Acima do Dó Central
Abdul Cadre
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Olissipo
Ano R+C 3352
A todos os oficiais da LRL que serviram no mestrado
do ano R+C 3352
Como lembrança.
Com agradecimento.
E que saibam todos que escrever é apenas cortar palavras. Assim o entendia Carlos Drummond de Andrade.
Neste momento solene em que à Luz do Leste vai ser entregue um novo servidor, permitam-me, Fratres e Sorores, que use o pronome EU, em prejuízo da impessoalidade do NÓS, para uma breve declaração de despedida e agradecimento.
Abusando da vossa benevolência, quero agradecer em primeiro lugar a todos os oficiais que comigo corporizaram o mandato que nesta ocasião se extingue – administrativos, ritualísticos e iniciáticos – o suporte que me deram e o carinho que me dispensaram. Bem hajam, pois, pelo vosso emprenho e bem hajam pelo vosso espírito fraternal.
Em segundo lugar, em meu nome pessoal e em nome dos atrás referidos oficiais, quero apresentar aos demais Fratres e Sorores as nossas desculpas por quaisquer insuficiências que não tenhamos sabido prever ou suprir, bem como por eventuais erros cometidos, sobretudo se umas e outros goraram de algum modo lídimas expectativas deste ou daquele membro em particular, ou quiçá de todo o colectivo que é a Loja. Que tais handicaps possam ser lições de futuro quanto ao que se não deve fazer; por outro lado, que os bons frutos produzidos – que certamente os houve – possam multiplicar-se e que os bons exemplos possam ser novas flores, de novos frutos. Que possamos dizer hoje e dizer sempre: «Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá a glória!», como diziam os antigos cavaleiros templários, quando davam de esporas às suas montadas.
É minha convicção que a generalidade de todos nós entende perfeitamente que mestre, aqui, é apenas privilégio na aprendizagem e tudo o mais gosto no serviço, que se quer tão impessoal quanto possível, porque o contrário seria o mestre servir-se e não servir ele os seus iguais para bem da Obra. Mas este igualitarismo traz-lhe uma especificidade que o deve compelir a não descurar em momento algum dever ser sempre o primeiro no louvor ao que esteja bem – por mais que não seja óptimo – e o último na condenação a quanto possa não correr da forma mais desejada, com a lúcida e sincera humildade de saber que não há nada que não possa ser melhorado mas que, todavia, o óptimo é, as mais das vezes, um inimigo tenaz do bom e um indutor sub-reptício da inércia. Isto que digo, procurei eu ter quotidianamente presente ao longo deste ano R+C 3352 que nesta ocasião se cumpre; se a prática ficou aquém do projecto é porque de fragilidades nutri aquela ou de muito pretensiosismo vesti este. Mas disso, que não me cabe aquilatar, não vou saber, dada a vossa proverbial benevolência. De qualquer forma, como místicos, como estudantes rosacruzes Não podemos ignorar que diversificadas são as sensibilidades, muito diferem os gostos, plurais são os hábitos, pelo que sequelas do desagrado de gregos e troianos sempre persistem, mesmo para além do facilmente compreensível. Pela minha parte, saio de ser a face visível e precária desta Loja sem ter de que me queixar, antes pelo contrário. Devo é dizer – e posso dizer – que saio altamente beneficiado em aprendizagem e maturação; sobretudo, lavou-se um pouco mais o olhar para os sinais que a Grande Mestra que é a Vida sempre nos faz com desvelo...
Foi um prazer coordenar as acções e trabalhos da Loja Rosacruz de Lisboa e uma honra ter servido neste templo da Rosacruz como primo inter pares. Quero, para finalizar, desejar ao meu sucessor nestas honrarias e a todos os oficiais das suas equipas os melhores votos de sucesso e Paz Profunda. Peço ao Cósmico que a todos dê a inspiração e ânimo suficientes para que, na consecução da Obra a que se vão devotar possam a cada dia fazer mais e fazer melhor. Desejo-lhes, sobretudo, que quer no dar quer no receber que as suas funções propiciam saibam gozar da grandeza dos humilde, sejam tocados pela sabedoria dos mestres e usem da impessoalidade que caracteriza todo aquele que se dedica à Senda Rosacruz, para que não seja vã a velha profissão de fé: Non nobis, Domine, non nobis sed Nomini tuo da Gloriam!
Véu
Limite
Cuidado
Um vaso vivo
Flor na carne
Eis o homem.
Apelo de chama,
volúpia de asa,
efémera dor,
derradeira cinza
Voa e queima as asas.
Todas as vezes.
Até que sejas voo.
Aprender é repetir
o que se ignora até que se saiba
e o que se sabe até que se esqueça.
Mas se o saber diz,
a sabedoria cala.
Quando da vida
um pouco mais se sabe
é do erro que se sabe.
E tudo está certo
se de aprendiz se vai.
Gostava de ser
bordador de palavras,
pegar no bastidor
e bordar no linho branco
a minh’alma ponto a ponto
num vagar antigo.
Num bastidor assim
como uma boca aberta
grande e de silêncio
e o mundo todo nela
com a minh’alma aos pés.
Por dentro,
pequeno sopro constrangido
e o vento todo por fora.
Dentro,
quase me conforta
a quase brisa.
Todo o meu vazio é fora
e dele sou prisioneiro!
Um prisioneiro do vento.
A minha liberdade
é de bola de sabão
em tarde de domingo...
Até esta lembrança me prende
e o não lembrar me tolhe.
Memórias
são castelos de areia
construídos bago a bago
na orla da praia.
O esquecimento vem
trazido pelas marés.
Foi na exacta química das estrelas
que um Deus por devaneio me inventou.
Sobra-me em dor o que me falta em brilho,
brilho quanto posso,
mas não posso quanto sou.
A morte não existe
e só a vida arde...
Ou nada disto é isto
e da larva até ao Cristo
todo o sentido é pó.
Como o perfume da rosa
fica nas mãos que a cuidaram,
há um perfume de Deus
em todas as coisas.
Mas não são a rosa
nem as mãos
nem o perfume que elas guardem.
Imenso é o desmedido
que os olhos não abarcam.
Imensidão
é esta dádiva dos deuses
que os olhos não comportam.
Os deuses,
essa verdade dos mundos,
essa mentira dos homens,
existem quando os imaginamos
e vendem quanto dão
e mentem quanto dizem!
Dragões de bronze e sombra
gritam trovões de ameaça,
operando mistérios
na gestação do medo.
Os dragões podem ser falsos,
o medo, nunca!
O medo é sempre verdadeiro.
Quando a chuva cai
o pássaro abriga-se
na árvore frondosa.
Perpétua aparência
de entre Céu e Terra
(de ave ou nuvem)
a permanência.
Por sete portas se vão os sóis
que poucos olhos vislumbram;
neles secam as lágrimas
quando as estrelas morrem.
No arrepio da maré
parte o arco-íris.
Uma tristeza gelada fica
na indiferença
dos grandes silêncios.
Ele tinha a boca cheia
de palavras eruditas.
Veio a morte
e paralisou-lhe a língua.
A terra asfixiou-lhe as palavras
até ao mais fundo da garganta.
No festim dos vermes
foi a rotina
do paladar de sempre.
É privilégio dos deuses
navegarem nas viagens dos teus sonhos,
que todavia não deixam de ser teus.
Mas não sonharás jamais
os sonhos dos deuses
sem que sejas o próprio sonho
que os deuses de vigília sonham.
Quando aos altos cumes te elevas
e deixas abaixo dos teus pés
um tapete de nuvens de algodão
não são os vales milenares
que deixam de existir,
é o teu olhar que se limita.
Todavia, vales e montanhas
não cuidam dos teus voos
e muito menos se perturbam
com o velar e o desvelar das nuvens;
sabem (da chuva e do sol)
o sempre renovado mistério do verde
que inunda os olhos
sedentos de infinito.
Quando o sonho cristaliza
toda a certeza é esclerose.
Felizmente que a esta
o tempo corrompe (e é pó)
ou a raiva a queima
(e é cinza).
Vem depois a dúvida como vento
e logo é nuvem todo o pó
e se esfria toda a cinza.
Ouve-se então um súbito bater de asas
e um olhar marejado pode ainda
ver elevar-se no horizonte
a ave renascida com o sonho no bico.
Quando te ofenderem,
agradece;
quando te elogiarem,
pede a factura...
Tempo é dinheiro,
poupa-o!
O rio secou no seu leito milenar.
O barqueiro ergueu os braços ao céu.
Na paisagem perdida
ficou apenas
um cacto solitário.
Um homem caminha na praia
e aos primeiros alvores exclama:
— Olha, lá vem o Sol!
O sol, espreguiçando-se no horizonte,
boceja:
— Olha, lá está o eterno vagabundo das marés!
Um poeta e um banqueiro
assistem ao romper da manhã.
No relógio do banqueiro
um raio de sol aponta o minuto certo
e brilha.
Dos olhos do poeta
só a morte levará o brilho.
Mas o Sol,
sempre que nasce,
logo caminha,
indiferente a tudo isto.
Num alto monte subiu um homem
em busca de solidão.
Tanto estendeu o olhar
pelos horizontes alargados
que a humildade o tomou.
Mais alto subiu um outro
a quem a vaidade
não mais abandonou.
O desejo é um suor de fogo
segredado pelos instintos,
a repudiar a morte.
O medo da morte
inventa o egoísmo,
que é o pábulo das nações
na saga dos guerreiros.
O último guerreiro
será um herói sem história
que quebra a espada
e morre de solidão.
Vive-se a vida.
Vive-se, quando é contínuo o parto,
quando é crescente a luz.
Ou vai-se de morte em morte
no adensar da noite,
bruxuleando apenas.
Porque,
ou vem a sombra,
quando restam cinzas,
ou cresce a luz
e já o vento as leva.
À Falta de Biografia,
aí vai um auto-retrato
©2001,2006 – Abdul Cadre
abdul.cadre@netc.pt
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Junho 2001
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Março 2006
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