Crusp68 — Memórias, Sonhos e Reflexões
Coletânea-Documental de ex-cruspianos

Fonte digital
CRUSP68
WordPress.com — weblog
Novembro 19, 2008 by acmolina

Imagem da capa
Crusp, vista geral, 1968

Transcrição para eBook
eBooksBrasil

© 2008 Crusp68
USO NÃO COMERCIAL * VEDADO USO COMERCIAL


Nota Editorial

Esta é uma edição pré-comemorativa, de uma obra que se pretende em processo, graças à tecnologia dos eBooks.

Em “cola e papel” teríamos que esperar a coleta de todo o material, ordená-lo, editá-lo, revisá-lo, para obter uma primeira prova. Em resumo: o que aqui está é uma pré-pré-pré edição.... e bota pré nisso. É uma simples coleta do material disponível em um dos blogs e no site Crusp68, com repetições e como foi colocado pelos cruspianos, sem revisões e sem a preocupação de publicação. Como os pensamentos vão soltos, nos e-mails, nos blogs e nos comentários.

Mas é um registro, no estado em que está, dos preparativos para o encontro de 29.11.2008.... e um convite para uma edição que de fato registre este período tão rico de nossas vidas.

Com afeto e um abraço cruspiano, eBooksBrasil.


Press Release

Para que haja coerência nas notícias divulgadas pela imprensa, a Comissão Organizadora resolveu concentrar num pequeno grupo a responsabilidade pela divulgação, entrevistas e depoimentos. Para alicerçar a linha jornalistica a comissão preparou um texto base, que segue:

Moradores do CRUSP, fechado pela ditadura em 1968, se reencontram para recuperar a história do Conjunto Residencial

Mais de 500 ex-cruspianos já confirmaram presença para rememorar sua vida no espaço que inspirou o Movimento Estudantil de 1963 a 1968 e foi tomado e fechado quatro dias depois da promulgação do AI-5

 

Ex-alunos da USP, moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo — CRUSP — entre 1963 e 1968, promovem encontro, no próximo dia 29 de novembro, para marcar a passagem dos 40 anos da tomada e ocupação do local pelo Exército em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois da decretação do AI-5, o ato institucional do governo militar, que abriu o período mais repressivo do regime de 64. Mais de 500 ex-cruspianos já confirmaram presença no evento, cujo objetivo é promover o reencontro dos ex-moradores, possibilitar o compartilhamento de suas experiências de vida ao longo dos últimos 40 anos e dar início à recuperação e construção da história do Conjunto Residencial no período. O encontro será realizado, entre as 12 e 22 horas, no Colégio Notre Dame, — Rua Alegrete, 168, Bairro do Sumaré, em São Paulo, capital.

O CRUSP nasceu à fórceps. Projetado como conjunto residencial na Cidade Universitária para os estudantes da USP, só foi construído diante da necessidade de abrigar os atletas que participaram dos Jogos Pan-Americanos de 1963, realizados em São Paulo. Após o encerramento da competição, foi invadido pelos estudantes para que cumprisse a finalidade para a qual fora projetado: abrigar alunos de fora da capital paulista, sem condições de bancar sua moradia durante a duração de seus cursos.

Naqueles cinco anos iniciais de funcionamento, o CRUSP foi fonte inspiradora e alimentadora do movimento estudantil brasileiro e de vivências existenciais, culturais e políticas criativas, transformadoras e de contestação à repressão imposta ao país a partir de 1964 — que desaguaram nas grandes manifestações de 1968, ano síntese do engajamento da juventude do País e do Mundo em pról da liberdade e da justiça social.

Durante todo o período, passaram pelo CRUSP em torno de 2500 estudantes. No dia da ocupação pelo Exército cerca de 1400 alunos moravam oficialmente no conjunto residencial, sendo que aproximadamente 800 estavam em seus apartamentos na madrugada de 17 de dezembro, pois muitos já haviam viajado para suas cidades de origem para passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias.

O Exército mobilizou tanques e táticas de guerra, com soldados se deslocando de árvore em árvore, protegendo-se atrás de morretes e bancos de cimento, à espera de uma reação que jamais ocorreria. Todos os moradores se entregaram pacificamente e foram presos. Uns saíram rapidamente da prisão outros passaram longa temporada nela, quase sempre sem explicações. E trataram de reconstruir suas moradias pelos bairros de São Paulo, todos com grandes dificuldades, e continuar seus estudos. O tempo ajudou a maioria a superar as dificuldades, mas uns poucos sucumbiram ao brusco corte que o fechamento do CRUSP representou em suas vidas.

Ao contrário do que se propagava e passou erroneamente para a história, o CRUSP era um espaço em que os moradores viviam como os demais estudantes, apenas gozando de mais liberdade e do privilégio de terem uma moradia a que não teriam acesso com seus próprios recursos, pois eram de famílias de fora da capital, do Estado e até mesmo do exterior. Ali estudavam, namoravam, jogavam baralho, freqüentavam o restaurante, a Banca da Cultura, o Bar do Crusp, dançavam nos bailes, praticavam esportes, assistiam e faziam teatro, shows, assembléias.

Sintonizados com o espírito da época, reivindicavam — e muito. E quando às suas reivindicações eram contrapostas negativas injustificadas tomavam a iniciativa de conquistá-las. Assim se deram as invasões dos blocos F e G, para abrigar estudantes aos quais se negavam vagas, da tomada do ISSU-Instituto de Serviço Social da USP, por causa da deficiência de seus serviços, a tomada da lavanderia, a resistência à derrubada dos blocos, I, J e H, a participação intensa no movimento estudantil da época.

A vivência no CRUSP, naquela época, deixou na maioria dos seus moradores, hoje na casa dos 60 a 65 anos de idade, já avós, quase todos com carreiras profissionais bem sucedidas, a lembrança de terem vivido em um espaço privilegiado, em um momento privilegiado, que marcou, para sempre, sua existência e o modo de ver o mundo. Foram beneficiários de um projeto de residência estudantil, posto em pé graças às suas próprias iniciativas e lutas, que deveria existir em todas as universidade públicas, pelo menos. Mas que um dia foi fechado arbitrariamente por um regime politicamente conservador e retrógrado, empenhado em sufocar a liberdade e nunca mais foi reaberto nos mesmos moldes, apesar do país viver há 23 anos em um regime democrático.

O CRUSP semeou uma geração de cidadãos e cidadãs interessados em construir um mundo melhor e mais justo, atitude que norteou o resto de suas vidas. E que no próximo dia 29 de novembro vão se reencontrar para começar a resgatar a história daquele espaço mágico, onde, provavelmente, viveram um dos melhores períodos de sua existência. Não apenas com o intuito de registrá-la, mas para que ela também sirva de exemplo para que outros jovens tenham a mesma oportunidade.

Estão à disposição para entrevistas, os seguintes ex-cruspianos: Hugo Marques Rosa, Rafael de Falco, Walter da Silva (Teco), Luiz Barco, Remo Alberto Favorini. — As entrevistas podem ser marcadas por intermédio da assessoria de imprensa Serrano&Associados. — Release divulgado por Serrano&Associados — Fones: (11) 30782356 — Falar com: Cacilda Luna (cacilda.luna@serranoassociados.com.br) — Luiz Roberto Serrano cel: 84347691 (serrano@serranoassociados.com.br) — Fonte: RMW\crusp68\pressrel.htm em 16/10/2008, atualizado em 24/11/2008.


Cronologia Crusp

FATOS QUE ANTECEDERAM:

“Após a derrota de São Paulo na Revolução de 1932, o Estado se viu ante a necessidade de formar um anova elite capaz de contribuir para o aperfeitçoamento das instituições, do governo e a melhoria do país.

Com esse objetivo um grupo de empresários fundou a Escola Livre de Sociologia e Polítca (ELSP) em 1933 e o interventor de São Paulo Armando de Salles Oliveira criou a Universidade de São Paulo (USP) em 1934.

Disse nessa ocasição Sergio Milliet: ‘De São Paulo não sairão mais guerras civis anárquicas, e sim uma revolução intelectual e científica suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros’.

Participaram da fundação da USP: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Escola Politécnica de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Quairoz, Faculdade de Mediciana, Faculdade de Direito e Faculdade de Famácia e Odontologia.” (fonte: wikipedia)

1963

1963: Construção dos Prédios — É desenvolvido o projeto do conjunto residencial da Universidade. Será constituído de 12 prédios de 12 pavimetnos projetados pelo FUNDUSP. A organização dos Jogos Panamericanos pensou em alojar os atletas no conjunto residencial em projeto de construção.

A firma Ribeiro Franco SA de São Paulo apresentou uma proposta de emprego de materiais pré-moldados para diminuir o prazo da construção.

1963: No dia 20 de maio de 1963, o Presidente da República João Goulart procedeu à abertura oficial dos IV Jogos Panamericanos, no estádio do Pacaembu. Participaram 1.665 atletas que ficaram hospedados na Vila Panamericana. Veja o quadro de medalhas dos 10 primeiros:

1964

31-03-1964: Golpe militar derruba o governo Jango. No Crusp...

1965

1965: Greve do Fogão — Movimento dos moradores contra a elevação do preço cobrado pelas refeições e alojamento do CRUSP.

xx/xx/xxxx — Submarino Amarelo — Tentativa de bloquear o "monstro" que veio para demolir o Bloco H.

1966

09-1966 — Setembradas

1967

xx/xx/1967 — Invasão do Bloco F.

03/07/1967 — Retirada dos Invasores do Bloco F pela Exército Brasileiro.

1968

xx/xx/1968 — Tomada da Administração do ISSU, também conhecida como Invasão do Bloco G.

xx/xx/1968 — Flagra nos dois Penetras (policiais disfarçados de estudantes).

xx/xx/1968 — Captura da viatura da Polícia Civil dentr do campus.

xx/xx/xxxx — Ciclo de Cinema da USP, com destaque ao episódio "o empírico" na passagem dos Morangos Silvestres de Ingmar Bergman.

11/10/1968 — XXX Congresso sa UNE — Realizada em um sítio no município de Ibiúna, teve o encerramento antecipado pela invasão e prisão de cerca de xxx estudantes. Aqui, depoimento de ex-cruspianos que participaram.

13/12/1968 — AI 5 — Baixado, pelo Governo Federal, o Ato Institucional N0 5 que tira uma série de liberdades.

17/12/1968 — Fechamento do CRUSP — Durante a madrugada, a Polícia Militar invadiu o CRUSP com grande aparato policial, prendendo mais de XXX estudantes.


Texto de apresentação do blog Crusp68

Caros Amigos Cruspianos,

Este é um blog da comunidade de Cruspianos, moradores do CRUSP, Conjunto Residencial da USP, dos anos 60. O seu único propósito é propiciar um espaço para os moradores do CRUSP de 1963 a 1968 compartilhar suas “memórias, sonhos e reflexões” (título emprestado da autobiografia de Carl G. Jung).

Mandem seus artigos, escrevam seus comentários aos artigos e posts aqui publicados.

Faz parte das comemorações de 40 Anos do fechamento do CRUSP. Foi na madrugada de 17/12/2008 que as tropas do exército cercaram o CRUSP, prenderam 1400 estudantes, fecharam o Conjunto Residencial da USP, instauraram um IPM — Inquérito Policial Militar, que resultou em processo e ordem de prisão para 32 residentes.

No dia 29/11/2008 haverá uma grande festa de confraternização dos Cruspianos de ‘68. Será o ENCONTRO CRUSP68, das 12:00h às 22:00h, na rua Alegrete, 168, bairro Sumaré, São Paulo.

No site www.crusp68.org.br podem encontradas mais informações sobre o Encontro, bem como a relação dos Cruspianos contatados, dos que já confirmaram sua presença, dos falecidos e dos que ainda estão sendo procurados (no bom sentido!).

No fotolog www.fotolog.terra.com.br/crusp68 podem ser vistas e comentadas fotos de época tiradas das coleções de muitos Cruspianos.

Através do e-grupo crusp68@yahoogrupos.com.br os cruspianos podem conversar, atualizar o papo interrompido por quatro décadas…

Comentários

Soninha Disse — Novembro 23, 2008 às 3:46 pm

Escrevam alguma coisa. Tanta gente conhecida e nenhuma mensagem.

Scaico!, Watanabe! Teco! Onde estão vcs?

Entrei hoje aqui esperando encontrar uma mensagem de qualquer um de vocês. O importante não é só entrar ao grupo. É participar.

Com carinho

da ex-cruspiana orgulhosa de ser-lo

Soninha

Célia Disse — Novembro 23, 2008 às 3:47 pm

Atendendo ao pedido da Soninha…

Lembra-se que uma vez viajamos juntas(de carona, é obvio) para o Rio e acabamos no CEU? Ring a bell?

Me lembro que chegamos nos Arcos da Lapa, procurando a pousada estudantil, que já estava fechada nas alturas da madrugada. Achamos o CEU (casa do estudante universitário)e imploramos para passar a noite lá. Era uma casa só de meninos, por isso não queriam nos aceitar para dormir lá (estranho, não?). Por sorte tinha uns caras da medicina que estavam dando plantão e nos deixaram dormir no quarto deles. Lembra que coisa horrorosa eram aquelas camas? Até hoje nunca vi um Lençol tão sujo e nem tantas pulgas numa cama só.

Nos comeram a noite toda (AS PULGAS).

Watanabe Disse — Novembro 23, 2008 às 3:48 pm

Grande Soninha.

A vida é uma sucessão de fatos e eventos.

Milhares aconteceram. Tem até aquele da viagem de carona de avião ao Rio para ganhar uma japona da Marinha.

Mas nossas mentes já não têm a habilidade de lembrar de muitos detalhes.

Talvez a gente esteja querendo “economizar” agora para poder deseconomizar no dia 29. Haja assunto para preencher 10 horas de papos. Mas, já que você provocou, vai aqui o relato de um episódio marcante:

Lembro-me que certa vez recebi o apelido de Watanabe: “O” Empírico e isso aconteceu por causa do Ciclo de Cinema da USP.

Foi assim:

Havia na USP, todo ano, o famigerado Ciclo de Cinema da USP que passava sempre os mesmos filmes: Os Sete Samurais, Guerra dos Botões, Morangos Silvestres e outros.

Certa noite ao descer para jantar, vimos que haveria projeção de cinema. A gente sabia disso pois alguém se dava ao trabalho de colocar os bancos na disposição de cinema com a mesa de pingue-pongue ao centro para alojar o projetor de filmes. Os cartazes afixados nunca eram lidos.

Depois da janta, sentamos para aguardar o momento do filme. Algumas poucas pessoas já estavam lá.

Passado um tempo, mais pessoas chegaram. Notei que a mesa estava lá mas a máquina de projeção não.

Fui até a Banca da Cultura saber por que o projetor não estava na mesa. Me informaram que o projetor e as latas dos filmes estavam na História e que alguém com carro deveria ir até lá para buscar.

Saí pelo CRUSP para encontrar alguém com carro (a gente sabia quem tinha carro e era sempre os mesmos que a gente procurava). Encontrei e fomos até a História para pegar. Trouxemos e colocamos o Projetor e as 3 Latas em cima da mesa e sentamos.

Passado algum tempo, o centro de vivência já estava bem cheio e nada de aparecer alguém para fazer a projeção.

Curioso que sempre fui, aproximei-me da máquina de projeção e vi que na tampa havia um desenho explicando como o filme tinha que ser colocado. Não tive dúvidas: enfiei o filme conforme desenho e liguei a máquina. Milagre! o filme começou a ser projetado e alguém apagou a luz.

Tudo corria bem, mas de repente PLACT! o filme arrebentou. Váias, assobios e luz acesa!

Subi na pesa e enfiei o filme novamente e liguei. Milagre novamente: O filme começou a ser projetado e algém apagou a luz.

Lembro que o filme voltou a rebentar outras vezes.

Depois que terminou o filme e todos foram dormir, resovi rebobinar os filmes. Nessa hora notei que os filmes estavam em latas erradas. Havia nas latas a inscrição 1, 2 e 3 indicando a sequencia em que os filmes deveriam ser passados. Eu segui esta orientação das latas mas quem passou antes tinha colocado os rolos em ordem diferente.

O filme era Os Morangos Silvestres de Ingmar Bergman. Um filme de cuca.

No dia seguinte, ouvi muitos comentários do tipo “Filme de Bergman é difícl de entender” mas eles não sabiam que os rolos tinham sido invertidos.

Por este episódio fiquei conhecido como O Empírico.

Abraços,

Roberto Massaru Watanabe

Nelson Dum Dum Disse — Novembro 23, 2008 às 3:48 pm

Oi, Soninha!!

O Watanabe lembrou um fato real…eu fui um dos que não entenderam nada do filme do Ingmar Bergman (Morangos Silvestres) pelo fato de ser exibido com os rolos invertidos!

Mas não posso deixar de lembrar do SHOW CRUSP, bem melhor que muitos programas da televisão (até hoje!).

O sucesso era grande. Lembro-me de quando fomos apresentá-lo em São José dos Campos, para o pessoal do ITA (nossos “concorrentes”).

E foi um aplauso só!

Sem dúvida, marcou uma época.

Um abraço carinhoso

Nelson Toledo (Nelson Dum Dum)

Rubens Disse — Novembro 23, 2008 às 3:49 pm

Sonia,

Você deve se lembrar de mim. Conversávamos muito lá na história e geografia. Eu fazia Orientais (russo). Depois, por motivos já conhecidos, não tivemos mais contato. Pensei que você estivesse no Paraguai.

Rubens

Soninha Disse — Novembro 23, 2008 às 3:50 pm

Oi amigos!

Que bom que escreveram!

Célia, eu já não lembrava desse episódio do Rio. Estava escondido em minhas memórias. Relembrei tudo.

Que loucas, não….

Não só ir de carona à noite, senão chegar de madrugada e ir pedir abrigo em um lugar desconhecido. E nada mais nada menos que na Lapa. Como o encontramos? Perguntando. Naquela época chegaríamos também à Roma se dependesse de nossa predisposição de conseguir coisas.

Lembro-me da sujeira do lugar, lembro-me das pulgas e de tudo. Que bom lembrar… Obrigada.

Eu sempre trabalhei, mas era uma questão de honra viajar sem gastar nada, ou gastando o mínimo.

Eu viajava de lá para cá de avião, qualquer tipo, da Fab, de empresas particulares. Chegava ao aeroporto e perguntava. Prá onde tem vôo? Me lembro que uma vez me responderam. Agora só tem de um banco para Fortaleza…. e minha resposta. É justamente prá lá que quero ir. E fui. Mas, lembro-me também que nos comportávamos com toda correção, educação e sempre agradecendo o que quer que nos brindassem: já seja uma viagem de avião, um bife com ovos ou um simples cafezinho.

E não criávamos nenhum tipo de problemas àqueles que nos ajudavam. Essas eram normas que seguíamos, não aceitando que fossem desrespeitadas.

Bons tempos

Soninha Disse — Novembro 23, 2008 às 3:50 pm

Watanabe:

Com certeza não entendemos nada do filme, já que os rolos estavam invertidos, mas será que todos admitimos….. Éramos tão intelectuais….. e como o Bergman era complexo mesmo, alguma interpretação devemos ter encontrado. E podemos até ter debatido sobre as diferentes maneiras de entender….

Ah, beijos Watanabe, vc era curioso mesmo, curioso e simpático.

Soninha

Soninha Disse — Novembro 23, 2008 às 3:51 pm

Rubens

Eu lembro de você, sim e lembro de nossas prosas. Eu também fazia português e uma lingua oriental, que no meu caso era árabe. Como meu pai era comerciante em Campinas, eu fazia parte de uma grande comunidade síria, com hábitos, comidas, etc. Daí o fato de escolher árabe.

Mas na realidade fiz isso para poder morar no Crusp e fazer o cursinho para a faculdade de direito do Largo de São Francisco. Entretanto, como tinha Letras e português, acabei gostando muito de Literatura, Linguística, etc. Gostei também muito da Maria Antonia e do seu ambiente e acabei esquecendo do árabe e dedicando-me mais ao português, matéria que fui professora em diferentes lugares, durante os 4 anos que morei no Crusp. Sempre trabalhei.

Apesar de que tudo o referente ao português me apaixonava, minha atenção esteve desde o principio desviada para todos os acontecimentos fascinantes que ocorriam naquela época., Entrar na Faculdade de Direito São Francisco era meu objetivo inicial e eu tinha sido, até então, uma pessoa dedicada e estudiosa. Até aí….

Mas, nesse momento fervente, como eu poderia me concentrar nos estudos com tanta coisa interessante ocorrendo lá fora Fui totalmente seduzida pela vida do Crusp e pela agitação.

Moro no Paraguai sim, até hoje.

Aqui tive a tranquilidade de estudar psicologia e fiz também mestrado e doutorado, além de ter feito também 5 filhos.

Aí no Crusp fiz outro tipo de Universidade, mais semelhante à da vida…..

Beijos a todos

Soninha

Watanabe Disse — Novembro 23, 2008 às 3:54 pm

Pessoal

A Fulvia está montando um Álbum de Fotos.

Colabore com ela enviando fotos, cartazes, revistas, etc. para o email dela fulvia.molina@terra.com.br

Vejam as fotos que já estão no Álbum. São mais de 200 http://fotolog.terra.com.br/crusp68:1

Abraços,

Roberto Massaru Watanabe

Soninha Disse — Novembro 23, 2008 às 3:57 pm

Oi Álvaro

Que bom que vc apareceu. Que linda foto! Vcs eram bonitões mesmo….

Há pouco estive rindo vendo algumas das fotos do album da Fúlvia. Como são muitas, ainda não pude ver todas, mas ri de ver tanta gente magrinha, alguns quase esquálidos… Será que éramos assim mesmo? Isso não estava na minha memória…

Àlvaro, o Show Crusp era muito bom mesmo. Na época eu pensava que só a nós, cruspianos, ele parecia tão bom. Com o tempo percebi que os números eram bem elaborados e dentro daquela euforia carinhosa que nos unia, existia a capacidade de produzir eventos de muito boa qualidade, tanto em matéria de show como de teatro.

Lembro-me bem de vcs no Show. Vcs eram ótimos e muito divertidos. O Malaman, além de ter boa voz sabia cantar música caipira, , , , hoje sertaneja. Todos da foto são amigos queridos que fazem parte de minhas lembranças.

Saudades e beijos

Soninha

Maristela Disse — Novembro 23, 2008 às 3:58 pm

Alguém sabe por onde andam Maria Isabel e Maria do Céu, duas paraenses da Biologia (ou Bioquímica) que moraram comigo na invasão do Bloco G e depois no Bloco D? E a Bia Marão, de Tanabi?

Abraços,

Maristela Bernardo (da ECA, presidente do centro acadêmico em 68)

Rubens Disse — Novembro 23, 2008 às 3:58 pm

Que bom, Soninha. Eu terminei Russo, fiz traduções, fiz mestrado e doutorado (na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa), hoje sou professor de Literaturas de Lingua Portuguesa (Portuguesa e Africanas) na Unesp. Também fiz Direito na São Francisco, logo após a “abertura”. Como você deve estar lembrada, passsei por uns maus momentos na época. Mas o que importa hoje é que estamos vivos para lembrar aqueles tempos e também lembrar de nossos companheiros que se foram muito cedo. Fico feliz por saber que você está bem e com tantas produções. Eu tenho três filhos (homens) e uma netinha de sete anos.

Beijos,

Rubens

Watanabe Disse Novembro 23, 2008 às 4:42 pm

Por falar em Show Crusp, vejam a foto da chegada em Itajubá (em http://www.fotolog.com.br/crusp68).

Eu acho que em Itajubá não tinha japoneses e eu era novidade. As pessos apontavam para mim na rua.

Abraços,

Roberto Massaru Watanabe

Sonia Castanheira Disse — Novembro 23, 2008 às 9:04 pm

Eu já mandei um comentário para inaugurar o blog. Não saiu. Deve estar sendo submetido à censura…… Será????? Como será censura de cruspiano. Eu não imagino….

Vcs lembram da peça Roda Viva?

Pois bem, eu fui com a Formiga e a irmã no dia seguinte do problema do CCC, acho que para dar apoio aos artistas. A Marilia Pera e o próprio Chico Buarque contaram o que aconteceu no dia anterior. Não me lembro muito bem, nesta altura da vida, como foi mesmo, na verdade não me lembro de nenhum detalhe. mas lembro-me de que foi uma coisa terrível.

E lembro-me também que estivemos aí para dar apoio. Éramos tão solidários e tão anticensuras que sempre estávamos do lado daqueles que eram perseguidos ou discriminados.

ONDE ESTÁ O QUE EU ESCREVI NESTE BLOG??

Brincadeirinha! Deve ter se perdido neste imenso mundo virtual.

Celia Disse — Novembro 24, 2008 às 12:11 am

Boa Molina. Gostei mais dessa idéia do blog.

Você não tem que necessariamente responder a alguém, é só vir aqui e postar alguma coisa.

Soninha, não espere resposta, vai escrevendo que adoramos ler tudo que vc escreve. Beijos a todos

Celia Disse — Novembro 24, 2008 às 12:14 am

Meu comentário está esperando moderação.

Então existe censura mesmo?

Soninha Disse — Novembro 24, 2008 às 12:57 am

VAMOS INAUGURAR O BLOG?

Sou Sonia Castanheira, mais conhecida como Soninha, carinhosamente e também graças a meu tamanho. Boa aluna em Campinas, tinha feito o antigo Curso Normal e o Curso Científico ao mesmo tempo. Se previa para mim um grande futuro como estudante e profissional. Era dedicada. Queria fazer direito, mas não uma faculdade qualquer, senão a de São Francisco, considerada a melhor. Deixei Campinas e para garantir um lugar para morar em São Paulo e já garantir um meio de trabalho, ´prestei vestibular em Português e uma Lingua Oriental, chamado Estudos Orientais, na época. Comecei a trabalhar e também a fazer o Cursinho de Direito…Foi então que entrei em contacto com o CRUSP, com seus maravilhosos habitantes e todo esse entorno vibrante que nos circundava. Tudo mudou em minha vida, adolescente ainda. Comecei a assistir assembléias, passeatas, teatros, shows e conviver nesse espaço tão grandioso que foi o CRUSP. Considero que nossa juventude não foi frustrada por t odas as perseguições que vivemos. Mas bem, penso que foi diferente.

Que caminho teríamos tomado sem toda essa agitação? Teríamos sido, sem dúvida, estudantes normais, ou bons estudantes da USP, que perseguem seus objetivos. Nossa vida provavelmente teria sido diferente.

Mas, esta vivência e essa oportunidade que tivemos de participar de um movimento histórico no Brasil (o da ditadura) foi uma circunstância e uma oportunidade.

Amadurecemos, sofremos, nos divertimos, amamos e tivemos uma vida diferente daquela que foi oferecida às gerações posteriores.

Éramos sem dúvida ousados, sem dúvida idealistas e sem dúvida nenhuma lutadores. Tínhamos ideais e tínhamos a força da juventude para lutar por eles.

Isso fez com que esses 1.400 moradores que foram presos no dia 17 de dezembro fossem tão unidos e tão intimamente ligados.

E isso é o que nos faz vibrar com essa possibilidade de reencontro.

Tudo valeu a pena, Eu os amei e os amo, meus queridos amigos ex-cruspianos.

Mesmo depois desses 40 anos………..

Celia Bergamasco Disse — Novembro 25, 2008 às 11:11 am

Bete da veterinária, Elizabeth Gomes de Souza… estou procurando essa louca querida desde o começo dessa empreitada cruspiana. Louca porque? Por tentar transformar uma anarquista nata em comunista. Morava (clandestina) com ela no 610 D e como pagamento pela acolhida, tinha que estudar toda noite, um jornal de um tal de Posadas (?) da Quarta Internacional. Eu lia aquilo tudo como se estivesse lendo em outra língua. Nada daquilo ficou na minha memória… O que realmente aprendi com ela, foi dividir minhas coisas burguesas, como sapatos, roupas e acessórios. A Beth foi uma ótima professora, me dava exemplos práticos; acabou com todos meus sapatos (pois pisava torto) e eu acabei com um “Bamba” turquesa comprado no Bazar 13. Vinda de um Colégio Interno (14 anos), o CRUSP foi tudo que eu precisava na vida, para crescer. Já sabia o que era viver em comunidade e já sabia fazer política; mas lá aprendi que existia política estudantil e que podia ler outras coisas em vez de ler livros de etiqueta. Na verdade, a unica coisa que li na época foi “a história da riqueza do homem”. Tinha tanta coisa que eu queria fazer.

Naquele tempo, “o mundo era uma festa e eu podia tudo”.

Podia viajar de carona, dormir na hora que quisesse (desde que estudasse o Posadas), ir ou não ir às aulas, passar o dia e a “noite” na piscina, gastar todo o dinheiro no bar e ter que repartir o bandejão com alguém no fim do mês…

Podia também participar de todas as passeatas, jogar bolinhas de gude na cavalaria, estar na Maria Antonia quando um estudante foi morto, ajudar meu primo Carlos (centrinho da pedagogia) em pichações, comícios relâmpagos, panfletagem e a fazer Molotov.

Pois bem, cresci um bocado lá, saí com uma bagagem intelectual e emocional muito maior do que quando cheguei.

Saí também com um marido fantástico (quem disse que politeco é bitolado?) e que me aguenta até hoje, como uma anarquista que sou.

Quero agradecer a todos vocês CRUSPIANOS, que direta ou indiretamente, contribuíram para que eu seja o que sou.

Muita vida, muito amor e muito riso a todos vocês.

Celia Bergamasco Disse — Novembro 26, 2008 às 5:36 pm

Eu nunca conversei com o Lauri.

Ele era muito “alto escalão” para a minha ignorância.

Mas um dia, depois de fechado o CRUSP, nos encontramos no Largo de Pinheiros e ele me convidou para tomar uma cerveja.

Tomamos a “uma” e mais todas.

Foi aí então que afirmamos nossa amizade (como todo bebum).

Andamos de lá até a Morato Coelho, acho eu, perto da Praça Benedito Calixtro; Cantando pelas ruas em altos brados e bebendo de boteco em boteco, na maior alegria. Talvez uma das ultimas alegrias dele, pois logo depois ele saiu de cena.

Fomos parar de madrugada, no apartamento da Kikuko, fazendo a maior algazarra. A coitada ficou tão apavorada… e não quis nos deixar entrar. E eu de tão “turbinada” que estava, não lembro o final da estória…

JURO! JURO MESMO.

Só tenho essa lembrança dele, boa lembrança!!!

No encontro vou beber “uma” por ele.

Por favor Kikuko, apareça prá me ajudar nessa…

Alguém conhece uma Kikuko?


A ALMA GÊMEA

por Cacilda Salete, Sissi

“Deus faz as almas gêmeas e as solta pelo mundo, minhas filhas”. Quando ouviu esta frase, Lurdinha recordou-se da professora Nereide, no seu terceiro ano primário. Era muita coincidência o professor Rangel dizer a mesma coisa, ou será verdade que existem almas gêmeas?

Ela estava no curso Normal, estudando à noite e o Professor Rangel lecionava desenho para as normalistas. Sua postura era embasada no ideal do educador e, apesar da idade avançada, trazia na expressão sublime, a candura do olhar e nos gestos cansados, a paciência do ancião. O velho professor fazia os traços na lousa já com certa dificuldade, verbalizando sobre os desenhos, sempre acrescidos da Bandeira Nacional.

Lembrava-se da professora que teve aos nove anos. Dona Nereide havia estudado em escola publica e Lurdinha nunca entendeu direito porque ela não era religiosa. Não freqüentava igreja mas sempre iniciava sua aula com a oração do Pai Nosso pedindo a todos que abaixassem a cabeça. Com voz baixa e compassada ia orando e percorrendo as carteiras de tal maneira que, sobre a cabeça de cada aluno, tocava delicadamente, como se os estivesse abençoando. Ao termino do Pai Nosso, Dona Nereide punha-se de pé a frente da classe e dizia:

“Nunca se esqueçam… nós somos filhos de Deus. Somos belos, inteligentes e tudo podemos para o bem. Vocês crescerão e encontrarão a alma gêmea, pois Deus faz as almas gêmeas e as solta pelo mundo. É preciso saber achá-las. Querer é poder e Hei de vencer, ao que a classe, em coro, repetia.”

Essa professora marcou muito a vida de Lurdinha, pois apesar dos poucos recursos disponíveis para a aprendizagem, ela sempre usou da criatividade e da participação dos alunos.

O fato e que Lurdinha, desde que ouviu esta frase começou a sonhar com a sua alma gêmea. Como seria possível este milagre!

Ela morava num bairro pobre da cidade de Fortaleza, capital do Ceará e pensava… onde estará a minha alma gêmea? Se isto fosse verdade, a minha alma gêmea teria que ser negra, pobre e filha de pais separados.

Sua religiosidade não a deixava transgredir pelo preconceito mas não raro pegava-se recriminando a sua própria cor. Também não concordava em, no futuro, se casar com alguém que não fosse da sua cor. E nos muitos questionamentos de um coração jovem não encontrava resposta para tais indagações.

Nos poucos momentos em que passava sozinha no quartinho de dormir, dividido com sua Irma menor e a tia, além das tarefas do curso, lia quando podia a revista “Capricho” que a vizinha lhe emprestava e fora esse lazer sua rotina era simples.

Pela manhã cuidava da casa, da limpeza, das roupas, do almoço e da cozinha. A tarde tomava conta dos filhos da vizinha ganhando algum dinheiro que lhe ajudava nos estudos. O jantar era a indispensável sopa com peixe e sobras do almoço, cuja limpeza das panelas ficava por conta da tia, que trabalhava durante o dia na farmácia do Senhor Honório.

Fazia o estágio do curso em duas tardes da semana e já ficava na cidade para as aulas da noite.

Morava longe da Escola Normal mas isto não era empecilho, afinal… “somos filhos de Deus, belos e inteligentes… Hei de Vencer… encontrarei a minha alma gêmea.”

Aos sábados, domingos e feriados ia a reza e as missas dominicais.

Sua mãe trabalhava na peixaria que enviava o produto para os hotéis de luxo. Mulher de estatura mediana e tipo magro por nada faltava ao serviço Lurdinha sempre achou que ela não encontrara a sua alma gêmea pois o seu pai havia deixado dela antes mesmo da conclusão do seu 3° ano primário. Dizia que tinha ido para São Paulo procurar emprego, mas desconfiava que isto não fosse verdade.

Para ela o Pai era um modelo… jovem… sorridente, sempre mostrando os lindos dentes. Vivia da pesca e com seus companheiros jangadeiros parecia realizado com o que fazia. Apenas um defeito… sempre deu a entender que a filha preferida era a menor, cinco anos mais nova, pois pelas poucas vezes de carinho revelado, era com a menor que brincava, colocando-a sobre os seus joelhos. Poucas são as lembranças de afagos feitos pelo seu pai. Apesar da aparência alegre para fora. dentro.de casa alguma coisa nao ia bem, concluindo que ele também não encontrara a sua alma gêmea.

Lurdinha conversava pouco, igual a todas de sua casa, inclusive sua tia Rosário que só falava o necessário. Já com seus 42 anos, cinco anos mais velha que sua mãe, não se casara e há muito, talvez até antes de Lurdinha nascer ela trabalhava na farmácia servindo muitas vezes de ajudante, baba e auxiliar da família do farmacêutico, Sempre foi muito prestativa mas também não achara a alma gêmea e talvez por desgosto amoroso, fechou-se para o mundo. As estórias que ouvia sobre a tia nunca estabeleciam elos; portanto, não se falava no assunto, apesar da curiosidade da jovem.

Lurdinha tinha um sonho, alias, dois: achar sua alma gêmea e ser professora, o que justificava o curso que escolhera.

Terminada a festa de formatura o problema era uma classe para lecionar. Foi quando o irmão do Senhor Honório, em ferias com a família, apareceu por Fortaleza. Gostaria muito de levar para Sao Paulo uma jovem que ajudasse Dona Iraci, sua esposa na espera do terceiro filho, que orientasse seus filhos nos estudos e desse uma ajudinha na farmácia que possuía no bairro do Butanta; Havia também a promessa de, caso conseguisse uma classe, lecionaria meio período.

Foi uma proposta relâmpago que movimentou a família para o estudo do caso. Referencias não faltavam pois como aliada tinha a tia Rosário que, pela primeira vez, se manifestou favoravelmente, até com alguns discursos que muito ajudaram na decisão da mãe.

O ano de 1.963 prometia muito.

Com os seus dezoitos anos, entre um borbulhar de pensamentos brotava-lhe também o desejo de encontrar o pai e por que não, se ele estava na cidade que agora também era dela.

No seu novo quarto em companhia da menina de dez anos, Lurdinha já estava se refazendo do impacto que Sao Paulo lhe causara. Após alguns meses de trabalho na casa da Dona Iraci e seu Arlindo ainda não tinha conseguido uma classe para lecionar.

Pouco tinha a reclamar da nova residência a não ser o fato da solidão, falta de amizades e saudades da mãe, principalmente.

Era grata à tia Rosário e se era tão difícil lecionar em São Paulo, imagine em Fortaleza,

Estes pensamentos a consolavam um pouco.

Correspondia-se com a família, contando de seus pequenos passeios na Cidade Universitária, Largo de Pinheiros e levou muito tempo para dar noticias de ter ido ao centro da cidade. Seus patrões eram bons e zelosos e Lurdinha, com toda a simplicidade e timidez, correspondia.

Certo dia, alguns jovens entraram na farmácia e pediram permissão para pregarem um cartaz do Cursinho do Grêmio, cuja propaganda era sobre o vestibular para diversos cursos. Dentre eles havia um rapaz negro que lhe deu um sorriso e agradeceu. Ela retribuiu e ficou fascinada, como nunca dantes houvera acontecido. Na sua cidade, flertava muito raramente, mas até acreditou que este fora um verdadeiro flerte e ficou feliz. Leu com atenção o cartaz e anotou o telefone.

Dias após, na sua saída para fazer a feira, telefonou discretamente e cheia de temores. Sem imaginar as conseqüências, perguntou sobre o curso e sobre ele, descrevendo a pessoa. Brincando, do outro lado, a voz se identificou. Era Newton, que alem de trabalhar na secretaria do cursinho e elaborar as apostilas, também fazia à noite a faculdade de Bioquímica, na USP

No final da conversa houve a promessa de que ele passaria pela farmácia, pois fazia parte do seu caminho para a faculdade, o que não custaria nada levar-lhe informes e apostilas.

Não tardou a acontecer o encontro pois quando Newton chegou na farmácia foi recebido pelo Senhor Arlindo e suas explicações sobre os cursos foram mais direcionadas para o farmacêutico do que propriamente para Lurdinha que, de cabeça baixa, não fazia nenhuma pergunta.Apenas meneava a cabeça em sinal de concordância.

Senhor Arlindo afinou-se com Newton e com os conhecimentos revelados pelo rapaz. Seu jeito de expor os fatos e comentar sobre a situação política do pais conquistaram seu Arlindo.

Newton combinava na estatura com Lurdinha, mas seu corpo era mais forte contrastando com o dela que lembrava o da mãe. Mas a cor da pele e a carapinha eram idênticas, até parecendo gêmeos, mesmo. O olhar e os dentes de Newton lembravam o pai. E… por onde será que ele andava? Como gostaria de ter a sua família por perto… que saudades da mãe… e o sonho de lecionar estava se afastando… Ficava nervosa quando pensava nisto.

O Senhor Arlindo foi quem puxou a conversa sobre a continuidade dos estudos de Lurdinha, estabelecendo condições dela estudar em casa com as apostilas fornecidas por Newton, as quais traria gratuitamente do cursinho. Ajudaria nas despesas e ate emprestaria o laboratório da farmácia para melhor compreensão da matéria.

Ela não poderia, por motivo nenhum, perder esta oportunidade.

Um novo sonho se instalou em sua cabeça imaginando-se na faculdade, morando no conjunto residencial da U.S.P., usufruindo de uma bolsa de estudos.

Esta caminhada durou três anos. Foram três vestibulares que Lurdinha tentou para conseguir entrar na universidade. Ah! Se não fossem os estímulos e apoios de Newton e seu Arlindo!

Repensando sobre a mudança de sua vida, constatou que Newton fora apenas um grande amigo que Deus pôs em seu caminho. Com o tempo percebeu que ele também pensava assim. Seus sonhos e ideais estavam voltados para a problemática brasileira, o que não lhe dava o direito de sonhar com mulher e filhos. Mas com ele aprendeu a perseverar, ter positividade e determinação na vida. Por vezes, conversando sobre assuntos “transcendentais” como ele dizia, vislumbrava entender que os paradigmas e preconceitos sobre valores prejudicam a trajetória das pessoas.

Em suas reflexões, constatou que o fato mais interessante e que ele lhe ensinou a ver a realidade da vida, o momento histórico de cada país e, para tanto, ate iniciou leituras sobre economia e sociologia.

Neste período o Brasil passava por urna grande crise política. E neste momento, Lurdinha estava entrando na faculdade de Bioquímica da U.S. P.

Após a adaptação inicial conheceu ate colegas do Norte e Nordeste. Não demorou muito para conseguir uma vaga no conjunto residencial e em seguida participar do movimento estudantil.

Engajara-se numa facção e como dizia: —não era ativista, nem festiva. Tinha consciência da sua classe social e lutava para provar a contradição do sistema, impedindo a dominação econômica e política. Participou dos movimentos da U.N.E. (União Nacional dos Estudantes) que na época arrastavam multidões com palavras de ordem “Abaixo o Imperialismo”, “Mais Escolas para o Povo”, “Abaixo o Convenio MEC-USAID”. Como muitos, lia Brecht, Huberman, Darci Ri-beiro, J. Amado e as escondidas… Marx e Mao Tsé Tung.

Os movimentos estudantis pipocavam na Europa e nas Américas, principalmente a central e a do Sul. No seu grupo; Lurdinha tinha colegas colombianos, chilenos, peruanos, venezuelanos, porto-riquenhos, salvadorenhos e dominicanos. Retratavam países do terceiro mundo que compactuavam com a luta de classe. E foi por um, dentre esses colegas que ela se afeiçoou, não somente pela semelhança dos ideais, como também pelos propósitos de fraternidade universal.

Tudo tinha a ver. Movimento estudantil para uma reforma social, para haver melhor distribuição da renda, para uma vida mais digna ao ser humano.

E Hugo, o peruano, tornou-se seu companheiro.

Foram presos em dezembro de 1.968. Após a inquisição pelas forças armadas, os dois, como presos políticos, foram expulsos do país, pedindo asilo político para Salvador Allende, no Chile.

No inicio dos anos 70 foram para Puno, no Peru.

Pela própria circunstância, ficaram em Puno por mais de dez anos, convivendo com as supostas reformas agrárias que acometeram o país e também com as dificuldades emergentes de um pais pobre. Gradativamente foram substituindo a luta pelas reformas, pela reforma interior. Entenderam através dos revezes da vida que nada é por acaso e sim uma seqüência de coincidências, que devem ser analisadas. Também descobriram em Machu-Pichu algo de “transcendental”, lembrando Newton. Este algo estava intrinsecamente relacionado com o “ser” e não com o “ter”.

Em Puno dedicavam-se com afinco ao auxílio de parentes, situação que os levou a um crescimento espiritual, adquirindo uma tranqüilidade bem maior do que a advinda pela aquisição de bens materiais. Não foram poucas as vezes em que refletiam sobre as conseqüências do movimento e consolando-se concluíam que os “Revoltosos” não teriam a chance de levar o país para o progresso desejado.

Após a anistia, voltou ao Brasil em meados de 80, mas voltou so.

Seu retorno a Fortaleza encheu-lhe de esperanças para o seu novo mister e teve como companheira a Irma que já era olhada de outra maneira e não como uma concorrente ao afeto do pal.

Sobre seu pai pouco se soube, mas como seu coração já se enchera de compaixão pelas pessoas, sentia que não mais constituía um problema para ela,

Sua tia aposentada ficou com a casa que a mãe, antes de morrer, deixara para seu “usos e frutos”.

Terminou seu curso no exterior aos trancos e barrancos e conseguiu junto ao Ministério de Educação e Cultura sua titulação como equivalência de estudos.

Ha mais de 15 anos encontra-se em Fortaleza ministrando aulas na Universidade e mantêm uma equipe de voluntaries que se dedicam ao acompanhamento das suas “crianças”, como ela os chama, ou seja, um asilo de velhinhos que geralmente, além de carinho constante, são tratados com ervas medicinais e outras tantas alternativas utilizadas no Peru.

Lembra com saudades do Newton, a alma gêmea, o amigo correto que muito a ajudou na cidade grande e que mudou o rumo de sua vida; do Senhor Arlindo, outra alma gêmea, que soube compreender suas necessidades e lhe dar o apoio; Hugo, a alma gêmea que lhe abriu os olhos para os valores espirituais e todos aqueles velhinhos que, alem de serem seus filhos, avós, alunos, irmãos, foram colocados em seu caminho para, mais uma vez, provar que a afinidade e o amor é que destinem o sentido da alma gêmea e que só os corações generosos é que podem encontrá-las e entendê-las.

CACILDA SALETE SILVA — 52 anos

Comentário

Célia Bergamasco Disse — Novembro 27, 2008 às 1:12 pm

Coisa linda Sissi! Estou até chorando por encontrar a Lurdinha. Além da Beth da veterinária, ela foi uma das minhas procuradas.

Abraços de sua vizinha do 610.


A HERANÇA CRUSPIANA

Carlos Eduardo Baldijão e Márcia Furquim de Almeida

 

Vivemos no CRUSP entre 1.966 e 1.968 quando este foi fechado pela ditadura militar com o uso de tropas do exército, em dezembro de 1.968.

A vida cruspiana marcou a vida de todos nós que lá moramos.

O CRUSP era um grande espaço de debate cultural e político.

Foi espaço de debate dos grandes temas políticos e culturais da época com seus principais atores.

O famoso Circo de Moscou fez uma apresentação especial para os moradores do CRUSP e estudantes da USP em geral.

A Banca de Cultura oferecia uma gama de publicações de esquerda que alimentavam nossos debates.

Plínio Marcos estava sempre por lá. Inclusive para vender seus livros, o que fazia porque ficava impedido de encenar suas peças, sempre censuradas pela ditadura.

Havia, também, muita alegria. Seja pelos famosos bailes do CRUSP que atraiam muitos jovens universitários de toda grande São Paulo, seja, também, pelos gritos de Tarzan, todas as noites, exatamente à meia noite, seguidos de uma gritaria generalizada por vários minutos, seja pela procura de espaço para namorar em baixo dos blocos, até instalarem as “lâmpadas anticoncepcionais”, seja pelos mergulhos na, então chamada, “schistossoma beach” hoje Raia Olímpica. Vale lembrar da moça misteriosa que à noite ia para a escada de incêndio do Bloco A embrulhada em um lençol, e que, a pedidos, abria o lençol mostrando seu lindo corpo com o rosto protegido pela penumbra. Era muito aplaudida.

Não podemos nos esquecer da divertida programação da rádio montada pelo Camões, estudante da Poli.

Embora a atividade política no CRUSP tenha sido sempre intensa, foi por ocasião da invasão, pela repressão da ditadura, da Faculdade de Filosofia, na rua Maria Antonia, em 1.968, que o CRUSP passou a ser o centro político do movimento estudantil.

O CRUSP já era cenário de grandes assembléias da universidade e do movimento estudantil. As grandes passeatas de setembro de 1.966, a famosa “setembrada”que reuniu milhares de estudantes no enfrentamento da repressão, foram organizadas em assembléias realizadas no CRUSP.

O movimento estudantil não se amedrontava. Foi a partir do CRUSP que se organizou o Congresso da UNE em Ibiúna. Foi a fase de massas do Congresso.

É claro que a repressão infiltrava seus espias no movimento estudantil e muitos deles foram identificados e denunciados. Com o recrudescimento da repressão e da resistência do movimento estudantil, o CRUSP tornou-se uma cidadela da resistência.

Para entrar no CRUSP era necessária identificação junto às barreiras montadas pelo movimento. Em uma ocasião, em julho de 1968, no encontro das casas de estudantes, foi detida uma viatura da repressão e foram aprisionados os policiais que nela se encontravam. A viatura foi queimada. Pode parecer algo sem nexo ou loucura do movimento estudantil. Em certo grau, até foi. Mas, a violência da repressão empurrava o movimento estudantil para a radicalização das ações. Não havia, no horizonte, a mais mínima perspectiva de abertura política. A ditadura se tornava cada vez mais violenta e era necessário resistir.

O 1º de maio oficial, de 1.968, na Praça da Sé, convocado pela ditadura, com todo o aparato militar para garantir a presença de suas autoridades, foi tomado pela organização estudantil e operária. As autoridades foram expulsas do palanque e se refugiaram na Catedral. O palanque foi queimado e a praça tomada pela multidão que protestava.

Foi organizada, então, uma grande passeata que se dirigiu até a Praça da República onde foi realizado o 1º de maio anti-ditadura.

O CRUSP foi o palco de organização de boa parte da manifestação que, em função do possível enfrentamento com as forças de repressão tinha características de ações de guerrilha. O famoso megafone vermelho utilizado no ato, foi pintado no Bloco A do CRUSP, na madrugada muito fria daquele 1º de maio.

Contados hoje, estes acontecimentos podem parecer, como frisado anteriormente, apenas uma “porra loquice” do movimento estudantil.

O intenso debate político e o engajamento crescente dos estudantes na luta contra repressão levaram a radicalização da luta e como conseqüência à expansão das organizações de esquerda que, com intensificação da repressão, foram indo para a clandestinidade. Mais uma vez o CRUSP tornou-se o local de escolha para as reuniões das diferentes organizações como a APML, ALN, POLOP, 4ª INTERNACIONAL, PC do B e outras que tinham influência no movimento estudantil. E também do enfrentamento político das diversas correntes. O movimento estudantil no enfretamento com a repressão foi tomando características de guerrilha urbana.

Diante da impossibilidade da expressão política, da censura dos meios de comunicação, da inexistência de vida partidária, da perseguição e prisão de lideranças, do cerceamento das atividades associativas, enfim, do estabelecimento no País de uma ditadura escancarada, essas reações do movimento estudantil eram esperadas. Lembremos que as diferentes organizações políticas já estavam decididas pela luta armada.

O CRUSP foi palco e testemunha do desapego de inúmeros jovens, carregados de grandes valores que arriscaram ou mesmo deram sua vida em defesa de uma sociedade mais justa.

Pagou-se um preço muito alto pela coragem e determinação de lutar pelo que se acreditava. A sociedade brasileira, mesmo discordando dos métodos, apoiou essa luta que se desdobrou na luta armada e no recrudescimento da repressão.

O intenso envolvimento na luta política, teve também seu lado humano trazendo uma convivência fraterna e solidária que foi despertada pelo engajamento político, ainda que muitas vezes marcada por intensa disputa. A construção da noção do coletivo, a importância da luta por idéias e a necessidade da construção coletiva de propostas, foram o germe do processo posterior de democratização e certamente faz parte da “herança” de todos os cruspianos.

Os anos de chumbo que vivemos foram superados gradualmente pela continuidade da luta em termos mais silenciosos, muitas vezes clandestinos até encontrar espaços públicos de organização, que culminaram em fins dos anos setenta pelo surgimento do glorioso movimento operário no ABC paulista, liderado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema e, em torno qual organizaram-se as diferentes forças que vieram a derrubar a ditadura militar.

Muitos cruspianos participaram dessa retomada das liberdades civis e democráticas que hoje desfrutamos.

Nos orgulhamos muito de termos sido cruspianos e, temos a certeza, de que todos nós cruspianos demos nossa contribuição para a construção da sociedade que vivemos hoje, que, embora ainda injusta, há espaço e liberdade para avançar na luta.

Carlos Eduardo Baldijao é professor aposentado da USP. Foi Presidente do DCE-Livre da USP em 1967.
Márcia Furquim de Almeida é professora da USP.

Comentários

rosa maria florencio echeverria Disse — Novembro 27, 2008 às 12:50 am

Ter sido uma cruspiana sempre me foi motivo de orgulho, grandeza e saudade. A traumática retirada deste lugar (fui uma das últimas a sair) me motivou a escrever poesias que por vezes leio para relembrar momentos tão sentidos da minha juventude. Grata surpresa e grande oportunidade de resgatar vivências marcantes pela intensidade, honestidade e ânsia de romper tabus e realizar utopias. Continuamos na luta! — Rosa Maria


ATENDENDO AO PEDIDO DA SONINHA…

por Célia Bergamasco

Lembra-se que uma vez viajamos juntas (de carona, é obvio) para o Rio e acabamos no CEU? Ring a bell?

Me lembro que chegamos nos Arcos da Lapa, procurando a pousada estudantil, que já estava fechada nas alturas da madrugada. Achamos o CEU (casa do estudante universitário)e imploramos para passar a noite lá. Era uma casa só de meninos, por isso não queriam nos aceitar para dormir lá (estranho, não?). Por sorte tinha uns caras da medicina que estavam dando plantão e nos deixaram dormir no quarto deles. Lembra que coisa horrorosa eram aquelas camas? Até hoje nunca vi um Lençol tão sujo e nem tantas pulgas numa cama só. Nos comeram a noite toda (AS PULGAS).

Célia Bergamasco

2 Respostas para “ATENDENDO AO PEDIDO DA SONINHA… por Célia Bergamasco”

Malu de Alencar Disse — Novembro 25, 2008 às 7:31 pm

Celinha Bergamasco, casada com o Beto de Assis?

Se for você, que bom te reencontrar, até hoje me lembro de uma história incrível (sua) no programa do Chacrinha, lembra? Tenho absoluta certeza que comemoramos o o tri do Brasil em 70 num apto perto do Largo do Arouche, se não me engano do Flávio.

Se não me falha a memória, meu irmão R. Luiz e eu fomos padrinhos do Beto no cartório, faz tanto tempo, tantos anos….. Saudades de vocês.

Dia 29/11 vamos ter que ter cuidado com nossos corações…. haja emoção!!!

Abração

Malu de Alencar

acmolina Disse — Novembro 25, 2008 às 11:19 pm

Malu

Veja no álbum de fotos on-line http://www.fotolog.terra.com.br/crusp68 fotos suas “endossando a besteira” como diz a Celinha. Não poderá negar…

Molina


BETE DA VETERINÁRIA…

por Célia Bergamasco

Bete da veterinária…

Elizabeth Gomes de Souza… estou procurando essa louca querida desde o começo dessa empreitada cruspiana. Louca porque? Por tentar transformar uma anarquista nata em comunista. Morava (clandestina) com ela no 610 D e como pagamento pela acolhida, tinha que estudar toda noite, um jornal de um tal de Posadas (?) da Quarta Internacional. Eu lia aquilo tudo como se estivesse lendo em outra língua. Nada daquilo ficou na minha memória… O que realmente aprendi com ela, foi dividir minhas coisas burguesas, como sapatos, roupas e acessórios. A Beth foi uma ótima professora, me dava exemplos práticos; acabou com todos meus sapatos (pois pisava torto) e eu acabei com um “Bamba” turquesa comprado no Bazar 13.

Vinda de um Colégio Interno (14 anos), o CRUSP foi tudo que eu precisava na vida, para crescer. Já sabia o que era viver em comunidade e já sabia fazer política; mas lá aprendi que existia política estudantil e que podia ler outras coisas em vez de ler livros de etiqueta. Na verdade, a unica coisa que li na época foi “a história da riqueza do homem”. Tinha tanta coisa que eu queria fazer.

Naquele tempo, “o mundo era uma festa e eu podia tudo”.

Podia viajar de carona, dormir na hora que quisesse (desde que estudasse o Posadas), ir ou não ir às aulas, passar o dia e a “noite” na piscina, gastar todo o dinheiro no bar e ter que repartir o bandejão com alguém no fim do mês…

Podia também participar de todas as passeatas, jogar bolinhas de gude na cavalaria, estar na Maria Antonia quando um estudante foi morto, ajudar meu primo Carlos (centrinho da pedagogia) em pichações, comícios relâmpagos, panfletagem e a fazer Molotov.

Pois bem, cresci um bocado lá, saí com uma bagagem intelectual e emocional muito maior do que quando cheguei.

Saí também com um marido fantástico (quem disse que politeco é bitolado?) e que me aguenta até hoje, como uma anarquista que sou.

Quero agradecer a todos vocês CRUSPIANOS, que direta ou indiretamente, contribuíram para que eu seja o que sou.

Muita vida, muito amor e muito riso a todos vocês.

Célia Bergamasco


CAROS AMIGOS E COMPANHEIROS DE MOMENTOS INESQUECÍVEIS…

por Paulo Henrique Prandi

Caros amigos e companheiros de momentos inesquecíveis…

Quem os cumprimenta é Paulo Henrique Prandi, 402 E, que tinha colegas de apartamento: Sírio Florindo de Castro (Poli — Metalurgista) e Francisco de Assis Martins (Veterinário). Em 66 Chico terminou o curso e entrou em sua vaga o Wilson Zafalon (Poli Metalurgista), mais conhecido como “Super Boy”.

Bons tempos, entremeados de momentos tensos. Todos inolvidáveis.

Em breve revernoemos. Alguns serão reconhecidos e muitos escutarão: “Quem é você?"

Ao sair do Crusp, terminei 68 no apartamento do Chico Weiss e depois fui para o Rio de Janeiro, onde passei dois anos, trabalhando no DNPM (Depto Nacional de Produção Mineral). Depois passei quatro anos no Paraná, em minas para fabricação de cimento. Posteriormente fui para Rondonia trabalhar com minas de Estanho, depois Pará, Amazonas, Norte de Goiás (hoje Tocantins) e Rondonia novamente. Foram 28 anos de Amazonia Brasileira.

Nos últimos cinco anos foram de Amazonia Peruana/Boliviana (Ouro). Vida atribulada, mas nunca tão marcante como a do Crusp.

Dentro em breve estaremos revendo os antigos companheiros para alguns, camaradas para outros.

Gostaria de notícias de alguns que estarão ausentes: Clarice Hrisch, Cacilda Ferrante, Marlene Suano (Peninha), Nancy Mansfield, Neiva Cabral, Sonia Lêão, Deusa Silva Bueno, Silvia Maria Pita, Marcia (que casou com o Bicho Torto), Peter Brackling, Jorge Faghali Neto, Giorgio Frussatti, Francisco de Assis Martins (era diretor do CAT de Campinas), Luiz Carlos Baldicero Molion (ex diretor do INPI), José Roberto Grandis (Bicho Torto), Pilonel Feix Pereira, João Cyro André, José Gomes Rosa, Roberto de Oliveira Celeri, Pericles L. Oliveira, Paulo Paixão, Aergio W. Vasconcelos, Sergio Caporalli, Silvério Penin y Santos, Washington Franco Mathias, etc, etc, …

Alguns ausentes que conhecí e deixaram grandes contribuições para o Crusp: Rafael Kauan, Odi Abreu de Sampaio Leme, Yassuo Kawashima presto minhas homenagens. Outros que faleceram e por estar sempre ausente não tomei conhecimento.

Meus colegas preparem-se para falar, falar e falar. Botar as noticias em dia serão necessária muitas horas mais das dez programadas.

Até dia 29/11/2008, dia da ressurreição.

Saudações cruspianas.

Prandi


CRUSP 68…..

Francisco Weiss

Você pega o ônibus para Pinheiros e desce lá na Iguatemi com a Pinheiros daí você se informa pega o Viação Vani que vai para Butantã — Cidade Universitária. Desça no Conjunto Residencial procure o prédio ao lado do restaurante se quiser pode dizer que você é meu primo. Pensei, não vou falar tenho que saber abrir meu próprio caminho, sou do interior serei aceito. Você que é o primo do Paulinho muito prazer Jorge Fagalli fale ali com a “C”. Ele já sabia meu nome. A “C” era bem gostosinha mas não deu abertura preencheu a ficha e telogo. Desci a escada com a certeza de que eu poderia ficar alojado no Crusp. O Jorge Fagalli, creio, era da mesma ala política do meu primo que eu desconfio mas não garanto, era da JUC. Mais tarde aconteceu que o Jorge então presidente do DCE e o meu primo Paulinho, então presidente do Grêmio Politécnico, foram presos quando o DOPS prendeu todo mundo no encontro que houve lá em Ibiúna.

Foi simples assim que eu fui aceito no Crusp.

Creio que foi logo no primeiro ou segundo final de semana o cara chegou e foi logo falando você já foi na raia olímpica quer passear de barco? Prazer Chico Weiss, eu também sou Chico, Mallaman. Fomos os quatro. O Chico era bom de manejo foi remando e eu ali qual papagaio de pirata, olhando as duas colegas cruspianas, eu tentando me segurar botando pose, sem saber remar, me cagando para não cair do barco que era uma canoa tipo catraia que o Mallaman explicou que haviam comprado lá na represa de Guarapiranga que por sinal naquela época andava meio seca. E ele ainda cantava, as duas moças fazendo coro “mai bonei leis ovar ze oxean mai bonei leis over zé si …ôhhh bring bek mai bonei tumí.”

No final de 1964 muita coisa já havia acontecido eu caí na vadiagem aprendi a remar e fazer caça submarina na raia olímpica, fui acampar com a turma da estiva que era o Silvio Preto, o Chico Mallaman, o Alvaro e o Mineiro mas eles aceitavam penetras tipo o Bolha e eu. Só me lembro que no primeiro acampamento lá na praia do Guaiuba no Guarujá, que era deserta, ficamos uns quatro de pé dentro da barraca segurando para o vento não levar todo mundo e desistimos no mesmo dia debaixo de chuva e ainda por cima a gente viajava de ônibus carregando as tralhas.

Da política nunca fui muito, me lembro que na assembléia da Poli um cara falou que a gente ia fazer passeata e greve até a vitória final e um reaça perguntou que vitória final era aquela e num aparte bradei que a vitória final era a queda da ditadura e eu achei que deu o maior IBOPE. Nunca mais abri a boca porque eu vi uns caras que eram bons demais no gogó, daí pra frente eu preferi só escutar. No Crusp havia dois Fernando Leite, um era Ribeiro o outro não lembro mais, um da Poli e outro creio que da Filosofia, eram oradores de primeira. Eu fiquei na minha. Até tentei aprender Kung Fu para enfrentar o DOPS nas passeatas mas depois que o Bicho Elétrico me falou que foi a maior roubada porque não adiantou nada, na passeata ele viu que Kung Fu não derrubava a ditadura, apanhou e desistiu. Eu, que não tinha ido prá passeata, aproveitei e desisti do Kung Fu também.

No final de 1964 e no inicio de 1965 eu o Tovinho e o Carlos Ernesto, assumimos o Barcrusp para tirá-lo do buraco e até tivemos êxito mas acabei levando três dependências para o segundo ano e perdi a condição de escolher Naval mas isso já não importava muito a essas alturas eu já tinha arma de caça submarina e até já havia covardemente matado uns peixinhos, os pobres carás da raia olímpica e já ensaiavamos acampamentos mais distantes para Ilha Bela e Angra com uma outra turma de amigos, o Roger, a Maira que casou com o Roger, o Paladino, o Alfredão, o Superboy, o Bicho Elétrico e muitos outros.

No final do terceiro ano eu acabei carregando dependência de Mec Flu dois anos sucessivos e assim perdi o ano escolar. Foi o ano mais produtivo da minha vida porque eu resolvi construir um barco. Todo dia eu ia para a marcenaria da Cidade Universitária e lá eu ia serrando e preparando as cavernas para fazer um lancha. As caverna ficaram prontas e eu levei-as para o quarto. As vezes surgiam curiosos e pediam Chico monta o barco aí pra gente ver, eu montava mas explicava que a proa ficava pra fora da janela porque o barco não cabia no quarto. Eu morava no terceiro andar do bloco C mas já não lembro se era 305 ou 306, com o Osvaldo Marangoni e o Ronan Ayer. Eles eram muito pacientes e nunca reclamaram. Bem verdade que o Marangoni tinha mania de abater o esquadrão de pernilongos do Pinheiros, com aquelas espirais verdes com cheiro de bosta e eu nunca reclamei. O Ronan também ficava lendo de luz acesa até tarde. Era um leitor obsessivo. A gente convivia numa boa. Acho que esse foi um grande aprendizado. Convivência.

Nas noites que antecediam as provas, o estresse era grande. A turma esfriava os ânimos despejando baldes de água nos vizinhos que ousassem botar a cabeça para fora da janela. E tinha o Laizio que dava o grito de Tarzan e a Jane respondia do outro prédio assim aliviados voltávamos para nossas apostilas.

Os fusíveis, aqueles em forma de pêra, ficavam no inicio dos corredores de cada prédio. No inverno quando ao passar ao longo do corredor alguém ouvia o barulho do chuveiro, era comum o cara desligar o fusível para esfriar a água da vitima. Então a gente tinha que sair correndo para religar o chuveiro, as vezes todo ensaboado. Foi assim que uma comissão de visitantes coordenada pelo ISSU (Reitoria) me flagrou, eles descendo do elevador e eu pelado tentando ligar o fusível. Voltei correndo para o quarto mas não consegui impedir que eles tivessem uma visão paradisíaca do Crusp.

Eram tempos de guerra e terror. Algumas semanas depois divulgaram a lista dos 17 mais indesejáveis do Crusp. A maior parte era da POLOP e do PARTIDO. Eu estava na lista e fui expulso mas jamais soube se foi por causa dos esqueletos do barco ou do incidente do fusível. Também não me lembro se eram mesmo 17.

Já não consigo precisar quanto tempo se passou para que a turma do PC ateasse fogo nos arquivos do ISSU mas foi assim que os nomes se perderam e daí em diante começou a bangunça. O Tovinho meu amigão de Itapetininga morava no 506-c com o Adolfo Pimentel, casou-se e deixou a vaga. Então eu voltei a morar no Crusp até a invasão final, sob “pseudônimo”. Foi nessa época que surgiram uns tipos estranhos de outros paises latinos e foi quando saiu até briga de faca e sumiu o meu casaco de camurça meu maior patrimônio na época. Até então eu nunca me preocupara em trancar a porta. O casaco sumiu na calada da noite. Os bons tempos estavam se exaurindo mas eu custei um pouco a perceber isso.

Em 1968 eu andava tomado pela idéia de fazer a expedição Juruena –Tapajos para repetir o feito narrado por Hercules Florence em seu livro. A gente fazia pedágio para arrumar dinheiro e pedia ajuda da Michelangelo, Lemac, e outros. A expedição não saiu do papel mas o curioso é que surgiram uns caras interessados em participar da expedição, o que eu estranhei porque eram ideológicos demais. Foi somente quando surgiu a guerrilha do Araguaia que eu finalmente entendi a razão do estranho interesse deles na minha campanha fluvial. Nascia a guerrilha.

Nos estertores do Crusp a bagunça era muita. Então o Osório, o Hamilton, o Guru, o Zé Roberto, o Celentano e eu fundamos o PADUV que significava Partido Avacalha Duma Vez, mas o pessoal mais radical traduziu como Partido Antidemocrático Unidos Pela Violência. Eu, hein!

Quando o CRUSP foi finalmente invadido eu estava no final do 4º. ano fazendo levantamento topográfico das pedreiras de calcário de Piracicaba. Quando eu e Hamilton Barbosa regressamos, descendo do carro com o teodolito fomos imediatamente levados ao capitão. Que aparelho é esse, eu explico é um teodolito, etc. Eu tinha um velho radio da minha avó, pedi para retirá-lo mas ele havia sido “apreendido”. Com medo de ser preso porque além de eu ser clandestino, no meu quarto havia umas três ou quatro bombas Molotov, que a turminha brava distribuíra para o dia do “grande confronto”, recolhi minhas roupas e nunca mais voltei para pegar o rádio.

Eu ainda passei muitas vezes em frente ao Crusp levando minhas filhas para a Universidade. Elas estudaram lá e eu me orgulho disso.

Pai, foram tão bons assim os tempos do Crusp?

Filha, você não faz a menor idéia…

Com alguns contemporâneos do Crusp convivo até hoje. Muitos se foram para sempre na dura luta contra a ditadura ou ao longo do caminho. E há amigos que nunca mais vi. Agora vou vê-los. Tempo de matar a saudade.

Comentário

Sonia Castanheira Disse — Novembro 24, 2008 às 5:54 pm

Que linda descrição Chico. Quanta coisa que a gente esquece e rememora graças a essa memória coletiva.

Adorei te ler. Bem espontâneo, autêntico e refletindo os tempos vividos tais como foram.

Abraços

Soninha


CRUSP: UMA EXPERIÊNCIA QUE DEU CERTO

por Walter Silva (Teco)

CONJUNTO RESIDENCIAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO — CRUSP: UMA EXPERIÊNCIA QUE DEU CERTO — (Aptº 608 E)

Ocupamos o aptº 608 do Bloco E no ano de 1964. Lá estavam: Hermenegildo E.M. Basílio (Poli — Eletrotécnica) — Agenor Fernandes ( Poli — Naval) e Walter da Silva (História). No ano de 1967 o Hermenegildo se formou e em seu lugar entrou o João Antonio Armelin — Totó (Poli — Mecânica:Produção).

No aptº 609 estavam o Mineiro (Poli — Civil) — Parágua (Poli — Civil) — Zé da Palha (Pedagogia). No aptº 610 estavam: Marquinhos (Poli — Eletrônica: em 1968 formou-se em primeiro lugar na Faculdade) — Mário Pareja — boliviano (Medicina) — Malaman (Poli — Naval).

No aptº 610 estavam: Peter (Poli-Mecânica) — Walter Trinca (Psicologia) — Mário Santista (Poli — Mecânica).

No aptº 607 estavam: Lourival Dalio (Poli — Eletrotécnica) — Roberto Turtelli (Poli — mecânica) — José Roberto Leite (Física). Por coincidência, os três colegas já faleceram. O José Roberto Leite que foi Diretor do Instituto da Física faleceu recentemente (há dois meses).

A referência a esses apartamentos deve-se ao fato do grupo ser muito unido e a seleção de futebol de salão do Crusp estar ali: Pareja — Parágua — Marquinhos e Teco (Walter): apenas o goleiro (Alfredo — Itapetininga) era de outro Bloco.

Antes de iniciar o meu depoimento propriamente dito, gostaria de lembrar o sucesso de nossos colegas. Cheguei até a sugerir que se tivesse um cadastro com o destino de cada um, para mostrar o quanto a geração de cruspianos marcou pontos na sociedade de um modo geral. O fato da maioria ser do interior e de outros Estados e mesmo países, não significava que todos vinham de uma baixa condição social. Muitos não tinham aonde cair morto. Mas vale lembrar que lá residiu o sobrinho do senador Auro de Moura Andrade, a sobrinha dos donos da Hering (Mike), o sobrinho do dono da fábrica de fogos Caramuru (que sempre nos propiciou demonstrações de fogos de artifício), filhos de hoteleiros e outros. Evidentemente, essa condição não significava nada, pois ali todos eram iguais e tinham os mesmos direitos e deveres. Vale lembrar que um dos colegas (que sempre andava de chinelo de dedo), que tinha dificuldades financeiras, casou-se com uma colega (da minha cidade), Maria Terezinha Martins (História) e ao sair do CRUSP montou um empório com o irmão e hoje são donos da maior rede de supermercados da Zona Norte de São Paulo = Bergamini. Um outro, que também sempre andava de chinelo de dedo, o Noronha, cursava Eletrônica na Poli e era uma cabeça, casou-se com a filha de um Diretor do Banco Itaú e chegou a ser Diretor no Banco, no setor de Seguros.

Dos colegas do 6º andar E, o Lourival (falecido) foi gerente regional da CESP, o Turtelli (suicidou-se cedo: era uma cabeça), o José Roberto Leite era Professor Titular da Física e foi Diretor da Faculdade. Fazendo um parêntese, lá na Física tornaram-se professores o Molina, o Farias, o Gil (que também foi Diretor da Faculdade e Prefeito da Cidade Universitária). O Hermenegildo foi ser engenheiro na Pirelli, o Armelin (Totó) começou na IBM na área de informática e montou uma empresa para ser concorrente da IBM (tornou-se representante de uma multinacional de computadores), o Fernandes também foi para a IBM, aposentou-se e ingressou como fiscal tributário do Estado (onde encontrou o Ferez, um outro colega do 5º andar do E). Eu, Teço, concluí o curso de pós-graduação em 1969, para ser professor universitário e diretor de colégio particular — hoje na assessoria da liderança do PT na Assembléia Legislativa. O Mineiro foi trabalhar na Camargo Correia, casou-se com a Formiga (Pedagogia), também do CRUSP, foi assessora da Secretaria da Educação do Estado e abriu uma Faculdade particular em Cotia. O Parágua casou-se com a Sônia (da História mas não cruspiana), foi ser engenheiro em Itaipu e se tornou empresário em Cidade Del Leste (a última notícia era de que saiu candidato a Deputado no Paraguai e o seu irmão candidato a governador e uma província. O Marquinhos fez PHD nos Estados Unidos e virou funcionário credenciado da Themag. O Pareja especializou-se em Otorrinolaringologia e foi desempenhar a profissão em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, onde sofreu um grave acidente de moto (veio se tratar no Hospital das Clínicas, onde se recuperou e voltou a fazer cirurgias — chegou a se casar com a Carmencita, também do Crusp, especialista em anestesia, separando-se em seguida. O Peter casou-se com a Teresa (cruspiana) e abriu uma indústria de caldeira em Guarulhos. O Walter Trinca tornou-se Professor Titular na Faculdade de Psicologia. Continuando, a lembrança de outros colegas: a Sonia Penin (pedagoga) foi coordenadora da Cogsp (Secretaria da Educação), vice-presidente do Conselho Estadual da Educação e hoje é Pró-Reitora de Graduação da USP. O seu marido, cruspiano, o Espanhol — Silvério foi presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo. O Hugo Armelin, irmão do Totó, foi Pró-Reitor de Pós-Graduação da USP. O Adilson Avansi, foi Diretor do Departamento de Geografia e por duas vezes foi Pró-Reitor da Cultura na USP. A Hilda foi professora do Instituto de Oceanografia. A Creta (pedagoga) foi professora de várias faculdades particulares. Um outro colega, Flair, talvez era o único que fazia a Faculdade de São Francisco e tinha um fusquinha verde, tornou-se juiz de direito em Campinas. O Camões que foi andar de bicicleta no prédio da História, quando ainda estava em construção, com a rampa ainda por terminar, acabou caindo de uma altura considerável e se arrebentou todo. Após o fechamento do Crusp, foi ser assessor do Allende no Chile, quando teve que fugir novamente. Hoje está na fundação do Henfil, onde se encontra também o Pacote. O Martins, que se formou na Física e estava por se formar na Poli, largou tudo e foi fazer Medicina em Marília. Voltou como cardiologista no Hospital da Beneficência Portuguesa, após o que foi para Jaú, onde abriu um dos mais avançado instituto de radiologia. O Delana, formado na Física, casou-se com a Sílvia da História e foi o Coordenador de todo o sistema de informática da CESP. Lá também estava o Celeri (Monte Aprazível), formado na Poli. Um outro colega nosso, cujo nome está fugindo, trabalhava na CESP e foi trabalhar na ONU, como consultor. O Haruo estava na assessoria da Diretoria da Companhia Paulista de Força e Luz. O Hélcio da História, fez mestrado com o Frederic Mauro na França, voltou como professor do Departamento de História, largou tudo e virou empresário da VídeoNorte, a maior locadora da região Norte de São Paulo. O Fagali, da Poli — Eletrônica, que foi Diretor do DCE, chegou a ser Secretário dos Negócios Metropolitanos do Governo do Estado. A Maria Eneida Facchina, da História, trabalhou na CENP e coordenou o programa de supletivo a distância. O Clóvis Carvalho, da Poli — Civil, foi Secretário da Casa Civil do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Álvaro (geologia) e o Oswaldo (Bicho Elétrico — Poli) ficaram no IPT. O Fernando Perez tornou-se conhecido como Diretor Científico da Fapesp, que desenvolveu os programas de genoma. O Sílvio Preto, da Física, tornou-se Professor Titular da Universidade Federal de São Carlos. O Celso foi funcionário da Cetesb e depois foi ser profissional na Venezuela. O Lauriberto e o Jeová, que foram para Cuba, na troca com o embaixador americano, ao voltarem para o Brasil, foram mortos (o primeiro metralhado na zona leste e o segundo em Goiás). Outros deveriam complementar essas informações. Agora vamos iniciar a nossa história no CRUSP.

Há uns vinte anos atrás encontrei o Dr. Irineu Strenger, no Hospital do Servidor Público do Estado. Para quem não se lembra, o Dr. Irineu foi Professor Titular de Direito Internacional no Largo São Francisco e, durante muito tempo, Diretor da COSEAS (antigo ISSU), que além da assistência médica e social, administrava o CRUSP. Naquela oportunidade, o Dr. Strenger me confidenciou que o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo havia sido a melhor coisa que a Universidade criara nos últimos anos. A experiência de integração entre os alunos, a vivência universitária e o dinamismo dos alunos na Cidade Universitária, mostraram uma experiência fantástica, infelizmente, abortada pelo AI-5. Naquele momento, tive a certeza de que sua opinião não era exclusiva, mas refletia o que pensava o Conselho Universitário. Outrossim, aquela colocação lavava minha alma, pois era o reconhecimento de uma situação em que moramos, criamos, mobilizamos, construímos, convivemos e justificamos a nossa condição de cruspianos.

Pois bem, em 1964 cheguei ao Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, não como pioneiro, mas quase. Caipira do interior, como a maioria dos que lá aportava, oriundo de uma pequenina cidade — Quatá, tive o privilégio de ali encontrar um colega, o Mané — Quatá que fazia engenharia na Poli (e era pioneiro). Logo pensei, não vou estar sozinho; mal sabia que em pouco tempo estaria integrado, vivendo na condição de irmão de uma grande maioria do CRUSP.

A Cidade Universitária era a própria cidade do interior. Isolada, deserta, arborizada, com uma lagoa em frente aos alojamentos (muitas vezes confundida com o Rio Pinheiros). O Conjunto Residencial nascera da ocupação pelos estudantes dos alojamentos construídos para os atletas dos Jogos Pan-Americanos em 1963. Portanto, a minha liberdade estava assegurada sob o prisma de uma cidade do interior, bastava um período de adaptação para aprender a viver em grupo e em apartamento. Quando me refiro à liberdade ela tem conotação de espaço, pois em termos de expressão estávamos iniciando um dos piores períodos da História, com a ditadura militar.

Na minha bagagem trouxe dois componentes preciosos que fariam a minha história: uma bola de futebol de campo e uma máquina de escrever. Com a bola eu não ia ser o dono do time, como ocorre com as crianças, mas tinha o reconhecimento inicial dos colegas para os primeiros jogos, uma vez que ainda não tínhamos bolas disponíveis. O fato de jogar futebol de salão e futebol de campo, fazendo parte das duas seleções do CRUSP, foi o passaporte para uma longa lista de amizades e afinidades. Nessa seqüência de esportista, acabei sendo Diretor de Esporte da AURK (Associação Universitária Rafael Kauan). E como tal, com freqüência, recorria aos serviços do Fundo de Construção da Cidade Universitária, conseguindo ônibus para excursões para Santos, Casa Branca, Lins, Piracicaba e outros lugares. Também consegui passes de trem, levando uma seleção de colegas latino-americanos para jogar futebol de salão no interior do Estado. Conseguimos construir duas quadras de basquete, vôlei e futebol de salão e uma pista de atletismo em volta do campo de futebol. E por último, conseguimos aquela piscina redonda com vestiário e tudo, mais com aparência de tanque. Além dos campeonatos internos inter-andares e inter –prédios, tínhamos o encontro das Casas de Estudante, que envolvia cidades do interior, como Piracicaba e São Carlos. Na realidade, essa competição foi o embrião da Olimpíada da USP.

Já estava me esquecendo da máquina de escrever, que me acompanhara na chegada ao CRUSP. Pois bem, com essa máquina levei adiante a idéia de realizar a corrida pedestre ao redor da Cidade Universitária. Inicialmente demos o nome de São Silvestre Universitária, que contou com o apoio da Gazeta Esportiva. Quando nos dirigimos ao jornal, pela primeira vez, fomos recebidos pelo seu Diretor Olímpio da Silva e Sá, que mandou fazer uma reportagem, em que estudantes do CRUSP iam organizar a I São Silvestre Universitária. Naquela oportunidade, o Diretor mandou eu procurar no dia seguinte, o repórter responsável pelo esporte universitário, José Antoníade Inglez. Qual não foi a minha surpresa, que ao ter contato com o Sr. Inglez, recebi a informação de que universitário não conseguia correr 7.000 metros e a competição não poderia ser realizada sem a autorização da FUPE (Federação Universitária Paulista de Esporte). Foi um ducha de água fria. No entanto, como já havíamos conseguido patrocínio de uma papelaria para a confecção de cartazes, não desisti e, simplesmente, datilografei um ofício dirigido à FUPE, informando que iríamos realizar a corrida, coloquei num envelope, levei até o DEFE na Rua Germane Buchard, e joguei debaixo da porta da FUPE. Numa noite de outubro (não me lembro da data, uma vez que doei o meu álbum com recortes de jornal sobre a corrida, para o CEPEUSP), lá estavam onze universitários para participar da corrida, inclusive, um africano que correu descalço. Lá estava o Prof. Jarbas Gonçalves, técnico de atletismo do Clube Pinheiros e Professor da Escola de Educação Física, que passou a participar da organização de todas as corridas, inclusive, inovando o transporte da tocha olímpica do Museu do Ipiranga até a Cidade Universitária, antes de cada corrida. Lá apareceu também para fazer a reportagem, o Sr. Antoníade Inglez, que publicou uma página inteira na Gazeta Esportiva, sobre a I São Silvestre Universitária e, a partir dali, tornou-se o maior defensor da corrida. Como havia um colega no CRUSP que era sobrinho do dono da fábrica de fogos Caramuru, sempre, após a corrida, tínhamos uma demonstração de fogos de artifício (alguns rojões que sobravam e ficavam guardados no meu apartamento, ainda me criou dificuldades por ocasião da retirada de nossa mudança do apartamento, com a nossa prisão e fechamento do CRUSP. Isso porque, o oficial que nos acompanhou acabou ligando os rojões à operações militares).

Na 4ª edição da corrida, mudamos o nome de São Silvestre Universitária para “Volta da Cidade Universitária”, contando com o apoio da Secretaria de Turismo e Esporte, que propiciou os troféus e um belíssimo cartaz em que apareciam o Mário Nogueira, o Luiz Iha e o Paulo Prandi. Nessas alturas, a corrida já fazia parte do calendário esportivo da FUPE e da CBDU (Confederação Universitária de Desporto Universitário. Convém lembrar, que após cada corrida, realizávamos o Baile de Integração no centro de vivência do CRUSP. Com o fechamento do CRUSP em 1968, apesar de toda frustração e revolta, envolvido em inquérito policial-militar, ainda voltei ao alojamento, para organizar a Volta da Cidade Universitária, em 1969 e 1970, para impedir que a prova pedestre fosse interrompida. Conclusão, o CEPEUSP assumiu a sua organização e a nossa corrida, iniciada no CRUSP virou tradição na Universidade de São Paulo. Um outro detalhe que poucos sabem: eu tinha o costume de oficiar as autoridades para estarem presentes na solenidade da corrida. Como eu era atleta, sabia que a presença de público e de autoridades interferia no nosso rendimento durante as competições. Pois bem, em 1968, como de rotina, mandei um ofício convite ao Reitor da USP (datilografado na minha companheira máquina de escrever), convidando-o para estar presente no ato da corrida. Segundo comentários do Chefe de Gabinete do Reitor, ao despachar com o Magnífico, apresentou o nosso ofício e, ao mesmo tempo, puxando-o, justificando que se tratava de festa dos estudantes. Fazia um mês que o Prof. Miguel Reale assumira a Reitoria e, naquele momento, determinou ao Chefe de Gabinete que agendasse a sua presença na V Volta da Cidade Universitária. Qual não foi a nossa surpresa com a chegada do Reitor antes do início da corrida (posteriormente, ficamos sabendo que a invasão do CRUSP deveria ter ocorrido na hora da corrida, que só não aconteceu devido a presença do Reitor naquela oportunidade). O repórter da Gazeta Esportiva (Sr. Inglez) nos procurou e sugeriu para que o Magnífico Reitor desse o tiro de partida, no que foi atendido. Terminada a corrida, o Prof. Reale no palanque, pediu para fazer uso da palavra. No seu discurso, afirmou que naquele momento estava tomando conhecimento de como os estudantes não tinham as mínimas condições para praticar Esporte e, prometeu, que até término do seu mandato a Cidade Universitária teria uma praça de esporte. Conclusão, dois meses depois o Reitor emprestou 5 milhões da Prefeitura e 5 milhões do Governo do Estado e iniciou a construção do CEPEUSP, que mais cedo mais tarde iria ocorrer, mas que aconteceu naquele momento, graças aos estudantes do CRUSP. A nossa lagoa virou raia olímpica e a área entre o CRUSP e o CREPE VIROU O Centro Esportivo. Esse fato está registrado no livro que o Prof. Reale mandou editar sobre a sua administração à frente da Reitoria da USP. Antecedendo, ainda, a construção do CEPEUSP, o Prof. Eurípedes Simões de Paula me nomeou como Membro da Comissão de Lazer e Recreação da USP que analisou a situação do esporte na universidade e projetou a construção do centro esportivo. Em 1975 o Prefeito da Cidade Universitária, José Antonio Antonini me convidou para assessorar o CEPEUSP, mas o meu nome foi vetado, pois constava no Listão Negro (de subversivos) da Reitoria, onde um coronel fazia a triagem.

Uma outra colaboração da minha máquina de escrever, foi que em 1965, como Diretor do Departamento de Esporte, enviei um ofício ao Reitor solicitando a integração da Escola de Educação Física na USP, pois acreditava, que a presença dos alunos de Educação Física contribuiria para a organização e a dinamização do Esporte na Cidade Universitária. Posteriormente, ficamos sabemos que havia um pedido de intregração da Escola de Educação Física na USP (ainda era um Instituto de Ensino Superior Isolado), em 1963 através do Deputado Solon Borges e que havia sido arquivado na Assembléia Legislativa. Aquele nosso pedido em 1965, provavelmente, fez com que o Conselho Universitário movido pela intervenção do Magnífico Reitor, retomasse o processo de integração da Escola de Educação Física. Num primeiro momento, a própria Escola de Educação Física dificultou o processo, pois, a maioria dos seus professores não tinha Diploma de Pós-Graduação e temiam perder o cargo, com a incorporação da Escola na USP, onde os catedráticos eram vitalícios. A negociação continuou se desenvolvendo e pelos idos de 1969 a integração ocorrendo, com a Escola de Educação Física fazendo parte da USP, com méritos para o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo desconhecido da maioria das pessoas.

Entre as passagens que merecem ser lembradas, em 1964 assistimos sentados na grama, em círculo, entre o prédio C e o D, uma apresentação do Circo de Moscou, com os ursos polares ali presentes. Em 1967, quando ocorreu a greve (após uma diarréia geral e o aumento do preço da refeição) contra o restaurante, e refeição era feita na lanchonete, complementada pela com a comida que os estudantes de geologia mandavam da alameda Glete, o então Coordenador do ISSU, Prof. Paula Souza mandou retirar o fogão da lanchonete. O próprio Paula Souza esteve presente na retirada o fogão, que ocorreu por volta das 5:00 horas da manhã, num dia de junho, com garoa e muito frio. Todos os estudantes desceram dos apartamentos e, cantando o hino nacional, acompanharam a retirada do fogão, guardado por um contingente de policiais e um Brucutu. Estava quase tudo terminado, quando o Brucutu resolveu disparar jatos de água contra nós, entrando no jardim entre os blocos C e D, onde ficou encalhado. Passou-se a jogar pedras no Brucutu e, segundo alguns, até tiros foram dados. Após uma hora do episódio, quando todos já tinham ido dormir, chegou uma tropa de choque no CRUSP para retirar o Brucutu, mas não se contentando com esse procedimentos, os policiais entraram nos blocos C, E e D, arrombando as portas dos apartamentos e descendo o cacetete em todos os cruspianos que encontraram em suas respectivas camas.

Ainda, em 1967 (se não me engano), fomos chamados para reforçar a guerra da Maria Antonia contra o Mackenzie (CCC) e para lá se dirigiram inúmeros cruspianos. Convém lembrar, que muitas vezes, elementos do CCC paravam ao lado da marginal Pinheiros e disparavam tiros no alojamento, perfurando a bala alguns apartamentos do Bloco das mulheres (G).

Vária vezes distribuímos panfletos na vizinhança da Cidade Universitária, para que fossem passear na USP, numa tentativa de levar o progresso até lá. Quantas vezes não foi encaminhado a solicitação para que a CMTC entrasse na Cidade Universitária, já que ninguém agüentava mais a situação dos ônibus da empresa Vani. Parecia ônibus do oeste americanos e, às vezes, dava a impressão que ia se desintegrar. Após o período de esgotamento de paciência, os estudantes se programaram e tombaram um ônibus na subida da Biologia, tocando fogo. Na semana seguinte, a CMTC entrou na Cidade Universitária.

Quando da visita do Príncipe Akirito e da Princesa Mitiko no prédio da História, fui convidado para participar de um entrevista com os monarcas nipônicos, representando o Esporte, o que foi motivo de muito orgulho.

Quando divulgávamos a corrida, tínhamos espaço para a publicidade nos canais de televisão, uma vez que o esporte universitário era muito prestigiado. Numa das entrevistas no Canal 4 de Rede Tupi de Televisão, participei de um mesa redonda ao lado do Pelé e do Armando Marques (que era o árbitro do momento).

Quando trazíamos a tocha olímpica do Monumento do Ipiranga para a Cidade Universitária (transportada por cem atletas, distribuídos em dois ônibus), vínhamos soltando rojões pela Avenida Ipiranga e Rua da Consolação, atraindo a atenção do público, que em seus carros acompanhavam o espetáculo até a Cidade Universitária, avolumando a presença de torcida na Volta da Cidade Universitária.

Não podemos esquecer a presença do Tarzan, que fazia o curso de Física e de madrugada, dava o seu estridente grito da selva.

O passeio e o footing dos cruspianos se resumia nas dependências do Instituto Butantã.

O triste mesmo foi o fechamento do CRUSP e a ocupação da exército. Naquele momento eu estava terminando o 1º ano de Pós-Graduação, com orientação da Professora Emília Viotti (que também foi cassada e tive que concluir o 2º ano com o Prof. França).

Posteriormente, ao dar aulas de História em colégio estadual, acabei conhecendo um professor de Educação Moral e Cívica (um tal de Capitão Molinari, do CPOR), cujo pai foi o comandante da ocupação do CRUSP. Só que naquele momento, ainda vivíamos a força da ditadura militar.

Quando vou a Cidade Universitária, à minha cabeça saltam as lembranças de quando atravessava todo o Butantã à pé durante a noite, voltando de Osasco, onde ia dar aulas, fugindo dos cachorros, arregaçando as calças e amassando barro para chegar até o alojamento. Muitas vezes, volto ao passado, revejo os amigos, fico feliz e triste ao mesmo tempo, pois tudo pertence ao passado. Mas, o que foi incorporado à minha formação e à minha cidadania, continua firme como uma rocha, levando adiante programas e projetos de Esporte e de Meio Ambiente, continuando a cruzada de um idealismo que se iniciou no CRUSP e deve me acompanhar até os últimos dias de minha permanência na terra. Não guardo muito o nome, mas a imagem de cada cruspiano com quem convivi, permanece latente na minha memória. Pena que nem todos dão o mesmo valor e nem todos assimilaram as experiências e a vivência que o CRUSP nos proporcionou.

Às vezes tenho até receio dos encontros que ocorrem, pois bate uma alegria imensa, ao mesmo tempo que a tristeza vem com a nova separação.

É bom sonhar, mas vivemos um sonho e fizemos parte de uma realidade, que influiu na transformação da USP e na construção da Cidade Universitária. Mas com certeza, um dia fomos irmãos sob um mesmo teto e isso estará marcado na vida de cada um, queiram ou não, como um patrimônio que a CRUSP nos legou.

Que o meu carinho e a amizade que sempre nos uniu, possam servir de exemplo para as novas gerações que poderão se espelhar na nossa, como guerreiros e conquistadores da paz que sempre fomos.

Walter da Silva (Teco)…

2 Respostas para “CRUSP: UMA EXPERIÊNCIA QUE DEU CERTO — por Walter Silva (Teco)”

Sonia Castanheira Disse — Novembro 24, 2008 às 6:57 pm

Walter;

Fiquei emocionadíssima com seu depoimento. Grande Teco.

Exemplo magnífico de ser humano, com essa narrativa, tão simples e ao mesmo tempo tão completa reflete bem o que representou para todos nós o CRUSP e também afasta a idéia tão generalizada de que seus habitantes eram simples agitadores, subversivos e que a moralidade e os valores não existiam nesse lugar em que demos exemplo de convivência comunitária. Quem esteve presente na Exposição, acho que organizada pelos Diários Associados, e teve a oportunidade de escutar os comentários das pessoas presentes ante tudo o que foi apresentado, como material de indivíduos altamente perigosos, pode perceber a opinião generalizada de que tipo de indivíduos éramos.

Isso também é importante resgatar, pois podemos ver como a opinião pública é manipulada pela imprensa, pelo medo e pela tendência que os governantes impunham a todos.

Poucos eram livres de agir e pensar naquela época e essa liberdade os cruspianos tiveram.

Como ficou bem claro na maravilhosa descrição do Teco e de outros que o precederam no CRUSP morava uma juventude NORMAL, sadia, cheia de ideais e de objetivos, alguns dos quais se viram malogrados pela imensa perseguição que sofremos.

Também me sinto reconfortada depois de lê-los

Sonia Castanheira (Soninha)

Diomar Disse Novembro 25, 2008 às 7:03 pm

Oi Teco

Muito boa a sua lembrança do Crusp.

Mas como voce é historiador, a visita do circo de moscou foi em 65. Me lembro dos ursos e da dificuldade que tinham de andar de bicicleta na grama. Foi entre o bloco D e o restaurante. Me lembro do jogo de volei e de futebol com os artistas. Devo ter jogado futebol pois um russo foi tomar banho no meu apartamento. Uma jornada magnifica em um belo dia de outono!

Diomar


CRUSP/ANOS 60 FRAGMENTOS VERSÃO 1

por Mário Wajc

Alguém já disse que vemos o passado de forma distorcida e incompleta, através das lentes de nossa mente no presente e que por isso não vale a pena voltar ao mesmo.

Mas essa foi uma fase muito importante de nossa vida e creio que a persistência da Cristina em juntar essas lembranças merece uma tentativa.

Talvez se juntarmos os fragmentos de cada um, surgirá um quadro mais claro…

O PANO DE FUNDO

Dois ingredientes principais compõem o cenário dessa época e desse lugar: um contexto político e social extremamente turbulento e um grupo de jovens recém saídos da adolescência, a maioria vindos de pequenas cidades do Interior de SP, pela primeira vez saindo de suas casas, e colocados juntos em uma forma de convivência talvez pioneira.

Alguém de maior fôlego talvez possa fazer a análise sócio psicológica dessa conjunção de fatores.

Vou apenas lembrar de algumas figuras humanas e situações com as quais convivi, e na forma em que surgiram em minha mente, sem arrumação.

O CAMÕES

Era o professor Pardal do CRUSP. Capaz de montar qualquer parafernália eletrônica e consertar qualquer geringonça. Quando o conheci, estava totalmente engessado, pois tinha caído de um dos prédios da USP, ao tentar escalá-lo com uma bicicleta.

A TURMA DA ESTIVA

Composta pelo Chico Malaman, Mineiro e Alvarão. Famosos pela irreverência e por andarem o dia inteiro juntos e de tamancos. Foram talvez os ancestrais dos atuais ecologistas, pois faziam incursões e acampavam nas matas da Biologia.

O LAURI

Um dos sujeitos mais sensíveis que conheci. Politécnico, poeta, compositor e tocador de violão.

Foi posteriormente assassinado pela Ditadura.

Há uma praça em São Carlos (SP) em sua homenagem.

O DESERTINHO

Centro de reunião à noite e de madrugada. Composto por bancos em forma de troncos, ficava entre os Blocos B e D. Nesse local tocava-se modas de viola e muitos namoros começaram aí.

A VIAÇÃO VANI

Havia apenas uma linha de ônibus para a C. U.. que passava de hora em hora, na avenida da História. Um grupo ia buscar as meninas que chegavam à noite, pois o local era deserto.

Era raro os ônibus não quebrarem e normalmente entravam em um posto para abastecer durante o trajeto.

O ITSCHE BARAN

Também politécnico, foi meu amigo de infância desde Santos. Entramos juntos no Crusp.

Extremamente criativo, foi um dos autores do Show do Crusp, e compositor, em parceria com o Lauri, de canção que chegou até o Festival da TV Record.

Era capaz das sacadas mais espirituosas sem mexer um músculo da face.

Tornou-se executivo da IBM, e escritor de livros humorísticos e infantis.

RUFO E NELSON DUM-DUM

Colegas de apartamento e da Poli. Também estudamos juntos em Santos. Passamos várias noites em claro estudando para provas. Às 3 da manhã alguém entrava no quarto e perguntava “Vocês tem a apostila para a prova de amanhã?”…

O Rufo, de descendência italiana, tinha paixões de “arrastar bondes”. Tornou-se engenheiro naval.

O Nelson adquiriu o apelido de Dum-Dum por tocar bateria e contrabaixo no Show do Crusp; normalmente ensaiava próximo ao meu ouvido, quando eu queria dormir.

A vida fez com que nunca mais os encontrasse.

Saudades.

Mario Wajc 11/03/2005 — Apto 601, Bloco E, no período de 1965 a 68.


CRUSP: MUITO MAIS QUE UM ALOJAMENTO DE ESTUDANTES…

por Dulce Satiko Onaga

Nos primeiros anos da década de 60 fazia o curso científico (hoje Ensino Médio) no Instituto de Educação Canadá, em Santos. Nessa ocasião, um grupo de professores preocupados com a nossa escolha vocacional, promoveu uma excursão para conhecer a Faculdade de Medicina e a Cidade Universitária, que estava sendo construída. Fiquei encantada com a grandiosidade do campus da USP. De imediato surgiu a vontade de estudar naquele local e isso foi uma das motivações para me empenhar e conseguir ingressar no curso de Matemática.

Em 1963, por ocasião dos Jogos Panamericanos, em São Paulo foram construídos alguns prédios no Conjunto Residencial da USP (CRUSP), para alojar atletas participantes do evento. Após esses jogos um grupo de universitários invadiu e passou a residir nesses prédios. Quando entrei na faculdade soube que esses primeiros moradores, chamados “pioneiros”, tentavam junto à reitoria que esse espaço fosse aberto aos “uspianos” que vinham de outras cidades e tinham dificuldades de moradia. Graças a essa inicativa, pude ir morar no Crusp, após uma seleção.

A possibilidade de estudar na Cidade Universitária e também morar ali, parecia um sonho que havia se concretizado.

No Crusp, tive uma dimensão do que é uma universidade: universal + diversidade.

Tinha gente oriunda de diferentes regiões do Brasil. E no contato cotidiano com essas pessoas pude conhecer os hábitos, as crenças, as artes que tornam a cultura brasileira um mosaico multicolorido.

Também, me chamava atenção os sul-americanos: venezuelanos, chilenos, paraguaios, peruanos de semblantes nostágicos, espalhando o som doído das “quenas” no silêncio da noite. Através de seus relatos viajava pelos países do nosso continente. Isso contagiava tanto, que sempre havia um grupo planejando alguma aventura pela América do Sul. Participei de uma que foi fantática: viajar no “trem da morte” pela ferrovia que ligava Campo Grande a Santa Cruz de la Sierra ou Cochabamba. E daí, ir de ônibus a Cuzco e Machu Pichu e ainda passar por Arequipa e Lima. Nesta cidade tive o primeiro grande “choque” cultural ao visitar o bairro de Miraflores, tantas vezes descrito nos romances de Vargas Lhosa: um reduto europeu que nada tinha em comum com o resto da cidade.

Por influência deles, comecei a ler os autores latinos americanos: Eduardo Galeano, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marques e outros mais.

Nas conversas com colegas de outros cursos fui conhecendo os grandes autores contemporâneos. Também, havia nos murais informações sobre teatro, cinema, danças e exposíções. Ficava em dia com o que se passava nas casas de espetáculos da moda: Teatro de Arena, Cine Bijou e Belas Artes, entre outros. De vez em quando assistía no Centro de vivência do Crusp apresentações de grupos teatrais, de cantores, palestras de artistas plásticos como por exemplo, Flávio de Carvalho. Mas o que empolgava eram os festivais de música brasileira, que estavam no auge.

Acredito que este convívio tenha impulsionado o gosto pela literatura e contribuído na minha formação geral, pois no curso de Matemática estudava apenas as disciplinas específicas da área: Cálculo, Geometria, Álgebra, Física e às voltadas à Educação: Psicologia, Filosofia e Sociologia.

No Crusp, também foi onde iniciei a minha formação política: assistindo debates, palestras e assembléias; lendo os panfletos colocados por baixo das portas dos apartamentos e participando de reuniões e cursos promovidos por alguns grupos políticos. No início, quando assistia as assembléias não identificava os discursos ideológicos dos oradores. Com o tempo, isso já era possível ao ouvir o primeiro “chavão”, “as questões de ordem” para esvasiar as assembléias e os “aconchavos” para manipular as votações.

A minha participação consistia em se juntar aos grupos que eram formados para ir às passeatas contra a ditadura militar que ocorriam no centro da cidade: Praça da República, Avenida São João, Praça João Mendes, Praça da Sé e terminavam em pancadarias na Liberdade.

Um momento de confraternização era quando, após as manifestações, os residentes do Crusp, se encontravam no Anhangabaú, no ponto final da única linha de ônibus que ligava o centro à Cidade Universitária. Cada um que chegava era ovacionado: alguns machucados, outros com as vestimentas rasgadas. Numa dessas perdi um pé de sapato e para voltar consegui um outro pé que era o dobro do meu. Mas nada nos abatia, eufóricos sentíamos orgulho por conseguir manifestar a nossa indignação contra a política vigente e conclamar a população a repudiá-la.

O movimento estudantil começava a ganhar força e apoio da sociedade. Como decorrência disso, as ameaças de fechamento do Crusp passaram a ser frequentes. Na ótica do governo o alojamento havia se transformado em um reduto de subversivos.

Nos organizamos contra o fechamento do Crusp: vigílias noturnas, táticas de resistência. Até que, em um dia que não me lembro, durante a madrugada, sob uma forte neblina, canhões adentraram a Cidade Universitária para nos desalojar. O Crusp fora invadido por policiais, que com megafones ordenavam a nossa retirada. Muita tensão, medo e soliedariedade. Ficamos confinados no pátio durante o dia todo. A noite nos levaram, de ônibus, para o presídio Tiradentes.

Após esse episódio, como estava cursando o último ano, aos poucos fui me desligando do Crusp, que com certeza foi um centro de formação educacional e cultural em todas as dimensões: social, filosófica, psicolólica, ideológica e que muito contribuiu na minha atuação profissional na área da Educação, como professora e escritora de livros didáticos.

S. paulo, novembro de 2008

Dulce Satiko Onaga — Residente do Crusp de 1965 a 1968, na época frequentava o Curso de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. — Fui professora de Matemática do Ensino Fundamental e Médio e de Prática de Ensino no Ensino Superior. Atuei na rede pública e particular. — Participei na elaboração de materiais didáticos da Secretaria de Educação do Estado de S. Paulo e do Ministério da Educação. — Atualmente sou autora de livros didáticos de Matemática da Editora Saraiva e Global.


EXPERIÊNCIA DA UTOPIA

por Wolfgang Leo Maar

- “Você é de direita ou de esquerda?”

No início de 1965 eu acabara de me inscrever para uma vaga no Conjunto Residencial da USP e alguns residentes me acompanhavam numa visita para apresentar o local. Para ser bem sincero, naquela época eu mal sabia diferenciar o conteúdo da pergunta; me identifiquei como “mais de centro”, o que parecia de qualquer modo mais seguro para garantir meu objetivo de moradia…

Ao ser retirado à força do mesmo Crusp quatro anos depois, em 17 de dezembro de 1968, eu já não era o mesmo. Passara por um processo de formação de cidadania, de valorização do espaço público e dos direitos universais. Adquirira clareza vivencial, prática, acerca dos termos daquela questão inicial que teimara em não me abandonar mais: balizar-me por aqueles dois posicionamentos políticos passou a ser fundamental e se constituir em referencial permanente. Eu sabia então o que eram esquerda e direita, de modo refletido e consciente. Já meus algozes ainda apenas sabiam se posicionar em questões imediatas e diretas; todo o restante — que era justamente o que distinguira minha formação — passava ao largo. Dois exemplos explicitam o que quero dizer: apreenderam um livro de capa vermelha que acreditaram ser os “Pensamentos do Presidente Mao”, mas se tratava dos “Pensamentos” de Pascal. Na prisão proibiram a entrada de “Guerra e Paz” de Tolstoi, com um poderoso canhão napoleônico na capa… Na sutileza destas diferenças habita o cerne do processo político-formativo impulsionado pela vida no ambiente desta residência estudantil universitária. No meu caso o resultado foi a mudança do estudo de engenharia na Escola Politécnica ao curso de filosofia, ainda então na Maria Antônia. Mas poderia ter ficado na Poli, como muitos não menos cidadãos do que eu.

Os nexos com a realidade social que aquela primeira pergunta continha eram básicos na experiência que a vida no Crusp significava para cada um de seus moradores, ainda que não se dessem conta. Nem estes nexos eram totalmente, ou até mesmo razoavelmente, explícitos em todas as situações e para cada um dos que ali residiam; e nem sequer eram desejados pelos estudantes. Estes apenas queriam “viver a sua vida” de estudo e de relações humanas, como qualquer estudante em qualquer outro tempo e lugar. No entanto as conseqüências eram produzidas objetivamente; havia uma politização lenta e continuada do cotidiano.

A residência estudantil da USP era um espaço de autogestão democrática que contava com certo apoio da universidade. Reitor no período final da residência, Hélio Lourenço foi cassado pelos militares. Além da evidente presença do movimento estudantil organizado, havia uma intensa atividade de discussão sobre temas não políticos em sentido estrito. Assim se constituía uma experiência social bastante interessante, centrada majoritariamente na crítica ampla e abrangente ao modo de vida institucional, seja no âmbito dos costumes, seja nas concepções culturais, científicas etc. Convencionou-se dizer que era um modo de vida “alternativo”; e era mesmo alternativo a esta vida centrada quase estritamente nas decisões contábeis e competências mercantis iniciada então e hoje dominante.

O Crusp despertava a ira do regime militar antes de mais nada pela sua posição central na organização estudantil, exposta com clareza quando ali se realizou a grande assembléia em que se discutiram as prisões do congresso de Ibiúna e os passos seguintes. Mas também, e isto talvez seja até mais relevante, porque era um espaço público crítico em relação à manipulação ideológica moralizante promovida pelo governo à época. A despolitização da vida universitária fomentada oficialmente tinha ali um contraponto: educação, cultura e ciência eram vistas entre os residentes como sendo intrínseca e necessariamente engajadas.

A política era considerada intrínseca à vida estudantil. Assim configura-se a forma particular da socialização — atenção: nada a ver com socialismo! — ocorrida no Conjunto Residencial da Universidade. A politização era uma experiência não só cotidiana, mas vinculada estreitamente ao cotidiano.

Certamente — e esta era uma situação generalizada naquela época da ditadura militar entre os estudantes — a relação entre indivíduo e sociedade refletia-se com muita intensidade na vida imediata, resultando numa determinada formação pessoal em todos os sentidos possíveis no intervalo entre os muitos que acharam ótimo e os muitos que acharam péssimo. De outra parte — o que constitui o específico da vida na residência estudantil — havia uma grande dependência formativa das condições de vida “concretas” dos estudantes: os conteúdos da socialização precisavam se ancorar e traduzir em experiências vitais do cotidiano, no plano dos estudos, das experiências culturais, das relações pessoais ou da organização do dia a dia. Em suma: uma socialização não “abstrata” ou de imposição “exterior”, de adesão sobretudo estritamente intelectual; mas antes um “sentimento de politização” como experiência vivida e viva. As aspas são aqui utilizadas de propósito para sinalizar com clareza toda a precariedade dos termos referidos. Mesmo aqueles que tem péssimas lembranças da “devassidão” do ambiente residencial, sustentam as suas lembranças em experiências cotidianas em geral diretas e não em conseqüência de alguma ideologia ou doutrinação a que foram expostos. A politização dos estudantes, até porque a rigor eles viviam na própria universidade, e assim viviam “a” universidade, era uma experiência contínua ligada a seu cotidiano, para além do movimento estudantil organizado.

Este obviamente também era um fator muito relevante de politização, mediante as correntes da época: a “universidade popular” e a “universidade crítica” eram as versões “acadêmicas”, de um lado, da esquerda da militância católica da Ação Popular e, de outro, da chamada “dissidência” da esquerda do Partido Comunista. Mas ainda que difusa, a politização sempre existia enquanto presença nos formatos cotidianos da produção artística ou cultural: assim, por exemplo, discutia-se a presença da guitarra na música popular — seria “imperialista”? O que tornava “A Banda” do violão de Chico Buarque tão politicamente correta quanto o eram as músicas de Geraldo Vandré, embora menos diretamente “engajada”?

Os residentes viam filmes, havia coral, jogral, atividades teatrais etc. Nem tudo era política imediata; a cultura como tal fazia parte de uma politização na medida em que seu conteúdo formativo se contrapunha à edulcorada e pseudomoralista tendência da vida cultural oficial do período. Assistia-se a “Os companheiros” ou a “Os fuzis” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, bem como palestras de Paulo Duarte, Maria Alice Foracchi, Mario Schemberg, Jean Claude Bernadet e tantos outros; mas também a música de vanguarda de Tragtenberg, a pintura de Flávio de Carvalho, a critica teatral de Décio de Almeida Prado etc.. Brecht com Ionesco. Preparavam-se passeatas e assembléias, mas também havia variados grupos musicais, vocais, esportivos, de caronistas, de discussão de textos de poesia, de discussões de história da ciência etc., etc. O contato com estudantes de pós-graduação, muitos do exterior, propiciava uma ampliação ímpar do ambiente cultural, seja da Europa, da Ásia e da África. Foi no Crusp que pela primeira vez li Marx e Garcia Lorca — o que não parece novidade — mas também Kafka e Nietzsche; os existencialistas franceses, mas também os surrealistas. O engajamento direto de Joan Baez e o indireto dos Beatles. Os exemplos poderiam se multiplicar; importa apenas destacar a experiência cotidiana na formação de uma politizaçâo assentada em referenciais outros que a domesticada visão encomendada pelo regime e a alienação conseqüente. A própria auto-gestão da residência estudantil pelos moradores e a conseqüente decisão de abrir os blocos de moradia sem o que hoje se denominariam “restrições de gênero” à circulação interna são exemplos de autonomia sustentada numa politização do cotidiano para além da ideologia moralizante da maioria silenciosa em que se havia forçado a massa da população.

A experiência cruspiana, em sua peculiariedade, se confrontava asperamente com o projeto de socialização para a realidade brasileira então desenvolvido como imposição — “ame-o ou deixe-o”! — do regime ditatorial. Este logrou — agora sabemos: de modo muito mais intenso do que imaginávamos, até hoje com conseqüências desastrosas e quase irreversíveis — reconstruir a seu modo a sociedade brasileira. É o processo que com muito acerto Noam Chomski (in Profit over people. Neoliberalism and global order) denominou “norte-americanização do Brasil”. Impôs-se uma modernização mercantilizada e conservadora, que forçou um modo de vida estritamente individualista e consumista como modelo de “ética pública”, exposta em seu dia a dia nas páginas de revistas como Veja. Assim se explica o ódio gerado em muitas famílias paulistanas pela “devassidão” vivida no Crusp, uma construção ideológica para infectar a opinião sobre a residência estudantil entre a classe média comportada, moralista e ingênua.

Provavelmente em nenhum outro espaço público nacional dentro ou fora da universidade vicejaram com tal intensidade as experiências da procura da “praia por baixo do asfalto”, do “é proibido proibir” e do “seja realista: tente o impossível” características do movimento de rebelião estudantil daqueles idos.

Contudo, sabemos agora, era uma realidade social que hoje com facilidade caracterizaríamos como “virtual” para nós; era uma realidade por assim dizer “cultural” — melhor: contra-cultural — referia-se mais a idéias em certa medida “importadas”, do que a conflitos reais provenientes das contradições efetivas provocadas pela dinâmica de modernização da ditadura em curso. Na Europa e nos EUA os estudantes se rebelavam — muitas vezes em conjunto com o movimento operário (A greve de 1968 na França) e um novo sindicalismo — na ressonância de experiências práticas da barbárie — Vietnã, complexo industrial-militar, superconsumismo, limites do Welfare — barbárie que era inerente à “sua” civilização, mas saltava aos olhos enquanto apareciam contradições. Mas aqui tais contradições não eram “efetivas”. Assim como a Maria Antônia era uma “rua na contramão”, o Crusp era um “espaço público na contracorrente”. Por mais que ambos fossem sintonizados aos movimentos operários de Osasco etc., os dois foram corpos estranhos expelidos da experiência nacional em sua modernização conservadora, ainda agora hegemônica após mais de três décadas.

Os militares trouxeram mais asfalto; começaram a realizar possibilidades óbvias ainda sequer esgotadas; e, é claro, proibiram com violência. Mas esta violência não seria refletida como tal, conforme a opinião pública da imensa maioria da população de um país moldado em suas relações sociais na escravidão em convívio com idéias liberais. Foi por isto que as mortes no período de repressão — e assevere-se desde logo: por certo não é o número de vítimas que ameniza qualquer horror, numa contabilidade imaginável apenas para algum guarda de campo de concentração — foram menos numerosas no Brasil do que na Argentina e no Chile, desprovidos deste passado histórico à brasileira, de uma conciliação entre as liberdades formais e o cativeiro material. O Brasil se tornaria um país em “moderno desenvolvimento” aspirante ao primeiro mundo, cujo crescimento justificaria o formalismo de sua democracia.

Na verdade o desenvolvimento da modernidade era ideológico, aparência socialmente necessária como capa da iniqüidade crescente; só a violência era real, efetiva. A esta dupla de modernidade e violência, entretanto, o último país do mundo a abolir a escravidão já estava de há muito habituado. A sociedade de consumo que traduzia esta modernização — e que se efetivou no país apenas com a ditadura — rapidamente apresentou experiências de realização individualista que demonstraram o sentido estritamente formal da liberdade nos parâmetros da vida oficial. Desta existência meramente formal à violência foi apenas um passo.

O Ato Institucional Número 5 constituiu a reação oficial de repressão violenta aos acontecimentos de 1968. Também no Brasil coubera aos estudantes desempenhar a crítica de feitio totalizante, quase sistêmica, à sociedade capitalista, característica daquele período. Isto já sinalizara ao regime o grau de dificuldades a ser enfrentado no intento de estabelecer bases hegemônicas ao seu modelo de sociedade. A ditadura explicitada na verdade se encontrava implícita na sociedade formal construída anteriormente; e assim a repressão do AI-5 foi o instrumento àquela altura considerado mais eficaz para enfrentar as dificuldades no plano da aceitação popular de um modelo aparentemente modernizante mas pautado na prática pela supressão de direitos civis, de sindicalismo atrelado, partidos amordaçados, corte nas políticas sociais com supressão do caráter público e universal do ensino e da saúde e promoção do consumismo individualizante do “american way of life”.

A ditadura construiria bases sólidas para a sociedade nos moldes neo-liberais, estritamente assentada no mercado e com a desmontagem da máquina pública, que desde então se instalou e mesmo hoje não apresenta nenhuma inflexão significativa.

Mas no Crusp desenvolviam-se práticas coletivas de socialização crítica em relação ao modelo da subserviência aos valores mercantis que desde então só se aprofundou num cotidiano dominado hoje por bolsas de valores e índices contábeis e fiscais. As pessoas se reuniam de um modo ainda não tomado quase inteiramente — como hoje — pelos ditames da sociedade de massa e sua indústria cultural. Interesses comuns reuniam estudantes em passeatas ou em grupos de alfabetização em favelas, da mesma maneira que o faziam em shows na TV Record, em estréias de Glauber, sessões de cinemateca, palestras, peças teatrais etc. A medida das coisas parecia ser para nós a experiência comum da dignidade humana associada às mesmas, e não algum valor de mercado a nos tornar distintos em nossa individualidade competitiva.

O regime militar só podia conviver com uma liberdade formalizada. Na medida em que as liberdades foram deixando de ser descarnadas — e a experiência de socialização por que muitos passaram, tal como no Crusp, foi um dos fundamentos para esta materialização da liberdade — o regime começou a balançar, num processo que passaria pela Anistia, pelas Diretas Já, pela Constituinte. Mas com o fim do regime não se transformou o modelo de sociedade; ao contrário: hoje carecemos de espaços de formação de cidadania. As ilhas de experiência da utopia minguaram e se tornaram história. Viva?


GRANDE SONINHA…

por Roberto M. Watanabe

A vida é uma sucessão de fatos e eventos.

Milhares aconteceram. Tem até aquele da viagem de carona de avião ao Rio para ganhar uma japona da Marinha.

Mas nossas mentes já não têm a habilidade de lembrar de muitos detalhes.

Talvez a gente esteja querendo “economizar” agora para poder deseconomizar no dia 29. Haja assunto para preencher 10 horas de papos.

Mas, já que você provocou, vai aqui o relato de um episódio marcante:

Lembro-me que certa vez recebi o apelido de Watanabe: “O” Empírico e isso aconteceu por causa do Ciclo de Cinema da USP.

Foi assim:

Havia na USP, todo ano, o famigerado Ciclo de Cinema da USP que passava sempre os mesmos filmes: Os Sete Samurais, Guerra dos Botões, Morangos Silvestres e outros.

Certa noite ao descer para jantar, vimos que haveria projeção de cinema. A gente sabia disso pois alguém se dava ao trabalho de colocar os bancos na disposição de cinema com a mesa de pingue-pongue ao centro para alojar o projetor de filmes. Os cartazes afixados nunca eram lidos.

Depois da janta, sentamos para aguardar o momento do filme. Algumas poucas pessoas já estavam lá.

Passado um tempo, mais pessoas chegaram. Notei que a mesa estava lá mas a máquina de projeção não.

Fui até a Banca da Cultura saber por que o projetor não estava na mesa. Me informaram que o projetor e as latas dos filmes estavam na História e que alguém com carro deveria ir até lá para buscar.

Saí pelo CRUSP para encontrar alguém com carro (a gente sabia quem tinha carro e era sempre os mesmos que a gente procurava). Encontrei e fomos até a História para pegar. Trouxemos e colocamos o Projetor e as 3 Latas em cima da mesa e sentamos.

Passado algum tempo, o centro de vivência já estava bem cheio e nada de aparecer alguém para fazer a projeção.

Curioso que sempre fui, aproximei-me da máquina de projeção e vi que na tampa havia um desenho explicando como o filme tinha que ser colocado. Não tive dúvidas: enfiei o filme conforme desenho e liguei a máquina. Milagre! o filme começou a ser projetado e alguém apagou a luz.

Tudo corria bem, mas de repente PLACT! o filme arrebentou. Váias, assobios e luz acesa!

Subi na pesa e enfiei o filme novamente e liguei. Milagre novamente: O filme começou a ser projetado e algém apagou a luz.

Lembro que o filme voltou a rebentar outras vezes.

Depois que terminou o filme e todos foram dormir, resovi rebobinar os filmes. Nessa hora notei que os filmes estavam em latas erradas. Havia nas latas a inscrição 1, 2 e 3 indicando a sequencia em que os filmes deveriam ser passados. Eu segui esta orientação das latas mas quem passou antes tinha colocado os rolos em ordem diferente.

O filme era Os Morangos Silvestres de Ingmar Bergman. Um filme de cuca.

No dia seguinte, ouvi muitos comentários do tipo “Filme de Bergman é difícl de entender” mas eles não sabiam que os rolos tinham sido invertidos.

Por este episódio fiquei conhecido como O Empírico.

Abraços,

Roberto Massaru Watanabe


HOMENAGEM AO LAURI

por Célia Bergamasco

Eu nunca conversei com o Lauri.

Ele era muito “alto escalão” para a minha ignorância.

Mas um dia, depois de fechado o CRUSP, nos encontramos no Largo de Pinheiros e ele me convidou para tomar uma cerveja.

Tomamos a “uma” e mais todas.

Foi aí então que afirmamos nossa amizade (como todo bebum).

Andamos de lá até a Morato Coelho, acho eu, perto da Praça Benedito Calixtro;Cantando pelas ruas em altos brados e bebendo de boteco em boteco, na maior alegria. Talvez uma das ultimas alegrias dele, pois logo depois ele saiu de cena.

Fomos parar de madrugada, no apartamento da Kikuko, fazendo a maior algazarra. A coitada ficou tão apavorada… e não quis nos deixar entrar. E eu de tão “turbinada” que estava, não lembro o final da estória…

JURO! JURO MESMO.

Só tenho essa lembrança dele, boa lembrança!!!

No encontro vou beber “uma” por ele.

Por favor Kikuko, apareça prá me ajudar nessa…


LEMBRANÇAS

por Heloisa Watanabe Toledo e Antonio Correa Toledo Neto

Nós moramos em Dracena, na Nova Alta Paulista, sabe onde é? São 652 Km de SP, perto do rio Paraná, entre a noroeste e a sorocabana.

Morei inicialmente no 502 D com a Ana Maria Lelis da Silva (falecida) e Maria Antonia Pellegrini (história — como casou, não sei o sobrenome, casou-se com o Odi de Piracicaba, que fez Poli), depois mudei para o 311 D com a Cely Aparecida Barbosa (geografia, de Mogi Mirim) e Maria Lucia Vidal Pereira (geografia, de Taubaté), o Neto no 311 E morava com o Rui Taiji Mori (Poli, de Andradina) e com outro de que ele não lembra o nome, pois era de São Paulo e só ficava quando tinha prova na Poli. Eu andava com o pessoal da Geografia, além das citadas a Suria Abucarma, Márcia (não lembro o sobrenome, falecida), Massae Nakamura (falecida recentemente, minha prima), Neide Olivia Coan (não sei o sobrenome de casada, mas mora em Itu) Placido Pellegrini, Jose Martinez (Venezuela) e outras de quem não lembro mais os nomes.

O Neto andava com o pessoal da veterinária (que era na rua Pires da Mota): Francisco de Assis Martins (mora em Campinas casou com a Maria Elisa Quartin Quiçak Pereira, da Biologia e que morava com a Maria Helena), Eicke Bucholtz (mora em Campinas), Rodolfo Satrapa (morou com o Jose Maria Margarido, o Zé da Gloria), Marcio Quinteiro (foi casado com Zezé da biologia, Santos, a notícia que temos é que ele faleceu, morava em Itu — morou com o Osório — poli — Piracicaba e namorava a Neiva, e o Geraldo Galhano, também da Poli), Rosa Maria Florêncio (atualmente em Bebedouro), além de residentes de outros cursos como: Zoé, Chico (Francisco Segnine Jr da FAU) e Cid, da FAU, era de Jambeiro, Clarice, Sergio Sakurai, Adilson (vulgo preto, começou na POLI e acabou na Física, era de Santos, em 1968 demos aula junto no Andronico de Mello, na Vila Sônia, assim como o Jose Arana).

Da geografia, lembro ainda da Ana Maria Marangoni e Paulo Nakashima estavam trabalhando até a pouco tempo no instituto de geografia, Adilson Avansi de Abreu que foi diretor da geografia e da faculdade de filosofia ciências e letras, do Julio Jose Campligli, José Ribeiro.

Lembramos tb do Chico Malaman e Sonia, Creta, Sonia Draib, Bernadete tinha um Dauphine, Adilson Duran Spigolon (da veterinária e casou-se com uma moça do crusp não lembramos o nome), a Katlin acho que era isso morava no 503D e fazia medicina, nossa até que lembramos de muita gente, mas tb esquecemos de muito mais pessoas, inclusive chegadas.

Mando umas fotos que estavam a mão (l964 — quando entramos na faculdade e no Crusp — estou atualmente de cabelo curtinho e uns 30 quilos mais gorda) e as carteirinhas do Issu, você guardou a sua? Já viu que nós guardamos.

Abraços

Neto e Helô

Uma resposta para “LEMBRANÇAS por Heloisa Watanabe Toledo e Antonio Correa Toledo Neto”

Rames Disse — Novembro 26, 2008 às 10:00 pm

Helô: é o Rames, da Veterinária, E-603, o Neto sabe. Era lá que ele ficava em 1967 quando ia namorar, logo depois da formatura quando foi embora. Ele dormia no chão, num belo colchão de jornais que eu preparava para êle, nos finais de semana. Êle aínda está muito briguento?

Gostaria de vê-los. Gostei muito do “Lembranças”. No dia 29 estarei lá.

Um abração, Rames. Pereira Barreto.


O CRUSP e os “Pioneiros”

por Maria Elisa Quissak Pereira Martins

Fui “pioneira” no CRUSP. Meu marido, Francisco de Assis Martins, também foi cruspiano, mas não pioneiro.

Fiz o curso de História Natural e logo após sua conclusão, em 1964, entrei para o Departamento de Zoologia da FFCL-USP. Pedi demissão em 1968, casei-me e fomos para Santo Anastácio, na Alta Sorocabana. Fui professora do segundo grau e na FFCL de Presidente Prudente. Mudamos para Campinas em 1974. Perto de me aposentar fiz o doutorado em Genética na Unicamp. Hoje sou paisagista autônoma.

Meu marido formou-se em Veterinária em 1966 e trabalhou na Secretaria da Agricultura, tendo sido Diretor do Departamento de Defesa Agropecuária da CATI. Ao se aposentar passou a trabalhar no desenvolvimento de “softwares” voltados para a administração agropecuária.

Alguns pioneiros

Marlene Sofia Arcifa (História Natural) — professora do Departamento de Zoologia da FFCL-USP, depois professora da Ecologia de Ribeirão Preto (?).

Yatiyo Yonenaga (História Natural) — professora do Instituto de Biociências da USP. Heloísa de Abreu Alvarenga (História Natural)

Lucinda Campbell (História Natural) — professora do segundo grau.

Hilda (História Natural)

Edna (Direito?)

Ana Maria Marangoni (Geografia)

Mitika (História?)

Chico e Cid da FAU

Maria Antônia Pelegrini (Geografia?)

Maria Aparecida (Pedagogia)

Fernando (Psicologia) — dava aula de inglês para algumas pioneiras

O pessoal da Poli (a maioria):

Kahuan (Rafael ?)

Josué

Janey — namorou a Yatiyo

Lino — casou com a Yatiyo

Carlos Guasco

Odi — casou com a Maria Antônia

Sergio Caporalli

Serginho

Nelson Miashita

Roberto Ogo

Massami

Os “gringos”:

Júlio (Equador) — apaixonado pela Lucinda

Perucho

Paráguas

Os irmãos nicaraguenses que ganhavam algum dinheiro com as fotos que faziam dos cruspianos.

Os bolivianos: Luiz Suarez, Vitor, outro de quem não lembro o nome e Raul, que preferia se dizer argentino por ter morado lá.

Entre os que vieram depois, estava a turma da Veterinária: Francisco de Assis Martins, meu marido, Márcio Quinteiro, Rodolfo Satrapa, Antônio Correia de Toledo Neto e Eicke Bucholtz.

O começo

Os prédios do CRUSP tinham sido usados para os jogos Pan-Americanos e estavam fechados. Houve um movimento de estudantes pela ocupação para moradia, o que era a finalidade original. Um grupo “invadiu” a Reitoria, da maneira mais ordeira e pacífica. Lembro-me de apenas termos ficado lá, sentados nos sofás e no chão da ante-sala do reitor, até conseguir um contato com ele.

Então foi autorizada a ocupação de três andares de um dos prédios: um para meninas e dois para rapazes. Fizeram-nos ver que estávamos assumindo uma enorme responsabilidade, que do nosso comportamento dependiam as ocupações posteriores, exortaram-nos a agir com a máxima seriedade. Então fomos para lá: moças no terceiro andar, rapazes no quinto e sexto. O quarto seria a zona proibida, o que, até onde eu soube, foi respeitado. Desde o início ficamos sob a tutela do Seu Matias, o zelador.

A orientação era para que cada apartamento abrigasse pessoas de cursos diferentes, mas eu, Marlene e Yatiyo, todas da História Natural, demos um jeito de ficar no mesmo apartamento (306). Involuntariamente quebrei ainda outra regra, embora só tenha ficado sabendo disso mais tarde: os rapazes tinham se comprometido a não namorar as Pioneiras, porém o Luiz Suarez e eu namoramos até que ele interrompeu o curso e voltou para a Bolívia. Mais tarde soube que mudou de curso (de engenharia para sociologia), envolveu-se com política, foi preso, torturado e assassinado.

A convivência dos Pioneiros no CRUSP foi uma das experiências mais ricas que vivi. Apesar do pouco tempo de conhecimento mútuo, havia uma fraternidade arraigada, um espírito de colaboração intenso. Realmente assumimos a idéia de que éramos uma grande família. Todos procuravam se aproximar uns dos outros e se ajudar. Ninguém ficava isolado.

Eram feitas reuniões frequentes para discutir os problemas comuns, que não eram poucos. O CRUSP ficava perdido em um grande espaço aberto, em um tempo em que poucos prédios estavam construídos na Cidade Universitária. Não havia iluminação em volta e o circular passava raramente (se não me engano, não à noite). O pessoal que tinha aulas na cidade andava um longo trecho até os limites do Instituto Butantã para pegar o ônibus. Os meninos organizavam pequenas equipes para esperar lá as meninas que chegavam tarde.

Quando chovia ficávamos no meio de um mar de lama. Se tínhamos que ir à cidade levávamos um par de sapatos em um saquinho plástico; ao chegar ao Butantã lavávamos os pés em uma torneira de jardim e calçávamos os sapatos limpos. A lama era extensa e pegajosa, já que o terreno era liso em virtude de terraplanagem. Lembro-me de uma vez, ao voltar das aulas de Paleontologia na Alameda Glete, ter levado um tempo enorme para vencer o trecho de lama, já que o pé tinha que ser “arrancado” dela a cada passo. Em uma das vezes meu pé veio e o sapato ficou.

Todas as noites havia programações culturais, salvo às segundas-feiras. Havia a noite da música erudita, da música popular, da literatura, etc, em dias definidos, todas as semanas. Recebemos lá pessoas reconhecidas em suas áreas, músicos importantes, todos apenas pela colaboração com uma empreitada que valia a pena. Quem se apresentou para nós, nas precárias condições que tínhamos, foi Chico Buarque e sua turma (incluindo a Marieta), Geraldo Vandré e outros que estavam despontando na música popular. Havia um quarteto de cordas do Teatro Municipal, músicos já maduros, que com frequência voltavam lá. Eles pareciam curtir a nossa convivência. Quando não estava em curso nenhuma atividade específica, imperava o ping-pong.

Quando a experiência dos Pioneiros foi avaliada e aprovada, autorizaram a entrada de novos cruspianos. Para as boas vindas aos novos organizamos um baile no Centro Cultural que foi um sucesso! Todos se envolveram na organização e trabalhamos muito para isso, chefiados pelo Kahuan. Na noite do baile, Kahuan estava eufórico.

Pouco tempo depois, em uma de suas viagens para visitar a família em Rio Preto, Kahuan morreu em um acidente de ônibus. Foi a primeira grande comoção dos Pioneiros. A reitoria cedeu um ônibus e quantos puderam fomos a Rio Preto para o enterro. Hoje Kahuan é nome de rua em Rio Preto.

A invasão do CRUSP

O número de moradores já era grande, mais de um prédio estavam ocupados. Houve um aumento de preços no restaurante, que os cruspianos acharam excessivo, e resolvemos fazer um boicote para tentar reverter o aumento. Conseguimos um fogão velho e alguns panelões usados, fomos atrás de doações de alimentos e passamos nós mesmos a preparar as refeições. Havia turnos de trabalho e divisão de tarefas. Nunca lavei tanta alface na minha vida!

A essas alturas já se falava em atividade política entre os moradores, alguns apartamentos eram tidos como ponto de encontro de “subversivos”, porém nada era evidente. Mas uma noite, durante o boicote ao restaurante, alguém de “sentinela” no alto de um prédio começou a gritar: Invasão! Invasão! Ouvindo os gritos desci imediatamente para o Centro Cultural, correndo em direção à entrada, para encontrar uma baioneta voltada para a minha barriga. Em volta dos prédios, 2 ou 3 “brucutus” e soldados armados até os dentes. Impossibilitados de entrar, ficamos por ali a noite toda, até que de manhãzinha a tropa de choque se retirou por entre alas de cruspianos que aplaudiam os “vencedores” carregando os troféus da batalha: os panelões amassados e o velho fogão.

Com o aumento da população no CRUSP e a intensificação da atividade política o ambiente passou a ficar bastante pesado. O “espírito dos pioneiros” se diluiu totalmente no meio de tanta gente, nós mal nos encontrávamos, não havia mais aquela deliciosa convivência dos primeiros tempos. Os boatos sobre a repressão começaram a se intensificar. Muito mais tarde soube de Pioneiros que foram presos e torturados, alguém ficou paralítico, outros exilados.

Aquela experiência maravilhosa, que começou com amizade, alegria, companheirismo, terminou com muita tristeza.

Maria Elisa Quissak Pereira Martins


PRESS RELEASE DO ENCONTRO CRUSP68 — 40 Anos

por Luis Roberto Serrano

Moradores do CRUSP, fechado pela ditadura em 1968, se reencontram para recuperar a história do Conjunto Residencial

Mais de 500 ex-cruspianos já confirmaram presença para rememorar sua vida no espaço que inspirou o Movimento Estudantil de 1963 a 1968 e foi tomado e fechado quatro dias depois da promulgação do AI-5

Ex-alunos da USP, moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo — CRUSP — entre 1963 e 1968, promovem encontro, no próximo dia 29 de novembro, para marcar a passagem dos 40 anos da tomada e ocupação do local pelo Exército em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois da decretação do AI-5, o ato institucional do governo militar, que abriu o período mais repressivo do regime de 64. Mais de 500 ex-cruspianos já confirmaram presença no evento, cujo objetivo é promover o reencontro dos ex-moradores, possibilitar o compartilhamento de suas experiências de vida ao longo dos últimos 40 anos e dar início à recuperação e construção da história do Conjunto Residencial no período. O encontro será realizado, entre as 12 e 22 horas, no Colégio Notre Dame, — Rua Alegrete, 168, Bairro do Sumaré, em São Paulo, capital.

O CRUSP nasceu à fórceps. Projetado como conjunto residencial na Cidade Universitária para os estudantes da USP, só foi construído diante da necessidade de abrigar os atletas que participaram dos Jogos Pan-Americanos de 1963, realizados em São Paulo. Após o encerramento da competição, foi invadido pelos estudantes para que cumprisse a finalidade para a qual fora projetado: abrigar alunos de fora da capital paulista, sem condições de bancar sua moradia durante a duração de seus cursos.

Naqueles cinco anos iniciais de funcionamento, o CRUSP foi fonte inspiradora e alimentadora do movimento estudantil brasileiro e de vivências existenciais, culturais e políticas criativas, transformadoras e de contestação à repressão imposta ao país a partir de 1964 — que desaguaram nas grandes manifestações de 1968, ano síntese do engajamento da juventude do País e do Mundo em pról da liberdade e da justiça social.

Durante todo o período, passaram pelo CRUSP em torno de 2500 estudantes. No dia da ocupação pelo Exército cerca de 1400 alunos moravam oficialmente no conjunto residencial, sendo que aproximadamente 800 estavam em seus apartamentos na madrugada de 17 de dezembro, pois muitos já haviam viajado para suas cidades de origem para passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias.

O Exército mobilizou tanques e táticas de guerra, com soldados se deslocando de árvore em árvore, protegendo-se atrás de morretes e bancos de cimento, à espera de uma reação que jamais ocorreria. Todos os moradores se entregaram pacificamente e foram presos. Uns saíram rapidamente da prisão outros passaram longa temporada nela, quase sempre sem explicações. E trataram de reconstruir suas moradias pelos bairros de São Paulo, todos com grandes dificuldades, e continuar seus estudos. O tempo ajudou a maioria a superar as dificuldades, mas uns poucos sucumbiram ao brusco corte que o fechamento do CRUSP representou em suas vidas.

Ao contrário do que se propagava e passou erroneamente para a história, o CRUSP era um espaço em que os moradores viviam como os demais estudantes, apenas gozando de mais liberdade e do privilégio de terem uma moradia a que não teriam acesso com seus próprios recursos, pois eram de famílias de fora da capital, do Estado e até mesmo do exterior. Ali estudavam, namoravam, jogavam baralho, freqüentavam o restaurante, a Banca da Cultura, o Bar do Crusp, dançavam nos bailes, praticavam esportes, assistiam e faziam teatro, shows, assembléias.

Sintonizados com o espírito da época, reivindicavam — e muito. E quando às suas reivindicações eram contrapostas negativas injustificadas tomavam a iniciativa de conquistá-las. Assim se deram as invasões dos blocos F e G, para abrigar estudantes aos quais se negavam vagas, da tomada do ISSU-Instituto de Serviço Social da USP, por causa da deficiência de seus serviços, a tomada da lavanderia, a resistência à derrubada dos blocos, I, J e H, a participação intensa no movimento estudantil da época.

A vivência no CRUSP, naquela época, deixou na maioria dos seus moradores, hoje na casa dos 60 a 65 anos de idade, já avós, quase todos com carreiras profissionais bem sucedidas, a lembrança de terem vivido em um espaço privilegiado, em um momento privilegiado, que marcou, para sempre, sua existência e o modo de ver o mundo. Foram beneficiários de um projeto de residência estudantil, posto em pé graças às suas próprias iniciativas e lutas, que deveria existir em todas as universidade públicas, pelo menos. Mas que um dia foi fechado arbitrariamente por um regime politicamente conservador e retrógrado, empenhado em sufocar a liberdade e nunca mais foi reaberto nos mesmos moldes, apesar do país viver há 23 anos em um regime democrático.

O CRUSP semeou uma geração de cidadãos e cidadãs interessados em construir um mundo melhor e mais justo, atitude que norteou o resto de suas vidas. E que no próximo dia 29 de novembro vão se reencontrar para começar a resgatar a história daquele espaço mágico, onde, provavelmente, viveram um dos melhores períodos de sua existência. Não apenas com o intuito de registrá-la, mas para que ela também sirva de exemplo para que outros jovens tenham a mesma oportunidade.


RETOMAR AS LEMBRANÇAS…

por Ruth

Retomar as lembranças de nossa vida estudantil é sempre uma emoção, ainda mais na perspectiva de rever nossos amigos que por vários motivos acabaram se dispersando no mundo. Infelizmente não tenho nenhuma foto da época do CRUSP, pois fui presa e minha família com medo da repressão queimou todas. Mas tenho algumas lembranças que gostaria de deixar registradas como quando afundamos o brucutu jogando água das mangueiras do bloco D, a invasão do prédio pela tropa de choque e todas nós correndo e se escondendo aonde era possível até embaixo da cama. Este episódio poderia ficar registrado por alguém que fizesse cartuns, pois hoje é engraçado mas na época foi um grande susto.

Eu morava no bloco D 401 com a Helenice e a Nilce e diferente do que era noticiado nos meios de comunicação para desmoralizar os estudantes, nós estudávamos muito. Lembro que passávamos várias noites as colegas Dulce, Barbara e outras que já não lembro preparando os trabalhos escolares. As noites eram regadas a chá e bolachas de gergelim, pois após 23 horas o barzinho fechava e já não era possível comprar o sensacional sanduíche: misto quente.

Mais lembranças … os filmes de mocinho bandido em que todos nós torciámos para os índios; o ônibus da Empresa Vani que passava de hora em hora e o último era as onze ou meia noite se o perdíamos tínhamos que descer no Butantã e vir a pé.

São boas lembranças, as ruins são o desaparecimento de muitos amigos como do Jeová e outros.

Muita Paz e até 29

Ruth


UMA ESCOLA DE CIDADANIA

por Walter Silva, Teco

Cruspiano (a),

Acredito que os mais entendidos em filosofia (Freitas?) têm dificuldade em definir o “sentimento”. O fato é que morei em “república” antes de ir para o CRUSP (1964) e moramos em casa alugada após a expulsão. A única coisa em comum nas duas situações era o teto em comum. Agora, o CRUSP representou uma etapa em nossas vidas, uma forma de vida, um exemplo de organização, uma harmonia em convivência, uma solidariedade irrestrita, uma irmandade participativa. Algumas vezes partilhávamos a solidão, na maior parte comungávamos a integração. Como é possível imaginar a junção “nurd”/“participação”. Pois bem, o Marquinhos (Eletrotécnico) se formou em primeiro lugar na Poli (acredito que o segundo tenha sido o Herculano, também do CRUSP, que era sobrinho do Auro de Moura Andrade) e, no entanto, era o terror das defesas adversárias no futebol de salão e o 4º colocado na Volta da Cidade Universitária. Esse elo que nos uniu, representando a cultura caipira, o esporte solidário, o baile social e a política de contestação compõe o sentimento que nos acompanhou ao longo dos anos e, com certeza, será levado para outra vida.

Quando conversamos por telefone ou nos comunicamos por e-mails, estamos nos dirigindo ao amigo (a) como se fosse ontem. Ou seja, o nosso espírito permanece o mesmo (já que ele é eterno). No entanto, o corpo já sofreu o processo degenerativo nesses 40 anos que se foram. Ainda assim, teremos oportunidade de nos rejuvenescer nesse 29 de novembro. Mas sem dúvida, lá estarão os sobreviventes, com o corpo já em declínio, mas com o espírito fortalecido, próprio de um cruspiano, que enfrentou outras dificuldades ao longo desses anos, mas que completou a sua formação numa verdadeira escola de cidadania: o Conjunto Residencial da USP: 1964 a 1968. Algo me diz que viemos de uma mesma colônia astral, com uma missão em comum: crescer em harmonia, lutando por um ideal e ser exemplo para as novas gerações. O tempo passou, o sentimento permanece o mesmo. Só o cruspiano pode sentí-lo, mas também não consegue definí-lo. E quando não encontramos definições e respostas é porque fazemos parte de um universo maior, de criaturas especiais que não passaram e não passarão em vão nesta terra. É por tudo isso que precisamos escrever a nossa História. Se ela ficar restrita aos nossos sentimentos, nós continuaremos a ser contemplados, mas com os benefícios limitados, no entanto, se o exemplo for difundido, frutificará para as novas gerações. Num mundo de expiações, somos privilegiados e só temos a agradecer a oportunidade de vida que nos foi propiciada…

Teco — 608 E


VAMOS INAUGURAR O BLOG?

por Sonia Castanheira

Sou Sonia Castanheira, mais conhecida como Soninha, carinhosamente e também graças a meu tamanho. Boa aluna em Campinas, tinha feito o antigo Curso Normal e o Curso Científico ao mesmo tempo. Se previa para mim um grande futuro como estudante e profissional. Era dedicada. Queria fazer direito, mas não uma faculdade qualquer, senão a de São Francisco, considerada a melhor. Deixei Campinas e para garantir um lugar para morar em São Paulo e já garantir um meio de trabalho, ´prestei vestibular em Português e uma Lingua Oriental, chamado Estudos Orientais, na época. Comecei a trabalhar e também a fazer o Cursinho de Direito…Foi então que entrei em contacto com o CRUSP, com seus maravilhosos habitantes e todo esse entorno vibrante que nos circundava. Tudo mudou em minha vida, adolescente ainda. Comecei a assistir assembléias, passeatas, teatros, shows e conviver nesse espaço tão grandioso que foi o CRUSP. Considero que nossa juventude não foi frustrada por todas as perseguições que vivemos. Mas bem, penso que foi diferente.

Que caminho teríamos tomado sem toda essa agitação? Teríamos sido, sem dúvida, estudantes normais, ou bons estudantes da USP, que perseguem seus objetivos. Nossa vida provavelmente teria sido diferente.

Mas, esta vivência e essa oportunidade que tivemos de participar de um movimento histórico no Brasil (o da ditadura) foi uma circunstância e uma oportunidade.

Amadurecemos, sofremos, nos divertimos, amamos e tivemos uma vida diferente daquela que foi oferecida às gerações posteriores.

Éramos sem dúvida ousados, sem dúvida idealistas e sem dúvida nenhuma lutadores. Tínhamos ideais e tínhamos a força da juventude para lutar por eles.

Isso fez com que esses 1.400 moradores que foram presos no dia 17 de dezembro fossem tão unidos e tão intimamente ligados. E isso é o que nos faz vibrar com essa possibilidade de reencontro.

Tudo valeu a pena, Eu os amei e os amo, meus queridos amigos ex-cruspianos.

Mesmo depois desses 40 anos………..


OLÁ, CRUSP!

por Sonia Bissoli

Ai, Ai, Ai! Como vou começar? Não sei bem direito o que vocês querem, mas, voilá!!

Sobre o início do CRUSP, a invasão, não me é possível falar, pois não participei dela.. Quando me mudei para o CRUSP ele já estava todo organizado. A Glória, do Zé Maria e o Malaman, poderiam, entre outros contar sobre isso, pois sei que participaram da invasão. Os motivos até que sei alguns: a distância da Cidade Universitária, a grande quantidade de estudantes do interior, muitos sem condições de pagar pensões ou apartamentos. Isso tudo somado ao fato de já existirem os prédios construídos para os Jogos Pan Americanos (de 63) vazios, com toda estrutura já pronta, levou aquele grupo de pioneiros à invasão e a formação de um dos maiores conglomerados estudantis da época e um dos mais intelectualizados e politizados, talvez não só do Brasil, mas da América do Sul. Era a USP! A bomba estava armada. E em que época? 1964! Querem mais?

Para mim, existiram 2 momentos na minha vida: os fora do CRUSP e os momentos passados dentro do Crusp. Lá fora a realidade era a de sempre: casamento, descasamento, trabalho, luta para vencer ou só sustentar a família, perdas, alguns ganhos, aposentadoria, velhice e… recordações. Dentro era diferente. O CRUSP era um mundo fora dessa realidade. Para mim isso foi bem perceptível, pois eu era mais velha que a maioria dos cruspianos. Já havia passado por um casamento, já havia morado em outros Estados, já havia sentido o desprazer de morar em pensionatos. Quando cheguei no Crusp eu me deslumbrei. Voltei ao passado, aos meus sonhos de jogar pela Federação Universitária, defendendo a USP, no time de vôlei do Crusp, participar do teatro do Adalberto, cantar, excursionar de carona pelo país. Para quem tinha 18 anos na época, talvez não sentissem essas mesmas sensações, mas para quem tinha 28, isso era o máximo.

Até a comida, que muitos reclamavam, eu adorava. No entanto me vi obrigada a participar do boicote ao restaurante de CRUSP, afinal eu era uma cruspiana. Durante esse boicote as refeições eram feitas ao ar livre e ai surgiu a Estiva, um grupo formado pelo Mineiro, Malaman, Criolo, Sílvio Preto, Álvaro, etc…que tinham a função de buscarem as sacarias com os mantimentos em Pinheiros (acho que no Mercado). Lembro-me do dia em que a esposa de Reitor foi até lá, pedir “meninos parem com isso”. Logo paramos, não pelo Reitor mas, porque não era nada fácil cozinhar para tantos. Mas valeu.

Os melhores momentos no Crusp, para mim eram os horários das refeições, onde todos se encontravam, apesar das bolotas de purê de batatas que volta e meia se levava na cabeça. Numa dessas vi uma discussão homérica entre a Edna Felizardo e o Álvaro. Entre, não, porque só a Edna falou.

Outros momentos gostosos eram os que passávamos no Centro de Convivência. Uns jogavam cartas, outros ping-pong, alguém tocava piano, outros assistiam TV (quando alguém não tirava a válvula da mesma), outros conversavam. Adorava ouvir as filosofias do Salinas. Onde anda esse povo todo?. Às vezes vinha algum cantor famoso, ou palestrante idem, ou ainda algum filme cult. Lembro-me de um episódio hilariante, quando estavam passando um filme do Bergman. Numa das cenas uma mulher se masturbando. O silêncio era total e aí se ouve de alguém do fundão: Abaixo a ditadura! Foi só risada.

Ao contrário do que “lá fora” pensavam, os cruspianos eram conservadores. No momento histórico que se vivia: movimento de contracultura, hippies, liberdade sexual, etc….moças não entravam nos prédios dos rapazes e vice-versa. Havia uma preocupação com o comportamento ético. As manifestações de amor e desejo eram às escondidas. E lá havia muito lugar para se esconder. È bom lembrar que São Paulo, nessa época, também era muito provinciana. Eram difíceis prédios onde os rapazes pudessem levar alguma garota para os seus apartamentos. Hotéis, também, só casados. Mas no Crusp era para ser diferente. E não era! Mesmo assim, engravidei morando no Crusp e foi justamente por causa da gravidez que tive que me mudar de lá. O crusp não aceitava grávidas!

Algumas figuras lendárias e históricas habitaram o crusp: a Preta, Amarela e o Xerife, eram os os 3 cães cruspianos e estimados e criados coletivamente por todos nós.

Quando a Preta morreu vi muito marmanjo chorando depois de ler uma homenagem, afixada no mural do Centro. O Xerife era bravo, quanto “carreirão” levei dele. Ele era mais graduado que o soldado Roberto que ficava lá no Crusp. Isso era o que dizia a insígnia no seu ombro. (feita não sei por quem, também).

Tarzan, morador do bloco C e que toda a noite pontualmente soltava seu grito característico e todos então batiam nas venezianas de alumínio para saúda-lo. Foram incontáveis os momentos os momentos de descontração que vivemos juntos, como a formaçãos das duas torcidas da Banda e Disparada no festival de musica da Record (66 ou 67)

Haviam também os momentos tristes, quando perdíamos algum amigo, quando o exército invadiu o Crusp de madrugada, a batalha do bloco C, a prisão de companheiros. Pensávamos que isso era o fim. Mal sabíamos o quanto iria piorar. Quantos amigos mortos, torturados, presos, desaparecidos e exilados. Depois disso o Crusp já não era mais o mesmo. Havia medo e desconfiança. Lembro-me das aulas na Historia que eram contidas.

Em 67, grávida, do que alguns chamaram a primeira cruspiana….que vingou (Gente maldosa!!!!!), mudei-me para uma casinha, na Rua Camargo, no Butantã, que eu chamava de Crusp II. As histórias dessa casinha são muito ternas, pois ela meio que recebeu o pessoal que vinha fugindo da repressão, porém como éramos unidos a ponto de não nos prejudicarmos e eu tinha um bebê de meses, ninguém buscou abrigo definitivo por lá…. eles passavam, pegavam uma fruta, ou nos davam um beijo, ou comiam o resto da papinha do bebê do jantar e logo iam embora. Foi surpreendente o carinho e a emoção do Lauri (morto no Araguaia) com a minha gravidez. Ele ajudou a pintar a casa e foi um dos que mais trabalhou. E foi nessa casa que o vi pela ultima vez. Ele apareceu um dia, descalço, junto com o Mineiro e Álvaro, como se estivessem fazendo uma via sacra de despedida e, no dia seguinte fiquei sabendo do seqüestro do avião para o Chile feito por ele.

Nessa casa do Butantã, havia um pequeno porão onde sempre eram colocados as cestas e baús de companheiros engajados em alguma luta contra a ditadura. Eu me arrepiava pois a coisa estava ficando preta. Lembro-me de um deles que deixou um baú enorme, de madrugada e no dia seguinte foi preso. Na madrugada seguinte um outro foi lá buscar. Quando o Crusp foi fechado o corredor da garagem da casa, que não era coberta ficou cheio se “tralhas” dos colegas que foram pegos de surpresa e não tinham onde deixar as suas coisas que tomaram chuva e sol até conseguirem se acertar.

Ah!, em tempo, os conteúdos de muitas sacolas do porão foram enterrados no quintal, e ainda estão enterrados por lá!

Essa história nunca tem fim, pois o crusp ta dentro de cada um de nós e viveremos um novo capitulo com o encontro do dia 29 de novembro.

Espero ter colaborado por enquanto

Abraços saudosos

Sonia

Uma resposta para “OLÁ, CRUSP! por Sonia Bissoli”

Diomar Disse:

Novembro 25, 2008 às 9:05 pm

Oi Sonia, não sei se te conheci, mas tenho um comentário sobre o conservadorismo do CRUSP, e aqui conservadorismo quer dizer conservadorismos sexual. Grande parte dos moradores vieram do interior, mas principalmente de uma mentalidade anos 50. No Crusp nos atualizamos para os anos 60, mas só fomos virar cosmopolitas no final dos 60, quando já não estavamos mais no CRUSP!

Diomar

PS Você é a Sônia do Malaman?


Convocatória

Há quase 40 anos o CRUSP foi fechado e tivemos que reordenar nossas vidas.

Você que lá morou, estudou, namorou, viveu nos anos 60: venha reencontrar amigos, colegas, conhecidos. Esperamos reunir mais de 400 pessoas — a maior parte não se vê há 40 anos.

Sim. Já se passaram 40 anos desde que o CRUSP foi fechado naquela noite chuvosa de 17 de dezembro de 1968. Discreto morador ou ativo “agitador”, com pensamentos de esquerda ou de direita, radical de centro, não importa — COMPAREÇA!

Onde estão cruspianos e cruspianas? O que estão fazendo? Terminaram a faculdade? Casaram? Tiveram filhos? Descasaram? Descasaram? Têm netos? Lembro-me que éramos mais de 1.400 entre residentes e invasores.

Reservamos dez horas para colocar nosso papo em dia. Não deixe de comparecer. Venha com sua família para que todos possam entender uma parte importante de sua vida, de sua juventude.

Você tem fotos, documentos e outras curiosidades? Entre em contato com a Comissão Organizadora. Queremos copiar todo esse material para montar um enorme Álbum. Com ele poderemos recordar aquele período em que namorávamos, jogávamos baralho, freqüentávamos o restaurante, a Banca da Cultura e o Bar Crusp, participávamos dos bailes, dos esportes, do Teatro, do Show 5, das assembléias, da invasão do Bloco F ou do Bloco G, da tomada do ISSU, da tomada da lavanderia, da derrubada do Bloco J (lembra do Submarino Amarelo?), do movimento estudantil, e até estudávamos.

Até já ou até 29 de novembro...

A Comissão Organizadora.


Dia 29 de novembro de 2008 — sábado.
Das 12:00 até as 22:00 horas.
Colégio Notre Dame — Rua Alegrete, 168 — Bairro do Sumaré — São Paulo

CRUSP 68 — 40 ANOS
COMISSÃO ORGANIZADORA

Antonio Carlos Molina
Celso Suyama
Gonzalo Castro Barreda
Malu de Alencar
Paulo Negrão
Roberto Massaru Watanabe
Rubens Krakauer
Valter Stevanato Vuolo
Victor Henrique Foroni
Walter da Silva (Teco)

COLABORADORES
Fulvia M. L. Ribeiro Molina
Helcio Monteiro Cremonese
Hugo V. S. Marques da Rosa
João Cyro André
Margarida Cecília N. Rocha (Formiga)
Remo Alberto Fevorini
Zilda Almeida Junqueira


 

Proibido todo e qualquer uso comercial.
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VOCÊ FOI ROUBADO!

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Novembro 2008