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ABOBRINHAS CONTEMPORÂNEAS

Mauro Gonçalves Rueda

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Abobrinhas Contemporâneas
(Volume II)
Mauro Gonçalves Rueda

Versão para eBook
eBooksBrasil.org

Fonte Digital
Documento do Autor
maurorueda5@hotmail.com
maurorueda@uchoanet.com

©2003 — Mauro Gonçalves Rueda


 

Índice

        PREFÁCIO
  1 – BICHO DO MATO
  2 – MELANCOLIA
  3 – FORA DE FOCO
  4 – DE FORMA QUE AMANHECEU
  5 – EU TAMBÉM JÁ FUI CRIANÇA
  6 – ENCARANDO O DESTINO
  7 – OU VAI... OU SEI LÁ!
  8 – DAS REMINISCÊNCIAS ENCAFUADAS
  9 – DESTÁ QUE NA PRÓXIMA A GENTE SE VÊ!
10 – TEM DIA QUE DE NOITE É ASSIM MESMO
11 – E AQUI VAMOS NÓS, BABY!
12 – DA VELHA SINA O ESTRANHO CANSAÇO
13 – FORA CARA-PÁLIDA!
14 – A TRISTEZA DO CONTENTE
15 – SEM PONTO FINAL
16 – ESTRELA DE GUIAR
17 – DA NATUREZA DA MEDITAÇÃO
18 – CREPÚSCULO
19 – AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA
20 – A VIDA PARA SER VIVIDA COMO DEVERIA
21 – HAVIA UM TEMPO EM QUE...
22 – QUANDO A HISTÓRIA PARECE QUE SE REPETE
23 – UMA SINGELA DECLARAÇÃO DE AMOR
24 – MOÇO: O TREM JÁ PASSOU!
25 – O QUE FAZER QUANDO NADA MAIS NOS RESTA?
26 – COM O MUNDO NAS MÃOS!
27 – SER PRISIONEIRO NÃO É FÁCIL
28 – A SÍNDROME DO PÂNICO É FRESCURA!
29 – POR UMA FRESTA UM OLHO MIRA
30 – DE REPENTE A MADRUGADA MUDOU
31 – O CALCANHAR DE AQUILES
32 – DEUS LHE PAGUE!
33 – E EIS QUE OS IRACUNDOS BUFAM!
34 – ASSIM, ASSIM SEM QUE A GENTE PERCEBA!
35 – DA LUZ E DAS TREVAS
36 – FOME: CODINOME HUMILHAÇÃO
37 – COISAS DA TERRINHA NO MALDIZENTE ESCREVINHAR
38 – FORNECIMENTO DE ÁGUA: É PRECISO VALORIZAR!
39 – O ÚLTIMO DOS DINOSSAUROS NO VALE DA TECNOLOGIA
40 – QUANDO A RESPONSABILIDADE BATE EM NOSSAS PORTAS...
41 – UMA PEDRA NO SAPATO QUE COMEÇA A NOS INCOMODAR
42 – UM REAL QUE MAIS PARECE UM CRUZADO NO ESTÔMAGO DA NAÇÃO
43 – AGRADECIMENTO POR TORNAREM A VIDA MAIS BELA
44 – POEMETO DE APRENDIZ: DE UM CRÔNISTA CANSADO DAS PALAVRAS
45 – EM VIRTUDE DA FALTA DE EXCRÚPULOS E COISA E LOISA: OLHA O APAGÃO AÍ GENTE!
46 – ANDANTE
47 – E EU QUE SEMPRE TORÇO PELOS MAIS FRACOS
48 – PODER E TERRORISMO:TODOS OS DIAS SÃO DIAS PARES E ÍMPARES
49 – Ô TOLERÂNCIA ZERO QUE AINDA ACABA ME MATANDO SÔ!
50 – SERÁ MINHA DUVIDOSA IMAGINAÇÃO?
51 – O TELEFONE: TÃO IRRITANTE QUANTO O HOMEM
52 – PAGANDO UM MICO E ENGOLINDO BREJOS DE SAPOS CURURUS
53 – PORQUE É NECESSÁRIO CONHECER ANTES DAS CONCLUSÕES
54 – A PSICOLOGIA DO FARRAPO MENTAL
55 – O QUE DEVE SER MAIS PEÇONHENTO COBRAS OU ALGUNS HUMANOS?
56 – DIVAGAÇÕES
57 – MOTE CONTÍNUO
58 – UM PAÍS DE LEITORES ANALFABETOS
59 – POPULUS MY FRIEND
60 – MAIS UMA DAQUELAS
61 – APONTAMENTOS PARA E DO COLUNISTA-POETA EGBERTO LIMA
62 – A SOMBRA EMOLDURADA
63 – DE REPENTE A NOSSA FÊNIX ABRE AS ASAS SOBRE NÓS OS PEQUENINOS
64 – NEM QUE SIM E NEM QUE NÃO, NÉ?
65 – E ESSA INVEJA TRANSFORMADA EM OBSESSÃO E ÓDIO!
66 – TELEFÔNICA EMBRATEL ANATEL SARAPATEL E BORDEL
67 – MEDITAÇÃO EM FUNÇÃO DE UMA CERTA LINHA DELIMITADORA
68 – SONHO & REALIDADE
69 – ESSA MULHER QUE TÃO POUCO SE MOSTRA
70 – AS MARIONETES IRACUNDAS E ANALFABETAS
71 – MORRER PARA RENASCER: O QUE AGONIZA NÃO IMPLICA EM SILÊNCIO
72 – BOM DIA!
73 – PARTO PORQUE ESTOU MORRENDO AOS POUCOS
74 – SEM PÉ NEM CABEÇA
75 – MULHER INGRATA/INGRATA MULHER
76 – O QUE NOS BASTA É O QUE DESATENTOS NÃO PERCEBEMOS TER
77 – NEM SEMPRE TÃO RELAPSO QUANTO POSSA PARECER À PRIMEIRA VISTA
78 – E NADA COMO UM DIA APÓS OUTRO SE NOS FALTA INSPIRAÇÃO
79 – ALGUMAS CANÇÕES PRECOCEMENTE SUICIDADAS
80 – POS/FÁCIL NADA FÁCIL


 

ABOBRINHAS
CONTEMPORÂNEAS

(CRÔNICAS-VOLUME II)

MAURO GONÇALVES RUEDA

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-2003


 

 

“Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim....
E o meu caminho e o teu caminho
É um nem vais, nem vou
(Caetano Veloso, In “Mãe” — Gal Costa, LP “Água Viva”.

 


 

 

Para:
Maricy & Joyce.
Minha Família & Barretos Alberto Candolo Neto.
Edson Baffi.

Ainda:
Roberto Ferreira (irmão e fã das crônicas),
e aqueles aos quais consegui,
de uma forma ou de outra,
incomodar por escrever o que me foi impossível evitar.

Para algumas mentes medíocres que jamais conseguiram entender uma linha sequer do que escrevi.

Para os eternos penduricalhos de gabinete e todo o PT de Uchoa (Nova Geração), que se esqueceu quem formou o partido e o carregou nos ombros ao longo dos anos.

Para o casal, Dr. Miguel e D. Lila Chadad, porque, simplesmente são gente e como diz Caetano “Brilham”.

Ainda:
nosso imortalizado Paulo Coelho em quem tiro “um barato”, mas admiro por suas obras sociais — amor ao próximo —, e pelas músicas e letras com seu ex-parceiro, Rauzito — aquele do “Disco Voador — In SOS — do LP Gita”.

Para Nélson Jahr Garcia (Em Memória), que nos legou com seus escritos, disponibilizados na eBooksBrasil.org e em sua própria Biblioteca, muito mais do que sonhava ou supunha que viesse a fazer.

Enfim, todos os que por sonharem com a liberdade dos povos, acabaram prisioneiros ou foram desumanamente “suicidados” pelo Sistema.


 

 

PREFÁCIO

 

Este primeiro livro de Crônicas (que é o segundo), reúne textos publicados nos Jornais “O UCHOENSE”, “A TRIBUNA REGIONAL”, alguns publicados na “TRIBUNA ON-LINE”, e outros ainda, inéditos. As crônicas foram publicadas na coluna “Crônica do Cotidiano”, que achei conveniente, por motivos óbvios, mudar para “Abóbrinhas Contemporâneas”.

Apesar do nome soar menos comum, não deixa, em seu conteúdo, de ser o que tinha — às vezes repetitivo, com pitadas de sentimentalismo piegas e outras um tanto ácidas, irônicas, melancólicas, revoltas e sonhadoras. Como se alguém olhasse o mundo à sua volta e — fazendo aqui uma analogia —, transformando a realidade crua e chocante em, não menos chocantes aparatos interiores na lida com a vida.

Maior cota de aborrecimentos e confrontos adquiridos gratuitamente junto aos políticos boçais, são — seguramente —, em virtude destas crônicas. Mesmo dando uma pincelada, maquiada, “alguns vestiam a carapuça” e lá estava eu tentando explicar que não tinha nada à ver com eles. Mas se desejavam, então tinha. Mesmo porque, vestem as carapuças e se lhes assentam bem em suas incontáveis facetas, problema deles e não do escrevinhador.

As inéditas, ou por não achá-las boas ou por descaso, não foram publicadas e resolvi acrescentar neste livro. Algumas, em seu conteúdo, muito mais particular e, portanto, sem grandes interesses para os leitores dos jornais. De qualquer forma, além da página “Social & fofocas”, era (eu nunca disse, me afirmavam), a coluna mais lida. Motivo para orgulho? Nem tanto — eu soltava meus demônios e eles se identificavam. Provavelmente porque todos temos problemas parecidos e plêiade de demônios em nossas vidas abarrotadas pelos percalços, intempéries e atribulações.

Gosto daquelas com um certo cunho nostálgico e de melancolia — às vezes extremada melancolia. Mesmo porque, costumava escrevê-las nas madrugadas ou ao esparramar-se do crepúsculo. Algumas singelas e eu diria, amenas. Outras iradas e destilando veneno. Algumas irônicas e dúbias. E muita, muita divagação, metáforas, cortes, recortes, spleen, contrastes, recortes, pastiches, lugar-comum, clichês, jargões e enfim, nada que não tenha sido escrito de outra forma e com outras palavras.

No entanto, vale a pena conferir. Mesmo que algumas sejam o rezingar de uma alma enfarada, muitas são vivazes, enérgicas, provocativas e até mesmo poéticas neste fazer poético que é o próprio viver e conviver. Relapso e divagando como sempre, em muitas, perdia a noção e a linha do raciocínio — tênue, muito tênue e diáfana a linha: do raciocínio e da própria existência —, e deixando romper o fio que nos mantêm cativos a esta existência, criei asas e danei a perscrutar por outros prados —, muito mais para lá de onde “enterraram meu coração na curva do rio”.

Muito choramingas para com as balbúrdias dentro do peito frente as injustiças, os disparates, a futilidade, o vazio das pessoas mecanizadas, no labor desta vida sem sentido, consentindo, coniventes, abaixando a cabeça, se deixando levar feito gado manso para o abate e portanto, não havia como impedir o ranço da revolta. Muita maldade, desonestidade, corrupção, descaso, exclusão, miséria e mazelas da mente e da alma. Tudo isso, abre feridas e cria crostas que, não há tempo que sane, amenize, atenue. Por isso, as crônicas trazem no bojo, muito desta forma de catarse, de regurgitar o que não se engole quando se tem consciência dos disparates e das perversões, maledicências, inveja, vilipêndio, acinte, avilte e os biltres nos mandos e desmandos sem preceito e pura maldade e perseguições ao próximo.

Minhas crônicas não são fáceis de serem digeridas. São parágrafos longos. Verborragia, confusão mental, divagações, um certo mofo ancestral, uma incômoda poeira de inconformidade, elefantíase no tornar-me falacioso e até mesmo redundante e indigesto. Tudo isso, sem contar a impulsividade que nos ceifa um pouco da razão, obscurecendo a obra e o autor.

“Me mudar pra agradar senhor ninguém é que eu não vou/eu sou assim/assim sou feito/assim serei até o fim/quem não gostar que dê seu jeito”/ (Raimundo Sodré e Marcelo Machado, In “A Massa”). Pois é, o PRIMEIRO VOLUME, encontra-se todo ele, nos arquivos de jornais e se, as traças e o tempo me permitirem, hei de digitá-los para que o DOIS não acabe na orfandade. No mais, tentem ao menos. Se em último caso, não conseguirem ler, não importa, continuem correndo, correndo, correndo, até que um dia, já no fim da estrada, quando quedarem-se exaustos, exauridos, sentando-se à sombra de alguma árvore, aspirando os ares campestres, procurem na maleta ou no alforje, e ele estará lá — “Ah, o livro de crônicas daquele sujeitinho metido a escrever”... E, como quem não tem mais nada à conquistar ou porque continuar correndo sem saber ao certo porque, talvez dê para ler. Ou tentar. Tudo vale a pena. Eu acredito. Leio até bula de remédio. Isto não é apelação, é um convite. Boa leitura para quem tiver vontade e paciência.

Bem, acho que é isso. Eu, o prosaico e redundante me despeço e espero que o conteúdo do livro, seja um pouco mais que mero passatempo. Nem que seja.......

O Autor
São José do Rio Preto/Uchoa, 12 de Fevereiro de 2003.


 

“Velhas Canções”
Mas o que eu quero dizer, baby
É o que as frases já não dizem mais
Você pergunta pra quê tantos sonhos
Se o novo já se perdeu lá atrás?
Eu picho o muro riscado do sangue
Das gerações que não voltam jamais
A paz que Lennon tingia e Elis cantou, quem nos traz?
Mas o que eu vou refazer, Baby
Velhas canções que restaram no ar
Sem estilhaços, bandeiras ou medo
Quem é que vai nos impedir de amar?

(Benê Ferreira e Mauro Rueda, do CD — Realejo ao Vivo,
gravado no Teatro Municipal de São José do Rio Preto, 2001)

 


 

__//__

Um dia Raimundo, se chegou ao mundo
se esqueceu do cansaço
entre barracos e vidas, entre homens e dores, de uma grande cidade
e bebeu pelos bares, lhe botaram em cana
e era grande o mundo, pro pequeno Raimundo-rei
Hoje Raimundo é notícia, lembrança que já se passou
sete palmos, Raimundo, no meio do mundo ficou
e já não sofre mais, toda a vida continua
e o mundo se povoa, outros Raimundos virão
toda a vida continua e ninguém vai te notar
tantos Raimundos serão: Raimundo rei, Raimundo Rei
”.
(Raimundo Rei — Lori Ferreira e Mauro Rueda — da peça teatral “Marginália”, escrita por Mauro Rueda e musicada por Lori Ferreira e Benê Ferreira. Gravada no LP “Sonho de Adulto”, 1.981 — Grupo Realejo.

_//_

Um cantador cego não sente
que a vida passa, laça, embaça o que sonhou
Um cantador, mudo consente, no seu silêncio a razão que ficou dor
E dói nos olhos, cegos do medo
que seu repente, roto, rente, rasga o chão
Liberta o dia, as duas faces, do cantador cortando o canto feito o pão
E vai o canto, nessa agonia
De passo em passo, feito laço, feito dor
Brota do peito, um eco torto
Do grito solto, roto e morto na canção
Refrão: Vai, vai na vida
Vai se acabar/Que tua sina
É não chegar

(Sina de Cantador — Música de Lori Ferreira e Benê Ferreira/Letra de Mauro Rueda — Vários Festivais e shows — 1.981).
_//_


 

 

BICHO DO MATO

(1)

 

A fome, a doença, o esporte,a ginkana
A praia compensa o trabalho, a semana
O chope, o cinema, o amor que atenua
O tiro no peito e o sangue na rua
A fome a doença, nem sei mais por quê
Que noite, que lua, meu bem, pra quê?
O patrão sustenta, o café o almoço
O jornal comenta, um rapaz tão moço
O calor aumenta, a família cresce
O cientista inventa uma flor que parece
A razão mais segura pra ninguém saber
De outra flor que tortura, pois é pra quê
?”
(Sidney Miller, excerto — “Pois é pra quê?”, In A Arte de MPB-4 e Quarteto em CY)

 

De repente, me dei conta que havia dormido apenas três horas. Pouco para quem passara a noite em claros, tentando enfiar alguma coisa na cabeça dura de eterno aprendiz. Os resquícios da noite passada, ainda se acercavam de meu corpo fatigado e via-me rodeado por verdadeiras muralhas de livros, os mais diversos. Código Civil; Comentários À Lei de Imprensa; Estatuto dos Servidores Públicos Municipais; Estatuto da Associação de Bairros “não-sei-de-onde”; Novíssima Gramática; meia dúzia de livros de crônicas; uma dúzia de revistas sobre Cultura Artística; três grossos volumes versando sobre Informática; Regimento Interno da Câmara Municipal de...; Lei Orgânica do Município de...; Comissão Municipal de Empregos; Estatuto dos Servidores Públicos; Piaget, mais quatro ou cinco livros sobre Construtivismo; uma batelada de livros de Gramática do Ensino Básico; a Cartilha Caminho Suave; um livro de poesia de Florbela Espanca; Romanceiro Gitano de Lorca; Drummond; Fernando Pessoa; dicionários de Inglês, Italiano, Francês e gramática espanhola; livro da Campanha da CNBB sobre o Desemprego; alguns livros infantis; uma parafernália de manuscritos programados para três livros de contos que eu arquitetava; os Pré-Socráticos; algumas revistas da CD-Rom sobre Informática; Manuel Bandeira; três caixas de disquetes com uma relação e planilha de livros por serem terminados ou mal-iniciados e, humildezinha, uma revista em quadrinhos: a primeira edição do “O Zé Carioca”, o número 1 — inserido no “Pato Donald”. Sem contar o calhamaço de papéis: contas a pagar, entre outros.

De forma que desperto. Domingo de sol, um vento irritante, parceiro da poeira, do fungo e inimigo da asma. Deixo de lado o amontoado de livros e estatutos, corro para a TV, ligo o vídeo e aciono uma fita com a música “A Saudade, a Viola e Eu”, de Orlando Moraes e Doc Salú. Aí, a companheira me traz um café passado na hora. Fumo, mesmo com os pulmões congestionados e os olhos marejando. Saudade de Barretos. Do menino do mato. Dos pés no chão. Das estradas boiadeiras. Do ranger dolente e moroso dos carros-de-bois. Saudade das noites que não voltarão jamais. Saudade não-sei-do-que. Saudade do que eu era. Saudade pura, ingênua, aparentemente sem motivo algum. Coração meio magoado por haver adquirido um pouco de cultura. Da cultura contemporânea, emergente, metropolitana, infindável.... Que, da mesma forma que é captada, nos foge e torna-se lapso da memória.

Não é feito o que ficou cravado, fincado dentro da alma passarinho. Feito raiz aprofundada no solo do coração e das memórias acocoradas nalgum canto do terreiro do casario da fazenda onde o menino divagava a sonhar em ser um jornalista, um escritor ou coisa assim. Não, é tudo supérfluo e artificial. Feito as Leis, os incisos, os parágrafos dos Códigos e Estatutos. Mutáveis e abertos à margens tendenciosas e suspeitas. Emendas forjadas, inconsistentes feito certa cultura adquirida via Internet que, de um dia para outro, cai por terra. Coisa sem sentido, sem tino, sem palavra duradoura....

Nada se compara ao som da viola que acompanha o poema cantado e vai enriquecendo a harmonia da música que ouço e me remete à tempos idos. Fumo desregradamente, mesmo com as campanhas contra e os males que o vício causa à todos nós, fumantes moderados ou não... Observo o computador, os livros, os CDs, o violão esquecido no canto do quarto de trabalho. A companheira, amiga e confidente a perguntar-me se estou bem; se “algum problema”. Somente um cisco nos olhos. Um: nos dois e ao mesmo tempo. Contradição não, fora mesmo!. Minha filha que, ansiosamente espera a tia para irem à chácara, observa-me curiosa, embora saiba do velho menino de coração “manteiga derretida” que, ouso persistente, não deixar morrer na obscura e umbrosa lida Todos vão para a chácara espiar o pomar, a terra, o mato; ouvindo o cântico da passarinhada...

— Vamos?..

Não. Eu não posso. Preciso ler, escrever, estudar, aprender, praticar, calcular, somar, subtrair, pensar, repensar, me informar, me reestruturar, reencontrar o que perdido, rebuscar-me, escarafunchar-me e... Perdido. Estou completamente perdido!. Não sei quando e onde fui me perder. Por aí, talvez?. Quem sabe? Eu não sei...

Foram. Partiram. Sento-me frente ao computador, acendo outro cigarro e sinto uma vontade imensurável de me encolher, apequenar-me... Voltar a ser criança, afogada pelas águas/mágoas deste pranto inevitável que, na solitude silente desta manhã de domingo, começa a brotar feito cachoeira. E eu sequer me pergunto para quê, afinal?


 

 

MELANCOLIA

(2 — Publicada)

 

Quando a noite descerra seu manto sarapintado de estrelas e o crepúsculo abandona a paisagem deixando este resto de melancolia, somente então, a gente sente o travor do abandono.

Talvez seja a idade. A cidade, quem sabe?. No bairro em que moro, as ruas restam vazias. O silêncio abarca até mesmo os recônditos da alma. As ruas inermes, feito os mortos em sua derradeira e sepulcral quietude. O olhar escarafuncha, palmilha, abalroa a paisagem. É feito um quadro inacabado. Parece-nos faltar alguma coisa, mesmo que não saibamos o que. Uma pincelada que, jamais, a mão do artista esboçou.

Nesse bosquejo mal delineado, indefinido, é que se nos toma de assalto, a velha solidão. Um sentimento de vazio ao invés de paz. Desconforto pela serenidade. Como se faltasse um pedaço de nós mesmos.

A cidade mudou. Mais pobre, maltratada. Problemas da política dos últimos anos. Mas as pessoas também. Como se houvessem perdido os sonhos e as esperanças, deixaram de acreditar em quase tudo. Inclusive na vida e em si próprias. Isto é, no mínimo, uma afronta contra os princípios da Criação.

O tempo sábio, com mestria e precisão, incumbe-se das nuanças. Não é ele, tempo, quem envelhece as pessoas e tudo à nossa volta?. Não, não foi ele quem roubou meus sonhos; tirou o alento daquele pai de família que já não sabe o que fazer para pagar o mercadinho. Nem foi ele quem surripiou o sorriso inocente dos lábios da criança ou endureceu o já ressequido e empedernido por natureza, coração do político. Nem fez murchar a flor ou, já sem saúde, falecer o ancião. Ou foi?

Há um tempo para tudo, sim. Convenhamos. Mas daí, a atirar a culpa de nossas inquietações sobre os costados de alguém ou, do próprio tempo... E é justamente nessas horas em que, solitários, meio espezinhados e com tão restritos sonhos e esperanças, nos deixamos aprisionar pelas malhas da velha melancolia crepuscular. Ou, de uma côdea do que nos resta do que algum dia fomos ou sonhamos. Mas, é assim mesmo. Às vezes nos preparamos para muito e, ao menor sinal de tão pouco, nos sentimos feito uns pobres diabos abandonados pelo Criador.

Em meio à sentimentos conflitantes e impregnado pela tristeza natural, descubro que, o quadro descrito, embora não seja dos mais saudáveis e enlevados, pode servir como tema para versos ou, digamos, uma crônica. É isso, uma crônica catarse. Com os defeitos e desarranjos da alma e o seu jeito de sentir. Mesmo sem nenhum alento ou vivacidade. Em ritmo moroso e tingida em cores quase sombrias, refaço a paisagem. Ou melhor, pinto-a numa tela particular, embora de somenos importância para os que já se recolheram frente ao aparelho de TV.; ou para aqueles que, algum dia, possam vir a interpretá-la com seu estado de espírito. Chego a pensar numa canção. Há tanto tempo não “converso com meu amigo violão” !...

Enfim, já enfarado e ciente que, há coisas que jamais poderemos mudar, adentro para o quintal, apanho caderno e caneta e ponho-me a contar sobre essa melancolia que me faz pensar que a vida, ora, a vida também é feita de cacos de sonhos e estilhaços de esperanças. Por isso, devemos considerá-la sempre, uma arte. Uma magnífica e dignificante Arte. A vida. Ainda que, em cacos e estilhaços juntados e colados feito os sentimentos e a própria melancolia que, faz com que nos sintamos meio fora de foco quando procuramos nos situar em algum desses quadros de fim de tarde, início de noite, sem saber que espaço ocupar.


 

 

FORA DE FOCO

(3)

 

Desesperado, recorri ao Márcio Jacovani que, diga-se de passagem, com seu jeito “meio punk”, mas de coração sem medidas, atendeu-me de pronto. Sem mais o que fazer, sentindo-me meio traído após 18 anos fazendo jornal no município, via-me sem emprego, apelando para cesta básica e o que é pior, recorrendo à praga da agiotagem. Quase afundo sem escafandro e na lama.

Essas coisas, por incrível que possam parecer, acontecem. Mesmo quando a gente não acredita que o nosso maior inimigo continua sendo o velho amigo de tempos soterrados pela memória curta e pela ignorância.

Três dias após eu telefonar para o Márcio, já completamente entregue às favas e traças do esquecimento, batem no portão e chamam. Era ele, o Marcinho, como costumam tratá-lo de forma carinhosa em seu trabalho. Foi logo soltando:

— Te arrumei um trampo assim e coisa e loisa. Vai ganhar tanto e aí, é com você. Começa amanhã?.

No ato. Sem dormir, às seis da manhã tomei um banho e rumei para São José do Rio Preto. Primeiro dia, excesso de informações. Gabinete na maior balbúrdia. Muito entra e sai. Gente pedindo e reclamando. Varei o dia sem perceber. Saí estressado e inteiramente fora de foco.

— Fica na sua. Pega leve, sempre com um olho no peixe e outro no gato — me recomendava o amigo.

Fiquei na minha. Ou melhor, na deles. O excesso de agitação e desordem nunca foram minha área. Faz isso. Agora, já, pra ontem. E eu ali, enclausurado, chafurdado, cismando se dava para pegar nem que fosse no tranco. Dormir, nem pensar. Vazei a primeira semana sem pregar olhos.

Passei o fim de semana em casa com a mulher e a filha. Cheguei em Uchoa num sábado à tarde, após meio-dia de tumulto durante uma conturbada reunião política. Transido e, já tomado pela agitação e ansiedade excessivas, passei o resto do sábado e o domingo comentando como fora a semana. Péssima. Não de todo ruim. Péssima!.

No segundo dia, bateu o desespero, sentia-me fora de foco, desenturmado, perdido, atabalhoado e prestes a pedir demissão sem mesmo ser nomeado. Quedei-me no corredor desamparado e como já disse, fora de foco. Garimpando coragem para bater continência ao “Tenente” e, adeus viola. Foi aí que senti que haviam me colocado em foco. Era o fotógrafo Edson Baffi. Bonito, elegante, um sorriso ancho nos lábios, com sua calvície simpática e conservadão após os dezoito anos sem contato.

Voltei a entrar em foco, os pés quase saíram do chão com o aperto e as palmadas nas costas que quase me fazem botar os pulmões pela boca. Daí, passei a sentir-me uma das pessoas mais importantes deste mundo. A velha terapia do abraço. A gente sente quando alguém gosta, através do reencontro e da forma expressa. Edson Baffi amenizou o padecimento, espantou o fantasma do “até logo, fui” e, foi responsável por eu ter conseguido permanecer no emprego por mais algum tempo.. Digo que foi ele, mas há outras pessoas por trás desse fato além, é evidente, da necessidade e da responsabilidade assumidas.

Durante o referido período, revi muita gente que não via há quase 20 anos: o Rubens Celso (Cri); a Mao; o Nenê Honsi; o Lui; o Toledo, o Lelé Arantes, o Cavaco, o Parayba, o Prata, o Jessé do Diário, o Higa, o Baida, a foto do místico Gugu na Sala da Imprensa. Vi também o Galvão, o Edinho Araújo, o Marcelo Gonçalves, o Cacau, o Paulo de Castro dos velhos festivais da MPB, o Serroni, além de conquistar novas amizades. O próprio Aldo, o Fábio, o Sr. José do protocolo, simpático e educadíssimo. A Dra. Íris, místicamente fantástica. O Zé da Xerox. A recepcionista. O atencioso rapaz que trabalha no almoxarifado. O pessoal da redação. Sr Valdomiro do café. A Clotilde do gabinete do presidente Zanirato. O Edson (Tigrila), que conheci garotinho, jogando bola pelas ruas da Vila Anchieta. Fiquei três dias na casa do Márcio e saímos com a Rô e a Flora (esposa e filha, respectivamente, do Marcinho que é um verdadeiro Buda). Foi então que encontramos o Luís Jardim e a Sandra cantando e tocando; o Parayba que gravou uma música que compus em parceria com o Benê do Realejo. Sem contar os que... Que me perdoem mas minha memória já não é a mesma de 20 anos atrás. De qualquer forma, minha estada na Câmara chegou ao seu termo. Eu voltei. Sai fora. Conto porque.

Aprendi com meus pais a respeitar e exigir respeito. A não comparar para não ser comparado. A falar de forma serena porque aos berros, ninguém consegue chegar à bom termo. E, sobretudo, porque apesar da boa vontade, não conseguia produzir um décimo do que sou capaz. Sentia-me de mãos atadas. A mente bloqueada, entorpecida pelas ordens desconexas, sucessivas e às vezes, disparatadas. Coisa de quem não tem o que falar e fica regurgitando frases pelos cotovelos e dando volta em volta de seu próprio círculo concêntrico (ou excêntrico?), sem ir à lugar algum.

Sai. Não disse que estava saindo, mas também não disse que voltaria. Fiquei meio jururu no último dia. Confesso que já sentindo saudade. Coisa de somenos importância? Talvez. A conclusão é que, percebi que não conseguiria desenvolver trabalho algum à contento por lá, se continuasse amarrado e deixando toda a minha vida de lado. O que era para ser resolvido, ficou pela metade. Mal delineado e meio sem jeito, humildemente, tenho que escusar-me com aqueles que tentaram ajudar-me de uma forma ou de outra. Somente peço que compreendam a minha situação. Infelizmente, tenho que sair correndo atrás do dinheiro senão amanhã, cortam o fornecimento de energia elétrica aqui do barraco, fico sem crédito na mercearia e, .... Bem, aí já vira apelação. De qualquer forma, jamais pensei que pudesse reaver tantas pérolas perdidas pelo caminho. Pelas sendas esquecidas e trancafiadas em algum vezo da memória e do coração. Se valeu?. Valeu e muito!.

Ah, voltei a sair de foco. Mas, certamente — e eu acredito nisso —, deverá aparecer algum Marcinho ou algum Baffi para, mais uma vez, colocar-me em foco e fazer com que eu volte a acreditar que, jamais estaremos completamente sós e abandonados. Mesmo quando fora de foco....


 

 

DE FORMA QUE AMANHECEU

(04)

 

Amanheceu. Foi assim, de repente. Sem que eu me desse conta que, o tempo é parco, veloz, atroz, incontinente. Amanheceu porque um galo resolveu emitir seu cântico. Ou porque, os pássaros deram início a algazarra no quintal. Amanheceu porque ouvi vozes dos trabalhadores que passavam lá na calçada. Os primeiros carros e caminhões. Enfim, amanheceu porque o despertador despertou quem não chegou a deitar-se esta noite.

Enquanto o dia inicia-se lá fora, cá dentro — não do quarto transformado em escritório de trabalho —, em meu ser obscuramente atormentado, tento organizar um pouco toda essa balbúrdia, essa parafernália em que deixei transformar-se minha existência. Lembro-me de Raul Seixas, não sei porque. Reestruturar todos os escombros, nem pensar. Mas, no mínimo, uma vassourada pelos cômodos empoeirados da alma. Afinal, nem sei quanto tempo terei para colocar em ordem esse tanto pela metade.

De forma que, amanheceu. Prometo não desistir ante a adversidade e as chacotas do destino. De forma que amanheceu e eu, muito do esculhambado, já inicio o dia com o ovo virado. Coisas desta vida trôpega. Não sei por onde começo, mas tenho a convicção de que alguma coisa necessita ser articulada e posta em prática. De forma urgente, para que eu possa continuar acreditando na vida e em meus próprios propósitos. Ainda os tenho, acredito. Essa porca política dos imbecis senhores proprietários de nossos destinos!. Asco!. Lá se vai minha parca paciência.

Sentado sobre minha frágil e debilitada vontade; prisioneiro da inércia e da falta de coragem rezingo: porra!, aqui não acontece nada. Alguém precisa... Nada que alegre o meu coração!. É isso aí, Belchior: não tenho feito nada para melhorar essa porcaria e ainda dou-me ao direito de reclamar. As coisas somente acontecem quando a gente deseja realmente a ponto de colocá-las em ação esperando pela reação. Viva!, solucionado o problema da inércia e do vazio abissal!. Eis que, descubro onde encontra-se o mal. É necessário cortá-lo. Ali, na raiz e deixar de ficar encetando lutas imaginárias contra os galhos. Agora lembro-me porque pensei em Raul Seixas. O coringa do baralho. Fazer acontecer, eis a questão. Carrascos e vítimas do próprio mecanismo criado. Verdugo do próprio verdugo. Fantasma do próprio assombro. Porquê será que ando tão assustado e covarde nos últimos tempos?. Sempre a mesma desculpa: a família. Preocupadíssimo com a família, nem reajo mais. Ajo feito o cordeiro sacrificado. Obrigado, Senhor!, porque não sou eu o assassino e sim o assassinado!. Papo furado e mais besta!. Nem Freud explica essa porra. Autocomiseração.

Penso: sou um homem justo. Tenho procurado ser honesto. Não tenho desejado nada que não tenha direito ou que não seja meu. Que eu tenha merecido. De que me tem valido tais princípios?. Não que eu os devesse abolir e passar a pensar e agir feito essa malta de imbecis e hipócritas.

Bem, de qualquer forma, amanheceu. E, por Deus, nunca me senti tão só e atordoado frente ao caos em que a vida vem se transformando nos últimos anos. Não fosse essa manhã... Não fosse o que, de graça “Ele” emprestou-me, juro que sairia de mansinho e deixaria tudo para trás. Inclusive o que tenho sido ultimamente e que, sinceramente, desconheço!.


 

 

EU TAMBÉM JÁ FUI CRIANÇA

(5 — Publicada)

 

Eu também já fui criança e igual a todas as outras, também fiz aniversários. Havia, em meu tempo, determinadas nuanças quanto à semelhança. E ao mesmo tempo, no meu caso em particular, quanto à discrepância. Admito: sempre fui bicho do mato, embora tenha nascido em Santo André, aspirado fumaça de óleo diesel e traga na alma, um cadinho da fuligem das fábricas com suas chaminés enegrecidas. Apesar de tudo isso, ainda em criança, descobri que o sentimento e a sensibilidade são inatos em todos nós humanos.

Não foram a pobreza, a mudança para a beira do mato no Interior — Barretos —, o que fizeram com que eu me transformasse naquele menino que sonhava com mais intensidade do que a própria vida poderia oferecer-me com suas festinhas de aniversários; as amizades seletivas; ou as ligações de parentescos. Embora, neste caso, admito, havia muito a ser oferecido. Sobretudo, não foram os convites para festas.

Até hoje, orgulho-me disso. Se me chamassem, seria fácil recusar e agradecer. Não me sentiria excluído, caso fosse o único a ficar fora da festa. Toda festa era-me tanto amorfa quanto os laços de amizade que contraímos na atualidade de um mundo egoísta e seletivo. Tudo é seletivo nos dias de hoje. Em minha mente, meu coração e meu mundo, não existe espaço para essas coisas pequenas, tacanhas, patéticas. Aliás, faço questão que não me convidem para nada. Sinto-me bem melhor ocupando um espaço que conquistei. Não por egoísmo, excentricidade. Mas por filosofia de vida. Por princípios.

Em Uchoa tem muito disso: processo seletivo, separatismo, exclusão e ignorância. Meus sentimentos já superaram coisas piores. Desde menino, como já frisei, aprendi a conviver com a imbecilidade do ser humano. Todavia, não sei se todas as crianças possuem essa mesma capacidade de aceitação e não se deixam macular por possíveis seqüelas causadas pelo processo "panelinhas babacas" desta geração prepotente, mesquinha e ignara tanto quanto os próprios pais.

As crianças de hoje, são sensíveis sim. Possuem um grau de sensibilidade bastante acentuado. Demonstram-se felizes em poderem ser participativas. Gostam de ser convidadas. São outros costumes, outra cultura. No entanto, tudo isso, as tornam bastante vulneráveis. De forma que, se excluídas, são propensas a adoecerem porque são feridas, magoadas e anuladas. Como se apaga uma frase do quadro negro com o velho apagador. Como dizemos: riscamos aquela cidade do mapa. Assim é minha filha. Assim são, a maioria das crianças que residem em Uchoa. Que, aos sábados ou domingos, saem em grupos com seus alaridos e roupas bem cuidadas, em direção a alguma casa de um aniversariante, a carregarem nas mãos, o imprescindível presente. Presentear é uma forma de dizer que ama e que está ali, presente. São outros tempos. Outros costumes e, como eu disse, outra cultura.

Sábado, dia 02 de outubro o pacote com o presente encontrava-se sobre o velho sofá da sala. Somente o pacote e as lágrimas eram novos. Ah, a frustração também era nova. O sentimento de rejeição, nem tanto. Mesmo porque, já havia ocorrido mais de uma vez. Sentia-me incomodado. Não por ser eu o "enganado". Afinal, eu não recebera nenhum convite. Pela primeira vez em toda a minha vida eu sentia-me indisfarçavelmente ferido. Quase que um processo de osmose. Esbocei um palavrão, mas calei-me. Vamos desenterrar a velha piscina de plástico. Vamos enfiar a cabeça dentro da água fria e contar até que não mais agüentemos. Vamos atirar água um no outro. Conversar. Brincar. Esquecer que, às vezes, nem tudo é como a gente sonha ou gostaria que fosse.

É isso aí, filha! O mundo é meio estranho para que você o entenda na sua idade. As pessoas que pensamos conhecer, não são as mesmas que pintamos em nossa telinha de sentimentos. Não cabem dentro de nossos pequenos corações —, às vezes. Não porque nossos corações sejam pequenos. Mas porque, as pessoas julgam-se muito importantes ou demasiado grandes para ocuparem espaço tão diminuto. E, chegam mesmo, a acharem que o coração da gente, é feito da mesma matéria que possuem no lugar do cérebro.....

As pessoas são assim mesmo. É difícil crescer. A vida é feita desses pequenos contratempos. Com o passar dos anos, também passamos a compreender tudo isso e muito mais. E são fatos assim que acabam nos tornando melhores do que somos à cada dia vivido. São fatos assim que revelam o que são, na realidade, as pessoas. E elas são muito parecidas. É importante aprender a compreendê-las e perdoá-las. É a Lei da caridade no mundo dos egoístas e prepotentes.

Mas é necessário muito, muito mais do que, chafurdar a cabeça dentro da água da piscina no quintal da casa. Muito mais do que boas gargalhadas e brincadeiras edificantes e saudáveis para que, consigamos mitigar e sanar a mágoa. Embora, não custe tentar.

Vamos inventar histórias. Faz de conta. Os dois sentados no chão da sala. Faz de conta que eles são iguais a nós. Que sentem como nós sentimos. Que são realmente bons e camaradas. Enfim, façamos de conta que o que ocorreu, não se conta. Desconta-se e pronto: solucionamos o problema!.

Mais tarde, quando o cansaço chegou e o sono apanhou minha filha de surpresa, perguntei-me, será que ela realmente, se deixou convencer de que o que aconteceu não passou de mera bobagem a ser esquecida?. Então lembrei-me de "Valsa Para Uma Menininha", do Vinícius & Toquinho:

— Fique assim, meu amor, sem crescer/Porque o mundo é ruim/ É ruim e você, vai sofrer de repente, uma desilusão/Porque a vida é somente, o seu "bicho Papão"...

Apascentei meu desassossego e busquei acalentar novos sonhos. No dia seguinte, a vida continuaria naturalmente e enviaríamos o presente para a aniversariante. Sei que parece estranho, mas das mesmas lágrimas de desapontamento e mágoa que brotaram dos olhos de minha filha, começaram a marejar de algum recôndito de minha alma. Então eu confirmei que, a alma da gente, não importa a idade, também possui olhos para ver e, sobretudo, para chorar.

Mesmo que a gente tente evitar.

Ainda que a gente não deva dar vazão à dor causada pela mágoa proveniente do fato de sermos ignorados por aqueles que... mais amamos.....


 

 

ENCARANDO O DESTINO

(6)

 

Abro a porta da casa, o sol resplende, céu límpido e franco, convidando para um dia promissor. Contudo, minha alma desliza por alguma outra senda. Como se pudesse meter-se em cafua nalgum vezo e driblar o cotidiano a esperar. A mente se esforça. Batalha vã. De batalhas vive-se. Dizia Raul. Não pense que a canção está perdida. Digo àquele que sou, que “o outro”, carece de espaço e alento. Afinal, é um belo dia. Uma bela manhã.

A alma aquieta-se: passarinho ferido, caído do ninho sem aprender a voar. O que fazer?. Então preparo-me para pagar o pedágio. Tenho que, necessariamente, pagar o preço. Nesta existência, tudo tem seu preço. Meio sorriso à caminho. Lembro-me das dívidas e sei que não terei com quem dividi-las. É necessário, quiçá, despertar de vez. Ainda que trôpego e maquinalmente, fincar os dois pés neste chão e encetar os primeiros passos. Afinal, não vai dar para voar...

Com o material debaixo do braço vou à luta. Mas que luta?. Fazer o jornal, claro. Penso: o que perguntar aos nossos nobres edis? Por onde começar? Havia uma centelha de idéia ainda ontem. Um projeto quanto a mudanças; abrir espaço para o trabalhador; o cidadão que labora de sol à sol.... Reportagens especiais.. De repente, fogem-me à mente, se dispersam pelo ar e parado nalgum cais distante, permaneço a ver navios sem mares ou cais algum. A consciência de que à qualquer momento, posso afundar e jamais voltar à tona. Disparate: peixe fora da água. Onde o ímpeto?.

Os passos são lentos. Nunca que chegar. Insisto com o depauperado âmago: desta vez é para valer. Vale a pena tentar. Não adianta parar. Eia, boi! Eia, boiada!. Quero virar pé de vento, furacão, revolução dentro do peito franzino, guerrilha urbana... Qual o quê?!. Paisagem sarapintada pelas mesmas manchas de séculos atrás. Careço de uma injeção na testa!. Coisa de maluco, bolas!. Não se pode perder as esperanças assim, assim...

Afinal, cogito, e a família?. Penso na família. Na honra. Nos compromissos. É necessário quitar os compromissos. É necessário voltar a berrar, ao invés de continuar solfejando de forma desconexa. É necessário muito mais. Tantas coisas necessárias!. O tempo implacável, atroz, veloz, atropela meus pensamentos atabalhoados. Mal viro a esquina e dou de frente com o destino. Observa-me de soslaio, passa irônico, com toda a sua empáfia, zombeteiro. Filho da mãe!. Traidor!. Definitivamente, não nos damos muito bem um com o outro!. Se fosse contar os sonhos e planos frustrados... Vai-te, verdugo, parvo!.

Escarafuncho pelos recônditos das reminiscências em busca do jovem impetuoso e revolucionário. Descubro poeira ancestral. Escombros do que fora um dia. O que resta da festa que não fiz, jamais farei?. Autocomiseração bastarda!. Não há nada pior no ser humano que a autocomiseração!. Se não, uma côdea de revolta e indignação, não há luta, bem sei. Fico ruminando meu próprio veneno. Ás vezes, temos que regurgitar o veneno. Ruminá-lo, alimentá-lo, fomentá-lo, para que possamos explodir em mil partículas e partir para a vida. Então vamos à vida! Viva a vida!. Mesmo que, após a primeira curva do caminho, eu já passe a sonhar com estrelas, passarinhada, versos e canções....

De forma que, a realidade não é um beliscão. É uma punhalada. Não se vive sem objetivos. Não se é feliz se não se vive plenamente. Para tanto, quer queira, quer não, é necessário, quiçá, que façamos o que gostamos de fazer. Senão, jamais haverá paz. Prometo que um dia deixo tudo isso e saio pela porta do fundo. Ainda vou fazer somente o que gosto e quero. Careço fazer: escrever, compor e esquecer-me, definitivamente, que um dia, por necessidade, tive que encarar o destino com o mesmo desdém com que ele me encarou....


 

 

OU VAI OU.... OU SEI LÁ!

(7 — Publicada)

 

(Uma asa aí
Uma asa — A/voa/ Borboleta me Leva/
Numa Asa azul
Outra asa, segredo
Meu coração que voou.

Do CD “Realejo ao Vivo” — Bêne Ferreira e Mauro Rueda — “ASA”

 

Ou vai ou, sei lá!... Há uma semana estou tentando sair dessa. Não sei porque, mas antes de iniciar a crônica, me veio o título e ficou assim.. mais para sei lá do que ou vai. Estranho, contudo, real. Deve ser o tempo. Ou a situação caótica, quem sabe?. Pode ser ainda, esta pedra no meio do caminho. Este país de cegos e toupeiras!. Permaneço apático, ruminando meu ódio visceral. Como se fosse possível eu ruminar o ódio. Engraçado, não consigo sentir esta merda. Apenas e tão somente, uma revolta doentia, meio impotente, meio capenga, vesga. Um sentimento amarfanhado, feito papel sulfite. Um tão somente querer deixar de lado tanta palhaçada e acrobacias soçobrando em indigesta participação social e política. É a vida!. Dizem, não sei.

De repente me vêm à mente, duas frases simples e objetivas: “quando mais necessitei, me negaste três vezes”. A outra é, “se me vendeste por trinta dinheiros quando eu ainda tinha algum valor, por quanto me venderias hoje?” ... Não tenho nenhum quadro ou crucifixo na parede. As paredes são brancas, sem decorações. Apenas as estantes com seus livros inúteis. Tanto conhecimento para malogros infindáveis!. Antes houvesse composto uma cantiga ao violão. Antes não houvesse deixado o menino do mato crescer e meter o pé na estrada em busca da cidade onde os homens, são sempre tão absurdamente hipócritas e falsos!. Agora já era!. Dane-se!.

As borboletas, os pássaros, a solidão dos becos, dos quintais, o teu sorriso ontem, nunca mais, essa lembrança que restou.... O medo do que não havia.. Música que fiz com o Benê e o Parayba gravou. Cantada uma noite dessas, há pouco menos de um mês, num barzinho em Rio Preto. Com o espanto do direito adquirido através do reconhecimento geral. Tanto que, após “Novo Brinquedo — O teu sorriso disfarçando a dor..—, Luís Jardim relembrou “Asa”. Aí vieram, “Raimundo Rei”; “Se eu Cantar”; “Sonho de Uma tarde de Verão”; “Velhas Canções”, todas incentivadas pelo Márcio Jacovani. Para lá de companheiro. Irmãozinho de poeira; estradas tantas e labutas infindas. Continuava meio sem acreditar no que via e ouvia. Afinal, tanto tempo havia-se passado!. Foi aí que pensei: Agora ou vai ou... e, caí na real. Mesmo porque, eu estava com os dois pés sobre um tapete. Os tapetes são inconvenientes porque são “puxáveis”. É simples: puxa-se o tapete e pronto...

Abriu-se um leque mais belo que cauda de pavão. Já dava para pavonear-se todo. Não eu. O Tadeu, quem sabe?!. Sempre fui mais pra bicho grilo que pavão. Fiquei na minha. Continuei na minha. No fim da noite, o sol querendo despontar, o cara querendo fechar a lanchonete e o Parayba aporrinhando — no bom sentido —, com seu violão, uma canção pela metade e, resolvemos o problema ali, na hora: o Márcio meteu um refrão, chutei uma frase difícil de encaixar e pegar de prima e o Parayba ficou lá, cantarolando para não esquecer e dizendo para as sombras e o vazio da madrugada que iria gravar no próximo CD. Nisso, o Lelé Arantes que havia prometido corrigir meu sobrenome na próxima edição do Dicionário rio-pretense, pediu-me uns livros infantis para o pessoal da editora dar uma olhada. Afinal, as redes escolares municipal e regional são bons filés. Havia uma revista e dois jornais para serem editados. Além disso, o vereador Molina parecia afeito às minhas iniciativas e, quase garantida uma campanha política com o candidato Marcelo Gonçalves & Cia como ponto de referência.... Credo! Ainda bem que nada disso aconteceu.

— Competentíssimo, o Mauro. O conheço como jornalista e compositor há muitos anos. Uma boa mantê-lo por perto. —, disse o Marcelo. Mas o Edinho Araújo também havia dito. Como diria o Toninho Figueiredo ou o próprio Caboclo, se é que ainda conseguia lembrar-se daquele garotão imberbe que ia entrevistá-lo em sua residência no início dos idos de 80. Agora vai!... Estava indo. Ia. Fui.

Com a certeza absoluta de quem havia deixado marcas e não titica pelo caminho por onde passou, sai pelas ruas com uma sensação do dever cumprido. De regozijo para com o massageado Ego e pensei: que se dane!. Acho que eu necessitava mesmo, era lembrar-me do que já fui um dia e que, sobretudo, continuo sendo. Dei uma mijada no mictório (mas que palavra!) da rodoviária. No ônibus, Zé Adauto, como sempre, supergentefina cobrou-me a passagem perguntando como iam as coisas. As coisas sempre vão, queiramos ou não. E, sentei-me num banco com o mormaço do fim de tarde me obrigando a transpirar aos cântaros. Em bicas. Modorrento, fiquei observando pela janela, as coisas todas ficando para trás: prédios, carros, pessoas, ruas conhecidas, palmilhadas... Foi me dando um sono, um cansaço de tudo, garrei a cismar recostando a cabeça no canto da janela, o ônibus tomou a rodovia e vim despertar em Uchoa.

Engraçado ou pura ironia, quando meti os dois pés no chão uchoense, despertei de vez para a realidade. Surrealismo forjado. Ainda continuo entre o sonho e a realidade... Sem saber se vai ou, sei lá!...


 

 

DAS REMINISCÊNCIAS ENCAFUADAS

(8 — Publicada)

 

Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade
?”
(Prelúdio — Raul Seixas, In Gita-1.974)

 

Ficava ali, perto da ponte “Maria Benta”, do “Buracão” na Vila Anchieta. Fui lá para rever. Às vezes fico sentindo uma saudade besta de não sei o que. Coisas que nem vivi. Pessoas que nem conheço. Mas a favela eu conheci. Eu vi e convivi por um dia todo. A primeira reportagem do jornal “A Voz do Povo”. Tenho a foto do menino sentado no trilho da estrada férrea. Foto do Edson Baffi. No livro “As Memórias de Um Inseto Brasileiro”, há um trecho daquele dia. Os insetos jamais esquecem. Não tem mais o campinho de futebol onde disputávamos garrafão de vinho contra os times das Vilas Ipiranga, Maceno e Boa Vista. Há uma avenida. O rio, a ponte... As coisas se transformam. Ou são transformadas. Forças circunstanciais ou, força do destino?. Não sei, sinceramente....

Fiquei zanzando feito uma barata. Revendo casas, ruas, quintais. Olhava as pessoas. Reconhecia mas, ficava somente observando. Coisa melancólica!. Bulindo com o coração e as lembranças do nunca mais. “As Reminiscências da Infância de Cócoras”, livro singelo, despretensioso, de contos e causos. Nada me parece ser melhor nesta existência que a infância. Nem vila melhor do que a “Vila Pereira”. Nem cidade igual a Barretos. Pobre leite derramado!. Tempo bandido, fugidio, perdido pelas veredas e sendas caatingueiras!. Nas restingas dos meus sentimentos, a cacimba de água é um olhar de boi manso, “marejante”, escarvando o chão esturricado do peito e carecendo dar de encontroadas sem sopesar nem aquilatar os trancos e solavancos desta existência de boi de canga. É isso!.

De forma que, fico meio dividido entre Rio Preto com sua favela “Gogó do Sapo” nas “Memórias de Um Inseto Brasileiro”, “A Cidade Morta das Varejeiras” (essa é uma cacetada metafórica no realismo fantástico uchoense) e “As Reminiscências da Infância de Cócoras”, de Barretos. Santo André não que bicho do mato pode nascer em selva de concreto e fumaça que, quem é do chão não se atrepa, mano velho!.

Ficam assim, umas reminiscências encafuadas dentro, no coração mirrado. Vão crescendo mais que o próprio narrador, tomando forma e encorpando até que, acabam transformando-se em livros, contos, causos, crônicas, poemas e canções. Nisso, a gente nem percebe que o cipó de aroeira bate no lombo e se percebe, faz de conta que nem se conta tal. Feito “Menino do Mato & Outras Histórias”. Coisas de “abestado” sem pôr tino nas desfeitas do destino amorfo e na “realidade virtualíssima” do século e milênio berrando o sejam bem-vindos!. Os caras aporrinhando: “Pára de divagar. Sai desse devaneio e cai na real!”.

Carantonha me ponho e já mando pros quintos que, cancela e canga assentam bem em bois e burros. Além do que, os parvos dão de solapar a paciência da gente sem nenhum preceito. Por safardanas que são. Não podem ver ninguém parado, cismando. Raul dizia que quem pensa, pensa melhor parado. E Belchior que, cismar é da natureza do brasileirinho mesmo e fim de papo. Sou assim, por natureza e necessidade: careço da solidão, do terreiro e do crepúsculo para me acocorar e me pôr a cismar. Se careço, não peço. Faço. E, me dê licença.

Daí, dei umas voltas pela Anchieta, pela Ipiranga, pela Maceno que morei foi pra tudo quanto é lado em Rio Preto. Mudava mais que cigano e sem paradeiro de cidade em cidade em busca do que, nem sei. Saindo, com um nó. Um dó no peito. Programando mentalmente em tornar á Barretos, Santa Fé do Sul, Frutal, Cassilândia, Paranaíba... Menos Santo André. Deve ser medo de fumaça de óleo e fuligem das fábricas. Nem para receber prêmio por casmurrice, amarrado vou. Vou coisa nenhuma!. Sei lá porque besteira, mas fiquei zanzando de ônibus pela cidade. Dei umas três ou quatro voltas. Querendo e não podendo deixar rolar umas lágrimas bestas.. de ancião acarinhando a cabeça do menino sem “sabença” do que a vida e o destino estão lhe preparando para a próxima esquina. Resolvi voltar para Uchoa. Passei pela casa da mãe. Revi os manos, as manas, a sobrinhada, as cunhadas, cunhados, tios, tias, vizinhos, vizinhas... Lembrando das minhas duas outras partes e já pejado o coração pelos fantasmas da saudade, fui baixar na rodoviária.

Cheguei em casa com o sol se pondo. Rumei pro quintal após tragar um café, o cigarro entre dedos e de cócoras, sem que as duas percebessem, deixei as águas rolarem. Às vezes, uns meninos de favelas ou do mato, vêm de mansinho, com seu sem jeito, numa sengraceza danosa de ser extirpada e se põem de cócoras aqui dentro, neste fundo de terreiro, e ficam a mirar o crepúsculo, escarvando o chão de terra com um graveto, esgaravatando todo o meu coração que, não tem outro remédio senão deixar... E eu deixo!. Como não haveria?. Eu, logo eu que, jamais deixei de ser menino do mato?!. Ara, dá licença, seu doutor sei-lá-o-quê!...


 

 

DESTÁ QUE NA PRÓXIMA A GENTE SE VÊ!

(9 — Publicada)

 

Eu estou dizendo porque sei. provérbio no duro. Pode até parecer ameaça ou coisa de macumbeiro velho e arretado da gota, mas é a pura realidade. Faz porcaria aqui, dá volta acolá, e vai perceber que tá com o calçado sujo. A vida é isso aí. Ciclo e círculo. Para se quebrar essa corrente ou sair do círculo, é necessário, pode apostar, uma faxina e tanto no interior da casa. Não é fachada não, cambada de estrupícios amalgamados e sarapintados por dejetos mentais!.

Pois é.. dizia assim: “Ah neguinho filho-da-outra, safardana sem preceito, cachorro perebento!.. Destá que na outra a gente se vê!”. Promessa magoada, meio caminho andado. De coração, mente e alma espezinhados, distância melhor é nem ter inimigo ou amigo que, tanto faz. Às vezes, mágoa de amigo é pior porque é mais sentida, mais dolente. Aí dana e amarga feito fel!. E eu, de muitas que já vi e ouvi que, meu avô tinha lá suas ligações (nego-me a contar), espio de travessa, tiro corpo fora e vou pro campo ouvir canto de sapo e “bascuiá” pirilampo quando noitinha.

Besta de quem arranja inimigo de graça. Ainda mais se, por traição que, é o que mais se vê e se sabe. Nesse mundão de almas perdidas, sôfregas e avaras, tanto se maculam e se enegrecem e se ensujecem que, não dão de trair os próprios pais e irmãos numa ganância dos infernos?!. Caso que, de otário e sonso, a gente às vezes deixa-se passar por. Mas, de há muito e de outras, já trazendo na cerne um jeito de enxergar o detrás das coisas; o outro lado da moeda e o que se esconde no que muito se lhe mostra, desde cedo aprendi que a gente está sempre dando a volta no quarteirão e voltando ao mesmo lugar enquanto preso pelo tênue fio, feito visgo, nesta. De forma que, se falou enfarruscado que não perde por esperar, que destá e coisa e tal que na outra..., já estou é tirando o time fora do tapetão. Com esses, os desgrenhados que não encontram paz nem aqui, nem acolá e dão de buscar e rebuscar, tocaiando e penando pelas horas mortas e sombrias, só vingança e ranço nos corações empedernidos e traquejados, distância eu quero!. E olha que fui. Tiau!.

No mais, dizem: promessa é dívida. Então, de atarantados, atoleimados e imprecavidos, o que mais juntamos nestas passagens, são dívidas, ao invés de saudá-las. O outro “lengando” num pensar velhaco encafuado em seu vezo de experiência e muito tato e tino, coçando a carapinha acrescenta: dívidas e inimigos de graça... Duas pragas que por coisa de nada, vão solapando a alma e a consciência do caboclo até que não reste mais nada senão, o olhar ardiloso e voraz da “véia da foice”. Eu de ouvido em pé, já pedindo pra bater em retirada e sair desembestado pelas sendas do meu viver, nem digo que sim, nem que não. Nem aprovo, nem desaprovo. Nem sustento, nem dou de contra. Fico é pensamentando muito do distraído e desinteressado dessas coisas e aquilatando as conseqüências que muitos espertos crônicos que conheço, com suas danuras, vão ter que prestar ciência e bem na ponta do lápis Àquele que escreve reto por linhas tortas. É disso que me nego a discorrer embalde. Mesmo porque, nem quero ser quem vai julgar e muito menos, estar sentado naquele banco incômodo e espezinhante que chamamos consciência.

Dizem que uns não têm. Nem consciência, nem sentimentos. Dizem. Coisa que, apesar de tantas aberrações, discordo de forma veemente. No mais, a consciência é o réu e o juiz. O acusado e o acusador. O assassino e a vítima. O algoz e o que sofre. O perseguidor e o perseguido. Por isso, não procede. Que sujeito não tem consciência ou não tem sentimento!... Pode ser turrão, empedernido e até mesmo, tentar negar sua natureza de ser humano... Mas daí... Então, como eu dizia, cada qual carrega o seu fardo e a cada passo o torna mais leve ou mais pesado, dependendo. Por isso, fico borocochô, jeito sonso e aluado quando tô ouvindo e sabendo que estão na tramóia, maquinando do meu lado, pensando que estão disfarçando de forma que eu não estou, mas eu afirmo que estou é já enxergando o outro e não o que parado ali, perto de onde me ponho a ruminar com meus botões e apetrechos trazidos de muito na mente e na alma... Fico danado, buscando explicação para o que não há e por fim, deixo. Vou mudar o mundo?. Tem coisas que carecem de ser realizadas para que o propósito final não se esvaneça do todo. É assim.

Então, somente para pôr termo no que ora narro, destes que prometem, melhor escafeder-se. Virar pé-de-vento e deixar para o lado. Ainda mais se o que promete, na promessa já vai declarando-se inimigo desta e da outra vindoura com aquele ditado mais “estrugente” para os ouvidos da alma: “Destá que na próxima....”. Nem nesta, nem em outra qualquer!. Melhor é ir-se retirando pelo caminho traçado e bem; sozinho e sem ninguém. Nem amigo, melhor sem inimigo. Sem promessa e sem prometido. Com o fardo já vazio e a alma leve. Somente assim, é que o ciclo se finda e com ele, este fadário de porcarias e danuras que a gente tem que ver e ouvir pela vida fora e dentro. Ou dentro e fora?!...


 

 

TEM DIA QUE DE NOITE É ASSIM MESMO

(10 — Publicada)

 

Às vezes, na vida da gente, tem dia em que tudo parece virar de cabeça para baixo sem motivos ou razões aparentes. É o tipo do dia em que pensamos, lá no íntimo, “porquê fui levantar-me da cama?”. Dia de azarão. Nada parece dar certo. Estourou um cano e não há meio de consertá-lo: pleno domingo. Não se encontra ninguém que dê jeito no problema.

Aí, já nervoso, você deixa cair a garrafa de café e suja toda a cozinha que a sua mulher acabara de limpar. Solta uns palavrões indecorosos, esquecendo-se que tem filhos e estão todos ali, ouvindo tudo. Mal e mal acalma-se e o gás pifa. Atrás de gás. E quando você coloca o pé para fora do portão, aparece aquele chato que você jamais desejaria ver. Sobretudo em tal situação.

Licença. Desculpas. E o sujeito se oferece para ir com você atrás do bujão de gás. Você vai. Peleja, arruma, volta para casa e a mulher anuncia que o cobrador esteve e deixou um recado. Recado é dose! Ainda mais de homem e cobrador. Vai instalar o gás e o trem garra a vazar feito notícia ruim. Ou Chernobyl. Problema na borrachinha. Dá-se um jeito. Que fazer?.

Mais palmas no portão. Ou é vendedor ou cobrança. Diz que não estou!. Mas não era ninguém, felizmente. Aí pergunto-me: como ninguém?. Quem é essa besta? Será que existe esse tal de ninguém?. A úlcera manifesta-se. Dor de cabeça. Não tem Doril?. Como não?!. A úlcera zangando. A farmácia fechada. Então a gente lembra que já não tem mais crédito faz um mês. Apela para o vizinho que, escafedeu-se. Evaporou. Coisa, seu!.

Pinta uma idéia genial. Ligar para aquele amigo que tem carro e... O quê? Foi pescar? Mas como? Justo hoje? O cara nunca sai de casa, pô! E, distraidamente, mete a canela numa quina qualquer. Como dói!. Trocar de camisa, transpirando, irritado, nervoso. Ponto de explodir. Vai meter o pé no cachorro que está atrapalhando e chuta o vaso de planta da mulher. Mais encrenca. O pé dói. Isso vai inchar. A cabeça também passa a pescar: fisgando e latejando. Faltava queimar o feijão. O sol ardendo e indeciso, o tempo não sabe se forma chuva ou se apenas fica ventando para sujar toda a casa. Hora de apelar e começar a rezar.

Café não dá mais. Acabou. Você olha para o último maço de cigarros: tem uns três dentro dele. No bolso um vazio mais vazio que cofres públicos. Começa a bater desespero. É muito para um único dia. Quebrar o lugar, ver onde estourou o cano para consertar o vazamento na Segunda-feira. Até lá, um pouco de exercício no corre, abre, fecha o registro. A conta de água de um mês para outro já havia aumentado de forma exorbitante. Vem raiva. Vontade de “esbordear” tudo pela frente. Vê se tem preceito, mas nessas alturas, a gente já começa a questionar porque e para quê ter nascido?.

Hora do jogo na televisão. Vai lá fora, gira a antena de um lado para outro. Chega um chato, torcedor contrário, para ficar azucrinando. A imagem ruim. Pensa em tomar uma cervejinha e lembra que parou há dois anos. Logo de cara o time leva um gol. Frango. Perde uns dois que até você mesmo faria e de olhos fechados. Já começa a odiar o seu time do coração. A molecada chega. Amiguinhas da filha. A mulher emite umas frases mais agudas, ralhando com a criançada. Um cai e rala o joelho. Chororô. O segundo tempo vira palhaçada e seu time acaba levando mais uns dois. O sujeito ali te gozando. Na tua casa.

Tomar um banho. Abre o registro. Fecha o registro. Será que a energia elétrica não vai pifar também?. Até que nem faria diferença. Tudo danado mesmo. Encara aquele “zoião” dentro do prato, mesmo sendo um domingo. Macarronada, nem pensar. Inferno!. Ou melhor, infernal. Cachorro latindo. Silvio Santos ou Faustão?. O dia já era. Seu domingo foi e já foi tarde. Saudade nenhuma. Vai começar o Fantástico. Mas fantástico mesmo é a vida da gente. Os caras falando lá dos políticos, dos artistas, programa de governo, um maluco que salta do pico não sei de onde. Ah, e tem pesquisa para o próximo programa sobre preconceito racial. A vítima, geralmente, é o próprio racista. A gente não acredita, mas eles dizem que ainda existe isso no Brasil. Então...

Já entregando os pontos, vem aquele loiro amarelento que diz ter sangue azul e nojo de pobre para o pobre cair na gargalhada. Deve ser o mau humor. Não é possível. Os olhos começam a arder e o farol vai pifando. O tal filme inédito é uma porcaria que já passou umas dez vezes quando ainda havia o Corujão. Você pensa em mudar de canal. Pensa. Olha em volta e percebe, finalmente, que está sozinho. O relógio disparou de repente. Será que não se perde hora amanhã? Início de semana. Para que lembrar de uma catástrofe dessas?. Justo na hora de dormir!. Bate a insônia porque quer queira, quer não, a mente continua funcionando: as dívidas, a falta de dinheiro, será que sai o pagamento? Aí a dor de cabeça volta. Rolar na cama não é uma boa solução. Levantar-se e zanzar pela casa também não resolve.

Oremos!.

O dia quase, pertinho de chegar e você com aquelas olheiras, um bagaço, caco do domingo. Ressaca sem beber. De birra, mas de birra mesmo, você levanta, vai até o quintal e dana de cantar feito galo pra azucrinar os vizinhos. Acaba levando uma tijolada no meio do coco. Vai parar no hospital com um corte para mais de dez pontos. Sabe de onde veio o tijolo? Deve ter caído do céu, de alguma construção que São Pedro está fazendo por lá. Deve ser manicômio ou cadeia, no mínimo. Dr., me aplica uma injeção na testa, pelo amor de Deus!.


 

 

E AQUI VAMOS NÓS, BABY!

(11)

 

Abro a pasta de arquivos em “Meus Documentos” dou de cara com “A Crônica do Cotidiano”. Começo o correr os títulos e me deparo com o cujo acima, no alto. Sinceramente, não me lembro de havê-lo escrito, mas... Relapso como sempre, não vou tentar descobrir. Vou sim, tentar levar à cabo meu intento.

Escafandrista, mergulho fundo neste oceano de vazios abissais. “E Aqui vamos nós, Baby!”. Mas o que significará tal expressão, afinal?. Título estranho. A quem eu chamaria ‘Baby’? Minha esposa, minha filha, talvez? Não sei. Reza o velho ditado: nunca deixes para o amanhã... Chega no dia seguinte, ou como no meu caso, alguns dias depois e como lembrar-me de algo tão amorfo, sem qualquer dica?. Não tem outro jeito. Sigo em frente. Digo, apanho o disquete, coloco-o no driver e passo a escrever. Se é para ir, então vamos lá, Baby!.

Hoje é o último natal do Milênio: Sábado, 25 de dezembro de 1.999. Tal fato talvez me sirva de pretexto para o enredo. Ontem, véspera, não recebi. Não tenho um tostão nos bolsos. A despensa encontrava-se vazia e foi parcamente suprida com uma cesta básica que — engraçado, mas começo a acreditar em milagres —, um velho amigo (ainda existem, claro), nos trouxe e deixou na porta da sala. Seguramente sabia que a nossa situação era, no mínimo, caótica. De forma que, soaram as doze badaladas e meio sem jeito, sem graça, sentado no sofá da sala com o violão nas mãos, nos desejamos feliz natal: eu, minha mulher e minha filha. Papai Noel, velhinho sábio e precavido, mal minha filha distraiu-se, colocou o pequeno pacote sob a singela árvore de natal montada na sala quando as duas já dormiam. Deitei-me no chão, ali mesmo, frente ao aparelho de TV. para assistir “Jesus Cristo Super Estrela” e acabei despertando faltando uns dez minutos para as quatro da manhã.

Levantei-me, dei uma ajeitada na sarabanda que havia aprontado na noite passada e com minha asma não muito revoltada, sentei-me frente ao computador. Aliás, quase meu, já que não terminei de pagá-lo e dificilmente o farei em função da crise. Mas vamos lá, Baby!. Berro mentalmente. O tempo está ótimo. Despertei com um pouco mais de disposição. Preciso, careço definir algumas coisas e dentre elas, o que realmente desejo nesta existência. Aos 43 anos, continuo sem uma definição firme, com base concreta do que pretendo fazer daqui para frente para ganhar a vida. O Jornalismo andou reprimindo e pisoteando meus sonhos. Todos eles. Sobretudo a política. E é exatamente em função de acreditar que todos os políticos possuem sentimentos (será que contaremos mais que uma dúzia deles que possuem de fato?), que me pego em tal situação. De qualquer forma, aqui vamos nós, Baby!

Ainda que longa a estrada e muitos os percalços, não dá para não acreditar na vida e na grandeza de seus propósitos. Na beleza das manhãs com o cântico do passaredo. Na criança sorrindo e no ancião a cismar. Penso nas cascatas e riachinhos; no alvor das estrelas; nas mãos que plantam e colhem; na voz que prega mansa, muitos ensinamentos e conselhos divinais. Penso no sorriso da mãe após a dor do parto; do pai na lida sem tréguas; no beija-flor; na roseira; na mesa farta; nas descobertas nos campos da Medicina e da Tecnologia. No homem que estende a mão para o infortúnio; na vizinha que se presta a favores quando o seu próximo, desamparado, começa a perder a esperança. E a esperança renasce e renova à cada manhã. A cada segundo. A reciclagem natural em tudo. Da natureza ao coração e mente dos seres que habitam este e outros planetas maravilhosos e resplendentemente belos pelo imensurável Universo!. Talvez seja isso exatamente o que eu desejasse expressar ou gritar: vamos lá, baby!

Vamos lá! Há sempre uma esperança, uma saída, um ombro amigo, a fé que nos impulsiona. Um grito de amor e louvor à vida. Jamais seremos uns pobres diabos desamparados e esquecidos. Temos saúde e sonhos. É necessário sonhar, quiçá. Amiúde, sonhar. Jamais perder a fé e as esperanças. Imorredoura a alma, façamos juz à vida que nos foi legada. Tão sagrada e valiosa, a vida!. Vamos lá, baby!. É tempo ainda. Sempre amanhece e à cada novo dia, renascemos para o porvir. Para despertarmos em nós, o que de melhor existe guardado nalgum recôndito de nossas almas!.

Animado, já não me importo com o título ou se era isso que eu desejava escrever quando o deixei pronto. Não faz muita diferença, creio. É o mesmo convite para seguir em frente, para olharmos adiante, não nos deixarmos esmorecer. E aqui vamos nós, Baby!.

Abro a janela do quarto de trabalho e olho lá fora, a manhã assaz bela. Prazenteira. Não sei porque, mas tudo parece estar sorrindo. Mesmo o muro que separa quintais. Esqueço-me das doze prestações atrasadas da nossa humilde casinha; da dívida no supermercado que impediu-me de fazer uma compra ontem. Da edição de natal que deixei de fazer circular porque não havia como. Esqueço-me que algo me aborrecia até ontem. Hoje é um novo dia, um novo tempo. Um belo dia, propício a um bom dia, um sorriso, uma prece, um pouco de paz. Afinal, “Alguém” muito especial faz aniversário hoje: meu olhar fita o horizonte como se, de repente, fosse encontrar acenando-me a sorrir, esse Jesus que, não sei porque, mas deve estar sorrindo e sussurrando ao vento da manhã: “E Aqui Vamos Nós, meus irmãos!”. Então digo a eles, os que fazem da política essa vergonha nacional: “Viram? Vocês foram incapazes! Falharam, simplesmente. E não foram capazes de me fazer infeliz. Não foram e jamais serão. Porque possuo longos braços e quando olho para o mundo e a vida e as pessoas, olho com os olhos da alma e meu coração é maior, muito maior do que o ódio e a indiferença. Acho que é por isso que digo à minha esposa, tão logo ela desperta: E Aqui Vamos Nós, Baby!. Talvez ela não entenda muito bem, mas eu e o aniversariante, sabemos a que me refiro nesta manhã em que meu coração já não cabe no peito de tanta felicidade....


 

 

DA VELHA SINA O ESTRANHO CANSAÇO

(12)

 

Já não desperto com o mesmo pique, neste 30 de Dezembro, quinta-feira. Sei que, da velha sina, é que me vem esse estranho cansaço de tudo quase. Sinto asco do comerciante; o jornalista recendendo à mofo; o compositor morto, soterrado pelos escombros das canções mal delineadas. Restam o menino e o poeta. Contudo, da mesma forma, cansados, enfarados, entregues.... Frente ao espelho, um rosto estranho, um olhar de abandono espiam-me com ares de menosprezo calculado. Provavelmente o estresse de mais um ano malfadado ao soçobro. Malogros e desatinos. O homem pega-se alheio, mirando sem nada desejar ver. Como se o que pudesse conseguir enxergar fosse somente espezinhá-lo ainda mais. Da velha sina, este cansaço. Desistência de tudo. Não mais fiar preces de esperanças e trocar os passos, seguindo adiante. A família!. Os pensamentos divagam morosos. Talvez sem sonhos que alimentar. Muita labuta, demasiado alarde, semeadura para, rara, parca, escassa colheita. Ou colheita nenhuma. Cansei. Chega uma hora em que nos cansamos de tudo, às vezes. De forma que, arrumo as malas. Minha pretensão é sair por aquela porta, pegar a estrada, não olhar para trás. Esquecer. Deixar. Desistir de vez. Orgulho ferido. Fera magoada. Sei que não farei nada disso. Que tentarei mais uma, três, quantas vezes forem necessárias. Nunca fui de me deixar abater. Nunca fui de me deixar dobrar. Casmurro, talvez. O coração frágil nega-se à qualquer sentimento. Olhar absorto na tela do computador. Vendo o computador amanhã e pago o mercado para voltar a ter crédito e poder comprar arroz e feijão. Não, não vendo. Estou blefando. É somente um blefe. Tal qual o blefe, sinto-me uma farsa. Uma velha farsa maltrapilha, rota, mil vezes representada no palco da vida. A platéia, há muito, queda-se vazia. Não há mais ninguém para assistir a velha e enfadonha farsa. Sorrio do palhaço. O palhaço já não ri ou inventa cambalhotas e tombos: está esvaído pelo tablado do palco e suas lágrimas são verdadeiras. Cena de nuança torpe que engloba o macambúzio e o enfado. O palhaço diz que já não há motivo para lutas ou sonhos. Deve ser, da velha sina, este cansaço. Imagino o “Bug” do Milênio de uma alma ancestral. Muitas vezes, fraquejamos. Palco de anomalias ao redor. O centro de tudo transformado em arena. Atirado em meio às feras. Cristão sem forças, entregue à fé cega. Esperando a hora final. Gladiador vencido esperando a sentença. O dedo em negativo, para baixo. A maça desce em direção ao crânio e não há necessidade de se narrar o resto da cena. Cansaço. De tudo e de todos. Da própria existência. Da falsidade. Das intrigas. Da maldade. Do descaso. Da política. Das autoridades constituídas. Da perversão e servidão humanas. A alma, frágil passarinho que, muito tempo aprisionado, desaprendeu a voar. Abatido, fatigado de bater asas em vão, sente o coração aos berros. Sabe que chegou ao fim do último ato. Livrar-se de tanta violência. Da violação que deteriora a dignidade do ser. Dignidade. Uma palavra. O orgulho jaz em poça de lama. Os dedos teclando, a mente bloqueando a passagem das frases, dos pensamentos. Não adianta escrever. Selecionar o texto e em seguida apertar a tecla: “delete”. Deve ser, da velha sina, esse cansaço!.... Possivelmente amanhã, já não me sinta da mesma forma. Provavelmente eu volte a lutar e a sonhar. Mas hoje, hoje não. Não me interessa o ano novo, o 2.000, o século XXI, o novo Milênio. Para mim, é tudo a mesma coisa: poça de água estagnada, fétida e repugnante. Cansaço, enfado e desejo de à tudo pôr termo. Dane-se o Terceiro Milênio! Dane-se!.....


 

 

FORA CARA-PÁLIDA!

(13 — Publicada)

 

Há dias em que desperto assim: meio Apache, meio Sioux. Embora o sangue Sioux prevaleça por uma questão de profundo respeito pela tribo, já nem me lembro mais à qual nação indígena pertencia o velho guerreiro “Touro Sentado” que um dia lá, mugiu e se levantou. Coisas do tempo. Lapsos da memória. De qualquer forma, saio para o quintal e grito à plenos pulmões:

— Fora Cara-Pálida! —, ensaiando uma dança de guerra, que resulta em extremo cansaço e vontade de voltar para a cama. Sabadão é assim mesmo, desperto no maior pique para descobrir que meu território foi invadido e a coisa anda mais para demanda na FUNAI do que para pinturas de guerra. Mas aqui vamos nós! Sem mais perda de tempo, passo um fax para o Zorro, amigo do Tonto, colega do Silver pedindo informações como tem passado o “Espírito que Anda”, protetor da Floresta e amigo dos pigmeus. Nossa amizade ficou um tanto abalada por causa de um olhar buliçoso da Diana e uma dentada que o Capeto me deu em propriedade alheia. Contudo, vai tudo azil na América do Sul/Sal/Cio. Eu disse azil mesmo e não azul. Coisas e códigos cifrados. Esta semana recebi uma carta de Sherlock Holmes que anda meio abalado com sua reputação “meu caro Watson”. Não que Batman e Robin tenham pedido a separação devido a problemas de radar no Batmóvel e a Caverna do Morcego tenha entrado para a lista da Casa da Dinda, escandalosamente com a participação da Mulher Morcego que foi apanhada no maior papo durante o horário de expediente com a Mulher Aranha, dando bola para o Capitão Márvel. Hulk, o incrível, ficou verde de raiva com a história da família Márvel. De qualquer forma, isso aqui anda uma sarabanda que só. Volvemos ao cachimbo da paz! Um ET espilbergueriano aponta-me seu dedo reluzente. Penso em criptonita, mas é o super-homem quem tem problemas radioativos e não eu. Sou somente um indiozinho diante do Capitão América. Ah, falar nisso Thor manda avisar que não vai baixar para a festa de amanhã, domingo. Está com problema no cabo do seu martelo. A nuvem de fumaça recobre a Casa Branca de Clinton. As forças Armadas, A Cia e o FBI, já armaram o esquema. Um parangolé foi atropelado em plena Paulista com a São João. Na Casa Rosada tudo são Mercosul para os Maradonas da vida. Na praça um burro pasta moroso andando e cagando para o problema da humanidade e do município. Solidariedade. Assobio “A Internacional”, pensando em Bóris, não o Karlov. O outro que é quase amigo de Fidel, o dos charutos. Aquele cara acaba ficando viciado. E os chineses não aprenderam mesmo. E os nazistas tão de bobeira com essa idéia de que Hitler era uma grande líder, um santo, um deus encarnado. Aliás, falar em nazismo: ô coisa cega! Ninguém entendeu. Amanhã o PT faz aniversário e continua de quatro tentando aprender os primeiros passos. Quantos anos, ah sei lá! Uns vinte, mais ou menos. E o mínimo, ó! Parece coisa do ACM que anda meio magoado com o FHC que mandou avisar que “baba-ovo” do FMI é a PQP e eu já não estou entendo mais nada. É tudo um tal de FHC, Pequepê, Pefelê, gererê, fumacê e outros cecês que haja “célebro” para decifrar!. Já pego-me esfalfado. Ou melhor encasquetado, estiolado, macambúzio, enfarado e arara. Não, caninha Arara. Pê da vida! Isso, sem o “H” ! Não, não escrevemos mais “Pharmácia há muito” !. Vai enrolar os bigodes nalgum salão de beleza, ora raios!. A janela é sem gelosia, o Chico dizia. Enquanto a caravana passa, continuo aflito e atazanado com Chita e Dom Quixote sem moinhos pelos campos de Canabis em meio aos bananais e mandiocais. Para onde vais? Quo Vadis, Tiririca, Urtiga e Bromélias, enquanto o vento sopra pelo “Chapadão do Bugre” e Pelas Gerais descontinente porque eu sou apenas um rapaz latindo em americano e sem baganas nos bolsos ou nas mãos. Um instante, maestro!. “Arriégua!”. Ouço. Carrego no pescoço um patuá. Mandinga, meu velho comancheiro. Raça ruim!. A ponte do rio que cai Kuaiu de vez! Ainda bem que os canhões de Navarone foram devidamente inspecionados pelo IBAMA e os animais confiscados e enjaulados, devolvidos à selva onde o santo continua fazendo seu chá de Dai-me-dá. Buda bem que dizia não Confucio que meu prepúcio se atropela. Quem espera também dança. Em Sierra Madre, o tesouro já era. Por aqui os Pacinos da vida continuam imperando. Engraçado, são todos uma única família. Lêem os mesmos livros e adoram os mesmos filmes. Máfia. Pobres italianos que deram um duro danado para esculpirem parte do berço da civilização e, deu no que deu. Ou continua dando, sei lá. A expressão filosófica emitida anteriormente — Arriégua —, é de criação antiga, mas recentemente, foi retocada pelo papa do brega-chique, Falcão. Aquele da valsa “Ai minha mão, minha mão...”. Num vai-e-vem sem tréguas assim como a letra e o ritmo da música Haja saúde, saúva e espinhas pela cara de pau!. O sedentarismo mata a doença que dá e passa. Em alguns casos. Em outros apenas dá. Passar já é outro problema dos anais e anéis da história. De forma que, se meus dois últimos neurônios — um lerdo o outro bom de sono, como diz o Altino —, entraram em conflito. Portanto, desisto de fazer a fogueira para emitir sinais. O inimigo ronda o pedaço. No Krigh-há´bandolo!, que Raul — Imprimatur As Aventuras de Rauzito na cidade dos Marimbondos de Fogo. Ferro na boneca, agitavam os Novos Baianos antes de Jorge Amado descobrir que Tieta era uma potranca e que a Tereza Batista andava cansada de guerra. Desisto da fogueira mas não de acender meu cigarrinho nicotinado, com menos alcatrão e mais fumaça. Tusso. Cóf!, cóf!(som de tosse), mas não paro. Piro mas não puro. Purro, purro mesmo, era aquele cara muito casburro que foi tragar água na fonte do Paulo Coelho pelo caminho de Santiago. Tá viajando até hoje. Dói a úlcera. Hoje vai dar Chicote, tá um sol legal. Amanhecerá domingo quando tudo passar e eu me esbarro de rir até morrir de enchorrar!. Tem sábado que é vespa do domingo e assim mesmo é sempre. Olha a banana/olha o bananeiro!. Bon Vivant! O mar quando quebra na praia... Mas que melda é essa afinal?... Despenso com meus borbotões!.


 

 

A TRISTEZA DO CONTENTE

(14 — Publicada)

 

A dor da gente é dor de menino acanhado
menino-bezerro pisado, no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
a sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

(Raimundo Sodré e Jorge Portugal — In A Massa).

 

Deve ser mais ou menos assim: um estar-se a sorrir sem a menor graça; um viver a vida sentindo-se morto ou, sentir-se o que nem se sabe, nem se sente. A tristeza do contente, talvez seja um esbanjar saúde, mesmo estando doente; um estar-se próximo quanto mais ausente e, pior, é um desejar ser o que não se é: gente que jamais poderá ser. Não consente! A tristeza do contente é um não ter amigos em meio à toda a gente; é um se entregar por inteiro e vazio quedar-se carente. Ou quem sabe, mostrar-se realizado quando a frustração o torna doente. Não sei ao certo a “contenteza” do triste ou a tristeza do contente. Este amor que se entrega e egoísta mente. Este amar a quem te ignora e faz chorar, forjar em meio às lágrimas, uma alegria, uma felicidade que sempre mente. De forma que, sempre aos domingos, forço-me a escrever uma crônica. Mesmo que seja por mera obrigação: feito a tristeza do contente. Escrever sem sentir. Sentindo, sabendo o sentido ser o que nunca se sente. Por vezes penso: sou patético ou mesmo obsessivamente empedernido. Pois tenho em meu hábito de escrever, este sentir mais que dorido. Se não escrevo morro. Se escrevo, sei que me pego doente. Crônica pintalgada pela poesia. A poesia amalgamada em crônica, penitência vista e latente. Isto é um ser triste e fingir estar contente. Ou contente demonstrar-se, a esconder a tristeza que tanto nos mente. Deve ser isto. Talvez não. Se escrevo, não sei se o faço com a alma ou com o pensamento. Se me vêm da mente estes sentimentos ou se brotam-me dalgum vezo ou recôndito, tais chistes do antropofágico (?) coração. Não sei se tudo é realidade em meu mundo ou, se meu mundo, não passa de fantasia! Mera ilusão que insisto em transformar em poesia. Tudo o que sei, é que sem escrever não posso ser e viver. Sem viver ou ser, como poderei dizer o que sinto ou se sinto, estando triste ou contente?. Talvez sejam insignificantes frases, através da catarse, forjadas. Parecem-me tudo e ao mesmo tempo, tão nada. Fada fadada ao esquecimento de um arquivo morto nalguma pasta de um computador. Quem sabe, quiçá, o que algum dia, alguém possa vir a ler e compreender o que é jamais desistir sem antes lutar? A entrega por inteiro. Sem meias palavras ou sofismas. Não, não a cisma de um cronista, por natureza, sonhador! A cismar fiz da minha tristeza alento e, sem mágoas, ao relento fui me deitar. Sou assim, meio sem eira. Já não me importa a vida, se me resta o sonhar. Se a vida é este jogo que jamais finda, quantos sonhos pela vida, terei ainda? Gosto do que faço porque bem me faz. E por isso, sinto-me triste e contente à um só tempo. Tempo que não se mede, não se sente: é feito um ficando, estar a passar. Eis o meu segredo de contente que a natureza, lavrada em tristeza me ofertou. Nunca sei se permaneço ou passo. Se fico me faço ausente, se parto, nunca sei para onde vou... Sou inteiro e pela metade. O avesso da mentira e a mentira da verdade. Poeta que faz poesia com o pensamento e ao pensar, não consegue da poesia, se livrar. Meio roto, meio torto, meio capenga, teço versos e fio frases. Não me interessa o que possa dizer quem me lê. Se compreende por inteiro este meu ser. Embalde é meu desejo, meu querer?. Se eu sequer sei quem sou e, sendo o que sou, porque sou o que persisto em ser?. Provavelmente, mais triste que contente, eu seja o que nega e, de imediato, abre o coração e se entrega. Se digo ser mais contente do que triste, sei que o faço mentindo. Não verão eu fazê-lo sorrindo, pois o que mente ser alegre ou contente, sequer sabe o que está a dizer, quanto mais aquilo que sente!. Luto com palavras, frases, artigos, sintaxe, formas gramaticais. Luto como quem luta desesperadamente e na lida, sabendo perder a própria vida. E há nesta existência que jamais desiste — triste ou contente —, o desafio, a ferida, da batalha aguerrida. Luta que se almeja e se lança frente a trincheira, mesmo sabendo-a, inglória, perdida. Sou obstinado e casmurro. Trunco se me convêm. Egoísta e orgulhoso, tenho o meu lado humano também. Ser cronista ou poeta, não é uma só coisa (se é que ser coisa, é ser algo mais que simplesmente coisa), mas sim, diversas à um único tempo. Mesmo tendo por ferramenta, essa mesma, imensurável paixão. Por isso também, não me toca adversa opinião. Se não estou bem, e já na trincheira ferido, não posso forçar-me a ser bem sucedido naquilo que teço ou fio. Transformo a tarefa e a lida em desafio e desfio em cada ínfimo detalhe, o que possa ser lapidado, se me convêm. E tudo me convêm se desta água trago a luz para, imensurável e caudaloso, tornar-me em rio. A tristeza do contente é aquela que nega, mesmo sabendo que mente. Contente, sabendo-se triste, perscruta e indaga se realmente existe. Assim eu sou. Assim sou eu: triste e contente. O que sinto é o que importa. O que escrevo é o que entorta. Escondida atrás da porta, uma sombra morta me espreita: esta sim, é tudo o que poderia ter sido um dia, mas que, enquanto eu sonhava, se me fugia...

Esta sombra morta sou eu: o que resta da festa que não faço, não fiz e jamais farei. É somente uma sombra morta que espia por uma frincha da porta. A sorrir e a chorar sem saber existir e se existindo, deveria estar triste ou contente. Pobre sombra tenho sido: fingido, rio e sofro. Nem triste, nem contente. Nem alegre, nem triste. Sou somente o que existe. E, existindo, resiste. Do Pai, o filho: frágil e temeroso. Guerreiro atroz, em batalha, sempre à linha de frente.

Que orgulho não teria o Pai que, tendo na memória, ao seu lado, o filho sempre ausente, quando a causa faz-se maior? Porque no presente é que encontra-se o futuro e no futuro, a germinar, as sementes do presente?! Isto é o que conta na conta feita e refeita, quando a tristeza do contente, é a “contenteza” deste triste ser que, amiúde, nos mente. Tanto faz o que tanto fez...Afinal, somos o vento que passa a ciciar segredos dolentes e não torna, faz-se ausente!.. E como fora dito, se água em murmurinhos a correr incessantemente, num único momento — átimo do tempo implacável —, sobre o mesmo leito e as mesmas pedras, na “contenteza” do triste ou na tristeza do contente, volvemos a passar, a ser?!... Vã filosofia se a própria natureza filosófica nada mais é do que estar-se, todo o tempo, metafísica/mente ausente!?...


 

 

SEM PONTO FINAL

(15 — Publicada)

 

Às vezes bate este desespero da vida malograda, soçobrando em nesgas e réstias de sonhos idos, perdidos, destruídos pelos percalços do caminhar. Procuro explicações para o que era tão simples e de repente se tornou impraticável. Não há. Simplesmente, não há. Cerro os olhos e vejo toda a vida passar. Descartar esperanças, novo tempo, nova dança. Não há nada que se possa fazer, afinal? Ninguém responde. Não há ninguém por perto. Decerto tudo é vazio, deserto. Tento refazer na memória, a história inacabada desse malogro, dessa piada. Mesmo porque, se me parece piada este vazio, este nada. E havia tanto por ser feito! Sentimentalismo roto, torto, morto. Atiro este fardo no escuro porão da ilusão. Preciso reinventar a vida, a existência; descida e subida. Não pereci ainda. Embora traga no peito cravado meu próprio tormento e lamento que tenha sido o veneno do meu próprio ferrão. Velho, aborrecido e encravado escorpião de eras já esquecidas, consumidas. Assim são os sonhos, as ilusões. Assim a existência, a vida! Questiono-me o que fazer e por onde começar. Estou a divagar. Não, na realidade sou apenas um homem desesperado a sentir o destino traçado, caminhado só, às margens deste rio de insegurança. Não consegui entrar no ritmo, errei no contrapé, fiz descaso e já não consigo mais dançar a dança da velha tribo. Sou inimigo número um das pedras atiradas à esmo. Sou inimigo e amigo... Conquanto seja, não sei ser eu mesmo. Perdi o jeito, as manhas e os macetes. Deixei esvaziar a taça, sentado nalgum canto de praça, a observar o anonimato. Vivendo nele, servindo de capacho para os pés sem sapatos. Não me pergunto quanto às porradas. Não se deve questionar a própria fraqueza com tanta franqueza em alguma manhã ensolarada que, de antemão, me convidará para mais uma jornada infinda. Destas que, nem sei ainda, mas presumo, vá dar em nada. Tenho mundos e desertos por serem descobertos, no entanto, aqui é o fim do mundo. Meu pecado e degredo. Meu segredo e pecado. Não ter saído pela porta do fundo enquanto havia tempo. Pego-me assustado e confuso. Já não sei o que fazer. À que(m) recorrer. O que dizer. Por onde começar. Fico a ver navios fantasmas, em porto algum atracados. Ousar tanto para nada! Houvesse me restringido feito os que se dizem normais.. Desafiar e esgrimir. Não pedir, não me entregar, resistir.. Soldado abatido, com frio e medo. Já não há segredo. Derrotado nalguma trincheira, espero o inimigo chegar atroz, raivoso, irado. Pobre animal sedento! Expludo por fora e por dentro. Não, ou melhor, me arrebento. Que não me agüento e sequer sustento tanto tormento e tormentas neste mar enfarruscado a me tragar. Basta de hipocrisia! Basta de tanto deixar! Calar a boca. Quem vem me fazer calar e calado me põe à espera do que jamais virá? Eu que era tantos! Hoje nada, nenhum! Conflito aflito neste grito sem som para gritar. Quem ouvirá estúrdio lamento? Pois calo-me, confere? Não, não sou mais o que difere. Sou somente mais um. Inseto da vida mal resolvida. Coisa que não se discerne. Nem sequer nos concerne. Tudo e tudo o mais, é somente deixar. Restará o que tiver que restar. Nem mais. Nem somenos. Não há importância, bem sei. Vassalo e rei. Escravo, cavo a sepultura para os grilhões que me prendem. Quiçá esta emergência abusiva de me libertar. E me arrebento. Me liberto. Sou lento, mas chego. Sou meio patético e estabanado; desajeitado mas sei bem o que se passa à minha volta. Não retorno que me hei decidido. Nem herói, nem bandido. Somente o que ouso. Não osso, nem aço. Nem fácil, nem fóssil. Eu. E me decido. E recomeço. Refaço o compasso no compasso desfeito. Não há que me negar nesta contramão da vida, uma última dança. Vou de encontro ao que eu mais temia. Morrer não importa se todo o tempo estive morto e descontente, escondido atrás da porta. Portanto, morrer não importa. Importa esta dança. Esta roda, esta ciranda, este berro que forma-se dentro, nas entranhas! Não posso mais permanecer calado, parado, esperando somente porque mandaram. Quem são e com que direito mandam em alguém? Não sou somente um, mas vocês também. E me arrebento. Sustento a palavra e me arrebento de vez. Não há mais espaço para quem sabe ou talvez. A hora é esta e agora. Aqui e já. De imediato. Não cabem aqui palavras mansas, servis. Prefiro ser vil a servil. Lambada no lombo fatigado: menino afoito, abusado. Se sou, porque não ser abusado? Maresia em demasia à minha volta. O que passa, passa, não torna. O que resta? Nada dessa festa. Nada dessa pista de dança que não sou de dançar. Nada de flexões para o reflexo das ações. Nada de espera na sala de emergência. Nada de sim quando as palavras de ordem são: não, nem, nunca, jamais. Ironia do destino é o que firmo e assino, assumo. Não sou descartável, nem de consumo. Desapareço mas jamais me esqueço. Eis que prefiro o refaço ao retrato que não me retrato ao que não faço. Laço sem nó. Em nós que enlaço. Abraço o que caço e predador aprendo a dor da caça. Se me embaça a visão, jamais se me cega a razão. Por isso este sim monumental dizendo não. Este não fundamental dizendo que sim. Que é finda a servidão. Que é finda a sina maltrapilha, esfarrapada, a troco de tão pouco, quase nada. Basta de palavras amenas, serenas, cordatas. Basta desta farsa irracional. Digo adeus e sorrio amargo o travo que me resta. Saio hoje que amanhã é tarde. Não importa com que pernas caminhar e ou quais caminhos sondar. Nada mais importa quando de tudo o que há, nada resta para salvar. Digo, este é o meu legado e recado dado. No mais, nem atribulado, nem em paz. Apenas e tão somente vazio e abarrotado. Eis o meu legado e pecado. Porque, embora aparentemente morto, vivo, muito vivo, ainda trago comigo, as cicatrizes e feridas por sanar. Tenho em mente e nas palavras escritas a história que não foi contada, não foi dita. A realidade e não o subjetivo. Não o que parece, o suposto. Não o que fumo, se desfaz no ar. Mas o que vai ferir, magoar, marcar, tanger, sangrar. Saio, já não me importo o que me entorto se estou pelo avesso virado. Pelo avesso é que encontro o meu fim e começo. Não posso ser um, se sou uns. Sei quem e o que sou na medida exata daquilo que devo ser e não do que me foi imposto. Que venha o futuro. No escuro, quando cego, é que melhor vejo. É que a tudo ouço. Afastem-se, preciso tirar esta corda do pescoço. Com licença, seu moço!.... “Na minha mira, não há dor nem solidão. Só atiro pra matar, nunca maltrato não!”... Reticências. Sem ponto. Final.


 

 

ESTRELA DE GUIAR

(16 — Publicada)

 

Há dias em que a cidade parece recender à mofo e poeira ancestrais. Paira um silêncio abissal, indescritível por sobre telhados e muros. As almas calam-se feito os cães modorrentos e entediados. Aranhas quedam-se macambúzias: já não tecem suas teias com precisão. Na Cidade Morta das Varejeiras, não se ouve um zumbido sequer. O ruído de um passo, o arrastar de um chinelo, o espicaçar de vassouras... As crianças calam-se. Sequer, ao longe, o ronco de um motor de automóvel. Tudo parece estagnado. O ar parado. Fotografia. Pintura emoldurada que se esforça por respirar. Todavia, sabemos morta. Somente uma paisagem em tecido estampada. Aguçamos a audição: um pio de pássaro? Não! Absolutamente.. Os sentidos são traiçoeiros, às vezes. Galinhas não cacarejam; gatos não ronronam; nem riam ou choram crianças.. Os talheres estão mudos. As válvulas de descargas restam inúteis na tarde que se faz em pélago. Vezo do aborrecimento, da falta de perspectiva futura. Teimo em permanecer atento: os músculos tensos, retesados; a mente embotada ou esmaecendo atônita ante ao que se nos parece retratar o impossível, o irreal. Contudo, permaneço atento... Às vezes, o silêncio em sua perfeita profundidade, sua etérea anomalia, parece conspirar, sabedor desta minha ansiedade. Controlo-me ou, esforço-me por fazê-lo. Por uma frincha qualquer, ouso espreitar o quintal. Como acreditar que, por um momento, havia uma nesga de vida neste quadro se, a sombra que, por sua vez, parecia espreitar-me por sobre o muro, desliza lépida, sagaz, precisa e se desfaz repentina? Não, não ouso mover-me. Travor amaro contido em calabouços e porões sombrios da alma e da mente! Sei o céu límpido: sem nuvens, aves de rapina ou jatos. Por um segundo, engendro a morte na morte engendrada na vida. Ferida hemorrágica que jamais estancará tanta sangria. Conheço os segredos do medo enclausurado nos corações magoados. Conheço a cor, a fragrância e o tédio das palavras e frases dispersas. Passos sombrios.. O caos das fibras cansadas, músculos retesados e células mortas, conheço. Mas tudo permanece tão vazio quanto a vã persistência do ousar entender tal pintura desbotada e morta! Penso inútil pensar. Nada concludente. Avassaladora/mente a varrer cômodos vazios e a trinchar antigos madrigais e reminiscências na mesa postos para o repasto nefando. Candelabros vazios da existência. Demência forjada na decadência do grito roto, torto e morto na canção. Lá fora é o emergente cá dentro. A tarde esvaindo, deixa um rastro de melancolia. Cismo qual fumo que se desfaz pelo ar. Quem ousaria um berro que despertasse os mortos a arrastarem correntes de cativos pela casa, ruas e praças? No espelho não havia este rosto, este enfado, este traço de melancolia nos cantos dos lábios e do olhar. Não, não havia este espanto sem magia! Poesia abandonada, carente, solitária! A dor é vária. Móveis aborrecidos e objetos aduncos observam a imagem do que sou na tarde inexistente. Porquanto, deixo de ser: qual a tarde com seu silêncio e segredos amalgamados por mentiras e descaso. A noite espalha seu manto negro, sarapintado pelas estrelas. Ouso sair para o quintal e saio.. Meu primeiro olhar descobre uma estrela: é ela, “minha guia”. Enceto os primeiros passos e ouço uma voz que me segreda: —A linha que delimita o real da fantasia, nunca se fez visível para todos. Vai, cria asas e voa! Traça com o que te resta, nesta linha, o teu destino!...”. Nada digo. Apenas sigo a linha, o traço que me resta. Passo à passo, refaço cada nota, cada acorde e compasso. Descubro a nova harmonia. Não, já não há necessidade do berro, do grito desumano para despertar tudo o que posso com um suave e dócil solfejar!... Sequer, desejo berrar!..


 

 

DA NATUREZA DA MEDITAÇÃO

(17 — Publicada)

 

Às vezes eu ficava pensando. Ou melhor, não sei. Quando a gente se habitua a cismar pelos cantos o todo tempo e passa a sentir necessidade desse hábito, aí eu acredito que seja algo como estar a pensar. Então é mais ou menos isso. O tempo todo. Dizia. Não como quem diz em voz alta para que alguém ouça, mas para dentro. Para o próprio eu. As coisas assim como os pensamentos, por exemplo, são fugidias, entende? Então havia aqueles lapsos, brancos, confusões na memória. Não sei se poderia classificar dessa forma, mas é uma maneira. Eu me habituei a ficar parado, quieto, cismando. O tempo passa. Sei que perco tempo precioso a escarafunchar velhos baús recendendo a mofo e poeira ancestral pela memória falha, mas é uma forma de não me deixar macambúzio, enfarado. A vida cotidiana acaba impregnando a mente, embotando a alma e os pensamentos vão se tornando tacanhos, ridículos, mesquinhos. Alguma coisa materialista, egoísta. Por isso gosto de pensar de forma ancha. Me esparramo e deixo que os pensamentos tomem conta de meu ser. É isso o que quero dizer. Eu sou assim. Sempre fui. Desde criança que sou meio arvorado. Ou seria arvoado? Avoado não pode ser, ou é? Bem, isso não importa. Não arvoro ser Deus, que não prometo e nem tenho poderes para tanto. Então... Então, como eu dizia, ou melhor pensava, eles falavam que eu era maluco. Não, afirmavam que eu vivia divagando, “viajando”, sem pôr nexo em coisa alguma. Muitas vezes fui repreendido por esse meu jeito. Eu nunca me deixei aborrecido com o que diziam ou poderiam pensar. Não pelo que eu saiba. Porque, na realidade, sempre estive realizando uma espécie de exercício mental. A gente pára, bitola. Fica tapado. Vira uma toupeira. Esse cotidiano de cidadezinha é assim. Fofocas, política, futebol, vizinhança. São essas coisas que se repetem eternamente o que deixam um sujeito doente e meio debilitado mentalmente. Porque os pensamentos são uma espécie de energia, de força que vão — pensamentos —, com o tempo, se materializando. Ou parte deles. Sobretudo os de natureza negativa. E se transformam em um círculo vicioso. E tornam à sua fonte. Ou seja, grande parte dos problemas ou doenças, nós mesmos criamos através da nossa capacidade de raciocínio. Parece doentio, mórbido, contudo, real. Por outro lado, quando me pego a buscar soluções para problemas corriqueiros, o fato de tanto matutar, acaba atrapalhando. Uma coisa de concentração exagerada, obsessiva. Porque é tão simples que acabamos não enxergando a solução bem ali, em vias de nos sacudir e berrar para que despertemos dessa espécie de letargia atoleimada em que nos encontramos. Há esse tipo de contrapartida. De reação contrária. É algo relativo. Ou subjetivo, sei lá! Mas, afora os lapsos, esse costume é bom. Algo saudável se bem administrado. Administrar a mente e as idéias, os pensamentos e disparates é algo, amiúde e deveras complexo. Eu disse isso e discordaram porque eles, não sei, cheguei à conclusão que, quando alguém pensa perto deles, acaba importunando. Não querem que pensemos. Porque, quando ousamos pensar, acabamos criando uma certa forma de embate. O apático não incomoda. O estático nos pensamentos, que passa todo o tempo empregando suas energias no trabalho direcionado e de hábito, não questiona, não cria conflitos. Pensar é criar conflitos. É questionar a natureza das coisas que ocorrem à nossa volta. Isso acaba nos proporcionando um novo hábito, o de discordar, de pôr um pé atrás e evitar que nos ludibriem de forma tão banal. Isso, incomoda, como eu já disse. É algo que vai contra os princípios daqueles que costumam não ter princípio algum. E há, portanto, esse conflito ético e moral. Meu avô, era um pensador. Um poeta por natureza. Meu pai dizia muito pouco. Não era de palrar à socapa, pelos cotovelos, à sorrelfa, sem motivo. Era muito de ouvir, prestar atenção nas coisas e meditar e manter-se naquele silêncio perene, intransponível. Eles eram herméticos. Acho que é isso. Meu avô escrevia muito para os presidentes de República: sei porque me lembro da época dos Governos Médici e Gaisel. Talvez a assessoria deles não deixasse com que as cartas de meu avô chegassem até o destino. Contudo, como bom baiano, sargento aposentado e de leituras e conhecimentos outros dos quais me abstenho de comentá-los aqui por razões particulares que viriam ferir toda uma filosofia — uma vez que meu avô era, como dizem, um Iniciado —, e sobretudo, muito respeitado e com quem conheci as primeiras obras dos Grandes Mestres de todas as seitas, crenças e religiões que revolucionaram o mundo e continuam até hoje — algumas alvo de estudos, outras revolucionando e muito, sempre foi contra a imbecilidade do regime com sua brutalidade e sua fachada. A liberdade em todos os seus sentidos, sempre foi algo sagrado para o bom baiano que muito me legou...... Já de natureza um tanto sonhadora e poeta de escrever versos e mestre em criar e recriar o já criado, meu velho pai legou-me o gosto pela leitura, pela música, pelo silêncio, pela solidão e a meditação. Mãe não que, éramos em nove irmãos e minha progenitora se hoje possui toda uma sabedoria peculiar, adquiriu-a, seguramente, através da vivência e do labor. Na lida com a vida e na manutenção da prole no dia à dia. Mãe era quem guerreava. Era formiga operária e sem tréguas, fazia com que as engrenagens da máquina jamais emperrassem. Cada qual com suas virtudes. Era o que dizia avô. Foi o que pensei. É o que vejo aqui fora, nesta espécie de carpina diária e no “eia gado!”, com artimanhas e joguetes e falsetes e falsários. De forma que ainda dizem que sou de muito pensar e divagar, resultando no devagar. Sou. Sempre fui. Morro sendo. O tempo, é vero, se nos tira e nos dá. Põe cercas neste descampado de pensamentos, mas também nos empresta asas para, maduros, não deixar que incorramos em tantos erros e precipitações. Nisso, penso e não sou de negar, pode ser que, por vezes, mais que o necessário. Desconfiando do que instintivamente poderia ser o correto. Desconfio do que fornece azo à dualidade em sua natureza. Desconfio do que não brota da convicção do sim dando guarida ao não. Ou é ou não. Ou prova ou carece de investigações nos pormenores. Não sou somente de sonhar, compor versos, escrever histórias e divagar como pensam alguns. Ou não pensam e erroneamente, afirmam de forma convicta. O popular é também filosoficamente, na maioria dos casos, infalível: “Onde urubu voa em círculos, carniça há”. Então já é uma questão que foge à poesia ou ao meditar. Vamos lá conferir, digo. Ou nada digo. Somente me ponho a cismar convicto de que, onde há urubus, quase sempre carniça há...Embora alguns teimem em afirmar o contrário...


 

 

CREPÚSCULO

(18 — Publicada)

 

Domingo, 12 de março de 2.000, o crepúsculo abre seus braços melancólicos e observa esta réstia de esperança de que somos, realmente, seres privilegiados e que, da mesma forma que tivemos um dia inteiro à nossa disposição — que aliás, não foi o suficiente sequer para colocar em ordem um terço daquela balbúrdia em que se encontram as gavetas de nossa existência —, continua a nos prometer que ainda teremos a noite e amanhã, e depois e mais: uma vida inteira para que realizemos nossos sonhos, compromissos e ainda tenhamos, por nossa natureza cabocla, um tempinho para que acocorados e cismarentos(quando o sol se põe moroso no poente), a devida preguiça para divagarmos pelas searas do nadaquefazer. Promessa vãs, sabemos. Faço que acredito. O quarto de trabalho –escritório das aranhas e do pó ancestral —, continua a mesma panacéia. Ou melhor, pior. Descubro que as traças voltaram a atacar minhas estantes e minhas coleções de livros. Poxa, passei a minha vida comprando livros e discos para esse bichos miseráveis realizarem orgias e banquetes?. Ao mesmo tempo penso em que não deveria juntar tesouro sobre a face da terra: expostos a larápios, traças, ferrugens e... Bem, e o que tenho eu a ver com isso? Meus livros, não!. Dei início à operação limpeza, extermínio e fadiga. Sinto-me exausto e excitado a um só tempo. Preciso ler. Preciso escrever. Compor. Ouvir música. Redigir jornais. Passar meus livros para o computador. Preciso, preciso, preciso! Mas estou de saco cheio dessa vida besta. Não consigo me entender muito bem com as pessoas lá fora. Ou melhor, não nos damos, definitivamente. A sociedade é complexa? Eu sou sistemático e problemático? Papo de índio. Domingo tem programa de índio. Não bebo, não vou em festas, beira de rio, reuniões, jogatinas. Não assisto TV. Não gosto de macarronada. Não paquero. Não tenho ouvido músicas e sinto-me enfarado. Que coisa! Um chopinho, violão, canções da velha boêmia e... Acabou. Não dá mais. E agora José? A festa acabou. Esse crepúsculo lindo, lento, modorrento, cismarento, acocorado no quintal da minha solidão! Sinto desejo de chorar. Verdade. Chorar de verdade. Um sentimento dolente ou doente? Não sei bem. Sou todo mal resolvido e desconjuntado por dentro. Na mente e na alma. Sou o avesso do avesso do avesso. E tropeço em meu próprio destino. Crepúsculo!. Fico mirando as nuvens que acompanham o final da tarde domingando pelo avesso feito a minha vida. Afinal, onde fui me deixar esquecer? Choramingo o domingo ido fornido pela melancolia que eu sequer sabia, havia! Quando a via, havia algo tanto que me concernia e eu, ora, eu nem sabia. Raul — não sei quem é o tal —, usava gomalina nos cabelos. Nem por isso este país mudou ou a massa ignara deixou de pronunciar “pobrema” o que não deixa de ser um problema, convenhamos. Mas não venhamos muito com essa papo que eu estou — momentaneamente —, enfarado. Permaneço quieto, mudo, parado, cismando. Lá fora amor, uma rosa nasceu, nosso samba acabou, uma estrela caiu. Chico. Diz que Deus/Diz que dá. Que eu já estou de saco cheio! Que barbaridade. À soleira (que é isso mesmo?)da porta da casa penso, repenso e concluo que não vai dar para concluir nada. A única solução é não haver solução. A única saída é nunca encontrarmos saída. E eu aqui parado, cismando até quando?. Até quando, Baby? Se a gente ainda nem começou! Mas eu devia estar contente. No entanto corro para o camarim, nalgum porão/beco/gueto dentro em mim/enfim sou sem fim e deixo assim. Hoje é domingo missa e praia, céu de anil. Tem sangue no jornal/bandeiras na avenida zil. Raul Seixas. Deixa que minha mão errante acene/adentre/entre e absorto observo os primeiros pingos da chuva repentina. A vida é tão estranhamente bela. Meto a cara na janela, emoldurado e observo o muro que me separa e me guarda. Amanhã será um lindo dia. Dizem. Não sei. Eu não conheço o amanhã. Mal e mal conheço o agora, o já. Com licença. Cerro a janela. Afinal, não sou nenhuma Carolina pra ficar observando a vida passar. A vida passa, o tempo passa, o domingo. Passa, de louça, a moça louçã. Pelo meu olho que vê miro admirado o que não tenho encontrado. Do outro lado uma sombra me espreita. Desconfiado me ameríndio todo e sei que tudo não passa de uma forma de passar o tempo que ainda me resta mesmo sem ter festa. Havia festa? Não fui convidado. Não gostaria –imensamente, de ser convidado para festa alguma. Mesmo porque eu estou domingo. Trancado em meu quarto e observando atento a aranha tece o fio da teia e a teia possui uma função. Da mesma forma que o meu coração vagabundo que quer guardar o mundo e fim. Bocejo no bosquejo da crônica que não escrevo. Somente. Apenas penso. Penso, analiso e esqueço. Não iria solucionar. De forma que deixo. Nem aflito, nem contrito. Nem desleixo. Deixo. A vida cavalga lá fora. O trem apita. O domingo finda o domingo e vem a noite, sussurrando nos ouvidos do crepúsculo, licença mas, eis que é chegada a hora. Te manca; te manda; dá licença; cai fora. Eu sorrio e penso: para que pensar? Para que tanto penar. Basta fechar a janela, apertar um botão e fim. O crepúsculo se desfaz. Não sei se aflito. Não sei se em paz. O crepúsculo, esse fóssil do ócio fácil que nos faz sonhar e deixar. O problema é que tem muita gente metida na políticalha local e fazendo cagada com o rabo direcionado para o ventilador ligado. Sai dessa vida! Vão chapiscar a casa do cacete! Mas, sobre o que eu estava escrevendo mesmo, quando iniciei esta crônica?.. Ah, esqueci! Devem ser os dois neurônios que me restaram(o Tico e o Teco), que acabaram de entrar em conflito. Se vocês ainda não sabem, em Uchoa também há cremúsculos! São lindos feito uma verborragia desancada. Digo, sangria desatada. Noitô no sertão e são grandes as veredas. Ô sina mais bléin, bléin, seu! Agora já fera. Digo, era. Fô ficano fanho, afcho!. Isso é ruim ou menos mal? Ah, deixa, pra lá vá!..


 

 

AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA

(19)

 

Sinto algo novo, é a voz do povo
Homens de papel
Criam novas Leis, o ontem talvez, não seja tão mal
Nossa vida nada, fria madrugada
Nos olhos da amada
Um medo, nem sei dizer
Vida encurralada: Tudo é tão nada
Nós cantamos tanto, mas ninguém quer perceber..
excerto

(Júlio Pontes e Mauro Rueda, do Show “PARCERIA” — 1.990).

 

Observava a miséria grassando sobre a grande maioria da população; o trabalhador perdendo o emprego, o crédito no empório; mendigando uma cesta básica; reclamando da má sina que lhe foi predestinada; perdendo as esperanças e, sobretudo, a dignidade. Observava este lado que veio marcando ao longo destes últimos vinte anos. Acentuando em minha mente e alma, as feridas e mágoas.

Enfim, quando dei pela coisa, encontrava-me em meio a referida grande maioria em virtude do descaso e das artimanhas de políticos indiferentes e seus “sacos de batatas vazios” aos quais costumam denominar de assessores. Senti na pele o descaso, o acinte, a falta de crédito, o desemprego, a indiferença e os risos maliciosos acompanhados pelas maledicências. Parei para pensar, analisei, ponderei e cheguei à conclusão que, ou se é servil ou não se é nada. A minha opção foi tornar-me um nada. Aliás, sequer me fizeram proposta. Uma sombra morta passando despercebida em meio à tantas orgias e palhaçadas desses que nós elegemos para dirigir o destino da nossa gente. Vesti a camisa do anonimato e passei a viver de bicos e do Deus nos acuda. Mesmo porque, somente “ele, de galocha” poderia saber o que eu faria no dia seguinte para saldar a conta da luz, do mercado, da água e o que eu teria — se tivesse —, para comer.

Enquanto isso, os servis, as panelinhas, se apossavam do poder tirano e vexatório para a maioria e passavam a comandar com mãos rapaces e maquiavélicos planos inexcrupulosos, os nossos já tão aviltado destinos. Nessas idas e vindas, pude sentir o peso da exclusão social, da marginalização, da indiferença, da insegurança, da descrença no futuro e no ser humano. Mas sobretudo, em como se sente o ser humano espezinhado e perseguido. Desses que já não conseguem mais alimentar uma réstia de esperança no futuro e se deixam abater por longo tempo, assolado pelas mazelas que lhes são impostas e incutidas pelo processo perverso, discriminador e massacrante. O processo capaz de atirar à sarjeta, o mais dileto de seus filhos em virtude de seu ódio, sua seletividade e sua mentalidade aberrante.

Esse é um tempo ruim! As coisas se repetem, contudo, acabam passando um dia. Tudo é uma questão de tempo e paciência. Amanhã será um novo dia. Pensava com meus botões e fantasmas que continuavam a fustigar minhas noites de insônia. Enquanto isso, sob as sombras da frondosa ignorância, arquitetava-se o que se faria com esses milhares de corações magoados e ressequidos pelos sofrimentos e pela marginalização do sistema. A política e seus praticantes, esses Judas Iscariotes, de saias ou não, são maquiavélicos e sequiosos. Não se dão jamais por vencidos. Mesmo quando tudo o que fizeram foi contra o povo, o bem estar social e comum, a Lei e a Justiça ainda abrem-se-lhes incontáveis recursos para que possam — não reparar seus erros —, mas voltarem a tomar as rédeas do poder e continuarem com seus mandos e desmandos como se acabar com famílias inteiras fosse algo não menos que exterminar uma ninhada de ratos. Eles, talvez, julguem que, essa grande maioria das famílias que vai sendo deteriorada por seus atos vis e doentios, não passem de ninhadas de roedores. Eles pensam em seus próprios filhos, seu próprio bem estar e nas benesses das quais desfrutam. Os outros não são gente. São meros eleitores que deverão se contentar com as migalhas do despotismo/nepotismo.

À despeito de todo o sofrimento, nós os que somos considerados restos e que temos somente o direito às migalhas, jamais deixamos de ser humanos e, por incrível que pareça, possuirmos os sentimentos e a sensibilidade muito mais apurados do que eles que, ao que tudo indica, jamais possuíram sensibilidade ou sentimentos. São máquinas. Foram programados para pensar e agir com um único objetivo: tornarem-se superiores e dominarem a grande massa através do poder que essa mesma grande massa acaba legando-lhes a cada nova eleição.

As mentiras, a corrupção, o descaso, as falcatruas, a indisfarçável pose de superioridade, o ódio, as perseguições, os motivos de chacotas, os atos vis de meros vândalos da vida pública parecem não importuná-los. Eles estão de volta. Armaram a arapuca, prepararam — quando tudo parecia perdido —, a derradeira cartada e, passam, de repente, a sorrir confiantes e mais unidos do que nunca. Conseguiram arrebanhar a simpatia de numerosas famílias importantes que sempre estiveram contra seus princípios sem escrúpulos. Deram a saída e como costumam levar vantagem em tudo, com seus bodes expiatórios, hoje voltam a alimentar o velho sonho da perpetuação no poder. Há alguns meses atrás seus pensamentos quanto ao futuro eram negros e assemelhavam-se a profundos e abissais fossos onde atiraram ao longo desse tempo todo, a dignidade, a confiança, a honra, a vergonha e os valores morais dos eleitores, dos pais de famílias, dos jovens e crianças, das mães e donas de casa, dos idosos e, enfim, de toda uma comunidade, uma sociedade. Estão confiantes de que podem trazer de volta, para engrossarem as linhas de frente desse séquito de cobaias das urnas e dos votos eletrônicos, todas aquelas almas e consciências espezinhadas ao longo de mandatos desastrados, corrompidos e sedentos de vingança. Passaram até mesmo a sorrir porque confiam que “O ÚLTIMO FAVOR É O QUE CONTA NA HORA DO VOTO”, como costumam afirmar por aí. Como se o eleitor fosse, eternamente, cobaia desse sistema pervertido por políticos sem caráter e sem uma nesga de consideração por sua gente.

Ao longo desses anos, acabei me desencantando com a política e os políticos. Generalizei, embora não devesse. Deixei com que o descrédito viesse fincar suas garras em minha consciência como eleitor e ser humano. Quando pensei que a justiça poderia intervir no jogo eleitoral, talvez impedindo que esses profissionais da política com seus processos e deslizes, viessem a se candidatar, ainda me restava a velha fé e a cansada e espoliada esperança de que, um dia, as coisas pudessem mudar. Mas que justiça? Eles estão rindo nos camarins. A justiça falha mais uma vez e isso não é nenhuma novidade. Não impedimento. O único impedimento cabe ao eleitor. O eleitor, este sim, pode fazer com que a justiça seja aplicada, posta em prática. O eleitor e mais ninguém. Somos eleitores. Nós os que permanecemos à margem do processo ao longo de todos esses anos sofrendo as agruras do despotismo e da indiferença das autoridades. Nós que imploramos por aquilo que nos era de direito e que, no entanto, nos foi negado porque numa administração de déspotas, cinco ou seis são sempre os mesmos beneficiados. O impedimento está na consciência de cada um de nós eleitores e, nunca houve uma oportunidade tão clara, tão explicitamente palpável para que nós, através de nossos votos, resgatássemos a nossa vergonha e dignidade como eleitores e seres humanos que eles, esses falsários que aí estão, pisaram e cuspiram em cima todos esses anos. Não se trata de uma questão de vingança, mas de resgate. A hora está próxima, creiam.


 

 

A VIDA PARA SER VIVIDA COMO DEVERIA

(20-Publicada)

 

Populus, meu cão, escravo indiferente que trabalha
E por presente, tem migalhas sobre o chão

(Populus — Belchior, In “Pequeno Mapa do Tempo”)

 

Creio que seja algo mais ou menos assim, de se viver a vida de verdade, sem as arestas fantásticas das mentiras que a torna — vida —, quase que insuportável ou impraticável. Viver é muito mais do que sonhar ou esperar. Para aqueles que jamais tiveram vez e sempre permaneceram na longa fila de espera, como explicar o que é a vida? Ou dizer-lhes de forma convicta que a vida, bem, a vida é boa e bela quando vivida? Mesmo com simplicidade, honestidade e honra?

Não, não tive uma excelente noite de sono. Não recostei a cabeça no travesseiro e dormi com a velha sensação da missão cumprida. De que tudo encontrava-se em ordem, conforme manda a decrépita e deteriorada regra. Havia sim, algo me fustigando. Algo a tentar lembrar-me que, nem tudo está como deveria. Há qualquer coisa destoando do resto. Do conjunto. Algo que incomoda e magoa. Algo que me faz calar a boca mesmo com vontade de gritar. Algo que me angustia nesta aparente serenidade. Desolador, inconfesso e traiçoeiro, este algo que não me deixa conciliar com o sono e me faz revirar de um lado para outro. Há algo de errado sim, bem sei.

E a noite se arrasta morosa e apavorante. Sarapintada em presságios mal delineados na consciência. O inconsciente trabalhando, abrindo e fechando portas de forma ruidosa. O que importuna é o amanhã, o futuro, a falta de perspectiva. O que fazer, afinal? Quando todas as possibilidades já foram vistas e revistas, o quê fazer? Rumino cada palmo de chão já pisado desta estrada infinda. Revisito cada momento, cada segundo vivido a pesar e ponderar. Nada se me revela o que nem sei explicar. Permaneço atento, embora — de antemão —, já saiba que não há resposta para determinadas perguntas. Resta o vazio abissal. Este sentimento de impotência mediante o que ganha corpo e faz-se em caos. Não há saída para tantos problemas acumulados em decorrência da espera. Essa animosidade, o vezo de sempre, as mesmas questões desconexas...

De qualquer forma amanhece a segunda-feira com sua cara enfarruscada e encalacrada em tédio e desatino. Salto em busca de uma planilha, vou palmilhar as estradas da mente, fomentar esta necessidade de decidir a vida, retocar este quadro mal delineado, definir de vez o que fazer com o que já deveria há muito. Não há mais segredo ou medo. Não pode haver. O tempo ido, perdido, morto, soterrado pelos escombros da indiferença. Sinto e penso. Medito e tropeço nesta linha imaginária que me separa da realidade. Estamos vivendo de sonhos, esperanças, fantasias e acreditando em milagres e coisas que caem do céu. Mas sabemos que nada virá nos ajudar a levantar. Por isso resoluto, luto contra tudo e contra todos. É necessário refazer a própria vida. Arregaço as mangas. Procuro palavras, frases, rimas e encontro somente a página fria e vazia do processador.

Feito a própria existência. Essa demência do viver sem perceber a vida passando, ida...

São os fantasmas que se acercam da alma enfarada. Lapsos da memória em estilhaços que ferem e sangram. Espreito por uma fresta, a festa dos contentes. E preparo o bote. Não me sinto feliz. Não canto mais. Não sorrio e nem caminho de cabeça erguida. Alguma coisa está a me importunar. Alguma coisa está a me revolver as entranhas. Para tudo há um limite e o meu limite findou há muito. Em segundos resolvo o mal resolvido. Digo ao vento que sopra para que espalhe minhas mágoas e o que sinto ser absurdo para distante. Ergo a cabeça e sigo adiante. Já não posso perder o que foi consumado, consumido. Isto é caminhar até o fim. Numa segunda-feira que me parece que tanto faz ou tanto fez. Saio pela porta do fundo. Sou um homem desesperado em busca da dignidade perdida feito o elo entre o ser e a vida. A existência não se resume em esperas intermináveis, afinal!

Passo por lugares pelos quais todos os dias meus pés caminham, mas meus olhos sempre estiveram fechados. São as mesmas pessoas, mas há algo de diferente nelas nesta manhã. A rua não me parece tão estranhamente hipotética. Não desejo permanecer desatento para os fatos e fito o futuro através de minhas próprias retinas. Sou eu quem modelo meu próprio ser. Modelo a face mal definida do destino e da vida. Estanco a ferida que não cicatriza. Vou, de peito aberto, recebendo no peito e no rosto a brisa fria desta manhã. Refaço o compasso, traço novos caminhos e decido: não há mais tempo. No contratempo do compasso desta dança, é que me perco e me encontro. Tudo é novo sob outro ângulo. De um novo prisma, minha cisma é brincadeira. Da mão do vento, meu destino acena, vai de rabeira. Sou o que passa e acena também. Vou bem, embora eles não queiram. Embora eles não pretendam deixar. E sorrio para a manhã. Nem alegre, nem triste. Somente o que sou, é o que resiste. Por isso, porque a vida é para ser vivida como deve ser e não como eles querem nos impor, vou ao encontro deles. Não pode haver paz enquanto houver arestas. Não se vive a vida por fases, em migalhas distribuídas. Senão plena e consciente, a vida sequer merece ser dividida. E eu careço refazer tudo. Cada momento esquecido, mal somado, mal dividido, perdido, inacabado. A hora é hoje, esta, urgente. Não há mais tempo para esperas e filas infindáveis. A poesia arrebenta e arrebata. Refaço o que sou e vou ser o que tenho, o que deveria há muito. Sou do tamanho e na medida exata que nasci para ser. Não vou esconder-me atrás da porta: sombra rota, feia, triste e morta. Porque mais do que gente, sou um ser que pensa e sente. E, consciente, sei que é chegada a hora....


 

 

HAVIA UM TEMPO EM QUE...

(21 — Publicada)

 

Era um tempo em que, aos domingos, mal o sol despertava bocejando a manhã, trazia-nos a alegria festejada de pássaros sem cativeiro ou amarras. Rápido, lépido, saltava da cama, tragava um café, alimentava o condenável vício de acender o primeiro cigarro, saltava num velho fuscão amarelo e dirigia do bairro Santa Cruz, até o centro, na praça que resiste ao fundo de onde erigia-se a velha catedral — hoje aquele shopping ecumênico —. Dali dirigia-me até a banca de jornais, comprava o Pasquim, a Folha, O Globo, o Jornal de Literatura, metia tudo sob o braço, ia até o Coffee Shop e ingerido mais um ou dois cafés, sentava-me nalgum banco mais afastado e punha-me a ler as notícias, as resenhas, crônicas e artigos. Lia sobretudo, o Pasquim e o Jornal de Literatura.

Por essa época, já havia vendido a minha parte do jornal "A Voz do Povo", mas continuava escrevendo crônicas ou alguns artigos. Colaborava com todos os jornais rio-pretenses. Sobretudo o "Diário da Região", onde li publicado o meu primeiro conto, num caderno literário, criado por um professor do IBILCE. Assinava meus contos e artigos com o pseudônimo Moruam Vadeur que, nada mais era, que o meu próprio nome "de trás para frente" acrescentando-se um M no Mauro e um V no Rueda. Dificilmente usava o Gonçalves e não sei o porque.

Devorava o que me parecia mais importante, deixando o de somenos importância para após o almoço. Tomava café, voltava ao banco da praça e ficava espiando as pessoas. Havia um interesse quase que obsessivo em observar o jeito delas caminharem, falarem, se tocarem, vestirem. Algumas rezingando sozinhas, com suas próprias consciências, seus fantasmas familiares ou algum Deus invisível, delas. Somente delas.

Quando começaram a demolir a velha Catedral, parecia que demoliam uma parte da história, dos versos que eu havia escrito, das crônicas, dos artigos mais diversos. Ali sentado, compus letras para música, trechos de peças para teatro, longos versos que fingi perder por algum lugar dos muitos pelos quais passei desde que resolvi escrever e fazer jornalismo. Jornalismo! A desastrosa mania de sonhar que, através de palavras impressas, poderíamos contribuir, não para resolver todos os problemas deste mundo, mas, tentar melhorá-lo. Ledo engano! Dos quatro sócios, sou o último convalescente daquela estranha doença. O Sr. Devanil abandonou a carreira tão logo percebeu que daquela fonte jamais jorraria ouro ou cédulas do Banco Central do Brasil. O Kazuo, proprietário da gráfica, teve dois enfartes e aposentou-se. O Divão também teve problemas cardíacos e passou a trabalhar com transporte de alunos. O Sergião, convidado a editar "A Voz do Povo", veio a falecer jovem, há pouco mais de seis meses, em Frutal com o jornal "Pontal" do triângulo mineiro. Um derrame ceifou um dos mais obstinados e talentosos jornalistas que já conheci durante este período. Seus textos tinham a grandeza e o perfeccionismo dos que atuam no que há de melhor no país. Aliás, foi com ele, professor de Literatura, com quem aprendi a trabalhar com os lides, títulos, chamadas, pirâmide invertida, brincando com cíceros e contando o número de batidas e espaço por lauda enumeradas e assinadas. Foi com ele que, enfim, a estética, forçosamente abarcou-me. Se eu quisesse assinar minhas crônicas ou reportagens, teria que aderir à estética. Ética então, era caso de polícia. Ou se tinha ou não se exercia a profissão.

Aprendi muito com o Sérgio Portari e o deputado Nárcio Rodrigues da Silveira que, na época era proprietário do "Jornal Esquema". Tanto aprendi que, um dia, os dois viajaram para Belo Horizonte, deixei a redação, fui até meu quarto, apanhei minha mochila e caí na estrada. Havia permanecido tempo suficiente no “Esquema” e, voltei para Rio Preto investindo na burra experiência de vender camisetas. Terminados os parentes e amigos percebi que fechara o círculo e não havia mais ninguém à quem oferecer camisetas. Ainda na época, recebi um pacote de Frutal: um livro do então deputado Pimenta da Veiga, autografado em meu nome. Juro que senti saudade. Voltei a fazer bicos na “A Voz do Povo” e em todos os outros jornais de Rio Preto.

Sem perceber, após fundar o “Marginália”; “Jornal do Poeta”; o jornal “Vaia”, escrever para teatro, participar de festivais, virar pelo avesso o próprio avesso no Curso Anglo onde o vereador Eduardo Nicolau foi meu professor de Geografia e faculdades às quais eu não conseguia tragar, discutindo com meu professor de Literatura (Ademir Pradela) e recusando-me a fazer trabalho sobre Camões, disputando com ele, no D. Pedro, durante um curso Técnico em Contabilidade, o Primeiro Concurso de Poesia que, ele faturou o primeiro prêmio e eu recebi um canudo como participante e que devo ter usado para acender alguma fogueira ou embrulhar meias sujas, voltei para Uchoa. Ainda acreditava no jornalismo.

Em dezembro de 82, editei a primeira edição do “O Uchoense”, sem imaginar que havia criado raízes e de repente passaram-se l8/22 anos. Matei o utópico sonho de que o jornalismo, era realmente, uma das armas contra a corrupção, a injustiça, a miséria, o medo, a loucura da consciência e do saber; do sentir e pensar. Casei-me. Uma filha. Um jornal que sofre de amorfia aguda e que circula quando a prefeitura necessita. Uma labuta sem fim contra fantasmas e preconceitos; ignorância e sandice; intolerância e picuinhas; politicazinha não menos amorfa que o real objetivo de fazer com que o município deixe de patinhar nesta lama ancestral e legue à seus filhos, um futuro menos obscuro e abarrotado de incertezas. Com oportunidades ao invés dos oportunistas. Com lealdade e princípios. Com dignidade respeitada e não aviltada. Com camaradagem e paz ao invés do ódio e da guerra psicológica constantes e infindáveis. Enfim, uma Uchoa pacata, acolhedora, mas radiante e amorosa como deveriam ser seus filhos atípicos e iracundos; sombrios e maquiavélicos nesta acirrada vampirização entre irmãos o que faz com que o melhor e mais belo dos sonhos, acabe se transformando em pesadelo.

Vez ou outra, sinto saudade daqueles tempos idos. Não importa o passado? Que escola mais profícua do que a vida? Lições? À cada dia vivido, aprendemos centenas de novas lições de vivência e convivência. Das lições antigas, buscamos e resgatamos o que restou encravado na memória, na alma. Amalgamadas lições que nos fazem suspirar e pensar ou sussurrarmos ao vento: havia um tempo em que... E tocamos em frente. Não importa. Em frente, sempre. Eternamente!.


 

 

QUANDO A HISTÓRIA PARECE QUE SE REPETE

(22-Publicada)

 

Vá pra casa esse menino, viu?
Vê se para um pouco pra pensar
Cava o chão, o teu tesouro
Que a vida não vai te dar
Cobra em dobro todo o choro
Que te fizeram chorar
Se o eterno mau agouro
Dos que vivem a te agourar..

(Raimundo Sodré e Jorge Portugal “Vá pra casa esse Menino, viu?” In, “A Massa” — 1.988).

 

Primogênito de nove irmãos, nasci em Santo André, um ano após nascia minha irmã Elizabethe. Lembro-me que morávamos em um sobradinho. Hoje sei que esse sobrado de um único quarto, não tinha nada a ver com privilégio, mas sim, com pobreza. Tudo em volta era somente cortiço. Uma verdadeira favela.

No quarto havia três ou quatro colchonetes pelo chão, uma espiriteira — tipo de fogão à álcool —, algumas latas onde nossa mãe guardava o pouco que possuímos para suprir nossa fome. Meu pai trabalhava na capital e somente voltava uma vez por semana. Minha mãe saía cedo — muito cedo —, e nos deixava trancados naquele quarto sem banheiro, sem espaço para brincarmos ou exercermos atividades próprias das crianças de nossa idade. Eu deveria ter no máximo cinco anos. Sei disso porque aos seis, mudamos para Barretos em virtude da “barra pesada” com muita violência e, como meu avô era sargento de Polícia Militar, resolveram adquirir uma casa na pacata Vila Pereira, entre o Frigorífico Anglo e a cidade dos peões de boiadeiros.

De qualquer forma, durante este mês de férias, em algumas oportunidades, tive a impressão de que a história forçava a barra por repetir-se: minha mulher tendo que trabalhar cedo e eu, literalmente correr atrás de “socorro financeiro”, dada a crise pela qual o país vem atravessando. Aliás, crise que existe desde aqueles tempos remotos em que eu era somente um pirralho a fazer necessidades numa folha de jornal e atirar lá do alto, de uma janela do sobrado que ficava incrustado nalgum morro de favela.

Graças a Providência, minha filha não teve que passar por isso. Mesmo porque, deixei-a trancada por alguns minutos enquanto telefonava para a gráfica e lembrei-me de minha infância. Há uma diferença acentuada. Em casa temos banheiro, água encanada e o arroz com feijão — sustentáculo da família brasileira. Há um aparelho de TV. para ela passar algumas horas, livros, música....

Quando João Cabral de Melo Neto referiu-se ao sertanejo como um forte e, Raimundo Fagner gravou ao vivo, lembrei-me de acrescentar que forte mesmo é a mulher. A mulher sim, é toda a estrutura e são todos os pilares do lar e quiçá, desta sociedade corrompida e recendendo a mofo e poeira ancestral do machismo e do preconceito. Sei disso porque “A Mãe” tornava somente ao escurecer e não havia tempo para “Historias da Carochinha” ou da “Dona Baratinha”. Juntava a espiriteira, as latas de marmelada onde cozia o arroz, o feijão e a mistura quando havia e servia seus dois fedelhos que, de alguma forma precoce, já compreendiam que o que estava ocorrendo havia seu porque. E nós a amávamos da mesma forma que amávamos ao velho pai que aparecia, geralmente, no domingo e passava o dia dividindo seu tempo entre a companheira e os dois filhos.

Houve tempos melhores em meio a esta primeira infância, quando ia com meu pai e sua “monstruosa” 500 cilindradas à Vila Belmiro ver o Santos F.C. clube jogar. Ou quando ele fizera um papagaio da minha altura e subimos ao alto do morro para empiná-lo até que se tornasse um ponto no céu infinito. Minha irmã, certamente, também desfrutava de algum brinquedo e ao lado da Mãe, tinha seus momentos de filha dileta.

Tempos difíceis, trancafiados no velho baú das reminiscências. Recortes que, a situação fez com que eu, escarafunchando entre meus guardados e esquecidos, fosse buscar uma solução simples para o problema: telefonei rapidinho e voltei para casa, para junto de minha filha. Que se dane a história quando podemos evitar que ela se repita de forma negativa. Por alguns anos, enquanto algumas maledicências chegavam aos meus ouvidos, com um pouco de paciência e muita colaboração de algumas poucas pessoas, eu e minha mulher pudemos evitar uma parte da história de minha infância que, minha filha desconhece.

Meu velho pai já se foi. Minha mãe e minha irmã, quando nos reunimos com os outros irmãos e irmãs; cunhados, cunhadas; sobrinhos e sobrinhas, pouco discorremos sobre o assunto. Em nossa cumplicidade harmônica, nos sentimos felizes em termos a certeza de que muitas coisas mudaram ao longo desses anos. Mesmo que, de forma consciente, reconheçamos que, muita coisa continua da mesma forma cruel e perversa em nossa sociedade mesquinha e egoísta. Com nossos governantes, patrões e a miséria que assola este país descadeirado e mal resolvido.

Às vezes — acocorado como quando em criança, já em Barretos —, pego-me a cismar na modorra crepuscular, observando a estrada infinda que vem e que vai e pergunto-me onde vai dar e os senões concomitantemente com os porquês. Há respostas sim. Sempre houve e haverá uma resposta para tudo, embora, casmurros e empedernidos, não aceitemos explicações que não nos satisfaçam o egocêntrico ser em que nos deixamos moldar na maioria das vezes. Em 86/87, escrevendo “As Memórias de Um Inseto Brasileiro”, durante a crise do Plano Cruzado, rebusquei alguns trechos deste passado que, com o correr dos anos, espero transforme-se em mera poeira.

Recentemente, escrevendo dois novos livros de contos: “As Reminiscências da Infância de Cócoras, Menino do Mato & Outras Histórias”, resgato os tempos mais felizes de minha vida — dos seis aos quatorze anos —, vividos em Barretos, solto feito bicho pelas searas e campos. Talvez, uma trilogia com (“A Cidade Morta das Varejeiras”), estruturada e sendo moldada no subconsciente enquanto eu vagava por aí, de cidade em cidade, de estado em estado, em busca de um canto para fincar raízes e esforçar-me para que a história fosse transformada, não se repetisse como a história de tantos outros brasileirinhos que, por algumas circunstâncias adversas, pequenas arestas e farpas do destino, sequer aprenderam a escrever seus próprios nomes e, infelizmente, não tiveram a mesma sorte que eu e minha irmã tivemos: a Mãe que jamais deixou-se curvar ou esmorecer ante a adversidade e a intempérie e, sobretudo, aquele anjo que eu jamais contei para ninguém, mas que vivia nos policiando o tempo todo e fazia aquela cara de zangado quando eu pensava em fazer algo de errado quando trancado no sobrado, pensando que estávamos meio abandonados, sem saber que jamais estivemos realmente sós. Não era nenhum anjo famoso feito o de Drummond ou de Torquato Neto, mas seguramente, tratava-se de um anjo com uma missão tão importante, senão mais, quanto as dos anjos do maior poeta brasileiro, Drummond, e um dos maiores letristas e integrantes do movimento Tropicalista, Torquato.

Obs: este meu jeito de ser, companheiro da solidão e do silêncio; distante de festas, chinfrins e voltado, tanto para as nuanças quanto para as grandes causas, parte do legado daqueles tempos idos e herdados, o que me faz ser o que sou: forjado pela natureza e pelas circunstâncias sob auspicioso olhar de um anjo que ainda hoje, quando das horas silentes e solitárias, vem com seu jeito fanfarrão e jamais envelhecido, contar-me as boas novas e, “prosear” uma côdea, sobre a trabalheira danada que nós, eu e maninha dávamos em nossa inquietude de crianças que, jamais deixamos de agradecer pelos pais que tivemos. Ele sorri dócil, compreensivo e, no mínimo, a perguntar-se: “E eu?, seus danadinhos! Foi por acaso que passei um bom tempo aprendendo a ser babá de dois pirralhos sem ter o que fazer, além de dar-me trabalho?”. Observa-me de soslaio e esfuma-se no ar. É quando minha filha vem perguntar-me se a mãe demora à chegar.....


 

 

UMA SINGELA DECLARAÇÃO DE AMOR

(23 — Gravada e Recitada)

 

De tudo o que se vive, resta sempre um pouco de algo que fica para sempre: uma lembrança guardada, um gesto, uma frase desenhada e bailando no ar, um olhar de ternura, a candura das horas esmaecidas... De qualquer forma, sempre resta algo de que jamais nos esquecemos. Mas algumas passagens desta vida, são feitas um momento de sonho e magia que jamais podemos nos esquecer!..

Nas paredes da memória, a paisagem tingida escorre em cores mal delineadas, esmaecidas. Sonhos antigos da vida vivida, ida, carregada pelo tempo veloz... Mesmo porque, para tudo há um tempo: e no entanto, há sempre algo que jamais se desmancha no ar; algo que nem o próprio tempo consegue apagar... Às vezes torna-se difícil de exprimir sentimentos através das palavras. No entanto, o coração nos diz: de uma coisa temos a convicção límpida, sem borrões ou máculas: sempre resta algo. Uma cantiga de ninar; a frase que impressionou; o gesto que deu vida; o sorriso que enterneceu; o olhar que despertou... São, na maioria das vezes, sentimentos que mal percebemos e, no entanto, como são grandiosos e importantes para que possamos continuar vivendo e sonhando!.

Sim, sentimentos. Nada que se possa comparar com a quimera do tangível, do palpável. Feito a obra de arte; o verso escrito; a crônica impressa; a parede em cal desbotada mas erguida; o piano esquecido na sala fria... Nada, nada disso compara-se a um sentimento que a lembrança rebusca, resgata e desperta na emoção mais burilada e faz vicejar em emoção e ternura que juntam todas as cores, os sonhos, as esperanças, os laços de união e a certeza da eterna compreensão.

Um sonho antigo, quem sabe? Restou um sonho antigo na lembrança, diríamos saudosamente. Mas sabemos que restaram muitas outras coisas: grandes e pequenos feitos. Nuanças e planos traçados. Coisas que foram espargidas ao léu e que o ventou soprou. Momentos de ternura e emoção. Nestes quinze anos, cada mês, cada semana, cada hora, algo foi acrescentado às nossas vidas. E a vida, o que há de mais belo nela, senão os espaços que já foram, de propósito, deixados para serem, ao correr dos anos, preenchidos? Ah, doce sonho, ilusão que não se desfaz! A felicidade somente torna-se real, quando compartilhada, dividida com quem amamos. Com aqueles que olhamos com carinho; com quem dispensamos atenção e nos entregamos em oferenda feito uma flor que plantamos e, um dia, vemos desabrochar com sua formosura, graça, beleza e sonhos que nos emocionam até às lágrimas, por ser bem mais que uma simples e singela flor?!

O que são quinze anos ao longo de toda uma vida, afinal? Frente ao infinito tempo que não pode ser medido ou contado? Suspiramos com o coração pleno, arfantes dentro do peito que infla de carinho, os olhos marejando e a mente pejada pelos sentimentos mais puros de pai, mãe, irmão! Quem de nós poderia esquecer quando ainda eras somente um pequenino sonho que foi tomando forma, crescendo dentro da gente e, abençoados pela Lei Divina, fez-se realidade em forma de um bebê, de uma garotinha sapeca a crescer lentamente, com energia e determinação?

Confiante em cada um de nós, sem medo do futuro, a ensaiar os primeiros passos; a primeira corridinha pela casa.. Então vieram: a escola, as amizades, os segredos que, nem todos da casa poderiam compartilhar porque eram segredos entre amigas e companheiras como devem ser mãe e filha. Nós, os leigos — pai e irmão —, sabíamos e, sorríamos na cumplicidade de termos a certeza de que havia mais uma mulher dentro do nosso lar. Que nos tornáramos uma família com todos os alicerces e estruturas para enfrentar a vida e, planejarmos à mesa, na hora do jantar, ou mesmo durante a sesta, o futuro de cada um?!

O tempo passou e de repente o sonho antigo se fez realidade e, sem que nos déssemos conta de fato, veio crescendo, crescendo, formando-se, criando vínculos, bordando no manto da vida e da existência, os momentos mais belos e felizes que jamais poderíamos sonhar que pudéssemos viver e desfrutar com a benção do mais sagrado e puro amor!.

Cada sorriso, cada gesto, cada palavra aprendida, cada frase proferida, os porquês que nunca tinham fim, hoje são seguros e já possuem planos e projetos em sua aurora de vida. Sabemos que restou a menininha que o tempo tornou adolescente e mulher. Mas, sobretudo, temos a certeza de que valeu a pena esperar, sonhar, viver e lutar por você.

Você que hoje preenche cada espaço em branco de nossas existências. Você que, mais do que filha e irmã, tornou-se amiga, companheira, confidente. Você que, radiante vem renovar cada sonho e cada manhã em que o sol derrama-se por sobre os campos e jardins. Você que, ultrapassou todos os limites das palavras e frases com as quais pudéssemos contar o quanto significa para todos nós e tornou-se o próprio horizonte de todos os horizontes existentes em nossos sentimentos e imaginação.

Sim, você que ao completar quinze anos, nos faz mais uma vez, como quando vieste ao mundo, explodir em carinho, emoção e felicidade. Você que é um pedacinho de cada um de nós: pai, mãe, irmão, já não cabe nas frases que buscamos para contar o quanto significa ter, à cada dia vivido e por viver, o seu sopro de luz e esperança ao nosso lado!

Quinze anos!.... Para todos nós que convivemos e compartilhamos cada segundo no jardim da existência; e colhemos cada pétala de seu sorriso, da sua candura, da sua bondade e amor, todos os dias foram e serão sempre especiais. Mas hoje, sobretudo hoje, a própria vida se refaz na alegria e na felicidade do viver! Hoje, especialmente hoje, você se torna diáfana e sublime como são as primaveras, as estrelas cintilantes, as flores que perfumam o planeta, os gestos de bondade e carinho, por isso, por você ser tão especial, neste dia que nem o tempo, nem os anos poderão nos fazer esquecer ou ousar apagar de nossa memória e corações, é que podemos avaliar e afirmar o quanto você significa para todos nós! O quanto você é importante em nossas vidas!...

É por isso, pela Graça Divina com que nos foi concedida, e concebida que, comovidos, nos tornamos neste momento especial, as pessoas mais felizes do Universo: porque te amamos e desejamos que todos os dias de sua existência, sejam este momento em que nos tornamos um único sentimento para agradecer a Deus, porque temos você, nossa filha querida: .......

Você: por quem agora, neste momento de felicidade e júbilo, as estrelas refulgem com brilho redobrado e o Amor se faz presente com todo o seu encanto e magia, a nos lembrar esses quinze anos de felicidade e esperança! Felicidade e Esperança que, com amor e carinho, comemoramos ao seu lado. Parabéns filhinha, pelo ontem, pelo hoje e para sempre!... (Seus pais......).


 

 

MOÇO: O TREM JÁ PASSOU!

(24 — Publicada)

 

Incapaces los hombres
que hablan de todo
Y sufrem callados

(Raul Seixas e Oscar Rasmussem—, In — ‘Requiem para uma Flor’.)

 

Como se tudo não passasse, realmente, de uma questão de estética... Sentado no alto do morro, o sol causticante esturricando os pastos, enquanto esperava o trem passar, divagava pelas searas infindas do pensar/sonhar. Melancolia de boi vegetando, o olhar moroso, lacrimejando na dolência de estar-se pronto para o abate. Época em que se desfilava aflito, tangido pela ponta do ferro em direção à marreta que descia impiedosa na caixa craniana, para, em seguida, algo cortante e frio desferir o golpe fatal. Velho boi manso mirando um horizonte imaginário, inexistente feito a esperança do gado apressado pelas ruas apinhadas das grandes metrópoles...

Vinham-me trechos, passagens de conversações que restaram amalgamadas na tela obscura da memória. Coisas mal delineadas. Cortes e recortes de um tempo já roto, morto, roído pelas traças implacáveis do processo seletivo em queimar-se neurônios sem motivos aparentes. Recortes de jornais puídos, recortes de filmes inúteis, como se fosse necessário guardar tanta porcaria no velho baú já demasiado abarrotado pelo momento vivido e pelo futuro incerto!.. Ah boi! Quanto estrabismo com que os olhos da alma conseguem ler a vida e seus percalços! A intempérie e os sonhos desfeitos num átimo para que ruísse a existência com seus cômodos e porões sombrios pejados de fantasmas de Eras. Ancestrais também, a poeira e os sentimentos empedernidos, encalacrados em cavernas escuras e vezos revistos a cada decepção! De tudo, a mente soma e subtrai seu quinhão. Merecido ou não. Esperava modorrento, pés descalços, sem camisa, a tostar o lombo de boi enfarruscado para com a sina da gente toda.. Aquela gente que, desejasse ou não, também era minha. Fazia parte do gado.

Pensava nos desvalidos; nos vencidos; os que mantinham sempre o olhar preso ao chão, ruminando suas dores e ilusões perdidas. Pensava nos que, por sorte ou algo que o valha, já vinham para a vida com seus alforjes melhores fornidos pela boa sorte. Estes sorriam e se refestelavam. Geralmente, eram bois gordos, bem tratados, sem carência de arrancarem do solo ressequido, o seu sustento diário. Comparava-os. Sopesava em uma das mãos uma pedra de bom tamanho e na outra, um torrão diminuto. Bois e homens são assim: tanto na valência quanto no tamanho e importância. Vinha-me então, a imagem altaneira, orgulhosa, com a venda nos olhos e a balança de dois pratos: justiça velha, capenga, emperrada, cega. Por sua cegueira quantos bois não pereciam? Refocilava amiúde, feito porco, o lamaçal da história, das raças, credos. Nas entranhas da história da humanidade, as nações de gado apartadas em continentes. Sempre haveria os mais fortes e os mais frágeis. Era uma necessidade da própria existência. A vida ensina. Atirava as duas pedras: a menor, insipiente, sem peso, ia mais distante, como se ousasse voar.

Mas, como eu dizia: a diferença sempre foi uma necessidade da natureza. Peso e contrapeso. Sempre dois lados. A moeda. O que é escuro e o que é claro. O que é verídico e o que é falso. O forte dá no fraco porque o fraco já traz consigo a imagem do forte e não ousa romper com a tradição das amarras. Mal conhece alguns fundamentos de que, se usarmos a força contrária, podemos transformá-la na arma que derrota quem a possui. Mas raras são as mentes lúcidas o suficiente para discernirem os dois pólos. Não, para um boi que tem por prioridade saciar a fome e arrastar a canga, dificilmente há que lhe restar tempo para tais pensamentos disparatados. O cálculo é uma arma para poucos. Pensar, arquitetar, descobrir, aprender e fazer uso de uma gama de pequenas nuanças que formariam um arsenal invejável, são utopias aos olhos marejados e a alma enfarada, estiolada, fatigada e sem vontade. O trem não demora.

Gostava de observar os vagões com os rostos nas janelas. Algumas pessoas abanavam a mão. Iam para a Capital. Às vezes nem sempre. Paravam pelo meio do caminho. Tantas cidades até chegar-se à capital!. Feito os carros puxados por bois, com suas rodas rangendo morosas, puxando madeiro, milho, tralha sem fim.. Bois mansos, fortes, sem resistência para um não. Obedeciam e iam cumprindo a sina, vendo a vida passar e sendo levados a carregar o fardo pesado. Já o trem com sua máquina imponente, potente, laranja — uma cor bonita tanto quanto o vermelho sangue que verte do boi —, bufando, fumegando, estrepitosa, sobre trilhos num barulho ensurdecedor. Comparado ao mugir do boi. Quando a máquina apita, comparado com o berrante do animal sobre quatro patas... Decerto não sei sobre essas coisas de animais e seus iguais!. Um animal usando o outro. Montado ou não. Aos berros ou impondo-se de forma psicológica.

E esta — psicológica —, é a mais terrível, medonha, desumana, atroz, voraz. Sei disso porque aprendi a esperar o trem todos os dias desde pequeno. O imponente trem carregando no bojo, no ventre, mil histórias e ensinamentos tantos que já perdi as contas.

Outras coisas, é certo, aprendi com meu avô que, de tudo, um pouco sabia. Nascido na Bahia, avô era sargento. Correu pelas veredas de espinhos atrás de cangaceiros. Eu dizia-lhe: “mas eu sou do lado dos cangaceiros”. Avô meditava coçando a carapinha de cabelos nevados. Não dizia. Contudo eu sabia o que ele queria dizer: era tudo uma coisa só. Homem quando nasce de parte com a maldade, tanto faz se veste farda ou pijama de prisão. Não se vê diferença entre um e outro nas roupas, mas sim, nas atitudes, nos atos, no ser o que se é a cada situação vivida. Tinha pois, certeza, de que avô queria me dizer. No que sorria mudando de assunto, de certo que havia concluído que, um dia, de alguma forma, eu ainda haveria de descobrir. Então deixava. E nos tornamos cúmplices e bons camaradas.

Alguns pescam. Pode não parecer terapia ou filosofia o ato da pesca. Pode. Contudo, há muito disso tudo também. Coisa que li num livro de filosofia e fui para a barranca de um rio testar. A gente aprende é vivendo, bem sei. Mas, por adverso o tempo, mal se nos lega alguns minutos para que possamos viver, realmente. Nos cansamos demasiado em labutarmos pelo sustento da família. Algumas raças de bois são maquiavélicas. Manter o poder é a coisa mais simples que existe. Difícil é toma-lo daqueles que o detêm em mãos. Se penso nisso? Ara, em tudo e de tudo um pouco. As rodas do trem sobre os trilhos, os vagões ligados uns aos outros, a mesma cadência, o mesmo ritmo, o movimento parelho. Tudo tem função concebida de forma que a máquina funcione na concomitância das coisas. Caso contrário, a máquina indo para um lado, um vagão para outro, o gado para outro ainda e, pronto, descarrila tudo. Vira uma maçaroca. O caos. É mister botar-se ciência em pequenas, diminutas criptografias para se descobrir o conjunto, o todo e sua unicidade complexa. Penso nisso sim, como não?.

O boi caminha dois passos lerdos, lengando sem grande determinação ou determinação alguma. Parece ciente de que quanto mais rápido engordar, mais cedo será transformado em dezenas de produtos nos frigoríficos e prateleiras de supermercados. Parece bicho manhoso, mas é não. É questão que, a gente já nasce tudo com o que costumam denominar de intuição. Algo que, às vezes, em casos de extremada delicadeza como o estar-se entre a vida e a morte, melhor a intuição do que a razão. Não, aí é o instinto. Isso mesmo: Instinto! Aí está algo que eu deveria analisar minuciosamente. O instinto. Realizar uma dissecção para chegar às entranhas. Como de fato: nem sempre reluz o ouro. Sobremaneira, dizem que, nem tudo o que reluz, necessariamente, é ouro. Advém da ilusão e da ótica. Tudo é relativo em se tratando de rebuscar na teoria, respostas convincentes e concludentes. O sol que boceja seu enfaro, macambúzio na missão cumprida. Observo os bois como quem observa no quadro a pintura de uma paisagem. Trago comigo o imaginário em cores e formas bem definidas. Como se a vida não fosse somente este constante pensar e repensar o já pensado. Muito mais se nos apraz deixarmos de lado os currais e a vida de gado. Muito mais!..

Quando o sol se deita e o crepúsculo estende longos braços, melancólicos os bois, se juntam em lentos passos. Anoitece. Em pouco, o manto sarapintado pelas estrelas cobrirá estes rincões. Firmo as vistas, uma forma delineia-se, mirrada, esquálida, peito nu, pés descalços, no calção remendado. É somente um garoto que passa com uma vara de marmelo chispando-a no ar. Certamente tornando à casa dos pais. Filho pródigo. Menino das searas e cafundós. Das restingas e do concreto frio da cidade grande. Olhar ditoso de boizinho manso e sem preceito em pensar no futuro e nas coisas da vida e do mundo que nunca se entende por mais que se pense. Observa-me por um instante, sorri um sorriso puro, inocente e meio sem jeito responde à pergunta que não fiz:

— Não quero mangar do senhor. Mas, moço, o trem já passou......

Ergo-me a custo, as juntas doloridas de velho boi conformado e, passo a caminhar ao lado do menino. Não dizemos uma única palavras ao longo do percurso. Não há necessidade. Nunca houve. Há certas coisas que, melhor calar. Ambos ruminamos a noite já feita. Como jurar que o trem ainda não passou?.. Não sei.. Pode ser que tenha passado. Pode ser que não.. Sinceramente, não sei...


 

 

O QUE FAZER QUANDO NADA MAIS NOS RESTA?

(25)

 

“O processo de exclusão social em Uchoa, provêm da insanidade mental que instiga os ‘mandantes’, com suas perseguições políticas.
Eles odeiam aqueles que ousam pensar e ousam ser livres”.

(Mauro Rueda, in “Novos Pensamentos — Livro III —”).

 

É como se fosse saudade. Mas, de repente, começo a preocupar-me com o significado de certas palavras. O que me parece ser saudade, talvez seja outra coisa. Melancolia, degradação dos valores humanos, aforismo, marginalização social ou algo que o valha. Mesmo porque, não pode significar tão somente saudade, esta sensação de que tudo já passou e, o que me resta, de largos horizontes e sonhos anchos, pode ser visto por uma frincha, uma mera fresta. Saudade do que poderia ter sido e não foi. Saudade do que foi e já morreu em meio à decrepitude que um dia, todos nós enfrentamos pelo percurso desta seara infinda. Não, talvez não seja somente saudade...

Teço de forma paciente, meros planos. Faço, refaço contas e os destino. Controlo sentimentos e palavras. O que vou escrever ou dizer às pessoas. Brinco: malabarista do destino, nesta corda bamba. Terei, realmente, os nervos de aço como suponho? Ou posso vir a sucumbir à qualquer momento? Não, não sou de ferro ou aço. Não sou vazio; saco de batatas sem sentimentos que caminha em meio a pessoas indiferentes, preocupadas consigo próprias o tempo todo. Estou farto de tudo e de todos. Mesmo do que tenho sido que não me aflijo de vez e deixo tudo arrebentar e extrapolar para ver no que vai dar. Passo a revoltar-me com a situação deplorável em que sou obrigado a viver: de sonhos de um passado ido, carcomido, corroído pelo tempo. Sou feito de saudade e memórias que bailam para um público fantasma. Que se equilibra na corda bamba e sabe que não vai conseguir chegar do outro lado sem uma queda fenomenal, senão fatal...

Cônscio deste segredo que já não é tão seguro, palmilho no escuro o amanhã. Medo e teimosia. Não entrego os pontos. Sou assim um tanto casmurro e há algo que jamais admito: que tomem decisões pelo futuro, o meu futuro. Passo a manhã analisando a situação. Deplorável sim. E além do mais, já não consigo raciocinar em paz. Meio asfixiado, tento tirar a corda do pescoço. Osso duro de roer. O coma não é irreversível, contudo, melhor não alimentar grandes esperanças!..

Sou teatral! Inteiramente. Da saudade inexistente, até a alma enfarada que, já não vislumbra mais nada. Amargo cada decisão e quedo-me no camarim à espera de adentrar ao palco. Sou um artista. Um tanto decadente, contanto, artista. E bato firme, decidido, na porta do destino malogrado, soçobrado, que me renega como filho. Contrito, sinto-me aflito. Aflito e sem rumo.

Vasto mundo..., o poeta que me perdoe, sem rima nem solução, sacoleja dentro do peito o meu coração. “Um homem por trás dos óculos”, como diria Drummond... E agora, o que faço? Sem métrica, sem jeito, sem compasso. Perdi a rima, o pique e já não traço em linha reta o que entortou meu viver. O que hei de fazer, afinal?

Penso em sair pela porta dos fundos. Escafeder-me, desaparecer desta indiferença que me rodeia. Quando um homem passa a sentir-se inútil e invisível para o resto do mundo, o que importa que ele continue caminhando à esmo pelas ruas, ignorado ou, desapareça de vez? Sair, fugir, deixar.. Tudo não passa de abandono e hipocrisia. É com o tempo que descobrimos que acabamos nos enganando ou nos deixando enganar por um quadro com sua pintura mal delineada, mal traçada, obscura: feito o próprio destino. Que decisão tomar? Como sair da lama em que, abobalhados, nos deixamos afundar?..

Retomar a jornada. Encetar nova marcha. Recomeçar. Limpar toda essa sujeira impregnada na mente e na alma. Com paciência, decisão, persistência e calma. Basta o primeiro passo. No mais, é seguir avante. Foi o que aprendi um dia. Foi o que sempre fiz. Cair, levantar, recomeçar. Jamais desistir. Então, porque haveria de fugir? Decido, vou permanecer. Nada é fácil, sabemos disso. Conquanto não nos atenhamos ao que impossível. O impossível que se desfaça na saudade forjada. Que se espalhe pelo ar e reste em mais nada que mero sonho consumado. Fumo que se desfaz. Sempre o que foi ontem, hoje já é o nunca mais.

Viro pelo avesso cada possibilidade. Na realidade são raras. Há um enorme, infindo deserto à minha volta. Nenhum oásis. Nada que me alente. E isso é recomeçar. E isso é ter coragem para não mais esperar que as coisas se façam quando nós temos que, por necessidade, tomarmos decisões e iniciativas. Arregaço as mangas e aqui vou eu. Atropelo o primeiro que disser não. Mato a saudade e a indiferença. Mato essa resistência e desisto das frustrações. Careço de ação. Sacudo a poeira e meto o pé na estrada. Longo caminho: talvez não me leve a nada. Quem sabe, me salve de vez desta letargia em que morro a cada segundo de todos os dias?. Nunca saberei se não tentar. Cara, coragem. Eis os apetrechos para a viagem.

Manhã de decisão ou de nova ilusão? A quem mais enganar se não consigo enganar meu próprio ser? Restauro a imagem pelo tempo e a intempérie corroída. Não seria assim a existência, a vida? Por acaso, o acaso nos salva da derrocada, do medo nas trincheiras, da fome e das injustiças que nos assolam?. Há um tempo para aceitar a derrota e entregar-se ao inimigo. Contudo, a derrota, é somente uma sombra que nos espreita. E por mais que nos sintamos derrotados, sempre haverá uma saída. Na lida para com a vida, fenecem os que não aprenderam a confiar em seus próprios dons e, jamais conheceram suas reservas de energias. A auto estima pode ser a salvação. Tudo é uma questão de princípios e propósito. Com licença, mas preciso interromper a linha do pensamento para viver um velho tormento: atender ao portão.

Alguém me chama, inútil. Não tenho dinheiro para pagar....


 

 

COM O MUNDO NAS MÃOS!

(26)

 

“.. Vivemos de anúncios, charadas e cortes
cortados de facas em fundos punhais
os gritos calados, a dor penetrante
e as vestes dos nobres cobrindo os chacais..”

(Cortinas de Ferro, In Jardim da Fantasia — Paulinho Pedra Azul, durante show de lançamento do LP, na Faculdade de Direito de S.J. Rio Preto).
E ninguém entendeu nada, infelizmente.

 

Todos os dias desperto com os mesmos problemas e preocupações que me angustiam trancafiados dentro deste vezo mental. No entanto, todos os dias desperto com o mundo nas mãos. Feito Chaplin, a brincar. Trago em minha mente, a solução de todos os problemas que me afligem — geralmente a falta de dinheiro e as dívidas.

Aliás, soluções para o meus problemas e os problemas do resto da humanidade. Faço tudo às pressas, corro para o processador de texto e abro em “Crônicas do Cotidiano” e, deixo vazar, sangrar, desatada a sangria de sentimentos que me abarrotam a alma. Quando tudo a isso soma-se a inspiração, então, não somente sou o ser resoluto, decidido, mas feliz, alegre e confiante. Coisas que não sou naturalmente. Não tenho o hábito, digamos saudável, de tentar enganar-me com soluções fáceis para esta vida amarfanhada pelas encrencas. Contudo, até que os dois pés toquem novamente o chão e eu observe o “lá fora”, o vazio que tinge as ruas da cidadezinha; os sentimentos de insegurança e medo que acompanham as poucas pessoas que vejo e a situação que todos nós atravessamos, continuo com o mundo em minhas mãos e chego a delirar porque, de uma forma ou de outra, resolverei todos os meus e os teus problemas...

Com o passar das horas, a excitação vai desaparecendo. Parece-me que começo a murchar e volto à realidade fantástica do mundo em que vivemos. Caio na real e sinto-me frustrado. Durante as primeiras conversações, passo a resguardar-me. Contraio-me e fecho-me feito uma ostra. Estou só novamente. O mundo não me parece tão belo. É triste, contudo, real. O mundo chega mesmo, a ser ruim com sua indiferença. Não a do mundo, do planeta em si, mas da sociedade, dos governantes, dos grandes empresários, dos ditos poderosos. Os políticos causam-me asco porque jamais se preocuparam com seus eleitores, a sociedade e seus municípios, estados e país. Em primeiro lugar estão eles, suas famílias e aqueles que os cercam e aos quais beneficiam de alguma forma. Acho que vou entrar em depressão...

Começo a baixar o astral. Rezingo para meu anjo, “Pô, mas isso não muda nunca?”. Analiso as possibilidades. Tento encetar conversação com quem acredito que venha me fornecer algum alento. Desisto. Não resisto, afasto-me da turbamalta e pequenino, permaneço à distância observando esses seres obstinados em viver somente para si o seu próprio mundo errado e mesquinho. Sem partilhas ou sentimentos. Se não me pego em lágrimas é porque estou seco, ressequido, ruminando minhas próprias soluções e o mundo que perdi em tão pouco tempo. Vazio, enceto os primeiros passos de volta para casa. Feito um soldado, ferido, abatido, que perdeu um membro durante a batalha e jazia na trincheira sem esperança. Ouço os homens da maca. Soerguem-me da terra fria, com algum cuidado, alguém tenta estancar o sangue e quando sou colocado dentro de uma ambulância, apago. Já não estou e nem sou mais. Ainda assim, dou graças por existirem esses anjos que estão a nos procurar pelas trincheiras da existência e nos prestam socorro em momentos dos mais delicados. Mas o dia findou. Findou a missão. A esperança e o sonho com os quais me deixei convencer de que, para qualquer problema, sempre haverá uma solução correspondente. Volto para casa, cansado e abatido. Ferido, magoado e abandonado por meus próprios sonhos.

Chego em casa cedo. Sempre sou o primeiro a chegar. Algum tempo depois, minha mulher e minha filha. Penso no que direi a elas. Penso que não posso mentir, mas também, não posso demonstrar o desencanto, a derrota. Direi o mesmo de sempre: “Amanhã....”. Como se o amanhã realmente existisse nessa história e, com sua chegada, trouxesse a solução de todos os problemas. Há quantos anos tenho vivido desta forma? Quinze, vinte anos? Não sei mais. Há desencontros demasiados em meu ser. Minha própria natureza sempre fez com que eu vivesse meio “apartado” socialmente. Por isso, não consigo precisar os momentos em que minha reclusão foi voluntária ou forçada pelas circunstâncias. Dúvidas e dívidas contraídas me assolam e me assustam. Elas chegam cansadas da jornada: trabalho e escola. Nos cumprimentamos. Prometo que vou esforçar-me para demonstrar tranqüilidade e calma. Prometo. Às vezes, não cumpro. E sinto-me ainda mais derrotado e infeliz.

O tempo sana, cicatriza, ameniza. O tempo que delimita em todos os sentidos. Abraço-me a ele. À ele entrego-me e ele me acolhe em seus longos braços. Reconforta-me o tempo. Nos tornamos cúmplices, quase. Tudo à seu tempo. Espero. Mesmo que eu morra um pouco a cada dia, continuo esperando e despertando como se fosse algum Deus com poderes descartáveis, que se desfazem à menor brisa que sopra. Um Deus pés-de-chinelos de banco de praça e esfarrapado. Rústico, barbudo, com as vestes rotas da esperança cansada de tanta espera. Amanhã desperto outro. Amanhã pode ser que algo seja mudado. Continuo acreditando na força da esperança; no poder dos sonhos; dos desejos bem intencionados; na fé que move montanhas; nas palavras Dele que, jamais conseguiram apagar. Sou crente e envolto pelas emoções. Sonhador, eis o que sou, em verdade!

Não vou dormir tão cedo. Faço e refaço contas. Sonho desperto diante de várias planilhas de trabalho. Planejo, calculo, refaço, escrevo, apago, deleto, copio em disquetes, monto diálogos, textos e, fio versos. As crônicas, os contos, a poesia, o teatro, a reportagem, o edital, o artigo sobre A Sindrome do Medo, a paranóia. Escrevo pensamentos, resenhas, mensagens, artigos políticos, discursos para campanha em palanque, letras para musicar, apanho o violão e componho. Vou escrevendo, compondo, fiando, tecendo, guardando, enfiando nas gavetas, guardando em pastas, disquetes e de pauta com o tempo, entramos em compasso de espera. A longa espera. Ainda que seja até o fim da longa seara, do estreito caminho. Fazendo, sonhando e esperando. Afinal, amanhã terei novamente o mundo nas mãos ao despertar e, em mente e coração, todos os sentimentos e idéias que me fornecem fermento para o pão diário de esperança: talvez eu consiga, um dia desses, resolver alguns desses incontáveis problemas que nos afligem ao longo do cotidiano. E, enquanto espero minhas duas “pedras preciosas” tornarem, quase bonachão e num contentamento sem precedentes em minha existência, sei finalmente, aquele alguém que, ao passar por essas plagas, deixou cair um grão da semente que...Bem, aí já é outra história....


 

 

SER PRISIONEIRO NÃO É FÁCIL

(27)

 

Não suportava mais a prisão! Uma semana rolando de um lado para outro na cama, com violentas cólicas intestinais. Mal-humorado, fatigado, sonolento, sem disposição para nada, tomei uma resolução. Apanhei papel e caneta e via “please”, pedi ao Davi, filho do Titão Testa, para dar um pulinho até a farmácia do Fernando e me trazer “um laxante leve”. Sublinhei o “leve” por via das dúvidas e precaução. Sempre tive pavor a laxantes e seus efeitos devastadores. Já sentia-me em pleno regozijo com a minha estratégica vingança.

Ao anoitecer, tomei dois comprimidos do tal que, no momento o nome me foge à mente. Durante a madrugada, uma colicazinha ou outra, bem leve. Nada de contorcionismo como vinha ocorrendo até então. Sentia-me aliviado e bem melhor. No entanto, havia um verdadeiro processo revolucionário em minhas sofridas entranhas.

Ouvia uns ruídos estabanados, parecendo troar de nuvens carregadas que se estendia por segundos indefinidos. Além disso, aquele ronronar obstinado, fermentação ou diluição, sei lá. Calculei através dos ruídos o estrago que as engrenagens deveriam estar causando; previ a “moagem” e, aliviado das cólicas, adormeci como há uma semana não conseguia.

Dormi feito uma pedra. Sem cólicas, sem sonhos, sem dores. Pela manhã, minha filha perguntou-me se havia chovido ou trovejado durante aquela noite. Senti um frio percorrendo-me a espinha e desconversei a disfarçar. Dando de ombros, respondi-lhe que, provavelmente havia sonhado ou que, com aquele tempo meio maluco, poderia sim, ter trovejado “lá pras bandas do Gaiato ou das Palmeiras”. Mas, certamente, minha resposta não parecera nem um pouco convincente. O tempo mantivera-se estável durante a madrugada toda, como se encontrava naquele momento.

Fiz uma coisinha ou outra. Zanzei pela casa a passos firmes, sem me sentir aquele pobre e arrasado mortal que era mantido em cativeiro até a manhã anterior. Cheguei a assobiar uma canção do Chico e, passando a mão por sobre a barriga, murmurei um filha-da-mãe, com um leve gosto de vingança.

Leve, eu pedira. Ou melhor, escrevera. Levantei-me, como já havia narrado, tomei meu café puro e acendi com o maior prazer a droga do primeiro cigarro do dia. Parecia-me tudo normal, com a vantagem das cólicas intestinais e o acúmulo de gases terem sido dizimados pelo “leve” laxante. Sentia-me outro. Com a velha disposição tomando forma, me preparei para escrever uma crônica e um texto político que, de antemão eu sabia, jamais seriam publicados dado o teor, o conteúdo dos textos. Mas enfim, melhor desabafar no meu palanque imaginário no qual se transformara o processador de textos do que ficar ruminando aquelas verdades de maldizeres políticos proibidas e censuradas. Aqui, nesta pequena e pacata cidade em que moro, ainda existe censura e uma vez afrontada a tal, corre-se o perigo de algum elemento da família sofrer algum acidente. Podendo este ser leve feito o laxante ou grave feito uma bala perdida com endereço certo. Coisas dos homens e suas plataformas políticas que jamais são reveladas durante campanhas que precedem as eleições. De qualquer forma, nunca deixo de escrever, mesmo sabendo que irão para as gavetas do esquecimento.

Mal havia iniciado o meu trabalho e, de repente, bateu uma saudade de mim mesmo. Coisa estranha! Foi então que, senti o impacto da bomba: revolveram-se-me as entranhas em sucessivo troar e ribombar que era uma coisa de causar pânico. Não posso afirmar, mas creio que se não fiquei meio transparente, deveria estar roxo ou azulão.

De forma que, senti as veias do pescoço estufarem. Devo ter soltado alguma imprecação mais pesada, com os globos oculares tornando-se leitosos e girando nas órbitas de forma desgovernada.... Foi aí que, angustiado berrei um SAI!, e corri.... Parecia aqueles maratonistas que correm sem correm, como se caminhassem truncados e trancados a trancafiarem seus respectivos (?), com aqueles passinhos comedidos e lépidos.

Somente então, deu para avaliar a “leveza” do tal laxante. Que estrago, meu irmão! Prisioneiro e acorrentado, passei o dia revezando-me entre o “agacha, levanta”; correndo e brecando seco e tudo isso regado aos incessantes apelos que levaram minha mulher a renovar o estoque de papel higiênico do banheiro. Processo sofrível ao qual costumamos fazer referência de cunho popular: “suar frio”. Transpirava, fechava os olhos e avaliava todos os pecados cometidos nos últimos anos que eu conseguia lembrar-me de tê-los vivido.

Para se ter uma idéia da “leveza do laxante”, adentrei noite e madrugada sentindo-me o ser mais solitário da face da Terra. Imaginem se eu tivesse ingerido dois ou três lacto-purga, como haviam me recomendado?. No sétimo dia eu reapareceria leve feito uma pluma; um balão a subir ao céu em noite de São João. Sem contar que, talvez, a definir o quadro patético, acompanhando a aparência de um faquir debilitado, soterrada sobre os ombros, traria a cabeça murcha e vazia de um pobre inseto com dois olhos sem vida. Algo como “sexta-feira 13” ou, “O Exorcista”. De qualquer forma, sentia-me um verdadeiro “louva-a-deus”, aquele estranho bichinho, sempre com as patinhas postas em forma de oração. E, acreditem se quiserem, somente não definhei aos extremos porque o tal do laxante era leve, quase ligth... Por uns dois dias, passei a viver em outro mundo desconhecido.


 

 

A SÍNDROME DO PÂNICO É FRESCURA!

(28)

 

Foi o que me disseram tão logo passei a apresentar os primeiros sintomas de uma avassaladora depressão. O estresse, sintoma natural e delimitador em nosso organismo quando algo encontra-se em seu ponto crítico, também, até algum tempo atrás, era diagnosticado no ato pelos detentores da sabedoria popular:

— Frescurite aguda!.

Atualmente, a Medicina não somente trouxe à Luz da Ciência que o estresse não somente ocorre, como faz parte do organismo humano. Podendo ser devastador ou benéfico, se bem administrado neste último caso. Os que sempre tiveram o problema como “frescurite”, passaram a ficar estressados de repente. Sobretudo os políticos e os grandes homens de negócios.

Após meses de depressão, ansiedade, angústia, insegurança, desconfiança, medo e outras sensações e sentimentos maléficos, peguei-me enclausurado numa aterradora cela: a síndrome do medo (pânico), havia completado seu ciclo e fechado o cerco.

Da mesma forma, fechei-me em copas. A perda da noção de distância; o descontrole da coordenação motora; a insônia; a sensação de estar sendo perseguido o tempo todo e sendo observado por todos; alvo de zombaria, chacota e descrédito; sentimento de exclusão social; falta de concentração; sensibilidade auditiva aguçada aos extremos; sentimento de incapacidade; dificuldade com a articulação das frases e palavras; memória falha, obsessão para com determinadas idéias de natureza torpe e doentia; falta de apetite; desinteresse por certos valores e medo... Além do estranho e terrível pavor de tudo e o pânico quanto à exposição coletiva...

Somando-se a tal estado, o terrorismo e a violência que acabou virando modismo na psicologia e relacionamento do trabalho. A lida diária para o extremamente necessário e o descaso total de alguns poucos privilegiados que, hipócritas e sádicos, se comprazem em complicar ainda mais a situação daquele que, no gozo pleno de suas condições psicológicas e mentais, sempre demonstrou qualidades e princípios invejáveis à eles — os sádicos —, que visível e mesquinhamente, não perdem a oportunidade de irem à forra. Por incrível que pareça, são exatamente os mesmos que prezamos sempre e sem restrições.

Como pobre (ou seria casmurro e turrão?), não admite o hábito de freqüentar consultórios de analistas — psicólogos ou psiquiatras —, o jeito é tocar em frente com os próprios recursos disponíveis: a fé, a autodeterminação, o orgulho e a esperança.

Contudo, o processo é lento e martirizante. Sofre-se horrores. Passível de culminar em loucura e até mesmo o estremado suicídio. Processo lento, sofrível, arriscado mas que, no entanto, pode ser viável. Não de todo descartável para “as mulas” da vida. Muitas noites em claro e em preces contritas a mirar o céu sarapintado de estrelas e a busca dos valores soterrados pela doença. Aos poucos, volvemos a adquirir a velha confiança e auto-estima e nos devolvemos ao convívio social.

Ingrata, porém, a síndrome do pânico, acaba deixando seqüelas difíceis de serem extirpadas. Uma delas é a côdea de mágoa e de desconfiança por aqueles e daqueles que contribuíram para o desumano processo. Outro fator a ser considerado de forma relevante, é a comumente denominada “recaída”.

Feito um ciclo, a doença tende a reaparecer durante os períodos críticos. Diminui seu grau de intensidade e malefícios à medida em que aprendemos a controlar nossos sentimentos, pensamentos e emoções, buscando soluções para nossos problemas e ou, confrontos/ conflitos com um grau mais acentuado de disciplina, realidade e confiança no autocontrole de nossas emoções e pensamentos.

Com o tempo, desaparece. Ou, no mínimo, queda-se adormecida nalgum vezo do subconsciente (ou inconsciente), onde, a meu ver deveria, feito uma célula doente e decrépita, ser extirpada para sempre.

De qualquer forma, para aqueles que continuam achando ou julgam a Sindrome do Pânico e o Estresse, meras frescuras, é bom tomarem cuidado com seus próprios limites. O estresse é o primeiro sinal de defesa: um alerta. Mesmo para quem não acredita. Quanto a Sindrome (Paranóia?), sem casmurrice, corram para o médico e, somente por garantia, para reforçar, não há remédio que se compare com a fé, a prece, a esperança e a autodeterminação. Ainda que continue sendo um processo moroso e sofrível, nestas poucas e pequeninas nuanças, podemos encontrar lenitivo e cura para nossas doenças, com suas aflições mentais, espirituais, tanto em forma de possível caminho para a loucura, quanto para angustias e provações outras. Não, a Síndrome do Pânico (Medo), não encontra-se restrita a simples caso de frescura ou fruto da imaginação, do nadaquefazer como julgam ou diagnosticam alguns espertinhos. É algo muito mais profundo que vãs filosofias e porcas conclusões possam avaliar....


 

 

POR UMA FRESTA UM OLHO MIRA

(29)

 

Por uma fresta um olho mira o que os dois não podem ver. Às vezes, dois olhos são desnecessários para o que necessitamos: basta-nos um apenas e, se por acaso, teimamos em contrariar tal premissa, passamos a deixar de ver o que com apenas um olho se vê. Talvez seja complexo à primeira vista. Contudo, um olho basta, quando uma única vista — que não é a primeira —, entra em ação, anulando o excesso.

Possivelmente tudo isso esteja ocorrendo porque não consegui dormir mais do que duas horas e tal fato me deixa um tanto quanto confuso, com as idéias nubladas. Feito o tempo lá fora que muda de repente. Sinto quando o tempo vai mudar e este fato ocorre desde quando eu era garotinho. Algum dom especial? Não, simplesmente uma doença: asma. Seria até mesmo engraçado, não fosse patético. E, para narrar a verdade, sinto-me, deveras, irritado e são somente doze horas de una quinta-feira de um mês de agosto. Não sei porque mas lembro-me que no dia primeiro de outubro teremos eleições para prefeito e vereadores. Então me vem essa dor de cabeça medonha e tudo parece perder o sentido. Mesmo a vida e as grandezas dela à minha volta, me revoltam. Deixam-me irritadiço.

Traço o café da noite anterior. Mesmo com os óculos já não consigo enxergar muito bem. O tempo, como eu dizia, mudou: caiu um pouco a temperatura e esta noite fará frio. Aposto cinco dedos contra um. Morbidez, claro. Sinto-me vazio. Não tenho o que escrever. Ou melhor, tenho muito, mas sinto como se minha mente embotada, estivesse vazia. De forma que meto a cara numa fresta e um olho mira e vê lá fora o que, com dois não conseguiria. Entendem o que digo? Não importa. Muitas vezes, nem eu mesmo consigo entender. De somenos importância. É que sinto-me um traidor se não escrevo minha crônica diária. Contudo, esforço-me e meio atabalhoado dou início a esta missão árdua quando o ofício necessita de um mero orifício. Dois, como eu já frisei, atrapalham a visão e a mente. E aqui vou eu!..

Vou-não-vou. Quero dizer, provavelmente seja somente falta de inspiração. Excesso de contas a pagar e nada a receber. É sempre a mesma aporrinhação; a masturbação mental; o desassossego dentro da alma. Resolvo: vendo uns 12 discos e mais um Cd para pagar uma das contas. Dentre elas, a da energia elétrica é a mais urgente. Em seguida vem o crediário das “Casas Bahia” e a do fornecimento de água. Prestação da casa, farmácia, o que emprestei junto a um amigo e o mercado. É, a coisa está ficando roxa, mais do que preta. De qualquer forma já mandaram meu nome para o SPC, o SERASA, o BCB e para a pequepê! Danem-se!

Falar em fresta, emoldurado na janela feito nalgum quadro de Dali, uso muito uma referência quanto a muros que separam quintais e sombras que me espreitam. Virou hábito. Há alguns anos atrás compus canções em que os urubus rondavam meu jardim. Todo final de mês eles apareciam de terno e gravata e ficavam rondando a casa na espera do cheque do aluguel. E eu perguntava sorrindo se ela pensava que a vida era tão doce? É o mesmo quando digo que atrás da porta uma sombra rota, torta, morta, espreita-me. Não tem nada a ver. São figuras de linguagem. São quadros mal delineados pela mente. São, na realidade, a realidade quase literal do nosso velho cotidiano. Mesmo porque, eles estão sempre preocupados muito mais com a vida dos outros do que com a própria. Há uma trave no olho de cada um, mas insistem em retirar o cisco que percebem nos olhos dos outros.

Coisas da vida. Como faço uso de um único olho que mira/vê, delicio-me com a construção dessas frases em trocadilhos e trombose. Elefantíase. Tudo o que escrevo acaba sofrendo desse problema. Já não conciso velhos incisos. Tampouco deixou-me tornar incisivo. Mais para evasivo. Evasivamente me esquivo, escrevo e que me perdoem os grandes cronistas mas, sou poeta menor.

Já percebi que hoje não vai dar. A crônica arrasta-se macambúzia, melancólica pela linha imaginária da tela. Apático, atávico, teclo sem convicção. “Meu coração não agüenta/tanta tormenta/alegria.. Navegar é preciso, viver...”. Og Mandino escreveu “O Maior Vendedor do Mundo”, escrevo: “O Maior flibusteiro do momento”. Enquanto meu olho mira o que nem sei. Enfarado, assobio um fado. Fadas azuis de meus de repentelhos inundam a casa vazia que sou abarrotado e atropelam meus artelhos desesperados. Neurônios acabrunhados. Sequer vigio o portão e não me prenderam em coleiras. Rio de tanta besteira. Poderia ter seguido a carreira de ator/mentado. Mas esse olho que mira por uma fresta, sem festa, vive a dizer-me que não daria certo. Certamente que não, concluo. Somos cúmplices quando se trata de uma frase concludente que não leva à nada. Por isso, ambos sabemos que desta crônica, nem o título se salvará quando o dia do juízo final chegar. Embora, muito embora, não estejamos nem um pouco preocupados.

Enquanto por uma fresta um olho mira sem saber o que exatamente, empaco feito uma mula velha e teimosa. O que me resta desta fresta, é a dor na coluna, nas costas. Minha mãe sempre dizia: “Não adianta, vai continuar fazendo fora da bacia!”. Torto, roto, cofio as barbas e repenso o que não me habituo no estar-se (me) morto e caminhando de uma lado para outro. Arrasto minhas asas com seus fungos, musgos e heras do velho herbário pela casa empoeirada pelos séculos vividos e sinto-me desajeitado para a rotina dos normais. Anjo malogrado, soçobro a espiar pela fresta. Acabo corcunda. De qualquer forma, pela vez primeira — e talvez derradeira —, tenho uma visão do todo, através das partes e da fresta: relapso, corro para o digitador de texto e... afobado que sou, sento-me, trago mais um café, acendo um cigarro e me esqueço. Já não há mais salvação. Não consigo me lembrar o que tinha em mente. Portanto deixo. Nada escrevo. E torno à fresta: por uma fresta, um olho mira..... (Ziende!).


 

 

DE REPENTE A MADRUGADA MUDOU

(30)

 

Na vida tudo muda. Às vezes, de forma brusca. Para melhor ou, pior. De repente a madrugada mudou. Anunciou um dia que, não sonhava viesse. Feito meu destino, arrastando-se tortuoso pela linha: não reta. Não há estética no destino de alguns homens. Por mais que eles lutem e façam. Por mais que sonhem e laborem. Contudo, nada disso importa. Não muito. Acostumado com a ironia, o sarcasmo, a chacota e o soçobro, digo: sigo avante. Sou Quixote sem moinhos. Sancho Pança sem companheiro nesta luta desigual.

Lá fora, nas ruas, os primeiros sons, buzinas, roncos de carros, passos, vozes. O gorjeio dos pássaros... Breve instante de êxtase para minha alma esfarrapada e estiolada. Já não ouso desejar mais nada. No entanto, trago em meu peito todos os sonhos do mundo. É como dizia Pessoa, o poeta. Sou a própria “Rota do Indivíduo” de Djavan e Orlando Moraes. Concilio-me com este frio “agasalho que esquenta os corações gelados quando venta. Como mãe que dorme olhando os filhos, com os olhos na estrada. Ver-se a vida parada. Como se não existisse mais nada”.

Bela colagem (peço licença aos autores por esta obra prima). Sou assim: extremista. Sou assim. Não há nada que se possa fazer. Se amo sonho e sonhador por natureza, não acredito que se possa fazer algo. Se a bomba explode lá fora; se o presidente da República viaja mais do que o chapado em seu mundo excêntrico; se a seleção não convence; os mandantes nos pisam e há todo esse descaso para com a coisa pública, mas o povão continuará votando neles... Não, não há nada que possa ser feito. Há coisas que não podemos mudar, embora sonhássemos em transformar a vida, o mundo e as pessoas. Sobretudo em manhãs assim: em que tudo parece se transformar...

Corro até o portão, observo a rua. Vazia. Frio, um vento frio conta-me segredo indecifráveis. Meu coração é uma bomba prestes a explodir. Sorrio porque sei que, apesar do frio, desta aragem, o sol vai despertar em pouco. Banhará os campos, telhados, quintais e as pessoas continuarão caminhando apressadas em busca do futuro ido. Aos poucos, lentamente, vou me tornando repetitivo. Dou um tempo. Volto aos contos, aos poemas. Esqueço as crônicas. Sinto frio e vazio. Corte de faca na carne flácida. Canto uma canção qualquer. Ontem foi uma noite ruim. Hoje é um lindo dia, apesar do frio. Da mudança. Sorrio zombeteiro. A vida é assim mesmo: nem sempre. Às vezes sim. Pode ser. Sei lá. E deixo....

As borboletas que invadem meu quarto/escritório de trabalho, são azuis e trazem nas asas toda a esperança que jamais se cansa de esperar. Preencho os vazios da minha existência com metáforas e rios de subjetividade. Sou todo, por inteiro, algo subjetivo. Avesso do avesso, conheço e desconheço o que meço e o que peso e pondero ser ou não. Esta estranha manhã que trago na palma da mão! Observo atentamente. Não, não consigo entender nada do que se passa. O que passa, o que fica... O que importa? Tudo nesta reta/ entorta o destino. Somente o desatino do poeta. Sem rima/sem rumo/ sou rei sem reinado. Faço, desfaço, refaço sonhos em nuvens de algodão. Já não tenho para onde ir. Já não tenho futuro. Passeio pelo gueto escuro da existência. Sem resistência. Sem obstinação em remar contra a maré. Deixo a vida me levar nesta manhã. Deve ter sido a madrugada: mudou. Algo está mudado, bem sei. Não sei especificar o que, mas algo...

Então deixo. Ouvindo Djavan, espero o sol que desperta lento, modorrento... O ventilador espalha a fumaça. Traça nos pensamentos. Abelhas nas flores do jardim. O beija-flor na janela me diz seu bom dia. Tudo é relativamente falso feito o que é vero. Na ferocidade destes novos/antigos tempos. Sei que algo está mudado. Sei que algo dentro em meu ser não deseja mais ser o que vem sendo forjado todo esse tempo. Reviro pelo avesso tudo em que tropeço. Não digo, meço. Bocejo o sono, como quem adormece sentado frente ao teclado careço tomar decisões radicais. Nada mais. Decisões radicais na vida são coisas frias, cortantes, causam medo, angustia, desespero... Mas esta manhã é especial. Tudo torna-se especial porque, de repente, a madrugada mudou. Lembro-me de Torquato Neto. E Titãs. Lembro-me a longa, infinda, larga estrada que me convida. Sei que é chegada a hora de partir, deixar, sair, não olhar para trás. Não, nunca mais. Não vou me submeter à vontade irônica do destino em desatino de menino malogrado. Não!

Minha filha dorme, sonha o talvez, o revés... Não esta vida com seus cortes que jamais cicatrizam. Não, não ofertaremos pedras àqueles que nos pedem pão. Somos humanos. Somos gente. E ainda sabermos amar. Ainda possuímos sentimentos. Se eles deixam secar seus corações, não, não temos nada com fato estranho! Cerro os olhos e decido: é preciso partir. Sair, tentar, lutar, deixar a árvore má, pois frutos bons, jamais dará. Deve ser isso: alguma coisa mudou. A madrugada.... Provavelmente, a madrugada. Mais nada. No mais, o que havia em meu ser, já não há mais. Enterro o que desterro e renasço nesta manhã. É necessário que eu creia em algo mais além da dor, dos sofrimentos e da injustiça. Adeus. Eu digo adeus e reconheço: os erros serão meus. Sorrio agora porque sei, a madrugada mudou. Transformou o que havia em meu ser e me convida a renascer. Que assim seja!...


 

 

O CALCANHAR DE AQUILES

(31)

 

Alguns costumes vão se tornando parte de nossas existências ao longo dos anos e, como que encalacrados na alma e na mente, acabam baixando ao túmulo conosco. Senão, sabe-se lá para onde? Mesmo porque, se fosse para tudo findar num buraco, porquê meu anjo iria perder seu tempo comigo? Ou Deus esculpindo almas em Sua Infinita Sabedoria?

Mas eu referia-me a pequenos e grandes hábitos. Perceptíveis ou não. Saudáveis ou doentios. Do corpo movido pela mente ou, da própria mente que acaba criando determinados hábitos. Estranhos hábitos. De qualquer forma, a capacidade que temos em criar hábitos ou nos habituarmos às circunstâncias, são verdadeiros “malabarismos” espantosos e, por vezes, assustadores...

Às vezes penso no conceito muito usado no adestramento de cães e macacos: condicionamento. Não seriam determinados hábitos, uma espécie de condicionamento? Não seríamos, também, suscetíveis de nos deixarmos adestrar feito os cães?. Creio que sim. Ou melhor, fatos comprovam que sim.

Por exemplo: algumas pessoas habituam-se a ler pela manhã, à hora do café. Outras, na hora da sesta. Um hábito pouco recomendável é o de coçar-se determinadas partes pudendas em público. Alguns fungam. Outros tossem e, cataplá!. São hábitos, convenhamos, considerados impróprios, refutáveis em nossa sociedade. Há outros que nem são fáceis de serem mencionados dada sua natureza. Culminam em falta de educação. Ferem a ética profissional e da convivência social. Diríamos até mesmo que, chegam a ser repugnantes.

A mentira pode tornar-se hábito. Aliás, basta prestar atenção na maioria dos políticos. Não somente adquirem o hábito, como passam a cultivá-lo com prazer e esmero. Chegam mesmo, a causarem inveja naqueles menos aptos. Trata-se de uma questão de perícia. Paciência e tempo. Às vezes o hábito pode ser hereditário...

Com denodo, amiúde, vão se tornando geniais no hábito de contarem mentiras. É como realizar-se um curso. Alguns não passam do mero “Técnico”. Outros, não somente avançam convictos até a universidade, como se tornam mestres, bacharéis, doutores. Sabem que a mentira é um hábito execrável, no entanto, sem ela — mentira —, que graça teria a vida, o mundo, as idéias?..

Conhecem e desenvolvem teorias mirabolantes e engendram-se pelos labirintos da psicologia. Se se fala em vergonha, riem. Que a mentira possui “pernas curtas”, torna-se motivo de escárnio e chacotas. A mentira é uma arte no sentido lato da palavra. Alguns representam tão bem o papel encarnado que, eles próprios, acabam se deixando convencer com suas próprias parvoíces, ou sejam, as mentiras. Por mais improcedentes e “cabeludas” que possam soar aos nossos ouvidos.

Por fim, o hábito faz o “monstro”, digo, monge. E eles — mentirosos diplomados —, criam um mundo paralelo, confundem-se, deixam-se aprisionar, comprazem-se e, cativos, passam a odiar a verdade. Verdades são (sem trocadilhos), verdadeiros pesadelos para os mentirosos. Ultrajantes. Os bons psicólogos, costumam recomendar: “Não se deve contrariar. É perigoso!”. Compulsivos, excêntricos, idolatram o estrago que a menor, a mais ínfima das mentiras, é capaz de causar. Sobretudo os políticos, esmerados profissionais na arte de mentir.

Com a mentira, de braços dados, caminham as promessas. Em período de campanha política tornam-se inseparáveis e irrefutáveis. Mentem ao prometer. Prometem ao mentir. São dotados de mentes férteis (ou fertilizadas), maquiavélicas, inteligentes, insaciáveis e, às vezes, obsessivamente insanos. Por mais trágicas que sejam as desgraças causadas pela mentira, tanto mais sentem-se orgulhosos, vitoriosos e senhores de si. Não obstante o caos interior, às vezes, chegam a compararem-se com Deus. Abusam, até mesmo porque, questionam à si próprios: “Quem ELE pensa que é, afinal?”. Deus deve rir ou apiedar-se desses Neros modernos, sem Roma e cristãos para transformarem em churrasco e obra de arte.

Se não chegam à Santidade do Senhor, no mínimo, ainda que hipócritas, transformam-se em reis. Afinal, pensam — por vezes —, na Terra melhor ter-se em mãos ou na língua, os poderes de um rei do que os de um Deus duvidosamente operante. É que eles próprios não acreditam em Deus ou Seres Superiores e, como reis, ocupam seus tronos e comandam seus súditos. Todos são súditos e servis a prostrarem-se de joelhos e beijarem-lhes os fétidos pés, apesar do talco para chulé!..

Mais que pragas, determinados hábitos, são monstruosos e de todas as pragas que foram lançadas no Egito, a mentira tira de letra e põe debaixo dos braços os malefícios causados por aquelas do Velho Testamento. Aliás, nem se compara. Qualquer comparação, torna-se um acinte contra a sabedoria destes gênios da humanidade.

E assim, o hábito — estranho hábito da mentira —, ancestral, denominador de Eras e recendendo a mofo, poeira e musgos seculares e ancestrais, tornou-se uma espécie de Religião, Filosofia, Política, Mandamento, Comportamento, sobrepujando Deus e sua plêiade; aos Sábios; Profetas; Arcanjos; Maradonas e Robertos Marinhos, para perpetuar-se e tornar-se a maior e mais importantes das Sete Maravilhas (oito, aliás). Não do Planeta, mas do Universo!

Ergue-se gigante, poderoso, destruidor e, do alto de seu reino, sequer percebe que, uma frágil criança, com um simples osso de passarinho, acaba de descobrir o “Calcanhar de Aquiles”...

Ah!, e está prestes a deitar por terra, o Grande Monstro Sagrado com seu hábito e mentiras espúrias! Quem diria? Uma criança com um mínimo e mísero osso de passarinho, pode botar tudo a perder e fazer ruir, as engrenagens da bestial engenhoca? Aproveita filho! Aproveita e faz xixi sobre esse gigante que ao sopro do menor vento, se desfaz! Aproveita!....


 

 

DEUS LHE PAGUE!

(32 — Publicada)

 

Contam-se que, certa feita, estava Deus a contabilizar suas dívidas para com os “terráqueos”, a escrever de forma retilínea por linhas tortas, tendo seu Filho Jesus ao lado quando, ajeitando o seu pince-nez nas narinas, correu uma das linhas e ficou abismado. Havia um espaço em branco para algum nome lá que não aparecia e, nenhuma dívida!. Estranho! O sujeito não havia debitado nada no Santo Nome do Senhor? Uma dividazinha ínfima, qualquer?! Nada. Absolutamente!..

Coçou a cabeça nevada pelo tempo intemporal e voltou a conferir. A lista era longa, à perder de Cosmos, digo, de vistas. Feito promessa de políticos; quadro de funcionalismo público ou torcida do Corinthians.. De modo que a coisa era interminável, infinda. Pensou em fila do SUS, antigo INPS, nem se comparava. Os pecados da humanidade, nem chegavam a preencher as primeiras vinte páginas do volumoso caderno de dívidas. Eram tantos “Deus lhe pague”, que Ele, Deus, pensou na Eternidade e no infeliz que havia pronunciado pela primeira vez tão infeliz frase, deixando-o em maus lençóis. Digo, nuvens...

Conhecia cada um de seus filhos; quem e o que fora debitado em sua conta e, no entanto, aquele “cabra de peste”, nada! Estranhíssimo!. Consultou Jesus, mas Este também não fazia a menor idéia de quem fosse tal sujeito. Ora, ora!, mais do que estranho, o caso parecera-lhe um absurdo. Impossível um humano que não houvesse pronunciado a tal frase! Mesmo os que imprecavam, irados contra seus irmãos: “Destá que Deus há que lhe dar em dobro, sua mula!”.

Trinchara aquele fadário de nomes como se fosse um peru de natal, virando e revirando pelo avesso todo o “rosário” que pudesse implicar em algum caso específico e.... nada! Esfalfado, cofiou as longas barbas; tendo as vistas nubladas e a paciência a emitir chispas e fagulhas de aborrecimento, deitou de lado o tal livro e, no sétimo dia, descansou.

As nuvens rolaram nervosas pelo céu; poeira cósmica formava-se em rodamoinhos e furacões; os mares tornaram-se revoltos; passou a troar e a riscar o mesmo céu, furiosas e ameaçadoras descargas elétricas. São Pedro, sabedor do motivo de tantas tormentas, manteve-se na sua, a brincar com a chave sagrada. Não podia interferir, tampouco intervir no caso. E o caso transformara-se em caos.

No planeta Terra, houve terremotos; tormentas; tempestades; chuva de granizo; despertar de vulcões; milagres inacreditáveis... Políticos tornaram-se à exemplo de ladrões, em homens honestos; os maus quedavam-se bons; os agressivos em pacíficos; a noite em dia e o dia em noite; assassinos em santos; lunáticos em seres conscientes; malucos pregavam contra as drogas; os que faziam guerra deixaram de lado as armas e passaram a plantar o trigo e flores pelos campos... Jesus observava tudo e pensava: “Ô Raça!”....

Sete dias depois, Deus despertou, bocejou e ao espreguiçar-se, tudo voltara ao normal. Havia esquecido do tal livro de débitos e daquele que jamais havia debitado nada em seu Santo Nome. Jesus e São Pedro, acharam conveniente deixar como estava. Embora, cessadas as catástrofes e anomalias daqueles sete dias, a lista no Livro houvesse se estendido de forma imensurável.

Deus sequer lembrou-se do Livro, distraído em soprar pelo espaço, novas almas e galáxias. Pedro acolhia os “chegantes”. E eram tantos naqueles dias, em virtude das anomalias. Jesus ouvia as lições de João sobre as propriedades milagrosas do mel com gafanhotos e o própulis (?), quando de suas peregrinações pelo deserto. Maria cosia meias a cantarolar o “Sole Mio”, enquanto Jó jogava “Caxangá” com os seus. Uma pomba arrulhava com suas bem aparadas asas de um lado para outro. Querubins de róseas bundas entoavam cânticos. Francisco explicava ao cordeiro que o lobo era seu irmão. Tarefa árdua, já que o cordeiro fazia-lhe ouvidos moucos balindo onomatopeicamente um rock dos Titãs. De forma que, tudo voltara à normalidade sem maiores alardes. Normalidade vírgula, não fosse Adão tentando convencer a Eva de que a ‘Cobra’, aquela do Éden, nascera sem ombros... Claro, tratava-se de um papo meio furado e fora dos padrões para o local e ocasião.

Foi então que, Deus que a tudo vê e a tudo ouve, lembrou-se do Livro e da linha em branco. Ergueu-se de súbito, apontando o dedo em direção à Eva e bradou: “Foste Tu, ingrata!”. Nada mais disse. O silêncio abissal pairou no ar.. E Eva que, realmente, jamais disse nada, lembrou-se que, “Graças à Deus, não tinha ombros mesmo”. E permaneceu lá, quieta, parada, a questionar-se: “Ia dizer o quê, afinal? Deus lhe pague por não possuíres ombros?”. Deu de ombros e voltou a passear. Deus rezingou um pouco mas em breve esqueceu o caso e..., segundo a lenda, até hoje uma linha permanece em branco no grande livro de débitos do Senhor. Somente porque cobra não tem ombros!...


 

 

E EIS QUE OS IRACUNDOS BUFAM!

(33-Publicada)

 

À primeira vista, talvez possa soar um tanto quanto esdrúxula tal afirmação. Contudo, apesar de ser um domingo e eu encontrar-me um tanto quanto magoado com a situação de momento, com as perseguições políticas e esta política doentia de conotação bairrista, declaro peremptoriamente que, os iracundos bufam. Estamos em Agosto de 2.002, quando iniciei-me no jornalismo, em 07 de Janeiro de 1.977, na Empresa Jornalística Rio Preto Ltda, como “Auxiliar de Encarte”, não havia ainda em nossa região — São José do Rio Preto —, uma Faculdade ou Curso de Comunicação. De forma que, passei algum tempo “encartando jornais” ‘DIA E NOITE’, o primeiro jornal em ofsete dessas paragens com nomes como Manah, Dinorath do Valle, Valter do Valle, dentre outros, para saltar para a revisão, com os olhos nas reportagens. Meu sonho era realizar reportagens. Como o jornal faliu com pouco tempo de circulação, voltei a ser um cidadão comum: serralheiro, cobrador, etc, a sonhar com o jornalismo. Escrevi meu primeiro conto no “Diário da Região” como colaborador da página de Literatura. Na “A Notícia” queriam empurrar-me uma coluna de publicidade. Saquei o lance e corri atrás de novas oportunidades. Em 1.980, com mais três sócios havia fundado o jornal “A VOZ DO POVO” e, praticamente provisionado, assinava minhas crônicas e artigos com as iniciais. O saudoso Sr. José Bechuate respondia pelo jornal que contava com a colaboração da escritora e jornalista Dinorath do Valle. Em seguida, engrossando nossas fileiras, digo, páginas, vieram o Nenê Honsi e o Sérgio Carlos Portari.

Fiz o curso Técnico em Contabilidade e ingressei na Faculdade de Letras. Abandonei para fazer o Jornal “Marginália”, “O Jornal do Poeta”; participando de atividades paralelas como o teatro e a os festivais de música. Vaguei por aí: Frutal, Prata (MG), Cassilândia, Paranaíba e outras...Mantinha contato com a Universidade Federal de São Francisco, escrevendo poesia e colhia os primeiros frutos nos festivais de MPB. Em 1.982, fazia circular o primeiro número do “O Uchoense”, após experiências com o jornal “Oeste Paulista” que cobria a região. Alguns anos depois vieram “A Tribuna de Uchoa” e a “Tribuna de Cedral”. Até então, nada de Faculdades ou Universidades. Mário Soller, se não me engano, era o único formado na época porque havia cursado faculdade em Ribeirão Preto.

De uns anos para cá, quando o jornalismo já havia embotado minha mente e alma; quando já não havia mais nada dentro do citado campo de trabalho que me atraísse, vieram as faculdades e universidades para São José do Rio Preto. O Sindicato ganhou força juntamente com a classe e, houve uma espécie de “Caça às Bruxas”. Mas eu já militava há mais de 20 anos na área. Casado, com uma filha, passando os diabos em Uchoa com um jornal que, mal e mal sustentava a si próprio, o que poderia fazer? Pagar um jornalista formado apenas para assinar o expediente? Pagar como? Tornar a estudar? Mas que disparate! Em vias de abandonar tudo, fui trabalhar como assessor de gabinete na Câmara de São José do Rio Preto (já o havia feito em Uchoa), com um vereador. Permaneci pouco tempo.

Tornei à Uchoa, fazendo circular uma edição do “O Uchoense” a cada dois ou três meses e a vida tornou-se difícil para minha família. No entanto, continuamos acreditando que um dia algo fosse transformado. Deixei de publicar matérias sobre a prefeitura, cobrando somente pelos balancetes e passando a editar amenidades. O jornal, bem como a Empresa, em vias de cerrar suas atividades por falta de recursos financeiros e colaboração, no dia 21 de Julho de 2.000, por infelicidade nossa e falta de informações por parte do Executivo, edita matéria sobre educação com foto do candidato a vereador, citando-o ainda no cargo de Secretário da Educação. Notificados pela Justiça Eleitoral, respondemos às questões mencionadas. Havia tanta ligação entre o jornal e a prefeitura e o atual administrador que, sequer sabíamos que o secretário havia sido exonerado há dois anos ou mais do cargo. De forma que, comprovada a boa fé, não o crime, o dolo, a má fé como supunham, sequer fomos atrás daqueles que haviam denunciado-nos. No entanto, eles, iracundos, continuavam espumando e bufando como todos os iracundos descontrolados e ineptos na profissão. Doentios, buscavam descarregar sua ira sobre o editor do jornal, uma vez que, não conseguiam — por medo e incapacidade —, confrontarem-se com o prefeito e o candidato citado na matéria. Recorreram ao Sindicato dos Jornalistas.

Desenterrei o Código Civil; os dois volumosos “Comentários À Lei De Imprensa”, liguei para o Juiz e advogado Joaquim Ribeiro de Paula, consultei um velho amigo na Câmara de Rio Preto e me prostrei a esperar. Fazer o quê com a maldade alheia e a perseguição?. De quando em quando pensava: “mas que falta do que fazer!”. Rebusquei no Expediente do jornal e consultei um jornalista, formado pela UFRJ, para que passasse a assinar o “O Uchoense”, caso continuasse a administrar o mesmo, o que não era minha intenção e continua não sendo.

De qualquer forma, a Lei continua obscura: “Todo cidadão que exercer a profissão com o intuito de sustentar a família, desde que, responda por seus atos, deve ser considerado como profissional, ou seja jornalista...”. Mais ou menos isso. Digo mais ou menos porque não possuo ainda a Nova Lei quanto a questão do diploma, do provisionamento e do tempo de serviço. Apesar dos pesares, os iracundos e perseguidores, continuam escarafunchando suas mentes provincianas em busca de recursos espúrios que firam a Constituição para prejudicar não aqueles que eles não conseguem por incapacidade, mas ao jornal e consequentemente, minha pessoa e minha família.

Ora, que se faça cumprir a Lei e a Justiça impere sobre os interesses particulares e as picuinhas de natureza torpe e particulares. É tudo o que posso responder por enquanto. No mais, o melhor jornalista de São José do Rio Preto, homenageado recentemente, também não é formado, pertence ao quadro do “Diário da Região” e era uma garoto que jogava bola nas ruas quando eu já encetava meus primeiros passos por este árduo e, às vezes, ingrato caminho. Trata-se do jornalista — mesmo sem o diploma —, Jessé. Coisas da vida se formos colocar em questão o fator preponderante de eu sempre ter afirmado que, minha pretensão encontrava-se muito mais voltada para a Literatura, a Música, o Teatro, o Cinema e a Filosofia do que propriamente o jornalismo — caminho paralelo e sustentáculo frágil e decadente para minha família. Que babem e espumem os iracundos! Talvez eu deixe vago, o campo para que eles possam exercer alguma profissão na qual encontrem seus verdadeiros ideários e sejam úteis à sociedade e a si próprios. Mesmo porque, até o momento, mostraram-se incapazes em tudo o que fizeram e, nada mais fizeram do que tentar prejudicar o próximo....


 

 

ASSIM, ASSIM SEM QUE A GENTE PERCEBA

(34)

 

Acontece assim, assim... sem que a gente perceba. Embotada a mente; a alma esmaecida, sem reluzir; baixa o astral feito “espírito” enegrecido pela ignorância das trevas e pronto, a gente garra e dana a pensar em porcaria num desatino desconexo. Perplexo reflito: aflito, contrito, com lacerações na alma magoada, contudo, sem porque deixar-me levar pela ira dos anjos caídos e contorcendo em meio às chamas do “Inferno de Dante”. Sarça ardente, a mente é um perigo! Abissal e profundo fosso a convidar-nos para os engodos e soçobro que geram a desarmonia interior.

Sei, difícil evitar a gota amara do rancor em tempos em que o ódio e a violência imperam. Já não carecemos de mártires ou heróis cruz/fixados mais que o cotidiano e a convivência com que a hipocrisia nos impõe. Nuvem negra pairando sobre nossas carapinhas de santos disfarçados. Ou melhor, lobos mal delineados. Jagunços da modernidade. Chispas do olhar, incendiando com suas chamas rancorosas, o berçário dos nascituros sentimentos imaculados. Pura inveja e maldade!

Fácil amar? Nem ao amigo, pior ao inimigo. O lobo engolindo o lobo: homem roendo seus próprios tendões e aflito, rebuscando velho, poeirento, ancestral mandamento Messiânico... Onde acorrentar na alma sem espaço o que pregou o Pai ao Filho e o Filho à Humanidade: “Amai vosso inimigo....”. Mas esse papo é coisa de doido. “Olhai os Lírios do Campo”, não me venha dizer viciei em chá! Erva cidreira possui propriedades calmantes. Dizem. Não costumo ruminar. Portanto não me arrisco a mascar e ingerir tudo o que tem cara de capim. Silvícola, eu? Não. Porquanto, amar...fácil, não! Faço não! Digo, confusamente a mente detona e deturpa a turba deteriorada não entende nunca/nada. Coisa de condão de fada encantada. Misere/re/re nobis! Latim de luto no fundo da memória esmaecendo, esquecida, aborrecida, pedindo licença para, bocejar e adormecer à sombra do cipreste. Mas tudo é sertão. Tudo árido, agreste. Fácil amar?...

Assim, assim, sem que a gente perceba, aprende a odiar. A violência grassa. De graça a desgraça assola a alma. Destino é moldado, modelado. Roubam-nos dedos e mãos com que trabalhar a sina assassina o infortunado. Somenos importância para a cantiga. No festival da canção o protesto é somente o resto do rancor, do medo, do segredo, da dor. A ferida vai continuar sangrando, abrindo, dilacerando. É mais ou menos assim, assim, sem que a gente perceba e, quando damos pela coisa, já foi o dito e o que desdito. O dito pelo Benedito. Assim, assado. Todo ser será alado. Seria. É. Foi. Ouço vagidos, berros de bois. Que a terra encerra/enterra. “Foi lá que aprendi a nadar pra nada/nada...”. Então deixemos assim. Sem explicação para não complicarmos esta réstia de rusga/resma de papel em branco. Não, ELE jamais afirmou que seria fácil. Tampouco impossível. Divisível o invisível amor na dor de amar a quem nos odeia assim, assim, sem que a gente perceba. Contudo, carece tentar! Digo e creio/acredito no dito/ditado. Sou do poetariado/desempregado/labutando na lida da vida/vera a teoria “mais valia eu ter te amado que explorado tanto”. Espanto? Ora bolas! Belas, singelas, as avencas continuam na janela e a vida nunca/jamais finda na próxima esquina. Lembrem-se. Mal iniciamos, camaradinhas!

Pagamos o preço pela escolha e não há como burlar a lei do livre arbítrio. Artríticos políticos! Velhos fanfarrões! Biltres! Canastrões! Mesquinhos! Iracundos! Vingativos! Pensam que é fácil amar o inimigo? Assim, assim, juro que tenho me esforçado. Todavia, quem sou eu? Sempre restam arestas. Sempre resquícios em meio. Farpa cravada/encravada latejando/ferindo e doendo terrivelmente sob a unha/encalacrada na alma/espinho/arame/farpado/ferindo/zangando/purulenta/mente a ferida lateja a fazer-nos recordar que o inimigo é sempre o melhor amigo ao nosso lado, beijando-nos a face por trinta dinheiro. Fácil não, coração!. Conquanto tentemos, válida faz-se a hipotética analogia. Concomitantemente não assassinemos o próximo ao afagar-lhe a consciência débil/limitada/inteligência mediana/brasileiramente tupiniquim (Ai de mim, meu São Serafim!), sem gosto/sem sal/açúcar e etecétera e tal... Mas isto aqui vai mal. De mal à pior! No altar mor, a santa fome nos consome e sorri compadecida. Afinal, não passamos de meros pecadores desmiolados! Desmiolados? Ou melhor, pecadores engraçados. Soa menos mal. Acontece assim, assim, sem que percebamos: ou amamos ou odiamos. Não há meio termo. Não haverá conciliação/trégua/armistício. Momento propício para relembrar Confúcio e meu pre/fácil/púcio/confuso/o parafuso que me falta enquanto a porca torce/espana a rosca/roca na toca dos leões fiando/tecendo o destino no desatino do menino que sonhava amar Gandhi....

Repito: o amor é sagrado/consagrado/maravilhoso/maravilhado! Não para qualquer! Não basta querer. Não, é necessário quiçá, muito sofrer/padecer/deixar-se humilhar/sentir e sentir e desejar explodir dentro e fora. Lavar-se! Varrer-se! Entregar-se! Na rendição, na entrega, a vitória final! Sem Bem ou Mal... Tão somente branca bandeira/lençóis ao vento varridos e espargindo a luz do astro rei. Quanto ao coração... Bem, quanto ao coração, às vezes melhor deixá-lo sobrepujar a razão. Ou o que supomos ser razão, quando não passa de egoísmo e doença da mente e da alma arrastando-se na lama feito larva..

Deixar: assim, assim, sem que a gente perceba! Então, o amor vem e toma conta, preenche, transforma, refaz... Sem ele — Amor —, somos pobres cegos a tatear na escuridão da tortuosa senda da existência. Mérito? Mérito algum amar a quem queremos bem. O inimigo é o alvo a ser atingido. Não pelo punhal do ódio, mas pela chama que emana do coração, da alma. Somente assim, assim, sem que percebamos, passamos pela existência sem máculas, desassossego. Paz e calma. Serenidade e sabedoria. A harmonia com o Universo é a Interior harmonia que nos une e nos torna conteúdo de pequeno e precioso frasco. Não é difícil entender/compreender!.. Assim, assim, sem que percebamos, um dia....


 

 

DA LUZ E DAS TREVAS

(35)

 

Se há algo que me deixa espantado, algures, são “as aves de rapina”. De qualquer forma, a sagacidade, o oportunismo e a estranha habilidade que desenvolvem de forma paciente e precisa, são qualidades — ou defeitos malévolos? —, que as tornam ainda mais espantosamente aptas a mergulharem sobre suas presas, sem que estas tenham a menor oportunidade de defesa, selando de tal forma, seus destinos soçobrados ao malogro.

Ao longo dos anos, dentro do jornalismo, tenho convivido com estes misteriosos espectros sociais. E, sinceramente, eles conseguiram enfarar-me e acabaram roubando o pouco de esperança que eu ainda vinha mantendo de que, se elas, estas “aberrações” existem, é porque são necessárias ao sistema fazendo parte de um determinado equilíbrio que nós, meros e apequenados cordeiros deste numeroso rebanho, não conseguimos ainda compreender ao certo. Às vezes chego a compará-las com as serpentes que, se existem, de alguma forma, embora peçonhentas, são de alguma utilidade para nosso planeta.

Quando comparo alguns seres humanos com tais aves, não o faço por ironia ou com o mórbido prazer com que as mesmas atacam suas presas. Tampouco desconheço o significado de Plêiade — do Bem ou do Mal. E, finalmente, se o Mal é tão somente a ausência do Bem na natureza de alguns seres, então há um verdadeiro desequilíbrio à nossa volta. Há monturos por todos os cantos e recônditos e vezos das almas que nos cercam todo o tempo. Ou seria exagero tais conclusões? Provavelmente eu esteja exagerando, em virtude dos muitos contratempos e das decepções. Se há decepções, é porque, na realidade, eu esperava alguma coisa errada ou indébita de algumas pessoas que eu, na realidade, desconhecia mais profundamente ou sequer conhecia. Em verdade, o fruto das decepções torna-se amaro em virtude de nossas expectativas e julgamentos errôneos ou indevidos. Nada mais do que isto.

Se ao longo dos anos nos adaptamos ao meio, consequentemente, nos tornamos parte do mesmo organismo. Caso contrário, jamais deixaremos de ser um corpo estranho em um organismo ao qual não nos adaptamos e, portanto, somos rejeitados. Esta é, na realidade, toda a gênese de tudo o que estive tentando compreender e transmitir a outras pessoas. Se, casmurro, turrão e de ânimos acirrados, insisto em me tornar parte de um organismo ao qual não encontro a menor receptividade ou forma de adequação, não seria tal organismo a ser condenado, mas sim, a minha obsessão em desejar tomar parte de tal processo orgânico. Esta é mais ou menos a realidade. A obstinação pode ser uma forma de obsessão cega e errônea. Da mesma forma que, inexperientes nos decidimos por determinada carreira, ou tal atitude mediante um problema a ser solucionado e, malgrado, quiçá, tardiamente nos arrependemos. Uma realidade incontestável e até mesmo natural em se tratando de lições e aprendizados.

A ênfase neste caso, ao comparar as aves de rapina, os animais peçonhentos que fazem parte do organismo universal, a alguns seres humanos, não me lega direitos de condená-los ou admoestá-los. Corrigi-los ou mudar a natureza inerente dos mesmos. Seria ser contra os princípios da criação e da criatura. Seria questionar o Criador. Quando coloco em questão o porque das trevas se a luz, comprovadamente muito mais benéfica ao ser humano, em muitos casos, acaba sucumbindo no conflito direto entre os dois, parece-nos óbvio e lógico que, em virtude da nossa própria natureza, as dificuldades e percalços para que mantenhamos a unicidade de atos, pensamentos e ações frente às mais variadas e diversas reações, causas e situações, por mais que sejamos obstinados, em determinados momentos, nos sentiremos estiolados, manietados e enfarados. Consequentemente, nos abrigaremos à sombra de nossos próprios vezos, relegando aborrecidos a luz que sabemos ser o nosso objetivo, a um segundo plano.

A liberdade social com suas condições e deveres deixa de ser para tornar-se mera projeção. Da mesma forma, o livre-arbítrio não passar de uma espécie de sofisma se, ao praticarmos um ato que fira o princípio e a cerne do que denominamos “livre-arbítrio”, por tal ato, teremos que responder. Daí, realizarmos uma analogia com a Lei da “Ação e Reação”. Das conseqüências advindas de nossos atos. Da fórmula Causal e não casual, naquilo que, na maioria das vezes, procuramos arbitrariamente apontar para outros como sendo nossos verdugos ou, os errados no processo Causal porque não admitimos que somos os culpados e que não foram eles quem cometeram erros cujos efeitos, nos aborrecem e nos açulam em dado momento da jornada.

De tal forma que, se há “as aves de rapina”, “os animais peçonhentos” com os quais temos que dividir espaço e, por vezes, dada a natureza de um e de outro, entrarmos em atrito e nos conflitarmos com os mesmos, não ocorre por mero acaso do destino. Nem podemos classificar como necessidade (reparação, expiação, etc), tais conflitos. Tudo é uma questão de princípio e ponderação. Se buscamos explicação para algo que, à princípio, se nos parece inaceitável por estarmos caoticamente julgando, radicalizando e condenando, uma vez isentos do que concebemos de forma preconceituosa e desajustada, certamente chegaremos, senão a compreender/entender de todo, profunda e concludentemente satisfatória, no mínimo, de forma a nos situarmos e, razoavelmente, aceitarmos tais existências e alguns inevitáveis conflitos e disparidades. Afinal, se tais aves e animais peçonhentos julgam-se perfeitos e infalíveis, não seria mero acaso, a tendência de julgarem-se superiores aos demais, fazer parte de suas naturezas. Ainda que sejam alvejados por excesso de confiança. Mesmo que caiam, imprecavidos e arrogantes que são. No mais, tudo é uma questão de tempo. Não foram agraciados o sábio e o justo com o tempo? Ainda que rodeados por animais peçonhentos e vigiados pelas aves de rapina que, com toda a grandeza das quais julgam desfrutarem, não tiveram paciência o necessário?.


 

 

FOME: CODINOME HUMILHAÇÃO

(36)

 

(Para o nosso “Betinho” que, desafiou e venceu a forme)

 

A fome não se resume em ser tão somente fome: um vazio no estômago que incomoda e torna o ser humano em farrapo da consciência coletiva. A fome não somente corrói as entranhas vazias e fomenta a dor e o ódio. A fome possui em seu estranho e degradante bojo, as mil artimanhas e armas que, na maioria das vezes, ferem mais do que a própria morte. Soa demasiado pessimista e amargo, contudo real.

A fome é covarde tanto quanto aqueles covardes que a propagam ou fazem com que ela se prolifere com suas ganâncias e falta de consciência coletiva. A fome rouba a dignidade do ser humano e o reduz à muito pouco do ponto de vista social. A fome, senhores, alimenta o ódio e semeia o medo. A fome... Bem, a fome, aniquila com todos os princípios do trabalhador e impregna a alma do irmão com sua brutalidade e rancores que amargam a existência. A fome é um verdugo cruel, assassino e poderoso.

A fome tem as faces vincadas e macilentas. Finca facas de finas lâminas no coração e na consciência. Rouba o amor próprio e o dom da vida. A fome é doentia e aterradora. Mesmo porque, antes de matar, ela ironiza, vilipendia, depaupera, afronta a razão e, peçonhenta, emite gargalhadas irônicas e endemoninhadas para suas vítimas indefesas. Ela não tem identidade, cor, credo, nacionalidade. A fome habita todos os recônditos do planeta e campeia e grassa feito erva daninha, a peçonhenta.

A fome parece metáfora, no entanto, real. De uma realidade brutal e assustadora. Vilã, sorrateira, insidiosa, adentra os vezos da mente e semeia o joio da humilhação e da dor. Espezinha a consciência e gera a discórdia, a revolta, a insegurança, o vazio que crava suas garras nos corações então empedernidos pela ignorância e cegueira. A fome é velha, antiquada, ancestral e, ao mesmo tempo, futurista e contemporânea. Navega pela “Teia”; deixa-se estampar nas manchetes de jornais; adentra os lares em redes nacionais, com cores violentas e chocantes.

A fome é devastadora, indiferente, covarde e corrosiva. Filha da ignorância do próprio homem, do egoísmo, da indiferença e do descaso, não possui consciência ou sentimentos. Ah!, a fome!... A covardia daqueles que a tornam meio de exploração. A covardia daqueles que somente a conhecem pelo nome e de vista. A covardia daqueles que, indiferentes, atiram uma moeda para a sombra estirada na sarjeta com a mão estendida. A doença daqueles que semeiam a miséria porque são inescrupulosos quando do abuso de poderes que lhes foram legados como crédito. A fome é coisa do homem. Da ganância. Do vazio interior. Do ódio pelo próximo. Do livre-arbítrio. A fome... Humilhante, ultrajante... A fome... a fome... a fome... a fome... a fome! FOME!

Não o estômago vazio, mas sim, do ser humano esvaziado em seus direitos — todos eles. FOME sem dignidade, sem nome, do alto do Poder, acenando para a SEDE e sequer percebe que a sede, já não se restringe ao murmurinho das águas correndo. Mas, sobretudo, da JUSTIÇA morosa, capenga, cega, surda e muda dos homens que ousam desafiar os próprios aliados para, morosa, se fazer valer!...


 

 

COISAS DA TERRINHA NO MALDIZENTE ESCREVINHAR

(37 — Publicada)

 

Caríssimos: Saudações breves que, as saudades inundam as caravelas sem cais para atracar. Sem mais ais, naufragar é preciso, antes que avistemos alguma portuária aduaneira, pois! E no mais, impostos hão de nos cobrar se descobrem um suspiro, um ai. À caminho da costa litorânea, após borrascas e tormentas, quem suporta o que no peito se nos cerram as escotilhas, o bom vinho (do Porto), as velas ao vento e tanta terra à deriva? Que zorra! Que barafunda! Que imensidão! Que miscelânea! Miscigenação!... Nessa terra adorada, sabemos que, em se plantando, tudo dá. Além da sífilis, é claro. Como já disse o Chico. Tanto que, para tantos Fernandos, não bastam o “Impedimento”, “Buchada de Bode”, Sorborne e trabalhadores que os sustentem. Arre!, que descalabro, desfaçatez! Vergonha? Nem sim, nem talvez.

Antes não houvesse — Nina, Pinta & Maria —, por águas tão virginais, nos deixado singrar encantados. Sejamos breves, pois, em nosso ufano reportar. Da proa à popa; do porão ao convés, não convêm espadas e espadaúdos marujos da guarda D’el Rei, em moscardos e escopetas, a voz doutro Continente, aos brados e berros alterarem se, por cá, berra mais alto, o poder coercitivo que, à ferros profere sentença aquele que se opõe e, ó pá!...

Bardos trovadores, aluados sonhadores, arautos das Boas (más) Novas (antiquadas), pregões, pregadores, chinfrim em meio a frevos e maracatu, coronéis, palanques e outras misérias tantas — os sacripantas —, estes, jamais fenecem e surrupiam com honra, galhardia, a pobre vítima da terra (povaréu), que sob os olhares de seus biltres algozes, fenecem em honra do que, amiúde, vilipendia. Oh Sacrossanta Madre Mia!, lá se vão Quinhentos Anos! Despertamos há pouco, do terrível pesadelo, no qual, meros coelhos, de lusitanos combates, resta-nos a língua comum e mais nada. E ainda que de tal, muito mais americanizada que a própria América do Norte, deusa, musa e consorte, proprietária das Moedoras de cítricos e Almas ao Mac... Mac..., ah, sei lá!... Que tristeza, agonia, desilusão, preguiça! Água de coco, brisa, cacau, dunas, ondas, fio dental, avencas e jasmins!...De verde Gabeira — Gitano tupiniquim; ACM’s, ICMS, INSS, Cofins, IPI; atestado de óbito, inadimplência, falência, concordata, falcatruas, e os pomares triturados antes do projeto Genoma e o amarelinho... Continuando, subindo para baixo, seguimos em frente de fasto a sentirmo-nos (escusas mil), em meio ao caos, tanto aparvalhados. E eu, particularmente, não sei se estou a sentir o que sinto ou se, o que sinto, minto. Já que o poeta é um fingidor a fingir ser dor a dor que deveras sente. Acho... E por aí vai!..

Não me admira que traçaram o “Sardinha”, com cebola e coentro. Não me admira que acharam o jornal bonito e coisa e tal, desde que seja distribuído eternamente de graça. Não me admira que outros ainda, comparem o atual com o falecido jornal. Não me admira que, se bobearmos teremos duas emissoras comunitárias em breve e três jornais, o que resulta no já discorrido: um passo para frente e dois para trás. Porque todos sabemos que destruir é mais fácil e proporciona muito mais prazer para aqueles que continuam cultuando a mãe de todos os males: a Ignorância! Somente para continuar o separatismo e a imbecilidade que mantêm este lugar cada vez mais em lugar algum. Não me admira que este gigante adormecido jamais queira despertar. Que a terrinha, ó pá!, vai acabar virando um “Japurá”, a continuar com a imbecilidade dos boçais e iracundos. Nem que a inveja é uma doença tropical, olvidemos. Que a perseguição e a intolerância continuem sendo os nossos maiores males e malas. Haja vista que nossos políticos continuam pronunciando “Seje na Agricultura”, “Seje no palanque”, “Seje no MOBRAL”. Isto aqui vai mal. Aliás, de mal à pior! Quinhentos anos de naufrágio à beira mar. Perdoe-me, senhores e senhoras, mas sinceramente, nada tenho (ou muito pouco), do que me orgulhar! É uma pena, mas já não vale a pena o tanto me esfalfar!.


 

 

FORNECIMENTO DE ÁGUA: É PRECISO VALORIZAR

(38 — Publicada)

 

Quando falta água em casa, por algum motivo ou problema na rede de abastecimento, é qualquer coisa de lascar. Imaginem se em uma residência moram cinco ou sete pessoas. Umas duas mais desligadonas, provavelmente poderão se dar conta da falta que faz...

Agora imaginem a situação: um dos membros da família está ali, no maior aperto. Vai que vai. Não dá descarga, não lava as mãos e começa e se sentir incomodado. Mesmo porque, os outros começam a olhar para ele com umas caras de descontentamento, como se dissessem: “Pô, não podia esperar?!”. Daí, ninguém mais ousa adentrar o imprescindível vezo. O lugar é fechado, lacrado e vedado até segunda ordem.

Tem início o maior dramalhão. Um monte descomunal de pratos, talheres e copos usados, vão sendo empilhados dentro e sobre a pia da cozinha. Isso me faz lembrar quando eu morava em Barretos, Vila Pereira, entre o Frigorífico Anglo e a cidade. Não havia redes de água e esgoto. Por isso, dia desses, me senti como se tivesse tornado à infância.

Outra passagem que me acorreu à mente foi, quando estive em Santa Fé do Sul. Resolvi passar pela zona do meretrício (naquele tempo ainda era zonão mesmo), para fazer uma reportagem sobre as condições do local que distava, aproximadamente, uns quatro ou cinco quilômetros da cidade. Deu pena!

Aquele amontoado de casinhas que “as meninas” esforçavam-se para manter com alguma aparência decente, de dignidade; no meio do mato, sem infra-estrutura. As privadas eram aquelas “caixas de madeira”, assoalho de tábuas com um buraco no centro. A gente costumava denominá-las de fossas negras. Tanto que, quem não estivesse acostumado, abria a porta e dava meia volta. Aquilo dá umas cãibras nas pernas; um desespero que, o sujeito sai dali transpirando. Quando cai o anoitecer, a situação torna-se agônica porque, se a vela se apaga.. Afinal, nem todos possuem mira à laser...

A água, pude constatar, provinha de um poço que, qualquer criança aprende na escola, não distava o recomendado pelas autoridades sanitárias, o suficiente da fossa negra. Sarilho e balde. Na medida do possível, havia uma bacia para cada necessidade: lavar louças, mãos e rostos, entre outros como o famoso banho “tcheco”. Já as roupas se usava o batedouro e a tina d’água. Agora, a mulherada devia tomar, no mínimo, uns dez, doze banhos “techo, tcheco, tcheco” madrugada adentro e tavam novas!.

É isso aí, vivendo e aprendendo. Por este Brasilzão de Deus, existe muito dessas coisas. Tipo de situação deplorável e que nos causa “Misery”.

É..., sagrada água nossa de cada dia. Bem tratada, fluoretada, com cloro e baratíssima. Mesmo assim, muitos não pagam corretamente e ainda causam problemas junto às autoridades. Aliás, os que não cooperam, são os que mais podem. Dizem. Com isso, o município, a prefeitura, se vê obrigada a cobrir os déficits, subsidiando aqueles que não necessitam para que, todos possam usufruir desta maravilha que é o fornecimento da água nas residências.

Faltou água numa sexta-feira, início de mês, durante a madrugada, voltando o fornecimento em torno das seis da manhã. Neste parco período, deu para sentir o drama. E somente quem passou e passa por estas e outras, pode avaliar a falta que faz qualquer serviço de infra-estrutura e fornecimento de água. Com ou sem banho “tcheco”.

Obs: a palavra “Misery”, utilizada no texto, significa “Angustia” ou “Anguish”, obtendo duplo sentido nesta situação: Miséria/Angústia. A referida reportagem, fez parte de uma série que incluiu: Favelas, O Menor Abandonado, Lar para Idosos, Presídio, Centro de Recuperação para Drogados, etc. Publicadas no jornal “A Voz do Povo” em 1.980/81, São José do Rio Preto. By: Mauro Rueda, Divo César Tâmbalo e prof. Sérgio Carlos Portari.


 

 

O ÚLTIMO DOS DINOSSARUROS NO VALE DA TECNOLOGIA

(39 — Publicada)

 

Prezado Colunista:

Bons tempos aqueles, hein? Digo isso porte fico imaginando-o debruçado sobre este carretão de bois, esse brucutu com suas teclas enferrujadas, à espera de um primeiro toque. Enquanto isso, para espairecer, você traga, no gargalo, aquele vinhozinho “Chapinha”, fumando um “Macedônia” sem filtros após o outro. É, companheiro!, os tempos mudam. Tudo se transforma e você aí, à essas alturas, já nem consegue mais enxergar a máquina, quem dirá as teclas?! Os vinhos de hoje em dia, não são os mesmos. Mas você, último dos dinossauros, não desiste. E eis que lhe pinta uma frase genial para iniciar sua crônica. Afoito, você tenta teclá-la no papel. Contudo, a mente anda relapsa. Os dedos emperrados pela artrite, a gota e o vinho. De forma que, na metade da frase, vem aquele branco. A idade também é cúmplice, meu velho!

E o seu “habitat” ? Templo sagrado: abarrotado de livros, traças, teias de aranhas, poeira e uma rádio-vitrola arranhando um 78 R.P.M. Observa os lápis, canetas, réguas, apontador.. Tudo inutilizado pelo avanço tecnológico. As laudas de sulfite, a pauta de trabalho, o censo crítico e uma ponta de saudosismo patético. Tudo se lhe parece amorfo. Mesmo o Aurélião e o livro de Técnicas para Redação. Os recortes nas paredes; a primeira entrevista; a crônica emoldurada; cartas de leitores assíduos, ancestrais.. E o livro com pesquisas de campo que você começou a escrever? Ah, na gaveta? Entendo.

Às vezes você pensa: “Parece que foi ontem!”. Mas não consegue se lembrar o que, na realidade, parece que foi ontem. Para alguns é impossível conceber a existência da Idade da Pedra. Para outros, no entanto, é impossível sair dela. E é aí que a gente se lasca!

Apesar dos pesares e a mentalidade mediana (já falhando), você tem um compromisso com os leitores. Jamais se esqueça disso: escreva nas paredes, bilhetes nos bolsos, no rótulo do litro. Esqueça, porém, os lacinhos! Não funcionam mais porque, aí você nem vai conseguir se lembrar que diabos um laço está fazendo em local tão impróprio. Tente disfarçar. Pegar a idéia em voga pelos calcanhares. Relaxe. Faça de conta que você não tem nada à ver com tudo isso e atire a máquina pela janela. Mande as linotipos, os cíceros, as chamadas, os lides e os furos de reportagem para “o diabo que os carreguem” e adquira um Millenium. Entre você também via Internet. Aperte uma tecla e pronto. Você nunca mais voltará a ser o mesmo. Difícil é você conseguir se lembrar do que foi um dia: como e, sobretudo, porquê!

Vamos lá, tente! Convoque sua filha de cinco anos; as amiguinhas do prezinho e deixe que elas façam o resto. É para isso que existe a tecnologia de ponta. Que Mané Garrincha e Edú, o quê! Hoje em dia, os pontas jogam pelo meio e, nem o Ledo quer ver a uva do Ivo mais. Sai dessa, vovô!..

A gente não queremos ler. A gente queremos ação através da teia, da rede! Dá licença, meu! “Trahora” a gente conversa mais. Chegou a nossa vez de ver a Magda (sai de baixo!), do jeito que veio ao mundo. É só apertar a por..... do botão e, tchuns!....

(Ass: Sobrinhos do Capitão).


 

 

QUANDO A RESPONSABILIDADE BATE EM NOSSAS PORTAS...

(40 — Publicada)

 

Uchoa, “A Namorada dos Rios”, às vezes destoa em suas cores de cidade pacata e quase sonolenta, para tons aberrantes e inaceitáveis para aqueles que buscam no pacifismo e na convivência amistosa, um futuro melhor para os seus.

Provavelmente seja sensato dizer-se que, após longos período de calmaria, devamos esperar por tempestades e vice-versa. O fato é que, por mais que discordemos, procuremos negar, não queiramos aceitar, da mesma forma que a Paleontologia comprovou que em nossa região, durante a pré-história, existiu por aqui um dos maiores e mais violento carnívoros — Tyranossaurus Rex —, nossa pacatez remonta à um período em que, “o homo sapiens”, realizou sua grande descoberta: que viver-se em bandos, tratava-se de uma forma de subsistência. Não que houvesse algo de social ou de igualdade de direitos como qualquer outro besteiról que possamos debater. O contraste seria mais ou menos o do filme “O Parque dos Dinossauros”. A civilização moderna convivendo com a pré-história.

Tenho um cartão aqui sobre a mesa, ao meu lado, do “Grupo Xaveco”. O Agnaldo me enviou e me lembrei de sua simpatia sorridente e expansiva. Sua simplicidade e seu jeito moleque de ser e conviver. Na realidade, não sei bem o que se passou recentemente, durante um baile em Uchoa. Cada um possui uma versão. No entanto, o ocorrido — se foi da forma que me relataram —, foi algo condenável. Daí, iniciar-se tamanha balbúrdia e pancadaria? Arrebentar instrumentos do grupo que realizava (se não me engano), o show de graça? A necessidade de reforços policiais para controlar-se a situação e outros detalhes.. Bem, tudo isso, se nos parece tão distante e inacreditável de ocorrer em Uchoa quanto a possibilidade de um terremoto cá na “terrinha”.

Contudo, ocorreu. Alguns distúrbios, catástrofes e sinistroses costumam ocorrer em meio à períodos de transição ou algo assim. Somente esperamos não fazer parte, um dia, de fragmentos pertencentes aos Srs. Pedro e Gaspar Candolo; Roberto Brito; Pedro Galo; Vasco Bertelli e Luís Galbiatti e, daqui à milhares de anos, sejamos expostos e estudados: “nesta região viveu uma raça, como se pôde constatar, que no final do Século XX, adentrando o Terceiro Milênio, ainda guardava resquícios da pré-história, da Idade da Pedra e assim por diante..

Fiz ressaltar que em Uchoa, ao escrever no início do ano, uma crônica quando do primeiro encontro para se formar Comissão para Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente que, se havia algo de que não necessitávamos era do aumento do contingente policial. Que comparada com outras cidades, as drogas pareciam-me um lapso quanto ao assunto abordado. E disse mais: que colhíamos o que plantávamos porque, até então, acreditava em opções de lazer e a desmumificação dos costumes e culturalização arcaicos. Talvez eu estivesse errado. Um julgamento realizado às escuras. Tudo é possível...

A maior droga que consigo conceber é a ignorância. A droga das drogas. A ignorância leva o ser humano aos extremos. Do tudo ao nada. Do amor ao ódio. Da humildade à prepotência e arrogância. Da luz às trevas. A ignorância, portanto, é a mãe de todas as drogas. Vamos acabar com a ignorância e jamais teremos determinados problemas ou acidentes dos quais tenhamos que nos envergonhar ou arrepender futuramente. Era a minha teoria. Necessito encontrar algo mais substancial, concreto, prático. Ou, ou... Bem, talvez eu mesmo esteja ignorando que alguns problemas existam e encontram-se bem à frente de meu próprio nariz...

Problemas com nossas crianças, jovens, adolescentes.. Problemas com nossos trabalhadores, nossas donas-de-casa, empresários, comerciantes, pais de famílias, políticos e alguns poucos que superaram os grandes desafios da vida e já adquiriram — de uma forma ou de outra —, a capacidade de compreensão, serenidade, praticidade, leveza moral, espiritual e intelectual. Afinal, quem é perfeito?

Ouço diariamente, reclamações mil. Uchoa está morta. O povo se transformou nalguma sombra (sombrio constraste?). Não temos opções, lazer, campo de trabalho, cultura, arte, amizades e companheirismo. Não temos nada em projeto; não há com o que sonhar, nem porque criar-se ideais ou algo assim.. Por fim, cada um na sua ou, em bando restrito que, encontra-se nalgum labirinto à espera do próximo Minotauro. Será ele a cachaça, a agulha, a promulgação de uma nova lei, uma pancadaria, a falência definitiva das Instituições? Qual o nosso próximo inimigo? É mais ou menos como se enfiar uma camisinha no bolso do filho e compartilhar com ele, como pai e amigo, sobre os tabus dos problemas das doenças sexualmente transmissíveis e tentar acorrentar a filha com os grilhões do machismo e da ignorância. Os tempos são outros.

Uchoa é um tal de repensar, ponderar e acreditar. Não encontra-se morta ou podre a ponto de expulsar seus filhos. Tudo isso é subjetivo, abstrato e nada concreto. As autoridades estão aí: políticas, civis e militares. Os respeitáveis abnegados que não se escondem por detrás de uma capa com seus conceitos e misturas de religião, política, ética, filosofia, debates e um basculante de titica que não nos levam à nada! É necessário praticidade, coerência, boa vontade, desprendimento, iniciativa e, por Deus, acabar com a ignorância de vez!

Não somos somente o que a Educação convencional, o Sistema pútrido e toda a imbecilidade reinantes e atuantes desejam fazer de nós. Somos o que nos tornamos por vontade própria. Sofremos influência do meio, é certo. Contudo, não somos máquinas ou meros animais assassinos de esperanças: somos irmãos e filhos. Fagulhas e centelhas da parte de UM TODO que teimamos em negar ou trair por trinta parcas moedas.

Basta de letargia, ignorância, imbecilidade, perseguições e pancadarias! Ou o povo uchoense desperta (à exemplo do Éden denominado Brasil), para o seu imensurável potencial e grandiosidade, ou renega sua própria natureza para, adentrar definitivamente para uma História ou, que nos perdoe o Criador, não passaremos jamais, de uma forma generalizada, de extintos Tyranossaurus Rex a sermos estudados por uma civilização menos mesquinha e, sabe lá Deus, mais humanitária e evoluída.


 

 

UMA PEDRA NO SAPATO QUE COMEÇA A NOS INCOMODAR

(41 — Publicada).

 

A coisa está parecendo filme de horror tipo, “A Hora do Pesadelo”. À qualquer momento vai acontecer e aí, enquanto não resolvem nos ferrar de vez, continuamos naquele suspense “by Hitchcook”. Caminhamos para o final do ano feito zumbis. A grande nação dos mortos-vivos e seu pesadelo coletivo. E como diria o grande filósofo: “A coisa vai virar merda e o problema é que a merda não vai dar para todos!”.

Anotem aí: o que vamos ter de babacas entrando de solas nas lojas e três ou quatro meses após, se arrependendo por não conseguirem pagar aquele aparelho de som novo; o microondas e o raio-que-o-parta, não está escrito. Possivelmente, o sonho seja real. No entanto, o Real é que se nos parece ilusório. Trocadilho infame! “There’s no Political solution”, meus caros!

Eu também já fui brasileiro um dia. Acreditei na política e políticos; MR-8 e outras coisas invisíveis. Agora o cara chega e me pergunta: “O que é isso, companheiro?”. O que é isso, o cacete!—, respondo. Supunhetemos que derepentelho, assim meio que na calada da noite, saudosistas e baba-ovos, eles resolvam baixar um novo/antigo AI-5 com algumas sutis emendas? Como ficamos? Alguém sabe onde fica a saída? Quem vai apagar a luz quando o último dos zumbis desaparecer? Hã? Não estamos nos referindo a papo de pessimistas, não. Estamos discorrendo sobre a realidade. Sem premonições. Apenas conjecturas quanto a atual conjuntura e o pacote de reformas.

O zumbi rei chega e joga na mão da nação, o seu pacote reformado e diz: “Aí está, agora vai te virar que eu vou comer uns miúdos e buchada de bode lá pras bandas do sertão, amontado no lombo de um jumento”. É jumento ou jegue? Ah, deixa pra lá! O Itamar adora fusca. O FHC, jumento. E olha que o cara arrasta um inglês arretado da gota. Parece bicho grilo no psicodelismo estrábico da terrinha, ó pá! O cara tá viajando tanto quanto o outro Fernando. Parece que é chegado no “um — dois” e aí, dá aquele barato e fica viajandão. Túnel do tempo. Mucho! Nem, só, isso aí, numas! Pura filosofia brasileira, carinha! Mas sobre o que eu estava falando mesmo?

É, às vezes bate um branco na caixa pensamentadora; uma falta de assunto; falta de inspiração que, acaba virando essa masturbação mental feito a pedra incomodando o sapato. Um dia a gente chega lá! Não sei bem onde, mas, chegamos... No mais, é como eu ia dizendo.. (peraí, deixem-me tirar os sapatos da pedra).. assim está bem melhor. Ufa! É.. como eu ia dizendo, agora não adianta mais: tá tudo comido, lavado, passado e sapo de fora não jia. Jóia? Prometo não tocar mais nos assuntos eticamente fora da pauta pré-menstruada do Poder.

Os espinhos da procissão precisam parecer naturais no que se refere à profissão. Precisamente/prática/mente/mente/prática/Kit/mente naturalmente/a política é um jogo/joguete/falsete/anarquicontemplativa/mente a mente (não os olhos), contemplam a miséria e a orgia concludente dos que pensam que são senhores de escravos e escravos acabam tornando-se do Poder de sobrepujar os que, tropicalmente, encontram-se sob o jugo da jogatina de destinos. Açougue de almas e sentimentos. Refrigeradores conservantes/Cervantes/conservadores (lutamos contra os fantasmas dos velhos moinhos). Eu disse, sempre digo/desdigo conservadores da praticidade em menosprezar a dignidade/honra/honestidade dos servidores/ serviçais.

Desdirei o que pretendo dizer/des/compromisso na carência de uma sangria (tanta adiposidade!), desatada/desancada/descascada sangria que no furor/horror/labor da lida, a vida/sofrida/revoltante/relutante/ávida/avidamente desensarilhemos as armas sob a luz lívida do luar de prata/lata e, baionetas caladas, marchemos rumo à ao próximo século!

Sem aquela falsa modéstia e desenterrando o Raul: “É pena eu não ser burro. Não sofria tanto!”.. É, acho que é isso!...


 

 

UM REAL QUE MAIS PARECE UM CRUZADO NO ESTÔMAGO DA NAÇÃO

(42 — Publicada)

 

A pergunta é simplória e a resposta, lógica: no final da tragicômica palhaçada de todo governo, quem acaba pagando o pato? Não precisa responder. Iniciamos mais um ano com cara de coisa rança; de filme capenguinha que nós já cansamos de assistir; de ladainhas que não pagam supermercados, açougue, água, luz, farmácia, aluguel e, muito menos, os impostos abusivos e as taxas de juros que nós, contribuintes, não temos nada a ver com tais disparates! Um Real equivale não à um dólar furado, mas sim, a “um cruzado” no estômago de toda essa nação que, não adianta, não vai para a frente nunca!

Sem crescimento, com arrocho salarial, falências e desemprego, até o “Mário” estabiliza a economia atrás do armário, sacou? Os bodes que se cuidem! FHC pensa que inventou o “hen-hen-hen”, da mesma forma que pensa que inventou o Real e, consequentemente, a salvação da pátria. E o pior de tudo isso é que, ele ainda quer permanecer no poder por mais... Sei lá! Talvez, enquanto houver alguma coisa para ser vendida no país.

O Jornal “A Hora do Povo”, publicou: “FH diz que quanto menos gastar com saúde melhor; porque ele está resolvendo o problema com melhor emprego, melhor comida”. E tascou — o Jornal —, “Está completamente pinel”. Se FH está pinel, o povo vai acabar como?

Por enquanto, vamos permanecer atentos, esperando a banda passar. O fim de ano passou. Na marra mas nós engolimos os restos daquele peru de uma década atrás. Em seguida, tivemos o carnaval e o povo improvisou: foi para a avenida com seus restos de fantasias e pulou feito besta como se, realmente, estivesse guardando-se para quando o carnaval chegar. Bom, aí.... deixem-me ver.. Ah!, vem a Copa do Mundo. E a gente vai levando. Como quem nada quer ou não ousa reivindicar, talvez esperemos a próxima eleição. E, finalmente, derramamos nas urnas, a nossa capacidade de esquecimento e os lapsos de memória que nossos dois únicos neurônios nos permitem. Aliás, como já disse Altino, dois neurônios: um lerdo e o outro bom de sono.

Falar em início de ano, tem prefeito que, continua tendo pesadelos: FEF, 13º Salário, Folha do mês, queda da arrecadação, governo federal, governo estadual, a cuia de esmolas, o benção padrinho e mais a patética polêmica da Sabesp com o "aprova, não aprova". Enquanto os municípios e estados rebolam mais do que travecos na passarela da vida para conseguirem o michezinho do mês, o truculento FHC, continua com sua política do venha à nós e, em briga de empregado e empregador, somente sugere o refresco.

Por isso que funcionário público não morre de fome, mas sim, de vergonha. A derrama da merdalheira toda começa lá de cima. Gradativamente, o trabalhador, sustentáculo não se sabe mais do que, vai adaptando-se: um centímetro a mais, um a menos e coisa e tal e hen-hen-hen e ti-ti-ti e pá-zuzobem!..

Querem saber de uma coisa? Nóis sofre, mais nóis também goza, uai! E viva o Novo Milênio! Tchans!...


 

 

AGRADECIMENTO POR TORNAREM A VIDA UM POUCO MAIS BELA

(43 — Publicada)

 

Esta semana, estive preocupado com o fato de que um artista paraibano, após ter gravado uma de minhas músicas em parceria com o Benê Ferreira, estaria fazendo shows pela região e vendendo o CD sem a capa, o que, naturalmente nos privaria, não somente dos direitos autorais como a própria autoria da música. Pirataria pura, para não dizer, sacanagem. Erro dos produtores, da gravadora e do próprio ECAD, creio. Mesmo porque, a mesma música será regravada por ter passado por quatro festivais e chegado às finais. Entre os mais recentes, o realizado no Palestra, ficando entre as quatro melhores classificadas. Menos mal de todos os males possíveis.

Como eu dizia, fiquei sabendo que, havia um grupo de garotas em Uchoa, tentando montar uma peça infantil que eu havia escrito alguns anos atrás. Essa mesma peça, esteve em mãos de secretário da Educação, diretores de escolas públicas, e um grupo de adultos. Como a falta de determinação e persistência rendem-se ao primeiro obstáculo surgido, a peça voltou para a gaveta. Não me senti decepcionado. Há anos tenho trabalhado com teatro, música e literatura e sei que os “encalhes” são naturais.

No entanto, “Mafaldinha, a Minhoca” ou, “O Baile dos Bichos”, duas peças que pedi para tirar cópia e dei de presente para uma pessoa muito especial (Júlia Bolsoni Bertoni), vinham sendo discutidas de forma acirrada e, pasmem, gravadas as falas das personagens para facilitar o trabalho de decoração das nossas jovens atrizes.

Evidente que, não poderia ter recebido notícia mais agradável, salutar e instigante. Acredito que estivessem (ou estejam), tentando montar a “Mafaldinha”. Mesmo porque, a outra peça, contêm várias músicas em meio às falas das personagens, dificultando sua montagem. Comecei a me sentir eufórico, agradecido, redescobesto e curioso. Afinal, quais os motivos? O que pensariam do texto? Do enredo? Das personagens? Das mensagens contidas na história em si? E continuei perquerindo-me sobre os porquês e ao mesmo tempo retirando das gavetas tudo o que eu havia escrito e composto no estilo infanto-juvenil para “matar um pouquinho da saudade”.

A novidade, após tanto tempo sem o convívio artístico, causou-me um impacto que, de certa forma, via-me novamente escrevendo e compondo para a criançada e nossa juventude. Às vezes, um trabalho muito mais árduo e complexo do que escrever para adultos. As “novas mentalidades” e os jovens corações são frágeis, de um certo modo carinhosos para nós que, na maioria das vezes, acabamos criando calos e fazendo de nossos corações e sentimentos algo empedernido e sem a luz da simplicidade e a grandeza da humildade. Poderia tentar ajudar o grupo. Orientar. Dar uma colaboração, incentivar, etc. Mas aí, eu estaria interferindo num processo que brotou de forma espontânea, sem compromisso ou obrigação de chegar à termo. Recolhi-me e, sinceramente, torci para que conseguissem. Ao mesmo tempo, pensei e ponderei em que, somente o fato de estarem tentando.

E voltei a ser criança: meio coruja, meio fã e deixei meu coração criar asas.

O que eu gostaria de dizer para o grupo e sobretudo para a Júlia, é que, sinto-me honrado e feliz. Se não der para montar a peça, pensem no grande passo que vocês já deram. Pensem no bem que já fizeram sem sequer terem plena consciência de onde conseguiram chegar. Não sei, mas tenho o pressentimento que, talvez sejam decisões iguais à de vocês o que nos leva a acreditar no futuro mais simples, humano, sensível, pacífico e belo.

À vocês todas do grupo, eu tenho que agradecer por saber esperar; aprender a acreditar e jamais deixar de sonhar. À Júlia, a quem considero minha sobrinha, priminha e irmã e para quem compus uma singela cantiga, quem sabe, um dia, este poeta barbudo e meio tímido, consiga terminar o CD com a gravação de uma canção especial, cujos direitos autorais já foram doados antecipadamente para uma Instituição de Caridade, seja uma forma de agradecimento por estes sentimentos e esta indescritível felicidade que me acaricia a alma e a torna criança outra vez. Obrigado.


 

 

POEMETO DE APRENDIZ: DE UM CRÔNISTA CANSADO DAS PALAVRAS

(44-Publicada)

 

Ah, poesia! Magia dos embriagados! Pateticamente viro-me aos avessos e descubro: não possuo o outro lado./ Quem disse que sou poeta, com sangue e punhal na mão? Ainda há pouco, assassinei a rima e do meu próprio peito, arranquei o coração!/ O jornal sob o braço e este cansaço das palavras. Ah!, como um passarinho me parece mais sábio que o mais sábio dos pergaminhos!/ Nada além de sonhos. Nada além de ilusão. O que faço agora da vida, quando tenho os pés no chão?/ Lá se foi a poesia.. De meu peito, foi-se embora. Ah, se eu soubesse! Jamais teria aprendido, a contar os dias e as horas. / Livros e poeira. Palavras e solidão. Madrugadas e silêncio. Baladas, sonetos, canção.. Nada disso mais importa! Apenas a sombra morta, recostada no vão da porta, a mirar a imensidão! / Não, não sou um poeta suicida em um canto amargurado. Sou apenas, das palavras e rimas, um simples operário cansado./ Olho-me no velho espelho e me pergunto: afinal, quem são os loucos nessa comédia? Eles, ou nós? O espelho nada me diz. Então penso: talvez o outro.. aquele que ficou no espelho, seja um pouco mais feliz!/ O olhar vadio, pela madrugada passeia. Minh’alma é qual um rio que, às vezes, vem descansar n’areia./ Os poemas cada vez mais curtos, sem festa. Feito o tempo de vida, na vida que ainda me resta./ Corda de aço, levemente ferida. A viola dá o tom e eu, sigo a minha vida./ Grupo Escolar “Fábio Junqueira Franco” : primeiros rabiscos, primeiras letras e o destino das coisas. Guardado nas memórias de um verso manco./ Passava as madrugadas mastigando as paredes. Durante o dia, roncava e tijolos cuspia./ Quando eu morrer, talvez chova. Talvez faça sol.. Eu não quero nem ver./ Não era corrupto. Apenas achava que excesso de dinheiro nos cofres públicos, atrapalhava a contabilidade./ Morreu contando piada. Num acesso, engasgado, sufocado com sua própria risada./ Velhos pecados guardados. À sete chaves escondidos. A alma já maculada, manchado corpo, o tecido./ A fome, a saudade, a dor. De braços dados pela estrada vão (três irmãs desgarradas), em busca de um coração sofredor./ Cauterizara a ferida por onde homenzinhos azuis, costumavam saltar para a vida./ Lia o jornal durante o café da manhã. Certa feita, pegou-se a ler o café da manhã, mastigando o jornal./ Matou a mulher adúltera e fugiu com a amante./ Era tão fácil ser feliz.. Um dia cresceu e.. se esqueceu./ Bebeu, bebeu.. até perder a consciência. No dia seguinte, saiu a procura dela./ A alma serena, encontra o seu caminho e sabe que a solidão, é somente a ilusão, de estar-se no mundo sozinho./ Versinho primaveril. Porque, embora tanto amor, às vezes, o coração se nos parece algo vazio? / Feito a fotografia num quadro de parede, empoeirada e esquecida com teias de aranha tecida: assim, é toda a vida!/ Papéis picados pelo chão, são feito lembranças e silêncio de solidão. / Na pauta vazia, o que hei de escrever? Se tudo já fora escrito, antes mesmo d’eu nascer? Deixo-a em branco, qual o meu coração. O que são alguns versos, senão pura ilusão?/ Nada mais importa agora. Ontem, talvez.. Mas agora, mais nada. Alguém veio sorrateiro e, roubou-me dos sonhos, o travesseiro./ Minha cabeça caiu. Rolou ribanceira abaixo. E eu permaneci ali, sentado, esperando que um dia ela voltasse. Às vezes — confesso —, sinto saudade. Foi há tanto tempo!/ São feito ruas que nunca se findam, meus sentimentos. São sonhos que, por um momento, vão estender-se ao infinito./ Em minh’alma há um silêncio de outro mundo, de outra Era. Um lugar e um tempo em que penso, ser eterna primavera/ Melancolia! É isso o que a alma sente quando está doente e pensa ser o que já não é./ Feito a rua que vai. Feito a rua que vem.. Assim é toda a vida. Assim, sou eu também./ O suor brotando em bagas, pelo esforço demasiado.. Em ter que carregar a cruz, que Jesus deixou ficar, para aquele que é honrado./ Sinto-me aflito, feito um pássaro nalguma gaiola. Meu olhar mira o infinito (e percebo a liberdade).. Minh’alma se ajoelha e chora!/.

(Extraídos dos Livros “Poeminhas de Aprendiz” e “O Início do Fim” — BY: Mauro Rueda.)


 

 

EM VIRTUDE DA FALTA DE EXCRÚPULOS E COISA E LOISA: OLHA O APAGÃO AÍ GENTE!..

(45-publicada)

 

Pensei fosse pesadelo e quando despertei, 4 horas da manhã, constatei: é somente mais um pesadelo. Subindo pelas paredes de costas, no escuro, claro (trocadilho infame), e aquele bando de Fernandinhos me perseguindo com capacete da CPFL. Eu já disse: Fernando nem da Sorborne, nem montado em jegue, nem comendo buchada de bode, nem colorido e muito menos mandão, botando tropas nas ruas para provar quem tem o poder de mando! Portanto, fora Fernando!

Baixei um decreto radical: ninguém mais toma banho nesta casa. Nem assiste Jornal na TV. Nada de roupa passada. Acabo de lançar a moda: “Os amarrotados e os Cascudos”. Aliás, o que tem de gente casca grossa a nossa volta, não é fácil! Abaixa o Santo Poder, sobe a Santa Ignorância. E tem gente pensando que é Deus. Brasileiro é assim mesmo: gozador nato.

Penso no espavento do atrapalho em que me descontento na medida exata da parca paciência que, amanhã tão logo amanheça, se amanhecer, saio vendendo bacias e tina de água. Bacia para o famoso banho “tcheco”. Modismo nos devastados puteiros de tempos idos. Hoje é tudo na base da hidro, banheira e com direito a sabonete e cotonete. No caso da tina de água, também da minha época quase pré-histórica, nem carece esquentar a água: deixa debaixo do sol e, morna, dá um belo banho. Aliás, para economizar, coletivo. Junta a família com os sete bacuraus que você continua pensando que foi graça Divina e não falta de informação e aproveita para um ensaboar as costas uns dos outros. Como se brasileiro não colaborasse e soubesse tão somente tirar proveito em tudo.

Falar nisso, eu com quase meio século nos costados e um tal caboclinho desconfiando da minha integridade. Discursando: “para não alegar esquecimento, não deu e tititi e sei-lá-o-que mais, deixa o carnê aqui....”. Aí já é falta de consideração e compostura. Pobre quando não paga, não é porque sente prazer feito o rico cheio de lábias e dedos e santidade. É porque sustentar família com sonho e forrar a mesa do repasto com vento não cola mais não. De forma que, para um dia ruim, nada como um pesadelo na madrugada. E a tribo continua com excesso de cacique para mandar em quatro ou cinco índios. Não vai dar certo. Se a “burrice” fosse gratuita, eu encomendaria logo às dúzias. Não teria que sofrer ao ver e prever no que vai dar essa sarabanda e o chinfrim sem nexo.

Perplexo constato: esperei cinco anos para pintar a Web grátis, uma linha telefônica e, continuo a ver navios sem navegar. Podem cortar! Cortem energia, telefonia, azia, crédito e um recado para o Zé Carlos da CUT e o Fernando Marques “O Governo é baixo astral/Ele corta o barato do povo”. De repente aparecem os inimigos de graça. Sempre o que não presta, vem de graça. E não disse Jesus que tudo o que não presta, morre por si mesmo? Que o mal é o que sai pela boca da mãe de todos os males, a droga da ignorância à cavalo, feito bife de rodoviária? Aí sempre disseram que este escrevinhador enfarado não passava de um sonhador, anarquista a divagar pelas searas e confins do absurdo. Para o anarquismo, teremos que nos organizar muito primeiro. Quanto a divagar, entenda-se: devagar. Mesmo porque, quem muito corre, sempre acaba se cansando primeiro e chegando em último. A vida ensina, mas cobra seu preço. Aroeira em lombo fere, contudo, caleja. Eu quero é ver algo novo debaixo do sol. Se Eclesiastes não era um lerdo ou Sócrates culpado por desejar ser somente o que era, o que diremos desses Pilatos e Iscariotes?

E dá-lhe Aerolin, Marax, Ulcedine, Insônia, Sindrome do Pânico e Freud pra atazanar e explicar o que distorcido, seria fácil se não fosse fútil explicar. Às vezes, o cordeiro faz o lobo e o hábito cria crostas em cápsulas indigestas. Nada de novo no Fronte. Nada de novo no ciúme. A cobra continua fumando. Os pracinhas não Coluna Prestes na Itália. No meio do caminho de Santiago havia uma pedra, segundo Drummond. Quem conhece o legado de Jesus e Lucas, não carece de ACM ou Fernando. Podem explicar. O problema é convencer. O tempo passa, e prenhe de razão, conforme o Chico, nada como um dia após um outro dia... Se gente é pra brilhar/não pra morrer de fome (Caetano), então porquê Gregor Sansa sentia-se um Franz Kafka? Ou estaria eu confundindo as bolhas? Não, não tergiverse sobre o que José Mojica Glauberochou cinema do poetariado se Marx mais valia eu não ter te explorado tanto, segundo o Evangelho de Taiguara, a mandinga de Raul e a desmunhecada do verde que te quero verde/sangue nas roupas do Lorca. Se este empedernido pesadelo não finda, findo eu e pranto/ponto. “Sonho que se sonha só/é só um sonho que se sonha só/mas sonho que se sonha junto é realidade”. Realida dizia Raul Santos Seixas. Mas o problema maior continua sendo: pensar ou não? Eis a questão. E dizem que apagão é bom porque a gente não enxerga a mão que esbofeteia e a boca que vilipendia. Como dizia aquele poema nojento e meio punk que a boca que beija é a mesma que te cospe. Dane-se o apagão, a geladeira está vazia mesmo!


 

 

ANDANTE.. (Pero no mucho)

(Fragmento) *

(46-Publicada)

 

Permanecia transido, meditabundo. Vinha mãe com leras & líricas: Que tens, filho? Doente?. Delirando. Divagando. A linha do pensamento é muito tênue, frágil. Rompe-se com tanta facilidade! Deixa-o em paz, não está ciente que o lerdo é problemático? Ah, é verdade! Crudelíssimo e tão excelso espetáculo! E eu lavando panelas e pratos com os pensamentos em cabriolagens lestas. A vida somente, já não basta. Galhofa bojuda, no menear a cabeça afirmando ou negando. Faz isto. Faz aquilo. Ó mandaram recado. Você não tem secretária não? Ninguém atende o inútil, supérfluo telefone enfeitando a mesinha na sala? Não sei de nada. O que dizem estas pessoas, afinal? Aflito e contrito, somo desafetos. Não me importo nada. Exaurido e pasmo vou deixando. Fosse somente teimosia ou casmurrice solapando a paciência. Fazer o quê, afinal? Esse viço no processador de textos! Não há espaço no que escreves? Sem parágrafos? E para que tantos jargões, clichês baratos, pastiches, colagens? Penso em pirâmide inversa. Blocos. Fagulhas jornalísticas e resquícios do medo engendrado na alma. Conhece Thortuga? Na austeridade da função, o pachola com azougue. Dando azo à imaginação. Renhidas contendas eivadas de concepções abstrusas. A tez perenal, famélica e encovada, a carantonha barbuda de homem envelhecendo precoce. Acho que... Não tens que achar nada. Fazer somente e pronto. O que importam as tuas máximas? Recebeu o recado? Entendeu o riscado? Então? Boca fechada. Há tanta gordura nas panelas e pratos e garfos e colheres e copos! Varrer a casa, passar um pano molhado, ensacar o lixo. Pôr fora o lixo. Pôr tudo fora do eu! Esse lixo arcaico e o último bastião da moralidade emoldurada na consciência letárgica e improfícua. A consciência mata. Bicho algoz, lanhando, dilacerando, roendo a gente nos recônditos! Deixa de ser besta, o infeliz! Que consciência? Já engoliu o remédio perebento? Mostra a língua, vamos. Vai fazer cocô, vai! E essa moral? A insensatez do deslize que aniquila. Você não aparece nunca mesmo. Oh, Senhor! Teu Santo Nome, em vão. Nos desvãos e tanta futilidade para tão parco espaço! Quantas dores de cotovelo! É essa mentalidade provinciana. Parece que está doente, cara. Meio abatido, meio travado, meio que falando pelos artelhos ou calado. E eu com isso? Ontem, tarde da noite, vi um bicho, um animal estranho no espelho. Verdade! Risos. Mais risos. Cara mais bestiológico! Onde encontrou a palavra? Sei lá invento. Vem assim, apanho no ar: era besta, espichei e ficou "bestiológico". Que quer dizer? Ah, isso não sei. Sinceramente! Cada escorregão. Olha, pega leve/seja breve/conheço o meu lugar. (Belchior). Um risco na folha em branco onde somente o branco possui importância mística & ou mítica. Mefítica. Não vai dar para fazer o almoço. A filha fica por aí, zanzando. Eu zureta e zarolho. Esse olho quase místico que a humanidade carrega abaixo da linha do equador. A linha é tênue. Rompe-se com grandíssima facilidade. Como tem gente escrevendo hoje em dia. Há bilhões de poetas, cronistas, colunistas, jornalistas, punguistas, chantagistas, arrivistas, narcisistas, moralistas, e filhosdaoutra! Muda, troca de profissão. Não se troca de camisa, cueca, partido político e ideologia? Então, meu filho? Troca de profissão. Faça alguma coisa útil antes que cheguem teus tempos de exéquias e aí, adeus viola! Troco nada. Nem dou. Nem deixo.

Seguir em frente. Há tarântulas, escorpiões, apocalípticos unicórnios, seixos e algas marinhas que vou tirando dos bolsos e da gola da camisa. Essas coisas mentalmente refratárias. Pólen, líquen, seiva, clorofila, mel e aerossóis. Quase translúcido, diáfano — não fosse a aura hipotética com seu ranço e matizes destoantes —, acabaria criando asas iridescentes e me desfazendo em éter. Vapor. No entanto, quase tudo à minha volta é irritante e fornido de formalidades. Odeio formalidades, costumes, tradições! Então ouvia: Mula! Poço de contradições! Tens razão, Jeremias, Melquíades, Belchior, Adamastor, Eufrásio! Deus, que morticínio! Galeria embalsamada. Com o tempo definhando, já quase inteiramente orvalhados os cabelos e pêlos públicos, esse desassossego e tantas incertezas! Bolsões de lixo mental atraindo aves agourentas para o repasto. Letargia mental. Nada de novo, mãe. Longas e tortuosas a sendas e searas da existência. Mentalmente refaço a vida com seus cacos e estilhaços. Colando pedaços em vitral inconsistente. Até que, de repente, centenas, milhares de astros e vaga-lumes clareiam o caminho de volta para casa. Fico rindo à toa, perplexo com meus botões em quão árduo e longo o caminho da volta. Enfim, sem parágrafo algum, despido dessa mortificada e macerada indumentária, nu feito os anjos de rosadas bandas, aceno e até! Um prato escorrega-me das mãos e a pia salpicada de cacos. Às vezes, acontece. É preciso colar e pronto. O macarrão prático e fácil não leva mais que três ou quatro minutos. Que bicho esperto e sabido o ser humano, né mãe? Sei não, filho. Tudo pode ser ou não, o que parece. Mãe é, sem dúvida, uma das coisas mais fantásticas de todo o Universo. É, eu continuo acreditando em coisas boas (..........)

*Extraído do Livro "Fragmentos — Contracultura", “Zenbundis(Mo)mento de Introspeção de Uma Ameba em Estado de Coma”, “Andante (Pero no Mucho)”.


 

 

E EU QUE SEMPRE TORÇO PELOS MAIS FRACOS

(47 — Publicada)

 

E lá estava o “Azulão” ! Como não sou de roer unhas, desferi tantos chutes imaginários! Reflexo, puro reflexo. E a bola na trave. Parece meu Santos. Hi!, parece o seu Corinthians ou o Palmeiras ou o grandioso São Paulo. Parecia o nosso América de Rio Preto, meu Barretos ou o Santo André. Sempre batendo na trave.

Já acostumado e fazendo certa analogia besta com minha própria vida, concluí com meus botões — “Se não foi melhor... Paciência”. Torci de tal forma que, mal conseguia me levantar do velho sofá. Aliás, deplorável sofá. E meio contorcionista, sem prática ou jeito para tanto, senti os efeitos aqui, a altura dos rins rindo de tanta palhaçada. Nada não, nem tudo está perdido, afinal!

E o ano se esvai. Com licença!, pinta o Novo, educadamente para a nossa serena tranqüilidade de anciãos. E a boiada passando debaixo da ponte, do viaduto, do travesseiro.. Sob nuvens carregadas. Até aumentaram nossa cota de consumo. Fantástico! É o Sow da vida! O Show do Milhão! O show dos Clones e Mutantes!. E essa falta de inspiração justamente hoje e agora? Arre!

Uma choradinha não faz mal. Eu também vou reclamar. Como não sou de curtir festas em final de ano: pelo amor dos meus artelhos!, não me convidem ou se o fizerem, não insistam! A minha festa é esta fresta pela qual observo todos os dias de minha existência em busca de respostas para esse velho baú de perguntas. Eu quero é paz. Eu quero é fazer juz ao sangue espanhol misturado com baiano a correr-me pelas veias! E ainda querem que eu apareça e ares da graça, meta-me a encher até transbordar a minha alma de inquietações e desassossego! Arre que, quando estou só, no que julgo paz, acabo brigando com meus próprios fantasmas.

De qualquer forma, vou continuar torcendo para os mais frágeis. Samba, suor e cachaça me dão monotonia e enfaro. Agitação e balbúrdia me estiolam e embotam a mente. Deve ser o estresse. Aliás a única coisa moderna que carrego comigo é esse estresse. E viva Zapata! Quem foi esse cara, mesmo? Como não tenho dinheiro para viajar, tirar férias (dizem que não preciso porque pouco trabalho e eu continuo de esguelha. Melhor ouvir do que falar. Melhor pesar e ponderar do que sair a fazer estardalhaço desnecessariamente. Melhor é ler Fernando Pessoa e Cecília Meireles), ou ficar desfilando em shopping, concluo em definitivo: não há como mudar. Tarde para ser o que jamais fui. Mas tá bom, né? Essa coisa cabocla. Esse jeito sertanejo e essa ironia de cimento, ferro, concreto, fuligem e ferrugem!..

De qualquer forma a alegria e a festa de todos, são minha festa e alegria. O natal de todos são meu natal e o ano novo também me pertence porque à ele pertenço eu. E no mais, tenho lido tanto, mas tanto que, embotada a mente trago e, fico brincando de diagnosticar meu cansaço: pombas!, é somente estresse. E viva o estresse! E viva os que estão felizes e os que cantam e os que amam e os que sonham e os que aprenderão a fazer tudo isso algum dia. Viva, sobretudo, a oportunidade de mais um ano. E seguramente, “amanhã será um lindo dia. Da mais louca alegria, que se possa imaginar!...”. Ouçam música, relaxem e façam coisas boas. Há sempre um olho que nos mira. Mesmo que nos escondamos. E não há motivo para isto.


 

 

PODER E TERRORISMO: TODOS OS DIAS SÃO DIAS PARES E ÍMPARES

(48)

 

Bem, o título acima, sinceramente me parece inteiramente sem nexo. De qualquer forma, vá lá. O problema é o Poder. Para quem jamais soube pedir educadamente, infalivelmente incorrerá neste grave erro: jamais aprenderá a mandar. Primeiro porque “mandar” em sua acepção, já se torna uma forma de descalabro em nossos dias. Recende à Terrorismo barato. Xiismo burro e retrógrado. A questão é que, todos os dias são dias pares e ímpares.

Sem dúvida, mandar de forma imperativa e ameaçadora é terrorismo puro. Se há uma forma de terrorismo insuportável, estressante, desgastante e aterradora, é o psicológico. Quem pratica esse tipo de “terrorismo” não nasceu para ser líder, mas sim, para mandar executar. O prazer mórbido/sórdido, corre pelas veias. Há um certo prazer em “pisar” e esperar, apreciando o resultado patético da imbecilidade cometida.

Ora, ora!, senhores e senhoras! Bolas e belas! Não estamos mais vivendo dentro de um regime ditatorial. Esperem! Ou será que estamos? Pesadelo ou realidade? Em várias crônicas e editoriais, frisei que “os Mandões” já não cabem em nosso mundo. Precisam ser banidos, expurgados e exorcizados para que imperem o bom senso, a educação, a camaradagem. Sobretudo, no meio político. Ninguém gosta de ser mandado. Menos ainda, mandado de forma como se fosse mera peça de uma complexa engrenagem criando ferrugem. Menos ainda, duas vezes mais, quando o poder de mando faz uso de exibicionismo e terrorismo psicológico baratos. Aí já é caso para a psicologia, senão, para a psiquiatria!

O que um cidadão honesto, confiante em seus companheiros — eu disse honesto! —, sente quando percebe que está sendo usado, traído e sofrendo achaques e os ataques daquela velha e ultrapassada bateria psicológica? Percebe que, tudo o que está sendo praticado, mudou de nome, foi mascarado com novo rótulo, mas continua com as mesmas essências nazistas e ou estalinistas? Choque. Choque de princípios. Choque ideológico. Choque capaz de sentir o ser humano ao ser tratado feito mero capacho. Cão, aos pontapés da intolerância do imbecil com “seu aparente mundo em que, seu não menos aparente mando de poder” deseja subjugar e crescer de forma tal que, tudo e todos à sua volta, não passem de meras nesgas de luz à sombra da grandiosa e radiante força que tudo pode e tudo faz. Tentáculos. Hidra melindrosa e perigosa. Guerra fria.

O poder de mando é tentador e escraviza estúpidos e idiotas da política. Nós, os que costumamos ler um pouco e que, já convivemos com esta espécie de imbecilidade e ignorância disfarçadas, sabemos qual o resultado. Esse poder que tenta, corrompe, escraviza, arruina, ao correr do tempo, torna-se senhor e amo de seu próprio e pobre senhor e amo. Há o prazer, a masturbação mental, a massagem egoísta daquela mente não preparada que, cai de quatro e perece frente à tentação. E passa a viver vinte e quatro horas por dia a ditar ordens. Às vezes, sem que perceba, lá está o doente frente ao espelho, mandando em seu próprio reflexo. O Narciso carece muito mais do que um mero espelho encantado que não se canse de repetir que ele é o maior, o melhor, o mandão. Ele carece provar e bradar pelos quatro cantos quem é e o que é. Como se todos já não tivessem percebido e se desencantado com o que se encontra sob a casca e as crostas.

É preciso ter pavor do poder de mando. Do que costumam denominar “guerreiro acirrado” que, facilmente, se confunde com ódio arraigado. Com frustrações, discriminações e pavores que esperaram anos para ter ver e voz. Vir à tona e transformar-se em ódio virulento e execrável. Isso é um perigo. Isso é terrorismo barato. E embora passageiro, seu poder de destruição da dignidade e da honra, é devastador.

Amar o trabalho, ser fiel a princípios, ser atuante não significa ser patético e ignorante. Mandão e intolerante. Às vezes, é melhor jamais receber duas asas imaginárias e permanecer com os dois pés fixos ao solo, do que, uma vez mentalizadas asas imaginárias, o inconsciente imaginário se tornar alado e do alto da empáfia despencar para o abismo, o vazio abissal onde e somente quando se descobre e percebe que, o que nunca foi, jamais poderá ser. O que não é, nunca poderia ter sido, na realidade. Há coisas e pessoas que nascem para ser somente o que são: não mais que coisas que pensam que são pessoas. Mas ser pessoa, implica em ser gente. E coisa não há milagre que possa ser transformada em gente. O poder é à um único tempo, atraente e traiçoeiro. E, infeliz daquele que o conquista — sabe-se lá a que preço —, para humilhar, subjugar e praticar o terrorismo psicológico. O voraz, atroz, carrasco algoz daqueles que o cercam, mais dia, menos dia, descobre-se frente ao seu espelho da vaidade partido em cacos. Então, somente então, uma réstia de luz lhe sussurra das trevas dantescas de sua mentalidade anômala: estás sós. Manda e espezinha teu próprio ser porque, tão insuportável e intolerante moldaste a tua personalidade que, nada mais te resta do que esse fumo que evola e de desfaz no ar. Eis tudo o que poderia ter sido e não serás jamais. O terrorismo possui a cara do algoz e várias são suas facetas e artimanhas. É necessário muito, muito cuidado com o poder de mando quando usado como terrorismo psicológico.


 

 

Ô TOLERÂNCIA ZERO QUE AINDA ACABA ME MATANDO, SÔ!

(49-publicada)

 

Talvez porque fosse um sábado ou, no mínimo, há muito eu já tenha perdido o resto de compostura que os seres humanos sociáveis costumam carregar consigo. Mas eu nunca fui lá muito sociável mesmo! Ah, isso é lá que não!. Embora, depois de pronto, passado, lavado e feito o sarabulho, eu sempre me arrependa.

Havia passado a noite inteira com a cara enfiada na tela do computador lendo Karl Marx e F. Engels; Estado Novo, Ideologia e Propaganda Política (Nélson Jahr Garcia); Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico(Friedrich Engels); Lógica e Dialética (Nélson J. Garcia); Para Uma Crítica da Economia Política(Marx); Propaganda, Ideologia e Manipulação (Nélson J. Garcia); SOBRE O PAPEL DO TRABALHO NA TRANSFORMAÇÃO DO MACACO EM HOMEM (F. Engels) e outros assuntos estranhos do gênero. Acabara de conciliar-me com a droga do sono que, invariavelmente, acaba me deixando — cada vez mais —, intolerante e um verdadeiro quadrúpede no trato com o próximo quando,.. bem, a coisa toda teve início.

À princípio, não ouvi nada. Eu estava ainda meio catatônico; meio desgrenhado pela fadiga e o estresse que andam me açulando nos últimos tempos. E esse pavio cada vez mais curto. E essa paciência que já era. E aquela coisa que papai-noel costuma carregar às costas e que eu deixei que fosse me enchendo até estourar.. Essas coisas de louco, mesmo. Coisa de babão! Mas era um sábado, pô!. Era uma droga de um sábado e eu havia conseguido pegar no sono. Deve ser sina: não consigo dormir nem contando rebanhos inteiros ou rezingando o AOM (Ômmmmmm), até o C — sem assento —, fazer bico! E haja paciência. Eu somente pego e no tranco às 11, 12 (da noite), por aí! Desde garoto, quando eu dormia com a cara enfiada na tábua da mesa com aquela maldita falta de ar. Mas faz parte do programa carmático lá do outro lado que é do lado, do outro lado, do lado de lá!... Cáspite!

De forma que, como eu ia dizendo. O caboclo da CPFL, deve, à princípio, ter chamado. Não ouvi. Não ouvimos. Aqui em casa, ultimamente, ninguém tem lá grandes piques para oradores. Definitivamente, isso não é vida. E o “DA LUZ”, cansado de chamar com compostura, perdeu um pouco dela. Bateu no portão com a caneta, mexeu no cadeado e os lerdos dos nossos cães que, não servem nem para sabão, naquela zoeira! Sei lá se o rapaz subiu no muro e tentou ler o relógio meio de ânconha, esguelha, revestrés... Contorcionista faz qualquer coisa. A vida hoje em dia não está fácil não. E se foi. Feita ou não a leitura, ele se foi e eu, particularmente, não ouvi nada.

Agora é que vem o sarabulho, a desgrameira toda, a palhaçada, o disparate e a estrugência da coisa. Mal saiu o da Luz e surgiram Batman e Robin, a dupla infalível enviada pelos SENHOR, para palrar sobre o “NOSSO FUTURO” e a porra do futuro da humanidade. Foi aí que despertei. Foi aí que minha filha resolveu me contar que já haviam batido no portão, mexido no cadeado e continuavam batendo. Nome, camaradas. O da Luz, berra: “LUZ!”. O da água, não aparece de sábado e quando aparece, é bem-vindo. Entra, faz a leitura e pronto. O Mazinho do Correio, enfia as cobranças por debaixo da porta e é um dos melhores entregadores dos Serviços de Correios que já conheci em minha vida. Mas os enviado do Senhor, se não berram: “SOMOS OS ENVIADOS DO SENHOR E ESTAMOS AQUI PARA UM PÁ DE LÁ, UM PÁ DE CÁ E PÁZUZOBEM!”, como vou saber?

Parece praga. Parece urucubaca. Parece, parece... Levantei invocado, espumando, abrindo porteiras, cancelas, boiadas passando, estourando e fui. Abri o portão e, dois anjos de pastinhas nas mãos: “Bom dia, Mauro!”. Ora, ora!, nunca fui contra a educação, os princípios, a Constituição, os Direitos e outros tititis mais. Nunca fui contra a parvoíce dos homens que se ufanam por terem escrito os Direitos Humanos e dos Cidadãos e da Criança & Adolescentes e dos Criminosos e dos vendedores de lâmina de barbear ou carnê de felicidade. Não sou contra o homem trabalhar. Nem para si, nem para o seu Deus. Mas, pombas!, virou praxe. Parece corrente: “Vamos vencer pelo cansaço”. Ou pelo berro, como fazem em praça pública os mais exaltados. E eu todo amarfanhado, amarrotado, a carantonha enfarruscada, bufando...

Perguntei na lata o que era. Como se eu não soubesse. Era. Já conheço os ENVIADOS DO SENHOR. Eu que já li até bula de remédio tentando encontrar esse tal de DEUS que vivem pregando por aí, continuo respeitando. Contudo, que não forcem com essa lavagem cerebral barata. Li todas as religiões, filosofias e outras besteiras sobre misticismo e essas porcarias de SOCIEDADES SECRETAS e INICIADOS que, para mim, não passam de uns parvalhões e cagalhões querendo saber mais do que suas capacidades limitadas de pensar e analisar são capazes. Danou! Mirei o caboclo. Ele percebeu a matéria rústica. Essa grossura toda que me faz subir o sangue e perder a compostura que nunca tive e, não mandei logo pra um daqueles lugares porque, eu sabia que conhecia um deles de algum lugar que não era nenhum daqueles. Eu sou relapso. Tenho a memória falha. Sou meio xarope e lerdo da cabeça. Eu sou meio besta e retardado. Meio pancada e passado. Meio filhodaoutra e meio da minha mãe mesmo. Mas tolerância zero bateu legal. Acho que nem cheguei a fazer mais que uma simples pergunta e rezingar algumas frases desconexas de volta para o sono perdido. Perdido. Irremediavelmente. Meti dois Marax goela adentro porque, nisso já me bateu falta de ar que, quem entende do riscado sabe que é o contrário. A úlcera danou-se a aporrinhar. Dor de cabeça. Ainda bem que nunca tive problema de pressão. A não ser a psicológica que, deveria ser extirpada porque também é terrorismo e ameaça e afronta contra a humanidade e o cidadão. Conectei: Vai ser um dia daqueles!....

Corri para o computador e comecei a desabafar. Aí, me lembrei quem era um dos jovens enviados pelo Senhor. Aliás, o Senhor vai me desculpar a sugestão: pimba!, pára com essa patuscada! Recolhe teus rebentos e... sei lá. Dá umas férias à eles. Aliás, um bando deles, uma noite dessas — eles andam aos bandos —, começou a cochichar e como eu não desse a mínima, alguns membros do bando passaram a falar em alto e bom som: “Alá! Alá o Bin Laden!”. Tudo em nome do Senhor, creio. Coisas de vida. Ou, no mínimo, da mamãe que nos pariu.

Para terminar, é como diz o velho ditado: “Gente que não tem o que fazer, acaba criando sarna para se coçar”. Acho que é isso. Sei não, mas acho que iniciei bem o ano. Se miro no espelho meu apetrecho, digo: tenho andado meio descompensado, batendo fora do bumbo e chamando Jesus de Genésio. O que me alenta é que, Jesus que me conhece melhor do que eu mesmo, no mínimo, emite umas boas gargalhadas; manda colocar mais três ou quatro pedras no meio do caminho e coçando lá onde o sol não bate, conclui: “Ah, bicho arretado da gota! Desse jeito, sem preceito, dá de topo em pau de cerca e passa o restinho dessa se batendo com seus fantasmas ou se entrega Corisco/ eu não me entrego não/eu não sou passarinho/pra viver lá na prisão..”. Até parece Glauber Rocha e Deus e o Diabo na Terra dos ENVIADOS E INICIADOS. Quem é iniciado, ou é traficante, ou puta! Sai dessa mermão! Vão bater no portão da... Deixa pra lá!.....


 

 

SERÁ MINHA DUVIDOSA IMAGINAÇÃO?

(50)

 

Ocorreu, recentemente, um fato corriqueiro em minha vida, não somente por atuar na área jornalística, mas como ser humano. Após um final de semana abarrotado de atribulações em minha lida profissional e pessoal — repito e acentuo —, à mercê do "ou dá ou desce" deste destino que nos agrilhoa numa dependência agourenta e perniciosa; sem poder curtir em paz o meu aniversário no dia 11 último e, questionando-me constantemente se o que estava ocorrendo não passava de mero fruto de minha duvidosa capacidade de imaginar as coisas ou se a realidade era, realmente, realidade...

Cabe reticências e muitas, por sinal. Talvez eu devesse terminar o texto por aqui: na base da reticência, como fizeram comigo. Como já disseram: "Dor de barriga não dá uma vez". Ou ainda: "Destá que, na próxima a gente te pega". Coisas muito das corriqueiras em minha existência abarrotada de panacéias e entulhos e mofo e ranço e ódio e inveja e maldade e inimigos de graça e picuinhas e aviltes e desfeitas e... e? Ora!, senhoras e senhores! Ora meus bons e prestimosos amigos e companheiros! E o quê? É engraçado mas, às vezes, eu ainda penso na Tradição E Costumes. Na Educação de berço. Na Moral e no Respeito para com o próximo. Isso tudo é um perigo no mundo em que vivemos. Em meio à imbecilidade em que transitamos...

Ocorreu que, impetuoso e discernindo entre joio e trigo o que separa-se e o que deve ir ao fogo, agendei um reportagem. Chegou o dia. Eu vinha, como já frisei, passando por incontáveis problemas profissionais e particulares. Tinha que sair correndo de Uchoa. Ou, não obstante uma revoltante crise asmática, enfiar uma bombinha de Aerolin por alguma cavidade — por cima ou por baixo de meu corpo —, e detonar até que conseguisse, no mínimo respirar e dialogar com alguma decência. Isso sem contar o Marax com sua depressão e um pouco desse maldito estresse que medra feito praga pelo mundo moderno e feito dinheiro nos bolsos dos abastados para, enfim, dar conta do recado como quem entende bem do riscado: "ou faz ou se phode!". Esse é o agente estressor.

Tudo isso não passa de somenos importância. Já me apurei nos maus bocados do sempre estar à serviço e às ordens e nem por isso desencarnei. Aliás, quisera houvesse nesse "dá ou desce". Todavia, nem tudo pode ser o que não deve, segundo os desígnios do Alto e Baixo. Aniversariei na sexta e passei o fim de semana maravilhosamente aquilatando os trancos e solavancos cotidianos e "NOTURNÍCOS", já que, para complementar, sofro de uma bestial insônia e uma vontade de mandar tudo para os quintos que, haja humilhação para agüentar e sapo para engolir!.. Nada não. E nada menos. E tudo o mais. SEGUNDA-FEIRA.

Sem jeito para remarcar o compromisso, uma vez que me vi assolado por alguns afazeres sem delongas e firulas uchoenses, já lá me vinha um desespero sem proporções exatas. Foi aí que o telefone tocou. Atendi. Levei um excelente sermão. Um conselho quase advertência, refogado com algumas pitadas de mágoa e ironia (como se eu não soubesse distinguir o perdão sincero da frustração, hã?), e, infelizmente, não consegui ser convincente. Nem era caso de.... Frutal parece perto. Parece perto São José do Rio Preto. Perto se nos parece Belo Horizonte ou o Japurá.. Tudo é tão prático e aborrecidamente maçante que, fica difícil acreditar que, um caboclo estranho deixar Uchoa e sair pelas veredas e searas desta, torna-se algo inadmissível. Sobretudo se o estranho caboclo encontra-se do outro lado da linha telefônica nos contando o que julgamos ser lorotas e mais lorotas. Ouvi. Pedi desculpas. Expliquei. Não convenci. Aliás, é uma pena. Sempre faço e teço e tinjo a imagem de uma pessoa na minha telinha como se fosse o último dos SALVADORES DESTA IGNOTA CAPACIDADE DE COMPREENSÃO QUE, SEM MAIS, JÁ ERA. E já era. Telefone desligado, passei a ruminar sem qualquer delicatesse, ma vie e, sobretudo, porque acredito que there’s no political solution, my friends! E bajo la ignorância de mi sombrero, sueño com las cajes que si hacen desertos. Mui mais allá del mis pies heridos e mi cabeza e mi corazon bajo sus raziones absoluctas. E de la tristeza e de mis sueños tan lejos de sus rancores. En la hora e tiempo en que mi mirada no más se quedará sob alguno viejo manto de la imbecilidad. Nadie me prende a nadie. Yo jã me fue e, asas heridas, nadie tengo a hablar com los perros de la ruta em que me voy. Soy un mero repórter de un tiempo malo e oscuro. De forma que, abarroto minha boca de reboco e calo-me.

Melhor calar. Melhor deixar. Melhor esquecer. O que não é, não pode ser. O que não foi, jamais poderá ter sido. Há coisas e HOMENS. Poderia ser hilário eu dizer: "Olha, não posso ir porque estou perdendo a fé nos amigos ou alguns parentes assim, de repente, sem motivos aparentes". Entende? Melhor eu ir para o "JAPURÁ", como me mandaram.

É, TALVEZ LÁ, EM MEIO AOS ANIMAIS, EU ME SINTA MENOS SACANEADO POR MEIA DÚZIA DE POLÍTICOZINHOS SEM ESCRÚPULOS, DIGNIDADE E FALTA DE CAPACIDADE DE COMPREENDER QUE, ANTES DA VIRULÊNCIA DO EGO, VEM ALGUMAS NECESSIDADES BÁSICAS COMO O ARROZ, O FEIJÃO, A FARMÁCIA, A PRESTAÇÃO DA CASA, O AGASALHO, AS ROUPAS DOS FILHOS E O SENTIMENTO DE HUMANIDADE. É preciso aprender e muito. É necessário ser gente para compreender. E infelizmente, não passamos de meros homens envelhecendo à sombra de nossa própria ignorância e mentalidade boçais!

Desliguei o telefone e larguei. Deixei. Abandonei. O que eu ir fazer mesmo? Consertar um erro drástico que me espezinhou todos esses dias? Aproveitar e acertar com um deputado federal de Minas Gerais, amigo de início de carreira? Não sei mais. Simplesmente esqueci. Acabou com o meu dia, meu aniversário, minha semana, meu mês, minha vontade de continuar.... Continuar o quê? Tudo o que penso jamais foi iniciado e, portanto, jamais poderá ter continuidade. Sonho ou pesadelo?..

Fazer o quê? Digitados os ii sob os pontos, somente me resta acreditar que, realmente, tal disparate não foi entre duas pessoas pateticamente imbecilizadas e com essa mentalidade doentia que, nem daqui há um zilhão de anos (zilhão?), deixará de prevalecer por estas paragens. Eu sinto muito. Aliás, deverei continuar sentindo porque, ocorreu com uma das pessoas que me eram mais gratas e admiráveis em Uchoa. Às vezes acontece. E eu, nunca mais agendo reportagens. Quando tiver que fazer vou e faço e pronto. Nessa vida, não dá para ficar agendando muito não. Tudo se transforma e tudo muda de um segundo para outro. Basta parar para analisar. Se chegar a uma conclusão coerente, concluir: "É verdade, de repente... muda, transforma-se. Nós mesmos somos parecidos com este tempo absurdo". Passou. Ziende!.


 

 

O TELEFONE: TÃO IRRITANTE QUANTO O HOMEM

(51-publicada)

 

Não sei o que me dá, mas às vezes, sento-me frente àquele aparelho tão adorado por muitos e odiado por outros tantos e fico a buscar explicações. Observando o tal, entro numas de divagar. Penso e concluo: "esse bicho aí, somente é bom quando carecemos dele. No mais, é pura chateação". Chato, maçante, cacete e, em alguns casos, enlouquecedor.

Não me esqueço e lhes vou contar nos pormenores. Tão logo me casei, havia uma dessas peças na cabeceira da cama, o que, à princípio, achei estranho. Mas, enfim... Eu sempre sofri de uma insônia galopante e bestial. Coisa desumana mesmo! Mas isso vem desde garoto, que eu me lembre. Problema de saúde. Uma coisa bem para lá de estúpida se, em verdade, for como me disseram certa feita. É somente um probleminha carmático. Karmático? Carmático? Mas que melda é isso? Bem, bem, não vem ao caso.

Mas, dizia eu, "trimmmm!". Aquela coisa vivia tocando. E naquele tempo, se havia três coisas que eu odiava, uma delas era aquele intruso chamado telefone; a segunda era o proprietário do imóvel em que eu morava e que, vencido o aluguel, seis horas da manhã, lá estava ele acocorado a arrancar matinho junto ao gramado em frente o portão. Ah obsessão desatinada! O meu consolo é que eu sabia que onde ele ficava metendo a mão, disfarçando a arrancar mato, meu cachorro, bem ali, fazia suas necessidades. Quase maquiavélico. A terceira, era um nome que se não me engano, terminava com Bell ou coisa parecida. Alexandre Graham, o Bell. Sei lá. E meus ânimos e nervos à flor da pele. Não se fazia mais sangria como tratamento para dor de cabeça, irritação, animosidade ou, apatia.

Então, fiz um contrato com uma empresa da Capital que me enviava material estatal para ser publicado no jornal. A fatura vinha um mês depois, já com a dedução dos impostos. Não custava quase nada e, enfim, mês ou outro, entrava unzinho para complementar o orçamento doméstico, muito do escasso e miserável. Então, volto a observar o tal aparelho. Para que serve quando não necessitamos dele? Para os outros nos apoquentar. É isso: se não ligam, é porque não temos amigos. Se ligam diretão, ou é cobrador, calote, ou algum abestado alugando. Algumas pessoas são terrivelmente persistentes, vampirescas, incômodas. Deve ser porque não tomaram aquela dose de Simancól diária durante a infância. Algo parecido com óleo de fígado de bacalhau e educação de berço.

E vez em quando, o bicho danava com aquele barulho irritante. Nunca consegui me acostumar com aquilo. Era, no mínimo, invasão da privacidade. Fui descobrindo que nosso camarada da agência, tinha não sei o que de passarinho urbano. Madrugador e cumpridor de seus deveres, costumava ligar por volta das seis da manhã, o sol nascendo e yo moriendo! E vinham as recomendações: "Olha, estou enviando tal material. Sai em tal página? Dia, mês, ano, hora?" E ia... e eu, aparentemente, já era. Ou melhor, já estava era muito distante daquele espectro que segurava seu algoz junto ao ouvido, fingindo ser normal e estar tudo bem. Na realidade, acho que nunca consegui ser normal mesmo. Como dizem por aí. Ou de tanto dizerem, peguei o gancho e continuo até hoje.

A situação cada vez mais caótica. Ah, se eu pudesse me enfiar debaixo da cama e esquecer que o mundo lá fora existia! Pensava. Aliás, acho que andei realizando algumas experiências. Se tascava o cadeado no portão, bons vizinhos, atentos e estranhamente interessados e preocupados com a vida da gente, sempre que alguém chamava diziam: "Bate, pode bater que ele está aí. Não saiu não. Deve estar dormindo". Quanta atenção! Aquilo, sinceramente, me punha emocionado. Aquele "Bate sim que Deve De Tá Dormino", tão cortês e prestativo e eu, ingrato que sou, jamais agradeci. E de quando em quando, me perguntam como eu não consigo "se adaptar". Eu simplesmente não consigo "ME adaptar" e pronto, ponto.

Qual um dos maiores males da sociedade moderna na atualidade? Estresse? Morre-se em virtude de pressão alta, culminando nalgum enfarto fulminante e baboso ou, pior, aquela coisa que nunca acreditamos que vá ocorrer com a gente: rompem-se alguns vasos e, derrame. Pronto. Tensos, irritadiços, neuróticos, pressão psicológica, policiamento ideológico, extrapartidário e cobranças e mais cobranças e as tradições (secretas e não secretas), família e apelos para que sejamos algo que jamais conseguiremos ser. Pequenos males modernos. Um dia o cara chega em casa e diz para a mulher e os três filhos: "Gente, perdi o emprego para uma máquina". E na Era da Informática, há Máquinas e máquinas. Somos todos meio máquinas de produção ou "improdução", afinal. E ainda continuam, uns babacas privilegiados (parece-nos que jamais olharam os campos verdes de pastagens porque, se erguerem os olhos e perceberem que são todos deles, seguramente jamais voltarão à estatura de gente e passarão a ruminar. Fiquem à vontade crianças, o campo é todo, por inteiro de vocês!), idolatrando os EUA e suas moedoras de citrus, dignidade, honra, personalidade (coisa que eles perderam há muito) e, como diz o cabeça P. Cipro Neto, "..por aí vai..".

E vai. De mal a pior que é somente um jeito, mas vai. E eu estava discorrendo sobre o quê?? Hein, hein?.. Sim, sim, Graham Bell! Pois é, não levou muito para que eu perdesse um pouco da paciência e inteiramente a droga da compostura. Tem dia que de noite tudo à nossa volta são açoites. Tem dia que, sei lá, sinto ímpetos de mandar.. E vou rimando e remando. Remando para não ver o barco afundar. Se o barco afunda, a alma em águas, imersa alma redunda/corcunda e à pique vai e à tona, não torna mais. Rimemos: a banda abunda, se a alma sucumbe, afunda. E o telefone toca. Se você pega a droga do aparelho e disca, é uma coisa. Mas se, ato contrário, muito dificilmente, coisa boa virá. E deu no que tinha que dar. samba de doido em lá menor com vários acidentes na estridente nota e pauta.

Explico: havia passado a noite em claro/ sem pregar olhos. Babando e andando pra vida e o mundo, deitei-me. No mínimo, uma hora, hora e meia para conciliar-me com o sono e um pé do outro lado e o resto do corpo do lado de cá. Sobretudo a mente. Ia lenta, morosa/mente atravessando pelo portal do sono, doido para agarrar na rabeira de um sonho em branco, sem sonho, quando a desgrama danou a emitir aquele barulho infernal e agourento. Acho que foi o choque, puro instinto e catarse. Sem que eu me desse, havia tirado o fone do gancho e berrado no bocal. Berrado feito porco em sangria desatada. E o pobre do outro lado da linha, no mínimo, teve graves avarias no tímpano. No mais, arranquei aquele aparelho infernal da parede, atirei para um canto do quarto, enfiei a cabeça sob o travesseiro com a certeza de que, tão logo despertasse, se conseguisse dormir, mandaria passar a régua e fechar a conta. Isso foi há muito tempo atrás e elas — as máquinas —, nos parecem ter evoluído. Eu não. Continuo o mesmo velho Urtigão, doido para mandar chumbo na modernidade e seus idólatras. No mais, às favas com toda a parafernália que disfarça mas, todos sabemos, na sola das botas daqueles que a idolatra — parafernália —, continua o mesmo cheiro de bosta de vaca. Nas botas e na mentalidade. FUI! Mais tarde te ligo!...


 

 

PAGANDO UM MICO E ENGOLINDO BREJOS DE SAPOS CURURUS

(52)

 

Foi mais ou menos assim que cai no "SAPO", que é um site que mais parece um brejo. E tome gozação. Eu já havia passado pelo UOL — Universo on-line —, que é a mesma patuscada que o Universo em off. (Com um ou dois ff? Mata essa que te dou um f de presente!). Paguei um mês sem fazer uso e no segundo mês, ainda sem usar o provedor, lá vinha cobrança. Aí apelei feio. Tanto que cancelaram tudo e me riscaram do mapa.

Venha para o "Terra". Fui. Desconfiado, mas fui. Que belezura! Entrava pelo Terra, pulava para o IG, passeava pelo BOL e, se havia um restolho de Fundo de Garantia em uma conta remota, havia, não há mais. Pensei: essa droga vicia e vício é coisa para maluco e com grana, claro. Quer coisa mais banal que um "chat" com aquela nação de zumbis com titica de pardal no cérebro?. Latinório e firulas para semovente pegar no sono. Besteiról e parvoíces de braços dados pelas salas dos zurros nacionais de Terceiro Mundo. E dá-lhes tupiniquins!

Mas foi assim, sei lá, peguei uma noite pelo avesso e ficou ruim. A Itautec monta cada máquina! E já monta com segundas e terceiras intenções: ou seja, somente aprendendo magia negra para sair dos caras. E para fazer o curso de magia on-line basta discar... Vai daí que, NutecNet, OrigiNet e WordNet são coisas de ficção científica. A própria Itautec virou um Casper. Não dos bons, claro. E eu no Terra à ver nuvens. A coisa não ia. Nem para um lado, nem para outro. Consegui puxar o Google e meti a pergunta: como faço para processar o provedor Terra e a Telefônica? Pura sacanagem minha. Me mandaram para o Sapo. Ou seria brejo? Paguei o Mico.

No dia seguinte, irritado, limpei todo o disco, alterei toda as configurações avançadas e mandei o DSN para o espaço e fiquei sem um tal de Domínio e sem quem reconhecesse sei lá o que, limitando o meu já limitado navegar. Era um tal de "Ninguém atende" e "A linha está ocupada" e não havia ninguém para reconhecer o DSN (será que não inverti nada?), que tomei um Doril e mandei tudo para aquele lugar. Entre livros, artigos, contos, letras de músicas cifradas e os programas Attus Reader; Acrobat Reader; Roket-eBook; edit-pro; winzip; e outros que, servem para compactar e abrir tais arquivos, além dos HTML, Ricth Text Format e doc., eu calculei no mínimo de 15 a 25 mil itens. Sem contar mais uns 10 mil itens particulares. Stop! Obrigatoriamente. Necessariamente e a mente embotada. Parei. Falta somente classificar tudo. Sabem o que isso quer dizer?

Pois bem: a minha idéia era montar a maior Biblioteca Virtual de toda a região. Tem uma Revista virtual denominada — se não me falha a memória —, "Cabeças & Mentes", da PUC, que coloca à disposição dos interessados, gratuitamente, centenas de artigos de primeiríssima. A eBooksBrasil.org, a Cultivox, e outras. De como montar Revistas em quadrinhos aos mais conceituados livros e artigos (Não que o livro de Jean Danton não seja conceituado porque o é, da mesma forma que ele próprio é um excelente escritor e professor), são encontrados na Web e, podem ser armazenados para não comercialização. Oficina de Escritores; Novos autores; Movimentos Literários; Cinema; Teatro; Clássicos Nacionais e Mundiais — em Inglês, Francês, Espanhol, Italiano, Russo, Alemão, Latim, etc. —, são baixados e armazenados quase que gratuitamente não fossem o provedor (opcional — pago ou não) e o pulso, normal, reduzido, super-reduzido. Coleções inteiras. Obras completas de autores dos mais expressivos em todos os idiomas.

Tudo isso para uma máquina bastante restrita em virtude de sua idade no mercado e falta de recursos, acaba encantando qualquer "rato de biblioteca". Enchi umas quatro gavetas com disquetes. Meu irmão me presenteou com o Zip-Driver e mais uns trinta disquetões que estou esperando até hoje. Era pouco. Babei, viajei, espumei e acabei esgotado e com a mente parecendo um silo prestes a explodir. Ou uma cela de penitenciária onde cabem 10, enfiam 110 elementos.

Como tudo tem seu preço, tive que pagar: vendi a máquina, esqueci as gavetas abarrotadas e não consigo escrever uma linha sequer. Nem conto, nem poesia, nem teatro, nem crônica. Nada. Absolutamente. Não enquanto eu estiver tentando reaprender como se segura em uma caneta para escrever. Aí, talvez, eu volte a ter inspiração. Sem medo de um "bug" qualquer, quando a gente se encontra absorto e absorvido pelos encantos da tecnologia. Talvez daqui uns dois ou três anos eu consiga formatar minha mente e reinstalar os originais. Isto é, se eu não sofrer nenhuma pane antes. Ai que saudade do carretão de bois e o tlec, tlec, tlec de início de carreira!...


 

 

PORQUE É NECESSÁRIO CONHECER ANTES DAS CONCLUSÕES

(53-publicada)

 

Ao que tudo indica, conhecemos muito pouco daquilo que costumamos criticar. Não nos damos ao trabalho do conhecimento prévio — tônica e prerrogativa do juízo correto. Continuamos alimentando a velha mania proveniente de nossas mentes embotadas pelos conceitos insustentáveis. Por isso, tudo se nos retrata como um conjunto de imagens deturpadas e passíveis da crítica ferrenha, maldosa e improcedente.

Resquícios da velha mentalidade herdada ao longo de uma política de interesses espúrios e duvidosos, sempre nos parece muito mais fácil criticar (mesmo sem motivos reais), do que, de forma coerente, reconhecermos o que se realiza de bom em meio a tantas parolices desconexas. Orgulho da raça tantã.

Há pouco mais de uma semana, esteve em nossa cidade, o deputado (?) que, ao nosso entender, de pronto, deixou de lado o velho discurso político e, inspirado, corajosamente, partiu para o improviso sem medo do resultado que, chegou mesmo, a ser, de certa forma, audacioso. Reforçou sua linha de pensamento e retórica com gratas citações poéticas; brindou os ouvintes com ricas metáforas; burilou o imaginário coletivo com "uma nova" fórmula ao discorrer sobre a política quase descompromissada com a sua própria campanha e, com isto, buliu com sentimentos e — embora com linguagem rebuscada e fornida pela imagética dos poetas de um novo tempo, acabou tornando a inflexível e maçante parolice de campanha, em momentos de descontração e prazer.

Ao passar por uma simples questão: "um balanço sucinto e vigoroso" sobre o momento político nacional, o político não titubeou e aproveitou de forma consciente o "gancho". Para a sua formação e conhecimentos, tornou-se fácil transformar um momento maçante em raridade. Emprestando luz ao feliz tom retórico. Conhece a linha de pensamento dos filósofos, ensaístas e poetas do período pós-moderno. Ainda que o período em si, além da safra de escritores ditos pós-modernos, não apresente uma corrente à formalidade das escolas literárias. Na realidade, o deputado simplesmente não teve receio de rebuscar na pedra de toque, uma forma simples de ser altamente comunicativo e marcante em sua preleção.

Ao que nos parece, este é um ponto pouco explorado e bastante vago para nossos políticos em geral. Ao invés do excesso demagogo, um que de poesia e filosofia dentro de pouco mais de quarenta minutos, é o suficiente para um discurso sucinto, rico e abrangente. Para tanto, uma côdea a mais de acúmulo de conhecimentos. Leitura, estudo, informações e o desejo de inovação. De qualquer forma, o simples fato de se atirar ao lixo, a velha retórica do discurso recendendo a mofo e partir para uma fórmula mais enxuta e próxima do nosso tempo, nos lega o crédito de que, na política nacional, à cada dia que passa, a pura e velhaca demagogia e sua deplorável escola, tendem a cair no esquecimento. Em contrapartida, inovam-se discursos, conceitos e, quiçá, a própria ciência em si.


 

 

A PSICOLOGIA DO FARRAPO MENTAL

(54-Publicada)

 

Paciência. Extremada paciência para com a maldade. O farrapo mental, comparável à exacerbação de simulacros, à falácia da egolatria (afinal, quem necessita de ídolos e gurus mentais para ser?), acaba (farrapo mental), transformando-se — no sentido mais corrosivo do termo —, muito pouco ou, quase nada cerebral. Lixo, ranço e a comprovação de tudo o que se pensava sobre o império parasitário, transgride e estiola. Projeções rudimentares da mentalidade corrompida, celerada e empedernida.

Para tanto ranço, tanto ódio, inveja e maldade, paciência. Esse esvaziamento mental — o descontrolado apelo destrutivo com sua intransigência e arquitetação anômalas a gerar, sistematicamente, vapores e gases doentios; maléficas e bestiais introjeções na vida alheia —, é mecanismo desgastante do caos interior desses débeis seres (no diminutivo).

O apoucamento mental (vazio, insipiência?), comete engodos e malefícios outros que impregnam/infestam/sistematizam e, por fim, ideário obsessor, acaba em sua ingerência, influindo no campo energético, de forma perturbadora e doentia. Simbiose pouco detectável, embora perceptível. Afinal, as chispas do fomento maléfico — irradiam, fruem, permanecem estagnadas (chispas), no mesmo campo vibratório das projeções dessas referidas mentalidades agrilhoadas aos sentimentos e forças destrutivas. Essa psicologia/filosofia, renhida e peçonhenta, comprova a estereotipia dos arrogantes, prepotentes e — pseudos combatentes —, gênios sociais de um tempo amorfo.

Comprova e atesta a mediocridade desses balões que murcham ao mais leve toque crítico. Tão deploráveis e inconsistentes personalidades, julgam-se intocáveis e inatingíveis do alto da empáfia adquirida no reino dos parasitas do sistema. Contudo, o império parasitário, não os exime do olhar crítico, substancial, enérgico e desprovido do ancestral ranço que entre eles viceja e se conserva como fator dominante. De tal forma que, farrapos mentais, têm por escopo, a inveja e a maldade. Maquiavélicas maquinações no limbo mental.

A generalização não implica no, necessariamente, "todos são" ou "todos estão". Entretanto, adquire (generalização), conotação subjetiva e torna acessível a "carapuça", para os de personalidade mal definida. Pressupõe-se que, os estereótipos, tornam-se tão reais quanto a própria doença que os enclausura. A carapuça cai-lhes como luvas.

No reportar, são outras as conotações, outra a estética, outra a concepção e a racionalização. Quanto ao fazer do cronista, há generalizações, há subjetivismo, “divagações” (como afirmam), a projeção signal com seus ícones, a analogia, o paradoxo e a contradição. O lacônico não requer a apologética e muito menos a acuidade da des-construção ou decantação. Não é o caso deste texto.

Contudo, apesar de tais, o cometimento generalizador na crônica, acaba escarafunchando a miuçalha mental de muitas aberrações dedutivas. A metaforização, a quase metalinguagem, as alusões subjetivas, despertam na egolatria latente, as mumificadas mentes que os fazem odiar e regurgitar o ódio contra aqueles que, na incapacidade de nutrirem o mesmo sentimento baixo e vil de forma tão decrépita e corrosiva a que eles são afeitos, acabam se tornando alvos em potencial. A inveja os aflige. Daí, o arquiteto minucioso para a destruição daquilo que os incomoda. E, ainda que não aparentemos, ou nos forcemos a não demonstrá-lo, somos seres generosos. Como generosa a nossa luta e nossos companheiros de jornada. Nos fundamentamos na índole que transcende todo o mal que grassa à nossa volta.


 

 

O QUE DEVE SER MAIS PEÇONHENTO COBRAS OU ALGUNS HUMANOS?

(55-Publicada)

 

Parece-nos que o óbvio pode ser ululante aqui nesta questão. Bem, talvez a próxima questão seja: o que são esses tais “alguns humanos” ?, capazes de serem mais venenosos e peçonhentos que as víboras, jararacas e najas? Provavelmente desvios e aberrações do que deveria ser natural. A malandragem programada está para a ignorância mal disfarçada, da mesma forma que, o terrorismo psicológico está para o sadismo e, consequentemente, a psiquiatria.

Logo no primeiro ano da atual administração ocorreram alguns fatos que nos forçam ao raciocínio. Durante as “explicações” do Sr. Secretário da Saúde em plenário, as pessoas que haviam “armado” todo o cenário, encontravam-se presentes e haviam, sobretudo, seguido à contento, o que mandava o “script”. Aliás, tão bem que, de um momento para outro, desapareceram de cena e pareciam cordeiros mal situados nas questões. Os vereadores realizaram o trabalho para o qual foram destinados. E eu pergunto: em momento algum, não deu para perceber a jogada e o descalabro? Seus mandantes e a natureza torpe da trama?

Às vezes, moscas mortas — seres mutantes e desprovidos de personalidades —, possuem uma capacidade singular: transformam-se em jararacas, najas e víboras.

Recentemente, parece-nos que foi realizada uma espécie de denúncia, novamente na área da Saúde. Ora, a pessoa que fazia parte do Conselho, encontrava-se com um advogado em São José do Rio Preto. Ou poderia ter sido outra pessoa qualquer que, pode continuar sendo alimentada pelas cândidas e lacerantes mãos da administração e que, traiçoeira, esperará o momento exato para desferir seu golpe injetando o veneno letal. No entanto, aqui no caso, eles se merecem.

Analisemos: criamos jararacas, najas e víboras. O problema é não nos arriscarmos a acostumá-las a comer em nossas mãos. Aí está o perigo. Ainda que nós — à moda de Shelley com seu Frankenstein —, sejamos os criadores, as criaturas, víboras e fantasmas por nós criados, são imprevisíveis. Ou traiçoeiras.

Há ainda, os “conselheiros”. Há a mão que afaga e a boca que beija. Que, muito provavelmente, à Augusto do Anjos, são as mesmas que te apunhalam e escarram. Bons conselheiros, são nossas próprias consciências embasadas na ética, na moral e na honestidade. Há tempos eu digo à uma pessoa querida: “aquela pessoa que você tanto defende, na primeira oportunidade vai te trair por inveja e maldade”. Eu ouvia um não. O tempo, senhor da razão e razão de quase tudo, provou o que eu havia dito.

Algumas “mentalidades” e espíritos baixos não são capazes de outra coisa senão, arquitetarem o tempo todo, como prejudicar; tumultuar; aniquilar e humilhar o próximo. São covardes e hipócritas que não conseguem desviar suas atenções do próprio ego — espelho doentio do esquizofrênico, oligofrênico, narciso e outros. Mentes ardilosas, julgam-se superiores e inatingíveis. Mas, com o tempo, nós os descobrimos. Nada permanece eternamente às escuras.

Dois casos recentes acorreram-me à mente: um relacionado ao jornal e outro a aquisição de um computador para a farmácia do hospital. Um fio puxa outro. As mentes maquiavélicas sobrepujam todos os envolvidos e se julgam superiores à todos os simples mortais. Ou seja — a todos nós. Mal o computador adentrou o hospital, telefonaram para a revendedora perguntando o custo. É o tipo de mão que afaga e da boca que beija. Mentalidade que jamais pensou em colaborar com a administração ou com o social, mas sim, vive girando em torno de si mesma e rezingando algo parecido com “agora eu vou mostrar pra esse povo do que eu sou capaz”. Mesquinharias, ignorância, maldade e cobras que estão comendo nas mãos desta administração que, apesar de toda a sua esperteza, eu mero escrevinhador, sinto asco dos cambalachos e perseguições. Mas ainda assim, ela — administração —, corre o risco de levar algumas picadas daquelas víboras, jararacas e najas que se fazem parecer tão dóceis.

Esses sugadores de almas, esses estereótipos de gente são, quem sabe, imprescindíveis para que possamos continuar aprimorando nossas capacidades de paciência. Apesar de tais provações, muitos reinos e impérios acabam sendo esfacelados pelos melhores conselheiros do rei. Ou da rainha. E não pensem as najas, víboras e jararacas que é tão difícil de detectá-las. Seus pensamentos, palavras e ações são espelhos de suas mentes doentes e de suas almas maculadas. Elas causam mal-estar à primeira vista. Infelizmente existem, proliferam e, não obstante, jamais mudarão a essência execrável. Somente sofrendo de “fimose mental” para não perceber esses seres que enojam e sujam a existência.

Ao correr dos anos, aqueles grandes e duvidosos amigos que eu tive, me dilapidaram a alma e me odiaram o suficiente para que eu criasse este invólucro e armazenasse grande estoque de soro de prudência, tornando sagaz a capacidade de percepção e raciocínio e, sobretudo, fazendo com que eu me afastasse de tais convívios. Não é a solidão o que assusta, mas sim, a companhia que nos assassina à cada segundo vivido.

Muitos outros casos de origem trevosa, temos percebido nos últimos tempos. Não vou ficar tirando conclusões e criando chinfrins e estardalhaços para uma rede de intrigas. O que acredito que talvez seja propício, é — quem sou eu para aconselhar, contudo... —, dar uma dica à essa corja que vive da ilusão de que são perenes seus poderes (talvez a imbecilidade): não alimente animais peçonhentos porque eles são imprevisíveis e traiçoeiros. Apenas e tão somente, trate-os com a máxima cautela. Na maioria das lendas e histórias, a criatura acaba virando-se contra o Criador.


 

 

DIVAGAÇÕES

(56-Publicada)

 

Às quatro da madrugada, a mão fria, gelada, feito o iceberb dos compromissos vem e me desperta. A primeira frase que me açula a mente: “Vai, Mauro, ser gauche na vida”. E vou. Torto, busco a velha catedral metafísica — segredo e morada dos deuses e das palavras. Aferro-me à lida e empurro góticas portas que rangem em seus gonzos. No altar, calhamaços de papiros e aquela figura emoldurada em sal e poesia. Após a ira, vem a lira. Faustos modernos transformam o circo em arena. Sem lona e sem animais que zurram a noite toda. Gladiadores confrontam-se enquanto consulto o pato Donald e Merlin. Ao longe, muito distante, tempos idos, eras perdidas, minha imagem resta a beira da abissal cratera — à espera. Ninfas, serafins, monjas, cavaleiros, bardos sonhadores e em torno do castelo, os fossos e sarçais. “A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja../ A boca que te beija é a mesma...”. Então sim, desperto de vez. Desperto e rio porque o que me resta é o riso. E a vida recomeça.

Lá fora, caminham o tempo e seus mortos pela cidade abandonada ao sono dos comuns. Visto a capa. Nosferatu brasileiro, tupiniquim, ensaio uma pirueta e saio pela porta que, não me convêm atravessar paredes ou ficar forçando a barra e dando topadas. Rarefeito este ar, brisa breve/leve que nos acaricia a alma em paz e calma/silêncio e harmonia. Penso, repenso e faço campanha para a eterna e ancestral Semana da Leitura. Também faço minha campanha sim e, caminham ao meu lado, pelas searas e prados: T.S. Eliot, Budelaire, Yeates, Jorge L. Borges, Rimbaud, Proust, Gorki, Kafka, Dostoiévski, P. Verlaine, F. Pessoa, Drummond, Cecília, Bandeira, Goethe, Cortazar, Esteinbeck, Tólstoi, Flaubert, Camus, Dikens, Wilde, Faulkner, E. Brontë, Joyce, Suassuna, E. Pound, Guimarães Rosa, G. G. Marquez e Saramago “Levantado do Chão”. E dentro do coração, o velho Mário Quintana com suas pequenas e adoráveis magias. Faço campanha contra a ignorância e berro que é necessário ler e ler e ler. Machado de Assis que fundou a Academia e se autoproclamou imortal, não deixa, claro, de ser genial e, até que nos damos bem. O problema é engolir o vazio — candidato ao fardão e ao chá com “Bolachas Maria” e futrica sobre os paramentos ornamentais da língua e a briga entre os poetas da Nova Geração. Pura inveja e ciumeira. Besteira, penso. Penso e dispenso meus fantasmas já lidos e relidos porque, é preciso muito mais que ler.

Continuo caminhando calmamente pela praça — já que ainda não aprendi a voar e muito menos mentir à minha própria sombra. Melhor os dois pés no chão. Cimento, asfalto, concreto. Não serei amargo, apesar da aparência do Mauro (velho mouro), que os olhos da tua cara miram e a raras almas sondam quem sou ou poderia. Torno à casa — Pégaso sem asas, Minotauro labiríntico, Ícaro da modernidade, Teseu, Júpiter, Netuno e Zé Mané da baixada. Torno à casa porque necessito, de forma urgente, de um pouco de cafeína e meu broncodilatador. Que coisa, meu bem! A gente ainda nem começou. E eu com falta de ar “aux contraire”. E vive La France! e Victor Hugo! Arre que me estiolo e frito os miolos relembrando Dante e Engels. Para relaxar, Ana Cristina Cesar e Torquato Neto: ambos suicidados ainda jovens. Hilda Hilst, finalmente foi reconhecida e “O Caderno Rosa de Lory Lamby”, queda em “meus documentos” à espera do Norton, o antivírus que mais parece um complexo em anexo virtual. Enfim, café. O cheiro do café. Cinco horas da madrugada. Lá se foi meu tempo de sonhar....

De repente, não mais que de repente — V. Moraes —, desce da estante, aponta-me o futuro e escafede-se de mansinho. Fica aquele refrão amarfanhado no meu cérebro: “Vai Serginho! Vai...”. Aí eu me lembro que “Faz parte, né?”. Resquícios da ideologia barata. Gregor Sansa sob o sofá puído. E. A. Poe declama “O Corvo” aos brados. Mas eu não tenho mais paciência para ouvir firulas e a velha panacéia alquímica em “Cem Anos de Solidão” por detrás das lentes dos óculos. E o dia já amanhece, não tarda. Tudo urgente para a minha baianidade e o moroso pensar. Desperta o despertador com seus inúteis esforços em fazer despertar também, a humanidade e os incautos. No entanto, ele realiza, feito Hércules, seus doze trabalhos, ainda na metade da jornada porque são seis horas de uma manhã assim assaz bela. Abro portas e janelas, aspiro o ar da manhã e vou inventar estradas. Afinal, ser assim quem sou e como sou, há muito eu sabia não ser fácil. Mas eu sou assim/assim sou feito/assim serei até o fim/quem não gostar que dê seu jeito... Leia porque ler é um dos muitos caminhos para a compreensão da vida, do próximo e de si próprio. E o lado Escuro do ser, é o lado onde falta a Luz.


 

 

MOTE CONTÍNUO

(57-Publicada)

 

Quando o dia amanhece — ou mal se lhe apetece que, o sol sequer espia em meio a fragmentos de nuvens —, todos nos assustamos com este ruído estridente do velho parasita psicológico. Algoz mental. Torturador declarado com seus ponteiros, cordas, engrenagens e pilhas. Os humanos são engenhosos e suas mentes vorazes continuam criando as máquinas que os auxiliam nesta corrida rumo ao infortúnio de não terem aprendido a sua própria natureza simples e humana.

Há uma espécie de choque. Como alguém que desperta de longa letargia e percebe que o tempo perdeu-se em rugas e rusgas. Sob as pegadas do tiranossauro, amarfanhada, a mente tenta conectar-se ao modem, hardware tecnológico e cair na real. Mas o mundo, a vida, os humanos, são programas, programadores e programados. Não há deleite neste viver maquinal, engenhoso. E todos nós, engenhocas de nosso tempo, bocejamos azedos, quase irados no melhor do sono e dos sonhos interrompidos violentamente.

Já não sabemos definir se, realmente era o que desejávamos. E sequer nos lembramos do que desejávamos além de despertar, correr, comer, defecar, sorrir falsamente e apagar — literalmente —, num leito de neuroses de Eras sem tino. O que vale a pena quando a alma não é pequena? Indagamos ao poeta. Eu perscruto em meio às células e neurônios enfarados e estiolados por aquilo que valha a pena quando a alma já não consegue ser serena. E tento serenar-me. Serenai, oh máquinas informatizadas deste tempo asmático! Nem tudo pôde ser anunciado ainda. E nem haverá tempo para tanto.

No entanto, tento ser normal. Desperto, semimorto, semi-roto, e observo a velha fotografia do que fora um dia. Aquele “Retrato de Doryan Gray”, de Oscar Wilde, coberto por um tapume mental. Quem ousaria desafiar engenhosa mentalização? Fausto a entregar sua alma ao demônio diário/cotidiano. Já nos sentimos agrilhoados. São tenebrosas as lides e aqueles espectros que nos amedrontam, aterrorizam, são meros reflexos mentais. E vamos à luta. Deus ajuda quem cedo arquiteta e passa por cima do próximo/distante. Então, à luta nos entreguemos!

Ainda continuo Sioux, Apache e, apesar deste século de solidão — da solidão dos becos, dos quintais, da canção que fiz com o Benê —, meto a mão na massa e vagamundo toco em frente a boiada de sonhos pela longa estrada/searas pelas quais vou/seguindo sou/ e também acredito na velha canção. “Ando devagar porque já tive pressa.../ e já chorei demais”.

Fora, nas ruas, amargos sorrisos disfarçados nos cumprimentam. Os problemas entranhados. Não há tempo para pensar em ser feliz. Não, não há tempo para um resto de prosa, uma côdea de carinho, um gesto camarada que alimente o prazer da amizade que vai se perdendo neste turbilhão de problemas e ilusões. E passamos lépidos, embora carneiros, uns pelos outros. Os mais espertos chegaram antes. Nós, meio lerdos, chegamos depois. Após tocados todos os sinos. E picamos o cartão atrasados. Pontos perdidos.

Eu, pretenso senhor das palavras, mouro, laboro na lida contra esse adversário invencível. As palavras são dóceis, amenas, serenas, agradáveis. Contudo, eu as transformei em inimigas e adversárias a serem vencidas. Careço decifrá-las, esmiuça-las, trinchá-las como quem o faz com o frango sobre a mesa, no prato do almoço, às pressas. Sequer desconfio que é necessário paciência e amor. Cuidado e carinho para com as palavras. Lapidá-las e conhecer-lhes as entranhas, a crosta, a raiz mais profunda. E o poeta me diz “lutar com palavras é inadequado. Luta vã”. Sim, lutar com palavras!.. Ora direis, ouvir estrelas. E perco o senso. “Eu vos direi no entanto/enquanto houver espaço/tempo e modo de dizer não, eu canto”. (Belchior). E passeio em meio às pedras pelo caminho.

Rostos e faces em rictos e réstias, banhadas em luz diáfana deste sol que nos torna alegremente humanos. Mas continuamos não encontrando tempo para nuanças. Nem o cântico da pássara. Nem o murmurinho da fonte. Nem o farfalhar das folhas nas relvas. Nem a rústica beleza das pedras em que pisamos. E passamos pela vida mal despertos. Mergulhados em nossos vezos mesquinhos. As belezas do Universo e da vida que nos rodeiam que esperem pela eternidade. Não somos Jó para a paciência. Nem Platão para a contemplação. Biônicos, mecânicos e de muito pouco siso, juízo, sentimentos, nos massacramos. Nós, atentos para o confronto. Rostos rústicos. Sequer uma rútila lágrima quebra a homogênea ilusão perplexa por não valer sequer as pérolas que pisamos na lama da existência.

O tempo! Implacável tempo! Ora, senhoras! Ora senhores! Nos entreguemos. Afinal, não se rema contra a maré. Nem se continua a dar socos em ponta de faca, após a primeira ferida. Casmurros, rabujentos, nos tornamos super e não recuaremos. Na linha de frente, encarniçados, continuaremos com a carnificina mental. Não conhecemos a branca bandeira da paz interior. Nos trucidaremos porque, é a nossa natureza. E tudo o que aprendemos, foi destruir nossos inimigos e aqueles a quem afirmamos mais amar. Pobres diabos de uma existência consumida pelo fátuo fogo suicida. É a lida diária. É a busca de algo que sequer sabemos ser. Não descobrimos o que buscamos. Afinal, quando despertamos, saímos estabanados e sequer tivemos tempo para pensar sobre nossos projetos, nossas propostas, nossas buscas, sonhos, desejos. Matamos tudo. Atropelamos a vida e abraçamos as ilusões passageiras de um mundo que sacoleja com tanta sarna em seu dorso. Nos tornamos nossos próprios algozes e verdugos. Nossos próprios inimigos e fantasmas. Não olhe para mim deste jeito, seu imbecil! Berramos o tempo todo, ainda que desconheçamos a natureza daquele olhar meigo, delicado e gentil. Nós só temos inimigos. Porque, mesmo porque, nós sequer conhecemos à nós mesmos. Nós sequer aprendemos a amar a nós mesmos. Brutalizados pelas lutas cotidianas, estaremos armados até os dentes. E atiraremos pedras em direção daqueles que se aproximem. Porque somos valentes e ferozes. Porque somos...

Bem, porque simplesmente, continuamos e continuaremos, por mais esta existência, sendo o que jamais deveríamos. E chucros, passamos a zurrar pelos campos de asfalto, sangue, notícias de jornais e a sacrossanta mediocridade e ignorância do nosso tempo. Esse tempo em que, o despertador e todos os ponteiros vivem nos aterrorizando. Somos prisioneiros e nos proclamamos senhores de tudo e de todos. E por incrível que pareça, até de nossos próprios destinos. Até mesmo, do destino do próximo. E continua o mote contínuo. E o mote contínuo continua. Mote contínuo. Não glosa. Nem vida. Apenas sombras mal delineadas do que poderia ter sido.. um dia.... o mote contínuo..


 

 

UM PAÍS DE LEITORES ANALFABETOS

(58-Publicada)

 

Desde que aprendi a ler — com seis/sete anos — revistas em quadrinhos/gibi —, sempre tive essa obsessão à tiracolo mental, essa obrigação para com minha própria existência. Enquanto que, há pouco mais de uma década (?), o Ministério da Educação, as Secretarias de Estados e outros Órgãos — governamentais ou não, resolvem “TRANSFORMAR O BRASIL NUM PAÍS DE LEITORES”. Hoje, apesar de possuirmos mais recursos, parece-me, ao mesmo tempo, muito mais árdua esta batalha.

Quando crianças — minha geração e gerações anteriores —, e no meu caso, particularmente, além da Cartilha “Caminho Suave”, da qual guardo grata recordação, havia gibi. No mais, avô era o contador de histórias — Sargento da Captura do Estado da Bahia, vivia pelas caatingas em busca de cangaceiros, além de tomar água de enxurrada em 32 e 64. Pai lia livros de bolso e três grandes vantagens (ou não seriam?), sequer pensávamos em possuir um aparelho de TV, ouvíamos rádio com telenovelas (Jerônimo o Herói do Sertão), e ouvíamos muitos discos 78 RPM.

De qualquer forma, aos sete, já tomava conta de horta, ajudava o pai na entrega do leite, na criação de porcos, na granja, na sapataria, plantando capim na roça ou cortando capim gordura em barranca de rio para os cavalos. A vida — em si —, não era somente lida (de ler) ou lida (de labor/trabalho), era muito mais. Por exemplo, vivia-se. Solto pelo mato, pelas estradadas boiadeiras, rios e estradões que buliam com a imaginação, éramos os heróis das revistas em quadrinhos. Nas noites, juntos à fogueira, nos transformávamos em personagens de histórias que avô contava: era uma “misturança” sem precedentes entre a realidade e a fantasia. Cangaço, cordel, cartas que avô escrevia para presidentes de República; boi não mugia, conversava e, quando se ia para o catre — era difícil uma cama decente na época —, mil fantasmas rondavam o terreiro lá fora, nas noites sombrias. Lobisomem, mula-sem-cabeça, a moça que virou cachorra por responder à mãe, a festa da bicharada no céu, a chegada de Lampião no céu, Sassafrás, Cobra choca, Maria Bonita, Família Márvel, Fantasma e Capeto, Zorro, Os Sobrinhos do Capitão, Tarzã, pigmeus, o rei que foi transformado em sapo, o Jeca Tatu, e as cantorias de violeiros e repentes de roda de violeiros. Festa de Reis, Catira e a cobra que mamava na mulher e os lobos uivando na mata dos Cavallini ali, do outro lado.....

E lá se foi a infância. Resquícios dela sobrevivem no baú das reminiscências do menino franzino, asmático, de cócoras no terreiro, cismarento sob o sol escaldante, pernas de graveto esgaravatando o chão de terra batido, calções encardidos e puídos nos fundilhos, os pés entranhados na terra, fincados feito raízes e essa melancolia de boi, de olhar moroso pelos campos e restingas... Hoje, homem feito, boi fujão, saci-pererê, pescador de estrelas, obrigado à canga do ter que ser politiqueiro e esperto — demasiado esperto que chega a doer e soa como malandragem, para sobreviver em meio à cobras especializadas em tramóias e tortura psicológica. E isso, nós, por natureza, considerávamos como coisas de bichos sem preceito e de alma maculada pela maldade, inveja, mentiras, descrente dos ensinamentos Daquele que nos ensinou a sermos simples e nunca desejar mais do que o necessário para tocar em frente. Jesus e Francisco de Assis sempre foram heróis em primeiro plano, claro, com avô ali, de cabelos nevados pelo tempo implacável, contando lorotas entre eles lá. Hoje esta mágoa de boi carantonha, cismarento, macambúzio a questionar as vantagens da modernidade que, algumas células comunitárias fazem bom proveito, enquanto outras... Há muita ignorância neste mundo. Mas, pior que a ignorância é não tentar se desvencilhar da mesma. E isso dói e fere e magoa e, feito pintainho de cauã que cai do ninho antes de aprender a voar, aquele menino queda-se a questionar incrédulo: o que fazer quando a ignorância não cabe e transborda e transforma-se em imbecilidade e peçonha na alma e na mente. Perguntei ao André Bolsoni e ele sorriu meditabundo. Não se explica a vergonha neste país em que, há muito riso e pouco siso.

A Alemanha, Os Reinos Unidos, A França e Os Estados Unidos sãos países que, para se desenvolverem, chegaram à conclusão que somente injetando na e a Cultura, através da Leitura e de Incentivos e Campanhas permanentes, em alta escala, tais objetivos seriam viáveis. Um país não se desenvolve cativo da ignorância. A Alemanha se destaca entre os países aqui citados. Nos Estados Unidos, há vários níveis de leitores. Muitos leitores, ou a grande maioria, não é capaz de entender o que está lendo. De interpretar e compreender o que acaba de ler. São alfabetizados, cursaram Primeiro e Segundo Graus, mas não conseguem entender a boa literatura, o memorando, uma Lei. Este é um dos fatores que geram a ignorância sobre a própria ignorância. Engendra o caos no próprio caos. Na maioria dos casos, o diploma continua sendo tão somente um canudo que atesta que a ignorância é diplomada.

Na França instituiu-se horários de Leitura nas escolas. Nos EUA, aumentou-se a tiragem de livros. Fomentou-se todos os meios que levam ao cidadão, livros a preços acessíveis, jornais, revistas e, mais recentemente, o computador. Pesquisas comprovam que, lê-se muitos livros — nos EUA —, de Contos, Romances, Novelas e Teatro. A superpotência despertou para a realidade enquanto, se passamos horas a ler um livro aqui no Brasil, nos classificam de excêntricos, alienados e herméticos por não estarmos participando de festinhas, partidas de futebol, carnaval, rodinhas de futricas, quermesse e bingo!

Outro país que lascou a pedra e continuou lascando a mesma pedra por séculos, foi a China que, já conhecia a escrita antes de Gutemberg. No entanto, acreditavam os mandarins que, os livros deteriorariam a capacidade de memorização. Dançaram. Enquanto eles continuavam acreditando tão somente na capacidade da memorização, os japoneses davam uma guinada e passavam a fazer uso da leitura, através de manuais impressos, vindo a tornar-se outra superpotência.

Tornando às reminiscências, viemos a conhecer um aparelho de TV somente em 1970, com a Copa do Mundo, no “Bar do Boa Vida”, na Vila Pereira, em Barretos. E até os 17 anos, ainda lavávamos latrina em cursinho (Anglo), para sobrevivermos ao caos da sociedade sem vínculos com o país e o país dos ditadores e políticos da direita, sem vínculos com a sociedade. Atualmente, o Brasil produz tantos títulos quanto a maioria dos países da Europa. Para poucos, infelizmente. As tiragens limitadas tornam o livro caro. O processo de distribuição é precário. Poucos leitores conseguem adquirir dois ou três novos títulos/ano. A literatura ainda continua sendo apenas um espectro, sombra mal delineada se comparada com a TV e suas programações ridículas e apelativas. O Ratinho é um dos apresentadores que mais ganham neste país. A Classe média deixa de comprar arroz para adquirir a vedete: um computador com linha telefônica. Com a falta de objetividade e a própria natureza do ser humano que, agrega à sua formação quase deplorável, os apelos da carne e de tudo o que é modernismo e supérfluo, os “chats”, salas de bate-papo furado, sites de pornografia, astros e ídolos da TV, cinema, e futilidade do gênero, tornam-se cativos e acrescentam à ignorância já extrapolando, algumas côdeas a mais do que lhes é servido via on-line. E, sinceramente, nunca vi tanto lixo como tenho visto na TV., na Internet, nas revistas, jornais e as não menos culpadas Faculdades e Universidade que, continuam — à força do conservadorismo —, enfiando livros que jamais despertarão o interesse no aluno, mas sim, o farão distanciar-se ainda mais deles, livros. Dos livros que nos causam tédio, criam mofo e fimose mental e, das possibilidades de um dia, quiçá, desenvolvermos o gosto, o amor, o hábito pela leitura. Isso sem contarmos a pirataria, o acinte desregrado, o desrespeito para com os autores e as editoras, com o processo de cópia de livros e matérias para venda aos alunos nas faculdades e universidades do país.

Enfim, um país que pretende saltar para o outro lado, tendo um abismo a separá-lo de seus anseios, não pode realizar tal empreitada às cegas. Campanhas esporádicas, livros caros para o deleite dos privilegiados, bibliotecas legadas às traças e poeira, costumes duvidosos, de teor cultural reprochável que, são impostos aos filhos na mais tenra idade, a falta de incentivo às gráficas, pequenos jornais e revistas que não se encontram classificadas no besteiról televisivo, programas de auditório que se batem em busca de audiência sem o menor escrúpulo ou ética, diplomados que atestam a superficialidade dos conhecimentos necessários para o desempenho na área, a barafunda politiqueira que acaba engrossando o caos que viceja e grassa à larga, os bons analfabetos políticos que continuam sendo endeusados por cuspirem retóricas demagogas sobre um povo de boa fé e que, por trabalhar e sustentar esses imbecis no poder, jamais terão tempo ou energia para se dedicarem à leitura, essa distribuição de rendas criminosa de que tanto se vangloriam nossos socialistas de fachada — senhores e donos de nossos destinos e do futuro da nação —, toda essa canalhice que resolve vestir uma camisa que não lhe diz respeito, não passa de parolice à beira do conhecido abismo.

Enfim, como continuamos acreditando na velha máxima de que a esperança é a última a atirar-se para o aterrador abismo da ignorância, acreditamos nas iniciativas privadas, na boa vontade de alguns abnegados secretários de Educação e Cultura, diretores(as) de escolas, professores, cidadãos que sonham com um país decente, empresários, profissionais ligados ou não a área, e, finalizando, na própria máquina que, ou alimenta aqueles que a sustenta ou um dia rui, com sua arrogância, empáfia, prepotência e descaso. No caso específico de Uchoa, nos últimos anos, temos visto trabalhos que merecem mais que elogios e incentivos, no esforço de criar-se gerações de leitores conscientes de suas capacidades, potencialidades, direitos e deveres. Criar gerações com dignidade e não meras máquinas condicionadas à leitura e futuros profissionais ostentando diplomas que, somente causam vergonha. Para quem sabe o que significa consciência, claro. Ah, um país de leitores analfabetos, não leva à nada.


 

 

POPULUS MY FRIEND

(59 — Publicada)

 

(Para, Belchior)

 

Esta semana recebi lá dos cafundós, uma engenhosa missiva. Mui confidencial e não por acaso. Entramos na Internet e pelo sucesso, parece que, em breve, sairemos pela porta dos fundos. Mas que coisa patética! Que parvoíce! Ignóbil ignorância redundantemente redundante! Besteira! Mas eu dizia, recebi tal missiva, pela confiança que Populus deposita neste que vos narra. Bem, Well, Well!, Populus é um bom camarada que o genial compositor Belchior trouxe em sua bagagem quando deixou a vida monástica para meter o pé na estrada e sentir o quanto dói uma saudade. Aliás, Belchior jamais deixou-se esmorecer — altivo, imponente, admirável arranjador de pérolas com frases inovadoras e palavras rebuscadas. Conhecedor do Latim, do Francês, do Inglês e do Espanhol, à priori, entregou-se à fome e então, encontrou Elis, “a pimentinha”, que o revelou à atávica massa deste país do imaginário coletivo. Falar nisso, um tal de O. de Carvalho, filósofo não uspiano e contra todos os uspianos, escreveu “O Imbecil Coletivo” e, trocadilho infame, poderia escrever também, o Coletivo do Imbecil. Se ele não escreve, escrevo eu que, de imbecil entendo muito bem. Volvamos à questão imediata, Populus.

Que andava aborrecido, macambúzio e atarantado com todo esse caos que medra e se derrama pelo país dentro e fora. Dizia Populus — “escravo indiferente que trabalha e por presente tem migalhas sobre o chão” —, Belchior ultrapassou as fronteiras do imaginário e colocou-me neste arcabouço medieval em que me estereotipo frente à sombra histórica da contramão. Ora, Populus, velho companheiro da indiferença e do silêncio! Dizia o poeta “Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o censo”.., que aliás, Belchior também transformou em gancho e epígrafe à parte, amiúde, sequer Castro Alves conseguiu escafeder-se da irônica e melancólica lira de Belchior. Afinal, nós outros, células da essência física de Populus, temos que aplaudir esses macacos geniais da raça tantã.

Que somos ruidosos, ladramos mas, ao mais ínfimo sinal de agrado, acabamos abanando o rabo numa felicidade imensurável. E nos tratam como gente, “é claro, aos pontapés”. Eis Belchior aqui novamente. Pobre Populus! À sombra de um outeiro (não sei, mas desconfio que lá pelas bandas do Nordeste nunca houve outeiros), Populus, relendo Álvaro de Campos e Graciliano Ramos, sentia-se a mais injustiçada e enfarada das criaturas do Senhor, a rezingar o quão adverso é este destino em seu reverso. Mascava ramo de capim ressequido, olhar melancólico, sem bois pelas caatingas, mirando sabe-se lá o que se, não mais que poeira e a restinguenta paisagem retratada pelas retinas do enfaro. Além, claro, do céu com sua carranca de rugas e nesgas de bicho sem preceito e sem dó. E sentia um dó e aquele nó no peito, mas as ancas, os quartos traseiros, maltratavam-no.

Marcas dos pontapés que, abusada a vida, lhe fincara sem piedade. E então, tentou-lhe o Anjo caído. Prometendo-lhe bom rebanho de cabras, naco de terra generosa, água despencando das nuvens carregadas ao longo do ano e, quem sabe, uma pontinha nalguma mini-série da “Plim! Plim!”. Papel principal no “O Pagador de Promessa”, quem sabe? Hã?. Deslindou-se de tais, benzendo-se e ordenando de retro aquele Tinhoso, volveu moroso ao seu fio de lamúrias.

Que o levou a escrever a referida missiva e, à lombo de jegue, cortar distância com o intuito de remeter-me, tão custosa. Pobre Populus! Populus pobre! Enquanto os Titãs e os cegos do castelo cuidavam do meu jardim, vinha-me aquela imagem quase sacrossanta de Populus e o que fizeram com ele e dele neste país de contrastes e safardanas. Pobre Populus, resmunguei mais em pensamento, como se o vento pudesse espalhar palavras e frases que nos fogem pelos lábios. Qualquer deslize é passível de processo no país da liberdade de expressão. E Populus no Congresso do Medo Internacional. E Populus roto no esgoto do porão, acuado, rosnando sua impotência diante do inimigo imbatível e senhor de todos os nossos destinos e sentimentos e pensamentos. Pobre, pobríssimo, paupérrimo Populus!. Coçava as partes pudendas quando chegou-me a tal missiva. My Life! que jamais foi minha. E eu dancei no Inglês. Nem para chulas citações. Bajo el sombrero, la mirada queda en los perros. E nada miram. Sequer ouso hablar. Leio, pondero, reconsidero a situação de Populus. Pobre Populus! Estilhaços nas trincheiras em meu coração, resolvo responder-lhe e o faço: “Populus, meu velho Prometeu Acorrentado e blablablá e blablablá. Enfim, merde et merde, my friend! Aproveita que tu tá de quatro e sai pastando garranchas e espinheiras. Mas cuidado, muito cuidado porque, Carcará pega, mata e come! Adiós compañero. Afogo-me em lágrimas e faço o sertão virar mar enquanto dentro em meu ser, o mar acaba virando sertão. O coração do homem, quando empedernido, seca. E Populus, pobre Populus, paga por todos nós. No mais, fardo é fardo e cruz é cruz. “As flores de plástico não morrem” e eu já disse que, o novo é o velho e o amanhã já foi ontem. Enquanto as mariposas continuam voando às cegas... Uiva Populus, escravo indiferente. Uiva! Uiva que o eco torna-se paliativo e ameniza a dor que dilacera. No mais, a única saída, disse Torquato —, é pelos fundos — escorpião encravado na própria ferida/não escapa/ só escapo, pela porta da saída. E os urubus continuam sobre os telhados enquanto a carne seca é servida. Ces’t la vie, Populus! A Hidra y sus cabezas. O povo não é polvo. O poder sim, Populus, my friend/end.


 

 

MAIS UMA DAQUELAS

(60)

 

Meu amigo Turano passou-me uma de suas máximas que jamais esqueci: “A gente lóita, lóita, labóita se ninguém oxiléia a gente, a gente nunca evolói”. Companheiros de inalações até o fim desta, às vezes, garramos a relembrar da “A Tribuna de Cedral”. Coisa mais mórbida! E o Lucílio Borges, presidente da Câmara de Cedral na época, com aqueles papos de político e advogado. A gente ainda acreditava em falácia. Santa inocência. Os espertos úteis — meio bobos alegres —, na alegria da ilusão e dos sonhos e causas impossíveis. Hoje penso que, muito provavelmente, em parte (gordas fatias de bacon mental), a vida não passe de mera piada e de muito mau agouro. É, às vezes. Mas a vida é bela e generosa, podem acreditar.

Há alguns anos atrás compus uma música com o finado Júlio Pontes e fiz a letra que dizia “O tempo passa de repente e a gente nem percebe que tudo o que era sonho se finda../ ..E é só desilusão../.. Onde deixamos os sonhos de então? O que fizemos do que era canção?.. E tantas outras. E aquela enxurrada de sentimentos transformada em poesia e canções. Coisas perdidas pelo tempo. Gravadas em fitas, esquecidas em gavetas. Coisas.. Coisas belas, singelas, lapidadas, feito rútilas lágrimas que, vez ou outra, ainda compondo, nós deixávamos rolar pelas faces que o tempo foi sulcando, tornando grave, transformando... Mas a vida continua sendo generosa e tudo vale a pena. Se vale, meu Deus!

E ter alma de passarinho. Poetinha — como me chama o Benê. Poeta — como me chamam o Negreto, o Roberto Ferreira, o Márcio Jacovani, a Márcia Martins (que simplesmente desapareceu). Como me chamava o professor e jornalista Sérgio Portari que, Deus houve por razões que desconheço, chamá-lo de volta para “casa”. Osmar Santos gravado na fita guardada; aquele jovem professor do Ibilce que todos os anos, no dia do poeta escrevia um artigo no “Diário da Região” e nunca se esquece do “poeta com suas barbas hirsutas e próprias do mesmo”. E alguns que — estranhamente continuam achando que ser poeta é sinônimo de vagabundo e efeminado. Ser poeta, antes de tudo, é cruz, fardo, labor, silêncio, solidão e, às vezes, incompreensão. Mas, acreditem, a vida é generosa e ser poeta, é um amor legado e sagrado.

A vida — penso —, é feito um mosaico. Cacos e cacos que vamos, ao longo da jornada, arranjando, colando aqui e acolá, meio à esmo, esperando que ao final desta, tenhamos construído algo que não seja tão somente o passar por passar. O mosaico, feito a vida e a existência, me parece generosamente promissor. Por isso, a vida continua sendo, como sempre foi, generosa.

Ah!, quanta gente e momentos. Algumas passagens, tal qual algumas faces, vão lentamente, se apagando dos velhos papiros da memória. Afinal, somos humanos e distantes — muito aquém —, da perfeição na qual costumamos nos enquadrar. E, como um dia precede o outro, continuo afirmando: a vida, a vida sempre será generosa por mais que possamos, com nossas falhas conclusões e pessimismo, afirmar o contrário. E continuo no meu divagar, nesta manhã que me abarrota a alma e me expande todos os caminhos e me abre todas as portas. Pura generosidade.

Às vezes, na melancolia crepuscular, a ouvir Beto Guedes cantando as músicas de seu inspirado e abençoado pai, mirava a praça “João Birolli”, lá do alpendre do casarão. Eu e eu. Via Maricy, AnaIsa, Zé Gordo, João Diana, Carmem, Xandão, Paulo Ferrari, Lucila criança, D. Vanda, padre Pietro, a garotada crescendo e os jovens dando voltas e voltas a palrar à socapa no que a noite, lentamente ia estendendo seu manto, amena e garbosa. Então, tudo se fazia feito um quadro à óleo. Paisagem de enlevo para os olhos da alma. Os pensamentos eram fios tênues, diáfanos, que se estendiam ao infinito em silenciosa prece sem que eu soubesse. Porque, embora eu sentisse à minha maneira, meio melancólica, eram sentimentos singelos, adoçados pela vida que, jamais deixou de ser generosa. E eu me lembro, fremindo todo o ser. Foi ontem e será sempre.

Passei todos esses anos vividos a questionar-me, o que fazer com o que excede, não cabe dentro do franzino peito? Até hoje, não sei ao certo. A única certeza é que, embora eu parecesse demasiado pessimista, sempre fui um sonhador e sonhar é ser otimista à maneira de cada um sonhar seus sonhos. E adestrar os pensamentos, os sentimentos, os desejos, as inquietações, sempre foram objetivos dos quais nunca abri mão. E fizemos serestas, jogamos bola, pescamos, tomamos alguns (vários porres), demos um bocado de trabalho, fizemos algum barulho, discutimos e nos confrontamos... Os anos foram passando, morosos à princípio e, de repente, transformaram-se em pássaros fugidios, lépidos, rápidos. Excessivamente rápidos que, desnorteado, descobri uma certa fadiga, os cabelos começando a ficarem nevados, o silêncio abarcando o desassossego da alma e mais que o simples olhar onde a vista alcança, para lá de todos os horizontes, passei a palmilhar cada pedaço de chão. Generosa a vida, deu-me tempo, mesmo ele sendo tão veloz e sagaz. Os frutos amadurecem, um dia.

Esta é mais uma daquelas (e foram tantas!), que escrevi e deixei pelas gavetas. Hoje prometi aos meus calcanhares que fugiria deste lugar-comum, do clichê, do pastiche, dos ícones e dos signos para, jogar no papel, um pouco do que arranquei do baú das reminiscências. Me expor como quem se torna sem sombra. Como quem não se encontra refletido no vidro espelhado. Como quem não existe para dar lugar à generosidade da própria existência. Apesar da timidez, a vergonha já era. O tempo incumbiu-se de apagá-la em casos como este. Mesmo porque, acredito, somente quem reconhece que a vida sempre foi e será generosa para com todos, pode ter a coragem de se expor e se mostrar sem medo ou vergonha. E eu o faço e repito, somente porque a vida, bem, a vida é substancial e inegavelmente generosa. Talvez um dia, eu consiga através das palavras, explicar porque e dê continuidade a mais esta que é somente, mais uma daquelas....


 

 

APONTAMENTOS PARA E DO COLUNISTA-POETA EGBERTO LIMA

(61-Publicada na Internet)

 

Homenagem? Que homenagem prestar a alguém que tão somente pediu respeito e atenção como todo ser humano? À alguém que sempre teve consciência de suas fraquezas, seus valores e papel neste mundo constituído por pequenos e grandes momentos? Não, não vamos fazer média. Não precisamos fazê-lo. Seria falta de ética e respeito para com um ser humano que, marcadamente nos legou parte de seu tempo sem pedir nada em troca. A memória do nosso colunista que partiu “Rolando por aí...”, em meio a astros cadentes e estrelas fulgentes de um dia que, fez-se noite e que voltou a ser dia.... como tudo o que há debaixo do sol.

Não sei, mas acredito que, possivelmente, a maior homenagem, seja a introspeção, o silêncio e a consciência do valor que ele teve para nós — jornal, leitores, amigos, familiares e pequenos bajuladores dos sentimentos. Não, nosso colunista não nos pediu homenagem alguma. Talvez, um pouco mais de atenção para com as pessoas que nos rodeiam e que passam boa parte do tempo com os olhos pregados no chão e, por mais que estejamos próximos, nunca percebemos de verdade.

É isso, a sinceridade e ser o que se é, pequeninos ícones que nos tornam mais dignos, conscientes da importância do papel do próximo e de seus valores pessoais. Me disseram: “Era a alegria da prefeitura”. Inegavelmente que o era. “Não aparentava ter problema”. Não, não se esforçava para fazer o contrário do que sua natureza indicava. Por isso, aparentemente, não tinha problemas. Sempre educado, atencioso, prestativo, a brincar com todos: crianças e vaga-lumes de um tempo mais além de nossas frágeis concepções, palavras, pensamentos e conclusões.

Não passou por nós feito nuvem vazia e sem forma. Nasceu, cresceu, brincou e adormeceu nos braços da sua Uchoa e em meio à gente que considerava sua também. Enquanto fazia sua Ode à Uchoa —, amor declarado em versos, gestos, momentos de silêncio ou de brincadeiras, formava sua concepção própria de existência e refletia sobre a melhor maneira de ser, sem que provocasse máculas ou por elas fosse ferido. A consciência refletida com a importância que emprestava à cada momento vivido — mesmo quando, aos trancos e barrancos —, foi, é e será a única homenagem possível e passível de não se tornar ridícula. Ele homenageou a cidade e todos nós com seu jeito de ser e estar presente sempre; mesmo quando aparentemente ausente. Não há como homenagear alguém que passou o seu tempo de vida a nos homenagear à cada segundo com suas traquinagens, seus humores e silêncios.

Com que alegria empregou o termo “nossa página on-line que, também faz parte”, referindo-se às sociais em “Rolando por aí....”; indo um pouco mais além da pequena praça da Cohab; com seus cuidados e carinhos imensos nas notas e apontamentos que ele assumiu para si quando tomou a incumbência de grafar na história do município, à cada edição, um pouco da vida social, dos “agitos”, aniversários, nascimentos e tantos eventos. Fazia com o mesmo desprendimento com que vivia a sua vida. Jamais pediu que lhe prestassem homenagem alguma como quem estivesse a pronunciar em alto e bom som: “Estou realizando a minha parte sem ferir ninguém. Façam o mesmo”. E serelepe como chegou, também partiu — Rolando por aí.... Nas centenas e centenas de palavras e notas que nos legou e legou à História de Uchoa.

Se há este vazio impregnando o momento, uma certa aura de ausência, um pequeno suspiro do tempo e muitos recortes e flash’s fotográficos do que foi e nos apontou, é porque, não foram brancas e sem formas as nuvens do seu viver. Não se logra o tempo vivido, mas sim, registra-se a intensidade com que foi vivido cada momento. Com suas alegrias e desconcertos inerentes à todo ser humano. Com humildade, simplicidade; amor pela boa literatura; o bom filme; o texto teatral e sobretudo, a música. Com sua visão simples e ao mesmo tempo complexa da vida e do mundo de cada um de nós, é que deixou transparecer a sua grandeza. E sua grandeza era tanta que nos parecia silêncio, quietude, murmurinho de riacho correndo, fazendo seu trajeto, seguindo seu rumo, ganhando o infinito e tornando-se parte da própria imensidão, a “Rolar por aí...”.

E é assim, de forma simples e humana, demasiado humana, que registramos seu legado e sua estada em meio a nós, na singeleza e amplitude de seus próprios versos, num momento de pura magia e amor pelas pessoas e por sua cidade — Uchoa (*) “Mais uma vez destacamos o aniversário de nossa cidade/Um lugar simples, uma cidade pequena, mas com um encanto todo especial, que faz com que seus visitantes sempre voltem./Uchoa de grandes histórias.../Uchoa de grandes figuras.../Quem não se lembra do Osório? Do Lanzudo?/Quem não se lembra do Lagoa e seu inseparável cavalinho?/Uchoa do “Moço do Caroço”, do “Rei da Guasca” e tantos outros mais../Quem nunca brincou com a Alexandrina?/Quem nunca posou pelas as lentes do Nenê Bruschi na praça?/Sem contar o cafezinho da D. Carmella Baida; as modas de viola do Boi nas noites de luar./Minha infância também traz muita saudade!/A Escola, os amigos, a paciência da D. Libertina; da D. Vera Borela, D. Maria Adélia.. minhas tão queridas professoras.../Que saudade das broncas da Vilma do Pepa, excelente como Inspetora de alunos./Que saudade D. Terezinha Galizia, suas aulas de História ficaram para sempre guardadas em meu coração./As serenatas do Júlio Tarzã e do Mauro../Parece que tudo isso foi ontem! e, já faz tanto tempo../Lembram do seu Rafael Beiga e do Seu João Lago Nunes com seus carrinhos de pipoca na praça?/Uchoa do meu coração!/Uchoa é meu amor!/Hoje você caminha mais claramente para um futuro melhor./Hoje você está sendo cuidada com um carinho muito especial./Como você merece, minha cidade!/Como a população merece../Fica aqui meu respeito e minha simples homenagem à cidade que sempre me acolheu e que me traz as melhores e mais belas recordações de minha vida!/Eu te amo!”...........

*Poema publicado em 28 de Março de 2002. De e por Egberto Lima, — In memorian.


 

 

A SOMBRA EMOLDURADA

(62)

 

Emoldurada, a sombra espia o horizonte imaginário. Umbral da porta de uma existência. A sombra ignota. Já não ousa sonhar. Tão somente, arfa trôpega, feito velho moribundo. E no entanto, pressupostamente acorrentada ao quadro de fotografia envelhecido e encarquilhado, a sombra ainda mantêm em sua essência, resquícios do que fora um dia. No umbral da porta aberta para o infinito, a sombra espia.

Como se a mão de Deus fosse gelada na insipiência de ser Deus, rapace vem roubar-lhe todos os sonhos. Mas não há Deus na fotografia. Sequer existe. E no entanto, Ele, Deus, observa a sombra com seus pensamentos. Os pensamentos da sombra sim, são frios e cortantes feito facas. Refletidos no grande espelho da alma, fruem melancólicos e feridos feito pássaros destinados à morte. Enquanto isso, como não há tempo e tudo é passado e presente, as horas restam sombrias aos pés da ampulheta inútil. Junto ao umbral da porta, o silêncio quase absurdo, rouba da cena, as chagas interiores e o futuro já ido. E o crepúsculo prepara pincel e tela no velho quintal das ilusões adormecidas e soterradas pela poeira de Eras. A sombra emoldurada refeita em quimera. A sombra, nada mais que sombra.

Tenta, em vão, lutar contra sentimentos e pensamentos. Algumas batalhas perdidas e todas as lutas vãs quando já não há o labor em cavar trincheiras dentro do peito macerado. Se inimigos há, desconhece-os. De forma que, já não há necessidade de trincheiras. Ensarilhados os fuzis, quedam inúteis feito muletas para o descaso. E a sombra ousa o pensamento amorfo em que, se sonhos não há, viver é tão somente passar por passar. Sem rebanho para tanger, o pastor perde o valor e o significado de sua existência é não ter significado algum. E mais que pensar, sente que, quando o crédulo abandona a fé, nada mais há que o faça voar, perdido em seu atávico mundo. Entranhado mundo. Apartado de todo o rebanho do Senhor. A sombra quer ter a consciência de que nada mais é do que sombra daquilo que fora ou poderia ter sido.

E a noite descerra seu manto eivado e cerzido pelos astros. Um suspiro dolente em rútila lágrima — seiva poética —, entoa a cantiga varrida pela brisa. Em banho de prata os campos e quintais ao luar. Sussurros da noite posta. Vidas que se findam sem terem sido. Outras que brotam esperando ser. O universo em seu harmônico ser Universo — sopro inimaginável. O umbral da porta é o que é. Da mesma forma que, a grama é grama e as nuvens são nuvens. Não se alonga a sombra. Sequer desconfia seu definhamento e como que nalgum passe de mágica, desaparece. A lona do circo se desfaz. O que resta é um céu aberto às novas pressuposições. Luzidias, as estrelas incrustadas no imensurável manto, parecem sorrir e piscar para a sombra. Em vão. Sim, a sombra também se foi. Desapareceu. Deixou de existir e, tudo o que resta, é aquele umbral. Moldura vazia de imagens e sonhos. E a sombra? A sombra se desfaz em partículas de luz e na melancolia de horas lentas, transforma-se em éter. Amanhã talvez desperte e, renascida, volte a ser mais, bem mais que mera sombra no umbral da porta.


 

 

DE REPENTE A NOSSA FÊNIX ABRE AS ASAS SOBRE NÓS OS PEQUENINOS

(63-Publicada)

 

Às vezes, tenho cá comigo que, somente a humildade nos conduz à sabedoria e à grandeza. Acorreu-me o pensamento à mente, durante o discurso de uma das mais humanitárias e lúcidas pessoas que conheci ao longo desses vinte anos: Dr. Miguel José Chaddad. Com que orgulho, admiração e emoção ouvia suas palavras de improviso, quase singelas, num crescendo que, muito mais que o belíssimo Hospital Municipal — corpo físico que passou por reestruturação e “reformas cirúrgicas” de primeiríssima qualidade —, ia moroso, palrando com sua retórica de paciente (ele, o médico), tornando-se quase iridescente e engendrando, sem perceber, na Mitologia Grega: Chaddad era a própria imagem da Fênix — imortalizando-se, renascendo das cinzas de uma existência dedicada à sua gente. Não, Chaddad jamais chegou a deixar-se transformar em cinzas. Contrário à tal imagem, tão somente veio, com o passar dos anos, os cabelos nevando, tornado-se quase diáfano, quase éter em meio à todos nós. — Nós, corpos densos, pesados, material que se desgasta sem jamais conseguir seu brilho próprio.

Inegável a “belezura” das reformas com esmero, detalhes, praticidade e muito esforço da administração e colaboração do Governo Estadual, dos funcionários da Saúde e dos próprios operários. Confesso admirado que, volto a repetir, foi uma reforma de primeira. Mas um prédio reerguido das cinzas, resgatado dos escombros e transformado em uma das mais importantes obras desta administração, não deve ser comparado à Fênix ou ao esforço, o rebuscado discurso daquele homem que, há anos, vinha merecendo mais que homenagens e placas. E, acredito que, somente o legado de sua referência à mitologia de forma simples e serena (tenho grandíssima simpatia por pessoas cultas! elas me encantam e me comovem às lágrimas), valeram aquelas horas inesquecíveis.

Vou confessar algo: possuo um arquivo de velhos jornais em que, páginas inteiras foram escritas por Chaddad. Ouso chamá-lo Chaddad ou Dr. Miguel — padrinho de casamento e pai paciente e amoroso —, além, é claro, de ter conhecido suas coleções de Filosofia, os grandes Clássicos da Literatura Universal, os Clássicos da Música e outras obras Médicas, Históricas e Políticas. Ele, médico, Tenente das Forças Armadas mas, acima de tudo, um exemplo intocável de dignidade, humildade, princípios morais e éticos. Exemplo a ser seguido na dedicação ao trabalho, à entrega e doação ao próximo. Exemplo como cidadão, médico e, sobretudo, de consciência elevada com ponderação e sapiência. Adjetivos que à muitos faltam na lida com seus semelhantes, embora vivam à sombra deles.

Há anos, sempre sonhei com um título sendo entregue em suas mãos. Mais que um título de cidadania. Talvez, um título pelo dever cumprido. Pelo exemplo que nos legou. Por sua determinação e paciência. Por sua simplicidade, conselhos edificantes. Por ter sido o que foi, é e continuará sendo. Sempre.

Aberto à novas idéias, nos legou a oportunidade de montarmos um show infantil, dentre outros; como se fosse ele, um garoto de nove anos sentado na primeira fileira a aplaudir nossos meninos sobre o palco. Ao seu lado, minha mãe uchoense, D. Lila, à quem não tenho vergonha e sim, orgulho de pedir a benção. Tenho certeza que seu coração fazia festa ao ouvir seu companheiro de uma existência, discorrer de forma lúcida sobre um pouco da história de Uchoa. Aliás, nosso homenageado citou tantas vezes a mitológica Fênix que, acabou, por alguns instantes, ele próprio, adquirindo proporções mitológicas e em seus tantos anos vividos e dedicados à população como médico, galgando moroso (sem jamais usar o seu próximo como capacho, como é praxe na política), a preciosa escadaria daqueles que são privilegiados pelo tempo sobre a face da terra porque, somente vivem tantos anos quantos Deus lhes concede, quando o fazem com amor e sabedoria; prazer e paciência; humildade e compreensão; grandeza de espírito e mentalidade além da vaidade e suas armadilhas.

Sem sequer lembrar-se que, era ele o homenageado, mais uma vez, acabou emprestando um pouco de sua essência como ser generoso que sempre foi, à todos nós, presentes ao evento. E foi mais ou menos assim, de repente a nossa Fênix, abriu as asas sobre nós, os pequeninos. Sim, pequeninos diante da sua beleza radiante. Beleza sincera, pura, genuína. Nossa Fênix que, tal qual a pedra lapidada pelo ourives, Deus em sua Sabedoria e Bondade Infinitas, houve por nos “emprestar”. E o fez na forma de um homem simples e bom: como sempre se revestem os que, por algum motivo especial, o Grande Pai abençoa e envia para o meio de nós. Envia como se, Ele próprio, mais que se fazer representar, houvesse por amor, estar todo o tempo em meio à nós. E Ele sempre está. Quanto ao homenageado, bem, nem Grego, nem Troiano, continua o seu trabalho como “Médico de Homens e de Almas”. Ainda bem que, segundo a mitologia brasileira, Deus também, igual a todos os seus filhos pelo Universo espalhados, é — acima de tudo —, brasileiro. Feito o nosso bom Dr. Miguel Chaddad.

(Para esse Médico que, mais do que homenagem hipócrita tentando “conformá-lo”, porque, na realidade, tentavam afastá-lo de seu consultório e sobretudo, seu trabalho ao qual dedicou a vida e continua, mesmo porque, apesar de sua idade, acumulou mais sabedoria, coerência, luz espiritual e capacidade como ser humano e caridoso que sempre foi, é e será. Que me perdoem os que tentaram traí-lo. Mesmo porque, Ele, o apunhalado, já os perdoou há muito. Entenderam?).


 

 

NEM QUE SIM E NEM QUE NÃO, NÉ?

(64)

 

E o caboclinho acocorado ao pé da porteira, com seu canivete picando fumo, a palha entrededos e o olhar de boi manso (quase sonso), espichado pela glebas caatingueiras. Decerto que, tinha os pensamentos (à mercê do tempo), que somente à si pertencia. Todo o tempo do mundo. Moroso e modorrento feito o dia de sol à pino e a própria vida que, às vezes, mofina — tanto revés e percalço. E a bola incandescente se espichando um tiquinho, mudando de lugar lá no alto que nem tanto, a esturricar o solo e frigir os miolos dos bichos tantos e da caboclada daquelas paragens.

Cusparada no chão de terra, canivete fechado, já calosas as mãos a esfregar o fuminho picado mas sem, no entanto, os olhos deixarem de espiar o que distante sequer se via. Carcará e urubu são aves de respeito. Dalguma cascavel, não distante, ouviu o guizo de advertência. Puxou no detrás da orelha, aprumada pelo chapéu, a palha e com perícia e esmero, derramou o fumo no côncavo. Tarefa árdua para iniciantes. Tudo é questão de prática e anos de acocoramento. Até a unha que bate na brasa e aviva na baforada do cigarro entrebeiços. E o sol se expôs ao meio. Arriba do cocuruto. Sol carantonha quanto o céu enfarruscado e de humor inquestionável. Uma perna deu um repuxo meio dormente, trocou o peso do corpo de lugar e atiçou a binga que chamuscou-lhe um pouco a face já tostada pelo sol. Quem observasse, veria um monte se de distância considerável. No entanto, era um homem. Somente um homem. Um homem fotografado e emoldurado na paisagem. Preso à ela, feito fotografia. Bicho raro dentre tantos da criação do Senhor. Um brasileiro, sozinho a cismar. Caboclo sonhando a divagar pelas searas mentais do sem termo. Colado ao chão de terra esturricada. Um homem: pouco mais e tão nada.

Assim eu daria início à minha crônica. A crônica de um tempo quase absurdo. Com pitadas do fantástico e da realidade além do imaginário. Mais além e aquém dos gigantescos falos de concreto e cimento; do hambúrguer e dos processadores. A supervelocidade dos supersônicos, do congelamento de corpos e da clonagem. Distante da urbanidade violenta e sem matizes. Mas eu não quero mais escrever crônicas. Aliás, eu nem queria mais escrever. Nem ler ou me informar. Eu não queria mais correr atrás do que nem sei dizer, para chegar eternamente atrasado. A vida é curta e o organismo falho. Somos difíceis e não conseguimos nos entender.

Fico pensando: se agrada um, magoa-se dez. Se publica uma notícia sensacionalista, consegue-se atenção. A outra, correta, sem sangue ou intriga, para as pessoas acostumadas a assistirem — com certo deleite —, as barbáries da TV., não passa de notícia insossa, desinteressante. É isso, ao invés de permanecer acocorado, tinha que passar noites e noites sem pregar olhos a ler e sondar estrelas. Insensatez! Mas o que eu sempre sonhei foi em ter paz. Mais nada. E a paz, o silêncio, são desaforos, desafios. A paz não pode ser pessoal. É sinônimo de coletivo. E então, eu passei a me sentir só. Eu e eu. E isso é puro egoísmo. Ser só é ser egoísta e mesquinho. É preciso dividir, nem que seja um pouco de aflição e asco. Mas eu continuo meio caboclo, acocorado a cismar. E nisso, não há jeito que dê jeito. Desde moleque mirrado sempre fui cismarento e solitário feito boi desgarrado pelos pastos. E querem me vestir em terno e gravata. E dizem que nesta vida conturbada, não há lugar para os lerdos e os sonhadores. Mas eu estou por fora. Eu sempre estive por fora. E nem me dei conta disso porque, nunca dei importância em estar em voga. Paz e silêncio. Silêncio e paz.

Talvez seja por isso que eu nunca chego lá. Sou meio nem que sim, nem que não. E caboclamente, acocorado pelos terreiros da existência, fico a cismar: e essa gente com leseira mental? Porque não continuam correndo e me deixam aqui com meus chacras e minha sina em teimar em ser tão somente o que sou e não vou mudar por mais que tente? Tentem. Afinal, se há campos e restingas, sol e chão esturricado, cacimba e garranchas; se há estrelas e astros, vaga-lumes e luar de prata, é porque alguém, claro, alguém tinha que perceber, senão não haveria. De qualquer forma, eu vou é continuar acocorado e cismarento porque, há muito o que ser pensado, sonhado e aprendido. Acho que escrever nem é tão bom assim que eu não consiga viver sem ter que. É, acho que sim. Ou não, sei lá...


 

 

E ESSA INVEJA TRANSFORMADA EM OBSESSÃO E ÓDIO!!!

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Há muito ódio nos corações. E essa inveja transformada em obsessão e ódio. Muitos porões sombrios e mágoas. Escorpiões atentos/metafóricos e feridas não devidamente sanadas. Há muita guerras e fome sobre o planeta e nas mentes. Há muitas incertezas, inseguranças e dores. E dizem que, no princípio eram trevas e fez-se a luz.... Desdigo o que não disse e duvido do que digo. Não nos compreendemos e dizem “que desse jeito eu apresso o meu fim”. Está nos jornais. Todos os dias são pares e ímpares. Uns amigos me disseram para que eu deixasse de escrever somente para “mim” mesmo. Que não se entendem o que eu tenho escrito ao longo desta existência abarrotada de palavras vãs. Os ponteiros dos relógios são contra os que pensam e eu digo que é necessário este velho labirinto na mente para que o Minotauro nos persiga. E Dédalo, e a Ilha de Creta e Ícaro são somente invenções que nos tornam demasiados grandes e pequenos. Há, por fim, este inevitável fim. Língua bípede termômetro (?) reinventada.

Tudo rima e há aqueles que corroem o belo das rimas. Há uma inveja que grassa e novamente a mesquinhez dos corações e os que pensam somente com o coração sangrando. Pessoas frias e que vivem rindo à toa. Pessoas amargas que desaprenderam a rir da própria desgraça diária. Essa necessidade das pequenas coisas amargas que nos fazem perceber melhor o mundo. E o Universo à nossa volta parece-nos tão complexo. E nos quedamos perplexos porque não estamos preparados para o mesmo ódio que eles. Eles nasceram para odiar, perseguir, massacrar, espezinhar, envenenar a vida e o planeta. E zombam dos que estão exauridos e fragilizados. Eles são vampiros da modernidade. Vampiros da energia vital. E há escorpiões e serpentes à nossa volta.

E um Deus demasiadamente humanizado à nossa concepção capenga; Senhor maltrapilho e vencido que nos aconselha que sejamos pacientes para com eles, nossos algozes. Que lhes ofereçamos a outra face. Mas somos casmurros e aprendemos que também podemos nos transformar em Fênix. Eternamente renascendo das cinzas e provando que somos imortais e que ascendemos ao belo e à grandeza do ser. E nos despojamos das pequenas paixões. Dos pequenos prazeres terrenos. E nos obrigamos a encarar a realidade amara e putrefata. Nos disciplinamos e nos adestramos para sermos capachos de um sistema que se fez pura fedentina. Execrável e desumano. E nos deixamos arrastar, enquanto nos cospem do alto da empáfia. E volvendo o olhar para a Imensidão sussurramos que não somos capazes do ódio. Não, já não vamos nos magoar mais. E a mais ninguém vamos ferir. E sem que percebam, deste lodo, deste monturo de lixo, nos erguemos. Eis a altiva e dadivosa Fênix! Eis o homem de que falava Zaratustra. Mesmo no eterno devir. E caímos na gargalhada porque, tudo isto não vale um segundo de nossas atenções e preocupações. Nós precisamos de tempo para exercer com pleno direito, nossa capacidade de criação e magia. Somos mágicos e não farrapos humanos a mercê de um destino que não inventaremos jamais.

A crônica já não cabe no espaço que lhe era reservado. Nem o homem na sociedade em que vivia. A alma já não corrobora com o que a mente diz sobre o corpo. Esta coisa densa e grosseira e risível da qual tanto nos orgulhamos. A mente adestrada é pior que o dente podre. O câncer maligno que diz ao social. O prurido do tumor pútrido que nos abarca a todos. A crônica não carece de espaço. Sequer o cronista dá-se ao luxo de importar-se com expor-se ou não. Nos tempos em que vivemos, em que, expor idéias através de palavras é criar inimigos que jamais compreenderam e não possuem capacidade para compreender as palavras e frases, o silêncio faz-se imperativo. E nesta vida, um dos maiores bens do qual podemos desfrutar sem pagarmos impostos é o silêncio. Eles sempre foram contra o silêncio e a solidão. Adoram berrar, dar espetáculos, atrair para si, todas as atenções. Mas não descobriram a superioridade daqueles que aprenderam o silêncio e a solidão. E os dedos não nos foram legados para que os tenhamos em riste espezinhando o próximo com blasfêmias, injúrias, calúnias. Os dedos foram idealizados para o tato, o trabalho no teclado, na caneta, nas cordas da lira, no lapidar diamantes, no assentar tijolos, no afago e no coçar a sarna nas popas. Mas, enfim, ainda não percebemos que continua havendo muito ódio à nossa volta.

E crônica e cronista pedem licença. Há um momento em que, já não nos importamos mais e nem desejamos que venham nos compreender algum dia. E simplesmente, deixamos os imbecis de lado e tocamos em frente. Há muita imbecilidade e ignorância à nossa volta. E nos dias em que vivemos, os porcos que focinham a lama, acabam se refestelando porque, para eles, para os porcos, vivemos atirando nossas pérolas. Dizei-me: achais que estou sendo injusto ao chamá-los de porcos? Que estou saciado em meu trono e feito um velho e sábio rei, menosprezando cada um deles? Não e não. Eu estou com sede. Esta sede que arde, queima e verte em sangue e lágrimas sem ter como ser extirpada ou amenizada. Enquanto suporto e mal a minha sede, percebo: há muito ódio no mundo em que vivemos. Eles não perceberam e não perceberão jamais. Afinal, são eles os que odeiam sempre. Sempre.


 

 

TELEFÔNICA EMBRATEL ANATEL SARAPATEL E BORDEL

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Acho que vou fazer um 21. Nunca gostei de telefone mas, já não há como ficar sem essa doença tecnológica. Agora, olhar para o aparelho ali, emudecido, esperando que alguém te ligue para saber que, de uma forma ou de outra ele continua funcionando, acaba criando ojeriza. E a Telefônica que vive se gabando! Você pode pagar onze meses no ano rigorosamente em dia, deixou de pagar um mês, eles te boicotam e você se lasca. Basta de 15, agora é 21. Afinal a Ana Paula Arósio é muito mais interessante que aquela voz estranha e funesta te sussurrando: “Dentro de cinco dias seu telefone será cortado”. Sem direito à respostas ou tentativa.

Enquanto “eles” ainda não haviam concretizado seus projetos espúrios e o jornal havia acabado de sair (agora não sai mais), e eu havia usado o telefone durante os três dias anteriores feito um doido (acho que com o que ganhava e passei a ganhar então, não posso me dar ao luxo de ter telefone e ficar enviando matérias para a gráfica via e-mail, não!), pensei no merecido descanso quando, o telefone tocou: era o presidente do PTB, diretamente de São Paulo. Ou melhor, mais precisamente, do gabinete do deputado (?). Conversamos e eu, na empolgação, em meio à tantas notícias ruins e um amontoado de insegurança, me deixei envolvido pela euforia. Pensei: vou ligar para a Maricy.

Aí só dava tutututu.. e mais tutututu.... Pensei: defeito. Tentei acessar a Uchoanet e tutututu: não há sinal de linha. Então caiu a ficha: cortaram. Mas a conta havia sido paga na hora do almoço e já eram 17 horas mais ou menos. Zanzei de um lado para outro. Ele toca. A gente recebe chamada. Somente não faz. Eu que sempre fui fiel e nunca dividi o 15 com ninguém, sempre priorizando a Telefônica, me senti meio traído. Mais precisamente, com uma vontade de ligar para eles e espinafrar com todos. Ligar que jeito? Ficava ouvindo aquele tumtumtum com uma coisa querendo enfiar o aparelho na parede e mandar tudo às favas. São apenas 24 horas de espera, afinal.

No dia seguinte levantei-me cedo e corri para o tum-tum-tum.. E então resolvi escrever. Pensei: se tiver que ligar para que eles desbloqueiem a linha, vão esperar por toda a eternidade. Eu vou é ligar para a TELECON. A EMBRATEL. A ANATEL, a SARAPATEL ou algum BORDEL. Afinal, termina tudo em EL mesmo. Menos a ÔNICA que vive pisando no tomate e levando um processo atrás do outro de usuários descontentes. Aliás, isso é coisa dos grandes, das multinacionais, dos poderosos: eles não precisam de você enquanto você não assinou um contrato com eles, depois...

Bem, hoje é o dia D. Mesmo porque, precisava fazer um DDD para São Jorge, ou melhor, para ser mais modesto, para o Dragão de São Jorge ou mesmo, para seu Cavalo, a espada, hã?.. Se essa coisa não passar a funcionar lá pelas 17 horas eu mando. Mando e faço uma consulta ao Código de Direito do Consumidor. Entro com o processo antes que eles me processem por esta crônica. Afinal, processar já virou moda no país. São tantos que, um dia, quem sabe em outra encarnação, vou botar o nome no rebento de PROCESSO, com licença do Franz Kafka, claro. E o menino vai ficar famoso. Feito a tal da Ônica, a UOL que por aqui nós chamamos de UAI de tão complicada e chata que chega a parecer uma AOL. Como tudo se copia e nada se cria neste mundão, né? Pois é!.. De vez em quando, tiro o fone do gancho com uma leve esperança e tu-tu-tu-tu-tu.... Aí rima. Eita trocadilho danado da gota!!!!


 

 

MEDITAÇÃO EM FUNÇÃO DE UMA CERTA LINHA DELIMITADORA

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Em uma manhã de vento e frio, um dia após a entrega do jornal e de terem cortado minha linha telefônica, estava eu sentado diante do processador de textos, a matutar porque as coisas acontecem, como e as razões. Casmurro e um tanto chateado com o meu próprio jeito de ser que, por mais que eu tente, não consigo mudar, pensava: tudo tem explicação e nossa filosofia vã não passa de falácia. No mês anterior eu não havia feito compras e estava meio em palpos de aranha, pensando nas possibilidades de deixar Uchoa e quebrar de vez com este elo. Mesmo porque, se tentam me prejudicar, não o fazem comigo, mas com minha esposa e minha filha. Então, se há maldade, falsidade, inveja ou antipatia de outras pessoas para comigo, é algo que não posso fazer muito mais que perdoar e deixar de lado. Respeito até mesmo o direito de alguém não gostar da minha pessoa.

Divagava por essas sendas, absorto e tentando encontrar explicação para uma ou outra pergunta que me vinham à mente quando, sem perceber, eu estava com os olhos marejados. Havia algo dentro do peito, crescendo, se agigantando, desejando explodir em milhares de partículas e centelhas... Não, não era mágoa ou revolta. Era um sentimento de amor pela vida, pelo ser humano, pelos frágeis e injustiçados. Algo inexplicável me fez suspirar profundamente e pensar em coisas como os sentimentos das pessoas; o ser humano e sua importância sobre o planeta; a vida com seus revés; a caridade, a solidariedade, o amor das pessoas, a amizade, o carinho, o respeito, a dignidade, a honestidade, a honra, a generosidade, a compreensão, a sensatez, a moral, a ética, a esperança, a fé, os sonhos...

Em contrapartida sempre há a antítese para cada um desses sentimentos. A eterna luta entre os extremos. E há coisas que são muito pouco prováveis possuírem a terceira alternativa: o caminho do meio. E se possuem, acabam se transformando em doenças. Paranóia, obsessão, distorção de personalidade e mais um fadário de anomalias. De qualquer forma, enveredei-me por tais sendas e continuei tentando encontrar respostas para algumas perguntas. Não que eu jamais tenha feito exercício de tal natureza. É que, no momento, havia uma certa necessidade proveniente dos últimos acontecimentos. Um tal de burilar pensamentos para chegar a essência sem a certeza de que esta seja, realmente, acessível à nossa parca capacidade de raciocínio.

Mergulhei. Sempre tive comigo que, em questão de raciocínio, às vezes é necessário ultrapassar alguns limites, sondar o insondável e, se necessário, ultrapassar aquela linha que delimita a sanidade da loucura. Mesmo correndo o risco de não ter como retornar. Afinal, o gerenciamento e o autocontrole nos pertencem de forma limitada. Se houver necessidade de perdermos o fio da meada, embora discordemos de tal premissa ou da idéia do “se perder”, inevitavelmente perderemos e assim tem sido e acredito, será por muitos e muitos invernos. O medo, de alguma forma, é o freio. É célula da sensatez e do discernimento. Se ultrapasso determinados limites, a sensatez me faz temer ou discernir não ser algo aconselhável.

Pensar, refletir, ousar meditar sobre questões quase ou, inteiramente metafísicas — embora pareçam lógicas —, é uma forma de ousadia num universo de pura razão fria e lógica. Quase matemática. O que parece interessar à raça, tem que ser palpável, consistente e, sobretudo, voltado para ganhos e vantagens. Somente então, caí na real. Enquanto eu perco tempo com a metafísica, vão me espinafrar porque há muito o que ser feito. Afinal, não foi meditando que se criou a bomba atômica, a ogiva nuclear, o supersônico, o chipe “inteligente”, a fortuna, o terrorismo que massacra milhares de inocentes, a doença virulenta, o corrupto, a miséria, as danações e as maquinações ardilosas e purulentas. Ou foi? Será que não foi necessário muito pensar para se descobrir o átomo ou como enviar dinheiro de um país para outro? A cocaína e outras drogas dentro de bonecas, geladeiras e outros aparelhos? Não seria meditando e com muito desgaste que se desenvolve um projeto como o Genoma? A clonagem?. Aí sim, são esforços mentais com objetivos determinados e pré-definidos, diriam. Certo, concordo. E, sem mais, volto à minha metafísica. Afinal, como eu já disse, não consigo mudar por mais que tente ou que tentem me forçar à tal.

Penso sim. Mas quando penso, sinto e quando sinto, talvez — eu disse, talvez —, as conclusões obtidas através de pensamentos em que há sentimentos entrelaçados, não sejam ideais para a praticidade da vida e do mundo em que laboramos. Pode ser, pode não ser. Tudo é relativo. Tudo é subjetivo. Tudo é metafísico. Tudo é muito claro quanto uma noite sem luar. Provavelmente, a escuridão seja a ausência da luz e o Mal, a ausência do Bem. De qualquer forma, meio divagando, fico com um pé lá do outro lado da linha que nos separa e outro cá, deste lado que me prende e me espicaça com seus horrores e contradições.


 

 

SONHO & REALIDADE

(68-Publicada)

 

Danava a sonhar agarrado ao sonho e sem querer despertar e despertei no bem-bom. O termo não foi despejado aqui para designar alguma forma de safadeza, o que é muito comum. É que, às vezes, o meu bem-bom, não passa de um velho encontro com pessoas queridas ou o estar a voar pela imensidão, tendo consciência que não são as asas mas sim, a mente, o que nos transporta e transforma. E eu voava. Voava e revia pessoas. E pensava: que dinheiro no mundo poderia me legar o prazer de voar e rever pessoas que amo? Despertei. Pensei em tornar ao sonho. Faço isso, às vezes. Tenho praticado ao longo da vida. Mas preferi saltar da cama e cá estou, na frente do digitador de textos.

Sem olhares melancólicos. Sentimentos um tanto bucólicos (?), os dois pés no chão e a cabeça ao vento. Sonho desperto. Sonho à qualquer hora e em qualquer lugar. Penso e repenso a vida. Nesta manhã fria em que tudo se inicia. Emito um olhar de soslaio e sorrio por dentro. No fundo, há uma indefinida alegria e este estar de bem com a vida. É uma pena que não possam sentir o que sinto agora. E o sol, em breve desponta. Não sou cobra e nem escorpião. Não gosto de política. Prefiro a literatura e a canção. De forma que, alguns fios de cabelos parecem tingidos pelo tempo e isso é bom sinal. Muito bom. Feito o fruto amadurecendo lento. E o sábio ancião que, aos poucos, desperta. Borboleta rompendo o sono e o invólucro para deixar de ser lagarta. O sábio chinês e seu conto.

Talvez um dia eu desperte e feito o conto do sábio chinês, para o resto da vida a mesma dúvida me acompanhe: “serei um sábio chinês que sonhou ser uma borboleta ou, serei uma borboleta sonhando que era um sábio chinês?”. E que diferença faria? E agora, José? Mas, de tudo, resta sempre um pouco... O mínimo. E é disto que eu preciso ou não é nada disso. E vem o sol e, sem pedir licença (carece?), adentra meu quarto de trabalho e me acena um bom dia. E eu digo — Como não? Claro que sim! Belo! Belíssimo. Batendo palmas para as violetas e samambaias e avencas. Tudo em meu ser redunda em ser mais do que simplesmente ser o que são todos e ao mesmo tempo ser pouco, muito pouco. Contanto que difira daqueles que não perceberam que esta manhã — assim como todas as manhãs —, é mais que especial. Provavelmente, espacial. Feita de nuvens etéreas. Diáfanas. Tênues. Alma e coração. A mente intervêm e eu digo, há espaço para a razão no espaço em que a harmonia é senhora. E aqui vou eu!

Sem nostalgia. Sem analogia. Sem paradoxo. Sem filosofia. Tudo o que desejo é o que me basta. Neste momento despertam todos os pássaros e anjos do Universo. E lá fora, os seres reiniciam suas eternas buscas. Vai José!, em busca do pão. João em busca da fama. Mané em busca da grana. A vida é cruel, não Maria? Mas, nem tudo é como sonhávamos. Nem tudo é como se queria/pedia. Às vezes, os sonhos morrem e eles realmente nascem e morrem à todo momento. Ser feliz é saber ver tudo isso com clareza. É aprender a engrenagem da existência. O valor das coisas denominadas ínfimas. O inestimável valor da simplicidade e da pureza! A enormidade da singeleza e da humildade! Ser feliz é existir para aprender e dividir. É entregar-se por inteiro. Não medir esforços para ser o que se é e saber que ser o que se é, é tudo e tão somente o que nos basta e nos empurra em frente sempre. Por isso divago, sonho e nunca mais vou marchar no mesmo compasso em que caminha a humanidade. Porque cada qual tem seu jeito e o meu, bem, é tudo o que tenho de melhor. Mas todos são bons e todos são melhores do que são, na realidade. E fico feliz em saber disso. Em poder ver e compreender certas particularidades. Como cada pessoa é bela quando é tão somente o que se lhe basta. É por isso que sempre acreditei nos humildes e simples de mente e coração.

Sorrio emoldurado pela esquadrilha da porta/umbral/porta retrato. Sorrio. Sorrio e o sol me empresta uma côdea, uma nesga da manhã assaz bela. Por algum tempo, permaneço desatento ao momento. É que há uma dúvida leve, quase imperceptível: estarei mesmo desperto ou, continuo a sonhar?..


 

 

ESSA MULHER QUE TÃO POUCO SE MOSTRA

(69)

 

— Alô! Bem?..

— Oi!, tudo bem por aí?

— Acho que sim. Me parece que fui bem na prova de Inglês. Ufa!

— Legal. Não te disse que ia dar tudo certo? Viu, hã?!!

Em seguida virão as velhas perguntas: “Tudo bem em casa?”. “Vocês almoçaram? Jantaram? Alguém me ligou? E-mail? E a baixinha?”..

É somente a mãe e a companheira. A mulher preocupada com seu serviço. Com a Faculdade. Com o curso de Letras. Com a Farmácia do Hospital. Com a filha e o marido. Com a casa, os bichos de estimação, as plantas, as pessoas — o seu mundo!. Mas é somente a super: mãesposadonadecasaempregadaestudante. É somente uma menina que se fez mulher e cresceu de forma imensurável e com uma consciência maior que ela própria e um universo de responsabilidades que me parece demasiado para um ser humano. Mas não para ela. Às vezes sei que ela sente o peso enorme. Mas não diz ou se o faz, é de forma humana. Não feito o rezingar dos eternos descontentes à sombra do semelhante. É somente uma mulher.

E luta e luta e se esfalfa e estuda e quer seguir em frente e segue. Mesmo parecendo frágil, se torna gigante e forte. Demasiado forte diante da vida e da intempérie. Para quem salta às seis da manhã e vai dormir às 23hs.30ms, todos os dias? Seria uma guerreira? A eterna guerreira que, eternamente viverá escondida atrás da frágil aparência? Não, é a mulher com uma criação, uma formação, caráter, vontade, dignidade e forças que, às vezes, chego mesmo a invejar. É muito para uma única pessoa. Ou não? Não tem que haver limites. Energias físicas, psicológicas, psíquicas, vitais? Bem, de qualquer forma, cada qual nasce com seus próprios limites e, alguns, simplesmente superam tais limites. Ela superou e vai até o fim com a determinação de sempre.

Eu me estresso, me irrito, me esfalfo, me estafo, me enfaro, me deixo macambúzio e me revolto. Me falta a serenidade que sobra para ela. E no entanto, quando necessário, mede-se a imensidão do ser quando necessário ser enérgico. Eu já vou atropelando e retirando dos bolsos todas as pedras e da mente todas as palavras. Ela, pesa, pondera e discute em tom ameno. Serena. Feito brisa soprando leve. Roçagar leve do vento lá fora. Sereníssima. Menina e mulher. Quanta responsabilidade!

E eu me canso fácil de tudo, quase. Sobretudo, das pessoas que nunca são o que são e sempre querem provar que são o que jamais serão. Me irrita essa atitude mesquinha. Ela não, tão somente deixa. Continua sendo o que foi e será sempre. Ri dos que se julgam reis e rainhas. E mostra-lhes como ser o que se é e sentir orgulho em ser o que é. Aí, por inveja, vem uma e diz que ela é fraca. Eu dizem que eu sou frustrado. Ela fraca e eu frustrado. E quem diz é ambas as coisas e nunca admite sê-las. Nós? Ora, nós somos o que somos. Viemos de onde viemos, como viemos e jamais nos deixaremos transformar. Somos autênticos. Não há fachada de ouro em nossas almas e corações. A inveja também mata, além de cegar e fazer odiar. Precisava avisar a tal amiga. Amiga?...

Amiga é a que dorme ao meu lado. A que discute o dia inteiro com nossa filha. A que, à qualquer minuto deixa tudo para atender uma pessoa que necessita de um ínfimo comprimido. Esta é a mulher fraca? Que salta às seis da cama e trabalha fora, estuda, cozinha, lava, passa, discute, berra, briga, silencia? Esta é a mulher fraca? E ter que ouvir tal asneira! Mas ela não se importa. Não tem tempo para ficar palrando à socapa da vida alheia e muito menos dar atenção à comentários invejosos e maldosos. Não, ela tem muito o que fazer e a vida é curta aqui sobre a face da Terra. E ela sai e volta cansada. Nunca o bastante para que deixe de lado os seus afazeres de casa. Esta é a mulher. Com licença, mas não se pode comparar. Não vai dar. Então pergunto: quem será fraca e frustrada à um só tempo? Eu sou o que sou e sei o que se passa lá fora e dentro de meu próprio ser. Ela, a mulher, continua sendo maior, mais, muito mais do que todos nós: eu e você que a considera fraca e eu, frustrado.

Será que não deu para perceber a enorme distância que nos separam uns dos outros: ela de nós dois. Eu de você. E você, será que consegue se situar em algum ponto do Universo, do Planeta, da Existência, do Ser algo que não seja espinafrar com a vida alheia e ficar fazendo comparações e comentários mesquinhos. Ah, a mesquinhez também é uma doença. Às vezes, sem cura porque, a ignorância não nos deixa ver o ridículo que há em nós mesmos e que passamos o tempo todo transferindo aos outros!. Quanto a ela, quem dera se houvesse mais um bom bocado iguais a ela. Ou, no mínimo, que se esforçassem por ser o que ela consegue ser naturalmente. A Maricy é assim. Nem mais, nem menos. E mesmo sendo o que é, sem jamais julgar-se melhor (ou ficar classificando suas amigas de fracas), tenho cá comigo que, nós, os que a conhecemos e amamos de verdade, sabemos do seu real valor. E, cá para nós, não por ela ser minha companheira há mais de 15 anos e mãe de minha filha, mas, quando é que nós conseguiremos chegar lá mesmo? Hã?...


 

 

AS MARIONETES IRACUNDAS E ANALFABETAS

(70-Publicada)

 

E assim, sem mais porque, com toda delicatesse que lhe concerne, o boçal genioso tasca algo parecido com “o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende”. Nos parece algo disparatado para quem mal e porcamente deve saber assinar o próprio nome e vive trocando “s” por “ç”; almoxarifado por almocharifado; “fizer” por “fiser” e outras anomalias e aberrações que assassinam a nossa língua! Arre!, que coisa agourenta e sem compostura! Que falta de conteúdo! Que vazio interior! Que disparate o meter-se a exercer profissão sem, no mínimo, ter aprendido a escrever o elementar, o essencial! Que vergonha!

Marionete? Ora, pois! Carne de pescoço, ranço e quase estereotipadamente comadre! Que paspalhice! Que asno disfarçado de anta! E a flor é espinhenta e rancorosa. Encarniçada e virulenta. Como todas as flores que se prezam, adoram estardalhaços; são vingativas e pegajosas. O único problema é a incapacidade de pensar. Não possuem o hábito do raciocínio. É necessário que outros façam por elas, as enrustidas paroleiras de esquinas. Com aquele sorriso de dromedário sonso, à caça de podridão, da carniça. É da própria natureza de alguns animais. Eis o reino dos animais. E dentro deste reino há escala evolutiva. Alguns, apesar da aparência, sequer chegam a sair do primeiro grau dentro da escala. E nascem e morrem amebas. Ou algo no gênero. Se é que merda tem gênero, além de odor, peso e intensidade. Sem nos atermos ao ódio, na maldade, na inveja, na perseguição e na falta de capacidade. Será que extinguiram realmente com o MOBRAL? Pena, né?

O paspalho arrogante, marionete das velhas cobras que todos conhecemos, ainda se faz de santa. (É, SANTA mesmo). Ou melhor, tenta. E a prepotência? A empáfia? Aquilo é natural num ser humano ou todo imbecil pensa ser o que jamais será e, portanto, se reveste/traveste qual fosse rei de França? Teria no lugar do cérebro o que os normais possuem nos intestinos grossos e delgados? Ulalá! Touche! Ataca um, não consegue polêmica. Irado, furibundo, vira-se contra outro. Nada. Seu lema é jamais desistir: destilar veneno; arrumar intriga e sarna para um futuro não muito distante. E arrogante arrosta vomitando: “Meu advogado”. Como se todos não conhecessem “seu advogado”. Aliás, toda a canalha é bastante conhecida por todos nós. Mas continuar escrevendo “disse” com “Ç”, “diçe”. Assim mesmo! Ou pérolas parecidas sobre as quais quaisquer comparações não passam de meras tentativas de explicar o absurdo. E tem gente que acha lindo. Ou o senso do ridículo desapareceu por estas bandas? E tudo porque a maldita inveja mata.

Inquérito policial? Processo? Contra quem? Os que estão sendo perseguidos sistematicamente? Neste terrorismo ideológico descarado? A perseguição acirrada, sistemática, ideológica, constitui-se em crime. Mesmo porque causa incontáveis danos. Dentre eles, o psicológico ou, mesmo psíquico. E quando não há limite para tantas anomalias e tais perseguições prejudicam não somente o perseguido, mas grupos de pessoas, a sociedade, o patrimônio público, a família, as Instituições? Ah, o “advogado açegurou?”. Pois é!!!! Em pleno Seculo XXI, Terceiro Milênio, existem tais aberrações à solta! Em casos assim, o Ministério da Saúde deveria intervir. Perguntem por onde tem andado e saberão quem é e quem são. Talvez esteja chegando o momento propício para começar a deixar a compostura, a ética, os princípios morais e descer ao nível — que coisa mais execrável —, dos estúpidos e idiotas para que a justiça seja feita. Ou seria melhor continuar ignorando e sendo perseguido? O grupelho acha lindo. Não é à toa que não passa de um grupelho da mesma estirpe, cuspido e escarrado. Mas não deixam de ser interessantes. Todos os perseguidores rancorosos envolvidos e empenhados nesta luta contra determinado partido e alguns filiados do mesmo. Não gostar e até ser contra um partido, é direito de todos. Mas patética e imbecilmente viver em função de degenerar e agredir um partido e seus filiados, é mais do que obsessão e disparate: é doença crônica. E pelo jeito pega. Tem muita gente que já pegou. Tem coisa que incomoda mesmo. É o preço.

Bem, de leve, os envolvidos e os envolvimentos dos mesmos em malandragens, falcatruas e sacanagens que vão desde traição familiar, calote e inquérito policial, são algumas das sujeiras que eles vivem escondendo sob o tapete pensando que ninguém vai passar a vassoura naquele local um dia desses qualquer. Mas a marionete principal, boçal e deslumbrada, não percebeu para quem vai sobrar. Não, ela acredita ser inatingível, inatacável e vacinada, a desvariada. Aliás, se você ainda não vacinou o seu cãozinho lambedor de pés, faça-o porque a raiva (hidrofobia), mata! Como não temos problemas com raiva, ira, ódio, virulência, rimos e não matamos nem moscas. Nem moscas nós matamos. Aliás, sequer perseguimos moscas. Mesmo que elas continuem nos perturbando. E isso, bem, isso é somente o início do que não nos parece estar cheirando bem. Ou melhor, está nos parecendo que há urubus rodeando esses reizinhos de França sem reinado. Corre atrás, corre! Tenta ser algo parecido ao que somos. Tenta inventar algo diferente daquilo que fazemos. Procura ser gente, pelo menos. No mais, com licença, mas estou com o estômago embrulhado por ter que pensar tanto tempo em algo que não vale um segundo sequer de minha atenção. Cresça, filho. Cresça! Torne nos mesmos passos, faça o MOBRAL, adquira ética (aprenda o que significa), leia mais, arranque esse ódio virulento da alma, aprenda a ser humilde e a respeitar o próximo e tente outra vez. Jornalismo se faz com princípios, ética, moral e razão. O coração, deixe-o com seus humores e venenos. Vai melhorar, vai! Ou melhor, vai aprender a escrever, pelo menos. É o mínimo que você pode fazer para deixar de ser ridículo e boçal Faça esse favor para você mesmo e deixe de ser marionete e patética. Ufa!


 

 

MORRER PARA RENASCER: O QUE AGONIZA NÃO IMPLICA EM SILÊNCIO

(71)

 

É incrível como tudo o que, à princípio, se nos parece impossível, de repente pode transformar-se de forma radical. E ainda mais, tudo o que mais necessitávamos e buscávamos, pode perder a velha conotação e importância. O que nos leva a acreditar que tudo o que é realizado com segundas intenções, medo, ironia e pressa desnecessária, sempre termina em problema maior que poderia ser evitado com serenidade.

Há, infelizmente, nos pequenos municípios em que o mercado de trabalho é restrito, uma certa dependência da qual todos tiram proveito. Menos o prestador de serviço que acaba usado, mandado por todos, ironizado e facilmente descartado. Quando fomos convidados para participar de uma licitação, passamos o diabo. Sem dormir, zanzando feito zumbis pela casa e pelas ruas e ainda, algumas pessoas, com intenção em ajudar, “dando uns berros em nossos ouvidos para que despertemos”. Contudo, há alguns pesadelos em que, por mais que desejemos, parece impossível despertarmos e nos libertarmos das amarras que nos prendem a esta ou aquela situação vexatória.

Após ralar a noite toda, pegar filas, pagar mico e sem mais pique para, sequer responder às provocações, visualizamos a situação, colocamos na ponta do lápis e percebemos que não valia a pena as pequenas exigências displicentemente impostas. Não valia porque, por menos ganancioso, ambicioso ou desinteressado em faturar, não há cristão sobre a face da terra que trabalhe acorrentado para mal e mal conseguir pagar as próprias contas. Extenuar-se até acabar com seus neurônios sempre “sob ordens de um batalhão”, para no final do mês, ter que ficar dividindo as migalhas do faturamento entre os que lhe emprestam o crédito para a farmácia, o mercado, a roupa da filha, o pão.

Perdi o interesse completamente. De forma definitiva por estes e outros motivos. Um grande jornal faz o preço que é tabelado e vai de encontro proporcional aos seus gastos (mão-de-obra especializada, papel, tinta, telefone, Internet e outros), sempre visando um lucro para a empresa. O que não ocorre com os pequenos que, além de, praticamente trabalharem de graça, acabam assumindo compromissos que comprometem os princípios editoriais do jornal. E ficam presos e restritos às “boas-novas”, sem nunca poderem realizar a menor crítica que seja.

Pensei: esperto é o que se não se rende e continua indo à luta com disposição, vigor e desafiando as imposições. Concluí que havia Justiça na Lei de Responsabilidade Fiscal e quanto ao processo de licitação. Ora a Lei obriga e os que estiverem dentro dela, sem que nada os impeça, possuem o direito de participar. Fui correr atrás, regularizar algumas pequenas pendências e, após decapitar o “Bicho Papão”, perdi o interesse completamente. Recebi propostas muito melhores e até ajuda para sair fora da situação “quase deplorável” em que me encontrava no momento.

Liguei para o “Diário da Região”; para dois amigos empresários que, repassaram para dois ou três deputados; entrei em contato com a família e, pela primeira vez, tanto da minha parte quanto da parte da família de minha esposa, recebemos algumas propostas e opções de cunho positivo. Ora, são 24 anos fazendo malabarismos e não encontrando segurança e muito menos paz. Não há quem sufoque tanta barbárie. Ser conivente com o que nos mata é consentir com o suicídio. Afinal, conhecem o meu trabalho. Meus defeitos e os meus limites. Sobretudo a capacidade de fazer quando necessário. Mas eu, simplesmente, perdi o interesse. Perdi a vontade. Perdi a esperança de que tudo isso venha a ser mudado enquanto não houver inovação radical. E como realizar inovações e acabar com a “velha e viciada politicazinha que assola este município, o estado e o país?” No mínimo, tomando decisões radicais. Pensei: chegou a hora. Não há mais o que esperar ou porque continuar dando murro em ponta de faca. E continuei buscando acertar a situação para, simplesmente, estar em paz. Acertei. Tenho uma Empresa que não é micro e não será fácil mantê-la. Mas tenho algo novo: a liberdade. Coragem e aptidão para desafios. Porque já passa o tempo e não sou empregado há muitos anos. Sou um prestador de serviços. Tenho que ser convidado a sentar-me, negociar e vender o meu produto pelo preço justo, sem passar por mero mercador de terceira categoria. Que me perdoem os que procuraram me ajudar ao longo deste processo. Levei 24 anos para despertar da letargia e perceber que tenho o meu valor e meus negócios e que eles, têm seu preço porque eu paguei o meu preço para conquistá-los — valor e negócios.

De forma que, ciente que não valia mais a pena, apenas continuei para ser justo comigo e com a sociedade. Para com o Estado e a classe jornalística. Os profissionais do setor e o leitor que recebe a notícia. E para finalizar sem ser extremamente radical e pessimista: posso adiantar o que acontecerá daqui dois anos. Enquanto um for privilegiado mediante o todo, haverá injustiça. Enquanto um construir para outro destruir, haverá atraso e ignorância imperando. E onde a ignorância imperar, nada vai mudar e tudo continuará eternamente o mesmo: alguns tirando proveito e outros servindo de capacho e escadaria para os oportunistas e puxa-sacos e chegados das panelinhas. Sinceramente? Uchoa vai continuar dando um passo à frente e três atrás. Quem tiver consciência disso, certamente perderá o interesse em muitas coisas. Aliás, em quase tudo. Eu perdi e se não houver mudanças radicais, perco a compostura e minha própria sanidade. Porque, somente sendo débil mental, louco ou parvo para aceitar essa retrospectiva de 24 anos de história. Me perdoem pela franqueza mas era necessário que alguém dissesse o que estamos presenciando e que nos parece tão incoerente quanto a aceitação. Torço para que haja mudanças, é claro. Torço e acredito porque, após nós, outros virão com mentalidade realmente voltada para a coletividade e o social. Em suma, é necessário morrer para que se renasça das cinzas. Passou do tempo e da hora. Mesmo porque, o que está a agonizar não implica no silêncio necessário para que se possa pensar com acuidade e bom juízo.


 

 

BOM DIA!

(72)

 

Disparatada esta manhã que nos desperta e nos arranca abruptamente de sob as cobertas e o sol sequer ainda bocejou mas nós já bosquejamos o velho quadro metafísico do dia. Diário mental na tela pendurada na parede do imaginário. Sopro gélido, glacial, abre as asas sobre nós, o velho futuro. O inimigo sorri do outro lado do espelho. Inimigo imaginário — plasmado pelo coletivo mais que real, pesa e sopesa trancos e solavancos da sua própria confraria. É feliz em seu rancor e armadilha. Não sabe ao certo se, distante ou perto, boceja lampejos de furor. Há rumores de que soam os velhos atabaques. Enquanto isso, nos encolhemos — instintivamente. O medo do desconhecido é o medo da escuridão. Haker mental a nos invadir o sistema e a trabalhar. Tal qual a traça que inicia seu estrago pelas bordas com a finalidade da pane central. Penso: “Ora, bolas!, isso vai mal”. Ou melhor, acho. Contudo, desdigo ou “despenso” o que conheço e reconheço no olhar furibundo do algoz. Sei que alguns rosnarão. Mas há vacinas para todos eles, animais boçais. Eles têm medo de alho e cruz. Da prata e dos raios do sol. Enquanto isso, preparo meu solilóquio. “Colóquio onde, Melquíades?”. A pergunta soa estrábica feito o amigo traidor. Pobre Judas Iscariotes! Por detrás de sua escrivaninha de trabalho ele sorri, o otário contente.

E a vida sorri com o raio de sol que se lhe abarca e revigora com novas energias. E sem rima alguma repenso quanto a índole dos farrapos humanos que nos cercam, disfarçados em anjos mal-amados, Malharmé. Pois é, se o pouco que nos resta desta festa, já se encontra engendrada na “Roda Viva”, com suas engrenagens rangendo ensurdecedoramente. Mas isto aqui sempre foi um lugarzinho atrasado mesmo. De cabeças mesquinhas e doentias. De possessos e iracundos. Hidrófobos, eles babam e arreganham seus dentes com o ódio que lhes corrói as entranhas. São sempre os mesmos. Gira a roda, o mundo, o planeta é azul mas são almas empedernidas e agrilhoadas/labirínticas e vingativas. Este menino desatento, abandonado ao colo da Madona sorri absorto a observar anjos, arcanjos e querubins. O velho índio acocorado à porta, ergue um pouco o olhar me diz em sua ancestral sabedoria: “Nada debaixo do sol, hã?!”. Respondo que não e saio da cena.

Obstinadas as velhas raposas cruzam pelo caminho sorrindo e espumando à espreita. Mas eu sempre disse, para forró, somente sanfona e suor. Além do mais, por pior que possa parecer, adoro desafios porque me parecem desaforos. Além disso, amadureço lento feito o rebento e sua sina. Eu sou rústico mas jamais deixei de sonhar e dar importância às pequenas coisas que nos rodeiam. Atento aos humildes e simples, caio fora da fila e vou reinventar meu destino. E quem vai poder dizer que não? Sem fantasia, sei quem sou. Mas e eles? Será que algum dia conseguirão arrancar do rosto a máscara que os esconde da vergonha que humilha? Onde a coragem? Onde a ousadia? Onde, ou melhor, de onde vieram tais anomalias?

Digo ao dia que é bom e tudo é assim, assaz belamente grande feito a própria imensidão dentro da alma serena. Como não nasci para Quixote e muito menos para Rocinante, desdenho os moinhos e parto em busca de outras paragens. É necessário repensar a vida. Há excesso de responsabilidade em ser e estar. Mas eles levarão muitas luas para descobrir quem são, o que são, para que vieram e no que estão se deixando transformar (osmose), além de meros idiotas manipulados e manipuladores que se atrofiam mental e moralmente. Pobres dementes! Continuarão se engalfinhando por longas eras e hão que trucidar com tudo e com todos os que, os caminhos lhes cruzarem. Pois que o façam, doentias almas embaçadas e enlaçadas à mesma sina. Peço licença ao dia e saio para as ruas. Vento frio. Revigorante. Como trago dentro do peito um coração maior que minha própria altura, deixo e sigo meu caminho. Um passo pós outro. Os galos cantam e nem triste, nem contente, somente continuo tentando ser gente. Nem mais, nem menos. E gente, como disse o poeta, “gente é pra brilhar/não pra morrer de fome”.


 

 

PARTO PORQUE ESTOU MORRENDO AOS POUCOS

(73)

 

Sei, não foram as palavras que decidiram entortar o meu destino. Sequer o mero acaso pode ter algo a ver com tudo isso. Mesmo porque, tenho andado emudecido e sucinto. Na medida do possível. No entanto, mais uma vez, parece que resolvem me expulsar destas paragens. E aqui vou eu!

Nada locupleta e tudo transborda. Parece tão fácil odiar o que não se consegue compreender. Para eles lá, evidente. Porque há um doberman de plantão para vigiar e policiar os teus passos. É um doberman já velho, caquético e no entanto, não conseguiu se desvencilhar do ódio que lacera sua alma e mente. Por detrás das aparências, Joaquim Silvério dos Reis, repete o pobre Judas Iscariotes. Então, quando mal percebemos, passamos a desconfiar de nossas próprias sombras. Estamos cercados. Os traidores passam a ocupar todos os espaços. A matilha ladra e uiva. E o sol esconde-se atrás de negras e densas nuvens. Por isso, continuo criando metáforas. E sem que percebamos, sou eu, a minha própria criação metafórica. Tento evitar o riso. Impossível.

Fico rindo feito besta. Já sangrei o que havia. A estrada é sem fim. O ódio deles também. O planeta sacoleja com suas pulgas e dromedários. Tanta teia de aranha atrás das estantes e nas mentes dos beócios! E eu que compunha canções e fazia serestas! Eu que varei madrugadas insones tentando encontrar a palavra correta. Observo apático o alvoroço por tão pouco. E o tempo parco. E a vida que se esfuma num repente. Num repente, essa gente que nunca dá tréguas à si própria e vive ruminando e rosnando. E que vai morrer. Afinal, todos morremos um dia. Não consigo controlar o riso. Puro escárnio. O escárnio para a esbórnia. Daria talvez um bolerão. Um acidente na pauta. Um bequadro, bemol ou sustenido, quem sabe? Mas tudo é indiferente quando há um doberman em seu encalço. Cuidado crianças!

Essa cidade serena sequer desconfia sua sina maltrapilha. Porque esta é uma região obscura em que a existência não vale as lágrimas dos filhos dos homens. Purgatório, umbral ou inferno.. Não importa o nome. E eu tenho andado pela hora da morte. Um horror, fatalidade de novela mexicana, mas é real. Solfejam os pulmões sem vontade alguma. Sem sonhos ou desejos; sem esperança ou futuro, vivo e morro aqui no escuro deste porão sombrio. E essa gente atrasada! Saio para as ruas e sinto ímpetos de berrar que já não há mais espaço para a ignorância e o ódio. Que é necessário que evoluamos. Contudo sei, eles não me ouvirão. Não podem ouvir ou ver o que não desejam. E a verdade lhes fere as retinas cegas e os ouvidos moucos. E eu tão pouco, tão nada, peço licença e saio. Saio porque já não há mais nada que possa ser feito. Eles vieram, adentraram minha alma e roubaram o pouco que me restava. Longa a estrada. Antiga a minha sina, cumpro-a da melhor forma possível. No mais, sequer espaço ou desejo para a crônica encontro mais. E basta! Basta porque sei, estou morrendo à cada dia. E antes que tudo feneça, melhor que eu desapareça. E digo adeus. E não ouço resposta. E parto. Mais uma vez. Simplesmente, parto e isso é tudo.


 

 

SEM PÉ NEM CABEÇA

(74)

 

Pode ser que seja a insanidade mental. Quem poderá dizer, afinal? Meio roto, meio torto, quase morto, fico observando os paralelepípedos e rindo da vida. As peças que a vida nos prega. E amanhã? Bem, o amanhã nunca existiu. O ontem já era. E este momento é ruim. Um momento terrível, de insegurança e incertezas.

Jamais sorria e menos ainda, demonstre a felicidade. Eles estão te observando. E algo está para acontecer. Em verdade, por todos os lugares pelos quais passei, jamais vi tanta ignorância quanto em Uchoa. Que atraso! Que imbecilidade! Viver, é morrer nesta cidade. A cidade morta das varejeiras. E eu ando pelo avesso. E eu ando sem tino. E estou cagando para a política local. E já me cansei de levar porrada para nada. Brasileiro, sou a cara do país: sempre marcando passo sem sair do lugar. Sem lugar algum para me perder ou me encontrar. E eu não sei de nada. Não quero saber. Não desejo ficar sabendo. Prefiro permanecer por fora, alheio e distante. Porque estou enfarado. E nada do que fazem ou dizem, põe sentido neste viver. No entanto...... (Eis que mais uma noite se foi e hoje já é outro dia).......

.....Em minhas tantas andanças, já encontrei todo o tipo de gente. Ainda assim, às vezes, encontro nas pessoas algo inusitado. Como a vida, por mais complexa e atribulada me possa parecer, aprendi também, a pesar e ponderar. Afinal, foi para isso que nascemos com a capacidade de raciocínio. E reza o bom e popularesco ditado: “melhor um pouco, do que nenhum juízo”. E como Jesus já disse à seu tempo e modo, “Tudo o que não presta morre por si mesmo”. Por isso, tenho cá à tiracolo que, na maioria das vezes, o silêncio é bem mais fortuito que a ira ou as maledicências. E o perdão sobrepuja o que odeia e faz-se bálsamo para quem não aprendeu a amar e a pensar no Todo como Um e no Um como o Todo. Então, apesar dos pesares, dos contributos para nossos mais ínfimos erros, nós somos responsáveis por nossos pensamentos, atos e ações. E fim de papo “que eu já estou de saco cheio”. E acho que esta crônica tinha que sair assim mesmo: sem pé nem cabeça que isso é lá coisa dos homens. Eu, bicho do mato, eu não to nem aqui!....


 

 

MULHER INGRATA/INGRATA MULHER

(75)

 

Oh, mulher ingrata/ingrata mulher! Tu me deixaste tão feliz, contente, demente, a sorrir sem graça, pela praça, com desejo de encher o pote de cachaça, sambar, dar vexame e depois, bem, sei lá! Oh, ingrata mulher/mulher ingrata!

Um dia, apaixonado, te declarei meu horror/amor e com ardor, escrevi uma crônica sem muito louvor: tão feliz, te chamei de lesma e hiena! Morrindo de Chorrar. Digo, morrendo de sorrir. E você, que jamais conseguiu entender uma linha sequer do que escrevi ao longo destes 24 anos, jurou vingança sua lambida, toupeira, anta! Pelo amor de qualquer coisa, não me caia de quatro que eu não quero te ver pastando pelo resto da existência!

Quando dominga por estes rincões cacofônicos — oco do mundo —, sei ser somente uma rima e jamais uma solução, como diria Drummond. Porque, mulher, com teus penduricalhos, parasitas mamando em tuas tetas e a vassoura que te leva pelos ares feito a bruxa má da história, é uma charge perniciosa, inglória para teus vastos conhecimentos, ações e meditações que penso: pombas, é uma hiena, afinal!. Mas com uma diferença: acho que as hienas não somente riem e gargalham. As hienas não são alface e parecem pensar. Ainda aprendo a te amar porque sei, no fundo de seu coração negro, aprendeste a me adorar. Você e os parasitas de gabinetes, secretários, e outros babados!

Vamos! O mote para a glosa e a glosa para o mote, SE TE MONTAM, seguramente, sairás À TROTE!. Mulher esperta! Poço de ignorância, fossa da intolerância, águas polutas da perseguição no poder, se desejas vir, venhas: pode me pegar, mastigar, degustar, engolir, comer. Mas, por favor, preserve meus caroços e não vá te engasgar, sua sacripanta beócia, acéfala!

E agora, somente o mote — não consigo conceber o que te vai pela cabeça oca, se babas, zurras, escoiceias, ruminas e ainda te fazes de santa. E a glosa — quanta parvoíce! Mas volvamos ao teu retrato que trago guardado nas paredes da memória. Mulher dourada! Mulher insana! Tão profunda/mente/demente, já não consegues dormir e passas o dia dopada e entupida pelo diazepan. Ruminas e não sonhas. Maquinas a quem destruir, além de ti? Certamente, e solta gases que te empestam a mente. Vai, desvariada! Vai que a vida e o poder são pouco e o tempo tão nada! Tudo vem, tudo vai, tudo passa. E amanhã serás ninguém. Nem lesma, nem hiena. Pelancas do cotidiano no aborrecimento desumano. Pelancas, estrias, celulite, celulose, celular da incompetência!.

E agora, por favor, me dê motivo. Me processe, pelo amor dos teus chupins! Por tudo o que pensas ser e jamais serás. Êia mulher velha e demente! Encosta mulher velha, manca, encosta. Encosta Jaguaré de carroça, encosta. Olha o barranco! Me de motivo para mais risos e gargalhadas. Careço esbodegar-me nesta pandora, pachorra, mulher vira-latas, cachorra! Teu cavalgar pelos corredores nos causa asco, humores. E sonhas ser tantas e no entanto, és nenhuma — nem — uma. Em suma, nada vezes nada. Apenas espectro a arrastar tua perversidade e ignorância pelos corredores do Executivo. Que fiasco! HIV do funcionalismo público. Cavalgadura do bairrismo. Ismo e lapso do Criador. Motor emperrando as engrenagens! Virose mal-amada! Assombração no porão da mente abarrotada em covardia e vilania. Pega teu assessor burro, hipócrita, incapaz (como consegue ser tão estúpido este filhote de asno com jumento?), e vão plantar batatas metafísicas! E eu te amo, mulher ingrata. Oh, ingrata mulher!

Mas deixemos de lado tanto ardor, minha garbosa (aux contraire), flor! Mumificada confraria, matrona de chiqueiro, boca de bueiro, olhos de serpente, gargalhada hipotética — sem estética zurras, já disse. E dá-lhe santa! Enfim, no fim, tudo finda. E eu te amo/nos adoramos ainda. Você me vampiriza e eu te exorcizo, alma penada, grande mosca varejeira, mulher da besta refestelando-se nos banquetes. Sentimos o odor dos urinóis e detonamos com os aerossóis, porque não suportamos teu fedor. Ai que horror, quanto espanto, que surpresa! E rima com teu nome, mulher do mal. Oradora de estrebaria! Vernáculo desconexo na perplexidade do léxico. Que gastura! Que porcaria! Não fosse nossa paixão, nossos amor tão profundo um pelo outro, juro que te comporia uma canção — de zona, puteiro, claro! Mas não posso. Sinto muito, safardana. Eu simplesmente não consigo sequer pensar em nosso amor: sinto ânsias de vômito e desejos e morrer. Ou melhor, de chorrir por tanto morrar! Oras bolas, vai mulher, vai mula manca, anta, lesma, hiena!, vá te catar e deixa a gente em paz! Você e sua tropa de animais!


 

 

O QUE NOS BASTA É O QUE DESATENTOS NÃO PERCEBEMOS TER

(76-Publicada)

 

Busco explicações. No entanto, explicações não há. Peso, pondero, faço, refaço e nada. Resta sempre este ranço. Incoerência amorfa. Pélago abissal. Umbralinas restingas e searas crepusculares. Esperança apática no bolso vazio. A vida é para os espertos.. Os lépidos, ligeiros. Para um multívolo, sonhador, a dor é vária. Contudo, para todos, nos parece o mesmo. O que nos atormenta, na maioria das vezes, também é o que nos alenta. O que nos sustenta nesta jornada, afinal?

Desperto e observo atento. Lá fora, a mesma cantilena. O coxo zomba da sombra que o acompanha. A nota falsa do argumento ressoa distante. Velho mouro, nômade, errante.. Meu pensar, penar, sentimento. Não sei se conseguirei me expressar. Dúbia a frase anexa, perplexa queda vazia e sombria. O que há não havia. O que supúnhamos houvesse, hoje sabemos, não há. Vazio engendrado no próprio vazio do ser.

Penso que penso. Penso que posso, porquanto, sonhar. Contudo, o que penso não possui peso, preço, apreço. Insipiente. Insustentável a leveza do ser o que suposto possa, passa. Embaça o destino o tatear às cegas, sem tino desatino. Houvesse na melancolia a magia do embaraço, esboço, bosquejo mal traçado.

No quadro a parede. Fotografia envelhecida. Vão-se os anais, restam trocadilhos em meio aos resquícios da história. Pisamos em falso e torcemos o tornozelo. Por isso, não acredito nesta manhã que da lida, se faz laço. No que aperta do colarinho, o pescoço aço. Ferro e concreto nas mãos vazias e frias. A manhã boceja o sono amanhecido no pão sobre a mesa. Amargo gosto que tragamos morosos. Da lida, o futuro ouvida. Escarnece o que tece no manto o pranto no prato vazio. Tanto que, abro a porta e miro distante o horizonte insólito e rio. Rio porque nada peço, mereço, teço no adereço que nos recobre a silhueta emoldurada no vão da porta aberta.

A vida, a lida. Consumamos o fato. Consumimos a fábula em fumaça feérica que nos turvam os sentidos. O que resta é o que somos e o que somos é o que supúnhamos pudéssemos ser. Não o que de vez, talvez. A manhã que nos rapta com sua farsa, força a paciência. Clara evidência. Clarividência. Claro. Na batalha o que falta, retalho que entalho para o enxovalho coletivo. Nós, os descartáveis; empecilhos agourentos, nos irritamos facilmente. Conquanto, nos façamos de contentes. Entrementes disfarçamos a angustia velada. Frágil o animal que nos habita os recônditos da mente e a calma. O que nos entristece, adoece, é a ressurreição dos farrapos. Eles passeiam sobre nossos telhados e canteiros. Saímos pela porta do fundo, ainda temos o mundo inteiro. Isso também nos salva e nos lava leves as plumas das asas que nunca crescem o suficiente. A alma calma. O coração dilata, cresce. Não cabe dentro do peito o que já não tem mais jeito. E fica o que desfeito pelo que refeito, malfeito.

Indomáveis pássaros metropolitanos. Antropofágicos meninos suburbanos. Velhas senhoras nas janelas fiando rosários sem contas, sem fim. E enfim, sob esse céu de anil, todos sonharemos. Todos somarão. Tropeços tropicais. Vorazes multinacionais. Gases poluentes. Argamassa mental, mefítica, etílica, abúlica. Sonâmbulos poetas de outras eras em que medram quimeras idas, vencidas, perdidas. Hera de outros tempos. Outros tempos!

Neste entardecer metafísico, sou todo solitude dentro, na alma em calma e melancolia. Sonho porque me parece natural que algum dia, sem que se perceba, todos seremos mais ou menos evoluídos — em todos os sentidos. Sobretudo, sim sobretudo, pasmem: estaremos a pensar — esta é a nossa terra e é por ela que temos que lutar!

Engraçado, mas continuo acreditando que um dia, todos seremos, simplesmente humanos. Sem deuses ou reis para nos fustigar. E diremos uns aos outros que, mais vale dividir do que somar. E repartiremos da mesa, o pão. Repartiremos a vergonha, o cobertor, a colheita, o chão, as palavras, a existência e como convêm entre irmãos, do chão, este mesmo buraco e o roto espaço no –de terceira —, apertado caixão. Sonho. E porquê não deveria? Se, afinal, o que nos basta nesta existência, é tudo o que, desatentos (ou demasiado ocupados), há muito temos tido e deixado de lado!


 

 

NEM SEMPRE TÃO RELAPSO QUANTO POSSA PARECER À PRIMEIRA VISTA

(77-Publicada)

 

Sempre fui ou, pareço ser, um tanto quanto relapso à primeira vista. Contudo, nesse sem jeito e chafurdado pelos recônditos e vezos de meu ser, seguramente, ainda que meio lerdo, ou como diziam pela brenhas e sendas do viver, “lengando” nuns passos morosos e sem querer chegar; esgaravatando o chão de terra, acocorado pelo terreiro, desde menino, jamais deixei de pôr tento nas coisas ao derredor. De natureza cismarenta, meio carantonha, sem muito jeito, “bascuiando” esses bichos sem preceitos que de, encontroadas, se remetem em cerca de pau, bufando, escarvando o chão e de tal que, vamos tocando a vida e deixando ser tocados por ela. Cada qual com sua filosofia e recursos com o fardo às costas.

Mais dia, menos dia, o caboclo acaba se despindo do que aparenta e se nos mostra ser o que realmente é. Questão de paciência e ciência que se carrega no borná da existência pelas searas e vales crepusculares da alma e da mente. Assim sendo, fico bestando meio indeciso nas divagações e nos porquês e conformes de tais e tais antes da conclusão tirada e tomada, que depois, aí soçobra aquela coisa de gente sem tino e sem caráter algum que, oferece com uma das mãos e recolhe com a outra. Esculhamba com as palavras que, na hora certa e precisa, sabe lapidar para desfazer o mal já feito. Esses são de pacto e aliança com o sem caráter. Tanto na política, quanto na vivência com seus iguais.

Dizem alguns que, na vida, ou se tem molejo, ou se quebra a cara n primeira contenda. Não sou todo e inteiramente contra. Se não se deixa ceder em busca do bom entendimento uma das partes, casmurro e turrão é que não se chega a bom termo em caso algum. Molejo é feito jogo de cintura. Coisa do bom político, do bom vendedor em seu palrar, dando a entender que o freguês tem sempre razão no levar vantagem sem levar coisa alguma. Confirmam os sábios filósofos da modernidade que o que vale mesmo é “a casca”, “carcaça”, “impressão” e o jeito com que se forma opinião quando se tem jeito.

De tudo o que aí posto, medido e comedido, já houve quem doutorasse com tese, tato e desconcertados, os membros da banca, vão passar o resto da existência pinchando fora, camadas e camadas daquela crosta que recobre a natureza do que nunca se mostra porque, no se mostrar, quem dera houvesse essência palpável e confiável!? Passei a noite me batendo contra moinhos inexistentes que, boa peleja também se trava na psicologia do fuzil ensarilhado e na estratégia das guerrilhas dos bardos a sonharem. E vim tateando, até que se me rompeu a manhã, com o piscar do sol tímido. De quebra, ainda se pôde ouvir um galo ao longe e passarinhos sem o peso do aço e do concreto em seus corações angélicos.

Senti um dó sem medidas desses que se forjam e se fazem amoldar para cada situação específica. O café frio não fumega e a melancolia disfarçada. Há um nó que não se desfaz com a porcaria do primeiro cigarro. Sarro e borra na mente que vai além da curva da estrada. Vandré me confidencia: “Mas se eu não caminho, sou não é nada/se tenho a poeira, como companheira/faço da poeira o meu camarada”. E a poeira virou lama sobre a chama que se apaga. Fumaça nos olhos congestionados. Sem descanso nem pousada, essa boiada dentro do peito; de carro e canga rangendo pela estrada e confins. Sequer olho para trás. Para não enfarar ainda mais.

Se me bato com esse bicho estranho que é o homem — alguns deles —, já tenho por experiência e bem medida, essa medida que não corresponde porque, quando o bicho nasce sem preceito, não há o que se lhe dê jeito. E sigo que a sina é seguir. Ainda que, para muitos, pareça parado o que se move.


 

 

E NADA COMO UM DIA APÓS OUTRO SE NOS FALTA INSPIRAÇÃO

(78-Publicada)

 

Tão logo os primeiros exemplares da “A TRIBUNA REGIONAL” passaram a ser distribuídos pelas residências, começaram a aparecer os bons incentivadores, eufóricos e radiantes com o sucesso — aparentemente —, garantido. Eu, na minha. Instrospecto e meditabundo, sopesando “trancos e solavancos” da vida, um novo empreendimento. Sempre fui assim, meio desconfiado para com o sucesso e a euforia.

Estava a divagar cismarento pelo quintal da casa, naquele entra e sai contínuos, preocupado com a próxima edição e o enorme compromisso assumido com a sociedade as nossas autoridades (?), desejando participar do momento de êxtase com aqueles que estavam me incentivando e, sinceramente, não conseguia. Tornei ao processador de textos, passei e repassei as matérias. Achei que não estavam da forma que deveriam. Pareciam-me truncadas, de difícil entendimento. Logo nas primeiras provas eu havia encontrado dezenas de erros e termos repetitivos. Então, crítico, tasquei que era necessário melhorar e muito. Que não estava como deveria e fim de papo.

As idéias passaram a turbilhonar; um matraquear incessante nas trincheiras mentais que me punha em alerta todos os sentidos. Pensei em que estava se tornando difícil escrever de maneira fluente e fácil. A idade, talvez. A ansiedade, desejo veemente de não errar. Mas tem que dar certo! O grande segredo é acreditar sempre. Vai dar certo. Já deu certo. E então, abria o arquivo do Excel e contabilizava. Discrepância. No Excel nada bate com nada. Muita dívida acumulada e rimas soçobrando fora da poesia. O que falta é o dinheiro que não havia. Ou havia e se escondia sob o manto das circunstâncias. E eu que pensava em poder me dedicar mais à Literatura e à Música! Passavam por minha mente, fachos de luz e nesgas, resquícios de tempestades idas. Alguns devem estar contentes, outros não. Mas, e a população, o município? A cidade, o cidadão? Afinal, ninguém é perfeito e não se pode agradar a todos à um só tempo. Sou mero escrevinhador, carente de incentivo e receptivo a sugestões e críticas. Bem, é esperar que não vão demorar.

Fui me deitar cedo. Demasiado cedo. Mesmo desejando sair para as ruas. Mesmo insone, contando carneiros, sombras e ignorando os fantasmas que nos rondam quando ousamos desafiar conceitos e preconceitos. Mas que ainda era cedo para comemorações, isso ninguém tirava de minha mente calejada e pejada pelos conflitos naturais.

Concomitantemente ao projeto do jornal, eu projetava mais três e, pensava com meus botões, mesmo sendo somente um, que não era de todo impossível levar adiante tais intentos. Uma semana após, alguns colaboradores começaram a desaparecer. Afinal, não se ganha dinheiro fácil com trabalho árduo e honesto. Enquanto o juiz não trila o apito, a contenda continua.

Mas eu já sabia disso. Apareceram outros, doidos para “uma carona”. Já que, não havia necessidade de empurrar o trem em movimento. Então, como em quase tudo em minha vida, tomei a decisão de continuar sozinho até o fim. Sempre fui meio turrão e cabeçudo com o que projetado e no puxar a carroça da existência. Então, vou e pronto. Há muito o que ser realizado. O importante é não esmorecer. O Excel que espere a sua vez porque, no momento, é a vez do Word, do CorelDraw, do Scaner e outros programas — software —, que sequer conheço. Por incrível que possa parecer, jamais naveguei. Sequer tentei acessar a Internet. Mesmo porque, sem a linha telefônica, torna-se reconhecidamente impossível. E numas de divagar, acabei apagando.

Desperto nesta manhã ensolarada, promissora, checando o material de trabalho. A pauta e me preparo para a lida. Vai ter que ser assim, um dia após outro. Um passo e outro, sem grandes alardes. Feito administrar o que, à primeira vista, já era. E digo às paredes que me cercam. Quem disse que estamos sozinhos? E nada como um dia pós outro se nos falta inspiração. Sem precipitações que o precipício é abissal.

Caminhando contra o vento, escarafuncho o velho e antiquado baú da memória; chafurdo-me alma adentro e toco em frente. Afinal, o que necessitamos, conforme Brecht, “são dos imprescindíveis”, os que lutam a vida inteira. Os demais, que continuem acreditando que lutar por um dia ou alguns anos, basta para que a missão infinda, seja cumprida. Como se nossa missão pudesse, realmente, ser cumprida em uma única jornada.


 

 

ALGUMAS CANÇÕES PRECOCEMENTE SUICIDADAS

(79)

 

(Algumas letras de músicas para meditação e divulgação de um parceiro que se foi adolescente)

 

O Velho e o Novo
—Júlio Pontes e Mauro Rueda—


Era uma vez o velho e o novo
gente correndo querendo chegar
Mas tudo embola, rola a ribanceira,
moço dê bandeira, mas chega pra lá
A gente sonha, o futuro espelha
A moça mostra o que tem pra dar
A bomba explode, o cachorro ladra
O jornal comenta, o fato está no ar
E o mundo gira no meu pensamento
De nada vale meu tanto pensar
O que eu invento, também já foi feito
O novo é o velho, mas o que é que há?
Refrão:
Atrás do muro, uma sombra espreita
A vida passa, não dá pra parar
Se tudo finda, o velho e o novo
É sempre o mesmo, nada vai mudar.

Centelha
—Júlio Pontes e Mauro Rueda—

Se o homem é o caminho que ele tece
O exercício que ele faz
O seu sonho, a sua luta
Nessa busca sem cessar
Se somos mais reais que a fantasia
Do Universo uma Centelha
Entre a dor e a alegria
Porquê não acreditar?
Que somos capazes de compor nosso destino
Como fabrica o menino
A sua pipa pra voar?
Acreditar que a paz ainda é possível
Que a justiça é uma semente
Que a gente traz dentro do peito
Aflita, grávida, por brotar
Se somos mais reais....
(repete) e (refrão)
Que somos capazes de compor nosso destino
Como o menino fabrica a sua pipa pra voar

Tudo sem Mágoa
—Júlio Pontes e Mauro Rueda—

O que vamos contar, amanhã, se alguém perguntar da vida, da vida?
Coisas vazias de uma geração, canções sem nexo, talvez
Tudo sem mágoa
Diremos do velho silêncio, coisas que nunca fizemos
Do medo aprendido, guardado, dos sonhos que se apagaram?
Corremos tanto por nada e nos perdemos de nós
O tempo passou e é o mesmo, mas nada disso importa
O que mudou, afinal, senão os nossos segredos?
E eu cortei os cabelos, deixei a estrada e não tenho nada, nada, nada.. pra dizer, pra sonhar.

Parceria — O show — 1.990
—Júlio Pontes e Mauro Rueda—

Os anos passam de repente
E a gente nem percebe que tudo o que era sonho, se finda e é só desilusão
Se lembra daquelas canções, que juntos fiamos ao luar?
O seu violão e o meu, tecendo acordes pelo ar..
Onde deixamos os sonhos de então, o que fizemos do que era canção?
Hoje não vemos mais serestas
Findou-se, enfim, a nossa festa
E o que nos resta, agora, então?
Viver sabendo em nosso peito
O sonho desfeito, a inspiração
O seu violão e o meu, sem ter mais nada pra contar
Onde deixamos os sonhos de então?
O que fizemos do que era canção?)

Plantas e Animais
—Júlio Pontes e Mauro Rueda—

Alguém maluco como eu
Alguém pirado como nós
Que veja os sonhos dessas plantas
E os sentimentos desses animais
Alguém que não finja ser rei
E nem esconda o seu vil
Alguém que seja transparente
feito as águas de um rio

Refrão:
Mas é tão difícil ser alguém
Quando se quer ser o que é
Já não podemos mais fingir
Sejamos Charles ou Mané

Alguém que não morra de medo
Quando disser tudo o que é
Alguém que seja simplesmente
Tão simples quanto o que se é
E enfim, alguém que seja gente
Porque ser gente é ser o sol
Talvez bem mais que a rainha
Ou o rei, se o rei é tão normal

Refrão:
Mas é tão difícil ser alguém
Quando se quer ser o que é
Já não podemos mais fingir
Sejamos Charles ou Mané.

 

OBS: Mauro Rueda e Júlio Pontes montaram o “Grupo Garranchas” e deram à luz em parceria, mais de uma centena de canções para os shows: “Sob o Claro do Luar”, “Um Simples Marginal”, “Parceria — O Show”, e “Mauro Rueda E Parceiros”, com Júlio Pontes, Benê Ferreira, Lori Ferreira, César Menegueti, Gislaine Carvalho e Fernanda Barrios. Além de comporem outras tantas que não foram encaixadas em shows. Participaram de festivais e, Júlio partiu como quem sempre foi — ousando ser o que era, aos vinte e poucos anos. A nossa sincera e singela homenagem à justiça dos homens de toga e um vazio abissal em seus cérebros.


 

 

PÓS/FÁCIL NADA FÁCIL

(80)

 

Sempre sonhei em terminar algum texto com a página em branco. Sem uma letra, um pingo, um ponto ou algo que possa ser visto com os olhos e analisado em conformidade com os intestinos. Sobretudo em Uchoa, onde todos são gênios e eles, gênios, brotam do asfalto, das ruas esburacadas dos bairros carentes, na privacidade do quintal da gente (sem pedir licença, claro) e outras anomalias que podem parecer o fantástico/real ou real/fantástico. Mas não são. Simplesmente, tratam-se de aberrações mesmo. Qualquer coisa tipo, “Fimose Mental”. (Sinto muito Sr. Olavo Carvalho, mas é inevitável não citá-lo todo o tempo por estas paragens). Contudo, não vou me aborrecer.

Pedi para algumas pessoas acessarem a eBooksBrasil.org — os ex-amigos de partido, por exemplo e, outras com as quais convivi ao longo destes 24 longos anos e, sequer tomaram conhecimento. Por outro lado, a secretária da Câmara, Andreia, abriu uma pasta com meu nome e baixou meus livros. Se esqueceram que muitas vezes fui fazer palestras sobre Jornalismo, Literatura e Música nas escolas municipais. Montei musicais infantis e adultos e reescrevi e dirigi peça teatral para gincana com os alunos. E a memória uchoense continua curta e objetiva: não tem tempo para a literatura/leitura.

O intento é outro: se tivemos o PRÉ, talvez um PÓS, caísse bem. Já que, há uma batelada, calhamaços e calhamaços de crônicas, contos, poesia, teatro, algo que parece uma ou duas novelas e pensamentos e textos e letras musicadas e letras para serem musicadas — enfim, uma vida de material por ser digitado e o tempo é um lapso, átimo, relapso e todo esse material — plasma, multiplica-se, mutante e não sossega porque enquanto escrevo um livro, outro fica tentando ganhar forma e ocupar espaço alheio e acaba em balbúrdia, desorganização e lá se vai por terra toda a pauta de trabalho. Mas, enfim, o que for possível, seguramente será feito, com exceção, é evidente, das centenas de Editoriais que eu “fui obrigado a descaradamente esparramar em laudas e laudas” e hoje, não suporto sequer olhar para os arquivos. É evidente que, dependo e muito, do pessoal da eBooksBrasil.org, à quem devo a oportunidade e acolhida. Sobretudo o Sociólogo, editor e mantenedor da editora, Sr. Teotonio.

Promessa: assim que terminar de digitar as crônicas, toco fogo em 24 anos de arquivos. Está faltando espaço em meu quarto e como alguns lugares e pessoas parecem não dar a mínima importância à sua própria história., “Fogo nas Cartas” e, vamos para “O Bestiário (Diário de Uma Besta)”, “A Torre de Babel”, “As Memórias de Um Inseto Brasileiro” e o já revisado pelo Mestre Bechara do IBILCE, “A Cidade Morta das Varejeiras”. Este, somente quando eu cair fora de Uchoa em definitivo. Nem que seja...

 

(FIM)

 

São José do Rio Preto/Uchoa. — 2003.
Mauro Gonçalves Rueda.
maurorueda@uchoanet.com.br Maurorueda5@hotmail.com

 

PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DA OBRA.
DIREITOS RESERVADOS PARA MARICY REGINA DE CASTRO RUEDA E JOYCE DE CASTRO RUEDA.
REGISTRADO NO EDA DE ACORDO COM A LEI N.° 9.610/98.
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. BY: MAURO GONÇALVES RUEDA.


 

©2003 — Mauro Gonçalves Rueda
maurorueda@uchoanet.com
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Fevereiro 2003

 

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