com a propriedade e me dê os US$ 10.000,00, pois eu não tenho como pagar. Bem que gostaria de ficar com o palacete.

Assim fiquei com o dinheiro e um carro MG ano 48. Belo carro inglês, muito cobiçado; pelo menos, na crença tinha ficado com algo que tinha sido dos meus pais. No obstante enquanto estivesse na Europa, onde quer que eu fosse iria de carro. Era a única lembrança que sobrou de minha família.

Era um carro velho mas estava 100 % conservado, super valorizado e com apenas 400 km rodados. Assim, preparo ele, carrego a minha bagagem sobre uma grade atrás, em cima da roda estepe. Este carro, viria a ficar comigo até 1968. Todo mundo me oferecia por ele além do seu valor, mas eu não o vendia. Depois, com muita dor, viria a perder ele, assim como outras coisas, por não ter onde guardá-las ou com quem deixá-las.

Após uma longa viagem. Chego a Instituição Religiosa (filantrópica), era enorme. Seu portão já impunha um certo respeito, a rigor do tipo medieval renascente. Sou identificado e um segurança jovem examina meu carro e a bagagem. Um senhor de idade, educado, chamado Antony, observa meus documentos e diz:

— Doc, li muito a seu respeito, o senhor é muito jovem e inteligente, muita gente fala do senhor; gosto da sua forma de ser, mas... e olha ao redor, o Sr. precisa tomar cuidado, fique sempre esperto, viu? Veja sou velho, mas pode contar comigo, nem sempre é claro.

Tudo é falado baixinho.

Agradeço e vou para dentro.

Ando devagar com o carro, aquilo se parece muito com uma antiga Vila Romana. Sua construção parecida às do império romano, suas ruas muito arborizadas. É enorme. Vou rodando desde a entrada em linha reta numa espécie de avenida ou alameda, com enormes árvores centenárias que chegam formar um túnel. Depois de ter andado com o carro uns 800 metros, leio Diretoria à minha direita. Estaciono o carro e vou lá dentro onde me identifico. O escritório é bem organizado e todos são Diretores — aliás reverendos e mais reverendos, todos desconfiados e mal-encarados. É pela experiência da gente, que logo que um ser humano fala e nos olha, observamos ele e já sabemos o seu perfil.

Passo por todos e por últimos um corcunda me diz:

— Dr., sou o reverendo Joachin. O senhor terá que acatar os regulamentos item por item e qualquer coisa errada da sua parte nós tomaremos as medidas cabíveis, certo?

— Certo senhor, mas estou sendo ameaçado? Como adulto e profissional tive uma boa educação, acha que posso errar tão feio? Respeitando tudo e sendo respeitado quem pode errar?

Não responde, me entrega os documentos e me dispensa para eu procurar quem vai ser meu Superior, reverendo Charles. Subo novamente no carro, ando mais uns 400 metros pela mesma avenida e entro à esquerda. Embaixo de uma grande árvore de carvalho estaciono o carro, tranco este e procuro o tal reverendo Charles.

Um irmão me manda aguardar, ele irá demorar uns minutos e é para eu andar por aí um pouco. Ele diz que dentro de pouco sairá o almoço; ali se almoça às 11:30 h, são 11:18 h. Observo que aquilo ali é mais que centenário, talvez seja de 1.400 ou 1.500; tudo é velho ou antigo, mas bem conservado e limpo.

Ando e ando — não gosto deste lugar — mas aqui me mandaram para trabalhar por cinco meses e aqui terei que ficar. Chego a uma copa, peço um copo com água, agradeço e ando mais. Um enorme refeitório, as mesas pronta para o almoço. Entro por uma enorme porta aberta. Lá dentro, como se fosse algo diferente, está um enorme pátio com várias árvores de nogueiras centenárias e no meio do pátio, um poço d’água também antigo; para recolher água é por meio de uma roldana, corda e um enorme balde. Há 60 ou 70 velhos ao longo das paredes, todos sentados em ordem e em silêncio. Cumprimento-os e só alguns que respondem com um sinal de cabeça, mas não me olham. Num lado há uma enorme pilha de troncos cortados, mais ou menos com 1,50 m e 40 cm de diâmetro, um enorme tronzador — espécie de serrote enorme de uns 5 m com cabo de madeira em cada uma das extremidades, de uns 35 cm, para cada serrador pegar nele e usar, ou seja, o movimento é de vai solta e o outro puxa e assim sucessivamente. Assim se corta grandes troncos de lenha. Para uma só pessoa seria impossível manejar aquilo.

Os velhos são chamados (imagino que para o almoço) e fico ali só olhando...

De repente um rebuliço de várias pessoas, me viro e pela porta grande um sujeito de uns 1,90 m de altura, magro, de uns 25 anos e óculos; com ele outros, que não consigo catalogar, se de morcegos, vadios, selvagens ou bando de filhos das putas ou algo parecido.

Eles ingressam pela porta com a franga solta, dando saltinhos e gritinhos...

Na minha frente está o tal Charles, ele nem se apresenta, sequer tem ética ou educação de gente, muito menos de superior, qualquer que sejam os princípios.

Logo, sem me dar qualquer chance, ele grita:

— Ora, ora, ora quem está aqui! É o famoso Albert! É o Albert V ou VI?

— Se fosse nobre seria VI, mas não sou, — respondo.

— Olhe Sr. Albert, antes de mais nada, eu sou o responsável na área hospitalar, pesquisa, etc., entre outras coisas e esta aqui é a minha turma. O que nós determinamos é o que tem de ser feito, entende? E ninguém pode me contrariar ou fazer errado que nós punimos.

— Ah sim, entendi, — digo e sem me dar chance de continuar de imediato ele responde:

— Este é o meu reino e eu sou o Rei.

— É isso Sr. Charles? — Me engano. — Albert, sou Reverendo Charles.

— Sr. Charles, sou o Dr. Albert. — Vejo que aqui não será fácil, alguém que erre precisa mesmo mostrar serviço.

Ele gesticula com as mãos.

— Aqui, dentro de uns meses, teremos o inverno e nossas lareiras precisam de lenha, portanto, você terá que cortar toda essa lenha que está aqui — e mostra com o dedo. — Terá que fazer o serviço só, sem ajuda.

— Impossível! Esse tipo de lenha requer duas pessoas para manejar o tronzador e eu não vim aqui para cortar lenha, aliás não é desonra, mas minha atividade é a área de Psiquiatria.

— É, meu bem, só que antes será necessário que passe por uma prova de inteligência e habilidade, se provar ou nos mostrar que pode ser bem executada, será uma superação e tanto. Só então terá almoço e as atenções devidas. São 11:30 h; nós retornaremos às 17:00 h para ver tudo concluído; como fará é assunto seu, problema seu.

E vão embora.

Bem, então tenho que dar um jeito e mostrar a esses filhos das putas que o ser humano não é só parasita mas também gente. Aqui há várias nogueiras, uma delas tem uma forquilha a uma altura de mais ou menos 1,2 m do chão; se eu amarrar nesta forquilha um pau, formará um estribo invertido. O poço d’água tem uma roldana que gira, tiro esta e amarro no pau da forquilha; passo uma corda nela, na extremidade amarro um tronco pesado de 10 ou 20 quilos e esta corda, de uns 90 cm ou l m, amarrada na haste do tronzador. Aí o que acontece? Quando eu solto este, o peso do forte e pesado tronco, levará o tronzador para frente e isto faria o corte do lenho.

Fixo o cavalete, mas antes tiro o meu blazer e a camisa e os penduro num lugar. Os velhos estão voltando do almoço, vão tomando seus lugares e a minha invenção chama a atenção deles. Coloco um lenho sobre o cavalete, o tronzador por cima, puxo e solto, o peso leva o enorme serrote para frente; rapidamente corto o lenho. É cansativo, mas depois de uma hora cortei quase 70 % da lenha. Às 14:15 h já cortei todos eles. Desmonto a roldana, recoloco esta no seu lugar; o mesmo faço com a corda e seu balde, tiro o pau da forquilha da nogueira e como se nada tivesse acontecido, fica tudo em ordem.

Bebo água; há vários figos maduros. Lavo e ingiro alguns destes. Agora, um machado e faço um corte transversal tronco por tronco. 16:00 h, acabei tudo, minhas mãos estão com bolhas, mas tudo bem. Jogo o balde dentro do poço e recolho água; ponho numa vasilha, me lavo, estou ótimo. Um dos velhinhos me dá um pedaço de pão caseiro e uns figos. São quase 16:45 h. Estou sentado num grande tronco ingerindo o último figo, quando de novo aquele bando de desmunhecados entram pelo portão só para ver que eu não consegui cortar a lenha. Só que para o espanto deles e do grandioso Charles, a lenha esta totalmente cortada, ao vê-la em ordem e empilhada, ficam de boca aberta. Não pergunta como fiz, mas vão embora em silêncio. Os velhos dão um sorriso como dizendo:

— Você os venceu, deu um jeito neles.

Ao menos já tenho alguns aliados. 17:12 h, sou chamado ao gabinete do reverendo Charles, lá estou eu firme em pé com a cabeça erguida. Ele me olha firme e diz:

— Não sei como fez tudo isso só, o pessoal fala que sua pessoa é ágil e esperta, mas aqui as coisas não serão tão fáceis.

— Sr. Charles, já passei por piores e ruins, isto aqui será mais uma das tantas batalhas que terei que enfrentar. E já estou pronto, pode acreditar.

Me é indicado o aposento, os lugares onde terei que trabalhar, a hora e o lugar da janta. O quarto não é grande coisa quanto a arejamento, sua janela é tipicamente medieval (pequena) e sem acesso ao exterior do local. No lugar de trabalho há vários boxes de consultórios, os funcionários são todos antipáticos (todos fechados) e de pouca fala, dirigidos por irmãos mais velhos.

Janto às 18:40 h. O local é um amplo corredor com uma mesa longa. A alimentação é boa. Na mesa há velhos e aposentados religiosos. Entre eles há budistas, representantes de todos os credos e ex-religiosos militares, todos cultos e atenciosos. Porém há um sujeito de uns 49 anos, forte, indicando que já foi da pesada, talvez lutador de boxe. Por ser forte acha que é o maior e todo poderoso, ele se senta na mesa e começa xingar todos, dá coices, patadas e indiretas, faz ameaças, etc. E pelo que vejo não vai com a minha cara também. Janto e me retiro do local.

A vila ou o lugar, do qual não vejo o nome certo ou definido, possui infinitos corredores e passagens, algumas de saídas complicadas ou secretas, por onde volta e meia me perco.

Assim, um residente acaba me mostrando os lugares dos internos, os refugiados.

Incrível, mas a cada momento vejo pessoas que foram de cargo importante na área militar e civil e após algumas guerras, estes largaram tudo e se inclinaram pela vida ou profissão religiosa.

Mas, nem a tudo tenho acesso, principalmente aos arquivos de mortes repentinas ou por acidentes. O que mais me chama a atenção são as mortes de três noviças. Após estas ingressarem ao local, em menos de trinta ou quarenta dias elas morreram. Não é fácil, mas chego ao cemitério e lá leio nas lápides: “Cristíane, noviça, faleceu no dever do serviço”. Poucos dias depois ocorre o mesmo com outras duas. “No dever do serviço”? Seria tão arriscado assim este serviço?

Eu tinha um dia de folga na semana e dois domingos ao mês. Na cidade, muito fechada, não havia nada perto para diversão, só uma biblioteca. Numa das folgas vou lá por uns livros. Na biblioteca uma jovem e bonita moça de olhos azuis e estatura média, me dá atenção, acho que até demais e quer papo. Diz que ali há livros meus e que ela tem um que gostaria que eu assinasse — um autógrafo.

Ela se chama Kahy Ribucy e assim acabo fazendo amizade com ela e depois acabo namorando a mesma.

Os domingos em que eu não saía de folga, ela ia me visitar. A gente ia passear dentro da instituição e quando possível... eu investigava. Quando era pego em lugares não convenientes, eu então alegava não conhecer o sistema e me afastava.

Kahy me contava muita coisa que tinha ocorrido lá dentro, muitos mistérios e desaparecimentos de gente. Mas por causa da suas constantes visitas para comigo eu começara a ter problemas. Eles, os grandes reverendos, achavam ruim pois a garota usava roupas provocantes demais.

Com o transcorrer do tempo tomava confiança e descobria as atividades de cada um que eu desconfiava não ser pessoa de andar por caminhos certo.

Como o entregador, de medicamentos e outros produtos não produzidos dentro da vila. O motorista que dirigia o furgão, já de idade, nem sempre conseguia carregar as caixas, pois para ele eram pesadas, mas ninguém estava a fim de colaborar com ele e este então xingava.

Um dia manchei o meu avental branco, eu só tinha dois e o outro estava na lavanderia, não havia ninguém para ir buscar para mim e eu precisava dele. Uma noviça enfermeira me disse que ia demorar uns 20 minutos para ir pegar. Era muita coisa então perguntei onde era que eu mesmo poderia pegar. Ela titubeou e me indicou a direção a uns 200 metros em linha reta de onde estava e lá fui eu. Chegando lá, vi que era uma lavanderia grande e logo na entrada uma mulher com hábito passava roupas brancas. Lá no fundo estavam outras em suas atividades, cumprimentei a moça, que a esta altura não sabia o que ela era, se religiosa já formada ou noviça, voluntária, etc. Mas não deu tempo para nada, logo ela pegou meu outro avental e colocou-o num envelope grande. Notei que ela estava chorando e fui perguntar se estava tudo em ordem. Ela não olha no meu rosto e fala para evitar falar ou evitá-la pois todos vigiam e procuram ouvir o que se fala ali. E talvez até sejam vigiadas dia e noite. Disfarcei, entreguei meu avental sujo, peguei o limpo e agradeci. Então Doc? Sem querer eu tinha ido ao lugar certo na hora errada? O elo dos mistérios estava lá, ou ali com aquela moça.

Eu precisava voltar lá, era mais do que necessário falar com aquela mulher, mas tinha que dar um tempo, do contrário chamaria muito a atenção. Como sempre acordo e levanto cedo. O café da manhã ia demorar, ainda faltavam duas horas.

Me encaminhei ao pátio, onde eu cortara a lenha e assim que pus os pés após a porta, cumprimentei os velhos e todos responderam com um bom dia mais elevado ao invés do simples movimento de cabeça. Penso que a minha intenção no dia que cheguei foi amostra de saberia.

Um a um fui cumprimentá-los dando a mão e assim conheci-os com mais detalhes e os que me chamariam demais a atenção.

Como por exemplo Iga, um japonês com orelhas cortadas e sem os polegares. Ele fica em pé e me cumprimenta.

— Sir. — se inclina e diz — Iga, para servi-lo, sou ex-camicase.

Nunca perguntaria o motivo das orelhas e e polegares cortados, para que? O Sr. Gino, também se levanta e me cumprimenta, um idoso ao seu lado diz:

— Esse é o ex-professor Gino, ele não fala, mas gosta do senhor.

— Por que não fala?

— Bem Sr. quando os Nazistas tomaram Roma, torturaram ele por informações valiosas que ele não soube dar, então os alemães cortaram sua língua,

As lágrimas de Gino deslizam pelo seu rosto. O irmão Wesenlau me aperta a mão e diz:

— Ex-artilheiro de cauda Sr. para servi-lo. Estou velho mas forte. Agora sou religioso aposentado. Sou Tcheco.

Victor, esta numa cadeira de rodas e tem as duas pernas amputadas, me aperta a mão e diz:

— Sir, sou ex-piloto Inglês, gostei da lição que deu nesses FDPs?

— Sir Victor, foi apenas minha habilidade.

Assim prossegue até chegar a Nasvuriann. Nasvuriann, armênio, era anti-social e com trauma, e diz:

— Doc, não mais tenho pátria, o senhor sabe por que? Ou não?

— Sei sim Sr. Primeiro os turcos invadiram sua terra, depois foram os soviéticos.

— Isso mesmo, Doc, por isso lutei pela liberdade, mas só. Sem pátria, estou aqui.

E, por último, chego ao François, que me dá a mão e diz:

— Ex-sargento de artilharia, guerra da Indochina, perdi um saco, mas estou bem. Gostei do senhor, passou a perna no Charles, mas Sr., cuidado com ele e seu bando de v...

Fiz amizade com todos eles. Nunca entendi por que eles todos procuraram refugio ali? Pelo que eu via eles estavam insatisfeito, então por que ficavam? Não teriam para onde ir?

Numa manhã deixei de propósito cair tudo sobre o meu avental e lógico, este manchou. Logo, fui eu mesmo procurar um limpo. E lá estava de novo a religiosa chorando. Digo a ela, disfarçando que não falava, que eu precisava falar com ela no dia seguinte. De uma forma ou de outra estaria ali e gostaria muito que esta me esclarecesse ou de obter maiores informações.

Ela, soluçando, disse que era muito perigoso, tanto para ela como para mim Eu digo para não se preocupar, saberia fazer tudo direito sem me arriscar.

Sabia que elas, às 5:30 h era levada por uma superior que abria a porta e ali a deixava para sua tarefa de passa roupa. Às 4:30 h deixei meu quarto, a noite era clara, mas não totalmente portanto, com cuidado, precisaria chegar até a lavanderia e entrar nela. A questão seria como?

Que nem gato, com uma roupa escura, chego à parte posterior da lavanderia, procurando como entrar nela. Explorando um acesso, encontro uma enorme tubulação de vapor não mais que uns 2 metros do chão, meu corpo entraria nela sem problema. Assim o fiz, com dificuldade, mas consegui. Chego até sua área, me escondo lá e fico à espera da sua chegada. Não demora muito a porta da lavanderia se abre e a mulher é deixada para seu trabalho. Assim que a superiora se retira, me faço anunciar e digo:

— Não olhe para meu lado, estou embaixo das mesas com panos, ninguém poderá me ver, aliás ainda é cedo e temos uma hora para gente falar. O que você faz aqui?

— Sou uma noviça de 24 anos, meu nome é Goriani, vim do Extremo Oriente e como não me submeto ao sistema elas, as superiores, me colocam aqui de castigo. Meu horário de trabalho deveria ser das 9:00 às 18:00 h, mas passam a me obrigar a ficar em pé das 5:00 às 23:00 h. Já estou assim a sessenta dias, minhas pernas estão feridas de ficar tanto tempo em pé e já corro risco de flebite.

A interrogo:

— Qual é o sistema que você deveria aceitar?

— Não posso contar... tenho vergonha Dr.

— Temos pouco tempo, portanto seja objetiva e realista, do contrário não poderei ajudá-la.

Ela chorando responde:

— Toda religiosa nova, durante cinco meses, tem que se submeter ao sistema, ou seja, ser mulher de dois líderes-religiosos, ora com mulher ora com homem. A noviça que não aceita é posta de castigo e se, como no meu caso, continuar recusando, vai para uma cela... ou desaparece. A família das noviças, ou noviços, não tem acesso para com a gente, nenhum meio de comunicação, portanto nem sabe o que acontece com nós aqui dentro.

Agora já sei por que em menos de dois meses morreram três noviças no dever do serviço.

— Gorian, e se fugir daqui?

— Mas... mas como Dr.? A gente não tem como fugir ou sair daqui, mais ainda sem recursos, roupa ou dinheiro. A estação de trem mais próxima fica a 4 km.

— E se eu ajudar?

Ela responde que sim, aceitaria.

— Goriani, vou ajudar, faça tudo conforme eu orientar, só me dê um tempo, uns dias. Hoje voltarei aqui, meu avental manchou, virei buscar um limpo e dentro do sujo trarei para você medicamentos, analgésicos e antiinflamatórios, tome o segundo a cada 6 horas e se tiver muita dor o analgésico, Ok? Preciso ir, já clareou.

Saio de lá e retorno ao meu quarto. Lá dentro fico atento e observo tudo, acho que ninguém me viu.

Entra o furgão que se dirige para o depósito, para descarregar. O depósito é bem próximo da lavanderia, isto já facilita. Goriani poderia sair nesse furgão, por que não? Preciso ganhar a confiança do motorista e já sei como...

Saio do meu quarto e vou devagar, como se estivesse passeando, até chegar a ele. Próximo a ele digo:

— Bom dia!

Ele surpreso me olha e diz:

— Bom dia.

É a minha oportunidade.

— Precisa de ajuda para descarregar? Isso aí é muito pesado.

— É Dr., mas o que vou fazer, aqui ninguém ajuda e eu já estou velho. A sorte é que mais uns dias e me aposento, só Deus sabe quem virá no meu lugar. Eu não vejo a hora de ficar longe desse lugar, há ano que venho aqui.

É mais que bom ouvir isso, alguém está descontente. É mais uma a meu favor.

O ajudo a descarregar. Tudo termina rapidamente e o velho fica mais contente. Me agradece muito e diz:

— Meu nome é Nicholas Barners, às quintas-feiras costumo estar jogando bocha no bar do Luigi.

— Ah sim! Adoro jogar bocha e quinta-feira é minha folga. A gente se vê lá, Ok?

Tomo banho o café da manhã e já planejo a fuga de Goriani. Ela precisa sair daqui, do contrário também será morta. É quarta-feira, volto à lavanderia com o avental sujo e os medicamentos dentro dele, troco pelo limpo ficando o menos possível e saindo de lá.

Quinta-feira é minha folga, preciso sair, fazer contato por ajuda ou alertar o pessoal que logo precisarei de ajuda agitada.

Nicholas seria a pessoa ideal para tirar Goriani mas como falar disso para ele?

Imagino que tenho que arrumar roupa, duas ou três mudas manequim 42 para Goriani, um lenço de cabeça, maquiagem e mocassim, nas fugas nunca é bom usar salto ou sapatos que chamem a atenção. Passagem já pronta para embarcar, nunca comprar na hora. Mais US$ 2.000,00 até chegar a um lugar seguro, até esta denunciar os fatos junto à ONU.

Já está planejado, agora preciso falar com Nicholas.

Vou a procura do meu carro, entro (mexeram nele). Fizeram um bom trabalho mas percebo que há curiosos. Na portaria, meu carro e eu somos vasculhados até no chassis, eles estão procurando algo.

Assim, na minha folga, na cidade, em código comunico os fatos à minha central. Depois vou até a biblioteca e os primeiros atritos com a minha namorada Kahy se começa a sentir. Ela começa a reclamar que eu não sou atencioso, quase não ligo para ela e apareço esporadicamente. Tento explicar a minha situação, ela já sabia disto, enfim, entende e não entende, acho melhor sair da biblioteca para não discutir. Convido ela para almoçar comigo, mas ela se torna negativa.

Vou embora. São 14:45 h. Está na hora de almoçar ou fazer um lanche.

Que tal ir ao bar Luigi? Lá deve estar Nicholas e um jogo de bocha seria bom para relaxar, entre outros negócios. Estaciono o carro e entro no bar.

Não era bem um bar e sim um bar com mini restaurante. Peço uma refeição, mas nem sinal do Nicholas. É cedo, mas ele disse que estaria ali já às 13:00 h.

Após o almoço, me dirijo para as canchas de bocha. São três, paralelas e movimentadas. Se quiser jogar, a espera é grande. Procuro fazer hora, o meu plano é ter um diálogo com Nicholas. Em poucos minutos ele aparece, é educado, me cumprimenta e logo recorre a uma cerveja, até que no papo aparece seu serviço. Ele alega que trabalhará mais vintes dias e se aposentará. Não gosta do lugar e do pessoal da Instituição, acha fantasmagórica. Desde que começou a trabalha lá, muita gente já sumiu. Antes de se aposentar, ele quer juntar uns US$ 1.500,00 para reformar sua casa. Ele ganha algumas caixinhas, mas ultimamente está difícil.

— Sr. Nicholas — digo — eu estou a fim de dar para o senhor US$ 2.000,00 que tal?

Ele dá um pulo.

— O que tenho que fazer Dr.?

— Olha Sr. Nicholas, eu tenho que ser sincero contigo — abro o jogo.

Ele diz:

— Não é difícil, o problema é a portaria. Nem sempre, mas às vezes, eles revistam o carro e só não o fazem quando há mais de um carro ou mais pessoas para entrar ou sair, entende? O velho Anthony não dá conta, então deixa livre a passagem.

— O certo seria que nesse dia combinado, teria que ser uns dias antes do senhor se aposentar ou o último dia de serviço, no mesmo momento em que o senhor sai alguém faria uma entrega para mim. Pode funcionar, essa entrega teria que ser uma remessa de livros científicos, aí tumultuaria a portaria. Sr. Nicholas, nós temos que salvar uma vida, para esta depois salvar outras. Mas ninguém pode saber disso, só eu e o senhor, Ok?

Ele confirma e então fica combinado.

Em vinte dias, numa terça-feira, às 6:15 h em ponto, Nicholas terá que descarregar sozinho, no último grande pacote, ele terá que deixar a porta do furgão aberta para Goriani entrar. Portanto, meu contato terá que me trazer a roupa, calçados, lenço de cabelo e dinheiro para Goriani, mais o dinheiro para Nicholas. Meia hora antes do trem partir, assim que Goriani fugir, o contato já terá que ter comprado a passagens. Se ela o fizer, chamara atenção do funcionário do guichê. Assim que Goriani subir no trem, ele entregará a passagem, o dinheiro e a sacola.

Para entregar o dinheiro a Nicholas, não será fácil ou será? Já sei como farei, após 48 horas, de manhã cedo, irei buscar meu avental na lavanderia, então ajudarei ele a descarregar e lhe darei o dinheiro.

Na manhã seguinte, logo cedo entro pela tubulação da lavanderia e espero. Assim que Goriani fica só apareço e comunico o que vai acontecer. Ela confirma, com medo, mas se trata da sua vida, sair viva dali. Orientada, tento não aparecer mais na lavanderia, só o farei um dia antes da fuga.

Na quinta-feira me encontro com Nicholas, jogo com ele duas partidas de bocha e lógico ele ganha, mas durante os jogos dá para falar do plano sem chamar a atenção.

O dia se aproxima, na manhã anterior, mais uma vez entro pela tubulação e converso com Goriani. Entrego uma muda de roupa para no dia combinado já estar vestida com ela e entrar no furgão. Me despeço e a oriento que dentro de cento e vinte dias alguém irá lhe procurar.

Retorno ao meu quarto. Alguém, na minha ausência, esteve ali. É fácil saber pois antes de sair eu tinha jogado talco e andado de ré, quem entrasse deixaria suas pegadas. O pé ou o calçado era grande. Todo pessoal que eu tinha contato ou estivesse relacionado, não tinha pé grande. Primeiro vasculharam meu carro, agora meu quarto.

Assim transcorreu o dia. Eu estava ansioso, há poucas horas para tirar Goriani dali, nada fácil, estava tenso e preocupado. Na mesma hora, um entregador faria uma entrega de um pacote com livros na portaria, justamente no momento da saída do furgão com Nicholas. O entregador, é claro, seria o contato e ele faria tumulto e atrapalharia o velho Anthony.

Chega a hora da janta. A mesa fica tumultuada, pois aquele da pesada, que achava que poderia ser lutador de boxe, fico sabendo que seu nome é Gho, mais uma vez xinga e ofende a todos na mesa, porém, ninguém, quer saber de se defender. Ele grita, ofende um idoso, o chama de tudo que se pode imaginar e não imaginar.

Me sento, começo a me servir e ele se senta bem na minha frente — por Deus, nem hoje nem amanhã posso arrumar confusão, tenho que tolerar o que for.

Assim ele tenta mexer comigo, não diretamente, mas indiretamente. Estou jantando e quase no fim, quando ele dá um murro na mesa tudo voa pelos ares. Ele quer me provocar para brigar, mas por que?

Evito-o, me levanto e vou saindo da mesa quando ele diz que ali não há homens para enfrentá-lo, ninguém é macho, todo mundo está podre.

Então? Preciso contar até cem. Preciso dar uma lição nesse fdp. Mais dois ou três dias e eu darei um jeito nele... prometo.

Ele grita-Cagão!

Me viro e volto, encaro-o e digo:

— O senhor está falando comigo?

Ele fica surpreso e mudo. Acho que não esperava que alguém tivesse uma reação. E continuo:

— Reverendo senhor não sei do que, o senhor parece forte e valente... não é? Mas é valente com os velhos e mais fracos que tal um dia destes a gente se enfrentar num Ring? É? Topa? Ao menos servirá de exercícios...

E vou embora.

Aquela noite foi um inferno, não dormi. Assim, procurei não chamar a atenção e ficar na minha.

Terça-feira. Desde a minha janela olho o furgão de Nicholas entrar, ele descarrega e a cada descarga ele fecha a porta do furgão. Oh, Nicholas! O que está fazendo? Ele carrega uma enorme caixa e fecha a porta, anda uns metros e retorna ao furgão para retirar mais uma caixa menor, deixando a porta aberta — já respiro aliviado. Olho fixamente e vejo alguém parado atrás do furgão, só? Depois o furgão, como é pequeno, balança... é sinal de que alguém subiu nele.

Nicholas retorna, tranca a porta e parte. De imediato o Sr. Anthony, da portaria, me liga pelo interfone para dizer que um entregador tem uma caixa com livros para entregar, para eu mandar alguém buscar, ele está agitado e com muita pressa. Mando deixar o pacote aí e dispensar ele. É claro, o contato, foi um ator e tanto. Este precisa ir à estação de trem para esperar por Goriani e entregar as coisas.

Vou tomar o café da manhã e ao cruzar com alguns religiosos, noto certa agitação. A fuga de Goriani já foi notada, quase três horas depois. Ótimo, ela já deve estar a 40 ou 60 km dali. São 8:46 h, vou ao hospital. Meu avental está sujo, pego ele e vou até a lavanderia e chegando lá noto que Goriani não mais está ali (graças a Deus), no lugar dela há uma senhora, já com idade.

Não falo nada, só solicito um avental limpo e me retiro. Por tanto, mais uma vitória. Agora só me resta dar mais tempo, uns trinta dias após sua fuga, desta forma eles não imaginarão qualquer relacionamento meu com o caso. E depois mais setenta dias, somando cinco meses, o prazo ou período combinado da minha pesquisa ali... na Vila...Vila do que?

Evito almoçar e jantar para não ter que brigar com o tal de Gho. Tenho que dar um tempo; assim, até quarta-feira fico só com lanches.

Quarta-feira

Da minha janela vejo cedo o Nicholas descarregar seu furgão. Ele, com o mesmo hábito. Quarta-feira de noite, derramo café no avental, portanto teria que ir à lavanderia na quinta de manhã cedo.

Quinta, 6:25 h. Pego o avental e levo à lavanderia para pegar o limpo. E lá está Nicholas, então eu digo:

— Pesado?

A metade da caixa está sobre o furgão, é o lado em que eu pagarei. Com uma mão seguro uma extremidade e com a outra, a qual a porta do furgão cobre, jogo para dentro o envelope com os US$ 2.000,00. Nicholas, baixinho diz:

— Deu tudo certo, 100 % Ok. Em duas quintas-feiras a gente joga novamente bocha.

Ele fecha a porta do furgão com os US$ 2.000,00 e vai embora.

Eu, pego meu avental limpo e retorno à minha sala. Hoje é minha folga mas não sairei, não estou a fim de brigar com a minha namorada.

Nicholas já não mais vem. Se aposentou e com certeza também ele contribuiu para salvar uma vida. No lugar dele há outro motorista, mais novo e ele enfrentará em pouco tempo outro perfil de instituição.

Assim transcorre o dia. Noto que há alguns noviços novos. Entre eles homens e mulheres, empolgados e alegres no que um dia sonham serem bons religiosos e útil para com alguém. Todos eles com uniforme cinza até embaixo do joelho e seus cabelos foram quase que raspados. Estão alegres e com vigor a espera daquilo que ali lhes será ensinado.

Será que nesta nova safra, os abutres vão disputar alguns deles? Alguns são bonitos e há duas noviças que são chamativas e sensuais, já as outras nem tanto. Com certeza, o método deve começar.

Na hora da janta vou até a sala do refeitório, terei que enfrentar o idiota e cruel do Gho.

Tomo meu lugar e assim que sento ele começa a fazer a mesma coisa na minha frente, o ignoro por completo. Começa por ofender todo mundo, principalmente os mais velhos. Estou quase por acabar a janta e dar o fora dali, quando de repente retorna a dar um murro na mesa, causando sobressalto em todos. Olha fixamente no meu rosto me chamando de sarnento, pulguento, piolhento, filho da puta, entre outros. O que faço com este parasita? A mesa é longa, formada por são várias que estão juntas por uma toalha por cima. Na minha frente é só ele que está sentado, o restante do pessoal está mais na frente. Portanto há um espaço entre eu e os demais velhos. Estou acabando meu chá quando ele me xinga de novo. Não me faço esperar e viro a mesa sobre ele, que acaba também caindo de costa no chão e junto vão pratos, vasilhas com sopa quente e etc. E vou por cima dele já socando seu nariz, boca e estômago. O ataque surpresa, este nunca falha, o inimigo nunca está esperando.

Ele fica confuso, sangra pela boca e nariz, mal consegue se levantar quando dou um soco novamente no nariz, um chute no saco e com as duas mãos bato nas clavículas e orelhas. E grito para ele:

— Seu filho da puta! Se você se meter de novo comigo, corto a sua garganta, corto também se ofender qualquer velho e é para parar de vasculhar o meu quarto e o meu carro. E diga para quem te manda que também tenho para ele. O velhinho que tinha sido ofendido por ele dias antes, sai do seu lugar e vai até ele e lhe dá um chute no saco, o mesmo faz o outro e outro...

Mal ele consegue se por em pé, todo assustado, sai correndo. É quando chegam alguns seguranças e a gente diz para eles que está tudo bem, foi só um acidente.

Saio dali, trato da minha mancha de sangue e tomo banho. De manhã é claro, será chamada a minha atenção. Mas a manhã nem chega e de imediato a porta do meu quarto se abre, sem ninguém bater. Ali estão o reverendo Charles e uns diretores, era o que imaginava. Alego que o que fiz foi apenas em defesa própria. No dia em que ali cheguei fui ameaçado, simplesmente respondi que estava acostumado a enfrentar batalhas e farei de novo se necessário. Eles se retiram do meu quarto e fico só.

De madrugada acordo sobressaltado. Fico quieto e em silêncio, me pareceu alguém pedindo socorro, uma voz de mulher? Como eu estou tenso e agitado, pode ser que seja impressão minha. Procuro dormir novamente mas o grito se repete. Ele veio não de longe, mas de algum buraco, no subsolo ou de algum desses corredores misteriosos.

Silêncio total. Não mais ouço o grito, talvez seja engano meu. De manhã não estou a fim de enfrentar a minha batalha de trabalho, mas é preciso. Que eu tenha passado noite ruim, nada tem que ver com a ética da minha profissão. No café da manhã o ambiente não é bom, os que seriam os Irmãos de cargo, ou reverendos, não são sociáveis comigo, acredito que a minha briga na noite anterior com o brutamonte do Gho tenha afetado o poderio deles, ou daquele que mandou revistar meu carro e quarto, como também me dar uma surra para mostrar poder e força. Só que o tiro saiu pela culatra. Isso não me preocupa, afinal eu nada devo, apenas optei por me defender de uma agressão física.

Noto a ausência de três noviços, eles estavam em serviços gerais, um noviço e duas noviças, principalmente daquela bonita. Então? se os gritos da madrugada, pedidos de socorro fossem deles? Será que eu não estou sendo precipitado? Observo as outras noviças. A alegria de dias anteriores, hoje não é a mesma. Também posso estar enganado e os noviços podem ter sido transferidos.

Meu trabalho está quase no fim, mais vinte ou vinte e cinco dias e estarei fora daqui. Após a minha saída, em cerca de trinta dias, as autoridades tomarão providências sobre as irregularidades da instituição.

Transcorrem os dias e observo cada canto da instituição, mas os noviços não aparecem. Também sumiu o brutamonte do Gho.

Quinta-feira

Minha folga. Tentarei dormir até mais tarde, mas esse mais tarde não passa das 8:00 h. Tento tomar o café da manhã, mas não tem mais. Após as 8:00 h não é mais servido o café — essa é nova, eles começam a me jogar para o escanteio. 9:00 h, entro no meu carro, o melhor é sair dali e tomar meu café na cidade.

Na portaria sou revistado e também o carro. Assim, procuro fazer várias coisas na cidade. Vou até o bar do Luigi, procuro por Nicholas mas o dono diz que este está super ocupado na reforma da sua casa. Algo me diz que teria que partir em breve ou logo.

Vou num posto de gasolina e peço para o frentista dar uma olhada no óleo, freios e pressão dos pneus. São as 16:30 h, hora que finda o expediente de Kahy, vou buscá-la no seu emprego. Mas, também vejo que não está muito a fim de papo e vamos a uma sorveteria. Mal consegue pronunciar uma palavra, nosso diálogo está difícil. Choverá em meia hora, onde ir?

Ela não está afim de cinema, salão de chá ou o hotel. Começa a discutir pelo assunto de dias anteriores, sem compreender o meu trabalho. Se exalta facilmente, mau sinal. De repente cai uma tempestade, a água da chuva corre pelas ruas que nem rios. Nós dois ficamos dentro do carro até diminuir.

São 18:00 h, tento levar Kahy até sua residência, mas esta sai do carro correndo e toma um táxi. Digo “Adeus Kahy”. Jovem bonita de 23 anos, beleza incrível, mas só isso. Tomo o caminho e retorno à Instituição, hoje chegarei mais cedo.

A chuva se intensifica e dirijo com dificuldade. Assim que entro, ao invés de estacionar o carro no lugar de sempre, entro em lugar errado, acho que estou conturbado pelos acontecimentos dos últimos dias. Tento retornar, mas não mais identifico o caminho certo. Numa vaga qualquer estaciono o carro e procuro ir direto para o meu alojamento. Novamente entro num dos corredores errados do pavilhão e assim que entro nele ouço os gritos, os gritos que noites anteriores tinha ouvido. Então eu não estava errado e nem era imaginação minha. A medida que ando mais, mais gritos ouço.

São de uma mulher...

Me detenho, presto atenção para ver de onde vem. Vem da minha esquerda, atrás de uma forte porta de aço e madeira. Ao ouvir o grito bato na porta sem obter respostas. Mecho na maçaneta e esta parece que está solta, a porta se mexe um pouco, o que indica que sua fechadura não é consistente, deve ser tão velha quanto a instituição. Dou um empurrão, não cede, mais um... está quase indo... mais um e a pesada porta se abre. Lá dentro é uma sala sem nada, só com tapetes e uns móveis. Ouço de novo os gritos e eles vêm lá de baixo. Então, embaixo dos tapetes há um porão...

Começo a tirar os tapetes um a um, até achar uma porta quadrada. Levanto esta e lá vejo, amarradas na parede, duas moças nuas e um jovem, também nu. Deve ser um dos noviços e elas as noviças que não vejo há dias.

Dois religiosos, com sarcasmo e selvajaria, fazem coisas nas duas mulheres e no rapaz. Desço as escadas e estes tentam me agredir. Descobertos, eles tentarão me eliminar para que os fatos não cheguem à justiça.

Eu tenho que lutar com eles, não será fácil, eles são fortes e estão dispostos a tudo.

Tenho que usar luta de judô, ser mais violento que eles para não perder vantagem. Dominados, amarro os dois e libero os jovens. O rapaz está com mais condições de andar rápido, mando ele se vestir e procurar ajuda.

Pouco depois que soltei uma das moças, estou por soltar a segunda, quando chegam o Reverendo Charles e um dos diretores e digo:

— Srs., vocês não sabiam que isto acontece aqui? Todos são inocentes? Seus crápulas!

Eles nada respondem. Libertamos as moças, todas marcadas, foram violentas.

Eu saio dali, vou para o meu alojamento, arrumo as minhas poucas coisas e as carrego no carro. Quando me volto para ver se não estou esquecendo nada, Charles e o diretor estão à minha procura. Eles tentam me convencer para eu não divulgar os fatos. Eu me viro e esmurro o Charles, que cai no chão. O diretor tenta ver se ele está bem, eu dou a partida no carro e digo “Adeus inferno”.

A chuva cai novamente...

 

Chuva que cai e me refresca
Chuva que cai e lava minha alma
Chuva que cai e lava meus pecados
Chuva que cai e lava minhas dores...

Viajo durante três dias. O carro MG é excelente para viagens longas, boa suspensão e econômico. Obtive várias ofertas boas de interessados, acima do esperado, mas por enquanto não vou vender. Estar neste carro me faz sentir, em parte, no meu antigo lar, embora ele seja pequeno, mas tudo bem.

Chego a Paris, é majestoso o Arco do Triunfo. Me hospedo num hotel simples.

Encarrego o gerente para cuidar do meu carro, lavagem e lubrificação. Em seguida vou descansar. No meu primeiro dia de descanso durmo apenas 5 horas, nada mal para quem padece de insônia. O resto do tempo me dedico a descansar e ler. Tomo alguns dias para conhecer museus, grandes galerias de artes e tomar chá no 3° andar da esplendorosa torre Eiffell, vendo lá embaixo o rio Sena e suas embarcações com passageiros.

A cada momento estou com uma baguette, adoro pão. O pão francês é um dos melhores que já vi. O verão europeu já está indo embora. Não gosto muito do frio, ainda mais se este é rigoroso. Nas feiras livres procuro as frutas: uva moscatel, pêssego e melão. Compro mais duas camisas de frio e duas calças jeans, autenticas Lee, elas são boas e duram mais de 4 anos, perdendo só a cor.

Por não ter onde guardar minhas coisas evito fazer compras, só o necessário, do que preciso e posso carregar.

No hall do hotel procuro me distrair lendo ou assistindo TV. Os noticiários anunciam uma possível invasão soviética à Tchecoslováquia. Isso tornaria difíceis as relações soviéticas com as demais nações européias.


 

O MG, MEU AUTOMÓVEL, A GRANDE PERDIDA

 

Mais uma vez, fui designado a monitorar e instruir uma turma de médicos recém formados. A minha tarefa consistia em aprimorar o comportamento ético dos médicos, formados para os pacientes e duraria aproximadamente sessenta a setenta dias.

A missão seria efetuada no norte da Itália em um Hospital-Escola. Como meu ordenado da ONG e ONU estava havia mais de quarenta dias atrasado, tudo isso me deixava desapontado e de mau humor. A instituição de saúde que me contratara se comprometia a pagar despesas de alimentação, hospedagem e combustível do meu carro, e em noventa e oito dias receberia o pagamento total de meus serviços; achei tudo isso interessante, pois poderia viajar mais a vontade e apreciar a beleza do norte da Itália.

Assim foi feito, coloquei minha bagagem no bagageiro do meu automóvel MG. Parti às 7:00 h sob uma forte chuva de primavera. Assim, atravessei o centro da França, até o norte, passando pelo túnel Bont-Blanc, chegando à Itália, várias vezes na estrada, algumas pessoas me pediram carona mas eu recusei, pois não estava a fim de conversa fiada, como também de pagar lanche para meu passageiro, meu capital de $$ era baixo, tinha que gastar somente o necessário. Os caronas geralmente são morcegos, sugam a gente, estes sempre estão duros quando sobem em nossos carros cerram cigarros, depois vêm “Ah! Como seria bom um chocolate quente ou um café, um chá”, assim até chegar ao lanche, almoço, janta, etc. Se for uma garota e esta está meio perdida nas trevas, carente, logo quer se encostar na gente e nunca mais desgruda.

Durante o caminho, aprecio a paisagem com o sol permanente de primavera, as beiras de estrada cheias de árvores frutíferas, como pessegueiros, ameixeiras e cerejeiras em flores, junto com as acácias de flores brancas; tudo era uma fragrância total. As vias (estradas e avenidas), quintais das residências ou jardins, só de cor-de-rosa, vermelho, branco e amarelo.

Entre Turin e Gênova, dei uma parada de quatro horas numa pequena cidade, fiz uma pausa numa taberna estilo medieval; era 12:35 h. Estacionei o carro num pátio, entre dois carvalhos, estes já com minúsculas folhas verde-claro. Desci do carro, andando até a taberna, na porta descansava um cão mastim; chego perto e digo: Oi cão. Este levantou levemente a cabeça girou seu nariz me farejando, fitou-me da cabeça aos pés, deitou novamente sua cabeça em suas patas, retornando ao descanso, como se dissesse “Mais um que entra na taberna”. Entrei na taberna, achei muito bonita e bem arrumada. Era atendida por um casal de meia-idade e duas moças, estas talvez com mais de 25 anos. Eram simples, sua vestimenta imitava uma moda medieval.

As moças não eram bonitas, mas simpáticas, comunicativas e atenciosas; eu era o único cliente. Ao me ver só, pensei que talvez a taberna não servisse refeições. Uma das moças me comunica que serve-se refeições, só que era cedo, o movimento começava após as 13:00 h, quando o comércio fechava, e que o prato do dia era gnocchi com perdiz, o meu prato predileto.

Fui ao toalete, fiz a higiene e observei bem o local, (bom sinal) muito bem limpo e com asseio. Quando precisamos fazer refeições em restaurantes de beira-de-estrada, antes de comer é necessário examinarmos bem os toaletes, se estiverem bem limpos é sinal de que a cozinha é boa e que nossa saúde não corre riscos. Quando a toalete é média ou suja, o melhor é dar o fora o mais rápido possível e procurar outro lugar com mais higiene.

Procurei um lugar para sentar e pedi gnocchi com perdiz, pão caseiro e um terço de um copo de vinho, também caseiro.

As duas moças me servem; a mãe delas logo ressalta: Dottore, a mais alta se chama Claretta; a outra é a Letezia, uma tem 29 anos e outra 27, as duas precisam casar e logo.

Ah é, minha senhora? Eu também preciso casar, mas um dia, quando achar que está na hora certa.

— Per en tanto grazie, son belas regazas. — comento.

Parti depois de quatro horas, andei pelas ruas olhando Vitrini, Turin, Milano e Gênova; praticamente são as cidades mundiais da moda, excelentes cortes das grandes grifes, ora seja tanto para a classe pobre, média ou alta. Havia blazers, calças, calçados. A maioria das lojas possui seu som, o típico destes anos escutando famosos cantores como Pepino Di Capri, Sérgio Endrigo, Domenico Modugno, entre outros. Em uma loja, outros parecem não gostar de música italiana e escutam Tom Jones, Matt Monroe, Mirian Mackewa e Pat Boone.

Meia noite; estou na estrada de Gênova, a noite é estrelada de céu limpo e uma bela lua cheia parece estar me iluminando. Dirigir sem parar me extenuou, preciso descansar, tomar um bom banho e dormir. O carro se comporta excelente, é macio e suave, não anda a mais de 150 ou 160 km/h, afinal, se corro na vida, o carro também não precisa e não permitindo andar a mais de 110 km/h. A gasolina já está na reserva, preciso parar em um posto e abastecê-lo, senão precisarei pedir carona.

Em um pequeno posto à beira da estrada, paro para abastecer e, ao descer do carro, o frentísta examina todos os lados do carro e comenta: Segnore, bela maquina... por ser antiga, molto bene conservata; os empresários desta cidade pagariam bem pelo seu carro.

— Ok, ok! Ele não está à venda. — respondo.

Depois de andar mais uns dez minutos pela auto-estrada, detenho-me para descansar no hotel D’Maggio de dois andares, com pernoite no valor de US$ 12,00. Faço um lanche, tomo um banho e me deito.

Acordo às 6:00 h. De algum lugar ouço cantar um galo... outro galo responde de outro local... os cantos dos galos são peculiares e polêmicos, ninguém sabe o seu significado. Um dia preciso parar e estudar sua existência. Os galos e seus cantos se identificam entre si, embora não se conheçam, e o que os separa é a distância, embora muitas vezes sejam vizinhos, separados por um muro de quatro metros de altura. O ritmo e a maneira de cantar são formas de comunicação e amizade, e se um dia um dos galos não cantar ou corresponder com os outros, é mau sinal (fritaram-no ou morreu), aí seu vizinho ou galos vizinhos entram em angústia ou depressão; são fatos que duram dias ou meses.

Abro a janela que dá para os fundos do hotel e lá está ele, um belo galo do tipo polonês (sem penas no pescoço) vermelho peitudo, em companhia de uma dúzia de galinhas, um casal de patos e pombos, que dividem seu alimento com as pombas romanas — as maiores do mundo. Elas foram trazidas pelos romanos quando invadiram a península itálica. Os romanos criavam galos para utilizá-los como despertadores, já que estes cantam de manhã cedo, no horário certo. A forma do hotel D’Maggio era um O quadrado, no meio com uma espécie de quintal forte, um limoeiro e uma palmeira da Síria. Ali imperava o galo e seu harém.

Faço barba, tomo banho e vou à sala de café da manhã. Vejo dois clientes americanos, um casal de idosos e em um dos cantos uma poltrona, em sua almofada um enorme gato branco, persa. Este se senta e me fita acompanhando meus movimentos. A garçonete serve-me bacon torrado, queijo, ovos, mel e suco de Graifruit, além de torradas e café com leite. Belo café da manhã! O gato continua me fitando. A garçonete estranha porque naquele horário ele dorme e não dá atenção a ninguém. Pergunto o nome dele.

— César, — diz ela.

Cumprimento César, que fixa seu olhar e responde com um miado e dorme. Acho que ele esperava um Oi.

Chego ao meu destino, o Hospital-Escola, que ficava a uns 40 minutos do centro de Gênova. A escola era uma área enorme cercada por um muro baixo, grades de ferro e com um jardim. O edifício de arquitetura renascentista era grande, porém com apenas degraus. Havia um jardim com variedade de rosas e macieiras em flores.

Ao estacionar, meu belo carro chama a atenção de várias pessoas. Um senhor de idade pergunta qual seria seu preço; respondo que não está a venda e ele insiste, me oferecendo US$ 30.000,00, alegando que este valor é bastante dinheiro para um jovem de minha idade.

Me apresentei às autoridades da Escola-hospital e no segundo dia da minha estada, comecei a dar aulas, palestras e instruções da minha missão que haviam encomendado.


 

QUARTO DIA — AMOR A PRIMEIRA VISTA

 

Eu tinha quarenta minutos de intervalo que geralmente é para fazer um lanche e repor as energias, mas estava atrasado, assim tinha apenas trinta minutos. Saí do auditório correndo, tirei meu avental branco, coloquei sobre o ombro e soltei a gravata. A lanchonete ficava em frente ao Hospital-Escola portanto tinha de atravessar, mais o jardim e a rua, e não daria para comer nada, mas ao menos tentaria tomar um Today e um croissant. Andando apressadamente esbarrei em uma garota derrubando seus pertences. A garota estava confusa e atordoada com o episódio; eu sumamente preocupado pela minha forma desastrada, e ela dizia que estava tudo bem, e não teria de me preocupar. Me apresentei e ela que se identificou como Nataly Sommer. Sem dúvida pelo seu nome e sotaque percebia-se que era alemã.

Eu tinha mais dez minutos, convidei-a a tomar um chá ou café, mas dela escutei um “Não obrigada”. É, sem dúvida a deixei chateada.

Corri, mas desta vez com atenção; cheguei a lanchonete, tomei um chocolate e um croissant e saí apressadamente. Quando entrei novamente na escola, logo na entrada que tinha um amplo hall, assim que transpus a grande sala vi que em minha frente também voltava apressadamente a Nataly. Ela andava rápido, chegando a um dos elevadores e aguardando-o; eu fiquei discretamente a uma certa distância para ela não pensar que eu a estava seguindo e pude observar que vestia elegantemente uma mini-saia, que mostrava suas lindas pernas bem torneadas e belas coxas; tinha um lindo corpo. Seu cabelo não era loiro, mas se parecia cor de mel, olhos claros para verdes e sua estatura era mediana. Havia uma pequena cicatriz e por coincidência parecida com a minha no malar. A porta do elevador se abriu, deixo que suba e fico à espera de outro.

Assim decorrem os dias. Meu maior problema era o carro, não tinha onde guardar, pois o valor dos estacionamentos não era acessível. Eram bem mais elevados do que se poderia imaginar.

Estacionar no Hospital-Escola se tornava cada vez mais difícil e eu pensava que a qualquer momento meu carro seria roubado. Era um carro antigo e bem conservado, raro na Europa, muito cobiçado e seu valor sumamente elevado.

Nataly não saía da minha mente; sentia atração, mas não tinha a mínima condição de me aproximar dela. Como? Às vezes nos cruzávamos pelos corredores; a cumprimentava, mas não era correspondido. Eu era totalmente indiferente para ela. Acho que aquele acidente fora apenas mais um acidente. Logo percebi que muitos gaviões, como os outros médicos, estavam atrás ou de olho nela e minhas tentativas seriam em vão, pois eu seria apenas mais um gavião, por isso ela não dava a mínima.

Um dia, no mesmo horário do acidente, subi no elevador e estávamos só ela, eu e o ascensorista. Eu em francês disse:

— Bom dia.

Ela não me respondeu mas fez um movimento com a cabeça, o que já era um bom sinal. Saiu apressadamente do elevador, sumamente elegante e sabia andar. Saiu em minha frente uns 20 metros e ao chegar à porta principal virou-se e olhou-me... eu não me apressei, deixei-a ir e quando cheguei à porta a vi atravessar a rua entrando na lanchonete onde iria lanchar. Tinha feito quase amizade com um dos porteiros, que se chamava Giovanni e perguntei se conhecia a moça que tinha acabado de sair. Ele respondeu:

— Dottore, o segnore também? Todo mundo quer saber quem é e onde está. Isso me desanimou e vi que a sua beleza e tipo de mulher chamavam a atenção de muitos homens. Giovanni me disse que ela era estudante, cuidava da mãe que estava internada há mais de trinta dias e que também já havia perguntado sobre mim...

— Sobre mim? — indaguei.

— É dottore, ela duas vezes perguntou-me do senhor, de onde era, qual era seu nome, há dias atrás. Saí correndo, deixei de sentir mais no seu encalço. Fiquei contente, pois já era alguma coisa.

Cheguei na lanchonete, mas não a procurei; consumi tranqüilo mais dois croissant e café com leite. Retornei ao estabelecimento mais devagar pensando em uma forma de falar com ela, se há dias perguntou sobre mim, porque não responde quando a cumprimento? Pensei que talvez seria uma questão de tempo, mas o tempo que ainda ficaria na cidade era curto e não poderia de forma alguma adiar ou estender as aulas e palestras.

Logo que entrei no hall, um médico vem ao meu encontro e diz:

— Meu amigo Albert! O que faz em Gênova?

Eu fiquei sem jeito após identificá-lo. Era Luiggi Di Giovanni. Tínhamos estagiado juntos e fizemos amizade. Não recordava que morava ou era de Gênova, então lhe expliquei a minha missão e este se prontificou em assistir minha palestra no fim do dia e depois me levaria à sua residência, que ficava próxima dali.

Assim foi feito, fomos à sua residência, a quatro quarteirões, um sobrado tipo Romeu e Julieta; na garagem tinha um pequeno carro Fiat, uma bicicleta e um cão pastor belga, filhote grande, que queria fazer festa e brincar comigo. Entramos. Ele morava com seus pais que tinham uma loja de magazine. Não me senti bem, disse que tinha compromisso e que não poderia demorar muito. Tomei água, comi um pedaço de bolo e caí fora.

Às vezes sei que sou meio polêmico; estimo, lembro e sinto saudades das pessoas; marco reuniões, mas outras vezes não quero me aproximar ou ser sociável; parece que não tenho tempo de ser sociável, principalmente com as mudanças atmosféricas que me deixam de mau humor, causadas pelas fraturas e cicatrizes.

E com Luiggi, as lembranças não eram tão boas, embora naquela época o fato ocorrido não era tão sério, mas tinha aprontado bastante.

Com 18 anos morávamos em uma república. Luiggi pegou sem permissão meu arco-e-flecha e o florete de esgrima, para exibir-se perante os amigos, e quebrou-os sem pagar a restauração. Imediatamente saí da república para não vê-lo mais. Em uma oportunidade comentei aquele fato com ele. Fui ao festival de música no sul da Espanha, de moto com a minha namorada. Lá no acampamento estavam Luiggi e sua garota e mais uma vez, sem permissão, pegou a minha moto, danificando um dos pneus. Para achar um novo pneu não foi fácil. Ele não se prontificou a reparar os danos e nem pediu desculpas. Seu comportamento me deixou ressentido e não esqueci...

Sou incapaz de aprontar e não reparar erros. Não sou perfeito. No dia seguinte, na hora do almoço, Giovanni me chama e diz:

— A bela Nataly perguntou por você. Mostrou-me um livro que tinha seu nome e recorte de jornal com sua foto com o Papa. Perguntou se era o senhor mesmo, então confirmei.

Mas eu não tinha visto Nataly.

O diretor do Hospital-Escola me solicitou um plantão médico de 24 horas com vários intervalos, descansos, repousos e alimentação. A turma estava fora de estrutura, rebelde, e seu líder, um tal de Giullian, muito imponente, não correspondia ao desejado e às obrigações.

Acabei aceitando o plantão que começava às 20:00 h do sábado. Fui apresentado ao grupo naquele dia ou naquele plantão; assumia como chefe de Pronto Socorro e também dava instruções e ordem profissional.

Até às 21:30 h acompanhei o atendimento dos pacientes. Muita coisa foi implantada, como técnicas e táticas de trabalho. Às 21:30 h termino a tarefa e saio para refrescar minha mente. Na sala de espera deparo com vários pacientes, os mesmos que estavam aguardando desde as 19:00 h e que foram transferidos para o plantão das 20:00 h. Sendo mais de dez pessoas, eram para serem atendidas ou dispensadas. Chamo a enfermeira chefe para informar a respeito do descaso. Ela me respondeu que é a turma do Dr. Giullian e que estariam jantando. De imediato telefono para a sala de jantar e solicito o Dr. Giullian:

— Por favor Dr. Giullian, o senhor precisa atender primeiramente todos os pacientes, pois são prioridades. Em seu horário de jantar deixe sempre dois médicos. Pronto Socorro nunca se abandona.

Assim o Dr. Giullian atende ao meu acato sem responder e disciplinadamente atende todos os pacientes.

Quando o paciente apela é porque tem realmente a necessidade de ser atendido, pois somos o último recurso e portanto precisamos dar o máximo de atenção, dedicação e carinho, e assim conseqüentemente se sentirão mais seguros e confiantes.

Um paciente internado não se sente bem, pensa que tudo está ruim. Um médico fechado, antipático ou anti-social derruba um paciente.

Quando vamos ao seu quarto para visitar seu leito, o médico antes de entrar, precisa bater na porta, pedir licença, cumprimentá-lo e conversar; ao contrário os pacientes se sentirão acuados, desprezados e entrarão em depressão. Dormi quatro horas.

O plantão foi normal. O pessoal da equipe de enfermagem e da equipe médica aprendeu muita coisa e prestou muita atenção. Muita coisa não sabiam, o que parecia grave era insignificante.

Ao amanhecer acordo com rojões. Assim transcorro a manhã de domingo. Após ter tomado o café da manhã, olho meu carro, que estava coberto pelo orvalho noturno, parecendo um cão velho submetido àquele lugar; o correto seria estar em uma garagem. Tiro meu avental e o coloco na poltrona do carro. Com um pano seco a sua lataria e vidros. Após a secagem sua cromação se ressalta e dá uma aparência melhor.

Fumo poucas vezes, duas ou três por semana. Tiro do porta-luvas um maço de Cammel, que estavam velhos e secos e acendo um cigarro... coisa difícil é fumar de manhã.

Penso... uma meditação. De repente sinto saudades de não sei o que... talvez de meus pais — faz treze anos que faleceram, mas não os esqueci... sinto saudades dos diálogos. Meu pai, em minhas falhas, nunca gritou ou me deu bronca; suas observações sempre foram diplomáticas, uma verdadeira lição de vida. Também sinto falta de meu lar, que mais tive, precisaria de alguém para tomar conta, mas será que vale a pena? Moro mais no mundo que numa cidade, aldeia ou país. Resido trabalhando e andando em missões pelo grande mundo. A explosão de um rojão interrompe meus pensamentos; apago o cigarro, fecho o carro e retorno para o meu serviço.

Ao transpor o hall encontro o porteiro Giovanni e pergunto a ele o significado dos rojões, ele responde dizendo ser uma festa medieval folclórica, Pallio Delia Balestra, que se realiza todo mês de maggio (maio), tudo a rigor como na época, com torneios de bestas; seus alvos são pendurados a uma altura de 30 metros numa torre. O alvo consiste numa fatia de madeira e no meio desta, mais uma madeira de forma cilíndrica de uns 40 cm de comprimento por uns 10 cm de largura. O besteiro, com uma potente besta de 300-400 libras, arremessa sua flecha a uma distância de 60 metros. Ganha o evento quem acertar o cilindro do meio do alvo.

Pena que estou trabalhando e não posso assistir pois a arqueria em geral sempre me fascinou, como também a esgrima e a sertaria falconeira; adoro ver, assistir os falcões ou gaviões adestrados.

A manhã transcorre e o excesso de serviço não me permitiu que fosse fazer lanche. São 13:00 h de domingo. Há um recesso e é a minha vez de almoçar; não sei se vou ao refeitório da escola ou almoço na lanchonete; talvez tenha algo diferente que não seja massa. Na Itália só vemos massa de todo tipo e forma; isto se torna enjoativo.

Vou até ao jardim caminhar um pouco e resolver onde irei fazer minha refeição. De repente escuto um FUUU... olho lá no céu, é um rojão que depois de certa altura explode, espalhando como se fosse um leque de várias cores. De repente, um lindo cão collie esbarra em minha perna. Carrega consigo uma placa de identificação escrito Rex. Faz festa, ficando de pé e me enchendo de lambidas. Como pode gostar se nunca me viu? Até que enfim arrumei um amigo.

A cada explosão o cão se aproximava e eu havia entendido que tinha medo dos rojões. Faço carinho e tento protegê-lo, mas, e seu dono?

Procuro o porteiro para saber se conhece aquele cão e ele diz parecer familiar; já fora visto com sua dona.

14:00 h. Estou com fome, preciso almoçar, mas e o cão? O que faço? Onde estará seu dono? O cão está perdido e não posso ficar com ele ou procurar seu lar. Vou para a lanchonete e o cão atrás... oculto o animal sob a mesa e falo para ficar quieto, ao contrário estaríamos perdidos.

— Dottore um canil? Não pode!

Falo para o garçom ficar quieto, que logo sairia de lá levando o cão e explico o problema. O cão está sob a mesa entre as minhas pernas, é uma preocupação e tanto.

Que vou fazer com ele?

Examino o cardápio para sair das enjoatívas massas; escolherei um hamburger de rena (importado da Finlândia) com fritas.

Quando estou terminando minha refeição ouço:

— Que lindo cão! É seu?

Me viro e vejo Nataly. Fiquei sem jeito, não saía a voz; gaguejei e disse que não era meu e sim um cão extraviado. Ela diz que adora cachorros, gatos e logo pergunta:

— Posso sentar à sua mesa?

Respondo que sim. Levanto e arrumo a cadeira para Nataly se sentar. Meu almoço quase foi para as picas, embora quase tinha terminado.

Convido-a e ela diz que já havia almoçado, que pediria panquecas. Ótimo, adoro panquecas.

O garçom retira os pratos e solicitamos as panquecas. Aparece a dona do cão.

Indicada pelo garçom, ela se aproxima, me cumprimenta e agradece pelos cuidados que tive com seu animal. É uma bela mulher de uns 40 anos, veste calça justa que destaca suas belas coxas e um belo traseiro.

Fico com Nataly; ela me olha sem falar. É a primeira vez que consigo tê-la em minha frente. Ela é realmente bonita, uma pele brilhante, belos olhos médios. Examino seus dedos longos, sua boca, lindos lábios, nariz arrebitado... deve ter uma pele suave e seu corpo inteiro também deve ser assim, é claro.

Ela sorri e pergunta em que estou pensando.

— ...mulheres, temos que observá-las, apreciá-las, admirá-las e com tempo, alisá-las e apalpá-las...

De repente ela me diz:

— Se você me presentear com um cão, sou capaz de te namorar... achei você bem interessante...

Conversamos e fiquei sabendo que morava na Itália desde os 10 anos e que tinha 23 e uma grife. Estudava o último ando de arquitetura; era de Colônia, tinha perdido sua família na Segunda Guerra Mundial e só tinha a mãe; o pai faleceu há pouco tempo e adorava animais.

Depois começa a me bombardear com perguntas, já que tinha lido a meu respeito. Tento responder que tento ou procuro viver ou sobreviver de meu trabalho e que também fui vítima da Segunda Guerra.

— Nataly. Te acho fascinante; se for possível, mais tarde a gente poderia se ver; agora tenho que tirar o meu carro do sol. Pago a conta e saímos. Ela me acompanha até o carro e faz comentários sobre o meu automóvel achando lindo e 100 % conservado.

Explico o problema de não ter onde guardá-lo e ela sugere deixá-lo na garagem de sua residência, pois há espaço para vários carros.

Combinamos um encontro no intervalo das 17:30 h e vai indo para o lado de sua mãe. Observo o seu andar feminino e rítmico, e o seu belo corpo que parece feito sob medidas, modelada por mãos de artista... olho até perdê-la de vista.

O que fazer? Como conseguir um cão? Terei dinheiro em cem dias, tenho contas atrasadas. Não sei se tenho acesso aos bancos, mas não desistirei.

17:30 h. Lá está ela pontualmente. Desta vez maquiou-se, passou batom.

Andamos pelo jardim e a atração era mútua, mas o positivo dela era o cão, que poderia comprar, mas o certo é que eu presenteasse, pois teria um valor sentimental e emotivo. Expliquei que não poderia comprar um cão naquele momento explicando sinceramente meus problemas. Então ela diz que poderia fazer chantagem comigo por causa do cão.

A hora do intervalo passou rápido e eu não poderia chegar atrasado ao Pronto Socorro, o exemplo era fundamental.

Nataly insiste em guardar meu carro em sua residência, perto do Hospital-escola, combinando o intervalo das 20:00 h para guardá-lo. O intervalo era às 19:30 h; tinha de fazer um relatório rápido para as 20:00 h e entregar o plantão.

Por enquanto o plantão tinha corrido bem e os rebeldes estavam quase na linha. 19:45 h reuni toda a equipe, agradeci e parabenizei-os. Entreguei o plantão e fui me trocar.

Fora da porta principal Nataly já estava me aguardando. Entramos no carro, fiz um aquecimento de uns cinco minutos e saímos. Chegamos na rua e solicitei que me guiasse até a sua casa.

O entardecer no norte da Itália é bem mais tarde, parecia que lá longe o sol, a bola de fogo tinha caído, causando um vermelho vivo. Os pássaros estavam se recolhendo e era aquela cantoria nas árvores frutíferas.

Eu dirigindo, meio aturdido ou confuso e ao meu lado uma mulher que todos esses dias tinha me desejado em tê-la, está encostada em meu ombro como se sentindo falta de calor humano. Senti o perfume de seus cabelos e beijei-os... ela segura meu braço e diz que está cansada, não tem dormido bem pois cuidara de sua mãe.

Eu também preciso descansar várias horas e ficar longe das obrigações por um dia ou por um longo tempo. Os meus descansos são de apenas dois a três dias durante anos e anos.

Ela manda diminuir a velocidade e entrar a direita no primeiro portão. Circulo pelas ruelas em zigue-zague; é uma enorme residência, com pinheiros, carvalhos e cerca viva em seu jardim. Sua residência é do tipo escandinava, um chalé grande. Fico fascinado.

Se abre uma porta dando espaço a uma enorme garagem. Lá dentro se encontram uma bicicleta, um carro Fiat, uma lambreta e ferramentas. A porta da garagem fecha-se e abre-se outra, dando às dependências da casa, uma passagem estreita e com pouca iluminação. Assim chegamos a um amplo living com vários móveis finos e não poderia faltar um Grunding stereo. Escuta-se barulho de gente, mas eles não têm acesso onde estamos. Pergunto quem são e ela me responde que são os empregados que ingressam nas dependências quando solicitados.

Me convida a um drink, que recuso. Bebo esporadicamente só vinho, durante as refeições ou meia dose de whisky nos finais de semana.

Sento em um sofá macio e daria qualquer coisa para descansar, dormir. Tiro a jaqueta e deito-me sobre o sofá. Nataly deita-se com a sua cabeça apoiada em minha coxa; aliso seus cabelos e rosto, passo os dedos em seus lábios... ela segura meu dedo e morde quase com violência. Tira seu calçado de salto e fica erguendo suas pernas para o alto, como estivesse se exercitando. A mini-saia sobe, mostrando sua coxa naturalmente branca.

Massageio seu ventre até que ela segura minha mão e a fixa embaixo, como querendo que eu alisasse além... é o que eu faço, mas a saia justa não permite maior contato. Ela se ergue apoiando entre as minhas pernas e beija-me longamente. Ao mesmo tempo seu cotovelo esfrega minha parte genital; desabotoa minha camisa enfiando suas mãos em meu corpo, beijando tudo, mordendo; percebo que gosta de morder até machucar, até sentir dor com seus dentes.

Aliso suas coxas indo até o seu sexo, que está encharcado. Sua calcinha está ensopada; a sala começa a cheirar a sexo ou fluxo vaginal. Minha mão vai para seus seios médios e duros. Seus bicos estavam eretos e sugo o seu corpo inteiro. Ela tira a roupa e fica nua. Uma verdadeira escultura, dificilmente uma garota dessa idade é tão bem conservada, digamos, intacta.

Possuo ali mesmo no sofá, ambos fazendo tudo que tem de direito. Ela geme bem alto, até gritar. Seus longos cabelos caem para frente, ocultando seu rosto, depois sobe me possuindo sentada, sendo penetrada; seus seios duros e eretos pareciam maiores, se inclina esfregando-os em meu rosto e peito. Sai de mim e com seios prende minha parte genital fazendo um vai-e-vem... o orgasmo é fascinante e grandioso, como poucas vezes em minha vida.

Nataly vai ao toalete de onde trás uma toalha úmida e me faz higiene. Pega um lençol e deita-se em meu corpo, cobrindo-nos. Aliso seus cabelos e dormimos.

Acordo as 5:00 h, meu corpo está dolorido pela má postura onde estava deitado (no sofá). Levanto-me e a observo dormindo... seu corpo está semi-coberto; parece uma Vênus, suas curvas e seu corpo são perfeitos, cada canto é um êxtase, seus pêlos pubianos são curtos e sedosos, seu sexo é pequeno, seus seios que não mais eretos, continuam erguidos.

Vou ao banheiro, tomo uma ducha e depois, na geladeira, procuro suco ou água. Acho iogurte e tomo. Procuro mais cobertores, cubro Nataly e com outro me cubro e vou dormir.

Acordamos juntos. Às 8:00 h teria que estar no Hospital-escola e já é tarde. Como tive plantão posso chegar mais tarde.

Do sofá, onde estava deitada de bruços, Nataly olha para mim e diz:

— Você é bom amante. Levante-se e solicite à copeira o café da manhã para nós e vá para o banho.

Terça-feira, por causa do plantão terei folga e estou a fim de ir ao centro de Gênova. A dúvida é se vou de carro ou trem? A caminho da Hospital-escola passo pela central telefônica e faço um chamado internacional para a central de chefia; estes me comunicam que meus pagamentos atrasados já saíram e estão disponíveis, e como prêmio, a Triumph Inglesa acaba de me dar um carro O km, o famoso Triumph Spadyr, de cor verde musgo conversível. Pulo de alegria, mas preocupo-me pensando onde guardar mais um carro. Manter dois carros e uma moto não seria um problema e sim onde guardá-los quando tiver meses viajando. Precisaria alguém para cuidar de minhas coisas e zelar dos meus veículos.

Dou palestra até as 11:30 h, depois saio para almoçar com Nataly e não comento nada sobre o carro porque não estava em minhas mãos.

Convido-a para irmos a Gênova já que terei terça-feira liberada. Ela alega que seria melhor ficar em sua casa descansar e relaxar. Ela teria folga e outra pessoa olharia sua mãe. Chegaria em sua casa por volta das 9:30 h e almoçaríamos em um restaurante; ela se opõe, já que diz ter uma boa cozinheira e cozinharia um bom almoço e jantar. Ela manifesta que planeja passar cinco dias ou uma semana juntos se eu tiver este tempo de folga na central de trabalho de New York ou de Paris, coisa que era difícil pois, quando terminar minha missão logo de imediato existe outra para executar.

— Seria ótimo — disse a ela. — Tenho mais vinte dias de trabalho e retornando a Paris não sei o que me espera; talvez terei que ir a New York para receber novas instruções.

Estar na Europa e depois ir à América não me agrada, já que a viagem é longa e cansativa. Já o contrário, quando estou na América, os percursos geralmente são curtos.

Terça-feira, 9:00 h, pontualmente, estou na casa de Nataly. O velho mordomo abre o portão e entro na mansão. De dia dá para apreciar melhor o verde e o perfume das flores de seu jardim. Há jasmins, rosas, lírios e flores azuis de trepadeiras. No centro do jardim há uma plataforma de mármore de uns oitenta ou noventa centímetros de altura e no meio, uma pequena fonte de um menino urinando. Na plataforma foi colocado alimento para as aves, que está cheio de ruisenhores, rolinhas e outras que parecem chapinas e alguns pardais. Perto, há um gato preto de pêlos curtos, que está concentrado nas aves, parecendo não ter coragem de pular sobre elas.

O velho mordomo se aproxima e diz:

— Dottore, o senhor gosta de animais? Respondo que sim.

— Nardy, senhor, para servi-lo.

Ele estende sua mão, dizendo seu nome completo, Simon Nardy, que trabalhava há muitos anos para a família.

Dentro da residência ouço piano, alguém toca Beethoven. O senhor Nardy examina meu carro, me elogia comentando a beleza que é e a quantia elevada que um colecionador daria por ele. Precisava também de um trato, uma boa lavagem e polida e se ofereceu para fazer este serviço. Aceitei.

— Quanto o senhor me cobra?

— Nada, senhor. O próximo domingo será minha folga e convido o senhor para um jogo de bocha e um Gancia.

Pago a ele dez dólares e ele sai contente.

Me dirijo à sala onde Nataly está e ainda ouço os toques do piano. Uma empregada me acompanha até a sala e quando está para me anunciar vejo que é Nataly quem está tocando. Peço para a empregada que não a interrompa até acabar a música. Ela se retira e fico atrás de suas costas escutando, até acabar. Aí digo:

— Parabéns! Você toca muito bem o 4° movimento alegro moderato.

— Olha que moço instruído e culto! Entende de piano?

— Sim. Este é um Fritz, construído em 1897 de cauda de madeira da Floresta Negra.

Ela fica surpresa me elogiando e dizendo que sabia de tudo.

— Toca?

— Toquei algumas vezes, não faço mais, pois muitas fraturas nos dedos não me permitem; isto também quase não me permite fazer cirurgias ou neurocirurgias.

Ela gira o assento do piano, se levanta, me abraça e me beija. Está vestida com um jeans Lee, mocassins marrons e camisa cor celeste. Percebo que todas as roupas caem bem a ela.

A calça jeans é legítima, possui um belo corte e um azul predominante, justa e apertada que faziam suas curvas ressaltassem.

Nataly me leva à copa e me convida para um chá. Depois vamos aos seus aposentos. Antes do dormitório há uma sala própria para ela, ampla, de uns 4 ou 5 m, com som, sofá, uma escrivaninha, uma biblioteca, jarro com flores, tapetes árabes, grandes almofadas e uma parede cheia de recortes de revistas e jornais. Percebo que a maioria deles são sobre minha pessoa em torneios de tiro de arco e flecha, besta e competições de esgrima. Fico surpreso e pergunto:

— Como conseguiu?

— Fácil. Recorri à FITA (Federação Internacional de Tiro com Arco) e os recortes porque leio muitos jornais e revistas internacionais. Naquele dia do acidente vi seu sobrenome no seu crachá e fiquei aturdida, confusa; dias depois perguntei ao porteiro se era a mesma pessoa dos jornais e ele confirmou. Sou sua fã desde os 14 anos de idade. Imagino que tem muitas fãs pelo mundo e sou mais uma delas, não é?

— Não sou aventureiro, mulherengo e nem putanheiro. Gosto de uma boa mulher, inteligente, culta e educada, como o meu perfil. Mulher boa e gostosa achamos toda hora, inteligente e culta não.

— Por que sai tanto em reportagens? És jovem demais para ter nome e respeito mundial, não acha?

— É Nataly, sou jovem demais, sei disso, minha forma de luta e de sobreviver, minha forma guerreira faz com que eu consiga muitas coisas para meus trabalhos e pelos mais fracos e seus direitos humanos. Minhas lutas se intensificaram depois que estive na guerra de Biafra. Vi morrer 4.000 pessoas por dia. Nunca esquecerei tudo aquilo... e por causa de minha luta, de escrever e trabalhar, faz com que eu arrume simpatizantes, admiradores e fãs. Sou respeitado e odiado ao mesmo tempo por algumas autoridades, pois sou inconveniente para eles, não conseguem ganhar dinheiro com suborno e corrupções.

O estranho de Nataly e de outras mulheres, é que ela era muito prática e de circunstância, não sonhava muito alto e não vivia em emanações ou fantasias. Desde que eu a conhecera, não indagava sobre namoro sério, futuro e tudo que uma mulher quer: constituir família. Ela não tocava no assunto ou assuntos a respeito.

Nataly era bastante madura, culta, educada, por mais discreta e observadora. Até quando isso? Ela seria um amor passageiro, distante? Será que ficaremos dependentes?

De todas as mulheres que tinha conhecido, para minha pouca idade foram várias, excelentes mulheres. Tive caso com mulheres mais velhas, inclusive com uma que poderia ser minha mãe. Aos 21 anos tive uma oportunidade com uma empresária famosa de 43 anos; fez de tudo para que tivéssemos um caso, mesmo que fosse por poucos dias. Assim fizemos amor umas quatro vezes e quando seria a quinta, ela não compareceu. Desisti de esperá-la e voltei para o meu plantão hospitalar; a chefia me mandou documentar um óbito de uma senhora que acabara de morrer dentro de um táxi. Fui ao necrotério, tirei o lençol que cobria a falecida e quase tive um troço. A morta era a tal dona que me encontraria, mas faleceu a caminho de infarto do miocárdio.

Nataly interrompe meu pensamento e lembranças, quer me mostrar o jardim. No fundo do chalé montou um campo de críquete (um jogo japonês, destaque na Europa). Ao redor estava cheio de cravos brancos e vermelhos, vários girassóis, alguns pinheiros tipo ciprestes com galhos que caem ou nascem de tronco inclinado para baixo.

Quando era pequeno, confeccionava arcos destes galhos caídos, uma madeira típica para aquele tipo de instrumento.

Chego até o carro e Simon já o havia lavado, passou aspirador e está no fim do polimento; com esse trato parece mais novo.

Chegamos à plataforma fonte, onde as aves se alimentavam. Só há dois pardais e o gato ainda ali, se preparando para dar mais um bote, mas não se decide. Nataly diz que ele faz isso todos os dias mas nunca pula ou decide caçar as aves. Digo para o gato deixar as aves em paz e o mesmo me fita e vai embora... me fita novamente como se dissesse “Esse cara cortou meu barato”.

Voltamos para escutar um som, a música é de Paul Anka, Neil Sedaka e Joan Baez.

Nataly comenta sobre Joan Baez dizendo ser uma lutadora.

— É uma ativista que possui garra mas não tem simpatizantes ou seguidores, o público só assiste, sem apoio; depois que termina seus discursos, o pessoal dá meia volta e vai embora.

O almoço fica pronto, depois de muito tempo. Volto a me sentar em uma mesa de casa de família. É totalmente diferente dos refeitórios de hotéis e restaurantes. Na mesa fomos atendidos pela mesma cozinheira, que serve cordeiro ao forno com batatas, fatias de maçã, pão preto, vinho e uma sobremesa de pêssego com creme e café. É um típico almoço alemão. Após o café Nataly pega um maço de cigarros e convida-me. Eu recuso e agradeço. Ela diz que viu um maço no porta-luva de meu carro e por isso estava me oferecendo. Digo que fumo esporadicamente, pego o isqueiro e acendo seu cigarro. Depois nos dirigimos ao living, sentamos na poltrona, frente a frente, escutando um som.

— Nataly, falei sobre a minha vida agora gostaria de saber sobre você, mas você não falou sobre ti.

— Albert, sou apenas uma jovem mulher que estuda, não tenho vícios, apenas fumo após as refeições, pratico esportes e tento me manter a forma; sou de família normal, não há ninguém que seja gordo ou obeso, portanto manterei minha forma e espero, é claro, mantê-la assim durante a vida toda. Não trabalho afinco; tenho uma pequena grife que nestes dias que minha mãe está doente quem toma conta da grife é uma prima. Meu pai morreu faz pouco tempo e deixou uma empresa metalúrgica com bons lucros, dirigida pelo meu único irmão. Adoro ler, assistir bons filmes e ir ao teatro. Namorei um rapaz que não parava em nenhum emprego, quase não estudava, não tinha iniciativa, era um homem sem futuro e então preferi ficar só. É muito difícil de arranjar um homem de seu perfil e creio que não dará em nada também. Gosto de ti, acho-o fascinante e talvez até te amo; o problema é você não morar aqui e em nenhuma parte do mundo, ninguém sabe até quando será assim. Você é um bom homem, bom amante e companheiro, mas não tenho ilusões contigo. Tento aproveitar esses poucos dias ao máximo e se for possível, gostaria de reencontrá-lo se estiver ao meu alcance.

— Preciso de sua agenda — digo.

— Por que?

— Por favor, dê-me sua agenda para que eu deixe anotado a minha caixa postal de New York e da Europa, nome de banco e do gerente... destas três agências, eles são meus conhecidos e poderão fornecer o meu endereço atual enquanto as caixas postais são seguras. Estando eu na Europa, entrarei em contato. Sinto muito, mas esse é o meu tipo de vida; sobrevivo assim. Posso parar se um dia a organização arranjar um lugar fixo. É difícil constituir uma família, nem imagino como seja, pois até os 7 ou 9 anos de idade, minha infância transcorreu em colégios internos.

De repente os olhos de Nataly ficam úmidos e deles deslizam duas lágrimas. Dou a ela o lenço de mão. Vou próximo a uma janela ampla e vejo o meu carro lindo, polido, aguardando alguém para movimentá-lo.

De repente sinto Nataly abraçando minhas costas e apoiando sua cabeça e digo:

— Sinto muito. Não escolhi este tipo de vida, foi uma imposição, talvez quando tiver capital de giro suficiente possivelmente me estabelecerei em algum lugar. É muito difícil sobreviver, também tenho sentimentos, sou humano, sensível e para viver é mais necessário que lute; sou só neste mundo e tudo depende de mim, entende? Amo mulher e já deixei escapar várias. Se uma se casar comigo, não agüentará ficar só durante meses, aflita sem notícias e sem saber se estou vivo ou morto, e agora, por favor Nataly, não vamos estragar o nosso belo dia.

Ando em direção ao sofá e Nataly deita, usando a minha coxa como travesseiro. Aliso o seu rosto, seus cabelos e ficamos em silêncio.

À tarde, após o chá, saímos de carro para conhecer a cidade. Nataly toma o volante e mostra que é uma ótima motorista. Estaciona o carro em frente a uma galeria de artes e magazines. Consumimos capuchinhos e de repente ela pára de consumir e fixamente expressa com firmeza:

— Albert, não quero ser mais uma em sua vida, este momento é muitíssimo especial. Respeito os seus sentimentos e as emoções.

Entramos em uma loja de bichos de pelúcia e compro um cãozinho para ela, que diz que quer um de verdade. Digo novamente sobre a minha situação financeira. Ela me presenteia com um urso, dando-lhe o nome de Sammy e chamo o seu cão de Felippo.

Ao entardecer retornamos ao carro que está rodeado de gente admirando-o. tinha até um senhor interessado na bela máquina, oferecendo uma quantia de US$ 40.000,00. No caminho de volta, peço a Nataly que me deixe na pensão onde estou hospedado, pois ela teria de voltar com o carro para guardar na garagem de sua casa.

Ela me convida para dormir em sua casa e digo que sou uma má companhia para dormir pois falo e me mexo muito e... também sou guloso. Ela aceitou na boa e gostaria de experimentar essa gulodice, embora não seja tão acostumada com sexo. Era noite e tomamos banho. Foi servida à mesa uma sopa de ervilhas, espinafre, frango ao molho tártaro, pudim de pão e café. Após o jantar fomos ao jardim escutar os grilos e os sapos.

O gato se aproxima; convido-o a subir em meu colo e ele não hesita; de um só pulo sobe e me cheira. Seus olhos são verdes, seus pêlos pretos, lisos e bem tratados; logo se incomoda e vai dormir.

Após uma boa higiene bucal vamos para o dormitório dela. Sua cama era enorme, quase de casal; colchão macio e lençóis suaves. A iluminação da lua cheia penetra pela janela do quarto. Estou apenas de calça apreciando as fotos afixadas na parede e fico surpreso pois eram minhas de minha adolescência, praticando esgrima e arqueria além de uma outra na Suíça, esquiando.

Ela sai do banheiro com um transparente baby doll que contra a luz destacava suas belas curvas. Fecha a porta do quarto e me abraça; suga a minha língua e eu tiro suavemente o seu bay doll que cai ficando ela apenas com a sua calcinha minúscula cor de vinho. Seus seios logo ficam eretos; aliso seu corpo, sua bunda sem rugas e esteias; aperto-a, esfrego os dedos na fenda em seu traseiro e ela geme, empurrando me joga na cama, arrancando minha calça e sua calcinha. Fazemos amor duas vezes e dormimos.

De manhã cedo, ao tirar o carro da garagem, ele não pegava. O tempo todo que o tinha ele nunca me deixou na mão. Verifico o medidor de gasolina, a bateria e não encontro anormalidades. Depois da insistência o motor volta a funcionar e rumamos em direção ao hospital. Não faço o meu horário de lanche e examino o carro. Descubro que precisa de uma boa limpeza. Não sou mecânico mas consigo fazer meu carro pegar novamente. Quando estou para fechar a porta do carro o encarregado da correspondência se dirige a mim entregando um telegrama, que abro imediatamente. Lá estava escrito: “Fim da tarefa, após esta data, retornar a Genebra (Cruz Vermelha) com possível treinamento para a Ásia. Stop — Diretoria”.

Sou interrompido por Nataly perguntando sobre o telegrama. Digo que é uma comunicação imediata.

Após esse serviço pensei que teria folga, mas não terei. Acredito que a próxima viagem será para Saigon. Nataly toma o telegrama e lê; fecho a porta do carro e a gente vai sentido à lanchonete. Em todo o tempo não pronuncio nenhuma palavra. Nataly comenta:

— Você é mesmo do mundo e não de uma terra só... toda mulher te ama, mas nenhuma te tem perto para amar...

No final da tarde termino meu serviço e assino os certificados para todos que realizaram meu curso. Vou para o meu carro, dou a ignição, mas não pega; tento novamente e pega.

Alguns minutos após a partida o carro morre; empurro para encostá-lo na rua e de repente um enorme cão sujo tipo pastor corre em minha direção e pula no carro fazendo festa. Uma dona de certa idade varre a calçada e fica admirada com o gesto do cão dizendo que estava dois dias por lá, parecendo abandonado. Aproveitei e solicitei para que me indicasse um mecânico mais próximo. Depois de informado dei a partida e o cão late várias vezes, me olhando. Ele está sentado no banco traseiro; abro a porta e mando-o sair e esse faz resistência para ficar. E agora? O que devo fazer? Não sei a quem pertence e não posso levá-lo comigo.

Tento mais uma vez e o motor funciona. Dá para levar até a oficina e parto com o cão, que vai alegremente lambendo meu rosto, como se estivesse agradecido.

O mecânico atende sem tirar os olhos de meu carro e diz:

— Beleza!

Explico o problema e abro o capo para ser examinado. O mecânico examina o carburador e aos berros chama Nicola, que aparece e olha o carro. Digo que preciso urgentemente deste carro e não de seus admiradores.

Atendendo ao meu pedido, Nicola tira as velas e passa a informação de que estão gastas e nunca foram trocadas. Repôs outras novas, fazendo ligações e imediatamente o motor responde as maravilhas. O cão late chamando a atenção de Nicola que pergunta se eu era o dono daquele cão. Nego e eles riem, comentando:

— Se o cão não te pertence o que estaria fazendo aí sentado?

— É boa pergunta — digo.

Nicola diz que já viu aquele cão com alguém na oficina; é de perto, mas não lembra.

Pago o serviço e saio com o carro que responde 100 % e fico feliz. Chego a residência de Nataly, que está preocupada e vem correndo em minha direção. Explico sobre os transtornos, o cão...

— Que lindo! Posso ficar com ele?

— É claro! Só não sei quem é seu dono. É um cão extraviado... com um cão extraviado te conheci, um cão extraviado te presenteio. O problema é se o dono aparecer...

Peço a ela que me leve ao serviço e voltar de carro amanhã e me pegar, pois preciso trabalhar até tarde para entregar os certificados e acompanhar suas entregas e preparar minha bagagem para a longa viagem, que será entre dois ou oito dias antes.

Ela concorda mas não totalmente e começa a se queixar por não receber atenção e dedicação.

Entrego em ordem os relatórios, como também outros à diretoria. Ainda tenho mais dois dias antes de viajar. O maior problema é me separar de Nataly; não será nada fácil, como também a distância...

À tarde Nataly me busca no serviço acompanhada pelo cão, que estava bem tratado e eufórico, recebendo-me com lambidas, correndo para os lados e retornando para o carro. Parece não ter espaço com o cão dentro do carro e sinto que fui expulso. Apoderou-se de mim uma tristeza e angústia. Fico em silêncio durante o percurso e Nataly até me pergunta o motivo daquele comportamento. Respondo que viajaria no dia seguinte e ela então pergunta se jantaremos e dormiremos juntos. Alego que não será possível, apenas jantaríamos juntos, pois teria de fazer muita coisa e deveria estar preparado para partir às 19:00 ou 20:00 h da noite seguinte. Portanto, se levasse o carro no fim da tarde, agradeceria muito.

Jantamos tensos e silenciosos. Só tinha de me desculpar e não prometi se um dia voltaria a vê-la, apenas voltaria se surgisse um outro trabalho e se ausentasse é por motivo total.

Sem cerimônias, alegrias, sexo ou amor, saio da casa de Nataly às 21:00 h e ela me deixa na porta da Escola-hospital, retornando com o carro acompanhado do cão.

17:00 h, estou fora do corredor do hall, quando me deparo com um enorme anúncio anexado no painel, onde está escrito:

 

Procura-se cão pastor belga
Responde por “Dog”
Contato com Dr. Luiggi...

 

Meu Deus, o cão não desgrudava porque me conhecia. Eu não achava o cão estranho, só não o reconheci porque estava sujo. Tinha dado a Nataly um cão que era de meu amigo, talvez não acreditará em mim. Saio o mais rápido possível. Nataly chegará a qualquer momento e preciso explicar a ela a questão do cão.

Atravesso a rua cheia de funcionários que saíam do expediente e aguardavam ônibus ou bonde.

De repente vejo Nataly dirigindo o carro acompanhada pelo cão e no lado oposto vejo Luiggi a pé, logo os dois se encontrarão e se eu não entrar no meio eles criarão caso e será uma baita confusão, imagina, lá no meio de tanta gente, será um verdadeiro escândalo e meu nome não ficará bem.

Não deu outra, tanto Nataly como Luiggi chegam juntos à esquina e este grita pelo nome do cão que começa a latir e tenta ir ao encontro do seu dono. Nataly segura e não o deixa, alegando a Luiggi que teria ganho de seu namorado, Dr. Albert.

— Que filho da puta! É vingança dele contra mim! Chamo-me Luiggi Piero. Ele me paga, vou enforcá-lo!

— Então Albert roubou o cão de você? Pergunta Nataly.

— É claro! Há três dias ou mais meu cão sumiu...

Nataly acaba soltando o cão que pula do carro e corre para o seu dono.

Vejo que não adianta eu surgir e me manifestar ou argumentar naquele momento, porque não tinha testemunha. O que fazer? Conversar com ambos fora de controle emocional é o mesmo que bater a cara contra montanhas.

Luiggi pega o cão e vai embora, enquanto Nataly faz o mesmo.

Como conseguir diálogo?

Olho o meu relógio; já era para estar na estrada, pois nada me resta. Nem posso tentar pegar o carro com Nataly, pois encararia uma fera e não estou a fim de brigar, o que não seria briga. Só sei que perdi uma namorada, um carro, um cachorro e um amigo. Me resta ir embora o mais rápido possível e tentar chegar ao aeroporto. Tomo um táxi e peço ao motorista que me leve até lá.

Chegando lá em 35 minutos tomo o avião para Genebra, frustrado e triste, imaginando sobre as duas pessoas que estariam tendo o pior conceito sobre minha pessoa. A alternativa é ter paciência e dar um tempo.

Em Genebra teria de ficar dois a três dias em reuniões e treinamentos; neste período, tanto Luiggi quanto Nataly estarão aptas em receber meu manifesto.

Após quatro dias, relaxando em um restaurante, escrevo uma carta à Nataly e outra à Luiggi; ambas quase com o mesmo texto, explicando o acontecimento referente ao cachorro e fornecendo o endereço das testemunhas do fato. Se não acreditarem não poderei fazer mais nada; só peço a Nataly que cuide de meu carro até eu regressar da Ásia e se não estiver afim, que me devolva pessoalmente em Paris, ao contrário irei buscá-lo, coisa que considero difícil, pois não costumo retornar a lugares onde houve momentos tristes ou onde fui acusado de coisa ou algo que não fiz.

Como a considerava uma mulher suficiente, deixo tudo em suas mãos...

Já se passaram dois meses na minha estada na Ásia. Retorno a Genebra com extenuação. Vou à hospedagem e após uma ducha, almoço e vou dormir. A viagem da Ásia à Europa é muito cansativa.

Após o almoço dirijo-me ao correio e lá na caixa postal encontro duas correspondências, uma de Nataly e outra de Luiggi. Visitaram dona Pierinna Lorenzetti, a senhora que me viu com o cão quando meu carro havia enguiçado e foram posteriormente à oficina mecânica comprovarem o ocorrido e desejavam meu perdão.

A carta de Nataly é mais extensa e anexo à carta tinha um recibo de depósito bancário de US$ 49.600,00 que tinha efetuado em minha conta, pois tinha vendido meu carro a um colecionador de Milano e conta:

“Terá alguém que cuide do carro, pois estava abandonado e sem você seria um carro encostado, enferrujado e uma preciosidade merece cuidados.Você está com vida neste instante, daqui a pouco ou amanhã ninguém sabe, só Deus sabe onde irão parar suas coisas.

Albert, não será fácil te esquecer.

Você é um exemplo, és uma vida que penetra na gente e dá vida.

Que existe, mas ninguém sabe até quando? Saiba que, sempre, em algum lugar do mundo, alguém estará lembrando de você.

Alguém te amando e pedindo a Deus para te proteger... não te esqueci e não te esquecerei tão logo...

Beijos
Nataly Sommer

Obs.: o carro foi vendido por US$ 50.000,00, está faltando US$ 400,00. Com este dinheiro comprei um cachorro pastor, de quatro meses, que é uma graça. Seu nome é Boby (diminutivo de Albert) e faço de conta que foi você quem me presenteou.”

Penso... pois é, bucetiti dá nisso; as emoções ou emoção de uma boa mulher que penetra no coração de um homem é assim mesmo.

Saio andando. Lá fora está frio, cai uma fina garoa, o céu está cinza...


 

TCHECOSLOVÁQUIA

 

Há vinte dias que estou na cidade luz (Paris) e o não ter nada para fazer já começa me saturar. Saio do hotel para caminhar um pouco e mal ando uns 200 metros vários jornaleiros gritam com seus jornais debaixo do braço:

— Extra! Extra!

O período extra anunciava a invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética, vindo a acontecer muita coisa ruim como mortes e o não respeito aos direitos humanos. Saques a super mercados, restrição de compras, ora de alimentos, ora de medicamentos.

Retornei ao hotel, na certa alguém estaria à minha procura, ou logo seria procurado. São 21:00 h, sou chamado a uma das centrais. Tomei o metrô e em poucos minutos cheguei à central para me reunir com várias autoridades.

Desta vez eu teria que trabalhar com parceiro chamado Lazlo. A chefia nos orienta a ingressar e trabalhar em Praga, é de alto risco. Numa invasão, neste caso, muito similar a uma revolução ou guerra, há milhares de espiões e facilmente seriamos identificados. Mais nossa função é apenas documentar os fatos e como sendo apenas isso é muito mais fácil sermos identificados. Por tanto tirar fotos precisa ser feito da forma mais discreta possível para não sermos notados. Ao falar com o povo o estrangeiro facilmente chama a atenção, mas seria o contrário se fosse em outros países europeus.

Lazlo é talvez da mesma idade e altura que eu. Só que este se parecia mais alemão, portanto não seria tão notado pelos soviéticos. Nós dois não poderíamos chegar a Praga no mesmo dia nem pelo mesmo lugar. Nós teríamos que fazer a mesma documentação: obter informação exata da quantidade de detidos políticos, presos comuns, feridos, restrições e obter o máximo de fotografias.

Se fossemos apanhados iríamos alegar que somos turistas ou fotógrafos de alguma revista ou jornal sul-americano. Na certa um de nós seria apanhado, mas o outro também teria o mesmo material se trabalhássemos dessa forma.

O máximo que teríamos que ficar na Tchecoslováquia era três dias e no final do segundo dia já comprar as passagens de avião para qualquer país vizinho. Não seria aconselhado ir para a Polônia, Alemanha, etc. Teria que ser para Hungria ou Áustria, lá alguém de nome Joseph pegaria todos os documentos, aliás este roubaria de nós. Nosso chefe frisara:

— Nunca fiquem juntos, só em caso de perigo dos Soviéticos tomarem os documentos. Um de vocês precisa repassar os documentos para aquele que tiver mais chance de tomar o avião sem ser detido. Todos os dias há um avião de uma empresa americana que sai da Finlândia e faz escala na Letônia, Tchecoslováquia, Áustria e Hungria. É onde Joseph fará o furto dos documentos. Assim que for tudo documentado, os dois tirem fotos a toa, como se fossem turistas, assim se forem pegos pelos soviéticos eles terão apenas fotos comuns. Livre dos documentos vão para Paris e aguardem novo contato, pode demorar dias, ou meses. Para chegar à Tchecoslováquia não poderão chegar pelo aeroporto, mas sim por um país vizinho, terão dinheiro para subornar gente na fronteira.

— Há riscos; não terão ajuda lá, só quando chegarem em Paris. Cheguem à Tchecoslováquia disfarçados, gorros sujos, com um pouco de barba, com os blusões de uso duplo e cores diferentes de ambos os lados interno e externo, etc. Antes de entrarem no aeroporto virem o blusão do avesso, usem óculos claros para parecerem estudantes e livrem-se dos gorros.

— Sacolas, roupa só para oito dias. Sejam discretos, evitem chamar atenção e não entrem no meio dos tumultos — soviéticos filmam tudo e gravam a fisionomia.

Na fronteira com a Cracóvia subornei um motorista de caminhão, como se eu fosse seu ajudante de carga e descarga. Assim, depois de lhe dar uns dólares o motorista me deixa bem próximo ao centro de Praga. A linda Praga, que na idade média começou a ser chamada como a “segunda Paris”, oito século de história, perambular pela cidade velha, cruzar o rio Vlata pela ponte Carlos até chegar ao antigo bairro de Mala Strana.

Praticamente Praga intacta, escapou dos bombardeios aliados na Segunda Guerra Mundial. Assim, através da Cracóvia conseguimos ingressar na Tchecoslováquia.

Chegando a Praga tudo era mais que rigoroso. Logo que sai do caminhão, comecei meu serviço de observador. Era um tumulto total, jovens enfrentando os tanques e outros blindados. Os estudantes jogavam bombas molotov sobre estes o que gerava um corre-corre.

Eu, fotografava tudo passo a passo. Os supermercados eram saqueados, gêneros alimentícios só encontrados nos mercados negros, como também os medicamentos e outros. Soldados soviéticos faziam duras represálias sobre os estudantes, inclusive estes nem respeitavam os mais velhos.

Minha câmara Laica trabalhava sem parar. No segundo dia, após as 13:00 h comprei as passagens para Áustria, com muita dificuldade, tive que responder um questionário das minhas andanças na Europa, reafirmar que era estudante e que adorava fotografar como hobby.

No terceiro dia eu teria que estar no aeroporto antes das 13:00 h, hora que embarcaria pela PanAm, portanto era prioridade máxima que eu precisaria estar para conferir a passagem às 10:00 ou 10:30 h.

Mas, Praga estava muito tumultuada e já eram 8:00 h e as coisas se tornavam cada vez mais difíceis e com risco de ser detido pelos soldados soviéticos para interrogação da minha pessoa.

Preparei todos os filmes fotográficos, pronto para repassá-los e coloquei um filme novo na câmera, tirei fotos de edifícios, motivos de arte, entre outros, para se for capturado e eles pegassem a câmera, os documentos fotográficos não seriam da invasão. De repente, ao longe ouço um apito e vejo um soldado sinalizando para mim. Já tinham me descoberto, tenho que sair de aqui custe o que custar. Olho ao meu redor e vejo o Lazlo, já era um alívio pois em caso de perigo ou próximo de ser capturado, ele saberia como pegar os filmes.

Saio do raio de visão dos soldados, juntos com estes há homens a paisana (vestido com capas e chapéus) que vão no meu encalço...

Corro um, dois quarteirão e subo num ônibus lotado. Perco os soldados de vista.

Vejo as placas sinalizadoras das praças, estações de trens e do aeroporto, o aeroporto não estava longe, a umas 10 quadras, o problema era chegar lá. Consegui tirar meu gorro de lá, virar o casaco no avesso e pôr os óculos.

Há soldados de motocicletas por todo lugar. Na frente a uns 200 metros há uma barreira. O ônibus vira a direita, eu me jogo pela janela e pulo fora, entro numa travessa da avenida que leva ao aeroporto. Não sei onde estou, e ainda não posso mexer na minha roupa e fisionomia.

Ando uns 200 metros por uma rua estreita, na minha frente vejo um grupo de pessoas, passo na frente e vejo alguém jogado no chão. É uma policial tcheca. Uma mulher diz que os soldados soviéticos a derrubaram do cavalo, por que se negara a contribuir na represália contra os estudantes, caiu e fez um corte na testa. Ela está sangrando, tenho que fazer alguma coisa, ela está só e parece ser jovem. É uma sargento da cavalaria.

Tento ajudar, mas não há como. Pergunto a ele se fala outra língua e ela diz que sim. Me explica que na bagagem do seu cavalo há um kit de curativo, primeiros-socorros. Me viro para trás e vejo um cão pastor alemão-policial segurando as rédeas do cavalo, acho graça, mais uma vez me envolvo com animais e mulheres de luta ou militares.

Uma senhora moradora do local me traz água quente, lavo o ferimento da sargento e faço curativo. Mas a policial de cavalaria não tem condição de se levantar. Tento explicar que a minha parte já fiz, o resto e com alguém que tenha carro ou chame uma ambulância, pois eu urgentemente preciso ir para o aeroporto. Ela pergunta se sou fugitivo.

— Em termos sim, sou um repórter fingindo dos soviéticos, — e ela dá risada e diz a que a poucas quadras está o aeroporto. Devo ir de cavalo pela rua paralela e a uns 100 metros antes deixar o cavalo, logo na frente verei o aeroporto.

— Seu cavalo?

— É, meu cavalo, afinal me fez um grande favor. Nós não gostamos dos soviéticos. 100 metros antes verá o aeroporto, deixe o cavalo e vá a pé. Perto do aeroporto esta o regimento de cavalaria. O cavalo e o cachorro irão lá sozinhos e os colegas virão me buscar aqui.

Ela faz um bilhete, coloca num dos bolsos da sela e diz para deixar com os dois animais, estes chegarão bem.

Agradeço, tomo as rédeas da boca do cachorro, este me olha e faço carinho nele e no cavalo. Monto o cavalo. É um excelente cavalo, parece que sabe, ou está muito bem treinado para seu trabalho.

Entro numa rua paralela, os animais sabem de cor o caminho, rapidamente me levam. Faltando os 100 metros, desmonto, fixo as rédeas na sela e solto o cavalo e o cachorro, estes andam um pouco, se viram para me olhar e digo que vão. Eles saem correndo em direção ao regimento de cavalaria. Obrigado meus queridos!

O gorro, jogo numa lixeira, viro no avesso o casaco e coloco os óculos. Já tenho prontos os filmes.

Chego no aeroporto. Há milhares de pessoas querendo sair de Praga e a guarda é rigorosa, eles revistam todo mundo que entra e sai. Antes de pôr os pés no aeroporto eles irão me revistar e acharão os filmes, não posso voltar, tenho que continuar, a coisa está feia.

Na frente vejo o Lazlo que vem em minha direção e esbarra em mim, toma os filmes e desaparece. De imediato, dois soldados me seguram pelos braços e um terceiro me revista, examina meu passaporte faz perguntas e quer saber que eu faço em Praga. Digo que é turismo, então ele pega minha câmera fotográfica e pergunta se recentemente tirei fotos. Alego que sim. Abre a câmera e retira o filme e guarda no seu bolso... e me soltam.

Confirmo no guichê a passagem pela PanAm. Todo mundo se acotovela e gritam com passaporte em mãos. No final, aguardo a minha hora de embarcar. 14:00 h, o avião se eleva e digo, adeus belo cavalo, belo cão e bela Praga.


 

CROÁCIA, BÓSNIA... NÃO ME LEMBRO BEM.

 

Junto com a Cruz Vermelha, ONU e outras ONGs, a gente teria que fazer um levantamento do déficit social dos habitantes, mutilações e moradias; um cadastramento profundo em todos os sentidos para serem resolvidos de imediato por estas instituições.

Uma equipe, a gente se separa e vai de casa em casa, faz o cadastramento. Cada habitante encontra-se em situação pior que outra; as diferenças de religiões étnicas foram causadoras de massacres, inclusive velhos e crianças, genocídio permitido por elevadas autoridades em si e o mundo, como muitas outras vezes, permitiu atrocidade fechando os olhos ou virando as costas dando omissão aos fatos.

Em um dos tantos cadastros que fiz e de tantas entrevistas, havia uma jovem senhora de uns 35 ou 37 anos. Ela não tinha um dos olhos e usava um tapa olho — era chato fazer perguntas em cada entrevista, pois na maioria das vezes aplicar o questionário era mexer com o passado de cada pessoa e isto era triste para elas.

Kiela era viúva, tinha dois filhinhos, um de 2 anos e outro de 3 anos.

Tinha perdido o marido num dos tantos conflitos da guerra civil.

— O mais grave foi o homem do martelo.

— Homem do Martelo? Não entendi.

Ela explica que o homem do martelo era um coronel de idéias étnicas nada ortodoxo. Ele tinha um grupo de uns 5 oficiais (espécie de equipe); um dos assistentes carregava para ele uma espécie de tubo ou aparelhagem similar usado pelos golfistas; nesta estavam tacos de golfe, marretas com longos cabos e martelos pesados também com longos cabos, entre outros.

O coronel e seu bando capturavam ou seqüestravam quem consideravam inimigo da pátria ou... deles. O seqüestrado podia ser qualquer um, adulto, jovem, mulher, velho ou criança. O inimigo era obrigado a se agachar e o coronel, ora com o taco de golf, ora marreta ou martelo, simplesmente dava na vítima uma martelada com tal técnica que arrancava parte do crânio e cérebro. A vítima ficava jogada em convulsões se debatendo. Após todas as vítimas passarem por este ritual, elas eram metralhadas e jogadas no rio.

O marido de Kiela tinha sido morto desta forma, com o martelo. E o olho dela foi perdido tentando defender o marido, quando deram um murro nela perdendo totalmente o olho.

Anexo no cadastro que além da ajuda social a mesma precisa de uma prótese ocular urgente para tentar amenizar a vida social da mulher, como também mudar sua estética com um olho de cristal, embora sendo prótese.

Dois dias depois da minha visita de cadastramento, tornei a ver Kiela para fornecer-lhe os protocolos e demais documentos. Ela tinha trocado o visual, seu corpo parecia ter recebido um trato, pois tinha colocado uma minissaia ajustada e arrumado o cabelo. Estava realmente uma gata... lindas pernas, destacava suas coxas, quadril e bunda. Era uma beleza notável. Mesmo com seu tapa olho era charmosa.

Quando ia embora do local, ela diz:

— Porque não fica comigo? Pelo menos por um dia? Há mais de nove meses que na minha casa não vinha nenhum homem...

— Minha querida Kiela, adoro mulher, no mundo não existe coisa melhor e você é parte disso, demais bonita. Gente como eu não pode perder a ética, se o fizer, o risco de perder o emprego é de 100 %. talvez se a gente se encontrar fora daqui, muito longe a mais de 100 km, aí o regulamento não proíbe.

Do seu único olho cor de mel-claro, desliza uma lágrima.

Ao me juntar com o resto da equipe retornamos ao acampamento.

No meio do caminho presenciamos um tumulto de gente e nos informam que é a turma ao Coronel do Martelo que, depois de muito tempo, de madrugada tinha retornado a fazer seqüestre como antes, usando o mesmo método. E ninguém sequer tentava fazer coisa alguma, como a ONU, sem iniciativa. Esta só fazia processo sobre processo, demorando muito tempo até que se concluíssem as investigações e levassem este tipo de assassino aos tribunais internacionais de Aia na Holanda. Até lá os criminosos faziam milhares de vítimas.

O método e lugar das execuções do Coronel do Martelo era o sempre o mesmo. Por que então este não era capturado? Depois de algum tempo, em menos de oito dias, ele agira por duas vezes, entre as vítimas mais de três crianças. Em oito dias, seu bando era de apenas cinco pessoas, não seria tão difícil de serem capturados.

Quase já na minha partida, concluídas as minhas tarefas fiquei sabendo de um misterioso franco-atirador, que estava armado de um fuzil Browning 30 modelo 1954 de 600 tiros por minutos e com silenciador e mira telescópica de longo alcance. Este se fixou num ponto estratégico, esperou por dois dias, e no terceiro, quando já ia desistir, soube que o Coronel do Martelo voltaria a atuar no mesmo lugar e faria novas execuções.

As balas que foram utilizadas este daria sob carga e seus projeteis tinham a ponta cortada com uma carga de mercúrio recoberta com cera. A bala ou projétil com ponta carregada de mercúrio, ao atingir seu alvo estraçalha seu objetivo em mil fragmentos.

Assim, do terceiro para quarto dia, o franco-atirador ficou à espera. Quando são 5:00 h, num velho caminhão o coronel e seu grupo aparecem; fazem descer 8 pessoas que este seqüestrara, entre eles duas criancinhas. O franco-atirador aponta para a cabeça do coronel e depois gira o fuzil e aponta para seu assistente, que ajudava alcançando os martelos.

O coronel manda suas vítimas se ajoelharem, pega um dos martelos e fica em posição erguendo para cima o martelo e fazendo pontaria; sobe-desce para ter certeza de não errar. Então ele ergue o braço, o martelo sobe e num instante se ouve poff... a uma distância de uns 60 metros o projétil da bala atinge em cheio o crânio do coronel e a massa encefálica voa pelos ares em centos de fragmentos; ele fica de pé por uns segundos, jorrando sangue para tudo quanto é lado, até cair se debatendo e então ficando imóvel. Seu assistente fica ali paralisado, atônito. O segundo disparo atinge sua cabeça em cheio, causando o mesmo efeito... e cai morto.

Os outros três militares-carrascos tentam se proteger atrás do caminhão e de pedras. De um, só aparece parte do pé, que é decepado com um tiro certeiro voando a uns dois metros.

O segundo, protegido sob uma árvore, descobre a posição do franco-atirador e aponta para ele; ao apontar sua arma, seu cotovelo sai de posição e se ergue. Um tiro do 30 arranca seu braço.

O terceiro, atrás de uma enorme pedra, está protegido só pelo torso, aparecendo uma parte do pé, uma perna, a coxa e parte do joelho. Um impacto seco e o projétil com mercúrio acaba com meia perna. Esta fica pendurada só com os nervos e tendões.

Assim o Coronel do Martelo e seu bando, terminam seus dias...

Nem tudo que foi fundado com intenções de ajudar os necessitados funciona. Pode ter funcionado, mas não nas ultimas décadas. Principalmente no que se refere a Instituições Filantrópicas.

É o caso do Exercito da Salvação. No Uruguai, num intercâmbio cultural, durante p seminário, um punguista leva minha carteira e lógico, com tudo dentro. É errado o cidadão, como também o estrangeiro num país estranho, carregar todo o dinheiro na carteira. O certo seria portar sempre dos seus documentos uma cópia autenticada e levar sempre pouco dinheiro quando sair na rua. Assim, deixar no hotel documentos originais e soma de dinheiro.

No exterior nunca espere ajuda, esta não existe. Quando vir, será demorada ou nunca chegará; é a pura realidade. Se for vítima de assalto, faça denúncia, mas com certeza, a policia local nada fará.

Quando fui vítima do punguista, fiquei com dólar e meio e tive que sair do hotel. Recorri, é claro, depois de todos os apelos, ao Exercito da Salvação. O sargento Salvino, que atendia a recepção, fez minha ficha, o sargento, barbudo, de regata e fumando, sem tirar o cigarro da boca, diz:

— Um dólar, só por uma noite, com direito a um prato de sopa.

É para não acreditar, direito a um prato de sopa, só por uma noite e sair pra rua de manhã as 4:00 h.

— Ok?

— Ok, — digo.

Na hora da grande janta, ou seja, da sopa, me sento à mesa; há uns 30 hóspedes; não sei a causa ou o porque eles estão ali. Suponho que, como eu, por algum motivo.

O cozinheiro se aproxima com uma panela e uma concha, vai servindo a sopa e quando chega a minha vez, no prato só vejo uma água rala, suja ou de cor de urina. Chamo o cozinheiro e digo:

— Acho que o macarrão, ficou no fundo da panela, pode ver?

— Amigo, aqui nós não servimos macarrão, só um caldinho. Tento reclamar.

— Se ao menos tivesse um pão misturado à sopa, já ajudaria.

Alguém chama o capitão Juan, responsável pela unidade, e ele quer saber qual o meu problema, mostro o prato. Falo para ele se ao menos tivesse um pão. Vira de costas, pouco depois retorna e me joga um pão sobre a mesa, que roda, roda e cai no chão. À medida que vai rodando, vão saindo dele pequenas baratas.

Ó mesmo ocorreu no México; por força maior pernoitei no Exército da Salvação, só que de manhã, eu estava sem a minha camisa, sapatos e relógio.

Recorro ao responsável e ele me diz que não é guarda noturno nem vigia.

O cidadão no exterior, em qualquer caso de emergência, também não pode esperar ajuda diplomática, ora dos consulados, ora das embaixadas. Só em exceções de repercussões internacionais.

Aliás, os cidadãos contribuem com uma taxa mensal para manutenção dos corpos diplomáticos. Principalmente para os esbanjamentos e grandes festas. Mas o necessitado, não tem vez. Para se ter uma idéia, um país da América do Sul, pelo edifício da sua embaixada na Alemanha, paga US$ 220,00 mensais. Se fosse comprado, custaria cerca US$ 2.000,00. Não seria mais barato comprar o mesmo e não submeter o povo a pagar um valor tão elevado de aluguel?


 

AS DITADURAS

 

Na época das ditaduras, para alguns países foi grandioso e promoveu grande progresso, já para outros, totalmente um desastre.

Os povos foram oprimidos, sugados, jogados a pobreza total. Os presos políticos, presos suspeitos, confinados pior do que em campo de concentração.

Digo campo de concentração, por que neste, o preso não tem direito a absolutamente nada. Simplesmente é jogado nas celas ou áreas sem higiene, asseio, alimentação suficiente, sem latrinas e água potável.

O preso dorme no chão, sem nada. Este tipo de sistema é uns piores castigos do mundo, ainda pior que o sistema medieval, ou do que na época medieval.

Na América do Sul algumas ditaduras foram moderadas, algumas comandadas por gente, que até tinham imaginação de progresso para seu país, mas foram poucas. Esses poucos países, talvez apenas dois, deram grande passo tecnológico, construíram escolas, universidades, hospitais, estradas, intercâmbio cultural e foram um pouco mais civilizados quanto ao tratamento dos presos políticos; talvez uma das últimas missões na América sob os direitos humanos. Como países na África cheios de atrocidades, também não espere que alguns países da América são diferente, as vezes igual ou bem piores. Aliás, na Europa por serem os versos da cultura do mundo, também há atrocidades, em pleno século 21, como já citei várias vezes.

Numa das centrais dos Direitos Humanos, ficamos reunidos por vários dias a respeito dos maus-tratos a presos políticos, não políticos ou simplesmente por acharem de alguém suspeito. Os chamo de suspeitos pois acredito que estes deveriam ser investígados minuciosamente e se houver motivo, sim serem detidos, mas não a toa.

Num país pequeno da América do Sul, num quartel de exército, ou algo parecido a uma fortaleza e convertido depois em quartel, uma parte dele era usado como prisão. Neste lugar o preso não tinha vez, lá dentro era sub-humano. Para atender as milhares de denúncias os Direitos Internacionais, como também a ONU, enviariam um emissário ao local para investigar os tratamentos citados.

Por tanto, as instituições primeiro mandam um ofício dirigido às autoridades locais. Dias depois é enviado um emissário com uma cópia desse documento e mais outros citando o nome do emissário e função que ele terá no local.

Citado dia, chego a este país; um representante do governo militar me espera no aeroporto, lógico tudo a rigor. Ele me leva perante a autoridade que autoriza o meu ingresso na prisão. Um Secretário de Justiça me leva a esta prisão. Chegando lá... é estranho... um edifício antigo, talvez do século XV ou XVI, que não tinha suas inscrições da época? Acima dos portões estava escrito Prisão modelo, tal e tal, só que o que chama atenção é que estava escrito numa tarja de pano?

Entro nela e seu diretor, o Tenente Coronel Rafael Rodrigues Alvarez, me acompanha mostrando cada canto da prisão; lá vejo os presos bem limpos, barbeados e bem alimentados. Como é que há tantas reclamações dos seus parentes? Algo está errado...

O diretor me pergunta.

— E aí Dr.? O que achou da Prisão Modelo?

— Bem... Sr. Alvarez, — dou risada, — muito bem bolada... Ele fica vermelho.

— Como assim?

— É Sr. Alvarez, quem projetou esta maravilha de arquitetura fez uma obra e tanto.

Cumprimento ele e vou embora; ele fica desconfiado.

Para conhecer a cidade vou andando até o hotel, afinal, depois de tantas horas de avião preciso normalizar a circulação vascular e o certo para isso é caminhar. Andei umas oito quadras e uma jovem me segue, é fácil reconhecer; uma mulher bonita e de corpo exuberante sempre chama a atenção; se esta está grudada na gente é por um bom motivo. Preciso saber o que ela quer e também preciso descobrir onde está a autêntica prisão, por que aquela que visitei, não é.

A mulher que me segue, está no meu encalço. Preciso confirmar se é isso mesmo, acelero o passo... e ela faz o mesmo. Paro, olho uma vitrina e depois entro numa pequena rua e me escondo em uma saliência. Ela me perdeu de vista, chega perto e fica de costas para mim, então digo:

— O que quer de mim?

Ela gagueja, mas acaba pedindo desculpa e diz que é repórter e estudante.

— Tudo bem e que eu tenho a ver com isso?

Ela se manifesta e diz que sabe o que eu estou fazendo no seu país e se identifica. Pergunto, onde está a prisão autentica.

— É isso que tento lhe informar; lhe segui, mas esperava uma oportunidade e ou local apropriado.

— Aqui nesta rua estamos escondidos e ninguém até agora nos seguiu, pode me informar, eu já sei que aquele lugar não é a prisão. Os habitantes da América do Sul sempre se sentem espertos, sabidos e inteligentes, quando chegam estes gringos eles são considerados ignorantes.

— A prisão, está a 4 km no final desta avenida. É lá dentro que está toda a verdade. Lá há tortura e os presos são deixados morrer de fome, ficando jogados até apodrecer, entre outras atrocidades. A cada três dias um caminhão da prefeitura entra lá para retirar pessoas mortas.

— Tudo bem, e quando será a próxima retirada com o caminhão?

— Amanhã, entre as 6:30 e 7:30 h. O caminhão, sai da Av. Simon Bolívar, cem metros diante num posto de gasolina, lá abastecem o caminhão enquanto o motorista e o ajudante fazem um lanche.

— Que roupas usam?

— Jeans, avental cinza e máscara.

— Agradeço pela sua informação... como é mesmo seu nome?

— Tereza, — responde.

— Agradeço muito, sua ajuda será útil.

E saio daquela rua andando normalmente e continuo conhecendo a cidade.

Será muito arriscado entrar na prisão. Talvez, entrar não seja difícil, o maior problema será sair dela e o tempo que o caminhão fica para recolher os corpos não seja suficiente para eu ficar examinando cada canto. Precisarei entre 40 a 50 minutos ou mais. Preciso inventar uma forma de sair de lá.

Preparo o esquema. Pelo que imagino, entrar na prisão pode até ser fácil mas será agitado e talvez terei que dar uma de gato, pular muros, telhados etc.

Faço um relatório, documento o que vi (farsa) e o que farei no dia seguinte.

Adianto que meu risco de vida será total. Assino e junto com mais pertences, coloco dentro de um saco-malote. A roupa a ser usada na manhã seguinte será: Calça jeans, meias e calçados resistentes, camiseta escura, blusa de lã e uma jaqueta-agasalho.

Quem fará um serviço agitado necessariamente precisará de roupa apropriada. Não poderá carregar a mais nem a menos. Alguns alimentos em comprimidos, purificador de água e... só isso. O resto só dependerá da nossa habilidade e imaginação inventiva; claro, dependerá das circunstâncias também.

Em pontos estratégicos da minha vestimenta escondo o dinheiro, deixo comigo nos bolsos o necessário, como o equivalente para uma passagem e emergência que usarei para despachar o malote e para subornar o pessoal do caminhão. Despachei o malote, sem dar meu nome para não ser interceptado.

6:00 h em ponto. Estou no posto de gasolina, o caminhão chega as 6:10 h com a desculpa de pedir informação chego a eles e de imediato estendo a mão com US$ 300,00 abrem os olhos — não há nada melhor para chamar atenção dos seres humanos que mostrar dinheiro. Fecho a mão e pergunto se estão a fim de ganhar uns dólares. O motorista diz:

— O que quer de nós?

— Pagar para obter ajuda.

— Que ajuda?

Abro o jogo e digo que disponho de US$ 300,00 e que preciso de seu avental e mascara. Eufórico ele olha para todos os lados...

— Tudo bem — diz.

Explico meu objetivo e ele diz que é impossível ficar lá dentro mais que 10 ou 15 minutos. Se o fizer, ficarão desconfiados. Por fim aceitam com a condição que eu só entre com eles e me vire só lá dentro, é pior que inferno. Chegando à prisão duas grandes portas de aço e mais duas portas de ferro trabalhadas se abrem. O ajudante do motorista se agacha, se eles notarem que há mais de duas pessoas no caminhão tudo se complicaria. Assim que o caminhão encosta no fundo, com a cabine para uma das paredes, pulo dele e me escondo.

Ali há uns dos piores cheiros que eu já senti na vida. Num campo de batalha, os combatentes mortos depois de trinta horas se incham e começam a cheirar mal, mas aqui, onde estou nessa prisão, o cheiro é dos piores. O caminhão fica exatamente vinte minutos e vai embora. Depois de quarenta minutos entro em ação e com uma corda pendurada no ombro, começo inspecionar de avental e máscara. As grades das celas dão para o pátio.

Há centenas e centenas de presos. Suas celas não têm bancos, cadeiras, camas ou colchões, latrinas, água, etc... O chão é uma faixa de uns 5 mm de excremento humano. Desse excremento brotam parasitas, ou seja, desse excremento que não são as próprias fezes mas dos detentos anteriores acumulados durante meses ou durante anos.

Os detentos ou presos vivem ali, dormem, comem, e defecam sobre outras defecções humanas; os vermes que dali brotam são milhares e milhares. Há o risco de epidemias e eu corro risco; preciso sair daqui rapidamente, já vi o bastante. As pessoas que denunciaram os fatos que estou presenciando não estavam erradas. Ouço gemidos... pessoas feridas, doentes...

Preparo a corda para pular o muro da fortaleza-prisão, quando algo frio encosta na minha nuca e ouço:

— O coronel Alvarez tinha razão! Bem que ele desconfiou da sua esperteza e disse que voltaria. Levante as mãos e vire-se!

Eu me viro. É um capitão de uns quarenta anos, baixo, não parece militar, sua farda encardida e fora da ética militar, fedendo, como a cela da prisão.

Com ele há mais soldados e então se identifica como capitão Santos Reyes e diz:

— Não sei como entrou aqui, reconheço que o senhor é inteligente, meus sinceros respeitos e admiração, mas infelizmente entrou aqui, viu o que não devia ver e não poderá relatar ao mundo o que viu. Sei que é desumano, mas eu só cumpro ordens. O senhor Dará um passeio longo conosco, bem na selva Amazônica.

— Entendo, subo numa aeronave apreciando a beleza do verde e o mar azul, aí você abrirá a porta desta e me jogará pra fora para me desintegrar em mil pedaços... certo?

— É Dr., mais ou menos isso...

E sinto um forte golpe detrás da orelha e caio.

Com os ruídos dos motores, acordo com a cabeça dolorida, minhas mãos estão amarradas para frente. Me sinto tonto, acho que me aplicaram algum sedativo. Estou num lugar escuro. Tento não me mexer muito para não chamar a atenção, não sei onde estou, só ouço vozes e risadas. Levo a mão à cabeça, onde fui atingido, não há ferimento, apenas calombo.

Tento me localizar. Estou num avião, talvez um bimotor modelo Seneca II de uso militar, de cor verde-oliva. Na frente há o piloto e co-piloto. Na minha frente há um corpo adormecido ou morto... com farda de coronel e mais outro corpo de um jovem. Tenho que fingir que ainda estou adormecido.

O corpo na minha frente, é de um senhor que também está com os pulsos amarrados. As amarras das minhas mãos não são consistentes, com jeito, posso tentar soltar-me. Por causa dos motores do avião, o barulho será abafado se eu me mexer, mas terei que efetuar este com sumo cuidado.

Numa poltrona, tipo esqueleto, logo para frente do avião, pendurado há uma metralhadora. Se eu conseguisse chegar até ela poderia dominar ou tentar dominar a situação e obrigar os pilotos pousar em qualquer aeroporto. Tenho que tentar ser oportunista e rápido. A metralhadora está longe, mas não custa tentar chegar a ela.

Na mudança de velocidade dos motores, ouço o co-piloto comunicar ao oficial que estão a uma hora da fronteira com a Venezuela, pegarão a direção do mar. Um dos oficiais se vira e vem em sentido da gente. Finjo que estou adormecido. Primeiro ele olha o senhor, depois examina uma sacola pendurada numa outra poltrona, acho que ele quer saber o que este carrega... ou carregava. Fica de costa para mim.

E se eu dominasse este oficial agora? Não seria tão fácil, mas se ele vai me examinar, posso dar um golpe seco de judô no nariz ou estômago e correr para pegar a metralhadora ou, pegar sua arma no coldre.

Posiciono minhas pernas. Do lado esquerdo o oficial também carrega uma faca.

O oficial desiste de examinar a sacola e vem em sentido da gente, examina os bolsos do senhor. Dinheiro, pega tudo que tiver e se dirige para meu lado e no instante em que este se inclina para por a mão no meu bolso, levanto a minha perna esquerda com suma violência e atinjo seu rosto e este cai; de imediato me jogo sobre ele e tomo do seu coldre sua arma, uma pistola Colt 45, com ela dou mais um golpe no meio dos seus olhos e ele fica inerte. Pego o carregador sobressalente. Com sua faca corto as amarras dos meus pulsos. Quando o segundo oficial se vira para ver lá trás fica atônico, eu estou apontando a pistola para si e os pilotos.

Isto, eles não esperavam.

Grito para o piloto pousar em qualquer pista, este gagueja e diz que não há, só após a fronteira com a Venezuela, mas ele não terá autorização para tal. O segundo oficial tenta reagir e atiro, atinjo ele e co-piloto.

Exaltado grito para o piloto:

— Muito bem seu crápula f.d.p. agora somos só eu e você. Voe a baixa altitude até achar uma clareira. — Transcorre alguns minutos e aparece um enorme rio.

— Muito bem, siga o curso do rio.

Retorno para trás do avião, tomo o pulso do senhor adormecido, mas este não tem, deve estar morto há muito tempo. Pergunto ao piloto quem era e diz que era um oficial opositor. Amarro para trás as mãos do primeiro oficial atingido por mim e suas pernas são também amarradas. Examino o avião e no fundo da sua cauda há uma sacola, nela coloco um kit de primeiros-socorros e outro com alguns alimentos para poucos dias.

— Faça contato pelo rádio — grito

Mas o oficial não faz, o rádio fora atingido pelos disparos. Lá embaixo há uma clareira bem ao lado do rio. Mando o piloto retornar para ver melhor.

— Dá volta e retorna. Às margens do rio há uma clareira e o que se parece com um banco de areia. Voe baixo — grito. — Muito bem, retorne e pouse o avião ali.

Ele gesticula e me chama de louco, eu digo que ele ainda não viu nada. Eu arrisco e sempre arrisquei a vida e tento de tudo que for possível para sobreviver. Podem me chamar de louco, que não sou, atuo conforme as circunstâncias da vida, do momento. Não sou um anjo, nem o diabo. Evito atrapalhar a vida dos outros e faço o possível para ajudar, se não posso, não prometo.

Cumpro com meu trabalho e para isso sou pago. Se não estou afim de trabalhar, deixo o lugar para quem está interessado.

O meu objetivo é sair desta e com vida.

— Então, seu piloto de baixo nível esse é meu perfil, agora pouse o avião aí no banco de areia. Dê uns 80 metros na altura da água na pista, desligue os motores e abaixe o avião totalmente quando estiver no nível da areia.

O piloto faz o que mando e ao chegar à altura da água do rio corro para o fundo da cauda do avião e me jogo no chão. Há um terrível estrondo da barriga do avião com o contato na água. O avião se ergue, cai sobre o banco de areia, desliza e se encrava sobre algumas árvores. O avião se parte em dois e eu estou sendo chacoalhado que nem objeto dentro de liquidificador. A fuselagem esta retorcida e há o barulho de ferro se retorcendo e cheiro de óleo queimado e querosene. Eu estou de pernas para cima, com escoriações e contusões; algumas cordas e correias do avião estão enroladas ao meu corpo. Me livro delas cortando-as com a faca que tomei do oficial. Me recupero. O avião está revirado. A parte partida da cauda onde eu me protegi, está bem longe da cabine e do piloto.

Saio dela, todo aturdido, aquilo até pode explodir. Vou em sentido da cabine e meus pés se afundam no banco de areia, mas chego até onde a cabine do avião encravado pelas estepes ou farpas das árvores e lá esta o piloto. Este está gravemente ferido pelas farpas como se estivesse espetado junto a sua poltrona, gemendo e sangrando pela boca e nariz. Umas das farpas perfurou-o bem no meio do seu estômago e outras duas menores na área dos pulmões; se não se mexer poderá viver mais umas três ou quatro horas. Nada é possível fazer por ele, nem mesmo os melhores cirurgiões do mundo.

Ele me olha e diz:

— Maldito — e eu respondo:

— Quem com fogo mata inocentes, com fogo este morre, só que você está morrendo espetado.

Tiro a pistola da minha cintura e digo para ele:

— Olhe aqui, neste Colt, no seu carregador, ainda há duas balas e se você souber usar direito, se der um tiro bem dado na cabeça poderá encurtar seu sofrimento — e dou a pistola a ele.

O piloto toma esta, examina a mesma e aponta esta na minha direção e diz:

— Nós dois morreremos.

— Eu? Por que? Não sou assassino nem fugitivo. Simplesmente tento me salvar e sobreviver, fazer, como já citei, o meu trabalho. Não sou anjo, não sou o diabo, mas se for preciso viro eles e até um bicho destrutivo que acaba com tudo.

Ele abaixa a arma e eu vou embora saindo do banco de areia, assim que chego à beira do rio, já com o terreno mais firme, vejo vários jacarés correndo e se jogando na água. Ando uns 30 metros e ouço o tiro da Colt 45. Ao menos ele mesmo acabou com seu próprio martírio.

Nem sei onde estou, sei que é próximo a duas fronteiras, mas não sei a que distância. Deveria ter pego do avião o mapa de rotas, este me ajudaria. Acompanho o rio. As únicas coisas que carrego comigo são uma faca, uma sacola com alimentos secos (desidratados) em comprimidos e um pequeno kit de primeiros-socorros. Daqui por diante será uma batalha para sair desta imensa selva, isto se sobreviver.

O disparo da arma faz com que essa parte da selva fique em total silêncio. Depois de 10 minutos o rebuliço dos bichos retorna. Numa árvore, sob seus galhos uma cobra jibóia esta com a cabeça para baixo, como descendo da árvore, mais para cima vários macacos me observam e chiam, também algumas araras, para eles sou intruso, um invasor, contra a minha vontade.

No possível quero sair dali sem lhes causar mal algum.

Costeio o rio por uma trilha aberta, ora como se fosse de gente, ora como se fosse de animais. As trilhas elevadas até mais ou menos de dois metros, geralmente são de gente, as de não mais que oitenta centímetros são de animais. Se estiver perdido na selva, sem saber onde achar alimentos ou água e encontrar uma trilha, é só seguir esta, mesmo andando dias sob ela, com certeza está dará em um bebedouro ou área de alimento. A trilha é elevada com uns 30 a 50 cm de largura, está e humana. É caminho de caçadores índios, garimpeiros, mercadores, ou guerrilheiros. Isto não é bom. Os guerrilheiros não gostam de gente, somos testemunhas na sua área, eles não acreditam que o perdido na selva é uma vítima, para eles somos espiões. O mesmo ocorre com o traficante na selva. Então na selva, temos que ser mais que esperto. Corremos o risco de, sem experiência, morrer pela própria natureza ou mesmos pelos homens brancos.

Há seis dias que ando pela selva, sempre seguindo o rio. Sou vítima de arranhões e chicotadas dos finos galhos da mata. Minha alimentação já está no fim. Terei que acampar, procurar um lugar seguro, confeccionar um arpão e tentar pescar. Peixes, não faltam, o problema é fisgá-los, há também muitos filhotes de jacarés, mas estes quando me aproximo fogem.

Descobri uma outra trilha e após andar por ela por uma hora, saí numa grande praia. Oculto entre o mato exploro o local, examino-o palmo a palmo. Há muitas aves caçando na água rasa; vejo jacarés tomando banho de sol e algumas tartarugas sobre pedras. Acampando aqui e me alimentando posso recuperar peso e forças. Depois de dez dias posso continuar o caminho.

Fico por mais duas horas explorando o local. Há possibilidade de ter gente por perto. Vejo muito sinal de esqueletos de animais e restos de fogueiras. Elas são velhas, mas a gente nunca sabe a que hora ou dia ali retornará gente.

Examino as árvores, estão cheias de aves, mas não há macacos, o lugar onde não há macacos, não é bom. A ausência deste significa falta dos seus alimentos, ou predadores, muitos escorpiões ou jibóias.

Acampo com sumo cuidado, terei que ficar mais que atento. Por tanto, minhas coisas são ensacadas e penduradas numa árvore, bem oculta. Fico só de cueca e com a faca e um bambu confecciono uma lança e assim começa a minha caçada para saciar a fome.

Tento alguns jacarés de tamanho menores, estes são rápidos e fogem, assim como os pequenos. Terei que usar outra tática: me camuflar. Escolho um galho de árvore com bastantes ramificações e levo à prática. Uso este tipo de camuflagem na minha frente e observo num dos lados da praia, lá a uns 40 metros há vários filhotes de jacarés tomando sol. Coloco a camuflagem cobrindo bem meu corpo e aos poucos vou me arrastando pela areia em direção aos jacarés. Ando 10 metros e paro uns 5 minutos para estes aceitarem a nova árvore. Ando em sentido da água — se me descobrirem, ao tentarem ir para dentro do rio, eu fico na frente.

E dá resultado. Chego a me aproximar até uns 8 metros deles e quando chego a uma distância de 2 metros, rapidamente com a lança ataco eles e não dá certo. Corro no sentido pra fora do rio, até encurralar um jacaré de uns 50 cm. Ao me aproximar, este abre sua boca ameaçadora; o ataco com a lança e a faca eu cravo atrás do seu crânio atingindo sua coluna; ele se debate por uns segundos e depois morre. Meu almoço já está garantido.

Sobre uma pedra na praia abro ele, limpo e tiro seu couro. Depois suas vísceras e pele que enterro na areia. Depois de uns dias, mesmo podre, desenterrando e jogando na praia ou sobre as pedras será uma boa isca para a captura de outros jacarés.

Junto gravetos, bem próximo onde estão minhas coisas, onde seria o acampamento; faço o fogo com lenha bem seca para evitar fumaça, para não chamar a atenção de possíveis inimigos. Se usamos lenha úmida ou verde, o cheiro desta queimando é notado a grande distância. Assim, após l hora eu almoço carne de jacaré, rica em calorias e proteínas e o que sobra, embrulho com grandes folhas, cavo as cinzas onde foi feito o fogo e lá enterro esta. O fogo esterilizou a área e coberto com a própria cinza o resto do alimento pode durar até mais 24 horas.

Alimento assado ou cozido não chama a atenção das feras. Apago tudo quanto é sinal das minhas pegadas e me recolho num canto estratégico para descansar.

Restos de animais chama a atenção de abutres, deixados às margem de rio ou mar, também é alimento para caranguejos, jacarés e porcos-do-mato. Com este tipo de iscas estes podem ser caçados com instrumentos ou armadilhas.

Durante sete dias fico ali acampado me alimentado bem. O que restou de alimento levo comigo, dará para mais um dia.

Após vários dias saio das margens do rio. Há lugares na selva que são impenetráveis, lugares impossíveis de se acampar, com árvores minadas de escorpiões e outras ainda com lagartos que são alimento de cobras, suas predadoras. Meu afastamento das margens do rio deve ser de l km, portanto me é fundamental que comece recolher água para beber. Chego a um lugar onde há muitas pedras grandes e um pequeno pingar de água. Sigo este pingar até ver um estreito córrego. Tenho comida em forma de comprimidos, mas eles serão reservados para suma emergência, então de imediato é pescar. Confecciono um arpão feito de bambu, na sua extremidade, com a faca projeto uma pequena formação de tridente e amarro a outra haste de bambu. Lá estou eu de novo pescando, uma meia dúzia de peixes médios, suficiente para a janta e para manhã.

É impossível dormir; desconforto é total, ansiedade e insegurança. Há risco de ser atacado por cobras, escorpiões, aranhas e centopéias, entre outros. Se estivesse em mais de uma pessoa, a cada 4 horas um tomava lugar de plantão ou guarda. Ser só, para sobreviver em qualquer lugar é inviável e por demais arriscado.

No dia seguinte, após consumir o peixe da noite anterior, não abandono o arpão, levo este comigo. Tento me inclinar e andar de novo em sentido ao rio. Vejo vários macacos, talvez ache através deles alguns frutos. Após andar, eles somem. Olho para acima nas árvores a procura de frutos ou similares, até localizar vários frutos da cor do tomate, observo o chão a procura destes caídos, mas os que acho estão bichados ou carcomidos por lagartas e formigas.

Com algum esforço consigo, por meio de emendas alguns galhos de uns 6 metros, enganchar uma bela ramificação com bastante destes frutos; recolho uns 40 ou 50. Mas tenho dúvida em consumi-los... e se forem tóxicos?

Antes preciso uma prova do contrário. Mas como? Muito fácil... há vários chiados que são de macacos e olho estes lá em cima. Eles consomem os frutos e se o macaco está se alimentando, é bom sinal.

Consumo um fruto. É meio forte, nem doce nem amargo, saboroso. Consumo dois e espero 30 a 50 minutos para perceber alguma reação tóxica. Após uma hora nenhum efeito de intoxicação. Consumo mais algumas e o resto carrego comigo. Este tipo de fruto, anos mais tarde fico sabendo, é rico em vitaminas, é chamada por vários nomes no território amazônico, como Topiro, Cocona, Maná, etc.

Durante os quarenta e seis dias que fiquei na selva, como sobrevivente, meus 4 alimentos básicos foram, esta fruta, uma parecida com uma noz que depois soube que se tratava da Castanha ao Pará, Pequi e peixe; os três citados como alimentos fortes que me deram bastante consistência. Além destes quando faltavam eram larvas, algumas aves e ovos.

A sobrevivência, em qualquer lugar, é possível desde que nossa imaginação e habilidade funcionem. Quem não tiver essas qualificações ou virtudes, infelizmente acaba morrendo.

Durante trinta e dois dias andei pela selva. A roupa já não era a mesma, a calça como as demais roupas eram só farrapos, rasgadas. Estava cansado de andar por lugares incertos, sem mapa, sem bússola e poucas vezes podia ver as estrelas para me orientar. Tinha perdido peso, a alimentação não supria as calorias necessárias ao meu desgaste físico. Durante dois dias ouvia aviões de grande porte, estava sob uma rota área perto de uma grande cidade. De manhã, lá pelas 8:30 h, cheguei a uma clareira, era tudo de pedra, parecia um pequeno vale de pedra e em algumas partes corria água clara e fresca.

Me sentei numa pedra, consumi parte da alimentação que me restava e depois ia tomar um banho. Quando tirei a calça ouço — Ssssssh! — uma cobra de uns 80 cm, ia pular para trás para evitar seu ataque, mas não deu tempo e a parte superior me bate como uma chicotada e sinto sua mordida acima do joelho do lado interno; ela se recolhe que nem uma mola de aço e rapidamente rasteja por entre as pedras. Eu tiro o cinto da calça e amarro minha perna. Começo sentir uma dor semelhante a queimadura. Tudo indica que tenha sido uma cascavel.

Estou trêmulo, na sacola tinha um pequeno kit de primeiros-socorros e deve ter soro antiofídico. Procuro, procuro e acho uma caixa de um palmo, dentro há cinco ampolas, duas seringas, tenho que ser rápido... não consigo, a seringa, seu êmbolo não corre direito, esta é de cristal, forço e ela quebra, pego a outra, funciona bem; a primeira ampola, cai e quebra, assim como também a segunda, o veneno da cobra começou fazer efeito, sinto no corpo um topore tremedira; se não conseguir aplicar a injeção morrerei.

A terceira ampola, consigo que o líquido entre na seringa, tento pôr duas ampolas mas da outra só vai entra a metade e o restante cai. Me injeto o líquido.

O soro fará efeito em 15 minutos... Teria que me aplicar outra em seis horas, mas não sei se estarei em condições de fazê-lo. A última ampola, tremo demais, espero não perder esta. Consigo transportá-la para a seringa e injeto a mesma...

Começo a me sentir mal, vomito. Minha perna está vermelha, trato de arrumar um lugar protegido para me deitar. Calço meu jeans ou o que resta dele e com as minhas coisas me arrasto para uma pedra oca — só espero que nela não tenha escorpiões. Improviso um leito, da sacola faço um travesseiro e tento me proteger com folha de plástico e jaqueta; sinto frio e tremedeira. O certo seria aplicar um antiinflamatório ou analgésico, só acho um chamado Tromasin e tomo.

Já estou com febre.

Apliquei 50 % das injeções, o resto da reação do veneno levam ainda 24 horas e dependendo da parte cardíaca neste período posso me salvar ou morrer.

Assim chega o fim da tarde e tiro o torniquete da perna. Posiciono esta para uma longa agonia de horas. A perna está inchada, fico descalço e tento descansar, mas me sinto em estado febril; passam as horas e meu estado piora. Vejo alucinações de cavalos e elefantes voadores se sustentarem no ar, olharem para mim e darem risada. Eu adormeço...

Acordo de manhã e estou suado, devo ter dormido mais de 7 horas. Depois de refletir sobre os fatos ocorridos, olho minha perna que está inchada, mas não como poderia imaginar, está brilhante. Meço as articulações e está tudo normal.

O excesso de injeções antiofídicas e antiinflamatórias podem ter ajudado para eu ter tido uma evolução satisfatória. O maior teor de poder do veneno de cobra é entre as 7:00 e 10:00 h. Após as 10:00 h geralmente se vemos esta com sua barriga volumosa é sinal que se alimentou, portanto o teor mortal do seu veneno é bem menor. Se esta não tiver barriga volumosa, o melhor mesmo é evitá-la.

Me levanto e tento caminhar, estou fraco e debilitado. Preciso fazer higiene e tentar pescar com o arpão de bambu. Os primeiros minutos são infrutíferos, depois, já mais concentrado arpôo dois, três peixes; são pequenos com cerca de uns 400 g. É melhor que nada. Com a faca abro estes e os limpo, guardando algumas vísceras para mais tarde usar como isca para outras capturas. Ali mesmo, sem cozinhá-los ou assá-los, os devoro crus. Virei um homem das cavernas, como a 25.000 anos atrás. Para fazer fogo não tenho condições de andar para catar lenha e para ascender estou quase no sem combustível no isqueiro. É preciso e necessário recuperar minhas energias. E isso terá que ser em poucos dias.

Consumo parte das castanhas e as coconas mais maduras. Não tenho espelho, assim me olho nas águas calmas do rio. Estou mesmo parecendo um homem das cavernas, minha barba de quase dois meses, sem pentear, minha roupa, já não é mais decente ou quase não se poderia chamar roupa. O único que ainda se conserva é o calçado, este é forte, próprio para a selva. Da calça, só sobrou do joelho pra cima. Camiseta, das duas que tinha só uma ainda resta e está desfiada. Ainda tenho a jaqueta que carrego na sacola e a folha de plástico, que me protegem do frio. Que será de mim? Nos compartimentos secretos, ainda carrego os US$ 5.000,00. É irônico, sendo uma boa quantidade, num lugar como este, de que serve?

Ao tentar andar, a perna afetada parece que está mais pesada do que normal. As marcas dos seus incisivos são patéticas e ao redor das mordidas estão vermelhas — lavo a área e limpo com mercúrio. Preciso andar, caminhar, se o fizer ajudará na circulação e a perna evoluirá mais rápido. À minha frente o sol reflete sobre o que se parece uma parede polida, é estranho, parece ser uma construção elevada ou de um muro polido.

Ela esta do outro lado do pequeno vale das pedras. A uns 150 metros. Não custa explorar. Recolho minha pouca tralha e lá vou. Uso a haste do arpão como cajado para me apoiar. No caminho, entre as enormes árvores, há milhares de pequenos lagartos e lagartixas nos galhos onde bate o sol. Estes, por causa do frio e do seu sangue frio, logo de manhã antes de começarem a andar precisam se aquecer e ficam algumas horas expostas ao sol.

No lugar vejo de novo muitos escorpiões. Eles atacam as pequenas lagartixas e o mesmo fazem as cobras. Chego diante uma enorme parede que parecia ser uma parede polida, é uma enorme rocha lisa em forma de muro. Contorno esta e a cada passo que dou vou ficando de boca aberta, estou na frente do que seria uma enorme pirâmide, não sei identificar se Maia ou Inca.

Ela está semi-coberta pelo mato e enterrada por parte de uma montanha que deve ter caído sobre ela e assim, repousa no meio da selva. Além de ter me tornado o homem das cavernas agora sou descobridor histórico de pirâmides ou descobridor das Américas. Dou a volta em torno dela, é muito grande. Não há acesso à mesma. Até que numa enorme árvore, na base do seu tronco em uma saliência há em elmo de metal, bronze; exploro mais um pouco e acho uma empunhadura de uma espada renascentista sem a lâmina, ou parte dela que ainda resta está enferrujada. A empunhadura e o elmo por serem de bronze se conservaram no tempo ou nas centenas de anos; se fosse de ferro já estaria enferrujado e desintegrado. Atrás da enorme árvore ou do seu enorme tronco, há uma espécie de gruta escura. Me aproximo mas não dá para enxergar nada. Tudo indica que seja uma passagem funda para baixo. Manco muito para andar e quase tenho que arrastar minha perna ferida.

A coloração vermelha que tinha de manhã cedo já quase não existe, só está vermelha na área da picada, não inchou mais e nem desinchou. Andei bastante, mas o certo seria descansar. E depois continuar a exploração.

Me sento numa pedra quadrada como se esta fosse uma grande mesa de baixa altura, por cima há um semi-teto, ou uma pedra, também quadrada com saliência para fora como se fosse um abrigo. Ao meu ver ali estiveram os descobridores das América, os espanhóis, o elmo e a empunhadura da espada falam por eles. É deles, ou era deles, modelo muito usado quando eles chegaram ao continente americano.

O sol gira; àquela hora em que eu vi, o reflexo formava um espelho e ele vai girando, então, às 14:00 ou 15:00 h, o sol iluminará aquela porta. Isso conforme os meus cálculos, já que não sei o horário certo pelo meu relógio que é antigo a corda e o primeiro a ter alarme do tipo cigarra, ele não será preciso ainda mais pelo fuso de horário local.

Confecciono uma tocha e assim que o sol começar a iluminar parte do que parece ser uma porta, a acenderei e explorarei o local. O sol está quase por invadir a porta atrás do tronco da árvore. Ingresso atrás da árvore e acendo a tocha, o sol começa a iluminar uma parte da entrada. Há degraus para baixo da pirâmide. Desço, são uns vinte e ali há uns dos maiores quadros que já vi com meus olhos. Ao vivo!

Uma enorme sala com uma grande arca feita de granito, uma arca que é maior que uma mesa familiar, ela está cheia de material precioso, ou seja um tesouro! Está cheia de pedras preciosas, braceletes de ouro e pedra, colares, máscaras de prata, ouro e pedras, coroas. Há outra arca semi-vazia e alguns esqueletos humanos. Uns só os ossos e outros que parecem seres de branco, entre couraças de metal, elmos e espadas, balestras e arcabuz. Há muitas cobras, que eu consigo afastar com o fogo da tocha, e morcegos que voam em debandadas, aos centos...

Agora a luz do sol penetra quase que totalmente no recinto. O que eu observo seria um saque dos exploradores espanhóis, em embalagens de metal e couro. Tentaram levar as preciosidades e os nativos locais ou membros da pirâmide tentaram impedi-los, gerando luta e mortes.

Então, ao que tudo indica os espanhóis perderam e outros não retornaram ao local, pois se tivessem, o material não estaria ali jogado. E os nativos ou ocupantes da pirâmide? Morreram? Pode ser... foram exterminados? Se eles tivessem sobrevivido, ou ao menos parte da comunidade, os objetos preciosos também não ficariam ali abandonados.

No local há uma fábula, uma fortuna em material precioso. Este que eu estou vendo é um deles, imagino outros, milhares e milhares que os europeus saquearam e com isso arruinaram a América. Ao final de centenas de anos, de saques, alguns países da Europa enriqueceram, Portugal, Espanha, França e Inglaterra, e nos anos de 1930 a 1949 todas essas fábulas desapareceram.

É incalculável as fortunas de materiais preciosos levados ou saqueados, isto desde o México até América do Sul. Além de centos e centos de naus afundados no mar, com milhares de preciosidades.

Começa a ficar escuro, o sol se retira da porta. Olho aquele grande espetáculo, que não sei se um dia retornarei a ver. Ali havia umas 30 pessoas, uma grande luta e tanto. Só a pirâmide que ganhou, por que o tesouro ficou no seu recinto.

Após meu grande descobrimento saio da pirâmide, apago a tocha e volto aos meus pensamentos.

Necessariamente sairei de daqui. Procuro me alimentar com o que ainda tenho e descansar. De manhã cedo começo uma grande caminhada. Sigo o curso de um pequeno córrego, na sua margem há condições de andar bem, o inchaço da perna já melhorou bastante. Assim, às 6.00 h já estou andando. No caminho observo que o córrego é quase em linha reta, como se este estreito rio fosse feito pelas mãos do homem. Por que não? Uma canalização feita pelos homens da pirâmide. Seguirei seu curso que por lógica dará em algum lugar.

Assim caminho durante mais três dias e só paro para dormir ou para recolher alimentos. Na área onde estou andando há milhares de animais, aves e macacos, assim como muitos frutos. O barulho da fauna é total. Ao menos isso me faz sentir que não estou tão só.

No sétimo dia estou extenuado, são 9:43 h, parece que ouço barulho de água. Acelero o passo e chego a um rio, o barulho é de uma cachoeirinha, esta por sua vez se comunica com aquele córrego artificial, o qual segui até aqui. Então é de daqui que a grandiosa água chegava até a pirâmide ou seu povoado.

Tento descansar uns minutos e me refrescar. De repente as aves e outros bichos ficam em silêncio. Por minha causa não é, se fosse, há tempo que com minha presença teriam ficado inertes ou quietos. De repente me vejo rodeado de indígenas, são uns vinte, todos nus e armados, mas estes não apontam para mim e não me ameaçam.

Não sei o que fazer ou o que falar; eles possuem sua linguagem que eu desconheço totalmente. Um que parece ser o chefe, me examina totalmente e digo:

— Paz, paz! — com a mão levantada — Preciso de ajuda, estou perdido na selva há muito tempo.

Ele, levanta seu machado e se aproxima mais de mim. Se me atacar terei que me defender, mas são vinte índios, ao menor gesto, serei crivado de flechas.

...atrás de mim ouço, em espanhol.

— Señor, no se preocupe, el no causara dano.

Me viro e vejo um ancião, de barba comprida, cabelos longos e habito de monge. Ele se identifica como sendo um padre da Ordem dos Franciscanos, se chama Padre José Luís Vargas e há trinta anos que reside na região com os índios.

O cumprimento e mostro meus documentos e ele diz que um grupo de especialistas já andou à minha procura, que eles eram canadenses e americanos e que talvez ainda estejam em Caracas. Eu digo que preciso de ajuda e ele responde:

— Com uma condição. Que o senhor, onde estiver ou onde for, não falar para ninguém que foi achado nesta área e não falar do que viu, nem citar a pirâmide. Se o fizer causaria uma tragédia local. Nem citar a existência dos índios, padre, etc.,

Ele daria condições para que eu me recuperasse fisicamente, arrumaria roupas novas e uma forma de chegar a uma cidade de onde, depois, chegaria onde desejasse.

— Prometo e juro, Senhor padre José Luís Vargas; dou a minha palavra. Sou totalmente favorável a preservação da fauna, flora e historias da América, sua antropologia e arqueologia.

Assim, sigo o grupo de índios e o padre numas canoas, rumo rio abaixo e depois de uma hora de viagem chegamos a uma grande aldeia indígena. Dez dias se passaram, cortei a minha barba e cabelos, a alimentação já fez com que recuperasse as energias perdidas. O padre conta sua história, que ele estava numa expedição de riquezas, se perdeu e os índios salvaram sua vida. Ele prometera nunca mais retornar à civilização e se dedicar a vida e causa indígena.

Nos quarenta e seis dias que fiquei perdido na selva Amazônica, como outras vezes em graves acidentes de avião e helicóptero, passei exaustão, fome, perdi 5 quilos, a alimentação era o que dispunha com o conhecimento para ingerir.

Quando possível me alimentava duas vezes ao dia, mas às vezes uma vez a cada dois, três ou cinco dias.

Alimentação:
Lagarto.
Rã.
Cobra (cortada dois palmos após a cabeça desta, para evitar o veneno).
Larvas, cupins e formigas.
Jacaré.
Ovos.
Aves.
Frutos e frutas silvestres.
Raízes, flores, brotos de bambu e samambaias.
Rato do mato e rato do deserto, entre outros.

A água era obtida de dentro de gomo de bambu e cipó, com folha de plástico. Fiz sobrevivência em selva, mar, deserto e no Pólo Norte. Nunca usei arma de fogo, por que não tinha, pois se tivesse esta seria inútil.

Armas usadas: improvisadas, feitas com bambu, ossos ou gravetos, arco e flecha, lanças e armadilhas.

Meus piores momentos: solidão, não ter com quem falar.

Fui mordido por cobra duas vezes, uma vez por escorpião e uma vez por aranha.

Piores lugares de sobrevivência: nas civilizações, tais como as grandes cidades.

Acredito que todas as frutas e frutos da selva que consumi, ricos em proteínas, cicatrizantes e antiferrugens colaboraram para as minhas recuperações. Emagrecimento é relativo para quem queimava calorias e proteínas com caminhadas e esforços sofridos andando 40 a 48 km por dia. Isto é mais que desgastante. Enquanto que se caminhasse por dia 12 a 15 km e tivesse duas alimentações forçadas, a perda de peso seria bem menor em trinta dias.


 

O ENCONTRO COM A Dra. RITA MORENO NÃO CONCRETIZADO

 

Após muito tempo, em código, recebo contato de Rita Moreno, que seria a Secretária de Saúde e Bem Estar Social.

O meu nome saíra em algum jornal das América e ela deve ter visto, após ter sobrevivido os quarenta e seis dias na selva. Sem mencionar ou citar, a imprensa sempre vaza ou consegue vazamento dos fatos e não fatos. Entre os não fatos, já afirmaram meu nome por aí incorretamente.

Já disseram que tive um caso com Sue Lion (Lolita), que já passei a mão na bunda da atriz Katy Jurado, que dei amasso na Marilyn Monroe, entre outras. Se o fiz qual é o problema? É proibido? Sou homem e gosto de mulher. Se o fiz, com certeza não o fiz na frente dos outros e foi bem escondido, ou num lugar próprio, portanto ninguém viu.

No contato por código, peço para Rita me telefonar onde eu estava hospedado, mas que fosse fora da sua cidade. Assim o fez e logo de manhã cedo recebo a ligação com sua voz sensual.

Eu, estaria na cidade do México por alguns dias para um congresso de saúde e o mesmo faria ela. Posteriormente, eu tinha pensado em ir pescar no golfo do México, mas antes teria que visitar um casal de diplomatas amigos na cidade de Veracruz.

Ela, eufórica, me pergunta se a gente poderia ficar junto por dois ou três dias e combinamos um encontro na taberna El Marlyn Azul, bem próximo ao porto. O encontro seria na taberna, um almoço, um pequeno passeio e... depois a hospedagem num hotel da cidade.

Cheguei à taberna com 40 minutos de antecedência, até ela chegar para almoçar eu teria que enganar o estômago. Eram 13:36 h. O calor nada agradável. Assim que entrei, o garçom me indica um reservado, ali poderia ficar e esperar a vontade. Peço para este me trazer uns petiscos, feito de tubarão, amendoim e pimenta e uma bebida, não de elevado teor alcoólico.

No instante começo a consumir; observo que as paredes da taberna eram forradas com cortinas, portanto o cliente não enxergava suas paredes ou a cor destas. No reservado onde eu estava, ainda havia mais quatro mesas, mas estavam vazias, como também a taberna, com pouca clientela. E a rua, no momento era silêncio total, interrompido apenas por algum latido de cachorro, motor de carro ou uma motocicleta, que a cada cinco ou dez minutos, passava a alta velocidade, chegando nas esquinas brecando bruscamente e depois continuava em alta velocidade; parecia ser sempre a mesma.

Na minha frente, numa cadeira-mesa, bem encostada à parede ou cortina, um gato amarelo dormia placidamente sobre a cadeira, nem se importava com a minha pessoa. Também, eu não perturbava este. Do lado onde o gato dormia, as cortinas faziam uma união, estavam uma em cima da outra, mas não fixas, portanto quando um pouco de vento entrava, mexia com elas.

De repente, o motociclista retornou e brecou bruscamente na esquina que suponho teria um sinal ou semáforo. Era um quarteirão longo, de onde eu estava quase 90 ou 100 metros. Um dos amendoins roda da minha mão e vai parar após a cadeira onde o gato dorme, ou seja, entre a emenda das cortinas. Como esperando, aparece um pequeno camundongo, acredito que por causa do amendoim. Ele aparece como se fosse um corista que mostra parte do seu corpo ou sua cabeça entre as cortinas; olha e depois se esconde novamente. Assim foi fazendo o camundongo, até que pegou o amendoim jogado por mim.

O ratinho, deveria ser da casa, já acostumado a pegar restos dos clientes que deixavam cair de suas mesas. Como que o gato não tinha visto ele?

O ratinho retorna e olha ao seu redor e para mim. Acho que quer mais um amendoim, jogo mais um que ele pega. Então era isso, é um ratinho já habituado, outros clientes devem jogar alimento para ele. 14:00 h, Rita não apareceu ainda; mulher... sempre as atrasa. O rato come mais um amendoim, aí o gato acorda e se espreguiça e descobre o ratinho; ele então fica imóvel observando o rato. É um enorme gato, deve ser macho, sua cabeça é grande igual seu peito. Este observa os movimentos do rato e se prepara para atacá-lo... até que se joga em cima do ratinho, arrasta-o para a porta do reservado; mas o rato se safa e foge, corre mancando de uma perna e some atrás das cortinas. 14:40 h, e nada de Rita. O encontro estava marcado pra 13:45 ou 14:00 h.

Chamo o garçom e peço uma coca com limão e de repente o motoqueiro breca e se escuta alguém xingando-o. O garçom, diz:

— Esse camarada, uma hora irá atropelar alguém, todos os dias a esta hora ele faz racha, parece que desafia os pedestres, sinal e autoridades.

15:13 h, ainda nada de Rita; preciso ir não tenho mais paciência. Acerto a conta e ouço bruscamente o motociclista e um grito, um monte de gente correndo para a esquina. Todo mundo da taberna corre para ver o que aconteceu. Ouço a motocicleta sair novamente a toda velocidade. Uma mulher esta berrando na calçada da taberna e jogando água. Uma ambulância aparece, pára, carrega alguém e vai embora. Saio para a calçada e a mulher berra:

— O senhor precisava ver, ele atropelou ela, que bateu a cabeça na guia da calçada; seus miolos ficaram espalhados pela rua. Ela era de um país vizinho...

País vizinho? Então se era bonita e de um país vizinho... era Rita. Fico ali uns minutos sem saber o que fazer, se ir à assistência pública perguntar seu estado. Se seu cérebro ficou espalhado na rua eu nada poderei fazer. Sendo ela estrangeira, minha pessoa chamará atenção e pode até comprometer sua pessoa e também no seu emprego e cargo, mesmo que esteja morta.

Ando até a esquina do acidente, mas retorno próximo da taberna para tomar um táxi, é quando ouço o motor da motocicleta, de longe. Me viro, olho para acima da rua e vejo motoqueiro, descer, devagar; parece que não está a fim de passar pelo lugar do atropelamento e vai embora. Retorno à calçada da taberna para tomar o próximo táxi. Ouço de novo a moto e desta vez vem em alta velocidade. Tomo a vassoura da mulher que limpava a calçada da taberna e espero ele se aproximar. Assim que se aproxima jogo o cabo da vassoura nos raios da roda dianteira que se trava e ele voa uns quatros metros de altura e uma distância de vinte metros, caindo de cabeça.

Seu cérebro ou seus miolos ficam espalhados num raio de 10 metros. Tomo o táxi e vou embora. Ele pagou pela morte de Rita e... estragou a minha pescaria... meu almoço... e meu encontro tão desejado.


 

O MEXICANO RODOLFO ZAPATA

 

A Secretaria de Cultura do México, em conjunto com a ONU, através de um grupo de empresários americanos, me contrataram para fazer levantamento e marcação arqueológica numa cidade do interior de Puebla. O lugar era composto praticamente de várias fazendas e criadores de cavalos.

O lugar seria dentro de uma fazenda, bem próximo a outra fazenda que aparentemente nada cultivava. O que dividia uma da outra era uma estrada de terra de uns 6 ou 7 metros de largura.

Das residências das fazendas vizinhas, também a pouca distância, o mesmo das criações de animais e ou dos currais. Era extensões de cem metros de construções de uma e outra.

Fiz o acampamento a poucos metros da residência, sempre é bom acampar próximo de gente ou moradores, desta forma, as peças de arqueologia não são fácil de serem furtadas por saqueadores. O meu acampamento, ficava bem próximo da residência do Sr. Zapata, aliás. Rodolfo Zapata.

Sua residência ou sua área, me chamava muito a atenção por causa de um belo cavalo e algumas cabras. Porém, eu via o cavalo muito magro. E cada vez que este me via, ficava inquieto e me olhando, como querendo algo, alimentação ou ajuda. Zapata, pelo que se via, morava só com uma criança, um garoto de uns 8 ou 9 anos. Ele saía de manhã cedo e retornava no final da tarde. O garoto e os animais ficavam sós. Como eu também começava trabalhar cedo, o almoço era só de l hora, mas procurara terminar ou para a tarefa as 18:00 ou 18:30 h. Hora que eu chegava ao acampamento com a minha turma para guardar as ferramentas e objetos achados, tomar banho e providenciar a janta, até lá a gente ficava batendo papo com o dono da fazendo e ingeria alguns petiscos. Pelo meu serviço, segundo o contrato, teria que ficar ali não mais que sessenta dias.

A minha chegada ao acampamento sempre era minutos antes da chegada do Zapata. Este chegava numa caminhonete Apache, 65 ou 66.

Assim que eu chegava, o cavalo ficava inquieto e agitado. Eu via ele, bonito de boa raça, mas magro. Um dia examinei o cocho, vazio, água... vazia, eram 13:00 h, talvez a essa hora o cavalo já tinha mesmo consumido seu alimento, mas e água? Pouco tempo depois chega Zapata. O cavalo vai ao seu encontro e ele o soca e chuta... já não gostei. Depois chuta as cabras. Esta atitude de selvageria faz com que eu fique em pé e vá até a cerca que dividia a rua da fazenda e encare os fatos.

O pessoal da equipe se preocupa e tratam de me convencer que é isso mesmo, assim mesmo. Eu já irritado digo gritando:

— Não é porra nenhuma! Isso é ignorância!

A sorte é que Zapata pára de judiar o animal e eu fico mais calmo.

Preciso dar um jeito, mas como? talvez seja só hoje que ele fez isso e não repita mais. Mas, já ficou gravado na minha mente. Como enfrentar um cara desses? Que assuntos expor? Se este parte para ignorância, como vou enfrentar alguém do tamanho dele, de quase 1,98 m? Posso tentar e usar as minhas manhas e técnicas de lutas, mas não é esse o caso.

No dia seguinte de manhã cedo, assim que Zapata parte, examino o cocho do cavalo e seu bebedouro e descubro a questão. Ele não alimenta os animais, como exemplo o cavalo, apenas uns quilos de razão que é dividido ou consumidores junto com as cabras, o mesmo com a água.

Retorno ao acampamento e uma assistente diz:

— Dr. o senhor nada resolverá, mesmo que o senhor compre ração em quantidade e água, se o fizer, como fará para os alcançar? Se ele descobrir dará parte à polícia e o senhor será autuado por invasão de propriedade.

— E, tem razão.

Naquela mesma noite fiquei sabendo que Zapata repetia esses atos todos os dias e conforme os vizinhos todo mundo sabia e achava revoltante, ninguém tomava atitude ou dava parte dele, pois este era muito agressivo e partia para a ignorância. Sua mulher o tinha abandonado e ele morava com o filho, porém com restrições e de não se comunicar com vizinhos. Ele trabalhava em construção civil.

Era um problema, ali sofriam animais e é claro, o filho. Zapata tinha problemas pra reagir desta forma. Eu teria que dar tempo e estudar uma forma de me aproximar dele. Durante quarenta dias fiz o meu trabalho e na hora que ele chegava em casa, eu evitava estar próximo dos fatos.

Um dia, veio uma tempestade com chuva e granizo. Começou às 14:00 h, a gente teve que abandonar o trabalho e se recolher ao acampamento. Chegando a este, ouvi um estrondo. Era o paiol do Zapata. A tempestade tinha afetado sua estrutura e uma parte desabou. O garoto de Zapata sai da residência, corre ao local do acidente e começa chorar; cai uma tábua sobre ele e a gente corre ao local em seu auxílio.

Retiramos ele, levamos para um lugar mais seguro e eu o examino. Não há ferimentos e só uma condução ou luxação no seu braço. Peço para um dos meus assistentes trazer a mala de pronto socorro. Coloco uma tala no seu braço e enfaixo este. No momento que estava acabando Zapata chega e desce da caminhonete correndo até onde está seu filho. O seu vizinho tranqüiliza ele, explicando que não será necessário levar o garoto até um hospital e depois eu explico que em dias estará bem.

Ele quer pagar pela atenção a seu filho, me recuso totalmente e ofereço a minha equipe para ajudamos a dar um jeito no paiol. Os danos não são muitos e podem ser reparados em poucos dias. Dois dias depois, Zapata trás uma turma e reconstrói seu paiol.

Num final de tarde ele me procura; quer me agradecer e me leva um presente, uma garrafa de Tequila, e diz:

— Dr., é a melhor do México.

Eu agradeço, embora não beba, mas agradeço e aceito o presente. Mas, ele insiste em querer papo comigo.

— Dr., parece que o senhor esta triste? Qual é o problema?

— É Zapata... estou muito triste. O problema, é um problema e tanto. Seu Zapata, o problema é o senhor.

E quero ir embora deste lugar o mais rápido possível para não continuar vendo o problema. Zapata fica intrigado e toda a minha equipe se retira do local me deixando a sós com Rodolfo Zapata. É aí que eu não paro, é momento de eu me manifestar em defesa dos animais, do cavalo, das cabras e de seu filho.

— Zapata!

Eu estou transpirando e preparado se este for violento. Mas, acho que não o será, é só tamanho.

— Zapata, estou triste, por causa do seu cavalo, cabras e filho, o que o senhor está fazendo está mais que errado e eu antes de ver o que vejo todos fins de tarde, prefiro ir embora. Penso que é uma atrocidade e selvageria da sua parte, Sr. Zapata, o Sr. não é digno de um cidadão, de um pai e dono de terras. Estou errado Sr. Zapata?

Ele, agacha a cabeça e começa chorar. Depois se acalma e pergunta:

— O que devo fazer?

— Zapata, traga um veterinário pra seu cavalo e cabras; peça perdão ao seu grande cavalo, dê carinho pra ele e pras cabras. Triplique a alimentação deles. Mande seu filho para a escola e não o tranque. Seja um homem certo e lhe garanto que o senhor terá mais amigos, bons vizinhos, e eu serei seu amigo. Me dê licença, preciso ir trabalhar, Sr. Zapata, passe bem.

E vou para as minhas tarefas.

No dia seguinte, após 12:00 h. Um caminhão descarrega alimento animal e vejo um veterinário examinar estes. Depois, que eles vão embora, vejo Rodolfo Zapata, dar banho no cavalo e cabras, e limpar os currais.

Após sessenta e dois dias, já o material recolhido, os caminhões estão prontos para a gente ir embora. Zapata vem ao meu encontro e diz:

— Dr. agradeço pelo que fez por mim, pelos meus animais e pelo meu filho. Subo no caminhão e o dono da fazenda onde está o sítio arqueológico, me cumprimenta e agradece.

Eu, digo:

— Sr. Cortez, o senhor acaba de ganhar um bom vizinho, por favor, seja sociável e amigo do Zapata. Acredito que ele sarou ou alguém olhou sua altura e sua mente fez dele uma pessoa mais sensata, que enxergasse a autenticidade da vida.

A tarde está meio cinza, ou quase e cai uma tempestade, chuva de primavera. Até que não é uma tarde tão cinza e a temperatura é bem amena e a forte chuva lavou a cidade. As chuvas são benéficas, lavam as cidades, apagam a sede das plantas, árvores e das lavouras.

É um sábado, como tantos outros que vivi em toda minha vida, mas é um sábado diferente, talvez mais diferente que os outros.

Sempre a esta hora, do meu escritório ouvia um piano, O piano ao cair a tarde, ele não estava mais a mais de 80 ou 100 metros de mim. Durante vários anos, eu o ouvia. Durante a semana seu som não era muito claro ou nítido, por causa do barulho dos carros nas duas ruas. Ele estava localizado numa esquina, como já disse a poucos metros de mim. Eu estava numa posição privilegiada, ouvia-o claramente, principalmente aos sábados, domingos e feriados. Há anos, na hora do meu chá com torradas ou panetone, entre as 17:00 e 17:40 h o piano me chamava a atenção, pela sua música e sua suavidade execução.

Assim que eu acabava de tomar meu chá saia na sacada e dizia:

— Obrigado pela música!

O chá era excelente — é claro com o piano... Um dia, conheci uma garota, estudante de letras, loira, olhos claros, cabelos curtos e estatura média. Tivemos um caso. Eu gostava dela embora, como toda mulher, era geniosa, mas culta e educada, de uns 23 anos. Pegava no meu pé, não era carinhosa, só afetiva e por vezes boa de cama, porém no orgasmo, ela se urinava na cama. Depois era aquele cheiro. O pior era quando a gente viajava e tínhamos que ficar juntos dois e três dias, então a cama ficava fedendo a urina; ela tinha vergonha de mandar a arrumadeira trocar os lençóis ou o colchão.

Eu, insistia para ela fazer tratamento médico psicológico, mas assim que tocava no assunto do seu problema, o resultado era briga na certa, portanto., continuava a se urinar ao fazermos sexo. Ela morava no mesmo prédio que a pessoa que tocava o piano. Um dia perguntei quem era e ela respondeu que era Emili, uma senhora de uns 70 anos, vizinha dela. O piano ficava bem sob a janela do seu apartamento, na esquina das duas ruas, era a causa do som se expalhar para as ruas e sua onda expansiva saía mais clara para minha rua e escritório, portanto eu era privilegiado.

Patrícia Cleire Minz, a garota que eu namorava, elogiou seu toque no piano por mim e um dia, eu saía do café da esquina e dou de cara com uma anciã bem vestida e de porte.

Doc, — diz ela, — muito obrigada por elogiar meu piano e minha música, sou a Emili.

Eu, dei os parabéns elogiando seu piano bem afinado.

Ela tinha ganho seu precioso piano quando fez quinze anos, ele era do seu avô, e já tinha 14 anos, portanto, o piano era antigo, mas bem confeccionado com excelente material.

Assim, por anos e anos, estando na minha empresa na hora do chá, tomava este ouvindo tocar o afinado piano de Emili. Ela já tinha participado de alguns congressos de idosos pianistas na cidade de Nova York.

Por uma semana inteira, no horário do chá enquanto eu o tomava, estava absorvido numa escrita de fórmula de medicamento. Dessa maneira quando um dia só estávamos eu e minha gata Ana Maria na empresa e o silêncio do meu trabalho e concentração, após o chá, tinha certeza, não ouvira o piano de Emili Adalla, prestei atenção... O piano não estava tocando. Assim foi por dois, três, quatro dias até, que numa tarde, deixei o chá servido na mesa e fui atrás de Emili. Primeiro olhei sua janela, de onde ela tocava o bendito piano, esta estava fechada. Fui ao prédio onde Emili residia, procurei o porteiro perguntando por ela e ele diz:

— Dr., ela faleceu há quatro dias, tocando seu piano. Ela já era muito idosa, falava sempre que tinha 70 e poucos anos mas nós calculamos que tinha mais de 80 anos, era uma excelente senhora.

Volta a chover torrencialmente; é sábado, a rua está silenciosa, exceto pelo barulho da chuva. Barulho de chuva não é poluição sonora. Minha gata está no meu colo, dorme num espaço tão pequeno... ela se ajeita e poucos minutos depois está dormindo; às vezes, quando me movimento, ela acha ruim ou parece que vai cair, mas se segura e não cai. Minha calça está toda furada por causa das suas unhas que usa como garras para não cair.

A chuva amenizou. O chá não está legal, assim como também o panetone. A gata confirma, pois eu divido ou compartilho o chá e o panetone com ela, se ela recusar é por que esta ruim.

Os gatos, também sonham e têm pesadelos, ao que parece alguns devem ser horríveis, pois acordam com medo ou assustados e correm para junto da gente como dizendo “me protege pois tive um sonho horroroso”. Penso que os gatos e cães vêem a gente como seus amos ou donos, como se fôssemos seus pais, ou seja, eu seria uma pessoa gigante com cabeça de gato ou cão. Eles também meditam e pensam; às vezes vejo minha gata, ou meu cachorro, quando tinha, se sentar num canto e lá ficar por quase uma hora olhando fixamente para o além. O que eles pensam? O que será que eles sonham? Os gatos, eles sabem nossos perfis, do seu lar e das pessoas estranhas. Sabem se a pessoa estranha gosta ou não deles; sabem se nós estamos tristes ou alegres, se temos problemas de saúde, etc. E eles gostam de aparecer ou mostrar que são inteligentes e espertos. Se eles caem e se machucam, seu ego é atingido e ficam abalados até que nós, os donos, mostremos apoio, carinho e tratemos sua parte dolorida atingida.

Os anos se passaram e nem tudo é o mesmo. As pessoas que eu conhecia, muitas delas não mais existem; gente que trabalhava comigo, a maioria, por ser trabalho de risco, morreram. No mundo todo devem ter ficado com vida umas duas pessoas. Ou talvez eu seja o único.

O jazz, sempre me fascinou, é difícil ouvi-lo. Ouvia muito o Passo do Tigre, Folhas Mortas, entre outros, como também Ella Figerald. Claro que na época o melhor som era chamado de Grunding. Ele hoje é superado por coisas melhores e não tão caras. Aqueles enormes discos foram substituídos por CDs, que até carregamos no bolso.

O mundo e sua gente não são os mesmos de trinta a trinta e cinco anos atrás. Elas perderam a educação, o princípio e dignidade. Governadores de vários países e cidades deixam o povo passar fome e... até criança morrem por falta de alimentação. As firmas e empresas não mais contratam gente acima de 35 ou 40 anos de idade. Eu também, se não fosse habilidoso estaria passando sérias dificuldades, ou sabe Deus onde estaria. Mesmo assim, muitas vezes minha situação é critica, minha vida no último ano só foi de sobrevivência, muitas vezes minhas geladeira está vazia sobreviver numa cidade grande é mais que difícil.

Levei vários tombos e fraudes, ora de amigos, advogados meus que roubavam meus projetos e invenções, causando milhões em prejuízos. Para editar um livro de minha autoria, estes que não são Best Sellers, mas considerados boas obras e com aceitação internacional, revertendo em lucros. Através deles surgem centos e centos de palestras mundiais em seminários, congressos, convenções, instituições financeiras e etc.

Livros. Dos editores não conseguimos grandes coisas. Foram eles, ao menos com alguns dos meus livros, que mais lucraram. Mas sou eu quem patrocina os mesmos, com muito esforço, ainda mais nos dias que ficamos parados.

Assim, depois de prejuízos financeiros, gente que nem eu fica sobrevivendo durante os anos que a vida nos ensina.

Claro, anos atrás tudo era diferente, existia excesso de vagas para todo tipo de profissões. Não se pode dizer o mesmo 38 anos depois.

Nas minhas atividades e profissões há pouca gente. As organizações, delas só existem apenas 20 %, são informais, sem recursos. Se algumas na minha época abonavam as missões com atraso de até trinta e oito ou quarenta e três dias, hoje é de nove a dez meses ou mais.

O sistema de trabalho também mudou. Há mais política e burocracia, o sistema é lento e corrupto, traição, etc. Um simples funcionário, por mais elevado cargo que tenha, se vende por qualquer valor.

Eu estou hoje com mais idade, mas com tudo em cima, excelente peso, sem rugas e com bastantes marcas ou cicatrizes causadas pelas árduas tarefas das missões, que não tiraram a minha agilidade na forma de trabalho e defesa pessoal. Antes era bem relacionado, ou quando era o caso não, as pessoas ou autoridades mundiais que se interessavam pela gente faziam questão de aproximação. O conhecimento e capacidade de trabalho, hoje, para mim, são bem maiores embora quando jovem poucas vezes fosse observado pelos meus superiores a não ser para instruções.

As guerras civis e mundiais aumentaram também os atentados, o desrespeito aos direitos humanos.

Morrendo muito mais gente de fome que de guerra. O profissionalismo médico ou similares também se agravaram. No caso o médico trata o paciente que nem o executor trata um animal que vai para o matadouro. O nível de comunicação social é uns dos piores que jamais vi. O preconceito étnico e racial é monstruoso. Não há mais ética e carinho pelo ser humano.

Se vamos a um campo de refugiados, ali veremos a autêntica realidade dos fatos, estes são atendidos com uma refeição ao dia e às vezes... só a cada três dias.

Todos estes anos, rodei o mundo, convivi com todo tipo de gente e sua podridão. O mundo me fez homem, nunca foi fraco. Já tive medo, mas não temi ninguém, respeitei de igual para igual. Os meus conhecimentos e manifestos foram vistos pelos meus olhos.

O tempo clareou, milhares de cupins aparecem voando e também as aves na sua captura, principalmente as andorinhas, perfeitos caçadores em vôos rasantes, para com seus bicos prenderem os cupins. De repente, são milhares e milhares de andorinhas. Ao menos elas, como predadora de cupins, fazem um grande bem para a população humana.

As andorinhas, desaparecem, o céu se escurece e mais uma tempestade se aproxima. É um sábado chuvoso. Desde a minha sacada observo o tempo, as nuvens se aproximam, o céu está carregado e este deságua sua chuva.

Não passei bem a noite. Dormi pouco e em intervalos. São 4:00 h, tudo está escuro e silencioso. Estou com 38° C de temperatura, fato raro para mim. Das 22:00 às 3:00 h urinei cinco vezes, quando sempre é uma vez só numa noite, sinto que também foi algo similar na noite anterior. Nunca fui de ter doença ou padecer de doenças naturais, além de pequenos resfriados que durassem apenas horas.

Sou propenso sim a graves acidentes, traumas, ferimentos, etc. 7:00 h. já não tenho mais temperatura elevada, tudo está normal.

São 8:30 h, o movimento nas ruas é convulsivo, extenso e tenso. Estou na sacada da minha firma, observo o céu... o tempo... tudo indica que fará um bom dia, talvez com temperatura elevada. A minha rua está tumultuada, ou é a cidade que está tumultuada? Viaturas policiais em alta velocidade se dirigem para algum ponto, não muito distante de onde eu estou também uma ambulância. Escuto um tiro. Entro pra minha sala, há serviço pra fazer.

Há algo de estranho comigo, algo me diz que acontecerá alguma coisa.

Alguns amigos, me disseram: “Sempre precisa andar e viver com sumo cuidado, sobretudo alerta”. Ainda mais nos dias atuais com tanta violência no mundo todo. Para quem já passou tanta experiência de todo tipo, acaba confiando demais na sorte e dos fatos.

Um amigo um dia me criticou ou tentou se intrometer na minha vida particular, a esta altura da minha idade e já vivido, tenta me dar conselhos e palpites, não aceito por mim. Até que um dia passa do limite.

— Você Doc, que escreve tanto, diz tanta verdade, sempre há alguém que sente esta verdade e se for ignorante, pode ser até teu maior inimigo e até praticar atentado contra a tua pessoa, entendeu?

— Ok. Ok — respondo, — já fui tantas vezes ameaçado, sofri atentados e fui seqüestrado, que hoje nada me surpreenderia.

Não sei porque lembrei do fato e deste meu amigo. O meu pensamento é interrompido por um disparo de arma de fogo, fatos comuns nos dias de hoje. São 14:40 h. A temperatura é de 33° C mas eu estou sentindo frio... e pequenos tremores. Estou só na minha sala e de repente ouço novamente disparos de armas de fogo, bem próximo de onde estou. Com temor de bala perdida não me aproximo a sacada, mas ouço um clack, som de arma de fogo de elevado impacto, como se fosse de fuzil ou carabina de longo alcance e meu corpo sente um choque elétrico, principalmente na área do esqueleto e sistema nervoso, típico de pessoa que é atingida por uma arma de fogo. Primeiro penso que fui atingido por um franco-atirador ou por uma bala perdida. Enfraqueço, mal me seguro em pé, não consigo ver onde está o ferimento... será que fui atingido por projétil de arma de fogo ou é engano meu? Estou caindo, meus membros inferiores (pernas) começam a dobrar, é princípio de desmaio. Um amigo entra na minha sala e peço a este para telefonar para um amigo, um médico diretor do centro hospitalar, para este tomar providências a respeito da minha pessoa, e... desmaio.

Três dias depois acordei e fiquei sabendo que estive em coma hematológico ou seja, meu corpo só tinha 2 % de sangue, perda esta descoberta nos exames. Portanto não fui atingido por um franco-atirador, foi só impressão minha, o som de um disparo de arma de fogo foi apenas coincidência daquele momento.

Após oito dias de internação sob observação médica, ando no quarto do hospital que é bem arejado e o meu leito dá para a janela, com uma boa iluminação natural, posso ler a vontade, mas não me concentro.

Estou tenso, ansioso e preocupado com o meu estado de saúde. Todo mundo, ora equipe médica, ora enfermagem e técnica são mais que atenciosos e me tratam com muito carinho, mas não é tudo para mim, alguma coisa está errada comigo. 17:00 h, uma equipe médica entra no meu quarto, são quatro especialistas, três deles ex-alunos meus de faculdade. Sei que aquela visita deles juntos não é nada bom deve ser um dos piores dos diagnósticos.

Nenhum deles encara a minha pessoa para me dar o diagnóstico até que eu mesmo digo:

— Câncer?

O chefe deles gagueja e diz:

— Doc o senhor tem cinco meses de vida, o tratamento nada resolverá, só uma cirurgia e esta tem que ser feita urgentemente, só com o sucesso desta, após 72 horas, é que podemos dar-lhe garantia de, vida. Doc, lamento muito, mas... é a pura realidade dos fatos. A gente gosta muito do senhor e faremos tudo que for possível para lhe salvar a vida. Em 30 horas o senhor será operado, a cirurgia levará horas e claro o senhor terá que autorizar a cirurgia.

Eu tomo a prancheta com o meu histórico clínico, arranco esta das mãos dele e assino. No quarto há silêncio total e peço para eles me deixarem só.

Ali fico só, eu e o silêncio do quarto, entre o tempo e a claridade do quarto há um vazio total; me sinto desamparado, parece um abandono total, como se o mundo me tivesse abandonado e esquecido de mim. Se apodera de mim a mais profunda das tristeza... Olho pela janela, lá fora o tempo é bom, o sol brilha, há um amplo jardim gramado, seringueiras e palmeiras cheias de pássaros; no jardim há dois gatos brincando...

Às vezes acredito em Deus, outras vezes não. Agora com suma tristeza pergunto a ele:

— Sr. Deus. por que me abandonaste? Será que eu mereço isto? É o meu destino? Sobrevivi a tudo e a todos, será que não sobreviverei a um câncer? Terei que morrer por causa dele?

Pela 1ª vez com 58 anos senti solidão, depressão e chorei. Acho que chorava desde quando tinha 9 anos.

19:00, h me é servido o jantar, perdi o apetite... deito com a mais profunda das solidões. Na vida fui preparado e treinado para enfrentar todo tipo de inimigos e as mais difíceis missões e tarefas. Até quando fui atingido no meu corpo. Só que desta vez... este é o pior dos meus inimigos, ele é interno e eu não o vejo; ele esta oculto entre minhas entranhas, ele se esconde, não posso enxergá-lo e nem sei sua amplitude; se é pequeno, grande, maligno ou benigno. Só se saberá ao abrir-me com o bisturi e depois de 72 horas.

É um fato. O inimigo que nunca tive. Não me resta nada, só lhe fazer frente e me conformar. Afinal, ainda tenho forças e meio século de vida... talvez consiga viver mais dez ou quinze anos.

Vinte e oito horas depois sou levado para o centro cirúrgico, lá há várias pessoas profissionais, entre anestesistas, instrumentistas, cardiologista e cinco cirurgiões. Sou colocado na mesa operatória; creio que chegou a minha hora, a minha vez. Em outros tempos eu era um dos cirurgiões, chegava fazer infinidade de cirurgias por dia. Desta vez é bem o contrário, lá estou pronto para transfusões de sangue, soro. O grande cirurgião não tem mais que 33 ou 34 anos, ele, é da minha ex-equipe. Ele está aos pés da mesa cirúrgica, rezando, pedindo a Deus para que tudo dê certo, todo mundo o imita. Me é aplicado uma injeção e apago.

Acordo as 16:00 h, estou na UTI entre sondas e mais sondas; há mais aparelhos ligados ao meu corpo, minha boca está seca, tenho sede e sei que o recém operado não pode beber líquidos. Sinto dores e não enxergo direito, só vejo várias imagens brancas apagadas, estas que estão em torno do meu leito e todas falam baixo, tento falar e da minha boca não sai som, ou é impressão minha? Até que, o que parece uma enfermeira, umedece meus lábios com uma gaze impregnada em água e diz para eu ficar calmo. Outra mexe no computador que está ao lado, mais uma que examina as sondas e um médico que examina as drenagens e minha pressão diz:

— Doc, você está bem, procure se acalmar. Sei que não é nada fácil, mas você necessita, é fundamental que acredite na gente. A cirurgia foi um sucesso total, nós conseguimos remover o câncer; foram seis horas de operação e agora requer muita atenção e cuidados. Nós estaremos aqui dia e noite, cuidando de você, trate de descansar. Está ouvindo Doc? Afinal você é um guerreiro, venceu infinidades de batalhas.

Durmo. Acordo de madrugada e as dores são mais intensas, uma enfermeira está ao meu lado, umedece minha boca e sinto que posso falar, minha voz é rouca, apagada, não tenho forças. Digo para ela das dores. Dois médicos estão ali rapidamente, principalmente o chefe da equipe e o grande cirurgião. Este manda me medicar e tenta falar comigo e diz que tudo esta sob controle.

Transcorrem oitentas horas após a cirurgia, não sinto dores mas sim desconforto. Oitenta e seis horas depois, sou transferido para um leito normal; lá há claridade e uma ampla janela, vejo a copa de árvores e andorinhas voando no céus.

Os pensamentos retornam à minha mente, estarei fora de perigo? De hora em hora um médico plantonista está ali no meu leito.

Transcorrem-se vinte e oito dias após a cirurgia. Tento me sentar no leito, mas não consigo, minhas tentativas são infrutíferas. Não tenho forças para me sentar sozinho, tudo em mim é pesado demais, meus braços não respondem e o mesmo acontece com as pernas. Desisto da tentativa de sentar. Em todos esses dias já era para ter recuperado as energias, é tudo o contrário...

Trinta dias e uma enfermeira, como todos os dias, vêm para me dar banho e fazer a barba, ergo um pouco a minha cabeça, talvez uns 35 ou 40 cm do travesseiro e a olho; observo com detalhe o meu corpo, as cirurgias, as sondas, drenagens e vejo que perdi peso. Minhas pernas, meus braços e meu tórax se parecem de um corpo de uma vítima de campo de concentração.

Estou só em pele e osso. Estou regredindo? Não era para estar melhor?

Começo a pensar e observar os fatos. A alimentação não está de acordo, claro, por causa do tipo de cirurgia, só alimentado com soro, faz com que perca peso e, que será de mim?

Estou com trauma, desconfiado e imaginando que a minha vida é muito curta. A dieta alimentar é mudada, começo a sentir apetite e me alimento a toda hora; em alguns dias já sinto força para me mexer e erguer da cama. A equipe médica se manifesta, dizendo que tudo dependerá de mim. De mim? Eu preciso de energias, de um fisioterapeuta e de esperanças. Da realidade dos fatos perdi a massa muscular, padeço de anemia profunda e dependo de mim.

Quarentas dias se passaram, foram removidas as sondas, algumas drenagens e alguns pontos de sutura.

Começo a fazer exercícios com os membros superiores e inferiores, me alimentar até quatro vezes ao dia. Ando de cadeira de rodas, quase 200 a 300 metros por dia, isto permite que meus braços ao impulsionar a cadeira recuperem a massa muscular. Tento me pôr em pé... em vão, os membros não respondem e a tendência é cair, os joelhos se dobram, mas tento mais e mais, até conseguir andar dez, quinze e vinte metros. Aumentei de peso, começo trabalhar, seis horas por dia, isto me faz bem, distrai minha mente, leio e escrevo. Me comunico com o mundo todo.

Há mais de vinte dias não vejo minha namorada, creio que ela me abandonou e abandonou a firma, que tanto eu tinha recomendado para que desse a maior das atenções, pois desta empresa tanto eu como ela nos sustentamos e dela dependem nossos sucessos. Ela abandonou o barco e o seu Capitão, quando mais precisava dela. Um relacionamento de mais de cinco anos, onde nossa parceria era total para viajar e trabalhar juntos, um bom relacionamento que acabou e nem sei o motivo. Sua pessoa para mim, como mulher, companheira e parceira para com o trabalho era fundamental e essencial e como sendo um paciente agora, ainda mais eu precisava dela, do seu apoio... da sua companhia, do seu amor.

Ir atrás? Pra quê? Não preciso dela — quando precisei ela foi ausente — sua ausência é sinal que não mais está interessada na gente ou não mais ama ou talvez, ao me ver doente deve ter pensado que meu ser ou minha pessoa tinha acabado, portanto concluo que só foi interesse material da sua parte.

Mais uma batalha emocional a ser superada.

Mais uma vez sobrevivi, sobrevivi às revoluções humanas, suas guerras, às missões de risco. Aos comas e à doença, à terrível solidão.

Cinqüenta e cinco dias, estou 75 % recuperado, continuo o tratamento e toda a minha força de viver e sobreviver; sobreviver perante um inimigo que não conhecia, talvez o inimigo oculto que jamais pensei em ter.

É uma segunda-feira, são 8:40 h, estou na sacada da minha empresa e tudo volta como a sessenta dias atrás; a agitação das pessoas na rua, viaturas da polícia e ambulâncias rompem o silêncio. Duas pombas me olhando na espera que eu dê alimento. Na minha ausência as pombas não tiveram seu milho, elas devem ter feito sobrevivência, como eu fiz entre a vida e morte.

Numa grande cidade, desempregado, nunca peça dinheiro. Pedir dinheiro é sinal de abandono, vagabundagem, falta de imaginação inventiva e boa vontade de sair da sarjeta.

O desemprego, após vários meses, leva a pessoa ao desespero e até a loucura total, como também a marginalidade.

Há várias formas de se safar deste problema. Saia à procura de emprego de manhã cedo. Enfrente o problema, seja otimista. Nunca cite que está precisando mesmo de emprego, diga que é fundamental para seu sustento e o da sua família, para cumprir com suas obrigações.

Nunca procure emprego desarrumado, com barba por fazer ou unhas sujas. Não fume na frente dos entrevistadores, não boceje e não se espreguice. Nas entrevistas não se lamente e nem reclame, não use sua família como vítimas. Seja sincero e autêntico.

Outros recursos: nas grandes residências, trate de se oferecer para cortar a grama, aparar a cerca, recolher as folhas das árvores, podar as árvores. Se aceitarem seus serviços, não cobre, diga que é por um prato de comida, com certeza, se a gente caprichar, além do alimento obterá mais alguma coisa, como roupa, sapatos e vale transporte.

Peça, onde fez o serviço, para indicarem mais um. Diga que sabe dar banho em cachorros bravos — é muito fácil, o cachorro bravo, ganhe sua confiança, faça carinho nele e quando distraído passe uma gravata de tecido pelo focinho, desta forma, o animal imóvel fica inofensivo e calmo. É o momento de dar banho nele, enxugar e pentear. Fale com os animais, agrade eles. Leve-os para passear, os donos não têm tempo de passear com animais e se alguém o fizer, e direito, este recomendará outros clientes.

Se ofereça para polir carros, lavar estes, motos, limpar bicicletas e outros. Se ofereça para recuperar algum material quebrado. Diga que pode limpar e arrumar o jardim. Pintar paredes, etc. Nunca implore por trabalho.

Seja educado, gentil e atencioso. Seu perfil chamará a atenção das pessoas e eles vão desejar que você o faça novamente e com o tempo, se você for bem comportado e corresponder, talvez até lhe arrumem um emprego numa empresa. Mostre serviço e terá sucesso. Seja honesto e trabalhador.

O mesmo em restaurantes, pizzarias e etc. Se ofereça para fazer qualquer coisa, até... para lavar latrinas.

Às sextas-feiras os estabelecimentos precisam de gente, em troca, diga que quer um prato de comida e um lanchinho para mais tarde.

No final da noite, os donos dos estabelecimentos jogam fora alimentos, antes destes depositarem nas latas do lixo, peça para lhe dar. No desespero não perca o equilibro emocional. Controle-se. Reze e continue a luta.

Nosso sucesso depende de nós mesmos e não dos outros; ninguém dá nada se nós não oferecemos algo antes ou em troca. Não é fácil, mas também não é impossível.

Mantenha a ética e a postura. Tenha um bom vocabulário. Ande pelas ruas e poderá encontrar o que não está ao seu lado.

Arrumará algumas moedas nos pontos de ônibus; de manhã as pessoas andam apressadas, ao preparar o dinheiro da passagem, estas sempre deixam cair moedas e não as recolhem; em cada ponto pode-se até conseguir de dois a cinco reais. Também nos pontos de táxi, onde estes são procurados, abra a porta para os passageiros, estes sempre darão uma caixinha.

Não seja negativo, mantenha uma meta, seja objetivo.


 

LIVROS PUBLICADOS PELO AUTOR JORGE ALBERTO CANALE

“Como Confeccionar seu Arco e Flecha na sua Casa”

“Como Confeccionar sua Besta (Balestra) na sua Casa”

“Como Confeccionar Boomerangs Australianos”

“Taxidermia, prática simples de embalsamar animais”

“Amputações de Membros Inferiores, Método Próprio”

“Pequenas Improvisadas Cirurgias de Emergência, Sobrevivência”

“Éticas Médicas e de Enfermagem”

“O Sobrevivente” — 1969

“O Imigrante”

“Hoje foi Melhor que Ontem”

“Os Excluídos”

“O Emissário do Diabo”

“Biology of Lions — Book and Film”

“Arco e Flecha Esporte para Todos”

“Sobrevivência Selva-Mar-Deserto”

“O Sobrevivente”-2003


 

[imagem]

JORGE ALBERTO CANALE


 

[imagem]

JORGE ALBERTO CANALE


 

 

Com pesar registramos o passamento do autor, Jorge Alberto Canale.

Nosso amigo inesquecível faleceu em 03/12/2003, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, após ter sido submetido a várias cirurgias.

Jorge Canale foi derrotado pelo câncer.

Que seu legado não seja jamais esquecido e que, em cada arco, em cada balestra, possa seu espírito alegre, generoso e amigo fazer-se sentir.

Leiam esta sua última obra, que não pôde ser revisada a tempo pelo autor mas que, ainda assim, contém um pouco dessa pessoa magnífica e que deixou saudade em todos que conheceram o brilhante, genial e surpreendente JORGE ALBERTO CANALE.

J.R.R.Abrahão, Editor



©2006 Jorge Alberto Canale

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